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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>O Conservador da 3 Conservatoria do Registo Predial de Lisboa recorreu para o Tribunal Pleno do acordão de 2 de Novembro de 1966 por estar em manifesta oposição com o de<br> 11 de Janeiro anterior, ambos deste Supremo Tribunal, quanto a questão de direito de se saber se o Conservador do Registo Predial, nos termos do artigo 253, ns. 1 e 2, do Codigo do Registo Predial de 1959 podia ou não ser considerado parte nesse recurso interposto para a Relação, para o efeito de como parte poder recorrer para este Supremo Tribunal.<br> Por acordão de folhas 35 foi julgado existir a alegada oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, e mandado seguir o recurso.<br> Ha agora que decidir, depois das doutas alegações das partes, e do parecer do Ministerio Publico, que embora breve, se inclina a favor do recorrente.<br> E assim:<br> O acordão de 11 de Janeiro de 1966, expressamente decidiu que o Conservador era parte no recurso, aplicando-se cumulativamente os ns. 1 e 2 do artigo 253 do Codigo do Registo Predial, e por isso declara que não se pode duvidar que a palavra partes compreende tambem o conservador.<br> O acordão de 2 de Novembro, decidiu, porem, que as partes eram os interessados visados directamente na decisão, e nunca o Conservador, pelo que este não podia interpor recurso da decisão da Relação.<br> Como se ve as duas decisões são manifestamente antagonicas, e por isso ha motivo para apreciar o recurso e fixar jurisprudencia.<br> E continuando:<br> Cremos que so ligeiro defeito de tecnica ao elaborar o artigo 253 do Codigo do Registo Predial deu origem as divergencias anotadas.<br> Devemos tambem dizer que o Codigo do Registo Predial deu nova redacção a essas disposições. Referimo-nos e claro ao Codigo agora em vigor.<br> Mas nada permite afirmar que se trata de interpretação legal de um diploma por outro, alias, no seu relatorio, o legislador em nada se refere a questão agora em discussão.<br> Tanto se pode tratar de nova disposição legal, como de nova redacção. Mas o que se não pode afirmar de certeza e que se trate da mesma disposição legal, que a do Codigo de 1960, ou que seja interpretativa de esta.<br> Em resumo, não ha que chamar o Codigo agora vigente a questão.<br> E prosseguindo:<br> O artigo 253, n. 1, do Codigo do Registo Predial de 1959, estabelecia que da sentença podiam recorrer o recorrente, o funcionario recorrido ou o Ministerio Publico.<br> Reconhecia assim ao funcionario recorrido interesse igual ao do recorrente para recorrer para a Relação. Tambem, reconhecia esse interesse, embora por motivos diferentes ao Ministerio Publico. Enquanto os dois primeiros recorriam por motivos proprios, o Ministerio Publico recorria no interesse da lei e da sua boa aplicação, sem querer saber de tais motivos. Por isso a acção do funcionario podia divergir da do Ministerio Publico.<br> Basta supor o caso de o funcionario recorrido ter ficado vencedor na Relação, e de o Ministerio Publico por sua vez recorrer para este Supremo, contra a decisão a favor do funcionario.<br> Não ha assim que equiparar os dois recursos: o do funcionario e o do Ministerio Publico. Por outro lado, o n. 1 do artigo 253 do Codigo do Registo Predial claramente nos dizia quem eram as partes no recurso interposto da primeira instancia para a Relação.<br> Se o funcionario recorrido, alem do recorrente, podia interpor recurso para a Relação, minuta-lo e acompanha-lo, claramente era parte nesse recurso.<br> Em recurso desta especie não ha que falar em interesses pecuniarios, dado que nestes recursos esta antes em causa interesse de ordem funcional, se assim se pode dizer, ou seja o interesse do Estado no bom funcionamento dos serviços do Registo Predial, e não um interesse material, que so pode ter importancia para a parte que recorre do acto do Conservador. Por isso mesmo, a disposição que fala nos recursos não fala em alçada, tocante ao valor da causa.<br> E ao tratar-se de interesses de tal ordem, tambem e ao Estado que compete dizer quais as pessoas que devem intervir.<br> A capacidade de ser parte pode derivar da lei, e assim sucede geralmente, quer a lei declare as situações juridicas necessarias para se poder ser parte, isto e intervir no processo directamente, nos termos nele estipulados e por estar interessado na respectiva relação ou situação juridica que no processo se debate, ou então a lei expressamente declara quem pode ser parte.<br> Tratando-se de recurso, a capacidade de ser parte significa a capacidade de intervir nesse recurso, directamente, ou como recorrente ou como recorrido.<br> Ora, o artigo 253, n. 1, do Codigo do Registo Predial de 1959 declara expressamente que o funcionario do Registo Predial pode ser parte no recurso interposto para a Relação da decisão do juiz de primeira instancia. E um caso de capacidade de ser parte expressamente declarado.<br> Tem assim de se admitir que o funcionario do Registo Predial, seja ele o Conservador seja quem o estiver a substituir, e parte no recurso interposto para a Relação.<br> Por isso o n. 2 do referido artigo 253, ao estabelecer que do acordão da Relação podem recorrer as partes, se refere claramente as pessoas ou entidades referidas no n. 1, que vinha dizer-nos quem podia ser parte nesse recurso.<br> Assim ha que concluir que as partes referidas no n. 2 são as expressamente indicadas no n. 1 ambos do artigo 253 do Codigo do Registo Predial.<br> Nestes termos, revogam o acordão em recurso e estabelecem o seguinte:<br> ASSENTO<br> No codigo do Registo Predial de 1959, as partes referidas no n. 2 do artigo 253 são aquelas que declara o n. 1 do mesmo artigo.<br> Custas pelo decorrido.<br> </font><br> <font>Lisboa, 26 de Janeiro de 1968</font><br> <br> <font>Joaquim de Melo (Relator) - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Oliveira Carvalho - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - Gonçalves Pereira-<br> - Albuquerque Rocha - J. S. Carvalho Junior (Vencido o confronto do artigo 253 do Codigo do Registo Predial de 1959 com o artigo 1 084 do Codigo de Processo Civil de 1939 e com o artigo 167 da Lei n. 2 049 impunha, a meu ver, a solução contraria a que foi adoptada no assento.<br> Eduardo Correia Guedes (Vencido pelos mesmos fundamentos).<br> Antonio Teixeira de Andrade (vencido pelos mesmos fundamentos).<br> Lopes Cardoso (Vencido pelas mesmas razões).<br> Torres Paulo (Vencido pelas mesmas razões).<br> Ludovico da Costa (Vencido: não so pelos fundamentos do voto do excelentissimo Colega Santos Carvalho, como ainda por outros que, tendo sido objecto da exposição do signatario no recurso referido no acordão ora recorrido, tiveram, como os deste, concordancia de uma douta revista da especialidade - a Revista do Notariado, Registo Predial e Critica Juridica, ano 1939, paginas 77 a 80).</font></font>
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2zJNvIYBgYBz1XKvBfPK
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Em Tribunal Pleno, acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> Tendo o acordão de folhas 363 e seguintes, decidido: a) Ser indispensavel, para se poder conhecer do recurso, o indicar-se nas conclusões da respectiva alegação as disposições da lei violada; b) Não se fazendo essa indicação, ha que não conhecer do recurso desde logo, sem necessidade de, previamente, se convidar o Advogado do recorrente a faze-lo, veio recorrer para Pleno o agravante A com o fundamento de que essse acordão se encontra em oposição sobre a mesma questão de direito, quanto a da alinea a), com o de este Tribunal de 12 de Dezembro de 1947, no Boletim, ano 1948, n. 4, pagina 170; e, quanto a da alinea b), com o de 23 de Maio de 1944, na Revista de Justiça, ano 29, pagina 165, ambos com transito em julgado e proferidos no dominio da mesma legislação.<br> Pelo acordão de folhas 407, a respectiva Secção entendeu que existia a alegada oposição e, por isso, foi mandado prosseguir o recurso.<br> Assim se fez, alegando as partes e tendo visto dos autos o douto Magistrado do Ministerio Publico junto deste Tribunal.<br> O que visto e ponderado:</font><br> <font><br> E indubitavel a alegada oposição.</font><br> <font><br> Mas não tem este Tribunal que se pronunciar sobre a questão da alinea a), porque ela encontra-se resolvida, no sentido dessa alinea, pelo assento de 9 de Julho de 1948, no Boletim, n. 8, Setembro de 1948, a paginas 206.<br> Fica, pois, so em causa a da alinea b) que, na verdade, esta em oposição com o citado acordão de 23 de Maio de 23 de Maio de 1944, que decidiu que, embora nas conclusões da minuta de recurso se não indicasse a lei violada, nada obstava a que - a semelhança do que sucede quando a questão do não conhecimento e suscitada pelo recorrido - se ouvisse sobre essa omissão o Advogado dos agravantes (Codigo de Processo Civil, artigo 704).<br> E, por assim o entender, mandou convidar o Advogado a indicar a disposição legal considerada violada.</font><br> <font><br> Decidindo, pois, quanto a esta questão:</font><br> <font><br> Se e condição sine qua non a indicação, nas conclusões da alegação, da lei ofendida para se poder conhecer do recurso, quando tal indicação ali se não faça, o Tribunal so uma coisa tem a fazer em obediencia ao artigo 690 do Codigo de Processo Civil: decidir não conhecer do recurso. O convite ao Advogado para indicar os fundamentos do recurso so o manda fazer esse artigo 690 quando a respectiva alegação não tiver conclusões; isto e, quando elas faltarem absolutamente.</font><br> <font><br> Consequentemente, se, como no caso vertente, as tem, mas não se indica nelas a lei ofendida, aquele convite não se pode fazer porque o citado artigo o não permite.</font><br> <font><br> Faze-lo e ir alem da propria lei, que os Tribunais, como e sua função, tem que aplicar sem sentimentalismos e sem interpretações, que, no fundo, seriam alterações da lei.</font><br> <font><br> Seria a substituição do julgador ao legislador.<br> Não pode ser.</font><br> <font><br> Ao legislador compete auscultar os fenomenos sociais e regular, por meio de lei, os seus efeitos em relação a sociedade e ao individuo; ao julgador compete aplicar essa lei sem a alterar.</font><br> <font><br> Tudo o que de isto se afasta e criar a incerteza da lei e dos respectivos direitos e obrigações que ela visa a tutelar.</font><br> <font><br> Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, com custas pelo recorrente e estabelece-se o seguinte assento:</font><br> <font><br> "O convite ao Advogado, a que se refere o artigo 690 do Codigo de Processo Civil, so pode fazer-se no caso da falta absoluta de conclusões da alegação do recurso".</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 18 de Maio de 1949</font><br> <br> <font><br> Artur A. Ribeiro (Relator) - Raul Duque - Campelo de Andrade - A. Bartolo - Roberto Martins - Rocha Ferreira -<br> - Pedro de Albuquerque - Bordalo e Sa - Jaime de Almeida Ribeiro - Alvaro Ponces (Vencido, porque, na falta de conclusões, na alegação de recurso, - bem mais grave do que a da lei nelas a incluir -, deve o Juiz ou o Relator, por imperativo legal, convidar o advogado e parece-me evidente que a simples falta de indicação da lei ofendida melhor explica o convite ao advogado.<br> So a falta de alegação deve ter como consequencia imediata o não conhecimento do recurso.</font><br> <font><br> A doutrina do assento leva a criar uma severa sanção que a lei não prescreve e antes, nos seus termos, a repele (citado artigo 690 e artigo 704 do Codigo de Processo Civil).</font><br> <font><br> Mario de Vasconcelos (Vencido pelas mesmas razões).<br> Antonio de Magalhães Barros (Vencido pelos mesmos fundamentos).<br> A. Cruz Alvura (Vencido, porque a cominação do artigo<br> 690 so se pode aplicar nas precisas condições legais; houve alegação, mas sem conclusões que satisfaçam ao preceito do assento de 9 de Julho ultimo; a aplicação da cominação - que não e devida a falta de alegação - so pode fazer-se nos termos correspondentes a falta de conclusões; o contrario e criar uma sanção nova, tornar insuprivel o defeito de um acto cuja falta total e legalmente suprivel). - Jose de Abreu Coutinho (Vencido pelas razões seguintes: o artigo 690 do Codigo de Processo Civil exige que se conclua a alegação pela indicação resumida dos fundamentos do recurso. Se assim se não conclui ha falta da conclusão que esse artigo exige, e portanto deve ser feito ao Advogado o convite a que ele se refere. Mas, ainda mesmo que a falta se considere apenas uma deficiencia na conclusão, o mesmo convite deve ser feito pois se a lei o ordena para o caso de falta total de conclusões por maioria de razão ele tem cabimento no caso de falta parcial apenas).</font></font>
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0zJNvIYBgYBz1XKvAfNN
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:</font><br> <font><br> A Companhia A, com sede nesta cidade, propos na comarca de Lisboa acção de processo ordinario contra a firma "B Limitada" que aqui tambem tem a sua sede, alegando essencialmente que, tendo dado de arrendamento a essa firma, por escritura publica de 13 de Dezembro de 1932, o terceiro andar de um predio urbano, sito em Lisboa, na Rua Nova do Almada, n. 53, a mesma firma, contrariando o estipulado naquela escritura, tem executado determinadas obras no aludido terceiro andar, sem autorização da autora.<br> E pediu em conclusão:</font><br> <font><br> 1 - Que se ordene a demolição dessas obras, repondo a re o mencionado terceiro andar no estado em que ele se encontrava a data do inicio das mesmas obras;</font><br> <font><br> 2 - Que a re seja condenada a indemnizar a autora pelos prejuizos causados, a liquidar em execução de sentença;</font><br> <font><br> 3 - Que se declare rescindido, por culpa da re, e com todas as consequencias legais, o contrato de arrendamento titulado pela referida escritura.<br> Tendo a re alegado, na contestação, alem do mais que aqui não interessa, a inviabilidade da acção, o Juiz, no despacho saneador, julgando viaveis os dois primeiros pedidos, nada obstando a que eles possam cumular-se, entendeu, porem, quanto ao pedido formulado em terceiro lugar, isto e, quanto ao pedido de rescisão do contrato de arrendamento com todas as consequencias legais, que, cabendo aos dois primeiros pedidos a forma do processo comum, e correspondendo ao terceiro o processo especial do artigo 977 do Codigo de Processo Civil, por força do disposto no paragrafo 1 desse artigo, e inadmissivel a cumulação desse terceiro pedido com os outros dois, visto o que se preceitua no paragrafo unico do artigo<br> 29 e no artigo 274, ambos daquele Codigo.</font><br> <font><br> Por isso, e tendo em conta o disposto no artigo 199 do Codigo citado, anulou o processo, incluindo a petição, na parte referente ao pedido de rescisão do contrato, e ordenou que a causa seguisse os seus termos quanto aos dois outros pedidos.</font><br> <font><br> Agravou a autora desse despacho na parte desfavoravel, isto e, na parte em que nele se decidiu que o meio competente para se pedir a rescisão do contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas e o processo especial do artigo 977 do Codigo de Processo Civil, por força do paragrafo 1 desse artigo, e não o processo comum, e naquela em que, como consequencia, se anulou o processo quanto a esse pedido.</font><br> <font><br> Mas a Relação de Lisboa negou provimento ao agravo por seu acordão de folhas 106.</font><br> <font><br> E, em agravo que desse acordão a autora interpos para este Supremo Tribunal, tambem não obteve provimento, como se ve do acordão de folhas 174.<br> Recorreu então a autora para o Tribunal Pleno do dito acordão de folhas 174, alegando haver oposição sobre a mesma questão de direito entre esse acordão e o acordão, tambem deste Supremo Tribunal, de 7 de Dezembro de 1943, publicado no Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, ano III, pagina 501.</font><br> <font><br> Admitido o recurso e observado o disposto nos artigos<br> 765 e 766 do Codigo de Processo Civil, decidiu-se no acordão de folhas 214 que o recurso seguisse os seus termos, por se ter entendido que existe a alegada oposição entre o acordão recorrido e o de 1943.</font><br> <font><br> Em seguida, alegaram as partes, sustentando a autora, recorrente, que e o processo comum e não o processo especial de despejo, o meio proprio para se pedir a rescisão de um contrato de arrendamento com base na infracção das suas clausulas, e defendendo a re, recorrida, tese oposta, isto e, a de que e o processo especial de despejo e não o processo comum o meio competente para se pedir a rescisão dum tal contrato com esse fundamento.<br> E o digno Magistrado do Ministerio Publico, no seu douto parecer de folhas 233 e seguintes, tambem entende, como a recorrida, que e o processo especial de despejo o meio a empregar quando se peça rescisão em tais condições, devendo, por isso, proferir-se assento nesse sentido.<br> Nada impedindo que do recurso se tome conhecimento, passemos a aprecia-lo.<br> O ponto de direito sujeito a apreciação deste Tribunal consiste em decidir, como se ve do precedente relatorio, qual o meio competente para se decidir a rescisão de um contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas, isto e, se esse meio e o processo comum, como entende a recorrente, ou o processo especial de despejo, como se resolveu no acordão recorrido, e conforme entende a recorrida e tambem o digno Magistrado do Ministerio Publico.</font><br> <font><br> Antes, porem, de prosseguirmos, cumpre verificar se existe ou não a oposição invocada pela recorrente entre o acordão de 1943 e o acordão recorrido, visto que, nos termos do paragrafo unico do artigo 767 do Codigo de Processo Civil, o facto do acordão de folhas 214 ter reconhecido a existencia da oposição não obsta a que em Tribunal Pleno se decida o contrario.<br> Vejamos, pois:</font><br> <font><br> Na hipotese do acordão de 7 de Dezembro de 1943, tratava-se de uma acção de processo ordinario em que a autora nessa acção, alegando que a re infringira uma clausula do contrato entre ambas celebrado por escritura publica de 14 de Janeiro de 1941 (contrato que nessa escritura era referido como de arrendamento) pediu em conclusão:</font><br> <font><br> 1 - Que se mantivessem umas providencias cautelares que haviam sido ordenadas;<br> 2 - Que se julgasse rescindido e de nenhum efeito aquele contrato, condenando-se a re a abrir mão e a entregar a autora as dependencias que estava ocupando por força de tal contrato;</font><br> <font><br> 3 - Que se condenasse a re a pagar a autora determinada indemnização.<br> E decidiu-se nesse acordão julgar valido o processo para os fins indicados na petição inicial.</font><br> <font><br> Como se ve, no citado acordão de 1943 julgou-se competente o processo comum para se pedir a rescisão de um contrato de arrendamento por infracção de uma das suas clausulas.</font><br> <font><br> Ora, no acordão recorrido versa-se hipotese identica.<br> A autora, invocando um contrato de arrendamento celebrado com a re, e alegando que esta infringiu algumas clausulas desse contrato, pede, alem do mais que não interessa, que se declare rescindindo o aludido contrato por virtude de tal infracção.</font><br> <font><br> Mas nesse acordão, em oposição ao acordão de 1943, julgou-se que o meio proprio para se pedir a rescisão de um contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas e o processo especial de despejo e não o processo comum.</font><br> <font><br> E, assim, evidente que em ambos os acordãos - o recorrido e o de 1943 - se decidiu a mesma questão de direito, mas em sentido oposto.<br> Assente, portanto, que existe entre os dois acordãos oposição sobre a mesma questão de direito, e sendo inegavel que eles foram proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação, cumpre agora apreciar e resolver o conflito, fixando em assento a melhor doutrina, aquela que melhor se ajuste a letra e ao espirito da lei.</font><br> <font><br> O Codigo de Processo Civil estabelece e regula no Capitulo II do Titulo IV do seu Livro III o processo especial de cessação do arrendamento.<br> E, ao indicar na Secção I do Capitulo II os meios de que pode servir-se o senhorio para fazer cessar o arrendamento, estabelece no artigo 977 o processo a seguir quando o senhorio queira obter o despejo imediato, preceituando-se no paragrafo 1 desse artigo que tal processo e aplicavel em todos os casos em que se pretenda fazer cessar imediatamente o arrendamento, seja qual for o motivo.</font><br> <font><br> Como se ve, a acção prevista nesse artigo 977 tem de ser proposta pelo senhorio contra o arrendatario, com base num contrato de arrendamento e tendo por fim o despejo imediato.</font><br> <font><br> Ora, a autora, recorrente, invoca um contrato de arrendamento cuja validade não e posta em duvida.</font><br> <font><br> Apresenta-se na qualidade de senhoria do andar arrendado, e dirige a acção contra a re, como arrendataria.</font><br> <font><br> Tanto basta para estarmos perante uma acção de despejo.<br> E certo que a autora não pede abertamente o despejo imediato, nem tão-pouco pede claramente que se faça cessar imediatamente o arrendamento.<br> Mas pede a rescisão do contrato de arrendamento, não porque este não seja valido, mas porque a re, segundo a autora alega, infringiu algumas clausulas desse contrato.</font><br> <font><br> Ora, pedir a rescisão de um contrato cuja validade não e posta em duvida, não e mais que pedir a cessação imediata de tal contrato.<br> E, no caso dos autos, pedir que se faça cessar imediatamente o arrendamento, o que e o mesmo que pretender o despejo imediato.<br> Em tais condições, ao pedido de rescisão do contrato de arrendamento por infracção das suas clausulas corresponde o processo especial de despejo referido no artigo 977 do Codigo de Processo Civil, por virtude do disposto no paragrafo 1 desse artigo.</font><br> <font><br> Por tudo quanto fica exposto, negam provimento ao recurso, mantem o acordão recorrido e estabelecem o seguinte Assento:</font><br> <font><br> "O processo especial de despejo e o meio proprio para se pedir a rescisão, por infracção das suas clausulas, de um contrato valido de arrendamento".</font><br> <font><br> E condenam nas custas a recorrente.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 29 de Junho de 1950</font><br> <br> <font><br> Campelo de Andrade (Relator) - Bordalo de Sa - A. Bartolo<br> - Jaime de Almeida Ribeiro - A. Cruz Alvura - Alvaro Ponces - Roberto Martins - Rocha Ferreira - Raul Duque - Artur A. Ribeiro - Antonio de Magalhães Barros - Pedro de Albuquerque - Jose de Abreu Coutinho - Lencastre da Veiga (Vencido: posta a acção na base de rescisão de contrato, entendi que o meio proprio era o do processo comum, não tendo, pois, aplicação o paragrafo 1 do artigo 977 do Codigo de Processo Civil).</font></font>
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fTJ4u4YBgYBz1XKvKA3U
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <b><font> </font></b><br> <b><font> </font></b><div><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></b><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>:</font></div><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <font> </font> <p><font> </font> </p><p><b><font>AA, SA</font></b><font>, em </font><u><font>27.07.2017</font></u><font>, instaurou contra </font><b><font>BB</font></b><font> e outros acção executiva para pagamento da quantia de € 31.077,12 e juros vincendos, alegando que a obrigação resulta da livrança dada à execução, não paga na data de vencimento (</font><u><font>04.09.2014</font></u><font>).</font> </p><p><font>A executada BB deduziu embargos, invocando a prescrição da obrigação cambiária.</font> </p><p><font>A exequente contestou, alegando, em síntese, que se deverá considerar interrompida a prescrição com a instauração da execução.</font> </p><p><font>Foi proferida sentença, julgando a oposição procedente e determinando a extinção da execução (apenas) contra a embargante.</font> </p><p><font>A exequente interpôs apelação, em cujo âmbito a Relação, por maioria, revogou a sentença e julgou improcedente a excepção peremptória de prescrição.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A executada/embargante interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font>, cujo objecto delimitou com conclusões em que suscita a questão de saber se ocorreu a invocada excepção da prescrição, tendo em conta que o retardamento na efectivação da citação foi imputável à exequente. </font></p><div><font>*</font></div><font>Importa apreciar e decidir a enunciada questão, para o que releva a seguinte matéria de facto que a Relação teve por assente:</font> <p><font>«1. Foi apresentada à execução pelo exequente AA, S.A. de que estes autos constituem um apenso, o documento junto a fls. 12 dos mesmos, denominado “livrança”, contendo, além do mais, os seguintes dizeres: Importância – 25.564,80 €; Vencimento – 2014-09-04;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;Local e Data de Emissão – Porto – 2014-08-25; Assinatura da subscritora: consta a assinatura e carimbo da sociedade CC Lda. No verso da livrança consta a Assinatura da embargante com a expressão ”Bom por aval à sociedade subscritora”.</font> </p><p><font>2. A execução de que estes autos constituem um apenso deu entrada em juízo no dia 27.07.2017.</font> </p><p><font>3. O exequente refere como causa de pedir “A obrigação resulta expressa e exclusivamente do título dado à execução, uma livrança, não paga na data de vencimento (04.09.2014), sendo executados a empresa subscritora e os avalistas da mesma”.</font> </p><p><font>4. A executada/embargante BB foi citada em 19.09.2017.»</font></p><div><font>*</font></div><br> <font>Dispõe o nº 1 do artigo 323º do CC: «</font><i><font>A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente</font></i><font>». Por sua vez, prescreve o nº 2 do mesmo artigo: «</font><i><font>Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias</font></i><font>».</font> <p><font>A questão suscitada no presente recurso é apenas a de saber se, nos termos deste nº 2, o prazo de prescrição cambiária de 3 anos (arts. 70º, 77º e 78º da LULL) que, tendo iniciado em 4.9.2014 (data do vencimento da livrança dada à execução), terminaria em 4.9.2017, foi ou não interrompido 5 dias depois de a citação ter sido requerida, em 27.7.2017, portanto, em plenas férias judiciais.</font> </p><p><font>Uma vez que a citação só ocorreu efectivamente em 19.9.2017, entendendo-se que a mesma não se fez dentro de 5 dias depois de ter sido requerida por causa imputável à exequente, não se verificou qualquer interrupção e a prescrição consumou-se em 4.9.2017.</font> </p><p><font>Na decisão recorrida, sufragada por maioria, considerou-se que, tendo sido interposta a acção executiva com antecedência superior a trinta dias em relação ao decurso do prazo de prescrição, a citação não se concretizou nos cinco dias subsequentes à data em que a acção foi instaurada devido ao decurso das férias judiciais, as quais constituiriam razões alheias à exequente e, por isso, nos termos do artigo 323º, nº 2, do CC, ocorreu a interrupção da prescrição decorridos cinco dias sobre essa data, ou seja, antes de se perfazerem três anos sobre a data de vencimento da livrança </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font> </p><p><font>A posição que prevaleceu invocou o apoio do entendimento expresso nos acórdãos proferidos por este Tribunal nos processos 329/08.0TTLRA.C1.S1, 347/10.8TTVNG.P1.S1, 448/11.5TBSSB-A.E1.S1 e 5282/07.4TTLSB.L1.S1, em 20-10-2011, 20-06-2012, 29-11-2016 e 12-09-2018, respectivamente.</font> </p><p><font>Cremos, todavia, que a mesma não deve ser mantida.</font> </p><p><font>Segundo o entendimento pacífico e constante, o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do citado artigo pressupõe que: (i) na data em que é requerida a citação, o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores; (ii) a citação não tenha sido realizada dentro desses cinco dias; (iii) o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao requerente, entendendo-se aqui que este, objectivamente, em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto [v. Acs STJ de 4-11-1992 (p. 003487 </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>), de 3-10-2007 (p. 07S359], de 14-01-2009 (p. 08S2060), de 3-02-2011 (p. 1228/07.8TBAGH.L1.S1), de 12-01-2017 (p. 14143/14.0T8LSB.L1.S1), de 3-07-2018 (p. 1965/13.8TBCLD-A.C1.S1) e de 02-04-2019 (p. 1772/06.4TVLSB.L2.S1), todos em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>]. </font> </p><p><font>Na verdade, tem-se interpretado a expressão “</font><i><font>causa não imputável</font></i><font>” em termos de causalidade objectiva, no sentido de que o retardamento só exclui a interrupção da prescrição se for objectivamente imputável à conduta do requerente e quando esta infrinja objectivamente a lei em qualquer termo processual até à efectivação da citação. </font> </p><p><font>A perspectiva enunciada não significa, porém, que a referida expressão esteja totalmente dissociada da ideia de culpa, designadamente quanto à não observância da lei adjectiva </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, alheamento que não se conciliaria com a natureza da prescrição, cuja razão de ser reside na penalização da inércia do titular do direito, a par da salvaguarda da certeza e da segurança do direito, e daí que a sua interrupção pressuponha a prática de actos, nomeadamente o da citação, que deem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão.</font> </p><p><font>Como tal, «</font><i><font>não basta ao respectivo titular fazer dar entrada em juízo da peça processual em que consubstancia a sua vontade de fazer exercer o direito: porque a lei exige a citação (ou a notificação) do acto judicial que exprime o exercício do direito pelo respectivo titular, haverá este que actuar no sentido de a parte a quem esse exercício é dirigido tenha conhecimento do mesmo antes de operar a prescrição, justamente porque essa parte, razoavelmente, contava com a prescrição, não tendo, por isso, que se sujeitar à respectiva interrupção sem o conhecimento de tal exercício</font></i><font>». Foi o que ponderou o acórdão deste Tribunal de 26-11-2008 (p. 08S2568), em cujo sumário se acrescenta:</font> </p><p><font>«</font><i><font>Por isso, deverá o titular, se não solicitar a citação prévia, actuar de molde a que, de um lado, a instauração da acção ocorra em data que permita que a citação da outra parte tenha lugar antes de decorrida a totalidade do prazo prescricional – pois é necessária a obtenção de um mandado ou ordem de citação –, e, de outro, que possibilite a efectivação, de harmonia com os comandos legais, desses mandados ou ordem dentro do decurso do indicado prazo</font></i><font>». </font> </p><p><font>Ora, no caso em apreço, tratando-se de citação dependente de despacho liminar prévio do juiz [arts. 226º, nº 4, a) e e) e 726º, nº 6 do CPC], se a exequente a tivesse requerido, mesmo sem natureza urgente, até ao último dia útil antes do período das férias de verão de 2017, embora, em termos de normalidade, não fosse provável que a mesma se efectivasse até 4/9 seguinte, ainda se poderia admitir, objectivamente, a possibilidade de tal suceder, se os autos fossem apresentados pela secretaria ao juiz e este determinasse a citação, tudo no próprio dia da apresentação do inerente requerimento, uma vez que do comando inserto no nº 1 do art. 137º do CPC – não se praticam actos processuais durante o período de férias judiciais – já estaria exceptuado o cumprimento de tal despacho (cf. nº 2 do preceito).</font> </p><p><font>&nbsp; É evidente que, não o tendo feito, antes requerendo a citação (não urgente) quando já estavam em curso as férias judiciais, a exequente não podia ignorar que a lei de processo vedava a submissão dos autos a despacho judicial – e, por consequência a subsequente efectivação da citação – enquanto decorresse o período das férias, ou seja, até ao 1º dia útil após estas (1-09-2017, </font><u><font>sexta-feira</font></u><font>), então, já sem qualquer possibilidade de a interrupção da prescrição ocorrer com a citação da embargante até ao completo decurso do respectivo prazo.</font> </p><p><font>Portanto, para permitir que citação se realizasse antes do decurso do prazo de 5 dias, em conformidade com o quadro procedimental a que estava vinculada, a exequente teria de a requerer antes de férias, caso não pretendesse optar pela faculdade de a requerer com urgência. Não o fez e assim contribuiu causalmente para que a citação só se efectivasse em 19 de Setembro: mesmo descontando o não uso pela exequente da faculdade de impulsionar a prática pelo juiz (durante as férias) do acto processual de que dependia a citação da executada, requerendo-a com urgência, não pode deixar de se concluir, em termos de causalidade objectiva, que o retardamento do acto idóneo a interromper a prescrição se deveu ao facto de aquela ter obnubilado as normas procedimentais ou adjectivas no caso aplicáveis, «</font><i><font>radicando nessa infracção objectiva – e só nela – a preclusão do benefício emergente do referido nº2 do art. 323º</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Procede, pois, o recurso.</font></p><div><font>*</font></div><font> </font> <p><u><font>Decisão</font></u><font>:</font> </p><p><br> <font>Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e, por consequência, em revogar o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença de 1ª instância.</font><br> <font> </font><br> <font>Custas pela recorrida.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <font> </font> </p><p><font>Lisboa, 19/06/2019</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alexandre Reis</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Lima Gonçalves</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>António Magalhães (voto de vencido)&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>________</font> <p><font>&nbsp;Voto de Vencido&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Como relator, teria negado a revista e confirmado o acórdão.</font> </p><p><font>Como se disse no projecto, que não obteve vencimento, por retardamento na efectivação da citação imputável ao autor (da acção) deve entender-se a conduta deste último que venha a infringir objectivamente a lei em qualquer termo processual e que conduza a que a citação se não faça dentro dos cinco dias após ter sido requerida (cfr. o Ac. STJ de 19.12.2012, Clara Sottomayor, em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>). A culpa não pode ser figurada, pois, sem uma violação objectiva da lei, sem uma infracção a regras procedimentais a que a exequente (no caso) estivesse vinculada e que tivessem sido causais da demora na consumação do acto de citação – não relevando para o efeito uma “omissão” de actos ou diligências aceleratórias, como o caso da citação urgente (Ac. STJ de 19.12.2012). </font> </p><p><font>Ora, observando o caso concreto, não se pode imputar à exequente qualquer infracção à lei. A exequente, com a sua conduta, não violou objectivamente a lei. Não o fez quando intentou a execução nas férias, na medida em que, nos termos do art. 137º, nº 1 do CPC, o podia fazer automaticamente. E também não o fez quando não requereu a citação urgente (que não estava obrigada a requerer).</font> </p><p><font>Como assim, não se pode afirmar que lhe era exigível outra conduta. Era possível mas não lhe era exigível. A exequente não necessitava de uma diligência excepcional mas apenas a necessária que a levasse a respeitar a antecedência mínima de 5 dias relativamente ao termo prescricional e a não infringir a lei em qualquer termo processual até à efectivação da citação (cfr. Ac. STJ de 20.5.1987, no BMJ nº 367, pág. 483 e o Ac. R.P. de 12.4.1999 (sumário), Azevedo Ramos, em </font><a><font>www.dgsi.pt</font></a><font>).</font> </p><p><font>Além disso, não se afigura totalmente coerente que o sistema permita, por um lado, que a exequente intente execução e requeira a citação em férias e depois, por outro, que a penalize porque, afinal, devia ter requerido a citação não em férias mas enquanto os tribunais estavam em actividade (com a antecipação necessária para poder ser efectuada dentro de cinco dias, sem contar com as férias, ou seja, em 13 de Julho de 2017) ou devia ter requerido a citação urgente em férias de modo a que a fosse possível efectuar a citação antes do termo do prazo de prescrição.</font> </p><p><font>Teria concluído, pois, que a não efectivação dentro de 5 dias da citação requerida pela exequente em férias não lhe devia ser imputada e que, consequentemente, a prescrição se tinha interrompido em 1 de Agosto de 2017 (antes, portanto, do termo do prazo em 4 de Setembro do mesmo ano).</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Lisboa, 19 de Junho de 2019</font> <p><font>--------------------</font> </p><p><br> <a><font>[1]</font></a><font> O Exmo. Conselheiro António Magalhães, a quem estes autos haviam sido distribuídos, apresentou em anterior sessão desta Secção o projecto de acórdão que elaborara e que, por maioria, não foi acolhido quanto à proposta decisória nele contida sobre a interrupção da prescrição. Por tal razão, não obstante a mudança de relator imposta pela registada incidência, no texto deste acórdão, reproduz-se, com a devida vénia, o essencial dos argumentos legais e doutrinais do primitivo projecto que não contendam com o aludido segmento decisório.</font><br> <a><font>[2]</font></a><font> O Sr. Desembargador primitivo Relator não concordou, aduzindo, no essencial, os seguintes argumentos: tratando-se de uma acção executiva que corre termos na forma ordinária, não sendo nela viável a citação sem despacho liminar prévio (art. 726º/6), a exequente não acautelou o exercício do seu direito, não requerendo a citação urgente prevista no artigo 561º do CPC, sabendo (não podendo desconhecer) que a secretaria do Tribunal, face à lei processual, nada podia fazer: não podia proceder oficiosamente à citação nem podia apresentar o processo ao juiz de turno, para prolação do despacho liminar (de citação urgente), porque nada foi requerido. Assim, concluiu que a citação não se fez por causa da inércia ou omissão imputável à titular do direito, tudo se passando como se a execução tivesse sido instaurada no 1º dia útil após férias (1.09.2017, sexta-feira), pelo que os cinco dias previstos no nº 2 do artigo 323º sempre se esgotariam em data posterior à do termo do prazo de prescrição (4.09.2017, segunda-feira).</font> </p></font><p><font><a><font>[3]</font></a><font> Com o seguinte sumário: «A prescrição deve ter-se por interrompida decorridos cinco dias após a apresentação em juízo da petição inicial quando, requerida a citação cinco dias antes do termo do prazo prescricional, esta apenas se realize posteriormente, por motivos de índole processual, de organização judiciária ou do regime tributário. Aquela consequência verifica-se no caso de o autor fazer o preparo inicial dentro do prazo legal, embora em data posterior àquela em que se completaria o prazo prescricional».</font><br> <a><font>[4]</font></a><font> «Estar-se-á perante uma causa imputável ao requerente, para efeitos do n.º 2 do art. 323, se o mesmo podia e devia ter actuado, portanto, se lhe fosse exigível (e possível) uma conduta distinta» (Ana Filipa Antunes, em “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutro Sérvulo Correia”, volume III, p. 56).</font><br> <a><font>[5]</font></a><font> Acórdão deste Tribunal de 3-02-2011, já citado.</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>I. – Relatório</font></b><font>.</font> </p><p><font>“AA, Lda.”,</font><b><font> </font></b><font>antes denominada “BB, Lda.”, com sede em ..., intentou, no dia 23 de Abril de 2012, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra o “Banco CC, S. A.”,</font><b><font> </font></b><font>com sede em Lisboa, pedindo a resolução do contrato de permuta de taxa de juro celebrado entre Autora e Ré, em 17 de Abril de 2008, </font><u><font>por virtude da alteração anormal das circunstâncias</font></u><font>.</font> </p><p><font>Para o pedido que impetra, a Autora alega:</font> </p><p><font>- No dia 17 de Abril de 2008, celebrou com a sociedade bancária demandada, um contrato de permuta de taxa de juros, pelo período de cinco (5) anos – data de início do contrato em 28/07/2008 e data de vencimento em 28/07/2013;</font> </p><p><font>- O contrato em apreço não representa qualquer possibilidade de ganho para a Autora, ao invés propina avultados e imanes ganhos para a demandada, tendo, na altura da propositura da acção gerado um prejuízo de € 218.042,02 e a manter-se o estado de coisas perdurarão, até final da execução do contrato, os prejuízos até ao montante de € 320.000,00; </font> </p><p><font>- A situação de prejuízos decorre, no entendimento da Autora, da crise económica e financeira internacionais e da descida abrupta, inesperada, anormal e imprevisível da taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre do ano de 2008; </font> </p><p><font>- As partes, no momento da celebração do contrato, não representaram a situação que veio a ser gerada pelas convulsões económico-financeiras referidas e que veio a originar “</font><i><font>um desequilíbrio brutal</font></i><font>” no contrato, o que é passível de ofender os lídimos princípios da boa-fé contratual, por virtude de “</font><i><font>uma drástica e anormal alteração das circunstâncias</font></i><font>”;</font> </p><p><font>- No contrato ajuizado, a Autora comprometeu-se a pagar, trimestralmente, uma taxa de juros sobre a quantia de € 2.000.000,00: a) a taxa fixa de 4,66% caso a Euribor a 3 meses (fixada no segundo dia útil anterior ao inicio do respectivo trimestre) fosse i) inferior a 4,15% ou ii) simultaneamente igual ou superior a 4,66% e igual ou inferior a 5,30%; b) a taxa variável de juros “</font><i><font>Euribor a 3 meses</font></i><font>” (fixada no segundo dia útil anterior ao inicio do respectivo trimestre) caso essa taxa seja i) simultaneamente ao igual ou superior a 4,15% ou ii) superior a 5,30%; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>- Por seu turno o banco obrigava-se a pagar, trimestralmente, a taxa de juro variável “</font><i><font>Euribor a 3 meses</font></i><font>” calculada sobre a importância nominal acordada fixada no segundo dia útil anterior ao início do respectivo trimestre;</font> </p><p><font>- O colapso bancário (Lehman Brothers) decorrente de empréstimos à habitação ancorados em obrigações classificadas pelas agências de rating com triplo A, a que se convencionou apodar de “</font><i><font>subprime</font></i><font>” desencadeou uma crise económico-financeira e, concomitantemente, uma descida acentuada da taxa de juro de referência para as operações bancárias, denominada “</font><i><font>Euribor</font></i><font>”;</font> </p><p><font>- Os pressupostos em que assentou o negócio sofreram, no prazo de dois anos (2008-2009), uma variação nominal de 4,85% para 0,07%, o que induz uma alteração da base do negócio e um ratio negativo entre Abril de 2008 e Dezembro de 2010 de 80,54%, o que se repercutiria em 2011; </font> </p><p><font>- A autora teve perdas, nos quatro trimestres do ano de 2009 de cerca de € 54.000,00; no ano de 2010 uma perda global de € 79.195,17; no ano de 2011 uma perda de € 68.804,18; e no primeiro trimestre do ano de 2012, uma perda de € 16.042,67, no total de € 218.042,02. &nbsp;</font> </p><p><font>- A iniciativa da celebração do contrato partiu da entidade demandada, ainda que esta nunca tivesse subordinado a aprovação de linhas de crédito da outorga de contratos swap.</font> </p><p><font>Na contestação que apresentou a entidade demandada, depois de um enquadramento da figura do swap – cfr. artigos 13 a 54 – refere que a demandante procurou limitar os custos de financiamento, pela fixação de uma taxa de juro referenciável que vigoraria durante o período de vigência do financiamento “</font><i><font>passou a saber qual o custo máximo desse financiamento, uma vez que, independentemente, das variações da taxa de juro indexadas à “Euribor” esse custo nunca poderia ultrapassar a taxa de 4,66%”</font></i><font> – artigo 59 da contestação.&nbsp; </font> </p><p><font>Na réplica – cfr. fls. 89 a 93 – a demandante manteve a posição evidenciada supra. &nbsp;</font> </p><p><font>No despacho saneador – cfr. fls. 103 a 123 – o tribunal de primeira instância decidiu “</font><i><font>julgar improcedente, por não provada, a presente acção e, por via disso, absolver a Ré do pedido</font></i><font>”. </font> </p><p><font>Interposto recurso de apelação – cfr. fls. 209 a 235 – o tribunal de recurso, em decisão de, 15 de Janeiro de 2015 – cfr. fls. 547 a 573 – viria a </font><i><font>“(..) negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida</font></i><b><i><font>.</font></i></b><b><font>”</font></b> </p><p><font>Na manutenção da discordância com as decisões das instâncias, foi interposto recurso de revista (excepcional) que viria a ser inadmitido por douta decisão de fls. 1252 a 1256, por estimar não se verificar o requisito invadeável da “</font><i><font>dupla conformidade</font></i><font>” entre a fundamentação das decisões. </font> </p><p><font>Para a revista que almejam, impõe a recorrente o quadro conclusivo que queda extractado, infra. </font> </p><p><b><font>I.a. – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font> </p><p><i><font>“1. Contraposto o Acórdão cuja revista se pede com os Acórdãos Fundamento tirados pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do proc. n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, de 10/10/2013 (junto como doc. 1) e pelo Tribunal da Relação de Lisboa proferido no proc. n.º 2587/10.0 TVLSB.L1-6 (cuja cópia se juntou como doc. 2) constata-se a existência da contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito a que alude o artigo 672.º do Código de Processo Civil que possibilita a chamada revista excepcional no caso de "dupla conforme". </font></i> </p><p><i><font>2. As questões jurídicas com solução jurisprudencialmente controvertida que justificam a admissibilidade da presente revista excepcional, subsumem-se a saber se um determinado contrato, pelas partes denominado de permuta de taxa de juros (contrato de swap); i) pode ser declarado objecto do instituto da alteração superveniente das circunstâncias prevista no artigo 437.º do Código Civil (conforme se defende no Acórdão fundamento do STJ); ii) e se o mesmo, quando meramente especulativo, pode ser declarado nulo, nomeadamente por se degradar num contrato de jogo e aposta, nos termos do artigo 1245.º do Código Civil (conforme se preconiza no Acórdão fundamento do TRL). </font></i> </p><p><i><font>3. É convicção da Recorrente que o Acórdão recorrido andou mal ao não declarar a nulidade do contrato que está na génese dos presentes autos ou a sua resolução, mal se percebendo que, tendo o Tribunal a quo conhecimento da existência dos arestos que aqui se apresentam como "acórdãos fundamento", não tenha empreendido um esforço argumentativo numa lógica dialéctica quanto aos mesmos. </font></i> </p><p><i><font>4. Antes dessa questão de fundo, a Recorrente assaca ao Acórdão recorrido o vício de nulidade por omissão de pronúncia (nulidade hoje prevista na alínea d) do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 666.º do mesmo CPC) na medida em que deixou de apreciar o pedido ínsito nas conclusões 19, 20, 21, 22 e 26 das alegações de Apelação, no sentido de que fosse aditasse um conjunto de facto ao probatório que, no seu entendimento, que mantém, deveriam ter sido levados aos factos assentes por alegados pela Autora e não impugnados pelo Réu. </font></i> </p><p><i><font>5. O Tribunal recorrido entendeu desnecessário proceder a tal ampliação sendo porém certo que os factos cuja adição ao probatório se pretende têm total e óbvia ligação às questões decididas: as conclusões 19, 20, 21 e 22 têm total e precedente relevância para a decisão da questão relativa à alteração superveniente das circunstâncias, sendo que o facto mencionado na conclusão 26 releva para a apreciação sobre a questão da natureza especulativa do contrato e a inerente nulidade que se pediu. </font></i> </p><p><i><font>6. Com efeito, foi alegado e aceite nos articulados que os prejuízos sofridos pela Autora no âmbito do contrato dos autos resultam da crise económica internacional, concretamente da descida abrupta, inesperada, anormal e imprevisível da Taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre de 2008 e a sua manutenção em níveis extremamente baixos</font></i><b><i><font>.</font></i></b><i><font> (vide artigos 15.º, 16.º, 18.º e 19.º da p.i.), sem que as decisões a quo os tenham inseridos no probatório apesar de plenamente provado por acordo. </font></i> </p><p><i><font>7. Foi igualmente alegado e aceite que a conjuntura de 2007 (em que a taxa Euribor 3 meses oscilou entre os 3,89 % e os 4,81 %) presidiu ao espírito da celebração do contrato dos autos (vide artigos 31.º a 37.º da p.i.) </font></i> </p><p><i><font>8. Foi igualmente também alegado e aceite que em 2008 a Autora teve ganhos sem qualquer expressão (vide artigo 77.º da p.i.). Neste particular, o Tribunal a quo decidiu plasmar no ponto 20 que "a autora teve ganhos em valor não apurado". Por não corresponder ao posicionamento das partes nos articulados, deverá ser revogado o ponto 20 do probatório e corrigido em conformidade com o alegado em 47 da p.i. e aceite pelo Banco Réu. </font></i> </p><p><i><font>9. Igualmente omitiu o Tribunal, apesar de aceite pelas partes, que, tal como alegado em 13.º e 61.º da p.i. e aceite pelo Réu que - a Autora registou até ao primeiro trimestre de 2012 uma perda com o contrato que ascende a 218.042,02 €. </font></i> </p><p><i><font>10. Como se disse, todos os pontos de facto salientados deveriam ter sido levados aos factos assentes, e, não o tendo feito, a primeira instância havia violado o n.º 2 do artigo 490.º do C.P.C. (hoje n.º 2 do artigo 574.º do NCPC) - norma que, de resto, igualmente foi violada pelo tribunal recorrido. </font></i> </p><p><i><font>11. No que contende com o facto inserto na conclusão 26 da apelação, e que se pretendia, e pretende, ver aditado, que o swap dos autos não tinha a função que o Banco Réu alegou como sua razão de ser, deve dar-se como provado que: ... contrato dos autos não visava convencionar sobre o risco da taxa de juro inerente a operações de financiamento celebrados entre a Autora e o Réu, antes se concluindo que o contrato celebrado entre as partes é meramente especulativo. </font></i> </p><p><i><font>12. Radica tal pedido de ampliação na medida em que, tendo o Banco Recorrido, na sua contestação, excepcionado que o contrato dos autos visava garantir a taxa de juro de um financiamento que concedera à autora Apelante - vide, entre outros, os artigos 55.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 62.º, 69.º, 71.º, 72.º, 73.º, 77.º, 78.º, 81.º, 83.º, 96.º, 97.º, 112.º, 130.º, 137.º,139.º da Contestação, o que foi impugnado no artigo 29.º da Réplica - não o logrou provar, sem que tenha junto sequer um documento a comprovar tal alegação, cujo ónus lhe incumbia, e sendo ademais certo que tal prova só se poderia fazer por via documental por força do artigo 394.º e 351.º do Código Civil. </font></i> </p><p><i><font>13. É por isso assente que o contrato dos autos não tinha associado qualquer financiamento, tendo as partes ficcionado um valor nominal (2.000.000,00€) que não correspondia a qualquer quantia real, não tendo o banco Réu oferecido qualquer meio de prova (necessariamente documental ou, como coloca em hipótese académica o Prof. Lebre de Freitas no Parecer junto aos autos com a Apelação e que se tem como integrante das presentes alegações, através do pedido de depoimento de depoimento de parte) para ilidir a presunção ínsita no n.º 1 do artigo 235.º do mesmo CC que determina "podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada." </font></i> </p><p><i><font>14. No caso vertente, e como resulta evidente, todos factos invocados e que se pretendiam que fossem acolhidos pelo probatório têm relação com as questões decididas, pelo que não se pode aceitar que o seu "não conhecimento" seja justificado pela solução da questão de direito que o Tribunal entendeu ajustada em face dos factos transitados da primeira instância já que estes, os factos, são necessariamente questão a resolver precedentemente à questão de direito. </font></i> </p><p><i><font>15. Em face do descrito no capítulo precedente, caberia ao Tribunal ad quem, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º do CPC ordenar que o processo baixe à Relação a fim de que a mesma seja reformada e ampliada em conformidade. </font></i> </p><p><i><font>16. Todavia a questão da fixação da matéria de facto - quer proceda ou não a invocada nulidade - pode e deve ser vista de outro prisma, avocando o Supremo Tribunal de Justiça o poder de considerar, sem mais, a factualidade adquirida pelo processo à luz das regras processuais e de aquisição da prova na medida em que os fundamentos subjacentes à pretendida ampliação da matéria de facto que foi desatendida pelo tribunal recorrido não se circunscrevia a um erro de julgamento da apreciação da prova - no sentido de censura à análise crítica dos elementos de prova - mas sim à incorrecta aplicação (ou não aplicação) dos artigos 490.º (574.º, n.º 2 do CPC) e 235.º, 391.º e 394.º do Código Civil - neste sentido os Acórdãos do STJ citados no corpo das alegações (proc. 1727107.1TBSTS-L.P1.81, de 04/07/2013, proc. 886/2001.C2.S1, de 12101/2011, 1038/08.TBAVR.C2.S1, de 16/11/2011, 04S4094, de 15/02/2005, todos disponíveis em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>). </font></i> </p><p><i><font>17. Devem pois ser tomados em consideração para posterior subsunção jurídica os factos acima sublinhados por terem sido admitidos por acordo e/ou, sendo factos exceptivos, devidamente impugnados na réplica sem que houvesse sido produzida prova em sentido contrário </font></i> </p><p><i><font>18.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>No que contende com o cerne da questão o Tribunal recorrido andou mal ao não considerar nulo o contrato dos autos, desde logo pelas razões que enformaram o Acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Março de 2013, segundo o qual o contrato de swap só o será verdadeiramente se o risco e o objectivo da sua cobertura existir. Inexistindo cobertura de risco (porque não existe nenhum financiamento subjacente cujo risco se pretenda - ("gerir”), conclui-se que foi contratada outra coisa que não um swap. </font></i> </p><p><i><font>No caso do swap de taxa de juro que não vise cobrir um risco de variação de valor respeitante a determinada ou determinadas operações, económicas ou puramente financeiras, que pura e simplesmente não existem, há um contrato meramente especulativo, em que a troca mais não serve do que uma finalidade de jogo ou aposta ilícito, devendo ser declarado nulo quer por força do art. 1245.º do Código Civil quer por aplicação directa dos artigos 280.º e 281.º do Código Civil (ilicitude por falta de causa/objecto e por contrariedade à ordem pública). </font></i> </p><p><i><font>20. Da análise do clausulado de um contrato de swap de taxa de juro, terá que resultar que a transferência ou imputação do risco que por via dele se opera é funcionalmente orientada para a cobertura de um risco. O swap de taxa de juro tem que ser construído como instrumento de cobertura de risco, para ser válido. Se assim não for, caímos inexoravelmente na constatação de que se trata de pura e dura especulação </font></i> </p><p><i><font>21. Ora, atento o contrato dos autos (e no sentido defendido pelo Acórdão fundamento da Relação de Lisboa tal é quanto baste): conclui-se que o mesmo não contém qualquer referência expressa à realidade económica subjacente, ou seja, à realidade de que derivam os contratos, seja tal realidade financeira referenciada ao banco contraparte ou a terceiras entidades. </font></i> </p><p><i><font>22. Efectivamente, embora se diga no contrato que serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, sob a epígrafe "racional do contrato" (facto 4), não se dilucida dos contratos e respectivos termos que risco em concreto se pretende "gerir", ou seja, por via de que realidade financeira/operação financeira subjacente as partes celebram o contrato. </font></i> </p><p><i><font>23. A mera referência a esse racional do contrato não se mostra integrada em concreto, sendo impossível de se integrar por apelo a elementos constantes dos contratos (v.g. existência de financiamentos ou quaisquer contratos com componente sujeita a variação por via da oscilação da taxa de juro) e por isso situa-se no plano da abstracção. </font></i> </p><p><i><font>24. Ou seja, a gestão de risco de taxa de juro que é mencionada no contrato é insusceptível de verificação/comprovação porque é afirmada num "vácuo financeiro" em que, por referência ao concreto contrato celebrado, inexiste a situação económica/financeira subjacente cujo risco se visaria supostamente cobrir. </font></i> </p><p><i><font>25. Assim, e no sentido propugnado pelo Acórdão fundamento, do conteúdo contratual resulta a criação de um risco endógeno, pelo que o contrato dos autos não é um swaps de taxa de juros, mas sim um contrato de aposta, devendo ser proferido acórdão que decida pela respectiva nulidade à luz do regime do artigo 1245.º do Código Civil. </font></i> </p><p><i><font>26. Acresce que a circunstância de o contrato dos autos não visar a gestão de risco mas criar, ele próprio, o risco, pode e deve ser perspectivado por outros ângulos que igualmente acarretam a sua nulidade. </font></i> </p><p><i><font>27.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Ele será também nulo como ensina Lebre de Freitas em excerto supra citado porque sendo puramente especulativo se queda "desviado da função que lhe deu origem para constituir um contrato de puro risco, o contrato de swap, por não haver norma específica que neste caso o permita, é nulo (fim contrário à lei: art. 281.º do Código Civil), sem que lhe aproveite o princípio da liberdade de negociar e estipular ". </font></i> </p><p><i><font>28. Nulidade que se divisa também por contrariedade à ordem pública, nos termos da argumentação do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tirado no processo 531/11.7TVLSB.L 1.S1 de 29/01/2015 (que por não se encontrar ainda publicado se juntou como doc. n.º 3). </font></i> </p><p><i><font>29. Como se diz nesse douto aresto: "A tolerância da ordem jurídica à especulação não é irrestrita e importa distinguir entre a especulação tida como proveitosa ao correcto funcionamento da economia e eticamente aceitável e a busca da álea em si mesma e independente de qualquer outro motivo que a sustente ou explique (i.e. com especulação hasardeuse) e a que se reconduz, no fundo, a correspondente geração de proveitos a partir da simples aplicação de uma determinada taxa vigente num certo momento a um mero valor nocional, não se vislumbrando qualquer razão que legitime uma equivalência entre a finalidade de imunização de um risco pré-existente ao swap ou seu contemporâneo e a tomada independente de um risco gerado por este, tanto mais que tal cor responderia a assumir como aceitáveis e toleráveis, pela sociedade, os enormes riscos sociais e económicos associados a essa prática.” </font></i> </p><p><i><font>30. Continuando: "Não se demonstrando que as partes - e, em particular, a autora ­procuraram acautelar qualquer risco, fica por comprovar a existência de um " casamento" entre um hedger (que visa, por meio de um swap, prevenir um cenário de risco desfavorável) e um especulador (que formula previsões de sinal contrário e se dispõe a aceitar esse risco mediante o pagamento de uma compensação financeira), o que tornaria economicamente virtuosa (ou, por outras palavras, séria) e, nessa medida, aceitável e legitima especulação. " </font></i> </p><p><i><font>31. Para concluir: "Confrontando a pura especulação viabilizada pelos contratos dos autos com os princípios e valores prevalentes na nossa sociedade (ainda que interpretados actualistícamente), ponderando as desutilidades sociais e económicas que aqueles são aptos a gerar e rememorando o que evola do artigo 99.º, al. c) da Constituição da República Portuguesa, facilmente se alcança a sua desvalia face a esses valores cogentes e ao bem comum, o que autoriza que se conclua pela sua contrariedade à ordem publica e, consequentemente, pela sua nulidade.". </font></i> </p><p><i><font>32.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O contrato dos autos é também nulo por n.º 2, art. 280.º CC) e abuso de direito (334.º CC) conquanto que se perceba a relevantíssima dicotomia criação vs cobertura de risco. </font></i> </p><p><i><font>33.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Tal dicotomia tem reflexos tanto para a circunstância de o contrato de swap não ter verdadeiramente inerente realidade financeira, como nas situações em que, independentemente dessa existência ou não, o risco resulta do próprio c1ausulado, i.e., das fórmulas encontradas pelas partes para dividir o risco da operação contratada. </font></i> </p><p><i><font>34.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>De tal forma que, quando como no caso dos autos, o ganho previsto no contrato para uma das partes é infinitamente inferior ao ganho da outra, não se está a cobrir risco, está-se a criar risco, i.e., independentemente do cariz meramente especulativo ou não do contrato dos autos, é forçoso reconhecer-se que a arquitectura do contrato é de tal forma desequilibrada que não prossegue qualquer objectivo de cobertura de risco. </font></i> </p><p><i><font>35. Trata-se do caso dos autos, como resulta do teor do contrato transcrito no facto 4. segundo o qual o máximo que a Recorrente poderia "ganhar" era o correspondente a 0,64% apenas quando e se a taxa de juro Euribor estivesse no intervalo entre 4,66 % e os 5,30 % nas exactas "Datas de Pagamento da Taxa" (termo utilizado no contrato), sendo que na Recorrente necessitaria efectivamente de uma cobertura de um hipotético risco - quando a Euribor a 3 meses fosse superior a 5,3 %, não existia qualquer protecção da subida da taxa de juros. </font></i> </p><p><i><font>36. Em face deste programa negocial, o risco máximo que emerge para o banco Réu era de </font></i><i><u><font>0.64 % </font></u></i><i><font>e apenas nos casos que a Euribor a 3 meses se situasse entre 4,66% e 5,30%, enquanto que, por seu turno, o risco máximo da Recorrente no contrato de era de </font></i><i><u><font>4.66 %</font></u></i><i><font>, isto por trimestre e sobre um valor global de 2.000.000,00 €. </font></i> </p><p><i><font>37. E não se diga, como o afirma o Acórdão Recorrido, que tal variação de taxa não é expressiva ("em não mais de 4%"), pois trata-se de uma desproporção, entre os riscos assumidos, na ordem dos </font></i><i><u><font>720%</font></u></i><i><font>, donde se constata um óbvio desequilibro na permuta das taxas que foi contratado, valendo aqui por inteiro as considerações tecidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão datado de 31 de Janeiro de 2013 supra citado sobre a imparidade das regras contratuais. </font></i> </p><p><i><font>38. Ora, a desproporção enorme entre as margens de risco que cada uma das partes assumiu com a outorga do contrato, para além de violar o principio da boa fé e da equivalência que subjaz ao direito das obrigações e, em especial, aos contratos de "troca", é em si mesma ilustrativa de que muito dificilmente o dito objectivo de cobertura de risco seria alcançado. </font></i> </p><p><i><font>39. Daí que se conclua que a probabilidade exponencialmente maior de um contraente sair beneficiado com o contrato revela que, verdadeiramente, não se procurou com o contrato cobrir qualquer risco, antes sim, especular. </font></i> </p><p><i><font>40.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>E Sempre se diga, porém, que mesmo que fosse permitido o contrato de swap meramente especulativo, ele teria de se apresentar como tal e não como um produto cujo racional, de acordo com o que se no contrato expressamente "um objectivo de gestão de risco de taxa" - tal contradição implica um desvio funcional ou de causa que sempre configura causa autónoma de nulidade. </font></i> </p><p><i><font>41.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Subsidiariamente, sempre se poderá perspectivar a situação à luz do abuso de direito na modalidade do "desequilíbrio no exercício jurídico", em cuja categoria se integra "a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem" a que alude Menezes Cordeiro, em manifesta desconformidade com os princípios da boa fé objectiva e da justiça contratual e susceptível, de acordo com esse Autor, de integrar a previsão do art. 334º do CC na medida em que há um exercício que manifestamente ultrapassa os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. </font></i> </p><p><i><font>42.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O efeito do abuso de direito é a declaração da anti-juridicidade do mesmo, pelo que a sua consequência deverá ser a nulidade do contrato dos autos com todos os seus legais efeitos. </font></i> </p><p><i><font>43. Para o caso, que não se concede, de o contrato não ser considerado nulo, não se vêem razões para que, no presente recurso, este Supremo Tribunal decida de forma divergente do plasmado no proc. n.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1, a cuja fundamentação se adere inteiramente e que aqui se convoca sendo, pois, aplicável à situação dos autos o regime da alteração das circunstâncias. </font></i> </p><p><i><font>44. O facto de as taxas terem descido tão drástica e brutalmente não resultou de um comportamento normal, ou natural, da taxa Euribor, mas, como é sabido, da intervenção estatal, à escala Europeia, nomeadamente através das políticas de correcção monetária tomadas em reacção à crise consubstanciada na descida, igualmente "drástica e brutal" das taxas de referência do Banco Central Europeu que optou, para salvar os Bancos, como o recorrente, por "embaratecer' o dinheiro que emprestam aos bancos dele necessitados, e, consequentemente, o preço que o dinheiro que os bancos cobram uns aos outros (expresso precisamente pela na Euribor) igualmente desceu. </font></i> </p><p><i><font>45. Com efeito, a alteração das circunstâncias de que tratam os presentes autos foi fruto de uma intervenção externa à composição da Euribor, que por sua vez foi motivada por uma crise económica e financeira que, por só, e dada a sua gravidade, nada teve de normal nem, muito menos, era esperada ou expectável pelas partes. Era, portanto, duplamente imprevisível e anormal. </font></i> </p><p><i><font>46. O Acórdão recorrido confunde a aleatoriedade com o risco próprio do contrato, sendo que, como ensina - entre outras avisadas vozes da doutrina e jurisprudência que se deixaram citadas nas alegações - Oliveira Ascensão “ ... o facto de se recorrer à previsão legal do risco para caracterizar a alteração anormal não deve levar a concluir que o instituto não pode ser aplicado no domínio dos contratos aleatórios. É verdade que se o contrato é aleatório a parte aceitou o risco. Mas a alteração das circunstâncias funciona mesmo no domínio dos contratos aleatórios, porque o que estiver para lá do risco tipicamente implicado no contrato pode ser relevante. O que interessa é que a equação económica do negócio, tal como foi querida pelas partes, seja quebrada. " </font></i> </p><p><i><font>47. Ao contrário do que resulta da decisão em recurso, é firme convicção da alegante que o ordenamento jurídico dá resposta à questão do óbvio e iníquo desequilíbrio contratual que os autos atestam, sendo que atento o quadro fáctico que consta do probatório [especialmente os pontos 13 a 24] bem como os factos que supra se impetrou fossem considerados provados por aceites, evidenciam a total e absoluta desproporção que fere de morte o equilíbrio mínimo que se deve exigir em qualquer contrato, mesmo naqueles em que se reconhece a existência de um elemento aleatório subjacente à sua celebração. </font></i> </p><p><i><font>48. Como resulta dos factos provados, quando as partes formaram a convicção de contratar o elemento central da permuta andava na ordem média 4,5%. </font></i> </p><p><i><font>49. Por essa razão, o contrato significava perdas para a Autora sempre que (mas apenas quando) a taxa de juro Euribor a 3 meses fosse inferior a 4,15%, e ganhos apenas quando (mas sempre que) a mesma taxa de juro de referência se situasse no intervalo entre os 4,55% e os 5,30%. </font></i> </p><p><i><font>50. Todavia, resultando provado que essa taxa, que aquando da celebração do contrato ascendia a 4,85%, constata-se que a mesma desceu, por razões exógenas e inesperadas, para valores inferiores a 1 %! </font></i> </p><p><i><font>51. Mais decorre dos pontos 21 a 24 que, a execução do contrato dos autos, a Autora, aqui Apelante teve um prejuízo que ascendeu, até à data da propositura da acção (Abril 2012) a 218.042,03 €; </font></i> </p><p><i><font>52. Ora, considerando que o cenário em que o contrato foi celebrado é absolutamente distinto daquele que veio a ocorrer com a excepcional alteração das circunstâncias económicas e financeiras e ponderando que tal alteração gera obrigações excessivas, onerosas, imprevisíveis e unilaterais para a Apelante torna-se claro que a concreta situação contratual que os autos relatam redundou num grave e acentuado prejuízo, inquinando o contrato a ponto de se poder ter por certo que a sua manutenção viola o princípio da boa fé. </font></i> </p><p><i><font>53. A crise económica internacional que teve origem na insolvência do Lehman Brothers (facto 15) trata-se de um acontecimento superveniente que feriu de morte o equilíbrio inicialmente fixado pelo contrato, sendo legítimo concluir, à luz da lógica e da boa fé, que as partes jamais contratariam nos termos em que contrataram se pudessem antever sequer a possibilidade de ocorrência dessa alteração. </font></i> </p><p><i><font>54. As partes obrigam-se tendo em vista o quadro da realidade, que envolve o presente e suas perspectivas, pelo que se factos novos e imprevisíveis alteram, completa e irrecuperavelmente, as condições do contrato, impondo ónus excessivos somente a uma das partes, deve o poder Judicial, através dos mecanismos previstos na Lei, obstar à injustiça que se narrou na petição, e não, como o fez a Sentença que está na mira do presente recurso, quedar-se imóvel ao apelo do pacta sunt servanda. </font></i> </p><p><i><font>55. E a este propósito, escreveu José de Oliveira Ascensão, no artigo supra citado que "Não matámos o pacta sunt servandi., conjugámo-lo com o rebus sic stantibus. Os pactos devem ser observados (princípio fundamental da autonomia) rebus sic stantibus (princípio fundamental de justiça e de respeito da vinculação realmente assumida)". </font></i> </p><p><b><i><font>56. </font></i></b><i><font>De acordo com a teoria do sinalagma contratual, a perda de um contratante equivalerá tendencialmente o ganho do outro, donde se constata um óbvio desequilibro na permuta das taxas que foi contratado, pelo que tal desproporção das prestações não pode ter sido representado pela parte "beneficiada" (o Banco), a menos que usasse de dolo, nem, muito menos, pela Recorrida (pois, como consta do Parecer do Prof. Lebre de Freitas junto aos autos de apelação e que se invoca em beneficio da presente revista se o tivesse feito, teria ideações suicidas...).&nbsp; </font></i> </p><p><i><font>57. Vale por dizer que as partes não representaram, à data da assinatura do contrato, e não obstante o que do seu clausulado resulta, que se pudesse verificar tamanha desproporção na troca das taxas acordada. E não representaram porque o histórico da Euribor - desde o seu início até à data da contratação, bem como a forma como essas taxas são normalmente determinadas não fazia supor, muito menos prever, o descalabro a que se assistiu: a crise económica e financeira, não previram a insolvência do Lehman&nbsp; Brothers, a intervenção europeia, nomeadamente do BCE na dimi
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam em Tribunal Pleno no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>A "Papeleira A, Limitada", nos termos do artigo 763 do Código de Processo Civil, recorre para o Tribunal Pleno do acórdão deste Supremo, de 19 de Julho de 1968, certificado a folhas 6 e seguintes e publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n. 179, páginas 170 e seguintes, proferido na revista em que ficou vencida na acção que lhe moveram B e mulher.<br> Para esse efeito alegou que este acórdão, sobre a mesma questão fundamental de direito, está em oposição com a solução emitida no acórdão deste mesmo Supremo, de 1 de Julho de 1966, transitado em julgado, publicado no citado Boletim, n. 159, a páginas 419 e 420; e que ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação, Código Civil de 1867.<br> O caso contemplado no acordão recorrido visava a reivindicação de um prédio rústico adquirido por compra titulada por escritura pública, e inscrito na respectiva Conservatória do Registo Predial a favor do comprador Valentim, ocupado pela ré recorrente sem titulo legitimo. Este prédio, após a aquisição, foi afectado com consentimento do respectivo proprietário B à exploração da sociedade "C ", constituida por aquele Valentim e seus irmãos, como se a esta pertencesse, conjuntamente com outro prédio rústico, já adquirido pela citada sociedade, e nos dois prédios foram construidas edificações.<br> Pela dissolução da sociedade "C" os prédios urbanos edificados nos dois referidos terrenos foram adjudicados ao sócio Manuel, irmão do Valentim.<br> Posteriormente o Manuel constituiu com os filhos a sociedade "Francisco do Couto, Limitada", que passou a exercer a sua indústria e comércio nos mesmos dois prédios. Presentemente esses dois prédios estão integrados no activo da sociedade recorrente "PapeleiraA, Limitada".<br> O acórdão recorrido reconheceu: que o autor Valentim ainda conserva o dominio do seu prédio rústico que comprou, não obstante as andanças que tem passado; que se operou uma acessão por indústria do homem, prevista no artigo 2289 do Código Civil de 1867 proveniente de incorporação das edificações no prédio rústico comprado pelo Valentim; que esta acessão imobiliária só seria relevante para o dono das edificações, nos termos do artigo 2306 daquele Código, se o terreno alheio, onde foram feitas, fosse possuido em próprio nome, com boa fé e justo título; que não há justo título por falta de título válido de aquisição do prédio em que o transmitente não é o titular do direito que transmitiu; nem boa fé dado que a sociedade sabia que o terreno era do Valentim.<br> No acórdão opositor ventilou-se a hipótese seguinte:<br> Pedia-se a entrega de uma parcela de terreno vendida, sem escritura pública, onde os compradores construiram um prédio urbano, com consentimento e aprovação dos vendedores.<br> Este acórdão reconheceu existir a favor dos demandados compradores a acessão imobiliária, nos termos do artigo 2306 do Código Civil de 1867, porque teve por justo título a autorização da construção do prédio urbano e a boa fé derivou da autorização dada para a construção e do convencimento da sua validade.<br> O acórdão da secção de folhas 20 e 21 decidiu que existe a oposição que serve de fundamento legal ao recurso entre os dois julgados.<br> O reconhecimento da existência da oposição de julgados não impede que este Tribunal Pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrário (n. 3 do artigo<br> 766 do Código de Processo Civil).<br> Ambos os acórdãos se pronunciaram sobre uma situação de facto semelhante, qual foi a da construção urbana em prédio rústico alheio, e emitiram pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito, sobre a figura jurídica da acessão imobiliária contemplada no artigo 2306 do Código Civil de 1867. Só que prestaram entendimentos opostos aos conceitos essenciais daquela figura de justo título e de boa fé, como já evidenciou o acórdão da secção.<br> Assim o acórdão recorrido entendeu que o justo título implica um título válido de aquisição do prédio em que o transmitente não é titular do direito que transmitiu , quando o acórdão opositor teve como justo título a própria concessão de autorização do vendedor para a edificação. No que concerne a boa fé, o acórdão recorrido entendeu que ela procede de título, cujos vícios não são conhecidos do possuidor, mas o acórdão opositor extraiu-a da autorização da construção do prédio e do convencimento da sua validade.<br> O digno agente do Ministério Público junto deste Supremo, no seu parecer de folhas 41 e seguintes, pronuncia-se pela existência de oposição entre os julgados, pela confirmação do acórdão recorrido e emissão de assento nos termos seguintes: "É justo título, para o efeito do artigo 2306 do Código Civil de 1867, aquele que obedece aos requisitos da segunda parte do artigo 518 do mesmo diploma".<br> É, pois, manifesta a oposição entre os julgados proferidos no dominio da mesma legislação, Código Civil de 1867, sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que importa decidir o conflito de jurisprudência que eles suscitaram.<br> Vejamos:<br> Os acórdãos em apreço submeteram ao comando do corpo do artigo 2306 do Código Civil de 1867 a situação de facto semelhante neles desenhada e derivada da construção de um prédio urbano em terreno alheio.<br> A colisão dos julgados opera-se exclusivamente no dominio das características, enunciadas no corpo do artigo 2306 citado, da posse do terreno, onde foram feitas as construções.<br> A solução do conflito jurisprudencial terá uma repercussão deveras limitada, em virtude de vigorar o Código Civil de 1966 que, na acessão imobiliária, oferece uma regulamentação bastante diferente da contida no Código Civil anterior.<br> Presentemente, quem construa obra, sementeira ou plantação em terreno alheio, desconhecendo que o terreno era alheio ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno, está de boa fé (n. 4 do artigo 1340 do Código Civil de 1966).<br> O Código actual é mais tolerante com o conceito de boa fé e não exige que o autor da acessão seja possuidor de boa fé do prédio alheio.<br> O acórdão opositor aceitou a existência legal da acessão imobiliária do prédio urbano construido pelo comprador do terreno, - que o pagou e até a respectiva sisa -, sem que, contudo, o negócio tivesse sido titulado pela indispensável escritura pública, através do consentimento para construir prestado pelo vendedor.<br> Essa autorização seria eficaz à luz do artigo 1340 do Código Civil de 1966, se fosse de aplicar, mas não é aplicável, por a tal se opor o n. 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 47344 que o aprovou.<br> O Código Civil em vigor moldou de forma bastante diferente da do Código Civil anterior os requisitos legais da acessão imobiliária.<br> O que importa, porém, é o regime do Código Civil de 1867, pois é, segundo ele, que o conflito de jurisprudência terá de ser decidido.<br> O corpo do artigo 2306 preceitua: "Se o dono de quaisquer materiais, sementes ou plantas, tiver feito em terreno alheio obras, sementeiras ou plantações, possuindo aliás, esse terreno em proprio nome, com boa fé, e justo título, observar-se-á o seguinte:".<br> Em face deste preceito, para que haja acessão é indispensável que o autor da acessão, possua o terreno em próprio nome, com boa fé e justo título.<br> A acessão imobiliária só é possivel quando o autor das obras, sementeiras ou plantações é, não só possuidor em nome próprio, mas até proprietário aparente, como a exigência do justo título mostra.<br> A questão da acessão imobiliária só surge quando o proprietário reivindica o seu terreno.<br> Daqui resulta que a posse tem de ser titulada, isto é, tem de fundar-se em qualquer modo legitimo de adquirir, independentemente do direito do transmitente, como impõe o artigo 518 do Código Civil de 1867, e deve o possuidor ignorar os vícios do título de aquisição para estar de boa fé, como ressalta do artigo 476 do mesmo Código.<br> Sempre que, exigindo a lei uma forma solene, esta não exista, não há justo título de aquisição da propriedade.<br> Justo titulo quer dizer titulo capaz, eficiente, em face da lei, para transmitir a propriedade de bens imobiliários. Esse título é a escritura pública que pode transmitir a propriedade através de vários negócios jurídicos, tais como: compra, dação em pagamento, doação, permuta, etc... Contudo, como é sabido, para que o direito de propriedade se transmita, não basta que o adquirente tenha a seu favor justo título, é necessário, além disso, que o transmitente fosse proprietário, pela regra nemo plus alio transfere potest quam ipse habet.<br> Para a transmissão da posse a lei não exige a escritura pública.<br> A boa fé supõe o justo título, como inculca o artigo 476 citado, e este não existe no caso de contrato nulo por falta de forma.<br> Por isso o executor da obra, sementeira ou plantação age na qualidade de proprietário aparente, estando a possuir o terreno como seu, por tê-lo adquirido a título oneroso ou gratuito a non domino.<br> Acresce que o artigo 2306 refere que o dono da obra esteja "possuindo, aliás, esse terreno em próprio nome, com boa fé e justo título".<br> A exegese do texto reporta-se ao inicio da posse do terreno com suporte na existência do justo titulo de aquisição, e nunca protege uma posição posterior, alheia e indiferente ao justo título, fundada na autorização para as obras.<br> Tem sido esta, de longe, a orientação dominante na doutrina e na jurisprudência.<br> O acórdão recorrido, à sombra dos conceitos referidos, exarados no corpo do artigo 2306 do Código Civil de 1867, afastou a existência da acessão imobiliária, uma vez que se não verificavam dois dos seus requisitos: o do justo titulo da aquisição do terreno por parte da sociedade "C", onde esta fez a construção urbana; e o da boa fé porque esta sociedade sabia que o terreno era propriedade do sócio Valentim.<br> Pelo exposto negam provimento ao recurso, com custas a cargo da recorrente, e lavram o assento seguinte:<br> "Para os efeitos do artigo 2306 do Código Civil de 1867, os conceitos de boa fé e justo título são os definidos respectivamente nos artigos 476 e 518 do mesmo diploma".</font><br> <br> <font>Lisboa, 28 de Novembro de 1969.<br> </font><br> <font>Torres Paulo (Relator) - Ludovico da Costa - Fernando Bernardes de Miranda - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - Adriano de Campos de Carvalho - José Manuel da Cunha Ferreira - Rui Guimarães - António Pedro Sameiro -<br> - Albuquerque Rocha - Santos Carvalho Júnior (Vencido pela razões constantes do acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Julho de 1962, publicado no Boletim, n. 119, página 461, segundo o qual não estava regulado expressamente na lei o caso de obras feitas com o consentimento do proprietário, devendo aplicar-se-lhe por analogia o disposto no artigo 2306).<br> Eduardo Correia Guedes (Vencido pelos fundamentos do voto do Senhor Conselheiro Santos Carvalho).<br> Alberto Nogueira (Vencido pelas razões constantes das declarações do voto do excelentissimo Conselheiro Santos Carvalho).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em Plenário das Secções Cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A e mulher, B, interpuseram recurso para o Tribunal Pleno e, admitido este, alegaram, nos termos do artigo 765 n. 3 do Código de Processo Civil, a existência de oposição entre o acórdão recorrido, de 17 de Dezembro de 1992, e o acórdão fundamento, de 8 de Outubro de 1992. Por acórdão de 29 de Setembro de 1993, decidiu-se reconhecer a existência da invocada oposição quanto à questão de saber se os promitentes-compradores, no caso de tradição, mas sem que a propriedade horizontal tenha sido constituída, têm ou não o direito de retenção.<br> Com efeito, havia-se decidido, neste último acórdão, que tal direito existe, enquanto que naquele se decidira o contrário, isto é, que não existe.<br> Os recorrentes concluem, assim, as suas alegações recursórias:<br> 1. Havendo tradição da coisa, o promitente-comprador goza do direito de retenção sobre ela até ser integralmente pago da indemnização que o promitente- -vendedor foi condenado a pagar-lhe por ter incumprido o contrato-promessa.<br> 2. Sendo o objecto do contrato-promessa um andar de edifício para habitação, a lei não condiciona a existência do direito de retenção à sujeição do edifício ao regime de propriedade horizontal.<br> 3. Os Recorrentes têm direito a reter o andar que prometeram comprar até serem pagos da indemnização que nos autos lhes foi arbitrada.<br> 4. Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto no n. 3 do artigo 442 do Código Civil (hoje alínea f) do n. 1 do artigo 755 do mesmo diploma).<br> 5. Haverá que revogar o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que acolha a pretensão dos Recorrentes.<br> 6. Face à oposição dos acórdãos, haverá outrossim que proferir assento que acolha a interpretação daqueles normativos feita no acórdão fundamento.<br> Em contra-alegações, a recorrida, Caixa Económica do Montepio Geral, propõe que se profira assento do seguinte teor:<br> "Os andares de um prédio não submetido ao regime de propriedade horizontal, são partes componentes de uma "coisa" e, como tal são inalienáveis e impenhoráveis, pelo que não pode ser objecto de direitos reais de garantia, designadamente de direito de retenção."<br> O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que se solucione o presente conflito de jurisprudência, mediante assento com a seguinte redacção:<br> O direito de retenção consagrado no artigo 442, n. 3, do Decreto-Lei 236/80, de que é tributário o promitente- -comprador de fracção autónoma de prédio urbano, releva independentemente de o edifício estar submetido ao regime de propriedade horizontal."<br> Corridos os vistos, cumpre decidir.<br> No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos (com interesse para o problema em análise): a) No exercício da sua actividade comercial, o réu celebrou com o autor, em 24 de Maio de 1980, um contrato- -promessa, segundo o qual o autor prometeu comprar ao réu, e este prometeu vender-lhe, o 6. andar, direito, com arrecadação, do prédio urbano sito na Avenida ..., no Cacém, do qual o réu é dono e possuidor; b) Foi convencionado o preço de 1500000 escudos; c) Como sinal e princípio de pagamento, o autor entregou ao réu, no acto da celebração do contrato, 300000 escudos; d) A restante parte do preço seria paga no acto da respectiva escritura pública, com o produto de um empréstimo que, para o efeito, os autores iriam solicitar a uma instituição de crédito; e) O réu não outorgou a escritura no prazo acordado, nem posteriormente; f) O réu deixou o prédio inacabado, em meados de 1981; g) Autorizou, porém, os autores a ocuparem o referido andar, entregando-lhe, para o efeito as referidas chaves; h) Embora em condições deficientes, por virtude do inacabado do prédio, os autores construíram aí a sua residência permanente, sempre aí permanecendo como se fossem verdadeiros possuidores, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém; i) Na altura em que foram interrompidas as obras, o réu afirmou não desejar cumprir o contrato, valendo, então, o andar, pelo menos, 2000000 escudos.<br> Foi com base nestes factos que se negou o direito de retenção aos autores.<br> No acórdão fundamento, deu-se como provada a seguinte matéria, ora com interesse: a) O réu prometeu vender ao autor e este prometeu comprar, o 4. andar, direito, incluindo uma arrecadação, do prédio urbano sito na Avenida ..., Cacém, pelo preço de 1420000 escudos; b) Como sinal e princípio de pagamento, recebeu o réu, do autor, 220000 escudos, no acto, devendo o resto ser pago no acto da respectiva escritura, através de empréstimo a instituição de crédito; c) O réu sempre se furtou a outorgar na respectiva escritura pública, apresentando ora umas desculpas, ora outras, e interrompeu as obras, deixando o prédio inacabado, em meados de 1981; d) O réu deu aos autores as chaves do prédio e da habitação, autorizando-as a ocupá-las, aí permanecendo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.<br> Com apoio nesta base fáctica, foi tirada decisão em que se reconheceu assistir aos autores o direito de retenção.<br> É, pois, evidente a reconhecida oposição de acórdãos, face à identidade dos pressupostos em que se firmaram, sendo tanto mais flagrante quanto é certo que se reportam a fracções integradas no mesmo prédio, sito na Avenida ..., Cacém.<br> O acórdão fundamento refere-se a contrato celebrado em 4 de Março de 1980 e o recorrido respeita a outro com a data de 24 de Maio de 1980.<br> Posto isto vejamos:<br> 1 - Na sua redacção primitiva, o artigo 410 do Código Civil (1), não oferecia qualquer elemento específico capaz de influir a solução do problema em estudo.<br> Verificando-se tradição em modo semelhante ao acima referido, haveria que recorrer aos princípios gerais inerentes ao instituto do direito de retenção.<br> Assim, nos termos do artigo 754 do Código Civil, "o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados".<br> Como é sabido, inexistindo o direito de execução específica, o contrato-promessa de compra e venda não obriga à efectivação do contrato prometido, mas apenas faz nascer um direito à indemnização resultando de prejuízos relativos ao incumprimento culposo.<br> Nestas circunstâncias, quem tiver a detenção de coisa e estando obrigado a entregá-la, pode retê-la, isto é, tem a faculdade de obviar à entrega, enquanto, quem lha pode exigir, não cumprir a obrigação a que esteja sujeito, se houver despesas com o próprio objecto ou por causa dele (danos causados por ele) (2).<br> Surgem, portanto, como requisitos do direito de retenção os seguintes factores: a) A detenção lícita da coisa que há-de ser entregue a outrem; b) Apresentar-se o detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega; c) A existência de conexão directa e material entre o crédito do detentor e a coisa detida (3).<br> Estavam, então, livres de retenção, como ainda estão, determinadas situações previstas no artigo 756 do Código Civil, nomeadamente as coisas impenhoráveis (alínea c)).<br> 2 - O Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho, aditou o n. 3 ao citado artigo 410, com a seguinte redacção:<br> "No caso de promessa relativa à celebração de contrato de compra e venda de prédio urbano, ou de sua fracção autónoma, já construída, em construção ou a construir (...)".<br> Correlativamente, dispunha o n. 3 do artigo 442 do Código Civil (4):<br> "No caso de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa, o promitente-comprador goza, nos termos gerais, do direito de retenção sobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor." Portanto, o direito de retenção, nos termos gerais, já antes existia, mas, de algum modo, alargou-se o "debitum cum re junctum", a relação de conexão entre os créditos do vendedor e do comprador, e passou a abranger o crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor.<br> 3 - O n. 3 do citado artigo 442, na redacção do Decreto- -Lei 378/86, de 11 de Novembro, deixou de fazer referência ao direito de retenção, mas nem por isso ele foi suprimido. Apenas a sua regulamentação, por questões de ordem sistemática, passou para a Secção VII do Título I do Livro II, do Código Civil.<br> Assim, acrescentou-se uma alínea f) ao artigo 755, com a seguinte redacção:<br> "O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442, goza do direito de retenção.<br> Manteve-se, deste modo, o comando anterior, acrescentando-se uma referência à imputação do incumprimento, nos termos do artigo 442, na redacção deste mesmo Decreto-Lei, sem que nada de fundamental se tenha alterado.<br> 4 - Resulta daqui que a generalidade de admissão do direito de retenção é, em primeiro lugar, delimitada pelos contornos da conexão, (referido "debitum cum re junctum"). Depois, estabelece a lei casos especiais de aplicação do instituto (5), como é o da citada alínea f) do artigo 755: beneficiário da promessa de constituição de direito real, que obteve a tradição da coisa.<br> 5 - Ora, tal beneficiário goza da protecção desta garantia real quando ainda não está constituida a propriedade horizontal?<br> Este é o cerne da questão.<br> Diz que não o acórdão recorrido, com base, essencialmente, nos seguintes fundamentos:<br> - Devem considerar-se coisas imóveis as fracções autónomas de um prédio urbano, quando objecto de propriedade horizontal;<br> - Esta ainda não está constituída;<br> - Assim, não se pode afirmar, juridicamente, que o detentor tenha posse sobre o andar entregue e em que habitam.<br> Deste modo, nos termos do acórdão recorrido, este andar não pode constituir garantia do direito à indemnização, independentemente do edifício de que faz parte, por, afinal, inexistir juridicamente.<br> Acentuou-se, pois, o aspecto formal em prejuízo da realidade existencial do andar, permissiva de ocupação e fruição materiais.<br> Diz que sim, o acórdão fundamento, invocando os seguintes argumentos:<br> - Resulta dos autos que houve efectiva tradição de uma coisa: o andar destinado a habitação;<br> - Assim, não pode deixar de se reconhecer o direito de retenção.<br> Aqui acentuou-se o aspecto substancial, real e concreto, substimando-se o formal.<br> 6 - O direito de retenção encerra, como adiante se repetirá, uma feição de garantia real de que o crédito do beneficiário será satisfeito a partir do valor da coisa, e outra coerciva no sentido de pressionar o devedor a adimplir, sob pena de não lograr obter a entrega da coisa, mesmo que ela valha mais do que o montante em causa.<br> Por seu turno, o instituto da propriedade horizontal tem como meta tornar acessível a habitação à generalidade das pessoas, nomeadamente nos meios não rurais. Com efeito, a inelutável tendência para a concentração do povoamento criou cidades macrocéfalas, onde cada palmo de terreno é disputadissimo (6). Daí a sua incomportável sobrevalorização, a ter como consequência a construção, cada vez mais, em altura.<br> Assim, as gigantescas torres, colmeias humanas, albergam inúmeras famílias celulares, na linha da tendência emancipatória moderna. É, pois, permitido o fraccionamento dos grandes edifícios, de forma a constituirem unidades independentes, fracções autónomas, distintas e isoladas entre si, que podem pertencer a proprietários diversos (7). É esta estrutura unitária assente na diversidade fraccionária, que caracteriza a propriedade horizontal (8).<br> 7 - Chegados aqui, importa considerar, como base de metodologia interpretativa, que temos de partir do princípio de que o Direito é um conjunto de normas impostas coactivamente aos cidadãos, teleologicamente orientado no sentido de viabilizar uma convivência social civilizada. Especificamente, em relação ao mencionado direito de retenção, importa atentar em que, na sua dupla função de garantia e de coerção (9) se operou "uma deliberada opção legislativa, dentro de uma política de defesa do consumidor" (10).<br> Assim:<br> O proprietário (pleno) de uma fracção é, simultaneamente, comproprietário das partes comuns. Tal natureza é assumida por via negocial, usucapião ou decisão judicial (11). O negócio jurídico é a forma habitual de constituição. Aliás, o título constitutivo de propriedade horizontal integra requisito prévio da constituição jurídica definitiva.<br> Só que esta realidade jurídica assenta noutra realidade preexistente e de natureza fáctica: normalmente só depois de construído o edifício, autonomizadas fisicamente as diversas fracções, feitas as vistorias legais e emitidos alvarás de habitabilidade, pode lavrar-se a escritura pública em que se traduz o referido título.<br> É normal formalizarem-se contratos-promessa de compra e venda ainda com o prédio em construção, ou mesmo só em projecto. No alicerce de tal atitude reside uma enorme dose de confiança por parte do promitente- -comprador (consumidor) que, tantas vezes, se envolve num compromisso financeiro delicado e penoso, susceptível de o afectar durante grande parte da sua vida (se não toda).<br> Daí que o legislador lhe tenha concedido o direito de retenção a par de várias outras formas de alcance do constitucional direito à aquisição de habitação e a salvaguarda da situação criada pela tradição da coisa, em que as espectativas de estabilização negocial são francamente, por tal facto, reforçadas.<br> 8 - Nesta perspectiva, o citado n. 3 do artigo 410 (redacção do Decreto-Lei 236/80) exige que o documento escrito referente a contrato-promessa de prédio urbano, ou de fracção autónoma, já construído, em construção ou a construir, obedeça a determinados requisitos, cuja inobservância não pode, porém, afectar o promitente-comprador. Revela-se já aqui a falada preocupação de defesa do consumidor que ele é.<br> Correlativamente, o mencionado n. 3 do artigo 442 instituiu, como vimos, o direito de retenção da coisa objecto do contrato-promessa em garantia do crédito resultante de incumprimento por banda do promitente- -vendedor.<br> Do paralelismo destas duas disposições resulta o propósito do legislador de colocar sob a tutela da referida garantia os prédios ou fracções objecto do contrato- -promessa, quer estivessem construídos, quer em construção, quer mesmo a construir, logo que, obviamente, seja materialmente possível e feita a tradição.<br> É certo que a propriedade horizontal pode ainda não estar constituída, mas a transferência da detenção da coisa é feita já com esse evidente propósito e finalidade. É o seu inelutável destino.<br> 9 - O Código Civil de 1867 definia "coisa" de forma considerada demasiado lata e imprecisa (12), mas curiosa: nos termos do artigo 369 "coisa diz-se em direito tudo aquilo que carece de personalidade". O Código vigente aproxima o conceito do âmbito do objecto da relação jurídica (13), sendo as coisas a manifestação mais frequente desse objecto. Assim, nos termos do artigo 202 n. 1 do Código Civil "diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas".<br> E sobre as "coisas", dentro dos limites da lei, podem as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos que sobre elas incidam. Ora, nada obsta a que um edifício, sem submissão ao regime da propriedade horizontal, possa ser objecto de outro tipo de relação jurídica.<br> Assim, para quem aceite a referida inexistência jurídica das fracções, pode encarar-se o problema através de outra faceta distinta: no caso, as fracções em causa ainda não estavam completamente prontas, mas já eram susceptíveis de ocupação (como é o caso dos autos), ou se, eventualmente, estiverem mesmo já prontas para habitação ou mesmo habitadas, faltando, somente, o formalismo inerente à constituição da propriedade horizontal, poderia, então, encarar-se a possibilidade de constituição de outro tipo de relação jurídica. Assim, uma situação de compropriedade sobre o solo e sobre a estrutura comum (cuja existência é inquestionável), verificados que fossem os requisitos inerentes. Tal justificaria, então, de per si, o direito de retenção.<br> Ainda se justificaria, perante o promitente-vendedor, encarando-se a hipótese da promessa como de compra e venda de bens futuros em que aquele "ficaria obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos" (14).<br> Não parece, porém, que seja preciso entar neste campo ficcional.<br> 10 - Assim, a solução correcta e que vai ao encontro do instituído, e cada vez mais apoiado, direito do consumidor, é a encontrada no acórdão fundamento, onde se reconheceu, no domínio da vigência da redacção introduzida pelo Decreto-Lei 236/80, o direito de retenção, mesmo antes de constituída a propriedade horizontal. Tal solução, não foi afectada, antes, de algum modo, confirmada, pela redacção actualmente em vigor.<br> A tal conclusão não obsta a impenhorabilidade das fracções, face à sua inalienabilidade.<br> Assim sendo (pode argumentar-se), de que vale o direito de retenção?<br> Em primeiro lugar, a situação de inalienabilidade é transitória.<br> Termina com a conclusão das obras e a elaboração do título constitutivo da propriedade horizontal. Poderá não terminar, se, por ventura, as obras forem abandonadas.<br> Nesta, hipótese, porém, a retenção tomba em absoluta anodinia.<br> Em segundo lugar - o que se afigura decisivo - o direito de retenção, como acima se verificou, assume dupla função: de garantia e de coerção.<br> O aspecto coercitivo revela sempre, mesmo que, temporariamente, a garantia não possa funcionar. Assim, no dizer do Prof. Calvão da Silva (15), trata-se de meio de pressão que se pode revelar de grande eficácia, até por que o devedor inadimplente pode ter necessidade da entrega da coisa retida. Citando Derrida, "o direito de retenção constitui um meio de pressão forte, eficaz, mesmo mais eficaz do que a própria astreinte, para obter o pagamento do crédito. Instrumento de coerção sobre o bem retido que serve de "refém do credor".<br> Aliás, o próprio preâmbulo do citado Decreto-Lei 236/80, refere que, no caso de tradição, "se criou forte expectativa de estabilização do negócio e uma situação de facto socialmente atendível". Esta ideia é repetida e reforçada na parte preambular do Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro, afirmando-se que "a boa fé sugere, portanto, que lhe corresponda um acréscimo de segurança" e, no conflito de interesses que se cria "afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela dos particulares.<br> Vem na lógica da defesa do consumidor."<br> Tudo isto reforça a ideia da eficácia do referido direito, independentemente da constituição da propriedade horizontal.<br> Nesta linha proteccionista do promitente-comprador (consumidor), foram proferidos os assentos de 28 de Junho de 1994 e de 1 de Fevereiro de 1995, negando, aquele, a possibilidade de terceiros invocarem a omissão de formalidades na elaboração do contrato e vedando, este, ao tribunal o poder de declaração oficiosa daquela omissão.<br> Este proteccionismo, pode, é certo, constituir uma atracção para atitudes intoleravelmente oportunistas e abusivas. Deverão contrapor-se-lhe, então, os expedientes legais adequados como, v.g., a invocação do uso abusivo do direito.<br> Deste modo: a) Uniformiza-se a seguinte jurisprudência:<br> Nos termos do n. 3 do artigo 442 do Código Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho, tendo havido tradição de fracção de prédio urbano, o promitente-comprador goza do direito da sua retenção, mesmo que o edifício ainda não esteja submetido ao regime de propriedade horizontal". b) Concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.<br> Custas pela Recorrida.<br> (1) - No Código Civil de 1867 era discutível a caracterização deste direito.<br> (2) - B. 242/275; RLJ 108/382.<br> (3) - Prof. Almeida Costa, Direito das Obg., 852, 6. ed.<br> (4) - Redacção do citado Decreto-Lei 236/80.<br> (5) - Artigo 755 citado; artigo 1323 n. 4 do Código Civil; artigo 35 do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, etc.<br> (6) - Não obstante, o fenómeno está longe de ser novo.<br> Já nas Ordenações Filipinas havia manifestações deste instituto, ao falar-se em sobrado e sotão, pertencentes a donos diferentes. A grande expansão do fenómeno inicia-se, no entanto, após a II Grande Guerra. Entre nós, trata-se sistematicamente a partir do Decreto-Lei 40333, de 14 de Outubro de 1955.<br> (7) - Artigos 1414, 1415, do Código Civil.<br> (8) - H. Mesquita, RDES, 23/84; M. Pinto, D. Reais, 271.<br> (9) - Calvão da Silva, Cump. e Sanção Pec. Compulsória, 345.<br> (10) - Al. Costa, ob. cit., 358, nota 1.<br> (11) - Artigo 1417 do Código Civil.<br> (12) - Pires de Lima, Reais, 75, 4. ed.<br> (13) - Mota Pinto, Reais, 18.<br> (14) - Artigo 880 do Código Civil.<br> (15) - Ob. cit. 346.<br> Lisboa, 12 de Março de 1996.<br> Pereira da Graça.<br> Figueiredo de Sousa.<br> Fernando Fabião.<br> César Marques.<br> Martins da Costa.<br> Sá Couto.<br> Cardona Ferreira.<br> Mário Cancela.<br> Sampaio da Nóvoa.<br> Costa Pereira.<br> Henriques de Matos.<br> Costa Soares.<br> Machado Soares.<br> Herculano Lima.<br> Metello de Nápoles.<br> Fernandes Magalhães.<br> Amâncio Ferreira.<br> Nascimento Costa.<br> Sousa Inês (vencido quanto à inclusão no texto da palavra "ainda" por inculcar a falsa ideia da necessidade de, na execução, se constituir o edifício em regime de propriedade horizontal).<br> Torres Paulo (vencido, estaria de acordo com a exposição do Exmo. Colega Lopes Pinto.<br> Roger Lopes (vencido, conforme declaração que junto.<br> Miranda Gusmão (subscrevo a declaração de voto do Exmo.<br> Juiz Conselheiro Lopes Pinto).<br> Ramiro Vidigal (vencido nos termos do voto do Exmo.<br> Conselheiro Lopes Pinto).<br> Pais de Sousa (vencido nos termos do voto do Exmo.<br> Conselheiro Lopes Pinto).<br> Oliveira Branquinho (vencido nos termos do voto do Exmo.<br> Conselheiro Lopes Pinto).<br> Almeida e Silva.<br> Lopes Pinto (junto voto de vencido).<br> Voto de vencido:<br> 1 - Dada a natureza real do direito de retenção, este apenas pode incidir sobre coisas (o direito real caracteriza-se por ser um poder directo e imediato sobre uma coisa certa e determinada - P. de Lima - A. Varela in Noções Fundamentais de Dir Civ. I/243).<br> Enquanto não estiver definitivamente constituída a propriedade horizontal, e, portanto, autonomizadas as diversas fracções, apenas é coisa, no sentido jurídico, o prédio e não cada andar ou parte dele; estas apenas podem ser vistas na perspectiva de o virem a ser.<br> Tal conclusão não sofre qualquer alteração pelo facto de ser possível celebrar contratos sobre esses andares ou parte deles, o que a própria lei, inclusivamente, prevê (v.g., artigo 410 n. 3 do Código Civil - edifício já construído, em construção ou a construir). Tal é lícito em função do carácter obrigacional do negócio jurídico celebrado.<br> 2 - Tal como a doutrina, a jurisprudência e a própria lei tomam em consideração essa natureza real, dela retirando as inerentes consequências. Por isso, basta assinalar um exemplo contido numa e noutra.<br> Ao inquilino habitacional apenas se reconhece o direito de preferência na alienação do prédio, não submetido ao regime da propriedade horizontal, onde se situa o andar que tomou de arrendamento e onde mora.<br> A hipoteca incide sobre o prédio ainda que se preveja ser futuramente submetido ao regime da propriedade horizontal (a incidência, uma vez constituído esse regime, não é questão que se oponha à solução adoptada mas não tem de aqui ser resolvida, como também o não será o eventual concurso de direitos).<br> Por outro, ao conceder o direito de retenção ao promitente-comprador a lei não alterou o regime próprio daquele - não o há em relação a coisas impenhoráveis (Código Civil - artigo 756 alínea c)) e penhorável aí, enquanto o prédio não for submetido ao regime da propriedade horizontal, só é o prédio.<br> 3 - Quer o contrato-promessa quer a traditio não conhecem especificidade que implique diversa conclusão.<br> Mesmo quando o objectivo seja o de proporcionar habitação, a existência de licença de habitabilidade não condiciona a admissibilidade da traditio. A relação que se estabelece com aquela licença no prédio em construção ou a construir é com o prédio e não com cada andar ou parte dele.<br> 4 - O direito de retenção incide sobre o prédio.<br> Este direito existe em função do crédito resultante do não cumprimento imputável ao promitente-vendedor.<br> Reconhecê-lo sobre o prédio, quando na petição inicial se o indicara sobre a "fracção" prometida, não constitui condenação em quantidade superior (o crédito não sofre qualquer alteração) nem em objecto diferente (o direito que se reconhece é precisamente o mesmo).<br> A ratio da concessão do direito de retenção mantem-se, sendo esta solução a que melhor garante os interesses do promitente-comprador que a lei quis acautelar.<br> 5 - Entendo, assim, que se deveria uniformizar a jurisprudência no sentido de reconhecer o direito de retenção sobre o prédio e, nesta base, que se deveria revogar o acórdão recorrido decidindo-se em conformidade com o agora estabelecido.<br> Lopes Pinto.<br> Relator que fui acórdão recorrido, entendo que a solução que fez vencimento confere ao promitente-comprador direito diferente do direito de retenção conferido pela lei que, no caso concreto, não existe, por recair sobre coisa não existente juridicamente.<br> Roger Lopes.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam em conferencia no Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas:<br> </font><br> <font>A e o seu marido; B e sua mulher; C e mulher; D e mulher e E; autores nestes autos, recorreram para o Tribunal Pleno do acordão deste Supremo Tribunal de folhas 221 e seguintes em que se decidiu:</font><br> <font><br> 1 - Que a caducidade do arrendamento, extinto o usufruto, se não opera ipso jure;</font><br> <font><br> 2 - Desde que o proprietario consolidado continua a comportar-se como senhorio recebendo as rendas e passando o competente recibo, da-se a ratificação do antigo contrato, que continua a subsistir;</font><br> <font><br> 3 - Tendo um dos comproprietarios continuado a receber as rendas, não manifestando os outros qualquer discordãncia quanto ao recebimento das rendas, nem quanto a pessoa que as recebia, conclui-se que deram o seu assentimento , nos termos do artigo 648 do Codigo Civil.<br> Nestas condições se decidiu que quem recebia as rendas e passava os recibos era mandatario verbal, como admite o artigo 1318 do Codigo Civil; e que, assim, os autores ratificaram o antigo contrato feito pelo usufrutuario, sem necessidade de ser modificado ou renovado.<br> E recorreram, porque este acordão se encontra em oposição, sobre os mesmos pontos de direito, com os acordãos anteriores transitados em julgado, de 25 de Fevereiro de 1947 (Boletim Oficial, ano VII, n. 39, a paginas 97), de 3 de Fevereiro de 1939 (Colecção Oficial, ano 38, paginas 29 e 30), e de 20 de Março de 1934 (Colecção Oficial, ano 33, paginas 85), que sobre os tres pontos de direito referidos decidiram em sentido inteiramente oposto, isto e, que: a) A caducidade se opera ipso jure; b) Que o facto do consolidado proprietario por obito do usufrutuario, ter posteriormente recebido rendas e passado recibo ao inquilino não importa renovação do contrato nem impede a acção de despejo; c) Que o comproprietario do predio indiviso não pode da-lo de arrendamento, sem consentimento dos outros (artigo 5 do Decreto n. 5411), e que esse consentimento so por escrito tem valor, pois o consentimento da usufrutuaria e um elemento do contrato e, por isso, tem que manifestar-se pela forma que a lei prescreve e, assim, o consentimento dos comproprietarios tem de ser prestado pela forma exigida na lei para a validade do contrato.</font><br> <font><br> A oposição sobre os mesmos pontos de direito e manifesta, como ja foi reconhecido no acordão que mandou seguir o recurso.</font><br> <font><br> Os recorrentes pedem que se tire Assento, no sentido da doutrina sustentada nos acordãos referidos em oposição com o acordão recorrido.<br> Cumpre decidir:</font><br> <font><br> Quanto aos dois primeiros pontos o caso acha-se resolvido pelo assento de 10 de Maio corrente.</font><br> <font><br> Assim e que foi tirado o assento nos seguintes termos:<br> "No dominio da legislação anterior a Lei n. 2030 a caducidade do arrendamento feito pelo usufrutuario não se opera ipso jure com a extinção do usufruto.</font><br> <font><br> E se, findo este, o proprietario recebeu a renda e passou o respectivo recibo, considera-se renovado o arrendamento".</font><br> <font><br> Fazendo-se aplicação deste assento, quanto a estes dois pontos e de manter-se o acordão recorrido, que sobre estes pontos sustentou a doutrina ora fixada pelo assento referido de 10 de Maio corrente.<br> Como assim, ha que tirar Assento, apenas, sobre o terceiro ponto de direito.<br> Vejamos.<br> Dispoe-se no artigo 5 do Decreto n. 5411 que o comproprietario de predio indiviso não pode da-lo de arrendamento sem consentimento dos outros comproprietarios, disposição identica a que se achava no Codigo Civil, no artigo 1598.</font><br> <font><br> Assim, sendo varios comproprietarios e um so deles não podendo dar de arrendamento o predio indiviso, logico e concluir-se que não pode passar os recibos das rendas, findo o usufruto, sem consentimento dos demais comproprietarios.<br> Fazendo-o sem esse consentimento, tal não pode obrigar os outros comproprietarios.<br> Mas, se os comproprietarios agem por forma que revele que dão o seu assentimento ao recebimento das rendas vencidas, desde que no assento de 10 de Maio corrente se estabeleceu que o recebimento da renda e a passagem do recibo implica o considerar-se renovado o arrendamento, forçoso e concluir da mesma forma, no caso vertente, isto e, que o arrendamento continua a ter existencia legal para todos os comproprietarios.<br> Ora, vem dado como provado, pelas instancias que, no caso dos autos os autores aceitaram o pagamento da renda durante mais de oito anos, primeiro por intermedio do pai, embora com recibo feito por uma das autoras e, depois, por morte daquele, com recibos passados pela mesma e cobrados pelos outros irmãos, o que, dizem as instancias rever por forma clara o acordo tacito, dos autores, de manterem como mantiveram durante oito anos o contrato de arrendamento do predio de que passaram a ter propriedade plena desde o falecimento da usufrutuaria.</font><br> <font><br> Com efeito, de tais factos licitos e concluir-se, visto o disposto no artigo 648 do Codigo Civil, o consentimento dos comproprietarios, quanto ao recebimento da renda e passagem dos recibos e, portanto, na continuação do arrendamento.</font><br> <font><br> Como assim, acordam negar provimento ao recurso, confirmando o acordão recorrido com custas pelos recorrentes.</font><br> <font><br> E, em obediencia a Lei, tiram o seguinte Assento:<br> No dominio da legislação anterior a Lei n. 2030, findo o usufruto, o recebimento da renda de um predio arrendado pelo usufrutuario e a passagem de recibos de renda por um dos comproprietarios não obriga os demais comproprietarios a não ser que se mostre por qualquer forma que estes deram o seu consentimento para tal, pois neste caso o arrendamento se considera renovado.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 17 de Maio de 1950</font><br> <font><br> Roberto Martins (Relator) - Alvaro Ponces - Mario de Vasconcelos - Antonio de Magalhães Barros - Pedro de Albuquerque - Rocha Ferreira - Jose de Abreu Coutinho - Artur A. Ribeiro - Campelo de Andrade -<br> - Bordalo e Sa - A. Bartolo - A. Cruz Alvura - Lencastre da Veiga - Raul Duque (Vencido: Embora discordando da doutrina do assento de 10 de Maio corrente, tenho de lhe dar acatamento, quanto aos dois primeiros pontos, por força do estatuido no 3 periodo do artigo<br> 768 do Codigo de Processo Civil. Quanto a orientação do presente Assento em relação ao 3 ponto, e unico por este discutido, divirjo ainda.<br> Claro que nos termos do artigo 5 do Decreto n. 5411 e 1598 e n. 4 do artigo 1270 do Codigo Civil, a passagem dos recibos de renda por um dos comproprietarios do predio indiviso, não pode obrigar os outros comproprietarios. Mas traduzindo ele, no espirito do Assento, a prorrogação ou a existencia de um arrendamento, que e um contrato para cuja validade e necessaria a coexistencia dos 3 requisitos referidos no artigo 643 do Codigo Civil, não pode aquele conjunto de circunstancias surgir da simples passagem de recibos de renda feito por um so comproprietario quando se ignore se todos os comproprietarios são capazes e, sendo-o, se prestaram para tanto o seu consentimento, pois muitas vezes sucede que ate os ausentes em parte certa ficam surpreendidos ao tomarem conhecimento de que se encontra arrendada (?) a sua quota parte no predio comum indiviso.</font><br> <font><br> Compreende-se a existencia de um arrendamento precario, por exemplo, o feito pela cabeça de casal ate se ultimarem as partilhas, artigos 2085 do Codigo Civil, e 1018 do Codigo de Processo Civil, porque isto representa um acto de mera administração, mas não se compreende que deixem de obsrvar-se os preceitos dos artigos 651 e 652 do Codigo Civil, mantendo-se durante anos uma situação de facto que pode ser altamente prejudicial para os incapazes ou para os que, ignorando a existencia de uma tal situação, se vejam, no entanto, sujeitos a uma obrigação que não criaram, mas que parece ser protegida pelo Assento, sempre que por qualquer forma se mostre o seu consentimento.</font><br> <font><br> De resto, se ha arrendamentos que podem ser verbais, outros ha para os quais a lei exige ate a escritura publica, e certamente que a intenção do Assento não pode envolver o desejo de violação daquelas normas).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em pleno, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>Cumprido o determinado no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, o excelentissimo representante do Ministerio Publico junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu para o tribunal pleno do Acordão de 7 de Fevereiro de 1979 (processo n. 9190-2), cuja decisão diz estar em oposição com a do Acordão de 2 do mesmo mes e ano (processo n. 9163-2), ambos daquela mesma Relação.<br> Pretende-se ver fixada jurisprudencia sobre a questão posta e por forma diversa resolvida em um e outro daqueles acordãos, questão que consiste em saber se, rejeitada a acusação em processo correccional deduzida pelo Ministerio Publico e interpsoto recurso por este do respectivo despacho, deve ou não o acusado ser notificado do despacho que tal recurso admita para efeito de, se assim o entender, apresentar na devida altura a sua contra-alegação.<br> A secção criminal reconheceu, a folhas 23 e seguintes, que as decisões proferidas naqueles dois acordãos estão em oposição e, em consequencia, ordenou o prosseguimento do recurso.<br> Na sua alegação de folhas 27 e seguintes, o ilustre magistrado do Ministerio Publico conclui no sentido de que deve ser lavrado assento do teor seguinte:<br> Deve ser notificado ao arguido o despacho que recebe o recurso interposto pelo Ministerio Publico, em processo correccional, do despacho que não recebeu a sua acusação.<br> Com os vistos legais, cumpre decidir.<br> Ha que verificar, antes de mais, e uma vez que a decisão da secção não vincula o tribunal pleno - artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força do paragrafo unico do artigo 668 e paragrafo unico do artigo 669 do Codigo de Processo Penal -, se entre os acima apontados acordãos ha efectivamente oposição relevante, isto e, se, para alem do mais que naquele artigo 669 e no artigo 763 do Codigo de Processo Civil e exigido, os dois acordãos resolveram a mesma questão fundamental de direito e na sua decisão adoptaram soluções opostas.<br> De um e outro dos referidos acordãos, que foram proferidos em processos diferentes, não era admissivel recurso ordinario - artigo 646, n. 6, do Codigo de Processo Penal.<br> Não vem posto em causa o transito em julgado do em primeiro lugar exarado.<br> Ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação -<br> - entre outros, os artigos 370, 371 e 390, n. 2, do Codigo de Processo Civil.<br> E manifesto que num e noutro estava em causa uma so e a mesma questão de direito, a acima ja enunciada.<br> Como manifesto e que a essa mesma questão foram dadas soluções opostas, ja que:<br> No de 2 de Fevereiro de 1979 se decidiu que, por aplicação ao caso do disposto no artigo 475, n. 3, do Codigo de Processo Civil (aplicação a fazer nos termos do disposto nos artigos 649 e 1, paragrafo unico, do Codigo de Processo Penal), o despacho a admitir o recurso interposto pelo Ministerio Publico do despacho de não recebimento de acusação sua formulada em processo correccional deve ser notificado ao arguido a fim de sobre o recurso interposto tomar a posição que entenda;<br> No de 7 do mesmo mes e ano, e ao contrario, se entendeu e decidiu que, em hipotese precisamente igual a antes referida, não havia lugar a notificação do arguido para os termos do recurso que o Ministerio Publico interpusera.<br> Face ao que, por haver entre os dois identificados acordãos oposição relevante, se passa a conhecer do objecto do recurso.<br> O artigo 1 do Codigo de Processo Penal, ao estabelecer que o exercicio da acção penal se fara nos termos desse mesmo diploma, logo acrescenta no seu paragrafo unico que, para os casos omissos que não possam ser resolvidos com a aplicação por analogia das suas disposições, se observarão "as regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal", e, na falta deles, se aplicarão "os principios gerais do processo penal".<br> Dai que, considerando a ordem de precedencia naquele paragrafo unico estabelecida, quando nos encontrarmos face a um caso omisso e sua regulamentação, se deva fazer recorrendo em primeiro lugar as disposições daquele diploma ou da sua legislação complementar que disciplinem casos analogos; em segundo lugar, pelo recurso as regras de processo civil que, no campo de aplicação do respectivo Codigo, prevejam e regulem para caso coincidente ou simplesmente analogo ao sem regulamentação na legislação de processo penal; em ultimo caso, por aplicação dos principios gerais de processo penal.<br> Anote-se desde ja que, porem, o recurso ao processo civil so e admissivel quanto a regras dessa natureza "que se harmonizem com o processo penal".<br> Enunciados estes principios e aceitando, como se aceita, que a questão acima colocada e a resolver não esta expressamente prevista na legislação de processo penal, pelo que nos encontramos frente a um caso omisso, vamos seguir portanto o recurso que o referido paragrafo unico nos aponta, ate onde for necessario, para se encontrar a solução apropriada.<br> Em primeiro lugar afigura-se-nos que, contrariamente ao entendido no acordão recorrido (o de 7 de Fevereiro de 1979), o problema de saber se o despacho que admite o recurso da decisão que não recebe acusação pelo Ministerio Publico, deduzida em processo correccional, tem ou não de ser notificado ao arguido (o não pronunciado) não pode resolver-se por aplicação analogica "das disposições que regulam o recurso de não pronuncia em processo de querela", designadamente os artigos 370 e<br> 371 do Codigo de Processo Penal. E isto porque analogia não ha entre o caso aqui em apreço e as situações previstas e reguladas nesses preceitos legais.<br> O artigo 371, ao não incluir o arguido entre as entidades que podem recorrer do despacho de não pronuncia, tem como evidente explicação o facto de tal despacho não lhe ser desfavoravel, sendo que não e licito interpor recurso de decisões favoraveis. E o ensinamento que se colhe, quanto ao reu e ao assistente, como partes em processo penal, do artigo 647, e seu n. 2 e paragrafo 3 fo respectivo Codigo (em plena concordancia, alias, como o tal respeito estabelecido no Codigo de Processo Civil - artigo 680, ns. 1 e 2).<br> Por sua vez, o artigo 370 ao mandar notificar o despacho de não pronuncia "aos arguidos que tenham intervindo no processo", não lhes conferindo, como não confere (pelas razões imediatamente antes apontadas), o direito de recurso, so pode ter como explicação a de lhes dar a conhecer, e apenas isso, e por terem tido intervenção no processo, o resultado deste (no qual foram postos em causa pela imputação feita de facto ou factos criminosos), a fim de poderem agir de seguida conforme entenderem ser de seu direito.<br> Uma segunda via para a resolução do problema sera a do recurso as "regras do processo civil", com a chamada aqui do que se dispõe no artigo 475, n. 3, do respectivo Codigo, onde, no caso de recurso do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, se manda citar o reu "tanto para os termos do recurso como para os da causa", sendo ainda que, quer no artigo 742, n. 1, quer do artigo 760, n. 1, do mesmo diploma se ordena tambem a notificação "as partes" do despacho que admite o recurso.<br> Ora, foi precisamente por se entender que o despacho de não recebimento da acusação apresenta forte identidade com o de indeferimento liminar da petição inicial em processo civil que, no Acordão de 2 de Fevereiro de 1979 - o apontado em oposição com o recorrente -, e por aplicação analogica com o estabelecido naquele artigo 475, n. 3, se decidiu no sentido da obrigatoriedade da notificação ao arguido do despacho que admitiu o recurso do Ministerio Publico da decisão que não recebeu a acusação que formulara.<br> Aceitando, embora, que entre as duas situações se pode ver uma certa analogia, importa no entanto averiguar se aquela regra de processo civil "se harmoniza com o processo penal", condição da sua aplicabilidade ao caso omisso em causa, como expressamente o exige o acima citado paragrafo unico do artigo 1 do Codigo de Processo Penal.<br> Como argumento a considerar para a justificação daquele entendimento, para alem, claro, de uma pelo menos aparente similitude entre os dois casos, invoca-se o de so daquele modo se respeitar e assegurar o direito de defesa do arguido e, bem assim, a regra da subordinação do processo criminal ao principio do contraditorio, um e outro alias expressamente consagrados na Constituição da Republica.<br> Estabelece efectivamente o artigo 32 da Constituição no seu n. 1 que "o processo criminal assegurara todas as garantias de defesa" e no seu n. 5 que "o processo criminal tera estrutura acusatoria, ficando a audiencia de julgamento subordinada ao principio do contraditorio".<br> So que, como ee evidente, sempre e em qualquer caso aquelas "garantias de defesa" devem ser (so podem ser) concretizadas com respeito da lei processual penal e principios que a enformam e não segundo um desenvolvimento incondicionado; enquanto a regra do contraditorio e imposta apenas para a audiencia de julgamento.<br> Revertendo de novo a procura da solução para o caso em apreço, começara por se dizer que a decisão que não recebe a acusação - despacho de não pronuncia - não põe de modo algum em causa a pessoa do arguido, não o atinge nem prejudica, pelo que o mesmo não tem que se defender dela.<br> E certo que o Ministerio Publico, tendo formulado acusação, tem o direito de recorrer do despacho que a não receba - artigo 647, n. 1, do Codigo de Processo Penal. Menos certo não e que, porem, a interposição do recurso, e seu consequente desenvolvimento, continua a não por em causa a pessoa do arguido, e isso porque, mesmo em caso de provimento do recurso, o acusado não fica desde logo pronunciado.<br> Tal provimento traduz-se apenas numa ordem, dirigida ao tribunal da 1 instancia, para o recebimento da acusação nos termos em que foi formulada ou ate noutros.<br> E enquanto essa ordem não for executada não ha indiciação e, portanto, o processo continua na fase de instrução e o arguido impedido de nela intervir.<br> Isto por um lado , enquanto a simples interposição do recurso continua a não atribuir ao arguido a posição de parte no processo, qualidade que com o não recebimento da acusação precisamente lhe e negada.</font><br> <font>Ora, e precisamente neste aspecto que a hipotese prevista e regulada no referido artigo 475, n. 3, do Codigo de Processo Civil se afasta do que temos vindo a apreciar. E dai o ter-se dito acima que a analogia entre os dois casos era meramente aparente.<br> E que aquele preceito não se limita a mandar notificar [que seria o meio apropriado para o efeito (artigo 228, n. 2, do Codigo de Processo Civil)] o reu para os termos do recurso. Antes ordena a sua citação "tanto para os termos do recurso como para os da causa", com o que, chamando-o assim e simultaneamente a acção, lhe confere desde logo a qualidade de parte no processo, dando-lhe por isso a possibilidade de se defender<br> (n. 1 daquele artigo 228).<br> Acresce que, enquanto não houver pronuncia, o processo tem de considerar-se na fase de instrução preparatoria<br> (ou de inquerito preliminar), tendo, como tal, caracter secreto (artigo 70 do Codigo de Processo Penal e artigo 13 do Decreto-Lei n. 35007, de 13 de Outubro de 1945).<br> O que tambem implica que nessa fase - enquanto não for proferida uma decisão que lhe seja desfavoravel, concretizada num despacho de pronuncia - ao arguido não assista o direito de, como tal, interferir no desenvolvimento do processo, precisamente porque ainda não e sujeito da acção, não e parte.<br> Para o ser, indispensavel se torna que contra ele se tenha estabelecido uma relação juridica punitiva, o que so acontece com o proferir de um despacho de pronuncia.<br> Afastadas, assim, as duas primeiras vias para a resolução do problema em causa - aplicação por analogia de disposições da lei processual penal e recurso as regras de processo civil -, fica como ultima hipotese a do recurso aos "principios gerais do processo penal".<br> Com o que, face ao antes exposto, isto e, considerando as razões aduzidas para a não aceitação da solução decorrente do estabelecido no artigo 475, n. 3, do Codigo de Processo Civil, facil de ver e qual o entendimento a adoptar.<br> Pois, se e pressuposto necessario para que ao arguido assista o direito de exercicio do poder de defesa a sua condição de parte no processo, por um lado;<br> Se o arguido so e sujeito da acção processual - parte no processo - quando contra ele se estabelece, atraves de um despacho de pronuncia, uma relação juridica punitiva, por outro:<br> Dai se infere que não pode o arguido interferir no desenvolvimento do recurso interposto do despacho que não recebe a acusação pelo Ministerio Publico contra ele formulada, designadamente atraves da apresentação de contra-alegação, pelo que se não justifica que lhe seja notificado o despacho de recebimento de tal recurso.<br> Consequentemente, e face a conclusão a que antes se chegou, se lavra o seguinte assento:<br> Não recebida a acusação pelo Ministerio Publico formulada em processo correccional e interposto por esse magistrado recurso da respectiva decisão, não tem de ser notificado ao arguido o despacho que tal recurso recebe.<br> Não e devido imposto de justiça.<br> </font><br> <font>Lisboa, 8 de Abril de 1981</font><br> <br> <font>Avelino da Costa Ferreira Junior - Rocha Ferreira -<br> - Ruy Corte Real - Augusto de Azevedo Ferreira - Sebastião de Barros e Sa Gomes - Daniel Ferreira - Abel de Campos -<br> - Manuel Arelo Ferreira Manso - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Jose F. Quesada Pastor -<br> - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Jose Luis Pereira - A. Campos Costa - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Jose dos Santos Silveira - Manuel Batista Dias da Fonseca - Rodrigues Bastos (vencido. Entendo que o arguidodevia ser notificado nas circunstancias referidas porque tem interesse directo na decisão do recurso e ja lhe foi notificada a acusação, nos termos do artigo<br> 352 do Codigo de Processo Penal) - Manuel dos Santos Victor (vencido pela mesma razão do voto que antecede)<br> - Anibal Aquilino Ribeiro (vencido por entender impor-se a notificação do arguido do despacho do não recebimento da acusação no processo correccional pelos fundamentos aduzidos no Acordão de 2 de Fevereiro de 1979 e em conformidade com os principios definidos na Constituição da Republica) - Jose Henriques Simões (vencido. Alem das razões dos votos antecedentes, e de notar que a razão de ser do artigo 475 do Codigo de Processo Civil - analogia juridica - e perfeitamente aplicavel em processo penal no caso posto no recurso.<br> Porque sera preciso evitar possa ser repetido o recurso pelo acusado no caso posterior do recurso do despacho de pronuncia). - Antonio Furtado dos Santos (vencido com base nos fundamentos expostos nos votos dos Excelentissimos Colegas que antecedem) - Moreira da Silva (vencido, nos termos da declaração de voto do Excelentissimo Colega Furtado dos Santos) - Manuel do Amaral Aguiar (vencido pelas razões anteriormente expostas) - Augusto Victor Coelho (vencido pelas razões anteriormente expostas) - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny (vencido. Para alem das razões apontadas nas declarações antecedentes, afigura-se-me que a solução adoptada pode conduzir a situação aberrante que passo a expor: no caso de ser provido o recurso do Ministerio Publico e ordenado o recebimento da acusação e cumprido o decidido na 1 instancia [...], ou o arguido fica impedido de novo recurso por a Relação ja se ter pronunciado, ou, no mesmo caso concreto, a relação pode vir a ser colocada na contingencia de proferir acordãos contraditorias. E que, na optica do assento - que consideramos inexacta -, não sendo ainda o arguido parte no processo ao ser interposto o primeiro recurso, o primeiro acordão da Relação não faz caso julgado quanto a ele). - Mario de Brito (vencido. Se so arguido não for dada possibilidade de intervir no recurso atraves da notificação do despacho que o admite, pode mais tarde - se, e claro, o tribunal superior ordenar o recebimento da acusação - interpor de novo recurso, afinal sobre a mesma materia, visto que a decisão anterior não constitui caso julgado para ele, com prejuizo da economia processual).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal recorreu, para tribunal pleno, do Acordão da Relação de Lisboa de 4 de Maio 1984, que por fotocopia se acha a folhas 17-19 proferido em recurso de agravo, em que foi recorrente o curador de menores junto do Tribunal de Familia de Lisboa e a que foi negado provimento, em confirmação da decisão da 1 instancia, que, em processo de regulação do exercicio do poder paternal relativamente ao filho dos ai requerentes, A e B, de nome C, nascido em 26 de Julho de 1977, indeferiu pedido de transferencia do direito ao arrendamento por eles formulado ao abrigo do n. 2 do artigo 1110 do Codigo Civil (CC), considerando que os requerentes não estavam unidos pelo matrimonio, alegando haver oposição entre esse acordão e o de 2 de Junho de 1981, tambem da Relação de Lisboa, que por fotocopia se acha a folhas 23-24 e se mostra publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, 1981, tomo 3, pagina 61, que julgou serem as normas do artigo 1110 do Codigo Civil aplicaveis analogicamente as uniões de facto quando haja filhos menores.<br> Alegou o recorrente, procurando demonstrar a existencia dos pressupostos deste recurso, mormente a invocada oposição de julgados.<br> Em acordão da Secção, a folha 33, ficou decidido verificarem-se esses pressupostos: acordãos proferidos em processos distintos, no dominio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito que consiste em saber se o regime estabelecido nos ns. 2 a 4 do artigo 1110 do Codigo Civil e ou não de aplicar as uniões de facto: transito em julgado do acordão invocado em oposição e inadmissibilidade de recurso dos acordãos em causa para este Supremo Tribunal (artigo 150 da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro, artigo 1411, n. 2, do Codigo de Processo Civil e assento deste Supremo tribunal de 6 de Abril de 1965).<br> Igualmente se decidiu pela alegada oposição de acordãos, na medida em que no de 4 de Maio de 1984 (ora recorrido) se decidiu que "os progenitores não unidos pelo matrimonio não beneficiam do regime de excepção previsto nos ns. 2 a 4 do artigo 1110 do Codigo Civil", enquanto no de 2 de Junho de 1981 se julgou que "as normas constantes do artigo 1110 do Codigo Civil se aplicam analogicamente as simples uniões de facto em que haja filhos menores".<br> Seguindo o recurso, alegou de merito o recorrente, que manifestou o entendimento de que, havendo menores e sendo necessaria a regulação do poder paternal, o tribunal deve fazer a atribuição do direito ao arrendamento, nos termos do artigo 1110 do Codigo Civil, firmando-se assento nesse sentido.<br> Corridos os vistos do plenario, cumpre decidir.<br> Ha que conhecer do presente conflito de julgados e soluciona-lo, na medida em que, conforme se mostra do acordão da Secção, se verificam todos os requisitos ou pressupostos legais deste recurso, incluindo o da invocada oposição, pelo que nada ha agora a alterar ou acrescentar a tal respeito.<br> Afigura-se, no entanto, que os preceitos com base nos quais foram tomadas nos acordãos em conflito soluções opostas em relação a mesma questão fundamental de direito não consentem outra solução que não seja a que foi adoptada no acordão recorrido, qual seja o de 4 de Maio de 1984.<br> E senão vejamos.<br> As normas em directa discussão no conflito são as dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 do Codigo Civil, diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser indicadas, sem qualquer outra menção.<br> Teve aquele artigo 1110 por fonte os artigos 44 e 45 da Lei n. 2030.<br> Integra-se ele na subsecção VI do capitulo IV, relativo a locação, do titulo, livro II, do referido Codigo, que respeita a disposições especiais dos arrendamentos para habitação.<br> No seu n. 1 estatui-se que, "seja qual for o regime matrimonial, a posição do arrendatario não se comunica ao conjuge e caduca por sua morte, sem prejuizo do disposto no artigo seguinte".<br> Esta-se perante uma regra imperativa, a impor a incomunicabilidade do direito ao arrendamento, seja qual for o regime matrimonial.<br> A Camara Corporativa, em seu parecer de 4 de Fevereiro de 1947, sugeriu-a e justificou-a pela seguinte forma:<br> Trata-se de um direito que, embora em rigor seja de indole patrimonial, e constituido, muitas vezes, intuitus personae e e um direito que se adapta mal ao mecanismo de uma contitularidade entre marido e mulher. Podem surgir, e tem efectivamente surgido, embaraços graves de construção a quem, vendo nele um elemento patrimonial comum, procure regular a sua transmissão nos casos de morte de um dos conjuges ou de divorcio ou separação. E, pois, preferivel, por todos os titulos, proclamar a incomunicabilidade desse direito e regular a sua transmissão, por forma a satisfazer os interesses atendiveis dos conjuges.<br> A transmissão por morte do arrendamento vem regulada no artigo 1111, enquanto no n. 2 daquele artigo 1110 se permite que, obtido o divorcio ou a separação judicial de pessoas e bens, os conjuges possam acordar em que a posição de arrendatario fique pertencendo a qualquer deles.<br> Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a situação patrimonial dos conjuges, as circunstancias de facto relativas a ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa imputada ao arrendatario na separação ou divorcio, o facto de ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento e quaisquer outras razões atendiveis; estando o processo pendente no tribunal de menores, cabe a este a decisão (n. 3 do mesmo artigo).<br> A transferencia do direito ao arrendamento para o conjuge do arrendatario, por efeite de acordo ou decisão judicial, deve ser notificada oficiosamente ao senhorio (seu n. 4).<br> Recorrendo, de novo, aquele parecer da Camara Corporativa, verifica-se que a adopção das medidas excepcionais em materia de arrendamento, que se contemplam nas normas dos ns. 2 e 3 daquele artigo, são assim explicadas:<br> O que se pretende com estas medidas excepcionais em materia de arrendamento e proteger o facto da habitação, e, portanto, em principio, devera atribuir-se o direito aos dois; e não apenas ao que figura como arrendatario, visto o contrato ser normalmente celebrado em beneficio do agregado familiar, e não de um conjuge apenas.<br> Como, porem, isto e impossivel desde que seja decretado o divorcio ou a separação, parece indicado que acima de um interesse muitas vezes puramente ocasional, como e o da outorga do contrato, se atenda efectivamente as necessidades de habitação de cada um dos conjuges, facultando-se-lhes um acordo e atribuindo ao juiz, na falta dele, o poder de dirimir o conflito, conferindo a posse da casa a quem melhor direito invoque, baseado na culpa do outro conjuge, na situação patrimonial de cada um, no interesse dos filhos, etc.<br> De considerar que o direito ao arrendamento tem uma natureza "essencialmente pessoal", ainda que equiparado aos direitos reais para determinados efeitos, como se infere do artigo 1022, onde se da a noção de contrato de locação e do que se estabelece nos artigos 1031, alinea b), 1036 e 1037, n. 2 (Professor Pereira Coelho,<br> Arrendamento, sumario das lições de 1980-1981).<br> No artigo 1733 (relativo ao regime de comunhão geral de bens), seu n. 1, alinea c), prescreve-se que são exceptuados da comunhão o usufruto, o uso ou habitação e demais direitos estritamente pessoais.<br> Como referem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela no volume IV do seu Codigo Civil Anotado, a paginas 401 e 402, alem dos dois direitos reais ali expressamente referidos, ainda se devem considerar "incomunicaveis" todos os direitos de credito constituidos intuitu personae a favor de um dos conjuges, sendo as situações desse tipo ou semelhante que a lei pretende referir com a expressão "demais direitos estritamente pessoais", grupo este em que ainda podem ser catalogados os direitos que a propria lei, fora da enumeração concretizada no citado artigo 1773, considera "incomunicaveis". E o caso do direito do conjuge arrendatario (artigo 1110, n. 1; confere, porem, o disposto nos ns. 2, 3 e 4 do mesmo artigo e no artigo 1111).<br> Conforme, porem, se estabelece no artigo 424, n. 1, no contrato com prestações reciprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiros a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.<br> Este regime geral aplica-se a cessão da posição do locatario, como se estatui no artigo 1059, n. 2, sem prejuizo das disposições especiais do capitulo em que se integra a referida norma, como são, por exemplo, as normas dos artigos 1118 e 1120.<br> A esse regime geral (o dos artigos 424 e seguintes ex vi do artigo 1059, n. 2) faz, assim, excepção o que e prescrito nas normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110.<br> Não se pode dizer, porem, em rigor, que do regime estatuido no artigo 1110 (seus ns. 2, 3 e 4) resulta a "eventualidade de uma relação contratual imposta", uma vez que a relação de arrendamento continua a ser a mesma, apenas mudando o respectivo sujeito.<br> Como se diz no citado artigo 1110 (seu n. 4), o que se verifica e uma "transferencia do direito ao arrendamento" do arrendatario para o seu conjuge (ou ex-conjuge), com obrigação da notificação oficiosa dessa transferencia ao senhorio.<br> Trata-se de um caso de imposição de sujeito, muito embora com a necessaria projecção na relação de arrendamento.<br> Contra a regra do artigo 424, n. 1, esta-se, pois, em face de uma cessão de posição contratual forçada, por via singular quando a transferencia do arrendamento se der por acordo dos conjuges, uma vez que a posição contratual do arrendatario se transmite independentemente de consentimento do senhorio, e por via duplamente forçada, se a cessão da posição contratual do arrendatario ao seu conjuge (ou ex-conjuge) vem a ser decidida pelo tribunal, ja que, em tal hipotese, nem o senhorio se pode opor a essa cedencia, nem o arrendatario a ela pode obstar (Manuel Januario Gomes, Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, pagina 31).</font><br> <font>Revestindo o direito ao arrendamento, na melhor concepção, uma natureza "essencialmente pessoal", ainda que equiparada aos direitos reais para determinados efeitos, como atras se referiu, e evidente que as situações definidas nos normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 representam um verdadeiro regime de excepção ao regime geral traçado na lei (artigos 424, n. 1, e 1059, n. 2) para a cessão da posição contartual do locatario.<br> Verifica-se, afinal, uma situação paralela aquela que se mostra a respeito da "casa de morada de familia", que a lei (artigo 1793, ns. 1 e 2) permite ao tribunal dar de arrendamento a qualquer dos conjuges, a seu pedido, quer ela seja comum, quer propria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos conjuges e o interesses dos filhos do casal, ficando esse arrendamento sujeito as regras do arrendamento para habitação, com a possibilidade de o tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os conjuges, e de fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstancias supervenientes o justifiquem.<br> Constitui esta uma das inovações introduzidas no Codigo Civil pelo Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro.<br> E afigura-se ser mais uma manifestação de "imposição de uma relação contratual de arrendamento".<br> Visa, pois, o citado artigo 1793 as situações em que a casa de morada de familia e pertença comum ou propria do outro conjuge, so deste modo, portanto, fazendo sentido a coordenação dessa disposição legal com a do citado artigo 1110.<br> De qualquer modo, o que importa, mais uma vez, acentuar e que as normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 revestem caracter excepcional, relativamente ao regime geral da cessão da posição contratual do arrendatario, previsto nos artigos 424 e seguintes ex vi do artigo 1059 n. 2.<br> Na verdade essas normas não so se desviam, para o caso que regulam, das normas gerais como estão em absoluta oposição com esta, o que e da essencia das normas excepcionais.<br> Atribuida, assim, essa natureza as referidas normas, e evidente que a sua aplicação, por analogia, a outros casos não previstos esta, desde logo, vedada (artigo 11).<br> Ainda, contudo, que a essas normas se não pudesse atribuir a natureza de "normas excepcionais" (o que so por absurdo ou conveniencia de raciocinio se admite), nem por isso a sua aplicação analogica as situações de "união de facto" era de sufragar, enquanto se não estava perante um "caso omisso" e, portanto, face a uma lacuna de lei, pressuposto do recurso a analogia, mas antes em presença de "um caso não regulado", o que e bem diferente do "caso omisso" (artigo 10).<br> E que o legislador não conferiu, em principio, as "uniões de facto" quaisquer efeitos juridicos.<br> So em casos meramente pontuais lhes veio a atribuir efeitos dessa natureza.<br> Assim, aconteceu, na verdade, nos casos regulados nos artigos 2020, na redacção do Decreto-Lei n. 496/77, ja citado, e 1111, n. 2 na redacção da Lei n. 46/85, de 20 de Julho.<br> Naquele artigo 2020, seu n. 1, veio dispor-se que "aquele que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens viver com ela ha mais de dois anos em condições analogas as dos conjuges tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alineas a) a d) do artigo 2009".<br> No preambulo do Decreto-Lei n. 496/77, na referencia que se faz a providencia assim tomada, e bem elucidativo o seguinte passo:<br> Não se foi alem de um esboço de protecção, julgado etica e socialmente justificado, ao companheiro que resta de uma união de facto que tenha revelado um minimo de durabilidade, estabilidade e aparencia conjugal. Foi-se intencionalmente pouco arrojado. Havia que não estimular as uniões de facto.<br> Outrossim, no n. 2 do artigo 1111 ( na redacção da citada Lei n. 46/85) veio preceituar-se que, "no caso de o primitivo inquilino ser pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, a sua posição (de inquilino) tambem se transmite, sem prejuizo do disposto no numero anterior, aquele que no momento da sua morte vivia com ele ha mais de cinco anos em condições analogas as dos conjuges".<br> E este mais um dos casos em que, contra a regra estabelecida na segunda parte do n. 1 do artigo 1110, onde se preve a caducidade do arrendamento por morte do arrendatario, o arrendamento não caduca.<br> A preocupação do legislador tem sido, pois, a de cautelosamente, so atribuir efeitos de direito as "uniões de facto" em casos especificos, que tem vindo a fixar, por achar serem dignos da protecção da lei.<br> E isto porque - lembra o legislador - "não ha que estimular as uniões de facto".<br> No que respeita a transmissão ou transferencia do arrendamento para habitação por acto entre vivos, não se ve justificação para "forçar" o senhorio a aceitar, como arrendatario, o "companheiro" do primitivo arrendatario que com este tenha vivido em economia comum [artigo 1109, n. 1, alinea a)] quando, por qualquer motivo, essa "união" haja terminado, tendo, sobretudo em vista que o arrendamento, como se disse, tem a natureza "essencialmente pessoal", pelo que a cessão da posição contratual do arrendatario, que, regra geral, exige o consentimento do senhorio (citados artigos 424, n. 1, e 1059, n. 2), so podera ser "imposta" a este quando a lei expressamente o determinar, o que não e o caso.<br> Longe, pois, de se estar perante qualquer "caso omisso", o que se verifica e que se esta, antes, face a um "caso não regulado".<br> E a questão não tem qualquer "especificidade" pelo facto de surgir em processos instaurados para regulação do poder paternal de filhos menores cujos pais viviam em simples "união de facto", como no caso do presente conflito de julgados aconteceu.<br> O que resulta do ja exposto e que a "união de facto" não tem qualquer protecção legal para efeitos de se poder "impor" ao senhorio, no caso de arrendamento para habitação, como arrendatario, o membro dessa "união" <br> - quando esta termine - que não seja o titular do respectivo direito ao arrendamento.<br> E, se assim e, nada releva que da união de facto a que se pos termo possa haver quaisquer filhos menores cujo poder paternal haja que ser regulado.<br> Não pode, por isso, falar-se, como se argumenta no acordão fundamento (o de 2 de Junho de 1981 e na alegação do recorrente, em qualquer violação dos principios da igualdade contidos nos artigos 13, n. 2, e 36, n. 4, da Constituição da Republica, com fundamento na discriminação no tratamento dos filhos naturais.<br> A conclusão a tirar de tudo o que vem de ser explanado e que as normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 são excepcionais, em relação, designadamente, ao regime geral estabelecido no artigo 424, n. 1 ex vi do artigo 1059, n. 2, não podendo, por isso, ser susceptiveis de aplicação analogica as "uniões de facto", mesmo que destas haja filhos menores.<br> Termos em que se nega provimento ao recurso, confirmando-se o acordão recorrido, sem custas, por não serem devidas, firmando-se o seguinte assento:<br> As normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 do Codigo Civil não são aplicaveis as uniões de facto, mesmo que destas haja filhos menores.<br> </font><br> <font>Lisboa, 23 de Abril de 1987</font><br> <br> <font>Jorge d'Araujo Fernandes Fugas - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Augusto Tinoco de Almeida - João Solano Viana - Jose Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Manuel Baptista Dias da Fonseca - Silvino Alberto Villa-Nova - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Antonio Pereira de Miranda - Julio Carlos Gomes dos Santos - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Fernando Pinto Gomes - Manuel Augusto Gama Prazeres - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Frederico Carvalho de Almeida Batista - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Cesario Dias Alves - Mario Sereno Cura Mariano - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo (votei a decisão, mas apenas por considerar que as normas do artigo 1110, ns. 2, 3 e 4, são excepcionais, não comportando, por isso, aplicação analogica - e não tambem por entender que não ha uma lacuna a preencher) -<br> - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny [vencido. Tal como se alcança da parte discursiva do relatorio do presente acordão, a razão fundamental em que se baseou o "assento" agora tirado constitui na impossibilidade de aplicação analogica do dispositivo do artigo 1110 do Codigo Civil aos casos de união de facto cessante com a existencia de filhos menores, por se tratar de norma excepcional e ser tal aplicação defesa pelo artigo 11 do mesmo diploma.<br> Ora, se bem se atentar no n. 3 do referido artigo 1110, afigura-se-me que, havendo filhos menores, o legislador deu predominancia especial ao interesse destes, no sentido de o garantir na defesa do seu direito a habitação.<br> Simplesmente, sendo esse o espirito da lei e considerando que, actualmente, não existe diferenciação entre filhos de casamento ou de fora do casamento (artigos 13, n. 2, e 36, n. 3, da Constituição da Republica Portuguesa), impõe-se a conclusão de que os filhos de uniões de facto devem merecer igual protecção e que foi esse o pensamento do legislador.<br> Assim, o caso não e de aplicação analogica, mas sim "extensiva", esta permitida pelo mencionado artigo 11 (confere Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 1931-1932, pagina 158, nota 2).<br> Alem disso, mesmo dentro da aplicação analogica, seria de atender a opinião de Manuel de Andrade, que so a entendia proibida quando colidisse com os principios essenciais de ordem publica, o que não e o caso dos autos.<br> Assim, votei no sentido de que, havendo filhos menores, o direito ao arrendamento deveria ser atribuido aquele dos progenitores a cuja guarda ficarem confiados, pelo menos enquanto tal situação não for modificada.<br> Alias, não se pode esquecer que, em processos de jurisdição voluntaria, a decisão não depende de criterios de legalidade estrita (artigo 1410 do Codigo de Processo Civil)] - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel [vencido. Para que uma norma seja considerada como excepcional e indispensavel que estabeleça regime oposto dentro do mesmo instituto juridico, entendendo-se como tal o conjunto de relações juridicas irmanadas em função dos mesmos objectivos. Assim, não vejo como e possivel estabelecer a excepcionalidade relativamente a um instituto (cessão voluntaria da posição contratual) que nada tem a ver com a atribuição forçada, por via judicial, do direito ao arrendamento. Desta forma, não existe o obice da primeira parte do artigo 11 do Codigo Civil. A regra geral resultante dos artigos 1110 e 1111 do Codigo Civil e a de não se verificar a caducidade do direito ao arrrendamento quando, desfeito o casamento ou a união de facto, embora quanto a esta verificados certos requisitos de durabilidade. Não se previu, porem, o desfazer da união de facto em vida, existindo filhos menores, e o juiz atribuir ao progenitor não arrendatario o respectivo direito e em homenagem aos interesses daqueles incapazes. Mas a razão de ser e a mesma da subjacente ao artigo 1111, n. 2, do Codigo Civil, pelo que era possivel a integração de lacuna por analogia. Finalmente, invoco a opinião sustentada pelo Professor Doutor Pereira Coelho, Temas de Direito de Familia, pagina 17, onde precisamente analisa este caso].</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Do acordão de folhas 329 recorrem A e outros contra B e outros, por estar em oposição com o de 26 de Abril de 1918, pois o recorrido julgou não ser nula, em face do corpo do artigo 1740 do Codigo Civil, a disposição: "a um dos filhos sobreviventes do major Durão, a escolha do pai, deixar-lhe-ei o meu prazo...", e o acordão de 1918 julgou ser nula, por ofensiva do mesmo artigo, a disposição: " da parte dos seus bens... deixa o usufruto... a... sua mulher e, por morte desta, aquele de seu filho ou filhos do sexo masculino que a sua referida mulher escolher, por melhor lhe fazer a vontade".<br> Esta, portanto, em discussão interpretar e aplicar o corpo do artigo 1740. O paragrafo unico preve hipotese diversa, pois nela o testador institui todas as pessoas compreendidas em certa generalidade, e no caso dos acordãos em confronto foi instituida uma so pessoa das incluidas na generalidade; naquele caso as pessoas são certas, todas as incluidas na generalidade; neste o legatario e incerto, pois e so um, não indicado, dos incluidos na generalidade. Por outra os acordãos em contradição so procuraram interpretar e aplicar o corpo do artigo 1740, e nisso ficaram em divergencia, divergencia que fundamenta o recurso.</font><br> <font><br> A regra do artigo 1740 não distingue entre instituição de herdeiro e de legatario, e antes expressamente se refere aos dois casos, equiparando-os - "quer pelo que toca a instituição de herdeiros e legatarios" -, diz o artigo.<br> Em ambas as questões o testador encarregou outrem de escolher o legatario de entre certa generalidade de pessoas; em ambas essa generalidade foi bastante restrita - os filhos de determinada pessoa.<br> Poderia faze-lo? Eis a questão.</font><br> <font><br> E aqui temos ja de esclarecer certa confusão.</font><br> <font><br> Em caso de duvida sobre a interpretação de disposição testamentaria observar-se-a o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do testamento. Ora, anulando a instituição, viriam a herdar o prazo os herdeiros legitimos, precisamente aqueles que o testador quis excluir.</font><br> <font><br> Não se atenderia a intenção do testador, não se executaria a sua vontade. Mas aquela regra e aplicavel em caso de duvida sobre a interpretação do disposto no testamento, sobre o que o testador quis, e aqui não se trata disso.<br> Não se trata de saber qual a vontade do testador para nos sujeitarmos a ela, mas de saber qual a vontade da lei para eventualmente sujeitarmos a ela a vontade do testador. A questão portanto e de saber o que o testador podia determinar e não o que determinou.</font><br> <font><br> No antigo direito portugues Correia Teles distinguia entre herdeiros e legatarios: podia deixar-se a eleição de terceiro a escolha de herdeiro entre o numero de certas pessoas, Digesto, volume III, pagina 1549; podia ficar ao arbitrio do herdeiro ou de terceiro a escolha do legatario (volume III, pagina 1701). Coelho da Rocha, paragrafo 689, declarava validos os legados deixados a pessoas incertas, mas determinaveis, e nos legados para sufragios e obras de piedade podia a determinação ser cometida ao herdeiro ou a terceiro.</font><br> <font><br> O Codigo Civil abandonou estas regras e distinções.</font><br> <font><br> A fonte do artigo 1740 foi o artigo 558 das Concordancias, de Goyena, que dizia: "O testamento e acto personalissimo: a sua formação não pode deixar-se no todo ou em parte ao arbitrio de terceiro. Tampouco se pode deixar ao arbitrio de terceiro a substancia da instituição de herdeiro ou legatario, nem a designação da quantidade; mas sim a repartição, quando a disposição compreende toda uma classe de pessoas, como parentes, pobres, criados".</font><br> <font><br> O nosso legislador em vez da expressão "no todo ou em parte" enumerou as partes em que o arbitrio não pode recair. Assim não pode haver arbitrio quer pelo que respeita a instituição de herdeiros, quer pelo que respeita ao objecto, quer finalmente, pelo que pertence ao cumprimento ou não cumprimento do testamento.</font><br> <font><br> Temos, portanto, que o artigo proibe o arbitrio de terceiro na designação de legatario. E a consequencia logica de o testamento ser acto pessoal.<br> O Codigo Civil Frances nada diz a esse respeito, mas no relatorio ao Tribunal o tribuno Jaubert declarou de maneira absolutamente geral "O silencio da lei basta para advertir que esta faculdade (de eleger legatario) não pode mais ser conferida" (Plan. V. 631, n. 5). E o nosso legislador conhecia bem a historia deste Codigo.</font><br> <font><br> O testador, limitando o numero de pessoas de entre as quais o terceiro pode escolher, limita o arbitrio, mas so exclui quando a limitação vai ate ao ponto de individualizar o instituto. Mesmo quando o terceiro tem de escolher entre duas pessoas, se nenhuma indicação ha para a escolha entre os dois,esta fica ao arbitrio do terceiro.</font><br> <font><br> Se o legislador quisesse permitir a escolha quando restrita a um pequeno circulo de pessoas, tinha de indicar esse circulo. O não indicar a excepção mostra que a não admitiu.</font><br> <font><br> A faculdade de escolha conferida a outrem, alem de tirar ao testamento o seu caracter pessoal, leva a uma situação que o legislador procura evitar: a de um direito de propriedade sem titular. Enquanto o terceiro não faz a escolha não se sabe quem e o titular dos bens deixados.<br> Ha uma situação que a lei não regula e devia regular se a quisesse admitir.<br> Mas o encargo feito nos termos em discussão leva ainda a outra ofensa do artigo 1740.</font><br> <font><br> O testamento não pode deixar-se dependente do arbitrio de outrem pelo que pertence ao cumprimento do mesmo testamento. Ora, encarregando-se alguem de escolher legatario, e não havendo meio, como não ha, de obrigar essa pessoa a fazer a nomeação, o cumprimento do testamento fica dependente do arbitrio do encarregado pois a falta de nomeação impede o cumprimento do testamento. Se o legislador tivesse querido admitir a possibilidade de o testador encarregar alguem de escolher o legatario, para proteger a execução da vontade do testador tinha de indicar a maneira de suprir a falta de nomeação, como fez o Codigo Civil Italiano.<br> E de notar que o terceiro ainda não fez a escolha, e, assim, mesmo que admissivel fosse a integração da vontade do testador pela de terceiros, a verdade e que essa integração ainda se não fez, e assim falta um elemento para a existencia do legado, não se sabe se esse elemento vira a verificar-se.<br> Mantem assim este Tribunal a sua jurisprudencia ja anteriormente fixada nos acordãos de 30 de Março de 1886 no Boletim dos Tribunais, volume I, pagina 394, de 24 de Julho de 1903, em o Direito, ano 36, pagina 131, de<br> 16 de Abril de 1918, na Colecção Oficial, pagina 111, e de 4 de Maio de 1920, na Revista de Justiça, ano 5, pagina 155.</font><br> <font><br> Acordam, por isso, os do Supremo Tribunal de Justiça em revogar o acordão recorrido, condenar os recorridos nas custas e fixar o seguinte assento:<br> O testador não pode encarregar outrem de escolher herdeiro ou legatario, ainda que indique as pessoas de entre as quais a escolha deva ser feita.</font><br> <br> <font>Lisboa, 21 de Julho de 1944</font><br> <font><br> Luiz Osorio - Pereira e Sousa - Heitor Martins - Miranda Monteiro - Jose Coimbra - Bernardo Polonio - Rocha Ferreira - Miguel Crespo - Magalhães Barros (vencido. Em materia testamentaria, diz a lei e tem julgado este Supremo em inumeros acordãos, o primeiro elemento a ser tomado em consideração e a vontade do testador. No caso dos autos o testador expressamente pretendeu excluir o legado da fruição dos seus herdeiros, o que não sucedera a ser aceite a doutrina do presente acordão.<br> O artigo 1740 do Codigo Civil proibe que a instituição de herdeiros ou legatarios fique ao arbitrio de outrem, mas este caso não se da, pois o testador indicou a pessoa do legatario - um dos tres filhos do major Durão -, conferindo somente a este a designação do legatario, que so pode ser um desses tres filhos) - F. Mendonça (vencido pelas mesmas razões) - Teixeira Direito (vencido pelos mesmos fundamentos expostos no primeiro vencido)<br> - Baptista Rodrigues (vencido pelos mesmos fundamentos).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font>I - Relatório:</font><br> <font>1 - O Clube de Futebol União interpôs recurso para o pleno deste Supremo Tribunal de Justiça, com o fundamento de haver oposição entre o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 1993 e o Acórdão fundamento de 20 de Fevereiro de 1990, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 194, pp. 202 a 205.</font><br> <font>O processo seguiu a tramitação prevista nos termos do artigo 765.º do Código de Processo Civil e, por último, foi aos vistos simultâneos dos conselheiros desta 1.ª Secção.</font><br> <font>Seguidamente, em conferência, por Acórdão de 5 de Maio de 1994, tirado por unanimidade, decidiu-se que não havia a oposição referida pelo recorrente, considerando-se findo o recurso.</font><br> <font>2 - Veio depois o mesmo recorrente interpor recurso para o tribunal pleno, com o fundamento de haver oposição entre o conceito de oposição acolhido pelo referido Acórdão de 5 de Maio de 1994 de toda a 1.ª Secção e o conceito dado pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1962, publicado no Boletim do Ministério de Justiça, n.º 1220, p. 511.</font><br> <font>3 - O relator não admitiu o recurso, com o fundamento de que, tendo a Secção decidido que não havia oposição, o recurso se considerava findo, e que, por isso, não mais se pode discutir se existe ou não a oposição pretendida pelo recorrente.</font><br> <font>4 - Veio depois o recorrente reclamar para a conferência de toda a Secção, mas, por acórdão a fls. 86 e seguintes, foi mantido o despacho do relator, não se admitindo o recurso.</font><br> <font>5 - Inconformado, de novo veio o Clube de Futebol União interpor recurso para o tribunal pleno, porque aquele Acórdão a fls. 86 e seguintes, de 14 de Junho de 1994, está em oposição no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito, que é exactamente a de saber se o n.º 1 do artigo 767.º do Código de Processo Civil impede ou não que do acórdão da secção se recorra para o pleno, desde que se invoque fundamento de harmonia com o exposto no artigo 763.º do mesmo Código, oposição que ocorre relativamente ao decidido, com o Acórdão de 12 de Outubro de 1988, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 388, p. 428.</font><br> <font>Aduz ainda o recorrente que se pode considerar estranho que, tendo-se entendido no acórdão recorrido que não era admissível recurso nos termos agora colocados, venha agora interpor-se novo recurso, mas que se trata de uma contradição de julgados do Supremo Tribunal de Justiça, que não deve deixar de poder ser ultrapassada por via de assento, em benefício da ordem jurídica, do direito e da justiça, sob pena de se ofenderem princípios constitucionais de acesso à justiça e ao direito e de se cair em verdadeira derrogação de justiça.</font><br> <font>6 - Por Acórdão de 26 de Abril de 1995 decidiu-se que há oposição entre os dois acórdãos - o recorrido, a fls. 86 e seguintes, e o fundamento, de 12 de Junho de 1988 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 388, p. 928) -, pelo que o processo prosseguiu os seus termos, observando-se o disposto no n.º 1 do artigo 76º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>O recorrente apresentou a sua alegação.</font><br> <font>O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça juntou o seu parecer, no qual propõe formulação para o assento a tirar de modo que se decida que do acórdão da secção, reunida em conferência, decidindo pela não oposição de acórdãos não haja recurso de novo para o tribunal pleno, com o fundamento de haver oposição entre esse acórdão da Secção e outro acórdão fundamento.</font><br> <font>O processo foi em vistos simultâneos a todos os conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça.</font><br> <font>Cumpre agora decidir.</font><br> <font>II - Fundamentos da decisão</font><br> <font>1 - Contrariamente ao que se tem defendido, entendemos que não se pode ver nas «façanhas» medievais um antecedente dos assentos com a compreensão e extensão que lhes era reconhecida pelo artigo 763.º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>O assento, na terminologia técnico-jurídica que lhe foi reconhecida pelo Código de Processo Civil, era uma decisão judicial que, resolvendo uma questão fundamental de direito, ficava constituindo precedente obrigatório para todos os tribunais, assumindo, assim, o carácter de uma verdadeira lei interpretativa.</font><br> <font>As «façanhas» medievais eram decisões tomadas acerca de alguma questão importante e com dúvidas interpretativas, mas que, pelo prestígio de quem as proferia, eram seguidas nos casos concretos idênticos, mas cuja obrigatoriedade nunca foi imposta por lei.</font><br> <font>2 - Até ao século XVI as dúvidas no entendimento das leis eram geralmente resolvidas pelo rei em relação, isto é, com a assessoria do Conselho do Rei, já que, nos tempos do poder absoluto, o rei era também o supremo juiz.</font><br> <font>Mas, por uma lei de D. Manuel (Ordenação Manuelina, V, 58), no caso de dúvida sobre o alcance de uma lei, essa dúvida deveria ser posta pelos desembargadores ao regedor da Casa da Suplicação, o qual, com os desembargadores de sua escolha, fixava a interpretação e a mandava escrever no livro destinado a esse fim, interpretação essa que era obrigatória para os tribunais (João de Castro Mendes, «Assento», em Verbo - Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. 2.º, 1587 e 1588).</font><br> <font>3 - Criado o Supremo Tribunal de Justiça, por Decreto de 16 de Maio de 1852, a Casa da Suplicação deixou de emitir assentos, mas essa competência não passou logo para o Supremo Tribunal de Justiça, então criado.</font><br> <font>Este alto tribunal, a princípio, não lavrava decisões vinculativas de jure para todos os tribunais.</font><br> <font>Confiava-se, então, que as suas decisões fossem acatadas pelo prestígio de quem as proferia no que respeitava à interpretação das leis. Tal esperança saiu completamente frustrada, pois cedo começou a surgir um individualismo anárquico, com reflexos na jurisprudência e que se prolongou por muito tempo. Só com o Decreto n.º 12353, de 22 de Setembro de 1926, se criou o recurso uniformizador da jurisprudência, acolhido depois pelo Código de Processo Civil de 1939 e ulteriores reformas.</font><br> <font>Convém aqui referir que, pelo Código de Processo Civil de 1962, o recurso para o tribunal pleno sofreu certas limitações, designadamente quanto ao objecto da oposição entre acórdãos ditos «em conflito» (a oposição terá de ser, agora, sobre a mesma questão fundamental de direito da parte decisória, não se admitindo como fundamento do recurso, v. g., oposição entre fundamentos de uma decisão e a própria decisão proferida no outro acórdão).</font><br> <font>Outra das limitações foi a de o n.º 1 do artigo 763.º só passar a prever a oposição entre o acórdão recorrido e um acórdão fundamento sobre a mesma questão de direito, contrariamente ao entendimento de Alberto dos Reis no domínio da vigência do Código de 1939 (Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 2.ª ed., p. 412).</font><br> <font>Estas alterações surgiram por causa do uso reprovável que as partes haviam feito do recurso para o tribunal pleno, abuso esse que tem continuado a existir, como se infere facilmente da maioria dos recursos, que findam com a decisão da questão preliminar (artigo 767.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).</font><br> <font>Esse uso reprovável foi tão evidente que a comissão encarregada de elaborar o Código de Processo Civil de 1962 propôs a eliminação da possibilidade de as próprias partes recorrerem para o tribunal pleno, passando o recurso a poder ser interposto pelo Ministério Público, nos termos referidos no artigo 770.º do actual Código (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 123, p. 191).</font><br> <font>4 - O artigo 2.º do Código Civil veio declarar os assentos fonte mediata de direito, depois de eliminado o n.º 2 do artigo 769.º do Código de Processo Civil, na sua última redacção.</font><br> <font>Por acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de Dezembro de 1993, foi julgada inconstitucional a norma desse artigo 2.º do Código Civil, na parte em que atribui aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa.</font><br> <font>Essa inconstitucionalidade foi declarada sem força obrigatória geral.</font><br> <font>Acabou, porém, a chamada «função legislativa» dos assentos, passando as decisões do tribunal pleno a ter apenas a finalidade de uniformizar a jurisprudência, numa interpretação obrigatória para os tribunais judiciais inferiores e para o próprio Supremo Tribunal, que proferiu o acórdão.</font><br> <font>5 - É neste contexto que tem de se decidir quanto à questão posta de se saber se pode haver recurso para o tribunal pleno com fundamento na oposição entre o acórdão da secção que julgou findo o recurso e um outro acórdão anterior.</font><br> <font>Como já vimos na decisão da questão preliminar, o Acórdão fundamento de 12 de Outubro de 1988 louvou-se sobretudo na doutrina do Prof. Alberto dos Reis sobre o conceito de «oposição» extraído do artigo 763.º do Código de Processo Civil de 1939.</font><br> <font>No Código de Processo Civil de 1962, a oposição é a que existe entre dois acórdãos (o recorrido e o fundamento) e, por isso, só pode invocar-se um acórdão fundamento dito em oposição com o recorrido. Só quando há mais de uma questão fundamental de direito decidida em sentido oposto é que se pode invocar mais de um acórdão fundamento (tantos quantas as decisões em oposição sobre questões fundamentais de direito).</font><br> <font>No caso concreto, a questão fundamental era só a de saber o que se entendia por «preço devido» para o exercício do direito de preferência.</font><br> <font>Portanto, apenas se invocou um acórdão dito em oposição com o acórdão recorrido, oposição essa que, como vimos, se decidiu não existir e, por isso, o recurso foi julgado findo.</font><br> <font>6 - A oposição deve verificar-se entre dois acórdãos e admitir-se o recurso do acórdão da Secção seria admitir a oposição entre mais de dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo facto de o recorrente não ter seleccionado inicialmente bem o acórdão fundamento em oposição com o acórdão recorrido.</font><br> <font>Por outro lado, admitir o novo recurso do acórdão da Secção em oposição com um outro acórdão anterior seria admitir uma cadeia de recursos sucessivos, o que frontalmente contraria o nosso sistema de impugnação das decisões judiciais.</font><br> <font>E quando, no n.º 1 do artigo 767.º do Código de Processo Civil, se diz que, nesse caso, o mesmo se considera findo, quer significar-se que da decisão não há recurso.</font><br> <font>III - Decisão.</font><br> <font>Pelo exposto, lavram o seguinte assento:</font><br> <font>Tendo a secção julgado findo o recurso para o tribunal pleno, por não haver oposição entre os acórdãos, nos termos do n.º 1 do artigo 767.º do Código de Processo Civil, não há novo recurso para o mesmo tribunal pleno com fundamento de haver oposição entre o acórdão da secção e um outro acórdão anterior.</font><br> <font>Custas pelo recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 22 de Novembro de 1995</font><br> <br> <font>Santos Monteiro - Pedro Marçal - Miguel Montenegro - Costa Pereira - Herculano de Lima - César Marques - Sá Nogueira (votei a conclusão, mas não a fundamentação respeitante à inconstitucionalidade dos assentos) - Fernandes Magalhães - Fernando Fabião (vencido, consoante declaração de voto que junto) - Roger Lopes (vencido, conforme declaração que junto) - Ramiro Vidigal - Pais de Sousa - Sá Couto - Sousa Guedes - Silva Reis - Cardona Ferreira - Torres Paulo - Oliveira Branquinho (vencido, nos termos da declaração junta) - Carlos Caldas - Sá Ferreira - Silva Cancela - Sampaio da Nóvoa (vencido, nos termos da declaração do Dr. Roger Lopes) - Miranda Gusmão (vencido, conforme declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa) - Costa Marques - Henriques de Matos - Sousa Inês - Costa Soares - Machado Soares - Metello de Nápoles - Carvalho Pinheiro - Araújo dos Anjos - Lopes Pinto (vencido, nos termos da declaração que junto) - Cortez Neves - Almeida Deveza - Andrade Saraiva - Amado Gomes - Correia de Sousa - Costa Figueirinhas (vencido pelos motivos constantes do voto do Exmo. Colega Fernando Fabião) - Castro Ribeiro - Matos Canas - Almeida e Silva - Augusto Alves - Loureiro Pipa.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>1 - Votei o assento, todavia, no entendimento restrito, que declaro, de se cingir ao pressuposto, que é o da concreta hipótese, de o recurso para o tribunal pleno visar uma eventual alteração da decisão do acórdão e não apenas pôr fim a um conflito de jurisprudência.</font><br> <font>Esta última e exclusiva finalidade de recurso para o tribunal pleno está, porém, prevista no artigo 770.º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>A letra da disposição do artigo 770.º sugere uma leitura que não permite abarcar o conflito surgido por divergência em acórdãos interlocutórios relativos à questão perliminar da oposição do regime de recurso para o tribunal pleno.</font><br> <font>Isto é, por divergências surgidas sobre a interpretação ou a aplicação das regras que definem os pressupostos de oposição enunciados no n.º 1 do artigo 763.º</font><br> <font>O certo é, todavia, que não menos perturbadores da certeza do direito e, logo, da aplicação uniforme dos regimes jurídicos e da justiça relativa podem ser eventuais conflitos sobre o objecto dos ditos acórdãos interlocutórios.</font><br> <font>E sendo de tal modo importante a resolução dos conflitos de jurisprudência que no regime dos recursos para tribunal pleno se lhe consagrou, no dito artigo 770.º, a possibilidade de os confinar à mera resolução de tais conflitos sem qualquer projecção nas causas concretas, a ratio deste preceito entendo-a impor uma interpretação ampla do seu texto, de modo a abranger a recorribilidade aí prevista com esse mero objectivo e pelo Ministério Público.</font><br> <font>Ou seja, também para solucionar conflitos jurisprudenciais surgidos nos acórdãos interlocutórios de apreciação dos pressupostos de oposição previstos no n.º 1 do artigo 763.º</font><br> <font>2 - A aceitação do texto do assento com o limite de aplicabilidade que deixo declarado, com que o votei, resulta, em suma, da necessidade de compaginar o objectivo de pôr fim à incerteza que decorreria de um adiamento infindável de fixidez na solução dos conflitos inscrita na regra do n.º 1 do artigo 767.º com o de evitar os inconvenientes e prejuízos da própria contradição quanto aos próprios pressupostos do meio - o recurso para tribunal pleno - de uniformizar jurisprudência que única e especialmente visa o disposto no artigo 770.º</font><br> <font>3 - As razões que deixo expressas levaram-me ao entendimento restrito que fica agora declarado, não obstante em um dos acórdãos interlocutórios do presente recurso assim o não haver então entendido nem declarado.</font><br> <font>4 - Também não posso acompanhar, nem aderir, com todo o respeito, ao juízo de inconstitucionalidade, ao menos parcial, do artigo 2.º do Código Civil e às consequências daí derivadas na fundamentação do presente acórdão.</font><br> <font>Não tenho como seguras razões para afirmar a dita inconstitucionalidade, sequer mitigada, sustentada no Acórdão n.º 810/93 do Tribunal Constitucional.</font><br> <font>Aliás, apesar de seguido de mais seis outros acórdãos, ainda o mesmo Tribunal não emitiu declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. - José Joaquim de Oliveira Branquinho.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>Entendo que do acórdão da secção que julga findo o recurso interposto para o tribunal pleno, nos termos do artigo 767.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é admissível recurso para o mesmo tribunal, se for invocado o fundamento previsto no artigo 763.º, pois neste preceito apenas se exige que o Supremo tenha proferido «dois acórdãos», e aquele é, como qualquer outro, um acórdão do Supremo, em conformidade com o que tem sido sustentado na doutrina e em parte da jurisprudência deste Tribunal.</font><br> <font>Porém, aquele novo recurso para o tribunal pleno não é susceptível de evitar o trânsito em julgado da decisão de que havia sido interposto o primeiro, uma vez que não recai sobre essa decisão mas sobre uma outra, o acórdão de secção (artigo 677.º do citado Código), e só deste modo, aliás, se pode impedir a parte de criar um obstáculo ilimitado àquele trânsito.</font><br> <font>Assim, esse novo recurso não tem qualquer influência na causa a que respeitava o primeiro e este considera-se definitivamente como «findo», nos termos do citado artigo 767.º, n.º 1.</font><br> <font>Em consequência, a legitimidade para tal recurso não caberá ao primeiro recorrente, mas só ao Ministério Público (artigo 770.º do citado Código).</font><br> <font>Deste modo, e salvo o devido respeito, seria de declarar o recorrente parte ilegítima e julgar findo o recurso (sem prejuízo do entendimento que tenho formulado sobre a inconstitucionalidade dos assentos, designadamente na declaração junta ao assento n.º 17/94, in Diário da República, 1.ª série, de 3 de Dezembro de 1994). - José Martins da Costa.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>Segundo os argumentos da doutrina e da jurisprudência que reputo maioritários (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, p. 306; Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 419; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 1988 e 29 de Outubro de 1992, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 380, p. 428, e 420, p. 490, respectivamente).</font><br> <font>Entendo que devia ser lavrado o seguinte assento: «O disposto no artigo 767.º do Código de Processo Civil não impede que do acórdão da secção se recorra para o pleno, desde que se invoque fundamento de harmonia com o disposto no artigo 763.º do mesmo Código.» - Fernando Fabião.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>Vencido. Por ao requerente falecer interesse em agir, só o detendo, in casu, o Ministério Público (Código de Processo Civil, artigo 770.º), entendi que não se podia lavrar assento. - Lopes Pinto.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>1 - Em Acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Outubro de 1992, de que fui relator e que se encontra publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 420, a pp. 490 e seguintes, escreveu-se, em dado passo da sua fundamentação «[...] ser possível admitir, em termos de realidade das coisas, que, ao julgar a chamada "questão preliminar", o Supremo adopte soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, casos que, a verificarem-se, imporão se uniformize a jurisprudência».</font><br> <font>Seguiu-se a apreciação do caso concreto, então objecto de recurso para o tribunal pleno.</font><br> <font>O presente processo é um exemplo, claro, a meu ver, de decisões em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, a merecer resolução por meio de assento.</font><br> <font>2 - Como bem se assinala nas alegações do recorrente, no n.º 1 do artigo 763.º do Código de Processo Civil «[...] não se distingue nem excepciona nenhum acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tendo-se de excluir tão-só, por natureza, os próprios assentos [...]».</font><br> <font>3 - Encontramos na doutrina que se debruçou sobre a questão as opiniões convergentes no sentido da admissibilidade do recurso - José Alberto dos Reis e Jacinto Rodrigues Bastos, Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, 1953, p. 306, e Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 1972, p. 419, respectivamente.</font><br> <font>Não se encontrou opinião em sentido contrário nas mais obras consultadas.</font><br> <font>Salienta o Prof. Alberto dos Reis que a frase «o recurso considerar-se-à findo» significa somente que o recurso não segue para o tribunal pleno, que «morre» na secção.</font><br> <font>Opinião em contrário conduziria a não se admitir, sequer, arguição de nulidades ou pedido de aclaração, o que chegou a ser decidido por este Supremo e motivou a crítica desfavorável do mesmo Professor na obra acima citada.</font><br> <font>No entanto, a jurisprudência actual é no sentido da sua admissibilidade.</font><br> <font>4 - A meu ver, a possibilidade de uma «cadeia de recursos sucessivos» não justifica uma interpretação da lei tão restritiva, que conduziria à exclusão de um caso, como o presente de, evidente oposição de julgados.</font><br> <font>Tal possibilidade, a vir a concretizar-se, deverá então ser eventualmente confrontada com o instituto da litigância de má fé e objecto de oportuna e adequada medida legislativa.</font><br> <font>5 - Por tudo o que se deixa exposto, temos que deveria ser tirado assento em sentido precisamente contrário àquele que fez vencimento. - Roger Lopes.</font></font>
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7TJNvIYBgYBz1XKvEPPJ
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas.</font><br> <font><br> Na revista n. 52138, em que foram recorrentes A e mulher e recorridos o Estado, a Fazenda Nacional e a comissão administradora dos bens culturais do concelho de Esposende, proferido o acordão de folhas 421, de 16 de Abril de 1943, que negou a revista, e o de 18 de Junho do mesmo ano, proferido sobre reclamação daquele, vieram os recorrentes recorrer para o tribunal pleno, alegando que esses acordãos decidiram que:<br> Não e da competencia do Supremo Tribunal de Justiça apreciar se houve contradição nas respostas do colectivo;</font><br> <font><br> Não tem competencia o Supremo para anular as decisões do colectivo, nos termos da alinea i) do artigo 653 do Codigo de Processo Civil, por serem deficientes, obscuras ou contraditorias. A verificação das contradições não e materia de direito.</font><br> <font><br> Mas contrariamente, os acordãos do Supremo Tribunal de 28 de Janeiro de 1941 (na revista civel n. 51238, registado a folhas 56 do livro 109 dos registos de acordãos), de 27 de Junho de 1941 (na revista n. 51662, registado a folhas 187 do livro 84 do registo de acordãos) e de 19 de Abril de 1940 (na revista n. 51317, registado a folhas 226 do livro 7 do registo de acordãos) decidiram que:</font><br> <font><br> E questão de direito se as respostas do colectivo ao questionario são dificientes, obscuras ou contraditorias, e pode o Supremo, ex officio, anula-las.<br> Pode em recurso de revista conhecer-se da arguida contradição nas respostas do colectivo ao questionario.</font><br> <font><br> E de anular o julgamento da 1 instancia quando as respostas do colectivo sejam incompletas ou contraditorias.</font><br> <font><br> A folhas 471 foi proferido o acordão da sessão de 3 de Março de 1944, que decidiu ser manifesta a contradição dos acordãos recorridos com os de 28 de Janeiro e 27 de Junho de 1941 e mandou seguir o recurso para o tribunal pleno.</font><br> <font><br> Seguindo o recurso os seus termos, apresentou o recorrente a sua alegação, em que conclue:</font><br> <font><br> 1 - Os acordãos recorridos ofendem a disposição da alinea i) do artigo 653 do Codigo de Processo Civl; pois</font><br> <font><br> 2 - E questão de direito, e não de facto, decidir se na decisão do tribunal colectivo ha deficiencias ou obscuridades ou contradições; e<br> 3 - Que isso e questão de direito, e não de facto, ve-se bem desde que se distinga entre facto e direito - entre questão de facto, em que ha lugar a apreciação de elementos que o constituem, e questão de direito, onde o facto esta a vista, restando aplicar-se-lhe o direito; e certo e que<br> 4 - Isto, a simples aplicação da lei ao que se ve constatado na decisão do tribunal colectivo (ao facto), não pode deixar de considerar-se materia de direito; porque</font><br> <font><br> 5 - A decisão do tribunal colectivo tem de ser sem os vicios ou defeitos da deficiencia ou obscuridade ou contradição - citada alinea i) -, e desde que o seja tem de aplicar-se-lhe a lei, como ja preceituava o anterior Codigo de Processo Civil, artigo 405, e como o actual Codigo tambem exige quando se trata do questionario (paragrafo 2 do artigo 515).<br> O digno representante do Ministerio Publico apresentou tambem as suas alegações, em que conclue: a) - Deve fixar-se jurisprudencia no sentido de que não compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da insuficiencia, obscuridade ou contradição das respostas do colectivo. Ainda que assim se não decida. b) - Deve manter-se a decisão do acordão recorrido, porque as respostas do tribunal colectivo, no caso vertente, não são obscuras, nem deficientes, nem contraditorias.<br> Cumpre conhecer do recurso.</font><br> <font><br> E conhecendo:</font><br> <font><br> A função das instancias e apurar os factos necessarios a decisão da causa e aplicar o direito a esses factos.</font><br> <font><br> A função do Supremo e uniformizar a interpretação das leis, não e resolver questões de facto, mas resolver se determinada lei foi ofendida; e a interpretação das leis e não de outros actos.</font><br> <font><br> Quer a quesitação dos factos necessarios para a decisão da causa; quer as respostas a essa quesitação, pertencem somente as instancias e não ao Supremo Tribunal, pois esses actos tem por fim fixar a materia de facto e não interpretar a lei.</font><br> <font><br> O Supremo Tribunal não conhece de materia de facto.</font><br> <font><br> Em plena concordancia com este principio fundamental do Codigo de Processo estão as condições de admissibilidade dos recursos.<br> Pelo artigo 722, o fundamento do recurso de revista e a violação da lei substantiva, podendo acessoriamente alegar-se as nulidades dos artigos 668 e 717.</font><br> <font><br> E o paragrafo 2 declara não poder ser objecto desse recurso o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, disposição esta que o paragrafo 1 do artigo 755 aplicou ao recurso de agravo.<br> Este paragrafo 2, desnecessario depois de se ter dito que o fundamento do recurso era a violação da lei substantiva, inseriu-se no Codigo, como diz o autor do Projecto do Codigo de Processo Civil Explicado, a pagina 456, para por cobro a tendencia do Supremo de exercer censura sobre o modo como os tribunais de instancias apreciam a prova.</font><br> <font><br> Quis vincar-se por forma terminante que a fixação dos factos materiais da causa e função das instancias, estranha a competencia do Supremo Tribunal.<br> As nulidades dos artigos 668 e 717, que acessoriamente podem fundamentar o recurso de revista e podem, por si so, ser fundamento do recurso de agravo, não abrangem as decisões do colectivo, mas apenas as nulidades da sentença e acordão nos casos restritos previstos nesses artigos.<br> So nos casos desses artigos o Supremo pode anular o acordão da Relação.<br> A anulação por outros motivos sai fora da sua competencia, da sua competencia funcional, da sua competencia legal.</font><br> <font><br> O Supremo tem larga jurisprudencia no sentido de as contradições nas respostas do colectivo não fundamentarem recurso de revista.<br> Entre outros, os acordãos de 17 de Maio de 1940,<br> 20 de Dezembro de 1940, 14 de Janeiro de 1941 e 27 de Abril de 1943, na Revista de Justiça do ano 26, paginas 153, 154 e 75, e no Boletim do ano 3, pagina 116.</font><br> <font><br> E o acordão de 3 de Julho de 1942, no Boletim Oficial, ano 2, pagina 227, tambem decidiu, em recurso de agravo, que o Supremo não pode conhecer se existe ou não contradição ou obscuridade nas respostas do colectivo aos quesitos.<br> O paragrafo 3 do artigo 515 não admite recurso do acordão da Relação que aprecia o despacho da reclamação sobre o questionario.<br> E outra disposição do Codigo a vincar a sua orientação sobre a competencia do Supremo.</font><br> <font><br> Não havendo por disposição expressa recurso do acordão da relação sobre deficiencia ou contradição de quesitos, não se compreendia que o houvesse do acordão da Relação que decidisse sobre as respostas dos quesitos.<br> Quesitação e respostas formam um todo unico de materia de facto.<br> E menos se compreendia ainda que o Supremo, em face da falta de determinados factos, pudesse anular se a falta proviesse das respostas e não pudesse anular se a falta proviesse da quesitação.<br> Não. O Supremo não conhece de materia de facto, salvo os raros casos em que por disposição expressa de lei exerce funções de 1 e 2 instancia.<br> A alinea final do artigo 729 da ao Supremo Tribunal a faculdade de mandar baixar o processo a 2 instancia se entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.<br> Por esta disposição o Supremo não fica a conhecer materia de facto.<br> Ordena a relação que aprecie um facto que se esqueceu de apreciar.<br> Tal disposição, portanto, longe de justificar a tese de o Supremo ter poderes para anular as decisões do colectivo, mostra ainda que não tem poderes para as alterar.</font><br> <font><br> O Supremo, ordenando a Relação que se pronuncie sobre um facto que não apreciou, não se imiscue nas suas atribuições de julgadora soberana em materia de facto.</font><br> <font><br> Ja assim não sucederia se o Supremo se arrogasse competencia para anular as decisões do colectivo, quer oficiosamente, quer solicitado, pela manifesta impossibilidade de se pronunciar sobre deficiencia, contradição ou obscuridade de respostas aos quesitos sem se pronunciar sobre a materia de facto ja dada como provada.</font><br> <font><br> Na verdade, descobrir deficiencia, contradição ou obscuridade nas respostas a uma serie de quesitos seria dificil ou impossivel faze-lo sem um estudo completo da materia de facto.</font><br> <font><br> Tal estudo fazem-no as instancias e julgam no sentido que entendem, dentro das suas atribuições legais.</font><br> <font><br> A propria Relação tem de respeitar as decisões do colectivo, so as podendo alterar nos casos do artigo 712.</font><br> <font><br> Se do estudo do processo em materia de facto advier a Relação a convicção de que essas decisões sofrem do vicio de obscuridade, deficiencia ou contradição, pode oficosamente anula-las; da-lhe essa faculdade extraordinaria a alinea i) do artigo 653.<br> O tribunal superior referido nessa alinea e unicamente o tribunal de 2 instancia; não e nem pode ser o Supremo Tribunal, que não tem competencia para julgar de facto.</font><br> <font><br> Nem, em verdade, as decisões do colectivo são sequer objecto de recurso perante o Supremo.</font><br> <font><br> A Relação e que tem de as apreciar, de as confirmar ou alterar e e ao julgado da Relação que o Supremo atende.</font><br> <font><br> Essa ideia esta claramente expressa no artigo 729.<br> "A decisão de 2 instancia quanto a materia de facto não pode ser alterada...".<br> E a decisão de 2 instancia, portanto, que se atende.<br> Podem então dar-se duas hipoteses: ou a Relação não confirmou as decisões do colectivo, e então não temos que nos ocupar delas, ou as confirmou, e as deficiencias, obscuridades ou contradições passaram para a decisão de 2 instancia, onde as vamos encontrar e onde podem causar nulidade.<br> Mas as condições em que o Supremo Tribunal pode conhecer das nulidades do acordão e o ambito destas são diversas daquelas em que a Relação pode conhecer das nulidades das respostas dos tribunais colectivos.<br> E assim se confirma que a alinea i) do artigo 653 ao falar no tribunal superior se não refere ao Supremo Tribunal de Justiça.</font><br> <font>Seria estranho que o Supremo não pudesse anular o acordão da Relação por determinadas faltas e pudesse anular pelas mesmas faltas as respostas do tribunal colectivo que a Relação confirmou.<br> Arrogar-se o Supremo competencia para anular as decisões do colectivo, alem de subverter o sistema do Codigo, tinha o inconveniente de protelar, sem vantagem, a acção da justiça, por poder dar aso a que se procurassem descortinar deficiencias, obscuridades ou contradições em respostas que de nenhum desses vicios sofressem.<br> A aplicação de tal doutrina, inconveniente no civel poderia ter consequencias funestas quando aplicadas subsidiariamente em materia penal.<br> Resumindo: compete a Relação conhecer das irregularidades das respostas do tribunal colectivo e ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer das irregularidades do acordão da Relação; as condições de conhecimento são diversas.<br> Pelo exposto se nega provimento ao recurso, se confirmam os acordãos recorridos e se firma o seguinte assento:<br> O Supremo Tribunal de Justiça não pode anular as decisões do tribunal colectivo.<br> Custas pelos recorrentes.</font><br> <br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Julho de 19944</font><br> <font><br> Miguel Crespo - Jose Coimbra - Luiz Osorio - Heitor Martins - Pereira e Sousa - Magalhães Barros - Miranda Monteiro (vencido. No meu projecto de acordão votava a competencia do Supremo, embora o Codigo, no artigo 515, faça terminar na Relação a discussão sobre a elaboração do questionario.<br> Na alinea i) do artigo 653, porem, ja o Codigo não limita tão claramente o conhecimento dos vicios das respostas do colectivo ao Tribunal da Relação, pois a referencia ao tribunal superior bem pode abranger o Supremo Tribunal de Justiça.<br> E, finalmente, no artigo 729 (3 parte) da-lhe insofismavel competencia para mandar voltar o processo a Relação, para ampliar a decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.<br> Ora, se o Supremo pode mandar ampliar a decisão de facto, e porque a julga deficiente, e, portanto, o Codigo, dando-lhe competencia para conhecer da deficiencia da decisão de facto da Relação, manifesta que não considerou tal conhecimento materia de facto, de que so as instancias possam conhecer, mas, sim, materia de direito.<br> Portanto, tambem materia de direito e o conhecimento das deficiencias das respostas do colectivo, e razão não ha para que o não seja tambem o conhecimento dos restantes vicios de que fala a alinea i) do artigo 653. Assim, não ha razão para se dizer que o tribunal superior a que se refere não seja tambem o Supremo, quando a causa excede a alçada da Relação e a ele suba em recurso.<br> E não e contraditoria esta interpretação.<br> O legislador considerou materia de facto a elaboração do questionario, que estabelece os pontos de facto sobre que deve recair a produção da prova (artigo 515), bem como tambem a apreciação desta (artigo 722, paragrafo 2); mas a decisão de facto das instancias deve ser completa e clara, e o Supremo, que tem de aplicar o direito ao facto, se o não puder fazer por aquela decisão não constituir base suficiente para a decisão de direito, como diz o artigo 729, tem de a mandar completar, ainda que a falta seja devida aos vicios de que fala a alinea i) do artigo 653.<br> Pretende-se combater esta argumentação dizendo-se que o caso a que se refere o artigo 729 e so quando falta um facto que a Relação esqueceu apurar; mas se ha deficiencia, obscuridade ou contradição na decisão de facto, não pode dizer-se que haja facto apurado.<br> Tambem se argumenta que o Codigo tanto não quis considerar os vicios de que se trata como de conhecimento do Supremo que os não inclui no numero dos fundamentos de recurso para este Tribunal.<br> Mas a decisão das instancias que se basear em decisão de facto dessa forma viciada não pode deixar de incorrer na nulidade do n. 23 do artigo 668, que, devidamente reclamada e decidida, nos termos do artigo 755, paragrafo 2, fundamenta o recurso para o Supremo.<br> No caso dos autos, porem, o recurso de revista foi interposto pelos fundamentos legais e nada havia que obstasse a conhecer-se de tais vicios acessoriamente, mesmo ex officio.<br> E de admitir que, se o Supremo se encontrar um dia em face de uma decisão do colectivo viciada, nos termos da alinea i), que a Relação não tenha anulado, não deixara de, nos termos do artigo 729, mandar voltar o processo a Relação, para completar a decisão de facto, e esta, não o podendo fazer directamente, anulara, então, a decisão do colectivo, conseguindo-se esse resultado em prejuizo da celeridade e economia do processo).</font><br> <font>F. mendonça (vencido pelos mesmos motivos). - Bernardo Polonio (vencido pelas mesmas razões). - Rocha Ferreira (vencido pelos mesmos fundamentos). - Baptista Rodrigues (vencido pelas mesmas razões). - Teixeira Direito (vencido pelos fundamentos expressos no primeiro vencido). - Americo de Sousa.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam os do Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:</font><br> <font><br> Na acção de investigação de paternidade ilegitima que, A, propos, na comarca de Sintra, contra B e outros, foi proferido o acordão da Relação de Lisboa (folhas 1350 a 1360), pelo qual foi negado provimento a varios agravos e confirmada a sentença da primeira instancia, que julgou a acção procedente e provada.<br> Desse acordão interpuseram recurso de agravo e de revista B e marido, C, e D. E, porque não minutaram o agravo na segunda instancia, o respectivo relator entendeu que não devia conhecer-se dele, por ser de aplicar o disposto no artigo 690 do Codigo de Processo Civil.<br> Ouvidas as partes, os recorrentes sustentaram que a alegação do agravo podia ser apresentada juntamente com a da revista e a recorrida opinou que a falta de alegação na Relação obstava a que se conhecesse da respectiva materia, tendo este Supremo Tribunal decidido, em acordão de 4 de Maio de 1951 (folhas 1408 a 1410), que se não podia conhecer do agravo, por não terem os agravantes apresentado na segunda instancia alegações e ele relativas.<br> Desse acordão recorreram os agravantes para o tribunal pleno, alegando que ha oposição, sobre a mesma questão de direito, entre esse acordão e o de 18 de Abril de 1950, tambem do Supremo Tribunal, publicado a paginas 315 do n. 18 do Boletim do Ministerio da Justiça, visto este ter resolvido que, quando um recurso de agravo haja de subir com o de revista, as respectivas alegações serão feitas conjuntamente.<br> Apresentada a alegação e a resposta a que se refere o artigo 765 do Codigo de Processo Civil e colhidos os necessarios vistos, decidiu-se, em acordão de 9 de Novembro de 1951 (folhas 1451), que o recurso seguisse para tribunal pleno, por existir oposição entre os referidos acordãos, proferidos no dominio da mesma legislação, em processos diferentes e sobre a mesma questão de direito.<br> Os recorrentes e os recorridos apresentaram as alegações de folhas 1460 a 1466 e 1468 a 1474 verso, respectivamente, argumentando aqueles que deve ser dado provimento ao recurso para que a alegação do agravo interposto possa ser apresentada com a que respeitar ao recurso de revista pendente, e estes no sentido de que se não deve dar razão aos recorrentes e agravantes.<br> O excelentissimo representante do Ministerio Publico, como se ve do seu douto parecer de folhas 1476 a 1478 verso, entende que, quando forem interpostos dois recursos - agravo e revista - do mesmo e unico acordão da Relação, devera alegar-se em relação aos dois numa so minuta, que sera junta dentro do prazo designado para a revista.<br> O que tudo visto e ponderado:<br> O problema a resolver, como se ve, e este:<br> Quando sobem conjuntamente ao Supremo Tribunal de Justiça um agravo e uma revista interpostos do mesmo acordão da Relação, tera o recorrente de minutar o agravo na segunda instancia, sob pena de se não conhecer do agravo?<br> O acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 1950, ja citado, decidiu bastar uma minuta para o agravo e para a revista, podendo fazer-se a apresentação no Supremo quando se interpos recurso de revista de um acordão da Relação e depois se agravou de acordão posterior, subindo o agravo aos proprios autos com a revista.<br> E decidiu assim por duas razões:<br> I - Porque o agravo não subiu imediatamente, mas somente quando subiu a revista, pelo que eram aplicaveis as disposições dos artigos 748 e 761 do Codigo de Processo Civil;<br> II - Porque, subindo os recursos conjuntamente e conhecendo-se deles de igual modo, lavrando-se um so acordão, seria superfluo, e ate despropositado, estar a fazer duas minutas.<br> O acordão que foi proferido nos presentes autos, o de 4 de Maio de 1951, como ja se disse, resolveu que, embora os recursos - agravo e revista, ambos interpostos de um so acordão da Relação - tivessem subido conjuntamente, o agravo tinha de ser minutado na segunda instancia, por estas razões: a) O agravo subia imediatamente nos autos, pelo que era aplicavel a 2 parte do artigo 760 do Codigo de Processo Civil, e não o disposto no artigo 761 do mesmo Codigo; b) A subida do agravo em causa não estava condicionada a subida de qualquer outro recurso, pois podia subir independentemente da interposição do recurso de revista (artigo 754 daquele Codigo).<br> Isto e:<br> Embora a hipotese resolvida nos dois acordãos do Supremo, proferidos no dominio da mesma legislação e em processos diferentes, não seja igual, pois no caso do acordão de 18 de Abril havia um recurso de agravo posterior a revista e neste processo o agravo e a revista foram interpostos do mesmo acordão da Relação, como ja se referiu, a verdade e que, como decidiu o acordão de 9 de Novembro de 1951, existe oposição entre os aludidos acordãos, visto que decidiram de forma opsota a mesma questão de direito: quando deve ser feita a alegação de um agravo que sobe com uma revista.<br> Qual a doutrina a fixar?<br> Diz o artigo 756 do citado Codigo de Processo Civil:<br> "Sobem imediatamente nos autos vindos da primeira instancia:<br> II - O agravo interposto de acordão da Relação que conhecer do objecto do agravo ou se obstiver de conhecer do objecto do agravo ou da apelação".<br> Ora o agravo em causa foi interposto de acordão da Relação que conheceu do objecto do agravo, pelo que devia subir e subiu imediatamente nos autos vindos da primeira instancia:<br> Daqui havera que concluir ser de aplicar o dispsoto na 2 parte do artigo 760 do aludido Codigo?<br> A primeira vista parece que sim, e foi esse o raciocinio em que o acordão recorrido baseou a sua decisão.<br> Mas, lendo atentamente os artigos citados, convencemo-nos de que essa disposição não tem aplicação a hipotese em causa.<br> Como diz o excelentissimo representante do Ministerio Publico a folhas 1476 verso, "a circunstancia de o recurso de agravo subir imediatamente não significa que devem ser aplicadas ao caso vertente as regras do artigo 760.<br> E que o artigo 760 so contempla a hipotese de o recurso subir imediatamente e isoladamente, isto e, sem que tenha de subir juntamente com outro recurso".<br> Houve um recurso de revista e um de agravo, interpostos do mesmo acordão da Relação, repete-se, e ambos subiram conjuntamente.<br> Essa hipotese e a do acordão de 18 de Abril de 1950 - que e de presumir tenha passado em julgado - não estão previstas expressamente no Codigo de Processo Civil.<br> E então, como diz aquele magistrado, "ha que averiguar os principios orientadores nesta materia".<br> Ora a orientação do legislador, ao que se deduz do disposto nos artigos 748 e 761 do mencionado Codigo, e a de admitir a alegação unica para os dois recursos, no caso de subida simultanea deles, embora para o caso de não subirem imediatamente os agravos.<br> Onde ha a mesma razão deve existir a mesma disposição.<br> Se este Tribunal tem de conhecer no mesmo acordão do agravo e da revista, natural e que se faça uma so minuta, e, como se escreveu no mencionado acordão de 18 de Abril, seria superfluo estar a fazer duas.<br> E, depois, como se salienta no parecer do Ministerio Publico, o exigir duas minutas so serve para demorar, sem proveito, o andamento dos recursos.<br> Alem de que, como ainda nesse parecer se nota, não e razoavel que o tribunal se satisfaça - como tem sucedido, em regra - com uma so minuta quando o recorrente, erradamente, interponha so o recurso de revista, devendo interpor tambem o de agravo, e queira exigir minuta de agravo e de revista quando o recorrente acertou interpondo os dois recursos.<br> Pelo exposto, revogam o acordão recorrido e estabelecem o seguinte assento:<br> "Quando agravo e revista, interpostos pela mesma parte, subirem juntamente, a alegação relativa ao agravo sera feita com a da revista".</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 17 de Dezembro de 1952</font><br> <font><br> Jaime Tome (Relator) - Roberto Martins - Beça de Aragão - Campelo de Andrade - Julio de Lemos - Rocha Ferreira (Votei que se considerasse findo o recurso, por não serem precisamente identicas as hipoteses juridicas dos acordãos confrontados; vencido nesta parte, votei o acordão) - Cruz Alvura - Piedade Rebelo - Lencastre da Veiga - Jaime de Almeida Ribeiro (Votei o assento; vencido quanto a oposição, pois entendo que não existe entre os dois acordãos apontados, por versarem questões de direito diferentes) - Bordalo e Sa (Vencido na questão previa, tal qual como o meu excelentissimo colega precedente) - Jose de Abreu Coutinho (Vencido pelas razões seguintes: embora nos autos me tivesse manifestado pela existencia de oposição entre os dois acordãos, reconsiderando perante os argumentos apresentados na sessão, votei pela inexistencia de tal oposição, e isto porque eles versarem questões de direito diferentes.<br> No de 18 de Abril de 1950 o tribunal partiu do principio de que não tinha subido imediatamente o recurso de agravo, e foi por isso que declarou ser de aplicar a disposição do artigo 761 do Codigo de Processo Civil, fazendo-se, portanto, a respectiva alegação juntamente com a da revista, ao passo que no destes autos se decidiu quanto a um agravo que subiu imediatamente. Vencido nesta parte, fui-o tambem quanto ao assento a proferir, pois entendi que a letra da lei não permitia a solução que acaba de ser adoptada. Trata-se de um agravo que subiu imediatamente e cuja subida não estava dependente do recurso de revista, e tanto assim que subiria ainda que a parte desistisse desta ou ainda mesmo que não interpusesse a revista. Não podia, pois, ser-lhe aplicavel a disposição do artigo 761, que expressamente e unicamente legisla para o caso de o agravo não subir imediatamente e de acompanhar um recurso que o faça subir.<br> O caso dos autos so podia ser decidido de harmonia com o disposto na 2 parte do artigo 760 do Codigo de Processo Civil; e, segundo ele, a alegação tinha de ser apresentada no tribunal da Relação.<br> Nada na lei autoriza a afirmação de que esse artigo so contempla a hipotese de o agravo subir isoladamente, como se pretende neste acordão.</font><br> <font>As razões nele invocadas quanto a ser superflua a alegação do agravo e a demorar ela o andamento dos recursos poderão ser muito de considerar quando se trate de reformar a lei, mas não quando, como agora, se tenha de ter em conta so o direito constituido.<br> E a circunstancia, a que alude o acordão, de o tribunal se satisfazer com uma so minuta quando o recorrente, erradamente, haja interposto so o recurso de revista, devendo interpor tambem o de agravo, nada importa para o caso agora em apreciação, pois naquele outro caso, porque so um recurso de revista havia sido recebido, não havia lugar para uma alegação de agravo.<br> A necessidade dela surgiu porque o tribunal entendeu que tinha de conhecer de um agravo. Mas, como a alegação da revista versava ja sobre a materia que constituia o objecto de tal agravo, era de dispensar outra alegação a dizer a mesma coisa. Isto e intuitivo e resulta mesmo do disposto na 2 parte do artigo 702 do Codigo de Processo Civil) - A. Bartolo (Vencido, pelos fundamentos do voto do Excelentissimo Conselheiro J. Coutinho) - Raul Duque (Vencido, pelos mesmos fundamentos).</font></font>
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5DI6vIYBgYBz1XKvE836
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico (MP) Junto deste Supremo Tribunal recorreu para tribunal pleno do Acordão deste Supremo de 25 de Maio de 1984, que, por fotocopia, se acha a folhas 5-7, proferido no recurso de agravo em que era recorrente e a que foi negado provimento, em confirmação da decisão da 1 instancia que julgou ineficaz a declaração do Governo da Região Autonoma dos Açores (Resolução n. 157/81) de utilidade publica da expropriação de um terreno pertencente a A, por não haver sido publicada no Diario da Republica, nos precisos termos do artigo 14, n. 1, do Decreto-Lei n. 845/765, de 11 de Dezembro [Codigo das Expropriações (CE)], mas tão-so no Jornal Oficial da Região, alegando haver oposição entre esse acordão e o de 17 de Maio de 1984, tambem deste Supremo Tribunal, que se acha fotocopiado a folhas 9-11 e publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 337, a paginas 358-361, que julgou ser suficiente para ser eficaz a publicação da declaração de utilidade publica da expropriação de bens situados naquela Região Autonoma no Jornal Oficial da mesma Região.</font><br> <font><br> Alegou o recorrente, procurando demonstrar a existencia dos pressupostos deste recurso, mormente a invocada oposição de julgados.<br> Em acordão da Secção (folhas 19) ficou decidido verificarem-se esses pressupostos: acordãos proferidos em processos diferentes, no dominio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se a resolução do Governo Regional dos Açores que declara a utilidade publica das expropriações de bens situados nessa Região necessita, para ser eficaz, de ser publicada no Diario da Republica ou basta que o seja no Jornal Oficial da Região, e transito em julgado, que se presume, do acordão invocado em oposição.</font><br> <font><br> Igualmente ai se decidiu pela alegada oposição de acordãos, na medida em que no de 25 de Maio de 1984 se decidiu pela necessidade de publicação da resolução do Governo Regional dos Açores que declara a utilidade publica da expropriação de bens situados naquela Região no Diario da Republica para ser eficaz, enquanto, ao inves, no dia 17 de Maio de 1984 se decidiu que e suficiente, para o referido efeito, a publicação dessa resolução no Jornal Oficial da Região.</font><br> <font><br> Seguindo o recurso, alegou de merito o recorrente, que manifestou o entendimento de que o suscitado conflito de jurisprudencia deve ser solucionado com a emissão de assento, para o qual propõe a seguinte formulação:<br> Declarada a utilidade publica de expropriação da competencia do Governo da Região Autonoma dos Açores, o respectivo acto esta sujeito a obrigatoriedade de publicação no Jornal Oficial da Região, e não no Diario da Republica, com a consequente revogação do acordão recorrido.<br> Corridos os vistos do plenario, cumpre decidir.</font><br> <font><br> Ha que conhecer do presente conflito de julgados e soluciona-lo, na medida em que, conforme se mostra do acordão da Secção, se verificam todos os requisitos ou pressupostos legais deste recurso, incluindo o da invocada oposição, pelo que não ha, agora, nada a alterar ou a acrescentar a tal respeito.<br> Afigura-se que a solução correcta para o conflito e a adoptada no Acordão de 17 de Maio de 1984, segundo a qual a resolução do Governo Regional dos Açores que declare a utilidade publica da expropriação de bens situados nessa Região deve ser publicada, para ser eficaz, no respectivo Jornal Oficial, e não no Diario da Republica.</font><br> <font><br> E senão vejamos:</font><br> <font><br> Por imperativo constitucional, o arquipelago dos Açores constitui uma região autonoma dotada de estatuto politico-administrativo e de orgãos de governo proprio (artigos 6, n. 2, e 227 a 236 da Constituição da Republica).<br> Não esta em discussão qual o orgão competente para o acto declarativo de utilidade publica da expropriação de bens situados na Região Autonoma dos Açores, nem a forma que ele deve revestir.</font><br> <font><br> E indiscutivel que compete ao Governo Regional, sob a forma de resolução.<br> O que se controverte e antes se a resolução sobre essa materia basta, para ser eficaz, que se publique no Jornal Oficial da Região ou necessita de ser publicada no Diario da Republica.</font><br> <font><br> No acordão recorrido (o de 25 de Maio de 1984) sustenta-se que essa publicação deve ser feita no Diario da Republica e, no essencial, pela seguinte ordem de razões:</font><br> <font><br> 1) Assim o impõe o artigo 14, n. 1, do CE (Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro), onde se exige que o acto declarativo da utilidade publica se publique "sempre" "no Diario da Republica", apesar das alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Leis ns. 32/82, de 1 de Fevereiro, e 154/83, de 12 de Abril, sem que, contudo, haja sido feita qualquer ressalva em relação as regiões autonomas;</font><br> <font><br> 2) A Lei n. 39/80, de 5 de Agosto (que aprovou o Estatuto Politico-Administrativo da Região Autonoma dos Açores), no seu artigo 45, ns. 1, 2 e 3, so refere que os decretos regulamentares regionais, como sucede com os decretos regionais (seu artigo 28, n. 4), tem de ser publicados no Diario da Republica, o que e explicavel por se tratar de normas gerais e abstratas, acrescentando depois que todos os demais actos do Governo Regional e dos seus membros devem de ser publicados no jornal Oficial da Região, mas sem que diga ou proiba que alguns deles, por imposição da lei regional nacional, especiais tenham tambem de ser publicados no Diario da Republica, como, alias, sucede com o artigo 14, n. 1 do Decreto-Lei n.845/76.</font><br> <font><br> 3) Por outro lado, o Decreto-Lei n. 3/83, de 11 de Janeiro (que defini o regimi de publicação, identificação e formulação de diplomas), para alem de so tratar da publicação de diplomas na 1 serie do Diario da Republica, acrescenta no seu artigo 1, n. 2, alinea f), ao fazer a determinação dos actos sujeitos a essa publicação, "quaisquer outros actos que a lei determinar", onde se podem incluir aqueles que a "lei nacional" exige se publiquem naquele Diario, como sucede com o citado artigo 14, n. 1, do Decreto-Lei n. 845/76.</font><br> <font><br> A primeira das razões invocada tem apenas por suporte a "letra" da lei.<br> Compreende-se que no CE se tenha estabelecido a obrigatoriedade da publicação do acto declarativo da utilidade publica no Diario da Republica, fosse qual fosse o ponto do territorio nacional onde se situassem os bens sujeitos a expropriação, uma vez que então a autonomia da Região ainda se não exercia em pleno.</font><br> <font><br> Outro sim ja se não compreende que apos a entrada em vigor do Estatuto Politico-Administrativo da referida Região Autonoma se continue a observar esse mesmo principio de publicação, no Diario da Republica, do acto declarativo da utilidade publica da expropriação de bens situados nessa Região, tanto mais que por aquele Estatuto se reconhece a autonomia politica, administrativa e financeira dos Açores (seu artigo 2, n. 1) e, na terminologia do seu artigo 27, alinea V), expropriação de bens situados na Região constitui "materia de interesse especifico para a Região", a que se tem de aliar o facto de, como se vera, o referido Estatuto não prescrever a publicação do citado acto declarativo de utilidade publica no Diario da Republica.</font><br> <font><br> De outro passo, não se tem como indiferente para a solução do presente conflito de julgados a circunstancia de se haver transferido para a Região Autonoma dos Açores a competencia para a declaração de utilidade publica, que, segundo o Decreto-Lei n. 845/76, cabia ao conselho de Ministros restrito, desde que os actos de declaração de utilidade publica respeitassem a expropriações a realizar na Região Autonoma.<br> Essa transferencia veio, de facto, a efectuar-se com a publicação do Decreto-Lei n. 193/79, de 28 de Junho, que isso mesmo estabeleceu no seu artigo 1, alinea a), com a justificação constante do preambulo desse diploma de que "autonomia regional constitucionalmente consagrada so ganhava sentido na medida em que se transferissem competencias para os orgãos de Governo proprios de cada uma das regiões".</font><br> <font><br> Tal regime e, de resto, aquele que ainda se mantem, atento o que se dispõe no ja citado artigo 27, alinea V), da Lei n. 39/80, segundo o qual, como ja se assinalou, constitui, entre outras, materia de "interesse especifico" para a Região a expropriação por utilidade publica de bens ai situados.<br> Ora, conforme justamente ficou salientado no Acordão de 17 de Maio de 1984 (acordão fundamento), se a competencia para a declaração de utilidade publica da expropriação de bens situados na Região transitou do Conselho de Ministros restrito para o Governo Regional, mal se justifica que a publicidade do respectivo acto de declaração de utilidade publica se tenha de fazer atraves da sua publicação no Diario da Republica, e não no Jornal Oficial da Região, onde essa publicidade e tão assegurada como naquele, enquanto tal publicação se destina "a dar noticia, de uma forma muito clara, da relação juridica de expropriação aos sujeitos passivos aparentes", em citação de Gonçalves Pereira (Expropriação por Unidade Publica, pagina 22).</font><br> <font><br> Dai o dever interpretar-se o citado artigo 14, n. 1, do CE por forma que a publicação do acto declarativo de utilidade publica não tenha de ser feita no Diario da Republica sempre que respeite a expropriações de bens situados na Região Autonoma dos Açores igualmente não relevam para a tese defendida no acordão recorrido as alterações introduzidas no citado artigo 14, n. 1, do Decreto-Lei n. 845/76, sem que em nenhuma delas se haja atingido o passo da disposição legal em referencia, "que sera sempre publicado no Diario da Republica".</font><br> <font><br> Na verdade, a alteração feita nesse preceito pelo Decreto-Lei n. 32/82, de 1 de Fevereiro, consistiu tão-so no acrescento a parte final do texto da expressão "se a lei o autorizar", justificando-se tal alteração no preambulo do diploma por se ter tido com ela o objectivo de "clarificar o condicionalismo em que e possivel conferir caracter urgente a expropriação".<br> E a introduzida pelo Decreto-Lei n. 154/83, de 12 de Abril, que consistiu em eliminar no final do texto "se a lei o autorizar", colocando em sua substituição "por motivos especificos devidamente justificados". visou, consoante, tambem se apreende do preambulo desse diploma,</font><br> <font>"abolir a rigidez da declaração de urgencia da expropriação, permitindo-a desde que determinada por motivos especificos devidamente justificados".<br> Verifica-se, assim, que não foi a questão da publicação do acto declarativo da utilidade publica que, em qualquer das situações contempladas, esteve nas preocupações do legislador de qualquer dos referidos diplomas, pelo que a inalterabilidade do preceito, no aspecto que se esta a considerar, nenhum significado relevante se deve atribuir com vista a solução do conflito que nos ocupa.<br> Em consonancia com o que acaba de ser exposto se deve tambem refutar a razão invocada sob o precedente n. 2 pelo acordão recorrido para justificar a sua tese.<br> A Lei n. 39/80 veio estabelecer nos seus artigos 28, n. 4, e 45, ns. 2 e 3, como deve revestir-se a publicidade dos varios actos cuja competencia se atribui a Assembleia Regional e ao Governo Regional da Região Autonoma dos Açores.<br> Assim e que os "decretos regionais", bem como as "moções e as resoluções", desde que umas e outras tenham "incidencia externa a Assembleia Regional", hão-de ser publicados no Diario da Republica (artigo 28, n. 4).<br> Ja atras ficou clarificado - e nem esse ponto esta em discussão - que o acto declarativo de utilidade publica da expropriação de bens situados na referida Região compete ao Governo Regional e reveste a forma de resolução.<br> Escapa, portanto, esse acto ao que se prescreve naquele artigo 28, n. 4.<br> Por outro lado, segundo o que se dispõe no artigo 45, ns. 2 e 3, "os decretos regulamentares regionais" devem ser publicados no Diario da Republica, enquanto os demais actos do Governo Regional e dos seus membros devem ser publicados no Jornal Oficial da Região, em termos definidos por decreto regional.<br> Revestindo, como se disse, a forma de "resolução" o acto de que aqui se trata, escapa por isso e tambem a exigencia feita neste artigo 45 de publicação no Diario da Republica, por so revestirem a forma de "decreto regulamentar regional" os actos do Governo Regional previstos na alinea b) do artigo 44 (n. 1 do citado artigo 45), o que manifestamente não e o caso, como ja se viu.<br> Logo, a publicação da "resolução" do Governo Regional que respeita a acto declarativo de utilidade publica ha-de fazer-se no respectivo Jornal Oficial artigo 45 citado, seu n. 3.<br> O que, de resto, não esta em colisão com o artigo 14, n. 1, do Decreto-Lei n. 845/76, que, ao contrario do entendido no acordão recorrido, constitui preceito de caracter geral, perante o que se dispõe no artigo 45, n. 3, do Estatuto Politico-Administrativo da Região Autonoma dos Açores, no que respeita a inserção da publicação do acto declarativo de utilidade publica em apreciação, como justamente tambem se observa no acordão fundamento, face as precedentes considerações.<br> E melhor sorte não tem a razão constante do atras indicado n. 3.<br> E certo que no Decreto-Lei n. 3/83, de 11 de Janeiro, se determina que sejam publicados na 1 serie do Diario da Republica, sob pena de ineficacia juridica, os diplomas que se identificam no seu n. 1 (entre os quais se não compreende o que aqui esta em causa), para depois se acrescentar, no seu n. 2, que são ainda publicados na 1 serie do mesmo Diario os actos que ai se enumeram nas suas alineas a) a e), inclusive, para depois, na alinea f) seguinte, se acrescentar "quaisquer outros actos que a lei determinar".<br> E nesta alinea f) que se pretendem incluir "aqueles que a lei material exija que se publiquem naquele Diario da Republica, como sucede no caso previsto no artigo 14, n. 1, do Decreto-Lei n. 845/76".<br> A lei em causa teve, porem, por objectivo reformular as Leis ns. 3/76 e 8/77, respectivamente de 10 de Setembro e 1 de Fevereiro, que regulavam a publicação, identificação e formulação dos diplomas legais, materia essa em que, como se fez constar do preambulo do Decreto-Lei n. 3/83, foram introduzidas importantes alterações por força do novo texto constitucional (Lei Constitucional n. 1/82, de 30 de Setembro).<br> Com efeito, o artigo 122 da Constituição da Republica, por virtude das alterações que lhe foram introduzidas pela referida Lei n. 1/82, faz enumeração dos actos que devem ser publicados no jornal oficial, Diario da Republica, sob pena de ineficacia juridica (seus ns. 1, e 2), para depois acrescentar no seu n. 3 que a lei [ordinaria, subentenda-se] determina a forma de publicidade dos demais actos e as consequencias da sua falta".<br> Ora, o Decreto-Lei n. 3/83 veio precisamente reformular as anteriores, atras citadas, por forma a se harmonizarem com o novo texto constitucional.<br> Por isso, cuidou apenas dos diplomas que devem ser publicados na 1 serie do Diario da Republica (ns. 1 e 2 do seu artigo 1).<br> Não e, porem, subsumivel na citada alinea f) do n. 2 desse artigo 1 o acto que aqui se visa, pela razão bem simples de que os actos declarativos de utlidade publica, quando devam ser publicados no Diario da Republica, o são não na sua 1 serie, mas na 2 serie.<br> A ele se não pode, portanto, referir a alinea f) do n. 2 do artigo 1 do Decreto-Lei n. 3/83.<br> Acresce que, embora a expropriação tenha por fim fazer adquirir, livre de onus, o direito de propriedade e posse sobre determinado predio rustico ou urbano, não são afectados os interesses que se pretende proteger e defender atraves da publicação do acto declarativo de utilidade publica, pelo facto de, situando-se esses bens na Região Autonoma dos Açores, a publicidade do acto se não fazer com a sua publicação no Diario da Republica, mas tão-so no Jornal Oficial da Região, uma vez que, como refere o ilustre magistrado do Ministerio Publica recorrente, o CE preve o acautelamento desses interesses na medida da notificação, que prescreve, dos respectivos interessados, exigindo que os predios sujeitos a expropriações sejam, na medida do possivel, identificados com os elementos constantes da descrição predial e inscrição matricial e se indiquem os direitos e onus que sobre eles incidam e os nomes dos respectivos titulares (artigos 13, 15 e 20).<br> Tudo se conjuga, portanto, para concluir que não deve manter-se o acordão recorrido, que por isso mesmo vai revogado, devendo, por isso, o processo de expropriação prosseguir os seus regulares termos, firmando-se o seguinte assento:<br> A resolução do Governo Regional dos Açores que declare a utilidade publica da expropriação de bens situados nessa Região deve ser publicada no Jornal Oficial dessa Região, e não no Diario da Republica.<br> Custas nas instancias e neste Supremo Tribunal, final, pelo expropriado, se este ficar vencido.<br> </font><br> <font>Lisboa, 23 de Abril de 1987</font><br> <br> <font> Jorge d`Araujo Fernandes Fugas - Augusto Tinoco de Almeida - João Solano Viana - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Jose Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Manuel Batista Dias da Fonseca -<br> - Silvino Alberto Villa-Nova - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Antonio Pereira de Miranda - Julio Carlos Gomes dos Santos - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Fernando Pinto Gomes - Manuel Augusto Gama Prazeres - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Frederico Carvalho de Almeida Batista - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Cesario Dias Alves - Mario Sereno Cura Mariano - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo (vencido, pelos fundamentos constantes do Acordão de 25 de Maio de 1984, publicado no Boletim, n. 337, pagina 362, que subscrevi).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão de Tribunal Pleno:</font><br> <font><br> A e B, em representação dos credores da sociedade comercial C e dos seus socios D e E, requereram, na 3 vara civel da comarca do Porto, a homologação judicial do acordo de credores, nos termos do artigo 1289 do Codigo de Processo Civil.<br> Recebido o acordo, deduziram embargos varios credores, assim como a sociedade e socios devedores.<br> Ao iniciar-se, porem, a audiencia de discussão e julgamento, foi pelo o ilustre advogado destes ultimos, requerida a suspensão da instancia, com fundamento no falecimento do credor aceitante F, a qual foi ordenada nos termos dos artigos 281, n. 1, e 282 do citado Codigo.<br> E, como o processo tivesse ficado parado mais de dois meses, foi remetido a conta, em conformidade do preceituado no artigo 80 do Codigo das Custas Judiciais.<br> Tanto os requerentes da homologação, como a sociedade e socios devedores, reclamaram contra a conta de custas, discutindo, essencialmente, se o pagamento das custas do acordo incumbia aos embargantes ou aos requerentes.<br> Observado o disposto no artigo 91 desse Codigo, foram desatendidos por despacho de que so os requerentes da homologação interpuseram recurso de agravo, a que a Relação do Porto negou provimento.<br> Do respectivo acordão agravaram ainda os requerentes para este Supremo de Tribunal que, no acordão de folhas 682, decidiu incumbir aos requerentes da homologação, e não aos embargantes, a responsabilidade do pagamento das custas contadas.<br> Em tempo oportuno recorreram os requerentes da homologação para o tribunal Pleno, invocando oposição entre o acordão proferido e o tambem deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 1955, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 49, a paginas 350, em que se decidiu, em caso exactamente igual ao dos autos, que enquanto não houver condenação em custas em processo de homologação de acordo de credores, que haja sido embargado e esteja suspenso por mais de dois meses, a responsabilidade do pagamento das custas incumbe exclusivamente aos credores embargantes.<br> Admitido o recurso, foi pelo acordão de folhas 712 reconhecida a manifesta oposição entre os dois acordãos, sobre a mesma questão de direito, nele se acentuando que ate ja no acordão recorrido, tambem ja publicado no citado Boletim, n. 63, a paginas 489, se aludira ao agora invocado pelos recorrentes como oposto, entendendo-se, porem, não dever adoptar a sua doutrina.<br> Seguindo o recurso os seus termos, apresentaram os recorrentes a sua alegação sobre o objecto do recurso, sustentando serem os embargantes os responsaveis pelo pagamento das custas, na hipotese vertente.<br> O ilustre representante do Ministerio Publico no seu douto parecer, entende não existir conflito de jurisprudencia; mas, quando assim se não decida, devia proferir-se assento em que se consignasse que, no caso em apreciação, são as custas da responsabilidade dos credores requerentes do do acordo.<br> Tudo visto:<br> E de presumir o transito em julgado do acordão de 17 de Maio de 1955, invocado em oposição - paragrafo 2 do artigo 763 do Codigo de Processo Civil; e, tanto ele como o acordão recorrido, foram proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação, ou seja na do actual Codigo das Custas Judiciais.<br> A oposição entre eles, sobre a mesma questão de direito, e manifesta.<br> Esta consistia em saber a quem cabe a responsabilidade do pagamento das custas do processo de homologação judicial de acordo de credores, a que foram deduzidos embargos, no caso de estar parado por mais de dois meses, por inercia das partes.<br> Enquanto o acordão recorrido decidiu que, em tal caso, incumbe o pagamento das custas aos requerentes da homologação do acordo, o acordão de 17 de Maio de 1955 decidiu incumbir esse pagamento aos embargantes do acordo.<br> E essa a questão de direito, diversamente decidida nos dois acordãos.<br> Não importa a circunstancia, salientada pelo ilustre representante do Ministerio Publico, de no presente processo se haverem efectuado duas contas separadas, uma respeitante propriamente ao processo de acordo de credores e outra relativa aos embargos; enquanto que no processo onde foi proferido o acordão de 17 de Maio de 1955, nada mostrar que assim tivesse sucedido.<br> Mas, essa circunstancia, a ter-se verificado - o que não parece possivel, visto os embargos terem a tributação especial do artigo 37 do Codigo das Custas Judiciais, o que impunha, necessariamente, que se efectuassem duas contas separadas, e a simples alusão a "conta", no relatorio do acordão, não excluir tal pratica - essa circunstancia não obsta a que seja a mesma questão de direito decidida nos dois acordãos.<br> Na verdade, o acordão de 17 de Maio de 1955 baseou-se em que os embargos constituiam um meio de oposição a homologação do acordo, que alterava a ordem normal do processo quanto a situação das partes em materia de prova; essa forma de processar, determina uma inversão processual das partes - o reu passa a embargante e o autor a embargado.<br> Acentuou, por isso, o acordão que isto seria o bastante para obrigar o embargante a ser diligente, desviando todos os obstaculos que se opusessem a marcha do processo, e, no caso, promovendo a habilitação dos herdeiros e representantes do credor falecido, para com eles seguir a causa e evitar que decorrido o prazo fixado no artigo 80 do Codigo das Custas Judiciais o processo fosse remetido a conta; e não o fazendo por negligencia ou descuido, sujeitou-se a ter de pagar as custas.<br> E certo - rematou o acordão - que o incidente de habilitação pode ser requerido por qualquer das partes -<br> - Codigo de Processo Civil, artigo 376, segunda parte; mas esta obrigação mais impendia sobre o embargante em vista da sua posição no processo, equiparada a do autor, para se livrar do pagamento das custas.<br> Ora, o acordão recorrido tomou posição diametralmente oposta, relativamente a essa questão de direito.<br> Entendeu que a circunstancia de os embargantes se oporem ao acordo de credores, não lhes dava, para todos os efeitos legais, a posição de autores.<br> Era certo que, nos processos em que a oposição ao pedido e deduzida por embargos, o oferecimento destes produz uma inversão no papel dos litigantes.<br> Mas isso não significa que o reu perca a sua qualidade primitida, assumindo a posição de autor.<br> Somente para o efeito da ordem do processo, o reu passa a ocupar, apos os embargos, a posição do autor.<br> Todavia, apreciada a posição das partes em relação a causa, o autor nunca perde esta qualidade.<br> Como e evidente, a questão de direito e a mesma, e independente da circunstancia de se haver efectuado uma unica conta, ou duas contas separadas, uma respeitante propriamente ao processo de acordo de credores e outra relativa aos embargos.<br> Para apreciar se existe oposição, ha que atender aos termos precisos da doutrina formulada pelos acordãos; e tem-se ate ja entendido poder haver oposição de doutrina a despeito de os acordãos postos em confronto terem incidido sobre casos concretos diferentes.<br> O que e indispensavel e que tenham resolvido, em sentido contrario, a mesma questão juridica fundamental.<br> E isso e bem manifesto no caso vertente, em razão do que existe o conflito de jurisprudencia.<br> Cumpre, portanto, a este Supremo Tribunal fixar definitivamente a certeza do direito.<br> Como ja se referiu, a circunstancia de os embargantes se oporem ao acordo de credores, não lhes da, para todos os efeitos legais, a posição de autores.<br> Nos processos em que a oposição ao pedido e deduzida por embargos, produz-se, e certo, uma inversão processual no papel dos litigantes, passando os embargantes a ter uma atitude activa, que exerce influencia sobre o andamento do processo.<br> Desta maneira, inquirem-se primeiramente as testemunhas do embargante, e este o primeiro a alegar, ao contrario do que sucede normalmente.<br> E, pois, unicamente para o efeito da ordem do processo, que o reu passa a ocupar, apos os embargos, a posição do autor.<br> Contudo, isso não significa que o reu perca a sua qualidade primitiva, assumindo a posição de autor.<br> Apreciada a posição das partes em relação a causa, o autor nunca perde esta qualidade.<br> Deste modo, relativamente ao processo de homologação do acordo de credores, os requerentes deste, a despeito de terem sido deduzidos embargos, continuam a manter a qualidade de autores.<br> A inversão processual, resultante da dedução de embargos, não invalida a autonomia dos processados para efeito de custas, porquanto o acordo e os embargos tem tributações distintas - artigo 22 e 37 do Codigo das Custas Judiciais.<br> E, desde que existe essa autonomia, as custas que foram contadas por força do disposto nos artigos 80 e 82 desse Codigo, ficam a cargo dos respectivos requerentes, em conformidade do que preceitua o artigo 92, suportando assim cada um as custas correspondentes a actividade processual que iniciou, enquanto não houver decisão sobre custas.<br> Por isso, e atento o estatuido neste ultimo preceito, uma vez que ainda não havia decisão sobre custas, eram os requerentes da homologação do acordo os responsaveis pelas que foram contadas em relação a esse processo, e não os embargantes.<br> Não e licito imputar principalmente a estes a obrigação de serem diligentes, promovendo no caso dos autos a habilitação dos herdeiros e representantes do credor falecido, para com eles seguir a causa e evitar que, decorrido o prazo fixado no citado artigo 80, o processo fosse remetido a conta.<br> A habilitação podia ser promovida por qualquer das partes- -Codigo de Processo Civil, artigo 376.<br> E se o processo foi instaurado pelos agora recorrentes, cumpria-lhes tambem providenciar no sentido do prosseguimento da instancia, que haviam iniciado, e que estava suspensa por falecimento de um dos credores aceitantes do acordo, de que eram representantes, evitando dessa maneira a remessa do processo a conta.</font><br> <font>Por estes fundamentos, negam provimento ao recurso e mantem o acordão recorrido , condenando os recorrentes nas custas.<br> E, como consequencia da doutrina exposta, estabelecem o seguinte assento:<br> "No processo de homologação judicial de acordo de credores, a quem forem deduzidos embargos, enquanto não houver decisão sobre custas, a responsabilidade das do processado principal cabe aos requerentes da mesma homologação, e aos embargantes incumbe a das custas dos embargos".</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 14 de Fevereiro de 1958</font><br> <font><br> Eduardo Coimbra ( Relator ) - Lencastre da Veiga -<br> - A. Baltasar Pereira - S. Figueirinhas - Agostinho Fontes - Julio M. de Lemos - Mario Cordoso - Piedade Rebelo - A. Sampaio Duarte - A. Gonçalves Pereira - Lopes Cardoso - Morais Cabral - Sousa Monteiro - Carlos Saavedra (Vencido por entender que, por inversão processual das partes, nos embargos, os embargantes tomam posição de autores; e, por isso, lhes cabe a obrigação de evitar que o processo esteja parado por mais de dois meses, como aconteceu no que foi tirado o acordão recorrido, em que pela mesma razão votei vencido).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>I - </font><br> <br> <font>Empresa-A. intentou no tribunal judicial de Almada, acção ordinária contra Município de Almada, pedindo a declaração de resolução dos contratos outorgados em 4 de Maio de 1973 e 17 de Maio de 1974 e a consequente condenação do R. na entrega dos terrenos, livres e desimpedidos e no estado em que se encontravam à data da sua cedência ou, se a restituição não for possível, o valor em dinheiro, a liquidar em execução de sentença.</font><br> <font>Em suma, alegou em defesa da sua tese que o R. acabou por dar um destino diferente aos terrenos transaccionados, em violação do que tinha ficado estipulado nas escrituras outorgadas.</font><br> <br> <font>O R. contestou por impugnação e por excepção, arguindo a caducidade por o direito de reversão não ter sido exercido nos dois anos posteriores ao D.-L. 438/91, e formulou pedido reconvencional, pedindo, no caso de procedência do pedido da A., a condenação desta no pagamento de 2.127.201.867$00 e o reconhecimento do direito de retenção até integral pagamento.</font><br> <br> <font>A A. replicou, contrariando a defesa excepcional do R. e impugnando a matéria da reconvenção e requereu, ainda, a intervenção de Empresa-B e Empresa-C..</font><br> <br> <font>Admitido o incidente, a Empresa-B veio contestar por excepção (incompetência material do tribunal, prescrição, caducidade, usucapião e acessão), o que também foi objecto de oposição por parte da A..</font><br> <br> <font>Em sede de saneador, o tribunal foi julgado competente e foi afirmada a regularidade da instância.</font><br> <font>Foram fixados os factos acordados e elaborada a base instrutória.</font><br> <br> <font>Após julgamento, a acção foi julgada improcedente e, como consequência, prejudicada a apreciação do pedido reconvencional deduzida pelo R. e da demais excepções arguidas.</font><br> <br> <font>Com esta decisão, não se conformou a A. que apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem êxito já que o julgado pela 1ª Instância veio a ser confirmado.</font><br> <br> <font>Novamente inconformada, a A. recorreu para este Supremo Tribunal, pedindo revista, tendo, para o efeito, junto as respectivas alegações que concluiu do seguinte modo:</font><br> <font>- Os terrenos em causa foram alienados pela A. ao R., Município de Almada (MA), para a construção dos edifícios dos Paços do Concelho e do Cine-Teatro, zonas verdes e zonas livres (v. n°s. 4, 5, 8, 30 e 32 dos factos provados) - cfr. texto n.ºs. 1 a 3;</font><br> <font>- O MA não afectou os terrenos aos fins contratualmente consignados, tendo alienado o respectivo direito de superfície a terceiros, que neles construíram galerias comerciais, supermercado, armazéns e parque de estacionamento, explorados por entidades privadas (v. n°s. 24, 29 e 39 dos factos provados) - cfr. texto n°. 3;</font><br> <font>- O R. Município incumpriu assim as obrigações a que estava contratualmente vinculado, pelo que a A. tem direito à resolução dos contratos titulados pelas escrituras de fls. 50 e 62 dos autos (v. arts. 432° e segs., 473° e 801°/2 do C. Civil) - cfr. texto nºs. 4 a 8;</font><br> <font>- Mesmo considerando-se que a afectação do terreno em causa aos aludidos fins constituía um dever acessório ou lateral - o que se impugna -, é manifesto e inquestionável o incumprimento dos contratos sub iudice pelo MA (v. art. 762° do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2005.09.22, Proc. 1723/05-2, da 2° Secção; Pinto Monteiro, RU/134°, pág., 286) - cfr. texto n°s. 5 a 8;</font><br> <font>- Dos documentos juntos aos autos resulta que, em 1997, "o R. Município ainda pretendia construir nos imóveis em causa o edifício destinado aos Paços do Concelho" (v. docs. de fls. 469, 528 e 625 dos autos e n°s. 16, 19 e 39 dos factos provados) - cfr. texto n.º 8;</font><br> <font>- O incumprimento apenas ocorreu em finais de 1999 - data em que foi iniciada a construção das galerias comerciais licenciadas pelo alvará de licença de construção n°. 1505/99, emitido em 1999.07.20 (v. fls. 625 dos autos) - cfr. texto n.ºs. 8 e 9;</font><br> <font>- A alienação dos terrenos em causa pela A. ao MA foi determinada pela sua afectação a equipamentos públicos - construção do edifício destinado aos Paços do Concelho, do edifício destinado ao Cine-Teatro e zonas livres e verdes (v. n°s. 30 e 32 dos factos provados) - cfr. texto nºs. 10 a 14;</font><br> <font>- A afectação dos terrenos a estes fins era essencial e determinante da vontade da A., conforme resulta das escrituras de fls. 50 e 62 e dos n°s. 30 e 32 dos factos provados - cfr. texto nos. 13 e 14;</font><br> <font>- Os motivos determinantes das alienações não foram respeitados pelo Município de Almada, pois nos terrenos não foi construído o Cine-Teatro e o edifício dos Paços do Concelho e zonas verdes, tendo sido construídas galerias comerciais, supermercado, armazéns e um parque de estacionamento, explorados por entidades privadas (v. n°s. 24, 25, 35 e 36 dos factos provados) - cfr. texto n°s. 13 e 14;</font><br> <font>- Os contratos sub judice sempre seriam anuláveis, com fundamento em erro na base do negócio (v. art. 252° do Cód. Civil; cfr., no mesmo sentido, Ac. STJ de 2004.12.16, Proc. 2773/04-1, da 1°Secção) - cfr. texto nos. 14 a 16;</font><br> <font>- A A. sempre teria direito à resolução dos contratos, com fundamento em alteração anormal das circunstâncias, uma vez que os terrenos não foram afectos aos fins acordados e expressamente estabelecidos nas escrituras e a manutenção dos contratos afecta gravemente o princípio da boa fé (v. n°s. 30 e 32 dos factos provados; cfr. arts. 437° e segs. do Cód. Civil) - cfr. texto nº s . 17 a 21;</font><br> <font>- A A. sempre teria direito à restituição do valor correspondente ao enriquecimento sem causa do MA (v. arts. 473° e segs. do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2005.09.22, Proc. 1723/05-2) - cfr. texto n°s. 22 a 24;</font><br> <font>- O acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 227°, 252°, 270° e segs., 432° e segs., 437° e segs., 473° e segs. e 762° e 801 ° do C. Civil.</font><br> <font> </font><br> <font>Contra-alegou o R., defendendo a confirmação do acórdão impugnado. </font><br> <br> <font> </font><br> <font>II - </font><br> <br> <font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br> <font>- A A. é uma sociedade anónima que tem por objecto a indústria de construção civil e obras públicas, o comércio de compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim e ainda a indústria de fabrico de caixilharia de alumínio e betão pronto;</font><br> <font>- A A. era proprietária dos seguintes imóveis:</font><br> <font>BI) Prédio rústico denominado "Quinta de São Luís de Matacães", sito na Quinta dos Caranguejais, Mutela, município de Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o n° 3579, a fls. 5 do Livro B-10 e inscrito na matriz predial rústica da freguesia da Cova da Piedade, sob parte do art.13°;</font><br> <font>B2) Prédio rústico e urbano denominado "Quinta do Armeiro-Mor", sito em Mutela, freguesia da Cova da Piedade, município de Almada, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o n° 1887, a fls. 149 v., do Livro B-5, da freguesia da Cova da Piedade, e inscrito na matriz predial rústica da freguesia da Cova da Piedade sob parte dos arts. 2° e 3° e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob os arts.39° e 1267°;</font><br> <font>- Em 73.05.04, no Notariado Privativo da Câmara Municipal de Almada (CMA), foi outorgada entre a A. e o R. Município a escritura pública n° 28, exarada de fls. 88 v. a fls.91 v. do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°60;</font><br> <font>- Na referida escritura o administrador da A declarou o seguinte:</font><br> <font>"Que a firma, sua representada, é dona e legítima possuidora de um prédio denominado Quinta de São Luís de Matacães, em Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número três mil quinhentos e setenta e nove, a folhas cinco do livro B-dez, inscrito na matriz sob parte do artigo treze rústico da freguesia de Cova da Piedade e de outro prédio denominado Quinta do Armeiro Mor, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil oitocentos e oitenta e sete, a folhas cento e quarenta e nove verso do livro B-cinco, inscrito na matriz sob parte dos artigos três e dois rústicos e trinta e nove e mil duzentos e sessenta e sete urbanos da referida freguesia de Cova da Piedade, ambos inscritos em nome da firma, sua representada sob o número trinta e oito mil oitocentos e quarenta e um, a folhas cento e cinquenta e dois do livro G-cinquenta e seis.</font><br> <font>Que, pela presente escritura e por motivo de alvará de loteamento urbano das referidas propriedades, número vinte e oito de vinte e cinco do mês de Abril findo, a firma sua representada cede à Câmara Municipal de Almada, representada do segundo outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, diversas parcelas de terreno a saber: </font><br> <font>a) A destacar da descrição número três mil quinhentos e setenta e nove:</font><br> <font>Primeira - com três mil quatrocentos e quarenta e quatro metros quadrados e cinquenta decímetros para a construção do Cine-teatro;</font><br> <font>Segunda - com dois mil cento e nove metros quadrados e oitenta decímetros para construção de edifícios de habitação colectiva e comércio;</font><br> <font>Terceira - com cinco mil seiscentos e sessenta e cinco metros quadrados para construção do edifício dos Paços do Concelho da Câmara Municipal; </font><br> <font>b) A destacar da descrição número mil oitocentos e oitenta e sete:</font><br> <font>-cento e quarenta e oito metros quadrados de terreno para implantação de postos de transformação.</font><br> <font>Estas parcelas acima indicadas são as constantes da planta de cedências anexa a esta escritura e que fica arquivada a folhas quatrocentos e sessenta e três do maço de documentos respeitante a este livro e notas para escrituras diversas";</font><br> <font>- O Presidente da CMA, em representação do R. Município, aceitou a referida cedência;</font><br> <font>- A escritura de 73.05.04 foi rectificada pela escritura n°22 de 76.07.16, lavrada de fls.93 a fls.94 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°63 do Notariado Privativo da CMA e pela escritura n°37 de 76.11.16, lavrada de fls.16 a fls.17 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°64 do Notariado Privativo da CMA;</font><br> <font>- Em 74.04.17, no Notariado Privativo da CMA, foi outorgada entre a A. e o R. Município a escritura pública n°13 exarada de fls.31 a fls.34v. do Livro de Notas para Escrituras Diversas n°62;</font><br> <font>- Na referida escritura o administrador da A. declarou, além de mais, o seguinte:</font><br> <font>"Que a firma, sua representada, em consequência dos alvarás de loteamento número vinte e oito de vinte e cinco de Abril de mil novecentos setenta e três e número cinquenta e dois de dezassete do corrente mês, cede à Câmara Municipal de Almada, representada do segundo outorgante pela importância total de dois milhões cento e dezoito mil duzentos e dezoito escudos, as parcelas de terreno e prédio urbano a seguir discriminados: </font><br> <font>l) A destacar da propriedade da Quinta de São Luís de Matacães, descrita na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número três mil quinhentos setenta e nove, folhas cinco do livro B-dez e inscrita sob parte do artigo treze rústico da freguesia da Cova da Piedade, diversas parcelas de terreno com a área de quarenta e um mil e trinta e cinco metros quadrados e oitenta decímetros, destinadas a armamentos, passeios, estacionamentos e zonas livres, no valor de duzentos e cinco mil cento setenta e nove escudos.</font><br> <font>2) A destacar da Quinta do Armeiro Mor descrita na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o número mil oitocentos oitenta e sete a folhas cento e quarenta e nove verso do livro B-cinco e inscrita na matriz predial rústica da freguesia da Cova da Piedade, sob parte do artigo dois e três e na matriz predial urbana também da referida freguesia sob o artigo mil duzentos sessenta e sete:</font><br> <font>a) Diversas parcelas de terreno com a área de vinte e três mil e oitenta e cinco metros quadrados e treze decímetros destinadas a armamentos, passeios, estacionamentos e zonas verdes, no valor de novecentos quarenta e quatro mil novecentos e trinta e nove escudos; </font><br> <font>b) Uma parcela de terreno com a área de dois mil duzentos e quatro metros quadrados destinada a escola primária que fica a confrontar do Norte com AA, do Sul com Doutor BB, do Nascente com Rua de Angola e do Poente com CC, no valor de duzentos sessenta e quatro mil quatrocentos e oitenta escudos; </font><br> <font>c) Uma parcela de terreno com a área de três mil quatrocentos e vinte e dois metros quadrados destinada à construção de um ginásio para o Ginásio Clube do Sul, a confrontar do Norte com Empresa-A e AA, do Sul com Empresa-A e Rua Fernando Pessoa, do nascente com Impasse à Rua Fernando Pessoa e do poente com Rua de Angola, no valor de quatrocentos e dez mil seiscentos e quarenta escudos; </font><br> <font>d) Uma parcela de terreno com a área de dois mil duzentos e quarenta e um metros quadrados e cinquenta decímetros, actualmente arrendada para as suas instalações à firma Mecânica Piedense, Limitada, a confrontar do Norte com Empresa-A e Rua Projectada de acesso a garagens, do Sul com Empresa-A , Rua de Angola e Rua Engenheiro José Gomes de Alvarez, do Nascente com Rua Manuel Febrero e do Poente com Empresa-A, pela quantia de duzentos e sessenta e oito mil novecentos e oitenta escudos; </font><br> <font>e) Um barracão destinado a oficina de serração de madeiras sito à Rua Manuel Febrero, inscrita na matriz urbana da freguesia da Cova da Piedade sob o artigo mil duzentos e sessenta e sete, no valor de vinte e quatro mil escudos"; </font><br> <font>- O Presidente da CMA, declarou que "de harmonia com as deliberações de dezasseis do corrente mês e três de Abril de mil novecentos e setenta e três, esta com alteração introduzida em reunião de um de Maio do mesmo ano, aceita a presente cedência nos termos exarados";</font><br> <font>- Pela escritura de 73.05.04 a parcela terceira nela identificada foi desanexada do prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n° 3579, a fls.5 do Livro B 10;</font><br> <font>- A parcela de terreno supra identificada passou então a estar descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n°. 24120, a fls.46v. do Livro B-70, da freguesia de Almada, correspondendo a um "prédio rústico composto de terreno para construção com a área de 5.665 m2, sito na Quinta de S. Luís de Matacães, freguesia de Almada. Confina: do Norte com Rua D. Francisco Xavier de Noronha, Sul, Nascente e Poente com terrenos do domínio público";</font><br> <font>- Pela Apresentação 62, de 77.01.12, inscrição n° 47333, foi registada a aquisição a favor da Câmara Municipal de Almada, do prédio supra referido;</font><br> <font>- Pelo Av. l - Ap. 51/970701, o prédio n° 24120 foi "anexado ao n° 01095/970701-Almada para formarem o n° 01096/970701- Almada", tendo sido inutilizada a referida descrição predial n°. 24120;</font><br> <font>- O prédio urbano descrito sob a ficha n°01095/970701, da freguesia de Almada, é constituído por "terreno destinado a complemento de lote" com a área de 3175m2, sito na Rua Garcia de Orta;</font><br> <font>- O referido prédio n° 01095 foi destacado das parcelas de terreno identificadas nos n° l e 2 a) da escritura outorgada em 74.04.17;</font><br> <font>- Pela inscrição G-1, Ap. 50/970701, foi registada "a aquisição a favor do Município de Almada - desafectação do domínio público", do prédio n°01095;</font><br> <font>- Pelo Av.l - Ap. 51/970701, o prédio n°. 01095 foi "anexado ao n°24120, fls. 46 v., do livro B- 70, para formarem o n°01096/970701 - Almada", tendo sido inutilizada a referida descrição predial n°01095/970701;</font><br> <font>- Em 97.07.01, os prédios "n°s24120, 46v, B-70 e 01095/970701- Almada" foram anexados, passando a constituir um terreno para construção, com a área total de 8840m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob a ficha n° 1096/970701 da freguesia de Almada;</font><br> <font>- Pela inscrição G2, Ap.51/970701, foi registada a "aquisição a favor do Município de Almada - desafectação do domínio público" do prédio descrito sob a ficha 1096/970701;</font><br> <font>- Por escritura outorgada em 98.12.17, o R. Município constituiu a favor de Empresa-B, pelo preço de 253.500.000$00, o "direito de superfície no solo e no subsolo" do prédio n° 1096/970701, da freguesia de Almada, consistindo o objecto deste direito na construção de um parque de estacionamento público subterrâneo e respectivas áreas de apoio técnico, arrumos e armazém e na construção de galerias comerciais em solo e subsolo";</font><br> <font>- Pela inscrição G-3, Ap.42/110399, foi registada a favor de Empresa-B a aquisição por compra, pelo prazo de 50 anos, do direito de superfície no solo e no subsolo do prédio n° 1096;</font><br> <font>- Pela inscrição G-4, Ap.43/110399, foi registada a favor de Empresa-D. a aquisição por compra, pelo prazo de 50 anos, do direito de superfície do solo e no subsolo do prédio n° 1096;</font><br> <font>- Pela inscrição F- l, Ap. 44/110399, foi registada a locação financeira, pelo prazo de 10 anos, a favor de Empresa-B do prédio n°1096; </font><br> <font>- Pelo Av. l - Ap. 51/970701, o prédio n°. 01095 foi "anexado ao n°24120, fls. 46 v., do livro B- 70, para formarem o n°01096/970701 - Almada", tendo sido inutilizada a referida descrição predial n°01095/970701;</font><br> <font>- Em 97.07.01, os prédios "n°s 24120, 46v, B-70 e 01095/970701- Almada" foram anexados, passando a constituir um terreno para construção, com a área total de 8840 m2, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob a ficha n° 1096/970701 da freguesia de Almada;</font><br> <font>- Pela inscrição G2, Ap.51/970701, foi registada a "aquisição a favor do Município de Almada - desafectação do domínio público" do prédio descrito sob a ficha 1096/970701;</font><br> <font>- Por escritura outorgada em 98.12.17, o R. Município constituiu a favor de Empresa-B, pelo preço de 253.500.000$00, o "direito de superfície no solo e no subsolo" do prédio n° 1096/970701, da freguesia de Almada, consistindo o objecto deste direito na construção de um parque de estacionamento público subterrâneo e respectivas áreas de apoio técnico, arrumos e armazém e na construção de galerias comerciais em solo e subsolo";</font><br> <font>- Pela inscrição G-3, Ap.42/110399, foi registada a favor de Empresa-B a aquisição por compra, pelo prazo de 50 anos, do direito de superfície no solo e no subsolo do prédio n° 1096;</font><br> <font>- Pela inscrição G-4, Ap.43/110399, foi registada a favor de Empresa-D. a aquisição por compra, pelo prazo de 50 anos, do direito de superfície do solo e no subsolo do prédio n° 1096;</font><br> <font>- Pela inscrição F- l, Ap. 44/110399, foi registada a locação financeira, pelo prazo de 10 anos, a favor de Empresa-B do prédio n°1096; </font><br> <font>- No prédio n°1096 foi construído um parque de estacionamento e galerias comerciais;</font><br> <font>- Nas parcelas de terreno constantes das escrituras ids. em C) e G) não foram construídos o Cine-teatro nem o edifício dos Paços do Concelho da Câmara Municipal;</font><br> <font>- Considera-se aqui reproduzido o teor da certidão de fls. 179 a 185 relativa à escritura pública celebrada em 17/12/98 por meio da qual a R. Empresa-B vendeu à R. Empresa-D o direito de superfície respeitante ao prédio descrito sob o n°1096;</font><br> <font>- Desde a abertura ao público do parque de estacionamento subterrâneo que a R. Empresa-B o vem explorando comercialmente, daí retirando proventos e receitas;</font><br> <font>- Com o termo das obras referentes à galeria comercial edificada no local, a R. Empresa-B tem vindo a locar os espaços comerciais criados, daí retirando igualmente réditos, mediante o recebimento das respectivas rendas comerciais;</font><br> <font>- Em relação ao previsto na escritura pública de 4 de Maio de 1973, mencionada em C, dos factos assentes, o réu Município não executou nos terrenos em causa o Cine-teatro, nem o edifício dos Paços do Concelho da Câmara Municipal;</font><br> <font>- A cedência das parcelas de terreno referidas nas escrituras mencionadas em C) e G) ao R. Município de Almada foi motivada pela satisfação das condições previstas nos alvarás de loteamento n°s 28, de 25-04-73 e n°52, de 17-04-74 e pelo facto do réu Município pretender dar a esses terrenos o destino previsto nessas escrituras;</font><br> <font>- As licenças de construção para os terrenos loteados só seriam emitidas depois das escrituras de cedências previstas nos respectivos alvarás;</font><br> <font>- A A. não teria alienado ao R. Município de Almada os terrenos em causa se soubesse que neles não seriam instalados equipamentos públicos;</font><br> <font>- Nas escrituras referidas em C, e G, dos factos assentes, foi consignado que o Município de Almada pagaria o preço acordado através do sistema de descontos nos valores que a A. tivesse de pagar a título de mais valias;</font><br> <font>- Nos referidos terrenos foram implantados equipamentos públicos, nomeadamente o Fórum Municipal Romeu Correia, utilizado para fins culturais e recreativos, onde está instalada uma biblioteca e um auditório, espaços de utilização colectiva;</font><br> <font>- O parque de estacionamento construído nos referidos terrenos contribui para a resolução parcial da falta de estacionamento público em Almada;</font><br> <font>- A autarquia de Almada optou por adjudicar a construção e a exploração do referido parque a uma empresa privada;</font><br> <font>- Nos terrenos cedidos pela A. foram executados arruamentos, passeios e espaços verdes;</font><br> <font>- A planta anexa ao alvará n°28, de 25 Abr.73, foi posteriormente reformulada por iniciativa do Município de Almada, que decidiu não construir no local os equipamentos então previstos;</font><br> <font>- O R. Município de Almada optou por não construir no local o Cine-teatro e o edifício dos Paços do Concelho;</font><br> <font>- O Cine-teatro está a ser construído noutro local;</font><br> <font>- Hoje é frequente a existência de parques de estacionamento subterrâneos;</font><br> <font>- O Fórum Municipal é um edifício constituído por três pisos com estrutura de betão armado, paredes em laje e betão armado, com impermeabilização e isolamento acústico, com a área coberta de 2.340m2 e descoberta de 1.058,8 m2, cujo valor ascende a €3.197.418,06 (três milhões, cento e noventa e sete mil, quatrocentos e dezoito euros e seis cêntimos);</font><br> <font>- As galerias comerciais acima do solo (L, E, F, G, H, I, J, M, N, 0, P, Q, R e S) têm a área bruta de 1.847,77m2, as lojas em subsolo (B.C, e D), 2.664 m2, o armazém em subsolo 67,94m2 e o estacionamento 6.087m2, sendo o valor da respectiva construção de € 6.384.613;</font><br> <font>- O R. Município recebeu da interveniente Empresa-B a quantia mencionada em T;</font><br> <font>- As construções efectuadas nos referidos terrenos aumentaram o valor destes;</font><br> <font>- No ano de 1995, foi exposta ao público, em Almada, uma maquete da construção nos terrenos em causa de uma obra com parque de estacionamento subterrâneo, jardim e galeria comercial;</font><br> <font>- O concurso público com vista à adjudicação da obra em questão foi, em finais do ano de 1995, publicado em Diário da República, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e em jornais de circulação nacional lidos na comarca de Almada;</font><br> <font>- Em publicações de finais de 1995 e do ano de 1996, do Jornal de Almada, foram feitas referências e comentários à construção no local da Biblioteca e do Auditório Municipal, assim como à atribuição a esse complexo do nome de "Fórum Municipal Romeu Correia";</font><br> <font>- Com a celebração das escrituras identificadas em C, e G, a CMA passou a fruir os referidos prédios, deles retirando todos os proveitos e utilidades;</font><br> <font>- Dia após dia, sem qualquer interrupção ou hiato;</font><br> <font>- À vista de toda a gente, com público e geral conhecimento;</font><br> <font>- Sem oposição ou o estorvo de ninguém;</font><br> <font>- A interveniente Empresa-B celebrou com o Empresa-C o acordo constante do documento de fls. 186 a 201 e 496 a 511;</font><br> <font>- A interveniente Empresa-B é locatária das construções em causa, na sequência da celebração do contrato de locação financeira de fls. 186 a 201 e 496 a 511., em que é locadora a interveniente Empresa-C., esta titular do direito de superfície por cinquenta anos;</font><br> <font>- As construções efectuadas valorizaram o prédio em € 9.582.031;</font><br> <font>- Desde a outorga das escrituras de 4 de Maio de 1973 e de 17 de Abril de 1974, os terrenos em causa passaram a ser livremente utilizados pela população de Almada.</font><br> <br> <font>III - </font><br> <br> <font>Quid iuris?</font><br> <br> <font>A questão que nos é trazido à consideração traduz-se em saber se, tendo sido firmado expressamente entre comprador e vendedor o destino concreto a dar ao objecto da transacção, pode este último acabar por desviar o mesmo para outros fins.</font><br> <font>In casu, a A. vendeu ao R. Município de Almada terrenos que eram de sua propriedade, tendo ficado clausulado, nas respectivas escrituras de compra e venda, que, além do mais, um deles se destinava à construção dos Paços do Concelho e outro ao Cine-teatro.</font><br> <font>A verdade, porém, é que o R. Município não deu aos mesmos aquele destino, acabando até por ceder a terceiro os terrenos destinados aos Paços de Concelho que nele construiu um parque de estacionamento e galerias comerciais, e ter construído um Fórum no terreno destinado ao Cine-teatro.</font><br> <br> <font>Caso a resposta a este tema venha a ser negativa, ou seja, caso se chegue à conclusão que, in casu, tal acção não era permitida ao R. Município, uma outra questão se coloca, qual seja a de determinar as consequências de tais violações do clausulado.</font><br> <br> <font>A solução do 1º problema passa pela análise de um dos elementos constitutivos da obrigação, concretamente, o chamado vínculo que é o nexo que liga os poderes do credor aos deveres do obrigado.</font><br> <font>Interessa-nos, desde logo, focar a atenção para os dois elementos que integram o vínculo - o direito à prestação e o correlativo dever de prestar (o outro é, como se sabe, a garantia).</font><br> <font>O 1º dos dois corresponde ao direito do credor à prestação, e o 2º corresponde à necessidade imposta ao devedor de realizar a prestação, sob a cominação das sanções aplicáveis à inadimplência.</font><br> <font>Ao lado das obrigações principais, que definem o tipo ou módulo da relação (assim, na compra e venda há por parte do comprador a obrigação de pagar o preço e por parte do vendedor a obrigação de entrega da coisa, ut art. 879º, als. c e b do C. Civil), surgem ou podem surgir outros, chamados secundários ou secundários (ex: os destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação) e, ainda, os chamados deveres acessórios de conduta (por ex. no contrato referido, a obrigação do vendedor de conservar devidamente a coisa até à entrega). (1) .</font><br> <font>É que, como ensina Almeida Costa, "numa compreensão globalizante da situação jurídica creditícia, apontam-se, ao lado dos deveres de prestação - tanto deveres principais de prestação, como deveres secundários -, os deveres laterais (...), além de direitos potestativos, sujeições, ónus jurídicos, expectativas, etc. Todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de fim e constituem o conteúdo de uma relação de carácter unitário e funcional: a relação complexa em sentido amplo ou, nos contratos, relação contratual." (2)</font><br> <font>Na mesma ordem de ideias, podemos, ainda, citar Mota Pinto que refere que "além dos deveres principais de prestação e dos direitos correspectivos, que definem o tipo da relação contratual, existem ou podem existir, também, deveres secundários de prestação", ou deveres secundários com prestação autónoma ou deveres secundários acessórios da prestação principal, para além dos deveres laterais.(3) </font><br> <font>No mesmo sentido, Carneiro da Frada, alerta-nos para o facto de o contrato convocar "uma ordem normativa", que o envolve, sujeitando os contraentes aos ditames da regra da boa fé por todo o seu período de vida e daí que, "ao lado dos deveres de prestar - sejam eles principais de prestação ou acessórios da prestação principal -, floresce na relação obrigacional complexa, um leque mais ou menos amplo de deveres que disciplinam o desenrolar da relação contratual, que podem designar-se deveres laterais ou simples deveres de conduta". (4) </font><br> <font>Aqui chegados, é já altura de nos perguntarmos sobre se no caso de compra e venda, o simples facto de ter sido estipulado um determinado fim para o objecto constitui direito do vendedor ao cumprimento do mesmo, e, por outro lado, uma obrigação para o comprador de respeitar esse mesmo fim estipulado.</font><br> <font>Ou seja, se, fixado de forma expressa o fim do objecto transaccionado, nascem daí direitos e deveres recíprocos.</font><br> <font>Interessa-nos, sobretudo, perspectivar o problema do ponto de vista do lado do devedor, sendo certo que a resposta que se venha a obter acaba por dizer respeito, de forma correlativa, ao credor.</font><br> <font>E a solutio do nosso problema passa pela consideração dos chamados deveres laterais já que é nestes que, a nosso ver, se integra a obrigação de respeitar o destino declarado da coisa - a sua inclusão nos chamados deveres principais ou secundários está, pelo que facilmente de intui do que ficou dito, claramente afastada.</font><br> <font>Estes deveres laterais (5) (para usar a terminologia de Esser), não estão orientados para o interesse no cumprimento do dever principal da prestação, antes se caracterizam "por uma função auxiliar da realização positiva do fim do contratual e de protecção à pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes".(6) </font><br> <font>De acordo com Carneiro da Frada, estes deveres laterais "não estão virados, pura e simplesmente, para o cumprimento do dever de prestar, antes visam a salvaguarda de outros interesses que devam, razoavelmente, ser tidos em conta pelas partes no decurso da sua relação" e "exprimem, na formulação de Larenz, a necessidade de tomar em consideração os interesses justificados da contraparte e de adoptar o comportamento que se espera de um parceiro negocial honesto e leal, e costumam fundamentar-se no princípio da boa fé". (7) </font><br> <font>Não é, pois, uma simples vontade, um simples capricho, embora consagrado no clausulado, ou até uma razoável expectativa (8) que se pode transformar num direito à prestação do credor e sua correlativa obrigação de prestar por parte do devedor.</font><br> <font>Não: as ditas "obrigações laterais" surgem-nos como o resultado do comprometimento das partes e ligadas ao cumprimento das obrigações principais, com estas coenvolvidas, e, portanto, merecedoras da tutela do Direito.</font><br> <font>Elas podem surgir, assim, como tendo estado na base de todo o desenvolvimento negocial, quiçá determinando-o. (9) .</font><br> <br> <font>Admitida a possibilidade de o respeito pelo fim do objecto do contrato poder constituir um direito do vendedor e correlativamente um dever do comprador, eis que somos confrontados com a problemática relativa ao seu incumprimento.</font><br> <font>Antes, porém, é bom lembrar, que, no domínio dos contratos em particular, a regra é a da liberdade: "a liberdade contratual consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que realizarem, celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver."</font><br> <font>Com efeito, "a liberdade reconhecida às partes aponta para a criação do contrato", sendo este "um instrumento jurídico vinculativo, um acto com força obrigatória". (10) </font><br> <font>Queremos com isto dizer que, tendo as partes estipulado sobre o fim do objecto do contrato, a ele devem, em princípio, obediência, devendo, por isso mesmo, cumpri-lo pontualm
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <b><font>I.</font></b><font> No Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, por sentença de 18.06.2007 foi declarada a insolvência da sociedade </font><b><font>E... – E..., F... e E... de M..., L.da, </font></b><font>tendo sido fixado o prazo de 30 dias para as reclamações de créditos.</font><br> <br> <font>Por apenso ao referido processo, foi apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência (doravante, designado, abreviadamente, por Administrador) a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos e foram juntas várias impugnações com reclamações de créditos, entre as quais as dos credores </font><b><font>G... &amp; F..., L.da</font></b><font> e </font><b><font>VHS-E... por F..., L.da</font></b><font>, que reclamaram créditos em valor superior ao já reconhecido na referida lista e do credor </font><b><font>C. F... – C... e F..., L.da</font></b><font>, que reclamou um crédito não reconhecido na mesma lista, pelo que foi emitido parecer do Administrador, que manteve o não reconhecimento de parte dos créditos dos referidos dois primeiros reclamantes, bem como o não reconhecimento do mencionado terceiro reclamante.</font><br> <br> <font>Realizou-se uma tentativa de conciliação onde foram reconhecidos todos os créditos, com excepção dos créditos de G... &amp; F..., L.da, VHS –E..., L.da e C. F... – C... e F..., Lda.</font><br> <br> <font>Conclusos os autos, foi proferido despacho, julgando reconhecidos os créditos incluídos na lista do Administrador, com as garantias nela mencionadas e que não foram objecto de impugnação, bem como os aprovados na tentativa de conciliação. </font><br> <br> <font>Seguidamente foi proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, que, concordando integralmente com o atrás citado parecer, quanto aos créditos não reconhecidos nem aprovados, decidiu que se procedesse ao pagamento da seguinte forma:</font><br> <font>– Sobre os bens móveis arrolados:</font><br> <font>a) os créditos dos trabalhadores;</font><br> <font>b) os créditos da Direcção Geral de Impostos – Serviços de Finanças da Marinha Grande; </font><br> <font>c) os créditos comuns.</font><br> <font>– Sobre o bem imóvel arrolado:</font><br> <font>a) os créditos dos trabalhadores;</font><br> <font>b) o crédito do BCP e o crédito de G... &amp; F... garantidos por hipoteca; </font><br> <font>c) o crédito de T... Portugal e o crédito de VHS – E... por F..., L.da, garantido por penhor; </font><br> <font>d) os créditos comuns. </font><br> <br> <font>Inconformados, os credores Banco Millenium BCP e </font><b><font>T... Portugal, L.da</font></b><font> interpuseram recurso da sentença, ambos tendo sido admitidos como apelação, com subida imediata e efeito suspensivo.</font><br> <br> <font>A Relação veio a decidir pela total procedência do recurso do BCP, SA e parcial do recurso de T... Portugal, L.da e, considerando reconhecidos os créditos de G... &amp; F..., L.da e de VHS-E..., L.da apenas na parte reconhecida na lista do Administrador, proceder à graduação dos créditos da seguinte forma:</font><br> <br> <font>Móveis apreendidos sem incluir as verbas n.º 36 e n.º 42:</font><br> <font>1.º Créditos dos trabalhadores;</font><br> <font>2.º Crédito da DG de Impostos;</font><br> <font>3.º Restantes créditos.</font><br> <font>Móveis apreendidos que constituem as verbas n.º 36 e n.º 42:</font><br> <font>1.º Créditos dos trabalhadores;</font><br> <font>2.º Crédito da DG de Impostos;</font><br> <font>3.º Crédito da recorrente T... Portugal, L.da;</font><br> <font>4.º Restantes créditos. </font><br> <font>Imóvel apreendido:</font><br> <font>1.º Créditos dos trabalhadores;</font><br> <font>2.º Crédito do recorrente BCP;</font><br> <font>3.º Restantes créditos.</font><br> <br> <font>De novo inconformada, veio a T... Portugal interpor recurso de revista para este tribunal, recurso que foi admitido.</font><br> <br> <font>A recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font><br> <br> <font>1. A recorrente, nos autos de insolvência da E..., L.da, reclamou o seu crédito no valor de € 118.151,53, parcialmente garantido – € 87.502,90 – por um penhor mercantil, validamente constituído, sobre duas máquinas identificadas que correspondem às verbas nºs. 36 e 42 do auto de arrolamento e apreensão;</font><br> <font>2. O crédito da recorrente foi integralmente reconhecido e dado como garantido relativamente à importância de € 87.502,90;</font><br> <font>3. A sentença de verificação e graduação dos créditos graduou o crédito garantido pelo penhor nos seguintes termos:</font><br> <font>Sobre o imóvel que compõe a verba assim arrolada no auto de apreensão:</font><br> <font>e) O dos trabalhadores;</font><br> <font>f) O do BCP, o de G... &amp; F... garantidos por hipoteca, nos termos já reconhecidos;</font><br> <font>g) O da T... Portugal – A... e S..., Lda., e o da VHS – E... por F..., garantido nos termos já reconhecidos por penhor;</font><br> <font>h) Os créditos comuns, ali mencionados;</font><br> <font>4. Desta sentença interpôs a recorrente recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, requerendo que fosse efectuada uma graduação geral para todos os bens da massa insolvente não onerados com garantias e uma graduação especial para todos os bens sujeitos a garantias, que respondem preferencialmente pelos créditos por eles garantidos;</font><br> <font>5. E, ainda, que o crédito pignoratício da recorrente fosse graduado preferencialmente quanto aos créditos dos trabalhadores, da Direcção Geral de Impostos, da VHS – E... por F..., L.da, não reconhecido, e aos créditos comuns;</font><br> <font>6. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra julgou parcialmente procedente o recurso da T... Portugal – A... e S..., L.da, considerando extinto o penhor que garantia o crédito da VHS – E... por F..., L.da, corrigiu a graduação relativamente ao imóvel e efectuou uma graduação separada para os móveis não onerados e para os onerados com o penhor;</font><br> <font>7. Porém, graduou o crédito pignoratício da recorrente atrás dos créditos dos trabalhadores e do crédito da DG dos Impostos, considerando, para tanto, o disposto no art. 10º do DL 103/80, ainda que não estejam em causa créditos da segurança social;</font><br> <font>8. E é desta última decisão que a T... recorre, porquanto o Acórdão recorrido não atendeu ao regime excepcional do referido Decreto-Lei, o qual está em oposição ao regime geral de graduação e é só aplicável aos créditos da Segurança Social;</font><br> <font>9. E a interpretação efectuada ao dar prevalência aos créditos dos trabalhadores e aos créditos por impostos está a derrogar o disposto nos artigos 666º, 1 e 749º, 1 do Código Civil, frustrando as legítimas expectativas dos credores pignoratícios e pondo em causa a segurança jurídico comercial;</font><br> <font>10. Acresce que nem o Código de Trabalho, aprovado por diploma muito posterior ao já mencionado DL 103/80 de 09.05, nomeadamente o artigo 377º ou o actual artigo 333º, 1, a) e 2, a) atribui qualquer prevalência em relação aos créditos pignoratícios, mas tão-só quanto aos créditos previstos no art. 747º do Código Civil, em que se incluem os créditos por impostos;</font><br> <font>11. E tão-pouco a legislação fiscal atribui qualquer prevalência dos créditos por impostos relativamente ao penhor;</font><br> <font>12. É inquestionável que o penhor é uma garantia real e que privilégios mobiliários gerais não são verdadeiras garantias reais das obrigações por não conferirem ao respectivo titular o direito de sequela – arts. 666º, 1 e 749º, 1 do CC;</font><br> <font>13. E que não existindo disposição especial, como é o caso dos créditos dos trabalhadores e os créditos por impostos, os créditos pignoratícios prevalecem, quanto aos bens móveis sobre que incidem, sobre os que gozam de privilégio mobiliário geral -nesse sentido os já citados Ac. do STJ de 28.02.08, in </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>, Ac. do STJ de 08.06.06, in </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font> e Ac. de 03.04.03 in </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>;</font><br> <font>14. Por isso o Acórdão recorrido ao graduar o crédito pignoratício da recorrente, atrás dos créditos dos trabalhadores e do crédito da DG dos Impostos, violou os artigos 666° e 749° do Código Civil.</font><br> <font>Nestes termos e pelo muito que, como sempre, não deixará de ser por V. Exas. proficientemente suprido, deverá o presente recurso de revista ser julgado procedente, sendo revogado o Acórdão recorrido na parte em que graduou o crédito pignoratício da recorrente atrás dos créditos dos trabalhadores e do crédito da DG dos Impostos.</font><br> <br> <font>Não houve contralegações.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font><br> <br> <b><font>II – Fundamentação</font></b><br> <br> <b><font>II.A.</font></b><font> De Facto</font><br> <br> <font>Os factos provados constantes dos autos são os seguintes:</font><br> <br> <font>– Por sentença transitada, de 18/06/07, foi declarada insolvente E... – E..., F... e E... de M..., L.da.</font><br> <font>– Para a massa insolvente foram apreendidos bens móveis, descritos em 68 verbas e um bem imóvel, correspondente ao prédio urbano sito em Pedrulheira, freguesia e concelho da Marinha Grande, descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 17624.</font><br> <font>– Estão verificados:</font><br> <font>– créditos dos trabalhadores derivados de relação laboral com a insolvente, constando da lista do Administrador estarem em condições de gozar de privilégios creditórios mobiliários gerais e imobiliário especial;</font><br> <font>– crédito derivado de IRS, IMI, Coimas, da Direcção Geral dos Impostos, constando na lista do AI estarem em condições de gozar de privilégio creditório mobiliário geral;</font><br> <font>– créditos derivados de incumprimento de contrato de fornecimentos ou de prestação de serviços, entre os quais dos credores T... Portugal, L.da e G... &amp; F..., L.da;</font><br> <font>– crédito derivado de livranças e crédito de conta corrente do BCP, SA;</font><br> <font>– crédito de letras de câmbio e encargos bancários de VHS-E... por F..., L.da;</font><br> <font>– crédito derivado de custas judiciais.</font><br> <font>– O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o nº ... tem registadas as seguintes inscrições:</font><br> <font>– C-2 – ap. 14/18052005 – Hipoteca voluntária, a favor do BCP, SA, para garantia de todas as responsabilidades a assumir pela insolvente perante o Banco até ao limite máximo de 493 512,00 euros,</font><br> <font>– C-3 – ap. 11/20070314 – Hipoteca voluntária, a favor de G... &amp; F... L.da para garantia de todas as responsabilidades a assumir pela insolvente perante esta sociedade até ao limite máximo de 250 000,00 euros.</font><br> <font>– Sobre as verbas nº 36 (fresadora marca Fija Mod. VH-1800) e nº 42 (máquina electroerosão ONA Mod. Techno H-600) foi constituído um penhor a favor de cada um dos credores T... Portugal, L.da e VHS – E... por F..., L.da.</font><br> <font>Posteriormente à apresentação da lista de créditos pelo Senhor Administrador da Insolvência, foram por este resolvidas incondicionalmente as garantias de hipoteca do crédito de G... &amp; F..., L.da e de penhor do crédito de VHS – E... por F..., L.da.</font><br> <br> <b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br> <br> <b><font>II.B.1.</font></b><font> Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684.º. n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.</font><br> <br> <font>O penhor “confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos, não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro” – artigo 666.º, n.º 1 do CC.</font><br> <br> <font>Por seu lado, o privilégio creditório “é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros” – artigo 733.º do CC.</font><br> <br> <font>Dispunha o artigo 377.º do Código de Trabalho, vigente à data:</font><br> <br> <font>“1 – Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:</font><br> <font>a) Privilégio mobiliário geral;</font><br> <font>b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.</font><br> <font>2 – A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:</font><br> <font>a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747.º do Código Civil;</font><br> <font>b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.”</font><br> <br> <font>Assim, os créditos laborais com privilégio mobiliário geral devem ser graduados antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do CC, também garantidos com privilégios mobiliários, ou seja, antes dos créditos por impostos, previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747º, pelo que os créditos dos trabalhadores deverão ser graduados antes do crédito da DG dos Impostos.</font><br> <br> <font>Sobre este ponto não residem dúvidas.</font><br> <br> <font>A questão radica no entendimento a perfilhar sobre o lugar da graduação desses créditos (o dos trabalhadores e o dos impostos), no caso de existir penhor com garantia sobre determinados móveis.</font><br> <br> <font>Entendeu-se no acórdão recorrido que nenhuma disposição legal resolve a questão.</font><br> <br> <font>Não concordamos, uma vez que, como decorre do artigo 666.º do CC recurso, o penhor confere ao credor preferência no pagamento sobre os demais credores.</font><br> <br> <font>E, quer o art. 12.º da Lei 17/86, de 14 de Junho, quer o artigo 4.º, n.º 1, da Lei 96/2001 são de natureza excepcional, relativamente ao regime previsto nos arts. 736.º, 737.º e 747.º do C. Civil, razão pela qual não comportam aplicação analógica, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 11.º do C. Civil.</font><br> <br> <font>Ao não considerar devidamente esta situação, graduando o crédito da aqui recorrente, garantido por penhor, em 3.º lugar, o acórdão impugnado fez uma errada aplicação dos comandos legais consagrados nos arts. 666.º e 749.º do C. Civil.</font><br> <br> <font>Não há que fugir à aplicação, ao caso vertente, da regra decorrente deste último normativo</font><br> <br> <font>Com o que se quer dizer que, o artigo 12.º da Lei n.º 17/86, e o artigo 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 96/01 atribuem privilégios aos créditos dos trabalhadores classificados como privilégios gerais (não está aqui em questão a estranheza da atribuição aos trabalhadores de privilégios imobiliários gerais, quanto ao que era o regime-regra do nosso sistema anterior, que apenas reconhecia privilégios imobiliários especiais) não constituindo verdadeiros direitos reais de garantia sobre coisa certa e determinada, como é da natureza do direito real de garantia (de gozo, de aquisição ou de preferência).</font><br> <br> <font>E continuamos a raciocinar, seguindo o acórdão de 5 de Maio de 2005, deste Tribunal (proc. 05B835), que parcialmente se transcreve: </font><br> <br> <font>«Ora, sendo gerais (não circunscritos ou delimitados, para não dizermos indeterminados), cedem perante os direitos reais de garantia de terceiros – estes sim – circunscritos, delimitados, individualizados sobre bens concretos ().</font><br> <br> <font>Não são verdadeiros direitos reais, no sentido tradicional e técnico da definição. Apenas existe algo de parecido com a eficácia própria dos direitos reais, enquanto o titular do privilégio geral possa gozar de preferência na execução – singular ou colectiva – relativamente a credores comuns do devedor, desde que os bens onerados pertençam ao património deste, ao tempo da penhora ou da apreensão para a massa falida ().</font><br> <br> <font>(…) Não fazia sentido nenhum que, o credor estivesse garantido pelo seu crédito anterior, contando legitimamente com a correspondente segurança (porventura só com base nela financiou), vendo-se, depois, confrontado com o reconhecimento legal de um privilégio, sem limites temporais e oculto () que lesasse de surpresa, e porventura irremediavelmente, a protecção da sua confiança ou da sua legítima expectativa naquela segurança pressuposta. Parece racional que, entre a obscuridade de um privilégio, e a clareza de outro, ambos sobre a mesma coisa, a melhor interpretação do Direito, vá pela certeza da transparência.»</font><br> <br> <font>Reconhece o acórdão recorrido que alguma jurisprudência toma por boa a posição que temos por mais correcta e que corresponde à que deixámos enunciada.</font><br> <br> <font>Acontece que, neste Tribunal, tal jurisprudência é, senão unânime, pelo menos largamente maioritária. No mesmo sentido podemos citar os acórdãos de 3.04.2003, proc. 03A466, de 26.10.2004, proc. 04A2875, de 5.05.2005, proc. 05B835, já citado, de 8.11.05, rev.ª 2355/05-6.ª, de 29.11.2005, rev.ª 3534/05-6.ª, de 31.01.2006, rev.ª 3978/05-1.ª,</font><font> </font><font>de 30.05.06, proc. 06A1449, de 27.06.2006, proc. 438/06-1ª e 1477/06-6.ª, de 12.09.2006, rev.ª 1268/06-1.ª, de 1.03.2007, rev.ª 4775/06-6.ª,</font><font> </font><font>de 25.10.2007, rev.ª 2606/05-6.ª e de 28.02.2008, proc. 07A4423, todos os citados, sem indicação expressa de secção, em </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font> e os demais, pelo menos, em </font><i><font>Sumários de Acórdãos</font></i><font>.</font><br> <br> <font>Esta orientação jurisprudencial é apoiada, por vasto sector da doutrina, de que se destaca ALMEIDA COSTA, </font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, 8.ª edição, p. 898; MENEZES CORDEIRO, </font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, II vol., pp. 500/501 e “Salários em atraso e privilégios creditórios”, </font><i><font>ROA</font></i><font>, ano 58 (1998) – II vol, p. 667; JOÃO AMADO, </font><i><font>A Protecção do Salário</font></i><font>, 1993, p. 151; ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, “Reflexos Laborais do CPEREF”, </font><i><font>RDES</font></i><font>, ano 37 (1995), n.ºs 1 a 3, p. 73; LUIS MIGUEL LUCAS PIRES, “Os privilégios creditórios dos créditos laborais”, </font><i><font>Questões Laborais</font></i><font>, ano 9, (2002), n.º 20, p. 173; A. LUÍS GONÇALVES, “Privilégios Creditórios: Evolução Histórica. Regime. Sua Inserção no Tráfico Creditício”, </font><i><font>BFDUC</font></i><font>, ano 47 (1991), vol. 39, p. 7 e SALVADOR DA COSTA, </font><i><font>O Concurso de Credores</font></i><font>, pp. 259 a 261. </font><br> <br> <font>Não há que tomar em consideração a regra do artigo 10.º do DL 103/80 de 9/5, que contempla o privilégio mobiliário geral dos créditos da segurança social, uma vez que, no caso concreto, não existem créditos destes, não se justificando uma derrogação da regra geral do artigo 749.º, nem a necessidade de se optar por uma interpretação e aplicação da lei divergente da que decorre de tal norma, na procura de uma solução harmoniosa dentro do sistema.</font><br> <br> <b><font>III.</font></b><font> Termos em que se acorda em conceder a revista, alterando o acórdão recorrido, na graduação especial relativa aos móveis que constituem as verbas n.os 36 e 42, graduando o crédito da recorrente em 1.º lugar e em 2.º e 3.º, respectivamente, os dos trabalhadores e o crédito da DG Impostos, mantendo-se, no mais o decidido.</font><br> <br> <font>Custas, nas instâncias, de acordo com a sucumbência e, nesta, pela massa insolvente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 10 de Dezembro de 2009 </font><br> <br> <font>Paulo Sá (Relator)</font><br> <font>Mário Cruz</font><br> <font>Garcia Calejo</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>"AA" e BB propuseram acção ordinária contra CC, pedindo que este seja condenado a desocupar o andar que ocupou ilegitimamente, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens às autoras, suas legítimas proprietárias.</font><br> <font>A 1ª instância julgou a acção procedente:</font><br> <font>a) Reconhecendo o direito das autoras à propriedade da fracção correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio urbano designado pelo número de apólice 82, na Rua de Campo de Ourique, Freguesia de Santa Isabel, inscrito na matriz sob o artigo 1.460 e descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 8.153;</font><br> <font>b) Condenando o réu a restituir às AA a identificada fracção, livre de pessoas e bens.</font><br> <font>O réu apelou para a Relação de Lisboa que, com um voto de vencido, confirmou a sentença.</font><br> <font>Recorre agora o mesmo de revista, formulando as seguintes conclusões:</font><br> <font>1ª- São duas as questões que apresenta, referindo-se a primeira à falta de título que legitime as recorridas a apresentarem-se na qualidade de proprietárias;</font><br> <font>2ª- Não existe qualquer inscrição no registo predial a favor delas, o que levou a que o Tribunal da 1ª instância, por duas vezes (em sede de despacho saneador e em sede de julgamento), as tivesse notificado para virem aos autos fazer prova do facto de serem proprietárias da fracção, tendo-se elas limitado a juntar uma certidão do Registo Predial da qual consta como proprietário o ex-cônjuge de uma das recorridas, e uma certidão de um processo de inventário que correu termos no Tribunal;</font><br> <font>3ª- Ora, segundo o artº 2º, nº 1, a) do Cód. de Reg. Predial, é sujeito a registo o facto jurídico que determine a aquisição do direito de propriedade, sendo que o registo definitivo constitui presunção de que existe o direito e pertence ao titular inscrito (artigo 7º) e provando-se o registo por meio de certidão (artigo 110º), o que não aconteceu neste caso;</font><br> <font>4ª- Sendo unânime a Jurisprudência ao considerar que não existindo a presunção legal resultante do registo do direito de propriedade, é a parte obrigada a alegar e a provar os factos que permitam o reconhecimento de tal direito;</font><br> <font>5ª- No entanto, não só as recorridas não alegaram factos, como muito menos os provaram, chegando-se ao ponto de não constar dos factos provados um único do qual se retire a existência do direito propriedade por parte das recorridas, isto apesar de não operar a presunção do artigo 7º do CRP, na medida em que a alegada propriedade das AA não consta do registo;</font><br> <font>6ª- Só podendo o recorrente manifestar total concordância com o voto de vencido, constante do acórdão recorrido;</font><br> <font>7ª- Nem vale o argumento utilizado pelo acórdão recorrido de que o recorrente se conformou com a alegada propriedade da fracção por parte das recorridas, desde logo porque estas nunca alegaram ser proprietárias (como poderia o recorrente impugnar um facto não alegado?) e depois porque, nem por isso, deixaram de ser aquelas notificadas, já em sede de julgamento, para vir fazer prova da propriedade da fracção;</font><br> <font>8ª- E se foram notificadas, é porque o Tribunal de 1ª Instância entendeu que tal facto era essencial e controvertido;</font><br> <font>9ª- Por outro lado, segundo o artigo 3º, nº 2 do CRP, as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, sendo que esta acção é sujeita a registo (o que as AA não fizeram), desde logo porque elas não constam do registo como proprietárias da fracção;</font><br> <font>10ª- Este facto é de conhecimento oficioso, acarretando a repetição de todos os actos praticados após os articulados;</font><br> <font>11ª- Existe um segundo ponto em causa neste recurso, que é o facto do recorrente ter um título válido que lhe permite ocupar a fracção;</font><br> <font>12ª- Esse título é o contrato de arrendamento celebrado com as recorridas em Fevereiro de 2000;</font><br> <font>13ª- Nessa altura o recorrente já nada tinha a ver com a acção de despejo movida pelas recorridas (por não ser parte) - alíneas A) a G) - e já não estava vinculado a qualquer contrato de arrendamento com as recorridas (e quando também a sua ex-cônjuge já havia falecido, essa, sim, então arrendatária) - alínea E);</font><br> <font>14ª- Para além de não viver na fracção há vários anos, aquando da data em que passou a viver novamente na fracção - alínea L);</font><br> <font>15ª- Perante estes factos era de todo legítima a expectativa do recorrente de estar a celebrar um novo contrato de arrendamento;</font><br> <font>16ª- Não se compreendendo o porquê do acórdão recorrido não atender também às legítimas expectativas do recorrente, movendo-lhe antes um processo de intenções quando afirma que este sabia "perfeitamente a vontade real das Autoras" e que "só por oportunismo se ofereceu para realizar o pagamento das rendas". Em que factos assenta o acórdão tais afirmações?;</font><br> <font>17ª- Também não se compreende a afirmação do acórdão recorrido quando afirma que as recorridas entenderam que enquanto pendesse a acção de despejo, deveriam tolerar a presença do recorrente no locado e ir recebendo a contrapartida. Na verdade, a que título deveriam as recorridas tolerar a presença do recorrente, quando este já não era parte na acção de despejo nem era arrendatário (alíneas E. e F.)?;</font><br> <font>18ª- Peca o acórdão recorrido ao proteger as expectativas das recorridas mas não do recorrente, movendo um processo de intenção a este, sem ter base factual para tal;</font><br> <font>19ª- Existe efectivamente um contrato de arrendamento e um título válido para a ocupação da fracção autónoma, que é susceptível de evitar o pedido de restituição;</font><br> <font>20ª- Foram violados pelo acórdão recorrido os artºs 1311º do CC, 2º nº 1 al. a), 3º nº 2, 7º e 110º do Código de Registo Predial,</font><br> <font>Devendo o mesmo ser revogado e o recorrente absolvido pedido, ou, caso assim não se entenda, ser ordenada a baixa do processo à 1ª instância, declarando-se sem efeito todos os actos praticados após os articulados, em virtude dos termos do artigo 3º, nº 2 do CRP, e notificando-se as recorridas para juntarem certidão do registo predial comprovativa de que são as titulares do direito de propriedade da fracção em causa bem como para procederem ao registo da acção.</font><br> <font>Contra-alegaram as recorridas pugnando pela manutenção do decidido.</font><br> <font>Corridos os vistos, urge decidir.</font><br> <font>A Relação deu como provada a seguinte matéria de facto:</font><br> <font>As Autoras intentaram contra o Réu uma acção de despejo, a qual correu os seus termos na 2ª Secção, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 2931/1994, acção que terminou com uma sentença que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (certidão de fls. 102/130 e alínea A));</font><br> <font>Aquela acção tinha por base um contrato de arrendamento celebrado em 1/10/1965 pelo Réu e o anterior proprietário do imóvel, sendo o fundamento da acção o abandono do local arrendado pelo Réu (mesma certidão e B));</font><br> <font>A sentença de extinção referida em a) surgiu na sequência da entrega de um requerimento do aqui Réu, CC, em 25/10/2000, tal como se encontra certificado a fls. 119 a 121 dos autos (C));</font><br> <font>Na pendência da acção referida em A) veio o Tribunal de Família de Lisboa, por sentença de 28/5/1998, transitada em julgado em 22/6/1998, atribuir a casa morada de família que correspondia ao imóvel em causa, à ex-mulher do Réu, DD, na sequência do processo de divórcio litigioso iniciado por esta contra o Réu em 1992 no mesmo Tribunal - cfr. autos de atribuição da casa de morada de família nº 8157-A/1997, 3ª Secção, 1º Juízo, tal como se certifica a fls. 131 a 134 (D));</font><br> <font>Em conformidade, o mesmo Tribunal notificou as Autoras - no âmbito do referido contrato de arrendamento e na qualidade de senhorias -, nos termos do disposto no artigo 84º, do Regime de Arrendamento Urbano, que a partir daquela data a arrendatária do referido imóvel passaria a ser DD, com os direitos e deveres que antes correspondiam ao seu ex-cônjuge CC - cfr. documento inserto a fls. 15 (E));</font><br> <font>Em consequência da notificação recebida do Tribunal de Família, e na pendência daquela acção de despejo, as Autoras chamaram à acção a referida DD - cfr. documentação certificada a fls. 110 a 112 (F));</font><br> <font>A identificada DD faleceu em 31/12/1999 (G));;</font><br> <font>Após esse falecimento as aqui Autoras apresentaram na acção aludida em A) e B) um requerimento de incidente de habilitação, datado de 8/3/2000, no qual pediram a habilitação do filho daquela chamada, sendo que esse incidente de habilitação veio a ser julgado inútil por via do trânsito da sentença de extinção descrita em A) (H));</font><br> <font>O Réu liquidou as rendas em vigor, com os acréscimos das actualizações anuais, e as Autoras procederam à emissão dos respectivos recibos até Abril 2001, correspondente à renda de Maio desse mesmo ano, sendo que a partir de Junho de 2001 o Réu procedeu ao depósito das rendas na Empresa-A, nos moldes documentados a fls. 75 a 92, perante a recusa das Autoras em receber essas rendas (I));</font><br> <font>A primeira Autora remeteu ao Réu a carta documentada a fls. 93 pela qual lhe dava notícia do aumento da renda mensal do andar em questão para o ano de 2001 (J));</font><br> <font>O Réu encontra-se na posse do referido andar, sendo que em Maio de 2001 as Autoras solicitaram àquele a entrega imediata da respectiva casa arrendada (K));</font><br> <font>O mesmo Réu tinha deixado de habitar naquele andar arrendado em data anterior ao divórcio identificado (L));</font><br> <font>As Autoras intentaram providência cautelar não especificada, contra o Réu, onde requeriam a entrega do imóvel, providência esta que correu os seus termos na 3ª Secção, da 12ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 82/2001 - cfr. certidão de fls. 158 a 164 (M));</font><br> <font>Essa providência viria a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado, nos moldes certificados a fls. 158 a 164 (N));</font><br> <font>"DD" Figueiredo deixou de viver permanentemente no 1º esquerdo do nº ... da Rua de Campo de Ourique, em 1996 e "foi para a terra no Norte" porque estava doente mas continuou a proceder ao pagamento das rendas todos os meses, quer pessoalmente, quer através de uma amiga, sendo certo que veio a falecer no referido apartamento (1º);</font><br> <font>Na sequência do exposto em K) o Réu afirmou às Autoras que não entregava a casa porque os recibos sempre haviam sido passados em seu nome (2º);</font><br> <font>Em Fevereiro de 2000, após o exposto em L), o Réu voltou a instalar-se no mesmo andar, contra a vontade de AA, que ficou surpreendida com tal ocupação, não tendo entrado no referido imóvel para retomar a sua posse logo após o falecimento de DD em 31.12.1999, por imposição do seu cunhado que a alertou para a circunstância de "haver um processo em Tribunal" que ainda não estava decidido (3º);</font><br> <font>As Autoras tiveram conhecimento de que o Réu se instalara no 1º esquerdo do nº 82 da Rua de Campo de Ourique e que não ignorava que o fazia contra a sua vontade, uma vez que estava pendente uma acção de despejo contra si (4º).</font><br> <font>Conclui o recorrente que o artº 3º, nº 2 do CRP determina que as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, que esta acção de reivindicação é forçosamente sujeita a registo e que as recorridas não o fizeram porque não constam do registo como proprietárias da fracção que esse facto é de conhecimento oficioso e acarretando necessariamente a repetição de todos os actos praticados após os articulados, pedindo, além do mais, que seja ordenada a baixa do processo à 1ª instância, declarando-se sem efeito todos os actos praticados após os articulados, e que as recorridas sejam notificada para juntarem aos autos certidão do registo predial comprovativa de que são titulares do direito de propriedade da fracção em causa, bem como para procederem ao registo da acção.</font><br> <font>Argui portanto o recorrente a nulidade da não suspensão da acção findos os articulados, por falta de registo da demanda, a que sustenta estar sujeita.</font><br> <font>Todavia, a existir tal nulidade, devia ter sido invocada perante o juiz da 1ª instância, o que não foi feito, não podendo ser esgrimida ex novo, como acontece, em sede de recurso de revista.</font><br> <font>Não teria de resto sentido a suspensão da instância de uma qualquer acção sujeita a registo, tendo ela prosseguido depois dos articulados sem cumprimento de tal formalidade e com julgamento e decisão da 2ª instância já proferida, como se decidiu em acórdão do STJ, de 22.11.95 (relator o Conselheiro Nascimento Costa, proc. 087169, em www.dgsi.).</font><br> <font>Improcedem consequentemente as 9ª e 10ª conclusões recursórias.</font><br> <font>O mesmo se diga da 7ª conclusão da revista.</font><br> <font>Embora se trate de uma verdadeira acção de reivindicação de propriedade, o certo é que não se discutiu nos articulados a titularidade do prédio reivindicado, alegada pelas AA e não impugnada pelo réu. </font><br> <font>Na verdade, na petição inicial as AA articularam que o réu/recorrente mantém o intuito de ocupar ilicitamente o prédio mormente a oposição das legítimas proprietárias e com óbvia ofensa do direito de propriedade destas (item 30º), e que pretendem que o ele lhes entregue o prédio devoluto de pessoas e bens pois está a ocupá-lo ilegítima e abusivamente sem qualquer título, contra a vontade e com violação do direito de propriedade (item 32º), culminando por pedir a condenação do R. a desocupar o andar que ilegitimamente ocupa, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens às suas legítimas proprietárias e aqui AA.</font><br> <font>E o réu/recorrente, por seu turno, articulou na contestação que as AA invocam que ele ocupa, ilegal e abusivamente, sem qualquer título, o imóvel em causa, em oposição das legítimas proprietárias e com ofensa ao direito de propriedade destas (item 4º), não é verdade que ocupe ilícita, ilegal e abusivamente, sem qualquer título, imóvel em causa, em oposição das legítimas proprietárias e com ofensa ao direito de propriedade destas (item 9º), não está a ocupar ilícita, ilegal e abusivamente, sem qualquer título, o imóvel em causa, em oposição das legítimas proprietárias e com ofensa ao direito de propriedade destas (item 44º).</font><br> <font>É certo que as AA. não aduziram factos usucapientes da propriedade (ou compropriedade) do prédio objecto da reivindicação, e que este também se não encontrava nem encontra registado em nome delas, por forma a poderem usufruir da presunção juris tantum que deriva do artº 7º do CRP. </font><br> <font>Contudo, o litígio cingiu-se, nos articulados, à existência ou não de um novo arrendamento na titularidade do réu, sendo pacífica a alegação da AA. de serem proprietárias do imóvel em causa.</font><br> <font>No mesmo despacho em que procedeu ao saneamento da causa e à elaboração da especificação e da base instrutória, o Senhor Juiz mandou notificar as AA para juntarem uma certidão registral comprovativa da alegada propriedade da fracção imobiliária reivindicada. </font><br> <font>As AA. juntaram uma certidão registral comprovativa de que tal fracção se encontra registada em nome de EE, casado segundo o regime de comunhão de adquiridos com a Autora AA, e mais tarde, mediante nova notificação judicial, juntaram certidão do inventário por óbito daquele titular inscrito, através da qual se verifica que o articulado prédio foi naquele inventário adjudicado a ambas as AA, na proporção de ¾ para a viúva e meeira AA, e de ¼ para a co-autora sua filha e do de cujus, BB. </font><br> <font>Dúvidas não subsistem, portanto, de que as AA. são comproprietárias do prédio reivindicado, naufragando as seis primeiras conclusões do recorrente.</font><br> <font>Já resultava da certidão registral junta a presunção, não ilidida pelo réu, do direito de propriedade da Autora AA, por o prédio se encontrar registado em nome do falecido marido dela e o casamento deles ter sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos, e, para além disso, inexistindo qualquer outro registo predial sobre o prédio em referência, a homologação judicial, transitada em julgado, da adjudicação do prédio às AA, na partilha por óbito do marido e pai delas, devidamente certificada nos autos, não pode deixar de conduzir à prova da compropriedade das demandantes, assegurado que está que esta aquisição derivada não infringe o princípio do nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet.</font><br> <font>Tão-pouco tendo o réu impugnado a alegação do direito de propriedade, pelas autoras, bem como os referidos documentos por elas juntos aos autos. </font><br> <font>Tendo as AA título que as legitima a apresentarem-se na qualidade de proprietárias, e demonstrada que está a ocupação, pelo réu, do prédio reivindicado, resta a problemática vazada nas conclusões 11ª a 19ª, consistente em dilucidar se ele possui ou não título legítimo de ocupação, concretamente se é titular de um novo arrendamento desde Fevereiro de 2000 que justifique continuar a habitar o prédio, o que a ser verdade ditará a sucumbência das AA na demanda, atento o disposto no segmento final do nº 2 do artº 1311º do C. Civil.</font><br> <font>Vejamos então.</font><br> <font>A acção de despejo foi proposta pelas AA. contra o R. com fundamento na falta de residência permanente deste no locado, mas na pendência dessa acção as AA. foram notificadas de que o Tribunal de Família atribuíra o direito de arrendamento à ex-mulher do R., o qual não era portanto arrendatário do andar aquando da morte daquela e da ocupação do prédio, cerca de um mês após tal decesso. </font><br> <font>Todavia, as instâncias deram como provado que: em Fevereiro de 2000, após ter deixado de habitar o andar arrendado em data anterior ao divórcio, o Réu voltou a instalar-se no mesmo andar, contra a vontade de AA, que ficou surpreendida com tal ocupação, não tendo entrado no referido imóvel para retomar a sua posse logo após o falecimento de DD em 31.12.1999, por imposição do seu cunhado que a alertou para a circunstância de "haver um processo em Tribunal" que ainda não estava decidido (3º); as Autoras tiveram conhecimento de que o Réu se instalara no 1º esquerdo do nº ...da Rua de Campo de Ourique e que não ignorava que o fazia contra a sua vontade, uma vez que estava pendente uma acção de despejo contra si (4º); na sequência da solicitação das AA, em Maio de 2001, para entregar imediatamente a casa arrendada, o Réu afirmou às Autoras que não entregava a casa porque os recibos sempre haviam sido passados em seu nome (2º);.</font><br> <font>Ademais, as instâncias não deram como provado que: foi com consentimento das autoras que o réu se instalou no mesmo andar em Fevereiro de 2000 (resposta restritiva ao quesito 4º); no seguimento da solicitação das autoras, em Maio de 2001, para entregar de imediato a casa arrendada, o réu respondeu às autoras que "não havia qualquer fundamento naquela pretensão uma vez que era titular de um contrato de arrendamento válido desde Fevereiro de 2000 e que estava a ser cumprido" (resposta negativa ao quesito 5º). </font><br> <font>Ainda que se deva considerar excessiva, e portanto não escrita, a resposta ao quesito 4º, na parte em que nela se consignou «"e que não ignorava que o fazia contra a sua vontade, uma vez que estava pendente uma acção de despejo contra si» (pois o que se perguntava era apenas se a instalação do réu no andar foi feita com o conhecimento e o consentimento das autoras), o certo é que a restante matéria de facto provada tem de ser acatada pelo STJ. </font><br> <font>Com efeito, não só os acontecimentos externos, mas também os internos ou psíquicos, como a intenção real das pessoas, constituem matéria de facto da exclusiva competência das instâncias (cfr. v.g. o ac. da Relação do Porto, de 6.11.1990, sumariado no BMJ 401, pág. 642).</font><br> <font>Sendo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, excepções que no caso se inverificam (artºs 722º, nº 2 e 729º, nº 2 do CPC).</font><br> <font>Quedou-se portanto improvada a vontade das autoras em encararem a utilização pelo réu do ajuizado andar ao abrigo de um novo contrato de arrendamento habitacional, apesar da passagem e entrega dos recibos de renda.</font><br> <font>As AA limitaram-se a tolerar aquela ocupação enquanto aguardarem o desfecho da acção de despejo, finda a qual (por impossibilidade superveniente da lide) exigiram ao réu a entrega do prédio, requereram contra ele uma providência cautelar não especificada pedindo a entrega do imóvel, e recusaram qualquer pagamento de rendas, passando depois disso o recorrente a proceder ao seu depósito.</font><br> <font>O recebimento das rendas pelas AA (bem como a comunicação do aumento do seu montante) e a passagem dos recibos no nome do réu (o que sempre sucedeu, mesmo após a ex/mulher deste ter passado a ser a titular do arrendamento), não envolveu a intenção de reconhecer o réu como inquilino, explicando-se pela circunstância de este se ter introduzido abusivamente no imóvel e as AA terem entendido que na pendência da acção de despejo, e apenas durante essa pendência, deviam tolerar a presença dele no andar, recebendo a respectiva contrapartida monetária.</font><br> <font>O recorrente não fez prova do novo arrendamento de que se diz titular, prova essa que lhe competia fazer. </font><br> <font>Termos em que acordam em negar a revista, condenando o recorrente nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.</font><br> <br> <font>Lisboa, 24 de Outubro de 2006</font><br> <font>Faria Antunes</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - Por apenso à execução para prestação de facto, baseada em sentença proferida na acção que lhes moveram AA e mulher, BB, os Executados CC e DD deduziram oposição, pedindo que se julgasse procedente a oposição e “indeferida a prestação de facto, e a execução para pagamento de quantia certa (…)”.</font><br> <font>Como fundamento, alegaram, em síntese, que na decisão que constitui título executivo apenas se reconheceu aos Exequentes o direito ao exercício da servidão de passagem a pé e através de veículos, constituída por usucapião, e a exercer pelo caminho existente nos prédios rústicos dos réus CC e DD, descritos nas alíneas H) e I) dos factos provados, denominados “R.....V.....” e “L......C......”, em benefício do prédio pertença dos autores, sendo certo que, estando o prédio dos Executados denominado de Leira comprida ou Leira da veiga liberto de tal servidão, nos termos do acórdão proferido, não têm os Exequentes título que lhes permita passar pelo referido prédio, nem sobre os primeiros 180 m de extensão da servidão que reclamam, pelo que os Executados nada têm aí que retirar.</font><br> <font> </font><br> <font>Os Exequentes contestaram, invocando que o título existe e é exequível, não servindo os embargos de executado para se discutir o que já se discutiu na acção declarativa, nem podendo os Executados, por via de embargos, pretender “alterar” uma decisão já transitada em julgado, pugnando pelo indeferimento liminar da oposição.</font><br> <br> <font> </font><font>A oposição foi julgada improcedente e, em consequência, ordenado o prosseguimento dos termos da execução. </font><br> <br> <font> Os Oponentes apelaram, com êxito, pois a Relação, julgando o título insuficiente para fundamentar a execução, revogou a decisão, teve como procedente a oposição e declarou extinta a execução.</font><br> <br> <font> Cabendo o valor da causa na alçada da Relação, os Exequentes interpuseram este recurso com fundamento na ofensa do caso julgado, recurso que, após se ter julgado verificado o requisito de admissibilidade excepcional invocado (art. 678º-2 CPC), foi admitido a prosseguir como agravo.</font><br> <br> <br> <font> Os Recorrentes pedem agora a revogação do acórdão que decidiu a oposição, argumentando nas conclusões da alegação:</font><br> <font>1) O acórdão da Relação de 24 de Abril de 2008, proferido na acção declarativa e transitado em julgado, constitui título executivo bastante;</font><br> <font>2) Resultando desse acórdão </font><u><font>o direito</font></u><font> dos exequentes </font><u><font>ao exercício da servidão de passagem</font></u><font>, a pé a através de veículos, constituída por usucapião, </font><u><font>e a exercer pelo caminho existente nos prédios rústicos dos executados</font></u><font> recorridos CC e esposa DD, </font><u><font>descritos nas Alíneas H) e I) dos factos provados na acção principal</font></u><font>, denominados "R.....V....." e "L......C......", em beneficio do prédio pertença dos Autores/exequentes, identificado nas Alíneas C) e D) dos Factos Assentes na acção principal, denominado "S.....M.....C...." ou "R...da P... da C...", sito perto das extremas norte e nascente dos aludidos prédios dos réus/executados, </font><u><font>com a largura de cerca de 3 metros, com o comprimento aproximado de 260 metros</font></u><font>, de trilho e leito bem definido, cotado e calcado, </font><u><font>com início iunto da via pública ou estrada que liga o Lugar de Samil ao Lugar do Souto</font></u><font>, ambos da Freguesia de Fervença e que ladeia, pelo lado Sul, aquele prédio rústico dos Autores a cerca de 8.50 metros. </font><br> <font>3) Analisando os argumentos expendidos pelos executados/oponentes na sua oposição, verificamos que a </font><b><font>questão decidenda </font></b><font>já foi apreciada em sede de recurso de apelação da sentença proferida na acção declarativa a que os presentes autos se acham apensos, insistindo, agora, os executados em trazer ao processo, de novo, a questão, assim pretendendo obstar á execução da sentença.. </font><br> <font>4) </font><b><font>Nesse</font></b><font> </font><b><font>douto acórdão de 24-4-2008 foi decidido, a fls 345 dos autos principais </font></b><font>onde se diz no Ponto n° IlI, 2° parágrafo e decidindo, em definitivo, os termos da questão agora suscitada na oposição: "</font><u><font>Todavia, contrariamente ao defendido pelos réus</font></u><font>, </font><b><u><font>julgamos que tal circunstancialismo não inviabiliza o reconhecimento da reclamada servidão</font></u></b><b><font>, </font></b><u><font>sendo apenas motivo para libertar tal prédio deste encargo" </font></u><font>(sublinhado é nosso). </font><br> <font>5) Como estamos perante a execução de uma sentença - Acórdão - transitada em julgado, não pode o Tribunal da Relação, por via de decisão a proferir na execução, reapreciar e conhecer da matéria já decidida a título definitivo naquele 1 ° douto Acórdão de 24-4-2008, atento o disposto no art° 497°, n° 1, 2a parte, do Cód. Proc. Civil onde vem consagrada a excepção dilatória do caso julgado.</font><br> <font>6) O direito está declarado judicialmente naquele acórdão de 24.4-2008 e deve ser cumprido nos termos que consta dos títulos, não admitindo qualquer nova discussão. </font><br> <font>7) Não cabe em sede de oposição á execução proferir decisão diferente daquela que constitui os títulos da execução a que os executados recorridos se opõem. </font><br> <font>8) Na verdade não podem os executados oponentes, por via da sua oposição, pretender alterar uma decisão do Tribunal da Relação já devidamente transitada em julgado sob a égide de urna pretensa inexequibilidade da mesma. </font><br> <font>9) É inquestionável, </font><u><font>nesta sede de execução</font></u><font>, que o direito de servidão de passagem do prédio dos exequentes e aqui recorrentes que </font><u><font>foi declarado judicialmente</font></u><font> e exerce-se por um caminho cujo itinerário está traçado de forma clara e inequívoca no mencionado douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de Abril de 2008, caminho esse com a largura de 3 metros e o </font><u><font>comprimento de cerca de 260 metros</font></u><font>, de trilho e leito bem definidos, calcado e coteado, que tem o seu </font><u><font>início iunto da via pública</font></u><font> que liga o Lugar de Samil ao Lugar do Souto, ambos da Freguesia de Fervença, da Comarca de Celorico de Basto, </font><u><font>e assenta o seu leito em terrenos pertencentes aos executados, pois logo no seu inicio entra pelo lado poente de um prédio rústico pertencente aos executados</font></u><font> - Alínea P.1]) dos factos apurados e aditados pelo Acórdão de 24-4-2008 - </font><u><font>e segue pelo mesmo prédio dos réus no sentido poente/nascente por onde se prolonga cerca de ] 80 metros</font></u><font> - cfr. Alínea P.2) dos factos apurados e aditados pelo mesmo Acórdão de 24-4-2008 -, </font><u><font>depois esse caminho atravessa um outro prédio dos executados recorridos denominado "R.....V.....</font></u><font>" - Alínea Q) dos factos apurados no mesmo Acórdão de 24-4-2008 - ~ inflecte </font><u><font>p</font></u><font>ara um outro </font><u><font>p</font></u><font>rédio rústico dos executados recorridos denominado "L... </font><u><font>da C...", referido na Alínea I</font></u><font>) - Alínea S) dos factos apurados no douto Acórdão de 25-4-2008 - </font><u><font>prosseguindo o caminho em questão no sentido nascente</font></u><font> ­Alínea T) referente aos factos aditados pelo mesmo Acórdão de 24-4-2008. </font><br> <font>10) A fls 345 deste Acórdão de 24-4-2008, no Ponto n° 1II, 2° parágrafo, lê-se: "</font><u><font>Todavia, contrariamente ao defendido pelos réus, iulgamos que tal </font></u><b><u><font>circunstancialismo não inviabiliza o reconhecimento da reclamada servidão</font></u></b><b><font>, </font></b><font>sendo apenas para libertar tal prédio deste encargo", donde resulta claramente que o </font><u><font>espírito do julgador</font></u><font> foi declarar judicialmente o direito de servidão de passagem em apreço a favor do prédio dos exequentes e sobre os prédios dos executados. </font><br> <font>11) O douto Acórdão recorrido, de 2-3-2010, apesar de "concordar que o executado não pode suscitar questões que já podia ter deduzido no âmbito da acção declarativa, sendo nesta acção que o executado deve apresentar todos os seus meios de defesa", entendeu que "o título executivo não é suficiente para fundamentar a execução para prestações de facto nem, consequentemente, se justifica o funcionamento da sanção pecuniária compulsória, situação que se equipara á inexistência de título executivo". </font><br> <font>12) Ao decidir como decidiu o </font><u><font>douto Acórdão recorrido </font></u><b><u><font>reapreciou </font></u></b><u><font>e conheceu da matéria já decidida a título definitivo no Acórdão de 24-4-2008 </font></u><b><u><font>alterando </font></u></b><u><font>o direito declarado pelo anterior referido Acórdão de 24-4-2008</font></u><font> e proferido na acção declarativa a que os presentes autos de execução para prestação de facto se acham apensos, sindicando este Acórdão </font><u><font>e violando, assim, o instituto do caso julgado</font></u><font> a que alude o disposto nos art°s 497°, n° 1, 2a parte e 498°, 671º, 672° e 673°, todos do Código de Processo Civil, </font><br> <font>13) E havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar - art° 675°, nºs 1 e 2, do citado C.P.C. </font><br> <font>14) O douto Acórdão recorrido viola, por incorrecta interpretação, as supra citadas disposições legais. </font><br> <br> <font> Os Recorridos responderam. Sustentaram que a sentença é inexequível e inexigível ou incerta a obrigação reconhecida e as prestações requeridas, questão que não se confunde com a violação do caso julgado.</font><br> <br> <br> <br> <font> 2. - Relevam, de entre os considerados pelas Instâncias, os seguintes elementos:</font><br> <font> </font><br> <font>. Os Exequentes BB e AA intentaram contra CC e DD execução, para prestação de facto, pretendendo a retirada e destruição de todos os obstáculos colocados no caminho que identificam no requerimento executivo e que não permitem a passagem dos exequentes pelo caminho de servidão de passagem que dá acesso ao seu prédio rústico denominado S...M....C..... ou R... da P.... da C....., pretendendo face à natureza fungível da prestação, a sua prestação por outrem nos termos do artigo 935º, nº1 do CPC</font><br> <br> <font>2. Fundaram este pedido exequendo no facto de ter sido proferida sentença e Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, já transitado em julgado, que decidiu o seguinte: </font><br> <font>- julga-se parcialmente procedente a apelação, e alterando se quer a decisão sobre a matéria de facto, quer a sentença recorrida, adita-se aos factos dados como provados na sentença recorrida os supra referidos nas alíneas P.1), P.2), R) e T) e julga-se parcialmente procedente a presente acção e consequentemente, no que respeita ao pedido formulado na alínea a), declara-se o direito dos Autores ao exercício da servidão de passagem a pé e através de veículos, constituída por usucapião, e a exercer pelo caminho existente nos prédios rústicos dos réus CC e DD, descritos nas Alíneas H) e I) dos factos provados, denominados “R.....V.....” e “L......C......”, em benefício do prédio pertença dos Autores, identificado nas Alíneas C) e D) dos factos assentes, denominado “S.....M.....C....” ou “R.... da P... da C....”, sito perto das extremas norte e nascente dos aludidos prédios dos réus, com a largura de cerca de 3 metros, com o comprimento aproximado de 260 metros, de trilho e leito bem definido, cotado e calcado, com início junto da via pública ou estrada que liga o Lugar de Samil ao Lugar do Souto, ambos da Freguesia de Fervença e que ladeia, pelo lado Sul, aquele prédio rústico dos Autores a cerca de 8,50 metros. </font><br> <br> <font>3. Na sentença e acórdão de 24-4-2008 considerou-se a seguinte factualidade: </font><br> <font>(…)</font><br> <font>C) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Celorico de Basto, sob o nº...... a aquisição a favor de AA casado com BB, por compra, o prédio rústico denominado “S.....M.....S...” também conhecido por “R.... P...C...”, com a área de 300m2, sito no Lugar de Samil, freguesia de Fervença a confrontar de todos os lados com FF (documento de fls. 24 e 25). </font><br> <font>D) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Fervença de Celorico de Basto sob o art. 1651, tendo como titular AA o prédio denominado S.... da C....., sito no lugar de Samil, a confrontar de todos os lados com FF (documento de fls. 16). </font><br> <font>(…)</font><br> <font>G) O prédio rústico denominado Leira comprida ou Leira da Veiga sito no Lugar de Samil, freguesia de Fervença que é pertença dos aqui réus encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Fervença de Celorico de Basto sob o art. 1645, tendo como titular FF, com as seguintes confrontações Norte e Sul com herdeiros de JJ, Nascente EE e Poente caminho de servidão, é pertença dos aqui réus (documento de fls. 14). </font><br> <font>H) O prédio rústico denominado R.....V..... sito no Lugar de Samil, freguesia de Fervença que é pertença dos aqui réus encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Fervença de Celorico de Basto sob o art. 1643, tendo como titular FF, com as seguintes confrontações Norte com GG Sul com HH nascente limites da freguesia de Moreira e Poente II e herdeiros de JJ, (documento de fls. 14). </font><br> <font>I) O prédio rústico denominado L......C...... sito no Lugar de Samil, freguesia de Fervença que é pertença dos aqui réus encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Fervença de Celorico de Basto sob o art. 1648º, tendo como titular FF, com as seguintes confrontações Norte com herdeiros de JJ, Sul com HH e Nascente e Poente II é pertença dos aqui réus (documento de fls. 15). </font><br> <font>(…)</font><br> <font>M) No sentido poente –nascente dos prédios referidos em H) e I) denominados R.....V..... e L......C...... existe um caminho com a largura de cerca de 3 (três) metros </font><br> <font>N) Com o comprimento aproximado de 260 m. </font><br> <font>O) De trilho e leito bem definido, coteado e calcado. </font><br> <font>P) Com início junto da via pública ou estrada que liga o Lugar de Samil ao Lugar do Souto, ambos da Freguesia de Fervença. </font><br> <font>P.1) Esse caminho entra pelo lado poente de um prédio rústico pertencente aos RR. (</font><i><font>aditado pela Relação)</font></i><font>;</font><br> <font>P. 2) E segue pelo mesmo prédio no sentido Poente/ Nascente, por onde se prolonga por cerca de 180m (</font><i><font>aditado pela Relação</font></i><font>);. </font><br> <font>Q) Esse caminho atravessa o prédio “R.....V.....”, referido em H). </font><br> <font>R)Por onde se prolonga em cerca de 80 metros. </font><br> <font>S) E inflecte para o prédio rústico denominado “L......C......”, referido em I). </font><br> <font>T) O prédio rústico denominado “S.....M... de C.....” referido em C) ladeia esse caminho, pelo lado sul, a cerca de 8,50 m de distância. O caminho em questão prossegue no sentido Nascente.</font><br> <font>U) É através desse caminho que os autores e seus antepossuidores, directamente por si, ou através dos seus jornaleiros, fazem e sempre fizeram o acesso, a qualquer hora do dia ou da noite, desde a sua casa de habitação referida em A) até ao seu prédio referido em C). </font><br> <font>V) Bem como o acesso inverso. </font><br> <font>W) Nele transitando quer a pé quer com veículos de tracção mecânica ou animal. </font><br> <font>X) Para transporte de mato, material lenhoso e utensílios agrícolas. </font><br> <font>Z) O que fazem há mais de 35 anos. </font><br> <font>AA) À vista de toda a gente.</font><br> <font>AB) De forma ininterrupta. </font><br> <font>AC) Sem oposição de ninguém. </font><br> <font>AD) Com a consciência de não causarem prejuízo a outrem. </font><br> <font>AE) E na convicção de exercerem um direito próprio. </font><br> <font>AF) Os terrenos onde o leito do referido caminho assenta foram destinados para passagem pelos seus antigos proprietários. </font><br> <font>AG) Em meados de Julho de 2004 os réus implantaram dois pilares de pedra à entrada do aludido caminho. </font><br> <font>AH) Os réus colocaram um pilar de cada lado desse caminho e a, pelo menos, dois metros da via pública que liga o Lugar de Samil ao Lugar do Souto. </font><br> <font>AI) Tendo cravado em cada um desses pilares um gancho de ferro que suportavam uma grossa barra de ferro fixa, num dos lados, com um forte aloquete e do outro fixa ao aludido gancho. </font><br> <font>AJ)O que impede a passagem parte dos autores com quaisquer veículos de tracção mecânica ou animal para o prédio denominado “S.....M....da C......” ou “R..... da P.... da C....z”. </font><br> <br> <br> <font> 3. - Delimitação do objecto do recurso.</font><br> <br> <font>Impugnar uma decisão com fundamento em ofensa de caso julgado é o mesmo que afirmar que essa decisão colide com uma decisão judicial anterior, contrariando-a, proferida sobre questão, com causa de pedir e pedido idênticos e relativa às mesmas partes, no mesmo ou noutro processo, já transitada em julgado – arts. 671º a 673º, 497º e 498º, todos do CPC.</font><br> <font>Consequentemente, pressuposto primeiro da admissibilidade do recurso é saber se a decisão fundamento é passível de ser ofendida pela decisão impugnada.</font><br> <br> <br> <font> Como se deixou referido no despacho que em que foi recebido e determinado o prosseguimento do recurso, teve-se ele por admissível por se ter entendido ser configurável a ofensa do caso julgado formado pelo acórdão dado à execução pela decisão proferida na oposição, tendo esta por objecto a inexequibilidade (parcial) do título por razões de natureza substantiva.</font><br> <br> <font> Com efeito, caracterizando-se o caso julgado, isto é, a autoridade do caso julgado, pela insusceptibilidade de impugnação de uma decisão em consequência da definitividade decorrente do respectivo trânsito, designadamente por via de recurso, se essa autoridade vem a ser posteriormente colocada numa situação de incerteza, pelas mesma partes, seja em processos diferentes, seja no mesmo processo, como sucede na oposição à execução baseada em sentença em que se questiona o âmbito e sentido com que deve valer o julgado para efeitos de cumprimento coercivo, então, será possível ocorrer ofensa do caso julgado formado na acção declarativa de condenação através de decisão proferida na oposição à execução, ofensa essa a consistir na violação do direito definido no título que lhe serve de base. </font><br> <br> <font> É o que se invoca no caso presente em que, em virtude da oposição, o Tribunal fixou o sentido com que haveria de valer a decisão proferida na acção declarativa quanto ao reconhecimento e conteúdo da servidão de passagem, definindo e declarando o direito dos Autores-exequentes, para efeitos de execução, com âmbito menor que o por estes proposto e defendido no requerimento executivo.</font><br> <font> Na verdade, os Executados não se limitaram a formular uma oposição à execução de natureza puramente processual e com incidência na relação processual executiva. Diferentemente, deduziram uma oposição fundada em razões de mérito ou, pelo menos, com consequências de mérito, provocando uma pronúncia sobre a existência (ou inexistência, ainda que parcial) da obrigação dada à execução, em razão da modificação do conteúdo do direito reconhecido no título, tal como apresentado na petição da acção executiva.</font><br> <font> </font><br> <font>É sobre essa pronúncia que, tendo atendido os fundamentos da oposição, podendo, nessa medida, contrariar a sentença que serve de título, deverá sindicar-se a violação de caso julgado material.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> Como nota final, resta dizer que não se coloca qualquer obstáculo a nível da identidade de verificação sempre necessária para que uma questão de ofensa de caso julgado possa colocar-se – arts. 497º, 498º, 671º e 672º cit.).</font><br> <font> São os mesmos os sujeitos e é exactamente a mesma a relação jurídica substantiva em discussão entre as partes, bem como a determinação do respectivo conteúdo, no âmbito do qual conflituam as respectivas pretensões. </font><br> <font> </font><br> <br> <font> Deve, pois, conhecer-se do objecto do recurso limitado, como impõe o fundamento excepcional de admissão, à específica questão de saber se a decisão ora recorrida, que apreciou e decidiu a oposição à execução, ofendeu a decisão anteriormente proferida pela mesma Relação na acção declarativa, utilizada como título executivo.</font><br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> </font><font>4. 1. - Os Recorrentes sustentam, na síntese expressiva da conclusão 12ª da sua alegação, que o acórdão agora impugnado “</font><b><i><font>reapreciou </font></i></b><i><font>e conheceu da matéria já decidida a título definitivo no Acórdão de 24-4-2008 </font></i><b><i><font>alterando </font></i></b><i><font>o direito declarado pelo anterior referido Acórdão de 24-4-2008 e proferido na acção declarativa a que os presentes autos de execução para prestação de facto se acham apensos, sindicando este Acórdão e violando, assim, o instituto do caso julgado a que alude o disposto nos arts. 497°, n° 1, 2a parte e 498°, 671º, 672° e 673°, todos do Código de Processo Civil</font></i><font>”. </font><br> <br> <br> <font> Como se disse, a decisão (acórdão) proferida na acção declarativa transitou em julgado, o que significa que, tendo decidido definitivamente a determinada questão de mérito, não mais poderá esta ser objecto de apreciação subsequente.</font><br> <font> </font><br> <font>O acórdão posteriormente proferido fixando o sentido com que a decisão transitada em julgado definiu o conteúdo do direito de servidão discutido pelas Partes, limitou os termos em que os Autores definiram a obrigação exequenda e requereram a sua efectivação ou prestação coerciva.</font><br> <font> Ponderou o acórdão que a questão que se ergue, na definição dos limites da exequibilidade da sentença, não é de “indefinição do caminho”, sua localização e características, diremos nós de indefinição do traçado e leito da servidão de passagem, que bem pode ser reconstituído através dos elementos de facto adquiridos nos autos e que será, como se admite no acórdão recorrido, correspondente ao vertido na conclusão 9ª da alegação dos Recorrentes. A questão radicar-se-á, sim, como aí se escreveu, na circunstância de o acórdão proferido na acção declarativa ter estabelecido “</font><i><font>que o exercício da servidão se processa com referência a dois prédios servientes, onerados com a servidão de passagem e a favor do prédio dominante, identificando todos esses prédios com referência à localização, confrontações e artigo de inscrição na matriz, por remissão para as correspondentes alíneas dos factos provados</font></i><font>”, para concluir: “</font><i><font>Assim sendo, o direito de passagem só existe e está definido relativamente à parte do caminho cujo leito se encontra nesses prédios servientes</font></i><font>”. </font><br> <br> <br> <font> Por linhas direitas, o que realmente se pretende saber é se, ao declarar que o acórdão de vinte e quatro de Abril apenas declarou e, consequentemente, apenas permite efectivar coercivamente o direito de passagem dos Autores-exquentes sobre dois prédios dos Réus – os identificados em H) (R.....V.....) e I) (L......C......) – ou se a servidão reconhecida onera esses dois rústicos e também e ainda o identificado em G) (Leira Comprida), que será o primeiro a ser atravessado pelo leito do “caminho” a partir da via pública.</font><br> <br> <font> Se se concluir neste último sentido a decisão impugnada ofenderá seguramente o julgado ao limitar a obrigação exequenda em termos que lhe estavam vedados pelo respeito devido ao caso julgado material.</font><br> <br> <br> <font>4. 2. - Vistas, então, as coisas na perspectiva do respeito pela autoridade do caso julgado, isto é, da aferição do âmbito e limites da decisão, ou seja, dos “termos em que se julga” - art. 673º CPC -, tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.</font><br> <br> <font>Com efeito, a decisão não é mais nem menos que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – os fundamentos - e aos quais se refere.</font><br> <font>Assim, bem pode considerar-se, com M. TEIXEIRA DE SOUSA (“Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 578/9), que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão".</font><br> <font>Na verdade, definida, antes de mais, pelo próprio teor da decisão final, não pode desprezar-se a eventual existência de decisões de questões fáctico-jurídicas precedentes do </font><i><font>thema</font></i><font> </font><i><font>decidendum</font></i><font> que, pela sua conexão lógica com o segmento injuntivo e por tomadas no </font><i><font>iter</font></i><font> a ele conducente, este não pode delas ser dissociado na definição do quadro substantivo declarado no julgado.</font><br> <br> <font>Nessa linha, tem vindo a ser entendido pela jurisprudência abranger o caso julgado a decisão e os seus fundamentos logicamente necessários, ou a decisão e as questões solucionadas na sentença conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, ou só a própria decisão (cfr. acs. STJ de 19-12-2006 -Proc. 06B4460 e, desta Conferência, de 3-3-2009-Proc. 09A0020).</font><br> <br> <br> <font> 4. 3. - Isto posto, resta averiguar se o acórdão recorrido procedeu à reapreciação da questão decidida na acção, definindo o direito em termos diferentes dos anteriormente fixados.</font><br> <br> <font> Incontornável, antes de mais, que, alterando o sentenciado na 1ª Instância, que declarara constituída a servidão sobre os prédios descritos nas alíneas G), H) e I) dos factos provados, o acórdão proferido na acção declarativa declarou o direito dos Autores ao exercício da servidão de passagem a exercer pelo caminho existente nos prédios rústicos dos RR descritos nas alíneas H) e I), denominados “R.....V.....” e “L......C......”, restringindo, assim, o âmbito de procedência do “pedido formulado na alínea a)”.</font><br> <font> Não fora esse o real sentido do decidido, na procedência parcial do recurso, e decisão da 1ª Instância teria sido, quanto à definição do direito, apesar da modificação da matéria de facto, total ou simplesmente confirmada, pois que em nada mais se revela a alteração anunciada.</font><br> <font> </font><br> <font> Mas, mesmo que a mera interpretação do segmento injuntivo sobre o </font><i><font>thema decidendum</font></i><font> não se revelasse - e entendemos que revela - autosuficiente, ainda assim o acórdão está recheado de fundamentação que veda completamente qualquer outro entendimento.</font><br> <font> </font><br> <font>Assim, e desde logo, como convocado no acórdão impugnado, porque a servidão de passagem, na definição do art. 1543º C. Civil, se traduz no encargo imposto a um prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, «donde ambos os prédios, serviente e dominante, têm de estar perfeitamente identificados, o que não se compadece com a utilização de fórmulas como</font><i><font> “um prédio rústico pertencente a”</font></i><font> e porque “</font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>facto de se ter descrito o caminho, base da servidão, de uma forma mais abrangente e completa, com indicação do seu início, junto à via pública, e percurso subsequente, começando num prédio, não identificado – seguindo depois o seu leio em outros dois, correspondentes aos prédios servientes –, não significa que se tenha reconhecido aos proprietários do prédio dominante o direito de passarem por aquele prédio. Significa, tão só, que fica dessa forma definida a passagem, quer em termos de localização quer em termos de características, bem como que foi por essa passagem que os autores sempre exerceram os actos a que do aditamento feito pela Relação, em P1 e P2 –, dessa forma obviando a que os réus voltem a discutir essa questão. Ou seja, no acórdão proferido por esta Relação, datado de 24 de Abril de 2008, foi-se até onde se podia ir, ponderando o princípio do dispositivo, nomeadamente na sua vertente da conformação da instância”</font></i><font>, </font><font>ao que acresce, ainda, a omissão de identificação - por referência ao prédio da alínea G) (Leira Comprida ou da Veiga) – se fosse caso disso, no aditado facto P1 (que alude apenas a um prédio rústico do RR.), só pode concluir-se que o acórdão estabeleceu o encargo da servidão com referência aos dois prédios que declara onerados.</font><br> <font> </font><br> <font> Depois, o acórdão é absolutamente claro nos conteúdo dos pressupostos em que faz assentar a decisão ao deixar consignado, designadamente:</font><br> <font> </font><font>“</font><tt><font>Reconhecer assistir razão aos réus quando afirmam que não tendo os autores logrado provar que o caminho em causa atravessa a “Leira Comprida”, não podia o Tribunal a quo declarar [como declarou] que sobre este prédio está constituída uma servidão de passagem por usucapião e condenar os RR. a reconhecerem tal direito , pelo que, nesta parte &nbsp;impõe-se revogar a sentença recorrida. </font></tt><br> <tt><font> Todavia (…) julgamos que tal circunstância não inviabiliza o reconhecimento da reclamada servidão, sendo apenas mot</font></tt><tt><font>ivo para libertar tal prédio deste encargo</font></tt><font>”</font><font>.</font><br> <font>Ora, confrontados com este passo da fundamentação da decisão, não podemos deixar de ter como absolutamente seguro encontrar aí a manifestação da vontade real dos Julgadores a exprimir-se no sentido de que a sentença teria de ser revogada [</font><font>como efectivamente veio a ser] </font><font>na parte em que declarou constituída a servidão sobre a “Leira Comprida”, com a inerente condenação dos Réus nessa parte, do mesmo passo que, esclarecendo o que iria ser declarado no segmento decisório, acrescentou que aquela impossibilidade (de declarar a “Leira Comprida”/ prédio G) onerado com a servidão) não impedia o reconhecimento da servidão com o conteúdo provado, isto é, sobre os prédios H) e I), embora libertando do encargo o G).</font><br> <br> <font> </font><br> <font> 4. 4. - Nesta conformidade, porque o acórdão impugnado também assim interpretou e julgou sobre a exequibilidade da decisão, havendo como insuficiente o título, não procedeu a qualquer reapreciação modificativa do acórdão proferido na acção declarativa, respeitando estritamente os termos em que este julgou.</font><br> <br> <font> Não ocorre, consequentemente, a invocada ofensa de caso julgado.</font><br> <br> <br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font> De harmonia com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font> - Negar provimento ao recurso; e,</font><br> <font> - Condenar os Agravantes nas custas do recurso.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 13 de Julho 2010 </font><br> <br> <font>Alves Velho (Relator)</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font> </font><br> <br> <font> </font></font>
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CTK5u4YBgYBz1XKvxjhp
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <font>I –</font><b><font>AA, BB, </font></b><font>viúva de </font><b><font>CC, </font></b><font>e demais herdeiros</font><b><font>, DD, EE,FF, GG, viúva de HH, II, JJ e LL, </font></b><font>intentaram, no Tribunal Judicial da Maia, acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária contra </font><b><font>ANA – Aeroportos de Portugal, SA</font></b><font>, pedindo que fosse esta condenada a reconhecer que são aqueles primeiros os titulares do direito de propriedade sobre o prédio mencionado de 1º a 5º da petição inicial (a), a restituí-lo no estado em que o ocuparam (b), indemnizá-los pela privação do mesmo na quantia de Esc. 651.600$00, acrescida de juros a partir da citação (c), bem como no pagamento de uma taxa diária de 50,00 €, de sanção pecuniária compulsória, desde a citação e até efectiva entrega ou pagamento da indemnização reclamada (d). </font><br> <br> <font>Para tanto, alegaram, em síntese, que:</font><br> <br> <font>O primeiro A. e os demais irmãos, já falecidos, adquiriram por via derivada e originária aquele aludido prédio, que veio a ser incluído na área a expropriar para ampliação da pista 18-36 do Aeroporto do Porto, cuja utilidade pública foi objecto de despacho do Sr. Secretário de Estado das Comunicações e Transportes de 13.12.72, publicado no DR, sem que desde então tivesse sido consumada a expropriação cujo processo caducou pelo decurso do tempo, tendo ficado eles privado daquela propriedade desde então e não havendo qualquer fundamento para que a R., a quem pertence a obra, o mantenha em seu poder. </font><br> <br> <font>Regularmente citada veio a Ré contestar, invocando desde logo a incompetência do tribunal da Maia para conhecer do presente pleito, requereu a intervenção do Estado e do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), invocou a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre a parcela em causa, bem como através da acessão industrial imobiliária, por afectação dominial e, finalmente, a prescrição do direito de indemnização reclamado pelos AA. </font><br> <br> <font>No que àquela incompetência diz respeito, por ser aquela que importa considerar já que diz respeito à questão colocada através do presente recurso, refere a R. que o terreno indicado pelos AA. faz parte do domínio público aeroportuário, tendo sido afectado à utilidade pública aeroportuária, o que a par da classificação constitui um das formas de aquisição do domínio de uma coisa ou bem imóvel, cabendo o conhecimento das controvérsias quanto a tal aquisição aos Tribunais Administrativos, bem como a apreciação do acto de gestão pública quanto à apropriação por parte do Estado primeiro, e depois pela R., do aludido terreno, e ainda, por um critério de resolução global do litígio o próprio pedido de indemnização que depende da apreciação daqueles outros.</font><br> <br> <font>Os AA. responderam através de réplica, dizendo que é esta uma acção de reivindicação, tipicamente do direito privado, que o terreno não faz parte do domínio público mas daquele dos AA., estando em causa a verificação do direito de propriedade destes e a ilicitude de direito privado perante ocupação não titulada, assumindo, além disso, posição quanto às demais excepções suscitadas pela R., pedindo a sua improcedência.</font><br> <br> <font>Foi proferido o despacho de fls 80 a 82, no qual foi declarado ser o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção, absolvendo-se, em consequência, a R. da instância.</font><br> <br> <font>Inconformados, os AA. intentaram o presente recurso de agravo, para a Relação do Porto, recurso que foi admitido.</font><br> <br> <font>Por acórdão de 19 de Novembro de 2007, a Relação concedeu provimento ao agravo, e, em consequência, revogou a decisão recorrida, decidindo que a 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Maia tem competência em razão da matéria, para julgar esta acção.</font><br> <br> <font>Do acórdão da Relação recorreu a R., de agravo, para este STJ, tendo o recurso sido recebido. </font><br> <br> <font>Alegando no recurso, conclui a Recorrente: </font><br> <br> <font>a) A matéria em discussão nos autos respeita, em primeiro lugar, aos pedidos de reivindicação da propriedade e de restituição de um terreno que foi objecto de uma declaração de utilidade pública – que alegadamente terá caducado –, terreno que, como os próprios AA reconhecem, foi integrado nos terrenos do Aeroporto Sá Carneiro, no âmbito da ampliação da pista 18-36, encontrando-se actualmente afecto a esse mesmo fim;</font><br> <font>b) Ao invés do considerado pelo Acórdão recorrido, independentemente de se ter ou não verificado a caducidade da declaração de utilidade pública, a relação jurídica constituída entre a Recorrente e os Recorridos, em causa nestes autos e que foi constituída por aquela declaração, tem natureza administrativa e, nessa medida, os pedidos de reivindicação da propriedade e de restituição do bem formulados pelos ora Recorridos (que se reconduzem, na prática, a um pedido de reversão), inserindo-se no contexto dessa relação e dizendo respeito ao terreno objecto da mesma, não podem deixar de respeitar a matéria também ela de natureza jurídico-administrativa;</font><br> <font>c) Porque o terreno cuja propriedade os Recorridos reivindicam e cuja devolução é pedida, pertence ao domínio público do Estado e está afecto à utilidade pública aeroportuária, é evidente que, independentemente das vicissitudes respeitantes ao acto de declaração de utilidade pública, o litígio em questão tem, também por esta via, inequívoca natureza jurídico-pública, ao contrário do que foi considerado pelo Acórdão recorrido;</font><br> <font>d) Sendo o litígio em apreço emergente de uma relação jurídica administrativa, verifica-se que, de acordo com o artigo 212.º, número 3, da CRP e com os artigos 1.º e 4.º, número 1, alíneas a) e d), do ETAF, a competência para dele apreciar pertence aos tribunais administrativos e não, como foi erradamente decidido, aos tribunais judiciais;</font><br> <font>e) O artigo 13.º, número 4, do Código das Expropriações não é aplicável aos presentes autos porque nenhum dos pedidos formulados respeitou à declaração de caducidade da declaração de utilidade pública do terreno dos Recorridos, tendo, quanto muito, a referida (e alegada) caducidade constituído causa de pedir dos Recorridos, não podendo, nessa medida, a matéria em discussão ser subsumida naquela norma;</font><br> <font>f) O artigo 13.º, número 4, do Código das Expropriações também não é aplicável aos autos porque, independentemente da caducidade ou não da declaração de utilidade pública pertinente, a decisão da presente causa, tal como configurada pelos Recorridos, implica que o tribunal se tenha que pronunciar sobre a restituição a um particular de um imóvel que está actualmente integrado no domínio público e afecto à utilidade pública aeroportuária, representando estes aspectos inequívocas matérias de Direito Administrativo que colocam a relação jurídica controvertida fora do escopo daquela norma, e a inserem directamente no âmbito da competência dos tribunais administrativos;</font><br> <font>g) Ao não se ter considerado materialmente incompetente para conhecer dos pedidos de reivindicação da propriedade e de restituição do terreno formulados pelos Recorridos, o Acórdão recorrido violou o número 3 do artigo 212.º da CRP e os artigos 1.º e 4.º, número 1, alíneas a) e d) do ETAF;</font><br> <font>h) Em consonância com a existência de uma relação jurídica administrativa, o acto (lícito ou ilícito, é indiferente) de apropriação por parte do Estado e utilização pela ANA do terreno em causa nos autos, e a sua subsequente utilização para fins aeroportuários, configuram manifestamente actos de gestão pública, pois a sua aquisição e utilização é efectivada ao abrigo de poderes públicos ou, se se preferir, no contexto de tarefas exclusivamente administrativas, ligadas à gestão e exploração dos espaços aeroportuários;</font><br> <font>i) As questões de responsabilidade por actos de gestão pública, da autoria de pessoas colectivas públicas ou de pessoas colectivas de direito privado no exercício de funções ou tarefas administrativas (como é o caso da ANA), cabe, por força do art. 4º/1, alíneas g) e i), do ETAF, na jurisdição dos tribunais administrativos;</font><br> <font>j) Uma vez que o pedido indemnizatório formulado pelos Recorridos emerge de uma claríssima actuação de gestão pública — quer do Estado, quer da ANA —, verifica-se que, ao abrigo das alíneas g) e i) do número 1 do artigo 4.º do ETAF, em geral, e do número 3 do artigo 15.º dos Estatutos da ANA, em particular, ele seria da competência dos tribunais administrativos e não, como decidiu o Acórdão recorrido, dos tribunais judiciais;</font><br> <font>k) Considerando que o que está em discussão é saber se a jurisdição civil tem competência para conhecer de vários pedidos formulados pelos ora Recorridos e não se a mesma é extensível ao conhecimento das questões suscitadas na defesa apresentada pela ora Recorrente, é manifesto que o artigo 96.º, número 1, do CPC não tem qualquer aplicabilidade ao caso sub iudice, sendo por isso improcedente o argumento (e a conclusão nele assente) do Tribunal a quo;</font><br> <font>l) Não sendo os tribunais judiciais sequer competentes para conhecer dos pedidos de reivindicação e restituição da propriedade formulados pelos Recorridos (do pedido da sua reversão, portanto), inexiste aqui qualquer motivo atendível para estender a sua competência ao pedido indemnizatório formulado;</font><br> <font>m) Ainda que o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> se considerasse competente para os dois primeiros pedidos formulados (o que se alega sem conceder), sempre deveria, sob pena de desrespeito do princípio da especialização judicial, de incongruência jurídica ou desigual aplicação do Direito, absolver a instância quanto ao pedido de responsabilização civil da ora Recorrente, por o mesmo não pertencer à jurisdição dos tribunais judiciais, mas antes à dos tribunais administrativos;</font><br> <font>n) Ao ter considerado a jurisdição civil como materialmente competente para conhecer do pedido de indemnização formulado, o Acórdão recorrido violou o número 3 do artigo 212.º da CRP, as alíneas g) e i) do número 1 do artigo 4.º do ETAF e o número 3 do artigo 15.º dos Estatutos da ANA, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 404/98.</font><br> <br> <font>Houve contra-alegações.</font><br> <br> <font>II – A única questão a decidir é a da competência material do Tribunal da comarca para o julgamento da presente acção.</font><br> <br> <font>Em confronto nos autos estão duas teses distintas.</font><br> <br> <font>De um lado, a defendida pelos Autores de que não existe qualquer justificação para atribuição de competência aos tribunais administrativos para o conhecimento da matéria que serve de fundamento á presente acção.</font><br> <br> <font>A Ré, por seu turno, sustenta que, a apropriação por parte do Estado e utilização pela ANA do terreno em causa nos autos, e a sua subsequente utilização para fins aeroportuários, configuram manifestamente actos de gestão pública, sendo a apreciação das questões de responsabilidade por actos de gestão pública, da autoria de pessoas colectivas públicas ou de pessoas colectivas de direito privado no exercício de funções ou tarefas administrativas, da competência dos tribunais administrativos.</font><br> <br> <font>Parece assim evidente que a discussão jurídica da causa passará pela determinação da existência, ou não, da invocada relação jurídico–-administrativa.</font><br> <br> <font>III – Conforme dispõe o art.º 209.º da Constituição da República Portuguesa, CRP, existem diversas ordens ou categorias de tribunais (Cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, </font><i><font>Constituição da República Anotada</font></i><font>, 3.ª ed., p. 805), uma das quais a dos tribunais judiciais, que são, nos termos do artigo 211.º da lei fundamental, os «comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais»</font><font>.</font><br> <br> <font>A competência residual dos tribunais judiciais resulta também do art.º 18.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a Lei n.º 3/99, de 13.01, com a redacção dada pela Lei n.º 105/03, de 10.12, e do art.º 66.º do CPC, com a redacção dada pelo DL nº 329-A/95, de 12.12, ao referir que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.</font><br> <br> <font>Outra ordem ou categoria é a dos tribunais administrativos e fiscais, aos quais, de acordo com o preceituado no art.º 212.º, n.º 3, da Constituição, compete o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas, administrativas e fiscais.</font><br> <br> <font>A competência dessa jurisdição encontra-se ainda prevista e regulada nos art.os 3.º, 4.º e 44.º do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19.2) e artigos 18.º, 20.º e 21.º do CPTA (Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro).</font><br> <br> <font>Aos tribunais administrativos incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas, competindo-lhes, nomeadamente, conhecer das acções sobre responsabilidade civil dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos ou agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso, do mesmo passo que lhes é retirada competência para conhecimento de acções que tenham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público (arts. 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e 3.º, 4.º,n.º 1 e 44.º do ETAF).</font><br> <br> <font>A atribuição da competência em razão da matéria será daquele tribunal que estiver melhor vocacionado para apreciar a questão colocada pelo autor, projectando um critério de eficiência que só poderá ser aferido em função do pedido deduzido e da causa de pedir, donde, portanto, a necessidade de verificar se existe norma que atribua a competência a um tribunal especial e, não havendo, caberá ela, subsidiária e residualmente, aos designados “tribunais comuns”</font><font> (</font><font>Cf. Acs STJ de 27.05.03, Proc. n.º 03A1376 e de 11.12.03, Proc. n.º 03B3845, disponível em </font><i><u><font><a>http://www.dgsi.pt</a></font></u></i><font>). </font><br> <br> <font>A competência material está ligada à defesa de interesses de ordem pública, pelo que o seu conhecimento deve preceder qualquer outro, podendo ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente até ao trânsito em julgado da decisão sobre o fundo da causa, nos termos dos art.os 101.º, 102.º, n.º 1, 288º, nº 1, a), e 494º, a), do CPC.</font><br> <br> <font>A primeira instância fundou a sua decisão de incompetência no facto de considerar os tribunais administrativos como os competentes em razão da matéria para conhecer da acção, porquanto, nos termos do pedido, a responsabilidade que serve de causa de pedir emerge de um acto de gestão de pessoa colectiva de direito público, independentemente da sua qualificação como acto de gestão pública ou de gestão privada.</font><br> <br> <font>Entendeu, no entanto, – e bem, a nosso ver –, a Relação, que não se deu a atenção devida ao facto de terem sido formulados os pedidos formulados em a) e b) pelos AA., ou seja, que fosse a R. condenada a reconhecer que são eles os donos e legítimos proprietários do prédio em causa e a restituí-lo no estado em que o ocuparam, o que configura a acção como sendo de reivindicação, caracterizada pelo artº 1311.º do Código Civil, ainda que tenha sido deduzido cumulativamente pedido de indemnização pelo dano sofrido com o acto ilícito configurado na violação do respectivo direito de propriedade. </font><br> <br> <font>«O conhecimento daqueles dois primeiros pedidos inscrevem-se no âmbito dos direitos reais privados, os quais fixam barreiras externas aos comportamentos dos demais sujeitos, sendo ilícita qualquer actuação que atente contra aqueles, o que vale igualmente para a Administração Pública, cabendo a tutela desses direitos aos tribunais comuns, pelo que tanto seria suficiente para atribuir a competência para conhecer da presente acção ao Tribunal Judicial da Maia.»</font><br> <br> <font>Prosseguiu a Relação, perfilhando uma perspectiva que temos igualmente por correcta, sustentando que o entendimento anterior não resulta prejudicado pelo facto de se vir pedir, também, uma indemnização (o que, de resto, se apresenta como normal).</font><br> <br> <font>De facto, o actual Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/02, de 19.02 (que revogou o anterior, aprovado pela Lei nº 129/84, de 27.04, que no art.º 4.º, n.º 1, f), a excluía expressamente), veio agora a atribuir no seu art.º 4.º, g) e h), a competência aos tribunais de jurisdição administrativa para apreciação dos litígios, tendo por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos, uma das vertentes do preceituado pelos art.os 22.º e 268.º, n.º 4, da CRP</font><font> (</font><font>Sobre essa alteração quanto à competência material com a entrada dos novos ETAF e CPTA, cf. JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, </font><i><font>Noções Elementares de Direito Administrativo</font></i><font>, reimpressão, pp. 93 e 94.)</font><br> <br> <font>Desvalorizou-se a discussão sobre a natureza jurídica de “acto administrativo” da declaração de utilidade pública, cuja definição consta agora do art.º 120.º do Código de Procedimento Administrativo, e de igual modo, a diferenciação entre actos de gestão pública e actos de gestão privada.</font><br> <br> <font>Isto sem embargo de se referir que são «actos de gestão pública os praticados pelos órgãos ou agentes da administração, no exercício de um poder público, ou seja no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção ou, por outras palavras, praticados no exercício de uma função pública para fins de direito ou interesse público e regidos por norma de direito público que atribuem à pessoa colectiva pública poderes de autoridade para tais fins» e «actos de gestão privada os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração, em que esta aparece despida do poder público, numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam e, daí, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com inteira submissão às normas de direito privado» – Acs. do Tribunal de Conflitos de 5.11.81 e 15.12.92, in </font><i><font>BMJ</font></i><font> 311.º, p. 202 e 422.º, p. 75; VAZ SERRA, </font><i><font>RLJ</font></i><font> 110.º, p. 315.).</font><br> <br> <font>A acção tal como configurada pelos AA., tendo sempre presente o pedido e a causa de pedir, situa-se não no plano de uma relação de direito administrativo, mas no âmbito de um conflito de direito privado relativo ao direito de propriedade sobre um determinado prédio, porquanto o ilícito praticado pela R./agravada estará já para além ou fora do processo expropriativo, o qual, no entender daqueles primeiros, não teve a virtualidade de extinguir o seu direito de propriedade sobre a parcela em causa e de o constituir “ex-novo” a favor do Estado e fazer parte hoje do domínio público, conforme indica o art.º 4.º, e), do DL n.º 477/80 de 15.10, sendo ilícita e infundada a ocupação do prédio em causa.</font><br> <br> <font>É, assim, irrelevante o facto de ao terreno estar a ser dada uma utilização pública, porquanto o que se sustenta é que tal utilização é não titulada e abusiva.</font><br> <br> <font>Nestes termos, embora haja que conhecer e decidir um pedido de indemnização também formulado, emergente de responsabilidade civil extracontratual da R. por acto de gestão privada (Não cabendo a respectiva actuação no âmbito do art.º 28.º, n.º 1, dos Estatutos da NAV., E.P., anexo I ao DL n.º 404/98, de 18.12, nem no do artigo 15.º, n.º 3 deste diploma, porquanto não o faz nos termos das respectivas funções e na prossecução do respectivo objecto, a que alude o DL n.º 246/79, de 25.07 e o seu anexo), ou mesmo que fosse de admitir a qualificação como acto de gestão pública, cuja apreciação caberia agora aos tribunais administrativos, sempre seria competente para dele conhecer, na situação vertente, o Tribunal Judicial da Maia, nos termos do artº 96.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (Cf. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, </font><i><font>Código de Processo Civil Anotado</font></i><font>, Vol. 1.º, p. 169-173), por o ser também relativamente às outras questões suscitadas pela R. na sua contestação como meio de defesa, designadamente aquelas relativas à aquisição da propriedade por via originária, a usucapião, ou mesmo ainda por acessão, sem nos determos no mérito das mesmas que não importa aqui apreciar, mas atentando tão só na sua invocação. </font><br> <br> <font>Parece-nos que o elemento nuclear na posição assumida pela R./agravante e também na decisão da 1.ª instância, e que de algum modo as condicionou, foi a existência de um procedimento para expropriação do terreno que tem na sua génese um acto administrativo, definitivo e executório, proveniente do órgão do Estado que o impulsionou com a declaração de utilidade pública, não estando, porém, aqui em causa, como nunca esteve, a apreciação do conteúdo, validade, legalidade ou nulidade daquele acto, a qual caberia aos tribunais administrativos.</font><br> <br> <font>O que se discute é uma actuação carecida de fundamento por parte de um organismo público que não impulsionou nem consumou o processo expropriativo e, por isso, sem título, passou a deter e a ocupar um terreno pertencente aos AA.</font><br> <br> <font>Reconhece-se haver consenso entre as partes de que terá havido um processo de expropriação, por via do qual foi atribuída a posse da parcela de terreno ao Estado Português, que então o promoveu, destinado à ampliação da pista 18--36 do aeroporto do Porto.</font><br> <br> <font>Porém, no dizer dos AA./agravados, a expropriação nunca foi “consumada”, tendo vindo a caducar, por não ter o Estado promovido os seus termos.</font><br> <br> <font>Não é claro o que pretenderam os AA. significar com a afirmação da falta de consumação da expropriação, posto que nada é referido em concreto relativamente ao sucedido após a declaração de utilidade pública, sendo certo que se aplicava então a Lei n.º 2030, de 22.06.1948, revogada na sua quase totalidade pelo art.º 107.º, n.º 1, do DL. 71/76, de 27.01, e o restante pelo art.º 128.º, n.º 1, do DL. n.º 845/76, de 11.12, que passaram a regular sucessivamente os processos de expropriação, revogado o último pelo art.º 3.º do DL. n.º 438/91, de 09.11, e este ainda pelo art.º 3.º da Lei n.º 168/99, de 18.09, o Código das Expropriações actualmente em vigor. </font><br> <br> <font>A expropriação por utilidade pública, (era já assim no domínio da Lei n.º 2030, de 22.06.48) tem como efeito típico a privação e a transferência de propriedade, sendo a declaração de utilidade pública o acto constitutivo, extinguindo os direitos reais e pessoais inerentes ao bem, ficando os anteriores titulares tão só com um crédito relativo à indemnização devida (cf. JOSÉ OSVALDO DE SOUSA, </font><i><font>Das Expropriações Por Utilidade Pública</font></i><font>, Texto Editora, Lisboa, 1997, p. 18 e ss.). </font><br> <br> <font>Ora, apesar do carácter constitutivo da declaração de utilidade pública, estabelecia-se na Lei n.º 2030 [art.º 15.º, n.º 1, al. b)] que, no caso de expropriação urgente, como era o caso daquela relativa ao prédio dos AA./agravados, o expropriante entrava na posse e propriedade dos bens expropriados, logo que efectuado o depósito ou pagamento da importância fixada na arbitragem, o que pressupunha, naturalmente, uma posição assumida pelos interessados de aceitação do resultado da arbitragem ou de impugnação dela, através de recurso para o tribunal, tudo nos termos dos respectivos artigos 14.º e 15.º.</font><br> <br> <font>A Lei n.º 2030 não se referia à caducidade da declaração de utilidade pública.</font><br> <br> <font>Só com a alteração introduzida pelo DL. n.º 154/83, de 12.04 ao art.º 9.º do C. Exp., aprovado pelo DL. n.º 845/76, veio a prever-se no n.º 2, então acrescentado, que a declaração de utilidade pública caducaria, caso decorressem dois anos sobre a sua publicação, e a entidade expropriante não tivesse adquirido os bens por expropriação amigável ou não tivesse promovido a constituição da arbitragem, orientação que foi também prevista e alargada nos diplomas posteriores (art.os 4.º, n.º 6 e 10.º, n.º 3, do DL. n.º 438/91 e art.º 13.º, n.º 3, da Lei n.º 169/99), atribuindo a competência para o fazer ao tribunal que o fosse para conhecer do recurso da decisão arbitral.</font><br> <br> <font>A referência à evolução legislativa feita acima, tem a ver essencialmente com a invocação feita pelos agravados relativamente à caducidade, sendo certo que essa evolução visou defender os expropriados contra uma permanência temporalmente prolongada de compressão do direito atingido, obrigando a expropriante a agilizar o processo tendente à investidura da propriedade e pagamento da indemnização justa, atentos os termos em que o direito de propriedade e a indemnização no caso de expropriação colhe protecção constitucional.</font><br> <br> <font>De qualquer modo, cabe frisar que tem vindo a ser entendimento das instâncias judiciais administrativas que o direito de obter a caducidade da declaração de utilidade pública tem que ser exercido no período de 2 anos posterior ao início da vigência da primeira lei que veio consagrar o referido direito, ou seja, no caso concreto, a Lei n.º 154/83, o que faz convencer da ausência de eficácia da virtual caducidade da respectiva declaração de utilidade pública.</font><br> <br> <font>A Lei n.º 2030 que, como vimos, não falava de caducidade da declaração de utilidade pública, estabelecia, no entanto, no seu art.º 6.º, n.º 3, o prazo total de 12 anos para a expropriação, sendo que este prazo deverá ter-se por relacionado com o direito de reversão previsto no respectivo artigo 8.º</font><br> <br> <font>Cabe referir que o prazo atrás referido não se deve entender como referido à caducidade da declaração de utilidade pública mas à da própria expropriação, atingindo-a </font><i><font>ab initio</font></i><font> (v. JOSÉ OSVALDO GOMES, obra citada, p. 355).</font><br> <br> <font>Sublinhou-se no acórdão recorrido “que cabendo ao tribunal judicial em cuja área se situem os bens a competência para conhecer do processo expropriativo e das questões que nele se suscitam, nela incluindo a caducidade dos efeitos da declaração de utilidade pública, não faria qualquer sentido que viesse a ser atribuída competência aos tribunais administrativos” para conhecer dos prejuízos causados pela R. “por uma ocupação que viesse a ser julgada indevida e os efeitos que dela emergem relativamente à ocupação de um prédio, caducidade cujo conhecimento não implica, (…), a apreciação da validade do acto administrativo de declaração de utilidade pública pois que limita-se a constatar o decurso de um prazo” (cf. JOSÉ OSVALDO GOMES, ob. cit., pp 352-359). </font><br> <br> <font>Importa dizer, ainda, relativamente ao acórdão deste STJ de 05.03.2002, citado, que o mesmo não se mostra relevante como elemento jurisprudencial para a resolução da questão que aqui é colocada, uma vez que trata de uma acção em que apenas se discute a caducidade da declaração de utilidade pública e que se está no domínio da aplicação do Código de Expropriações de 1999 e do anterior ETAF.</font><br> <br> <font>Diga-se, também, que não está em causa qualquer direito de reversão que pressuporia uma de duas situações: ou a não aplicação do prédio expropriado à finalidade prevista na declaração de utilidade pública ou a cessação dessa aplicação. </font><br> <br> <font>No caso concreto, não se questiona que o terreno foi aplicado à finalidade prevista na declaração de utilidade pública e que continua afecto a esse fim. </font><br> <br> <font>V – Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão da Relação e condenando a Recorrente nas custas.</font><br> <div><font>Lisboa, 27 de Maio de 2008</font><br> <br> <font>Paulo Sá (relator)</font><br> <font>Mário Cruz</font><br> <font>Garcia Calejo</font></div></font>
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DTK-u4YBgYBz1XKvaTso
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - AA deduziu, por apenso à acção executiva que BB move contra CC, embargos de terceiro pedindo o reconhecimento da titularidade do direito de locatário objecto da penhora e a suspensão dos termos da execução.</font><br> <font>Alegou, em síntese, que é o titular do direito de locação financeira objecto da penhora desde 16/06/2005, data em que foi celebrado o contrato de cessão da posição contratual de locação financeira do imóvel pelo qual adquiriu a posição de locatário, pagando desde então as rendas e habitando o prédio.</font><br> <br> <font>Recebidos os embargos, o Exequente contestou, sustentando que o contrato de cessão da posição contratual não lhe é oponível, dado que na data em que ocorreu o reconhecimento notarial das assinaturas apostas no contrato já a penhora se encontrava registada.</font><br> <br> <font>Na procedência dos embargos, foi ordenado o levantamento da penhora do direito do locatário, decisão que a Relação confirmou.</font><br> <br> <font>O Exequente interpôs este recurso, visando a manutenção da penhora, a coberto das seguintes conclusões:</font><br> <br> <font> </font><font>1ª - Nos autos da execução de que os embargos de terceiro constituem dependência foi penhorado o direito do executado à posição contratual de locatário emergente de um contrato de locação financeira que teve por objecto um imóvel; </font><br> <font>2a - Tal direito não é uma expectativa jurídica de aquisição do bem imóvel que constituiu o objecto do contrato de locação financeira;</font><br> <font>3ª Sendo, antes, uma relação obrigacional complexa que abrange obrigações e direitos, englobando-se nestes a expectativa jurídica de aquisição do bem imóvel que constituiu o objecto do contrato. </font><br> <font>4a - A penhora efectivada na execução incidiu sobre uma posição jurídico - contratual que engloba obrigações e direitos, previstos, respectivamente, nos n.ºs 1 e 2 do art. 10° do citado Dec.- -Lei n.° 149/95; </font><br> <font>5a - Nos autos da execução só teria ocorrido a penhora da expectativa jurídica de aquisição do imóvel que constituiu o objecto do contrato de locação financeira se fosse penhorado o direito de o locatário financeiro adquirir o bem locado, findo o contrato, pelo preço estipulado, direito esse previsto no art. 10°, n.° 2, alínea e), do Dec. Lei n.° 149/95, de 24 de Junho; </font><br> <font>6a - Não sendo o direito penhorado um " direito ou expectativa de aquisição de um bem determinado", a penhora teria de ser efectuada de harmonia com as disposições respeitantes à penhora de coisas móveis ou imóveis, como resulta do preceituado pelo art. 863°, do Cod. Proc. Civil; </font><br> <font>7a - A locação financeira e as suas transmissões estão sujeitas a registo - Código do Registo Predial, art. 2º, n.º </font><b><font>1, </font></b><font>alínea l) -, pelo que a penhora da posição contratual de locatário emergente do contrato de locação financeira está, também, sujeita a registo, como resulta da alínea n) do citado art. 2.º; </font><br> <font>8a - Da conjugação do disposto pelos art.s 838°, n.º 1</font><b><font>, </font></b><font>e 863°, do Cod. Proc. Civil, resulta que, se a penhora incidir sobre um direito sujeito a registo (como é o caso da penhora da posição contratual de locatário emergente de um contrato de locação financeira), o regime regra no que concerne ao modo de realização da penhora é o contido na subsecção de penhora de imóveis, pelo que a penhora se realiza com a sua inscrição no registo. </font><br> <font>9a - Assim, tem de considerar-se que a penhora do direito penhorado na execução de que os presentes autos constituem dependência ocorreu na data em que se efectuou o seu registo (em 02/08/05) e não na data (20/09/05) em que a locadora foi notificada de que o direito penhorado ficaria à ordem do agente de execução. </font><br> <font>10ª - Pelo que, tendo a penhora do direito ocorrido em 2 de Agosto de 2005 - data em que foi inscrita no registo -, a posterior cessão do mesmo direito pelo executado ao embargante e recorrido, que teve lugar em 10/08/05, consubstanciou um acto de disposição do direito penhorado, pelo que é inoponível à execução - Código Civil, art° 819°.</font><br> <font> 11ª – O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 2º-1-a) e n) do CRegPredial, 838º-1, 860º-A-1 e 863º, todos do CPC, e 819º do C. Civil </font><br> <br> <font> O Recorrido não apresentou contra-alegação.</font><br> <br> <font>2. - Vêm assentes os seguintes </font><b><font>factos</font></b><font>:</font><br> <br> <font>- Nos autos de execução foi penhorado o direito do executado como locatário, no âmbito de contrato de locação financeira, do prédio urbano, destinado a habitação, composto de casa de cave, rés-do-chão e andar, sito na Rua ......, ../.., descrito na CRP sob o n.º ......../Braga e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 537; </font><br> <font>- A penhora operou-se mediante a notificação à locadora concretizada em 20/09/2005 – data em que a locadora “Finibanco, S.A.” foi notificada de que o direito ficaria á ordem do agente de execução - e foi registada em 02/08/2005; </font><br> <font>- Ao Embargante foi cedida a posição contratual de locatário no âmbito do mesmo contrato de locação financeira, por documento escrito datado de 16/06/2005 e com o reconhecimento notarial das assinaturas do dia 10/08/2005.</font><br> <br> <font> 3. - A </font><b><font>questão</font></b><font> nuclear colocada no recurso consiste em saber em que momento teve lugar a penhora “do direito do executado, como locatário (do imóvel), no âmbito do contrato de locação financeira”, nomeadamente se a penhora desse direito se tem por efectuada como mero efeito da comunicação electrónica à Conservatória de Registo Predial, sendo aplicável o regime da penhora de bens imóveis, por remissão do art. 863º CPC, ou se a mesma apenas se opera com a notificação ao locador de que a posição contratual do executado fica à ordem do solicitador de execução, nos termos fixados no art. 856º, por remissão do art. 860º-A do mesmo Código.</font><br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - O contrato de locação financeira é um contrato duradouro cuja finalidade consiste em proporcionar a uma das partes, o locatário, um financiamento mediante a atribuição da posse e utilização para certo fim pelo locador que, por sua vez, o adquire para esse uso, tudo mediante o pagamento de uma renda, por certo período de tempo, com a faculdade de, no respectivo termo, o locatário poder adquirir, por compra, o bem por um preço convencionado, em princípio coincidente com o valor residual do bem não recuperado pelas rendas pagas (art. 1º do DL n.º 149/95, de 24/6).</font><br> <br> <font> Sendo “essencialmente, um negócio de crédito”, de “feição financeira” a locação financeira inclui elementos próprios do contrato de locação e do mútuo revelando ainda notas da compra e venda. </font><br> <font> Assim, o locador é o proprietário da coisa locada até ao fim do prazo contratual, mantendo reserva legal em seu benefício dessa propriedade em garantia do financiamento prestado durante a vigência da execução contratual (art. 9º do DL cit.).</font><br> <font> Em contrapartida, o locatário não adquire, por efeito do contrato qualquer direito de natureza real sobre o bem, apenas integrando na sua titularidade jurídica o direito de o usar e fruir, e, findo o contrato, o direito potestativo de o adquirir, pelo preço acordado (art. 10º do mesmo DL).</font><br> <br> <font> A lei prevê expressamente a transmissão entre vivos da posição do locatário (art. 11º).</font><br> <br> <font> 4. 2. - Perante uma tal realidade, designadamente no concernente ao conteúdo das posições jurídicas do locado e do locatário no contrato de locação financeira, e em especial, ao que aqui releva, a faculdade de o último poder comprar ao primeiro, decorrido o período convencionado, o bem de que este manteve a propriedade, a lei processual, reconhecendo-a, passou a prever e regular, com a Reforma de 95/96, consagrando a “possibilidade de penhorar direitos ou expectativas de aquisição de bens determinados por parte do executado” (Relatório do DL n.º 329-A/95).</font><br> <br> <font> Como, vincando a especificidade do objecto da penhora em causa, refere RUI PINTO (“</font><i><font>Penhora e Alienação de Outros Direitos …na Reforma da Acção Executiva</font></i><font>”, “THEMIS”, Revista da FDUNL, Ano IV--N.º 7-2003, pg. 150), «objecto desta penhora são, prima facie, </font><i><font>situações jurídicas activas que, afectando em termos reais um bem, permitem que o titular possa no futuro adquiri-lo para si</font></i><font>, já não o próprio direito de propriedade ou outro direito real de gozo, pois que este está na titularidade de terceiro, contraparte no contrato”. </font><br> <font> Objecto da penhora não é, pois, a coisa, ela mesma (a fracção autónoma, o veículo, etc.), mas o direito que sobre ela emerge da posição jurídica do executado, abrangendo “</font><i><font>toda</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>posição contratual do executado</font></i><font>, com o seu conteúdo real, i. e., o direito ou a expectativa de aquisição, e com todo o seu conteúdo obrigacional” (</font><i><font>cit. </font></i><font>151).</font><br> <font> A expectativa consiste, então, na posição que o locatário tem de vir a adquirir nos termos que o contrato lho faculta – no fim do contrato e pelo preço acordado.</font><br> <font> É essa posição que é alienada na venda executiva quando se mantenha até final da execução a penhora da expectativa de aquisição, deixando então o executado/locatário de ser parte no contrato, que nele é substituído pelo adquirente. Não assim se, entretanto, o bem foi adquirido pelo executado/locatário, pois que sobre ele passa a recair directamente a penhora.</font><br> <br> <font> 4. 3. - Reflectindo estes conteúdos jurídicos, </font><i><font>maxime,</font></i><font> de a expectativa de aquisição ter como objecto uma coisa que não é propriedade do executado, mas de terceiro, parte no contrato, como sucede no caso da locação financeira, o art. 860º-A CPC estabelece que à realização da penhora se proceda nos termos previstos para a penhora de créditos.</font><br> <font> Vale isto por dizer que, por expressa disposição do art. 856º, a penhora se faz por notificação à contraparte no contrato – o locador no contrato de </font><i><font>leasing</font></i><font> (devedor com a posição jurídica de obrigado a vender a coisa) -, a efectuar pelo agente de execução, de que a posição contratual do executado, que lhe permitirá adquirir o direito de propriedade, fica à sua ordem (do agente), aplicando-se ainda, devidamente adaptado, o regime dos arts. 858º e 859º quanto à existência e exigibilidade da obrigação.</font><br> <font> A penhora considera-se, pois, feita e fica completa no momento da notificação, podendo ser depois impugnada.</font><br> <br> <font> A notificação é feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, o que significa que a validade do acto de penhora depende da efectiva notificação na pessoa do devedor, sob pena de ocorrer falta de notificação, nulidade cognoscível oficiosamente e a todo o tempo – arts. 194º-a), 202º e 206º-1 CPC.</font><br> <br> <font> </font><i><font> </font></i><font> Uma vez realizada a penhora, mediante o cumprimento do formalismo previsto no art. 856º-1, a mesma será registável pois que, sendo-o a locação financeira e as suas transmissões, como previsto nos arts. 3º-3 do DL 149/95 e 2º-1-l) do CRegPredial, ao mesmo regime devem manter-se sujeitas as vicissitudes da situação jurídica de aquisição dos bens objecto do contrato.</font><br> <br> <font> Resta dizer que quando, como acima se aflorou, ocorra a aquisição do bem pelo executado antes da venda executiva, prevê a norma do n.º 3 do art. 860º-A , «evitando qualquer vazio por desaparecimento do objecto inicial da penhora», que, por “conversão automática” a mesma (penhora) passe a incidir sobre o próprio bem adquirido, mudando assim o objecto da penhora de “posição contratual para “direito real”, devendo, na circunstância, o agente de execução proceder à realização da penhora correspondente – de imóveis, nos termos do art. 838º e ss. ou de móveis, em conformidade com o previsto no art. 848º e ss..</font><br> <font> Quando tal não ocorra, insiste-se, a penhora mantém-se como penhora da posição contratual (direito de crédito) e inerente expectativa de aquisição, e é esse o direito que é levado á venda, sendo que se a posição jurídica do executado se extinguir, por qualquer causa de extinção do contrato, a penhora também se extingue por desaparecimento do objecto (Autor e Revista cit., A.V - N.º 9 – 2004, “</font><i><font>A Execução e Terceiros – Em Especial na Pemhora e na Venda</font></i><font>”, pg. 242).</font><br> <br> <br> <font> 4. 4. - Aqui chegados, bem pode concluir-se que a penhora da posição jurídica do locatário, no contrato de </font><i><font>leasing</font></i><font>, que integra a expectativa de aquisição do bem locado, se realiza na modalidade especial da penhora de direitos, com sujeição, ao regime estabelecido no art. 860º-A</font><i><font> </font></i><font>do CPC, que, quando à forma de efectivação e eventual litigiosidade relativa à existência e exigibilidade do direito, por expresso reenvio da norma do seu n.º1, manda que se apliquem as normas dos arts. 856º, 858º e 859º, que são os artigos antecedentes acerca da penhora de créditos adaptáveis.</font><br> <br> <font> Consequentemente, a norma de direito subsidiário contida no art. 863º não estende o seu campo de aplicação ao modo de realização dessa penhora, relegando-o para o regime da penhora de bens imóveis ou de bens móveis consoante os casos, ou seja do “objecto corpóreo de um direito real” pressupondo que o executado é o seu proprietário e possuidor.</font><br> <font> Continua-se no campo da penhora de direitos e/ou expectativas de aquisição, residualmente determinado por exclusão daqueles, de sorte que, também por exclusão, o art. 863º terá a sua área de aplicação, aliás nele próprio definido como “subsidiária”, no que não tiver regulamentação privativa e expressa no capítulo da penhora de direitos, o que, como se crê ter ficado demonstrado, não é, manifestamente, o caso da realização da penhora e fixação do conteúdo do direito penhorado (cfr., também sobre o âmbito de aplicação do art. 863º, LEBRE DE FREITAS, “</font><i><font>CPC, Anotado</font></i><font>”, vol. 3.º, 336 e 483). </font><i><font> </font></i><br> <font> Entendimento diferente conduziria, desde logo, à completa inutilidade e initeligibilidade de normas como a do n.º 3 do art. 860º-A, destinada justamente, como já aludido, a colmatar qualquer lacuna na passagem da posição jurídica à concretização da aquisição do bem. </font><br> <br> <font> Não é, por outro lado, a sujeição a registo que pode levar à aplicação do art. 838º-1 e 3 do CPC, mediante comunicação electrónica à CRP seguida da elaboração e afixação do auto de penhora.</font><br> <font> A penhora consubstancia-se no auto ou na notificação de que o direito fica à ordem do solicitador de execução. O registo não é mais que “condição de eficácia” da penhora efectuada, concedendo ao titular do direito inscrito a prioridade prevista na lei (arts. 819º C.Civ. e 6º CRegPredial), como pode inferir-se da doutrina acolhida pelo artigo 862º-A-6 (L. FREITAS, </font><i><font>ob. cit., </font></i><font>482).</font><br> <br> <br> <font> 4. 5. - Assim sendo, porque a penhora da posição jurídica do executado só se operou em 20 de Setembro de 2005, porquanto só nessa data se deu cumprimento às formalidades essenciais exigidas pela lei para a realização válida e eficaz dessa modalidade de penhora (arts. 860º-A e 856º-1 CPC), o registo anteriormente efectuado, enquanto lavrado com base em título insuficiente para prova legal do facto registado, é também inválido (art. 16º-1-b) CReg Predial).</font><br> <br> <br> <font> Improcedem, pois, as conclusões da alegação do Recorrente.</font><br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font> Pelo que ficou exposto, acorda-se em:</font><br> <font>- Negar provimento ao recurso;</font><br> <font>- Manter a decisão impugnada; e, </font><br> <font>- Condenar o Recorrente nas custas.</font><br> <br> <font>Lisboa, 13 Novembro de 2007 </font><br> <br> <font>Alves Velho (Relator)</font><br> <br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>No 3º Juízo da Comarca da Amadora, "Empresa-A" instaurou execução para pagamento de quantia certa, por apenso à acção, com processo ordinário, que moveu contra "Empresa-B", para obter o pagamento de 168.124,43 euros.</font><br> <br> <font>A instância foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento no facto de ter transitado em julgado sentença homologatória de deliberação da Assembleia de Credores que aprovou medida de reestruturação financeira, no processo de recuperação de empresa a que a executada foi sujeita.</font><br> <br> <font>A exequente agravou mas a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.</font><br> <br> <font>Agrava, de novo, para concluir:</font><br> <br> <font>- Além dos factos assentes pelo tribunal "a quo" há ainda a acrescentar que foi decretado e efectuado o arresto a favor da exequente aos bens móveis, créditos, títulos de crédito e contas bancárias da executada; que a exequente requereu a conversão desse arresto em penhora;</font><br> <br> <font>- O arresto é um direito real de garantia;</font><br> <br> <font>- A medida de recuperação aprovada pelo Tribunal de Comercio de Vila Nova de Gaia não afecta os direitos da exequente sobre a executada, uma vez que aquela votou contra a providência aprovada e dispõe de garantia real sobre os bens do devedor, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 70º e nº 1 do artigo 62º do CPEREF;</font><br> <br> <font>- O direito real de garantia da recorrente (i.e. o arresto) não carece de ser relacionado, corrigido, confirmado ou homologado por outro Tribunal que não o Tribunal a quo;</font><br> <br> <font>- A recorrente poderia ter prosseguido, como efectivamente o fez, com todos os meios processuais ao dispor tendo em vista a satisfação dos seus créditos nomeadamente com a presente execução;</font><br> <br> <font>- O Tribunal a quo não devia ter ordenado a extinção da instância.</font><br> <br> <font>Resulta assente a seguinte factualidade:</font><br> <br> <font>- No dia 14 de Fevereiro de 2002, deu entrada em Tribunal uma acção de recuperação de empresa em que foi requerida a ora executada "Empresa-B";</font><br> <br> <font>- No âmbito desse processo de recuperação a ora exequente "Empresa-A", votou contra a medida de reestruturação financeira proposta;</font><br> <br> <font>- Essa medida veio a ser aprovada por sentença de 24 de Fevereiro de 2003, transitada em julgada em 24 de Março de 2004, encontrando-se o respectivo processo arquivado;</font><br> <br> <font>- Consta do apenso nº 144-A/2002 que foi decretado e efectuado arresto a favor da recorrente de bens da executada, na acção nº 144/2002 que correu termos na Comarca da Amadora e que a recorrente intentou contra a "Empresa-B".</font><br> <br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Conhecendo, </font><br> <br> <font>1- Arresto. Garantia Real.</font><br> <font>2- Conclusões.</font><br> <br> <font>1- Arresto. Garantia Real.</font><br> <br> <font>1.1- A única questão suscitada é o decidir se o arresto é, ou não, uma garantia real.</font><br> <font>Importa referir "ab initio" que se trata de uma medida cautelar (antes considerados "actos preventivos ou preparatórios para alguma causa - cf. os artigos 363 ss do Código de Processo Civil de 1876) e, das quais, na dogmática jurídica, só houve laboração doutrinal após o Código de 1939 (v.g. "A figura do processo cautelar" do Prof. Alberto dos Reis - BMJ 3.27 e "Natureza Jurídica dos Processos Preventivos e Conservatórios e seu sistema no Código de Processo Civil" - R.O.A., 1945, nºs 3 e 4, 14 ss) conducente à reforma de 1961, quando esses meios passaram a designar-se de procedimentos cautelares.</font><br> <font>No essencial, são destinados "a garantir quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira, e que é tão iminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo ou a efectivação do interesse juridicamente relevante através de um processo executivo se for caso de instaurá-lo." (Prof. A. Palma Carlos, apud "Procedimentos Cautelares Antecipadores", in "O Direito", 105ª, 236).</font><br> <font>Trata-se, assim, de uma decisão interina destinada a aguardar a definitivo do processo principal, logrando evitar que da indecisão derivem danos irreparáveis para uma das partes.</font><br> <font>E sempre assim é em todos os procedimentos cautelares.</font><br> <font>São requisitos próprios do arresto a probabilidade da existência do direito de crédito pedido na acção (intentada ou a propor) e o receio que o requerido lese, por forma grave e de difícil reparação, esse direito, dissipando a garantia patrimonial.</font><br> <br> <font>Consiste numa apreensão judicial de bens, bastando "que o credor tenha fundado motivo para recear que a garantia patrimonial se perca, nomeadamente por temer uma próxima insolvência do devedor, ou uma sonegação ou ocultação de bens que impossibilite ou dificulte a realização coactiva do direito." (Prof. Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 311).</font><br> <br> <font>1.2- O arresto é convertido em penhora, nos termos do artigo 846º do Código de Processo Civil, retroagindo os efeitos desta à data do registo do arresto (artigos 622º e 822º nº2 do Código Civil).</font><br> <font>Por sua vez o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (nº1 do artigo 822º do Código Civil).</font><br> <font>A conversão é potestativa e é determinada por despacho judicial.</font><br> <font>No caso em apreço não resulta dos autos a conversão sendo que a recorrente apenas alega tê-la requerido.</font><br> <font>Tudo se passa, então, como existindo tão somente o arresto.</font><br> <br> <font>1.3- Refere-se, desde já, ser aplicável o Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência (aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93 de 23 de Abril) e alterações ulteriores, considerando o disposto no artigo 12º do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março quanto ao regime transitório.</font><br> <font>O nº1 do artigo 70º daquele diploma impõe a concordata homologada a "todos os credores que não disponham de garantia real sobre bens do devedor ou a ela tenham renunciado". Corresponde ao anterior artigo 22 do Decreto-Lei nº177/86, de 2 de Julho que, por sua vez, equivalia ao revogado nº1 do artigo 1160º do Código de Processo Civil (este usando, embora, a expressão "credores não preferentes" que corresponde a credores com garantia real - cf. Acórdãos do STJ de 8/7/02 - Pº 612/02 e de 31/1/06 - Pº 3709/05-6ª).</font><br> <br> <font>1.4- O arresto não convertido em penhora é, por alguma doutrina, considerado um direito real de garantia (cf. Prof. Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações" Vol II -reimpressão-, 1987,495, Prof. Lebre de Freitas, "Acção Executiva", 121 e Código de Processo Civil Anotado, II,132, Prof. Anselmo de Castro,A Acção executiva singular, comum e especial, 1977,178, Cons. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2005,297 e Cons. Salvador da Costa, O Concurso de Credores).</font><br> <br> <font>Também o Prof. Paulo Cunha (apud "Da garantia nas obrigações" II, 157/158): "o arresto apesar de, em si, ser acto diferente, vem a produzir os efeitos da penhora, pela conversão nela; logo, se a penhora tem uma preferência especial, o arresto também a tem, pelo que o arresto é também uma garantia especial."</font><br> <font>E o Dr. Miguel Lucas Pires (in "Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua influencia no concurso de credores", 143): "o arresto, uma vez convertido em penhora, confere ao respectivo requerente um direito de preferência em tudo análogo ao da penhora - com a vantagem dos efeitos retroagirem à data do arresto - devendo ser qualificado, tal como esta, como uma causa legal de preferência. Não se procedendo a esta conversão, designadamente porque o credor deixou caducar o arresto (cf. artigos 389º e 410º do CPC), nenhuma preferência conseguira obter por força do decretamento deste procedimento cautelar."</font><br> <font>Pensa-se que a questão deve ter uma abordagem cuidada.</font><br> <font>Assim, </font><br> <br> <font>1.5- O nº2 do artigo 604º do Código Civil contém uma enumeração, não taxativa ("... além de outros admitidos na lei...") dos privilégios.</font><br> <font>Enquanto as que surgem seriadas resultam de um negócio jurídico, a arresto tem a sua origem num processo judicial.</font><br> <font>Alguns autores apodam, talvez por isso, de garantias processuais o arresto e a penhora, embora o Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit. 498, nota 3) alerte para o facto de não obstante constarem da lei processual "a sua existência, a nível substancial, é indubitável."</font><br> <font>No tocante ao arresto, trata-se de medida provisória, obtida com base em mera aparência de direito - "fumus bonni juris" - após um julgamento perfunctório - "summaria cognitio" e uma garantia de contraditório, as mais das vezes (apenas contraditório diferido).</font><br> <font>Daí, e não só por isso (já que, mesmo quando convertido em penhora, não é atendido para efeitos de falência do executado - artigos 200º nº3 do CPEREF, que aqui aplicamos, e 140º nº3 do vigente Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) nunca poder ser tomado como garantia plena.</font><br> <font>Aliás, a hipoteca judicial - que tem a similitude de também brotar de uma decisão do tribunal (artigo 710º nº1 do Código Civil) não confere ao credor plena excepção ao principio "par conditio creditorum", dando-lhe menos vantagens do que, v.g., as hipotecas legais ou voluntárias. (cf. também os citados artigos 200º nº3 do CPEREF e 140º nº3 do CIRE).</font><br> <font>Assim, pode afirmar-se que o arresto não convertido em penhora - e não se analisa com detalhe se a penhora confere ou não garantia real, por não relevar nestes autos - não confere garantia real ao credor que dele beneficia. (cfr neste sentido, Prof. Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais 1993, 202 a 204 e o Prof. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 333). </font><br> <br> <font>2- Conclusões.</font><br> <br> <font>Pode concluir-se que:</font><br> <br> <font>a) O arresto é uma medida cautelar, decisão interina destinada a aguardar a definitiva no processo principal, logrando evitar que, a indecisão lese, por forma grave e de difícil reparação, o interesse do credor, por dissipação da sua garantia patrimonial.</font><br> <font>b) A conversão do arresto em penhora é potestativa e determinada por despacho judicial.</font><br> <font>c) A expressão "credor preferente" corresponde à de "credor com garantia real".</font><br> <font>d) O arresto não convertido em penhora não confere garantia real ao credor que dele beneficia, nos termos e para os efeitos do artigo 70º nº1 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aplicável "ex vi" do nº 1 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março.</font><br> <br> <font>Acordam, em consequência, negar provimento ao agravo.</font><br> <br> <font>Custas pela agravante.</font><br> <br> <font>Lisboa, 8 de Junho de 2006</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1. A requereu a revisão e confirmação da sentença proferida, em 24 de<br> Novembro 1989, pelo Tribunal de Grande Instância de<br> Epinal, Departamento dos Vosges, em França, que decretou o divórcio entre ele e sua mulher B, com quem havia casado em 2 de Outubro de 1971.<br> Citada a requerida, não veio deduzir qualquer oposição.<br> O requerente e o Exmo. Procurador-Geral Distrital produziram alegações sustentando nada obstar à solicitada revisão.<br> Porém, a Relação do Porto, através do acórdão de folhas 28 e seguintes, negou a confirmação da decisão revidenda, por, sendo a revisão de mérito, ofender as disposições do direito privado português que exige que a separação de facto, como fundamento do divórcio, dure por seis anos consecutivos, nos termos da alínea a) do artigo 1781 do Código Civil (CC), prazo esse não decorrido na causa apreciada no tribunal francês, dado a separação se ter iniciado apenas em Setembro de 1986.<br> É deste acórdão que vem a presente revista pedida pelo requerente, que, nas conclusões da sua alegação, diz em síntese:<br> I- Resulta da sentença do tribunal francês, diversamente do fixado em matéria de facto pelo tribunal recorrido, que o divórcio foi decretado, não com base em separação de facto, mas antes no abandono do domicílio conjugal pela recorrida em Setembro de 1986, o que foi considerado uma violação grave dos deveres conjugais a tornar intolerável a vida em comum.<br> II- Tendo em conta o disposto no n. 2 do artigo 722 do Código de Processo Civil (CPC) e a circunstância de o documento onde se consubstancia a decisão revidenda ser um documento autêntico, deve ser alterada a matéria de facto apurada pelo tribunal recorrido, em conformidade com o referido na conclusão anterior.<br> III- Houve violação por parte do mesmo tribunal do disposto nos artigos 347, 1779, 1672, 1674 e 1675 do Código Civil e da alínea g) do artigo 1096 do Código de Processo Civil.<br> A recorrida não alegou.<br> O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal pronuncia-se pela concessão da revista.<br> Cumpre apreciar e decidir.<br> 2. A Relação deu como provada a seguinte matéria de facto: a) O requerente A e a requerida B contraíram entre si casamento civil, em 2 de Outubro de 1971, na Conservatória do Registo Civil de Chalon s/<br> Saone; b) O requerente é natural de Lanhelas, Caminha, e a requerida de Ervedosa do Douro, São João da Pesqueira, ambos de nacionalidade portuguesa; c) Quando ambos os cônjuges residiam em França, o agora requerente pediu ao Tribunal de Grande Instância de<br> Epinal (Vosges) o divórcio contra a aqui requerida; d) A mesma requerida foi, no processo francês, citada na sua residência, mas não constituiu advogado; e) Por sentença de 24 de Novembro de 1989 desse<br> Tribunal de Grande Instância, foi decretado o divórcio entre os ora requerente e requerida por culpa desta; f) Fundamentou-se tal sentença no facto de o cônjuge mulher ter deixado o domicílio conjugal desde Setembro de 1986.<br> 3. Face ao disposto no n. 2 do artigo 729 do Código de<br> Processo Civil, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, por ser um tribunal de revista, alterar a decisão da matéria de facto fixada pela Relação, a menos que se verifique o caso excepcional previsto no n. 2 do artigo 722 do mesmo Código.<br> "In casu", por a sentença revidenda ser um documento autêntico passado em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, faz prova como o faria o documento que contivesse uma sentença proveniente de um tribunal português. O que vale por dizer que faz prova plena dos factos que se referem como praticados pela autoridade judiciária francesa, tudo em conformidade com o estatuído nos artigos 365, 369 e 371 do Código Civil.<br> Sendo assim, pode este Supremo Tribunal alterar a matéria de facto fixada pela Relação, na fracção em que seja discordante daquela sentença francesa.<br> E é o que se verifica na hipótese em apreciação, por o tribunal recorrido somente ter extraído parte dos motivos da sentença revidenda, descurando toda a restante realidade nela documentada.<br> Ora, vê-se desta sentença, que foi baseado na culpa da requerida (artigo 242 e seguintes do mesmo Código Civil francês), e não na ruptura da vida em comum (artigos 237 e seguintes do mesmo Código), que o requerente formulou contra ela um pedido de divórcio, apoiado em vários factos que articulou. Realizado o julgamento, apenas se deu como relevantemente provado que a demandada deixou o domicílio conjugal a partir de<br> Setembro de 1986 e "que esta ausência depois de mais de dois anos constitui uma violação grave e redobrada dos deveres e obrigações do casamento, que torna intolerável o aspecto da vida comum e justifica a decisão do divórcio às culpas da esposa". Apesar de não invocado na sentença revidenda, foi o artigo 242 do Código Civil francês que lhe serviu de suporte. Diz ele: "o divórcio pode ser pedido por um dos cônjuges com base em factos imputáveis ao outro, sempre que estes factos constituam uma violação grave ou reiterada dos deveres e obrigações conjugais e tornem intolerável a manutenção da vida em comum".<br> É a esta realidade fáctica que temos de aplicar o direito, e não à apurada pelo acórdão recorrido, que acabou por estabelecer confusão entre o divórcio litigioso fundado em violação culposa dos deveres conjugais, a que alude o artigo 1779 do Código Civil, e o fundado na ruptura da vida em comum, contemplado no artigo 1781, onde se inclui a separação de facto por seis anos consecutivos (para uma distinção entre as duas variantes do divórcio litigioso, ver Pereira Coelho, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 112, página 346 e Antunes Varela, "Direito da Família", 2 edição, páginas 468 e seguintes).<br> 4. Perante o quadro fáctico ora formulado, vejamos então se é de confirmar a sentença revidenda, adiantando desde já, e por não questionados, que são de considerar verificados os requisitos das alíneas a) a f) do artigo 1096 do Código de Processo Civil.<br> Como é sabido, no que concerne à revisão de sentenças estrangeiras, o nosso direito consagra o sistema de delibação.<br> Apenas, quando a sentença tenha sido proferida contra português e pelo direito privado português devesse ser resolvida a questão segundo as regras de conflito do direito português, a alínea g) do citado artigo 1096 não se contenta com uma simples revisão formal e impõe a revisão de mérito.<br> Na base desta alínea, segundo Alberto dos Reis ("Processos Especiais", volume II, página 188) encontra-se este pensamento fundamental: "para que a sentença seja confirmada é necessário que o súbdito português, vencido, tenha sido tratado pelo tribunal estrangeiro como seria tratado pelo tribunal português se a acção corresse em Portugal". Ou, nas palavras de Ferrer Correia "Lições de Direito Privado Internacional<br> - Aditamentos", 1975, página 111), "a intenção da lei é livrar aquele cidadão português, a quem o tribunal estrangeiro aplicou indevidamente uma lei diferente da nacional e que presumivelmente por via disso viu julgada contra si a acção, é isentar esse indivíduo da necessidade de suportar em face da ordem jurídica portuguesa as consequências dessa decisão judicial".<br> Sendo a requerida, contra quem foi proferida a decisão, de nacionalidade portuguesa e devendo a questão do divórcio ser resolvida pelo direito privado português, por força da regra de conflitos contida nos artigos 52, n. 1 e 55, n. 1 do Código Civil, a sentença revidenda está sujeita à revisão de mérito.<br> Como atrás vimos, o tribunal francês decretou o divórcio por a requerida ter abandonado, em Setembro de 1986, o domicílio conjugal, acrescentando que a ausência por período superior a dois anos constitui uma violação grave e reiterada dos deveres conjugais, a tornar intolerável a vida em comum. E, como também vimos, esta decisão baseou-se no artigo 242 do Código Civil francês, que se transcreveu. Ora este artigo foi a fonte inspiradora do n. 1 do artigo 1779 do nosso<br> Código Civil, na redacção do Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro. Destarte, o tribunal francês não chegaria a solução diversa daquela a que chegou se tivesse aplicado este preceito da nossa legislação.<br> Não houve assim, diversamente do que se entendeu no acórdão recorrido, ofensa das disposições do direito privado português.<br> Daí preencher a sentença cuja revisão se pretende o requisito da alínea g) do artigo 1096 do Código de Processo Civil.<br> 5. Nestes termos, concedendo-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e confirma-se a sentença revidenda.<br> Custas, tanto na Relação como neste Supremo Tribunal, pela recorrida.<br> Lisboa, 17 de Novembro de 1992<br> Amâncio Ferreira,<br> Mora do Vale,<br> Santos Monteiro,<br> Miguel Montenegro,<br> Brochado Brandão. (vencido, confirmaria o acórdão da<br> Relação. Assim: não obstante a Convenção de Haia, aprovada internamente em resolução da Assembleia da República n. 23/84 - restringindo consideravelmente a revisão de mérito - mantém-se em vigor o princípio da adequação do Direito Nacional nos divórcios (cfr. artigo 1096, alínea g)). Aí há a ter em conta o direito de o cidadão português ser julgado como o seria no seu país.<br> Ora, entre os princípios informadores no motivo há a considerar o ilícito da violação de deveres conjugais e o respectivo ónus da prova. No caso, trata-se de abandono (ilícito), desde logo a não confundir com mera saída do lar conjugal. E, na hipótese, há uma separação de facto de 2 anos e a mulher deixa esse lar desde Setembro de 1988. Mas isso só é abandono se, além da saída, houver intencionalidade injustificada e com o intuito de romper a vida comum. Sendo que o ónus dessa prova é do outro cônjuge, no caso o marido (há aqui assento pendente sobre este ponto). E ela não se fez.<br> Daí não haver divórcio a conceder segundo opinião nacional, não podendo confirmar-se a sentença estrangeira, sem o acórdão da Relação).<br> Decisões impugnadas:<br> (Revisão de sentença estrangeira)<br> I - Sentença de 24 de Novembro de 1989 do Tribunal de<br> Grande Instância de Epinal (França);<br> II- Acórdão de 23 de Maio de 1991 da Relação do Porto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em Tribunal Pleno, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> A e mulher B intentaram acção com processo ordinário contra C e mulher D e E e mulher F pedindo lhes fosse reconhecido o direito de haver para si, já que eram locatários comerciais, o prédio urbano, sito no Entrocamento, que o C e mulher, sem lhes fazer qualquer comunicação nem lhes dar preferência, haviam vendido ao E.<br> Os réus contestaram por impugnação e o E e mulher alegaram ainda ser locatários habitacionais do imóvel vendido.<br> A acção foi julgada procedente na primeira instância, mas a Relação revogou a sentença e julgou a acção improcedente.<br> Recorreram os autores para este Supremo Tribunal, invocando, essencialmente, que os réus E e mulher não eram, na realidade, locatários habitacionais e, por isso e por desconhecimento, os Autores não podiam lançar mão do meio processual previsto no artigo 1465 do Código de Processo Civil.<br> A matéria de facto tida em conta para a decisão foi, em resumo, a seguinte: por escritura pública de 16 de Julho de 1978 os réus C e mulher declararam vender e o E declarou comprar o prédio urbano acima mencionado:<br> Os autores são arrendatários comerciais de três divisões no rés-do-chão desse prédio, duas arrendadas em 1960 e a outra em 1969; há mais arrendatários de outras divisões do prédio mas declararam renunciar ao direito de preferência na venda em causa; o E e mulher são arrendatários de parte do prédio urbano contíguo ao que compraram e onde instalaram uma taberna; o E, em 1 de Maio de 1978, tomou de arrendamento, para habitação, duas divisões do prédio que veio a comprar em 16 de Julho de 1978;<br> Os réus C e mulher não provaram ter oferecido previamente a preferência aos autores; a acção foi proposta em 6 de Novembro de 1978.<br> Por acórdão de 8 de Novembro de 1978, junto por fofocópia, a folhas 6 e seguintes, este Tribunal revogou o decidido pela Relação, que havia entendido que os autores deviam ter desencadeado previamente o processo especial previsto no já referido artigo 1465, e determinou ficasse a subsistir a decisão da primeira instância.<br> Para o efeito foi considerado nesse acórdão: que os autores e o E e mulher eram titulares de direitos de preferência de diferente natureza mas colocados no mesmo plano; mas o direito de preferência dos segundos havia-se extinguido com o contrato de compra e venda do prédio, pelo que, nesse domínio, já não podiam competir com os autores; pelo que a relação jurídica realmente controvertida se estabelecera entre os autores e todos os réus - aqueles, titulares de um direito de preferência legal; destes, os vendedores não haviam cumprido a obrigação a que estavam adstritos nos termos das disposições combinadas dos artigos 416 n. 1 e 1117 n. 2 do Código Civil; e os compradores, titulares de outro direito de preferência no mesmo plano do dos autores, impediram a concorrência destes nos termos legais, por não terem permitido que entre si se abrisse licitação para se determinar a quem, concretamente, competiria o exercício do direito de preferência; ainda o uso do meio processual previsto no citado artigo 1465 era ilegal e injustificado - injustificado, uma vez que a alienação tinha sido efectuada a favor de um dos titulares do direito de preferência; e ilegal porque, citando o Prof. Antunes Varela, na R.L.J., ano 116, pág. 288, nada impõe que a notificação de um dos preferentes aos outros, para se saber a qual deles cabe a prioridade, seja obrigatória.<br> Deste acórdão, que se não encontrou publicado no Boletim do Ministério da Justiça, interpuseram os réus E e mulher recurso para o Tribunal Pleno, vindo a invocar, como acórdão-fundamento, o proferido por este Supremo Tribunal em 19 de Junho de 1986, no Boletim 358, pág. 514.<br> Este último acórdão decidiu sobre o pedido da autora, locatária habitacional de um prédio urbano, vendido pelo seu proprietário ao réu, também locatário habitacional do prédio, pretendendo que lhe fosse reconhecido o direito de preferência na compra. A acção improcedera nas instâncias, tendo a decisão sido confirmada por este Supremo Tribunal pelos motivos que, resumidamente se indicam: autora e réu tinham potencialmente direito de preferência, em pé de igualdade, que só desapareceria com licitação aberta entre ambos; o artigo 2 n. 1 da Lei 63/77, de 25 de Agosto, aplica-se ao caso em que a venda é feita a um dos potenciais preferentes em postergação dos outros;<br> Não tendo o vendedor recorrido ao dispositivo do n. 1 do artigo 1460 do Código de Processo Civil, qualquer dos preferentes poderá e deverá usar do meio previsto no artigo 1465 do mesmo Código, no sentido de promover a licitação que incluirá o próprio comprador;<br> Como a autora não fez uso de tal meio processual, o direito de preferência não foi nela encabeçado, pelo que não pode arrogar-se melhor direito que o do réu comprador.<br> A secção, por unanimidade, decidiu verificar oposição entre os dois acórdãos.<br> Os recorrentes, pugnando pela revogação do acórdão recorrido, concluiram as alegações dizendo: o direito de preferência só se extingue pelos seu uso ou por caducidade;<br> Posta em causa por um titular de direito de preferência a compra efectuada por outro titular de direito idêntico e igualmente graduado, não pode este considerar-se extinto, visto subsistir a situação de facto que motivou a atribuição legal da preferência; havendo pluralidade de preferentes, e estando a venda efectuada a um deles, o preterido na venda, titular de idêntico direito e com a mesma graduação, tem que previamente promover o encabeçamento do direito de preferência, em obediência ao estipulado no já referido artigo 1465, sob pena de improcedência da acção de preferência intentada.<br> Por sua vez os recorridos alegaram no sentido da manutenção do que decidira o acórdão recorrido.<br> O Exmo. Magistrado do Ministério Público foi de parecer que deveria lavrar-se assento, propondo a seguinte formulação:<br> Vendido um prédio a um dos dois arrendatários com igual direito de preferência, o preterido não necessita, para propor a acção de preferência, de promover o encabeçamento prévio (artigo 1465 do Código de Processo Civil); mas está sujeito a que o adquirente, enquanto não caducar o seu direito, accione os termos judiciais para a disputa da preferência entre ambos.<br> Na pendência do processo neste Tribunal faleceu o réu E, tendo sido habilitados como seus sucessores a viúva F e o filho G.<br> Decidindo.<br> Salienta-se, para efeito do diposto no n. 3 do artigo 766 do Código de Processo Civil, que é patente a oposição entre os acórdãos, o que resulta do resumo que deles se fez e que ninguém pôs em causa.<br> E assim haverá que ver, em primeiro lugar, se o direito de preferência de que o falecido E era titular como arrendatário habitacional do prédio se extinguiu com a compra que deste fez.<br> Como se disse, a acção foi posta pelos autores, locatários comerciais de parte do prédio vendido contra o réu comprador do prédio e que se provou ser dele locatário habitacional e sua mulher e contra os vendedores do mesmo prédio.<br> Havia mais arrendatários de outras divisões do prédio, mas declararam renunciar ao direito de preferência.<br> Os autores pretendem, reconhecido o seu direito de perferência, haver para si o prédio vendido ao réu E.<br> Deriva o direito dos autores do disposto no n. 1 do artigo 1117 do Código Civil então em vigor.<br> Por seu turno ao réu E também cabia direito de preferência nos termos do artigo 1 n. 1 da já mencionada Lei 63/77.<br> Verifica-se, assim, coexistência, no que aqui importa, de um locatário comercial e de um locatário habitacional, ambos com direito de preferência, no caso colocados no mesmo plano, pelo que, no exercício desse direito, deveria abrir-se entre eles licitação, conforme o estabelecido no artigo 2 n. 1 da dita Lei 63/77.<br> Consigna-se que tanto o artigo 1117 como a Lei 63/77 citados foram expressamente revogados pelo artigo 3 n. 1 alínea a) e d) do Decreto 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano, correspondendo-lhes o artigo 47 deste Regime, que mantém o direito de preferência dos arrendatários e, sendo dois ou mais os preferentes, se abra entre eles licitação.<br> Sucedeu que os donos do prédio, em vez de cumprirem o disposto no artigo 416 n. 1 do Código Civil, venderam-no ao locatário habitacional.<br> Para o acórdão recorrido, este locatário, por ter comprado o prédio, viu extinto o seu direito de preferência. E tal extinção, que se diz ser, ou pelo menos parecer, óbvia, vem justificada porque o facto ilícito cometido pelos vendedores, ao não terem cumprido a obrigação a que estavam adstritos face ao disposto no citado artigo 416 n. 1, foi comparticipado pelos compradores, impedindo a concorrência dos autores nos termos legais.<br> Não se crê ser essa a solução legal pelas razões que se indicam: tanto os autores como o réu E, respectivamente locatários comerciais e habitacional, detinham direitos de preferência distintos, concorrentes em pé de igualdade, na compra do prédio; na falta de acordo, o direito de preferência tinha de ser exercido só pelos autores ou só pelo réu E - artigo 2 n. 1 e 2 da Lei 63/77; cumpria aos réus vendedores ter procedido à comunicação aos preferentes, de harmonia com o disposto no artigo 416 n. 1 do Código Civil - expressamente aplicável face ao estipulado no artigo 3 da citada Lei - e não escolher, entre eles, o réu E para comprador, pois a escolha é feita através de licitação - mencionado artigo 2 da Lei 63/77; como se salienta no parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público, a comparticipação do réu E na ilicitude da transacção surge traduzida no simples facto da aquisição, uma vez que não estão arrolados factos materiais que permitam conluir por actividade dolosa da sua parte;</font><br> <font>Os autores não ficaram proibidos de concorrer à aquisição do prédio, tanto que intentaram a presente acção;<br> O réu E, apesar de ter comprado o prédio, não pode considerar-se seu verdadeiro proprietário enquanto não tiver decorrido o prazo para o exercício do direito de preferência ou enquanto este não for definido judicialmente;<br> E é de ter em conta que, para a hipótese de vir a considerar-se afastado pelos autores, retrotraindo-se os efeitos à data da celebração do contrato - artigo 276 do Código Civil - o dito réu continuaria arrendatário habitacional de parte do prédio, o que lhe conferia o direito legal de preferência, que se não vê, assim, como pode ser considerado extinto - melhor dizendo, como pode o dito réu ter perdido o seu direito em relação à compra e venda em causa - Prof. Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, pág. 523.<br> No sentido apontado, corroborando o decidido pelo acórdão-fundamento, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 16 de Janeiro de 1968 e de 31 de Janeiro de 1989, respectivamente no Boletim 173, pág. 271 e 383, pág. 555, designadamente a pág. 557, e de 22 de Junho de 1993, na Col. (Acs. S.T.J.), ano I, tomo II, pág. 161, e da Relação do Porto de 16 de Fevereiro de 1982, na Col., ano VII, tomo I, pág. 296.<br> Também o teor do assento proposto pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público se afirma no pressuposto de o réu comprador não ter perdido, por esse facto, o seu direito de preferência.<br> Haverá agora que apreciar se os autores tinham que fazer uso do meio processual previsto no artigo 1465 do Código de Processo Civil, como sustenta o acórdão-fundamento, ou se tal uso não é obrigatório, como defende o acórdão recorrido.<br> O citado artigo 1465 dispõe sobre o exercício da preferência quando a alienação já tenha sido efectuada e o direito caiba a várias pessoas.<br> Tratando-se, como no caso, de direitos legais de preferência, a lei regula o modo de determinação do preferente, quando houver vários titulares.<br> E assim, pela conjugação dos ns. 1 e 2 da Lei 63/77, atendendo ao caso em apreciação, existindo num prédio urbano um locatário habitacional e um de diferente natureza, também com direito de preferência, abrir-se-á entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.<br> Na presente acção os autores pedem que lhes seja reconhecido o direito de haver para si o prédio em causa em substituição do comprador. Mas não tendo sido, em licitação, encabeçados na preferência, não se vê como lhes possa ser reconhecido tal direito, que se encontra no mesmo plano com o que assiste ao réu comprador.<br> É certo que se tem defendido que o recurso ao meio processual previsto no indicado artigo 1465 não é obrigatório.<br> Mas não em casos em que o autor da acção de preferência pretende desalojar o comprador, que possui, também, direito de preferência em pé de igualdade com o daquele.<br> Pensa-se ser essa a doutrina sustentada pelo Prof. Antunes Varela.<br> Com efeito, em anotação ao acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Outubro de 1981, Bol. 310, pág. 248 e na R.L.J. ano 116, pág. 279, que defende que o processo do dito artigo 1465 é o único meio de afastar os preferentes mais graduados ou melhor colocados, sustenta que o uso de tal processo não é obrigatório "desde que não esteja fixada a obrigatoriedade dessa escaramuça prévia dos preferentes", sendo que é esta parte final que se aplica aos presentes autos.<br> É que o ilustre Professor, anotando , na mesma Revista, ano 115, pág. 282, o acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Fevereiro de 1980, também publicado no Bol.294, pág. 288, faz, designadamente a pág. 284, a história daquele artigo 1465. Considera que ali se trata de direitos concorrentes ou competitivos que, em regra, obrigam à licitação entre os respectivos titulares.<br> Mas não existe um dever ou ónus jurídico que a lei imponha sob a cominação de ilegitimidade. Acrescenta, porém, que se o preterido (a quem se não deu conhecimento) possui um direito equivalente, para determinar o preferente deverá lançar mão do processo especial de notificação para preferência regulado no dito artigo 1465, com as necessárias adaptações - pág. 287/288.<br> Posição que, de resto, mantém no parecer, com a colaboração da Dra. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, na Col., ano XV, tomo III, pág. 33 e seguintes, onde se escreve, a pág. 37/38:<br> "Com efeito, os outros inquilinos não ficam privados do seu direito de preferência pelo facto de ter sido instaurada por algum ou alguns outros, mais apressados, a acção de preferência. Se forem titulares de direitos que entendem ter melhor posição, em face do direito substantivo, do que aquele que foi exercido, caber-lhes-á propor nova acção de preferência, mas agora contra o inquilino que se tenha tornado proprietário do prédio....<br> Caso sejam concorrentes os direitos que alegam, então deverão eles recorrer ao processo de notificação para preferência, afim de se proceder à licitação entre os interessados."<br> Também, no sentido que se propõe, acompanham o acórdão-fundamento os deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 1989, já citado, e o de 11 de Abril de 1985 no Bol. 346, pág. 215.<br> Termos em que se decide: revogar o acórdão recorrido, julgando a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido e condenando os autores nas custas tanto neste Supremo Tribunal como nas instâncias; e formular o seguinte assento:<br> Vendido prédio urbano a locatário habitacional de parte dele, sem que o proprietário tenha cumprido o disposto no artigo 416 n. 1 do Código Civil quanto aos restantes locatários, o comprador não perde, pelo simples facto da aquisição, o respectivo direito legal de preferência.<br> E qualquer desses locatários preteridos, como detentor de direito concorrente, não o poderá ver judicialmente reconhecido, sem recorrer ao meio processual previsto no artigo 1465 do Código de Processo Civil, aplicável com as devidas adaptações.<br> 1 de Fevereiro de 1995. as) CÉSAR MARQUES, </font><br> <font>SÁ NOGUEIRA, </font><br> <font>ROGER LOPES. (com a declaração de que, como efeito natural do contrato de compra e venda, considero "verdadeiro proprietário" o comprador, mesmo durante o decurso do prazo para o exercício de preferência).<br> RAMIRO VIDIGAL,<br> MARTINS DA COSTA,<br> PAIS DE SOUSA,<br> FERREIRA DA SILVA,<br> RAUL MATEUS,<br> SÁ COUTO,<br> SILVA REIS,<br> CARDONA FERREIRA, (vencido quanto à 2. parte do Assento porque entendo que o recurso ao meio processual indicado pode não ser indispensável).<br> SANTOS MONTEIRO,<br> LOPES ROCHA,<br> CARLOS CALDAS,<br> FARIA SOUSA,<br> PEREIRA CARDIGOS,<br> SILVA CANCELA,<br> SAMPAIO DA NÓVOA,<br> COSTA MARQUES,<br> JOAQUIM DE MATOS,<br> SOUSA INÊS,<br> AMADO GOMES,<br> CORREIA DE SOUSA,<br> SOUSA GUEDES,<br> TORRES PAULO,<br> PEDRO MARÇAL,<br> CURA MARIANO,<br> FERREIRA VIDIGAL,(com declaração de que, salvo melhor opinião, presente fixava o Assento isto é, jurisprudência obrigatória só depois, de acordo com esta última, se revogando, alterando, no conteúdo o acórdão recorrido) SOUSA MACEDO,<br> MIGUEL MONTENEGRO,<br> FIGUEIREDO DE SOUSA, (vencido, por entender que os locatários habitacionais de parte de prédio urbano só têm direito de preferência em relação a vendas feitas a estranhos).<br> FERNANDO FABIÃO,<br> CARVALHO PINHEIRO,<br> OLIVEIRA BRANQUINHO. Vencido quanto à segunda parte do texto do assento, e correlativa fundamentação, por entender que, acompanhando a formulação proposta pelo Ministério Público, "vendido um prédio a dois arrendatários com igual direito de preferência, o preterido não necessita, para propor a acção de preferência, de promover o encabeçamento prévio (artigo 1465 do Código de Processo Civil); mas está sujeito a que o adquirente enquanto não caducar o seu direito accione os termos judiciais para a disputa da preferência entre ambos".<br> ARAÚJO RIBEIRO, com a declaração de que tinha por mais correcta uma diferente formulação do assento, que equacionasse a diferença de posições entre o comprador e os demais preferentes virtuais, como esta:<br> "Vendido um prédio urbano a locatário habitacional de parte dele sem que o proprietário tenha cumprido o disposto no artigo 416, n. 1, do Código Civil quanto aos restantes locatários, podem ainda estes recorrer ao processo do artigo 1465 do Código de Processo Civil, para fazerem valer o seu direito; mas o comprador não fica impedido, nesse processo, convalidar a compra, como maior licitante".<br> METELLO DE NÁPOLES (com a mesma declaração do Sr. Cons.<br> Araújo Ribeiro)<br> CHICHORRO RODRIGUES (com a mesma declaração)<br> DIAS SIMÃO,<br> MACHADO SOARES (com a mesma declaração)<br> MIRANDA GUSMÃo (com a douta declaração de voto do Exmo. Cons. Araújo Ribeiro, que subscrevo).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em plenario:<br> </font><br> <font>A... e mulher, B..., ambos com os sinais dos autos, recorreram para o tribunal pleno do acordão da Relação do Porto, de 30 de Junho de 1983, proferido no recurso de apelação, em que eram recorrentes, que confirmou a decisão da 1 instancia que julgou improcedente acção de adopção plena de C..., por este ter mais de 18 anos, a data da sentença, visto a menoridade ser elemento constitutivo da adopção, e por o acordão estar em oposição com o da Relação de Lisboa, de 3 de Outubro de 1969, publicado na Jurisprudencia das Relações, ano 15, tomo IV, pagina 739, que julgou ser a menoridade apenas condição de admissibilidade da acção.<br> Alegaram os recorrentes, procurando demonstrar a existencia dos pressupostos deste recurso, mormente a invocada oposição de julgados.<br> Em acordão da secção foi decidido verificaram-se esses pressupostos: acordãos proferidos em processos distintos; no dominio da mesma legislação, visto o Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, não ter influido na resolução da questão de direito em causa; consistir esta em saber se a menoridade e condição apenas de admissibilidade da acção ou, pelo contrario, condição da sua procedencia, devendo verificar-se a data da sentença; e transito em julgado do primeiro acordão, não admitindo ambos recurso para o Supremo.<br> Mais ai se decidiu existir a invocada oposição, pois o acordão da Relação de Lisboa julgou a menoridade apenas condição de admissibilidade da acção e o da Relação do Porto, condição de procedencia desta, devendo existir a data da sentença, como elemento constitutivo da adopção.<br> Seguindo o recurso, alegaram de merito os recorrentes, concluindo:<br> 1 - No que se refere a jurisprudencia, a unica decisão conhecida e favoravel a sua tese.<br> 2 - Ninguem defende na doutrina que a menoridade seja condição de procedencia da acção e deva existir ao tempo da decisão.<br> 3 - O reconhecimento de um direito não pode ser deixado dependente da maior ou menor celeridade dos tribunais.<br> 4 - Deve assim decidir-se que a menoridade do adoptando e condição de admissibilidade da acção mas não da sua procedencia.<br> Alegou tambem o digno representante do Ministerio Publico concluindo:<br> 1 - A letra da lei consente as duas interpretações, pois não indica expressamente ter de existir a menoridade a data da sentença devendo seguir-se a interpretação menos restritiva, dado o seu intuito benefico.<br> 2 - O projecto Pires de Lima, relacionava a idade com o requerimento e não com a sentença.<br> 3 - O n. 2 do artigo 2017 do projecto permitia pensar-se na adopção de maiores.<br> 4 - Ha na doutrina quem defenda ser a menoridade simples condição de admissibilidade - Antonio Patacas, Scientia Juridica, tomo XXIII, pagina 275, e Antunes Varela, Direito da Familia, pagina 116.<br> 5 - A opinião contraria de Pereira Coelho - Lições 1977, paginas 27 e seguintes - so se estriba em a adopção, actualmente, visar sobretudo o interesse do adoptando e da infancia abandonada ou desprotegida, quando e no interesse dos adoptantes e dos adoptandos e tem reflexos de ordem patrimonial e de ordem moral que se prolongam para alem da menoridade.<br> 6 - A opinião do acordão originaria injustiça relativa, ja que casos iguais, teriam tratamento diverso, consoante a rapidez dos respectivos tribunais.<br> 7 - Entende dever solucionar-se o conflito, lavrando-se o seguinte assento:<br> "A menoridade e condição de admissibilidade do requerimento de adopção e não tambem condição de procedencia do pedido".<br> Corridos os vistos do plenario, decidamos.<br> Como ja se evidenciou no acordão da secção, verificam-se aqui todos os requisitos ou pressupostos deste recurso, inclusive a invocada oposição, nada havendo a alterar ou a acrescentar por parte do plenario.<br> Ha, assim, que conhecer do presente conflito de julgados e resolve-lo.<br> Salvo o devido respeito por opiniões alheias, temos que os preceitos em causa não admitem as duas soluções propostas, mas antes impõem uma so interpretação, a que leva a solução dada no acordão recorrido.<br> De facto, quer na versão original, quer na do Decreto-Lei n. 496/77, o artigo 1973 do Codigo Civil diz-nos que o vinculo da adopção se constitui por sentença judicial, o que quer significar que e nessa altura que tem de se verificar, isto e, existirem todos os requisitos legais exigidos para ser decretada a adopção.<br> Na realidade, se olharmos a redacção inicial do seu artigo 1974, vemos que ai se escrevia:"A adopção apenas sera decretada quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: b) Ter o adoptando menos de catorze anos, ou ter menos de vinte e um e não se encontre emancipado, quando desde a idade não superior a catorze anos tenha estado, de facto ou de direito, ao cuidado do adoptante"; (sublinhado nosso), o que bem mostra que para ser decretada a adopção tinha o adoptando de ter nessa altura a idade exigida na lei, pois de outro modo se poderia dizer estarem verificados e existirem esses requisitos.<br> E o mesmo se conclui da redacção do artigo 1980, onde se determina quem pode ser adoptado, escrevendo-se que o adoptando deve ter menos de catorze; podera, no entanto, ser adoptado o menor de dezoito anos não emancipado, quando desde idade não superior a catorze tenha estado, de direito ou de facto, ao cuidado dos adoptantes ou de um deles quando for filho do conjugue do adoptante.<br> Temos, pois, que e ao momento da adopção - a sentença - que ha que analisar da existencia, nessa altura, dos seus requisitos legais e não ao momento da propositura da acção.<br> Ora, um desses requisitos, como se colhia da redacção original do artigo 1974, n. 1, alinea b), Codigo Civil e hoje dos seus artigos 1980, n. 2, e 1993, n. 1, e ter o adoptando menos de catorze anos, so excepcionalmente se admitindo a adopção de menores de dezoito anos, não emancipados, como acima vimos.<br> Ve-se da lei haver um proposito firme e claro de a adopção se dar apenas quanto a menores, pois mesmo quando, excepcionalmente, se avançou a idade para menores de 18 anos, logo se cuidou de ressalvar os emancipados, precisamente por a lei - artigo 135 do Codigo Civil - os equiparar a maiores, apenas com a ressalva do disposto no artigo 1649.<br> De facto, se a lei quisesse permitir a adopção de maiores de 18 anos, desde que a data da propositura da acção tivessem a idade exigida no artigo 1980, n. 2, não compreendemos porque não haveria, então, de permiti-la, independentemente da idade do adoptando a data da petição, pois, como nos parece evidente, a situação seria a mesma, quer o adoptando perfaça os 18 anos na pendencia do processo, quer este se inicie tendo ele ja mais de 18 anos, pois e tanto merecedor de uma sentença favoravel aquele que entretanto atingiu os 18 anos, como o que ja os tinha no inicio do processo.<br> Na realidade, não vemos razões para a aceitar num caso e não a aceitar noutro, visto que o decurso da acção não cria no adoptando circunstancias especiais merecedoras de maior protecção.<br> E que a nossa lei quis afastar a adopção de maiores, e que não adoptou a redacção do n. 2 do artigo 2017 do projecto do Codigo Civil, 1 revisão ministerial, dando-lhe a da 2 parte do artigo 1973, redacção inicial, pois aquela, por dubia, podia levar a entender-se ser admissivel a adopção de maiores, como bem se mostra no acordão recorrido. Com essa redacção do artigo 1973 mostrou-se so ser admissivel a adopção de menores.<br> E o mesmo e evidenciado pela rejeição do artigo 71, n. 1, do projecto de Pires de Lima - Boletim, n. 89, pagina 61 - onde expressamente se relacionava a menoridade a data do requerimento da adopção. Se fosse proposito da lei manter essa solução, não vemos razão para tal rejeição, a menos que o legislador tivesse o estranho prazer de criar uma lei dubia, de dificil interpretação.<br> A corroborar a tese que vimos defendendo, temos ainda o não aproveitamento do projecto dos Professores Gomes da Silva e Pessoa Jorge - Boletim, n. 90, pagina 329 - pois dele decorre, mormente do seu artigo 2, que o instituto da adopção tanto se aplicava a menores, como a maiores, não se estabelecendo ai qualquer limitação etaria dos adoptandos.<br> E compreendemos que assim tenha sido, pois se analisarmos os relatorios dos projectos e das proprias leis e estas, vemos que houve um proposito de cuidar dos problemas da menoridade, da infancia, criando entre os adoptandos e os adoptantes um clima de afeição filial, de protecção e amparo daqueles, visando-se um fim social e familiar, como se de filhos se tratasse, visto não haver laços de sangue - artigo 1974, n. 1 e 2, do Codigo Civil - o que so se consegue em relação a menores, sobretudo de tenra idade.<br> E mesmo quando a lei admite a adopção de menores de 18 anos, alem de exigir que não sejam emancipados, impõe que desde idade não superior a 14 anos tenham estado, de direito ou de facto, ao cuidado dos adoptantes ou sejam filhos do conjuge do adoptante, o que bem revela essa finalidade de criar laços de afeição filial e paternal, o que so se consegue, como vimos, quando o adoptando e de tenra idade.<br> Na verdade, em relação aos maiores esses laços são muito dificeis de se criarem, como e obvio, pois mesmo em relação aos filhos, ao atingirem a maioridade, esses laços são dificeis de manter e se desfazem muitas vezes, como e do conhecimento geral.<br> E o facto da adopção ter reflexos de ordem patrimonial e moral que se prolongam para alem da menoridade, esses reflexos, porem, so se aceitam e se compreendem, se entre adoptante e adoptando se tiverem criado esses laços de amizade, de afeição paternal e filial, so possiveis, como vimos, quando os adoptandos são ainda crianças ou, pelo menos, de idade não muito avançada.<br> E o poderem as demoras na instrução do processo, alias muito simples, e no seu julgamento levar a injustiças relativas, isso, alem de ser o resultado da nossa organização judiciaria, o que sucede em outros casos, pode ser evitado, como se refere no douto acordão recorrido, desde que os adoptantes sejam mais solicitos nas suas actuações, agindo atempadamente. E se se quisesse sanar essa injustiça com a solução proposta no douto acordão em oposição, isso ja não seria possivel, pois, como vimos, ja não se atingiria o fim da adopção: criar laços de afeição paternal e filial; apenas se estando a antever com tal solução, aspectos patrimoniais futuros, o que não e, como resulta da lei, o fim principal da adopção, pois podem atingir-se por outras vias.</font><br> <font>E certo terem Antonio Patacas - Scientia Juridica, tomo XXIII, pagina 275 - e Professor Antunes Varela - Direito da Familia, pagina 116 - defendido ser a menoridade simples condição de admissibilidade da acção, mas fazem-no, em grande parte, sugestionados pelo acordão em oposição, pois a construção do Professor Varela sobre a natureza da adopção ate favorece a nossa tese.<br> Na verdade, defendendo a natureza constitutiva da sentença de adopção, em que o juiz tem um papel mais activo do que nas acções constitutivas destinadas ao exercicio de um mero direito potestativo, não se limitando a homologar o acordo dos interessados, tendo antes de averiguar e apreciar os requisitos gerais e as condições necessarias da adopção, decidindo depois, e manifesto que e o no momento da decisão que o juiz tem de verificar da existencia desses requisitos gerais e dessas condições necessarias, pois e nessa altura que se constitui a adopção.<br> E na logica desta construção juridica, conclui o mesmo Professor que o consentimento do adoptante, sera necessario a data da petição, mas não pode ser retirado, tendo de existir a data da sentença para a adopção ser decretada.<br> Tambem esta so e de decretar se o adoptante a data da sentença tiver a idade minima requerida, mesmo que a data da petição a não tenha na realidade, por erro da data de nascimento, mas a adquira ate a sentença.<br> E inversamente, se o adoptante a data da petição não tiver atingido ainda os 60 anos, mas ja os tiver feito na altura da sentença, o juiz ja não pode decretar a adopção.<br> Ora, dentro desta logica, parecia de concluir que se o adoptante tiver a idade legal na altura da petição, mas a ultrapassar ate a altura da sentença, a adopção não seria de decretar; no entanto, sem uma explicação convincente, entende esse douto Professor o contrario, citando em apoio da sua tese o acordão em oposição.<br> Temos, pois, que a natureza juridica da adopção, por si defendida, apoia a tese que vimos defendendo.<br> E tambem e certo o acordão da Relação de Evora, de 19 de Junho de 1984, sumariado no Boletim, n. 341, pagina 485, ter decidido que os requisitos da adopção se devem verificar a data da petição, como o inculca o artigo 162 da O.T.M., não impedindo o seu decretamento o facto de, na pendencia do processo, antes da prolação da sentença, o adoptando ter atingido os 18 anos.<br> Salvo o devido respeito, o argumento não tem o menor valor. Na verdade, o artigo 162 citado, que se refere a petição do processo de adopção, apenas diz que nela o requerente deve alegar os factos tendentes a demonstrar os requisitos gerais previstos no artigo 1974, n. 1, do Codigo Civil, bem como as demais condições necessarias a constituição do vinculo da adopção, oferecendo-se com a petição todos os meios de prova.</font><br> <font>Ora, como e manifesto, aqui não se soluciona o problema da altura em que esses requisitos e condições necessarias tem de existir. Claro que a data da petição se tem de alegar factos tendentes a demonstrar a sua existencia, pois, de contrario, ela seria indeferida liminarmente.<br> Mas se esses requisitos gerais e condições necessarias tem ou não de persistir a data da sentença, esse artigo 162 nada diz, nem tinha que dizer, pois se trata apenas de norma processual.<br> Mas em abono da nossa tese, como se refere no acordão recorrido e o põe em destaque o digno representante do Ministerio Publico, o Professor Pereira Coelho, Lições, 1977, paginas 27 e seguintes, em estudo da questão em foco.<br> Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o douto acordão recorrido, com as custas a cargo dos recorrentes, firmando-se o seguinte assento:<br> "A menoridade do adoptante, referida no artigo 1980, n. 2, do Codigo Civil, e condição de procedencia da acção de adopção, devendo existir a data da respectiva sentença".<br> </font><br> <font>Lisboa, 28 de Maio de 1985</font><br> <br> <br> <font>Rui Corte-Real (Relator) - Moreira da Silva - Melo Franco - Solano Viana - Quesada Pastor - Joaquim Figueiredo - Vasconcelos Carvalho - Jose Luis Pereira<br> - Lima Cluny - Silvino Villa Nova - Antero Pereira Leitão - Magalhães Baião - Licinio Caseiro - Gois Pinheiro - Senra Malgueiro - Alves Peixoto - Campos Costa (Vencido nos termos da declaração de voto que se anexa) - Santos Carvalho (Vencido pelos fundamentos da declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Campos Costa, salvo no que diz respeito a inconstitucionalidade) - Dias da Fonseca (Vencido nos termos da declaração que antecede)-<br> Lopes Neves (Vencido nos termos da declaração do Excelentissimo Conselheiro Santos Carvalho) - Leite de Campos (Vencido de conformidade com o voto do Excelentissimo Conselheiro Santos Carvalho) - Almeida Ribeiro (vencido nos termos da declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Campos Costa) - Alves Cortes (vencido pelas razões constantes da declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Campos Costa, salvo quanto a questão da inconstitucionalidade) - Costa Cerqueira (Vencido, nos termos da declaração do Excelentissimo Conselheiro Campos Costa, com exclusão do que concerne a inconstitucionalidade, ai apontada, do artigo 2 do Codigo Civil e, consequentemente, dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça.<br> Entendo que a adopção e legalmente consentida, desde que o requisito da menoridade se verifique a data em que e peticionada, independentemente de o adoptando ja ser maior na altura em que a adopção venha a ser decretada) - Tinoco de Almeida (Vencido pelas razões constantes do parecer do Excelentissimo Conselheiro Campos Costa e do douto parecer do digno magistrado do Ministerio Publico, ressalvando, porem, o que aquele primeiro diz quanto a inconstitucionalidade dos assentos) - Miguel Caeiro (Vencido pelas razões constantes do voto do Excelentissimo Conselheiro Campos Costa na parte respeitante a questão de direito em causa).<br> Declaração de voto:<br> Independentemente de sustentar que o artigo 2 do Codigo Civil e inconstitucional (doutrina a que definitivamente aderi ja depois do meu visto nos presentes autos), tambem me opus a tese que fez vencimento fundamentalmente por duas razões.<br> Antes de mais, porque as condições da acção devem verificar-se, em regra, no momento da instauração da demanda, so podendo atender-se aos factos supervenientes quando estes, segundo o direito substantivo aplicavel, tenham influencia sobre a existencia ou conteudo da relação controvertida (artigo 663, n. 2, do Codigo de Processo Civil).<br> Alem disso, não sendo a letra da lei substantiva muito clara e comportando perfeitamente as duas soluções em conflito, parece de considerar que, produzindo a adopção efeitos mesmo depois da maioridade, não se encontram razões solidas para rejeitar a aplicação de um instituto que tantas vantagens pode acarretar para os adoptandos e ate para os adoptantes, sendo certo que a natureza constitutiva da sentença de adopção não conduz necessariamente a tese que triunfou. Repugna-me particularmente que, devido a demora na instrução dos autos, se afaste a adopção num processo que deu entrada em juizo no dia imediato a o adoptando, ter completado 17 anos e num caso em que , por abandono dos pais, o adoptando ja antes dos 14 anos se encontrava ao cuidado dos requerentes (artigo 1980, n. 2, in fine, do Codigo Civil).<br> A. Campos Costa.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>A recorre, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do Acordão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1981, certificado a folhas 7 e seguintes e publicado no Boletim, 309-329, com fundamento em que, no dominio da mesma legislação, deu esse acordão solução oposta a que fora adoptada pelo de 9 de Maio de 1972 (Boletim, 217-92) relativamente a mesma questão fundamental de direito: a de saber se o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1094 do Codigo Civil devera contar-se, quando o fundamento de resolução do contrato de arrendamento seja um facto de caracter permanente, continuo ou duradouro, a partir do conhecimento que dele tenha o senhorio ou do momento da cessação.<br> Decidindo a questão preliminar a que alude o artigo 666, n. 1, do citado Codigo, pronunciou-se a secção, maioritariamente, pela existencia da oposição que serve de fundamento ao recurso (acordão a folhas 25).<br> No prosseguimento do recurso apresentaram as partes as suas alegações, tendo o ministerio publico oferecido o parecer a folhas 44, em que, sustentando, tal como o recorrido B, não haver oposição entre os 2 referidos acordãos, sugere, todavia, para a hipotese de assim se não entender, a formulação do seguinte assento:<br> O prazo de caducidade previsto no artigo 1094 do Codigo Civil, quando se trate de facto continuado ou duradouro, conta-se a partir da data em que o facto tiver cessado.<br> Identica sugestão faz o recorrente.<br> As razões que, ao sustentarem a inexistencia de oposição, invocam o recorrido e o ministerio publico são essencialmente as mesmas que serviram de base aos votos de vencido no acordão preliminar a folhas<br> 25: embora em ambos os casos se tratasse de causas de resolução de caracter permanente, duradouro ou continuado, não eram identicos os factos nem as mesmas as disposições legais a interpretar, pois que, enquanto que no Acordão de 1972 estava em causa a falta de residencia permanente [n. 1, alinea i), do artigo 1093 do Codigo Civil], discutia-se no de 1981 a aplicação do arrendamento a fim diverso do convencionado.<br> A argumentação não procede.<br> Referia-se o artigo 763 do Codigo de 1939 a "dois acordãos sobre a mesma questão de direito".<br> Ja então ensinava Alberto dos Reis (anotado, II, 247 e 250) não ser necessario, para legitimar o recurso para o tribunal pleno, que a oposição entre os acordãos se manifestasse na questão final a resolver:<br> Ha oposição susceptivel de servir de fundamento a recurso para o tribunal pleno, mesmo quando a decisão final decidida nos autos seja diversa, se, para a decidirem, os acordãos tiverem de se pronunciar primeiro sobre a mesma questão de direito e se pronunciarem sobre ela em sentidos opostos; ha oposição que justifica o recurso do artigo 763, embora os casos concretos apresentem contornos e particularidades diferentes, se tais diferenças não obstarem a que a questão de direito seja fundamentalmente a mesma e se a esta foi dada solução oposta nos acordãos citados.<br> Era esse, com efeito, o pensamento do legislador de 1939. E foi para o tornar bem claro (porque o Supremo recusava a admissão do recurso "em casos em que se julga manifesta a oposição dos acordãos sobre a mesma questão essencial de direito") que o artigo 763 passou a falar, a partir da reforma de 1961, na "mesma questão fundamental de direito", o que quer dizer que "para apreciar a oposição invocada pelo recorrente, o tribunal tem de separar, nas questões decididas pelos acordãos, aquilo que e o nucleo essencial do problema juridico solucionado do que não passa de mero acidente ou pormenor sem relevancia para a solução firmada num e noutro" (observações artigo 766 - actual artigo 763 -, resultante da primeira revisão ministerial do Codigo de 1961, no Boletim, 123-192).<br> O acordão recorrido pronunciou-se unicamente, porque a isso se restringia o objecto do recurso, sobre o problema de caducidade; o de 1972 confirmou a decisão que ordenara o despejo imediato dos reus, depois de previamente ter resolvido tambem a questão de caducidade.<br> Foi a divergencia de soluções - no tocante, claro, ao problema da caducidade - que ocasionou o recurso para este Tribunal. E se bem que da resolução de tal problema dependesse a sorte de cada uma das acções, nada tinha a ver com ele a circunstancia de uma delas ter sido baseada na falta de residencia permanente no arrendado e outra na aplicação deste a fim diverso do convencionado.<br> Em ambos os casos se defendiam os reus com a alegação de que os autores tinham tido conhecimento do facto violador do contrato mais de 1 ano antes da propositura da acção. E isso era exacto: no caso do acordão recorrido, a acção foi proposta em 26 de Maio de 1976 e o autor teve conhecimento do facto em Agosto de 1974; no do acordão anterior, a acção foi proposta em 2 de Dezembro de 1969 e logo no inicio do contrato, celebrado em 1 de Abril de 1966, tomou a autora conhecimento de que os reus não tinham no arrendado a sua residencia permanente.<br> O acordão recorrido decidiu que, embora a aplicação do predio a fim diverso do convencionado devesse ter-se como facto continuo, duradouro ou permanente, não poderia o prazo de caducidade deixar de contar-se a partir do conhecimento que desse facto tivera o senhorio. Por isso julgou procedente a excepção de caducidade.<br> No acordão de 1972 entendeu-se que "a negligencia ou tolerancia do senhorio com situação infractora do contrato vale como renuncia a accionar com base nos factos ou omissões ocorridos ha mais de 1 ano, mas não contesta ou legitima essa situação para o futuro, pelo que podera o senhorio accionar por factos ou omissões analogos ocorridos no ano anterior a propositura da acção. E como nesse ano os reus não tivessem tido a sua residencia permanente no arrendado (foi "manifestamente a titulo provisorio" que durante esse tempo ai passaram algumas temporadas), julgou improcedente a excepção de caducidade.<br> Ao contrario do que fez o acordão recorrido, não deu qualquer relevo a circunstancia de o senhorio ter tido conhecimento do facto anticontratual logo no inicio do contrato (1 de Abril de 1966). Admitiu o fraccionamento desse facto, que era um so, em varios outros e que a acção tinha sido atempada por sobre o ultimo deles não ter decorrido ainda 1 ano - o que equivale, ao fim e ao cabo, a consentir o exercicio do direito enquanto subsistir, assim fraccionada, a situação anticontratual. De tudo isto resulta terem os acordãos em causa assentado, relativamente a mesma questão fundamental de direito, em soluções opostas.<br> Vejamos, pois, como deve ser entendido o artigo 1094 do Codigo Civil: se o prazo de caducidade ai previsto devera contar-se sempre - seja simples ou duradouro o facto violador do contrato - a partir do conhecimento desse facto pelo senhorio.<br> Ja o paragrafo 8 do artigo 5 da Lei n. 1662, de 4 de Setembro de 1924 (depois revogado pelo artigo 68 da Lei n. 2030, de 22 de Julho de 1948), estabelecia que, em certos casos (aplicação do predio arrendado para habitação a fins ilicitos ou desonestos ou ao exercicio de qualquer comercio ou industria; aplicação do predio arrendado para comercio ou industria a fins ilicitos ou desonestos ou a ramo de comercio ou industria diverso do expressamente estipulado no contrato), o direito do senhorio a intentar a acção de despejo prescrevia no prazo de 6 meses, contados da data em que o senhorio tivesse, por qualquer meio, noticia da transgressão.<br> E essa regra sempre se aplicou, durante a longa vigencia daquele preceito, tanto aos factos simples ou instantaneos como aos factos duradouros ou continuados.<br> Reconhecia-se a necessidade de um tal prazo para evitar que se prolongassem no tempo situações duvidosas e incertas. E se o sistema mereceu criticas e veio a ser banido, não foi porque o seu defeito estivesse no modo de contagem desse prazo. Foi porque "quando ao senhorio comece a constar que o inquilino transgride o contrato, a transgressão e ainda de tal modo cautelosa e discreta que o senhorio não pode fazer prova, e por isso não tem outro remedio senão abster-se de exercer a acção de despejo; quando a transgressão se torna ostensiva e grave e ja a prova seria facil de produzir, esta o inquilino a coberto de ser eficazmente accionado, porque sem dificuldade mostra que o senhorio conheceu o facto ha mais de 6 meses. Isto sem contar com os riscos de fabulação da prova do conhecimento por meio de testemunhas" (Tito Arantes, Inquilinato, Avaliações; 1 Parecer da Camara Corporativa, citado pelo Professor Antunes Varela, na R.D.E.S., IV, 339 e 340, e pelo Dr. J. G. S. Carneiro, na R.T., ano 92, pagina 208 e 209.<br> A isso se acrescentava que as situações resultantes da aplicação do referido paragrafo 8 não comportavam, porque ilicitas, "a forte protecção que dos prazos de caducidade deriva" (R.T., loc cit).<br> Por tais razões se propos a revogação do preceito ou o alargamento para 2 anos do prazo de 6 meses ai estabelecido.<br> O legislador de 1966 não se deixou impressionar por todas aquelas criticas: regressou ao regime de caducidade sem qualquer restrição nos meios de prova e, tendo embora ampliado o respectivo prazo, tornou-a extensiva a todas as causas de resolução do contrato.<br> E não parece que, ao referir-se, no artigo 1094 do Codigo Civil, ao "conhecimento do facto", expressão equivalente a utilizada na lei de 1924 - "noticia da transgressão" -, tenha tido o proposito de sancionar entendimento diverso do que mereceu essa lei. De outro modo se expressaria, por certo, dados os aludidos antecedentes, se porventura tivesse querido significar que, relativamente a todos ou a alguns dos factos previstos no artigo 1093, n. 1, como susceptiveis de autorizar a resolução do contrato, seria o prazo de caducidade contado não do conhecimento, mas da cessação dos mesmos.<br> Com efeito, os prazos de caducidade, normalmente de curta duração, são ditados por "razões objectivas de segurança juridica, sem atenção a negligencia ou inercia" do titular do direito e apenas com o proposito de garantir que dentro deles fique "inalteravelmente definida a situação juridica das partes" (vide Professores Vaz Serra, no Boletim,</font><br> <font>107- 191, e M. Andrade, Teoria Geral, II, pagina 464). Extinto o prazo, extingue-se tambem, e so por isso, o direito a que respeitava e que deixou de ser exercido dentro dele. Não ha ai renuncia antecipada (o contrato foi ja violado) e nem ela constitui pressuposto da caducidade: se bem que desta colha beneficios uma das partes (neste caso o inquilino), o direito extingue-se pelas razões indicadas, independentemente do sentido que possa atribuir-se a passividade do seu titular.<br> Contar o prazo de caducidade da acção de resolução do contrato de arrendamento, apesar dos termos em que se acha redigido o artigo 1094 do Codigo Civil, a partir da cessação do facto violador (ou do momento em que a cessação foi conhecida do senhorio) seria permitir, muitas vezes, que não mais se definisse (ou so ao fim de longo tempo se definisse) uma situação que por vontade da lei deveria tornar-se certa ao fim de curto prazo; seria deixar a sorte de relação juridica de locação ao inteiro arbitrio do senhorio; seria negar, alem do sentido e valor das palavras, o proprio fundamento da caducidade; seria, enfim, acolher, contra o disposto no artigo 9 do Codigo Civil, uma ideia que não encontra qualquer correspondencia verbal na letra da lei.<br> Dai que deva contar-se o prazo da caducidade a partir do conhecimento da infracção contratual pelo senhorio, consista ela num facto simples ou instantaneo ou num facto continuado ou duradouro, o que, para alem de tudo o mais, implicara um menor desvio a regra estabelecida no artigo 329 do Codigo Civil: a de que o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.<br> Não e exacto dizer-se que a solução proposta conduza, no caso de falta reiterada do pagamento de rendas, a impossibilidade de o senhorio resolver o contrato se deixar passar mais de 1 ano sobre a primeira falta. Esse entendimento esta posto de lado. A falta de pagamento da renda constitui um facto simples e qualquer delas, portanto, integra, como qualquer outro facto da mesma natureza, um fundamento autonomo de resolução.<br> Mas diz-se tambem que a doutrina do acordão recorrido da origem em certos casos, em especial nos do n. 1, alineas c), h) e i), do artigo 1093, a situações indesejaveis, absurdas e contrarias aos objectivos sociais da ocupação efectiva de fogos.<br> Não se negam nesses e porventura noutros casos, os males apontados. Eles são evidentes. Mas so o legislador podera remedia-los, dando ao artigo 1094, quando não opte por outra via, formulação identica a do artigo 1786. Não pode faze-lo o interprete atraves de um entendimento que equivaleria, em ultima analise, a substituir a referencia ao "conhecimento do facto", utilizada no artigo 1094, pela referencia a "cessação<br> (ou conhecimento da cessação) do facto"; ou a ver nesse preceito, alem da primeira das citadas expressões, a afirmação de que, tratando-se de factos duradouros ou continuados, se a partir da sua cessação (ou do conhecimento desta) começaria a contar-se o prazo da caducidade.<br> Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e formula-se o assento seguinte:<br> Seja instantaneo ou continuado o facto violador do contrato de arrendamento, e a partir do seu conhecimento inicial pelo senhorio que se conta o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1094 do Codigo Civil.<br> Custas pelo recorrente.<br> </font><br> <font>Lisboa, 3 de Maio de 1984</font><br> <br> <font>Amaral Aguiar - Licurgo dos Santos - Santos Silveira -<br> - Dias da Fonseca - Lima Cluny - Lopes Neves -<br> - Pereira Leitão - Flamino Martins - Silvino Villa Nova - Miguel Caeiro - Costa Ferreira - Octavio Garcia - Corte-Real - Moreira da Silva - Melo Franco -<br> - Quesada Pastor - Licinio Caseiro - Santos Carvalho (vencido conforme declaração que junto) - Magalhães Baião (vencido em concordancia com o voto do Excelentissimo Colega Santos Carvalho) - Abel de Campos (vencido nos mesmos termos) - Alves Peixoto (vencido pelas razões que apontou o Senhor Conselheiro Santos Carvalho)- Solano Viana (vencido pelas razões constantes da declaração do Excelentissimo Conselheiro Santos Carvalho) - Joaquim Figueiredo (vencido nos termos da declaração que junto) - Vasconcelos de Carvalho (vencido pelas razões invocadas pelos Excelentissimos Colegas Santos Carvalho e Roseira de Figueiredo) - Campos Costa (vencido pelas razões indicadas pelos Excelentissimos Colegas Santos Carvalho e Roseira de Figueiredo) - Leite de Campos (vencido pelas razões invocadas pelos Excelentissimos Colegas Santos Carvalho e Roseira de Figueiredo) - Almeida Ribeiro (vencido pelas razões invocadas nas declarações de voto dos Excelentissimos Conselheiros Santos Carvalho e Roseira de Figueiredo) - Alves Cortez (vencido pelas razões constantes das declarações de voto dos Excelentissimos Conselheiros Santos Carvalho e Roseira de Figueiredo).<br> Declaração de voto<br> Revogaria o acordão recorrido para ser julgada improcedente a excepção de caducidade do direito de exercicio da acção de resolução do contrato de arrendamento proposta pelo recorrente, com a consequente formulação do assento no sentido de que "o prazo de caducidade prescrito no artigo 1094 do Codigo Civil, quando se trate de facto continuado, permanente e duradouro, so corre a partir da data em que o mesmo facto tiver cessado".<br> Basear-me-ia, essencialmente, nas razões aduzidas pelo Excelentissimo Colega Campos Costa na declaração de voto de vencido anexa ao acordão recorrido e nas demais que tem sido invocadas na generalidade das decisões que se seguiram a do acordão indicado em oposição, e, designadamente, em que, embora a letra daquele preceito possa consentir a interpretação que fez vencimento, não deixa, todavia, de admitir tambem a preconizada pelos sequazes da corrente jurisprudencial e doutrinaria que se rejeitou: a de que o prazo de caducidade, quando se trate de facto continuado, permanente ou duradouro, so devera correr a partir da sua cessação, quer ele se considere como facto uno e, portanto, so completo quando cessa, quer como ultimo dos factos constitutivos de uma serie, identicos e sucessivamente repetidos.<br> E e esta a interpretação literal que melhor se ajusta ao pensamento legislativo obediente aos principios que dominam o instituto da caducidade e, de resto, ja adoptada autenticamente pela reforma do Codigo Civil de 1977 relativamente ao direito de pedir o divorcio e que parece dever impor-se para a caducidade de quaisquer outros direitos.<br> O instituto da caducidade adoptado na lei, menos por consideração de razões de justiça, do que de segurança, estabilidade e certeza de certas situações de facto criadas normalmente a margem da lei ou dos contratos, fundado na inercia do titular do direito e no esquecimento da infracção, não deve traduzir-se em incentivo e protecção a violações permanentes e actuais da lei ou dos contratos.<br> O pensamneto legislativo jamais o podia pretender, por se não se justificar a caducidade quanto aquelas violações, quando ainda persistam a data da propositura da acção ou quando tenham terminado dentro do prazo de caducidade estabelecido.<br> Santos carvalho.<br> Declaração de voto:<br> E manifesta a analogia entre as disposições dos artigos 1094 e 1782, n. 1 (na sua redacção primitiva), ou 1786, n. 1 (na redacção do Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro), todas do Codigo Civil.<br> Em face das duvidas de interpretação que a disposição do artigo 1782, n. 1, levantou e das correntes jurisprudenciais que se formaram sobre esse ponto, não se duvidara do caracter interpretativo da regra do n. 2 do artigo 1786 (redacção actual).<br> Ora, uma vez que a interpretação deve reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta, alem do mais, a unidade do sistema juridico (artigo 9, n. 1, do mesmo Codigo), impõe-se, a meu ver, atribuir a norma do artigo 1094 o mesmo sentido que o legislador entendeu atribuir a do artigo 1782, n. 1 (ou 1786, n. 1).<br> Joaquim Figueiredo.</font></font>
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EDIQvIYBgYBz1XKvk4i2
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font>Acordam em Tribunal Pleno do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> I)- 1 - O Exmo. Magistrado do Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 776 e 764 do C.P.C., interpôs recurso para o Tribunal Pleno do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Junho de 1988, proferido no processo de regulação do poder paternal n. 8-A/84 do Tribunal Judicial de Viana do Castelo (recurso n. 21837 daquela Relação, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, n. 378. pag. 783), com o fundamento de tal aresto estar em oposição com o acórdão do mesmo Tribunal da Relação, de 28 de Janeiro de 1988, proferido no processo de regulação do poder paternal n. 99-A/88 (recurso n. 22729 daquela Relação) também do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, encontrando-se este acórdão publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XIII,</font><br> <font><br> Tomo I, pag. 201.</font><br> <font><br> Segundo o Ilustre Magistrado a oposição reside no facto de no primeiro aresto, se ter decidido que, pedindo o Ministério Público, em acção para nova regulação do poder paternal, apenas a alteração da prestação alimentícia a cargo de um dos progenitores fixada em anterior acção de alimentos, o outro progenitor é parte ilegítima, enquanto no segundo, em idêntica situação se decidiu em sentido contrário, por haver um litisconsórcio necessário passivo.</font><br> <font><br> 2 - Seguiu o processo os seus termos regulares.</font><br> <font><br> A folhas 38 e seguintes, decidiu-se, por acórdão de 12 de Maio de 1992, na questão preliminar, que havia oposição entre dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, tendo ambos os acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação, já que, durante o intervalo da sua prolação, não ocorreu qualquer modificação legislativa que interferisse, directa ou indirectamente, na questão de direito controvertida, sendo em ambos os acórdãos idêntica a situação de facto, já que o menor estava confiado aos cuidados da mãe e o devedor dos alimentos era o pai.</font><br> <font><br> 3 - A folhas 42 e seguintes encontram-se juntas as alegações do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nas quais se conclui com a proposta da formulação do assento a proferir.</font><br> <font><br> O recorrido não contra-alegou.</font><br> <font><br> II)- 1 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br> Previamente, há que referir, nos termos do n. 3 do artigo 766 do C.P.C. que existe a oposição de acórdãos reconhecida no acórdão da secção.<br> Em nenhum dos processos referidos era admissível recurso de revista ou de agravo para este S.T.J. por motivo estranho à alçada do tribunal (artigos 150 da O.T.M. - Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro e n. 3 do artigo<br> 764 do C.P.C.) pelo que era admissível recurso para o Supremo, funcionando em tribunal pleno, dos dois acórdãos em oposição.<br> 2 - De harmonia com o disposto no n. 1 do artigo 182 da O.T.M., quando se torne necessário alterar o que estiver estabelecido, por acordo ou por decisão final, na regulação do poder paternal dos menores, qualquer dos progenitores ou o curador podem requerer ao tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal.<br> A questão a decidir aqui é precisamente a de saber se, estando apenas um dos pais sujeito à prestação de alimentos ao menor, essa acção de alteração da regulação do poder paternal proposta pelo Ministério Público deve ser também intentada contra o outro pai.<br> No acórdão, em que se decidiu pela ilegitimidade do progenitor não sujeito à prestação de alimentos, argumentou-se que este progenitor não tinha interesse directo em contradizer, porque a sua esfera jurídica em nada podia ser atingida com a procedência do pedido, sendo, pelo contrário, esse progenitor sempre beneficiado com a condenação do requerido.<br> Ao invés no outro acórdão em oposição considerou-se o seguinte: o único interesse directo em jogo na acção é o do menor que o Ministério Público representa e não o da sua mãe, pelo que ambos os progenitores devem ser ouvidos sobre tudo o que lhe respeita (art. 1878 CC); a alteração da pensão de alimentos reflecte-se, ainda que indirectamente no próprio progenitor que tem a seu cargo, o menor. O processo é de jurisdição voluntária, pelo que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, verifica-se litisconsórcio necessário passivo, porque, embora aparente e directamente nada se peça contra o progenitor que tem a seu cargo o menor, ele tem na realidade inequívoco e absoluto interesse na alteração, a qual se repercute na sua economia.</font><br> <font><br> 3 - Nos termos do n. 1 do artigo 1878 do C.CIV., compete a ambos os pais prover ao sustento dos filhos menores.</font><br> <font><br> Nos casos de divórcio, separação de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento e na separação de facto dos pais, essa obrigação mantém-se (artigos 1905 e 1909 do C.CIV.).<br> De harmonia com o disposto no n. 3 do artigo 36 da Constituição da República Portuguesa, "os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos. Consagra-se aqui o princípio da igualdade dos cônjuges quanto a direitos e deveres.</font><br> <font><br> Foi o Decreto-Lei 497/77, de 25 de Novembro, que veio harmonizar o C.CIV. com a Constituição da República Portuguesa e no n. 35 do seu preâmbulo explica a disciplina do exercício do poder paternal informado pelo princípio constitucional da igualdade dos cônjuges quanto aos poderes e deveres relativamente aos filhos.</font><br> <font><br> Quando em nova regulação do poder paternal se vem pedir a alteração dos alimentos devidos ao filho menor de pais separados ou divorciados contra o progenitor que os presta, esse pedido pode ser formulado pelo outro progenitor ou pelo Curador de Menores (artigo 186 da O.T.M.). Se a acção é proposta pelo Curador, terá que ser intentada também contra o outro progenitor, porque a natureza da relação jurídica assim o exige para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.<br> Com efeito, como os pais estão de igual modo obrigados a alimentar os filhos menores, cada um deles tem um interesse directo na fixação do montante com que o outro contribuirá para esse fim, pois quanto ao que cada um não dará, nem poderá dar, terá o outro que suprir essa falta na medida das suas possibilidades.</font><br> <font><br> Por outro lado, não se pode decidir nada quanto a qualquer conteúdo do poder paternal, sem que os seus dois titulares sejam demandados.<br> Mas, há mais. Como a regulação do poder paternal foi decidida, tendo ambos os pais na acção como partes é lógico que qualquer alteração só poderá ser tomada com os dois presentes como partes na nova acção.<br> Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do n. 2 do artigo 28 do C.P.C., pelo que a falta de intervenção na acção de um dos progenitores é motivo de ilegitimidade.</font><br> <font><br> 4 - Para o acórdão em que se decidiu a ilegitimidade do progenitor não sujeito à prestação de alimentos, o argumento ali usado foi o de que, nada sendo pedido contra ele, a sua esfera jurídica em nada podia ser atingida.<br> Quer dizer, nesta visão do problema a legitimidade só poderia aferir-se pelo facto de ser dirigido um pedido contra alguém.</font><br> <font><br> Mas, esta não é a concepção legal, pois é o próprio artigo 26 do C.P.C. (onde se expressa o conceito de legitimidade), que nos diz que é do interesse em demandar ou em contradizer que deriva tanto a legitimidade activa como a passiva (seu n. 1). O n. 2 desse artigo 26 refere que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e que o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.</font><br> <font><br> E o progenitor não sujeito à prestação de alimentos podia sofrer prejuízos se não interviesse na acção, se não pudesse articular as razões quanto à fixação do novo montante de alimentos a pagar pelo outro progenitor ao filho menor de ambos.</font><br> <font><br> O Prof. Antunes Varela diz-nos que a lei define a legitimidade (como poder de dirigir o processo) através da titularidade do interesse em litígio ("Manual de Processo Civil", edição de 1984, pag. 128).<br> E no caso trata-se de nova regulação do poder paternal quanto à fixação dos alimentos devidos pelo progenitor que não tem à sua guarda o menor. A regulação do poder paternal é da titularidade de ambos os pais e nada se pode decidir a este respeito sem serem ouvidos ambos.<br> 5 - A alteração do regime estabelecido na regulação do poder paternal está prevista no artigo 182 da O.T.M. e é uma das características dos processos de jurisdição voluntária (artigo 1411 do C.P.C.). E os processos tutelares cíveis são considerados de jurisdição voluntária (artigo 150 da O.T.M.).<br> Mas, o facto de se tratar de um processo de jurisdição voluntária em nada interfere nos pressupostos processuais, designadamente quanto à legitimidade das partes (artigos 1410 e seguintes do C.P.C.; Prof. Alberto dos Reis, "Processos Especiais", vol. II, pags. 307 e seguintes).</font><br> <font><br> 6 - Como consequência do exposto formula-se o seguinte assento:<br> "Sob pena de ilegitimidade, por se tratar de um litisconsórcio necessário, deve ser proposta também contra o progenitor que tenha a seu cargo a guarda do menor, a acção intentada pelo Ministério Público para nova regulação do poder paternal para alteração da pensão de alimentos devida ao menor pelo outro progenitor."</font><br> <font><br> 7 - Este assento não tem influência alguma no acórdão recorrido.<br> Sem custas, nos termos do n. 1 do artigo 37 do Código das Custas Judiciais.<br> </font><br> <font>Lisboa, 4 de Julho de 1995.</font><br> <font><br> Santos Monteiro.</font><br> <font><br> Oliveira Branquinho.</font><br> <font><br> Sá Ferreira (com a declaração de preferência pela redacção proposta pelo Exmo. Cons. Lopes Pinto).</font><br> <font><br> Mário Cancela.</font><br> <font><br> Sampaio da Nóvoa.</font><br> <font><br> Costa Nunes.</font><br> <font><br> Joaquim de Matos.</font><br> <font><br> Sousa Inês.</font><br> <font><br> Afonso de Melo.</font><br> <font><br> Lopes Rocha.</font><br> <font><br> Costa Soares.</font><br> <font><br> Metello de Nápoles.</font><br> <font><br> Correia de Sousa.</font><br> <font><br> Herculano Lima.</font><br> <font><br> Carvalho Pinheiro (com a declaração de preferência pela redacção proposta pelo Senhor Cons. Lopes Pinto).</font><br> <font><br> Araújo dos Santos.</font><br> <font><br> Nunes da Cruz (com a declaração de preferência pela redacção proposta pelo Senhor Conselheiro Lopes Pinto).</font><br> <font><br> Vaz dos Santos.</font><br> <font>Lopes Pinto (Daria ao assento a seguinte redacção -- " a alteração da pensão de alimentos devidos a menor pedida pelo aresto deverá, por se configurar litisconsórcio necessário, na proposta contra ambos os progenitores").<br> Cortez Neves.</font><br> <font><br> Ferreira Vidigal.</font><br> <font><br> Torres Paulo.</font><br> <font><br> Pedro Marçal.</font><br> <font><br> Miguel Montenegro.</font><br> <font><br> Figueiredo de Sousa.</font><br> <font><br> Fernando Fabião (Vencido consoante declaração de voto que junto).<br> </font><br> <font>César Marques.</font><br> <font><br> Sá Nogueira.<br> </font><br> <font>Roger Lopes.<br> </font><br> <font>Ramiro Vidigal.<br> </font><br> <font>Martins da Costa.<br> </font><br> <font>Pais de Sousa.<br> </font><br> <font>Miranda Gusmão (com a declaração de que daria ao assento a seguinte redacção: "a acção intentada pelo Ministério Público para nova regulação do poder paternal com vista à pensão de alimentos devida por um progenitor deva ser intentada contra ambos os progenitores, sob pena de ilegitimidade passiva")<br> </font><br> <font>Sá Couto (com a declaração de voto do Exmo. Cons. Gusmão de Medeiros)<br> </font><br> <font>Silva Reis.<br> </font><br> <font>Cardona Ferreira.<br> </font><br> <font>Carlos Caldas (Vencido pelas razões expostas pelo Exmo. Conselheiro </font><br> <font>Fernando Fabião).<br> </font><br> <font>Declaração de Voto.<br> Votei vencido, porque entendo que o progenitor não sujeito a prestação de alimentos é parte ilegítima na acção intentada pelo Ministério Público contra o outro progenitor, para alteração da prestação de alimentos devidos ao menor, pelas razões seguintes: a) o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer (artigo 26 n. 1 do C.P.C.) interesse directo, fixa-se, e não meramente reflexo, e o progenitor a quem não é fixada a alteração da pensão alimentar não tem interesse directo em contradizer; b) aliás, esse progenitor contra o qual nada é pedido e à guarda de quem presumivelmente estará o menor sempre poderá intervir no processo como assistente, ao lado do Ministério Público, nos termos do artigo 335 do C.P.C.; c) Tanto o n. 3 do artigo 182 como o n. 2 do artigo 187, ambos da O.T.M., falam em requerido apenas, o que deixa adivinhar que do lado passivo da acção está apenas o progenitor obrigado à prestação alimentar para além de que este último texto manda notificar para a conferência a pessoa que tiver o merecer à sua guarda, se não for o autor, o que aponta no mesmo sentido e significa que o progenitor não obrigado à prestação alimentar também assiste à conferência; d) o artigo 186 n. 1 do O.T.M. admite que o progenitor a quem não é feito o pedido seja o requerente do processo como representante legal ou pessoa à guarda de quem o menor está, o que dá a entender que esse progenitor, a intervir, o faça do lado activo; e) o julgador só poderá usar dos poderes conferidos pelo artigo 1410 do C.P.C., ou seja, não obedeceu aos critérios de legalidade estrita, se tal improcede a conveniência ou a oportunidade em nome dos interesses do menor, mas, para tal, não há necessidade de violar o disposto sobre a legitimidade dos factos no citado artigo 26 do C.P.C.</font></font>
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EDIzvIYBgYBz1XKvRcCv
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ):</font><br> <font><br> I - Relatorio</font><br> <font><br> 1 - A e mulher, recorreram para o tribunal pleno do Acordão do STJ de 26 de Janeiro de 1984 (folhas 7 a folhas 22), para o que alegaram estar o mesmo em contradição com o de 21 de Dezembro de 1982 (tambem do STJ), publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 322, paginas 333 e seguintes. E esta oposição incidiria sobre a mesma questão fundamental de direito, pois ambos decidiram acerca da nulidade (ou não) do titulo constitutivo da propriedade horizontal quando este violar ou infringir o projecto aprovado pela camara municipal quanto ao destino das partes componentes do predio urbano.</font><br> <font><br> Assim, o acordão recorrido decidiu que a referida violação acarretava a nulidade parcial do titulo em causa por aplicação dos artigos 292 e 294 do Codigo Civil (CC), enquanto o acordão-fundamento optou por tese oposta, uma vez que so importava nulidade do titulo a falta neste dos requisitos legais mencionados no artigo 1415 do mesmo Codigo Civil.<br> 2 - O acordão a folhas 41 reconheceu a existencia dos pressupostos ou requisitos exigidos pelo artigo 763 do Codigo de Processo Civil (CPC), pelo que o recurso prosseguiu os seus termos. Então, os recorrentes apresentaram alegação, propondo a revogação do acordão e a consequente emissão de assento no sentido de não ser nulo o titulo constitutivo de propriedade horizontal quando nele seja dada a certa fracção ou fracções autonomas destino diferente do constante do projecto aprovado pela autarquia local. De opinião oposta e a recorrida (administração do Edificio Tagus). O Ministerio Publico (MP) pronunciou-se no sentido de não haver oposição de julgados, mas, se assim não se vier a entender, sustenta a manutenção do acordão impugnado, propondo este assento:<br> O titulo constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal e afectado por nulidade na parte em que infrinja os artigos 1415 ou 294 do Codigo Civil, este ultimo, nomeadamente, por violação de normas imperativas de interesse e ordem publica constantes do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).</font><br> <font><br> II - Discussão e fundamentação</font><br> <font><br> 1 - Importa reexaminar o problema de oposição relevante entre os dois acordãos, pois a lei assim o impõe (artigo 766, n. 3, do Codigo do Processo Civil) e, no caso concreto, quer o Ministerio Publico, quer a recorrida discordam do decidido sobre tal questão preliminar. Salvo o merecido respeito, neste aspecto não tem razão, pois ambos os arestos decidiram sobre as implicações juridicas resultantes da desconformidade (quanto ao destino de certa fracção autonoma) entre o projecto aprovado pela camara municipal e o titulo constitutivo da propriedade horizontal. Isto, por um lado. Por outro, o acordão-fundamento decidiu que, em tal caso, o titulo e totalmente valido, enquanto na decisão recorrida a conclusão foi a oposta, ou seja, a nulidade parcial daquele. Acresce que, no intervalo entre os dois acordãos, não foi proferida modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. Finalmente, as situações de facto são identicas: no de 1982, o projecto camarario destinou a cave do imovel a estacionamento privativo dos inquilinos e o titulo afectou-a a armazem; no acordão recorrido, a decisão da camara destinou todo o predio a habitação e o titulo conferiu a uma das fracções (o res-do-chão) a utilização como atlier.</font><br> <font><br> 2 - Esta em causa saber qual a interpretação a dar ao artigo 1416, n. 1, do Codigo Civil, isto e, a expressão "falta de requisitos legalmente exigidos" abrange tão-so os enunciados no artigo 1415 do mesmo Codigo Civil (constituirem as fracções autonomas unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saida propria para uma parte comum ou para a via publica) ou tambem "os concretizados pelas competentes autoridades camararias, de acordo com as normas que regem as construções urbanas". Como decorrencia desta questão, importa saber qual a consequencia da nulidade, no caso, como e evidente, de esta existir.</font><br> <font><br> 3 - A solução contraria a do acordão recorrido (não atribuir, no plano da invalidade, qualquer consequencia a desconformidade entre o destino conferido a fracção autonoma pelo projecto aprovado pela camara municipal e o negocio juridico constitutivo da propriedade horizontal) tem de aceitar, pelo menos, a possibilidade de as autarquias locais ordenarem a demolição ou o embargo administrativo das obras executadas em desconformidade com o disposto nos artigos 1 a 7 do RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n. 38382, de 7 de Agosto de 1951, bem como o despejo sumario dos inquilinos e demais ocupantes das edificações ou parte das edificações utilizadas sem as respectivas licenças ou em contradição com elas, pois isto resulta do artigo 165 do citado RGEU (redacção do Decreto-Lei n. 44258, de 31 de Março de 1962).</font><br> <font><br> Consequentemente, a tese oposta a do acordão recorrido consistiria, por um lado, no reconhecimento da validade do negocio juridico constitutivo da propriedade horizontal e, por outro, na permissão de a camara municipal sumariamente despejar o inquilino e ocupantes da fracção quando verificasse a desconformidade entre a utilização prevista naquele titulo e aquela que esta destinada para os diferentes compartimentos no projecto aprovado (artigo 6 do RGEU).</font><br> <font><br> Esta chocante consequencia constitui o primeiro sinal de alarme para se tentar harmonizar o nosso sistema juridico, tanto mais que tal harmonia existe, quer com base no Codigo Civil, quer com fundamento noutras disposições legais. Com efeito, o artigo 13 do Decreto-Lei n. 148/81, de 4 de Junho (em vigor entre as datas dos dois acordãos e hoje revogado pelo artigo 51, n. 1, do Decreto-Lei n. 13/86, de 23 de Janeiro, mas com a sua doutrina mantida no artigo 44 deste diploma), dispõe "não poderem ser celebrados contratos que envolvam a transmissão de propri. de predios urbanos destinados a habitação sem que se faça perante o notario prova suficiente da existencia da correspondente licença de construção , ou de habitação, quando exigivel, da qual se fara sempre menção na escritura". A seguir-se a doutrina contraria a do acordão em recurso, o negocio juridico modificativo da utilização de certa fracção autonoma e em desconformidade com o projecto aprovado, apesar de valido, impediria, por exemplo, a compra e venda daquele andar ou fracção.</font><br> <font><br> Acresce que, nos termos do artigo 1 do Decreto-Lei n. 329/81, de 4 de Dezembro, "so poderão ser efectuadas escrituras de arrendamento para comercio, industria ou profissão liberal mediante a apresentação pelo locador de licença camararia donde conste ser essa a finalidade do imovel ou que autorize a mudança de finalidade". Ora, tambem daqui se retira outro argumento no sentido da importancia fundamental da conformidade entre a utilização de facto e aquela que e permitida pela camara municipal, e tudo isto, como consta do preambulo do citado Decreto-Lei n. 329/81, com vista a permitir "as camaras municipais prosseguir uma politica de ordenamento urbanistico".</font><br> <font><br> 4 - O exposto no n. 3 precedente conduz-nos ao campo dos principios fixados no Codigo Civil que, como se vera, esta em sintonia com os restantes diplomas legais. Resulta dos artigos 3, 6, 8 e 165 do RGEU a necessidade de os projectos de construção indicarem sempre "o destino da edificação e a utilização prevista para os diferentes compartimentos". Ora, parece evidente que o interesse subjacente a toda esta disciplina e o interesse publico prosseguido pelas camaras minicipais. Nos termos do artigo 266, n. 1, da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), a Administração Publica (esta entendida como toda a Administração Publica, incluindo a administração central, a regional e a local, tal como e defendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira , Constituição Anotada,<br> 2 Edição, 2 Volume , paginas 417) visa a prossecução do interesse publico e, como ensina Servulo Correia (Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, paginas 297), a unica garantia de que assim seja efectivamente em cada acto concreto praticado pela Administração e a de que não seja deixada casuisticamente ao seu autor a definição e a escolha do interesse a prosseguir. Tal opção, continua o referido professor , deve anteceder logica e cronologicamente a definição das situações juridico-administrativas concretas. De acordo com as citadas normas legais, as camaras municipais não escolhem discricionariamente o interesse publico a prosseguir, pois este esta predeterminado em função de criterios gerais, como sejam os da urbanização, estetica, segurança e equilibrio economico das construções que licenciam.</font><br> <font><br> Por tudo isto e que o artigo 294 do Codigo Civil considera como nulos os negocios juridicos celebrados contra disposição legal de caracter imperativo, aqui equiparada a norma de interesse e ordem publica, tal como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado, volume I, 4 edição, paginas 269). Por tudo isto e que o desrespeito pelas licenças emitidas em conformidade com as normas imperativas do RGEU envolve ilegalidade do titulo constitutivo.</font><br> <font><br> Por tudo isto e que, coerentemente, se tem de incluir entre os "requisitos legalmente exigidos" referidos no artigo 1416, n. 1, do Codigo Civil "os concretizados pelas competentes autoridades camararias, de acordo com as normas que regem as construções urbanas" (cf. Pessoa Jorge, parecer a folhas 55 e seguintes deste processo).</font><br> <font><br> Por tudo isto e que o artigo 1416, n. 2, do Codigo Civil "estende ao Ministerio Publico a legitimidade para arguir a nulidade sobre participação da entidade publica a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções". Por Tudo isto e que a falta dos requisitos do artigo 1415 não esgota as causas de nulidade do titulo e dai a latitude da expressão "requisitos legalmente exigidos" contida no artigo 1416.</font><br> <font><br> 5 - A consequencia da nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal e, em principio, a sujeição ao regime da compropriedade (artigo 1416 do Codigo Civil), mas esta conclusão e apenas parcialmente verdadeira, pois, como se diz no referido parecer de Pessoa Jorge, e suficiente pensar na hipotese de a constituição daquela propriedade horizontal resultar de acto unilateral do proprietario, "caso em que a nulidade do titulo implica a subsistencia do regime de propriedade singular". Assim, o artigo 1416 visa o caso de ser constituido "o regime de propriedade horizontal de um predio, com a aquisição de fracções por varias pessoas, e verificar-se depois a nulidade do titulo". Esta solução (aproveitamento do negocio juridico) esta, alias, de harmonia ou tem similitude com casos, como o presente, de nulidade parcial, expressamente decidida pelo acordão recorrido.</font><br> <font>6 - A tese de que o artigo 1419 do Codigo Civil, ao permitir a modificação por unanimidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal, esta a pressupor a legalidade da desconformidade entre o projecto aprovado e o novo destino das respectivas fracções e, salvo o merecido respeito, claramente errada. A declaração unilateral do proprietario do edificio, ao constituir aquela propriedade por fracções autonomas, esta condicionada, como ja se referiu, pelas decisões da entidade publica (actos administrativos definitivos e executorios e, como assim, tomados na prossecução do interesse publico). Por consequencia, qualquer alteração a essa constituição inicial esta naturalmente sujeita ao mesmo condicionalismo, pelo que a referida tese incorre em autentica petição de principio.<br> 7 - Muito do exposto foi baseado na argumentação desenvolvida pelos ilustres conselheiros Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca a proposito de problemas semelhantes e ate do caso concreto (cf. Da Propriedade Horizontal, 5 edição, 1988, paginas 148 a 152).<br> III - Decisão<br> Nos termos expostos, confirma-se o douto acordão recorrido e formula-se o seguinte assento:<br> Nos termos do artigo 294 do Codigo Civil, o titulo constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal e parcialmente nulo ao atribuir a parte comum ou a fracção autonoma do edificio destino ou utilização diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela camara municipal.<br> Custas pelos recorrentes.<br> </font><br> <font>Lisboa, 10 de Maio de 1989</font><br> <br> <font>- Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel<br> - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida<br> - Antonio Soares Tome - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves -<br> - Mario Sereno Cura Mariano - Jose Saraiva - Jose Isolino Enes Calejo - Jose Manuel de Oliveira Domingues - Eliseu Rodrigues Figueira Junior - Adelino Barbosa de Almeida -<br> - Jose Alexandre Paiva Mendes Pinto - Vasco Eduardo Crispiniano Correia de Lacerda Abrantes Tinoco - Afonso de Castro Mendes - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva -<br> - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Flavio Parreira da Trindade Pinto Ferreira - Jorge da Cruz Vasconcelos - Jose Henrrique Ferreira Vidigal - João Solano Viana (vencido, pelas razões constantes da declaração de voto que junto) - Silvino Alberto Villa Nova (vencido, pelos fundamentos constantes da declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Solano Viana) - Augusto Tinoco de Almeida (vencido, por entender que a nulidade do titulo so deveria decretar-se quando o destino ou utilização em causa ofendam o interesse e ordem publicos) - Manuel Augusto Gama Prazeres (vencido pelas razões aduzidas pelo Excelentissimo Colega Doutor Solano Viana) - Fernando Maria Xavier de Figueiredo Brochado Brandão (vencido em parte, conforme declaração anexa) Jorge de Araujo Fernandes Fugas (vencido, de harmonia com a declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Solano Viana) - Alberto Baltazar Coelho (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Fernando Heitor Barros de Sequeiros (vencido, nos mesmos termos do Excelentissimo Conselheiro Solano Viana) - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo (vencido, por ter concordado com os fundamentos invocados pelo Senhor Conselheiro Solano Viana ) - (Tem votos de vencido dos Excelentissimos Conselheiros Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro, Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro, Jose Alfredo Soares Manso Preto, Salviano Francisco de Sousa e Mario Augusto Fernandes Afonso, que não assinaram por não se encontrarem presentes).<br> Declaração de Voto<br> Esta em causa neste recurso a determinação das consequencias de a escritura de constituição da propriedade horizontal não respeitar o destino dado a fracção autonoma no projecto do edificio aprovado pela camara municipal.<br> Acarretara ou não tal desrespeito a nulidade parcial dessa escritura?<br> No artigo 1416 do Codigo Civil estabelece-se que a falta de requisitos legalmente exigidos para a propriedade horizontal importa a nulidade do titulo constitutivo da mesma propriedade e a sujeição do predio ao regime de compropriedade, pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada nos termos do artigo 1418 ou, na falta de fixação, da quota correspondentes ao valor relativo da sua fracção (n. 1), tendo legitimidade para arguir a nulidade do titulo os condominos e tambem o Ministerio Publico, sobre a participação da entidade publica a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções (n. 2).<br> Assim, quando no titulo de constituição da propriedade horizontal se deixarem de observar os requisitos impostos pela lei para tal constituição - requisitos esses constantes dos artigos 1414 e 1415 do Codigo Civil -, o regime de nulidade dai resultante e o que se encontra estabelecido no citado artigo 1416 n. 1, do Codigo Civil.<br> Sempre que no titulo constitutivo da propriedade horizontal se da a fracção autonoma destino diferente daquele que consta do projecto aprovado pela camara municipal, não e de considerar nulo nessa parte tal titulo, ja que não e requisito legal da constituição da propriedade horizontal a indicação do destino das fracções autonomas.<br> O desrespeito do projecto não conduz a nulidade parcial do titulo por ofensa da disposição legal de caracter imperativo (artigo 294 do Codigo Civil).<br> Dispõe-se no artigo 6 do RGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n. 38382, de 7 de Agosto de 1951, que nos projectos de novas construções e de reconstrução, ampliação e alteração de construções existentes serão sempre indicados o destino da edificação e a utilização prevista para os diferentes compartimentos.<br> E no artigo 2 do mesmo Regulamento diz-se que a execução dessas obras e trabalhos não pode ser levada a efeito sem previa licença das camaras municipais, as quais incumbe tambem a fiscalização do cumprimento das disposições desse Regulamento.<br> Estabelecem-se regras para a realização de obras de construção, submetendo-as a previo licenciamento das camaras municipais, e punindo-se com multa a execução de qualquer obra em desacordo com os termos de tal Regulamento ou com o projecto aprovado ( artigo 161), podendo ainda as camaras ordenar, independentemente da aplicação da tal penalidade, a demolição ou o embargo administrativo das obras executadas em desconformidade com o Regulamento ou o projecto, bem como o despejo sumario dos inquilinos e demais ocupantes das edificações utilizadas sem as respectivas licenças ou em desconformidade com elas (artigo 165).<br> Trata-se de disposições em que se regulamenta a execução de obras de construção e reconstrução, sujeitando-as a licença das camaras municipais, e onde se estabelecem sanções de varia ordem para a violação de tais normas.<br> As normas do RGEU tem em vista assegurar as condições de segurança, estetica e salubridade das edificações, submetendo-as a licenciamento e fiscalização das camaras municipais.<br> Nada leva a considerar que, se, em escritura de constituição da propriedade horizontal de imovel, se atribuir as fracções autonomas deste destino diferente do que consta do projecto aprovado pela camara municipal em obdiencia ao citado Regulamento, dai resulte a nulidade de tal estipulação.<br> Não se deve confundir a construção de edificio sem as devidas condições de segurança, estetica e salubridade, construção essa que acarreta as sanções atras referidas, e a estipulação em titulo constitutivo da propriedade horizontal de destino da fracção autonoma distinto do que consta do projecto de edificio.<br> De resto, como se nota no Acordão de 21 de Dezembro de 1982, o titulo constitutivo de propriedade horizontal pode ser modificado por escritura publica, havendo acordo de todos os condominos (artigo 1419 do Codigo Civil), pelo que, nada obstando a que se altere o fim a que se destinam as fracções autonomas, e admissivel que tal fim seja diferente daquele que e indicado no projecto do edificio aprovado pela camara municipal.<br> A atribuição de legitimidade para arguir a nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal não so aos condominos, mas tambem ao Ministerio Publico, sob participação da entidade publica a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções (n. 2 do artigo 1 416 do Codigo Civil), apenas significa que o Ministerio Publico pode usar de tal faculdade no caso previsto no n. 1 desse artigo 1416, isto e, quando se verificar falta dos requisitos legalmente exigidos para a constituição da propriedade horizontal, que, como atras se referiu, constam dos artigos 1414 e 1415 do mesmo Codigo.<br> Entendo, assim, que não deve ser declarada a nulidade, ainda que parcial, do titulo constitutivo da propriedade horizontal que atribua as fracções autonomas do edificio destino diferente daquele que consta do respectivo projecto aprovado pela camara municipal, do que resultaria o provimento do recurso - João Solano Viana.<br> Declaração de voto<br> Os "requisitos legais" de que se fala [ver o artigo 1416 e Codigo do Notariado - artigo 74, alineas b) e c)] são os do artigo 1415 e todos os que violem normas imperativas (idem - artigos 280 e 294). So essa violação constitui verdadeira nulidade.<br> O RGEU tem a ver com outras realidades de imperatividade geral, como a segurança e a estetica. E as "aprovações camararias" contam-se nos limites expostos, não definindo direitos nem criando proibições (limitam-se a uma primeira verificação da correspondencia com a lei).<br> Ha assim que ser casuista e ver do que se trata no concreto.<br> Na hipotese, a mudança de destino não colidia em norma imperativa. Dai votar a revogação do acordão recorrido.<br> Mas, em obediencia a "imperatividade", formularia assento onde se dissesse não haver nulidade na "atribuição de destino diferente" simples, salvo se isso for contra o interesse publico ou a imperatividade (por exemplo, isso sucederia na transformação de garagem comum em armazem, discoteca, etc).<br> Dai a minha posição equidistante da tese vencedora e da vencida.<br> - Pedro de Lemos e Sousa Macedo.<br> Declaração de voto:<br> Entendi, na senda dos pareceres juntos aos autos, não haver entre o acordão fundamento e o acordão recorrido a requerida oposição para que se pudesse tirar assento.</font><br> <font>Na verdade, no acordão-fundamento cuidou-se de uma alteração do destino de uma cave, que era "de estacionamento privativo dos inquilinos" no projecto aprovado e passou a ser, de acordo com a escritura da constituição da propriedade horizontal, de armazem.<br> Pois bem, tanto quanto nos garante o indicado aresto, não so ninguem questionou que o novo destino não fosse, em si mesmo, legal e adequado a respectiva fracção, mas ainda nele se afirmaram, repetida e expressamente, estas legalidades e adequação.<br> Por isso, encarando o diferendo nestes parametros - e, note-se bem, fora dentro deles que a recorrente, na revista onde foi proferido o acordão-fundamento, o colocou, ao indicar apenas como disposições violadas os artigos 1415 e 1417 do Codigo Civil -, no dito aresto decidiu-se, com base unicamente nos artigos 1415, 1416, 1417, 1419 e 1422, alinea c), daquele Codigo, não se encontrar ferido de nulidade o negocio constitutivo da respectiva propriedade horizontal.<br> Esta tomada de posição, dentro do campo em que se moveu, parece-me de inquestionavel acerto, tendo granjeado o apoio de Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, volume III, 2 edição, pagina 401.<br> Mas de inquestionavel acerto me parecer ser tambem o julgado no acordão recorrido, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 333, paginas 457, de constituir nulidade, por ofensa dos preceitos regulamentares de interesses e ordem publica (RGEU), afectando o titulo constitutivo de propriedade horizontal, o facto de se ter designado, nesse titulo, como fracção autonoma e com destino e utilização proprios uma dependencia que, a luz do projecto e da licença de loteamento, era tido como gabinete de administração, portanto parte comum do predio.<br> Esta nulidade não atinge a totalidade do negocio, mas apenas a parte do titulo constitutivo de propriedade horizontal em que se menciona aquela dependencia como fracção autonoma.<br> E que aqui entendeu-se que, em função do "alvara de loteamento para a Urbanização da Portela", a alteração conseguida na constituição da propriedade horizontal do que constava do projecto aprovado ofendera o interesse geral e normas imperativas do RGEU, motivo por que o problema sub judice foi equacionado e resolvido, fundamentalmente, face a violação do disposto nos artigos<br> 6, 8 e 165 daquele Regulamento e por aplicação dos artigos 292 e 294 do Codigo Civil.<br> Quer dizer: as situações de facto e de direito apreciadas no acordão recorrido não se compaginam - bem ao contrario - com as situações daqueles tipos julgadas no acordão-fundamento.<br> Neste tratou-se de uma situação no ambito dos puros interesses privados na disciplina da propriedade horizontal, pelo que os respectivos preceitos não representam normas imperativas, antes se configuram como normas na disponibilidade das partes; naquele outro, ou seja, no acordão recorrido, cuidou-se de uma situação desrespeitadora de normas imperativas de interesse publico, o que vale por dizer de normas fora da disponibilidade das partes.<br> Contra o precedentemente exposto não se diga que o cerne da questão em debate esta em saber se não havera sempre violação de normas imperativas quando, na constituição da propriedade horizontal, se desrespeitam os destinos das fracções indicadas no projecto aprovado.<br> E isto por duas ordens de razões.<br> A primeira consiste em, para mim, haver alterações do projecto aprovado quanto ao destino das fracções que, para alem de não exigirem quaisquer obras, não colidem minimamente com normas de natureza imperativa. Pense-se nas seguintes hipoteses - e muitas outras podiam ser indicadas: predio em que, de acordo com o projecto, todas as fracções autonomas são destinadas a habitação e no negocio constitutivo da propriedade horizontal uma das fracções passa a ser afectada a habitação do porteiro ou a habitação e tambem a consultorio medico ou a escritorio de advogado.<br> A segunda e a de que o aspecto posto na objecção não aparece apreciado, e muito menos decidido, no acordão recorrido ou no acordão-fundamento, pelo que, tambem neste campo, não ha oposição entre eles.<br> Pelo que fica exposto, salvo o devido respeito pela opinião que fez vencimento, não havendo a requerida oposição, o meu voto foi no sentido de não se dever nem se poder tirar assento. - Alberto Baltazar Coelho.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A e outros propuseram, na Comarca de Cascais, acção ordinária contra B e contra Clínica de Cascais, Lda, pedindo que os réus sejam condenados a cessar imediatamente a utilização como centro clínico da fracção autónoma designada pela letra E, correspondente à cave esquerda do prédio urbano sito na Avenida Adelino Amaro da Costa 728, em Cascais.<br> Os réus contestaram por impugnação e, em recurso pedem a condenação dos A.A. como litigantes de má fé.<br> Responderam os A.A., alegando existir invocação de excepção por parte da Ré B.<br> Seguiu o processo seus tramites vindo a ser proferida decisão a julgar improcedente a acção.<br> Em recurso interposto pelos A. A. o Tribunal da Relação revogou a sentença da 1 instância, julgando a acção procedente.<br> Recorrem as Rés para este Supremo Tribunal de Justiça alegando o Centro Clínico de Cascais:<br> 1 - a recorrente obteve certidão da Câmaca Municipal de Cascais, pela qual esta entidade certificou não existir inconveniente em que a fracção E do imóvel sito na Avenida Engenheiro Adelino Amaro da Costa, n. 728, em Cascais, fosse utilizado como consultório médico e escritório de administração;<br> 2 - face à doutrina constante da fundamentação do Assento publicado no Diário da República, I série, de 15 de Julho de 1989, a utilização das fracções de prédios constituídos em propriedade horizontal deverá ser conforme ao teor do projecto aprovado pelos Câmaras Municipais, cabendo a estas entidades a fiscalização dessa conformidade;<br> 3 - são as Câmaras Municipais as entidades com competência para certificar se a utilização dada a uma fracção é conforme ao projecto e, consequentemente, ao título constitutivo da propriedade horizontal;<br> 4 - a recorrente instalou no imóvel um conjunto de consultórios médicos, apoiados por uma sala de pequena cirurgia e uma secretária;<br> 5 - ao conjunto de consultórios referido no número anterior, deu a designação de Centro Clínico;<br> 6 - sendo a actividade do médico uma actividade de prestação de serviços é um verdadeiro escritório, que nos termos dos usos e costumes da profissão médica, assume a designação de consultório;<br> 7 - o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto nos artigos 1420 e 1422, n. 1 c) do Código Civil.<br> Por sua vez, a recorrente B refere nas suas alegações:<br> 1.1 o que se encontra instalado na fracção autónoma designada pela letra E consubstancia um mero exercício de consultas médicas (medicina ambulatória), a par de pequena cirurgia e serviços de enfermagem, tudo com o apoio do Hospital da Cruz Vermelha;<br> 2.1 este uso da fracção integra-se no fim para que a mesma foi destinada e está de acordo com o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Cascais, conforme foi certificado por esta, no domínio dos poderes que lhe são reconhecidos pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1989;<br> 3.1 foi demonstrado que a vida do condomínio não sofreu quaisquer inconvenientes com o funcionamento do Centro "para além ou diferentemente do que sucederia com o eventual uso da fracção para advogados, arquitectos, empresas de serviços, qualquer departamento público, etc.".<br> 4.1 ao inserir-se no título constitutivo a palavra escritório não se esclareceu qualquer significado restritivo, nem se fixou qualquer actividade a excluir, nem os Autores provaram que se soubessem que na fracção iria ser montado um centro clínico não teriam adquirido as suas fracções;<br> 5.1 de resto, na fracção D encontra-se instalado um consultório de estomatologia e não consta que os condóminos se lhe tenham oposto;<br> 6.1 é inaceitável o 1 significado restrito do escritório como sendo "um local de livros e papéis" adoptado pelo Tribunal da Relação;<br> 7.1 as actividades prosseguidas no Centro Clínico adequam-se perfeitamente ao destino de escritório, como se conclui na sentença da 1 instância - "se pode concluir que o preenchimento dos espaços não se mostra diferente do que é normal a qualquer escritório, com a amplitude verificada";<br> 8.1 o entendimento de que a efectiva actividade ali exercida, tendo em conta os fins subjacentes ao normativo do artigo 1422, 2 c) do Código Civil não extravasa o que a lei prevê e admite para o que normalmente se entende por escritório;<br> 9.1 violado foi o que se dispõe nos artigos 1420 e 1422, 2 c) do Código Civil.<br> Em contra-alegações os recorridos defendem a manutenção do julgado.<br> Tudo visto.<br> Vem demonstrado que:<br> 1 - os A.A. são condóminos do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida Engenheiro Adelino Amaro da Costa (anteriormente Avenida do Ultramar) n. 728, em Cascais;<br> 2 - nos termos da respectiva escritura, das 32 fracções autónomas que o compõem, 28 são destinadas a habitação, 1 a estúdio, 2 a escritório e 2 a lojas;<br> 3 - a dita escritura, que não foi alterada, está em conformidade com o projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal;<br> 4 - na fracção designada pela letra "E", destinada no referido título constitutivo do regime de propriedade horizontal, a escritório, encontra-se actualmente instalado num Centro Clínico;<br> 5 - esta fracção "E" é propriedade da Ré B, que a cedeu, para tal efeito,<br> à ré Sociedade;<br> 6 - a Câmara Municipal de Cascais certificou que em 1 de Junho de 1989, tal como consta de folhas 134, não ver inconveniente em que a fracção "E" seja utilizada por um consultório médico e escritório de administração;<br> 7 - a ré B celebrou, em 1989, com a ré Sociedade um contrato-promessa, nos termos documentados a folhas 129 e seguintes pelo qual prometeu vender, e a Ré Sociedade prometeu comprar, a dita fracção "E";<br> 8- a Sociedade ré vem explorando desde Março de 1989, o referido Centro Clínico instalado na dita fracção, nele prestando apoio de internamento e bloco operatório do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, cuidados médicos, consultas de várias especialidades médicas e serviços de enfermagem;<br> 9 - no parque privativo de estacionamento exterior, onde estacionam os carros das pessoas que se dirigiam ao dito prédio, passaram também a estacionar os utentes do referido Centro Clínico;<br> 10 - as instalações do Centro Clínico encontram-se organizadas da seguinte forma: 2 consultórios equipados com 1 secretária, 3 cadeiras, 1 biombo e 1 marquesa; 1 sala de medicina dentária equipada com a respectiva cadeira e aparelho; 1 sala de otorrinolaringologia equipada com 4 cadeiras, 1 secretária e materiais da especialidade; 1 sala de ginecologia e obstetricia equipada com 2 marquezas, 1 secretária, 3 cadeiras e 1 ecógrafo portátil; 1 sala de pediatria equipada com 2 marquezas, 1 secretária e 2 cadeiras; uma sala de primeiros socorros equipada com 2 cadeiras, 1 marqueza e 1 estante; 1 sala de pequena cirurgia equipada com 1 marqueza e 1 carrinho de rodas; 1 secretária de apoio administrativo;<br> 11 - alguns condóminos já frequentaram o Centro Clínico;<br> 12 - o parque de estacionamento constitui logradouro do edifício e todos os condóminos, com excepção de um, dispõem de garagem privativa no interior deste para estacionarem os seus automóveis;<br> 13 - o acesso às instalações da Ré sociedade é feito através de uma porta privativa, a partir do exterior do edifício;<br> 14 - as pessoas que se dirigem ao Centro Clínico não passam pelo "hall" da entrada do edifício, nem tem acesso a partir do Centro às restantes partes comuns;<br> 15 - a porta de acesso do exterior ao Centro Clínico está sinalizada;<br> 16 - os A.A. sabem que é por aí que os utentes entram nele;<br> 17 - a porta do Centro Clínico que dá acesso ao "hall" está encerrada;<br> 18 - os A.A. sabem que os frequentadores do Centro Clínico se não deslocam, por ausência do motivo e por estar fechado o portão de acesso, à garagem que se encontra no interior do edifício;<br> X X X<br> Diz-se no relatório-parecer da Câmara Cooperativa sobre o regulamento da propriedade horizontal que esta é "a propriedade exclusiva da habitação integrada num edifício comum. O direito de cada condómino em conjunto é o direito sobre um prédio, portanto, sobre uma coisa imobiliária, e como tal é tratado unitariamente pela lei; mas o objecto em que incide é misto - é constituído por uma habitação exclusiva, que é a principal, e por coisas comuns que são acessórias".<br> Esta situação implica que o direito de propriedade sobre as fracções autónomas imponha restrições determinadas pelo facto de o direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existam fracções pertencentes a proprietários diferentes. Daí ser natural a ocorrência de conflitos de interesses para os quais a lei ou a vontade relevante dos condóminos procurará obter a solução satisfatória.<br> Dependendo a constituição da propriedade horizontal da celebração de negócio jurídico, da usucapião via ou decisão judicial - artigo 1417, n. 1 do Código Civil, uma das restrições que a lei impõe aos condóminos é a de dar uso diverso do fim a que é destinado - artigo 1422, n. 2, c). É no título constitutivo que poderá fixar-se o destino a dar às respectivas fracções autónomas. É certo que o título pode ser modificado, mas, para tanto é exigido o acordo de todos os condóminos - artigo 1419 n. 1.<br> Na hipótese em análise e quanto à fracção autónoma em causa - fracção autónoma "E" - disse-se no título constitutivo de propriedade horizontal que a mesmo se destinava a escritório. A Câmara Municipal aprovou o projecto e o título constitutivo teve em atenção tal deliberação. O facto de a Câmara vir, posteriormente, afirmar não ver qualquer inconveniente na instalação de um centro clínico, não tem qualquer influência na decisão a proferir, já que a deliberação tomada anteriormente não incidiu sobre tal.<br> Daí que relevante para a decisão da causa seja o averiguar se a palavra escritório permite a instalação de consultórios médicos.<br> No Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, define-se escritório "compartimento, sala em que escreve e trabalha o dono dele; gabinete, sala, conjunto de salas, casa em que se tratam negócios, em que escrevem ou exercem a sua actividade empregados, solicitadores, procuradores, despachantes, etc. andar técnico, sala em que se reunem os redactores dos jornais que escrevem os seus artigos".<br> Já quanto a consultório diz-se ser o "lugar ou casa onde se dão consultas (advogado, médico, técnico, etc)".<br> Se nos ativermos a estas definições a dúvida, quanto a nós permanecerá.<br> Ora, a fixação do destino a dar às fracções autónomas tem como pressuposto o não causar à fracção maior desgaste do que o previsto; não aumentar o risco considerado ou não desvalorizar em maior grau do que o admitido no consentimento acordado o local; não deixar devassar o prédio.<br> Por vezes as situações decorrentes do titulo constitutivo não são facilmente destrinçáveis.<br> A hipótese dos autos não se mostra fácil de resolver. Á primeira vista será dificíl fazer coincidir um escritório com um conjunto de consultórios médicos que, congregados, formam o Centro Clínico instalado.<br> Para a respectiva destrinça há que jogar com critérios interpretativos do título constitutivo de propriedade horizontal.<br> Ora no artigo 236 do Código Civil faz-se prevalecer o sentido objectivo da vontade negocial, embora transferido por restrição de natureza subjectiva ou de inspiração subjectivista - cfr. P. Lima A. Varela, Código Civil Anotado, volume I, páginas 223. Mas, aquele sentido objectivo não pode ser atendido quando não coincida com a vontade real do declarante e este seja conhecido do declaratário - artigo 236, n. 2.<br> Todavia há que realçar que esta excepção se situa no domínio da matéria de facto dependendo inteiramente da prova a produzir. O que não afasta, o que atrás dissemos, que a interpretação do negócio jurídico não se limita a fixar o sentido que o declarante quis dar à sua declaração mas a fixar o sentido normativo de tal declaração. O que implica uma protecção mais dirigida ao declaratário do que ao declarante, já que aquele terá mais dificuldade em aperceber-se da vontade real deste.<br> A existência do Centro Clínico abrange as salas que integram a fracção autónoma "E". Neste aspecto não foi afectado o destino "escritórios" que poderiam abranger a mesma superfície. É certo que no Centro Clínico outras pessoas exercem as suas profissões, médicos e enfermeiros. E o âmbito desta actividade não se enquadra no âmbito da actividade hospitalar que se mostra bem mais gravosa, com maior desgaste, multiplicidade de riscos e maior desvalorização do local a acrescer que a entrada no Centro Clínico é independente relativamente ao restante edifício e está devidamente assinalada - não devassamento.<br> Negativamente, o funcionamento do Centro incide apenas sobre o uso do parque de estacionamento exterior que passou a ser utilizado também pelos utentes daquela.<br> Mas, tal facto é coincidente com o exercício de outras actividades, como escritórios de advogados, arquitectos, tecnicos de contas, etc.<br> Nenhuns outros prejuízos conseguiram os A.A. demonstrar em relação à instalação do referido Centro.<br> E não se vê que, dando à palavra escritório o significado de consultório, se possa considerar no dominio de uma interpretação objectivista, de inspiração subjectivista, que o Centro Clínico possa ser encarado diferentemente. É que será muito difícil, nos dias de hoje, considerar um escritório apenas relacionado com uma actividade circunscrita a livros e papéis. A moderna tecnologia impõe-lhes mais; colocando os aparelhos atinentes a tal actividade quer em número quer em qualidade em bem maior exigência do que os que foram detectados nas salas utilizadas pelo Centro Clínico.<br> Não se mostrando que os riscos e incómodos causados aos condóminos pelo funcionamento do Centro sejam mais gravosos do que aqueles que resultariam da instalação de escritórios de advogados, da instalação dos serviços de uma companhia seguradora, de "ateliers" de arquitectos ou de uma repartição oficial não se vê motivo para não incluir na finalidade do título constitutivo da propriedade horizontal o exercício de medicina como aquela que se vem exercendo naquele Centro.<br> Entendemos, assim, que não foi violado o disposto no artigo 1422, n. 2 c) do Código Civil ao instalar-se na referida fracção "E" o Centro Clínico aludido nos autos.<br> Pelo que, sem mais, se concede a revista e se julga a acção improcedente.<br> Custas, neste Supremo Tribunal e nas instâncias pelos recorridos.<br> Lisboa 16 de Dezembro de 1993<br> Cura Mariano.<br> Martins da Fonseca.<br> Ramiro Vidigal.<br> Dionísio de Pinho (vencido. Negaria a revista, pois entendo que o conceito de escritório é, no caso inextensível ao do consultório médico e muito menos de modo a abarcar o Centro Clínico. Quer na linguagem corrente quer na própria linguagem técnica os dois conceitos são inconfundíveis, como aliás a própria citação do presente douto acórdão (Dicionário) o parece confirmar. Aliás, no plano da economia da utilização do local arrendado não pode concluir-se que o uso actual não é mais gravoso do que o de escritório, basta pensar nos cheiros de cloro ligado a Centros Clínicos e utilizações de aparelhagem, v. g. de rádio, para se concluir que nesse plano se ignorou o preceituado no artigo 1346 do Código Civil com lesão para os condóminos. Independentemente disso, creio que essa ou melhor que o maior ou menor desgaste das partes comuns é irrelevante, tendo atenção que a vontade dos condóminos formalizada no estatuto da propriedade horizontal tem de ser observada como resulta do disposto no artigo 1419 n. 1 do Código Civil que é aliás uma emanação do princípio visado no artigo 406 do mesmo Código, sendo, como e quanto a mim, certo que no uso comum unitário não cabem os usos agora praticados na fracção. Uma nota só mais: não se pode argumentar com a completa autonomia da fracção; se a porta de acesso ao "hall" está fechada, que impede que se abra?<br> E os condóminos podem aceitar a presença de utentes de escritório e não se conformarem com o movimento e tipo normal de pessoas que frequentam Centros Clínicos e consultórios médicos como aquele).<br> Eduardo Augusto Martins (vencido, nos termos da declaração de voto do Ex. Conselheiro Dionísio de Pinho).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> Acordam, em plenário, os juízes que compõem as secções cíveis do </font><br> <br> <font>Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font>A e mulher, B, recorrentes na revista n.º 86047 da 2.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, onde figurava como recorrida C, representada por D, não se conformaram com o acórdão aí proferido em 2 de Março de 1995 e dele interpuseram este recurso para o tribunal pleno, ao abrigo do disposto nos artigos 763.º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando achar-se em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido em 3 de Maio de 1990 na revista n.º 77920 da 1.ª Secção.</font><br> <font>Opuseram-se à procedência do recurso os recorridos, que defenderam não existir a referida oposição; no entanto, a existência desta, ocorrida no domínio da mesma legislação, foi reconhecida já no acórdão preliminar proferido a fls. 41 e seguintes.</font><br> <font>Seguidamente as partes alegaram - opinando os recorrentes no sentido da emissão de assento estabelecendo a natureza modal da cláusula que é centro da controvérsia e a recorrida em sentido oposto - e houve parecer do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto no sentido de que se uniformizasse a jurisprudência nos seguintes termos:</font><br> <font>«1 - A doação pura, feita a pessoa que não tem capacidade para contratar, produz efeitos independentemente de aceitação, em tudo que aproveite ao donatário.</font><br> <font>2 - É uma doação pura a que contém uma cláusula de reserva segundo a qual um doador estabelece a favor de terceiro o direito a receber vitaliciamente as rendas ilíquidas do bem doado, ficando os encargos daí resultantes a cargo desse terceiro.»</font><br> <font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir - com a ressalva de que, tal como já foi dito no acórdão preliminar, este recurso, dado o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, se destina à resolução, em concreto, do conflito existente, ficando também a valer como uniformização de jurisprudência, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo mesmo decreto-lei.</font><br> <font>Não sofre dúvidas, de facto, a existência da oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito. Ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - debruçaram-se sobre a mesma cláusula inserta numa escritura outorgada em 9 de Janeiro de 1970 pela qual foi feita uma doação por E a sua filha C e divergiram sobre se essa cláusula continha um encargo modal - ideia abraçada pelo acórdão fundamento - ou se, pelo contrário, era uma obrigação pura por a prestação que nela se impugna à donatária assumir, antes, a natureza de uma reserva - orientação seguida pelo acórdão recorrido.</font><br> <font>Assim, não havendo divergências sobre aquilo que foi o objectivo do doador ao estipular a mencionada cláusula, a divergência registada naqueles acórdãos não respeita tanto à interpretação da cláusula - como pretendeu a recorrida ao responder neste recurso - como, ao contrário, à sua qualificação jurídica, que, consoante o entendimento adoptado, se reconduziu num caso, e noutro não, à previsão do artigo 963.º do Código Civil - ao qual pertencerão as disposições legais que doravante vierem a ser mencionadas sem outra indicação -, estando em jogo, essencialmente, a interpretação deste normativo.</font><br> <font>O presente recurso emerge de acção declarativa pela qual a ora recorrida pediu a condenação dos ora recorrentes a reconhecerem que havia caducado o arrendamento do 5.º andar direito do prédio urbano sito na Avenida de 5 de Outubro, 12 a 12-G, em Lisboa, e entregarem-lho imediatamente, devendo ainda pagar-lhe a indemnização de 500000 escudos mais 50000 escudos mensais desde Agosto de 1985 até efectiva entrega. E, sendo a acção contestada no sentido da sua improcedência, houve ainda reconvenção em que foi pedida a quantia de 5150000 escudos a título de indemnização por benfeitorias.</font><br> <font>Na 1.ª instância foi proferido saneador-sentença em que se julgou improcedente a acção, com absolvição dos reús do pedido, e estar prejudicado o pedido reconvencional; a decisão assentou em que, carecendo a doação do prédio a favor da autora de ser aceite pela sua representante legal com autorização do tribunal, e não tendo isso sucedido, aquela doação não produziu quaisquer efeitos.</font><br> <font>A Relação alterou o decidido, o que foi confirmado pelo acórdão agora recorrido.</font><br> <font>A factualidade para tanto considerada foi a seguinte:</font><br> <font>1) Por escritura pública de 9 de Janeiro de 1970 E, reservando para si o usufruto vitalício, doou à ora recorrida C a nua-propriedade do prédio urbano sito na Avenida 5 de Outubro, 12 a 12-G, em Lisboa;</font><br> <font>2) Clausulou-se que se o doador falecesse primeiro que sua mulher, D a donatária teria de entregar a esta, a título de renda vitalícia, o rendimento total e ilíquido do prédio;</font><br> <font>3) Por sentença de 11 de Julho de 1970 foi decretada definitivamente a interdição da donatária e nomeada tutora a aludida D, sua mãe;</font><br> <font>4) Por sentença de 14 de Dezembro de 1972 foi decretado o divórcio entre os referidos D e E;</font><br> <font>5) Por acordo de 25 de Agosto de 1975 o referido E deu de arrendamento ao ora recorrente o 5.º andar direito do mesmo prédio;</font><br> <font>6) Não foi pedida autorização judicial para aceitação da doação;</font><br> <font>7) A tutora, por procuração notarial de 24 de Outubro de 1984, constitui mandatária F, conferindo-lhe os poderes legais que tem como tutora e de livre e geral administração.</font><br> <font>Importa tomar conhecimento da cláusula em referência, aposta na escritura de doação pela qual o doador doou à sua filha o prédio urbano situado na Avenida de 5 de Outubro, 12, em Lisboa, reservando para si o usufruto vitalício do mesmo.</font><br> <font>Dela consta que a doação era feita nos seguintes termos:</font><br> <font>«[...] com a cláusula modal de que, na hipótese de ele falecer primeiro que sua mulher, a donatária sua filha C, a título de renda vitalícia, terá de entregar a sua mãe, e enquanto ela for viva, o rendimento total e ilíquido do prédio cuja raiz acaba de ser doada, cujos encargos nessa hipótese ficarão a cargo da segunda outorgante. Se a representante legal de sua filha C for sua aludida mãe, esta cobrará os mesmos rendimentos como bens seus para todos os efeitos legais. Sobrevivendo ele a sua mulher, a liberalidade agora feita a favor de sua filha C prevalecerá como doação pura. Sua filha C, devido a certa anomalia psíquica, não está em situação jurídica de aceitar a doação da raiz do prédio da Avenida de 5 de Outubro, 12 a 12-G, tornejando para a Avenida da Praia da Vitória, 77 e 79, desta cidade de Lisboa, e em face da cláusula modal que ele doador estipulou é agora inaplicável o n.º 2 do artigo 951.º do Código Civil, por isso, a autorização para a aceitação da doação vai ser solicitada ao tribunal competente nos termos dos artigos 139.º e 140.º do Código Civil.»</font><br> <font>A circunstância de esta cláusula haver sido, expressamente, autoqualificada de modal não resolve, como é evidente, a questão, sabido, como é, que o tribunal é livre no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - artigo 664.º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>Importa, pois, apurar o que é uma doação com cláusula modal e o que são as reservas apostas a uma doação, afigurando-se útil, a este propósito, fazer um breve panorama dos mecanismos legais contidos no Código Civil e com reflexo no conteúdo deste contrato.</font><br> <font>I - A doação é definida no artigo 940.º como «o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberdade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente».</font><br> <font>Ao falar na doação de uma coisa, a lei não está a fazer mais do que mencionar, simplificadamente, a disposição gratuita de um determinado direito real - o de propriedade - sobre essa coisa, a par da possibilidade de doação de outros direitos pertencentes ao doador.</font><br> <font>Como, em rigor, o conteúdo da doação não é a coisa doada, simples objecto do contrato, mas antes o conjunto dos poderes sobre ela que são em concreto transmitidos - ou, para quem preferir outra terminologia, a coisa será o objecto mediato e os efeitos jurídicos serão o objecto imediato -, logo se constata que a disposição assim feita não tem de referir-se, irrestrita e definitivamente, à totalidade da mesma ou dos poderes nesse direito contidos, antes podendo esse direito de propriedade ser objecto de restrição.</font><br> <font>Só que esta restrição pode assumir formas muito diversas.</font><br> <font>II - Umas vezes a restrição à propriedade plena ocorre através da criação de um regime especial de revogabilidade, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., p. 284.º É, desde logo, o caso de reserva do direito de dispor de coisa determinada - artigo 959.º; e paredes meias com ela estará também a cláusula de reversão - artigo 960.º - onde haverá antes um caso de caducidade da doação; mas um e outro, em rigor, não limitam, no plano teórico, a extensão dos poderes do donatário sobre a coisa doada, não o vinculando a qualquer comportamento, activo ou omissivo, nem o impedindo, designadamente, de dela dispor e apenas sujeitando o seu posterior adquirente aos efeitos de uma ou outra.</font><br> <font>III - Prevê ainda a lei, no artigo 959.º, a possibilidade de o doador reservar para si o direito a certa quantia sobre os bens doados.</font><br> <font>Aqui a reserva não afecta o conteúdo jurídico da doação, mas apenas o seu valor económico, restringido na medida correspondente ao montante que vier a ser exigido - cf. Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem.</font><br> <font>Ao contrário do caso referido em II, não estamos já perante uma forma de revogação parcial da doação; esta, no tocante à titularidade do direito doado, não é afectada, embora exista a possibilidade de o doador, no plano do seu valor económico, vir a tirar ao donatário parte do que lhe dera.</font><br> <font>Também aqui se não vislumbra a vinculação do donatário a qualquer comportamento, activo ou omissivo; apenas está sujeito a que o doador lhe exija aquela quantia, sendo só no momento dessa exigência que fica vinculado ao seu pagamento. É, antes da efectiva constituição do vínculo obrigacional de pagar essa quantia, um sujeito passivo de um direito potestativo - cf. Antunes Varela, anotação ao Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1968 publicada na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102.º, p. 41.</font><br> <font>IV - Outras vezes prevê a lei a possibilidade de os poderes inerentes ao direito de propriedade serem pelo doador transmitidos ao donatário com limitações que lhes dão uma extensão inferior à que tinham no património daquele; estas limitações podem referir-se a qualquer das faculdades - de uso, de fruição e de disposição, como refere o artigo 1303.º - inerentes ao direito de propriedade.</font><br> <font>Mas aqui duas modalidades se verificam na lei.</font><br> <font>Numa delas, a limitação dos poderes - no caso, poderes de disposição - imposta ao donatário é feita pela via da sua drástica restrição, mas sem a correlativa atribuição dos mesmos a outra pessoa; é o que se passa com a substituição fideicomissária - artigos 962.º, 2290.º, n.º 1, e 2291.º</font><br> <font>Na outra modalidade, existe uma limitação do conteúdo dos poderes que, quanto ao uso e à fruição da coisa, passam para a titularidade do donatário; é disso exemplo a reserva de usufruto - artigo 958.º -, tratada expressamente pela lei a propósito da doação; mas, embora omitida nesta mesma sede legal própria da doação, é ainda segura a possibilidade de reserva do direito de uso ou do direito de habitação, por força dos artigos 1485.º e 1440.º - cf. Antunes Varela, p. 38. Tais limitações não levam a que se entenda que não há, verdadeiramente, a doação da coisa; sendo elas, por natureza, tendencialmente temporárias, a transmissão final do direito de propriedade sobre a coisa doada tem a sua causa jurídica na doação visto que esta contém em si a virtualidade de fazer expandir até à propriedade plena o direito imediatamente adquirido pelo donatário, dada a prevísivel extinção a prazo dos direitos reservados - artigos 1476.º, n.º 1, alínea a), e 1485.º</font><br> <font>A reserva de usufruto - olhada, não enquanto um poder do doador, mas enquanto resultado do respectivo - consiste numa amputação feita aos poderes constitutivos do direito doado. O seu titular fica sendo o doador, ou o terceiro a quem ele os destine.</font><br> <font>Todas estas restrições ao direito adquirido pelo donatário - sejam as que se limitam a restringir os seus poderes, sejam as que são acompanhadas pela atribuição da respectiva titularidade a outra pessoa - também o não vinculam, porém, a qualquer comportamento, activo ou omissivo, no plano do exercício dos seus direitos.</font><br> <font>V - Autonomamente, a lei veio também prever, como espécie diferente de restrição da liberalidade feita, o modo, ou cláusula modal, que se verifica quando a doação seja onerada com encargos - artigo 963.º Aqui o donatário fica obrigado a um determinado comportamento, que pode ser no interesse do doador, ou de terceiro, ou do próprio beneficiário - cf. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pp. 393 e 396, e Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Jurídica, p. 454. Sendo a favor do doador ou de terceiro, este comportamento pode corresponder ao conteúdo de uma obrigação que fica a cargo do donatário, a qual, aliás, não tem necessariamente natureza patrimonial, na linha do previsto no artigo 398.º, n.º 2 - cf., neste sentido, Manuel de Andrade, op. cit. e vol. cit., p. 397, e Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit. e vol. cit., pp. 289-290. Pode, porém, não haver uma verdadeira obrigação em sentido técnico, mas um simples dever jurídico, quando aquele que pode exigir o seu cumprimento não é titular de um correspondente direito de crédito - cf., ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit. e vol. cit., p. 292, exemplificando a situação com os encargos com missas ou sufrágios em memória do doador falecido.</font><br> <font>Só à doação com cláusula modal, e não à doação pura com reservas, de que seja beneficiário um menor, se refere a necessidade de autorização do tribunal para a sua aceitação pelos pais enquanto seus representantes - artigo 1889.º, n.º 1, alínea l) -, o que vale também para o caso de interdito sob tutela exercida por um dos seus progenitores - artigo 144.º</font><br> <font>O que bem se compreende.</font><br> <font>Na verdade, na doação com reserva fica-se desde logo sabendo o conteúdo da atribuição patrimonial feita ao donatário e dela não resulta para ele qualquer vínculo que a onere.</font><br> <font>Mas na doação com cláusula modal este vínculo existe, sendo possível, em função do seu conteúdo concreto e das circunstâncias, que a mesma se torne inconveniente para os seus interesses.</font><br> <font>Se a cláusula acima transcrita tem a natureza de modal, era de todo cabida a previsão, inserta no seu final, de pedido de autorização para que a doação pudesse ser aceite.</font><br> <font>Se tiver antes a natureza jurídica de uma reserva, tal pedido, assim como a sua previsão na cláusula, seria excrescente e desnecessário.</font><br> <font>Prosseguindo o esforço de caracterização e diferenciação das duas figuras em presença, mostra-se útil salientar os seguintes aspectos.</font><br> <font>Não pode dizer-se, como diz a recorrida, que é indiferente constar da doação o que nela se lê - a atribuição indirecta, à mãe da donatária, das rendas do prédio - ou constar antes uma outra maneira de atingir o mesmo resultado final - a reserva directa dessas rendas para a mesma beneficiária.</font><br> <font>É que na primeira destas alternativas sempre corre por conta da donatária o risco dos valores recebidos como rendas antes de ser feita a sua entrega à beneficiária das mesmas.</font><br> <font>E importa perceber a razão pela qual o doador concebeu daquela maneira a forma de entrega das rendas à mãe da donatária, a par da hipótese, também prevista, de as mesmas serem cobradas directamente pela mesma.</font><br> <font>Já no acórdão fundamento se disse, com razão, que esta segunda modalidade assentava em que a mãe da donatária, se fosse sua tutora, teria por lei direito ao usufruto dos bens da última, nos termos conjugados dos artigos 144.º e 1893.º, n.º 1 - ambos na sua redacção inicial, vigente à data da doação.</font><br> <font>E o doador terá tido a percepção de que, fora desta situação de tutela, não poderia instituir por via de reserva a atribuição directa das rendas nos mesmos termos, havendo que recorrer à cláusula modal.</font><br> <font>Que o não podia, efectivamente, fazer ver-se-á a seguir.</font><br> <font>As hipóteses de reserva que a lei prevê enquanto tal são, como vimos, a instituição de um regime especial da revogabilidade da doação ou de redução do seu valor, ou, de modo diverso, a cisão dos poderes inerentes ao direito de propriedade.</font><br> <font>Em qualquer dos casos, o doador reserva direitos que pode exercer por si só, sem necessidade de qualquer colaboração ou cooperação por parte do donatário.</font><br> <font>Na última categoria citada, que é a da cisão dos poderes inerentes ao direito de propriedade, encontram-se previstas na lei só as duas espécies já mencionadas - a reserva de usufruto, por um lado, a reserva do direito de uso ou de paralelo direito de habitação, por outro -, mas há que curar da possibilidade de outras serem criadas pela vontade das partes.</font><br> <font>Os direitos reais, nas diversas modalidades previstas na lei, consistem em diversos conjuntos de poderes que se reconduzem, na sua globalidade, àqueles que compõem o direito de propriedade - poderes de usar, de fruir e de dispor.</font><br> <font>Quando não estão todos reunidos na titularidade da mesma pessoa surgem os direitos reais menores. Sempre que ocorre, nestes termos, a cisão ou o desmembramento do direito de propriedade, os poderes dele retirados ficam na titularidade de uma outra pessoa, que não o proprietário, sendo essa pessoa quem os exerce por direito próprio; nesta situação, porém, estes poderes conservam a sua natureza, dando corpo a um outro direito real.</font><br> <font>Mas aqui surge a relevância do princípio segundo o qual só têm a natureza de reais os direitos que a lei prevê como tais; a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou das figuras parcelares deste direito só pode ter lugar nos casos previstos na lei, como preceitua o artigo 1306.º - cf. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., vol. III, pp. 84-87.</font><br> <font>Mais ainda: as restrições resultantes de negócio jurídico que não estejam nestas condições têm natureza obrigacional.</font><br> <font>Daí que este tipo de reserva - definida nos termos acima feitos: «A reserva de usufruto - olhada, não enquanto um poder do doador, mas enquanto resultado do respectivo exercício - consiste numa amputação feita aos poderes constitutivos do direito doado. O seu titular fica sendo o doador, ou terceiro a quem ele os destine.» - necessariamente envolva a constituição de um direito real menor, que terá de ser um dos que acima se indicaram como esgotando o leque das alternativas que a lei concebe.</font><br> <font>Isto conduz à conclusão segundo a qual o que consta da cláusula inserta na doação quanto ao rendimento a produzir pelo prédio não pode constituir uma reserva, mas antes uma cláusula modal.</font><br> <font>Por um lado, não é atribuído a nenhuma outra pessoa o poder de receber, através do seu exercício directo sobre o prédio, o rendimento por ele produzido; é à donatária que é imposta a obrigação de o entregar à sua mãe, que o receberia, pois, com a sua intermediação.</font><br> <font>Por outro lado, o poder de receber o rendimento de um prédio não constitui, desacompanhado de qualquer outro, o conteúdo típico de um direito real menor. Ele não se confunde, designadamente, com o usufruto, já que este é, de acordo com o artigo 1439.º, o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, embora sem alterar a sua forma ou substância. Este poder pleno de gozo inclui ainda, para além daquele poder de receber o rendimento, o poder de diversificar as formas de fruição, de contribuir para o aumento do rendimento e ainda, se conveniente e cabido, de pôr termo ao arrendamento que sobre o prédio vigore e, até, de se passar a usá-lo, em vez de optar pela sua frutificação - o que, no caso em exame, nunca poderia verificar-se.</font><br> <font>Finalmente, não constitui, obviamente, um direito potestativo, que é insusceptível de ser violado - a sujeição que o caracteriza dispensa, para a sua efectivação prática, a colaboração ou a vontade do seu sujeito passivo; há um autêntico direito de crédito que pode ser satisfeito, ou não - tudo dependendo de a donatária entregar as rendas ou deixar de o fazer, sendo certo que, tal como igualmente se disse atrás, e tratando-se, como é o caso, de uma dívida de valor, sempre correria «por conta da donatária o risco dos valores recebidos como rendas antes de ser feita a sua entrega à beneficiária das mesmas».</font><br> <font>Por isso a qualificação de cláusula modal que a esta estipulação foi expressamente dada na escritura de doação mostra-se perfeitamente adequada à mesma.</font><br> <font>O fim pretendido pelo doador - garantir à mãe da donatária o recebimento das rendas ilíquidas do prédio doado, nos termos em que o fez - poderia ter sido atingido pela instituição, a favor da mesma, do usufruto sucessivo sobre o prédio, de âmbito mais largo do que esse simples recebimento; não tendo optado por este caminho, restava-lhe, pelas razões sobreditas, torná-la uma simples credora das respectivas importâncias.</font><br> <font>Assim caracterizadas a cláusula modal e a reserva aposta a uma doação, logo se infere que a existência do modo, ou cláusula modal, não pressupõe, pois, que o encargo imposto ao donatário seja satisfeito à custa de outros bens do donatário, e não do bem doado - no que divergimos do acórdão recorrido. Abrange qualquer destas hipóteses.</font><br> <font>Nem é diferente o sentido com que o conceito do modo tem sido, de um modo geral, entendido.</font><br> <font>E até em sentido contrário houve desvios, pois já se entendeu que só há modo quando as prestações impostas ao donatário, como diminuição da atribuição patrimonial gratuita que lhe é feita, têm um objecto contido, real ou implicitamente, naquela atribuição; é o caso de Oertmann, citado em Antunes Varela, Ensaio sobre o Conceito do Modo, p. 227.</font><br> <font>E é este ilustre mestre que rebate de seguida este entendimento, até concluir, mais adiante - fls. 232 e 233-, do seguinte modo:</font><br> <font>«1.º Há doação onerosa - e não negócio a título oneroso ou negócio misto com doação - sempre que a prestação imposta ao beneficiário da atribuição patrimonial (com os caracteres objectivos próprios da atribuição donativa) constitua uma simples limitação ou restrição dela.</font><br> <font>2.º Constituem meras limitações ou restrições da atribuição patrimonial recebida:</font><br> <font>a) As prestações de conteúdo económico cujo objecto deva sair, segundo a intenção dos contraentes, das forças da própria atribuição;</font><br> <font>b) As prestações de conteúdo económico (tanto de dare como de facere ou non facere) que representem - ou sejam queridas pelos interessados como - uma restrição de qualquer ordem à vantagem patrimonial proporcionada, em princípio, pela doação;</font><br> <font>c) As prestações de conteúdo moral que sejam impostas como um dever ou um ónus jurídico ao beneficiário da atribuição.»</font><br> <font>E no mesmo sentido opina o mesmo autor já na vigência do Código Civil de 1966 - cf. Antunes Varela, Revista citada, pp. 39-40, onde, designadamente, se lê: «Doação com encargos tanto é [...] aquela em que o donatário se compromete a dar ao doador ou a terceiro, durante certo prazo, uma quota-parte dos rendimentos da coisa ou soma doada, como aquela em que o donatário de um prédio urbano se obriga a pagar as dívidas do doador, a mandar rezar umas tantas missas por alma deste ou a distribuir todos os anos certo bodo pelos pobres da freguesia.»</font><br> <font>Mais do que um interveniente neste recurso invocou os ensinamentos deste ilustre mestre expostos na anotação de onde foi extraída a passagem acabada de transcrever, designadamente na parte em que salientou o carácter real da reserva aposta a uma doação, mas sem que se tivesse procurado demonstrar a sua inaplicabilidade ao caso ora em apreço.</font><br> <font>E, a nosso ver, tal inaplicabilidade não existe.</font><br> <font>A ideia de uma doação com reserva exprime uma restrição de ordem jurídica ao direito que é doado. O direito, durante o período de tempo em que a reserva vigorar, é diferente e menos amplo do que era quando se achava na esfera jurídica do doador; está, por assim dizer, amputado de alguns dos poderes que o integravam.</font><br> <font>Que a reserva, fora dos casos do artigo 959.º, envolve necessariamente o carácter real do direito reservado resulta do facto de o direito de propriedade só poder ser cindido através da constituição de um direito real menor.</font><br> <font>Se da pretendida «reserva» resulta antes um direito de crédito, isso quer dizer que os poderes reais inerentes ao que é doado ficam na titularidade do donatário; o direito deste será um direito de propriedade plena, do qual nada foi reservado. Haverá uma restrição de ordem económica, mas não de ordem jurídica.</font><br> <font>E o direito de crédito em causa, não podendo, então, ser uma reserva, tem de integrar um encargo.</font><br> <font>Assim, a orientação seguida pelo acórdão recorrido - aliás idêntica à seguida no já referido Acórdão de 6 de Fevereiro de 1968 e também à que foi adoptada no Acórdão de 3 de Março de 1988, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 375, p. 375 - é de rejeitar, sendo antes de optar pelo entendimento expresso no acórdão fundamento, publicado também no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 397, p. 448.</font><br> <font>Neste último sentido se uniformizará, pois, a jurisprudência.</font><br> <font>Não se emitirá esta uniformização quanto à matéria incluída no ponto I da conclusão do parecer do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto porque os acórdãos em oposição não exprimiram, quando a ela, qualquer divergência.</font><br> <font>Pelo exposto se julga procedente o recurso e se revoga o acórdão recorrido, bem como o por ele confirmado acórdão da Relação, para que fique a subsistir a decisão do Sr. Juiz da 1.ª Instância, com custas a cargo da autora, ora recorrida, nas instâncias e neste Supremo Tribunal.</font><br> <font>E uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos:</font><br> <font>A cláusula modal a que se refere o artigo 963.º do Código Civil abrange todos os casos em que é imposto ao donatário o dever de efectuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do bem doado, quer o seja pelos restantes bens do seu património.</font><br> <font>Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997</font><br> <font>Ribeiro Coelho </font><br> <font>- Tomé de Carvalho - Silva Paixão - Martins da Costa (vencido, nos termos da declaração que junta) - Torres Paulo - Figueiredo de Sousa - Machado Soares - Aragão Seia - Fernando Fabião (vencido nos termos da declaração de voto do Sr. Conselheiro Martins da Costa) - Roger Lopes - Lopes Pinto - Fernandess Magalhães - Costa Soares - Sousa Inês (vencido nos termos da declaração de voto que junta) - Cardona Ferreira - Mário Cancela - Sampaio da Nóvoa - Ramiro Vidigal - Pereira da Graça - Nascimento Costa (vencido - segue declaração de voto) - Pais de Sousa - Costa Marques - Almeida e Silva.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>Entendo que, em rigor, os acórdãos em conflito não contêm soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito: essa oposição respeitaria, segundo a alegação dos recorrentes, a interpretação dos conceitos de doação pura e de doação modal ou com encargos, previstos nos artigos 951.º e 963.º do Código Civil, mas, nesse ponto, a fundamentação jurídica dos acórdãos é essencialmente idêntica; a divergência, entre eles, incide antes sobre a interpretação da cláusula estabelecida na doação para a hipótese de o doador falecer primeiro que sua mulher; no acórdão fundamento ela foi interpretada como impondo à donatária «o encargo de entregar a sua mãe [...] o rendimento total e ilíquido do prédio», ficando assim a donatária «vinculada ao cumprimento de uma prestação», enquanto o acórdão recorrido considerou que «a donatária não ficou adstrita a nenhum dever de prestar, não ficou obrigada a qualquer prestação, não assumiu o dever de pagar fosse o que fosse».</font><br> <font>Dessa diferente interpretação da cláusula da doação é que veio a concluir-se por diversa qualificação jurídica: no primeiro caso, por doação modal, e, no segundo, por doação com reserva das rendas ilíquidas a favor da mulher do doador; assim, para ser admissível o recurso em causa, teria de se alegar que aquelas diversas interpretações se basearam em aplicação oposta de certa norma jurídica, mas isso não se alegou e, de resto, tal interpretação foi feita nos acórdãos como simples matéria de facto.</font><br> <font>Foi esta, aliás, a solução adoptada em caso totalmente idêntico que correu termos na 1.ª Secção e em que intervim como relator.</font><br> <font>Por outro lado, afigura-se-me que, a conhecer-se do objecto do recurso, seria de confirmar o acórdão recorrido.</font><br> <font>A interpretação nele feita sobre a cláusula da doação apresenta-se como a mais razoável, em face dos seus termos e, em particular, dos interesses por ela visados, que eram a protecção da donatária, filha incapaz do devedor, e da circunstância de os encargos com o prédio deverem ser suportados pela mãe e tutora da donatária.</font><br> <font>De harmonia com essa interpretação, teria havido uma simples reserva das rendas a favor da mãe da donatária, e não a imposição de um encargo à própria donatária, ou seja, uma doação pura, não dependente de aceitação. - José Martins da Costa.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>1 - Nos termos do agora revogado artigo 763.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para se verificar fundamento de recurso para o tribunal pleno é necessário que os dois acórdãos em confronto, alegadamente em oposição, hajam julgado idênticas questões de direito, estabelecendo expressamente doutrina contrária com base nos mesmos preceitos legais (ver nota *).</font><br> <font>Não é o caso.</font><br> <font>Em ambos os acórdãos em confronto, expressa ou implicitamente, se interpretou o disposto nos artigos 958.º e 963.º do Código Civil em termos coincidentes.</font><br> <font>A diferença das soluções a que os dois acórdãos chegaram resulta, isso sim, da divergência na interpretação do sentido da declaração negocial do doador, nos termos do disposto nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil.</font><br> <font>A divergência de decisões acerca da interpretação de uma determinada declaração negocial não é fundamento de recurso para o tribunal pleno.</font><br> <font>2 - Em ambos os acórdãos em confronto entendeu-se, expressa ou implicitamente, o seguinte:</font><br> <font>Na doação modal constituiu-se um vínculo de natureza obrigacional em que é sujeito activo o beneficiário (o próprio doador ou terceiro) e sujeito passivo o donatário. Nesta modalidade o donatário assume contratualmente uma obrigação de prestar (artigo 963.º do Código Civil).</font><br> <font>Na doação com reserva constituiu-se um direito, de natureza real, do próprio doador (ou terceiro beneficiário) sobre a coisa doada. O doador ou o terceiro passa a ser titular de um poder directo e imediato sobre a coisa doada. O donatário adquire um direito real limitado ou menor, mas não assume qualquer obrigação (artigo 958.º do Código Civil).</font><br> <font>Uma vez que nos dois acórdãos em confronto se mostra aceite, expressa ou implicitamente, esta doutrina, não há fundamento para o recurso para o tribunal pleno.</font><br> <font>Por isto, votei no sentido de se julgar findo o recurso.</font><br> <font>3 - Onde se encontra a divergência entre os dois acórdãos é a respeito do sentido da declaração negoc
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em sessão plenaria, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - A, ja melhor identificada nos autos, recorreu, para tribunal pleno, do acordão deste Supremo Tribunal, de 30 de Novembro de 1978, proferido, conforme fotocopia de folhas 4 a 12, na revista n. 67081, com fundamento em que, no dominio da mesma legislação, deu esse aresto solução oposta a que foi adoptada, relativamente a mesma questão fundamental de direito, pelo acordão tambem deste Supremo Tribunal, de 25 de Janeiro de 1978, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 273, a paginas 260 e seguintes.<br> A Secção, pelo seu acordão de folhas 23-24, reconheceu a existencia da oposição invocada e mandou, por isso, prosseguir o recurso, que foi depois oportuna e doutamente alegado pela recorrente e em profundidade analisado pelo ilustre representante do Ministerio Publico no seu não menos douto parecer de folhas 31 a 46.<br> Não esta, porem, o tribunal pleno, vinculado aquela preliminar decisão da Secção, conforme o n. 3 do artigo<br> 766 do Codigo de Processo Civil, razão por que, corridos como foram ja os vistos legais, se devera agora reexamina-la para em definitivo se decidir da verificação ou não dos requisitos ou pressupostos que condicionam o prosseguimento do recurso (artigo 763 do mesmo diploma).<br> II - E sem embargo das duvidas que lhe foram postas pelo digno magistrado do Ministerio Publico no tocante ao da oposição entre os referidos julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, pensa-se que tal requisito se verifica.<br> Com efeito, no caso do acordão recorrido, de 30 de Novembro de 1978, face ao embate de um automovel ligeiro de passageiros com uma arvore que marginava a estrada, de que resultaram graves lesões para um dos ocupantes nele gratuitamente transportado (a recorrente), não se responsabilizaram os demandados por se entender que o caso recaia sob a alçada do n. 2 do artigo 504 do Codigo Civil combinado com o n. 1 do seu artigo 487 em virtude de se não haver apurado a culpa do condutor e se ter por inaplicavel em materia de acidentes de transito o preceito do n. 2 do artigo 493 do mesmo Codigo, enquanto que no caso do acordão invocado em oposição, de 25 de Janeiro de 1978, face a uma colisão entre um auto-ligeiro de carga e um ciclomotor, de que resultou, por efeito das lesões sofridas, a morte do tripulante deste, se responsabilizaram os demandados de harmonia com o disposto no n. 2 do artigo 506 do mencionado diploma, em virtude de nenhum dos condutores ter demonstrado (o ciclomotorista falecido, atraves dos seus representantes nos autos) que empregou todas as providencias exigidas pelas circunstancias para prevenir o acidente, conforme o preceito do n. 2 do citado artigo 493.<br> E sendo estas as decisões em confronto, por bem claro se tem que em ambas se encarou e que nelas explicita e diversamente se decidiu a mesma questão fundamental de direito que consiste em saber se não tendo sido provada a culpa do ou dos condutores dos veiculos intervenientes no acidente, esta se presume nos termos do n. 2 do artigo 493, ou se antes tera lugar o regime de responsabilidade pelo risco fora dos casos em que, tratando-se de transporte gratuito seja de ter em conta o estabelecido no n. 2 do artigo 504, ambos do Codigo Civil.<br> E certo que, como objecta o douto magistrado do Ministerio Publico e desde logo se assinalou no acordão da Secção, se não identificam perfeitamente, em toda a sua extensão, as duas ja apontadas situações facticas.<br> Porem, em qualquer delas - colisão com a intervenção de um so veiculo e colisão entre dois veiculos - e o mesmo ou identico o suporte factual com o qual se ha-de ter como correcta ou desacertada a interpretação e aplicação da norma em causa.<br> Com efeito, são iguais ou identicos os factos nucleares ou necessarios a resolução do problema, e e isso o que importa, por serem os não coincidentes puramente acessorios e por isso despiciendos.<br> Pois em ambas as situações se teve como verificada a existencia de danos causados a outrem no exercicio da condução automovel sem que fosse possivel o apuramento da culpa do respectivo condutor ou condutores, o que nos parece bastante para que numa e noutra pudesse surgir, como surgiu, com soluções opostas, a mencionada questão.<br> Este Supremo ja, alias, se pronunciou no sentido de que o artigo 763 do Codigo de Processo Civil não exige, para legitimar o recurso para o Tribunal Pleno, que os casos sejam iguais, mas apenas que nas respectivas decisões se resolva de forma oposta a mesma questão de direito, isto e, que as bases juridicas das decisões sejam fundamentalmente as mesmas, como no caso acontece (ver, entre outros, o acordão de 15 de Julho de 1960, no Boletim, n. 99, a paginas 576).<br> Na realidade, e a ter em conta a referida base factual comum, decidiu-se no acordão recorrido que "no caso de acidente de viação o transportador apenas responde, nos termos gerais, pelos danos que culposamente causar a quem transporte gratuitamente (artigo 504, n. 2, do Codigo Civil), recaindo, assim, em principio, sobre o lesado - que não pode prevalecer-se da presunção estabelecida no n. 2 do artigo 493 do mesmo Codigo - o onus de provar a culpa do autor da lesão, conforme o artigo 487, n. 1, daquele Codigo", enquanto no acordão dito em oposição, ao contrario se entendeu "ser a presunção do artigo 493, n. 2, do Codigo Civil aplicavel a responsabilidade civil resultante de danos causados por veiculos em circulação", o que deu motivo a que os demandados no processo em recurso fossem absolvidos e o que por certo não aconteceria se nele se tivesse seguido a orientação que anteriormente se sustentou no outro.<br> Em resumo, e face a questão que o citado n. 2 do artigo<br> 493 suscita, de ser ou não aplicavel a presunção de culpa que ai se estabelece a responsabilidade emergente de acidentes de viação, adoptou o acordão de 25 de Janeiro a primeira das alternativas, enquanto que pela segunda se pronunciou o de 30 de Novembro, pelo que assim, um e outro, com soluções opostas sobre a mesma questão fundamental de direito. E dai que o mencionado preceito tivesse sido interpretado e aplicado diversamente a factos identicos, o que evidencia oposição justificativa do recurso previsto no artigo 763 do Codigo de Processo Civil.<br> Pelo que se conclui pela existencia da invocada oposição e, em consequencia, pela admissibilidade do recurso, uma vez que e para alem desse pressuposto, nenhuma duvida oferece que ambos os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação e que de presumir e, com transito, o que se invocou de data anterior ao recorrido.<br> Entraremos, por isso, na apreciação do objecto do recurso.<br> III - Esta ele, conforme o ja anotado, na questão de saber se a regra do n. 2 do artigo 493 do Codigo Civil e ou não aplicavel em materia de acidentes de viação, o que tem sido motivo de controversia tanto na doutrina como na jurisprudencia, praticamente desde a substituição do Codigo de Seabra pelo actual, onde tal disposição nos aparece com uma redacção muito semelhante a do artigo 2050 do Codigo Civil italiano, donde fora importada.<br> Em comentarios que fez a varios acordãos deste Supremo Tribunal, entendeu que sim o ilustre mestre de Coimbra,<br> Prof. Vaz Serra, como pode ver-se da Revista de Legislação e de Jurisprudencia, anos 102, paginas 318-319,<br> 103, paginas 512, 104, pagina 232, e 105, pagina 220, baseando-se, porem, e apenas, na circunstancia de provirem de uma actividade perigosa e na existencia daquele preceito a estabelecer uma presunção de culpa so ilidivel pelo causador dos danos quando mostre que empregou todas as providencias exigidas pelas circunstancias com o fim de os prevenir, e tal entendimento, sem outras achegas, foi tambem o que prevaleceu, durante alguns anos, na jurisprudencia deste Supremo, como no-lo mostram, entre outros, os acordãos de 28 de Maio de 1974, de 22 de Julho de 1975, de 3 de Fevereiro de 1976 (este tirado em reunião de Secções) e de 4 de Maio de 1976, publicados no Boletim do Ministerio da Justiça, numeros 237, pagina 231,<br> 249, pagina 480, 254, pagina 180, e 257, pagina 121, respectivamente, não obstante o mesmo prestigioso mestre, que foi quem mais o influenciou, ter defendido, aquando da publicação dos seus notabilissimos estudos de preparação do novo Codigo Civil, o regime, em materia de acidentes de transito, alias ja adoptado nos nossos anteriores Codigos da Estrada desde a sua versão de 1930, da responsabilidade civil objectiva em vez do da responsabilidade civel baseada na culpa presumida proposta para as coisas perigosas (ver Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades no citado Boletim, n. 85, pagina 375, e Fundamentos da Responsabilidade Civil (em especial responsabilidade por acidentes de viação terrestre e por intervenções ilicitas), no mesmo Boletim, n. 90, pagina 59).<br> E certo que nos seus mais recentes comentarios as decisões deste Supremo Tribunal sobre a questão em analise ja toma posição menos rigida que a inicial ao referir, como no que fez ao acordão de 25 de Julho de 1978, a paginas 92 do ano 112 da mencionada Revista da Legislação e de Jurisprudencia, que o n. 2 do artigo 493 e, mas so em principio, aplicavel a responsabilidade por acidentes de viação, uma vez que lhe não e aplicavel quando, para certos efeitos, a lei estabeleça um regime diverso, exigindo a prova da culpa do causador do dano, e onde um pouco mais adiante se escreve: "assim, a questão de saber se o artigo 493, n. 2, e aplicavel em materia de acidentes de viação não parece susceptivel de uma solução uniforme: a solução tem de ser obtida mediante interpretação das disposições legais que consideram relevante a culpa do causador do dano, podendo, portanto, variar consoante o sentido de cada uma dessas disposições. Dai que o artigo 493, n. 2, possa ser aplicavel nuns casos e não o ser noutros".<br> Mas, mesmo assim, continua a admitir, em principio, como diz, a aplicabilidade dessa norma em materia de acidentes de transito.<br> A tese contraria, da inaplicabilidade do mencionado preceito do n. 2 do artigo 493 a circulação automovel, sem negar a perigosidade desta, foi, entre outros, patrocinada pelo desembargador Vasconcelos de Carvalho na Revista dos Tribunais, ano 90, pagina 435, e pelo juiz Oliveira Matos no seu Codigo da Estrada, a paginas 327 (2 edição) e foi tambem a que por ultimo passou a ser acolhida num maior numero de arestos deste Supremo Tribunal, sobretudo a partir dos meados de 1978 e, em especial, apos a publicação do ja citado, de 25 de Julho desse ano, da responsabilidade das suas tres Secções, em sessão conjunta, nos termos do n. 3 do artigo 728 do Codigo de Processo Civil.<br> E foi por esta que ja então abertamente nos decidimos por não nos parecer razoavel admitir que o legislador tivesse querido dois regimes de excepção para a disciplina da actividade em causa: o dos artigos 503 a 508 do Codigo Civil, da responsabilidade objectiva, e ao mesmo tempo o da inversão do onus da prova da culpa constante do n. 2 do seu artigo 493, estabelecido para as actividades perigosas em geral, ate porque, pelo uso deste, se deixaria aquele sem aplicação pratica, com o consequente prejuizo de todas as incontestaveis vantagens que quis assegurar aos lesados.<br> Certo que a condução automovel constitui uma actividade muito perigosa, se bem que quanto a nos o perigo resulte mais da forma como e exercida do que de propria actividade em si.<br> Seja, porem, como for, considerou-se causa de frequentes e gravissimos acidentes e foi em função disso que a responsabilidade pelos danos deles decorrentes se submeteu entre nos, como em outros paises, a especial e excepcional disciplina da teoria objectiva ou do risco, que fora da materia de acidentes de trabalho, se não alargou ainda aos danos derivados de outras actividades perigosas, com relação as quais se teve como bastante, dentro do sistema regra da responsabilidade subjectiva, a dita norma especial do n. 2 do artigo 493, de inversão do onus da prova quanto a culpa, pelo que tambem por essa razão não sera a mesma de aplicar nos casos em que se trate de acidentes provocados por veiculos.<br> O que quer dizer que a responsabilidade civil por danos causados por qualquer veiculo de circulação terrestre se encontra sujeita, quer ao regime geral da responsabilidade por factos ilicitos prevista nos artigos 483, n. 1, e 487, n. 1, do Codigo Civil, quer ao regime excepcional de responsabilidade pelo risco a que se refere o seu artigo 503, conforme se prove ou não uma actuação dolosa ou simplesmente culposa do responsavel e somente a esses.<br> O da presunção de culpa do n. 2 do artigo 493 respeita aos casos de danos causados no exercicio de outras actividades perigosas que não tem para a sua disciplina, como a da viação acelerada, o regime bem mais gravoso da responsabilidade objectiva ou independente da culpa.<br> Pelo que ha, em tais condições, como se acentuou no acordão de 17 de Outubro de 1978 (Boletim, n. 280, pagina 266), regimes juridicos distintos para cada uma das referidas actividades perigosas: para as de caracter geral, o do artigo 493, n. 2, ou seja o da responsabilidade com base na culpa, mas com inversão do onus da prova; e para a decorrente da condução de veiculos terrestres, o dos artigos 483, n. 1, e 487, n. 1, quando se prove a culpa, ou o do artigo 503 quando ela se não prove e se não verifique qualquer dos casos de exclusão mencionados no artigo 505.<br> Argumenta-se, ex-adverso, que no Codigo Civil italiano - que o nosso de 1966 tão de perto acompanhou - vigorava para os acidentes produzidos pela circulação de veiculos sem carris, o principio da inversão do onus da prova da culpa. Porem, sem se atentar em que efectivamente assim sucedia (e sucede), não por força do disposto no seu artigo 2050, de que o artigo 493, n. 2, e quase uma copia, mas sim, conforme se frisou no acordão de 19 de Outubro de 1978 (Boletim, n. 280, pagina 272) por aplicação directa de um principio proprio expresso em outra das suas disposições (a do artigo 2054), o que bem se justifica pelo facto de não existir no direito italiano, para o referido tipo de acidentes, a responsabilidade com base no risco.<br> Donde, e com todo o acerto, se ter escrito no predito acordão de 19 de Outubro "não parecer razoavel admitir que o nosso legislador, depois de ter concedido aos acidentes na estrada a larga protecção que, em materia de ressarcimento dos danos, resulta da regulamentação da responsabilidade pelo risco, ainda fosse inverter o onus da prova no dominio da responsabilidade por culpa, e que tendo tratado a primeira em disposições especiais (artigos 503 a 508), tratasse a segunda em disposição generica (artigo 493, n. 2)".<br> Temos, por isso, que não tinha aplicação ao caso do acordão recorrido, como bem nele se julgou, a regra da inversão do onus da prova da culpa insita do preceito do n. 2 do artigo 493 com destino a responsabilidade pelos danos causados no exercicio das actividades perigosas em geral, desprovidas da protecção da responsabilidade objectiva, pelo que era a autora, recorrente, como lesada, que caberia, nos termos dos artigos 342, n. 1, e 504, n. 2, fazer a prova da culpa do lesante.<br> Com efeito, fala o ultimo desses preceitos "nos termos gerais" e com isso so podera querer aludir-se aos termos gerais da responsabilidade civil expressa nos artigos 483 e 487, como correntemente tem sido entendido. Não que unicamente fica excluida da formula legal a responsabilidade pelo risco, como ja se sustentou. De outro modo, ou seja a admitir-se, no caso, a mencionada presunção, o proprio preceito ficaria (o do artigo 504, n. 2), como com toda a visão se disse no acordão de 25 de Julho de 1978, "esvaziado do seu conteudo", o que seria um contra-senso.<br> Diz-se, em oposição a isto, que contra-senso seria exceptuar do regime da presunção de culpa estabelecida para os danos causados por actividades perigosas precisamente aqueles que, de tão perigosas, se submeteram a responsabilidade pelo risco, mas parece-nos evidente o sem valor da objecção porque exactamente pela razão apontada e que se instituiu para essas a responsabilidade objectiva, a qual, de efeitos mais severos, nem sequer teria, nas pretendidas condições de cumulação de sistemas, campo de aplicação. Isto por ser sabido que, com a prova da culpa, real ou presumida, do lesante, se afasta sempre a responsabilidade pelo risco.<br> Chocante, pelo menos - isso sim - seria, como se expos no acordão da Relação de Evora, de 11 de Novembro de 1976, publicado na Colectanea de Jurisprudencia, ano I, tomo 3, a paginas 729, que nos casos em que o juiz, em processo penal, tendo de absolver o reu da acusação - crime por falta de provas quanto a sua culpa, houvesse na mesma sentença de o condenar em indemnização, se provado o ilicito civil e por força do disposto no artigo 12 do Decreto-lei n. 605/75, de 3 de Novembro, a titulo de culpa presumida por aplicação do preceito do artigo 493, n. 2.<br> Não se aceita, portanto, por tudo o que vem de referir-se, a tese da recorrente, mas a oposta, que vem sendo defendida na mais recente jurisprudencia deste Supremo Tribunal a merecer o aplauso do tambem ilustre mestre de Coimbra, Prof. Antunes Varela, na nova edição que acaba de publicar-se (2) do volume I do seu Codigo Civil Anotado, a paginas 431.<br> Ai se diz, com efeito, citando-se esssa jurisprudencia (entre a qual a do acordão de 25 de Julho de 1978, tirado em reunião conjunta das Secções, e a do ora recorrido) e a proposito da sua orientação, o seguinte que valera a pena transcrever:<br> "Este entendimento e o que corresponde a interpretação correcta lei. Atendendo a especial perigosidade inerente a circulação de veiculos, o legislador admitiu neste dominio, para protecção dos lesados, a responsabilidade pelo risco (artigo 503). Mas não ha qualquer indicio de que, alem desta protecção - ja de si excepcional, pois não vale para o comum das actividades perigosas, onde se não foi alem do regime da culpa presumida - legislador tenha querido afastar tambem o principio segundo o qual e ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão (artigo 487), quando a acção de indemnização se baseie na culpa e não no risco. Pelo contrario, ha varios preceitos (artigos 504, n. 2, 506, n. 1, 507, ns. 1 e 2, e 508, ns. 1 e 2) que aludem a culpa do responsavel pelos danos, não podendo deixar de entender-se que se trata de culpa do responsavel pelos danos, não podendo deixar de entender-se que se trata de culpa provada e não de simples culpa presumida. A unica disposição em que se estabelece uma presunção de culpa e a do n. 3 do artigo 503, relativa a responsabilidade do comissario. Trata-se, porem, de um caso em que não existe responsabilidade pelo risco (pelo risco responde apenas o comitente) e por isso o legislador entendeu dever agravar a situação do causador do acidente<br> (o comissario) com uma presunção de culpa...".<br> IV - Assim, e face ao que exposto fica, negam provimento ao recurso, com custas pelo recorrente, e tiram o seguinte assento:<br> "O disposto no artigo 493, n. 2, do Codigo Civil não tem aplicação em materia de acidentes de circulação terrestre".<br> Manuel dos Santos Vitor (Relator) - Eduardo Botelho de Sousa - Costa Soares - Artur Moreira da Fonseca - Hernani de Lencastre - Alberto Alves Pinto - Antonio Furtado dos Santos - Octavio Dias Garcia - Henrique Augusto da Rocha Ferreira - Bruto da Costa - Jacinto Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Antonio Correia de Melo Bandeira - Augusto de Azevedo Ferreira - Oliveira Carvalho (Votei o assento com a declaração de que pelo facto de na circulação automovel poderem resultar perigos e efeitos danosos isso não significa que os condutores dos veiculos exerçam uma actividade perigosa por sua propria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, o que afasta a aplicação a esses acidentes do preceituado no n. 2 do artigo 493 do Codigo Civil). _ Anibal Aquilino Ribeiro (concordo com a declaração de voto do colega Acacio de Carvalho, tendo a acrescentar que votei a conclusão do acordão). - Rui Corte-Real (com a declaração de que voto o assento por melhor esclarecido e atenta a interpretação que dei ao n. 3 do artigo 503, do Codigo Civil, no acordão deste Supremo, de 17 de Outubro de 1978, Boletim, n. 280, pagina 266, de que fui relator). - Ferreira da Costa (Vencido. Votei no sentido da inexistencia de oposição e no de se assentar em que o n. 2 do artigo 493 do Codigo Civil e aplicavel, em principio, a condução de veiculos de circulação terrestre. Apresento a declaração de voto com as razões do meu entendimento). - Avelino da Costa Ferreira Junior (Vencido, mas apenas quanto a decisão final, pelos mesmos fundamentos da declaração de voto do Excelentissimo Colega Doutor Ferreira da Costa). - Manuel Alves Peixoto (Vencido quanto a materia do assento fundamentalmente pelas razões do meu Excelentissimo Colega Ferreira da Costa). - João Moura (Vencido pelos motivos invocados pelo Conselheiro Ferreira da Costa). - Abel de Campos (Vencido, não so quanto a existencia de oposição relevante, de harmonia com a declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Ferreira da Costa, mais ainda quanto ao fundo, relativamente ao qual apresento declaração de voto).<br> Tem voto de conformidade do Excelentissimo Conselheiro Doutor Antonio Miguel Caeiro, que não assina por não estar presente. Manuel dos Santos Vitor.<br> Seguem as declarações de voto:<br> Eis as razões desse voto: a) No que toca a pretensa oposição:<br> Os casos versados no acordão recorrido e no de 25 de Janeiro de 1978, são diferentes no substrato factual e a questão fundamental de direito que neles se decidiu não e a mesma: naquele, a da interpretação e aplicação do n. 2 do artigo 504 do Codigo Civil e neste a do entendimento e ambito do n. 2 do seu artigo 493. b) No que respeita a doutrina do assento:<br> A presunção de culpa estabelecida neste n. 2 funda-se numa regra de experiencia segundo a qual os danos resultantes do exercicio de actividades perigosas são, normalmente, ocasionados por quem as pratica;<br> Pela sua razão de ser a presunção deve, em principio, alcançar todos os condutores de veiculos de circulação terrestre, visto exercitarem uma actividade consabidamente perigosa, quer sejam proprietarios deles, quer sejam simples comissarios ou utentes;<br> A circunstancia de a lei prever o regime da responsabilidade objectiva em alternativa com a culposa não justifica o afastamento daquela presunção;<br> Esta solução deixaria sem razão de ser plausivel a presunção de culpa formulada no n. 3 do artigo 503 do Codigo Civil quanto aos danos causados pela condução do comissario; efectivamente,<br> O preceito não se poderia restringir as relações internas entre o comitente e comissario quando o dano fosse causado por este sob pena de privilegiar o comitente relativamente a terceiros lesados, o que seria manifestamente injusto dado aquele ser responsavel pela escolha do comissario e, muitas vezes, pelas faltas praticadas na condução;<br> Tambem e inaceitavel, salvo o devido respeito, a opinião adiantada pelo Prof. Antunes Varela, de que a presunção formulada no citado n. 2 so funciona contra o comissario - e nenhum outro condutor - visto estar isento de responsabilidade objectiva: e que, por um lado, os direitos de terceiros encontram-se cobertos pela responsabilidade objectiva do comitente e, por outro seria tambem injusto que o comissario pagasse um preço tão desmedido por essa isenção, passando a assumir uma obrigação de indemnizar sem qualquer limite, em vez de uma responsabilidade menos grave, propria de quem responde por força do risco;<br> A injustiça seria tanto mais evidente quanto e certo que a isenção de responsabilidade objectiva do comissario não representa nenhum favor legal por ser consequencia do proprio fundamento dela;<br> Resulta do exposto que o n. 3 do citado artigo 503 so pode explicar-se, na parte em que formula a presunção de culpa do comissario, como afloramento da regra enunciada no n. 2 do citado artigo 493;<br> Esta regra e que tornou necessaria a formulação da excepção prevista no n. 2 do artigo 504 do Codigo Civil para o transportador a titulo gratuito, fazendo-o responder "apenas nos termos gerais, pelos danos que culposamente causar", ou seja, sem culpa presumida;<br> Esta excepção, qualquer que seja a sua justificação, exprime uma tendencia para favorecer o transportador a titulo gratuito, designadamente ao transportador por mera cortesia, para a qual propende o direito de alguns outros Estados.<br> Ferreira da Costa.<br> Declaração de voto:<br> Mantenho inteiramente o ponto de vista que largamente sustentei no voto de vencido expresso no acordão recorrido (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 281, pagina 324) - notando que no acordão de 19 de Outubro de 1978, nesse Boletim, n. 280, pagina 272, apenas votei a conclusão, como se esclareceu no mesmo Boletim, n. 282, pagina 291.<br> Pela doutrina contraria, ficam indevidamente desprotegidos os interesses que pelo estabelecimento da responsabilidade civil se procuravam acautelar - e era a isso que primordialmente importava atender.<br> Na verdade, a responsabilidade objectiva e mera solução subsidiaria, de efeitos restritos, ja que não permite a indemnização integral dos danos sofridos pelos lesados, a partir de certo limite (artigo 508 do Codigo Civil).<br> Estes, por tal doutrina, embora vitimas duma actividade inegavelmente reconhecida como das mais perigosas (sendo ate por isso mesmo que se vai ao ponto de estabelecer a seu respeito a responsabilidade pelo risco) ficam, inexplicavel e injustamente, desprovidos da protecção que a lei consagra, em geral, relativamente a quaisquer actividades perigosas.<br> Protecção, como se disse, muito mais larga e eficaz, na sua concretização indemnizatoria, visto garantir sempre o ressarcimento de todos os danos sofridos.<br> Nem pode tambem deixar de se frisar a injusta incongruencia que dessa doutrina resulta para o caso de colisão de veiculos conduzidos um pelo seu proprietario e o outro por simples comissario: enquanto o primeiro so respondera integralmente pelos danos causados se se provar que agiu com culpa, este ultimo (afinal, em principio, o mais desfavorecido, por conduzir por conta de outrem) tera de responder pela totalidade dos danos, a não ser que ele mesmo prove não ter havido culpa da sua parte (artigo 503, n. 3, do Codigo Civil).<br> Abel de Campos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A interpos, para o Tribunal Pleno, recurso do acordão deste Supremo Tribunal tirado em reunião conjunta das duas Secções Civeis em 11 de Novembro de 1975, proferido no processo n. 65462, certificado a folhas 4 e seguintes, e publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 251, a paginas 93 e seguintes. Funda-se em que esse acordão se encontra em contradição sobre a mesma questão fundamental de direito com o acordão tambem deste Supremo Tribunal, de 23 de Outubro de 1970, igualmente tirado pelas duas Secções Civeis em reunião conjunta, e publicado naquele Boletim, n. 200, a pagina 202 e seguintes.<br> Apos cumprimento do disposto nos artigos 765 e 766 n. 3 do Codigo de Processo Civil se lavrou o acordão de folhas 17, em que preliminarmente se reconheceu existir a invocada oposição. Considerou-se, para o efeito, que no acordão recorrido se julgou que os juizes dos tribunais arbitrais, nas acções contra eles propostas por perdas e danos emergentes de irregularidades cometidas no exercicio das suas funções, deverão ser demandados no mesmo foro especial a que estão adstritos os magistrados judiciais de 1 instancia, ou seja, o Tribunal da Relação; contrariamente, no anterior acordão de 23 de Outubro de 1970 entendeu-se que e aos tribunais comuns, e de acordo com as regras do processo comum, que compete conhecer da referida especie de acções.<br> As partes alegaram doutamente sobre o objecto do recurso, juntando a recorrente um parecer de um Professor de Direito.<br> O Excelentissimo representante do Ministerio Publico neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que o conflito de jurisprudencia deve ser solucionado com a doutrina do acordão apresentado em oposição com o acordão recorrido.<br> Apos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br> I - Em face do disposto no artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, o acordão que reconheça a existencia da oposição não impede que o Tribunal Pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.<br> Pronunciando-se, pois, sobre esta questão preliminar, afirma este Supremo Tribunal a manifesta existencia de oposição de julgados, que dispensa quaisquer considerações demonstrativas, notando que os dois acordãos em contradição foram proferidos no dominio da mesma legislação.<br> Por isso, passa a apreciar-se seguidamente a questão de direito suscitada.<br> II - Os Tribunais são orgãos de soberania, contando-se entre eles os Tribunais Judiciais de primeira instancia (artigos 113, n. 1, e 212, n. 1, da Constituição da Republica).<br> O Tribunal arbitral não esta incluido nessa especie de Tribunais, nem em nenhuma das admitidas pelos ns. 2 e 3 daquele ultimo preceito, assim como não pode ser havido como Tribunal com competencia especifica ou como Tribunal especializado.<br> Quando, portanto, o Codigo de Processo Civil admite e regula nos artigos 1508 e seguintes o "Tribunal arbitral", coloca-se numa perspectiva estranha a solução de litigios por orgãos estaduais. E estranha tambem a participação popular e a acessoria tecnica previstas no artigo 217 do texto constitucional, ambas igualmente de iniciativa oficial e com caracter de administração de justiça estadual, embora com participação popular em graus diferentes.<br> Reservando para o "Tribunal arbitral" o Livro IV, depois de no Livro II ter definido a competencia e as garantias de imparcialidade e no Livro III o processo, o Codigo de Processo Civil mostra que se pretendeu considerar a parte, pelo seu caracter proprio, esta forma de solução de litigios. Procurou-se apenas assegurar-lhe, sobre a base do seu verdadeiro fundamento privatistico, um minimo de disciplina, seriedade e eficacia pela observancia de algumas regras do processo comum, e pela exiquibilidade da propria decisão arbitral sem previa homologação judicial.<br> O Tribunal arbitral voluntario representa o afastamento da jurisdição de direito comum - que, em principio, se radicaria no Tribunal de comarca, por força dos artigos 66 e 67 do Codigo de Processo Civil-, para que o litigio seja, por vontade das partes, julgado por um ou mais arbitros escolhidos por ele.<br> Trata-se assim da instituição de uma justiça privada, embora com um controlo legal considerado necessario por virtude de exequibilidade da decisão arbitral.<br> Por isso, a natureza do Tribunal arbitral, da arbitragem, e o caracter do arbitro, são questões sobre que não pode deixar de influir a situação desse Tribunal fora da organização judiciaria oficial, bem como o impulso para a sua formação e funcionamento.<br> III - Assume, antes de mais, particular relevo o facto de a arbitragem ter origem convencional, expressa no compromisso arbitral, e de as partes poderem em qualquer momento revogar esse compromisso, como permite o artigo 1 512, n. 1, alinea a), do Codigo de Processo Civil.<br> Em certos aspectos e-lhe imposta por lei uma disciplina jurisdicional - designadamente na fase executiva e na de recurso -, como se ve pelos artigos 1522 e 1523.<br> Mas o direito que as partes quiseram ver definido não se lhes impõe como jus imperii, e sim em virtude do seu acordo previo.<br> E certo que o principio de autonomia da vontade sofre fortes limitações, por exemplo quanto a escolha dos arbitros. Mas o conteudo do compromisso arbitral pode ser de tal modo vasto (artigo 1516, n. 1), que a origem convencional da arbitragem fica claramente afirmada, distinguindo-a da administração da justiça estadual, sujeita a uma disciplina rigida e propria.<br> Pode, quando muito, reconhecer-se que na fase inicial do processo arbitral predomina o acordo das partes<br> - sem prejuizo da liberdade de decisão dos arbitros<br> -, e na posterior a decisão um fim jurisdicional.<br> Isto permite caracterizar a arbitragem como instituição autonoma, de raiz contratual, embora sujeita ao controlo jurisdicional do Estado na fase de execução e na de recurso.<br> Mantem aquela sua natureza ainda no caso de julgamento de equidade, em que do mesmo modo a decisão dos arbitros vincula as partes, mas sem possibilidade de recurso (artigo 1524).<br> Rigorosamente, não pode falar-se so de controlo, e menos ainda so de jurisdição.<br> IV - Dentro da referida instituição, a decisão arbitral reveste especial importancia, ja que e o fim visado pelo compromisso arbitral, ou seja, a decisão do litigio.<br> A esta decisão confere o artigo 1522 a mesma força que a uma sentença proferida pelo Tribunal de comarca.<br> Dai que o artigo 48, n. 2, do mesmo Codigo de Processo a considere exequivel nos mesmos termos em que o são as decisões dos Tribunais comuns.<br> Neste aspecto se desligou aquele Codigo da solução da Novissima Reforma Judiciaria e da adoptada na legislação de paises como a França, a Italia e o Brasil, de so reconhecer força executoria a decisão dos arbitros apos o exequatur.<br> A razão deste desvio funda-a com especial autoridade Jose Alberto dos Reis em se ter reconhecido, por um lado, que a exigencia de homologação seria um excesso de formalismo; e, por outro, que so havia vantagem em transferir para o processo de execução a especie de inspecção ou censura exercida pelo Tribunal comum atraves da homologação (cfr. Processo de Execução, volume I, pagina 138).<br> Pode mesmo ver-se nesta dispensa de homologação previa o proposito de dar dignidade a decisão arbitral, vinculando-a a origem convencional da actuação dos arbitros, ao compromisso arbitral, sem a intervenção de orgãos jurisdicionais do Estado. A confiança nos arbitros, traduzida naquele compromisso e reafirmada no acatamento da decisão arbitral, situa esta no ambito de um acordo das partes susceptivel de, por si so, lhe dar força executiva.<br> Dai tambem a inutilidade da homologação previa.<br> O proprio texto dos artigos 48 e 1522 permite distinguir claramente das decisões ou actos da autoridade judicial as decisões do Tribunal arbitral; e ao equipara-las apenas para efeito de exequibilidade imediata não envolve, e antes impede a qualificação do arbitro como autoridade judicial.<br> Alias, como critica a imposição legal da homologação previa outra razão se tem apontado: a elevada percentagem de execuções voluntarias da decisão arbitral.<br> Diferentemente, pois, do que a primeira vista se seria tentado a reconhecer, a exequibilidade imediata da decisão arbitral não se funda no reconhecimento da identidade de natureza entre ela e a decisão do Tribunal, entre o arbitro e o juiz de direito, mas antes em considerações de ordem pratica, e ate na logica de desenvolvimento do compromisso arbitral.<br> Estas razões - note-se - não eliminaram a censura exercida sobre a decisão arbitral atraves do acto de homologação; apenas transferem essa censura para a fase posterior de execução, em que ate interesses estranhos aos compromitentes podem ser reflexamente atingidos.<br> E obviamente dentro da mesma perspectiva que se atribui a tal decisão a força de uma sentença proferida pelo Tribunal de comarca.<br> IV - Não podem extrair-se dos citados preceitos legais e de outros do mesmo Codigo, designadamente dos artigos 1516, n. 2, 1517, n. 2, e 1523, conclusões que se coloquem fora dos principios atras enunciados.<br> Afastada liminarmente a ideia de que o Tribunal arbitral tenha sido assimilado, embora com limitações, a orgão jurisdicional do Estado, ou o arbitro a juiz de direito, pretende-se que haja equivalencia do Tribunal arbitral ao Tribunal de comarca, e de arbitro ao juiz de direito. Mas desde logo se impõe observar que e subsidiaria a observancia das regras do Codigo de Processo Civil sobre os termos aplicaveis ao processo arbitral na importante fase de preparação (artigos 1516, n. 1, e 1517, n. 2).<br> Por outro lado, e dentro da linha geral de orientação informadora da exequibilidade imediata da decisão arbitral que se integram os artigos 1514, 1515, 1516, n. 2, e 1518. Com efeito, a remissão para os casos de impedimento do juiz previstos no artigo 122, n. 1, alineas a), b) e g), não exprime qualquer equiparação do arbitro ao juiz, mas apenas a preocupação legal de que aquele actue em condições de independencia. Alias, se o arbitro for nomeado pelo juiz, o regime de impedimentos e escusas passa a ser o aplicavel aos peritos. Ora, do facto de o artigo 584 estabelecer que os peritos podem ser recusados com os mesmos fundamentos por que podem ser recusados os juizes não deve, como e obvio, extrair-se que o perito e equiparado ao juiz.<br> Trata-se de formulas praticas de remissão, destinadas a evitar a repetição de fundamentos, e visando todas elas alcançar decisões ou laudos dignos de confiança.<br> A liberdade de aceitação do encargo do arbitro e a possibilidade de escusa, tal como esta e prevista naquele artigo 1515, n. 2, são aspectos especificos da jurisdição arbitral.<br> Tambem o juramento e compreensivel, por se tratar de função acidental como a de perito, o qual tambem esta obrigado a juramento de bem cumprir o encargo que lhe e confiado (artigo 593, n. 1).<br> A circunstancia de o arbitro designado pelos compromitentes para preparar o processo exercer, para esse fim, jurisdição igual a do juiz de direito, traduz apenas a necessidade de lhe dar poderes para dirigir eficazmente a fase de preparação do processo.<br> Mas essa atribuição especifica de poderes, assim como a previsão dos restantes aspectos parcelares em que se remeteu para o regime comum, significam antes o reconhecimento de que se esta perante instituição carecida do apoio de certas regras da jurisdição ordinaria para poder funcionar em termos de que a lei não devia alhear-se, ja que se trata de uma força de solução de litigios com reconhecimento legal.<br> VI - A equiparação do arbitro a juiz de direito, no aspecto em causa, revela-se particularmente precaria quando, para alem da natureza da jurisdição arbitral, se atenda ao aspecto estatutario dos magistrados judiciais.<br> Os tribunais judiciais de primeira instancia são, em regra, os Tribunais de comarca, e os juizes desses Tribunais - como, alias, os da segunda instancia e os do Supremo Tribunal de Justiça - constituem um corpo unico e regem-se por um so estatuto (Constituição, artigos 212, n. 1, 214, n. 1, e 220).<br> Em desenvolvimento desse principio, estabelece o Estatuto Judiciario que em cada comarca exerce jurisdição um Tribunal de primeira instancia denominado "Tribunal de comarca", onde funciona, pelo menos, um juiz de direito (artigos 6, n. 1, e 26, n. 1).<br> O "juiz de direito" encontra-se integrado na magistratura judicial, hierarquicamente organizada e com a missão de julgar em harmonia com as fontes a que, segundo a lei, deve recorrer, e fazer executar as suas decisões (artigo 109, n. 1, e 110, n. 1).<br> Esta magistratura e irresponsavel, no sentido de que os juizes não respondem pelos seus julgamentos, sem prejuizo, alem do mais, das sanções legais por abusos ou irregularidades no exercicio da função (artigo 11, alinea b)).<br> E precisamente aos "juizes de direito", neste sentido especifico e organico, que se refere o artigo 24, n. 1, alinea a), quando atribui competencia as Relações, funcionando em pleno, para conhecerem das acções de perdas e danos contra eles propostas por causa do exercicio das suas funções.<br> A mesma orientação foi acolhida nos artigos 1, ns. 1, 2, 3 e 5, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n. 85/77, de 13 de Dezembro), onde se fala tambem no corpo unico formado pelos juizes dos Tribunais judiciais, entre eles os juizes de direito.<br> Ora os arbitros, como juizes privados com a função de julgar apenas o litigio ou litigios para que foram escolhidos pelas partes, não se compreendem naquelas normas legais, respeitantes a organica da magistratura judicial.<br> Nem podem beneficiar da aplicação analogica dessas normas. Na verdade, o principio geral de responsabilidade por factos ilicitos, contido no artigo 483 do Codigo Civil, sujeita o responsavel a julgamento, feito pelo Tribunal de comarca, ja que a este pertence, em primeira instancia, a plenitude da jurisdição civil (Codigo de Processo Civil, artigos 66 e 67).<br> Perante esta regra fundamental de competencia em razão da materia, reafirmada em parte no artigo 1086, n. 2, daquele Codigo de Processo mesmo quanto aos magistrados judiciais, constituem preceitos excepcionais o ja citado artigo 24, n. 1, alinea c), do Estatuto Judiciario, e o artigo 71, alinea b), do Codigo de Processo Civil, segundo os quais e as Relações que compete conhecer das acções de indemnizações propostas, por causa do exercicio das suas funções, contra os juizes de direito.<br> Estas normas limitam-se a fazer aplicação do disposto no artigo 113, n. 1, do Estatuto Judiciario, reproduzido no artigo 18 do ja citado Estatuto dos magistrados judiciais que reconhece aos magistrados judiciais direito a foro e processo especial nas acções de responsabilidade civil, por causa do exercicio das suas funções judiciais.<br> Trata-se de um regime excepcional de competencia, e duplamente excepcional. E que, alem de não abranger senão o corpo unico formado pelos juizes dos Tribunais judiciais, não respeita a totalidade das acções de indemnização contra eles, mas apenas as fundadas na sua actuação profissional.<br> As normas excepcionais que consagraram este regime não poderiam, sem ofensa do disposto no artigo II do Codigo Civil, ser aplicadas por analogia aos arbitros que, como e obvio, não pertencem aquele corpo unico.<br> Nem por interpretação extensiva elas poderiam abranger os arbitros, porque o pensamento da lei e claramente o de prosseguir um fim de ordem publica em atenção ao facto de os juizes de direito ou os magistrados judiciais estarem munidos dos jus imperii e se encontrarem integrados numa carreira hierarquicamente organizada. Tanto assim e que, ao disciplinar o Tribunal arbitral, o Codigo de Processo Civil não contem qualquer norma de remissão para o regime judiciario quanto a responsabilidade civil dos arbitros. Diferentemente, o n. 2 do artigo 1512, ao tratar da caducidade do compromisso, preceitua que os arbitros culpados de a decisão não ser proferida dentro do prazo estabelecido pelas partes ou, subsidiariamente, pela lei respondem pelos danos a que derem causa. E um preceito especial ligado ao termos do compromisso, e que so faz sentido na jurisdição arbitral, onde não e sequer configuravel a responsabilidade disciplinar.<br> Para alem dele nenhum outro se encontra a prever a responsabilidade dos arbitros, o que so pode significar a aplicação do regime geral quanto a existencia dessa responsabilidade e aos termos em que ela e exigivel.<br> Compreende-se que assim seja, uma vez que os arbitros so desempenham funções de julgadores - que, alias, podem consistir em simples julgamento de equidade - por forma ocasional e por mera comissão dos compromitentes.<br> Nem pertencem a organica judiciaria do Estado nem, para alem dela, exercem qualquer função publica.<br> Diferente e o caso dos magistrados substitutos - Estatuto Judiciario, artigo 113, n. 2 - por quanto a eles se justificar o foro especial dos magistrados a quem substituem por imperativo legal, e que por isso mesmo administram justiça em tribunais judiciais orgãos de soberania, e nos precisos termos em que estes a tem de administrar. Mas, ainda assim, esse direito teve de ser-lhes reconhecido por disposição expressa de lei.<br> Mesmo em relação aos magistrados estaduais que exerçam funções em Tribunais especiais, como os administrativos e fiscais, precisamente porque não pertencem, so por essas funções, a magistratura judicial, e não podem por tal motivo considerar-se juizes de direito, foi necessario equipara-los a estes ou reconhecer-lhes foro especial para certas acções, como se mostra no acordão em oposição.<br> Assim, equiparar os arbitros a juizes de direito, para o efeito de lhes ser reconhecido o direito a foro especial para a aludida especie de acções, não seria reconstituir o pensamento da lei, mas ir alem dele e contraria-lo.<br> Não fornece o artigo 1523 do Codigo de Processo Civil argumento em contrario. A circunstancia de das decisões dos arbitros caberem para a Relação os mesmos recursos que caberiam de despachos e sentenças proferidos pelo Tribunal de comarca e, por um lado, simples corolario dos referidos artigos 48, n. 2 e 1522 do mesmo Codigo, ao atribuirem a decisão arbitral a mesma força e exequibilidade das decisões dos Tribunais comuns, o que, como ja se mostrou, não apoia a doutrina oposta.<br> E, por outro lado, aspecto posterior a actuação dos arbitros, ao funcionamento do Tribunal arbitral, representando, salvo o caso de renuncia ao recurso, o funcionamento normal da justiça ordinaria apos se ter esgotado o conteudo imediato do compromisso arbitral.<br> VII - O entendimento contrario socorre-se de doutrina elaborada com base em sistemas legislativos estrangeiros que porventura terão inspirado a lei portuguesa.<br> Impressiona-se para tanto com a afirmação de que o arbitro actua como juiz.<br> Mas a raiz do problema não esta em o arbitro agir como juiz ao decidir o litigio.<br> O que importa fundamentalmente e procurar em cada lei estatutaria e processual se ele foi directamente abrangido pela concessão de foro especial dos magistrados ou se, por via analogica ou interpretativa, lhes pode ser equiparado para esse especial efeito.<br> A luz desta distinção basica, e perante o direito belga, omisso como o portugues quanto a responsabilidade civil do arbitro por inexecução ou ma execução do seu cargo, sustenta Alfred Bernard que o recurso das partes contra os arbitros, pelas faltas por estes cometidas no desempenho da sua função, esta submetida ao direito comum, atraves da acção de perdas e danos.<br> E acrescenta que, por inaplicabilidade dos preceitos do Codigo de Processo Civil relativos ao foro especial dos juizes, a jurisdição competente para conhecer dessa acção e o Tribunal de primeira instancia, nos termos gerais (conforme L'Arbitrage voluntaire en droit prive, paginas 150, 217 e 220).<br> Pelo que respeita ao direito frances, tem-se invocado a autoridade de Jean Robert para se afirmar que o arbitro actua na qualidade de juiz, e dai se concluir que goza de foro especial reconhecido a este.<br> Porem, a invocação desse autor so desabona tal entendimento. E certo que ele reconhece, ao analisar o caracter do arbitro, que este actua como juiz. Mas faz essa analise e esse reconhecimento a proposito do problema de saber se o arbitro pode considerar-se mandatario das partes. E conclui, a proposito, que, como ele decide com independencia, segundo as regras do direito e a sua consciencia, não age como mandatario, e menos ainda em nome das partes.<br> Esta conclusão enquadra-se na sua concepção de que o controlo judiciario sobre a decisão arbitral e apenas a expressão de que a origem "livre" da arbitragem não e anarquica, e de que, por consequencia, tal controlo não e mais do que um visto de entrada no quadro judiciario.<br> Coerente com esta concepção, o mesmo autor, ao encarar qual a jurisdição competente para conhecer da responsabilidade dos arbitros, afirma que não pode deixar de ser a de direito comum, isto e, o Tribunal de primeira instancia.<br> Isto porque o artigo 509 do Codigo de Processo Civil frances, a conjugar com o artigo 36 do Decreto 67-1210, de 22 de Dezembro de 1967 - que estabelece foro especial para os juizes de direito nas acções de responsabilidade civil pelo exercicio das suas funções<br> -, não pode aplicar-se aos arbitros, dada a natureza especial dessas acções (conforme a obra de Jean Robert,<br> Arbitrage civil e commercial, 4 edição, 1967, paginas 259, 261 e especialmente 118).<br> Destas referencias decorre que o apoio procurado nos citados autores pela tese oposta, quanto ao ponto concreto em discussão, confirma de modo expresso e frontal que não e possivel aos arbitros o foro especial em causa.<br> VIII - Pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso revogam o acordão recorrido e, em consequencia, tiram o seguinte "assento":<br> Compete ao Tribunal comum, segundo as regras do processo comum, conhecer das acções propostas contra arbitros por causa do exercicio das suas funções".<br> Custas pelo recorrido.<br> Miguel Caeiro (Relator) - Avelino Ferreira Junior -<br> - Oliveira Carvalho - Abel de Campos - Santos Vitor - Rodrigues Bastos - Costa Soares - Alberto Alves Pinto<br> - Octavio Dias Garcia - Anibal Aquilino Ribeiro - Daniel Ferreira (Vencido como relator: Mantenho-me fiel a doutrina do acordão recorrido que subscrevi. Sustentei, por razões que, no fundo, são as mesmas que constam da fundamentação desse acordão e da extenção e muito douta declaração de voto exarada no final do acordão de 23 de Outubro de 1970 (no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 200, paginas 217 e seguintes) que devia ser tirado assento no sentido de que as acções por perdas e danos propostas contra os juizes dos tribunais arbitrais, por irregularidades cometidas no exercicio das suas funções deverão ser propostas no mesmo foro especial a que estão sujeitos os magistrados judiciais e deverão seguir os termos de processo especial estabelecido nos artigos 1083 e seguintes do Codigo de Processo Civil. - Jose Garcia da Fonseca (Vencido pelos fundamentos acima expostos pelo colega Doutor Daniel Ferreira). - Jose Montenegro (Vencido pelos fundamentos do primeiro voto de vencido). - Eduardo Botelho de Sousa (Vencido pelas mesmas razões de voto de vencido do Excelentissimo colega Daniel Ferreira). - Francisco Bruto da Costa (Vencido, pelos mesmos fundamentos). - Hernani de Lencastre (Vencido, pelos mesmos fundamentos do voto do Conselheiro Doutor Daniel Ferreira). - Artur Moreira da Fonseca (Vencido, pelos mesmos fundamentos que constam do voto de vencido do Excelentissimo Conselheiro Daniel Ferreira).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br> <b><font>Acordam, no Pleno das Secções Cíveis, do Supremo Tribunal de Justiça </font></b></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>I – Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>1. AA (A.) </font></b><font>intentou, em 13/12/2016, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>BB </font></b><font>e </font><b><font>CC</font></b><font> (R.R.), alegando, no essencial, o seguinte:&nbsp; </font> </p><p><font>a) O prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e quatro andares, sito na freguesia da … do …, foi constituído em regime de propriedade horizontal mediante escritura pública outorgada em 11/03/2008, compreendendo 16 fracções autónomas designadas pelas letras A a Q;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>b) Nos termos dessa escritura e do documento complementar a ela anexo, as fracções autónomas designadas pelas letras A e B, localizadas no rés-do-chão, estão destinadas a comércio e as restantes, localizadas nos 1.º a 4.º andares, destinam-se a habitação; </font> </p><p><font>c) A fracção C, localizada no 1.º andar, é propriedade do R. BB e a fracção E é propriedade do ora A.; </font> </p><p><font>d) Em Março de 2016, começaram a ser prestados, na referida fracção C, serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, sendo que o R. BB, sob a designação comercial P… H…, tem publicitado na Internet e disponibilizado aquela fracção mobilada e equipada para alojamento a turistas e como alojamento temporário, inferior a 30 dias, prestando ainda serviços remunerados de limpeza; </font> </p><p><font>e) Para tanto, o mesmo R. cedeu essa fracção à R. CC, sua mãe, que procedeu ao registo da actividade de alojamento local na Câmara Municipal d… … e no Turismo de Portugal, I.P.;</font> </p><p><font>f) Porém, não foi solicitado aos demais condóminos qualquer consentimento para a referida exploração da fracção C, nem estes concordam com a utilização que lhe tem vindo a ser dada, diversa do destino para habitação indicado no título constitutivo da propriedade horizontal; </font> </p><p><font>g) Sucede que a rotatividade e a aleatoriedade dos utentes aumentam inevitavelmente o risco de perturbação ao descanso, a insegurança, o desgaste e a sujidade das partes comuns, sempre em prejuízo dos demais condóminos, que vêem o seu imóvel desvalorizado e com despesas adicionais, sem retirar qualquer proveito; </font> </p><p><font>h) A par disso, os utentes alojados passam a ter acesso e a usar o espaço de garagem, reservado e exclusivo para o estacionamento de veículos dos condóminos moradores. </font> </p><p><font>i) Assim, o sobredito uso da fracção C infringe o disposto nos artigos 1419.º e 1422.º, n.º 2, alínea c), do CC.</font><br> </p><p><font>Concluiu a pedir que: </font><br> </p><p><font>1) – Fosse declarada ilegal a utilização da fracção autónoma designada pela letra C dada pelos R.R. para estabelecimento de alojamento local;</font><br> </p><p><font>2) – Fossem os R.R. condenados a cessar imediatamente essa utilização e a reintegrar a fracção no seu destino específico para habitação; </font><br> </p><p><font>3) – Fossem ainda os R.R. condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 150,00/dia, a contar da data do trânsito em julgado até efetiva cessação do alojamento. </font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>2. </font></b><font>Os R.R. apresentaram contestação em que, aceitando serem prestados serviços de alojamento temporário a turistas na fracção em referência, sustentaram, em resumo, que: </font><br> </p><p><font>a) A utilização dada à fracção em causa se enquadra no regime jurídico de alojamento local previsto no Dec.-Lei n.º 128/2014, de 29/08, alterado pelo Dec.-Lei n.º 63/2015, de 23/04; </font><br> </p><p><font>b) O 1.º R. adquiriu essa fracção para a sua habitação, mas, por razões profissionais, passou a residir também no estrangeiro, sendo-lhe legítimo destiná-la a alojamento local, o que não descaracteriza o destino para habitação que lhe é dado no título constitutivo; </font><br> </p><p><font>c) Como utilizadores do edifício, as pessoas a quem cede a habitação tem o direito a aparcar o veículo na garagem.</font><br> </p><p><font>d) A vingar a tese do A., estariam a ser coartados os poderes que assistem ao R. como proprietário da fracção C, tanto mais que nem todas as fracções do prédio se destinam a habitação. </font><br> </p><p><font>Concluíram pela improcedência da acção e consequente absolvição dos R.R. de todos os pedidos.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>3. </font></b><font>Por despacho proferido a fls. 68, foi o A. convidado a fazer intervir os demais condóminos, por se afigurar ser de evitar a preterição de litisconsórcio necessário, o que foi requerido e ordenado, não tendo os chamados deduzido qualquer articulado. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>4. </font></b><font>Por fim, foi proferido saneador-sentença a julgar a acção totalmente procedente, conforme fls. 125-130, decidindo-se: </font><br> </p><p><font>&nbsp;“a</font><i><font>) Declarar “ilegal” a utilização para estabelecimento de alojamento local que é dada pelos R.R. à fracção autónoma designada pela letra C;</font></i><br> </p><p><i><font>b) Condenar os Réus a cessar imediatamente a utilização que fazem da fracção C e reintegrá-la no seu destino específico de habitação;</font></i><br> </p><p><i><font>c) Condenar os Réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário de € 150,00, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efetiva cessação da actividade de alojamento local.”</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformados com essa decisão, os R.R. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação d… …, que julgou improcedente a apelação, confirmando inteiramente a sentença recorrida, conforme o acórdão de fls. 184-192. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font>Novamente inconformados, os R.R. interpuseram revista excepcional, ao abrigo dos pressupostos previstos no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do CPC, convocando, nomeadamente, como acórdão-fundamento o aresto proferido pela Relação do Porto, de 15/09/2016, no processo n.º 4910/16.5T8PRT-A.P1, reproduzido a fls. 214-224.&nbsp; </font><br> </p><p><font>A revista excepcional foi admitida pela formação dos três Juízes deste Supremo a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do CPC, considerando-se, para tanto, bastar a verificação do pressuposto previsto na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, dada a sua abrangência.&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>7.</font></b><font> O Supremo Tribunal, por acórdão de 23-01-2020, negou provimento à revista e confirmou o acórdão da Relação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>8. </font></b><font>Os réus, BB e CC, vieram interpor, a 03 de Março de 2020, </font><u><font>RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA</font></u><font>, alegando o seguinte (transcrição):</font><br> </p><p><font>“</font><i><font>1.1. No </font></i><i><u><font>acórdão recorrido</font></u></i><i><font>, foi entendido que:</font></i><br> </p><p><i><font>- a actividade de alojamento local não integra o conceito de habitação como fim dado às fracções autónomas no título constitutivo da propriedade horizontal;</font></i><br> </p><p><i><font>- o conceito de habitação, como destino da fracção autónoma, mostra-se qualitativamente distinto do conceito de utilização da mesma para alojamento local;</font></i><br> </p><p><i><font>- a actividade de exploração de alojamento local, tal como se encontra regulada no Dec.-Lei n.° 128/2014, de 29/08, reveste natureza comercial.</font></i><br> </p><p><i><font>1.2. No </font></i><i><u><font>acórdão-fundamento</font></u></i><i><font>, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 28-03-2017, no processo n.º 12579/16.0T8LSB.L1.SI, transitado em julgado, foi entendido que: </font></i><br> </p><p><i><font>- o arrendamento da fracção a turistas por curtos períodos, designado por alojamento local, não é um acto de comércio;</font></i><br> </p><p><i><font>- na cedência onerosa da fracção a turistas, a fracção autónoma destina-se à respectiva habitação e não a actividade comercial, respeitando o conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal onde consta que determinada fracção se destina a habitação, se essa fracção for objeto de alojamento local.</font></i><br> </p><p><i><font>1.3. Ambos os acórdãos versam sobre as mesmas questões fundamentais de direito, a saber: determinar se a actividade de exploração de alojamento local integra um acto de comércio e se a utilização de uma fracção destinada a habitação para alojamento local viola o título constitutivo da propriedade horizontal;</font></i><br> </p><p><i><font>1.4. Tais acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação - artigos 1418.°, n.° 2, alínea a), e 1422.°, n.° 2, alínea c), do CC e Dec.-Lei n.° 128/2014, de 29/08 com as sucessivas alterações;</font></i><br> </p><p><i><font>1.5. Estamos perante uma clara contradição de julgados, que justifica a uniformização de jurisprudência</font></i><font>.”</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>9. </font></b><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>10. </font></b><font>Por decisão do Juiz Conselheiro Relator, proferida a 06 de Outubro de 2020, foi “</font><i><font>admitido o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência sobre a questão fundamental de direito suscitada pelos Recorrentes</font></i><font>”.</font> </p><p><font>A fundamentar a decisão foi dito (transcrição):</font><br> </p><p><font>“</font><i><font>O artigo 688.º CPC prescreve que:</font></i> </p><p><i><font>1. As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.</font></i> </p><p><i><font>2. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.</font></i> </p><p><i><font>3. O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.</font></i><br> </p><p><i><font>Trata-se de recurso extraordinário cujo prazo de interposição é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido (art.º 689.º, n.º 1, do CPC), tendo por finalidade verificar a alegada contradição jurisprudencial e, em caso afirmativo, decidir a questão controvertida, emitindo acórdão de uniformização sobre o conflito assim verificado.</font></i><br> </p><p><i><font>Posto isto, em sede de exame preliminar, importa averiguar as condições de admissibilidade daquele recurso nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 692.º do CPC, segundo o qual o mesmo deverá ser rejeitado quando:</font></i> </p><p><i><font>a) – Não tenha cabimento, seja intempestivo ou o recorrente não detenha as condições necessárias para recorrer – art.º 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC;</font></i> </p><p><i><font>b) – O requerimento de interposição não contenha alegações ou estas não sejam juntas ou sejam desprovidas de conclusões – art.º 641.º, n.º 2, alínea b), e 690.º, n.º 1, do CPC;</font></i> </p><p><i><font>c) – O recorrente não junte cópia do acórdão-fundamento, nos termos do art.º 690, n.º 2, do CPC;</font></i> </p><p><i><font>d) – Não exista a oposição que lhe serve de fundamento;</font></i> </p><p><i><font>e) – A orientação perfilhada no acórdão recorrido esteja de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.</font></i><br> </p><p><i><font>Para tanto, importa que a contradição alegada se revele frontal nas decisões em equação, que não implícita ou pressuposta, muito embora não se mostre necessária a verificação de uma contradição absoluta, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta). Essa contradição só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas argumentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado.</font></i><br> </p><p><i><font>Desde logo, como, de resto, foi assumido no próprio acórdão recorrido existe clara contradição entre o entendimento ali seguido e o adotado no acórdão-fundamento, precisamente sobre os pontos enunciados pelos Recorrentes, tendo, em consequência disso, desembocado em decisões antagónicas, não relevando aqui a mera circunstância de o acórdão-fundamento ter sido proferido em sede de tutela provisória cautelar e o acórdão recorrido no âmbito da tutela definitiva.</font></i><br> </p><p><i><font>Com efeito, no acórdão recorrido, foi considerado, além do mais, que:</font></i> </p><p><i><font>a) – Não é lícito inferir que a simples exigência de autorização de utilização ou de título de utilização válido do prédio urbano, para efeitos do registo do estabelecimento de alojamento local, implique, sem mais, a assunção legal de que a atividade de alojamento local integre o conceito de habitação como fim dado às frações autónomas no título constitutivo da propriedade horizontal nos termos do artigo 1418.º, n.º 2, alínea a), e para efeitos do disposto no artigo 1422.º, n.º 2, alínea c), do CC, no quadro privativo do estatuto condominial.</font></i> </p><p><i><font>b) – A menção do fim das frações autónomas no título constitutivo da propriedade horizontal ao abrigo do artigo 1418.º, n.º 2, alínea a), do CC, embora de génese negocial, sendo objeto do registo nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alíneas b) e v), e 95.º, n.º1, alíneas r) e z), do Código de Registo predial, integra o estatuto do condomínio, assumindo natureza real com eficácia erga omnes, para além do conteúdo típico dos direitos reais inerente ao numerus clausus estabelecido no art.º 1306.º do CC.</font></i> </p><p><i><font>c) &nbsp;– Nessas circunstâncias, o conceito de habitação como destino da fração autónoma mostra-se qualitativamente distinto do conceito de utilização da mesma para alojamento local, já que o gozo de uma fração habitacional tem uma envolvência personalizada e de tendencial estabilidade do usuário com a coisa, enquanto que o uso em sede de alojamento local por sucessivos e diversos utilizadores, transitórios, é volúvel e disseminado, um e outro com repercussões qualitativamente diferenciadas no meio inter-habitacional ou condominial em que se desenvolvem.</font></i> </p><p><i><font>d) – A atividade de exploração de alojamento local, tal como se encontra regulada pelo Dec.-Lei n.º 128/2014, de 29/8, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 63/2015, de 23-04, reveste natureza objetivamente comercial, à luz de uma interpretação atualista do disposto no artigo 2.º do Código Comercial, e não deve ser considerada como objeto de arrendamento habitacional.</font></i> </p><p><i><font>e) – A não permissão de um condómino titular de fração autónoma destinada a habitação, conforme menção constante do título constitutivo da respetiva propriedade horizontal, usar essa fração na exploração de alojamento local, nos termos dos artigos 1418.º, n.º 2, alínea a), e1422.º, n.º 2, alínea c), do CC, não viola a garantia do direito de propriedade privada consagrada no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição.</font></i><br> </p><p><i><font>Contrariamente, no acórdão-fundamento, considerou-se, em síntese, que:</font></i> </p><p><i><font>a) – O alojamento local, oneroso, de fração autónoma imobiliária mobilada a turistas, por curtos períodos, constitui um arrendamento para habitação, não se traduzindo em ato objetivo de comércio exercido na própria fração nos termos do artigo 2.º do Código Comercial;</font></i> </p><p><i><font>b) – Assim, tal alojamento, regulado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29-8, respeita o conteúdo do no título constitutivo da propriedade horizontal de onde consta que determinada fração se destina a habitação, não violando o preceituado nos artigos 1418.º e 1422.º, n.º 2, alínea c), do CC.</font></i><br> </p><p><i><font>Neste quadro, </font></i><i><u><font>a questão fundamental de direito</font></u></i><i><font> que importa aqui resolver consiste em saber se o exercício da atividade de alojamento local, regulada pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29-8, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 63/2015, de 23-04, em fração autónoma destinada a habitação, segundo menção constante do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em que esta se integra, nos termos do artigo 1418.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, e do respetivo registo predial, constitui ou não um uso diverso do fim a que essa fração é destinada, vedado aos condóminos, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 1422.º, n.º 2, alínea c), do mesmo Código.</font></i><br> </p><p><i><font>Do acima exposto resulta, claramente, que esta questão, ancorada como se encontra em situações de facto de características análogas e no âmbito do mesmo quadro normativo, mais precisamente em torno das disposições legais referidas, obteve soluções diametralmente opostas nos acórdãos em confronto, as quais evidencia contradição jurisprudencial relevante nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 688.º, n.º 1, do CPC em ordem a justificar a intervenção uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça.”</font></i><font> (fim de transcrição)</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>11.</font></b><font> A Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer a 29/11/2020, com a referência </font><i><font>citius</font></i><font> 96…30, aceitando a existência de contradição jurisprudencial fundamentadora da admissibilidade do RUJ, mas defendeu “</font><i><font>não ser possível</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>o exercício da atividade de alojamento local, regulada pelo Decreto-Lei n.º128/2014, de 29-08, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23-04, em fração autónoma destinada a habitação, segundo menção constante do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em que esta se integra, nos termos do artigo 1418.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, e do respetivo registo predial, uma vez que tal atividade consubstancia uso diverso do fim a que essa fração se destinada, vedado aos condóminos, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 1422.º, n.° 2, alínea c), do mesmo Código”.</font></i><br> </p><p><font>Em termos de segmento uniformizador a proposta é de fixação da jurisprudência nos seguintes termos:</font><br> </p><p><i><font>“O exercício da atividade de alojamento local, regulada pelo Decreto-Lei n.° 128/2014, de 29-08, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 63/2015, de 23-04, em fração autónoma destinada a habitação, segundo menção constante do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio em que esta se integra, nos termos do artigo 1418.°, n.° 2, alínea a), do Código Civil, e do respetivo registo predial, constitui uso diverso do fim a que essa fração é destinada, vedado aos condóminos, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 1422.°, n.° 2, alínea c), do mesmo Código.”</font></i><br> </p><p><b><i><font> </font></i></b><br> </p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II. Fundamentação</font></b> </p><p><b><font>12. pressupostos do ruj</font></b> </p><p><b><font>12.1.</font></b><font> Nos termos do art.º 688.º, do CPC:</font><b><font> </font></b><br> </p><p><i><font>“1 - As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.</font></i><br> </p><p><i><font>2 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.</font></i><br> </p><p><i><font>3 - O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça</font></i><font>.”</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Como recurso extraordinário o prazo de interposição é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido (art.º 689.º, n.º 1, do CPC) e a sua finalidade é apurar da alegada contradição jurisprudencial para, em caso afirmativo, decidir a questão controvertida, emitindo acórdão de uniformização sobre o conflito assim verificado e, sendo caso disso, fazer reflectir sobre o acórdão recorrido a orientação definida.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>12.2.</font></b><font> Do art.º 692.º, n.º 4 do CPC decorre que a decisão liminar de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência não é vinculativa para este Pleno das Secções Cíveis, devendo o mesmo voltar a pronunciar-se sobre a questão, pelo que importa, a este título, confirmar se ocorre contradição jurisprudencial.</font><br> </p><p><font>De acordo com a jurisprudência deste STJ tem-se entendido ser necessária a verificação cumulativa de três requisitos de carácter substancial para se poder afirmar ocorrer contradição jurisprudencial relevante para efeitos de admissão do indicado recurso:</font> </p><p><font>(i) a identidade da questão fundamental de direito; </font> </p><p><font>(ii) a identidade do regime normativo aplicável; e </font> </p><p><font>(iii) a essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Serão, assim, os indicados pontos considerados de seguida, ainda que em ordem diversa.</font><br> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>13. Verificação da contradição. Análise especificada.</font></b> </p><p><b><font>13.1. A similitude da realidade factual no contexto dos dois processos</font></b><br> </p><p><b><font>13.1.1. No acórdão recorrido</font></b><font>, AA (A.) intentou, em 13/12/2016, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC (R.R.), alegando, no essencial, o seguinte: i) prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e quatro andares, sito na freguesia da … d… …, foi constituído em regime de propriedade horizontal mediante escritura pública outorgada em 11/03/2008, compreendendo 16 fracções autónomas designadas pelas letras A a Q; ii) Nos termos dessa escritura e do documento complementar a ela anexo, as fracções autónomas designadas pelas letras A e B, localizadas no rés-do-chão, estão destinadas a comércio e as restantes, localizadas nos 1.º a 4.º andares, destinam-se a habitação; iii)</font><b><font> </font></b><font>A fracção C, localizada no 1.º andar, é propriedade do R. BB e a fracção E é propriedade do ora A.; iv) Em março de 2016, começaram a ser prestados, na referida fracção C, serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração, sendo que o R. BB, sob a designação comercial P… H…., tem publicitado na Internet e disponibilizado aquela fracção mobilada e equipada para alojamento a turistas e como alojamento temporário, inferior a 30 dias, prestando ainda serviços remunerados de limpeza; v)</font><b><font> </font></b><font>Para tanto, o mesmo R. cedeu essa fracção à R. CC, sua mãe, que procedeu ao registo da atividade de alojamento local na Câmara Municipal d… … e no Turismo de Portugal, I.P.; vi) Porém, não foi solicitado aos demais condóminos qualquer consentimento para a referida exploração da fracção C, nem estes concordam com a utilização que lhe tem vindo a ser dada, diversa do destino para habitação indicado no título constitutivo da propriedade horizontal; vii) Sucede que a rotatividade e a aleatoriedade dos utentes aumentam inevitavelmente o risco de perturbação ao descanso, a insegurança, o desgaste e a sujidade das partes comuns, sempre em prejuízo dos demais condóminos, que vêem o seu imóvel desvalorizado e com despesas adicionais, sem retirar qualquer proveito; viii) A par disso, os utentes alojados passam a ter acesso e a usar o espaço de garagem, reservado e exclusivo para o estacionamento de veículos dos condóminos moradores. </font><br> </p><p><font>O A. pediu:</font><br> </p><p><font>a) – Fosse declarada ilegal a utilização da fracção autónoma designada pela letra C dada pelos R.R. para estabelecimento de alojamento local;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font>b) – Fossem os R.R. condenados a cessar imediatamente essa utilização e a reintegrar a fracção no seu destino específico para habitação; </font><br> </p><p><font>c) – Fossem ainda os R.R. condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 150,00/dia, a contar da data do trânsito em julgado até efetiva cessação do alojamento. </font><br> </p><p><font>Os R.R. apresentaram contestação em que, aceitando serem prestados serviços de alojamento temporário a turistas na fracção em referência, sustentaram, em resumo, que:&nbsp; i) A utilização dada à fracção em causa se enquadra no regime jurídico de alojamento local previsto no Dec.-Lei n.º 128/2014, de 29/08, alterado pelo Dec.-Lei n.º 63/2015, de 23/04; ii) O 1.º R. adquiriu essa fracção para a sua habitação, mas, por razões profissionais, passou a residir também no estrangeiro, sendo-lhe legítimo destiná-la a alojamento local, o que não descaracteriza o destino para habitação que lhe é dado no título constitutivo; iii) Como utilizadores do edifício, as pessoas a quem cede a habitação tem o direito a aparcar o veículo na garagem; iv) A vingar a tese do A., estariam a ser coartados os poderes que assistem ao R. como proprietário da fracção C, tanto mais que nem todas as fracções do prédio se destinam a habitação. </font><br> </p><p><font>Por despacho proferido a fls. 68, foi o A. convidado a fazer intervir os demais condóminos, por se afigurar ser de evitar a preterição de litisconsórcio necessário, o que foi requerido e ordenado, não tendo os chamados deduzido qualquer articulado. </font><br> </p><p><font>Por fim, foi proferido saneador-sentença a julgar a acção totalmente procedente, conforme fls. 125-130, decidindo-se: </font><br> </p><p><font>a) - Declarar “ilegal” a utilização para estabelecimento de alojamento local que é dada pelos R.R. à fracção autónoma designada pela letra C;</font><br> </p><p><font>b) - Condenar os Réus a cessar imediatamente a utilização que fazem da fracção C e reintegrá-la no seu destino específico de habitação;</font><br> </p><p><font>c) - Condenar os Réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário de € 150,00, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão e até efetiva cessação da actividade de alojamento local.</font><br> </p><p><font>Inconformados com essa decisão, os R.R. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação d… …, que julgou improcedente a apelação, confirmando inteiramente a sentença recorrida, conforme o acórdão de fls. 184-192.</font><br> </p><p><font>Novamente inconformados, os R.R. interpuseram revista excecional, admitida pela formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC e o recurso foi conhecido, tendo sido proferido acórdão que culminou com o seguinte dispositivo:</font><b><font> </font></b><i><font>“Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação mais desenvolvida.”</font></i><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>No acórdão recorrido</font></b><font> os factos provados foram os seguintes (transcrição):</font><br> </p><p><b><font>1.1.</font></b><font> No dia 10 de maio de 2008 foi realizada a assembleia de condóminos do prédio sito na Rua …. n.ºs 229, 231 e 241 e Avenida … n.º 365, n… …, conforme a ata de fls. 8v. a 17.; </font><br> </p><p><b><font>1.2. </font></b><font>Daquela mesma ata fazem parte integrante o regulamento do condomínio e o regulamento da garagem;</font><br> </p><p><b><font>1.3. </font></b><font>Nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal, constituída mediante escritura pública outorgada no dia 11 de março de 2008 e inalterada desde então, daquele prédio fazem parte 16 fracções, designadas pelas letras A a Q - </font><i><font>cfr. doc. de fls. 19 a 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido</font></i><font>;</font><br> </p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Daquelas fracções, as localizadas ao nível do rés-do-chão, designadas pelas letras “A”, com entrada pelo n.º 231 da Rua …, e “B”, com entrada pelo n.º 365 da Avenida …, são destinadas a comércio - </font><i><font>cfr. fls. 21 v. do documento referido no facto anterior</font></i><font>;</font><br> </p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Todas as demais, localizadas no 1.º ao 4.º andares, são destinadas a habitação; </font><br> </p><p><b><font>1.6. </font></b><font>Nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal, são zonas comuns às fracções destinadas a habitação, designadas pelas letras “C” a “Q”, a entrada pelo n.º 241 da Rua …, escadas, patamares, elevadores e respetivo equipamento, redes de abastecimento água, gás, eletricidade, incluindo respetivas colunas montantes, rede de telefones, incluindo coluna montante até à derivação individual para cada fracção, rede vertical de serventia e sistema de vídeo-porteiro - </font><i><font>cfr. fls. 25 do documento a que se alude no facto 1.3</font></i><font>;</font><br> </p><p><b><font>1.7. </font></b><font>O R. BB é o proprietário da fracção designada pela letra “C”, situada no 1.º andar - </font><i><font>cfr. doc. de fls. 26v. e 27</font></i><font>;</font><br> </p><p><b><font>1.8. </font></b><font>Em março de 2016, naquela fracção “C”, começaram a ser prestados serviços de alojamento temporário a turistas, mediante remuneração - </font><i><font>admitido por acordo</font></i><font>;</font><br> </p><p><b><font>1.9. </font></b><font>O R., sob a designação comercial “P… H…” tem publicitado na internet, nomeadamente no site </font><font>www.airbnb.com</font><font>, e disponibilizado aquela fracção mobilada e equipada como alojamento para turistas ou como alojamento temporário, ou seja, inferior a trinta dias, prestando ainda serviços de limpeza, sendo remunerado para o efeito - </font><i><font>admitido por acordo</font></i><font>;</font><br> </p><p><b><font>1.10. </font></b><font>Para tanto, a fracção foi cedida pelo seu proprietário à R. CC, sua mãe, que procedeu ao registo da atividade de alojamento local na Câmara Municipal d… … e no Turismo de Portugal, I.P. - </font><i><font>admitido por acordo</font></i><font>;</font><br> </p><p><b><font>1.11. </font></b><font>Na assembleia de condóminos realizada no dia 18 de maio de 2016, foi consignado em ata, cfr. doc. de fls. 30 a 31, o seguinte: </font><br> </p><p><font>“Os condóminos defenderam que quando compraram as habitações foi para habitação e neste momento parece que moram num hotel, demonstraram-se incomodados com algumas situações que têm vindo a ocorrer tais como o transporte de bicicletas nos elevadores e a porta do condomínio tem sido encontrada aberta. … Vários proprietários mostraram-se contra o alojamento local estando na disposição de avançar em tribunal atendendo a que compraram as suas fracções para habitação com a suposição de viverem diariamente com vizinhos, pessoas conhecidas e neste momento estão frequentemente a cruzarem-se com estranhos, temendo pela segurança.”</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>13.1.2. No acórdão fundamento, </font></b><font>a A., A… intentou providência cautelar de Suspensão de Deliberação da Assembleia de Condóminos </font><u><font>contra</font></u><font> o CONDOMÍNIO …, representado pelo seu administrador, e respectivos condóminos, igualmente representados pelo administrador, pedindo que se decrete a suspensão da deliberação de 3 de Maio de 2016 da Assembleia de Condóminos do Edifício …, que aprovou a proibição do alojamento local, assim como a inversão do contencioso nos termos do artigo 369.º do Código de Processo Civil. </font><br> </p><p><font>Alegou que é proprietária da fracção autónoma identificada pelas letras “AQ”, correspondente ao 6º andar, letra E, para habitação, incluindo um estacionamento. O imóvel possui a licença de utilização e destina-se a habitação. Deu entrada de uma declaração de início de actividade junto do Serviço de Finanças de … com vista a exercer a actividade Alojamento mobilado para turistas e deu entrada de um pedido de registo
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das secções cíveis</font> <p><font> I – RELATÓRIO</font></p></div><br> <font> AA, S.A. (com a actual denominação de AA, S.A.) intentou acção declarativa contra BB, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €714.377,20, acrescida de juros de mora vencidos, desde a data da citação até integral pagamento.</font> <p><font>Alegou, para tanto, em síntese, que, tendo acordado com a Ré o exclusivo de distribuição dos produtos desta, da linha “Tena” e “Libero”, para as farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos em Portugal continental, organizando, para o efeito, uma estrutura logística para armazenamento e venda que fez subir o volume de vendas daqueles produtos às farmácias e armazenistas, a mesma Ré, em reunião realizada, comunicou que ia passar a fornecer, directamente, os ditos produtos às farmácias e armazenistas, acarretando, por isso, prejuízos à Autora, cuja reparação peticiona e discrimina da seguinte forma: </font> </p><p><font>- €209.099,00, a título de indemnização por falta de pré-aviso, nos termos do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, correspondente à remuneração média mensal da Autora no ano anterior, multiplicada pelo tempo de pré-aviso não respeitado de 6 meses; </font> </p><p><font>- €405.278,20, a título de indemnização de clientela, nos termos dos artºs. 33.º e 34.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril; e </font> </p><p><font>- €100.000,00 a título de indemnização por danos de imagem.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Regularmente citada, a Ré contestou, defendendo-se por impugnação, e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €175.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento, bem como a sua condenação, como litigante de má-fé, num valor não inferior a €200.000,00.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia que se apurar em liquidação de sentença, a título de indemnização pela denúncia sem um pré-aviso de seis meses, tendo por referência o valor do lucro líquido médio mensal obtido pela Autora no ano de 2004, multiplicada por seis (artigo 29.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho), com o limite máximo de €209.099,00; bem como a quantia de €200.000,00 a título de indemnização de clientela, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a data da condenação até integral pagamento; e absolvendo-se a Ré, do mais peticionado. Por sua vez, a reconvenção foi julgada totalmente improcedente, sendo a Autora, absolvida do pedido reconvencional; e considerou-se não se verificar a invocada litigância de má-fé da Autora.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformadas, apelaram ambas as partes, sendo a Ré mediante recurso principal e a Autora recurso subordinado. </font> </p><p><font>O Tribunal da Relação conheceu dos interpostos recursos, proferindo acórdão que, julgando parcialmente procedente a apelação da Ré, revogou a sentença na parte em que esta foi condenada a pagar à Autora a quantia de €200.000,00, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a presente data até integral pagamento; e julgou totalmente improcedente o recurso da Autora.</font> </p><p><font>Novamente inconformadas, recorreram de revista ambas as partes, tendo este Supremo Tribunal de Justiça conhecido dos recursos interpostos, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Termos em que, negando-se a revista da Ré e julgando-se parcialmente procedente a revista da Autora, se acorda em revogar o acórdão recorrido, na parte em que nele se revogou parcialmente o decidido na sentença da 1ª instância, sentença essa que, assim, se repristina. Custas pelas apelantes na proporção de vencido.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Irresignada com o proferido acórdão, a Ré/BB, Lda. vem interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos dos art.ºs 688.º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal proferido no processo n.º 913/07.9TVLSB-L1.S1, datado de 29 de Março de 2012, como nele consta (e não 2 de Abril, como indicou, certamente por lapso), tendo formulado as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>“A) Os fundamentos do recurso para uniformização de jurisprudência radicam na contradição existente entre Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, já transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental direito. </font> </p><p><font>B) “In casu”, entende a Recorrente de que existe uma manifesta contradição entre o Douto Acórdão ora recorrido e o Acórdão fundamento, quanto à interpretação do disposto no artigo 33º nº 1 do D.L. Nº 178/86 relativa ao direito à concessão de indemnização de clientela. </font> </p><p><font>C) Com efeito, enquanto o Douto Acórdão ora recorrido dispõe, na sua página 44, que é suficiente o preenchimento das alíneas a) e b) do predito número e artigo para que tal indemnização seja devida, repristinando para o decidido em primeira instância, em que é referido na Sentença respectiva que “Não é exigível a verificação do previsto na alínea c) do referido artigo (33º nº 1 do D.L. nº 178/86 de 03 de Junho), por definição, na medida em que é estranho à estrutura do contrato de concessão.”, </font> </p><p><font>&nbsp;D) O Douto Acórdão fundamento, contrariamente, tem o entendimento na sua página 18 que, num contrato de concessão/distribuição, “a indemnização em apreço tem lugar quando cumulativamente se verificam os requisitos previstos no nº 1 e respectivas alíneas”. </font> </p><p><font>E) A palavra “cumulativamente” consta igualmente do corpo do n° 1 do mesmo artigo 33º do D.L. nº 178/86. </font> </p><p><font>&nbsp;F) Ainda segundo o Acórdão fundamento, a alínea c) do nº 1 do artigo 33º do D.L. nº 178/86 – “O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)” - é de preenchimento obrigatório para que se encontrem reunidos os pressupostos para a atribuição da indemnização de clientela. </font> </p><p><font>G) “in casu” nunca estaria preenchida a alínea c) do nº 1 do artigo 33º do D.L. nº 178/86 face à matéria dada como provada, mormente o ponto 35 – “A “AA, S.A” nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005, teve um volume de vendas das fraldas “Tena” e “Libero” de, respectivamente, €63.305,94, €38.541,91, €41.455,53, €29.528,74, €18.824,27 e €11.536,22, perfazendo o total de €203.192,61” e os pontos 5 e 8 da matéria não provada – “Após Julho de 2005, a AA deixou “praticamente” de receber qualquer retribuição pelas vendas realizadas a farmácias e distribuidores de produtos farmacêuticos” e “A AA, S.A. desinteressou-se do “negócio” com a R., não realizou compras e quis pôr termos àquele, o que provocou “danos à imagem” da R.” pois a Recorrente continuou e continua até aos dias de hoje, a vender os seus produtos à Recorrida. </font> </p><p><font>H) Conforme bem refere o Douto Acórdão fundamento, “competia a autora provar (já que se trata de elemento constitutivo do alegado direito de indemnização) que havia deixado de receber quaisquer proventos derivados da sua anterior actividade de concessionária, o que manifestamente não ocorre”, mais referindo que “desde que o ex-concessionário não prove, como no caso presente, que nenhum proveito está a obter resultante da sua anterior actividade de concessionário sempre improcederá a sua pretensão à indemnização de clientela.” </font> </p><p><font>I) Importa ainda referir a existência de vasta Jurisprudência desse Venerando Tribunal bem como variada Doutrina, que perfilha o mesmo entendimento do Acórdão fundamento quanto à necessidade do preenchimento da alínea c) do mencionado nº 1 do artigo 33º do D.L. nº 178/86 ou seja, que, “... a exigência de que o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes” que angariou, destina-se a evitar uma “duplicação de rendimentos”. Ou seja, pretende-se obstar que o agente possa vir a receber, simultaneamente, uma indemnização de clientela calculada nos termos do artigo 34º do Contrato de Agência e as retribuições devidas por contratos que tenha negociado ou concluído, após o termo do contrato de agência.” (…) </font> </p><p><font>&nbsp;J) “Como a indemnização de clientela visa compensar os proveitos ou remunerações que o “agente” deixe de receber em virtude da cessação do contrato, não poderá essa indemnização ser atribuída quando o “agente”, neste caso, a concessionária, continuou a beneficiar da clientela que “angariou” durante a vigência do contrato. Caso contrário, tornar-se-ia evidente a duplicação de rendimentos. - v.g. nomeadamente Douto Acórdão do STJ in “www.dgsi.pt” de 12.05.2011 proc. nº 2334/04.6TVLSB.L1.S1. </font> </p><p><font>K) Mais recentemente, um outro Acórdão desse Venerando Tribunal de 29.09.2015, relativo ao processo nº 1552/07.0TBPTM.E2.S1 in </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, dispõe que “exige a alínea c) do nº 1 do citado artigo 33.º como pressuposto da indemnização de clientela, que “o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”. Com este requisito, pretende a lei, fundamentalmente, evitar acumulações, deixando de justificar-se a compensação devida ao agente, a título de indemnização de clientela, caso o principal, por exemplo, haja acordado continuar a pagar-lhe, após o termo do contrato, uma certa quantia pelas operações negociais que leve a efeito com os clientes por ele angariados, circunstância que a verificar-se determina que a compensação devida ocorra por via convencional Pinto Monteiro, “Contrato de Agência”, pág. 115 e RLJ Ano 144.º págs. 375/377. No mesmo sentido se pronuncia Luís Menezes Leitão quando observa que “esta disposição explica-se pelo facto de que, a ser atribuída ao agente direito à comissão por estes contratos, este adquiriria uma indemnização de clientela que acresceria a essa comissão, extravasando esta assim das suas funções de indemnização” In ob. cit., pág. 54. </font> </p><p><font>L) Neste mesmo sentido de ser necessário o preenchimento da alínea c) do nº 1 do artigo 33 do D.L. nº 178/86, invoca-se ainda o Douto Acórdão desse Tribunal de 12.05.2016 relativo ao processo nº 2470/08.0TVLSRLI.SI. </font> </p><p><font>M) O Douto Acórdão ora recorrido violou o disposto no artigo 33º nº 1 al. c) do D.L. nº 178/86.</font> </p><p><font>Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso para Uniformização de Jurisprudência e, em consequência, revogar-se o Douto Acórdão recorrido, fixando-se Jurisprudência nos termos decididos no Douto Acórdão fundamento e assim se decidindo que, para que seja concedida a indemnização de clientela ao abrigo de um contrato de concessão/distribuição é necessário o preenchimento cumulativo da totalidade das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 33 do D.L. nº 178/86, conforme decorre aliás da redação da própria norma. Assim decidindo, estarão V. Exas., Venerandos Conselheiros, a produzir a tão costumada e habitual Justiça.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Recorrida/Autora apresentou contra alegações, concluindo pela confirmação do aresto recorrido, sustentando que, caso seja admitido o Recurso de Uniformização de Jurisprudência a que responde, e seja reconhecida a contradição jurisprudencial invocada pela Ré deve ser uniformizada jurisprudência no sentido de que “quanto aos requisitos de indemnização da clientela, previstos no artigo 33º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, não se aplica ao contrato de concessão o da alínea c), por ser específico do contrato de agência”, aduzindo, para o efeito, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>“I. O argumento esgrimido pelo Acórdão Fundamento, isto é, a aplicação analógica da necessidade de verificação cumulativa do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º do RJCA aos contratos de concessão comercial, é um argumento que a Ré Recorrente utiliza desde a apresentação da sua contestação e que, no entanto, não logrou abalar as três instâncias que no caso dos autos se debruçaram sobre esta questão, pois quer o Tribunal de lª Instância, quer o Tribunal da Relação de Évora, quer o Supremo Tribunal de Justiça, concluíram pela inaplicabilidade aos contratos de concessão comercial do requisito previsto na alínea c) do predito preceito legal. </font> </p><p><font>II. Ao contrário do que sucede nos contratos de agência, em que o principal remunera o agente através de comissões sobre os contratos celebrados, no contrato de concessão comercial não recai sobre o concedente a obrigação de retribuir o concessionário por contratos negociados ou concluídos, uma vez que este atua por sua conta e risco. </font> </p><p><font>III. No contrato de agência, compreende-se sem dificuldade a aplicação do disposto na alínea c) do artigo 33.º do respetivo regime jurídico, pois o que aí está em causa é o pagamento de comissões, pelo principal ao agente, como forma de o remunerar pelo trabalho desenvolvido na pendência do contrato de agência e que se veio a repercutir na angariação dos clientes com quem o principal veio, após o termo do contrato, a celebrar contratos, pelo que se o principal continuasse a pagar comissões por esses contratos ao agente após a cessação do contrato de agência, o agente adquiriria uma indemnização de clientela que acresceria a essas comissões, extravasando esta as suas funções de indemnização e onerando duplamente o concedente. </font> </p><p><font>IV. A Ré Recorrente não “continua a pagar” o que quer que seja à Autora Recorrida, porquanto nunca pagou, mesmo na pendência da relação comercial, qualquer remuneração pela implementação, desenvolvimento e consolidação das marcas Tena e Libero no mercado, sendo a Autora Recorrida remunerada apenas através do lucro obtido com a revenda de tais produtos, assumindo, portanto, o risco do negócio, como é elemento característico do contrato de concessão comercial, pelo que, como bem decidiram as instâncias, não se justifica a aplicação do requisito previsto na al. c) do artigo 33.°. </font> </p><p><font>V. A Ré Recorrente não pagou qualquer quantia à Autora Recorrida, seja a título de comissão, seja a que título seja, como forma de remunerá-la pelas operações negociais por si levadas a efeito com os clientes angariados pela Autora, o que afasta completamente o pressuposto do acórdão citado pela Ré Recorrente, que analisa a questão referindo a hipótese em que “por exemplo, o principal haja acordado continuar a pagar-lhe, após o termo do contrato, uma certa quantia pelas operações que leve a efeito com os clientes por ele angariados”, o que não sucedeu no caso em escrutínio. </font> </p><p><font>VI. É entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a alínea c) do artigo 33.º do RJCA não se aplica ao contrato de concessão comercial - Cf., a título exemplificativo, os Acórdãos de 12.03.2015 (processo n.º 2199/11.1TVLSB.L1.SI), de 17.05.2012 (processo n.º 39/2000.L1.S1), de 15.11.2007 (processo n.º 07B3933), e de 12.12.1996. </font> </p><p><font>VII. É também este o entendimento dominante na 2ª Instância - cf., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.06.2013 (processo n.º 2709/08.1TVLSB.L1-7), de 12.05.2011 (processo n.º 39/2000.L1.2), de 17.03.2009 (processo n.º 8340/2008-7) e do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 16.03.1999. </font> </p><p><font>VIII. Também a doutrina defende que, no contrato de concessão comercial, a atribuição de indemnização de clientela depende apenas da verificação cumulativa das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 33.º do RJCA. </font> </p><p><font>IX. Ainda que tal pressuposto se aplicasse analogicamente ao contrato de concessão comercial, sempre se deve entender, ao contrário do que conclui a Ré Recorrente, que o mesmo se encontra preenchido no caso sub judice. </font> </p><p><font>X. O contrato de concessão comercial celebrado entre a Autora Recorrida e a Ré Recorrente foi denunciado unilateralmente pela própria Ré Recorrente, não tendo a Autora Recorrida jamais recebido qualquer quantia, fosse a que título fosse, em virtude desse mesmo contrato. </font> </p><p><font>XI. As vendas que alegadamente existem atualmente não decorrem do contrato de distribuição comercial que foi inicialmente celebrado pelas partes, mas sim de um novo contrato que foi imposto à Autora em 2005, com características completamente distintas e que não se pode, sequer, qualificar como de distribuição comercial, mas sim de um mero contrato de fornecimento. </font> </p><p><font>XII. Deve ser uniformizada a Jurisprudência no sentido propugnado pelo Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça revidendo, concretamente, no sentido de que “Quanto aos requisitos de indemnização da clientela, previstos no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03-07, não se aplica ao contrato de concessão o da alínea c), por ser específico do contrato de agência” e, em consequência, ser integralmente mantida e confirmada a Douta decisão recorrida. </font> </p><p><font>Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, caso seja admitido o Recurso de Uniformização de Jurisprudência a que se responde e seja reconhecida a contradição jurisprudencial invocada pela Ré Recorrente, deve ser uniformizada jurisprudência no sentido do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça revidendo, mais concretamente, no sentido de que “quanto aos requisitos de indemnização da clientela, previstos no artigo 33. º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, não se aplica ao contrato de concessão o da alínea c), por ser específico do contrato de agência” e, em consequência, ser integralmente mantida e confirmada a Douta decisão recorrida, pois só assim será feita uma verdadeira, costumeira e sã Justiça”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi admitido, liminarmente, por decisão proferida de fls. 57 a 62, por se reconhecer que o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento indicado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 913/07.9TVLSB-L1.S1, continuando a referir-se, erradamente, a data de 2 de Abril de 2012), foram proferidos no domínio da mesma legislação e se entender que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito.</font> </p><p><font>Consignou-se a propósito:</font> </p><p><font>“Veio a ré recorrente BB, Lda interpor recurso para uniformização de jurisprudência, invocando para o efeito que aquele Acórdão está em contradição com o Acórdão do STJ (acórdão fundamento), datado de 02.04.2012, proferido no processo nº 913/07.9TVLSB-L1.S1, já transitado em julgado - cuja cópia juntou e cujo trânsito se presume nos termos do nº 2 do art, 688º do CPC. </font> </p><p><font>Invoca para o efeito a existência de contradição entre ambos os acórdãos no que se refere à interpretação do nº 1 do art.º 33º do DL nº 178/86 de 03 de junho (que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial) no âmbito da sua aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial, relativamente ao direito de indemnização de clientela. </font> </p><p><font>Isto porquanto, segundo a recorrente, enquanto o acórdão recorrido, para a concessão de tal direito, considera suficiente o preenchimento das als. a) e b) daquele nº 1, o acórdão fundamento exige ainda o preenchimento (cumulativamente com tais alíneas) da al. c) do mesmo número.</font> </p><p><font>E pretende que seja fixada jurisprudência, em conformidade com o decidido no acórdão fundamento, no sentido de que “para que seja concedida a indemnização de clientela ao abrigo de um contrato de concessão/distribuição é necessário o preenchimento cumulativo da totalidade das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 33 do D.L. n° 178/86, conforme decorre aliás da redação da própria norma”. </font> </p><p><font>Nas contra-alegações, a parte contrária não questionou a admissibilidade do recurso, tomando apenas posição no sentido de, ser admitido o recurso, se decidir no sentido da não exigência da supra mencionada alínea c) do nº 1 do art. 33° do DL nº 178/86. </font> </p><p><font>Nada obstando à admissão do recurso à luz do disposto no n° 2 do art. 641º e no art. 690°, e não ocorrendo a situação prevista no n° 3 do art. 688°, todos do CPC, importa verificar se existe a invocada contradição de acórdãos (art. 692°, n° 1 do CPC). </font> </p><p><font>Ambos os acórdãos versam sobre o direito à indemnização de clientela, por parte do concessionário, na sequência da cessação de contrato de concessão comercial. </font> </p><p><font>E em ambos se perfilha o entendimento de que o direito a indemnização de clientela, previsto no n° 1 do art. 33° do DL n° 178/86 para o contrato de agência; é aplicável, por analogia, ao contrato de concessão comercial. </font> </p><p><font>Isto sendo certo que no referido n° 1 se estabelece (para o contrato de agência): </font> </p><p><font>“1. Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes: </font> </p><p><font>a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; </font> </p><p><font>b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da atividade desenvolvida pelo agente; </font> </p><p><font>c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”. </font> </p><p><font>Todavia o certo e que, para os feitos em questão - direito a indemnização de clientela, por parte do concessionário, na sequência da cessação de contrato de concessão comercial - ambos os acórdãos estão em clara oposição no que se refere à exigibilidade do requisito a que alude a referida (…) alínea c). </font> </p><p><font>É o que resulta da análise de ambos os acórdãos, na medida em que, enquanto no acórdão recorrido se considerou a inaplicabilidade da al. c) ao contrato de concessão comercial [tendo-se considerado suficiente, para a atribuição da indemnização em questão a verificação das alíneas a) e b)], no acórdão fundamento, considerou-se precisamente o contrário.</font> </p><p><font>Vejamos: </font> </p><p><font>No acórdão recorrido, consignou-se, a propósito o seguinte: </font> </p><p><font>“Finalmente, quanto ao preenchimento dos requisitos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 33.º do DL n.º 178/86, de 03-04, e dando como assente que a melhor jurisprudência é a que defende a inaplicabilidade ao contrato de concessão comercial da al. c) (conforme assumido pelo acórdão recorrido) afigura-se-nos não ser igualmente de acompanhar o acórdão recorrido quando considerou que a matéria de facto não é suficiente para demonstrar que a Ré beneficiou consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela Autora. </font> </p><p><font>(. . .) </font> </p><p><font>"Ora, fazendo este juízo de prognose e tendo, designadamente, em conta os mencionados factos provados e a especificidade do produto e mercado em causa, em relação ao qual se mostra facilitada a delimitação da clientela (farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos) e uma previsível fidelização dos clientes ao produto em questão (fraldas das marcas identificadas) ponderando que durante os anos em causa aumentou o número de clientes e quadruplicou o volume de vendas, entende-se demonstrados os requisitos exigidos pelo art. 33.°, n.º 1, als. a) e b), do DL n.º 178/86, de 03-07, para a atribuição da indemnização por clientela." </font> </p><p><font>E, por sua vez, no acórdão fundamento, consignou-se: </font> </p><p><font>"Finalmente está assente que se verificam os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado artigo 33° relativos ao direito de indemnização de clientela. </font> </p><p><font>Nas questões a cima enunciadas não há qualquer dissenso, como aliás é salientado pelo Tribunal da Relação. </font> </p><p><font>O que realmente está em discussão é se se verifica também o requisito previsto na al. c) do n° 1 do artigo 33° do citado diploma. </font> </p><p><font>Na verdade a indemnização em apreço tem lugar quando cumulativamente se verificam os requisitos previstos no n° 1 e respetivas alíneas. </font> </p><p><font>Não estando em causa os dois primeiros requisitos - os previstos nas referidas alíneas a) e b) - importa resolver se verifica também o requisito enunciado c). </font> </p><p><font>( ... ) </font> </p><p><font>Ora, no caso, está provado que a autora, não sendo já concessionária da ré, continua a vender os produtos desta, nomeadamente aos seus clientes enquanto concessionária com os consequentes proventos. Assim, face a tais factos, parece indubitável que não está verificado o requisito previsto na referida na al. c). </font> </p><p><font>Na verdade competia a autora provar ... </font> </p><p><font>Resulta claro que a lei - alínea c), n° 1 do citado artigo 33° - pretende evitar a duplicação de benefícios. Assim a indemnização de clientela, no caso de concessão, só tem fundamento, para além da verificação dos restantes requisitos, quando a ex-concessionária deixa de auferir quaisquer proventos da sua anterior actividade, o que se não verifica no caso, como se reconhecerá. </font> </p><p><font>De facto as razões que no contrato de agência justificam o preceituado na al. c) do n° 1 do citado artigo 33° - evitar a duplicação de compensações - valem aqui de igual modo. </font> </p><p><font>Assim, numa aplicação analógica, desde que o ex-concessionário não prove, como no caso presente, que nenhum proveito está a obter resultante da sua anterior actividade de concessionário, sempre improcederá a sua pretensão à indemnização de clientela. Face ao exposto, uma vez que se não verificam os requisitos do direito de indemnização de clientela, obviamente fica prejudicada a apreciação da questão do quantum da indemnização arbitrada.” </font> </p><p><font>Verifica-se assim que ambos os acórdãos, na parte sobre a qual incide o recurso, incidiram sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação e sendo essencialmente idêntico o quadro factual subjacente à aplicação da mesma norma - tendo chegado a entendimentos opostos, entendimentos esses que foram essenciais para chegarem às decisões a que chegaram. </font> </p><p><font>Verificando-se assim os respetivos requisitos, impõe-se a admissão do recurso”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça, cumprido que foi o disposto no n.º 1 do art.º 687.º ex vi art.º 695º, ambos do Código de Processo Civil, emitiu parecer no sentido de que há lugar à aplicação analógica da indemnização de clientela, desde que verificados os requisitos das alíneas a) e b) do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, donde, o conflito jurisprudencial em causa deve ser resolvido através da emissão de acórdão uniformizador de jurisprudência, para o qual sugere a seguinte formulação: “O requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do Decreto-Lei n° 178/86, de 03.07, alterado pelo DL n.º 118/93, de 13.04, não é aplicável ao contrato de concessão comercial.” </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Face às conclusões do recurso da recorrente que, como é sabido, delimitam o seu objecto e visto o disposto no n.º 4 do art.º 692.º do CPC, donde se extrai que a decisão liminar de trazer o processo a julgamento para uniformização de jurisprudência não é vinculativa, as questões que importa agora dirimir consistem em saber:</font><br> <font>1. Se se confirma a existência de contradição jurisprudencial quanto à aplicabilidade da alínea c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, ao contrato de concessão comercial;</font><br> <font>2. Na afirmativa, se, na sua aplicação analógica, há lugar, ou não, a indemnização de clientela.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; II. FUNDAMENTAÇÃO</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. Da confirmação da contradição jurisprudencial</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O art.º 688.º do Código de Processo Civil estabelece, no seu n.º 1, como fundamento do Recurso para Uniformização de Jurisprudência: “As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.</font> </p><p><font>Encerra, assim, como pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a enunciada contradição dos julgados não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adoptadas sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas (neste sentido, Pinto Furtado, in, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, página 141), importando, pois, que as decisões, e não os respectivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, e que haja sido objecto de tratamento e decisão, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, e, em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.</font> </p><p><font>Outrossim, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante.</font> </p><p><font>Por outro lado, exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha” (neste sentido Pinto Furtado, ob. cit., página 142).</font> </p><p><font>Revertendo ao caso sub judice, como resulta do segmento das alegações de recurso, a divergência assinalada pela Recorrente recai sobre a interpretação do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, que transpôs a Directiva 86/653/CEE, do Conselho (que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial), no âmbito da sua aplicação, por analogia, ao contrato de concessão comercial, relativamente ao direito de indemnização de clientela.</font> </p><p><font>Os quadros factuais, considerados no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, considerado o respectivo enquadramento, consignados na decisão liminar, proferida no âmbito do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência, revelam, que existe, entre aquelas decisões, e no essencial, a exigida identidade substancial do núcleo factual, ou seja, têm em consideração facticidade que se subsume ao contrato de concessão comercial, cuja cessação se invoca, para daí se reclamar o direito à indemnização de clientela.</font> </p><p><font>De igual modo, sobre a questão decidenda que aqui importa, em ambos os acórdãos se perfilha o entendime
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - Intentada pelo Exmo. Curador de Menores acção de regulação do exercício do poder paternal contra os pais do menor AA, BB e CC, foi proferida sentença, em 14/07/93, que condenou o progenitor do menor, a pagar a título de alimentos para seu filho, a quantia mensal de esc. 10.000$00 e ainda a de esc. 100.000$00 a título de prestações vencidas e não pagas desde a instauração da acção.</font><br> <font>Em 31/07/2003, a progenitora, em representação do filho menor, deduziu incidente de incumprimento da prestação de alimentos contra o pai.</font><br> <font>Verificado o incumprimento, foi decidido ordenar o desconto da quantia de 100,00€ no mês de Abril/2007, correspondente à prestação vincenda de Abril (mês em que o menor atinge a maioridade) e a de 75,00€ mensais para amortizar a quantia vencida e não paga desde a propositura da acção até Março/2007, no valor total de 8.700,00€.</font><br> <font>Mediante requerimento do devedor, em 08/04/2008 foi proferido despacho a decidir reduzir os descontos mensais devidos para o valor de 45,00€. </font><br> <font>A Requerente do incidente de incumprimento interpôs recurso de agravo de cujo objecto a Relação não conheceu por, em sede de questão prévia, ter julgado a Recorrente parte ilegítima para o recurso.</font><br> <br> <font>Interpôs a mesma Recorrente este recurso de agravo, agora visando a revogação do decidido e o reconhecimento da sua legitimidade para recorrer ou continuar o incidente no tocante às prestações de alimentos vencidas e não pagas durante a menoridade do filho.</font><br> <font>Para tanto, argumenta nas conclusões da sua alegação:</font><br> <font>a) - É certo, de acordo com o disposto nos artigos 130° e 1905°, n.º 1, do Código Civil, que com a maioridade se adquire plena capacidade de exercício de direitos e que os alimentos fixados na regulação do exercício do poder paternal são devidos ao filho. </font><br> <font>b) - Contudo cumpre ponderar que o progenitor a quem se encontra confiado o filho suporta, na normalidade do dia a dia, as despesas necessárias a prover a segurança, saúde, educação e sustento do menor. </font><br> <font>c) - Certo é que, visto o disposto nos artigos 397°, 1908°, n.º 2, e 2005º, n.º 1,1ª parte, do Código Civil, é que para cumprir com a sua obrigação deve o outro progenitor entregar o montante de prestação alimentícia ao progenitor a quem está confiado o filho. </font><br> <font>d) - Consequentemente no artigo 181°, n.º 1 da O.T.M., estabelece-se que se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo. </font><br> <font>e) - Com efeito, fixada a pensão de alimentos a cargo do progenitor a quem o menor não estiver confiado, tem aquele de os satisfazer tempestivamente, como é regra do cumprimento das obrigações em geral. </font><br> <font>f) - Se não fizer, pode ser lançada mão do meio de cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de procedimento pré-executivo.</font><br> <font>g) - O referido incidente deve ser intentado pelo progenitor que tem o menor a seu cargo, no caso a mãe de menor, por ser a solução mais correcta e a que melhor salvaguarda os interesses em jogo. </font><br> <font>h) - No caso dos autos, o incidente de incumprimento foi deduzido ainda durante a menoridade do credor de alimentos, pelo progenitor que o tinha à sua guarda. </font><br> <font>i) - Logo, o direito de crédito cujo pagamento a aqui Recorrida pretende ver satisfeito é um direito a alimentos do filho, então menor. </font><br> <font>j) - A Recorrida intervém, assim, enquanto substituta processual, e em representação do seu filho menor, como titular do direito de crédito a alimentos. </font><br> <font>l) - As prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da menoridade não deixam de ser relativas à situação do menor por este ter atingido a maioridade. </font><br> <font>m) - Efectivamente cumpre ponderar que nada justifica que o filho, atingida a maioridade, deva beneficiar do pagamento dos montantes correspondentes às prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da sua menoridade e que, precisamente, se destinam a ressarcir as despesas havidas para prover à sua segurança, saúde, educação e sustento durante a sua menoridade. </font><br> <font> O Recorrido respondeu, defendendo o julgado.</font><br> <font>2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> a resolver, tal como vem definida pela Recorrente, é se a maioridade do filho retira ao progenitor a quem foi confiada a respectiva guarda a legitimidade para exigir o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade daquele. </font><br> <font>3. - A </font><b><font>factualidade</font></b><font> relevante é a que segue.</font><br> <font>- Por despacho de 6/3/2007, proferido nos autos de incumprimento, foi ordenado o desconto da quantia de 100,00€ no mês de Abril/2007, correspondente à prestação vincenda de Abril (mês em que o menor atinge a maioridade) e a de 75,00€ mensais para amortizar a quantia vencida e não paga desde a propositura da acção até Março/2007, atingindo o valor total de 8.700,00€; a partir do mês de Maio/2007 deveria passar a ser efectuado o desconto mensal de 75,00€ até perfazer o valor total da dívida de alimentos vencida.</font><br> <font>- Em 08/4/2008, no seguimento de requerimento do ora Recorrido, em 08/04/2008 foi proferido despacho a decidir reduzir os descontos devidos para o valor de 45,00€/mês. </font><br> <font>- A Requerente do incidente de incumprimento, ora Recorrente, impugnou, mediante recurso, esta decisão de redução da quantia anteriormente fixada. </font><br> <font>- O menor completou 18 anos de idade em 15/4/2007.</font><br> <br> <font>4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font>4. 1. - Como resulta do já descrito, a Relação considerou a Recorrente carecida de legitimidade para o recurso argumentando:</font><br> <font> “ </font><i><font>(…) a partir do momento em que o AA perfez 18 anos de idade, cessou a sua incapacidade decorrente da menoridade, que até então era suprida pela intervenção processual da sua mãe, no exercício do poder paternal.</font></i><br> <i><font>É-lhe, sem sombra de dúvida, reconhecida legitimidade activa para prosseguir nos presentes autos, a partir dos seus 18 anos de idade (art. 26º do CPCivil). </font></i><br> <b><i><font> </font></i></b><i><font>Assim sendo, no incidente de incumprimento da prestação de alimentos contra o seu progenitor, pode e deve o AA Lacerda fazer valer o seu direito a alimentos “iure proprio” mesmo que, como é o caso estejam em dívida quantias devidas durante a sua menoridade por parte de seu pai</font></i><font>”. </font><br> <br> <font>4. 2. - Em causa estão, como reconhecido, prestações alimentares vencidas anteriormente à maioridade do filho, cujo desconto foi ordenado em decisão também proferida durante a sua menoridade.</font><br> <font>Trata-se, pois, de pagamento ou cobrança coerciva de dívida de alimentos, há muito vencida, em curso em incidente de incumprimento de natureza executiva, alternativa à execução especial por alimentos – arts. 189º, 190º-4, ambos da LTM e 1118º CPC.</font><br> <font> </font><br> <font>Sabido que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título figure como credor (art. 55º-1 CPC), importará saber se a Requerente-exequente, ora Recorrente, mantém a qualidade de credora, como tal figurando no título - que é a sentença que regulou o poder paternal e fixou a pensão alimentar, complementada pelas posteriores decisões, designadamente a que fixou o montante das quantias não pagas e ordenou o desconto em curso na pensão auferida pelo Requerido -, e se pode continuar a exigir o pagamento do crédito nos mesmos termos em que lhe era facultado durante a menoridade do filho. </font><br> <br> <font> 4. 3. - Tendo presente o regime legal que rege o conteúdo e modo de exercício do poder paternal – hoje responsabilidades parentais - estabelecido no processo, que se reporta já a 1993 (logo sem que na fixação tivessem intervindo as normas contidas na Lei n.º 61/2008, de 31/10), parecem-nos curiais breves considerações sobre o estatuto efectivamente aplicável.</font><br> <font> </font><br> <font> O dever de prestar alimentos aos filhos menores recai sobre ambos os pais que, em conjunto, estão onerados com a obrigação de contribuir para o sustento, manutenção e educação dos descendentes menores. Trata-se de uma manifestação do conteúdo do poder paternal a que estão sujeitos os filhos até à maioridade ou emancipação (arts. 1874º, 1877º, 1878º-1 e 1879º C. Civil).</font><br> <br> <font> Do poder paternal (ora responsabilidades parentais) são titulares ambos os progenitores e a ambos pertence o respectivo exercício na constância do matrimónio – art. 1901º.</font><br> <font> Pode, porém, suceder que os pais do menor não convivam maritalmente, ou tenha cessado essa coabitação – quer porque nunca estiveram unidos por laços matrimoniais, quer porque o matrimónio tenha sido anulado ou dissolvido ou porque ocorra mera separação de facto -, casos em que o poder paternal deve ser regulado judicialmente (arts. 1905º a 1912º C. Civ.).</font><br> <font> Nessas situações, como sucedeu no caso em apreciação, o tribunal decide (ou homologa os acordos dos progenitores) sobre o destino do filho, o regime de visitas do progenitor a quem não tenha sido confiado, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar.</font><br> <font> O poder paternal não se extingue em relação a qualquer dos pais, mas passa a ser exercido pelo progenitor a quem o filho é confiado e apenas por ele unilateralmente – art. 1906º.</font><br> <br> <font> O progenitor que fica com a guarda do filho, como titular único do exercício do poder paternal</font><b><font> </font></b><font>e, consequentemente, dos poderes-deveres que lhe são inerentes, detém legalmente o direito e o dever de, no interesse do filho, velar pela sua saúde e segurança, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação e representá-lo, cabendo ao outro progenitor (que não exerce o poder paternal) vigiar - presentemente, ser informado (n.º 6 do art. 1906º) - a execução desse exercício – arts. 1878º-1 e 1906º-4 cit..</font><br> <font> É àquele progenitor, detentor exclusivo do exercício do poder paternal que incumbe custear as despesas originadas por esse exercício, enunciadas no art. 1879º (sustento, segurança, saúde e educação), sem prejuízo da contribuição do outro para a satisfação dos mesmos encargos, nos termos e com as quantias em que tiver sido fixada a respectiva repartição, quantias estas a entregar ao progenitor detentor do poder paternal para por este serem utilizadas na satisfação das mencionadas despesas.</font><br> <font> </font><br> <font>O beneficiário da prestação alimentar é o menor, mas é o progenitor a quem foi confiado que goza da respectiva titularidade. Este progenitor «age em </font><i><font>substituição processual, parcial, representativa </font></i><font>do menor». Age em nome</font><i><font> </font></i><font>próprio</font><i><font> </font></i><font>e, por isso, é parte</font><i><font> </font></i><font>processual (cf. J. P. REMÉDIOS MARQUES, “</font><i><font>Algumas Notas Sobre Alimentos ...”, F.D.U.C. – Centro de D.to de Família, </font></i><font>2, pg. 297/8).</font><br> <font> </font><br> <font> No mesmo sentido convergem as normas vertidas nos arts. 186º-3 e 181º-1 da LTM. </font><br> <font>É ao progenitor com guarda que cabe a legitimidade para, em substituição processual do menor, pedir os alimentos, a sua alteração ou exigir o cumprimento coercivo da obrigação.</font><br> <br> <font> Consequentemente, se o progenitor condenado a entregar ao outro prestações alimentares a título de alimentos devidos ao filho menor não cumpre, este fica onerado e passa a custear despesas que obrigavam aquele, despesas que só ele pode exigir do devedor, seja no exercício de um direito próprio, seja, quando assim se entenda, por via sub-rogatória (art. 592º-1 C. Civ.).</font><br> <font> O titular único do exercício do poder paternal e dos correspondentes poderes-deveres satisfaz as respectivas obrigações e custeia os inerentes encargos na totalidade. Por isso, satisfeita unilateralmente a obrigação, compreende-se que só quem efectivamente a cumpriu possa exigir do co-obrigado os encargos a que esse cumprimento deu origem e lhe assista legitimidade para exigir a parte dos encargos que, na repartição efectuada, o outro obrigado deixou de lhe prestar. </font><br> <font> </font><br> <font> A ser assim, como se pensa que é, o problema nem será tanto de pura legitimidade processual do exequente face ao título e sua suficiência - legitimidade que se nos afigura concedida pelos arts. 55º-1 e 57º CPC -, desde logo porque, como já referido, o progenitor age como substituto processual do filho na atribuição e fixação da pensão alimentar, mas, antes, um efeito da não coincidência entre o sujeito que detém a titularidade e disponibilidade do direito quanto às prestações vencidas durante a menoridade e o seu beneficiário, como reflexo do conteúdo e exercício do poder paternal e da natureza que, no seu âmbito, assume o direito a alimentos.</font><br> <br> <font>4. 3. - É justamente a descrita a situação que os autos reflectem.</font><br> <font> </font><br> <font>A Recorrente, que foi titular exclusiva do poder paternal, será, por isso, também a titular dos alimentos fixados ao filho enquanto menor, seu beneficiário, e, também por isso, será ela a titular do direito de continuar a exigir do ora Recorrido as prestações que este lhe não entregou durante a menoridade do filho AA, nos termos declarados e fixados na sentença da acção de regulação do poder paternal e nas decisões subsequentes proferidas no incidente (pré) executivo de incumprimento.</font><br> <br> <font> É ela, e também apenas ela, quem pode reclamar ou renunciar à exigência dessas prestações vencidas, sem as quais proporcionou ao menor as condições de vida que teve por convenientes ou possíveis, prestações que, ao menos a nosso ver, dada a natureza da obrigação alimentar relativa a menor a expensas do progenitor, não se apresentam como convertíveis em crédito próprio do filho após a maioridade deste.</font><br> <font> </font><br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font>Em conformidade com o que se deixou exposto, acorda-se em:</font><br> <font>- conceder provimento ao agravo;</font><br> <font>- revogar o acórdão impugnado e, em consequência: </font><br> <font>- reconhecer a legitimidade da Recorrente para, em nome próprio, intervir no incidente e no recurso da decisão nele proferida e</font><br> <font> - determinar a devolução dos autos à Relação para, sendo caso disso, emitir pronúncia sobre o objecto do recurso de que deixou de conhecer em razão do julgamento de ilegitimidade; e,</font><br> <font> - Condenar o Agravado nas custas.</font><br> <br> <font>Lisboa, 25 Março 2010 </font><br> <font> </font><br> <font>Alves Velho (Relator)</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias (vencido)</font><br> <font>____________________</font><br> <br> <font>Vencido pela razão que passo a expor.</font><br> <font> A legitimidade da recorrente advinha do facto de a filha ser menor.</font><br> <font> Enquanto esta realidade perdurou, competia à agravante suprir a incapacidade da filha, derivada da sua menoridade.</font><br> <font> Atingida a maioridade desta, finou a “legitimidade” da agravante para representar a sua filha, seja em que circunstância for. </font><br> <font> Negaria, por isso, provimento ao agravo. </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>FLORASOL - Clube de Férias da Madeira, S. A., recorre para o Tribunal Pleno do Acórdão deste Tribunal de 26 de Fevereiro de 1991, revista n. 79887, com fundamento em oposição das decisões nele tomadas com outras proferidas em outros três acórdãos deste Tribunal.</font></b><br> <b><font>Assim, em resumo, alega que:</font></b><br> <b><font>a) Existe oposição entre o decidido naquela data e o decidido em 21 de Julho de 1987, revista n. 74315, uma vez que naquele foi julgado que era um contrato de cessão de exploração turística, regulado pelo Decreto Regulamentar n. 14/78, de 12 de Maio, sem características vinculísticas, o contrato celebrado por escritura pública em que os compradores de certas fracções antónomas declaravam dar de exploração à vendedora essas fracções para indústria hoteleira, pelo prazo de três anos, não renovável, mediante a retribuição de x, e no acórdão fundamento se decidiu ser um contrato misto de arrendamento e aluguer, submetido à disciplina juridica do arrendamento, por ser claramente predominante, o contrato também celebrado por escritura pública em que foi cedido por certo prazo, mediante retribuição fixada em escudos, o gozo de certa fracção autónoma já mobilada, com vista à instalação de estabelecimento hoteleiro.</font></b><br> <b><font>b) Existe oposição entre o Acórdão proferido em 26 de Fevereiro de 1991 e o proferido em 13 de Outubro de 1982 (Bol., 320, 361) quanto à interpretação do artigo 668, n. 1, alínea b), do Código de Processo Civil, já que naquele se decidiu que o pedido de indemnização formulado pelos autores e acolhido no acórdão não foi contrariado nas alegações mas tão-só nas conclusões, e por isso não se pode alterar, e no acórdão fundamentado se decidiu que é nula a sentença que deixe de se pronunciar sobre questão que o juiz devia conhecer;</font></b><br> <b><font>c) Existe oposição entre o mesmo Acórdão de 26 de Fevereiro de 1991 e o Acórdão de 11 de Julho de 1973, na medida em que naquele se decidiu que se poderia alterar a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, introduzindo uma distinção entre estabelecimento em sentido físico e em sentido jurídico, e no acórdão fundamento se decidiu que não era lícito ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias.</font></b><br> <b><font>Foram apresentadas alegações pela recorrente, pugnando pelo decidido no acórdão fundamento e pelos recorridos, que se manifestaram contra a decisão que decretou a existência de oposição de julgados.</font></b><br> <b><font>O Exmo Procurador Geral-Adjunto, no seu douto parecer, pronunciou-se pela resolução do conflito jurisprudencial, propondo para o assento a redacção seguinte:</font></b><br> <b><font>Na vigência do Decreto Regulamentar n. 14/78, de 12 de Maio (Regulamento dos Meios Complementares de Alojamento Turístico), não se pode submeter ao regime vinculístico, não sendo renovável automaticamente, o contrato pelo qual os outorgantes proprietários de determinadas fracções autónomas, denominadas "unidades de habitação", as deram de exploração, tendo como destino a indústria hoteleira, por determinado prazo, não renovável, mediante remuneração ou compensação mensal, desde que preenchidos os demais requisitos constantes dos artigos 33 a 40 (modalidade de apartamentos turísticos), do mencionado diploma.</font></b><br> <b><font>Pelo acórdão preliminar a fls. 64 e seguintes foi decidido o prosseguimento do recurso apenas para ser solucionada a questão enunciada na alínea a), ou seja, para definir o conflito de jurisprudência quanto à qualificação do contrato aí referido e determinar o seu regime jurídico, declarando-se findo o recurso quanto às demais questões suscitadas.</font></b><br> <b><font>Foram colhidos os vistos legais.</font></b><br> <b><font>Tudo visto, cumpre decidir.</font></b><br> <b><font>E decidindo:</font></b><br> <b><font>Como questão prévia, importa reapreciar, nos termos do disposto no artigo 766, n. 3, do Código de Processo Civil, a decretada oposição de julgados.</font></b><br> <b><font>Verifica-se, entretanto, sem margem para dúvida, que estamos perante decisões, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, que foram proferidos, no domínio da mesma legislação, em sentidos divergentes e recaindo sobre situações concretas idênticas.</font></b><br> <b><font>Além disso, nenhumas dúvidas existem quanto à verificação dos requisitos formais do recurso.</font></b><br> <b><font>Não se divisa, pois, fundamento para alterar o decidido no acórdão interlocutório.</font></b><br> <b><font>Quanto ao fundo:</font></b><br> <b><font>Discute-se neste recurso, essencialmente, a qualificação jurídica do contrato de cessão de exploração turística, celebrado entre os ora recorridos e a recorrente, em ordem a determinar o seu regime jurídico.</font></b><br> <b><font>Para este efeito, importa recordar, antes do mais, a seguinte matéria de facto fixada nos autos:</font></b><br> <b><font>a) Por escritura pública de 5 de Julho de 1979, os autores, ora recorridos, compraram à ré, ora recorrente, na proporção de metade para o A e mulher e metade para o B, as fracções autónomas A-5, B-6 e L-6 do bloco B e C-1 e G-1 do bloco A do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Estrada Monumental, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal;</font></b><br> <b><font>b) Por escritura da mesma data, intitulada "Cessão de exploração", os recorridos declararam dar de exploração à recorrente as referidas fracções, aí denominadas "unidades habitacionais", tendo como destino a indústria hoteleira, pelo prazo de três anos, não renovável, com início em 1 de Junho de 1979, e mediante a retribuição mensal global de 27850 escudos.</font></b><br> <b><font>Perante este quadro factual, o douto acórdão recorrido entendeu que os contratos de cedência do gozo e fruição das fracções aludidas deviam ser qualificadas como contratos de cessão de exploração, sujeito à disciplina jurídica constante do Decreto Regulamentar n. 14/78, de 12 de Maio.</font></b><br> <b><font>Por sua vez, no acórdão fundamento foi decidido que essa cedência integrava um contrato misto de arrendamento e aluguer, submetido às regras próprias do contrato de arrendamento.</font></b><br> <b><font>Do confronto entre as duas decisões imediatamente ressalta que a questão fundamental a decidir é a da temporalidade dos referidos contratos, isto é, saber se tais contratos podem, ou não, ser livremente denunciados pelos cedentes no termo do respectivo prazo.</font></b><br> <b><font>Quid juris?</font></b><br> <b><font>O raciocínio do acórdão fundamento é linear, talvez demasiado linear, e de fácil apreensão.</font></b><br> <b><font>Segundo este raciocínio, a qualificação de um contrato "faz-se pelos seus elementos constitutivos e não pela designação que os outorgantes lhe dão".</font></b><br> <b><font>Tendo sido cedido à ora recorrente o gozo e a fruição das aludidas fracções já mobiladas, por certo prazo e mediante retribuição mensal em escudos, estamos perante um contrato misto de arrendamento e aluguer, uma vez que se verificam todos os elementos constitutivos de tais contratos.</font></b><br> <b><font>Trata-se de raciocínio que prima facie se mostra sem mácula, mas que não resiste, segundo cremos, a uma análise mais profunda.</font></b><br> <b><font>Vejamos.</font></b><br> <b><font>Desde logo, não se demonstra que os elementos constitutivos constantes dos referidos contratos não possam integrar um outro tipo de contrato, nominado ou inominado.</font></b><br> <b><font>Depois, nenhuma alusão é feita à vontade real dos contraentes no sentido de quererem, ou não, o apontado contrato misto de arrendamento e aluguer.</font></b><br> <b><font>Ora, neste domínio, como é sabido e ocioso repetir, um dos princípios fundamentais em que assenta toda a disciplina legislativa dos contratos é o da autonomia privada que atribui aos contraentes o poder de fixarem, em termos vinculativos, a disciplina que mais convém à sua relação jurídica. Este princípio da autonomia privada reveste, na área dos negócios bilaterais ou plurilaterais, a forma de liberdade contratual e significa que, dentro dos limites da lei, os contraentes podem livremente celebrar os contratos que melhor se ajustem à protecção dos seus interesses (artigo 405, este, como os demais a citar, sem referência expressa, do Código Civil).</font></b><br> <b><font>Mas sendo assim, a existência de todos os elementos constitutivos de um certo contrato não basta para que se possa atribuir a esse contrato o respectivo regime jurídico.</font></b><br> <b><font>Para que tal aconteça exige-se ainda que os contraentes tenham querido adoptar esse regime jurídico.</font></b><br> <b><font>Isto é, se a designação dada pelos contraentes ao contrato não releva para os efeitos da sua qualificação jurídica, certo é, contudo, que se impõe determinar qual foi a sua vontade e respeitar essa vontade, se inexistir lei que a isso se oponha (nesse sentido, o Acórdão deste Tribunal de 14 de Fevereiro de 1991, processo n. 78944).</font></b><br> <b><font>Ora, no caso em apreço, é evidente que os cedentes não quiseram celebrar um contrato de arrendamento.</font></b><br> <b><font>Com efeito, ao acordarem na livre denúncia do contrato, pelos cedentes, findo o respectivo prazo, afastaram a característica fundamental daquele contrato, que é a sua renovabilidade automática findo esse prazo.</font></b><br> <b><font>Aqui chegados, uma outra questão se coloca, ou seja, a de saber se essa manifestação de vontade de não celebrar um contrato de arrendamento e aluguer tem cobertura legal ou, usando a terminologia do citado artigo 405, se mantém "dentro dos limites da lei".</font></b><br> <b><font>Neste plano, duas alternativas se apresentam: qualificar os aludidos contratos como cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, ou como cessão de exploração, nos termos do citado Decreto Regulamentar n. 14/78.</font></b><br> <b><font>Temos para nós que a primeira alternativa é de excluir liminarmente, uma vez que a cessão ou locação de estabelecimento pressupõe "a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa" (Prof. Antunes Varela, in Rev. Leg. Jur., 100, 270).</font></b><br> <b><font>Além disso, tal contrato pressupõe ainda que se trate de estabelecimento já instalado e não de estabelecimento a instalar (Acórdão deste Tribunal de 1 de Fevereiro de 1994, processo n. 84317, ainda não publicado).</font></b><br> <b><font>Ora, no caso em análise não se verificam tais pressupostos.</font></b><br> <b><font>Resta, assim, o recurso ao citado decreto regulamentar.</font></b><br> <b><font>Este diploma legal, aliás já revogado, mas que se pode aplicar aos contratos constantes dos autos e a todos os que foram celebrados na sua vigência (artigo 12), ocupa-se de certos meios de alojamento turísticos, regulando, como tais, as modalidades seguintes:</font></b><br> <b><font>a) Aldeamentos turísticos;</font></b><br> <b><font>b) Apartamentos turísticos;</font></b><br> <b><font>c) Alojamentos particulares.</font></b><br> <b><font>Quanto à segunda modalidade, que ora importa apreciar, aquele diploma define como complexo de apartamentos turísticos a explorar, com habitualidade, por determinada entidade um conjunto de apartamentos independentes, de interesse turístico, dando neles alojamento dia a dia ou por períodos não excedentes a um mês, com apoio de serviços de limpeza, lavagem de roupas e portaria-recepção (artigos 33, n. 1, 35, n.os 2 e 3, e 37).</font></b><br> <b><font>A exploração deve abranger um mínimo de 10 apartamentos e nunca menos de 5 por edifício ou bloco, quando compreenda mais de um bloco ou edifício (artigos 33, n. 3, e 36, n. 3).</font></b><br> <b><font>Embora a exploração do conjunto deva ser realizada globalmente por uma única entidade, isso não significa que os apartamentos hajam de lhe pertencer todos; essa entidade pode ser proprietária apenas de algum ou alguns ou até de nenhum (artigos 4, n. 1, e 5, n. 1, aplicáveis por força do artigo 35, n. 1).</font></b><br> <b><font>Quanto aos apartamentos de que a entidade não seja proprietária, eles só poderão ficar afectos a essa exploração global se os respectivos donos tiverem feito com aquela um contrato escrito de cessão de exploração, pelo qual cedam o direito à exploração dos seus apartamentos (artigos 5, n.os 1 e 2, ex vi do artigo 35, n. 2).</font></b><br> <b><font>Os proprietários, por via daquela cessão, ficam privados do direito a fazer, eles próprios, directa e isoladamente, a exploração turística dos seus apartamentos, e transferem esse direito para a entidade exploradora do conjunto, pelo prazo e nas demais condições que entre si convencionarem.</font></b><br> <b><font>Desta regulamentação logo se evidencia que estamos perante uma modalidade negocial autónoma, perfeitamente distinta do arrendamento, já que são afastadas as respectivas regras limitativas quanto à renovação obrigatória ou compulsiva.</font></b><br> <b><font>Mais se evidencia que uma unidade habitacional, não pertencente à entidade exploradora do complexo pode ser afecta a essa exploração global mediante um contrato específico, que a lei chama de cessão de exploração.</font></b><br> <b><font>Mas essa afectação pode findar, assim acontecendo logo que se extinga o contrato, quer pelo decurso do respectivo prazo, quer por distrate das partes, ou por qualquer outro motivo de extinção de um negócio jurídico.</font></b><br> <b><font>A unidade habitacional fica então desligada ou desvinculada do conjunto e o seu proprietário retoma, quanto a ela, liberdade de movimentos.</font></b><br> <b><font>A esta desafectação pode, aliás, seguir-se uma de duas situações:</font></b><br> <b><font>Ou o complexo se mantém, como objecto de exploração global ou unitária, mas para isso é preciso que a ele continuem afectos pelo menos 10 apartamentos, com o mínimo de 5 por edifício ou bloco;</font></b><br> <b><font>Ou algum destes mínimos deixa de ser respeitado, e o complexo turístico deixa de existir como tal, o que significa que a desafectação em causa envolve também, por arrastamento, a de todos os apartamentos restantes, com a consequente e automática extinção dos demais contratos de exploração de que hajam sido objecto (artigo 35, n. 2).</font></b><br> <b><font>De toda esta regulamentação resulta que o proprietário de um apartamento, que reúna as condições necessárias para o efeito, tem o direito à sua exploração turística, mediante alojamento dia a dia ou períodos não excedentes a um mês.</font></b><br> <b><font>Pode exercer directa e individualmente esse direito, mediante inscrição prévia no registo próprio.</font></b><br> <b><font>Mas se não pretender exercê-lo por si mesmo, pode cedê-lo temporariamente à entidade que explore globalmente o bloco ou blocos de que o apartamento faz parte.</font></b><br> <b><font>É essa cedência temporária que constitui o contrato de cessão de exploração turística a que se refere a lei - artigo 5, n. 2, do referido Decreto Regulamentar n. 14/78, aplicável por força do artigo 35, n. 1, do mesmo diploma.</font></b><br> <b><font>Trata-se de contrato autónomo, clara e nitidamente distinto do arrendamento, não sujeito à norma da renovação automática findo o respectivo prazo.</font></b><br> <b><font>Dos contratos em análise emerge com suficiente clareza que os recorridos utilizaram esta forma contratual, podendo, assim, concluir-se que os respectivos elementos constitutivos e a vontade declarada nesses contratos tem plena cobertura no citado diploma legal.</font></b><br> <b><font>Inexistindo, deste modo, disposição legal que se oponha ao livre exercício da liberdade contratual, previsto no artigo 405, antes existindo lei que tipifica a forma contratual pretendida pelos recorridos, não obsta a que tais contratos sejam qualificados como cessão de exploração, nos termos constantes do citado decreto regulamentar e com o regime jurídico aí estabelecido.</font></b><br> <b><font>E, como resulta deste diploma legal, este contrato de cessão de exploração pode ser livremente denunciável pelos respectivos cedentes decorrido o prazo nele convencionado.</font></b><br> <b><font>Trata-se, assim, de um contrato típico, cujas regras se afastam das do contrato de arrendamento, nomeadamente quanto à sua não renovação automática no termo do respectivo prazo.</font></b><br> <b><font>Pelo exposto, acorda-se em manter o acórdão recorrido e uniformiza-se a seguinte jurisprudência:</font></b><br> <b><font>Os contratos de cessão de exploração de "unidades habitacionais" por determinado prazo, não renovável, e mediante remuneração ou compensação mensal, celebrados nos termos do Decreto Regulamentar n. 14/78, de 12 Maio, designadamente em obediência aos seus artigos 33 a 40, não estão sujeitos às normas limitativas da liberdade contratual próprias do arrendamento, nomeadamente à regra da renovação obrigatória do contrato, sendo, em consequência, legal e válida a eventual cláusula de não renovação neles convencionada.</font></b><br> <b><font>Custas pela recorrente.</font></b><br> <b><font>Lisboa, 13 de Fevereiro de 1996.</font></b><br> <b><font>Herculano de Lima,</font></b><br> <b><font>Fernandes de Magalhães,</font></b><br> <b><font>Pereira da Graça,</font></b><br> <b><font>Almeida e Silva,</font></b><br> <b><font>Torres Paulo,</font></b><br> <b><font>Miguel Montenegro,</font></b><br> <b><font>Figueiredo de Sousa,</font></b><br> <b><font>Fernando Fabião,</font></b><br> <b><font>César Marques,</font></b><br> <b><font>Roger Lopes,</font></b><br> <b><font>Ramiro Vidigal,</font></b><br> <b><font>Martins da Costa,</font></b><br> <b><font>Pais de Sousa,</font></b><br> <b><font>Miranda Gusmão,</font></b><br> <b><font>Sá Couto,</font></b><br> <b><font>Cardona Ferreira,</font></b><br> <b><font>Oliveira Branquinho,</font></b><br> <b><font>Mário Cancela,</font></b><br> <b><font>Sampaio da Nóvoa,</font></b><br> <b><font>Costa Marques,</font></b><br> <b><font>Joaquim de Matos,</font></b><br> <b><font>Sousa Inês,</font></b><br> <b><font>Costa Soares,</font></b><br> <b><font>Machado Soares,</font></b><br> <b><font>Lopes Pinto,</font></b><br> <b><font>Nascimento Costa,</font></b><br> <b><font>Metello de Napoles.</font></b></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p> </p><p><font> I – No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos (com tramitação posterior no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde, após ter sido declarada a incompetência territorial daquele tribunal), AA, em acção com processo ordinário, para efectivação da responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, intentada contra BB, Companhia de Seguros, S.A. (agora, Companhia de Seguros T…, S.A.), pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia global de € 92.562,50, acrescida de juros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em acidente de viação ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2002, cerca das 11.30 horas, na freguesia de Lage, do concelho de Vila Verde, em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula …-…-HF, conduzido por CC e segurado na Ré, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …-…-CP, conduzido por pessoa que se desconhece, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula RC-…-…, conduzido pelo aqui Autor.</font> </p><p><font> Na sua contestação, a Ré, além de excepcionar a incompetência territorial do tribunal, defendeu que a acção seja julgada em função da prova a produzir em audiência de julgamento.</font> </p><p><font> Declarado o Tribunal de Matosinhos territorialmente incompetente para o julgamento da presente causa, foram os autos remetidos ao Tribunal Judicial de Vila Verde, considerado competente para o efeito.</font> </p><p><font> Neste último Tribunal, foi proferido o despacho saneador, foi declarada a matéria de facto assente e foi elaborada a base instrutória.</font> </p><p><font> Ao abrigo do disposto no artigo 512º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), Autor e Ré requereram a gravação da audiência final.</font> </p><p><font> Em 22.01.2007, data designada para a audiência de julgamento, o Senhor Juiz, com a presença dos Exmºs Mandatários das partes, depois de ter procedido a um aditamento à base instrutória, passou a ouvir as testemunhas.</font> </p><p><font> Foram, então, inquiridas a toda a matéria as testemunhas M… da C… S… N… C… e F… B… P…, arroladas pelo Autor, tendo esta segunda testemunha, presente no Tribunal Judicial de Matosinhos, sido ouvida por videoconferência, após o que o Senhor Juiz proferiu o seguinte despacho:</font> </p><p><font>“Uma vez que não se encontra presente o Sr. Perito e atenta a posição assumida pelo ilustre mandatário da ré, declaro suspensa a presente audiência de julgamento, designando para sua continuação o próximo dia 15 de Março de 2007, pelas 14.30 horas.</font> </p><p><font>Notifique, sendo o Sr. Perito numa das moradas referidas a fls. 234”.</font> </p><p><font>Como se depreende da respectiva acta (cfr. fls. 237 a 239), nada ficou consignado sobre a gravação da audiência.</font> </p><p><font>Depois de diversos adiamentos, procedeu-se à continuação da audiência de julgamento em 11.04.2008, com a presença dos Exmºs Advogados das partes, tendo, por videoconferência, nas Varas Cíveis do Porto, o perito Dr. A… M… prestado todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados, após o que foi dada a palavra aos ilustres mandatários para alegações orais, findas as quais o Senhor Juiz designou o dia 18 de Abril, pelas 14h30m, “para leitura da resposta à matéria de facto controvertida, declarando encerrada a presente audiência”.</font> </p><p><font>Igualmente como decorre da correspondente acta (cfr. fls. 336), nada foi registado sobre gravação da audiência.</font> </p><p><font>Em 18.04.2008, tendo em conta a ausência dos Senhores Advogados, o Senhor Juiz procedeu “à entrega da Resposta aos Quesitos na respectiva secção de processos” (cfr. acta de fls. 341).</font> </p><p><font>Em 21.04.2008, foi proferida a sentença de fls. 342 a 348, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada “a pagar ao A. a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral reembolso” (tendo-se fixado em € 22.500,00 o valor da indemnização, deduziu-se a quantia de € 5.000,00 já entregue pela Ré ao Autor). </font> </p><p><font>Por cartas registadas de 22.04.2008, foram os Exmºs Advogados das partes notificados da sentença, tendo o Autor, por requerimento de 02.05.2008, e a Ré, por requerimento de 08.05.2008, dela interposto recurso de apelação, tendo sido proferido despacho a admitir ambos os recursos (apesar de o Senhor Juiz aludir apenas a “recurso”, depreende-se que se reportou a ambos os recursos).</font> </p><p><font>Os Senhores Advogados foram notificados do despacho de admissão de recurso por cartas registadas remetidas em 13.05.2008.</font> </p><p><font>Em 16.06.2008, o Autor apresentou as suas alegações e respectivas conclusões, pedindo o Autor que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que decida, em via principal, a renovação dos depoimentos das testemunhas do recorrente, com gravação desses depoimentos, ou, em alternativa, que se julgue a acção totalmente procedente, e pedindo a Ré que se reduza de € 22.500,00 para € 7.500,00 o montante correspondente à indemnização por danos não patrimoniais (só a este título se arbitrou indemnização).</font> </p><p><font>Foi proferido, no Tribunal da Relação de Guimarães, acórdão, nos termos do qual se decidiu julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e procedente o recurso de apelação interposto pela Ré, revogando-se parcialmente a sentença, reduzindo-se de € 22.500,00 para € 7.500,00 o valor da indemnização.</font> </p><p><font>Inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font> </p><p><font>O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>1ª – Autor e Ré requereram no devido tempo a gravação da audiência final, nos termos do artº 512º/nº 1, do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>2ª – Contudo, o registo dos depoimentos prestados na audiência final não se encontra gravado.</font> </p><p><font>3ª – A falta de gravação é susceptível de produzir nulidade por poder influir na decisão da causa, sendo certo que o Juiz, na decisão da matéria de facto do caso concreto, se baseou nos depoimentos das testemunhas que foram inquiridas.</font> </p><p><font>4ª – Assim, tal nulidade, tendo sido tempestivamente arguida, acarreta a anulação, quer do acto de inquirição das testemunhas arroladas, quer da decisão de facto com base nos respectivos depoimentos proferida, quer da decisão final.</font> </p><p><font>5ª – A falta de gravação da prova importa </font><font>unicamente a anulação do(s) depoimento(s) que não tenha(m) sido gravado(s)</font><font> e não propriamente a anulação do julgamento.</font> </p><p><font>6ª – Tal desiderato resulta precisamente da 2ª parte do nº 2 do artº 201º do CPC, já que a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.</font> </p><p><font>7ª – O mesmo regime está estatuído no artº 9º do Dec.-Lei 39/95, segundo o qual, verificando-se ter sido omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade.</font> </p><p><font>8ª – O que se exigia ao Advogado foi aquilo que ele fez, requerendo a gravação da audiência final.</font> </p><p><font>9ª – O Advogado confia, pressupõe que a gravação é feita de forma adequada, sem imperfeições ou defeitos, na medida em que, conforme resulta dos arts. 4º a 6º do Dec.-Lei 39/95, a gravação é monitorizada por um funcionário judicial, que deve zelar pela observância de todos os requisitos de ordem técnica conducentes a um registo sonoro que permita a posterior reprodução e eventual transcrição dos depoimentos prestados, a fim de obviar à repetição da prova produzida, nos termos do artº 9º do mesmo diploma.</font> </p><p><font>10ª – Se a lei obriga, ao funcionário que monitorize tal gravação, que zele pela observância de todos os requisitos de ordem técnica conducentes a um registo sonoro que permita a posterior reprodução e eventual transcrição dos depoimentos prestados, não se entende que o Douto Acórdão sob recurso pretenda que tal tarefa deva ser incumbida ao Advogado.</font> </p><p><font>11ª – É excessivo exigir-se ao Advogado que vigie e fiscalize os actos dos senhores funcionários, e estamos convictos que abre um grave precedente que vai obrigar, no futuro, ao Advogado a vigiar e fiscalizar a distribuição do processo, se as moradas constantes das notificações feitas pela secretaria estão correctas, se os processos são conclusos ao Juiz dentro do prazo legal, etc..</font> </p><p><font>12ª – Não tendo sido apenas o Advogado que esteve presente na audiência de discussão e julgamento, mas também um funcionário judicial e um Senhor Juiz, a questão que se coloca é saber se, pelo facto de não ter sido efectuada a gravação da audiência, apesar de requerida, e de tal falha não ter sido nem do Advogado nem do recorrente, se é este quem deve sofrer as consequências de uma falha do Tribunal.</font> </p><p><font>13ª – Pretendendo fundamentar a impugnação da matéria de facto dada como provada quanto ao facto de, em 1 de Dezembro de 2002, ter celebrado com DD, LDA, um contrato de concessão e distribuição de produtos de panificação, que juntou à p.i., e do qual decorria que o Autor iria desempenhar a função de distribuição diária de pão e pastelaria, sendo os custos com o transporte e as despesas daí inerentes assumidas pelo Autor, que receberia, por este serviço, a quantia de € 1.500.00 (mil e quinhentos euros) mensais, e que esse serviço iria durar por, pelo menos, 60 meses.</font> </p><p><font>14ª – Por causa do acidente, o Autor não conseguiu cumprir o supra referido contrato, devido a ter permanecido de baixa médica por mais de um ano e também pelo facto de hoje, já após a Ré lhe ter dado alta clínica, lhe ser fisicamente impossível permanecer a conduzir por 8 ou nove horas seguidas, face às dores que sente no pé direito.</font> </p><p><font>15ª – Consequência directa do acidente o não cumprimento do aludido contrato, existindo nexo de causalidade entre o acidente e as razões que o obrigam a não cumprir e a deixar de ganhar as quantias que, esperançosamente, julgava vir a receber, e que, face à sua idade e diminuição física, se vê impossibilitado de encontrar outro trabalho.</font> </p><p><font>16ª – Tal meio probatório – um contrato de concessão e distribuição de produtos de panificação, que o recorrente juntou à p.i. – constante do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impõe decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.</font> </p><p><font>17ª – O recorrente invocou o incumprimento desse contrato, por ser uma consequência directa do acidente o não cumprimento do aludido contrato, existindo nexo de causalidade entre o acidente e as razões que o obrigam a não cumprir e a deixar de ganhar as quantias que, esperançosamente, julgava vir a receber.</font> </p><p><font>18ª – O recorrente defende que a sentença é nula, na medida em que esta não podia ter deixado de condenar a Ré no pagamento das contrapartidas estabelecidas em tal contrato, uma vez que tal contrato existiu (aliás, encontra-se junto aos autos) e o legal representante de “DD, LDA”, sociedade aí contratante com o recorrente, depôs em juízo de forma clara, inequívoca e com conhecimento efectivo do lucro cessante que o acidente produziu na esfera jurídica do recorrente.</font> </p><p><font>19ª – Trata-se de uma questão essencial e, relativamente a ela, a sentença recorrida é totalmente irrecorrível, uma vez que a prova não se encontra gravada.</font> </p><p><font>20ª – Tais factos não constituem matéria de excepção e, nos termos do artº 511º/nº 3, do CPC, esta questão só poderá ser apreciada no presente recurso, o que se vem pedir passem a constar dos factos provados.</font> </p><p><font>21ª – E, porque estes factos, alicerçados em prova documentada, foram provados pelo recorrente, acrescendo que a recorrida não contrapôs nenhuma prova de valor igual contra tal contrato, deve concluir-se que o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre uma questão que deveria ter apreciado, pelo que a sentença sob recurso é NULA.</font> </p><p><font>22ª – Em primeira instância, ponderadas as lesões sofridas pelo recorrente, as dores que padeceu durante o período de convalescença, bem como as sequelas de que ficou afectado, designadamente as dificuldades na marcha e a desvalorização funcional que as mesmas lhe determinam, viu-lhe ser arbitrada a quantia de € 22.500,00, a título de compensação por danos não patrimoniais.</font> </p><p><font>23ª – O douto acórdão recorrido entende tal valor como demasiado alto para o que aconteceu ao recorrente e, por conseguinte, decide atribuir uma indemnização de € 7.500,00.</font> </p><p><font>24ª – Decide baixar tal valor para um terço do que havia sido arbitrado em 1ª instância, independentemente das lesões sofridas pelo recorrente, as dores que padeceu durante o período de convalescença, bem como as sequelas de que ficou afectado, designadamente as dificuldades na marcha e a desvalorização funcional que as mesmas lhe determinam e que estão já dadas como provadas.</font> </p><p><font>25ª – A decisão sub judice reduz-se a um abuso de direito que viola as mais elementares noções de justiça e equidade do A..</font> </p><p><font>26ª – O Tribunal pode, por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica, e, além disso, não fica vinculado às alegações jurídicas das partes – vide, nesse sentido, Ac. RL, de 15-03-1988, in BMJ 375º-435, e também Vaz Serra, in RLJ, 112º-131.</font> </p><p><font>27ª – Não se suscitando dúvidas acerca do direito do R. (?) em ver definido o seu prejuízo declarado em sentença no valor de € 540.715,00, e porque, quanto a esta matéria, a douta sentença, bem como o douto acórdão da Relação, são absolutamente omissos.</font> </p><p><font>28ª – Uma vez que constam do processo documentos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração, nos termos do preceituado na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.</font> </p><p><font>29ª – A nulidade de acórdão, por omissão de pronúncia (1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC), resulta da infracção do dever consignado no 1º período do nº 2 do artigo 660º do predito Corpo de Leis.</font> </p><p><font>30ª – Disposições legais violadas do Código de Processo Civil: arts. 202º, 203º, nºs 1 e 2, a contrario, 205º, nº 1, 153º, 386º, nº 4, 690º-A/nº 1, 668º/nº 1, alínea d), 660º/nº 2, e 511º/nº 3, e ainda os arts. 6º, nº 1, e 9º do D-L nº 39/95, de 15 de Fevereiro.</font> </p><p><font>Pede, assim, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que decida, em via principal, a renovação dos depoimentos das testemunhas do recorrente, com gravação desses depoimentos, ou, em alternativa, que se julgue a acção totalmente procedente.</font> </p><p><font>A recorrida não contra-alegou.</font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font> </p><p><font>II – No acórdão recorrido, foram considerados os seguintes factos:</font> </p><p><font>1 - No dia 18 de Dezembro de 2002, cerca das 11 horas e 30 minutos, na Estrada Nacional n.º 201, no lugar de Rio Nogueira, freguesia de Lage, neste concelho e comarca de Vila Verde, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula …-…-HF, um Renault Magno 425 conduzido por CC, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-CP, um Opel Astra conduzido por um individuo cuja identidade não foi possível apurar, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula RC-…-…, um Alfa Romeo, modelo 33, conduzido pelo A. - alínea A) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>2 - O veículo tripulado pelo A. circulava no sentido Vila Verde-Braga e os dois restantes em sentido inverso, o HF atrás do CP - alínea B) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>3 - Ao chegar ao entroncamento existente no lugar de Rio Nogueira, o CP, cujo condutor pretendia mudar de direcção para a esquerda, foi embatido na respectiva traseira pelo HF - alíneas C) e D) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>4 - Mercê do embate, o CP foi arremessado para a faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário, onde foi embater frontalmente no RC - alínea E) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>5 - O RC circulava pela metade direita da faixa de rodagem, conforme o seu sentido de marcha, a uma velocidade não excedente a 50 Kms por hora - alínea F) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>6 - As partes sinistradas dos veículos foram a parte frontal do veículo pesado, as partes traseiras e frontal do CP e as partes frontal, lateral e superior do RC - alínea G) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>7 - Na altura estava bom tempo e o piso encontrava-se seco - alínea H) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>8 - Em consequência do acidente, o A. sofreu fracturas da base do 4º metatarsiano e da cabeça dos 2º e 3º metatarsianos do pé direito - resp. às bases 1ª e 2ª;</font> </p><p><font>9 - Foi submetido a tratamento conservador, atendendo a que se encontrava em pós-operatório inerente a um transplante hepático realizado cerca de 3 meses antes, o que complicou a medicação analgésica - resp. à base 3ª;</font> </p><p><font>10 - Não obstante clinicamente curado, o A. apresenta diversas sequelas ao nível do pé direito, a saber: amiotrofia dos gémeos, dor à pressão dos metatarsianos 2º a 4º, hipostesia na zona das cabeças dos metatarsianos e limitação dos movimentos das articulações metatarso-falângicas de D2 e D3, que se repercute nos movimentos tendinosos de flexão/extensão dos dedos de D2 a D4, sequelas essas que lhe provocam dores que se agravam com a marcha - resp. à base 4ª;</font> </p><p><font>11 - As referidas sequelas determinam-lhe uma incapacidade permanente geral de 10%, impedindo-o de se dedicar profissionalmente à condução de veículos automóveis - resp. à base 5ª;</font> </p><p><font>12 - Esteve absolutamente impossibilitado de exercer qualquer actividade profissional até 6 de Janeiro de 2004, num total de 385 dias - resp. à base 8ª;</font> </p><p><font>13 - Sofreu dores, quer no momento do embate, quer durante os tratamentos a que foi submetido, dores essas fixáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 - resp. à base 16ª;</font> </p><p><font>14 - Sente desgosto por se ver limitado na sua capacidade funcional - resp. à base 18ª;</font> </p><p><font>15 - À data do sinistro, encontrava-se reformado por invalidez - resp. à base 19ª;</font> </p><p><font>16 - Nasceu no dia 24 de Maio de 1959;</font> </p><p><font>17 - A responsabilidade civil emergente da circulação do …-…-HF encontrava-se transferida para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 310516968 - alínea I) da mat. facto assente;</font> </p><p><font>18 - A Ré entregou ao A., a título de adiantamento da indemnização que vier a ser-lhe arbitrada, a quantia de €5.000,00 - alínea J) da mat. facto assente.</font> </p><p><font> III – 1. Sabido que as conclusões das alegações delimitam objectivamente o âmbito do recurso (cfr. artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), diremos não compreender o que pretende o recorrente com a conclusão 27ª, onde faz alusão a € 540.715,00 como valor do seu prejuízo (certamente, esta conclusão será de outro recurso…), sendo certo que até refere R. e não A..</font> </p><p><font>Posto isto, podemos concluir que as questões suscitadas no presente recurso são as seguintes:</font> </p><p><font>- Total omissão de gravação da audiência final - prazo de arguição e suas consequências.</font> </p><p><font>- Valor da indemnização por danos não patrimoniais.</font> </p><p><font>2. No tocante à 1ª questão, em que a Relação não deu razão ao recorrente, pode ler-se no acórdão recorrido: </font> </p><p><font>“O diploma que regula a documentação e o registo da prova é o Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2.</font> </p><p><font>O referido Decreto-Lei veio estabelecer a possibilidade de as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados serem gravados, regulamentando a documentação da prova por via de gravação áudio e vídeo, e tal como se refere no preâmbulo do citado Decreto-Lei, com vista a pôr “termo ao peso excessivo que a lei processual vigente confere ao princípio da oralidade e concretizando uma aspiração de sucessivas gerações de magistrados e advogados”, e, consequentemente, com vista a garantir a efectiva possibilidade de um 2º grau de jurisdição em sede de reapreciação da matéria de facto.</font> </p><p><font>Este diploma veio aditar ao Código de Processo Civil os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, referentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo processualmente previsto para se proceder à impugnação a matéria de facto em sede de recurso.</font> </p><p><font>E, assim, após a Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, o art. 690º-A, que se reporta à impugnação da matéria de facto, passou a ter a seguinte redacção:</font> </p><p><font>“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto:</font> </p><p><font>1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:</font> </p><p><font>a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;</font> </p><p><font>b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.</font> </p><p><font>2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.</font> </p><p><font>3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente.</font> </p><p><font>4 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso nos termos do nº 2 do art. 684º-A”.</font> </p><p><font>O nº 2 do citado normativo veio, por sua vez, a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10/8, em vigor desde 1/1/2001, e que substituiu a obrigação de transcrição dos depoimentos pelo dever do recorrente, que pretenda impugnar a matéria de facto, de, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda a discordância por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, preceito também alterado por aquele Decreto-Lei n.º 183/2000 e que impõe que o registo áudio ou vídeo seja assinalado na acta no início e termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. </font> </p><p><font>Nos termos do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, a gravação é feita, em regra, com equipamento existente no Tribunal e executada por funcionários de justiça – arts. 3º, nº1, e 4º do citado Decreto-Lei.</font> </p><p><font>O diploma não contempla qualquer normativo destinado a, no final da gravação, as partes e o Tribunal poderem aferir da efectiva gravação e da sua qualidade, limitando-se a regular o modo como a gravação deve ser efectuada (art. 6º, nºs 1 e 2, 7º e 8º).</font> </p><p><font>E, relativamente a anomalias que venham a ocorrer na gravação</font><i><font>,</font></i><font> dispõe-se em tal diploma legal que “se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade” (art. 9º).</font> </p><p><font>Entende-se, assim, por um lado, que as partes não podem ser prejudicadas pelos erros e omissões praticadas pelos funcionários judiciais, ainda que involuntários, e, ainda, não lhes incumbe o ónus de controlar a qualidade das gravações realizadas, pois que a lei preceitua que serão realizadas pelo próprio Tribunal.</font> </p><p><font>Por outro lado, entende-se ser indiscutível que, quando ocorre durante a realização da gravação omissão ou erro ou falha técnica na gravação da prova, tal constituirá nulidade, nos termos do art.º 201º-n.º1 do Código de Processo Civil, por se tratar de irregularidade que influi no exame e decisão da causa, desde logo por retirar à parte que pretende impugnar em sede de recurso a matéria de facto o direito de ver reapreciada pelo Tribunal da Relação o julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo tribunal “a quo”.</font> </p><p><font>E, considera-se, ainda, até, que tratando-se de nulidade decorrente de anomalias que venham a ocorrer na gravação, leia-se “durante a gravação (por omissão ou erro)” a mesma será do conhecimento dos tribunais, mediante a arguição das partes, mesmo que nas próprias alegações de recurso, por força do preceituado nos art.º 9º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, na sua conjugação com o art.º 201º-n.º1 do Código de Processo Civil. (V. neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/08; 15/5/08; 7/6/08; Ac. TRL, de 13/5/09; Ac. TRL de 10/5/07; Ac. TRP de 22/1/07 e de 19/12/05, todos in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>).</font> </p><p><font>No caso em apreço, porém, é distinta a situação.</font> </p><p><font>Trata-se não de </font><i><font>“</font></i><font>anomalias na gravação (por omissão ou erro)”, mas antes, e distintamente, de falta de gravação. </font> </p><p><font>Com efeito, verifica-se, que tendo sido requerida por ambas as partes e ordenada por despacho judicial a gravação dos actos da Audiência de Julgamento, tal gravação não chegou a realizar-se.</font> </p><p><font>Nesta situação, considera-se que, não obstante tal falta seja imputável, em primeira linha, ao próprio Tribunal e Srs. funcionários, e, se trate, igualmente, de irregularidade geradora de nulidade processual nos termos do art.º 201º-n.º1 do Código de Processo Civil, tratar-se-á já de nulidade sujeita ao prazo de arguição previsto no n.º1 do art.º 205º do Código de Processo Civil, o qual estatui:</font> </p><p><font>“Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; (…)”</font><i><font>.</font></i> </p><p><font>Com efeito, no caso em apreço, tratando-se de absoluta falta de gravação, tendo tal forma de documentação da Audiência sido requerida por ambas as partes, e, assim, também pelo próprio recorrente, por via do seu Ilustre mandatário, e tendo este Sr. Advogado estado presente no Julgamento, tendo tido a possibilidade de verificar, pessoalmente, que tais gravações não decorriam, facto de que muito facilmente se aperceberia o Sr. Advogado do recorrente, dada a sua prática judiciária e normal formalismo do acto de gravação (utilização do equipamento respectivo, colocação dos microfones, interrupções, verificações, reinícios, etc…) deve considerar que a parte esteve presente, por via de mandatário, no momento em que a nulidade foi cometida, devendo tal nulidade ter sido arguida até ao terminar do acto, sob pena de se ver precludido tal direito. </font> </p><p><font>Com efeito, no caso em apreço não se trata de falta ou irregularidade de gravação, em consequência de deficiência técnica do equipamento sonoro, situação que a parte não tem possibilidade de sindicar, distintamente, o que se verifica é que não foram praticados quaisquer actos materiais correspondentes à gravação da prova.</font> </p><p><font>Assim, conclui-se, não se tratando de nulidade de conhecimento oficioso e tendo o Autor vindo a arguir tal nulidade após ter-se concluído o Julgamento e apenas em sede de alegações do recurso que veio a interpor da sentença proferida, é extemporânea tal arguição, nos termos do art.º 205º-n.º1 do Código de Processo Civil, encontrando-se sanada a nulidade. (v. no mesmo sentido Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no P.661/08.1 e P. 609/08.1).</font> </p><p><font>Nestes termos, não sendo já possível reapreciar a matéria de facto, mantendo-se esta, consequentemente, inalterada, improcede o recurso de Apelação do Autor”.</font> </p><p><font>3. Diremos – e com o muito devido respeito por entendimento diferente – que o acórdão recorrido demonstra claramente a falta de razão do recorrente, pelo que pouco mais haverá a dizer sobre a argumentação do recorrente, tendente a querer demonstrar o contrário. </font> </p><p><font>De qualquer forma, há aqui que acentuar o que dispõe o artigo 159º do CPC (serão deste diploma todos os artigos que referiremos sem menção da sua origem).</font> </p><p><font>Segundo o nº 1 deste preceito legal, “A realização e o conteúdo dos actos processuais presididos pelo juiz são documentados em acta, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido”.</font> </p><p><font>“A redacção da acta incumbe ao funcionário judicial, sob a direcção do juiz” – nº 2 do mesmo artigo.</font> </p><p><font>Ora, a assinatura de uma acta respeitante a qualquer acto presidido por um juiz tem garantida a fidelidade da reprodução de tudo o que nesse acto se passou através da assinatura do respectivo juiz (cfr. artigo 157º, nº 3, na redacção anterior à Reforma introduzida pelos DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e DL 180/96, de 25 de Setembro, onde se aludia à necessidade de se lavrar auto ou acta).</font> </p><p><font>Sendo assim, se uma acta não é fidedigna, ou seja, não reproduz correctamente tudo o que se passou, qualquer das partes ou o próprio juiz poderão (e deverão) tomar a iniciativa de providenciar pela correcção dessa mesma acta (cfr. artigo 159º, nº 3).</font> </p><p><font>Daqui decorre – e tal não é questionado nos presentes autos – que as actas de fls. 238 e 239 e 336, referentes a sessões de julgamento em que se procedeu a inquirição de testemunhas e de um perito, bem como a um aditamento à base instrutória e às alegações orais (as demais actas referentes à audiência de julgamento limitam-se a reproduzir adiamentos do julgamento), onde estiveram presentes os Senhores Advogados das partes, constituem a reprodução integral e correcta de tudo o que se passou nessas audiências.</font> </p><p><font>Logo, é ponto assente que estamos perante uma absoluta falta de gravação da audiência final, apesar de tal gravação ter sido requerida, por ambas as partes, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 512º.</font> </p><p><font>Aliás, “quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado no acto o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento” – artigo 522º, nº 2 (com o DL 303/2007, de 24 de Agosto, a este texto foi acrescentada a expressão “de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos”).</font> </p><p><font>A omissão de tal acto de gravação produziu uma nulidade, pois a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa – artigo 201º, nº 1.</font> </p><p><font>Tal nulidade nada tem a ver com a nulidade da sentença (ou do acórdão) a que o recorrente, indevidamente, alude (cfr. conclusões 28ª e 29ª, onde se faz referência ao artigo 668º, nº 1, d), do CPC, preceito que respeita a sentenças e a acórdãos e não a vícios processuais). </font> </p><p><font>No caso concreto, impossibilitou qualquer das partes de impugnar a decisão sobre a matéria de facto – cfr. artigos 690º-A e 712º, nºs 1, a), e 2.</font> </p><p><font>Só que há que atender ao preceituado no artigo 205º.</font> </p><p><font>Estando a parte presente, por si ou por mandatário, no momento em que a nulidade foi cometida – e já vimos que o mandatário do ora recorrente esteve presente nas sessões de julgamento –, a mesma podia ser arguida enquanto o acto não terminasse; se não estivesse presente, teria o prazo de 10 dias para tal arguição, a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte haja intervindo em algum acto praticado no processo ou haja sido notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – nº 1 do referido artigo e artigo 153º, nº 1.</font> </p><p><font>Daqui resulta que, tendo o Exmº Advogado do Autor estado presente
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> I - AA recorre, com base no artigo 763.º do Código de Processo Civil, para o pleno deste Supremo do Acórdão deste mesmo Tribunal de 10 de Novembro de 1992, proferido no processo n.º 82295, em recurso de revista, em que era recorrido BB. </font><br> <font>A recorrente invoca, como fundamento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 324, pp. 584 e seguintes, e Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117.º, pp. 61 e seguintes, e baseia-se em que, no domínio da mesma legislação, acerca da mesma questão fundamental de direito este Supremo assumiu soluções opostas: tratar-se-ia de saber, a propósito e no âmbito da acção de divórcio, se, saindo um dos cônjuges de casa onde ambos habitavam, o que fica e propõe acção de divórcio tem, para além daquele facto, ónus de prova de culpa do réu, ou se, pelo contrário, o que saiu tem ónus de prova de que agiu sem culpa. </font><br> <font>Em 15 de Junho, próximo passado, a 1.ª Secção deste Supremo proferiu, por unanimidade, o Acórdão a fls. 35 e 36, nos termos do artigo 766.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no sentido de que existe a oposição que serve de base a este recurso, que, assim, mandou prosseguir. </font><br> <font>A recorrente apresentou subsequentes alegações, concluindo (fls. 39 e seguintes): </font><br> <font>A) Ao contraírem casamento entre si, com vista à formação de uma comunhão plena da vida, nos termos do artigo 1577.º do Código Civil, os cônjuges ficam reciprocamente vinculados aos deveres conjugais, designadamente ao de coabitação, sendo normal que os cônjuges vivam um com o outro, adoptando a residência de família previamente fixada; </font><br> <font>B) Nos presentes autos, foi dado como provado que, após o casamento, autora e réu foram viver com os pais da primeira para Taboeira, Cantanhede, ou seja, que o lar conjugal foi fixado em casa dos sogros do recorrido, nada permitindo contrariar tal conclusão; </font><br> <font>C) O pedido de divórcio só pode proceder se se verificarem os diferentes requisitos do artigo 1799.º, n.º 1, do Código Civil, isto é: violação dos deveres conjugais culposa grave ou reiterada que comprometa a possibilidade de vida em comum; </font><br> <font>D) Foi dado como provado que o réu saiu, no dia de Páscoa de 1989, de casa dos sogros, onde vivia com a autora, e que, após essa data, lá não voltou; </font><br> <font>E) Assim, ao sair da residência previamente fixada, o recorrido não só violou o dever conjugal de coabitação como comprometeu definitivamente, a possibilidade de vida em comum, dado que não voltou àquela residência decorridos que estão mais de quatro anos, tendo, assim, eliminado qualquer convivência em comum; </font><br> <font>F) Antes de analisarmos a problemática da culpa importa, enquanto questão prévia, assentar que o casamento assume a natureza de contrato, pois resulta de duas declarações de vontade livremente expressas, contrapostas mas harmonizáveis, emitidas pelos nubentes, de quererem casar um com o outro; </font><br> <font>G) Nem a intervenção do Estado na respectiva celebração através da figura do oficial público, à semelhança do que acontece com o notário na outorga de escritura pública, afasta tal natureza jurídica do casamento, de acordo com o artigo 189.º, n.º 2, do Código do Registo Civil, o Estado não é parte no acto matrimonial, sendo testemunhal e proclamatória a intervenção do oficial público na sua realização; </font><br> <font>H) Nem a pré-fixação legal dos efeitos fundamentais do casamento altera tal natureza contratual, pois a sujeição a efeitos previamente fixados na lei verifica-se nos mais diversos tipos de contratos, designadamente o arrendamento, cujos direitos e obrigações dos contraentes, à semelhança do que acontece com o casamento, se prolongam e sofrem mutações legais no tempo sem que, por isso, deixe o mesmo de assumir natureza contratual; </font><br> <font>I) Ora, sendo o casamento um contrato, encontra-se sujeito ao regime jurídico do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, relativamente à prova da culpa no incumprimento contratual; </font><br> <font>J) Assim, é ao cônjuge infractor do dever conjugal, designadamente de coabitação, que cabe o ónus de demonstrar que agiu sem culpa, sob pena de, verificando-se os demais requisitos exigidos pelo artigo 1779.º, n.º 1, do Código Civil, dados como provados nos autos, se ter de dar como assente a culpa e, dessa forma, por reunião de todos os pressupostos, decretar-se o divórcio peticionado; </font><br> <font>L) Nem este entendimento comporta qualquer desrespeito pelo artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, cuja aplicação é aqui afastada pelo artigo 344.º, n.º 1, do mesmo diploma, já que, havendo presunção de culpa, esta tem de ser acatada; </font><br> <font>M) Mas ainda por outro fundamento, designadamente o artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, o divórcio deveria ter sido concedido; </font><br> <font>N) Na verdade, da aplicação desta norma resulta que é ao cônjuge que sai de casa que incumbe fazer a prova de circunstâncias justificativas da sua conduta violadora dos deveres conjugais, tornando este insusceptível de qualquer censura ou reprovação, na medida em tal facto é impeditivo do direito ao divórcio por parte do outro cônjuge, demonstração que, não logrando ser feita, deverá ter como consequência o divórcio peticionado; </font><br> <font>O) E a conclusão é ainda esta se atentarmos em que a prova de que o cônjuge infractor dos deveres conjugais actuou sem culpa se apresenta como demonstração da realidade de facto negativo, cuja prova é de muito maior dificuldade do que a de factos positivos, o que decorre do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil no que respeita às acções de declaração negativa, devendo assim, também sob esta perspectiva, o ónus da prova de inexistência de culpa por parte do cônjuge infractor recair sobre este e não sobre o outro; </font><br> <font>P) Assim, não tendo o recorrido, cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação, ilidido a presunção de culpa que sobre ele legalmente recaía, nem tão-pouco provado factos impeditivos do direito ao divórcio da requerente, que, por seu lado, provou todos os demais requisitos do mesmo direito, previstos no artigo 1779.º, n.º 1, do Código Civil, o douto acórdão recorrido deveria ter declarado dissolvido, por divórcio, o casamento entre a recorrente e o recorrido, pelo que deve o mesmo ser revogado e substituído por decisão nesse sentido, dado encontrarem-se violados, entre outros, os artigos 1577.º, 799.º, n.º 1, 342.º, n.º 2, e 344.º, n.º 1, do Código Civil, fixando-se, para tanto, assento que fixe a seguinte doutrina: o casamento não deixa de ser um contrato, à luz do artigo 1577.º do Código Civil; sendo um contrato, deve considerar-se submetido ao regime do artigo 799.º do Código Civil relativamente à prova da culpa; dado tratar-se de facto impeditivo do direito ao divórcio, é ao réu que incumbe fazer a prova de que, em face das circunstâncias verificadas, a sua conduta não é reprovável; porque a prova de factos negativos reveste sérias dificuldades, é mais curial que se faça incidir sobre o cônjuge infractor o ónus da prova da inexistência de culpa da sua parte. </font><br> <font>Não houve contra-alegações.</font><br> <font><br> O Ministério Público apresentou o douto parecer a fls. 47 e seguintes, terminando por propor a confirmação do acórdão recorrido e a formulação de assento onde se diga: </font><br> <font>O abandono do lar conjugal só fundamenta o divórcio quando não seja imputável ao abandonado, competindo a este, quando o invoca, a prova da exclusão de culpa sua. </font><br> <font>Foram proporcionados vistos a todos os Exmos. Conselheiros deste Supremo.<br> II - Visto o disposto no artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao tribunal pleno compete reapreciar, sendo caso disso, oficiosamente, a questão prévia da existência da oposição de acórdãos. </font><br> <font>Contudo, não valerá a pena dizer muito acerca desta questão.<br> Em rigor e ao contrário do que uma leitura apressada da lei poderia fazer crer, nem seria indispensável que, aqui e agora, algo explicitássemos sobre a existência de oposição de acórdãos. </font><br> <font>Com efeito, o que a lei (n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil) diz é que o acórdão da Secção a tal respeito não impede que o pleno decida em sentido contrário; o que vale por dizer que pode não fazer, necessariamente, caso julgado sequer formal. </font><br> <font>Mas isto só significa que o pleno pode pronunciar-se em sentido contrário e fazê-lo oficiosamente; não significativa que o pleno tenha de abordar a questão para dizer o mesmo que a Secção. </font><br> <font>Ou seja: o pleno pode nada dizer, explicitamente, sobre a existência da oposição de acórdãos e, sim, entrar a decidir tal oposição, assumindo, natural e implicitamente, que ela existe. </font><br> <font>Já o Prof. A. Reis, há meio século, ensinava isto (Anotado, VI, p. 311).<br> E tanto, afinal, significa que o Prof. A. Reis era mais simplificador do que pode parecer ou às vezes ainda pretende ver-se no que o eminente processualista legou à processualística deste país. </font><br> <font>O que é tão mais certo quanto confrontarmos o que o Prof. A. Reis inovou face à legislação que o precedeu. </font><br> <font>Só que os tempos mudaram e não surgiu outro reformador processual como aquele mestre, com as possibilidades - também há que reconhecê-lo - que o Prof. A. Reis teve há mais de 50 anos. </font><br> <font>E a prática acabou por tornar a dita questão prévia, ainda que concordante com a Secção, usual tema de acórdãos do pleno. </font><br> <font>Mas, há sempre um mas...</font><br> <font><br> Claro que há que entrar na questão prévia da oposição quando o pleno entenda diferentemente da Secção. </font><br> <font>E cremos que também convirá reflecti-la, ainda que brevemente, mesmo que em consonância com a Secção, quando algum aspecto do recurso justifique essa abordagem. </font><br> <font>Poderá ser o caso, pelo que diremos adiante.</font><br> <font><br> III - Decerto - já La Palice o diria - cada caso é um caso.</font><br> <font><br> Logo, por mais semelhantes que as problemáticas processuais se apresentem, de processo para processo há, sempre, nuances. </font><br> <font>E, portanto, é sempre possível encontrarem-se pontos de diferenciação entre dois casos, por mais sintonias que apresentem. </font><br> <font>Daí que relevem, para efeitos de oposição de acórdãos, não os aspectos marginais ou as «roupagens» casuísticas mas sim o entendimento - divergente - acerca da «mesma questão fundamental de direito», o que implica, como corolário natural, que o direito aplicado tenha sido, sobre essa «questão fundamental», nuclearmente o mesmo: artigo 763.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil. </font><br> <font>Isto explica e é conditio sine qua non do recurso para o pleno, que é um recurso atípico, ainda que, literalmente, referenciado como ordinário. E é atípico porque tem essa causa final específica e própria que é, na base do conflito da jurisprudência, a circunstância de se destinar à clarificação da jurisprudência, isto é, da interpretação jurisprudencial correcta de certa normatividade, com ou sem influência no caso concreto donde o recurso promana: artigo 768.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. </font><br> <font>IV - Este traço fundamental do que é um recurso para o pleno parece não ter sido apreendido pela recorrente, face à prolixidade das suas conclusões, basicamente viradas para a solução casuística do processo base, e não tanto para a clarificação da orientação jurisprudencial adequada. </font><br> <font>Claro que de um recurso para o pleno pode surgir uma orientação que leve a alterar o que in casu o próprio Supremo Tribunal de Justiça decidira. Mas quando issso aconteça, tal é apenas um corolário da opção jurídica assumida. </font><br> <font>O que está verdadeiramente em causa num recurso para o pleno é a definição da orientação interpretativa da lei vigente; não é a revisão do acórdão que constitui o suporte formal do recurso para o pleno, ainda que, repete-se, o assento possa repercutir-se no acórdão recorrido. </font><br> <font>Mas já não no acórdão fundamento, cujo trânsito se presume: artigo 763.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. </font><br> <font>E, a não ser assim, isto é, se os recursos para o pleno não tivessem como causa final a definição de orientação jurisprudencial firme, com algum grau de vinculação, constituiriam, absurdamente e apenas, mais um grau de jurisdição de certo caso, arrastando-o às vezes anos, em oposição àquilo que hoje é um desiderato claro da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a saber, a prolação da decisão, logo, a finalização processual «num prazo razoável» - artigo 6.º, n.º 1. </font><br> <font>Logo, a não ser assim, mais valia, pura e simplesmente, acabar, legislativamente, com todos os recursos para o pleno. </font><br> <font>V - Dir-se-ia que, afinal, estamos a perder tempo e espaço com estas considerações. </font><br> <font>E isso não seria verdade, pelo menos, por dois motivos.<br> Em primeiro lugar, limitamo-nos a clarificar a linha de rumo tão brevemente quanto possível. </font><br> <font>E, em segundo lugar, tudo isto explica que, sem ignorar, não vamos, todavia, discutir toda a problemática casuística que a recorrente inseriu nas suas conclusões, porque não estamos de jure, simplesmente, em mais um grau de jurisdição para revermos o acórdão recorrido. </font><br> <font>A linha de orientação é apenas esta:</font><br> <font><br> 1.º Assumirmos que existem, ou não, em acórdãos deste Supremo decisões divergentes, no âmbito da mesma legislação, «relativamente à mesma questão fundamental de direito»; </font><br> <font>2.º Se tal existe, definirmos, em termos claros de assento, qual é a interpretação da lei aplicável ao tipo concreto da situação controvertida; </font><br> <font>3.º Verificarmos se, face a tal assento e nessa medida exclusiva, o acórdão recorrido está em consonância. </font><br> <font>É face a isto que in casu convém clarificar, havendo oposição, qual é ela.<br> Face a isto e ao douto parecer do Ministério Público, clarifiquemos um pouco mais, procurando que dúvida não fique. </font><br> <font>VI - Quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento, aquele de 10 de Novembro de 1992 (recurso n.º 82295, da 1.ª Secção) e este de 17 de Fevereiro de 1983 (publicado no Boletim do Ministério de Justiça, n.º 324, p. 584, e na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117.º, p. 61), estavam em causa pedidos de divórcio; em ambos os casos um dos cônjuges deixou a casa onde vivia com quem casara; num e noutro caso pôs-se o problema nuclear de saber se o cônjuge que ficou e pediu o divórcio tinha ónus de prova de culpa do que saíra ou se, pelo contrário, o que saíra tinha ónus de prova de que o fizera sem culpa sua. </font><br> <font>No Acórdão de 17 de Fevereiro de 1983 entendeu-se que o cônjuge, digamos, abandonante tinha ónus de prova de ausência de sua culpa; no Acórdão de 10 de Novembro de 1992, partiu-se do entendimento de que o autor do pedido, na qualidade formal do abandonado, tinha ónus de prova de culpa do abandonante. </font><br> <font>A oposição é incontroversa, conforme, por unanimidade, decidiu a 1.ª Secção deste Supremo, pelo seu Acórdão de 15 de Junho próximo passado (fls. 35 e 36). </font><br> <font>Mas, nuclearmente, o problema não se põe em termos de ónus de prova ou de exclusão de culpa do formalmente abandonado como, literalmente e salvo o devido respeito, se poderia perspectivar face à proposta do Ministério Público (fl. 57). </font><br> <font>A culpa, ou exclusão de culpa, que se discute não é a, eventualmente, do abandonado - continuamos a dizer assim, para facilidade de expressão, embora, face à carga jurídica que o termo «abandono» e, portanto, os seus derivados podem ter, melhor fosse dizer «cônjuge que não deixa a casa onde o casal morava»; a culpa, ou exclusão da culpa, que se discute (e, portanto, o ónus da respectica prova) é a do abandonante. </font><br> <font>E, consequentemente, assumida a referenciada oposição de orientações jurisprudenciais, a pergunta para que temos de encontrar resposta útil é esta: saindo um dos cônjuges do local onde o casal morava e proposta contra ele acção de divórcio, para que a acção proceda, e além do mais que seja caso disso, o autor e abandonado tem ónus de prova de culpa do abandonante ou este tem ónus de prova de que abandonou sem culpa sua? </font><br> <font>Deve dizer-se que, não obstante a circunstância de a redacção do assento proposta pelo ilustre magistrado do Ministério Público poder, a nosso ver, desviar-se do ponto essencial do problema, a orientação que lhe subjaz, em termos concretos, não se afasta, na prática, da que entendemos que deve prevalecer. </font><br> <font>E, aliás, depois de um período de alguma hesitação, a jurisprudência tem sido suficientemente reflectora, como, aliás, a doutrina, da orientação adequada, que será vertida no assento final deste acórdão. Citamos, a título de exemplos e para além do próprio acórdão recorrido, os Acórdãos deste Supremo de 20 de Fevereiro de 1979 (Boletim do Ministério de Justiça, n.º 284, p. 204), de 7 de Dezembro de 1982 (Boletim do Ministério de Justiça, n.º 322, p. 348), de 3 de Dezembro de 1985 (Boletim do Ministério de Justiça, n.º 352, p. 362), de 10 de Dezembro de 1985 (Boletim do Ministério de Justiça, n.º 352, p. 366), de 10 de Janeiro de 1991 (Boletim do Ministério de Justiça, n.º 403, p. 432), e de 12 de Janeriro de 1993 (Coletânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, t. I, p. 20); bem como Prof. Pereira Coelho, exactamente em anotação ao acórdão fundamento (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117.º, pp. 64 e 91); Prof. Antunes Varela, Direito da Família, 2.ª ed., pp. 475-477; Profs. A. Varela e P. Lima, Anotado, II, 3.ª ed., p. 56. </font><br> <font>VII - Embora, naturalmente, nenhuma norma jurídica viva sozinha no mundo do direito e, portanto, haja uma interdisciplinaridade que deve levar a uma visão conjugada do sentido da ordem jurídica (artigo 9.º do Código Civil), a norma basicamente, aqui e agora, em causa é a do artigo 1779.º, n.º 1, do Código Civil; </font><br> <font>1 - Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum. </font><br> <font>2 -</font><br> <font>..<br> Note-se que o n.º 2 desse mesmo artigo 1779.º manda «tomar em conta», além do mais, «a culpa que possa ser imputada ao requerente», para efeitos do julgamento da «gravidade dos factos invocados», mas isto reporta-se, basicamente, ao comprometimento da possibilidade de vida em comum e ao alcance do artigo 1787.º do Código Civil, não colidindo com os pressupostos essenciais do divórcio litigioso, que se encontram no transcrito n.º 1 do artigo 1779.º </font><br> <font>Os deveres estão hoje, no seu núcleo essencial, explicitados pelo artigo 1672.º do Código Civil: respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. </font><br> <font>Ora, decerto, um cônjuge que deixe a casa de morada do casal objectivamente não age de acordo com a regra da coabitação. </font><br> <font>Só isso e independentemente do mais que o n.º 1 do artigo 1779.º do Código Civil indica como sine qua non para ser decretado o divórcio dispensará o cônjuge que não saiu da casa do casal e propõe contra o outro acção de divórcio de provar culpa do abandonante? </font><br> <font>À luz do direito constituído, que nos compete respeitar e interpretar, a resposta é negativa. </font><br> <font>VIII - Comecemos por verificar que estamos em pleno campo do divórcio sanção, e não tanto do divórcio remédio, ainda que um certo hibridismo da lei vigente não deixe de reflectir o comprometimento da vida conjugal, em segmento que valora o remédio para uma tal situação. Mas, não obstante isso, a lei vigente é bem clara ao evidenciar, como traço fundamental, nos casos do artigo 1779.º do Código Civil, o divórcio cuja raiz é uma sanção; e, mormente, no artigo 1781.º do mesmo Código situações que privilegiam o divórcio remédio (cf., v. g., Prof. A. Varela, Direito da Família, 2.ª ed., p. 468). </font><br> <font>Outrossim e relevantemente para efeitos da hipótese em apreço, a alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil permite fundamentar o divórcio em separação de facto por seis anos consecutivos (embora a culpa possa relevar nos termos e para efeitos dos artigos 1782.º e 1787.º do Código Civil); mas, quando se trata de divórcio na base do artigo 1779.º citado, a lei clarifica que a violação dos deveres conjugais, como o de coabitação, tem de ser culposa, como, aliás, é próprio de uma situação do tipo penalizador, divórcio sanção. </font><br> <font>Por outro lado e sendo certo que, para além da distinção que acaba de ser feita, na civilística portuguesa, a regra consiste na inexistência de responsabilidade objectiva (artigo 483.º do Código Civil), natural é que a utilização do termo «culposamente», constante do n.º 1 do artigo 1779.º do Código Civil, justifique uma atenção específica. </font><br> <font>Assim, todo o problema ora em apreço radica na culpa, enquanto factor sine qua non, conforme flui do já exposto, nos termos e nos limites do artigo 1779.º do Código Civil, para efeitos de divórcio litigioso na base dos pressupostos desse normativo. </font><br> <font>IX - Como se disse, não há que analisar, alínea a alínea, as prolixas conclusões da recorrente, por força do que também já se referenciou, a saber, o thema decidendum próprio deste recurso para o pleno tem como essência uma divergência interpretativa, jurisprudencialmente, da lei constituída acerca da questão fundamental de direito, que há que solucionar, optando pela interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça considera correcta, podendo daí resultar, ou não, alteração do acórdão recorrido. </font><br> <font>A construção da recorrente, invocando o acórdão fundamento, baseia-se em que o casamento é um contrato e, como tal, são-lhe aplicáveis as respectivas normas, designadamente a da presunção de culpa de quem cometa um ilícito contratual, face ao artigo 799.º do Código Civil. </font><br> <font>Logo, se um cônjuge deixa a casa conjugal, teria ónus de prova de que agira sem culpa. </font><br> <font>Salvo o devido respeito por outro entendimento, esta é uma visão demasiado apressada da lei e das instituições sócio-jurídicas. </font><br> <font>X - É certo que o artigo 1577.º do Código Civil diz que «casamento é o contrato [...]», logo, reporta-se à vertente contratual do casamento. </font><br> <font>Mas, para além de o próprio artigo 1577.º do Código Civil não dizer só isso (e ler uma parte apenas de uma norma, ou desinserida do contexto da ordem jurídica, não permite, normalmente, apreender-lhe o verdadeiro sentido), certo é que ler uma norma é uma coisa, apreender-lhe o sentido é outra. E do que se trata é de apreender o sentido conjugado de uma certa normatividade, na sua perspectiva lógica (artigo 9.º do Código Civil; v.g. Prof. Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado, II, p. 56). </font><br> <font>O que todo o artigo 1577.º do Código Civil diz é:</font><br> <font><br> Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código. </font><br> <font>Esta matéria do casamento é das que mais dividem as normatividades próprias de cada país e cada cultura. Aliás, culturas próximas da portuguesa começam por divergir acerca da própria existência de noção legal de casamento, como são os casos de italiana e da alemã (cf. Profs. P. Lima e A. Varela, Anotado, IV, 2.ª ed., p. 22). </font><br> <font>Apesar daquele conceito legal, é patente que a lei portuguesa não traz para o casamento toda a regulamentação contratual, isto é, toda a regulamentação geral dos contratos ou, especificamente, a que se reporta à prova de culpa. </font><br> <font>Basta, para tanto constatar, considerar que o Código Civil está, basicamente, dividido em «livros», um dos quais, o II, se reporta ao «Direito das obrigações» e nele, sim, genericamente, aos contratos; enquanto outro «livro» (IV) inclui o «Direito de família» e neste o título relativo ao casamento. </font><br> <font>Logo por aqui se vê que a lei constituída não quis trazer para o casamento, sem mais, a disciplina geral dos contratos. </font><br> <font>Aliás, o próprio artigo 1577.º do Código Civil é disto reflexo, não se limitando a dizer que o casamento é um contrato mas sim indo muito mais longe e entrando na essência do acto e da situação jurídica a que o acto dá origem. </font><br> <font>O designativo contrato aparece, assim, como o acto existencial que, juridicamente, traduz um acordo de vontades, baseado em duas declarações de vontade, distintas mas correspondentes e harmónias (v.g. Prof. A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2.ª ed., p. 197). </font><br> <font>Mas, para além disto, há tudo o mais para que logo o artigo 1577.º do Código Civil chama a atenção. </font><br> <font>Com efeito, o dito contrato funciona como o acto que reflecte um acordo de vontades de pessoas singulares de sexo diferente «que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida», nos termos das disposições do Código Civil. </font><br> <font>A essência desta realidade jurídica está, assim, na instituição familiar, que é a causa final daquele acordo. </font><br> <font>Logo, as regras próprias dos contratos só relevam na medida em que se reportam ao acto desencadeante daquela essência institucional e, mesmo aí, desde que não funcionem regras específicas e tendo sempre em mente a dita essência institucional. </font><br> <font>É preciso não confundir o acto cuja existência provoca uma situação jurídica matrimonial com tal situação consequente, sem deixar de ser verdade que, em português comum, tanto se pode chamar «casamento» à cerimónia por que se traduz o acordo de vontades, dito contrato, como à situação jurídico-matrimonial que daí decorre. </font><br> <font>XI - Portanto, num divórcio, mormente litigioso, à luz do artigo 1779.º do Código Civil, a essência da questão não está no acto contratual; está na instituição familiar, na «plena comunhão de vida», que constitui a raiz e a base da vida social, tal como é vivida no plano sócio-jurídico português, inclusive com dignidade constitucional (artigo 36.º, nº 1, da Constituição de 1976). </font><br> <font>Querer reduzir esta problemática à jurisdicidade contratual seria - ressalvando sempre o devido respeito pelo entendimento em contrário - tapar a floresta com a árvore da periferia, designadamente no plano grave, ainda que, às vezes, justificado, do divórcio litigioso tipo sanção e exactamente na vertente que, nesta perspectiva, atinge uma mais significativa importância, que é a da culpa. </font><br> <font>Um casamento não se confunde com uma compra e venda ou um comodato ou, mesmo, um arrendamento, ou outro tipo contratual. </font><br> <font>XII - Note-se que nisto nada há de antidivorcismo.<br> O divórcio é, quantas vezes, preferível à manutenção do nada que é um casamento irremediavelmente destruído dentro de si próprio. </font><br> <font>Ao intérprete e, mais, ao aplicador da lei, que é o juiz, o que compete é entender a lei que existe e que o vincula (artigo 206.º da Constituição), sem esquecer que a vida não é estática e que, portanto, a lei que dela retira a sua razão de ser também não pode ser imobilista. E, com a lei, a sua interpretação e a jurisprudência que «governa», enquanto aquela «reina» ou «preside», devem ter em conta os valores traduzidos pelo dever-ser que a norma encerra. Reflectindo este tipo de considerações e em frases plenamente actuais, o Prof. Cabral de Moncada acrescentava que o direito «carece de reformar-se permanentemente, acompanhando a evolução social» e que todo o direito é «pensamento ao serviço da vida» (ob. cit., pp. 157 e 76). </font><br> <font>Isto pode explicar, como flui do que já se expôs, que, ao longo dos anos, houvesse entendimentos diversos da lei; mas conforme também já se evidenciou, o sentido hoje prevalecente acerca do que é que está em causa e daí do que há que pensar sobre prova de culpa em acção de divórcio litigioso, ex vi do artigo 1779.º do Código Civil, claramente rejeita uma mecânica aplicação, neste âmbito, da regra contratual do artigo 799.º do Código Civil. </font><br> <font>De resto, se a opção fosse a contrária, então não se entenderia a razão que levaria a não aplicar, no regime de casamento, por exemplo, as regras contratuais gerais, designadamente relativas à resolução, ou à revogação, ou à denúncia unilateral -, assim como a modos do unilateral arbitrário repúdio romanista (v. g. França Pitão, Sobre o Divórcio, p. 9)! </font><br> <font>Em síntese, é seguro que nada implica, na lei vigente e no pensamento moderno sobre ela, que se aplique, no âmbito do artigo 1779.º do Código Civil, a regra contratual geral da presunção de culpa a que se reporta o artigo 799.º do mesmo Código. </font><br> <font>XIII - Isto posto, torna-se incontroverso que o regime do ónus da prova, neste tipo de acções baseadas no artigo 1779.º do Código Civil, há-de reger-se pelos princípios próprios das normas sobre direito probatório material. </font><br> <font>E tal significa, à luz do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, que o autor de uma tal acção de divórcio litigioso tem ónus da prova dos factos que correspondem à previsão legal em que se baseia a sua pretensão, quer sejam positivos quer sejam negativos (v. g. Prof. A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 455), e que, deste modo, são constitutivos do seu alegado direito ao divórcio. </font><br> <font>Ora - e aqui entramos na consequência final e incontroversa do raciocínio desenvolvido - o artigo 1779.º do Código Civil, para além do mais através do que condiciona o direito ao divórcio, não prescreve só a violação de deveres conjugais, como o dever de coabitação. Prescreve violação culposa. </font><br> <font>Ou, por outras palavras, não é só o acto formalmente infractor do dever conjugal que pode levar ao divórcio. </font><br> <font>Para tanto, quem o comete, quem por ele seja réu, tem de ter agido com culpa.<br> O que vale por dizer, em elementar lógica, que a culpa do cônjuge formalmente infractor é elemento constitutivo do alegado direito ao divórcio litigioso. </font><br> <font>Logo, os factos pertinentes são objecto de ónus de prova do autor.<br> Ou, dito de outro modo, o réu não tem ónus de prova de que agiu sem culpa. O autor, sim, tem ónus de prova de que o réu agiu culposamente. </font><br> <font>Nem poderia ser de outro modo, sob pena, quando assim não fosse, de se fechar os olhos à vida e aos valores concretos, quando é certo que o direito só tem sentido enquanto estiver em consonância com as realidades que são o dia-a-dia dos cidadãos que lhe devem obediência. </font><br> <font>Quantas vezes acontece que o cônjuge que deixa o lar conjugal o faz depois de esforços para ali se manter e apenas porque o que fica procedeu de forma a obrigar o outro a sair ou, mesmo, a fugir! </font><br> <font>Quem põe uma acção de divórcio litigioso e, para mais, divórcio basicamente sanção, à luz do direito constituído, tem ónus de prova não só da formal ilicitude do comportamento do réu como da culpa deste. </font><br> <font>XIV - Abramos, aqui, um pequeno parêntesis para referenciar que um outro problema, completamente diferente, consiste na valoração casuística dos factos tendentes ao apuramento, ou não, de culpa. </font><br> <font>Este é um tipo de problemas que sempre se porá enquanto a justiça concreta for feita por homens. </font><br> <font>Mas, de todo o modo, é algo que ultrapassa, abertamente, o thema decidendum, aqui e agora. </font><br> <font>Neste acórdão só havia - «só» há - que optar entre duas teses acerca do ónus de prova, no âmbito referenciado. </font><br> <font>XV - Face ao desenvolvimento que se expôs, é indubitável que o acórdão recorrido aplicou a doutrina que temos por correcta, considera</font><font>ndo, explicitamente, que o cônjuge autor tem ónus de prova de culpa do cônjuge abandonante. </font><br> <font>E, assim sendo, estamos em condições de concluir, acordando-se em negar provimento ao recurso. </font><br> <font>Formula-se o seguinte assento:</font><br> <font><br> No âmbito e para efeitos do n.º 1 do artigo 1779.º do Código Civil, o autor tem ónus da prova de culpa do cônjuge infractor do deve
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - AA e marido, BB, na qualidade de herdeiros de CC e de DD instauraram acção declarativa contra EE e mulher FF e GG pedindo “a condenação dos réus a reconhecerem que aqueles, enquanto sucessores da falecida CC e marido DD, adquiriram o prédio identificado no artigo 10.º da petição inicial por usucapião, que por essa forma lhes ficou a pertencer”.</font><br> <font>Alegaram, em síntese, que DD faleceu em 2003, no estado de casado e regime de comunhão geral com CC, que veio a falecer no dia 20 de Janeiro de 2006, tendo-lhes sucedido como única herdeira a A. AA. Mais alegaram que CC era filha de HH, a qual teve mais dois filhos, BB e II – pai do réu EE e da ré FF – , tendo falecido, no estado de viúva de JJ, no dia 21 de Novembro de 1938, sucedendo-lhe os ditos filhos BB, II e CC Alguns meses após a morte de HH os seus filhos procederam à partilha verbal de todo o acervo da herança, no qual se incluía um prédio urbano composto de rés-do-chão e 1º andar. Na partilha o prédio ficou a pertencer a CC, que em 27 de Janeiro de 1940 casou com DD, e na qual fixaram residência até aos últimos dias de vida de cada um deles. Nessa casa nasceu a A. AA que, após a morte dos pais, continuou a exercer sobre o dito prédio os mesmos actos que por aqueles foram exercidos.</font><br> <br> <font> Na contestação os Réus suscitaram a excepção dilatória do caso julgado, a pretexto de em acção tramitada no 2º Juízo do Tribunal da Guarda e decidida, com trânsito em julgado, em 2005, ter sido decretada a nulidade da partilha verbal e os aqui autores condenados a reconhecerem que tal prédio integra o acervo da herança aberta por óbito de HH. Impugnaram a alegada partilha verbal e a posse exclusiva dos AA. e dos pais destes.</font><br> <br> <font> Havida como improcedente a excepção dilatória do caso julgado, os RR. agravaram, mas a acção prosseguiu e, após completa tramitação, sentenciou-se a condenação dos Réus “a reconhecerem que os Autores, enquanto sucessores da falecida CC e marido, DD, adquiriram o prédio urbano composto de rés-do-chão e 1º andar (…), inscrito na matriz predial sob o n.º ....º.”.</font><br> <font> </font><br> <font>Os Réus apelaram. </font><br> <br> <font>A Relação negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença.</font><br> <br> <font> Os Réus pedem agora revista, insurgindo-se contra o julgado, nos termos que fizeram constar das conclusões da sua alegação, as saber:</font><br> <font>A - Está em causa a titularidade do direito de propriedade de um pequeno prédio urbano inscrito na matriz da Freguesia de Casal Cinza, concelho da Guarda, sob o artigo 598, anteriormente discutida entre as mesmas partes, que decidiu ser esse imóvel pertença do acervo hereditário de HH e que, na presente acção, se aponta para que o mesmo bem seja propriedade dos autores; </font><br> <font>B - Ficou provado que o prédio em questão era de HH, quando ela faleceu em 1938, a quem sucederam três filhos: II, EE e CC, os quais possuíram e coabitaram a casa, sendo que os irmãos CC e II viviam no 1.° andar e o rés-do-chão era ocupado pelo GG, que ali guardava vacas e cabras; </font><br> <font>C - Ficou provado que o GG e sua família foram para Moçambique mas, em 1965/1966, voltaram à "casa de sua mãe", onde viveram durante oito meses - casa onde conviviam com os irmãos, cunhados e primos; </font><br> <font>D - Em escritura pública, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, os autores declararam que em 1968 a casa ainda era de HH, a quem teriam comprado nessa data; </font><br> <font>E - Provado que a CC habitou a casa até que morreu em 2006 e que nela ainda conviveu com os irmãos em 1965, bem fundamentada e correcta foi a primeira decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, transitada em julgado, ao decidir que a questionada casa faz parte do acervo da herança de HH; </font><br> <font>F - Provou-se que os recorridos AA e marido vivem na cidade da Guarda há mais de 30 anos ... e nunca habitaram a casa, embora dela tenham feito algum uso, mas tanto eles como sua mãe, referida CC, usavam a casa na qualidade de herdeiros e com tolerância dos outros, sem que algum vez tivesse alegado e feito a prova do invocado título de posse (art. 1390.° do C. Civil); </font><br> <font>G - Desde que na primeira acção judicial que houve entre os mesmos litigantes, com o mesmo objecto, foi decidido, com trânsito em julgado, que a questionada casa, faz parte do acervo hereditário de HH, além de injustificada sempre será ineficaz uma decisão contraditória, nos precisos termos do art. 675.°, n.º 1 do C. P. Civil; </font><br> <font>H - Foram violadas as disposições legais citadas na presente alegação e a que com elas se relacionam</font><font>. </font><br> <br> <font> Os Recorridos responderam em apoio do decidido no acórdão impugnado.</font><br> <br> <br> <font> 2. - As </font><b><font>questões</font></b><font> a conhecer, como das transcritas conclusões emerge, reportam-se a saber se concorrem os requisitos da posse necessários ao reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião e se, na procedência da acção, o julgado contradiz, ofendendo--o, o caso julgado anteriormente formado sobre a decisão proferida em 2005.</font><br> <br> <font> 3. - Das Instâncias vem definitivamente fixada a seguinte </font><b><font>factualidade</font></b><font>:</font><br> <br> <font> - Correu temos, sob o n.º 63/2002, uma acção ordinária instaurada por EE, KK, FF e GG contra BB, AA, CC e DD, no qual os autores peticionavam a condenação dos réus (a) a reconhecerem o imóvel em causa (prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Casal de Cinza sob o artigo 598º) como um bem único e indiviso, pertencente ao acervo da herança aberta por óbito de HH e (b) a ver decretada a nulidade do instrumento público pelo qual os primeiros réus se propunham obter para si o referido imóvel, com todas as legais consequências, inclusive a da nulidade do registo;</font><br> <font> - Nessa acção, os réus contestaram e deduziram reconvenção, na qual peticionaram a condenação dos autores a reconhecerem os réus BB e mulher (AA) como donos e legítimos possuidores do mesmo prédio (prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Casal de Cinza sob o artigo 598º), por o terem adquirido por usucapião;</font><br> <font> - Julgada a causa, em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão transitado em julgado no dia 9/12/2005, julgou procedente o recurso, revogou a sentença proferida, julgou parcialmente procedente a acção e condenou os réus a reconhecerem que o prédio em causa (prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Casal de Cinza sob o artigo 598º) integra o acervo da herança aberta por óbito de HH, ordenando o cancelamento do registo originado pela escritura de justificação outorgada no dia 2/5/2001; julgou, ainda, improcedente a reconvenção, absolvendo os autores do pedido deduzido pelos réus GG e AA;</font><br> <font> - Não obstante a decisão proferida, o Tribunal da Relação de Coimbra, na fundamentação do acórdão, consignou que “... foi a ré CC e marido que provaram os factos constitutivos da usucapião e de poder adquirir para si o direito de propriedade com efeito retroagido ao início da posse. Todavia, não a invocaram, mas sempre podendo invocá-la a todo o tempo contra quem se arrogue ao domínio da casa.”;</font><br> <font> - Nessa acção foram julgados provados os seguintes factos:</font><br> <font> </font><font>- Por escritura pública de justificação notarial, outorgada no dia 2 de Maio de 2001, no Cartório Notarial da Guarda, BB e mulher, AA, declararam que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de vários prédios, entre eles o prédio urbano, composto de rés-do-chão e 1º andar, destinado a habitação, com a superfície coberta de 57 m2, com um pátio anexo, com a área de 96 m2, sito no lugar da ......., freguesia de Casal de Cinza, concelho da Guarda, que confronta de norte com a Rua, de sul e nascente com LL e de poente com MM, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 598º e omisso na Conservatória do Registo Predial da Guarda, prédio este que veio à posse dos justificantes por compra verbal feita no ano de 1968 a HH, posse que mantiveram desde então, sem interrupção, pacifica e publicamente, continua e de boa fé, com exclusão dos demais, à vista de todos e sem discussão nem oposição de ninguém, fruindo todas as utilidades possíveis, tendo-o adquirido por usucapião;</font><br> <font> - HH faleceu, intestada, no estado civil de viúva, na localidade de Gata, no dia 21 de Novembro de 1938;</font><br> <font> - Sucederam-lhe os filhos BB, falecido no dia 16/8/1989, II, falecido no dia 16/1/1969, sem descendentes, e CC, ainda viva;</font><br> <font> - Entre os bens que a falecida HH deixou constava o prédio referido;</font><br> <font> - O réu BB, filho de JJ e de NN, e a ré AA, filha de DD e de CC, contraíram casamento um com o outro no dia 26/1/1964;</font><br> <font> - À data da morte de HH a sua filha e ré CC era ainda solteira e vivia com a mãe, tendo ficado a viver na casa que fora da sua mãe, e aí continuou a habitar quando se casou;</font><br> <font> - Os réus BB e AA residem, há mais de 20 e até anos, na Guarda, ultimamente na Rua .....,.....,,,,,,,,;</font><br> <font> - Alguns meses após a morte de HH os seus filhos (CC, II e BB) procederam à partilha verbal de todo o acervo de bens deixado por óbito dos seus pais;</font><br> <font> - O prédio referido coube à ré CC;</font><br> <font> - Mais tarde, em 27/1/1940, a ré CC casou-se com o réu DD e ali estabeleceram a sua residência, onde têm vivido desde então, ininterruptamente, à vista de toda a gente, convictos de estarem a possuir coisa própria e de que com essa actuação não estarem a lesar os interesses de ninguém, tendo feito obras de manutenção, de conservação e inovações nessa casa, se oposição de ninguém, inclusive dos demais irmãos e dos próprios autores;</font><br> <font> - Ali nasceu a ré AA e com os pais viveu durante alguns anos;</font><br> <font> - Os réus BB e esposa AA têm registada a seu favor a aquisição por usucapião do prédio referido.</font><br> <font> </font><font>- DD faleceu no dia 23 de Setembro de 2003, no estado civil de casado em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens com CC, também conhecida por CC, tendo falecido sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado a suceder-lhe como únicos e universais herdeiros o seu cônjuge, CC, e a sua filha, AA, casada sob o regime de comunhão geral de bens com BB;</font><br> <font> - CC, também conhecida por CC, faleceu no dia 20 de Janeiro de 2006, no estado civil de viúva de DD, tendo falecido sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado a suceder-lhe como única e universal herdeira a sua filha, AA, casada sob o regime de comunhão geral de bens com BB;</font><br> <font> - Após a morte dos pais da autora (DD e de CC) têm sido os autores que têm vindo a praticar sobre o prédio em litígio (artigo 598º) os actos que anteriormente eram praticados pelos falecidos e nos mesmos termos por estes praticados.</font><br> <font> - Utilizando agora os autores essa casa para apoio a uma outra casa onde residem nas proximidades.</font><br> <font> - Nomeadamente, para ali recolherem o seu tractor e um veículo automóvel, batatas e lenha.</font><br> <font> - Para ali guardarem e manterem galinhas e coelhos.</font><br> <font> - Alguns meses após a morte da citada HH, os seus referidos filhos procederam à partilha verbal de todo o acervo de bens deixado por óbito daquela.</font><br> <font> - Nesse acervo de bens incluía-se o prédio urbano referido.</font><br> <font> - Tendo tal prédio ficado naquela partilha a pertencer à referida CC.</font><br> <font> - Mais tarde, em 27/1/1940, a referida CC casou com DD e ali estabeleceram a sua residência, onde viveram desde então e até à data da sua morte, durante mais de 60 anos.</font><br> <font> - À vista de toda a gente.</font><br> <font> - Convictos de estarem a possuir coisa própria e de que com essa actuação não estarem a lesar os interesses de ninguém.</font><br> <font> - Tendo feito obras de manutenção, de conservação e inovações nessa casa, sem oposição de ninguém, inclusive dos demais irmãos.</font><br> <font> - Ali nasceu a autora AA e viveu até que se casou com o autor.</font><br> <font> - Os Autores vivem na Guarda há mais de 30 anos.</font><br> <font> - O filho GG e a sua família foram para Moçambique.</font><br> <font> - Passaram cerca de 6 meses, em 1965/1966, vindos de Moçambique, na aldeia da Gata.</font><br> <font> - Na casa conviviam com os irmãos, cunhados e primos.</font><br> <font> - Na casa havia um banco na cozinha, conhecido como o banco do tio Manel.</font><br> <font> - Foram realizadas obras de conservação e melhoria.</font><br> <font> - Foi construída uma casa de banho, tendo parte dos azulejos dados pelo réu EE.</font><br> <font> - O telhado não foi recuperado.</font><br> <br> <br> <font> 4. Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - A posse e a usucapião.</font><br> <br> <font> Os Recorrentes, embora de forma vaga, põem em causa a existência de posse da CC, antecessora dos AA., como meio de aquisição por usucapião, a pretexto da falta de título, sendo precária a sua posse – apenas de compossuidora, como co-herdeira – e da ausência de inversão de título pelos AA., como continuadores dessa posse precária.</font><br> <br> <br> <font> Como bem notam os Recorridos, os Réus invocam factos que, embora alegados, não se encontram provados, designadamente os que na síntese conclusiva constituem as alíneas A) e B).</font><br> <br> <font> Na verdade, é completamente infundado afirmar que os filhos MM e EE possuíram e coabitaram a casa após a morte da mãe, HH, vivendo o MM, com a CC, no 1º andar, ocupando o GG o r/chão, ali guardando ou não cabras, bem como que o GG e família tenham voltado à “casa de sua mãe” e aí vivido em 1965/66.</font><br> <font> Quer-se crer que não seja dolosa a afirmação dos Recorrentes quando assim desprezam o resultado das respostas negativas aos quesitos 18, 19, 21 e 22, convicção ou, pelo menos, benefício da dúvida, que se deixa consignada para efeitos de não aplicação de sanção por litigância de má fé (art. 456º-2-b) CPC).</font><br> <br> <br> <font> Como retratam os factos provados, os pais da A., CC e DD viveram na casa desde 1940 até à data do respectivo óbito, em 2003 e 2006, à vista de todos, sem oposição, designadamente dos irmãos e cunhados, convictos de que dela eram donos e com tal agindo ao longo desses mais de 40 anos. </font><br> <font> Demonstrada, assim, à saciedade, a qualidade de possuidores dos pais da A., pois que sobre o prédio exerceram em efectividade os poderes materiais próprios do respectivo gozo, do mesmo passo que esse domínio de facto foi actuado como titulares do direito de propriedade. Numa palavra concorrem os elementos </font><i><font>corpus </font></i><font>e</font><i><font> animus</font></i><font>, integradores da figura jurídica da posse – art. 1251º C. Civil.</font><br> <font> Essa posse foi, seguramente, pacífica e pública – arts. 1261º e 1262º.</font><br> <font> Sem dúvida que não se está perante posse titulada pois que, como adquirido no processo, acaba por entroncar numa partilha inválida por vício de forma (art. 1259º C. Civil).</font><br> <br> <font> A este propósito, deve referir-se, tendo presente a alusão que os Recorrentes fazem à posse precária e ausência de inversão do título, o seguinte:</font><br> <br> <font>Diferentemente do que parece ser defendido pelos Recorrentes, não se está perante uma situação de oposição do direito de propriedade sobre o prédio (pelos AA.) contra alguém (os RR.) em cujo nome se possuía, invocando a figura da inversão do título de posse (art. 1265º C. Civil).</font><br> <font>O que ocorreu foi a celebração de uma partilha entre os vários interessados, inválida por vício de forma, ou seja, um negócio jurídico nulo em que os vários intervenientes transmitiram mútua e reciprocamente a sua composse, por forma a que cada um, perdendo a sua composse na respectiva quota ideal, passou a ter a posse exclusiva sobre os bens em que, então, se convencionou materializarem essa quota – arts. 1267º-1-c) e 1263º-b) C. Civil.</font><br> <font>A partir dessas recíprocas transmissões, se bem que inválidas, porque consensuais, não faz sentido falar-se em acto de oposição contra o transmitente voluntário (no mesmo sentido o ac. de 16/10/08 – proc. nº 2724/08, desta mesma Conferência). </font><br> <font> O início da posse da falecida CC conta-se, assim, desde o data do acordo/negócio inválido em que a transmissão se consumou – art. 1267º-2 -, ou seja, desde 1938 ou 1939.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> Depois, importa pôr em relevo, coisa que parece não ter sido ainda interiorizada pelos Recorrentes, que o que está em apreciação nesta acção, tal como configurada pelo pedido e causa de pedir, não é posse dos Autores e a aquisição do imóvel por eles por via de qualquer inversão do título de posse ou de acessão de posses.</font><br> <font> Com efeito, os AA. apresentam-se a pedir o reconhecimento do direito de propriedade “enquanto sucessores da falecida CC e DD”.</font><br> <font> O caso será de sucessão de posses, verificando-se a transferência da posse do autor da herança para o sucessor por mero efeito da lei, de sorte que, com a abertura da herança, a posse do </font><i><font>de cujus</font></i><font> continua no herdeiro desde o momento da morte, formando uma unidade, independentemente da apreensão material da coisa – art. 1255º C. Civil.</font><br> <font> Assim relevante é demonstrar a posse na titularidade do autor da herança, designadamente uma posse susceptível de conduzir à usucapião.</font><br> <br> <font> Ora, como se escreveu no citado acórdão de 16/10/08, a usucapião, tal como a ocupação e a acessão, é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade. Por isso, "o novo titular recebe o seu direito independentemente do direito do titular antigo. Em consequência, não lhe podem ser opostas as excepções de que seria passível o direito daquele titular" (OLIVEIRA ASCENÇÃO, "Direito Civil - REAIS", 5ª ed., 300).</font><br> <font> Invocada a usucapião, como forma de aquisição, justamente porque de aquisição originária se trata, irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam os vícios de natureza formal ou substancial.</font><br> <font>O que passa a relevar e a obter tutela jurídica é a realidade substancial sobre a qual incide a situação de posse em que se funda directa e imediatamente a usucapião, posse essa cujo conteúdo define o do direito adquirido, com absoluta independência relativamente aos direitos que antes da aquisição tenham incidido sobre a coisa. Assim, a invalidade formal decorrente da falta de escritura pública, como título válido para a partilha, afastando os efeitos da aquisição derivada, carece de potencialidade ou idoneidade para interferir na operância da invocada forma de aquisição originária do imóvel, tal como se mostra formulada e demonstrada (ac. da mesma conferência e relator de 27/6/06; no mesmo sentido, o ac. deste STJ de 19/10/04, Proc. 04A2988, </font><i><font>ITIJ</font></i><font>).</font><br> <br> <font>Deste modo, concorrendo, aferidos pelas características da posse, os requisitos da usucapião, os vícios anteriores não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes.</font><br> <br> <br> <font>Invocada como título de aquisição da propriedade a usucapião e provados os respectivos requisitos integradores, no caso a posse por 20 anos – arts. 1287º e 1296º C. Civil -, o direito não poderá deixar de ser reconhecido ao requerente.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> 4. 2. - Contradição de julgados.</font><br> <br> <font> Sustentam os Recorrentes a ineficácia da decisão por vir a contrariar o decidido na primeira acção entre os mesmos litigantes em que se decidiu que o imóvel “integra o acervo patrimonial da herança aberta por óbito de HH”.</font><br> <br> <br> <font> 4. 2. 1. - Dispõe a norma do n.º 1 do art. 675º CPC, invocado pelos Recorrentes, que “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”.</font><br> <font> </font><br> <font>Saber se duas decisões são contraditórias reconduz-se a averiguar se a segunda ofende o caso julgado formado pela primeira.</font><br> <font> </font><br> <font> No caso, a questão da identidade de acções encontra-se já resolvida pois que, arguida a excepção do caso julgado, a mesma foi julgada improcedente, decisão que foi impugnada, mediante o competente recurso de agravo, que não obteve provimento.</font><br> <br> <font> Essa decisão que, enquanto tal, os RR. não impugnaram, nem poderiam impugnar, é definitiva, porque irrecorrível, como, para os agravos continuados, é regra consagrada no n.º 2 do art-. 754º CPC.</font><br> <font>Com efeito, não lhe é aplicável o fundamento excepcional de admissibilidade de recurso contemplada no n.º 2 do art. 678º, pois que a admissibilidade do recurso fundada na violação do caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar anterior decisão transitada em julgado, violando-o, ela mesma (directamente), o que não acontece quando essa decisão tem por objecto a apreciação da excepção dilatória do caso julgado ou a sua violação por decisões proferidas como objecto do recurso (como sucede no caso).</font><br> <br> <font>Estando em causa a apreciação do concurso da excepção do caso julgado e seu efeito preclusivo sobre o prosseguimento da acção - que integra excepção dilatória (arts. 494º-i), e 497º CPC) -, pelas Instâncias, não cabe, do que for decidido, que nada aprecia e decide sobre o mérito nem define direitos das partes, regime de recurso diferente do contido na regra do n.º 1 do art. 678º.</font><br> <br> <br> <font> A norma do art. 675º-1 visa acautelar a produção de efeitos de uma decisão violadora do caso julgado, prevendo a declaração da sua eficácia no processo em que tenha sido proferida.</font><br> <font> Consequentemente, se neste mesmo processo já está definitivamente decidido não se verificar a excepção de caso julgado, isto é, não ocorrer com a procedência da pretensão formulada na acção ofensa do objecto da decisão anterior, parece evidente que deixa de ter cabimento a invocação preventiva de incompatibilidades ou contradições cuja inverificação já está decidida pela decisão de afastamento da excepção.</font><br> <font> De notar que reconhecer agora a contradição pretendida sob a perspectiva dos pressupostos da excepção traduzir-se-ia em desrespeitar a decisão proferida definitivamente pela Relação sobre a ausência de identidade de pretensões, repetição das causas e consequente contradição resultante da procedência dos pedidos. </font><br> <br> <br> <font> O que se pode colocar, e coloca, será, então, uma questão da violação do caso julgado pela decisão que se impugna e constitui objecto do recurso de revista.</font><br> <br> <br> <font> 4. 2. 2. – Nesse campo,</font><i><font> </font></i><font>apreciando, agora em concreto - como o fez a Relação após o conhecimento da excepção do caso julgado, objecto do agravo -, a existência de contradição entre as decisões, poderá acrescentar-se algo mais em convergência com o explanado.</font><br> <br> <font> Para além da falta de identidade entre as partes, causas de pedir e pedidos na acção n.º 63/2002 e na que ora se aprecia, como referido no acórdão impugnado em apreciação do agravo, pode ler-se no acórdão que decidiu aquele litígio: “(…) </font><i><font>Tal quer dizer que apenas os </font></i><font>(então) </font><i><font>RR. CC e marido poderiam deduzir com êxito o pedido reconvencional visando a condenação dos AA. a reconhecer que eles eram os donos e legítimos possuidores da casa por a terem adquirido por usucapião, apesar da falta de título para a posse em virtude de vício de forma da partilha extrajudicial. Todavia não o fizeram, E bastaria a estes invocar a seu favor a usucapião para improceder o pedido dos AA, como deveriam ser aqueles a outorgar na escritura de justificação</font></i><font>”; “(…) </font><i><font>foi a Ré CC e marido que provaram os factos constitutivos da usucapião e do poder de adquirir para si o direito de propriedade com efeito retroagido ao início da posse. Todavia não o fizeram, mas sempre podendo invocá-la a todo o tempo contra quem se arrogue o domínio da casa</font></i><font>”; “ </font><i><font>Sendo assim, a casa continua legalmente a integrar a herança aberta por óbito de HH, falecida em 1938, não se tendo apurado que outrem haja adquirido o domínio, apesar da posse boa para usucapião por parte da R. CC e marido, este enquanto vivo. Mas, como já se referiu, vedado está ao Tribunal conhecer oficiosamente da usucapião a favor daqueles</font></i><font>”.</font><br> <br> <br> <font>Vistas agora as coisas apenas na perspectiva do respeito pela autoridade do caso julgado, isto é, da aferição do âmbito e limites da decisão, ou seja, dos “termos em que se julga” - art. 673º CPC -, tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e sua eficácia passam pela interpretação da do conteúdo da sentença, nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.</font><br> <font> </font><br> <font> Com efeito, a decisão não é mais nem menos que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – os fundamentos - e aos quais se refere.</font><br> <font>Assim, bem pode considerar-se, com M. TEIXEIRA DE SOUSA (“Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 579/9), que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão".</font><br> <font>Dito de outro modo, agora com MANUEL DE ANDRADE (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pg. 324), “a extensão objectiva do caso julgado comede-se ainda – antes de mais nada – pelo próprio teor da decisão. Se ela não estatuir de modo exaustivo sobre a pretensão do autor (o</font><i><font> thema decidendum</font></i><font>), não excluindo portanto toda a possibilidade de uma outra decisão útil, essa pretensão poderá novamente ser deduzida em juízo”.</font><br> <br> <br> <font>Ora, os trechos transcritos do acórdão que apreciou e decidiu a anterior acção não deixam qualquer dúvida sobre a própria salvaguarda da possibilidade de invocação do direito de propriedade sobre o imóvel pela então Ré CC, aí reconhecida como titular de posse boa para aquisição por usucapião.</font><br> <br> <font>Deste modo, não só se não está perante decisões que tenham resolvido a mesma questão concreta, colocando-se numa situação de incompatibilidade ou contradição prática - pois que ninguém questiona que o prédio tenha pertencido à herança de HH -, como não há a menor situação de confiança invocável pelos Recorrentes (RR.) quanto aos direitos que a decisão anterior declarou, ressalvada que deixou expressamente a possibilidade de o direito vir a ser reconhecido à CC, se e quando formulasse a adequada pretensão judicial. </font><br> <br> <font>Não estão, consequentemente, em causa, nem o prestígio dos tribunais, nem a certeza e segurança jurídica, valores tutelados pelo caso julgado material. </font><br> <font> </font><br> <br> <font>4. 2. 3. - Os Recorridos-AA. vieram apenas exercitar o direito cujo reconhecimento a anterior decisão antecipava a CC, agora como seus sucessores e únicos herdeiros.</font><br> <font> </font><br> <font>Numa palavra, o decidido nestes autos em nada vai bulir com o caso julgado anteriormente formado, não colidindo com a regra da imodificabilidade da decisão transitada, que os Tribunais estão obrigados a acatar e respeitar, não a julgando de novo.</font><br> <br> <font>O direito reconhecido e declarado nesta acção, nos termos em que o foi quanto à questão de facto, pressupõe mesmo o que foi reconhecido e declarado na acção anterior, surgindo como sequencialmente ligado a ele (pertencer o bem à herança da HH e ter cabido em partilha à filha CC, que o possuiu até à morte).</font><br> <br> <font> Improcede, pois, a questão da alegada contradição de julgados.</font><br> <br> <br> <br> <font>5. - Decisão.</font><br> <br> <font>Em conformidade com quanto se deixou exposto, acorda-se em:</font><br> <font>- Negar a revista;</font><br> <font>- Confirmar o acórdão impugnado; e,</font><br> <font>- Condenar os Recorrentes nas custas.</font><br> <br> <br> <br> <b><font>Lisboa, 3 de Março de 2009 </font></b><br> <br> <br> <b><font>Alves Velho (Relator)</font></b><br> <b><font>Moreira Camilo</font></b><br> <b><font>Urbano Dias </font></b><b><font>(Voto de vencido)</font></b><font> </font><font>-Com todo o devido respeito, permitimo-nos discordar da tese consagrada no projecto que obteve vencimento.</font><br> <font> Em breves palavras, tentaremos explicar a razão do dissídio.</font><br> <font> Em causa está saber se a decisão impugnada não respeitou o anteriormente julgado noutra acção, tal-qualmente vem sendo defendido pelos RR.-recorrentes, </font><i><font>ab ovo ad mala</font></i><font>.</font><br> <font> Antes, porém, com vista a darmos resposta adequada ao problema, temos, em primeiro lugar, de nos interrogar, sobre se os recorrentes “deixaram cair o caso”, possibilitando a formação do caso julgado e, tornando-a, por isso mesmo, irrecorrível. Ou seja, se se formou caso julgado formal sobre a questão da eventual violação do caso julgado por parte da decisão que vem impugnada.</font><br> <font> É que se isso aconteceu, então, sim, a decisão tornou-se definitiva e não há razão para mais cogitações.</font><br> <font> À luz de um critério absolutamente rígido, poder-se-á defender tal. Com efeito, os recorrentes não vazaram, nas conclusões do recurso, de forma clara, à imagem e semelhança do que fizeram não só nos articulados como também no recurso de agravo para a Relação, nota de desacordo em relação a este ponto concreto de ofensa a caso julgado anteriormente por parte da decisão impugnada.</font><br> <font> Mas a ideia de ofensa ao caso julgado levada a cabo pela decisão aqui objecto de apreciação perpassa as conclusões da revista (certo que, na conclusão G, os recorrentes se referem mesmo a ofensa do caso julgado, embora para tirar efeitos algo diferentes, quais sejam os relativos à regra da prevalência do primeiro julgado em relação ao segundo, posto que ambos tenham transitado em julgado) e isso é, para nós, suficiente, para defendermos a apreciação da excepção, agora em termos definitivos.</font><br> <font> A nossa resposta à pergunta colocada não pode, pois, deixar de ser negativa. Daí sermos obrigados a avançar com a nossa ideia, com a nossa discordância.</font><br> <br> <font>Ultrapassado este pequeno problema, é altura de nos debruçarmos sobre o fundo do “nosso”caso.</font><br> <font>Temos por certo que a decisão que incida sobre caso julgado, ou seja, a decisão que trate de saber se determinada questão foi já julgada em termos definitivos numa outra acção, com respeito pelas exigências do artigo 498º do Código de Processo Civil (identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), admite sempre recurso para o Supremo.</font><br> <font>Trata-se de uma excepção à regra dos agravos continuados, como, aliás, tantas outras previstas no artigo 754º, nº 3, do Código de Processo Civil.</font><br> <font>O nº 2 do artigo 678º do mesmo diploma adjectivo, para onde, em parte, remete aquele primeiro dispositivo, é claro a este respeito:</font><br> <font>“Mas se tiver por fundamento … a ofensa de caso julgado, o recurso é sempre admissível, seja qual for o valor da causa”.</font><br> <i><font>Id est</font></i><font>, independentemente do valor da causa, é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando a questão a decidir seja precisamente a de saber se há ou não ofensa de caso julgado. </font><br> <font>A ofensa do caso julgado pressupõe que a decisão impugnada tenha contrariado outra decisão anterior já transitada em julgado (Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º, página 11).</font><br> <f
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b> <p><font>ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>AA S.A, com sede no Porto, incorporada por fusão em 2003, na sociedade BB – ... S.A, com sede em ..., ..., instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra CC, DD e EE, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre a construção levada a cabo pelos Réus, por via do instituto da acessão industrial imobiliária, nos termos do nº 3, do art. 1340º, do Código Civil, e os Réus obrigados a desocuparem a casa construída que ocupam ou quem esta ocupar, sita na ..., Rua ..., nº …, no Porto, totalmente livre de pessoas e bens, sob pena de serem condenados a ter que indemnizar a demandante em quantia a liquidar em sede de execução de sentença, e, por fim, autorizar a autora a proceder à demolição da área total da obra (cerca de 300 m2) construída pelos Réus.</font> </p><p><font>Alega em resumo que adquiriu, pelo preço de 350.000.000$00/1.745.792,64 €, à FF, o prédio misto de que esta era dona e legítima proprietária dominado «...», no qual, com a autorização da mesma congregação, os RR. edificaram construção destinada a servir de casa de guarda.</font> </p><p><font>E conforme o articulado, uma vez que a referida congregação transferiu toda a sua comunidade para Lamego, não ficando ninguém no convento, à excepção do guarda, ora 1º R. e da sua família os 2º e 3º RR. deixou de existir necessidade de guarda ou de casa destinada à habitação do mesmo, ficando a Autora mandatada para exigir a devolução do local ocupado pelos RR. ou aquisição das obras construídas, o que os demandados recusam, apesar da falta de título e sob pena de causarem à Autora enormes prejuízos por atrasos no desenvolvimento do projecto imobiliário previsto para o prédio com uma área total 18.158 m2 e, apesar do valor insignificante da construção levada a cabo pelos RR. numa área de 300 m2.</font> </p><p><font>Citados os RR. contestaram, arguindo a ilegitimidade da A. e impugnando em parte, a factualidade alegada por esta. Invocam ainda abuso de direito por parte da autora.</font> </p><p><font>Deduziram reconvenção pedindo que Réus/Reconvintes sejam reconhecidos como únicos e legítimos donos e proprietários da parcela de terreno em causa nestes autos, com a área de 300 m2, perfeitamente delimitada e murada, situada na extremidade do terreno da A., com entrada pela Rua ..., nº …, da freguesia de ..., Porto, decorrente do instituto de usucapião. Sem prescindir, e, subsidiariamente, pedem o seu reconhecimento como únicos e legítimos donos e proprietários da parcela de terreno identificada e em causa nesta acção, igualmente decorrente do instituto de acessão industrial imobiliária, contra o pagamento do correspondente valor do terreno à A., sempre inferior a 3.000.000$00, em qualquer dos casos a A. condenada a reconhecer os RR. como únicos e legítimos donos e proprietários da referida parcela de terreno, abstendo-se de qualquer outro acto turbador da legítima propriedade e posse dos RR. relativamente à mencionada parcela.</font> </p><p><font>Houve réplica e tréplica.</font> </p><p><font>Teve lugar, por falecimento da co-ré DD, a habilitação dos respectivos herdeiros.</font> </p><p><font>Decorridos demais trâmites, teve lugar a audiência de julgamento e proferida a sentença, após apelação, foi ordenada sua repetição para produção, nomeadamente, de prova pericial. </font> </p><p><font>Finda nova audiência, e, decidida a matéria de facto foi proferida sentença que julgou “</font><i><font>a presente acção procedente, condenando, consequentemente, os RR. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre a construção levada a cabo pelos RR. por via do instituto da acessão industrial imobiliária, nos termos do nº 3, do art. 1340º, do Código Civil, e os RR. obrigados a desocupar a casa construída que ocupam, por si ou outrem, sita na ..., Rua ..., nº …, no Porto, totalmente livre de pessoas e bens, sob pena de serem condenados a ter que indemnizar a A. em quantia a liquidar em sede de execução de sentença, e, por fim, autorizar a A. a proceder à demolição da área total da obra (cerca de 300 m2) construída pelos RR com obrigação de indemnizarem os RR no valor dessas obras ao tempo da incorporação , no montante de € 35.511,00 a actualizar, por referência ao ano de 1984, segundo os índices de preços no consumidor publicadas pelo Instituto Nacional de Estatísticas, até a data da presente sentença, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente sentença até efectivo e integral pagamento, mais julgando improcedente, por não provada, a reconvenção deduzida, absolvendo, em consequência a reconvinda dos pedidos a esse título formulados”.</font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Inconformados, dela recorreram os RR. CC e Outro mas viram sucumbir a apelação que foi julgada improcedente, confirmando a Relação do Porto a sentença recorrida.</font> </p><p><font>É deste acórdão que vem interposta pelos mesmos RR., a presente revista cuja alegação&nbsp; é finalizada pelas seguintes conclusões:</font> </p><p><i><font>QUANTO À PRIMEIRA QUESTÃO</font></i> </p><p><i><font>1 -Tendo em consideração a matéria das alíneas v), x) e z) dos factos assentes, o incumprido despacho de 0…., o disposto no CIC (Código da Igreja Católica) ou CDC (Código de Direito Canónico) – promulgado em 25/01/1983 e entrado em vigor em …, o Regime Concordatário estabelecido entre a República Portuguesa e a Santa Sé (de 1940), o referido no cân. 634 do CIC, o disposto no art° XIV dos decretos da Conferência Episcopal Portuguesa para a aplicação do novo CIC,</font></i> </p><p><i><font>2 - E sendo certo que os institutos religiosos gozam de personalidade canónica autónoma, decorrendo daí a sua capacidade económica, assistindo-lhes a faculdade, nomeadamente, de alienação dos seus bens temporais, </font></i> </p><p><i><font>3-O facto é que, para as alienações de valores superiores a Esc. 100.000.000$00 (à data da alienação dos imóveis em causa nos autos da assistente para a autora), actualmente de 300.000.000$00 (1.500.000,00 euros), sempre era (e é) necessária licença da Santa Sé, dada por escrito, especificando o acto concreto a que se destina, incluindo parecer dno respectivo Conselho e precedida de avaliação pericial e escrita (cfr., cân. 1291-1295 do CIC) – o que tudo era (à data da alienação) aplicável à assistente "Comunidade ...".</font></i> </p><p><i><font>4 - Em consequência, a credencial exibida aquando da escritura (acto alienante) é, portanto, insuficiente para os necessários poderes de representação e validade da emissão da respectiva declaração negocial.</font></i> </p><p><i><font>5 - No caso concreto, o notário público responsável pela outorga daquela escritura, teria sempre e em primeira linha de aferir da legitimidade do interveniente de direito canónico para o acto, devendo, nomeadamente, averiguar do respeito pelos controles canónicos e da validade da emissão da declaração negociai.</font></i> </p><p><i><font>6 - O que não foi feito, pelo que o negócio jurídico celebrado é ineficaz na ordem jurídica interna portuguesa, e portanto incapaz para a produção de efeitos civis, por nulidade absoluta</font></i> </p><p><i><font>7 - Tanto mais que o documento de fls. 189 não substitui tal licença nem foi feita prova de que tal documento tenha sido exibido ou arquivado no cartório notarial em causa. </font></i> </p><p><i><font>8 - O artigo 406° n° 2 do Código Civil nem se aplica aos casos de nulidade, nem se aplica à situação "sub judice" de ineficácia do negócio de compra e venda (cfr., ainda, o art° 286 do mesmo diploma).</font></i> </p><p><i><font>9 - Nos termos dos cânones 330 e sgs, especialmente os do 333° do CDC, do estipulado pela própria Conferência Episcopal Portuguesa (antes referido), do valor do negócio, e da falta de licenciamento pela Santa Sé, decorre que o negócio em causa é nulo, quer face à lei canónica quer face à lei civil.</font></i> </p><p><i><font>10 - É nos estatutos e na própria lei canónica que se estabelece não só quais os órgãos que representam a entidade assistente mas também o modo como se forma a sua vontade.</font></i> </p><p><i><font>11 - A vontade ou a declaração são, assim, imputáveis à pessoa colectiva, quando e só quando respeitem a lei e os Estatutos.</font></i> </p><p><i><font>12 - Faltando a aludida licença da Santa Sé, a assistente Comunidade não formou a sua vontade para validamente dispor do seu património.</font></i> </p><p><i><font>13 - Nos termos do art° 268° n°1, 245° e 246° do C. Civil, a declaração não produz qualquer efeito, pelo menos, em caso de falta de vontade.</font></i> </p><p><i><font>14 - Se a declaração negocial não é pronunciada por quem tem o poder de a emitir, a declaração negocial não pode ser imputada ao declarante.</font></i> </p><p><i><font>15 - Não tendo sido emitida a declaração negociai, com a referida licença, o negócio efectuado pela Assistente com a Autora não pode existir como sendo um negócio da Igreja.</font></i> </p><p><i><font>16 - E como tal é inexistente; e, sendo inexistente, não produz qualquer efeito; não existindo como negócio dela (inexistência, nulidade essencial, e não ineficácia, nulidade relativa).</font></i> </p><p><i><font>Acresce que,</font></i> </p><p><i><font>17 - Por força do art° 65°-A do CPC e do disposto no art° 8° n° 2 da Constituição, se o tratado internacional, a que o Estado Português se vinculou, determina e regula determinados pressupostos para que sejam válidos contratos relativos a imóveis, tal significa que a lei interna ordinária deve respeitar tal compromisso internacional, e ser consequentemente interpretada de harmonia com as implicações que dele resultam.</font></i> </p><p><i><font>18 - De acordo com a "Concordata" (designação do </font></i><i><u><font>tratado internacional </font></u></i><i><font>celebrado entre a Santa Sé e o Estado Português), este está obrigado a ter em conta o direito canónico às situações nele contempladas, ainda que, como no presente caso, através da jurisdição ou órgãos jurisdicionais estaduais (por força do citado art° 65º.A do CPC).</font></i> </p><p><i><font>19 - Nomeadamente, as disposições do CIC 1 CDC antes referidas.</font></i> </p><p><i><font>20 - Ao ter considerado válida e eficaz (designadamente quanto às partes dos presentes autos) a transmissão operada entre a comunidade das "...s" e a sociedade "AA" da denominada "...", violou a douta sentença recorrida o disposto no nos art°s 245, 246, 268 n° 1 e 286 do C. Civil, os cânones 330 e sgs (especialmente o 333), os cânones 638, 1291, 1295 e 1296 do CIC / CDC, o artigo 3° da Concordata, e o artigo 8° da Constituição da República Portuguesa.</font></i> </p><p><i><font>QUANTO À 2</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> QUESTÃO:</font></i> </p><p><i><font>21 - O direito de acessão imobiliária pertence, não à Autora, como ficou decidido, mas aos réus reconvintes (como se pretende seja decidido).</font></i> </p><p><i><font>22 - O prédio (parcela de terreno) de que os réus-reconvintes se referem no pedido subsidiário apresentado nestes autos, é constituído pela área de aproximadamente 300 m2 onde edificaram as suas habitações, e não a totalidade do imóvel de que a autora se arroga proprietária nestes autos.</font></i> </p><p><i><font>23 - Em tal prédio, a autorização da construção implicou a desanexação da parcela e, após tal desanexação e construção (devidamente licenciada pela C. M. P. ), a mesma passou a constituir um prédio distinto e uma nova unidade daquele de que fazia parte.</font></i> </p><p><i><font>24 - A isso leva a matéria de facto relevante, dada como provada a tal respeito e constante dos pontos 1, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 26, 29, 33, </font></i><i><u><font>36, </font></u></i><i><font>37, 40, 41, 42, 43, e 44 que aqui se dá como integrada e reproduzida.</font></i> </p><p><i><font>25 - Em consequência, estamos perante: (1) uma construção levada a cabo pelos réus, de boa fé, de forma pacífica, pública e autorizada (designadamente, pela então proprietária da ...); (2) construção essa no valor de 35.511,00 euros, reportada a 1984 (sujeita à actualização decretada na sentença sub judice); (3) edificada num terreno perfeitamente autonomizado, delimitado e separado da parte restante dessa quinta, confrontando com via pública e entrada completamente autonomizada; (4) terreno esse com o valor actual de: 300 m2 x 100 euro = 30.000 euros; (5) ou seja, de valor muito inferior ao da construção; (6) construção essa devidamente legalizada e licenciada pela C. M. Porto; (7) constituindo uma unidade económica autónoma.</font></i> </p><p><i><font>26 - Assim, só se pode concluir que: (1) não se verificam os pressupostos para que o direito de acessão imobiliária possa ser exercido pela sociedade autora; pelo contrário, (2) não só se verificam os requisitos para o direito da acessão imobiliária poder ser exercido pelos recorrentes; (3) como, também, esse desiderato não implica uma situação violadora das regras relativas ao fraccionamento de prédio ou às operações de loteamento urbano — cfr art° 1377º al. c/ do C. Civil e artº2º alínea a) do DL 448/91 de 29/11.</font></i> </p><p><i><font>27- A situação dos autos enquadra-se, na excepção ao licenciamento dos loteamentos prevista no art° 5° daquele diploma.</font></i> </p><p><i><font>28 - Pois que o destaque pode ser levado a cabo no perímetro urbano sem prévio licenciamento ou autorização desde que as duas parcelas dele resultantes confrontem com arruamentos públicos – como é o caso - e a construção erigida disponha de projecto aprovado pela câmara municipal – o que também acontece.</font></i> </p><p><i><font>29 - Do todo o exposto resulta, portanto, e ao invés da decisão sob recurso (que violou por erro de interpretação, o disposto nos citados preceitos e diplomas legais), a verificação dos requisitos para a aquisição por acessão por parte dos réus, já que da mesma não resulta a divisão ilegal do prédio dos autores, mormente, por violação de normas de carácter imperativo relativas ao loteamento ou destaques.</font></i> </p><p><i><font>Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que julgue no sentido defendido nos dois itens antecedentes.</font></i> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Corridos os vistos, cumpre apreciar.</font> </p><p><font>As questões da revista centram-se na nulidade do contrato de compra e venda da “...”, celebrado entre a A. e a interveniente, FF e no reconhecimento da aquisição do direito de propriedade, por acessão imobiliária que os RR reclamam.</font> </p><p><font>II.</font> </p><p><font>A - É a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:</font> </p><p><font>1 - Com data de 21 de Dezembro de 1999, mediante contrato que denominaram de promessa de compra e venda, tendo como 1.ª outorgante a FF, em nome desta foi prometido vender, o prédio misto, de que se intitulou dona e legitima proprietária, denominado de “...” também conhecido por “…”, sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho do Porto, descrito sob o nº …, e inscrito com o nº …, aí descrito como:</font> </p><p><font>a)casa de dois pavimentos, quintal dependências, sita na Rua ..., inscrita na respectiva matriz urbana sob o artº … e com o valor patrimonial de 5.247$00;</font> </p><p><font>b)casa de dois pavimentos, sita na Rua ..., inscrita na respectiva matriz urbana sob o artº … e com o valor patrimonial de 5.247$00;</font> </p><p><font>c)Casa de dois pavimentos e quintal, sita na Rua ..., inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artº … e com o valor patrimonial de 897.660$00;</font> </p><p><font>d)Aidos, galinheiros, terras de vinha, lavradio, horta, pomar, jardim, bouças com pinheiros e outras árvores, com águas de regras e mais pertenças, sita na Rua ..., inscrita na matriz predial rústica sob o artº … e com o valor patrimonial de 268.884$00 – doc. de fls. 17 a 21, aqui dado por integralmente reproduzido – al. A), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>2 - Com data de 21/7/2000, consta a fls. 23, cópia de missiva dirigida pela GG, Lda a referida congregação ao cuidado da Irmã HH, a indicar e nomear, nos termos da cl. 2.ª do contrato aludido em A), a A. como sociedade a outorgar na escritura definitiva do contrato prometido – doc. de fls. 23 e 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – al. B), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>3 - Por sua vez, a fls. 22, datada de 19/7/2000, consta cópia de aceitação de nomeação para outorga da escritura do contrato, dirigida pela A. à identificada congregação – doc. esse que igualmente aqui se dá por reproduzido – al. C), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>4 - Com data de 27 de Julho de 2000, foi celebrada entre a referida congregação religiosa, representada pela Irmã HH, e a A., escritura pública, no 1º Cartório Notarial de ..., em que aquela declara vender a esta o prédio mencionado em A), pelo preço de 350.000.000$00 – doc. de fls. 26 a 30, aqui dado por reproduzido – al. D), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>5 - Em 28 de Junho de 1982, a comunidade das Irmãs FF &nbsp;apresentou na Câmara Municipal do Porto, na qualidade de proprietária da “...” um projecto para a construção de uma habitação destinada ao guarda – doc. de fls. 31 e 32, aqui dado por reproduzido – al. E), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>6 - O projecto veio a ser deferido e deu origem à emissão pela Câmara Municipal do Porto, do Alvará de Licença de Obras n.º … – al. F), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>7 - Em 31 de Agosto de 1984, as representantes da congregação das FF em Portugal assinaram a declaração de compromisso de fls. 19/20 com os Réus, mediante a qual, estes, comprometeram-se e declarar que são os únicos responsáveis pela construção de um prédio destinado à casa do guarda da comunidade da dita congregação a levar a efeito nos termos do Alvará de Licença de obras referido em E) – al. G), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>8 - Nos termos da cláusula 2ª da declaração de compromisso referida em F), os Réus comprometeram-se, a expensas suas, a realizar a dita construção mas apenas e exclusivamente na pequena parte do terreno destinada a esse efeito – al. H), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>9 - Ainda segundo a cláusula 10ª da mesma declaração, os pisos só poderiam ser ocupados pelos Réus ou seus directos familiares e nunca por estranhos, comprometendo-se ainda a não darem outro destino ao prédio – al. I), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>10 - A construção da casa referida em D) ficou sob a inteira responsabilidade dos Réus – al. J), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>11 - A obra foi embargada pelos serviços da Câmara Municipal do Porto segundo informação de 21/05/1985 – doc. de fls. 34 e 35, aqui dado por reproduzido – al. L), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>12 - Tendo a referida Congregação religiosa apresentado na Câmara Municipal do Porto projecto de legalização – doc. de fls. 36 e 37, aqui dado por reproduzido – al. M), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>13 - Bem como a alteração ao projecto referido em E), requerendo que o prédio passasse a ser composto por dois corpos, sendo que o 1º teria dois pisos, destinados à casa de guarda do Mosteiro e o 2º corpo, igualmente com dois pisos, para fins de ocupação de tempos livres, providos de sanitários e logradouro para recreio descoberto – doc. de fls. 38 e 39, aqui dado por reproduzido – al. N), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>14 - Os técnicos deram a sua conformidade ao projecto e assinaram o termo de responsabilidade de acordo com essas alterações que apresentaram na C. M. do Porto em 18/03/1987 – doc. de fls. 41/42, aqui dado por reproduzido – al. O), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>15 - Em 14/09/1987, a Comunidade das Irmãs FF solicitou a prorrogação da licença de construção por mais 365 dias – doc. de fls. 47, aqui dado por reproduzido – al. P), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>16 - Dá-se aqui por reproduzido o teor dos docs. juntos de fls. 43 a 46 – al. Q), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>17 - Pedido que foi deferido em 28/10/1987 e autorizada a construção até à data de 19/09/1988 – doc. de fls. 48, aqui dado por reproduzido – al. R), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>18 - Na cl. 5.ª, ponto 2, do contrato aludido em A), consignou-se que “as primeiras outorgantes a segunda outorgante para negociar com os referidos CC, mulher e filho a devolução do local que ocupam ou a sua aquisição” – al. S), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>19 - A construção referida em D), levada a cabo pelos Réus ocupa uma área de 300 m2, num prédio de 18.158 m2, tendo entrada pela Rua ..., …, freguesia de ..., concelho do Porto – al. T), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>20 – A A. pretende urbanizar o prédio referido em A)– al. U), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>21 - Da credencial, cuja cópia se encontra junta a fls. 150, fez saber o seu subscritor que a comunidade das FF é representada pela Irmã HH, com poderes, entre o mais, para celebrar o contrato promessa de compra e venda e respectiva escritura atinente ao imóvel id. em A) – doc. esse que aqui se dá por integralmente reproduzido – al. V), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>22 - Por sua vez, a fls. 190, consta cópia de uma comunicação, tendo como subscritor o Sr. Arcebispo-Bispo do Porto, de não oposição à supressão da ... e inexistência de objecção à alienação do Mosteiro – al. X), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>23 - Por último, resulta dos docs. de fls. 271/272, que a congregação II e JJ, ouvido o parecer do Ordinário do Lugar, autoriza a trasladação do Mosteiro e respectiva alienação conforme pedido formulado – al. Z), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>24 - O consentimento dado pelas Irmãs FF para a construção da casa referida em D) foi para que a mesma se destinasse exclusivamente a casa do guarda da Quinta – resposta à matéria do art. 1.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>25 - As quais só negociaram a autorização da construção nessa condição e com esse fim determinado de habitação do guarda da congregação religiosa – resposta à matéria do art. 2.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>26 - Em consequência do embargo referido em L), da matéria de facto assente, as obras ficaram suspensas, tendo sido apresentado projecto de legalização, que veio a ser deferido – resposta à matéria do art. 3.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>27 - Quando FF em Portugal venderam a “...” e transferiram toda a sua congregação para a cidade de Lamego, não ficou ninguém no convento nem no prédio, à excepção do guarda ( 1º Réu ) e da sua família ( 2º e 3º Réus ) – resposta à matéria do art. 4.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>28 - Tendo assim deixado de existir necessidade de um guarda ou de uma casa destinada à habitação do mesmo – resposta à matéria do art. 5.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>29 – Nunca chegou a existir casa social para ocupação de tempos livres – resposta à matéria do art. 6.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>30 – À data de 18.01.08, os Réus habitavam o prédio em questão há mais de 18 anos – resposta à matéria do art. 7.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>31 - Os Réus, já antes mesmo de 1982, prestavam serviços à comunidade religiosa “FF em Portugal”, concretamente de reparação dos muros que delimitavam a Quinta, de pichelaria e outros arranjos ligados à construção civil – resposta à matéria dos arts. 8.º e 9.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>32 - Tais serviços eram realizados sem a real contrapartida económica – resposta à matéria do art. 10.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>33 - A dita parcela ocupada pelos RR. foi e ficou totalmente delimitada, na parte em que tal não ocorria, com a construção, aí, do referido edifício – resposta à matéria dos arts. 14.º e 15.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>34 - Os Réus continuaram a prestar serviços de construção civil e pichelaria, compensando-os a Comunidade com produtos da Quinta - – resposta à matéria do art. 17.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>35 – Os RR. procederam a reparações/arranjos do muro que delimita a Quinta – resposta à matéria do art. 18.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>36 - Tendo por referência o ano de 1984, o valor do custo de construção estimado como gasto pelos RR. é de €35.511,00 – resposta à matéria do art. 20.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>37 – A parcela referida na al. G), da matéria de facto assente, desde a ocupação pelos Réus, encontra-se totalmente delimitada, em parte, através de muros altos – resposta à matéria dos arts. 21.º/31.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>38 - Os Réus foram usando e fruindo a parcela em questão aí instalando as respectivas habitações – resposta à matéria do art. 22.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>39 – Com os RR. passaram a viver os seus familiares mais próximos (filhos) – resposta à matéria do art. 23.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>40 – A ocupação da referida parcela pelos RR. foi feita à vista de todos, sem interrupção, inclusive da Comunidade Religiosa com quem mantinham um relacionamento estreito, ocupando e fruindo o prédio, colhendo os seus frutos, habitando-o e utilizando-o – resposta à matéria dos arts. 24.º e 25.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>41 - No ano de 1982, foi apresentado, para efeitos de construção da edificação pretendida, o respectivo pedido na Câmara – resposta à matéria do art. 26.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>42 – A Comunidade formalizava junto da edilidade do Porto os requerimentos necessários à realização da obra – resposta à matéria do art. 28.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>43 – O valor do terreno é de €100,00/m2 - – resposta à matéria do art. 32.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>44 - Relativamente ao referido na al. U), da matéria de facto assente, o projecto é susceptível de ser reformulado, caso a parcela de terreno em causa tenha de ser dele excluída – resposta à matéria do art. 33.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>45 - Na área ocupada pelo armazém está previsto a implantação de parte do lote 3 e na parte ocupada pelas habitações está previsto um arranjo urbanístico – resposta à matéria do art. 34.º, da base instrutória.</font> </p><p><font>46 - Os Réus, em 1992, propuseram à Comunidade deixar livre e devoluto o prédio recebendo o dinheiro das obras, calculadas ao tempo da incorporação ou, os RR. comprariam à Comunidade o terreno onde tal construção se encontrava implantada – resposta à matéria do art. 35.º, da base instrutória (cfr. Fls. 1085).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>B - As conclusões dos recursos delimitam o âmbito da sua apreciação - conforme decorre do disposto nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do Código de Processo Civil - pelo que, exceptuando as questões de conhecimento oficioso, apenas cabe conhecer das questões contidas nessas mesmas conclusões, e que devem ser apreciados pela ordem da sua interposição.</font> </p><p><font>&nbsp; B1 - Insurgem-se os RR. recorrentes contra a sentença que julgou improcedente a reconvenção, insistindo, desde logo, na invalidade do contrato de compra e venda do prédio denominado “...” que a A. celebrou com a FF, através de escritura pública de 27 de Julho de 2000. Como fundamento, alegam em resumo que a aludida transmissão, atento o valor pecuniário envolvido, carecia de licença da Santa Sé, e sem ela, não se chegando a formar a vontade da instituição vendedora, o contrato é nulo, devendo ser dado sem efeito.</font> </p><p><font>Vejamos:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>B1 - Na Igreja, além de pessoas físicas, há também pessoas jurídicas que são “sujeitos em direito canónico de obrigações ou de direitos consentâneos com a sua índole”- Cân. 113, §2 do Código de Direito Canónico(1983).</font> </p><p><font>A Congregação acima identificada constitui uma pessoa jurídica pública, integrante de um instituto religioso de vida consagrada e como tal&nbsp; os seus bens são eclesiásticos e estão sob a gestão da Igreja, regendo-se a sua disposição pelo direito canónico e pelos estatutos da instituição – cfr Can. 607, §2 e 1257, §1 do citado Código. E, em princípio, tem capacidade para adquirir e alienar bens temporais, a não ser que nas constituições esta capacidade se exclua ou coarcte. </font> </p><p><font>Ora, para a validade de uma alienação e de qualquer negócio em que a condição patrimonial da pessoa jurídica se possa tornar pior, requer-se licença dada por escrito pelo Superior competente com o consentimento de seu conselho. Se contudo se tratar de um negócio que exceda a soma determinada pela Santa Sé para cada região…requer-se também licença da mesma Santa Sé – cfr Can.634, §1 e 638, §3 daquele diploma.</font> </p><p><font>Compete à Conferência Episcopal Portuguesa fixar e actualizar os quantitativos referentes a actos de administração extraordinária em que se inclui, vg, a alienação de bens imóveis e dos quais depende o seu licenciamento e a necessidade de intervenção das entidades com poder para o conceder.</font> </p><p><font>À data da escritura pública – 27.07.2000 – a alienação de “bens de património estável” de valor igual ou superior a 300.000.000$00 estava sujeita a licença da Santa Sé, como decorria do Decreto daquela Conferência de 3.09.1990, actualizado hoje para 1.500.000€ pelo Decreto de 7.05.2002 (cfr Lúmen, nº3, 2002).</font> </p><p><font>O valor da transmissão do imóvel aqui em questão é bem superior àquele limite fixado pela CEP pelo que, não há dúvida, se tornava necessária a licença de Roma, como insistem os Recorrentes.</font> </p><p><font>Ora, sendo necessária tal licença, é &nbsp;evidente que, na sua falta,&nbsp; não havia senão que concordar com os Recorrentes quanto à sua consequência jurídica: a alienante do imóvel não tinha capacidade para dele dispor, dependendo a validade da formação de sua declaração negocial da concessão dessa mesma licença.</font> </p><p><font>Sucede, porém que, ao contrário do que os Recorrentes insistem em propalar ela consta dos autos, como resulta do ponto nº 23 da matéria de facto acima enunciada, onde se lê: “Por último, resulta dos docs. de fls. 271/272, que a Congregação IIe JJ, ouvido o parecer do Ordinário do Lugar, autoriza a trasladação do Mosteiro e respectiva alienação, conforme pedido formulado”&nbsp; que constituiu a al. Z), da matéria de facto assente.</font> </p><p><font>Como se pode ler na respectiva página, na </font><i><font>internet,</font></i><font> o Sumo Pontífice vale-se dos dicastérios da Cúria Romana para exercer seu poder supremo, pleno e imediato sobre a igreja universal pelo que estes organismos que a integram é, em nome e com a autoridade dele, que exercem seu ofício. Assim sucede com as Congregações, em especial no que, ora, interessa, com a que se ocupa dos Institutos da Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, isto é, de tudo o que pertence </font><i><font>às Ordens e Congregações Religiosas, masculinas ou femininas, institutos seculares e sociedades de vida apostólica quanto aos regimes, disciplina, estudos, bens, direitos e privilégios.</font></i> </p><p><font>Não restam, pois, dúvidas quanto à autorização da alienação pela Cúria Romana, contida nos documentos a que se faz referência pelo que não tem fundamento a pretensa ineficácia da venda da ..., alegada pelos Recorrentes.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;B2 – Resta tratar da verificação dos requisitos para a aquisição, por acessão imobiliária, do direito de propriedade invocado pelos Recorrentes e do eventual fraccionamento ilegal do prédio que dela pode advir, por violação de normas de carácter imperativo relativas ao loteamentos urbano, como se entendeu nas instâncias.</font> </p><p><font>&nbsp;Do disposto no artigo 1340º do CC resulta que são requisitos substantivos da acessão industrial imobiliária, no caso que nos ocupa:</font> </p><p><font>a) a incorporação da construção em terreno alheio,</font> </p><p><font>b) com materiais pertencentes ao seu autor;</font> </p><p><font>c) de boa fé;</font> </p><p><font>d) e que o valor trazido pelas obras ao prédio seja maior do que o valor que este tinha antes.</font> </p><p><font>Estes requisitos são cumulativos.</font> </p><p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1. Relatório.<br> O Dr. A e B, de nome artístico, ...., interpuseram recurso para o Tribunal Pleno, do acórdão de 15 de Junho de 1994 da 1. secção cível deste Supremo proferido no agravo n. 85720 porque entendem estar em oposição com o acórdão do mesmo Tribunal de 27 de Fevereiro de 1992 publicado no Boletim do Ministério da Justiça 404-390, relativamente à mesma questão fundamental de direito.<br> Admitido o recurso, vieram alegar que, enquanto o acórdão fundamento defendera que a apreciação da legitimidade das partes à luz do artigo 26 do Código de Processo Civil se tem de fazer em função da relação jurídica controvertida tal como ela emerge das afirmações do autor e do réu, o acórdão recorrido decidiu que essa legitimidade se deve aferir pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor.<br> Terminam por concluir que existe oposição justificativa do prosseguimento do processo.<br> A parte contrária, Sociedade Portuguesa de Autores - SPA, Cooperativa de Responsabilidade Limitada, contra-alegou contrariando essa posição.<br> Corridos os vistos legais, cumpre decidir.<br> 2. Fundamentos.<br> O artigo 763 do Código de Processo Civil, permite a interposição para o Tribunal Pleno, de recurso de um acórdão do Supremo que, relativamente à mesma questão fundamental de direito consagre solução oposta à de outro acórdão deste Tribunal já transitado em julgado.<br> O êxito deste recurso exige a verificação de um conjunto de pressupostos que, acompanhando a melhor doutrina e jurisprudência se poderão caracterizar como segue:<br> Uns, de natureza substancial: a) - soluções opostas entre dois acórdãos relativamente às respectivas decisões e não aos seus fundamentos, muito menos quando estes não sejam decisivos para a solução do pleito; b) - que tais decisões sejam expressas e não meramente implícitas; c) - subjacente, a mesma questão fundamental de direito que compreende identidade da norma jurídica interpretada e aplicada a situações de facto nuclearmente semelhantes, embora não necessariamente coincidentes em todo o pormenor, ou, dizendo de outro modo, quando a norma aplicada às duas situações tenha sido interpretada de formas divergente, sendo certo que estas, observadas nos seus traços fundamentais, devessem merecer o mesmo tratamento; d) - que essa oposição ocorra no domínio da mesma legislação.<br> Como pressupostos de ordem processual avultam: e) - que a divergência deve constar de dois acórdãos, o primeiro dos quais transitado em julgado; f) - que eles tenham sido proferidos em processos diferentes ou em incidentes diferentes do mesmo processo.<br> É em face deste condicionalismo que se impõe conhecer da pretendida oposição, afastando desde já a apreciação dos pressupostos das alíneas b), d), e) e f), por existentes no caso dos autos.<br> Mas será que estão em causa decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito?<br> Não há dúvida de que nos dois acórdãos, se apreciou idêntica norma jurídica - a do artigo 26 do Código de Processo Civil - de modo divergente (sem que tenha relevância de maior a diferente posição que as partes assumiram - de autor ou de réu, ou o diverso resultado a que se chegou - parte legítima ou ilegítima).<br> Assim, enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o interesse directo em contradizer por parte da ré, se havia de determinar no processo face às afirmações de ambos os litigantes e ela era parte ilegítima; no acórdão recorrido sustentou-se que o interesse em demandar da autora demonstrativo, ao contrário, da sua legitimidade, bastava que resultasse de ela se apresentar como titular da relação jurídica controvertida, tal como a configurava. Em resumo estão aqui confrontadas as teses inconciliáveis de dois expoentes da nossa doutrina processualística civil, J. Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães.<br> Mas estas considerações, como se viu, não bastam, pois há que indagar se as situações de facto a que veio a ser aplicada esta norma diversamente interpretada, são idênticas de molde a poder entender-se que os dois acórdãos chegaram a decisões opostas, quando o certo é que essas situações deveriam merecer o mesmo tratamento.<br> Nesta matéria, o acórdão fundamento equaciona o seguinte quadro:<br> Numerosos autores, como trabalhadores, intentaram acção emergente de contrato individual de trabalho contra a QUIMIGAL de Portugal EP, pedindo que esta fosse condenada a tratá-los como seus reformados e ainda a pagar a cada um, uma indemnização.<br> Alegam que trabalharam para a Companhia União Fabril (CUF) até que em 1972, o "grupo económico" desta, em 1972, criou a Companhia Portuguesa de Montagens - MONPOR SA para a qual foi transferida a actividade de montagens industriais e onde passaram a trabalhar. Em<br> 1975 a CUF foi nacionalizada e os bens foram transferidos em 1978 com os de outras empresas, para a QUIMIGAL a qual se obrigou a respeitar todos os compromissos a que a CUF estava vinculada para com a<br> MONPOR. Esta foi à falência. Como a QUIMIGAL e a MONPOR publicaram textos diferentes sobre pensões de reforma e outros subsídios, pretendem que lhes seja aplicável o regime da QUIMIGAL por ser mais favorável.<br> A ré excepcionou a ilegitimidade porque os autores não invocaram nenhum contrato de trabalho subordinado com ela e os direitos resultantes das participações no capital social da MONPOR detidos pela ex-CUF transitaram para o Instituto das Participações do Estado.<br> As instâncias e no que ora interessa, em especial, o Supremo consideraram a QUIMIGAL parte ilegítima, porque os autores foram transferidos para outra empresa por aquela criada que assumiu todas as responsabilidades, garantindo a CUF que eles não perdiam os direitos e regalias já adquiridas, mas não se responsabilizava pela satisfação delas, em caso de imcumprimento pela MONPOR.<br> O acórdão recorrido configura a seguinte situação:<br> A SPA pediu aos réus ora recorrentes, o pagamento de uma indemnização por danos materiais e morais e juros, resultante de injúrias e difamação ao presidente da direcção da autora e a uma adjunta da administração, as quais teriam afectado a imagem pública, o bom nome e prestígio da autora.<br> Os réus excepcionaram a ilegitimidade da autora, porque esta não se podia considerar ofendida por ofensas àqueles membros.<br> As instâncias julgaram a autora parte ilegítima mas o Supremo decidiu que ela tinha legitimidade porque os órgãos sociais fazem parte da sociedade e a ofensa a estes devido a actos praticados dentro das suas funções e competência, constitui ofensa à própria pessoa colectiva.<br> No caso do acórdão fundamento, a decisão sobre a ilegitimidade da ré emergiu do facto de se estar perante duas sociedades distintas, e os autores terem sido desligados de uma delas, precisamente da ré, pelo que não a podiam responsabilizar.<br> No caso do acórdão recorrido, a decisão sobre a legitimidade da autora assentou na ideia de que a ofensa a órgãos sociais de uma pessoa colectiva representa ofensa à própria sociedade face à ligação que entre as duas entidades existe.<br> Trata-se de situações nuclearmente diferentes e que não se podem assimilar.<br> E assim, embora os dois acórdãos tenham partido de posições divergentes no aspecto jurídico, os factos em que assentaram têm características de tal modo especificas que não se pode afirmar que devessem merecer idêntico tratamento, em face da mesma norma ainda que entendida de modo uniforme.<br> Por isso a recorrida evidenciou que os recorrentes não demonstraram a existência de soluções diferentes no domínio da mesma questão fundamental de direito, antes apresentaram fundamentações doutrinárias diversas, o que será substancialmente distinto.<br> 3. Decisão.<br> Nesta conformidade, decide-se que não existe oposição, e de harmonia com o n. 1 do artigo 767 do Código de Processo Civil, considera-se findo o recurso.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 1 de Fevereiro de 1995.<br> Ramiro Vidigal.<br> Machado Soares.<br> Silva Montenegro.<br> Pais de Sousa.<br> Torres Paulo.<br> Pereira Cardigos.<br> Silva Caldas.<br> Santos Monteiro.<br> Martins da Costa.<br> Cardona Ferreira (vencido; salvo o devido respeito, a meu ver, o que está, essencialmente, em causa é o entendimento de qual deve ser a base da decisão sobre legitimidade, se a petição , se tudo aquilo que emerge do processo, havendo como há, oposição sobre esta questão fundamental, entendo que há oposição do Acórdão).<br> Oliveira Branquinho. vencido nos termos do voto o Excelentíssimo Conselheiro Cardona Ferreira.<br> Fernando Fabião (vencido, consoante declaração de voto que junto).<br> César Marques (vencido nos termos do visto do Excelentíssimo Conselheiro Cardona Ferreira).<br> Cura Mariano (vencido nos mesmos termos do Excelentíssimo Conselheiro Cardona Ferreira.<br> Declaração de voto.<br> Julgo haver oposição entre os dois acórdãos.<br> Na verdade, há identidade da questão fundamental porque esta, ao menos segundo a orientação mais liberal quanto à admissibilidade deste recurso, que eu subscrevo, resulta da possibilidade de subsunção dos factos à mesma previsão legal. Isto é, sempre que os factos são subsumíveis à mesma previsão legislativa e por isso são juridicamente idênticos, há oposição entre os dois acórdãos se estes apresentam diferentes qualificações jurídicas para esses factos.<br> É certo que, nesse caso, está em jogo a ilegitimidade da ré (acórdão-fundamento) e, noutro, a ilegitimidade da autora (acórdão recorrido), mas esta diferença em nada influencia a existência, ou não, da dita oposição, já que, tanto na ilegitimidade passiva como na activa, a solução jurídica depende sempre do alcance a dar à expressão "relação material controvertida", a saber se ela é configurada pelo autor ou se é a emergente das afirmações do autor e do réu.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>No </font><u><font>Julgado de Paz de </font></u><font>..., AA, intentou acção, com processo comum &nbsp;contra BB - ..., S.A..</font> </p><p><font>Citada a R., na sua contestação (para além do mais) sustentou que o contrato de seguro celebrado entre si e o A. configura um contrato de adesão e, assim sendo, está excluída dos Julgados de Paz a competência (material) para apreciar tais matérias, nos termos do art. 9º, n.° 1, a), da Lei n.° 78/2001, de 13 de Julho.</font> </p><p><font>Por decisão do Julgado de Paz de 23-3-2016, foi indeferida a excepção de incompetência material do tribunal.</font> </p><p><font>Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. Seguradora para o Tribunal Judicial da Comarca de Comarca de Aveiro - ... - Instância Local - Secção Cível, tendo este tribunal, por decisão de 28-9-2016, julgado improcedente o recurso. </font> </p><p><font>Continuando inconformada com a decisão, apelou a Ré Seguradora para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 13-2-2017, julgou improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.</font> </p><p><font>Inconformada a Ré BB - ..., S.A. pede revista. </font> </p><p><font>Estabelece o 62° n° 1 da Lei n° 78/2001 de 13/7 (Lei de Organização, Competência e Funcionamento dos Julgados de Paz)</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> que “as decisões proferidas nos processos cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas por meio de recurso a interpor para a secção competente do tribunal de comarca em que esteja sediado o julgado de paz".</font> </p><p><font>Ou seja, perante este dispositivo (de natureza especial), as decisões proferidas pelos julgados de paz poderão ser objecto de recurso para o tribunal judicial em que esteja sediado esse julgado e desde que o valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância.</font> </p><p><font>Se o respectivo valor não for superior a esse valor, o recurso para o tribunal de comarca não será possível.</font> </p><p><font>O art. 63° do mesmo diploma estabelece que “é subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com excepção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes”.</font> </p><p><font>Ou seja, esta norma institui, o Código de Processo Civil como direito subsidiário, porém, devem excluir-se do regime adjectivo deste Código (e, consequentemente, do sistema de recursos), entre outros, os dispositivos contrários com a Lei (de Organização, Competência e Funcionamento dos Julgados de Paz) e as normas antagónicas com os princípios gerais que enfermam os processos dos julgados de paz.</font> </p><p><font>Assim, para além, da possibilidade de outro grau de recurso não ser especialmente estabelecido no diploma, um novo recurso contrariaria, claramente, os princípios gerais dos procedimentos dos Julgados de Paz, pois as correspondentes acções “estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual (art. 2º n° 2 do mesmo diploma).</font> </p><p><font>Daí não ser possível novo recurso, só sendo, por conseguinte, o especialmente previsto no diploma em análise.</font> </p><p><font>Por outro lado e observando em concreto o recurso interposto para este STJ, não poderemos deixar de afirmar a sua patente impossibilidade, face ao regime geral de recursos do nosso sistema processual civil.</font> </p><p><font>É que a sua admissibilidade iria possibilitar, uma terceira hipótese de recurso, o que não é previsto, como é notório, face ao regime adjectivo vigente.</font> </p><p><font>&nbsp;Não existiria, de resto, qualquer coerência na admissão de revista para este Supremo, pois enquanto num processo judicial comum, seriam possíveis duas possibilidades de recurso (para a Relação e, em casos muito restritos, para o STJ), num processo de julgado de paz, orientado por princípios “de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual”, seriam possíveis três graus de recurso, ou seja, para o tribunal da comarca, para a Relação e para o STJ. Patentemente que isso não tem lógica e não será possível. É um garantismo não admissível pelos princípios gerais que regem a possibilidade de impugnação das decisões judiciais.</font> </p><p><font>Não se dá cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 655º CPC uma vez que a questão da admissibilidade do recurso foi suscitada na alegação da recorrente (fls. 125) e a recorrida ter oportunidade de sobre ela se pronunciar.</font> </p><p><font>Assim, acordam não conhecer do objecto do recurso.</font> </p><p><font>Lisboa, 17 de Outubro de 2017</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator por vencimento)</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Garcia Calejo</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Cabral Tavares (vencido)*</font> </p><p><font>-------------------</font><br> <a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Com as alterações introduzidas pela Lei nº 54/2013 de 31 de Julho.</font><br> <br> <font>------------------------------</font><br> <br> <br> </p><div><u><font>* Declaração de Voto</font></u></div><br> <p><font>1. Votei vencido; havia, como relator originário, apresentado projeto de acórdão, conhecendo do recurso.</font> </p><p> </p><p><font>2. Os julgados de paz, constitucionalmente conformados como </font><i><font>verdadeiros tribunais</font></i><font> (CRP, art. 209º, nº 2), com </font><i><font>competência material alternativa</font></i><font> aos tribunais judiciais de competência territorial concorrente (ASTJ de uniformização de jurisprudência, de 24 de maio de 2007), proferem decisões, as quais </font><i><font>«têm valor de sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância»</font></i><font> (art. 61º da Lei 78/2001, de 13 de Julho), decisões essas que, conforme vem assinalado no acórdão, quando </font><i><font>«proferidas nos processos cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas por meio de recurso a interpor para a secção competente do tribunal de comarca em que esteja sediado o julgado de paz»</font></i><font> (art. 62º, nº 1 da Lei 78/2001, na redação da Lei 54/2013, de 31 de Julho).</font> </p><p> </p><p><font>3. O regime de recursos, com o devido respeito pela posição contrária que obteve vencimento, há-de </font><u><font>ser subsidiariamente definido pelo que na matéria se dispõe no CPC</font></u><font>, tal como </font><i><font>expressis verbis</font></i><font> estabelecido no art. 63º da Lei 78/2001, obviamente salvaguardado, no dizer do mesmo artigo, o </font><i><font>«que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz»</font></i><font>.</font> </p><p> </p><p><font>3.1. Na normalidade dos casos, não caberá recurso para o STJ das decisões da Relação, considerado o limite, em razão do valor, da competência dos julgados de paz (arts. 8º e 48º, nº 2 da Lei 78/2001, na redação da Lei 54/2013, cit.).</font> </p><p><font>Há situações, todavia, excecionadas pelo legislador como particularmente relevantes, em que </font><i><font>«é sempre admissível recurso»</font></i><font> (CPC, arts. 629º, nº 2 e 671º, nº 3, 1ª parte).</font> </p><p><font>É, designadamente o caso dos autos, em que o recurso para o STJ vem fundado na violação das regras de competência em razão da matéria [alínea a) do nº 2 do art. 629º, cit.].</font> </p><p><font>3.2. A contada verificação de um 3º grau de recurso ocorrerá sempre que, no desenho do sistema, o tribunal de comarca integre um 1º grau, não se prevendo, como regra, a subida ao Supremo, </font><i><font>«sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível»</font></i><font>: assim, v. g., arts. 240º e 251º do Código de Registo Civil, art. 117º, nº 2 do Código de Registo Predial, art. 180º do Código do Notariado, art. 72º do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, art. 39º do Código de Propriedade Industrial.</font> </p><p> </p><p><font>3.3. A aplicação subsidiária do CPC, nos termos referidos, não se mostrará violadora da salvaguarda contida no citado art. 63º da Lei 78/2001: a economia processual, a simplificação do processo, o próprio desiderato na obtenção de acordo sobre o objeto da causa, valores maximizados na tramitação dos processos nos julgados de paz, são ponderadamente prosseguidos pelo processo civil e nos tribunais judiciais; diferença de grau, que não de natureza, portanto.</font> </p><p><font>Pretendendo o legislador garantir a tutela pelo STJ de determinados interesses, designadamente conexionados com a segurança e estabilidade na interpretação e aplicação normativas, dificilmente se entenderá que, desde logo, uma sentença de uma secção do tribunal de comarca (funcionando, embora, como um 1º grau de recurso), v. g., violando jurisprudência uniformizada ou impugnada por incompetência absoluta, pudesse dela ficar arredada.</font> </p><p></p><div><br> <font>Lisboa, 17 de Outubro de 2017.</font> <p><font>( J. Cabral Tavares )<br> </font></p></div></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam, em pleno, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> A e mulher, recorrem para o tribunal pleno do acordão deste Supremo Tribunal proferido em 3 de Maio de 1984 (folhas 11), alegando existir oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre tal acordão e o Acordão, tambem deste Supremo Tribunal, de 11 de Junho de 1981, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 308, pagina 222, dado este acordão ter decidido que a notificação para exercer o direito de preferencia deve ser feita a ambos os conjuges, enquanto aquele acordão se pronunciou no sentido de ser dispensavel a comunicação ao conjuge mulher para exercer o direito de preferencia.O acordão a folhas 26 reconheceu verificarem-se os requisitos ou pressupostos do recurso para o tribunal pleno estabelecidos no artigo 763 do Codigo de Processo Civil (CPC), designadamente a invocada oposição entre o acordão recorrido e o Acordão de 11 de Junho de 1981, pelo que ordenou o prosseguimento dos termos do recurso.</font><br> <font><br> Pelos recorrentes foi apresentada alegação, na qual, a concluir, dizem dever revogar-se o acordão recorrido, para se lavrar assento em que se fixe que o principio da igualdade juridica dos conjuges, consagrado no n. 3 do artigo 36 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), impunha, mesmo antes da modificação introduzida no artigo 1463 do Codigo de Processo Civil pelo Decreto-Lei n. 368/77, de 3 de Setembro, que a notificação para o exercicio do direito de preferencia fosse feita a ambos os conjuges, pelos fundamentos seguintes:</font><br> <font><br> A recorrente mulher, como titular do direito de preferencia que tem na compra do predio vendido, por ser sua rendeira, não foi feita a notificação, judicial ou extrajudicial, prevista no n. 2 do artigo 25 do Decreto-Lei n. 201/75, de 15 de Abril, do projecto do negocio.</font><br> <font><br> De facto, sendo tal notificação para proferir uma verdadeira declaração negocial recepticia, a consubstanciar uma verdadeira proposta contratual, correspondente ao projecto da venda, que o obrigado a preferencia leva ao conhecimento do preferente, e evidente que não releva tal falta a circunstancia de se ter dado como provado ter a recorrente mulher recebido a carta que foi dirigida tão-so ao recorrente marido e conhecido o seu conteudo.</font><br> <font><br> De igual modo, não tem qualquer valor as declarações que a recorrente mulher fez ao reu comprador de que não queria adquirir o predio, por a comunicação efectuada por este interessado na aquisição, a menos que tivesse intervindo como mandatario dos vendedores, não passar de pura informação.<br> E que, enquanto não houver a notificação por parte do vinculado a preferencia, feita directamente ou por meio de mandatario, não se desencadeia o dever de agir que o n. 2 do artigo 416 do Codigo Civil, em geral, lança sobre o preferente, nem começa a correr o prazo da caducidade.<br> Na verdade, tendo a declaração de preferencia, como declaração negocial que e, um destinatario, não podera tornar-se eficaz em relação a quem não e dirigida</font><br> <font><br> E podendo a declaração de preferencia formar, pelo seu encontro com a notificação para preferir, um verdadeiro contrato, definitivo, se a tanto não obviassem questões de forma relativas a manifestação de vontade, mais evidente se torna ainda que jamais a recorrente mulher poderia vir a aceitar, comprando, algo que não lhe foi oferecido, para preferir.<br> O principio da igualdade juridica dos conjuges, consagrado constitucionalmente, exigia, mesmo antes da modificação introduzida no artigo 1463 do Codigo de Processo Civil pelo Decreto-Lei n. 368/77, de 3 de Setembro, que a notificação para o exercicio do direito de preferencia fosse feita a ambos os conjuges.</font><br> <font><br> Deve, pois, julgar-se a acção procedente quanto a Autora mulher, reconhecendo-se-lhe o direito de se substituir aos reus compradores na aquisição do predio, com as consequencias legais.</font><br> <font><br> Na respectiva alegação os recorridos, B e outros, insistem pela inexistencia da oposição entre os acordãos e dizem que, no caso de assim se não entender, deve ser lavrado assento em que se decida que no dominio da vigencia da anterior redacção do artigo 1463 do Codigo de Processo Civil era dispensavel comunicar directa e expressamente a mulher preferente o projecto da venda, bastando tão-so levar ao conhecimento dela tal projecto, por forma que ficasse a ter perfeito conhecimento dele e, consequentemente, pudesse decidir, com conhecimento de causa, se devia ou não preferir.</font><br> <font><br> O Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto, no seu parecer, diz que não ha oposição entre os acordãos do Supremo justificativa da formulação de "assento" e que, caso se entenda diferentemente, o Supremo deve resolver o conflito por assento, para o qual propõe a seguinte formulação:<br> O principio da igualdade juridica dos conjuges, consagrado no artigo 36, n. 3, da Constituição da Republica Portuguesa, impunha, mesmo antes da modificação introduzida no artigo 1463 do Codigo de Processo Civil pelo Decreto-Lei n. 368/77, de 3 de Setembro, que a notificação para o exercicio do direito de preferencia fosse feita a ambos os conjuges.<br> Tudo visto, cumpre decidir.</font><br> <font><br> O reconhecimento da existencia de oposição entre os acordãos não vincula o tribunal pleno (n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil), mas, pelas razões constantes do acordão da secção proferida a folhas 26, entende-se que se verifica esse pressuposto do recurso para o tribunal pleno.<br> Esta em causa neste recurso saber se, pertencendo o direito de preferencia a marido e mulher, como arrendatarios do predio rustico, a comunicação do projecto de venda de tal predio e das clausulas do respectivo contrato deve ser feita a ambos, marido e mulher, ou e dispensada em relação a mulher.<br> No acordão recorrido entende-se ser perfeitamente dispensavel a comunicação a mulher preferente, visto assim o dispor o n. 1 do artigo 1463 do Codigo de Processo Civil, na redacção em vigor ao tempo dos factos referidos nos autos, e no acordão em oposição decidiu-se que a comunicação a fazer ao titular do direito de preferencia, tanto atraves da notificação judicial indicada no citado artigo 1463 como de notificação extrajudicial, deve ser feita a ambos os conjuges.</font><br> <font><br> Estabelecia-se no artigo 1463, n. 1, do Codigo de Processo Civil que, se o direito de preferencia pertencer em comum aos conjuges, e pedida a notificação do marido; mas, não querendo este preferir ou tendo perdido o direito, pode tambem exerce-lo a mulher, se estiver pendente acção de divorcio, de declaração de nulidade ou anulação de casamento, de separação de pessoas e bens ou de simples separação de bens, devendo, nestes casos, pedir-se que ela seja notificada.</font><br> <font><br> Posteriormente, por virtude do Decreto-Lei n. 368/77, de 3 de Setembro, tal artigo 1463 do Codigo de Processo Civil passou a estar assim redigido:<br> Se o direito de preferencia pertencer em comum aos conjuges, e pedida a notificação de ambos, podendo qualquer deles exerce-lo.</font><br> <font><br> Como a data em que ocorreram as comunicações do projecto de venda, referidas em ambos os acordãos - 7 de Setembro de 1976, no acordão em oposição, e 25 de Janeiro de 1977, no acordão recorrido -, ainda não estava em vigor o citado Decreto-Lei n. 368/77, que alterou a redacção do artigo 1463, n. 1, do Codigo de Processo Civil, e a primitiva redacção deste preceito legal que e de aplicar.</font><br> <font><br> Determina-se ai, como se disse, que, quando o direito de preferencia pertencer em comum aos conjuges, apenas ha que pedir a notificação do marido, coadunando-se com tal disposição legal a orientação do acordão recorrido no sentido de ser dispensavel a comunicação a mulher.<br> Contudo, a Constituição da Republica Portuguesa, que entrou em vigor em 25 de Abril de 1976, no seu artigo 36, n. 3, veio estabelecer o principio da igualdade juridica dos conjuges e, por força do disposto no artigo 18, n. 1, da mesma Constituição da Republica Portuguesa, este principio teve aplicação imediata.</font><br> <font><br> Com efeito, diz-se nesse artigo 18, n. 1, da Constituição da Republica Portuguesa que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicaveis e vinculam as entidades publicas e privadas.</font><br> <font><br> Temos, assim, que, por força do referido principio da igualdade juridica dos conjuges, o artigo 1463, n. 1, do Codigo de Processo Civil, ao dispensar a comunicação da venda a mulher preferente, esta afectado de inconstitucionalidade e, por aplicação de tal principio, deve-se considerar revogado nessa parte, sendo de exigir a comunicação a ambos os conjuges.<br> Na verdade, o direito anterior a entrada em vigor da Constituição da Republica Portuguesa apenas se mantem desde que não seja contrario a mesma Constituição da Republica Portuguesa ou aos principios nela consignados (artigo 293, n. 1, da Constituição da Republica Portuguesa).<br> Sendo a norma do artigo 1463, n. 1, do Codigo de Processo Civil, na parte referida, contraria a principio constitucional, esta norma não pode manter-se apos a entrada em vigor da Constituição da Republica Portuguesa.<br> Tal inconstitucionalidade foi reconhecida pelo legislador, que, pelo Decreto-Lei n. 368/77, de 3 de Setembro, veio alterar o artigo 1463 do Codigo de Processo Civil, estabelecer a necessidade de a comunicação para o exercicio do direito de preferencia ser feita a ambos os conjuges.<br> E, assim, de consagrar, por assento, a orientação constante do Acordão de 11 de Junho de 1981, revogando-se o acordão recorrido, na parte em que decidiu ser dispensavel a comunicação da venda a mulher preferente.<br> Procede, assim, o recurso, mas dai não resulta a revogação da decisão final do acordão recorrido de negar a revista do acordão da relação que confirmara a sentença da absolvição dos reus do pedido.<br> E que a decisão do acordão recorrido fundamentou-se tambem na circunstancia de ser de rejeitar a alegada falta da comunicação relativamente a mulher, dado esta ter tomado conhecimento dos elementos essenciais do contrato e ter-lhe sido proporcionado o exercicio do direito de preferencia.</font><br> <font>Verifica-se a hipotese prevista no n. 3 do artigo 768 do Codigo de Processo Civil, onde se dispõe que deve ser lavrado assento, embora a resolução do litigio não tenha utilidade alguma para o caso concreto em litigio, por ter de subsistir a decisão do acordão recorrido, qualquer que seja a doutrina do assento.<br> Por todo o exposto, concede-se provimento ao recurso, embora não se altere a decisão final do acordão recorrido, e formula-se o seguinte assento:<br> Com a entrada em vigor da Constituição da Republica Portuguesa de 1976, e mesmo antes da modificação introduzida no artigo 1463 do Codigo de Processo Civil pelo Decreto-Lei n. 368/77, de 3 de Setembro, a notificação para o exercicio do direito de preferencia deve ser feita a ambos os conjuges, por aplicação do principio da igualdade juridica estabelecido no artigo 36, n. 3, da Constituição da Republica Portuguesa.<br> Custas pelos recorridos.<br> João Solano Viana - Manuel Alves Peixoto - Antonio Judice de Magalhães Barros Baião - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Julio Carlos Gomes dos Santos - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Fernando Pinto Gomes - Manuel Augusto Gama Prazeres - Claudio Cesar Veiga da Gama Vieira - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Jose Fernando Quesada Pastor - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Silvino Alberto Villa Nova - Cesario Dias Alves - Jorge de Araujo Fernandes Fugas - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny [vencido, por entender não haver oposição entre os dois acordãos, visto serem diferentes as situações de facto.<br> Efectivamente, no acordão-fundamento de 11 de Junho de 1981, in Boletim do Ministerio da Justiça, n. 308, pagina 222, não se deu como provado que a mulher do Autor tivesse tido conhecimento, com este, da comunicação que ao marido foi feita o projecto de venda.<br> Ao contrario, no acordão recorrido provou-se que, embora a comunicação tivesse sido dirigida apenas ao marido, a mulher tomou dela conhecimento simultaneamente com ele.<br> Dai que se tenha entendido ser dispensavel a existencia de duas comunicações.<br> Alias, isto mesmo veio a ser "sentido" no presente acordão, quando, no final, se veio a reconhecer a impossibilidade de alterar a decisão do acordão recorrido, por este haver tido como fundamento - tambem (?) - o facto de a mulher ter tido conhecimento dos elementos essenciais do contrato e de lhe ter sido proporcionado o exercicio do direito de preferencia] - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro (votei o assento, mantendo, contudo, não haver oposição entre os acordãos indicados como tendo decidido diferentemente) - Augusto Tinoco de Almeida (vencido quanto a existencia da oposição exigida pelo artigo 763 do Codigo de Processo Civil, uma vez que não existe a precisa identidade das situações de facto) - Frederico Carvalho de Almeida Batista (vencido, em conformidade com o voto de vencidos dos meus ilustres antecessores) - Joaquim Roseira de Figueiredo (vencido quanto a questão da existencia da oposição que serve de fundamento ao recurso, votei, no entanto, o assento) - Antonio Pereira de Miranda (vencido, conforme voto anterior) - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel (vencido quanto a oposição dos acordãos e pelas razões referidas pelo Excelentissimo Conselheiro Pedro Cluny, votei, no entanto, o assento) - Mario Sereno Cura Mariano (vencido quanto a oposição dos acordãos, votei, porem, o assento).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1. Relatório<br> O autor A.. propôs, na comarca de Vieira do Minho, acção para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra a Companhia de Seguros Garantia S.A., pedindo a condenação desta na indemnização de 2260000 escudos por danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como juros legais.<br> Alega que embora seguisse como passageiro num velocípede motorizado, apeou-se e foi posteriormente atropelado por ele, devido a negligência e excesso de velocidade do condutor.<br> A seguradora, não só impugnou o valor dos danos, como referiu que eles ocorreram devido a queda daquele veículo, quando seguia como passageiro, o que a exonera, de responsabilidade, por a situação estar excluida do contrato de seguro.<br> Lavrado o despacho de condensação, veio a realizar-se a audiência de julgamento no decurso da qual o autor ampliou o pedido em mais 4620000 escudos, por o Instituto de Medicina Legal ter fixado a sua I.P.P. em 40%, requerimento este que foi admitido.<br> Por fim a sentença julgou parcialmente procedente a acção e condenou a ré na quantia de 3970000 escudos e juros à taxa de 15% desde a citação.<br> Sob recurso da ré, a Relação manteve o decidido.<br> Novo recurso, de revista interpôs a Seguradora, para este Tribunal, apresentando no termo da alegação, as seguintes conclusões:<br> 1. - Não ficaram provados factos suficientes para preencher todos os pressupostos da obrigação de indemnizar por responsabilidade por factos ilícitos, designadamente quanto à ilicitude do facto e quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, pelo que a recorrente deveria ter sido absolvida.<br> 2. - Não se atentou no facto de o autor ser transportado em contravenção ao n. 3 do artigo 37 do Código da Estrada o que, de acordo com a alínea d) do n. 4 do artigo 7 do Decreto-Lei 522/85, excluia os danos por ele sofridos da garantia do seguro, o que, por si só, implicava a absolvição da recorrente.<br> Invoca ainda a violação do artigo 483 do Código Civil e pede a procedência do recurso.<br> A parte contrária não alegou.<br> Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 2. Fundamentos:<br> A) Os factos.<br> A Relação deu como provado:<br> 1. - No dia 28 de Fevereiro de 1987 cerca das 19,45 h., na estrada camarária que liga a freguesia de Parada de Bouro, comarca de Vieira do Minho, aos lugares e freguesias de Rendufinho e Friande, do concelho de Póvoa do Lanhoso, no cruzamento de derivação para estas duas localidades, ocorreu um acidente de viação (alínea A) da especificação)<br> 2. - nesse acidente interveio o velocípede com motor de matrícula 1-PVL-75-18, de que é dono João de Jesus Silva Lima, residente em São João de Rei, Póvoa do Lanhoso e conduzido nessa ocasião por António Augusto Ribeiro morador no lugar de Travessinhas, Friande, Póvoa do Lanhoso (alínea B) );<br> 3. - a via, no local, tem a largura de 12,5 metros e as bermas esquerda e direita têm, respectivamente, 0,80 metros e 1 metro, considerando o sentido Parada do Bouro - Rendufinho (alínea C));<br> 4. - o seu piso é betuminoso e, na ocasião, apresentava-se seco (alínea D));<br> 5. - na zona do acidente havia alguma areia espalhada (alínea E));<br> 6. - o 1-PVL-75-18 seguia no sentido Parada de Bouro<br> - entroncamento de derivação para Friande e Rendufinho e levava o autor como passageiro (alínea F));<br> 7. - o condutor do veículo mencionado em 2. supra, não possuia título que o habilitasse a conduzir o 1-PVL-75-18 ou qualquer outro veículo (alínea G));<br> 8. - ... e conhecia bem o local onde ocorreu o acidente, já que ali passava diariamente e mais que uma vez (alínea H));<br> 9. - o autor nasceu no dia 27 de Maio de 1947, consoante certidão de nascimento junta a folhas 16 (alínea I));<br> 10. - por contrato de seguro, válido na data do sinistro em causa, titulado pela apólice n. 40/068728, o dono do 1-PVL-75-18 havia transferido a sua responsabilidade civil emergente da circulação do mesmo, por danos causados a terceiros, para a ré Companhia de Seguros Garantia S.A., sendo de 6000000 escudos o montante máximo de responsabilidade civil por lesado (alínea J));<br> 11. - o 1-PVL-75-18 só tinha lotação para o condutor (alínea L));<br> 12. - o António Augusto Ribeiro tripulava o veículo com perfeito conhecimento e no interesse do dono do mesmo (alínea M));<br> 13. - o autor ficou prostrado sem sentidos, no solo (resposta ao quesito 10.);<br> 14. - o autor sofreu traumatismo crâneo-encefálico com otorragia esquerda e fractura temporal, em consequência do embate (no solo) (r. q. 11.);<br> 15. - foi conduzido ao Hospital de Vieira do Minho, onde recebeu os primeiros socorros e foi assistido (r. q. 12.);<br> 16. - até à sua evacuação para o Hospital de S.Marcos, em Braga, onde ficou internado durante 26 dias (r. q. 13. e 14.);<br> 17. - sofreu 180 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho (r. q. 15.);<br> 18. - ocasionando-lhe permanentemente síndroma vertiginoso ocasional, que o incapacita, de quando em vez, quer no seu trabalho, quer na sua postura física, ficando nessas alturas, incapaz até de se movimentar normalmente e, por vezes, inerte (r. q. 16. e 17.);<br> 19. - à data do acidente, o autor exercia a profissão de calceteiro, auferindo a quantia diária de 1500 escudos (r. q. 18. e 19.);<br> 20. - era sadio, escorreito e apto para o serviço que praticava (r. q. 20.);<br> 21. - actualmente o autor é inapto para o serviço que praticava (r. q. 21.);<br> 22. - no momento do acidente, durante o período de internamento hospitalar e de tratamento ambulatório, o autor suportou incómodos, privações, tristezas e dores físicas (r. q. 24.).<br> B) O Direito.<br> A recorrente aponta dois núcleos de discordância relativamente ao acórdão recorrido: um, o da inexistência de facto ilícito e nexo de causalidade, que exclue o direito a que o lesado se arrogou; outro, o da circulação do mesmo em contravenção estradal, que a exonera de responsabilidade, face ao contrato de seguro.<br> Antes de mais, sustenta a recorrente que não se encontram presentes a ilicitude e o nexo causal.<br> É que a versão do autor era de que, tendo seguido como passageiro, apeou-se e veio a ser, momentos após, atropelado pelo mesmo veículo em que se transportara com o respectivo condutor, matéria que figurou nos quesitos 1. a<br> 9., e que não provou.<br> A versão da ré, por seu turno, consistiu em que o lesado ao seguir como passageiro no veículo, começou a gesticular e a movimentar o corpo, o que fez com que o condutor perdesse o domínio do velocípede e se desiquilibrasse caindo ambos, matéria que foi levada aos quesitos 25. a 27., e igualmente não provada.<br> Restou apenas provado um núcleo irredutível consistente em que o autor seguia como passageiro num veículo motorizado de duas rodas que circulava na estrada e ficou prostrado no solo sem sentidos, com traumatismo crâneo-encefálico.<br> De harmonia com o disposto no artigo 483 do Código Civil (diploma a que pertencerão, também, as restantes normas a citar), aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos provenientes da violação.<br> Segundo o artigo 563, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.<br> Os pressupostos do dever de indemnizar estão, assim, desde logo, balizados por um facto ilícito e culposo do lesante, um dano para o lesado, e um nexo de causalidade entre aquele e este.<br> Mas, a lei prevê, igualmente, a responsabilidade objectiva por danos resultantes do risco de certas actividades, onde não se exige a ilicitude da conduta.<br> Os pressupostos da responsabilidade civil consistirão, neste caso, na existência do risco criado, além do dano e da causalidade entre ambos.<br> Do que ficou expresso, extrai-se como corolário, que só os danos que possam ser atribuíveis ao lesante, o responsabilizam, ou seja, os danos sofridos pelo lesado hão-de estar ligados causalmente a um acontecimento perigoso ou proibido por lei, de tal modo que sem a sua ocorrência, não se teria produzido o dano.<br> Trata-se do nexo causal na perspectiva de pressuposto da responsabilidade, porque pode também ser visto como medida da obrigação de indemnizar.<br> Mas não basta que o agente haja colocado uma qualquer condição, que indiscriminadamente tenha contribuido para o dano, porque não se equivalem todas, no plano jurídico.<br> Torna-se necessário que se trate de uma causa normal, adequada, que permita prever o dano como um efeito provável da ocorrência daquela condição.<br> Noutra formulação, o acontecimento deixará de ser causa adequada quando se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano ou porque o provocou apenas devido a circunstâncias excepcionais e imprevisíveis. O juízo a formar sobre a adequação deve tomar em consideração as circunstâncias cognoscíveis à data do facto por uma normal e as realidades efectivamente conhecidas pelo lesante na mesma data.<br> No domínio da responsabilidade objectiva a causalidade resulta de a origem dos danos se localizar na zona de risco normativamente definida.<br> Por todos, cfr., Almeida Costa, Direito das Obrigações,<br> 1994, p. 654 e seguintes; A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1991, 888 e seguintes.<br> Em suma, para que os danos possam ser atribuíveis ao lesante, numa perspectiva de circulação rodoviária, torna-se necessário, na responsabilidade subjectiva, que ele haja praticado um facto ilícito que tenha virtualidade para ser tomado como causa adequada do dano, no exercício ou por causa do exercício da condução, ou ao menos que não seja unicamente circunstância excepcional da sua verificação, ou então, na responsabilidade objectiva, que os danos ocorram, enquanto intercedem determinadas relações funcionais com o condutor ou provenham dos riscos próprios do veículo.<br> A indemnização pedida à ré, advém-lhe do contrato de seguro que celebrou com o dono do veículo, pelo que é da responsabilidade deste último que cumpre, em última análise, conhecer. E como ele não era o condutor, e não foi alegada culpa sua, tal responsabilidade só poderá ser objectiva.<br> No que respeita à causalidade, provou-se apenas que o autor seguia como passageiro e ficou prostrado no solo, lesionado.<br> Mas para se concluir que o dono do veículo tenha causado ou contribuido para as lesões, é preciso estabelecer uma relação de adequação entre essas lesões e uma condição posta pelo lesante ou um risco por ele criado, de modo a que se possa deduzir que o dano não existiria se não fora tal condição ou risco.<br> Quer se entenda a causalidade num sentido positivo, como o efeito normal ou típico, ou consequência natural ou provável do facto, quer numa formulação negativa no sentido de a adequação só deixar de existir se ocorrerem circunstâncias anómalas ou excepcionais que tornem de todo indiferente a condição, para a verificação do dano, sempre se tornará necessária a existência de uma condição posta, que desencadeie o processo causal.<br> Mas ela aqui não existe, pois se ignora por completo o que deu origem às lesões do autor, sendo certo que a sua versão do acidente, não se provou, incumbindo-lhe o ónus de tal prova.<br> Nem é caso de se atribuir, desde logo, culpa presumida ao condutor, que aliás nem foi accionado, porque o momento em análise é logicamente anterior a este, e respeita à determinação da existência ou não de conduta ou suporte que permita a sua imputação.<br> Admita-se, porém, que as lesões do autor resultaram de queda ao solo enquanto seguia como passageiro do veículo e sem que ele a tenha provocado.<br> Uma vez que, como se referiu, o dono do veículo não era o seu condutor e não se alegou a existência de qualquer conduta negligente da sua parte, ele só poderia responder a título objectivo.<br> No domínio da responsabilidade objectiva, o artigo 500 estebelece que, aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar no exercício da função que lhe foi confiada, desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar.<br> A subsunção a este normativo implica, para além de outros requisitos, uma situação de subordinação ou dependência do comissário em relação ao comitente, ou a prática de uma actividade realizada por conta e sob a direcção deste, que o autorize a dar ordens ou instruções àquele, de modo a justificar a sua responsabilização pelos actos, em regra ilícitos, do primeiro, executados no exercício da função que lhe foi confiada.<br> A responsabilização provém de determinados poderes de uma pessoa relativamente a outra.<br> Neste domínio, não foram alegados factos que permitam concluir por uma relação deste tipo entre o dono e o condutor do veículo, podendo dizer-se que nesta matéria (sem prejuízo do que se acrescentará mais tarde), falta a causa de pedir.<br> Por seu turno o artigo 503 dispõe no seu n. 1 que, aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que não se encontre em circulação.<br> O círculo dos danos indemnizáveis é definido pelos perigos específicos inerentes ao veículo enquanto máquina usada com determinadas finalidades, mas que compreende, ainda, contingências relacionadas com o seu condutor (Dário M. de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1987, p. 318 e seguintes).<br> A responsabilização provém de determinados poderes de uma pessoa sobre um veículo.<br> O n. 3 do mesmo artigo, por fim, ao prever a responsabilidade do condutor que o seja por conta de outrem, se não provar que não houve culpa da sua parte, levar ainda, por força do artigo 497 n. 1 ou 507, à responsabilização solidária do detentor.<br> Como se referiu, no que respeita ao acidente, provou-se unicamente que o condutor tripulava o veículo com perfeito conhecimento e no interesse do dono do mesmo; o autor seguia como passageiro; ficou prostrado no solo sem sentidos, sofrendo traumatismo crâneo-encefálico.<br> Pode afirmar-se, à míngua de outros elementos, que o transporte de um passageiro - no caso o próprio autor - pelo condutor, excede os riscos próprios do veículo?<br> Tem de concluir-se que não.<br> Antes de mais, o dono do veículo em nada contribuiu para esse facto.<br> E não se provou que o condutor teria contribuido para uma eventual queda.<br> Acresce que tal transporte não era ilegal. Esta questão prende-se com duas realidades diferentes que cumpre analisar: uma a da lotação, outra a das condições do transporte do passageiro.<br> Quanto à primeira, a Relação decidiu que se tratava de um ciclomotor em que era permitido transportar um passageiro e que ele não seguia fora do assento, o que até seria impensável, pelo que o seu transporte naquelas condições era legal.<br> Note-se que o registo de matrícula do veículo faz menção como lotação - "o condutor" - mas esta consideração respeita ao número de pares de pedais de accionamento do veículo, conforme resulta do impresso do registo camarário, e não se adequa ao veículo em causa, que a Relação declarou, e bem, atentas as suas características, não ter pedais, (apenas apoios para os pés).<br> Acresce que o excesso de lotação não se põe quanto a veículos particulares, desde que os passageiros ocupem os assentos e não prejudiquem a segurança da condução, mas sim em relação aos veículos de transporte público - o que não é o caso - conforme o elucida o n. 3 do Relatório do Decreto-Lei n. 40275 de 8 de Agosto de 1955, que alterou a primitiva redacção daquele n. 3 do artigo 17, precisamente para não dar azo àquela interpretação (vd., também, Baptista Lopes e Ayres Pereira, Código da Estrada actualizado e anotado, 1962, páginas 108 e 109).<br> Mas será que o transporte do autor seria ilegal, mercê de outras normas regulamentares?<br> A classificação e circulação de veículos de duas rodas, tem sofrido ao longo dos tempos, assinaláveis alterações que não interessa pormenorizar. Dir-se-á, contudo, que no Código da Estrada de 1930, eram classificados em bicicletas e em motociclos, estes, desde que munidos de um motor auxiliar ou permanente, e considerados automóveis (artigo 47). Situação depois alterada pelo Decreto-Lei n. 38070 de 24 de Novembro de 1950.<br> No Código da Estrada de 1954, criou-se a categoria do velocípede com motor auxiliar de cilindrada não superior a<br> 50 cm3, equiparado a velocípede, ao lado do motociclo, com cilindrada superior a 50 cm3, considerado veículo automóvel (artigos 27 n. 2 e 38 n. 3).<br> Com os aperfeiçoamentos tecnológicos e a expansão dos veículos de duas rodas, houve necessidade de alterar aquele estado de coisas e assim o Decreto-Lei n. 47070 de<br> 4 de Julho de 1966, que alterou o artigo 38, veio criar a categoria do ciclomotor. Deixou na classe dos velocípedes com motor, os veículos que tendo uma cilindrada não superior a 50 cm3, tivessem uma velocidade máxima limitada por construção a 50 Km/h, tara não superior a 55 Kg e pedais que permitissem movê-los normalmente sem o recurso ao motor, (os quais equiparou a velocípedes, salvo indicação expressa em contrário) e colocou na categoria de ciclomotores os que, embora com menos de 50 cm3 de cilindrada, não fossem considerados velocípedes nos termos antecedentes (portanto, que não tivessem pedais de accionamento do veículo, apresentassem tara superior ou pudessem atingir velocidades superiores a 50 Km/h).<br> Continuaram como motociclos, os de cilindrada superior a<br> 50 cm3.<br> Os velocípedes só podiam transportar o respectivo condutor, excepto se tivessem mais pares de pedais de accionamento do veículo.<br> Enquanto a matrícula dos velocípedes com motor se fazia nas Câmaras Municipais, (contendo letras correspondentes aos concelhos) a dos ciclomotores deveria ocorrer nas Direcções de Viação (com letras indicativas destes),<br> (artigos 36 e 38 do Regulamento ao Código da Estrada,<br> Decreto n. 39987 de 22 de Dezembro de 1954). A habilitação para conduzir ficaria subordinada a simples licença camarária para os velocípedes com motor e a carta de condução para os ciclomotores.<br> Deste modo se pretendia exercer um controlo mais rigoroso sobre aqueles veículos de duas rodas que, embora de fraca cilindrada, se tinham tornado mais perigosos e conquistado quase todo o mercado respectivo.<br> Esse Decreto-Lei n. 47070, no artigo 2, estabelecia que os veículos com as características de ciclomotor eram, numa fase inicial, para todos os efeitos, considerados velocípedes com motor, e, num período seguinte, designado de transição, deveriam ser matriculados como ciclomotores; providenciava, ainda, pela troca das licenças por cartas de condução, no período de transição.<br> A entrada em vigor destas fases foi sendo temporalmente prorrogada pela Portaria n. 23309 de 13 de Abril de 1968,<br> Portaria n. 310/70 de 26 de Junho e Portaria n. 330/71 de<br> 23 de Junho, neste último caso até data a fixar oportunamente, o que nunca aconteceu.<br> O veículo dos autos era, pois, um velocípede com motor e não um ciclomotor.<br> Em relação a eles, o Decreto n. 834/76 de 25 de Novembro, veio alterar o n. 5 do artigo 38 do Código da Estrada estipulando que os ciclomotores e os velocípedes com motor quando reunissem os requisitos fixados em regulamento para os motociclos, podiam transportar um passageiro.<br> Ora, os motociclos podiam transportar um passageiro se satisfizessem as especificações dos artigos 14 n. 4 (na redacção da Portaria n. 268/77 de 13 de Maio) e 24 n. 5 do Regulamento ao Código da Estrada, concretamente com respeito a determinada potência, tara superior a 65 Kg e assento para o passageiro com apoio para as mãos e descanso ou estribo para os pés. Passageiro este, que não podia ser criança com menos de sete anos, segundo fixou, mais tarde, o Decreto n. 424/88.<br> Daqui resulta que uma das condições para que o velocípede com motor transportasse um passageiro dizia respeito à existência de banco apropriado a ele destinado.<br> Esta situação foi-se mantendo até que, com o objectivo de estabelecer um novo regime jurídico aplicável aos motociclos, ciclomotores e velocípedes, o Decreto-Lei 117/90 de 5 de Abril veio reformular o conceito daqueles veículos, proibiu, nos motociclos, o transporte de passageiros fora dos assentos ou com idade inferior a sete anos, e determinou que os ciclomotores e velocípedes só pudessem transportar o respectivo condutor, à excepção dos velocípedes dotados de mais do que um par de pedais capazes de accionar o veículo, em que a lotação era expressa pelo número de pares de pedais. Mas este diploma não chegou a entrar em vigor por falta de regulamentação.<br> O Decreto-Lei 270/92 de 30 de Novembro redefiniu motociclo , tendo em atenção não só dever estar equipado com um motor de cilindrada superior a 50 cm3 como dever atingir por construção e em patamar, velocidade superior a 50 Km/h.<br> Finalmente, pelo novo Código da Estrada, Decreto-Lei 114/94 de 3 de Maio, desapareceu a denominação de velocípedes com motor, e passaram a ser designados como ciclomotores os veículos de categoria semelhante, ou seja, com motor de cilindrada não superior a 50 cm3 e cuja velocidade não exceda em patamar e por construção, 45 Km/h (artigo 115); e a ser designados como motociclos, não só os de cilindrada superior a 50 cm3, mas ainda os de cilindrada não superior a 50 cm3 que atinjam em patamar uma velocidade superior a 45 Km/h (artigo 109) enquanto que os velocípedes ficaram relegados para os veículos accionados pelo esforço do próprio condutor (artigo 115).<br> E permite-se nos motociclos e ciclomotores, o transporte de passageiros de sete anos de idade ou superior, sendo proibido nos velocípedes o transporte de passageiros (artigo 89).<br> Finalmente, o Dec. Reg. n. 65/94 de 18 de Novembro esclarecido pelo despacho n. 35/95 de 27 de Abril de 1995 da D. G. V. estabeleceu novo regime para as licenças de condução de ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3 que exige atestado de aptidão médica. E o despacho n. 68/95 de 18 de Agosto de 1995 da D. G. V. estabeleceu que os veículos matriculados até 30 de Setembro de 1994 como velocípedes com motor, mantém em todos os casos essa classificação, não estando, por isso, sujeitos a nova matrícula, mas para todos os efeitos deverão ser considerados como sendo ciclomotores; por sua vez os veículos de duas rodas que tenham sido matriculados como velocípedes com motor após 1 de Outubro de 1994 são obrigados a renovação do livrete com a classificação de ciclomotores, sendo caso disso, ou no caso de se tratar de motociclos, verem canceladas as matrículas atribuidas, a fim de serem matriculados como motociclos nas delegações distritais da D. G. V..<br> O veículo dos autos, da marca "Famel Zundapp XF", estava matriculado numa Câmara Municipal sob o número 1-PVL-75-18 desde 1982 como velocípede com motor, tinha um motor de cilindrada de 49,9 cm3, uma tara de 80 Kg, um limite de velocidade instantânea de 40 Km/h, o que permite concluir que em 1987 embora tratando-se de um velocípede com motor, poderia transportar um passageiro se tivesse assento próprio a ele destinado, nos termos regulamentares supracitados.<br> Ora a Relação entendeu que ele não podia deixar de existir e que era impensável que o autor seguisse fora do lugar próprio, isto é, fora do assento, tratando-se de uma vulgar motorizada da marca "Famel Zundapp" de 49,9 cm3 de cilindrada.<br> Deste modo, admitida que foi a existência de tal assento e as demais condições, terá de se concluir que o autor podia seguir como passageiro e não foi transportado fora do assento, ou de modo a comprometer a segurança da condução, pelo que o seu transporte não era ilegal.<br> A circunstância de o condutor não possuir licença ou carta de condução não se mostra também que fosse causal em relação às lesões.<br> Recapitulando, pode afirmar-se que, de todas as considerações feitas, resulta desconhecer-se em absoluto, as circunstâncias concretas em que se produziram as lesões designadamente, como podem elas ser relacionadas com o estado ou as condições do veículo, o seu condutor, ou o exercício da condução; que factos materiais configuram, a existência de qualquer ilícito que não se provou em termos causais, como ainda que riscos poderiam ter estado, se é que estiveram, na origem das lesões e deveriam ser lançados à conta do dono, como detentor, e por via do seguro, a cargo da ré.<br> Perante o exposto, fica prejudicada a outra questão suscitada pela recorrente, da exclusão da garantia do seguro.<br> 3. Decisão:<br> Em conclusão, procede o recurso visto que, pelos danos sofridos pelo autor, não pode ser responsabilizado o dono do velocípede e segurado, nem, em consequência, a recorrente, sua seguradora, que deverá, assim, ser absolvida.<br> Concede-se, por isso, a revista, e revoga-se o acórdão recorrido, condenado-se, ainda, o autor, nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.<br> Lisboa, 13 de Fevereiro de 1996.<br> Ramiro Vidigal.<br> Cardona Ferreira (com a declaração de que a decisão decorra, basicamente, do não esclarecimento do que ocorreu).<br> Oliveira Branquinho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font>Acordam no plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font>I - 1 - A intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra STEER - Shipmanegement Services, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 11908528, acrescida de juros de mora desde 24 de Novembro de 1993, como indemnização dos danos resultantes de abalroação do navio do autor.</font><br> <font>A ré invocou na contestação a excepção de prescrição do direito de indemnização.</font><br> <font>No despacho saneador julgou-se procedente a excepção de prescrição, absolvendo-se a ré do pedido, com o fundamento de a notificação judicial avulsa carecer de idoneidade para interromper a prescrição.</font><br> <font>2 - O autor apelou. A Relação de Lisboa, por Acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, deu provimento ao recurso, julgando improcedente a excepção da prescrição e ordenando o prosseguimento da acção, por atribuir à notificação judicial avulsa efeito interruptivo da prescrição.</font><br> <font>3 - A ré pede revista - revogação do acórdão recorrido e procedência da excepção de prescrição - com base, em resumo, nas seguintes conclusões:</font><br> <font>A acção foi intentada em 24 de Novembro de 1993, no próprio dia em que expirava o prazo prescricional aplicável, tendo a recorrente sido citada já depois de ocorrida a prescrição;</font><br> <font>Está em causa a norma de um tratado internacional de que Portugal é parte contratante;</font><br> <font>A notificação judicial avulsa não constitui processo judicial, pelo que, em consequência, nela não se pode encontrar suporte para fundamentar o exercício de direitos, esse que só pode fazer-se através de acções judiciais;</font><br> <font>Foi violado o disposto nos artigos 323.º do Código Civil, 7.º da Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1910, 8., n.º 2, da Constituição e 84.º, 261.º e 262.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.</font><br> <font>4 - O autor/recorrido não apresentou contra-alegações.</font><br> <font>5 - Por sugestão do Exmo. Colega Dr. Martins da Costa, relator então, o Exmo. Presidente deste Supremo Tribunal determinou o julgamento ampliado da revista, nos termos do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, para uniformização de jurisprudência quanto ao efeito da notificação judicial avulsa na interrupção da prescrição.</font><br> <font>6 - O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser uniformizada a seguinte jurisprudência:</font><br> <font>«A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um determinado direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito.»</font><br> <font>II - Elementos a tomar em conta:</font><br> <font>1) O abalroamento em causa ocorreu em 24 de Janeiro de 1991, no posto de Lisboa, entre os navios Cidade do Funchal e Vilma;</font><br> <font>2) O navio Vilma, pertencente ao autor, tem bandeira da República de Cabo Verde;</font><br> <font>3) A presente acção foi proposta em 29 de Setembro de 1994;</font><br> <font>4) Em 24 de Novembro de 1993, o autor havia demandado a mesma ré e em acção onde esta foi citada em 22 de Fevereiro 1994 e que findou com a sua absolvição da instância;</font><br> <font>5) O autor requereu a notificação judicial avulsa da lei em 29 de Novembro de 1993, tendo esta sido notificada no dia 24 do mesmo mês;</font><br> <font>6) No requerimento para essa notificação o autor descreveu os factos e requereu a notificação judicial avulsa da ré para pagar ao autor a quantia total de 11900248 escudos, acrescida dos correspondentes juros de mora, assim «acautelando a eventual prescrição do direito à indemnização que [...] pretende fazer valer, pela via judicial», tendo a notificação sido feita nos termos requeridos.</font><br> <font>III - 1 - Questão a apreciar e a decidir no presente é a de saber se a notificação judicial avulsa da ré (em que formula pedido idêntico ao da acção e se manifesta a intenção de o fazer valer por via judicial) releva como causa interruptiva do prazo de prescrição que é de dois anos a contar do evento, por aplicação do artigo 7.º da Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1990, conforme decidido no processo, sem impugnação.</font><br> <font>Abordemos tal questão.</font><br> <font>IV - 2 - A questão encontrará a sua solução no alcance das normas ínsitas no artigo 323.º do Código Civil, que prescreve:</font><br> <font>«1 - A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.</font><br> <font>...</font><br> <font>4 - É equiparado à citação ou notificação para efeitos deste artigo qualquer meio judicial pelo qual se dá conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.»</font><br> <font>3 - A doutrina que se conhece é no sentido de a notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito ser meio adequado à interrupção da prescrição desse direito (Dias Marques, Código Civil ..., 2.ª ed., 1968, p. 88; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., pp. 258 e segs.), sendo certo que a mesma se apresenta sem demonstração da afirmação, salvo Castro Mendes, que, apoiando-se no elemento histórico de interpretação do artigo 323.º (anteprojecto inicial do Prof. Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 107, pp. 294 e 295, e primeira revisão ministerial, Código Civil, livro I, «Parte geral», Lisboa, 1961, artigo 284., p. 127), sustenta que, «com a segunda revisão ministerial, quebra-se o tipo de redacção dividido em alíneas e inicia-se aquele que consta agora do artigo 323.º do actual Código Civil. Aliás, o texto do artigo 323.º na segunda revisão ministerial, é ipsis verbis igual ao do artigo 323.º no 'projecto do Código Civil' e no Código em vigor. A expressão 'seja qual for o processo a que o acto pertence' tem de novo intenção expansiva e não restritiva: não se trata de limitar o domínio do processo em sentido restrito, mas de marcar bem que, tratando-se de notificação judicial, ele é relevante omnibus casis» (ob cit., pp. 261 e 262).</font><br> <font>4 - A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça encontra-se dividida em torno do problema de saber se o artigo 323.º do Código Civil admite ou não a notificação judicial avulsa como meio de interromper o prazo prescricional.</font><br> <font>Uma (a minoritária, a constante do Acórdão de 12 de Março de 1996, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, p. 441) entende que a notificação judicial avulsa não é meio adequado à interrupção da prescrição com base na seguinte argumentação:</font><br> <font>São requisitos cumulativos do meio de interrupção da prescrição do n.º 1 do artigo 323.º a prática de «acto», num processo de qualquer natureza; ser esse acto adequado a exprimir a intenção de exercício do direito pelo seu titular; e a comunicação ao devedor do mesmo acto por citação ou notificação judicial;</font><br> <font>O n.º 4 do artigo 323.º apenas tem de especial, no confronto com o seu n.º 1, a substituição da «citação ou notificação judicial» por «qualquer outro meio judicial», subsistindo os demais requisitos do n.º 1, com a prática de acto num processo e a intenção, por ele revelada, de exercício do direito;</font><br> <font>Ora, a notificação judicial avulsa não dá lugar à organização de qualquer processo, em sentido próprio, pois «toda a actividade que se exerce é conducente à notificação», a qual consiste num «simples aviso», e se se emprega a forma judicial é porque dá mais garantias de certeza (A. Reis, Comentário..., vols. I, p. 238, e II, p. 589) pelo que esse meio através do qual se comunica ao devedor a intenção de exercer o direito não se traduz na prática de um acto judicial com algum processo, mas naquela simples comunicação com valor idêntico à que poderia ser feita por via extrajudicial;</font><br> <font>A notificação judicial avulsa corresponderia ao protesto judicial previsto no Código Civil de 1867 e a nova lei não contém qualquer preceito que lhe possa corresponder, pelo que é de presumir que o legislador não quis manter tal solução, para além desta ser afastada pela letra do citado artigo 323.º;</font><br> <font>Confrontando-se os trabalhos preparatórios (Vaz Serra, Boletim, n.º 106, p. 213, e 107, p. 295) com o que a lei veio estabelecer, verifica-se, além do mais, não se ter aceitado a relevância do acto praticado fora de algum processo, como seria o caso da notificação judicial avulsa, o que mostra não ter sido esta admitida pelo legislador como meio de interrupção da prescrição.</font><br> <font>Outra (a maioritária, a constante dos Acórdãos de 2 de Abril de 1992, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 416, p. 558, de 20 de Abril de 1994, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 436, p. 299, e de 24 de Novembro de 1994, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, t. III, p. 160) entende que a notificação judicial avulsa é meio adequado à interrupção da prescrição com base na seguinte argumentação:</font><br> <font>Embora a letra do n.º 1 do artigo 323.º possa legitimar o entendimento de que a citação, como a notificação, têm de ser realizadas num processo pendente em juízo (não emergindo a notificação judicial - como a própria designação indica de qualquer processo judicial), a verdade é que o n.º 4 do mesmo preceito equipara a citação ou notificação, para efeitos deste artigo, a «qualquer outro meio judicial» pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido;</font><br> <font>Assim, ainda que o n.º 1 daquele preceito, artigo 323.º, exclua a notificação avulsa, este «meio judicial» encontra-se abrangido no seu n.º 4;</font><br> <font>O efeito interruptivo de uma citação ou notificação baseia-se em que, a partir dela, o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito pelo respectivo titular;</font><br> <font>Mas sendo assim, justifica-se que se atribua o mesmo efeito a uma notificação avulsa ou a qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento do exercício judicial do direito.</font><br> <font>5 - Entre as duas correntes deste Supremo Tribunal de Justiça, temos a maioritária como a mais conforme com o resultado da interpretação do artigo 323.º, n.os 1 e 4, do Código Civil.</font><br> <font>6 - Para se desvendar o verdadeiro sentido e o alcance da lei, o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil acentua a distinção entre o «texto» ou «a letra da lei» e os elementos não textuais da interpretação, nomeadamente o enquadramento sistemático resultante da consideração da «unidade do sistema jurídico», «as circunstâncias em que a lei foi elaborada» e ainda «as condições específicas do tempo em que é aplicada» (Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, p. 275).</font><br> <font>A reconstituição do pensamento legislativo em função da «unidade do sistema jurídico» leva a que se tomem em conta diversos elementos, que a doutrina tradicional indica como sendo três: o racional, o sistemático e o histórico.</font><br> <font>Para interpretar as normas transcritas parece-nos bastante socorrermo-nos do elemento histórico: os textos que directamente ou indirectamente serviram de modelo ao legislador (fontes de lei) e as publicações onde se documenta a elaboração da lei (trabalhos preparatórios).</font><br> <font>6.a) Vaz Serra, ao analisar as causas interruptivas por acto do titular do direito no Código de Seabra - artigo 552.º, n.os 2 e 3 -, com vista à elaboração do respectivo articulado (artigo 24.º do anteprojecto Boletim do Ministério da Justiça, n.º 107, p. 294), fez reparos e acrescentos que se sintetizam:</font><br> <font>a) Não parece de exigir, para que a citação judicial interrompa a prescrição, que a acção seja uma acção de condenação, pois, ainda que se trate de acção de declaração ou apreciação, de conservação ou executiva, a razão é a mesma;</font><br> <font>b) Os pedidos feitos no curso de um processo parece deverem ter também efeito interruptivo, embora não haja citação, propriamente dita, da outra parte. Trata-se de actos de exercício do direito, realizados judicialmente, e de que à parte contrária é dado conhecimento: o efeito interruptivo teria lugar quando essa outra parte tem ou deve ter conhecimento oficial do exercício do direito. Tais são, por exemplo, o pedido reconvencional, o pedido de intervenção na causa, o chamamento de garantes ao processo, a reclamação de créditos na execução, na falência ou na insolvência e o exercício de compensação no processo;</font><br> <font>c) Não parece de exigir que o arresto ou outra medida cautelar sejam seguidos de uma acção, uma vez que o simples acto de constituição do devedor em mora interrompe a prescrição;</font><br> <font>d) No caso de protesto judicial (Código Civil, artigo 552.º, n.º 3; Código de Processo Civil, artigos 455.º e 261.º), o efeito interruptivo produz-se quando à outra parte se dá conhecimento do protesto (notificação) («Prescrição extintiva e caducidade», Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, pp. 189, 205, 206 e 207).</font><br> <font>6.b) Com base na análise do artigo 552.º, n.os 2 e 3, do Código de Seabra, dos reparos e acrescentos referidos, Vaz Serra formulou o artigo 24.º do seu anteprojecto, que, na parte em causa, se transcreve:</font><br> <font>«1.º A prescrição interrompe-se:</font><br> <font>1) Pela citação ou notificação judicial do acto com que se inicia em processo de condenação, de apreciação, conservatório, executivo ou de conciliação, que traduza exercício do direito;</font><br> <font>2) Pela notificação judicial, ou circunstância equiparada, dos actos de exercício do direito praticados no decurso de um dos processos mencionados no número anterior.»</font><br> <font>6.b) Enquanto o n.º 2 do artigo 24.º abarcava os casos constantes dos reparos de Vaz Serra referidos na alínea b), o n.º 1 abarcava os demais casos referidos nos reparos e acrescentos feitos por Vaz Serra ao artigo 552.º, n.os 2 e 3, do Código de Seabra: os casos de citação ou notificação judicial em qualquer acção, no arresto e noutros processos cautelares e no protesto.</font><br> <font>O n.º 1 do artigo 24.º não podia deixar de ter a abrangência indicada, na medida em que não afastava como causa interruptiva quer o protesto - previsto, então, no artigo 455.º do Código de Processo Civil - quer o arresto e outros processos cautelares, sendo justificativo de tal abrangência o carácter exemplificativo do reparo referido na alínea a): «não parece de exigir, para que a citação judicial interrompa a prescrição, que a acção seja uma acção de condenação, pois, ainda que se trate de acção de declaração ou de apreciação, de conservação ou executiva, a razão é a mesma»; «a exigência da citação judicial da outra parte destina-se a dar-lhe conhecimento do exercício judicial do direito pelo titular, por não ser razoável que essa outra parte que acaso contava com a prescrição, tenha de se sujeitar à interrupção, sem seu reconhecimento» (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, p. 189).</font><br> <font>6.c) A abrangência dada ao n.º 1 do artigo 24.º do anteprojecto de Vaz Serra passou para a primeira revisão ministerial (o artigo 284.º diz que a prescrição se interrompe com a citação ou notificação judicial do acto em qualquer processo), sendo certo que essa abrangência se tornou mais expressiva com a substituição do termo «processo» pela expressão «qualquer processo».</font><br> <font>6.d) A segunda revisão ministerial (a corresponder à redacção definitiva do artigo 323.º) reforça esta abrangência ao substituir a expressão «qualquer processo» por «seja qual for o processo».</font><br> <font>6.e) A substituição da palavra «processo» pelas expressões «qualquer processo» no decurso dos trabalhos preparatórios e a «adopção» desta última expressão no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil vem a significar que o legislador adoptou um conceito amplo de «processo» (uma «intenção expansiva», no dizer correcto de Castro Mendes, ob. cit., pp. 261 e 262), a abarcar as acções classificadas no artigo 4.º do Código de Processo Civil de 1961 e os procedimentos definidos no artigo 2.º do mesmo Código (disposições em vigor à entrada em vigor do Código Civil de 1966).</font><br> <font>O Código de Processo Civil conhecia como procedimentos os procedimentos cautelares (artigos 381.º a 427.º), as cauções (artigos 428.º a 443.º), os depósitos (artigos 444.º e 445.º), os protestos (artigo 446.º) e as notificações judiciais avulsas (artigos 261.º e 262.º).</font><br> <font>7 - A notificação judicial avulsa é um procedimento, tal como estava definido no artigo 2.º do Código de Processo Civil de 1961 (e continua ainda a estar artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1995); é integrada por uma sucessão de actos jurídicos praticados em juízo, para realização desse negócio jurídico unilateral que é a interrupção da prescrição.</font><br> <font>7.a) A notificação judicial avulsa inicia-se com um acto da parte, o respectivo requerimento. Segue-se o acto da secretaria de apresentação do requerimento ao juiz. A seguir, por um acto judicial, um despacho, defere ou indefere o requerido, devendo a decisão, em especial a de indeferimento, ser fundamentada. No caso de deferir a notificação, não há oposição, mas o notificado pode arguir a nulidade da notificação - v., neste sentido, A. dos Reis, que expressivamente diz: «Isso (a oposição à notificação) é que o notificado não pode fazer no processo [sublinhado nosso] de notificação; mas pode reclamar contra qualquer nulidade, se porventura a notificação foi feita com inobservância das formalidades legais.» (Comentário ..., vol. II, p. 743.)</font><br> <font>7.b) No caso de indeferimento, cabe recurso para a relação, limitado a um grau, sendo certo que o acórdão da relação pode ser, como qualquer acórdão, objecto de pedido de aclaração ou alvo de arguição de nulidades (artigos 262.º, n.º 2, e 716.º do Código de Processo Civil).</font><br> <font>Com a decisão definitiva que ordena a notificação requerida encerra-se a fase declarativa do procedimento, seguindo-se a fase executiva, que é a notificação propriamente dita, submetida a determinado ritualismo, incluindo a entrega de duplicado do requerimento e dos documentos que para o efeito o acompanham.</font><br> <font>Depois da notificação, segue-se prazo para o notificado arguir nulidades, conforme ensinavam A. Reis, ob. cit., e Rodrigues Bastos, Notas ..., vol. I, p. 485.</font><br> <font>Necessariamente, a notificação judicial avulsa encontra-se abrangida pela expressão «seja qual for o processo a que o acto pertence», empregue no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.</font><br> <font>V - Pelo exposto, decide-se, para o efeito de uniformização da jurisprudência:</font><br> <font>«A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil.»</font><br> <font>Em consequência, nega-se a revista.</font><br> <font>Custas pela recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 26 de Março de 1998</font><br> <br> <font> Miranda Gusmão - Cardona Ferreira - Fernando Fabião - Sousa Inês - Pereira da Graça - Joaquim de Matos - Ribeiro Coelho - Garcia Marques - Lemos Triunfante - Silva Paixão - Lúcio Teixeira (com declaração de voto que junta) - Tomé de Carvalho - Fernandes de Magalhães - Machado Soares - Aragão Seia - Sampaio da Nóvoa - Ferreira Ramos - César Marques - Mário Cancela - Lopes Pinto - Costa Marques - Matos Namora - Roger Lopes (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Colega Martins da Costa) - Costa Soares - Figueiredo de Sousa - Almeida e Silva - Martins da Costa (vencido, nos termos da declaração que junto e que corresponde, no essencial, à fundamentação do projecto que elaborei como relator inicial) - Nascimento Costa - Pais de Sousa (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa).</font><br> <br> <font>Declaração de voto</font><br> <font>A questão essencial que foi objecto do acórdão recorrido, bem como da sentença da 1.ª instância, e que cabe agora reapreciar, respeita à relevância da notificação judicial avulsa da ré (em que se formula pedido idêntico ao da acção e se manifesta a intenção de o fazer valer por via judicial) como causa de interrupção do prazo de prescrição.</font><br> <font>A jurisprudência das relações tem-se pronunciado em sentidos divergentes: entre outros, pela relevância, Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Março de 1974, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 235, p. 337, e Acórdão da Relação do Porto de 19 de Setembro de 1994, na Colectânea de Jurisprudência, XIX, 4.º, p. 245, e, pela irrelevância, Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Abril de 1970, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 196, p. 303, e Acórdão da Relação de Évora de 12 de Janeiro de 1995, na Colectânea de Jurisprudência, XX, 1.º, p. 271.</font><br> <font>Neste Tribunal tem prevalecido a solução da suficiência daquela notificação (Acórdãos de 9 de Abril de 1992, de 20 de Abril de 1994 e de 3 de Junho de 1997, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 416, p. 558, e 436, p. 299, e na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, V, 2.º, p. 114, respectivamente), tendo-se decidido em sentido contrário no Acórdão de 12 de Março de 1996, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, p. 441.</font><br> <font>A posição maioritária, tal como o acórdão recorrido e o parecer do Ministério Público, baseiam-se essencialmente nos elementos fornecidos pela doutrina, no conceito amplo de «processo», no fundamento do efeito interruptivo da citação e no confronto entre os n.os 1 e 4 do artigo 323.º do Código Civil, mas entende-se não ser essa a solução mais rigorosa.</font><br> <font>Pelo n.º 1 do citado artigo 323.º, «a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente».</font><br> <font>São, assim, requisitos cumulativos desse meio de interrupção da prescrição: a prática de «acto», num processo de qualquer natureza; ser esse acto adequado a exprimir a intenção de exercício do direito pelo seu titular, e a comunicação ao devedor do mesmo acto por citação ou notificação judicial.</font><br> <font>O meio normal de expressão directa da intenção de exercício do direito é a propositura de acção em que se pede a condenação do devedor no pagamento da prestação ou no reconhecimento do direito ou a formulação do pedido por via reconvencional, e, como meios indirectos, têm sido indicados os de pedido de intervenção do devedor na causa, de chamamento de garantes, de reclamação de créditos em execução ou falência, de exercício da compensação no processo, de dedução de acusação em processo criminal ou de intervenção nesse processo como assistente, pois esses actos «são praticados também com a intenção de exercer» o respectivo direito (cf. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 103.º, p. 415, e 112.º, p. 290).</font><br> <font>Sempre esses actos têm de ser praticados num processo, não bastando o exercício extrajudicial do direito, como a interpelação feita directamente ao devedor, ponto que não tem sido objecto de discussão e não teria sequer um mínimo de correspondência na letra da lei. De resto, não deixa de ser oportuno salientar-se que a interrupção da prescrição não se confunde com a constituição do devedor em mora, a qual pode ter lugar por qualquer meio, designadamente por interpelação extrajudicial (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil).</font><br> <font>Por outro lado, o n.º 4 do citado artigo 323.º, onde se estabelece que «é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido», apenas tem de especial, no confronto com o seu n.º 1, a substituição da «citação ou notificação judicial» por «qualquer outro meio judicial», subsistindo os demais requisitos do n.º 1, como a prática de «acto» num processo e a intenção por ele revelada de exercício do direito.</font><br> <font>Em regra, a comunicação dos actos judiciais é feita por citação ou notificação e apenas se pretendeu salientar a equivalência de «qualquer outro meio judicial» ou de «acto equiparado» (artigo 327.º, n.º 1, do citado Código), até porque é à lei processual que cabe definir as formas dessa comunicação.</font><br> <font>Assim, a não se admitir a suficiência da notificação judicial avulsa, perante o n.º 1 do artigo 323.º, também ela não poderá admitir-se com base no seu n.º 4.</font><br> <font>Ora, essa notificação avulsa não dá lugar à organização de qualquer processo, em sentido próprio, pois «toda a actividade que se exerce é conducente à notificação», a qual consiste num «simples aviso», e, «se se emprega a forma judicial, é porque dá mais garantias de certeza» (A. Reis, Comentário ..., vols. I, p. 238, e II, p. 589), pelo que esse meio através do qual se comunica ao devedor a intenção de exercer o direito não se traduz na prática de acto judicial em algum processo, mas naquela simples comunicação, com valor idêntico à que poderia ser feita por via extrajudicial.</font><br> <font>Acresce que, como geralmente se sustenta e se refere mesmo no citado Acórdão deste Tribunal de 20 de Abril de 1994, «o efeito interruptivo da citação baseia-se em que, a partir dela, o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito, pelo credor», mas daqui não pode concluir-se, como por vezes se tem concluído, pela relevância da notificação judicial avulsa da intenção de se pretender exercer o direito por via judicial, uma vez que o devedor, com essa notificação, não fica a ter aquele conhecimento do exercício judicial do direito, mas só da intenção do credor quanto a esse exercício no futuro.</font><br> <font>Tal notificação não é, pois, suficiente para o efeito em causa, por não respeitar à prática de um acto, num processo, revelador da intenção de exercício do direito pelo seu titular, mas se traduzir na simples comunicação ao devedor dessa intenção.</font><br> <font>A doutrina não assume o relevo que lhe é apontado pelo Ministério Público no sentido da suficiência desta notificação como meio interruptivo da prescrição.</font><br> <font>J. Dias Marques (Código Civil «com nótulas [...]», 2.ª ed., de 1968, p. 88) diz apenas, em anotação ao artigo 323.º, que «parece bastar como acto interruptivo a simples notificação judicial avulsa em que o titular do direito manifeste a intenção de o exercer». Trata-se de mero parecer, sem qualquer fundamentação.</font><br> <font>M. J. Almeida Costa (Direito das Obrigações, 6.ª ed., p. 992), em simples nota, refere o parecer de Dias Marques e acrescenta que «nesse sentido militam, na verdade, fortes razões práticas, embora a letra e a história do artigo 323.º [...] talvez pudessem inculcar a solução oposta». Afigura-se haver aqui uma certa contradição, na medida em que «a letra e a história» se devem sobrepor às «razões práticas».</font><br> <font>Mário de Brito (Código Civil Anotado, I, p. 418) não se pronuncia sobre a questão e aponta como fundamento da interrupção o conhecimento pelo devedor do «exercício judicial do direito pelo respectivo titular». Em conformidade com esse fundamento, não é relevante aquela notificação, uma vez que ela não respeita ao exercício do direito, mas só à intenção do seu futuro exercício.</font><br> <font>P. Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, 4.ª ed., I, p. 290) não tomam posição, pelo menos expressa, apenas citando dois acórdãos das relações em sentido divergente.</font><br> <font>A Revista dos Tribunais (ano 94.º, p. 28) faz distinção entre os n.os 1 e 4 do artigo 323.º, sustentando que o primeiro «legitima o entendimento de que a citação, como a notificação, têm de ser operadas num processo pendente em juízo [...]», enquanto o segundo «equipara à citação ou notificação, para efeitos desse artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto [...]», e, «nestas condições, ainda que o n.º 1 excluísse a notificação avulsa, ela surtiria efeito ex vi do n.º 4».</font><br> <font>Porém, essa distinção, com o alcance que lhe é atribuído, não tem qualquer correspondência na letra da lei; como já se notou, os requisitos da interrupção da prescrição são os previstos no n.º 1 do artigo 323.º, limitando-se o n.º 4 a estabelecer equiparação entre a «citação ou notificação» e «qualquer outro meio judicial [...]».</font><br> <font>Castro Mendes (Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pp. 258 e segs.) baseia-se em que a expressão legal «seja qual for o processo» tem «intenção expansiva» e nela se inclui «a sequência processual destinada à notificação judicial avulsa como um processo, num sentido lato ou amplo do termo».</font><br> <font>Ora, como já se concluiu, não há aqui «processo» nem «acto», nele praticado, através do qual se exprima a intenção de exercício do direito, mas só a comunicação da intenção de o direito vir a ser exercido, ou seja, de prática do acto num futuro processo judicial.</font><br> <font>De resto, a tese de Castro Mendes é defendida na sequência da impossibilidade de «repetição da acção pelo vencedor para interromper o prazo prescricional», de tal modo que, «não se admitindo a interrupção da prescrição por promoção do titular de crédito mediante notificação judicial avulsa, ela teria de ser feita por citação para a acção executiva [...]» e não teria sido este «o pensamento legislativo». Em rigor, esta posição parte do falso pressuposto de o credor dever ter sempre à sua disposição um meio fácil de obter a interrupção da prescrição, além do próprio exercício de direito, o que se não justifica e está em conflito com as razões de interesse e ordem pública que estão na base do instituto da prescrição, como a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico.</font><br> <font>Finalmente, Vaz Serra, no lugar salientado pelo Ministério Público (Revista de Legislação e de Jurisprudência, 109.º, p. 248, em nota), limita-se a transcrever o exposto na Revista dos Tribunais e no Código Civil Anotado de P. Lima e A. Varela, não emitindo qualquer opinião sobre o tema em apreciação. Acresce que esse autor, nas anotações acima citadas, exige a prática de «actos de exercício do direito, realizados judicialmente [...]», o que exclui a relevância desta notificação avulsa.</font><br> <font>Concorrem no mesmo sentido o confronto com a lei anterior e os trabalhos preparatórios do Código Civil.</font><br> <font>Pelo Código Civil de 1867, a prescrição interrompia-se, além do mais, por protesto judicial, mas esse efeito dependia de a acção ser proposta no prazo de um mês (artigo 552.º, n.º 3) e tal protesto efectuava-se «por meio de notificação avulsa» (artigo 446.º do Código do Processo Civil de 1961).</font><br> <font>A notificação judicial avulsa em apreciação equivaleria a esse protesto judicial e a nova lei não contém qualquer preceito que lhe possa corresponder, pelo que é de presumir que o legislador não quis manter tal solução, para além de esta ser afastada pela letra do citado artigo 323.º</font><br> <font>Por outro lado, naqueles trabalhos preparatórios defendia-se que o acto extrajudicial «pelo qual o credor exige ao devedor a prestação deve ser suficiente para a interrupção da prescrição, desde que feito por escrito», porque este acto, além de constituir o devedor em mora, «afigura-se suficientemente forte para traduzir um exercício do direito [...]», e, no respectivo articulado, propunha-se a interrupção da prescrição «pela citação ou notificação judicial [...] do acto com que se inicia um processo [...] que traduza exercício do direito», «pela notificação judicial, ou circunstância equiparada, dos actos de exercício do direito praticados no decurso de um» desses processos, «pelo acto escrito pelo qual se dá conhecimento à outra parte do exercício do direito perante um tribunal ou uma autoridade, ainda que incompetentes», e «pelo acto escrito em que o credor constitui em mora o devedor» (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, p. 213, e 107, p. 295).</font><br> <font>Confrontando-se esses trabalhos com a lei que veio a ser estabelecida, verifica-se que, além do mais, não se aceitou a relevância de acto praticado fora de algum processo, como seria o caso da notificação judicial avulsa, o que mostra não ter sido esta admitida pelo legislador como meio de interrupção da
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Na Comarca do Porto, o Digno Magistrado do Ministério<br> Público propôs contra A a presente acção de investigação oficiosa de paternidade, na qual pediu que o menor B, nascido em 21 de Setembro de 1990 e registado como filho de C e sem menções de paternidade, fosse declarado filho do réu.<br> Na instrução do processo, o Ministério Público requereu o exame de sangue ao réu, à mãe do menor e a este, mas a mãe do menor faltou, por três vezes, aos exames hematológicos dela e do menor no Instituto de Medicina Legal, sem qualquer justificação, pelo que o Ministério<br> Público requereu que ela fosse presente sob custódia no dito Instituto, na data designada, para efectivação de tais exames, mas o senhor juiz indeferiu este requerimento com o fundamento de ser ilegal a obrigação de submissão a exames hematológicos.<br> Desta decisão agravou o Ministério Público, mas a<br> Relação negou provimento ao recurso.<br> Deste acórdão voltou a agravar o Ministério Público, o qual, na sua alegação, concluiu assim:<br> I - O dever de cooperação para a descoberta da verdade que decorre do artigo 519 do Código de Processo Civil implica que a mãe do menor e o próprio menor sejam obrigados a submeter-se a exame de sangue, o qual não implica qualquer atentado do direito à integridade física, ao bom nome ou reputação ou à reserva de vida privada e familiar, embora implique um atentado à liberdade dos examinados, quando coercivamente realizado, o que, porém, é constitucionalmente admissível, nos termos do artigo 18 n. 2 e 27 n. 3 da<br> C.R.P., e se insere no âmbito das restrições constitucionalmente admissíveis (artigo 40 n. 1 do<br> Decreto-Lei 387-C/87), para além de que a Comissão<br> Europeia dos Direitos do Homem tem considerado compatível com as suas disposições o uso de meios coercivos para a realização de exames ao sangue contra a vontade do examinado e no mesmo sentido se tendo pronunciado, por mais de uma vez, a Relação do Porto;<br> II - no presente caso, não pode sequer sustentar-se que o comportamento da mãe do menor significa iniludivelmente a recusa de realizar o exame; pelo que nem sequer se pode sustentar que determinar de novo a realização do exame é um acto inútil;<br> III - impõe-se o sancionamento da mãe do menor nos termos do dito artigo 519 e a sua coacção para a realização dos exames pretendidos;<br> IV - o acórdão recorrido violou o disposto dos artigos<br> 519 do Código de Processo Civil, 40 n. 1 do Decreto-Lei<br> 387-C/87 e 18 n. 2 e 27 n. 3 da Constituição da<br> República Portuguesa;<br> V - deve dar-se provimento ao recurso, sancionar-se a mãe do menor pelas faltas e impor-se a realização do exame ao sangue dela e do menor, com a comparência sob custódia, se necessário.<br> Não houve contra-alegação.<br> Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br> A primeira questão a resolver consiste em saber se a mãe do menor pode ser obrigada a comparecer, sob custódia, acompanhada do filho menor, no Instituto de<br> Medicina Legal, a fim de aí ambos serem submetidos a exames hematológicos, que foram requeridos nesta acção de investigação oficiosa de paternidade.<br> A resposta não é fácil.<br> Segundo o preceituado no artigo 519 n. 1 do Código de<br> Processo Civil, todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, submetendo-se às inspecções necessárias.<br> E, de acordo com o disposto no artigo 1801 do Código<br> Civil, nas acções relativas à filiação, são admitidos como meios de prova os exames de sangue (cfr., para o processo criminal, o artigo 40 n. 1 do Decreto-Lei<br> 387-C/87, de 29 de Dezembro).<br> O escopo do mencionado artigo 1801, para além de afirmar a confiança na capacidade dos laboratórios nacionais para, através de meios científicos, demonstrar a filiação biológica, foi justamente o de esclarecer que os exames de sangue eram admissíveis como meios de prova sem serem ofensivos da intimidade da vida privada ou familiar ou da dignidade nem gravemente danosos da honra e consideração da pessoa examinada (Guilherme de Oliveira, R.L.J. 128, 183 e seguintes Estabelecimento da Filiação, 16 e 17;<br> Antunes Varela, R.L.J. 127, 326; acórdão do Supremo<br> Tribunal de Justiça Janeiro de 1987, B.M.J. 363, 946).<br> Isto é assim quando não há recusa ao dito exame de sangue. Mas, se a houver, como acontece no caso sub-judice, importa, então, saber se é possível compelir a mãe do menor, sob custódia, a comparecer no<br> Instituto de Medicina Legal, acompanhada do menor, a fim de aí serem submetidos aos exames de sangue, mesmo contra a vontade dela, questão esta que é, claro está, diferente da questão da mera admissibilidade de tais exames, ao abrigo do referido artigo 1801.<br> Pois bem, o n. 2 do mencionado artigo 519 logo refere que a recusa da colaboração devida para a descoberta da verdade para além da condenação em multa, não prejudica os meios coercivos que forem possíveis.<br> Do ponto de vista processual, são, pois, legítimos os meios coercivos possíveis, mas tudo está em saber se, do ponto de vista constitucional, entre esses meios coercivos se inclui a obrigação de comparência sob-custódia, no dito Instituto, para a realização dos exames de sangue, da mãe e de seu filho menor, contra a vontade daquela.<br> A solução do problema vai depender da resposta que se der à questão seguinte: a comparência sob custódia e a submissão forçada aos exames, cujo primeiro acto implica necessariamente uma picada para extrair sangue, violam o direito à liberdade (artigo 27 n. 1 da Constituição), o direito à integridade pessoal, moral e física (artigo 25 n. 1 da Constituição) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da vida privada e familiar (artigo 26 n. 1 da Constituição)?<br> Os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, pois que a própria Constituição admite a sua restrição, como decorre do preceituado nos ns. 2 e<br> 3 do artigo 18. Posto é que tais restrições visem salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não diminuam a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais e respeitem o princípio da proporcionalidade ou da proibição da escusa na sua tripla vertente:<br> - a da adequação (é necessário que a restrição seja apropriada à prossecução dos fins invocados pela lei);<br> - a da necessidade (são de evitar as restrições não necessárias à obtenção dos fins de protecção visados pela norma legal, pelo que lhe só serão exigíveis ou necessários quando não é possível escolher outros menos coactivos);<br> - e a da proporcionalidade em sentido estrito (as restrições não devem ser excessivas, mas sim na justa medida, em confronto com os fins prosseguidos (J.J.<br> Gomes Canotilho, Direito Constitucional, edição de<br> 1991, 613 e seguintes e 628 e seguintes; Jorge Miranda,<br> Manual de Direito Constitucional, Volume IV, 2. edição,<br> 304 a 307; Cardoso da Costa, B.M.J. 396, 16; José da<br> Costa Nabais, B.M.J. 400, 24; votos de vencido dos Conselheiros Fernando Alves Correia e Messias Bento no acórdão do Tribunal Constitucional de 7 de Julho de<br> 1994, B.M.J. 439, 69).<br> Aliás, para além, dos casos em que os preceitos constitucionais autorizam tais restrições aos direitos fundamentais importa ainda salientar que estes direitos fundamentais têm limites imanentes, o que significa que eles não cobrem todas as hipóteses possíveis da sua realização. Tendo que conviver e compaginar-se com outros direitos, a Constituição não pode ter querido que um direito seja exercido de forma a violar o conteúdo essencial de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (Jorge Miranda, Ob.<br> Cit., 300 e 301, J.J. Gomes Canotilho, Ob. Cit., 616 e seguintes; José da Costa Nabais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, LXV, 81 e 82).<br> Por sua vez, o artigo 29 da Declaração Universal dos<br> Direitos do Homem - esta D.U.D.H. foi elevada pelo artigo 16 n. 2 da Constituição a padrão interpretativo e integrador dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais - preceitua o seguinte:<br> No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e o fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem estar numa sociedade democrática.<br> Assim, também a D.U.D.H. admite restrições aos direitos fundamentais, dentro do apontado condicionalismo.<br> E o mesmo faz a Convenção Europeia do Direito do Homem<br> - esta Convenção Europeia foi aprovada pela Lei 65/78, * de 13 de Outubro - ao menos quanto à privação da liberdade, já que, depois de ter afirmado que todos têm direito à liberdade (artigo 5 n. 1), estipula que ninguém pode ser dela privado salvo, além de noutros casos, se for preso ou detido legalmente, por desobediência a uma decisão tomada, em conformidade com a lei, por um tribunal, ou para garantir o cumprimento de uma obrigação prescrita por lei (artigo 5 n. 1 da alínea b)).<br> Ora, a paternidade é um valor social iminente (artigo<br> 68 n. 2 da Constituição) e o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade decorre, como um seu corolário, do próprio princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1 da Constituição), do direito à identidade pessoal (artigo 26 n. 1 da Constituição) e do direito à integridade moral (artigo 25 n. 1 da Constituição). Isto é, extrai-se da Constituição um verdadeiro direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade (Guilherme de Oliveira,<br> Impugnação de Paternidade, 66, e Estabelecimento da<br> Filiação, 40; Antunes Varela, R.L.J. 128, 99 e seguintes; Cardoso da Costa, B.M.J. 396, 14 e 15; acórdão do Tribunal Constitucional de 25 de Setembro de<br> 1991, B.M.J. 409, 314, no qual ainda se cita, no mesmo sentido, o acórdão n. 98/88, de 22 de Agosto de 1988).<br> Na solução do problema, não pode, pois, olvidar-se que este direito fundamental existe.<br> No tocante ao princípio da proibição da privação da liberdade, total ou parcial, estabelecido no artigo 27 ns. 1 e 2 da Constituição, o n. 3 alínea e) deste artigo exceptua deste princípio, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, a detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante a autoridade judicial competente.<br> E esta excepção não pode deixar de cobrir o caso de a comparência ser no Instituto de Medicina Legal, dado existir a mesma razão de ser que há na comparência perante a autoridade judicial competente.<br> Por isso, concluimos que a comparência, sob custódia, da mãe do menor, acompanhada deste, no Instituto de<br> Medicina Legal, para os exames de sangue, mesmo contra a vontade da mãe, não viola o direito à liberdade, suposta, claro está, a legitimidade da submissão deles a tais exames, pois que a imposição de tal conduta pelo juiz cabe na parte final da citada alínea e) do n. 3 do artigo 27 e constitui uma excepção ao princípio da proibição da privação da liberdade acima enunciado.<br> De resto, a não se entender assim, sempre estariamos não perante um caso de privação, total ou parcial, da liberdade mas apenas perante uma medida restritiva dessa liberdade, dado ela não atingir um grau ou uma intensidade de constrição à liberdade que possa qualificar-se como uma privação destes, já que não é atingido o conteúdo essencial do preceito constitucional que consagra o direito à liberdade, e, por outro lado, se mostra respeitado o princípio da proporcionalidade, por a imposição da dita conduta contra a vontade da mãe do menor se apresentar como um acto adequado, necessário e não excessivo (cfr. os falados votos de vencido e ainda o do Conselheiro Vitor<br> Nunes de Almeida no citado acórdão, os quais, realça-se, até versarem sobre um caso de privação da liberdade mais grave do que aquele que nos ocupa). Na verdade, quando o autor da acção de investigação oficiosa de paternidade não logra fazer a prova da exclusividade das relações sexuais entre o investigado e a mãe do menor, os ditos exames de sangue são, para além de adequados e não excessivos, necessários, já que deles pode resultar, no aspecto negativo, a exclusão da paternidade com toda a segurança, e, no aspecto positivo, uma larguíssima probabilidade, bem mais convincente da decorrente da prova testemunhal, da pretendida paternidade.<br> Mas, sendo assim, no tocante ao direito à integridade pessoal, sobretudo física, claro está que ele sofre uma constrição pela extracção forçada do sangue a examinar, mas ela é tão diminuta, epidérmica e insignificante que bem se pode dizer estar-se longe de constituir violação do direito, ao menos em termos de atingir o seu conteúdo essencial: se o exame de sangue é necessário à descoberta da verdade da filiação e se se respeita, na sua realização, a dignidade da pessoa humana, não sofre dúvida que se está perante o recurso a um meio de prova proporcionado, não excessivo, e, assim, perante uma restrição permitida pelos referidos ns. 2 e 3 do artigo<br> 18.<br> Quanto à eventual violação do direito ao bom nome e reputação e do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, havemos de convir que não são atingidos, pois se não vê qualquer imputação falsa de actos que possam diminuir as pessoas na sua consideração social, honra ou dignidade, como não se vê que seja afectado o seu espaço interior e familiar, a sua esfera pessoal íntima (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional, de 1 de Abril de 1992, B.M.J. 416, 145, e de 20 de Junho de 1995, Diário da República, II série, de 2 de Novembro de 1995).<br> No fundo, está-se perante um conflito de direitos fundamentais que importa solucionar.<br> Ora, muito embora não exista um modelo de solução, um critério geral e abstracto para a resolução de um conflito de direitos (por exemplo, com base numa ordem de valores ou na distinção entre direitos sujeitos a leis restritivas e direitos não sujeitos a essas leis), a via indicada para decidir o conflito de direitos será a que os harmonize ou, se necessário, dê prevalência a um deles, conjugado o princípio da proporcionalidade com os ditames da necessidade e de adequação, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e tendo em conta os valores ínsitos nos textos legais, eventualmente reveladores de uma hierarquia - a Constituição parece atribuir maior consistência, densidade e protecção jurídica a certos direitos fundamentais - aplicando critérios metódicos abstractos que orientem a tarefa de formação e/ou harmonização concretas, tais como "o princípio da concordância prática, "a ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes" (J.J. Gomes Canotilho, Ob.<br> Cit., 538, 660, 661, e R.L.J. 125, 293 e seguintes;<br> Jorge Miranda, Ob. Cit., 145, 146, 301; Cardoso da<br> Costa, loc. cit.; Figueiredo Dias, R.L.J. 115, 102;<br> Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, 312 e 535 e seguintes; J.L. Morais Rocha, Lei de Imprensa,<br> 40, 51; acórdão do Tribunal Constitucional de 18 de<br> Julho de 1984, B.M.J. 352, 188; acórdão do Supremo<br> Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 1988, B.M.J.<br> 374, 218; Parecer da Proc. Geral da República, de 6 de<br> Fevereiro de 1985, B.M.J. 349, 190).<br> A lei ordinária estabeleceu, de resto, um regime para a colisão de direitos no artigo 335 do Código Civil, o qual dispõe:<br> 1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.<br> 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.<br> Pois bem, a esta luz, e mau grado os direitos em conflito terem igual categoria constitucional, a realização eficaz do direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade só é possível fazendo comparecer, sob custódia, a mãe do menor cuja paternidade se investiga, acompanhada dele, para submissão forçada aos exames de sangue. É que, como já se salientou, um tal direito pode ser atingido em toda a linha da sua protecção jurídica, em toda a sua consistência e densidade, se não se conseguir provar a exclusividade das relações sexuais entre o investigado e a mãe do menor; ao invés, aqueloutros direitos fundamentais com ele colidentes só são tocados ao de leve, com pequenas dentadas, superficiais, de todo insignificantes, que não os atingem na sua consistência jurídica e muito menos no seu núcleo essencial. Trata-se de restrições a esses direitos, perfeitamente legitimadas pela própria Constituição<br> (artigo 18 ns. 2 e 3, 27 n. 3 alínea e)), dado que são estabelecidas para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e se limitam ao necessário para essa protecção (J.J. Gomes<br> Canotilho, Vital Moreira, C.R.P. Anotada, 3. edição,<br> 184 e 185).<br> Assim, não podemos deixar de responder afirmativamente<br> à questão posta, tanto mais que, atentos os progressos da ciência no campo em causa, a realização dos exames de sangue, nas acções de filiação, é, hoje em dia, um meio seguro de chegar à verdade da filiação, e o legislador não está propriamente interessado em que todos tenham pai mas sim e acima de tudo em que todos tenham como pai aquele que, de facto, os gerou.<br> A favor da preconizada orientação pode ainda argumentar-se com o que se passa em casos idênticos ou paralelos, argumento este não despiciendo, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico (cfr. artigo 9 n.<br> 1 do Código Civil).<br> Em processo civil, é o caso do n. 2 do artigo 629 do<br> Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz pode ordenar que a testemunha que sem justificação tenha faltado compareça sob custódia.<br> Também aqui há uma constrição do direito à liberdade em nome do interesse público de alto valor da ordem e da paz social estritamente vinculado à pacífica e justa composição dos litígios entre particulares (Manuel<br> Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1963, 14).<br> Em processo criminal, é permitido conduzir forçadamente as pessoas ao posto policial mais próximo e compeli-las a aí permanecerem pelo tempo estritamente necessário à sua identificação, em caso algum superior a 6 horas<br> (artigo 250 n. 3 do Código de Processo Penal), como pode a autoridade judiciária competente compelir alguém que pretenda eximir-se ou obstar a qualquer exame devido (artigo 172 do Código de Processo Penal) como ainda as autoridades policiais podem obrigar o condutor do veículo a submeter-se ao teste de detecção de<br> álcool, através da expiração de ar (artigo 6 n. 1 do<br> Decreto-Lei 124/90, de 14 de Abril).<br> Também, nestes casos, há restrições ao direito à liberdade e ao direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, perfeitamente justificáveis do ponto de vista constitucional, para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e com vista à descoberta da verdade e à prevenção e repressão dos crimes, fins estes visados pelo processo penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 20 de Junho de 1995, Diário da República, II Série, de 2 de Novembro de 1995).<br> Resta dizer que os ns. 1 e 3 do citado artigo 519 não se opõem à preconizada orientação.<br> Como é óbvio, se é legítimo ordenar a comparência forçada da mãe do menor, acompanhada do filho menor, no dito Instituto, para a sua submissão aos exames de sangue, clara é a legalidade dos despachos a que a mãe do menor desobedeceu sem justificar as faltas, por que, embora não sendo parte mas terceiro na acção, tem de ser condenada em multa, ao abrigo do disposto no n. 2 do citado artigo 519, a qual julgamos dever ir até 2<br> UCS, nos termos da alínea b) do artigo 102 do C.C.<br> Judiciais que foi aprovado pelo Decreto-Lei 224-A/96,<br> 2. Sup. de 26 de Novembro de 1996.<br> Por tudo o exposto, dando-se provimento ao recurso, condena-se a C em 2 UCS e determina-se que o senhor juiz da 1. instância profira despacho a ordenar que esta C compareça, sob custódia, se necessário, acompanhada de seu filho menor B, no<br> Instituto de Medicina Legal do Porto, a fim de ambos aí se submeterem, mesmo contra a sua vontade, a exames hematológicos.<br> Não são devidas custas.<br> Lisboa, 11 de Março de 1992.<br> Fernando Fabião;<br> César Marques;<br> Machado Soares;<br> Martins da Costa (Vencido, nos termos da declaração que junto);<br> Pais de Sousa (Vencido, nos mesmos termos da declaração anterior).<br> Declaração de voto de vencido, no processo n. 901/96<br> Salvo o devido respeito e sem prejuízo do reconhecimento da douta argumentação desenvolvida no acórdão, entendo que seria de negar provimento ao recurso, conforme sustentei já em acórdão deste tribunal, de 4 de Outubro de 1994, no processo n.<br> 85563, de que fui relator, e cujos fundamentos agora se repetem, em resumo.<br> Pelo artigo 519 n. 2 do Código de Processo Civil (na redacção aqui aplicável, anterior ao Decreto-Lei n.<br> 329-A/95, de 12 de Dezembro), a recusa ilegítima da colaboração devida para a descoberta da verdade é suprível pelo uso "dos meios coercitivos que forem possíveis".<br> A realização do exame hematológico é, efectivamente, um acto necessário à descoberta da verdade e a recusa de submissão a esse exame deve ter-se como ilegítima por se não tratar de acto vexatório, humilhante ou causador de grave dano (n. 3 do citado artigo 519).<br> Dessa ilegitimidade da recusa não decorre, porém, a possibilidade de o recusante ser coagido à realização do exame.<br> Aqueles "meios coercitivos... possíveis", além de idóneos ou adequados ao fim visado pela determinação judicial, devem ser lícitos, no sentido de "admitidos pela ordem jurídica", não podendo alguém ser forçado<br> "por qualquer espécie de violência física... a submeter-se a inspecções..." (A. Reis, no Código<br> Anotado, III, página 325).<br> Não vale argumentar-se, em sentido contrário, com o disposto no artigo 27 n. 3 alínea e) da Constituição, que permite a "detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal...", pois o citado n. 2 do artigo 519 não sanciona a recusa ao exame como desobediência e aquela detenção terá de subordinar-se às "condições que a lei determinar", não estando prevista para essa recusa.<br> Tais meios coercitivos serão assim apenas os admitidos por lei, como é o caso, entre outros, da apreensão de documentos e da comparência de testemunha "sob custódia" (artigos 529 e 629 n. 2 do citado Código).<br> Acresce que a extracção de sangue numa pessoa, por menos doloroso ou incómodo que seja esse acto, não deixa de ser uma "ofensa no corpo" (artigo 143 do<br> Código Penal) ou violação do direito à integridade física, em princípio proibida (artigo 25 n. 1 da Constituição), e cuja ilicitude só é afastada por motivo de a realização do exame, dependente dessa extracção de sangue, ser permitida pela "ordem jurídica" (artigo 31 do citado Código Penal).<br> Ou seja, o exame pode licitamente ser ordenado mas já o emprego da força para submeter a pessoa à sua realização traduz directa violação daquele direito à integridade física e, não estando prevista na lei a sua admissibilidade, esse uso da força reconduzir-se-ia, em si mesmo, à prática de um acto ilícito (cfr. Guilherme de Oliveira, no Estabelecimento da Filiação, página 19, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição...<br> Anotado, 1. volume, páginas 193 e 201).<br> No mesmo sentido concorre o disposto no citado artigo<br> 519 n. 3, alínea a), na redacção actual, onde se prevê a legitimidade da recusa "se a obediência importar violação da integridade física...", não se distinguindo aí entre a maior ou menor gravidade dessa violação.<br> Deste modo, em acção de investigação da paternidade, não pode alguém ser coagido, por meio de violência física, designadamente "sob custódia", à realização de exame hematológico.<br> José Martins da Costa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Na Comarca de Espinho,<br> A propôs contra<br> B - Sociedade de Investimentos Turísticos Limitada a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que esta ré fosse condenada a encerrar a discoteca denominada "Discoteca B", por perturbar os direitos de personalidade da autora e família, e só poder reabri-la depois de comprovado judicialmente que está totalmente eliminada a possibilidade de produzir ruídos perturbadores da saúde e repouso da autora e família e, mesmo assim, desde que ela, ré, assuma e garanta a presença permanente de agentes da P.S.P. junto da discoteca, e ainda em indemnização condigna em favor da autora, tendo para tanto articulado os pertinentes factos e direitos; pediu ainda o apoio judiciário nas modalidades de dispensa total de preparos e do pagamento de custas e da dispensa de pagamento de serviços de advogado.<br> Na sua contestação, a ré confessou alguns factos e negou outros e terminou pedindo a improcedência da acção.<br> Foi concedido à autora o pedido apoio judiciário.<br> Foi proferido o despacho saneador.<br> Foram organizados a especificação e o questionário.<br> Prosseguiu o processo a tramitação legal, até que, feito o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos.<br> Desta sentença apelou a autora, mas a Relação negou provimento ao recurso.<br> Deste acórdão interpôs a autora recurso de revista, e, na sua alegação, concluiu:<br> I - o direito ao repouso, ao sossego e ao silêncio são direitos de personalidade gerais, absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, inalienáveis, impenhoráveis, vitalícios e necessários;<br> II - o julgador, em matérias como esta, não deve atender a um tipo humano médio, ao conceito de citação normal e comum, mas sim à especial sensibilidade de cada lesado tal como ele é na realidade;<br> III - Segundo a Tremolien, ao ruído deve imputar-se cerca de 30 porcento dos envelhecimentos prematuros, 80 porcento das enxaquecas e nos 52 porcento dos transtornos de memória;<br> IV - a autora tem o direito de repousar em sua casa sem ouvir diariamente os ruídos da discoteca ao lado, as habituais rixas, as discussões, os palavrões escabrosos e ruídos estridentes provocados por empregados e clientes que frequentam a discoteca desde as 22 horas até depois das 4 horas (5 horas e 30 minutos nos meses de Agosto e Setembro), não sendo legítimo e humano que tenha ainda de suportar a habitual aglomeração no local de bêbedos e drogados);<br> V - ruído, na língua portuguesa, é um som destituído de valor musical, um barulho que incomoda e é desagradável e está provado que "a autora em sua casa ouve o ruído proveniente da discoteca" (o que tem um claro sentido de incómodo que ultrapassa o som normal da música); bem como que não a deixam dormir normalmente; e ninguém pode suportar ruído constante e diário quando está deitado e pretende repousar;<br> VI - a autora e as pessoas que vivem nas proximidades têm o direito de dormir normalmente e não o podem fazer a partir das 22 horas até depois da hora do encerramento da discoteca;<br> VII - é facto notório e constantemente aflorado na comunicação social que as discotecas são locais nocturnos de diversão muito ruidosos, que perturbam o sossego e o descanso da vizinhança e que provocam importantes conflitos sociais com a vizinhança;<br> VIII - a discoteca da ré nunca foi licenciada pela delegação de Saúde de Espinho;<br> IX - não foi adoptada a doutrina e jurisprudência actualmente dominante, com especial relevo para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1986, Boletim do Ministério da Justiça 354, página 356;<br> X - deve merecer acolhimento o douto voto de vencido do acórdão recorrido;<br> XI - a ré deve escolher e instalar a sua actividade de discoteca num local onde não perturbe o descanso e o sossego, não sendo legítimo perturbar tão intensamente a autora e família;<br> XII - o ruído interno ou externo tem uma única causa sine qua non: o funcionamento nocturno da discoteca; quando esteve encerrada administrativamente o local voltou a ser um paraíso;<br> XIII - por força do n. 2 do artigo 335 do Código Civil, os direitos de personalidade da autora são hierarquicamente superiores e prevalecem sobre os direitos comerciais da ré;<br> XIV - foram violados, entre outros, os artigos 70 e 335 n. 2 do Código Civil, 66 n. 1, 17 e 18 da Constituição da República Portuguesa e 24 da Declaração Universal dos Direitos do Homem;<br> XV - devem ser revogados o acórdão recorrido e a sentença de 1. Instância e condenar-se a ré conforme o peticionado.<br> Por sua vez, a recorrida pugnou pela manutenção do acórdão.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Vêm provados os factos seguintes:<br> 1 - a ré explora e mantém em funcionamento público, na rua 9, n. 87, um "pub" e discoteca denominada "Discoteca B", que permanece em funcionamento diário até às 4 horas;<br> 2 - tal discoteca encerra frequentemente às 4 horas;<br> 3 - o edifício onde funciona a discoteca foi construído para fins habitacionais e durante muitos anos utilizado para habitação e a discoteca está situada numa zona habitacional;<br> 4 - a autora vive no prédio ao lado da discoteca e, em sua casa, ouve o ruído proveniente da discoteca;<br> 5 - são habituais as rixas, discussões, palavrões escabrosos e ruídos estridentes dos escapes dos veículos motorizados, provocados por empregados e clientes que frequentam a discoteca e é habitual a aglomeração no local de bêbedos e drogados, sendo que estes ruídos acabados de referir são frequentes e não deixam a autora e as pessoas que vivem nas proximidades dormir normalmente a partir das 22 horas e até depois da hora do encerramento da discoteca e certo é ainda que a música da discoteca se ouve no interior da casa da autora;<br> 6 - a autora e demais vizinhança têm procurado junto das diversas entidades públicas - Delegado de Saúde, Procurador Civil, Secretário de Estado do Ambiente - desde a abertura da discoteca, que estas intervenham na defesa dos seus direitos;<br> 7 - a autora e os vizinhos solicitaram já diversas vezes a intervenção da P.S.P. de Espinho;<br> 8 - a ré explora o bar discoteca "B" desde 1 de Dezembro de 1990;<br> 9 - o prédio onde se situa a discoteca foi objecto de obras com vista à insonorização das suas paredes exteriores e estas obras de insonorização incidiram particularmente sobre a parede que separa a casa da autora do prédio onde a discoteca está sediada;<br> 10 - em Novembro de 1987, o Gabinete de Acústica da Faculdade de Engenharia do Porto efectuou no local uma "análise da propagação do ruído" da discoteca e concluiu que o ruído perturbador não excedia o máximo permitido de 10 dB;<br> 11- todas as medições foram efectuadas por aquele departamento em três dependências da residência da autora;<br> 12 - posteriormente, foram feitas novas obras de insonorização acústica da discoteca, terminadas em Setembro de 1989, que foram fiscalizadas por técnicos da Comissão de Coordenação da Região Norte;<br> 13 - em 2 de Novembro de 1989, após medição acústica mandada efectuar pela Direcção Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, foi concedida autorização pelo Governo Civil para que a discoteca retomasse o seu normal funcionamento;<br> 14 - a zona onde a autora vive não é mais a zona sossegada e pacata que era há cerca de uns 10 anos e situa-se numa zona cujo movimento diurno e nocturno aumentou nos últimos anos, serve também de aparcamento a muitas viaturas que se deslocam ao Casino e aí abriu ao público em normal funcionamento o Balneário Marinho e de Talossoterapia, situado no mesmo gaveto da discoteca "B".<br> Segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, "todo o indivíduo tem direito à vida... (artigo 3) e "toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem estar, principalmente quanto... ao alojamento... (artigo 25 n. 1) e, como resulta do disposto no artigo 16 da Constituição da República Portuguesa estes textos estão integrados no ordenamento jurídico português, o mesmo acontecendo com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei 65/78, de 13 de Outubro, cujo artigo 2 n. 1 dispõe que "O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei...".<br> Mas também a Constituição da República Portuguesa preceitua que a integridade moral e física das pessoas é inviolável (artigo 25 n. 1), que todos têm direito à protecção da saúde (artigo 64 n. 1) e que todos tem direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66 n. 1).<br> Estamos perante direitos fundamentais, porque figuram entre os direitos, liberdades e garantias (capitulo I, título II da Parte I) ou porque são direitos fundamentais da natureza análoga (artigo 17 da Constituição), de natureza social (Capítulo II do Título III). E é indiscutível que o direito ao repouso,<br> à tranquilidade e ao sono se insere no direito à integridade física e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, enfim no direito à saúde e à qualidade de vida.<br> Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 70 n. 1 do Código Civil, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.<br> E também a Lei 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente) estabelece que todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado (artigo 2 n. 1), que a luta contra o ruído visa o salvaguardar da saúde e bem estar das populações e se faz, além de outras medidas, através da adopção de medidas preventivas para a eliminação da propagação do ruído exterior e interior, bem como das trepidações (artigo 22 n. 1 alínea f)) e ainda que existe obrigação de indemnização, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especificamente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável (artigo 41 n. 1).<br> E não pode ainda esquecer-se o artigo 483 do Código Civil, segundo o qual aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.<br> Tanto a doutrina como a jurisprudência têm convergido nesta orientação (v., quanto aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, Castro Mendes, Estudos Sobre a Constituição, 1. volume, 103 e seguintes; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, páginas 55, 56, 136 e seguintes, 471 e seguintes; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, ed. de 1991, páginas 532 e seguintes e 565 e seguintes; quanto aos direitos de personalidade e sua ofensa através do ruído, v. Vaz Serra, R.L.J. 103, páginas 374 e seguintes; Henrich Ewald Horster, Teoria Geral de Direito Civil, páginas 257 e seguintes; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4. edição, página 104; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, 17 de Março de 1994, 21 de Setembro de 1993, 16 de Abril de 1991, 13 de Março de 1986, 4 de Julho de 1978, 28 de Abril de 1977, in respectivamente, C. J. do Sup. de 1995, tomo 1, página 155, Novos Estilos, Março de 1994, página 61, C. J. do<br> Sup. de 1993, tomo 3, página 26, Boletim do Ministério da Justiça 406 página 623, 355, página 356, 279, página 124, 266, página 124).<br> Há, frequentemente, colisão ou conflito de direitos fundamentais que importa solucionar.<br> Pois bem, muito embora não exista um modelo de solução, um critério de solução desses conflitos válidos em termos gerais e abstractos (com base, por exemplo numa ordem de valores ou na distinção entre os direitos sujeitos a leis restritivas e direitos não sujeitos a leis limitadoras (J. J. Gomes Canotilho, R.L.J. 125, páginas 293 e seguintes), claro está que há necessidade de decidir os casos concretos e a via indicada parece ser a que harmoniza os direitos em conflito ou, se necessário, dê prevalência a um deles, de acordo com as circunstâncias concretas e à luz de uma hierarquia decorrente das próprias normas constitucionais - na verdade, a Constituição concede maior protecção aos direitos, liberdades e garantias do que aos direitos económicos, sociais e culturais e há uma ordem decrescente de consistência, de protecção jurídica, de densidade subjectiva daqueles para estes - ou de aplicação de critérios metódicos abstractos que orientem a tarefa de ponderação e/ou harmonização concretas, tais como "o princípio da concordância prática", "a ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes (Jorge Miranda, obra citada, páginas 135, 145, 146, 301; J. J. Gomes Canotilho, obra citada, páginas 660, 661 e 538).<br> De qualquer modo, no campo da lei ordinária, há um texto concernente à colisão de direitos, o artigo 335 do Código Civil, que dispõe:<br> 1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.<br> 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deve considerar-se superior.<br> Ora, no nosso caso, temos, de um lado, um direito à integridade física, à saúde, ao repouso, ao sono, e, de outro lado, um direito de propriedade (artigo 62 n. 1 da Constituição) ou, se se quiser, um direito à iniciativa privada (artigo 61 n. 1 da Constituição) e afigura-se-nos que o primeiro, que goza da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias (artigo 19 n. 6 da Constituição), é de espécie e de valor superior aos segundos, os quais são direitos fundamentais que apenas beneficiam do regime material dos direitos, liberdades e garantias (Jorge Miranda, obra citada, páginas 145 e 146; J. J. Gomes Canotilho, obra citada, 538).<br> Assim, há que dar prevalência ao direito à integridade física, ao repouso, à tranquilidade, ao sono, como, de resto, a doutrina e a jurisprudência vêm defendendo (Vaz Serra, R.L.J. 103, páginas 374 3 seguintes; Cunha de Sá, Abuso do Direito páginas 528 e 529. Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, página 201; os já citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1978, 13 de Março de 1986, 17 de Março de 1994 e 26 de Abril de 1995.<br> Importa agora saber se os factos provados se podem subsumir ao regime jurídico acima definido, ou seja, se houve ofensa do apontado direito de personalidade.<br> Recapitulando parte dos factos provados, temos: a) - a discoteca da ré permanece em funcionamento diário até às 4 horas, hora esta a que frequentemente encerra; b) - a autora vive no prédio ao lado da discoteca e, em sua casa, no interior dela, ouve o ruído e a música proveniente da discoteca; c) - são habituais as rixas, discussões, palavrões escabrosos e ruídos estridentes dos escapes dos veículos motorizados, provocados por empregados e clientes que frequentam a discoteca e é habitual a aglomeração no local de bêbedos e drogados, sendo que estes ruídos são frequentes e não deixam a autora e as pessoas que vivem nas proximidades dormir nomeadamente a partir das 22 horas e até depois da hora de encerramento da discoteca; d) - na sequência de obras de insonorização das paredes exteriores da discoteca, o Gabinete de Acústica da Faculdade de Engenharia do Porto concluiu que o ruído perturbador não excedia o máximo permitido de 10 dB, medições estas efectuadas em três dependências da residência da autora, e, posteriormente, foram feitas novas obras de insonorização acústica da discoteca, fiscalizada por técnicos da Comissão de Coordenação da<br> Região Norte, e, a seguir, em 2 de Novembro de 1989, após medição acústica mandada efectuar pela Direcção Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, foi concedida autorização pelo Governo Civil para que a discoteca retomasse o seu normal funcionamento; e) - na zona onde a autora vive, o movimento diurno e nocturno aumentou nos últimos anos, nela apareceram muitas viaturas que se deslocam ao casino e aí abriu ao público em normal funcionamento, Balneário Marinho e de Talossoterapia, este situado no mesmo gaveto da dita discoteca.<br> Ora bem, se atendermos apenas à audição do ruído e da música a que se acabou de aludir acima na alínea b), afigura-se-nos que só com isso não é ofendido o direito de personalidade da autora (o direito à saúde, ao repouso, à tranquilidade, ao sono), não só porque se provou, como decorre dos factos incluídos na alínea d) supra, que o organismo competente procedeu à medição acústica e concluiu que o ruído e a música provenientes da discoteca não excediam o máximo de 10 dB (10 dB é o máximo permitido pelos artigos 14 n. 1 e 20 n. 1 alínea a) do Decreto-Lei 251/87, de 24 de Junho, que aprovou o Regulamento Geral Sobre o Ruído) e tanto assim que o Governo Civil autorizou que a discoteca retomasse o seu normal funcionamento, como também porque se não provou que esses ruído e música, ouvidos em casa da autora, tivessem qualquer repercussão sobre a sua saúde, repouso ou sono, certo sendo que não é um qualquer ruído que se pode considerar lesivo do direito em causa, sobretudo nos centros urbanos com edifícios a ladear artérias de tráfego intenso, com apartamentos ao lado e em cima de outros com deficientes paredes ou placas divisórias, só relevando um volume de ruído para além do razoável, isto é, do normalmente suportável pelo comum das pessoas e legalmente fixado.<br> Mas, em contrapartida, já nos parece que os factos acima incluídos na alínea c) são de molde a ofender o direito de personalidade em causa.<br> Com efeito, se são habituais as rixas, discussões, palavrões escabrosos e ruídos estridentes dos escapes dos veículos motorizados, provocados por empregados e clientes que frequentam a discoteca e se é habitual a aglomeração no local de bêbedos e drogados e se estes ruídos são frequentes e não deixam a autora e outras pessoas que vivem nas proximidades dormir normalmente a partir das 22 horas e até depois de hora do encerramento da discoteca, é, sem dúvida, indiscutível que resulta grave e intoleravelmente afectada a possibilidade de dormir de uma pessoa normal durante cerca de 6 horas e precisamente às horas a que se costuma dormir, o que, obviamente, impede o repouso e a tranquilidade e prejudica a saúde.<br> Contudo, impõe-se levantar a questão de saber se estas consequências danosas são ou não causadas pelo funcionamento da discoteca, isto é, se há nexo de causalidade, que é um dos pressupostos da responsabilidade civil, entre o facto ilícito e os danos (cfr. artigo 483 n. 1 do Código Civil).<br> De harmonia com o disposto no artigo 563 do Código Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.<br> Tanto a doutrina como a jurisprudência concordam em que este texto consagrou a doutrina da causalidade adequada.<br> Segundo esta teoria, para um facto poder ser considerado causa de um dano é preciso, em primeiro lugar, que um facto (acção ou omissão) seja uma condição sine qua non desse resultado danoso, e ainda, em segundo lugar, que seja adequado a produzi-lo, sendo esta adequação um mais que acresce à condicionalidade.<br> Mas esta adequação pode ser encarada num sentido positivo (o facto será causa adequada do dano sempre que constitua uma sua consequência normal ou típica, sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural, como um efeito provável, segundo o curso ordinário das coisas e a experiência corrente da vida) ou num sentido negativo (o facto que foi condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada dele se, pela sua natureza, se mostrar de todo indiferente, inadequado, para a verificação do dano e só o haja produzido por virtude de circunstâncias excepcionais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, concomitantemente se verificaram).<br> Esta formulação de sentido negativo, mais abrangente mais ampla que a outra, é a que vem sendo adoptada pela doutrina e pela jurisprudência, ao menos quanto à responsabilidade por facto ilícito culposo, por se mostrar mais razoável e criteriosa (Antunes Varela, Das obrigações em geral, volume I, 7. edição, páginas 885 a<br> 899; Almeida Costa, Direitos das Obrigações, 5. edição, páginas 631 e seguintes; e ainda, se bem os entendemos, Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6. edição, páginas 404 e seguintes, maxime 406, e M. Henrique<br> Mesquita, R.L.J. 128 páginas 91 e 92; na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 1992 e de 15 de Abril de<br> 1993 e do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Outubro de 1994, in, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça 422, página 365, C. J. do Sup. 1993, tomo 2, página 59 e R.L.J. 128, página 77).<br> Da nossa parte, aderimos a esta orientação.<br> Mas importa também salientar que a doutrina da causalidade adequada não exige a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha, só por si, determinado o dano, pois que na produção deste podem ter colaborado outros factores concomitantes ou posteriores; por outro lado, há que lembrar também que o nexo causal entre a acção (o facto ilícito) e o dano não tem que ser necessariamente directo ou imediato, isto é, não é necessário que a acção provoque directamente o dano, dado bastar que essa acção, embora não haja ela mesmo provocado o dano, desencadeia outra ou outras condições que directamente o produzem, contanto que esta ou estas condições se mostrem como consequências adequadas daquela acção, na medida em que essas condições ou factos posteriores foram especialmente favorecidos por aquela acção ou tão só prováveis segundo o curso normal dos acontecimentos (Antunes Varela, obra citada, página 893; Almeida Costa, obra citada, página 133; Pires de Lima e Antunes<br> Varela, C. C. Anotado, volume I, 4. edição, página 579, Galvão Teles, obra citada, página 403; Pessoa Jorge, obra citada, páginas 391 e 392; Manuel Andrade, Teoria Geral das Obrigações, páginas 352 e 353).<br> Como já se viu, não sofre dúvida que a acção (o funcionamento da discoteca e o ruído provindo do interior desta) não provocou directamente o dano (a impossibilidade de dormir normalmente), pelo que interessa saber se este dano vem sendo provocado indirectamente, através de outros factos concomitantes (os supra indicados na alínea c)) e se estes são ainda uma consequência adequada daquela acção, à luz da teoria da causalidade adequada, na formulação adoptada.<br> A questão é deveras delicada, a tal ponto que é com muita hesitação que nos decidimos por uma das duas soluções: os mencionados factos concomitantes (as habituais rixas, discussões, palavrões escabrosos e ruídos estridentes dos escapes dos veículos motorizados provocados por empregados e clientes que frequentam a discoteca, ruídos estes frequentes, que impedem a autora e as pessoas que vivem nas proximidades de dormir normalmente a parir das 22 horas e até depois do encerramento da discoteca) são ainda uma consequência adequada do funcionamento da discoteca e, simultaneamente, uma causa adequada do falado dano (a impossibilidade de dormir).<br> Na verdade, é indiscutível que o funcionamento da discoteca é condição sine qua non dos factos acabados de apontar e supra incluídos na alínea c) não só porque tais factos são provocados por empregados e clientes frequentadores da discoteca como também porque os ruídos e a subsequente impossibilidade de dormir cessam precisamente depois da hora do encerramento da discoteca.<br> Mas o funcionamento da discoteca, além de condição sine qua non, é ainda uma causa adequada dos referidos factos determinantes da impossibilidade de dormir, e isto quer se siga a formulação negativa da teoria da causalidade adequada, a mais abrangente, quer a formulação positiva.<br> Com efeito, é de prever que o funcionamento de uma discoteca desencadeia, como consequência natural, como um efeito provável, a espécie de factos acima incluídos na alínea c), sendo, pois a causa adequada destes factos, mesmo à luz da formulação positiva da teoria da causalidade adequada.<br> E claro está que também o será, se encararmos, como fizemos, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, que é mais ampla, porquanto de modo algum se pode dizer que o funcionamento da discoteca é de todo inadequado para a verificação dos ditos factos e suas consequências danosas e, além disso, não se descortinam, no caso concreto, quaisquer circunstâncias excepcionais, extraordinárias ou anómalas por força das quais se tenham produzido tais factos.<br> Sem dúvida que não podem considerar-se como circunstâncias excepcionais os factos supra incluídos na alínea e) (o aumento do movimento nocturno na zona e o aparcamento aí de muitas viaturas que se deslocam ao casino), pois não se provou que destes factos resultassem ruídos impeditivos de dormir normalmente, além de que esses factos, quando muito, poderiam ser encarados como condições concomitantes para a produção dos danos.<br> E também não é susceptível de afastar o nexo causal em apreço a afirmação do acórdão recorrido de que a situação cai na órbita das forças policiais que têm por missão a fiscalização da zona. Com isto parece querer dizer-se que a única causa dos ruídos está na ausência de um eficaz policiamento da zona, mas parece não poder ser assim, porque, além de nada se ter provado quanto à medida e à eficácia do policiamento da zona e quanto aos seus efeitos dissuasores sobre os comportamentos geradores dos ruídos em causa, certo é que uma ausência de policiamento, mesmo a existir, teria também de ser olhada como uma condição concomitante para a produção do dano e não como uma circunstância excepcional, extraordinária ou anómala por virtude da qual o dano ocorreu, não obstante a outra condição (o funcionamento da discoteca) se mostrar de todo insusceptível de causar esse dano.<br> Estamos, portanto, ante um caso em que o meio causal entre o facto ilícito e o dano não é directo ou imediato, pois que entre o facto ilícito (o funcionamento da discoteca) e o dano (a impossibilidade de dormir normalmente) se interpuseram outros factos (os supra indicados na alínea c)) como causadores directos do dano, factos estes desencadeados ou tornados possíveis pelo funcionamento da discoteca e ainda sua consequência adequada.<br> Nos termos do n. 2 do artigo 70 do Código Civil, o lesado por ofensa ilícita à sua personalidade física pode, além da responsabilidade civil a que haja lugar, requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de, se a ofensa já foi cometida, atenuar os efeitos desta.<br> Portanto, o titular do direito subjectivo de personalidade que foi ofendido pode pedir ao lesante uma indemnização pelos danos sofridos (artigo 483 n. 1 do Código Civil) e ainda requerer as referidas providências (Antunes Varela, R.L.J.116, 144 e 145).<br> Como já se disse, a autora pediu uma indemnização condigna e ainda o encerramento da discoteca, que só poderá ser reaberta depois de judicialmente comprovado que está totalmente eliminada a possibilidade de produzir ruídos perturbadores da saúde e repouso dela e familia e depois de a ré assumir e garantir a presença permanente de agentes da P.S.P. junto da discoteca.<br> Quanto à indemnização a que a autora tem direito, de acordo com o disposto nos já citados artigos 70 n. 2 e 483 n. 1 e ainda no artigo 496 n. 1 do Código Civil, visto tratar-se de danos não patrimoniais, temos de ter em atenção que a discoteca funciona diariamente, os ruídos são frequentes e impedem a autora de dormir normalmente a partir das 22 horas e até depois do encerramento da discoteca, que ocorre frequentemente às<br> 4 horas, e ainda que a ré explora a discoteca desde 1 de Dezembro de 1990. Ora, atentos estes factos e o preceituado no n. 3 do artigo 496 referido ao artigo 494 também do Código Civil, afigura-se-nos justa e adequada, para compensar a autora dos danos causados à sua saúde, ao seu repouso e tranquilidade, ao seu sono, a indemnização de quinhentos mil escudos.<br> Quanto à parte restante do pedido, há algo a obtemperar.<br> Em primeiro lugar, procedendo embora o pedido de encerramento da discoteca, não pode, no entanto, condicionar-se a sua reabertura à comprovação judicial de que está totalmente eliminada a possibilidade de produzir ruídos perturbadores da saúde da autora e família. É que, para além da indefinição do processo para semelhante comprovação judicial, processo este que a autora deveria ter concretizado, certo é que, como atrás já se concluiu, o direito de personalidade da autora não foi violado pelo ruído ou pela música provindas do interior da discoteca e audíveis em casa dela e não sofre dúvida que é com este ruído e com esta música que está relacionado o pedido nesta parte em que a reabertura da discoteca dependeria da dita comprovação judicial, pelo que o pedido terá de improceder quanto a esta condição.<br> Quanto à outra condição posta no pedido para a reabertura da discoteca (que a ré assuma e garanta a presença permanente de agentes da P.S.P. junto da discoteca), é preciso clarificar a questão. Nada obstará à procedência desta condição se a P.S.P. quiser e puder assegurar o referido policiamento mas afigura-se-nos que ele não poderá ser decretado por decisão judicial, dado a P.S.P. não ser parte no processo. E, se a P.S.P. não assegurar o policiamento pedido, a ré ficará impossibilitada de cumprir, sem culpa sua, esta condição, e por isso impõe-se encontrar uma alternativa que, na hipótese de ausência de tal policiamento, leve ao mesmo resultado prático, que é o de eliminar, ou diminuir, os ruídos junto da discoteca, de forma a que autora e família possam dormir normalmente. Ora este resultado pode ser conseguido por outros meios, inclusivé meios da própria ré, como, por exemplo, através de um eficiente serviço de segurança próprio.<br> Nesta ordem de ideias, dar-se-á por procedente esta parte do pedido mas admitir-se-á uma alternativa ou sucedâneo para a hipótese de não ser viável ser de qualquer modo possível a presença de agentes da P.S.P. no local.<br> E, note-se, com isto não se contraria o disposto no n. 1 do artigo 661 do Código de Processo Civil (proibição de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir), uma vez que o meio em alternativa a que se aludiu não constitui propriamente o pedido (este é o encerramento da discoteca enquanto não houver garantia de que cessaram os ruídos em causa) mas apenas uma maneira de o atingir.<br> Por tudo o exposto, concedendo parcial provimento ao recurso, condena-se a ré:<br> - a pagar à autora a indemnização de quinhentos mil escudos,<br> - e a encerrar a discoteca denominada "Discoteca B" até garantir a presença permanente de agentes da P.S.P. junto desta discoteca, ou, se isto não for possível, até garantir, por outros meios, os mesmos efeitos dissuasórios da presença daqueles agentes da P.S.P. no tocante a ruídos perturbadores da saúde, do repouso e do sono da autora e família.<br> Custas pela autora e pela ré, na proporção de 1/6 para aquela e 5/6 para esta, devendo, porém, atender-se a que a primeira goza de apoio judiciário.<br> Lisboa, 24 de Outubro de 1995.<br> Fernando Fabião,<br> António Pais de Sousa,<br> Santos Monteiro,<br> José Martins da Costa. (Vencido conforme declaração que junto).<br> César Marques (vencido nos mesmos termos).<br> Declaração de voto de vencido no processo n. 87187:<br> Está assente que a causa dos danos verificados reside, essencialmente, nas perturbações ocorridas na via pública e não no próprio facto do funcionamento da discoteca e que para essas perturbações concorre não só a existência da discoteca como a proximidade do casino, com a consequente movimentação de pessoas e veículos numa zona habitacional.<br> Entendo, por isso, que a responsabilidade por tal situação recai, de modo directo ou principal, sobre a autoridade administrativa que concedeu o licenciamento para o funcionamento da discoteca, à qual cabe tomar as providências adequadas - a suspensão ou cessação do licenciamento ou o necessário policiamento do local - assumindo também as respectivas consequências.<br> As aludidas perturbações poderiam ainda ser porventura atenuadas com a proibição de estacionamento de veículos nas proximidades da discoteca.<br> De qualquer modo, parece-me excessivo imputar ao proprietário da discoteca a responsabilidade civil pelos danos sofridos pela autora em consequência de perturbações ocorridas na via pública, mesmo em termos de causalidade adequada.<br> Essa responsa
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)</font></b> <p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>Recorrentes – AA e BB</font></b><br> </p><p><b><font>Recorrido – Banco BIC Português, SA </font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis, </font></b><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><b><font>I – Relatório</font></b><br> </p><p><b><font>1. AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram ação declarativa contra </font><b><font>Banco BIC Português, S.A.</font></b><font> (anteriormente BPN – Banco Português de Negócios, S.A.), pedindo, a título principal, a condenação da Ré a pagar-lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição inicial, perfaziam o montante de €385 000,00, assim como os juros vincendos desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pedem a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato por adesão que a Ré invoque como fundamento da aplicação da quantia de €300 000,00, que os Autores lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006, assim como a declaração de ineficácia em relação aos Autores da aplicação que a Ré haja feito daquele montante e, ainda, a condenação da Ré na restituição do valor de €385 000,00, que representa a soma da quantia entregue à Ré e dos juros vencidos à taxa acordada, acrescida de juros legais vincendos desde a data da citação até integral cumprimento. Requereram ainda, em qualquer caso, a condenação da Ré no pagamento do montante de €10 000,00 a título de danos não patrimoniais.</font><br> </p><p><font>Alegaram que:</font><br> </p><p><font>- foram clientes do BPN, na sua agência de …, com uma conta de depósitos à ordem;</font><br> </p><p><font>- em 10/04/2006, o gerente dessa agência disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada;</font><br> </p><p><font>&nbsp;- empregado do BPN sabia que o Autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro;</font><br> </p><p><font>- o seu dinheiro, no montante de €300 000,00 viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que os Autores soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa,</font><br> </p><p><font>- sempre foi dito ao Autor que o capital era garantido pelo Banco, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;</font><br> </p><p><font>- o Autor sempre esteve convencido numa aplicação segura da supra referida quantia e com as características de um depósito a prazo;</font><br> </p><p><font>- caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não consentiria nem autorizaria;</font><br> </p><p><font>- os juros foram sendo semestralmente pagos, até Nov/2015, o que transmitiu segurança aos Autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade;</font><br> </p><p><font>- a partir da referida data, o BPN deixou de pagar os juros respetivos e, agora, atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que os Autores nem sabiam existir;</font><br> </p><p><font>- os Autores não sabiam o que era a SLN, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que o BPN utilizava;</font><br> </p><p><font>- foi completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os Autores nunca aceitariam se conhecessem os seus reais termos;</font><br> </p><p><font>- o prazo de maturidade ocorreu em abril/2016 e o capital investido não foi restituído aos Autores, nem tem sido cumprido o pagamento dos juros acordados;</font><br> </p><p><font>- os Autores, por efeito do incumprimento do BPN, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem;</font><br> </p><p><font>- o BPN colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro e tem-lhes provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.</font><br> </p><p><b><font>2. </font></b><font>A Ré contestou, invocando que, ao tempo da respetiva subscrição, o instrumento financeiro em apreço era um investimento seguro, tendo o Autor marido sido informado das suas condições e de que não se tratava de um depósito a prazo.</font><br> </p><p><b><font>3. </font></b><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.</font><br> </p><p><b><font>4. </font></b><font>Os Autores, inconformados, interpuseram recurso de apelação.</font><br> </p><p><b><font>5. </font></b><font>O Tribunal da Relação de … julgou a apelação parcialmente procedente, tendo sido alterada a decisão de facto e revogada a sentença, condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia de €300 000,00, assim como a importância líquida dos juros remuneratórios desde maio de 2016 e os respetivos juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano. A Ré foi absolvida do restante pedido.</font><br> </p><p><b><font>6. </font></b><font>Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista.</font><br> </p><p><b><font>7. </font></b><font>Os Autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.</font><br> </p><p><b><font>8. </font></b><font>O Supremo Tribunal de Justiça, considerando inverificado o incumprimento do dever de informação e, complementarmente, indemonstrado o nexo de causalidade entre a conduta da Ré e o dano alegado pelos Autores, concedeu a revista, revogando o acórdão recorrido e absolvendo a Ré dos pedidos.</font><br> </p><p><b><font>9.</font></b><font> Inconformados com a decisão contida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, os Autores - </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> interpuseram recurso extraordinário para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência e à revogação daquele Acórdão, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Tribunal de 25 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.</font><br> </p><p><b><font>10. </font></b><font>Nas suas alegações, os Autores/Recorrentes formularam as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br> </p><p><font>"I.</font><br> </p><p><font>1 - O acórdão recorrido relativamente à mesma questão fundamental de direito está em oposição com o acórdão do STJ de 25/10/2018, no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1.</font><br> </p><p><font>2 -</font><b><font> </font></b><font>Do Acórdão recorrido e do acórdão fundamento resulta uma factualidade dada como provada, equivalente, tendo no entanto merecido interpretações antagónicas.</font><br> </p><p><font>3 -</font><b><font> </font></b><font>São duas as questões fundamentais a saber e ambas no âmbito da responsabilidade civil, decorrente do facto de o R. ter tido intervenção na colocação das obrigações da SLN, enquanto intermediário financeiro. E em concreto dois dos seus pressupostos: a ilicitude e o nexo causal.</font><br> </p><p><b><font>II. </font></b><b><u><font>Da ilicitude</font></u></b><br> </p><p><font>4</font><b><font> - </font></b><font>Estabelecendo um paralelismo entre as situações relatadas, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, verifica-se que o primeiro desconsidera de forma vertiginosa a factualidade dada como provada em sentido idêntico (cfr. artigos 7º, 8º, 9º, 11º, e 12º), e, que quanto a nós, nos parece inequívoca quanto à flagrante violação do dever de informação a que o Banco Réu estava adstrito.</font><br> </p><p><font>5</font><b><font> - </font></b><font>Sendo certo que, o Acórdão recorrido dispõe ainda, de factualidade muito </font><b><u><font>mais sólida e relevante</font></u></b><b><font> </font></b><font>(cfr. artigos 15º, 16º, 17º, 18º e 19º), que lhe permitiria decidir de forma diferente, e no sentido do Acórdão fundamento.</font><br> </p><p><font>6</font><b><font> - </font></b><font>Mesmo dando-se de barato que possa ter existido alguma explicação sobre o teor das aplicações ao Autor, como defendeu o Acórdão recorrido, a verdade é que esta foi </font><u><font>insuficient</font></u><font>e e mostrou-se </font><u><font>eivada de falsidade</font></u><font>, pelo que é inverosímil que o Autor tivesse compreendido verdadeiramente o produto que estava a subscrever</font><br> </p><p><font>7</font><b><font> - </font></b><font>Aliás, atenta a matéria dada como provada, conclui-se que os Autores aplicaram o seu dinheiro sem saber em quê. Ninguém lhes explicou o que eram obrigações e não sabiam, nem sabem, o que são. Também ninguém lhes explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar o dinheiro no BPN. Sendo certo que, o Banco Réu prestou informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido.</font><br> </p><p><font>8 </font><b><font>- </font></b><font>E não se diga que se tratavam de investidores experientes, pois em ambos os casos estamos perante </font><u><font>investidores não qualificados, e perfil conservador.</font></u><br> </p><p><font>9</font><b><font> - </font></b><font>Mas se é verdade, que os funcionários do Réu não prestaram informação completa e leal acerca do produto que venderam ao Autor, que estava muito longe de ter o retorno assegurado como se fosse um produto do Banco, também não é menos verdade, que ao terem dito ao Autor que “</font><b><i><u><font>O BPN garantia o pagamento destas Obrigações SLN</font></u></i></b><font>”, o Banco Réu assumiu de forma perentória uma dívida, perante os Autores.</font><br> </p><p><font>10</font><b><font> -</font></b><font> Para um declaratário normal, colocado na posição do Autor – que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, e que não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros, dizer-lhe que “</font><i><font>o capital era garantido (porquanto não era produto de</font></i><b><font> </font></b><i><font>risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de alguns dias”, </font></i><font>e sobretudo, dizer que era o </font><i><u><font>BPN que garantia o reembolso do capital</font></u></i><font>, significa que o capital lhe seria restituído a 100% pelo BPN e, que estava a colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente Banco (art. 236º, nº1 do CC).</font><br> </p><p><font>11</font><b><font> - </font></b><font>Como tal, perante a assunção da dívida por parte do BPN, é indiferente se a SLN era ou não dona do Banco, pois, a verdade é que desde a nacionalização, que o não é.</font><br> </p><p><font>12</font><b><font> - </font></b><font>Temos, pois, que o </font><b><font>banco Réu assumiu perante o Autor aquando da aquisição do produto financeiro (2006), o </font></b><b><u><font>compromisso da garantia do capital</font></u></b><b><font> que havia sido investido</font></b><font>.</font><br> </p><p><font>13</font><b><font> - Trata-se, neste caso, de um </font></b><b><u><font>compromisso contratual</font></u></b><b><font> em que o banco réu assume perante o autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.</font></b><br> </p><p><font>14 </font><b><font>- Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.</font></b><br> </p><p><font>15</font><b><font> - Além de que, sendo o dito banco BPN responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art.800, nº1 do Código Civil), conclui-se que aquele violou os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de </font></b><b><i><font>intermediário financeiro</font></i></b><b><font>.</font></b><br> </p><p><font>16 </font><b><font>- </font></b><font>Caso contrário, entraríamos naquilo a que podemos chamar de “vale tudo”, no âmbito das negociações efetuadas entre o Banco e os seus clientes, quando estivessem a promover os produtos financeiros, onde tudo era permitido aos Bancos, nomeadamente prestar as informações que lhe fossem mais convenientes, omitindo ou deturpando outras relevantes, sem que daí decorresse qualquer responsabilidade para os mesmos.</font><br> </p><p><font>17</font><b><font> - </font></b><font>Além de que, se seguíssemos a linha de pensamento do Acórdão recorrido, então de nenhuma validade tinham as disposições legais que regulam a dever de adequação e dever de informação a que estão adstritos os Bancos, sobretudo quando estamos a falar de clientes, com um perfil conservador, e que não têm qualificação nem conhecimentos para poder compreender os diversos tipos de produtos financeiros e os riscos que deles podem advir, como é o caso do Autor.</font><br> </p><p><font>18</font><b><font> - </font></b><font>Também o facto de o Autor ter já ter feito outros investimentos em aplicações financeiras, mostram qualquer aptidão em matéria financeira, pois como o próprio acórdão recorrido explica na matéria de direito, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há de ser o seguinte: </font><b><font>quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação, contrariando assim de modo evidente, a decisão do pleito</font></b><font>.</font><br> </p><p><font>19</font><b><font> - </font></b><font>Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente </font><u><font>não profissional,</font></u><font> e que </font><u><font>não tem formação nem experiência na área financeira</font></u><font>, como é o caso do Autor, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras&nbsp; aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto.</font><br> </p><p><font>20</font><b><font> - </font></b><font>Assim, é evidente que o Acórdão recorrido desvirtuou a factualidade dada como provada, uma vez que o </font><b><i><u><font>dever de adequação</font></u></i></b><b><i><font> </font></i></b><font>implica não só o conhecimento do cliente, o seu perfil, como também a capacidade de risco do investidor para aquele produto financeiro, elementos dos quais o Banco Réu era conhecedor, e que ignorou em absoluto.</font><br> </p><p><font>21</font><b><font> - </font></b><font>Outrossim, não bastava o Autor não saber o que eram obrigações, nem ninguém lhe ter explicado o que eram, como ainda, estavam em causa obrigações subordinadas, que têm como especificidade, o facto de o Autor, em caso de insolvência da sociedade SLN, só ser pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados – como resultava do disposto na alínea c) do art. 48º do CIRE.</font><br> </p><p><font>22</font><b><font> - </font></b><font>O facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o </font><u><font>Banco Réu ter omitido ao Autor marido o risco de insolvência da SLN, e</font></u><font> a </font><u><font>possibilidade de nunca mais vir a reaver o dinheiro investido</font></u><font>, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.</font><br> </p><p><font>23</font><b><font> - Não se pode esquecer também o prazo de 10 anos, prazo extremamente longo, pelo que, nunca ninguém poderia afirmar que no final desse mesmo prazo, o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa).</font></b><br> </p><p><font>24 </font><b><font>- </font></b><font>E, </font><b><font>não se pode dizer que não havia exemplo de insolvências de bancos </font></b><font>(o que não é correto, pois já havia ocorrido com a </font><i><font>Caixa Económica Faialense, no ano de 1986</font></i><font>),</font><b><font> quando a SLN nem sequer era o banco, mas sim uma empresa ou uma holding de empresas de vários ramos de negócio, com todos os riscos que isso envolve, designadamente de contágio entre elas.</font></b><br> </p><p><font>25</font><b><font> - </font></b><font>Todas estas informações eram </font><u><font>necessárias à compreensão e formação da vontade do Autor</font></u><font> no sentido de ter consciência suficiente da natureza e consequências do negócio que estava a realizar e de decidir realizá-lo, e que </font><u><font>não foram transmitidas ao Autor.</font></u><br> </p><p><font>26</font><b><font> - </font></b><font>Mas repare-se que, esta necessidade de o Autor ser alertado para a possibilidade insolvência decorre de forma inequívoca da Nota Informativa.</font><br> </p><p><font>27</font><b><font> - </font></b><font>Ora, atendendo a que a Nota Informativa, é um documento superveniente (superveniência subjetiva), pois só agora chegou ao conhecimento dos AA. e adveio à sua posse e do seu mandatário, o que </font><u><font>impossibilitou a sua apresentação anteriormente ao recurso</font></u><font>, mas que se revela imprescindível, requer-se a junção de tal documento aos autos.&nbsp; Cfr. Nota Informativa</font><br> </p><p><font>28</font><b><font> - </font></b><font>A Nota Informativa do produto inicia logo com “advertência aos investidores”, donde consta designadamente o seguinte: “</font><i><font>Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE</font></i><font>”.</font><br> </p><p><font>29</font><b><font> - </font></b><font>Note-se que a as condições da emissão obrigacionista e a respetiva Nota Informativa em causa foram aprovados pelo Banco de Portugal, entidade competente para o efeito, uma vez que neste caso não estava sujeito às regras da CMVM. Isso pode-se ler logo no ponto 1..</font><br> </p><p><font>30</font><b><font> - </font></b><font>Em nenhum dos casos em presença (do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento) o Banco Réu provou ter fornecido cópia da Nota Informativa aos Autores, e muito menos </font><b><u><font>provou ter-lhes dado as explicações que dela constam </font></u></b><font>(ónus que lhe incumbia).</font><br> </p><p><font>31</font><b><font> - </font></b><font>O</font><b><font> </font></b><font>facto de não ter provado que entregou aos Autores qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, </font><u><font>integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312º-C e 312º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários</font></u><font>, especialmente no que tange a falta de documentação da informação a prestar a investidor não qualificado, como era o caso do Autor.</font><br> </p><p><font>32</font><b><font> - </font></b><font>Portanto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, considerou factos não provados pela negativa, quando o ónus incumbia ao banco réu, demonstrando-se assim, incompreensível a sua posição.</font><br> </p><p><font>33</font><b><font> - </font></b><font>Ora, o Acórdão fundamento tem dos mesmos factos, </font><u><font>até menos sólidos (face aos factos provados em 15º, 16º, 17º, 18º e 19º nestes autos)</font></u><font>, posição jurídica antagónica como se referiu.</font><br> </p><p><font>34</font><b><font> - </font></b><font>Considera que se mostra verificado o ilícito civil, por violação do dever de informação, visto que o produto que venderam ao Autor, estava muito longe de ter o retorno assegurado como se fosse um produto do Banco.</font><br> </p><p><font>35</font><b><font> - </font></b><font>Considerando mesmo que não foram fornecidas ao Autor informações de posse do Réu, para compreensão do risco do investimento proposto.</font><br> </p><p><font>36</font><b><font> - </font></b><font>É inequívoco que, a fundamentação seguida pelo Acórdão recorrido, não se coaduna com o quadro legal aplicável perante os factos que se mostram provados, que são idóneos a demonstrar que houve violação dos deveres de informação por parte do Banco Réu.</font><br> </p><p><font>37</font><b><font> -</font></b><font> No entanto, mais do que ter prestado informação insuficiente, e até mesmo falsa, o Banco Réu, assumiu perante o Autor a garantia do capital investido (assunção de dívida), estando por isso mesmo vinculado a esse compromisso contratual.</font><br> </p><p><b><font>III. </font></b><b><u><font>Do nexo de causalidade</font></u></b><br> </p><p><font>38 </font><b><font>- </font></b><font>Defendeu o Acórdão recorrido, quanto ao nexo de causalidade que “</font><i><font>É ao autor, enquanto cliente do BPN, que cabe provar que não teria realizado a subscrição da obrigação caso lhe tivesse sido prestada a informação alegadamente em falta. Pelo que não é possível estabelecer um nexo causal entre um putativo incumprimento dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro BPN, no âmbito de um contrato de receção e transmissão de ordens, e os danos que os clientes sofreram em virtude do incumprimento do dever primário de prestação, num outro contrato, celebrado entre estes clientes e a emitente da obrigação, a SLN – parecer citado, fls. 414 e 415”.</font></i><br> </p><p><font>39</font><b><font> -</font></b><i><font> </font></i><font>Por sua vez, o Acórdão fundamento, decidiu de forma visivelmente oposta, desde logo, porque na sua perspetiva, no caso evidenciado nos autos, não estamos perante uma situação em que o dano resulta naturalisticamente de uma certa ação ou omissão, mas antes, o que está em causa é uma situação hipotética.</font><br> </p><p><font>40</font><b><font> - </font></b><font>Entende que, face à factualidade dada como provada, e das regras da experiência comum podemos facilmente retirar, que o Autor não teria tomado a decisão de subscrever as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do apelante, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro no caso de insolvência da sociedade emitente dessas obrigações, ou que o retorno do capital não era garantido.</font><br> </p><p><font>41</font><b><font> -</font></b><font> Assim, como refere o acórdão fundamento “…</font><i><font>impõe-se concluir que se os funcionários tivessem prestado a informação legal e contratualmente devida </font></i><b><i><font>a A. muito provavelmente, com altíssima probabilidade, </font></i></b><i><font>nunca teria subscrito aquela aplicação</font></i><font>”.</font><br> </p><p><font>42</font><b><font> - </font></b><font>Mais refere </font><i><font>“isto é quanto basta para estar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos AA. e a conduta ilícita e culposa dos R. traduzida na violação dos deveres de informação e de boa fé contratual, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro</font></i><font>”.</font><br> </p><p><font>43</font><b><font> - </font></b><font>Por fim, o Acórdão recorrido, não deixou de mencionar que o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente, o que constitui uma circunstância anómala e não previsível, e não pela violação de qualquer dever de informação do Banco R..</font><br> </p><p><font>44</font><b><font> - </font></b><font>Acontece que, relativamente à previsibilidade da insolvência e da necessidade da mesma ter sido transmitida ao Autor, já nos pronunciamos em cima aquando da análise ao pressuposto da ilicitude, pelo que, sem mais delongas, reproduzimos na íntegra o que aí foi dito, para todos os efeitos legais.</font><br> </p><p><b><i><font>Isto posto, cumpre referir, </font></i></b><br> </p><p><b><font>IV.</font></b><br> </p><p><font>45 - Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, </font><b><font>não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo </font></b><b><i><font>standard </font></i></b><b><font>da atuação de boa-fé</font></b><font>, com o elevado padrão de conduta, não atuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo, o interesse do investidor, seu cliente, e que, naturalmente, confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido pelo BPN, e foi assim que foi razoavelmente entendido pelo Autor.</font><br> </p><p><font>46</font><b><font> </font></b><font>- A </font><b><font>decisão recorrida</font></b><font>, face à factualidade dada como assente, ao entender que não o Banco Réu não violou os deveres de informação, e ao desconsiderar em absoluto o compromisso do BPN como garante do capital, </font><b><font>nega de forma insofismável a tutela dos direitos e interesses dos clientes, </font></b><font>que obrigam </font><i><u><font>as instituições bancárias a adotar uma orgânica própria e muito especializada,</font></u></i><i><font> </font></i><font>de forma a poder responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas.</font><br> </p><p><font>47 </font><b><font>- </font></b><font>Com o devido respeito, o acórdão recorrido, tal como aqueles que o antecedem no mesmo sentido, não fazem jus ao regime jurídico instituído para as instituições de crédito e do intermediário financeiro, pois as regras construídas em face daquelas previsões legais, assentam </font><b><font>claramente na obrigação de assistência e no dever de colaboração das instituições de crédito para com os seus clientes, </font></b><font>tutelando os seus direitos e interesses.</font><br> </p><p><font>48</font><b><font> - </font></b><font>Ao contrário, a tese do acórdão fundamento, a nosso ver, bem, entende que o Banco Réu ao propor a aquisição de ativos financeiros com a informação de capital garantido, responsabiliza-o na qualidade de intermediário financeiro, pelo reembolso do capital investido, sendo certo que, o mesmo violou os deveres de informação que sobre si impendiam.</font><br> </p><p><font>49</font><b><font> - </font></b><font>A resposta do acórdão fundamento, é consentânea com os preceitos legais em que se estriba e não desrespeita, pelo menos de forma, aos nossos olhos, tão flagrante, a essência dos deveres de informação, e dos ditames da boa-fé, padrão de diligência, lealdade e transparência, como a resposta que se deu no acórdão recorrido, que com o devido respeito e salvo melhor opinião, nos parece desrespeitar por completo e não colher fundamento em texto legal expresso nem no comando de orientação fundamental para a colmatação de tal desresponsabilização do Banco Réu.</font><br> </p><p><font>50</font><b><font> - </font></b><font>Violou assim com o devido respeito, no nosso entendimento, o acórdão recorrido o disposto nos artigos 590º, 615º, nº1, al. d) e 672º todos do CPC; artigos 227º, 236º, 483º, 496º, 562º, 762º, 798º, 799º, 800º, 805º do Código Civil; 7º, 290º, 204º, 312º, 314º do CVM, entre outros.</font><br> </p><p><font>51</font><b><font> - </font></b><font>Assim, deve ser uniformizada jurisprudência sobre a questão da ilicitude, no sentido que, a informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda, constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu.</font><br> </p><p><font>52 </font><b><font>-</font></b><font> Também, deve ser uniformizada jurisprudência, no sentido que, para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. </font><br> </p><p><font>53</font><b><font> - </font></b><font>Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento e em consequência fixar-se jurisprudência no sentido propugnado e de acordo com o acórdão fundamento.</font><br> </p><p><font>Termos em que deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso, fixando-se jurisprudência no sentido que:</font><br> </p><p><font>- A informação dada pelo Banco ao cliente, de que o capital é garantido, assumindo o compromisso desse mesmo reembolso, não só constitui violação dos deveres de informação e dos ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões da diligência, lealdade e transparência exigíveis, como ainda, constitui assunção de responsabilidade do Banco Réu, pelo compromisso contratual que assumiu; </font><i><font>e ainda</font></i><br> </p><p><font>- Para que se verifique o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa do Banco traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, que consiste na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que o factos permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o Autor &nbsp;não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos impostos por lei, ou seja, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.</font><br> </p><p><b><i><font>E, ainda subsidiariamente,</font></i></b><br> </p><p><font>- Fixar-se jurisprudência Uniforme, de acordo com outros fundamentos que melhor se entendam,</font><br> </p><p><font>Mas sempre, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente a ação.</font><br> </p><p><font>Assim se fazendo, inteira e sã”.</font><br> </p><p><b><font>11.</font></b><font> Os Recorrentes/Autores juntaram o Acórdão fundamento, de 25 de outubro de 2018, proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1, assim como um documento (Nota Informativa respeitante à emissão de obrigações SLN 2006, aprovada pelo Banco de Portugal).</font><br> </p><p><b><font>12.</font></b><font> A Recorrida/Ré apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação do aresto recorrido, sustentando, em suma, que entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido não existe uma total similitude dos factos considerados como provados, sendo, de resto, o Acórdão recorrido muito mais extenso na descrição da factualidade respeitante ao momento da contratação. No caso de ser admitido o Recurso de Uniformização de Jurisprudência a que responde, preconiza a uniformização de jurisprudência no sentido de que: </font><br> </p><p><font>“a. O artigo 312., alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obriga, apenas à informação sobre os riscos endógenos, ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incump
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A SARL intentou contra B Lda uma acção com processo ordinário pedindo que a mesma seja condenada a pagar-lhe a quantia de 165562,49 dólares americanos, acrescida de juros vincendos à taxa de 15 porcento desde 13 de Junho de 1992.<br> Para tanto alegou, em síntese, que se dedica ao comércio de produtos de irrigação e no exercício dessa actividade forneceu à ré, a solicitação desta diversas mercadorias no valor total de 162359,31 dólares americanos.<br> A ré pagou 244,68 mas, apesar de interpelada, não pagou os restantes, ou seja, 162114,63.<br> Os juros vencidos somam, até 12 de Junho de 1992, 3447,86 dólares americanos.<br> A ré contestou e deduziu reconvenção.<br> Na contestação aceitou os fornecimentos feitos pela autora e as quantias por ela indicadas mas disse que os 244,68 dólares não foram pagos por si mas creditados pela autora.<br> Na reconvenção alegou que estabeleceu com a autora um contrato de concessão comercial que esta sem motivo justificado e sem aviso prévio resolveu. Daí resultaram para a ré prejuízos directos e indirectos no montante de 38618714 escudos. Além disso a autora constituiu-se na obrigação de lhe pagar 38000000 escudos de indemnização de clientela.<br> Peticionou, em consequência, a condenação da autora no pagamento da quantia global de - operada a compensação com os créditos da autora, cuja declaração fez e invoca - 53692692 escudos e 30 centavos.<br> Na tréplica a autora impugnou a existência de relações comerciais nos termos referidos pela Ré e invocou a caducidade do direito da reconvinte.<br> Na réplica a ré respondeu à excepção invocada pela autora.<br> No despacho saneador relegou-se para a sentença o conhecimento das excepções peremptórias da compensação e da caducidade invocadas, aquela pela ré e esta pela autora.<br> Efectuado o julgamento foi proferida sentença em que se julgou improcedente a reconvenção e procedente a acção.<br> Em consequência condenou-se a ré a pagar à autora a quantia de 162114,63 dólares americanos, acrescida de juros à taxa legal vigente em França desde as datas dos vencimentos das facturas até integral pagamento.<br> Inconformada, a ré recorreu e a Relação revogou parcialmente aquela decisão.<br> Julgou a acção procedente e a reconvenção parcialmente procedente. Em consequência condenou a ré a pagar à autora a quantia de 56577,45 dólares americanos, acrescida de juros sobre a quantia de 8041352 escudos e 40 centavos, à taxa anual de 15 porcento desde a data do vencimento das facturas até efectivo pagamento.<br> Desta decisão recorreram a autora e a ré.<br> Na sua alegação a autora apresentou as seguintes conclusões:<br> 1. - O contrato que ficou provado ter existido entre a recorrente e a recorrida não o foi em regime de exclusividade.<br> 2. - Tal contrato nunca foi escrito e assinado por recorrente e recorrida.<br> 3. - As relações comerciais que existiram como tal até 1992 entre ambas as partes não consubstanciam a existência de um contrato de concessão, pelo que o contrato não pode assim ser qualificado.<br> 4. - A simples promoção dos produtos da recorrente em Portugal, através de seminários, participação em feiras e exposições, jornais, revistas e listas telefónicas, ainda por cima quando tudo isto foi comparticipado e subsidiado pela recorrente não pode, só por si, permitir concluir pela exigência de um contrato de concessão comercial.<br> 5. Recorrente e recorrida nunca se obrigaram a celebrar entre si, no futuro, sucessivos contratos de compra e venda, pelo menos tal não ficou provado, sendo que este é um dos elementos essenciais do contrato de concessão.<br> 6. - Da mesma forma, nunca foram fixados pelas partes objectivos de vendas.<br> 7. - Não ficou provada a existência de qualquer contrato de agência.<br> 8. - Não é devida à recorrida qualquer indemnização de clientela na medida em que não se pode concluir no caso concreto através de recurso à analogia pela equiparação da actividade da recorrida a um agente, e como tal, não é aplicável o disposto no artigo 33 do Decreto-Lei<br> 178/86, de 3 de Julho.<br> 9. - De resto, também não se verificam nem estão reunidos os requisitos cumulativos aí previstos.<br> 10. - Antes de mais, porque fiou provado que mesmo após 1992 a recorrida continuou a vender os produtos da recorrente em Portugal.<br> 11. - Foi a recorrida que recusou ser a distribuidora exclusiva dos produtos de golfe da recorrente em Portugal.<br> 12. - A recorrida não perdeu a possibilidade de continuar a vender os produtos da recorrente, tanto que o continua a fazer, não tendo ficado demonstrada a inviabilidade do ponto de vista económico-financeiro de tal aquisição.<br> Não fosse assim, aliás, e a recorrida não continuaria a vender (revender) os produtos de A em Portugal.<br> 13. - A recorrida não provou, a propósito da fundamentação do seu pedido de indemnização de clientela, qual o volume de negócios que efectuou; o número de clientes que diz ter angariado; o montante de despesas de publicidade; os custos dos salários; as margens de comercialização praticada e lucros auferidos; os benefícios que futuramente adviriam para a recorrente após a cessação do contrato e perdas futuras para a recorrida em virtude do termo da relação contratual.<br> 14. - A matéria fáctica dada como provada não pode, só por si, justificar a atribuição de uma indemnização de clientela, tal como foi entendido no douto acórdão recorrido.<br> 15. - A recorrente não ficou em condições de continuar a usufruir da actividade da recorrida, uma vez que os clientes que esta angariou são e continuam a ser seus.<br> Na verdade, a recorrida manteve-se no mercado, onde já antes de 1992 comercializava produtos concorrentes com os da recorrente, não tendo perdido qualquer cliente, aliás, também não alegou que tal tivesse acontecido.<br> 16. - Nem um único cliente da recorrida foi identificado nos autos que tivesse passado a ser cliente da recorrente.<br> 17. - Os serviços prestados, as funções desempenhadas e as tarefas cumpridas pela recorrida que ficaram provadas nos autos não são susceptíveis de demonstrar que a recorrida tenha agido como se de um agente se tratasse.<br> 18. - Se ficou provado que a recorrida contribuiu para a implantação da marca da recorrente em Portugal, não é menos verdade que outras empresas o fizeram também, nomeadamente aquela que se encontra identificada nos autos e para quem, a partir de 1987, como também ficou provado, a recorrente passou também a vender os seus produtos.<br> 19. - A circunstância das encomendas da recorrida a recorrente terem passado a partir de 1992 a ser por esta colocadas na sua representante em Portugal, não significa que os lucros de Cudell fossem drasticamente reduzidos.<br> 20. - Tanto assim que ele não o demonstrou.<br> 21. - Por outro lado, a circunstância da recorrida continuar a vender em Portugal os produtos da recorrente, como ficou provado, é bem clara da existência das condições objectivas necessárias para a recorrida continuar a exercer a sua actividade com os próprios produtos da recorrente.<br> 22. - O direito de indemnização de clientela havia caducado quando a recorrida o invocou em tribunal.<br> 23. - Violou, pois, o acórdão recorrido o disposto nos artigos 33 e 34 do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, bem como os artigos 10 n. 2 e 331 n. 1, ambos do Código Civil.<br> A ré pronunciou-se no sentido de que o recurso deve improceder.<br> Quanto ao recurso que interpôs apresentou na respectiva alegação as seguintes conclusões:<br> 1. - O recurso interposto pela ré restringe-se ao montante da indemnização de clientela que a autora, ora recorrida, foi condenada a pagar à ré, ora recorrente.<br> 2. - A indemnização de clientela a atribuir à recorrida deverá ser do montante de 38000000 escudos.<br> 3. - A recorrente demonstrou todos os pressupostos de que dependia o seu direito a ser indemnizada pela clientela que durante mais de 19 anos angariou para os produtos da autora.<br> 4. - Por forma a atingir o objectivo que ambas as partes se tinham proposto - vender em Portugal os produtos da recorrente - estabeleceram entre si uma estreita relação de cooperação que implicou quer a definição de regras respeitantes aos preços dos produtos quer um elevado investimento da recorrente na promoção e divulgação do nome e da marca do recorrido.<br> 5. - Atentos os meios utilizados é, manifesto que a recorrente dispendeu elevados montantes na promoção e divulgação dos produtos em anexo.<br> 6. - A recorrente orientou toda a actividade desenvolvida pelo seu sector de rega em função da mencionada finalidade do contrato.<br> 7. - A recorrente angariou para a recorrida uma vasta clientela pois que os produtos em causa, praticamente desconhecidos em 1973, representam hoje mais de 50 porcento de todo o mercado português na área dos produtos de rega para espaços verdes.<br> 8. - Tal clientela, onde se incluem os mais importantes clubes de futebol, câmaras municipais e sociedades que exploram campos de golfe, representam um extraordinário meio de captação de lucros pois que os produtos em causa implicam investimentos e, como tal, traduzem negócios de muitas centenas de milhares de dólares americanos.<br> 9. - Os clientes em causa são clientes dos produtos A e não clientes da aqui recorrente.<br> 10. - A recorrida recebeu uma extraordinária clientela cuja angariação, no que tal significa dispêndio de meios e investimentos, foi suportada pela recorrente.<br> 11. - A recorrente nada mais recebeu ou receberá pelas vendas ou contratos celebrados com clientes dos produtos da recorrida pois que a única forma de os adquirir seria através da sua actual distribuidora em<br> Portugal, a significar que a sua margem de lucro seria praticamente inexistente e comercialmente ruinosa.<br> 12. - Constam dos autos elementos que indiciam com toda a certeza e segurança ser da ordem das muitas centenas de milhares de dólares americanos o volume de vendas anual dos produtos da recorrida efectuadas pela recorrente e, nesta medida, que a clientela angariada significa para a recorrida o recebimento de um mercado que se traduz na imediata realização de negócios e vendas anuais de muitas centenas de milhares de dólares americanos.<br> 13. - Por forma a não permitir o enriquecimento da recorrida à custa da recorrente, considera a mesma ser do montante de 38000000 escudos a indemnização susceptível de, no caso concreto, reequilibrar as perdas, quer da própria clientela, quer dos gastos com a angariação da mesma, sofridos pela recorrente com as vantagens resultantes para a recorrida de passar a dispôr, com total ausência de custos, do mercado conquistado por aquela.<br> 14. - Ao fixar em 15000000 escudos e não em 38000000 escudos a indemnização de clientela peticionada pela aqui recorrente, o acórdão recorrido não fez uma correcta aplicação do princípio jurídico contido na primeira parte do artigo 34 do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho, pelo que violou nessa parte, a referida norma.<br> A autora contra-alegou.<br> Corridos os vistos, cumpre decidir.<br> I - A matéria de facto assente é a seguinte: a) A autora é uma empresa que se dedica ao comércio de artigos de irrigação. b) No exercício dessa actividade, a autora forneceu à ré, a solicitação desta, diversas mercadorias consubstanciadas nas facturas juntas de folhas 5 a 18, no valor total de USD 162359,31. c) A autora creditou à ré a quantia de USD 244,68, parte do montante das facturas referidas. d) Apesar de interpelada pela autora para pagar a quantia de USD 162144,63, a ré não efectuou tal pagamento. e) Em 1971 a ré iniciou relações comerciais com a empresa norte-americana A, que desenvolve, produz e comercializa, a nível mundial, produtos para rega por aspersão para aplicações agricolas e rega dos chamados espaços verdes (parques, campos desportivos e campos de golfe). f) Em 1972 a referida empresa instalou-se em França, tendo aí criado a sociedade autora e a partir daí todas as relações comerciais da ré passaram a efectuar-se com a autora. g) Em 1973 autora e ré estabeleceram entre si um contrato por tempo indeterminado, mediante o qual a ré passou a comercializar em Portugal os produtos da marca<br> A. h) Mediante esse contrato a ré efectuaria compra desses produtos à autora, que forneceria tais produtos à ré e esta, posteriormente, procederia à revenda dos mesmos produtos em Portugal, junto dos seus clientes. i) Foram definidas regras respeitantes a preços desses produtos e foi iniciada uma estreita colaboração entre a autora e a ré no sentido de ser atingido o objectivo que desse contrato ambas se tinham proposto: vender em Portugal os produtos da autora. j) O contrato previa a procuração, por conta da ré, dos produtos A em Portugal, o que foi efectuado por esta. k) Nos 19 anos que medeiam entre 1973 e a actualidade, a ré promoveu o nome da autora e a marca dos produtos fornecidos por esta em todo o país. l) Tal promoção efectuou-se através de seminários para clientes, organizados pela ré, através de participações em feiras e exposições. m) Com esse objectivo foi feita publicidade à denominação e marca A em jornais, revistas, páginas amarelas. n) A ré subsidiou publicidade de vários agentes aos produtos A. o) A divulgação da denominação e marca A foi ainda feita directamente, através de funcionários da ré, junto dos respectivos clientes, assim como a angariação de novos clientes para os produtos da autora resultou ainda do trabalho efectuado pelos funcionários da ré. p) Como resultado desta publicidade e divulgação, bem como dos serviços prestados pela ré na área da instalação e assistência, a denominação e marca A, que eram praticamente desconhecida em Portugal no ano de 1973, passaram a gozar de enorme reputação. q) Actualmente os produtos com a marca A, mercê do enorme prestígio conquistado, representam mais de 50 porcento de todo o mercado Português na área de materiais de rega para espaços verdes. r) A partir de 1987, a autora começou a fornecer alguns dos produtos A a outra empresa para esta comercializar no mercado português. s) Em 1988 a autora propôs à ré um regime de exclusividade para os produtos destinados aos campos de golfe. t) A ré abriu uma nova filial no Algarve e contratou como seu funcionário um especialista neste tipo de produtos, o que se traduziu em avultados custos. u) Em Março de 1989 a ré realizou um seminário no<br> Algarve, destinado a arquitectos paisagistas e clientes, com o objectivo de promover os produtos A, e que contou com a presença de um representante da autora. v) Em 3 de Novembro de 1989 a autora propôs à ré que esta passasse a ser distribuidora exclusiva dos seus produtos de golfe em Portugal, para tanto lhe enviando, nessa data, uma proposta de contrato, válido por um ano, bem como fixou os objectivos de vendas para o primeiro ano de vigência do contrato, na eventualidade de o mesmo vir a ser aceite e outorgado pela ré. x) A ré não deu qualquer sequência a essa proposta contratual. y) Em 20 de Novembro de 1989, a autora voltou a solicitar à ré uma resposta à proposta contratual que lhe havia sido feita. z) Em 1990 a autora enviou à ré a carta cuja cópia se mostra junta de folhas 49 a 51 e em Setembro de 1991 a carta cuja cópia está junta a folhas 52 e 53. aa') A autora tomou conhecimento de que a ré vinha desde finais de 1991, a comercializar no mercado português produtos de golfe de marca "C", concorrente da autora. bb') A ré, apesar de comercializar produtos C, vendeu e continua a vender produtos A. cc') Em 5 de Fevereiro de 1992 a autora comunicou à ré, através de telefax, que uma outra empresa denominada "D" passou a ter a exclusividade, em Portugal, de todos os produtos A a partir de 15 de Fevereiro de 1992, e ainda que a autora apenas poderia fazer encomendas directamente à autora até 14 de<br> Fevereiro de 1992. dd') A ré respondeu a esse telefax, em 14 do mesmo mês, através da carta cuja cópia está junta de folhas 56 a 59. ee') A esta carta da ré respondeu a autora, em 18 de Fevereiro de 1992, com a cópia enviada por telefax e à qual a ré respondeu com o fax de 18 de Fevereiro de 1992, conforme documentos juntos de folhas 60 a 67. ff') Após esta troca de correspondência a autora não alterou a sua posição inicial. gg') A ré comunicou à autora, conforme carta junto de folhas 68 a 73, que o montante que considerava correspondente à indemnização de clientela era de<br> 38000000 escudos, e com ele efectuava compensação parcial com o crédito da autora sobre a ré reclamado na presente acção. hh') Posteriormente, em 8 de Setembro de 1992, a ré enviou à autora a carta cuja cópia está junta a folhas<br> 74 e 75. ii') Os documentos juntos de folhas 108 a 114.<br> II - A recorrente A S.A. pretende com o presente recurso que se reconheça que a ré B Lda não tem direito a qualquer indemnização de clientela em consequência da cessação do contrato.<br> A ré, por sua vez, pretende que a indemnização de clientela que lhe foi atribuída e fixada em 15000000 escudos seja fixada em 38000000 escudos.<br> Tendo-se em conta o objecto de ambos os recursos, estes serão apreciados em conjunto.<br> IV - O contrato de concessão comercial não se encontra expressamente regulado no nosso direito.<br> É um contrato atípico através do qual uma das partes (concessionário) se obriga a comprar à outra (concedente) determinada quota de bens, com o fim de os revender ao público em determinada zona.<br> V - Dentro dos limites da lei as partes têm, segundo o artigo 405 do Código Civil, a faculdade de celebrar contratos diferentes dos previstos nesse código.<br> Podem, portanto, realizar contratos com as características dos contratos previstos e regulados na lei (contratos típicos ou nominados) bastando, nesta hipótese, indicar o respectivo nome, sem necessidade de convencionar a regulamentação correspondente ou, então, concluir contratos diferentes dos contratos expressamente disciplinados na lei (contratos atípicos ou inominados).<br> VI - O contrato celebrado entre a autora e a ré foi-o por tempo indeterminado, abrangendo determinada zona geográfica, de forma autónoma e estável.<br> A ré actuava em seu nome e, por conta própria, comprando à autora produtos que depois revendia e auferindo como retribuição pela sua actividade as vantagens que lhe advinham dos lucros que obtinha com a revenda dos produtos adquiridos.<br> Além disso deveria observar determinados requisitos e satisfazer certas obrigações.<br> Não está provado que no contrato estivesse inserida a cláusula de exclusividade mas tal facto não afasta a existência de um contrato de concessão comercial.<br> A exclusividade de revenda não é indispensável à realização da função económico-social do contrato.<br> VII - Como elementos individualizadores do contrato de concessão comercial temos os seguintes: a) Carácter duradouro do contrato. b) Actuação do concessionário em nome próprio e por conta própria. c) Ter como objecto bens produzidos ou distribuídos pelo concedente. d) Obrigação do concessionário de promover a revenda dos produtos que constituem o objecto do contrato, na zona a que o mesmo se refere. e) Obrigação do concessionário de celebrar, no futuro, sucessivos contratos de compra. f) Obrigação de o concedente celebrar, no futuro, sucessivos contratos de venda. g) Obrigação do concessionário de orientar a sua actividade empresarial em função da finalidade do contrato. h) Obrigação do concedente de fornecer ao concessionário os meios necessários ao exercício da sua actividade.<br> Todos estes elementos se podem dar como assentes em função dos factos dados como provados no processo.<br> Na verdade resulta das alíneas g), h), i), j), k), l), m), n), o), p) e cc') que em 1973 autora e ré estabeleceram entre si um contrato por tempo indeterminado, mediante o qual a ré passou a comercializar em Portugal produtos de A e durante dezanove anos promoveu o nome e a marca dos produtos por ela fornecidos, em todo o país.<br> Mediante aquele contrato a ré efectuaria compra dos referidos produtos à autora que lhos forneceria e, posteriormente, procederia à revenda dos mesmos produtos junto dos seus clientes.<br> Foram definidas regras respeitantes a preço dos produtos e foi iniciada uma estreita colaboração entre autora e ré no sentido de ser atingido o objectivo que desse contrato ambas se tinham proposto: vender em<br> Portugal os produtos da autora.<br> O contrato previa a promoção por parte da ré, dos produtos A em Portugal, o que foi atingido.<br> Efectuou-se a promoção através de seminários para clientes, organizados pela ré, através de participações em feiras e através de exposições.<br> Além disso e como mesmo objectivo foi feita publicidade<br> à denominação e marca A em jornais, revistas e páginas amarelas. Fez-se, ainda, a divulgação da denominação e marca directamente através dos funcionários da ré junto dos respectivos clientes angariaram-se novos clientes para os produtos da autora em consequência do trabalho daqueles funcionários. Como resultado desta publicidade e divulgação, bem como, dos serviços prestados pela ré na área da instalação e assistência, a denominação e marca A que era praticamente desconhecida em Portugal, em 1973, passaram a gozar de enorme reputação.<br> A ré continuou a vender produtos da marca A embora deixasse de fazer encomenda directamente à autora a partir de 4 de Fevereiro de 1992.<br> Assim pode qualificar-se o contrato celebrado entre a autora e a ré como um contrato inominado de concessão comercial.<br> VIII - Como contrato inominado que é, o contrato de concessão comercial não possui disciplina legal própria. Desde que nada tenha sido acordado pelas partes quanto à sua disciplina tem de reger-se pelas disposições reguladoras dos contratos em geral e, se necessário, pelas disposições dos contratos nominados com que apresentam mais forte analogia.<br> E o contrato que se nos afigura ter mais afinidades com o de concessão comercial, sobretudo em matéria de cessação do contrato, é o de agência pois, em certa medida, também é um contrato de distribuição ainda que de feições próprias.<br> De qualquer forma é sempre necessário apurar, relativamente a cada questão e em cada caso concreto, se pode afirmar-se uma analogia de situações que justifique a aplicação a um contrato de normas estabelecidas para outro.<br> No n. 4 do preâmbulo do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho diz-se o seguinte: "Relativamente a este último (contrato de concessão) detecta-se no direito comparado uma certa tendência para o manter como contrato atípico, ao mesmo tempo que se vem pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia - quando e na medida em que ela se verifique -, o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato.<br> Daí que o contrato de agência, sobretudo na parte relativa à cessação do contrato, esteja vocacionado para se aplicar, por analogia, ao contrato de concessão comercial.<br> IX - O contrato havido entre a autora e a ré cessou, como vem provado pelas instâncias.<br> E terá a ré, por esse facto, direito a indemnização de clientela?<br> A clientela encontra-se, normalmente, mais ligada ao produto do que ao vendedor. Tal facto resulta, no entanto, muitas vezes da divulgação e trabalho do vendedor na angariação dos compradores. E é isso que acontece no caso vertente.<br> Através da promoção feita ao longo de dezanove anos, ou seja, desde o início do contrato até à sua cessação a ré promoveu o nome e a marca dos produtos que a autora lhe fornecia por todo o país, das mais diversas formas, sendo praticamente desconhecidos em Portugal em 1973 passaram a gozar de enorme reputação e actualmente representam mais de 50 porcento de todo o mercado Português na área de materiais de rega para espaços verdes.<br> É certo que a ré não provou qual o volume de negócios que efectuou, o número de clientes que diz ter angariado, o montante das despesas de publicidade, os custos de salários, as margens de comercialização praticadas e os lucros auferidos, os benefícios que futuramente lhe adviriam após a cessação do contrato e perdas futuras em virtude do termo da relação contratual. Tal facto não retira, no entanto, qualquer mérito à acção desenvolvida pela ré e de que a autora também beneficiou.<br> X - Posto isto, vejamos se estão preenchidos, em face dos factos provados, os requisitos de que depende o direito de indemnização.<br> O artigo 33 do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho dispõe no seu n. 1 o seguinte:<br> "Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes: a) O agente tenha angariado novos clientes a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) A outra parte vinha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).<br> O requisito da alínea a) está suficientemente demonstrado uma vez que sendo praticamente desconhecidos em Portugal em 1973 o nome e a marca dos produtos da autora, estes, graças à actividade desenvolvida pela ré, passaram a gozar de enorme reputação e actualmente representam mais de 50 porcento de todo o mercado português na área de materiais de rega para espaços verdes. Angariou, portanto, a ré novos clientes para os produtos da autora.<br> O requisito da alínea b) também se verifica uma vez que está bem implantada em Portugal a marca A mercê da actividade desenvolvida pela ré. Mais de metade de todo o mercado português na área de materiais de rega para espaços verdes consome produtos da autora.<br> No que respeita ao requisito da alínea c) pretende a lei, conforme diz Pinto Monteiro, "fundamentalmente evitar acumulações, deixando de justificar-se a compensação devida ao agente, a título de indemnização de clientela, caso o principal, por exemplo, haja acordado continuar a pagar-lhe, após o termo do contrato, uma certa quantia pelas operações negociais que leve a efeito com clientes por ele angariados (vid. Contrato de Agência, página 105).<br> Não está provado que entre a autora e a ré exista qualquer acordo de indemnização de clientela e o ónus da prova cabia à autora já que se tratava de factos impeditivos do direito da ré (artigo 342 n. 1 do Código<br> Civil).<br> Tendo os produtos da marca A grande prestígio e representando mais de 50 porcento de todo o mercado português na área de materiais de rega para espaços verdes, quando em 1973 eram praticamente desconhecidos,<br> é evidente que será com clientes angariados pela ré para aqueles produtos que muitos contratos serão negociados apôs a cessação do contrato que existiu entre a autora e a ré.<br> Daí que se verifique também o requisito da alínea c).<br> XI - A autora diz que o direito de indemnização de clientela havia caducado quando a ré o invocou em tribunal.<br> Ter-se-á verificado efectivamente a caducidade?<br> O Decreto-Lei 178/86 prescreveu no seu artigo 34 que a indemnização de clientela deve ser exigida nos três meses posteriores à cessação do contrato. E é ao disposto neste artigo que deve atender-se para decidir a questão uma vez que a decisão da primeira instância foi proferida em 1993.<br> Tendo o contrato cessado em 14 de Fevereiro de 1992 estavam, nessa data, verificados os pressupostos que determinariam o direito de indemnização.<br> Logo apôs a cessação do contrato, a ré comunicou à autora, por telefax de 16 de Abril de 1992, que pretendia ser indemnizada pelos prejuízos sofridos com a cessação unilateral do contrato, bem como pela indemnização de clientela, no montante de 38000000 escudos.<br> Nessa altura tinham decorrido apenas dois meses.<br> E para que fosse interrompido o prazo de caducidade não era necessário deduzir o pedido judicialmente. Bastava, como fez a ré, comunicar à autora que exigia dela uma indemnização de clientela de 38000000 escudos.<br> O artigo 331 do Código Civil dispõe no seu n. 1 que "só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo".<br> Daí não resulta, contudo, que só a propositura da acção impedisse a caducidade do direito da ré.<br> O artigo 34 do Decreto-Lei 178/86 não relaciona a caducidade do direito com o exercício de qualquer acção judicial.<br> Conforme se diz no acórdão recorrido "é óbvio que se quisesse relacionar a caducidade do direito com o exercício da competente acção judicial o teria feito, como, aliás, veio mais tarde a acontecer aquando da nova redacção dada ao n. 4 do artigo 33 daquele diploma pelo Decreto-Lei 118/93, onde expressamente se diz que deve a acção judicial ser proposta dentro do ano subsequente à comunicação.<br> Daí que não tenha caducado o direito de a ré pedir o direito de indemnização de clientela.<br> E qual o montante da indemnização?<br> O artigo 34 do Decreto-Lei 178/86 mandava no seu artigo 34 calculá-la em termos equitativos.<br> E foi com base na equidade que no acórdão recorrido se calculou em 15000000 escudos.<br> Afigura-se-nos este montante equilibrado.<br> A indemnização de clientela não é uma verdadeira indemnização. O que conta para o seu cálculo são os benefícios proporcionados pelo concessionário ao concedente, benefícios esses que na vigência do contrato eram comuns mas que após a cessação irão aproveitar apenas ao concedente.<br> E é na medida em que o concedente vai aproveitar que deve indemnizar o concessionário.<br> A ré não provou que tenha arranjado para o autor milhares de clientes e todos clientes novos, que tenha vendido ao longo dos 19 anos produtos da autora no valor global de 5080000 dólares americanos, que a autora, mercê da implantação no mercado, que a ré lhe conseguiu vá realizar nos próximos três anos vendas no valor global de 1770000 dólares americanos, que se a autora iniciasse agora a sua actividade no mercado português, sem os clientes angariados pela ré, realizaria durante esses mesmos três anos vendas no montante de apenas 888000 dólares, que o benefício líquido auferido e a auferir pela autora é o correspondente a 352800 dólares americanos, equivalendo ao câmbio actual a 42000000 escudos, que o volume de vendas de produtos fornecidos pela autora, efectuado pela ré, durante os últimos cinco anos, de 1987 a 1991, foi, em média de, aproximadamente, 5550000 dólares americanos por ano, que no ano de 1991 vendeu produtos fornecidos pela autora no valor global de 590000 dólares americanos e que venderia durante o ano de 1993 pelo menos 590000 dólares americanos de produtos fornecidos pela autora.<br> Provou-se, porém, que através da publicidade que fez por diversos meios conseguiu que os produtos da autora que eram praticamente desconhecidos em Portugal em 1973 representem actualmente mais de 50 porcento de todo o mercado português na área de materiais de rega para espaços verdes.<br> Isto significa que angariam muitos clientes para os produtos da autora e que esta irá beneficiar deles já que, conforme atrás se disse, a clientela se encontra mais ligada ao produto do que ao vendedor, depois de implantado no mercado.<br> Se é certo que em consequência da cessação do contrato vai deixar de poder revender aqueles produtos a muitos dos clientes que angariou nas condições em que o fazia é também certo que ainda continua a vender produtos A. Embora a situação seja diferente o certo é que continuará a beneficiar de alguma da clientela que foi angariando ao longo dos anos para aqueles produtos.<br> Ponderando o que referido fica, considera-se equilibrada a quantia de 15000000 escudos fixada no acórdão recorrido como indemnização de clientela e, por isso, se mantêm.<br> XII - Por tudo quanto fica exposto negam-se ambas as revistas, com custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 22 de Novembro de 1995.<br> Mário Cancela,<br> Costa Marques,<br> Sampaio da Nóvoa (Vencido: entendo não estarem provados factos suficientemente caracterizadores dos requisitos das alíneas b) e c) do artigo 35 do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, onde visto que só há lugar a indemnização verificando-se cumulativamente os três requisitos incluídos nesse artigo; para além disso, também entendo que não há elementos bastantes para se fixar indemnização, mesmo em termos de equidade).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Na Comarca de Lisboa,<br> O Estado, representado pelo Ministério Público, propôs contra<br> Construções Azevedo Campos SARL a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que esta ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 54036154 escudos, acrescida de juros já vencidos no montante de 27759491 escudos e cinquenta centavos, o que dá a quantia de 81795645 escudos e cinquenta centavos, e ainda dos juros vincendos sobre aqueles 54036154 escudos, à taxa legal, para o que alegou que o Ministério das Finanças concedeu o aval do Estado a uma operação de financiamento em dólares, até à contrapartida de 50 mil contos, a obter pela ré com recurso ao Crédito Bancário, financiamento este que, de facto, a ré obteve através do Banco Borges &amp; Irmão, paralelamente ao que a ré subscreveu uma herança de igual montante, a qual foi avalizada pelo Director Geral do tesouro, nos termos do referido despacho do Ministro das Finanças, mas, porque a ré não pagou a quantia devida ao Banco na data do vencimento da livrança, teve o Estado de a pagar, pelo que ficou sub-rogado aos direitos do Banco contra a ré.<br> Na sua contestação, a ré além de ter alegado a nulidade da parte de citação com a subsequente nulidade de todo o processo, invocou a extinção da responsabilidade cambiaria por prescrição em 9 de Novembro de 1983, data em que também ficou extinta a responsabilidade do Estado como avalista, o que significa que este pagou um crédito já extinto e por isso não ficou sub-rogado nos direitos do Banco, e acrescentou ainda que o Estado fez o pagamento ao Banco sem avisar a ré e esta tinha motivos para recusar esse pagamento por ser credora do Banco, havendo, assim, lugar à respectiva compensação e daí que a relação causal também se tivesse extinguido, e terminou pedindo a nulidade da falta de citação e a anulação de todo o processado ou, não se entendendo assim, a improcedência da acção.<br> Respondeu o Estado às invocadas excepções da falta de citação, prescrição da obrigação cambiária e extinção da obrigação causal por compensação, e terminou pedindo a improcedência destas excepções e a procedência da acção.<br> No saneador-sentença, além de ter sido concedida à ré a assistência judiciária, foi proferida decisão de mérito, que, julgando a acção procedente, condenou a ré a pagar ao Estado a quantia de 54036154 escudos (52496345 escudos + 1539809 escudos), acrescida de juros vencidos e vincendos, desde 9 de Novembro de 1980 até efectivo pagamento, à taxa legal de 23 porcento até a data da entrada em vigor da Portaria n. 339/87, de 24 de Abril, que fixou a taxa em 15 porcento.<br> Desta decisão apelou a ré, mas a Relação negou provimento do recurso.<br> Deste acórdão interpôs recurso de revista a ré, a qual, na sua alegação, concluiu assim:<br> I - o aval do Estado invocado nesta acção reveste a forma e a natureza jurídica de aval cambiário em livrança e só isso;<br> II - a livrança em causa venceu-se em 9 de Novembro de 1980 e, nos termos do artigo 70 da Lei Uniforme sobre Letras, e Livranças, toda e qualquer responsabilidade cambiária da recorrente por virtude da subscrição da livrança fica extinta por prescrição em 9 de Novembro de 1983, o mesmo acontecendo à responsabilidade do Estado avalista por haver prestado o aval cambiário;<br> III - Assim, ao pagar a quantia de 52496345 escudos em 4 de Julho de 1985, o Estado estava a pagar um débito extinto por prescrição, ou seja, estava a pagar escusada e desnecessariamente uma quantia cujo pagamento tinha o direito de recusar, invocando a prescrição, pelo que lhe não assiste o direito de in aequo reclamar da empresa avalizada aquilo que pagou, o mesmo se passando em qualquer situação de direito de repeses cambiário, designadamente as previstas no artigo 49 da citada Lei Uniforme;<br> IV - o acórdão recorrido violou, entre outros, os princípios e conceitos reflectidos nos artigos 70 e 49 daquela Lei Uniforme, pelo que deve ser revogado e a acção julgada improcedente.<br> Na sua contra-alegação, pugnou pela manutenção do acórdão recorrido.<br> Colhidos os vistos legais, cabe decidir, sendo o relator o primeiro adjunto vencedor (n. 3 do artigo 713, ex-vi do artigo 726, do Código de Processo Civil).<br> Vêm provados os factos seguintes:<br> 1 - por despacho do Ministério das Finanças n. 227/79 de 2 de Novembro de 1979, fotocopiado a folhas 5 e 6, foi declarado ao abrigo da Lei 1/73, de 2 de Janeiro, conceder o aval do Estado a uma operação de financiamento em dólares, até à contrapartida de 50 mil contos, a obter através do sistema bancário nacional, mediante a satisfação das condições seguintes:<br> a) o aval pessoal dos administradores da empresa (a concretização do aval do Estado ficou dependente da prévia concretização desta quantia constituída pelo aval pessoal dos administradores);<br> 2 - na sequência deste despacho, a ré, em 9 de Novembro de 1979, obteve um financiamento do montante de 50000 dólares junto do Banco Borges &amp; Irmão;<br> 3 - paralelamente a esse financiamento, a ré, na mesma data de 9 de Novembro de 1979, subscreveu uma livrança mediante a qual se comprometeu a pagar ao dito Banco ou à sua ordem, no dia 9 de Novembro de 1980, a quantia de 50 mil contos; <br> 4 - no verso dessa livrança, o Director Geral do Tesouro no dia 20 de Novembro de 1979, subscreveu a declaração seguinte: concedo o aval do Estado, nos termos da Lei 1/73, de 2 de Janeiro e artigo 6 da Lei 21-A/ 79, de 25 de Junho, relativamente à presente livrança, pelo montante de 49000000 escudos, ao abrigo e para os efeitos do despacho do Senhor Ministro das Finanças n. 227/79, de 2 do corrente, cuja fotocópia se anexa;<br> 5 - o aludido financiamento não foi reembolsado pela ré nem em 9 de Novembro de 1980 nem depois;<br> 6 - no dia 4 de Julho de 1985, o autor pagou ao Banco Borges &amp; Irmão a quantia de 49000000 escudos, acrescida de 5496345 escudos de juros, ou seja, o total de 52496345 escudos, pagamento este que o autor fez sem qualquer aviso prévio ou comunicação à ré;<br> 7 - no dia 26 de Novembro de 1986, a ré fez notificar, mediante notificação judicial avulsa, o mencionado Banco, nos termos fotocopiados de folhas 58 a 62, onde, entre o mais, se diz: "(...) nestes termos, e porque o carácter iliquido do seu crédito indemnizatório a isso não é legalmente obstáculo, (...) vêm as requerentes pelo presente meio formal e solenemente declarar ao banco requerido, e assim tornar efectiva (...) a extinção imediata de todos os créditos sobre elas do Banco requerido, por compensação como débito indemnizatório ainda ilíquido acima referenciado";<br> 8 - o aval pessoal dos administradores da empresa, à ré, consta do documento fotocopiado a folha 8, imediatamente antes do aval do Estado prestado pelo Director Geral do Tesouro.<br> <br> Como se vai tentar demonstrar, entendemos que é de negar a revista, porquanto o Estado, ao conceder o seu aval, ao abrigo da Lei 1/73, de 2 de Janeiro, garantiu o pagamento ao Banco da quantia mutuada à ré.<br> <br> O regime do aval do Estado foi estabelecido pela referida Lei 1/73.<br> Aí se vê que o aval do Estado é uma garantia especial das obrigações, prestada a operações de crédito interno e externo (Base I), para financiar empreendimento ou projectos de manifesto interesse para a economia nacional ou em que o Estado tenha participação que justifique a prestação dessa quantia e, em qualquer caso, se verifique não fosse o financiamento realizar-se satisfatoriamente sem o referido aval (Base II, n. 1). Desta expressa referência as operações de crédito para financiamento de empreendimentos ou projectos de manifesto interesse para a economia nacional bem como ainda da existência de outras alusões legais, como a empréstimos (Base III), a projectos de investimento (Base IV), a créditos avalizados (Base V), a operação (Base VI) e a contratos e operações de crédito avalizados (Base VII, n. 1), decorre, segundo cremos, que o aval do Estado visa garantir, em primeira linha, as obrigações causais, fundamentais ou originárias, e não apenas as obrigações cambiárias assumidas pelos devedores com a subscrição de letras ou livranças, avalizadas pelo Estado, no intuito de facilitar a satisfação do direito do credor.<br> E acontece que a vontade do Estado, ao conceder o seu aval, foi garantir também o empréstimo mercantil feito pelo Banco à ré, ou seja, a obrigação causal, e não apenas a obrigação cambiária consubstanciada na livrança avalizando esta vontade inequivocamente provada. Com efeito, constata-se o seguinte:<br> - o prévio despacho do Ministério das Finanças de 2 de Novembro de 1979, concedeu o aval à operação de financiamento em dólares, até à contrapartida de 50 mil contos, a obter através do sistema bancário nacional ...;<br> - na sequência deste despacho, a ré, em 9 de Novembro de 1979, obteve o dito financiamento do Banco e, paralelamente, subscreveu a livrança pela qual se comprometeu a pagar ao Banco a quantia mutuada em 9 de Novembro de 1980;<br> - no verso dessa livrança, o Estado, no dia 20 de Novembro de 1979, através do Director Geral do Tesouro declarou: concedo o aval do Estado, nos termos da Lei 1/73, de 2 de Janeiro, e artigo 6 da Lei 21-A/79, de 25 de Junho, relativamente à presente livrança, pelo montante de 49000000 escudos, ao abrigo e para os efeitos do despacho do Senhor Ministro das Finanças n. 227/79, de 2 do corrente, cuja fotocópia se anexa.<br> Como se vê, tanto no prévio despacho do Senhor Ministro das Finanças como na declaração do Senhor Director Geral do Tesouro, faz-se clara, expressa e inequívoca alusão à operação de crédito de financiamento pelo Banco à ré, ou seja, à relação fundamental consistente no empréstimo bancário, dizendo-se que o aval do Estado é prestado a esta operação de crédito. E não sofre dúvida que o aval do Estado é prestado pela forma legalmente exigida, ou seja, pela assinatura do titulo representativo da operação de crédito avalizado, nos termos da parte final do n. 1 da citada Base VII.<br> A Procuradoria Geral da República já teve ensejo de, por 3 vezes, se debruçar sobre a Lei 1/73, com vista a estabelecer a natureza e o regime do aval do Estado (Pareceres de 12 de Fevereiro de 1981, 28 de Abril de 1983 e 24 de Maio de 1989, no Boletim do Ministério da Justiça 308, 24, 332, 165 e 397, 5, respectivamente) e sufragou as posições seguintes:<br> - o aval do Estado é uma figura jurídica de direito público, cujo regime diverge tanto do do aval cambiário como do da finança civil, embora se aproxime mais do regime desta última, atento o seu carácter acessório, mas já dela divirja, for a responsabilidade do Estado avalista ser solidária e não subsidiária;<br> - o aval do Estado é uma operação de crédito de garantia creditícia com finalidade financeira e natureza excepcional, mediante o qual o Estado, unilateralmente garante o cumprimento de dívida de outras entidades, assumindo, em caso de incumprimento, as respectivas responsabilidades para com o credor, ficando o Estado colocado na posição de devedor acessório de outras entidades, credoras principais;<br> - o aval do Estado consubstancia-se na garantia prestada pelo Estado a operação de crédito negociários à execução de empreendimentos ou projectos relevantes para a economia nacional, de manifesto interesse público, sendo que o Estado, com o seu aval, garante um crédito, assumindo uma obrigação acessória, porque não subsiste sem a obrigação principal, mas não subsidiária e antes solitária, já que o seu cumprimento lhe pode ser exigido logo que se verifique o incumprimento do devedor, sem prévia execução dos bens deste;<br> - o aval do Estado começa por cobrir ou garantir a operação financeira sediada no mundo das relações subjacentes para, depois, com a subscrição da livrança como avalista, passar para o campo das relações cartulares ou cambiárias.<br> Semelhante análise dos 3 pareceres acerca do aval do Estado não contraria e antes aponta para a solução por nós preconizada, na medida em que o aval do Estado é encarado como destinado a garantir o cumprimento das obrigações causais, fundamentais ou originárias.<br> Certo é que o Estado também avalizou a livrança, sem que se possa dizer que, com isso, quis apenas formalizar o empréstimo bancário. O que houve foi uma datio pro solvendo destinada a facilitar a satisfação do direito do credor (artigo 840 n. 1 do Código Civil), pois que este credor ficou com dois créditos dirigidos ao mesmo fim: o credito causal, fundamental, subjacente ou originário (ex mútuo) e o crédito cambiário, de tal maneira que a extinção da acção cambiária por prescrição não afecta a relação causal ainda não prescrita, mantendo-se nesta o aval do Estado se se provar que o Estado quis garantir e afiançar a obrigação causal e o fez pela forma legalmente exigida, o que, como adiante melhor se verá, se verifica no caso concreto (citado parecer de 12 de Fevereiro de 1981, Boletim do Ministério da Justiça, 29; Vaz Sena, R.L.J., 113, 124, e seguintes; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume II, 4 edição, 164 e seguintes).<br> <br> <br> Por outro lado, não pode esquecer-se, como a Relação já salientou, que <br> a causa de pedir nesta acção é constituída pela relação jurídica subjacente ou causal e não pela relação jurídica cambiaria.<br> Segundo o disposto no n. 4 do artigo 498 do Código de Processo Civil, a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde o autor pretende derivar o seu direito, ou seja, nas acções de condenação, o facto ou acto jurídico concreto donde deriva o direito de crédito do autor e, consequentemente, a obrigação do réu devedor (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 123).<br> Ora, no caso sub-Júdice, dos factos articulados pelo autor (artigos 1, 2, 3 e 4 da petição e artigos 9, 11, 13 e 14 da réplica) resulta que a causa de pedir é a relação jurídica subjacente - a operação de financiamento através do empréstimo bancário até ao montante de 50 mil contos - e não a relação jurídica cambiária, em que a causa de pedir apenas seria constituída pelo aval aposto na livrança e nada mais (acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 30 de Janeiro de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, 253, 203).<br> E tanto assim é que o autor não requereu a citação do réu para confessar ou negar a firma, nos termos do artigo 473 do Código de Processo Civil, como era de esperar que fizesse, caso tivesse encarado esta acção como cambiária.<br> E no mesmo sentido aponta o facto de o autor não ter apresentado o original da livrança e apenas uma fotocópia, para valer, é de calcular, apenas com quirógrafo da obrigação causal, atento o disposto no artigo 387 do Código Civil e do artigo 70 da Lei Uniforme (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Março de 1993, C.J. do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 1993, Tomo II, 27).<br> <br> Mas há mais, para quem não fique convencido com os argumentos que aí ficam.<br> Tem-se entendido, e bem, que o aval e a fiança são figuras distintas, com regimes diferentes, pelo que, se a obrigação cambiária prescrever estando avalizada, este aval não pode transforma-se automaticamente em fiança, a não ser que se prove que o avalista se quis também obrigar como fiador da obrigação causal ou fundamental (Vaz Sena, R.L.J. 113, 124 e seguintes; Antunes Varela, Das Obrigações em geral, volume II, 4 edição, 468; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1977, 30 de Outubro de 1979, 6 de Novembro de 1979, respectivamente, Boletim do Ministério de Justiça 267, 149, 290, 434, 291, 504).<br> Portanto, prescrita como está a obrigação cambiária e com ela o oval cambiário, importa apurar se este aval pode transformar-se em fiança, por o Estado ter querido afiançar a obrigação causal, ou seja, o empréstimo bancário.<br> Trata-se de uma questão de interpretação da declaração negocial, da determinação do sentido juridicamente relevante dessa declaração, à luz dos critérios estabelecidos nos artigos 236 a 238 do Código Civil, o que, como vem sendo jurisprudência pacífica, com apoio na doutrina, é questão de direito, da competência deste Supremo (Ver: acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça de 11 Junho de 1991, 27 de Novembro de 1991, 29 de Abril de 1993, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça 408, 512, 411, 513, C.J. do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 1993, T II, 73; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, com anotação concordante de Antunes Varela, R.L.J. 122, 301 e seguintes; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1979, com anotação concordante de Vaz Serra, R.L.J. 113, 122 e seguintes).<br> Ora nós, mais acima, já chegámos à conclusão de que o Estado também quis garantir e afiançar a obrigação causal ou fundamental, isto é, o empréstimo bancário.<br> De facto, houve uma declaração negocial expressa (cfr. artigo 217 n. 1 do Código Civil) que um declaratário normal ou seja, medianamente instruído, arguto e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante (cfr. artigo 236 n. 1 do Código Civil) não poderá deixar de interpretar no sentido de que o Estado manifestou a vontade de garantir, de afiançar o empréstimo bancário (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4 edição, 223, Vaz Sena, R.L.J. 110, 350).<br> E certo é que essa vontade de prestar fiança foi expressamente declarada, isto é, por declaração directa do fiador, embora sem fórmulas precisas ou sacramentais (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 4 edição, 470 e 471) pela forma exigida para a obrigação principal (artigo 628 n. 1 do Código Civil), declaração essa cujo sentido tem um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, no texto do documento (artigo 238 n. 1 do Código Civil).<br> Na verdade, o empréstimo mercantil entre comerciantes admite, seja qual for o valor, todo o género de prova (artigo 396 do Código Comercial) e os contratos de mútuo ou usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem provar-se por escrito particular ainda que a outra parte não seja comerciante (artigo único do Decreto-Lei 32765, de 29 de Abril de 1943).<br> Pois bem, a vo<br> ntade de o Estado afiançar a obrigação causal tem mais que um mínimo de correspondência em dois documentos, o despacho do Ministério das Finanças e a declaração do Director Geral do Tesouro; por outro lado, ninguém contestará que a prestação da fiança obedeceu à forma da obrigação principal.<br> Resta dizer que, quanto esta última argumentação, também vale o que supra se disse quanto à questão de saber qual a causa de pedir nesta acção e quanto à questão de ter havido uma datio pro solvendo.<br> Por tudo o exposto, nega-se a revista.<br> Custas pela recorrente, devendo, contudo, atender-se a que goza de assistência judiciária.<br> Lisboa, 26 de Maio de 1994.<br> Ferreira Dias;<br> César Marques;<br> Martins Costa;<br> Machado Soares. (Vencido pelas razões constantes da declaração de voto que se junta).<br> Silva Montenegro (vencido pelos mesmos motivos aduzidos pelo Excelentissímo Conselheiro Machado Soares).<br> <br> Declaração de Voto.<br> Consideramos, como o Professor Raul Ventura (in Revista da Banca n. 4, página 85), que "a garantia que o Estado prestar por assinaturas no título representativo do empréstimo terá a natureza objectiva ou subjectiva que tiveram as garantias apostas, por modo e com intenção semelhante, por qualquer outra entidade; se se trata de letra ou livrança essa garantia é um aval cambiário".<br> "Se o Estado apuser, nos termos referidos, assinatura em letra ou livrança, assume responsabilidade cartular", como qualquer avalista".<br> Concluímos, portanto, que o Estado optou, neste caso, por apor a sua assinatura, no título em causa como avalista, assumindo, assim, a responsabilidade inerente ao aval; aval dado à subscritora da livrança, como deflui da Base IX da Lei n. 1/73.<br> O facto do aval do Estado se destinar a viabilizar um financiamento bancário não altera a sua natureza de negócio cambiário.<br> Conforme sucede com o aval concedido por um particular, a relação subjacente a este acto cartular não coincide com a relação fundamental existente entre o avalizado e o credor, traduzida no empréstimo ou financiamento (cfr. Pais de Vasconcelos, Direito Comercial - Títulos de Crédito, página 60).<br> E se o Acórdão recorrido, desrespeitando o sentido natural da petição, considerou esta relação (financiamento) como consubstanciando a causa de pedir. Tal não vinculou este Supremo Tribunal, pois não se trata de alterar aqui factos fixados pelas instâncias, mas sim de qualificá-los de modo diferente, tendo em vista a integração factual de uma dada categoria jurídica (causa de pedir).<br> Não temos qualquer dúvida em arrevesar que o que ressalta dos artigos 3, 4, 6, 7 e 8 da petição é uma clara acentuação da vertente cartular na estruturação da causa de pedir. Efectivamente, o que se deduz da matéria factual aí carreada é pretender o Estado receber do avalizado a quantia que pagou ao Banco "em função do aval" (não as palavras utilizadas pelo Autor) e não em resultado de um contrato de "mútuo", que aliás não celebrou com aquele estabelecimento.<br> Estruturar agora, ao arrepio da definição delineada a este respeito na petição, a causa de pedir noutra base, afigura-se-nos ilegal e atentório do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil e dos princípios protegidos por este preceito, mormente o do contraditório. Para não falar, já, nas limitações inerentes à noção de recurso.<br> Na sequência das premissas postas, forçoso é concluir, tendo em conta a demais facticidade apurada, pela prescrição da acção cambiária, neste caso.<br> Efectivamente, de harmonia com a lição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 1979 (Boletim 392, página 469), que acolheu a melhor doutrina expendida, a este respeito, a acção do avalista prescreve no prazo de três anos, de harmonia com a primeira parte do artigo 70 da L.U.L.L., e não no prazo geral de 20 anos, como se entendia (cfr. Professor Oliveira Ascensão (Direito Comercial III - Títulos de Crédito, página 229; Pais de Vasconcelos, obra citada, página 136; Silva Pinto (O Direito Cambiário Garantia Cambiaria e Direito Comparado, página 496).<br> Ora, face aos dados fornecidos pelo material probatório, quando o Estado pagou ao Banco, "em função do aval" já haviam passado mais de três anos sobre a data do vencimento da livrança e, portanto, já havia decorrido o referido prazo prescricional de três anos.<br> E o momento do vencimento marca também o início daquele prazo relativamente à obrigação do avalizado (Sá Carneiro, Revista do Tribunais, ano 1989, página 297 e seguintes e 391 e seguintes; Professor J.J. Pinto Coelho, Supl. às Lições de Direito Comercial - As Letras, segunda parte, segunda edição, página 208).<br> Portanto, este pode valer-se da prescrição - independentemente da atitude que o avalista tenha tomado relativamente à sua obrigação cambiária, dado o disposto nos artigos 71 e 77 da L.U.L.L. que consagram o princípio da autonomia e independência das obrigações cartulares, segundo o qual, em direito cambiário vigora o efeito individual da interrupção da prescrição, que não passa de um devedor para outro, em nome da máxima de "persona ad personam non fit interruptio" (Sá Carneiro, obra citada, página 438; J.J. Pinto Coelho, obra citada, página 222; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1987, Boletim 368, página 543 e respectiva anotação) - em ordem a se considerar como extinta a sua obrigação.<br> Pelo suposto, concederia a revista.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <font> Em 1-3-04, </font><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente acção ordinária contra </font><b><font>BB</font></b><font>, advogado, pedindo a condenação deste no pagamento de 30.000 euros por danos não patrimoniais, 99.616,45 euros e 23.235,87 euros, ambos a título de danos patrimoniais, e ainda as quantias a liquidar em execução de sentença, caso o tribunal venha a considerar que o autor não pode exigir da sociedade CC-“C... Trading” os seus créditos laborais, em virtude da acção não ter sido instaurada no prazo de 20 dias, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos . </font><br> <font> Alega que o réu desempenhou funções como seu advogado, mas que o fez em termos de tal forma deficientes que lhe provocou diversos danos, dos quais pretende ser ressarcido. </font><br> <font> Para tanto, refere que o autor foi director comercial de duas sociedades de comércio de cereais do mesmo grupo, uma com sede em Portugal e outra com sede em Espanha. </font><br> <font> Em 1999, houve lugar ao despedimento colectivo na sociedade portuguesa. </font><br> <font> O autor procurou o réu, como advogado, o qual o auxiliou nas negociações que levada a cabo com a respectiva administração.</font><br> <font> O autor recusou a melhor proposta que lhe foi feita, porque o réu lhe disse que conseguiria uma quantia superior em tribunal, tendo todos os demais trabalhadores aceite uma rescisão amigável do contrato de trabalho.</font><br> <font>A DD-“E...” despediu o autor e pagou-lhe 11.114,63 euros de indemnização .</font><br> <font> A CC-“C...Trading também despediu o autor, mas não lhe pagou qualquer quantia.</font><br> <font> Continuaram negociações entre o réu e as referidas sociedades, com vista a um acordo global. </font><br> <font> O réu informou o autor, a dada altura, que estava a dar entrada em juízo à acção contra as referidas empresas.</font><br> <font> O tempo foi passando e os contactos entre o autor e a réu eram no sentido de que a acção estava em curso. </font><br> <font> Mas, cerca de onze meses depois, o réu admitiu que não tinha chegado a dar entrada em juízo à referida acção. </font><br> <font> Entretanto e pese embora ter contratado outro advogado, já estavam ultrapassados determinados prazos, restando apenas a possibilidade de reclamação de parte dos créditos laborais, devidos com a cessação dos contratos de trabalho e não pagos. </font><br> <font> </font><br> <font>O réu contestou, invocando, em síntese, que efectivamente patrocinou o Autor, tendo-o feito em termos que este não sofreu qualquer prejuízo em virtude de tal patrocínio.</font><br> <font> *</font><br> <font>Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font> julgando parcialmente procedente a acção e condenando o Réu a pagar ao Autor uma indemnização no valor total de vinte e seis mil euros (sendo 20.000€ + 2.500€ por danos patrimoniais, tudo com base na equidade, + 3.500€ por danos não patrimoniais), absolvendo-se o Réu do remanescente pedido contra ele formulado.</font><br> <font> *</font><br> <font>Apelaram tanto o Autor, como o Réu.</font><br> <font>A </font><b><font>Relação de Lisboa</font></b><font>, através do seu Acórdão de 4-3-10, julgou a apelação parcialmente procedente e </font><br> <b><font>decidiu</font></b><font>:</font><br> <br> <font>1 - Confirmar a sentença no que respeita à medida das indemnizações fixadas;</font><br> <font>2 - Suprindo a omissão da condenação em juros, fixou o seguinte:</font><br> <font>- As quantias a pagar a título de indemnização por danos patrimoniais vencem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação;</font><br> <font>- A quantia a pagar a título de indemnização por dano não patrimonial vende juros de mora a partir da decisão proferida na 1ª instância.</font><br> <font> *</font><br> <font>Continuando inconformado, o réu pede </font><b><font>revista</font></b><font>, onde resumidamente </font><b><font>conclui</font></b><font>: </font><br> <font> 1-Não decorre de qualquer disposição legal que o recorrente tivesse que impugnar o despedimento colectivo, que constitui o substrato fundamental da pretensão do recorrido.</font><br> <font> 2 – Também não consta da matéria de facto assente que o recorrido houvesse dado instruções ao recorrente para impugnar o despedimento.</font><br> <font> 3 – No exercício da sua profissão, o advogado mantém a sua independência técnica, sendo-lhe vedado, em termos deontológicos, advogar contra o direito.</font><br> <font> 4 – No caso em apreço, verifica-se que não havia qualquer fundamento legal para considerar ilícito o despedimento, pelo que não seria exigível ao recorrente que intentasse acção de impugnação desse despedimento, o que, a suceder, poderia gerar uma situação de litigância de má fé.</font><br> <font> 5 – Consequentemente, a não propositura de acção de impugnação do despedimento colectivo, bem como a suposta preterição da faculdade concedida pelo art. 13, nº3, do dec-lei 64-A/89, não integram qualquer violação dos deveres profissionais do recorrente perante o recorrido, não havendo sequer que considerar uma eventual “</font><i><font>perda de chance</font></i><font>”. </font><br> <font> 6 – Também não encontra justificação a condenação do recorrente no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais.</font><br> <font> 7 – O recorrente não cometeu qualquer acto ilícito, ao não propor a acção de impugnação do despedimento colectivo, não sendo indemnizável, nos termos do art. 496, nº1, do C.C., a especial sensibilidade do recorrido.</font><br> <font> 8 – A entender-se haver uma demora do recorrente na propositura da acção de reclamação de créditos (mas sem perda do direito), de tal conduta do recorrente não poderia advir para o recorrido direito a qualquer indemnização pelos transtornos causados, carecendo de suporte legal a condenação verificada.</font><br> <font> 9 – Não há lugar a juros de mora sobre quaisquer créditos indemnizatórios. por estes não serem devidos.</font><br> <font> 10 – Considera violados os arts 496, nº1, 562, 563, 564, 798 e 805, nº2, al. b) e nº3, do C.C., bem como os arts 13, nº3 16 e 24, nº1, do dec-lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro. </font><br> <br> <font> *</font><br> <font> Não houve contra-alegações.</font><br> <br> <font> *</font><br> <font> Corridos os vistos, </font><b><font>cumpre decidir.</font></b><br> <br> <font> *</font><br> <font> A Relação considerou </font><b><font>provados</font></b><font> os factos seguintes: </font><br> <br> <font>1) O A. desde 1994 até finais de 1999 desempenhou o cargo de Director Comercial da sociedade DD- E... T... Portugal, Lda, com sede em Oeiras (alínea A).</font><br> <br> <font>2) O A cumulou o desempenho laboral na sociedade DD- E... T... Portugal, com um cargo semelhante de Director Comercial para a região da Extremadura (Espanha) da sociedade CC-C... Trading, S.A., com estabelecimento em Badajoz (alínea B).</font><br> <br> <font>3) A razão do duplo desempenho do A. prendia-se com o facto das duas sociedades DD- E... T... Portugal e CC- C...Trading, S.A. estarem integrados num mesmo grupo empresarial de comércio de cereais (alínea C).</font><br> <br> <font>4) De facto, dos contratos de trabalho celebrados entre o A. e as sociedades DD-E... e a CC- C...Trading, resulta uma clara interligação no cumprimento de ambos os contratos, de que se ressaltam os seguintes pontos:</font><br> <br> <font>A) No contrato com a sociedade DD-E... (doc. 1, de fls. 31):</font><br> <font>1) Cl. II "Como contrapartida de trabalho prestado, o segundo outorgante será remunerado em Espanha pela empresa CC- C...Trading, S.A., com sede em Madrid, continuando abrangido pelo sistema de segurança social de Espanha, de acordo com o contrato firmado entre a DD- E... T... Portugal, e CC- C...Trading, S.A."</font><br> <font>2) C. III "O local de trabalho ... o segundo outorgante acumulará as funções de director delegação da Extremadura por conta da CC- C...Trading, S. A. em Puebla de la Calzada — Badajoz".</font><br> <font>B) No contrato com a sociedade CC- C...Trading (doc. 3, de fls. 34):</font><br> <font>"Tercera-. El lugar de residencia del Sr. Ramos será en Lisboa ..." (alínea D)</font><br> <br> <font>5) 0 A. tinha pois, e não obstante a duplicidade dos contratos de trabalho relativos às duas sociedades (mas em que ambos previam que a residência seria em Lisboa), centralizado a sua vida familiar em Portugal, na zona da Grande Lisboa, desde 1994 (alínea E).</font><br> <br> <font>6) Sendo o agregado familiar do A. composto pela sua mulher e três filhos, todos de nacionalidade espanhola (alínea F).</font><br> <br> <font>7) 0 A. e o seu agregado familiar adaptaram-se perfeitamente à mudança de Espanha para Portugal (alínea G).</font><br> <br> <font>8) Era pois em Portugal que o A. e o seu agregado familiar pretendia continuar a residir e a fazer o centro da sua vida familiar, social e profissional por largos anos (alínea H).</font><br> <br> <font>9) Acontece porém que em 6 de Setembro de 1999 o administrador único da DD-E..., Sr. D. EE, enviou ao cuidado do A. uma comunicação na qual, basicamente, lhe dava a conhecer a intenção da sociedade DD-E... proceder ao despedimento colectivo, podendo o A continuar a laborar apenas para a sociedade CC- C...Trading em Espanha (doc. 5, de fls. 37): "Cierre de la oficina de DD- E... T... Portugal antes del 30 de Septiembre de 1999 y tu translado a Extremadura - El cierre de la Compania en Portugal se refiere solamente al despido del personal de dicha Compania. "(alínea I)</font><br> <br> <font>10) 0 administrador da DD-E... pediu também ao A que lhe fornecesse vária informação sobre a tramitação necessária e consequências legais referentes ao despedimento colectivo."Al objeto de cumplir com las instrucciones recibidas te ruego efectúes las gestiones oportunas y me comuniques por escrito, qué trámites hay que seguir para despedir al personal de la oficina y cual es la indemnización que, de acuerdo com las leyes portuguesas, hay que pagar a dicho personal. " (Alínea J)</font><br> <br> <font>11) 0 administrador da DD-E..., Sr. D. EE, pediu ainda ao A. que lhe confirmasse se aceitava a sua mudança para a Extremadura e que, no caso de não aceitação, lhe apresentasse as suas razões: " En lo que se refiere a tu translado a Extremadura ....o si por el contrario decides rechazar este translado, las razones que justifican el mismo. En el mismo escrito comunícame tus exigencias econômicas en uno u outro sentido las cuales será notificadas tal cual, al Consejo de Administracion" (alínea L)</font><br> <br> <font>12) Acontece que o A., que se tinha plenamente adaptado, assim como o seu agregado familiar, a Portugal e à zona da grande Lisboa, entendeu que a intenção de encerramento da sociedade DD-E... e consequente mudança da sua vida profissional e familiar para Espanha lhe traria sérios prejuízos (alínea M).</font><br> <br> <font>13) Daí que o A., a conselho de um seu amigo de nacionalidade espanhola — Sr. FF e também a trabalhar em Portugal na instituição bancária Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal, S. A.) como administrador delegado -, tenha recorrido aos serviços do R. enquanto advogado especializado em questões laborais, pelo menos em termos de legislação portuguesa (alínea N).</font><br> <br> <font>14) Pois o R., há mais de vinte anos prestava serviços jurídicos de advocacia para esta instituição bancária, pelo que estava devidamente habilitado a aconselhar e a prestar todo o apoio que se avizinhava face à eventualidade do despedimento colectivo por parte da sociedade DD-E... e a consequente única possibilidade para o A. de continuar a trabalhar apenas para a sociedade espanhola CC- C..., com a inerente diminuição dos vencimentos salariais, em virtude de passar a receber apenas um único salário e ter de se mudar mais uma vez para uma nova residência, em Espanha (alínea O).</font><br> <br> <font>15) Como também todas as consequências que resultariam em termos de mudança do agregado familiar (alínea P).</font><br> <br> <font>16) Daí que tivesse o R., desde Setembro de 1999, começado a aconselhar o A. e a produzir diversa documentação que iria ser utilizada por este nas negociações com as sociedades DD-E... e CC- C... (alínea Q).</font><br> <br> <font>17) Nestes termos, o A. enviou ao administrador da empresa uma carta datada de 14/09/99 (doc. 6, de fls. 38), onde consta claramente o texto que o R. enviou ao A. (doc. 7, de fls. 41) já no âmbito da sua prestação de aconselhamento de jurídico como advogado (alínea R).</font><br> <br> <font>18) Posteriormente, o A., aconselhado pelo R., enviou ao cuidado do administrador das sociedades CC- C...Trading e DD-E... uma carta, na qual constava já, de forma explícita, as condições negociais para cessar os contratos de trabalho (doc. 8, de fls. 42). (alínea S).</font><br> <br> <font>19) Em resposta, o A. recebeu do referido administrador uma comunicação que se junta (doc. 9), a fls. 43. (alínea T)</font><br> <br> <font>20) 0 A. analisou então esta proposta juntamente com o R. e não a aceitou (alínea U).</font><br> <br> <font>21) Entretanto o processo de despedimento colectivo por parte da DD-E... continuava a correr, sempre com conhecimento do R. (alínea V).</font><br> <br> <font>22) Tiveram lugar diversas reuniões entre representantes da administração da DD-E..., os trabalhadores, entre os quais o A e os representantes do IDICT (alínea X).</font><br> <br> <font>23) Na sequência dessas reuniões com os restantes 3 trabalhadores da DD-E... (cujo quadro era composto por 4 trabalhadores, sendo um deles o A.) foram celebrados acordos individuais de rescisão por mútuo acordo, com excepção do A. (alínea Z).</font><br> <br> <font>24) 0 que levou a DD-E... a despedir o A. no âmbito do despedimento colectivo (alínea AA).</font><br> <br> <font>25) Conforme comunicação que lhe foi enviado em 29/11/99 (doc.2, de fls. 33, onde consta o texto que se segue "Este despedimento produzirá plenos efeitos no 10° dia seguinte àquele em que receber esta comunicação(...)"). (alínea BB)</font><br> <br> <font>26) Daí que também a sociedade CC- C...Trading tenha procedido ao despedimento do A. na data de 3/12/99 (alínea CC).</font><br> <br> <font>27) 0 A., aquando da ocorrência do despedimento colectivo por parte da sociedade DD-E... recebeu a quantia de € 11.114,63, que lhe foi depositada na sua conta bancária por esta entidade (alínea DD).</font><br> <br> <font>28) 0 A., pelo despedimento da sociedade CC- C... não recebeu qualquer quantia (alínea EE).</font><br> <br> <font>29) Face a esta situação, perfeitamente desproporcionada por confronto com a proposta que as próprias sociedades DD-E... e CC- C...Trading tinham há relativamente pouco tempo apresentado, o A. solicitou ao R. que actuasse em conformidade na defesa dos seus direitos laborais (alínea FF).</font><br> <br> <font>30) 0 R., em 13/12/99, enviou um fax ao advogado das sociedades DD-E... e CC- C...Trading (doc. 19, de fls. 54), a fim de solicitar desde logo uma reunião para o dia 16/12/99, com vista a um acordo global (alínea GG).</font><br> <br> <font>31) A reunião entre o R., como advogado do A., e o advogado da DD-E... e CC- C...Trading não teve lugar, mas ocorreu uma conferência telefónica no dia 14/12/99 entre o R. e o Dr. GG, como advogado da DD-E... e CC- C...Trading (alínea HH).</font><br> <br> <font>32) Que por sua vez levou o R. a apresentar, em representação do A., ao advogado das sociedades DD-E... e CC- C...Trading, uma proposta que visaria a obtenção de um acordo global (doc. 20, de fls. 56). (alínea II)</font><br> <br> <font>33) Esta proposta não teve qualquer resposta por parte das sociedades DD-E... e CC- C...Trading (alínea JJ).</font><br> <br> <font>34) 0 A., em 17 de Janeiro de 2000 recebe um fax enviado pelo R., no qual este informa que a entrada da acção, cuja minuta enviou também, estaria prestes a ter lugar (doc.21, de fls. 59) (alínea LL).</font><br> <br> <font>35) 0 Autor comunicou desde logo ao Réu quais as testemunhas e ficou convicto que a acção teria dado entrada em juízo, de imediato (alínea LL-a)).</font><br> <br> <font>36) Entretanto, passa-se cerca de um mês e meio e o A., sem receber qualquer notícia do R., envia-lhe um fax, em 2/03/00, no qual lhe pede informações sobre o andamento do processo (doc. 22, de fls. 68) (alínea MM).</font><br> <br> <font>37) Em Abril de 2000, o R. pede ao A. que lhe outorgue uma procuração forense que aquele indicou ser para juntar ao processo no tribunal (doc. 23, de fls. 69) (alínea NN) .</font><br> <br> <font>38) 0 R. aconselhou ainda o A. a deslocar-se a Espanha para efectuar uma tentativa de conciliação, para constar no processo (alínea 00).</font><br> <br> <font>39) Tendo inclusive enviado ao advogado espanhol D. HH que estava a acompanhar esta tramitação (tentativa de conciliação) uma versão da P.I. para este poder aferir do pedido (doc. 24, de fls. 70) (alínea PP).</font><br> <br> <font>40) 0 que o A. fez, em Maio de 2000, apesar da CC- C...Trading não ter comparecido (doc. 25, de fls. 78) (alínea QQ).</font><br> <br> <font>41) 0 A. estava, pois, perfeitamente convencido que a acção contra as sociedades DD-E... CC- C...Trading tinha entrado em tribunal, nos prazos legais e nos moldes adequados (alínea RR).</font><br> <br> <font>42) Daí que, nos dias 6 de Julho e 13 de Julho de 2000, o A. tivesse enviado comunicações para a CC- C...Trading, dando a conhecer a sua situação (doc. 26 e 27, de fls. 79 e 80) (alínea SS).</font><br> <br> <font>43) Passaram-se alguns meses (Agosto, Setembro e Outubro de 2000) e como da parte do R., (que sempre tinha dito ao A que o processo decorreria rapidamente, pois que intentaria uma providência cautelar e a própria acção principal, tendo dado entrado, no tribunal, acarretariam posteriores diligências a curto prazo) não havia qualquer informação concreta, o A tentou reiteradamente junto do R. procurar saber qual a fase do processo, v. g. se as outras partes já teriam contestado (alínea TT).</font><br> <br> <font>44) Ao que o A. comunicou, por escrito, com o réu, para que o informasse exactamente sobre o que se passava (doc. 28, de fls. 81) (alínea UU).</font><br> <br> <font>45) Até que por fim, o R. em reunião que teve com o A. no início de Novembro de 2000, reconheceu que nunca tinha apresentado o que quer que fosse em tribunal (alínea VV).</font><br> <br> <font>46) E devolveu então ao A. a quantia que lhe tinha pedido no início de Janeiro de 2000, a título de honorários (alínea XX).</font><br> <br> <font>47) 0 A. teve de recorrer aos serviços de outro advogado — Dr. II (alínea ZZ).</font><br> <br> <font>48) Mas entretanto estavam ultrapassados os prazos de impugnação do despedimento colectivo realizado pela DD-E... (alínea AAA).</font><br> <br> <font>49) Assim como estava ultrapassado o prazo de impugnação do despedimento realizado pela CC- C...Trading, quer se aplicasse a lei espanhola, quer a lei portuguesa (alínea BBB).</font><br> <br> <font>50) 0 R. nunca comunicou ao A. que procurasse outro advogado, por exemplo, por não se sentir capaz de responder à complexidade da situação em que o A. estava envolvido (alínea CCC).</font><br> <br> <font>51) Após o despedimento das sociedades "DD-E..." e "CC- C...Trading", o Autor esteve desempregado durante cerca de dois anos (resposta ao quesito 7°).</font><br> <br> <font>52) Permanecendo nesse período sem receber qualquer rendimento laboral ou qualquer outro rendimento (resposta ao quesito 9°).</font><br> <br> <font>53) À data do termo do contrato celebrado entre o A. e a empresa DD-E..., o A. auferia os seguintes rendimentos, pagos com carácter de periodicidade e exclusivamente em virtude da relação laboral:</font><br> <font>- Pagamento mensal de € 1.885,05, como compensação salarial; </font><br> <font>- Pagamento mensal de € 1.596,15, como ajudas de custo, relacionadas com o custo despendido pelo A. para a habitação do mesmo e do seu agregado familiar em Portugal (resposta ao quesito 10°).</font><br> <br> <font>54) Em resultado do comportamento do Réu, houve um aumento do estado de ansiedade e de enervamento em que o Autor se encontrava desde o despedimento (resposta aos quesitos 11, 12, 14 a 16).</font><br> <br> <font>55) 0 autor sentiu-se ferido na sua dignidade pessoal perante terceiros, porquanto invocou, por escrito, diante a sua antiga entidade patronal CC- C...Trading que tinha apresentado a acção judicial competente (resposta ao quesito 13°).</font><br> <br> <font> * </font><br> <font> Relativamente à matéria dos nºs 48º e 49º, foi entendido pela Relação que não cabe na matéria factual apurar “</font><i><font>se entretanto já estava ultrapassado o prazo</font></i><font> </font><i><font>de impugnação do despedimento”</font></i><font>, pelo que tal matéria apenas foi considerada no aspecto de direito.</font><br> <br> <font> *</font><br> <font> Vejamos agora o </font><b><font>mérito do recurso.</font></b><br> <br> <font> * </font><br> <font> O réu deixou caducar o direito à impugnação do despedimento colectivo, por não ter proposto a respectiva acção de impugnação, no prazo de 90 dias, nos termos do art. 25, nº2, do dec-lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, ao tempo vigente.</font><br> <font> </font><br> <font> A Relação considerou, na esteira da sentença da 1ª instância, que o réu devia ter impugnado judicialmente o despedimento colectivo, efectuado pela “DD-E...”, porquanto do reconhecimento judicial da ilicitude desse despedimento adviria para o autor o direito à indemnização prevista no art. 13, nº1, al. a) , por força do disposto no art. 24, nº2, do dec-lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, indemnização essa que não podia ser reclamada por qualquer outra via, mas só através da causa de pedir da ilicitude do despedimento colectivo.</font><br> <font> Por outro lado, também foi decidido que o autor </font><i><font>perdeu a oportunidade</font></i><font> de reclamar uma indemnização, contando o ou os anos posteriores à comunicação do despedimento até ao trânsito da decisão final sobre a acção de impugnação do despedimento colectivo, nos termos do art. 13, nº3, do aludido dec-lei 64-A/89. </font><br> <font> À indemnização, a título de danos patrimoniais, pela </font><b><i><font>perda de chance</font></i></b><i><font> </font></i><font>de apreciação judicial desses dois pedidos, que foi fixada com base na equidade, fez-se acrescer a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo autor.</font><br> <font> Conforme se salienta no Acórdão recorrido, o que se está a ressarcir na indemnização fundada na al. a), do nº1, do art. 13, do dec-lei nº 64-A/89, ou na aludida indemnização a que se reporta o nº3, do art. 13, do mesmo dec-lei, não é a quantia que o autor haveria de receber pelo despedimento colectivo, nem tão pouco a diferença entre o que seria devido e o efectivamente recebido, mas apenas a </font><i><font>perda de</font></i><font> </font><i><font>chance </font></i><font>de apreciação de tais pedidos, por não terem sido formulados. </font><br> <font> </font><br> <font> Pois bem.</font><br> <br> <font> O mandato permite a uma pessoa substituir-se por outra, no exercício de um direito subjectivo pertencente ao mandante.</font><br> <font> O mandato judicial ou forense configura um contrato de mandato oneroso, com representação - arts 1157, 1158 e 1178 do Cód. Civil.</font><br> <font> Os advogados são responsáveis civilmente nos termos gerais.</font><br> <font> Entre o advogado e o cliente há um contrato de mandato, sendo o primeiro responsável perante o segundo pela inexecução ou má execução do mandato nos termos gerais. </font><br> <font> A presente acção foi estruturada na responsabilidade civil profissional, ao imputar-se ao réu o incumprimento culposo do mandato forense que lhe foi conferido pelo autor, por não ter impugnado o despedimento colectivo de que foi alvo. </font><br> <font> Trata-se de responsabilidade contratual regulada no art. 798 do Cód. Civil, como tem sido decidido por este Supremo Tribunal ( Ac. S.T.J. de 24-11-87, Bol. 371-444; Ac. S.T.J. de 30-5-95, Col. Ac. S.T.J. III, 2º, 119; Ac. S.T.J. de 27-5-03, Col. Ac. S.T.J. XI, 2º, 78 ; Ac. S.T.J. de 7-7-10, proferida na Revista nº 3282/07.3TVLSB.L1.S1, da 6ª secção). </font><br> <font> É de notar que são diferentes e independentes a responsabilidade civil e a responsabilidade disciplinar, com distinto escopo e fundamento.</font><br> <font> Na responsabilidade contratual, tal como na responsabilidade extracontratual, são cinco os pressupostos da obrigação de indemnizar : o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – art. 483, nº1, do C.C. </font><br> <font> Mas na responsabilidade contratual a culpa presume-se - art. 799, nº1. </font><br> <font> O ilícito contratual invocado é constituído, neste caso, pela omissão do dever de zelo exigível do réu, como mandatário forense do autor, por não ter impugnado o despedimento colectivo, no prazo de 90 dias, nos termos do art. 25, nº2, do dec-lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro . </font><br> <font> </font><br> <font> Ora, no caso concreto, não está provado que o despedimento colectivo fosse ilícito, nem tão pouco os factos apurados apontam para uma forte probabilidade de assim poder ser considerado.</font><br> <br> <font> Referindo-se à indemnização que o autor poderia ter recebido ao abrigo do disposto no citado art. 13, nº1, al. a) do dec-lei 64-A/89, se o autor tivesse obtido ganho de causa na acção de impugnação do despedimento, diz-se no Acórdão recorrido (fls 646):</font><br> <font> </font><i><font>“ Não é possível, pela própria indeterminabilidade das consequências da omissão do réu, fixar o valor exacto do dano do autor, que dependeria da sorte que teria na acção que não chegou a ser intentada ; daí que seja aplicável ao caso o conceito de </font></i><b><i><font>perda de chance</font></i></b><i><font>, pois sendo impossível afirmar que o autor seria vencedor na acção que não chegou a ser intentada, aquilo que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade de o autor ter visto a sua pretensão apreciada por um tribunal e não o valor que esse processo poderia vir a proporcionar-lhe”. </font></i><br> <font> E, mais à frente, pode ler-se no mesmo aresto ( fls 650):</font><br> <font> </font><i><font>“ Não é possível conjecturar com segurança o tempo que a impugnação do despedimento iria pender no Tribunal do Trabalho, pelo que é impossível estabelecer-se um critério quantitativo minimamente rigoroso sobre a quantia que o autor porventura teria deixado de receber.</font></i><br> <i><font> Por isso, perante essa impossibilidade, cremos ser acertado o recurso</font></i><font> </font><i><font>ao critério da equidade, aplicável nos termos do art. 566, nº3, do Cód. Civil”.</font></i><br> <br> <font> Relativamente à indemnização a que se reporta o art. 13, nº3, do mesmo dec-lei 64-A/89, ou seja, à possibilidade de uma indemnização contando o ou os anos posteriores à comunicação do despedimento até ao trânsito da decisão final sobre a acção de impugnação do despedimento colectivo, também se escreve no Acórdão recorrido ( fls 652):</font><br> <font> “</font><i><font>Houve, como já acima se referiu, uma perda de chance de ver um tribunal a apreciar essa pretensão do autor.</font></i><br> <i><font> Ora, como acima se fundamentou, fundamentação que se aplica, mutatis mutandis, a esta parte de uma indemnização que o autor não pode reclamar da sua entidade patronal, é indeterminável o montante exacto desta indemnização, aqui ainda mais por ser impossível afirmar quanto tempo duraria a referida acção.</font></i><br> <i><font> A sua fixação terá de ser feita, novamente, com recurso à equidade “ </font></i><br> <i><font> </font></i><br> <i><font> </font></i><font>Tudo isto leva-nos à apreciação doutrinal do conceito de </font><b><i><font>perda de chance</font></i></b><font>.</font><br> <font> São vários os autores que a ele se referem.</font><br> <br> <font> Assim, </font><b><font>Armando Braga</font></b><font> escreve (A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, pág. 125):</font><br> <font> “O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente.</font><br> <font> Este dano consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura.</font><br> <font> Considera-se que a chance de obter um acréscimo é um bem jurídico digno de tutela.</font><br> <font> A vantagem em causa que poderia surgir no futuro deve ser aferida em termos de probabilidade. </font><br> <font> O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado.</font><br> <font> O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.</font><br> <font> É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização “.</font><br> <font> </font><br> <font> Também </font><b><font>Carneiro da Frada</font></b><font> ( Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, aborda esta temática, nos termos seguintes: </font><br> <font> “Um exemplo de dano é conhecido por “perda de chance”, praticamente por desbravar entre nós.</font><br> <font> Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica : se o atraso de um diagnóstico diminui em 40 % as possibilidades de cura do doente, quid juris ?.</font><br> <font> Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar?.</font><br> <font> Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano ( apenas hipotético, v. g. ausência de cura, perda de concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente.</font><br> <font> Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. </font><br> <font> Se, no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes ( que erigiram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar …</font><br> <font> Ainda assim surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. </font><br> <font> Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados ( art. 563, nº3, do C.C.)” .</font><br> <br> <font> </font><b><font>Rute Pedro</font></b><font> afirma ( A Responsabilidade Civil do Médico , pág. 179):</font><br> <font> “A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito.</font><br> <font> Em Portugal, poucos são os autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida .</font><br> <font> Pode, porém, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem” ( pág. 232).</font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>Júlio Gomes</font></b><font> ( Direito e Justiça, Vol. XIX; 2002, II), refere, em jeito de conclusão:</font><br> <font> “Afigura-se, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória…</font><br> <font> Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de </font><i><font>jure condito</font></i><font> …</font><br> <font> Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso ou de uma fase posterior de um concurso. Trata-se de situações em que a chance já se </font><i><font>densificou o suf
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa contra CC-“M... O... Portuguesa, S.A.” (actualmente “BP P... – Companhia de C... e L... SA”) e DD-“RPI – R... e P... I... Lda.”, pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem-lhes a quantia de esc. 31 160 000$00 [= € 155.425,00], a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.</font><br> <font> Alegaram, em síntese, serem donos de um prédio que foi atingido por um derrame no subsolo de mais de 5.000 litros de gasolina, a partir de um posto de abastecimento e estação de serviço, abastecido pela 1.ª Ré e propriedade da 2.ª Ré. Tal derrame de gasolina foi detectado em 8 de Setembro de 1992 e contaminou diversos sistemas de abastecimento de água particular, bem como a toalha freática e os solos, que continuam com teores de hidrocarbonetos elevados, com risco para a saúde, sendo o poço dos AA. um dos sistemas de captação de água mais contaminados tendo, na data do acidente, atingido níveis de explosividade. Em consequência, os AA estão impossibilitados de utilizar a água que retiravam do poço, tendo necessidade de se abastecer para consumo doméstico de água proveniente de fora do seu prédio, tendo de suportar todas as despesas inerentes pela impossibilidade de voltarem a utilizar a rede desse poço e obrigados a utilizar a água da rede pública, a que acresce uma desvalorização do prédio.</font><br> <br> <font> Contestou a 1.ª Ré, impugnando a matéria alegada pelos AA, dizendo em síntese que o tubo que rompeu não era sua propriedade, que não explorava o posto em causa, limitando-se a vender combustível à 2ª R. e a construir, através de empreiteiro por si contratado, a instalação existente no local, que o derrame não teve a extensão apontada pelos AA., designadamente não tendo sido contaminado o manto freático; que o prédio dos AA não perdeu qualquer utilidade, designadamente para o cultivo, que a água do poço do prédio dos AA já era imprópria para o consumo humano antes do derrame e que, de qualquer modo, a responsabilidade pelo derrame é imputável à 2.ª Ré que não procedeu ao controlo da flutuação da gasolina, o que a ter acontecido permitiria uma actuação imediata e uma limitação do derrame a uma centena de litros, o que possibilitaria uma rápida e eficaz recuperação do produto e descontaminação do solo no local. Impugnou ainda os danos invocados.</font><br> <br> <font> A 2.ª Ré também contestou, aceitando ser a dona do posto de combustíveis; mais aceitou que o derrame ocorreu e que o mesmo se ficou a dever exclusivamente a deficiência de equipamento, ou lapso na sua montagem, do que decorre que a responsabilidade pelo mesmo é da 1.ª Ré, porquanto foi esta a responsável pela colocação, montagem e manutenção de todo o material necessário para o comércio do combustível em tal posto. No que se refere aos danos, alegou que já suportou as despesas de ligação à rede pública, num acto de boa vontade, no sentido de salvaguardar as relações de boa vizinhança e imagem do seu posto de abastecimento, sendo os demais valores invocados pelos AA. profundamente exagerados e que se algum incómodo podem ter sofrido, o mesmo circunscreveu-se entre Setembro de 1992 e Fevereiro de 1993.</font><br> <br> <font> A final, foi proferida sentença, rectificada pelo despacho de 11.11.2008 (fls. 2103 a 2107), que julgou a acção em parte procedente e, em consequência, condenou solidariamente as Rés CC-“BP P... – Companhia de C... e L..., SA” e DD-“RPI – R... e P... I..., Lda.” a pagarem aos Autores AA e esposa BB:</font><br> <font> - a quantia de 89.900,00€ (oitenta e nove mil e novecentos euros), pela desvalorização sofrida no prédio sua propriedade, identificado em 1.º dos factos provados, na decorrência do derrame de combustível e contaminação sofrida no poço existente no aludido prédio;</font><br> <font> - a quantia de 4.987,98€ (quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos) relativa a danos não patrimoniais sofridos pelos AA.;</font><br> <font> - a quantia que seja fixada em liquidação prévia à execução de sentença, correspondente ao prejuízo derivado do consumo e aluguer do contador da água à rede pública que os AA. têm pago e que continuarão que pagar e que não teriam caso não tivesse sucedido o derrame, com o limite de 49.879,79€.</font><br> <font> - às quantias referidas em a) e b) acrescem juros moratórios desde a citação das Rés até efectivo e integral pagamento, à taxa de juros civis;</font><br> <font> Mais declarou a inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º, al. e), do Código de Processo Civil, no referente à indemnização peticionada destinada às obras de colocação de contador e tubagem.</font><br> <br> <font>Apelou a Ré “BP”, com êxito, pois que a Relação a absolveu de todos os pedidos formulados pelos Autores, condenando a Ré DD-“RPI” apenas no pagamento aos Autores da quantia que seja fixada em liquidação prévia à execução de sentença, correspondente ao prejuízo derivado do consumo e aluguer do contador da água à rede pública que os AA tenham pago até fim de Março de 1993, com o limite de 49.879,79€.</font><br> <br> <br> <font> Os Autores pediram revista, recurso que, como tal, lhes foi admitido.</font><br> <br> <font> Suscitada a questão prévia da impossibilidade de prosseguimento do recurso relativamente à Recorrente BB, por omissão de pagamento da taxa de justiça devida, a instância de recurso foi julgada extinta, por deserção, quanto a essa Autora. </font><br> <br> <font>Nas alegações apresentadas, ora prestáveis apenas ao Autor AA, o Recorrente pugna pela reposição do sentenciado na 1ª Instância, ao abrigo das “conclusões” que se transcrevem: </font><br> <br> <font>- DA ADMISSÃO DOS DOCUMENTOS JUNTOS A FLS. 2024 E SGS.: </font><br> <font>1 - O despacho que admitiu a certidão matricial junta aos autos pelos AA. com o seu requerimento de fls. 2024 e sgs. é tempestivo e legitimo nos termos do disposto no nº 2 do art. 264°, 266° e n° 2 do 524° do Cod. Proc. Civil, pois o documento admitido é pertinente e relevante para reparar o erro cometido pelo Tribunal de 1ª Instância, quanto ao facto instrumental - área do prédio pertença dos AA.- face ao critério utilizado pelo Tribunal para fixar o valor da indemnização que cabe aos AA. pela desvalorização do aludido prédio por não poderem utilizar mais a água do poço, em consequência do derrame de gasolina que contaminou o poço, à razão de 50 euros por metros quadrado. </font><br> <font>2 - Aquele despacho de admissão da referida certidão matricial é irrepreensível à luz do disposto nos art. 249° do Cod. Civil e n° 2 do art. 524° e 666° do Cod. Proc. Civil, não tendo aqui aplicação o n° 1 do art. 523° do Cod. Proc. Civil, por aquela certidão, como bem se diz no despacho em apreço, não servir para prova de qualquer facto que estivesse em discussão, leia-se factos levados ao questionário, mas sim para prova de factos que já se encontravam assentes, por acordo das partes (constituição do prédio dos AA.- aI. A) da especificação), servindo apenas de instrumento para concretizar a área do prédio, podendo ser junto e admitido em qualquer estado do processo. </font><br> <font>3 -Só com a fundamentação da sentença recorrida, é que os AA., aqui recorrentes, ao se aperceberem do erro que lavrou o Mmo. Juiz </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font> quanto à área do prédio destes, viram necessidade de juntar certidão matricial, para comprovar tal erro, para além de esclarecerem que a certidão junta com a petição inicial não correspondia ao prédio pertença dos AA. </font><br> <font>4 - Tal documento não foi impugnado pelas RR., apesar de devidamente notificadas para exercer o contraditório. </font><br> <font>5 - Deve assim ser revogado o douto acórdão recorrido, mantendo-se a douta decisão proferida pela 1ª Instância proferida a 11 de Novembro de 2008 que admitiu os documentos juntos com o nosso requerimento.</font><br> <font>6 - A decisão recorrida, salvo o devido respeito, viola o disposto no art. 249° do Cód. Civil e art. 264°,266° e 524°, nº 2 do Cod. Proc. Civil.</font><br> <font> </font><br> <font>- DA RECTIFICAÇÃO DA SENTENÇA DE 21 DE JULHO DE 2008: </font><br> <font>7 - Na resposta aos quesitos 26° e 27°, diz-se que o prédio dos AA., para além de servir de habitação, possui uma parte destinada à actividade industrial do A. marido (indústria transformadora de cortiça), outra parte arrendada actualmente para indústria de mobiliário e um quintal onde os AA. cultivam a sua horta e colhiam os frutos das suas árvores e que o facto destes ou sucessores jamais poderem utilizar a água do poço, por esta se encontrar contaminada, representa uma desvalorização para o seu prédio, em sede de ocupação urbana e na equação entre o valor do prédio e o valor passível de investimento, à razão de € 50,00/m2. </font><br> <font>8 - Considerou o Tribunal de lª Instância na sentença proferida em Julho de 2008, servindo-se então de uma certidão matricial - que como se viu não corresponde ao prédio dos AA., e que havia sido junta por lapso por estes com a sua P.I., como correspondendo ao seu prédio - que o mesmo deteria uma área de 780 metros quadrados, pelo que multiplicando 50 euros por aquela área chegou ao montante de 39.000 euros, que fixou a título de indemnização por danos patrimoniais. </font><br> <font>9 - A certidão matricial junta a fls. 2024 e sgs., correspondente ao prédio dos autores, resulta que o mesmo detém a área de 1796 metros quadrados (sendo 96 m2 da área coberta e 350 m2 de logradouro do prédio urbano 431 e 1350 metros quadrados do prédio rústico 847). </font><br> <font>10 - Tal certidão não foi impugnada pelas RR., pelo que a mesma pode servir de prova, como já servira a certidão matricial junta com a petição inicial, para prova de um facto instrumental - a área do prédio dos AA, cfr. art. 264°, 265°, 266°, 484° e 490° do Cod. Proc. Civil. </font><br> <font>11 - Assim sendo, estando assente, por confissão das RR., que o prédio dos AA. tem a área de 1796 metros quadrados, à luz dos citados normativos legais, no nosso modesto entender, nenhum obstáculo existe e existia, para que o Tribunal procedesse à rectificação da douta sentença, reparando o erro de cálculo em que havia incorrido. </font><br> <font>12 - O nosso legislador, quando concedeu a possibilidade do Juiz nos termos do disposto no art. 667º do Cod. Proc. Civil, depois de proferir sentença ou mesmo qualquer despacho, proceder à respectiva rectificação, não a limitou, como salvo o devido respeito se parece fazer no douto acórdão </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>quo</font></i><font>, aos casos de erros de escrita ou de cálculo, podendo-o fazer, no caso de quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. </font><br> <font>13 - Não houve qualquer beneficio dos AA., porque as RR. foram devidamente notificadas quer do pedido de rectificação e reforma da sentença quer da junção da certidão matricial para prova da área do seu prédio e no uso do seu direito ao contraditório, decidiram não impugnar aquele documento, </font><br> <font>14 - A correcção da área do prédio pertença dos AA, e respectivo recalculo da indemnização (multiplicando o valor de 50 euros pelos 1796 metros da área do prédio, que alcança o resultado de € 89.800,00), não resulta de um erro de julgamento, mas sim de um erro de cálculo e escrita, pois entre a sentença e o despacho rectificativo de 11 de Novembro de 2008, não houve qualquer alteração no seu critério de avaliação dos danos ou divergência com a sua vontade real. Essa permaneceu inalterável, como é patente. </font><br> <font>15 - Logo, deverá ser revogado o douto acórdão, mantendo a decisão proferida pela primeira instância em 11 de Novembro de 2008, rectificando a sentença proferia a 21 de Julho de 2008, condenando as Recorridas no pagamento de indemnização aos autores no montante de € 89.800,00, pela desvalorização do seu prédio em consequência do derrame de combustíveis que sofreu. </font><br> <font>16 - O acórdão recorrido salvo o devido respeito viola o disposto no art. 249° do Cod. Civil e artigos 264º, 265º, 266º, 484°, 490° e 666° do Cod. Proc. Civil </font><br> <br> <font>- DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, </font><br> <font>17 - O Acórdão recorrido alterou as respostas dadas aos quesitos 27°, 39° e 45°, com base apenas na reapreciação da prova documental, mais propriamente dos docs. 3 a 7 juntos pela Ré CC-"BP" com a sua contestação. </font><br> <font>18 - Documentos, esses, que a contrário do alegado pela Ré CC-"BP" e como por lapso se convenceram os Venerandos Desembargadores, foram impugnados pelos autores na sua réplica (cfr. artigo 13° - "nesta conformidade, impugna-se o teor dos documentos juntos pela Ré na sua douta contestação, sob o nºs. 1 a 9" - sic). </font><br> <font>19 - Não apreciaram, pois, os Venerandos Desembargadores a prova testemunhal, pericial produzida em audiência de julgamento e que se encontra gravada ou mesmo a restante prova documental e relatórios periciais juntos aos autos, e que serviram para o Tribunal de 1ª Instância formar a sua livre convicção, sobre os factos constantes dos quesitos 27°, 39° e 45°. </font><br> <font>20 - O Tribunal de 1ª Instância deu a resposta aqueles quesitos 27, 39° e 45°, entre outros meios, sopesando a prova testemunhal e esclarecimentos periciais que se encontram gravados e devidamente conjugados com restante prova documental e pericial (relatórios de peritos, resultados de análises periciais, etc. etc.). </font><br> <font>21 - Não o fez, por isso APENAS com base nos documentos juntos aos autos, muito menos nos documentos juntos pela recorrida CC- BP com a sua contestação, que foram de resto impugnados, como se disse. </font><br> <font>22 - Mais, os Venerandos Desembargadores apesar de não ter reapreciado os respectivos depoimentos e, acabam por os desvalorizar - sem ouvir sequer as suas razões de ciência que brilhantemente puderam prestar junto do Tribunal de 1ª Instância - ao se escrever: </font><br> <font>" ... depoimentos de duas testemunhas, a saber EE, vizinho dos autores, habilidoso em projectos de construção e avaliador nas horas vagas e FF, com claro interesse nesta causa uma vez que é também autor numa outra acção contra as mesmas rés por causa do mesmo derrame, em que está em causa igualmente a desvalorização da sua propriedade, fronteira aos prédios ocupados pelos autores, arvorando os seus critérios e cálculos em idóneos e "cientificamente aceitáveis"- sic. </font><br> <font>23 - Para alteração das respostas aos citados quesitos 27°, 39° e 45° pelos Venerandos Desembargadores impunha-se que os mesmos estivessem em condições de apreciar TODA a prova ou TODOS OS MEIOS DE PROVA, com a mesma "amplitude" em que se alicerçou a 1ª Instância para dar as respostas aos quesitos, que deu, o que não podiam, uma vez que a Recorrente CC-"BP" no seu recurso de Apelação não impugnou a matéria de facto com base na prova gravada e como tal não juntou transcrição dos depoimentos (testemunhal e pericial que importaria aquela alteração), "mediante escrito dactilografado das passagens da gravação em que se funda - cfr. art. 712, nº 1 aI. a) e art. 690º-A do Cod. Proc. Civil, versão do DL 39/95 de 15 de Fevereiro. </font><br> <font>24 - Também o Tribunal recorrido não poderia efectuar a alteração àquela matéria de facto, com base em qualquer documento superveniente que por si só fosse suficiente para destruir a prova em que as respostas assentaram - aI. c) do nº 1 do art. 712° do Cod. Proc. Civil na redacção aplicável aos presentes autos, porque tal hipótese não ocorreu. </font><br> <font>25 - Afastadas as hipóteses das aI. a) e c) do nº 1 do art. 712° do Cod. Proc. Civil, só poderiam ser alteradas as respostas aos quesitos 27°, 39° e 45° do Questionário, se os elementos fornecidos pelo processo impusessem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. </font><br> <font>26 - Já vimos que os Venerandos Desembargadores, transcrevendo as doutas alegações apresentadas pela Apelante CC-"BP", alicerçaram a alteração às respostas aos quesitos 27°,39° e 45°, nos termos em que o fizeram, com base nos documentos que a Apelante juntou com a sua contestação, mais propriamente Docs. 3, 4, 5, 6 e 7, que </font><br> <font>27 - Os ditos documentos, são documentos particulares, emitidos pelos ditos laboratórios, ou seja por terceiros, inserindo-se dentro da prova pericial, pois resultam da percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, que detêm conhecimentos especiais que os julgadores não possuem - cfr. art. 388° do Cod. Civil </font><br> <font>29 - Tais documentos, constituindo prova pericial/testemunhal, a força probatória das suas apreciações e respostas é fixada livremente pelo Tribunal - cfr. art. 389º do Cod. Civil, sendo que foram devidamente e livremente sopesados pelo Tribunal de 1ª Instância, devidamente conjugados com os demais meios de prova - veja-se as respostas aos quesitos 37°, 38 e 40. </font><br> <font>30 - Acresce que tais documentos foram impugnados pelos autores na sua réplica, pelo que nos termos do disposto no art. 376° do Cod. Civil, as declarações neles exaradas não constituem prova plena, </font><br> <font>31 - Mais, os ditos documentos não correspondem a qualquer declaração "confessória" pelos autores, pelo que também por aqui não têm os mesmos força probatória plena - cfr. art. 358° do Cod. Civil. </font><br> <font>32 - Não tendo os ditos documentos força probatória plena, estava a Relação impedida de proceder à alteração das respostas aqueles quesitos 27°, 39° e 45°, nos termos da aI. b) do nº 1 do art. 712° do Cod. Proc. Civil. </font><br> <font>33 - Ao fazê-lo, exorbitou a Relação, nos temos sobreditos, das circunstâncias definidas pelas aI. a), b) e c) do nº 1 art. 712° do Cod. Proc. Civil, na redacção aplicável aos presentes autos, pelo que deverá revogada aquela decisão de alterar as respostas aos quesitos 27°, 39° e 45°, por violar aqueles dispositivos legais, devidamente conjugados com o disposto no art. 358°, 366°, 376°, 388°, 389° do Cod. Civil, a contrario, devendo manter-se as respostas dadas aqueles quesitos pelo Mero Juiz da 1ª Instância. </font><br> <font>34 - Aliás, só dessa forma se evita a contradição entre as respostas dadas aos quesitos 12° e 20° - que não foram impugnadas - e a resposta dada ao quesito 45°, após a alteração efectuada pela Relação, pois resultaria da matéria de facto assente que o poço dos AA. foi um dos sistemas de captação de água contaminado pelo derrame ocorrido em Setembro de 1992, que em Maio de 2008 o mesmo poço dos AA. continuava contaminado, impróprio para consumo, mas sabe-se lá porquê????? desde Fevereiro de 1993 que a água do mesmo poço estava descontaminada!!!!, impedindo o próprio Supremo Tribunal de Justiça, fazer boa aplicação do direito, com tamanha contradição!!!!! </font><br> <font>35- O Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista, está impedido de julgar ou apreciar a matéria de facto, salvo havendo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a demonstração do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (cfr. n° 2 do art. 722° do Cod. Proc. Civil), cabendo no âmbito da sua competência cognitiva a censura do uso que de tais poderes tenha feito a relação (hipótese em que esta alterou aquela decisão), se ela não se conteve dentro dos condicionalismo legais constantes do nº 1 do citado art. 712°. </font><br> <font>36 - Deverá, então, ser revogado o douto acórdão recorrido na parte em que alterou as respostas aos quesitos 27°, 39° e 45°, mantendo as respostas dadas aos mesmos quesitos pelo Tribunal de 13 Instância, uma vez que o Tribunal recorrido alterou aquelas respostas exorbitando dos condicionalismos impostos no nº 1 do art. 712°, do Cod. Proc. Civil.</font><br> <font> </font><br> <font>- DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO, </font><br> <br> <font>- QUANTO À RESPONSABILIDADE DAS RR. PELA INDEMNIZAÇÃO DOS DANOS SOFRIDOS PELOS RECORRIDOS </font><br> <font>37 - No acórdão recorrido, face às alterações da matéria de facto julgada provada, vêm a RR. absolvidas dos pedidos formulados pelos AA., condenando apenas a ré DD-"RPI" a pagar àqueles a quantia que vier a ser fixada em liquidação prévia à execução de sentença, correspondente ao prejuízo derivado do consumo e aluguer do contador da água à rede pública que os AA. tenham pago até fim de Março de 1993, com limite de € 49.879,79. </font><br> <font>38 - Com base na factualidade assente, recai sobre as RR. as presunções de culpa, designadamente a estipulada no nº 1 do artigo 493° do Cod. Civil, pelo especial dever de vigilância que impendia sobre as mesmas, a propósito da exploração daquele posto de abastecimento de combustíveis "L...". </font><br> <font>39 - Ambas as RR. tinham em seu poder o posto de abastecimento denominado "L...", a Ré DD-RPI, por ser dona e se encontrava a explorar aquele Posto de venda de Combustíveis, a Ré CC-BP por ter assumido contratualmente a manutenção de todo o equipamento que ali montou - designadamente tanques, bombas e tubagens) para proporcionar a venda de combustíveis ao público naquele local, que funcionava com a sua imagem, por isso é que mal tomou conhecimento do derrame encabeçou toda a iniciativa no sentido de reduzir o impacto ambiental e prejuízos causados a terceiros. </font><br> <font>40 - Assim, tendo ficado provado que foi uma ruptura que ocorreu num tubo que provocou o derrame sobredito que causalmente afectou o direito de propriedade dos Autores e impendendo um especial dever de vigilância sobre ambas as RR, sobre o regular funcionamento do posto de combustível, estão as mesmas solidariamente obrigadas a indemnizar os Autores pelos prejuízos sofridos, causados por aquele derrame. </font><br> <font>41 -Mas a responsabilidade de ambas as RR. pela indemnização dos AA. pelos prejuízos sofridos, resulta também da presunção de culpa atribuída a quem prossegue actividades que pela sua própria natureza são perigosas ou tal perigosidade resultar dos meios utilizados, como sucede com a actividade de venda de combustíveis prosseguida por ambas as RR.- cfr. n° 2 do art° 493° do Cod. Civil </font><br> <font>42 - Nesta fase, incumbe-nos chamar à atenção deste Alto Tribunal para os facto do douto acórdão recorrido, aplicar as regras do direito a factos que não foram considerados provados, nomeadamente: </font><br> <font>- não ficou provado que a recorrente apenas prestava assistência técnica à Ré DD-RPI, pelo contrário provou-se que: "Era a primeira Ré quem tinha a incumbência de efectuar a manutenção de todo o material existente no posto de abastecimento, em particular do equipamento destinado à venda do combustível" (Resposta ao 95 do questionário); </font><br> <font>- Quanto à propriedade dos depósitos e bombas de abastecimento de combustíveis é a própria ré CC-"BP", envolvendo é certo alguma contradição, que confessa que "</font><i><font>Muito embora esse material fosse da CC-M... ele foi colocado no Posto de Abastecimento de Combustíveis da DD-RPI e entregue por empréstimo à DD-RPI</font></i><font>"- 4º parágrafo da pág. 39 das suas doutas alegações de recurso de apelação - nada disto foi provado; </font><br> <font>- Por outro lado a aI. I) da especificação não resulta que os depósitos e as bombas de gasolina eram propriedade da DD-RPI., apenas que a estação de serviço e o posto de abastecimento pertenciam à DD-RPI, mas tal não significa que os ditos depósitos e bombas de gasolina lhe pertencessem, muito pelo contrário, como bem anotou o Merº Juiz da 1ª Instância, a Ré CC-"BP", por via do contrato celebrado com a DD-RPI, junto aos autos, tinha direito em proceder ao levantamento daqueles materiais em caso de incumprimento por parte da DD-RPI, o que pressupõe que de facto aqueles (equipamentos que constituem os Posto de Abastecimento) eram pertença da CC-M..., agora CC-"BP"; </font><br> <font>- Sem esquecer que durante este tempo todo, os dito posto de Abastecimento sempre teve a "imagem" CC-M..., com colocação de reclames luminosos e símbolos da CC-M...; </font><br> <font>- Não ficou provado que a 2ª Ré DD-RPI, nunca tivesse preenchido as folhas de controlo de flutuação de produtos, nem verificara as quantidades de produto ao contrário do que sustenta a recorrente. O que resulta da resposta ao nº 54 do questionário é que não era o Dr. GG o responsável pelo preenchimento das ditas folhas de controlo e por isso o mesmo comunicou que nunca tinha preenchido aquelas folhas de controlo ou verificado as quantidades de produto, porque essas tarefas eram efectuadas por outro responsável da DD-RPI; </font><br> <font>- Ao contrário do sustentado pela ré CC-"BP" esta tinha condições para verificar e controlar os níveis de produto (combustível) dentro dos tanques, efectuando as medições entre o produto vendido e o existente no tanque, para além das leituras que fazia aquando dos sucessivos reabastecimentos, como está provado - resposta ao n° 50 do Questionário; </font><br> <font>- A actividade da Ré CC-"BP" de fornecimento de combustível à DD-RPI é também uma actividade perigosa, tanto mais que o combustível que a recorrente inseria para o interior dos depósitos existentes nas bombas pertença da DD-RPI, continuavam a pertencer à CC-M..., enquanto não fosse revendido ao público, daí a necessidade da recorrente controlar e verificar os níveis de combustível no interior dos depósitos. </font><br> <font>43 - Além do mais foi a Ré CC-"BP" a responsável pela substituição das anteriores bombas e depósitos, pertença da HH-S... em 1991 pelos depósitos e bombas que estiveram na origem do derrame de gasolina aqui em apreço e, tendo o derrame de combustível ocorrido em consequência de abatimento do piso, que provocou a compressão e ruptura do tubo flexível que se encontrava montado sob piso de paralelos e sobre areia e restos de tijolos, quando devia ter sido instalado envolto apenas em areia - Resp. ao 68 do Questionário e de ser ela quem tinha a incumbência de efectuar a manutenção de todo o material existente no posto de abastecimento, em particular do equipamento destinado à venda do combustível (Resposta ao n° 65 do Questionário), são ambas as RR. solidariamente responsáveis pela indemnização dos danos sofridos pelos Autores em consequência do derrame aqui em apreço. </font><br> <font>44 - Os restantes pressupostos - além da culpa - para responsabilizar as RR. pela reparação dos prejuízos causados, a título de responsabilidade civil, (art. 483º do Cod. Civil), estão verificados. O facto - derrame - ; a ilicitude do facto - violação e perturbação do direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio, bem como seu direito de personalidade, mais propriamente o direito à tranquilidade, sossego e qualidade de vida-; o nexo de imputação subjectiva do facto ao agente - naquelas circunstâncias concretas, seguindo o critério de bonnus paterfamilias, impunha-se que as RR. tivessem outro tipo de cuidados por forma e evitar e prevenir o derrame -; o dano - desvalorização do prédio, a privação da utilização da água, a perda de tranquilidade e sossego provocados pelo dito derrame -; e finalmente o nexo de causalidade adequada - não fora aquele derrame e os AA. não teriam sofrido os danos cuja reparação peticionam. </font><br> <font>45 - Finalmente, sempre as RR. presumem-se culpadas pela eclosão do derrame e como tal obrigadas a indemnizar os AA. pelos danos sofridos, nos termos do disposto no art. 41 da Lei de Base do Ambiente - Lei 11/87 de 07/04, que estipula a obrigação de indemnização, independentemente de culpa, sempre que um agente cause danos significativos no ambiente. </font><br> <font>46 - Em relação ao pedido de indemnização formulado pelos AA. ainda a título de danos patrimoniais, pela desvalorização sofrida pelo seu prédio derivado do facto de os AA. e seus sucessores não poderem utilizar a água do poço, por esta se encontrar contaminada, deve esta ser fixada em € 89.800,00, seguindo-se o critério utilizado pela 1º Instância - resposta ao quesito 27 - desvalorizando o prédio à razão de 50 euros pelos 1796 metros quadrados que detém. </font><br> <font>47 - Relativamente aos danos não patrimoniais, os AA. peticionam uma indemnização para reparação/compensação da forte angústia, desgosto, ansiedade e sério receio (art. 44 a 51 da petição inicial), factos esses que foram julgados provados - resposta aos quesitos 28°, 29°, 30°, 31 0, 33° e 34°). </font><br> <font>48 - Tais factos, salvo o devido respeito são graves, merecendo a tutela do direito, como tal deverão ser reparados mediante a atribuição aos AA. de uma compensação pecuniária equitativa, pelo que tendo em consideração o grau de culpa dos agentes, situação económica destes e dos lesados é justo e equitativo a atribuição de uma compensação pelos danos não patrimoniais no valor de € 4.987,98, ou seja 1.000.000$00. </font><br> <font>49 - Quanto à indemnização pelo prejuízo derivado do consumo e aluguer do contador da água à rede pública que terão de suportar e não teriam caso não tivesse ocorrido o derrame, não está o Tribunal em condições de o fixar, por não se ter feito prova capaz quanto á sua real extensão, pelo que deverá ser relegada a sua quantificação para fase anterior à execução de sentença. </font><br> <font>50 - A decisão recorrida aos absolver as RR. dos pedidos formulados pelos AA. violou o disposto no n° 483, n° I e n° 2 do art. 493°, 494°, 496°, 497°, 562°, 563°, 564° e 566° do Cod. Civil e art. 41 da Lei de Bases do Ambiente - Lei 11/87, de 07/04.</font><br> <br> <font> A Recorrida CC“BP – P...” respondeu.</font><br> <font>Suscitou, ao que aqui releva referir, a questão da irrecorribilidade da matéria relativa à modificação da matéria de facto efectuada pela Relação relativamente ás respostas aos quesitos 27º, 39º e 45º e alegou e concluiu em defesa da manutenção do julgado </font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 2. - Para decidir, perfilam-se, assim, as </font><b><font>questões</font></b><font> que a seguir se enunciam, cuja ordem lógica e cronológica de apreciação deverá também ser a que se indica:</font><br> <br> <font>A. - Admissibilidade do recurso na parte em que tem por objecto a impugnação da alteração das respostas aos quesitos 27º, 39º e 45º efectuada pelo Tribunal da Relação (questão prévia);</font><br> <font>B. - Apreciação, sendo caso disso, da questão da invocada ilegalidade da modificação operada nessas respostas para “não provado”, o primeiro, e “provado”, os demais (conclusões 17 a 33); </font><br> <font>C. - Legalidade da decisão que procedeu à “rectificação” da sentença, mediante a admissão de certidão matricial para prova da área do prédio dos Autores (conclusões 1 a 16);</font><br> <font>D. - Fundamento e medida da responsabilidade das Rés pela indemnização dos danos sofridos pelos Autores.</font><br> <font> </font><br> <br> <br> <font> 3. - Questão prévia da admissibilidade do recurso quanto à impugnação da alteração da matéria de facto.</font><br> <br> <font> A Recorrida opõe a impossibilidade de conhecimento do objecto do recurso quanto à impugnação da modificação das respostas aos quesitos 27º, 39º e 45º, argumentando que o recurso da decisão está vedado pelo n.º 6 do art. 712º CPC, nem ocorre nenhuma as excepções previstas no n.º 2 do art. 722º.</font><br> <br> <font> A Recorrente pediu a revogação do decidido com fundamento em que a Relação procedeu às modificações das respostas apenas com base em documentos particulares, que tinham sido impugnados, sem que tivesse sido impugnada a decisão da matéria de facto com base na prova gravada, pelo que não se verificavam os requisitos de qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 712º CPC.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> No recurso de apelação a então Recorrente e ora Recorrida CC-“BP” pediu a alteração das respostas, de “não provado” para “provado”, aos quesitos 39º e 45º, com base nos “documentos existentes nos autos relacionados com as respectivas matérias de facto”, designadamente boletins de análises e relatórios de três organismos juntos aos autos.</font><br> <font> Quanto à resposta ao quesito 27º, argumentou que os elementos de prova existentes nos autos impunham que fosse “não provado”.</font><br> <br> <font> Conhecendo da questão, no acórdão impugnado, depois de se fazer notar que a impugnação não assenta na prova gravada, julgou-se “não provado” o quesitado sob o n.º 27º, com fundamento em que a resposta é manifestamente excessiva e conclusiva, além de se basear apenas em depoimentos de duas testemu
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - AA e BB intentaram acção declarativa contra “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” e “Fidelidade-Mundial, S.A” pedindo que as Rés fossem condenadas a pagar-lhes a quantia de 49.879,79€, a título de indemnização por morte, e à A. CC a quantia de 1.104,84€, a título de reembolso de despesas de funeral, quantias a que acrescem juros de mora desde a data da interpelação, em 08.4.2004, até efectivo e integral pagamento.</font><br> <font>Alegaram, em síntese, serem filhas e únicas herdeiras de DD, que faleceu em 12.10.2001, vítima de um acidente de viação quando, tendo saído de Lisboa, regressava a Castelo Branco, onde residia. A falecida DD era titular de um cartão de crédito “Classic”, emitido pela 1ª R., que, por sua vez, tinha celebrado com a 2.ª R. um contrato de seguro, mediante o qual os titulares do aludido cartão de crédito beneficiariam de um seguro que cobriria, entre outros, o risco de morte e invalidez permanente, quando deslocados em viagens de férias ou negócios, além de 50 km da residência, sempre que o tempo de permanência fora da mesma não excedesse 60 dias por deslocação. Nos termos dessa apólice, as AA. têm direito a receber as quantias que peticionam.</font><br> <br> <font>As RR. contestaram invocando, ao que ainda interessa, a inclusão do sinistro em causa na franquia quilométrica contratualmente estabelecida, que exclui da garantia sinistros ocorridos dentro de uma área geográfica de 50 km medidos a partir da residência da pessoa segura, sendo que aquele ocorreu a cerca de 33km, pelo que devem ser absolvidas do pedido.</font><br> <br> <font>Após completa tramitação da acção, foi proferida sentença em que a R. Caixa foi absolvida do pedido e a R. Seguradora condenada nos termos peticionados.</font><br> <br> <font> A Ré condenada apelou, com sucesso, pois a Relação absolveu-a também do pedido.</font><br> <br> <font> Agora são as Autoras a pedir revista, com vista à reposição do sentenciado na 1ª Instância, para o que, em termos úteis, argumentam nas conclusões da respectiva alegação:</font><br> <font>“(…)</font><br> <font>8. Ao contrário do sustentado pelo Acórdão recorrido, o banco (CGD) e a seguradora (Fidelidade Mundial), ao elaborarem o contrato de seguro em questão, não celebraram qualquer contrato a favor de terceiro; procederam, isso sim, a um expediente destinado a aumentar o volume de negócios do grupo Caixa Geral de Depósitos, de que ambos fazem parte; </font><br> <font>9. Os bancos e as seguradoras não celebram contratos entre si a favor de ninguém, a sua própria capacidade jurídica não o permite (cfr. artigo 160.° do CC), o que bancos e seguradoras fazem é vender seguros, é vender cartões de crédito, é vender capital em troca de juro; </font><br> <font>10. É este o motivo pelo qual, seja qual for a nomenclatura que bancos e seguradoras conferirem a este tipo de contrato de contrato de cartão de crédito com seguro acoplado, o mesmo nunca pode deixar de se reger pelo regime dos contratos de adesão ou cláusulas contratuais gerais, uma vez que ninguém questiona que o consumidor não negoceia qualquer cláusula, seja do cartão de crédito, seja do seguro; </font><br> <font>11. Não considerar aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais ao caso em apreço é desatender à protecção do consumidor, criando uma forma dos grandes grupos económicos tornearem as disposições de defesa do consumidor; </font><br> <font>12. A tese da aplicabilidade das cláusulas contratuais gerais aos contratos de emissão de cartão de crédito com o acoplado seguro foi acolhida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto de 19/3/2001, processo n.º 0150178, disponível em dgsi.pt, bem como pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, no douto Aresto de 29/1/2008, processo n.º 07B4422, disponível em dgsipt; </font><br> <font>13. Assim, salvo melhor e mais sábia opinião, deve ser revogada a decisão do Acórdão recorrido, que sustentou que um contrato celebrado entre um banco e uma seguradora, com o objectivo de proporcionar aos titulares de um cartão de crédito seguros de vida ou de acidentes pessoais, não configura um contrato de adesão, sendo-lhe inaplicável o artigo 11.°/2 do DL n.º 446/85, de 25/10, que estabelece a prevalência do sentido mais favorável ao aderente em caso de dúvidas quanto ao sentido de determinada cláusula contratual, sendo substituída por decisão que considere que o já referido contrato efectivamente configura um contrato de adesão; </font><br> <font>14. Ao não ter decidido como referido, violou o Tribunal a quo os artigos 236.°, 238.°, 443.°, todos do CC, e 11.°/1 e 2 do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro; </font><br> <font>15. Acresce que o objecto da protecção do seguro em questão nos autos não é os acidentes pessoais fora ou para além do raio de 50 km da referida residência; são sim os acidentes pessoais ocorridos em viagem de ou para a residência da pessoa segura; </font><br> <font>16. Assim, mais que a localização física do sinistro, releva o enquadramento deste em determinada deslocação (viagem) e a extensão quilométrica desta relativamente à residência da pessoa segura, pois que o objecto do seguro são os acidentes pessoais em viagem, quer dizer, no decurso de uma deslocação. Sendo a extensão desta a partir da, ou até à, residência da pessoa segura que deve ser convocada para aferir a franquia; </font><br> <font>17. O objectivo da franquia é a exclusão, da garantia do seguro, das deslocações do dia a dia mais curtas e frequentes - normalmente os percursos casa/trabalho e vice-versa - e não a delimitação de um perímetro espacial, "cego ", a partir da residência da pessoa segura onde as garantias do seguro não funcionam; </font><br> <font>18. É, aliás, esta a orientação maioritária na jurisprudência que tem apreciado cláusulas de teor semelhante (cfr. os doutos Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2004, processo n.º 03B4155; de 4/4/2006, disponível na CJSTJ, Ano XIV, tomo II, pág. 42; do Tribunal da Relação do Porto, de 19/03/2001, processo n.º 0150178; do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/06/2005, processo n. ° 2081/2005-6; do Tribunal da Relação de Évora, de 15/2/2007, processo nº 2696/06-3, estes três em dgsi.pt); </font><br> <font>19. É que, como se disse, é erróneo considerar que o contrato de cartão de crédito com seguro acoplado a que o cliente totalmente adere, e perante o qual formula a sua decisão de contratar, só é parcialmente um contrato de adesão, pelo que não se pode excluir o consumidor do processo interpretativo das cláusulas relativas ao seguro; </font><br> <font>20. A única interpretação verosímil e, diga-se, razoável, é que foi considerada na douta Sentença proferida, em 1.a instância, isto é, “</font><i><font>··excedendo a viagem os 50 kms previstos na franquia, é indiferente o local onde se verifique o sinistro (dentro ou fora da área da franquia); o seguro de acidentes pessoais em viagem de extensão superior a 50 km vigora em toda a extensão do seu percurso desde a residência da pessoa segura até ao destino projectado (ou na inversa, desde o ponto de partida, início do regresso, até à residência) e não após os primeiros 50 kms (ou, até aos últimos 50 kms)</font></i><font> "; </font><br> <font>21. De qualquer forma, mesmo que se permaneça na dúvida quanto ao conteúdo desta cláusula, pelos motivos referidos e atendendo ao artigo 11.°/2 do DL 446/85, de 25 de Outubro, tal dúvida deverá ser resolvida no sentido que favoreça o aderente e, neste caso, as Recorrentes; </font><br> <font>22. Ao não ter decidido como referido, violou o Tribunal a quo os artigos 236.°, 238.°, 443.°, todos do CC, e 11.°/1 e 2 do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. </font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 2. - A questão única a apreciar e decidir consiste na fixação, por via interpretativa, do sentido com que deve valer a exclusão da garantia (produção de “efeitos” de “âmbito territorial”) do seguro de acidentes pessoais – viagens dos cartões de crédito </font><i><font>Classic</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>CGD</font></i><font>, consubstanciada na denominada “</font><i><font>franquia</font></i><font> </font><i><font>quilométrica</font></i><font>”, constante da respectiva apólice.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font>3. - Factualidade a considerar.</font><br> <font>1. As autoras são únicas filhas e herdeiras de DD, que faleceu em 12 de Outubro de 2001;</font><br> <font>2. DD era cliente da Caixa Geral de Depósitos, balcão de Castelo Branco, titular da conta n. ° 0------------ e titular de um cartão de crédito </font><i><font>classic</font></i><font>, emitido pela Caixa Geral de Depósitos, com o n.º ---------------;</font><br> <font>3. Por acordo escrito, titulado pela apólice n.º --/-.--- "</font><i><font>Caixa</font></i><font> </font><i><font>Classic</font></i><font>", cujas condições gerais da apólice constam do documento de folhas 17 dos autos, a Caixa Geral de Depósitos acordou com a segunda ré que esta garantia às pessoas titulares daquele cartão a cobertura, entre outros, do risco de morte e invalidez permanente, quando se encontrem em viagem;</font><br> <font>4. Nos termos do acordo referido em 3, o valor da indemnização seria no valor de € 49.879,79 e a segunda ré garantia ainda o reembolso das despesas de funeral, no valor de € 2.493,99;</font><br> <font>5. Ainda nos termos do referido acordo, nas respectivas condições gerais, </font><i><font>franquia</font></i><font> </font><i><font>quilométrica</font></i><font> é definida como "</font><i><font>área geográfica medida a partir da residência da pessoa segura, dentro da qual não funcionam algumas das garantias contratadas</font></i><font>" e de acordo com a cláusula 3ª e quadro anexo das referidas condições gerais, é estabelecida uma franquia quilométrica de 50 km, no caso de acidentes pessoais, causados por viagens;</font><br> <font>6. Lisboa situa-se a uma distância superior a 200 km de Castelo Branco;</font><br> <font>7. Em 12 de Outubro de 2001, DD tinha residência na Av. N... A..., ...M – ....° Esq. B, 6000-083, em Castelo Branco;</font><br> <font>8. No dia 12 de Outubro de 2001, DD seguia no autocarro de passageiros, matrícula ...-...-AL, da empresa “J... Rodoviária das B..., Ld.ª”, de Lisboa com destino a Castelo Branco;</font><br> <font>9. …Regressando de uma visita de dois dias que fizera às autoras;</font><br> <font>10. O aludido autocarro foi embatido por outro veículo pesado;</font><br> <font>11. Foi na sequência e por causa do referido embate que faleceu DD;</font><br> <font>12. A autora Maria Isabel despendeu a quantia de € 59,86 com o funeral de DD;</font><br> <font>13. ...E teve, ainda, despesas no valor de € 1.044,98 com o aludido funeral;</font><br> <font>14. O embate referido ocorreu em Peroledo, IP2, ao km 138,7;</font><br> <font>15. ...Local esse que fica situado a cerca de 33 km da residência referida em 8.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>4. 1. - O contrato de seguro é um negócio jurídico que, por imposição da lei, está sujeito à forma escrita, regulando-se, em primeiro lugar, pelas disposições da respectiva apólice, instrumento que o formaliza – arts. 426º e 427º C. Comercial.</font><br> <font> Situando-se fora do âmbito dos seguros obrigatórios o contrato ora em causa, não se coloca qualquer dúvida quanto à validade e eficácia do respectivo clausulado. </font><br> <font> </font><br> <font>Consequentemente, o problema é, tal como qualificado, de interpretação e integração da declaração negocial, </font><i><font>rectius</font></i><font> das cláusulas que constituem as Condições Gerais da Apólice, e a questão a decidir é a de saber qual dos resultados interpretativos a que chegaram as instâncias deve aqui sufragar-se. </font><br> <br> <font>Em causa, pois, como avançado já, está saber se as Autoras, enquanto sucessoras e beneficiárias do pagamento da indemnização por morte da pessoa segurada, estão em condições de reclamar o pagamento do respectivo capital, em razão da respectiva cobertura pela garantia do seguro, com referência ao local da verificação do sinistro, questão em que dissentem as Partes e as Instâncias.</font><br> <br> <font> Assim, enquanto as Autoras, ora Recorrentes, com acolhimento na sentença, defendem que a “franquia quilométrica” de 50 km., que restringe a responsabilidade da seguradora a uma “área geográfica medida a partir da residência da pessoa segura”, garante o risco de acidentes que se verifiquem durante deslocações ou viagens que efectivamente excedam a distância de 50 km. desde a residência, independentemente do concreto local do acidente, a Recorrida, acompanhada pela Relação, sustentam que o raio de 50 km. contado da morada do segurado corresponde a uma zona onde não se aplicam as coberturas do contrato, não produzindo este efeitos, independentemente da extensão da viagem, destino ou proveniência da pessoa segura.</font><br> <br> <br> <br> <font>4. 2. - Pacífico o entendimento segundo o qual é matéria de direito a interpretação do negócio jurídico quando se não dirija ao apuramento da vontade real das Partes, mas, desconhecida esta, se devam seguir os critérios previstos nos citados arts. 236º-1 e 238º-1, compete a este Tribunal, no quadro legal enunciado, determinar o sentido com que deve ser fixado o objecto contratual.</font><br> <font> </font><br> <font>O n.º 1 do art. 236.º acolhe a denominada "teoria da impressão do destinatário", de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia.</font><br> <font> Entre as circunstâncias atendíveis, apontam-se os termos do negócio, os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, os usos e os hábitos do declarante, a conduta das partes após a conclusão do negócio, os usos da prática em matéria terminológica, além de outras (MOTA PINTO, "</font><i><font>Teoria Geral do Direito Civil</font></i><font>", 3.ª ed., 450/1). </font><br> <font> Nos casos duvidosos, será de fazer apelo à natureza gratuita ou onerosa do negócio e ao princípio do equilíbrio das prestações, previsto no art. 237º.</font><br> <br> <font> Quando, como é o caso, estejam em causa negócios formais, o objectivismo exigido ao intérprete vai ainda mais longe. </font><br> <font> Com efeito, estatui-se no art. 238.º-1, o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento.</font><br> <font> </font><br> <font> Só assim não será, como especialmente previsto no n.º 2 do mesmo art. 238.º, quando, não se encontrando, embora, na declaração uma expressão minimamente adequada, esse sentido não traduzido corresponda à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham «à validade de um sentido que, no ponto considerado, exorbite da declaração». </font><br> <br> <br> <br> <font> 4. 3. - Dada a natureza das cláusulas interpretandas serão de convocar ainda, em especial, a norma constante dos arts. 10º do DL n.º 446/85, de 25/10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos DL 220/95, de 31/8 e 249/99, de 7/7 e, se for caso disso, as acolhidas pelo art. 11º do mesmo diploma.</font><br> <font> </font><br> <font> Entende-se, com efeito, divergindo do entendimento declarado no acórdão recorrido, que estamos no campo dos contratos de adesão, em que vale o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, designadamente no que respeita às cláusulas ambíguas, que devem valer com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal colocado na posição do aderente real – art. 11º do DL n.º 446/85 – e que as Seguradoras estão obrigadas a redigir “de modo claro e perfeitamente inteligível” as cláusulas gerais e especiais das apólices que emitem (DL n.º 176/95, de 26/7 – art. 8º).</font><br> <font> Das condições gerais e especiais dos contratos de seguro dos ramos «Vida» e «Não Vida» devem constar, entre outros, elementos como a “definição dos conceitos necessários ao conveniente esclarecimento das condições contratuais” e o “âmbito do contrato” (arts. 10º e 13º do mesmo DL).</font><br> <br> <font> Na verdade, a situação que se apresenta é a de um seguro de cobertura mista e múltipla, com notas do denominado “seguro de grupo”, em que a mãe das AA., como subscritora do cartão de crédito foi Aderente e se tornou Segurada e Beneficiária, sendo também Beneficiárias as AA. (no caso de morte), sendo Tomador a “CGD” e Seguradora a Ré-recorrente.</font><br> <br> <font> Sendo a instituição bancária o Tomador do seguro é ela a responsável pelo pagamento do prémio à Seguradora, prémio que cobrará ao Segurado, no todo ou em parte, ou, sendo o seguro «não contributivo» suportará na totalidade - art. 1º do DL n.º 176/95.</font><br> <br> <font>Assim, se é verdade que ao acordo celebrado entre a “CGD” (Tomadora) e a Recorrente Seguradora, enquanto empresas, não é aplicável o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, não pode, sem mais, estabelecer-se uma relação de identidade entre esse contrato de seguro, a adesão, numa segunda fase, como Beneficiários, dos subscritores do cartão de crédito. </font><br> <br> <font> </font><br> <font> Não está em causa, note-se, o clausulado do contrato celebrado entre a Seguradora e o Tomador, sua validade e eficácia nos exactos termos em que foi negociado, formalizado em apólice e entrou em execução entre essas Partes, ao que tudo foi completamente alheia a “Pessoa Segura”.</font><br> <br> <font> Nas relações entre Tomador e Seguradora não há contrato de adesão: - os termos do contrato de seguro são negociados entre ambas as entidades, podendo cada uma delas, em todas as cláusulas, discutir o respectivo conteúdo. É o que, de resto, resulta do artigo preliminar da apólice.</font><br> <br> <font> Mas, ao celebrar o contrato de emissão do cartão de crédito, o cliente do banco adere a todo um conjunto de cláusulas pré-formuladas, constantes de modelos ou formulários, para serem objecto de simples subscrição ou aceitação, sem concessão de oportunidade de discussão ou negociação do respectivo conteúdo, nas quais se incluem as referentes ao contrato de seguro, em cuja elaboração intervieram apenas a seguradora e o tomador.</font><br> <font> Ao requisitante do cartão de crédito apenas é dada a possibilidade de aceitar ou de rejeitar em bloco o conjunto das cláusulas que lhe são apresentadas pré-elaboradas, refiram-se elas às condições de utilização do cartão ou às de beneficiário do seguro associado.</font><br> <br> <br> <font> Adita-se que não está demonstrado que o seguro constitua um benefício gratuito, sem qualquer custo para a Pessoa Segura, mas apenas que esta não paga prémio à Seguradora, nem a Tomadora lho cobra directamente, ignorando-se se e em que medida o custo do prémio é repercutido nos custos de utilização do cartão (anuidade e outros).</font><br> <font> Certo é que as entidades emitentes de cartões de crédito o fazem no exercício da actividade comercial a que é inerente o fim lucrativo e consequente onerosidade dos contratos que celebram.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> A situação ajusta-se, pois, à previsão do art. 1º do Dec.-Lei n.º 446/85, com a consequente a submissão do contrato de seguro, nas relações do Beneficiário aderente com a Seguradora e o Tomador do seguro ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> </font><br> <font> 4. 4. - A interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais com o regime previsto nos arts. 236º a 238º do C. Civil, cujas linhas se deixaram traçadas, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem – art. 10º do DL 446/85.</font><br> <br> <font> O mesmo sucede quando o intérprete se depare com cláusulas contratuais ambíguas – reveladoras de mais que um sentido; com sentido indefinido ou indeterminado - em que vale o mesmo regime interpretativo acolhido pela lei geral, novamente por expressa disposição do n.º 1 do art. 11º da lei especial: - As cláusulas ambíguas devem ser entendidas com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real, tal-qualmente se estabelece no dito art. 236º-1, salvo quando, mediante aplicação dos princípios gerais sobre interpretação, à luz da “impressão do destinatário”, se não supere a ambiguidade, permanecendo dúvidas, sendo que, então, admitido desvio ao disposto no art. 237º C. Civil, o n.º 2 do citado art. 11º faz prevalecer o sentido interpretativo mais favorável ao aderente, opção que bem se compreende tendo presente a situação de vantagem em que se encontra o predisponente no plano técnico e jurídico. É este que, com recurso aos seus meios organizacionais e técnicos, da mais diversa natureza, planeia e elabora um conjunto uniforme de regras a que o aderente vai anuir. Por isso, se delas se prevalece e tem à disposição tais meios, que põe ao serviço da satisfação dos seus interesses, não só é justo, como o exige a própria boa fé, que suporte as consequências da violação dos deveres de clareza e rigor dos quadros reguladores que coloca aos aderentes. </font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <br> <font> 4. 5. - Voltando ao caso concreto, importa, antes de mais, chamar à colação as cláusulas com pertinência para a fixação do âmbito de cobertura do seguro, na parte em discussão.</font><br> <br> <font> Nas decisões das Instâncias o enfoque da questão incidiu sobre a cláusula que constitui o “artigo 3º - Coberturas” e a “franquia quilométrica”, definida no artigo 1º como “</font><i><font>Área geográfica medida a partir da residência da pessoa segura, dentro da qual não funcionam algumas das garantias contratadas</font></i><font>”, sendo que aquele artigo 3º se estipula que “</font><i><font>Dentro dos limites e franquias fixado no Quadro Anexo, o presente contrato garante à pessoa segura as seguintes coberturas: 1. Acidentes pessoais (…)</font></i><font>” e no Quadro se identificam as várias “coberturas”, os “capitais” garantidos (com indicação dos casos de redução e franquia), as “pessoas seguras” e “franquia quilométrica” (de 50 km. para as viagens).</font><br> <br> <font> Procedeu-se, pois, à interpretação da cláusula da franquia quilométrica apenas com referência ao art. 3º das Condições Gerais da Apólice, relacionando-a a 1ª Instância com a extensão das viagens para excluir apenas os percursos de extensão inferior a 50 km. enquanto a Relação conclui, a partir da definição de franquia quilométrica, estar-se perante uma cláusula “cega”, a excluir as deslocações mais curtas e a poder excluir as mais longas em que o sinistro ocorra a menos de 50 km. da residência da pessoa segura. </font><br> <br> <font> Como do já explanado resulta, não se acompanha o acórdão impugnado no entendimento de não ser aplicável à interpretação sob apreciação o regime das CCG, bem como na convocabilidade do princípio do equilíbrio das prestações a pretexto da ausência de encargo para a pessoa segura.</font><br> <br> <br> <font> Mas concorda-se com a solução encontrada. Para tanto, relevam essencialmente dois elementos do texto das Condições da Apólice. </font><br> <br> <font>Em primeiro lugar, a denominada “franquia quilométrica” avulta desligada de qualquer referência a viagens ou deslocações, vale dizer, a aplicar, como cláusula de exclusão, a acidentes ocorridos em viagem; bem diferentemente, como da própria definição consta, dentro dela, não funcionam </font><u><font>algumas</font></u><font> </font><u><font>das</font></u><font> </font><u><font>garantias</font></u><font>, garantias estas que, como consta do Quadro Anexo, são todas as referidas no art. 3º (“acidentes pessoais, responsabilidade civil extraprofissional e saldo de conta”), apenas excepcionando os “gastos abusivos”.</font><br> <font> Assim sendo, não se crê que faça grande sentido esgrimir argumentação relativa ao maior ou menor risco da viagem e sua extensão, ou qualquer outra circunscrita a questões especificamente atinentes a coberturas de seguro de viagem.</font><br> <br> <font> Depois, e decisivamente, afigura-se-nos que a solução para o problema está contida no artigo 6º das CGA.</font><br> <font> Aí se define o “Âmbito territorial” de eficácia do contrato nos seguintes termos: “</font><i><font>Sem prejuízo das franquias quilométricas para cada uma das garantias, no Quadro anexo às Condições Gerais, o presente contrato produz efeitos em qualquer parte do Mundo</font></i><font>”.</font><br> <font> Ora, se assim é, não pode deixar de entender-se que o contrato de seguro só produz efeitos fora do círculo definido como área geográfica de franquia quilométrica, ou seja, com excepção do seguro de “gastos abusivos”, em que não se aplica a franquia quilométrica, qualquer das outras coberturas só produz efeitos para além do raio de 50 km. medido da residência do titular do cartão de crédito.</font><br> <br> <font> Não é já e apenas uma questão de exclusão da garantia do seguro de sinistros ocorridos em viagem ou deslocações, mas de produção de efeitos do contrato e respectivas coberturas, em razão da definição do respectivo âmbito territorial de vigência, como consta do artigo 6º.</font><br> <br> <br> <font>Sem perder de vista que, como assinalado, o contrato de seguro está sujeito à regra de transparência em sede de redacção do respectivo clausulado, entende-se que as cláusulas invocadas contra tal não atentam, revelando suficiente clareza e inteligibilidade a permitir a fixação do sentido normativo juridicamente relevante com que devem valer, por aplicação dos critérios estabelecidos nos arts. 236º a 238º e 10º do DL n.º 446/85. </font><br> <br> <font>Inexiste, por isso, ambiguidade susceptível de reclamar aplicação do critério subsidiário especial previsto no citado art. 11º do mesmo Dec.-Lei.</font><br> <br> <font>Poder-se-á dizer, pois, que a área definida pela “franquia quilométrica”, dentro do qual a garantia do contrato não “produz efeitos”, corresponde ao que vem denominado como uma “</font><i><font>zona sem seguro</font></i><font>”, entendendo-se que com outro sentido não pode contar um normal declaratário (ou um aderente indeterminado normal subscritor daquelas cláusulas) dotado de conhecimento e diligência medianos perante a leitura das Condições Gerais, </font><i><font>maxime </font></i><font> do seu artigo 6º.</font><br> <br> <br> <font>Em conclusão, o sinistro que se traduziu na morte da mãe das Autoras ocorrido em acidente de viação a menos de 50 km. da sua residência está abrangido pela exclusão da garantia (produção de “efeitos” de “âmbito territorial”) do seguro de acidentes pessoais – viagens do cartão de crédito </font><i><font>Classic</font></i><font> </font><i><font>-</font></i><font> </font><i><font>CGD</font></i><font>, de que a mesma era titular, consubstanciada na denominada “</font><i><font>franquia</font></i><font> </font><i><font>quilométrica</font></i><font>”, constante da respectiva apólice.</font><br> <br> <font>Assim, embora por fundamentos não coincidentes, a decisão impugnada não merece a alteração pedida pela Recorrente.</font><br> <font> </font><br> <br> <br> <br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font> Negar a revista;</font><br> <font> Manter a decisão impugnada; e,</font><br> <font> Condenar as Recorrentes nas custas.</font><br> <br> <br> <font> Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <br> <font> Lisboa, 21 Setembro 2010 </font><br> <br> <font> Alves Velho (relator)</font><br> <font> Moreira Camilo</font><br> <font> Urbano Dias</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em conferencia, os do Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal Pleno:</font><br> <font><br> A sociedade por quotas "A, Limitada" recorre para o Tribunal Pleno do acordão deste Supremo Tribunal, de 8 de Março de 1963, que decidiu ser aplicavel o artigo 2 313 do Codigo Civil, relativo a cessação de servidão de passagem, somente no caso de esta servidão ter sido constituida em beneficio de um predio encravado.<br> Alega a recorrente que este acordão esta em manifesta oposição com o de 17 de Dezembro de 1946, proferido em processo diferente, no dominio da mesma legislação e no qual se julgou que o referido artigo 2 313 aplica-se a todas as servidões de passagem, mesmo em relação aquelas que não digam respeito a predios encravados.<br> Da leitura dos dois acordãos verifica-se a nitida oposição sobre esta questão fundamental de direito justificando-se o presente recurso.<br> Tudo visto:<br> Examinada a questão, atenta e objectivamente, nos seus variados aspectos, julgamos que a solução mais legal e a que foi adoptada no acordão recorrido.<br> Preceitua o artigo 2 313 do Codigo Civil que a obrigação de prestar passagem pode cessar a requerimento do proprietario do predio serviente, cessando a necessidade da servidão ou se o dono do predio dominante, por qualquer modo, tiver possibilidade de comunicação igualmente comoda com a via publica por terreno seu.<br> O Decreto-Lei n. 19 126 acrescentou o paragrafo unico, o qual determina que a disposição do artigo 2 313 e aplicavel as servidões de transito, qualquer que tenha sido o titulo da sua aquisição; no caso de ter havido indemnização, sera esta restituida pelo desonerado.<br> Este paragrafo unico não alargou o ambito da aplicação do artigo 2 313 do Codigo Civil as servidões para predios não encravados; veio somente esclarecer que a servidão podia cessar mesmo no caso de não ter havido indemnização.<br> A expressão "titulo de aquisição" indica a origem da servidão; não alude a natureza do predio a favor do qual foi constituida a servidão.<br> O mencionado paragrafo unico veio abranger, alem das servidões constituidas coercivamente, as resultantes de negocio juridico ou prescrição, tenha havido ou não indemnização.<br> A entender-se que nos termos do citado paragrafo unico as servidões de passagem criadas por negocio juridico em beneficio de predios não encravados podem cessar, desde que se tornem desnecessarias ao predio dominante, havia que ter-se como revogado o paragrafo unico do artigo 2 279 do Codigo Civil que, para as servidões constituidas para predio não encravado so admite que sejam declaradas extintas por desnecessarias as servidões constituidas por prescrição.<br> E norma de interpretação não alargar os preceitos especiais para alem dos casos por eles regulados; este principio seria posto de parte se fossem aplicadas as citadas disposições que so regem para o caso de direito de acesso ou transito, as servidões em geral.<br> Alem disso, a colocação do artigo 2 313 num capitulo referente a servidão de passagem sobre predios encravados significa que não se trata de um preceito generico porque, neste caso, deveria conter-se entre as disposições gerais (Professor Pires de Lima, Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 77, pagina 3).<br> O aludido paragrafo unico reproduz textualmente a proposta de lei de 7 de Fevereiro de 1903, que o Professor Guilherme Moreira (Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 36, pagina 145) interpretou como não tendo resolvido o problema de saber se era aplicavel as servidões de transito voluntarias.<br> O principio de fazer terminar servidões inuteis, de restringir o menos possivel a propriedade plena, não tem aplicação no campo das servidões contratuais para predio que não era encravado a data da sua constituição. Seria a violação da liberdade contratual e da eficacia dos contratos.<br> Na servidão para predios encravados, constituida por decisão judicial ou voluntariamente, ha um condicionalismo que a fez surgir: a encravação. E legitimo que a servidão cesse, quando cessar esse condicionalismo.<br> Nos outros casos, foi uma vontade autonoma que se obrigou; não havia na lei poder coactivo impondo a obrigação de contratar.<br> Esta orientação foi consignada no projecto do novo Codigo Civil (artigo 1 561, ns. 2 e 3, Livro III, Direito das Coisas, primeira revisão ministerial, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 124).<br> Pelo exposto, negam provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:<br> O artigo 2 313 e paragrafo unico do Codigo Civil são aplicaveis somente nas servidões de passagem em beneficio de predio encravado.<br> Custas pela recorrente.<br> </font><br> <font>Lisboa, 7 de Maio de 1965</font><br> <br> <font>Gonçalves Pereira (Relator) - Alberto Toscano - Fragoso de Almeida - Albuquerque Rocha - Simões de Carvalho - Torres Paulo - Eduardo Tovar de Lemos - Ludovico da Costa<br> - Antonio Teixeira Botelho - Lopes Cardoso - Toscano Pessoa - Barbosa Viana - Joaquim de Melo - Henrique Dias Freire.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font> <p> </p><p><font>I - "A" - Sociedade Portuguesa de Centros Comerciais, SA (hoje ... SA) intentou acção com processo ordinário contra B; e C, pedindo que os réus sejam condenados a pagar a quantia de 2.871.459$00 relativa às retribuições devidas pela ocupação da loja em causa, vencidas e não pagas e ainda juros.</font> </p><p><font>Contestando, a ré excepcionou a ineptidão da petição inicial e sustentou não ser devedora das importâncias peticionadas.</font> </p><p><font>O réu, citado editalmente, nada disse.</font> </p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que condenou os réus a pagar a quantia de 4.067.026$00 e juros.</font> </p><p><font>Apelou a ré.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação julgou a apelação improcedente.</font> </p><p><font>Inconformada, recorre a ré para este Tribunal.</font> </p><p><font>Formula as seguintes conclusões:</font><br> <font>- A defesa da ré foi impossível por desconhecer o conteúdo do contrato aquando da contestação;</font><br> <font>- A ré reclamar a falta do conhecimento do contrato e só teve conhecimento do mesmo em sede de audiência de julgamento;</font><br> <font>- A ré em sede de audiência de julgamento arguiu a nulidade do contrato e a prescrição das rendas e, não entende porque não se encontra o registo das mesmas tanto em gravação como em acta de audiência;</font><br> <font>- O contrato é de subarrendamento comercial e não de qualquer outro tipo, já que:</font><br> <font>- As partes assim o intitularam e dele preencheram os requisitos formais (cedência de uma loja despida de qualquer negócio, cabendo ao primeiro réu a sua criação e direcção);</font><br> <font>- O facto da loja se situar em centro comercial não invalida que seja a mesma alvo de um contrato de subarrendamento comercial, o qual aliás deriva do contrato inicial entre o explorador do centro comercial e o proprietário;</font><br> <font>- As partes obrigaram-se à celebração de uma escritura pública, só não o fazendo por culpa da autora;</font><br> <font>- O processo peca desde o início pelo incumprimento da lei processual que obriga à citação do réu com os elementos necessários à plena compreensão do seu objecto - artigo 228º n.º 3;</font><br> <font>- Viola-se a lei, no entender da ré, nos termos subscritos nas alegações de recurso para a Relação;</font><br> <font>- Violam a lei - artigo 405º n.º 2 do C. Civil - os Juízes Desembargadores da Relação quando, qualificando o presente contrato como atípico o remetem para a legislação atrás referida, quando o não é.</font> </p><p> </p><p><font>Contra-alegando, a autora defende a manutenção do decidido.</font> </p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font> </p><p><font>II - Vem dado como provado:</font> </p><p><font>A autora é uma sociedade anónima que tem por objecto social a exploração, administração e gestão de centros comerciais e lojas, bem como, acessoriamente, a compra e venda de imóveis;</font> </p><p><font>No exercício dessa sua actividade, em 27 de Outubro de 1992, a autora, através de documento particular assinado por ela e pelos réus, prometeu ceder ao 1º réu, e este prometeu tomar, o gozo da loja n.º ... do Centro Comercial sito na Quinta da Malata, lote.., Portimão, denominado .... de Portimão;</font> </p><p><font>Contra o pagamento mensal pela 1º réu das seguintes quantias acrescidas de IVA;</font> </p><p><font>Esc. 133.000$00, a título de renda, actualizável anualmente de acordo com os coeficientes fixados anualmente pelo Governo para a actualização das rendas comerciais;</font> </p><p><font>A parte respeitante a 5% do valor da facturação bruta mensal do estabelecimento, uma vez subtraído o valor da renda que se referiu;</font> </p><p><font>Sua quota parte nas despesas comuns do Centro Comercial e inerentes ao funcionamento e utilização do mesmo, despesas essas calculadas nos termos do Regulamento de Funcionamento do Centro Comercial;</font> </p><p><font>Qualquer um dos valores referidos deveria ser pago nos escritórios da autora, nas seguintes datas:</font> </p><p><font>A quantia de 133.000$00, no primeiro dia do mês anterior àquele a que disser respeito;</font> </p><p><font>A parte respeitante aos 5% da facturação bruta do estabelecimento, uma vez descontada a renda mensal, até ao dia 10 do mês imediato àquele a que diz respeito;</font> </p><p><font>As despesas comuns, no primeiro dia útil do mês a que diz respeito, em conjunto com o pagamento da renda mensal;</font> </p><p><font>Em Novembro de 1993, a remuneração mencionada, encontrava-se fixada, por força da actualização anual, em Esc. 143.640$00, acrescida de IVA a 16%;</font> </p><p><font>Através desse mesmo contrato, a 2ª ré, desde logo, constituiu-se como fiadora e principal pagadora do bom cumprimento de todas as obrigações pecuniárias do 1º réu com a autora, emergentes da cedência e utilização da referida loja;</font> </p><p><font>O 1º réu tomou posse da loja em questão, nela instalando um estabelecimento de comercialização de jogos e acessórios de vídeo, material informático e modelismo;</font> </p><p><font>Ao ser subscrito esse contrato promessa pelas partes, foi, de imediato, entregue aos réus pela autora o Regulamento de Funcionamento do Centro Comercial;</font> </p><p><font>A partir de Fevereiro de 1993 até Fevereiro de 1994 o 1º réu deixou de pagar as retribuições mensais seguintes:</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Fevereiro de 1993 e renda relativa ao mês de Março de 1993, discriminadas na factura n.º 93.000647, de 01.02.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Março de 1993 e da renda relativa ao mês de Abril de 1993, discriminadas na factura n.º 93.001234, de 01.03.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Abril de 1993 e da renda relativa ao mês de Maio de 1993, discriminadas na factura n.º 93.001828, de 01.04.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Maio de 1993 e da renda relativa ao mês de Junho de 1993, discriminadas na factura n.º 93.002346, de 01.05.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Junho de 1993 e renda relativa ao mês de Julho de 1993, discriminadas na factura n.º 93.002917, de 01.06.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Julho de 1993 e renda relativa ao mês de Agosto de 1993, discriminada na factura n.º 93.003484, de 01.07.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Agosto de 1993 e renda relativa ao mês de Setembro de 1993, discriminada na factura n.º 93.004037, de 01.08.93;</font> </p><p><font>Esc. 194.234$00, referente a despesas comuns do mês de Dezembro de 1992 e renda relativa ao mês de Janeiro de 1993, discriminada na factura n.º 93.004369, de 17.08.93;</font> </p><p><font>Esc. 197.991$00, referente a despesas comuns do mês de Janeiro de 1993 e renda relativa ao mês de Fevereiro de 1993, discriminada na factura n.º 93.004367, de 17.08.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Setembro de 1993 e renda relativa ao mês de Outubro de 1993, discriminada na factura n.º 93.004803, de 01.09.93;</font> </p><p><font>Esc. 198.873$00, referente a despesas comuns do mês de Outubro de 1993 e renda relativa ao mês de Novembro de 1993, discriminada na factura n.º 93.005380, de 01.10.93;</font> </p><p><font>Esc. 209.619$00, referente a despesas comuns do mês de Novembro de 1993 e renda relativa ao mês de Dezembro de 1993, discriminada na factura n.º 93.006016, de 01.11.93;</font> </p><p><font>Esc. 210.531$00, referente a despesas comuns do mês de Dezembro de 1993 e renda relativa ao mês de Janeiro de 1994, discriminada na factura n.º 93.006713, de 01.12.93;</font> </p><p><font>Esc. 214.103$00, referente a despesas comuns do mês de Janeiro de 1994 e renda relativa ao mês de Fevereiro de 1994, discriminada na factura n.º 94.000249, de 01.01.94;</font> </p><p><font>Esc. 54.604$00, referente a despesas comuns do mês de Fevereiro de 1994, discriminadas na factura n.º 94.000877, de 01.02.94.</font> </p><p> </p><p><font>III - Autora e réus celebraram entre si um contrato relativo à cedência de uma loja de Centro Comercial, obrigando-se o réu a pagar uma renda mensal e vinculando-se a ré como fiadora.</font> </p><p><font>Tendo o réu deixado de pagar as importâncias acordadas, a autora pediu a condenação dos réus no pagamento das importâncias em dívida.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação (confirmando a decisão de 1ª instância) julgou a acção procedente.</font> </p><p><font>Recorre a ré.</font> </p><p><font>Suscita as seguintes questões:</font> </p><p><font>Desconhecimento do conteúdo do contrato;</font> </p><p><font>Prescrição das rendas;</font> </p><p><font>Qualificação jurídica do contrato.</font> </p><p><font>Na tese da ré a sua defesa foi impossível por desconhecer o conteúdo do contrato em causa, aquando da contestação. Com esse fundamento já tinha excepcionado a ineptidão da petição inicial.</font> </p><p><font>São várias as razões pelas quais não procede a argumentação da recorrente.</font> </p><p><font>Desde logo porque no saneador foi julgada improcedente a invocada excepção, tendo a decisão transitado em julgado.</font> </p><p><font>Mas não só o respeito pelo caso julgado mostra a sem razão da ré.</font> </p><p><font>O contrato (que se encontra junto aos autos) está assinado pela ora recorrente, pelo que dificilmente se compreende que não o conheça. Acresce que na contestação a ré mostrou ter entendido perfeitamente o que a autora pretendia e aquilo que constituía a causa de pedir.</font> </p><p><font>Note-se finalmente que os quesitos onde se perguntava se a ré não tinha recebido cópias dos documentos em causa e se nunca lhe tinha sido mostrado ou explicado o teor do contrato e do Regulamento, tiveram resposta de "não provado", tendo, pelo contrário, sido dado como assente que foi "entregue aos réus pela autora o Regulamento de Funcionamento do Centro Comercial".</font> </p><p><font>No que respeita à invocada prescrição das rendas, importa começar por recordar que, embora estejam subjacentes ao instituto razões de certeza e segurança nas relações jurídicas, a verdade é que o fundamento último da prescrição encontra-se na negligência do titular do direito ao não o exercer num período de tempo julgado como razoável para quem esteja interessado em fazer valer os seus direitos. Assume-se assim também como uma punição da inércia.</font> </p><p><font>A sanção que a mesma comporta não pode, contudo, ser conhecida ex officio, sendo necessário que seja invocada pelo devedor (artigo 303º do C. Civil).</font> </p><p><font>Ora, não se mostra tempestivamente invocada a prescrição. Somente em sede de recurso lhe é feita referência. Além do mais, é sabido que os recursos se destinam a reapreciar e eventualmente modificar questões colocadas e conhecidas nos Tribunais recorridos e não a criar decisões novas sobre factos não discutidos, salvo se existir matéria de conhecimento oficioso, o que não é o caso.</font> </p><p><font>Há por fim que qualificar juridicamente o contrato. Defende a recorrente que o contrato é de subarrendamento comercial, o que obrigaria atenta a data em que foi celebrado à realização de escritura pública.</font> </p><p><font>Da factualidade apurada resulta que a autora através de documento particular assinado por ela e pelos réus, prometeu ceder ao 1º réu e este prometeu tomar o gozo da loja n.º ... do Centro Comercial denominado "...de Portimão", contra o pagamento de uma quantia a título de renda; a parte "respeitante a 5% do valor da facturação bruta mensal do estabelecimento, uma vez subtraído o valor da renda"; uma quota parte nas despesas comuns do Centro Comercial "e inerentes ao funcionamento e utilização do mesmo, despesas essas calculadas nos termos do Regulamento de Funcionamento do Centro Comercial".</font> </p><p><font>No acórdão recorrido foi qualificado tal contrato como de atípico, concluindo-se por isso, que não era necessária a celebração de escritura pública.</font> </p><p><font>Não é pacífica a qualificação jurídica dos contratos relativos à instalação de loja em Centro Comercial, mostrando-se dividida a doutrina e não sendo uniforme a jurisprudência. Ao proliferamento dos Centros Comerciais, não correspondeu um regime jurídico esclarecedor e definido.</font> </p><p><font>As partes intitularam o contrato celebrado de "Contrato Promessa de Subarrendamento em Centro Comercial". Tal designação, como é sabido, não vincula o intérprete, que é livre no que toca à qualificação jurídica dos factos (artigo 664º do C. Civil).</font> </p><p><font>Tem sido repetidamente escrito que os "Shopping Center" são uma realidade mercadológica nova, a que no plano do direito corresponde uma também nova figura contratual, com uma função económico-social própria, uma causa negotii específica e que constitui um verdadeiro contrato atípico ou inominado. Contratos, esses que cabem dentro do princípio da liberdade contratual (artigo 406º do C. Civil), da autonomia privada, que é um dos princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico civil.</font> </p><p><font>A cedência do gozo temporário da loja aqui em discussão não constitui um simples contrato de arrendamento para o exercício do comércio, uma vez que esse espaço, embora explorado individualmente, integra-se num todo. O fundador do centro não fica somente obrigado a assegurar o gozo do estabelecimento ao locatário, mas sim obrigado a uma série de prestações de serviços essenciais não só ao rendimento de cada uma das lojas, como aos bens de utilidade comum ou ao funcionamento de serviços de interesse comum.</font> </p><p><font>Há, aliás, uma relação entre as várias lojas que integram o Centro não só entre si, como verticalmente de cada uma delas com a entidade exploradora.</font> </p><p><font>Veja-se a esse respeito o Regulamento Interno do Centro que, segundo as instâncias, foi entregue aos réus logo da celebração do contrato em questão.</font> </p><p><font>É certo que o afastamento das normas vinculísticas do arrendamento, pode conduzir, por vezes, a soluções injustas, como é apontado por alguns autores - Cons. Pinto Furtado - "Os Centros Comerciais e o seu Regime Jurídico" 2ª ed., designadamente fl. 47 e segs, entre vários. Tal não impede a qualificação jurídica referida, impondo antes, se for caso disso, o recurso aos mecanismos da boa fé e do abuso de direito (artigo 334º do C. Civil).</font> </p><p><font>Conclui-se assim que é correcta a qualificação feita no acórdão recorrido, considerando tratar-se de um contrato atípico que não necessita de ser celebrado por escritura pública - Sobre o tema o Prof. Antunes Varela - "Revista de Legislação e Jurisprudência" 128, pág. 278 e segs.; RLJ 122, 83; "Os Centros Comerciais", Estudos em Homenagem ao Prof. Ferrer Correia II, pág. 44; Prof. Pais de Vasconcelos - "Contratos de Utilização de Lojas em Centros Comerciais: Qualificação e Forma" Rev. Ordem dos Advogados, 56, 539; Cons. Aragão Seia - "Arrendamento Urbano" 7ª ed., pág. 654 e segs. e variadíssima jurisprudência aí citada.</font> </p><p><font>O acórdão recorrido não merece assim censura.</font> </p><p><font>Pelo exposto, nega-se a revista.</font> </p><p><font>Custas pela recorrente.</font> </p><p> </p><p><font>Lisboa, 10 de Maio de 2005</font> </p><p><font>Pinto Monteiro</font> </p><p><font>Lemos Triunfante</font> </p></font><p><font><font>Reis Figueira</font></font></p>
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FDL6u4YBgYBz1XKvxmoJ
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam na 1. secção cível do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- 1.- A e mulher B intentaram, na comarca do Porto, acção ordinária contra:<br> 1. - C, residente no Porto;<br> 2. - D, com sede e estabelecimento em Baguim do Monte;<br> 3s.- E e mulher F, residentes em Baguim do Monte; pedindo a condenação destes a: a) - destruírem toda a obra executada após ter sido decretado o embargo judicial de obra nova nos Autos de Providência Cautelar de Obra Nova apensos; b) - reconhecerem que a placa construída é placa de cobertura e não pode ser transformada em terraço ou logradouro; c) - ver declarado que não é permitido o acesso à placa sub judice; d) - não utilizarem a placa em causa como logradouro ou terraço e a nela não construírem qualquer edificação.<br> Articulam, para tanto, que são proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito em Gondomar.<br> Os 1. e 2. Réus iniciaram a construção de uma placa de cobertura, no logradouro dos prédios com os ns. 103 a 107, propriedade do Réu C e arrendado à Ré sociedade, que confronta com o dos Autores. E, apesar de os Autores terem obtido embargo judicial de obra nova e de terem apenas licença camarária de construção para placa de cobertura, os Réus concluíram essa construção, colocaram grades de protecção com altura superior a dois metros e transformaram-na em logradouro do prédio de habitação dos<br> 3s. Réus.<br> A obra permite o livre acesso ao prédio dos Autores, ensombra o respectivo logradouro, empareda-o e torna devassada a privacidade dos Autores e do seu prédio.<br> 2.- Os Réus contestaram: a)- excepcionando a ineptidão da p.i., por falta de causa de pedir; b)- impugnando os factos, designadamente a atribuída propriedade na medida em que o Réu C somente é proprietário do prédio n. 103, sendo os restantes pertença dos Réus E e mulher.<br> Pedem a sua absolvição da instância ou dos pedidos.<br> 3.- Na réplica, os Autores aceitam a rectificação feita na contestação quanto à propriedade dos prédios confinantes com o seu e respondem à excepção, terminando como na petição.<br> 4.- Foi proferido o despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a invocada excepção da ineptidão da petição inicial .<br> E foi organizada a condensação, que não sofreu reclamações.<br> Procedeu-se a julgamento da matéria de facto, tendo o tribunal colectivo dado aos quesitos as respostas constantes do acórdão de fls. 60, que não foram objecto de reclamação.<br> Na prolação da sentença, o M. Juiz, julgando a acção parcialmente procedente, condenou "os Réus, nomeadamente os Réus E e mulher F a reconhecerem que a placa construída<br> é placa de cobertura do logradouro e não terraço ou logradouro, a qual não pode ser transformada, e bem assim verem declarado não ser permitido o acesso à mesma placa".<br> Os Réus apelaram com êxito da sentença, pois o Tribunal da Relação do Porto, pelo douto acórdão de fls. 85/89, revogou-a e absolveu os Réus dos pedidos.<br> 5.- Desta decisão recorrem, de revista, agora, os Autores.<br> Na alegação que apresentaram, formulam as seguintes conclusões:<br> 1. - O direito de propriedade sobre imóveis só pode ser exercido em termos de uso e fruição por parte do respectivo titular dentro dos limites e com as restrições impostas por lei.<br> 2. - Pelo que a inobservância de tais restrições ou limites significa violação da lei, maxime do disposto no artigo 1305 do CCIV.<br> 3. - Tendo a Câmara Municipal licenciado construção de placa de cobertura de logradouro, a atribuição a tal placa de fim diverso, designadamente a sua transformação em logradouro constitui violação do referido normativo e das limitações impostas.<br> 4. - Pretendendo a lei que se evite a devassa do prédio confinante ao estabelecer as limitações referidas no artigo 1360 do CCIV, constitui violação o autorizar-se a transformação em placa de logradouro a placa de cobertura autorizada, com devassa do prédio dos recorrentes.<br> 5. - Ainda para mais com inobservância das distâncias e alturas legalmente fixadas no referido normativo, pelo que também nesta parte houve violação da lei no douto acórdão recorrido.<br> 6. - Por isso que com acerto se tenha escrito na sentença de 1. instância que "a placa construída é placa de cobertura de logradouro e não terraço ou logradouro, na qual não pode ser transformada ... não sendo permitido o acesso à mesma".<br> 7. - Razão de ser também do decretamento da providência cautelar de obra nova.<br> Pedem a revogação da decisão recorrida para ficar a valer a de 1. instância.<br> Os Réus contraminutaram, sustentando o bom fundamento da decisão recorrida e pedindo a sua confirmação.<br> Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> II- 1. - As questões colocadas são as de saber se: a) - houve desrespeito à licença camarária de construção e quais as consequências; b) - a construção feita desrespeita as restrições impostas pelo artigo 1360 do CCIV.<br> 2. - As instâncias fixaram a seguinte matéria factual: a) Os Autores adquiriram, por compra e venda, a G e mulher H, por escritura pública de 4 de Agosto de 1987 lavrada de fls. 87 a 90 v. do Livro B-182-A do 1. Cartório Notarial do Porto, o prédio urbano, destinado a habitação, composto de cave, r/c e andar, com anexos e quintal, sito no concelho de Gondomar, inscrito na matriz sob o n. 8045. b) Os autores, por si e antepossuidores, estão na posse do referido prédio há mais de 15 e 20 anos, posse essa exercida à frente de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e ininterruptamente, pagando taxas, contribuições e impostos que sobre ele incidem. c) Com o prédio identificado em a) confrontam os prédios urbanos sitos na referida Rua ..., havendo entre eles um muro de meação. d) Os Réus procederam, até 15 de Agosto de 1995, à construção de paredes de suporte laterais a todo o logradouro dos prédios referidos em c), com coluna no centro, para, depois, ser colocada uma cobertura em placa, localizada na parte traseira do logradouro, placa que igualmente construíram. e) Os Réus colocaram, sobre a placa de cobertura, grades com cerca de 1,50 ms. de altura ao redor da mesma que confina com o logradouro, em nível inferior, dos Autores. f) Os Réus E e mulher abriram, na marquise do prédio (andar) que lhes pertence, uma porta de acesso para a placa então concluída. g) Os Réus E e mulher vêm utilizando a placa de cobertura referida em d) como logradouro.<br> III- 1.- Estabelece o n. 1 do artigo 1305 do CCIV : "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".<br> Entre as limitações impostas por lei aos direitos de uso e fruição das coisas pelo seu proprietário avultam as resultantes das relações de vizinhança do artigo 1360 do CCIV.<br> Analisada esta norma, encontramos: a) - o proprietário pode, em regra, levantar, no seu terreno, edifício ou outra construção até ao seu limite, até à sua estrema; b) - esta regra sofre duas excepções:<br> 1. - se abrir janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho, o proprietário tem de deixar, entre este (prédio vizinho) e cada uma das obras, o intervalo mínimo de metro e meio - n. 1 do artigo 1360;<br> 2. - se construir varandas, terraços, eirados ou outras obras semelhantes, estes só podem avançar até à estrema da propriedade se não tiverem parapeito ou se tiverem parapeito com altura igual ou superior a metro e meio em toda a extensão confinante - n. 2 do artigo 1360.<br> Interessa-nos, para o nosso caso, apenas a segunda excepção ou restrição.<br> No douto acórdão recorrido, está devidamente explicada a razão de ser desta restrição.<br> Sempre se diria, apesar disso, que esta restrição (está dito e redito na doutrina) visa impedir o devassamento do prédio vizinho, por indiscrição, intromissão no espaço deste e possível arremesso de objectos.<br> Se inexistir parapeito, seja em parede compacta seja em gradeamento, ou se existir parapeito de altura igual ou superior a metro e meio em toda a extensão limítrofe, a lei permite que a construção avance até à estrema do terreno, uma vez que, a lei presume que, em ambos os casos, existe obstáculo ao devassamento, na medida em que<br> é, pelo menos, mais difícil desfrutar das vistas junto à linha divisória, debruçar-se, ocupando o espaço aéreo do terreno vizinho, ou arremessar objectos para ele.<br> Em tal caso, portanto, a existência de construção de terraço, eirado, varanda ou construção semelhante tem de ser suportada pelos proprietários vizinhos, por muito que os desgoste, ou porque lhes tapa as vistas, a contemplação da paisagem, lhes sombreia os logradouros ou quintais.<br> Só não será assim, naturalmente, provando-se que o dono da construção age com abuso de direito. O que não está em causa.<br> Por conseguinte, a restrição imposta pelo n. 2 do artigo 1360 do CCIV está conformada pela construção de terraço, eirado, varanda ou construção semelhante que tenha parapeito com altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.<br> 2. - Sendo este o direito aplicável, vejamos mais em pormenor o caso concreto.<br> Dizem os Réus que, tendo sido licenciada a construção para placa de cobertura, não pode ser transformada em logradouro.<br> Esta tese mereceu acolhimento na primeira instância, mas parece-nos que sem razão.<br> Começa por que não é exacto que a construção tenha sido licenciada com a restrição ao uso de placa de cobertura.<br> Pelo seguinte.<br> Na audiência de discussão e julgamento, foram juntos, pelos Réus, documentos, cuja genuinidade não foi (dificilmente o poderia ser) posta em crise e dos quais resulta devidamente comprovado que: a) - os Réus pediram à C. M. de Gondomar licença para cobrir com placa parte do logradouro da cave-armazém, fracção A, com o número de polícia n. 103, com a dupla finalidade de o proprietário dispor dessa área devidamente resguardada das intempéries e de o proprietário do r/c, fracção B, com o número de polícia 107, dispor de um logradouro próprio, onde suas filhas menores possam brincar à vontade sem estarem sujeitas aos perigos que a rua oferece - fls. 52; b) - o alvará de licença de construção concede "licença para colocação de cobertura, em placa, na parte traseira do logradouro", sem outras restrições que a "de fazer parede dupla, por baixo do terraço, para evitar humidade"<br> - fls. 54.<br> Portanto, a licença não restringe o uso da placa.<br> Por outro lado, também não parece que a pretendida restrição não seja de fazer em termos de normalidade, de razoabilidade ou de justiça.<br> "O termo eirado e, bem assim, o vocábulo terraço, seu sinónimo (do artigo 1360, n. 2, do CCIV), pretendem representar uma plataforma, em geral sem tecto, situada no topo do prédio, em vez de telhado, ou na frente, num dos lados ou na retaguarda do edifício, sobre arcadas ou colunatas, destinada ao gozo da aragem, do sol ou das vistas"(2).<br> A parte superior da obra de cobertura do logradouro em questão pode perfeitamente qualificar-se como terraço ou eirado - é um espaço aberto, situado no topo da construção, que permite desfrutar o sol, a aragem e outras actividades de lazer.<br> Que proíbe aos Réus, seus construtores, proprietários do logradouro que cobre, fazer desta placa também logradouro?<br> Com esta pretensão de não aproveitamento pelos Réus da parte superior da placa, como logradouro, os Autores acabam por cair, bem vistas as coisas, exactamente no vício que assacam a estes, qual seja o de lhes limitarem o pleno uso e fruição do direito de propriedade.<br> O alvará não faz qualquer restrição ao uso da parte superior da placa. Não se vê, por isso, por que razão esta não pode ser utilizada para logradouro, como o podem ser, em geral, as partes de cobertura de qualquer edifício, desde que construídas, obviamente, em placa e com a necessária segurança.<br> Não se aceita, por isso, ser este um bom fundamento para dar provimento ao recurso.<br> 3. - Quanto ao mais. a) - Já se definiu acima o direito aplicável - o n. 2 do artigo 1360 do CCIV só restringe o direito de construir varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes até junto da estrema do prédio vizinho, se estas construções forem servidas de parapeito (em muro ou grade) de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.<br> Parece, pois, a uma primeira análise, que importaria considerar, neste momento, se as grades colocadas pelos Réus, na placa que serve de terraço, tem, junto da estrema do prédio dos Autores, altura igual, inferior ou superior a metro e meio.<br> Para apurar tal facto terá sido mesmo formulado o quesito<br> 3., o qual, agrupado com o quesito 2., teve seguinte resposta: - "os Réus colocaram sobre a placa de cobertura grades com cerca de 1,50 ms. de altura em redor da mesma que confina com o logradouro, em nível inferior, dos Autores.<br> Esta resposta é ambígua, como se reconhece no douto acórdão recorrido, quando ali se escreve que, se as grades colocadas sobre a placa têm cerca de 1,50 ms. de altura,<br> "podem ter mais ou podem ter menos de 1,50 ms. de altura".<br> E não o devia ser por o facto ser directamente verificável pelo tribunal, bastando, para o efeito, deslocar-se ao local com uma fita métrica.<br> Esta ambiguidade não pode ter, no entanto, quaisquer consequências para a decisão da causa e designadamente para efeitos da parte final do n. 3 do artigo 729 do CPC (que nos parece abranger também, por interpretação extensiva, a obscuridade das respostas aos quesitos, por ambiguidade).<br> E a razão está em que, se são os próprios Autores quem alega que as grades têm altura superior a 1,50 ms. (cfr. artigos 67 da petição - "grades com altura superior a dois metros" - e 28 da réplica - "grades com mais de metro e meio" -) sem que o facto seja impugnado, claro está que tem de aceitar-se como assente, por confissão da parte (artigos 352 do CCIV e 38 do CPC), esse mesmo facto.<br> Portanto, considera-se assente que a grade tem altura, em toda a sua extensão, superior a metro e meio e, por isso, que está construída dentro das normas legais.<br> Anota-se que, em casos como o presente, parece que não poderia recorrer-se ao ónus da prova, face à resposta ambígua dada aos quesitos 2. e 3., por a falha ser do tribunal na busca da verdade material, que poderia, como acima se disse, alcançar por verificação directa.<br> IV - Resta para finalizar, tirar as seguintes conclusões:<br> 1. - O n. 2 do artigo 1360 do CCIV permite ao proprietário a construção de varandas, eirados, terraços ou outras obras semelhantes até à estrema do prédio vizinho, se não tiverem parapeito ou se tiverem parapeito com altura igual ou superior a metro e meio em toda a extensão.<br> 2. - Os Réus pediram à C.M. licença para cobrir com placa parte do logradouro da cave-armazém com a dupla finalidade de resguardo da área coberta e de uso como logradouro.<br> 3. - O Alvará não faz restrição ao uso da parte superior da placa, pelo que esta pode ser aproveitada como logradouro; até por ser o que acontece em semelhantes casos.<br> 4. - Se os Autores confessam nos seus articulados que as grades que rodeiam o terraço têm altura superior a metro e meio, tal facto não pode deixar de considerar-se como assente, de nada relevando a resposta ambígua dada aos quesitos 2. e 3., que deve considerar-se como não escrita<br> - artigos 659, n. 3, 713, n. 2, e 726 do CPC.<br> A construção da placa obedece, pois, aos requisitos legais, pelo que falecem todas as conclusões da alegação.<br> V - DECISÃO.<br> Acorda-se, pelo exposto, em confirmar a decisão recorrida.<br> Custas pelos Recorrentes.<br> Lisboa, 11 de Março de 1999.<br> Francisco Lourenço,<br> Armando Lourenço,<br> Martins da Costa.<br> 1 - Cfr. F.A. Pires de Lima - RLJ, Ano 97 - 349/352; e Ano<br> 99 - 239/240; M. Henrique Mesquita - Direitos Reais (1867,<br> Coimbra), 149/156, P. Lima/A. varela - CCIV Anotado - Vol<br> III (2. ed.), 212/215; e L.A. Carvalho Fernandes - Lições de Direitos Reais (1996, Quid Juris), 185/186.<br> 2 - Acórdão RC, de 28 de Outubro de 1977 - CJ, Ano II - 5<br> - 1115.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A propos, no 15 Juizo Civel de Lisboa, acção de reivindicação contra B e mulher C pedindo que lhe seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre fracção autónoma que identifica e que a mesma lhe seja restituida e entregue.<br> Os Réus contestaram por impugnação e excepção.<br> Responderam os Autores.<br> Prosseguiu o processo normais tramites, vindo a ser proferida decisão que julgou procedente a acção.<br> Em recurso interposto, os Réus obtiveram parcial provimento.<br> Recorre o Autor para este Supremo Tribunal de Justiça alegando:<br> 1) Transitada em julgado a sentença que reconhece aos ocupantes "o direito a impor ao proprietário a celebração com eles de um novo contrato de arrendamento, sendo-lhes legitimo permanecerem no local até à celebração desse contrato", cabe aos ocupantes a iniciativa da celebração desse novo contrato;<br> 2) Tendo o proprietário procedido a repetidas interpelações aos ocupantes para a celebração do novo contrato de arrendamento, perante a inércia dos ocupantes, há mora dos ocupantes na celebração do contrato;<br> 3) ao novo contrato é aplicável o regime da renda condicionada, não sendo impeditivas da sua celebração as divergências quanto ao montante da renda, que devem ser resolvidas por intervenção da Comissão de Avaliação a requerer nos 60 dias seguintes à celebração do contrato e não previamente à sua celebração;<br> 4) quando haja direito à celebração do novo contrato de arrendamento, a ocupação da casa só é legítima desde que haja mora do proprietário na celebração do novo contrato e enquanto esta mora se mantiver, ou se houver recusa do proprietário na celebração do novo contrato;<br> 5) havendo mora dos ocupantes na celebração do novo contrato, a ocupação deixa de ser legitima e é abusiva;<br> 6) constitui abuso de direito à celebração do novo contrato de arrendamento e à ocupação da casa até essa celebração, a inércia dos ocupantes quanto à celebração do novo contrato;<br> 7) recusando-se os ocupantes a celebrar o novo contrato de arrendamento, não obstante as interpelações e insistências do proprietário, é abusiva e ilegitima a ocupação que fazem da casa;<br> 8) cessando a legitimidade da ocupação da casa, por mora e recusa dos ocupantes na celebração do novo contrato de arrendamento, tem o proprietário direito à restituição da casa ocupada, não havendo já titulo legitimo de ocupação que bloqueie a restituição, nos termos do artigo 1311 do Código Civil.<br> Não houve contra-alegações.<br> Tudo visto.<br> Vem dado como demonstrado:<br> A - encontra-se inscrito, a favor do A., na 5 Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n. 7862, do Livro B-22, a fracção autónoma designada pela letra C, do prédio sito na Rua de Oliveira, ao Carmo, n. 5 a 11;<br> B - O A. adquiriu tal fracção por doação efectuada por D, a 15 de Janeiro de 1986, no Cartório Notarial de Algés;<br> C - os réus ocupam a aludida fracção;<br> D - por Acórdão da Relação de Lisboa, em acção de despejo em que era autora, D e réus, os ora réus, datado de 23 de Abril de 1985, decidiu-se que os réus<br> "podem impor àquela a celebração desse contrato - Teor do documento de folhas 85 verso a 89;<br> E - Tal contrato não foi celebrado;<br> F - em 22 de Setembro de 1985, o A. escreveu aos réus, e estes receberam, a carta de folhas 26;<br> G - em 7 de Outubro 1986, os réus escreveram ao A. e este recebeu, a carta de folhas 27;<br> 1- a, então, dona da fracção, por intermédio do seu advogado, em 29 de Novembro de 1985, escreveu aos R.R. a carta de folhas 59, pedindo-lhe que comparecessem no escritório daquela, em Dezembro, pelas 15 horas "para celebrar o contrato de arrendamento";<br> 2- Os RR não compareceram e nada fizeram;<br> 3- em 8 de Maio de 1986, Maria Júlia Soares de Albergaria, através do seu advogado, escreveu aos R.R. a carta a folhas 62/63, que aqueles receberam em 15 de Maio;<br> 4- pedindo-lhes para comparecerem no escritório daquele, no prazo de cinco dias, a contar da recepção da carta "para celebração do contrato de arrendamento no regime de renda condicionada";<br> 5- os réus, não compareceram;<br> 6- em 27 de Novembro de 1986, o A. enviou, aos réus, a carta a folhas 66;<br> 7- os réus não reclamaram a carta no correio;<br> 8- o advogado dos réus compareceu no dia 6 de Outubro de 1986, às 15 horas, no escritório do mandatário do A.;<br> 9- a casa encontra-se "deteriorada";<br> 10- inexiste casa de banho, as madeiras das janelas, quase a totalidade do soalho e rodapés estão podres; a chaminé encontra-se desfeita; existem infiltrações de água; as canalizações estão rotas e os esgotos entupidos.<br> Nos termos do artigo 1311 do Código Civil a acção de reivindicação desdobra-se, no fundo, em dois pedidos - um o de reconhecimento do direito de propriedade; o outro, o da restituição da coisa.<br> Demonstrado pelo autor o seu direito de propriedade, o réu só pode evitar a restituição da coisa desde que demonstre que tem sobre ela outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou que a detem por virtude de direito pessoal bastante.<br> A indicação atrás feita, quanto aos pedidos, não se traduz em uma cumulação real de pedidos, mas apenas em cumulação aparente - confere Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, vol 1, página 208. Como escreve o Dr Manuel J. G. Salvador - Elementos de Reivindicação, ano 1958, página 26 - "o autor formula dois pedidos principais; isso resulta de se tratar de uma espécie do género de acções de condenação. Nestas, o Juiz não pode condenar o réu na prestação, sem primeiro apurar se a prestação é devida. A condenação assenta sobre uma apreciação ou declaração anterior. Portanto, as acções de condenação são tambem de apreciação - tambem J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol I, pagina 22.<br> O que nos conduz a que, na reivindicação, só processualmente haja uma acção de simples apreciação cumulada com uma acção de condenação, já que o pedido sendo um só, da prévia averiguação de uma qualidade juridica, pode resultar a restituição que se pretenda.<br> O que conduz a que, num lado esteja o titular de um direito sobre uma coisa e do outro, o possuidor ou detentor da mesma coisa que tem ou não direito real sobre ela.<br> Nenhuma dúvida existe sobre a titularidade do direito do autor sobre a fracção reivindicada.<br> A dicidência incide sobre o Titulo que poderá legitimar a detenção ou posse por parte dos réus.<br> Alegaram estes - e documentalmente demonstraram - que por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Abril de 1985, devidamente transitado em julgado , lhes foi reconhecido que podem impor ao autor a celebração de um novo contrato de arrendamento, o que lhes permite permanecerem no reivindicado até à celebração de um novo contrato.<br> O assim decidido teve como pressuposto o disposto nos Decretos-Lei 445/74, de 12 de Setembro e 420/76 de 20 de Julho. Não sendo de ter em consideração o disposto no artigo 328/81, de 4 de Dezembro, já que o mesmo não é de aplicação retroactiva - confere acórdão do Supremo<br> Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1982, Boletim do Ministério da Justiça n. 315, página 280.<br> De concluir, assim, que o então chamado "direito de preferência" ou direito a novo arrendamento conduzia o senhorio a não poder eximir-se à obrigação de celebrar novo arrendamento com o ocupante, o que obsta ao dever de restituição - Acórdão de 27 de Julho de 1982,<br> Boletim do Ministério da Justiça 319-286.<br> Só que, nestes autos, vem afirmar-se que o senhorio tem querido celebrar o novo contrato de arrendamento, mas os Réus, por omissão, têm obstado a tal celebração. Com o que se teriam colocado em situação de inviabilidade aquele direito a novo arrendamento, com base no disposto no artigo 334 do Código Civil.<br> Esta situação concretiza-se "no exercício do poder formal realmente conferido pela ordem juridica a certa pessoa, mas em aberta contradição, seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-juridico<br> (boa fe; bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento ( A. Varela, R.L.J. 114 - 75.<br> Nos termos do artigo 5 do Decreto-Lei 148/81, de 4 de Junho, os arrendamentos constituidos por força de um direito de preferência ficam sujeitos ao regime de renda condicionada. Facto que se repete no regime da Lei n. 5/85, de 20 de Setembro - artigos 7 e 28.<br> Só que, nestes autos, conforme matéria de facto definitivamente fixada pelo Tribunal da Relação, A. e RR dissentivam quanto ao montante da renda. Daí que os RR sempre que foram contactados para a celebração do contrato tenham omitido a sua comparência ou justificado por carta a sua discordância quanto à renda fixada.<br> Nos termos do artigo 1 do Decreto-Lei 188/76, de 12 de Março, bem como do artigo 1 do Decreto-Lei 13/86 de 23 de Janeiro, a falta de contrato escrito de arrendamento presume-se imputável ao senhorio.<br> Assim sendo a iniciativa da sua concretização tem que pertencer ao senhorio a quem competirá lançar mão de todos os meios judiciais e extra-judiciais necessários à redução a escrito de tal contrato.<br> Ora, dos autos resulta que o recorrente não esgotou os meios que a lei coloca à sua disposição, nomeadamente os judiciais. Em vez de reivindicar o prédio, deveria ter ocorrido a outra acção, bem mais concretizadora do seu direito e do direito dos Réus, judicialmente reconhecido.<br> Terá o mesmo razão quanto à intervenção da Comissão de Avaliação perante o que se afirma no artigo 4, n. 4 do Decreto-Lei 148/81, de 4 de Junho e artigo 9, n. 1 do Decreto-Lei 13/86, de 23 de Janeiro.<br> Apesar disso não se pode afirmar que o ocupante seja obrigado a aceitar toda e qualquer renda solicitada pelo senhorio para só após a celebração do contrato escrito poder recorrer àquela Comissão. A situação em si seria percursora de manifestos abusos, como aquele que os RR atribuem ao A. nestes autos, obrigando aqueles ao pagamento de renda bem acima das suas possibilidades, económicas e do estado fisico do prédio.<br> De considerar, então, que a conduta omissiva dos Réus não ofendeu os princípios da boa fé nem os bons costumes. Antes constitui um meio de defesa do direito que judicialmente lhe foi reconhecido.<br> Consequentemente, dispõem de Titulo obstativo da requerida desocupação do andar em litígio.<br> Assim, vai negada a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 9 de Julho de 1991.<br> Cura Mariano,<br> Jorge Vasconcelos,<br> Joaquim de Carvalho.<br> Decisões impugnadas:<br> I Sentença do 15 Juízo Civel de Lisboa de 89.11.28;<br> II Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 90.11.15.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> O Estado propôs acção, com processo sumário, contra a Europeia Seguros, S.A., pedindo a condenação esta no pagamento da garanta de 4039135 escudos, para tanto alegando, em resumo o seguinte:<br> Em 24 de Maio e 1988 ocorreu um acidente de viação entre a viatura militar AM e a viatura pesada civil SN;<br> A viatura ia em serviço e era conduzida por um militar e transportava outro militar;<br> A viatura civil estava segura na ré;<br> O acidente deveu-se a culpa exclusiva do condutor da viatura civil;<br> Do acidente resultaram danos na viatura militar e, também, lesões corporais nos militares, tendo, por causa delas, o autor despendido 4039135 escudos;<br> A ré ressarciu prejuízos na viatura, mas recusa-se a pagar os danos causados pelas lesões nos militares;<br> Na contestação a ré impugna o direito de sub-rogação invocado pelo autor.<br> Foi proferido o saneador o pedido foi julgado improcedente e absolvida a ré, por se entender que o Estado cumpriu obrigação própria, não havendo sub-rogação.<br> Recorreu o Ministério Público, em representação do Estado e, na Relação de Coimbra, foi dado provimento ao recurso, sendo a ré condenada a pagar ao autor a citada quantia de 4039135 escudos;<br> Pede agora revista a ré, que alegando, formula as seguintes conclusões:<br> 1 - No caso dos autos, o Estado, ao pagar os vencimentos do seu servidor impossibilitado de trabalhar, não o faz por ser garante a obrigação do causador do acidente;<br> 2 - Nem por estar interessado no cumprimento pelo responsável, das obrigações que se lhe competem;<br> 3 - O Estado está obrigado nos termos da Lei a efectuar tais pagamentos, independentemente de a causa que dá origem a incapacidade do seu servidor, ser imputável a título de culpa a outrem, ou não;<br> 4 - O disposto no Artigo 18 do Decreto-Lei n. 522/85, de 31 de Dezembro não estabelece para o Estado um direito de regresso quanto ao valor dos abonos e vencimento de categoria e e exercício pagos a servidor seu, vítima de acidente de viação, imputável a terceiros.<br> Contra alegou o Ministério Público que defende a manutenção do Acórdão recorrido.<br> Com os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br> Os factos dados como provados são os seguintes:<br> Em 24 de Maio de 1988, deu-se um acidente de aviação em que intervieram a viatura do Estado AM e a viatura civil SN.<br> A viatura do Estado era conduzida pelo soldado paraquedista A e nela seguia como chefe de viatura o primeiro sargento paraquedista B.<br> Resultaram danos na viatura do Estado e ferimentos nos ocupantes dessa viatura que provocaram doença e incapacidade para o trabalho.<br> A culpa do acidente foi totalmente do condutor da viatura civil.<br> A ré havia segurado a responsabilidade do proprietário da viatura civil, por danos causados a terceiros.<br> A ré aceitou a responsabilidade pelo acidente e pagou os danos sofridos pela viatura militar.<br> Ambos (os militares) estiveram em situação de baixa por doença em consequência dos ferimentos recebidos.<br> E ambos receberam, através da sua unidade, os vencimentos e demais abonos como se estivessem a prestar um serviço efectivo.<br> O soldado recebeu, nesse período 2987 escudos.<br> O sargento recebeu 4036148 escudos, respeitante ao período de 24 de Maio de 1988 a 30 de Setembro de 1990.<br> Os militares iam em serviço quando se deu o acidente.<br> Sem margem para dúvidas, resulta da factualidade supra indicada, que o acidente ocorrido naquele referido dia 24 de Maio de 1988 foi um acidente de viação e de serviço simultaneamente.<br> Certo, também, que o Estado face ao disposto no Artigo 10 do Decreto-Lei 38523, de 23 de Novembro de 1951, estava obrigado a pagar aos militares vitimas do acidente, os vencimentos e abonos enquanto os mesmos estiveram de baixa por doença e impossibilitados de desempenhar as suas funções, visto que o referido acidente foi, como já se viu, simultaneamente de viação e em serviço.<br> A única questão levantada é a de saber se o Estado, pagando o que pagou, de vencimentos e abonos no período de doença dos militares, ficou com o direito de exigir da ré seguradora do veículo causador do acidente, aquilo que despendeu.<br> Interessa trazer à colação várias disposições legais.<br> Vejamo-las:<br> Dispõe o Artigo 18 do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro (diploma que revê o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel): "1 - Quando o acidente for simultaneamente de viação e de trabalho aplicar-se-ão as disposições deste diploma, tendo em atenção as constantes da legislação especial em acidentes de trabalho.<br> 2 - O disposto no número anterior é aplicável, com as devidas adaptações, quando o acidente possa qualificar-se como acidente de serviço, nos termos do Decreto-Lei n. 38523, de 23 e Novembro de 1951.".<br> Este Artigo 18 substituiu a norma de teor semelhante, do Decreto-Lei 408/79, de 25 de Setembro, (que instituiu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) constante do Artigo 21, com a redacção seguinte:<br> 1 - Quando o lesado em acidente de viação beneficie de regime próprio dos acidentes de trabalho, por o acidente ser simultaneamente de viação e de trabalho, o segurador de trabalho ou o responsável directo, na falta deste seguro, responderá pelo acidente de trabalho, tendo o direito de haver do segurador do responsável pelo acidente de viação ou do fundo de garantia automóvel, na falta de seguro, o reembolso das indemnização pagas, ...<br> 2 - ...<br> 3 - ...<br> 4 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as devidas adaptações quando o acidente possa qualificar-se como acidente de serviço, nos termos do Decreto-Lei n. 38523, e 23 de Novembro e 1951".<br> Prevendo a hipótese de um acidente de trabalho ter sido causado por terceiros, dispõe a Base XXXVII da Lei 2127 de 3 de Agosto de 1965 que "Quando o acidente for causado por terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral - n.1.<br> A entidade patronal que houver pago a indemnização pelo acidente terá direito de regresso contra os terceiros responsáveis se a vitima não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar do acidente... - n. 4.<br> Esta disposição substituiu o Artigo 7 da Lei 1942 de 1936, que atribuía à entidade patronal o direito de exigir por sub-rogação e quando o acidente fosse produzido por culpa de terceiros o que pagasse e o lesado pudesse exigir desses terceiros.<br> Assim se constata que a partir da Lei supra de 1936, a entidade patronal, responsável pelo pagamento ao seu empregado, lesado em acidente de trabalho, ficou a ter o direito de exigir de terceiro, responsável por tal acidente, o que indemnizara aquele.<br> Entra a Lei 2127 e a Lei 1942 existe, apenas, uma diferença de terminologia quanto ao direito da entidade patronal em relação ao responsável pelo evento, chamando-se nesta, a tal direito, sub-rogação e, naquela, direito de regresso.<br> Conjugando-se o disposto na citada Base XXXVII da Lei 2127 com o Artigo 18 do Decreto-Lei 522/85 vê-se pois que se o acidente de viação for simultaneamente de trabalho, a entidade patronal (ou a seguradora) que tiverem pago a indemnização ao seu trabalhador, lesado pelo acidente, terão o direito de haver do terceiro responsável por tal acidente, o reembolso daquilo que pagaram.<br> Não terá, ou deverá ter o Estado, igual direito quando um acidente seja, simultaneamente, de viação e de serviço?<br> Acidente de serviço e acidente de trabalho apenas se distinguem pelo facto daquele ocorrer com funcionário ou servidor do Estado ou outra entidade pública e de este ocorrer com um trabalhador ou empregado de uma entidade patronal de natureza privada.<br> Mas o Estado e as empresas privadas são sempre, em relação àqueles que lhes prestam serviço, a entidade patronal.<br> Não se vê qualquer razão válida e lógica para que, tendo uma entidade patronal privada o direito que já se viu que tem, não tenha igual direito o Estado.<br> O princípio geral da responsabilidade civil - n. 1 do Artigo 483 o Código Civil - é o de que, quem com dolo ou culpa, viola o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos que este sofreu e que resultaram da violação.<br> Este princípio é depois desenvolvido e explicitado nos artigos seguintes.<br> Tal objectivo de indemnizar o lesado realiza-se quando o lesante restitua o lesado na situação que existiria se o evento danoso não tivesse ocorrido - Artigo 562 do mesmo diploma.<br> Cumpre, pois ao lesante prestar uma indemnização ao lesado que abarque a totalidade dos prejuízos por este sofridos.<br> É ele lesante o primeiro, o principal responsável pelo ressarcimento dos prejuízos que causou com culpa sua.<br> Nenhuma disposição legal existe que derrogue, ou possa postergar, o princípio geral da responsabilidade civil.<br> Diz-se no Acordão deste Supremo, de 14 de Janeiro de 1993 (autos e revista n. 82987), "Se por hipótese, o lesado tiver contratado com uma qualquer entidade um esquema de segurança ou de assistência para lhe valer em caso de acidente, surgido este, essa entidade será chamada a intervir e suportar os encargos que do evento, resultaram para o lesado. E essa entidade actuará porque, contratualmente, a tal se comprometeu; ela actua porque tem um interesse directo na satisfação da prestação devida ao lesado. Mas se esse evento danoso tiver sido culposamente causado por um terceiro, então, para efeitos de ressarcimento dos prejuízos dele emergentes, a responsabilidade dessa entidade, além de não ter a frição globalizante que assume aquela do terceiro que, com culpa, causou o facto, não afasta nem permite ignorar que esse terceiro é que é o principal responsável pelas consequências de facto; o que sucede é que essa entidade actuará rapidamente de molde a garantir que, de imediato, sejam satisfeitas as prestações que a eclosão do evento danoso tornou necessário para o lesado; esta circunstância, porém, não subverte nem desfigura o carácter de secundariedade de que se reveste a responsabilidade desta entidade, relativamente àquela do causador do acidente, que é o primeiro e principal responsável pelas consequências dele emergentes.<br> Porque o evento danosos se ficou devendo a facto culposo de terceiro e porque essa entidade era directamente interessada na satisfação do crédito, a lei, mediante o instituto da sub-rogação, faculta-se o direito de haver do lesante aquilo que despendeu - genericamente, o Artigo 592 n. 1 do Código Civil e, especialmente para os seguradores, o Artigo 441 do<br> Código Comercial...<br> E as coisas não podem passar-se diferentemente quando o esquema de assistência e segurança exista e actue, não por virtude de um contrato para esse efeito especificamente pactuado pelo lesado, mas, directamente da lei".<br> Diz-se, mais adiante, no citado Acórdão que, quando o Estado a expensas suas, proporciona e garante indemnização, pensões, subsídios e propicia meios clínicos e cirúrgicos que se tornam necessários por causa de um evento lesivo, o mesmo está a cumprir uma obrigação que lhe assiste, sendo directamente interessado na satisfação dessa prestação.<br> Isto para o comum dos cidadãos e, também, relativamente<br> àquele cidadão que, por virtude de uma relação laboral, seja servidor do Estado ou de uma pessoa colectiva do direito público.<br> E acrescenta-se, a seguir, que se há um primeiro responsável pelo facto lesivo de um funcionário da Administração e a cuja reparação o Estado ocorreu, a responsabilidade secundária relativamente à daquele.<br> Na hipótese em apreço no Acórdão referido, era autora uma pessoa colectiva de direito público que, por virtude de um acidente, simultaneamente de viação e de serviço pagou várias importâncias de vencimentos, pensões, subsídios, etc. e, por tal, demandou a seguradora do veículo cujo condutor causou, por culpa sua, o acidente, a fim de obter a condenação desta o montante do que despendera.<br> O referido Acórdão entendeu que assistia à autora o direito que invocara e que entendeu ser e sub-rogação.<br> No caso sub-Júdice já se viu que o acidente ocorrido em que foram lesados dois militares, foi simultaneamente de viação e e serviço.<br> E provado se encontra que a culpa do acidente foi apenas do condutor da viatura civil SN-33-16, segura pelo seu proprietário na ré.<br> O Estado, no período de baixa por doença dos militares, em virtude dos ferimentos que eles receberam por causa do acidente, pagou-lhes os vencimentos e demais abonos como se aqueles estivessem a prestar serviço efectivo.<br> E fê-lo por força do disposto nos preceitos do Decreto-Lei 38523.<br> Se o acidente em que foram ofendidos aqueles militares fosse, apenas, de serviço, o Estado era o directo responsável pelos pagamentos que efectuou.<br> Porém, sendo o acidente simultaneamente de viação e de serviço, a responsabilidade do Estado pelos pagamentos que efectuou não pode levar a isentar a ré seguradora a sua responsabilidade por virtude do evento danoso causado pelo condutor da viatura segura na mesma.<br> Pagando o que pagou, o Estado tem o direito de ser reembolsado pela ré para quem se transferiu a responsabilidade essencial derivada do acidente.<br> Não fora o acidente e o Estado nada seria obrigado a pagar, não estando ao serviço os militares.<br> O direito de o Estado ser reembolsado decorre do disposto no Artigo 18, n. 1 e 2 do Decreto-Lei 522/85.<br> Tal como uma entidade patronal do direito privado detém o direito de receber do segurador do responsável por acidente de viação, aquilo que pagou ao seu empregado lesado sendo o acidente simultaneamente de trabalho, o Estado tem o direito de receber, em caso de acidente simultaneamente de viação e de serviço, aquilo que pagou ao seu ou seus servidores lesados nesse acidente, da seguradora do veículo causador do evento.<br> O facto de não existir no Decreto-Lei 38523 disposição idêntica à da Base XXXVII da Lei 2127 não pode servir de argumento para tentar eximir da sua responsabilidade o causador culposo de um acidente simultaneamente de viação e de serviço, ou a respectiva seguradora.<br> Não há motivo, em concreto, para dilucidar a questão de saber se o direito do Estado de exigir da seguradora do veículo causador do acidente, aquilo que pagou de vencimentos e abonos, no período de doença dos militares lesados, é um direito de regresso ou de sub-rogação ou mesmo um direito próprio, visto que tal só se imporia sendo arguida a prescrição daquele direito.<br> Contudo sempre se dirá que aceitamos, tal como no Acórdão atrás citado, que sendo o acidente de serviço simultaneamente de viação, a responsabilidade do Estado não é solidária com a do causador culposo daquele, ou da respectiva seguradora sendo, antes, uma responsabilidade secundária; a responsabilidade primeira e principal é sempre do causador do evento danoso, face aos princípios que decorrem do Artigo 473 e seguintes do Código Civil.<br> Por isso, e na sequência, o direito de reembolso do Estado é um direito de sub-rogação legal - Artigo 592 n. 1 do Código Civil - e não um direito de regresso de responsável solidário, ou o devedor que cumpre a obrigação, de poder exigir de terceiro a prestação que efectuou.<br> Conclui-se pois pela obrigação da ré em pagar ao Estado as quantias peticionadas não se podendo ela escudar no Decreto-Lei 38523 para o não fazer.<br> Bem se decidiu pois no Acórdão recorrido.<br> Pelo exposto nega-se a revista.<br> Custas pela ré com 100000 escudos de procuradoria.<br> Lisboa, 26 de Maio de 1993.<br> Silva Caldas;<br> Cura Mariano;<br> Cardoso Ferreira (voto a decisão).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.<br> 1. A recorre de revista do acordão da Relação de Lisboa (fls. 146) que confirmou a sentença do 9 juizo servindo no 6 Juizo Civel de Lisboa, a qual julgara parcialmente procedente esta acção com processo ordinario, que lhe move B, e condenara o reu a pagar a este a quantia de um milhão e cinquenta mil escudos, acrescida de juros a taxa legal desde a citação (fls. 88).<br> O recorrente formulou estas conclusões na sua alegação (fls. 168 verso).<br> I- o acordão recorrido violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 840, 405, 406, I, 237, 238, 270, 275, I, 276.<br> II- o contrato celebrado entre o autor e o reu e de escambo ou troca, sendo a contraprestação do reu diversa de dinheiro e equivalente a do autor no seu valor.<br> III- as partes subordinaram os efeitos do negocio a verificação de um acontecimento futuro e incerto: condição suspensiva, a qual não se verificou por facto inimputavel ao reu, e a consequencia disto, e o negocio não produzir efeitos, ou seja, e como se o negocio não tivesse sido celebrado.<br> IV- a prestação do reu não consistiu em dação "pro solvendo" por não existir no acordo, nem essa ilação se poderia extrair da restante prova dos factos quesitados, e considerados provados pelo colectivo em primeira instancia, nenhuma correspondencia ao texto do artigo 840 do Codigo Civil, pois a vontade do autor era receber um automovel, e não o seu valor em dinheiro.<br> V- o dever de retribuição, por oposição ao direito a restituição, so poderia ser equacionado em face dos principios e normas do instituto do enriquecimento sem causa, não podendo fundamentar-se nele, como causa de pedir, que não foi trazida para o processo: na acção o fundamento para o pedido do autor foi o incumprimento do reu; ora provado ficou que não houve incumprimento, logo não pode haver condenação.<br> Nestas bases, pediu a sua absolvição.<br> O recorrido contra-alegou sustentando a manutenção integral da sentença recorrida.<br> Nada obsta ao conhecimento do recurso.<br> 2- A Relação considerou provado que (fls. 146):<br> - em trinta de Agosto de 1986, entre o autor e o reu o acordo a que se reporta o documento de fls. 3 - 4, foi celebrado.<br> - o autor enviou ao reu a carta de treze desse mes de fls. 8 verso. Nos termos daquele acordo, o reu deveria entregar ao autor, para pagamento do preço, um veiculo automovel Renault 5-gl, de cinco portas, com livrete de 1986.<br> - em 30 de Setembro desse ano, o autor procedeu a entrega do material avicola, referido no acordo.<br> - o reu não pagou o preço.<br> - o veiculo referido deveria ser adquirido a um concessionario da Renault, e pago em trinta e seis prestações mensais, de acordo com uma das modalidades praticadas por aquela marca.<br> - para tanto, o reu deveria solicitar a Renault credito para a aquisição da viatura.<br> - a qual ficaria registada em nome do reu, mas na posse do autor, enquanto as prestações não estivessem pagas totalmente.<br> - o autor bem sabia que o automovel so poderia ser entregue se a Renault aceitasse a proposta do reu, ou de quem este indicasse, de aquisição da viatura, segundo o sistema "credito Renault".<br> - o reu viu indeferido o seu pedido de compra, segundo esse sistema.<br> - pois ele ja era beneficiario de um credito solicitado para a aquisição da viatura, de que e proprietario actualmente.<br> - e a pessoa que contactou, face a sua impossibilidade, viu igualmente indeferido o seu pedido, mas por outros motivos.<br> - tais factos foram comunicados ao autor de imediato.<br> - o autor bem sabia que o reu so aceitou celebrar o contrato, se pudesse realizar a sua prestação de acordo com o sistema "credito Renault".<br> - parte do material avicola discriminado no acordo tinha sido vendido anteriormente por C, Lda, da qual o autor e socio gerente, a D, nos termos do documento de fls. 18, venda essa que, relativamente ao material posteriormente vendido ao reu, ficou sem efeito, por força de renegociação entretanto havida entre o autor e o D, mas antes da celebração do contrato entre o autor e o reu.<br> - o reu acompanhou com o D todo o negocio havido com o autor.<br> - o D renegociou com o autor parte do equipamento mencionado no documento de fls. 18, entregando-lhe.<br> - apos esta renegociação do contrato, consubstanciado no documento de fls. 18, o autor procede então a venda do equipamento devolvido e de outro equipamento avicola ao reu.<br> - o reu sabe bem de tudo isto.<br> - razão pela qual, na clausula 2 do acordo, declarou considerar em seu poder as baterias parqueadas na quinta do D, e convencionou (clausula<br> 3) que o restante material ali fosse entregue tambem.<br> 3- O ponto fulcral no presente recurso esta na interpretação do contrato (ou contratos) celebrado (s) entre o B e o A.<br> Ao enuncia-los, a Relação decompos a noção legal de compra e venda, dada pelo artigo 874 do Codigo Civil, e mencionou ser o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço (fls. 147, linhas 23-24); depois do que indicou o "Acordo" de fls. 3- que teve como bem claro nos seus termos- como decisivo para essa "questão" (mesma pagina, linhas 25-26), passando a resumir o constante dos artigos 1, 2, e 5 do mesmo pacto. Assim, e quanto ao artigo 5, entendeu ter-se exarado nele "... que para liquidação deste montante o R. entregaria ao A. o automovel Renault, a estrear e cujo pagamento seria da responsabilidade do R. ...", e acrescentou:<br> "...Temos aqui todas as caracteristicas de um contrato de compra e venda e cujo preço estava representado pelas 2 letras e so devido ao facto de não ter sido possivel a sua liquidação e que o contrato veio a sofrer alteração na coisa vendida - o material avicola que sofreu uma redução e no prazo, tambem reduzido de 1800 contos para 1050 contos e com a particularidade de ser agora pago não em dinheiro mas sim pela entrega de uma viatura automovel..." (fls. 147 v, linhas 4 a 13).<br> A Relação assentou, portanto, naquilo que entendeu resultar objectivamente de determinadas passagens do acordo escrito de fls. 3, e não na vontade real de cada um dos pactuantes; depois do que comparou os resultados obtidos com a noção legal de compra e venda, constante do artigo 874 do Codigo Civil; concluindo por "... temos aqui todas as caracteristicas de um contrato de compra e venda e cujo preço... reduzido de 1800 contos para 1050 contos e com a particularidade de ser agora pago não em dinheiro mas sim pela entrega de uma viatura automovel..." (fls. 147 v., linhas 7 a 13).<br> "... A doutrina portuguesa... vem sustentando que a interpretação das declarações negociais constitui materia de direito, susceptivel, como tal, de apreciação em recurso de revista..." como escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, em "Codigo Anotado, 3 ed., I, pagina 223, citando Castanheira Neves e Vaz Serra.<br> Este ultimo autor repetidamente sustentou que a interpretação da declaração negocial so sera materia de facto se se fizer de harmonia com a vontade real do declarante (art. 236, II, Codigo Civil)-("Revista de Legislação" 111, pagina 380, e suas remissões), sendo materia de direito quando esteja em causa a determinação ou violação de uma disposição legal, ou de uma regra da experiencia - mesma "Revista", 112, pagina 154.<br> Ora, aqui temos não so que a Relação não foi indagar, nem assentou, na vontade real dos pactuantes de fls. 3, como tambem violou o disposto no artigo 874 referido, ao integra-lo com elementos objectivos extraidos do acordo escrito, em referencia.<br> Com efeito, "preço" na compra e venda não pode ser representado por coisa diversa do dinheiro (Pires de Lima - Antunes Varela - obra indicada, II, 2 edição, pagina 153; Almeida Costa, "Noções de Direito Civil",<br> 2 edição, pagina 335); neste aspecto, o Codigo Civil de 1867 era expresso, pois mencionava logo no artigo 1544, inicial do capitulo sobre a compra e venda: "... e o outro se obriga a pagar por ela certo preço em dinheiro".<br> Não pode duvidar-se da voluntariedade da supressão do limitativo "... em dinheiro" de um Codigo para o outro, mas não encontramos razões para assentar nela uma orientação diferente, neste aspecto. E sintomatico que o projecto de Galvão Teles contenha uma definição de compra e venda que passou integralmente para o artigo 874 do Codigo de 1966; e que, na sua fundamentação, se aluda, a certo passo, "a quantia clausulada a titulo de preço..." - ("Contratos Civis", em "Boletim", 83, paginas 184 e 124).<br> Portanto, se a contrapartida da entrega do material avicola, e a receber pelo aqui recorrido B, era um automovel- e isto na segunda fase da negociação entre os pactuantes de fls. 3, que e a que nos interessa, por ter sido a que vingou - o contrato que eles celebraram não foi o de compra e venda, mas sim um atipico que no Codigo de 1867, estava expressamente previsto como de escambo ou troca (artigo 1592, que referia: quando "... se da uma coisa por outra...").<br> Se o Codigo de 1966 lhe retirou tipicidade em termos gerais (Galvão Teles, obra e local citada, fls. 140), surgindo como excepções nele apenas os artigos 1378 - 1379, manifestamente que as trocas ou permutas, continuaram a ser possiveis e ate frequentes, em virtude do principio da liberdade contratual "dentro dos limites da lei" (artigo 405 do Codigo Civil).<br> Por outro lado, esta bem assente, como ja sucedia no tempo do Codigo de Seabra, a orientação de que a qualificação juridica dos contratos resulta dos conteudos respectivos, e não da designação que as partes lhes dão (por todos, Vaz Serra em "Revista de Legislação" 96 fls. 267; 107, fls. 184; Antunes Varela, 112, pagina 80): do que o juiz deve aperceber-se, por não estar sujeito as alegações das partes no tocante a interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664, Codigo de Processo Civil).<br> Com este pano de fundo, e necessaria prudencia na abordagem do acordo de fls. 3, o qual se apresenta como confuso, e não "bem claro", como entendeu a Relação de Lisboa, no seu acordão (a fls. 147, linha 25).<br> O seu artigo 1 refere que o B vendeu (não indica a quem) equipamento avicola (não indica qual), por quantia que tambem não e mencionada.<br> Afirma, porem, que "o outorgante A lhe entregou "para pagamento do preço" duas letras com os montantes de um milhão, e de novecentos mil escudos, respectivamente, aceites e avalizadas por terceiros.<br> Sucede que as letras de cambio não são qualificaveis como meio de pagamento (modo de cumprimento especifico de obrigações pecuniarias) de outras obrigações, extra- -cartulares; e abstractamente apenas podem servir como veiculo de dação em pagamento, ou de dação pro-solvendo destas ultimas (Vaz Serra, "Revista de Legislação", 101 p. 349 e seguintes; 103 p. 120; 112 pagina 299; 113 p. 256 e 268; Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 6 ed. II, p. 162, nota 1). Contudo neste caso, não se ve como se concretizaria qualquer destas situações dadas a literalidade das letras, e a falta de alegação, de referencia, a entrada do recorrido como sujeito cambiario, nelas.<br> Mas, com mais interesse para nos, esta a apontada circunstancia de esse art. 1 não conter declarações que revelem um comprador, e fixem um preço pelo equipamento avicola, que menciona ter sido vendido pelo B.<br> Menciona o artigo 2 seguinte que o acordão anterior foi "limitado", "... por impossibilidade de liquidação na data do vencimento das letras referidas..."; assim, o material transaccionado ficou "limitado" as peças ai mencionadas, com o valor de um milhão e cinquenta mil escudos (art. 2 e 4). Contudo, continua a não aparecer alguem que produza a declaração de compra dessas mercadorias. E não e por uma questão de exclusão de partes, ou de repetidamente ser ai mencionado como "outorgante" que se torna possivel afirmar que o "comprador" seria o A.<br> No artigo 5 afirma-se que "... Para liquidação deste montante o outorgante A entregara ao outorgante B um "veiculo automovel de marca Renault...".<br> De tudo isto, extrai-se que os outorgantes arredaram o primeiro negocio juridico, constante do artigo<br> 1, pela razão indicada no artigo 2; e avançaram para um outro que consistiu basicamente nisto: o B deu ao A o referido material avicola, considerando-se o segundo possuidor de parte dele (art. 2) e sendo-lhe o restante entregue ate o dia um de Outubro de 1986 (art. 3); e o A "entregara" ao B um veiculo automovel de determinados tipo, marca, e ano de livrete, cujo pagamento sera inteiramente da responsabilidade do Sampaio, sendo-lhe devolvidas as letras mencionadas no art. 1, na data da entrega do veiculo e da declaração de venda, ao B (art 5).<br> Deixando de lado as letras de cambio, que aqui parecem ter uma função de mera garantia, o essencial do negocio esta na previsão do art. 1592 do Codigo de 1867: "... contrato, por que se da uma coisa por outra..."; ou seja o material avicola, por um automovel com as caracteristicas mencionadas.<br> O que e uma troca, e não uma compra e venda, como nos e permitido constatar, ja que a interpretação do acordo de fls. 3 pela Relação integra materia de direito, pois - como vimos - não procurou a vontade real dos pactuantes, e antes aquilo que o objectivamente lhe pareceu resultar do clausulado, servindo-se para tanto de um preceito legal que, alias, foi violado.<br> 4- No contrato de troca não ha preço, residindo aqui a principal diferença relativamente a compra e venda (Dias Marques, "Noções Elementares", 5 ed., p. 238).<br> Pelo que não e aproveitavel a afirmação, vinda da Relação, de que o reu não pagou o preço (fls. 146 v., linha 4).<br> Ora, o cerne da acção esta no facto de o reu não ter pago "o preço" ajustado (art. 4; 5; 6), o que da ao autor a possibilidade de lhe exigir "... o pagamento do valor que este lhe estava obrigado a entregar (1050000 escudos)..." (artigo 9); como fez (art. 12, onde se abrangeu tambem 500000 escudos, com base em clausula penal), todas da petição inicial; o que tudo foi mantido na replica (fls. 23).<br> Assim sendo, esta pretensão do autor esta votada a irremediavel malogro, pois o reu não surge como obrigado a pagar ao autor, a titulo de preço, 1050000 escudos, ou qualquer outra importancia, pois não houve compra e venda, e portanto um "preço".<br> Por outro lado, a missão do tribunal e apenas a de confirmação, ou não confirmação daquilo que o autor formula como pedido, e não tambem a de descoberta de outras formas de composição da lide (Castro Mendes, "Manual", fls. 24, e "Direito Processual Civil", ed. 1986, fls. 65, do volume I).<br> A pretensão determinada, o pedido "... e o objecto proximo do processo: este so se ocupara de saber se o pedido concreto formulado pelo autor e de acolher ou de repelir..." - primeira das obras referidas ultimamente, fls. 24.<br> Logo, não so o reu não surge como obrigado a pagar a quantia pedida como preço, como referencia a entrega de um automovel Renault, pelo demandado ao autor, não e inserivel no pedido formulado; pelo que são deslocadas, questões como a de saber porque e que o reu não entregou ao recorrido o automovel Renault, ou se essa entrega ficou dependente de condição suspensiva, ou se integraria uma dação "pro solvendo", que não chegou a verificar-se.<br> No que, em grande medida, aceitamos as considerações do recorrente, na sua alegação perante este Supremo Tribunal.<br> 5- Termos em que concedendo revista, revogamos o acordão da Relação de Lisboa, e absolvemos do pedido o reu A, com custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 8 de Maio 1991.<br> Beça Pereira,<br> Simões Ventura,<br> Miguel Montenegro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, neste Supremo:<br> A, coronel do Exército, residente na Quinta ..., S. João do Estoril, propôs acção ordinária contra o Estado Português pedindo a condenação deste a pagar-lhe o montante de 10000000 escudos (soma das indemnizações a ele devidas por danos morais e por danos materiais emergentes do "saneamento sobre ele exercido"), "bem como os valores de lucros cessantes" com juros vencidos e vincendos até integral pagamento e segundo a liquidação que vier a fazer-se em execução de sentença.<br> Fundamentos (em síntese):-<br> Ter sido atingido, sendo oficial do exército no activo, pelo "saneamento" que, compulsivamente, sem precedência de qualquer processo e com denegação do direito de defesa sem prévia audiência, sem qualquer fundamento sério e válido, o afastou da sua carreira profissional passando-o à reserva; com isso, tê-lo feito sofrer, durante longos e penosos anos, as agruras decorrentes do cortejo de malefícios inerentes a uma tal situação que o subjugou e corroeu; com a promulgação do decreto-lei n. 330/84, de 15 de Outubro, o Estado reconheceu e declarou a ilicitude daquele acto mas só em parte cumpriu a sua obrigação de reparar os danos consequentes àquele acto ilícito. Com efeito, limitou-se a reconstituir-lhe a carreira militar, mas sem lhe atribuir quaisquer retroactivos de remunerações não-pagas consequentes a uma tal reconstituição, nem lhe proporcionar benefícios que, de algum modo, pudessem equivaler a uma indemnização por danos.<br> Contestou o Estado. Além de arguir várias excepções, já arrumadas e todas improcedentes, impugnou o direito invocado pelo autor.<br> Prosseguiu o processo até julgamento após o que foi proferida a sentença. Nesta foi a acção julgada parcialmente procedente sendo o Estado condenado a pagar ao autor, a título de indemnização por danos materiais, a quantia que for liquidada em execução e correspondente aos retroactivos dos vencimentos devidos àquele por via de reconstituição da sua carreira, reportando-se tal pagamento a 1 de Novembro de 1984, acrescida de juros vencidos e vincendos às taxas legais até integral pagamento e cujo termo a quo é aquela data; e, ainda, a pagar ao mesmo autor a quantia de 750000 escudos a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.<br> Recorreu desta sentença só o Estado. E com total êxito quanto à apelação pois a sentença foi revogada e o Estado absolvido do pedido de indemnização contra si formulado.<br> Agora recorre o autor pedindo revista do Acórdão da Relação que, em seu entender, ofende os artigos 483 e seguintes do Código Civil, e 13, 22, 60 e 207 da Constituição, porquanto:-<br> Com a publicação, e aplicação ao recorrente, do disposto no decreto-lei n. 309/74, de 8-7, o Estado violou direitos fundamentais, infringindo normas da Constituição, o que veio a ser reconhecido com a posterior publicação do decreto-lei 330/84, de 15 de Outubro; mas, ao negar, neste último diploma, o pagamento de retroactivos inerente à reconstituição das carreiras militares e ao fixar o dia 1 do mês seguinte ao de sua publicação para a produção dos efeitos relativos ao pagamento de vencimentos ou pensões consequentes à revisão das situações militares com reconstituição de carreiras, foram violadas normas da Constituição, sendo, pois, inconstitucionais, materialmente e por omissão, as normas da alínea c) do artigo 2 e do artigo 8, n. 1, do decreto-lei 330/84.<br> Pelo que, deve ser revogado o Acórdão recorrido para ficar a subsistir a decisão de 1 Instância.<br> - A recusa da revista é defendida pelo Excelentíssimo Representante do Ministério Público neste Supremo.<br> Consideraram as Instâncias provados os seguintes factos:-<br> O autor, então Major do serviço de administração militar, foi passado à reserva, nos termos da alínea b) do artigo 1 do Decreto-Lei 309/74, de 8 de Julho, em 16 de Setembro de 1974, sem precedência de qualquer processo disciplinar, sem averiguações e sem prévia audiência. Com isso, ele e todos os membros do seu agregado familiar, sofreram perturbações psicológicas e psíquicas. E, foi rejeitado em empregos a que concorreu e que estavam ao alcance das suas qualificações e possibilidades.<br> Sofreu constrangimento e vergonha inerentes à necessidade de haver recorrido a empréstimos concedidos por parentes e amigos.<br> Ainda em consequência da sua passagem à reserva, sua mulher teve de arranjar emprego com o seu consequente afastamento em relação aos filhos menores. E o autor voltou aos "bancos escolares", na procura de novas habilitações que lhe abrissem uma perspectiva mais lata de emprego.<br> Ao abrigo do disposto no decreto-lei n. 330/84, o autor obteve a revisão e reconstituição da sua situação e carreira militar, sendo integrado no posto de coronel, no activo, reportado a 31/12/79.<br> Apenas o que acaba de anotar-se foi dado como provado pela Relação.<br> Salienta-se já que o dito decreto-lei 309/74, como outros, aliás, daquela época, regulando exclusivamente para oficiais das Forças Armadas, criou "conselhos de armas, serviços, especialidades ou classes", com a missão de apreciar a idoneidade moral, competência profissional e folha de serviços de todos os oficiais da respectiva arma e serviço; e de, além disso, elaborar listas ordenadas, com base numa votação secreta, ... de oficiais que devem passar à reserva ou ao quadro de complemento, listas essas que, depois, seriam sancionadas pelos respectivos Chefes de Estado-Maior - seus artigos 1 e 2.<br> Tratou-se, no fundo, de uma forma de saneamento dos militares (oficiais), que atingiu, nos termos que as Instâncias apontaram, o autor que, na situação de reserva, ficou (na data de passagem a ela) com a pensão mensal de 10645 escudos (documento de folhas 39).<br> Entretanto e posteriormente foi publicado o já referido decreto-lei 330/84. Conforme expressamente se reconhece no seu preâmbulo, tem-se em vista com o seu articulado<br> "... embora tardiamente, reparar essa violação de um direito fundamental tão caro à civilização de que<br> Portugal se orgulha". E isto porque então era já possível "em juízo distanciado e sereno sobre actos que, justificados pelos seus autores numa perspectiva revolucionária, carecem de justificação à luz dos direitos fundamentos que precisamente a revolução consagrou e hoje constituem património inalienável dos Portugueses". E, "neste caso estão os actos de saneamento administrativo e discricionário de militares a quem não foi reconhecido o direito de defesa ou sequer de prévia audição".<br> Com este diploma se visa essencialmente (artigo 1) conceder aos militares afastados da situação de activo ao abrigo de vários decretos-leis, entre os quais o citado 309/74, a faculdade de requererem a revisão da sua situação militar, com vista à sua eventual alteração com reconstituição da respectiva carreira.<br> Nos seus artigos 2 e seguintes fixam-se os efeitos desta reconstituição e regula-se o seu processamento.<br> Mas, no artigo 2 alínea c) estabelece-se que a revisão de situação militar, se deferida, dá direito à contagem, como tempo de serviço, do decorrido entre a data de mudança de situação e a de produção de efeitos de decisão que ordenar a revisão, para todos os efeitos..., "não dando, porém, lugar ao pagamento de quaisquer retroactivos". Por outro lado, diz-se no n. 1 do artigo 8 que "relativamente ao pagamento de vencimentos ou pensões" aos efeitos da decisão que conceder a revisão "são reportados ao dia 1 do mês seguinte ao da publicação do presente diploma".<br> Perante estas, realidades fáctica e jurídica, acrescidas de referida arguição de inconstitucionalidade do disposto nos arts. 2 alínea c) e 8 n. 1, acabados de apontar, as Instâncias adoptaram soluções perfeitamente distintas e divergentes.<br> Na sentença de 1. Instância considerou-se que o saneamento discricionário do autor gerou a responsabilidade civil do Estado pelos danos que daí lhe resultaram; e, mais, que na correspondente indemnização cabia o direito ao recebimento dos vencimentos retroactivos, como pretendia o autor, uma vez que a retribuição do trabalho é um direito dos trabalhadores, que mantém mesmo enquanto não podem trabalhar por culpa do empregador. Por isso, as normas do decreto-lei n. 330/84 que ao autor recusou esse direito aos vencimentos retroactivos, "coarctam" os seus direitos e reduzem parcialmente o seu direito à indemnização.<br> E na sequência deste entendimento, recusou-se a aplicação das normas dos citados artigos 2 alínea c) e 8 n. 1 por inconstitucionalidade das mesmas, proferindo-se a decisão condenatória do Estado a favor do autor, nos termos já acima mencionados.<br> Pelo contrário, no Acórdão da Relação entende-se que não há qualquer inconstitucionalidade tanto no decreto-lei 309/74, que decretou a possibilidade dos saneamentos, como no 330/84 onde se reconheceu o direito à reconstituição de carreira como meio - único<br> - de reparar os saneados. E que, pois, os direitos do autor são limitados ao que se lhe concede naquele último diploma, onde se lhe nega o direito a qualquer outra indemnização.<br> E consequentemente revogou-se a sentença e absolveu-se o Estado do pedido.<br> Independentemente dos prejuízos sofridos eventualmente com a passagem compulsiva e discricionária à reserva, entende o autor-recorrente que, com a reconstituição posterior da sua carreira militar, lhe surge o direito a uma indemnização que, em qualquer hipótese - mesmo que nenhum prejuízo houvesse sofrido, lhe teria que ser atribuída:- era, ou é, ela a do reembolso dos vencimentos retroactivos, que teria recebido se não fora a passagem à reserva, e caídos desde a data desta até à de reconstituição de carreira.<br> Ou seja, defende ele a aplicação da chamada teoria do vencimento, segundo a qual todo o funcionário ilegítima ou imprudentemente afastado da função com perda ou redução do vencimento, se vier a ser reintegrado com recuperação dos direitos inerentes à carreira de que esteve afastado, terá direito a ser indemnizado, sempre, com o recebimento dos retroactivos dos vencimentos como se tivesse mantido ininterruptamente em funções.<br> E para isso não terá sequer que provar a existência de quaisquer prejuízos. E tal direito subsistirá, até, mesmo que se provasse que, trabalhando "medio tempore" noutros serviços ou funções, teria recebido mais do que receberia ou ganharia no cargo de que esteve afastado.<br> No caso e por esta teoria, sempre o autor teria direito<br> à diferença entre o valor das pensões de reserva, que recebeu, e os vencimentos que receberia se se mantivesse no activo.<br> Foi isso o que ele pediu, com aceitação desta pretensão na sentença de 1 Instância - chamando-lhe lucros cessantes. Mas isto vai, obviamente, contra o disposto nos citados artigos 2 alínea c) e 8 n. 1, do decreto-lei n. 330/84.<br> Razão pela qual na sentença se recusou a aplicação destas disposições sob o fundamento da sua inconstitucionalidade, o que era igualmente defendido pelo Autor.<br> Pois bem. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a (in) constitucionalidade destas duas normas, precisamente em relação a pretensões idênticas de Colegas do Autor.<br> E fê-lo - Acórdão de 19 de Março de 1992, processo<br> 285/90, 2 secção - decidindo pela ausência de qualquer inconstitucionalidade, justificando-se, pois, a sua aplicação. É que, aquela "teoria do vencimento" que fez carreira entre nós, a partir sobretudo da norma do artigo 538 n. 4 do Código Administrativo (respeitante aos funcionários da Administração local), está hoje, melhor, poderá considerar-se hoje praticamente banida da doutrina e de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sendo substituída pela "teoria de indemnização", segundo a qual os funcionários reintegrados "têm, antes, direito a uma indemnização a título de responsabilidade civil pelos danos causados com o acto ilegal".<br> E isto porque, conforme largamente se explana naquele<br> Acórdão, "O vencimento, em princípio, não remunera a qualidade do funcionário, mas sim o serviço por ele prestado à Administração; o vencimento, como se sabe, consiste na remuneração recebida pelo efectivo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido, salvo nos casos expressamente exceptuados na lei".<br> Posição que acabou por ser aceite na jurisprudência, na doutrina e ainda pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (vid. - Boletim, 280, página 203). "O funcionário ilegalmente afastado... pode nem sequer ter sofrido qualquer prejuízo em consequência do acto ilícito de Administração, pelo eventual desempenho de funções tanto ou mais lucrativas e que, por isso, o pagamento dos vencimentos perdidos podia vir a traduzir-se na obtenção de um benefício ilegítimo". Daí "a bondade do princípio segundo o qual o vencimento não remunera a qualidade do funcionário, mas sim o serviço por ele prestado à Administração".<br> Parece-nos que não pode haver justificada dúvida na aceitação e adesão a estes princípios.<br> Aceitando-os, com o imediato acrescento de que no Decreto-Lei n. 330/84 se não afasta o princípio de responsabilidade civil do Estado pelos Prejuízos efectivamente sofridos pelo autor, terá de concluir-se, como aconteceu no mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional, que as disposições em apreço não conteriam os princípios consagrados nos arts. 59 - 1 a) e 22 da Constituição (redacção actual).<br> Igualmente não é violado por elas os princípios de igualdade consagrados no artigo 13 da mesma Constituição, na medida em que a diferença estabelecida se justifica pelo facto de os afastados não prestarem trabalho. Aliás, o tratamento aqui instituído é igual ao que foi estabelecido noutros diplomas relativos à reintegração de outros militares e até de funcionários civis.<br> Não sofrem, pois, estas normas de alegada inconstitucionalidade, pelo que se não justifica a recusa da sua aplicação adoptada na sentença da 1 instância, cuja solução, por isso e pelo mais que vem dizer-se, não pode aceitar-se.<br> Mas também não se aceita o radicalismo da solução adoptada no Acórdão em revista.<br> O princípio da responsabilidade civil do Estado pelos prejuízos eventualmente causados ao cidadão através da função legislativa, é hoje francamente admitido e goza até de quasi consagração legal (cfr. artigo 4 n. 1, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos - Decreto-Lei n. 129/84, de 27 de Abril, e Professor Gomes Canotilho, O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, edição de 1974).<br> No caso, tratou-se de um diploma legal - o Decreto-Lei n. 309/74, que atingiu, não a generalidade dos cidadãos, mas apenas um grupo de pessoas: - os Oficiais das Forças Armadas, impondo-lhes medidas que, posteriormente, o mesmo Estado e no uso da mesma função legislativa reconhece que "carecem de justificação à luz dos direitos fundamentais - que hoje constituem património inalienável dos Portugueses"; e que se traduziram "em actos de saneamento administrativo e discricionário, sem direito de defesa e de prévia audição". E mais, reconhece que se cometeu a violação de um direito fundamental que exige reparação - preâmbulo justificativo do Decreto-Lei n. 330/84.<br> Não será preciso dizer mais para justificar, aqui, a responsabilidade civil do Estado, nos termos aplicáveis dos artigos 483 e seguintes do Código Civil, designadamente no artigo 501.<br> Por outro lado, não se afasta no articulado do Decreto-Lei n. 330/84 tal responsabilidade cujo exercício em nada é incompatível com os efeitos lá consagrados para a reintegração e reconstituição da carreira dos militares. Uma coisa é a reparação por essa via, outra, diferente, é o assumir da responsabilidade civil pelos prejuízos eventualmente sofridos pelos atingidos pelas medidas discricionárias e arbitrárias antes decretadas.<br> A interpretação dada no Acórdão recorrido ao Decreto-Lei n. 330/84, afastando a responsabilidade do Estado pelos prejuízos eventualmente sofridos pelo autor é que ofenderia o princípio constitucional estabelecido no artigo 22. Ou seja, com tal interpretação as disposições que a justificam seriam efectivamente inconstitucionais.<br> Em suma, na medida em que afaste a responsabilidade civil do Estado o Acórdão recorrido tem que ser revogado.<br> A medida da indemnização está estabelecida no artigo 562 do Código Civil; e mais concretamente ainda, por se tratar de indemnização em dinheiro, no n. 2 do artigo 566 do mesmo diploma, sendo que a data mais recente a atender é precisamente aquela em que entraram em vigor os efeitos de reconstituição de carreira, ou seja, 1 de Novembro de 84.<br> No caso, porque outros danos materiais o autor não provou, a indemnização, a ser devida, terá de vir a ser fixada "em montante igual à diferença (não recebida) entre as pensões (de reserva) percebidas mais os eventuais proventos ou ganhos que, entretanto, tenha recebido no exercício de outras funções e os vencimentos não auferidos durante o afastamento do activo"; mas, até, pode não ser devida qualquer indemnização por danos materiais se, medio tempore, o autor tiver exercido funções lucrativas cujos proventos somados à pensão de reserva, excedam os vencimentos que receberia se se mantivesse no activo.<br> Ora, o autor faz apelo (n. 18 da petição) aos "lucros cessantes traduzidos nas diferenças de vencimento entre os efectivamente recebidos e aquele a que teria direito se não houvesse ocorrido o acto do seu saneamento, incluindo também nessas diferenças a gratificação especial que lhe estava a ser abonada no EMGFA à data do saneamento".<br> Como vimos, porque outros prejuízos materiais não provar, o autor só terá direito a indemnização por danos patrimoniais em consequência de passagem compulsiva e injustificada à reserva se se apurar que, por causa disso e durante o período temporal em que nela foi mantido, recebeu ou ganhou menos do que receberia, em vencimento se entretanto estivesse ao activo, sendo a indemnização igual à diferença (para menos) não recebida; se não provar ter recebido menos ou se até se provar que não recebeu menos mas antes ganhou ou recebeu mais, então desaparece o direito à indemnização.<br> "No entanto, apurar e fixar a diferença, melhor, a existência, ou não, dessa diferença por forma a conferir-se, ou não, ao autor o direito a indemnização<br> é matéria de facto da competência exclusiva das Instâncias.<br> Só depois de fixada a existência dessa diferença (para menos) poderá ser proferida condenação (líquida ou ilíquida) do Estado a pagar a indemnização; se essa diferença não existir deverá, então, ser absolvido o<br> Estado da indemnização por danos materiais.<br> O que significa ter de ser ampliada quanto a este ponto a matéria de facto, pois as Instâncias absolutamente nada disseram ou fixaram sobre isto, pelo que se não pode, por agora, proferir qualquer decisão sobre os danos patrimoniais.<br> Os danos não patrimoniais são atendíveis, nos termos do artigo 496 do Código Civil. E os que o autor conseguiu mostrar ter referido merecem, pela sua gravidade, a tutela do direito.<br> Por eles foi-lhe arbitrada na sentença da 1 Instância a indemnização no montante de 750000 escudos. Não recorreu dessa sentença o autor, o que significa não lhe poder ser atribuída agora quantia superior. E também nos parece que não se justifica a sua diminuição.<br> Ou seja em suma, ao contrário do que se passa com os materiais, quanto aos danos não patrimoniais é desde já possível uma decisão para condenação líquida.<br> Termos em que e tendo em conta o disposto nos artigos<br> 729 n. 3 e 730 n. 1, do Código de Processo Civil, na concessão da revista se revoga o Acórdão recorrido decidindo-se: a) - desde já, manter a condenação do Estado, decretada na sentença da 1 instância, quanto à indemnização, a pagar ao autor, pelos danos morais; b) - ordenar a baixa dos autos à Relação para, se possível com os mesmos Senhores Desembargadores, ser ampliada a matéria de facto quanto ao ponto que acima se deixou referenciado (deixando-se-lhes a escolha do meio mais adequado para o fazer), e, de seguida, ser novamente julgada a causa quanto à indemnização pelos danos materiais de harmonia com a solução de direito que ficou apontada.<br> Sem custas, por de elas estar isento o recorrido.<br> Lisboa, 7 de Julho de 1992.<br> Joaquim de Carvalho.<br> Beça Pereira.<br> Martins da Fonseca.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 90.01.12 do 15 Juízo Cível, 3 Secção;<br> II - Acórdão de 91.04.18 da Relação de Lisboa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> No Tribunal Judicial de Ansião foi proposta por PORTUGAL PREVIDENTE, SA, acção declarativa com processo sumário em que pediu a condenação do réu A a pagar-lhe a quantia de 10730550 escudos, com juros legais desde a citação - valor pago pela autora com referência aos danos patrimonios e não patrimoniais sofridos por B num acidente de viação causado por culpa do réu, que conduzia um veículo seguro na autora e que não socorreu a vítima, apesar de se ter apercebido do acidente.<br> Na contestação o réu pediu a absolvição do pedido por as lesões sofridas pelo lesado terem resultado apenas do acidente e não de demora, que não houve, na prestação de assistência.<br> Saneado e condensado o processo, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção improcedente.<br> Em apelação da autora houve acórdão da Relação de Coimbra que confirmou o decidido na 1. instância.<br> Daqui veio a presente revista, onde a autora pede a revogação do assim decidido, fundada nas seguintes conclusões:<br> A) Abandono de Sinistrado, que era o crime previsto no então em vigor artigo 60 do C.E., verifica-se desde que o responsável por acidente de viação, não preste socorro à vitíma, ainda que esta tenha tido morte imediata em consequência do mesmo.<br> B) No caso presente dos autos, o Reú foi condenado pela verificação dum factualismo, que impôs a aplicação do artigo 60 do C.E. (crime de abandono de sinistrado).<br> C) Pelas razões históricas, sistemáticas e literais, o legislador ao prescrever no artigo 19 do Decreto-Lei 522/85 a aplicação do direito de regresso em relação ao Abandono de Sinistrado, não desconhecia o sentido jurídico preciso e claro de tal conceito.<br> D) Sendo que, ao contrário do previsto para outras materialidades, o legislador não fez restrições ou condições para o exercício do direito de regresso (ver alínea f) do artigo 19 do Decreto-Lei 522/85).<br> E) É totalmente indiferente, como se referiu, saber se o abandono de sinistrado contribuiu ou não para o agravamento dos danos.<br> F) Quando na definição do regime jurídico do contrato de seguro, sempre o legislador de forma clara explicitou as materialidades em que o direito de regresso se referia ao agravamento do dano.<br> G) Violou, assim, o Acórdão proferido, e que ora se recorre a alínea c) do artigo 19 do Decreto-Lei 522/85.<br> "Ex adverso" defende-se a improcedência do recurso.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> A matéria de facto que as instâncias apuraram é a seguinte:<br> 1 - No dia 8 de Julho de 1988, pelas 20 horas, na estrada que liga Pousaflores a Chão de Couce, no lugar de Furadouro, ocorreu um acidente de viação (alínea<br> A);<br> 2 - Nele foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula HL-08-51, conduzido pelo réu no interesse e sob direcção do seu proprietário Albino Marques Fernando, e o velocípede com o motor 1-Ans-03-49, conduzido por B (alínea B);<br> 3- O HL circulava no sentido Pousaflores - Chão de Couce (alínea C);<br> 4 - O velocípede com motor circulava no sentido Chão de Couce - Pousaflores (alínea D);<br> 5 - Ao descrever uma curva que se desenvolvia para a sua esquerda, o HL ocupava a semi-faixa de rodagem esquerda, tudo atento o seu sentido de marcha (alínea E);<br> 6 - O velocípede com motor circulava na semi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha (alínea F);<br> 7 - O HL, circulando do modo referido em E), veio a embater com a carroçaria no velocípede (alínea G);<br> 8 - O que ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do velocípede com motor (alínea H);<br> 9 - Em consequência do embate o condutor do velocípede com motor caiu na valeta existente no lado direito da estrada, atento o seu sentido de marcha (alínea I);<br> 10 - O reú, embora tivesse parado e tomado conhecimento do embate, não socorreu o ofendido, tendo reiniciado a sua marcha e vindo a parar tão só em Vendas de Maria - Alvaiázere (alínea J);<br> 11 - Do embate resultaram para o B fracturas da<br> C6, traumatismo craneano, tendo feito astrodese da C5 e C6, enxerto do ilíaco, osteosíntese do fémur com placa parafusos e apresentando ainda tetraplagia espástica (alínea L);<br> 12 - O B ficou totalmente incapacitado para o trabalho (alínea M);<br> 13 - As lesões afectaram-lhe ainda de modo grave as suas capacidades intelectuais, de procriação e a possibilidade de utilizar o corpo (alínea N);<br> 14 - O réu foi julgado no processo comum singular n. 56/89, na qualidade de arguido, tendo sido condenado por sentença já transitada, pela prática de um crime de ofensas corporais na pena de seis meses de prisão e 48 dias de multa e pela prática de um crime de abandono de sinistrado na pena de oito meses de prisão e 100 dias de multa - cfr. sentença de folhas 25 a<br> 30 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea O);<br> 15 - Em consequência das lesões sofridas o B sofreria tratamento hospitalar nos Hospitais de Aveiro, Caminha e no Centro de Alcoitão (alínea<br> P);<br> 16 - Tendo sido submetido a intervenções cirúrgicas e, posteriormente, a tratamento de reabilitação (alínea Q);<br> 17 - A autora ressarciu o B pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, no montante de dez milhões de escudos (alínea R);<br> 18 - E efectuou ao Centro Hospitalar de Coimbra o pagamento de despesas hospitalares no montante de 730550 escudos (alínea S);<br> 19 - O lesado, após o acidente, foi socorrido por pessoas que passaram no local (1.);<br> 20 - E que de imediato telefonaram aos Bombeiros de Ansião pedindo uma ambulância (2.);<br> 21 - Que desde logo se deslocou ao local do acidente, tendo transportado o lesado ao Centro Hospitalar dos Covões (3.);<br> 22 - Onde foi assistido e tratado com os inerentes cuidados médicos, tendo ficado internado (4.).<br> Prova-se documentalmente ainda o seguinte:<br> - Efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares acima discriminadas, como consta da certidão de folhas<br> 159 v. e 160, foi o aqui Réu condenado no citado processo-crime, na pena única de onze meses de prisão e 123 dias de multa à taxa diária de 300 escudos e na multa global de 1000 escudos, o que perfaz a multa global de 37900 escudos, com a alternativa de<br> 82 dias de prisão, ficando inibido de conduzir por 30 dias, tendo-lhe sido suspensa a execução da pena de prisão de 11 (onze) meses por cinco anos, o que tudo, como se referiu, transitou em julgado;<br> - Por último o capital seguro era de cem mil contos (folha 8 e 9).<br> O acidente a que os autos respeitam aconteceu em 8 de Julho de 1988, data em que o montante do capital obrigatoriamente seguro, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel era de 12000000 escudos por lesado, com o limite de 20000000 escudos no caso de coexistência de vários lesados; assim resultava do artigo 6, n. 1, do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro - ao qual pertencerão as normas que em seguida se mencionarem sem outra indicação -, na redacção dada pelo artigo 1. do Decreto-Lei 394/87, de 31 de Dezembro.<br> A autora, na sua qualidade de seguradora responsável pelo acidente a que os autos respeitam, pagou ao lesado 10730550 escudos.<br> As preocupações de índole social subjacentes ao regime de seguro obrigatório - introduzido entre nós pelo Decreto-Lei 408/79, de 25 de Setembro, depois substituído pelo actualmente vigente Decreto-Lei 522/85<br> - colocaram as seguradoras na posição de primeiras e, muitas vezes, únicas responsáveis pelos danos decorrentes de acidentes de trânsito.<br> Que assim é, resulta desde logo do artigo 29, n. 1, e do artigo 19.<br> Do primeiro, porque consagra de forma explícita a possibilidade de o lesado, aproveitando-se de um contrato de que não é parte, exigir directamente da seguradora a indemnização a que tem direito, excluindo, inclusivamente, a possibilidade de, estando o pedido contido dentro dos limites do seguro obrigatório, esse pedido ser dirigido, quer unicamente, quer em litisconsórcio voluntário, contra a pessoa civilmente responsável.<br> Do segundo, porque indica taxativamente os casos em que a seguradora, uma vez satisfeita a sua obrigação, pode exercer quanto ao que pagou um direito de regresso, o que significa que fora deles a seguradora assume em definitivo e por inteiro a respectiva responsabilidade, que não poderá fazer recair sobre ninguém mais.<br> Este regime traduz, em princípio, uma desresponsabilização daquele que seria, em termos correntes, a pessoa civilmente responsável, porque dentro dos limites previstos no artigo 6, n. 1, apenas responderá a seguradora; esta desresponsabilização vai ao ponto de, havendo falência da seguradora obrigada por seguro válido e eficaz, a seguradora ser substituída pelo Fundo de Garantia Automóvel, que apenas poderá exercer os seus direitos de credor subrogado contra esta, e nunca contra o civilmente responsável - artigos 21, n. 2, alínea a) e 25, n. 1 e 2.<br> Esta ideia de desresponsabilização daquele que seria o civilmente responsável não cede perante a possibilidade de a seguradora fazer intervir o tomador do seguro, nos termos previstos no artigo 29, n. 2.<br> É, neste campo, importante atentar em que se prevê a intervenção de quem seja tomador do seguro, e não de quem for responsável civilmente - o que não coincide necessariamente; isto quer dizer que tal intervenção encontra o seu fundamento na responsabilidade contratual, e não na responsabilidade extracontratual.<br> A lei não diz que forma de intervenção é esta, sendo de considerar, desde logo, que se está a remeter para, de entre os incidentes de intervenção de terceiros previstos no CPC, aquele ou aqueles que se mostrarem pertinentes; e perfila-se, então, como adequado o chamamento à autoria - artigo 325 do CPC -, destinado a facilitar o exercício do direito de regresso previsto, com determinados pressupostos, no artigo 19, alínea e), que respeita, precisamente, ao tomador do seguro.<br> Isto mostra que o fundamento deste direito de regresso não é fazer repercutir uma responsabilidade, "qua tale", contra o civilmente responsável, mas levar o tomador do seguro, enquanto contraente relapso, a suportar as consequências danosas reportadas ao seu não cumprimento pontual do contrato.<br> De tudo há que reter a ideia, a nosso ver fundamental, segundo a qual o artigo 19 faculta à seguradora o exercício de diversos direitos de regresso, que adiante concretizaremos.<br> Em direito civil as sanções, entendidas como os dispositivos normativos destinados a obviar à violação de normas jurídicas, podem agir de forma preventiva, repressiva ou reparadora; assim se passa, respectivamente, com os preceitos contidos nos artigos 1276, 1311 e<br> 483 do CC - cfr. Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, 1986, págs. 244-246.<br> As sanções civis pecuniárias podem participar destas duas últimas naturezas - repressivas quando visam constranger o devedor ao cumprimento, reparadoras quando procuram compensar o credor ou o lesado pelos prejuízos sofridos pela ofensa ao seu direito.<br> Como meios de coerção ao cumprimento, as sanções pecuniárias podem ter origem legal - cfr. o artigo 829-A do CC - ou contratual - caso de "multas" estipuladas em contratos de empreitada em função do atraso na conclusão da obra.<br> Num caso e noutro são puramente acessórias à obrigação principal; não são um seu substitutivo ou sucedâneo.<br> Já as sanções reparadoras - que tanto podem ser indemnizações a fixar de acordo com uma valoração concreta dos prejuízos segundo metodologia legalmente fixada, como podem representar uma quantificação pré-fixada por contrato para compensação dos prejuízos sofridos - podem ser tidas como obrigações principais, integrantes do núcleo essencial da obrigação, quer como seu único e originário conteúdo, quer como prestação pecuniária substitutiva ou complementar da obrigação inicial; estas hipóteses verificam-se, sucessivamente, na responsabilidade extra-contratual e nas duas modalidades de responsabilidade contratual - casos de incumprimento definitivo e de simples mora.<br> Estas considerações visam encontrar o lugar sistemático que o chamado "direito de regresso" ocupa no plano das sanções civis pecuniárias.<br> Por ele visa-se obter o reembolso, total ou parcial, de uma obrigação que se satisfez, este reembolso tanto tem lugar à custa de alguém que faz parte de uma relação jurídica estabelecida com o seu credor e que tem conexão com uma outra em que o agora credor foi devedor, aí tendo sofrido o prejuízo cujo ressarcimento agora busca, como pode ter lugar à custa de alguém que participava com o ora credor na relação jurídica onde ocorreu o prejuízo, aí partilhando ambos a mesma posição devedora plural.<br> A primeira destas duas alternativas tem lugar quando<br> A, faltando ao cumprimento para com B da entrega pontual de uma máquina que lhe vendera, por virtude de atraso de C no cumprimento do acordo que com ele fizera para o fornecimento da mesma, pede a C o pagamento do que teve de pagar a B como indemnização por não ter cumprido em devido tempo.<br> A segunda ocorre quando, em sede de responsabilidade contratual, o devedor solidário pede dos seus condevedores o que pagou ao credor comum para além da parte que lhe competir, ou quando, em sede de responsabilidade extra-contratual, o responsável que pagou quer repercutir na esfera jurídica dos outros responsáveis o que a estes couber, na medida das suas culpas e das consequências delas advenientes - artigo<br> 524 e 497 do CC.<br> De tudo pode retirar-se a ideia segundo a qual o direito de regresso tem como devedor alguém que é titular de uma obrigação conexa ou contitular da mesma obrigação.<br> Aqui chegados, há que começar a perceber o que diz o artigo 19.<br> O seu corpo afirma a existência de um direito de regresso por parte da seguradora que satisfez a indemnização.<br> Logo, aquilo que o devedor deste direito de regresso tem que satisfazer começa por coincidir no todo ou em parte, ressalvados acréscimos legais que entretanto ocorram, com a indemnização que a seguradora pagou.<br> E quem é o devedor deste direito de regresso?<br> Somos imediatamente levados a pensar no referido artigo 497, o que nos aponta a seguinte solução de princípio:<br> - o devedor será alguém que seja também responsável pelo acidente.<br> Nas alíneas a), d) e f) - que contemplam, sucessivamente, aquele que causou dolosamente o acidente, aquele que responde civilmente por danos decorrentes de queda de carga mal acondicionada e aquele que não cumpriu o dever de submeter o veículo a inspecção periódica - o devedor é alguém que, na falta do contrato de seguro, seria civilmente responsável pelo acidente, a título de responsabilidade extra-contratual; nos dois primeiros casos há culpa efectiva, no terceiro há, face à técnica legal usada na alínea f), uma culpa presumida.<br> O direito de regresso existe, verdadeiramente, nesta configuração, na medida em que a seguradora, primeira e principal responsável por força do artigo 29, vem pedir de co-responsáveis o reembolso do que já pagou por virtude de obrigação comum.<br> Na alínea b) os devedores de regresso são os autores e cúmplices de roubo, furto ou furto de uso do veículo causador do acidente; também aqui não é difícil encontrar fundamento para a sua qualificação como responsáveis civis, na medida em que, normalmente - e ao menos nesse caso e nesse âmbito existe um vínculo de prévia responsabilização -, serão abrangidos pela previsão do artigo 503, n. 1, do CC; e o fundamento do direito de regresso estará em que a circulação do veículo é alheia à vontade do seu legítimo detentor, com quem a seguradora contratou; neste caso a circulação do veículo é, ao contrário da sistemática generalidade dos casos possíveis, contrária à vontade deste e alheia ao espírito subjacente ao contrato. Daí que, pagando por força da função social do seguro obrigatório, seja legítimo o direito de regresso.<br> Na alínea e) o devedor era chamado à responsabilidade a um outro título - o de responsabilidade contratual para com a seguradora, por ter dado origem a uma situação de suspensão do contrato da qual resultava a sua responsabilização pelo que a seguradora fosse levada a pagar.<br> É um caso de direito de regresso integrado no âmbito de relação jurídica conexa.<br> Em qualquer destes casos há um fio condutor comum: o de a indemnização paga pela seguradora ser também,<br> "ab origine", conteúdo de responsabilidade própria do devedor de regresso.<br> Claramente diferente é o que se passa com a restante alínea c).<br> Surgem aqui como devedores de regresso o condutor sem habilitação legal, o condutor sob influência de álcool, estupefacientes, outras drogas ou produtos tóxicos e o condutor que haja abandonado o sinistrado.<br> A condução efectuada em qualquer daquelas circunstâncias e o abandono de sinistrado não são, só por si, causadores de prejuízos.<br> Se o direito de regresso da seguradora não existe em relação a todo e qualquer condutor que provoque por culpa sua o acidente, e porque o direito de regresso se situa dentro do campo das sanções civis reparadoras, a lógica jurídica e o equilíbrio do sistema jurídico importam a adopção da conclusão segundo a qual não deve aquele direito ser estendido a consequências que não têm que ver com as circunstâncias especiais que o motivam.<br> Isto quer dizer que o direito de regresso apenas deverá abranger os prejuízos que a seguradora suportou e que têm nexo causal com aquelas circunstâncias; não basta que resultem da condução; impõe-se que sejam, por exemplo, consequência típica e adequada de uma condução por condutor alcoolizado, ou que - e com isto chegamos ao núcleo central da questão versada nesta revista - resultem do abandono de sinistrado a que houve lugar.<br> Chegamos, deste modo, a conclusão igual à que foi adoptada nos acórdãos proferidos por este STJ em 27 de Janeiro de 1993 - Col. Jur. - STJ 1993-I-104 - e em<br> 7 de Dezembro de 1994 - BMJ n. 442, pg. 155. E diverge-se do entendimento seguido por este mesmo STJ no acórdão de 4 de Abril de 1995 - Col. Jur. - STJ 1995-I-151 -, que assenta na ideia da sanção civil, que nos parece, pelas razões indicadas, consentânea com a noção de direito de regresso.<br> Os factos provados não habilitam a concluir que o abandono de sinistrado cometido pelo réu haja contribuído para a produção ou para o agravamento dos danos sofridos pela vítima do acidente.<br> Nem a recorrente pretende que se julgue, neste particular, de modo diverso.<br> A sua tese assenta, simplesmente, em razões jurídicas opostas àquelas a que aderimos, decorrendo a sua improcedência de tudo o que deixámos dito.<br> Apenas se dirá ainda que a forma como entendemos a lei não significa que o legislador do Decreto-Lei 522/85 desconhecesse o conteúdo jurídico do crime de abandono de sinistrado; simplesmente, o direito de regresso previsto no artigo 19, alínea c), está no plano das consequências civis de um crime, e não no âmbito da sua regulamentação em direito penal.<br> Pelo exposto, nega-se a revista, com custas pela recorrente.<br> Lisboa, 14 de Janeiro de 1997.<br> Ribeiro Coelho,<br> Herculano Lima,<br> Aragão Seia.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> I. "A, Construções Civis e Obras Públicas, Lda." propôs esta acção declarativa, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, contra B e C.<br> Invocando, basicamente, que realizara, mediante empreitada, para os réus, uma obra não totalmente paga, a autora pediu a condenação dos réus a pagarem-lhe 1298000 escudos, "com juros à taxa legal desde a citação até integral embolso" (fls. 2 e segs.).<br> Os réus contestaram e reconvieram (fls. 12 e segs.).<br> Na reconvenção, basearam-se em alegados defeitos e vícios da obra e pediram a condenação da autora- -reconvinda "a tapar todos os defeitos e vícios alegados", cujo valor computaram "em cerca de 1000000 de escudos".<br> A autora-reconvinda respondeu (fls. 19 e segs.).<br> O processo transitou para o Tribunal de Círculo de Leiria (fls. 24).<br> A reconvenção foi admitida (fls. 31).<br> Mais tarde, veio a ser proferida a sentença de fls. 106 e segs., condenando os réus a pagarem, à autora 1250000 escudos, bem como juros "à taxa de 15%", desde a data da citação e até integral pagamento, e julgando a reconvenção improcedente.<br> Os réus apelaram (fls. 112).<br> A Relação de Coimbra veio a proferir o Acórdão de fls. 157 e segs., negando provimento a esse recurso.<br> Novamente inconformados, os réus recorreram, de revista, para este Supremo (fls. 163). E, alegando, concluiram (fls. 181 e segs.):<br> 1) O douto Acórdão recorrido parte do pressuposto de que caducou, para os réus, o direito de denunciarem e virem reclamar indemnização pelos vícios ou defeitos da obra; tal conceito tem de ser integrado por factos alegados pela parte a quem aproveitem, não podendo o Tribunal conhecer, dele, oficiosamente;<br> 2) Tendo-se violado o disposto nos artigos 659 n. 3, 660 n. 2, 664, 2. parte, com as consequências do artigo 668 n. 1 alínea d), 2. parte, todos do C.<br> P.C., e artigo 1219 do C. Civil e, ainda, o artigo 333 com remissão para o artigo 303 do C. Civil;<br> 3) Por outro lado, o restante do preço da obra só seria entregue aquando da entrega da chave;<br> 4) Quando o Tribunal ordena a entrega incondicional do remanescente do preço da empreitada está a violar uma cláusula do acordo, alegado e especificado, violando, no caso, o disposto no artigo 668 n. 1 alínea d), 1. parte, do C.P.C.;<br> 5) Os réus reclamaram dos defeitos, por via reconvencional, em 18 de Março de 1991, e não antes, pelas razões já expostas nas conclusões anteriores, nomeadamente por a autora não mais ter aparecido para fazer a entrega da chave;<br> 6) E a entrega é importante não só porque foi assim pactuado como, ainda, porque tal entrega é, por força da lei, um "prius" lógico e cronológico (artigos 1218 n. 1, 1224 ns. 1 e 2 - decerto C. Civil) da denúncia dos defeitos;<br> 7) Tal decisão violou, neste caso, a interpretação mais correcta dos artigos atrás referidos;<br> 8) Ao estabelecerem, os réus, no pacto com a autora, a entrega das chaves, tal facto visava, por um lado, definir a data da entrega do remanescente do preço e, por outro, permitir facilmente, àqueles, a denúncia eventual de qualquer defeito;<br> 9) A não entrega da obra (vulgo: a entrega das chaves) pelo empreiteiro ao dono da obra, imprescindível por força da lei ou (mesmo que assim se não entenda para todos os casos) por força do contrato, foi o facto que desencadeou todo o comportamento posterior dos réus aliás perfeitamente justificado e explicado;<br> 10) A autora não pode desvincular-se da obrigação assumida de entrega da obra (entrega da chave) em obediência ao princípio geral: "pacta sunt servanda".<br> Finalizando, os recorrentes pedem "se revogue o Acórdão e se substitua por outro em que se condene a A. a indemnizar os RR., no montante que vier a apurar-se para proceder à reparação dos defeitos da obra".<br> Houve contra-alegações da recorrida, mas desentranhadas por falta do preparo respectivo (fls. 213).<br> Foram colhidos os vistos legais (fls. 214).<br> II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 158v.):<br> 1) A autora é uma sociedade comercial que se dedica<br> à industria de construção civil com fins lucrativos.<br> 2) Em Janeiro de 1990, a autora celebrou com os réus um contrato nos termos do qual se obrigava a construir, para estes, em terreno que lhes pertencia, sito em Marinheiros, Leiria, uma moradia com cave, r/c e 1. andar, de acordo com o respectivo projecto de arquitectura e memória descritiva, que os mesmos réus lhe entregaram para o efeito.<br> 3) Segundo o contrato, a autora forneceria os materiais e a mão de obra necessária à edificação.<br> 4) Foi de 4680000 escudos o preço "mutuamente ajustado" a pagar, pelos réus, à autora, pela seguinte forma:<br> 1.) 1350000 escudos, no acto de adjudicação da obra;<br> 2.) 500000 escudos, quando da colocação da 1. placa;<br> 3.) 500000 escudos, quando da colocação da 2. placa;<br> 4.) 500000 escudos, quando da conclusão do telhado;<br> 5.) 500000 escudos, quando da conclusão dos rebocos exteriores;<br> 6.) 500000 escudos, quando da conclusão dos rebocos interiores;<br> 7.) O remanescente, no total de 830000 escudos, contra a entrega das chaves da moradia construída.<br> 5) A autora iniciou as obras em 20 de Janeiro de 1990.<br> 6) No decurso da construção, autora e réus ajustaram, entre si, a ampliação da área a construir com a construção de uma sala e de um vão de escadas.<br> 7) O preço da ampliação referida na alínea anterior foi comunicado, aos réus, e por eles aceite, no valor de 320000 escudos.<br> 8) Ainda no decurso da obra, os réus pretenderam aumentar a altura de uma chaminé da moradia, alterando de novo o projecto inicial.<br> 9) Por conta do preço referido no n. 4, os réus ainda só entregaram à autora, e parcelarmente, a importância de 3750000 escudos.<br> 10) Na importância referida na alínea anterior está incluída a que foi paga através do aceite dos réus de uma letra de câmbio, no valor de 500000 escudos, que a autora sacou e descontou num dos Bancos da praça.<br> 11) Esta letra veio a ser paga, pelos réus, ao Banco descontante.<br> 12) Este Banco debitou, na conta da sacadora, os juros, encargos e despesas da operação, no total de 28000 escudos.<br> 13) A autora "ainda hoje" não entregou as chaves do imóvel aos réus.<br> 14) Os réus entraram na casa arrombando as portas.<br> 15) Em 23 de Julho de 1990, a obra referida no n. 2 estava concluída.<br> 16) Actualmente e desde, pelo menos, o mês de Julho de 1990, os réus estão a viver na casa edificada pela autora.<br> 17) Os réus nunca reclamaram, directa ou pessoalmente, à autora, por vícios ou defeitos da obra.<br> 18) As torneiras aplicadas na casa são de diferentes modelos.<br> 19) As paredes das diversas divisões estão às ondas e às riscas.<br> 20) Os defeitos das paredes corrigem-se pintando-as de novo com a aplicação prévia de massa de regularização em toda a sua extensão.<br> 21) A correcção das torneiras importa em montante não referido e, a das paredes, em 3500 escudos por metro quadrado.<br> III. Como as instâncias disseram e confere com as posições das partes, a causa insere-se nas consequências de um contrato de empreitada, isto é, no acordo mediante o qual a autora (ora recorrida) se obrigou a construir um edifício, em terrenos dos réus (ora recorrentes), a troco do pagamento do preço que as partes estipularam (artigo 1207 do C. Civil).<br> O âmbito do recurso ora em apreço traz-nos, basicamente, as questões adiante referenciadas.<br> IV. Da existência de vícios ou defeitos da obra:<br> IV.1. Vêm provados vícios ou defeitos da obra, a saber, impropriedade de torneiras, por injustificadas diferenças entre si, e imperfeições nas paredes.<br> Mesmo admitindo, como base de raciocínio, que teria sido meio adequado de reclamação, por parte dos donos da obra, a referência a esses vícios na reconvenção apresentada em 18 de Março de 1991 (fls. 12), tê-lo-ão feito em tempo oportuno?<br> Segundo o disposto no n. 1 do artigo 1220 do C. Civil:<br> "1. O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento.<br> 2. ...".<br> Antes desta declaração põe-se, naturalmente, a questão do conhecimento dos defeitos (cfr. Profs. P. Lima e A. Varela, "Anotado" - vol. II - 3. ed., 817).<br> E, a este respeito, há que distinguir defeitos aparentes dos ocultos, sendo aqueles os que são visíveis ou reconhecíveis (autores, obra e local citados; Prof. Vaz Serra, R.L.J. 107, 381); e, a este respeito, há que trazer à colação, designadamente, o artigo 1219 n. 2 do C. Civil:<br> "1. ...<br> 2. Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra."<br> IV.2. É certo que o exercício de direitos do dono da obra realizada por empreitada está sujeito a um prazo de caducidade que, para ser reconhecida, tem que ser arguida pelo interessado, por se estar em face de um caso de disponibilidade de direitos que, na circunstância, são de cariz eminentemente privado: artigos 333 n. 2 e 303 do C. Civil.<br> Contudo, essa arguição tem de considerar-se realizada, embora por forma não muito ostensiva mas, em todo o caso, clara, face a alegada falta de reclamação, relevante "atento o disposto no artigo 1220 do C.<br> Civil" (fls. 20v.).<br> Não há, assim, qualquer nulidade enquadrável no artigo 668 n. 1 alínea d) do C.P.C. (decerto, ter- -se-á querido dizer por força do artigo 716 n. 1 do mesmo Código).<br> IV.3. Quanto a factos, o princípio da aquisição processual implica que o Tribunal, deles, conheça, seja qual for a parte que os tenha articulado ou provado (artigo 515 do C.P.C.; Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 385).<br> IV.4. Ora, os vícios ou defeitos em causa eram (são) seguramente aparentes, em torneiras e paredes, naturalmente observáveis e, portanto, cognoscíveis facilmente.<br> A reclamação, via reconvenção, é, na própria afirmação dos recorrentes e evidente aquisição processual, reportável a 18 de Março de 1991 (aliás e enquanto declaração receptícia, só levada ao conhecimento da outra parte pela notificação de 12 de Abril de 1991 - fls. 18).<br> Por outro lado, desde, pelo menos, Julho de 1990, os réus-reconvintes estão a viver na casa em questão.<br> Isto significa, juridicamente, que o seu descobrimento dos aludidos defeitos da obra, porque aparentes, tem de ser reportado, pelo menos, a Julho de 1990: n. 2 do artigo 1219 do C. Civil; Vaz Serra, anotando Acórdão do S.T.J. de 19 de Novembro de 1971, in R.L.J. 105, 282 e segs. e Acórdão do S.T.J. de 11 de Janeiro de 1974, in R.L.J. 107, 380 e segs.<br> Nada existe sobre aceitação com reserva ou sobre comunicação antes da reconvenção.<br> Tendo forçado a sua entrada no edifício, os reconvintes não reclamaram contra qualquer defeito, tanto quanto resulta dos autos e da sua própria posição, a não ser cerca de uma dezena de meses após a disponibilidade da casa, embora por acção pessoal.<br> Assim, é manifesto que caducou eventual direito que pretenderam fazer valer atráves da reconvenção.<br> V. A não entrega das chaves contrapõe-se à pretensão da autora-reconvinda-recorrida?<br> O núcleo da argumentação dos recorrentes, quer relativamente à sua própria condenação, quer a propósito da não denúncia de defeitos antes da reconvenção, radica na circunstância de, segundo significa o circunstancialismo evidenciado, não ter chegado a haver entrega da obra ou, mais concretamente, das chaves do edifício pelo empreiteiro.<br> Só que, neste particular os recorrentes esgrimem com um argumento que seria relevante ... se eles próprios o não tivessem esvaziado de sentido.<br> É que os recorrentes passaram a ocupar e a viver naquela casa mercê da sua própria acção, arrombando as portas, conforme já aludido.<br> Não se trata de discutir ou de valorar esse acto.<br> Trata-se sim, de constatar que os recorrentes, longe de fazerem actuar os mecanismos jurídico-processuais que, a terem razão, desencadeariam, a entrega da obra, resolveram agir por si e, assim, adquirirem o uso do edifício.<br> Isto tornou inócua, por desnecessária, a entrega da obra, através da entrega das chaves.<br> Passando a usar o edifício, nele vivendo, necessariamente realizaram, por si, um acto com o mesmo alcance da entrega e recebimento das chaves, praticaram uma conduta integrável no alcance lógico do que haviam clausulado e colocaram-se em situação conducente à relevância jurídica de não oportuno protesto por deficiências aparentes.<br> Neste contexto, no mínimo, o eventual exercício do alegado direito dos donos da obra significaria um claro abuso de direito, tendo em atenção o alcance da entrega das chaves que seria o de viabilizar a disponibilização, que existia por acto seu, desde, pelo menos, Julho de 1990 (artigo 334 do C. Civil).<br> Como assim, é patente, sem necessidade de mais considerações, que soçobram as conclusões dos recorrentes.<br> VI. Resumindo, para concluir:<br> 1. Os defeitos de uma obra realizada por empreitada são aparentes, e não ocultos, quando passíveis de conhecimento através do uso normal da obra ou da comum visualização.<br> 2. Mesmo que se tenha contratado que a última prestação a pagar pelos donos da obra seria realizada com a entrega da chave do edifício construído pela empreiteira, a não entrega da chave tornou-se inócua e, portanto, irrelevante a partir do momento em que os donos da obra se apoderaram desta, arrombando as respectivas portas.<br> VII. Donde, concluindo:<br> Acorda-se em negar a revista "sub judice".<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 4 de Julho de 1995.<br> Cardona Ferreira.<br> Oliveira Branquinho.<br> Carlos Caldas.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> 1. A e outros, em 14 de Abril de 1997, vieram deduzir embargos à execução ordinária para entrega de coisa certa que lhes moveram B e outros - execução essa baseada na sentença condenatória proferida na acção n. 133/95 do Tribunal do Círculo de Oeiras, que os aqui Embargantes haviam contestado em 2 de Outubro de 1995 -, invocando, designadamente:<br> - a ilegitimidade das Exequentes;<br> - a inexigibilidade da entrega;<br> - o direito a benfeitorias.<br> 2. Após contestação dos embargos, foi proferido saneador a julgar as Exequentes partes legítimas e a considerar que o direito a benfeitorias não era admissível como fundamento dos embargos "porque a execução se baseia em sentença condenatória".<br> Desta decisão agravaram os Embargantes (1. agravo).<br> 3. Elaborada, entretanto, a peça condensadora, os Embargantes interpuseram novo agravo (2. agravo) do despacho que lhes indeferiu um requerido depoimento pessoal.<br> 4. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença a julgar os embargos improcedentes, de que os Embargantes apelaram.<br> 5. Por Acórdão da Relação de Lisboa, de 2 de Março de 1999, nenhum dos recursos obteve provimento.<br> Assim, quanto ao agravo do saneador - o que aqui interessa considerar, como resultará do que adiante se irá explanar -, depois de ter concluído pela legitimidade das Exequentes, ponderou, a respeito do direito a benfeitorias:<br> Não se diga que da aplicação do actual n. 3 do artigo 929 do Código de Processo Civil "resulta a ofensa de direitos adquiridos, pois ainda não havia, por parte dos Recorrentes, sido exercido o seu direito de deduzir embargos, pelo que, até ali, se estava perante uma previsão legal ainda não concretizada pelas executadas, ou melhor dizendo, pelos Recorrentes, então executados".<br> "Não havendo ainda direitos adquiridos, tinha o Sr. Juiz de aplicar ao caso o n. 3 do dito artigo 929 do Código de Processo Civil, sob pena de aplicar lei revogada".<br> "Não se vê que qualquer norma citada pelos agravantes seja inconstitucional, pois não se violaram direitos adquiridos, nem qualquer norma constitucional mencionada nas alegações de recurso - artigos 13, 20, 205 n. 2 e 208".<br> "Não podemos deixar de salientar que o direito dos executados, que pretendiam exercer por meio de embargos, pode ser levado a juízo por meio de acção declarativa de condenação".<br> 6. Inconformados com tal Acórdão, os Embargantes recorreram para este Supremo Tribunal, pugnando pela sua "revogação" ou "anulação", tendo culminado a alegação com as conclusões - relevantes - que se transcrevem:<br> I - A execução "deveria ter sido instaurada pelas heranças jacentes devidamente representadas, e não pelas Autoras, embargadas e ora recorridas", pelo que "verifica-se verdadeira ilegitimidade destas".<br> II - "Têm os recorrentes direito às benfeitorias executadas de boa fé no imóvel em questão, no montante de, pelo menos, 6360875 escudos".<br> III - "De acordo com o disposto no artigo 929 do Código de Processo Civil em vigor até 31 de Dezembro de 1996, o executado podia sempre deduzir embargos à execução, mesmo baseada em sentença, com o fundamento na realização das benfeitorias a que tivesse direito, com direito de retenção, suspendendo-se, então, a execução".<br> IV - "Os recorrentes configuraram tal hipótese aquando da contestação da acção declarativa em 2 de Outubro de 1995, relegando, assim, para momento e lugar próprios, mas posterior, caso fosse necessário, a dedução das benfeitorias realizadas e a consequente invocação do direito de retenção - o que veio efectivamente a acontecer nos Embargos".<br> V - "Tal direito dos recorrentes manteve-se, ainda, apesar da nova redacção dada ao artigo 929 do Código de Processo Civil em vigor após Janeiro de 1997, pois entende-se que tal nova disposição só se aplica às novas acções declarativas a instaurar, o que não era o caso, sob pena de violação dos direitos adquiridos e das expectativas legítimas e tuteladas dos recorrentes, incluindo o artigo 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e da flagrante inconstitucionalidade, por oposição dos preceitos aplicados, no seu entendimento adoptado (n. 3 do artigo 929 do Código de Processo Civil e do artigo 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95) aos artigos 13, 20, 205, 207 e 208 da Constituição".<br> 7. Em contra-alegações, defendeu-se a manutenção do julgado.<br> <br> Foram colhidos os vistos.<br> <br> 8. No que tange à questão da legitimidade dos Exequentes, que havia sido suscitada no agravo do saneador (1. agravo), nenhuma censura merece o Acórdão recorrido, remetendo-se, nesta parte, para os seus fundamentos de facto e de direito.<br> As Exequentes são, com efeito, partes legítimas - como, de resto, já havia sido entendido na 1. instância -, confirmando-se, pois, neste ponto o decidido pela Relação de Lisboa (artigos 713 n. 5, 749 e 762 do Código de Processo Civil).<br> 9. Resta apreciar a questão da inadmissibilidade dos embargos com fundamento no direito a benfeitorias, decretado pelas instâncias.<br> Antes da recente Reforma do Código de Processo Civil, o executado podia deduzir embargos à execução para entrega da coisa certa, baseada em sentença, não só com os fundamentos especificados no artigo 813, como também "com o fundamento de benfeitorias" a que tivesse direito, sendo certo que, em princípio, se as benfeitorias autorizassem "a retenção", o recebimento dos embargos suspendia a execução (artigo 929 ns. 1 e 2).<br> Com a Reforma, foi aditado um n. 3 ao artigo 929, onde se dispôs que "os embargos com fundamento em benfeitorias não serão admitidos quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas".<br> Liminarmente, dir-se-á que, ao contrário do propugnado pelos Recorrentes, não se vê em que medida é que a norma do n. 3 do artigo 929, aplicada em casos como o dos autos, possa violar os artigos 205, 207 e 208 da Constituição da República.<br> Os Recorrentes, autores das eventuais benfeitorias que invocaram, nenhuma razão plausível aduziram nesse sentido. E a verdade é que sempre poderão fazer valer em juízo o direito a elas.<br> Depois, o citado artigo 929 n. 3 também não viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13 da Constituição, que reclama tratamento igual para o que for essencialmente igual e tratamento diferente para o que, na sua essência, diferente for.<br> É certo que, nos termos desse normativo processual, quando a execução se basear em sentença condenatória, o executado só pode embargar com fundamento em benfeitorias, se oportunamente tiver feito valer o seu direito a elas. Doutro modo, os embargos com tal fundamento são inadmissíveis.<br> Simplesmente, este é o tratamento jurídico que a lei reserva para todos os casos em que a dedução dos embargos na execução baseada em sentença condenatória seja posterior à data da entrada em vigor daquele preceito legal, que é, por força do disposto no artigo 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro (com a alteração decorrente da Lei n. 6/96, de 29 de Fevereiro), 1 de Janeiro de 1997.<br> Mas só estes casos - e não também aqueles em que os embargos são deduzidos antes dessa data - têm que ter idêntico tratamento, porquanto, o princípio da igualdade não opera diacronicamente - como tem sido realçado pelo Tribunal Constitucional -, na medida em que uma das específicas características da função legislativa é a da auto-revisibilidade, com respeito, obviamente, dos direitos adquiridos.<br> 10. Esta última asserção - a de que o legislador, ao alterar a lei, deve respeitar os direitos adquiridos e, bem assim, as legítimas expectativas - coloca uma questão que é a de saber qual o sentido e alcance do artigo 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95 conjugado com o artigo 929 n. 3 do Código de Processo Civil, quando confrontados com casos como o dos autos. Ou seja, quando estivermos perante embargos de executado deduzidos depois de 1 de Janeiro de 1997, em execuções fundadas em sentenças condenatórias proferidas em acções cuja contestação teve que ser apresentada antes dessa data.<br> Se, para situações deste tipo, houvesse de valer a disciplina do n. 3 do artigo 929 - isto é, se o executado que na acção não fez valer o direito a benfeitorias já não pudesse invocar esse direito como fundamento dos embargos -, dificilmente poderia deixar de concluir-se pela inconstitucionalidade da norma que se extrai da leitura conjugada desses preceitos legais (artigo 929 n. 3 do Código de Processo Civil e artigo 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95).<br> Com efeito, num tal caso, o executado, que não havia invocado o direito a benfeitorias na contestação da acção onde foi proferida a sentença condenatória, por estratégia processual ou por saber que ainda continuava a estar em tempo de o fazer em embargos opostos a posterior execução que porventura lhe viesse a ser movida, ver-se-ia agora privado de o fazer.<br> Por outras palavras: esse executado veria frustrada a legítima expectativa de fazer valer o direito a benfeitorias nos embargos, se disso tivesse necessidade, sem que nenhuma razão de interesse público o justificasse.<br> Ora, qualquer cidadão deve poder orientar a sua vida de acordo com o direito.<br> Por isso, quando essa expectativa legitimamente fundada é indevidamente atingida pelo legislador, este viola a confiança que quem quer que seja deve poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n. 559/98, de 27 de Setembro de 1998, in D.R., II série, de 12 de Novembro de 1998).<br> Vale isto por dizer que a apontada interpretação dos artigos 929 n. 3 e 16, lidos conjugadamente, não é seguramente a melhor, por ser susceptível de conduzir a um resultado desconforme com a Constituição.<br> Todavia, a aplicação do artigo 929 n. 3 apenas aos casos em que, na acção onde foi proferida a sentença condenatória, a contestação foi apresentada após 1 de Janeiro de 1997 já não conduzirá a um tal resultado inconstitucional.<br> 11. Entre duas interpretações - uma, conforme à Constituição, outra, que com ela seja incompatível -, o interprete deve sempre preferir aquela que estiver de acordo com os cânones constitucionais.<br> Ponto é que os preceitos legais consintam ambas as interpretações.<br> É o que sucede na hipótese ajuizada, na medida em que, quando o mencionado artigo 16 prescreve que "(...) o Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as modificações decorrentes do presente diploma, entra em vigor em 1 de Janeiro de 1997 e só se aplica aos processos iniciados após esta data (...)", só significa que não pode aplicar-se aos processos iniciados antes de 1 de Janeiro de 1997.<br> Consente, porém, o entendimento de que não se aplica aos processos que, instaurados embora depois dessa data, sejam decorrência ou continuação de outros instaurados anteriormente a 1 de Janeiro de 1997 e em que os interessados só antes dessa data poderiam fazer valer os seus direitos.<br> Dizer isto, é concluir que o artigo 929 n. 3 só se aplica aos embargos deduzidos depois de 1 de Janeiro de 1997 se, na acção em que foi proferida a sentença que serve de base à execução, a contestação tiver sido apresentada posteriormente a essa data.<br> Ao invés, se tal contestação tiver sido apresentada antes de 1 de Janeiro de 1997, o regime aplicável aos embargos será o do artigo 929 na redacção anterior à Reforma.<br> É, pois, com esta interpretação que o artigo 929 n. 3 e o artigo 16, lidos conjugadamente, valem na situação vertente.<br> 12. Assim sendo, tendo em conta que a acção onde foi proferida a sentença exequenda foi contestada em 2 de Outubro de 1995, era lícito aos Recorrentes deduzir oposição por embargos "com o fundamento de benfeitorias", ao abrigo do estatuído no artigo 929 do Código de Processo Civil, na sua primitiva redacção, aqui aplicável.<br> Em face do exposto, sendo admissíveis os embargos com tal fundamento, revogando-se, correspondentemente, o Acórdão impugnado e com ele o saneador, determina-se que o Excelentíssimo Juiz proceda em conformidade com o ora decidido, ficando prejudicado, deste modo, o conhecimento das questões que haviam sido objecto do 2. agravo e da apelação.<br> Custas pelas Embargadas, incluindo as das instâncias.<br> Lisboa, 19 de Outubro de 1999.<br> <br> Silva Paixão,<br> Silva Graça,<br> Francisco Lourenço.<br> 1. Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras - Processo n. 123-B/97.<br> Tribunal da Relação de Lisboa - Processo 6778/98 - 1. Juízo. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I<br> Em acção declarativa de condenação, com processo ordinário, A, viúva de B, e os filhos deste, C, D, E, F e G, demandaram H, I, J, L e M, pedindo:<br> - que fosse "reconhecido que os RR., com os escritos de que assumiram a responsabilidade e autoria, ofenderam gravemente a honra, consideração e dignidade pessoal e profissional do Professor B, com isso tendo causado elevados danos morais aos ora AA.";<br> -que os RR. fossem "solidariamente condenados a pagar aos AA., a título de reparação dos danos não patrimoniais, uma indemnização que se computa em, no mínimo, 5000000 escudos, reafirmando os AA. o seu público compromisso de fazer reverter tal indemnização para as instituições referidas no artº 163º desta petição".<br> A acção foi contestada, tendo sido absolvidos da instância, por terem sido consideradas partes ilegítimas, os RR. I, J, L e M.<br> Foi julgada improcedente a excepção de caso julgado, deduzida pelo primeiro Réu. Houve despacho saneador, especificação e questionário, tendo, em audiência de julgamento, sido respondido aos quesitos pela forma constante de fls. 438-439.<br> Com data de 27 de Dezembro de 1994, foi proferida a sentença de fls. 446 a 453, a julgar a acção improcedente, com absolvição do (único) R. (H) do pedido.<br> Inconformados, os AA. interpuseram recurso, recebido como apelação.<br> Em 18-08-95 ocorreu o óbito da A. A, sendo seus herdeiros os restantes AA.<br> Em 15-01-96 ocorreu o óbito do R. Professor H, sendo seus herdeiros os seus filhos N, O e P.<br> Por acórdão de 04-06-98, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, confirmando a decisão da 1ª instância.<br> Inconformado com o decidido, o A. D interpôs o presente recurso de revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1. O Acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto pela simples razão de entender que em causa estavam apenas duas versões sobre os acontecimentos ocorridos em 1968 com a doença e falecimento de Salazar, mais tendo entendido que o recorrente e demais autores não lograram provar o animus difamandi, sendo indiferente provar-se, ou não, a versão dos factos;<br> 2. A própria sentença recorrida reconheceu que a causa em discussão é uma questão complexa e muito delicada que só a avalanche de processos que vai submergindo os Tribunais não permitiu o estudo da questão com maior profundidade;<br> 3. Neste recurso, este Venerando Supremo Tribunal de Justiça tem uma última oportunidade de julgar a complexidade de toda esta questão em que um artigo subscrito pelo Dr. H consumou um ataque feroz, público e violento, com difamações contra o bom nome e memória do saudoso e querido Professor B;<br> 4. O Tribunal Colectivo, ao ter decidido remeter para o artigo susbcrito pelo Dr. H a resposta a dar aos quesitos 13 e 14, reconheceu que a ofensa à honra e memória dependia da análise objectiva desse mesmo artigo, conjugado com as respostas aos restantes quesitos e com todos os documentos juntos aos autos;<br> 5. A intenção de difamar resulta de um juízo normativo a realizar, na falta de outro critério geral, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso concreto (artigo 487º do Código Civil). Tal animus difamandi e injuriandi deve ser determinado e julgado de acordo com a conduta normal do cidadão comum in abstracto, e não segundo a diligência do autor do escrito in concreto;<br> 6. O referido escrito do Dr. H, com a sua versão dos factos, deveria ter respeitado o bom nome, honra e memória do Professor B, o que manifestamente não fez;<br> 7. Desse escrito só se pode extrair a conclusão que o Dr.H insinuou que o Professor B era um mentiroso. Desse mesmo escrito também se conclui que o Dr. H insinuou que o Professor B era um incompetente;<br> 8. Desse escrito resulta ainda que o Dr. H insinuou ser o Professor B venal e desonesto;<br> 9. Ainda desse escrito se tem de retirar a conclusão de que o Dr. H insinuou ser o Professor B um médico negligente;<br> 10. Por fim também se terá de concluir que o Dr. H, com o seu escrito, insinuou tratar-se o Professor B de um homem belicoso e rixão;<br> 11. Estas conclusões tiram-se da análise objectiva do aludido escrito, quando o recorrente e demais autores conseguiram provar que, em diversas passagens, o Dr. H mentiu de forma consciente e deliberada. Com essas mentiras conseguiu dar uma imagem deplorável ou, como o Dr.... reconhece, "um retrato repugnante do Professor B, desde a incompetência profissional à mentira, passando pelo arrangismo político";<br> 12. O próprio Conselho Disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos, a fls. 31 dos autos, reconhece que o escrito do Dr. H contém numerosas alusões depreciativas ao falecido Professor B, sendo ofensivas à memória deste, sendo maldosas as insinuações feitas pelo Dr. H., que não teve um comportamento adequado à dignidade da sua profissão, violando um dever de solidariedade médica e lealdade para com um Colega;<br> 13. Os próprios recorridos que uma versão dos mesmos factos relatada por um determinado jornalista logrou ofender o bom nome, honra e consideração do Dr. H (sic, no texto), pelo que reconhecem que a circunstância de se tratar de uma narração de factos com uma opinião pessoal dos mesmos não pode afastar, só por si, a censura e punibilidade desse mesmo escrito, como sucede com o artigo do Dr. H em que este sob a capa de uma pretensa narração desferiu um inacreditável (sic, no texto) ao bom nome e memória do saudoso Professor B;<br> 14. Assim, o escrito do Dr.H constituiu uma ofensa à memória e ao bom nome do Professor B, enquadrando uma violação dos direitos consagrados nos artigos 70º a 73º do Código Civil e artigos 24º a 27º e 34º da Constituição da República, devendo os recorridos ser condenados a indemnizar o recorrente conforme pedido formulado na petição inicial.<br> O recorrente terminou, pedindo a revogação do acórdão recorrido, "(...) reconhecendo-se que o Dr.H, com o seu escrito de fls. 17 e 18, ofendeu gravemente a honra, consideração e dignidade pessoal e profissional do Professor B, devendo os recorridos ser condenados a pagar um montante não inferior a cinco milhões de escudos, que reverterá para as Bibliotecas B".<br> Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do decidido pelo Tribunal a quo.<br> II<br> Foi a seguinte a matéria de facto que as instâncias deram como provada:<br> - O semanário "O Jornal" publicou na sua edição de ..de ... de 1988 um dossier com o título "Mistérios da Queda de Salazar" em que cita escritos deixados pelo Professor A - alínea A) da Especificação.<br> - Nesses escritos o Professor B afirma que "o Dr. H foi chamado por mim por eu ter feito o diagnóstico de hematoma intracraneano, subdural e entender que era urgentíssima a intervenção cirúrgica. Fui eu que tive de assumir a responsabilidade do dignóstico e da intervenção cirúrgica, por os neurocirurgiões presentes não concordarem com o diagnóstico e fi-lo sempre na qualidade de médico assistente" - alínea B) da Especificação.<br> - O Professor ... foi durante mais de 20 anos, e até à sua morte, médico assistente de Salazar, e faleceu há mais de 15 anos - alínea C) da Especificação.<br> - A é viúva do Professor B e C, D, E, F e G são filhos do Professor B - alínea D) da Especificação.<br> - - O Professor H foi neurocirurgião e, nessa qualidade, presidiu à equipa médica que, em Setembro de 1968, efectuou a intervenção cirúrgica ao hematoma intracraneano subdural de que sofria Salazar - alínea E) da Especificação.<br> - O Professor H, na edição de.... ..de 1988 de "O Jornal", respondeu aos escritos do Professor B, dizendo, entre outras coisas:<br> - "O depoimento do Professor B, falseia toda a verdade";<br> - "Em 5 de Setembro disse-me que não se tratava de qualquer urgência, era um doente que estava até muito bem";<br> - "A 6 de Setembro, à tarde, disse-me que o Dr. Salazar estava perfeitamente bem, tinha dado uma queda mas que tudo se resolvera";<br> - "A partir desse momento só havia uma pessoa responsável - eu. Não tenho culpa que o Sr. Professor B tenha chegado à idade a que chegou sem compreender que o único responsável dum acto cirúrgico é o cirurgião. Não entra na cabeça dum cirurgião digno desse nome ir operar um paciente à responsabilidade de um médico assistente";<br> - "A partir daí começaram a surgir dificuldades por parte do Professor B que entendia que o doente devia voltar para casa apesar de poderem surgir complicações. Eu não tomava a responsabilidade de lhe dar alta antes de, pelo menos, duas semanas";<br> - "Sobre a sua isenção devo lembrar que uma tarde disparou-me "(...) assim que o Senhor Presidente do Conselho voltar para São Bento vai mandar fazer um Instituto de Cardiologia para mim (...)";<br> - Decorridos oito dias (...), Salazar sentiu-se muito mal após o almoço (...) estava em situação desesperada podendo morrer a qualquer momento. Dizem-me que o Professor B descreveu a Salazar a operação feita, seguramente com a perfeição que seria de esperar na descrição duma intervenção neurocirúrgica feita por um especialista em cardiologia";<br> - "Se tenho aceite a sugestão do Professor B de ele ir para São Bento ao 4º dia de operado tinha morrido";<br> - "As relações com o Professor B complicaram-se ainda mais. Certa vez tive que me meter entre o Professor X e ele para evitar uma cena de pugilato";<br> - "A ... de Dezembro, numa entreveita ao "Primeiro de Janeiro", o Professor B diz que os neurocirurgiões e os neurologistas não eram precisos para nada. Ao ler o jornal na frente do Presidente da República disse não ter dado qualquer entrevista e que eram intrujices habituais dos jornalistas";<br> - "Posto perante a evidência (do registo magnético) B confirmou que fez declarações e que se tinha esquecido da conversa telefónica tida com o jornal" - alínea F) da Especificação.<br> - O Professor B é autor dos trabalhos científicos referidos de fls. 29 a 48 dos autos e o Professor H possui o "curriculum vitae" que se mostra fotocopiado de fls. 207 a 216 - alíneas G) e H) da Especificação.<br> - Com base nestes mesmos factos os Autores apresentaram queixa crime contra o Professor H que não chegou a ser pronunciado, decisão confirmada pela Relação de Lisboa - alínea I) da Especificação.<br> - O Réu hesitou, até ao último momento, sobre a necessidade de realizar a intervenção cirúrgica - Resposta ao quesito 1º.<br> - Até ser tomada a decisão de operar, o Réu hesitou no diagnóstico: hematoma ou trombose - Resposta ao quesito 4º.<br> - O Professor B, desde Agosto, falava na possibilidade de hematoma - Resposta ao quesito 5º.<br> - O Professor B só telefonou ao Réu no dia 5 de Setembro - Resposta ao quesito 6º.<br> - O Professor B não esteve presente ao almoço em que Salazar se sentiu muito mal - Resposta ao quesito 8º.<br> - A intervenção cirúrgica foi descrita a Salazar antes de se efectuar - Resposta ao quesito 9º.<br> - O Professor B, telefonicamente, respondeu a perguntas formuladas por jornalista de "- Primeiro de Janeiro"- tendo as suas respostas sido publicadas naquele jornal sob a forma de entrevista - Respostas aos quesitos 11º e 12º.<br> - Os Autores ficaram magoados com a publicação do artigo - Resposta ao quesito 16º.<br> - Os Autores continuam magoados e sentem-se revoltados - Respostas aos quesitos 17º e 18º.<br> Justificar-se-á ainda conhecer a formulação de alguns quesitos que o Colectivo veio a considerar como "não provados" ou aos quais veio a ser dada resposta limitativa.<br> Assim:<br> a) Foi dada a resposta de "Não Provado" aos quesitos 2º, 3º, 7º e 10º, respectivamente, do seguinte teor:<br> - Quesito 2º: (O Réu) só a realizou (a intervenção cirúrgica) por expressa determinação do Professor B?<br> - Quesito 3º: Que assumiu a responsabilidade pela sua realização?<br> - Quesito 7º: O Professor B nunca defendeu a ideia do regresso de Salazar a S. Bento poucos dias após a realização da operação?<br> - Quesito 8º: Nunca houve qualquer disputa entre os Profs. X e B?<br> b) Entretanto, obtiveram resposta limitativa os quesitos 4º, 5º, 11º e 12º, 13º, 14º e 15º. 16º, 17º e 18º.<br> Pelo interesse de que se reveste a formulação de alguns desses quesitos e as respostas que lhes foi dada, a seguir se reproduzem, na totalidade:<br> - Quesito 4º: O Réu sempre hesitou no diagnóstico: trombose ou hematoma? Resposta: Provado apenas que o Réu, até ser tomada a decisão de operar, hesitou no diagnóstico: hematoma ou trombose.<br> - Quesito 5º: Enquanto o Professor B, desde Agosto, falava na possibilidade de hematoma?<br> - Resposta: Provado apenas que o Professor B, desde Agosto, falava na possibilidade de hematoma.<br> - Quesito 11º: O Prof. B não deu qualquer entrevista ao "Primeiro de Janeiro"?<br> - Quesito 12º: Limitando-se a responder a um telefonema duma jornalista?<br> - Resposta aos quesitos 11º e 12º: Provado apenas que o Prof. B, telefonicamente, respondeu a perguntas formuladas por jornalista de "O Primeiro de Janeiro", tendo as suas respostas sido publicadas naquele jornal sob a forma de entrevista".<br> - Quesito 13º: Com o seu relato, o Réu insinuou que o Prof. B era mentiroso, incompetente, desonesto, negligente e belicoso?<br> - Quesito 14º: Com a intenção de ofender a sua memória?<br> - Quesito 15º: O Réu limitou-se a descrever, de forma clara e objectiva, os factos ocorridos?<br> - Resposta aos quesitos 13º, 14º e 15º: Provado apenas o que consta do documento de fls. 17 e 18.<br> - Quesito 16º: Desde a publicação dos artigos do Réu, os Autores vivem mergulhados no mais profundo constrangimento?<br> - Resposta: Provado apenas que os Autores ficaram magoados com a publicação do artigo.<br> - Quesito 17º: E são hoje pessoas profundamente magoadas e amarguradas?<br> - Resposta: Provado apenas que os Autores continuam magoados.<br> - Quesito 18º: E desde aquela data vivem na mais incontida ( e justificada) revolta?<br> - Resposta: Provado apenas que os Autores se sentem revoltados.<br> III<br> 1 - O pano de fundo que envolve - e, de certo modo, explica - o conflito que opôs duas figuras respeitadas da medicina portuguesa deste século, tem que ver com o diagnóstico e tratamento de uma fase crítica da grave doença de Salazar que viria a conduzir à sua morte física, depois de ter mergulhado o País numa crise política que culminaria com a sua substituição no cargo de Presidente do Conselho de Ministros.<br> As distintas descrições das circunstâncias de facto que rodearam os acontecimentos, acrescendo à crispação das relações profissionais - e pessoais - entre os Professores intervenientes foram factores determinantes da evolução litigiosa verificada, para o que não terá deixado de contribuir o facto de nenhum dos protagonistas - bem como dos seus familiares próximos e queridos - aceitar ver o respectivo nome amarrado ao pelourinho da História como possível responsável por um insucesso médico na pessoa do estadista.<br> Num clima assim desenhado, onde são patentes o culto da imagem, a rivalidade pessoal e algum ciúme profissional, seriam, na prática, inevitáveis algumas reacções excessivas ou algumas desconfianças menos justificadas.<br> A circunstância de nos competir julgar, aplicando a lei com serenidade, objectividade e isenção, não nos impede de deixar, à guisa de preâmbulo, uma palavra de lamento pelas proporções que a discordância legítima de opiniões e uma divergência compreensível de diagnósticos entre profissionais distintos vieram a assumir no presente caso.<br> E, desde já, se deixa registado, independentemente da decisão, que se verificam, ao longo destes autos, e de ambas as partes, exageros e excessos, apenas explicáveis em virtude do ambiente de intolerância que se instalou, e que se deplora.<br> 2 - O acórdão recorrido, ao negar provimento à apelação, baseou-se fundamentalmente na interpretação que fez do artigo 484º do Código Civil, que, sob a epígrafe "Ofensa do crédito ou do bom nome", estabelece o seguinte:<br> <font>Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.</font><br> Sustentou o Tribunal a quo resultar da disciplina constante desse preceito que, para que se desse como assente que a conduta do Réu Dr. H era subsumível à respectiva previsão, se impunha que se pudesse concluir que o mesmo, no escrito que está em causa nos presentes autos, tivesse tido a intenção de prejudicar o bom nome do Prof. B.<br> Com efeito, escreve-se na decisão sob recurso que "o acto tem de ser voluntário, no sentido de que quem difunde ou afirma um facto deve, com esse acto, ter intenção de prejudicar o bom nome da pessoa a quem é imputado o facto difundido ou afirmado". Após o que se acrescenta, no acórdão recorrido, o seguinte:<br> Ora, no caso dos autos, aos AA. cabia, por isso, e nos termos do art. 342º, nº 1, do C. Civ., o ónus de provar que o R. inicial tinha tido a intenção de difamar a memória do prof. B - com as expressões que utilizou no artigo em que "respondeu" ao que constava em artigo anterior, no qual, invocando escritos daquele Prof. B, era mencionado o seu nome.<br> Assim, tendo o Tribunal recorrido considerado que a prova da mencionada intenção cabia aos AA. e que, "perante os factos provados e, em especial, as respostas dadas aos quesitos 13º e 14º, não se pode concluir que o Professor H tenha tido a intenção de ofender a memória do Prof. B - mas apenas que há divergência de opinião nos relatos que cada um fez do que se passou com a doença de Salazar", entendeu por bem negar provimento ao recurso.<br> Vejamos se assim é.<br> Justifica-se, no entanto, um prévio enquadramento teórico a respeito da natureza e conteúdo do direito ao bom nome e reputação, começando-se por um breve excurso no quadro do texto constitucional, após o que se passará para o âmbito das disposições aplicáveis do Código Civil. <br> <font>3 - Qualquer cidadão goza dos direitos (fundamentais) à integridade pessoal, maxime, na sua componente da integridade moral, e ao bom nome e reputação - cfr. artigos 25º, nº 1, e 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (</font> ) Segundo o artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujas normas são objecto de automática recepção no nosso direito (artigo 8º, nº 1, da C.R.P.), ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.<font>).</font><br> <font>O direito à integridade pessoal consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais. Escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira ("Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição revista, Coimbra Editora, pág 177), que, "sendo um direito organicamente ligado à defesa da pessoa enquanto tal, compreende-se não apenas a forma enfática utilizada pela Constituição, («...é inviolável»: nº 1) mas também a protecção absoluta que lhe confere, não podendo ser afectado mesmo no caso de suspensão de direitos fundamentais na vigência de estado de sítio ou de estado de emergência (artigo 19º, nº 6)".</font><br> <font>E acrescentam: "Este direito vale, naturalmente, não apenas contra o Estado mas, igualmente, contra qualquer outra pessoa" (sublinhado agora)</font><br> <font>Por sua vez, o direito ao bom nome e reputação (nº 1 do artigo 26º)."consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação (cfr. Código Penal, artigos 164º e 165º). Neste sentido, este direito constitui um limite para outros direitos (designadamente, a liberdade de informação e de imprensa)". (sublinhado agora) - cfr. loc cit, págs. 180 e 181.</font><br> <font>Não só este direito constitui um limite para outros direitos, mas também, "os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (artigo 18º, nº 1 da Constituição da República).</font><br> <font>São normas dotadas de eficácia imediata, vinculando as entidades públicas (e privadas), a começar pelo Estado, quer como legislador ou responsável pelo exercício de actos próprios de qualquer dos poderes de soberania, quer enquanto administração, seja no âmbito da "administração coactiva", seja no contexto da "administração de prestações".</font><br> <font>3.1. - Na abordagem a que procedeu a propósito das normas tipificadoras dos crimes de difamação e injúria (</font> ) Cfr. os artigos 407º e 410º do Código Penal de 1886<font>), Beleza dos Santos, depois de escrever que estas infracções têm como objecto jurídico as duas ordens de interesses que se exprimem pelas palavras honra e consideração , caracterizou tais conceitos do seguinte modo:</font><br> A honra refere-se ao apreço de cada um por si, a auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social ( ) Cfr. "Algumas considerações jurídicas sobre os crimes de difamação e de injúria", in RLJ, Anº 92, nº 3152, págs. 164 e segs.) ( ) Desenvolvendo esta temática, pode ver-se o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº 114/82, no qual se regista, em nota marginal, que, além da "honra" e "consideração", também é frequente a lei falar em "bom nome e reputação" (é o caso da Constituição da República, no artigo 26º, nº 1). Com efeito, Beleza dos Santos (...) ensina que palavars como "dignidade", "decoro", "bom nome" e "reputação" traduzem, exacta ou aproximadamente, os mesmos conceitos de "honra" e "consideração".).<br> Reflectindo acerca destes conceitos, acrescenta, em nota de rodapé, Barbosa dos Santos:<br> O sentimento da honra e o apreço pela consideração dos outros não se encontram dissociados na generalidade das pessoas, antes se combinam, por modo que um dos motivos por que se aprecia a própria dignidade é o da consideração pública e uma das razões por que esta pode procurar-se é a de confirmar e estimular a afirmação do próprio valor perante nós mesmos. Em alguns casos predomina o desejo de a pessoa valer por si, em outros o de se fazer valer aos olhos dos outros.<br> É curioso, por exemplo, o que se lê a este respeito no Ensaio de alguns synonymos da lingua portuguesa, do Cardeal SARAIVA. «Tem honra» - diz este autor - «o homem que constantemente, e por um sentimento habitual, procura alcançar a estima, boa opinião e louvor dos outros homens e trabalha por o merecer ..." E acrescenta: «O sentimento de honra nasce de hum bem entendido amor de nós mesmos, e nos leva directamente à virtude e às acções generosas, como único meio de alcançarmos boa opinião e louvor dos outros homens». (Obras completas, tomo VII, págs. 186 e 187).<br> 3.2. - Versando sobre a "tutela geral da personalidade", o nº 1 do artigo 70º do Código Civil, diploma a que pertencerão os preceitos que se indiquem sem outra menção, dispõe o seguinte:<br> A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral ( ) Escreve Capelo de Sousa, in "O Direito Geral de Personalidade", 1995, pág. 117: "Poderemos definir positivamente o bem de personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrado". ).<br> E o seu nº 2 inclui expressamente a responsabilidade civil entre os meios gerais de tutela da personalidade física ou moral.<br> Já o Anteprojecto do Professor Manuel Andrade - BMJ nº 102, pág. 155 - no seu artigo 6º, parágrafo 1, estipulava que "a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade". Paralelamente, o Professor Vaz Serra, no projecto sobre requisitos de responsabilidade civil - BMJ nº 92, págs. 82 e segs., 99, 111 e 135 -, reconhecia, no seu artigo 1º, a existência de um direito geral de personalidade, "direito de exigir de outrém o respeito da própria personalidade, na sua existência e nas suas manifestações".<br> Numa perspectiva de tutela juscivilística, escreve Capelo de Sousa que "a honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância (...).<br> -Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político" ( ) Cfr. loc. cit. na nota anterior, págs. 303 e 304.).<br> Por sua vez, nos termos do nº 1 do artigo 71º, sob a epígrafe "Ofensas a pessoas já falecidas", os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular.<br> À responsabilidade civil por ofensas à personalidade física ou moral (cfr. artigo 70º, nº 2, 1ª parte) são aplicáveis, em termos gerais, os artigos 483º e seguintes.<br> O princípio geral em matéria de responsabilidade por actos ilícitos consta justamente do artigo 483º, que estabelece o seguinte:<br> 1 - Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.<br> 2 - Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.<br> Por outro lado, o artigo 484º dispõe, como já se viu, que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.<br> O bom nome surge, pois, expressamente tutelado nos artigos 26º, nº 1, da CRP e no artigo 484º. Refira-se, a propósito, o Acórdão deste STJ de 09-07-76, processo nº 66255, em cujo sumário se pode ler:<br> I - Os artigos 70º e 484º do Código Civil que estabelecem a defesa dos direitos de personalidade abrangem o direito ao bom nome e à reputação, cuja violação, por antijurídica e culposa, é fonte de indemnização.<br> Como se observa no Acórdão deste STJ de 03-10-95, processo nº 087439, para além das duas disposições básicas de responsabilidade civil, constantes do artigo 483º, nº 1 - violação dos direitos de outrem e violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios - o nosso legislador recebeu uma série de previsões particulares que concretizam ou completam aquelas. É justamente o caso do artigo 484º, a par dos artigos 485º e 486º, estes agora desprovidos de relevo.<br> Daí que, escreve-se no local citado, reproduzindo o Acórdão deste STJ de 14-05-76, BMJ nº 257, pág. 131, "a ofensa ao crédito e bom nome prevista no artigo 484º não é mais do que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo 483º, pelo que se deve considerar subordinada ao princípio geral do artigo 483º".<br> 3.3. - Já se disse que o acórdão recorrido considerou ser de exigir que a afirmação ou difusão do facto a que se refere o artigo 484º seja voluntária, no sentido de haver, por parte de quem afirma ou difunde esse facto, a intenção de prejudicar o bom nome da pessoa a quem é imputado o facto afirmado ou difundido. <br> Ou, à semelhança do que defende o Recorrido, exigir-se-ia, para haver lugar a responsabilidade civil, o animus injuriandi vel difamandi - cfr. verbi gratia, a conclusão 9ª da contra-alegação.<br> Não é, no entanto, essa a melhor interpretação do preceito em causa, bastando que se verifique mera culpa para que ocorra também o caso de responsabilidade civil a que se refere o artigo 484º.<br> 3.3.1. - Vejamos alguns elementos doutrinários.<br> Referindo-se ao que apelida de "casos especiais de ilicitude" previstos no Código Civil, Mário Júlio Almeida Costa, depois de considerar que um desses casos é justamente o da ofensa do crédito ou do bom nome, escreve o seguinte:<br> Como se infere da lei, tem de haver a imputação de um facto, não bastando alusões vagas e gerais. Parece indiferente, todavia, que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou reputação da pessoa visada (...)"(7) Cfr. "Direito das Obrigações", 4ª edição, pág. 371.).<br> Por sua vez, Antunes Varela, abordando o que qualifica de factos antijurídicos especialmente previstos na lei, esclarece o seguinte: "Além das duas directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º sobre o conceito da ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, o Código trata de modo especial (à semelhança do que faz a lei civil alemã) alguns casos de factos antijurídicos.<br> "O primeiro é o da afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa" ( ) Cfr. "Das Obrigações em Geral" - Vol I, 7ª edição, Coimbra, 1973, págs. 539 e segs.).<br> "(...). Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado corresponda ou não à verdade, contanto que seja susceptível, dadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as sua obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade" ( ) Cfr., verbi gratia, Pires de Lima/Antunes Varela, "Código Civil Anotado", volume I, 4ª edição revista e actualizada, págs. 485 e 486.).<br> Apreciando, sob a temática dos "delitos específicos", os problemas suscitados pelo artigo 484º, Menezes Cordeiro, depois de entender que o "delito de ofensa da crédito ou do bom nome" está sujeito às regras gerais dos delitos, conclui que « (...) quem com dolo ou mera culpa" violar o direito ao bom nome e reputação de outrém, é responsável».<br> Segundo este Autor, o artigo 484º, em rigor dispensável, nada mais faz do que precisar, em determinado sentido, algo que o artigo 483º, nº 1, já previra. Em sequência do que, escreve ainda o seguinte: "Sendo assim não é possível determinar a priori se a divulgação do facto atentatório deve reportar-se a factos falsos ou, também, verdadeiros. É indubitável que a divulgação dum facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e reputação duma pessoa. Por outro lado, a divulgação dum facto falso e atentório pode não constituir um delito - por carência, por exemplo, de elemento voluntário.<br> "Concluímos, pois, que a solução deve resultar do funcionamento global das regras de imputação delitual. Em abstracto, contudo, Antunes Varela tem razão, quando afirma que pode advir responsabilidade da divulgação de factos verdadeiros" ( ) Cfr. "Direito das Obrigações", vol. II, págs. 348 a 350.).<br> 3.3.2. - A posição enunciada tem também indiscutível acolhimento na jurisprudência deste Supremo Tribunal.<br> Assim:<br> - Lê-se no sumário do Acórdão de 14 de Maio de 1976, Processo nº 66.144, in BMJ nº 257, págs. 131 e seguintes:<br> - A ofensa do crédito e bom nome prevista no artigo 484º do Código Civil não é mais do que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo precedente, pelo que se deve considerar subordinada ao princípio geral do artigo 483º não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, como também relativamente à culpabilidade.<br> Este mesmo entendimento foi perfilhado nos acórdãos deste Tribunal de 09-03-93, proc. nº 82.344, de 03-10-95, já citado, e de 05-03-91, Revista nº 79.804. <br> - Por sua vez, no sumário do Acórdão do STJ de 27-05-97, in Col. Jur. - Acórdãos do STJ, Ano V, Tomo II, págs. 102 e segs., pode ler-se o seguinte:<br> (...)<br> III - O direito de livre expressão não é absoluto devendo respeitar o direito à honra e ao bom nome, salvo casos excepcionais.<br> IV - A expressão de facto verdadeiro, se injustificada, pode ser passível de sanção legal.<br> V - O dever de indemnizar não está dependente de intencionalidade ofensiva bastando a mera culpa ( ) Para além dos pontos acima reproduzidos, pode ler-se ainda com interesse no referido sumário: "I - O direito-dever de expressar o pensamento não está, nem pode estar, sujeito a qualquer tipo de censura; mas identicamente tem de ser exercido com claro índice cívico, de respeito do Homem pelo Homem; (...) VII - A informação deve pautar-se por regras éticas e deontológicas rigorosas, adequad
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam,em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A propôs, na Comarca de Guimarães, acção ordinária contra B e outros, pedindo que, por força de testamento deixado por C, não se consideram legados aos Réus determinados bens da herança que pertencerão ao remanescente da mesma.<br> Os Réus contestaram por impugnação e excepção.<br> Houve réplica e tréplica em que as partes mantiveram as suas pretensões.<br> Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções arguidas, tendo-se elaborado a especificação e o questionário, de que houve reclamação.<br> Prosseguiu o processo normais tramites vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente.<br> Da mesma foram interpostos recursos por ambas as partes, vindo a ser parcialmente atendido o interposto pelos Réus.<br> Do assim decidido recorre apenas o Autor que alega:<br> 1 - nos termos do artigo 2187 do Código Civil os testamentos devem ser interpretados de acordo com "o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento", admitindo-se "prova complementar" desde que essa vontade "tenha um contexto no minimo de correspondencia, ainda que imperfeitamente expressa".<br> 2 - dizendo o testador que deixa a determinado interessado "a Quinta da Bouça que forma um casal agrícola composto de casa de caseiro e terrenos de cultivo (...) terrenos esses que são os que se localizam para nascente da Estrada de Falperra e que estão a ser fabricados pelo actual caseiro" não é possivel, por violação daquele normativo concluir que afinal o testador quis deixar a esse interessado toda essa Quinta - situada a nascente e a poente da estrada, composta de terrenos fabricados pelo caseiro e daqueles que ele não fabricava, a pretexto de tal interpretação interpretação ser resultante do contexto do testamento, pois se assim fosse, ela nele não teria um mínimo de representação;<br> 3 - aliás, que seria errado interpretar assim o testamento resulta com evidência do facto da parte dessa Quinta - a Casa da Bouça onde o testador residia<br> - ter sido deixada a outro interessado;<br> 4 - deixando o testador o remanescente da herança a todos os sobrinhos deve considerar-se remanescente a<br> Bouça de Basorraque - por não ser fabricada pelo caseiro do de cujus e se situar a poente da estrada de Falperra - e o Campo de Cachada - este por, sendo embora fabricado pelo caseiro, se situar a poente daquela estrada;<br> 5 - o artigo 2103 do Código Civil, fornece uma noção de recheio especifica do conceito de "casa de morada de familia" e o art. 2263 do mesmo diploma - referindo-se, aliás, apenas ao recheio de uma casa - não fornece uma noção de recheio, mas apenas do que dele é de excluir, pelo que a definição de recheio de uma casa, adega ou ou celeiro tem de se encontrar por recurso à analogia com outras normas e ao entendimento corrente da palavra;<br> 6 - assim, recheio de uma casa, adega ou celeiro é tudo aquilo que existe dentro dessa casa, adega ou celeiro e que tenha uma ligação normal, estável e funcional com eles, assim se excluindo dessa noção tudo o que for, por exemplo, de uso pessoal dos ocupantes do prédio ou que não respeite a esse carácter normal, estável e funcional (artigo 2263 do Código Civil);<br> 7 - uma pistola de defesa e uma espingarda de caça existentes na casa do testador não são, pois, elementos de recheio da mesma, a não ser que - o que não é o caso<br> - sirvam de adorno ou ornamentação da casa;<br> 8 - de resto, mesmo que se entendesse que o legado do recheio de uma casa e de uma adega compreende tudo o que à data da morte do testador se encontrar dentro de uma outra, não é admissivel integrar nesses recheios os cereais que estão noutro lugar nas tulhas ou nos alpendres, e não dentro de casa ou dentro da adega;<br> 9 - fornecendo o artigo 2263 do Código Civil uma pista interpretativa para se definir o que é recheio de uma casa - mas só este - sempre seria admissivel o recurso<br> à analogia com o disposto no artigo 2103 do mesmo diploma legal, para se definir, o que deve entender-se por recheio das adegas do testador;<br> 10 - à luz destas considerações não é admissivel julgar ser recheio aquilo que está dentro de casa, mas é pessoal ou próprio dos usuários da mesma (a saber: os<br> óculos do proprietário, os seus chapéus, a dentadura postiça, os sapatos, o gato e o cão, a bengala, o maço de tabaco, as joias, as espingardas, o automóvel, os remédios que o dono vem tomando) como só pode ser recheio de uma adega ou de um alpendre aquilo que aí se encontra com o carácter de estabilidade e permanência, e seja antes o rendimento do autor da herança;<br> 11- violados foram os artigos 2187, 2103 e 2263 do Código Civil.<br> Em contra-alegações os Recorridos defendem a manutenção do julgado.<br> Tudo visto.<br> Vem demonstrados os seguintes factos:<br> 1 - em 13 de Janeiro de 1982, faleceu, no lugar da Bouça, freguesia de S. Lourenço de Sande, Guimarães, onde residia, C, viúvo, sem herdeiros legitimos e com testamento, no qual institui varios legados, tendo nomeado testamenteiro o autor, seu sobrinho;<br> 2 - da herança deixada pelo C fazem parte, entre outros, os seguintes imóveis e móveis: a) "sorte de mato com pinheiros e eucaliptos, denominada Bouça de Basorraque, atravessada pela estrada, sita no lugar do Ribeiro de Cima, a confrontar do nascente com o Casal da Bouça, do poente com bens próprios, do norte com Caseiro do Forno, Souto e Travanca e o próprio e do sul com Casal da Bouça, inscrita na matriz sob o artigo 1165"; b) Campo da Cachada ou Agrolongo, sito na freguesia de Balasar, atravessado pela Estrada, a confrontar do poente com o próprio, do sul com o próprio e ribeiro, do norte com caminho público e do nascente com o próprio, inscrito na matriz rústica sob o artigo 5112; c) um cordão com meia libra, com o peso de 40,2 gr. -<br> 28140 escudos; d) um botão de camisa; e) um par de botões de punho, esfera; f) um alfinete de gravata joaninha; g) uma aliança de ouro; h) outra aliança de ouro; i) um fio de ouro em espinha; j) um par de clipes com águas marinhas falsas; l) uma corrente de ouro; m) duas alianças de ouro; n) uma corrente de ouro; o) um relógio de bolso, em prata, marca T.H. Ermos; p) uma medalha de ouro N. Sra. Conceição; q) um par de clipes em ouro e ónix; r) um broche de ouro e prata, com dois brilhantes, rubis e rosas; s) uma espingarda de caça n. 9132, marca FWSIL,<br> Brackers Heretal Liega, belga, calibre 12, de dois canos, cano liso, com o livrete n. 09114, serie B; t) uma pistola de defesa, com o livrete n. 53473, série<br> D, com o n. 476131, marca FN Baley, belga, calibre<br> 6,35; u) duas pipas de vinho tinto; v) 30 rasas de milho; x) oito rasas de centeio; z) nove pipas de vinho tinto; aa) 284 rasas de milho; ab) seis rasas de feijão; ac) dez rasas de centeio; ad) 68 rasas de milho; ae) 65 rasas de milho; af) 24 pipas de vinho tinto; ag) uma pipa de vinho branco;<br> 3 - no referido testamento, com que se finou o C, entre outras coisas, dispõe: a) "lego a D e B o recheio da Casa da Bouça, onde reside e das respectivas adegas, na proporção de 2/3 para a primeira e de 1/3 para o segundo"; b) "lego a B, a quinta chamada da Bouça, em S. Lourenço de Sande que forma um casal agrícola, composto de casa de caseiro e terrenos de cultivo, monte e eira; estes terrenos são os que se localizam para nascente da estrada da Falperra e que estão a ser fabricados pelo actual caseiro";<br> 4 - "as duas alianças de ouro, referidas supra, n. 2, alínea m) a corrente de ouro, referida supra, n. 2, alínea n) e o relógio de bolso, em prata, referido supra, n. 2 alínea o), encontravam-se, à data da morte de C, na sua casa";<br> 5 - "todos os restantes objectos de ouro, atrás referidos, eram guardados, pelo António Ribeiro, num pequeno cofre portátil que, habitualmente estava em casa do réu B e, quando o falecido C precisava de algum dos objectos, mandava vir o cofre a sua casa e, posteriormente, este voltava para casa daquele réu";<br> 6 - "a parte da Bolsa do Basorraque que ficou do lado poente da estrada é contígua às casas e eira do caseiro que sempre a tem utilizado como indispensável logradouro, para arrumação das alfaias agrícolas, paragem de gados e emadeiramento de palhas";<br> 7 - foi com o pai da E que o falecido ajustou aquela a venda de um lote da<br> Bouça de Basorraque, a nascente da estrada da Falperra e recebeu o sinal, tendo a escritura do contrato sido outorgada apos o falecimento de C, pelos réus B e mulher";<br> 8 - a Bouça de Basorraque jamais foi fabricada por qualquer caseiro do falecido B, sem prejuízo do que atrás se disse acerca das partes da bouça a poente da estrada";<br> 9 - "à data da morte do testador, a espingarda e a pistola referidas nas alíneas q) e r) do artigo 4 da p. i. encontravam-se dentro da casa da Bouça onde ele morava".<br> O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista apenas conhece, em principio, de questões de direito.<br> Pelo que, aos factos materiais fixados pelo tribunal da Relação aquele tribunal aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado - artigo 729 n. 1 do Código de Processo Civil.<br> Nos presentes autos está em causa a interpretação da última vontade exarada em testamento, vontade que não pode valer, em principio, contra a intenção real do testador, nem sequer com um alcance distinto do seu sentido subjectivo.<br> Daí que ao interpretar-se um testamento deva procurar-se, em primeira linha, o apuramento da vontade real e contemporanea do testador, de harmonia com o texto ou contexto do testamento e a prova complementar ou extrinseca que puder prestar-se. Só que o resultado tem que encontrar no contexto testamentário um minimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa - artigo 2187 do Código Civil.<br> No Acordão deste Tribunal, de 8 de Fevereiro de 1984 - B.M.J. 234-293 - refere-se que "a limitação contida no n. 2 do artigo 2187 do Código Civil não restringe o recurso à prova complementar, o que proibe, e que, com o uso de tais meios, se ultrapasse o processo de interpretação, para operar o que seria verdadeira alteração ou modificação informal do próprio testamento".<br> O Professor Manuel de Andrade - Actos da Comissão Revisora de Anteprojecto do Direito das Sucessões no Futuro Código Civil Português - B.M.J. 133 - 48 - diz que "deverá observar-se o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do testamento e a prova complementar, mas bastando discernir no testamento algum vago apoio para a identificação das pessoas ou dos bens".<br> Por sua vez, o Professor Ferrer Correia - Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico - páginas 214 - diz que "em caso de dúvida sobre a interpretação da disposição testamentária, observar-se-a o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, na medida em que isso ainda puder conciliar-se com o próprio contexto do testamento".<br> Mas, como consta do Assento deste S.T.J., de 19-10-954, "constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, determinar a intenção do testador".<br> O que poderá conduzir, atento o que atrás expusemos, a que este tribunal se veja coagido a não conhecer do decidido pela 2 instância, já que só conhece de matéria de direito. Só que fica sempre por conhecer a censura sobre a forma como o tribunal recorrido observou ou não as disposições legais reguladoras da interpretação, já que tratando-se de direito substantivo, a sua violação constitui objecto de recurso de revista. Assim há que cuidar saber se a vontade real do testador, que a<br> Relação apurou, se conforma ou não com o testamento que celebrou e ainda se tal vontade tem nele o minimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresssa - artigo 2187 do Código Civil.<br> Quanto aos legados de imóveis a Relação do Porto concluiu que do contexto do testamento resulta que o testador quis legar toda a Quinta da Bouça incluindo a Bouça de Basorraque e a parte do Campo da Cachada situada a poente da Estrada da Falperra. Refere que o testador declara expressamente que o objecto do legado era a Quinta chamada da Bouça e que tal quinta forma um casal agrícola; que se houvesse a intenção de excluir aqueles referidos prédios te-lo-ia declarado expressamente, como o fez quanto ao conjunto agrícola formado pelas quintas da Eira e da Telhada e que o facto de os terrenos se situarem a poente da estrada da<br> Falperra e a Bouça de Basorraque nunca ter sido fabricado por caseiro não infirma o valor que teria uma declaração expressa do testador a excluir aqueles legados do conjunto agricola; que a expressão terrenos fabricados pelo actual caseiro pode não referir-se a terrenos de cultivo, mas à expressão "monte", que parte da Bouça de Basorraque, que ficou do lado poente da estrada é contígua às casas e eira do caseiro que sempre a tem utilizado como indispensável logradouro para arrumação das alfaias agrícolas, paragem de gado e emadeiramento das palhas;que a intenção do testador foi instituir separadamente legados aos seus sobrinhos, por um lado, e aos sobrinhos da mulher por outro, nunca a uns e outros em conjunto, sendo assim incompativel com tal intenção a atribuição de uma bouça e parte de um campo a dois grupos de herdeiros, no total de 23, por inclusão dos dois terrenos no remanescente da herança.<br> Estes elementos de que o tribunal da Relação lançou mão integrou-se perfeitamente no conteúdo do texto do testamento e a vontade que declarou resultar do mesmo tem nele plena correspondência, ainda que imperfeitamente expressa. Na verdade, o único elemento que poderia contrariar a conclusão a que se chegou e a referência aos terrenos que se situam a poente da estrada da Falperra. Mas, a tal facto, considerado meramente literal, aquele tribunal não deu relevância, já que outros elementos que especificou o anulavam.<br> Não se vê que aquele tribunal tenha desrespeitado as disposições legais reguladoras da interpretação da vontade ou intenção do testador pelo que este tribunal nenhuma censura lhe pode assacar.<br> Mas, quanto aos legados envolvendo bens móveis?<br> A solução do objecto do recurso está dependente do significado que se der à palavra recheio de casa e de adega.<br> A questão não é nova.<br> No dominio do Código de Seabra a questão põe-se a propósito do disposto no seu artigo 1832.<br> E vem sendo posta face ao disposto nos artigos 2103 e 2263 do actual Código Civil.<br> Na vigência daquele primeiro Código entendia-se que o legado abrangia tudo o que se encontrava dentro de casa, com excepção das dívidas activas. E por casa referia-se o imóvel em si e não também já as suas dependências, com adega, garagem, lagar de azeite, etc.<br> Para que estas dependências fossem contempladas, necessário se tornava que o testador se lhes referisse expressamente. Na hipótese afirmativa o legado abangia tudo que lá se encontrasse. No caso especifico da adega - que a Moderna Enciclopédia Universal - Lexicoteca - define como "local normalmente abobadado, situado abaixo do piso terreo, destinado à guarda de vinhos engarrafados ou em tonel. Pode ser construido acima da superficie desde que se controle artificialmente o ambiente. Designação genérica de um depósito de vinhos"<br> - evidente que além do vasilhame o legado abrange também o seu conteúdo se, na data do obito do testador, algum existir.<br> No dominio do Código Civil vigente nenhuma definição genérica se deu de recheio.<br> O artigo 2263 é sensivelmente diferente do que se dispunha no artigo 1832 do Código velho já que do recheio de uma casa ou do dinheiro nela existente, no silêncio do testador, não constam os créditos ainda que lá se encontrem os respectivos documentos. A disjuntiva<br> "ou" conduz a que se considerem diferentes o recheio, o dinheiro e os créditos o que nos leva a concluir que nos legado de uma das espécies não se incluia outra.<br> Por sua vez, o artigo 2103-C, a propósito da casa de morada de familia, diz-nos que se considera recheio o mobiliário e demais objectos ou utensilios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa.<br> Jaime Ribeiro de Oliveira, em R.D.E.S., XXIV - só refere que o conceito de recheio de casa do artigo 2263<br> é mais amplo que o do artigo 2103-C.<br> Também Gomes da Silva - Reforma do Código Civil, 1981,<br> 80 - refere que "o legado de recheio da casa é considerado equivalente à deixa da casa com tudo o que se achar dentro dela. É o legado de todas as coisas móveis que se encontrem na casa com as aludidas excepções. Ora este conceito de recheio de casa pareceu demasiado amplo para objecto do direito de uso do conjuge sobrevivo. Neste direito de uso interessa não tudo o que está porta, adentro, mas apenas, o que, funcionalmente, está ligado à ideia de habitação; não, pois, todas as coisas móveis, mas, somente, aquelas que, relativamente à casa (morada de habitação) são indispensáveis, são úteis ou são ornamento".<br> Desta transcrição resulta que o conceito de recheio de casa é-nos dado pelo artigo 2263 abrangendo tudo o que se encontra dentro dela, menos créditos e dinheiro.<br> Restritivamente, o artigo 2103-C, revelando carácter nitidamente excepcional,é mais restritivo, aplicando-se apenas às hipóteses de morada de familia o direito de uso de habitação e do respectivo recheio - "artigos anteriores". Como norma excepcional e a norma insusceptivel de aplicação analógica - art.11 do Código<br> Civil. Interpretação de que não se vê necessidade de utilização já que o artigo 2263 se insere especificamente em matéria de sucessão testamentária e, no presente caso, atenta a matéria de facto demonstrada será a que corresponda melhor à vontade do testador.<br> Assim sendo a expressão recheio da casa e da adega, coincidente com a que se adoptava já na vigência do<br> Código de Seabra, abrange todos os objectos que se encontrem dentro delas, nomeadamente, a espingarda de caça, pistola de defesa, vinhos, rasa de milho, centeio e feijão todos eles constituiam recheio da casa e da adega e o testador ou a lei não os afastam da liberalidade constante do testamento.<br> Termos em que o recurso improcede.<br> Pelo que se nega a revista.<br> Custas pelo Recorrente.<br> Lisboa, 10 de Dezembro de 1991<br> Cura Mariano,<br> Joaquim de Carvalho,<br> Beça Pereira.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 89.05.05 do Tribunal Judicial de Guimarães;<br> II- Acordão de 91.01.29 do Tribunal da Relação do Porto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A propôs, no 3 Juízo Cível da Comarca de Lisboa, acção ordinária contra Sociedade Cine saúde - Centro de Medicina Física e Ortopédica, Lda., e outros pedindo que seja declarado que a 1. ré lhe deve a quantia de 1393846 escudos relativa a empréstimos efectuados; seja declarada a nulidade das deliberações tomadas sem convocatória das respectivas assembleias gerais e sem a presença da Autora ou de seu representante e que o foram pela 1. Ré; seja declarada a nulidade da venda do prédio que identifica, atenta a nulidade daquelas deliberações (e de a Autora ser credora da 1. Ré e ter interesse na declaração dessa nulidades ou, subsidiariamente, seja anulada a citada venda, já que a saída do património da sociedade e por um valor ridículo do único bem cujo valor poderia garantir a satisfação do crédito da Autora, tem como consequência a impossibilidade da satisfação desse crédito.<br> A folhas 18 aquela 1. Ré veio confessar o pedido. B veio suscitar o incidente do chamamento à autoria de C.<br> Aquele B e esposa vieram contestar a acção fazendo-o por excepção e impugnação, solicitando ainda a suspensão da instância.<br> Respondeu a Autora A Câmara de Lisboa foi considerada territorialmente incompetente, sendo os autos remetidos à Comarca de Setúbal.<br> Saneado o processo veio, posteriormente, a ser proferida decisão que julgou a acção procedente.<br> Sem êxito, os Réus B e mulher recorreram para o Tribunal da Relação de Évora.<br> Novo recurso para este Supremo Tribunal de Justiça em que alegam:<br> 1 - se alguma irregularidade ocorreu nas deliberações da Assembleia Geral da Sociedade, tal vício prende-se com uma "invalidade mista", sendo sanável; <br> 2 - impondo-se deste modo um procedimento prévio à propositura da acção judicial de declaração de nulidade;<br> 3 - visto que, a impugnação contenciosa de deliberações sociais deve ser precedida de Assembleia Geral que se pronuncie validamente sobre as decisões viciadas;<br> 4 - o sócio que, conhecendo a irregularidade não proporciona a sua correcção, antes a leva a juízo para anular deliberações, além de patentear de má fé, o que se invoca para os legais efeitos, ver frustrada a sua pretensão litigio, por verificação de excepção peremptória - artigo 57, n. 1 do Código das Sociedades Comerciais, artigo 493 n. 3 do Código de Processo Civil conducente à absolvição do pedido;<br> 5 - além do mais, o voto da recorrida não poderia obstar à efectivação do contrato de compra e venda, pois não tinha poderes suficientes para o efeito;<br> 6 - ficando sempre comprometido o efeito útil da declaração da nulidade de tal contrato;<br> 7 - independente de tudo o mais, os recorrentes estão, na relação contratual em ataque - compra e venda - salvaguardados pelo artigo 61, n. 2 do Código das Sociedades Comerciais;<br> 8 - preceito cuja aplicação foi afastada pelo Tribunal recorrido através de uma ilação sem nexo e cabimento;<br> 9 - visto que, os recorrentes desconheciam por completo a existência de qualquer tipo de vícios das deliberações, encontravam-se seguros da Assembleia Geral então efectuada;<br> 10 - ao direito de propriedade dos recorrentes sobre o prédio não pode ser oposta uma hipotética declaração de invalidade das deliberações.<br> Não houve contra alegações.<br> Tudo visto<br> Deram-se como demonstrados os seguintes factos:<br> 1 - em 31 de Agosto de 1982, por escritura pública, D e C, na qualidade de sócios-gerentes da 1. Ré, venderam por 300000 escudos a B, o prédio urbano, sito na Rua ..., Vila Nogueira de Azeitão, freguesia de São Lourenço, Concelho de Setúbal, descrito na 1. conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n. 243, registado a favor da vendedora, sob a inscrição G-2 e inscrita na matriz sob o artigo 593;<br> 2 - o referido prédio encontrava-se, desde 22 de Setembro de 1987, inscrito, na Conservatória respectiva, a favor de B;<br> 3 - em 30 de Março de 1987, teve lugar uma assembleia geral extraordinária da Ré, Cinesaúde - Centro de Medicina Física e Ortopédica, Lda., que deliberou que o imóvel, em questão, fosse vendido por 300000 escudos, a B;<br> 4 - em 19 de Junho de 1987, realizou-se nova assembleia geral extraordinária da Ré, em que foi de novo deliberado que o prédio em causa, fosse vendido ao réu B, por 300000 escudos; <br> 5 - A é sócia da Ré Cinesaúde, Lda.;<br> 6 - A fez entregas em dinheiro à ré Sociedade, para pagamento de várias despesas desta, de várias importâncias que somam 1393846 escudos, nos termos de folha 5;<br> 7 - a referida importância foi gasta em melhoramentos do prédio em causa:<br> colocação uma placa com 14 pilares;<br> nivelamento do chão, do rés-do-chão, através de um patamar;<br> construção de dois gabinetes de consulta; construção de 3 divisões para fisioterapia - uma divisão em boxes - com uma secretária com "guichet";<br> uma sala de recepção, instalações para funcionamento de radiologia e colocação de uma mesa basculante com calhas; colocação de paredes baritadas;<br> construção de compartimentos para os doentes, com câmara escura e instalação de sanitários;<br> no 1. andar - construção e instalação de sanitários; 2 balneários equipados; de uma sala para para ginásio com equipamento espaldares;<br> construção de uma sala para análises e vários espaços para sauna e duche escocês;<br> electrificação de todo o edifício, incluindo um quadro eléctrico novo, que custou 1300 contos;<br> pintura do prédio e reparação do telhado na sua totalidade;<br> 8 - tais melhoramentos no prédio em causa custaram 6000 contos, financiados por empréstimos de vários sócios entre os quais o da Autora, estipulando-se não haver lugar a juros;<br> 9 - o único bem que a Sociedade detinha, era o prédio em causa;<br> 10 - antes dos melhoramentos referidos, o prédio era constituído por um terreno, com um antigo cinema, que constava de 4 paredes, uma escadaria e uma galeria, com o tecto furado;<br> 11 - em 5 de Novembro de 1988, em assembleia geral da Ré Sociedade, foi deliberado não renovar as deliberações que autorizavam a venda do prédio, nos termos dos documentos de folha 23 e 33;<br> 12 - a Autora não teve conhecimento e não foi convocada para as assembleias gerais referidas;<br> 13 - as referidas assembleias não foram objecto de convocatórias;<br> 14 - assim que teve conhecimento da venda a Autora manifestou aos Recorrentes a sua oposição e discordância;<br> 15 - em consequência da venda do prédio, os credores da ré Sociedade, entre os quais a Autora ficaram impossibilitados de obterem a satisfação dos seus créditos;<br> 16 - todos os recorrentes, na altura das deliberações e no momento da venda tinham pleno conhecimento:<br> a) que a alienação ora impugnada, colocava e coloca a sociedade na impossibilidade de satisfazer os seus créditos (débitos), designadamente o crédito da Autora;<br> b) que as assembleias referidas supra em 3 e 4 (factos 1 e 3) não foram sequer objecto de convocatória.<br> <br> Numa sociedade comercial a vontade normativa da própria sociedade é assumida por meio de deliberação da assembleia geral. Deliberação resultante de resoluções tomadas pelo plenário dos sócios, correspondente à soma das vontades individuais expressas pelos mesmos.<br> Para tanto, a reunião da assembleia geral tem que obedecer a pressupostos, como o de ser competente e regularmente convocada e que o seu funcionamento tenha sido também regular.<br> Quanto à convocação importa que da realização da assembleia geral - local, dia, hora e ordem do dia - seja dado conhecimento a todos os sócios da sociedade - artigo 248 do Código das Sociedades Comerciais.<br> Só a deliberação validamente tomada integra uma manifestação de vontade social que se impõe a todos os sócios e vincula os outros órgãos da sociedade. Se a deliberação sofrer de vícios formais ou de vício materiais a mesma será inválida e poderá ser nula ou anulável.<br> Um destes vícios é a falta absoluta de convocação, quando não estiver presente a totalidade dos sócios da sociedade - artigo 56, n. 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais.<br> Como refere Ferrer Correia - Lição de Direito Comercial, II, páginas 365 - são nulas as deliberações que infringem preceitos legais imperativos defensores de interesses de ordem pública, ou que infrinjam os direitos cooperativos gerais inderrogáveis e irrenunciáveis ou ainda as que emergem de uma "não assembleia" por faltar um requisito essencial para a constituição desta.<br> Aquele artigo 56 integra a não convocação da assembleia nesta categoria de invalidade, já que foi omitido um requisito essencial da convocação uma vez que nem de uma verdadeira assembleia se pode falar. Além do mais tem-se em vista a desprotecção em que fica o sócio ou sócios não convocados e que não compareceram à reunião.<br> Nula a deliberação, nulos são os actos que a mesma contemplou.<br> Porém, o artigo 57 diz-nos que o órgão da fiscalização da sociedade deve dar a conhecer, em assembleia geral, a nulidade de qualquer deliberação anterior, afim de a mesma poder ser renovada ou de ser declarada a respectiva declaração judicial.<br> Do disposto neste artigo resulta que, no caso de os sócios não renovarem a deliberação, nem intentarem a respectiva acção judicial, então o órgão de fiscalização deve promover a respectiva declaração Judicial.<br> Nestes autos vem demonstrado que nenhum dos sócios, nomeadamente A, foi convocado para a assembleia geral que deliberou a venda do único nexo da sociedade, por preço mais do que irrisório e que deixa antever situação menos curial. Demonstrado também que aquela A não compareceu a tal assembleia e não deu, posteriormente o acordo ao lá deliberado. Provado ainda que, em 5 de Novembro de 1988 teve lugar assembleia geral da Ré Sociedade em que foi deliberado não renovar as deliberações que autorizavam a venda do prédio, sendo certo que, em 19 de Agosto de 1987 tinha tido lugar outra reunião associativa em que foi renovada a autorização de venda pelo preço de 300000 escudos. Para nenhuma destas assembleias foi convocada a A e não houve, uma vez mais, convocatórias para os outros sócios e a Autora não teve conhecimento do deliberado.<br> Foi ela que tomou a iniciativa de obter a declaração judicial da nulidade que, efectivamente se verificava, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 4, de Novembro de 1993, Col. Jur. I, III página 104.<br> Pelo que ao Recorrente, neste aspecto, não assiste qualquer razão.<br> Invoca, porém, o mesmo disposto no artigo 61 do Código das Sociedades Comerciais afirmando a sua boa fé.<br> O n. 1 deste artigo não trata dos limites objectivos do caso julgado, mas são todos seus limites subjectivos. Nada se dispõe sobre o conteúdo objectivo do caso julgado; apenas se pretende estender os seus efeitos, que em princípio, se restringem às partes, a terceiras pessoas.<br> Ora, dos factos dados como demonstrados resulta que os Réus - expressão que engloba os recorrentes - na altura das deliberações e no momento da venda tinham conhecimento, melhor, pleno conhecimento de que a alienação do imóvel colocava e coloca a sociedade na impossibilidade de satisfazer os seus débitos, designadamente o crédito da Autora e de que as assembleias não foram sequer objecto de convocatória.<br> Tendo-se já referido que as deliberações são nulas, evidente será que, por carência de expressão de vontade na declaração e objecto imediato contrário à lei, a venda inerente também o é, não podendo produzir quaisquer efeitos. Muito menos em relação aos Recorrentes, já que estes tinham perfeito conhecimento da nulidade da deliberação o que, normativamente, exclui a anunciada boa fé - n. 2 do artigo 61 referido.<br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelos Recorrentes.<br> Lisboa, 12 de Julho de 1994.<br> Cura Mariano;<br> Martins da Fonseca;<br> Ramiro Vidigal.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <br> <div><font>I</font></div><br> <font>1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhes moveu o A , as executadas B, e C deduziram no Tribunal de Santo Tirso embargos de executado pedindo seja declarado que:</font><br> <font>- a embargada não é legítima possuidora da livrança em causa;</font><br> <font>- entre as embargantes e embargada não foi celebrado qualquer negócio;</font><br> <font>- a livrança dada à execução não tem subjacente qualquer transacção entre embargantes e embargada;</font><br> <font>- as embargantes em nada são devedoras à embargada.</font><br> <font>Para tanto, e em síntese, alegaram ter entregue à embargada - balcão da Agência de ... - uma livrança subscrita pela 1ª embargante e avalizada pela 2ª, livrança totalmente em branco e sem qualquer autorização para o preenchimento da mesma. </font><br> <font>Contestados os embargos, seguiu o processo normal tramitação, com prolação do despacho saneador, selecção da matéria de facto, e realização do julgamento.</font><br> <font>2. Por sentença de 01.04.2001 os embargos foram julgados “procedentes por provados e consequentemente extinta a obrigação exequenda” (fls. 115).</font><br> <font>Inconformado, o Banco embargado apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 18.12.2001, julgou a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, “a qual se substitui por outra que julga os embargos totalmente improcedentes, absolvendo a embargada do respectivo pedido” (fls. 149).</font><br> <font>3. Não se conformando com o assim decidido, as embargantes interpuseram o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo ao alegar:</font><br> <font>1ª Deve ser especificado que a recorrida detém todo o capital da D e que está é uma empresa dominada por aquela.</font><br> <font>2ª A livrança em causa foi entregue em branco e apenas podia ser preenchida e apresentada a pagamento se ocorresse incumprimento.</font><br> <font>3ª O furto e a destruição do bem geram a impossibilidade objectiva do cumprimento.</font><br> <font>4ª Tal desonera a embargante do pagamento da prestação.</font><br> <font>5ª Quer o furto quer a destruição do veículo foi do total conhecimento da empresa de leasing bem como da embargada/recorrida.</font><br> <font>6ª Assim, o uso da letra surge como abusivo, já que ela é apenas garantia de cumprimento.</font><br> <font>7ª Estando o seguro em vigor, deveria ter sido exigido à empresa seguradora o pagamento do valor do veículo.</font><br> <font>8ª A D ‘não é’, ‘tem aparência do ser’.</font><br> <font>9ª O seu ‘ser’ e o ‘ser não ser’ confundem-se, ou seja, são a mesma realidade.</font><br> <font>10ª Para quem entenda que o abuso do direito é o tampão da violência jurídica, então o recorrido abusou do direito (leia-se, das normas).</font><br> <font>11ª Para quem entenda que não há relação jurídica (sempre nunca existirá negócio jurídico) sem o seu núcleo essencial: a boa fé. O recorrido não pode socorrer-se das normas que potencialmente terceiros na sua dependência (domínio) e sem personalidade (sic).</font><br> <font>12ª Sempre a recorrida não fez qualquer negócio por ter agido em má fé ou por ter abusado do (de) direito.</font><br> <font>13ª Sendo a recorrida e a D uma só pessoa tudo ocorre como se esta não existisse, ou seja, tudo ocorre como se o contrato tivesse sido celebrado com a recorrida.</font><br> <font>14ª A cláusula 7ª, nº 4, de fls. 21, sempre deve ser tida como ilegal, abusiva e nula.</font><br> <font>15ª Deve ser revogado o douto acórdão” Registe-se que nas conclusões não se aponta a violação de qualquer norma jurídica.</font><br> <font>.</font><br> <br> <font>Não foi oferecida resposta.</font><br> <font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br> <div><font>II</font></div><br> <font>Foram dados como assentes os seguintes factos:</font><br> <font>“1. O Banco exequente deu à execução uma livrança de Esc. 3.033.530$00, vencida em 98.01.02, subscrita pela 1ª executada (I.T.J.V.) e avalizada pela 2ª executada (C);</font><br> <font>2. A embargante B celebrou, em 14.11.96, com a D, um contrato de Locação Financeira Mobiliária (nº ...);</font><br> <font>3. Esse contrato visou a aquisição pela embargante B de um veículo ligeiro de mercadorias - marca Mercedes Benz - Mod. 108/0/30, furgão, matrícula ..-..-HN;</font><br> <font>4. O equipamento foi fornecido por "..., Ld.ª", pelo preço de Esc.: 2.895.000$00 e foi entregue à referida embargante;</font><br> <font>5. O preço foi pago pela D e a embargante (B) obrigou-se para com aquela a pagar 30 rendas de 125.777$00 (com IVA) cada;</font><br> <font>6. Foi exigido à locatária - aqui embargante - que apresentasse seguro de responsabilidade civil ilimitada, danos próprios com substituição em novo e que subscrevesse uma livrança em branco avalizada pelos sócios, com a respectiva autorização de preenchimento a favor do A ;</font><br> <font>7. As embargantes deixaram ao balcão do A - Santo Tirso, uma livrança totalmente em branco, subscrita pela B e avalizada pela embargante C e entregaram o contrato de seguro;</font><br> <font>8. O bem locado (veículo automóvel de matrícula ..-..-HN) foi objecto de seguro, titulado pela apólice nº ..., na "... Seguros";</font><br> <font>9. Cuja cópia entregou à D que o aceitou como correcto;</font><br> <font>10. Na noite de 8/9 de Fevereiro de 1997, o veículo em causa foi furtado, tendo sido abandonado em Valongo totalmente destruído pelo fogo;</font><br> <font>11. A embargante fez a participação do sinistro à companhia de seguros e comunicou tal facto à D;</font><br> <font>12. O A e a D celebraram um protocolo, mediante o qual aquele presta uma garantia global de risco a favor desta;</font><br> <font>13. As embargantes, por escrito, e em carta dirigida ao A, solicitaram-lhe que a operação financeira referente ao contrato de locação financeira mobiliária nº ... fosse incluída nessa garantia global de risco;</font><br> <font>14. A D perante o incumprimento do contrato comunicou à embargada a resolução do contrato e a forma como o fez;</font><br> <font>15. E exigiu da embargada o pagamento da quantia de Esc. 2.892.371$00, referentes ao valor em dívida à data da primeira renda não paga pelo cliente, acrescida de juros à taxa de remuneração fixada pelo A para o financiamento de médio prazo, calculados desde a data da resolução até à data de pagamento;</font><br> <font> 16. O A pagou à D tal quantia;</font><br> <font> 17. Com data de 10.11.98, a embargada comunicou às embargantes ser portador da livrança dada à execução, no valor de Esc. 3.033.530$00, com vencimento fixado para 02.01.98, preenchida de acordo com as instruções fixadas na carta daquelas, datada de 96.12.06”.</font><br> <div><font>III</font></div><br> <font>Face às conclusões dos recorrentes, delimitadoras que são do objecto do recurso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, ambos do CPC), as questões que importa decidir traduzem-se em saber se:</font><br> <font>- devia ter sido “especificado que a recorrida detém todo o capital da D e que esta é uma empresa dominada por aquela”;</font><br> <font>- o furto e a destruição do veículo objecto do contrato de locação geraram a impossibilidade objectiva de cumprimento da obrigação, e consequente desoneração do pagamento da prestação por parte da embargante;</font><br> <font>- o pagamento do valor do veículo deveria ter sido exigido à empresa seguradora;</font><br> <font>- a cláusula 7ª, nº 4, de fls. 21, deve ser tida como ilegal, abusiva e nula;</font><br> <font>- a embargada/exequente actuou com má fé e/ou abuso do direito.</font><br> <br> <font>Vejamos cada uma de per si.</font><br> <br> <font>1ª questão </font><br> <font>Cumpre desde logo salientar que as ora recorrentes não só não reclamaram contra a selecção da matéria de facto (incluída na base instrutória ou considerada como assente Cfr. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II vol. , 1997, p. 148.), como também não reclamaram das respostas aos quesitos (cfr. fls. 41-43 e 106-107).</font><br> <font>Significa, pois, que as recorrentes pretendem que este Supremo Tribunal aprecie questão jamais suscitada perante as instâncias.</font><br> <font>Como quer que seja, não têm razão.</font><br> <font>Certo que as embargantes articularam na respectiva petição que importa esclarecer que D é uma empresa dominada pelo A que detém todo o capital da mesma” (cfr. artigo 27, a fls. 5), e a embargada, por seu turno, aceitou que o alegado nesse artigo “é verdade” (cfr. artigo 4º da contestação, a fls. 14 v.).</font><br> <font>Porém, face ao disposto no nº 2 do artigo do artigo 490º do CPC, não podem ser considerados admitidos por acordo os factos que, apesar de não impugnados, só possam ser provados por documento escrito.</font><br> <font>Situação que é a dos autos.</font><br> <font>Na verdade, o artigo 3º do Código do Registo Comercial (aprovado pelo DL nº 403/86, de 3 de Dezembro), sujeita a registo determinados factos relativos às sociedades comerciais, nomeadamente os elencados nas suas alíneas a), q), t) e u), acrescentando o artigo 14º que “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.</font><br> <font>Ora, dos autos não consta qualquer documento sobre a matéria.</font><br> <font>Noutra vertente, acrescentar-se-á que ao juiz, ao fixar a base instrutória, cabe seleccionar (apenas) a matéria de facto relevante para a decisão da causa (artigo 511º, nº 1, do CPC).</font><br> <br> <font>2ª questão</font><br> <font>1. Entre a 1ª embargante e a D foi celebrado, a 14.11.96, um contrato de locação financeira, que o artigo 1º do DL nº 149/95, de 24 de Junho, define como:</font><br> <font>o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço...”.</font><br> <font>Trata-se de um contrato nominado misto, com elementos da compra e venda e da locação (Leite de Campos, "Boletim da Faculdade de Direito", vol. LXIII, p. 73), ou misto de locação, venda e mútuo (Moitinho de Almeida, BMJ, nº 231-11), mas sempre um contrato de adesão.</font><br> <font>“Não é, pois, uma compra e venda, porque a propriedade se não transfere por mero efeito do contrato, mas também não é uma locação típica, pois o locatário tem o direito de acabar por adquirir o respectivo bem” (acórdão do STJ de 30.9.99, Proc. nº 682/99).</font><br> <font>Enquanto o locador ‘em geral’ se obriga a assegurar o gozo da coisa (artigo 1031º, alínea b), do Código Civil), o locador financeiro obriga-se a ceder o gozo temporário da coisa (transcrito artigo 1º) - sobre o locador financeiro não impende, pois, uma obrigação de resultado, qual seja, a de assegurar ao locatário o gozo da coisa (cfr. Calvão da Silva, “Locação Financeira e Garantia Bancária”, in “Estudos de Direito Comercial”, Almedina, 1999, p. 26).</font><br> <font>Aqui residirá, se bem se pensa, a principal razão de ser do regime legal que o DL nº 149/95 consagrou em sede de “vícios do bem locado” (artigo 12º) e de “risco de perda ou deterioração do bem” (artigo 15º).</font><br> <font>Vejamos.</font><br> <font>2. Definida a “posição jurídica” do locador e do locatário (artigos 9º e 10º, respectivamente), e estabelecido, pelo artigo 12º, que “o locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato” O que, segundo Calvão da Silva, “Estudos de Direito Comercial (Pareceres)”, p. 30, se compreende: “se a coisa adquirida e entregue ao locatário é defeituosa, a sociedade locadora não tem culpa alguma, pois quem a escolheu foi o locatário” (cfr. o acórdão do STJ de 18.5.99, Proc. nº 145/99, que, se bem interpretamos, não distingue, nesta sede de risco, entre “vícios do bem locado” – artigo 12º - e “risco de perda e deterioração” – artigo 15º).</font><br> <br> <font>O artigo 15º dispõe:</font><br> <font>Salvo estipulação em contrário, o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário”.</font><br> <font>Assim sendo, e não tendo havido, no caso dos autos, estipulação em contrário, deve concluir-se pelo bem fundado da resolução do contrato operada pela locadora - com assento, também, no nº 4 do artigo 7 das “Cláusulas Gerais”: “se, de acordo com a peritagem da Companhia de Seguros, se tratar de sinistro com perda total do equipamento, o contrato considerar-se-á automaticamente resolvido para todos os efeitos legais”</font><br> <font>3. Todavia, como bem se compreende, o que as recorrentes no fundo pretendem, e defendem, é que a obrigação de pagamento das rendas por parte da locatária se extinguiu, face à perda da coisa locada há, parece, clara impossibilidade objectiva, pelo que a obrigação de prestação por parte da embargante se extinguiu – artigo 790º do CC” (cfr. alegações, a fls. 182).</font><br> <font>Mas não lhes assiste razão.</font><br> <font>Nos termos do nº 1 do citado artigo 790º, “a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável do devedor”.</font><br> <font>Ora, o quadro factual provado (cfr. pontos 3, 4 e 5) permite se conclua que a locadora cumpriu as obrigações contratuais que assumiu, adquirindo e pagando o preço do veículo, que entregou à locatária, concedendo-lhe o seu gozo (cfr. alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 9º do DL nº 149/95).</font><br> <font>No que respeita à locatária, são suas obrigações, entre outras, “pagar as rendas” e “restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo...” (alíneas a) e j) do nº 1 do artigo 10º do mesmo diploma) – no caso vertente, obrigou-se para com a locadora a pagar 30 rendas de 125.777$00 (com IVA) cada (nº 5 da matéria de facto provada).</font><br> <font>E por força do citado nº 4 do artigo 7º das Cláusulas Gerais - que rege para o caso de sinistro com perda total do equipamento, gerador da resolução automática do contrato - deve o locatário pagar na mesma data ao locador o montante quer das rendas vencidas e não pagas e respectivos juros..., quer das rendas vincendas...”.</font><br> <font>Locadora que, perante o incumprimento do contrato, comunicou à embargada a resolução do contrato, exigindo-lhe o pagamento da quantia de 2.892.371$00, referentes ao valor em dívida à data da primeira renda não paga pelo cliente, acrescida de juros (pontos 14 e 15 dos factos provados). </font><br> <font>Afigura-se que bem, porquanto a obrigação de pagamento das rendas se manteve, em conformidade com a distribuição do risco pela perda do bem, resultante quer da lei (artigo 15º), quer da vontade das partes (nº 4 do artigo 7º das Cláusulas Gerias).</font><br> <br> <font>3ª questão</font><br> <font>1. Recortem-se os factos mais pertinentes:</font><br> <font>- foi exigido à locatária, aqui embargante, que apresentasse seguro de responsabilidade civil ilimitada e danos próprios com substituição em novo (ponto 6);</font><br> <font>- o bem locado foi objecto de seguro na ‘... Seguros’ (ponto 8);</font><br> <font>- na noite de 8/9 de Fevereiro de 1997 o veículo em causa foi furtado, tendo sido abandonado totalmente destruído pelo fogo (ponto 10).</font><br> <font>A que acresce o disposto no segmento final do nº 4 do artigo 7º das Cláusulas Gerais:</font><br> <font>“recebendo em consequência este [leia-se, locatário] directamente da Companhia de Seguros, após prévio consentimento escrito do locador, a indemnização que aquela venha a pagar”.</font><br> <font>2. Neste segmento fundou o acórdão o entendimento, que se acolhe, de que, quem, de acordo com tal cláusula, deve exigir da seguradora o pagamento da indemnização que esta venha a pagar é a locatária, ou seja, a embargante I.T.J.V.”.</font><br> <font>Acórdão que também considerou que a embargada é alheia ao contrato de seguro outorgado pela embargante B com a ... Seguros. Esse contrato obriga apenas os respectivos outorgantes, não tendo a virtualidade de afectar por qualquer modo a obrigação decorrente da livrança dada à execução pela embargada”.</font><br> <font>Cumpre reconhecer, com efeito, que a embargada não interveio no contrato de seguro, sendo certo, por outro lado, que a celebração desse contrato não exonerou a locatária, 1ª embargante, das obrigações que para ela decorrem do contrato de locação financeira.</font><br> <font>Cabia, pois, à locatária, enquanto outorgante do contrato de seguro, accionar esse seguro.</font><br> <br> <font>4ª e 5ª questões</font><br> <font>Estamos perante questões só agora suscitadas, pelo que, em rigor, poderia entender-se que estavam fora do poder de cognição deste Supremo Tribunal.</font><br> <font>Como quer que seja, também sobre estes pontos falece razão às recorrentes.</font><br> <font>1. Decisivo atentar:</font><br> <font>- por um lado, que à embargada foi entregue uma livrança totalmente em branco (subscrita pela B e avalizada pela 2ª embargante), com a respectiva autorização de preenchimento a favor do Banco embargado, que este veio a preencher de acordo com as instruções fixadas na carta das embargantes, datada de 6.12.96 (pontos 6, 7 e 17 dos factos provados);</font><br> <font>- por outro, que o Banco embargado e a locadora D celebraram um protocolo, mediante o qual aquele prestou uma garantia global de risco a favor desta, tendo as embargantes solicitado, por escrito e em carta dirigida àquele Banco, que a operação financeira referente ao contrato de locação financeira aqui em causa fosse incluída nessa garantia global de risco (pontos 12 e 13 da matéria de facto provada).</font><br> <font>Neste quadro, e tendo o Banco honrado a garantia prestada, pagando à locadora a quantia que esta lhe exigiu (face ao incumprimento e resolução do contrato), bem andou o exequente, portador legítimo da livrança com vencimento fixado para 2.1.98, em exigir das embargantes o que havia pago, e, depois, ao dar esse título à execução, devidamente preenchido.</font><br> <font>2. Como assim, entendemos que o Banco embargado mais não fez do que exercer um direito com assento na lei e na vontade das partes, não podendo reputar-se esse seu comportamento como ilegítimo, porque atentatório da boa fé (artigos 334º e 762º, nº 2, do Código Civil) Entendimento que se acolhe, sem esquecer que, em sede das cláusulas contratuais gerais, a boa fé “oferece aspectos peculiares” (conforme preâmbulo do DL nº 446/85, de 25 de Outubro).</font><br> <font> No acórdão do STJ de 15.12.98, Proc. 98 A 1090, considerou-se que, para se afirmar, à luz do disposto no artigo 19º, alínea c), do referido DL nº 446/85, a desproporcionalidade da cláusula, é preciso proceder a uma comparação entre o montante da indemnização que resulte dessa cláusula e a ordem da grandeza dos prejuízos que o vendedor sofrerá com o incumprimento, só podendo o juiz concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, após ponderar uma série de outros factores, à luz do caso concreto, que um julgamento por equidade requer.</font><br> <br> <br> <font>.</font><br> <font>Nos termos de qualquer destes dois preceitos, agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, é não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar, é não proceder de modo a impor sacrifícios intoleráveis à contraparte (Antunes Varela, “CJ, ano 1986, tomo III-13; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 4ª ed., pp. 92-93; acórdão do STJ de 24.9.96, Proc. nº 162/96).</font><br> <font>Para a determinação dos limites impostos pela boa fé há que atender de modo especial às condenações ético-jurídicas dominantes da colectividade (acórdão do STJ de 4.6.2002, Proc. nº 1442/01).</font><br> <font>O abuso do direito traduz-se no exercício anormal do direito próprio, em termos reprovados pela lei; embora se respeite a estrutura formal do direito, viola-se a sua afectação substancial, funcional ou teleológica (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral" , 9ª ed., vol. I, pp. 545-546).</font><br> <font>Para que haja lugar ao abuso do direito é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito (citado acórdão de 4.6.2002).</font><br> <font>Considerações que, para além das já expendidas a propósito do contrato de seguro (3ª questão), também ajudam, de algum modo, a suportar o entendimento de que a cláusula inserta no nº 4 do artigo 7º não “deve ser tida como ilegal, abusiva e nula”.</font><br> <font>Vícios que, embora sem especificarem Apontam tão-só o artigo 19º, h), da Lei 24/96 (cfr. alegações, a fls. 182 v.).</font><br> <font>O que só pode ser devido a lapso.</font><br> <font>Na verdade, o artigo 19º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (diploma que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), subordinado à epígrafe “acordos de boa conduta”, não contém qualquer alínea., as recorrentes relacionam e fazem derivar da existência do seguro, dizendo: tendo o seguro sido efectuado no interesse da locadora, e mantendo-se em vigor, restava accionar esse mesmo seguro (cfr. alegações, a fls. 182 v.).</font><br> <br> <br> <font>Improcedem, assim, as conclusões das recorrentes.</font><br> <br> <br> <br> <font>Termos em que, pelos fundamentos expostos, se nega a revista e confirma o acórdão recorrido.</font><br> <font>Custas pelas recorrentes.</font><br> <br> <font>Lisboa, 1 de Outubro de 2002.</font><br> <br> <br> <font>Ferreira Lemos (Relator)</font><br> <br> <font>Pinto Monteiro</font><br> <br> <font>Lemos Triunfante</font><br> <br> <font>_____________</font><br> <br> <font>(1) Registe-se que nas conclusões não se aponta a violação de qualquer norma jurídica.</font><br> <br> <font> (2) Cfr. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II vol. , 1997, p. 148.</font><br> <br> <font> (3) O que, segundo Calvão da Silva, “Estudos de Direito Comercial (Pareceres)”, p. 30, se compreende: "se a coisa adquirida e entregue ao locatário é defeituosa, a sociedade locadora não tem culpa alguma, pois quem a escolheu foi o locatário" (cfr. o acórdão do STJ de 18.5.99, Proc. nº 145/99, que, se bem interpretamos, não distingue, nesta sede de risco, entre "vícios do bem locado" - artigo 12º - e "risco de perda e deterioração" – artigo 15º)</font><font>.</font><br> <br> <font>(4) Entendimento que se acolhe, sem esquecer que, em sede das cláusulas contratuais gerais, a boa fé “oferece aspectos peculiares” (conforme preâmbulo do DL nº 446/85, de 25 de Outubro).</font><br> <font> No acórdão do STJ de 15.12.98, Proc. 98 A 1090, considerou-se que, para se afirmar, à luz do disposto no artigo 19º, alínea c), do referido DL nº 446/85, a desproporcionalidade da cláusula, é preciso proceder a uma comparação entre o montante da indemnização que resulte dessa cláusula e a ordem da grandeza dos prejuízos que o vendedor sofrerá com o incumprimento, só podendo o juiz concluir pelo carácter “manifestamente excessivo” da cláusula, após ponderar uma série de outros factores, à luz do caso concreto, que um julgamento por equidade requer.</font><br> <br> <font>(5) Apontam tão-só o artigo 19º, h), da Lei 24/96 (cfr. alegações, a fls. 182 v.).</font><br> <font>O que só pode ser devido a lapso.</font><br> <font>Na verdade, o artigo 19º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (diploma que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), subordinado à epígrafe “acordos de boa conduta”, não contém qualquer alínea.</font><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no plenário do Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>I-Relatório<br> </font><br> <font>J... N... &amp; S..., Lda., recorreu para o tribunal pleno do acórdão deste Tribunal de 20 de Outubro de 1988, em que se decidiu que o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, não tem efeito retroactivo nem permite «atribuir força executiva a título que a não tinha à face da lei vigente ao tempo da instauração da execução», tendo por isso concluído pela procedência dos embargos de executado e pela extinção da execução. </font><br> <font>Invocou-se ter sido defendida solução oposta no Acórdão, também deste Tribunal, de 18 de Fevereiro de 1986, publicado no Boletim, n.º 354, p. 467. </font><br> <font>No acórdão a fls. 19 e seguintes, reconheceu-se a existência da invocada oposição. </font><br> <font>Em alegação, a recorrente defende a exequibilidade do título.<br> A recorrida não alegou.<br> O Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de se lavrar assento com a seguinte formulação: </font><br> <font>O artigo 51.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, é aplicável às acções pendentes à data da sua entrada em vigor, devendo porém o autor ser responsável pelas custas do processado indevido. </font><br> <font>II- Questão preliminar<br> Um dos requisitos essenciais de recurso para o tribunal pleno é o de a «mesma questão fundamental de direito» ter sido objecto de «soluções opostas» (artigo 763.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). </font><br> <font>Pelo artigo 51.º, n.º 1, desse Código, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 242/85, a exequibilidade das letras, livranças e cheques dependia de a assinatura do devedor estar reconhecida por notário, quando o montante da dívida constante do título excedesse o da alçada da Relação; com a redacção dada por esse diploma, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 1985, deixou de se exigir o reconhecimento notarial, qualquer que seja o montante dos títulos. </font><br> <font>No acórdão fundamento, de 18 de Fevereiro de 1986, discutia-se a identidade do título executivo (uma escritura pública ou livranças e letra de câmbio) e, tendo-se concluído pelas segundas, decidiu-se que elas gozavam de exequibilidade, apesar da falta de reconhecimento notarial e de o citado Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, ter entrado em vigor já depois de instaurada a execução, cujo prosseguimento se ordenou. </font><br> <font>O acórdão recorrido, por sua vez, foi proferido em embargos de executado, deduzidos com fundamento em inexequibilidade de cheque sem reconhecimento da assinatura do devedor, e não se teve como aplicável a nova redacção do citado artigo 51.º, n.º 1, também entrado em vigor na pendência dos embargos, que foram julgados procedentes. </font><br> <font>As simples divergências de pormenor (livranças e letra e discussão nos próprios autos da execução, num caso; cheque e dedução de embargos de executado, no outro) não excluem a identidade da situação de facto, normalmente exigida para que possa haver «soluções opostas», pois o citado artigo 51.º, n.º 1, reporta-se a qualquer desses títulos de crédito e a dedução dos embargos em nada interfere com a natureza da questão suscitada. </font><br> <font>Não subsistem dúvidas sobre os demais requisitos do presente recurso, tal como se decidiu no acórdão a fls. 19 e seguintes, que se dá aqui como reproduzido. </font><br> <font>III - Mérito do recurso<br> A questão fundamental de direito a que respeita o presente conflito de jurisprudência consiste em determinar se o artigo 51.º, n.º 1, do Código de Processo Civil na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 7 de Julho, que dispensa o reconhecimento notarial da assinatura do devedor nas letras, livranças e cheques, como títulos executivos, é de aplicação imediata, mesmo em execução instaurada no domínio da anterior redacção dessa norma, na qual se exigia tal reconhecimento para os títulos de montante superior ao da alçada da Relação (como se decidiu no acórdão fundamento), ou, pelo contrário, se é de excluir essa aplicação (como se decidiu no acórdão recorrido). </font><br> <font>Desde já se adianta que é de seguir a primeira orientação, não se justificando sequer longas considerações. </font><br> <font>O citado artigo 51.º, n.º 1, é uma típica norma de direito processual. Para além de incluída no Código de Processo Civil, ela não interfere com a validade e força probatória dos títulos de crédito nem com o conteúdo ou substância dos direitos subjectivos por eles conferidos, o que é regulado pela lei substantiva, mas apenas com o modo de realização ou tutela desses direitos, o que é próprio da lei processual. </font><br> <font>Na verdade, a definição dos requisitos de um documento, para que possa valer como título executivo, está directamente relacionada com esse segundo aspecto, ou seja, com o meio processual adequado à defesa do direito material (cf. A. Castro, Acção Executiva..., p. 52). </font><br> <font>A aplicação no tempo das leis processuais, na falta de regulamentação especial no Código de Processo Civil, deve basear-se nos princípios consignados no artigo 12.º do Código Civil. </font><br> <font>Em particular no que respeita à forma de processo, a lei nova deve aplicar-se «para o futuro» n.º 1 do citado artigo 12.º), o que significa ser aplicável às acções intentadas depois da sua entrada em vigor, independentemente da lei vigente na data da constituição da relação jurídica material, ocorrendo, nessa medida, a aplicação imediata ou «retroactiva» da lei processual, justificada pela sua natureza publicística e instrumental. </font><br> <font>A questão da aplicabilidade imediata da lei nova só poderá suscitar algumas dificuldades quanto às acções pendentes, devendo distinguir-se entre a «forma dos diversos actos», expressamente submetida a essa lei (artigo 142.º do Código de Processo Civil), e a forma ou espécie do processo, a qual deverá manter-se quando isso for indispensável para o aproveitamento dos actos já validamente praticados (cf. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, pp. 49 e 54, e M. Andrade, Noções..., p. 42). </font><br> <font>No caso em apreciação, deveria ter sido intentada acção declarativa e não executiva, mas, na pendência desta, entrou em vigor uma nova lei, que permite o uso da segunda. </font><br> <font>Tanto pelas regras enunciadas como pelo elementar princípio de economia processual, a execução instaurada deve prosseguir: não há qualquer obstáculo à aplicabilidade imediata da lei nova; a julgar-se extinta a execução, o exequente poderia intentar outra, imediatamente, o que redundaria em inutilização de processado tornado válido por essa lei. </font><br> <font>Não relevam, em sentido contrário, os argumentos do acórdão recorrido, uma vez que a nova lei, com a dispensa do reconhecimento notarial da assinatura do devedor, não regula o efeito jurídico do acto de subscrição do título de crédito mas simples aspecto de natureza processual, e a questão das custas tem regras próprias, não sendo susceptível de influenciar o sentido da decisão. </font><br> <font>Acresce que, mesmo quanto às leis substantivas que «apenas regulam o modo de realização judicial de um direito», é geralmente defendida a sua aplicação imediata (Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, p. 23, e Vaz Serra, Revisão de Legislação de Jurisprudência, ano 102.º, p. 189), e as custas devem ser repartidas de harmonia com o período em que «cada uma das partes [...] exerceu no processo uma actividade injustificada» (artigo 450.º do Código de Processo Civil). </font><br> <font>Na formulação proposta pelo Ministério Público para o assento é incluída essa questão das custas, mas entende-se que o não deve ser por não ter havido sobre ela «soluções opostas», não fazendo assim parte do objecto do recurso. </font><br> <font>Ainda sobre o acórdão recorrido, importa notar que nele se refere terem os embargos de executado sido deduzidos com dois fundamentos e ser uma das conclusões de alegação da recorrente a de, a reconhecer-se a inexequibilidade do título, deverem os embargos prosseguir «para discussão e julgamento dos demais fundamentos». </font><br> <font>Porém, o acórdão da Relação «julgou improcedentes os embargos» e, apesar de se desconhecer se apreciou ou não outros fundamentos, além da inexequibilidade do título, não pode agora analisar-se qualquer outra questão, tanto por falta de elementos como por não ser objecto do presente recurso. </font><br> <font>Revoga-se o acórdão recorrido, confirmando-se o da Relação. E formula-se o seguinte assento: </font><br> <font>O artigo 51.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho, é de aplicação imediata, mesmo em execuções pendentes. </font><br> <font>Custas do recurso de revista e do presente pela ora recorrida, a executada.<br> </font><br> <font>Lisboa, 10 de Novembro de 1993.</font><br> <br> <font>José Martins da Costa (com a seguinte declaração: pelo artigo 2.º do Código Civil, os assentos fixam «doutrina com força obrigatória geral»; apesar de, formalmente, serem, actos jurisdicionais, eles reconduzem-se, no aspecto material, a leis de natureza interpretativa, como geralmente se tem defendido; nessa medida, deve ter-se como inconstitucional o citado artigo 2.º, por violação do disposto no artigo 115.º, n.º 5, da Constituição; o mesmo artigo 2.º deve, aliás, considerar-se parcialmente revogado, em matéria criminal, pelo disposto nos artigos 445.º, n.º 1, e 447.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) - Pais de Sousa - Ferreira da Silva - Miranda Gusmão - Araújo Ribeiro - Raul Mateus - Sá Couto - Costa Pereira - Dias Simão - José Magalhães - Sousa Guedes - Mora do Vale - Santos Monteiro - Ramos dos Santos - Abranches Martins - Guerra Pires - Alves Ribeiro - Zeferino Faria - Carlos Caldas - Faria de Sousa - Pereira Cardigos - Chichorro Rodrigues - Sá Ferreira - Silva Cancela - Teixeira do Carmo - Calixto Pires -Folque Gouveia - Machado Soares - Cardona Ferreira - Amado Gomes - Silva Reis - Cura Mariano - Sousa Macedo - Lopes de Melo - Ferreira Vidigal - Ferreira Dias - Pinto Bastos - Miguel Montenegro - Figueiredo de Sousa - Martins da Fonseca - Mário Noronha - Fernando Fabião -César Marques - Sá Nogueira - Sampaio da Silva -Dionísio de Pinho - Roger Lopes - Ramiro Vidigal - Coelho Ventura - Eduardo Martins - Costa Raposo - Correia de Sousa. </font><br> <font><br> Declaração de voto<br> Os assentos - artigo 2.º do Código Civil - reconduzem-se a actos de natureza normativa, traduzindo verdadeiras normas jurídicas legislativas, revestidas de eficácia impositiva universal - cf. Castanheira Neves, O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, pp. 292 e segs., e «Assento», in Polis, I, p. 419; Gomes Canotilho, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124.º, p. 131. </font><br> <font>Ora, a função legislativa não compete aos tribunais - artigo 205.º da Constituição da República. </font><br> <font>De contrário, o múnus judicial, ao ser chamado, através dos assentos, a exercer tal actividade, assumiria um carácter que está em aberta contradição com o sentido que lhe deverá corresponder no sistema político do Estado de direito dos nossos dias, baseado no princípio democrático da separação de funções, constitucionalmente consagrado no artigo 114.º, n.º 1: «Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição» - cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., pp. 700 e segs. </font><br> <font>Como decidiu a Comissão Constitucional, «haverá inconstitucionalidade - por violação da norma do artigo 114.º, n.º 1, ou do princípio constitucional da divisão e repartição de funções entre os diferentes órgãos de soberania - sempre que um órgão de soberania se atribua, fora dos casos em que a Constituição expressamente o permite ou impõe, competência para o exercício de funções que essencialmente são conferidas a outro diferente órgão» - cf. Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 8.º, 1980, p. 212. </font><br> <font>Tal competência cabe à Assembleia da República e ao Governo - cf. os artigos 164.º e 201.º da Constituição da República Portuguesa. </font><br> <font>E este será, supomos, o entendimento do Tribunal Constitucional.<br> Na verdade, ao declarar, como tem acontecido, a inconstitucionalidade de assentos, partiu da sua natureza normativa, como tudo decorre, designadamente, dos artigos 225.º, 277.º e 281.º da Constituição. </font><br> <font>É nesta linha de entendimento que deve situar-se a correcta interpretação do artigo 115.º, n.º 5, da lei fundamental: «Nenhuma lei pode criar outra categoria de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.» </font><br> <font>A doutrina mais autorizada é no sentido de que os assentos devem ser qualificados como lei interpretativa - cf. as indicações feitas no Código Civil Anotado, de A. Neto e H. Martins, 6.ª ed., p. 26. </font><br> <font>Em oposição ao que vem de ser dito não pode invocar-se o artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da Constituição. </font><br> <font>É que este normativo, na lógica do sistema constitucional e no panorama legislativo actual, só pode referir-se à declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos regulamentos administrativos - artigo 66.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. </font><br> <font>Em consequência, não votei o presente assento. - Ferreira da Silva.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A autora Fábrica de Confecções Sehimming Limitada demandou, no Tribunal da comarca do Porto, o Estado Português para obter a condenação dele a pagar-lhe uma indemnização por danos consequentes de actos praticados no exercício da função jurisdicional. <br> A primeira instância indeferiu liminarmente a petição por entender que, em razão da matéria, o Tribunal Administrativo de Círculo é que era o competente para conhecer da causa. <br> - A Autora agravou para o Supremo Tribunal de Justiça que, Por seu acórdão de 31 de Janeiro de 1991, manteve que o Tribunal Administrativo de Círculo é que era o competente para a causa e absolveu o Estado da instância. <br> A Autora recorreu para o tribunal pleno afirmando que o acórdão recorrido - que afirmou ser o contencioso administrativo o competente para conhecer da causa - estava em oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Junho de 1987 (publicado no Boletim 368, 494) no qual se decidiu caber aos tribunais comuns a competência para decidir sobre a responsabilidade do Estado por actos praticados no exercício da função jurisdicional. Este acórdão transitou. <br> Por acórdão de 3 de Junho de 1992 este Supremo Tribunal, apreciando a questão preliminar (artigo 766 do Código Civil) decidiu existir entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento a oposição apontada pela recorrente e que se achavam verificados os pressupostos legalmente exigidos para que, por assento se resolvesse o aludido conflito de jurisprudência. <br> Do exposto resulta, pois, que, depois do Tribunal da Relação ter julgado o tribunal comum incompetente em razão da matéria para conhecer da causa, se interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e que este Supremo Tribunal aceitou o recurso e conheceu dele. <br> Ora no capítulo "Das garantias de Competência" o artigo 107 do Código de Processo Civil - que ostenta a rubrica "fixação definitiva do tribunal competente" determina no seu n. 2.<br> "Se a relação tiver julgado incompetente o tribunal cível por a causa pertencer ao contencioso administrativo, o recurso destinado a fixar o tribunal competente, será interposto para o Tribunal dos conflitos".<br> Assim, se a Autora pretendia obter um acórdão que, definitivamente, fixasse o tribunal competente para conhecer da acção que a juizara - e esse era o único problema que, então, se equacionava - cumpria-lhe ter interposto recurso para o tribunal dos conflitos - veja-se Professor Alberto Reis - Comentário, I, 326. <br> De resto: em matéria de competência, a esfera de acção do Supremo Tribunal de Justiça abrange, segundo o artigo 72 (alínea c) do Código de Processo Civil, os conflitos de competência entre as relações, entre tribunais pertencentes a distrito judicial diferente e entre secções do próprio Supremo Tribunal de Justiça. É assim apodítico que lhe não cabe conhecer de recurso que tenha por objecto um acórdão da relação que haja julgado incompetente o Tribunal Cível por a causa pertencer ao contencioso administrativo; é que o legislador quis que nesse caso, a fixação definitiva do tribunal competente fosse estabelecida pelo tribunal dos conflitos. <br> Aliás à mesma conclusão se chega a partir da análise dos artigos 26 e 28 da Lei Orgânica dos Tribunais (Lei 38/87 de 23 de Dezembro); o primeiro, tratando da competência do plenário, determina, na sua alínea c) que, funcionando em plenário, compete ao Supremo Tribunal de Justiça "conhecer dos conflitos de competência entre secções" e o segundo (que trata da competência das secções) estipula nas alíneas e) e f) do seu n. 3 que compete às secções do Supremo "conhecer dos conflitos de competência entre as secções,entre estas e os Tribunais de primeira instância ou entre Tribunais de primeira instância de diferentes distritos judiciais" (alínea e); "conhecer dos conflitos de jurisdição cuja apreciação não pertença ao tribunal dos conflitos". <br> Pelo exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal em declarar o tribunal plenário incompetente para proferir assento porque o assento que se proferisse ultrapassaria o caso julgado formal e interferiria na reserva de competência do tribunal de conflitos.<br> Custas pela Autora. Rasurou-se: não provido. <br> <br> Lisboa, 10 de Novembro de 1993.<br> <br> Francisco Rosa da Costa Raposo; <br> <br> José Martins da Costa. <br> <br> <br> DECLARAÇÃO DE VOTO<br> <br> 1- Votei a decisão, e votei-a por entender, tal como no acórdão a que esta declaração se acha apendiculada, que o Pleno do Supremo era incompetente em razão da matéria para tirar assento.<br> Todavia, foi por outras razões que conclui por tal incompetência. Explicando pois:<br> <br> 2- O Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no artigo 107, n. 2, do Código de Processo Civil, era incompetente em razão da matéria para ter conhecido do recurso interposto do acórdão da Relação que julgara competentes os tribunais administrativos para acção indemnizatória proposta contra o Estado. <br> Essa incompetência não obstou, é certo, a que o Supremo, embora mal, tivesse apreciado e decidido tal recurso através do acórdão recorrido (o que ora está em oposição com o acórdão-fundamento). Mas essa mesma incompetência, e por direitas contas, não pode ainda, e logicamente, deixar de se projectar sobre o momento presente - e isso, porque o acórdão para assento (que iria conhecer do recurso para o Tribunal Pleno) se situa, em relação com o acórdão recorrido, no mesmo continuum processual.<br> Em suma, a incompetência em razão da matéria que ora se deu por verificada é como que uma incompetência consequencial, insanável como o da incompetência a que directamente se refere o referido n. 2 do artigo 107. Ou dito de outro modo, sendo o Supremo incompetente para o menos, incompetente será para o mais. <br> Raul Mateus.<br> <br> António Pais de Sousa;<br> Mário Araújo Ribeiro; <br> Raul Mateus;<br> Dias, Simão;<br> Costa Pereira;<br> Ramos dos Santos;<br> José Magalhães;<br> Zeferino Faria;<br> Faria Sousa;<br> Pereira Cardigos;<br> Chichorro Rodrigues;<br> Sá Ferreira; <br> Teixeira do Carmo; <br> Folque Gouveia;<br> Machado Soares;<br> Mário Cancela;<br> Ferreira da Silva;<br> Sousa Macedo;<br> Ferreira Vidigal;<br> Ferreira Dias;<br> Pinto Bastos;<br> Figueiredo de Sousa; <br> Mário Noronha;<br> Fernando Fabião;<br> César Marques;<br> Sá Nogueira;<br> Sampaio da Silva;<br> Roger Lopes;<br> Silva Reis;<br> Coelho Ventura;<br> Alves Ribeiro;<br> Eduardo Augusto Martins (vencido como relator nos termos da declaração junta). José Miranda Gusmão ( vencido conforme declaração de voto do Excelentíssimo Conselheiro Eduardo Martins).<br> Sá Couto (vencido pelas razões constantes do voto do Excelentíssimo Conselheiro Eduardo Martins).<br> Sousa Guedes (vencido pelos motivos constantes do voto do Excelentíssimo Conselheiro Eduardo Martins). <br> Guerra Pires (votei projecto do Relator).<br> Carlos da Silva Caldas (vencido conforme declaração de voto que junto). <br> Mário Cancela (vencido pelos motivos constantes do voto do Excelentíssimo Conselheiro Eduardo Martins).<br> Calixto Pires (vencido, por entender que não cabe no âmbito deste recurso conhecer do problema da competência. Votaria, por isso, o Assento nos termos propostos pelo Excelentíssimo Colega, relator, Dr. Eduardo Martins).<br> Cardona Ferreira (vencido, nos termos da declaração junta). <br> Amado Gomes (vencido nos termos expressos pelo Excelentíssimo Conselheiro Cardona Ferreira). <br> Correia de Sousa (vencido, nos termos da declaração de voto que apresento).<br> Lopes de Melo (vencido, nos termos da declaração de voto que apresento).<br> Miguel Montenegro (vencido nos moldes da opinião do Excelentíssimo Conselheiro Eduardo Martins). <br> Santos Monteiro (vencido, supra referida a opinião do ilustre Colega Eduardo Martins). <br> Dionísio Pinho (vencido, de acordo com a Declaração de voto que apresento).<br> Ramiro Vidigal (vencido nos mesmos termos do Excelentíssimo Conselheiro Eduardo Martins). <br> Jorge Manuel Mora do Vale (vencido, de harmonia com a posição subscrita pelo Excelentíssimo Senhor Conselheiro Eduardo Martins).<br> <br> Decisões impugnadas: <br> <br> Acórdão de 31 de Janeiro do Supremo Tribunal de Justiça;<br> Acórdão de 11 de Junho de 1987 do Supremo Tribunal de <br> Justiça.<br> <br> DECLARAÇÃO DE VOTO <br> <br> Salvo o devido respeito, a tese que fez vencimento faz tábua rasa, sem um mínimo de fundamentação, do disposto no artigo 102 do Regulamento do Supremo Conselho de Administração Pública, aprovado pelo Decreto n. 19243, de 16 de Janeiro de 1931, que no seu Título II, trata do Tribunal dos Conflitos, espalhando a respectiva matéria por cinco capítulos subordinados às seguintes epígrafes: I - Dos conflitos de jurisdição e competência entre as autoridades administrativas e judiciais; II - Contencioso dos Conflitos; III - Julgamento dos Conflitos; IV - Dos Conflitos negativos entre as autoridades administrativas e judiciais; e V - Disposição especial para o ultramar.<br> O citado artigo 102 está inserto no Capítulo IV (Dos conflitos negativos entre as autoridades administrativas e judiciais) e tem a seguinte redacção: <br> "Enquanto não se verificar o conflito negativo entre as autoridades administrativas e judiciais, as partes, que se julgarem lesadas com a declaração de incompetência, poderão usar dos recursos legais para a autoridade superior tanto na hierarquia administrativa como na judicial".<br> O caso dos autos assenta como uma luva na posição deste artigo 102, que, disso estou plenamente seguro ainda não foi revogado, quer expressa, quer tacitamente.<br> Por via disso, no meu projecto de acórdão, dava provimento ao recurso e tirava assento no sentido de que<br> é aos tribunais comuns que compete conhecer das acções de indemnização intentadas contra o Estado para efectivação de responsabilidade civil por virtude de danos decorrentes do exercício da actividade jurisdicional.<br> Eduardo Augusto Martins. <br> <br> DECLARAÇÃO DE VOTO <br> <br> Entendo que deveria ser lavrado assento no sentido de se declarar competente o tribunal civil para conhecer da acção na qual se pede seja condenado o Estado a pagar a indemnização por danos consequentes de actos praticados no exercício da função jurisdicional. <br> Não nos convence a argumentação defendida no Acórdão.<br> É facto que o recurso do Acórdão da Relação que julgou competente o tribunal administrativo para conhecer da causa devia ter sido interposto para o tribunal de conflitos - artigo 107 do Código de Processo Civil.<br> <br> Contudo, e mal, a autora interpôs recurso daquele Acórdão para este Supremo Tribunal e este manteve o decidido na segunda instância, considerando competente o tribunal administrativo de círculo para conhecer da causa.<br> Ninguém levantou o problema de qual era o tribunal competente para conhecer da questão subjacente- qual o tribunal competente para conhecer da causa.<br> Há duas questões de competência: uma não transitou em julgado, face ao recurso para este pleno, por haver Acórdão anterior que julgou em sentido contrário, considerando competente para conhecer do pedido, o tribunal Cível. <br> A outra questão, ou seja, a de saber qual o tribunal que devia apreciar o recurso da autora do Acórdão da Relação está definitivamente "ultrapassada" visto que este Supremo se julgou competente para julgar, digo, para conhecer do recurso da autora e ninguém impugnou tal competência.<br> O pleno não é chamado a pronunciar-se, agora, sobre tal questão, nem tem competência para o fazer, dada a finalidade do recurso.<br> Perante dois Acórdãos deste Supremo, contraditórios quanto ao tribunal com competência para julgar uma acção em que se pede a condenação do Estado no pagamento de uma indemnização, por danos consequentes de actos praticados no exercício da função jurisdicional, haverá que proferir assento, sem ter de se atender ao facto de o recurso do Acórdão da Relação ter sido indevidamente remetido para este Supremo e aqui apreciado. <br> Carlos da Silva Caldas.<br> <br> DECLARAÇÃO DE VOTO <br> <br> O meu voto é - perante o trato actualmente em vigor - no sentido do prosseguimento do processo, isto é, de que deve ser proferido assento, dada a limitação do objecto do presente recurso para o Tribunal Pleno (inerente á sua natureza de recurso específico). <br> O Tribunal Pleno não pode conhecer de questões que se encontram fora da sua competência, como sejam as relativas á nulidade do acórdão recorrido em resultado do conhecimento oficioso da revogação de incompetência absoluta e o Tribunal que proferiu o acórdão recorrido.<br> O Tribunal Pleno só pode verificar (em foro das respectivas decisões; e não dos seus fundamentos) a existência ou não de um conflito de jurisprudência;<br> resolver esse conflito - no caso dele existir com um assento; <br> e confirmar ou negar a decisão recorrida na alegação do<br> mesmo assento.<br> O conhecimento da aludida incompetência absoluta só podia ter sido realizado pelo tribunal que proferiu o mencionado acórdão.<br> Como ensina o Professor Antunes Varela (in Revista Legislação e Jurisprudência, ano 124, página 381), os assentos são "aqueles actos judiciais, cujo único fim é declarar (embora com força contraditória geral) o sentido e alcance de uma norma objecto de decisão contraditória dos tribunais singulares". <br> E que "dentro do sistema processual contraditório, o recurso de revista, por um lado, e o recurso para o tribunal pleno, por outro" assumem "diferente finalidade" (in Revista de legislação e Jurisprudência, ano 125, página 16).<br> O "recurso para o tribunal pleno" ainda não foi convertido, no texto actualmente em vigor, ou "recurso de revista ampliada" (cfr. dos artigos 599, 600, 601, n. 4, 602, 588, alínea b) e 589, todos do Código de Processo Civil - anteprojecto, de 1993).<br> A interpretação que se defende nesta declaração de voto <br> não é prejudicada pela competência do "tribunal de conflitos".<br> No aludido prosseguimento deste recurso para o Tribunal Pleno deveria revogar-se o acórdão recorrido, formulando assento no sentido de que os tribunais judiciais (comuns) são competentes, em razão da matéria, para conhecer de acções de indemnização intentadas para efectivação de responsabilidade cível em virtude de danos decorrentes do exercício da actividade jurisdicional (cfr, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Janeiro de 1993, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVIII, Tomo II, página 5 a 8). <br> Lopes de Melo.<br> <br> VOTO DE VENCIDO <br> <br> Salvo o devido respeito pela opinião que fez vencimento, entendo que a questão da competência material se poria no Acórdão recorrido.<br> Não sendo objecto, como não é, deste recurso atípico para o Pleno, tal problema está ultrapassado. Aqui e agora, só havia que definir a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão de fundo, porque tal era o "thema decidendum", votaria o projecto do anterior Excelentíssimo Relator. <br> <br> Lisboa, 10 de Novembro de 1993<br> Cardona Ferreira.<br> <br> DECLARAÇÃO DE VOTO <br> <br> Entendo que devia conhecer-se do recurso e tirar-se assento, não só porque penso que o acórdão recorrido não padece do vício que lhe é atribuído, como demonstra o Excelentíssimo Conselheiro Senhor Dr. Eduardo Martins, mas também pelo seguinte:<br> Teve lugar a prolacção do acórdão recorrido sem que a competência deste Tribunal fosse até agora posta em causa por qualquer das partes. Ora, como sustenta Rodrigues Bastos, in NOTAS .., I-256, depois de proferida a decisão, já não pode conhecer-se da incompetência absoluta ex vi do disposto no artigo 66 do Código de Processo Civil. Em sentido idêntico ensinava J. Alberto dos Reis, in COMENTÁRIO ..., I-313, com a diferença, embora, de admitir, ao contrário daquele autor, que as partes, mesmo depois de proferido o acórdão e antes deste transitar, podiam arguir a incompetência material.<br> No caso presente, este Tribunal, funcionando em Pleno, é só chamado, não à discussão dos pressupostos da acção ou do agravo em segunda instância, mas tão só da oposição de interpretações legais no acórdão fundamento e no recorrido e da implicação neste da solução adoptada: sendo assim, a apreciação que se faz sobre a adequação do agravo para o Supremo Tribunal de Justiça de onde emergiu o acórdão recorrido parece-me indevida por exceder o âmbito do presente recurso onde ora se impõe o FACTO da oposição de acórdãos. Porque AGORA estamos contidos sobre a realidade imposta de dois acórdãos opostos deste tribunal, é essa a realidade a considerar onde não cabe a questão da competência. <br> Acentuo que o recurso para o Pleno, embora legalmente qualificado como ordinário, tem o seu objecto limitado ao conhecimento da oposição de acórdãos e respectivo efeito sobre a decisão do pleito; verificada a oposição<br> de acórdãos, o recorrente tem o direito processual a ver solucionada com reapreciação do pleito em função da solução jurídica assente. Daqui não podemos fugir, creio.<br> É certo que na douta opinião que fez vencimento se entendeu que a matéria excedia a competência material deste Tribunal, vício prolongado da prolacção pelo Supremo Tribunal de Justiça do acórdão recorrido; mas não pensamos assim, como já se deixou referido e mais pelo seguinte:<br> Os preceitos citados no acórdão de que ora se discorda passam à margem da competência deste Tribunal para o conhecimento da oposição entre acórdãos seus e é esse o objecto iniludível do presente recurso! e para a prolacção de assentos; isto por um lado. Por outro, bem pode o Supremo Tribunal de Justiça na esfera de competência que não parece sequer discutível, dado o disposto no artigo 107 do Código de Processo Civil, proferir acórdãos de sentido oposto sobre a matéria em causa nos acórdãos recorrido e fundamento; bastaria, v. g. que ambos os acórdãos opostos emergissem de recursos contra acórdãos das Relações tirados no sentido da competência do foro comum; então nada imporia que os recursos se dirigissem ao Tribunal de Conflitos, antes a regra a observar seria a do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. - ut n. 1 do artigo 107 citado onde poderiam, tal como agora sucede, surgir os acórdãos em oposição; creio que então se não suscitaria o obstáculo consagrado na tese que fez vencimento, como se não suscitaria se o vício que se aponta ao acórdão recorrido inquinasse não este mas o fundamento de cujo trânsito em julgado se não duvida. <br> Penso, pois, que a apreciação da competência agora é deslocada, estando viciada de excesso de pronúncia com a consequência da omissão de pronúncia sobre o objecto legal e necessário do recurso, amenos que se entendesse não ocorrer a oposição de acórdãos, o que nem sequer se discute, aliás. Em entrelinha "só".<br> Dionísio Pinho.<br> <br> DECLARAÇÃO DE VOTO <br> <br> Entendo, salvo o devido respeito pela tese que fez vencimento, que: <br> I- Este Tribunal Pleno é competente para proferir Assento, neste caso, não havendo qualquer interferência com a competência do Tribunal de Conflitos. <br> II- Votaria, assim, o Projecto de Acórdão do Excelentíssimo. Juiz Conselheiro Dr. EDUARDO MARTINS, pois entendo que os Tribunais Judiciais são competentes em razão da matéria, para conhecer dar acções de indemnização intentadas contra o Estado, para efectivação de responsabilidade civil em virtude de danos decorrentes do exercício da actividade jurisdicional.<br> Lisboa, 10 de Novembro de 1993. <br> Correia de Sousa.<br> PROCESSO N. 81256<br> 1 SECÇÃO <br> TRIBUNAL PLENO <br> Excelentíssimos Senhores Juizes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça <br> Alegações do Ministério Público<br> I<br> POSIÇÃO DO PROBLEMA<br> <br> 1. "Fábrica de Confecções SCHIMMING, Limitada" interpôs recurso para o TRIBUNAL PLENO em escopo à prolacção de ASSENTO (artigo 768 do Código de Processo Civil), do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Janeiro de 1991, no qual se decidiu que são competentes os Tribunais Administrativos de Círculo para conhecer de uma acção de indemnização proposta contra o Estado em virtude de danos causados por actos e omissões praticados no exercício da actividade jurisdicional.<br> <br> 2. Por sua vez, no acórdão fundamento, também deste Supremo Tribunal, datado de 11 de Junho de 1987 e publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 368, página 494 e seguintes, decidiu-se que essa competência cabia aos Tribunais Comuns (judiciais).<br> <br> 3. Consiste a oposição entre os dois acórdãos na divergência de soluções propostas para a mesma questão fundamental de direito, resultante da interpretação e aplicação dos artigos 3, 4 e 51 n. 1 alínea h) do Código Administrativo, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 10 do Decreto-Lei n. 48051, de 21 de Novembro de 1967, 14 da Lei n. 38/82, de 23 de Dezembro e 66 do Código de Processo Civil.<br> II<br> ARGUMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO<br> 1. As instâncias decidiram pela incompetência dos tribunais judiciais em razão da matéria para conhecer de acção proposta contra o Estado em que é peticionada uma indemnização pelos prejuízos resultantes de erro culposo de um tribunal no exercício da sua função jurisdicional.<br> <br> 2. Esses prejuízos decorrem de acto de gestão pública de um titular de um órgão de soberania. 3. O Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária, com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulta violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem (artigo 22 da Constituição), quer se trate de actos praticados no exercício da função política, legislativa ou judicial. <br> <br> 4. A competência para acções relativas à indemnização por actos de gestão pública pertence aos Tribunais Administrativos, por força do disposto no artigo 815, parágrafo 1, alínea b) do Código Administrativo; porém estão excluídas da jurisdição administrativa as acções cujo objecto vem discriminado nas diversas alíneas do n. 1 do artigo 4, do Decreto-Lei n. 129/84 de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). <br> 5. Compete aos Tribunais Administrativos de Círculo conhecer dos recursos administrativos dos órgãos de serviços públicos dotados de personalidade jurídica e autonomia administrativa - artigo 51, n. 1, alínea h) do Decreto-Lei n. 129/84.<br> <br> 6. Não se pode afirmar que as razões pelas quais o legislador entendeu excluir da competência do contencioso administrativo os actos referidos nas alíneas c) e d) do artigo 4 do Decreto-Lei n. 129/84 - actos em matéria administrativa dos tribunais judiciais e actos relativos ao inquérito e instrução criminais e ao exercício da acção penal - são idênticas às que se hipotetizam nos presentes autos. <br> <br> 7. O legislador optou por uma exclusão taxativa de determinados actos judiciais e não de todos os actos substancial ou formalmente judiciais. <br> III<br> ARGUMENTOS DO ACÓRDÃO FUNDAMENTO<br> <br> 1. Em acção declarativa com processo sumário foi demandado o Estado Português pedindo-se a sua condenação em determinada importância, a título de indemnização pelo tempo que o autor esteve preso, indevidamente, na sua opinião, em consequência de mandados de captura ordenados e emitidos pelo 2 <br> Juízo do Tribunal Judicial de Setúbal no momento da<br> prolacção do despacho de pronúncia.<br> <br> 2. A primeira Instância decidiu pela incompetência do foro judicial em razão de matéria por a possível lesão invocada pelo Autor só poder ter sido praticada pelo Estado no exercício de actividade de gestão pública, competindo a apreciação da respectiva matéria aos tribunais administrativos; a Relação, porém, revogou aquela decisão concluindo pela competência do tribunal judicial. <br> 3. Os actos ligados à função jurisdicional tem a natureza de "actos de gestão pública".<br> 4. Os actos do Estado passíveis de responsabilização civil extracontratual distinguem-se entre "actos de gestão privada" e "actos de gestão pública". <br> 5. Relativamente aos pedidos de indemnização relacionados com os "actos de gestão privada" a competência para conhecer das respectivas acções pertence aos tribunais judiciais. <br> <br> 6. Quanto aos "actos de gestão pública" o conhecimento das acções de indemnização poderá pertencer não só aos tribunais administrativos mas também aos tribunais judiciais; v. g. os que emergem do exercício de funções "políticas" e "legislativas", que estão excluídas do foro administrativo.<br> <br> 7. O conhecimento administrativo por atribuição (em que se incluem as acções indemnizatórias por responsabilidade civil extracontratual) é acidental e não essencial, tanto podendo ser entregue aos tribunais administrativos como aos tribunais judiciais.<br> <br> 8. À circunstância de no elenco das exclusões do n. 1 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 129/84 não ser feita referência expressa aos actos praticados no exercício <br> de função jurisdicional (eventualmente passíveis de responsabilidade extracontratual) não pode significar que eles estejam incluídos no âmbito da jurisdição administrativa.<br> <br> 9. A função jurisdicional, correspondendo, embora,ao exercício de uma actividade de gestão pública, quer por força da lei quer por força da própria tradição, mostra-se excluída do âmbito da administração pública.<br> <br> 10. A lei ao excluir do âmbito da jurisdição administrativa os actos em matéria administrativa dos tribunais judiciais e os actos relativos ao inquérito<br> e instrução criminais e ao exercício da acção penal (artigo 4, n. 1, alínea c) e d), do Decreto-Lei n. 129/84), afinal os actos subordinados e afins ou muito próximos de actos jurisdicionais propriamente ditos, ou seja, actos como que "para jurisdicionais", só pode ter querido significar o ter entendido que os tribunais administrativos não estão vocacionados para a respectiva apreciação.<br> <br> 11. No que respeita aos actos ligados ao exercício (mais qualificado) da função jurisdicional propriamente dita, tem de entender-se, por maioria de razão, que estão afastados do âmbito da jurisdição administrativa, só não lhes tendo sido feita menção expressa no n. 1 do artigo 4 por a mesma se tornar desnecessária dada a superior natureza de tal função.<br> IV<br> 1.- No sentido do acórdão recorrido foi-nos possível localizar os doutos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 3 de Abril de 1991, processo n. 79791, sumariado na revista Actualidade Jurídica, ano 4, n. 18,página 10 e do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Janeiro de 1988, Boletim do Ministério da Justiça 373, 349, este, porém, com um voto de vencido.<br> <br> 2. Reporta-se o primeiro a um pedido de indemnização <br> contra o Estado decorrente de acto de oficial de justiça que em cumprimento de despacho judicial efectuou uma penhora. A sua fundamentação, não pondo em dúvida que o acto era de gestão pública, praticamente coincide com o do acórdão ora recorrido,<br> praticados os actos que justificam ou fundamentam a pretensão. É o que resulta dos artigos 1084 do Código<br> de Processo Civil, relativamente às acções de indemnização contra magistrados, e 690 do Código de Processo Penal, quanto à indemnização de réus absolvidos em processo de revisão».<br> Conclui o Excelentíssimo Juiz Conselheiro declarando que o direito do recorrente à indemnização pretendida, caso exista, deve ser exercido não no contencioso administrativo mas em acção proposta no foro comum.<br> <br> V<br> SOLUÇÃO PROPOSTA <br> <br> 1. Da nossa parte iremos defender a bondade da posição assumida no acórdão fundamento,a qual, vai no sentido do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n. 12/92, de 30 de Março, cuja doutrina foi circulada pelos Magistrados e Agentes do Ministério Público, nos termos dos artigos 10, n. 2 e 34 da respectiva Lei Orgânica (Lei n. 47/86, de 15 de Outubro).<br> Obviamente, na nossa alegação, seguiremos de perto a motivação daquele Parecer, o qual, embora a princípio incidisse apenas sobre a questão de saber qual a ordem dos tribunais - administrativos ou judiciais - compete para conhecer das acções intentadas contra o Estado com vista à indemnização por danos resultantes da prisão ou detenção ilegal, alargou depois essa incidência, por maioria de razão, à questão de competência em razão da matéria para conhecer das acções de indemnização intentadas contra o Estado em virtude de danos causados por actos e omissões praticados no exercício da acção jurisdicional.<br> <br> Esclareça-se, desde já, que é objecto do presente recurso decidir se o artigo 22 da Constituição, que dispõe "o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes,<br> por acções ou omissões praticados no exercício das<br> suas funções e por causa desse exercício,de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem", abrange ou não a responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos causados aos cidadãos no exercício da actividade jurisdicional. <br> <br> Assim, circunscreve-se a questão a determinar qual o órgão jurisdicional competente em razão da matéria para conhecer de acções de indemnização propostas contra o Estado decorrentes de danos causados por actos e (ou) omissões praticados no exercício da actividade jurisdicional (qual o Tribunal onde devem ser propostas). <br> <br> Passaremos de imediato a transcrever parte das motivações constantes daquele parecer da Procuradoria-Geral da República, que esgotantemente dilucidou a questão objecto do presente conflito de jurisprudência.<br> <br> 2. A competência material dos tribunais administrativos e fiscais encontra-se fixada pelos artigos 214 da Constituição e 3 da E.T.A.F. (Decreto-Lei n. 129/84, de 27 de Abril).<br> <br> Dispõe o primeiro, no seu n. 3, que «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».<br> <br> E dispõe o artigo do E.T.A.F. que «Incumbe aos tribunais administrativos e fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesse públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais».<br> <br> No n. 1 do artigo 4 do E.T.A.F. são excluídos da jurisdição administrativa e fiscal diversos recursos e acções cujo objecto consta das respectivas alíneas. Hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos com a aplicação do Direito Administrativo (45).<br> No quadro da competência material dos tribunais administrativos distingue-se entre o contencioso por natureza ou essencial e o contencioso por atribuição ou acidental, abrangendo o primeiro os actos e regulamentos administrativos e o último os contratos administrativos, a responsabilidade da administração, os direitos e interesses legítimos e as questões eleitorais, (artigo 51, alínea a) a d), e), f), g) e h) do E.T.A.F. e 59 e seguintes da L.P.T.A.).<br> O contencioso administrativo por natureza ou essencial constitui a garantia dos particulares contra o exercício ilegal por via unilateral do poder administrativo.<br> Já o contencioso administrativo por atribuição ou acidental, por não respeitar à impugnação de actos unilaterais da autoridade, é susceptível de ser conferido aos tribunais comuns, derivando a solução da ideia de que tais matérias ainda se prendem com a problemática das garantias dos particulares contra a administração. <br> O contencioso administrativo por natureza desenvolve-se através dos recursos contenciosos e o contencioso, e o contencioso, e o contencioso administrativo por atribuição através das várias acções com o referido objecto, dos contratos administrativos, da responsabilidade extracontratual da Administração Pública, dos direitos e interesses legítimos dos particulares. <br> Primeiro caso em plano distinto dos interesses em conflito, e no segundo no quadro da osmose entre o caso resolvido e o interesse público".<br> <br> E continuando a transcrever o Parecer:<br> "4.6. A lei ordinária distingue para efeitos de indemnização pelo Estado dos danos causados a terceiros pelos seus órgãos, agentes ou representantes entre os casos em que o prejuízo resultou de actividade de gestão privada e de gestão públ
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Socevora - Sociedade Distribuidora de Cerveja e Refrigerantes, S.A., demandou em acção com processo especial nos termos do artigo 68 do Codigo da Estrada, A, Prensoland Lusitana - Equipamentos Industriais Limitada, e Royal Exchange Assurance, pedindo a sua condenação no pagamento solidario de 5921017 escudos e oitenta centavos a titulo de indemnização pelos danos sofridos em virtude de acidente de viação em que intervieram, alem de outro, o seu veiculo pesado de carga com a matricula ... e o auto-ligeiro de mercadorias com a matricula ..., pertencente a Prensoland Lusitana, Limitada, conduzido pelo reu A e seguro na Royal Exchange Assurance.<br> Todos os reus contestaram. Fe-lo, em primeiro lugar, a Seguradora, impugnando a versão do acidente relatada pela autora, acrescentando que tinha assumido a responsabilidade civil para com terceiros, inerente ao Veiculo ... mas apenas ate ao limite maximo de<br> 1000000 e requerendo, ainda,a intervenção principal de B, dono do taxi com a matricula ... que ficou danificado no mesmo acidente, e de<br> C, por si e em representação de sua filha menor D, que seguiam no veiculo da autora e tinham sofrido ferimentos.<br> Em separado, tanto a Prensoland Lusitana, Limitada, como o A, impugnando, tambem a versão da autora, pois atribuiram a culpa na produção do acidente aos condutores do taxi e do auto-pesado da autora, requereram o chamamento a autoria do B e da Sociedade Portuguesa de Seguros para a qual o B transferira a responsabilidade civil pelos danos causados com o mencionado taxi em circulação.<br> O A requereu, ainda, a concessão do beneficio da assistencia judiciaria, na modalidade de dispensa total de preparos e do previo pagamento de custas.<br> Por despacho de folhas 59 e seguintes admitiu-se tanto a requerida intervenção principal como o chamamento a autoria.<br> O B veio, então, dizer que ja havia intentado uma acção contra a Royal Exchange Assurance, que se encontrava pendente, e que ia diligenciar no sentido de ser apensada aos presentes autos.<br> A folhas 76 foi junta declaração da C, dizendo que, viajando na viatura da autora com suas filhas D e C, não tiveram qualquer prejuizo derivado do acidente.<br> A Sociedade Portuguesa de Seguros contestou, referindo manter com o Albano um contrato de seguro ate ao montante de 1000000 escudos, que o acidente ocorrera como a autora o relatara, e pediu a condenação da Prensoland Lusitana, Limitada, como litigante de ma fe.<br> Contestaram, então, em separado, a Preusoland Lusitana,<br> Limitada, e o A, so aquela deduzindo a excepção da sua ilegitimidade e, relativamente ao acidente e danos dele resultantes, uma e outro impetrando a absolvição do pedido.<br> Fora, entretanto, apensa a acção acima mencionada que o<br> B intentara contra a Royal Exchange Assurance, na qual pedia a condenação desta a pagar-lhe 124945 escudos por danos sofridos, devido ao acidente, no seu veiculo ... e, ainda, a intervenção principal da Socevora.<br> A Seguradora contestou, salientando haver interesse na apensação dos processos e, quanto ao acidente, responsabilizou pela sua produção o condutor do veiculo da autora e o B, concluindo pela sua absolvição do pedido.<br> Concedido ao A o beneficio da assistencia Judiciaria na modalidade pretendida, foi proferido saneador onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida por Prensoland Lusitana,<br> Limitada.<br> Apenas esta reclamou da especificação e do questionario, tendo obtido um quase total deferimento.<br> E interpos recurso de agravo do saneador, que foi admitido com subida diferida.<br> Procedeu-se, oportunamente, a audiencia de discussão e julgamento, tendo, apos a inquirição de testemunhas, sido requerida, pelo B, a ampliação do pedido, nos termos do artigo 273 do Codigo Processo Civil, "dado o tempo decorrido desde a entrada da acção em juizo, cerca de quatro anos, e a circunstancia da moeda, neste periodo, perdido o valor a um coeficiente medio nunca inferior a 12% que e um facto notorio". E, como se ve da acta da audiencia, a folhas 455 verso, tal pedido foi deferido sem oposição das res Prensoland Lusitana,<br> Limitada, e Royal Exchange Assurance.<br> Não houve reclamação das respostas ao questionario e foi proferida sentença, em 28 de Março de 1988, condenando os reus A, Prensoland Lusitana, Limitada, e Royal Exchange Assurance a pagar, solidariamente, a Socevora, sendo a responsabilidade da Seguradora ate ao montante de 1000000 escudos, a quantia de 4959363 escudos e cinquenta centavos, acrescida de juros legais contados desde 11 de Outubro de 1983; e so a Royal Exchange Assurance a pagar ao<br> B 86545 escudos, acrescidos de quantia a liquidar em execução de sentença referida aos dias de paralisação do veiculo ..., acrescidos de juros a taxa legal contados desde 3 de Fevereiro de 1984, de harmonia com o rateio a efectuar com a condenação a<br> Socevora e que não era possivel fazer de momento, face ao que havera a liquidar em execução de sentença.<br> Chegou-se, na sentença, pelo seguinte modo, as indemnizações apontadas, sendo certo que se entendeu que a culpa na produção do acidente coube, exclusivamente, ao A: a) para a Socevora: pela reparação do tractor, 519550 escudos; pela reparação do reboque, 249213 escudos e cinquenta centavos; com o transporte do reboque e do tractor para os locais de reparação, 44600 escudos; pela agua perdida e pelo vasilhame danificado, 46000 escudos; com o aluguer de viatura de susbstituição, 600000 escudos; e com a aquisição do veiculo de substituição, 3500000 escudos. b) para o B: pela reparação do veiculo, 85635 escudos; em transportes de taxi, 750 escudos e 160 escudos.<br> Quanto a Socevora, porque intentou a acção em 5 de<br> Julho de 1983, ja na vigencia das alterações introduzidas no Codigo Civil pelo Decreto 262/83, de 16 de Junho, decidiu-se que a indemnização a que tinha direito vencia juros legais desde a citação. E o mesmo sucedeu com relação ao B, que propos a acção em 6 de Janeiro de 1984.<br> E consignou-se na sentença que, quando propuseram as acções, os autores deviam ja ter formulado os pedidos tendo em conta a inflação entretanto verificada, pelo que a nenhuma correcção monetaria se procedeu.<br> O A requereu, sem exito, o esclarecimento da sentença com base em pretenso erro material no valor encontrado para a indemnização a atribuir a Socevora.<br> Da sentença so apelaram a Prensoland Lusitana, Limitada, e o A, que aderiu as alegações daquela.<br> Pelo que, e como se concluiu no acordão recorrido, a sentença transitou em julgado no que respeita a indemnização a pagar ao B pela Royal Exchange Assurance.<br> E, no que toca a indemnização a pagar a Socevora, foi decidido pela Relação: que não era devida a condenação em juros, por não ter sido pedida; tambem não era devida a quantia de 3500000 escudos pela aquisição do veiculo de substituição; e, em vez de 600000 escudos com o aluguer da viatura de substituição, fixou-se essa importancia em 222057 escudos; pelo que a indemnização total a pagar a<br> Socevora seria de 1681370 escudos.<br> Considerando-se, no entanto, ser a inflação um facto notorio que não carece de prova nem de alegação, e devendo a indemnização efectuar-se em dinheiro por impossibilidade de reconstituição natural, havia que tomar em conta a inflação no momento de apurar a quantia devida.<br> Por isso procedeu o acordão recorrido a actualização da importancia de 1681370 escudos, tendo em atenção os indices dos preços ao consumidor nos anos de 1982 a<br> 1987 inclusive, tendo chegado a quantia de 4485607 escudos e 50 centavos, que os reus foram condenados, solidariamente a pagar a Socevora, sendo a Royal<br> Exchange Assurance ate ao limite de 1000000 escudos.<br> Refira-se que o agravo interposto do saneador foi julgado deserto por falta de alegações.<br> Do acordão interpos a Prensoland Lusitana, Limitada, o presente recurso, concluindo nas suas alegações: uma coisa são factos notorios e coisa diversa são pedidos cujo suporte assenta em factos daquela especie; cada um e livre de formular, ou não, os pedidos que entenda; se estes se fundarem em factos notorios, não carecem os mesmos de ser alegados e provados, o que não quer dizer que os pedidos não devam ser formulados; o acordão, ao condenar nos valores correspondentes a inflação, esta a sair do ambito do recurso e a condenar em objecto diverso do pedido, ofendendo, assim, o n. 1 do artigo 661 do Codigo de Processo Civil; e, indirectamente, os artigos 804 n. 1 e 806, ambos do<br> Codigo Civil; pelo que a indemnização devera ficar limitada a 1681370 escudos.<br> E a Socevora rebate dizendo não ter sido violado qualquer preceito legal, um vez que: a obrigação de indemnizar e uma divida de valor; as indemnizações deve aplicar-se o principio da actualização tendo em vista a diminuição do poder de compra por motivo da inflação; a aplicação do principio da actualização e de conhecimento oficioso não dependendo de qualquer pedido ou prova formulada pela autora; tanto os juros como a actualização em função da inflação tiveram em vista repor o valor dos danos a data do pagamento dos mesmos. O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo<br> Tribunal apos o seu visto.<br> Deram as instancias como provados os seguintes factos: a) face a especificação: em 9 de Junho de 1981, pelas 16 horas e 45 minutos, ao kilometro 199,5 da estrada nacional n. 1, ocorreu um acidente em que intervieram: um veiculo pesado de carga, constituido por um tractor e um atrelado, marca Volvo, com a matrícula ..., que seguia no sentido Mealhada-Coimbra, conduzido por E; um veiculo ligeiro de mercadorias, marca Morris, com a matricula ...., que seguia no sentido Coimbra-Mealhada, conduzido por A, e um veiculo com a matricula ..., que seguia no sentido Coimbra-Mealhada, conduzido por B<br> ; a data do acidente, o auto-psado pertencia a Socevora; o auto-ligeiro de mercadorias a Prensoland Lusitana, Limitada, e o outro veiculo ao referido B; a Prensoland Lusitana, Limitada, a data do acidente, tinha transferido a responsabilidade pelos prejuizos provocados a terceiros com o seu veiculo ... para a Royal Exange Assurance, ate ao limite de 1000000 escudos, por contrato de seguro titulado pela apolice n. 97655; o ... seguia na meia faixa direita da via, atento o seu sentido de marcha; o ... seguia na meia faixa direita da via, atento o seu sentido de marcha; deu-se um embate entre o .... e o ...., na meia faixa esquerda da via, atento o sentido de marcha deste ultimo veiculo; o condutor do .... accionou os travões do veiculo por si comandado; e, em consequencia, ficou na estrada um rasto de travagem de 50 metros de comprimento; apos o acidente o ... ficou atravessado obliquamente na estrada, e voltado com as rodas do seu lado esquerdo no ar; a estrada no local do acidente e em recta; b) em consequencia das respostas ao questionario: na data do acidente o A era empregado da Prensoland Lusitana, Limitada; o .... ultrapassou o ... e este seguia a uma velocidade de 60 Kilometros por hora; apos a ultrapassagem, o ... continuou a rolar, utilizando parte da meia faixa esquerda da via atento o seu sentido de marcha, procurando assim ultrapassar um veiculo pesado que seguia a frente do .... e embateu no ...; o ... e o ... embateram, respectivamente, com a parte da frente e a parte esquerda das viaturas; a travagem efectuada pelo condutor do ..... fez com que este veiculo se atravessasse na estrada e depois se voltasse, ficando na posição ja acima descrita; apos o embate entre o ... e o ..., aquele veiculo entrou na berma direita atento o seu sentido de marcha e, ao procurar reentrar na faixa de rodagem e ja com as rodas do lado esquerdo no ar, voltou-se sobre o seu lado direito, ficando na posição ja indicada; o .... foi embatido pelo ... quando este se voltava sobre o seu lado direito. a estrada, no local do acidente, tem a largura de 7 metros e sessenta centimetros, as bermas a largura de 2 metros em cada lado da estrada e o piso da estrada estava seco; o .... circulava a velocidade superior a 60 Kilometros por hora; o ... continuou a sua marcha por mais 50 metros apos o acidente e o seu condutor continuou a accionar os travões; o ... encostou ao lado direito atento o seu sentido de marcha e parou; a Socevora dedica-se ao comercio e distribuição de aguas e refrigerantes, entre as quais a Agua do Luso; em consequencia do acidente resultaram prejuizos no tractor e atrelado do ... e, por isso, a Socevora teve de os mandar reparar, despendendo 519550 escudos na reparação do tractor e 249213 escudos e cinquenta centavos com a reparação do reboque; com o transporte do reboque e do tractor para os locais de reparação, a Socevora despendeu 44600 escudos; o reboque e o tractor so foram entregues reparados a<br> Socevora em 2 de Fevereiro de 1982; o ...., na altura do acidente, transportava agua do Luso em garrafões, tendo a agua o valor de cerca de<br> 40000 escudos e o vasilhame o valor de cerca de 6000 escudos ; a agua e o vasilhame ficaram inutilizados em consequencia do acidente; durante o periodo compreendido entre 9 de Junho de 1981 e 17 de Setembro de 1981, a Socevora alugou por diversas vezes uma viatura para substituir o ..., e nesses alugueres despendeu cerca de 600000 escudos; a Socevora, logo que se apercebeu dos elevados encargos que constituiam para si esses alugueres, procedeu a aquisição de um novo veiculo pesado de transportes com capacidade de deslocação identica ao ..., esse veiculo so foi entregue a Socevora em 17 de Setembro de<br> 1981 e na sua aquisição a Socevora despendeu 3500000 escudos; do acidente resultaram prejuizos no ... e a sua reparação orçou em 85635 escudos; por causa do acidente o B teve de chamar um veiculo de aluguer para transportar uma sua cliente do local do acidente a maternidade em Coimbra e com esse aluguer despendeu 750 escudos; o B teve, ainda, por causa do acidente, de chamar um veiculo de aluguer para o transportar da sua residencia ao Hospital da Mealhada e com esse aluguer despendeu 160 escudos; a reparação do ... durou 32 dias.<br> O acordão e posto em crise, neste recurso, apenas no aspecto em que corrigiu, com base na inflação, a indemnização a pagar a Socevora.<br> Ora o acidente de viação ocorreu em 9 de Junho de 1981 e a acção foi proposta pela Socevora em 5 de Julho de<br> 1983, que pediu que os reus fossem solidariamente condenados a pagar-lhe 5921017 escudos e oitenta centavos a titulo de indemnização pelos prejuizos sofridos.<br> Não foi pedida a condenação dos reus no pagamento de juros, embora ja então estivesse em vigor a alteração introduzida no n. 3 do artigo 805 do Codigo Civil pelo artigo 1 do Decreto 262/83.<br> Tambem não foi pedida a actualização da indemnização devido a inflação entretanto ocorrida, por ampliação do pedido, ate ao encerramento da discussão em primeira instancia, como era permitido pela parte final do n. 2 do artigo 273 do Codigo de Processo Civil. E isto apesar de, conforme se mencionou, o autor B ter requerido, em tais termos, a ampliação do pedido que formulara, finda a inquirição da ultima testemunha em audiencia de julgamento, e que o tribunal, sem qualquer oposição, deferiu.<br> Ora, face ao principio da estabilidade da instancia, contido no artigo 268 do Codigo de Processo Civil, citado o reu, a instancia deve manter-se a mesma quanto ao pedido, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.<br> E certo que se entende que a inflação, como facto notorio, não carece de alegação - artigo 514 n. 1 do Codigo de Processo Civil - podendo efectuar-se a correcção monetaria pelo recurso as tabelas oficiais que referem os indices de inflação.<br> Mas isso não dispensa o autor, com o devido respeito por opinão contraria, de pedir tal correcção, ja que o tribunal não pode alterar ou completar os pedidos deduzidos pelo autor.<br> E, conforme se salientou, a autora não solicitou que, no seu pedido se considerasse a desvalorização da moeda entretanto ocorrida.<br> No sentido apontado decidiram os acordãos deste Supremo<br> Tribunal de 3 de Novembro de 1983 e de 25 de Junho de<br> 1986, respectivamente no Boletim 331, pagina 504 e 358, pagina 470.<br> Pelo que não podiam os reus ser condenados numa quantia que a autora não pediu - artigo 661 n. 1 do Codigo de Processo Civil.<br> Mas, que assim não fosse, caberia apreciar um outro aspecto da questão.<br> Conforme se ve da materia de facto provada, os reus, na primeira instancia, foram condenados a pagar a Socevora<br> 4959363 escudos e cinquenta centavos, correspondentes a soma de 519550 escudos da reparação do tractor, 249213 escudos e cinquenta centavos da reparação do reboque,<br> 44600 escudos do transporte do reboque e do tractor para os locais de reparação, 46000 escudos da agua perdida e vasilhame inutilizados na ocasião do acidente, 600000 escudos do aluguer de viatura de substituição e 3500000 escudos do custo de aquisição de um veiculo para substituir o acidentado, o qual, conforme se deu como provado, foi entregue a Socevora em 17 de Setembro de 1981.<br> Ora a acção so foi proposta em 5 de Julho de 1983 e a citação do reu que o foi em ultimo lugar ocorreu em 11 de Outubro de 1983 - ver folhas 28.<br> A entender-se que a correcção monetaria da indemnização devido a desvalorização da moeda não necessita de ser pedida e deve ser oficiosamente efectuada, então tal correcção deveria ter sido considerada na sentença.<br> O certo, porem, e que ai nenhuma actualização se fez.<br> Pelo contrario, expressamente se entendeu que a autora, quando propos a acção, em 5 de Julho de 1983, devia ter ja formulado o pedido tendo em conta a inflação verificada - ver sentença a folhas 464.<br> Certo que na sentença se decidiu que a autora tinha direito a juros legais, a partir da ultima citação ocorrida em 11 de Outubro de 1983, de harmonia com o disposto no n. 3 do artigo 805 do Codigo Civil.<br> So que tais juros - que, alias, não haviam sido pedidos e que a Relação decidiu que a autora a eles não tinha direito - não são o mesmo que a actualização da indemnização por virtude de inflação verificada; e, que assim se não entenda, sempre não teria sido feita qualquer actualização da inflação, digo, da indemnização desde a data do acidente, em 9 de Junho de 1981, ate a citação ocorrida em 11 de Outubro de 1983.<br> Ora a Socevora não interpos recurso da sentença, apesar de ter pedido uma indemnização de 5921017 escudos e oitenta centavos e so lhe sido concedida a de 4959363 escudos e cinquenta centavos, e devia te-lo feito nos termos do artigo 682 n. 1 do Codigo de Processo Civil.<br> Dela so recorreram os reus A e Prensoland Lusitana, Limitada.<br> Foi, apenas, nas alegações, como recorrida, para este<br> Supremo Tribunal que a Socevora defendeu que a aplicação do principio da actualização da indemnização era de conhecimento oficioso, não dependendo de qualquer pedido por si formulado.<br> Pelo que não podia a Relação, em tais circunstancias, uma vez que decidiu não ser legal a condenação dos reus em juros, compensar a Socevora com a actualização da quantia a pagar a titulo de indemnização, considerando a inflação verificada nos anos de 1982 e seguintes ate<br> 1987 inclusive.<br> Termos em que, concedendo a revista, se revoga o acordão recorrido, ficando os reus A, Prensoland Lusitana-Equipamentos Industriais, Limitada, e Royal Exchange Assurance condenados a pagar, solidariamente, sendo a Royal ate ao limite dos 1000 contos do seu seguro, a Socevora - Sociedade Distribuidora de Cerveja e Refrigerantes,<br> S.A., a quantia de 1681370 escudos (um milhão seiscentos e oitenta e um mil trezentos e setenta escudos).<br> Custas neste Supremo Tribunal pela recorrida. As devidas nas instancias serão suportadas na proporção do vencido.<br> De ter eventualmente em conta o beneficio da assistencia judiciaria concedido ao reu A.<br> 19 de Março de 1992.<br> Cesar Marques,<br> Beça Pereira,<br> Miguel Montenegro,<br> Rui de Brito,<br> Fernando Fabião. (vencido conforme declaração de voto que junto).<br> Votei vencido, pois teria negado a revista e confirmado o acordão recorrido, pelas razões constantes da declaração de voto que junto e ja expendidas no projecto de acordão que cheguei a elaborar.<br> Eis as razões.<br> Antes de mais importa precisar: a) a autora, ora recorrida, não pediu se considerasse a correcção monetaria em função da inflação, na petição inicial, nem, depois, ampliou o pedido, nos termos do artigo 273 n. 2 do Codigo de Processo Civil; b) quer a sentença da 1 instancia quer o acordão da<br> Relação fixaram o valor global da indemnização a autora em montante inferior ao pedido global.<br> Tem-se entendido que os limites aludidos dos artigos<br> 661 n. 1 e 668 n. 1 alinea e) ambos do Codigo de<br> Processo Civil, se referisse ao pedido global e não as parcelas em que o lesado desdobrou um pedido global indemnizatorio, pelo que o tribunal pode, em relação a uma ou mais parcelas indicativas de danos diversos, condenar em quantidade superior a indicação, desde que o somatorio das quantias parcelares não interferem o pedido global.<br> Julgamos que o tribunal pode tomar em conta o fenomeno inflaccionario, ao arbitrar a indemnização, sem ser necessario que o lesado tenha feito o correspondente pedido, pelas razões a seguir alinhadas:<br> 1- o lesado faz um pedido unico, consubstanciado na quantia global pedida com indemnização e que e o somatorio das varias quantias parcelares correspondentes a indemnização por estes e aqueles danos individualizados, não faz pedidos multiplos, cada um para cada especie desses danos, pelo que o que conta, para efeitos do n. 1 do artigo 661 do Codigo de<br> Processo Civil, e aquele pedido unico, de tal forma que, não sendo este excedido, não ha ofensa de tal texto legal, nem se pode dizer, por outro lado, em boa verdade, que o lesado não haja feito o pedido de correcção monetaria decorrente da inflação, ao menos implicitamente na medida em que este cabe no pedido global unico;<br> 2- O pedido e o montante logico - juridico da causa de pedir, mas se, no caso da desvalorização de moeda, se dispensa a alegação e a prova desta causa de pedir, por ser facto notorio (artigo 514 n. 1 do Codigo de<br> Processo Civil) parece logico que tambem se dispense a formulação do correspondente pedido, incumbindo ao juiz a condenação nele;<br> 3- Se e certo que aos tribunais de recursos so cabe apreciar as questões decididas pelos tribunais hierarquicamente inferiores e suscitadas pelas partes, certo e tambem que este principio use brecha quanto a materia de conhecimento oficioso (v., por todos, acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de<br> Janeiro de 1988, Boletim do Ministerio da Justiça, 373,<br> 462), como acontece com os factos notorios, nos termos da parte final do artigo 664 do Codigo Civil, havendo, assim, uma excepção ao funcionamento do principio dispositivo (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2 edição, 676); ora isto e sinal evidente de que os tribunais superiores podem, em tal hipotese, socorrer-se dos factos notorios e extrair deles as devidas consequencias, em toda a linha, mesmo em sede de condenação, ainda que as partes não tenham suscitado a questão nos tribunais inferiores;<br> 4- Ha preceitos legais, adjectivos e substantivos, dos quais parece poder extrair-se a ideia de que eles impõe ao julgador, para uma justa e equitativa fixação da indemnização, o dever legal de proceder oficiosamente a correcção monetaria em função da inflação, ou seja, a actualização das verbas indemnizatorias dos danos de acordo com a desvalorização da moeda, pelo que estara o lesado dispensado de formular o correspondente pedido de actualização: e o caso do artigo 663 do Codigo<br> Civil, que manda tomar em consideração os factos constitutivos modificativos ou extintivos produzidos posteriormente a propositura da acção e que separado o direito substantivo aplicavel, tenham influencia sobre a existencia ou conteudo da relação controvertida, como e o caso do artigo 566 n. 2 do Codigo Civil, segundo o qual a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente atendivel pelo tribunal, e a que teria na mesma data se não tivesse ocorrido o facto ilicito causador pelos danos, e como e ainda o caso dos artigos 494º e 496º nº 3 do mesmo Codigo, na medida em que mantem a todas as "demais circunstancias do caso";<br> 5- a obrigação de indemnização em dinheiro, por equivalente (artigo 566º do Codigo Civil) e uma divida de valor, pois que o seu objecto não consiste directamente nessa prestação monetaria mas numa prestação diversa, em que o dinheiro apenas intervem como meio de determinação do seu quantitativo, pelo que o artigo 551 do Codigo Civil permite a actualização destas dividas de valor, mandando atender aos indices das funções, na falta de outro criterio legal (Almeida<br> Costa, direito das obrigações, 5 edição, 607 e seguintes; Antunes Varela, das Obrigações em geral, 7 edição, volume I, 256 e seguintes; J. Baptista Machado, obra dispersa, volume I, 433), actualização esta perfeitamente suspensivel, pois que, como acentuou Vaz<br> Lima, tais dividas, sem actualização não satisfariam o seu objectivo (R.L.J. 112, e segintes); mas, se assim, tambem desta regra da actualização das dividas de valor parece decorrer para o julgado o dever legal de proceder a actualização em causa;<br> 6- finalmente, niguem contestara que, nestes casos, a justiça material postula a correcção monetaria, na medida em que seria injusto, não equitativo, que os efeitos da desvalorização da moeda corressem por conta do credor; ora, ha que estar sempre de pe atras em relação a interpretações dos textos legais que implicam o atropelo da justiça material em nome de normas ou principios processuais, ja que estes mais não são que o caminho para alcançar aquela;<br> 7- a favor desta pressuposta orientação, julgamos estar a maioria dos actos do Supremo Tribunal de<br> Justiça, muito embora alguns sejam pouco explicitos<br> (Boletim do Ministerio da Justiça 287, 292, 294, 283,<br> 298, 238, 349, 499, 323, 385); sabe-se de um ou de outro acordão em sentido contem (Boletim do Ministerio da Justiça 358, 470, 331, 504, se bem que, nestes ultimos, se citem, em apoio, mais 2 acordãos, os quais, contudo, parece não seguirem a mesma orientação), mas, salvo o devido respeito, fragilmente fundamentados.<br> Quanto ao facto de a autora não ter interposto recurso da sentença de 1 instancia que não fez a correcção monetaria, pelo que, na logica do acordão que fez vencimento, houvesse caso julgado sobre a questão, tendo a dizer que, em principio, o caso julgado so cobre a decisão, os seus fundamentos, nomeadamente as qualificações juridicas e as interpretações juridicas aceites nessa fundamentação (Antunes Varela, J. Miguel<br> Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2 edição, 714 e seguintes, Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1963, 302 e seguintes).<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 28 de Maio de 1988 do tribunal Judicial de Coimbra;<br> II - Acordão de 14 de Março da Relação de Coimbra.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><br> <br> <b><font>Acordam no Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <b><font>I.</font></b><font> – </font><b><font>Banco M... S.A.</font></b><font> instaurou, em Janeiro de 2001, na 1.ª Vara Cível de Lisboa, acção executiva contra </font><b><font>AA, </font></b><font>para cobrança coerciva da quantia de 3.696.973$00, acrescida de juros vincendos e encargos, referentes a mútuo para aquisição de veículo automóvel, indicando à penhora, entre outros bens, o veículo objecto do contrato.</font><br> <br> <font>Penhorado este e constatando que sobre esse veículo incidia reserva de propriedade a favor do exequente, o juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> convidou-o a fazer prova da renúncia a tal reserva, convite que o mesmo não aceitou (não obstante afirmar expressamente essa renúncia), pelo que foi decretada a suspensão da execução quanto a esse bem, até se mostrar cancelado o registo da reserva de propriedade.</font><br> <br> <font>Inconformado, agravou o exequente concluindo, em síntese, pela falta de fundamento da decretada suspensão, tendo a Relação de Lisboa confirmado a decisão da 1.ª instância.</font><br> <br> <font>De novo inconformado, o exequente interpôs da referida decisão novo recurso de agravo, nos termos dos artigos 754.º, n.º 2, 762.º n.º 3 e 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil.</font><br> <br> <font>O agravante conclui, em síntese, as suas alegações do seguinte modo:</font><br> <br> <font>1. Nos autos em que sobe o presente recurso foi logo de início requerida a penhora sobre o veículo automóvel com a matrícula ...-...-HS, penhora que foi ordenada pelo Juiz em 1.ª instância, e que foi devidamente registada.</font><br> <font>2. Não é por existir uma reserva de propriedade sobre o veículo dos autos em nome do ora recorrente que, para efeitos da execução prosseguir, é necessário que este requeira o cancelamento da dita reserva.</font><br> <font>3. O facto de a reserva de propriedade estar registada não impede o prosseguimento da execução, pois de acordo com o disposto nos artigos 824.º do Código Civil e 888.º do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam.</font><br> <font>4. No caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, deve agir-se de acordo com o que se prescreve no artigo 119.º do Código do Registo Predial, caso a penhora tenha sido realizada.</font><br> <font>5. Tendo a ora recorrente optado pelo pagamento coercivo da divida em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre o qual a mesma incide – o que, como referido, seria, neste caso, ilegítimo; tendo a exequente renunciado ao “domínio” sobre o bem – pois desde o início afirmou que o mesmo pertencia à recorrida; tendo, como dos autos ressalta, a reserva de propriedade sido constituída apenas como mera garantia, e para os efeitos antes referidos; prevendo-se nos artigos 824.º do Código Civil e 888.º do Código de Processo Civil, que aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam; e não se prevendo no artigo 119.º do Código do Registo Predial que se notifique o detentor da reserva de propriedade para que requeira o seu cancelamento, é manifesto que o acórdão recorrido, ao sancionar o decidido em 1.ª instância, errou e decidiu incorrectamente.</font><br> <font>6. Caso, assim, não se entendesse, sempre se dirá, que deveria o exequente titular da reserva de propriedade – ter sido notificado nos termos do disposto no artigo 119.º, n.º 1, do Código do Registo Predial.</font><br> <font>7. O acórdão recorrido, ao confirmar o decidido em 1.ª instância violou, pois, e erradamente interpretou e aplicou o disposto no artigo 888.º do Código de Processo Civil, violou também o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, alínea b) e 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, os artigos 7.º e 119.º do Código do Registo Predial e 408.º, 409.º, n.º 1, 601.º e 879.º, alínea a), todos do Código Civil.</font><br> <font>8. Impõe-se pois, a procedência do presente recurso e a substituição do acórdão recorrido por outro que reconheça e decida que o facto de existir registo de reserva de propriedade em favor do exequente em autos de execução em que o veiculo foi penhorado e a penhora registada, para efeitos da execução prosseguir não é necessário que o exequente proceda ao cancelamento do mesmo, aliás, a ordenar sempre posteriormente, nos termos do artigo 888.º do Código de Processo Civil, desta forma se UNIFORMIZANDO JURISPRUDÊNCIA.</font><br> <br> <font>Não houve contralegações.</font><br> <br> <font>O Senhor Presidente deste Tribunal determinou o julgamento alargado do recurso e o Ministério Público foi de parecer que o conflito fosse resolvido no sentido de que:</font><br> <br> <b><font>“Verificando-se que sobre veículo automóvel que fora penhorado incide registo de reserva de propriedade a favor do próprio exequente, a acção executiva não pode prosseguir sem que previamente tal averbamento se mostre cancelado, designadamente através de renúncia do exequente ao direito registado”.</font></b><br> <br> <font>Por entender indispensável ao esclarecimento das questões em debate, o Relator notificou o recorrente para apresentar certidão da petição inicial e dos documentos que a acompanharam, da decisão que constitui título executivo, bem como do documento que serviu de base ao registo de reserva de propriedade.</font><br> <br> <font>Dos documentos apresentados, para além de se ter esclarecido qual a matéria de facto fixada pelas instâncias, constatou-se que, no requerimento-declaração para registo de propriedade, a T... assina como vendedora do veículo e que, no contrato de mútuo, se identifica o veículo financiado e o respectivo fornecedor (não referido como vendedor) não se referindo aí, no campo das garantias, a reserva de propriedade.</font><br> <br> <font>Cabe apreciar e decidir.</font><br> <br> <b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font><br> <br> <font>De Facto</font><br> <br> <b><font>II.A.</font></b><font> A factualidade relevante é a alegada na petição inicial e provada documentalmente, uma vez que a ré não contestou.</font><br> <br> <font>Em síntese:</font><br> <br> <font>– O A. Banco M..., tinha anteriormente a designação de T... – Financiamento de Aquisições a Crédito, S.A. e era uma sociedade financeira para aquisições a crédito, tendo por objecto exclusivo o exercício das actividades referidas nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 206/95, de 14 de Agosto;</font><br> <font>– No exercício da sua actividade comercial e com destino à aquisição do um veículo automóvel concedeu à R. crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, no montante de 2.000.000$00;</font><br> <font>– Nos termos do aludido contrato o empréstimo vencia juros à taxa nominal de 16,99% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros respectivos, bem como o prémio do seguro de vida, serem pagos, em 60 prestações, mensais e sucessivas, no valor de 50.840$00, vencendo-se a primeira em 10 de Novembro de 1999 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;</font><br> <font>– A importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga, conforme ordem irrevogável logo dada pela referida R. para o seu Banco, por transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações;</font><br> <font>– A falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações;</font><br> <font>– Em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 20,99%;</font><br> <font>– Das prestações referidas, a R. não pagou a 7.ª e seguintes, vencida a primeira em 10 de Maio de 2000, vencendo-se então todas.</font><br> <br> <b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br> <br> <b><font>II.B.1. </font></b><font>Atento o teor da decisão recorrida e das conclusões do recorrente apenas está em questão saber se:</font><br> <br> <b><font>Verificando-se que sobre veículo automóvel que fora penhorado incide registo de reserva de propriedade a favor do próprio exequente, pode a execução prosseguir, para as fases de concurso de credores e venda, sem que este, previamente, inscreva no registo a extinção da referida reserva?</font></b><br> <br> <b><font>II.B.2.</font></b><font> A resposta à questão colocada pressupõe os seguintes patamares de análise:</font><br> <br> <font>1. Contradição de acórdãos sobre as mesmas questões fundamentais de direito; </font><br> <font>2. Perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre as questões; </font><br> <font>3. Apreciação crítica das teses em confronto na sua aplicação ao caso concreto.</font><br> <br> <b><font>II.B.3.</font></b><font> A primeira questão a resolver nos recursos ampliados para efeitos de uniformização de jurisprudência é a de saber se existe ou não oposição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.</font><br> <br> <font>Ocorre a identidade da questão, se à aplicação normativa está subjacente uma situação de facto substancialmente idêntica. </font><br> <br> <font>No caso vertente está em discussão se a execução pode prosseguir em bem com registo de reserva de propriedade a favor do exequente, sem que este inscreva no registo a extinção do direito registado.</font><br> <br> <font>O conflito terá que se colocar entre a decisão proferida nestes autos e o acórdão invocado como fundamento. </font><br> <br> <font>O acórdão invocado como fundamento é o proferido em 17 de Maio de 2007, no processo n.º 3450/2007, da 6.ª Secção, do Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu não haver fundamento para impor ao exequente, a favor do qual se encontra registada a reserva de propriedade sobre um veículo, que renuncie ao direito registado nem para a suspensão da execução, enquanto tal renúncia não ocorrer, considerando-se haver lugar ao cancelamento oficioso desse registo.</font><br> <br> <font>Tanto basta que para que estejam reunidos os pressupostos para a uniformização de jurisprudência pretendida, sendo certo que a delimitação de uniformização deve pautar-se pelos próprios limites da divergência que são estes: vinculação ou não do exequente ao cancelamento do registo da reserva de propriedade, inscrita a seu favor sobre o bem designado à penhora.</font><br> <br> <font>Adite-se ainda que, também neste tribunal, se verifica a divergência jurisprudencial apontada.</font><br> <br> <font>Assim, no sentido do acórdão recorrido, se pronunciaram os acs. de 12.01.99, Proc. 1111/98-2.ª (Rel., Cons. SIMÕES FREIRE); de 27.05.04, Proc. 1865/04-2.ª (Rel., Cons. MOITINHO DE ALMEIDA); de 13.01.05, Proc. 3754/04-2.ª (Rel., Cons. ABÍLIO VASCONCELOS); de 12.05.05, Proc. 993/05-7.ª (Rel., Cons. ARAÚJO BARROS); de 10.01.06, Proc. 3188/05-6.ª (Rel. Cons. RIBEIRO DE ALMEIDA); de 14.02.06, Proc. 4209/05-1.ª (Rel., Cons. ALVES VELHO) e Proc. 3449/05-1.ª (do aqui relator); de 20.04.06, Proc. 4376/05-2.ª (Rel., Cons. NORONHA DO NASCIMENTO); de 18.05.06, Proc. 880/06-6.ª (Rel., Cons. JOÃO CAMILO) e de 12.07.07, Proc. 234/07-1.ª (Rel., Cons. MOREIRA ALVES). </font><br> <br> <font>Em sentido contrário, registam-se os acs. de 10.04.97, Proc. 102/97-2.ª (Rel. Cons. COSTA SOARES); de 2.11.04, Proc. 1765/04-6.ª (Rel., Cons. SOUSA LEITE); de 17.03.05, Proc. 317/05-7.ª (Rel., Cons. FERREIRA DE SOUSA); de 15.12.05, Proc. 2661/05-2.ª (Rel., Cons. LOUREIRO DA FONSECA); de 2.02.06, Proc. 3932/05-2.ª (Rel., Cons. BETTENCOURT DE FARIA); de 30.03.06, Proc. 645/06-2ª (Rel., Cons. FERREIRA DE SOUSA); de 26.04.07, Proc. 2532/06- 2.ª (Rel., Cons. RODRIGUES DOS SANTOS) e de 13.09.07, Proc. 2547/07-7.ª (Rel., Cons. FERREIRA DE SOUSA); veja-se, ainda, voto de vencido no acima citado ac. de 12.07.07 (Cons. SEBASTIÃO PÓVOAS). </font><br> <br> <b><font>II.B.4.</font></b><font> Perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre a questão.</font><br> <br> <font>II.B.4.1 Estabelece o art. 409.º do Código Civil (doravante, C.C.) sob a epigrafe “Reserva de propriedade”:</font><br> <br> <font>“1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.</font><br> <font>2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros" </font><br> <br> <font>O referido artigo 409.º constitui excepção ao anterior artigo 408.º, que consagra a regra de que a transferência da propriedade se opera por mero efeito do contrato – mas ambos se reportam aos contratos reais ou com eficácia real, de que resultam não apenas efeitos obrigacionais mas também efeitos reais – constituição ou transferência do domínio (cf. ALMEIDA COSTA, </font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, 5.ª edição, Coimbra, 1991, p. 226), pelo que é inequívoco que "a função económica da reserva de propriedade é a de garantir o crédito do vendedor pelo preço da compra.”</font><br> <br> <font>“A reserva de propriedade substitui o direito de penhor sem posse do vendedor, inadmissível em face do nosso Código Civil (arts. 669.º e 677.º). Com a reserva de propriedade visa o vendedor </font><i><font>precaver-se</font></i><font> de uma eventual inexecução do contrato ou insolvência por parte do comprador, caso em que o vendedor deseja obter a restituição da coisa, fazendo valer os seus direitos quer em face do comprador, quer de terceiros, credores do comprador, ou que por ele tenham sido investidos em direitos sobre a coisa. Consegue-o convencionando que a titularidade do direito de propriedade permaneça na sua esfera jurídica até ao integral pagamento do preço" (LUÍS LIMA PINHEIRO, </font><i><font>A Cláusula de Reserva de Propriedade</font></i><font>, Coimbra, 1988, p. 23 e 24). </font><br> <br> <font>A reserva tem, pois, essencialmente, uma função de garantia do direito primeiro do credor que é a manutenção da solvabilidade do património do seu devedor, mas assegurando a este a plena fruição, ou disposição material da coisa (PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, vol. II, 4.ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, nota 5 ao artigo 934.º; OLIVEIRA ASCENSÃO, </font><i><font>Direito Civil – Reais</font></i><font>, 1983, pp. 483-484 e VAZ SERRA, “Penhor – Penhor de coisas”, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 58, pp. 17 e ss.).</font><br> <br> <font>Para além de garantir o pagamento do preço, a reserva de propriedade garante também a devolução da coisa, caso o crédito não possa ser cobrado. </font><br> <br> <font>Mas o adquirente, apesar da reserva, detém a coisa em nome próprio e não a título precário e não a recebe para a guardar e posteriormente restituir (ALMEIDA E COSTA, </font><i><font>RLJ</font></i><font>, ano 1985, p. 86, em anotação ao acórdão de 24 de Janeiro de 1985)</font><br> <br> <font>Naturalmente adere-se à posição de ANA MARIA PERALTA (</font><i><font>A posição jurídica do comprador na compra e venda com reserva de propriedade</font></i><font>, 1990, p. 77) ao declarar que “o gozo da coisa pelo comprador durante o tempo que medeia entre a celebração do contrato e o pagamento completo do preço é um elemento típico essencial da compra e venda com reserva acompanhada da tradição da coisa. Não se fundando na propriedade que ainda não detém, o gozo do comprador deriva da sua posse em nome próprio, resultante da entrega do bem em execução do contrato.” E que “ao vendedor continua a pertencer a posse nos termos do direito de propriedade, direito de que ainda é titular”. </font><br> <br> <font>Do que acima se disse e também do que directamente decorre da lei (artigo 409.º, n.º 1, de C.C., citado) a cláusula de reserva de propriedade tem de ser convencionada apenas no âmbito de um contrato de alienação e não em qualquer outro, pois que é sua característica essencial suspender os efeitos translativos inerentes a tais contratos.</font><br> <br> <font>Por isso mesmo, também o art. 5.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 54/75 (Registo de Propriedade Automóvel) em perfeita consonância com o direito substantivo, dispõe que está sujeita a registo “[a] reserva de propriedade estipulada em contrato de alienação de veículos automóveis”.</font><br> <br> <font>Concordantemente o art. 46.º do Regulamento do Registo de Automóveis, na redacção introduzida pelo artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28 de Outubro, que aprovou o projecto do Documento Único Automóvel e procedeu à transposição de directivas comunitárias na matéria, estabelece que «[a] reserva de propriedade estipulada nos contratos de alienação de veículos constitui menção especial do registo de propriedade». </font><br> <br> <font>Como observa FERNANDO GRAVATO MORAIS (</font><i><font>Cadernos de Direito Privado</font></i><font> n.º 6, pp. 49-53), “não restam dúvidas que literalmente (...) só nos contratos de alienação, </font><i><font>maxime</font></i><font> nos contratos de compra e venda é lícita a estipulação” sendo certo que “[a] finalidade do legislador, ainda que interpretada actualisticamente, não terá sido a de permitir a quem não aliena um bem, mas tão-só o financia, a constituição a seu favor de uma reserva de domínio sobre um objecto que não produziu nem forneceu – apenas em razão do fraccionamento das prestações.”</font><br> <br> <font>No mesmo sentido se pronuncia ANA MARIA PERALTA que sustenta que “… não pode, desde logo, deixar de se estranhar que a cláusula de reserva de propriedade se encontre registada a favor da exequente, não vendedora mas apenas financiadora da aquisição feita pelos executados, consequentemente associada a um contrato de mútuo que tão só traduz a transferência para o mutuário do montante pecuniário a ele entregue, e desse modo, até certo ponto incompatível com a norma do artigo 409.º, n.º 1, do C.Civil, sede principal da reserva de propriedade, que prevê apenas a sua inserção, em benefício do alienante de qualquer contrato de alienação (</font><i><font>A Posição Jurídica do Comprador na Compra e Venda com Reserva de Propriedade</font></i><font>, Coimbra, 1990, p. 2.)</font><br> <br> <font>A interpretação actualista do Decreto-Lei n.º 54/75, por forma a estender ao financiador, com reserva de propriedade, os direitos do vendedor no contrato de compra e venda, foi claramente afastada no acórdão deste STJ de 2.10.07 (proc. 07A2680, Rel., Cons. FONSECA RAMOS, in </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>), onde se pode ler que</font><br> <font>“a interpretação actualista (…) tem de partir do texto da lei, só sendo legítimo estender o seu campo de aplicação, se dela resultar um desfecho que se compagine com o sistema jurídico enquanto unidade e o resultado interpretativo não afrontar o regime jurídico dos institutos com que contende, sob pena de, a coberto de uma interpretação postulada pela essoutra realidade social que a convoca, se tornar arbitrária a interpretação da lei, ferindo, assim, a certeza e a segurança jurídicas, valores caros ao Direito.”</font><br> <br> <font>II.B.4.2. Não se desconhece que tem vindo a ser aceite a possibilidade de ocorrer sub-rogação voluntária, seja do credor, seja do devedor, a favor do financiador, em situações como a dos presentes autos (artigos 589.º e 591.º do C.C.), como acontece no Parecer publicado no Boletim dos Registos e do Notariado n.º 5/2001, de Maio de 2001, citado no acórdão de 12 de Julho de 2007, deste Tribunal, que abaixo se transcreve:</font><br> <br> <font>“... 1) O financiamento por uma instituição de crédito da aquisição de um veículo automóvel, contratada sob condição de reserva de propriedade, poderá dar origem a uma situação que se reconduz à figura legal da </font><u><font>sub-rogação voluntária</font></u><font>, nas modalidades de </font><u><font>sub-rogação pelo credor</font></u><font> (artigo 589.º do Código Civil) ou de </font><u><font>sub-rogação pelo devedor, em consequência de empréstimo que lhe tenha sido efectuado</font></u><font> (artigo 591.º do mesmo Código).</font><br> <br> <font>Assim, a lei civil permite que, por actos celebrados simultaneamente, com intervenção de todos os interessados:</font><br> <br> <font>1.º) o vendedor aliene o veículo ao comprador, estipulando-se a reserva de propriedade a favor do primeiro até integral pagamento do preço;</font><br> <font>2.º) O comprador celebre um contrato de mútuo com uma instituição de crédito, para financiamento do preço de aquisição, procedendo aquela à liquidação do preço junto do vendedor ou, em alternativa, sendo tal pagamento efectuado directamente pela instituição de crédito junto do vendedor, substituindo-se ao comprador;</font><br> <font>3.º) Em consequência, o devedor sub-rogue expressamente a instituição de crédito nos direitos do vendedor, com o assentimento e a declaração de transmissão da propriedade reservada a favor daquela, por parte do vendedor (na 1.ª hipótese referida no número anterior); ou o vendedor sub-rogue expressamente a entidade financiadora nos seus direitos, transmitindo-lhe a propriedade reservada com conhecimento simultâneo do facto por parte do comprador (na 2.ª hipótese referida no mesmo número).”</font><br> <br> <font>II.B.4.3. Parece adequado à discussão da questão em apreço passar em análise o que a doutrina vem sustentando sobre a natureza da reserva de propriedade.</font><br> <br> <font>Tradicionalmente (com raras excepções, de que é exemplo LUÍS CUNHA GONÇALVES – </font><i><font>Dos Contratos em Especial</font></i><font>, Lisboa, 1953, p. 260 – que considerava o negócio sujeito a condição resolutiva) a reserva de propriedade era encarada como uma condição suspensiva do negócio de alienação, mantendo-se a propriedade na titularidade do alienante até integral pagamento do preço (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, vol. I, 4.ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, p. 376; VAZ SERRA, in </font><i><font>RLJ</font></i><font>, Ano 112.º, p. 235; ALMEIDA COSTA, obra citada, p. 232; ARMANDO BRAGA, </font><i><font>Contrato de Compra e Venda</font></i><font>, Porto, 1990, p. 69; Acórdãos do. STJ de 22 de Fevereiro de 1983, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 324, p. 578 (relator Santos Silveira) e de 01 de Fevereiro de 1995, </font><i><font>BMJ </font></i><font>n.º 444, p. 609 (relator Sousa Inês).</font><br> <br> <font>É bem verdade que diversas tentativas foram ensaiadas no intuito de, por forma mais consentânea com as suas características, qualificar a natureza da reserva de propriedade, sem que, todavia, qualquer delas tenha passado a prevalecer sobre a qualificação tradicional.</font><br> <br> <font>Seguindo LUÍS LIMA PINHEIRO (obra citada, pp. 93 a 120) houve quem a considerasse um direito real de garantia do vendedor, na medida em que reveste a natureza de uma garantia real do crédito e, assim, uma hipoteca mobiliária pelo preço em dívida – WIEACKER; ou que o vendedor fica investido na titularidade de um direito de penhor com pacto comissório – BLOMEYER); ou ainda que, "nos seus termos substanciais, o pacto de reserva de propriedade é uma cláusula de garantia que confere ao vendedor o poder de reivindicar o bem no caso de resolução do contrato por incumprimento do comprador" (BIANCA), ou também que constitui uma cláusula específica, cláusula acessória atípica, devendo a indagação do regime aplicável partir do seu conteúdo e sentido próprios, sem passar pelo filtro da condição suspensiva e nalguns pontos até em contradição com o regime que desta resultaria (RAUL VENTURA e GAMA ROSE), ou finalmente que "na sequência do reconhecimento ao comprador de um direito real de expectativa e da posse em nome próprio, tanto o alienante como o adquirente detêm um pedaço da propriedade. Tratar-se-ia de uma transferência gradual do direito do vendedor para o comprador: a partilha de propriedade defendida por RAISER)”.</font><br> <br> <font>De todo o modo, é de novo LUÍS PINHEIRO (obra citada, p. 115) a fazer a síntese e a concluir que “o pacto de reserva de propriedade, enquanto cláusula socialmente típica, com a configuração normativa que lhe cabe no ordenamento português, é uma </font><i><font>convenção de garantia acessória</font></i><font> do contrato de compra e venda, convenção esta que </font><i><font>reserva a faculdade de resolver o contrato</font></i><font>, mas que se </font><i><font>socorre</font></i><font> instrumentalmente de uma </font><i><font>condição suspensiva do efeito translativo</font></i><font>, para alcançar o seu efeito característico: a oponibilidade </font><b><i><font>erga omnes</font></i></b><font> da resolução.”</font><br> <br> <font>E continua: “A </font><i><font>condição suspensiva</font></i><font> subordina a </font><i><font>transferência do direito de propriedade</font></i><font>, não obsta porém à </font><i><font>transmissão da posse</font></i><font>, que se opera com a </font><i><font>tradição da coisa</font></i><font>. Enquanto o </font><i><font>adquirente detém o conjunto de poderes de gozo e disposição que correspondem ao conteúdo do direito de propriedade</font></i><font>, a </font><i><font>propriedade reservada</font></i><font> do alienante consiste apenas na </font><i><font>titularidade «abstracta»</font></i><font> do direito de propriedade.</font><br> <br> <font>O «direito de expectativa» do comprador, revela-se assim não só um direito real de aquisição da propriedade ou mesmo como um direito de gozo nos termos do direito de propriedade.” </font><br> <br> <font>II.B.4.4. Efeitos da natureza da reserva de propriedade </font><br> <br> <font>O Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, que regula os contratos de crédito ao consumo e procede à transposição das competentes directivas comunitárias, ao prever, no artigo 6.º, n.º 3, alínea f), relativamente a contratos de crédito que tenham por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante o pagamento em prestações, «o acordo sobre reserva de propriedade», não redimensiona o respectivo conceito legal, tal como vem balizado no art. 409.º do C.C.: «Tal disposição reporta-se apenas a situações em que o vendedor, proprietário do bem, mantém essa qualidade, por efeito de reserva, ao mesmo tempo que financia a aquisição através de alguma das formas previstas no art. 2.º» (aresto de 12.07.07, citado, transcrevendo acórdão da Relação de Lisboa, de 14.12.04). </font><br> <br> <font>Dispõe o artigo 824.º, n.º 2, do C.C., que, na venda em execução, “os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente do registo. </font><br> <br> <font>E o artigo 888.º do Código de Processo Civil (doravante, C.P.C.) determina que, após a venda e o pagamento do preço, se promova oficiosamente o cancelamento dos direitos reais que caducam nos termos do n.º 2 do art. 824.º do C.C. </font><br> <br> <font>Atento o que atrás se disse sobre a natureza da reserva, tal direito não se inclui nos direitos de garantia.</font><br> <br> <font>Direitos de garantia são aqueles que conferem o poder de, pelo valor da coisa ou pelo valor dos seus rendimentos, o respectivo beneficiário obter, com preferência sobre todos os outros, o pagamento de uma dívida de que é titular activo (cf. </font><i><font>Direitos Reais,</font></i><font> segundo as prelecções do PROF. DR. MOTA PINTO – ÁLVARO MOREIRA e CARLOS FRAGA).</font><br> <br> <font>São, direitos reais de garantia, como tal previstos taxativamente na lei substantiva, apenas o penhor, a hipoteca, os privilégios creditórios especiais, o direito de retenção e a consignação de rendimentos.</font><br> <br> <font>Outros direitos reais de garantia resultam da lei processual civil (o direito que decorre do arresto depois de convertido em penhora e no processo de execução o direito real derivado da penhora) ou de legislação autónoma (o penhor financeiro e a alienação fiduciária em garantia, instituídos pelo Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de Maio).</font><br> <br> <font>Não é, porém, atribuída tal natureza à reserva de propriedade.</font><br> <br> <font>A reserva de propriedade, na medida em que suspende a transferência de um direito real de gozo, aproxima-se, na sua natureza, de um direito real de gozo (ANA MARIA PERALTA, na obra citada, a pp. 165 e 166, considera como tal, a expectativa do comprador, sujeito a reserva de propriedade).</font><br> <br> <font>Apesar da sua função de garantia de cumprimento de uma obrigação pecuniária, não assume a reserva de propriedade a estrutura de garantia real de cumprimento obrigacional, além do mais, por não fazer parte do respectivo elenco típico (artigo. 1306.º, n.º 1, do C.C.).</font><br> <br> <font>A exclusão da reserva de propriedade da caracterização dos direitos de garantia implica, não poder ser a mesma cancelada oficiosamente, nos termos das normas referidas.</font><br> <br> <font>Mesmo reconhecendo-se à reserva de propriedade uma natureza próxima dos direitos reais de gozo, tal não permitiria sustentar, decorrentemente, uma posição contrária.</font><br> <br> <font>Desde logo por, como já se referiu, a reserva de propriedade não pode ser aditada ao elenco dos direitos reais.</font><br> <br> <font>E por esse fundamento e pela natureza excepcional das normas relativas à estrutura dos direitos reais, estas não podem ser-lhe aplicadas por analogia (artigo 11.º do C.C.).</font><br> <br> <font>Finalmente, por não ser um direito de garantia e por se tratar de um direito com registo anterior ao da penhora não decorre a caducidade do respectivo registo, nos termos do artigo 824.º, n.º 2, do C.C.</font><br> <br> <font>Não há razões, para chamar à colação o disposto no artigo 119.º do Código de Registo Predial (doravante CRegP), quando não se coloca qualquer dúvida sobre o titular do direito e quando não existe qualquer registo provisório, nomeadamente de penhora ou arresto.</font><br> <br> <font>E pode colocar-se a questão do prosseguimento da execução, entrando-se na fase da venda executiva, na subsistência de um registo definitivo de reserva de propriedade?</font><br> <br> <font>Como se disse no acórdão deste STJ de 14.2.2006, acima referido, “[r]egistada definitivamente a reserva de propriedade, tem de presumir-se que o direito existe e que pertence ao titular inscrito, não podendo os factos comprovados pelo registo ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo – artigos 70.º e 8.º, n.º 1 do C.R.P. e 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, 12/2.”</font><br> <br> <font>Há quem defenda, contudo, que o titular da reserva pode renunciar tacitamente ao referido direito.</font><br> <br> <font>Tal decorreria, desde logo, para alguns defensores desta tese, da exigência do cumprimento do contrato, através da propositura da acção executiva.</font><br> <br> <font>Claramente contra este entendimento se pronuncia ANA MARIA PERALTA (obra citada, p.p. 93 e 94), que igualmente refere como defensores do mesmo entendimento RAÚL VENTURA, ANTUNES VARELA e LOPO XAVIER.</font><br> <br> <font>A cláusula de reserva de propriedade suspende o efeito translativo da propriedade, até à verificação do cumprimento pelo comprador. O incumprimento definitivo, exigível para se recorrer à via executiva, não extingue o contrato e a exigência de cumprimento, mesmo coerciva, não corresponde ainda ao cumprimento.</font><br> <br> <font>A extinção da reserva só se verifica, pois, quando se obtém o cumprimento do contrato.</font><br> <br> <font>A renúncia é uma figura jurídica distinta que resulta de uma declaração unilateral do contraente, contrária ao convencionado pelas partes (transferência da propriedade, mediante pagamento do preço) e, consequentemente, contrária ao princípio da boa fé contratual.</font><br> <br> <font>O mesmo se diga, isto é que não pode valer como renúncia, o pedido de penhora do bem sobre o qual incide a reserva. </font><br> <br> <font>De acordo como o que supra se disse sobre a renúncia, a nomeação do bem à penhora pelo exequente não pode constituir renúncia, pois da penhora não resulta o cumprimento da obrigação do comprador, antes tem como ob
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>I - O Banco P... &amp; S.... M.... intentou acção de condenação, na forma de processo ordinário, contra AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, e EE e mulher, FF, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 8515390$30, de capital, e 778995$70, de juros de mora vencidos, bem como os vincendos, até integral liquidação. </font><br> <font>Alega, para o efeito, em síntese, que os réus são fiadores da sociedade K..... - C....das C...., Lda., tendo esta obtido financiamentos junto do autor, no montante global de 8445000$00, que não foram pagos, devendo ainda a quantia de 60390$30, respeitante a pagamentos efectuados pelo autor em benefício daquela sociedade. </font><br> <font>Contestando, os réus deduziram o incidente de chamamento à demanda da devedora K..... e concluíram no sentido da sua absolvição do pedido, porque, por um lado, a fiança é nula e, por outro, sempre estaria extinta, já que os réus tinham, entretanto, cedido as quotas que possuíam na referida sociedade. </font><br> <font>A chamada também contestou, concluindo, igualmente, pela sua absolvição do pedido por, alegadamente, o autor, sem motivo justificativo, não ter aceite as propostas e prestações que lhe foram oferecidas, não concedendo qualquer cooperação com vista à liquidação do invocado débito. </font><br> <font>Respondeu o autor, que concluiu como na petição inicial.<br> Proferido despacho saneador, com elaboração de especificação e questionário, e realizada a audiência de julgamento, foi, em 26 de Novembro de 1996, proferida sentença, que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou os réus fiadores e a ré sociedade a pagarem ao autor as quantias pedidas - cf. fls. 219-227. </font><br> <font>No entanto, no julgamento do recurso que, inconformados, os réus fiadores interpuseram, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 19 de Outubro de 1999, decidiu conceder provimento à apelação e revogou a sentença recorrida na parte em que condenou os réus fiadores, julgando a acção improcedente quanto a eles e absolvendo-os do pedido - cf. fls. 272-284. </font><br> <font>Agora, por sua vez, inconformado, traz o Banco autor a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões: </font><br> <font>1.ª A matéria perguntada no quesito 15.º está ajustada aos factos alegados e antes questionados, não resulta desta qualquer questão de direito ou necessidade de recurso a norma legal para interpretar e apurar a verdade de facto, se os réus devem ou não aqueles montantes; </font><br> <font>2.ª Sendo certa e reconhecida a dificultosíssima distinção entre questão de facto e questão de direito, a matéria contida no quesito 15.º trata de factos alegados pelo autor e que importava apurar, surge no contexto e sequência de outros factos existentes e entre si relacionados e não comporta matéria de direito nos termos em que vem mencionada no artigo 646.º do Código de Processo Civil; </font><br> <font>3.ª A fiança de obrigações futuras, como negócio jurídico que é, só não será válida se estas forem indetermináveis, a fiança dos autos, sendo o seu objecto indeterminado, não implica nulidade, ele é perfeitamente determinável, não só por critérios determinados pelas partes e pela própria actividade da afiançada, mas também o seria com recurso aos critérios supletivos previstos no artigo 400.º do Código Civil; </font><br> <font>4.ª A prestação é indeterminada, mas determinável quando não se saiba no momento anterior qual o seu teor mas exista um critério para proceder à sua determinação e do texto da fiança em questão resulta manifesto o critério para a determinação das obrigações, «designadamente as provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários»; </font><br> <font>5.ª O objecto da fiança subscrita era posteriormente determinável com o vencimento dos títulos ali mencionados, além de a sua determinabilidade resultar do facto de se tratar de fiança prestada a instituição bancária para garantir obrigações de uma sociedade comercial, restringindo-se essas responsabilidades afiançadas às resultantes ou provenientes do exercício da sua actividade, tornado-as também esta circunstância perfeitamente determináveis; </font><br> <font>6.ª A fiança junta aos autos refere expressamente as obrigações provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças e aceites bancários, referidos estão os títulos que baseiam as obrigações futuras, pelo que, ainda que indeterminadas no momento da assunção da garantia, as obrigações são facilmente determináveis, logo, a fiança não é nula; </font><br> <font>7.ª A dívida pedida nos autos é precisamente a que resulta dos títulos mencionados na fiança que os réus subscreveram e que eles conheciam e aceitaram livremente, renunciando mesmo a todo o benefício, prazo ou direito que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas; </font><br> <font>8.ª Os réus subscreveram a fiança, não sabendo naquela data o montante exacto pelo qual poderiam vir a responder, sabiam que esse montante resultaria das responsabilidades assumidas pela sociedade afiançada e no âmbito da sua actividade, ficando obrigados a pagar essas responsabilidades da sociedade, se esta o não fizesse; </font><br> <font>9.ª Os réus, sabendo tudo isso, aceitaram os termos da fiança propostos pela autora enquanto e porque lhes servia e convinha, não podem vir agora invocar a sua nulidade com o argumento de que o seu objecto não era determinável, quando na verdade o era, sendo certo que eles não eram obrigados a prestar tal fiança, fizeram-no de sua livre vontade, aceitando-a tal como foi proposta, isto partindo-se do princípio de que estavam a agir de boa fé; </font><br> <font>10.ª Não se trata efectivamente de um negócio jurídico de objecto indeterminável, as obrigações das sociedades para com os bancos no exercício da sua actividade são sempre determináveis, sendo as responsabilidades dos fiadores iguais ao débito da sociedade para com o banco, é o pagamento dessas dívidas que está a ser pedido; </font><br> <font>11.ª Não só a actividade comercial da afiançada é por si restritiva das suas obrigações para com a recorrente financiadora, como da própria fiança decorrem os critérios que determinam o seu objecto; </font><br> <font>12.ª O fiador fica pessoalmente obrigado perante o credor a satisfazer o seu crédito e da fiança prestada pelos réus não decorre qualquer qualificação ou condição que limite a garantia prestada, pelo contrário, de forma expressa, os fiadores renunciaram a todo o benefício ou direito que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas; </font><br> <font>13.ª A fiança, como garantia pessoal que é, mantém-se, independentemente da qualidade do fiador, até à sua extinção, dependendo esta da aceitação do credor - e a autora como credora nunca aceitou a extinção de tal garantia, dado que esta é uma segurança para o credor que não pode perder sem o seu consentimento; </font><br> <font>14.ª A transmissão singular de dívidas pode ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ou entre o novo devedor e o credor, mas em qualquer dos casos tem de haver ratificação do titular activo da obrigação e carece do seu consentimento expresso, o que não sucedeu no caso dos autos; o ora recorrente em nenhuma circunstância aceitou a desvinculação de qualquer dos réus ou a extinção da fiança, sendo esta perfeitamente válida e eficaz em relação a todos os fiadores que a subscreveram; </font><br> <font>15.ª Face à manifesta contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos antes citados, ocorrendo a possibilidade de vencimento de uma solução jurídica em oposição com a jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, impõe-se que o julgamento do presente recurso seja alargado e se faça com a intervenção do plenário das secções cíveis; </font><br> <font>16.ª O douto acórdão em recurso terá assim violado os artigos 280.º, n.º 1, 627.º, 628.º, n.º 2, 654.º e 400.º, todos do Código Civil. </font><br> <font>Em conformidade com o exposto, pede-se a revogação do acórdão recorrido na parte em que é desfavorável ao recorrente, «proferindo-se acórdão obrigatório que assegure a uniformidade da jurisprudência e que confirme a douta sentença da 1.ª instância». </font><br> <font>Contra-alegando, os réus fiadores vêm pugnar pela manutenção do julgado.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II - A) Na sentença da 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: </font><br> <font>1.º Os réus maridos constituíram entre si uma sociedade denominada K.... - C.... das C...., Lda., conforme escritura lavrada no dia 2 de Janeiro de 1979, de fl. 13 a fl. 16 do livro de notas A-213, do 20.º Cartório Notarial de Lisboa [alínea A) da especificação]; </font><br> <font>2.º A referida sociedade tinha e tem por objecto o fabrico de cerâmica artística de índole regional e visava na sua actividade, essencialmente, o mercado externo [alínea B) da especificação]; </font><br> <font>3.º A sociedade adquiriu as suas instalações fabris, sitas na Estrada da Foz, e iniciou a sua actividade voltada para a exportação [alínea C) da especificação]; </font><br> <font>4.º Os réus maridos, únicos sócios da K.... - C..... das C...., Lda., para o início e desenvolvimento das suas actividades, solicitaram apoio ao Banco autor, o que lhes foi prestado [alínea D) da especificação]; </font><br> <font>5.º Os réus maridos e a sociedade K..... foram apoiados pelo Banco autor na aquisição de material e tecnologia necessários à laboração da fábrica e ao arranque e desenvolvimento da mesma [alínea E) da especificação]; </font><br> <font>6.º O Banco autor solicitou, assim, aos réus maridos e à sociedade K.... a constituição de uma hipoteca sobre as instalações fabris para garantia das verbas adiantadas [alínea F) da especificação]; </font><br> <font>7.º A sociedade K..... - C..... das C......, Lda., evoluiu muito rapidamente na sua vertente exportadora, de tal modo que se tornou necessária a realização das obras e trabalhos de ampliação de instalações e desenvolvimento de linhas de montagem, para acompanhar os pedidos crescentes de clientes estrangeiros [alínea G) da especificação]; </font><br> <font>8.º O Banco autor, em finais de 1979, exigiu aos réus a prestação da ora alegada fiança em causa, sob pena de paralisar todo o movimento bancário da firma [alínea H) da especificação]; </font><br> <font>9.º O Banco autor era a única instituição bancária com quem sempre tinham trabalhado e a quem já haviam prestado garantias, manifestas na já referida hipoteca sobre as instalações [alínea I) da especificação]; </font><br> <font>10.º Por escritura pública lavrada em 29 de Outubro de 1984, de fl. 65 v.º a fl. 68 v.º, do livro de notas n.º 288-B, do 20.º Cartório Notarial de Lisboa, os ora réus AA e BB cederam a quota de valor nominal de 250000$00 à própria sociedade K..... - C..... das C...., Lda., deixando de ter com esta e a qualquer título qualquer relação [alínea J) da especificação]; </font><br> <font>11.º Em 20 de Agosto de 1984, em assembleia geral extraordinária da já referida sociedade K......., fora dito pelo ora réu AA «pretender ceder à sociedade a quota que nela detém» e «fazendo com que por essa cessão cessem para si quaisquer responsabilidades emergentes de garantias, quaisquer que hajam para si prestadas à sociedade (ver nota 1), nomeadamente avales e fianças» [alínea L) da especificação]; </font><br> <font>12.º Os réus AA e mulher, BB, na escritura de cessão de quota já aludida dispuseram «que a partir da data da presente escritura a sociedade assume toda a responsabilidade pelas garantias prestadas pelo cedente a favor da mesma sociedade por qualquer forma, inclusive por meio de avales e fianças» [alínea M) da especificação]; </font><br> <font>13.º O Banco autor foi imediatamente informado de que o réu AA não era sócio da firma K........ e de que esta assumirá todas as responsabilidades pelas garantias prestadas, por qualquer forma [alínea N) da especificação]; </font><br> <font>14.º Em 10 de Janeiro de 1985, na sequência dos factos constantes dos artigos anteriores, o Banco autor enviou para a sede da firma K...... uma carta solicitando a subscrição de novo «modelo O-11», a fim de ser assinado pela firma e sócios e K......, na qualidade de sócia da própria firma [alínea O) da especificação]; </font><br> <font>15.º A alegada garantia ora em causa fora «prestada» por exigência do Banco autor, face aos empréstimos iniciais avançados por este para aquisição, desenvolvimento e ampliação de instalações e processos fabris, bem como para suporte das primeiras operações de exportação da fábrica [alínea P) da especificação]; </font><br> <font>16.º Em Janeiro de 1985, a firma K..... - C.... das C......, Lda., que cumprira escrupulosamente todos os seus compromissos para com o Banco autor, nada devia a este [alínea Q) da especificação]; </font><br> <font>17.º Os empréstimos que deram origem à hipoteca sobre as instalações e ao ora em causa «modelo O-11» estavam pagos, pelo que a referida hipoteca foi devidamente cancelada [alínea R) da especificação]; </font><br> <font>18.º Em 17 de Janeiro de 1985, a firma K....., representada pelos sócios e ora réus CC e EE, escreveu uma carta ao Banco autor informando que, estando «liquidado o empréstimo concedido a esta firma e que dera origem ao modelo O-11 [...] informamos que de futuro e sempre que necessário os sócios desta firma darão o aval pontualmente em todos os casos em que lhes seja solicitado. Consideramos pois sem efeito o modelo 11, agradecendo a sua devolução» [alínea S) da especificação]; </font><br> <font>19.º Em 12 de Junho de 1985, entre a firma K.... - C... das C...., Lda., representada pelos ora réus e então sócios CC e EE, e o Banco autor foi «ajustado e reciprocamente aceite» um «contrato de abertura de crédito a médio/longo prazo» [alínea T) da especificação]; </font><br> <font>20.º Na cláusula 7.ª do referido contrato ficou estipulado que o «cumprimento das responsabilidades emergentes deste contrato pela cliente fica especialmente garantido por: livrança a entregar nesta data com o valor e a data do vencimento em branco, subscrita pela cliente, com aval à subscritora por CC [...] DD [...] EE e [...] FF [...]» [alínea U) da especificação]; </font><br> <font>21.º A carta de 16 de Janeiro de 1986, onde é feita referência a uma carta datada de 7 de Março de 1985, em princípio de teor semelhante, não foi recebida nem pela firma K..... nem por qualquer sócio, ora réu [alínea V) da especificação]; </font><br> <font>22.º Em 27 de Outubro de 1986, por escritura pública, os ora réus CC e mulher, DD, e EE e mulher, FF, cederam as suas quotas na firma K....- C.... das C..., Lda., às sociedades I....- S.... I.... do V...., Lda., e I.... - S...... de E...... M.....-C...., Lda., desligando-se completamente da referida firma [alínea X) da especificação]; </font><br> <font>23.º No próprio dia 27 de Outubro de 1986, havia, com efeito, reunido a assembleia geral extraordinária da sociedade K...... - C..... das C....., Lda., na qual foi deliberado que «a partir da presente data e depois de outorgada a respectiva escritura de cessão de quotas, a sociedade assume toda a responsabilidade pelas garantias prestadas pelos cedentes EE e CC, a favor da sociedade K......, por qualquer forma, inclusive por meio de avales e fianças» [alínea Z) da especificação]; </font><br> <font>24.º O Banco autor foi de imediato informado, tendo-lhe sido entregue fotocópia da aludida escritura, bem como da acta da assembleia geral extraordinária [alínea A1) da especificação]; </font><br> <font>25.º Em reunião ocorrida em Lisboa, em finais do ano transacto, na delegação e instalações da Avenida ......., em que estiveram presentes os ora réus EE e AA e o funcionário do Banco autor R. R., foi por este expressamente reconhecido que o Banco autor possuía no seu dossier documentos e informações comprovativos de que os réus não eram sócios nem tinham qualquer interesse na firma K..... desde há muito [alínea B1) da especificação]; </font><br> <font>26.º O Banco autor reconheceu sempre expressamente que os réus alegados fiadores o eram na qualidade de únicos sócios e interessados da K........ [alínea C1) da especificação]; </font><br> <font>27.º O Banco autor, na verdade, ao solicitar a subscrição de «novo modelo O-11» foi claro e explícito ao indicar que este devia ser assinado «pela firma e sócios» e K......, na qualidade de sócia da própria firma [alínea D1) da especificação]; </font><br> <font>28.º As importâncias ora reclamadas correspondem a alegadas operações de financiamento ocorridas entre Março e Agosto de 1987, entre o Banco autor e a firma K...... [alínea E1) da especificação]; </font><br> <font>29.º A sociedade K....., Lda., é titular da conta de depósitos à ordem n.º 19136.5, aberta na agência do Banco autor sita nas Caldas da Rainha [alínea F1) da especificação]; </font><br> <font>30.º A ré K...... e o autor acordaram em diversas operações de financiamento à sua actividade exportadora, uma vez que K.... - C..... das C....., Lda., se dedica ao fabrico de loiça regional das Caldas da Rainha para exportação [alínea G1) da especificação]; </font><br> <font>31.º A K..... - C..... das C....., Lda., ao solicitar os referidos financiamentos, fê-lo, como é, aliás, prática corrente nas actividades de exportação, visando liquidar as referidas importâncias através da realização das referidas operações de exportação pelo autor [alínea H1) da especificação]; </font><br> <font>32.º Por termo de fiança de 9 de Janeiro de 1980, os réus constituíram-se, solidariamente, perante o autor, como fiadores e principais pagadores de todas as importâncias que a sociedade K..... - C.... das C....., Lda., devesse ou viesse a dever ao autor, fosse de que origem fosse, designadamente as provenientes do desconto de letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários, em que a referida sociedade interviesse, em qualquer qualidade, fossem ou não prestadas e contivessem ou não a cláusula «sem despesas» (resposta ao quesito 1.º); </font><br> <font>33.º Comprometeram-se ainda os réus, solidariamente, na qualidade de fiadores e principais pagadores, a reembolsar o autor, no prazo de oito dias, depois de para tal terem sido avisados pelo autor por carta registada de todas as importâncias que lhe sejam ou viessem a ser devidas, de quaisquer responsabilidades e da importância de quaisquer letras, extractos de factura, livranças ou aceites bancários (resposta ao quesito 2.º); </font><br> <font>34.º Os réus renunciaram a todo o benefício, prazo ou direito, que de qualquer modo pudesse limitar, restringir ou anular as obrigações assumidas (resposta ao quesito 3.º); </font><br> <font>35.º A sociedade K..... - C..... das C....., Lda., em 25 de Março, 12 de Abril, 29 de Abril, 12 de Maio, 25 de Maio e 3 de Junho de 1987, apresentou ao Banco as propostas de desconto (resposta ao quesito 4.º); </font><br> <font>36.º Estas propostas foram entregues pela referida sociedade ao Banco autor, acompanhadas dos títulos de câmbio, tudo no montante global de 8455000$00 (resposta ao quesito 5.º); </font><br> <font>37.º A sociedade subscritora declarou, nomeadamente, que assumia inteira responsabilidade pelo pronto reembolso dos montantes dos títulos de câmbio ali descritos (resposta ao quesito 6.º); </font><br> <font>38.º A referida sociedade declarou também que autorizava o Banco a cobrar, além de todos os encargos, juros às taxas a que as operações bancárias tinham sido efectivadas, acrescidos da sobretaxa legal em vigor (resposta ao quesito 7.º); </font><br> <font>39.º O Banco autor aprovou os financiamentos referidos nas propostas (resposta ao quesito 8.º); </font><br> <font>40.º Após a aprovação destas operações de desconto, o Banco autor creditou a identificada conta de depósitos à ordem pelos valores dos referidos financiamentos (resposta ao quesito 9.º); </font><br> <font>41.º Os valores assim creditados foram levantados posteriormente pela referida sociedade e utilizados em seu proveito (resposta ao quesito 10.º); </font><br> <font>42.º A sociedade não pagou nas datas dos vencimentos, nem posteriormente, o valor total de 8455000$00, que lhe foram mutuados pelo Banco autor (resposta ao quesito 11.º); </font><br> <font>43.º A referida conta de depósitos à ordem n.º 19136.5, aberta, em nome da sociedade K...., Lda., na agência do Banco autor nas Caldas da Rainha, apresentava os saldos devedores de 57490$30 e de 2900$00, em 28 de Agosto e 25 de Setembro de 1987, respectivamente (resposta ao quesito 12.º); </font><br> <font>44.º Tais saldos devedores foram provenientes de diversos pagamentos efectuados pelo autor em benefício da sociedade, tudo no montante de 60390$30 (resposta ao quesito 13.º); </font><br> <font>45.º A referida conta de depósitos à ordem apresentava-se saldada, mas apenas por exigências contabilísticas, pois a referida sociedade nada pagou ao autor (resposta ao quesito 14.º); </font><br> <font>46.º Os réus devem à autora os seguintes montantes em capital:<br> a) 8455000$00;<br> b) 60390$30 (resposta ao quesito 15.º) (ver nota 2);<br> 47.º O autor dirigiu-se aos réus por cartas registadas de 19 de Novembro de 1987, avisando-os de que deveriam pagar-lhe, no prazo de oito dias, as importâncias em dívida (resposta ao quesito 16.º); </font><br> <font>48.º O Banco autor, ao conceder novo empréstimo, solicitou «aval à livrança» dos então sócios e esposas, na sequência da carta de 17 de Janeiro de 1985 (resposta ao quesito 18.º); </font><br> <font>49.º Os ora réus subscreveram a fiança em causa (resposta ao quesito 19.º);<br> 50.º O Banco autor exigiu a referida e alegada fiança aos réus, sabendo que estes eram sócios e interessados na K.... (resposta ao quesito 20.º); </font><br> <font>51.º Em 29 de Outubro de 1984, os réus cederam as suas quotas que detinham na K...... (resposta ao quesito 23.º); </font><br> <font>52.º Nas datas referidas na resposta ao quesito 4.º, os primitivos réus já tinham cedido as suas quotas (resposta ao quesito 24.º); </font><br> <font>53.º O autor tinha conhecimento da cessão de quotas por lhe ter sido devidamente comunicada (resposta ao quesito 25.º); </font><br> <font>54.º A ré K...... apresentou ao autor um plano de liquidação dos seus débitos em 27 de Novembro do ano transacto (resposta ao quesito 28.º); </font><br> <font>55.º O autor não aceitou o plano de liquidação apresentado pela K..... (resposta ao quesito 30.º); </font><br> <font>56.º O Banco estaria na disposição de libertar os réus AA e BB da fiança no caso de subscrição de novo modelo O-11 (resposta ao quesito 31.º); </font><br> <font>57.º Tal não veio a acontecer, pelo que o termo de fiança inicialmente prestado se manteve em vigor (resposta ao quesito 32.º) (ver nota 3); </font><br> <font>58.º Os réus, em 19 de Fevereiro de 1988, lavraram termo de extinção da fiança (resposta ao quesito 33.º); </font><br> <font>59.º O cumprimento das responsabilidades emergentes do contrato de abertura de crédito a médio/longo prazo, celebrado em 12 de Junho de 1985, ficou, como os réus reconhecem, especialmente garantido por uma livrança de caução, independente da manutenção da fiança (resposta ao quesito 34.º) (ver nota 4); </font><br> <font>60.º Na situação anterior, a fiança coexistiu com a hipoteca (resposta ao quesito 35.º); </font><br> <font>61.º E apesar da insistência do Banco na sua carta de 16 de Janeiro de 1986, pelo menos os 3.º, 4.º, 5.º e 6.º réus continuaram a recusar a subscrição de novo modelo O-11 (resposta ao quesito 36.º); </font><br> <font>62.º A conta de depósitos à ordem da K...... apresentava o saldo devedor de 60390$30 após todos os movimentos a débito e a crédito efectuados por aquela (resposta ao quesito 37.º). </font><br> <font>B) No julgamento da antecedente apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa, na parcial procedência do recurso, e tendo presente o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, decidiu que se têm por não escritas, por envolverem questões de direito, as respostas do tribunal colectivo ao quesito 15.º (ver nota 5) e à última parte dos quesitos 32.º (ver nota 6) e 34.º (ver nota 7). </font><br> <font>Como em seguida se vai ver, o Banco, ora recorrente, apenas se insurge, na presente revista, quanto à decisão de se considerar como não escrita a resposta ao quesito 15.º, conformando-se com o decidido relativamente aos quesitos 32.º e 34.º, pelo que os factos correspondentes acima elencados - factos 57.º e 59.º - devem ler-se com as alterações determinadas pelo tribunal a quo, ou seja, com a eliminação dos segmentos finais, tal como se refere nas notas 6 e 7. </font><br> <font>III - Sendo certo que o âmbito objectivo dos recursos é determinado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), são as seguintes as questões que cumpre apreciar: </font><br> <font>a) Saber se deve ter-se por não escrita a resposta ao quesito 15.º, em virtude de conter matéria de direito; </font><br> <font>b) Saber se a fiança dos autos é nula, por indeterminabilidade do seu objecto;<br> c) Saber se, no caso de ser válida, ocorreu a respectiva extinção.<br> Vejamos, pois, pela referida ordem.<br> 1 - No quesito 15.º perguntava-se o seguinte:<br> Os réus devem ao autor os seguintes montantes em capital:<br> a) 8455000$00;<br> b) 60390$30?<br> No acórdão recorrido entendeu-se que se tratava manifestamente de um quesito que envolve matéria de direito e, consequentemente, deu-se por não escrita a correspondente resposta de «provado», ao abrigo do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil. </font><br> <font>Não conformado com esta decisão, o recorrente tenta justificar a sua discordância argumentando, designadamente, com o carácter árduo e fluido da distinção entre matéria de facto e matéria de direito - cf. conclusões 1.ª e 2.ª </font><br> <font>É verdade que o julgamento de facto incumbe às instâncias, designadamente à 2.ª, que, nesta matéria, é a última. No entanto, saber se a matéria perguntada em determinado quesito deve ser considerada de facto ou de direito constitui matéria de direito, logo, situada dentro dos poderes do Supremo. </font><br> <font>Ou seja, o que está em causa é a apreciação da questão (jurídica) que consiste em saber se determinado quesito versa sobre matéria de facto ou de direito (ver nota 8) ou se tem por objecto um «facto material» ou um «facto jurídico». </font><br> <font>Como se sabe, o juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos: deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos. </font><br> <font>Desenvolvendo este princípio, escreve Alberto dos Reis que «o questionário serve, em primeira linha, para fixar o quadro dentro do qual se há-de produzir a prova e que esta só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória». </font><br> <font>Voltando à concreta questão levantada no presente recurso, temos como seguro não fazer sentido chamar à ribalta a dificuldade em distinguir matéria de facto e matéria de direito. </font><br> <font>Com efeito, acolhendo-nos à tese do autor/recorrente, em face dos termos em que o referido quesito 15.º foi redigido, e tendo presente a resposta de «provado», que lhe foi dada, teríamos a acção resolvida com um único quesito. Na lógica daquela tese, não seriam necessários mais quesitos nem mais provas, pois ficava, assim, desde logo, decidido que os réus eram devedores ao autor daquelas importâncias. </font><br> <font>Saber se alguém «deve» alguma coisa a outrem é eminentemente uma questão de direito, implicando o apuramento de factos que consubstanciem a constituição de uma obrigação, a sua subsistência e exigibilidade e o seu não cumprimento. </font><br> <font>Só depois de factualmente se apurar a existência do crédito e da correspondente obrigação, bem como da sua exigibilidade, é que se pode concluir, mediante formulação de um juízo jurídico-normativo, que determinada pessoa «deve» determinada quantia a outra. </font><br> <font>Ora, levar ao questionário a questão de saber se A deve x a B, equivale a ignorar os factos que, uma vez apurados, permitiriam, ou não, chegar a uma tal conclusão jurídica. </font><br> <font>Como explica Alberto dos Reis, «a função jurisdicional do tribunal colectivo é declarar quais os factos que julga ou não provados, de entre os mencionados no questionário. Mas como os factos susceptíveis de ser provados são os factos materiais, segue-se que os quesitos hão-de ser redigidos de modo que se pergunte ao tribunal colectivo se estão provados tais e tais factos materiais, e não se estão provados tais e tais factos jurídicos» (ver nota 9). </font><br> <font>Bem andou, pois, nesta matéria, o acórdão recorrido. Improcedem, assim, as conclusões 1.ª e 2.ª </font><br> <font>2 - Passemos agora à apreciação da questão que consiste em apurar da validade da fiança prestada pelos aludidos réus perante o Banco autor, titulada pelo termo a fl. 6. </font><br> <font>Trata-se justamente da questão fundamental de direito conflituante, proferida no domínio da mesma legislação, cuja uniformização jurisprudencial foi decidido ser conveniente assegurar. </font><br> <font>O Tribunal da Relação de Lisboa, contrariando a decisão da 1.ª instância, considerou-a nula por indeterminabilidade do seu objecto - artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se indiquem sem outra referência. </font><br> <font>Tratando-se, embora, de solução que corresponde a jurisprudência largamente predominante deste Supremo Tribunal, existe também jurisprudência em sentido oposto, como é exemplificado através dos acórdãos a cuja junção o recorrente procedeu - cf. o parecer do magistrado do Ministério Público a fls. 390 e seguintes. </font><br> <font>2.1 - O artigo 280.º, n.º 1, considera nulo o negócio cujo objecto seja indeterminável. Quer isto dizer que o objecto do negócio pode ser indeterminado - o que não pode ser é indeterminável. </font><br> <font>E, como explica Menezes Cordeiro, a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação. </font><br> <font>Pelo contrário, a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação (ver nota 10). </font><br> <font>Caso este em que a obrigação é nula.<br> Uma aparente conflitualidade se desenha, porém, entre as previsões do n.º 1 do artigo 280.º e do n.º 1 do artigo 400.º, segundo a qual: «A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados.» </font><br> <font>E se a determinação não puder ser feita, sê-lo-á pelo tribunal, segundo o n.º 2 do mesmo artigo. </font><br> <font>Tomado nos seus termos literais, este preceito inutilizaria o artigo 280.º, n.º 1, na medida em que nunca haveria prestações indetermináveis, uma vez que nunca faltariam nem a equidade nem o tribunal para proceder à determinação. </font><br> <font>Mas, como adverte o autor que ora se acompanha, não pode ser assim. Com efeito, de acordo com a lógica ínsita ao Código Civil, o artigo 400.º deve ser interpretado em concordância com o artigo 280.º, preceito da parte geral. </font><br> <font>Ou seja: só se põe o problema da determinação da prestação nos termos do artigo 400.º se a obrigação não for nula por força do artigo 280.º </font><br> <font>Explicitando: a determinação da prestação por alguma das partes ou por terceiro só pode ser pactuada se houver um critério a que essas entidades devam obedecer. Seria, assim, seguramente nulo o contrato pelo qual uma pessoa se obrigasse a pagar a outra o que esta quiser. </font><br> <font>Os critérios podem ser mais ou menos vagos: não podem é, ad nutum, deixar tudo ao arbítrio de uma parte ou de terceiro. O tribunal, quando chamado a intervir, vai actuar dentro desses critérios e, aí, usar da equidade. Quando não encontrar quaisquer critérios objectivos de determinação, deverá, ex officio, declarar a nulidade da obrigação, por força do artigo 280.º, n.º 1. </font><br> <font>Segundo Antunes Varela, a prestação necessita de ser determinável - ou seja, concretizável no seu
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> O A recorreu para o Tribunal Pleno do acordão da Relação de Lisboa, de 1 de Março de 1963, com fundamento de oposição com o acordão do mesmo Tribunal, de 18 de Fevereiro de 1959, sobre a mesma questão fundamental de direito, relativa as condições de aplicabilidade do artigo 710 e seu paragrafo unico do Codigo Administrativo, na redacção então vigente.<br> O acordão recorrido decidiu que o disposto nestes preceitos e aplicavel a todos os gremios sobre os quais incide contribuição industrial; o acordão invocado decidiu que aquelas disposições so eram aplicaveis quando a entidade passiva exercesse qualquer ramo de comercio ou industria.<br> A secção considerou verificados os pressupostos legais para prosseguimento do recurso.<br> Alegaram as partes e deu parecer o Ministerio Publico.<br> Decidindo:<br> A Camara recorrida deduziu a incompetencia deste Tribunal e pediu a remessa do processo ao Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 63, n. 2, do Codigo de Processo Civil, com fundamento no disposto no artigo 11 do Decreto-Lei n. 45248, de 16 de Setembro de 1963.<br> Esta questão provocou doutas considerações do Ministerio Publico, a que damos plena concordancia.<br> Limitamo-nos a afirmar que o Supremo Tribunal de Justiça mantem-se como orgão judiciario com competencia para conhecer dos recursos previstos no artigo 764 do Codigo de Processo Civil, e que o Supremo Tribunal Administrativo carece de competencia para solucionar os conflitos de jurisprudencia que se consideram nos artigos 763 e 764 do citado Codigo.<br> Fica assim desatendida esta questão suscitada pela Camara recorrida.<br> Quanto ao conflito de jurisprudencia.<br> A recorrente pretende não ser passivel do imposto em causa, pelas seguintes razões: a) E um organismo de interesse publico, criado ao abrigo do Decreto-Lei n.26106, de 23 de Novembro de 1935; b) Não e uma empresa singular ou colectiva, na acepcão tecnico-juridica; c) Não pratica actividade comercial ou industrial; d) Esta sujeita a contribuição industrial, mas nos termos do artigo 1 e do n. 3 do artigo 2 do Decreto- -Lei n. 26 806, de 18 de Julho de 1936, não devendo considerar-se como provenientes do exercicio de qualquer ramo de comercio ou industria as percentagens ou taxas legais para o fundo corporativo Vejamos:<br> Dispunha o artigo 710 do Codigo Administrativo, na parte que interessa:<br> "A licença de estabelecimento comercial ou industrial e devida pelas empresas..." "que exerçam qualquer ramo de comercio ou de industria".<br> O paragrafo unico dispunha: "Para os efeitos do disposto neste artigo considera-se comercio ou industria toda a actividade sobre que incida contribuição industrial ou imposto de natureza especial que a substitua".<br> O Decreto-Lei n. 26806, de 18 de Julho de 1936, sujeitara os organismos corporativos do comercio e industria e agricultura ao pagamento da contribuição industrial.<br> Dai o problema. Os ditos organismos corporativos, mesmo que não exerçam "qualquer ramo de comercio ou de industria" em sentido tecnico, exercem actividade sobre que incide contribuição industrial.<br> Tudo estava no alcance a atribuir ao transcrito paragrafo unico.<br> A jurisprudencia dividiu-se. Certa corrente doutrinou que para haver lugar a licença municipal eram necessarias duas condições: a) Exercicio de actividade comercial ou industrial; b) Ser essa actividade passivel de contribuição industrial.<br> Ainda se dizia que os organismos corporativos não eram empresas, por não terem nenhum dos fins previstos no artigo 230 do Codigo Comercial e que o artigo 710 do Codigo Administrativo so sujeitava as empresas e suas dependencias ao imposto em causa.<br> Este argumento carecia de toda a validade, posto que o artigo 230 não define empresas mas determina apenas quais, de entre elas, devem haver-se por comerciais.<br> E a letra dos preceitos do Codigo Administrativo tambem não autorizava a interpretação que lhe dava essa corrente jurisprudencial.<br> Com mais razão, a outra em que se inclui o acordão em recurso entendia literalmente o paragrafo unico do artigo 710, considerando-o explicativo do corpo do artigo, no sentido de esclarecer o que, para efeitos de incidencia do imposto, o artigo queria dizer, quando se referia a comercio ou industria.<br> Para esses efeitos, comercio ou industria devia considerar-se qualquer actividade passivel de contribuição industrial, ainda que, em perfeita tecnica, comercio ou industria não fosse.<br> Este entendimento veio a ser confirmado por interpretação legislativa e veio a ser corroborado pela alteração que o Decreto n. 45676, de 24 de Abril ultimo fez ao dito artigo 710 e seu paragrafo unico.<br> A Lei n. 2111, de 21 de Dezembro de 1961, ao autorizar que organismos corporativos de natureza identica ao organismo ora recorrente pudessem ser isentados de contribuição industrial, disse, por claro, no paragrafo unico do seu artigo 7 que a isenção de contribuição industrial, quando concedida, importava isenção de licença de estabelecimento comercial ou industrial.<br> Isto representa interpretação autentica no sentido de que os organismos corporativos eram passiveis de tal licença.<br> Mais recentemente o Decreto n. 45676, quando substituiu o nome do imposto camarario em questão, passando a denomina-lo "imposto de comercio e industria" substituiu todo o texto do artigo 710 e seu paragrafo, revelando a mesma orientação que fora afirmada pela Lei n. 2111. A expressão então empregada "qualquer ramo de comercio ou industria" foi substituida por esta "qualquer actividade passivel de contribuição industrial" - em relação ao exercicio das actividades das empresas.<br> Pelo exposto se nega provimento ao recurso com custas pelo recorrente e firma-se o seguinte Assento:<br> "Os organismos corporativos que estavam sujeitos a contribuição industrial estavam tambem sujeitos a licença de estabelecimento comercial ou industrial".</font><br> <br> <font>Lisboa, 28 de Julho de 1964</font><br> <font><br> Alberto Toscano (Relator) - Gonçalves Pereira - Jose Meneses - Albino Resende Gomes de Almeida - Albuquerque Rocha - Jose Abrantes Tinoco - Eduardo Tovar de Lemos (segue a declaração de vencido).<br> Tem voto de conformidade dos Conselheiros - Lopes Cardoso,<br> Simões de Carvalho, Torres Paulo, Barbosa Viana, Toscano Pessoa, Fragoso de Almeida, João Caldeira e Teixeira Botelho.<br> Eduardo Tovar de Lemos (Vencido quanto ao fundo:<br> 1 - Trata-se aqui de saber, tão-so, se o A, era passivel, em 1961, de licença de estabelecimento comercial ou industrial.<br> 2 - Para a sujeição a licença exigia o artigo 710 e seu paragrafo unico do Codigo Administrativo duas condições simultaneamente: existencia de empresa singular ou colectiva que exercesse qualquer ramo de comercio ou industria e que ela pagasse contribuição industrial ou imposto que a substituisse.<br> Assim a empresa não era qualquer, mas a que exercesse qualquer ramo de comercio ou industria.<br> 3 - Os Gremios, não estando nessas condições, não pagavam tal contribuição; mas porque realizavam certas operações, embora tecnica e juridicamente não comerciais ou industriais, concedeu-se, para que a pagassem, que assim se considerassem - Decreto-Lei n. 26806, de 18 de Julho de 1936, e seu relatorio.<br> Dai o terem as Camaras, como estando autorizadas, mas mal, a cobrar-lhes a licença.<br> 4 - E obvio que o legislador visava os comerciantes (ou industriais) e os Gremios não o são, artigo 13 do Codigo Comercial.<br> Nem procuram o lucro propriamente dito, nem são empresas como tal, como não buscam os fins do artigo 230 desse diploma. E repugna que se exija licença de estabelecimento comercial ou industrial a organismos do Estado, os Gremios, bases da organização corporativa da Nação, que são verdadeiros institutos publicos, pagina 17 das Lições de Direito Corporativo, de Marcelo Caetano.<br> 5 - E de notar que o Gremio em causa pagou contribuição industrial, consta dos autos, tão-so pela "arrecadação de taxas para o fundo corporativo", n. 3 do artigo 2 do citado Decreto-Lei n. 26 806.<br> 6 - O Decreto n. 45676, de 24 de Abril de 1964, não trouxe, a nosso ver achega pelo menos substancial, para a solução do problema pois continua a referir-se a empresas e os Gremios não o são.<br> 7 - Merece serias reservas a pretendida conclusão tirada do paragrafo unico do artigo 7 da Lei n. 2111, de 21 de Dezembro de 1961 (concretizada no Decreto n. 44172, de 1 de Fevereiro de 1962) no sentido de que os organismos corporativos, todos, eram passiveis da falada licença.<br> Alem do preceito so se aplicar aos Gremios da Lavoura, que não e o caso daqui, foi o mesmo uma mera providencia de momento e transitoria: so vigorou em 1962 e a licença em questão e de 1961, sendo o acordão recorrido de 1963.<br> De resto, trata-se de materia restritiva (impostos) e ainda excepcional, o que impõe totais reservas na sua aplicação, maximamente quanto a eventuais ilações a contrario sensu.<br> 8 - E de notar tambem que o recente Codigo da Contribuição Industrial reconhece que os Gremios não exercem uma actividade comercial ou industrial e, quando a exercem, em regra, não obtem lucros tributaveis, pois que visam principalmente fins de interesse publico (n. 10 do relatorio); e o seu artigo 28 dispõe que o lucro tributavel dos organismos corporativos determina-se tendo apenas em conta os proveitos ou ganhos de operações de natureza comercial ou industrial. Apenas se conclui, sem mais comentarios, que o Gremio recorrente , se fosse hoje, nem pagaria contribuição industrial, menos portanto a dita licença.<br> 9 - Em suma: foi por decreto que os Gremios passaram a pagar contribuição industrial, parece que tambem so por diploma expresso deveriam pagar a falada licença. A materia dos impostos, ate por odiosa, e sempre mais de restringir que de ampliar. Sera aliciante a alias simpleza do criterio de que os Gremios paguem a licença tão-so por pagarem contribuição industrial, sera, mas não basta para gerar um imposto).</font><br> <font>Este acordão transitou em 1 de Outubro de 1964.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>A e mulher, recorreram para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do acordão deste Supremo Tribunal de 10 de janeiro de 1984, proferido no processo n. 71043, da 1 Secção Civel, com o fundamento de que ele esta em oposição com o Acordão, tambem deste Supremo Tribunal, de 12 de Fevereiro de 1980, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 294, pagina 312 sobre a mesma questão fundamnetal de direito: se são ou não nulos os contratos onerosos que tenham por objecto lotes de terreno compreendidos em loteamentos urbanos sem ter sido obtida a licença de loteamento titulada por alvara, celebrados no dominio da vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965.</font><br> <font><br> A Secção, pelo acordão de folhas 24, reconheceu a existencia da oposição e mandou prosseguir o processo.</font><br> <font>Os recorrentes alegaram doutamente, formulando as seguintes conclusões:<br> 1 - Na vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, eram nulos os negocios juridicos de compra e venda de terrenos compreendidos em loteamento sem alvara;</font><br> <font><br> 2 - Tal e a sanção que resulta do artigo 10 desse diploma legal, conjugado com os artigos 294 e 280 do Codigo Civil;</font><br> <font><br> 3 - O vendedor ficara ainda sujeito as multas previstas no artigo 12 do mesmo diploma legal;4 - A solução apontada não quebra a unidade de sistema juridico;5 - O Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, apenas alargou a sanção da nulidade a outros negocios juridicos, para alem dos previstos no Decreto-Lei n. 46673;<br> 6 - O acordão recorrido violou os artigos 10, 12, 13 e 14 do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, e os artigos 280 e 294 do Codigo Civil.</font><br> <font><br> Os recorridos haviam apresentado ja alegações, tambem doutas, defendendo a solução oposta.</font><br> <font><br> O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo apresentou desenvolvido e muito douto parecer no qual sustenta que deve ser mantido o acordão recorrido, sugerindo a formulação de assento nos seguintes termos: " Na vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, são validos os negocios juridicos de compra e venda, bem como a promessa de terrenos compreendidos em loteamentos sem alvara, excepto quando no momento da celebração do contrato houvesse impossibilidade de obtenção de alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo e impeditivo da sua emissão." Tudo visto.<br> Porque o tribunal pleno não esta vinculado a decisão preliminar proferida pela Secção, conforme se ve do disposto no n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil - se bem que se possa entender que a reapreciação dessa decisão so possa ter lugar se entretanto for suscitada essa questão -, ha que reapreciar a questão em ordem a verificação ou não dos pressupostos exigidos para o conhecimento do objecto do recurso.<br> E, assim, verifica-se que são identicas as questões que em ambos os acordãos considerados em oposição foram apreciadas, pois no acordão recorrido tratava-se de contratos de compra e venda titulados por escrituras publicas de 6 de Dezembro de 1972 e de 10 de Janeiro de 1973 e no acordão anterior apreciou-se um contrato-promessa de compra e venda, todos eles tendo porobjecto terrenos para construção, sem que tivesse sido aprovado qualquer loteamento deles.</font><br> <font><br> Nesse acordão anterior, no chamado acordão fundamento, entendeu-se que, nos termos do artigo 10, n. 1, do referido Decreto-Lei n. 46673, conjugado com os artigos 280, 285 e 294 do Codigo Civil, o contrato-promessa era nulo, por ser legalmente impossivel o objecto ou por ser o negocio juridico contrario a lei ou contra disposições legais de caracter imperativo, como são as apontadas na tutela de superiores interesses gerais da disciplina urbanistica, sem descurar a defesa dos interesses privados.<br> Mas no acordão recorrido entendeu-se, não obstante o disposto naquele n. 1 do artigo 10 daquele Decreto-Lei n. 46673 visar acautelar a ordem publica, que a falta de licença apenas acarretava graves multas impostas aos irregulares vendedores, promitentes vendedores e anunciantes de vendas.<br> Assim, embora um dos acordãos, o anterior, ou acordão fundamneto, se refira a contratos de compra e venda celebrados por escrituras publicas e o acordão recorrido tenha incidido sobre um contrato-promessa de compra e venda, o certo e que ambos apreciam a validade ou nulidade dos contratos a que alude o artigo 10 desse Decreto-Lei n. 46673 celebrados contra a proibição contida nesse preceito.</font><br> <font><br> E, pois, no essencial, a mesma questão que se dispute nos dois acordãos.<br> E, como todos os contratos foram celebrados do dominio de vigencia desse Decreto-Lei n. 46673, ambos os acordãos se baseando fundamentalmente nele, estão sujeitos ao mesmo regime, certo como e que nesse periodo tamnbem se encontravam em vigor os mesmos preceitos, inalterados, do Codigo Civil.</font><br> <font><br> E, conforme se referiu, os acordãos em confronto adoptaram soluções diferentes, pois pelo acordão recorrido o contrato-promessa foi considerado valido e pelo acordão anterior os contratos celebrados foram declarados nulos.<br> E, assim, de reconhecer que existe a invocada oposição dos acordãos referidos no dominio de vigencia da mesma legislação relativamente a mesma questão de direito, pelo que ha que conhecer do objecto de recurso.</font><br> <font><br> No acordão recorrido entendeu-se que no dominio e vigencia do Decreto-Lei n. 46673 o contrato- promessa de compra e venda de terrenos compreendidos em loteamento sem que previamente se tivesse obtido a respectiva licença de loteamento era valido, pois, estabelecendo-se apenas multas aos irregulares vendedores e promitentes vendedores, e de concluir que não se quis atacar o negocio na sua validade, mas sim eunicamente se pretendeu desencorajar e castigar os especuladores vendedores como infractores ofertantes de loteamento urbano sem alvara, pelo que, conforme em tal acordão expressa e textualmente se consignou, " não se fere o acto e apenas se sanciona o autor ", entendimento esse que arranca das considerações de que o n. 1 do artigo 10 desse diploma apenas perspectiva a conduta singular do " anuncio de venda ", que nunca podia ser nulo, e as actividades singulares de " venda " e de " promessa e venda ", e não actos negociais bilaterais de " compra e venda ", pois so os anunciantes de venda, os vendedores e promitentes vendedores são punidos com multa.<br> E no referido acordão anterior, o de 12 de Fevereiro de 1980, favoravelmente anotado por Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 114, pagina 200, entendeu-se que, em tais circunstancias, o contrato era nulo, nos termos dos artigos 280, 285 e 294 do Codigo Civil, em conjugação com o referido artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673, " por ser o objecto legalmente impossivel ou por ser o negocio juridico contrario a lei ou contra disposições legais de caracter imperativo, como são as apontadas na tutela de superiores interesses gerais de disciplina urbanistica, sem descurar a defesa dos interesses privados ", entendimento que e perfilhado, desenvolvidamente, por J. Osvaldo Gomes, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 41 pagina 775, em anotação ao Acordão deste Supremo de 31 de Março de 1981, in Boletim, n. 305, pagina 288, que decidiu ser valido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvara constante de documento particular, na vigencia do mesmo Decreto-Lei n. 46673, por tal contrato não ter eficacia real e o diploma so a contratos com tal eficacia se referir.<br> E, efectivamente, nos termos do artigo 280 do Codigo Civil, e nulo o negocio juridico cujo objecto seja fisica ou legalmente impossivel, contrario a lei ou indeterminavel.</font><br> <font><br> E entenbde-se que o objecto e ilegalmente impossivel quando o acto e inidoneo para se realizar o efeito juridico pretendido, sendo ilicito o objecto quando a lei exprima em juizo de reprovação para com ele ( v. Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 104, pagina 8, nota 1 ).</font><br> <font><br> Dai que, estabelecendo o n. 1 do artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673 que " qualquer forma de anuncio de venda e a venda ou promessa de venda de terrenos, com ou sem construção, compreendidos em loteamentos so poderão efectuar-se depois de obtida a licença a que se referem os artigos antecedentes e de terem sido observados os condicionamentos nela estabelecidos ", se tenha de chegar a conclusão de que, se não tiver sido observado ou satisfeito o ai consignado, seja legalmente impossivel a venda ou promessa de venda, o que, numa primeira aproximação, parece que produzira a nulidade do negocio, nos termos do artigo 294 do codigo Civil.</font><br> <font><br> E que tal norma, sendo proibitiva, tem natureza imperativa ( V. Pires de Lima e Antunes varela, Codigo Civil Anotado, I, 2 edição, pagina 249 ) e a nulidade tanto pode apresentar-se sob a forma textual ou expressa, como virtual ou tacita, como defende Rui Alarcão, A Confirmação dos Negocios Anulaveis, I, pagina 45, nota 41, entendimento que vem na esteira do de Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Juridica, II, 1964, pagina 282, nota 1, este emitido em face do artigo 10 do Codigo Civil de 1867, pelo que o facto de aquele diploma não cominar expressamente a nulidade não significa, em principio, que ela não possa ser declarada.<br> Porem, aquele artigo 294 contem uma restrição a tal comando, ao da nulidade, pois diz-se nele " salvo se outra solução resultar da lei ", o que significa ( V. Manuel de Andrade, obra citada e volume citado, pagina 335 ) que devera ter-se por excluida a nulidade se a sanção se mostrar pouco adequada ao caso concreto.<br> E ela mostra-se, nos casos em apreciação, não so pouco adequada, mas ate repelida por aquele diploma.<br> Na verdade, nos artigos 12 e 13 daquele Decreto-Lei n. 46673 </font><br> <font>cominam-ser multas pela inobservancia do disposto no artigo 10, ou seja, pela efectivação dos actos nele referidos sem a obtenção previa da licença de loteamento.</font><br> <font><br> Sanciona-se, pois, a falta de cumprimento de um dever de vendedor ou promitente vendedor para com a Administração, assim se configurando uma limitação administrativa a pratica de tais actos, o que aponta para uma natureza administrativa da sanção ai imposta, naturalmente por o legislador haver então considerado que os bens juridicos ai protegidos não eram valores ou interesses fundamentais da vida comunitaria ou da personalidade etica do homem, mas simples valores da criação ou manutenção de uma certa ordem social ( V. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1963, paginas 28-29 ), para defesa dos quais se reputou suficiente a imposição de multas.</font><br> <font>Surge, pois, a infracção a tal preceito nesse diploma como simples contravenção, com as multas a serem impostas pelo tribunal, nos termos do artigo 14 desse diploma.<br> Assim, a sanção da nulidade dos contratos celebrados sem a previa obtenção da licença de loteamento, porque não foi expresamente estabelecida pelo legislador, naturalmente em razão de então não haver sido considerada necessaria ou oportuna ou haver sido considerada desajustada e impropria, não pode ter aplicação, estando, assim, a sanção expressamente cominada exclusivamente integrada na esfera da tutela administrativa, e não da tutela jurisdicional.<br> Deve ser em resultado de considerações desta ordem -<br> - não se viu referida a fundamentação - que a jurisprudencia italiana, segundo informa C. M. Bianco, Diritto civile, III, pagina 582, vem decidindo que a cominação de uma particular sanção, diversa da nulidade, exaure a consequencia da violação da lei, não dando, portanto, lugar a invalidade do contrato, com o que aquele autor concorda, com a restrição de ser penal a sanção, pois então cumular-se-ão, o que não se verifica no caso sujeito, pois, como se referiu, a sanção que o diploma aludido impõe e de natureza contravencional ( v. ainda D. Rubino,<br> La compravendita, 1971, pagina 23, onde se assinala que a inobservancia de limitações administrativas não prejudica, por si so, a validade nem a simples eficacia dos contratos de compra e venda ).<br> Ainda e de considerar que havendo o legislador cominado, expressamente, a penas a sanção das multas, mas exclusivamente a uma das partes, aquela que pretende vender o terreno - artigos 10, 12 e 13 do mesmo Decreto-Lei 46673 -, manifesto e que tais sanções apenas visam um comportamento, uma conduta, e não o contrato celebrado, que por isso não devera vir a ser afectado, podendo acontecer ate que, se fosse entendido que se verificava a nulidade, viesse a ser prejudicada a outra parte, que em nada havia contribuido para a verificação da infracção, com o que reflexamente, viria a beneficiar a parte infractora, a parte que não diligenciara quanto a obtenção da licença.<br> E que o alcance do preceito legal em causa e este, resulta ainda do elemento historico, como e salientado pelo Excelentissimo magistrado do Ministerio Publico, pois tendo sido esta a interpretação dada aqueles preceitos pelo parecer n. 22/65, de 7 de Junho, da Procuradoria-Geral da Republica, que se supõe inedito e que incidiu sobre o projecto de diploma que se veio a converter naquele Decreto-Lei, nele se consignando explicitamente a plena concordancia com o não estabelecimento da sanção da nulidade das operações de venda, por se reputarem suficientes as sanções impostas aos infractores a redacção do preceito não veio a sofrer qualquer modificação em relação ao Projecto, o que evidencia plena concordancia com a interpretação que em tal Parecer era dada.<br> E tal entendimento resulta corroborado pela circunstancia de o Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, que veio a substituir aquele diploma, haver imposto, no n. 2 do artigo 27, a sanção da nulidade, entre outros actos, dos instrumentos notariais atinentes a terrenos quando neles se não fizesse menção do numero e data do alvara do loteamento, pois, então, era ja a lei a ferir de nulidade tais actos, sanção que segundo se infere do relatorio que o precede e inovadora, porquanto diz-se nele que " nessa linha ferem-se de nulidade... ", do que e de concluir que o legislador entendia que anteriormente não tinha lugar a sanção de nulidade.<br> Entende-se, pois, que a violação do citado artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673, não determina a nulidade dos contratos-promessa ou contratos de compra e venda de terrenos celebrados durante a sua vigencia sem licença de loteamento.<br> Mas, como e evidente, tal conclusão não envolve a de que os contratos referidos não possam ser declarados nulos com base em qualquer outro fundamento legal.<br> Porem, esses fundamentos exorbitam do objecto do recurso, pelo que não ha que fazer qualquer referencia a eles na formulação do assento.<br> Nestes termos, negam provimento ao recurso, confirmando o douto acordão recorrido, com custas pelos recorrente. e nos termos do n. 3 do artigo 768 do Codigo de Processo Civil formula-se o seguinte assento:<br> No dominio de vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos com ou sem construção, compreendida no loteamento.<br> </font><br> <font>Lisboa, 21 de Junho de 1987</font><br> <br> <font>João Alcides de Almeida ( Relator ) - Aurelio Fernandes - Pereira de Miranda - Frederico Baptista -<br> - Julio Santos - Manso Preto - Pinto Gomes - Gama Prazeres - Almeida Simões - Pinheiro Farinha - Melo Franco - Vasconcelos de Carvalho - Magalhães Baião -<br> - Almeida Ribeiro - Licinio Caseiro - Dias Alves - Cura Mariano - Soares Tome - Alves Peixoto ( Vencido, pelas razões constantes da declaração de voto que junto ) - Solano viana ( Vencido, pelas razões constantes do voto do Excelentissimo Conselheiro Alves Peixoto ) - Joaquim Figueiredo ( Vencido, nos termos da declaração que junto ) - Lima Cluny ( Vencido, pelas razões constantes da declaração de voto que junto em separado ) - Silvino Villa-Nova ( Vencido, pelas razões constantes dos votos dos demais Excelentissimos Conselheiros vencidos ) - Meneres Pimentel ( Vencido. O artigo 294 do Codigo Civil contem uma regra e uma excepção: a primeira prescreve a nulidade dos negocios juridicos celebrados contra disposição legal imperativa; a segunda tem de resultar da lei. Acontece que temos de distinguir tres tipos de ilicito penal de justiça, o designado ilicito penal administrativo ( direito penal secundario ) e finalmente o ilicito das contra-ordenações. O acordão admite estar-se em presença da segunda especie.<br> Por isto e ainda pelo facto de a terceira especie so ter obtido acolhimento efectivo no nosso sistema juridico a partir de 1982, não entendo como se pode afirmar que a violação das disposições proibitivas do Decreto-Lei em analise não constitui infracção penal ( no sentido lato do termo ).<br> Quanto a esta clarificação das normas do direito penal e de ordenação social, pode ler-se a magnifica lição do Professor Doutor Figueiredo Dias, publicada na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, a partir do ano 116, pagina 263. Revertendo agora ao inicio, parece obvio não se verificar qualquer excepção a regra geral do artigo 294 do Codigo Civil<br> ( pelo Contrario ). No mais, acompanho a declaração de voto dos Excelentissimos Conselheiros Alves Peixoto e Joaquim Figueiredo ) - Joaquim Gonçalves ( Vencido, de acordo com as razões do voto do senhor Conselheiro Alves Peixoto ) - Fernandes Fugas ( Vencido, de acordo com os fundamentos do voto do Excelentissimo Conselheiro Alves Peixoto ).<br> Declaração de voto:<br> Votei pela nulidade do negocio juridico atinente ao terreno abrangido pelo loteamento, celebrado antes de concedido o alvara, mesmo no dominio do Decreto-Lei n. 46673.<br> E que este diploma ja proibia a " venda " e ate simples " promessas " e " anuncios ", sob pena de multa, sanção caracteristica daquilo que e considerado, em Direito Penal, uma contravenção, a qual, de iure constituto ( artigos 6 e 7 do Decreto-Lei n.400/82, de 23 de Setembro ), e, ainda, mais que uma simples contra-ordenação, situando-se entre esta ( ilicito criminal administrativo ) e o crime ( ilicito criminal de justiça ).<br> Ora, proibindo aquele diploma, por razões de interesse e ordem publica ( disciplina: construções, em função das indispensaveis infra-estruturas ), a venda ou a promessa de venda e tendo-a por infracção penal, seria um contra-senso considera-la civilmente licita.<br> O que e logico, isso sim, e que, nula uma das prestações, se julga nula a contra-prestação, no caso a compra ( entrega de preço ) com a promessa de compra ( abono do sinal ).<br> De outro modo, para alem do impossivel juridico de um contrato nulo ( ate penalmente ilicito ) de uma banda e valida da outra, os resultados sociais seriam desastrosos - a urbanização descontrolada, sem o minimo de condições de habitabilidade.<br> E e obvio igualmente não poder distinguir-se, como faz o acordão, o acto do autor - ninguem pode ser punido por conduta licita.<br> E verdade que o artigo 294 do Codigo Civil admita que excepcionalmente não se julgue nulo o negocio celebrado contra lei imperativa. Mas não, quando a ilicitude e ate penal ( concebe-se ilicito civil sem ilicitude penal, mas não a inversa ). E não aqui ainda, porque nenhum dos preceitos do Decreto-Lei n. 46673 leva a concluir pela validade; so se pune o anunciante, o promitente-vendedor e o vendedor, sem alvara, por ser ele o autor do loteamento e ser ele o obrigado a premunir-se com este documento.<br> Mas nem por isso se deve " premiar " o comprador com a validade de um contrato ilegal, pois o loteamento e coisa que esta a sua vista e todos sabem ou devem saber ( artigo 6 do Codigo Civil ) da necessidade do licenciamento.<br> Por fim, quero salientar que o Decrerto-Lei n. 289/73 rigorosamente criou outra nulidade, não esta ( conforme artigo 27, n. 2 ).<br> Alves Peixoto.<br> Declaração de voto:<br> A disposição, proibitiva, do artigo 10, n. 1, do Decreto-Lei n. 46673 inspirou-se, sem sombra de duvida, num fim de interesse publico: " obstar a criação de nucleos habitacionais que contrariam o racional desenvolvimento urbano do territorio " e " evitar que se efectuem operações de loteamento, sem que previamente estejam asseguradas as indispensaveis estruturas, digo indispensaveis infra-estruturas urbanisticas ", como se diz no preambulo do diploma.<br> Ora os negocios juridicos celebrados contra disposição legal de caracter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei - artigo 294 do Codigo Civil. Do disposto nos artigos 12 e 13 daquele Decreto-Lei não resulta que in casu, resulte da lei outra solução, pois, como se observa no acordão de 12 de Fevereiro de 1980,<br> " os artigos 10 a 14 e 16 do citado diploma de 1965 referem-se a ilicitos penais, administrativos e não, a ilicitude que os negocios juridicos (...) previstos no aludido artigo 10 ". E e claro que do mesmo artigo 294 se deduz " não ser necessaria uma norma especial declarando a nulidade para cada caso, o que significa admitirem-se nulidades virtuais e não apenas nulidades textuais ". Votei, pelo exposto, se concedesse provimento ao recurso lavrando-se assento em que se adoptasse a doutrina daquele acordão.</font><br> <font>Joaquim Figueiredo.<br> Declaração de voto:<br> Ao contrario do " assento " agora formulado, pronunciei-me no sentido da nulidade dos contratos celebrados em desconformidade com o dispositivo do artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965.<br> Efectivamente, a face deste preceito não podia deixar de entender-se como " contraria a lei " a venda, ou a promessa de comnpra e venda, de terrenos compreendidos em loteamento sem que fosse obtida a licença respectiva e sem que fossem observados os respectivos condicionamentos.<br> Dai que, independentemente das multas em caso de contravenção do ali estatuido, tais negocios fossem nulos, por contrarios a lei, nos termos do n. 1 do artigo 280 do Codigo Civil, que não permite distinguir entre negocios apenas contrarios a lei e aqueles que, por o serem, ainda ficam sujeitos a outro tipo especifico de sancionamento, administrativo ou mesmo penal. Nem isso pode resultar do disposto na parte final do artigo 294, que se refere a outro tipo de "solução" (por exemplo o da anulabilidade), que não a outro tipo de 2 sanção ".<br> Por outro lado, não me parece de aceitar o argumento de que, assim ( isto e a solução contraria a do " assento " ), se iria premiar o vendedor que infringiu a lei contra a inocencia do comprador, ou promitente-vendedor... uma vez que este tinha o dever de se informar sobre se o terreno estava em condições legais de poder ser transaccionado, agindo negligentemente se o não tiver feito.<br> Por fim, tambem não me impressiona o argumento tirado do relatorio preambular do Decreto-Lei n. 289/73, dado que este veio avisar uma nulidade especifica e diferenciada do que ja resultava da amplicabilidade do artigo 280 do Codigo Civil.<br> Pedro Lima Cluny.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> AA recorreu para o plenário deste Tribunal com fundamento em oposição entre os Acórdãos deste mesmo Tribunal de 10 de Dezembro de 1985, proferido no processo n.º 73524, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 352, pp. 402 e segs., e de 24 de Janeiro de 1990, processo n.º 78439, ambos proferidos no domínio da mesma legislação e transitado em julgado o primeiro deles. </font><br> <font>Foi reconhecida a invocada oposição, o que determinou o prosseguimento do processo. </font><br> <font>Não tendo o recorrente apresentado alegações, concluiu-se não pela deserção do recurso mas, dado o interesse público subjacente à uniformização da jurisprudência, pela sua prossecução, embora restrito a tal. </font><br> <font>O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela confirmação do acórdão recorrido e pela solução do conflito de jurisprudência através de assento com a seguinte formulação: </font><br> <font>A taxa de juros de mora aplicável às letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal é, em cada momento, a que decorra do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, e não a taxa de 6% prevista nos n.os 2 dos artigos 48.º e 49.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, na medida em que estes últimos preceitos legais deixaram de vincular jure gentium o Estado Português, estando excluídos da nossa ordem interna. </font><br> <font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font><br> <font><br> Em processo de execução para pagamento de quantia certa que o Banco Português do Atlântico, E. P., moveu a BB e a AA, decidiu-se que o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, não ofende a convenção internacional que aprovou a Lei Uniforme, pelo que a taxa de juro a considerar seria a de 23% ao ano, corrigida por presumíveis vicissitudes posteriores, e não a de 6% dos artigos 48.º e 49.º daquela lei. </font><br> <font>Já no acórdão fundamento considerou-se aquele artigo 4.º como violador das normas constitucionais, o que conduziu à inaplicabilidade das taxas de juro daquele decreto-lei e da Portaria n.º 581/83, de 18 de Maio, prevalecendo assim a taxa de 6% contemplada pela Lei Uniforme sobre Letras e Livranças. </font><br> <font>Assim os acórdãos recorrido e fundamento adoptaram soluções expressas e diametralmente opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito; foram proferidos no domínio da mesma legislação, em processos diferentes, tendo transitado em julgado o acórdão fundamento. Daí que não se altere a decisão proferida preliminarmente. </font><br> <font>Pelo que se passa ao conhecimento do objecto do recurso.<br> O Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, depois de salientar no seu preâmbulo que, na actualidade, «a taxa moratória de 6%, fixada nas respectivas leis uniformes, perde o carácter de sanção e quase redunda num prémio conferido aos devedores menos escrupulosos», preceitua no seu artigo 4.º: </font><br> <font>O portador das letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais. </font><br> <font>À primeira vista, este preceito legal parece contrariar o disposto no artigo 47.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, aprovada esta e ratificada pelo Estado Português sem que a seu respeito fosse oposta qualquer reserva. </font><br> <font>O artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa consagra uma cláusula de recepção geral do direito internacional factício, em que reside o fundamento da vigência na ordem interna do direito uniforme que foi estabelecido na Convenção de Genebra de 1930. Só que a vinculação à face da ordem jurídica internacional constitui condição necessária de vigência na ordem interna dessas disposições, enquanto normas internacionais. </font><br> <font>Há que ter presente quer o artigo 1.º daquela Convenção quer o artigo 13.º do seu anexo II. Enquanto o primeiro prevê que os juros moratórios de letras de câmbio emitidas no território de uma das partes e pagável no território de outra ficariam sempre obrigados à taxa de 6%, em todo o lado, o segundo refere-se às letras emitidas e pagáveis no território de uma mesma parte em que prevalecia aquela taxa se, no acto de ratificação ou de adesão, a parte não emitisse reserva quanto à competência para aplicação da taxa legal em vigor no seu território. </font><br> <font>Não repugna, assim, que, em relação a esta segunda hipótese, com base em causa legítima jure gentium, o Estado Português deixe de estar obrigado a aplicar os juros convencionais. Prevendo a Convenção duas causas de extinção - artigo 8.º, denúncia, e artigo 9.º, revisão - tem-se que o compromisso assumido pelo Estado Português quanto à taxa de 6% pode ser suspenso ou extinto jure gentium. Na verdade, é princípio de direito internacional que a alteração das circunstâncias que rompa o equilíbrio global das obrigações constantes dos compromissos convencionais ao ponto de se tornar injusto ou contrário à boa-fé e exigência do seu cumprimento pode conduzir à caducidade de tais compromissos. Trata-se da aplicação prática da chamada rebus sic stantibus, hoje codificada no artigo 62.º da Convenção de Viena. </font><br> <font>Esta cláusula vem permitir que qualquer Estado possa deixar de cumprir a Convenção a partir do momento em que invoque a modificação das circunstâncias, conforme o princípio de que os sujeitos de direito internacional estão autorizados, em cada momento, a agir de harmonia com o que julgarem ser o seu direito. </font><br> <font>Público e notório que, desde há alguns anos, profundas alterações ocorrem no domínio dos quadros económico, financeiro e cambiário. Como consequência, a taxa de juros moratórios saltou de 5% para 23%, terminando com o então existente equilíbrio da taxa de 6% do credor cambiário com a ataxa aplicável às obrigações cambiárias. </font><br> <font>Este facto, como o referimos já, conduz forçosamente à extinção do compromisso assumido pelo Estado Português quanto à manutenção desta taxa de 6%, por ser evidente a oposição entre o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 262/83 e o artigo 47.º da Lei Uniforme. Colisão que ofenderia a regra pacta sunt servanda, introduzida na nossa ordem interna por força da cláusula geral de recepção plena do artigo 8.º, n.º 1, da Constituição da República, com consequente violação deste preceito constitucional. </font><br> <font>De onde a prevalência constitucional do referido artigo 4.º e a sua legal aplicação, ao contrário do que se concluiu no acórdão fundamento. </font><br> <font>Pelo que o recurso interposto nunca poderia proceder.<br> Como consequência do exposto, formula-se o seguinte assento:<br> Nas letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, e não a prevista nos n.os 2 dos artigos 48.º e 49.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças. </font><br> <br> <font>Custas pelo recorrente.</font><br> <font><br> Lisboa, 13 de Julho de 1992.</font><br> <br> <font>Cura Mariano - José Saraiva - Sousa Macedo - Lopes de Melo - Ferreira Vidigal - Joaquim Carvalho - Ferreira Dias - Beça Pereira - Jaime de Oliveira - Miguel Montenegro - Figueiredo de Sousa - Martins da Fonseca - Mário Noronha - Pereira dos Santos - Rui de Brito - Fernando Fabião - César Marques - Sá Nogueira - Barbiere Cardoso - Sá Pereira - Vaz de Sequeira - Pires de Lima - Roger Lopes - Tavares Lebre - José Magalhães - Mora do Vale - Ramiro Vidigal - Santos Monteiro - Eduardo Martins - Ramos dos Santos - Abranches Martins - Guerra Pires - Brochado Brandão - Ferreira da Silva (vencido nos termos da declaração de voto que junto) - Baltazar Coelho (vencido nos termos da declaração de voto que junto) - Cabral Andrade (vencido pelas mesmas razões que constam dos n.os 2 e 3 da douta declaração de voto do Exmo. Colega Baltazar Coelho) - Dionísio Pinho (votei o acórdão de acordo com a declaração de voto que apresento) - Sequeira Vahia. </font><br> <font><br> Declaração da voto</font><br> <font><br> Os assentos - artigo 2.º do Código Civil - reconduzem-se a actos de natureza normativa, traduzindo verdadeiras normas jurídicas legislativas, revestidas de eficácia impositiva universal - cf. Castanheira Neves, O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, pp. 292 e segs., e «Assento», in Polis, I, p. 419, Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 124.º, p. 131. Ora, a função legislativa não compete aos tribunais - artigo 206.º da Constituição. De contrário, o múnus judicial, ao ser chamado, através dos assentos, ao exercício daquela função, seria investido num estatuto que está em contradição com o sentido que lhe deverá corresponder no sistema político do Estado de direito dos nossos dias, baseado no sistema democrático da separação de funções - cf. Revista, cit., 120.º pp. 618 e 619. Daí que seja patente a inconstitucionalidade dos assentos, como decorre, aliás, para nós, do disposto no artigo 115.º, n.os 1, 2 e 5, da lei fundamental. Nem se argumente em contrário com o teor do seu artigo 122.º, n.º 1, alínea g), o qual, na lógica do sistema e no panorama legislativo actual, se refere tão-só à declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos regulamentos administrativos - artigo 66.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Não votei, em consequência, o presente assento. - Ferreira da Silva. </font><br> <font><br> Declaração de voto</font><br> <font><br> 1 - Como tive oportunidade de salientar então - fls. 85 -, da fotocópia que me foi facultada aquando do meu visto não constava a do parecer do Ministério Público nem se certificava que este o não tivesse dado. Por isso, considerando o disposto no n.º 3 do artigo 767.º do Código de Processo Civil, reservei a oposição do meu visto para momento posterior à supressão daquela falta, o que não me foi facultado. </font><br> <font>Sem embargo do que deixo dito e tendo acabado de tomar conhecimento do indicado parecer, passo a enunciar, em resumo, o meu entendimento sobre a decisão que, salvo o devido respeito, entendo devia ter sido tirada. </font><br> <font>2 - O recorrente, como reconhecem os meus ilustres colegas que fizeram vencimento, não cumpriu o ónus de, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 767.º do Código de Processo Civil, alegar para o presente recurso. </font><br> <font>Assim, dada a, para mim, inegável aplicabilidade ao recurso para o tribunal pleno das disposições gerais contidas nos artigos 690.º, n.º 2 - cf. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, VI, p. 307, e J. R. Bastos, Notas, III, p. 419 -, e 292.º, n.os 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, devia o Exmo. Relator ter julgado deserto o presente recurso. </font><br> <font>Porque o não fez, nada impedia, penso eu, que o pleno deste Tribunal, em suprimento daquela falta, se tivesse abstido de conhecer do objecto do recurso. </font><br> <font>3 - Sempre salvo o devido respeito, ainda esta tomada de posição se impunha por outra via. </font><br> <font>Conforme resulta dos autos, o conflito jurisprudencial em causa diz respeito à constitucionalidade do preceito contido no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, afirmada no acórdão recorrido e negada no acórdão fundamento. </font><br> <font>Simplesmente, a última, a vinculativa, palavra sobre a constitucionalidade das leis não cabe ao pleno do Supremo Tribunal de Justiça, mas, como resulta, entre outros, dos artigos 223.º e seguintes e 277.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa e 6.º e 69.º e seguintes da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, ao Tribunal Constitucional. </font><br> <font>Por isso se tem aqui julgado que o Supremo Tribunal de Justiça não pode através de assento uniformizar a jurisprudência em matéria de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de normas - cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (tribunal pleno) de 24 de Abril de 1985, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 346, p. 208 - ou, por outras palavras, que não é admissível recurso para o tribunal pleno de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com o fundamento da inconstitucionalidade das normas jurídicas aplicadas afirmada num aresto e negada noutro - cf. parecer do relator de 21 de Abril de 1989, por mim subscrito, no processo n.º 77955 e, bem assim, o Acórdão de 2 de Novembro de 1989 que o confirmou. </font><br> <font>Daí que, também por esta via, não se devesse ter conhecido do objecto do presente recurso. - Baltazar Coelho. </font><br> <font><br> Declaração de voto</font><br> <font><br> Votei o acórdão, sem embargo de entender que a falta de apresentação das alegações previstas no artigo 767.º, n.º 2, do Código de Processo Civil pelo recorrente implica a execução do recurso. As alegações a que se refere o artigo 765.º do mesmo diploma legal apenas incidem, tal como o acórdão aí previsto, sobre a questão prévia da admissibilidade do recurso. Mas, a partir daí, o princípio do impulso processual consagrado no artigo 3.º do Código de Processo Civil e reflectido naquele n.º 2 do artigo 767.º citado não se compadece com o prosseguimento do processo à revelia da realização do interesse do recorrente, a quem cabe a disponibilidade processual do recurso. Contudo, entendo que o despacho em contrário do Exmo. Relator é susceptível de trânsito em julgado; contra ele não tendo havido reacção, impõe-se-nos. - Dionísio de Pinho. </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A recorreu para o pleno deste Tribunal com fundamento em oposição entre os acórdãos deste mesmo Tribunal, de 1 de Março de 1990, proferido no processo n. 78782, 1 Secção e de 16 de Junho de 1970, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 198, a página 101 e seguintes.<br> Reconhecida a existência da alegada oposição, o recurso prosseguiu.<br> Nas suas alegações, os recorrentes pedem que se revogue o acórdão recorrido e se lavre assento em que se fixe que:<br> "o artigo 882, n. 2, do Código de Processo Civil, apenas determina a notificação do despacho que ordena a venda e respectiva modalidade, não obrigando a notificar dia, hora e local das praças, nem ao exequente, nem ao executado, nem aos credores reclamantes com garantia real".<br> O recorrido sustenta que deve firmar-se assento no sentido de que<br> "Exequente e Credores reclamantes munidos de garantia real têm iguais direitos, devendo por isso ser notificados do dia, hora e local da arrematação para as hastas públicas que sejam ordenadas".<br> O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público pronuncia-se pela revogação do acórdão impugnado e pela solução do conflito de jurisprudência através de assento, para o qual propõe o seguinte texto:<br> "O artigo 882, n. 2, do Código de Processo Civil apenas determina a notificação do despacho que ordena a venda e respectiva modalidade, não obrigando a notificação do dia, hora e local das vendas ao exequente, executado e credores com garantia sobre os bens a vender".<br> Cumpre decidir.<br> O Tribunal pleno não está vinculado à decisão preliminar da secção, como expressamente dispõe o n. 3 do artigo 766 do Código de Processo Civil.<br> Há, pois, que reexaminar a questão, com o fim de decidir se se verificam os pressupostos que condicionam o conhecimento do objecto do recurso.<br> Fazendo esse reexame, concluimos que são idênticas as situações de facto apreciadas nos dois acórdãos que se dizem em oposição, pois em ambos se versou a questão fundamental de saber se é obrigatória a notificação aos credores com garantia real sobre os bens a vender em hasta pública dos despachos que adiam a primeira praça ou marcam a segunda praça.<br> Efectivamente, no acórdão fundamento a situação era esta: em inventário facultativo foi deliberado proceder a venda de bens da herança, por arrematação em hasta pública, para pagamento de dívidas vencidas e aprovadas.<br> A primeira praça foi marcada para certo dia, mas veio a ser adiada para data posterior e os bens foram então vendidos.<br> Credores com hipotecas inscritas sobre os prédios arrematados requereram a anulação das vendas com fundamento na falta de notificação do despacho que adiou a arrematação, vindo este Supremo Tribunal a decidir que, neste caso, não havia que notificar aos credores o novo dia e hora da arrematação e manteve as vendas.<br> No acórdão recorrido o caso que se discutiu foi o seguinte: em execução para pagamento de quantia certa foi arrematada em hasta pública (segunda praça) fracção autónoma oportunamente penhorada.<br> Um credor, titular de crédito verificado por sentença, com garantia real sobre aquela fracção, arguiu a nulidade de não ter sido notificado despacho que ordenou a segunda praça e requereu a anulação da venda.<br> Este Tribunal decidiu pela necessidade dessa notificação, tendo anulado a venda.<br> Vê-se, pois, ao contrário do sustentado no douto voto de vencido, a folha 39 e verso, que foi exactamente igual a questão fundamental decidida.<br> Por outro lado, não houve, durante o intervalo de publicação dos dois acórdãos, qualquer modificação legislativa a interferir, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.<br> Os dois arestos foram proferidos em processos diferentes e presume-se o trânsito em julgado do do acórdão anterior.<br> É assim de reconhecer a oposição entre os mencionados acórdãos, proferidos no dominio da mesma legislação (Código de Processo Civil) relativamente à mesma questão fundamental de direito, pelo que se considera justificado o recurso para o tribunal pleno, passando a conhecer-se do seu objecto.<br> Ora vejamos.<br> Segundo o artigo 882 do Código de Processo Civil, com base no qual foram proferidos os acórdãos em oposição.<br> "1. A venda dos bens penhorados pode ser judicial ou extrajudicial".<br> E<br> "2. O despacho que ordene a venda é notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender".<br> Como bem se diz no acórdão recorrido, o Código de Processo Civil de 1939 limitava-se a prescrever na segunda parte do corpo do seu artigo 882 que a venda podia ser judicial ou extrajudicial. Com a revisão feita em 1961, o mesmo preceito alargou o seu campo de aplicação, impondo que o despacho determinativo da venda fosse notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender. O relator do projecto de revisão da acção executiva (Conselheiro Lopes Cardoso) justificou este alargamento com o objecto de "... dar satisfação ao preceituado pelo parágrafo único do Decreto n.<br> 33276, de 24 de Novembro de 1943, ao mesmo tempo ampliado e generalizado" - cfr. "Manual da Acção Executiva", edição de INCM, 1987, página n. 564.<br> De facto, o artigo 4 e parágrafo 1 do Decreto-Lei n. 33276, expressamente mantidos em vigor pelo artigo 18, n. 1, do Decreto-Lei n. 693/70, e pelo artigo 161, n. 1, do Decreto n. 694/70, ambos de 31 de Dezembro, e até há pouco vigentes, estabelecem:<br> "Nos processos em que a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência ou algumas das suas instituições anexas sejam exequentes ou reclamantes, o agente do Ministério Público logo que designado o dia para a arrematação ou decidida a venda por meio de propostas em carta fechada ou por via de negociação particular, comunicara o facto à Administração da Caixa, remetendo-lhe uma relação dos bens a pracear ou a vender, donde conste, quanto a cada um dos bens, o encargo que o agrava, o valor por que será posto em praça ou o preço mínimo que houver sido fixado para a negociação particular. Tratando-se de prédios, apartar-se-à ainda na relação o número da descrição na Conservatória e o artigo da inscrição na matriz, se o processo para tanto fornecer elementos.<br> "Parágrafo 1. Serão notificados ao agente do Ministério Público, no prazo máximo de vinte e quatro horas, os despachos que, nos processos visados pelo artigo, designem dia para a arrematação ou decidam sobre a venda por meio de proposta em carta fechada ou por via de negociação particular".<br> Com a adopção deste regime, através da reforma de 1961, teve-se em vista tornar menos desigual a posição do credor Estado, ou entidades equiparadas, da do credor comum e por isso se julgou não existir motivo relevante para excluir a notificação do exequente, executado e credores reclamantes quando se designa a venda.<br> No acórdão fundamento, para se justificar a omissão de notificação das circunstâncias de tempo e lugar da venda, invoca-se uma das modalidades desta, ou seja, a venda por negociação particular em que se torna materialmente impossível fixar aquelas indicações no respectivo despacho.<br> E certo que na venda por negociação particular não é materialmente possível fixar, através de prévio despacho que a ordene, as circunstâncias de tempo e lugar, mas não pode deduzir-se daí que fica satisfeito o disposto no n. 2 do artigo 822, do Código de Processo<br> Civil, desde que seja notificada a venda dos bens com a indicação da respectiva modalidade, sem qualquer outra indicação.<br> Na verdade, tendo-se querido ampliar e generalizar a todas as formas de venda o sistema preconizado no artigo 4, parágrafo 1, do Decreto-Lei n. 33276, como nos elucida o autor do projecto de revisão do processo executivo (Senhor Conselheiro Lopes Cardoso), a bem pouco se reduziria essa ampliação!...<br> Repare-se em que até para a venda por propostas em carta fechada houve necessidade de alterar o artigo 893 do Código de Processo Civil, possibilitando a todos - exequente, executado e credores - a assistência à abertura das propostas, o que só se torna exequível se previamente forem, para tanto, notificados.<br> No acórdão de 16 de Junho de 1970 argumenta-se ainda com disposto nos artigos 892, n. 1 e 902, n. 3, ambos do Código citado, o primeiro a prescrever que os titulares do direito de preferência na alienação dos bens "são notificados do dia e hora da arrematação ou do dia e hora da entrega dos bens ao proponente", e o segundo, depois de tratar da publicidade da segunda praça, a dispor que "não se repete a notificação dos preferentes", afirmando de seguida:<br> "Se a diversa redacção dos artigos 882, n. 2 e 892, n. 1, torna bem claro que num caso se manda e no outro se não manda notificar o dia e hora da arrematação, o disposto no artigo 902, n. 3, evidencia que até os preferentes, apesar do regime especial de que beneficiam, têm de contar apenas consigo, com a sua atenção e a sua vigilância, após a primeira praça".<br> Salvo o devido respeito não é assim:<br> Efectivamente, as razões que levaram o legislador a não incluir a expressão "dia e hora" no n. 2 do artigo 822 parecem claras: por um lado, não é possível cindir em dois o despacho determinativo da arrematação em hasta pública (primeiro dizer a modalidade da venda e depois indicar o dia hora e local onde se realiza), pois, como salienta o Excelentíssimo Conselheiro Eduardo Correia Guedes no voto de vencido no acórdão fundamento, é através dos despachos que fixam a data das hastas públicas que se ordenam as vendas, e por outro lado esta disposição está incluída na Subsecção V, Divisão I, que trata das "Modalidades da Venda", havendo algumas em que não é materialmente possível fixar dia e hora (todas as extrajudiciais, ao que parece).<br> Por outro lado, como se acentua no acórdão recorrido, a razão que levou a dispensar a notificação dos titulares de direitos de preferência quando se trate de segunda praça é outra. Como diz Alberto dos Reis, "Processo de Execução", volume II, página 342, "Se os preferentes forem notificados pessoalmente e não se apresentarem no acto da praça ou da entrega dos bens ao proponente, a fim de exercerem nesse acto o seu direito de preferência, a consequência é a seguinte: perdem o direito. Ficam, portanto, inibidos de o exercer posteriormente, quer no processo de execução, dado o caso que de a primeira praça ficar deserta e haver segunda praça ou venda por proposta ou por negociação particular, quer mediante proposição de acção de preferência".<br> E acrescenta o mesmo Professor: "Notificado pessoalmente o titular do direito de preferência, se ele não comparece no momento próprio para exercer o seu direito, o facto não comporta outra interpretação razoável que não seja esta: não quer preferir, renuncia a exercer o direito de preferência".<br> Assim, aparece como lógica a disposição do artigo 902, n. 3, ao dispensar a repetição das notificações aos preferentes em caso de segunda praça, pois é inadmissível notificar alguém para exercer um direito já perdido.<br> Simplesmente, esta é apenas uma das situações possíveis: a de os notificados para o exercício do direito de preferência não comparecerem ao acto. Nesse caso, sim, poderá eventualmente concluir-se que a sua não comparência traduz renúncia ao exercício do direito e que, por via disso, a notificação para a segunda praça ou do adiamento da primeira, seriam perfeitamente inúteis.<br> Mas os preferentes podem ter comparecido (e esta é outra das situações possíveis) e, se assim for, logo terão conhecimento do despacho do juiz (adiando a praça ou designando dia para a segunda), nos termos do preceituado no artigo 901, n. 1, do Código de Processo Civil, pelo que também a sua notificação seria perfeitamente injustificada.<br> Seja como for, uma coisa é certa: não há disposição que dispense a notificação do exequente, executado e credores reclamantes, caso se proceda a segunda praça, podendo até usar-se para defesa da sua necessidade o argumento "a contrário senso" extraído do n. 3 do artigo 902, não obstante a consabida falibilidade deste tipo de argumento.<br> Com efeito, se a lei dispensa a notificação dos preferentes (principio excepcional, insusceptível de interpretação extensiva, segundo cremos), então a regra geral, aplicável aos demais casos, será a da notificação.<br> Para além de quanto vem referido, acrescentaremos ainda o seguinte: conforme estabelece o artigo 229, n. 2, do Código de Processo Civil, devem ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízos às partes.<br> Ora é indiscutível, cremos, que o despacho que adia a realização de uma "praça" como o que designa dia e hora para arrematação em hasta pública, em segunda ou terceira praça, de bens penhorados em processo de execução, podem causar prejuízo às partes (exequente, executado e credores), quer pela possível degradação do preço da venda, se não for desenvolvida qualquer actividade em defesa da praça com vista à sua valorização, quer até pela não consumação da venda por esse meio.<br> Por ser assim, tais despachos hão-de ser notificados a todos os intervenientes no processo executivo (exequente, executado e credores) por imperativo do citado artigo 229, n. 2, segunda parte, do Código de<br> Processo Civil.<br> O acórdão recorrido, considerando que não foi notificado ao ali recorrente (credor com garantia real sobre o bem vendido) o despacho que designou dia e hora para arrematação em hasta pública, em segunda praça, do prédio penhorado, teve por verificada a infracção do artigo 201, n. 1, do Código de Processo Civil e anulou a venda.<br> Frente ao que atrás ficou exposto, entendemos que decidiu bem.<br> Assim, mantém-se a decisão do acórdão recorrido e, nos termos do artigo 768, n. 3, do Código de processo Civil, formula-se o assento seguinte:<br> A notificação a que se refere o n. 2 do artigo 882 do Código de Processo Civil deve incluir a indicação do dia, hora e local da venda por arrematação em hasta pública e tem de repetir-se caso haja adiamento ou realização de segunda ou terceira praças.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 29 de Setembro de 1993.<br> Eduardo Augusto Martins;<br> Francisco Rosa Costa Raposo;<br> José Martins da Costa;<br> António Pais de Sousa;<br> José Miranda Gusmão;<br> Mário de M. Araújo Ribeiro;<br> Raul Mateus (com declaração de voto);<br> Sá Couto;<br> Costa Pereira;<br> Fernando Dias Simão;<br> Sousa Guedes;<br> José Magalhães;<br> Jorge Manuel Mora do Vale;<br> Santos Monteiro;<br> Coelho Ventura;<br> Ramos dos Santos;<br> Jorge Guerra Pires;<br> Dionísio Pinho;<br> Alves Ribeiro;<br> Ferreira da Silva (vencido, nos termos de declaração de voto que junto);<br> Zeferino Faria;<br> Carlos da Silva Caldas;<br> Faria de Sousa;<br> Pereira Cardigos;<br> Chichorro Rodrigues;<br> Sá Ferreira;<br> Mário Fernando da Silva Cancela;<br> Teixeira do Carmo;<br> Calixto Pires;<br> Folque Gouveia;<br> Fernando Machado Soares;<br> Cardona Ferreira;<br> Amado Gomes;<br> Cardoso Ventura;<br> Cura Mariano;<br> Sousa Macedo;<br> Lopes de Melo;<br> Ferreira Vidigal;<br> Ferreira Dias;<br> Pinto Bastos;<br> Figueiredo de Sousa;<br> Silva Montenegro;<br> Martins da Fonseca;<br> Mário Noronha;<br> Fernando Fabião;<br> César Marques;<br> Sampaio da Silva;<br> Roger Lopes;<br> Ramiro Vidigal;<br> José Sarmento da Silva Reis;<br> Sá Nogueira (vencido nos termos da declaração que junto).<br> (Vencido. Quando há lugar a uma segunda praça, numa venda judicial, não há que proceder à notificação aos credores do despacho que designa o dia e hora em que a mesma se irá realizar, por não ser aplicável a esta situação o comando do artigo 882 n. 2 do Código de Processo Civil, que determina que "o despacho que ordene a venda é notificado ao exequente, ao executado, e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender".<br> Com efeito, resulta dos dispositivos legais (artigos 890, 892, e 902 do Código de Processo Civil) que a venda em hasta pública é um acto judicial complexo que se desdobra em diversas fases - marcação da primeira praça, eventual realização ou não realização desta; escolha de nova modalidade, oficiosamente ou a requerimento de interessados, ou designação de segunda praça, caso a primeira fique deserta; repetição deste segundo formalismo, no caso de a segunda praça ficar igualmente deserta.<br> Quando haja lugar à efectivação de uma segunda praça, dispõe a lei que o formalismo é especialmente reduzido, pois a notícia da sua realização é dada por um único edital, afixado com a antecedência mínima de cinco dias e por um único anúncio, publicado com igual antecedência, ao mesmo tempo que a afixação do edital é feita apenas na porta do prédio urbano, se a venda respeitar a este tipo de bem, ou na do edifício onde deve realizar-se a arrematação (artigo 902).<br> E, significativamente, o n. 3 do mesmo artigo estatui que se não repete a notificação aos preferentes.<br> Sobre esta matéria parece-me bem significativa a história do instituto "venda judicial" em que se inserem os artigos invocados:<br> Pelo regime que vigorava, com alterações, desde o século XVII (Resolução de 6 de Março de 1662, Lei de 20 de Junho de 1774, parágrafos 17, 21 a 24 e 27 a 29, e Alvarás de 6 de Julho de 1807 e de 21 de Janeiro de<br> 1809), diversos bens a vender em hasta pública em execuções da Fazenda seriam forçadamente adjudicados a certos credores ("pessoas de cabedais"), de acordo com regras fixadas pela lei, quando não houvesse lançadores voluntários na primeira praça.<br> Contra esta situação, considerada injusta, reagiu o Código de Processo Civil de 1876, como ensinou Dias Ferreira (Código de Processo Civil Anotado, Tipografia Lisbonense, Tomo II, 1888, a páginas 348 e seguintes).<br> Por este Código, instituiu-se a obrigatoriedade de efectivação de segunda e de terceira praças, quando não houvesse lançadores nas anteriores ou quando não houvesse requerimento de qualquer credor graduado para lhe serem adjudicados os bens pelo valor pelo qual os bens iam à praça e determinou-se que, entre a primeira e a segunda praças, tal como entre esta e a terceira mediariam sempre sete dias, pelo menos, prazo este que havia sido adoptado em virtude de, fora de Lisboa e Porto (e no Funchal, depois da Carta de Lei de 16 de Julho de 1885), as arrematações judicias terem obrigatoriamente lugar aos domingos ou em dias santificados (tal como ocorria na primitiva redacção do Código do Processo de 1939), e para qualquer das segunda e terceira praças não se notificavam os preferentes, uma vez que estes tinham já sido citados para assistirem à primeira praça (artigos 841, 842, 848, e 867 e seguintes).<br> A mudança do prazo entre as praças passou a ser de seis dias, pelo menos (cfr. o n. 1 do artigo 902 do Código actual), e tal alteração foi motivada unicamente pela circunstância de terem surgido dúvidas sobre se o prazo anterior, de sete dias, permitia ou não a prática uniforme de se marcar a segunda praça para o domingo seguinte àquele em que se realizara a primeira.<br> Ao mesmo tempo, a eliminação da obrigatoriedade de realização da praça ao domingo ou em dia feriado, resultante da reforma processual de 1961, foi motivada apenas pelo facto de se ter reconhecido que, por um lado, se justificava que as pessoas que prestam serviço nos Tribunais também tivessem o direito um dia de descanso semanal, como os restantes cidadãos, e que, por outro, o desenvolvimento dos meios de comunicação e a evolução das mentalidades já operados permitiam que as praças pudessem ser conhecidas e acompanhadas por número suficiente de pessoas, se se não realizassem aos domingos e dias equiparados, com a vantagem adicional de se poderem cumprir imediatamente diversas formalidades de carácter económico (depósito de parte do preço na instituição bancária adequada, etc.).<br> A ideia fundamental, no entanto, continuou a ser a mesma: a venda judicial é um acto de natureza complexa - sempre com a intervenção do Juiz - que se desdobra por várias fases sucessivas, algumas das quais só podem surgir se se verificarem determinados requisitos, mas em cujo desenvolvimento se não perde o carácter unificante e toda a actuação do Tribunal.<br> Foi o reconhecimento desta realidade que esteve subjacente ao acórdão deste Supremo de 16 de Junho de<br> 1970, no Boletim 198, 101, que serve de fundamento ao presente pedido de formulação de Assento, quando nele se escreveu:<br> "... a inovação do citado artigo 822 n. 2, relativamente ao Código de 1939, não teve por finalidade dar qualquer relevo a dia, hora e local da arrematação, mandando notificar de tais circunstâncias as partes na acção executiva e os credores com garantia sobre os bens.<br> Outro foi o objectivo visado com o aditamento.<br> Efectivamente, o n. 2 do artigo 882 teve por fonte o artigo 4 do Decreto n. 33276, de 24 de Novembro de 1943, e com esta disposição queria-se somente pôr de sobreaviso ou "alertar" o Ministério Público, como representante da Caixa Geral de Depósitos, para as vendas a realizar nas execuções em que a Caixa fosse exequente ou apenas credora, devendo notar-se que a única referência a data da venda, feita no parágrafo 1 do citado artigo 4, foi pura e simplesmente eliminada do texto incluído no Código do Processo Civil, talvez porque a simples "notificação da venda", por si, realizava o sobreaviso ou o alerta procurados.<br> Essa a posição que hoje, "notificados do despacho que ordene a venda", ao abrigo do citado artigo 882 n. 2, devem tomar exequente, executado, e credores quanto aos ulteriores termos relativos aos acto ordenado.<br> Todos têm de estar atentos e de ser diligentes, e só assim poderão conhecer datas e locais das vendas e evitar prejuízo que o descobrimento de tais factos pode acarretar - e isso, repete-se, porque a lei não manda notificar despachos que fixem aquelas datas e locais".<br> Todo este regime indica que, por um lado, o legislador entendeu que a venda judicial é, como referi, um só acto judicial complexo que, embora com diferentes fases, não perde essa natureza unitária por as comportar, e que, por outro, o mesmo legislador considerou que as exigências da rapidez e continuidade dos diversos actos que o compõem implicam a redução dos correspondentes formalismos ao mínimo indispensável, dentro da ideia de que, por se tratar de um acto único, se bem que complexo, se não justifica a repetição de diligências relativas a pessoas a quem foi dado o adequado conhecimento da actuação do Tribunal logo no início do mencionado acto.<br> Disto resulta que, na graduação dos valores - garantias da defesa dos direitos dos titulares de um direito de preferência, através do conhecimento das circunstâncias essenciais da venda, e unificação dos actos judiciais respeitantes a uma determinada modalidade da transmissão forçada de bens do devedor relapso - o legislador deu prevalência a este último, e considerou que o primeiro ficava adequadamente protegida com a notificação dos credores para a primeira praça, com indicação, quanto a esta, da data, hora e local da sua realização.<br> Para além disso, e por outro lado, deverá concluir-se que os credores graduados são, em certa medida, também preferentes, e, nessa medida, a sua não notificação dos elementos da segunda praça não acarreta qualquer nulidade.<br> Como se referiu, o n. 2 do artigo 882 do Código do Processo impõe o dever de notificar o despacho que ordene a venda ao exequente, ao executado, e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender.<br> Significa isto que tais credores são sempre, e apenas, aqueles que gozam de um dado direito de preferência no pagamento dos seus créditos quanto à transmissão dos bens que são praceados, quer ele resulte de terem a seu favor uma hipoteca, uma penhora, ou um privilégio creditório (artigos 865 do mesmo Código, 686, 822, e 733 do Código Civil).<br> A lei diz-nos que estes credores têm o direito de serem pagos dos seus créditos pelo produto dos bens sobre os quais gozam do direito real (penhora, hipoteca, privilégio creditório) de que beneficiam, preferencialmente em relação a outros credores, e de, na adjudicação dos bens, estarem dispensados do depósito do preço correspondente ao valor do seu crédito, relativamente aos restantes credores que se encontrem graduados abaixo de si.<br> Verificam-se, assim, as adequadas características do direito de preferência (direito privilegiante de alguém, respeitante a uma coisa, por força do qual o respectivo titular pode tomar uma atitude de aquisição de bem real de terceiro que beneficia o seu património, em detrimento de outrem) que permitem considerar os credores privilegiados e graduados, em processo executivo, como titulares de um verdadeiro direito de preferência quanto à alienação dos bens sobre os quais têm garantia real.<br> Eles são, assim, credores preferentes, que, embora dotados de um especial estatuto de preferência, não deixam, mesmo assim, de ter essa qualidade. Como tais, encontram-se abrangidos pelo preceito expresso do mencionado n. 3 do artigo 902, o que implica não haver lugar à sua notificação para a segunda praça.<br> Assim, as considerações que em contrário se possam tecer serão muito válidas "de jure condendo", mas perfeitamente ininvocáveis à luz do direito vigente, dado o comando imperativo do n. 2 do artigo 9 do Código Civil.<br> Daí que entende, à luz dos preceitos indicados, que o Assento devia ser proferido no sentido de que "o despacho que marca o dia, hora, e local para uma segunda praça na venda judicial não tem que ser notificado aos credores com garantia sobre os bens a vender"<br> Sá Nogueira.<br> Declaração de Voto<br> Os assentos - artigo 2, do Código Civil - reconduzem-se a actos de natureza normativa, traduzindo verdadeiras normas jurídicas legislativas, revestidas de eficácia impositiva universal - cfr. Castanheira Neves, "O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais", páginas 292 e seguintes, e "Assento", in Polis, I, página 419; Gomes Canotilho, "Revista de Legislação e Jurisprudência", 124, 131.<br> Ora, a função legislativa não compete aos tribunais - artigo 205 da Constituição da República.<br> De contrário, o munus judicial, ao ser chamado, através dos assentos, a exercer tal actividade, assumiria um carácter que está em aberta contradição com o sentido que lhe deverá corresponder no sistema político do Estado de Direito dos nossos dias, baseado no princípio democrático da separação de funções, constitucionalmente consagrado no artigo 114, n. 1: "Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição" - cfr. Gomes Canotilho, "Direito Constitucional", 5 edição, páginas 700 e seguintes.<br> Como decidiu a Comissão Constitucional "... haverá inconstitucionalidade - por violação da norma do artigo 114, n. 1, ou do princípio constitucional da divisão e repartição de funções entre os diferentes órgãos de soberania - sempre que um órgão de soberania se atribua, fora dos casos em que a Constituição expressamente o permite ou impõe, competência para o exercício de funções que essencialmente são conferidas a outro diferente órgão" - cfr. "Pareceres da Comissão Constitucional", volume 8, 1980, página 212.<br> Tal competência cabe à Assembleia da República e ao Governo - cfr. os artigos 164, e 201, da Constituição da República Portuguesa.<br> E este será, supomos, o entendimento do Tribunal Constitucional.<br> Na verdade, ao declarar, como tem acontecido, a inconstitucionalidade de assentos, partiu da sua natureza normativa, como tudo decorre, designadamente, dos artigos 225, 277 e 281, da Constituição.<br> É nesta linha de entendimento que deve situar-se a correcta interpretação do artigo 115, n. 5, da lei fundamental: "Nenhuma lei pode criar outra categoria de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos".<br> A doutrina mais autorizada é no sentido de que os assentos devem ser qualificados como lei interpretativa - cfr. as indicações feitas no "Código Civil Anotado", de A. Neto e H. Martins, 6 edição, página 26.<br> Em oposição ao que vem de ser dito não pode invocar-se o artigo 122, n. 1, alínea g), da Constituição.<br> É que este normativo, na lógica do sistema constitucional, e no panorama legislativo actual, só pode referir-se à declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos regulamentos administrativos - artigo 66, n. 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.<br> Em consequência, não votei o presente assento.<br> Ferreira da Silva.<br> Declaração de Voto<br> 1. Tempos atrás, concretamente em diversos acórdãos da Relação de Évora em que intervim como relator, e por referência ao artigo 115, n. 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP), pronunciei-me pela inconstitucionalidade orgânica de determinados assentos (todos eles posteriores à entrada em vigor da primeira revisão constitucional, e todos eles incidentes sobre normas contidas em leis em sentido formal (as quais, hoje, e como é sabido, são as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais).<br> Agora, repensada a questão, passei a sustentar posição diametralmente oposta.<br> Ao subscrever, no Supremo Tribunal de Justiça, o presente assento, tenho, pois, por pertinente explicar, ainda que brevemente, as razões desta mudança de atitude.<br> 2. Sem curar de fazer uma longa e minuciosa digressão histórica, observarei liminarmente que o instituto dos assentos tem, por trás de si, e no nosso Direito, uma tradição multissecular: a) ainda no reinado de D. Afonso Henriques, surgiram as façanhas, nas quais a doutrina vê o mais remoto antecedente do actual instituto dos assentos; b) mais tarde, surgiram os assentos da Casa da Suplicação, os quais as Ordenações Manuelinas conferiram, em certas circunstâncias, valor vinculativo de carácter genérico; c) na sequência das Ordenações Filipinas, vieram a poder lavrar assentos, para além da Casa da Suplicação, a Casa da Relação do Porto, e as Relações Ultramarinas de Goa, Baía e Rio; d) procurando corrigir esta pulverização orgânica de uma competência que, logicamente, devia caber a um único órgão jurisdicional, a Lei da Boa Razão (Lei de 18 de Agosto de 1769) estipulou, então, que só valeriam os assentos da Casa da Suplicação ou os da Relações que ela confirmasse; e) na sequência da Revolução de 1820, o instituto dos assentos, e durante cerca de um século, foi posto à margem (com ressalva de um curto período, em que, restaurado o absolutismo sob a égide de D. Miguel, a<br> Casa da Suplicação voltou a tirar assentos); f) só em 1926, e depois de uma tentativa gorada, durante o consulado sidonista, de ressuscitação do instituto dos assentos, o Decreto n. 12353, integrado na reforma do processo civil de 1926/1932, e fazendo reviver esse instituto jurídico que vinha dos primórdios da nacionalidade, criou um recurso para o<br> Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, destinado à uniformização de jurisprudência; g) este regime foi depois introduzido no Código de<br> Processo Civil de 1876, ao tempo vigente, pelo Decreto n. 21287, de 26 de Maio de 1932, que alterou o artigo 1176 desse mesmo código; h) mais tarde, o instituto dos assentos transitou, sucessivamente, para os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961; i) o Código Civil de 1966 estipulou, por fim, que, nos casos declarados na lei, podiam os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral.<br> Desta breve resenha histórica - que se baseou, fundamentalmente, na obra "Em Torno do Regime dos Assentos em Processo Civil" de Helena Cristina Costa Tomás - resulta que, tradicionalmente, no nosso Direito, o poder de emitir assentos por parte de Tribunais Superiores era conceptualmente concebido como poder próprio da função jurisdicional (cfr. ainda, e a este propósito, para o Supremo Tribunal Administrativo, que, entretanto, perdeu o poder de tirar assentos, os artigos 195 a 197 do Código de Processo do Trabalho de 1963, e, para o Tribunal de Contas, que ainda conversa esse poder, o artigo 6, n. 9, do Decreto-Lei n. 22, 257, de 25 de Fevereiro de 1933 e, hoje, o artigo 24, alínea g), da Lei n. 86/89, de 8 de Setembro).<br> 3. Não importa averiguar se à prescrição de assentos, e em termos materiais, será de atribuir a natureza de função jurisdicional, ou antes a natureza de função legislativa. Interessa apenas assinalar que, em termos formais, essa particular competência, tradicionalmente atribuída, no nosso dir
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> </font><br> <font>A recorreu para o tribunal pleno, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do acordão proferido neste Tribunal em 26 de Abril de 1984, proferido na revista n. 71266 da 1 Secção, com o fundamento de estar ele em oposição com o Acordão deste mesmo Supremo de 15 de Outubro de 1980, publicado no Boletim, n. 300, pagina 381, sobre a mesma questão de direito: são, ou não, nulos os contratos-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento ainda não titulado por alvara? E, de facto, enquanto na decisão recorrida a resposta foi negativa, no acordão indicado como estando em oposição ela foi afirmativa e, deste modo, foi ali ja dado valido o contrato-promessa, enquanto no ultimo foi ele declarado nulo, julgamentos contraditorios proferidos, qualquer deles, quando vigorava o Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, que no seu artigo 27 previa expressamente esta materia.<br> Esta oposição entre os dois acordãos foi reconhecida pela respectiva secção, como se ve do Acordão de 10 de Janeiro de 1985, a folhas 20 destes autos, o qual mandou, por isso, prosseguir os autos.<br> O recorrente, na sua alegação, formulou a conclusão seguinte:<br> Face ao disposto no n. 1 do artigo 401 do Codigo Civil, não podera deixar de se considerar nulo, por impossibilidade (legal) originaria da prestação, o contrato-promessa de compra e venda que tenha por objecto talhão de terreno resultante de uma operação de loteamento sem estar o respectivo alvara aprovado.<br> O recorrido não contra-alegou e o Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico, no seu douto parecer, defende a confirmação do acordão recorrido, sugerindo se lavre assento, para o qual propõe a seguinte redacção:<br> Na vigencia do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, e valida a promessa de compra e venda de terrenos compreendidos em loteamento sem alvara, excepto quando, no momento da celebração do contrato, haja impossibilidade de obtenção de alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão.<br> O artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil dispõe que, embora reconhecida preliminarmente a existencia da oposição, isso não impede decisão em contrario do tribunal pleno, ao apreciar o recurso. Contudo, porque e patente a oposição do acordão recorrido com o referido de 15 de Outubro de 1980, não nos deteremos mais nesta materia, dando definitivamente como assente a existencia da oposição.<br> Tudo visto.<br> O artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73 estabelece:<br> 1 - As operações de loteamento referidas no artigo 1, bem como a celebração de quaisquer negocios juridicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por tais operações, so poderão efectuar-se depois de obtido o respectivo alvara, sem prejuizo do disposto no n. 2 do artigo 21.<br> 2 - Nos titulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos aos actos ou negocios referidos no numero anterior, devera sempre indicar-se o numero e data do alvara de loteamento em vigor, sem o que tais actos serão nulos e não podem ser objecto de registo.<br> O problema que logo se levanta equaciona-se deste modo: o n. 1 do artigo 27 aplica-se a todo e qualquer negocio juridico implicando imediata divisão em lotes de qualquer area de um ou varios predios, situados em zonas urbanas ou rusticas e destinados, imediata ou subsequentemente, a construção (artigo 1 desse decreto-lei) ou abrangera igualmente "todos os demais negocios juridicos que apresentassem uma relação de qualquer natureza com a globalidade do predio ou com os lotes nele constituidos, edificados ou não?" (O Novo Regime Juridico dos Loteamentos Urbanos, de Maria do Patrocinio Paz Ferreira e Luis Perestrelo de Oliveira, pagina 95).<br> E foi na resposta a esta pergunta que os tribunais começaram a divergir, como são paradigma os dois acordãos em causa: o recorrido e o indicado como em oposição a ele.<br> Ora, não se compreende que a nulidade sancionada pelo n. 2 do artigo 27 abrangesse qualquer hipotese que, directa ou mediatamente, implicasse a divisão em lotes do predio ou predios.<br> Com efeito, como referem os autores citados, pode surgir "uma vasta gama de negocios juridicos que, embora relativos a terrenos abrangidos por uma operação de loteamento urbano, nenhuma relevancia adquiriam em face da finalidade do preceito" (ob. cit., pagina 95). E esta vem indicada no relatorio do decreto: para alem de "defender os compradores menos cautelosos, pretende ainda evitar a criação de nucleos habitacionais contrarios a um desenvolvimento urbano racional".<br> Entre esses negocios juridicos sem relevancia para isso, temos os simples contratos-promessa, uma vez que estes são uma mera convenção obrigacional de prestação de facto, sendo certo que (Acordão deste Supremo de 31 de Março de 1981, no Boletim, n. 305, pagina 288) o n. 2 do artigo 27 so comina nulidade para os actos ou negocios juridicos referidos no n. 1 quando constantes dos "titulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos a actos ou negocios referidos no numero anterior", isto e, quando tenham efeitos reais.<br> A nulidade so abrange esses actos, ficando os restantes, logo os contratos-promessa não constantes desses instrumentos, como no caso dos autos, que não implicam qualquer divisão de terreno, unicamente sujeitos as sanções do artigo 30 desse decreto-lei, não sendo despiciendo recordar o que Galvão Teles (Direito das Obrigações, 4 edição, pagina 77) pertinentemente escreve:<br> O contrato-promessa e o contrato prometido são distintos e com efeitos diversos e estão por isso sujeitos a regimes diferentes, salvas as disposições comuns dos contratos em geral.<br> Não tem os contratos-promessa como o dos autos, constando apenas de documento particular de natureza unicamente obrigacional, repete-se, qualquer eficacia real (artigo 413 do Codigo Civil, na primitiva redacção). No momento desta convenção, na qual se promete a celebração de novo contrato, pode este não ser possivel, mas vir a se-lo no momento da celebração do contrato prometido.<br> Trata-se de interpretação tendo hoje a apoia-la o n. 2 do artigo 8 do Decreto-Lei n. 194/83, de 17 de Maio, ao estabelecer que "a menção do numero e data do alvara de loteamento exigida pelo n. 2 do artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, e feita em face do respectivo alvara, que para o efeito, sera exibido, e so tem lugar nos instrumentos notariais se os actos ou contratos por ele titulados estiverem abrangidos pelo artigo 1 do mesmo decreto", isto e, que tenham "por objecto ou simplesmente tenham como efeito a divisão em lotes de qualquer area de um ou varios predios [...] e destinados imediata ou subsequentemente a construção [...]", disposição esta parecendo ter evidente natureza interpretativa (O Novo Regime Juridico dos Loteamentos Urbanos, cit, pagina 99) e impõe a interpretação restritiva do acordão recorrido.<br> Alem de que, serem os escopos do decreto, alias ja acima referido, a defesa dos compradores menos cautelosos, e, assim na interpretação propugnada, totalmente assegurada, conduzindo a contraria ao manifesto prejuizo do promitente comprador, recebendo, somente e futuramente, quanto prestara, enquanto o promitente vendedor conservaria o seu terreno, bem sempre valorizavel, ao mesmo tempo a pretendida defesa do desenvolvimento urbanistico racional, com tal interpretação, não pode sofrer qualquer desvio.<br> E não venha dizer-se se tal contrato-promessa, sem efeitos reais, contrario ao disposto no artigo 280 do Codigo Civil - "e nulo o negocio juridico cujo objecto de seja [...] contrario a lei [...]". Com efeito, Vaz Serra, na Revista da Legislação e de Jurisprudencia, ano 104, pagina 9, distingue entre impossibilidade originaria e superveniente, acrescentando:<br> Mas a impossibilidade so e originaria, no caso de contrato, quando exista no momento da conclusão deste; ora, se uma coisa somente pode ser objecto de contrato com aprovação de uma autoridade, não ha impossibilidade originaria do objecto na data da conclusão do contrato, apenas se tornando impossivel a prestação quando a aprovação for recusada, a não ser que logo de principio pudesse contar-se com essa aprovação.<br> Assim, não pode falar-se em impossibilidade legal quando a data da realização da promessa não e impossivel vir a obter, aquando do contrato definitivo, o alvara do loteamento, a esta mesma conclusão conduzindo o que se le em Almeida Costa (Direito das Obrigações, 23 ed., pagina 469), Galvão Teles (Direito das Obrigações, 24 ed., pagina<br> 34) e Pessoa Jorge (Direito das Obrigações, pagina 91).<br> Consequentemente, nega-se provimento ao recurso, com custas pelo recorrente, formulando-se o seguinte assento:<br> Na vigencia do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, e valido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvara, a menos que no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão.<br> </font><br> <font>Lisboa, 19 de Novembro de 1987</font><br> <br> <font>- Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Julio Carlos Gomes dos Santos - Fernando Pinto Simões - Manuel Augusto Gama Prazeres - Claudio Cesar Gama Vieira - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - João de Deus Pinheiro Farinha - Jose Alfredo Soares Manso Preto - João Augusto Pacheco e Melo Franco - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Silvino Alberto Villa-Nova - Antonio Judice de Magalhães Barros Baião - Antonio Alexandre Soares Tome - Salviano Francisco de Sousa - Mario Sereno Cura Mariano - Cesario Dias Alves - Jorge de Araujo Fernandes Fugas - Antonio Poças - Frederico Carvalho de Almeida Batista [vencido. Ao contrato-promessa são, em regra, aplicaveis as disposições legais relativas ao contrato prometido (artigo 410 do Codigo Civil), consequentemente a celebração de um contrato definitivo proibido por lei, no tocante ao seu objecto, e nula. Por isso, de harmonia com o disposto no artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73, e nulo o contrato-promessa aludido nos autos, de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvara, situação que não pode ser objecto legal do contrato prometido] -</font><br> <font>- João Solano Viana (vencido, pelas razões constantes do voto do Excelentissimo Conselheiro Frederico Batista ) -<br> - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo (vencido, nos termos da declaração que junto) - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves (vencido, pelas razões do voto do Excelentissimo Conselheiro Frederico Batista) - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel (vencido, nos termos da declaração anexa) - Jose Manuel de Oliveira Domingues (vencido, nos termos da declaração junta pelo Excelentissimo Conselheiro Joaquim Figueiredo).<br> Declaração de voto (processo n. 72357):<br> O artigo 27, n. 1, do Decreto-Lei n. 289/73 proibe a celebração de quaisquer negocios juridicos relativos a terrenos abrangidos por operações de loteamento antes de obtido o respectivo alvara. Os negocios juridicos celebrados contra disposição legal de caracter imperativo (preceptivo ou proibitivo) são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei (artigo 294 do Codigo Civil). No caso vertente não resulta da lei outra solução.<br> São diferentes as previsões dos dois numeros daquele artigo 27 e mais amplo o cmpo de aplicação do n. 2, pois a nulidade que ai se comina atinge mesmo a hipotese de ja haver alvara (desde que nos documentos em referencia se não indiquem os seus numeros e data). A disposição do artigo 8, n. 2, do Decreto-Lei n. 194/83 poderia ser (E não me parece que seja) interpretativa do n. 2 do artigo27 do Decreto-Lei n. 289/73, mas não do seu n. 1.<br> De qualquer maneira, haveria sempre que ter em consideração o chamado "principio da equiparação", estabelecido pelo artigo 410, n. 1, do Codigo Civil: a convenção pela qual alguem se obriga a celebrar certo contrato são aplicaveis as disposições legais relativas ao contrato prometido. O que, no dizer do Professor Almeida Costa (Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 116, pagina 381), significa que o contrato-promessa se encontra, por via de regra, submetido (tambem) as normas que sejam especificas do contrato prometido. Mesmo o Professor Galvão Teles, que entende ser infeliz e inadequada a formula do artigo 410, n. 1, que o contrato - promessa e o contrato prometido "estão sujeitos a regimes diferentes, salvas as disposições comuns aos contratos em geral", reconhece que "se se prometer um contrato que, atentas as disposições legais aplicaveis ao caso, for invalido (por uma razão de ordem objectiva, e não apenas respeitantes a pessoa do promitente), sera nulo o contrato-promessa" (Direito das Obrigações, 4. ed., pagina 77).<br> Pelas razões expostas, votei se concedesse provimento ao recurso, lavrando-se assento em que se adoptasse a doutrina do Acordão de 15 de Outubro de 1980.<br> - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo.<br> Declaração de voto:<br> Em coerencia com o entendimento que segui na votação do assento de 21 de Julho proximo passado, tambem agora teria dado provimento ao recurso.<br> O douto acordão socorre-se, por mais de uma vez, do livro Doutores Maria do Patrocinio Paz Ferreira e Luis Perestrelo de Oliveira, O Novo Regime Juridico dos Loteamentos Urbanos, designadamente a pagina 95. Com o devido respeito pelos referidos juristas, o raciocinio por eles desenvolvido esta viciado. Depois de afirmarem certeiramente que o artigo 27 do Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, constituia a "peça-chave da operacionalidade do diploma, permitindo uma reacção eficaz contra os loteamentos urbanos ilegais "; depois de reconhecerem que<br> "as proibições" nele contidas se fundamentaram "em razões de interesse e ordem publica", o que conduziria a nulidade (absoluta) dos negocios juridicos celebrados com violação das tais "proibições" - terminam por dizer que a "letra do n. 1 do preceito ia mais longe do que estava na sua ratio". Justificando esta surpreendente conclusão, propõem esta interpretação: "so os negocios que implicavam directa ou mediatamente a divisão do predio estavam na sua mira, porque prejudiciais ao interesse publico, sendo os demais indiferentes ao escopo do preceito".<br> Ora, o apontado vicio consiste no seguinte esquecimento: desde o inicio da vigencia do Codigo Civil de 1966 (muito antes do diploma objecto da interpretação do presente assento) tornou-se possivel a realização coactiva (especifica) da obrigação de contratar quando a obrigação proviesse de um contrato-promessa (conforme Antunes Varela, principal responsavel pelo referido Codigo, em Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 120, pagina 74). Assim, e impossivel, ao que parece, sustentar não constituir um contrato-promessa de compra e venda de um imovel um negocio juridico susceptivel de "implicar" mediatamente a divisão do predio.<br> De resto, o diploma de 1973 continuou a criminalizar as condutas que infringirem as suas proibições, pelo que continuo a não entender como e que uma infracção penal não gera a nulidade absoluta do negocio que lhe subjaz.<br> - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel.</font></font>
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VjLwu4YBgYBz1XKvlV04
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, (hoje, ...) <font>(1)Cfr. fls. 299.</font> intentou a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B - Comércio de Automóveis, S.A., Companhia de Seguros C. e Companhia de Seguros D, alegando, em síntese, o seguinte: (a) a A. dedica-se à actividade de locação financeira mobiliária; (b) em 12-10-93 celebrou com a primeira Ré um contrato-multiuso de locação financeira mobiliária e, em 14-05-93, o aditamento nº 2950, nos termos do qual a A. declarou que se obrigava a adquirir uma viatura de marca LAND ROVER, modelo DISCOVERY 2.5 TDI, no valor global de esc. 4800000 escudos e a conceder à primeira Ré o respectivo gozo e a vender-lho, caso o quisesse, findo o período da locação, ficando esta obrigada ao pagamento à A. de 12 rendas, no montante de 422963 escudos, cada, com periodicidade trimestral; (c) a Ré B não pagou à A. a renda vencida em 10-08-94, no valor de 485280 escudos; (d) uma vez que a Ré B não cumpriu, a A. enviou-lhe a carta datada de 25-08-94, comunicando-lhe que considerava resolvido o contrato; (e) em conformidade com o contrato celebrado entre a A. e a R. B, está em dívida a quantia global de 3269075 escudos, correspondente à soma de 485280 escudos da renda vencida e não paga; 6827 escudos, a juros de mora vencidos; 2762432 escudos, a parte do capital das rendas vincendas e valor residual à data da resolução; e 14536 escudos, por juros de mora vencidos desde a data da resolução até 05-09-94; (f) por sua vez, as segunda e terceira Rés obrigaram-se, por força do contrato de seguro, a pagar, até ao limite do capital seguro, os eventuais incumprimentos da locatária, não tendo, todavia, liquidado a indemnização devida à autora; (g) na verdade, a R. C, emitiu o seguro do ramo "caução directa", em regime de co-seguro com a R. Tranquilidade, figurando como tomador do seguro a R. B, como beneficiária a A., e tendo por objecto da garantia "o pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo LAND ROVER DISCOVERY, BZ", pelo prazo de 36 meses, com início em 18-05-93 e termo em 17-05-96; (h) pelo que as RR. se encontram em dívida, pois deviam ter pago as quantias no prazo de 45 dias, contados das datas em que a A. reclamou o seu pagamento.<br> Concluiu, pedindo a condenação das RR. a pagarem a quantia de 3579414 escudos, acrescida de juros de mora vincendos incidentes sobre a quantia de 3269076 escudos e contados à taxa de desconto do Banco de Portugal e ainda a condenação da 1ª Ré a entregar o veículo de matrícula CB.<br> Contestou a Ré B, alegando (a) o veículo automóvel objecto do contrato de locação financeira está afecto a um contrato de aluguer de longa duração (ALD), celebrado entre a R. e um locatário; (b) ao resolver o contrato, a A. está a agir com abuso de direito, pois exigiu que um terceiro garantisse o cumprimento do contrato, pelo que tal resolução representa uma ruptura do que tinha sido acordado; (c) daí que ela, B, tenha acordado com a A. a prestação de um seguro de caução directa por meio das restantes rés, estando, assim, asseguradas as rendas da A. e garantido o cumprimento do seu contrato; (d) é nula, por desproporcionada aos danos a ressarcir a cláusula constante do acordo celebrado entre a A. e a R. B, segundo a qual, em caso de resolução do contrato, "com fundamento no incumprimento definitivo por parte do locatário, para além da restituição imediata do equipamento e do demais previsto na lei e neste contrato, o locador terá direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as vencidas e não pagas, acrescidas da indemnização fixada nos termos do nº 7 da cláusula 6ª, do capital das rendas vincendas e do valor residual, bem de todos os encargos a suportar pelo locador por força do incumprimento do contrato".<br> Também as RR. seguradoras deduziram a sua contestação, alegando, designadamente, que o seguro caução celebrado com a 1ª Ré apenas garantia, conforme acordado com aquela, as prestações a pagar pelos adquirentes dos veículos em regime de aluguer de longa duração. De acordo com os protocolos celebrados entre a ré B e as rés seguradoras, estas não seguraram o risco do incumprimento das obrigações da B para com a Autora, emergentes do contrato de locação financeira, mas sim as obrigações assumidas pelos locatários dos contratos de ALD (aluguer de longa duração) perante a B. Como a A. não alega o incumprimento contratual por parte do locatário do aluguer de longa duração para com a B, inexiste qualquer sinistro que as rés seguradoras devam suportar.<br> Por outro lado, alegaram as RR. seguradoras que a A. sabia que a lei lhe vedava celebrar contratos de locação financeira tendo como objecto veículos que não podem considerar-se como bens de equipamento, pelo que tais contratos de locação financeira são nulos por ofensa de lei imperativa.<br> Houve réplica da A., em resposta matéria das excepções deduzidas pelas Rés Seguradoras e pela Ré B (fls. 136 a 151 e fls. 152 a 164, respectivamente), concluindo a A. pela respectiva improcedência.<br> Em 12-11-99, foi proferida saneador/sentença (fls. 266 e seguintes) que decidiu, no essencial, o seguinte: (A) julgar improcedente por não provada a acção contra as RR. "Companhia de Seguros C, S.A." e "Companhia de Seguros D, S.A.", absolvendo-as do pedido contra elas formulado pela A.; (B) julgar procedente a acção contra a R. "B - Comércio de Automóveis, S.A.", condenando-a, consequentemente, a entregar à A. o veículo automóvel de marca LAND ROVER, modelo DISCOVERY 2.5 TDI, matrícula CB, bem como a pagar-lhe a quantia de 3579414 escudos, acrescida de juros de mora vincendos incidentes sobre a quantia de 3269076 escudos.<br> Inconformadas com a decisão, dela interpuseram recurso a Autora (fls. 299) e a Ré "B" (fls.319), ambos admitidos como de apelação - fls. 320.<br> Apreciando-os, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 12-10-2000, decidiu: (a) dar parcial provimento às apelações, em virtude do que condenou as Rés apeladas a pagar à A. 485280 escudos da prestação vencida, com juros de mora desde 17-08-94; 2514156 escudos de rendas vencidas, com juros de mora desde 17-08-94, contados à taxa de 19,75%, indo absolvidas do restante peticionado; (b) absolver a Ré B do pedido de restituição do veículo à A., indo apenas condenada a pagar-lhes o valor residual de 248276 escudos, com juros desde a citação e em juros vencidos sobre 485276 escudos, contados de 11/07/94 a 17/08/94, aqueles contados à taxa legal e os outros à taxa de 19,75%.<br> Interpuseram recurso de revista as Rés Seguradoras (fls. 572), a Autora (fls. 573), e a Ré B (fls. 575), tendo, no entanto, o recurso da "B" sido julgado deserto por falta de alegação - despacho de fls. 670.<br> São as seguintes, no essencial, as conclusões oferecidas pelas Recorrentes:<br> A - Pela Autora (fls. 633 a 635)<br> I - Absolvição do pagamento das rendas vencidas e vincendas com fundamento na existência da garantia prestada pelas seguradoras.<br> Não obstante a garantia prestada pelas Seguradoras, a B continuou obrigada ao cumprimento pontual do contrato, nos termos do artº 406º, nº 1, do C.C., impondo-se a sua condenação por força do incumprimento.<br> II - Absolvição do pedido de restituição do veículo<br> A - Os bens locados são propriedade do locador.<br> B - Findo o contrato de locação financeira, o locador-utilizador goza da opção de adquirir os bens locados por um preço residual ou restituir os bens à sociedade de locação financeira.<br> C - A decisão deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão.<br> III - Violadas as normas dos artigos 1º, 10º, nº 1, 22º, al. e) e 24º, als. a) e f), do Decreto-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, 406º, nº 1, e 817º do C.C. e 633º, parte final) <font>(2) Sic no texto, aliás, repetidamente - cfr. fls. 634 e 635.</font>, do C.P.C.<br> Pede, em consequência, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que condene a B a pagar as rendas vencidas e vincendas e a restituir o veículo que lhe foi locado.<br> Contra-alegando, a Ré B vem pugnar pela manutenção do julgado - fls. 725 e 726.<br> B - Pelas Rés Seguradoras (fls 608 a 612)<br> 1. O contrato de seguro dos autos, como contrato formal que é, está corporizado em documento que constitui a respectiva apólice, onde a obrigação a que o mesmo se reporta está claramente identificada sob o sugestivo título de "Objecto da Garantia", como consistindo do "pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Land Rover Discovery CB";<br> 2. A decisão proferida vai frontalmente contra esta definição da obrigação a que se reporta o seguro, assim violando a alínea b) do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio, estando mesmo em oposição com a matéria de facto que a fundamenta, nomeadamente o ponto 15 da enumeração; dos factos assentes, enfermando, pois, de vício que dita a respectiva nulidade (artigo 668º, nº 1, alínea c), do CPC);<br> 3. Sendo embora verdade que da análise isolada dos artigos 1º e 2º das condições gerais da apólice poderíamos ser levados a concluir que a garantia prestada consiste no pagamento das importâncias que a Autora tem a receber da B, não deixa de ser verdade que estamos aí na presença de definições genéricas que carecem de concretização nas condições particulares, o que aconteceu da forma descrita em 1. supra;<br> 4. Seja como for, existindo contradição entre o objecto da garantia definido nas condições particulares e nas condições gerais, sempre as primeiras prevaleceriam sobre as segundas, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (artigo 405º do Código Civil);<br> 5. E, no caso em apreço, a conclusão tem ainda mais força por estarmos, no que respeita às Condições Gerais, perante cláusulas contratuais gerais ou cláusulas de adesão, devendo ter-se presente o disposto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, segundo o qual, em caso de contradição entre as cláusulas de adesão e aquelas sujeitas a negociação entre as partes, prevalecem estas últimas (artigo 7º);<br> 6. Um declaratário normal certamente não interpretaria a declaração constante das condições particulares as apólice sob o título "Objecto da Garantia", como consubstanciando uma garantia de pagamento das rendas referentes à locação financeira do veículo aí identificado;<br> 7. A interpretação sugerida pelas recorrentes está em sintonia com as regras de interpretação dos negócios formais (artigo 238º do C.C.), pois tem no texto muito mais do que um mínimo de correspondência, reforçada pelos elementos auxiliares de interpretação, como sejam os protocolos e pela proposta de seguro, para a qual as próprias condições gerais remetem para a definição do objecto da garantia;<br> 8. A decisão do processo não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova, em violação da lei processual, no caso, o artigo 659º do C.P.C.;<br> 9. A natureza formal do contrato de seguro não implica a automática e necessária irrelevância de todo e qualquer elemento de interpretação além do texto da respectiva apólice, apenas não sendo admissível que se pretenda sobrepor ao texto da apólice estipulações que lhe são exteriores;<br> 10. A vontade das partes, plasmada nos protocolos entre elas celebrados, constitui elemento de interpretação decisivo da apólice dos autos, sendo certo que a mesma se encontra aí perfeitamente expressa, já que o objecto da respectiva garantia está claramente definido como consistindo no pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo;<br> 11. Também a proposta ou minuta de seguro são elementos de prova determinantes para a boa decisão do processo, estranhamente ignorados pelo Tribunal;<br> 12. O acórdão recorrido acaba por não se pronunciar sobre todas as questões que lhe cumpria conhecer, não dando resposta à ampliação do âmbito do recurso requerido pelas ora Recorrentes nas suas alegações de resposta à apelação da Autora, incorrendo em vício que dita a respectiva nulidade - artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC;<br> 13. A decisão de absolver a B do pedido de pagamento das rendas vencidas e não pagas viola a regra da solidariedade nas relações comerciais estabelecida nos artigos 100º e 101º do Código Comercial, assim como o regime legal estabelecido pelo Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio;<br> 14. Os seguros de caução encontram-se sujeitos a um regime legal específico, sendo completamente injustificada a aplicação ao caso das regras contidas no regime legal relativo aos seguros de responsabilidade civil automóvel aprovado pelo Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro;<br> 15. O seguro dos autos consubstancia uma autêntica fiança, sendo, pois, aplicável ao caso a regra contida no artigo 634º do C.C., que foi claramente violado;<br> 16. Em qualquer caso, as garantias autónomas à primeira interpelação servem única e exclusivamente para reforçar a posição dos beneficiários das mesmas, os quais passam a contar com uma garantia acrescida de cumprimento a somar á garantia geral Constituída pelo património do devedor, que, naturalmente não fica exonerado das suas obrigações;<br> 17. O acórdão recorrido viola os artigos 8º do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio, 236º, 405º e 634º do C.C., 7º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, e 659º do C.P.C.<br> <br> Pedem as Recorrentes a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que as absolva do pedido contra elas formulado.<br> Contra-alegando, a Autora entende que deve ser negado provimento ao recurso - fls. 646 a 652.<br> Colheram-se os vistos legais, pelo que cumpre decidir.<div>II</div>São os seguintes os factos dados como provados:<br> 1. A A. dedica-se à actividade de locação financeira mobiliária.<br> 2. A R. B - Comércio de Automóveis, S. A. dedica-se à venda de veículos em regime de aluguer de longa duração.<br> 3. Em 12-01-93 a A. e a R. B celebraram um contrato-multiuso de locação financeira mobiliária, a fls. 9 a 16.<br> 4. Em 07-05-93 a A. e a R. B celebraram o aditamento nº 2950 a tal acordo, de que é expresso o documento de fls. 18 e 19, nos termos do qual a primeira, além do mais, declarou que se obrigava a adquirir uma viatura de marca LAND ROVER, modelo DISCOVERY, no valor global de 4137931 escudos e a conceder-lhe o respectivo gozo e a vender-lho, caso o quisesse, findo o período da locação; declarou a segunda, além, do mais, que pagaria à A. 12 rendas no montante de 422963 escudos, cada, com periodicidade trimestral.<br> 5. Pelo prazo de 36 meses, com início em 10-05-93 e termo em 10-02-96.<br> 6. No acordo celebrado entre A. e a R. B foi ainda convencionado que, em caso de resolução do contrato, "com fundamento no incumprimento definitivo por parte do locatário, para além da restituição imediata do equipamento e do demais previsto na lei e neste contrato, o locador terá direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as vencidas e não pagas, acrescidas da indemnização fixada nos termos do nº 7 da cláusula 6ª, do capital das rendas vincendas e do valor residual, bem de todos os encargos a suportar pelo locador por força do incumprimento do contrato".<br> 7. Em relação a tal contrato a R. B não pagou à A. a renda vencida em 10-08-94, no valor de esc. 485280 escudos.<br> 8. A A. enviou à R. B a carta datada de 16-08-94, sob registo e com aviso de recepção, que constitui o documento de fls. 26, onde refere, além do mais, "que se encontra em mora o pagamento das prestações do contrato de locação financeira" e "para a mesma pagar tal quantia no prazo de cinco dias".<br> 9. A R. B recebeu tal carta em 17-08-94.<br> 10. Tendo de tal dado conhecimento à R. C, S.A. por carta datada de 16-08-94, a fls. 28, que a mesma recebeu em 17-08-94.<br> 11. Não tendo a R. B pago tal quantia no prazo de cinco dias.<br> 12. A A. enviou à R. B, em 25-08-94, a carta de que é cópia o documento de fls. 31, cujo teor se dá por reproduzido, onde, além do mais, comunica que considera resolvido o acordo celebrado.<br> 13. Tal carta foi recebida pela R. em 29.08.94.<br> 14. A R. B destinou o veículo objecto do contrato de locação financeira a aluguer de longa duração.<br> 15. A R. C, emitiu o seguro do ramo "caução directa", a fls. 20, em regime de co-seguro com a R. Tranquilidade, S.A., titulado pela apólice nº 150104102997, figurando como tomador do seguro B - Comércio de Automóveis, S. A., como beneficiário a A., e tendo por objecto da garantia "o pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo LAND ROVER pelo prazo de 36 meses, com início em 18-05-1993 e termo em 17-05-1996.<br> 16. A R. C, escreveu à A. a carta de fls. 25 onde declara, além do mais, que "os seguros caução emitidos a vosso benefício cobrem, em caso de indemnização, o conjunto das rendas vencidas e não pagas bem como as vincendas, sendo o pagamento efectuado à vossa 1ª interpelação, sem qualquer formalidade, com prazo de 45 dias após a aludida interpelação".<br> 17. A A. enviou à R. C, S. A., que a recebeu, a carta datada de 05-09-94, a fls. 35, onde refere, além do mais, "a situação de incumprimento do contrato de locação financeira nº 2950, (...), encontrando-se a B - Comércio de Automóveis, S. A. em atraso no pagamento das respectivas rendas trimestrais, (...), e para processarem a indemnização devida pelo seguro-caução".<br> 18. Entre as RR. C e B foram celebrados os protocolos de fls. 121 a 130, em 15-11-1991, 07-04-1992 e 01-11-1993, os quais "visam definir as responsabilidades resultantes da emissão das rendas devidas à B pelos locatários de veículos de aluguer de longa duração".<div>III</div>Questão prévia:<br> Tendo presente o disposto pelos artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C., a respeito da delimitação do âmbito objectivo do recurso, as questões que cumpre apreciar e decidir podem ser assim equacionadas:<br> A) Revista da Autora:<br> a) Saber se, com fundamento na existência da garantia prestada pelas RR. Seguradoras, se justifica, ou não, a absolvição da Ré B do pagamento das rendas vencidas e vincendas;<br> b) Saber se haverá ou não lugar à restituição à Autora do veículo locado pela R. B.<br> B) Revista das Rés Seguradoras:<br> a) Saber se o acordo celebrado entre a B e a C - com a designação de seguros de caução directa - garante o cumprimento dos contratos de locação financeira celebrados entre a Autora e a B ou o contrato de aluguer celebrado entre a B e o particular locatário;<br> b) Saber se, a ter cabimento a primeira das mencionadas hipóteses, esse acordo excluía a possibilidade de a Autora responsabilizar a B pelo incumprimento das suas obrigações inerentes à locação financeira;<br> <br> Por razões de sistematização e de método, proceder-se-á à abordagem das questões enunciadas pela seguinte ordem:<br> - em primeiro lugar, apreciar-se-á a questão colocada na revista das Recorrentes Seguradoras, acima enunciada sob a alínea a) do ponto B <font>(3) Cfr. infra, "Primeira Questão".</font>;<br> - em segundo lugar, proceder-se-á à análise da questão da alínea b) do ponto B, isto é, do recurso das referidas Rés Seguradoras, e, bem assim, à questão elencada na alínea a) do recurso da Autora (ponto A), que àquela se reconduz <font>(4) Cfr. infra, "Segunda Questão".</font>;<br> - empreender-se-á, por fim, a abordagem da questão relativa à restituição- ou não - do veículo, ou seja, a questão da alínea b) do ponto A, ou seja, da Revista da Autora <font>(5) Cfr. infra, "Terceira Questão"</font>.<br> <br> Vejamos, pois.<br> Previamente, porém, justificar-se-á, a título preliminar, abordar a questão suscitada pelas Recorrentes Seguradoras segundo a qual o acórdão recorrido estaria ferido pela nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC - cfr. supra, conclusão 12ª <font> (6) Na conclusão 2ª, in fine, as aludidas Recorrentes referem-se também a uma eventual nulidade do acórdão recorrido, prevista na alínea c) do nº 1 do mesmo artigo 668º do CPC. No entanto, tal questão será analisada no âmbito da apreciação da 1ª das questões colocadas no recurso das RR. Seguradoras..</font><br> Alegam as Recorrentes, na referida conclusão 12ª, sem qualquer concretização, que "o acórdão recorrido acaba por não se pronunciar sobre todas as questões que lhe cumpria conhecer, não dando resposta à ampliação do âmbito do recurso requerido pelas ora Recorrentes nas suas alegações de resposta à apelação da Autora, incorrendo em vício que dita a respectiva nulidade".<br> Mas é manifesto que não têm razão, uma vez que, como bem se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C. Ora, o acórdão recorrido apreciou, como cumpria, as questões colocadas nas conclusões das alegações das apelantes, não alegando as ora recorrentes quaisquer questões de conhecimento oficioso sobre as quis tenha omitido pronúncia.<br> Improcede, pois, a questão relativa à eventual nulidade por omissão de pronúncia.<br> Assim sendo, é o momento de prosseguir pela ordem acima indicada.<br> Primeira Questão:<br> Saber se o acordo celebrado entre a B e a C - com a designação de seguros de caução directa - garante o cumprimento dos contratos de locação financeira celebrados entre a Autora e a B ou o contrato de aluguer celebrado entre a B e o particular locatário<br> <br> 1 - Da matéria de facto enunciada ressalta, no essencial, a existência de dois contratos pertinentes às questões colocadas.<br> Por um lado, entre a, A e a B foi celebrado um contrato-multiuso de locação financeira, com um aditamento 2950, respeitante a um veículo automóvel de marca Land Rover, modelo Discovery, 2.5 TDI, matrícula CB, tendo elas ocupado, nesse contrato, respectivamente, as posições de locadora e locatária.<br> Por outro lado, houve um acordo celebrado entre a B e a C (em regime de co-seguro com a Tranquilidade), com a designação de "seguro de caução directa", sendo constituído por condições particulares (fls. 20) e por cláusulas gerais e especiais (fls. 23).<br> Acresce que a R. B destinou o veículo objecto do contrato de locação financeira a "aluguer de longa duração" (ALD) - cfr. ponto 14 da matéria de facto.<br> Detenhamo-nos no contrato de seguro de caução directa.<br> Trata-se de um contrato de seguro tipificado na lei, a ele se referindo o Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio, com alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 127/91, de 12 de Março.<br> O âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 183/88 estende-se pelo género, mais amplo, do seguro de riscos de crédito, no qual se distinguem da ramos "Crédito" e "Caução" - artigo 1º, nº 1.<br> O primeiro - seguro de créditos - é celebrado com o credor da obrigação segura (artigo 9º, nº 1).<br> O segundo - seguro-caução - é celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o seu contragarante e a favor do respectivo credor - artigo 9º, nº 2.<br> Como observa Almeida Costa, o seguro-caução configura um dos casos em que o contrato de seguro "(...) assume a feição típica de um contrato a favor de terceiro" ( ) In RLJ, Ano 129º, pág. 21.).<br> Dele se diz que "cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval" - artigo 6º, nº 1.<br> Em ambos os referidos tipos de contratos de seguro deverá constar a identificação do tomador do seguro e do segurado, no caso de as duas figuras não coincidirem na mesma pessoa - cfr. a alínea a) do nº 1 do artigo 8º.<br> Esta norma deve ser aproximada das disposições dos nºs 1 e 2 do artigo 9º, já assinalados, na medida em que aquelas duas figuras coincidirão no "seguro de créditos", ao contrário do que se passa no "seguro caução".<br> Em qualquer deles deverá constar ainda a "obrigação a que se reporta o contrato de seguro", a percentagem ou quantitativo do crédito seguro" e os "prazos de participação do sinistro e de pagamento das indemnizações" - alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 8º.<br> E também a qualquer deles é aplicável o artigo 426º do Código Comercial, com a consequente necessidade de constarem de uma apólice, necessária para a sua validade. São contratos formais, sendo aquela forma exigida ad substantiam, como é a regra, quando da lei outra coisa, como é o caso, não resulta - artigo 364º do Código Civil, diploma ao qual pertencem as normas que se venham a indicar sem menção da respectiva origem.<br> Esta conclusão é reforçada pela circunstância de várias disposições do Decreto-Lei nº 183/88 se referirem à apólice emitida com o teor do seguro convencionado - cfr. os artigos 5º, nº 3, 6º, nº 3, 8º, nº 2, 9º, nº 2, 11º, nº 2, e 13º, nº 1 <font>(8) Neste sentido, cfr. o Acórdão deste STJ de 22-02-2000, Revista nº 995/99, 1ª Secção, que agora se acompanha.</font><br> <br> 2 - Não merece qualquer reserva a qualificação de seguro-caução para o contrato a que se refere o ponto 15 do elenco da matéria de facto.<br> Atente-se, designadamente, no artigo 2º, nº 1, das "condições gerais", segundo o qual a C garante ao beneficiário, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador, em caso de incumprimento, por este, da obrigação garantida - cfr. fls. 23.<br> Por outro lado, fez-se constar das "condições particulares" que as qualidades de "tomador" e "beneficiário" correspondem, respectivamente, à B e à A. Fácil é constatar que este quadro se adequa, não à figura do seguro de créditos, mas antes à do seguro-caução, uma vez que a garantia prestada se refere a um crédito de um terceiro alheio ao contrato.<br> Quanto à duração da garantia, consta das "condições particulares" (fls. 20) que o seguro foi feito pelo prazo de 36 meses, com início em 18/05/1993 e termo em 17/05/1996. É certo que, quanto ao objecto da garantia, constante das "condições particulares", disse-se ser ele o "pagamento das 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Land Rover Discovery CB", isto é, do veículo que foi objecto dos contratos acima aludidos - o de locação financeira e o de aluguer de longa duração.<br> Será isso decisivo no sentido de levar à conclusão, como pretendem as Recorrentes Seguradoras, de que o contrato garantido foi o de ALD e não o de locação financeira? A nossa resposta é no sentido negativo, confirmando, nessa matéria, o entendimento do acórdão recorrido. Vejamos porquê.<br> 3 - A questão de saber qual dos contratos foi o garantido pelo seguro-caução - se o contrato de locação financeira celebrado entre a A e a B ou o contrato de ALD celebrado entre a B e o particular - é superada pela via da interpretação negocial, mediante a aplicação dos princípios constantes do artigo 236º. Ou seja, não sendo conhecida do declaratário a vontade real do declarante, a declaração negocial valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.<br> Ademais, tratando-se de negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha no texto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso - artigo 238º, nº 1.<br> Mas, se quanto a tais premissas teóricas, não existe divergência com o percurso discursivo seguido pelo acórdão recorrido, já o mesmo não acontece no respeitante à subsunção da realidade fáctica do caso sub judice aos princípios jurídicos que lhe são aplicáveis.<br> É que, se é verdade que a letra da lei é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (artigo 9º, nº 2, do Código Civil), também na interpretação dos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência do texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do C. Civil).<br> Só que, desse ponto de vista, nenhum dos sentidos alternativos podem ser eliminados, uma vez que qualquer deles tem, no texto da apólice (como melhor se verá oportunamente), aquele mínimo de correspondência de que fala o Código Civil. Importa, por isso, atender a outros elementos ou subsídios hermenêuticos, susceptíveis de iluminar o sentido e alcance do texto do documento.<br> <br> 4 - Ora, o que consta dos pontos 4, 5, 6, 15, 16 e 17 da matéria de facto supra enunciada, revela ter havido, por parte da B e da C, uma vontade real comum no sentido de o acordo que celebraram visar a garantia das obrigações assumidas pela primeira no âmbito do contrato de locação financeira em que se vinculou perante a Autora.<br> É a esta vontade real que, em princípio, há que atender para definir o sentido juridicamente relevante das suas recíprocas declarações.<br> Só assim não seria se, sendo o seguro um contrato formal, tal conteúdo não tivesse no texto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso.<br> Mas não é isso o que acontece.<br> Com efeito, por um lado, a referência, também constante do "objecto da garantia", ao "pagamento de 12 rendas trimestrais", tal como figura nas "condições particulares", ajusta-se ao contrato de locação financeira e não ao aluguer de longa duração.<br> Na verdade, como contrapartida do gozo e fruição do veículo e durante o período de vigência do contrato de locação financeira, "a B ficou obrigada a pagar à Autora uma prestação periódica , sob a forma de uma renda trimestral" - cfr. nº 4 da matéria de facto dada como assente.<br> Quer isto dizer que o contrato de locação financeira foi celebrado por 36 meses e o pagamento das rendas, num total de 12, teve a periodicidade trimestral.<br> Por outro lado, não pode esquecer-se a menção feita, nas referidas "condições particulares" à identidade do "tomador de seguro" - a ré "B" e do beneficiário do mesmo - a "A". Trata-se, como é manifesto das partes do contrato de locação financeira.<br> Ou seja, como acima se disse, o elemento literal das "condições particulares" da apólice fornece subsídios que permitem concluir pela existência de um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, com a conclusão de que o objecto da garantia consiste no contrato de locação financeira.<br> <br> 5 - Acresce que nas negociações que precederam a celebração do contrato a A. fez depender a conclusão do mesmo de que a R. B obtivesse de um terceiro, com capacidade financeira, a prestação de uma garantia idónea.<br> Ou seja, para a celebração do contrato referido em a), a A. exigiu da B que esta lhe apresentasse uma caução que assegurasse o pagamento da totalidade das rendas.<br> Foi assim que "a R. C emitiu o seguro do ramo "caução directa", a fls. 20, em regime de co-seguro com a R. Tranquilidade, S.A., titulado pela apólice nº 150104102997, figurando como tomador do seguro B - Comércio de Automóveis, S. A., como beneficiário a A., e tendo por objecto da garantia "o pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo LAND ROVER pelo prazo de 36 meses, com início em 18-05-1993 e termo em 17-05-1996" - cfr. supra , facto nº 15.<br> Ou seja: a própria matéria de facto dada como provada é bem esclarecedora do seguinte quadro:<br> a) a fim de ser possível a celebração do contrato de locação financeira, a Autora exigiu que a B lhe apresentasse uma caução que assegurasse o pagamento da totalidade das rendas a que ficava obrigada;<br> b) para isso, a B subscreveu junto da ré seguradora o seguro de caução directa, cuja apólice consta de fls. 23 e 24.<br> Neste contexto, é manifesto que a referência - que, reconhece-se, não deixa de ser algo perturbadora - ao "aluguer de longa duração" constante das condições particulares, não pode levar a fazer tábua rasa dos restantes elementos interpretativos, de natureza lógica e sistemática, que apontam para a conclusão de que o seguro-caução constitui garantia do contrato de locação financeira.<br> Daí que improceda a alegada nulidade da alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC, atribuída pelas recorrentes Seguradoras ao acórdão recorrido - cfr. conclusão 2ª, in fine.<br> <br> 6 - Até agora movemo-nos no âmbito das "condições particulares" - fls. 22. É chegado o momento de passarmos às "condições gerais" e "especiais" da apólice de seguro de caução directa - fls. 23.<br> De acordo com o artigo 1º das "condições gerais", o sinistro é o "incumprimento atempado
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - Declarada a falência de A, foram reclamados diversos créditos.<br> Por sentença de 9 de Dezembro de 1992, procedeu-se ao reconhecimento e verificação dos créditos e à sua graduação, tendo esta, no que respeita aos bens móveis, sido feita do seguinte modo:<br> 1 - os créditos do Estado;<br> 2 - os créditos do Centro Regional de Segurança Social (C.R.S.S.);<br> 3 - os créditos pignoratícios (da Caixa Geral de Depósitos);<br> 4 - os créditos comuns, em rateio.<br> Em recurso de apelação interposto pela C.G.D., limitado a essa parte da sentença, o acórdão da Relação, de folhas<br> 318 e seguintes, alterou aquela graduação e fixou-a assim:<br> 1 - os créditos pignoratícios da Caixa;<br> 2 - os créditos do Estado;<br> 3 - os créditos de C.R.S.S.;<br> 4 - os créditos comuns, em rateio.<br> Nos presentes recursos de revista interpostos pelo Estado e pelo C.R.S.S., estes pretendem a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição pela sentença da<br> 1. instância com base, em resumo, nas seguintes conclusões:<br> - as regras dos artigos 10 do Decreto-Lei 103/80 e 747 n. 1 alínea a) do Código Civil prevalecem sobre as do artigo 749 do mesmo Código;<br> - nada justifica a interpretação restritiva do n. 2 daquele artigo 10;<br> - foi violado o disposto nos artigos citados bem como nos artigos 7, 9 e 666 do C.CIV.<br> A recorrida C.G.D., por sua vez, sustenta a improcedência do recurso, com o fundamento de o citado artigo 10 n. 2 dever ser interpretado no sentido de dispor apenas para o caso de concurso entre o crédito do C.R.S.S. e o crédito garantido por penhor, em aplicação do "postulado da coerência intrínseca do ordenamento" e do "pensamento unitário" das normas jurídicas.<br> II - Situação de facto:<br> No acórdão da Relação, não se fez a descrição da matéria de facto, decerto por se considerar que sobre ela não havia divergências susceptíveis de influenciarem o sentido da decisão.<br> De qualquer modo, e com base na sentença da 1. instância, importa salientar os seguintes pontos:<br> - a falência de A foi declarada por sentença de 22 de Fevereiro de 1991, já transitada em julgado;<br> - foram constituídos pelo falido, a favor da C.G.D., penhores mercantis em 21 de Março de 1985, 24 de Maio de 1985 e 29 de Julho de 1986, sobre os bens móveis das verbas ns. 1 a 8, 9 a 11 e 12 a 37, respectivamente;<br> - os créditos do Estado respeitam a diversos impostos;<br> - e os créditos do C.R.S.S. correspondem a contribuições devidas à segurança social.<br> III - Quanto ao mérito dos recursos:<br> Os dois recursos devem ser apreciados em conjunto, por serem idênticas as questões neles suscitadas e as posições assumidas pelos recorrentes.<br> Não é aqui aplicável o novo regime da falência, aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, dado tratar-se de acção pendente na data da entrada em vigor desse diploma (seu artigo 8 n. 3).<br> Os créditos da Caixa estão garantidos por penhor, o que lhes confere o direito à sua satisfação "com preferência sobre os demais credores", pelo valor das coisas empenhadas (artigo 666 n. 1 do C.CIV.).<br> Os créditos do Estado gozam de privilégio mobiliário geral, que lhes atribui a faculdade "de serem pagos com preferência a outros" e com prioridade sobre os demais da mesma natureza, salvo os privilégios por despesas de justiça (artigos 733, 736 e 745 e seguintes do citado Código).<br> No concurso entre esses dois tipos de créditos, e no domínio do C.CIV., tem preferência o crédito pignoratício, por gozar de direito real de garantia oponível ao exequente (artigos 749 e 822 do mesmo Código).<br> Entretanto, foi concedido aos créditos por contribuições devidas à segurança social "privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do n. 1 do artigo 747 do C.CIV.", ou seja, entre outros, aqueles créditos do Estado, e que "prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior" (artigo 10 ns. 1 e 2 do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio, que reproduziu o disposto no artigo 1 ns. 1 e 2 do Decreto-Lei 512/76, de 3 de Julho).<br> Com essas novas disposições, surgiu o problema de graduação na hipótese de concurso dos três aludidos créditos, o qual tem sido resolvido, em diversas decisões, em sentido idêntico ao do acórdão recorrido, por interpretação restritiva do n. 2 do citado artigo 10, que se limitaria ao concurso entre os créditos pignoratícios e os da segurança social, com o fundamento da unidade intrínseca do ordenamento jurídico, que impõe a prevalência do regime geral definido no citado artigo 749 sobre o regime especial daqueles diplomas, e pelos resultados inaceitáveis e incertezas a que conduziria outra interpretação (assim, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Março de 1990, na Col. XV, 2., p. 96, e o acórdão deste tribunal de 28 de Novembro de 1990, no Bol. 401, p. 585).<br> A questão reveste alguma complexidade, susceptível de dúvidas, dada a contradição, pelo menos aparente, entre as normas legais em causa, e a circunstância de a graduação relativa dos créditos pignoratícios e do Estado ficar dependente apenas da intromissão de um terceiro crédito, o da segurança social, mas entende-se que a solução mais rigorosa é outra, ou seja, a adoptada na sentença da 1. instância.<br> Desde logo, o resultado negativo que advém para o crédito pignoratício, por aplicação directa do citado artigo 10 (a sua graduação em último lugar e depois do crédito do Estado), verificar-se-ia, naquela primeira solução, para o crédito do C.R.S.S. (seria graduado depois daquele, apesar de sobre ele ter preferência no concurso entre ambos).<br> A decisão deve pois abstrair desse resultado, na medida em que não pode ter em conta o efeito benéfico ou prejudicial para um ou outro dos credores, devendo basear-se apenas na interpretação da lei.<br> A letra do citado artigo 10 abrange, directamente, a hipótese de concorrência dos três créditos em causa: depois de determinar que os créditos da segurança social se graduam "logo após" os do Estado (n. 1), manda graduá-los também "sobre" ou antes dos créditos pignoratícios (n. 2); e não pode dizer-se que o legislador não terá previsto essa hipótese, uma vez que ela está subjacente àquela norma, se não mesmo aí claramente expressa.<br> Concorre no mesmo sentido o espírito da lei, que foi o de "acautelar mais eficazmente os interesses da população beneficiária" do regime da segurança social (relatório do citado Decreto-Lei 512/76).<br> Acresce tratar-se de um regime especial, que deve prevalecer sobre o regime geral do C.CIV. e que aliás, foi adoptado também quanto aos créditos por apoios financeiros concedidos pelo Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego (artigo 7 do Decreto-Lei 437/78, de 28 de Dezembro).<br> Nada justificaria assim a interpretação restritiva do citado artigo 10, no sentido da sua aplicação apenas ao caso de concorrência entre os créditos pignoratícios e os da segurança social: a "unidade do sistema jurídico" não pode ser apreciada apenas em função do regime geral do C.CIV.; aquela interpretação está afastada pela vontade manifestada pelo legislador e, além de conduzir a um esvaziamento parcial do conteúdo da norma em causa, não teria "na letra da lei um mínimo de correspondência verbal" (artigo 9 do C.CIV.).<br> É esta ainda a solução que se afigura ter alguma predominância (cfr. sentença de 4 de Março de 1985, na Col., X, 1., p. 355, acórdão do S.T.A., tribunal pleno, de 11 de Abril de 1984, no Bol. 336, p. 412, e acórdão deste tribunal de 29 de Novembro de 1989, no Bol. 391, p. 618).<br> Em conclusão:<br> No caso de concurso de créditos do Estado por impostos, de créditos por contribuições devidas à Segurança Social e de créditos pignoratícios, a sua graduação deve ser feita por essa ordem (artigos 747 n. 1 alínea a) e 666 do C.CIV. e 10 do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio).<br> O n. 2 do citado artigo 10 não deve ser objecto de interpretação restritiva, no sentido de se aplicar apenas ao concurso entre aqueles dois últimos créditos.<br> Pelo exposto:<br> Concede-se a revista.<br> Revoga-se o acórdão recorrido, subsistindo a sentença da<br> 1. instância.<br> Custas dos recursos pela C.G.D.<br> Lisboa, 26 de Setembro de 1995.<br> Martins da Costa.<br> Pais de Sousa.<br> Santos Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A S.P.A. propôs pelo 2. Juízo Cível de Lisboa uma acção declarativa com processo ordinário em que em nome e representação dos autores e titulares de direitos de autor P.S., M.B., E.C. e E. - V.C., esta como titular dos direitos de autor de R.M.G V., que também usa R.V., e C.A.M.G., que também usa C.T., pediu a condenação de T.P.E.R., Lda., a pagar-lhe a quantia de 7615755 escudos, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 2879381 escudos, bem como os vincendos até integral pagamento, e também que se considerasse pagamento por conta dessa dívida o depósito judicial de 7034 escudos feito pela ré e se passasse o respectivo precatório-cheque.<br> Alguém, no essencial, que a ré promoveu em 20/07/1991 um espectáculo onde foram executadas, sem autorização prévia da autora ou dos titulares dos respectivos direitos, obras de autores por ela representados, sendo-lhe devido pela ré o coeficiente de 3,5% sobre a receita do espectáculo, líquida de IVA, que à data a autora usualmente cobrava para conceder tal autorização; que a ré procedeu, em 26 de Julho de 1991, ao depósito judicial acima referido, mas nada lhe pagou, apesar de a autora ter emitido em 24 de Julho de 1991 e enviado à ré a factura com o total devido.<br> A ré contestou no sentido da ilegitimidade da autora, do não cabimento dos juros de mora e da desnecessidade da referida autorização prévia porque intervieram no espectáculo e foram por isso retribuídos os próprios autores das obras interpretadas; alegou ainda que a quantia pretendida pela autora foi calculada na base do que corresponderia a uma lotação esgotada do recinto, o que não aconteceu; e disse ainda que o mencionado depósito não poderia ser levantado por não ter sido feito para pagamento da quantia que a autora exige.<br> Pediu, sucessiva e subsidiariamente, a sua absolvição da instância e do pedido.<br> Na réplica a autora defendeu a sua legitimidade para a acção e pediu a condenação da ré, como litigante de má fé, em multa e em indemnização não inferior a 500000 escudos.<br> Saneado o processo no sentido da inexistência de obstáculos à apreciação do mérito da causa - designadamente através da declaração de improcedência da excepção de ilegitimidade da autora e da afirmação genérica da legitimidade das partes - e feita a sua condensação, houve audiência de discussão e julgamento e posterior prolação de sentença que condenou a ré a pagar à autora a quantia de 4787046 escudos, com juros de mora desde 24 de Julho de 1991 e até 29 de Setembro de 1995 à taxa anual de 15% e desde 30 de Setembro de 1995 e até integral pagamento à de 10%.<br> Esta decisão assentou em que: a) desconhece-se se M.B. é autor de obras executadas no espectáculo; b) não provou a autora - o que lhe competia - os pressupostos necessários para poder formular qualquer pretensão em nome de Don Grolnick; c) serem nulos, por falta de forma legal, os contratos celebrados por R.V. e C.T. com a EMI, nada podendo a autora pedir no tocante à sua actuação; d) ser a autora representante de P.S. e D.S.M., nessa medida apenas procedendo a acção.<br> Em apelações da ré e também da autora, nas quais cada uma delas juntou um parecer de ilustres Professores de Direito, foi proferido pela Relação de Lisboa acórdão que, julgando procedente a primeira e improcedente a segunda, absolveu a ré dos pedidos.<br> Fê-lo porque, embora entendendo serem válidos os contratos entre R.V., C.T., e a EMI, não caberia à T., promotora do espectáculo, mas aos intérpretes nele intervenientes obter a autorização a conceder por parte dos autores das obras executadas.<br> É agora a vez de a autora, inconformada, trazer a este STJ o presente recurso de revista onde pede a revogação, na parte em que lhe é desfavorável, do acórdão recorrido.<br> Alegando - com o que juntou aos autos um novo parecer -, ofereceu as seguintes conclusões:<br> I- Sobre a questão da execução pública das obras pelos seus autores nos espectáculos em causa, sobre a legitimidade da S.P.A., sobre a interpelação e a dívida dos juros e ainda sobre os critérios de fixação dos direitos de autor pela recorrente, remete-se para as conclusões dos Exmos. Srs. Prof. Doutor Ferrer Correia e Dr. Almeno de Sá no seu douto Parecer.<br> II- Importa, no entanto, sublinhar que a execução pública de obras musicais depende de autorização expressa dos respectivos autores, ou da entidade que legalmente os representa (artigo 68, n. 2, alínea b) e 108, n. 1, "ex vi" do artigo 121 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.<br> III- É ao promotor do espectáculo que, nos termos do artigo 122 do mesmo Código, compete obter essa autorização.<br> IV- Promotor é quem toma a iniciativa da audição, do espectáculo, e o organiza, não o artista que interpreta as obras executadas, seja qual for a forma jurídica que revista a sua contratação e actuação.<br> V- E o facto de a escolha das obras executadas pertencer a esse artista não exclui a responsabilidade do promotor da execução, como a doutrina e a jurisprudência pacificamente têm entendido.<br> VI- Tal tem sido o entendimento deste Alto Tribunal nos acórdãos de 21 de Maio de 1998, proferido no proc. 941/97 da 1. secção e de 2 de Julho de 1998, proferido no proc. 516/98 da 2. secção.<br> VII- Além do mais, o promotor / recorrida reconheceu e aceitou contratualmente com os artistas liquidar os direitos de autor no montante de 6000000 escudos.<br> VIII- Assim, tendo a autora/recorrente feito prova da representação dos autores e/ou detentores dos direitos, enumerados na petição inicial.<br> IX- Deveria, pois, ser-lhe efectuado o pagamento dos direitos de autor devidos pelo concerto dos autos, o que a douta decisão recorrida veio negar.<br> X- Ao decidir-se como se decidiu pela improcedência do pedido fez-se uma incorrecta aplicação da Lei.<br> Houve contra-alegações em que se defendeu a improcedência do recurso.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> No acórdão recorrido vêm dados como assentes os seguintes factos, que não são discutidos pelas partes:<br> 1- A Ré é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto e se dedica efectivamente à promoção de espectáculos e representações - alínea A); <br> 2- No âmbito da sua actividade comercial a ré tem vindo a promover em Portugal diversos espectáculos musicais com artistas e agrupamentos de<br> grande reputação internacional - alínea B);<br> 3- Tal aconteceu no dia 20 de Julho de 1991 com o espectáculo efectuado no Estádio José de Alvalade com os artistas P.S. e R.V. - alínea C);<br> 4- Onde foram executadas diversas obras de autores representados pela autora - alínea D);<br> 5- Em Portugal a autora fixava à data do concerto referenciado e nas circunstâncias do mesmo, para a autorização do uso e exploração comercial da obra, o coeficiente de 3,5% sobre a receita total do espectáculo líquido de IVA - alínea E);<br> 6- Assim, procedeu a autora à facturação em 24 de Julho de 1991 da importância de 7615755 escudos (factura n. 614/91/03/f) respeitante ao referido espectáculo - alínea F);<br> 7- Factura essa que foi enviada à Ré na respectiva data sem que contudo esta tivesse procedido á sua liquidação - alínea G);<br> 8- A ré procedeu, em 26 de Julho de 1991, ao depósito judicial da importância de 7034500 escudos respeitante ao referido espectáculo e a outro - alínea H);<br> 9 - A autora é representante de E.C. e de V.C. - alínea I);<br> 10 - No referido espectáculo, P.S. (e o seu grupo de suporte musical)<br> interpretou as seguintes obras: 1. The obvious child; 2. The boy in the buble; 3. She moves on; 4. Kodachrome; 5. Born at the right time; 5. Train in the distance; 6. Me and the Julio Down; 7. By the schoolyard; 8. I know trat I know; 9. The cool, cool river; 10. Bridge troubled water; 11. Proof; 12. The cost; 13. Graceland; 14. You can call me all; 15. Still crazy after these yers; 16. Loves me like a rock; 17. Diamonds on the sales of her shoes; 18. Hearts and bones; 19. Late in the evening; 20 America: 21. The boxer; 22. Cecilia; 23. The sound of silence (alínea J) da especificação);<br> 11- Com excepção de "I know that I know'', todas as obras referidas no número antecedente são da autoria de P.S. - alínea L) da especificação);<br> 12 - Por sua vez, R. V. (e o seu grupo de suporte musical) interpretou as seguintes obras: 1. O guardador de margens; 2. solene; 3. O prometido é devido; 4. Porto Covo; 5. Não há estrelas no céu; 6. O negro do rádio de pilhas; 7. Camponeses; 8. Mingos; 9. Baile; 10. Ai quem me dera; 11. Sair para a rua; 12. A gente - alínea M);<br> 13 - As obras referidas na alínea M) são da autoria de R.V. - alínea N);<br> 14 - Ao P.S. pagou a ré a quantia de 400000 dólares, ou seja, mais de 60000 contos - alínea O);<br> 15 - Ao R.V. pagou a quantia de 6142500 escudos - alínea P);<br> 16 - R.V. e C.T. são representados da autora - alínea Q) da;<br> 17 - A autora registou na Direcção Geral dos Espectáculos e das Artes "os mandatos dos autores e das sociedades que os representam a seguir indicados:<br> BMI - Broadcast Music Inc - para os direitos de execução pública; <br> S. P.;<br> B.M.L." - documento de folhas 11 e alínea R);<br> 18 - Foi celebrado um contrato entre ENCORE - Empresa Nacional de Comunicação, - Representações e Espectáculos, Lda e a ré, pelo qual a primeira se obrigou a apresentar um espectáculo com o artista R.V. &amp; Os Op., com a duração de 50 minutos, no Estádio José de Alvalade, no dia 20 de Julho de 1991, pelas 21 horas (alínea T);<br> 19 - As contas efectuadas pela autora e que levaram à facturação referida no número 6., tiveram por base a lotação completa do recinto - resposta ao quesito 1;<br> 20 - A lotação do recinto no espectáculo a que se reporta o numero 3°, não foi esgotada - resposta ao quesito 2; <br> 21- D.S.M. é autor da obra "I Know that I Know" - resposta ao quesito 3;<br> 22- D.G. é autor da obra "Dogs in the Wine Shop" que foi executada no referido espectáculo - resposta ao quesito 4;<br> 23- "Contrato feito no primeiro dia de Janeiro de 1979, por e entre P.S. (BMI), (...) (a seguir designado por ''Editor") e EDITIONS MUSICALES CLIPPERS, (. ) (a seguir designado por Licenciado").<br> Em vista do mútuo compromisso a seguir enunciado, Editor e Licenciado por este meio acordam o seguinte:<br> 1. O Editor faz saber e garante que controla, no Território Autorizado, abaixo mencionado, todos os direitos concedidos ao Licenciado por cada composição musical registada no Documento "A" a este anexado, (tal como composições neste juntamente e individualmente referidas como "Composições"). Se o Editor adquirir a gestão de mais composições durante a vigência desde contrato, o Editor terá o direito mas não a obrigação de, em informação escrita ao Licenciado. fazer que essas obras suplementares sejam consideradas anexadas às registadas no Documento "A" as quais passam a ser consequentemente consideradas "Composições".<br> 2. O Editor concede ao Licenciado os seguintes direitos limitados nas Composições somente para o Território Autorizado:<br> (A) O direito não-exclusivo para importar exemplares impressos das composições e para imprimir, reproduzir, publicar e vender esses exemplares;<br> (B) O direito exclusivo para conceder licenças não-exclusivas para executar partes servindo para reproduzir mecanicamente as Composições, e delas fazer reproduções mecânicas, eléctricas e electrónicas;<br> (C) O direito exclusivo para representar publicamente e autorizar outros a assim executar as Composições (excepto os chamados "grandes direitos", que são aqui reservados ao Editor), por todos os meios incluindo rádio e televisão;<br> (D) (...)<br> (E) (...)<br> 3. (...) <br> 4. A cedência de direitos de execução nas Composições está sujeita aos direitos concedidos pelo Editor BMI, quer esses direitos existam ou que no futuro venham a ser ampliados pelo Editor. As respectivas sociedades de direitos de execução das quais o Licenciado seja membro no Território Autorizado, deverão cobrar todos honorários ganhos nas execuções públicas no Território Autorizado, relativamente às Composições, e essas sociedades deverão (estando sujeito à divisão especificada no parágrafo 5) pagar o total da "parte do editor" (assim chamado pela junção da "parte do editor original" e da parte do sub-editor") desses honorários de execução directamente ao Licenciado. Se o Licenciado receber alguma porção da parte do escritor original. sobre os honorários e direitos das execuções, deverá remeter imediatamente 100% dessa parte ao Editor para a conta do respectivo escritor.<br> 5.(...)<br> 8. O período de vigência deste contrato terá inicio no dia I de Janeiro de 1979 e deveria terminar no dia 31 de Dezembro de 1979. Este período deverá posteriormente ser prorrogado por sucessivos períodos de um (1) ano, exceptuando que antes do fim de cada um desses períodos prorrogados de um (1) ano, qualquer uma das partes terá o direito de, a qualquer altura, terminar este contrato com uma notificação por escrito pelo menos sessenta (60) dias antes do fim do período Esta situação implica que deverão cessar todos os direitos do Licenciado sobre as Composições, qualquer que seja a sua natureza.<br> 9. Os países ou territórios que englobam o "Território Autorizado" estão mencionados no Documento B em anexo.<br> (...)" - resposta ao quesito 5 e documento de folhas 150 e 166;<br> 24 - C.T. celebrou com EMI - V.C. o seguinte:<br> "CONTRATO<br> Entre de uma parte, C.A.G.M. que, como Autor, também usa o nome C.T. (...), neste Contrato designado por "O AUTOR" e da outra parte EMI - V. C. no presente Contrato designada por "O EDITOR". fica estabelecido e reciprocamente aceite o seguinte contrato:<br> Artigo 1<br> 1- O AUTOR, que se declare livre, de qualquer compromisso. concede AO EDITOR, para todo o Mundo, o direito exclusivo de edição gráfica das obras literário-musicais ou só musicais de que é autor ou co-autor mencionadas no, Anexo I ao presente Contrato, que aqui se dá por reproduzido, e, bem assim das obras, literário-musicais ou só musicais no que seja autor ou co-autor e que venharn a ser criadas durante a vigência deste Contrato; com o encargo para O EDITOR de assegurar a publicação e a mais larga difusão das obras.<br> (...)<br> Artigo 2<br> 1 - Em relação às obras que constituem o objecto deste Contrato, O AUTOR concede AO EDITOR, em exclusivo, o direito de proceder à respectiva tradução transcrição, arranjo, instrumentação, dramatização e adaptação, bem como, mediante acordo prévio DO AUTOR, proceder à sua inclusão em "spots" publicitários ou campanhas de publicidade seja qual for a forma por que se revistam; e o direito de autorizar a terceiros os mesmos procedimentos, direito esse exercido através da Sociedade Portuguesa de Autores, mandatária DO EDITOR.<br> 2 - É também incluída no âmbito do presente contrato a concessão em exclusivo AO EDITOR do direito de proceder à reprodução mecânica ou fonográfica, representação, exibição, difusão e execução pública, radiofónica ou televisiva das obras ou à sua inclusão em videogramas ou filmes cinematográficos e de televisão, e o direito de autorizar a terceiros os mesmos procedimentos, direito este sempre exercido através de Sociedade Portuguesa de Autores, como mandatária DO EDITOR.<br> (...)<br> Artigo 14<br> Este contrato, que agora é reduzido a escrito, teve o seu inicio em 1 de Janeiro de mil novecentos e oitenta e nove e vigorará pelo prazo de cinco anos, pelo que terá o seu termo em 31 de Dezembro de mil novecontos e noventa e três.<br> (...)" (resposta ao quesito 5 e documento de folhas 171 a 180; <br> 25 - Tendo C.T. aposto a sua assinatura a seguir às palavras "O autor" no final do texto do contrato (resposta ao quesito 5 e documento de folhas 171 a 180);<br> 26 - R.V. celebrou com EMI - V.C., o seguinte<br> <br> "CONTRATO<br> Entre de uma parte, R.M.G.V. que, como Autor, também usa o nome R. V. (...), neste Contrato designado por "O AUTOR" e da outra parte EMI - V.C., no presente Contrato designada por "O EDITOR", fica estabelecido e reciprocamente aceite o seguinte contrato:<br> Artigo 1º<br> 1. O AUTOR, que se declara livre, de qualquer compromisso, concede AO EDITOR, para todo o Mundo, o direito exclusivo de edição gráfica das obras literário-musicais ou só musicais de que é autor ou co-autor mencionadas no Anexo I ao presente Contrato, que aqui se dá por reproduzido, e, bem assim das obras, literário-musicais ou só musicais de que seja autor ou co-autor e que venham a ser criadas durante a vigência deste Contrato; com o encargo para O EDITOR de assegurar a publicação e a mais larga difusão das obras.<br> (...)<br> Artigo 2<br> 1 - Em relação às obras que constituem o objecto deste Contrato, O AUTOR concede AO EDITOR, em exclusivo, o direito de proceder à respectiva tradução, transcrição, arranjo. instrumentação. dramatização e adaptação bem como, mediante acordo prévio DO AUTOR, proceder à sua inclusão em "spots" publicitários ou campanhas de publicidade seja qual for a forma por que se revistam; e o direito de autorizar a terceiros os mesmos procedimentos, direito esse exercido através da Sociedade Portuguesa de Autores, mandatária DO EDITOR.<br> 2 - É também incluída no âmbito do presente contrato a concessão em exclusivo AO EDITOR do direito de proceder à reprodução mecânica ou fonográfica, representação, exibição, difusão pública, radiofónica ou televisiva das obras ou à sua inclusão em videogramas ou filmas cinematográficos e de televisão, e o direito de autorizar a terceiros os mesmos procedimentos, direito este sempre exercido através de Sociedade Portuguesa de Autores, como mandatária DO AUTOR.<br> (...)<br> Artigo 14<br> Este contrato, que agora é reduzido a escrito teve o seu inicio em 1 de Janeiro de mil novecentos e oitenta e nove e vigorará pelo prazo de cinco anos pelo que terá o seu termo em 31 de Dezembro de mil novecentos e noventa e três.<br> (...)" - resposta ao quesito 5 e documento de folhas 181 a 188;<br> 27 - Tendo R.V. aposto a sua assinatura a seguir às palavras "O autor" no final do texto do contrato - resposta ao quesito 5 e documento de folhas 181 a 188;<br> Quanto à eventual existência de poderes representativos da SPA em relação a D.G. e D.S.M., nada se diz no acórdão recorrido, onde foi omitido o que na sentença da 1. sentença se consignara a seu respeito; na verdade, dela consta ter sido junta a fls. 87 certidão, emitida pela Direcção Geral dos Espectáculos e das Artes, comprovativa dos mandatos dos autores D.G. e D.S. e das sociedades suas representantes a favor da recorrente.<br> Na petição inicial estes dois últimos autores não haviam sido mencionados, só na réplica se encontrando referência à sua autoria de obras executadas e ao vínculo de representação dos mesmos detido pela SPA - o que é processualmente atendível visto que traduz uma ampliação da causa de pedir feita ao abrigo do artigo 273, n. 1, do CPC.<br> Estando, pois, estes factos alegados de modo e em momento idóneos e feita a sua prova por documento plenamente eficaz para o efeito, o reconhecimento da força probatória deste é questão de direito que este STJ pode abordar - artigo 722, n. 2, do CPC.<br> Por isso se dá agora como assente o seguinte:<br> 28 - A autora registou na Direcção Geral dos Espectáculos e das Artes os mandatos dos autores D.G. e D.S.M.<br> Interessa começar por delimitar o âmbito objectivo do presente recurso.<br> Na apelação a SPA restringiu o seu ataque à sentença da 1. instância à<br> parte em que nela se decidiu não serem de considerar as obras interpretadas R.V.; para tal defendeu serem válidos os contratos celebrados entre R.V., C.T. e a EMI, esta representada também pela recorrente, além de que também a recorrente era directamente representante dos mesmo autores.<br> Nada dizendo sobre os autores M.B. e D.G. - apesar de, no tocante a este último, aí se ter dado como assente haver mandato passado por ele a favor da SPA -, tornou-se definitivo o que se decidiu a seu respeito.<br> Normalmente as questões a tratar em sede de decisão de recurso são as levantadas pelo recorrente.<br> Porém, deve dizer-se, para começar a análise desta revista, que a recorrente aflora na conclusão 1. uma questão que se encontra, de todo, encerrada.<br> Referimo-nos à sua alusão ao problema da sua legitimidade, pois a mesma ficou afirmada definitivamente no despacho saneador, juntamente com os restantes pressupostos processuais, nenhuma reacção tendo havido contra essa decisão.<br> Por isso, o que constitui o âmbito objectivo actual deste recurso é o seguinte conjunto de questões:<br> - saber a quem cabe obter a autorização para a execução pública das obras musicais;<br> - saber se a recorrida, ao contratar com os autores a sua actuação no espectáculo, foi com isso validamente autorizada à promoção da execução das obras;<br> - saber quais são os critérios atendíveis na fixação da quantia devida em virtude daquela autorização;<br> - saber se são devidos juros pela recorrida, na hipótese de a mesma estar em dívida quanto aos direitos de autor.<br> O enquadramento destas questões deve partir de uma aproximação ao regime jurídico dos direitos de autor.<br> São obras, entre outras, as criações intelectuais do domínio literário e artístico, por qualquer modo exteriorizadas - n. 1 do artigo 1 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, ao qual pertencerão as normas que adiante se forem citando sem outra indicação.<br> A sua protecção consiste na atribuição, ao respectivo autor, de direitos de carácter patrimonial e de direitos de natureza pessoal - os pela lei chamados direitos morais -, traduzindo-se aqueles no direito que o autor tem a, em exclusivo, dispor da sua obra e a fruí-la e utilizá-la, ou a autorizar, total ou parcialmente, a sua fruição e utilização por terceiro - artigo 9, n. 1 e 2.<br> Esta mesma dicotomia entre a utilização da obra pelo próprio autor ou por outrem é retomada no artigo 68; no seu n. 2 reconhece-se ao autor o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si os seus representantes, toda uma série de actos exemplificados nas alíneas que se seguem e que envolvem exploração ou utilização da sua obra.<br> A esta autorização para fruição ou utilização por terceiro se refere, entre outros, o artigo 41.<br> Dela diz o artigo 41, n. 2, que só pode ser concedida por escrito e que se presume ser onerosa - princípio que é confirmado no artigo 108, n. 3 - e não exclusiva. E do escrito em que é concedida deve constar obrigatória e especificamente a forma autorizada para a sua divulgação, publicação e utilização, bem como as respectivas condições de tempo, lugar e preço.<br> Trata-se de documento que deve ser tido como constituindo uma forma legal exigida "ad probationem", e não "ad substantiam" - cfr. António de Macedo Vitorino, A Eficácia dos Contratos de Direito de Autor, pg. 28; aponta neste sentido a circunstância de no quase imediato artigo 43 se consignar, a propósito da transmissão e oneração parciais, a nulidade como consequência da inobservância da forma nele exigida, consequência que não é extraída no artigo 41.<br> Daquela presunção de onerosidade resulta ainda, necessariamente, que a eventual omissão deste documento a respeito do preço, não sendo causa de nulidade, não significa que o mesmo não seja devido, podendo a sua exigência ter lugar em momento posterior.<br> Mas neste campo podem ainda distinguir-se, ao lado da figura da autorização, as da transmissão ou oneração, no todo ou em parte, do conteúdo patrimonial do direito de autor, todas elas tendo, nomeadamente, como sujeito activo o seu titular originário - artigo 40.<br> Enquanto que a autorização não afecta a extensão dos direitos do autor sobre a sua obra, sendo ela própria uma forma de os mesmo serem exercidos pelo seu titular, já a transmissão e a oneração envolvem, aquela uma privação translativa do anterior para o novo titular, esta uma compressão na órbita do titular anterior e uma aquisição originária a favor do novo titular. E, ao contrário do que se passa com a autorização, a transmissão e a oneração estão sujeitas a registo - artigo 215, n. 1, alínea a) .<br> Uma das formas de exploração ou utilização é a execução da obra em público - artigo 68, n. 2, alínea b).<br> Esta execução pode, tratando-se de obra literário-musical, ser feita por instrumentos e cantores a coberto de um contrato celebrado com vista a essa execução, no qual o autor dê ao empresário promotor do espectáculo autorização para o efeito - artigos 121, 107 e 109.<br> Na verdade, estes artigos 107 e 109, que regem directamente sobre a representação cénica, são expressos na indicação de que por um chamado contrato de representação a autorização necessária - que é aquela a que se referem os artigos 40 e 41 - é dada pelo autor ao empresário que promove a representação, e não aos intérpretes que nela participem; e o artigo 121, que rege a execução de obra literário-musical por equiparação à representação cénica, manda aplicar, no que não for especialmente regulado para aquela execução, o que se dispõe para esta representação, salvo incompatibilidade.<br> Do paralelo assim estabelecido se conclui, desde logo, que ao empresário promotor da representação cénica corresponde, na execução de obra literário-musical , a entidade promotora do espectáculo, que é aquela a que se refere o artigo 122 quando a incumbe de divulgar previamente o programa e, sendo isto omitido, de provar que obteve autorização dos autores da obra executada - autorização que, naturalmente, é o conteúdo do contrato de execução a que se refere o artigo 121, n. 2.<br> Logo, não só pelo pressuposto em que o artigo 122 assenta, como também pela remissão para aquele artigos 107 e 109, é a este promotor que cabe obter a necessária autorização.<br> Dizer-se, como se disse no acórdão recorrido, que não é o promotor, mas o intérprete, quem tem de assegurar a obtenção desta autorização por ser quem recebe proventos da utilização da obra esquece, além do mais, que o promotor está com evidente fim lucrativo a organizar o espectáculo onde a obra é executada.<br> E esquece também que, na normalidade dos casos, também os intérpretes de representação cénica auferem proventos pela sua participação nesta, sem que a lei lhes incumba qualquer responsabilidade nesta matéria.<br> O paralelo a estabelecer por força daquela remissão aponta, pois, para conclusão diferente daquela a que o acórdão recorrido chegou.<br> Mais complicadas se tornam as coisas nos casos em que, como o presente, o intérprete da obra é o seu próprio autor, ou um dos seus autores.<br> Aí concebe-se a existência de um contrato de prestação artística celebrado entre o autor-intérprete, nesta última qualidade, e o promotor; e, ao interpretar a sua obra, o autor-intérprete está a exercer o direito que tem a proceder à execução da mesma por si próprio.<br> Mas concebe-se ainda que, na medida em que tal ocorre durante um espectáculo promovido por um empresário, haja, cumulativamente, por parte deste uma utilização ou fruição da obra a coberto da autorização "ipso facto" dada pelo autor-intérprete, obviamente relevante apenas na medida em que este à autor, e não na medida em que há outro co-autor.<br> Esta autorização, como se disse acima, presume-se onerosa, pelo que haverá lugar a duas remunerações a haver pelo autor-intérprete: a que é correspectivo da sua prestação artística e a que remunera a autorização - cfr. neste sentido o recente acórdão proferido em 2 de Julho de 1998 por este STJ, publicado na Col.Jur. - STJ, 1998-II-169.<br> O exercício dos poderes relativos à gestão do direito de autor pode ser feito pelo seu titular ou por representante devidamente habilitado, que pode ser uma associação ou organismo constituído para gestão desses direitos, resultando, nesse caso, o vínculo representativo da simples qualidade de sócio ou aderente por parte do autor ou da sua inscrição como beneficiário dos respectivos serviços, mas sem prejuízo da intervenção de mandatário expressamente constituído pelos interessados - artigos 72 e 73.<br> Como resulta da natureza própria do vínculo de representação, designadamente da sua livre revogabilidade - artigo 265, n. 2 e 3, do CC -, os poderes assim concedidos à entidade gestora não inibem o autor de fazer, pessoalmente, aquilo que neles está abrangido, salvo se houver procuração conferida também no interesse do procurador ou de terceiro.<br> Por isso, nos casos em que o autor é também intérprete no espectáculo em que a sua obra é executada, concebe-se que o preço da autorização por ele dada ao promotor seja fixado e cobrado, tanto por ele próprio, como pela entidade gestora dos seus direitos.<br> Igualmente são protegidas, não a título de direito de autor, mas de direito com ele conexo, as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, designadamente cantores, que intervierem na execução de obras, próprias ou alheias - artigo 176 e segs. <br> Esta diferenciação entre o direito que cabe ao autor da obra e o que cabe a quem a interpreta deixa bem nítida a dualidade de contratos que a organização de um espectáculo musical como aquele que aqui se discute impõe.<br> Na verdade, o promotor tem, por um lado, que assegurar os serviços do artista que vai actuar em palco; e tem, por outro, que obter autorização para a execução da obra cujo autor detém o direito de exigir, por esse facto, a compensação prevista na lei.<br> Obras de P.S.R.V, D.S.M., D.G. e C.T. foram executados no espectáculo acima referido. É o que resulta dos factos que vêm dados como assentes.<br> Quanto a M.B., não se provou nem foi alegado de que obras executadas no espectáculo ele é autor.<br> Está também assente que a recorrente representa os primeiro, segundo, terceiro e quinto autores, por força do teor dos factos n. 16, 17 e 28. Não interessa já falar em D.G. porque é definitivo a absolvição do pedido declarada a seu respeito pela sentença da 1. instância.<br> Quanto aos indicados em terceiro e quinto lugares, os factos provados mostram que a SPA pode exigir da T. o pagamento da retribuição devida pela utilização das suas obras feita por esta através da realização do espectáculo em causa.<br> Quanto aos dois primeiro, que nesse espectáculo tiveram a dupla qualidade de autores e intérpretes, algumas considerações suplementares se exigem.<br> Como se disse acima, a circunstância de o próprio autor actuar como intérprete não exclui a existência de uma obrigação, por parte do promotor, de lhe pagar a remuneração correspondente à utilização que faz da obra ao organizar e fazer realizar o espectáculo.<br> Tudo depende, como é evidente, do que entre ambos houver sido acordado.<br> Concebe-se que hajam estipulado que as quantias pagas - no caso, aquelas a que se referem os n. 14 e 15 - se destinavam a cobrir o que aos autores-intérpretes era devido a ambos os títulos.<br> Mas também se concebe que aquela quantia represente apenas o preço devido no âmbito do contrato de prestação artística, ficando a retribuição da autorização para a obra ser executada relegada para momento posterior e com intervenção do próprio autor ou da entidade gestora dos direitos autorais, sua representante.<br> Impor-se-ia, nesta perspectiva, analisar e interpretar o conteúdo do contrato feito entre os autores-intérpretes e o promotor.<br> Apenas se conhece, a este propósito, o que consta dos ns. 2, 3, 14, 15 e 18 supra.<br> Deles não pode concluir-se nada sobre a questão que acabámos de definir, designadamente por se não mostrarem satisfeitas as exigências legais de forma.<br> A partir da presunção de onerosidade que a lei estabelece uma certeza pode, então, afirmar-se: a de que era devida uma remuneração referente aos direitos autorais.<br> Cabia à ré, ora recorrida, o ónus de alegar e provar os factos extintivos desses direitos de P.S. e R.V. - artigo 342, n. 2, do CC.<br> Este ónus não é satisfeito com o simples conhecimento de que foram pagas as quantias referidas em 14 e 15, visto que não está demonstrada a função que esses pagamentos tiveram.<br> Logo, não pode ter-se como extinta a obrigação de remuneração dos direitos autorais, o que significa que nesta óptica a recorrente tem razão.<br> Há, pois, que determinar quanto deve a recorrida pagar e se há contagem de juros de mora.<br> Relembra-se aqui que o regime do contrato de execução de obra é, por remissão legal, o dado pela lei ao contrato de representação.<br> O artigo 110, n. 1, prevê que a autorização para a representação - e portanto, no que nos interessa, a autorização para a execução - seja retribuída por uma quantia global fixa, ou por uma percentagem sobre as receitas dos espectáculos, ou em certa quantia por espectáculo, ou ainda por qualquer forma estabelecida
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça <br> <br> I - A intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra B, pedindo a declaração de nulidade de contrato-promessa de partilha e da consequente obrigação de restituição de tudo o que foi prestado. <br> Houve contestação e réplica. <br> No despacho saneador, julgou-se improcedente a acção bem como a pretensão da ré de condenação do autor como litigante de má fé, o que veio a ser confirmado, em recurso de apelação, pelo acórdão de fls. 105 e seguintes. <br> Neste recurso de revista, o autor pretende a revogação daquele acórdão com base, em resumo, nas seguintes conclusões : <br> - a promessa de partilha em causa, celebrada antes da decisão que decretou o divórcio, viola o disposto no artº 1714º do Cód. Civil, ao atentar contra o princípio da imutabilidade do regime de bens ; <br> - a não coabitação dos cônjuges não afasta, por si, o risco de um deles se aproveitar do ascendente psicológico adquirido sobre o outro ; <br> - a partilha prometida seria feita com vontade vinculada, porque declarada em momento em que os cônjuges não eram livres de se manifestar e obrigar livremente. <br> A ré, por sua vez, sustenta a improcedência do recurso. <div></div>II - Situação de facto : <br> O autor e a ré contraíram casamento, em 8-4-1962, sem convenção antenupcial, ou seja, segundo o regime de comunhão geral de bens . <br> Esse casamento foi dissolvido, em acção de divórcio por mútuo consentimento, por sentença de 14-5-1997, transitada em 26-5-1997. <br> Em 21-1-97, eles celebraram o contrato-promessa de partilha de fls. 9 e segtes , de que consta, em especial : <br> - requereram o prosseguimento de acção de divórcio litigioso, intentada pelo marido, como de divórcio por mútuo consentimento, "como tal pendendo presentemente", e houve "cessação de coabitação ... em 31 de Maio de 1990"; <br> - "no pressuposto do decretamento de divórcio por mútuo consentimento e para valer unicamente após o decretamento desse divórcio", prometeram, reciprocamente, partilhar os bens do casal, por forma aí determinada ; <br> - e reconheceram, "reciprocamente, o direito à execução específica". <br> III - Quanto ao mérito do recuso : <br> A questão suscitada consiste apenas em determinar se é ou não válido o contrato-promessa de partilha de bens comuns do casal, celebrado pelos cônjuges na pendência de acção de divórcio por mútuo consentimento e subordinado à condição suspensiva do decretamento desse divórcio. <br> Têm sido proferidas decisões divergentes e este tribunal já se pronunciou no sentido da nulidade do contrato, com base em violação do princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, porque tal contrato é "susceptível de levar, embora por via indirecta, ao mesmo resultado" de alteração da "situação concreta dos bens do casal" ou do regime de bens, e se configura a razão de ser daquele princípio, que é evitar que um dos cônjuges faça valer "o seu ascendente sobre o outro" (acórdão de 26-5-93, na Col. S. T. J. , I, 2º, p. 134). <br> Não é de seguir, porém, essa orientação, por fundamentos que se reconduzem aos da solução dominante na jurisprudência das Relações, e, em especial, aos expostos por Guilherme F.F. de Oliveira, na Rev. Leg. J., 129º, p. 279 e segtes , em anotação favorável a acórdão da R. C. de 28-11-95. <div> </div>O contrato-promessa tem como objecto imediato uma simples prestação de facto, a celebração do contrato prometido, e, sendo este válido, também aquele o é, em princípio (artº 410º nº 1 do Cód. Civil). <br> Um dos efeitos do divórcio, decretado por sentença transitada em julgado, é a cessação da comunhão de bens e o consequente direito à partilha desses bens, por via judicial ou extrajudicial (artºs 1788º e segtes do cit. Código). <br> Assim, no domínio dos princípios gerais, nada se opõe à validade de contrato-promessa de partilha dos bens do casal, destinado a ser cumprido ou executado apenas em momento posterior à dissolução do casamento, por divórcio. <div> </div>Pelo artº 1714º do cit. Cód. Civil, "fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados" (nº 1) e "consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos de compra e venda ... entre os cônjuges ..." (nº 2). <br> A principal razão que tem sido invocada para esta proibição é "a necessidade de prevenir o risco sério de um dos cônjuges se prevalecer do ascendente psicológico adquirido com o tempo sobre o seu consorte, para dele extorquir alterações favoráveis aos seus interesses" (A. Varela, em Direito de Família, p. 418), mas essa razão não pode fundamentar a nulidade deste contrato-promessa : as proibições previstas no cit. artº 1714º revestem carácter excepcional, por serem contrárias ao princípio da liberdade contratual consagrado no artº 405º nº 1 do cit. Código, e por isso devem limitar-se às hipóteses contempladas pelo legislador; este interveio em domínio que considerou particularmente sensível ou melindroso e, se a apontada razão dessa intervenção pudesse aplicar-se a outros casos, acabaria por se concluir pela nulidade da generalidade dos negócios entre os cônjuges, o que seria inadmissível, por prejudicial aos seus interesses; aliás, os cônjuges não estão inibidos da prática de actos com efeitos porventura mais graves, como será a alienação dos bens do casal, por acordo entre ambos, com a consequente aplicação do produto dessa alienação para os mais diversos fins. <br> De resto, os efeitos deste contrato-promessa em nada interferem, directa ou indirectamente, com os mencionados no cit. artº 1714º, uma vez que não é alterado o regime de bens nem afectado o estatuto patrimonial dos cônjuges. Como se diz na citada anotação na Rev. Leg. J. "... todos os bens comuns do casal continuam bens comuns...; e todos os bens próprios de cada cônjuge continuam como dantes" ; neste contrato, "os cônjuges apenas combinam o modo de preencher os direitos que ambos têm a metade do valor dos bens comuns" e "o modo como esta repartição é projectada não parece merecer um controlo específico da ordem jurídica..., deve ficar apenas submetido aos mecanismos gerais de defesa de um contraente contra o outro". <div> </div>Esta solução da validade do contrato-promessa é ainda a mais razoável, por permitir aos cônjuges desavindos ou determinados a pôr termo à vida conjugal uma solução conjunta dos seus diversos interesses de modo mais seguro, rápido e económico, uma vez que, através do divórcio por mútuo consentimento e do projecto de partilha dos bens, garantem a dissolução do casamento em curto prazo, evitam discussão sobre as causas do divórcio e os riscos inerentes à declaração de culpa e podem organizar a sua vida na perspectiva do gozo de determinados bens. <br> Aliás, se a lei lhes permite a solução consensual do problema do próprio divórcio, sem preocupações sobre o possível ascendente psicológico de algum dos cônjuges, por manifesta maioria de razão lhes deve permitir a celebração de um acordo vinculativo para a solução dos aspectos patrimoniais. <br> Assim, a validade do contrato não tem sequer de ficar dependente, como se considerou no acórdão recorrido, de a sua outorga ter "ocorrido após cessada a coabitação ..., e desde que seja de concluir já não haver risco de aproveitamento de ascendente psicológico de um dos cônjuges sobre o outro para obtenção de vantagens patrimoniais, à custa deste, na futura partilha", uma vez que não está aqui em causa o princípio, consignado no artº 1714º do Cód. Civil, que tem como subjacente esse risco, sendo antes tal validade compatível com a própria coabitação dos cônjuges. <div> </div>Em conclusão : <br> É válido o contrato-promessa de partilha dos bens comuns do casal, celebrado pelos cônjuges na pendência de acção de divórcio por mútuo consentimento e subordinado à condição suspensiva do decretamento desse divórcio (artº 410º nº 1 do Cód. Civil). <div> </div>Pelo exposto : <br> Nega-se a revista. <br> Custas pelo recorrente. <br> Lisboa, 23 de Março de 1999.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Afonso de Melo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>&nbsp;</font><br> <div><br> <b><font>Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font></b></div><br> <br> <b><font> </font></b><br> <p><b><font>I – </font></b><b><i><font>Relatório </font></i></b><br> </p><p><b><i><font> </font></i></b><br> </p><p><b><font>1.</font></b><font> A </font><b><font>GENERALI – Companhia de Seguros, S.A</font></b><font>. </font><b><font>(A.)</font></b><font>, que sucedera à </font><b><i><font>Companhia de Seguros Generali, S.A.</font></i></b><font>, intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>AA (R.)</font></b><font> a pedir que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 238.035,84, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 31.03.2014, à taxa legal, até efetivo pagamento, a título de direito de regresso, alegando, no essencial, o seguinte: </font> </p><p><b><font>.</font></b><font> A A., no exercício da atividade de seguradora, celebrou com o R. um contrato de seguro do ramo automóvel, tendo por objeto o veículo de matrícula ...-...-MX: </font> </p><p><b><font>. </font></b><font>No dia 29/10/2008, o R., conduzindo esse veículo, deu causa, por culpa sua, a um acidente de viação de que resultou o atropelamento de duas pessoas, provocando danos que a A., no âmbito do contrato de seguro obrigatório, ressarciu.</font> </p><p><b><font>.</font></b><font> O R. conduzia aquele veículo sob a influência de substâncias psicotrópicas, o que condicionou a condução do mesmo, diminuindo os reflexos, visão e perceção do respetivo condutor, necessários para evitar o sinistro. </font> </p><p><b><font>. </font></b><font>Os factos alegados quanto à dinâmica do acidente e à condução sob o efeito de substâncias psicotrópicas, bem como no referente aos danos, foram dados como provados no processo judicial que correu termos sob o n.º 465/11..., tendo a ora A. sido ali condenada a pagar uma indemnização no total de € 234.493,12. </font> </p><p><b><font>.</font></b><font> Por ter suportado tal indemnização devida aos sinistrados, assiste agora à A. o direito de regresso relativamente aos montantes pagos, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08.</font> </p><p><b><font>2. </font></b><font>R. apresentou contestação, invocando a inexistência de nexo de causalidade entre a condução sob o efeito de produtos estupefacientes e a ocorrência do acidente e afirmando que desconhecia se a A. procedera ao alegado pagamento.</font> </p><p><b><font>3.</font></b><font> Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 225-251, de 02/07/ 2019, a julgar a ação procedente condenado o R. a pagar à A. a quantia de € 238.035,84, acrescida de juros de mora, desde a citação, à taxa legal de 4%.</font> </p><p><b><font>4.</font></b><font> &nbsp;Inconformado, o R. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo sido proferido o acórdão de fls. 271-293/v.º, de 28/04/2020, a julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e, em sua substituição, absolvendo o R. do pedido. </font> </p><p><b><font>5. </font></b><font>Desta feita, vem a A. pedir revista, para o que formulou as seguintes conclusões: </font> </p><p><i><font>1.ª - O recurso interposto é apresentado na firme convicção de que se impunha ao Tribunal “a quo” uma interpretação diferente dos factos dados como provados e, consequentemente, uma decisão diferente da seguida.</font></i> </p><p><i><font>2.ª - A primeira discordância respeita à interpretação sobre a intervenção acessória do aqui R. no primitivo processo judicial.</font></i> </p><p><i><font>3.ª - Com efeito, no processo judicial n.º 465/11..., foi requerida a intervenção acessória do ora R., porquanto se encontrava alegado pelos ali autores que aquele conduzia o veículo seguro na aqui A. sob a influência de estupefacientes. </font></i> </p><p><i><font>4.ª -Porque, a provar-se tal circunstância, assistiria à A. direito de regresso sobre o ora R. nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, foi requerida e admitida a intervenção acessória do aqui R..</font></i> </p><p><i><font>5.ª – Sendo certo que o Tribunal “a quo”, neste circunstancialismo, entendeu que o chamado está impedido de, na sua defesa, alegar e provar que não conduzia sob a influência de estupefacientes.</font></i> </p><p><i><font>6.ª - A interpretação que o Tribunal “a quo” faz da intervenção do aqui R., no primitivo processo, é muito reduzida e restritiva àquela que, no entender da A., de facto, corresponde ao objeto da sua intervenção.</font></i> </p><p><i><font>7.ª - Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 322.º CPC, o juiz deve deferir a intervenção quando, nomeadamente, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal;</font></i> </p><p><i><font>8.ª - Ademais, a intervenção do chamado está limitada à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada “ex vi” do n.º 2 do artigo 321.º CPC.</font></i> </p><p><i><font>9.ª No caso dos autos, a intervenção só foi admitida, porquanto havia sido alegado que o condutor do veículo seguro conduzia sob a influência de estupefacientes.</font></i> </p><p><i><font>10.ª - E que, a provar-se essa circunstância, assistiria direito de regresso sobre o ora R. nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08.</font></i> </p><p><i><font>11.ª Donde, nos termos do n.º 2 do artigo 321.º CPC, a intervenção do chamado estava limitada à discussão da questão que tinha repercussão na ação de regresso, ou seja, a condução sob a influência de estupefacientes.</font></i> </p><p><i><font>12.ª Dito de outro modo e ao contrário da interpretação dada pelo Tribunal “a quo” a este propósito, se havia questão que se impunha ao chamado discutir e fazer prova era precisamente a condução sob a influência de estupefacientes.</font></i> </p><p><i><font>13.ª Nessa medida, podia e devia o R. ter produzido prova que impedisse que resultasse provado que conduzia sob o efeito de estupefacientes, sob pena de, como se veio a verificar, tal facto resultar provado e isso ter os efeitos previstos no n.º 4 do art.º 323.º do CPC.</font></i> </p><p><i><font>14.ª – Se assim não fosse, qual o âmbito de intervenção do chamado na ação primitiva, quando nessa mesma ação se discutia se ele conduzia sob a influência de estupefacientes? Ou, se não fosse para auxiliar a R. no primitivo processo judicial quanto à questão de se saber se conduzia sob o efeito de estupefacientes, qual o fundamento para ser admitido a intervir como interveniente acessório provocado?</font></i> </p><p><i><font>15.ª - É que os fundamentos do direito de regresso de uma seguradora contra a seu segurado estão limitados às circunstâncias que constam do art.º 27.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, donde, ao ser admitido a intervir na ação primitiva, a sua intervenção estava limitada à discussão daquela questão em concreto.</font></i> </p><p><i><font>16.ª Com efeito, a única questão que interessava ao aqui R. discutir e provar naqueles primitivos autos era precisamente que não conduzia sob a influência de estupefacientes.</font></i> </p><p><i><font>17.ª - Donde, em incidente de intervenção acessória provocada que tem como fundamento eventual ação de regresso se se provar a condução sob o efeito de estupefacientes, o chamado tem a obriga-ção de, nessa ação, fazer prova de que não conduzia em tais con-dições. </font></i> </p><p><i><font>18.ª Sob pena de, se se provar que, de facto, conduzia sob o &nbsp;efeito de estupefacientes, a sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado nos termos previstos no art.º 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização (n.º 4 do artigo 323.º CPC).</font></i> </p><p><i><font>19.ª – A verdade é que no primitivo processo judicial resultou provado que: </font></i> </p><p><i><font>“22. O R. conduzia o MX sob influência de substâncias psicotrópicas, designadamente sob o efeito de canabinóides, que havia consumido em momento anterior a ter iniciado a condução;</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp; 120. O segurado da R. conduzia sob a influência de substâncias psicotrópicas, designadamente sob o efeito de canabinóides, que havia consumido em momento anterior a ter iniciado a condução.</font></i> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp; 121. A presença de substâncias psicotrópicas no organismo do chamado influenciou a sua condução.”</font></i> </p><p><i><font>20.ª – Tais factos, nos termos do n.º 4 do art.º 323.º do CPC, formam caso julgado, donde estava o aqui R. impedido de, nos presentes autos, pretender ver discutida e fazer prova sobre se conduzia ou não sob o efeito de estupefacientes.</font></i> </p><p><i><font>21.ª - Na verdade, por força do primitivo processo em que o aqui R, assumiu o papel de interveniente acessório, resultou provado que: i) - o aqui R. conduzia sobre a influência de substâncias psicotrópicas; ii) – a presença de tais substâncias influenciou a sua condução.</font></i> </p><p><i><font>22.ª - Por força do efeito do caso julgado (autoridade do caso julgado) tais factos estão já provados em termos definitivos.</font></i> </p><p><i><font>23.ª – Não podia, por isso, o R, nos presentes autos, pretender discutir se conduzia ou não sobre a influência de substâncias psicotrópicas e, igualmente, se tais substâncias influenciaram ou não a sua condução, pois que são questões que foram já discutidas no primitivo processo judicial.</font></i> </p><p><i><font>24.ª – Por violação do caso julgado (autoridade de caso julgado) o facto 32.º, dado como provado, deverá ser eliminado;</font></i> </p><p><i><font>25.ª - A interpretação que o Tribunal “a quo” fez do art.º 27º, n.º 1, al.c), do DL 291/2007 não se mostra conforme com a letra da lei.</font></i> </p><p><i><font>26.ª - Desde logo, porque a norma apenas se refere a”acusar o consumo”, quando em relação ao álcool já impõe que a taxa seja superior ao limite legal.</font></i> </p><p><i><font>27.ª - Depois, o legislador bem sabia do problema em relação à norma do artigo 19.º, alínea c), do revogado Dec.-Lei n.º 522/85, de 31-12, e à questão de não ter qualquer referência a uma qual-quer taxa ou limite legal e, consciente disso, apenas estabeleceu esse limite na taxa de alcoolemia.</font></i> </p><p><i><font>28.ª – Pelo que se assim o fez é porque pretendeu estabelecer, precisamente, uma diferença: quanto ao álcool impôs que a taxa seja superior à legalmente admitida, já quanto aos estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, o legislador apenas pretendeu exigir que acusasse o consumo.</font></i> </p><p><i><font>29.ª - Donde, a melhor interpretação do art.º 27.º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 291/2007 é a de que basta que o condutor tenha dado causa ao acidente e acuse o consumo estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos.</font></i> </p><p><i><font>30.ª – Bastava, pois, a prova de que condutor havia acusado o consumo de estupefacientes e que não lhe era exigível que alegasse e provasse a existência de um nexo de causalidade entre o consumo de estupefacientes e a produção do acidente,</font></i> </p><p><i><font>31.ª – A verdade é que, em face dos factos 22, 26 e 27 dados como provados, encontra-se provada a condução sob o efeito de estupefacientes e o nexo causal de tal condução com a responsabilidade no sinistro, pelo que, por maioria de razão, se encontram preenchidos os requisitos previstos no art.º 27.º, n.º 1, al. c), do Dec.-Lei n.º 291/2007.</font></i> </p><p><i><font>32.ª - Tendo-se provado nestes autos as quantias pagas pela A. aos lesados, deveria o pedido ter sido julgado totalmente procedente.</font></i> </p><p><i><font>33.ª O acórdão recorrido fez uma incorre interpretação do disposto dos artigos 321.º, n.º 2, 322.º, n.º 2, e 323.º, n.º 4, do CPC e do disposto no art.º 27.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08.</font></i><br> </p><p><font>Pede a Recorrente que se revogue o acórdão recorrido e se substitua por decisão que julgue a ação procedente. &nbsp;</font><br> </p><p><b><font>6.</font></b><font> O Recorrido apresentou contra-alegações a pugnar pela confirmação do julgado. &nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>II - </font></b><b><i><font>Delimitação do objeto de recurso</font></i></b><font> </font><br> </p><p><font>Dado o teor das conclusões da Recorrente em função do qual se delimita o objeto do recurso, </font><u><font>a questão fundamental de direito a resolver consiste em saber se da factualidade provada resulta a verificação do pressuposto do direito de regresso peticionado previsto no artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21-08, no respeitante ao facto de o condutor segurado ter acusado, aquando do acidente de viação em referência, consumo de estupefacientes</font></u><font>. </font><br> </p><p><font>Todavia, </font><b><font>essa questão fundamental convoca a apreciação das seguintes sub-questões</font></b><font>: </font><br> </p><p><b><font>a) –</font></b><font> Qual o alcance do disposto no indicado normativo, no sentido de saber se ali se prescreve ou não, a favor da seguradora, uma presunção do nexo de causalidade entre o consumo de estupefacientes detetado no causador do acidente e a produção deste;</font><br> </p><p><b><font>b) –</font></b><font> Se, tratando-se de presunção de causalidade, esta reveste natureza </font><i><font>iuris et de iure</font></i><font> ou simplesmente </font><i><font>iuris tantum</font></i><font>, nesta hipótese ilidível pelo segurado e com que amplitude; </font><br> </p><p><b><font>c) –</font></b><font> Qual o alcance do caso julgado material da decisão proferida no âmbito da ação emergente de acidente de viação instaurada pelo lesado ou seus sucessores legais contra a seguradora, em que o condutor segurado tenha intervindo como parte acessória daquela, no respeitante ao referido nexo de causalidade ali apurado, para efeitos da ulterior ação de regresso contra o mesmo segurado; &nbsp;&nbsp;</font><br> </p><p><b><font>d) –</font></b><font> Saber se, para tais efeitos, o consumo de estupefacientes detetado no causador do acidente depende de algum limite quantitativo ou de alguma outra objetivação. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>III – </font></b><b><i><font>Fundamentação </font></i></b><font>&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>1. Factualidade dada como provada</font></b><font> </font><br> </p><p><font>Vêm dados como provados pelas instâncias os seguintes factos: </font><br> </p><p><b><font>1.1. </font></b><font>A Generali – Companhia de Seguros, S.P.A., sucursal em Portugal da Assicurazioni Generali, S.P.A., procedeu ao destaque dos bens afetos ao exercício da atividade seguradora por si exercida, incluindo todos os ativos e passivos e as posições contratuais da Sucursal relacionadas com o exercício da sua atividade em Portugal, designadamente a transferência da totalidade da carteira de seguros da Sucursal para a sociedade GENERALI - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua Duque de Palmela n..º 11, 1269-270 LISBOA, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, sob o número único de matrícula e Pessoa Coletiva 513 300 260, conforme escritura pública outorgada no dia 02 de Janeiro de 2015, lavrada a fls. cento e treze e ss. do livro de notas para escrituras diversas número trinta e dois–A, do Cartório Notarial da Dra. BB, cuja cópia parcial consta de fls. 15 a 21; </font><br> </p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Foi já promovido o pedido de inscrição a registo comercial dos factos titulados pela escritura pública identificada no ponto precedente e foi também promovido o pedido de inscrição a registo comercial, por forma on-line, do encerramento de representação permanente da Generali – Companhia de Seguros, S.P.A. – Sucursal em Portugal (fls. 23 a 30);</font><br> </p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Por efeito da cessão, a GENERALI - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., sucedeu, na totalidade, nos respetivos direitos e obrigações da Generali Companhia de Seguros, S.P.A.</font><br> </p><p><b><font>1.4.</font></b><font> No exercício da sua atividade, a A. celebrou um contrato de seguro automóvel com o ora R., titulado pela Apólice n.º ...16, através do qual a responsabilidade civil emergente de sinistros ocorridos com o veículo seguro – veículo de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-...-MX, se encontrava transferida para a A. (fls. 31 a 33);</font><br> </p><p><b><font>1.5.</font></b><font> No dia 29 de outubro de 2008, pelas 18h00, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional n.º … (EN …), ao Km …, em ..., no concelho de ... e envolveu o veículo MX, conduzido pelo aqui R., e os peões CC e DD;</font><br> </p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Junto ao Km ... existe um cruzamento com a estrada que liga ... a ... e que, à data do sinistro, não tinha semáforos nem passagem assinalada para peões.</font><br> </p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Na zona onde ocorreu o acidente, a estrada apresenta uma reta e a faixa de rodagem tem 10,30 metros de largura, com duas vias de trânsito em cada sentido. </font><br> </p><p><b><font>1.8.</font></b><font> No referido cruzamento e para o lado direito, atenta a posição dos peões, a reta tem um cumprimento superior a 150 metros.</font><br> </p><p><b><font>1.9. </font></b><font>A velocidade máxima permitida no local era de 70 km/hora.</font><br> </p><p><b><font>1.10.</font></b><font> O piso encontrava-se seco e em boas condições de conservação. </font><br> </p><p><b><font>1.11.</font></b><font> Naquele dia e hora, o MX circulava na EN … no sentido .../....</font><br> </p><p><b><font>1.12.</font></b><font> No dito cruzamento, caminhavam os peões CC e DD, a atravessar a EN ... da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do MX, puxando à mão um atrelado carregado com palha.</font><br> </p><p><b><font>1.13. </font></b><font>Quando os peões estavam a terminar a travessia da estrada, encontrando-se já em cima da linha delimitadora da faixa de rodagem, do lado direito, atento o sentido de marcha do MX, surge o dito veículo.</font><br> </p><p><b><font>1.14.</font></b><font> O qual circulava a uma velocidade não inferior a 116,04 km/hora.</font><br> </p><p><b><font>1.15.</font></b><font> Ao avistar os peões, o condutor do MX travou, com o intuito de tentar evitar o embate,</font><br> </p><p><b><font>1.16.</font></b><font> E ao ver que seria impossível imobilizar o veículo antes de chocar com aqueles, desviou o veículo para a direita, de forma a evitar colhê-los.</font><br> </p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Contudo, os dois peões, ao invés de pararem, aumentaram o passo em direção à berma da EN ..., </font><br> </p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Razão pela qual o condutor do MX acabou por colhê-los.</font><br> </p><p><b><font>1.19.</font></b><font> Tendo embatido com a frente lateral esquerda contra os peões e o atrelado puxado pelos mesmos, levando-os na sua frente.</font><br> </p><p><b><font>1.20.</font></b><font> O R. iniciou a travagem cerca de 10 metros antes do local do acidente, quando avistou os peões, prolongando-se a mesma por uma extensão de 40 metros, com rastos deixados no pavimento, após o que o veículo galgou o talude da estrada e capotou,</font><br> </p><p><b><font>1.21.</font></b><font> Imobilizando-se 11,5 metros depois, na hemifaixa de rodagem por onde &nbsp;&nbsp;seguia, junto à berma direita, depois de percorrer 50,30 metros.</font><br> </p><p><b><font>1.22.</font></b><font> O R. conduzia o MX sob influência de substâncias psicotrópicas, designa-damente sob o efeito de canabinóides, que havia consumido em momento anterior a ter iniciado a condução;</font><br> </p><p><b><font>1.23.</font></b><font> No âmbito do processo que correu seus termos sob o n.º 465/11…., Juízo de Grande Instância Cível de ... – J..., da Comarca do ..., foi proferida sentença, transitada em julgado, onde foram considerados como provados (de entre outros) os factos constantes dos artigos 5.º a 22.º e se conclui que a causa do sinistro foi imputável ao R.: </font><i><font>“</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>causa</font></i><font> </font><i><font>deste</font></i><font> </font><i><font>fatídico</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>violento</font></i><font> </font><i><font>acidente</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>conduta</font></i><font> </font><i><font>negligente</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>temerária</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>condutor</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>veículo</font></i><font> </font><i><font>MX,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>imprimiu</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>veículo</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>velocidade</font></i><font> </font><i><font>superior</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>116</font></i><font> </font><i><font>km/h,</font></i><font> </font><i><font>conduzindo</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>seus</font></i><font> </font><i><font>reflexos,</font></i><font> </font><i><font>visão</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>perceção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>distâncias,</font></i><font> </font><i><font>necessariamente</font></i><font> </font><i><font>diminuídos</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>face</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>substâncias</font></i><font> </font><i><font>psicotrópicas</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>havia</font></i><font> </font><i><font>consumido antes de iniciar a condução, sendo este o único culpado na sua produção”</font></i><font> (sentença cuja certidão consta de fls. 132 a 161);</font><br> </p><p><b><font>1.24.</font></b><font> No âmbito do processo mencionado no artigo anterior, eram autores EE, CC e mulher, FF, herdeiros dos peões intervenientes do acidente e que faleceram em sua consequência, era ré a ora A. e interveniente acessório, AA, aqui R.;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><b><font>1.25.</font></b><font> Por força do mesmo sinistro correu termos um processo-crime comum (tribunal coletivo) sob o n.º 319/08…, Juiz … da Instância Criminal ... – Comarca.., tendo sido proferido acórdão em 13/04/2010, já transitado em julgado, o qual condenou o condutor do veículo ... ... pela prática de dois crimes de homicídio por negligente, p. e p. artigo 137.º, n.º 1 do C.P.P., na pena de 2 anos e 2 meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, com pena suspensa. (facto n.º 119 da sentença constante de fls. 132 a 161).</font><br> </p><p><b><font>1.26.</font></b><font> Da sentença mencionada em 23.º foram, ainda, dados como provado, os seguintes factos: </font><br> </p><p><b><font>“</font></b><font>120. O segurado da ré conduzia sob a influência de substâncias psicotrópicas, designadamente sob o efeito de canabinóides, que havia consumido em momento anterior a ter iniciado a condução.</font><br> </p><p><font>121. A presença de substâncias psicotrópicas no organismo do chamado influenciou a sua condução.”</font><br> </p><p><b><font>1.27.</font></b><font> Da fundamentação da sentença, consta, para além do mais, o seguinte: </font><br> </p><p><i><font>“(…) Resultou provado que o</font></i><font> </font><i><font>condutor</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>veículo</font></i><font> </font><i><font>conduzia</font></i><font> </font><i><font>sob</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>influência de</font></i><font> </font><i><font>substância</font></i><font> </font><i><font>psicotrópicas,</font></i><font> </font><i><font>designadamente sob o</font></i><font> </font><i><font>efeito</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>canabinóides,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>havia consumido em momento anterior a ter iniciado a condução, substâncias</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>influenciaram</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>condução.</font></i><br> </p><p><i><font>Conjugando todos o</font></i><font> </font><i><font>factos</font></i><font> </font><i><font>provados</font></i><font> </font><i><font>(e</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>provados), resulta</font></i><font> </font><i><font>evidente</font></i><font> </font><i><font>que a causa</font></i><font> </font><i><font>primária deste</font></i><font> </font><i><font>acidente, o facto</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>causal</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>produção,</font></i><font> </font><i><font>foi a velocidade</font></i><font> </font><i><font>manifestamente</font></i><font> </font><i><font>excessiva</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>condutor</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>veículo</font></i><font> </font><i><font>MX</font></i><font> </font><i><font>imprimia</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>veículo,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>lhe</font></i><font> </font><i><font>permitiu</font></i><font> </font><i><font>parar</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>espaço</font></i><font> </font><i><font>livre</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>visível</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>frente,</font></i><font> </font><i><font>vindo</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>embater</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>peões</font></i><font> </font><i><font>já</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>cima</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>linha</font></i><font> </font><i><font>delimitadora</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>faixa</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>rodagem,</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>lado</font></i><font> </font><i><font>direito,</font></i><font> </font><i><font>atento</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>sentido</font></i><font> </font><i><font>de marcha, conjugado com o</font></i><font> </font><i><font>facto de só tardiamente (…) ter visto os peões,</font></i><font> </font><i><font>eventualmente</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>consequência</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>estado</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>encontrava</font></i><font> </font><i><font>derivado</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>consumo</font></i><font> </font><i><font>prévio</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>substâncias</font></i><font> </font><i><font>canabinóides que, de acordo com as regras da experiência comum e da</font></i><font> </font><i><font>normalidade,</font></i><font> </font><i><font>afectam</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>visão,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>percepção</font></i><font> </font><i><font>das</font></i><font> </font><i><font>distâncias</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>reflexos.</font></i><font> </font><i><font>(…).</font></i><br> </p><p><i><font>&nbsp;&nbsp; Em</font></i><font> </font><i><font>face destes factos, conclui-se que a causa deste</font></i><font> </font><i><font>fatídico</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>violento</font></i><font> </font><i><font>acidente</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>conduta</font></i><font> </font><i><font>negligente e até temerária do condutor do veículo MX, que</font></i><font> </font><i><font>imprimiu</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>veículo</font></i><font> </font><i><font>uma</font></i><font> </font><i><font>velocidade</font></i><font> </font><i><font>superior</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>116km/h,</font></i><font> </font><i><font>conduzindo</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>os seus reflexos, visão e percepção de distâncias, necessariamente diminuídos</font></i><font> </font><i><font>em face de substâncias</font></i><font> </font><i><font>psicotrópicas</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>havia</font></i><font> </font><i><font>consumido</font></i><font> </font><i><font>antes</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>iniciar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>condução,</font></i><font> </font><i><font>sendo</font></i><font> </font><i><font>este</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>único</font></i><font> </font><i><font>culpado</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>produção.</font></i><font> </font><i><font>(…)”</font></i><br> </p><p><b><font>1.28.</font></b><font> Em consequência do sinistro dos autos e da sentença mencionada em 23.º, foi a A. condenada a liquidar quantias num total de € 234.932,15, conforme infra se discrimina: </font><br> </p><p><b><font>a) – </font></b><font>A EE, a quantia de € 112.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora em dobro da taxa legal, contados desde a notificação da decisão até pagamento; e, ainda, a quantia de € 3.271,85, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora em dobro da taxa legal, contados desde a citação até pagamento;</font><br> </p><p><b><font>b) -</font></b><font> A CC, a quantia de € 112.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora em dobro da taxa legal, contados desde a notificação da presente decisão até pagamento;</font><br> </p><p><b><font>c) -</font></b><font> A EE e a CC, a quantia de € 6.660,30, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora em dobro da taxa legal, contados desde a citação até pagamento;</font><br> </p><p><b><font>1.29.</font></b><font> Quantias que a R. pagou.</font><br> </p><p><b><font>1.30.</font></b><font> O valor de canabinóides apresentada pelo R., no dia do acidente, foi de 14ng/ml (fls. 39);</font><br> </p><p><b><font>1.31. </font></b><font>A substância detetada corresponde ao “THC-COOH” (fls. 39);</font><br> </p><p><b><font>1.32.</font></b><font> A substância detetada e referida no artigo anterior é um “metabolismo” [</font><i><font>rectius</font></i><font> metabolito] inativo do “THC” cujo período de eliminação pode-se prolongar por vários dias após a exposição/consumo da canábis. Considerando que se trata de um “metabolismo [</font><i><font>rectius</font></i><font> metabolito] farmacologicamente inativo, ou seja, sem efeito fármaco-lógico, embora presente no sangue, não deve ser associado a alterações da aptidão física ou psíquica que perturbem a capacidade para a condução (fls. 222).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><b><font>2. Do mérito do recurso </font></b><br> </p><p><b><font>2.1. Dos contornos do litígio</font></b><font> </font><br> </p><p><font>Antes de mais, importa reter que estamos no âmbito de uma ação
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><br> <div><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></div><br> <font> </font><br> <p><font> </font> </p><p><b><font>AA</font></b><b><i><font> </font></i></b><font>intentou esta acção contra </font><b><font>BB</font></b><font>, seu ex-cônjuge, pedindo a condenação deste a indemnizá-la dos danos patrimoniais e não patrimoniais – que, segundo alegou, ele causou, ilícita e culposamente, no imóvel que a ela havia sido adjudicado em partilha subsequente ao divórcio –, pagando-lhe:</font> </p><p><font>a) a quantia de € 35.321,43 (danos patrimoniais);</font> </p><p><font>b) a quantia de € 5.000 (danos morais);</font> </p><p><font>c) a quantia que vier a liquidar-se por perdas e danos.</font> </p><p><font>Foi proferida sentença, condenando o R a pagar à A:</font> </p><p><font>a) - a quantia de € 9.492,50 (acrescida de IVA), para indemnização dos danos referidos no ponto 48 dos FA;</font> </p><p><font>b) - a quantia que se viesse a liquidar quanto ao custo de fornecimento e colocação de um exaustor;</font> </p><p><font>c) - a quantia correspondente a € 300 mensais, contada desde o trânsito em julgado da sentença referida no ponto 2 dos FA até à data do pagamento das quantias referidas nas alíneas a) e b);</font> </p><p><font>d) - a quantia de € 2.500, para compensação dos danos morais referidos no ponto 40 dos FA. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No âmbito do recurso interposto pelo R, a Relação revogou a sentença quanto ao disposto na sua alínea c) e manteve-a no demais.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O R interpôs recurso de </font><b><font>revista</font></b><font>, em que suscitou a questão da reponderação pela Relação da decisão proferida sobre a matéria de facto, com conclusões que foram assim rematadas:</font> </p><p><font>«(…) </font><i><font>tendo o Recorrente sustentado a apelação, quanto à impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 32 e 34 da sentença proferida em 1ª instância, na reponderação de presunções, na violação das regras sobre a repartição do ónus da prova, na errada valoração de uma série de indícios constantes do processo e, acima de tudo, na reapreciação de depoimentos prestados por várias testemunhas em audiência de julgamento, decorre do teor do acórdão que antecede que a Relação não chegou a (re)apreciar efetivamente os meios de prova e os fundamentos indicados pelo recorrente para infirmar a referida matéria dada como provada.</font></i> </p><p><i><font>XIX. Por conseguinte, impõe-se a anulação parcial do acórdão, concretamente na parte em não reapreciou efetivamente os meios de prova e os fundamentos indicados pelo recorrente para infirmar a matéria de facto dada como provada nos pontos 32 e 34 da sentença proferida em 1ª instância, tendo assim ocorrido a violação de direito processual.</font></i><font>»</font> </p><p><font>Também a A interpôs, subordinadamente, recurso de </font><b><font>revista</font></b><font>, cujo objecto delimitou às questões (i) das nulidades do acórdão recorrido, (ii) da reponderação pela Relação da decisão proferida sobre a matéria de facto, ao ter considerado como não provados os factos tidos como assentes e insertos pela 1ª instância nos itens 37 e 38, (iii) da imputação pela Relação de nulidade à sentença e (iv) da verificação dos pressupostos do direito à indemnização reconhecido na alínea c) da sentença de 1ª instância. </font> </p><p><font>Para tanto, formulou conclusões em que sobressaem os seguintes trechos:</font> </p><p><font>«(…) </font><i><font>a circunstância de o julgador em 1ª Instância considerar não provado que a autora em </font></i><b><i><font>julho de 2016</font></i></b><i><font> (negrito nosso), não fosse a atuação do réu teria procedido ao arrendamento do imóvel, e, por essa razão, a esse título deixou de receber, até ao momento (em que entrou a petição inicial) a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), (Artigos 55 e 56 da Petição Inicial), em nada colide com a situação de a Autora pretender destinar o imóvel em causa ao mercado de arrendamento, o poder fazer após a data em que transitou em julgado a sentença homologatória da partilha através da qual o mesmo lhe foi adjudicado, com a respetiva condenação em indemnização pelos prejuízos que daí de advieram, como ocorreu.</font></i> </p><p><font>(…) </font><i><font>9ª- Cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, reequacionar a avaliação da matéria de facto apontada, nos termos do disposto nº 4, do artigo 607º, aplicável por via do disposto no artigo 663, nº 2, todos do NCPC.</font></i> </p><p><i><font>10ª- E, em consequência revogar a decisão contida em I do acórdão de que se recorre.</font></i> </p><p><i><font>11ª – E, após, revogar a decisão contida em II do mesmo acórdão, na medida em que revoga o decidido NA ALÍNEA C) DA SENTENÇA, no respeitante à condenação do Réu a pagar à Autora, a título de indemnização por lucros cessantes, a quantia correspondente, contada desde a data do trânsito em julgado da sentença referida no ponto 2 dos Factos Provados e até à data em que se mostrem pagas as quantias acima referidas nas alíneas a) e b)a pagar à autora, a título de indemnização por lucros cessantes, a quantia correspondente a € 300,00 mensais, contada desde a data do trânsito em julgado.</font></i> </p><p><i><font>12ª- Os factos alegados pela Autora na petição inicial e dados como provados, mostrando que o Réu cometeu culposamente violação ilícita do direito da autora, com</font></i><font> </font><i><font>essa conduta ocasionando um prejuízo à mesma autora, preenchem os requisitos para que se verifique a responsabilidade civil por factos ilícitos - o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano, um nexo causal, um nexo casal entre o facto e o dano.</font></i> </p><p><i><font>13 – Estão preenchidos todos os pressupostos de que depende a imputação ao Réu da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pela Autora.</font></i> </p><p><i><font>14 - A obrigação de indemnização a que o Recorrente se encontra vinculado, é una, proveniente do mesmo facto ilícito.</font></i> </p><p><font>(…)</font><i><font>18ª – A decisão de 1ª Instância considerou, que a Autora pretendia destinar o imóvel ao mercado do arrendamento, que em virtude dos estragos que o imóvel apresentava e que foram causados pelo Réu, ficou impossibilitada de o arrendar, sendo certo que, por esse arrendamento auferia, pelo menos, o montante de € 300 euros por mês.</font></i> </p><p><i><font>16ª – A decisão recorrida não condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. </font></i><font>(…) </font><i><font>Com total conformidade com o disposto nos artigos 5º, nº 1, 607º e 609º do NCPC, bem como, em conformidade com o disposto nos artigos 483º, nº 1, 566º, 562º e 564º, nº 1, do Código Civil.</font></i> </p><p><font>(…) </font><i><font>O Acórdão recorrido assenta, neste particular segmento em que revogou a douta decisão da 1ª Instância, no total vazio da fundamentação, em violação expressa do disposto no artigo 5º, nº 1, 607º, 609º do NCPC, encerrando, assim, uma nulidade nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 615º do mesmo diploma legal.»</font></i></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Importa apreciar e decidir as enunciadas questões. </font> <p><font>A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:</font> </p><p><font>1 - A Autora tem inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e andar, com logradouro (…).</font> </p><p><font>2 - Por sentença proferida em 17.05.2016 e já transitada em julgado, no processo de Inventário/Partilha Judicial (…) foi homologada a partilha nos termos da qual foi adjudicada à Autora a propriedade do prédio referido em 1. </font> </p><p><font>(…) 9 - A Autora foi casada com o Réu, casamento que foi dissolvido por divórcio (…).</font> </p><p><font>10 - Na pendência do divórcio, (…) Autora e Réu convencionaram que, até à partilha, a casa de morada de família, constituída pelo imóvel referido em 1, ficasse atribuída ao Réu.</font> </p><p><font>11 - Após decretado e transitado em julgado o divórcio, foi intentado o processo referido em 2 (…).</font> </p><p><font>12 - A relação de bens no mesmo apresentada era constituída por uma verba única, constituída pelo imóvel referido em 1. </font> </p><p><font>13 - Prosseguindo os seus termos, teve lugar a conferência de interessados na qual, frustrada a tentativa de acordo se procedeu a licitação, e o imóvel veio a ser adjudicado à Autora pelo valor de € 75.000,00.</font> </p><p><font>14 - Elaborado o mapa de partilha, que não mereceu qualquer reclamação, o interessado aqui Réu, em pagamento da sua meação, tinha a receber da Autora, a título de tornas a quantia de € 37.500,00.</font> </p><p><font>15 - O Réu apresentou requerimento nos autos referidos em 2, solicitando que as tornas fossem depositadas.</font> </p><p><font>16 - A Autora procedeu ao depósito das tornas no dia 27 de Abril de 2016 (…).</font> </p><p><font>17 - Nesse mesmo dia, ao final da tarde, a Autora, deslocou-se ao lugar de …, freguesia de …., concelho de …, lugar da situação o imóvel.</font> </p><p><font>18 - A Autora dirigiu-se ao imóvel referido em 1 e verificou que o portão exterior estava danificado, mas fechado à chave.</font> </p><p><font>19 - Perante isso mandou arrombar o portão e, no exterior da habitação deparou-se com os muros da churrasqueira e a própria churrasqueira partidos e a casa-de-banho exterior com as loiças arrancadas e com o tecto e cerâmicas que revestem as suas paredes danificados.</font> </p><p><font>20 - Mandou, em seguida, arrombar a porta de acesso ao andar da habitação e deparou-se com estragos em várias divisões, designadamente na cozinha e na sala.</font> </p><p><font>21 - Nesse dia, não conseguiu aceder ao rés-do-chão da habitação.</font> </p><p><font>22 - Trocou as fechaduras da porta de acesso ao andar, que tinha arrombado, e, no dia seguinte, 28 de Abril, voltou ao local. </font> </p><p><font>23- Aí chegada, conseguiu estroncar a fechadura do portão da garagem, no rés-do-chão, onde se localiza a garagem.</font> </p><p><font>24 - O Réu deixou o portão exterior de acesso ao prédio e todas as portas exteriores da casa e a porta da garagem fechadas à chave, bem como todas as janelas e respectivas portadas fechadas.</font> </p><p><font>25 - A Autora e o Réu separaram-se de facto durante o ano de 2009, altura em que a Autora passou a residir em … e o Réu permaneceu no prédio referido em 1, que até ali constituía a casa de habitação do casal.</font> </p><p><font>26 - Na ocasião referida em 25, o prédio referido em 1 encontrava-se sem estragos ou deteriorações.</font> </p><p><font>27 - O Réu, embora estivesse emigrado, era no prédio referido em 1 que se alojava nas férias ou em períodos que se deslocasse a Portugal.</font> </p><p><font>28 - O prédio referido em 1, na pendência do divórcio e da partilha, esteve entregue e na administração do Réu, tendo este ficado com as chaves e nele estado alojado, juntamente com a sua companheira, onde recebia visitas de familiares e amigos, onde pernoitava, onde tomava as refeições, onde tinha fixada a sua residência e exercia tudo que é inerente à vida doméstica.</font> </p><p><font>29 - E porque usufruía da moradia e dos seus jardins também suportava as corresponderes despesas com consumos de electricidade, gás e água.</font> </p><p><font>(…) 31 - Na data referida em 16, o prédio referido em 1 apresentava os seguintes estragos:</font> </p><p><font>- No exterior do prédio:</font> </p><p><font>a) - Churrasqueira: os muros partidos, o forno, o assador, grelhas, apara cinzas e torneira foram arrancados e levados; </font> </p><p><font>b) - Casa-de-Banho Exterior: foram arrancadas todas as loiças: lavatório com coluna, sanita, base do chuveiro e torneiras; foram danificadas as cerâmicas de revestimento das paredes, que apresentam uma fissura; foram retirados interruptores e luminárias;</font> </p><p><font>c) - Portão de entrada carral: falta uma tampa de caixa de derivação eléctrica;</font> </p><p><font>d) – Jardim: uma oliveira abatida;</font> </p><p><font>e) - Existem tubagens cortadas numa caixa de visita; - Na habitação:</font> </p><p><font>f) Apliques murais: foram arrancados três apliques murais da varanda de entrada;</font> </p><p><font>g) Foi arrancada uma antena UHF;</font> </p><p><font>h) - Rede de distribuição de gás: destruição parcial da rede de alimentação de gás; destruição dos redutores e colectores na cabine própria para as garrafas de gás e destruição de todas as ligações.</font> </p><p><font>i) - Cozinha: todos os móveis de cozinha foram arrancados, incluindo hote de extracção, pia em inox de duas cubas; foram deixadas nas cerâmicas de revestimentos das paredes as furações e fixações dos móveis e demais equipamentos;</font> </p><p><font>j) - Aquecimento central: foram retirados nove radiadores de aquecimento e as torneiras termoestáticas; foi retirada a caldeira do aquecimento central, com corte dos tubos existentes, rente aos muros;</font> </p><p><font>l) - Alarme de intrusão: foi retirado o alarme intrusão, os respectivos cabos, células de detecção nas paredes e sirene de alarme também;</font> </p><p><font>m) - Salão sala de estar: foi danificado o apainelado no local onde estava o móvel bar, em madeira, embutido, que foi destruído; verifica-se o arrancamento dos apliques eléctricos murais; o cabeço lateral da lareira, em granito, encontra-se partido, assim como a padieira da boca de fogo; a pintura das paredes ficou com marcas visíveis da retirada do móvel bar;</font> </p><p><font>n) - Casa de banho comum: foi retirado o resguardo da banheira outrora existente;</font> </p><p><font>o) - Garagem: no portão de entrada da garagem, foi retirada a monotorização eléctrica, com cabos, ligações, fixações e suportes destruídos.</font> </p><p><b><font>32 - Os estragos referidos em 31, als. d), i), j), l), m), n) e o) foram da autoria do Réu</font></b><font>.</font> </p><p><font>33 - O Réu pretendia ficar com a casa, o que não logrou conseguir.</font> </p><p><b><font>34 - O Réu agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que com a sua actuação causava prejuízos à Autora</font></b><font>.</font> </p><p><font>35- A Autora chamou ao local uma empresa que se dedica à construção e reparação de edifícios e solicitou-lhe que lhe fizesse um levantamento dos estragos e que lhe orçamentasse o custo da sua reparação.</font> </p><p><font>36- Que verificou a existência os estragos existentes e orçamentou a sua reparação.</font> </p><p><b><font>37 - A Autora pretendia destinar o imóvel referido em 1 ao mercado do arrendamento.</font></b> </p><p><b><font>38 - O valor da renda mensal deste imóvel, atentas as suas características e localização, seria, pelo menos, de € 300,00</font></b><font>.</font> </p><p><font>39 - Os estragos referidos em 32 impedem a Autora de destinar o imóvel referido em 1 ao mercado do arrendamento.</font> </p><p><font>40 - A Autora sofreu desgosto ao percepcionar os estragos referidos em 31 e viu-se e continua a ver-se confrontada com um sentimento de frustração e é acometida de grande revolta</font> </p><p><font>41 - O Autor trabalha na …, não tendo faltado ao trabalho após o dia 12 de Janeiro de 2016 e até Agosto desse ano.</font> </p><p><font>42 - O Réu retirou do imóvel o móvel do bar, os quadros e telas, sanefas e cortinados.</font> </p><p><font>43 - No processo referido em 2, por despacho de datado de 1.03.2016, foi determinada a notificação da Autora para depositar as tornas no prazo de 10 dias.</font> </p><p><font>44 - Por requerimento entrado naqueles autos em 27 de Abril de 2016, a mandatária da Autora veio alegar que o endereço aposto no aviso para notificação desta se encontrava incorrecto e requerer a repetição da notificação para depósito das tornas.</font> </p><p><font>45 - Em 21.04.2016, o Réu tentou obter, junto de uma instituição de crédito da Suíça, um financiamento bancário de 40.000 francos suíços para depositar nos autos referidos em 2 e para ficar com o imóvel para si.</font> </p><p><font>46 - A Autora não contactou as autoridades para levantamento de auto com suporte fotográfico dos estragos referidos em 31.</font> </p><p><font>47 - O custo de reparação dos estragos referidos em 31, incluindo a colocação dos equipamentos em falta, à excepção do exaustor referido em h), é de € 11.727,50, acrescido de IVA.</font> </p><p><font>48 - O custo de reparação dos estragos referidos nas alíneas d), i), j), l), m), n) e o) do ponto 31, incluindo a colocação dos equipamentos em falta, à excepção do exaustor referido em h), é de € 9.492,50, acrescido de IVA.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Relação, na reponderação que fez de tal decisão, manteve-a quanto aos pontos 32 e 34 e considerou não provados os factos incluídos nos seus pontos 37 e 38.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>1. </font><u><font>As nulidades do acórdão recorrido</font></u><font>.</font> <p><font>A A considera o acórdão recorrido nulo por violação do disposto nos artigos 413º, 607º n° 4 e 5, 608º nº 2 e 615º nº 1 al. b), c) e d), todos do CPC – insuficiência para a decisão da matéria de facto alterada e erro notório da apreciação da prova.</font> </p><p><font>Contrariamente ao entendimento subjacente a esta arguição, as nulidades de sentença (ou de outra decisão) são apenas as taxativamente enumeradas nas diversas alíneas do nº 1 daquele art. 615º.</font> </p><p><font>E, à luz do disposto nas alíneas invocadas pela recorrente, a decisão é nula, respectivamente, quando nela não sejam especificados os fundamentos de facto e de direito que a justificam, quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível e quando nela se conheça de questões de que não se podia tomar conhecimento ou se conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.</font> </p><p><font>Porém, as causas de qualquer dos vícios lógico-formais em causa prendem-se com o erro na construção do silogismo judiciário e não com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável.</font> </p><p><font>Depois, não se podem confundir duas distintas realidades: os fundamentos das questões ou “temas” a decidir e os argumentos ou construções de raciocínio que as partes ou o juiz expõem em defesa das teses ou fundamentos em presença, que devem ser arredados da ponderação sobre a existência de tais vícios. </font> </p><p><font>Posto isto, a única arguição da recorrente que, pertinentemente, atina com tais pressupostos é a da falta de fundamentação da alteração pela Relação da decisão de 1ª instância ao ponto factual 38. No demais, a recorrente nada alega que se possa conexionar com os vícios lógico-formais em causa.</font> </p><p><font>Diz a recorrente que, tendo a decisão de 1ª instância sobre tal matéria sido fundamentada no resultado da prova pericial produzida, a Relação, em momento algum, considerou ou mencionou esse meio de prova, o que fez em clara violação do princípio da aquisição processual.</font> </p><p><font>A arguição da recorrente tem bom alicerce, embora não pelas exactas razões com que veste a sua pretensão. Vejamos.</font> </p><p><font>Os Senhores Desembargadores abordaram em conjunto os factos contemplados nos pontos 37 e 38 e concluíram dever os mesmos ser considerados como não provados por terem reputado os únicos depoimentos testemunhais sobre o alegado objectivo de a A </font><u><font>querer arrendar</font></u><font> a habitação e </font><u><font>o preço a praticar</font></u><font> como vagos, inconsistentes, pouco convincentes, repletos de generalidades, sem concretização do circunstancialismo e contexto em que tal arrendamento se iria processar.</font> </p><p><font>Ora, uma coisa é saber se a A quereria arrendar a habitação mediante determinada renda e outra a de saber o valor locativo do imóvel. Como é evidente, ambas têm autonomia, uma em relação à outra.</font> </p><p><font>E o certo é que aquela motivação apenas alicerça o decidido quanto à alegação contida no ponto 37 (a de a A pretender destinar o imóvel ao mercado do arrendamento), mas não a decisão atinente ao ponto 38 (o valor locativo do imóvel, atentas as suas características e localização). </font> </p><p><font>Realmente, a decisão recorrida alterou a decisão de 1ª instância sobre o valor locativo do imóvel, mas nela nada se diz que possa motivar tal alteração, designadamente nenhuma avaliação é feita sobre o contributo probatório fornecido pela perícia para essa matéria, não obstante a decisão de 1ª instância sobre esse ponto factual ter sido fundamentada na convicção adquirida com base nesse elemento de prova.</font> </p><p><font>Nesses termos, deve o acórdão recorrido ser anulado apenas quanto à decisão proferida sobre o referido ponto factual 38, a fim de vir a ser suprido o apontado vício, consistente na violação do comando processual contido no art. 607º, nº 4, do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2. </font><u><font>A reponderação pela Relação da decisão sobre a matéria de facto (itens 32, 34, 37 e 38)</font></u><font>.</font> </p><p><font>Os Senhores Desembargadores fundamentaram a sua decisão, nesta sede, pelo modo seguinte:</font> </p><p><font>«</font><i><font>Quanto à factualidade vertida nos pontos 32 e 34, os quais respeitam à autoria dos estragos no interior da habitação pelo réu, na casa que foi morada de família e que a autora adjudicou – ouvida e escrutinada a prova testemunhal carreada para os autos, em conjugação com a prova pericial produzida (atinente inclusive à natureza, extensão e valor dos estragos), as diversas fotografias do imóvel juntas aos autos do Apenso, orçamento de reparação do imóvel, bem como as presunções judiciais extraídas pelo Julgador a quo em sede de motivação da matéria de facto, as quais se acolhem</font></i><font>». E depois de concretizarem, detalhadamente, o escrutínio que fizeram de tais meios de prova, à luz das regras da experiência comum e da lógica, concluíram inexistir fundamento para a pretendida alteração desses factos.</font> </p><p><font>E no que concerne aos factos contemplados nos pontos 37 e 38, como já dissemos, concluíram dever os mesmos ser considerados como não provados por terem reputado os únicos depoimentos testemunhais sobre o alegado objectivo de a A querer arrendar a habitação e o preço a praticar como vagos, inconsistentes, pouco convincentes, repletos de generalidades, sem concretização do circunstancialismo e contexto em que tal arrendamento se iria processar.</font> </p><p><font>Mostra-se prejudicada a apreciação da impugnação da decisão sobre a factualidade inserta no item 38, nesta vertente, perante o tratamento que teve anteriormente a questão da invocada nulidade. No demais, vejamos:</font> </p><p><font>Como é sabido, o STJ é, organicamente, um Tribunal de revista, pelo que, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito (art. 46º da LOSJ). Por isso, a sua competência para a cognoscibilidade, em matéria de recurso (de revista), está circunscrita a questões de direito (arts. 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do CPC), não abarcando, pois, a matéria de facto nem as provas em que assentou a decisão que a fixou, excepto quando: 1) a factualidade seleccionada for insuficiente ou deficiente para decidir a questão de direito; 2) haja errada utilização dos meios de prova de que o tribunal dispôs para apreciar a questão de facto, nos casos em que tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova; 3) for violada a lei processual que disciplina os pressupostos e os fundamentos da reponderação pela 2ª instância da decisão sobre a matéria de facto, no sentido de garantir um duplo grau de jurisdição em tal matéria.</font> </p><p><font>Em consequência, ressalvadas tais situações de excepção, no recurso de revista, o Supremo Tribunal não tem competência para sindicar eventuais erros cometidos pelas instâncias na apreciação das provas e na fixação dos factos da causa, razão pela qual não discute a matéria de facto nem as provas em que ela assentou, com excepção das que envolverem a violação de direito probatório material.</font> </p><p><font>Ora, resulta do acima exposto que os Senhores Desembargadores formaram a respectiva convicção quanto à veracidade, ou não, dos factos questionados pelos recorrentes com base no exame crítico de um diversificado acervo de elementos de prova – testemunhal, pericial e também documental – todos eles sujeitos à livre apreciação do julgador.</font> </p><p><font>Perante o sentido que o teor literal dos citados preceitos imediatamente inculca, não pode sustentar-se que os limites pelos mesmos impostos, quanto ao julgamento em revista, não constituem obstáculo a que o Supremo Tribunal exerça também censura sobre a decisão da Relação que, em concreto, modifique ou deixe de modificar a matéria de facto. </font> </p><p><font>Segundo pensamos, os recorrentes não lograram evidenciar a errada utilização dos meios de prova nem a violação da lei processual, antes se limitaram a discordar da convicção formada, com autonomia e na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação da prova, no julgamento concretizado pela Relação, no que concerne à matéria factual em crise, com base na análise crítica dos elementos de prova produzida, essencialmente obtidos através de depoimentos (testemunhais), complementados com as ilações extraídas de outros dados fornecidos pelo processo, pelo que essa decisão foi assente em meios considerados no conjunto da prova produzida, submetidos à livre apreciação dos julgadores e cuja análise crítica, relativamente a cada um dos depoimentos e outros dados, não ficou por explicitar, para evidenciar a convicção formada. </font> </p><p><font>Por outro lado, essa decisão assentou em juízos em que intervêm, apenas, elementos de índole fáctica e a que não subjaz a valoração de elementos probatórios à luz da normatividade, ou a consideração de factos de prova legalmente vinculada a meio obrigatoriamente diverso dos invocados para a formação da convicção do Tribunal, o que constituiria matéria de direito: na reponderação que fizeram, os Srs. Desembargadores não deixaram de fixar livremente a força probatória </font><a></a><font>dos elementos probatórios submetidos ao seu exame. </font> </p><p><font>Além disso, essa análise não pode ser qualificada de obscura ou não conscienciosa ou que a Relação não tenha abordado os pontos da matéria de facto impugnados, procedido ao exame dos depoimentos gravados nem extraído dos factos apurados as ilações que teve por adequadas à luz das regras da experiência, enfim, que não tenha efectivado um segundo grau de jurisdição na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes e adquiridos pelo Tribunal.</font> </p><p><font>Como se viu, não estando em causa a eventual ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, a decisão recorrida incide, simplesmente, sobre matéria de facto, não cognoscível pelo Supremo, ao qual é vedado sindicar os juízos ou as valorações das provas cumpridas pela 2ª instância: uma vez observado que foi o dever de reponderar a decisão proferida sobre a matéria de facto e nada havendo a censurar à legalidade dessa apreciação, também não pode este Tribunal avaliar o seu acerto.</font> </p><p><font>Por isso, não tem fundamento a censura que ambos os recorrentes endereçam ao acórdão recorrido nesta vertente, quanto aos itens 32, 34 e 37. &nbsp;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>3. </font><u><font>A imputação pela Relação de nulidade à sentença</font></u><font>.</font> </p><p><font>A A pediu na acção que o R fosse condenado a pagar-lhe, além do mais, a quantia que viesse a liquidar-se por perdas e danos, tendo para tanto alegado que pretendia destinar a casa ao mercado do arrendamento, e até já tinha potenciais arrendatários, o que teria feito em Julho de 2016, sendo o valor da renda mensal desse imóvel, atentas as suas características e localização, superior a € 300, mas o estado de deterioração em que o imóvel se encontra impede-a de o destinar ao mercado do arrendamento.</font> </p><p><font>Em 1ª instância ponderou-se que, «</font><i><font>no caso, ao retirar do imóvel o mobiliário e outros equipamentos que estavam materialmente ligados, o Réu </font></i><b><i><font>privou a Autora do seu uso</font></i></b><i><font>, para além de provocar estragos no imóvel, o que, por atentar contra o disposto no art.º 1406.º, n.º 1, do Código Civil, consubstancia uma actuação ilícita</font></i><font>», sendo «</font><i><font>indiscutível que a actuação do Réu funcionou como condição necessária à produção do dano</font></i><font>» e estarem preenchidos todos os demais pressupostos da responsabilidade do R pelo ressarcimento de tal dano.</font> </p><p><font>E apesar de a A ter formulado tal pedido de condenação em termos genéricos, em quantia a liquidar ulteriormente, o Senhor Juiz considerou demonstrado «</font><i><font>que, em virtude dos estragos que o imóvel apresenta e que foram causados pelo Réu, a Autora ficou impossibilitada de arrendar o imóvel, sendo certo que, com esse arrendamento, auferiria, pelo menos, o montante de € 300,00 por mês</font></i><font>», tratando-se, «</font><i><font>por isso, de um lucro cessante, que cumpre ressarcir, pelo período que medeia entre o trânsito em julgado da sentença referida no ponto 2 dos Factos Provados e o pagamento do custo da reparação necessária a repor o imóvel no estado em que se encontrava</font></i><font>».</font> </p><p><font>A Relação entendeu que a sentença, «</font><i><font>ao condenar o réu nos termos constantes da alínea c) da decisão, acaba por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento e condenar o réu em objeto diverso do pedido, o que consubstancia as nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artº 615º do CPC</font></i><font>», uma vez que «</font><i><font>do escrutínio dos pedidos formulados pela autora na petição inicial resulta que a mencionada causa de pedir (itens 52º a 56º da petição inicial) não tem qualquer repercussão ou correspondência com o pedido formulado, limitando-se a autora a formular um pedido genérico de condenação do réu em indemnização por perdas e ganhos que vier a liquidar-se em execução de sentença</font></i><font>», «</font><i><font>não tendo a Autora em lado algum do seu pedido reivindicado a condenação do Réu a indemnizá-la pelo valor correspondente à renda mensal do imóvel</font></i><font>», «</font><i><font>sendo que, até final, a autora não ampliou ou alterou, de qualquer forma processualmente admissível, os pedidos formulados na petição inicial</font></i><font>».</font> </p><p><font>A A/recorrente objecta agora que a decisão de 1ª instância não condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (conclusão 16ª), ao invés do que se entendeu no acórdão recorrido.</font> </p><p><font>Pensamos que a recorrente, no essencial, tem razão:</font> </p><p><font>Por um lado, o pedido genérico formulado pela A atinente ao ressarcimento de “</font><u><font>perdas e danos</font></u><font>”, em quantia a liquidar posteriormente, não poderia deixar de ser entendido por um declaratário normal colocado na posição do R como referente à alegação da demandante de ter ficado impedida, em virtude da deterioração do imóvel, de realizar o seu desígnio de o destinar ao mercado do arrendamento (mediante renda mensal superior a € 300).</font> </p><p><font>Por outro lado, o princípio do dispositivo não constitui obstáculo a que o juiz, confrontado com um pedido genericamente formulado, o concretize na decisão condenatória – ainda que apenas parcialmente, como se fez nas alíneas b) e c) da sentença de 1ª instância em causa –, estribado nos dados fornecidos pelo processo até ao momento do encerramento da discussão, incluindo os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, desde que sejam acatados os limites da condenação impostos pelo art. 609º do CPC e sejam conhecidas todas e apenas as questões ou pretensões cuja apreciação seja suscitada, apenas com base nos factos essenciais que as partes tenham alegado, mas sem que o juiz esteja sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf., também, arts. 5º, 608º/2 e 611º do mesmo código).</font> </p><p><font>E foi o que fez o Senhor Juiz na sentença destes autos.</font> </p><p><font>Assim sendo, para além
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> <br> "A", e B propuseram contra C e D acção a fim de ser os condenar em indemnização a liquidar em execução de sentença para ressarcimento dos danos provocados por ambos, na sua actuação como advogados, com a sua conduta reprovável, em adulterar a verdade e causar a demora da aplicação da justiça, ocasionando a ambas uma situação de carência financeira, repercutindo- -se, na primeira, na falta de crédito na praça e encargos tidos para pagamento da renda e, na segunda, com a falta de pagamento do seu ordenado de gerente.<br> Contestando, o primeiro réu excepcionou a nulidade do processo (ineptidão da petição inicial), impugnou e reconveio pedindo que as autoras sejam condenadas solidariamente a lhe pagarem a indemnização de 5.000.000$00 pelos danos não-patrimoniais já sofridos e a sofrer, acrescida de juros de mora desde a data da reconvenção.<br> As autoras desistiram, por termo, do pedido em relação ao segundo réu, homologado por sentença.<br> Prosseguindo a acção, foi o réu absolvido da instância, por ineptidão da petição inicial, continuando para conhecimento da reconvenção, a qual procedeu totalmente.<br> Após incidentes vários, a autora B apresentou requerimento a interpor recurso de apelação, que se diz subscrito por advogado (fls. 243), cuja assinatura foi arguida de falsa (fls. 263 a 265), tendo o mandatário confirmado a autoria da assinatura naquele (fls. 284), o qual renunciou ao mandato (fls. 315). Instaurado, para conhecimento da falsidade, procedimento criminal (fls. 288, 340, 367 e 370).<br> Do despacho de admissão da apelação agravou o réu, recurso que foi admitido.<br> Negado provimento ao agravo, ordenando-se a comunicação à Ordem dos Advogados, para os fins tidos por convenientes, relativamente ao mandatário do réu, e concedida, em parte, a apelação alterando-se o valor da indemnização para 2.000.000$00 (9.975,95€).<br> Inconformados, mandatário e réu recorrem suscitando aquele, nas alegações, questão prejudicial quanto à decisão do agravo.<br> Sem contraalegações.<br> Colhidos os vistos quanto à questão prejudicial.<br> <br> Decidindo: -<br> <br> 1.- Contrariamente ao disposto no art. 687-4 CPC, foi admitido o agravo do despacho que admitiu a apelação e a Relação dele conheceu não o tendo revogado.<br> O que subjazia ao inconformismo do réu era, todavia, questão que, a proceder, teria como consequência o trânsito em julgado da sentença que julgara totalmente procedente a reconvenção, a menos que pudesse ser suprida a falta e, in casu, atenta a natureza pessoal da assinatura e a renúncia, não o pode; por outras palavras, não ter sido o requerimento de interposição de recurso, a obrigatoriamente ser subscrito por advogado (CPC- 32,1 c)), por quem com legitimidade profissional para exercer o patrocínio judiciário.<br> Irreleva, para efeito desta acção, conhecer, caso tenha havido falsidade, saber a quem imputar a sua autoria. Importante é poder adquirir-se como dado seguro se da autoria da assinatura é de excluir quem dela se arroga. A dever suceder tal, tem a instância de extrair a pertinente consequência.<br> A ter havido trânsito da sentença, não só a apelação era inadmissível (CPC- 677 e 676-1) como irrelevante a sua decisão (CPC- 675,1).<br> Ainda quando se admitisse a possibilidade de suprimento da falta de patrocínio, teria de ser a instância a afirmá-lo e a proceder à regularização.<br> De qualquer modo, sendo declarada falsa a assinatura, nada poderá, após a arguição da sua falsidade, ser aproveitado.<br> <br> 2.- Como se referiu, o agravo era inadmissível. Inadmissível ainda, face à implicação que a eventual procedência da arguição de falsidade comporta, que a Relação emitisse, a tal respeito, um juízo de probabilidade ou de verosimilhança gráfica (fls. 390).<br> Quer pelo recurso ao disposto no art. 97-1 quer do art. 279-1, ambos do CPC, tinha a Relação o dever ou de sobrestar no conhecimento do recurso de apelação ou de suspender a instância e, quanto à comunicação à A. apenas com mais seguros e melhores elementos, tomar posição.<br> Admitido que fora o recurso de agravo, cumpria à Relação rejeitá-lo.<br> Admitida que fora a apelação, cumpria à Relação, a fim de proferir despacho a recebê-lo ou não, conhecer se a decisão transitara.<br> Não se está no domínio de matéria disponível e, menos ainda, de nulidade pelo que não tem de se colocar a questão da (des)necessidade de ser arguida, mas face a um eventual trânsito e sua consequência.<br> Por outro, o réu apelando defende a reposição da sentença - esta, a ter havido trânsito, não terá de ser reposta, será a única com eficácia de caso julgado.<br> Há, pois, que anular o processo desde o despacho de fls. 381, inclusive, e devolver o processo à Relação para aí prosseguir, se possível, com os mesmos Exº Juízes Desembargadores.<br> <br> Termos em que, por proceder a questão prejudicial, se anula o processo desde o despacho de fls. 381, inclusive e se devolve o processo à Relação para aí prosseguir, se possível, pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores.<br> <br> Custas a final.<br> <br> Lisboa, 18 de Maio de 2004<br> Lopes Pinto<br> Pinto Monteiro<br> Lemos Triunfante</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <p>I - "A" intentou acção com processo ordinário contra B; C; D, pedindo que sejam declaradas nulas ou anuladas todas as deliberações tomadas na Assembleia de 26.12.01; sejam declaradas ilegais as decisões da 2ª ré tomadas enquanto Presidente da Mesa da Assembleia Geral de 26.12.01; seja declarada falso o teor da acta dessa Assembleia, como excepção das deliberações e votos expressos aí referidos. Subsidiariamente, para a hipótese de improcedência do 2º pedido, pede que sejam julgadas ilegais as decisões da Mesa da Assembleia Geral. </p><p>Alegou factos tendentes a demonstrar que devem ser anuladas as decisões e deliberações tomadas, na Assembleia Geral em questão. </p><p>Em contestação, os réus excepcionaram a ilegitimidade das 2ª e 3ª rés e, impugnando os factos, sustentaram que a acção deve improceder e o autor ser condenado como litigante de má fé. </p><p>O processo prosseguiu termos, tendo no despacho saneador sido as 2ª e 3ª rés consideradas partes ilegítimas e absolvidas da instância. </p><p>Dessa absolvição e ainda do despacho que ordenou o desentranhamento da réplica, agravou o autor. </p><p>Teve lugar audiência de julgamento, sendo proferida decisão que decidiu pela improcedência da acção. </p><p>Apelou o autor. </p><p>O Tribunal da Relação negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença. </p><p>Inconformado, recorre o autor para este Tribunal. </p><p>Formula as seguintes conclusões:<br> - A intervenção do notário na Assembleia não se limita à simples transcrição do declarado por quem a dirige para um documento a que se atribui a força pública, mas antes ganha sentido e alcance apenas e tão só na medida em que garante que o que aí narrou corresponde, de facto, à realidade;<br> - Daí decorre que o que verdadeiramente se pretende com a documentação notarial da acto não é a sua força probatória plena, entendida esta como um fim em si mesmo, mas antes tudo aquilo que lhe é subjacente - a garantia de que o exarado em acto é certo, genuíno e conforme ao ocorrido, porque foi aí atestado por uma autoridade pública, isenta e independente;<br> - Para além disso, não é indiferente, para quem o requer, a presença na Assembleia de alguém estranho aos cooperantes, ainda por cima investido de uma autoridade pública no que se refere à certificação de declarações, certo como é que o notário não se limita a narrar o declarado pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, mas antes pode e deve atender, fazendo incluir na acta, às menções que qualquer associado lhe peça;<br> - A presença do notário dá, assim, garantias ao cooperante que os seus direitos na Assembleia não possam ser grosseiramente violados ou, se o forem, que tais violações não deixaram de ser atestadas na própria acta, nos termos do disposto no nº 7 do artigo 46º do Código do Notariado;<br> - Assim, se o que se pretendeu conferir ao sócio ou, como in casu, ao cooperante, quando se lhe atribuiu o direito de exigir a documentação notarial da acta, foi uma especial garantia de autenticidade e credibilidade, em termos tais que lhe permitam crer que, atenta a sua elaboração por uma autoridade pública, será a mesma conforme ao efectivamente ocorrido na Assembleia, apenas quando demonstrado que o exercício desse direito não teve como escopo a prossecução desta finalidade, mas antes objectivo diverso, em prejuízo de interesses alheios, se poderá atribuir carácter abusivo à pretensão de ver sancionada a sua violação, com a consequente anulação de todas as deliberações sociais;<br> - Não resultando dos autos demonstrado um único facto de onde se possa retirar ter o recorrente visado prosseguir qualquer outro fim que não o de garantir a autenticidade e conformidade da acta com o ocorrido na Assembleia, resultando antes ter a própria recorrida considerado que o pedido de documentação da acta por notário correspondia ao exercício normal de um direito conferido por lei (certo como é que nunca pôs em causa a sua existência ou exercício legítimo), não pode o mesmo exercício ser considerado abusivo;<br> - Violado que foi esse direito, e carecida que está a acta da certeza e autenticidade que apenas a intervenção notarial lhe poderia conferir, não pode, assim, ser negado ao requerente o correlativo direito a ver anuladas todas e cada uma das deliberações exaradas no documento particularmente elaborado pela Assembleia com fundamento no abuso de direito consubstanciado na ausência de prova da desconformidade entre o narrado na acta e o efectivamente ocorrido na Assembleia;<br> - Na verdade, tendo sido, como foi, requerida a documentação notarial da acta, e tendo tal pretensão sido indevidamente desatendida, seguindo-se a reunião sem assistência do oficial público e documentada unicamente por acta lavrada no livro respectivo, invocada tal ilegalidade, não pode admitir-se como meio de prova das deliberações tomadas na reunião a acta lavrada pela Assembleia;<br> - Donde decorre que, da circunstância de não ter sido julgado demonstrada a desconformidade entre o narrado na acta e o ocorrido na Assembleia não resulta, só por isso, o inverso, isto é, a sua conformidade;<br> - Pelo contrário, exigida que foi, pelo recorrente, a documentação notarial da acta e não tendo esta sido elaborada de acordo com essa pretensão, jamais poderá a acta ilegalmente realizada pela Assembleia constituir meio de prova do ocorrido nessa reunião e, muito menos, poderá ser atribuído à recorrida o benefício de dar como demonstrada a conformidade de tudo o que, em violação do direito do recorrente, aí se permitiu descrever como correspondendo ao que de facto ocorreu;<br> - Não tendo a requerida intervenção notarial sido assegurada pela recorrida, tornou-se, por isso, indemonstrável a conformidade entre tudo o que de relevante ocorreu na Assembleia e o relato da acta certo como é que, tendo esta sido elaborada através de um mero instrumento particular, é, então, necessariamente ilegal;<br> - A ser sufragado o entendimento perfilhado no acórdão sob recurso, o recorrente, que viu negado o seu direito e interesse a ver documentado na acta, com a força e autenticidade conferida pela autoria do notário, tudo aquilo que de relevante efectivamente sucedeu nessa Assembleia, vê-se forçado a ter que demonstrar a desconformidade entre o ocorrido e o narrado, sob pena de esse seu direito não merecer a correlativa tutela legal, sancionando-se a ilegalidade cometida com a respectiva violação;<br> - A pretendida anulação das deliberações sociais, longe de ser abusiva, mais não é do que o corolário e consequência lógica da violação de um direito legalmente atribuído ao recorrente e por este exercido à luz e na prossecução do interesse para o qual lhe foi consagrado;<br> - Da mesma forma, não é pelo facto do recorrente ter aceite a existência das deliberações, votações e sentidos de voto exarados na acta que será abusivo o seu direito de exigir a anulabilidade, certo como é que a acta não se reconduz nem se esgota nas deliberações aprovadas ou nas respectivas votações, mas constitui antes um documento de tudo o que de relevante aconteceu na reunião;<br> - O interesse do recorrente na documentação notarial da acta, tal como o de qualquer sócio que o requeira, não se cinge ou consome, assim, na garantia de autenticidade das deliberações, votações e sentidos de voto, mas vai mais longe que isso, pretendendo ver essa autenticidade alargada a todo e qualquer facto que, na Assembleia, tenha assumido a relevância necessária para que desse documento venha a constar, interesse que redobra de sentido quando, como é o caso, a Assembleia foi precedida de uma tentativa do recorrente colher informação sem êxito, na extensão e com o conteúdo pretendido;<br> - Com efeito, não basta então que a mera contagem dos votos esteja certa em relação às propostas de deliberação. É preciso mais. E esse mais não deixaria de existir se o notário estivesse estado presente na Assembleia;<br> - Aliás, se assim não fosse, isto é, se, como o acórdão concluiu, o que interessa é que as deliberações tomadas estejam consignadas em acta, então é absurdo e ininteligível o argumento que, não provada a desconformidade, nada há a anular;<br> - E o reconhecimento efectuado, de boa fé pelo recorrente de que algumas das deliberações tomadas e os votos expressos constantes da acta irregular correspondem ao ocorrido não pode reverter contra si próprio no sentido de ser reconhecida a essa acta virtualidades de demonstração quer de todas as deliberações aí tomadas quer do que de relevante se passou naquela Assembleia;<br> - Do exposto resulta, assim, inexistir qualquer abuso no exercício do direito do recorrente a anular todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 26.12.01, contidas na acta junta aos autos e ilegalmente lavrada, pelo que, assim o decidido violou o acórdão sob recurso, por errada interpretação e aplicação, o disposto no artigo 334º do C. Civil, bem como os artigos 63º nº 7 e 58º nº 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais;<br> - Resultando demonstrado na matéria de facto assente na sentença, por um lado, que apenas alguma da documentação solicitada pelo recorrente à recorrida cooperativa, como forma de formar e esclarecer a sua convicção acerca das deliberações a apreciar na Assembleia Geral, lhe foi facultada e, provado que está também, por outro, não lhe terem sido facultadas cópias da documentação a que teve acesso, forçoso será concluir ter sido, dessa forma, violado o seu direito à informação;<br> - A circunstância da recorrida ter colocado à disposição do recorrente listagens ou resumos com informação incompleta em relação à que havia sido pedida e, depois, no momento da disponibilização, lhe recusar uma fotocópia dessas poucas listagens é, claramente, uma forma de impedir o associado de aceder à informação, em termos de poder tomar conhecimento e tratá-la com utilidade, isto é, reflectir sobre esses elementos e efectuar operações aritméticas que permitam criticar ou concordar com o que está inscrito no orçamento a esse respeito;<br> - Efectivamente, bastará olhar para a relação que a recorrida juntou aos autos como tendo sido a que foi facultada ao recorrente nessa visita, o que este não aceitou, nem aceita, pois não eram estas para aquilatar da impossibilidade ou extrema dificuldade de um associado poder tomar conhecimento e reter toda essa informação em termos de lhe ser possível formular um qualquer juízo, criterioso e consciente, sobre as verbas inscritas no orçamento;<br> - A informação deve permitir a avaliação do grau de eficiência das administrações, gerências ou direcções, não só pelos resultados obtidos, mas também pela forma e modo de aplicarem os recursos económicos à sua disposição, designadamente no que se refere à oportunidade e segurança e, antes disso, no caso dos orçamentos, deve permitir aos cooperantes balizar à direcção os objectivos para o exercício seguinte e os meios financeiros disponíveis para o efeito;<br> - A clareza é, de facto, a qualidade essencial da informação proporcionada pelas demonstrações financeiras. Só assim essa informação será compreensível a todos os seus utentes. No entanto, a sua utilidade depende principalmente de características qualitativas: a relevância e a fiabilidade. A relevância é a qualidade que permite influenciar as decisões dos utentes da informação, ao ajudá-los a avaliar os acontecimentos passados, presentes e futuros ou a confirmar ou corrigir as suas anteriores avaliações. A relevância está intimamente ligada à materialidade e à oportunidade. A informação é de relevância material se a sua omissão ou erro forem susceptíveis de influenciar as decisões dos seus utentes; não terá relevância a informação apresentada com atraso. Assim, a relevância é determinada pela natureza ou qualidade da informação enquanto a materialidade depende da dimensão dessa informação, enquanto a oportunidade está relacionada com a tempestividade do relato. A fiabilidade é a qualidade que liberta a informação de erros materiais e de juízos prévios, permitindo-lhe relatar os factos patrimoniais de acordo com a sua substância e realidade económica e com neutralidade;<br> - Materializando-se, sobre mais, o direito à informação concedido ao recorrente na faculdade de obter cópias dos documentos relevantes à formação da sua convicção sobre as deliberações a aprovar, tal direito não pode deixar de ser considerado violado sempre que, como in casu, tais cópias lhe são negadas sem justificação;<br> - Mesmo que se desse à acta eficácia probatória plena quanto à materialidade e à exactidão do que aí consta, o que não se concede, mesmo assim do seu teor resultava a insatisfação do pedido de informação do recorrente quanto à matéria abordada neste capítulo das alegações - despesas de professores, funcionários e directores e receitas dos alunos - não sendo despiciendo trazer à colação que sendo a recorrida a obrigada a prestar a informação, a ela lhe incumba o ónus da prova da sua satisfação (artigo 799º do C. Civil);<br> - A violação do direito à informação do recorrente acarreta, assim, a anulabilidade de todas e cada uma das deliberações tomadas na reunião de 26.01.01, nos termos dos artigos 289º nº 1, alínea c), 290º e 56º nº 1, alíneas a) e c) do CSC e 33º do Código Cooperativo, pelo que o acórdão recorrido fez menos correcta interpretação e aplicação desses preceitos à matéria de facto dada como demonstrada na sentença;<br> - A acta não fideliza a intervenção do recorrente, pois não a resume de uma forma correcta e inteligível, face ao que dela consta e à matéria de facto assente e ainda à forma como deve ser lavrada, de acordo com a melhor interpretação do artigo 63º do CSC;<br> - Aliás, o recorrente fez mais do que contraprova do que consta erradamente ou de modo desconforme do teor da acta, como avulta também do que se prende com a deliberada redenominação do capital social e deliberação de aprovação da acta, a qual nem dela consta, pelo que, data venia, deveria ter sido julgada a desconformidade entre o seu teor e o ocorrido de acordo com o peticionado. </p><p>Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido. </p><p>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. </p><p>II - Vem dado como provado: </p><p>A ré cooperativa foi constituída por escritura celebrada no dia 18 de Dezembro de 1987, sendo o seu objecto a promoção da cultura e a investigação pedagógica, ministrando especificamente os ensinos pré-escolar, básico, secundário e superior, em cursos normais, intensivos ou ad-hoc; </p><p>Foram seus associados fundadores e continuam a sê-lo com exclusão de quaisquer outros, os seguintes: Eng. A; Dr.ª E; Dr. F; Dr.ª G; Tenente Coronel H, actualmente presidente da mesa da assembleia geral; Dr. I, actualmente presidente do conselho fiscal; Dr.ª D, actualmente secretária da mesa da assembleia geral; Dr.ª J, actualmente tesoureira da direcção; e Dr:ª L, actualmente presidente da direcção; </p><p>No dia 4 de Dezembro de 2001, o autor recebeu, por carta, a convocatória para uma Assembleia Geral a realizar no dia 26 de Dezembro de 2001, pelas 19 horas, nas instalações da ré cooperativa sitas na Rua de Diu, nº.s , Porto, com a seguinte ordem de trabalhos: </p><p>"Apreciação e votação do orçamento e plano de actividades para o ano de 2002 e correspondente parecer do Conselho Fiscal"; </p><p>"Redenominação do capital social da Cooperativa B, nos termos do Dec-Lei 343/87, de 6 de Novembro"; </p><p>Com a convocatória, datada de 3 de Dezembro de 2001 e enviada sob registo postal, vinham cópias do orçamento, do plano de actividades para o ano de 2002 e do parecer do conselho fiscal; </p><p>No dia 10 de Dezembro de 2001, o autor enviou à ré cooperativa, na pessoa das presidentes da direcção e da mesa da assembleia geral, cartas registadas com AR, que foram recebidas, solicitando a presença de notário na reunião convocada e disponibilizando-se a pagar as competentes despesas; </p><p>No dia 12 de Dezembro de 2001, o autor enviou à ré cooperativa, sob registo postal e aviso de recepção, duas cartas, uma à presidente da direcção e a outra à presidente da mesa da assembleia, que foram recebidas, do seguinte teor: </p><p>"O orçamento que nos foi enviado não permite uma apreciação atenta pois enferma das mesmas carências que apontamos nos orçamentos anteriores. Agradecemos as seguintes informações, com antecedência suficiente à Assembleia Geral a fim de as podermos analisar: </p><p>1 - Relação dos professores, sua qualificação, vínculo, carga horária e remuneração; </p><p>2 - Relação dos funcionários, sua categoria profissional, vínculo, horário semanal e remuneração; </p><p>3 - Número de alunos que frequentaram as Escolas de Cadouços e Diu, por anos, agrupamentos e cursos, no ano lectivo 2000-2001 e as que frequentam em Dezembro de 2001 do presente ano lectivo 2001-2002; </p><p>4 - Capacidade das escolas autorizadas pelo DES e os precisos termos em que esta foi concedida; </p><p>5 - Informações fornecidas pela última inspecção sobre instalações e equipamento; </p><p>6 - Os elementos que integram as direcções das escolas, e a sua remuneração, com detalhe da verba 3.1.3.2. Direcção das Escolas de 16.632.000$00; </p><p>7 - Os elementos adjuntos das direcções e as suas remunerações; </p><p>II - Sendo equacionado no Orçamento e Plano de Actividade a eventual aquisição de um imóvel sem haver um Plano e o conhecimento das imposições que a tutela fez à Escola, pretendemos saber:<br> A) Memória Descritiva e Justificativa sobre o imóvel a comprar e do que se espera dele;<br> B) Estudo Económico da compra e amortização; </p><p>Estes estudos, entre outros que o caso particular aconselhe, devem conter os seguintes elementos: </p><p>1 - Proposta ou propostas recebidas; </p><p>2 - Preços dessas propostas; </p><p>3 - Forma de pagamento; </p><p>4 - Área construída projectada; </p><p>5 - Área de construção; </p><p>6 - Área total do terreno; </p><p>7 - Distância à actual escola; </p><p>8 - Descrição do estado da construção; </p><p>9 - Plantas cotadas dos pisos; </p><p>10 - Obras presumíveis a realizar; </p><p>11 - Número de salas que se podem realizar de imediato e a médio prazo; </p><p>12 - Custo dessas intervenções; </p><p>13 - Plano de utilização dessas instalações; </p><p>14 - Número de alunos presumíveis e expansão prevista - Básico e secundário; </p><p>15 - Situação da capacidade concedida pela DREN; </p><p>16 - Número de salas (ou outras dependências) que se consideram necessárias; </p><p>III - Equipamento didáctico e administrativo - 24.000.000$00; </p><p>Sendo esta verba elevada, solicitamos a descrição sucinta e realista do equipamento que se prevê comprar; </p><p>IV - A criação de novos cursos não pode ficar ao arbítrio da Direcção. A proposta da Direcção deve ser sujeita à Assembleia. Solicitamos informação se é esta a leitura que podemos fazer do Plano de Actividades; </p><p>V - Dado o valor elevado do custo com as comunicações, pretendemos saber a sua repartição pelo menos pelas seguintes verbas: correio, telemóveis e outros; </p><p>Dado o valor anómalo do IVA solicitamos informações dos professores presumivelmente a IVA. </p><p>No dia 19 de Dezembro de 2001, o autor recebeu da ré cooperativa carta, enviada sob registo a 18 de Dezembro de 2001, pela qual a ré cooperativa comunicou o seguinte: </p><p>I - "Todos os elementos pedidos, de que dispomos, estão à sua disposição na sede da B, para consulta. Só agradecemos que nos avise antecipadamente do dia e da hora em que se deslocará à nossa sede, para essa consulta, para podermos ter alguém presente que lhe faculte os referidos documentos; </p><p>II - Quanto ao ponto II da sua carta, vimos esclarecê-lo de que nada de concreto se verificou até hoje; </p><p>III - Mantemos o propósito de adquirir um imóvel, pelo que grande parte da verba prevista de 24.000.000$00 se destinará ao equipamento necessário, se porventura a compra se vier a realizar. Para além disso prevê-se a aquisição de equipamentos vários para as casas já existentes; </p><p>IV - Está nos poderes da Direcção a criação de novos cursos; </p><p>V - Quanto ao custo com as comunicações, não é possível discriminá-las com rigor. No que diz respeito ao IVA, encontrará resposta nos documentos postos à disposição para consulta"; </p><p>No dia 20 de Dezembro de 2001, o autor enviou ao presidente da direcção da ré cooperativa, sob registo postal e com AR, carta do seguinte teor: </p><p>"Esta carta não responde minimamente às informações por nós solicitadas na nossa carta de 21.12.2001. A todas elas se pode responder com elementos escritos de acesso directo que devem existir na escola. Mas a Direcção, à semelhança do que tem feito em anos anteriores, continua a esconder elementos essenciais à apreciação do Orçamento e Plano, sobretudo fornecendo-nos informações não verdadeiras ou evasivas. Numa última tentativa para ter acesso à informação de que carecemos, deslocar-nos-emos à sede da sociedade, à Rua de Diu, nos dias 21 e 24, únicos dias disponíveis antes da Assembleia. Esperamos que esteja alguém da Direcção que nos possa exibir e fornecer os elementos e documentos solicitados": </p><p>No dia 21 de Dezembro de 2001, pelas 10 horas, o autor, na companhia dos associados Dr.ª E e Dr. F, deslocou-se às instalações da ré cooperativa sitas na Rua de Diu; </p><p>O autor solicitou fotocópias de documentos que então estavam disponíveis, o que lhe foi negado; </p><p>No dia 26 de Dezembro de 2001, pelas 19 horas reuniram na sede social todos os associados da ré cooperativa; </p><p>A mesa da Assembleia era composta pelas associadas Dr.ª C, que presidia, e pela Dr.ª D, que secretariava; </p><p>Logo no início, a presidente da mesa comunicou aos presentes que não tinha sido possível conseguir a presença de notário, conforme havia sido requerido pelo autor, apesar das diligências efectuadas, acrescentando não ser fácil trazer notários quando acabam como réus; </p><p>O autor fez saber que não abdicava da presença do notário e que, se a reunião não fosse adiada, ficava na assembleia sob protesto; </p><p>Não obstante, a presidente da mesa deu início aos trabalhos e pôs à disposição o Orçamento e Plano e Parecer do Conselho Fiscal; </p><p>O autor possui um documento do seguinte teor: </p><p>"Com vista a habilitar-nos a votar o 1º ponto da ordem de trabalhos da Assembleia Geral convocada para 26.12.2001, solicitámos, por carta de 12.12.2001, que nos fossem fornecidos informações necessárias à análise dos documentos a votar. </p><p>Dizem estas questões essencialmente respeito às grandes verbas, as verbas sensíveis, que são as receitas de propinas de alunos e despesas com professores e outro pessoal. </p><p>Nos anos anteriores, em Assembleias de deliberação do Plano e Orçamento tem-se verificado um cercear do nosso legítimo direito à informação através de vários entraves e expedientes que não vem ao caso agora analisar. </p><p>Interessa reter que os orçamentos anteriores nada têm a ver com a realidade e os desvios percentuais entre os valores orçamentados e os resultados do exercício falam por si: </p><p>Ano 1992 - 5589%; Ano 1993 - 5885%; Ano 1994 - 5775%; Ano 1995 - 5478%; Ano 1996 - 5692%; Ano 1997 - 1608%; Ano 1998 - 4339%; Ano 1999 - um positivo e outro negativo diferindo de 61.074.497$00; Ano 2000 - um positivo e outro negativo diferindo de 32.612.517$00. </p><p>Porque assim é temos pretendido analisar os orçamentos com o rigor necessário para que as verbas orçamentadas correspondam às obtidas a partir dos valores de cálculo previstos. </p><p>A título de exemplo as receitas dos alunos de propinas de inscrição e frequência são fixadas no orçamento em 122.949.500$00 quando o valor obtido a partir dos "pressupostos" obtido pelo somatório dos produtos do número de alunos pelas propinas de inscrição e frequência dá 106.031.000$00, com uma diferença para mais de 16.918.500$00. </p><p>Eis porque se torna essencial possuir os elementos que solicitámos. </p><p>Os pedidos de informação, por nós solicitados na carta de 12.12.2001 eram os seguintes: </p><p>1 - Relação dos professores, sua qualificação, vínculo, carga horária e remuneração; </p><p>2 - Relação dos funcionários, sua categoria profissional, vínculo, horário semanal e remuneração; </p><p>3 - Número de alunos que frequentaram as Escolas de Cadouços e Diu, por anos, agrupamentos e cursos, no ano lectivo 2000-2001 e as que frequentam em Dezembro de 2001 do presente ano lectivo 2001-2002; </p><p>4 - Capacidade das escolas autorizadas pelo DES e os precisos termos em que esta foi concedida; </p><p>5 - Informações fornecidas pela última inspecção sobre instalações e equipamento; </p><p>6 - Os elementos que integram as direcções das escolas, e a sua remuneração, com detalhe da verba 3.1.3.2. Direcção das Escolas de 16.632.000$00; </p><p>7 - Os elementos adjuntos das direcções e as suas remunerações; </p><p>II - Sendo equacionado no Orçamento e Plano de Actividade a eventual aquisição de um imóvel sem haver um Plano e o conhecimento das imposições que a tutela fez à Escola, pretendemos saber:<br> C) Memória Descritiva e Justificativa sobre o imóvel a comprar e do que se espera dele;<br> D) Estudo Económico da compra e amortização; </p><p>Estes estudos, entre outros que o caso particular aconselhe, devem conter os seguintes elementos: </p><p>1 - Proposta ou propostas recebidas; </p><p>2 - Preços dessas propostas; </p><p>3 - Forma de pagamento; </p><p>4 - Área construída projectada; </p><p>5 - Área de construção; </p><p>6 - Área total do terreno; </p><p>7 - Distância à actual escola; </p><p>8 - Descrição do estado da construção; </p><p>9 - Plantas cotadas dos pisos; </p><p>10 - Obras presumíveis a realizar; </p><p>11 - Número de salas que se podem realizar de imediato e a médio prazo; </p><p>12 - Custo dessas intervenções; </p><p>13 - Plano de utilização dessas instalações; </p><p>14 - Número de alunos presumíveis e expansão prevista - Básico e secundário; </p><p>15 - Situação da capacidade concedida pela DREN; </p><p>16 - Número de salas (ou outras dependências) que se consideram necessárias; </p><p>III - Equipamento didáctico e administrativo - 24.000.000$00; </p><p>Sendo esta verba elevada, solicitamos a descrição sucinta e realista do equipamento que se prevê comprar; </p><p>IV - A criação de novos cursos não pode ficar ao arbítrio da Direcção. A proposta da Direcção deve ser sujeita à Assembleia. Solicitamos informação se é esta a leitura que podemos fazer do Plano de Actividades; </p><p>V - Dado o valor elevado do custo com as comunicações, pretendemos saber a sua repartição pelo menos pelas seguintes verbas: correio, telemóveis e outros; </p><p>Dado o valor anómalo do IVA solicitamos informações dos professores presumivelmente sujeitos a IVA". </p><p>A minha carta de pedido de informações não obteve a resposta desejada mas tão só respostas evasivas, à parte da informação de que "Todos os elementos pedidos, de que dispomos, estão à sua disposição na sede da B para consulta"; </p><p>Sobre esta carta também rectificamos a afirmação nela contida referente à eventual criação de novos cursos que terão obrigatoriamente que ser sancionados pela Assembleia Geral; </p><p>Neste sentido, em 21.12.2001, desloquei-me à sede, por volta das 10 horas, estando presentes a Dr.ª E, o Dr. F e o Eng. A, tendo sido recebido pela Dr.ª I; </p><p>Solicitámos fotocópia de alguns documentos o que nos foi negado. Documentos que a escola tem que possuir não sendo necessário elaborá-los e nada têm de confidencial. A Dr.ª I disse "não dou cópias". A Dr.ª J que entretanto chegou, por volta das 11 horas, confirmou não se poderem tirar cópias; </p><p>A fotocópia além de necessária para análise serviria como documenta de anterior foi-nos exibido um documento que estava substituído por outro tendo-nos sido sonegado esse outro documento; </p><p>Note-se que para uma análise dum orçamento, ou melhor das verbas sensíveis basta que nos seja subtraído um pressuposto para ser impossível uma conclusão. Relatemos os pedidos de esclarecimento que, nessa visita à sede social, solicitámos. Sobre o pedido de vistoria que a entidade vistoriante indicou que deveria ser solicitada foi-nos dito que "não sabe por não ter estado na Direcção"; </p><p>Perguntado sobre a resposta ao pedido escrito de aumento de lotação solicitado por carta de 20.07.97 disse "se não está aqui, é porque não há"; </p><p>Perguntado se havia alguma informação oral nada nos foi indicado; </p><p>Perguntado pelo resultado da vistoria disse que "se não está aí é porque não há". Perguntado sobre o número de meses sobre que tinha sido feita a previsão dos pagamentos à Direcção disse "que depois se verá"; </p><p>Perguntado sobre o que havia sobre a aquisição de nova casa. Nada disse, excepto que "neste momento não há uma casa concreta para se poder fornecer os elementos que pede porque se anda à procura de casa que satisfaça"; </p><p>Pergunta: Não houve nenhuma casa que satisfizesse? R: "Não lhe respondo a isso". Pergunta: Quais são os objectivos gerais com a casa a comprar? R: "Já foi respondido por várias vezes em carta e nas Assembleias Gerais"; </p><p>Foi-lhe lembrado que nem por carta nem em Assembleia Geral alguma foi dada resposta a esta questão; </p><p>"Como é que está prevista a repartição dos 24.000.000$00 para aquisição de material pelas actuais instalações e pela eventual futura instalação a adquirir?" R: "Não respondo porque já foi respondido na carta e nos documentos que lhe são apresentados"; </p><p>Pergunta: "Quais são esses documentos?" R: "procure que não sou sua criada"; </p><p>Compulsados os documentos não há nada que responda a esta questão e foi comunicado que a carta da Direcção também não esclarece; </p><p>Custos com as comunicações e a separação das verbas por correio, telemóveis e outros. R: "Os alunos falam pelo telefone do colégio, sempre que têm de contactar por assuntos urgentes a família e são analisados caso a caso". Não ficou justificada verba elevada de 1.083.000$00. A carta dizia que estes elementos estavam à disposição mas não estavam; </p><p>Todas estas informações foram pedidas por escrito na nossa carta de 12.12.2001. O seu não fornecimento não permite efectuar os cálculos orçamentais nem aquilatar da necessidade, conveniência de adquirir um imóvel não havendo uma definição das necessidades e dos objectivos. Dos elementos apresentados como não foram permitidas fotocópias (meia dúzia de páginas) não podemos efectuar as verificações numéricas convenientes; </p><p>Os professores que estão na direcção (o mesmo se diz para a quase totalidade) das escolas não podem estar a recibo verde e por consequência não há que lhe pagar IVA. Os professores referidos são 3 deles professores em acumulação e um deles é reformado tendo sido professor do ensino oficial. O regime de acumulação não permite "Recibo verde". Estes professores, além do mais, prestam a sua actividade na Escola CEBES, auferem remuneração fixa e recebem periodicamente (todos os meses), o que só por isso não permitia o "recibo verde"; </p><p>Não aceitamos esta posição ilegal e de benefício pessoal de alguns membros da cooperativa e aqui formalmente o declaramos com as consequências que daí decorrem. Os resultados do exercício não conduzem ao valor estimado de IRC de 2.000.000$00. O orçamento é deficitário, mas mesmo que quiséssemos admitir como bom o saldo do exercício corrente referido de 5.586.950$00, não havendo amortizações nem reintegrações, o que é irrealista, o IRC andaria por metade do valor estimado; </p><p>Também se evidencia que a soma do IVA, dos Custos com o Pessoal (31.766.000$00 dos quais 16.632.000$00 consumidos com a Direcção), dos Honorários e dos Vencimentos de Pessoal, totaliza mais de 107 mil contos, valor este superior à receita total de propinas de inscrição e frequência de todos os alunos no valor de pouco mais de 106 mil contos; </p><p>Saliente-se ainda que das 3 verbas que integram o ponto 3, Custos com o pessoal (pessoal docente contratado 4.796.000$00, pessoal não docente contratado 5.134.000$00, direcção escolas 16.632.000$00 e outros 2.914$00), a verba maior e controversa de 16.632 contos é a que não vem discriminada; </p><p>Para sanar a falta de limitação do direito à informação (negada permissão de fotocópias sobre elementos que nada têm de confidenciais, elementos listados cuja análise implicava a cópia total destes documentos, documentos estes necessários à análise do orçamento, bem como a não resposta aos esclarecimentos pedidos) além das incongruências apontadas acima, que foram aquelas que analisámos por dispormos dos elementos de cálculo necessários, deve o orçamento ser corrigido e reapresentado à Assembleia para que possamos dispor de um orçamento
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br> <font> 1-1</font><b><font>- </font></b><font>AA, residente na Urbanização ..., bloco 0 - 0.º 0, 5400-088 Chaves</font><b><font> </font></b><font>propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>“BB, CRL”</font></b><font>, com sede na Rua ..., apartado 000, EC Canelas, 4410-269 Canelas, Vila Nova de Gaia, </font><i><font>pedindo</font></i><font> se condene a R. no pagamento da quantia de € 67.740,67, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento. </font><br> <font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que no dia 14/09/2002 matriculou-se na Escola Superior de Saúde de ..., criada pela R. no âmbito do seu objecto, no curso de fisioterapia. No início das aulas, nos dias 14/10/2002 e 15/10/2002, nas instalações da escola, foi sujeita a várias práticas humilhantes de praxe, que descreve. Devido à situação a que foi submetida, dirigiu uma carta ao Presidente do Conselho Executivo do Instituto BB de ..., datada de 13/11/2002, cuja cópia consta de fls. 29 a 31. Na sequência dessa carta, foi convocada para uma reunião no dia 3/12/2002. Tal reunião foi promovida pela R. com o único intuito de humilhar e intimidar a A., sendo que por causa dessa reunião sofreu os danos morais que discrimina, avaliados em € 20.000,00. Em consequência dos actos de praxe a que foi sujeita, que só aconteceram porque a R. o permitiu, sofreu os danos morais, que discrimina, avaliados em € 30.000,00. Sofreu ainda os danos patrimoniais que indica, no valor total de € 17.740,67.</font><br> <font> A R. contestou impugnando a maioria dos factos alegados na petição inicial, sustentando que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelos danos invocados pela A. e concluindo pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido. </font><br> <font> A A. respondeu com a réplica, mantendo a posição assumida na petição inicial.</font><br> <font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se elaborou a base instrutória, tendo esta sido objecto de reclamação pela R. que não foi atendida, mas tendo o tribunal, na audiência de julgamento, determinado o aditamento de factos à base instrutória. </font><br> <font> Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual, a A. e a R., peticionaram a condenação recíproca em multa e indemnização como litigantes de má fé.</font><br> <font> Respondeu-se depois à base instrutória e proferiu-se a sentença.</font><br> <font> Nesta julgou-se acção improcedente por não provada, absolvendo-se a R. do pedido contra ela formulado pela A. </font><br> <font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 24-11-2008, julgado parcialmente procedente o recurso, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de 25.000,00 € a título de danos morais e 13.540,67 € a título de danos patrimoniais, num total de 38.540,67 €, acrescida de juros de mora desde a citação.</font><br> <font> </font><br> <font> 1-2 Irresignado com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br> <font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br> <font> 1ª- A A. na sua petição inicial, alegou ter sido vítima da prática de vários actos de praxes académicas, actos estes praticados por alunos da Escola de ... da qual a R. é a entidade instituidora.</font><br> <font> 2ª- Por entender terem sido violados, com a prática de tais actos os seus direitos, a A. reclamou indemnização no montante de 30.000,00 €</font> <p><font> 3ª- Alegou ainda a A. que, na sequência de queixa por ela formulada aos órgãos da escola e relativamente àquelas praxes académicas, a R. instaurou inquérito disciplinar, no decurso do qual foi realizada, em 3/12/2002, uma reunião que teria sido promovida com o objectivo de a humilhar e vexar, fazendo-a desistir da queixa contra os alunos praxantes, motivo porque dessa reunião teriam resultado, para ela A., prejuízos que computou em 20.000,00 €.</font> </p><p><font> 4ª- Pediu, a final, a condenação da R. no pagamento da quantia de 50.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais.</font> </p><p><font> 5ª- A A. alegou também que a R. findo aquele inquérito disciplinar, lhe aplicou ilegalmente a sanção de repreensão e não registada, o que a teria obrigado a anular a matrícula na Escola, perdendo um ano lectivo, com a correspondente entrada tardia no mercado de trabalho.</font> </p><p><font> 6ª- Por isso pediu a condenação da R. no pagamento dos danos patrimoniais a título de danos emergentes e lucros cessantes, que computou, sendo os primeiros pelas despesas que efectuou para frequentar a Escola da R. e segundos pelo ganho que não obteve mas que teria obtido se entrasse no mercado de trabalho no ano previsto após a conclusão dos estudos.</font> </p><p><font> 7ª- A R. foi absolvida de todos os pedidos em 1ª instância.</font> </p><p><font> 8ª- A Relação do Porto, pelo Acórdão recorrido, revogou a sentença da 1ª instância e condenou a R. a pagar à A. a quantia de 25.000,00 € a título de danos não patrimoniais e de 13.540,67 €, a título de danos patrimoniais.</font> </p><p><font> 9ª- No seu recurso de apelação da sentença da 1ª instância, a A. não impugnou a matéria de facto ali dada como provada.</font> </p><p><font> 10ª- Contudo, o Tribunal recorrido, lançando mão do disposto no art. 712º A. do C.P.C, desenvolveu a matéria de facto dada como provada em 1ª instância, o que fez com a transcrição total de um documento e a transcrição parcial de outros dois, todos constantes do autos a fls. 29 a 31, 32 a 44 e 74 a 88.</font> </p><p><font> 11ª- A Relação não deu, como não podia dar porque os documentos em causa não são idóneos para o efeito, como provados os factos constantes dessa documentação, fazendo apenas a sua transcrição total ou parcial.</font> </p><p><font> 12ª- Consequentemente, os factos que são conteúdo desses documentos não se podem considerar como provados nos autos, devendo apenas entender-se como provada a matéria de facto fixada pela 1ª instância e, por desenvolvimento desta efectuado pela Relação, a existência daqueles documentos com aquele conteúdo.</font> </p><p><font> 13ª- Todavia, na prolação do Acórdão recorrido a Relação fundamentou a sua decisão de condenação da R. em muitos dos factos constantes desses documentos.</font> </p><p><font> 14ª- A Relação usou, assim, de forma ilegal, para condenar a R., factos que não foram dados como provados em 1ª instância, sendo que ela própria, Relação, não deu como provados esses factos.</font> </p><p><font> 15ª- O Acórdão recorrido é, na sua génese, embora o não pareça, uma critica às praxes em geral, tendo-se aproveitado o caso concreto dos autos e a sua mediatização, mediatização esta que por seu de conhecimento público não carece de prova, para se enviar um recado a toda a comunidade académica, isto quando o que o Tribunal deveria ter feito apenas e tão só era apreciar o caso concreto em face da prova fixada em 1ª instância e aceite pelas partes, dado que não compete aos tribunais fazer terapia social.</font> </p><p><font> 16ª- Os actos de praxe a que a A. foi submetida dentro da Escola de ... não foram praticados pela R. ou por alguém a mando dela, mas sim por outros alunos dessa Escola, aliás como a A. o reconheceu nas suas queixas aos órgãos da Escola, na sua petição inicial e no mais que desenvolveu nos autos.</font> </p><p><font> 17ª- Assim, a R. seria responsável, no entender da A., pelos actos de praxe concretos que foram dados como provados porque não teria agido como devia, ou seja, porque não teria impedido as praxes em geral e esses actos em particular.</font> </p><p><font> 18ª- A responsabilidade da R. seria assim por omissão e não por acção.</font> </p><p><font> 19ª- O Tribunal da 1ª instância entendeu não ser de assacar à R. qualquer responsabilidade por omissão, dado que não existe norma legal impondo à R. qualquer tipo de comportamento no sentido de impedir ou regulamentar as praxes académicas e também porque a existência dessa norma e o seu cumprimento pela R., (caso a norma existisse), nunca seria impeditiva da prática dos actos concretos relatados nos autos ou de outros lesivos dos direitos, liberdades e garantias dos alunos.</font> </p><p><font> 20ª- A 1ª instância entendeu também que a A. se inseriu inicialmente nas praxes académicas, não se declarando anti-praxe embora soubesse que o podia fazer, vindo apenas posteriormente à ocorrência dos factos que relatou na queixa apresentada aos órgãos da Escola a fazer essa declaração anti-praxe, de onde resulta que a A. acabou por consentir nas praxes a que foi submetida.</font> </p><p><font> 21ª- O Acórdão recorrido teve entendimento diferente, embora nele não se diga expressa ou tacitamente qual a norma ou o princípio jurídico que impunha à R. um certo tipo de comportamento activo, designadamente de regulamentar e/ou proibir as praxes académicas na sua Escola.</font> </p><p><font> 22ª- Aliás, o Acórdão recorrido é uma peça árida em termos de invocação das normas jurídicas aplicáveis e/ou da doutrina e jurisprudência seguidas, ficando sem se saber concretamente de que preceitos legais emerge a condenação da R..</font> </p><p><font> 23ª- Acresce que, como resulta dos factos dados como provados, a A. declarou e confessou posteriormente à ocorrência das praxes que estas não tinham tido, quanto à sua pessoa, a gravidade que inicialmente lhes conferiu, desvalorizando completamente os actos de praxe a que foi submetida.</font> </p><p><font> 24ª- O Tribunal da Relação, violando flagrantemente todas as normas e princípios de direito concernente à prova, resolveu desvalorizar esta confissão da A., isto quando ele próprio deu como provada essa confissão.</font> </p><p><font> 25ª- O Tribunal da Relação entendeu também que a existência do código da praxe, de fls. 74 a 88 dos autos, era suficiente para a prática na Escola de actos ofensivos dos direitos, liberdades e garantias dos alunos e que foi com base nesse código da praxe que a A. foi submetida aos actos concretos provados nos autos</font> </p><p><font> 26ª- Mas a Relação fez mais, pois na fundamentação da decisão entendeu que a A tinha sido submetida a outros actos de praxe para além daqueles que foram fixados em 1ª instância, designadamente que tinha sido ofendida verbalmente e violentada na sua sexualidade</font> </p><p><font> 27ª- Ora, embora se tenha provado que a R. conhecia o código da praxe, o qual estava afixado na Escola, no lugar reservado aos alunos, não pode entender-se, como o fez a Relação, que a existência desse código e o seu conhecimento pela R. foram motivo bastante para a prática dos actos de praxe em concreto praticados sobre a pessoa da A..</font> </p><p><font> 28ª- Inexiste qualquer nexo da causalidade entre o código da praxe com o seu conteúdo e o actos de praxe que em concreto foram praticados sobre a A. e que a 1ª instância deu como provados.</font> </p><p><font> 29ª- A restante matéria de facto, alegada pela A., tanto na sua participação à Escola, como nas suas declarações à Inspecção-Geral de Educação, como na sua petição inicial, no tocante aos actos de praxe a que foi submetida, não ficou provada, tendo até a 1ª instância dado como não provados grande parte desses factos.</font> </p><p><font> 30ª- Porém, no Acórdão recorrido, fazendo-se de conta que para além dos actos de praxe a que a A. foi submetida e fixados em 1ª instância teriam sido praticados outros actos de praxe constantes das queixas por ela formuladas, considerou-se que a R. por não ter impedido a existência do código da praxe e do seu conteúdo, acabou por agir não só por omissão mas também por acção, pois que dessa forma teria dado o seu consentimento aos concretos actos de praxe praticados sobre a A..</font> </p><p><font> 31ª- Trata-se, mais uma vez, da subversão de todas as normas relativas a produção, apropriação e integração da prova e bem assim das regras sobre a sua subsunção às normas jurídicas aplicáveis.</font> </p><p><font> 32ª- A sentença da 1ª instância, que é a decisão que da melhor forma apreciou e decidiu sobre a matéria, valorou apenas a prova fixada, coisa que a Relação não fez, pois valorou factos não provados no autos, tudo com o intuito evidente de fundamentar a decisão que obteve vencimento, de condenação da R..</font> </p><p><font> 33ª- De todo o modo, o código da praxe junto aos autos nunca seria meio idóneo para a pratica de actos de praxe ofensivos dos direitos liberdades e garantias dos alunos dado que dele consta, como a sentença da 1ª instância bem salientou, norma proibitiva dessas praxes violadoras desses direitos.</font> </p><p><font> 34ª- A R., embora conhecendo a existência do código da praxe, não podia prever quais as praxes concretas que os alunos praxantes se propunham aplicar aos caloiros, não lhe sendo exigível qualquer tipo de comportamento activo no sentido de proibir aquilo que desconhecia.</font> </p><p><font> 35ª- A R. não agiu, por isso, em violação de qualquer norma jurídica, nem agiu com culpa, por omissão ou acção, ao contrário do que se sustenta no Acórdão recorrido.</font> </p><p><font> 36ª- A A., que se submeteu voluntariamente, porque não se declarou anti-praxe às praxes académicas, não sofreu qualquer violação dos seus direitos, designadamente de personalidade.</font> </p><p><font> 37ª- Mas mesmo que tivesse sofrido violação desses direitos, a verdade é que a A, para além do consentimento que deu quanto à prática das praxes, declarou e confessou posteriormente que os actos a que foi submetida não tiveram a gravidade que ela inicialmente lhes deu, desvalorizando-os por completo.</font> </p><p><font> 38ª- Deste modo, afastada está qualquer responsabilidade da R., até porque a existir responsabilidade essa terá que ser apenas assacada ao alunos praxantes, pois foram eles que praticaram os actos sobre a A..</font> </p><p><font> 39ª- Ficou provado nos autos que as duas reuniões promovidas pela R., após as denúncias da A., no âmbito do inquérito disciplinar que instaurou, se destinaram ao apuramento da verdade, tendo-se dado como não provado que a segunda dessas reuniões, ocorrida em 3-12-2002, tivesse sido promovida com o intuito de vexar e humilhar a A..</font> </p><p><font> 40ª- A Relação entendeu, ao contrário do entendimento e do decidido em 1ª instância, que o facto de a segunda reunião ter ocorrido com a presença de todos os alunos ostentando o traje académico (os praxantes e a comissão de praxes) foi motivo bastante para que a A se sentisse pressionada e constrangida, dando também a Relação relevância ao facto de a R. não ter permitido a presença do pai da A. nessa reunião.</font> </p><p><font> 41ª- Ora, não se tendo provado, como a A. alegava, que a reunião tinha tido por objectivo prejudicá-la e violar os seus direitos, tendo ao contrário ficado provado que ela foi promovida e ocorreu com o objectivo de descobrir a verdade, não pode concluir-se, ao contrário do que fez a Relação, que a R agiu em violação da lei, culposamente, causando prejuízo à A..</font> </p><p><font> 42ª- A A. não foi nem constrangida nem humilhada, nem intimidada no decorrer dessa reunião, nem ficou provado nos autos, ao contrário do que a Relação entendeu, que a mesma estivesse na altura em inferioridade psicológica</font> </p><p><font> 43ª- A A. não sofreu quaisquer prejuízos de ordem moral resultantes da realização dessa mesma reunião.</font> </p><p><font> 44ª- A Relação, mais uma vez e quanto a esta questão, deu como provados factos não fixados em 1ª instância e que ela própria, Relação, não aditou à matéria de facto no uso dos poderes que lhe confere o art. 712°-A, do CPC, violando também, assim, as normas substantivas e adjectivas aplicáveis.</font> </p><p><font> 45ª- Concluído o inquérito disciplinar promovido e conduzido pela R., esta aplicou aos outros alunos intervenientes nas praxes a sanção de repreensão escrita registada, tendo aplicado à A. a sanção de repreensão escrita simples não registada.</font> </p><p><font> 46ª- Esta sanção aplicada à A, teve por fundamento a forma subjectiva e excessiva como a A. relatou os factos inicialmente, tendo em conta que posteriormente a essa denúncia reconheceu que eles não possuíam a gravidade que lhes havia conferido, desvalorizando-os quase em absoluto.</font> </p><p><font> 47ª- A R. aplicou esta sanção à A. no uso dos seus poderes disciplinares e no exercício de um direito próprio.</font> </p><p><font> 48ª- A A. que alegou que por força desta sanção anulou a matricula não provou essa factualidade, tendo apenas provado que anulou a matricula posteriormente à aplicação da sanção, de onde resulta a inexistência de nexo causal entre um e outro facto.</font> </p><p><font> 49ª- Assim, ao contrário do que defendeu a Relação, a perda de um ano escolar pela A. não esteve directamente relacionada com a sanção aplicada.</font> </p><p><font> 50ª- Como muito bem se apreciou e decidiu em 1ª instância, a A. não logrou provar grande parte daquilo que alegou a tal propósito, sendo que o que ficou provado não é suficiente para formular um juízo de censura, ético ou jurídico, no tocante ao comportamento da R..</font> </p><p><font> 51ª- Não tendo a A. anulado a matrícula por virtude de qualquer acto da R., não pode esta ser responsabilizada por quaisquer prejuízos decorrentes da perda de um ano escolar.</font> </p><p><font> 52ª- Acresce que a A. não provou, como lhe competia, que se não tivesse anulado a matricula e tivesse continuado os estudos na Escola da R. teria concluído o curso no ano lectivo inicialmente projectado.</font> </p><p><font> 53ª- Também não provou a A. que mesmo que tivesse concluído o curso no ano inicialmente projectado teria logo emprego certo com ordenado concreto.</font> </p><p><font> 54ª- A Relação, quanto a esta matéria e baseando-se na prova fixada em 1ª instância, proferiu decisão com base apenas em eventualidades e possibilidades, pois não ficou provado qual o empregador que daria imediato emprego à A. logo que esta concluísse os estudos e qual o ordenado real que ele lhe pagaria.</font> </p><p><font> 55ª- O que ficou provado foi que a há cerca de dois anos os alunos que concluíam o curso na Escola da R. arranjavam normalmente emprego com um vencimento mensal médio de 700,00 €, sendo que esta factualidade não é idónea para concluir, com o mínimo de certeza e segurança exigível, que A. arranjaria emprego com esse vencimento no ano da conclusão provável dos estudo atendendo a que a prova produzida se refere a anos passados, nada se tendo provado quanto ao presente.</font> </p><p><font> 56ª- A R. não tem, assim, que ser responsabilizada por quaisquer danos patrimoniais da designadamente os invocados a título de danos emergentes e lucros cessantes.</font> </p><p><font> 57ª- Mas mesmo que houvesse responsabilidade por parte da R., o que apenas se admite por hipótese, a A. não teria direito a indemnização por danos patrimoniais a título de danos emergentes dado que, como ficou provado quem pagou as despesas para que a A. frequentasse o curso foram os seus pais e não ela própria.</font> </p><p><font> 58ª- Daí que apenas os pais da A. poderiam reclamar da R. a indemnização em causa.</font> </p><p><font> 59ª- Acresce que parte das despesas invocadas pela A., as médicas e de telefone, são estranhas à necessidade de frequentar o curso.</font> </p><p><font> 60ª- Quanto aos danos não patrimoniais, os fixados pela Relação mostram-se completamente exagerados e inadequados em função da lei aplicável a casos de indemnização a esse título (Portaria 377/2008, de 26.05) e da jurisprudência firmada.</font> </p><p><font> 61ª- Mesmo a existir lugar a indemnização por tais danos, eles nunca deveriam ser computados em montante superior a 3.000,00 €, sendo do 2.500,00 pelos actos de praxe a que a A. foi submetida e 500 € pelas consequências da reunião relatada.</font> </p><p><font> 62ª- Também quanto aos juros, o Acórdão recorrido fez uma errada interpretação da lei, atendendo a que os juros referentes aos lucros cessantes só poderiam ser contados partir do mês em que se verificasse a falta de ganho concreto e efectivo, sobre o ordenado apurado contagem essa a fazer mês a mês.</font> </p><p><font> 63ª- Os danos não patrimoniais, por sua vez, só dão lugar a juros após a fixação do montante indemnizatório, motivo porque a R. só poderia ser condenada a pagá-los a partir da data em que foi notificada do Acórdão recorrido.</font> </p><p><font> 64ª- Deverá, por todo o exposto, na concessão da revista revogar-se o Acórdão recorrido, da Relação do Porto, mantendo-se a sentença da 1ª instância com a consequente absolvição da R. de todos os pedidos.</font> </p><p><font> 65ª- Se assim se não entender, deverão alterar-se os montantes indemnizatórios a título de danos patrimoniais, como acima se explanou, fixando-se a indemnização por danos não patrimoniais em montante global não superior a 3.000,00 €</font> </p><p><font> 66ª- Foram violados, pelo Acórdão recorrido, os arts. 342°, 349°, 351º, 352°, 356°, 483°, 486º, 487°, 496°, 562º, 563°, 564° e 570°, do CC e 712º nº 1 al. a) e nº 2, 713°, nº 2 e 659º n°3 e 655º do CPC.</font> </p><p><font> </font><br> <font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br> <font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br> <font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br> <b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br> <font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br> <font> - Apreciação da actuação da Relação quanto à matéria de facto provada.</font><br> <font> - Responsabilidade civil por factos ilícitos por parte da R..</font><br> <font> - Montante dos danos.</font><br> <font> - Juros moratórios.</font><br> <font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br> <font> 1) A R. é uma cooperativa de ensino cujo objecto é criar e manter estabelecimentos destinados a ministrar o ensino superior, e dentro deste âmbito, desenvolver estruturas educativas, sociais, assistenciais, de investigação, culturais, desportivas, turísticas, construção de obras próprias e actividades laborais, bem como todas as demais, nomeadamente colóquios, conferências e semanários, edições, divulgação e comercialização de livros e publicações da sua especialidade que se afigurem como apoio económico e logístico ao desenvolvimento da instituição, dos seus beneficiários e comunidades de que faz parte, a fim de participar de forma activa no desenvolvimento humano, integral e ecológico dos diferentes grupos etários e sociais em cada sociedade, e das diferentes etnias, comunidades e povos, e com sede na Via ... (actual Rua ....), Canelas, Vila Nova de Gaia, registada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 45 (cf. alínea A) dos factos assentes). </font><br> <font> 2) No âmbito do seu objecto a R. criou a Escola Superior de Enfermagem ..../ Nordeste (cf. alínea B) dos factos assentes). </font><br> <font> 3) No dia 14 de Setembro de 2002, a A. matriculou-se na Escola Superior de Saúde de ..., no curso de fisioterapia (cf. alínea C) dos factos assentes). </font><br> <font> 4) As aulas começaram no dia 14/10/2002 (cf. alínea D) dos factos assentes). </font><br> <font> 5) No início das aulas, no referido dia 14/10/2002, durante a manhã, a A. participou numa reunião de alunos do 1º ano do curso de fisioterapia, com a directora, a coordenadora do 1º ano do curso de fisioterapia e mais dois docentes da turma, na qual foi feita a apresentação da escola e do curso (cf. alínea E) dos factos assentes). </font><br> <font> 6) A A. faltou às aulas nos dias 17 e 18 de Outubro de 2002 e recomeçou a frequência das aulas no dia 22 de Outubro de 2002 (cf. alínea F) dos factos assentes). </font><br> <font> 7) A A. remeteu ao Presidente do Conselho Executivo do "Campus" de ... do Instituto BB, que a recebeu, a carta datada de 13/11/2002, cuja cópia consta de fls. 29 a 31 e que se dá por totalmente reproduzida, e dirigiu ainda carta de igual teor ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior (cf. alínea G) dos factos assentes). </font><br> <font> 8) Na última semana de Novembro, na sequência do aludido em G), a A. foi convocada para, numa reunião com a directora do Instituto ... do "Campus" de ..., identificar, por fotografia, os alunos que a teriam submetido a actos de praxe (cf. alínea H) dos factos assentes). </font><br> <font> 9) No dia 3/12/2002, a A. foi convocada para uma nova reunião, tendo-se a A. apresentado nessa reunião acompanhada do pai, cuja presença não foi admitida pela R. (cf. alínea I) dos factos assentes). </font><br> <font> 10) Na reunião aludida em I), encontravam-se presentes a directora da escola, Dra. ...., a coordenadora do curso de fisioterapia, os alunos identificados pela A. como sendo os praticantes da praxe a que teria sido sujeita e toda a comissão de praxe, sendo que todos os alunos presentes, excepto a A., ostentaram o traje académico, tendo tal reunião demorado três horas (cf. alínea J) dos factos assentes). </font><br> <font> 11) A direcção do "Campus" de ... do Instituto ... informou a Inspecção-Geral de Educação que a reunião havia sido inconclusiva por existirem vários intervenientes, cada qual com a sua opinião (cf. alínea L) dos factos assentes). </font><br> <font> 12) Por deliberação da Direcção da Escola Superior de Saúde, com data de 23/01/2003, foi aplicada à A. a seguinte sanção: “repreensão escrita à aluna, pela forma subjectiva excessiva como relatou os factos, que sabia não terem a gravidade que decorre da sua exposição, tal como ela própria reconheceu. No entanto, considerando a atenuante de ter apresentado os acontecimentos aos órgãos (Direcção) da Escola, esta sanção não fica sujeita a registo” (cf. alínea M) dos factos assentes). </font><br> <font> 13) Tal deliberação foi notificada à A. (cf. alínea N) dos factos assentes). </font><br> <font> 14) Em 26/02/2003, a A. anulou a matrícula na Escola Superior de Saúde (cf. alínea O) dos factos assentes). </font><br> <font> 15) A A. residia em Chaves (resposta ao número 1º da base instrutória). </font><br> <font> 16) A A. desde Julho de 2002 havia arrendado um apartamento em ..., a fim de frequentar as aulas (resposta ao número 2º da base instrutória). </font><br> <font> 17) No dia 14/10/2002, no âmbito da recepção aos caloiros, e já depois da reunião aludida em E), a A. foi sujeita a vários actos de praxe por parte de outros alunos, dentro do "Campus" Académico da R. em ..., designadamente, foi-lhe ordenado que vestisse do avesso a roupa da cintura para cima e que colocasse o soutien do lado de fora da roupa, tendo tal mudança da posição da roupa e do soutien sido feita resguardada de olhares alheios, na casa de banho (resposta aos números 3.º a 8.º e 10.º da base instrutória). </font><br> <font> 18) À A. foi ainda ordenado que simulasse orgasmos com um poste de iluminação (resposta ao número 11º da base instrutória). </font><br> <font> 19) À A. foi ainda ordenado que rebolasse na relva (resposta aos números 12.º e 13.º da base instrutória). </font><br> <font> 20) À A. foi ainda ordenado que carregasse com arreios de um burro (resposta ao número 14.º da base instrutória). </font><br> <font> 21) A A., enquanto durou a sua praxe, esteve triste (resposta ao número 15.º da base instrutória). </font><br> <font> 22) A A. não se recusou a ser praxada (resposta ao número 19.º da base instrutória). </font><br> <font> 23) A A. no dia 16/10/2002 comunicou à comissão de praxe a sua vontade de se declarar anti-praxe (resposta ao número 20.º da base instrutória). </font><br> <font> 24) Em consequência da praxe a que foi sujeita a A. sentiu-se triste e humilhada (resposta ao número 21º da base instrutória). </font><br> <font> 25) Por causa do referido em 24), a A. teve baixa médica por dez dias (resposta ao número 22.º da base instrutória). </font><br> <font> 26) Em virtude de tal baixa médica, a A. faltou às aulas como o aludido em F) (resposta ao número 23.º da base instrutória). </font><br> <font> 27) A A. recomeçou a frequentar as aulas antes de terminar o período de doença fixado no atestado médico, como aludido em F), por não querer perder as aulas (resposta ao número 24.º da base instrutória). </font><br> <font> 28) Na reunião referida em H), a A. identificou alguns dos alunos que a haviam praxado (resposta ao número 25.º da base instrutória). </font><br> <font> 29) A praxe no "Campus" Académico de ... estava regulada no documento de fls. 74 a 88, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea P) dos factos assentes e resposta ao número 36º da base instrutória). </font><br> <font> 30) Em caso de recusa de praxe, a comissão aplicava as sanções aludidas em tal documento (resposta ao número 37.º da base instrutória). </font><br> <font> 31) Tal documento estava afixado no "Campus" Académico da R. e era do seu conhecimento (resposta aos números 38º e 39º da base instrutória). </font><br> <font> 32) A R. conhecia o referido em 29) e 30) (resposta ao número 40.º da base instrutória). </font><br> <font> 33) A R. não proibia a actividade da praxe (resposta ao número 41.º e 42.º da base instrutória). </font><br> <font> 34) A R. em 6/01/2003 suspendeu as actividades relacionadas com a praxe (resposta ao número 43.º da base instrutória). </font><br> <font> 35) A partir de Janeiro de 2003 a A. passou a deslocar-se à escola unicamente para realizar as frequências e exames (resposta ao número 44.º da base instrutória). </font><br> <font> 36) Em 30 de Janeiro 2003 foram receitados à A. ansiolíticos e antidepressivos, para debelar sintomas ligados a depressão e stress (resposta ao número 45.º da base instrutória). </font><br> <font> 37) Em consequência da deliberação aludida em M) a A. sentiu-se indignada e revoltada (resposta aos números 47.º e 48.º da base instrutória). </font><br> <font> 38) Após a deliberação aludida em M), a A. anulou a matrícula (resposta ao número 49.º da base instrutória). </font><br> <font> 39) A A. só regressou ao ensino superior no ano lectivo 2003/2004, tendo perdido um ano (resposta ao número 50.º da base instrutória). </font><br> <font> 40) Até há cerca de dois anos os alunos que acabavam o curso de fisioterapia na R. normalmente arranjavam logo emprego e ganhavam em média € 700,00 mensais (resposta aos números 51.º e 52.º da base instrutória). </font><br> <font> 41) No ano lectivo de 2002/2003, a A. pagou à ré em propinas e taxas moderadoras a quantia de € 2.175,00, que lhe foi entregue para o efeito pelos pais (resposta ao número 53.º da base instrutória). </font><br> <font> 42) Em rendas de Julho de 2002 a Fevereiro de 2003, a A. pagou o montante de € 890,00, que lhe foi entregue para o efeito pelos pais (resposta ao número 54.º da base instrutória). </font><br> <font> 43) A A. pagou em despesas com água, luz e telefone, naquele período, o montante total de € 375,46, que lhe foi entregue para o efeito pelos pais (resposta ao número 55.º da base instrutória). </font><br> <font> 44) A A. gastou em material escolar o montante de € 235,21, que lhe foi entregue para o efeito pelos pais (resposta ao número 56.º da base instrutória). </font><br> <font> 45) Nas respectivas consultas médicas a que se referem 25) e 36), a A. gastou o montante de € 65,00, que lhe foi entregue para o efeito pelos pais (resposta ao número 57.º da base instrutória). </font><br> <font> 46) As reuniões referidas em H) e J) foram realizadas pela R. com o intuito de esclarecer os factos relatados pela A. na exposição aludida em G) (resposta ao número 58º da base instrutória). </font><br> <font> 47) O documento referido em P) estava afixado no placard reservado aos alunos (resposta ao número 59.º da base instrutória). </font><br> <font> 48) A A. reconheceu e confessou, em depoimento prestado posteriormente à sua denúncia dos factos: que em tempo algum ficou totalmente despida; que quando virou a roupa do avesso estava
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>1 - </font><br> <font>"AA" intentou, em 16 de Setembro de 1999, acção ordinária contra Empresa-A,</font><br> <font>pedindo a declaração de ter adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre os prédios identificados nos arts. 3º a 6º da petição, com efeitos a partir de 01 de Junho de 1979.</font><br> <font>Em suma e para obter êxito na sua pretensão alegou ter celebrado um contrato-promessa com o anterior proprietário dos ditos terrenos e, desde a data da sua celebração, ter havido traditio.</font><br> <font> </font><br> <font>A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, tendo, para o efeito, alegado que o referido contrato-promessa não foi honrado pela parte compradora, o que levou a que o anterior proprietário dos prédios em causa intentasse uma acção com vista a que estes lhe fossem restituídos. Nessa acção veio a ser reconhecido o seu direito de propriedade sobre tais bens, não obstante ter decaído na parte em que pedia a entrega dos mesmos, decisão sustentada no facto de os ali RR. terem uma "posse" legítima emergente do contrato-promessa.</font><br> <font>Mais argumentou que, tendo adquirido por compra os referidos prédios, em 09 de Julho de 1984, se tornou impossível a venda à A., terminando por impugnar a factualidade atinente à alegada posse.</font><br> <br> <font>Replicou a A., concluindo nos mesmos termos da petição inicial.</font><br> <br> <font>Após o julgamento, a acção foi julgada procedente.</font><br> <br> <font>A R. não se conformou e apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando aquela decisão, julgou a acção improcedente.</font><br> <br> <font>Inconformado, o A. recorreu para este Supremo Tribunal, pedindo a revogação do julgado na 2ª instância.</font><br> <br> <font>Em contra-alegações, a R., aqui recorrida, defendeu a manutenção da decisão da 2ª instância.</font><br> <br> <font>2 - </font><br> <font>A Relação fixou os seguintes factos como provados:</font><br> <font>- AA era ao tempo da entrada da acção viúva de GG,</font><br> <font>- Por documento escrito datado de 23 de Janeiro de 1979, o então seu proprietário BB, que também usa BB, prometeu vender a AA e a seu marido (actualmente ambos falecidos mas ao tempo ambos vivos) o imóvel designado por Casal ou Quinta de Santo André, sito na Estrada da Serralheira Monte Gordo, Vila Franca de Xira, composto de dois prédios rústicos e um urbano, inscrito na matriz cadastral sob o nº 2 da secção M e nº 22 da secção K;</font><br> <font>- Os referidos prédios estão descritos (as descrições foram alteradas, com menção dos números actuais e por referência à parte decisória da sentença, em despacho proferido a fls. 694 a 696) na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob os nºs 834 a fls. 74 do Livro B- 8, interino 24 801 e 24 802 a fls. 154 e verso do Livro B- 69;</font><br> <font>- O prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o 834 a fls. 74 do Livro B- 8, tem a seguinte descrição:</font><br> <font>- prédio misto situado no Casal de Santo André, Freguesia de Vila Franca de Xira com área total de 25.040 m2, e que se compõe de 13 parcelas, sendo a parte rústica com terreno estéril pomar de laranjas, vinha, oliveira, diversas árvores de fruto, cultura arvense, pastos e mato, encontrando-se a parte rústica inscrita na matriz cadastral sob o artigo 2 secção N, sendo a parte urbana composta por um prédio de rés-do-chão e primeiro andar, adega, casa de caseiro, casa para gado e pocilgas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2929;</font><br> <font>- O prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o 24801 do Livro B-8, tem a seguinte descrição:</font><br> <font>- prédio rústico composto de cultura arvense (por lapso, não constava da sentença) denominado de "Casal da Flamenga ou Formenga" no sítio de Monte Gordo, Freguesia de Vila Franca de Xira, com a área total de 18.634 m2, confronta do Norte com CC, DD e EE e mulher FF; do Sul, com propriedade inscrita na matriz cadastral sob o artigo 24 do NECHAS; do Nascente com Estrada do Monte Gordo e do Sul com BB, inscrito na matriz cadastral sob as parcelas 15 a 23 (sendo desta última parte que lhes resta ou seja 1074m2 do artigo 22 da secção (destinado a arredondamento de extremas);</font><br> <font>- O prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o 24802 do Livro B-69, tem a seguinte descrição:</font><br> <font>- prédio rústico composto de uma faixa de terreno com a área de 170,50m2, destinado a arredondamento de extremas, denominado de Casal da Flamenga ou Formenga " no sítio de Monte Gordo, Freguesia de Vila Franca de Xira, confronta do Norte Nascente e Poente com DD e EE e mulher Maria Eduarda de Amorim Quaresma de Vasconcelos Santos Vieira; do Sul, com BB, inscrito na matriz cadastral sob parte da parcela 7 do artigo 22 da secção K;</font><br> <font>- O proprietário BB da Silva instaurou contra AA e marido GG acção de condenação com processo ordinário que correu termos sob o nº 118/81, na 2ª secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira, na qual visava entre outros: </font><br> <font>a) declarar-se o aí A. BB dono e legitimo proprietário da propriedade mista designada por Casal ou Quinta de Santo André e, bem assim, julgar-se insubsistente e de má fé a ocupação dos RR. (os habilitandos AA. AA e GG) sobre a referida propriedade;</font><br> <font>b) condenar-se os RR. ou quem ali se encontrar a abrir mão da referida propriedade, ocupada abusivamente, e consequentemente a entregarem-na livre e desocupada;</font><br> <font>- Os prédios a que respeitava a referida acção são os prédios identificados supra; </font><br> <font>- Entre outros, deram-se como provados nessa demanda os seguintes factos:</font><br> <font>- os RR. (ou seja, AA e GG) instalaram-se na Quinta de Santo André em Junho de 1979;</font><br> <font>- os RR. (ou seja, AA e GG) têm permanecido na Quinta de Santo André; </font><br> <font>- na parte urbana os RR. fizeram ruas, adaptando a adega para restaurante;</font><br> <font>- a Quinta em causa foi prometida vender aos RR. para eles nela instalarem uma estalagem;</font><br> <font>- na al. c) do contrato-promessa unilateral previu-se que a propriedade fosse entregue aos RR., antes mesmo de se efectuar a escritura de compra e venda prometida, tendo-lhes a mesma sido entregue em Junho de 1979, conforme é reconhecido no doc. de fls. 60 e resulta do acordo alcançado nos articulados, passando os RR. a ocupá-la e a fazer uso;</font><br> <font>- Como se reconheceu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça transitado em julgado, o contrato-promessa unilateral celebrado entre o proprietário BB e a AA e GG, foi acompanhado da tradição da coisa;</font><br> <font>- Posteriormente, entre estes mesmos contratantes, foi celebrado um contrato paralelo em que acordaram na tradição da Quinta para a AA e seu falecido marido, tradição esta já prevista na al. c) do aludido contrato-promessa;</font><br> <font>- De acordo ainda com o citado Ac. do S. T. de Justiça "isto significa que os RR. detinham sobre a referida Quinta posse legitima, não meramente precária, adveniente dessa tradição";</font><br> <font>- No dia 21 de Julho de 2001 faleceu AA, viúva de GG, sucedendo àquela HH;</font><br> <font>- Desde Junho de 1979, sempre a então A. AA, o seu falecido marido GG, e o ora A. habilitado HH, detiveram a Quinta de Santo André;</font><br> <font>- AA e o seu falecido marido GG ali instalaram uma Estalagem;</font><br> <font>- Estalagem que AA sempre explorou e administrou ao longo de todos estes anos, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH;</font><br> <font>- AA e o seu falecido marido GG desde Junho de 1979 se instalaram e viveram nos prédio denominados por Quinta de Santo André, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH;</font><br> <font>- Nela passavam os dias e as noites, aí faziam as suas refeições, prestavam o seu serviço na estalagem, recebiam os seus amigos e a sua correspondência, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH;</font><br> <font>- Desde então passaram a ser vistos e reconhecidos pelos vizinhos e por toda a gente como se fossem os seus verdadeiros donos, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH;</font><br> <font>- Desde Junho de 1979 que foi sempre a AA e o seu falecido marido GG quem superintendeu em todo os trabalhos de manutenção e preservação da Quinta de Santo André, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH; </font><br> <font>- Nunca a AA e o seu falecido marido GG tiveram qualquer outra residência em Portugal a não ser dentro da Quinta de Santo André, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH;</font><br> <font>- Desde Junho de 1979 que foi sempre a AA e o seu falecido marido GG quem decidia quem entrava ou não na Quinta, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH;</font><br> <font>- E todos estes anteriores actos ocorreram de forma continuada e pacífica ao longo de todos estes anos.</font><br> <br> <font>Para além destes factos, a 1ª instância deu, ainda, como provado o seguinte:</font><br> <font>- Actuando AA e GG com a intenção de proprietários, o que vem acontecendo também com o ora A. habilitado HH (al. aa) dos factos dados como provados);</font><br> <font>- Sem oposição de quem quer que seja (al. ab) dos factos dados como provados). </font><br> <br> <font>3 - </font><br> <font>Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões.</font><br> <font>Importa, pois, trazer à discussão o conteúdo das mesmas a fim de se analisar a bondade da tese defendida pelo aqui recorrente.</font><br> <font>Este rematou as suas alegações da seguinte forma:</font><br> <font>- A eliminação dos factos constantes das als. aa) e ab) levadas a cabo pelo Tribunal da Relação de Lisboa resultou não da análise dos depoimentos prestados e documentos juntos mas em consequência da análise jurídica apriorística feita ao instituto da posse, e, como consequência da tese defendida sobre a posse em relação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/1988 que tinha julgado a posse dos autos como não sendo meramente precária. Por isso,</font><br> <font>- A modificação da decisão de facto que foi levada a cabo pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi um mero exercício de direito e não obedeceu ao disposto no art. 712º do C.P.C., tanto mais que, no segundo parágrafo de fls. 29, reconhece que "ouvidos os depoimentos indicados, verifica-se que são demonstrativos da factualidade constante das alíneas o) a z) da sentença;</font><br> <font>- Essa análise sobre o instituto da posse enfermou de um vício evidente, pois concebe a posse dos autos à luz do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a AA e seu marido e o ante-proprietário BB, ou seja, como se os sujeitos processuais que estão em causa fossem ainda os mesmos da acção a que reportam as alíneas g) a m) dos factos assentes, quando a posse é reivindicada contra a recorrida, um outro sujeito processual, não tendo o Tribunal da Relação de Lisboa cuidado de saber qual a situação de facto que emerge da factualidade apurada que de modo algum podia levar à solução que foi encontrada;</font><br> <font>- Só que tal contrato-promessa de compra e venda não tem qualquer reflexo na esfera jurídica da recorrida pois que lhe é totalmente estranha sendo pois mais difícil entender a valoração que foi dada a esse contrato para concluir pela eliminação das als. aa) e ab) da matéria fáctica;</font><br> <font>- Estando provado por anterior acórdão do S.T.J. de 06/06/1988 que a posse dos autos não é meramente precária não poderia o Tribunal da Relação, em resultado da análise das características da posse, eliminar os factos constantes das als. aa) e ab), e, por isso, pode o STJ, ao abrigo da segunda parte do nº 2 do art. 722º proceder à anulação da decisão perfilhada pelo Tribunal da Relação consubstanciada na eliminação dos factos aa) e ab) dados como provados pela primeira instância, mantendo-se a subsistência desta factualidade apurada em sede de primeira instância e, desse modo, concluir-se pela total procedência do pedido;</font><br> <font>- Na pior das hipóteses, a matéria das als. aa) e ab) tem de considerar-se assente pelo menos a partir da escritura de compra e venda outorgada no dia 9 de Julho de 1984, data em que a recorrida adquiriu os prédios de um modo exclusivamente formal já que a posse estava há 5 anos na esfera jurídica da AA e do seu marido;</font><br> <font>- Se, porém, tal não suceder, o que se admite por mera cautela de patrocínio, deve ainda levar-se aos factos provados, o que se alega no art. 24º da petição inicial (venda dos prédios dos autos pelo A. proprietário BB à requerida em 9 de Julho de 1984) que não só não foi impugnado, juntando-se agora a respectiva escritura comprovativa da compra e venda outorgada no 15º Cartório Notarial de Lisboa e sua rectificação, sendo que estes documentos se tornam agora imprescindíveis face ao teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a junção total enquadramento legal ao abrigo da segunda parte do nº 1 do art. 706º do C.P.C.</font><br> <font>- A A. AA e o seu marido instalaram-se na Quinta de Santo André, em Junho de 1979, tendo-lhes a mesma sido vendida para ali instalarem uma estalagem e, já na sua posse, fizeram ruas e adaptaram a adega para restaurante e sempre foram eles quem explorou e administrou a estalagem ao longo destes anos e desde Junho de 1979 sempre passaram a ser vistos e reconhecidos pelos vizinhos e por toda a gente como se fossem os seus verdadeiros donos, pelo que estes actos e os demais dados como provados e constantes das alíneas o) a z) são elucidativos de que foram praticados como se os mesmos fossem donos da Quinta. Deste modo todos esses actos e os demais dados como provados em relação aos actos de posse exercitados ao longo dos anos permitem concluir que existe não só o "corpus" mas ainda o "animus" de actuarem como sendo donos dos prédios;</font><br> <font>- Estando já assente pelo acórdão do S.T.J. citado que os titulares da posse eram a AA e o marido, a recorrida não tem qualquer posse na sua esfera jurídica, pelo que o "corpus" e o "animus" só podem conceber-se do lado da primitiva autora e agora do recorrente;</font><br> <font>- Tendo em conta o que dispõe o art. 1260º do C.C. e os factos provados sobre o exercício da posse levados a cabo, designadamente os constantes das als. i) até final, dúvidas não ficam de que a posse exercida pela A. AA e o seu marido é uma posse de boa fé pelo que basta, no caso dos autos, o prazo de 15 anos para se verificar a aquisição por usucapião;</font><br> <font>- Tendo a posse o seu início em Junho de 1979, verifica-se que se encontram preenchidos os requisitos para a aquisição por usucapião em Junho de 1994;</font><br> <font>- Todavia, ainda que se entenda que a posse exercida pela A. AA e seu marido, não exerceram a posse em nome próprio em Junho de 1999, por ter sido exercida ao abrigo de um contrato- promessa de compra e venda, o que aqui também apenas se admite por mera cautela de patrocínio, dúvidas não ficam que, face ao que consta da conclusão quarta, e ao alegado nos arts. 24º da p.i., a AA e marido passaram, a partir dessa data 09/07/1984, a exercer a posse em nome próprio, pois que o BB não podia transmitir à recorrida uma posse que não tinha e ao transmitir o direito de propriedade a esta, deixou de o poder fazer em relação à A. primitiva e ao seu marido, sendo que estes nunca tiveram qualquer relação com a recorrida;</font><br> <font>- No dia 09/07/1984 verificou-se a inversão do título de posse, pois que, a recorrida ficou proprietária meramente formal dos prédios (através da compra e venda levada a cabo nessa data) e não podia adquirir a posse que, como já tinha reconhecido o S.T.J., estava na esfera jurídica da AA e marido;</font><br> <font>- É tão cristalino como água que o direito de propriedade transmitido, em 09/07/1984, pelo BB à recorrida foi meramente formal, pois que foi totalmente desligado da posse da coisa transmitida que continuou no domínio da AA e do marido;</font><br> <font>- Quando a recorrida adquiriu o direito de propriedade por escritura de 09/07/1984 ficou na expectativa de um dia poder associar a posse do direito de propriedade meramente formal que tinha adquirido mas esse dia nunca chegou;</font><br> <font>- O direito de propriedade adquirido pela recorrida nem sequer tem corpus e muito menos animus da coisa transmitida;</font><br> <font>- Na pior das hipóteses, a posse exercida pela A. AA e pelo marido, a partir de 09/07/1984, foi, sem qualquer sombra de dúvida, em nome próprio e como se fossem os únicos donos do prédio, pelo que, o prazo para aquisição por usucapião se completa no dia 09/07/1999, ou seja, muito antes de ocorrer a citação da recorrida para os presentes autos, o que apenas se verificou a partir de 15 de Outubro de 2001, como se pode verificar do despacho de fls. 263;</font><br> <font>- Com a prescrição prossegue-se os efeitos do não exercício de um direito por um determinado lapso de tempo enquanto na génese da usucapião se visa um fim totalmente contrário, pois que se prossegue a consolidação de um direito pelo decurso de um prazo mínimo mas nunca máximo e daí o art. 1292º do C.C. referir que são aplicáveis à usucapião as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição com as necessárias adaptações; </font><br> <font>Por isso,</font><br> <font>- Apenas se verificaria a interrupção do prazo da prescrição caso a recorrida tivesse alegado e provado factos que consubstanciassem a interrupção ou a suspensão do prazo da usucapião, o que não se verificou, pelo menos, o prazo a atender, nos termos do art. 663º, nº1, do C.P.C., é todo o período desde o seu início até ao encerramento da discussão;</font><br> <font>- Nos termos do art. 303º do Código Civil "o Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada .... por aquele a quem aproveita..." e a recorrida não a invocou na contestação, que é o local adequado, pois que, nos termos do nº 1 do art. 489º do C.P.C. "toda a defesa deve ser deduzida na contestação...";</font><br> <font>- Nunca, pois, o prazo usucapiável interrompeu com a citação da recorrida como se defende no acórdão recorrido;</font><br> <font>Consequentemente,</font><br> <font>- O prazo a atender para efeitos de usucapião nos termos do nº 1 do art. 663º do C.P.C., como se requereu na audiência de julgamento, é o que medeia desde o início da posse até ao momento de encerramento da discussão, que, neste momento, é o seguinte:</font><br> <font>a) No caso de se considerar bom o início da posse em Junho de 1979 decorreram até ao momento 26 anos;</font><br> <font>b) No caso de apenas ser boa a posse exercida a partir de 9 de Julho de 1984 (início da inversão do título de posse) decorreram, até ao momento, 21 anos;</font><br> <font>- O acórdão recorrido ao ter conjecturado uma outra solução não fez uma correcta análise jurídica e violou o disposto no art. 712º do C.P.C. e bem assim a al. d) do art. 1263º bem como dos arts. 1265º e 1296º, e ainda o art. 1292º, todos do C. Civil, e o nº 1, do art. 663º do C.P.C.</font><br> <br> <font>Com vista a contrariar a posição da recorrente, a recorrida terminou a sua contra-minuta com as seguintes conclusões:</font><br> <font>-A eliminação da matéria constante nas als. aa) e ab) da sentença recorrida foi feita na estrita observância do disposto no art. 712º do C.P.C. e, por isso mesmo, tal alteração não merece qualquer reparo; </font><br> <font>Aliás,</font><br> <font>-Contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não se verifica a situação prevista no nº2 do art. 722º do C.P.C., razão pela qual está vedado ao STJ, enquanto Tribunal de Revista que é, pronunciar-se sobre a matéria de facto fixada nas instâncias;</font><br> <font>- A Recorrente, mediante uma errónea interpretação do nº1 do art. 706º e do art. 524º, ambos do C.P.C., juntou aos autos dois documentos, junção essa que não é legalmente admissível, pelo que tais documentos deverão ser desentranhados dos autos;</font><br> <font>- Afigura-se inquestionável que o período que decorreu entre Junho de 1979 e a data em que veio a transitar em julgado o acórdão do S.T.J., reproduzido como documento nº2 anexo à petição inicial, a posse decorreu com base na expectativa da celebração da escritura de compra e venda dos prédios em causa, ou seja, neste período a A., ora Recorrente não estava imbuída da convicção de que os prédios lhe pertenciam, razão pela qual esse período não pode ser considerado como relevante para os efeitos pretendidos, na medida em que a posse era exercida em nome alheio. Por outro lado,</font><br> <font>- A aceitar-se que, desde a data em que transitou em julgado o acórdão do S.T.J. reproduzido como doc. 2 anexo à p.i., - a posse da A., a ter existido (pelas razões já invocadas, não poderia deixar de ser considerada de má fé) pelo que, ainda que tal posse tivesse relevância - e não tem, como foi referido, e bem, no acórdão recorrido - o período necessário para se verificar uma situação de aquisição por usucapião seria de 20 anos:</font><br> <font> Ou seja,</font><br> <font>- Ainda que a posse da A. tivesse qualquer relevância para os efeitos por ela pretendidos, à data da entrada em Juízo dos presentes autos, ainda não tinha decorrido o período temporal necessário para que a sua pretensão pudesse proceder;</font><br> <font>Mas, mesmo que assim não se entenda,</font><br> <font>- A posterior venda (em 09/09/1984) dos prédios pelo primitivo proprietário, venda essa que foi de imediato registada, na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira (Ap.04/170185, a fls. 55 vº. do Livro G-82), teria necessariamente como consequência o início de um novo período de contagem do prazo prescricional, tanto mais que a A. teve conhecimento do facto, como resulta da acção que constitui o Anexo "I" dos presentes autos;</font><br> <font>-De facto, entre um título de mera posse e um título de propriedade, devidamente registado, este terá de prevalecer relativamente àquele;</font><br> <font>-Acresce ainda que, a contestação dos presentes autos também teve a virtualidade de interromper o período prescricional pelo que, em caso algum, já decorreu o tempo mínimo necessário para que, como decidiu (mal) o Mº. Juiz de Primeira Instância, se possa entender que existe posse "... pacífica, pública, reiterada, ininterrupta, de boa fé, sem oposição";</font><br> <font>Em suma,</font><br> <font>-A aceitar-se, por mero raciocínio académico, que a posse da A. releva para efeitos de aquisição por usucapião, ainda assim e, independentemente do ângulo de abordagem do início de contagem do prazo prescricional, ainda não decorreu o período de tempo legalmente exigido para o efeito;</font><br> <font>De facto,</font><br> <font>- A posse da A. não é titulada (art. 1259º do CC); </font><br> <font>- A A. sabe - como sempre soube - que estava, como está, a lesar o direito de terceiros (art. 1260ºdo CC);</font><br> <font>- A A. nunca exerceu a posse como se fosse possuidora do direito de propriedade (art. 1287º do CC); </font><br> <font>- A A., mesmo quando teve o corpus, nunca teve o animus, razão pela qual o período em causa não releva para efeitos de aquisição por usucapião;</font><br> <font>Por outro lado,</font><br> <font>-A A. nunca deteve a posse, sem oposição dos proprietários, por um período de 15 anos (art. 1296ºdo CC);</font><br> <font>- À data da prolação da sentença que o douto acórdão recorrido rectificou, não se verificavam os requisitos necessários para que a A. pudesse adquirir o direito de propriedade por usucapião (art. 1316ºdo CC).</font><br> <font>- Decorre, ainda, dos autos que a A. apenas deteve a posse precária (enquanto houve a expectativa de realizar o contrato de compra e venda) e que, a partir do momento em que se desinteressou do negócio, passou a possuidora de má fé e sem "animus possidendi", requisito indispensável para que a posse pudesse revelar para efeitos prescricionais, razão pela qual o tempo já decorrido não tem qualquer relevância para a aquisição por usucapião, da mesma forma que não releva para efeitos de determinar (para efeitos prescricionais) o início da posse «alínea c) do artº1317º do C.C.;</font><br> <font>- Assim, bem andou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao proferir o acórdão recorrido, o qual não enferma de nenhum dos vícios que a A., por mero dever de patrocínio, lhe aponta.</font><br> <br> <font>Cumpre-nos, ora, analisar o mérito da argumentação do recorrente, balizando a sua apreciação pelas conclusões apresentadas.</font><br> <font>Da leitura destas, extrai-se que somos confrontados com as seguintes questões: </font><br> <font>- terá o Tribunal da Relação feito um correcto uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712º do C.P.C.?</font><br> <font>- a escritura de compra e venda outorgada entre o anterior proprietário do prédio, BB, e a ora R., aqui recorrida, teve a virtualidade de inverter o título de posse da primitiva A. na qual o ora A. habilitado, aqui recorrente, sucedeu?</font><br> <font>- face à matéria de facto definitivamente assente, é possível concluir que a primitiva A. e, consequentemente, o ora A. habilitado, aqui recorrente, adquiriu definitivamente, por usucapião, a propriedade reivindicada?</font><br> <br> <font>Analisemos, pois, as questões que nos foram colocadas.</font><br> <br> <font>O acórdão da Relação de Lisboa, ora sob censura, partindo da ideia de que a posse da A. teve na sua génese o contrato-promessa celebrado entre aquela e o seu marido, na qualidade de promitentes- compradores, e BB, na de promitente vendedor e primitivo proprietário dos prédios aqui em disputa, catalogou a mesma como meramente precária e, consequentemente, como imprópria para usucapir.</font><br> <font>Assim, considerando que esta "posse" nunca poderia passar de uma mera detenção, anulou a resposta ao quesito correspondente à matéria de facto da al. aa), que dava como provado de que AA e GG actuaram com a intenção de proprietários, o que vem acontecendo com ora A. habilitado HH.</font><br> <font>Por outro lado, considerou que a matéria dada como provada sob a al. ab) - "sem oposição de quem quer que seja" - estava em contradição com a matéria dada também como provada, concretamente, como o facto de o proprietário BB ter instaurado contra AA e marido GG a acção de reivindicação que correu termos sob o nº 118/81, na 2ª secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Franca de Xira.</font><br> <br> <font>Ora bem.</font><br> <font>Com vista à solutio da 1ª questão, importa, desde logo, saber se, tendo em conta a posição jurídica defendida em relação à caracterização da "posse" cuja génese radica num contrato-promessa, poderia a Relação alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.</font><br> <br> <font>Como sabemos, o recurso de apelação apresenta-se "como um recurso amplo, de crítica livre, por nela se poderem impugnar todos os suportes da decisão recorrida, quer estes respeitam à matéria de facto, quer à matéria de direito" (1).</font><br> <font>Assim, é perfeitamente lícito ao tribunal da Relação exercer censura sobre a matéria de facto, alterando a mesma, nos termos previstos pelas alíneas do nº1 do art. 712º do CPC - , ou seja, (1) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida, (2) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, e (3) se o recorrente apresentar documento novo suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou -, ou, ainda, procedendo à anulação da decisão, quando a repute deficiente, obscura ou contraditória, nos termos nº4 da mesma disposição legal.</font><br> <br> <font>Ora, o S.T.J., enquanto tribunal de revista, só conhece, em princípio, de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico à factualidade apurada pelas instâncias, como resulta claramente dos arts. 26º da Lei nº3/99, de 13/01, e 729º, nº1 do C.P.C..</font><br> <font>Apenas influirá na conformação da base factual se concluir por um eventual erro na apreciação das provas ou na fixação da matéria de facto que resulte da ofensa a uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, nas hipóteses de violação de regras de direito probatório material (cfr. arts. 729º, nº2 e 722º, nº2 do C.P.C.).</font><br> <br> <font>Se ao Supremo está vedado apreciar o não uso que a Relação faça dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712º do C.P.C., já é de entender que deve exercer censura sobre o bom ou mau uso que deles faça. Como bem salienta Alberto dos Reis, uma coisa é a apreciação das provas por parte do tribunal de 1ª instância ou da Relação, outra, bem diferente, é saber se esta última fez bom uso dos poderes que a lei lhe confere: aquela 1ª questão é de facto, alheia, portanto, à cognição do Supremo, mas a 2ª é de direito e em relação a ela é legítima a censura por parte do tribunal de revista.(2) (3) (4)</font><br> <font>Em conformidade com o exposto, concluímos pela legitimidade deste Supremo para apreciar o uso que o Tribunal da Relação de Lisboa fez dos poderes conferidos pelo art. 712º do C.P.C..</font><br> <font>E, mui embora o Tribunal da Relação de Lisboa não tenha feito referência expressa a qualquer norma de direito adjectivo para justificar a sua posição, o certo é que a sua decisão só se poderá fundamentar nos poderes que lhe são conferidos por aquele dispositivo legal.</font><br> <br> <font>No acórdão recorrido chegou-se à conclusão que a A., a quem sucedeu o ora o A. habilitado, nunca poderia ter adquirido por usucapião a Quinta de Santo André, objecto de reivindicação, pelo simples facto de aquela e o seu marido a terem ab initio terem ocupado por mero efeito de um contrato-promessa.</font><br> <font>E, na verdade, o exercício de poderes de facto que decorre da mera traditio da coisa objecto de um contrato-promessa não pode, em princípio, qualificar-se como pura posse, composta por um corpus e animus possessórios.</font><br> <font>De facto, e como refere Antunes Varela, "...a tradição da coisa, móvel ou imóvel, realizada a favor do promitente-comprador, no caso da promessa de compra e venda sinalizada, não investe o accipiens na qualidade de possuidor da coisa... E os poderes que o promitente-comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente-alienante ou transmitente". (5) </font><br> <font>No fundo, a posição defendida por A. Varela acaba por aceitar a chamada teoria da causa, de que fala Manuel Rodrigues, que se traduz no facto de, na aquisição bilateral da posse, o animus resultar da natureza do acto jurídico por que se transmitiu o direito susceptível de posse.</font><br> <font>Assim, se a tradição se realizou em consequência de um acto de alienação da propriedade, a intenção que tem o adquirente é a de exercer o direito de propriedade, sendo que "contra a vontade que da causa deriva não é permitido alegar uma vontade concreta do detentor, salvo se este houver invertido o título"(sublinhado nosso).(6)</font><br> <font>Ora, no caso do promitente comprador, uma vez que o acto que o habilita a exercer poderes de facto sobre a coisa (a traditio) não é um acto de alienação, o animus com que recebe a coisa será de mero detentor.</font><br> <font>Contudo, tal não exclui a possibilidade de aquela detenção se vir a transformar numa verdadeira posse. Como o referem Pires de Lima e Antunes Varela, casos há em que o promitente-comprador actua uti dominus. Por exemplo, quando já houve o pagamento de sisa e da totalidade do preço, quando as partes não têm o propósito de realizar o contrato definitivo e a coisa é entregue ao promitente-comprador como se já fosse sua...(7) </font><br> <font>Nestes casos, o promitente-comprador passa a comportar-se em relação à coisa objecto do contrato-promessa como se fosse sua por efeito da inversão do título de posse, isto é, transformando o inicial animus detendendi num animus possidendi.</font><br> <font>Esta forma de aquisição originária
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font>&nbsp;Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br> <font> </font> <p><font> </font> </p><p><font> </font></p></div><br> <b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;I - RELATÓRIO</font></b> <p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente na Rua do A... de S..., V... das A..., Santo Tirso, intentou acção declarativa acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB </font></b><font>e marido</font><b><font> CC, </font></b><font>residentes na Travessa das C..., nº ..., R..., Santo Tirso, pedindo:</font> </p><p><font>- se declare nulo o contrato acordado entre ela e os réus;</font> </p><p><font>- a sua condenação a pagarem-lhe a quantia de 34.950,00€ mais juros legais;</font> </p><p><font>- assim como no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença à razão do valor mensal do salário mínimo que estiver em vigor em cada um desses meses e enquanto a autora se mantiver em situação de desemprego, ou caso assim se não entenda, no pagamento de uma indemnização não inferior a 15.000,00€.</font> </p><p><font>Para tanto alegou, em síntese, ter celebrado com os réus um acordo por escrito, que denominaram de contrato promessa de arrendamento e trespasse, nos termos do qual a ré mulher declarou prometer trespassar, com o consentimento do réu marido, um estabelecimento comercial de café, tendo desde logo tomado posse desse estabelecimento. </font> </p><p><font>Tal contrato é nulo porque apenas a ré prometeu trespassá-lo, sendo o estabelecimento um bem comum dos réus, nulidade que resulta também por impossibilidade do seu objecto pois que o estabelecimento não estava nem tem condições para estar licenciado. </font> </p><p><font>Mais alegou, e especificou, os danos que dessa celebração lhe advieram.</font> </p><p><font>Regular e pessoalmente citados, os réus contestaram invocando, em resumo, que através do contrato em causa aquilo que as partes efectivamente pretenderam foi a compra e venda do mobiliário existente no estabelecimento, porquanto logo no dia a seguir ao da sua outorga a autora celebrou com o senhorio do arrendado um novo contrato de arrendamento, o qual foi já resolvido por falta de pagamento de rendas. </font> </p><p><font>A nulidade não se verifica, pois como consta do texto do contrato o réu deu o seu consentimento, e o estabelecimento sempre esteve e está licenciado, tanto assim que ao longo de 15 anos sempre laborou com a actividade de café, snack-bar e restaurante, assim como a autora esteve na posse do mesmo tornando-o paradeiro nocturno de brasileiras e outras mulheres e daí retirou os seus proveitos durante mais de dois anos, pelo que a sua conduta ao vir agora invocar a nulidade do contrato constitui um abuso de direito. </font> </p><p><font>Concluíram pedindo a improcedência da acção.</font> </p><p><font>A autora replicou sustentando o contrato de trespasse e concluindo como na petição inicial.</font> </p><p><font>Saneado e condensado o processo, sem reclamação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, seguida da prolação da sentença que julgou a acção improcedente.</font> </p><p><font>Inconformada, apelou a autora, e a Relação, por acórdão de 5/05/11 (fls. 315 a 333), julgando a apelação improcedente manteve na íntegra a decisão recorrida.</font> </p><p><font>Ainda não convencida, dele interpõe o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Alegando, formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>l.ª- A recorrente não pode fazer prova dos factos que integram os art.°s 1,°, 4.° a 27.°, 29.° a 33.°, 35.° a 40.°, 42.°, 43.°, 46.°, 47.°, 48.°, 54.°, 58.° e 60.° da BI , como prova total dos factos dos artigos 2.°, 28.°, 34.°, 44.°, 46.°, 47.°, 49.°, a 53.°, 59.°, 61.° e 62.° da mesma peça, por não lhe ter sido reconhecido o direito ao apoio judiciário e não ter pago a taxa de justiça e multa que lhe foi liquidada, pelas razões aduzidas em requerimento de 12.11.2009, nomeadamente pelo facto (alegado no exercício do dever de patrocínio), de se encontrar "em situação de grande perturbação psicológica, provavelmente causada pela sua precaríssima situação económica, e não consegue representar devidamente o sentido da correspondência que recebe".</font> </p><p><font>2.ª- Esse facto não foi considerado relevante pelas instâncias recorridas, pois nem disso exigiram ou produziram comprovação, bastando-lhes para considerar precludido ou extinto o direito de produzir prova, o incumprimento dos deveres (ónus) procedimentais para que tivesse acesso a esse direito, e os processuais de pagar taxa de justiça e multa, cuja impossibilidade de pagar está comprovada pela posterior concessão de apoio judiciário.</font> </p><p><font>3.ª- Com tal decisão, a Recorrente foi despojada do direito de acesso ao direito e à justiça, na medida em que lhe foi vedado o direito de produzir prova.</font> </p><p><font>O direito ao direito e à justiça e o direito desses direitos serem exercidos em processo equitativo, são direitos fundamentais da pessoa humana.</font> </p><p><font>A fundamentalidade desses e de outros direitos fundamentais, radica na dignidade da pessoa humana, na sua essencialidade ética, com a consequente indissolubilidade e ilimitabilidade.</font> </p><p><font>Os direitos ao direito e à justiça e ao processo equitativo estão reconhecidos no disposto, "inter alia", nos art.°s 1.°, 2.°, 13.°, 20.°, 1 e 202.°, 2 da Constituição, art.°s 3.° e 6.° do TUE e art.°s 1.°. 3.°, 1, 20.°, 21.° e 47.° da CCDFH.</font> </p><p><font>4ª- O incumprimento de deveres procedimentais ou de obrigações pecuniárias processuais, nunca pode ser causa de impedimento do exercício do direito ao direito e á justiça, tal como a falta de pagamento da "taxa moderadora" não impede o direito de acesso aos cuidados de saúde.</font> </p><p><font>5.ª- Muito menos isso pode ser assim, quando o titular sofre de incapacidade de compreender aspectos procedimentais para que lhe seja concedido o apoio judiciário.</font> </p><p><font>6.ª- No modo como o caso dos autos foi entendida nas decisões recorridas, o fundamento cedeu ao contingente (ao duvidoso).</font> </p><p><font>7.ª- Em função dos factos mesmo assim julgados provados, os Recorridos devia ter sido condenada a restituir à Recorrente a quantia que dela recebeu, no valor de € 13-750,00 a titulo de sinal que desta recebeu, bem como uma quantia, a titulo de indemnização, a liquidar em execução de sentença.</font> </p><p><font>8ª- A restituição da quantia recebida funda-se no disposto nos art.° 280.°, 1 e 294.° do CC, em conjugação com o disposto nos art.° 10.° e segts. do Dec.-lei n. ° 168/97, pois um estabelecimento que não dispõe das condições legais para o exercício da actividade que lhe dá carácter, não pode ser objecto de negócios.</font> </p><p><font>9.ª- A condenação em indemnização funda-se no disposto no art.° 227.°, 1 do CC., pois a ocultação dos vícios do objecto, por parte da Recorrida, não podiam deixar de causar danos patrimoniais à Recorrente.</font> </p><p><font>10.ª- E deviam assim ser condenados, porque prometeram trespassar um estabelecimento comercial que, ou não existe legalmente, ou é contrário à lei porque não tinha licença de utilização nem condições para ser licenciado, cuja posse transmitiram de imediato à Recorrente para este o fruir pessoalmente.</font> </p><p><font>11.ª- Por isso, o contrato é regulado pelo disposto no art. ° 410.°, 1 do CC (principio da equiparação), pois o objecto do contrato prometido não era um objecto em formação ou especificação, mas objecto actual.</font> </p><p><font>Como foram violadas as normas invocadas nestas conclusões este recurso deverá proceder.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. </font> </p><p><font> </font></p><div><br> <font>●</font></div><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; É pelo teor das conclusões da recorrente que se afere o âmbito do recurso, à parte as questões de conhecimento oficioso (arts. 684º nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil – CPC </font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> por diante), e nelas suscitam-se as seguintes questões:</font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; a) Nulidade do contrato e consequente restituição da quantia recebida pelos recorridos, cuja análise passa pela ponderação destas sub-questões:</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - o que se entende por objecto de negócio legalmente impossível e contrário à lei;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - âmbito do contrato de trespasse de estabelecimento comercial;</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; - regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, vigente à data.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; b) Se os recorridos devem indemnizar a autora no quadro da responsabilidade pré-contratual.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; ●&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp; II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>DE FACTO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Das instâncias vem dada por assente a seguinte matéria de facto:</font> </p><p><font>1. Em 31.07.2004, os RR. e a A. fizeram um acordo, por escrito, que denominaram de “Contrato-promessa de arrendamento e trespasse”, no qual os RR. declararam, conforme documento junto a folhas 19 cujo teor se dá por reproduzido, que: </font> </p><p><font>a) A Ré mulher tinha celebrado “um contrato de arrendamento com vista à exploração de um estabelecimento comercial de café, snack-bar e restaurante, actualmente denominado “Café R...”, sito na R. V... de C..., ..., freguesia de R..., do concelho de Santo Tirso, instalado num prédio urbano pertencente a DD, emigrante em França, que já tem conhecimento e conferiu autorização tácita para a realização desta promessa de contrato”; </font> </p><p><font>b) “Todo o equipamento e recheio desse sobredito estabelecimento pertence aos primeiros outorgantes” (os ora RR.); </font> </p><p><font>c) Por esse contrato, a Ré mulher, “com o consentimento de seu marido”, também aqui R., prometia “trespassar esse estabelecimento à A., “ a qual, em consequência”, o passava a “explorar directamente”, a partir dessa altura;</font> </p><p><font>d) O “trespasse” abrangia “todo o espaço, instalações, equipamentos e utensílios” que integravam “o estabelecimento, designadamente, balcões, mesas, cadeiras, vitrines, arcas, fogões, grelhadores, fornos, micro-ondas, televisores, talheres, copos, etc., bem como as mercadorias nele existentes, como bebidas, géneros alimentícios, vasilhames, mercearias, etc., os quais são alienados livres de quaisquer ónus ou encargos”; </font> </p><p><font>e) “O preço global do trespasse do dito “Café R...” era de € 32.500,00, a pagar em 4 prestações, sendo a primeira de € 5.000,00, paga no acto de outorga do acordo; a segunda de € 3.500,00, a pagar até 31.12.2004; a terceira de € 6.000,00, apagar até 31.12.2005; a quarta de € 18.000,00, a pagar em prestações mensais de € 500,00, durante trinta e seis meses, com início em Janeiro de 2006, e termo em Dezembro de 2008, a pagar no domicílio dos credores, até ao dia 20 do mês a que respeitar, contra recibo”; </font> </p><p><font>2. Os RR. disseram também nesse documento que, “se no decurso do ano de 2005, a promitente compradora (ora A.) conseguisse “a aprovação de um empréstimo bancário que lhe” permitisse “antecipar a liquidação do débito”, reduziam o preço do trespasse para o valor de € 30.000,00”; </font> </p><p><font>&nbsp;3. Nesse mesmo documento, a A. disse que aceitava esse contrato e tomou, de imediato, a posse do estabelecimento, passando a exercer aí a actividade de café, restaurante e snack-bar, em seu nome no seu interesse. </font> </p><p><font>4. Os RR. não dispunham de licença administrativa em vigor, para que o estabelecimento pudesse funcionar legalmente. </font> </p><p><font>5. O estabelecimento não dispunha de autorização de utilização ao abrigo da legislação em vigor -Decreto-Lei 168/97 de 4.5, sendo condição necessária para a atribuição de tal licença o suprir das seguintes anomalias que foram detectadas pela autoridade administrativa competente em 6.12.2004:</font> </p><p><font>- O estabelecimento não possui projecto de segurança contra risco de incêndios. Assim, deve o respectivo projecto ser apresentado na Câmara Municipal para que possa ser remetido ao SNB para aprovação. </font> </p><p><font>-A nível de condições sanitárias admite-se que tenham de ser realizadas adaptações no existente, no entanto as referidas adaptações, devem previamente ser aprovadas pela Delegação de Saúde. Para esse efeito terá que ser remetido uma cópia do projecto para emissão de parecer. </font> </p><p><font>-A nível das instalações sanitárias detectaram-se deficiências nas ventilações (WC Homens) e na configuração das instalações sanitárias destinadas ao pessoal, onde faltam os vestiários. </font> </p><p><font>-Não foi possível verificar as condições de funcionamento dos órgãos de tratamento de águas residuais e fonte de abastecimento de água. </font> </p><p><font>-Não possui contentor de resíduos sólidos. </font> </p><p><font>-A nível de espaço para armazenagem e despensa de dia não possui instalações adequadas. </font> </p><p><font>-Falta electrocutor de insectos. </font> </p><p><font>6. Até à data da propositura da acção a A. entregou aos RR. a quantia de €13.750,00 por conta do pagamento do preço do trespasse prometido. </font> </p><p><font>7. No dia 01 de Agosto de 2004, ou seja, no dia seguinte ao denominado “CONTRATO-PROMESSA DE ARRENDAMENTO E TRESPASSE”, a A. e o senhorio DD celebraram contrato de arrendamento. </font> </p><p><font>8. O senhorio do prédio onde laborava o estabelecimento notificou a autora através de notificação judicial avulsa de 1.9.2006, junta a fls. 223 a 224, notificando-a que fazia cessar o arrendamento por falta de pagamento de rendas. </font> </p><p><font>9. O referido senhorio intentou contra a aqui autora uma acção judicial na qual alegou os fundamentos de facto vertidos na petição inicial cuja cópia se encontra junta a fls. 216 a 221 e se dá por reproduzida. </font> </p><p><font>10. O arrendado teve licença de construção n° 3, de 02.01.1990. </font> </p><p><font>11. Tem licença de utilização 300-P, de 19.07.1993. </font> </p><p><font>12. E tem licença sanitária com o n° 2099, de 29.12.1995.</font> </p><p><font>13. O estabelecimento laborou até, pelo menos, à entrada em juízo da presente acção. </font> </p><p><font>&nbsp;14. Em vistoria feita ao estabelecimento pela autoridade administrativa competente em 6.12.2004, foram detectadas as seguintes anomalias: </font> </p><p><font>-O estabelecimento não possui projecto de segurança contra risco de incêndios. Assim, deve o respectivo projecto ser apresentado na Câmara Municipal para que possa ser remetido ao SNB para aprovação. </font> </p><p><font>-A nível de condições sanitárias admite-se que tenham de ser realizadas adaptações no existente, no entanto as referidas adaptações, devem previamente ser aprovadas pela Delegação de Saúde. Para esse efeito terá que ser remetido uma cópia do projecto para emissão de parecer. </font> </p><p><font>-A nível das instalações sanitárias detectaram-se deficiências nas ventilações (WC Homens) e na configuração das instalações sanitárias destinadas ao pessoal, onde faltam Os vestiários. </font> </p><p><font>-Não foi possível verificar as condições de funcionamento dos órgãos de tratamento de águas residuais e fonte de abastecimento de água. </font> </p><p><font>-Não possui contentor de resíduos sólidos. </font> </p><p><font>-A nível de espaço para armazenagem e despensa de dia não possui instalações adequadas. </font> </p><p><font>-Falta electrocutor de insectos. </font> </p><p><font>15. O proprietário e a exploradora do estabelecimento foram notificados pela autoridade administrativa competente para suprirem as referidas anomalias como condição necessária à obtenção das licenças e autorizações necessárias ao funcionamento do estabelecimento.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>DE DIREITO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>A) </font><u><font>Nulidade do contrato e consequente restituição da quantia recebida pelos recorridos </font></u> </p><p><font> </font> </p><p><font>A recorrente persiste no entendimento de que a falta de licença administrativa para funcionamento do estabelecimento, que nem sequer está em condições de ser licenciado, inquina de nulidade o negócio jurídico de promessa de trespasse que celebrou com os réus. </font> </p><p><font>Fundamenta essa sua pretensão no disposto nos arts. 280.°, nº 1 e 294.° do Código Civil (CC), em conjugação com o art. 10.° e segs. do Dec.-Lei n.° 168/97, ou seja, por o objecto do negócio jurídico ser legalmente impossível e contrário à lei, pois um estabelecimento que não dispõe das condições legais para o exercício da actividade que lhe dá carácter, não pode ser objecto de negócios, e assim os recorridos deviam ter sido condenados a restituir-lhe a quantia que dela receberam no valor de 13.750,00€, a título de sinal.</font> </p><p><font>Esta tese da recorrente não logrou convencer a Relação. No acórdão que proferiu, e ora em recurso, foi acentuado não existir alguma impossibilidade legal do objecto do negócio jurídico celebrado pelas partes, determinante da nulidade do mesmo à luz do citado art. 280º do CC, uma vez que a emissão da licença de funcionamento do estabelecimento era possível, bastando à autora/recorrente, para a obter, realizar as obras necessárias de acordo com a notificação da entidade administrativa competente.</font> </p><p><font>Vejamos!</font> </p><p><font>Não existe qualquer dúvida que as partes celebraram um contrato-promessa de trespasse, e de que com ele se vincularam à concretização do contrato prometido. </font> </p><p><font>“</font><i><font>O contrato promessa é um verdadeiro contrato, distinto do negócio subsequente, em qualquer caso um contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido</font></i><font>”</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, ou, como diz Almeida Costa, “</font><i><font>no contrato-promessa a prestação devida consiste na emissão de uma declaração de vontade negocial destinada a realizar o contrato prometido</font></i><font>”</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>O contrato-promessa produz, assim, mero efeito obrigacional de realizar o contrato prometido, isto é, com a sua celebração as partes só lograram vincular-se à realização do contrato prometido, no caso o trespasse do dito “Café R...”, e não a transmissão da titularidade do estabelecimento comercial, apesar da sua entrega à autora/recorrente, promitente trespassária, como antecipação dos efeitos do contrato prometido por acordo consensual dos contraentes (3 dos factos provados).</font> </p><p><font>Mas, o art. 410º, nº 1 do CC dispõe que ao contrato-promessa “</font><i><font>são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa</font></i><font>”. </font> </p><p><font>Estabelece-se aqui o princípio da equiparação, afastando-se as regras relativas à forma e as que pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.</font> </p><p><font>E sendo assim, na realidade vem assente que à data da celebração do contrato-promessa os réus não dispunham de licença administrativa em vigor para que o estabelecimento pudesse funcionar legalmente, e que o estabelecimento não dispunha de autorização de utilização ao abrigo da legislação vigente, o Decreto-Lei nº 168/97 de 4/5, sendo condição necessária para a atribuição de tal licença o suprir das anomalias que foram detectadas pela autoridade administrativa em 6/12/2004 (cfr. 4 e 5 dos factos provados).</font> </p><p><font>Daqui, e tendo em conta o mencionado princípio da equiparação, retira a recorrente ser o negócio jurídico celebrado nulo, por impossibilidade legal do seu objecto e ser contrário à lei.</font> </p><p><font>Ora, o art. 280º do CC diz que “</font><i><font>é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável </font></i><font>”.</font> </p><p><font>A expressão “objecto do negócio jurídico” pode ter dois sentidos. Um, correspondente ao objecto imediato, ou conteúdo, sendo preenchido pelos efeitos jurídicos que o negócio tende a produzir. O outro, o objecto mediato, ou objecto </font><i><font>stricto sensu</font></i><font>, consiste naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio.</font> </p><p><font>Ambos estes sentidos estão abrangidos naquela disposição</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>É legalmente impossível o objecto de um contrato quando a prestação consiste num acto cuja realização a lei não permite, podendo impedi-la (</font><i><font>quod iure impleri non potest</font></i><font>), portanto, o objecto de um contrato que o direito não consente, como por exemplo alguém se obrigue a vender a outrem uma coisa do domínio público, ou a casar, depois dos 60 anos, em regime de comunhão geral de bens (art. 1720º, nº 1, al. b) do CC).</font> </p><p><font>Como diz Mota Pinto, “</font><i><font>será impossível legalmente o objecto de um negócio quando a lei ergue a esse objecto um obstáculo tão insuperável como o que as leis da natureza põem aos fenómenos fisicamente impossíveis</font></i><font>”</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>. </font> </p><p><font>Por sua vez, “</font><i><font>é contrário à lei o negócio cuja realização material se não pode impedir, mas que a lei reprova, considerando-o ferido de nulidade (por ex.: venda da herança de pessoa viva…</font></i><font>)</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Em face destes princípios, no caso em apreço, </font><i><font>a priori</font></i><font>, o negócio jurídico celebrado pelas partes, contrato-promessa de trespasse, cujo objecto mediato era o estabelecimento comercial de café, snack-bar e restaurante pertença dos réus, não é legalmente impossível ou contrário à lei uma vez que a ordem jurídica consente-o, prevê-o, não o repudia.</font> </p><p><font>&nbsp;Nem se trata de um qualquer contrato inominado que se visasse legitimar à luz do princípio da liberdade contratual, consignado no art. 405º do CC. Trata-se de um contrato com expressa consagração na legislação sobre contratos e arrendamento (cfr. arts 410º do CC, 115º, nº 3, do RAU - Regime do Arrendamento Urbano -, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15/10, vigente à data da celebração do acordo das partes, e, posteriormente, 1112º, nº 1, al. a) do CC com o NRAU - Novo Regime do Arrendamento Urbano -, aprovado pela Lei nº 6/06 de 27/02). </font></p><div><br> <font>●</font></div><br> <font>Como é sabido, a lei não dá o conceito de trespasse, motivando que a doutrina e a jurisprudência se venham empenhando na procura da sua identificação, podendo hoje definir-se de acordo com a doutrina dominante como “a transmissão definitiva, por acto entre vivos (seja a título oneroso, seja a título gratuito), da titularidade do estabelecimento comercial”</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>. </font> <p><font>Por seu turno, dir-se-á que o estabelecimento comercial “é a estrutura material e jurídica integrante, em regra, de uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim”</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>, ou, mais prosaicamente, o estabelecimento comercial é uma organização estável e autónoma de um conjunto de elementos que permitem o desempenho de uma actividade daquela natureza.</font> </p><p><font>Sem dúvida que nessa universalidade que constitui o estabelecimento comercial se integra a licença administrativa para funcionamento, elemento essencial da sua estrutura orgânica e funcional, pois que sem ela, não é legalmente admissível a laboração. </font> </p><p><font>Mas não é condição </font><i><font>sine qua non</font></i><font> da existência de um estabelecimento comercial encontrar-se ele a funcionar, bastando que o complexo da sua organização económica esteja pronto ou apto a entrar em movimento.</font> </p><p><font>Como escreve Galvão Telles, “…</font><i><font>o facto de o estabelecimento ainda não ter sido posto em movimento, ainda não ter entrado no giro comercial, encontrando-se numa situação estática, não obstará a que seja objecto possível de negócios jurídicos, nomeadamente seja cedido a outrem para o explorar e assim lhe dar vida. Ele constitui desde já uma potencial fonte de lucros, e tanto basta para que possa entrar no comércio jurídico.</font></i> </p><p><i><font>A esta concepção não se opõe a circunstância de ainda não existir clientela, porque a falta actual de clientela não é incompatível com a ideia de estabelecimento. Nota essencial do estabelecimento é apresentar-se ou poder vir a apresentar-se como uma organização dotada daquilo que se chama “avviamento”, ou seja, a aptidão para produzir lucros, a qual não se confunde com a existência efectiva de clientela, que do “avviamento” não é mais do que um índice ou manifestação exterior.</font></i><font>”</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Também Ferrer Correia e Ângela Coelho explicam que “</font><i><font>para se qualificar como estabelecimento determinada organização não é forçoso que estejam presentes todos os elementos que hão-de concorrer para o seu eficaz e perfeito funcionamento.</font></i> </p><p><i><font>Bastará que se encontrem reunidos os elementos essenciais que individualizam e dão consistência ao estabelecimento - que seja reconhecível o núcleo essencial do estabelecimento mercantil, o qual traduz a sua capacidade lucrativa ou o seu aviamento</font></i><font>”</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Em consonância, é entendimento generalizado na doutrina e jurisprudência que um estabelecimento comercial pode ser objecto de trespasse mesmo que ainda não esteja a ser explorado ou, inclusive, incompleto e em via de formação</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Nem é necessário para se falar em trespasse que a transferência abarque todos os elementos que, na altura, integram o estabelecimento, sendo admissível o trespasse parcial</font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>.</font> </p><p><font>Galvão Telles, no citado Parecer, vai mais longe acrescentando que o trespasse, tal como a cessão de exploração, é mesmo viável em relação a um estabelecimento de que ainda nada existe, que não está sequer em começo de formação, como pura realidade futura, por serem legalmente possíveis contratos sobre bens futuros, exceptuadas as doações (arts. 399º, 880º, 939º e 942º do CC).</font> </p><p><font>Para que um estabelecimento comercial possa ser objecto de trespasse, ou de cessão de exploração, ainda que por explorar ou incompleto, como impressivamente se refere no mencionado Acórdão da Relação do Porto de 2/07/92, citando Rui de Alarcão no seu trabalho “Sobre a Transferência da Posição do Arrendatário no Caso de Trespasse”, o que é preciso é que “</font><i><font>o “quid” que se faça juridicamente transitar abranja aquele mínimo de elementos essencial à existência de um estabelecimento, que não lhe falte o núcleo central e caracterizante da empresa</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Feita estas breves considerações sobre os princípios fundamentais que regem a figura jurídica do trespasse, vejamos o que o contrato dos autos evidencia.</font> </p><p><font>Que esse núcleo central, esse mínimo de organização apta ao exercício da actividade comercial a que a recorrente se propunha, foi assegurado e está evidenciado na descrição inserta nos 1º, 2º e 4º §s do contrato de fls. 19 (1, als. a), b) e d) dos factos provados). Quando a recorrente celebrou o contrato-promessa em causa o estabelecimento comercial estava aberto ao público, tal como a própria refere na petição inicial e nas alegações de recurso, e tomou de imediato a sua posse passando a exercer aí a actividade de café, restaurante e snack-bar, em seu nome e no seu interesse, durante mais cerca de 2 anos e meio (1, 3 e 13 dos factos provados), o que traduz o reconhecimento de que dispunha o mesmo de uma organização como estabelecimento comercial com aptidão para o fim a que se destinava.</font> </p><p><font>Por isso se discorda da afirmação feita pela recorrente de que o estabelecimento “não existia, pois, quando muito, seria um “conglomerado” de coisas móveis, sem qualquer nexo que lhe desse unidade”, e de que não tinha qualquer aviamento.</font> </p><p><font>Assim sendo, aparenta não constituir argumento eficaz contra a validade do trespasse, e do contrato promessa, o facto de não integrar aquela </font><i><font>universitas iuris</font></i><font> em que se traduz o estabelecimento comercial a necessária licença administrativa de utilização. </font></p><div><br> <font>●</font></div><br> <font>Dizemos que aparenta porque à data da celebração do contrato em causa o DL nº 168/97 de 4/07</font><a><u><font>[14]</font></u></a><font>, com a redacção introduzida pelo DL nº 57/2002 de 11/03, regulamentava o processo de licenciamento da utilização de estabelecimentos de restauração e bebidas dispondo no respectivo artigo 14º, nº 2, que “…</font><i><font>a existência de alvará de licença ou de autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas concedido ao abrigo do presente diploma…</font></i><font> </font><i><u><font>deve ser obrigatoriamente mencionado nos contratos de transmissão, ou nos contratos-promessa de transmissão, sob qualquer forma jurídica</font></u></i><i><font>, relativos a estabelecimentos ou a imóveis ou suas fracções onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, que venham a ser celebrados em data posterior à entrada em vigor do presente diploma, </font></i><i><u><font>sob pena de nulidade dos mesmos</font></u></i><i><font>.</font></i><font>”</font><a><u><font>[15]</font></u></a><font>.</font> <p><font>É inquestionável a falta dessa menção no contrato promessa de trespasse do estabelecimento celebrado no caso vertente, o mesmo é dizer que está ferido de nulidade.</font> </p><p><font>Como se concluiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 1/02/11, e desta Secção, no Proc. nº 6845/07.3TBMTS.P1.S1, no ITIJ, “(…),</font><i><font> porque a formalidade analisada não integra a ordem pública de protecção ou a ordem pública social, a invalidade correspondente à sua omissão não constitui uma nulidade atípica, mas antes uma nulidade absoluta</font></i><a><b><i><u><font>[16]</font></u></i></b></a><i><font>, cujo vício afectou, geneticamente, o negócio jurídico de trespasse, tornando-o inapto para a produção dos efeitos jurídicos a que se destina, em regra, desde o início, e de modo absoluto e insanável</font></i><a><b><i><u><font>[17]</font></u></i></b></a><i><font>.</font></i><font>“.</font> </p><p><font>Todavia, importa não esquecer que se está perante um contrato-promessa, do qual, como anotámos, unicamente advém o efeito obrigacional de realizar o contrato prometido, e que a impossibilidade legal originária verificada é meramente temporária, porque é susceptível de desaparecer num momento em que a prestação ainda oferece interesse ao credor (art. 792º, nº 2 do CC), pois que até à celebração do contrato prometido pode perfeitamente o promitente trespassante obter a licença em falta. </font> </p><p><font>Parece-nos que nesta circunstância a lei adm
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p> </p><p><b><font>I. - Relatório</font></b><font>.</font> </p><p><font>Irresignada com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, na procedência do agravo interposto pelo Réu, AA, da decisão (despacho) que havia considerado definitivos os alimentos fixados na acção de divórcio litigioso n.º 994/003.4TMBRG, revogou </font><i><font>“[a] decisão recorrida, tornando-se claro que a prestação de alimentos fixada na decisão proferida a fls. 130 a 136 dos autos, ocorreu ao abrigo do disposto no art. 1407º, nº7 do C. P. Civil, tratando-se, por isso, de prestação relativa a alimentos provisórios</font></i><font>”, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça, ao amparo dos artigos 754.º e 755.º do Código Processo Civil (ofensa ou violação do caso julgado).</font> </p><p><font>I.1. - Antecedentes processuais.</font> </p><p><font>Para a apreciação do recurso recenseiam-se os sequentes elementos ou actos processuais.</font> </p><p><font>- A Autora/recorrente instaurou, em 7 de Outubro de 2003, no Tribunal de Família e Menores de Braga, acção de divórcio litigioso contra AA, tendo pedido que fosse declarado o divórcio entre autora e réu e este declarado o único culpado, e consequentemente condenado a pagar á Autora uma indemnização de € 15.000,00, a título de danos morais;</font> </p><p><font>- Concomitantemente requereu que fosse decretada a utilização da casa de morada de família </font><i><font>“[sem] a obrigação de pagar renda ao requerido</font></i><font>” e ainda que fosse fixada uma prestação a título de alimentos provisórios, no montante de € 350,00, nos termos do artigo 1407.º, n.º 7 do Código Processo Civil;</font> </p><p><font>- Após produção de prova foi decidido, quanto aos alimentos provisórios peticionados, julgar “[</font><i><font>parcialmente</font></i><font>]</font><i><font> procedente o pedido de atribuição de alimentos, condenando-se o requerido a pagar </font></i><i><font>à </font></i><i><font>requerente a esse título a quantia mensal de € 75,00, todos os meses, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, ao que deve acrescer as prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção</font></i><font>” - cfr. fls. 136;</font> </p><p><font>- A fls. 135, e antes da apreciação do pedido relativo à atribuição da casa de morada de família ficou escrito: </font><i><font>“[Assim], ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de A. e R., decido fixar definitivamente,&nbsp; título de alimentos devidos pelo R, à A. a quantia de € 75,00 mensais a pagar todos os meses, pelo. R. até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção</font></i><font>”; &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>- A final foi decidido julgar </font><i><font>“[parcialmente] procedente a acção e, em consequência, decreto o divórcio entre AA e BB, com culpa principal do réu, declarando dissolvido o casamento celebrado entre ambos em 20 de Novembro de 1972. </font></i> </p><p><i><font>No mais absolvo o réu do pedido. </font></i> </p><p><i><font>Julgo improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo a autora dos pedidos</font></i><font>.” &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>- Da decisão referida no item anterior foi interposta apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que manteve a decisão, tendo a decisão transitado em julgado;</font> </p><p><font>- O réu procedeu ao pagamento da prestação alimentar até ao momento do trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio, tendo deixado de pagar a partir desse momento; </font> </p><p><font>- No processo n.º 994/03.4TMBRG-D foi ordenada a penhora da pensão a ser paga pela segurança Social ao réu até perfazer o montante de € 4.406,84;</font> </p><p><font>- Em requerimento dirigido ao Tribunal De Família e Menores de Braga réu requereu informação sobre </font><i><font>“[se] face à não pronúncia da sentença que decreta o divórcio, se consideram convertidos os alimentos fixados provisoriamente, ou se, à contrario os mesmo não eram devidos a devidos a partir da data em que a referida sentença foi decretada e transitada em julgado</font></i><font>.”&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>- Em despacho datado de 08-07-2010, o tribunal de família e Menores de Braga decidiu que “</font><i><font>Se alguma dúvida poderia subsistir quanto à natureza provisória ou definitiva dos alimentos fixados à autora nos presentes autos, tal dúvida, desvanece-se com a clareza de redacção da parte final da fundamentação da fixação de tais alimentos (fls. 135, 1º parágrafo). </font></i> </p><p><i><font>Essa sentença não foi objecto de recurso e foi tão claramente entendida pelas partes que nunca, desde 15-7-2004 até 10-5-2010, alguma suscitou qualquer dúvida de interpretação da mesma.</font></i> </p><p><i><font>Assim, atenta a clareza da sentença extemporaneamente posta em crise, indefere-se o requerido</font></i><font>”.&nbsp; </font> </p><p><font>- Foi deste despacho que o réu agravou para o Tribunal da Relação de Guimarães que por acórdão de 29 de março de 2011 decidiu </font><i><font>“[dar] provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, tornando-se claro que a prestação de alimentos fixada na decisão proferida a fls. 130 a 136 dos autos, ocorreu ao abrigo do disposto no art. 1407º, nº7 do C. P. Civil, tratando-se, por isso, de prestação relativa a alimentos provisórios.</font></i><font>”</font> </p><p><b><font>I.2. - Quadro conclusivo.</font></b> </p><p><font>Para a alteração do julgado que impetra, dessumiu a recorrente o acervo conclusivo que a seguir se extracta:</font> </p><p><font>“</font><i><font>1.ª Trata-se aqui de decidir se a parte da sentença onde se refere “</font></i><font>Assim, ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de autora e réu, decido fixar definitivamente a titulo de alimentos devidos pelo réu à autora, a quantia de € 75,00 mensais, a pagar todos os meses, pelo réu, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços ao consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção</font><i><font>” faz parte da fundamentação ou é já parte decisória. </font></i> </p><p><i><font>&nbsp;2.ª. Considera a recorrente que é decisória porque aí se inclui, já não os motivos, mas a conclusão onde expressamente se diz que se decide. </font></i> </p><p><i><font>3.ª. E tal decisão foi querida pelo juiz que a pronunciou, pois que se assim não fosse nenhuma razão teria para dizer que os alimentos eram fixados como definitivos. </font></i> </p><p><i><font>4.ª. Pelo que, com o devido respeito, é como definitivos que devem ter-se por fixados os alimentos, porque transitou em julgado a sentença, já que da mesma não foi interposto recurso. </font></i> </p><p><i><font>5.ª. Pelo que o douto acórdão recorrido ao decidir assim, está claramente a cometer um · erro de julgamento. </font></i> </p><p><i><font>6.ª. No entanto, mesmo que assim não entenda o douto tribunal ainda assim o douto acórdão recorrido ao considerar que são alimentos provisórios fixados em resultado de providência cautelar, e que esta morre com o trânsito em julgado da acção de divórcio, cessando o direito a alimentos, peca por estar em contradição com o que fez constar da fundamentação, isto é, ao considerar que o artigo 1407.º, n.º 7 do CPC consagra uma providência cautelar de carácter especialíssimo. </font></i> </p><p><i><font>7ª. Na verdade, há diferenças significativas entre a providência cautelar de alimentos provisórios prevista no artigo 1407.º, n.º 7 e a regulada nos artigos 388 a 392, todos do Código de Processo Civil. </font></i> </p><p><i><font>8.ª. Com efeito, a providência cautelar de alimentos provisórios estabelecida no artigo . 1407 n. 7 é julgada segundo critério de conveniência e, ao contrário do que sucede quanto às providências cautelares comuns (cf. artigos 384 e 382 n. 1 alínea a), do Código de Processo Civil) essa providência não requer a propositura de uma acção cujo objecto seja o próprio direito acautelado (cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de Iode Março de 1978, na Colectânea Jurisprudência, ano 1978, página 431). </font></i> </p><p><i><font>9.ª E ainda com a nuance de, com o devido respeito, contrariamente ao julgado no acórdão recorrido, o facto de os alimentos perdurarem enquanto não forem fixados em acção de alimentos definitivos ou declarada a cessação da obrigação de alimentos por impossibilidade do obrigado ou desnecessidade da aqui recorrente. </font></i> </p><p><i><font>10.ª. Sendo certo que a lei não fixa prazo para intentar a acção de alimentos definitivos. </font></i> </p><p><i><font>11.ª E embora o dito acórdão o não refira expressamente na decisão, mas tão só na fundamentação, que os alimentos fixados tinham carácter provisório, e que se esgotaram ‘ os alimentos provisórios fixados com o trânsito em julgado da sentença do divórcio, face ao aduzido nas anteriores conclusões o douto acórdão viola o disposto no artigo 1407.º do CPC</font></i><font>.” </font> </p><p><font>Das contra-alegações produzidas pelo agravado extractam-se as sequentes conclusões: </font> </p><p><font>“</font><i><font>A. A Agravante, requer que o Acórdão proferido seja substituído por outro em que seja declarado que os alimentos fixados na acção de divórcio são definitivos, porque transitou em julgado a decisão, sendo sempre devidos enquanto não for intentada e julgada a acção de alimentos definitivos, ou declarada cessada a obrigação por impossibilidade do recorrido ou por desnecessidade da Agravante. </font></i> </p><p><i><font>B. No entanto carece de fundamento o alegado e pretendido por aquela, </font></i> </p><p><i><font>C. Desde logo porque não faz qualquer sentido ‘que o ora Agravado esteja ad eternum a aguardar, após o trânsito em julgado da decisão do processo de divórcio e partindo do principio que as condições se manteriam, que a Agravante intentasse acção para fixação de alimentos definitivos, </font></i> </p><p><i><font>D. Pois tal situação causaria uma brutal violação da segurança do ora Agravado, sendo de igual modo desproporcional e violadora dos princípios da boa fé, porquanto, </font></i> </p><p><i><font>E. A ora Agravante, uma vez que já possuía fixada pensão de alimentos na acção de divórcio, a qual, segundo esta só perderia eficácia com o trânsito em julgado da acção principal para fixação de alimentos provisórios, então nenhum interesse teria em intentar a acção principal, pois o seu interesse se encontraria acautelado – direito a alimentos – e sempre correria o risco de na acção principal os mesmos não lhe serem atribuídos. </font></i> </p><p><i><font>F. Assim não possui qualquer fundamento, salvo melhor opinião, e porque violadora dos mais elementares princípios da boa fé a i1tençâo e pretensão da ora Agravante. </font></i> </p><p><i><font>G. O ora Agravado pugna pela manutenção do Acórdão recorrido, </font></i> </p><p><i><font>H. O qual se encontra em consonância com inúmeros arestas em igual sentido, </font></i> </p><p><i><font>I. E a qual o ora Agravado defende, uma vez que, </font></i> </p><p><i><font>J. O artigo 1407° do CPC diz que u em qualquer altura do processo o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de algumas das partes, e se o considerar conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto á regulação do poder paternal dos filhos, quanto á utilização da casa de morada de família …. “ (negrito nosso)</font></i> </p><p><i><font>K. Ou seja prevê a possibilidade de se enxertar, na acção de divorcio um pedido de alimentos, o qual se trata ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE de uma providência cautelar, apensa ao processo principal, ou seja, processo de divórcio. </font></i> </p><p><i><font>L. “Morrendo” o processo de divórcio, sempre morrerá, por inerência a providência de alimentos, e como tal não faz sentido que os mesmos se mantenham a ser devidos. </font></i> </p><p><i><font>M. É pacifico que o cônjuge carecido de alimentos possa, em qualquer altura do processo, pedir a atribuição de alimentos provisórios a cargo do outro cônjuge, no entanto não deixa de lançar mão de um meio cautelar. R </font></i> </p><p><i><font>N. “Ainda que não sejam formalmente inseridos no catálogo dos procedimentos cautelares, existem na nossa ordem jurídica outros mecanismos processuais que prosseguem idêntico objectivo, qual seja o de assegurar, sem delongas, os meios necessários a enfrentar as necessidades vitais do interessado. O incidente regulado pelo artigo 1407.º, n.º 7 do Código Processo Civil é disso exemplo paradigmático, pois permite a fixação de um regime provisório de alimentos em beneficio do cônjuge ou dos filhos no âmbito da acção de divórcio litigioso, sob a iniciativa do interessado ou por intervenção oficiosa do Juiz, quando o circunstancialismo revelado aconselhar essa regulação interna de interesses conexos com as relações postas em crise”</font></i> </p><p><i><font>O.- pelo exposto e salvo melhor opinião em contrário carece de fundamento a posição da ora agravante no sentido de que os alimentos fixados perduram porquanto os alimentos atribuídos ao abrigo do art. 1407.º do CPC caducam com o trânsito em julgado da acção de divórcio.</font></i> </p><p><i><font>P.- Salvo melhor opinião, necessária e legitimamente, o agravado pugna pela manutenção do acórdão recorrido;</font></i> </p><p><i><font>Q. - Ou seja, já se encontra caducado o direito a alimentos (PROVISÓRIOS) da agravante, pois, não podem ser considerados definitivamente fixados alimentos a favor da Agravante pois os mesmos esgotam-se com o trânsito em julgado da sentença que decreta o divórcio;</font></i> </p><p><i><font>R. - Sendo que para fixação definitiva será necessário a Agravante interpor acção própria.</font></i> </p><p><i><font>S. - Neste sentido os arestos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-10-2002, Col. Jur. 2001, 5.º, 90; Ac. Supremo Tribunal Justiça de 12-11-1991; BMJ; 411.º,569.</font></i><font>” </font> </p><p><b><font>I.3. - Questões a ser objecto de apreciação.</font></b> </p><p><font>Em face dos fundamentos do recurso têm-se por pertinente as sequentes questões:</font> </p><p><font>- Caso Julgado. Limites Objectivos.</font> </p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO.</font></b> </p><p><b><font>II.A. – De Facto.</font></b> </p><p><font>Para além do que supra ficou consignado para efeitos dos antecedentes a considerar, o tribunal da Relação de Guimarães deu como relevantes para a decisão que proferiu a sequente facticidade:</font> </p><p><font>“1º - Na acção de divórcio litigioso que instaurou, requereu a autora BB, para além do mais, que, nos termos do disposto no art. 1407º, n.º7 do C. P. Civil, lhe fosse fixada uma prestação de alimentos provisórios, no montante de € 350,00 mensais a cargo do réu AA;</font> </p><p><font>2º- Na sequência de requerimento apresentado pela autora, reiterando pelo carácter urgente da providência cautelar requerida (cfr. fls. 85), procedeu-se à inquirição de testemunhas (cfr. fls. 85 e 124 a 126 dos autos).</font> </p><p><font>3º- Em 15.07.2004, foi proferida decisão, que, no que respeita aos alimentos, julgou “parcialmente procedente o pedido de atribuição de alimentos, condenando-se o requerido a pagar à requerente a esse título a quantia mensal de € 75,00, todos os meses, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, ao que deve acrescer as prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção” (cfr. fls. 136);</font> </p><p><font>4º - Na fundamentação desta apelidada “sentença”, já transitada em julgado, escreveu-se, a fls. 135, o seguinte: “</font><i><font>Assim, ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de autora e réu, decido fixar definitivamente a título de alimentos devidos pelo réu à autora a quantia de € 75,00 mensais, a pagar todos os meses, pelo réu, até ao dia 8 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano, actualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção</font></i><font>”.</font> </p><p><b><font>II.B. – De direito.</font></b> </p><p><b><font>II.B.1. – Caso Julgado. Limites Objectivos</font></b><font>.</font> </p><p><font>Os autores soem definir o caso julgado material como </font><i><font>“[a] vinculação que produzem determinados resoluções judiciais firmes, normalmente as sentenças sobre o fundo, que se concretiza no dever que incumbe ao órgão jurisdicional que conhece de um novo processo de se abster de ditar uma nova resolução sobre o fundo da questão litigiosa, quando esta seja idêntica á que já foi decidida na resolução em que se produzia o caso julgado (efeito negativo ou excludente); ou, no dever de ater-se ao que resulte desta e tomá-la como pressuposto da sua decisão, quando se apresente como condicionante ou prejudicial da questão que constitui o objecto do novo processo (efeito positivo ou prejudicial)</font></i><font>”. [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>]&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Com ou através da constituição do caso julgado pretende-se prover à certeza e à paz jurídica. “</font><i><font>Estas exigências necessitam de um vínculo que impeça: 1) que uma controvérsia se prolongue até ao infinito; 2) que se torne a instaurar uma segunda causa sobre uma matéria já decidida em via definitiva num órgão judicial; 3) que se produzam decisões e sentenças contraditórias ou se verifique uma injusta e irracional reiteração de sentença de conteúdo idêntico no confronto das mesmas partes</font></i><font>” (tradução nossa). [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>]</font> </p><p><font>Apartando-nos do tratamento do caso julgado nos processos ordinários ou comuns, o caso que nos ocupa atinar com um processo de características sumárias ou de procedimento provisório, atiraremos a nossa atenção e análise para as situações em que sobre um pedido de feição provisória o tribunal emitiu uma resolução ou decisão. Vale por perguntar qual o valor vinculativo e respectivo âmbito processual, objectivo e subjectivo, de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional num processo de natureza provisória ou cujo fim se confina a acudir a uma situação de prevenção, preservação e/ou manutenção de uma direito que se prefigura, ao respectivo titular, como estando a ser objecto de ameaça ou de possibilidade de vir a perigar a sua integridade material.</font> </p><p><font>Tratando, especificamente, desta temática, o processualista espanhol Andrés de la Oliva dos Santos estima não ser possível, ainda que refira existirem autores que sustentam tese contrária, formar-se caso julgado material (</font><i><font>giudicato sostanziale</font></i><font>) relativamente às decisões proferidas ou “</font><i><font>emanate di misure cautelare</font></i><font>”. &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>Procurando justificar e sustentar a posição que defende, este Professor escreve </font><i><font>“[em] nosso aviso, malgrado (per quanta) a importância prática que se reconheça e se atribua a tais medidas, a sua natureza essencialmente instrumental relativamente à efectividade da futura sentença sobre o mérito (ou decisão de conteúdo análogo) e, sobretudo, a sua consubstancial provisoriedade, conduzem a negar a eficácia de caso julgado material “giudicato sostanziale” (ou formal, com efeitos limitados ao procedimento, não apresenta inconvenientes) às decisões judiciais que disponham da adopção de um medida cautelar ou que rejeitem a instância relativa (o che rigettano la relativa instanza)” (tradução nossa). </font></i> </p><p><i><font>“Não se trata só pelo facto de que tais medidas disponham (vengono disposte) sobre uma base de um fummus boni juris e, portanto, não contenham qualquer pronunciamento (accertamento), ainda que revogável, de direito e situação substancial. Nem se mostra decisivo que reentre na essência destas medidas a sua modificabilidade, de ordinário a instâncias das partes, desde que se alterem determinadas circunstâncias, concernentes ao periculum in mora e até o próprio fumus boni iuris”.&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;</font></i> </p><p><i><font>“Ainda que tais características sejam provadas de importância, o factor determinante no sentido de negar eficácia de caso julgado material (giudicato sostanziale) ás decisões emanadas em matéria cautelar e se venham a tornar não impugnáveis reside na própria natureza da pretensão cautelar conjugada com a função da coisa julgada material “cosa giudicata sostanziale), seja a negativa ou excludente seja a positiva ou prejudicial. </font></i><font>[</font><a><b><i><u><sup><font>[3]</font></sup></u></i></b></a><font>]</font><i><font> “Por um lado a, a pretensão cautelar é essencialmente subordinada a uma principal. Pois que a medida cautelar deve ser alegada e proporcionada à pretensão principal, a qual, por sua vez determina o objecto do processo, objecto que influi sobre a medida cautelar; todavia, a medida cautelar não influiu sobre o objecto do processo, que não varia segundo o facto de uma instância cautelar seja ou não proposta, nem em razão do facto de que o juiz a acolha ou rejeite. Se bem que a coisa julgada não compreenda exactamente a mesma coisa que deve ser julgada (ou seja, se bem que a res judicata não possua o mesmo âmbito da res judicanda, pois que esta se determina sobre a base (scorta) do objecto efectivo do processo e aquela sobre a base do objecto virtual), não sobra dúvida da subsistência de uma relação muito estreita entre o âmbito do julgado e o do objecto do processo: A pretensão cautelar jamais foi considerada determinante ou influente relativamente à configuração do objecto do processo, no significado unanimemente atribuído a este conceito na doutrina (…). Tal pretensão representa tão só o objecto do procedimento destinado à adopção de uma medida cautelar (…</font></i><font>)”. </font> </p><p><font>Acresce, refere o mesmo autor, como aspecto de preeminente importância, que “</font><i><font>se a autoridade do caso julgado consiste na eficácia vinculante, que opera quer como ne bis in idem, excluindo o desenvolvimento de uma segunda causa e, quanto menos, a emanação de uma segunda sentença sobre o mesmo objecto, quer no sentido positivo, a fim de que num processo posterior se tenha em conta o julgado e se respeite, não se logra compreender qual o papel possa desempenhar a coisa julgada em matéria cautelar</font></i><font>”. [</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>]</font> </p><p><font>No mesmo sentido colocar-se Sonia Calaza López quando afirma que “neste sentido, tanto a eficácia do caso julgado material (</font><i><font>cosa juzgada material</font></i><font>), reconhecida por certos autores, ás resoluções processuais interlocutórias - assim como, com maior razão, as que, a seu tempo sejam definitivas e firmes - ou, no seu caso, às medidas cautelares&nbsp; - como a do caso julgado formal, predicável deste tipo de resoluções, advertida, sem embargo, por outro autores, entre os que me encontro - requer, com efeito uma estabilidade, se bem que esta estabilidade está chamada a operar tão só no marco do procedimento, não produzindo, desde logo, no âmbito dum posterior “</font><i><font>enjuiciamiento</font></i><font>” contrariedade, incoerência ou incompatibilidade substancial alguma, sempre que o objecto litigioso do processo posterior, por ser divergente, não já, como é lógico, da viabilidade ou admissibilidade do procedimento anterior, mas sim, em propriedade, do seu objecto - dado que se fosse idêntico, não poderia ventilar-se, devido à “poscripción” do ne bis in idem - não se verá, de forma nenhuma, afectado pela resolução processual ou cautelar anterior”. [</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>]&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>Questão que igualmente poderia suscitar alguma controvérsia poder-se-ia colocar quanto ao valor do caso julgado material que se formaria nos casos em que o órgão jurisdicional, maxime o julgador, possa ter incorrido em erro de julgamento ou em erro ou desvio no conhecimento do âmbito do direito que constitui objecto da pretensão involucrada no procedimento cautelar.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>A autora citada em último lugar refere que </font><i><font>““[ante] a eventualidade de que o Juiz conhecera, num processo sumário, de maneira imprópria, da totalidade da relação jurídico-material e não da limitada cognitio sobre certos aspectos controvertidos daquela relação, que este tipo de processos estão destinados a solver, então, tal como advertiu a doutrina, com apoio na jurisprudência, parece evidente que existirá plena caso julgada e, portanto, não poderá estabelecer-se, posteriormente, processo declarativo algum, pese a origem da sentencia de um processo sumario. Isto é o que acontece, além do mais, nos casos de incongruência, nos quais o Juiz se pronuncia sobre algo não pretendido pelo solicitante da tutela no caso concreto. Resulta evidente, pese o erro cometido, que a resolução que se pronuncia sobre o não debatido, como consequência de sua ausência de solicitude nos casos de incongruência, assim como de limitação da cognição, nos processos sumários, por não se solver (solventarse) através dos recursos legalmente previstos, deva, pese isso, passar em autoridade de coisa julgada, pois a solução contraria comportaria, tal como se analisará mais adiante, um grave quebranto da segurança jurídica.</font></i><font>” [</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>]</font> </p><p><font>O caso julgado constitui-se no dispositivo decisório. A reconstituição do iter decisório pode induzir a que tenha que se operar uma integração interpretativa do pensamento do julgador para o que se deverá reverter aos fundamentos ou à argumentação (decisiva) da decisão para daí dessumir ou completar o veredicto decisório. [</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>] Vale por dizer que, quando o intérprete tenha que recorrer á parte motivadora da decisão, é porque a decisão não se constitui como conclusão lídima e escorreita da parte fundamentadora e esta deverá servir como meio ancilar e integrador do pensamento do decisor. A motivação constitui-se, assim, como meio determinante e validante da formação decisória, podendo ancorar de forma decisiva a reconstituição do veredicto do tribunal e o alcance objectivo do caso julgado. </font> </p><p><font>Revertendo ao caso que nos ocupa.</font> </p><p><font>Na apelidada “</font><i><font>sentença</font></i><font>” constante de fls. 130 a 136 anunciou-se a existência de duas questões, para além do pedido principal, a saber a atribuição da casa de morada de família e “</font><i><font>a fixação de uma pensão de alimentos</font></i><font>” (sic). Depois de ter descrito as diligências efectuadas no processo, forma fixados os factos provados, e não provados a fornecida a respectiva motivação – cfr. fls. 131 a 133. </font> </p><p><font>Após tomou o tribunal conhecimento “Quanto aos alimentos”, tendo no final deste troço da decisão decidido - cfr. fls. 135 - que “</font><i><font>assim ponderados os factores supra referidos consubstanciados nas vidas concretas de A. e R, decido fixar definitivamente a titulo de alimentos devidos pelo A. à R. a quantia de € 75,00 mensais a pagar todos os meses, pelo R. até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de Janeiro de cada ano, actualizado todos os anos, de acordo com o índice de preços ao consumidor, fixado pelo INE, desde a propositura da presente acção</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Após conhecimento do pedido relativo à casa de morada de família – em que foi decidido não a atribuir – o tribunal fixou a “Decisão”, “[</font><i><font>nos] termos expostos, julgo parcialmente procedente o pedido de atribuição de alimentos, condenando-se o requerido a pagar à requerente a esse titulo a quantia mensal de € 75,00, todos os meses até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia, a partir de janeiro de cada ano, actualizado todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor, fixado pelo INE, ao que deve acrescer as prestações em divida desde a data da propositura da presente acção</font></i><font>”.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>Parece resultar inequívoco que o tribunal conheceu para além do pedido, pois que da reconstituição do conteúdo decisório, o tribunal condenou, de forma definitiva e não provisória, como lhe era pedido, o Réu a pagar à Autora/requerente uma quantia a titulo de alimentos “</font><i><u><font>definitivamente</font></u></i><font>”. A condenação proferida, ainda que desviada do pedido e da função do incidente enxertado na acção de divórcio, foi notificada aos intervenientes e não foi impugnada, pelo que se tornou invariável, irrevogável e firme, não só dentro do processo, como interpartes. Os sujeitos processuais destinatários da decisão, ao não terem reagido, tornaram a decisão formalmente firme e com carácter vinculativo, quanto aos termos exactos em que foi proferida e com o alcance que fixou.</font> </p><p><font>Não tendo impugnado a decisão que, tendo conhecido para além do pedido, condenou o Réu </font><i><u><font>definitivamente</font></u></i><font> a pagar à Autora a quantia de € 75,00, o Réu tornou a decisão definitiva e firme, apenas lhe sendo permitido, neste momento, modificar ou alterar o decidido, por alteração superveniente de razões ou circunstâncias, dada a natureza do processo em que a decisão foi proferida. Enquanto não for modificada, a decisão proferida mantém a virtualidade de decisão transitada em julgado. Dizemos que a decisão poderá ser modificada, dado que tendo sido proferida num procedimento cautelar, nada impedirá, de acordo, com o ensinamento de Sónia Calaza López, nada impedirá que neste tipo de procedimentos, e alteradas as circunstâncias, o requerente possa pedir a modificação do decidido, ainda que tendo-se criado trânsito em julgado material.</font> </p><p><b><font>III. - DECISÃO</font></b><font>.</font> </p><p><font>Na defluência do exposto acordam os Juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em:</font> </p><p><font>- Conceder provimento ao recurso, e consequentemente, revogar a decisão proferida no Tribunal da Relação de Guimarães, manter a decisão objecto do agravo, proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Braga.</font> </p><p><font>- Condenar o recorrido nas custas respectivas.</font> </p><p><font> &nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;Lisboa, 20 de Outubro de 2011</font> </p><p><font> Gabriel Catarino (Relator)</font> </p><p><font> Sebastião Povoas</font> </p><p><font> &nbsp;Moreira Alves</font> </p><p><font> ---------------------------</font><br> <a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Cfr. Grande Seara, Pablo, in “La Extensión Subjetiva de la cosa juzgada en Processo Civil”, Tirant lo Blach, Valência, 2008, pág. 47.&nbsp;&nbsp; </font><br> <a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Cfr. De la Oliva dos Santos, Andrés, in “Oggetto del Processo Civile e Cosa Giudicata”, Giuffrè Editore, Milão, 2009, 116-118.&nbsp; </font><br> <a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Sobre as funções ou efeito negativo ou excludente e positivo ou prejudicial do caso julgado material “</font><i><font>la cosa juzgada material</font></i><font>”, com mais profundidade, veja-se Grande Seara, Pablo, in op. loc. cit., págs. 81 a 103.&nbsp; </font><br> <a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> De la Oliva dos Santos, Andrés, in op. loc. cit., pág. 141-142.&nbsp; </font><br> <a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Cfr. Sónia Calaza López, in “La cosa Juzgada”, La ley, Temas, Madrid, 2009, pág. 25. </font><i><font>““(…) resulta evidente, tal como teve ocasião de manifestar a doutrina, que todas as sentenças, incluídas as ditadas nos processos sumários, produzem efeitos prejudiciais, donde se infere que o efeito negativo do caso julgado material, das sentenças ditadas neste tipo de processos, queda limitada ao restringido âmbito
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font>1. - “Construções ...., S.A.” intentou acção declarativa contra “Companhia de Seguros ...., S.A.” pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 255.782,42€, assim como eventuais prejuízos que venham a ser-lhe reclamados por outros intervenientes da mesma cadeia contratual, reportada à execução dos trabalhos para a empreitada de execução do parque eólico identificado na p.i. e, ainda, os juros à taxa legal, a contar da citação.</font><br> <font>Para tanto alegou que, tendo sido contratada como subempreiteira para a execução de 12 fundações para aerogeradores eólicos, encomendou a uma empresa idónea o fornecimento de betão com determinadas características e, já depois de executadas sete das fundações, seis foram rejeitadas pela dona da obra, após se ter comprovado que as características exigidas para o betão não se verificavam. Por isso, a A. teve de fazer novas fundações, desfazendo as executadas, com os prejuízos inerentes que estão cobertos por um contrato de seguro, celebrado entre a Ré e o dono da obra, do qual a A. é beneficiária.</font><br> <br> <font>A Ré contestou, para declinar o dever de indemnizar a Autora, contrapondo-lhe que o seguro contratado não abrange a situação descrita. </font><br> <br> <font>Discutida e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.</font><br> <br> <font>Na procedência do recurso de apelação, a sentença foi revogada e a Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de 223.360,56€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação.</font><br> <br> <br> <font>A Ré pede agora revista, visando a revogação do acórdão e a improcedência da acção, ou, assim não sendo entendido, o reconhecimento de que não estão cobertas pelo seguro as despesas indirectas, sempre com a dedução das franquias estipuladas.</font><br> <font>Para o efeito, verteu nas conclusões da alegação:</font><br> <font>“</font><font>1 - O contrato de seguro rege-se pelas cláusulas estabelecidas na apólice não proibidas por lei (arts. 426º e 427º do Cód. Com.); </font><br> <font>2 - É típico de qualquer contrato de seguro um risco que se pretende transferir para a seguradora, quando decorrente de um sinistro tal como definido na apólice; </font><br> <font>3 - Sinistro é, para o caso </font><i><font>sub</font></i><font> </font><i><font>judice</font></i><font>, qualquer evento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato (ut pgs. 8 e 5, infra, das Condições Particulares anexas à contestação); Ou, como diz o diploma citado, o evento aleatório previsto no contrato; </font><br> <font>4 - Não se enquadra nesses conceitos a má qualidade das sapatas ou fundações, que tiveram de ser substituídas, pela utilização na sua construção de material com defeito (betão sem as características contratadas); </font><br> <font>5 - A apólice não garante a qualidade dos materiais fornecidos para a obra e da conjugação do estipulado nos arts. 13º e 15º das Condições Gerais 02 (Seguro de Obras e/ou Montagens), anexas à contestação como Doc. n°. 3, resulta inequivocamente que </font><br> <font>"</font><i><font>A .... garante ao Segurado as indemnizações por quaisquer perdas ou danos materiais, súbitos e imprevistos, verificados nos bens objecto dos trabalhos (...) " </font></i><font>(art. 13º),</font><i><font> </font></i><br> <i><font>mas exclui expressamente "Os custos com substituições, reparações ou rectificações devidas a defeitos dos próprios materiais, de fundição ou da mão-de-­obra" </font></i><font>(art. 15º, n.º 4-a)</font><i><font>, exclusões essas limitadas às partes ou bens directamente afectados, não sendo extensivas às perdas ou danos em outros bens correctamente executados </font></i><font>(mesmo artigo); </font><br> <font>6 - Partes ou bens directamente afectados pela utilização (</font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>execução</font></i><font>) de material defeituoso - como é óbvio; no caso as sapatas ou fundações; </font><br> <font>7 - Não é, assim, correcta a interpretação (mesmo gramatical, quanto mais lógica ou semântica) de que a exclusão diz apenas respeito ao material com defeito (no caso o betão), e não às partes ou bens em cuja </font><i><font>execução</font></i><font> ele foi utilizado; </font><br> <font>8 - Quando seguros, a apólice cobre, em caso de sinistro, os danos à empreitada pelo custo real da reparação ou substituição dos bens </font><i><font>ou trabalhos danificados ou destruídos</font></i><font> (</font><i><font>ut</font></i><font> cláusula 9.1 das Condições Particulares, pgs. 5, infra), mas estando expressamente </font><i><font>excluídas</font></i><font> as </font><i><font>despesas</font></i><font> </font><i><font>indirectas</font></i><font> (art. 15º, nº 2 das Condições Gerais 02 – Doc. nº 3 anexo à contestação) como sejam as referidas no item 40, a fls. 502 infra, no valor de 63. 183,00€ (501 v., supra), </font><br> <font>9 - Sem prejuízo da dedução das franquias estipuladas, como aliás se fez no douto acórdão recorrido. </font><br> <font>10 - O douto acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação das cláusulas da apólice do seguro </font><i><font>sub</font></i><font> </font><i><font>judice</font></i><font>, assim como das citadas disposições legais (art.s 426° e 427° do Cod. Com.)</font><font>”.</font><font> </font><br> <br> <font> A Recorrida apresentou resposta defendendo a confirmação total do julgado.</font><br> <br> <font>2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> a resolver, como objecto do recurso, é a de, mediante interpretação das Condições Gerais e Particulares da Apólice de Seguro – riscos cobertos e exclusões -, averiguar se do respectivo âmbito de cobertura se deve ter por excluído, e em que medida, o direito à indemnização reclamada pela Autora pelos custos da execução de obras de novas fundações, com destruição das anteriores, em virtude da aplicação de betão que lhe foi fornecido com defeito.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>3. - É a seguinte a </font><b><font>factualidade</font></b><font> considerada no acórdão recorrido:</font><br> <br> <font>1) A Autora é uma sociedade comercial sob a forma anónima que desenvolve as actividades de construção civil e de obras públicas.</font><br> <font>2) A sociedade “...., S.A.” adjudicou à “....- International ...”, a empreitada de execução de fornecimento e montagem do Parque Eólico do Pinheiro, na Serra de Montemuro, que envolvia um total de 12 aerogeradores E66-18.70 1800 KW, com uma torre metálica de 63 m de altura e um diâmetro do rotor de 70 m.</font><br> <font>3) Por sua vez, a ... subempreitou à Autora a execução dos seguintes trabalhos de construção civil: - 12 fundações / sapatas para os 12 aerogeradores eólicos E66-18.70 1800 KW, com uma torre metálica de 63 m de altura e um diâmetro do rotor de 70 m que o Parque ia comportar; - Posto de seccionamento; - Edifício da subestação; - Via de acesso principal; - Ramificação de acesso e andaimes para todos os aerogeradores; - Abertura e fecho de valas para colocação de cabos eléctricos; - Nivelamento do terreno; - Instalações de estaleiro para Dono de Obra e fiscalização incluindo saneamento e electricidade.</font><br> <font>4) Para a execução das obras referidas no artigo precedente, a Autora, necessitava do fornecimento de: - betão C20/25 para as fundações dos 12 aerogeradores; - betão de enchimento (D200) para a regularização das 12 fundações dos aerogeradores; - betão C16/20 para execução da estrutura do edifício da subestação.</font><br> <font>5) A sociedade comercial “B...D... - B....P..., Lda.”, apresentou os respectivos preços.</font><br> <font>6) Na reunião feita entre a Autora e aquela B...D...., para contratualizar o fornecimento daqueles betões, a Autora alertou a B...D.... para a essencialidade do fornecimento do betão, designadamente o betão C20/25, com as especificações técnicas que o caracterizam, nomeadamente com a Norma Portuguesa N.P. E.N.V. 206:1993.</font><br> <font>7) A B...D.... afiançou que não tinha qualquer problema em fornecer o betão C20/25 que a Autora precisava, visto que era uma empresa idónea e com estudos dos betões, que fornecia, efectuados pela Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto.</font><br> <font>8) Além disso, comprometeu-se a remeter o estudo/composição do betão C20/25 à Autora, o que fez.</font><br> <font>9) O estudo/composição do betão C 20/25 mostrava-se normal, e feito pelo laboratório daquela associação, Laboratório este acreditado no âmbito do Instituto Português da Qualidade (IPQ).</font><br> <font>10) Foi então acordado entre a Autora e aquela B...D.... o fornecimento de betão: - C20/25; - D200; - C16/20.</font><br> <font>11) O betão C20/25 (resistência mínima à compressão de 25 Mpa), é um betão caracterizado pela sua resistência à compressão e normalizado, ou seja, tem que ter, de acordo com a referida norma, um valor característico mínimo de tensão de rotura por compressão aos 28 dias de 25 Mpa para provetes cúbicos ou 20 Mpa para provetes cilíndricos.</font><br> <font>12) A Fiscalização da obra, que a Autora estava a executar, estava cometida à empresa “A..., Lda.”.</font><br> <font>13) Em finais de Maio de 2002, foi efectuada uma reunião em obra em que estiveram presentes, o Sr. AA e o Sr. BB, em representação da “...., S.A.”; Engº CC em representação da “A..., Lda.”.; Engº A. Campos de Carvalho, em representação da fiscalização da electricidade; Engª DD e Engª EE, em representação da fiscalização do Ambiente e Segurança; Engº FF em representação da “B...D....”; Engº GG, Engª HH e Engº II em representação da “...”; e, Engº JJ e Engº LL, em representação da Autora, para apreciar, entre outras, a questão relativa às betonagens das fundações das sapatas.</font><br> <font>14) E tal questão colocava-se porque tendo sido avaliados os resultados obtidos nos ensaios de betão C 20/25 através de provetes cúbicos quer no laboratório da Autora, quer no CICCOPN, verificou-se que os resultados ao 7.º dia podiam ser aceitáveis, mas que ao 28.º eram fracos, sendo o referente à sapata n.º 3, bastante fraco.</font><br> <font>15) A Fiscalização decidiu: - Não autorizar a montagem de torres e equipamentos na sapata nº 3, sem dados mais concretos da qualidade do betão C 20/25 aplicado; - Demandar o CICCOPN, no sentido deste proceder à retirada de provetes para carotagem no interior da sapata, para avaliação do betão C20/25. - Que se procedesse de imediato à avaliação do betão C20/25 através do esclerómetro; - Intimar a B...D.... a fornecer de imediato à ... todos os elementos referentes ao fabrico de betão C20/25 (composição e qualidade dos inertes e cimento), a fim de o Gabinete, autor do projecto das fundações, se pronunciar.</font><br> <font>16) A Autora mandou efectuar testes por carotes nas fundações 1, 2, 3, 4, 6, 5 e 12, no laboratório do CICCOPN-LGMC (Laboratório de Geotecnia e Materiais de Construção) – para verificar da conformidade do betão C20/25 aplicado nas sapatas.</font><br> <font>17) Constatou-se que os resultados obtidos desses carotes demonstravam que o betão C20/25 das fundações não estava em conformidade com a norma, porque a sua resistência era muito inferior à estipulada para a classe de betão C20/ 25.</font><br> <font>18) Verificava-se assim que o betão C20/25 fornecido pela B...D.... para a execução das sapatas, não possuía as características quanto à compressão, exigidas pela Autora e asseguradas pela referida fornecedora.</font><br> <font>19) Por imposição do dono de obra e da Fiscalização, foram mandados retirar carotes das fundações 3, 4, 5, 6 e 12 para analisar a sua conformidade.</font><br> <font>20) Entretanto, os representantes da ... e da Fiscalização efectuaram uma visita às instalações da B...D...., tendo imposto a sua suspensão como fornecedora da Autora até verificação das causas que conduziram ao fornecimento de betão C20/25, sem as características que devia ter.</font><br> <font>21) Na reunião realizada nos inícios de Junho de 2002, e em que estiveram presentes o Sr. AA e Sr. BB em representação da ...., S.A., o Engº CC em representação da Fiscalização Geral (A..., LDA), o Engº GG em representação da ..., o Engº MM e Engº LL em representação da Autora e o Engº FF em representação da B...D...., este não dispunha ainda dos ensaios, que em razão do sucedido lhe tinham sido pedidos, com as características do betão empregue nas betonagens, os relatórios de controlo, bem como a indicação de qual o tipo de cimento empregue e o controlo do lote utilizado, nem fizera os esclarecimentos sobre a origem das britas, areias, suas características e granulometria.</font><br> <font>22) Perante a passividade e inactividade da B...D...., em prestar aqueles esclarecimentos, ficou decidido de imediato suspender todas as betonagens com betão fornecido pela B...D.... e proceder a uma auditoria às fundações já executadas.</font><br> <font>23) Os resultados dos ensaios levados a cabo pela .... através da NN, demonstraram, como se evidencia pelo mapa resumo que faz o documento nº 7, que o betão C20/25 das fundações 1 e 2 apresentava resultados no limite de conformidade, o betão C 20/25 das fundações 3, 4, 6 e 12 apresentava valores claramente abaixo dos mínimos e só betão C20/25 da fundação 5 é que apresentava valores acima dos mínimos.</font><br> <font>24) O que levou a ..., apoiada no parecer da Fiscalização, a rejeitar totalmente as fundações 3, 4, 6 e 12, </font><br> <font>25) E a declarar que só aceitava as fundações 1 e 2, depois de conhecer o resultado dos ensaios dos carotes dessas fundações que, para o efeito, foram retirados.</font><br> <font>26) A ..., na posse do resultado dos carotes às fundações 1 e 2, ordenou também a sua substituição.</font><br> <font>27) Foram, assim, rejeitadas seis das sete fundações executadas, com betão C20/25, fornecido pela B...D.....</font><br> <font>28) E todas as fundações referidas foram rejeitadas, em resultado da não conformidade do betão fornecido pela B...D.... com as especificações técnicas que lhe são próprias, ou seja, pelo facto do betão C20/25 não apresentar as características de resistência à compressão que lhe eram exigidas à face da Norma N.P. E.N.V. 206:1993.</font><br> <font>29) A substituição de fundações é totalmente imputável à B...D.... por ter fornecido o betão C20/25 para a sua execução sem as características e especificidades técnicas exigidas.</font><br> <font>30) O dono de obra, a sociedade “...., S.A.”, contratou com a Ré um seguro do ramo/modalidade de obras e/ou montagens, titulado pela apólice n.º 8.001.950, em 26/06/2001, e com efeitos a partir de 01/07/2001 a 31/12/2004.</font><br> <font>31) A Autora é segurada da Ré, por via do referido contrato de subempreitada ajustado com a ....</font><br> <font>32) Dando exequibilidade ao acordado entre a Ré e a dita ...., S.A., ficou consagrado no articulado contrato de subempreitada que: «(…) A .... é responsável por todos os seguros (CAR – seguro de empreitada) relacionados com a construção civil, transportes (em Portugal), montagem, elevação e colocação em funcionamento e outros seguros necessários, para cobrir totalmente a responsabilidade da G...C..., no seu âmbito de fornecimento de serviços».</font><br> <font>33 - O Contrato de Seguro prevê como “</font><i><font>Trabalhos objecto dos riscos seguros - Empreitada de concepção, fornecimento, construção e montagem de dois parques eólicos - Parque Eólico do Pinheiro; Parque Eólico de Cabril - , compreendendo a concepção, a elaboração do projecto e a execução de todos os trabalhos preparatórios, complementares, temporários e definitivos de engenharia e de construção civil, e o fornecimento e armazenamento na obra, montagem e ensaios de todos os equipamentos a incorporar que integram ou venham a integrar a referida empreitada, tal como definido nos respectivos documentos contratuais</font></i><font>” - Condições Particulares 3.</font><br> <font>34) Das Condições Particulares, Condições Especiais e Condições Gerais da Apólice - fls. 135 a 162- releva:</font><br> <font> - São </font><b><font>Segurados</font></b><font>: o Tomador do Seguro, no caso a ...., Dono da Obra; a ..., na qualidade de Empreiteiro Geral; e, </font><i><font>todos os empreiteiros e/ou subempreiteiros, fornecedores ou montadores e/ou tarefeiros, ainda que não expressamente mencionados, ligados à execução dos trabalhos para a empreitada objecto do seguro, que estejam a exercer a sua actividade no local do risco, na medida dos respectivos interesses</font></i><font> - Condições Particulares 2.</font><br> <font> - Na Condição 6, estão quantificados os valores seguros para, entre outros, “trabalhos civis, permanentes e temporários e todos os materiais a neles serem definitivamente incorporados, o valor final da empreitada ….”.</font><br> <font> - O contrato prevê “</font><b><font>Franquias</font></b><font> aplicáveis por sinistro ou séries de sinistros provenientes de uma mesma causa”, relativamente a “Perdas ou Danos Materiais” sendo “ </font><i><font>7.1 - Para os trabalhos civis, permanentes e temporários e todos os materiais a neles serem definitivamente incorporados: (…) 7.1.2 - Para a cobertura de risco de fabricante/garantia e transporte, 10% dos prejuízos indemnizáveis no mínimo de Esc. 5.000.000$00”</font></i><font> – Condições Particulares 7.</font><br> <font>- A Cláusula 8 das Condições Particulares estatui que “</font><i><font>São aplicáveis ao contrato as Condições Gerais 02 do Seguro de Obras e/ou Montagens (“CAR/EAR All Risks”) anexas, ficando garantidas as perdas ou danos verificados nos trabalhos objecto dos riscos seguros, temporários e permanentes pelo seu valor total e à medida da execução da empreitada segura pela apólice</font></i><font>”.</font><br> <font>- No art. 13º das referidas Condições Gerais “Coberturas – Perdas ou Danos Materiais – Âmbito de Cobertura” prevê-se que a Seguradora “</font><i><font>garante ao Segurado as indemnizações por quaisquer perdas ou danos materiais, súbitos e imprevistos, verificados nos bens objecto dos trabalhos descritos nas Condições Particulares, seja qual for a causa, com excepção das excluídas na apólice, ocorridos no período do seguro e desde que obriguem à substituição dos referidos bens</font></i><font>”.</font><br> <font>- Naquela Cláusula 8 pactuou-se ser ainda aplicável, entre outras, a Cobertura Especial “Cláusula de Risco de Fabricante”, tendo ficado “</font><i><font>expressamente convencionado que nos termos, condições e exclusões da apólice e seus adicionais, a Seguradora indemnizará o Segurado dos danos materiais causados aos bens seguros, em consequência de erro ou omissões de concepção, de projecto, de desenho, de cálculo, de fabrico, defeito do material, de fundição ou da mão de obra fabril, ficando no entanto, excluídos os custos respeitantes à reparação e/ou substituição dos bens directamente afectados, bem como os outros custos em que o Segurado teria de incorrer para rectificar o erro existente, caso este tivesse sido detectado antes da ocorrência do sinistro.</font></i><br> <i><font>Ficam excluídos do âmbito desta cobertura, as perdas ou danos resultantes da utilização de material ou de mão de obra inadequados ao fim em vista, sendo contudo esta exclusão limitada aos bens directamente afectados, não se excluindo as perdas ou danos sofridos pelos bens seguros correctamente instalados e que resultem de acidente devido a qualquer daquelas causas</font></i><font>”.</font><br> <font> - No artigo 15.º das Condições Gerais 02 consignam-se as Exclusões Especiais desta Subsecção I – Perdas ou Danos Materiais, nos seguintes termos: “</font><i><font>Ficam excluídos do âmbito da presente Subsecção.</font></i><br> <i><font>1. O valor da franquia expressa nas Condições Particulares para cada risco ou espécie de bens seguros, pelo qual, como parte primeira de qualquer reclamação, responde sempre o segurado;</font></i><br> <i><font>2. Quaisquer perdas indirectas sejam de que natureza forem, incluindo multas, penalidades, prejuízos por demora ou não conclusão dos trabalhos, falta de rendimento das instalações ou defeitos estéticos, perdas de contratos.</font></i><br> <i><font>(…)</font></i><br> <i><font>4. Os custos com substituições, reparações ou rectificações devidas a:</font></i><br> <i><font>a) defeitos dos próprios materiais, de fundição ou da mão-de-obra;</font></i><br> <i><font>(…)</font></i><br> <i><font>Contudo, as exclusões deste número são limitadas às partes ou bens directamente afectados, não sendo extensivas às perdas ou danos em outros bens correctamente executados, resultantes de acidentes devido a tais faltas ou defeitos</font></i><font>”.</font><br> <font>- A Cláusula 9.1 das Condições Particulares Bases de Indemnização prevê que “</font><i><font>em caso de sinistro do qual resultem danos à empreitada objecto do seguro, a Seguradora obriga-se a indemnizar o Tomador do Seguro/Segurado pelo custo real da reparação ou substituição dos bens ou trabalhos danificados ou destruídos, tendo porém, como limite máximo (…)</font></i><font>”.</font><br> <font> - Na condição 11 das mesmas Condições Particulares define-se “</font><i><font>Sinistro: Qualquer evento de carácter fortuito, súbito e imprevisto, susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato”</font></i><font>.</font><br> <font>35) A Autora consultou o mercado para o fornecimento de todo o tipo de betões que ia ser utilizado na referida obra do Pinheiro, ou seja, betões C20/25, D200 e C16/20.</font><br> <font>36) Os ensaios de conformidade da resistência do betão à compressão que se fizessem ao betão fornecido pela B...D.... deveriam ser entregues à empresa “A..., Lda”.</font><br> <font>37) A ... quando ordenou substituição das fundações fê-lo por entender que o resultado obtido não lhes inspirava confiança / segurança para instalar em cada uma a respectiva torre metálica de aerogerador eólico.</font><br> <font>38) A Autora, por virtude da descrita situação, teve de proceder à substituição das seis fundações, correspondentes às fundações onde se localizariam os aerogeradores n.º 1, 2, 3, 4, 6 e 12, fazendo novas e desmantelando as executadas.</font><br> <font>39) A Autora teve os custos directos de 186.421,22 €, decorrentes do “novo” trabalho de execução das seis fundações (1, 2, 3, 4, 6 e 12) por rejeição das anteriores, tendo, para o efeito, de efectuar novamente os trabalhos com as especificações, nas quantidades e aos custos referenciados no quadro que segue:</font><br> <font>Custos Directos</font><br> <font>Artigo Un. Qtds. P. U. Total</font><br> <font>Fundações para Aerogeradores 1, 2, 3, 4, 6 e 12</font><br> <font>Escavação Solo m3 225 6,48 € 1.458,98 €</font><br> <font>Escavação Rocha m3 225 29,93 € 6.733,77 €</font><br> <font>Betão</font><br> <font>Regularização C12/15 –</font><br> <font>BetãoLiz m3 39 54,46 € 2.123,94 €</font><br> <font>Corte Anel Un 1 448,92 € 448,92 €</font><br> <font>Bombagem</font><br> <font>Betão – BetãoLiz m3 146 5,49 € 801,54 €</font><br> <font>Armadura A500 Kg 13.453 0,45 € 6.107,66 €</font><br> <font>Corte e </font><br> <font>dobragem do aço Kg 13.453 0,05 € 671,04 €</font><br> <font>Mão-de-obra em </font><br> <font>aplicação de betão e aço Un 1€ 3.192,31 € 3.192,31 € </font><br> <font>Gerador – Custo </font><br> <font>Mensal (1semana/</font><br> <font>fundação) Un 25% 913,00 € 228,25 €</font><br> <font>Equip. auxílio – </font><br> <font>escavadora</font><br> <font>(1semana/fundação) H 50 40,00 € 2.000,00 €</font><br> <font>Cofragem m2 42 16,16 € 678,76 €</font><br> <font>Esferovite m2 30 3,19 € 95,70 €</font><br> <font>Tubos 160mm Ml 72 1,91 € 137,52 €</font><br> <font>Aterro Fundação m3 269 4,50 € 1.210,50 €</font><br> <font>Visita Geólogo Un 1 200,00 € 200,00 €</font><br> <font>Plataforma Un 1 4.987,98 € 4.987,98 €</font><br> <font> Total 31.076,87€</font><br> <font>Nº Fundações 6 un.</font><br> <font> Total 186.461,22 €</font><br> <font>40) A Autora teve custos indirectos decorrentes da necessidade de permanecer em obra por mais três meses.</font><br> <font>41) O cômputo desses custos indirectos, quer de mão-de-obra, quer de instalações de estaleiro, quer de equipamento de estaleiro e viaturas, cifra-se em 63.183,00 €, conforme especificações, quantidades e custos referenciados no quadro, como segue:</font><br> <font>Custos Indirectos Mensais</font><br> <font>Mão-de-Obra</font><br> <font>Indirecta Un. Valor Total</font><br> <font>Director de Produção 0,2 7.500,00 € 1.500,00 €</font><br> <font>Director de Obra 1 3.750,00 € 3.750,00 €</font><br> <font>Encarregado 1 2.500,00 € 2.500,00 €</font><br> <font>Apontador 1 1.250,00 € 1.250,00 €</font><br> <font> 11.800,00 €</font><br> <font>Instalações de Estaleiro</font><br> <font>Contentores 6 96,00 € 576,00 €</font><br> <font>Dormidas 440 7,50 € </font><u><font>3.300,00 €</font></u><br> <font> 3.876,00 €</font><br> <font>Equip. de Estal. e Viaturas</font><br> <font>Gerador 1 913,00 € 913,00 €</font><br> <font>Viaturas 4 1.118,00 € </font><u><font>4.472,00 €</font></u><br> <font> 5.385,00 €</font><br> <font> Custo mensal 21.061,00 €</font><br> <font> Nº meses 3</font><br> <font> Total 63.183,00 €</font><br> <font>42) Teve ainda a Autora que suportar os custos dos ensaios, custos esses que importaram na quantia de 5.138,20 €.</font><br> <font>43) Foi necessário efectuar o transporte de uma escavadora para execução de trabalhos, que importou em 1.000,00 €.</font><br> <font> - </font><i><font>A obra contratada à A., que materializa uma fundação, como é visível no projecto junto a fls. 371 a 376 e nas fotografias de fls. 380/381, revela-se complexa, composta por diversos bens nas suas fases construtivas</font></i><font> (</font><font>fls. 511 do acórdão</font><font>).</font><i><font> </font></i><br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - O contrato de seguro é um negócio jurídico que, por imposição da lei, está sujeito à forma escrita, regulando-se, em primeiro lugar, pelas disposições da respectiva apólice, instrumento que o formaliza – arts. 426º e 427º C. Comercial.</font><br> <font> Situando-se fora do âmbito dos seguros obrigatórios e reduzido a escrito, o contrato ora em causa, não se coloca qualquer dúvida quanto à validade e eficácia do respectivo clausulado, enquanto regido pela liberdade de fixação dos riscos cobertos e do âmbito das respectivas coberturas pelas partes, dentro dos limites permitidos pela lei (art. 405º C. Civil)</font><br> <br> <font> Consequentemente, o problema é, tal como qualificado, de interpretação e integração da declaração negocial e a questão a decidir é a de saber se o resultado interpretativo a que chegou a Relação, no sentido de que o evento causador do prejuízo correspondente à indemnização peticionada constitui sinistro com responsabilidade transferida para a Ré, nos termos em que o define e delimita o objecto do contrato de seguro, e que não está excluído pelo clausulado nas Condições Gerais e Particulares da Apólice, é conforme às regras previstas para o efeito nos arts. 236.º a 238.º do Código Civil.</font><br> <br> <font>Pacífico o entendimento segundo o qual é matéria de direito a interpretação do negócio jurídico quando se não dirija ao apuramento da vontade real das Partes, mas, desconhecida esta, se devam seguir os critérios previstos nos citados arts. 236º-1 e 238º-1, compete a este Tribunal, no quadro legal enunciado, determinar o sentido com que deve ser fixado o objecto contratual.</font><br> <font> </font><br> <font>O n.º 1 do art. 236.º acolhe a denominada "teoria da impressão do destinatário", de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia, respondendo o declarante “pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela” (FERRER CORREIA, “</font><i><font>Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico</font></i><font>”, 201.</font><br> <font> Entre as circunstâncias atendíveis, apontam-se os termos do negócio, os interesses em jogo, a finalidade prosseguida pelo declarante, as negociações prévias, os usos e os hábitos do declarante, a conduta das partes após a conclusão do negócio, os usos da prática em matéria terminológica, além de outras (MOTA PINTO, "</font><i><font>Teoria Geral do Direito Civil</font></i><font>", 3.ª ed., 450/1; ac. STJ, 15/5/001, </font><i><font>CJ/STJ</font></i><font>, IX-II-85). </font><br> <br> <font> Estando em causa negócios formais, o objectivismo exigido ao intérprete impõe que o sentido correspondente à impressão do destinatário não possa valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento – art. 238º-1 C. Civil.</font><br> <font> Só assim não será, como especialmente previsto no n.º 2 do mesmo art. 238.º, quando, não se encontrando, embora, na declaração uma expressão minimamente adequada, esse sentido não traduzido corresponda à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham «à validade de um sentido que, no ponto considerado, exorbite da declaração».</font><br> <br> <br> <font> Vem-se entendendo que, no contrato de seguro, o declaratário corresponde à figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, vale dizer ao “</font><i><font>âmbito</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>contrato</font></i><font>” nas suas vertentes da “definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos”, adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que ”claramente” se apresentem com tal conteúdo (cfr. ac. STJ, de 19/10/2010 – proc. 13/07.1TBCHV.G1; J. C. MOITINHO DE ALMEIDA, “</font><i><font>Contrato de Seguro, Estudos</font></i><font>”, pg. 124; JOSÉ VASQUES, “</font><i><font>Contrato de Seguro</font></i><font>”, pg. 350 e 355). </font><br> <br> <font> Por outro lado, como se ponderou no ac. deste Supremo de 28/3/95 (</font><i><font>BMJ</font></i><font> 445 – 519), no tocante à tutela da vontade do segurado, haverá que ter também em conta o critério interpretativo fixado no art. 237º C. Civil, que vai “no sentido de que as condições gerais devem interpretar-se restritivamente: impõe-se, como regra, o princípio </font><i><font
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - Em acção executiva em que é credora hipotecária com crédito reconhecido e graduado, a "Empresa-A" arguiu a invalidade da venda por negociação particular do imóvel penhorado por não ter sido notificada da proposta de aquisição apresentada pelo negociador, de valor muito inferior ao mínimo fixado, pelo que não pôde sobre ela pronunciar-se.</font><br> <br> <font>No seguimento da arguição foi declarado nulo o despacho que ordenou a concretização da venda e todos os actos posteriores, incluindo a venda.</font><br> <br> <font>Agravou a adquirente do imóvel, AA, que viu revogada a decisão anulatória.</font><br> <br> <font>Agora é a Empresa-A a interpor novo recurso de agravo, admitido com fundamento na existência de outro acórdão em oposição, pugnando pela reposição da decisão da 1ª Instância.</font><br> <font>Das conclusões consta:</font><br> <font>- A questão a dirimir é a de saber se a falta de notificação à Empresa-A, credora reclamante, da proposta de venda de fls. 175, despacho de fls. 179 e actos subsequentes determina a anulação do processado por preterição de formalidade legal com influência no exame ou decisão da causa.</font><br> <font>- Ao credor reclamante cabe a faculdade única e exclusiva de poder pagar-se pelo produto da venda dos bens objecto da sua garantia, sendo chamado a uma intervenção activa em todos os procedimentos tendentes à venda dos bens sobre os quais detém garantias e detendo um estatuto privilegiado que o coloca numa posição de "</font><font>parte principal, semelhante à do exequente</font><font>"</font><font> </font><font>ou de "</font><font>co-exequente</font><font>";</font><br> <font>- Não faria sentido que o credor reclamante fosse chamado a intervir na determinação do valor base da venda se esta pudesse ser feita por valor inferior ao fixado sem que disso tomasse conhecimento;</font><br> <font>- Ao apresentar proposta inferior ao valor mínimo fixado, o encarregado da venda violou o mandato que lhe foi conferido e a decisão judicial que decretou a venda por esse valor alterou os limites do mandato, que contou com a anuência das Partes, incluindo o credor reclamante;</font><br> <font>- O despacho que autoriza a venda diminui as expectativas de recuperação do crédito da Recorrente. Por isso, devia ser notificada também nos termos do art. 229º-1-última parte, do CPC </font><br> <font>- Se a Empresa-A tivesse sido notificada teria reagido, quer pugnando pela obtenção de melhor proposta, quer requerendo a adjudicação do imóvel por valor superior.</font><br> <br> <font>A Recorrida respondeu, defendendo a manutenção da decisão sob recurso.</font><br> <br> <font>2. - A questão que se coloca é a de saber se a autorização de venda por negociação particular do bem penhorado sem que ao credor com garantia real e respectivo crédito verificado e graduado tenha sido dada a possibilidade de pronunciar sobre o preço proposto pelo encarregado da venda, inferior ao preço base fixado, integra nulidade susceptível de determinar a anulação do processado posterior, incluindo a venda assim realizada. </font><br> <br> <font>3. - As decisões das Instâncias assentam nos seguintes elementos fácticos:</font><br> <br> <font>- Por despacho de 15/7/2004 foi ordenada a venda por negociação particular da fracção autónoma penhorada, pelo valor base de € 97 800,00, ao abrigo do disposto no art. 904º-c) do CPC (redacção anterior);</font><br> <font>- Em 15/12/04. o encarregado da venda informou nos autos ter obtido uma proposta de € 50 000,00 para aquisição da referida fracção;</font><br> <font>- Esse requerimento apenas foi notificado à Exequente que, em resposta, declarou aceitar a proposta obtida;</font><br> <font>- Em consequência, por despacho de 6/1/05, foi ordenada a notificação do encarregado da venda para a concretizar pelo preço de € 50 000,00;</font><br> <font>- Este despacho apenas foi notificado ao encarregado da venda;</font><br> <font>- Por apenso à execução foram graduados, por sentença transitada em julgado, um crédito da Fazenda Nacional e o crédito de € 83 559,42 (garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado) pela "Empresa-A.</font><br> <font> </font><br> <font>4. 1. - A venda por negociação particular é uma das modalidades de venda extrajudicial prevista no processo executivo através da qual se visa a satisfação do interesse dos credores - exequentes e reclamantes - proporcionando-lhes a cobrança dos créditos, que mediante a alienação dos bens penhorados, se transferem para o respectivo produto. </font><br> <br> <font>Trata-se de uma venda cuja tramitação se desenvolve nos termos de uma venda privada, com a particularidade de o negociador vendedor ser um terceiro para o efeito designado pelo juiz, o qual, no processo de alienação, age como </font><font>mandatário</font><font> - art. 905º CPC (redacção do DL 329-A/95, tal como a de todos os preceitos a referir do mesmo diploma).</font><br> <br> <font>A tal modalidade de venda são aplicáveis as disposições gerais a que aludem os arts. 886º a 888º CPC e as especiais do arts. 904º e 905º.</font><br> <br> <font>4. 2. - No caso, recorde-se, ordenou-se a venda dum imóvel urbano por negociação particular, invocando a al. c) do art. 904º, ou seja, depois de frustrada a sua venda judicial por inexistência ou não aceitação de propostas, mediante audição dos interessados (art. 895º-2).</font><br> <br> <font>De resto, na determinação da modalidade da venda, por expressa imposição daquelas disposições gerais, o juiz deve ouvir o exequente, o executado e os credores reclamantes com garantia sobre os bens a vender sobre a modalidade da venda, o valor base dos bens a vender, sendo que o despacho que tais elementos fixe deve ser notificado aos mesmos intervenientes processuais - art. 886º-A -1 e 4 CPC.</font><br> <br> <font>Por isso, sem reparo, a Recorrente foi, como devia, ouvida sobre a modalidade da venda e sobre o valor base da mesma.</font><br> <br> <font>4. 3. Deste modo, o encarregado da venda recebeu mandato para negociar o prédio por preço não inferior a € 97 800.00.</font><br> <br> <font>Porque não o conseguiu, deu conhecimento duma oferta de € 50 000,00, que a Exequente declarou aceitar e o Tribunal mandou executar.</font><br> <font>Ora, ao assim agir o Julgador desprezou qualquer manifestação de vontade dos sujeitos processuais que, por imposição legal, haviam intervindo na formação da decisão sobre a modalidade da venda e seu preço mínimo, com excepção do Exequente.</font><br> <br> <font>Os credores reclamantes com garantia real gozam, na fase da venda, de uma posição processual paralela à do exequente, sendo titulares de um interesse jurídico idêntico relativamente aos respectivos créditos, como resulta das normas citadas e, entre outros afloramentos, do disposto nos arts. 875º (adjudicação) e 886º-B. </font><br> <font>São verdadeiras partes no processo e detêm, enquanto credores graduados, poderes processuais equiparados ao exequente.</font><br> <font>Daí que não cause qualquer estranheza a paridade com que os tratam os referidos arts. 886º-A, 886º-B e o art. 887º.</font><br> <br> <font>Assim, bem se compreende que, se a escolha da modalidade da venda e a fixação do seu preço base dependem de uma convergência de declarações de vontade dos vários sujeitos processuais, tendencialmente consensual, na prossecução do interesse comum de que os bens sejam vendidos pelo maior preço possível, a decisão que o executa não deva ser modificada sem que os mesmos sujeitos nela intervenham, pois que se mantêm os mesmos os interesses em jogo e os objectivos em vista.</font><br> <br> <font>Se a lei prevê que, perante a inexistência de proponentes ou de aceitação de propostas, devam ser ouvidos os interessados presentes sobre a forma de venda, preceito para o qual o art. 904º-c) remete, mal se entende que, frustrada a obtenção do preço base pelo negociador, se não oiçam os mesmos interessados, que, dada a natureza da venda não estarão presentes, justificando-o, desde logo, a possibilidade de requerem a adjudicação pelo preço base que propuseram.</font><br> <br> <font>Afinal, se intervieram na determinação da modalidade da venda e na fixação do seu preço mínimo, aquele por que o </font><font>mandatário </font><font>fica autorizado a alienar, a modificação do objecto do mandato, mesmo na falta de disposição legal específica, deverá operar-se precedida de idêntico processo, nos termos previstos naquelas disposições gerais, sob pena de violação de legítima expectativa das partes, da confiança e, quando verificada discriminação entre o exequente e o credor com garantia real, mesmo da igualdade de tratamento.</font><br> <font>E, porque assim aconteceu, no caso acabou por ser apenas o Exequente a condicionar a decisão da venda, decisão que, acolhendo a sua posição, preteriu idênticos direitos da Recorrente </font><br> <font>A </font><font>ratio legis </font><font>e a unidade do sistema não permitem, a nosso ver, diferente interpretação do convocado conjunto normativo regulador dos estatutos jurídico-processuais do exequente e do credor graduado com garantia real (o qual se graduado antes do exequente tem um interesse mais forte que este) na fase da venda judicial ou extrajudicial. </font><br> <br> <font>4. 4. - Conclui-se, pois, que a omissão das notificações em causa, que as normas dos arts. 904º-c), 886º-A - 1 e 4 e 229º-2 postulam, violando também o princípio do contraditório (art. 3º-3), integra a nulidade prevista no art. 201º-1, pois que, como nem sequer vem posto em dúvida, a omissão é susceptível de alterar o desfecho do processo executivo.</font><br> <br> <font>Verificada ela, há que anular o acto viciado e todos os actos tendentes à sua execução, enquanto deles absolutamente dependentes.</font><br> <br> <font>Porque assim o determinou a decisão da 1ª Instância a sua reposição impõe-se.</font><br> <br> <font>5. - Termos em que se decide:</font><br> <br> <font>- Conceder provimento ao agravo;</font><br> <font>- Revogar o acórdão sob recurso; </font><br> <font>- Repor em vigor o decidido na 1ª Instância a fls. 249 dos autos; e,</font><br> <font>- Condenar a Recorrida nas custas.</font><br> <br> <font>Lisboa, 14 de Março de 2006</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa e sob forma ordinária, que no Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, a Caixa................. Cabeceiras de Basto move a AA e mulher BB e, ainda, a CC, veio este último deduzir embargos de executado à mesma a execução, tendo sido estes contestados pela embargada e tendo o embargante vindo na fase de julgamento deduzir articulado superveniente que foi indeferido por irrelevante.</font><br> <font>Desta decisão agravou o embargante, agravo este que foi mandado subir diferidamente.</font><br> <font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foram os embargos julgados improcedentes e da respectiva sentença apelou o embargante.</font><br> <font>No acórdão da Relação de Guimarães que conheceu da apelação e conjuntamente do agravo, foi dado provimento ao agravo, anulando-se o processamento da acção após a rejeição do articulado superveniente, ordenado-se que se aprecie a admissibilidade daquele.</font><br> <font>Reapreciado o mesmo articulado superveniente e após a efectivação de diligências de prova, foi o mesmo articulado rejeitado por extemporâneo.</font><br> <font>Deste despacho foi interposto novo agravo que foi mandado subir imediatamente, tendo sido negado provimento ao mesmo e sido o embargante condenado como litigante de má fé, como fora pedido pela embargada.</font><br> <font>Inconformado o embargante, veio interpor o presente agravo em cujas alegações formulou conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.</font><br> <font>A recorrida não apresentou contra-alegações.</font><br> <font>Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.</font><br> <font>Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.</font><br> <font>Das conclusões do aqui recorrente se vê que o mesmo, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:</font><br> <i><font>a) O acórdão recorrido é nulo, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 668º, por não ter tomado conhecimento da nulidade arguida à decisão da 1ª instância decorrente da omissão em se pronunciar sobre a falta de notificação dos despachos de fls. 480 e 490?</font></i><br> <i><font>b) E é ainda nulo, nos termos da al. c) do mesmo número 1 do art. 668º, por ter-se baseado num facto – conhecimento de um facto por parte do recorrente – que se não verificou ?</font></i><br> <i><font>c) O articulado superveniente devia ter sido admitido por integrar factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito ajuízado, mesmo que fossem extemporâneo, ao abrigo do disposto no art. 663º ?</font></i><br> <i><font>d) O acórdão recorrido errou ao condenar o embargante como litigante de má fé, com base na inexistente violação do dever de probidade processual ?</font></i><br> <br> <font>Antes de iniciar o exame das questões acabadas de referir há que precisar que destas questões apenas poderá aqui ser tomado conhecimento da última, por as demais se referirem a uma decisão que não admite recurso.</font><br> <font>Com efeito, o art. 754º, nº 2 estipula que não é admissível recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou qualquer Relação, e não houver sido fixado pelo Supremo, nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme.</font><br> <font>Também se não aplica a regra da inadmissibilidade de recurso mencionada, nos agravos referidos nos números 2 e 3 do art. 678º - agravos com fundamento em violação nas regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou, ainda, na ofensa do caso julgado e, também, os recursos interpostos de decisões respeitantes ao valor da causa com fundamento em que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre - e na alínea a) do nº 1 do art. 734º - recurso de decisões que ponham termo ao processo.</font><br> <font>Ora no caso dos autos, o acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão da 1ª instância que julgou inadmissível o articulado superveniente, não admite recurso, pois, claramente, não preenche nenhuma das situações de excepção à regra de não admissibilidade de recurso acima enunciada.</font><br> <font>Na situação </font><i><font>sub judice</font></i><font>, apenas se admite recurso da parte do acórdão da Relação que condenou o embargante-recorrente como litigante de má fé, por força do disposto no art. 456º, nº 3, que admite recurso em um grau da decisão que condene como litigante de má fé.</font><br> <font>Deste modo, dizendo respeito as três primeiras questões acima elencadas como objecto do recurso, à matéria do acórdão que confirmou a decisão da 1ª instância que julgou inadmissível o articulado superveniente, não podem aqui ser conhecidas por inadmissibilidade de recurso dessa parte do acórdão.</font><br> <font>Por isso, vamos apenas conhecer da quarta das questões acima mencionadas como objecto do recurso por dizer respeito, como dissemos já, à decisão que condenou, pela primeira vez, o embargante como litigante de má fé.</font><br> <font>Vejamos então essa quarta questão.</font><br> <font>A factualidade e a dinâmica processual que as instâncias deram como apuradas nos autos e com interesse para a decisão desta questão é a seguinte:</font><br> <font>- Na acta da audiência de julgamento, realizada nos autos em 16/10/2003, a embargante deduziu articulado superveniente em que, além do mais, alegou o seguinte:</font><br> <font> - O embargante foi notificado em 27/02/2003 na apensa execução da remessa desta à comarca de Mondim de Basto para ser apensada aos autos de falência dos co-executados, onde andou até ser devolvida à comarca de Cabeceiras de Basto, a requerimento da exequente para prosseguir a execução apenas contra o embargante;</font><br> <font> - Da sentença de reclamação de créditos da referida falência dos co-executados se vê que a exequente reclamou um crédito de 18.448.812$00, proveniente de duas livranças subscritas pelos falidos, uma das quais é a aqui exequenda;</font><br> <font> - Contudo, na referida reclamação de créditos não curou a exequente de alegar o seu direito de credora privilegiada, decorrente da hipoteca, tendo tal erro como consequência que o crédito reclamado fosse considerado crédito comum e graduado em igualdade e rateio com os demais, como consta da sentença proferida a 15-11-2001, também notificada ao requerente em 27/02/2003.</font><br> <font>- Nas alegações de recurso de agravo interposto da decisão de 1ª instância que julgou extemporâneo o articulado superveniente, foi alegado pelo embargante, além do mais, o seguinte:</font><br> <font> - Os factos alegados no articulado superveniente – de a exequente não haver reclamado na falência o seu crédito aqui exequendo como privilegiado por beneficiar de hipoteca - , não são revelados pela sentença de graduação de créditos.</font><br> <font>- Nas mesmas alegações, o recorrente fundamenta aquele mesmo recurso, essencialmente, no seguinte:</font><br> <font> - Os factos constitutivos , modificativos ou extintivos do direito ajuízado devem ser aqui considerados, nos termos do art. 663º, devendo também ser como tal considerados os factos alegados no articulado superveniente, independentemente da sua tempestividade de apresentação; </font><br> <font> - O mesmo articulado superveniente é, porém, tempestivo por da sentença de graduação de créditos referida se não poder concluir ter o embargado tomado conhecimento dos referidos factos articulados supervenientemente.</font><br> <br> <font>Nos termos do art. 456º, a parte que tiver litigado de má fé será condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.</font><br> <font>E acrescenta que tal litigância se verifica quando, com dolo ou negligência grave, alguma parte:</font><br> <font>A) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;</font><br> <font>B) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;</font><br> <font>C) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;</font><br> <font>D) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.</font><br> <font>Este instituto legal visa sancionar os deveres impostos às partes, nos arts. 266º e 266º-A, de cooperação, de probidade, de lisura processual, ou, em suma, de boa fé processual.</font><br> <font>O fundamento para o douto acórdão condenar o embargante como litigante de má fé consistiu, em primeiro lugar, em ter aquele dito nas referidas alegações de recurso para a Relação que da sentença de graduação de crédito não se revelavam os factos que formulara no seu articulado superveniente, nomeadamente sobre a reclamação de créditos na falência dos co-executados pela exequente do crédito aqui em execução, sem alegar o seu carácter privilegiado pela hipoteca, referindo o douto acórdão que se provou o contrário nos autos.</font><br> <font>Ficava assim preenchido o fundamento de litigância de má fé acima referido sob a al. B).</font><br> <font>Ora o que aqui está aqui em causa é saber se o embargante ao tomar conhecimento do teor da sentença de graduação de créditos constante da certidão de fls. 485 e segs., poderia então, sem qualquer dúvida, aperceber-se que a exequente reclamou o crédito exequendo sem alegar a sua natureza privilegiado pela hipoteca.</font><br> <font>Do teor daquela certidão apenas consta que a exequente na referida falência reclamou um crédito de 18.448.812$00, proveniente de duas livranças subscritas pelos falidos e não pagas, sendo 14.071.147$00 de capital e de 4.377.665$00 de juros vencidos até 22.02.2001. Mais ali consta que todos os créditos foram considerados comuns e como tal graduados em igualdade.</font><br> <font>A apensa execução tem como título executivo uma livrança subscrita pelos co-executados, ali falidos, e avalizada pelo embargante, no valor de 11.071.145$10, emitida em 27/3/97 e vencida em 22/06/98. </font><br> <font>Daqui resulta que da referida alegação de que a sentença não deu conhecimento ao embargante dos factos alegados no articulado superveniente, nomeadamente, quanto à não alegação na reclamação da natureza privilegiada do crédito, se não pode concluir que foi alegado facto de que o embargante sabia ou tinha de saber, se fosse minimamente diligente, não corresponder à verdade. Assim, se não preenche aquele fundamento de litigância de má fé.</font><br> <font>É que a sentença não revela, por si só, que o crédito ali reconhecido seja o aqui exequendo, ou que a exequente tenha realmente omitido a alegação da existência da hipoteca, mas apenas revela que um crédito da exequente proveniente de duas livranças – em que uma delas podia ou não ser a aqui exequenda - foi ali graduado como crédito comum.</font><br> <font>É certo que uma parte litigante diligente teria então logo de procurar informar-se sobre a coincidência do crédito reclamado com o aqui exequendo e, ainda, sobre a forma como a exequente o reclamou, mas aí já estaríamos fora do âmbito da litigância de má fé que exige dolo ou pelo menos, uma negligência grave, ou seja fortemente censurável, o que nos não parece revelar o caso dos autos.</font><br> <font>O douto acórdão ainda fundamenta a condenação em causa na conclusão de a improcedência dos fundamentos do agravo levar a concluir que o embargante violou o dever de probidade processual ao interpor o presente recurso, por ser este manifestamente infundado, sem que aquela decisão se tenha detido na discriminação de qual daqueles fundamentos do recurso era manifestamente infundado e em que medida o era.</font><br> <font>Este fundamento integraria a fonte de litigância de má fé acima referida sob a al. D)</font><br> <font>Da análise da improcedência daqueles fundamentos decretada no douto acórdão não se vê que o embargante tenha excedido os deveres de probidade ou tenha feito do direito de recorrer um uso fortemente censurável, pois nos parece que aquele alicerçou o seu recurso em fundamentos que, liminarmente, poderiam obter provimento, nomeadamente, a alegação de que não teve conhecimento de factos alegados no articulado superveniente na data em que a 1ª instância considerou ter tomado conhecimento com a leitura da referida sentença de graduação de créditos.</font><br> <font>Por outras palavras, diremos que os fundamentos do recurso de agravo interposto para a Relação não se revelam, mesmo após a sua rejeição, </font><b><font>manifestamente</font></b><font> infundados, ou pelo menos, não se vê que o embargante, ao interpor o mesmo recurso, tivesse conhecimento ou pudesse ter tido, se agindo com o mínimo de diligência, conhecimento da sua natureza infundada.</font><br> <font>Por isso, procede, este fundamento do agravo.</font><br> <br> <font>Pelo exposto, dá-se provimento parcial ao agravo, revogando a condenação do embargante como litigante de má fé decretada no acórdão em recurso, e da mesma se absolvendo este.</font><br> <font>Custas pelo embargante e pela embargada, em partes iguais. </font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 13 de Fevereiro de 2007</font><br> <br> <font>João Moreira Camilo ( Relator )</font><br> <font>Fernando Azevedo Ramos</font><br> <font>Manuel Silva Salazar.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>AA e BB intentaram, na 9ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, acção, com processo ordinário, contra CC e DD, pedindo a sua condenação a reconhecerem-lhes a propriedade de uma divisão assoalhada, confinante com as fracções ..... e .... e com porta para o átrio do ..... andar do prédio nºs ...., ...., ..., ...., ...., ...., .... da Travessa ......, tornejando para a Rua ......, nºs ..., ..., .... e ...., em Lisboa, bem como a pagarem-lhes uma indemnização pela privação do uso desse compartimento, à razão de 150,00 euros mensais, estando vencidos 7650,00 euros, com juros desde a citação.</font><br> <font>Os Réus deduziram reconvenção pedindo a condenação dos Autores a reconhecerem a sua propriedade da parcela, com a consequente alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.</font><br> <font>A primeira instancia julgou improcedente os pedidos principal e cruzado.</font><br> <font>A Relação de Lisboa confirmou o julgado.</font><br> <font>Pedem revista os Autores concluindo no essencial:</font><br> <font>- O Acórdão recorrido concluiu pela existência de erro obstáculo ou erro na declaração, que não erro vicio sendo que a matéria de facto não permite tal conclusão;</font><br> <font>- Está provado que na outorga da escritura pública de constituição da propriedade horizontal houve lapso na atribuição do quarto independente à parcela ... quando a intenção dos outorgantes era atribui-lo à parcela.....;</font><br> <font>- Um dos outorgantes da escritura deu conhecimento do lapso à administração do prédio;</font><br> <font>- Ficou ainda provado que o quarto independente está ligado interiormente à parcela ... e subsiste uma porta de ligação à fracção... a quem fora cedida durante um período pelo inquilino de ...;</font><br> <font>- Ao outorgarem a escritura estavam erradamente convencidos que o quarto devia integrar a fracção do lado esquerdo com base em errada informação dos serviços;</font><br> <font>- O erro não foi de declaração mas situa-se na formação da vontade;</font><br> <font>- É um erro sobre os motivos que se rege pelo nº1 do artigo 252º do Código Civil;</font><br> <font>- E não se trata de erro essencial;</font><br> <font>- Os recorridos carecem de legitimidade para invocar a anulabilidade quer por via de acção, quer por via de excepção;</font><br> <font>- A anulabilidade foi, aliás, invocada fora do prazo que deve ser contado a partir do momento em que os recorridos tiveram conhecimento do vício;</font><br> <font>- Há caducidade do direito de invocar a anulabilidade;</font><br> <font>- A qual podia ser apreciada oficiosamente e invocada na fase de recurso;</font><br> <font>- A reconvencão não podia ser admitida por os recorridos terem preterido o litisconsórcio necessário com intervenção dos outros condóminos;</font><br> <font>- Foram violados os artigos 247º, 287º nº1, 251º, 252º nº1 e 1419º do Código Civil e 28º, 493º, 494º e), 496º e 660º nº2 do Código de Processo Civil.</font><br> <font>Contra alegaram os recorridos em defesa do Acórdão em crise.</font><br> <font>As instâncias deram por assente a seguinte matéria factica:</font><br> <font>- AA e mulher BB registaram em seu nome a aquisição, por compra a EE e mulher FF, da fracção autónoma, .... andar lado esquerdo, do prédio, em regime de propriedade horizontal, situado na Travessa ....., nºs ...., ..., ....., ....., ...., ...., ...., tornejando para a Rua...... nº...., ...., .... e ...., na freguesia do Coração de Jesus em Lisboa, descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 063 e inscrito na matriz predial urbano sob o artigo nº 750-A;</font><br> <font>- CC e mulher DD registaram em seu nome a aquisição, por compra a GG e mulher HH, da fracção autónoma,.... andar lado direito do mesmo prédio;</font><br> <font>- O imóvel foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública lavrada em 22 de Maio de 1987, no 2º Cartório Notarial de Lisboa onde foram outorgantes GG e mulher HH;</font><br> <font>- A fracção ...., dos Autores, tem, naquele título, o valor de 576 000$00, representa uma percentagem de 12 e tem a seguinte composição: oito divisões assoalhadas, cozinha, casa de banho e despensa;</font><br> <font>- No mesmo título, a fracção ..., dos Réus, tem o valor de 480 000$00, representa 10% e tem seis divisões assoalhadas, casa de banho, despensa e cozinha;</font><br> <font>- As fracções ... e .... constituem, respectivamente, os lados direito e esquerdo do segundo andar do prédio e confinam através de uma divisão assoalhada;</font><br> <font>- Essa divisão tem um acesso directo ao exterior através de uma porta para o átrio do ..... andar;</font><br> <font>- E vem sendo ocupada pelos Réus desde data anterior à constituição da propriedade horizontal;</font><br> <font>- Em Assembleia de Condóminos realizada em 14 de Fevereiro de 1989 “foi posta em dúvida as percentagens atribuídas, já que, segundo parece ser a opinião dos condóminos, o lado direito é maior do que o lado esquerdo e não o contrário. O representante do Sr. GG pôs em dúvida que tivesse havido engano mas comprometeu-se a rectificar as medições e, se houvesse engano, na próxima Assembleia, o assunto seria exposto e poderia alterar-se de comum acordo as ditas percentagens”;</font><br> <font>- Nessa assembleia o Autor foi eleito para a administração do condomínio durante o ano de 1989;</font><br> <font>- GG enviou aos “administradores” do prédio uma carta datada de 15 de Fevereiro de 1989 da qual consta: “Em relação às áreas, verifica-se efectivamente um lapso, porquanto me foi indicado na altura pelos nossos serviços que o quarto independente pertencia ao lado esquerdo, quando na realidade pertence ao lado direito. Assim, e em área bruta apurei 170m2 para o lado direito e 163m2 para o lado esquerdo. Sugeria portanto que em próxima assembleia fosse alterada a percentagem para os ...., .... e ... andares, esquerdo e direito.”;</font><br> <font>- Na Assembleia de Condóminos de 9 de Março de 1989 foi agendado como ponto 2 o “debate sobre a correcção dos valores das percentagens” tendo sido deliberado que os “condóminos em virtude de não concordarem com as percentagens atribuídas às fracções no titulo constitutivo de propriedade horizontal, deliberaram por unanimidade que as mesmas deveriam ser corrigidas, atendendo unicamente ao critério da percentagem ser na razão directa da área de cada fracção em função da área total do condomínio”;</font><br> <font>- Em 30 de Maio de 1989 os condóminos, em assembleia, “manifestaram o seu desejo e vontade de virem a corrigir os valores percentuais atribuídos na escritura de propriedade horizontal.”;</font><br> <font>- Na Assembleia de Condóminos de 6 de Julho de 1989 “foi deliberado por unanimidade proceder à correcção dos valores percentuais atribuídos no titulo de constituição da propriedade horizontal” e “a assembleia mandatou os Administradores para efectuarem o levantamento das áreas do prédio e procederem ao cálculo dos novos valores percentuais das fracções que deverão comunicar a todos os condóminos por circular logo que realizados”. Todos os condóminos declararam “ter perfeito conhecimento das implicações legais resultantes das alterações do valor percentual das fracções e aceitar para o futuro as novas percentagens, agora fixadas, assim como transmitir aos seus herdeiros ou eventuais compradores este acordo particular.”;</font><br> <font>- A administração emitiu, em 21 de Julho de 1989 um documento onde consta: “Na sequência das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 6 de Julho de 1989, os administradores procederam à determinação das percentagens das fracções segundo o critério das áreas, tendo concluído que as novas percentagens a vigorar a partir de agora e por acordo, são as seguintes: (…) Fracção ...., 12,5% (10) / Fracção ...., 11% (12). Entre parêntesis indicam-se as percentagens anteriores. Na determinação das novas percentagens conclui-se que os andares direitos têm uma superfície bastante maior do que os esquerdos. As medições foram efectuadas pelo administrador Sr. AA…”;</font><br> <font>- Na Assembleia de Condóminos de 19 de Abril de 1990 os condóminos não chegaram a acordo sobre “alteração do título de constituição da propriedade horizontal por escritura pública”;</font><br> <font>- O Autor esteve presente em todas as assembleias referidas como proprietário da fracção ...., que constitui a loja com os nºs ..., .... e .... da Travessa do .....;</font><br> <font>- O “auto de vistoria” emitido pela Câmara Municipal de Lisboa em 19 de Julho de 1985 refere que não “não se observaram obras clandestinas”;</font><br> <font>- As fracções ... Esq. e .... Dto. também confinam através das cozinhas;</font><br> <font>- Interiormente, a divisão assoalhada está ligada à fracção ... mediante ampla abertura na parede e subsiste uma parte de ligação à fracção .... camuflada e entaipada;</font><br> <font>- Em período não determinado entre 1887 e 1955 a assoalhada em questão esteve afecta à fracção ...;</font><br> <font>- Nesse período os inquilinos da fracção ... cederam-na aos inquilinos da fracção ...;</font><br> <font>- Mantendo-se essa cedência ao longo do tempo;</font><br> <font>- Os Réus mantiveram a ocupação mesmo após a constituição da propriedade horizontal e a compra da fracção;</font><br> <font>- O valor locativo da assoalhada é de 150,00 euros mensais;</font><br> <font>- No 1º andar o quarto independente faz parte do lado direito e no .... andar faz parte do lado esquerdo;</font><br> <font>- Os Réus habitavam a fracção há quase 40 anos à data da aquisição ocupando a mesma área de hoje;</font><br> <font>- Na altura da compra pagaram o preço correspondente à área ocupada;</font><br> <font>- Na outorga da escritura de constituição da propriedade horizontal, e por lapso, foi atribuído o quarto independente à fracção....quando a intenção dos outorgantes era atribui-lo à fracção ...., pois usaram o critério de constituírem as fracções de acordo com o aspecto físico do local.</font><br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <font>Conhecendo,</font><br> <font>1- Reconvenção.</font><br> <font>2- Legitimidade para anulação.</font><br> <font>3- Reivindicação.</font><br> <font>4- Anulabilidade.</font><br> <font>5- Conclusões.</font><br> <font>1- Reconvenção.</font><br> <font>Os recorrentes defendem a inadmissibilidade da reconvenção por falta de legitimidade dos Réus que não fizeram intervir os restantes condóminos.</font><br> <font>Independentemente de abordar o tema na perspectiva do nº4 do artigo 274º do Código de Processo Civil, o certo é que o pedido reconvencional foi julgado improcedente e, dele, absolvidos os Autores.</font><br> <font>Desse decaimento os Réus não interpuseram recurso.</font><br> <font>Daí que a questão tenha ficado definitivamente arrumada, a coberto de caso julgado, “ex vi” do disposto no nº 4 do artigo 684º do Código citado.</font><br> <font>Não podia a Relação voltar a pronunciar-se sobre a reconvenção, razão porque não ocorre, nesta parte, qualquer omissão de conhecimento, bem se decidindo ao julgar prejudicado o conhecimento de eventual preterição de litisconsórcio necessário na formulação do pedido cruzado.</font><br> <font>2- Legitimidade.</font><br> <font>Questionam os recorrentes a legitimidade dos recorridos para arguírem a anulabilidade do título constitutivo da propriedade horizontal.</font><br> <font>Sem razão, porém.</font><br> <font>Movemo-nos no âmbito da “legitimatio ad causam”.</font><br> <font>A arguição do vicio foi feita na reconvenção, quiçá fundando-se os recorrentes na regra geral do artigo 287º do Código Civil.</font><br> <font>Diga-se, antes do mais, que o círculo de pessoas que pode arguir a nulidade é muito mais alargado – e diverso – dos que podem requerer a anulação.</font><br> <font>A nulidade é um vício de ordem pública, de conhecimento oficioso, podendo ser invocada por qualquer interessado (artigo 286º); já a anulabilidade só pode ser arguida pelas “pessoas em cujo interesse a lei estabelece” (nº 1 do artigo 287º).</font><br> <font>Tratando-se de nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal, vale a norma especial do nº2 do artigo 1416º que confere legitimidade aos condóminos e também ao Ministério Público, este “sobre participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções.”</font><br> <font>Ora, não se vê razão por que a regra deste preceito – na parte em que confere legitimidade aos condóminos – não possa ser estendida aos casos de anulabilidade.</font><br> <font>É que, por um lado, o regime das nulidades do título constitutivo da propriedade horizontal afasta-se do regime geral “que só deve ser aplicado residualmente. Caracteriza-se como sendo uma invalidade mista.” (cf. Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, 21) não sendo de conhecimento oficioso.</font><br> <font>Tem alguns pontos comuns com a anulabilidade.</font><br> <font>Por outro lado, muito embora, no caso de erro, a anulação seja estabelecida no interesse do errante, o certo é que os condóminos não podem ser considerados alheios à protecção que a lei pretendeu dar a um negócio jurídico que os afecta, não sendo, por conseguinte, terceiros juridicamente indiferentes.</font><br> <font>Não se trataria de sofrerem um prejuízo meramente económico mas também um dano jurídico perante a subsistência de um título inválido, ainda que meramente anulável.</font><br> <font>Insiste-se que a figura da nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, como vem sendo tratada no artigo 1416º tem contornos híbridos – nulidade e anulabilidade – não muito inéditos (como, vg., o artigo 1939º do Código Civil).</font><br> <font>3- Reivindicação.</font><br> <font>Os Autores adquiriram, por compra, uma fracção autónoma nos precisos termos definidos pelo título de constituição da propriedade horizontal.</font><br> <font>E fizeram ingressar essa aquisição no registo predial.</font><br> <font>Nos termos do artigo 7º nº 1 do Registo Predial o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.</font><br> <font>Os Réus não lograram ilidir essa presunção.</font><br> <font>“Excepcionaram” a anulabilidade do título constitutivo da propriedade horizontal e deduziram reconvenção pedindo o reconhecimento da sua propriedade e a consequente alteração do título de constituição da propriedade horizontal.</font><br> <font>Só que a reconvenção improcedeu e, como acima se disse, os Réus conformaram-se com tal decaimento.</font><br> <font>Outrossim, não provaram que o título constitutivo da propriedade horizontal estivesse inquinado de qualquer vício gerador da sua anulabilidade, como adiante se explanará.</font><br> <font>E cumpria-lhes esse “onus probandi” como causa de pedir da acção cruzada.</font><br> <font>A lide reivindicatória não pode deixar de proceder sob pena de não atentar na existência do título de propriedade horizontal que só pode ser modificada por acordo de todos os condóminos, vertido em escritura pública, que é formalidade “ad substantiam” requisito da sua validade.</font><br> <font>Como julgou este Supremo Tribunal (Acórdão de 23 de Setembro de 2003 – 03 A1835) “está vedado ao tribunal intrometer-se no assunto e afastada a possibilidade de que isso possa suceder, ainda que seja no quadro de uma acção de suprimento judicial de consentimento, dado o carácter excepcional de que este sempre se reveste. O artigo 1419º, nº1, atrás citado, é terminante e imperativo: só o acordo unânime, devidamente formalizado de todos os condóminos poderá validar a modificação.” (cf., no mesmo sentido, os Acórdãos do STJ de 11 de Junho de 1986 – BMJ 358-529 e de 17 de Janeiro de 1989 – BMJ 383-548; cf, ainda o Cons. Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, 56).</font><br> <font>Por isso é que, mesmo no caso de nulidade – vicio maior (“quod nullum est, nullum producit effectum”) em regra cognoscível “ex officio”, invocável a todo o tempo e insanável – a lei estabelece um regime excepcional, menos restritivo do que o regime geral, com conversão legal “ope legis” – artigo 1416º do Código Civil (cf. Acórdão do STJ de 31 de Maio de 1984 – BMJ 337-366) – e sanável em certos casos (Acórdão do STJ de 23 de Outubro de 1984 – BMJ 340-404 e Cons. Rui Vieira Miller, in “A propriedade Horizontal no Código Civil”, 91).</font><br> <font>Assim sendo, um vicio gerador de mera anulabilidade, de acordo com os princípios gerais, terá de ser encarado em termos muito mais rigorosos, quer em sede de demonstração dos respectivos pressupostos, quer como causador de invalidade, ainda, que parcial do titulo.</font><br> <font>Poderá, no limite, ser invocado em sede reconvencional, com toda a alegação e prova a onerarem o reconvinte.</font><br> <font>Tendo improcedido a reconvençao mantém-se erecta a propriedade horizontal nos precisos termos em que foi constituída.</font><br> <font>Na acção de reivindicação, demonstrando os demandantes a propriedade da coisa que reivindicaram e que esta se encontra na posse e detenção de outrem, a entrega só poderá ser obstada pelos Réus com base em relação obrigacional ou real que lhe confira ou legitime a recusa de restituição nos termos do nº2 do artigo 1311º do Código Civil que assim funciona como excepção peremptória (nº3 do artigo 493º do CPC).</font><br> <font>A acção terá de proceder, excepto no tocante ao pedido cumulado de indemnização, cujo decaimento não foi expressamente impugnado pelos Autores nas suas alegações recursórias.</font><br> <font>4- Anulabilidade.</font><br> <font>Se, o que não se aceita, assim não fosse entendido e se admitisse, como fizeram as instâncias, que a anulabilidade da constituição da propriedade horizontal, pudesse der invocada, como defesa por excepção, na lide reivindicatória, haveria que abordar o regime do erro como causa de anulabilidade do negócio jurídico e a sua relevância “in casu”</font><br> <font>É o que se passará a fazer, por mera cautela e “ex abundantia”.</font><br> <font>4.1- “Pulcra quaestio” das alegações é o determinar se ocorre uma situação de erro obstáculo ou erro vicio.</font><br> <font>Enquanto o primeiro traduz uma desconformidade entre a declaração e a vontade real, no segundo há coincidência entre o querido e o declarado sendo, contudo, que a declaração surge como consequência de uma errónea representação da realidade.</font><br> <font>O erro obstáculo (ou erro obstativo), previsto essencialmente no artigo 247º do Código Civil, é um erro na declaração que provoca uma divergência não intencional entre a vontade real e a vontade declarada.</font><br> <font>“O declarante, depois de haver formado livre e esclarecidamente a sua vontade negocial e de ter tomado uma decisão negocial saudável e sem vícios, ao exteriorizar essa vontade e decisão negocial, declara algo diferente do que queria.” (Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 32).</font><br> <font>O erro obstáculo traduz-se numa interposição de diverso discurso no percurso da vontade para a declaração, isto é, o declarante formula o que pretende por forma inadvertida de tal modo que o resultado final traduz uma divergência entre o que quis exprimir e o que, de facto, declarou.</font><br> <font>Já no erro vicio há uma “ignorância (falta de representação exacta) ou uma falsa ideia (representação inexacta) por parte do declarante, acerca de qualquer circunstancia de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado de coisas não teria querido o negócio, ou, pelo menos, não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.” (Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, Reimpressão, 1992-233).</font><br> <font>O regime legal do erro obstáculo e do erro motivo é distinto.</font><br> <font>Naquele – e na modalidade erro não conhecido, ou não ostensivo – (pois que tratando-se de erro conhecido do declaratário ou de erro facilmente apreensível face aos termos e circunstancias da declaração, situações em que vale a regra do nº 2 do artigo 236º da lei civil, ou mesmo do artigo 249º) é aplicável o já citado artigo 247º.</font><br> <font>Isto é, a declaração é anulável “desde que o declaratário reconhecesse, ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.</font><br> <font>No erro vicio valem os artigos 251º e 252º do Código Civil, para cuja interpretação se aderem aos ensinamentos do Prof. Castro Mendes (apud “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 81) que faz o “distinguo” erro essencial absoluto (a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural não queria nada) gerador de anulabilidade plena; erro essencial relativo (a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural queria outro, que não o celebrado) também gerador de anulabilidade; erro incidental (a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também, mas com alterações de partes acessórias) o que gera anulabilidade parcial quanto à parte viciada, só assim não sendo se não for possível operar a redução, ao abrigo do artigo 292º, por se concluir que o negócio não seria concluído sem a parte viciada; erro essencial parcial (a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também mas com alteração de aspectos essenciais) gerador de idêntica anulabilidade parcial; erro acidental ou indiferente (a vontade negocial e conjectural coincidem) que é irrelevante.</font><br> <font>(cf., ainda, o Prof. Carvalho Fernandes que defende haver essencialidade não só quando a vontade conjectural não celebraria o negócio, mas também quando o celebrasse, ainda que acessoriamente diferente, apud “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 2001, 153; Prof. Oliveira Ascenção, in “Direito Civil – Teoria Geral”, 2003, 149 e Dr. Diogo Costa Gonçalves, in “Erro Obstáculo e Erro Vicio”, 2004, 71, “Não há qualquer utilidade em considerar a essencialidade um requisito comum do erro vicio. Será um requisito geral da relevância jurídica mas não um critério para definir e diferenciar uma figura.”).</font><br> <font>4.2- Aqui chegados e perante o acervo de factos provados, com especial relevo para o que consta das actas das várias assembleias de condóminos realizadas e para as diversas composições das fracções do 1º e 3º andares não é apodíctico estar a vontade dos outorgantes da escritura de constituição da propriedade horizontal viciada por erro.</font><br> <font>Na verdade, se atentarmos nas respostas aos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 11º e no auto de vistoria da Câmara Municipal de Lisboa – documento junto a flª. 114 a 177 – não resulta ter ocorrido qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada, geradora de erro obstáculo.</font><br> <font>Se, e por mera hipótese, se configurasse a existência de erro sempre seria erro vicio, mas na modalidade de erro acidental ou indiferente, pois para o proprietário que constitui a propriedade horizontal não é essencial, nem incidental, que um compartimento integre esta ou aquela fracção autónoma, sendo que, no mesmo prédio, em outros pisos, a divisão homóloga, surge integrada de modo diverso.</font><br> <font>Mas todas estas considerações se afiguram desnecessárias na economia do pleito, por estarmos perante uma acção de reivindicação.</font><br> <font>5- Conclusões.</font><br> <font>É tempo de concluir para afirmar:</font><br> <font>a) Se a reconvenção é julgada improcedente e os recorrentes se conformam com a absolvição dos Autores do pedido cruzado, a Relação não tem que conhecer da ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio, dos reconvintes, por a questão estar prejudicada.</font><br> <font>b) O regime de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal – artigo 1416º do Código Civil – consagra uma invalidade mista, com elementos da nulidade e da anulabilidade. Muito embora, e como regra, a anulação por erro esteja estabelecida no interesse do errante, os condóminos têm legitimidade para arguir quando essa invalidade se situa naquele titulo constitutivo, por não poderem ser considerados alheios à protecção que a lei pretendeu dar a um negócio jurídico que os afecta.</font><br> <font>c) O erro obstáculo, ou obstativo, traduz uma divergência não intencional entre a vontade e a sua expressão. O erro vicio, ou erro motivo, tem na base uma representação inexacta decisiva na formação da vontade, sem a qual o declarante não teria querido o negócio ou, pelo menos, não o firmaria “quo tale”.</font><br> <font>d) Se a propriedade foi registada nos precisos termos, e com o âmbito, do título constitutivo da propriedade horizontal, vale a presunção do nº1 do artigo 7º do Código do Registo Predial, cumprindo aos Réus ilidi-la.</font><br> <font>e) O título constitutivo da propriedade horizontal só pode ser modificado por acordo de todos os condóminos, vertido em escritura pública, estando vedado ao tribunal proceder a essa modificação.</font><br> <font>Nos termos expostos, </font><font>acordam conceder parcialmente a</font><font> </font><font>revista</font><font> </font><font>e condenar os Réus no pedido, absolvendo-os, contudo, do pedido de indemnização formulado.</font><br> <font>Custas pelos recorridos – 4/5 – e recorrentes – 1/5.</font><br> <br> <font>Lisboa, 3 de Outubro de 2006</font><br> <br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1</font><font> - </font><br> <font>Empresa-A requereu, 10 de Setembro de 2004, no Tribunal judicial de Torres Vedras, em representação do Fundo ...(...), a declaração de falência de Empresa-B.</font><br> <br> <font>A requerida deduziu oposição, impugnando, por um lado, a situação de insolvência alegada pela requerente e, por outro, arguindo a excepção de caducidade.</font><br> <br> <font>A requerente respondeu à defesa excepcional da requerida.</font><br> <br> <font>De seguida, o Mº juiz, procedendo à análise dos argumentos apresentados pelas partes, julgou procedente a defesa excepcional e, em consequência, absolveu a requerida do pedido de falência.</font><br> <br> <font>A requerente não se conformou com tal decisão, e apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, embora sem êxito, já que aquela decisão veio a ser confirmada.</font><br> <br> <font>Novamente irressignada, a requerente recorreu, ora para este Supremo Tribunal, pedindo revista e, consequentemente, a procedência do pedido.</font><br> <br> <font>Já depois de ter sido interposto recurso de revista, a requerida veio, a fls. 304, suscitar uma série de questões que consubstanciam de excepções, dilatórias e peremptórias, sendo uma delas relativa à falta de personalidade judiciária da requerente e desde a data da propositura da acção já que tinha sido dissolvida em 2001, razão pela qual deveria ser decretada a sua absolvição da instância. </font><br> <font>Juntou vários documentos, nomeadamente certidão da escritura de partilha e liquidação da requerente outorgada em 13 de Novembro de 2001, no Cartório Notarial de Matosinhos (cfr. fls. 315 e ss.) e o registo de tal facto na Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (cfr. fls. 329). </font><br> <br> <font>Notificada da junção de tais documentos e do dito requerimento, a requerente veio dizer que tudo o que foi apresentado era irrelevante para alcançar a requerida a pretendia absolvição da instância (cfr. fls. 339 e ss.). </font><br> <br> <font>Notificada da resposta da requerente, a requerida apresentou um novo requerimento, pedindo a condenação daquela como litigante de má fé (cfr. fls. 344 e ss.), o qual mereceu resposta daquela defendendo a sem razão desta (cfr. fls. 357 e ss.).</font><br> <br> <font>A Exª Relatora do Tribunal da Relação entendeu que o poder de cognição daquela Tribunal estava esgotado e daí que, não tendo tomado posição sobre as referidas questões, se tenha limitado a remeter os autos para este Tribunal.</font><br> <br> <font>Foram, entretanto, apresentadas as alegações e contra-alegações relativas ao recurso de revista interposto pela requerente, nas primeiras defendo-se a procedência do recurso, e nas segundas, naturalmente, a sua improcedência, mas suscitando-se, logo </font><font>ab initio</font><font>, a questão da falta de personalidade jurídica e judiciária da requerente e pelos mesmos motivos já referidos, sem deixar de pedir a condenação da recorrente como litigante de má fé.</font><br> <br> <font>2</font><font> - </font><br> <font> Antes de entramos na apreciação do mérito da tese proposta pela recorrente, uma outra questão nos é colocada e diz ela respeito à eventual falta de personalidade jurídica e, consequentemente, falta de personalidade judiciária da requerente que, como se disse, foi questionada pela recorrida.</font><br> <font>Como se sabe a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte, sendo que quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária (art. 5º do C.P.C.).</font><br> <font>A falta de personalidade judiciária constitui excepção dilatória (al. c) do nº 1 do art. 494º do C.P.C.) de conhecimento oficioso (art. 495º do mesmo diploma legal).</font><br> <font>A sua verificação importa a absolvição da instância (art. 288º, nº 1, al. do C.P.C.) e é insuprível (art. 23º, </font><font>ex adverso</font><font>).</font><br> <br> <font>Na decisão de mérito proferida pelo Mº juiz da 1ª instância, a questão da eventual falta de personalidade judiciária da requerente não foi objecto de apreciação, ainda que em termos genéricos.</font><br> <font>Se tal problema tivesse sido posto e decidido de forma concreta, naturalmente que, ora, a sua apreciação seria de todo em todo despropositada e pelo efeito do caso julgado.</font><br> <font>Tal, porém, não aconteceu.</font><br> <font> </font><br> <font>Não cabe, ao Supremo, como tribunal de revista, apreciar a factualidade constante dos autos, para decidir da verificação ou não verificação da aludida excepção de falta de personalidade judiciária (</font><font>vide</font><font> arts. 722º do C.P.C. e 26º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).</font><br> <font>É claro que, a Relação, no momento em que a questão lhe foi colocada, nada mais tinha a fazer, pois tinha resolvido a questão para a qual tinha sido convocada.</font><br> <font>Quid iuris</font><font>?</font><br> <font>O facto de o Supremo não ter competência para conhecer da matéria de facto, isso não é impeditivo de cassar a decisão recorrida e reenviar o processo para o tribunal </font><font>a quo</font><font> quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (vide </font><font>v.g</font><font>., Lebre de Freitas e Outros,</font><font> in </font><font>Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, pág. 119).</font><br> <font>Estamos caídos, desta forma, na previsão do art. 729º do C.P.C.: há que ordenar a remessa dos autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, em ordem à ampliação da matéria de facto com vista à apreciação das provas apresentadas e, em face delas, produzir decisão sobre a falta ou não falta de tal pressuposto processual, ficando, desde já assente, que se a resposta for positiva, acarretará necessariamente a absolvição da instância da requerida.</font><br> <br> <font>Se tal se vier a verificar, fica prejudicado o conhecimento de todas as questões que se levantaram a respeito do estado de insolvência ou de não insolvência da requerida.</font><br> <br> <font>Daí todo o interesse na </font><font>solutio</font><font> desta questão que surge, naturalmente, como prévia em relação à questão de fundo.</font><br> <br> <font>3</font><font> - </font><br> <font>Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se anular o acórdão recorrido de modo a poder ser ampliada a base factual e com vista à decisão da eventual falta de personalidade judiciária da requerente, tudo de acordo com o supra referido, e se possível com os mesmos senhores juízes desembargadores, nos termos do que está previsto no art. 730º, nº 1 do C. Adjectivo.</font><br> <font>Custas pela parte vencida a final.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 14 de Março de 2006</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Borges Soeiro</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <font> </font><b><font>I.</font></b><br> <b><font> Relatório:</font></b><br> <font> AA e mulher, BB, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Paços Ferreira, acção ordinária tendente a obterem a condenação de Generali Companhia de Seguros S.P.A. no pagamento de 94.160,72 €, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência da morte de seu filho CC causada por acidente de viação, cuja culpa imputam, em exclusivo, ao condutor do veículo segurado na R..</font><br> <br> <font> Esta contestou, pugnando pela improcedência total da acção, na base de que o referido acidente foi, unicamente, causado pela conduta culposa da própria vítima. </font><br> <br> <font> O processo, ultrapassada a fase dos articulados, seguiu a sua tramitação normal até julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, a condenar a R. no pagamento, aos AA., do total indemnizatório de 81.647.37 € e juros desde a citação, sendo 51.647,37 € por via sucessória, e 15.000 €, a cada, por direito próprio.</font><br> <br> <font> Sem qualquer êxito, apelou a R., para o Tribunal da Relação do Porto, já que este confirmou, </font><i><font>in totum</font></i><font>, o julgado.</font><br> <br> <font> Continuando irresignada, pede, ora, revista, a coberto da seguinte síntese conclusiva:</font><br> <font> – A Recorrente não pode, de forma alguma, conformar-se com a decisão de atribuição de culpa exclusiva pela produção do acidente em discussão ao condutor do veículo seguro devendo, pelo contrário, ser atribuída culpa exclusiva pelo mesmo ao malogrado CC</font><br> <font>– Da matéria dada como provada resultou, sem qualquer margem para dúvidas, que este último circulava pela berma, sendo este local impróprio para a sua circulação. A berma é destinada à circulação de peões e não de veículos, sendo eles motorizados ou não. O velocípede equipara-se, para efeitos de regras de circulação a um veículo a motor devendo, nesta medida, circular na faixa de rodagem, o mais próximo possível da berma – artigos 90°, nº 2 e 17°, do CE.</font><br> <font>– O CC não cedeu, como lhe competia, passagem ao veículo seguro na R. o que tudo lhe era imposto pelo artigo 32°, nº 4, do CE, sendo certo que o poderia ter feito, porquanto o condutor daquele último, cumprindo todas as regras que lhe eram exigidas – confrontar factos 3, 4 e 5 da sentença recorrida – efectuou a manobra de forma correcta, dando tempo ao CC de parar, abrandar ou desviar-se, para o que tinha a berma do seu lado direito e o parque de estacionamento totalmente livres. </font><br> <font>– O embate ocorreu entre a frente do motociclo e a lateral direita, porta da frente, do veículo seguro, sendo este facto prova de que foi o velocípede a embater no veículo e não o contrário.</font><br> <font>– A violência do embate apenas demonstra a velocidade do velocípede e não qualquer facto imputável ao condutor do veículo seguro na recorrente.</font><br> <font>– Não tendo ficado provada a velocidade do velocípede, apenas que tudo indica que fosse elevada, face ao acima já concluído, não é possível concluir, como o faz o acórdão recorrido, que aquele estivesse muito próximo do veículo seguro.</font><br> <font>– À conduta do condutor do veículo seguro não é de assacar qualquer responsabilidade, pois que o mesmo cumpriu todas as normas que lhe eram impostas, confiando que a vítima lhe cederia, tal como lhe competia, passagem, devendo, nestes termos, ser a sentença recorrida alterada e substituída por uma outra que, atribuindo total responsabilidade ao CC, absolva a Recorrente do pedido.</font><br> <font>– Ou seja, a conduta causal do sinistro foi a do condutor do velocípede, pela conjugação dos seguintes factos (a) circular por onde não devia, (b) não ter cedido passagem ao veículo seguro, como devia, (c) não ter feito tudo o que se lhe impunha fazer para evitar o sinistro, como podia ter feito, </font><i><font>maxime</font></i><font> travando e desviando-se para a respectiva direita.</font><br> <font>– Em contrapartida, a conduta do condutor do veículo seguro na Recorrente não integra qualquer ilícito, nem foi causal do sinistro em apreço, pois que executou uma manobra de mudança de direcção com as cautelas que se lhe impunham, exerceu uma prioridade que a lei lhe conferia, confiando, como podia, nessa prioridade e que o velocípede lhe cederia passagem, como se lhe impunha.</font><br> <font>– Aliás, desconhecendo-se, como se desconhece, ainda a que distância se encontrava o velocípede no momento em que o dito veículo seguro invadiu a berma, nunca se poderá concluir, como o fizeram as instâncias, que o condutor deste último podia e devia ter agido de outra forma e, como tal, com culpa, </font><i><font>maxime</font></i><font> por não se poder dizer que aquele violou qualquer norma de cuidado ou destreza que se lhe impusesse.</font><br> <font>– Se não se entender, como até agora defendido, toda a conduta do CC referida, se não exclui a culpa do condutor do veículo seguro, ao menos atenua-a, devendo, como tal, optar-se aqui por uma concorrência de culpas que, para o condutor do veículo seguro, nunca deverá ultrapassar os 50%.</font><br> <font>– O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> fez uma errada aplicação do previsto nos artigos 90°/2, 17° e 32°/4, do Código da Estrada, e nos artigos 483°, 487°, 562° e ss., e 570°, do Código Civil.</font><br> <font> </font><br> <font> A parte contrária respondeu, em defesa da manutenção do acórdão impugnado.</font><br> <br> <b><font>II.</font></b><br> <b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br> <font>1. No dia 26 de Fevereiro de 2006, cerca das 16.35 horas, DD conduzia pela Rua de S. Domingos, da freguesia de Carvalhosa, Paços de Ferreira, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-00. </font><br> <font>2. Seguia no sentido de marcha Paços de Ferreira/Freamunde, pela hemifaixa direita, atento o referido sentido. </font><br> <font>3. Ao pretender aceder ao parque de estacionamento de um estabelecimento comercial, existente do lado esquerdo da Rua de S. Domingos, atento aquele sentido de marcha, sinalizou a sua intenção de mudar de direcção para a esquerda. </font><br> <font>4. Aproximou o veículo do meio da faixa de rodagem e parou. </font><br> <font>5. Guinou a direcção do ZA para a esquerda e atravessou a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que se processava no sentido Freamunde/Paços de Ferreira, depois de ter visto que, por esta, não circulava qualquer veículo. </font><br> <font>6. Nesse momento circulava, pela berma esquerda da Rua de S. Domingos, atento o sentido Paços de Ferreira/Freamunde, um velocípede sem motor, conduzido por CC. </font><br> <font>7. Seguia no sentido Freamunde/Paços de Ferreira. </font><br> <font>8. Depois do ZA ter atravessado a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido Paços de Ferreira/Freamunde, colocando-se sobre a berma esquerda, foi embatido, na sua parte lateral direita, na porta da frente, pelo velocípede tripulado pelo CC, que por ali circulava nos termos descritos. </font><br> <font>9. Esse embate ocorreu na berma esquerda, a cerca de 1,50 metros do limite da hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido de trânsito Paços de Ferreira/ Freamunde. </font><br> <font>10. Devido a esse embate, o CC foi projectado contra o vidro da janela da referida porta, nele embatendo com a cabeça que, então, não estava protegida por capacete. </font><br> <font>11. Por causa disso, sofreu lesões crânio-encefálicas (hemorragia em toalha organizada na metade direita da cabeça, face interna do couro cabeludo; hemorragia aracnoideia em toalha, estendendo-se pelo hemisfério cerebral direito e edema meníngeo intenso; edema muito intenso no encéfalo, apagamento dos sulcos, e áreas de contusão dispersas pelo lobo temporal, parietal direitos e tronco cerebral; infiltração hemorrágica do rochedo direito do aparelho auditivo) que determinaram a respectiva morte, ocorrida no dia 4 de Março de 2006. 12. A Rua de S. Domingos, no local onde ocorreu aquele embate, é uma recta, sendo que, do ponto onde o arguido parou, se avista aquela rua, no sentido Paços de Ferreira/Freamunde, numa distância superior a 50 metros. </font><br> <font>13. Aquando do embate o céu encontrava-se pouco nublado e não havia nevoeiro. </font><br> <font>14. O piso estava alcatroado e, aquando do embate, encontrava-se seco. </font><br> <font>15. A faixa destinada à circulação de veículos tinha 7,20 metros de largura. </font><br> <font>16. Por essa faixa processava-se o trânsito em dois sentidos, não sendo visível qualquer linha longitudinal a separar as duas metades da faixa. </font><br> <font>17. A berma por onde circulava o CC tinha cerca de quatro metros de largura e delimitava a Rua de S. Domingos do parque de estacionamento a que o DD pretendia aceder. </font><br> <font>18. O piso dessa berma era em pedra, que se encontra colocada de forma irregular. </font><br> <font>19. O CC nascera a 25 de Fevereiro de 1990. </font><br> <font>20. Era filho dos AA. AA e BB.</font><br> <font>21. Por escritura pública, lavrada a 29 de Agosto de 2007, no Cartório Notarial, sito na Av. .............., ......, Paços de Ferreira, o A. declarou que o CC faleceu no dia 4 de Março de 2006 e que “não deixou testamento nem qualquer outra disposição de última vontade, sem descendentes vivos, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros seus pais, AA (...) e BB”.</font><br> <font>22. Por escritura pública lavrada, no dia 24 de Março de 2006, no Cartório Notarial de Paços de Ferreira, CC, como 1º outorgante, e o A. AA, como 2° outorgante, declararam vender e comprar, respectivamente, pelo preço de € 2.000,00, a sepultura perpétua, sita no Cemitério Municipal de Paços de Ferreira, com o nº ..... da,..... talha.</font><br> <font>23. Por sentença proferida no processo comum singular nº 137/06.2GAFR, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, DD foi condenado, como autor material de um crime de homicídio por negligência, na pena de 4 meses de prisão, substituída pela pena de 120 dias de multa, tendo sido considerado como provado, nessa sentença, que: “quando o então arguido procedeu conforme referido em H), o velocípede tripulado pelo CC seguia a menos de cinquenta metros de distância do ponto onde se encontrava o ZA; no momento referido em C), o arguido não viu o velocípede tripulado pelo CC; e não existia qualquer obstáculo que disso o impedisse”. </font><br> <font>24. O I.S.S.S., I.P., pagou aos AA., a título de subsídio de funeral, a quantia de € 197,63.</font><br> <font>25. O velocípede em que seguia o CC pertencia ao A. AA. </font><br> <font>26. Por contrato titulado pela apólice nº 00000000, FF havia transferido, para a R., a responsabilidade civil emergente da circulação do ZA.</font><br> <font>27. O CC vivia com os AA..</font><br> <font>28. Respeitava os AA. e obedecia às indicações e ordens que estes lhe davam. </font><br> <font>29. Os AA. tinham admiração pelo CCe eram afectuosos para com ele. 30. A morte do CC provocou-lhes desespero e angústia. </font><br> <font>31. Os AA. despenderam € 1.680,00 no funeral do CC. </font><br> <font>32. Celebraram a escritura referida para depositarem o corpo do CC, na sepultura ali identificada, o que fizeram. </font><br> <font>33. Pagaram a CC a referida quantia de € 2.000,00. </font><br> <font>34. Aquando do embate, o CC vestia uma casaca, no valor de € 60,00, umas calças, no valor de € 40,00, e uma camisola, no valor de € 25,00, e calçava um par de sapatilhas, no valor de € 40,00. </font><br> <font>35. Essa roupa ficou rasgada aquando do embate. </font><br> <font> </font><b><font>III. </font></b><br> <b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br> <font> A Recorrente coloca apenas em causa o juízo de culpa firmado pelas instâncias, continuando a defender que o acidente se ficou apenas a dever à condução da própria vítima ou, quando muito, que houve repartição equitativa de culpas; à imagem e semelhança do que já fizera na apelação (do confronto das conclusões apresentadas na apelação e na revista retira-se, facilmente, a ideia de que se limitou, praticamente, a reproduzir aqui o que apresentou ali).</font><br> <font> De primordial importância, para a solução do caso, é o facto elencado sob o nº 23.</font><br> <font> E isto porque, nos termos do disposto no artigo 674º-A do Código de Processo Civil, “a condenação proferida em processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.</font><br> <font>Como, com todo o acerto, acentua Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, “estabelece-se neste preceito a relevância «reflexa» do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza civil, materialmente conexas com os factos já apurados em processo penal – e tendo, nomeadamente, em conta que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza «prática» de que o arguido cometeu a fracção que lhe era imputada” (Comentários ao Código de Processo Civil, página 448).</font><br> <font>Por força de tal preceito legal, o responsável civil fica na posição, pouco confortável, de ter de demonstrar que, mau grado a condenação penal, não há razões para lhe serem assacadas responsabilidades, dado que o causador da lesão agiu sem culpa.</font><br> <font>Numa palavra, tem de ilidir a presunção de culpa, derivada do normativo legal referido – é só deste elemento constitutivo da responsabilidade que aqui curamos.</font><br> <font> Postas as cousas nestes precisos termos, torna-se, agora, claro que a tarefa do julgador desta causa, colocado perante esta realidade de o condutor do veículo segurado na R. ter sido condenado como autor material de um crime de homicídio negligente, p.p. pelo artigo 137º do Código Penal, se cinge apenas a averiguar se, perante os factos provados, é possível concluir pela verificação da ilisão da presunção referida, por parte da defesa.</font><br> <font> Ora, no caso concreto, da análise da factualidade apurada, não se vislumbra nada a legitimar um juízo de culpa exclusiva da vítima ou até de concorrência de culpas, entre os intervenientes no acidente, seja em proporção equitativa, avançada pela recorrente, seja outra qualquer.</font><br> <font> Como as instâncias, a seu tempo, demonstraram, o facto de a vítima conduzir um velocípede, pela berma da estrada, em nada contribuiu para a produção do acidente, sabido, embora, que tal faixa não se destina à condução de qualquer veículo, seja qual for a sua natureza.</font><br> <font> É certo que o artigo 17º, nº 1, do Código da Estrada (introduzido na positividade do nosso ordenamento pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), determina, por um lado, que “os veículos só podem utilizar as bermas ou passeios desde que o acesso aos prédios o exija”, e o artigo 90º, nº 2, do mesmo diploma legal, assegura, por outro, que “os condutores de velocípedes devem transitar o mais próximo das bermas ou passeios, mesmo nos casos em que, no mesmo sentido de trânsito, sejam possíveis duas ou mais filas”.</font><br> <font> É incontroverso que a vítima infringiu estas duas regras do direito estradal, mas isso, por si só, não permite que se emita qualquer juízo de censura relevante na produção do acidente em causa. </font><br> <font> Para evitar cairmos nessa tentação fácil, é importante descermos à teleologia das normas em causas.</font><br> <font> Então, verificaremos que, com a primeira das duas citadas, a </font><i><font>voluntas legislatoris </font></i><font>se baseou na preocupação de evitar o perigo de colisão entre velocípedes e peões que circulem nas bermas, ao passo que, com a segunda, visou acautelar embaraços ao trânsito processado em sentido contrário, obrigando, para tanto, os condutores de velocípedes a colocarem-se mais ou menos a meio da faixa de rodagem.</font><br> <font> Evidenciada a </font><i><font>ratio</font></i><font> </font><i><font>essendi</font></i><font> das injunções constantes das referidas normas do direito estradal, estamos, agora, em condições ideais para, olhando o que ficou provado, concluirmos pela total irrelevância, na causalidade do acidente, do facto de a vítima seguir, na sua marcha, pela berma da estrada.</font><br> <font> Não é esse facto, sem dúvida contravencional, que retira, no mínimo que seja, a culpa ao condutor do veículo segurado na R., o juízo de censura por não ter atentado nas circunstâncias de tempo e de modo referidas, de modo a evitar o embate, fatal para vítima.</font><br> <font> Em reforço (se tal fosse necessário) dir-se-á, ainda, que o acidente só se deu devido à condução imprudente do condutor do veículo segurado na R., arguido condenado no processo crime supracitado, que não reparou no velocípede que surgia apenas a um metro e cinquenta centímetros, certo que nenhum obstáculo o impedia de o ver.</font><br> <font> Tão-pouco a regra da prioridade serve, aqui, de pretexto para ilidir a presunção indicada, com o argumento de que a mesma não foi respeitada.</font><br> <font> Como evidenciou o acórdão recorrido, citando Dário Martins de Almeida, “verdadeiramente só se está perante a questão da prioridade quando as direcções seguidas pelos condutores têm de cortar-se; caso contrário, a possível colisão dessas viaturas transforma-se num mero acidente de cruzamento ou de sentido inverso ou fora de mão” (</font><i><font>Manual dos Acidentes de Viação</font></i><font>, página 528).</font><br> <font> Ora, esta hipótese de direito de prioridade do condutor do veículo segurado na R. nem se deve colocar, atenta a matéria de facto dada como provada.</font><br> <font> Isto mesmo evidencia o acórdão impugnado, ao deixar dito que “não se impunha ao condutor do velocípede a obrigação de ceder a passagem ao veículo ligeiro: ambos os veículos seguiam na mesma via, ainda que o velocípede circulasse na berma, em sentidos contrários, e o veículo efectuava uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, para entrar num parque de estacionamento, ocupando, por esse mesmo motivo, a berma onde seguia o velocípede. Em suma, não se preparava para entrar para entrar num entroncamento ou cruzamento”.</font><br> <br> <font>Do que fica dito ressalva, com particular clarividência, que a R. não cumpriu, tal como lhe competia, o ónus de alegação e prova de factos a permitir, em sede de juízo probatório, a ilisão da presunção mencionada, antes, pelo contrário, da apreciação global dos factos assentes, sai “reforçada” a certeza de que o acidente se ficou a dever única e exclusivamente à conduta negligente do condutor do veículo nela segurado: está explicada, se tal fosse necessário ou permitido, a sua condenação no foro penal.</font><br> <font> Foi, pois, ele e só ele o causador da morte condutor do velocípede, o filho dos AA., CC de seu nome.</font><br> <font> </font><br> <font> Demonstrada está, por fim, a sem razão da crítica que a recorrente dirigiu ao acórdão da Relação do Porto.</font><br> <font> Este, ao contrário do pretendido, merece plena confirmação.</font><br> <font> </font><b><font>IV.</font></b><br> <b><font>Decisão:</font></b><br> <font> Em conformidade com o exposto, decide-se negar a pretendida revista, colocando a cargo da recorrente o pagamento das custas devidas.</font><br> <br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Maio de 2010</font><br> <br> <font>Urbano Dias (Relator)</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Mário Cruz</font><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Na comarca de Coimbra<br> Costa &amp; Companhia Limitada propôs contra<br> Costa &amp; Pires, Limitada a presente acção com processo sumário, na qual pediu se declarasse nulo o contrato de arrendamento identificado na petição, se condenasse a ré a entregar à autora, livre e devoluto, no estado em que se encontrava em 1 de Julho de 1992, local arrendado e ainda se condenam a ré a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia mensal de 100000 escudos, desde Fevereiro de<br> 1994, inclusivé, até à efectivação da entrega do local arrendado e para tal a autora alegou ter arrendado à ré, em 1 de Julho de 1992, parte de um barracão, sito no Rocio, freguesia de Santa Clara, para exploração de um restaurante, contrato este celebrado verbalmente, pelo que é nulo por falta de forma certo sendo que esse local arrendado renderia hoje 100000 escudos mensais;<br> Na sua contestação - reconvenção, a ré invocou o abuso de direito por a falta de escritura do arrendamento ser imputável à autora e disse que esta, ao propagar que o restaurante iria fechar, causou à ré um prejuízo estimado em 5000 contos, terminando por pedir a improcedência da acção e a procedência da reconvenção com a condenação da autora a pagar-lhe 5000 contos.<br> Na réplica, a autora pediu a improcedência da excepção e da reconvenção deduzidas pela ré, com a sua absolvição da instância, ou, não se entendendo assim, a improcedência do pedido reconvencional e a procedência da acção no saneador.<br> Na tréplica, pediu a ré a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.<br> Foi proferido o saneador-sentença, no qual, além de se não ter admitido a reconvenção, se julgou a acção procedente e se condenou a ré a restituir à autora, livre e devoluta, a parte do barracão que ocupa, com a<br> área de 190 metros quadrados, bem como a pagar-lhe a quantia de 1000000 escudos de escudos, acrescida da quantia mensal de 100000 escudos desde 1 de Dezembro de<br> 1994 até efectiva entrega do referido barracão.<br> Desta decisão recorreu a ré mas a Relação negou provimento ao recurso.<br> Deste acórdão interpôs a mesma ré recurso de revista, e, na sua alegação, concluiu assim:<br> I - a sentença de 1. instância, sufragada pelo acórdão recorrido, ao decidir no saneador, violou o disposto no artigo 510 n. 1 alínea c) do Código de Processo Civil, uma vez que a questão em apreço não era unicamente de direito e tão pouco o processo continha todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa;<br> II - é que dúvidas inexistentes ora (que não na sentença da instância) sobre a possibilidade de arguição pela recorrente do abuso de direito, a questão que se coloca é a da verificação, na situação destes autos, de um verdadeiro abuso de direito por parte da autora, recorrida;<br> III - ora, dos autos retira-se, folhas 15 e 25/29, que o sócio da autora, Fernando Costa, é o único gerente desta, com poderes exclusivos, para obrigar, sendo simultaneamente um dos dois únicos sócios da sociedade ré, com uma participação social de 50 porcento.<br> IV - a recorrida é uma sociedade familiar, sendo que esta circunstância, não esquecendo o princípio personalístico das sociedades e a sua completa autonomia e separação patrimoniais, há-de ser valorada<br> (ao contrário do que se fez no acórdão recorrido) para efeitos da análise da conduta do citado Fernando Costa;<br> V - o prédio arrendado é pertença da recorrida (ao contrário do que se concluiu no acórdão recorrido) sendo contudo o dito Fernando Costa a sua única voz e representação executiva (sendo os poderes deliberativos da família quando ouvida em Assembleia Geral da<br> Sociedade).<br> VI - se o fim da celebração do contrato verbal de arrendamento destes autos não era a obtenção de vantagem económica de um ganho para a recorrida e era um outro qualquer, então a prova dessa outra finalidade competia à recorrida e não à recorrente, pois que todos os negócios de natureza patrimonial das sociedades comerciais se presumem lucrativos.<br> VII - só à recorrida e ao citado Fernando Costa pode ser, no caso, imputada a falta de formalização do contrato de arrendamento dos autos, pois só sobre ela impedirá a obrigação de conseguir a licença de utilização (ou documento comprovativo da sua requisição) cuja inexistência obstou, ab initio, à celebração da respectiva escritura pública;<br> VIII - acresce que, neste caso, de Julho de 1992 a<br> Fevereiro de 1994, a recorrida sempre da recorrente recebeu as rendas contratualmente acordadas, emitindo os respectivos recibos de quitação, criando na ré arrendatário, e, digamos, num normal e pendente declaratário, a expectativa justa de que a nulidade formal do contrato jamais seria pela recorrida invocada, pelo menos, acrescente-se, até obtenção de toda a documentação indispensável à instrução e outorga da escritura pública;<br> IX - um tal comportamento da recorrida, afinal sufragado pela sentença recorrida, configura também violação do dever continuado de lealdade que qualquer sócio tem para com a sociedade; é que o sócio gerente da recorrida, Fernando Costa, é também sócio, em 50 porcento do respectivo capital social, da sociedade recorrente de que resulta, com meridiana clareza, que a recorrida abusou do direito de invocar a nulidade do contrato dos autos por vício de forma, na modalidade de<br> "venire contra factum proprium";<br> X - e a sentença recorrida violou, entre outros o disposto no artigo 334 do Código Civil, pois que é manifesto o uso excessivo, intolerável, violador dos limites da boa fé, bons costumes, certeza e segurança jurídicas por parte da recorrida do direito que invoca<br> (e tem!);<br> XI - deve revogar-se o acórdão recorrido.<br> A recorrida, na sua contra-alegação, defendeu não ter havido abuso do direito por ela invocado.<br> Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br> Vem provada a seguinte matéria de facto:<br> 1 - a ré vem explorando, na parte do barracão cedida, um restaurante, aí servindo refeições a troco de um preço e aí guardando todos os bens necessários à exploração, nomeadamente cadeiras, mesas, louças e máquinas diversas;<br> 2 - em 1 de Julho de 1992, a autora cedeu à ré o gozo de parte de um barracão que fez junto do prédio inscrito na matriz predial de freguesia de Santa Clara sob o artigo 194 e descrito na Conservatória do Registo<br> Predial de Coimbra sob o n. 185, para ali ser explorado um restaurante, mediante a retribuição mensal de 100000 escudos, acordo este celebrado de forma verbal, sendo que o barracão e o restaurante são os referidos acima no n. 1;<br> 3 - a ré detém as chaves do locado desde 1 de Julho de<br> 1992;<br> 4 - desde 1 de Julho de 1992 até Janeiro de 1994, inclusivé, a ré pagou à autora a retribuição acordada;<br> 5 - a ré efectuou os depósitos que constam de folhas 31 a 34;<br> 6 - o local cedido pela autora à ré tem no mercado um valor mensal de 100000 escudos, quantia que a autora obteria, se o pudesse aumentar, e que a ré teria de dispender, se o desejasse arrendar;<br> 7 - Fernando Roseira Caniceiro da Costa e Nuno Fernando<br> Pires constituíram, por escritura pública de 3 de Julho de 1992, uma Sociedade Comercial por quotas, que adoptou a firma "Costa &amp; Pires, Restaurante e<br> Similares, Limitada, com o objecto do exercício da indústria hoteleira, nomeadamente restaurante e similares, o capital social realizado em dinheiro depositado de 1000000 escudos, correspondente a duas quotas iguais de 500000 escudos, pertencentes uma a cada um dos sócios;<br> 8 - a sociedade Costa &amp; Pires, Limitada foi matriculada sob o n. 5012, a 16 de Julho de 1992, na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra, como tendo sede na Rua<br> Feitoria dos Linhos, Santa Clara, Coimbra, e gerência de Nuno Fernando Pires;<br> 9 - a autora Costa &amp; Companhia, Limitada apresenta-se a litigar representada por Fernando Rosário Caniceiro da<br> Costa.<br> Segundo o artigo 334 do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito.<br> Esta complexa figura do abuso de direito é uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, de janelas por onde podem circular lufadas de ar fresco, com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido (Manuel<br> Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, 63 e seguintes; Almeida Costa Direito das Obrigações, 3. edição, 60 e seguintes; Pires de Lima e Antunes Varela,<br> Código Civil Anotado, volume I, 4. edição, 299; Antunes<br> Varela, Comunicação à Assembleia Nacional em 26 de<br> Novembro de 1966).<br> Manuel Andrade acrescentou ainda "Grosso modo" existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito (loc. cit.).<br> Por sua vez, Antunes Varela esclareceu que o abuso de direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo e que se designa por abuso de direito o exercício de um poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em absoluta contradição seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu conhecimento (R.L.J. 114, página 75) e, por outro lado, não se esqueceu de salientar que a condenação do abuso de direito, a ajuizar pelos termos do dito artigo 334,<br> "aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo",<br> (R.L.J. 128, página 241).<br> E há que ter presente que o actual Código Civil consagrou a concepção objectivista do abuso de direito e por isso não é necessário a consciência malévola, a consciência de se excederem, com o abuso de direito, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que sejam excedidos esses limites, muito embora a intenção com que o titular do direito tenha agido não deixa de contribuir para a questão de saber se há ou não abuso de direito (Almeida Costa, loc. cit., Pires de Lima e<br> Antunes Varela, loc. cit.).<br> Ora um caso típico de comportamento abusivo no exercício de um direito considerado ilegítimo pelo artigo 334 citado é a proibição de venire contra factum proprium.<br> Esta variante de abuso do direito equivale a dar o dito por não dito, radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, pois que pressupõe duas atitudes dela, espaçadas no tempo, sendo a primeira delas (o factum proprium) contrariada pela segunda atitude, o que constitui, atenta a reprovabilidade decorrente da violação dos deveres de lealdade e de correcção, uma manifesta violação dos limites impostos pelo princípio da boa fé; pelo que não é de admitir que essa pessoa possa invocar e opor um vício por ela causado culposamente, vício este que a outra parte confiou em que não seria invocado e que nesta convicção orientou a sua vida (J. Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I,<br> 385, 393 e 394; Stela Marcos de Almeida Neves Barbas,<br> C.J. do Supremo 1944, Tomo II, 15 e 16; Antunes Varela,<br> R.L.J. 127, páginas 236 e 237; acórdão do Supremo<br> Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1990, B.M.J. 397,<br> 459).<br> Todavia, há quem entenda que é inapropriado aplicar a figura do abuso de direito, sendo apenas de aplicar o disposto no artigo 227 do Código Civil, ao caso em que uma das partes induziu dolosamente a outra à inobservância da forma legal, por a tal obstar o regime das nulidades decorrentes dos artigos 285 e seguintes do Código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., 216; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1974, B.M.J. 242, página 257, e de 11 de<br> Julho de 1991, B.M.J. 409, página 735).<br> Mas a grande maioria da doutrina é de opinião contrária e sustenta que improcede a arguição da nulidade de um contrato quando esta arguição configura um abuso de direito, como sucederá nos casos em que a nulidade formal é arguida pelo contraente que a provocou ou levou dolosamente o outro a não formalizar o contrato ou procedeu de modo a criar nesse outro contraente a convicção de que não seria invocada a nulidade, procedendo, assim, de modo iníquo e escandaloso (Manuel<br> Andrade, Sobre as Cláusulas de Liquidação de Partes<br> Sociais pelo Último Balanço, 100; Mota Pinto, Rev. de<br> Direito e Estudos Sociais, Ano XIV, ns. 1 e 2, página<br> 81 e seguintes; Vaz Serra, R.L.J. 109, página 30;<br> Meneses Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2. volume, páginas 774 e seguintes e Teoria Geral do<br> Direito Civil, 2. edição, página 667 e seguintes; H.<br> Horster, Teoria Geral do Direito Civil, página 531).<br> E, embora aparentemente mais reticentes, navegam nas mesmas águas Pereira Coelho e J. Baptista Machado.<br> Assim, o primeiro aceita o funcionamento do abuso de direito quando a arguição da nulidade por vício de forma seria, no caso concreto, estabelecimento escandalosa e intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, por o senhorio ter levado o arrendatário a confiar justificadamente em que a nulidade não viria mais tarde a ser invocada (por ex., o caso de o senhorio ter induzido dolosamente o arrendatário a não insistir na formalização do contrato ou o caso de o senhorio, independentemente do dolo, se ter recusado a dar forma legal ao contrato apesar de o arrendatário reiteradamente o ter solicitado (R.L.J.<br> 126, página 201). E o segundo salienta que os casos excepcionais em que se justificasse submeter a invocação da nulidade à proibição do venire contra factum proprium haveriam de caracterizar-se pelos seguintes traços: a) ter uma das partes confiado em que adquiriu pelo negócio uma posição jurídica; b) ter uma parte, com base em tal crença, orientado a sua vida por forma a tomar disposições que agora são irreversíveis, pelo que a declaração de nulidade provocaria danos vultosos de vária ordem que agora se revelam irremovíveis através doutros meios jurídicos, designadamente o recurso do artigo 227 do Código Civil; c) poder a situação criada ser imputada à contraparte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades (R.L.J. 118, páginas 10 e 11).<br> Por sua vez, a nossa jurisprudência não se tem mostrado muito favorável a esta orientação (a possibilidade de obstar à alegação de invalidades formais com base no abuso de direito) mas já há decisões que a sufragam em todos os graus de jurisdição (sentença de 12 de Junho de 1985, no processo n. 57/82, 2. Secção, 7. Juízo<br> Cível de Lisboa, inédita; Acórdão da Relação de Coimbra de 11 de Dezembro de 1993, R.J. 1993, Tomo V, 48;<br> Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1982, B.M.J. 315, página 249).<br> Da nossa parte, aderimos sem reservas a esta orientação largamente sufragada pela doutrina.<br> Resta, agora, saber se, a esta luz, se pode falar de abuso de direito no caso sub-judice.<br> Em primeiro lugar, há que frisar que cabe à ré o ónus da prova do abuso do direito da autora à invocação da nulidade da falta de forma. Com efeito, cada parte tem o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou excepção, nos termos do artigo 342 do Código Civil<br> (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora,<br> Manual de Processo Civil, 2. edição, página 455).<br> Ora a ré não logrou provar - e nem sequer alegou - os factos susceptíveis de configurar o abuso de direito.<br> Certo que articulou que a falta de escritura do contrato de arrendamento é inteiramente imputável à autora, porque esta escritura só não foi feita porque faltava a licença de utilização do prédio locado e mesmo a licença da obra, mas certo é também que a ré não logrou provar estes factos.<br> De resto, mesmo que a ré tivesse provado tais factos, parece-nos que se não poderia concluir pela existência do abuso de direito, dado que a conduta da autora se não poderia taxar de altamente escandalosa e intoleravelmente ofensiva de novo sentido ético-<br> -jurídico. E isto é assim não só porque a dita falta da licença de utilização, embora a requerer pela autora, era do conhecimento da ré, como sobretudo porque, à data da celebração do contrato verbal de arrendamento,<br> 1 de Julho de 1992, a escritura pública ainda não podia ser celebrada por a ré ainda não ter personalidade jurídica, dado só se ter constituído como sociedade por escritura de 3 de Julho de 1992 e só se ter matriculado em 16 de Julho de 1992 (cfr. artigo 5 do C. S.<br> Comerciais e artigo 7 n. 2 alínea b) do Decreto-Lei<br> 321-B/90, de 15 de Outubro), o que bem demonstra que a não formalização do contrato de arrendamento é imputável a ambas as partes e não apenas à autora. Em suma, a autora não induziu dolosamente a ré a não formalizar o contrato nem se recusou a formalizá-lo apesar de solicitada pela ré, hipóteses em que se poderia dizer que tinha havido uma manifesta violação dos limites impostos pela boa fé no exercício do direito.<br> A recorrente refere também que a recorrida sempre recebeu as rendas acordadas, desde 1 de Julho de 1992 até Janeiro de 1994, o que criou, como criaria num normal e prudente declaratário, a justa expectativa de que a nulidade final do contrato jamais seria invocada pela autora, pelo menos até à obtenção de toda a documentação indispensável à celebração da escritura pública.<br> Não pensamos assim.<br> Tal como se salienta no acórdão recorrido, o recebimento das rendas durou pouco, cerca de ano e meio, e a doutrina atrás citada só admite o abuso de direito quando a execução do contrato se tenha prolongado por largo período de tempo, precisamente porque só então se poderá dizer que o titular do direito o exerce com manifesta violação dos limites impostos pela boa fé, que a sua conduta ofende de forma intolerável os deveres de lealdade e correcção. O abuso de direito só é admissível em casos verdadeiramente excepcionais e o caso presente não se apresenta como tal. Não basta que o titular do direito, ao exercê-lo, manifeste uma vontade contrária à tida no momento da celebração do contrato, pois que é ainda necessário que a segunda atitude se apresente como um comportamento de todo em todo ofensivo de novo sentido ético-jurídico, clamorosamente oposto aos ditamos da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre os contraentes. Ora, no caso presente, a segunda atitude da autora, tão próxima da primeira, não se apresenta, de modo algum, com tais características.<br> A acção foi bem julgada no saneador, dado que, mesmo provando-se todos os factos articulados pela ré, sempre seria de concluir inexistir abuso de direito.<br> Sendo tanto a autora como a ré pessoas jurídicas distintas dos seus sócios e gerentes, nada interessa a consideração dos actos dos seus gerentes individualmente considerados, isto é, fora da representação da autora ou da ré.<br> Por tudo o exposto, nega-se a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 2 de Julho de 1996.<br> Fernando Fabião,<br> César Marques,<br> Martins da Costa.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Tribunal do Círculo de Coimbra - 30 de Novembro de<br> 1994.<br> II - Tribunal da Relação de Coimbra - 24 de Outubro de<br> 1995.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><br> <b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br> <font>AA, intentou acção, com processo ordinário, contra “E... – Gestão Imobiliária e Turística, Limitada” pedindo a declaração de anulação de todas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da Ré de 17 de Novembro de 2006, constantes do ponto 1 da ordem de trabalhos.</font> <p><font>Alega, em síntese, que desse ponto constava: “deliberar ratificar os actos praticados pelo sócio e gerente BB no processo n.º 656/06 OTYVNG, que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, no processo n.º 622/06 TYVNG, que corre seus termos pelo 2.º Juízo do mesmo Tribunal, bem como conferir-lhe os poderes necessários para representar em juízo esta sociedade nos processos sobreditos e ainda no processo n.º 657/09 9TTBCL, que corre termos no Tribunal de Trabalho de Barcelos.”</font> </p><p><font>Invocou a nulidade e a anulabilidade daquelas deliberações, por violarem norma legal imperativa e insusceptível de ser derrogada, mesmo por vontade unânime dos sócios, bem como por serem abusivas, em conformidade com o disposto nos artigos 56.º, n.º 1, alíneas c) e d) e 58.º, n.º 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais.</font> </p><p><font>Após os seguintes articulados – contestação e réplica – foi proferida sentença (logo no despacho saneador) a julgar a acção procedente anulando as referidas deliberações sociais.</font> </p><p><font>A Ré apelou para a Relação do Porto que confirmou “inteiramente” o julgado.</font> </p><p><font>Vem, agora, pedir revista, assim concluindo a sua alegação:</font><br> <font>- Os factos sujeitos a registo comercial são susceptíveis de serem impugnados mediante prova em contrário.</font><br> <font>- A presunção resultante do artigo 11.º do CRC é uma presunção “juris tantum”.</font><br> <font>- E, como tal foram, salvo melhor opinião, devidamente impugnados pela Recorrente. </font><br> <font>- Em simultâneo, ao contrário do que se sustenta no Acórdão recorrido, da mesma certidão do registo comercial emergiam outros factos que abalavam a credibilidade da referida destituição e, por isso, eram merecedores de igual credibilidade. </font><br> <font>- Acresce que, o Recorrido jamais alegou que, o sócio BB foi destituído de gerente em 10 de Outubro de 2006. </font><br> <font>- Ora, não obstante o que decorre da certidão de registo comercial da Recorrente, não estamos perante um facto notório, que pudesse ser dado por provado pelo Tribunal, sem ter sido alegado pelas partes. </font><br> <font>- Por outro lado, cumpre dizer que, no despacho saneador proferido deveria ter-se absolvido a Recorrente da instância por manifesta ineptidão da petição inicial. </font><br> <font>- Por outro lado ainda, ao invés do defendido no Acórdão ora impugnado, no caso vertente é inaplicável a figura do representante especial, nos termos previstos no n° 2, do artigo 21°, do CPC. </font><br> <font>- Por fim, não se pode aceitar, como se diz no Acórdão recorrido, que a Recorrente, atendendo aos circunstancialismos do caso concreto, não pudesse deliberar em assembleia geral, conferir poderes ao sócio gerente BB, para a representar em Juízo, nomeadamente outorgando procuração a favor de mandatário forense. </font><br> <font>- Como aliás, bem se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado em </font><i><font>supra. </font></i><br> <font>- Por último, resta assinalar que a conduta do Recorrido, configura um caso de patente abuso de minoria.” </font> </p><p><font>Contra alegou o recorrido a pugnar pela manutenção do julgado e concluindo, em síntese, que o registo comercial faz prova plena dos factos nele inscritos; que o recorrido alegou tais factos; que a petição não é inepta.</font> </p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br> <font>1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à a) realização de investimentos imobiliários e turísticos; b) compra e venda de propriedades; c) estudos, planeamento e gestão de empreendimentos de natureza comercial e industrial e a prestação de serviços a ele relativos; d) exercício de qualquer outra actividade, que venha a ser determinada pela gerência (cfr. n.º 2 do artigo 2.º do pacto da sociedade) estando matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Póvoa de Varzim sob o n°. 429, com o capital social de € 550.000,00, de ora em diante abreviadamente designada por E.... </font><br> <font>2. O Autor é sócio da Ré, sendo titular de uma quota do valor nominal de € </font><i><font>38.500,00, </font></i><font>representativa de 7% do capital social da E.... </font><br> <font>3. O Autor foi designado gerente da Ré, tudo como melhor consta de documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc°. no. 1). </font><br> <font>4. O Autor recebeu carta registada com aviso de recepção remetida pelo gerente BB, datada de 2006.11.02, da qual constava um aviso convocatório para a realização de uma assembleia geral ordinária da Ré, a realizar na sede social, no dia 17 de Novembro, pelas 18 horas e 30 minutos. </font><br> <font>5. Da ordem de trabalhos da reunião convocada para o dia 17 de Novembro4 constavam os seguintes pontos: </font><br> <i><font>1. Deliberar ratjficar os actos praticados pelo sócio e gerente BB, no processo n° 65 6/06. OTYVNG, que corre termos pelo</font></i><font> 1.º </font><i><font>Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, no processo n° 622/O6TYVNG, que corre termos pelo 1° Juízo do Tribunal de Comércio de Gaia, no processo n° 623/O6TYVNG, que corre os seus termos pelo 2° Juízo do mesmo Tribunal, bem como conferir-lhe os poderes necessários para representar em Juízo esta Sociedade, nos processos sobreditos e ainda no processo n° 657/06. 9TTBCL, que corre termos pelo Tribunal de Trabalho de Barcelos. </font></i><br> <i><font>2. Deliberar intentar uma acção de responsabilidade civil contra a sócia CC, pela prática de actos causadores de prejuízos </font></i><font>à </font><i><font>sociedade, conferindo ao sócio e gerente BB, os poderes necessários para constituir mandatário que represente a Sociedade em juízo. </font></i><br> <font>(conforme documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc°. n°. 2). </font><br> <font>6. No dia 17 de Novembro de 2006, pelas 18 horas e 30 minutos, teve lugar a sobredita assembleia-geral, tendo o Autor estado presente, enquanto titular de uma quota do valor nominal de €38.500,00. </font><br> <font>7. Assumiu a presidência da mesa DD, na qualidade de representação do sócio e gerente BB, titular da maior fracção de capital (€ 280.500,00), e estiveram ainda presentes a sócia N... – Sociedade Imobiliária, S.A., representada pelo Autor, CC, o sócio EE e FF em representação da sócia GG, todos titulares de uma quota do valor nominal de €38.500,00, cada uma, num total de 86% do capital social.</font><br> <font>8. O gerente foi destituído da gerência em 10 de Outubro de 2006, cfr. fls. 84.</font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo, </font><br> <br> <font>1. Ineptidão da petição inicial.</font><br> <font>2. Força probatória de documento.</font><br> <font>3. Deliberações.</font><br> <font>4. Abuso de minoria.</font><br> <font>5. Conclusões.</font><br> <br> <b><font>1- Ineptidão da petição inicial.</font></b> </p><p><font>Refere a recorrente ser inepto o articulado petitório, invocando a alínea b) do n.º 2 do artigo 193.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font> Mas a impetrante nem sequer aduz um acervo argumentativo que permita essa conclusão. </font> </p><p><font>Ademais, é a primeira vez que a questão é suscitada, nem ao menos o tendo sido na apelação, pelo que, numa perspectiva questão nova seria de desconsiderar nesta sede.</font> </p><p><font>Poderia, porém, ser matéria cognoscível “ex officio” por integradora de tipo de nulidade, nos termos do artigo 202.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Só que, ainda que tivesse ocorrido, tal vício estaria sanado não só por não arguido na contestação como, e em oficiosidade, já ter sido ultrapassada a fase processual de conhecimento (artigos 202.º, 1.ª parte, “in fine”, 204.º n.º 1, 206.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).</font> </p><p><font>Por isso,improcede este segmento.</font><br> <br> <b><font>2- Força probatória de documento.</font></b><br> <br> <font>2.1 Sabido, como é, que os poderes de cognição da matéria de facto deste Supremo Tribunal são, em sede de revista, limitados às situações de excepção consistentes na violação de norma que exija expressamente certa espécie de prova para a existência de um facto ou da que estabeleça a força probatória de certo meio de prova.</font> </p><p><font>É o que resulta do princípio geral do artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) na sua conjugação com os artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do Juízo de prova da Relação quando tenha sido dada por assente um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou se tiverem sido violados preceitos reguladores da força probatória de alguns meios de prova.</font> </p><p><font> Citando o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, “na função atribuída ao Supremo prevalecem os interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação dos factos relativos ao caso concreto.” (in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 398).</font><br> <font>2.2 Daqui partimos para a análise da argumentação do recorrente.</font> </p><p><font>Insurge-se, em primeira linha, para o facto de ter sido dado por provado o facto 8 (“O gerente foi destituído da gerência em 10 de Outubro de 2006”).</font> </p><p><font>A motivação dessa resposta à base instrutória foi o documento de fl. 84.</font> </p><p><font>Analisado este verifica-se que se trata de uma certidão da Conservatória do Registo Comercial da qual consta, além do mais, e sobre este ponto: “Av. 3 AP20/20070214 14; 57; 15 – Cessação de Funções de Membro(s) do(s) Órgão(s) Social(ais) Gerência: BB. Cargo: Gerente. Causa: Destituição. Data: 10 de Outubro de 2006. 1.ª Conservatória do Registo Comercial do Porto – 1.ª Secção. O (A) Conservador(a) Maria Isabel Peres. An1 – 20070228 – Publicado em </font><u><font>http://www.mj.gov-pt/publicações</font></u><font>. 1.ª Conservatória do Registo Comercial do Porto – 1.ª Secção. O(A) Conservador(a), Maria Isabel Peres.”</font> </p><p><font>Da restante certidão nada mais consta que infirme este registo.</font> </p><p><font>O documento foi junto pelo Autor que, na petição inicial (artigo 8.º) e a transcrever uma sua declaração feita na assembleia da Ré, afirmou aquela destituição do gerente e a respectiva data.</font> </p><p><font>No corpo da sua alegação, e com razões que sintetiza nas conclusões acima seriadas, a recorrente refere que a presunção do artigo 11.º do Código do Registo Comercial é ilidível, mas que o que consta do artigo 8.º da petição não podia ser impugnado especificamente por se limitar a reproduzir uma afirmação feita pelo Autor na Assembleia Geral, sendo que este “nunca alegou no seu articulado que o gerente BB foi destituído da gerência em 10 de Outubro de 2006.”</font> </p><p><font>Que, em consequência, limitou-se a referir serem falsos os factos que o demandante alegou.</font> </p><p><font>Com o merecido respeito, trata-se de uma falácia.</font> </p><p><font>A causa de pedir, aliás complexa, tem por primeiro por primeira base (facto jurídico) a destituição da gerência do sócio BB, sendo alegado que, por já não ser gerente, os seus actos não podiam ser ratificados, uma vez que a competência para os praticar era únicamente do gerente.</font> </p><p><font>Por isso, o Autor ao transcrever o que ditou para a acta no tocante à destituição cumpriu o ónus de alegação de facto que se mostra certificado nos autos por certidão comprovativa do seu registo definitivo (aliás obrigatório “ex vi” dos artigos 15.º, n.º 1 e 10.º, c) do Código do Registo Comercial) que, face ao artigo 11.ºdesse diploma, constitui presunção “de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida.”</font> </p><p><font>Desta norma resulta que o facto registado existe e é consequência do inscrito com o preciso conteúdo dele constante.</font> </p><p><font>Trata-se de uma presunção “juris tantum” já que o legislador quis que os direitos publicitados gozem, à partida, de uma garantia de verdade e de exactidão, a provar por meio de certidões, fotocópias e notas de registo (n.º 1 do artigo 75.º do CRC).</font> </p><p><font>Ora, à presunção resultante do registo é aplicável a regra do n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, cumprindo à demandada a sua ilisão, por força do n.º 2 do mesmo preceito, conjugado com o n.º 2 do artigo 344.º.</font> </p><p><font>E como nota o Prof. Manuel de Andrade, “as presunções juris tantum não se confundem com as chamadas liberações ou dispensas do ónus da prova (liberationes ab onere probandi): aquelas limitam-se a facilitar a prova, uma vez que o onerado com o encargo da prova não tem que provar o facto que é objecto da prova, bastando-lhe que prove o facto conhecido (base da presunção) de que a lei infere outro; estas vão mais longe, pois liberam da prova, cujo ónus de inverte, isto é, a lei considera desde logo um facto se não se provar o contrário.” (in “Noções Elementares de Processo Civil”, 200).</font> </p><p><font>Mas note-se que toda a presunção legal contém uma inversão do ónus da prova, uma vez que a parte que beneficia da presunção fica isenta de ter de provar o facto presumido – embora não a do facto em que a presunção se baseia – cumprindo à parte contrária o ónus da prova que a presunção não vale, isto é, que o facto afirmado/conhecido não é suficiente para, na situação em apreço conduzir ao efeito que a lei lhe atribui.</font> </p><p><font>Trata-se, então, de ilidir a presunção demonstrando, com prova em contrário, a sua invalidade. (cf. Prof. Vaz Serra – BMJ, 112-128 ss).</font> </p><p><font>A presunção relativa do artigo 11.º do Código do Registo Comercial foi afirmada pelo recorrido, demonstrando, como competente certidão registral, o facto em que se baseia.</font> </p><p><font>Mas a recorrente, ao invés de ilidir, fazendo prova de que esse facto inexistia, ou era irrelevante “in casu”, limitou-se a uma defesa por impugnação, e ainda assim de modo genérico.</font> </p><p><font>E nem alegue, como o fez, que o Autor não afirmou o facto.</font> </p><p><font>Certo que o fez, nos termos acima ditos, (cf. o artigo 8.º da petição) ainda que transcrevendo uma declaração sua e sempre nele assentou a “causa petendi”, que a Ré alcançou, como claramente resulta do seu articulado de defesa.</font> </p><p><font>Só que a demandada tendo o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa (artigo 489.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e não estando em causa matérias de excepção ou de superveniência, era aí que devia, se fosse caso, ilidir a, já tratada, presunção registral.</font> </p><p><font>Não o tendo feito, “sibi imputet”, isto é, o facto vale como assente, outrossim não estando este Supremo Tribunal de Justiça perante qualquer das situações dos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2 do diploma adjectivo.</font> </p><p><b><font>3- Deliberações</font></b> </p><p><font>3.1 A recorrente limita-se a afirmar, em sede de conclusões (e quanto ao mérito), que “não se pode aceitar, como se diz no Acórdão recorrido, que a recorrente, atendendo aos circunstancialismos do caso concreto, não pudesse deliberar em assembleia geral, conferir poderes ao sócio gerente BB, para a representar em juízo, nomeadamente outorgando procuração a favor de mandatário forense.”</font> </p><p><font>De seguida, louva-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Maio de 1994 (CJ 1994, 111, 106) cujo sumário transcrevera no corpo da alegação. (“ I - A exigência de assinatura de dois gerentes para obrigar a sociedade pode ser substituída por deliberação da assembleia geral se um deles está impedido de intervir por incompatibilidade de interesses. II – Pode ser deliberada pela assembleia geral a outorga de procuração para a sociedade contestar a acção contra ela proposta por um gerente cuja assinatura é necessária para a obrigar.”</font> </p><p><font>Porém esta jurisprudência nada tem a ver com o caso “subjudice”.</font> </p><p><font>Aqui discute-se se as deliberações constantes do ponto 1 da Ordem de Trabalhos da Assembleia-Geral da Ré de 17 de Novembro de 2006, são ou não inválidas.</font> </p><p><font>As instâncias decidiram pela anulação.</font> </p><p><font>E entendemos que, parcialmente, bem.</font> </p><p><font>No tocante à invalidade das deliberações sociais, há que proceder ao “distinguo” entre o procedimento deliberativo – sucessão de actos, ou processo de formação, conducente a alcançar um efeito – e a deliberação em si mesma – conteúdo, ou mérito, do acto produzido pelo acto colegial.</font> </p><p><font>Ali encontram-se os vícios de procedimento que equivalem às nulidades processuais, enquanto que aqui estão os vícios de conteúdo, equiparáveis aos do mérito do acto jurídico. (cf. Dr. Pedro Maia, “Deliberações dos Sócios”, in “Estudos de Direito das Sociedades”, 186 e ss.: “No vício de procedimento o que está em causa é como se chegou a certa deliberação, seja qual for. No vício de conteúdo, aquilo que se sanciona é o que se deliberou, independentemente do modo por que se chegou a essa deliberação.”).</font> </p><p><font>Encontramos situação homóloga no Direito Administrativo onde, para o acto administrativo, o vício de forma se traduz, quer na preterição de formalidades essenciais (anteriores, contemporâneas e relativas à forma do próprio acto) quer na carência de forma legal. (cf., v.g., Prof. Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, I, 10.ª ed., 1480; Prof. Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, 1988, III, 301 a 303; Doutor Esteves de Oliveira, “Direito Administrativo”, I, 456/472), sendo que a violação de lei, o desvio de poder e o, hoje autonomizado, erro sobre os pressupostos, são vícios de conteúdo.</font> </p><p><font>No direito societário as deliberações de procedimento conduzem, como regra, à anulabilidade da deliberação, sendo excepções a cominação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais (respectivamente, assembleia-geral não convocada e voto escrito não expresso, por falta de convite para o formular).</font> </p><p><font>Fulmina-se, então, com a nulidade a deliberação tomada com aquelas preterições.</font> </p><p><font>Já outros vícios de procedimento – artigo 58.º do diploma citado – geram, tão-somente, a anulabilidade, que constitui o regime regra (Prof. Carneiro da Frada, “Deliberações Sociais Inválidas”, in “Novas Perspectivas do Direito Comercial”, 1988, 319).</font> </p><p><font>No tocante às deliberações de mérito (ou de conteúdo) serão nulas as que violem norma legal imperativa (tal como dispõe o artigo 294.º do Código Civil) ou ofendam os bons costumes ou preceitos de ordem pública (artigo 56.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código das Sociedades Comerciais).</font> </p><p><font>Aqui chegados pode passar-se à análise da situação concreta.</font> </p><p><font>3.2. De acordo com o pacto social da Ré a mesma tem uma gerência plural (artigo 5.º, n.º 3) vinculando-se “com a assinatura de dois gerentes ou de um gerente e de um procurador com poderes específicos para o acto.” (cf. os artigos 252.º, n.º 1 e 261.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais).</font> </p><p><font>Como acima se afirmou, e resulta da certidão do Registo Comercial, o gerente BB foi destituído da gerência em 10 de Outubro de 2006. </font> </p><p><font>Resulta ainda do mesmo documento – Ap. 2/2006 1010 – que o Autor fora destituído da gerência em 22 de Setembro de 2006.</font> </p><p><font>Em 18 de Outubro de 2006 – Ap. 1/2006 1019 – a gerente CC, foi, de igual modo, destituída do cargo.</font> </p><p><font>Estes gerentes tinham sido designados por deliberação de 2 de Janeiro de 1997 (Ap. 5 – 1980 0421).</font> </p><p><font>Porém, em 22 de Setembro de 2006 (Ap. 3/2006 1010) GG foi designado gerente em e, em 18 de Outubro de 2006, ( Ap. 2/2006 1019) HH foi designado para o mesmo cargo.</font> </p><p><font>Assim, e aquando da convocatória para a assembleia (em 2 de Novembro de 2006) o BB já não era gerente da Ré, sendo-os, então, sócios GG e HH, só estes sendo competentes para procederem àquela diligência “ex vi” do n.º 3 do artigo 248.º do Código das Sociedades Comerciais, norma imperativa (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1998 – JSTJ000 – 35499).</font> </p><p><font>Ocorreu um vício de procedimento que não sendo directamente inserível na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais por não ter ocorrido falta absoluta de convocação, vem previsto na 1.ª parte do seu n.º 2.</font> </p><p><font>É que, não tendo sido regularmente convocada por o aviso convocatório ter sido assinado por quem não tinha tal competência, essa omissão é, nos termos do n.º 2 daquele artigo 56.º equivalente à falta de convocação, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes, ou representados (n.º 1, alínea a)).</font> </p><p><font>Daí que não ocorra tal nulidade, já que não resulta dos autos a ausência ou não representação, de qualquer dos sócios (cf. n.º 7 do elenco factual), tendo mesmo votado contra as deliberações em crise o Autor, por si e em representação da sócia “N..., Sociedade Imobiliária, SA”, e os sócios CC e GG.</font> </p><p><font>Há portanto mera irregularidade na convocatória que não afecta as deliberações tomadas.</font> </p><p><font>3.3. Nos termos do n.º 1 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade, e ao abrigo dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-nos perante terceiros “não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberação dos sócios.”</font> </p><p><font>Tal acontece porque cabe aos gerentes administrar e representar a sociedade, podendo praticar todos os actos “necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios.” (artigo 259.º).</font> </p><p><font>No ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia (como se disse, irregularmente convocado) constam duas deliberações distintas: a) ratificação dos “actos praticados pelo sócio e gerente BB “nos processos n.º 656/06 e 622/06, a correram termos no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia”; b) conferir ao mesmo os poderes necessários para representar a sociedade em juízo naqueles processos e ainda no processo n.º 657/09, o correr termos no Tribunal de Trabalho de Barcelos.</font> </p><p><font>Da certidão do Registo Comercial junta apenas pode concluir-se que as duas primeiras lides foram instauradas pelo Autor contra a Ré, pedindo, a inexistência respectivamente das deliberações de 23 de Agosto de 2006 e de 2 de Outubro do mesmo ano. Nada consta quanto ao processo do Tribunal de Trabalho.</font> </p><p><font>Vejamos, agora, a validade de cada uma das deliberações.</font> </p><p><font>3.4. É sabido, e como acima já se afirmou, que a sociedade-Ré tem uma gerência plural e é representada, na sua gestão – “maxime” externamente – por ela, vinculando-se “com a assinatura de dois gerentes ou de um gerente e de um procurador com poderes especiais para o acto.”</font> </p><p><font>Fazendo apelo aos citados artigos 260.º, n.º 1 e 261.º do Código das Sociedades Comerciais pode concluir-se que a vinculação da sociedade, dentro dos limites que a lei confere aos gerentes, ocorre não obstante as restrições constantes do contrato social ou de deliberações dos sócios, sendo que nos casos de gerência plural o exercício dos poderes de gerência é conjunto, sem prejuízo de delegação de poderes interna, mas sempre a coberto de acto habilitante.</font> </p><p><font>A distribuição interna das competências dos órgãos sociais não pode, contudo, ser objecto de deliberação dos sócios.</font> </p><p><font>Assim, cumprindo aos gerentes representar e administrar a sociedade, terão de ter poderes para, nesse exercício, realizarem o objecto social.</font> </p><p><font>Mas só os actos de administração é que estão dependentes das deliberações dos sócios devendo os gerentes acatar/obedecer às suas ordens/instruções (artigo n.º 259.º do Código das Sociedades Comerciais), uma vez que, quanto à representação da sociedade perante terceiros, os poderes dos gerentes não podem ser limitados, quer pelo pacto social, quer por aquelas deliberações (cf., mais uma vez o citado n.º 1 do artigo 260.º).</font> </p><p><font>O Prof. Raul Ventura (in “Sociedades por Quotas”, III, 172) assim esclarece reportando-se àquela norma: “Por este preceito, os poderes representativos dos gerentes ficam imunes às restrições ou limitações que os sócios pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer posteriormente, por meio de deliberações.”</font> </p><p><font>Mas adverte, de seguida: “Enquanto a actuação dos gerentes não tem projecção externa, isto é, não contende com interesses de terceiros, os sócios – pelo contrato de sociedade ou por deliberações sociais – são donos e senhores da sociedade e como tais podem determinar o círculo dentro do qual os gerentes podem mover-se. Uma vez que os gerentes se apresentem perante terceiros como representantes da sociedade – que materialmente será parte no negócio – evita-se pela ilimitação dos poderes representativos, que aqueles fiquem sujeitos a restrições de representação, criadas pelos sócios no seu próprio interesse e cujo conhecimento pelos terceiros não é seguro.”</font> </p><p><font>Decorre, pois, do n.º 1 do artigo 252.º do Código das Sociedades Sociais que na gerência das sociedades por quotas têm de distinguir-se dois aspectos: o respeitante à gestão, ou administração na vertente interna e a que respeita à representação externa, sendo esta insusceptível de qualquer limitação. (cf., o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, apud “Teoria Geral do Direito Civil”, 6.ª ed., 337; v.g. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, CJ/STJ III, II, 1995, 49, também sumariado – 086467; e de 15 de Outubro de 1996, CJ/S.T.J, IV, III, 1996, 63, resumidamente sumariado 96B198, que julgou ser “nula a deliberação, que limite, ao nível de representação, os poderes dos sócios-gerentes de uma sociedade por quotas. (…) Isto porque, quanto aos actos de representação vigora o princípio da ilimitação dos poderes representativos dos gerentes, sendo irrelevantes as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.”; e, acolhendo este entendimento, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2008 – 08 A2239 – e de 13 de Maio de 2004 – P.º 1289/04-6).</font> </p><p><font>Deve, outrossim, ter-se presente que a soberania da assembleia-geral terá de ser limitada pelas competências próprios de outros órgãos societários.</font> </p><p><font>É, nos termos dos arestos citados – jurisprudência já “una voce sine discrepanti” – o n.º 1 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais é norma imperativa, de interesse e ordem pública, razão porque os poderes de representação dos gerentes não podem ser afastados, ainda que por vontade unânime dos sócios, sob pena de nulidade da respectiva deliberação – artigo 56.º, n.º 1, alínea d) do diploma citado.</font> </p><p><font>Apenas podem admitir-se orientações genéricas, procedimentos estratégicos de mercado, ou chamada de atenção para a conveniência de adopção de princípios mesmo em actos de administração concreta.</font> </p><p><font>Ademais, não pode esquecer-se, e como reforço argumentativo, que a redacção do citado n.º 1 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais deu acolhimento à primeira parte do artigo 9.º - 1.º da 2.ª Directiva da CEE.</font> </p><p><font>Do exposto resulta a nulidade da deliberação que retirando poderes aos gerentes confere a um terceiro (sócio) poderes para representar a sociedade em juízo em três acções pendentes, sendo duas nos Tribunais do Comércio de Vila Nova de Gaia e uma no Tribunal de Trabalho de Barcelos.</font> </p><p><font>3.5. Resta, finalmente, analisar a deliberação que ratifica os actos praticados pelo sócio (e gerente já destituído) nos dois primeiros processos.</font> </p><p><font>Ao assim deliberar, a assembleia reconheceu que o sócio agiu sem poderes de representação da sociedade, embora o tivesse feito no interesse e por conta daquela.</font> </p><p><font>À situação é aplicável o regime do artigo 268.º (cf. tb os artigos 464.º e 471.º) do Código Civil.</font> </p><p><font>Deixámos dito que a representação externa da sociedade – e também em Juízo- cumpre os gerentes. (nº1 do artigo 252º CSC).</font> </p><p><font>E a condução de uma acção intentada contra (ou pela) sociedade insere-se no âmbito dos seus poderes, sendo que, apenas no tocante às posições sobre mérito da causa (confessar, desistir, transigir) a gerência está dependente do deliberado pelos sócios.</font> </p><p><font> Porém, a ratificação de acto praticado pelo gerente sem poderes para tal, ou por sócio que não seja gerente, pode ser feita por outro(s) gerente(s) detentor de tais poderes, não dependendo, sempre de deliberação social.</font> </p><p><font>A assembleia-geral só tem poderes exclusivos para propor acções contra gerentes, sócios, ou membros do órgão de fiscalização, assim como nelas desistir ou transigir (artigo 246.º, n.º 1, alínea g) do Código das Sociedades Comerciais) pois o intentar de quaisquer outros, é da competência dos gerentes, como acto de administração ordinária, com efeitos externos.</font> </p><p><font>Ora, o instituto da ratificação implica, como acima se insinuou, que a pessoa realiza um negócio “como representante de outro mas sem ter os necessários poderes representativos – ou porque lhe faltam de todo poderes de representação ou porque age fora do limite dos poderes que detém – o negócio não produz o seu efeito em relação à pessoa indicada como dominus negotii.” (Prof. Rui de Alarcão, in “A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, 1971, 118).</font> </p><p><font>O dono terá, então, de aprovar o negócio concluído, pela via da ratificação, já que, como dispõe o n.º 1 do artigo 268.º do Código Civil, “o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.”</font> </p><p><font>O instituto da ratificação pressupõe o negócio realizado por alguém como representante de outrem sem ter os necessários poderes representativos, por falta absoluta ou por actuação fora dos poderes que detém.</font> </p><p><font>Então o negócio não produz efeitos em relação ao seu “dominus”, a não ser que este venha ulteriormente atribuir legitimidade representativa ao actuante (cf. também o artigo 269.º do Código Civil referente ao abuso de representação, que, no essencial, é equiparado à falta de poderes).</font> </p><p><font>Com alguma fronteira comum depara-se-nos a confirmação (cf. o artigo 288.º do Código Civil) no essencial consistente na renúncia de fazer valer a anulabilidade.</font> </p><p><font>Assim, enquanto a ratificação opera apenas na falta (ou abuso) de poderes de representação destinando-se a sanar uma ineficácia, a confirmação, como se disse, tem a montante uma anulabilidade. (cf. Prof. Rui de Alarcão, ob. cit., 119 e “Representação – exposição de motivos”, BMJ, 138 – 112; Dr.ª Helena Mota, “Do Abuso de Representação”, 2001, 144).</font> </p><p><font>Finalmente, a “pulcra quaestio” consistente em saber se os actos praticados num processo judicial por um gerente já destituído são ratificáveis pela gerência em funções ou pela assembleia-geral.</font> </p><p><font>Cremos, como acenàmos, que ambos o poderão fazer, dependendo do tipo de lide e dos actos processuais praticados.</font> </p><p><font>Tratando-se de acção cuja instauração e termo defende de deliberação dos sócios (artigo n.º 246.º, n.º 1, alínea g), do Código das Sociedades Comerciais) só a assembleia-geral pode ratificar os actos nela praticados. (cf. a exaustiva, e muito cuidada, exegese, do Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 6.ª ed., 337).</font> </p><p><font>Tratando-se de lide compreendida nos poderes de representação da gerência, há que proceder ao “distinguo”: ou o acto processual praticado sem poderes tem reflexos na
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1- No 8. Juízo Cível da Comarca de Lisboa, o A, instaurou acção de impugnação pauliana contra B e mulher C, como doadores e sua filha D, como donatária, de bens que indicou, atinente à declaração de ineficácia das doações em relação a si, sujeitando-se a Ré donatária a ter de lhe restituir do que recebeu por doação o que se mostrar necessário para integral satisfação do seu crédito.<br> Devidamente citados, os RR. não contestaram.<br> Julgando procedente a acção por sentença foram declaradas ineficazes as doações em apreço, devendo a<br> Ré D restituir o que recebeu por doação na medida em que se mostre necessário para a integral satisfação do crédito do A..<br> Em apelação o douto Ac. da Relação de Lisboa - fls. 316 a 320 - manteve o decidido com a declaração de que a própria ineficácia das doações se restringe à parte necessária para a satisfação do crédito do A..<br> Daí a presente revista.<br> 2- Nas suas alegações os RR. recorrentes concluem: a) Na acção pauliana, a sua procedência não importa a ineficácia do acto impugnado, que permanece perfeitamente válido b) Da procedência da acção decorre apenas para o credor o direito de poder executar, na medida do necessário à satisfação do seu crédito, os bens no património do terceiro adquirente c) O Ac. recorrido, restringindo a ineficácia das doações, revogou a sentença, pelo que não poderiam ser os recorrentes, na apelação, a suportar a totalidade das custas<br> Não houve contra alegação.<br> 4- O douto Ac. recorrido é nuclearmente atacado num<br> único ponto: ter decidido pela ineficácia das doações.<br> Para os recorrentes "o fim da lei basta-se com a simples "inoponibilidade" do acto em relação ao credor impugnante, não carecendo de ser declarado "ineficaz", já que a "inoponibilidade" não colide com a validade e eficácia do "acto" - alegações de fls. 334.<br> Nesta passagem, fundante da posição dos recorrentes, há uma certa nebulosidade conceitual.<br> É o que se vai procurar demonstrar e esclarecer.<br> 5- Hoje não há dúvidas quanto à natureza jurídica da impugnação pauliana, ou seja, quanto à determinação do seu regime, visando os efeitos jurídicos dela emergentes.<br> Não obstante tal, ainda o A., na primeira versão da sua petição inicial, concluía pedindo o decretamento da nulidade das doações em apreço.<br> Erradamente.<br> No artigo 1044 do Código Civil de 67 estipulava-se:<br> "Rescindindo o acto ou contrato, revertem os valores alienados ao cúmulo dos bens dos devedores, em benefício dos seus credores".<br> Perante esta redacção o Prof. M. Andrade - Teoria Geral das Obrigações, 1954-55, pág. 755 - qualificava a impugnação pauliana como acção anulatória e os Profs.<br> P. Lima e A. Varela, Noções Fundamentais, Vol. I, 6. edição, Pág. 359, como acção revogatória ou rescisória, por os bens regressarem ao património do devedor para efectivação da execução.<br> Orientação completamente diferente seguiu o Prof. V.<br> Serra no artigo 15 n. 2 do seu projecto - Bol. 75, Pág.<br> 401:<br> "Os bens não têm de sair do património do obrigado<br> à restituição, onde o credor poderá executá-los ou praticar os actos de conservação autorizados por lei aos credores".<br> Orientação que foi seguida pelo artigo 2901 do Código<br> Civil Italiano "o credor... pode pedir que sejam declarados ineficazes...".<br> E naturalmente pelo artigo 2902 "o credor, obtida a declaração de ineficácia, pode promover, em face dos terceiros adquirentes, as acções executivas ou conservatórias...".<br> Daí o nosso n. 1 do artigo 616 - a disposição chave para a apreciação da revista:<br> "Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei".<br> Daqui resulta:<br> - O acto sujeito à impugnação pauliana não tem nenhum vício genético<br> - É totalmente válido<br> - E eficaz: não há perca de disponibilidade<br> - Respondendo os bens transmitidos pelas dívidas do alienante, na medida do interesse do credor, após procedência da impugnação<br> - Mantendo-se o acto na sua pujança jurídica em tudo quanto exceda a medida daquele interesse;<br> Trata-se, pois, de uma acção declarativa desviante de dois princípios basilares do direito das obrigações: o da autonomia privada e o da responsabilidade patrimonial.<br> É uma acção pessoal, onde se faz valer apenas um direito de crédito do A..<br> Face ao prejuízo causado ao credor trata-se de "uma acção de responsabilidade ou indemnizatória, não podendo os bens ou direitos adquiridos pelo terceiro ser atingidos senão na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor impugnante" - Prof. H. Mesquita, Rev. Leg. Jup., ano<br> 128, Pág. 223.<br> Com todos aqueles assinalados desvios é, no fundo, uma acção independente, fundada directamente na lei, em face da equidade, razoabilidade, oportunidade e boa fé.<br> 6- Traçada a estrutura da impugnação pauliana, pergunta-se como caracterizar o enfraquecimento alienatório desenrolado no seu seio, traduzido no facto de os bens transmitidos responderem pelas dívidas do alienante tão somente na medida do interesse do credor impugnante.<br> Será uma ineficácia, como se decidiu?<br> Será uma inoponibilidade, como se pretende?<br> O Prof. M. Cordeiro - Parecer, Col. Jup. Ano XVII,<br> 1992, tomo III, Pág. 62 e 63, ensina: "Fala-se, assim, de uma ineficácia em relação ao credor, ineficácia essa que traduz a natureza meramente relativa ou creditícia do direito à restituição: apenas o impugnante a pode questionar; no entanto, se o fizer com êxito, todos os credores podem concorrer".<br> 7- É por todos sabido que a ineficácia "lato sensu" compreende todas as hipóteses em que, por causas intrínsecas ou extrínsecas, o negócio não deve produzir os efeitos que deveria.<br> Sendo a invalidade apenas a ineficácia que provém de uma falta ou irregularidade dos elementos internos - essenciais, formativos - do negócio.<br> Por isso a mera ineficácia autonomiza-se por a inviabilidade de produção dos efeitos não ter na sua origem factos que determinem a imperfeita génese do negócio, mas eventos extrínsecos: a impossibilidade absoluta da prestação, a alteração das circunstâncias que constituem a base do negócio, a não verificação de condição suspensiva, a verificação da condição resolutiva.<br> Agora, pressupostos, elementos e requisitos de validade existem concretamente, nas circunstâncias externas<br> àquelas opõem-se à praticabilidade do acto.<br> Ela pode ser originária se o negócio nasce desprovido de efeitos ou superveniente, a ocorrer em plena vivência de normalidade dos efeitos.<br> A falta de eficácia originária também pode resultar da falta de legitimidade do autor do negócio para o celebrar.<br> Por exemplo, a venda de coisa alheia - artigo 892 - é tratada como própria, como se o vendedor tivesse legitimidade para a efectivar, mas é considerada como nula, nas relações entre os contraentes, mas quanto ao verdadeiro titular do direito de propriedade sobre a coisa vendida, o negócio é ineficaz.<br> Paralelamente os actos do representante sem poderes ou praticados com abuso de representação são ineficazes quanto ao representado - artigos 268 n. 1 e 269.<br> Para além dos casos de suspensão de parte da obrigação, implicando a extinção da obrigação que lhe estava imanentemente ligada, que se projectam na revogação, resolução, denúncia e caducidade, como modalidades de ineficácia ainda temos:<br> - total e parcial, quanto aos efeitos abrangidos<br> - absoluta e relativa, quanto às pessoas a que respeita.<br> Ora é precisamente nestes aspectos de parcialidade e relatividade que surgem as figuras de inoponibilidade e de impugnabilidade.<br> 8- A inoponibilidade é uma situação de irrelevância jurídica perante certas pessoas.<br> Com a correlativa relevância para outras, certas e determinadas.<br> Desde Bastian, Essai d'une théorie génerale de l'inopossabilité, que a doutrina francesa e italiana tratam a impossibilidade como espécie de ineficácia - ver, para tanto, Frederico de Castro, El Negócio<br> Jurídico, no último capítulo sob a epigrafe "outros tipos de ineficácia".<br> De Castro, depois de assinalar as disposições legais que a consagram no Código Civil Espanhol, atribui-lhe um carácter mais geral, sempre que frente a um contraste de títulos haja entre eles uma relativa superioridade ou inferioridade.<br> No nosso direito o contrato, em princípio, só produz efeitos entre as partes.<br> Só produzirá efeito para com terceiros, quando a lei o preveja e nos seus precisos termos - n. 2 do artigo 406<br> (ver Dr. Rita Amaral Cabral, A Eficácia Externa das Obrigações).<br> A inoponibilidade surge, com maior projecção, a nível do registo - n. 1 do artigo 5 do Código de Registo<br> Predial "factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do registo".<br> Aqui afere-se a sua eficácia consolidativa ou enunciativa: o adquirente é titular de uma situação jurídica precária, enquanto não for apresentado o requerimento do registo - n. 1 do artigo 6.<br> De toda esta exposição resulta que a situação do A., visando o seu enquadramento no n. 1 do artigo 616 do<br> Código Civil, não se enquadra na pretendida figura de "inoponibilidade".<br> 9- Analisemos, agora, a impugnabilidade.<br> Ela é uma causa de ineficácia.<br> Fundamenta-se na existência de um facto que faz nascer um outro direito inconciliável com os direitos originados naquele acto jurídico, a impugnar.<br> Tendo em consideração um prejuízo emergente da prática do acto que se quer impugnar, prejuízo esse que fere interesses tutelados pelo direito.<br> Desta forma, através da impugnabilidade, impede-se a plena produção dos efeitos do acto.<br> Daí a impugnação só pode ser legitimada a pessoas determinadas, a favor das quais, precisamente, se constituiu o novo direito incompatível com a prática do acto e só dentro de certo prazo de caducidade.<br> É o que se passa, de pleno, na impugnação pauliana: verificados os requisitos - que aqui não se discutem - a lei impõe uma restituição à produção normal dos efeitos das doações em apreço, tudo de acordo com o comando do analisado no n. 1 do artigo 616.<br> Já assim ensinava o Dr. Cabral Moncada, Lições Vol. II,<br> Pág. 416, à luz do anterior Código Civil, Prof. Castro<br> Mendes, Lições de Direito Civil, 1968, Vol III, Pág.<br> 455 e Prof. Carvalho Fernandes, Teoria Geral, 2. ed.,<br> 1996, Vol. II, Pág. 426.<br> Semelhantemente se passa, por exemplo, com a redução de liberalidades inoficiosas por ofenderem a legítima dos herdeiros legitimários - artigos 2168 a 2174 do Código<br> Civil.<br> Impõe-se, desta forma, concluir que o interesse do A., credor impugnante, garantido pelo facto de os bens transmitidos pelos RR. alienantes responderam pelas dívidas destes perante si, mas só nessa medida, tutelado pela procedência da impugnabilidade das doações em apreço, justifica que a produção dos efeitos daquelas doações se restrinja à parte necessária para a satisfação daquele seu crédito.<br> Por isso as doações mantêm a sua plena pujança jurídica em tudo quanto exceda a medida daquele interesse.<br> Será, pois, menos correcto falar-se de "ineficácia", como se decidiu no douto Ac. recorrido.<br> A figura própria é a "impugnabilidade" que se apresenta como caso específico, frente ao assinalado hibridismo da "ineficácia".<br> Mas as consequências desta assinalada "impugnabilidade" são precisamente as mesmas da traçada "ineficácia" do douto Ac. recorrido.<br> Pelo que face à praticabilidade da decisão, ela terá de ser mantida.<br> 10- Dado que ali se restringiu a ineficácia das doações, tal implica revogação da sentença com a correlativa alteração de suporte das custas na apelação.<br> Desta forma não poderiam ser os então recorrentes a suportar a totalidade das custas.<br> Elas teriam de ser suportadas por recorrentes e recorrido na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.<br> 11- Termos em que se concede a revista quanto às custas de apelação que deverão ser suportadas por recorrentes e recorrido na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.<br> Em tudo o mais, com a correcção dogmática, que se trata da "impugnabilidade" e não de "ineficácia", se mantém o decidido.<br> Custas pelo recorrente e recorrido na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.<br> Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997.<br> Torres Paulo,<br> Ramiro Vidigal,<br> Cardona Ferreira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> 1- Na Comarca de Cascais A accionou sua irmã B, atinente a obter a declaração de anulação do testamento público que C, de nacionalidade espanhola, celebrou no 10.<br> Cartório Notarial de Lisboa, em 10 de Abril de 1987, fundamentando-se no facto de o testador se encontrar acidentalmente incapaz de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade e no facto de a disposição testamentária ter sido determinada por acção moral.<br> A ré impugnou.<br> Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente declarando nulo aquele testamento por omissão de formalidade essencial do testamento exigida pela lei competente, a espanhola, consistente em o notário fazer constar a sua apreciação acerca da capacidade legal do testador, facto levantado pelo A. nas suas alegações de direito.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação de Lisboa folhas<br> 400 a 404, revogando a sentença, julgou a acção improcedente.<br> Daí a presente revista.<br> 2- A A. recorrente nas suas alegações concluiu, resumidamente: a) Está em causa saber se a forma estabelecida no direito português é suficiente para validade formal do testamento dos autos ou se, pelo contrário, é relevante a omissão por parte do notário português da formalidade exigida pelos artigos 685 e 696 do Código Civil espanhol. b) Os artigos 685 e 696 do Código Civil espanhol, tendo a finalidade de acautelar a existência de capacidade do testador, são regras relativas à forma, constante da lei aplicável à substância, que apresentam uma relação particularmente estreita com esta última, pelo que são de aplicação imperativa, nos termos do artigo 65 n. 2 do Código Civil português, sob pena de nulidade do testamento. c) O facto de os artigos 685 e 696 do Código Civil espanhol não estabelecerem expressamente o seu âmbito de aplicação espacial não permite concluir que estas normas só pretendem aplicar-se aos testamentos celebrados em Espanha. d) Esse âmbito de aplicação espacial resulta determinado no artigo 11 n. 2 do Código Civil espanhol, que estabelece que se a lei reguladora dos actos exigir para a sua validade determinada forma ou solenidade, será sempre aplicada, inclusive no caso de os mesmos serem outorgados no estrangeiro. e) A lei espanhola comina com a nulidade a preterição de exigência dos artigos 685 e 696 do Código Civil espanhol (artigos 687 e 705). f) As previsões e estatuições dos artigos 734 e 11 n. 3 do Código Civil espanhol não se confundem com a do artigo 11 n. 2, do mesmo diploma. g) As primeiras regulam as situações em que os cidadãos espanhóis, testando no estrangeiro, pretendem submeter-se à lei espanhola, casos em que, serão aplicáveis todas as formalidades dessa lei. h) A segunda regula os casos em que os cidadãos espanhóis, testando no estrangeiro, se submetem à lei do país em que testam, caso em que só são aplicáveis as formalidades da lei espanhola cuja inobservância afecte a validade do acto. i) O Acórdão recorrido erra ao considerar inaplicável a norma do n. 2 artigo 65 do Código Civil Português. j) A exigência da Lei espanhola de que o notário se certifique da capacidade do testador e o faça constar expressamente é aplicável ao testamento de C, sob pena de nulidade.<br> A Ré contra alegou, pugnando pela sua manutenção.<br> 3- Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4- Está provado pela Relação: a) C era um cidadão de nacionalidade espanhola, separado judicialmente de pessoas e bens de D - Doc. folhas 282 e 283 - 284. b) Faleceu no dia 8 de Agosto de 1987, na sua residência sita em Lisboa, Rua ... - Doc. folha 282. c) Tinha duas filhas: a ora A., nascida em 10 de Dezembro de 1948 e a Ré B, nascida em 13 de<br> Janeiro de 1952 - Doc. de folhas 280 e 281. d) Foi judicialmente interdito por sentença de 25 de Maio de 1983 em processo no qual foi requerente sua filha D, ora Ré - Doc. de folhas 277, 279. e) Aquando da sentença de interdição, foi nomeada tutora do mesmo C, sua filha A, ora A., a mais velha - Doc. de folhas 277, 279. f) A interdição foi então decretada a título definitivo<br> - Doc. de folhas 277 a 279. g) Com fundamento em anomalia psíquica clinicamente caracterizada como demência arteriosclerótica progressiva, com atrofia cortical - Doc de folhas 277 a<br> 279 e alínea G esp. h) Sendo-lhe atribuído um carácter irreversível - Doc. de folhas 277 a 279. i) Por sentença de 24 de Março de 1987, proferida em processo que já se encontra findo, foi levantada a interdição de C - Doc. de folhas<br> 245 a 248. j) Por testamento de 7 de Abril de 1987 o mesmo C instituiu herdeiro de tudo o que pudesse dispor à hora da sua morte sua filha B (Doc. de folhas 283 e 284). l) Este testamento foi feito perante o notário, que dele não fez constar que o testador se achava com capacidade legal necessária para testar e a sua outorga teve lugar no 10. Cartório Notarial de Lisboa (Doc. de folhas 283 e 284)<br> 5- No caso em apreço o notário não declarou expressamente no testamento que em sua opinião o testador tinha a capacidade legal para testar.<br> Importa saber se a forma estabelecida no direito português é suficiente para a validade deste testamento ou se, pelo contrário, é relevante aquela omissão de formalidades reputadas essenciais pelo direito espanhol, sob pena de nulidade-tese do recorrente.<br> A norma de conflitos aplicável é o artigo 65 do Código<br> Civil português.<br> É sabido que a qualificação é a operação pela qual se procura definir o tipo ou categoria jurídica que a norma contempla.<br> No direito material a qualificação faz-se para se procurar determinar, de entre as várias normas, qual é aquela que estabelece o regime ou disciplina jurídica do acto facto, que temos presente.<br> No D.I.P. a qualificação realiza-se para procurar determinar unicamente qual a Ordem Jurídica competente para se aplicar aquele tipo, categoria ou classe a que a norma de conflitos se reporta.<br> Aqui, o facto revestido de elementos de extraneidade será disciplinado juridicamente perante duas ordens de qualificação:<br> - a qualificação do tipo ou categoria jurídica visada pela norma do D.I.P., visando a determinação da ordem jurídica competente<br> - seguido de qualificação à face do próprio direito material da ordem jurídica já determinada.<br> As regras de conflito servem, assim, para eleger, de entre as diferentes leis em conflito, a lei aplicável.<br> Resolvem um conflito de leis.<br> Do mencionado n. 1 do artigo 65 do Código Civil português, que trata da forma das disposições por morte, resulta que ele estabelece uma conexão - um dos requisitos para permitir a eleição de uma lei de entre as várias em contacto com a situação-alternativa: o testamento será válido se corresponder às prescrições de uma qualquer das quatro leis aí mencionadas:<br> - a lei do lugar onde o acto for celebrado;<br> - a lei pessoal do autor da herança no momento da morte;<br> - lei pessoal do autor da herança no momento da declaração;<br> - a lei para que remeta a norma de conflitos da lei local;<br> Trata-se de uma manifestação da ideia de favor testamento, tendente a favorecer a validade formal das disposições por morte, em face do princípio "ut res magis valeat quam pereat".<br> Vem já do artigo 20 do Anteprojecto de autoria<br> Professor Ferrer Correia, Bol. 24, páginas 36 a 39, que aqui se orientou pela lei federal Suíça de 1891, do artigo 58 do Anteprojecto daquele professor, agora com a colaboração do Doutor Baptista Machado, Bol. 136, página 46 e dos artigos 65 da 2. Revisão ministerial e do projecto definitivo.<br> Como se disse estamos perante uma conexão plúrima alternativa: era quase preferível a utilização de um critério único para a designação do direito aplicável -<br> Rev. Leg. Jur. ano 120, página 34.<br> O n. 1 artigo 65 considero, pois, aplicável a lei portuguesa.<br> Testamento é o negócio unilateral pelo qual alguém procede a disposição de última vontade.<br> Deve obedecer a uma forma solene.<br> "Estão assim banidos da ordem jurídica portuguesa formas históricas de testamento, que por vezes ainda surgem em ordens jurídicas estrangeiras. É o caso do testamento meramente verbal; e é ainda, e sobretudo, o caso do testamento hológrafo, ou seja, do testamento escrito e porventura datado e assinado pelo testador, sem observância de qualquer outra formalidade" - Professor Oliveira Ascensão,<br> Sucessões, 1981, página 75.<br> A nossa lei distingue formas comuns e formas especiais de testamento.<br> Naquelas encontramos - artigo 2204 - o público definido no artigo, 2205 e o cerrado, no artigo 2206.<br> Público é o escrito por notário no seu livro de notas.<br> Cerrado o escrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ou escrito por outra pessoa a rogo do testador e por este assinado e submetido às formalidades da lei.<br> Compete ao notário lavrar os testamentos públicos, artigo 5 n. 1 alínea a) do Código do Notariado.<br> No livro de notas - artigo 52 n. 1.<br> Manuscritos a preto e com grafia de fácil leitura - n.<br> 1 artigo 54.<br> Redigidos com a necessária correcção, em termos quanto possível claros e precisos - n. 1 artigo 58.<br> Em linguagem que melhor traduza a vontade das partes - n. 2 do artigo 58.<br> Mencionando essencialmente os nomes completos dos pais do testador - n. 5 artigo 63.<br> O testamento público é, pois, um documento autêntico extra-oficial que fica lavrado nas notas; mas o seu formalismo específico saiu do Código Civil e é tratado, como assinalámos, no Código do Notariado.<br> Contrariamente o Código Civil de 1867, artigos 1912 a<br> 1917, continha - normas onde estavam inseridas as formalidades previstas para o testamento público.<br> E no artigo 1918 preceituava "Todas estas formalidades serão praticadas em acto contínuo, e o tabelião portará por fé, como todas foram cumpridas".<br> Sendo certo que o artigo 1913 exigia que o notário e as testemunhas verificassem se o testador "está em seu perfeito juízo e livre de toda e qualquer coacção".<br> Artigo revogado pelo Código do Notariado de 1931 que no artigo 92 n. 2 impunha ao notário o dever de recusar a sua colaboração "se tiver dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais do testador".<br> Semelhantemente logo, com maior amplitude.<br> No Estado de Direito em que vivemos o notário deve pautar o seu comportamento "com observância da lei, quer quanto à forma do instrumento, quer quanto à forma do negócio, conduzindo as partes com vista a que a sua vontade se ajuste à lei substantiva aplicável" -<br> Sampaio Beja, Cod. Not. anotado, 1984, página 234.<br> É assim que deve recusar a prática do acto que lhe seja requisitado se tiver dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos outorgantes - n. 1 alínea a) artigo 190 do Código do Notariado.<br> Dúvidas que deixam de constituir fundamentos de recusa, se no acto intervierem dois peritos médicos que garantam a sanidade mental dos outorgantes - n. 2 artigo 190.<br> Nesta acção pretende-se obter a declaração de anulação.<br> Ora aqui não pode ser recusado a intervenção do notário<br> - n. 1 artigo 191.<br> Mas ele deve advertir da existência do vício e consignar no instrumento a advertência que haja feito - n. 2 artigo 191.<br> Forma e formalidades foram cumpridas à face da lei portuguesa.<br> Para fechar o quadro legal diremos que os testamentos especiais admitidos pelo nosso código são: militar,<br> (público e cerrado), marítimo, aéreo e o efeito em caso de calamidade pública.<br> Aqui não incluimos o feito por português - em país estrangeiro - artigo 2223 - por não ser uma forma especial de testamento, mas sim uma restrição do funcionamento normal da regra D.I.P.<br> 6- A sentença da 1. instância apoiou-se no n. 2 artigo<br> 65 do Código Civil português.<br> Assim, se a lei pessoal do autor da herança, a espanhola - artigo 31 n. 1 - no momento de declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma ainda que o acto seja praticado no estrangeiro - agora Portugal - deve na forma ser observada.<br> Por isso a sentença procurou no direito espanhol discutir se existe tal norma.<br> E perante os artigos 694, 685 e 696 do Código Civil espanhol concluiu que no testamento dos autos - público em Portugal e "abierto" em Espanha - deveria ter-se assegurado que, segundo o seu juízo, o testador tinha a necessária capacidade legal para testar, mencionando tal constatação no próprio testamento.<br> E faltando, como faltou, esta formalidade e testamento seria nulo face ao estatuído no artigo 687.<br> 7- O Código Civil espanhol trata das sucessões no seu<br> Título III; no capítulo I dos testamentos e na secção primeira da capacidade para dispor por testamento - artigos 662 a 666 -, para na secção segunda abordar a forma dos testamentos.<br> Classifica os testamentos em comuns e especiais - 1. parte do artigo 676, podendo aquele ser hológrafo, abierto ou cerrado - 2. parte.<br> Os especiais são o militar, o marítimo e o feito em país estrangeiro - artigo 677. interessa-nos só o "abierto", objecto da secção quinta.<br> Da conjugação dos artigos 694 e 679, Espin define-o como o outorgado diante do notário e três testemunhas, onde o testador manifesta a sua última vontade na presença daquelas pessoas, que ficam inteiradas do que ele dispõe - José Puiz Brutan, fundamentos Direito<br> Civil, Tomo V, 2. edição, volume II, página 69.<br> O Código Civil espanhol dedica-lhe os artigos 694 a 705.<br> Neles se inserem as formalidades que ornamentam esta forma de testamento, à semelhança do novo Código Civil de 1967 e ao arrepio do actual, onde tal matéria é só tratada no Código do Notariado, como vimos.<br> De entre as formalidades realça-se - por nos interessar agora directamente o facto de o notário fazer constar que em seu entender o testador tem capacidade legar necessária para outorgar o testamento - 2. parte do artigo 696.<br> Por seu turno o artigo 687 preceitua que será nulo o testamento em cuja outorga não se tenham observado as formalidades respectivamente estabelecidas neste capítulo.<br> 8- Daqui resulta com toda a clareza que ambas as legislações portuguesa e espanhola separam e distinguem formas e formalidades de testamento público ou "abierto".<br> De tal facto não se apercebeu a sentença.<br> Não obstante a clareza da situação é bom ler a actual doutrina mais representativa em Espanha sobre tal, para confirmação plena da distinção entre forma e formalidades.<br> - Professor José Caperochipi - Luiso de derecho hereditário, Editorial Civistas, 1990, páginas 258 a 262.<br> Abordemos as formas ou classes de testamentos, onde discute onde se deverá situar o hológrafo, a propósito da forma ou classe testamento "abierto" trata do "ritualismo" da outorga deste, surpreendendo os seguintes momentos: a) Expressão informal da vontade do testador perante o notário, que pode ser oral ou escrita; b) redacção do testamento pelo notário; c) outorga, propriamente dita, onde constate.<br> 1- exigência da unidade do acto e referência ao lugar, ano, mês, dia e hora;<br> 2- leitura do notário perante o testador e três testemunhas;<br> 3- conformidade expressa do testador à redacção do notário;<br> 4- assinatura do testador e testemunhas;<br> 5- fé notarial do cumprimento das formalidades, da capacidade legal do testador e de conhecer o testador ou a das testemunhas de o conhecer.<br> José Brutan, ob. cit., páginas 70 e seguintes trata aqueles "ritualismo" como "requisitos", subdividindo-os em subjectivos (intervenção do notário e testemunhas) e objectivos (correspondentes às fases de preparação, outorga e conservação do testamento), onde fora, evidentemente, o expresso atestar pelo notário da capacidade legal do testador.<br> E a página 84 afirma que os autores entendem que será suficiente que o notário dê fé genericamente de que foram cumpridas todas as formalidades.<br> Mas logo acrescenta que, no entanto, é, indispensável que a fé notarial compreenda três casos: a) que o testador tenha capacidade legal necessária no entender do notário e das testemunhas instrumentais; b) que o testador ou alguma das testemunhas instrumentais declarem que não sabem ou não podem assinar; c) que o notário conheca o testador ou as testemunhas conheçam.<br> Segundo Roca Sastre y Molina Yuyol - Jurisprudência<br> Registral, Barcelona, 1953, tomo VII, página 160 não é necessário o uso das palavras "dou fé"; elas poderão ser substituídas por outras que signifiquem o gozo dos beneficiários de fé pública.<br> Tal declaração representa uma garantia e estabelece uma presunção positiva.<br> Finalmente Professor José Luís Berdejo e Francisco<br> Rehellide, Derecho de sucessiones, Boch, Barcelona,<br> 1988, página 229 abordam o problema sob a rubrica 190 - formalidades: usam a expressão legal.<br> Nelas incluem: a) notário e testemunhas; b) outorga: manifestação, leitura e subscrição, expressão de circunstâncias e declaração de fé; c) requisito de unidade do acto.<br> 9- O douto Acórdão recorrido segue todo o trajecto percorrido pela sentença mas acaba por se afastar dela, levando-o à revogação, quando afirma que em relação ao testamento feito por um cidadão espanhol no estrangeiro, o Código Civil espanhol - artigo 732 - mando-o sujeitar-se às formas estabelecidas pela lei do país em que se encontre.<br> Pois se o espanhol se quiser sujeitar à lei espanhola deverá actuar conforme estipula o artigo 734:<br> "ante el Agente diplomático e consular de Espana residente en el lugar del otorgaviente".<br> E assim concluiu "é válido o testamento de onde não conste tal formalidade", página 404.<br> 10- Não é correcto este raciocínio.<br> Primeiro porque, à semelhança da sentença, continua a confundir: forma e formalidades.<br> O n. 2 do artigo 65 fala de forma e não de formalidades.<br> O que é evidente.<br> No ensinamento do Dr. Baptista Machado - Lições D.I.P.,<br> 2. edição, Coimbra, 1982, página 451" entendendo-se a disposição que, em tais circunstâncias, exige a observação duma determinada forma, ao mesmo tempo que<br> é, sem dúvida, uma prescrição de forma, pretende também acautelar um adequado processo de formação de vontade que deve valer como a última".<br> Neste acautelar de um adequado processo de formação de<br> última vontade está uma realidade substancial preponderante. Nunca por nunca uma exigência em face de uma formalidade.<br> É caricato perguntar-se qual a relevância de formalismo diferenciado: em Portugal exige-se a presença de duas testemunhas instrumentárias - n. 3 artigo 81 do Código<br> Notariado e em Espanha três ou cinco conforme os casos.<br> Em segundo lugar o douto Acórdão argumenta como uma forma especial de testamento, previsto na secção nona<br> "testamento feito em país estrangeiro", que não é a forma comum de testamento "abierto", hipótese em questão, prevista no n. 2 do artigo 11: determinada forma.<br> 11- Concluindo:<br> Frente à norma aplicável - artigo 65 do Código Civil português - procurámos encontrar na lei espanhola disposição que ferisse de nulidade ou ineficácia a observância de determinada forma relativamente ao testamento outorgado pelo cidadão espanhol C, em Portugal, no 10. Cartório Notarial.<br> Em vão.<br> Há equivalência de forma entre o testamento público português, em análise nos autos, e o testamento<br> "abierto" espanhol.<br> Há realmente, entre eles, diferenças de formalidades, sendo quanto a elas o direito espanhol mais exigente.<br> Mas tais diferenças estão fora de âmbito do n. 2 artigo 65.<br> A situação prevista neste n. 2 artigo 65 "só existia relativamente ao art. 669 do Código Civil Espanhol que proibia o testamento de mão comum e isto por força do artigo 733 absolutamente inequívoco no sentido de impedir que os espanhóis celebrem tal testamento, mesmo num país estrangeiro onde ele seja admitido" -<br> Professor Marques dos Santos, parecer junto aos autos e publicado na C.J. - Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo<br> II, 1995, página 4 a 10.<br> O nosso artigo 2223 cabe no âmbito do n. 2 do artigo 65.<br> Um português que teste no estrangeiro fica sujeito às regras do direito português, logo que o faça perante autoridade consular competente.<br> Se quiser ficar submetido à lei do lugar onde outorga terá que observar-se o estatuído no artigo 2223: só produz efeitos em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação.<br> É norma de D.I.P., desviante da regra do n. 1 artigo<br> 65, mas que, por isso, cai no n. 2 onde se estabelece uma conexão especial, de carácter bilateral favorecendo a lei patrial do de cuius, no momento da declaração.<br> Embora por fundamentos completamente diversos conclui-se como no Acórdão recorrido e o testamento em questão é válido.<br> Válido, em face da lei portuguesa, que é a aplicável.<br> 12- Termos em que se nega a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 9 de Janeiro de 1996.<br> Torres Paulo,<br> Ramiro Vidigal,<br> Oliveira Branquinho.</font>
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