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kDL0u4YBgYBz1XKvQmGm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>PROCESSO Nº 3127/00<br>
<br>
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. A, intentou acção declarativa, com processo ordinário, em 7 de Julho de 1998, no Tribunal de Círculo de Braga, contra B, C, D e E, pedindo, com fundamento na inobservância do disposto no nº 3 do artigo 410º do Código Civil, a declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda do "direito e acção à herança" por óbito do F e mulher, G - cujo "acervo hereditário das pessoas" referidas é composto pelo "prédio urbano" e pelo "prédio rústico" que nele identificaram -, titulado por escrito de 11 de Maio de 1993, celebrado entre o Autor (como promitente comprador) e os Réus (como promitentes vendedores), e a consequente condenação dos Réus na restituição da quantia de 4000000 escudos (sinal passado), acrescida de juros desde a citação.<br>
2. Os Réus contestaram, defendendo a validade do contrato-promessa e a improcedência da acção.<br>
Após réplica, foi proferido saneador-sentença, em 7 de Abril de 1999, a julgar a acção improcedente.<br>
Para tanto, sustentou-se que os Réus prometeram vender "o direito e acção às heranças por óbito das pessoas referidas no contrato" - e não os imóveis que os integram -, pelo que, sendo inaplicável a norma do nº 3 do artigo 410º do Código Civil, o contrato-promessa era válido.<br>
3. Inconformado, o Autor apelou.<br>
Sem êxito, contudo, pois a Relação do Porto, por Acórdão de 2 de Maio de 2000, manteve o sentenciado.<br>
Ainda irresignado, o Autor recorreu da revista, insistindo nos seus antecedentes pontos de vista e pugnando pela revogação desse Acórdão, por interpretação errada do nº 3 do artigo 410º, em conjugação com os artigos 2124º e 2126º, todos do Código Civil.<br>
Em contra-alegações, os Réus bateram-se pela confirmação do julgado.<br>
<br>
Foram colhidos os vistos.<div></div>4. Não tendo sido impugnada a matéria de facto reputada assente pela Relação, nem havendo lugar à sua alteração, remete-se para o aí decidido quanto a tal aspecto, ao abrigo do preceituado nos artigos 713º nº 6 e 726º do Código de Processo Civil.<br>
Assim, a questão - única - a dilucidar no âmbito do presente recurso é esta:<br>
O contrato-promessa de compra e venda do direito e acção a herança, integrada por bens imóveis - prédio urbano e prédio rústico discriminados no contrato -, está sujeita aos requisitos de forma enunciados no nº 3 do artigo 410º do Código Civil?<br>
Respondemos, desde já, negativamente.<br>
Vejamos.<br>
5. Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados; nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer uma quota-parte em cada um deles.<br>
Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão-só, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.<br>
Dito de outro modo, antes da partilha, aos herdeiros cabe apenas um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito hereditário se concretizará, bem podendo tais bens ficar a pertencer só a alguns ou a um, sendo os demais compensados com tornas.<br>
Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.<br>
Com efeito, a partilha "extingue o património autónomo de herança indivisa", retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (artigo 2119º do Código Civil).<br>
O que significa que, com a partilha, cada um dos herdeiros passa a ser considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, como resulta expressamente do apontado dispositivo.<br>
A partilha, por conseguinte, "converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo" (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", volume III, 2ª edição, páginas 347/348, e volume VI, páginas 195/196 e 203; Pereira Coelho, "Direito das Sucessões", 4ª edição, 1970, páginas 71/72; Capelo de Sousa, "Lições de Direito das Sucessões", volume II, 2ª edição, páginas 90/92, 99 e 126; e Acórdão deste Supremo de 26 de Janeiro de 1999, Recurso nº 1214/98-1ª, de que foi relator o do presente).<br>
6. O regime geral, digamos, do contrato-promessa encontra-se definido nos nºs 1 e 2 do artigo 410º do Código Civil.<br>
Esse nº 1 dispõe que "à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa".<br>
E o nº 2 acrescenta que "a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral".<br>
Simplesmente, quanto à "promessa relativa à celebração do contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir", o legislador veio estabelecer no nº 3 do referido preceito requisitos especiais, inerentes à forma externa, exigindo que o documento que titula o contrato-promessa contenha o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção.<br>
O aditamento do nº 3 do artigo 410º do Código Civil, operado pelo Decreto-Lei nº 236/80, de 18 de Julho (posteriormente reformulado pelo Decreto-Lei nº 379/86, de 11 de Novembro), mereceu esta justificação no preâmbulo daquele Diploma:<br>
"(...) como primeira medida destinada não só a dar mais solenidade ao contrato mas também a impedir que, sem conhecimento do promitente-comprador, possam ser objecto de promessa de venda prédios de construção clandestina, exige-se o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes no respectivo documento e que neste o notário certifique a existência de licença de construção do prédio (...)".<br>
Quer dizer, o legislador entendeu conveniente rodear de cuidados especiais a celebração dos contratos-promessa discriminados no nº 3, impondo uma maior solenidade, "considerando a projecção social dos contratos prometidos".<br>
Com as exigências quer do reconhecimento presencial das assinaturas quer da certificação notarial da licença de utilização ou de construção, pretendeu-se, em primeira linha, "a protecção dos meros particulares adquirentes de direitos reais sobre edifícios ou fracções autónomas destes", reconduzindo tal disciplina "ao âmbito do direito de defesa do consumidor".<br>
Todavia, "enquanto a finalidade do reconhecimento presencial se esgota aí, o escopo da aludida certificação do notário vai mais longe: trata-se, ainda, posto que lateralmente, da protecção do interesse público que reclama o combate à construção clandestina" (cfr. Almeida Costa, "Contrato-Promessa - uma síntese do regime vigente", 6ª edição, 1999, páginas 31/32 e 36; e Antunes Varela, "Sobre o Contrato-Promessa", 2ª edição, 1988, página 39).<br>
7. Na situação ajuizada, não estamos perante "promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir", reportada no nº 3 do artigo 410º.<br>
Estamos, isso sim, diante de um contrato-promessa de compra e venda do direito e acção às heranças abertas por óbito de F e de G.<br>
E nem sequer em face de um contrato-promessa de compra e venda dos bens imóveis - prédio urbano e, acentue-se, prédio rústico - que integram tais heranças.<br>
Ora, estando excluído do âmbito da previsão normativa do nº 3 do artigo 410º, atento o seu escopo, o contrato-promessa de compra e venda do direito e acção a herança, a inaplicabilidade desse preceito ao caso em apreço é incontroversa.<br>
8. Sublinhe-se, a terminar, que os artigos 2124º e 2126º do Código Civil, invocados pelo Autor, nunca poderiam abonar a tese que intenta fazer vingar.<br>
Com efeito, quanto à forma externa da alienação da herança ou de quinhão hereditário importa distinguir o caso em que a herança ou o quinhão contêm apenas coisas móveis daquele em que na herança ou no quinhão existem bens imóveis.<br>
Na primeira situação, a alienação da herança ou do quinhão hereditário deve custar de documento particular. Na segunda, a alienação terá de ser efectuada por escritura pública (artigo 2126º nºs 1 e 2).<br>
Daqui resulta que, por imperativo do nº 2 do artigo 410º, o correspondente contra-promessa de alienação só valerá se constar de documento assinado pelas partes (quer na herança ou no quinhão existam bens imóveis ou só móveis).<br>
Mas isso não significa a sua sujeição aos requisitos contemplados no nº 3 do mesmo preceito.<br>
9. Consequentemente, nega-se a revista, condenando-se o Recorrente nas custas.<br>
<br>
Lisboa, 21 de Novembro de 2000.<br>
<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça,<br>
Armando Lourenço.<br>
<br>
1º Juízo do Tribunal Judicial de Braga - Processo nº 166/98.<br>
Tribunal da Relação do Porto - Processo nº 1101/99 - 2ª Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OzLtu4YBgYBz1XKvFFoq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>Em processo de regulação do poder paternal relativo ao menor A, filho de B e de C, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Família de Lisboa ficou estabelecido, por acordo homologado judicialmente em 15/4/93, que o pai prestaria uma pensão de alimentos ao menor no montante de 10.000$00 mensais, a aumentar anualmente, com início em 1994, na percentagem do aumento do vencimento daquele.</font><br>
<font>Na sequência de requerimento da mãe do menor foi instaurado em Fevereiro de 2000 um incidente de incumprimento fundado em que o requerido, que só pagava ainda 12.000$00 mensais, estava a fazer serviço na Alemanha durante três anos ganhando 800.000$00 ou mais.</font><br>
<font>O requerido respondeu no sentido de que, estando a prestar serviço na Alemanha, recebe um abono de representação NATO destinado a fazer face ao aumento de despesas que a sua missão implica e que não pode, em seu entender, ser considerado vencimento, afirmando ainda estar disposto a passar a pagar uma pensão entre 20.000$00 e 25.000$00 mensais.</font><br>
<font>Foi proferido despacho que deu como provado o seguinte:</font><br>
<font>1. Em Janeiro dos anos de 1994 a 2000 o requerido teve aumentos de vencimento nos montantes de 3%, 4%, 4,25%, 3%, 2,75%, 3% e 2,5%, respectivamente;</font><br>
<font>2. O requerido aumentou a pensão de acordo com essas percentagens, pagando em 2000 a mensalidade de 13.225$00;</font><br>
<font>3. A partir de 1/10/99 o requerido passou a auferir um abono de representação NATO no valor líquido de 909.809$00 mensais.</font><br>
<br>
<font>E aí se decidiu que, devendo ser levado em linha de conta, para além do vencimento propriamente dito, o quantitativo daquele abono, ficava a pensão aumentada para 55.996$00 mensais, actualizada de acordo com a percentagem do aumento recebido em Janeiro de 2000.</font><br>
<br>
<font>Em agravo em 1ª instância interposto pelo requerido veio a Relação de Lisboa a proferir acórdão que confirmou o assim decidido.</font><br>
<br>
<font>Ainda inconformado, o requerido voltou a agravar, agora para este STJ, apresentando alegações em que pediu a revogação daquele acórdão.</font><br>
<font>Nas respectivas conclusões defendeu as seguintes ideias essenciais:</font><br>
<font>1. Considerar o abono de representação NATO, destinado a compensar despesas ocasionadas pela deslocação em serviço, como integrante do vencimento viola os arts. 82º e 87º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho;</font><br>
<font>2. Ainda que fosse retribuição, não aumentou a capacidade económica do agravante.</font><br>
<br>
<font>Não houve contra-alegações.</font><br>
<br>
<font>O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto neste STJ opinou no sentido de não ser de conhecer do recurso por aplicação do art. 1411º, nº 2 do CPC.</font><br>
<font>Em resposta o agravante sustentou a falta de razão do proposto, por a decisão recorrida não ter assentado em razões de oportunidade ou conveniência.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>*</font><br>
<br>
<font>O já citado art. 1411º, nº 2 preceitua que não há recurso para o STJ quanto a resoluções proferidas segundo critérios de oportunidade ou conveniência em processos de jurisdição voluntária.</font><br>
<font> Os processos de regulação do poder paternal têm esta natureza – cfr. art. 150º da OTM.</font><br>
<font>Como se disse atrás, estamos no âmbito de um incidente de incumprimento a que alude o art. 181º deste diploma.</font><br>
<font>Está em causa a interpretação do acordo homologado judicialmente que atrás se referiu.</font><br>
<font>Saber se o agravante cumpriu aquilo a que está obrigado não pode ser feito, como a própria expressão “obrigação” inculca, com critérios daquela natureza.</font><br>
<font>Nem o foi, já que as instâncias se moveram na área da interpretação daquele acordo e da determinação da noção de vencimento a considerar para o efeito, o que releva de critérios de direito estrito.</font><br>
<br>
<font>Assim, considera-se que é de conhecer do recurso, desatendendo-se a questão prévia levantada em sentido contrário.</font><br>
<br>
<font>*</font><br>
<br>
<font>O agravante, como consta dos autos, é primeiro sargento da Força Aérea.</font><br>
<font>Dada a natureza do seu vínculo ao Estado, não são aqui aplicáveis os arts. 82º e 87º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.</font><br>
<br>
<font>Segundo o teor do acordo que vincula o agravante a pagar ao seu filho menor João Paulo uma pensão de alimentos, esta pensão seria aumentada anualmente em percentagem idêntica ao aumento do seu vencimento.</font><br>
<font>Em princípio idónea para acolher no seu âmbito o habitual aumento anual concedido à função pública, aquela formulação é-o igualmente para abranger um qualquer outro aumento de retribuição ocorrida a favor do funcionário, como tal se devendo entender o resultante de progressão na carreira e também qualquer outro novo abono que tiver carácter regular, e não puramente ocasional.</font><br>
<font>O abono de representação NATO, que se rege pelo despacho conjunto nº A-220/86-X, proferido em 16/9/86 pelos Ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, nos autos a fls. 47-50, compõe-se de um abono de base e de abonos complementares para dependentes, para educação, para habitação e para representação.</font><br>
<font>Pelo seu conteúdo ele destina-se, não apenas a compensar despesas com a deslocação do agravante para a Alemanha, mas as próprias despesas correntes deste e do seu agregado familiar durante todo o período em causa, período este que, como consta da informação prestada pela Força Aérea a fls. 18, se prolongará até 30/9/02 – só por evidente lapso aí se fala em 31/9.</font><br>
<font>Despesas correntes estas que, por sua natureza, deixaram de, na sua maioria, ser suportadas também em Portugal assim o refere o próprio agravante na resposta que ofereceu contra o requerimento inicial do incidente, já que apenas exceptuou a despesa com a residência que aqui mantém , assim libertando de encargos o que continua a receber do Estado a título de vencimento propriamente dito.</font><br>
<font>Recorrendo aqui – tal como se fez já no acórdão recorrido – a noções colhidas em João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Vol. II, pgs. 738-739, deve dizer-se que a noção de vencimento em sentido lato, correspondente ao que o funcionário aufere como contrapartida do serviço que presta, compreende abonos que se não reconduzem ao que será o vencimento em sentido estrito, o que será, designadamente, o caso das compensações pelo exercício das funções em local distante e de subsídios sociais.</font><br>
<font>Assim, a interpretação que daquele acordo deve ser feita, com uso da orientação que é dada pelo art. 236º, nº 1 do CC, corresponde à que fizeram as instâncias, já que os parâmetros do aumento da pensão serão os que se extraem da melhoria da situação económica do obrigado.</font><br>
<font>Logo, o abono de representação NATO, beneficiando essa situação económica, deve ser considerado como aumento de retribuição relevante para o cálculo da pensão.</font><br>
<font>Ao o não levar em conta nas pensões pagas o agravante caiu em incumprimento do regime estabelecido.</font><br>
<font>Se, no seu entender, a melhoria da sua situação económica foi inferior, proporcionalmente, ao aumento do que passou a receber, cabia-lhe pedir, nos termos do art. 182º da OTM, uma alteração do regime estabelecido.</font><br>
<br>
<font>A circunstância, alegada pelo agravante e consagrada no facto nº 3 supra, de aquele abono não ser objecto de actualizações anuais apenas levará a que a percentagem que se deverá considerar nos aumentos da pensão posteriores ao início do respectivo recebimento será, não a percentagem nominal do aumento recebido enquanto funcionário em Portugal e incidente sobre o vencimento em sentido estrito, mas a percentagem que for o reflexo final do montante pecuniário desse aumento no total da retribuição havida, que é a correspondente ao somatório do vencimento como primeiro sargento e do dito abono.</font><br>
<font>Esta constatação implica que, embora o abono de representação NATO releve para a fixação do montante da pensão devida, as actualizações desta a partir de 2000 serão feitas nos termos acabados de definir, e não por pura aplicação do coeficiente de aumento da função pública em Portugal.</font><br>
<br>
<font>*</font><br>
<br>
<font>Nestes termos, concede-se provimento parcial ao agravo, devendo na 1ª instância proceder-se à reformulação dos cálculos em função da metodologia descrita acima.</font><br>
<font>Custas, aqui e nas instâncias, na proporção do vencido.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 1 de Outubro de 2002.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Ribeiro Coelho (Relator)</font><br>
<br>
<font>Garcia Marques</font><br>
<br>
<font>Ferreira Ramos</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kTInvIYBgYBz1XKvAqkA | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de<br>
Justiça:<br>
Auto Garagem Central da Penha de França, Lda, propos no<br>
14 Juizo Civel de Lisboa, acção ordinaria contra Santa<br>
Casa da Misericordia de Lisboa, pedindo a condenação desta no pagamento a Autora da quantia de 1521678 escudos, acrescida dos devidos juros vencidos e vincendos.<br>
Citada, a Re contestou por impugnação.<br>
Houve replica, que a Santa Casa requereu fosse desentranhada, por não devida.<br>
No despacho saneador, a acção foi julgada improcedente.<br>
Em recurso interposto para a 2 Instancia foi confirmada aquela decisão.<br>
Interposto recurso para este Supremo Tribunal de<br>
Justiça foi ordenado que os autos baixassem a 2 Instancia para fixação da materia de facto. Em novo aresto, o Tribunal da Relação voltou a confirmar a decisão da 1 instancia.<br>
Novo recurso para este Supremo Tribunal de Justiça em que a Autora, em mais do que prolixas e extensas conclusões, alega que:<br>
1) o contrato celebrado entre a Recorrente e o IARN e um contrato em beneficio de terceiros certos - facturas de folhas 10, 11, 12, 13, 14 e 15, podendo-se qualificar como um contrato de albergaria a favor de terceiro em sentido proprio e autentico; tinha o mesmo em vista a satisfação de carencia de vivencia daquele retornado ate a sua completa e cabal reinserção na vida social;<br>
2) o acordo concluido com o IARN, em 1977, impunha a obrigação a Recorrente de fornecer alojamento e serviços conexos, mediante remuneração, aos cidadãos retornados da antiga Africa Portuguesa, terceiros perante o contrato de Albergaria, tendo surgido na esfera juridica destes um verdadeiro direito subjectivo<br>
(um direito de credito ao alojamento e prestações conexas e nalguns casos tambem alimentação;<br>
3) o Acordão recorrido ao qualificar o contrato como de Albergaria ou pousada não enquadrou juridicamente os factos constantes dos autos;<br>
4) o facto de o contrato de Albergaria ser a favor de terceiros considerados proprios ou autenticos não permitia que a recorrida tivesse cessado unilateralmente tal contrato com apenas um mes de antecedencia, sem que os terceiros tivessem dado a sua aquiescencia ou tivesse ocorrido justa causa;<br>
5) sendo certo ate que aqueles se recusavam a abandonar as instalações da Recorrente invocando a sua situação de carencia financeira;<br>
6) com a cessação unilateral do contrato a Recorrida violou o disposto nos artigos 1156 e 1170 n. 2 do<br>
Codigo Civil - conforme acordão do Supremo Tribunal de<br>
Justiça de 22 de Julho de 1986, Processo n. 73954, 1 secção, Trib. Justiça, n. 22 (1986), pagina 19;<br>
7) o principio da boa fe, atentas as caracteristicas e longa duração do contrato, obrigava a que a cessação não pudesse dar-se de modo repentino, sem aviso previo razoavel;<br>
8) insubsistente o acto unilateral de cessação da Recorrida o contrato mantem-se valido, eficaz e subsistente entre as partes nos seus precisos termos;<br>
9) como tal continuou a recorrente a prestar os serviços e a enviar as facturas - folhas 10 a 15 - no montante global de 1521678 escudos, que não foram pagas.<br>
10) ao não cumprir a sua obrigação de pagamento, a Recorrida tornou-se responsavel pelos prejuizos que causou a Recorrente pelo que os devera compensar atraves de juros moratorios;<br>
11) violados foram os artigos 817, 1156 e 1170 n. 2 do<br>
Codigo Civil.<br>
A Recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.<br>
Tudo visto:<br>
Vem demonstrados os seguintes factos: a Autora e uma sociedade comercial que se dedica ao ramo de garagem de automoveis e exploração de oficinas de reparação dos mesmos, "Stand" de vendas de peças e acessorios, ou qualquer outro ramo de comercio ou industria que a sociedade delibere explorar; a Re e um Instituto Publico com personalidade juridica e gozando de autonomia administrativa e financeira; no exercicio da sua actividade assistencial compete a Re, alem das tarefas consignadas no seu Estatuto, prosseguir as actividades de caracter social que constituiram o objectivo do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais; a Autora deliberou instalar, a pedido do<br>
IARN, na zona anexa as oficinas e garagem de recolha de automoveis, sita na Penha de França, n. 193, cave, em<br>
Lisboa, e, na Av. de Berna n. 5, 4, tambem nesta cidade, um Centro Temporario de Alojamento, de cidadãos desalojados oriundos das ex-colonias;<br>
Entre a Autora e o IARN foi celebrado um contrato nos termos do qual a Autora fornecia alojamento (com serviços conexos de banho, limpeza de quartos, fornecimentos de roupa de cama, etc) e alimentação ou apenas alojamento a varios cidadãos desalojados oriundos das ex-colonias, mediante diarias de 200 escudos ou 100 escudos, respectivamente, sujeitos a actualização periodica; nos termos do aludido contrato, o IARN fez alojar, em Julho de 1977, quer na Rua de<br>
Penha de França, quer na Av. de Berna, varios cidadãos desalojados oriundos das ex-colonias; no ambito desse contrato o IARN, atraves dos seus assistentes sociais fiscalizava a prestação de serviços por parte da Autora e procedia a inspecções sanitarias periodicas; a<br>
Autora, pelos serviços prestados, emitia as respectivas facturas que o IARN, apos verificação, pagava, o que aconteceu entre Julho de 1977 e Maio de 1981;<br>
A competencia para a prossecução das actividades sociais que constituiram o objectivo do IARN foi transferida em Junho de 1983 para os Centros Regionais de Segurança Social e para a Santa Casa da Misericordia de Lisboa; no caso vertente, quem sucedeu ao IARN, nas suas relações contratuais continuadas com a Autora foi a Santa Casa da Misericordia de Lisboa, ora Re; esta continuou a pagar a Autora os serviços de alojamento e alimentação ou apenas alojamento, aos aludidos retornados, mediante diarias de 375 escudos ou 150 escudos, respectivamente, as quais foram actualizadas no decurso da relação contratual; a Autora emitia, pelos serviços prestados, as respectivas facturas que a<br>
Re, apos verificação, pagava no mes seguinte aquela a que respeitavam, o que se verificou entre Junho de 1983 e 30 de Junho de 1986; por oficio n. 1091, de 30 de<br>
Maio de 1986, a Re comunicou a Autora que cessaria definitivamente, com efeito a partir de 1 de Julho de<br>
1986, a sua responsabilidade pelo pagamento da estadia dos retornados alojados nas aludidas instalações da<br>
Autora; a Re não diligenciou no sentido de obter o acordo dos aludidos retornados para que estes abandonassem as aludidas instalações da Autora; os referidos retornados continuam a ocupar as instalações da autora recusando-se a abandona-las e ai continuaram a viver invocando a sua situação de carencia economica; a Autora continuou a fornecer aos aludidos retornados os serviços que, em execução do contrato prestava e a enviar, mensalmente, as factura a Re, como sempre o fez; as facturas respeitantes aos meses de Julho a Dezembro, inclusive de 1986, não foram pagas pela Re, pelo que a Autora instaurou contra esta a acção que sob o n. 1272 corre seus termos no 14 Juizo<br>
Civel de Lisboa, 1 Secção; em Janeiro de 1987, a Autora forneceu alojamento e serviços conexos a 25 retornados, mediante diarias de 320 escudos, nas referidas instalações, no montante de 267740 escudos; em Fevereiro de 1987, a Autora forneceu alojamento e serviços conexos a 25 retornados, nas referidas instalações, mediante diarias de 320 escudos, no montante de 241920 escudos; em Março de 1987, forneceu a Autora alojamento e serviços conexos a 24 retornados, nas citadas instalações mediante diarias de 320 escudos, no montante de 275127 escudos; em Abril de<br>
1987, a Autora forneceu alojamento e serviços conexos a<br>
24 retornados, nas suas instalações, mediante diarias de 320 escudos, no montante de 248832 escudos; em Maio de 1987, a Autora forneceu alojamento e serviços conexos, nas suas instalações, a 24 retornados, mediante diarias de 320 escudos, no montante de 257127 escudos; em Junho de 1987, a Autora forneceu alojamento e serviços conexos, nas suas instalações, a 24 retornados, no montante de 248832 escudos; apresentadas a pagamento as facturas referentes a tais despesas, a re não as pagou.<br>
Determinantes da resolução a dar ao presente recurso são a caracterização do contrato de albergaria e o regime juridico aplicavel a sua denuncia ou cessação.<br>
O contrato de albergaria ou pousada não se encontra directamente regulamentado no actual Codigo Civil. O artigo 1109, n. 3, indirectamente, a proposito do contrato de locação, refere-se aos hospedes definindo-os como "os individuos a quem o arrendatario proporciona habitação e presta habitualmente serviços relacionados com esta, ou forneçe alimentos, mediante retribuição".<br>
O Codigo de Seabra - artigo 1419 e seguintes definia o contrato de albergaria como sendo o prestado pelo albergueiro envolvendo albergue e alimento ou so albergue mediante a retribuição ajustada ou do costume.<br>
Neste contrato estão abrangidas obrigações e direitos atinentes a outros contratos: arrendamento, aluguer (moveis), compra e venda (de alimentos) e prestação de serviços. Esta-se assim perante um contrato misto que envolve mera fusão em um so negocio dos elementos contratuais distintos que não so perderam a sua autonomia, mas ainda passaram a fazer parte do cerne do negocio unitario. Modalidade de contrato multiplo em que uma das partes se obriga a varias prestações principais, proprias de outras categorias de contrato, enquanto que a outra parte apenas se compromete ao pagamento da remuneração acordada. De referir que aquela multiplicidade de prestações revestem a categoria de principal, estando colocadas no mesmo plano.<br>
Varias teorias surgiram para reger estes contratos como o da absorção, da combinação e da aplicação analogica.<br>
Certo e que vem sendo entendido que não se deve optar, em exclusivo, por qualquer delas. Fixado que se esta perante uma fusão de contratos, que o contrato misto e um so contrato, a adopção de uma ou outra teoria tera sempre a ver com o que se dispõe na lei positiva ou resulta dos termos do contrato ou da interpretação que se fizer do mesmo. Elemento preponderante ate sera a função economico-social que o contrato em causa tera em vista e do seu confronto com a causa dos contratos tipicos.<br>
Sendo um contrato misto, o contrato de albergaria e, no fundo, sobretudo um contrato de prestação de serviços - conforme Isidro de Matos, "Arrendamento e Aluguer, paginas 53. Na verdade, apesar da concorrencia relevante de elementos de outros contratos e a prestação de serviços a dominante no contrato misto.<br>
Pelo que lhe são aplicaveis os artigos 1154 e seguintes do Codigo Civil. Nomeadamente o artigo 1156 estabelece que as disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessarias adaptações, as modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regula especialmente, como acontece com o contrato objecto deste recurso. Como consequencia, ha que ter em atenção o disposto no artigo 1170 que dispõe a livre revogabilidade do contrato por qualquer das partes - n.<br>
1 -; mas, se o mesmo tiver sido conferido tambem no interesse do mandatario ou de terceiro, não podera ser revogado sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa (n. 2).<br>
Dai o termos de averiguar se o contrato dos autos foi celebrado a favor de terceiro, contrato previsto nos artigos 443 e seguintes do Codigo Civil.<br>
Definindo-o diremos que sera um contrato celebrado por duas ou mais pessoas em nome proprio, mas na intenção de atribuir directamente uma vantagem patrimonial gratuita a um terceiro que e estranho ao contrato. Este terceiro adquirira um direito de credito autonomo. Como refere A. Varela - Obrigações, 251 - essencial e que os contraentes ajam com intenção de atribuir atraves do contrato um direito a terceiro - que este terceiro não receba apenas reflexamente um beneficio economico do contrato.<br>
Acrescenta Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3 edição - 261 que o contrato deve produzir efeitos de uma atribuição imediata, e não apenas reflexa, relativamente ao terceiro, não devendo este ser um simples destinatario da prestação, mas, antes adquirir um direito de credito ou um direito real autonomo.<br>
Estar-se-a em face de um acordo que, nas relações com o terceiro, desempenha o papel de declaração unilateral de vontade - Galvão Telles - Dos Contratos em Geral - 5 edição, 1962 - paginas 418.<br>
Neste contrato e possivel visionar duas modalidades.<br>
Uma, em que se atribui ao promissario o direito de exigir que se faça a prestação a terceiro, não adquirindo este credito algum, podendo somente receber a prestação, como destinatario dela; a outra em que o terceiro e o titular do credito. A primeira modalidade chamar-se-a falso contrato a favor de terceiro, contrato a favor de terceiro improprio ou contrato com prestação a terceiro; a segunda, contrato a favor de terceiro, verdadeiro e proprio.<br>
De esclarecer que não vem sendo exigido que o terceiro seja individualizado, pois vem sendo admitido o contrato em beneficio de terceiro indeterminado ou no interesse publico - Vaz Serra, Boletim do Ministerio da<br>
Justiça 55-121 e seguintes e Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro paginas 110.<br>
Em qual das modalidades se insere o contrato dos autos?<br>
Para tanto ha que interpretar o mesmo. Podera, porem, este Tribunal trilhar este caminho? Não estaremos a penetrar em pura materia de facto que nos e vedada?<br>
A jurisprudencia começou por considerar a interpretação de um contrato como materia de facto. Porem, a partir de certa altura inflectiu tal posição, aceitando o poder de fiscalização do tribunal de revista sempre que haja necessidade de averiguar se as instancias fizeram correcta aplicação dos criterios interpretativos fixados na lei, nomeadamente nos artigos 236 n. 1 e 238 do Codigo Civil.<br>
Neste artigo 236 faz-se prevalecer o sentido objectivo da vontade negocial, embora temperado por restrição de natureza subjectivista ou de inspiração subjectivista - conforme P. Lima e A. Varela - Codigo Civil Anotado, volume I, paginas 223. Mas, aquele sentido objectivo não pode ser atendido quando não coincida com a vontade real do declarante e esta seja conhecida do declaratario - artigo 226, n. 2. Todavia ha que realçar que esta excepção se situa no dominio da materia de facto, dependendo inteiramente da prova a produzir. O que não afasta o que dissemos atras, que a interpretação de negocio juridico não se limita a fixar o sentido que o declarante quis dar a sua declaração, mas a fixar o seu sentido normativo. O que implica uma protecção mais dirigida ao declaratario do que ao declarante, ja que aquele tera mais dificuldade em aperceber-se da vontade real deste.<br>
Como refere Castanheira Neves, Questão de Facto,<br>
Questão de Direito, paginas 340, a doutrina tradicionalmente dominante era no sentido de ser o problema da interpretação negocial um problema juridico-normativo, pois o que nele esta em causa e tão so o sentido juridicamente relevante das declarações negociais.<br>
Dai o termos de averiguar se foram ofendidas aquelas regras de interpretação.<br>
O IARN foi criado pelo Decreto-Lei 169/75 de 31 de<br>
Março e destinou-se a prestar assistencia aos desalojados das ex-colonias portuguesas, com o objectivo de uma plena integração na vida nacional.<br>
Para tanto, determinava-se no artigo 13-a) que lhes incumbia "promover, directamente ou em colaboração com as diversas entidades publicas e privadas, o apoio, a orientação e a prestação de auxilio aos ditos cidadãos e respectivas familias, de harmonia com a sua situação de carencia, bem como a sua inserção nos esquemas de segurança social".<br>
Por Resolução do Conselho de Ministros, de 5 de Maio de<br>
1976, Diario da Republica de 2 de Maio de 1978, fixou-se as modalidades de assistencia e apoio aos retornados, cuja concessão se esclarecia ser a titulo provisorio, em unidades hoteleiras e similares.<br>
Ja esta provisoriedade e contraria a concessão de um direito subjectivo aos terceiros retornados. Esta-se perante uma situação transitoria, em que não e possivel determinar com segurança os meios a utilizar para a debelar, quer as proprias condições de acesso.<br>
Incerteza que determina que os orgãos administrativos disponham de poder discricionario na avaliação e superação de tal situação. O que coloca os terceiros - retornados das ex-colonias - como meros destinatarios da actividade prosseguida por aqueles orgãos enquanto perdurar aquela situação de carencia.<br>
Foi a conclusão a que se chegou no Acordão recorrido ao referir-se que "em face da factualidade acima descrita e dos diplomas legais que instituiram e regularam a actividade do extinto IARN, pode concluir-se que a recorrente e o referido Instituto, ao celebrarem o contrato citado nos autos, não tinham em vista atribuir qualquer direito a terceiro".<br>
Não houve a intenção de atribuir um direito subjectivo aos terceiros, retornados das ex-colonias portuguesas.<br>
Por direito subjectivo entende-se o poder conferido pela ordem juridica a certa pessoa de exigir determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de um interesse proprio ou alheio - A.<br>
Varela, Das Obrigações, 3 edição, 1-44 - ou o poder de traçar a propria conduta ou de condicionar a conduta alheia reconhecida pela ordem juridica a alguem para realizar um seu interesse certo o determinado, quando e como entenda conveniente - Marcello Caetano, Principios Fundamentais de Direito Administrativo, 1977, 560.<br>
O que não acontece nos presentes autos, dada a materia de facto demonstrada.<br>
Não se ve, então, que o Acordão recorrido tenha violado as regras constantes dos artigos 236 n. 1 e 238 do<br>
Codigo Civil. Pelo que nenhuma censura lhe pode ser assacada.<br>
Como tal, estando em causa um contrato misto, em que predomina a prestação de serviços, e-lhe aplicavel a regulamentação propria do contrato de mandato que permita a sua livre revogabilidade, a produzir efeitos logo que seja conhecida pela outra parte - artigo 224 n. 1 daquele Codigo -, sendo de considerar extinto, deste então, o contrato celebrado entre o IARN e a<br>
Autora.<br>
Termos em que vai negada a revista.<br>
Custas pela Recorrente.<br>
Lisboa, 7 de Janeiro de 1992.<br>
Cura Mariano,<br>
Joaquim de Carvalho,<br>
Beça Pereira.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Sentença de 89.01.13 de 14 Juizo Civel de Lisboa;<br>
II - Acordão de 90.01.11 do Tribunal da Relação de<br>
Lisboa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rTIWvIYBgYBz1XKvCY6h | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
No Tribunal de Família de Lisboa, A intentou a presente acção de alimentos contra seu marido B, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a pensão alimentar de 35000 escudos mensais.<br>
Por sentença de 30 de Junho de 1993 a acção foi julgada improcedente.<br>
Inconformada a autora apelou da sentença tendo a<br>
Relação revogado a sentença, julgando a acção procedente em parte, pelo que condenou o réu a pagar à autora a prestação alimentar de 10000 escudos mensais.<br>
Foi a vez de o réu não se conformar com o decidido, daí a presente revista. Na sua alegação de recurso o recorrente conclui, em essência, o seguinte.<br>
1 - O recorrente aufere mensalmente 120 contos.<br>
2 - Tem a seu cargo a companheira e dois filhos menores.<br>
3 - Encontra-se de baixa médica, ininterruptamente, desde Janeiro de 1992.<br>
4 - Para que exista o direito de alimentos não é bastante a necessidade do alimentando; é necessário que o obrigado os possa prestar.<br>
5 - As necessidades do credor e as possibilidades do devedor, são as actuais.<br>
6 - E o obrigado só os pode prestar quando tenha meios de sobra.<br>
7 - Mas o obrigado não tem meios de sobra.<br>
8 - Na apreciação das possibilidades do obrigado a alimentos, não pode o tribunal alhear-se, da idade, saúde, do ter ou não filhos a sustentar, do poder ou não trabalhar e, seguramente, que isso não foi feito.<br>
9 - O recorrente não pode prestar alimentos à recorrida.<br>
10 - Violou, assim, o acórdão recorrido, entre outras disposições legais, os artigos 2004 e 2016, n. 3<br>
"in fine", do Código Civil.<br>
A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido pela Relação.<br>
Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
A relação considerou provados os seguintes factos.<br>
- Autora e réu casaram um com o outro no dia 30 de<br>
Julho de 1967.<br>
- Desse casamento há quatro filhos, todos maiores.<br>
- Autora e réu estão separados um do outro há dez anos.<br>
- Na acção de alimentos provisórios foi fixada a prestação de alimentos a pagar pelo réu em 15 contos mensais.<br>
- A autora recebe uma pensão de invalidez de 24800 escudos mensais, não podendo trabalhar.<br>
- Mensalmente a Autora gasta em alimentação, água, luz, gaz e telefone, renda de casa, medicamentos e transportes, 39470 escudos.<br>
- Como funcionário da Petrogal, o réu aufere o vencimento de 120 contos (líquidos) mensais.<br>
- O réu encontra-se de baixa médica desde Janeiro de<br>
1992.<br>
- O réu e C vivem um com o outro em comunhão de mesa e habitação e com os dois filhos menores de ambos - o D de 10 anos e o E de 6 anos.<br>
Estes os factos que as instâncias consideraram directamente como provados.<br>
Antes de se prosseguir convêm esclarecer que se julga pacífico ser questão de facto o apuramento das condições (sobretudo económicas) de que depende a fixação do quantitativo dos alimentos. Mas essa fixação constitui uma questão de direito (v. acs. do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de, 16 de Outubro de 1962, in<br>
Boletim do Ministério da Justiça, 120/354, 7 de Maio de<br>
1980, in Boletim do Ministério da Justiça, 297/342 e<br>
Professor Pereira Coelho, in Família, 1969, 2, página<br>
361). E o certo é que, no presente recurso, não se põe em causa a obrigação de o recorrente prestar alimentos<br>
à recorrida, dado o disposto nos artigos 2015 e 1675, ns. 1 e 2, do Código Civil. Apenas se questiona se, face ao preceituado no n. 2 do artigo 2004, do citado<br>
Código, o recorrente tem possibilidades económicas de cumprir essa obrigação alimentar. Para responder deve ter-se em conta os parâmetros fixados no n. 3 do artigo<br>
2016 do Código Civil.<br>
Segundo esse preceito deve considerar-se, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.<br>
É óbvio que os dados referidos constituem matéria de facto que irá possibilitar a fixação de uma prestação alimentar, ou a exoneração do pretenso obrigado de tal obrigação.<br>
No caso "sub judice" temos que os cônjuges separados já não são novos, pois casaram um com o outro há 24 anos, tendo nascido desse matrimónio quatro filhos, hoje todos maiores.<br>
Não se coloca, pois, o problema da sua criação, vigilância ou manutenção.<br>
Verifica-se, também, que a recorrida não pode trabalhar devido a invalidez recebendo, por esse motivo, uma pensão mensal de 24800 escudos. Todavia, gasta por mês em alimentação, água, luz, gaz, telefone, renda de casa, medicamentos e transportes, a quantia de 39470 escudos. À luz dos autos tem ela, portanto, um défice mensal de cerca de 15000 escudos. Daí pôr-se a questão de ser o recorrente obrigado a liquidar tal défice, o que implica a análise da sua situação económica e social. Neste domínio apurou-se que ele é funcionário da Petrogal onde aufere o vencimento mensal líquido de<br>
120000 escudos, mas está com baixa médica desde Janeiro de 1992. Vive maritalmente com C e com dois filhos menores de ambos, o D de 10 anos e o E de 6 anos.<br>
Estranhamente, deixou de se averiguar e apurar, em concreto, quanto é que o recorrente dispende com a sua manutenção e saúde e com a criação dos seus dois filhos menores. A Relação torneou a falha lançando mão do estatuído no artigo 349 do Código Civil, emitindo uma presunção judicial. Segundo esse preceito, presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.<br>
De acordo com Lopes Cardoso (in Rev. Trib. 86/112), tais presunções são afinal o produto de regras de experiência. o Juiz valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. Deste modo, é natural que se suscite a questão de saber se este Supremo Tribunal tem de acatar as presunções judiciais extraídas pelas instâncias, por constituírem matéria de facto, insusceptível de integrar o objecto do recurso de revista.<br>
Conforme o acórdão de 12 de Novembro d 1974, do Supremo Tribunal de Justiça (in Boletim do Ministério de Justiça 241/290) é lícito, não apenas ao tribunal de primeira instância, mas também à Relação, dentro da competência que a lei lhe confere em matéria de facto, fazer uso de presunções judiciais, o que constitui matéria de facto, em princípio insusceptível de ser modificada pelo Supremo.<br>
Por seu turno o acórdão de 22 de Janeiro de 1981, também deste Supremo Tribunal (in Boletim do Ministério de Justiça 303/246), disse que é estranha à sua competência a censura acerca da aplicação das regras da experiência. Todavia, esta doutrina não pode ser seguida de modo absoluto. Como muito bem frisou o acórdão de 25 de Novembro de 1988, deste Supremo Tribunal (citado por Abílio Neto e H. Martins in Código<br>
Civil anotado, 7 edição, página 230), os Tribunais da Relação podem lançar mão de presunções, tirando conclusões da matéria de facto, desde que tais conclusões se limitem a desenvolvê-la, não a contrariando frontalmente. Portanto, parece que, observados estes requisitos, o Supremo não pode, legalmente, censurar as presunções judiciais extraídas pelas instâncias nos termos do artigo 349 do Código<br>
Civil. Todavia, contra este entendimento ergueu-se a voz do Professor Vaz Serra. No seu parecer, as ilações tiradas pelas instâncias e baseadas nos factos por elas tidas por assentes não parece que devam considerar-se subtraídas da competência do Tribunal de revista. Mesmo que as ilações não alterem os factos donde são tiradas, mas antes neles baseadas, como lógico desenvolvimento.<br>
Se é a própria lei que remete para regras de experiência, a violação dessas regras deve poder ser objecto de recurso de revista, pois depende delas, melhor, da sua observância que a lei seja observada.<br>
Se, diversamente, a lei não remete para regras da experiência, mas delas tem de servir-se o tribunal para a fixação dos factos ou da conexão causal entre dois factos, também é admissível o recurso de revista com base em violação dessas regras, dado a lei permitir e impor ao juiz que se sirva de regras de experiência, em consequência de não poder ele decidir, sem elas, a questão de direito (v. Rev. Leg. Jur. ano 108 página 357 e ano 112 páginas 36 e seguintes).<br>
Não obstante a autoridade destes argumentos, julga-se ser mais correcta a orientação da citada jurisprudência deste Supremo Tribunal. É que a opinião da Vaz Serra colide com o nosso sistema processual. Na realidade, a 2 parte do n. 2, do artigo 722 do Código de Processo<br>
Civil limita a possibilidade de apreciação do erro na fixação dos factos materiais à violação de uma disposição expressa de uma lei probatória imperativa.<br>
O que não é o caso. Para valer a doutrina de V. Serra, era necessário que a lei estipulasse, claramente, que o conhecimento das regras da experiência era admitido no recurso da revista, como parece acontecer nos direitos francês e italiano e até alemão (v. o cit. acórdão de<br>
22 de Janeiro de 1981).<br>
Resulta, assim, do exposto que, perante os factos que este Supremo Tribunal tem de acatar, o recorrente não conseguiu demonstrar, contra o que concluiu, que não tem meios de sobra das receitas sobre as despesas. Mas isso não significa que o recorrente tenha de entregar à recorrida todo o saldo positivo que, nos autos, lhe é atribuído. A fixação de uma prestação alimentar não pode reduzir-se a simples cálculos aritméticos.<br>
É certo que a recorrida aufere uma pequena pensão por invalidez, a qual não chega para cobrir as despesas que lhe foram atribuídas. Mas também não é menos certo que o recorrente, para além da sua subsistência, tem de criar e educar dois filhos menores. Atenta a idade destes é natural que gastem cada vez mais à medida que crescem e avançam nos estudos. Por outro lado, é preciso não esquecer, que a recorrida tem quatro filhos maiores e, consequentemente, o preceituado nos números, 1, alínea b) e 3, do artigo 2005, do Código Civil.<br>
Acresce, por último, que não aparecem minimamente contabilizados nem justificados, os gastos que a recorrida faz com o telefone. Por tal motivo, não tem o recorrente de participar, sem mais, nessa despesa, que não pode, assim, comparar-se às feitas com alimentação, vestuário e saúde.<br>
Nestes termos, decide-se conceder provimento parcial ao presente recurso pelo que se revoga o acórdão recorrido na parte em que condenou o réu a pagar à autora a prestação alimentar de dez mil escudos mensais que se reduz para cinco mil escudos mensais.<br>
Custas na proporção de vencido neste Supremo Tribunal e nas instâncias.<br>
Lisboa, 24 de Outubro de 1994.<br>
Pais de Sousa;<br>
Santos Monteiro;<br>
Pereira Cardigos.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gDLNu4YBgYBz1XKvwj9U | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>AA intentou acção, com processo ordinário, contra BB e mulher CC pedindo a sua condenação a pagarem-lhe 15088,64 euros, acrescidos de 11 769,14 euros a título de juros vencidos e juros vincendos, à taxa de 12%.</font><br>
<br>
<font>No Circulo Judicial de Viana do Castelo a acção foi julgada procedente e os Réus condenados a pagarem ao Autor a quantia pedida com juros à taxa de 15% (de 30 de Março de 1997 a 16 de Abril de 1999) de 12% (de 16 de Abril de 1999 a 30 de Setembro de 2004) e as taxas de 9,01% e 9,09% (respectivamente até 31 de Dezembro de 2004 e até integral pagamento).</font><br>
<br>
<font>A relação de Guimarães confirmou a sentença.</font><br>
<br>
<font>Os Réus pedem revista para concluírem:</font><br>
<br>
<font>1) O contrato denominado “Cessão de Crédito”, junto com a petição inicial, datado de 7 de Fevereiro de 1996, não tem qualquer valor.</font><br>
<font>2) A sociedade “DD, Lda.”, primeira outorgante, não é representada formalmente por ninguém embora no local das assinaturas conste a dos sócios.</font><br>
<font>3) Nas circunstâncias do caso, que se reveste de particularidades muito especiais, uma vez que os sócios estão a fazer um negócio consigo mesmo, entende-se que será de exigir alguma formalidade para que a sociedade possa ter-se por vinculada, não bastando a mera assinatura dos sócios, sem qualquer referencia à qualidade em que outorgam.</font><br>
<font>4) A sociedade não recebeu do autor o valor do crédito, nem ficou vinculada no dito contrato de cessão.</font><br>
<font>5) Antes, apenas os sócios, nas suas pessoas, ficaram vinculados, por que só a eles se queriam vincular, até porque não foi tomado nenhuma deliberação societária.</font><br>
<font>6) Estando, o autor impedido de votar uma vez que tinha um interesse, pessoal, individual e imediato, oposto ao da sociedade.</font><br>
<font>7) Não basta, no caso dos autos, a certeza de que o autor e o outro sócio são os gerentes da “DD, Lda.”, para aceitar que a sociedade ficou vinculada, quando bem se vê de todo o articulado e do próprio documento denominado de “cessão de crédito” que este consubstancia uma simulação absoluto prevista no artigo 240º CC.</font><br>
<font>8) Cuja sanção é a nulidade.</font><br>
<font>9) Destarte, ao entender de maneira diferente, não atendeu o Tribunal da Relação ao disposto nos artigos 54º e 251º CSC e aos artigos 265º e 240º CC.</font><br>
<font>10) O cheque dos autos não titula qualquer crédito do autor e que subjacente à declaração nele feita pelo réu não existe qualquer relação fundamental.</font><br>
<font>11) A declaração emitida pelo réu no cheque não tem relação fundamental e, por isso, é desprovida de qualquer vício jurídico, nomeadamente de reconhecimento de divida, porque inexistente para com o autor.</font><br>
<font>12) Ao entender que o cheque emitido pelo réu encerra uma declaração de divida deste em favor do autor e configura a celebração de um negócio jurídico unilateral de reconhecimento de divida, violou o tribunal recorrido o disposto no artigo 458º CC.</font><br>
<br>
<font>Não foram produzidas contra alegações.</font><br>
<br>
<font>A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto:</font><br>
<br>
<font>A) O Autor é sócio gerente da firma DD Lda., a qual tem como escopo social a actividade da construção civil.</font><br>
<font>B) Por contrato celebrado no dia 18 de Novembro de 1994, aquela firma prometeu vender ao réu marido a fracção autónoma correspondente ao 3º andar, tipo T1, então em construção nos lotes 1 e 2 do prédio sito no lugar da ..., em ..., nesta comarca.</font><br>
<font>C) O preço de venda dessa fracção foi, então, de 11.000.000$00.</font><br>
<font>D) O pagamento dessa importância seria efectuado pelo réu marido, à promitente vendedora, através do fornecimento de revestimentos, pavimentos, louças sanitárias, banheiras, torneiras, etc… para a obra em que se integrava a fracção prometida vender.</font><br>
<font>E) O réu dedicava-se ao comércio de materiais de construção civil e artigos similares.</font><br>
<font>F) Na referida obra, o réu apenas forneceu material no valor de 4.950.000$00, tendo a firma DD, Lda., ficado credora do réu no montante de 6.050.000$00.</font><br>
<font>G) Os únicos sócios da sociedade DD eram, então, como hoje, o ora autor e EE, detentores de 50% cada um do capital social daquela sociedade.</font><br>
<font>H) O sócio EE constituiu outra sociedade com os seus filhos, denominado FF, Lda.</font><br>
<font>I) Em Janeiro de 1997, o Réu marido subscreveu pelo seu próprio punho, nele colocando o nome do Autor, o cheque nº 4683087455, do Banco ..., naquela importância de 3.025.000$00, pós datando o seu pagamento para o dia 30 de Março de 1997.</font><br>
<font>J) Na data de vencimento daquele cheque (30/03/1997), o autor apresentou-o à cobrança na agência de Viana do Castelo do Banco .... Aquele banco recusou o pagamento do cheque, no dia 7/4/1997, nele apondo no verso a seguinte causa justificativa: “cheque revogado por justa causa – extravio”.</font><br>
<font>K) O autor participou criminalmente contra o réu, no ano de 1997, através do processo de inquérito nº 01.108/97, o relatado comportamento, por via do qual o Ministério Público chegou a acusar o réu pela emissão de cheque sem provisão.</font><br>
<font>L) Em sede de instrução, o processo foi arquivado pelo facto de se tratar de um cheque pós-datado.</font><br>
<font>M) Após a construção do prédio referido em B), a sociedade DD suspendeu a sua actividade em finais de 1995, situação que ainda hoje se mantém.</font><br>
<font>N) O autor não mais exerceu actividade na área da construção civil.</font><br>
<font>O) Em 7 de Fevereiro de 1996 a sociedade DD dividiu o crédito referido em F) em duas partes iguais e cedeu aquele seu crédito a cada um dos seus sócios. Foram elaborados dois documentos: o de fls. 12 e 13, intitulado contrato de cessão de crédito, em que interveio como primeiro outorgante a sociedade DD e como segundo outorgante AA; e o de fls. 14 e 15, com o mesmo titulo, em que interveio como primeiro outorgante a sociedade DD e como segundo EE.</font><br>
<font>Em ambos os contratos, pela primeira outorgante, assinaram o autor e EE, que não indicaram a qualidade de sócios e de gerentes; no de fls. 12 e 13 assinou como segundo outorgante o autor e no de fls. 14 e 15, EE. Os contratos foram subordinados a cinco cláusulas: na primeira, a primeira outorgante afirma-se credora de BB da quantia de 6.050.000$00; na segunda “cede” metade daquele crédito ao segundo pelo valor de 3.025.000$00; na terceira, o segundo outorgante aceita a cessão de crédito, dando o primeiro quitação do preço; na quarta, a primeira obriga-se a fornecer ao segundo toda a documentação comprovativa do crédito e a notificar a referida cessão ao devedor; e na quinta, estabelece o foro competente para dirimir eventuais litígios.</font><br>
<font>P) O réu deu a sua anuência àquela cedência de crédito.</font><br>
<font>Q) O réu entregou ao autor o cheque referido em I) para pagamento ao autor do crédito de 3.025.000$00 referido no quesito 3º.</font><br>
<br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<font>Os recorrentes suscitam apenas duas questões, consistentes, a primeira, na invalidade da cessão de créditos por a sociedade cedente não ter sido devidamente representada e a segunda, não titular o cheque qualquer crédito ao Autor por inexistir relação fundamental.</font><br>
<br>
<font>Assim, </font><br>
<br>
<font>1- Vinculação da sociedade.</font><br>
<font>2- Relação jurídica subjacente.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Vinculação da sociedade.</font><br>
<br>
<font>O Autor alegou nuclearmente ser sócio gerente da sociedade “DD, Lda.”, a qual prometeu vender, e o Réu marido comprar, uma fracção autónoma; que o pagamento do preço seria feito com entrega de materiais para a obra de conclusão da fracção; que, do conjunto de materiais fornecido, resulta que o Réu só pagou parte do preço; que a sociedade credora suspendeu toda a sua actividade em finais de 1995 e cedeu o crédito que tinha sobre o réu aos seus dois únicos sócios.</font><br>
<font>Impugnam, agora, os recorrentes a validade da cessão do crédito já que para que a sociedade ficasse vinculada pelos gerentes era necessário que estes apusessem a sua assinatura no documento que titula o negócio, com indicação de tal qualidade, sob pena de violação do nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<font>Resulta do acervo de factos assentes que os únicos sócios da “DD Lda.” eram o Autor e EE e que os documentos que titularam a cessão – de fls. 12/13 e 14/15 – foram assinadas por ambos, mas sem a menção da sua qualidade de sócios ou de gerentes.</font><br>
<font>Nos termos do nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais os gerentes vinculam a sociedade “em actos escritos apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”.</font><br>
<font>Esta norma vem sendo interpretada num sentido literal (v.g. Prof. Luís Brito Correia, in “Direito Comercial”, 1º, 1987/88, 240 …”devem assinar sempre com a sua própria assinatura (correspondente ao seu próprio nome civil) e indicar essa sua qualidade, nomeadamente, referindo a expressão da firma e a palavra gerente, administrador ou director respectivamente…”) ou de forma mais compreensiva (v.g. o Acórdão do STJ de 24 de Outubro de 1996 – CJ/STJ IV, 3, 78 – “o que importa é que do documento… resulte, em termos aceitáveis segundo o costume, que o gerente assinou um documento que diz respeito à sociedade e não a ele pessoalmente.”).</font><br>
<font>Na revogada Lei das Sociedades por Quotas (§1 do artigo 29º) impunha-se a assinatura do gerente “com a firma social” ou, na falta desta, com a assinatura da “maioria dos gerentes”.</font><br>
<font>Ao comentar o novo preceito, o Prof. Raul Ventura esclarecia que a exigida menção da qualidade de gerente “implica a especificação da sociedade de que a pessoa invoca a gerência” (apud “Sociedades por Quotas”, 1991, III, 170).</font><br>
<font>O Dr. João Espírito Santo (in “Sociedade por Quotas e Anónimas”, 2000, 470, nota 1278) refere que para além da assinatura do gerente a lei exige a menção dessa qualidade para tornar clara a imputação do acto.</font><br>
<font>Actualmente, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 6 de Dezembro de 2001 (DR nº20, IA, de 24/1/02) decidiu que “a indicação da qualidade de gerente prescrita no nº4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais poder ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade a revelem.”</font><br>
<font>Trata-se de apelar à declaração tácita, o que parece perfeitamente adequado e razoável, devendo o julgador fazer uma apreciação casuística, perante a realidade do negócio, afastando-se de um formalismo rígido que poderia resultar de uma interpretação literal da lei.</font><br>
<font>O nº 2 do artigo 217º do Código Civil é apodíctico na afirmação de que “o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.”</font><br>
<font>No fundo concede-se ao princípio regra da liberdade declarativa que se contrapõe ao excepcional formalismo negocial.</font><br>
<font>A aceitação da declaração tácita (ou mediata) restringe-se aos casos em que a exigência de expressão imediata se limita à exigência de uma declaração de vontade, que não quando o legislador a pretendeu expressa como formalidade “ad substantiam”.</font><br>
<font>Nos outros casos, e como referia o Prof. Manuel de Andrade (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, 81) poderá concluir-se através de “facto concludentia”, que “o declarante, em via mediata, obliqua, lateral quis também exteriorizar uma tal vontade – ou pelo menos teve a consciência disso” exigindo-se contudo a univocidade do procedimento concludente.</font><br>
<font>Assim, e aderindo à jurisprudência uniformizada e considerando o ponto 3º da matéria de facto acima elencada, conclui-se inequívoca, e necessariamente, que os documentos foram firmados pelos gerentes nessa qualidade (note-se que são dois textos, assinados por ambos, cada um em diferente qualidade – no de fls. 12/13 a sociedade como primeiro outorgante, representada pelo EE, sendo segundo outorgante o Autor; no de fls. 14/15, passou-se o inverso – o que traduz uma válida vinculação da sociedade.</font><br>
<font>Improcedem assim as primeiras conclusões da alegação.</font><br>
<br>
<br>
<font>2- Relação jurídica subjacente.</font><br>
<br>
<font>No segundo segmento das conclusões, os recorrentes insistem na inexistência de qualquer relação fundamental subjacente ao cheque.</font><br>
<font>Tratando-se de uma acção declarativa de condenação o negócio subjacente – ou fundamental – ao cheque tem de ser alegado e provado.</font><br>
<font>Mas face ao disposto no nº 1 do artigo 458º do Código Civil o Autor dispõe de uma presunção, beneficiando da consequente inversão do ónus da prova da relação fundamental.</font><br>
<font>No entanto o demandante não só articulou esses factos como logrou prová-los – resposta afirmativa ao quesito 5º, onde se perguntava se o réu entregou o cheque ao autor para pagamento do crédito ao quesito 3º, de 3.025.000$00.</font><br>
<font>É patente a não razão dos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) Na linha do Acórdão UJ nº 1/2002, de 6 de Dezembro de 2001, mostra-se cumprido o nº4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais quando resulta univocamente do documento que o mesmo foi firmado pelo gerente nessa qualidade, ainda que a não refira no próprio escrito.</font><br>
<font>b) O nº1 do artigo 458º do Código Civil estabelece uma presunção a favor do credor, que vê invertido o “onus probandi” da relação subjacente ao cheque emitido pelo devedor.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, acordam negar a revista.</font><br>
<br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 06-02-2007</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas (Relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TDK3u4YBgYBz1XKv0TZC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font><b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font> 1.</font></b><br>
<font> O recorrido veio arguir a nulidade do acórdão em epígrafe, pretendendo ver o mesmo reformado após a sua sanação, certo que nem sequer indicou a(s) norma(s) concreta(s) em que baseia a sua queixa.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>2.</font></b><br>
<font> Não houve qualquer resposta da parte contrária.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>3.</font></b><br>
<font> Tanto quanto parece resultar da leitura do requerimento que o recorrido faz juntar aos autos, apregoando a verificação da nulidade do acórdão, a mesma ter-se-á concretizado na consideração da resposta ao quesito 6º da base instrutória como sendo não escrita.</font><br>
<font> Tal facto, na perspectiva do reclamante, traduzir-se-ia numa intromissão indevida por parte do Supremo na esfera de competência própria das instâncias. Assim, tendo a Relação aceite como boa a qualificação do facto material controvertido fixado pela 1ª instância – “o A. perdeu interesse em se associar ao R.?” –, jamais o Supremo poderia alterar a resposta dada ao aludido quesito, porque definitivamente adquirido ao ter passado pelo crivo crítico da Relação, e, ao fazê-lo, teria violado o artigo 729º, nº 2, do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font> A esta argumentação junta o reclamante uma outra, que tem a ver com o facto de, a seu ver, a expressão “perda de interesse” não ser apenas um juízo conclusivo, mas “corresponder igualmente a um comportamento positivo ou negativo e para se apurar se um desses comportamentos é positivo ou negativo, a via a seguir será a utilização de certos meios de prova, logo, quando se coloca a questão de saber se, relativamente a um determinado objecto ou situação, um indivíduo perdeu interesse, trata-se duma questão de facto a averiguar, e não de uma mera conclusão”.</font><br>
<br>
<font>Do que depreendemos da análise da crítica do reclamante, duas são as razões que suportam a sua pretensão.</font><br>
<br>
<font>Para o arguente, o acórdão é nulo porque “não podia conhecer do objecto do recurso por tratar de questão relativa à fixação dos factos materiais em causa e porque decidiu alterando a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto”.</font><br>
<br>
<font>Razão alguma assiste ao reclamante, como iremos ver.</font><br>
<br>
<font>O acórdão agora censurado, ao referir-se a esta questão, da resposta dada ao quesito 6º, nada mais fez do que responder a uma das questões que foram colocadas pela recorrente.</font><br>
<font>Indo directamente à questão, o acórdão tentou justificar a opção considerada como menos certa, tomada pelo tribunal recorrido, dizendo o seguinte:</font><br>
<font> “É por demais sabido que a base instrutória só deve conter matéria de facto controvertida e despir-se de adjectivações, conclusões, juízos de valor, sejam de direito ou de facto, fórmulas, categorias. É essa a lição que cristalinamente se colhe de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado, Volume III, pág. 205 a 224), de Miguel Teixeira de Sousa (Estudos Sobre O Novo Processo Civil, pág. 312), de Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 265 e ss.), por exemplo.</font><br>
<br>
<font> Foi lavado à base instrutória a questão de saber se “o A. perdeu o interesse em se associar ao R.”, tendo a 1ª instância respondido negativamente e a Relação em sentido contrário.</font><br>
<font> Ambas as instâncias olvidaram, porém, o que nos ensina a (boa) ortodoxia processual a respeito da selecção de factos, o mesmo é dizer que não tiveram em devida conta o preceituado no artigo 511º do Código de Processo Civil e desconsideraram as lições dos Mestres citados.</font><br>
<font> Se tal não tivesse acontecido, teriam, certamente, reparado que o quesito em apreciação não devia ter sido formulado precisamente por conter um juízo conclusivo (de direito) e teriam chegado à conclusão (certa) de que a resposta dada, em obediência ao preceituado no nº 4 do artigo 646º do diploma adjectivo, teria necessariamente de se considerar como não escrita.</font><br>
<font> Não compete ao STJ, enquanto tribunal de revista, fazer censura sobre o juízo probatório a que as instâncias chegaram por via da apreciação as provas. Cabe-lhe, porém, a importante tarefa de vigiar o cumprimento das normas jurídicas que permitem a formulação de tal juízo.</font><br>
<font> Ora, a verdade manda que se diga que a regra contida no artigo 511º não foi observada e, </font><i><font>in casu</font></i><font>, a consequência não pode deixar de ser outra que não seja a de considerar como não escrita a resposta obtida por via da apreciação das provas oferecidas.</font><br>
<font> Retira-se daqui também a inelutável conclusão de que não se pode nunca, ao longo do </font><i><font>iter</font></i><font> processual, falar em trânsito em julgado da matéria de facto (!). Esta, em verdadeiro rigor, só “transita” quando passa o definitivo crivo censor deste Supremo Tribunal.</font><br>
<br>
<font> Pensávamos, então, que esta mera justificação sobre a (oportuna) intervenção do STJ seria suficiente para esclarecer, definitivamente, as partes da bondade da decisão.</font><br>
<font> Pelos vistos, tal </font><i><font>desideratum</font></i><font> não foi atingido.</font><br>
<font> Cremos, porém, que tal não foi obtido porque a crítica que é agora dirigida ao acórdão olvida a verdadeira dimensão dos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<br>
<font> Tentaremos fazer um pequeno esforço na mira de nos fazermos entender.</font><br>
<br>
<font> A primeira questão que importa resolver é a de saber se a expressão “perda de interesse” pode aqui ser encarada também como um mero juízo fáctico, tal como preconiza o reclamante, ou se apenas pode ser visto como um mero juízo conclusivo, como juízo de direito, como foi acolhido no aresto sob crítica.</font><br>
<br>
<font>É um facto que ao STJ, como tribunal de revista, compete apreciar apenas as questões de direito (</font><i><font>cfr</font></i><font>. artigos 721º, nº 2 do CPC e 26º da LOTJ).</font><br>
<font> A dificuldade – a grande dificuldade, diga-se, desde já – está em saber o que é uma questão de direito e diferenciá-la de uma questão de facto, não fossem elas irmãs gémeas de uma mesma questão, da questão da decisão do caso concreto, a questão única do Direito.</font><br>
<font> Ao dizermos isto estamos, naturalmente, a pedir socorro à voz autorizada de Castanheira Neves com vista à </font><i><font>solutio</font></i><font> do problema aqui colocado.</font><br>
<font> Como nos ensina este grande Mestre da Escola coimbrã, “ «a questão-de-facto» e a «questão-de-direito» não são duas entidades em si, de todo autónomas e independentes, antes mutuamente se condicionam, além de que também mutuamente se pressupõem e remetem uma para a outra: a questão de direito é o desenvolvimento explicitante e judicativo do problema jurídico do caso jurídico decidendo e, como tal, não pode pensar-se e resolver-se senão numa solução desse problema, em unitária referência a ele; questão de facto ocupa-se da objectivação e da comprovação da relevância objectiva de um concreto problema jurídico e, como tal, não pode pensar-se nem resolver-se senão na perspectiva da problemática da juridicidade concreta que exige aquela objectivação e comprovação” (R.L.J., Ano 129, pág. 166).</font><br>
<font> De qualquer modo, sempre se poderá dizer que facto é o acontecimento ou circunstância exterior que pode reportar-se ao passado ou ao presente e deve ser concretizado e definido, no espaço e no tempo, apresentando-se no processo com as características de objecto, seja da alegação processual seja da prova feita em juízo (Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, página 44).</font><br>
<font> Postas assim as cousas, ainda que de uma forma sinóptica, importa retirar a ideia de que não há, na Vida e no Direito (“a pessoa e o direito comprometem-se reciprocamente e </font><i><font>ab origine</font></i><font>: aquela na normatividade jurídica de um emblemático horizonte de realização; este só vem à epifania pela demiúrgica intervenção da pessoa”, para citar a expressão feliz e certa de Fernando J. Bronze), enquanto imanente à mesma e seu natural regulador, compartimentos estanques entre a questão-de-facto e a questão-de-direito.</font><br>
<font> Ao STJ, como tribunal de revista, compete, é certo, a apreciação da boa observância das regras de direito à factualidade apurada pelas instâncias.</font><br>
<font> Mas, não é menos certo que o apuramento dessa mesma factualidade obedece a regras de direito espelhadas não só no código substantivo como também no código adjectivo.</font><br>
<font> E é também certo que é tarefa do Supremo sindicar o respeito pelas regras atinentes à recolha da prova e foi precisamente isso que foi feito.</font><br>
<br>
<font> O que o STJ não podia fazer (e não fez) era censurar o juízo probatório firmado pelas instâncias, porque se o fizesse, então sim, estaria a invadir a competência exclusiva das mesmas.</font><br>
<br>
<font> Ora bem.</font><br>
<font> O artigo 808º, nº 1, do Código Civil refere-se à perda de interesse como sendo uma das causas motivadoras da resolução do contrato por iniciativa do credor.</font><br>
<font> E, logo no nº 2 do mesmo preceito legal, afirma que “a perda de interesse na prestação é apreciada objectivamente”.</font><br>
<br>
<font> À luz das considerações sumárias que deixamos referidas, parece-nos que não levanta, agora, dificuldade de maior concluir que, no caso que nos preocupa (saber se houve motivos para perda de interesse), estamos perante um puro juízo conclusivo (de direito) que, como tal, estava fora da alçada das instâncias a obtenção das respostas adequadas.</font><br>
<font> E, ainda que, tendo havido transgressão à regra imposta pelo artigo 511º do Código de Processo Civil – o juiz deve apenas seleccionar factos –, o STJ não podia deixar de intervir, como, aliás, o fez, considerando a resposta obtida como não escrita, em obediência ao que está preceituado no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font> O que podia e devia ter acontecido, se tal tivesse sido devidamente alegado e, posteriormente impugnado, era a quesitação da correspondente matéria de facto com vista a chegar à conclusão (de direito) sobre se houve ou não perda de interesse.</font><br>
<font>Não faz sentido interrogar as testemunhas sobre se houve perda de interesse na concretização do negócio (certo, ainda, que a lei exige uma apreciação objectiva), em vez de as inquirir sobre factos que, a provarem-se, possibilitariam, então, ao julgador “tirar” a devida conclusão, positiva ou negativamente.</font><br>
<font>Como bem faz notar Alberto dos Reis, “o tribunal colectivo há-de ser perguntado …., sobre factos puramente materiais, e não sobre factos jurídicos, sobre meras ocorrências concretas, e não sobre juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências” (obra citada, página 215).</font><br>
<font>Esta mesma ideia é-nos trazida por Anselmo de Castro: “só, pois, acontecimentos ou factos concretos … podem constituir objecto da especificação e questionário, o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” (Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, página 268 e 269).</font><br>
<br>
<font> Saber se uma questão é de facto ou de direito envolve sempre uma difícil resposta, mas, na ânsia de a encontrar, não podemos desprezar a lição preciosa de Antunes Varela.</font><br>
<font> Ensina-nos ele que “os factos abrangem principalmente as ocorrências concretas da vida real e os juízos de facto estão situados “a meia encosta entre os puros factos e as questões de direito”.</font><br>
<font>Em relação a estes, há que distinguir “entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do </font><i><font>homo prudens</font></i><font>, do homem comum, e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam especialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador” (R.L.J., Ano nº 122, páginas 219 e seguintes).</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados, pensamos que as dúvidas sobre a bondade da decisão aqui posta em crise estão definitivamente dissipadas.</font><br>
<font>Por um lado, ficou explicitada (mais uma vez explicitada) a ideia de que o Supremo não se meteu por caminhos indevidos: é que a ele, como tribunal de revista, compete ser o censor da questão de facto, não do ponto de vista do juízo probatório, mas sim do </font><i><font>iter</font></i><font> percorrido com vista a almejar a base da aplicação das regras convocadas para a solução do caso.</font><br>
<font>Queremos apenas dizer que a “questão-de-facto” e a “questão-de-direito” não vivem espartilhadas, como que figurando em compartimentos estanques, com órgãos de cognição diferentes (o facto às instâncias, o direito ao Supremo), antes nos surgem como duas faces da mesma questão, a questão do Direito, da concretização jurídica do caso concreto, imbricadas entre si, melhor, umbilicalmente ligadas uma à outra.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Só está vedado ao Supremo, repetimos, é fazer censura sobre o juízo probatório firmado pelas instâncias.</font><br>
<font>Só verificando que a “questão-de-facto” foi devidamente resolvida pelas instâncias, fazendo essa análise, essa comprovação, é que o Supremo está em condições de ditar, em “ultima instância”, o direito do caso concreto.</font><br>
<font>Assim se explicam os poderes (censórios) contidos no nº 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil (tradutores da preocupação da função de vigilância sobre a solução da questão-de-facto atribuída ao Supremo) paralelos, vistas bem as cousas, aos conferidos à Relação pelo nº 4 do artigo 712º do mesmo diploma legal.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, ao verificar que a resposta ao aludido quesito 6º comportava a aceitação de um mero juízo conclusivo, não suportado pelas percepções das pessoas que poderiam depor a este respeito, estando em causa a violação de regras de direito que inquinaram todo o</font><i><font> iter</font></i><font> da questão de facto, o Supremo não podia deixar de intervir, como interveio, dizendo que, em observância do preceituado no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil, a resposta dada ao citado quesito não podia ser considerada. No fundo estava em causa uma questão de direito.</font><br>
<br>
<font>Nenhuma nulidade, das tipificadas no artigo 668º do Código de Processo Civil, foi, portanto cometida (e só destas seria possível a reclamação).</font><br>
<br>
<b><font>4.</font></b><br>
<font>Decide-se, em conformidade com o exposto, indeferir a arguida reclamação apresentada pelo recorrido com base em pretensas (não concretizadas e não verificadas) nulidades do acórdão dado a lume no passado dia 07 de Julho do corrente ano.</font><br>
<font>Condena-se o reclamante nas custas do incidente a que deu causa.</font><br>
<font>Fixa-se em 5 Ucs. a taxa de justiça devida.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, aos 21 de Outubro de 2008</font><br>
<font>Urbano Dias (relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jKgu4YBgYBz1XKvJiPZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> Recurso de Revista nº 655/06.2TBCMN.G1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></p><div><br>
<font> </font>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I – RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente no lugar do ..., freguesia de ..., Caminha,</font><b><font> </font></b><font>intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra </font><b><font>BB </font></b><font>e marido</font><b><font> CC, </font></b><font>residentes na Praceta ..., nº …, …, F...,</font><b><font> DD </font></b><font>e marido</font><b><font> EE, </font></b><font>residentes na Rua ..., nº …, ..., Amora,</font><b><font> </font></b><font>pedindo a condenação solidária dos demandados no pagamento da quantia de 145.818,89€, acrescida de juros de mora, por danos na mercadoria e lucro líquido perdido, e ainda na quantia mensal de 1.250,00€, desde Setembro de 2006, acrescida de juros, correspondente ao prejuízo mensal que a autora está a suportar com o estabelecimento encerrado.</font>
</p><p><font>Para tanto, alega, em síntese, que é titular de um estabelecimento comercial instalado em prédio dos réus, sito em Caminha, e de que faz parte o direito ao arrendamento sobre o local por que paga a renda mensal de 130,24€. </font>
</p><p><font>Sucede que surgiram infiltrações de água no tecto do imóvel que se foi deteriorando a ponto de parte dele cair, a autora requereu uma vistoria, os réus foram notificados pelos técnicos da Câmara Municipal para a realização das obras necessárias, mas não as executaram.</font>
</p><p><font>Devido ás sucessivas infiltrações de humidade ficou danificada mercadoria, por falta de obras a autora encerrou temporariamente o locado em 1998 deixando de ganhar no seu comércio, até à data da instauração da acção, a quantia líquida de 120.000,00€. Aos réus compete reparar tal prejuízo.</font>
</p><p><font>Regularmente citados, os réus contestaram invocando, considerando as duas contestações de forma conjugada, e em síntese, que em consequência de obras no prédio contíguo ao locado houve infiltrações neste de água das chuvas, nunca tendo o responsável por essas obras concluído a reparação das fendas causadas, obras que o Município não fiscalizou.</font>
</p><p><font>O prédio tem mais de 100 anos, pelo facto de as rendas serem baixas eram os inquilinos que procediam às pequenas reparações do telhado, janelas e outras, mas o prédio deixou de ter condições de segurança e habitabilidade impondo a necessidade não de obras mas de demolição e construção de um novo prédio.</font>
</p><p><font>Nessa reconstrução as rés teriam de gastar quantia não inferior a 250.000,00€, que em função do valor da renda paga pela autora só estaria recuperada ao fim de 159 anos, pelo que é inaceitável a obrigação de efectuar as obras para a autora continuar a usufruir o locado, constituindo um flagrante abuso de direito.</font>
</p><p><font>A autora abandonou o locado em Janeiro de 1998, deixou de pagar as rendas atempadamente e sem os aumentos legais, dedicou-se a outras actividades, e impugnam a existência de prejuízos.</font>
</p><p><font>Concluíram considerando dever ser a acção julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má fé.</font>
</p><p><font> Deduziram reconvenção, peticionando os réus EE:</font>
</p><p><font>- a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no encerramento do locado desde 1998, no não pagamento das rendas, pagamento de algumas fora de prazo e de outras sem actualização legal, e na não utilização prudente do locado causando nele deteriorações consideráveis. </font>
</p><p><font>Subsidiariamente, ainda pediram que se declarasse extinto o contrato por caducidade derivada da perda da coisa locada.</font>
</p><p><font>Por sua vez, os réus BB e marido CC pediram:</font>
</p><p><font>- a extinção do contrato por caducidade, e restituição imediata do locado;</font>
</p><p><font>- a condenação da autora a pagar-lhes uma indemnização não inferior a 25,00€ por dia, a título de ocupação do imóvel, até ao dia da sua efectiva restituição;</font>
</p><p><font>Mais requereram, os primeiros, a intervenção acessória provocada de FF e mulher, autores das obras no prédio contíguo, e do Município de Caminha, por falta de celeridade nas intervenções camarárias, responsáveis pelos prejuízos que a autora tenha sofrido, devendo, caso os réus sejam condenados, sê-lo também com eles solidariamente.</font>
</p><p><font>A autora replicou impugnando os factos suporte dos pedidos reconvencionais, cuja improcedência peticionou juntamente com a condenação dos réus em multa e indemnização não inferior a 10.000,00€ por litigância de má fé.</font>
</p><p><font>Foi elaborado despacho que não admitiu o chamamento requerido (fls. 354/357).</font>
</p><p><font>No despacho saneador foram admitidos os pedidos reconvencionais e procedeu-se à condensação dos autos, com reclamação, indeferida, dos réus DD e marido. </font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, após a prolação da decisão da matéria de facto (fls. 1180/1183), isenta de reclamação, foi proferida sentença (fls. 1186 a 1216) que julgou improcedente a acção e parcialmente procedentes as reconvenções, sendo declarado resolvido o contrato de arrendamento relativo ao estabelecimento comercial de venda de confecções e pronto-a-vestir, e a autora condenada a despejar o local.</font>
</p><p><font>Inconformada, da mesma apelou a autora.</font>
</p><p><font> A Relação de Guimarães, por unanimidade, no acórdão de 19/01/12 (fls. 1360 a 1364), decidiu a sua parcial procedência, assim decidindo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>a) Julgam improcedentes os pedidos reconvencionais na parte que vem impugnada, deles absolvendo a Autora/Reconvinda, revogando correspectivamente a sentença recorrida;</font></i>
</p><p><i><font>b) Confirmam a sentença recorrida (dispositivo) na parte em que julgou improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido.</font></i><font> “.</font>
</p><p><font>Mostrando-se irresignados, os réus BB e marido CC, e só eles, pedem revista. </font>
</p><p><font>Das alegações que apresentam tiram as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1ª- Não se pode falar num exercício manifestamente abusivo por parte dos RR. /Reconvintes, de requererem a resolução do contrato de arrendamento quando está sobejamente demonstrado nos autos que o prédio configura um caso de ruína económica e ruína física.</font>
</p><p><font>2ª- Concluindo também que se trata de um caso de ruína física, uma vez que o edifício apresenta um esgotamento generalizado dos seus elementos construtivos, exceptuando o alçado principal, que deverá ser mantido e preservado.</font>
</p><p><font>3ª- Daí que não podem restar dúvidas que estamos perante uma perda total da coisa locada, uma vez que uma reparação parcial não é tecnicamente viável.</font>
</p><p><font>4ª- E tal facto não é imputável aos RR./ Reconvintes, proprietários do edifício, mas sim ao facto de este ter há muito ultrapassado o seu prazo de validade, devido aos materiais utilizados e método de construção.</font>
</p><p><font>5ª- Efectivamente, a degradação do edifício não resultou de culpa da RR., mas sim da idade do prédio, e a própria resistência dos materiais (madeiras) que infelizmente não são eternos.</font>
</p><p><font>6ª- De resto, diga-se em abono da verdade, que quando a Autora tomou de trespasse o estabelecimento, em 1988, conforme consta da A) da matéria assente já o prédio possuía 96 anos de idade, e se encontrava praticamente nas mesmas condições em que se encontrava em 1994.</font>
</p><p><font>7ª - A Autora sabia perfeitamente, quando celebrou o trespasse do estabelecimento, que este não se localizava num prédio novo ou recente, mas sim num prédio com quase um século de existência, num estado de conservação precário.</font>
</p><p><font>8ª- Não poderia pois, a Autora esperar que os senhorios, com a parca renda que auferiam lhe fossem recriar o prédio.</font>
</p><p><font>9ª- Tanto mais que conforme consta da resposta ao quesito 38° da base instrutória, para a reparação do prédio será necessário despender uma quantia entre € 200.000,00 a 250.000,00.</font>
</p><p><font>10ª- Feitas as contas, com o valor pago pela A., a título de renda a obra só seria paga num período compreendido entre os 1535 meses e 1919 meses, ou seja, entre os 127 e os 159 anos.</font>
</p><p><font>11ª- É pois evidente que existe, como existia uma colossal desproporção entre a retribuição que os senhorios recebem pela cedência do espaço do locado, e o custo das obras que estas teriam que efectuar para lograr obter a recuperação do imóvel, e poder o A. continuar a usufruir do locado.</font>
</p><p><font>12ª- Uma vez que se trata de obras extraordinárias, e face ao seu elevado valor a RR. não está obrigadas a fazê-las.</font>
</p><p><font>13ª- A este propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11/05/95, (in Bmj 442° - 244), considerou existir abuso de direito num caso em que as obras exigidas pelo inquilino atingiam um valor correspondente a 30 anos de renda, o que torna ilegítima a reivindicação da realização dessas obras, por constituir excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico-social desse direito proibido pelo Art. 334° do Código Civil.</font>
</p><p><font>14ª- Assim e ao contrário do defendido pelo Tribunal "a quo", não existe nenhum exercício ilegítimo do direito dos RR. Ao pretenderem ver o decretado a resolução do contrato de arrendamento, pelo encerramento do estabelecimento e do arrendado desde o mês de Setembro de 1998, conforme alínea T) da matéria assente, no qual consta que "O estabelecimento da Autora encontra-se encerrado desde Setembro de 1998."</font>
</p><p><font>15ª- O não uso do locado por mais de um ano, confere aos RR/Reconvintes o direito de resolver o contrato de arrendamento existente, ao abrigo do disposto na al. h) do n° 1 do art. 64° do R.A.U.</font>
</p><p><font>16ª- Provado que ficou que a Autora está a fazer um não uso do locado, há mais de oito anos, consecutivos, o que é de per si causa de resolução do contrato de arrendamento nos termos do previsto nas alínea h) do número 1 do Artigo 64° do RAU e actualmente na alínea d) do número 2 do Artigo 1083° do NRAU.</font>
</p><p><font>17ª- Pelo que salvo o devido respeito, o Tribunal "a quo" ao julgar que o direito dos reconvintes à pretendida resolução do contrato não pode actuar por se revelar num exercício manifestamente abusivo, teve uma visão meramente parcial dos factos e aplicou mal o direito.</font>
</p><p><font>18ª- Pois, a existir abuso do direito, e diga-se em abono da verdade, este foi e é exercido por parte da Autora, que sempre agiu com o único intuito de adquirir o prédio por um baixo preço, querendo vergar os senhorios pela força do seu poder monetário.</font>
</p><p><font>SEM PRESCINDIR,</font>
</p><p><font>19ª- Atentos os factos provados, veja-se em particular as respostas aos quesitos 31°, 36°, 37° e 38° da base instrutória, ficou plenamente demonstrado que é necessário proceder à demolição do edifício para posterior reconstrução.</font>
</p><p><font>20ª- Deve assim, ter-se por verificada a caducidade do contrato de arrendamento, por perda total da coisa.</font>
</p><p><font>21ª- E não é exigível aos RR., que façam as obras de que o prédio carece, só para a autora aí se manter, pois sempre se entraria no campo do abuso do direito.</font>
</p><p><font>22ª- Deve entender-se, pois, que o contrato de arrendamento caducou, uma vez que a caducidade opera "ipso iure"</font>
</p><p><font>23ª- O critério de qualificação da perda total ou parcial para efeitos da caducidade do arrendamento, nos termos da alínea e) do n° 1 do Art. 1051° do C.C., não é físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa se destina, devendo assim considerar-se a perda total quando o arrendado não fica em condições de satisfazer o fim convencionado.</font>
</p><p><font>24ª- Pelo que sem margem para dúvidas, deve ser considerado/declarado que o contrato de arrendamento caducou por perda da coisa locada, de harmonia com o disposto, no artigo 1051° alínea e) do Código Civil.</font>
</p><p><font>25ª- Deve assim, ser declarado, atento o disposto na al. h) do n° 1 do art. 64° do R.A.U., e actual alínea d) do n° 2 do Artigo 1083° do NRAU, declarado o despejo do arrendado e Autora, condenada a despejar, imediatamente, o local arrendado.</font>
</p><p><font>26ª- Pelo que face a matéria apurada, deve ser declarada a cessação do contrato de arrendamento por caducidade, e em consequência ordenar-se a restituição imediata do rés-do-chão, do prédio urbano em questão aos RR/Reconvintes.</font>
</p><p><font>27ª- O Tribunal atentos os factos apurados, não fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nas alínea h) do número 1 do Artigo 64° do RAU e actualmente na alínea d) do número 2 do Artigo 1083° do NRAU, alínea e) do n° 1 do Art. 1051° do C.C., e artigo 334° do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A autora contra-alegou defendendo a manutenção do decidido. </font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font>As conclusões dos recorrentes – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> - CPC daqui por diante) – consubstanciam as seguintes questões: </font>
<p><font>a) Se os réus ao pretenderem a resolução do contrato de arrendamento estão num exercício manifestamente abusivo do seu direito;</font>
</p><p><font>b) Caducidade do contrato.</font>
</p><p><a></a><a></a><font> ª</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No acórdão recorrido foi considerada assente, em definitivo, a seguinte matéria fáctica: </font>
</p><p><font>A) No dia 15 de Dezembro de 1988</font><b><font>,</font></b><font> no Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo, a Autora tomou de trespasse o estabelecimento comercial de venda de confecções e pronto-a-vestir, instalado no rés-do-chão do prédio urbano, sito na Rua Conselheiro Miguel Dantas, freguesia e concelho de Caminha, inscrito na matriz sob o artigo urbano 24°, nos termos constantes da cópia da escritura pública de trespasse que se encontra junta aos autos de fls. 10 a 16 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>B) GG subscreveu os recibos de aluguer que se encontram juntos aos autos a fls. 284, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>C) Para crédito na conta nº ... da Caixa Geral de Depósitos, pertencente a GG, foram recebidos por aquela entidade bancária os montantes pecuniários que melhor surgem descritos nos documentos constantes de fls. 285 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos; </font>
</p><p><font>D) Para crédito na conta nº ... da Caixa Geral de Depósitos, pertencente a DD, foram recebidos por aquela entidade bancária os montantes pecuniários que melhor surgem descritos nos documentos constantes de fls. 286 a 290, 292 a 297, 300 a 311, 314 a 319 e 321 a 326, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;</font>
</p><p><font>E) Para crédito na conta nº ... da Caixa Geral de Depósitos, à ordem dos presentes autos, foram recebidos por aquela entidade bancária, o montante pecuniário que melhor surge descrito no documento constante de fls. 327 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nele figurando, como arrendatária, AA, e como senhorios, BB e marido, CC, e DD e marido, EE;</font>
</p><p><font>F) Por requerimento datado de 13.09.94, mas entregue na Câmara Municipal de Caminha no dia 21.09.94, a Autora requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Caminha, ao abrigo do disposto no artigo 10° do RGEU, uma vistoria ao prédio referido na alínea A), nos termos da cópia do documento que se encontra junto aos autos a fls. 18 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>G) Na sequência daquele requerimento, a Câmara Municipal ordenou uma vistoria ao prédio, que se realizou no dia 29.11.94, tendo constatado que: a) no tecto da parte posterior do estabelecimento ocupado pela reclamante, existe um estado avançado de deterioração, verificando-se mesmo a caída parcial desse tecto; b) esta situação é originada pela infiltração de águas da parte superior, colocando em risco a actividade económica exercida pela reclamante com as consequências daí inerentes; tudo conforme o conteúdo da cópia do auto de vistoria constante do presente processo de fls. 22 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>H) De acordo com tal auto de vistoria, propôs-se a realização, de imediato e com urgência, das seguintes obras: (i) verificação e remodelação, onde necessário, do sistema de esgotos e abastecimento de água no piso superior; (ii) verificação da cobertura do prédio, incluindo os respectivos rufos e caleiros, com a substituição dos elementos partidos ou deteriorados; (iii) arranjo do tecto e outras partes danificadas pelas infiltrações de água no estabelecimento da reclamante; tudo conforme o conteúdo da cópia do auto de vistoria constante do presente processo de fls. 22 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>I) Tal proposta constante do auto de vistoria mereceu despacho de concordância do Sr. Vereador do pelouro, que ordenou a notificação dos Réus e lhes fixou o prazo de 60 dias para a realização das obras em causa, conforme o conteúdo da cópia do auto de vistoria constante do presente processo de fls. 22 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>J) Por requerimento datado de 02.04.2002, dirigido à Câmara Municipal de Caminha, a Autora requereu que se notificassem novamente os Réus para a realização das obras em questão, conforme cópia do documento constante de fls. 24 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>K) O qual mereceu da Câmara Municipal de Caminha o seguinte despacho, datado de 30.04.2002: na sequência da notificação feita à CM Seixal, uma vez que a queixosa insiste na queixa, dado que decorreram desde então 5 anos, considero que: (…) 1 – Deve promover-se uma vistoria assinalando as deficiências encontradas e a evolução da situação demonstrada a 29NOV1994”; conforme cópia do documento constante de fls. 24 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>L) Após vistoria realizada ao prédio, em auto de vistoria de 09.07.2002, os Srs. Peritos decidiram, por unanimidade, que “não só se mantém a situação descrita no auto de vistoria datado de 29 de Novembro de 1994, como, o tempo decorrido, agravou naturalmente a situação existente, dado neste período, não ter havido qualquer intervenção”, conforme cópia do documento constante de fls. 36 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>M) Por ofício datado de 24.01.2003, a Câmara Municipal de Caminha notificou a Autora, informando-a que iria realizar nova vistoria, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 89° e seguintes do Decreto-Lei nº 555/99, a ter lugar no dia 06.02.2003, pelas 14.30 horas, conforme cópia do documento constante dos autos a fls. 38 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido </font>
</p><p><font>N) No auto de vistoria elaborado após a realização desta, lê-se que “viriam a observar-se as condições já antes descritas em auto de vistoria anterior, não tendo igualmente ocorrido, segundo os arrendatários, qualquer novo desenvolvimento. (…). Pelo exposto, os técnicos entendem manter a informação prestada no auto de vistoria datado de 09.07.02 e a descrição pormenorizada constante do auto de 29.11.94”, conforme cópia do documento constante dos autos a fls. 42 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; </font>
</p><p><font>O) Em parecer datado de 01.06.2004, a jurista da Câmara Municipal de Caminha, propôs a repetição de todo o processo por preterição de formalidades legais, nos termos da cópia do documento constante dos autos de fls. 46 a 48 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o qual mereceu a concordância do Sr. Vereador do pelouro que ordenou que a comissão de avaliação procedesse em conformidade com a mesma;</font>
</p><p><font>P) Em 06.09.2004, o técnico, Eng. HH, emitiu a informação que consta da cópia do documento constante dos autos de fls. 71 a 72 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; </font>
</p><p><font>Q) Em sequência, foi marcada nova vistoria para o dia 06.06.2005; </font>
</p><p><font>R) Realizada a vistoria, foi constatado pelos Srs. Peritos o constante da cópia do auto de vistoria que consta dos autos de fls. 79 a 81 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>S) Com data de 19 de Maio de 2006, os Réus requereram à Presidente da Câmara Municipal de Caminha que se dignasse ordenar as diligências necessárias para que: (i) o edifício fosse declarado sem condições de habitabilidade; (ii) os inquilinos fossem notificados e impedidos de entrar no edifício; e (iii) que os ora requerentes fossem desobrigados de fazer obras de recuperação; tudo nos termos da cópia do requerimento que se encontra junto aos autos de fls. 85 a 86 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; </font>
</p><p><font>T) O estabelecimento da Autora encontra-se encerrado desde Setembro de 1998.</font>
</p><p><font>U) O prédio em causa foi construído em 1893. </font>
</p><p><u><font>Factos emergentes das respostas aos artigos da base instrutória:</font></u>
</p><p><font>1) Provado apenas o que consta da al. G) da matéria assente.</font>
</p><p><font>1-A) Pelo menos em Setembro de 2001 os Réus tiveram conhecimento do auto de vistoria e do despacho que sobre ele recaiu, referidos nas alíneas G), H) e I) dos Factos Assentes.</font>
</p><p><font>2) Os réus não executaram as obras em questão. </font>
</p><p><font>3) A Ré BB foi convocada para a vistoria referida na alínea M) dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>4) Os réus não estiveram presentes nessa vistoria. </font>
</p><p><font>5) As Rés e a Autora foram notificadas do dia da realização da vistoria pressuposta no despacho do Sr. Vereador do pelouro referido na alínea O) dos Factos Assentes e para, querendo, indicarem os seus peritos.</font>
</p><p><font>6) Os Réus não executaram qualquer obra no imóvel em causa após a vistoria referida na alínea R) dos Factos Assentes. </font>
</p><p><font>7) O imóvel em causa está de tal modo degradado que para a sua reparação é necessário destruir o seu miolo e o telhado. </font>
</p><p><font>8) Na declaração fiscal de 2007, o valor de mercadoria em stock no estabelecimento da autora era de € 7.263,03. </font>
</p><p><font>9) Na sequência dos factos constantes das respostas aos quesitos lº e 2°, e da consequente degradação que os mesmos provocaram no locado, a autora encerrou o estabelecimento comercial que aí explorava. </font>
</p><p><font>10) A contabilidade da empresa espelha uma quebra de facturação a partir do ano de 1993, sendo essa redução mais drástica a partir do ano de 1995. </font>
</p><p><font>11) FF fez obras no prédio contíguo ao locado. </font>
</p><p><font>12) Quando da realização dessas obras foram feitas escavações no quintal, o que provocou derrocada do muro do logradouro do prédio em que está implantado o edifício que integra o locado. </font>
</p><p><font>13) Ao nível do l º andar, na parede do alçado encostado o edifício onde foram realizadas as obras referidas na resposta ao quesito 20°, surgiram algumas fissuras. </font>
</p><p><font>14) Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 20°, e que o II procedeu à reconstrução e arranjo desse muro. </font>
</p><p><font>15) Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 21º. </font>
</p><p><font>16) O II mandou reparar as fissuras referidas na resposta ao quesito 21°, mas continuam a verificar-se algumas. </font>
</p><p><font>17) O estado actual do prédio põe em perigo a segurança física e a saúde das pessoas. </font>
</p><p><font>18) A autora não tem consumido água e electricidade no locado.</font>
</p><p><font>19) Com o encerramento, o locado deixou de ter arejamento e ventilação. </font>
</p><p><font>20) O rés-do-chão padece de uma evidente falta de ventilação transversal, na medida em que se encontra parcialmente enterrado, sendo apenas desafogado na fachada voltada à Av. …. Para além disso, o contacto do chão do estabelecimento, e da parede do fundo (da parte do armazém), com a terra ocasiona infiltrações de humidade. A falta de arejamento e ventilação acaba por agravar essas patologias e ocasionar um aumento desses teores de humidade, a criação de fungos e outras eflorescências e o surgimento de cheiros desagradáveis.</font>
</p><p><font>21) O prédio não é recuperável, nem reparável, sem que seja totalmente destruído e, posteriormente, totalmente reconstruído, com excepção das paredes que constituem a estrutura do edifício, constituídas em alvenaria de pedra nos alçados principal, posterior e laterais. </font>
</p><p><font>22) O seu interior corre o risco de ruir. </font>
</p><p><font>23) Para a reparação do prédio será necessário despender uma quantia entre € 200.000,00 a € 250.000,00. </font>
</p><p><font>24) Provado apenas o que consta das alíneas F) a O) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 3° a 7° da base instrutória. </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>Questão Prévia</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>À acção, intentada em 22/08/06, a autora atribuiu o valor de 135.818,89€ e no despacho saneador o Exmo Juiz, depois de admitir os pedidos reconvencionais, fixou à causa o valor de 137.381,77€ (135.818,89€ + 1.562, 88€) (cfr. fls. 362).</font>
</p><p><font>Valor este que passou a ser inalterável porquanto não impugnado por qualquer das partes.</font>
</p><p><font>Este facto, pela sua objectividade, suscitou o juízo inicial de que tendo sido a acção julgada improcedente na 1ª instância e na Relação, e por transitada em julgado excluído o seu escrutínio nesta revista, apenas estaria em causa a apreciação daqueles pedidos reconvencionais no valor de 1.562, 88€, formulados pelos réus EE.</font>
</p><p><font>Contudo, como bem advertem os réus BB e marido CC, a presente revista foi por eles interposta, não pelos outros réus, e o valor que atribuíram à sua reconvenção foi o de 15.000,00€. </font>
</p><p><font>Assim é de facto. Revela-se que a decisão que no despacho saneador fixou o valor da acção padece de manifesto erro porque não considerou no seu cálculo o valor da reconvenção deduzida por estes recorrentes, apesar de a haver admitido, subsequentemente apreciada e julgada improcedente.</font>
</p><p><font>Temos, então, que o valor da acção permanece imutável, por transitado em julgado. Mas o valor da sucumbência é o de 15.000,00€ correspondente ao do pedido reconvencional dos recorrentes, também ele não impugnado.</font>
</p><p><font>O que leva a concluir, ao invés de antecedente juízo, face ao disposto no art. 678º, nº 1 do CPC, pela admissibilidade da revista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A) </font><u><font>Se os réus ao pretenderem a resolução do contrato de arrendamento estão num exercício manifestamente abusivo do seu direito</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Está provado que o estabelecimento da autora se encontra encerrado desde Setembro de 1998, e o encerramento do local arrendado por mais de um ano, nos termos da alínea h) do nº 1 do art. 64º do RAU, confere ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento. </font>
</p><p><font>As instâncias julgaram de modo diferente.</font>
</p><p><font>A sentença da 1ª instância concluiu que deveria ser declarada a resolução do contrato de arrendamento e ordenado o despejo da autora, não obstante o imóvel se encontrar degradado ao ponto do seu interior ameaçar ruir, pondo em perigo a segurança e a saúde das pessoas, só sendo viável a sua reconstrução com a destruição do seu miolo e telhado.</font>
</p><p><font> Isso, porque a falta de interpelação dos réus/senhorios para a realização de obras, a faculdade que a autora tinha de executar ela própria obras urgentes com direito ao reembolso, e a falta do aviso a que alude a alínea h) do art. 1038º do Código Civil (doravante CC), foram circunstâncias que conduziram o decisor a ajuizar não se poder atribuir aos réus alguma responsabilidade pelo encerramento do locado, uma vez que não lhes foi dada a oportunidade de proceder à correcção e eliminação dos entraves ao funcionamento do estabelecimento comercial. E quando advertidos e notificados para esse efeito já a autora havia encerrado o estabelecimento.</font>
</p><p><font>Não partilhou a Relação desta leitura. Não obstante reconhecer aos réus o direito à resolução do contrato, porém, sustentou que os factos provados mostram que como donos do imóvel</font><i><font> </font></i><font>pelo menos desde 2001</font><i><font> </font></i><font>adquiriram conhecimento da existência, reportada a 1994, de deficiências no edifício e no locado</font><i><font>, </font></i><font>que sem dúvida teriam justificado a tomada de algum tipo de medidas de conservação, ordenadas no auto de vistoria, que não executaram, e desde a vistoria de 2005 sabem que o edifício se foi degradando paulatinamente, ao ponto de haver risco de todo o seu interior colapsar. </font>
</p><p><font>Por isso, se entendeu ser o pedido de resolução do contrato de arrendamento um exercício manifestamente abusivo, assim se argumentando: “</font><i><font>Nesta medida, vistas portanto as circunstâncias idiossincráticas do caso, afigura-se-nos que o direito dos Reconvintes à pretendida resolução do contrato não pode ser actuado, por se revelar num exercício manifestamente abusivo. De facto, repugna ao vector da boa fé que quem deixa chegar praticamente à ruína o edifício onde se insere o locado (ademais sabendo que se trata de edifício deveras antigo, a demandar maior vigilância), que quem conhece que o estado do locado contende com a sua regular utilização para os fins da actividade económica exercida pela arrendatária (isto está claro, repetimos, no auto de vistoria a que se reporta o ponto G), e que</font></i><font> </font><i><font>chegou ao conhecimento dos Réus pelo menos em 2001), e que quem sabe perfeitamente desde pelo menos 2001 (v. a missiva de fls. 328, documento 79 junto com a réplica) que o estabelecimento está encerrado por razões inerentes ao estado do imóvel, possa ainda assim vir argumentar com o encerramento do locado com vista a resolver o contrato de arrendamento. Não nos parece aceitável que os Reconvintes possam capitalizar sobre uma omissão sua - qual seja, a não manutenção oportuna do edifício, com reflexos no locado - de forma a tirar partido precisamente de um circunstancialismo que somente eles podiam, razoavelmente, ter invertido. É certo que estamos perante um prédio antigo, é certo que há que levar em conta a inevitável fadiga e deterioração natural dos seus elementos, é certo que apenas é exigível ao Réus que, para efeitos do arrendamento, mantenham (conservem) o edifício e não que o recriem. Mas tudo isto deve ser visto e valorizado apenas como parte da questão. Se ao longo do tempo as acções de manutenção fossem cumpridas não estaríamos agora a falar de um imóvel manifestamente degradado. E, de resto, a vetustez incontornável de um imóvel não poderá nunca servir de factor facilitador (e muito menos indutor) da resolução do contrato de arrendamento, mas sim como causa da caducidade do contrato</font></i><font>.“.</font>
</p><p><font>Vejamos onde se encontra a razão.</font>
</p><p><font>Importa. primeiro que tudo, precisar que ao caso é aplicável o Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Dec. Lei nº 321-B/90 de 15/10, e, no que não esteja em oposição com este, pelo regime geral da locação civil (art. 5.º, n.º 1 do RAU), apesar de revogado pela Lei nº 6/2006 de 27/02, Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), por estar em causa a apreciação e valorização de factos que ocorreram no período da su | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6zKqu4YBgYBz1XKvrCqB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
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<b><font>I.</font></b><font> No Tribunal da Comarca de Santa Maria da Feira, </font><b><font>AA- A... Portugal, Companhia de Seguros, S.A.</font></b><font> instaurou acção declarativa sumária contra </font><b><font>Brisa – Auto-Estradas de Portugal, S.A</font></b><font>, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 16559,45, acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde citação até efectivo e integral pagamento.</font><br>
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<font>Alega, para tanto, em síntese:</font><br>
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<font>Mediante contrato de seguro celebrado com CC, assumiu a responsabilidade pela circulação do veículo ...-...-PT.</font><br>
<font>Em Março de 2001, ocorreu um acidente de viação na A1, no sentido N/S, ao Km 280, no qual intervieram vários veículos, tendo a A, por via do contrato de seguro pago os danos sofridos pelo PT, uma vez que o seguro cobria danos próprios, no valor de € 13.218,14, bem como os danos do veículo embatido pelo PT, no valor de € 3.242,19.5716</font><br>
<font>Por via do acidente, teve a autora outras despesas, de € 47,00 e € 52,12.</font><br>
<font>O acidente ficou a dever-se à existência de excesso de água no piso, cujos meios de escoamento se revelaram insuficientes, o que representa um perigo para os utentes da via.</font><br>
<font>E a ré é responsável por manter essa via em condições de segurança para os que nela circulam, pelo que deve indemnizar a autora no que, por causa do acidente, teve de despender. </font><br>
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<font>A ré contestou. </font><br>
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<font>Além de impugnar a factualidade alegada referente ao modo do acidente e danos, diz que, no momento em que ocorreu o acidente, fazia mau tempo, com fortes rajadas de vento e com chuvas intensas, atingindo a precipitação os 30 mm em 10 minutos, o que se fez sentir em todo o norte do país.</font><br>
<font>A queda de tão grande quantidade de chuva é facto fortuito ou de força maior que não pode ser imputável à ré, nem é dominável pela sua vontade.</font><br>
<font>Pelo que, só sendo responsável por reparar danos decorrentes de facto ilícito a si imputável, tal não sucede com o facto que, segundo a autora, está na origem do acidente.</font><br>
<font>Pois que a ré não omitiu qualquer acto destinado a assegurar permanentemente as condições de circulação e segurança na referida auto-estrada, não sendo responsável pelas consequências do acidente.</font><br>
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<font>Requereu a intervenção acessória provocada da DD-Companhia de Seguros F...-M..., SA, por com esta ter celebrado seguro de responsabilidade civil pelas indemnizações que, nos termos da legislação em vigor, sejam exigidas da ré.</font><br>
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<font>Termina a pedir a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. </font><br>
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<font>Admitida a intervenção, a DD-F...-M... contestou.</font><br>
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<font>Impugna a existência de quaisquer deficiência no piso da via ou a existência de lençóis de água, mas apenas que chovia torrencialmente, que o piso estava molhado e escorregadio, razões pelas quais, associadas à inabilidade de alguns condutores ou ao excesso de velocidade, faz assentar a ocorrência do sinistro.</font><br>
<font>Impugna o modo do acidente descrito pela autora, bem como os danos alegados, por desconhecimento.</font><br>
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<font>Pede a improcedência da acção.</font><br>
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<font>Seleccionada a matéria de facto, sem reclamação das partes, procedeu-se a julgamento, tendo-se, posteriormente, sentenciado a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 8.279,73 e juros de mora, desde a citação.</font><br>
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<font>Em via de recurso, foi anulado o julgamento.</font><br>
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<font>Após nova audiência de decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 16.507,33, com juros de mora legais, desde a citação até efectivo pagamento.</font><br>
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<font>Inconformadas com a sentença, recorrem a ré e a interveniente.</font><br>
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<font>Apenas a primeira alegou. </font><br>
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<font>A Relação do Porto veio a julgar a apelação improcedente e a confirmar a sentença recorrida.</font><br>
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<font>Desta decisão veio recorrer a R, Brisa, de revista, para este STJ.</font><br>
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<font>A Brisa concluiu as suas alegações do seguinte modo:</font><br>
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<font>1 – Dos depoimentos das testemunhas da autora, existia um “ribeiro” de água que vinha do lado oposto, isto é, do sentido Sul/Norte;</font><br>
<font>2 – Provou-se que a ora recorrente efectuou, na data do sinistro, o patrulhamento ao longo da A 1 (resposta ao quesito 33º), e que “No âmbito de tal vigilância, pelo menos até uma hora antes, em que um veículo da Brisa passou no local, a situação descrita nos factos provados 6, 14 e 15 não foi detectada” – (Resposta ao quesito nº 36º da Base Instrutória).</font><br>
<font>3 – Não se pode ignorar que, para além da chuva intensa, tinha havido um transbordo para a via de uma linha de água do exterior à zona concessionada, não se podendo exigir à mesma que procedesse, de imediato, à sinalização do local e repusesse o rápido escoamento das águas, que provinham não só da chuva intensa, mas duma linha de água do exterior e adjacente à zona concessionada, conforme se sabe e está provado.</font><br>
<font>4 – O douto aresto ora recorrido perante tal prova entende que, mesmo assim, não se encontra preenchido o conceito e definição de força maior que nos é dada pelo nº 2 da base XLVII, ou seja, de um” acontecimento” imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária, não basta à concessionária “(...) manter a via em condições ou em boas condições mas em perfeitas condições de utilização, não se consentindo excepções ou menor atenção ao cumprimento, sem reparo, de tais obrigações.” – 1º parágrafo a fls. 18 do douto aresto.</font><br>
<font>5 – À ora recorrente não impende sobre a mesma a “tutela” de linhas de água exteriores à sua concessão, tão somente impende sobre a mesma ter drenagem para drenar águas pluviais e não outras pelo que perante os factos supra referidos, e ainda de fortes rajadas de vento (resposta ao quesito 38º da Base Instrutória), quantidade de precipitação no dia em causa (resposta ao quesito 37º da Base Instrutória) e com os depoimentos supra referidos, a resposta aos quesitos 18º e 19º da Base Instrutória, houve, em suma, uma conjugação de factos que se integram no conceito e definição de força maior que nos é dada pelo nº 2 da base XLVII, ou seja, de um” acontecimento” imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária, a Brisa provou a sua falta total de culpa no incumprimento das suas obrigações ou, eventual, caso seja esse o entendimento, cumprimento defeituoso do contrato.</font><br>
<font>6 – O douto Aresto, após atenta leitura, peca por em traços gerais dizer que a Brisa não assegurou, de forma continuada e permanente as necessárias condições de utilização, segurança e comodidade na circulação da auto-estrada, o que lhe era absolutamente exigido e sem excepções ou menor atenção ao cumprimento, sem reparos das sua obrigações.</font><br>
<font>7 – Ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo” não se vislumbra um facto ilícito cometido pela Brisa, pois não impende sobre a mesma, nem decorre do D.L. nº 294/97 de 24/10, a obrigação de a todo o tempo e em toda a extensão da auto-estrada assegurar que não existe qualquer “obstáculo” no piso que possa dificultar, assustar os utentes ou pôr em perigo a circulação automóvel.</font><br>
<font>8 – “No âmbito de tal vigilância, pelo menos até uma hora antes, em que um veículo da Brisa passou no local, a situação descrita nos factos provados 6, 14 e 15 não foi detectada.” – (Resposta ao quesito no 36º da Base Instrutória);</font><br>
<font>9 – Perante tais factos, acrescido das fortes rajadas de vento (Resposta ao quesito 38º da Base Instrutória), quantidade de precipitação no dia em causa (resposta ao quesito 37º da Base Instrutória) e com a resposta aos quesitos 18º e 19º da Base Instrutória, </font><br>
<font>10 – houve uma conjugação de factos que se integram no conceito e definição de força maior que nos é dada pelo nº 2 da base XLVII, ou seja, de um” acontecimento” imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária, </font><br>
<font>11 – a Brisa provou a sua falta total de culpa no incumprimento das suas obrigações ou, eventual, caso seja esse o entendimento, cumprimento defeituoso do contrato, contudo, </font><br>
<font>12 – não entendeu o Tribunal “a quo” a falta total de culpa da ora recorrente, mantendo na íntegra a douta Sentença do tribunal de 1ª instância. </font><br>
<font>13 – Ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo” não se vislumbra um facto ilícito cometido pela Brisa, pois não impende sobre a mesma, nem decorre do D.L. nº 294/97 de 24/10, a obrigação de a todo o tempo e em toda a extensão da auto-estrada assegurar que não existe qualquer “obstáculo” no piso que possa dificultar, assustar os utentes ou pôr em perigo a circulação automóvel.</font><br>
<font>14 – Tendo a ora recorrente BRISA ao seu dispor meios efectivos de fiscalização, 24 horas sobre 24 horas, da auto-estrada A1, norma alguma, legal ou contratual, obriga a Brisa, como resultado, a garantir a ausência de obstáculos na sua área concessionada.15 – À Brisa, como concessionária, compete tão-somente fazer um esforço razoável para assegurar a boa, segura e livre circulação nas auto-estradas.</font><br>
<font>16 – Exige-se antes que “em termos razoáveis, em tempo oportuno e de modo eficaz, a Brisa assegure a boa circulação nas auto-estradas concessionadas, fazendo as reparações devidas, mantendo uma vigilância permanente (esta em termos realistas) (...)“ (cfr. Ac. Da Relação de Lisboa de 3 1/10/96, in CJ, IV, pág. 149).</font><br>
<font>17 – Considerando o factualismo dado como provado, não oferece dúvidas que a Ré Brisa, no caso vertente, provou a sua falta total de culpa no incumprimento ou, eventualmente, se for esse o entendimento, cumprimento defeituoso do contrato, </font><br>
<font>18 – como se provou a ocorrência de um acontecimento concreto que integrou o conceito de força maior, segundo a definição que nos é dada pelo n.º 2 da base XLVII, ou seja, de um” acontecimento” imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária. </font><br>
<font>19 – Através das Bases anexas ao Decreto-Lei 294/97 de 24 de Outubro, fácil é concluir que a responsabilidade da R. Brisa será civil extra-contratual subjectiva por facto ilícito,</font><br>
<font>20 – e regula-se unicamente pelo princípio geral contido no art.º 483º do Código Civil, que estatui que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito doutrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.</font><br>
<font>21 – Só a verificação dos pressupostos, o facto (quer ilícito, quer proveniente duma actividade lícita) do agente por um nexo de imputação (de natureza subjectiva ou objectiva, respectivamente) e o dano ou prejuízo, que por seu turno há-de ligar-se ao facto por um nexo de causalidade, faz marcar a obrigação de indemnizar, sendo aplicável o disposto no nº 1 do artigo 487º do Código Civil. </font><br>
<font>22 – Considerando todo o factualismo dado como provado, não oferece dúvidas à ora recorrente que se provou, no caso vertente, a sua falta total de culpa no incumprimento ou, eventualmente, se for esse o entendimento, do cumprimento defeituoso do contrato, com a ocorrência de um acontecimento concreto que integrou o conceito de força maior, segundo a definição que nos é dada pelo nº 2 da base XL VII, ou seja,</font><br>
<font>23 – de um” acontecimento” imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária.</font><br>
<font>24 – À A. caberia em todo o caso e ainda, identificar o facto que constituiu por parte da BRISA a prática, por acção ou por omissão, de um ilícito, como deveria ter alegado e demonstrado o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, bem como a culpa da BRISA, </font><br>
<font>25 – o que não aconteceu, antes pelo contrário.</font><br>
<font>26 – Por tudo o que foi escrito e dito, a BRISA não é responsável pelos danos sofridos pelo veículo automóvel segurado na A. quer a título de responsabilidade cível extra-contratual, quer a qualquer outro título, </font><br>
<font>27 – tendo-se como inviável uma eventual perfilhação da tese da responsabilidade contratual porquanto, consoante se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, “(...) as auto-estradas são como todas as outras estradas, bens do domínio publico, conforme art. 84, nº 1, al. d), da Constituição (v. também Base IV, nºs 1º e 2º do Anexo ao DL 294/97, de 24/10). São, por isso, insusceptíveis, consoante nº 2 do art. 202 C. Civ, de constituir objecto de direitos (subjectivos) privados, sendo, com ressalva apenas das restrições impostas por lei, livre a circulação nas mesmas – cfr. art. 30, nº 1, CE.. Destinadas enquanto tal à prossecução do interesse público, essa finalidade não é afectada pelo facto de a Brisa gerir temporariamente a construção, conservação e exploração de determinadas auto-estradas, cobrando portagem. O serviço público assim assegurado não perde a sua natureza pelo facto de ser gerido por uma entidade privada.</font><br>
<font>(...)</font><br>
<font>O pagamento de uma taxa de portagem ”pelos utentes da auto-estrada representa a cobrança de uma receita coactiva, de um financiamento público, e não a satisfação, por parte do utilizador dessa via, de uma obrigação assumida no âmbito de um contrato sinalagmático, cuja contraprestação do Estado, transferida, por concessão, para a Brisa, seria a possibilidade de circulação na referida via, com condições de segurança e níveis de fiscalização mais elevados em comparação com as demais estradas (....)“.</font><br>
<font>28 – Consequentemente, conclui-se ser AQUILIANA a responsabilidade da concessionária de auto-estradas e não de natureza contratual – Ac. STJ, datado de 03.03.2005 – Proc. Nº 3835/2004 — 1ª. </font><br>
<font>29 – A presente acção deveria, por conseguinte, estar condenada ao insucesso, não restando mais ao Tribunal “a quo” senão ter dado provimento ao recurso de apelação da Ré Brisa de todos os pedidos formulados, </font><br>
<font>30 – O douto Aresto recorrido não pode extrair “in casu” a culpa da BRISA, S.A., dado que houve motivo de força maior. </font><br>
<font>31 – O tribunal “a quo”, mantendo a condenação da Brisa, violou as regras da Responsabilidade Extra-Contratual;</font><br>
<font>32 – Violou, igualmente a douta Sentença, ora recorrida, a Base anexa do Decreto-Lei nº 294/97 de 24 de Outubro, nomeadamente, o nº 2 da base XLVII, Base anexa Decreto-Lei nº 294/97 de 24 de Outubro, que integra o conceito de força maior, que exclui, isenta a responsabilidade da concessionária BRISA,</font><br>
<font>33 – pelo que não resultou minimamente provado que a conduta da Ré tenha sido culposa e ilícita.</font><br>
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<font>A R. Companhia de Seguros AXA respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida.</font><br>
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<b><font>I.</font></b><font> Fundamentação</font><br>
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<font>De Facto</font><br>
<br>
<b><font>II.A.</font></b><font> São os seguintes os factos dados como provados na 1.ª instância, e mantidos pela Relação, à excepção dos factos que constam dos pontos 18 e 18-E da base instrutória, que foram alterados: </font><br>
<br>
<font>1. No dia 21 de Março de 2001, cerca das 7 horas e 16 minutos, na auto-estrada n.º 1, no sentido Norte/Sul, ao km 280,920, ocorreram embates em que foram intervenientes, pelo menos:</font><br>
<font>O veículo automóvel matrícula ...-...-PT, propriedade de EE-“S... ALD Com. Viaturas de Aluguer, Lda.” e conduzido por FF;</font><br>
<font>O veículo automóvel matrícula ...-...-MS, propriedade e conduzido por GG;</font><br>
<font>O veículo automóvel matrícula ...-...-HE, propriedade de HH e conduzido por II;</font><br>
<font>E o veículo automóvel matrícula ...-...-HF, propriedade de JJ-“T... – Andaimes e Escoramentos de Portugal, Lda.” e conduzido por LL (A).</font><br>
<font>2. Para além dos veículos identificados em 01), também interveio nos embates dos autos o veículo automóvel matrícula ...-...-AF, conduzido por MM (1).</font><br>
<font>3. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...-...-..., a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo PT, incluindo danos próprios por choque, colisão e capotamento, até ao limite de 15.712,13 euros e com uma franquia de 997,60 euros, encontrava--se transferida, à data do embate, para a autora (C). </font><br>
<font>4. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º .../..., a responsabilidade civil da ré “Brisa”, até ao montante de 748.196,90 euros (150.000.000$00), pelas indemnizações que possam ser exigidas àquela como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da auto-estrada n.º 1, encontrava-se, à data do embate, transferida para a DD-“Companhia de Seguros F...-M..., S.A.” (D).</font><br>
<font>5. No dia e no local aludidos chovia (B).</font><br>
<font>6. No dia e no local referidos em 01), existia um lençol de água na faixa de rodagem, desde o separador central até à berma, atento o sentido Norte/Sul (2.º).</font><br>
<font>7. Nesta altura, surge o veículo HF, cujo condutor, por via do facto referido em 06), perdeu o controle do respectivo veículo, entrando em despiste, vindo a imobilizar-se na berma direita, atento o sentido Norte/Sul (9/.º10.º).</font><br>
<font>8. Após tal facto, surge o veículo PT, cujo condutor, por via do facto referido em 06), perdeu o controle do respectivo veículo, entrando em despiste e deslocando-se para a direita, atento o sentido Norte/Sul (11.º/12.º).</font><br>
<font>9. Embatendo com a sua frente na frente do veículo HF (13.º).</font><br>
<font>10. Após o que embateu com a parte lateral e retaguarda direitas na berma (14.º).</font><br>
<font>11. Rodando sobre si mesmo e imobilizando-se com a retaguarda voltada para a berma e a frente para a faixa de rodagem (15.º).</font><br>
<font>12. Nesta altura, surge o veículo AF, cujo condutor perdeu o controle do respectivo veículo por via do facto mencionado em 06 (16.º)</font><br>
<font>13. Despistando-se e deslocando-se para a direita, atento o sentido Norte/Sul, após o que rodou sobre si mesmo e embateu com a retaguarda na lateral esquerda do veículo PT (17.º)</font><br>
<font>14. </font><i><font>No dia e local referidos em 01), o escoamento das águas pluviais fazia-se com dificuldade, estando acumuladas na estrada, tal resultando sobretudo de um transbordo para a estrada de uma linha de água exterior e adjacente a essa estrada</font></i><font> (18.º). </font><br>
<font>15. A linha de água exterior e adjacente à auto-estrada A1 situava-se, seguindo a circulação que se fazia por esta no sentido Norte/Sul (sentido dos veículos), no sentido contrário ao dos veículos intervenientes no sinistro (18.º/A, 18.º/B).</font><br>
<font>16. Houve transbordo de água dessa linha da faixa de rodagem do sentido Sul/Norte para a faixa de rodagem Norte/Sul (18.º/C e 18.º/D).</font><br>
<font>17. </font><i><font>O lençol de água que existia em ambas as faixas de rodagem derivou sobretudo de tal transbordo</font></i><font> (18.º/E).</font><br>
<font>18 O que levou ao aparecimento do lençol de água aludido em 06 (19.º)</font><br>
<font>19. Em consequência dos embates referidos, o veículo PT sofreu estragos na frente, nos lados, no tejadilho e na retaguarda (20.º).</font><br>
<font>20. A reparação do veículo PT ascendia a 12.875,16 euros, sendo o seu valor de mercado, na altura, de 13.243,08 euros (21.º/22.º).</font><br>
<font>21. A autora, em virtude do contrato de seguro mencionado na alínea 03), pagou à EE-“S...” a quantia de 13.218,14 euros (23.º).</font><br>
<font>22. Em consequência do embate aludido, o veículo HF sofreu estragos na frente, na lateral e na retaguarda direitas (24.º).</font><br>
<font>23. A reparação do veículo HF ascendia a 5.910,76 euros, sendo o seu valor de mercado, na altura, de 3.641,22 euros (25.º/26.º).</font><br>
<font>24. A autora, em virtude do contrato de seguro identificado na alínea 03), pagou à JJ-“T...” a quantia de 3.242,19 euros (28.º).</font><br>
<font>25. O condutor do veículo HF, em consequência do embate aludido, sofreu ferimentos ligeiros, nomeadamente num joelho, dando entrada no serviço de urgência do Hospital de São Sebastião, onde foi submetido a exames radiológicos (29.º/30.º)</font><br>
<font>26. O condutor do veículo HF pagou:</font><br>
<font>A quantia de 6,74 euros devido aos factos referidos em 22) (31.º);</font><br>
<font>A quantia de 25,74 euros pelo transporte de táxi desde o Hospital até à respectiva residência (32.º);</font><br>
<font>A quantia de 14,52 euros com a compra de medicamentos para tratamento dos ferimentos aludidos em 22) (33.º).</font><br>
<font>27. A autora pagou ao condutor do veículo HF as quantias discriminadas em 26). (34.º)</font><br>
<font>28. A auto-estrada n.º 1 é vigiada pela ré “Brisa” 24 horas por dia (35.º).º</font><br>
<font>29. No âmbito de tal vigilância, pelo menos até uma hora antes, em que um veículo da Brisa passou pelo local, a situação descrita nos factos provados 6, 14 e 15 não foi detectada (36.º).</font><br>
<font>30. Na noite do dia 21 de Março, bem como na noite anterior, a precipitação foi de 30 mm e de 78 mm em 10 minutos, respectivamente (37.º).</font><br>
<font>31. Fazendo-se sentir fortes rajadas de vento (38).º</font><br>
<font>32. Em condições normais, atento o sentido de marcha Norte/Sul, a faixa de rodagem era visível em toda a sua extensão numa distância superior a 200 metros (39.º)</font><br>
<br>
<b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br>
<br>
<b><font>II.B.1.</font></b><font> – Nos termos dos artigos 684.º e 690.º do Código de Processo Civil, a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, sendo certo que o recurso não se destina a obter, do tribunal “ad quem”, decisões sobre “questões novas”, salvo as de conhecimento oficioso e que não tenham sido já decididas.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se considera que é apenas uma a questão em debate: </font><br>
<br>
<font>– Responsabilidade civil da Ré Brisa pelos danos verificados e correspondente obrigação de indemnizar.</font><br>
<br>
<b><font>II.B.2 </font></b><font>– Responsabilidade civil</font><br>
<br>
<font>A responsabilidade pelas consequências do sinistro só não podem recair sobre a apelante se nenhuma falta, do leque das obrigações impostas pela concessão ou de outras imposições legais ou contratuais, lhe puder ser imputada, ou se o dano resultar de caso de força maior.</font><br>
<br>
<font>Para o efeito, haverá que reconhecer que a Ré Brisa é concessionária da A1 (auto-estrada onde ocorreu o acidente) – Base I do anexo ao DL n.º 294/97–, via na qual os utentes só circulam mediante o pagamento de uma prestação, a denominada “portagem”.</font><br>
<br>
<font>Atenta a data do acidente (21.03.2001), tem aplicação o DL n.º 294/97, de 24/10 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 287/99, de 28/07), que modifica o contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a BRISA, antes ao abrigo do DL n.º 315/91, de 20/08 (Anexo I).</font><br>
<br>
<font>Diz-se no acórdão recorrido:</font><br>
<br>
<font>“Consta do Anexo ao citado DL 294/07, que contem as bases da concessão:</font><br>
<font> Base XV/1 – As taxas de portagem para as diferentes classes de veículos definidos nos termos da Base XVI são o produto da aplicação das tarifas de portagem à extensão de percurso a efectuar pelos utentes, acrescido do IVA à taxa em vigor. </font><br>
<font> Base XXII/1 – As auto-estradas concessionadas serão projectadas para uma velocidade base de 120 km/h a 140 km/h, ou, nos termos do nº 2 da presente base, devendo ser observadas as características técnicas fundamentais definidas nas normas de projecto da Junta Autónoma das Estradas.</font><br>
<font> Base XXII/5 – As auto-estradas deverão ainda ser dotadas com as seguintes obras acessórias: a) vedação em toda a sua extensão, devendo ser as passagens superiores em que o tráfego de peões seja exclusivo ou importante também vedadas lateralmente em toda a extensão.</font><br>
<font> Base XXXIII/1 – A concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem o objecto da concessão em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidades os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos do utente.</font><br>
<font> Base XXXVI/2 – A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem.</font><br>
<font> Base XXXVI/3 – A concessionária deverá estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta do utente no âmbito da rede concessionada …”. Base XXXVII/1 – A concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das auto-estradas que constituem o objecto da concessão, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação.</font><br>
<font> Base XLVII/1 – A concessionária fica isenta de responsabilidade por falta, deficiência ou atraso na execução do contrato quando se verifique caso de força maior devidamente comprovado.</font><br>
<font> Base XLVII/2 – Para os efeitos indicados no número anterior, consideram-se casos de força maior unicamente os que resultem de acontecimentos imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária, nomeadamente actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem os trabalhos da concessão. </font><br>
<font> Base XLIX/1 – Serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão.</font><br>
<br>
<font>Como se verifica da Base X da concessão, as “portagens” pagas pelos utentes da auto-estrada constituem uma das muitas fontes de receita da concessionária e corresponde ao pagamento da utilização de uma estrada, cujos encargos de conservação, manutenção, segurança e vigilância são da concessionária. Aquela prestação nada mais representa que a contraprestação paga pelo utente por um serviço prestado pela concessionária – facultar a circulação numa via rápida, aberta, livre de obstáculos, segura e vigiada.</font><br>
<br>
<font>As auto-estradas são vias “rápidas”, em que se atingem velocidades elevadas (dentro dos limites da lei) – Base XXII, que exigem especiais condições de segurança e comodidade, por isso que devem ser construídas, mantidas e conservadas com padrões de qualidade que garantam – de forma cabal e permanente – a segurança e comodidade dos utentes (ver Bases XXIII/1, XXXIII/1 e XXXVI/2), o que importa, da parte da concessionária, e ainda, a instalação de um mecanismo de vigilância das condições de circulação (Base XXXVII/1) e, nomeadamente, o dever de sinalizar todas as situações de perigo para a regular circulação em via que, comummente, se tem por segura, não condicionada e rápida. O que, evidentemente, não desonera os utentes/condutores de adoptarem, no exercício da condução, as boas práticas de uma condução segura e em plena observância das normas que regulam a circulação (como sejam, as de moderar a velocidade em situações de risco, regulando-a de acordo com o estado da via, as condições atmosféricas e as características do veículo que se conduz).</font><br>
<br>
<font>A comodidade e segurança dos utentes, a fluidez e facilidade da circulação e a rapidez das deslocações são incompatíveis com auto-estradas em que, com frequência e/ou sem sinalização adequada, apareçam obstáculos que, previsivelmente, aí se não devem encontrar; com auto-estradas não devidamente sinalizadas; com auto-estradas que não obedeçam a critérios técnicos de construção e conservação adequados, como seja não disporem de sistema de drenagem das águas pluviais adequado, por forma a não se formarem lençóis de água, ou não disporem de sistemas/barreiras que impeçam ou dificultem a invasão da via por correntes de águas exteriores. </font><br>
<br>
<font>Deste modo, não é suposto que o utente que entra numa auto-estrada, pagando um “preço”, para circular em segurança e comodidade, e tendo ou pensando ter um sistema de assistência de que eventualmente necessite, se venha a deparar, nomeadamente, com obstáculos não sinalizados, com lençóis de água, a propiciarem acidentes, com um pavimento irregular e com buracos, a facilitarem despistes, com correntes de água provenientes do exterior à via.</font><br>
<br>
<font>A verificarem-se estas situações, significa que a concessionária não cumpre as obrigações decorrentes da concessão, não deixando de se notar que diversas das normas que integram o anexo que regula a concessão (maxime, as Bases citadas) visam a (ou também a) comodidade e segurança de terceiros (os utentes da auto-estrada), são normas de protecção, também destinadas a proteger interesses alheios, pelo que a sua violação importa o dever de indemnização do lesado, em caso de dano, a cargo que quem as violar (a concessionária que incumpre as obrigações decorrentes da concessão). É que, apesar de ao contrato de concessão serem “estranhos” os utentes, algumas das Bases desse contrato (designadamente das atrás citadas) têm carácter normativo, produzindo eficácia externa relativamente aos contratantes (Estado e Brisa) e para isso o Legislador as integrou no Decreto Lei aprovador da Concessão, dele fazendo parte integrante (artigo 1º do Dec-lei nº 294/97, de 24 de Outubro).</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, viola as obrigações da relação estabelecida com o utente/cliente ao não lhe proporcionar circular numa via com as condições de segurança e comodidade exigíveis e exigidas pela lei.</font><br>
<br>
<font>A apelante não responde objectivamente, com obrigação de, independentemente de culpa, ter de indemnizar os danos resultantes de qualquer situação anómala verificado na via concessionada. </font><br>
<br>
<font>Face ao disposto na Base XLIX/1 do DL 294/97, a responsabilidade é a que decorre da aplicação das normas que regulam a responsabilidade civil, exigindo--se a verificação dos vários pressupostos da obrigação de indemnizar.</font><br>
<br>
<font>O que pode acontecer é, se culpa se exige para responsabilizar a concessionária, a mesma poderá presumir-se, verificado que seja o facto ilícito, como seja o incumprimento das obrigações assumidas pela concessionária.”</font><br>
<br>
<font>Constata-se que as instâncias, não deixando de mais ou menos longamente se terem debruçado sobre a natureza da responsabilidade do concessionário de auto-estrada, relativamente aos danos nela verificados, aderiram à tese da responsabilidade contratual.</font><br>
<br>
<font>Vamos revisitar esta questão, pois que ela se coloca no recurso.</font><br>
<br>
<font>No essencial existem três teses em presença.</font><br>
<br>
<font>Uma que considera que responsabilidadade da concessionária, é contratual, colocando-a na veste de devedor da prestação de serviço proporcionado ao utente (com velocidade legal e segurança), fazendo impender sobre si a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1, do Código Civil; outra que sustenta ser tal responsabilidade civil extracontratual, o que implica caber ao lesado a prova da culpa do autor da lesão; uma terceira, que considera que a responsabilização da concessionária assenta no facto de ter à sua guarda coisa imóvel, o que, ainda aí, remeteria para a sua culpa presumida, por ser aplicável a regra do art. 493.º, n.º 1, do | [0 0 0 ... 0 1 0] |
7DIYvIYBgYBz1XKvFZFr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de<br>
Justiça:<br>
O Agente do Ministério Público, na Comarca do Funchal, propôs acção de investigação de paternidade contra A, pedindo que o menor B seja reconhecido como filho deste.<br>
Para tanto, invoca relações de sexo do Réu com C no período legal de concepção, de que resultou a gravidez da mesma e a não manutenção delas, durante tal período, com qualquer outro homem.<br>
O Réu contestou a acção negando a manutenção de relações sexuais com a mãe do menor e invocando a<br>
"exceptio plurium" para fundamentar a improcedência da acção.<br>
Seguiu o processo seus termos, sendo proferida decisão que julgou a acção procedente.<br>
Sem êxito, o Réu recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.<br>
Novo recurso para este Supremo Tribunal em que, após convite, o Réu apresentou as seguintes conclusões:<br>
1) O reconhecimento da paternidade do R. recorrente, relativamente ao menor B foi baseado apenas num depoimento - o da irmã da mãe do menor;<br>
2) E como ficou provado na primeira instância (resposta ao quesito 17) a mãe do menor esteve desde meados de Janeiro de 1983 até Julho desse ano, a trabalhar em Inglaterra, nas Ilhas do Canal, que não foi, mas podia ter sido posto em causa pelo Tribunal da Relação:<br>
3) Ora, não pode o Tribunal com base no mero depoimento da irmã da Mãe do menor assegurar-se que esta nos últimos 90 dias dos primeiros 120 que integram os 300 que precederam o nascimento do filho, não manteve relações sexuais com outros homens, conclusão que o<br>
Tribunal da Relação manteve no Acórdão recorrido;<br>
4) Manteve-se clara contradição entre a resposta dada ao quesito 6 e a resposta dada ao quesito 17, matéria que este Supremo não pode apreciar, mas pode ordenar à Relação que o faça.<br>
5) Não é igualmente verdade que os documentos relativos ao exame hematológico não tenham sido postos em causa pelo R. veja-se os artigos 3, 4, 5, 6 e 7 da contestação);<br>
6) Tais exames foram obtidos no âmbito do processo preliminar de averiguação oficiosa de paternidade e sem o menor contraditório, perdendo assim valor probatório (artigo 522 do Código de Processo Civil);<br>
7) Sendo certo que os mesmos não só não vinculam o<br>
Tribunal - veja-se Acórdão da Relação de Lisboa, de 3 de Abril de 1990, como tem no âmbito da investigação de paternidade alcance limitado, já que apenas a exclusão da paternidade é segura;<br>
8) Acresce ainda que o R. alegou que a mãe do menor mantivera, no prazo legal da concepção, relações sexuais com um tal Miguel de Sousa (trabalhador do R. e segunda testemunha) pelo que deveria ter sido efectuado exame laboratorial do sangue daquele - Acórdão do<br>
Supremo Tribunal de Justiça 16 de Novembro de 1988,<br>
Boletim do Ministério da Justiça 381-695);<br>
9) Os requisitos exigidos pelo Assento n. 4/83, de 21 de Junho de 1983, impõem prova consistente e séria por parte do A. quanto a esses mesmos requisitos (veja-se Acórdão da Relação de Coimbra, de 22 de Janeiro de 1991, in Col. Jur., ano XVI, 1991, Tomo I, folha 5210 que não sucede;<br>
10) O Tribunal da Relação não anulou, como lhe competia, nos termos do artigo 712, n. 2 do Código de Processo Civil, as respectivas respostas aos referidos quesitos, declarando a baixa dos autos à primeira instância para que se repita o julgamento;<br>
11) O Supremo Tribunal de Justiça pode censurar a<br>
Relação pelo não uso ou pelo uso não correcto do disposto no artigo 712 n. 2 do Código de Processo Civil; entre outros, como sucede no caso dos autos (veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1973, Boletim do Ministério da Justiça<br>
229-88);<br>
12) Violados foram os artigos 522 e 712 do Código de<br>
Processo Civil, e Assento n. 4183, de 21 de Junho de<br>
1983.<br>
Em contra-alegações, o Excelentissímo Procurador Geral<br>
Adjunto defende a manutenção do julgado.<br>
Quanto ao convite para formulações de conclusões e as considerações a esse propósito feitas pelo representante do Réu, achamos que não vale a pena dizer-se o que quer que seja...<br>
Tudo visto.<br>
Vem dado como demonstrados os seguintes factos: a) No dia 13 de Outubro de 1989, nasceu o menor B, que foi registado como filho de C; b) Não existem relações de parentesco ou afinidade entre a mãe do menor C e o<br>
Réu A; c) Em princípios de Janeiro de 1989, o Réu manteve relações sexuais de cópula completa com aquela<br>
C; d) A mãe do menor é uma rapariga séria e não manteve relações sexuais com outro homem que não fosse o Réu nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor B; e) O Réu conhecia a C devido à circunstância de esta ter sido, durante algum tempo, sua assalariada agrícola; f) A C em 1987/88 e de meados de Janeiro até Julho seguinte trabalhou em Inglaterra nas Ilhas do<br>
Canal; g) A C tem uma irmã, Testemunha D, que trabalha num restaurante pertencente ao Réu.<br>
X X X<br>
Vem sendo admitido que, no actual regime jurídico, fundamentam a paternidade as relações sexuais durante o período legal da concepção e a fidelidade, já que as condições de admissibilidade da acção constituem meras presunções "juris tantum"- artigo 1871 do Código Civil.<br>
E isto quer se classifiquem as acções de paternidade como apoiadas nestas presunções ou lançadas a céu aberto, sem alicerces subjacentes de qualquer presunção legal de paternidade, quer de investigação oficiosa sob a iniciativa do Ministério Público - Antunes Varela,<br>
Revista legislativa e Jurisprudência,117-55.<br>
Dai que para a procedência da acção o A. tenha que demonstrar a existência de relações sexuais durante o período legal de concepção e a exclusividade das mesmas<br>
O Réu invoca a "exceptio plurium" tem que fazer a prova dos factos que a integram.<br>
Nestes autos, o A. demonstrou todos os elementos que enformam a paternidade biológica , enquanto que o Réu, apesar da abundância de factos com que examinou a contestação não conseguiu provar que no período legal da concepção, a mãe do menor tenha tido contacto sexual com outro homem.<br>
Insurge-se, porém, o réu contra a matéria factica demonstrada.<br>
De relembrar que o Supremo Tribunal de Justiça, em princípio, só conhece de matéria de direito e só excepcionalmente de matéria de facto artigo 722 e 729 do Código de Processo civil.<br>
O saber se determinadas respostas são deficientes, obscuras ou contraditórias inclusive no domínio da matéria de facto, de que este Tribunal não pode conhecer - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,<br>
Boletim do Ministério da Justiça, 278-115. Este não conhecimento importa que não se possa ordenar a baixa do processo à segunda instância, já que tal envio era consequência de que se tinha concluído pela existência da contraditoriedade.<br>
Igualmente não compete a este Tribunal alterar respostas aos quesitos ou censurar o Tribunal da<br>
Relação por não o ter feito. Já que o artigo 712 do<br>
Código de Processo Civil só à segunda instância atribui tal poder. O Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá exercer censura sobre os poderes que no âmbito daquele artigo, o Tribunal da Relação tenha utilizado. Como, nestes autos, tal não aconteceu, nenhuma providencia poderemos adoptar, Boletim do Ministério da Justiça,<br>
295-194.<br>
O nosso direito adjectivo é dominado pelo principio da livre apreciação das provas - artigo 655, n. 1 daquele código. Apreciação que conduzirá à convicção que vai prevalecer no julgamento que a sentença incorpora.<br>
Invoca o recorrente os requisitos exigidos pelo Assento n. 4/83 de 21 de Junho de 1983. Só que Antunes Varela,<br>
Revista Legislativa e Jurisprudência 117-55, veio defender que este Assento só se refere às acções de investigação lançadas a céu aberto. Para tanto adere que no artigo 1869 do Código Civil foi eliminado o antigo regime das condições de admissibilidade das acções de investigação e, no artigo 1871, selecionaram-se condições que diz conduzirem a presunção de paternidade, o que conduz, inevitavelmente a que nenhuma outra situação seja considerada presunção de paternidade.<br>
Não se aplicando o Assento às acções de investigação oficiosa não há que exigir o preenchimento daqueles requisitos.<br>
Mas, o certo é que tal Assento já admitiu a possibilidade de a exigência da prova da fidelidade ou da exclusividade das relações se baseiem não só nas presunções legais, como ainda nos meios de prova admitidos, não esquecendo aqueles que a evolução cientifica impusesse como dignos e credíveis.<br>
Nos autos fundamentaram as respostas aos quesitos a<br>
Testemunha D e o exame hematológico junto aos autos.<br>
Quanto à testemunha o Réu não impugnou a credibilidade do seu depoimento e são os próprios julgadores que referem que "apesar de ser irmã da mãe do menor, depõe de forma objectiva e desapaixonada". A isto acrescentamos o que consta da resposta ao quesito 190 - até era empregada do Réu. É tarde para contradizer o depoimento prestado, tanto mais que as respostas que se impugnam são não só objectivas como referentes a factos diversos no tempo e factos que o Réu teria que demonstrar e não demonstrou, já que os invocou.<br>
É certo que a prova da exclusividade das relações sexuais impende sobre o A.. E hoje tal prova viu alargado o campo de manobra não só à presunção - exclusividade -, mas ainda à prova directa consubstanciada na prova laboratorial, cfr artigo 1801, do Código Civil, prova hoje demasiado útil quando se demonstra a pluralidade de relações de sexo limitada a certos indivíduos, ou, quando se provam relações de sexo com o investigado, apesar da recusa deste em aceitar o facto da procriação.<br>
É certo que tal prova - exame hematológico - será livremente apreciada pelo julgador, artigo 655 do<br>
Código de Processo Civil.. Mas, não é menos certo que os exames serológicos, infalíveis quanto à exclusão da paternidade, apresentam hoje elevada segurança quanto à presunção da paternidade. Sem que se esteja perante uma certeza absoluta, inamovível, está-se perante uma grande probabilidade que corresponde ao sentido judiciário e relativista das coisas e da realidade -<br>
Antunes Varela, Revista Legislativa e Jurisprudência<br>
116-338.<br>
De ponderar que o atendimento predominante ao resultado dos exames serológicos está sempre dependente da desmotivação de relações sexuais no período legal de concepção entre a mãe do menor e o investigado. O que aconteceu nesta acção.<br>
Mas, diz o recorrente que o exame foi efectuado no processo preliminar da averiguação oficiosa, sem valor probatório e com ausência do contraditório.<br>
O exame hematológico que concluiu pela probabilidade da paternidade do Réu de 99,97 por cento foi junto pelo Ministério Publico na fase de instrução.<br>
Ora, o recorrente não impugnou a realização de tal exame e apenas se permitiu discutir o resultado do mesmo. Não o impugnou como meio de prova e não arguiu a nulidade por violação do principio do contraditório.<br>
Nulidade que deveria ter sido arguida na primeira instância e não o foi.<br>
De resto, como referimos já, o exame serológico funcionou como meio de prova complementar e não como meio exclusivo.<br>
Quanto ao facto de não se ter feito exame ao tal Miguel de Sousa, há que referir que o ónus da prova incidia sobre o recorrente e só este o podia requerer. O que não o fez.<br>
Demonstradas as relações sexuais do investigado e da mãe do menor no período legal da concepção e a exclusividade de tais relações no referido período, demonstrada está a filiação biológica pelo que a acção só podia proceder.<br>
Pelo que vai negada a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa 26 de Abril de 1994.<br>
Cura Mariano.<br>
Martins da Fonseca.<br>
Ramiro Vidigal.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
9DKtu4YBgYBz1XKvQiwd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<font>1. - O Condomínio do prédio sito na Rua B... L..., n.°..., em Lisboa, representado pelo seu Administrador, intentou acção declarativa contra AA e mulher, BB; CC; DD e mulher, EE; FF; GG e mulher, HH; II e mulher, JJ; e, LL. Pediu a condenação dos Réus a: </font><br>
<font>a) procederem à consolidação ao nível das fundações de todos os elementos, através de elementos de betão e refazer toda a tubagem e caixas de esgoto; </font><br>
<font>b) procederem ao nivelamento de todos os pavimentos dos andares e do próprio prédio e no caso dos pavimentos em soalho, folhando-os, com as correcções necessárias ao nivelamento e no caso de pavimentos em mosaico, retirar os existentes, nivelar as bases e refazê-los com novos mosaicos; </font><br>
<font>c) procederem ao gateamento das cantarias que se encontram fracturadas, com aplicação de cotas à base de resinas epoxídicas; </font><br>
<font>e) procederem ao arranjo das fissuras das paredes e tectos dos compartimentos, através de calafetagem e alegragem, incluindo pintura dos compartimentos sujeitos a este tipo de reparação; </font><br>
<font>f) procederem ao arranjo dos estuques que ficaram aluídos, desmontando o fasquiado, colocando estafe, esboço estuque e respectiva pintura.</font><br>
<br>
<font>Alegou, para tanto, serem os Réus os únicos donos do prédio urbano situado na Rua B... L..., com o número ..., contíguo ao do Autor, cuja demolição iniciaram, em princípios de 1990, sem acautelarem a produção de eventuais danos provocados pela demolição. Aquando da preparação para a demolição do prédio dos Réus começaram a surgir fissuras nas paredes e tectos, com queda de grandes superfícies de estuque dos tectos de todos os andares do prédio do Autor, devido à pressão na amarração do edifício dos Réus, e, com as escavações para construção do novo prédio, surgiu um assentamento diferencial do prédio de que o Autor é administrador, visível nas cantarias das varandas e soleiras das sacadas que se mostram fracturadas, com queda de azulejos, desnivelamento dos pavimentos e nas vergas das portas e fissuração profunda, vertical e oblíqua nas paredes do prédio, e apareceram roturas nos esgotos do prédio.</font><br>
<br>
<br>
<font>Os Réus apresentaram contestação na qual excepcionaram a ilegitimidade do Autor (Administrador) e concluíram pela improcedência da acção.</font><br>
<font>Alegaram que a demolição, que se iniciou em Outubro e concluiu em Dezembro de 1989, não foi a causadora das roturas nos esgotos; em Julho de 1991, os Réus iniciaram a construção de um novo prédio no local e contrataram a “ECE - E... C... de E..., L.da”, para que a mesma procedesse à execução das escavações e implantação da estrutura do prédio; ao procederem à demolição e posterior reconstrução, os Réus observaram todos os deveres de cuidado e as regras da arte; os danos que poderão ter surgido durante a demolição e construção no terreno contíguo são consequentes, não destes trabalhos, mas da fragilização, degradação e falta de reparações a que os donos do prédio n.º ... o deixaram chegar.</font><br>
<br>
<font>Chamaram à demanda MM, como autor da obra de demolição, e “ECE – E... C... de E...”, empresa que realizou as escavações, que também contestaram.</font><br>
<br>
<font>Interveio, porque chamada, ainda a “Companhia de Seguros Império, S.A.”.</font><br>
<br>
<font>No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada excepção de ilegitimidade.</font><br>
<br>
<font>A final foi proferida sentença que condenou:</font><br>
<font>- “os Réus AA e mulher BB; CC; DD e mulher EE; FF; Atraindo GG e mulher HH; II e mulher JJ e LL a repararem, no prédio sito na Rua B... L...°..., em Lisboa: as fissuras nas paredes e tectos e as falhas de estuque dos tectos de todos os andares; o assentamento diferencial; o desnivelamento dos pavimentos; o desnivelamento nas vergas das portas; as cantarias das varandas e as soleiras das sacadas que se mostrem fracturadas, com queda de azulejos e as roturas nos esgotos do prédio sito na Rua B... L..., n.°..., em Lisboa;</font><br>
<font>- o chamado MM a reparar as fissuras nas paredes e tectos, as falhas de estuque dos tectos de todos os andares do prédio sito na Rua B... L..., n.°..., em Lisboa”.</font><br>
<font>As Chamadas “ECE - E... C... de E..., L.da” e “Companhia de Seguros Império” foram absolvidas do pedido.</font><br>
<br>
<font>Apelaram os Réus condenados e o Chamado MM. </font><br>
<font>A Relação, julgando improcedente o recurso dos Réus e procedente o recurso do Chamado, alterou a sentença recorrida apenas na parte em que condenou o chamado MM, que absolveu do pedido.</font><br>
<br>
<br>
<font>Os Réus pedem ainda revista, concluindo pela revogação do acórdão e respectiva absolvição do pedido.</font><br>
<font>Do que se permitem denominar de “conclusões”, em manifesto desrespeito pela norma do n.º 1 do art. 690º CPC, extrai-se a seguinte síntese:</font><br>
<font>a) Não existe suporte factual que permita concluir que existe nexo de causalidade entre os danos no prédio e as obras efectuadas por conta dos Recorrentes, designadamente as escavações, resultando aqueles destas;</font><br>
<font>b) Os Recorrentes e as empresas que contrataram para realizar as obras de demolição e construção respeitaram todos os deveres de cuidado e as regras de arte que se impunham; </font><br>
<font>c) Não faz sentido falar em presunção de culpa, porquanto a actividade de construção civil, objectivamente considerada, não pode ser qualificada como actividade perigosa, para os efeitos do art. 493º-2 C. Civil;</font><br>
<font>d) Ir pela via da responsabilidade contratual por actos lícitos para condenar os Recorrentes é ir para além do que foi peticionado pelo Recorrido, que requereu a condenação pela via da responsabilidade extracontratual por actos ilícitos, invocando, para o efeito, os arts. 483º e 486º C. Civil;</font><br>
<font>e) São termos em que se terá de considerar a sentença nula, ao abrigo do disposto nos arts. 661º-1 e 668º-1-e) do CPC, por exceder o peticionado. </font><br>
<font> f) A responsabilidade objectiva imputada aos Recorrentes é uma situação excepcional de responsabilidade extracontratual – art. 1348º C.C. - e, no caso concreto, não se verificam quaisquer situações que permitam a aplicação deste instituto, o que implicará a revogação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> g) Mesmo que se considere que se verificaram todos os pressupostos da responsabilidade civil – e não está estabelecido o nexo de causalidade entre os factos ocorridos e os danos causados -, sempre se terá de ter em conta que os factos se encontram prescritos;</font><br>
<font> h) A questão da prescrição foi invocada pelos Recorrentes na 1ª instância, como se poderá verificar a fls. 998 a 1014 do processo, pelo que deveria ser conhecida pela Relação, com base no art. 301º C.C.;</font><br>
<font> i) Decorreram mais de três anos entre as datas da demolição e início da nova construção e a da propositura da acção, estando prescrito o direito à indemnização, de acordo com o art. 498º C. Civil</font><br>
<font> j) Não faz sentido que, relativamente aos mesmos factos, se considerasse que para alguns RR. os mesmos prescrevessem e para outro não. </font><br>
<br>
<font> O Recorrido respondeu em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<font> 2. - Das conclusões dos Recorrentes emergem as seguintes </font><b><font>questões:</font></b><br>
<br>
<b><font> - </font></b><font>Nulidade da decisão (sentença) por excesso de pronúncia;</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Prescrição do direito à indemnização; e,</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Fundamento da responsabilidade e obrigação de indemnização dos Recorrentes.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 3. - Vem definitivamente assente o seguinte </font><b><font>quadro</font></b><font> </font><b><font>factual</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font>1. Os Réus são donos do prédio urbano sito na Rua B...L..., n.º..., inscrito sob o art...° na matriz predial urbana da freguesia do Coração de Jesus (alínea A) da matéria assente).</font><br>
<font>2. O prédio referido em 1. fica imediatamente contíguo ao prédio n.° ... (alínea B)).</font><br>
<font>3. O prédio n.° ... é de traça muito antiga, construído em alvenarias tradicionais, fasquiado em madeira, com grande volumetria e de grande profundidade de lote (alínea C)).</font><br>
<font>4. Nos trabalhos de demolição os Réus contrataram os serviços de MM (alínea D)).</font><br>
<font>5. Os Réus contrataram os serviços de ECE - E... C... de E... Lda para proceder à execução das escavações e à implantação da estrutura do prédio (alínea E)).</font><br>
<font>6. A ECE - E... C... de E..., Lda celebrou com Companhia de Seguros Império um contrato de seguro titulado pela apólice n.° ...-...-...-00..., através do qual transferiu para esta a responsabilidade civil por danos que, no decurso da empreitada, viessem a ser provocados nos prédios contíguos ao dos Réus, o qual teve início em 27/05/91 e termo em 27/06/93 (alínea F) da matéria assente).</font><br>
<font>7. NN é administrador do prédio urbano sito na Rua B... L..., n.° ..., prédio esse sujeito ao regime da propriedade horizontal e inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Coração de Jesus (resposta ao quesito 1°).</font><br>
<font>8. Nos princípios de 1990 os Réus iniciaram a demolição do prédio referido em 1 (resposta ao quesito 2°).</font><br>
<font>9. Tal prédio encontra-se totalmente demolido (resposta ao quesito 3°).</font><br>
<font>10. Encontrando-se em construção um outro, actualmente em fase de estrutura, ou seja, em caboucos, com referência à data de entrada da petição inicial (resposta ao quesito 4°).</font><br>
<font>11. Aquando da demolição do prédio dos Réus, começaram a surgir fissuras nas paredes e tectos do prédio do Autor (resposta ao quesito 5°).</font><br>
<font>12. Com queda de grandes superfícies de estuque dos tectos de todos os andares do prédio n.° ... (resposta ao quesito 6°).</font><br>
<font>13. Devido à demasiada pressão do escoramento, efectuado entre as empenas dos prédios contíguos ao dos Réus, sobre a empena do prédio do Autor (resposta ao quesito 7°).</font><br>
<font>14. O início das obras de construção do novo prédio n.° ..., ocorreu no ano de 1991 (resposta aos quesitos 8° e 34°).</font><br>
<font>15. Após a demolição do prédio e com o início das obras para a construção do novo prédio, nomeadamente escavações, imediatamente surgiu um assentamento diferencial do prédio n.° ... (quesito 9°).</font><br>
<font>16. Visível na fachada principal (resposta ao quesito 10°).</font><br>
<font>17. Nas cantarias das varandas (quesito 11°).</font><br>
<font>18. E nas soleiras das sacadas (quesito 12°).</font><br>
<font>19. Que se mostram fracturadas com queda de azulejos (quesito 13°).</font><br>
<font>20. No interior do prédio n.° ... nota-se um desnivelamento dos pavimentos verificando-se que todas as portas deixaram de abrir normalmente (resposta ao quesito 14°).</font><br>
<font>21. O assentamento diferencial provocou também um desnivelamento nas vergas das portas (quesito 15°).</font><br>
<font>22. E a fissuração profunda, vertical e obliqua nas paredes do prédio do A. (resposta ao quesito 16°).</font><br>
<font>23. Em consequência das obras, também surgiram roturas nos esgotos do prédio, que provocam por vezes cheiro nauseabundo e inundações no patamar que fica imediatamente depois das escadas que conduzem à manilha de esgoto do prédio do Autor (quesitos 17° e 18°).</font><br>
<font>24. O prédio foi demolido piso por piso começando pelos andares superiores e terminando com a demolição do piso térreo (quesito 21°).</font><br>
<font>25. Não foi destruída a parede ou empena comum aos dois prédios (resposta ao quesito 22°).</font><br>
<font>26. Recorreu-se à utilização de escoras, que foram colocadas entre as empenas dos prédios contíguos ao demolido (quesitos 25° e 45°).</font><br>
<font>27. A obra realizada no prédio dos Réus foi objecto de diversos e sucessivos licenciamentos do Município de Lisboa (resposta aos quesitos 26°, 27°, 35°, 36°, 37°, 41° e 42°).</font><br>
<font>28. ECE - E... C... de E..., Lda, antes de iniciar os seus trabalhos, contratou uma empresa de peritagem, Comissários de Avarias para examinar o prédio n.° ... (quesito 38°).</font><br>
<font>29. A qual efectuou a peritagem em 29/01/92 (resposta ao quesito 39°).</font><br>
<font>30. E elaborou o seu relatório cfr. fls. 96 a 120 (quesito 40°).</font><br>
<font>31. ECE - E... C... de E..., Lda executou os dois primeiros pisos elevados antes da realização dos pisos da cave cravando estacas metálicas provisórias tendo em vista a transferência de cargas para as camadas mais profundas do solo enquanto não estivessem executadas as sapatas de todos os pilares interiores e do muro de construção periférica (quesito 43°).</font><br>
<font>32. ECE - E... C... de E..., Lda construiu um muro de contenção periférica mediante a cravação inicial de estruturas metálicas embebidas nos pilares definitivos de travamento do muro de modo a que fossem transmitidas as tensões correspondentes às camadas resistentes e mais profundas do solo (resposta ao quesito 44°).</font><br>
<br>
<br>
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<br>
<br>
<font> 3. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 3. 1. - A nulidade da sentença.</font><br>
<br>
<font> Perante a sua condenação a indemnizarem o Autor com fundamento na responsabilidade prevista no n.º 2 do art. 1348º, por factos lícitos – indemnização do dono do prédio vizinho por danos causados com obras de escavação no prédio contíguo -, os Réus-recorrentes argúem a nulidade da “sentença”, nos termos dos arts. 660º-1 e 668º-1-e) CPC, a pretexto de ter condenado em quantidade superior ao pedido, pois que o que o Recorrido requereu na P.I. foi a condenação dos ora Recorrentes pela via da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, invocando, para o efeito, os arts. 483 e 486º C. Civil.</font><br>
<br>
<br>
<font> Esquecendo que o objecto do recurso é, agora, o acórdão da Relação e as decisões nele tomadas, os Recorrentes vêm </font><i><font>ex novo</font></i><font> arguir uma nulidade da sentença.</font><br>
<font>Assim sendo, como é bom de ver, o recurso carece de objecto, pois que não só se não imputa o vício à decisão recorrida, que é o acórdão e não já a sentença, como, a ter existido, o vício de forma em causa – que, por o ser (de forma), se circunscreve e só afecta a validade da peça em que ocorre - estaria sanado pela última decisão, não podendo falar-se, por isso, de nulidade sequencial (art. 715º-1 CPC) </font><br>
<br>
<br>
<font> De qualquer modo, sempre se deixa dito que a imputação do vício é manifestamente infundada.</font><br>
<font> Em boa verdade, nenhuma divergência se aponta, em termos quantitativos ou qualitativos, entre o objecto da decisão e o objecto do pedido formulado, revelando-se aquela menos abrangente que este. </font><br>
<font> Consequentemente, não se vislumbra desrespeito do comando do n.º 1 do art. 661º, para o qual a al. e) do art. 668º-1 estabelece a pretendida sanção.</font><br>
<br>
<br>
<font> O que se verifica, isso sim, é a utilização pelo julgador, na aplicação do direito aos factos, de um instituto e norma legal, a fundar (também) a responsabilidade dos Réus, que o Autor não invocou como fundamento jurídico da pretensão indemnizatória que formulou.</font><br>
<font> Está-se, aqui, em pleno, no campo da indagação das normas jurídicas aplicáveis e sua efectiva aplicação, matéria em que o tribunal não tem a actuação delimitada ou condicionada pelas alegações das partes, o que decorre do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão judicial, com expresso acolhimento no art. 664º-1º segmento do CPC.</font><br>
<br>
<font> Improcede, pois, a arguição.</font><br>
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<font> 3. 2. - Prescrição do direito à indemnização.</font><br>
<br>
<font> Os Recorrentes invocam a extinção do direito do Autor, por prescrição, porquanto terão decorrido mais de três anos sobre o conhecimento, pelo lesado, do direito accionado, para o que convoca o disposto nos arts. 498º e 301º, ambos do C. Civil, este último normativo a propósito de terem invocado a excepção em 1ª Instância, como se vê a fls. 998 a 1014.</font><br>
<br>
<font> No acórdão impugnado afastou-se a procedência da excepção peremptória em causa com o duplo fundamento de não ter sido invocada pelos Réus e só aproveitar a quem a alegar e de se apresentar como questão nova.</font><br>
<br>
<font> Assim é, efectivamente.</font><br>
<br>
<br>
<font> A prescrição, como claramente dispõe o art. 303º C. Civil, para operar a favor de quem dela pode beneficiar, necessita de ser invocada por essa pessoa (natureza pessoal), não podendo dela conhecer oficiosamente o tribunal.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Assim sendo, quando o devedor que pretenda libertar-se da eventual exigência do crédito não use da faculdade de intentar contra o credor a respectiva acção negatória (acção de simples apreciação negativa), quando confrontado com a exigência de satisfação do direito pode – e deve se quiser ver apreciada a extinção do direito - opor a excepção, o que terá necessariamente de ocorrer na contestação, sob pena de preclusão, isto é, de não mais o poder fazer com efeito útil. É o que resulta das normas dos arts. 493º-3, 487º e 489º, todos do CPC.</font><br>
<br>
<font> Daí decorre que, a eventual alegação da prescrição do direito invocado na petição inicial efectuada fora do prazo e do articulado próprio, que é a contestação, já não aproveita ao respectivo alegante.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> No caso, os Recorrentes arguiram a excepção na alegação sobre o aspecto jurídico da causa que ofereceram após o julgamento da matéria da facto (fls. 998 e ss.).</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, por lhe estar vedado pelos arts. 303º e 409º citados, não poderia o Julgador da 1ª Instância tomar conhecimento da questão, como, bem, não tomou.</font><br>
<br>
<font>Como consequência lógica, não havendo, como não houve, vício de omissão de pronúncia, como nova se apresentava também a questão perante a Relação.</font><br>
<br>
<font>Nenhuma censura merece, por isso, o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>3. 3. - Fundamento da responsabilidade e obrigação de indemnização pelos Réus-recorrentes.</font><br>
<br>
<font> Os Recorrentes afirmam a inaplicabilidade do preceituado no art. 1348º do C. Civil e a inverificação dos requisitos da obrigação de indemnizar, designadamente quanto ao nexo de causalidade.</font><br>
<br>
<font> Para o efeito, transcrevendo alguns trechos do acórdão que impugnam, os Recorrentes alegam não estar provado que os danos resultam das escavações. </font><br>
<font> Depois, e concretizando mais, os Recorrentes dizem que relativamente aos danos “não existem factos que directa ou indirectamente os permitam ligar às obras efectuadas”, isto é, não concorre o nexo de causalidade entre o facto e o dano.</font><br>
<br>
<br>
<font> O art. 1348º C. Civil, depois de reconhecer ao proprietário a faculdade de fazer escavações em seu prédio, prevê que os donos dos prédios vizinhos sejam indemnizados pelo autor dessa obras, logo que com elas venham a padecer danos, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.</font><br>
<br>
<font> Trata-se, como vem afirmado no processo, de um caso de responsabilidade objectiva por facto lícito.</font><br>
<br>
<font> Em divergência do regime geral da responsabilidade civil, com assento nos arts 483º e ss. do C. Civil, prescinde-se aqui da ilicitude do acto gerador do dano, bem como da culpa, ainda que presumida. Daí a ressalva legal quanto ao não afastamento do direito à indemnização, mesmo se tomadas as precauções consideradas necessárias. </font><br>
<font> A lei tutela o interesse do proprietário no exercício da livre fruição do seu prédio, tirando proveito de certos actos, mas, por razões de justiça, não permite que o dono do prédio vizinho, com iguais direitos de gozo no plano legal, veja estes direitos sacrificados sem compensação. </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> Ora, no caso, sendo os RR. os proprietários do prédio em que foram feitas as obras, em seu próprio proveito, são eles os autores delas para os fins previstos no n.º 2 do art. 1348º, isto é, os sujeitos da obrigação de indemnizar.</font><br>
<br>
<br>
<font> Insurgem-se os RR. contra o facto de não estar provado que os danos decorreram das escavações, nem haver ligação entre os danos e as obras de escavação.</font><br>
<br>
<font> Em causa, pois, o nexo de causalidade sem o qual não há obrigação de indemnização – art. 483º-1 e 563º, ambos do C. Civil. </font><br>
<br>
<font> Os Recorrentes colocam a questão da inverificação do nexo de causalidade na sua vertente material ou naturalística, já que a reportam unicamente à ausência de factos que estabeleçam uma relação de causa e efeito, resultado ou condição entre as obras, nomeadamente de escavações, e os danos verificados no edifício do Recorrido, especialmente aqueles que foram condenados a reparar.</font><br>
<br>
<font> Situa-se, assim, a questão, no campo da pura matéria de facto e, consequentemente, aquém da perspectiva da valoração normativa da adequação entre a causa e o dano, vale dizer da adequação causal, esta, sim, cognoscível pelo Supremo, como Tribunal de revista, por ser matéria de direito – arts. 722º-1 e 2 e 729º-1 e 2 CPC.</font><br>
<br>
<br>
<font> Resta, por isso, averiguar apenas – por isso que, insiste-se, não se questiona a adequação da causa -, se a decisão impugnada teve por adquirido ter-se procedido a escavações no prédio dos RR.-recorrentes e, por causa delas, em resultado ou em consequência delas terem ocorrido os danos cuja existência os mesmos Recorrentes não põem em causa.</font><br>
<br>
<br>
<font> Os Recorrentes retiram o argumento que alegam da “leitura de trechos do acórdão” em que “não existe qualquer referência a escavações, facto sobre a causalidade, que o acórdão não estabelece”.</font><br>
<font> Os trechos a que se alude são retirados da fundamentação de direito do acórdão.</font><br>
<br>
<br>
<font> Acontece, porém, que, como os Recorrentes bem sabem, não suscitaram, no recurso de apelação qualquer problema relativamente ao concurso do nexo de causalidade, ficando-se pela discussão da ausência de ilicitude e de culpa, para os fins previstos nos arts. 483º, 486º e 493º do C. Civil, além da prescrição. </font><br>
<font> Daí que não seja de estranhar que o acórdão desse por adquirido o requisito sem desenvolvimentos de fundamentação ou discussão.</font><br>
<br>
<br>
<font> Mas o que releva são os fundamentos de facto, elencados na parte própria do acórdão - que os Réus em sua argumentação desprezam -, à luz dos quais se teve como presente o requisito.</font><br>
<br>
<font> Assim, consta dos factos 11., 12., 13. e 23., que “aquando da demolição do prédio dos Réus, começaram a surgir fissuras nas paredes e tectos do prédio do Autor (…) </font><i><font>Devido à demasiada pressão do escoramento efectuado entre as empenas dos prédios contíguos ao dos Réus sobre a empena do prédio do Autor</font></i><font>. Após a demolição e </font><i><font>com o início das obras para a construção do novo prédio, nomeadamente escavações</font></i><font>, </font><i><font>imediatamente surgiu</font></i><font> um assentamento diferencial do prédio n.º 27. (….) </font><i><font>Em consequência das obras</font></i><font>, também surgiram roturas nos esgotos do prédio ….” (itálico nosso).</font><br>
<br>
<font>Dessa factualidade concluíram as Instâncias, sem que tal mereça censura, desde logo por se não vislumbrar erro ou ilogismo no raciocínio e juízo de facto formulado, que os danos verificados foram consequência das obras realizadas pelos Réus, nomeadamente </font><u><font>com o início das escavações</font></u><font>.</font><br>
<br>
<br>
<font>De concluir, também quanto a este ponto, pela incensurabilidade do decidido, seja quanto á aplicabilidade do regime do artº 1348º-2 C. Civil, seja quanto ao concurso do nexo de causalidade e demais requisitos da obrigação de indemnizar, dispensados, obviamente, como dito, a ilicitude e a culpa.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font>3. 4. - Nota final sobre o conteúdo de outras conclusões:</font><br>
<br>
<font>Os Recorrentes dedicam várias conclusões a questões como a licitude da sua actuação e ausência de culpa, sua e dos empreiteiros que contrataram, à não aplicação de presunção de culpa, não sendo a construção civil actividade perigosa – conclusões o) a u).</font><br>
<br>
<font>Como se pode extrair do que se foi expondo e decidindo, está-se perante temas prejudicados ou irrelevantes para o conhecimento do objecto do recurso.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, como repetidamente afirmado, os Réus respondem objectivamente enquanto proprietários do prédio vizinho e donos das obras, sendo, para tanto, indiferente que tenham realizado as obras por conta própria ou utilizando terceiros, empreiteiros ou não.</font><br>
<font>Mais que isso, relembra-se, irrelevam as técnicas utilizadas nas obras de escavação e as precauções tomadas.</font><br>
<br>
<font>Essas questões, a fazerem fundar a responsabilidade no regime geral dos arts. 483º, 486º, 493º e 500º, todos do C. Civil, apenas podem colher pertinência, como parece evidente, quando esteja em causa a responsabilidade de outros intervenientes na realização das obras causadoras dos danos, que não o proprietário do prédio onde as mesmas foram realizadas. </font><br>
<br>
<br>
<font>Improcedem, nesta conformidade, todas as conclusões da revista.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font>4. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>De harmonia com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Confirmar o decidido no acórdão impugnado; e,</font><br>
<font>- Condenar os Recorrentes nas custas. </font><br>
<br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça,</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 7 de Julho 2010.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<br>
<font>Urbano Dias</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KzJ_u4YBgYBz1XKvsBJc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>I</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>1. SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES AA, S.A., intentou contra BB - PROMOÇÕES IMOBILIÁRIAS, S.A, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação da ré no pagamento à autora de quantias em dívida, emergentes de um contrato de empreitada entre ambos celebrado, no montante global de €599.298,76, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde 10-10-2011, sobre a quantia de € 444.293,16, até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Alegou em síntese que, em 24 de Novembro de 2005,na qualidade de empreiteira, celebrou com a ré, como dona da obra, um contrato de empreitada, tendo por objeto a execução da construção e acabamentos de um edifício de habitação coletiva a edificar no prédio localizado ao ..., pelo preço de € 4.706.073,05, acrescido de IVA, sendo a empreitada tipo "chave na mão"; a obra ficou concluída em finais de Novembro de 2007 e foi formalmente entregue em 12 de Dezembro do mesmo ano; reparou todos os defeitos detetados que eram da sua responsabilidade; a ré não pagou as faturas que foram emitidas desde 31 de Agosto de 2007, no montante global de €415.068,11; sobre as faturas emitidas entre 30 de Março de 2006 e 31 de Agosto de 2007 são devidos juros de mora, uma vez que o seu pagamento não ocorreu no prazo de trinta dias a contar da data do vencimento, conforme estipulado no contrato; para pagamento das faturas emitidas antes de 31 de Agosto de 2007 a ré aceitou diversas letras que foram descontadas em instituições financeiras e que já se encontram pagas, mas por força das quais a autora teve de suportar diversos encargos no valor de €29.135,05, a que acrescem juros de mora a partir do seu vencimento; a obra deveria ter terminado em 7 de Julho de 2007 mas só foi entregue em 12 de Dezembro seguinte, devido a pedidos formulados pela ré para introduzir alterações e entrega tardia dos elementos necessários para tanto, como no que diz respeito à alteração de um laje aligeirada para laje maciça, escadas de emergência, definição de rede de águas pluviais dos logradouros virados a Norte e Nascente, alterações de apartamentos TI para tipologia T3, alteração do projeto de betão armado, localização de cabeceiras de camas, alteração dos materiais de revestimentos das paredes e pavimentos das casas de banho e cozinhas, nas entradas nos blocos e acessos a elevadores, entrega do desenho de implantação das arrecadações, entrega das referências das tintas a aplicar, entrega do desenho de pormenor com implantação do tanque de gás, arranjos exteriores, implantação do posto de transformação; foram executados trabalhos a mais que implicaram também um prolongamento do prazo em 29 dias; a ré sempre reconheceu a dívida; inesperadamente, em 30 de Novembro de 2010, ela, autora, recebeu uma notificação judicial avulsa na qual é referido que face ao atraso na entrega da obra a ré tinha direito à quantia de €345.896,29 por multas, comunicando ainda uma compensação de créditos; nunca poderia ser aplicada tal multa, face ao estipulado no art. 223º, n.º 4, do DL 59/99, de 2 de Março, além de que operou a caducidade desse invocado direito a obter o pagamento de multa pelo atraso na execução na obra, face ao estatuído no art. 1224°, nº 1 do CC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Contestou a ré, alegando, em síntese, que do auto de receção provisória da obra resulta que foram detetados diversos defeitos que a autora ainda não reparou, estando pendente a ação nº 502/11.3TCFUN na qual se peticiona a reparação dos defeitos; não tendo sido reparados os defeitos, assiste à ré a invocação da exceção de não pagamento; a autora tem afirmado que os valores em dívida seriam os das faturas nºs. A 544, B 298 e B 317; em 25 de Agosto de 2010, a autora assumiu formalmente que o saldo da conta corrente entre as partes era de €452.357,40, sendo que depois ela, ré, pagou €122 000,00 ficando o valor reduzido para €330.357,40; em 16 de Março de 2011, a autora enviou-lhe a fatura nº 2797, no montante de €113.334,70, relativa a alegados trabalhos a mais e só nessa data exigiu juros moratórios no valor de €155.095,60, o que constitui </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font> face ao valor anteriormente tido como sendo o devido; os factos invocados pela autora para justificar o atraso na conclusão da obra não relevam.</font>
</p><p><font>Deduziu, ainda, reconvenção pedindo a condenação da autora no reconhecimento de que ela, ré, é titular do crédito no montante de €81.773,03, a título de trabalhos a menos/menos valias não realizadas; no reconhecimento de que é titular do crédito no valor de €362.368,16, a título de multa contratual devida pelo atraso da obra da responsabilidade da autora reconvinda; a reconhecer o direito a exercer a compensação com os possíveis créditos da autora; se assim se não entender, deve a declaração de compensação realizada por notificação judicial avulsa ser declarada válida e eficaz e ser a autora condenada a reconhecê-lo; ser a autora condenada no pagamento à ré do valor que exceda a medida da compensação.</font>
</p><p><font>Houve réplica e, apresentado conjuntamente requerimento de suspensão da instância para acordo, foi este indeferido.</font>
</p><p><font>Proferida, a final, sentença, na qual se decidiu: </font><i><font>«Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário e improcedente a reconvenção e, em consequência: Condenar a ré no pagamento à autora da quantia global de € 301 733,41 (…), acrescida de juros de mora vencidos desde a data do vencimento de cada uma das facturas A 544 (esta apenas quanto ao valor de € 105 278,18), B 298 e B 317 (…), calculados com base nas taxas que foram sendo mensalmente fixadas por Aviso da DGT, conforme Portaria n." 597/2005, de 19.07 e vincendos, até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado; Absolver a autora/reconvinda do pedido reconvencional».</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelou a ré, tendo a Relação, por unanimidade, julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Recorreu a ré para o STJ, subsidiariamente requerendo a admissão do recurso como </font><i><font>revista excecional</font></i><font> – art. 672º do CPC.</font>
</p><p><font>Proferido acórdão por esta secção, em 10 de Outubro último, a não admitir a revista ordinária, por se não verificar o requisito negativo da </font><i><font>dupla conforme</font></i><font> – art. 671º, nº 3 do CPC (acórdão, a fls. 961/9).</font>
</p><p><font>Apresentados os autos à formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC, foi, à luz do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 672º do CPC, </font><b><font>admitida a revista excecional, restrita ás seguintes questões: (i) </font></b><b><i><font>«não cumprimento/caducidade do direito à eliminação dos defeitos»</font></i></b><b><font>; (ii) </font></b><b><i><font>«multa </font></i></b><b><font>[pelo atraso da obra]</font></b><b><i><font> (…)»</font></i></b><b><font>; (iii) </font></b><b><i><font>«juros de mora/nulidade da sentença </font></i></b><b><font>[do acórdão]</font></b><b><i><font>»</font></i></b><b><font> </font></b><font>(acórdão, a fls. 998/1005).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. São as seguintes as pertinentes conclusões da alegação da Recorrente:</font>
</p><p><i><font>«(…)</font></i>
</p><p><font> </font><i><font>ll). O Tribunal da Relação </font></i><font>a quo</font><i><font> decidiu que, quanto à questão da exceção de não cumprimento/caducidade do direito à eliminação dos defeitos, não assistir à apelante, ora recorrente, o direito de “direito a invocar a excepção de não cumprimento do contrato, fundada na falta de reparação dos defeitos das obras”;</font></i>
</p><p><i><font>mm). Uma vez que não houve, por um lado, reconhecimento por parte da A./apelada nesse sentido e porque, sob pena de romper o equilíbrio contratual ou a equivalência das prestações, não pode existir reconhecimento obstativo da caducidade; Ora,</font></i>
</p><p><i><font>nn). Na petição inicial a A., ora recorrida, pediu a condenação da R., ora apelante, no pagamento da “quantia de € 559.298,76, acrescido de juros de mora legais (…) até efectivo e integral pagamento …” (sic), a título de preço da empreitada de construção e acabamentos do edifício “...”, sito na freguesia do ..., município de ...;</font></i>
</p><p><i><font>oo). Na sentença apelada a 1º instância condenou a aqui apelante no pagamento “da quantia global de 301,733,41 € (…), acrescida de juros de mora vencidos desde a data de vencimento das facturas A544 (esta apenas no montante de € 105 278,18), B298 e 317 referidas em 12., calculados com base nas taxas que foram sendo mensalmente fixadas por Aviso da DGT, conforme Portaria nº 597/2005, de 19.07 e vincendos, até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado”;</font></i>
</p><p><i><font>pp). Na sua contestação a R., ora recorrente, invocou exceção de não cumprimento por parte da A./apelada; Pois bem,</font></i>
</p><p><i><font>qq). Atento ao específico e concreto teor fls. 164 a 177 dos autos, de que dá conta os factos 5. e 6. da matéria de facto julgada assente, é fora de qualquer dúvida que tal auto de receção provisória, datado de 12.12.2007, foi efetivamente assinado pela empreiteira, aqui A./apelada, como o foi pela dona da obra, ora R./apelante e, bem assim, pela Fiscalização;</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>rr). E que do mesmo auto de receção provisória consta, sem margem para equívocos, expressas as “diversas irregularidades, conforme se pode constatar em anexo”, do qual anexo consta o rol respetivo. – cfr. fls. 164 a 177 dos autos -, como dá conta, de resto o Tribunal da Relação no acórdão recorrido, a suas p. 28 a 32;</font></i>
</p><p><i><font>ss). A./apelada/ora recorrida nessa data tomou expresso conhecimento dessas irregularidades e da necessidade da sua reparação/eliminação, como está processualmente adquirido no ponto 6. da matéria de facto, o que é ostensivo, claro e inequívoco;</font></i>
</p><p><i><font>tt). Por outro lado, nos termos da cláusula Décima Segunda do contrato de empreitada, as partes foram expressas na previsão das opções que o dono da obra teria aquando da receção provisória da obra, entre as quais a prevista na alínea c) [aceitação provisória “mas sob condições de serem reparados os vícios e imperfeições já patentes” (sic);</font></i>
</p><p><i><font>uu). Na situação dos autos, é patente, claro, inequívoco e notório que, atento ao teor dos pontos 5. e 6. da matéria de facto julgada assente, o dono da obra/ora recorrente, ao ter feito constar do auto de receção provisória, assinado pela própria empreiteira/A./apelada a expressa indicação das irregularidades e um seu anexo onde as mesmas são discriminadas deitou mão da possibilidade contratual que lhe era conferida pela al. b) da Cláusula Décima Segunda do contrato de empreitada;</font></i>
</p><p><i><font>vv). Do dito auto receção não consta a conclusão da obra e, por outro lado, esta não foi rejeitada pela ora apelante, mas sim que a aceitação provisória foi condicional “sob condições de ser reparados os vícios e imperfeições já patentes” e constante do dito auto e do anexo para o qual remete;</font></i>
</p><p><i><font>ww). Tal faculdade contratual, tal qual prevista no contrato de empreitada, determinava, de modo expresso e inequívoco, a necessidade da reparação dos vícios e imperfeições por parte da empreiteira/A./apelada;</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>xx). Esta ao assinar e ao aceitar tal dito auto de receção condicional ou sob reserva, como assinou e aceitou, obrigou-se, de forma clara, necessária e lógica, a reparar os vícios imperfeições da obra que do dito auto foram feita constar pelo dono da obra e pela fiscalização;</font></i>
</p><p><i><font>yy). Até porque se a empreiteira/A./apelada discordasse da recepção provisória sob reserva simplesmente não o teria assinado, ao invés do que fez;</font></i>
</p><p><i><font>zz). Ora, ao invés do concluído pelo Tribunal da Relação a quo, da matéria de facto considerada provada nos pontos 5. e 6. e da sua conjugação com o teor da cláusula Décima Segunda do contrato de empreitada, é possível constatar que a A./apelada/ora recorrida, ao assinar e aceitar o auto de receção nos termos em que o fez, assumiu, pelo menos implicitamente, a inerente responsabilidade pela reparação dos defeitos que a obra já apresentava;</font></i>
</p><p><i><font>aaa). Tal asserção é clara, notória e inequívoca, como se disse, muito ao invés do que parece propugnar o Tribunal da Relação recorrido, até porque a A./recorrida assinou o auto, e sabia e não podia ignorar as opções contratuais previstas na clausula 12ª do contrato por si também assinado e que no cotejo destas só se podia estar em face duma receção provisória condicional ou sob reserva;</font></i>
</p><p><i><font>bbb). Por outro lado, o Tribunal da Relação a quo foi de entendimento que se operasse o reconhecimento obstativo da caducidade do direito de reparação dos defeitos por parte da A./ora recorrida tal violaria o equilíbrio das prestações ou equivalência das prestações;</font></i>
</p><p><i><font>ccc). Fê-lo por referência a comparação entre o montante do crédito da A./apelada/ora recorrida e o montante das reparações em questão;</font></i>
</p><p><i><font>ddd). O Tribunal, para além de limitar-se a enumerar o rol dos defeitos/desconformidades, formula aquele juízo decisório assente em permissivas que só o próprio julgador, porventura, conhece;</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>eee). De fato, depois de constatar o óbvio e evidente – que nos autos e na sua matéria de fato não consta o apuramento do possível valor necessário à reparação dos defeitos/desconformidades em questão -, decide a questão por si próprio levantada por lhe ser “possível perspectivar que o valor das reparações é muito inferior ao que falta liquidar”- cfr. p. 32 do acórdão recorrido;</font></i>
</p><p><i><font>fff). Ora, os custos de reparação dos defeitos não são notórios nem se mostram apurados em sede de matéria de fato com considerada provada em qualquer das instâncias:</font></i>
</p><p><i><font>ggg). O julgamento judicial deve constituir um silogismo assente em fatos processualmente adquiridos, pelas formas processuais devidas, pelo que se não alcança a que título o afirmado o é ou que meios de prova aduz o Tribunal para estribar a sua conclusão;</font></i>
</p><p><i><font>hhh). Reitera-se: inexiste nos autos qualquer avaliação dos custos necessários da reparação dos defeitos em apreço e não consta do elenco dos fatos provados qualquer matéria que lhe permita inferir no sentido que infere, mormente por referência a quaisquer percentagens de retenção a título de garantia;</font></i>
</p><p><i><font>iii). A comparação que visou o Tribunal estabelecer é virtualmente impossível por total ausência de matéria de fato que a corrobore e constitui um simples exercício de voluntarismo ilegal e de pura adivinhação, ofensiva de qualquer processo judicial justo e equitativo;</font></i>
</p><p><i><font>jjj). E que exige concordância entre os fundamentos – também os de fato – e as conclusões de direito, o que não ocorre na situação em questão;</font></i>
</p><p><i><font>kkk). Ao se mostrar processualmente impossível tal comparação, nenhuma conclusão no sentido da violação do equilíbrio contratual ou equivalência das prestações mostra-se possível e fundamentado, nem pode constituir fundamento para impedir o reconhecimento por parte da A./recorrida obstativo da caducidade em apreço;</font></i>
</p><p><i><font>lll). Ao assim ter procedido o Tribunal da Relação recorrido o disposto nos arts. 428º, 331º/2, 309º e 1220º/2 do CC e, bem assim, a cláusula 12ª do contrato de empreitada em questão;</font></i>
</p><p><i><font>mmm). Como incorreu em nulidade disposto no art. 615º/1, al. c) do CPP, pois que alicerçou fundamento decisório sem qualquer matéria de fato considerada demonstrada;</font></i>
</p><p><i><font>nnn). Em conformidade, deve o decidido ser revogado e substituído por outro que julgue a exceção de não cumprimento subsistente e eficaz, obstando de modo, até que esse cumprimento ocorresse [no caso, até que os defeitos e imperfeições elencados no ponto 41 da matéria de facto sejam reparadas], a exigibilidade do pagamento do remanescente do preço da empreitada à A./apelada;</font></i>
</p><p><i><font>ooo). Quanto à questão da multa contratual, o Tribunal da Relação decidiu que não assistia à R./ora recorrente o direito de aplicar tal multa nem de obter nestes autos a condenação desta, tendo julgado improcedente a compensação de créditos e o pedido reconvencional daquela;</font></i>
</p><p><i><font>ppp). Na reconvenção a ora recorrente pediu o reconhecimento da compensação por si realizada no montante de € 345.896,29 decorrente da aplicação de multa contratual por atraso na entrega da obra por parte da A./apelada;</font></i>
</p><p><i><font>qqq). O Tribunal decidiu como decidiu por a dita multa dever ser aplicada observando o disposto no Decreto-Lei nº 59/99, de 2.3;</font></i>
</p><p><i><font>rrr). Contudo, nos autos fora de dúvida que a notificação da R./recorrente à A./recorrida no sentido da aplicação da multa contratual foi realizada a 30.11.2010 (cfr. ponto 7. dos factos assentes), como é igualmente certo que a A./recorrida procedeu única e tão somente como consta descrito na factualidade do ponto 8;</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>sss). Como do mesmo modo é claro que as partes não submeteram, em momento algum e como decorre do clausulado do seu contrato de empreitada, o dito contrato ou a sua execução ao regime jurídico público ou de direito administrativo aplicável aos contratos administrativos de empreitadas de obras públicas;</font></i>
</p><p><i><font>ttt). Tal circunstância é, de resto expressamente reconhecida pelo próprio Tribunal na p. 35 do seu acórdão, 2º §º;</font></i>
</p><p><i><font>uuu). E assim sendo, como é cristalino no contrato de empreitada, se não alcança como pode, de forma paradoxal, o Tribunal subsumir a execução do contrato ao regime público;</font></i>
</p><p><i><font>vvv). De facto, só o faz apegando-se ao auto de receção provisória, sem que o contextualize e o interprete à luz da autonomia privada das partes consubstanciada no contrato por si outorgado;</font></i>
</p><p><i><font>www). Ora, estas tinham conhecimento – porque assinaram o dito contrato! – dos seus concretos termos e do regime jurídico que pretenderam aplicar à sua relação contratual e à execução do contrato em questão;</font></i>
</p><p><i><font>xxx). E é manifesto que a sujeição ao regime público das empreitadas públicas da dita execução do contrato não foi nem desejada nem querida pelas partes, nem tão pouco plasmaram isso na sua autorregulação contratual;</font></i>
</p><p><i><font>yyy). Tal automomia privada e liberdade contratual é a plasmada no contrato de empreitada dos autos e nenhuma outra, em obediência, de resto, ao disposto no art. 405º do CC, pelo que as incidências da sua execução só podem ser interpretadas à luz e em conformidade com os termos do clausulado contratual;</font></i>
</p><p><i><font>zzz). A interpretação do auto de receção feito pela Relação infringe e viola os concretos termos do contrato da empreitada, pois que neste nenhum aspeto da sua execução foi submetido ao regime de direito público;</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>aaaa). E se as partes entendessem submeter qualquer aspeto da execução do contrato ao regime jurídico público, maxime ao art. 201º do DL 59/59, tê-lo-iam previsto e externado, de forma expressa, no contrato dos autos.;</font></i>
</p><p><i><font>bbbb). Ao invés, a cláusula contratual nº 23ª é clara e precisa quanto à questão que se ocupa: previa a aplicação de multa contratual por atraso na execução da empreitada e previa o seu quantibus concreto diário;</font></i>
</p><p><i><font>cccc). Importa notar, ainda, que na situação dos autos o observado pela recorrente ofereceu à A./recorrida uma maior garantia de segurança e fidedignidade do que aquela que decorre dito DL nº 55/99, pois que, como decorre dos fatos provados, a mesma teve lugar através de por notificação judicial avulsa – ao contrário de simples notificação à empreiteira;</font></i>
</p><p><i><font>dddd). E esta teve todo o tempo entre a receção da notificação judicial avulsa e a interposição da presente ação judicial para sobre a mesma se pronunciar e a impugnar, ao invés do prazo de impugnação previsto naquele diploma;</font></i>
</p><p><i><font>eeee). O Tribunal da Relação ao considerar que aplicação da multa contratual prevista na cláusula 23º do contrato de empreitada devia observar o disposto no DL 59/99 – aqui totalmente inaplicável -, infringiu tanto aquela cláusula, o contrato de empreitada em apreço e, bem assim, o princípio da autonomia privada das partes, previsto no art. 405º do CC;</font></i>
</p><p><i><font>ffff). Em consequência, o acórdão recorrido é ilegal, devendo ser revogado e substituído por outro que reconheça à recorrente o direito de aplicar a multa contratual em apreço e de obter nestes autos a condenação da recorrida no seu pagamento, com a consequente compensação de créditos;</font></i>
</p><p><i><font>gggg). Quanto aos juros moratórios civis, a A./ora recorrida não pediu a condenação da recorrente em juros moratórios comerciais, mas sim limitou-se a sua condenação nos “juros de mora legais”;</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>hhhh). Ante a ausência de pedido estava as instâncias impedidas de decidirem como decidiram, porquanto impunha-se a observância do princípio do pedido. – cfr. art. 615º/1 – al. e) CPC;</font></i>
</p><p><i><font>iiii). Não tendo formulado tal pedido, por muito que assim não veja o Tribunal da Relação recorrido, os juros moratórios legais a aplicar são os previstos no art. 559º/1 do Código Civil e na portaria nº 291/2003, de 8.4., que são de 4%. – cfr. assim, neste sentido, Ac. TRLisboa, de 28/4/2015, proferido nos autos do proc. nº 145/11.1TCFUNL1 – 1ª Secção;</font></i>
</p><p><i><font>jjjj). O acórdão recorrido é, tal qual a sentença da 1ª instância, </font></i><font>[nulo]</font><i><font> nesta parte (cfr. art. 615º/1 e) do CPC), como infringe o princípio do pedido e o disposto nos arts. 559/1 do CC, portaria 291/2003 e, ainda, o disposto no art. 103º/§º3 do Código Comercial;</font></i>
</p><p><i><font>kkkk). Em consequência, deve a nulidade ser declarada e revogada o acórdão recorrido, com as legais consequências.»</font></i>
</p><p><font>Contra-alegou a Recorrida, defendendo a manutenção do acórdão da Relação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font> </font>
<p><font>II</font></p></div><br>
<font> </font>
<p><font>6. </font><b><font>As questões </font></b><font>– três questões –</font><b><font> a decidir no presente recurso, enquanto </font></b><b><i><font>revista excecional</font></i></b><b><font>, e consideradas as transcritas conclusões da alegação da Recorrente</font></b><font> (CPC, arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2), </font><b><font>foram já circunscritas pelo anterior acórdão que o admitiu</font></b><font> (</font><i><font>supra</font></i><font>, 3). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido, que procedeu á sua ordenação):</font>
</p><p><i><font>1. A autora exerce a actividade de indústria de construção civil e obras públicas (alínea A)).</font></i>
</p><p><i><font>2. A ré exerce a actividade imobiliária, compreendendo a construção para venda de imóveis (por acordo).</font></i>
</p><p><i><font>3. Por contrato escrito de 24-11-2005, a autora e a ré, nas qualidades de empreiteira e dona da obra, respectivamente, celebraram um contrato de empreitada para a construção e acabamentos de um edifício de habitação colectiva, a edificar sobre um prédio urbano, composto por um terreno destinado à construção urbana, com a área de 5 667 m2, localizado no sítio da ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6 028° e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° 3515, conforme documento que consta de fls. 9 verso a 17 p.p. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea C)).</font></i>
</p><p><i><font>4. De acordo com o vertido no contrato referido em 3. as partes acordaram no seguinte: </font></i>
</p><p><i><font>a) o preço seria no montante de € 4 706 073,05, acrescido do IVA, à taxa em vigor no momento do pagamento, sendo a empreitada tipo "chave na mão"; </font></i>
</p><p><i><font>b) o preço seria pago pela ré à autora, em função dos trabalhos realizados e de acordo com cronograma financeiro, referido na cláusula terceira do referido contrato;</font></i>
</p><p><i><font>c) o prazo de pagamento das facturas seria de 30 dias a contar da data da sua emissão;</font></i>
</p><p><i><font>d) os trabalhos teriam início no dia 3 de Janeiro de 2006 e seriam concluídos no prazo de 18 meses, a contar dessa data; </font></i>
</p><p><i><font>e) no caso de suspensão dos trabalhos, não decorrentes da própria natureza destes, nem imputável à empreiteira, considerar-se-ia automaticamente prorrogado, por período igual ao da suspensão, o prazo de execução da obra; </font></i>
</p><p><i><font>f) a dona da obra poderia exigir que fossem realizadas alterações ao plano convencionado, ao projecto de execução da empreitada e aos trabalhos e materiais empregues, desde que o valor não excedesse 1/4 do preço estipulado e não houvesse modificação da natureza da obra. Neste caso a empreiteira teria direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, a um prolongamento do prazo para execução da obra, o qual seria calculado pelo critério da proporcionalidade do tempo fixado em função da natureza dos trabalhos; </font></i>
</p><p><i><font>g) Se os trabalhos não se concluíssem dentro do prazo fixado na cláusula oitava a empreiteira pagaria à dona da obra, uma multa diária, no montante de 0,05% do valor global da empreitada (alínea D)).</font></i>
</p><p><i><font>5. A multa contratual diária fixada é de € 2.353,04 (ponto 83.).</font></i>
</p><p><i><font>6. A execução dos trabalhos do empreendimento referido em 3. teve o seu início a partir do bloco A, ou seja de Sul para Norte (ponto 50.).</font></i>
</p><p><i><font>7. Foram efectuadas, pela ré, alterações no bloco D, passando de 9 TI para 3 T3 e os correspondentes desenhos foram entregues à autora em 28-06-2006 (alínea J)).</font></i>
</p><p><i><font>8. Uma alteração de tipologia (de TI para T3) só começa a afectar o rendimento ou ritmo de execução da obra após o início das alvenarias (divisórias/blocos) caso não haja alteração da localização das cozinhas, casas de banho, nem das coretes na estrutura do bloco (ponto 64.).</font></i>
</p><p><i><font>9. Uma alteração de tipologia como a referida em 8. determina a realização de menos três casas de banho, menos seis cozinhas e menos seis salas (ponto 66.).</font></i>
</p><p><i><font>10. Por decisão do dono da obra e da sua fiscalização foi solicitada, na reunião de obra de 31-03-2006, uma alteração nas lajes para as reforçar com bandas maciças, tendo nessa data sido apresentado desenho pelo projectista (pontos 11. e 52. da base instrutória).</font></i>
</p><p><i><font>11. A 21-04-2006, 28-04-2006 e 5-05-2006, a autora evidenciava a execução de betonagens em lajes, conforme actas n.ºs 9 a 11 (ponto 92.).</font></i>
</p><p><i><font>12. Na reunião de 12-05-2006, o projectista da estrutura apresentou o desenho da laje maciça para substituição da laje aligeirada (ponto 12.).</font></i>
</p><p><i><font>13. Na reunião de obra de 9-06-2006 o empreiteiro, a ora autora, apresentou a sugestão para a escada de emergência e na reunião de 16-06-2006 a fiscalização solicitou ao empreiteiro a proposta de preço para a execução das referidas escadas (pontos 13. e 53. da base instrutória).</font></i>
</p><p><i><font>14. Na reunião de obra de 21-06-2006 o empreiteiro entregou os desenhos e as propostas de preços sobre as escadas de emergência (pontos 14. e 54. da base instrutória).</font></i>
</p><p><i><font>15. Em 27-07-2006 foram entregues ao empreiteiro, pela fiscalização, uma solução alternativa com os elementos desenhados com a introdução das escadas de emergência e no dia 6-09-2006 a autora apresentou a proposta de preço para a sua execução, que foi aprovada pelo dono da obra, no valor de € 18 931,20 (pontos 15.,55. e 56. da base instrutória).</font></i>
</p><p><i><font>16. Em 28-06-2006, a autora apresentou, a pedido da fiscalização e do dono da obra, a definição da rede de águas pluviais dos logradouros dos apartamentos virados a Norte e a Nascente, o que não estava definido no projecto inicial que lhe foi entregue, e em 11-10-2006 e 18-10- 006 a ré solicitou rectificação da proposta de preço da rede de drenagem e águas pluviais (pontos 16.,59. e 60. da base instrutória).</font></i>
</p><p><i><font>17. Na acta da reunião de 6-09-2006 ficou consignado que devido à incompatibilidade entre o projecto de estrutura e de arquitectura, foi necessário o projectista apresentar um pormenor de betão armado para a ligação das armaduras na laje do bloco C, à cota 370,93 (pontos 17. e 67. da base instrutória).</font></i>
</p><p><i><font>18. A alteração da laje referida em 12. não afecta a execução dos demais trabalhos, designadamente, de alvenarias (ponto 69.).</font></i>
</p><p><i><font>19. Para a execução de tal laje será razoável um prazo de três dias (ponto 70.).</font></i>
</p><p><i><font>20. As falhas de segurança determinaram advertências formais à autora (ponto 77.).</font></i>
</p><p><i><font>21. Em 20-09-2006 a ré comunicou à autora que nos apartamentos da fracção V, X e Z do Bloco D, o quarto com a designação de 2, as cabeceiras das camas foram alteradas, virando-as para Nordeste, com necessidade de alterar as infra-estruturas nesse quarto, o que implicaria um período de cerca de duas semanas de trabalho (ponto 19.).</font></i>
</p><p><i><font>22. Em 11-10-2006, a fiscalização da obra solicitou a rectificação da proposta de preços para a execução do projecto de águas pluviais dos logradouros (alínea I)).</font></i>
</p><p><i><font>23. Na reunião de obra de 25-10-2006 a autora informou a fiscalização que o dono da obra solicitou alterações no apartamento modelo atinentes à colocação do espelho nas casas de banho, substituição do pavimento da cozinha, roda-tectos, assentamento de rodapé, frente de roupeiro (ponto 20.).</font></i>
</p><p><i><font>24. Foi aceite pelo dono da obra que a entrega do apartamento modelo ocorresse até finais do mês de Julho de 2006 e em 25-10-2006 o empreiteiro deu conta que ocorreram atrasos na sua conclusão face a pedido de alterações por parte da ré (ponto 93.).</font></i>
</p><p><i><font>25. Na reunião de obra de 10-01-2007, a fiscalização pediu à autora a entrega das propostas de preços para os granitos a colocar nas entradas dos edifícios e acessos aos elevadores (ponto 20.).</font></i>
</p><p><i><font>26. Na acta da reunião de obra de 7-02-2007 as partes consignaram que a execução das arrecadações nos Blocos G, H e I está suspensa (ponto 26.).</font></i>
</p><p><i><font>27. Na reunião de obra de 14-02-2007, foram entregues pelo dono da obra ao empreiteiro as plantas finais das arrecadações (ponto 27.).</font></i>
</p><p><i><font>28. Na reunião de obra de 2-05-2007, consignou-se que os granitos a colocar nas entradas dos blocos de apartamentos foram adjudicados pelo dono da obra no dia 26-04-2007, não tendo ainda o empreiteiro feito a encomenda do material (ponto 24.).</font></i>
</p><p><i><font>29. Na reunião de obra de 27-06-2007 o projectista de arquitectura entregou desenho com a implantação da arrecadação a executar na garagem do bloco C (ponto 28.).</font></i>
</p><p><i><font>30. Na reunião de obra de 1-06-2007 foram acordadas entre o projectista, o dono da obra e o empreiteiro as referências das tintas a utilizar nas pinturas exteriores, ficando ainda por decidir qual a referência das tintas a aplicar nas garagens (ponto 30.).</font></i>
</p><p><i><font>31. Nas reuniões de obra de 1-08-2007 e 8-08-2007, a autora questionou a ré sobre a referência da tinta que dever | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LDKqu4YBgYBz1XKv_iut | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA, BB e CC intentaram acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra DD-“Companhia de Seguros A... Portugal SA”, reclamando desta, a título indemnizatório, o pagamento das quantias de 108.238,61€ à Autora AA, de 10.000,00€ à Autora BB e de 28.231,25€ à Autora CC, acrescidas de juros de mora à taxa legal a contar da citação.</font><br>
<font>Alegaram, em síntese, que no dia 11 de Fevereiro de 2002, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UD-...-..., conduzido pela Autora AA, e o pesado de mercadorias com a matrícula SP-...-..., seguro na aqui Ré, cujo condutor seguia distraído e com velocidade excessiva e acabou por embater no veículo “UD”, esmagando a sua frente. Mais alegaram que, em consequência desse embate, sofreram as Autoras danos não patrimoniais que deverão ser fixados em 30.000,00€ para a A. AA, 10.000,00€ para a A. BB e 10.000,00€ para a A. CC. Que a A. AA ficou a padecer de uma IPP para o trabalho de 23,5%, devendo ser-lhe atribuída uma indemnização de 65.970,87€, e teve ainda diversas despesas. A A. CCfrequentava na altura o 7º ano de escolaridade e ficou a padecer de uma IPP de 7%, o que lhe reduz a capacidade futura de ganho, devendo ser-lhe atribuída uma indemnização de 18.021,25€, e teve também danos decorrentes da roupa e sapatos, que ficaram inutilizados.</font><br>
<br>
<font>A Ré contestou, impugnando por desconhecimento a generalidade dos factos.</font><br>
<br>
<font> Julgada a causa, foi proferida sentença em que se decidiu:</font><br>
<font>“a) Condenar a Ré a pagar à Autora AA a quantia de €1.684,79 (mil seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a citação e até efectivo e integral pagamento;</font><br>
<font>b) Condenar a Ré a pagar à Autora AA a quantia que se vier a liquidar relativamente à indemnização devida pela perda de capacidade de ganho e à indemnização devida pelo rendimento que deixou de auferir durante o período em que esteve sem poder trabalhar;</font><br>
<font>c) Condenar a Ré a pagar à Autora AA a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da presente sentença;</font><br>
<font>d) Condenar a Ré a pagar à Autora BB a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a citação e até efectivo e integral pagamento;</font><br>
<font>e) Condenar a Ré a pagar à Autora CC a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da presente sentença;</font><br>
<font>f) Condenar a Ré a pagar à Autora BB a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da presente sentença”</font><font>.</font><br>
<br>
<font> </font><font>A Ré apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.</font><br>
<br>
<br>
<font> Pede ainda revista a Seguradora para requerer fixação de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela Autora AA ou a baixa do processo ao Tribunal da Relação para ampliação da base factual e ainda a redução da indemnização por danos morais da mesma A..</font><br>
<br>
<font> Para o efeito, argumenta nas conclusões com que encerra a alegação:</font><br>
<tt><font>1ª) Constam dos autos elementos documentais com força probatória bastante para o tribunal poder e dever fixar o salário auferido pela coAutora AA, progenitora das menores cuja reparação indemnizatória ora não vai em causa; </font></tt><br>
<tt><font>2ª) Deve, pois, o tribunal de recurso, em aplicação do disposto nos arts. 729º e 730º CPC, fazer baixar os autos ao tribunal </font></tt><tt><i><font>a quo</font></i></tt><tt><font>, para este produzir a decisão mais adequada ao caso, fixando a indemnização devida a essa Autora para reparação do seu dano patrimonial futuro (relativo à IPG de 15%) com base nesses elementos documentais; </font></tt><br>
<tt><font>3ª) Porventura mesmo, se assim se vier a decidir, como se espera, ao abrigo do disposto no art. 722°/2 CPC, em conjugação com a redacção actual do art. 64°/7 DL 291/2007, na redacção dada pelo DL 153/2008, uma vez devidamente interpretado e aplicado </font></tt><tt><i><font>in</font></i></tt><tt><font> </font></tt><tt><i><font>casu</font></i></tt><tt><font>; </font></tt><br>
<tt><font>4ª) A indemnização fixada para ressarcimento dos danos morais desta mesma Autora acha-se sobrestimada, dissentindo logo dos normais critérios jurisprudenciais que mais comummente aplicados a casos semelhantes pelos tribunais superiores, em geral, devendo ser reduzida em conformidade com tais critérios de maior normalidade decisória; </font></tt><br>
<tt><font>5a) Aliás, essa Autora padecia já de morbilidade cervical prévia ao sinistro e suas sequelas que não devem servir para fundar, duplicando-as, duas indemnizações - seja a patrimonial e a não patrimonial, como emerge do aresto que vai assim impugnado. </font></tt><br>
<br>
<tt><font> </font></tt><font>A Recorrida apresentou contra-alegações.</font><br>
<font> Alega, no essencial, não ver inconveniente na fixação da indemnização que lhe é devida pelos danos patrimoniais, com recurso, quanto ao salário, aos documentos emanados da Segurança Social, propondo o respectivo critério e a verba de 55.000,00€ e, quanto ao dano não patrimonial, convoca as lesões descritas nas respostas aos quesitos 16º e seguintes, referindo, ao que interessa pôr em relevo, que “ficou a padecer, para toda a vida”, das elencadas nas respostas 16ª a 19ª.</font><br>
<br>
<br>
<font> Perante o alegado pela Recorrida em fundamentação da sua pretensão sobre danos morais, a Recorrente veio peticionar a sua condenação como litigante de má fé, em multa e indemnização, a pretexto de que a A. vem defender que a matéria das respostas aos quesitos 16º a 19º “representam a caracterização do estado de saúde em que ficou a mesma no </font><i><font>post-sinistro</font></i><font> (e por virtude dele)” bem sabendo que “ficou a padecer, quanto à matéria ora em causa, simplesmente de uma raquialgia residual …”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A Recorrida não respondeu ao pedido de condenação em multa e indemnização.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 2. - Como se extrai do conteúdo das conclusões da Recorrente e requerimento posterior, vem proposta a apreciação e decisão sobre as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font> - Se, perante as declarações de IRS e certidão da Segurança Social juntas ao processo, deve considerar-se determinado o valor da retribuição auferida pela Recorrida, para efeito de fixação da perda de ganho e capacidade de ganho, ou determinar-se a ampliação da base factual, sempre tendo em conta a norma do n.º 7 do art. 64º do Dec.-Lei n.º 291/2007 (redacção introduzida/aditada pelo Dec.-Lei n.º 153/2008);</font><br>
<br>
<font> - Se é exagerado o montante atribuído à Recorrida como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, sendo de reduzi-lo a 15.000,00€; e,</font><br>
<br>
<font> - Se deve haver lugar à condenação da Recorrida como litigante de má fé, com fundamento no vertido nas suas contra-alegações.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 3. - De entre a </font><b><font>factualidade</font></b><font> que vem assente, relevam, em função do objecto do recurso, os elementos que a seguir se transcrevem.</font><br>
<br>
<font>(…);</font><br>
<font>14. A autora AA nasceu no dia 1/10/1961 (Alínea L) da matéria de facto assente);</font><br>
<font>15. À data do embate a AA era saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica e trabalhadora (Alínea M));</font><br>
<font>(…);</font><br>
<font>24. Em consequência do embate a autora AA sofreu traumatismo da coluna cervical, com contusão violenta e traumatismo da perna esquerda com escoriações (Alínea G));</font><br>
<font>25. Do local do embate, depois de desencarcerada, foi transportada para o S.U. do Hospital de S. Marcos – Braga (Alínea H));</font><br>
<font>26. No Hospital de S. Marcos foi assistida e submetida a estudo radiológico, sendo tratada conservadoramente (Alínea I));</font><br>
<font>27. Após o referido no artigo anterior teve alta, medicada com analgésicos e anti-inflamatórios, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso (Alínea J) da matéria de facto assente);</font><br>
<font>28. Após o referido no artigo anterior, a autora AA sentia dores ao nível da coluna cervical e transição cervico-dorsal (Resposta ao quesito 8º);</font><br>
<font>29. Que se mantiveram e intensificaram (Resposta ao quesito 9º);</font><br>
<font>30. Recorreu aos Serviços Clínicos da Clínica Médico-Cirurgica de Santa Tecla – Braga e ao Centro de Saúde (Resposta ao quesito 10º);</font><br>
<font>31. Foi observada pelos Serviços de Ortopedia e Medicina Física e de Reabilitação na Clínica referida no anterior número 10º (Resp. 12º);</font><br>
<font>32. Onde lhe foi aplicado um colar cervical, que manteve até ao mês de Junho de 2002 (Resp. quesitos 13º e 14º);</font><br>
<font>33. No dia 8.3.2002 efectuou uma Ressonância Magnética da coluna cervical, que revelou rectilinização da coluna cervical (Resp. q.to 15º);</font><br>
<font>34. Discopatia em C5 – C6 com acentuada procidência discal difusa associada a osteofitose marginal que produz identação no cordão medular, comprimindo-o (Resposta ao quesito 16º);</font><br>
<font>35. Franca redução do diâmetro sagital do canal medular a nível de C5 – C6, visualizando-se uma medula comprimida e espalmada, com sinais de estenose foraminal bilateral (Resp. q.to 17º).</font><br>
<font>36. Discopatia mais acentuada à direita que pode justificar sofrimento radicular bilateral (Resp. 18º);</font><br>
<font>37. Discopatias incipientes a nível de C3 – C4 e C4 – C5, que não condicionam compressão medular ou radicular (Resp. 19º);</font><br>
<font>38. Teve indicação para fazer tratamento conservador e fisiátrico (Resp. ao quesito 20º);</font><br>
<font>39. Tratamento que efectuou na Clínica Médico-Cirurgica de Santa Tecla – Braga até ao fim do mês de Outubro de 2002 (Resp. ao q.to 21º);</font><br>
<font>40. Registou melhoria das cervicalgias e manteve rigidez do ombro esquerdo (Resposta ao quesito 22º);</font><br>
<font>41. Ficou a padecer de raquialgia residual (Resp. 24º);</font><br>
<font>42. A autora ficou a padecer definitivamente de stress pós-traumático (Resp. ao quesito 28º);</font><br>
<font>43. A autora, encarcerada no veículo que conduzia, manteve-se consciente. (Resp. 29º);</font><br>
<font>44. Entrou em pânico com o receio permanente de que o veículo se incendiasse a qualquer momento (Resposta ao quesito 30º);</font><br>
<font>45. Ficou a autora a padecer definitivamente de perturbações psico-afectivas com ansiedade (Resp. 31º);</font><br>
<font>46. Com ansiedade (</font><i><font>sic</font></i><font>) (Resp. ao quesito 32º);</font><br>
<font>47. Com insónias (Resposta ao quesito 36º);</font><br>
<font>48. Facilmente irritável e intempestiva com crises de cólera quer com familiares, quer com terceiros (Resp. 37º);</font><br>
<font>49. Em face do referido nos anteriores números a autora recorreu a um especialista em Psiquiatria, estando medicada com anti-depressivos e ansiolíticos (Resposta ao quesito 38º);</font><br>
<font>50. O referido nos anteriores artigos 41) e seguintes determinam à autora uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 15% (Resposta ao quesito 39º);</font><br>
<font>51. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas, tanto no momento do embate como no decurso do tratamento (Resp. ao q.to 40º);</font><br>
<font>52. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar (Resp. 41º);</font><br>
<font>53. Que a vão acompanhar durante toda a vida (Resp. ao q.to 42º);</font><br>
<font>54. Que se exacerbam com as mudanças de tempo (Resp. 43º);</font><br>
<font>55. As sequelas referidas provocaram-lhe o </font><i><font>quantum</font></i><font> </font><i><font>doloris</font></i><font> quantificável no grau 3 numa escala de 1 a 7 (Resp. ao quesito 44º);</font><br>
<font>56. Não mais esqueceu a imagem do veículo SP a subir pelo veículo que conduzia levando a à sua frente (Resposta aos quesitos 49º e 50º);</font><br>
<font>57. As filhas da autora seguiam consigo como passageiras (Resp. 51º);</font><br>
<font>58. No momento do embate apenas passou pela cabeça da autora AA que ia morrer (Resposta ao quesito 52º);</font><br>
<font>59. Que as suas filhas iam assistir à sua morte (Resposta 53º);</font><br>
<font>60. A autora temeu pela vida das suas filhas (Resp. ao q.to 54º);</font><br>
<font>61. Em face do referido no anterior número 37º a autora AA tem momentos em que isola de tudo e de todos (Resposta ao quesito 55º).</font><br>
<font>(…);</font><br>
<font>87. A Autora AA exercia actividade profissional auferindo quantia não apurada (Resp. aos q.tos 95º e 96º);</font><br>
<font>88. Por causa das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter a autora sofreu período de incapacidade temporária profissional geral de 325 dias (Resposta ao quesito 97º).</font><br>
<font>89. A Autora AA cessou a relação laboral que mantinha ao tempo do embate (Resp. aos quesitos 98º, 99º, 100º e 101º).</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Alteração ou ampliação da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. 1. - A Recorrente invoca a norma do art. 722º-2 CPC, em conjugação com “a boa aplicação ao caso dos autos do disposto pelo DL 153/2008”, para que, em conformidade com o que consta do “extracto de registos de remunerações” referentes à Recorrida emitido pela Segurança Social e declarações de IRS se proceda à fixação do salário para efeitos de reparação indemnizatória.</font><br>
<br>
<font> A Relação, apesar de confrontada com a questão, não a abordou directamente, limitando a discussão à decisão de relegar a fixação da indemnização para decisão ulterior, dando por assente a ausência de prova do salário sem se debruçar sobre a invocada repercussão dos documentos na alteração dos fundamentos de facto dessa decisão.</font><br>
<br>
<font> Tal não obstará, porém, a que este Tribunal aprecie a questão colocada, invocada, como vem, a violação da força probatória de prova documental, a coberto da excepção prevista no n.º 2 do art. 722º CPC.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. 1. 2. - Antes de prosseguir, importa alinhar alguns elementos pertinentes ao enquadramento e melhor compreensibilidade do problema, a saber:</font><br>
<font>- A acção foi intentada em Julho de 2004 e o acidente ocorreu em Fevereiro de 2002;</font><br>
<font>- A A. AA articulou que exercia a profissão de empregada de balcão, com o salário mensal de 1.045,00€, 14 vezes por ano, matéria que passou a integrar os quesitos 95º e 96º;</font><br>
<font>- Na fase de julgamento, a A. fez juntar um “recibo de vencimentos”, referente ao mês de Janeiro de 2002, do mencionado montante líquido, após dedução de 114,95€ de Taxa Social Única, emitido por EE, em que aquela figura como empregada de balcão, que foi objecto de impugnação;</font><br>
<font>- A requerimento da Ré foram requisitadas as declarações de IRS relativas aos anos de 2001 a 2003 e o Tribunal requisitou também à S.S. informação sobre as contribuições da A. durante o ano de 2003;</font><br>
<font>- Aos ditos quesitos 95º e 96º o tribunal respondeu estar apenas provado que a A. “exercia actividade profissional, auferindo quantia não apurada”;</font><br>
<font>- No despacho de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, no tocante à resposta em causa consignou-se:</font><br>
<font>“Objecto de controvérsia e discussão em audiência foi a matéria relativa à situação profissional da autora AA ao tempo do embate. </font><br>
<font>Os elementos probatórios produzidos a este propósito são contraditórios e não conciliáveis entre si. </font><br>
<font>Por um lado, todas as testemunhas arroladas pela autora afirmaram que esta desempenhava, ao tempo do embate, actividade profissional, tendo as testemunhas FF (amiga da autora AA) e GG(seu irmão) referido que desempenhava tal actividade numa empresa de um irmão, tendo ainda a última precisado que auferia um vencimento superior a mil euros. </font><br>
<font>O documento de fls. 468 consubstancia um recibo de vencimento relativo a Janeiro de 2002, em que figura como empregador EE (irmão da autora) e como empregada a autora, dele constando o vencimento de liquido de 930,05 euros (após dedução da taxa social única de 11 %). </font><br>
<font>Porém, nas declarações para efeitos de IRS apresentadas pela autora e seu marido, relativas aos anos de 2001, 2002 e 2003, não consta que a autora tenha auferido nesses anos qualquer rendimento do trabalho. </font><br>
<font>Por outro lado, a segurança social informou nos autos (cfr. fls. 489), em cumprimento duma primeira solicitação, que a autora AA se encontrava inscrita na segurança social com o n° ... e não apresentava, relativamente ao ano de 2002, qualquer registo de remunerações (sendo certo que identificava nessa informação a autora como 'AA', com residência na Rua A... C..., ..., ...° Esq., S. L..., B... - a morada constante da petição inicial). Face a nova solicitação, mediante informação da autora de que o seu número de beneficiária tinha sofrido alteração (indicando como número de beneficiária o número ...), a segurança social informou que aquela (identificando-a agora como 'AA', residente na Rua A... C..., n° ..., ...°, S. L..., B...) se encontrava inscrita na segurança social e que o seu número de beneficiária era o ..., enviando os extractos dos registos das remunerações respeitantes ao período compreendido entre Janeiro de 2001 e Janeiro de 2003, identificando também a entidade empregadora e mencionando ainda que a autora tinha sido admitida ao serviço da entidade empregadora em Junho de 2000 (c&. fls.494 a 497) - entidade empregadora que é identificada como HH, e sendo certo que aí consta o valor de 880,00€ a título de remuneração permanente, não consta já dos registos qualquer hiato no pagamento dessa remuneração (designadamente no período em que, em consequência do acidente, a autora sofreu incapacidade temporária profissional total - atente-se no facto de, como resulta do relatório pericial de fls. 158 a 160, a autora ter sofrido, em consequência do evento, incapacidade temporária profissional total por um período de 325 dias). </font><br>
<font>Como se disse, estes elementos probatórios não são entre si conciliáveis - antes pelo contrário, contrariam-se e anulam-se mutuamente. </font><br>
<font>Do recibo de vencimento junto pela autora resulta que a sua entidade patronal é EE, aí constando também a realização de desconto relativo à taxa social única de 11 %, mencionando-se como número de beneficiária da autora na segurança social o n° ... . </font><br>
<font>O teor desse documento, além de não encontrar suporte nas declarações de IRS, não encontra também suporte na primeira informação da segurança social (que refere o número de beneficiária nele aludido), pois que aí se informa que a autora não apresenta registo de remunerações relativamente ao ano de 2002 (e o recibo respeita exactamente ao primeiro mês desse ano). Acresce que o teor desse recibo é contrariado pela segunda informação da segurança social, considerando que aí se informa que a entidade patronal da autora, desde Junho de 2000 até final de 2003, é pessoa diferente da que nesse recibo de vencimento consta - e realce-se que nenhuma das testemunhas aludiu ao facto de a autora ter dois empregos em simultâneo. </font><br>
<font>A segunda informação da segurança social é contrariada não só pelo documento (recibo de vencimento) junto aos autos pela autora, como também pelo depoimento das testemunhas por ela arroladas - que referiram que a autora, ao tempo do embate, trabalhava na empresa do seu irmão, em E..., B.... Mostra-se também essa segunda informação da segurança social inconsistente pelo facto de não reflectir o período de doença que a autora sofreu em consequência do acidente - facto este a que já acima se aludiu. </font><br>
<font>Esta inconsistência, inconciliabilidade e incompatibilidade dos elementos documentais assinalados não foi arredada pelos depoimentos das testemunhas, razão pela qual não pode o tribunal fundar sobre a matéria convicção segura, salvo no que se refere ao facto de a autora exercer actividade profissional - todas as testemunhas o referiram e a contradição acima exposta entre os elementos probatórios produzidos refere-se tão só à sua entidade patronal (e vencimento)”. </font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. 1. 3. - Se bem interpretamos, a Recorrente entende, e pretende ver aqui declarado, que, por via do que se dispõe no n.º 7 do Dec.-Lei n.º 291/97 (redacção do DL 153/2008, de 6/8), a declaração de IRS e o extracto de remunerações remetido à Segurança Social devem ser tratados como documentos dotados de força probatória plena para efeitos de prova dos salários, isto é, como elementos de prova a que a lei fixa força probatória insusceptível de destruição por outros meios de prova ou sobre eles prevalecentes, ao abrigo dos disposto no 2º segmento do n.º 2 do dito art. 722º. </font><br>
<font> Por isso, e em consequência, poderia este Tribunal de revista utilizar o conteúdo desses documentos e, perante as declarações deles constantes, determinar um salário, assim alterando a matéria de facto, designadamente quanto ao que resulta da resposta aos quesitos 95º e 96º.</font><br>
<br>
<br>
<font> O recurso visa, em termos práticos, a alteração da matéria de facto com fundamento em erro das Instâncias quanto à valoração do conteúdo dos documentos, nos termos em que o n.º 7 do aludido art. 64º o prevê.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Ora, uma vez que, como é entendimento firmado, o Supremo só conhece, em regra, de matéria de direito, tendo os seus poderes limitados ao pressuposto da verificação de uma das situações excepcionadas no n.º 2 do art. 722º, ou seja, a violações de direito probatório material, tudo se reconduz a saber se a norma do convocado n.º 7 do art. 64º atribui força probatória plena ao conteúdo dos documentos a que alude.</font><br>
<br>
<font> Relativamente às declarações de IRS, está-se perante documentos particulares (arts. 369º e 373º-1 C. Civil).</font><br>
<br>
<font>É claro que, se os aludidos documentos forem dotados de força probatória plena contra a Recorrida, designadamente como medida dos seus proventos, então o referido ponto de facto tem de considerar-se não escrito na medida em que admita rendimentos de montante superior aos declarados nos documentos, para valer a declaração neles aposta. É o que resulta da conjugação do disposto nos arts. 393º-2 C. Civ. e 646º-4 e 659º-3, ambos do CPC.</font><br>
<br>
<font> No art. 376º-1 e 2 C. Civ. dispõe-se que o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (...), considerando-se provados os factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão. </font><br>
<font>A norma transcrita deve ser interpretada no sentido de que a prova plena do documento particular, quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que sejam contrárias aos interesses do declarante, se restringe ao âmbito das relações entre o declarante e o declaratário, ou seja, quando invocadas por este contra aquele.</font><br>
<font>Quer dizer, os factos contidos no documento hão-de considerar-se provados na medida em que, como declaração confessória, possam ser invocados pelo declaratário contra o declarante – emanação dos princípios da confissão, com a inerente eficácia probatória plena do documento restrita às relações inter-partes. Relativamente a terceiros – os não sujeitos da relação jurídica a que respeitam as declarações documentadas -, a eficácia probatória plena cederá, para ficar a valer a declaração apenas como elemento de prova a apreciar livremente (vd. BMJ 268º-204 e 318º-415; CJ XIII-5º-197; e VAZ SERRA, RLJ. 114º-287).</font><br>
<font> </font><br>
<font>No caso, a Recorrida é autora das declarações constantes dos documentos mas, seguramente, o declaratário é a administração fiscal, tendo as declarações em causa sido prestadas ao Fisco, no âmbito duma relação jurídica fiscal.</font><br>
<font>O declaratário é o Fisco, que não a Recorrente. Esta é, relativamente às relações da Recorrida com a administração fiscal, terceiro.</font><br>
<br>
<font>Daí que, perante tais princípios e regime legal, o conteúdo dos documentos que integram as declarações fiscais de IRS, estejam sujeitos, quanto à força probatória, à regra da livre apreciação do tribunal (art. 361º C. Civ.), não podendo reclamar-se eficácia probatória de valor superior.</font><br>
<br>
<font>A esta luz, vedado está este Tribunal de revista proceder à alteração da matéria do sobredito ponto de facto.</font><br>
<font>O conteúdos das declarações de IRS, face ao alegado e provado pela Autora, mostra já não ser verdadeiro o nelas declarado, pois que foi omitido o percebimento de qualquer rendimento (não sendo caso de actuar o disposto no art. 132º CIRS dado o lapso temporal já decorrido).</font><br>
<font>A omissão, porém, deverá encontrar repercussão e produzir eventuais efeitos na sede que lhe é própria, isto é, na relação contribuinte – Fisco, e só nela, estranha que é à que se discute neste processo.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>4. 1. 3. - A Recorrente não invoca nenhum valor probatório especial no tocante ao extracto das remunerações constantes da informação da Segurança Social.</font><br>
<br>
<font>Não está em causa a fidedignidade da autoria do documento nem a correspondência à verdade do que dele fez constar a entidade pública que o emitiu.</font><br>
<font>O que acontece é que, ao que ora releva, se está perante um registo que se limita a reflectir a declaração prestada mensalmente por uma entidade empregadora relativa ao montante salarial pago ao seu empregado.</font><br>
<br>
<font> Para efeitos probatórios, não é de questionar a declaração prestada pelo funcionário da SS que subscreve o documento ou factos por ele percepcionados, mas já o será o conjunto de sucessivas declarações enviadas à SS por outrem, </font><b><font>terceiro </font></b><font>em relação às Partes, na alegada qualidade de empregador da beneficiária (art. 371º-1 C.C.).</font><br>
<br>
<font>Fica, pois, adquirido que, para efeito de prova de réditos percebidos, os registos de remunerações encontram-se subraídos à força probatória plena, quer por via do art. 371º quer do art. art. 376º, ambos do C. Civil. </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> 4. 1. 4. - Aqui chegados, resta averiguar se o recentemente introduzido n.º 7 e ss. do art. 64º do Regime do Seguro Obrigatório é susceptível de alterar o quadro factual atendível, por via de modificação da força probatória dos documento a que alude.</font><br>
<br>
<font> As normas, inseridas no preceito sobre “Legitimidade das partes e outras regras”, são do seguinte teor:</font><br>
<font>“7 - Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal. </font><br>
<font>8 - Para os efeitos do número anterior, o tribunal deve basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG”. </font><br>
<br>
<font> Ora, não se vê no conteúdo transcrito a atribuição de força probatória plena aos documentos que titulem o cumprimento das obrigações fiscais dos lesados, </font><i><font>maxime </font></i><font>as declarações para efeito de liquidação do IRS.</font><br>
<font> O que resulta das normas sob interpretação é que o tribunal deve atribuir a esses elementos probatórios como que um valor reforçado, utilizando-os como suporte de partida e componente predominante da prova do facto, mas sem que, por isso, lhe seja vedado conjugar esses elementos com outros meios de prova, pois que não se estabelece aí qualquer vinculação àquele meio probatório, exigindo-o para prova do facto, nem quanto à sua força probatória, concedendo-lhe o privilégio de excluir a atendibilidade de outras. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Que assim será afigura-se-nos indubitável se atendermos à motivação do legislador expressa no preâmbulo do Dec.-Lei, onde fez constar:</font><br>
<font> (…)</font><br>
<font> “</font><tt><font>Uma das medidas previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de Novembro, diz respeito à «revisão do regime jurídico aplicável aos processos de indemnização por acidente de viação, estabelecendo regras para a fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados para servir de base à definição do montante da indemnização, de forma que os rendimentos declarados para efeitos fiscais sejam o elemento mais relevante». </font></tt><br>
<tt><font>Com efeito, hoje sucede que a determinação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados em processos de indemnização por acidente de viação, na medida em que contribuem para a definição do </font></tt><tt><i><font>quantum</font></i></tt><tt><font> indemnizatório por danos patrimoniais, gera litígios evitáveis, uma vez que as seguradoras, em regra, baseiam o respectivo cá1culo nos rendimentos declarados pelos lesados à administração tributária, ao passo que os sinistrados, não raras vezes, invocam em juízo rendimentos bastantes superiores, sem qualquer correspondência com as respectivas declarações fiscais. </font></tt><br>
<tt><font>Trata-se, portanto, de uma área que, em razão da potencial litigiosidade que lhe está associada, requer a aprovação de regras mais objectivas, que baseiem o cálculo da indemnização, quanto aos rendimentos do lesado, na declaração apresentada para efeitos fiscais. </font></tt><br>
<tt><font>Assim, não obstante o avanço trazido pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, toma-se imperioso pôr cobro ao potencial de litigiosidade que aquela situação encerra, procurando, por um lado, contribuir para acentuar a tendencial correspondência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efectivamente auferida - sinalizando-se também aqui, o reforço de uma ética de cumprimento fiscal -, e, por outro, aumentar as margens de possibilidades de acordo entre seguradoras e segurados, evitando o foco de litigância que surge associado à dissemelhança de valores que estas situações comportam. A introdução desta regra contribui igualmente para que nestas matérias exista mais objectividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais, criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa</font></tt><font>”.</font><tt><font> </font></tt><br>
<br>
<font> Vê-se, em confirmação do que acima se propôs, que o que se pretende é que o Tribunal utilize “os rendimentos declarados para efeitos fiscais” como “o elemento mais relevante”, buscando uma maior objectividade e aproximação entre a remuneração declarada ao Fisco e a efectivamente auferida, assim “contribuindo para acentuar a tendencial correspondência” e que “a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa”, o que tudo pressupõe a admissão do concurso de outras provas, todas no campo da livre apreciação, sem prejuízo de o suporte de arranque mais relevante dever ser a declaração fiscal.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> Assim sendo, mais uma vez tem de concluir-se que está fora dos poderes deste Tribunal de revista, a coberto das normas da 2ª parte do n.º 2 do art. | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SzKNu4YBgYBz1XKvFBpE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo n.º 1957/12.4TVLSB:L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P. </font></b><font>instaurou acção declarativa de condenação, com processo sumário contra</font><b><font> AA, SA, </font></b><font>por intermédio da qual pediu: </font>
</p><p><font>«a) A condenação da Demandada AA, SA, na reparação dos danos decorrentes do acidente de viação causado pelo seu segurado, isto é, no pagamento à Caixa Geral de Aposentações da importância global de € 54.246,72 (cinquenta e quatro mil, duzentos e quarenta e seis euros e setenta e dois cêntimos), correspondente ao capital necessário para suportar os encargos com a pensão vitalícia por acidente em serviço fixada pela CGA à subscritora n.º … BB, na reparação do acidente sofrido em 2010-03-25; </font>
</p><p><font>b) A condenação da Demandada no pagamento de juros de mora que se vierem a vencer entre a data em que ocorra a citação até efectivo e integral pagamento; </font>
</p><p><font>ou, caso o Tribunal conclua que não assiste à CGA o direito a pedir a condenação da Seguradora no pagamento do capital necessário para suportar os encargos com a pensão vitalícia fixada à interessada, determinado por cálculo actuariaI, requer-se: </font>
</p><p><font>c) A condenação da Demandada AA, SA, a reembolsar, no futuro, a CGA de todas as importâncias que a esta venha a comprovar ter pago ao sinistrado pela reparação do acidente em causa nos autos, no prazo máximo de 30 dias a contar de cada interpelação; (…» </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegou, para o efeito, que: ocorreu, na data indicada na petição inicial, o acidente de viação descrito nesse articulado; em consequência directa do referído sinistro, BB sofreu trauma cervical; a Demandada assumiu a responsabilidade pelo referido acidente, pagando à lesada uma indemnização pelo "...dano biológico e danos morais associados;" foi requerida, na CGA, a reparação do acidente nos termos do disposto no regime de protecção social em matéria de acidentes e doenças profissionais ocorridos no domínio da Administração Pública; na data do acidente, a sinistrada era, como ainda hoje é, trabalhadora do Instituto dos Registos e Notariado, l.P., e subscritora da CGA; o apontado acidente foi qualificado como tendo ocorrido em serviço pela entidade empregadora de que a mesma dependia e depende; a Junta Médica da Autora atribuiu à sinistrada uma incapacidade permanente parcial de 10% e fixou-lhe uma pensão anual vitalícia por acidente em serviço; a Ré foi interpelada pela Autora para proceder ao pagamento do capital necessário para suportar os encargos com a pensão vitalícia por acidente em serviço provocados pelo seu segurado mas veio declinar tal pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Demandada contestou a acção, concluindo pela respectiva improcedência e pela necessidade de ser decretada a sua absolvição do pedido. Em tal sede, aceitou alguns factos, impugnou outros, revelou o seu desconhecimento de alguns, referiu que a sinistrada ficou sem qualquer incapacidade para o trabalho e alegou que já a indemnizou dos danos sofridos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi realizada a discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido contra si formulado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dessa sentença interpôs a A. recurso de apelação, sem sucesso já que a Relação julgou a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmou a sentença impugnada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a A. de revista excepcional, tendo a Formação admitido o referido recurso, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A A. conclui as suas alegações com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.ª A presente revista prende-se com o esclarecimento do regime de prova subjacente ao exercício do direito de regresso previsto no artigo 46.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, designadamente o valor da prova documental que a CGA juntou aos autos (refletida. aliás, nos factos que vieram a constituir matéria assente), para efetivar aquele direito de regresso. sendo que houve a violação do disposto no art.º 7.º, n.º 7, no art.º 38.º, n.º 1 do art.º 51.º daquele diploma. </font>
</p><p><font>2.ª Ligado à violação destas normas, encontra-se ainda em causa a violação de regras probatórias à luz do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, tributário da verdade material e do primado da substância sobre a forma ‑ art.º 411.º do NCPC. </font>
</p><p><font>3.ª Nos últimos anos, têm sido proferidas dezenas de decisões judiciais neste mesmo âmbito. com base em prova documental em tudo idêntica àquela que foi feita nos presentes autos, a qual tem sido uniformemente aceite pelos Tribunais de todo o país, importando, por isso, o esclarecimento do STJ sobre esta matéria, relativa às regras de alegação e produção de prova, para uma melhor aplicação do direito, tal como previsto no art.º 672.º, n.º 1, alínea a) do NCPC. </font>
</p><p><font>4.ª Acresce que o presente recurso deverá ainda ser aceite nos termos do art.º 672.º, n.º 2, alínea b) do NCPC por estarmos perante um regime de produção de prova no contexto da reparação de acidentes em serviço/de trabalho (constitucionalmente garantido), pelo facto de esta ser uma questão nova, no âmbito de um diploma legal de grande importância social que interessa a um número alargado de outros casos e que ainda não mereceu aprofundado tratamento jurisprudencial por parte do STJ. </font>
</p><p><font>5.ª A CGA provou documentalmente, sob o doc. 11.º 1, que a qualificação do acidente em serviço foi feita pelo Instituto dos Registos e Notariado, LP, através do «formulário obrigatório» previsto no art.º 51.º do Decreto-Lei n.º 503/99, facto aliás, levado ao ponto 6 da matéria de facto assente. </font>
</p><p><font>6.ª A CGA também provou documentalmente, sob o doc. n.º 3, que a perícia médica legalmente constituída nos termos dos artigos 34.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99, atribuiu à sinistrada uma incapacidade permanente parcial de 10%, facto, aliás, levado ao ponto 7 da matéria de facto assente. </font>
</p><p><font>7.ª Não obstante a factualidade assente. o Tribunal a quo não valorou ou efetuou qualquer valoração nem retirou qualquer conclusão crítica dos documentos juntos pela CGA aos autos, antes considerou não estar feita a prova dos factos que permitissem a qualificação: do acidente como acidente de serviço e, bem assim, da existência e do grau de incapacidade permanente resultante desse acidente..... o que contende com o disposto no art.º 7.º, n.º 7, no art.º 38.º, n.º 1 alínea a) e no art.º 51.º do Decreto-Lei 11.º 503/99, de 20 de novembro. </font>
</p><p><font>8.ª Não se compreende como possa ser exigida à CGA a prova dos factos integradores da qualificação do acidente em serviço, quando a competência para essa qualificação está legalmente cometida à entidade empregadora (e não à CGA) pelo art.º 7.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 503/99, diploma que vai ao pormenor de, no art.º 51.º, explicitar qual o formalismo legal a que deve obedecer essa mesma qualificação. </font>
</p><p><font>9.ª Por outro lado, foi provado que o acidente foi qualificado como sendo um acidente de trabalho pela entidade legalmente competente para essa qualificação, e que tal qualificação foi efetuada de acordo com o formalismo legal exigido no art.º 51.º do Decreto-Lei n.º 503/99, através do «formulário obrigatório» ali previsto. bem como que a sinistrada foi presente à perícia médica exigida no art.º 38.º, n.º 1, alínea a) daquele diploma, e que essa perícia lhe atribuiu uma incapacidade permanente parcial de 10%.</font>
</p><p><font>10.ª Há que reconhecer que os documentos administrativos produzidos por uma autoridade administrativa têm força probatória autêntica, como resulta da leitura conjunta dos artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 131/2012. de 25 de junho ‑ que aprovou a lei orgânica da CGA ‑ e 369.º. n.º 1, do Código Civil. </font>
</p><p><font>II," A decisão recorrida coloca, assim, em causa, a força probatória que tem sido conferida em inúmeras decisões judiciais proferidas sobre esta mesma matéria, não só nas diversas ações de iniciativa da CGA, como a vertente, no contexto do n.º 3 do art.º 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, mas também no âmbito da intervenção genérica da segurança social (CGA ou Centro Nacional de Pensões) sempre que é citada para deduzir pedido de reembolso ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro, onde se prevê o "Pedido de reembolso de prestações em acção cível" (cfr. art.º 1.º) e o "Pedido de reembolso de prestações em ação penal (cfr. art.º 2.º). </font>
</p><p><font>12.ª Ao exigir da CGA a submissão a um regime de prova que vai para além do disposto no art.º 7.º, n.º 7 e, bem assim, o art.º 38.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 503/99, a decisão recorrida acaba, na prática, por esvaziar de conteúdo a norma legal prevista no n.º 3 do art.º 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99 e, pelas mesmas razões, o direito de reembolso ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro, quer em matéria civil (cfr. art.º 1.º) quer em matéria penal (cfr. art.º 2.º). </font>
</p><p><font>13.ª Desconsiderou-se, assim, também, as regras probatórias á luz do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, cujo diploma preambular realça o propósito de conferir conteúdo útil aos princípios da verdade material e ao primado da substância sobre a forma ‑ art.º 411.º do NCPC. </font>
</p><p><font>14.ª Termos em que considera a CGA que, ao contrário do decidido. o regime de prova documental a utilizar nos presentes autos é o que reflete o consagrado no Decreto-Lei n.º 503/99, sendo que, nesse âmbito, se alegou e provou documentalmente os factos necessários à efetivação do direito previsto no n.º 3 do art.º 46,° daquele diploma ‑ como vem sendo entendido pelos Tribunais ‑ ou seja, que o acidente foi qualificado como tendo ocorrido em serviço pela entidade com competência para tal qualificação e que foi realizada a perícia médico-legal legalmente prevista neste diploma, que, no caso, atribuiu à sinistrada uma incapacidade permanente parcial de 10% (factos que a CGA provou e que foram levados à matéria assente, pontos 6 e 7). </font>
</p><p><font>15.º Assim, o douto Acórdão recorrido ofendeu o disposto nos artigos 7.º, n.º 7, 38.º, n.º 1, 46.º, n.º 3, e 51.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e no art.º 411.º do NCPC. que estabelece o princípio da verdade material e o primado da substância sobre a forma, pelo que, com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs deverá o presente recurso ser admitido. e, por via dele, ser revogada aquela decisão, com as legais consequências. </font>
</p><p><font>Termos em que com o douto suprimento de V.ª Ex. deve ser dado provimento ao presente recurso. com as legais consequências. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Houve contralegações, sustentando a bondade do decidido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cumpridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.A.1 – De facto</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.A.2.</font></b><font> Com interesse para a decisão da causa está provado que:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1) No dia 25 de Março de 2010, pelas 08h50, no Eixo Norte-Sul, sentido Norte-Sul (Telheiras ‑ Hospital de Santa Maria), em Lisboa, ocorreu um acidente que envolveu o veículo automóvel ligeiro matricula -6S-, conduzido por BB, e a viatura pesada matrícula -VR, pertencente a "CC, Lda.". </font>
</p><p><font>2) Em consequência directa do referido acidente, BB sofreu trauma cervical.</font>
</p><p><font>3) A responsabilidade civil emergente da circulação da viatura pesada encontrava-se transferida para a ré, através de contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º …. </font>
</p><p><font>4) A ré assumiu a responsabilidade pela produção do referido acidente. </font>
</p><p><font>5) À data do acidente, a sinistrada era funcionária da Conservatória do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, com a categoria de segunda ajudante, e era subscritora da Caixa Geral de Aposentações com o nº …. </font>
</p><p><font>6) O acidente foi qualificado pela entidade empregadora da sinistrada, como tendo ocorrido em serviço. </font>
</p><p><font>7) A junta médica da Caixa Geral de Aposentações atribuiu à sinistrada, em 14 de Dezembro de 2011, uma incapacidade permanente parcial de dez por cento. </font>
</p><p><font>8) A Direcção da Caixa Geral de Aposentações homologou o auto da referida junta médica em 22 de Dezembro de 2011. </font>
</p><p><font>9) Em 9 de Maio de 2012, a ré informou a Caixa Geral de Aposentações, a solicitação desta, que indemnizou a sinistrada em € 5.975,52 (cinco mil novecentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), "pelo dano biológico emergente do acidente". </font>
</p><p><font>10) A Direcção da Caixa Geral de Aposentações atribuiu à sinistrada, em 31 de Maio de 2012, uma pensão anual vitalícia no valor de € 3.713,26 (três mil setecentos e treze euros e vinte e seis cêntimos), com efeitos reportados a 25 de Novembro de 2010, a que corresponde a pensão mensal de € 265,23 (duzentos e sessenta e cinco euros e vinte e três cêntimos), paga catorze vezes ao ano, tendo considerado que a referida pensão s6 será de atribuir quando forem esgotados os € 5.975,52 (cinco mil novecentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos) correspondentes à indemnização paga pela ora ré seguradora. </font>
</p><p><font>11) Em 5 de Julho de 2012, a Caixa Geral de Aposentações procedeu ao cálculo do capital necessário para suportar os encargos com a referida pensão, que se cifra em € 54.246,72 (cinquenta e quatro mil duzentos e quarenta e seis euros e setenta e dois cêntimos), após a dedução do valor de € 5.975,52 (cinco mil novecentos e setenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), correspondente à indemnização paga pela ora ré seguradora. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.B.1. </font></b><font>Apenas está em questão nos presentes autos o entendimento subscrito nas instâncias de que competia à Caixa Geral de Aposentações a prova de que o acidente que vitimou a lesada foi um acidente em serviço e o grau de incapacidade dele resultante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Trata-se de matéria residual da competência do STJ referida aos casos em ocorre o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acontece que, logo na primeira instância, se decidiu que haveria duas questões relativamente às quais se impunha a produção de prova:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>a) Saber se o acidente dos autos ocorreu em serviço da sinistrada…;</font>
</p><p><font>b) Saber se em consequência directa e necessária do acidente a sinistrada ficou portadora de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho e, no caso afirmativo, qual o grau respectivo (cfr. fls. 250).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Estas duas questões foram, em sede de matéria de facto, dadas como não provadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na sequência desta decisão afirmou-se, mais adiante, na sentença:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«Vale isto dizer que, na nossa opinião, os actos que qualificam o acidente como acidente de trabalho e reconhecem o direito a prestações a cargo da Caixa Geral de Aposentações, não são oponíveis, directamente, isto é, eficazes, em relação ao terceiro civilmente responsável, para efeitos de exercício do direito de regresso previsto no artigo 46.º, n.º 3 do Decreto-lei n. 0503199. </font>
</p><p><font>Assim sendo, como parece ser, o terceiro responsável, incluindo a seguradora do responsável civil do sinistro automóvel, uma vez demandado judicialmente pela Caixa Geral de Aposentações, pode discutir, livremente, na respectiva acção de condenação, quer a qualificação do acidente quer a incapacidade permanente atribuída pela Caixa Geral de Aposentações. </font>
</p><p><font>A entender-se de modo diferente, o direito constitucionalmente garantido de defesa do réu sofreria uma compressão dificilmente compreensível e justificável, pois que o procedimento de qualificação do acidente e de avaliação dos danos decorre sem que aquele nele seja chamado a intervir. </font>
</p><p><font>Cabia, por isso, à autora, na nossa opinião, o ónus da prova dos factos que permitissem a qualificação do acidente como acidente de serviço e, bem assim, da existência e do grau de incapacidade permanente resultante desse acidente, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, no caso dos autos, essa prova não foi feita, o que conduz, inevitavelmente, à improcedência da acção.» </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em sede de recurso de apelação, a A. arguiu fundamentalmente a nulidade do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC e entendeu que a decisão deveria ser substituída por outra que não violasse o disposto no artigo 46.º, n.º 3, do DL 503/99, o artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, o artigo 9.º do DL 187/2007 e a jurisprudência que citou (Acs. do STJ de 12.09.2006, proc. 06A2213 e de 19.05.2011, proc. 1029/06.0TBTVN.C1.S1.).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Relação, perante a ausência de impugnação da matéria de facto e considerando inexistente a nulidade arguida, manteve a decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conquanto se nos afigure que a questão que ora se nos apresenta dificilmente não se deverá considerar nova e, por isso excluída do âmbito do recurso, face à decisão da Formação, não deixaremos de dela conhecer, tomando por bom o entendimento, que também aqui se quer atacar, sufragado nas instâncias sobre a insuficiência da provas. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, consagra o artigo 674.º, n.º 3 do NCPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>É esta uma excepção consagrada na lei, em que o STJ pode alterar a matéria de facto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Aqui o STJ não exerce uma simples função cassatória, devendo proceder directa e imediatamente às modificações da matéria de facto que o direito probatório material impuser.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Porém, o virtual erro da Relação na apreciação das provas e na consequente fixação dos factos materiais da causa contido nas conclusões de recurso, inexiste.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De facto, não se controverte o valor de documentos autênticos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mesmo a força probatória material destes restringe-se, nos termos do artigo 371.º, n.º 1, do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam dos documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes perante essa mesma autoridade ou oficial público (Embora corresponda a jurisprudência uniforme, referem-se, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do STJ de 3.2.05, proc. 4500/04-2ª, de 25.3.04, proc. 370/04-2ª, de 9.5.02, proc. 1342/02-2ª e de 20.06.00, proc. 447/00-1ª, todos in </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De qualquer modo, nada há nos autos a impor uma prova vinculativa, pelo que o decidido, apreciado segundo a livre apreciação do julgador (artigo 655.º do CPC), não merece reparo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, os documentos apresentados pela CG de Aposentações (meras fotocópias) foram devidamente valorados, como fazendo prova bastante de que foi considerado pela entidade empregadora que o acidente ocorrera em serviço e que a Junta médica da Caixa Geral de Aposentações atribuiu à sinistrada uma incapacidade de 10%.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mas estes factos não podem considerar-se prova absoluta relativamente à ré, por forma a que esta deva suportar o pagamento da prestação fixada, nos termos peticionados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não resulta de nenhuma das disposições invocadas do Decreto-Lei n.º 503/99, ou de qualquer outra do mesmo diploma, que a CGA tem que se limitar a peticionar o seu direito de regresso, sem que o terceiro responsável ou a seguradora respectiva nada possam opor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tão pouco resulta dos artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25/06, qualquer especial valor probatório relativamente aos dois documentos referidos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como facilmente se constata da leitura do artigo 1.º e 2.º do Decreto-Lei 59/89, as instituições de segurança sociais não estão isentas de deduzirem os seus pedidos nos processos cíveis ou crime pendentes, de se submeterem ao contraditório e de apresentarem provas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nada, oposto ao que se acaba de afirmar, resulta dos dois acórdãos invocados pela recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em qualquer dos casos, está uma pensão de sangue em que não se controverte a causalidade nem qualquer grau de incapacidade permanente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O que no primeiro se discute é se “a pensão de preço de sangue … é uma prestação própria da CGA, nada tendo a ver com a indemnização a pagar por terceiros, não se verificando, assim, os pressupostos para aplicação da sub-rogação legal prevista no art. 592.º do CC.” E no segundo, perante uma situação idêntica, decidiu-se que a CGA optar por pedir a condenação no pagamento do capital necessário para pagar as pensões que pagou e que vai ter que suportar, determinado por cálculo actuarial (em sentido contrário a este o Ac. deste STJ de 30-05-2013, processo n.º 056/10.3TJVNF.P1.S1, numa situação de incapacidade).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Embora o assunto não se apresente controvertido na jurisprudência, encontrámos o ac. da Relação de Coimbra de 23.06.1 2015, processo n.º 2988/12.0TBVIS.C1., onde se determina a baixa do processo à 1.ª instância para se discutir qual a efectiva incapacidade que se verifica, por haver valores divergentes, sendo que um foi o fixado pela junta médica da CGA, tendo sido ainda controvertido e decidido que “Em caso de demanda judicial pela CGA contra seguradora, com base em acidente de viação e de serviço, para reembolso da quantia fixada a título de pensão vitalícia ao sinistrado/servidor do Estado fundada num determinado grau de IPP, fixado no procedimento administrativo interno pela CGA, deve recorrer-se à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais para apurar tal grau de IPP e não à Tabela de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Perante o exposto haverá que concluir que o exame da junta médica, apesar de se ter tornado definitivo para a CGA e a sinistrada, é, para os efeitos destes autos, mera prova pericial, sujeita a livre apreciação do julgador. E igualmente definitiva e válida na relação entre a entidade empregadora, a funcionária e CGA, a qualificação como acidente em serviço, mas igualmente carecido de especial força probatória, quanto à seguradora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Se é patente que não se está perante uma situação de “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, também é evidente que não se violaram ou infringiram as disposições que fixam a força probatória de “documentos autênticos”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por isso, não ocorreu qualquer erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Consequentemente, a A. não poderia limitar-se a alegar ter atribuído determinada pensão a uma funcionária pública, teria também, perante a impugnação da seguradora, ter feito prova de que a incapacidade atribuída resultou do concreto acidente de viação pelo qual a seguradora responde e aplicou correctamente a TNIATDP, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CC, por se tratar de factos constitutivos do seu direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III.</font></b><font> Pelo exposto, acordam em negar a revista excepcional, mantendo a decisão recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas a suportar aqui e nas instâncias pela recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>Lisboa, 15 de Dezembro de 2015</font>
<p></p></div><br>
<font>Paulo Sá (Relator)</font>
<p><font>Garcia Calejo</font>
</p><p><font>Helder Roque</font>
</p></font><p><font><font> _____________</font><br>
<a><u><font>[1]</font></u></a><font> N.º 726 </font><br>
<font> Relator: Paulo Sá</font><br>
<font> Adjuntos: Garcia Calejo e </font><br>
<font> Hélder Roque</font><font><br>
</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SzKpu4YBgYBz1XKv4Cos | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - “AA - Comércio de Lingerie, Lda.” instaurou acção declarativa contra o Condomínio do Prédio Urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av....................... e Rua ...................., em Lisboa (Edifício .............), pedindo a sua condenação a indemnizá-la na quantia de €43.621,35.</font><br>
<br>
<font>Para o efeito, alegou ser dona da fracção "...." daquele edifício, onde instalou um estabelecimento comercial de </font><i><font>lingerie</font></i><font>; o Réu ordenou a execução de trabalhos de impermeabilização na cobertura do edifício e, para teste desses trabalhos, a cobertura foi inundada e, seguidamente, a água acumulada foi descarregada, o que provocou o rebentamento de uma das bocas de limpeza existentes na conduta de esgotos de águas pluviais localizada no rés-do-chão e a inundação das instalações da Autora, que sofreu danos no mobiliário, equipamentos e mercadorias existentes na loja. </font><br>
<br>
<font>O Réu Condomínio (representado por “F...........Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda.”), contestou. </font><br>
<font>Alegou, em resumo, que só teve conhecimento da obra de impermeabilização do terraço quando ocorreu o sinistro, pois que quem mandou realizar a obra foi “Imobiliária F..........., S. A.” que a adjudicou a “CC, Construções e Impermeabilizações, Lda.”, que não deixou no local quem acompanhasse o teste.</font><br>
<font> Requereu a intervenção principal da “Imobiliária F...........” e da empreiteira “CC”. </font><br>
<br>
<font>Admitida a intervenção, a Chamada “Imobiliária F..........., S.A.” apresentou contestação</font><br>
<font>Alegou, em síntese, que, na qualidade de promotora do Edifício Saldanha ........, foi, por diversas vezes, chamada pelos compradores das fracções a corrigir defeitos de construção, como aconteceu neste caso, em que foi detectada uma infiltração, sendo necessário impermeabilizar um terraço de cobertura. A Interveniente deu conhecimento à representante do Réu e, colocadas as novas telas, o empreiteiro verificou a sua estanquicidade, tamponando os ralos de escoamento de águas pluviais e enchendo o terraço de água; na noite de 31.5 para 1.6, a torre de arrefecimento do ar condicionado avariou, libertando quantidades de água consideráveis através do tubo de descarga, o que fez subir o nível da água, provocando infiltrações. Porque os elevadores avariaram, foi detectada a infiltração, foi cortada a energia ao edifício e imediatamente destamponados os ralos de escoamento de águas pluviais do terraço mas, como no terraço havia muito mais água do que a que fora aí colocada pelo empreiteiro, verificou-se uma elevada pressão de descarga. Assim, a tampa para acesso e limpeza da conduta de escoamento de águas pluviais situada sobre o tecto falso do rés-do-chão não aguentou a pressão da água e saiu do lugar e, por isso, a água escoou livremente para as instalações da Autora. A referida tampa saiu do lugar porque não estava bem colocada e vedada, o que é da responsabilidade do Réu, como o foram as descargas da torre de arrefecimento. </font><br>
<br>
<font>A Chamada Empreiteira não contestou. </font><br>
<font> </font><br>
<font>A final, foi proferida sentença que absolveu o Réu Condomínio e a Interveniente “Imobiliária” do pedido, mas condenou a Chamada “CC, Lda.” a pagar à Autora a quantia de €28.617,20 e ainda quantia que, em incidente de liquidação, vier a ser fixada como correspondendo aos prejuízos decorrentes da danificação das peças de mercadoria e da perturbação da actividade comercial e redução de stocks. </font><br>
<br>
<font>De tal sentença apelou a autora, mas a Relação confirmou o julgado.</font><br>
<br>
<br>
<font>A mesma Autora pede agora revista para insistir na condenação solidária dos RR. Condomínio, “Imobiliária F..........., SA” e CC, Lda.” no pagamento da indemnização em que esta última foi condenada na sentença.</font><br>
<font>Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação: </font><br>
<font> </font><br>
<font>A. Dados os especiais cuidados na administração do condomínio do edifício “Saldanha ........”, as funções de gestão e manutenção foram atribuídas contratualmente a uma empresa especializada a F...........- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda, entidade de grande prestígio e envergadura, como é do conhecimento geral. </font><br>
<font>B. Os trabalhos em causa foram realizados na cobertura do edifício, a qual é uma parte comum (art. 1.421.°, n.º 1 aI. b)), cuja administração pertence à Administração do Condomínio (art. 1.436.º/CC). </font><br>
<font>C. Como é do conhecimento geral, a impermeabilização da cobertura de um edifício desta dimensão implica a entrada de telas e outros materiais, assim como dos trabalhadores e técnicos, que não poderiam passar despercebidos a quem assegura a vigilância do edifício. </font><br>
<font>D. A R. Condomínio ou melhor, a empresa especializada F...........- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda, a quem foram atribuídas as funções de administração, incluindo necessariamente a manutenção e vigilância das partes comuns, não realizou com a diligência devida as funções de vigilância. </font><br>
<font>E. A R. Condomínio ou melhor, a empresa especializada F...........- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda, a quem foram atribuídas as funções de administração, através dos seus funcionários e representantes, não assegurou com a diligência devida a vigilância do edifício, nem estabeleceu os protocolos e procedimentos adequados para o exercício dessas funções, como resulta da matéria dada como provada, violou as suas obrigações contratuais para com os condóminos e constitui-se em responsabilidades pelos danos que possam resultar desse incumprimento. </font><br>
<font>F. Atento o disposto no art. 493.°, n.º 1, a F...........- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda, administradora do condomínio, estando a vigilância do edifício a seu cargo, responde objectivamente pelos prejuízos causados, "salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte". </font><br>
<font>G. A R. F...........- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda, na qualidade de administradora do condomínio, não logrou fazer qualquer prova que possa consubstanciar ilisão dessa presunção. </font><br>
<font>H. Os prejuízos causados à A. tiveram como causa imediata o rebentamento da tampa de acesso para limpeza da conduta de escoamento de águas pluviais, que não aguentou a pressão de água e como causa mediata o "destamponamento de um ralo de escoamento de águas pluviais do terraço", por um funcionário da administração do condomínio, sendo que "o empreiteiro responsável pelos trabalhos tamponou os ralos de escoamento de águas pluviais, enchendo de seguida o terraço". </font><br>
<font>I. A administração do condomínio do Saldanha ........, atribuída à empresa F...........- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda, é responsável pelos danos causados, por força das disposições conjugações dos arts. 1.436.° e 493.°, n.º 1/CC. </font><br>
<font>J. O art. 500.° do CC não exige uma relação de dependência entre o comitente e o comissário como condição da responsabilidade do primeiro. </font><br>
<font>K. No caso </font><i><font>sub</font></i><font> </font><i><font>judice</font></i><font>, o comitente é a empresa Imobiliária F..........., S.A., que promoveu a construção e comercializou o Edifício Saldanha ........, uma espécie de empreiteiro geral, e consequentemente é responsável pelos defeitos da construção (art. 914.° e 1.225.º/CC). </font><br>
<font>L. A R. Imobiliária F..........., S.A., nessa qualidade de promotora e comercializadora do Edifício Saldanha ........, encarregou a R. CC, Construções e Impermeabilizações, Lda de corrigir os defeitos da obra (infiltrações), assumindo, portanto, a plena autoria dessa actuação. </font><br>
<font>M. A escolha da R. é tanto mais negligente e irresponsável quanto a referida empresa adjudicatária não tem qualquer credibilidade técnica, nem sequer existência jurídica ou até sede social, como resulta do atrás exposto. </font><br>
<font>N. Nos termos do nº 2 do art. 500.º/CC, a R. Imobiliária F..........., S.A., como comitente, nesses trabalhos, é responsável mesmo que os factos danosos fossem praticados contra as instruções dadas. </font><br>
<font>O. Por parte da R. Imobiliária F..........., S.A. houve culpa in eligendo, in instruendo e in vigilando. </font><br>
<font>P. A R. Imobiliária F..........., S.A não ilidiu a presunção do art. 500° nº 1/CC. </font><br>
<font>Q. A R. Imobiliária F..........., S.A. como promotora da construção do Edifício Saldanha ........, foi quem encarregou a R. CC, Construções e Impermeabilizações, Lda, da realização da obra de impermeabilização da cobertura do edifício e consequentemente é responsável pelos danos causados por força do art. 500.°, n.º 1/CC. </font><br>
<font>R. A responsabilidade dos três R.R. é solidária por força dos arts. 497.° e 507.º/CC. </font><br>
<font>S. Os danos apurados são do valor de € 28.617,20, a que acrescem prejuízos a liquidar em execução de sentença decorrentes da danificação das peças de mercadoria e da perturbação da actividade comercial e redução de stocks. </font><br>
<font>T. Todos estes prejuízos são consequência dos factos provados e que constituem causalidade adequada responsabilizando solidariamente os três R. R .. </font><br>
<font>U. O douto Acórdão recorrido violou, assim, os arts. 483.°, n.º 1, 493.°, n.º1, 497.°, 500.° n.º 1, 507.°, 1.421.°, aI. b), 1.430.°, n.º 1 e 1.436.° als. f) e g), todos do Código Civil.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Apenas o R. Condomínio apresentou resposta, pronunciando-se no sentido da manutenção do julgado.</font><br>
<br>
<font> 2. - Para apreciação e decisão perfilam-se as mesmas questões já colocadas perante a Relação, a saber:</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Se há responsabilidade do Réu Condomínio, com a inerente obrigação de indemnizar a Autora pelos danos sofridos e reclamados, e,</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Se sobre a Chamada “Imobiliária F..........., S.A.” recai a obrigação de indemnização pelos mesmos danos.</font><br>
<br>
<br>
<font>3. - Encontram-se fixados os elementos de facto que seguem.</font><br>
<font> </font><br>
<font>1. A autora é proprietária da fracção "....", correspondente ao primeiro piso, traseiras, escritório n.º ..., com três lugares de estacionamento com os números trinta, trinta e um e trinta e dois, todos da cave menos quatro, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. .................. e Rua .................., freguesia de São Sebastião da Pedreira, Lisboa, descrito na ....ª Conservatória de Registo Predial sob o n.º 0000, inscrito na matriz da freguesia de Arroios, sob o artigo 2087° e adiante designado por Edifício Saldanha ......... </font><br>
<font>2. A autora tem instalado na referida fracção um estabelecimento comercial de comercialização de lingerie. </font><br>
<font>3. No dia 1 de Junho de 2001, pelas 08:00 horas, ocorreu uma inundação no Edifício Saldanha Residente, proveniente da cobertura do edifício. </font><br>
<font>4. Em consequência, as instalações da autora ficaram inundadas. </font><br>
<font>5. No próprio dia da ocorrência, a autora deu conhecimento do facto ao réu. </font><br>
<font>6. O qual respondeu que já tinha accionado o seguro. </font><br>
<font>7. Imobiliária F..........., S.A. adjudicou à empreiteira CC, Construções e Impermeabilizações, Lda., os trabalhos de impermeabilização do terraço do ....° piso do Bloco ...., do edifício Saldanha ........, sito na Avenida .................., em Lisboa. </font><br>
<font>8. A sociedade empreiteira, após a conclusão dos trabalhos de impermeabilização, no dia 1 de Junho de 2001 realizou uma prova de estanquicidade, enchendo o terraço de água da rede. </font><br>
<font>9. O réu, no dia 1.06.01, enviou um fax à Imobiliária F..........., comunicando que tinha participado o sinistro à seguradora do condomínio, solicitando um perito para avaliar responsabilidades e prejuízos. </font><br>
<font>10. A seguradora recusou assumir os prejuízos, "uma vez que não se encontram garantidos por qualquer cobertura da apólice em referência". </font><br>
<font>11. Face à posição assumida pela seguradora, o réu, em 25.07.01, enviou um fax para a Imobiliária F..........., S.A., dando conhecimento da posição da seguradora e informando que iria enviar cópia a todos os condóminos lesados, a fim de solicitarem perante a imobiliária o pagamento dos respectivos danos. </font><br>
<font>12. A interveniente foi a promotora do edifício Saldanha Residente, vendendo de seguida todas as suas fracções autónomas destinadas a habitação e escritórios. </font><br>
<font>13. Foi a descarga da água acumulada na cobertura do edifício que provocou o rebentamento de uma das bocas de limpeza existentes na conduta de esgotos de águas pluviais localizada no rés-do-chão e, consequentemente, a inundação das instalações da autora. </font><br>
<font>14. Como consequência directa da inundação, a autora sofreu os prejuízos seguintes: danificação do pavimento, tecto e paredes, no total de 10.225,36€; danificação do mobiliário, no valor total de 580,09€; avaria do sistema informático, cuja substituição ascendeu a 14.192, 9 9€; e avarias do ar condicionado, cuja reparação ascendeu a 3.111,03€. </font><br>
<font>15. A inundação provocou a danificação de diversas peças de mercadorias de valor não concretamente apurado e de manequins no valor de 507,73€. </font><br>
<font>16. A autora sofreu prejuízos decorrentes da perturbação da sua actividade comercial e redução de stock devidos à completa inundação das suas instalações, de valor não concretamente apurado. </font><br>
<font>17. A adjudicação e a realização da obra nunca foram comunicadas à administração do réu Condomínio, ............., Gestão e ..........s, Lda. </font><br>
<font>18. O réu só tomou conhecimento da obra realizada pela CC, Lda. quando se deu o sinistro. </font><br>
<font>19. O sinistro em análise foi uma consequência da subida do nível das águas no terraço do edifício face ao tamponamento dos ralos de escoamento das águas pluviais para teste da cobertura e da não existência no local de qualquer funcionário da empresa responsável pelo teste em execução. </font><br>
<font>20. Em regra, a porta de acesso ao terraço de cobertura estava fechada à chave e esta era detida pelo porteiro. </font><br>
<font>21. Após a impermeabilização do terraço da cobertura do edifício com a colocação de novas telas, procedeu-se à prova de estanquicidade, para o que o empreiteiro responsável pelos trabalhos tamponou os ralos de escoamento de águas pluviais, enchendo, de seguida, o terraço de água. </font><br>
<font>22. A prova de estanquicidade decorreu durante a noite e destinava-se a aferir se a colocação das novas telas de impermeabilização estava bem efectuada. </font><br>
<font>23. A água infiltrou-se na casa das máquinas dos elevadores e escorreu para as caixas dos elevadores. </font><br>
<font>24. Os elevadores avariaram e tiveram que ser desligados e houve mesmo corte de energia no edifício, tendo um funcionário procedido ao destamponamento de um ralo de escoamento de águas pluviais do terraço. </font><br>
<font>25. Em consequência de a tampa para acesso e limpeza da conduta de escoamento de águas pluviais, que não aguentou a pressão da água, ter saído do lugar junto às instalações da autora, a água escoou-se livremente por essas mesmas instalações e de outras empresas, inundando-as. </font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font>4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>4. 1. - Responsabilidade do Réu Condomínio.</font><br>
<br>
<font>A Autora insiste na responsabilidade do Réu, a enquadrar na previsão do n.º 1 do art. 493º C. Civil – violação do dever de vigilância das partes comuns sob a sua administração -, por nem sequer se ter apercebido da realização das obras de impermeabilização, não ilidindo, assim, a presunção de culpa que sobre ele recai. Além desse comportamento omissivo, foi um acto de um funcionário do condomínio, ao proceder ao destamponamento de um ralo de escoamento, que esteve na origem dos danos.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Relevantes para a apreciação deste ponto são, de entre o conjunto factual provado, os seguintes pontos:</font><br>
<font>- a “Imobiliária F..........., S.A.”, que foi a promotora do Edifício e vendedora das suas fracções autónomas, adjudicou à empreiteira “CC, Construções e Impermeabilizações, Lda.”, os trabalhos de impermeabilização do terraço do edifício; </font><br>
<font>- a sociedade empreiteira, após a conclusão dos trabalhos de impermeabilização, realizou uma prova de estanquicidade, para o que o empreiteiro responsável pelos trabalhos tamponou os ralos de escoamento de águas pluviais, enchendo, de seguida, o terraço de água. </font><br>
<font>- a prova de estanquicidade decorreu durante a noite e destinava-se a aferir se a colocação das novas telas de impermeabilização estava bem efectuada;</font><br>
<font>- a água infiltrou-se na casa das máquinas dos elevadores e escorreu para as caixas dos elevadores;</font><br>
<font>- os elevadores avariaram, tiveram que ser desligados e houve corte de energia no edifício, tendo um funcionário procedido ao destamponamento de um ralo de escoamento de águas pluviais do terraço; </font><br>
<font>- em consequência de a tampa para acesso e limpeza da conduta de escoamento de águas pluviais, que não aguentou a pressão da água, ter saído do lugar junto às instalações da autora, a água escoou-se livremente por essas mesmas instalações e de outras empresas, inundando-as;</font><br>
<font> - o sinistro foi uma consequência da subida do nível das águas no terraço do edifício face ao tamponamento dos ralos de escoamento das águas pluviais para teste da cobertura e da não existência no local de qualquer funcionário da empresa responsável pelo teste em execução. </font><br>
<font>- a adjudicação e a realização da obra nunca foram comunicadas à administração do réu Condomínio; </font><br>
<font>- o Réu só tomou conhecimento da obra realizada pela “CC, Lda.” quando se deu o sinistro; </font><br>
<font>- em regra, a porta de acesso ao terraço de cobertura estava fechada à chave e esta era detida pelo porteiro.</font><br>
<br>
<br>
<font> A responsabilidade do Réu que, face aos contornos da acção, surgiu inicialmente fundada nas normas do art. 492º C. Civil, de aplicação entretanto arredada, vem agora, na fase de recurso, convolada pela Recorrente para a previsão artigo do 493º-1 C. Civil, que dispõe assim: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, (...) responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.</font><br>
<br>
<font> Na norma transcrita estabelece-se uma modalidade especial de responsabilidade delitual, ou seja, fundada na culpa, mediante uma inversão do ónus da prova ou presunção de culpa a recair sobre quem exerça ou beneficie de determinadas actividades, em regra também com especial aptidão para causar danos.</font><br>
<font> Assim, declara responsáveis pelos danos causados pelas coisas e onera com a presunção de culpa da sua produção quem tiver em seu poder a coisa móvel ou imóvel geradora do evento danoso e, cumulativamente, tenha o dever de a vigiar.</font><br>
<font>A responsabilidade recai sobre a pessoa que detém a coisa, exercendo sobre ela o poder de facto, e encontra fundamento na ideia de que ela não tomou as necessárias medidas cautelares idóneas à não produção do dano.</font><br>
<font> </font><br>
<font> De notar que, como da leitura do preceito da lei resulta, o que cabe na previsão da norma são apenas os danos causados pelas coisas e não os danos causados por alguém com o emprego de coisas, designadamente intervindo fisicamente sobre aquelas. Neste caso, porque responsável será este agente, vigorará o regime geral da responsabilidade civil.</font><br>
<br>
<font> Uma vez que, como referido, a responsabilidade do detentor da coisa que causa os danos «assenta na ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano», presunção que recai sobre quem detém a coisa e o dever de a vigiar, e sendo a responsabilidade ainda de natureza delitual, relativa ao exercício de actividades perigosas, e não objectiva ou pelo risco, bem se compreende que a mesma só se verifique relativamente a quem mantém uma relação directa de poder de facto sobre a coisa causadora do dano e que, em relação a ela, omitiu as «providências indispensáveis para evitar a lesão» (A. VARELA, </font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, 1º, 615; P. DE LIMA e A. VARELA, “</font><i><font>C.C., Anotado</font></i><font>”, I, 4ª ed., 495).</font><br>
<font> Em regra, a responsabilidade cobrirá, nestes casos, danos emergentes de anomalias ou avarias nos imóveis e respectivos equipamentos cujo estado e funcionamento devam, pela sua natureza, estar sujeitos a inspecção com a frequência adequada, em ordem a prevenir eventos causadores de prejuízos a terceiros. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Ora, se, como vem provado, os danos foram causados em consequência da actividade levada a cabo no terraço pela empresa que ali procedia a trabalhos de impermeabilização por conta de outrem, que não o Condomínio, e sem intervenção ou conhecimento deste, falham, desde logo, dois dos pressupostos da responsabilidade prevista no preceito em análise: - a detenção da coisa, por intromissão autónoma de terceiros, que, por via dela, detinham o respectivo controlo físico ou poder de facto; e, - que o dano tenha sido provocado pela coisa enquanto mantida sob administração e vigilância (directa) do Réu, pois que se ficou a dever à actuação de terceiros que sobre ela tinham, então, o dever de vigilância - a empresa que tinha em curso as obras - e o “funcionário” que destampou o ralo, causa imediata da produção da inundação e dos danos. </font><br>
<br>
<font> Numa palavra, quem praticou o acto que deu origem aos danos foram terceiros, à revelia do Réu Condomínio, pelo que adequado à efectivação da responsabilidade é o regime geral previsto no art. 483º, não concorrendo em relação ao Demandado os ora invocados pressupostos, requeridos pela dita norma especial.</font><br>
<br>
<font> Resta dizer que, como já pressuposto, por imposição do conteúdo do quadro factual que vem fixado (com pronúncia expressa da Relação sobre esse ponto), que não está demonstrado que a pessoa que procedeu ao destamponamento do ralo fosse “funcionário” do Condomínio, de qualquer das Chamadas ou mesmo de quem interveio na reparação dos elevadores.</font><br>
<font> Consta-se mesmo que não foi referido em qualquer articulado quem procedeu ao destamponamento, nomeadamente se foi pessoa que tinha a qualidade de funcionário de alguma das Partes. A referência a «um funcionário» apenas surge, por evidente excesso, na resposta ao ponto 14º da base instrutória, onde apenas se perguntava se “procedeu-se imediatamente ao destamponamento dos ralos (…)”.</font><br>
<font> Consequentemente, nada permitindo considerar, como agora vem afirmar a Recorrente, que o acto causador imediato do dano foi perpetrado por funcionário do Réu, também se não pode considerar a aplicabilidade do art. 500º C. Civil.</font><br>
<br>
<font> Indemonstrado, assim, o concurso dos necessários pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar que poderiam gerar. </font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 2. - Responsabilidade da Interveniente “Imobiliária F..........., S.A.”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A Recorrente sustenta que a Chamada “Imobiliária”, porque encarregou a também Chamada “CC” da realização da obra de impermeabilização é responsável pelos danos, por força do art. 500º C. Civil.</font><br>
<br>
<font> Atentemos, uma vez mais, na factualidade relevante, ou seja, no que vem provado no tocante à qualidade em que intervieram no facto produtor do dano as Chamadas e à relação entre elas. </font><br>
<font>Assim:</font><br>
<font>- a Interveniente “Imobiliária F...........” foi a promotora do Edifício, vendendo de seguida todas as suas fracções autónomas;</font><br>
<font>- a “Imobiliária F...........” adjudicou à empreiteira “CC, Construções e Impermeabilizações, Lda.”, os trabalhos de impermeabilização do terraço; </font><br>
<font>- a sociedade empreiteira, após a conclusão dos trabalhos de impermeabilização, realizou uma prova de estanquicidade, enchendo o terraço de água da rede. </font><br>
<font>- - o sinistro foi uma consequência da subida do nível das águas no terraço do edifício face ao tamponamento dos ralos de escoamento das águas pluviais para teste da cobertura e da não existência no local de qualquer funcionário da empresa responsável pelo teste em execução. </font><br>
<br>
<br>
<font> O artigo 500º do Código Civil estabelece a responsabilidade objectiva do comitente, fazendo-o responder independentemente de culpa, pelos danos que forem causados pelo comissário, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Como é geralmente aceite, a expressão </font><i><font>comissão</font></i><font> é utilizada na referida norma em sentido muito amplo, abrangendo qualquer tarefa, serviço ou actividade de que alguém seja incumbido por outrem pressupondo, embora, uma relação que autorize o comitente a dar ordens ou instruções ao comissário (dependência ou direcção e controle).</font><br>
<br>
<font> Isto posto:</font><br>
<br>
<font> No caso em apreciação não se trata, claramente, de danos provocados por obras ou escavações com cabimento na previsão do art. 1348º C. Civil, de responsabilidade civil fixada nos termos do seu n.º 2.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Está já afastada a responsabilidade do Condomínio.</font><br>
<br>
<font>Acresce que não se demonstrou, nem sequer foi alegada, qualquer relação, designadamente de tipo contratual, entre o Réu Condomínio e a Interveniente “Imobiliária” ou entre esta e a Autora em que pudesse assentar qualquer cadeia de responsabilidades a partir da Chamada empreiteira. </font><br>
<br>
<font> A responsabilidade é, pois, de natureza puramente extracontratual</font><br>
<font> </font><br>
<font>Nessa qualidade e com esse fundamento, por violação do direito de propriedade da Autora na execução da obra, protegido pelos art. 1305º e 483º C. Civil, vem definitivamente condenada a empreiteira “CC”.</font><br>
<br>
<font> Por outro lado, nenhum facto vem atribuído à Interveniente “Imobiliária” susceptível de preencher os pressupostos da responsabilidade civil, seja pela sua intervenção directa na obra seja por via de errada escolha (do empreiteiro), de ordens, instruções ou outro modo de actuação ou colaboração com a também Chamada empreiteira passível de ser abrangida pela previsão dos arts. 485º e 490º C. Civil.</font><br>
<font> Sabe-se apenas ser “Imobiliária” a dona da obra, para cuja execução contratou, em regime de empreitada, a “CC”, ao que parece para reparação de defeitos de construção/impermeabilização entretanto detectados. </font><br>
<br>
<br>
<font> Sobra, pois, a responsabilidade objectiva fundada no art. 500º citado.</font><br>
<br>
<font> Só que, também por esta última razão, não pode falar-se numa relação de comissão entre a dona da obra e a empreiteira.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Com efeito, nas relações subsumíveis ao contrato de empreitada, regulado nos arts. 1207º e ss. do C. Civil, avultam o </font><u><font>resultado</font></u><font> da obrigação do empreiteiro e a sua </font><u><font>autonomia</font></u><font> quanto aos meios utilizados para a respectiva realização.</font><br>
<font>O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, agindo, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado.</font><br>
<font>Inexiste, numa palavra, qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência do empreiteiro ao dono da obra, posição que o conteúdo do mero direito de fiscalização consagrado no art. 1209º não prejudica nem limita.</font><br>
<font> Não cabe, por isso, falar-se de relação de comissão entre os sujeitos do contrato de empreitada (cfr., nesse sentido, acs. STJ de 09/6/2005 – Proc. 05B1424 e de 04/3/2008 – 08A164 (desta Conferência e relator); PEDRO ROMANO MARTINEZ, “</font><i><font>Contrato de Empreitada</font></i><font>”, 1994, pg. 183).</font><br>
<br>
<font>Nesta conformidade, não se encontram fundamentos, nomeadamente os invocados pela Recorrente, que permitam sustentar a pretendida indemnização também pela Recorrida “Imobiliária F..........., S.A.”.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> De harmonia com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<br>
<font> - Negar a revista;</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Manter a decisão impugnada; e,</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Condenar a recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 7 Abril de 2011 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (Relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Paulo Sá </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JzKSu4YBgYBz1XKvpR3U | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> </font><br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA e BB, residentes na Rua … nº …, ...., ...., propuseram a presente acção com processo comum contra “...., SA”, com sede na zona industrial da ...., Sector …, Lote …, ...., ...., pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhes, na qualidade de únicos herdeiros de DD, a quantia global de €85.000,00, a título de dano moral da própria vítima e dano da morte [a], a ambos os autores, por direito próprio, a quantia global de €28.651,59, a título de danos patrimoniais [b], à AA, a quantia de €40.250,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, ao BB, a quantia de €40.150,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados sobre cada uma das quantias supra peticionadas, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, em consequência de um acidente de viação, ocorrido a 8 de Outubro de 2011, na EN nº 14, em que intervieram o ligeiro de passageiros, matrícula -JB-, propriedade e conduzido por EE, e o cicolomotor, de matrícula -HM-, propriedade do autor BB e conduzido pelo filho dos autores, DD, que circulava pela meia faixa de rodagem correspondente ao sentido Porto-...., tendo sido embatido, na sua traseira, pela frente lateral direita do veículo ligeiro, cujo condutor seguia desconcentrado e desatento, e a velocidade nunca inferior a 120 Km/h, em consequência do que sobrevieram resultados danosos, objectivados nos montantes pecuniários constantes do pedido.</font>
</p><p><font> Na contestação, a ré aceita a responsabilidade do seu segurado quanto à dinâmica do acidente, entendendo que os autores não têm direito a dano patrimonial futuro e que os valores reclamados são, manifestamente, desajustados.</font>
</p><p><font> A sentença julgou, parcialmente, provada e procedente a acção, e, em consequência, condenou a ré a pagar aos autores a quantia global de €108.801,59, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do acidente dos autos, quantia esta actualizada na data da sentença, e que vence juros de mora, apenas, após o trânsito da mesma, contados à taxa supletiva legal de 4%.</font><br>
<font>Desta sentença, os autores interpuseram o presente recurso de revista «per saltum», e a ré recurso subordinado, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font><br>
<font> O RECURSO INDEPENDENTE DOS AUTORES</font><br>
<font>1ª - Os presentes autos fundam-se na responsabilidade civil extracontratual da Seguradora recorrida, e emergente de acidente de viação.</font><br>
<font>2ª - Não se conformam os recorrentes com o ajuizado na douta decisão aqui posta em crise, e no que diz respeito a três questões, as quais constituem o objecto do presente recurso:</font><br>
<font>a. Não atribuição, aos recorrentes, da peticionada indemnização a título de dano patrimonial decorrente da perda futura de ganho;</font>
</p><p><font>b. Valor indemnizatório atribuído aos recorrentes a título de danos não patrimoniais próprios, o qual se reputa desadequado, por manifestamente reduzido, face aos factos provados e<br>
aos critérios equitativos, reais e objectivos determinados na lei e seguidos em termos Jurisprudenciais;</font>
</p><p><font>c. Momento fixado como início do cômputo dos juros de mora associados às compensações por danos não patrimoniais;</font><br>
<font>3ª - Do acidente de viação em apreço, e cuja responsabilidade, a título de culpa exclusiva, foi desde logo aceite pela Seguradora recorrente, resultou, como consequência directa e imediata o infeliz decesso do filho dos AA, ora recorrentes.</font><br>
<font>4ª - Imbuídos da qualidade de únicos e legítimos sucessores do seu filho e bem assim de directos lesados, vieram os AA., entre o demais, e para o que releva nesta instância recursiva, que lhes fosse concedida uma indemnização a título de dano patrimonial futuro decorrente de perda futura de ganho por se verem privados, além do mais, do contributo que o seu filho solteiro e com eles residente, prestava para ao encargos quotidianos do agregado familiar, e que computaram em nunca menos de Euro 30.000,00, pedido esse que foi julgado improcedente.</font><br>
<font>5ª - Com relevo para a apreciação desta questão, resultou provado que:</font><br>
<font>30 - " </font><i><font>À data do acidente, vivia na casa dos seus pais "</font></i><br>
<font>31 - </font><i><font>"Estava desempregado e auferia, mensalmente, o montante de Euro 189,00 a título de rendimento social de inserção"</font></i><br>
<i><font>31- "Do qual contribuía com montante não concretamente apurado, para ajudar no pagamento dos encargos do agregado familiar, tais como alimentação, água, luz e telefone".</font></i>
</p><p><font> 6ª - Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não podemos sufragar a posição vertida na douta sentença recorrida a este propósito, pois que o Mmo. Tribunal "a quo" faz aqui uma errada interpretação e aplicação da lei, não tendo tido em consideração, como devia, o preceituado nos arts. 564° e 566° do Cód. Civil.</font>
</p><p><font> 7ª - É que este direito indemnizatório terá sempre cabimento, e assistirá aos recorrentes, se visto do prisma do verdadeiro direito patrimonial futuro, na vertente de lucro cessante (e não como um puro direito a alimentos, conforme foi entendimento do Mmo. Tribunal a quo).</font>
</p><p><font> 8ª - Neste caso o que está em causa é o ressarcimento do prejuízo económico que os AA/Recorrentes irão sofrer por virtude da frustração de ganhos futuros, da perda absoluta e definitiva de rendimentos de trabalho que seria realizado pelo filho que com eles vivia não fosse a sua morte, directamente previsto nos arts. 562° e 564° do Cód. Civil.</font>
</p><p><font> 9ª - Perante o elenco dos factos provados, constata-se que a vítima, filho dos recorrentes, com este residente, os ajudava financeiramente, contribuindo mensalmente no pagamento dos encargos do agregado familiar, tais como alimentação, água, luz, telefone, embora não se tenha logrado apurar qual o concreto montante entregue mensalmente por DD aos seus pais.</font>
</p><p><font> 10ª - Impunha-se considerar que os ora recorrentes têm efectivamente direito a ser ressarcidos pelos apontados danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de ganho em apreço.</font>
</p><p><font>11ª - E, na falta de concretização do valor com que o malogrado DD contribuía para o agregado familiar, sempre deveria o Mmo. Tribunal "a quo" ter relegado a liquidação deste quantitativo para ulterior incidente de liquidação, nos termos do disposto no art. 609° n.° 2 do NCPC, e com o limite do pedido a este titulo formulado, que se quedou em Euro 30.000,00 (Cfr. art. 609° n.° 1 do NCPC).</font>
</p><p><font>12ª - Ao contemplar diverso entendimento, a douta sentença proferida incorreu em séria violação do disposto nos arts. 564° e 566° do Cód. Civil, e 609° do Cód. Proc. Civil.</font>
</p><p><font>13ª - Deverá, assim e nessa parte, ser revogada e substituída por outra, e nos termos supra expendidos.</font>
</p><p><font>14ª - Consideram ainda os recorrentes que a douta sentença recorrida fixou um montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais próprios dos recorrentes que, e sempre com a devida vénia, peca pela sua escassez, mostrando-se totalmente desadequado perante os factos provados e os concretos danos decorrentes para os recorrentes do infeliz, inesperado e inultrapassável decesso do seu filho.</font>
</p><p><font>15ª - A este respeito, entendeu o Mmo. Tribunal "a quo" fixar em Euro 20.000,00, para cada um dos recorrentes, a compensação dos danos morais próprios pela perda prematura do seu filho.</font>
</p><p><font>16º - Consideram, contudo, os recorrentes como adequada a fixação e peticionado, a este título, um valor nunca inferior a Euro 40.000,00, para cada um.</font>
</p><p><font>17ª - A douta sentença recorrida, a este título, e sempre com o devido respeito por diverso entendimento, mostra-se um tanto quanto telegráfica, e na fundamentação que apresenta.</font>
</p><p><font>18ª - Sempre com o máximo respeito, estamos em crer que na fixação deste "quantum" não atentou o Mmo. Tribunal a quo, de forma cabal, ao elenco da factualidade assente.</font>
</p><p><font>19ª - E nem sopesou todos os elementos atinentes às circunstâncias concretas do caso em apreço.</font>
</p><p><font>20ª - Na verdade, sempre deveria ter sido em consideração pelo Mmo. Tribunal "a quo", e neste particular aspecto, a extrema e invulgar brutalidade do acidente em apreço (note-se que o veiculo onde seguia a vitima mortal foi colhido e esmagado pelo veiculo seguro na Recorrida, foi arrastado durante 209 metros, a vitima foi projectada durante 60 metros, cfr, alíneas 16°, 17°, 19° dos factos provados); a total ausência de culpa para a ocorrência do mesmo por parte da vitima; a desmesurada imprudência do condutor do veiculo seguro na recorrente (sobretudo evidenciada na velocidade de que vinha animado); a idade da vítima (31 anos); a circunstância da vítima viver com os seus pais, com os quais mantinha uma relação afectuosa e pautada pela dedicação; o facto da A. mulher ter ficado a padecer de síndrome depressivo reactivo, necessitando de medicação regular; as intensas crises de choro protagonizadas pelo A. marido; e bem assim, o facto dos AA. visitarem a sepultura do seu filho todos os dias.</font>
</p><p><font>21ª - Temos que, ao não contemplar tais circunstancialismos, o Mmo. Tribunal "a quo" afrontou, de forma manifesta, as regras de boa prudência, bom senso, justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.</font>
</p><p><font>22ª - Face ao supra expendido, afigura-se-nos justo, adequado e suficiente a fixação de uma compensação por danos não patrimoniais próprios sofridos pelos AA., e merecedores de tutela jurídica, no montante de Euro 40.000,00, para cada um, perfazendo o valor global de Euro 80.000,00, e em substituição daquela que foi fixada na 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância.</font>
</p><p><font>23ª - Salvo o devido respeito por diversa opinião, na fixação do montante da compensação a título de danos não patrimoniais, a douta sentença ora posta em crise violou, entre o demais, o disposto no art. 496° do Cód. Civil.</font>
</p><p><font>24ª - Pelo que, deverá a mesma ser revogada e substituída por outra, e nos termos supra expendidos.</font>
</p><p><font>25ª -</font><b><font> </font></b><font>Não se conformam, igualmente os recorrentes com o momento fixado para o inicio do computo dos juros de mora relativamente às quantias arbitradas em sede de danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>26ª -</font><b><font> </font></b><font>Com efeito, é Jurisprudência unânime deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, com referência ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 4/2002, de 09/05/2002, que quando há lugar a fixação de indemnização por danos não patrimoniais em valores já actualizados relativamente à data da prolação da decisão que os fixou, que os juros de mora sobre tais valores serão devidos desde a data da respectiva decisão.</font>
</p><p><font>27ª -</font><b><font> </font></b><font>In casu, verifica-se que consta expressamente da douta sentença recorrida que </font><i><font>"não há lugar à actualização das indemnizações porque as mesmas foram fixadas, com reporte a valores considerados à data da decisão, por força do princípio da actualidade".</font></i>
</p><p><font>28ª -</font><b><font> </font></b><font>Contudo - e aqui andou mal o MMo. Tribunal "a quo" - determinou-se que a quantia global indemnizatório fixada apenas vence juros de mora após o transito em julgado da sentença.</font>
</p><p><font>29ª -</font><b><font> </font></b><font>É neste particular aspecto que entendemos que não foi respeitado o entendimento versado no supra citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, pois perante a operada actualização dos valores indemnizatórios, sempre os juros de mora seriam devidos, não após o transito em julgado da decisão, mas da data da prolação da decisão de 1</font><sup><font>ª</font></sup><font> instância.</font>
</p><p><font>30ª - Foram, assim violados os arts. 805° n.° 1 e 3 e 806° do Cód. Civil e bem assim o Ac. Uniformizados de Jurisprudência n.° 4/2002.</font>
</p><p><font>31ª -</font><b><font> </font></b><font>A douta decisão recorrida deverá, pois, ser revogada, e substituída por outra que fixe o início do computo dos juros de mora vencidos sobre as quantias fixadas a titulo de danos não patrimoniais, desde a data da prolação da sentença em 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instancia.</font>
</p><p><font>32ª -</font><b><font> </font></b><font>O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.</font>
</p><p><b><font> </font></b><font>O RECURSO SUBORDINADO DA RÉ</font>
</p><p><font>1ª -</font><b><font> </font></b><font>O presente recurso visa impugnar a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" no que às indemnizações, atribuídas a título de danos não patrimoniais, diz respeito.</font>
</p><p><font>2ª - A jurisprudência tem vindo a avaliar o dano morte socorrendo-se, nomeadamente do critério proposto por FF, que aflora três pontos de vista, a saber: vida na função normal que desempenha na</font><i><font> </font></i><font>vida e na sociedade, vida no papel excepcional que desempenha na sociedade e vida sem qualquer função específica na sociedade mas assinalada por um valor de afeição mais ou menos forte.</font>
</p><p><font>3ª - Ora, dos autos apenas resultou provado quanto ao falecido DD a matéria de facto constante dos pontos 34,° e 35.° da Matéria de Facto provada.</font>
</p><p><font>4</font><sup><font>a</font></sup><font> - Muito embora seja certo que o Bem Jurídico Vida merece protecção jurídica, a ponderação tendente à concessão da mesma, dá lugar ao estabelecimento de critérios delimitadores do quantum indemnizatório, nos casos em que esse bem é lesado por terceiro.</font>
</p><p><font>5</font><sup><font>a</font></sup><font> - Mais uma vez, e discordando da douta decisão recorrida quanto à tendência jurisprudencial nesta matéria, conforme supra se demonstrou, é com apelo a esta justiça do caso concreto que se interpõe o presente recurso, pugnando-se pela fixação de um valor de €50.000,00, mais adequado, justo e equitativo.</font>
</p><p><font>6</font><sup><font>a</font></sup><font> - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou, entre outros, os art°s 496.°, 562.° e 570.°, todos do Código Civil.</font>
</p><p><font>7ª - A indemnização a atribuir aos Autores, por óbito de seu filho DD também nos parece exagerada.</font>
</p><p><font>8ª - Os Autores sentiram uma enorme tristeza com a morte dos filhos, porque eles eram afáveis, meigos, respeitadores e nutriam por eles um grande afecto e carinho. Ainda hoje o choram.</font>
</p><p><font>9ª - No entanto, e uma vez mais, somos a referir que no que aos danos não patrimoniais aproveita, só deve atender-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito.</font>
</p><p><font>10</font><sup><font>a</font></sup><font> - Devendo nortear-nos um juízo de equidade, quanto ao apuramento de uma indemnização por danos não patrimoniais, correndo-se ainda assim, naturalmente o risco de uma certa aleatoriedade, emergente duma incerteza ínsita à natureza de um tal juízo de valoração!</font>
</p><p><font>11ª - De facto, como a determinação da grandeza do dano, do qual emerge o direito à indemnização por danos não patrimoniais, assenta em critérios de normalidade, a sua quantificação não pode ser exacta, desde logo, porque a sua concretização será feita em dinheiro e entre este e o direito violado não existe correspondência directa.</font>
</p><p><font>12ª - Apela-se, nesta sede, para o critério da justiça, ajustada às circunstâncias concretas sem buscar a rigidez normativa - mas afastando-nos do arbítrio - com base na proporção, no equilíbrio e na adequação às circunstâncias, isto é, recorrer-se-á à equidade, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 566.° do C.C.</font>
</p><p><font>13ª - Assentes sobre estes pressupostos e atentos os factos provados relevantes para este particular - 37°, 38°, 39°, 40°, 43°, 44°, 45°, 46, 47° - somos a reiterar o nosso entendimento de que é justa e ponderada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €12.500,00 para cada um dos demandantes.</font>
</p><p><font>14ª - Ao não os interpretar e aplicar da forma aqui sugerida, a decisão recorrida violou os artigos 483°, 494°, 496°, n° 3, 562° e 566°, todos do Código Civil.</font>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><b><font> </font></b><br>
<font>A sentença recorrida entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. No dia 08/10/2011, cerca das 06,45 horas, E.N.14, pouco antes do Km 4, sentido Porto/...., freguesia de …, concelho de Matosinhos, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula …-… -…, propriedade de EE, e por este conduzido, e o veículo ciclomotor, matrícula -HM-, propriedade do autor BB, e conduzido pelo seu filho, DD;</font>
</p><p><font>2. No local do sinistro, a via encontra-se repartida, em duas vias de trânsito, em cada sentido, divididas por um separador central;</font>
</p><p><font>3. No sentido de marcha Porto/...., e, no local em concreto, a via de trânsito é composta por duas hemifaixas de rodagem, delimitadas, à esquerda, pelo separador central, e, à direita, por uma berma dotada de rails de protecção metálicos;</font>
</p><p><font>4. A E.N. 14, no local em concreto, é uma recta que se desenvolve numa extensão superior a 1 km, com inclinação descendente e sem obstáculos naturais;</font>
</p><p><font>5. Porém, antes de assumir inclinação descendente, a referida recta é precedida de uma ligeira subida.</font>
</p><p><font>6. O piso era de alcatrão, de características e configuração irregulares, comportando alguns buracos de pequena dimensão e, no momento do acidente, encontrava-se seco;</font>
</p><p><font>7. Era ainda de noite, não chovia, nem estava nevoeiro;</font>
</p><p><font>8. A velocidade máxima permitida no local é de 70 km/hora;</font>
</p><p><font>9. No dia, hora e local do acidente, o DD conduzia o veículo -HM-, percorrendo a E.N. 14, no sentido Porto/...., utilizando a hemi-faixa mais à direita;</font>
</p><p><font>10. Seguia a uma velocidade não superior a 40 km/hora;</font>
</p><p><font>11. Mantinha as luzes de cruzamento ligadas;</font>
</p><p><font>12. Atrás de si, e, no mesmo sentido de marcha, seguia o veículo, de matrícula …- JB- …;</font>
</p><p><font>13. A velocidade não inferior a 120 km/hora.</font>
</p><p><font>14. O seu condutor seguia desconcentrado e desatento à condução estradal, demais trânsito, e eventuais obstáculos na via;</font>
</p><p><font>15. Nessas circunstâncias, a cerca de 20 metros do marco hectométrico que assinalava o Km 4 da E.N. 14, o veículo -HM- foi, súbita e violentamente, embatido na traseira, pela frente lateral direita do veículo …- JB- …;</font>
</p><p><font>16. Por força da violência do embate, o pneu dianteiro direito do -JB- passou por cima do pneu traseiro e do assento do -HM-, esmagando-os;</font>
</p><p><font>17. De tal modo que o -HM- ficou encaixado no chassis do …-JB - …;</font>
</p><p><font>18. O condutor do -JB- não accionou o sistema de travagem do veículo (seja antes ou depois do embate), pelo que este manteve-se em andamento, arrastando consigo o ciclomotor, durante 209,50m;</font>
</p><p><font>19. Como consequência imediata do impacto sofrido na traseira do veículo que conduzia, o DD, condutor do motociclo, foi projectado para trás, embatendo, violentamente, no pára-brisas do -JB-, tendo sido, de seguida, projectado para a frente, numa distância de, aproximadamente, 60 m;</font>
</p><p><font>20. Nessas circunstâncias, o DD ficou imobilizado no solo, a cerca de 42 m a seguir ao marco hectométrico do km 4 da E.N. 14;</font>
</p><p><font>21. O DD foi colhido de surpresa pelo abalroamento perpetrado pelo condutor do veículo -JB-;</font>
</p><p><font>22. Não tendo tido sequer a possibilidade de se desviar ou encetar qualquer manobra de recurso tendente a evitar o acidente;</font>
</p><p><font>23. À data do acidente, a responsabilidade emergente da circulação rodoviária do veículo -JB-, por danos causados a terceiros, encontrava-se transferida para a seguradora ré, por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …, válido e em vigor;</font>
</p><p><font>24. Em resultado do acidente supra relatado, advieram ao DD, condutor do ciclomotor, entre outras, as lesões corporais, melhor descritas no relatório da autópsia, e das quais se destacam:</font>
</p><p><font>1) Múltiplas escoriações de formas irregulares dispersas por toda a face, mais acentuadas, nas regiões frontal, nasal, à direita, bucinadora direita e mentoniana, sendo mais extensas e numerosas, à direita; </font>
</p><p><font>2) Múltiplas e pequenas escoriações dispersas, nas faces ântero-laterais da base do pescoço; </font>
</p><p><font>3) Múltiplas escoriações lineares e paralelas entre si, traduzindo lesões por arrastamento, localizadas na face anterior dos terços inferiores de ambos os hemitórax;</font>
</p><p><font>4) Múltiplas e extensas escoriações lineares e paralelas entre si, traduzindo lesões por arrastamento, localizadas na face anterior dos andares superior e médio do abdómen;</font>
</p><p><font>5) Múltiplas e pequenas escoriações de formas irregulares dispersas, na face posterior do cotovelo e no dorso da mão e dedos do membro superior direito;</font>
</p><p><font>6) Múltiplas e pequenas escoriações de formas irregulares dispersas, no dorso da mão e dedos do membro superior esquerdo;</font>
</p><p><font>7) Múltiplas e extensas escoriações, algumas lineares e paralelas entre si, traduzindo lesões por arrastamento e outras de formas irregulares dispersas, nas faces laterais da coxa, do joelho e da perna direitos e outras de pequenas dimensões, na face anterior do joelho e no dorso do pé e dedos do membro inferior direito;</font>
</p><p><font>8) Múltiplas e pequenas escoriações, algumas lineares e paralelas entre si, traduzindo lesões por arrastamento e outras formas irregulares dispersas, na face anterior do joelho e no dorso do pé e dedos do membro inferior direito;</font>
</p><p><font>9) Ao nível da cabeça:</font>
</p><p><font>a. Infiltração sanguínea do couro cabeludo, nas regiões frontal e occipital;</font>
</p><p><font>b. Fractura em anel, interessando o occipital e as articulações parieto-occipitais, que se prolonga para ambos os lados, dirigindo-se para o andar médio da base do crânio;</font>
</p><p><font>c. Fractura multicominutiva do andar médio da base do crânio que, conjugada com as fracturas da calote craniana, produz uma fractura de crânio em dobradiça;</font>
</p><p><font>d. Nas meninges, presença de sangue no espaço subdural, em toalha fina, bilateralmente; focos dispersos de hemorragia subaracnóideia;</font>
</p><p><font>e. No encéfalo, múltiplos focos de contusão, no tronco cerebral;</font>
</p><p><font>f. Fractura cominutiva do esfenóide e do etmóide;</font>
</p><p><font>10) Fractura cominutiva da clavícula esquerda pelo terço médio.</font>
</p><p><font>11) Fractura cominutiva dos primeiro e segundos arcos costais, junto da articulação condro-costal esquerda;</font>
</p><p><font>12) Múltiplas lacerações superficiais, no lobo direito do fígado;</font>
</p><p><font>13) Múltiplas lacerações da cápsula do baço;</font>
</p><p><font>14) Colapso medular da glândula supra renal direita e da glândula supra real esquerda;</font>
</p><p><font>25. Lesões corporais essas que, face à sua gravidade e extensão, determinaram, como causa directa e necessária, a sua morte;</font>
</p><p><font>26. Com efeito, o DD veio a falecer, no próprio dia e ainda no local do acidente, em momento não, concretamente, apurado;</font>
</p><p><font>27. O DD nasceu, no dia …/…/1980, e faleceu, no dia …/…/2011;</font>
</p><p><font>28. Tinha acabado de concluir, com sucesso, o 9º ano de escolaridade, através de um Programa do Instituto de Emprego e Formação Profissional;</font>
</p><p><font>29. E pretendia continuar os estudos;</font>
</p><p><font>30. À data do acidente, vivia na casa dos seus pais;</font>
</p><p><font>31. Estava desempregado e auferia, mensalmente, o montante de €189,00, a título de rendimento social de inserção;</font>
</p><p><font>32. Do qual contribuía com montante não, concretamente, apurado, para ajudar no pagamento dos encargos do agregado familiar, tais como alimentação, água, luz, telefone;</font>
</p><p><font>33. Os autores vivem do vencimento do autor BB, que ascende a cerca de €700,00/mês, encontrando-se a autora mulher, actualmente, desempregada;</font>
</p><p><font>34. O DD era um jovem saudável e tinha gosto pela vida;</font>
</p><p><font>35. Era dinâmico, comunicativo, bem humorado, tinha muitos amigos e era estimado pelos vizinhos.</font>
</p><p><font>36. Era um filho dedicado e afectuoso;</font>
</p><p><font>37. A abrupta morte do DD causou profundo desgosto nos seus pais, aqui autores;</font>
</p><p><font>38. O choque do inesperado decesso do seu filho provocou nos autores um inconsolável sentimento de perda, dor e pesar;</font>
</p><p><font>39. A morte do DD traumatizou, de forma irreversível, os aqui autores;</font>
</p><p><font>40. Por força deste infeliz evento, os autores, até, então, pessoas saudáveis e felizes, ficaram tristes;</font>
</p><p><font>41. Como consequência directa e necessária a autora AA passou a padecer de síndrome depressivo reactivo, que se manterá num futuro próximo;</font>
</p><p><font>42. A partir de então, passou a estar medicada, nomeadamente, com “sertralina”;</font>
</p><p><font>43. A autora AA teve perturbações do sono e de apetite, que perduraram ainda durante vários meses;</font>
</p><p><font>44. Não mais conseguiu retirar prazer das coisas, tendo perdido a alegria de viver;</font>
</p><p><font>45. Por seu turno, nos dias seguintes ao decesso do seu filho, o autor BB teve várias e intensas crises de choro;</font>
</p><p><font>46. Passou a isolar-se, tornando-se uma pessoa muito mais apática e triste, perdendo força anímica;</font>
</p><p><font>47. Os autores sentem, pois, enorme vazio na sua vida;</font>
</p><p><font>48. Tanto que os autores visitam, diariamente, a campa do seu filho;</font>
</p><p><font>49. Á data da sua morte, o DD era solteiro e não tinha filhos, pelo que os ora autores são os seus únicos e legítimos sucessores, na qualidade de pais;</font>
</p><p><font>50. Com despesas associadas ao óbito e funeral do DD, os autores viram-se forçados a despender as seguintes quantias: €179,59 - a título de despesas com a escritura de habilitação de herdeiros; €20,00 - com a obtenção de certidão de óbito e €1.548,00 - com despesas de funeral;</font>
</p><p><font>51. A seguradora ré liquidou já aos autores o valor de €1.548,00, despendido com as despesas de funeral;</font>
</p><p><font>52. Sendo que os autores foram, entretanto, reembolsados pelo Instituto da Segurança Social, pela mesma quantia e a esse preciso título.</font>
</p><p><font>53. Ficou acordado entre os autores e a ora ré que o aludido montante de €1.548,00 seria, ulteriormente, descontado no valor da indemnização global que esta viesse a liquidar aos autores, por força dos danos decorrentes do presente acidente de viação;</font>
</p><p><font>54. Na aquisição dos medicamentos prescritos para controlar os efeitos do síndrome depressivo, a autora AA tem necessidade de despender, no mínimo, a quantia mensal de €2,50, correspondente ao preço de uma embalagem de “Sertralina” genérico.</font>
</p><p><font>Não ficaram provados, com relevância para a decisão, designadamente, os seguintes factos:</font>
</p><p><font>a) - Que o falecimento do DD não tenha sido imediato e que o mesmo tenha experimentado dores físicas antes de morrer e que tenha sofrido agonia e angústia e, sobretudo, terrível medo, ao se aperceber que a sua vida estava prestes a extinguir-se;</font>
</p><p><font>b) - Que DD entregasse, na íntegra, aos seus pais a quantia de €189,00, que recebia, a título de rendimento social de inserção;</font>
</p><p><font>c) - Que essa quantia revestisse primordial importância na estabilidade da humilde economia familiar;</font>
</p><p><font>d) - Que tenha ficado danificado o capacete usado pelo DD, pertença do seu pai, com preço de custo de €150,00.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes: </font>
</p><p><font>I - A questão da indemnização pela perda da capacidade futura de ganho/obrigação natural/obrigação civil de alimentos.</font>
</p><p><font>II – A questão da avaliação do dano morte.</font>
</p><p><font>III - A questão do valor da indemnização, por danos não patrimoniais próprios dos autores.</font>
</p><p><font>IV – A questão do início do cômputo dos juros de mora associados às compensações por danos não patrimoniais.</font><br>
<font>I. DA PERDA DA CAPACIDADE FUTURA DE GANHO</font>
</p><p><font> Reclamam os autores “</font><i><font>uma indemnização, a título de dano patrimonial futuro decorrente de perda de ganho, na vertente do lucro cessante, e não como um puro direito a alimentos, por se verem privados do contributo que o seu filho, solteiro e com eles residente, prestava para ao encargos quotidianos do agregado familiar, e que computaram em nunca menos de €30.000,00”</font></i><font>.</font>
</p><p><font> A sentença recorrida concluiu, a este propósito, que “</font><i><font>não prevendo o artigo 495º, do Código Civil (CC), a existência de qualquer direito de indemnização, pela perda da capacidade de ganho do falecido, não têm os autores direito a receber qualquer indemnização por tal dano, não sendo aqui aplicável a regra geral do artigo 483, ambos do Código Civil”.</font></i>
</p><p><font> Dispõe o artigo 495º, nº 3, do Código Civil (CC), que “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.</font>
</p><p><font> Uma das características mais salientes do regime das obrigações naturais consiste na sua equiparação ao regime das obrigações civis, porquanto se encontram “sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que se não relacione com a realização coativa da pre | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JzKZu4YBgYBz1XKvWyEp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> Recurso de Revista nº 530/10.6TJPRT.P1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></p><div><br>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I - RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA</font></b><font>, residente na Rua …, nº …, Hab. …, Porto, nomeado cabeça de casal no inventário aberto por óbito de </font><b><font>BB</font></b><font>, com última residência na Rua …, nº …, ..., Porto, apresentou relação de bens nela integrando como verba n° 1 do activo da herança uma “aplicação financeira no banco CC num produto designado “CC - Novo Aforro Familiar” que foi entregue à interessada DD que detém em seu poder o respectivo valor de 93.271,65€.</font>
</p><p><font>Esta interessada DD reclamou contra a relação de bens, pedindo, entre outras coisas, a exclusão da referida verba n° 1 por não fazer parte da herança, porquanto o autor da mesma, que faleceu solteiro, sem descendentes ou ascendentes, sucedendo-lhe como herdeiros os seus sobrinhos, em representação dos seus irmãos, estando, por isso todos os bens que possuía na sua total disponibilidade, constituiu como única e exclusiva beneficiária da referida aplicação a interessada reclamante, conforme cópia da carta/declaração que juntou.</font>
</p><p><font>Respondeu o cabeça de casal, sustentando a manutenção dessa verba n° l na relação de bens por a considerar uma aplicação financeira constituída com dinheiro que pertencia só ao inventariado, sendo este, à data da sua morte, o titular do capital investido.</font>
</p><p><font>Após a produção dos meios probatórios oferecidos, foi proferida decisão que conhecendo da reclamação apresentada considerou não atender à mesma no que concerne à exclusão da relação de bens da mencionada aplicação designada “CC - Novo Aforro Familiar”.</font>
</p><p><font>Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação a interessada DD, a que o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 10/01/13, e por unanimidade, concedeu procedência, revogando a decisão recorrida e, consequentemente, julgando ser de excluir da relação de bens a aludida verba n° 1, rematando com a seguinte síntese conclusiva:</font>
</p><p><i><font>“Falecendo o autor da herança sem deixar herdeiros legitimários, não carece de ser relacionada no inventário aberto por óbito do mesmo a quantia recebida da seguradora por terceira beneficiária por ele indicada, aquando da celebração de contrato de seguro de capitalização, para receber a correspondente indemnização em caso de morte do segurado antes do termo do contrato.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Foi a vez do cabeça de casal interpor revista para este Supremo Tribunal. Alegando, formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A - Neste processo de inventário, o cabeça de casal, ora recorrente, relacionou como bem pertencente à herança do inventariado, uma "Aplicação Financeira no Banco CC, num produto designado CC - Novo Aforro Familiar que foi entregue à interessada DD que detém em seu poder o respectivo valor de 93.271,65 €"</font>
</p><p><font>B - O inventariado ao constituir a aplicação financeira, salvaguardando a hipótese, prevista na clausula 7ª do contrato, de resgatar o capital aplicado, fazendo cessar antecipadamente o contrato, deixou patente que a sua vontade era que o valor aplicado permanecesse na sua titularidade e na sua disponibilidade até à sua morte, se ela ocorresse na vigência do contrato</font>
</p><p><font>C - Encontra-se, aliás, provado </font><i><font>Que este era titular, à data da morte, do capital investido, tendo manifestado constituir beneficiária a reclamante DD</font></i>
</p><p><font>D - É esta característica de "</font><i><font>contra-seguro</font></i><font>" que se limita a prever o reembolso do prémio pago pelo segurado (daí que também se chame contra-seguro de prémio), caso a mesma não seja por este previamente resgatada, que nos obriga a concluir que o valor em causa faz parte do património do "</font><i><font>de cujus</font></i><font>"e, como tal, da sua herança.</font>
</p><p><font>E - A declaração de vontade feita pelo "</font><i><font>de cujus</font></i><font>" integra uma disposição testamentária já que, nos termos do art.° 2179° do C.Civil, se trata de uma acto jurídico unilateral, através do qual dispôs, para depois da sua morte, da quantia depositada no Banco CC.</font>
</p><p><font>R - Esta disposição não observou a forma legal dos testamentos prevista nos art.°s 2204° a 2206° do mesmo diploma. E neste caso, estamos perante uma formalidade "</font><i><font>ad substantiam</font></i><font>", pelo que, a sua inobservância, implica a nulidade do legado (art.° 220° do C.Civil)</font>
</p><p><font>G - Se se entender que se configura uma doação por morte, a mesma é proibida (art.° 946° n.° 1 do C. Civil), tendo como consequência a nulidade, face ao disposto no n.° 2 deste mesmo normativo</font>
</p><p><font>H - A douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto fez errada interpretação do denominado contrato de seguro de capitalização, violando o artigo 236° do C Civil, bem como do constante do art° 183° do DL 72/2008 de 16 de Abril, violando o art° 9º do mesmo diploma e ainda os art°s. 2.179°, 2.204° a 2.206°, 946° n° 1 e 220° todos do C Civil</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A interessada DD contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.</font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> ●</font>
</p><p><font> É pelo teor das conclusões do recorrente que se afere o âmbito do recurso, à parte as questões de conhecimento oficioso (arts. 684.º nº 3 e 685.º-A, nº 1 do Código de Processo Civil - CPC), e nelas suscitam-se as seguintes questões:</font>
</p><p><font> a) Se deve, ou não, ser relacionada a verba n° 1, um produto designado por “CC - Novo Aforro Familiar”;</font>
</p><p><font> b) Se a declaração de vontade feita pelo “</font><i><font>de cujus</font></i><font>” integra uma disposição testamentária ou uma doação por morte.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Para além da factualidade que consta do antecedente relatório, a Relação considerou assentes os seguintes factos: </font>
</p><p><font>1. O inventariado BB, maior, faleceu no estado de solteiro, sem descendentes ou ascendentes, sucedendo-lhe como herdeiros os sobrinhos, em representação dos seus irmãos.</font>
</p><p><font>2. O inventariado subscreveu, em 30.10.2006, o seguro de capitalização "CC - Novo Aforro Familiar", n° de certificado …, sendo de € 37.000,00 o montante inicialmente aplicado, com data de início em 30.10.2006 e data de vencimento 31.10.2014, sendo beneficiário em vida o próprio inventariado BB e beneficiária, após a sua morte, DD,</font>
</p><p><font>3. O qual foi constituído na sequência da carta datada de 25 de Outubro de 2006, dirigida ao Banco CC, cuja cópia consta de fls. 55, na qual é consignado "pretendo que com o valor da venda das minhas acções nas seguintes empresas: EDP, Portugal Telecom e Brisa, seja constituída uma nova apólice de CC Novo Aforro - familiar, tendo esta como beneficiária em caso da minha morte a senhora D.ª DD. O valor a aplicar é de 37.000 €", seguida da assinatura do inventariado.</font>
</p><p><font>4. Por sua vez, na sequência da carta subscrita pelo inventariado, datada de 26 de Outubro de 2006, cuja cópia consta de fls. 56, este procedeu ao reforço, no montante de € 63.000,00, do valor inicialmente aplicado.</font>
</p><p><font>5. Nos termos da cláusula 1ª do contrato em causa, o CC – Novo Aforro Familiar "é um seguro de vida grupo contributivo do tipo capitalização", sendo beneficiários:</font>
</p><p><font> "Em caso de morte do Segurado: pessoa ou pessoas a favor de quem revertem as garantias em caso de morte do Segurado.</font>
</p><p><font>Em caso de vida do Segurado: pessoa ou pessoas a favor de quem revertam as garantias em caso de vida do Segurado no termo do contrato".</font>
</p><p><font>6. Estabelece-se na cláusula 5ª do contrato:</font>
</p><p><font>"5.1. Na ausência de diferente indicação expressa, os Beneficiários em caso de morte do Segurado, são os seguintes:</font>
</p><p><font>a) Os seus herdeiros legitimários; na falta destes</font>
</p><p><font>b) Os herdeiros designados em testamento; e na falta deste</font>
</p><p><font>c) Os herdeiros legítimos. </font>
</p><p><font>(...).</font>
</p><p><font>5.3. O segurado poderá, em qualquer altura, através de documento escrito dirigido a CC Vida, alterar o(s) respectivos (s) Beneficiário (s).</font>
</p><p><font>5.4. Em caso de morte do Segurado, o CC Vida paga ao(s) Beneficiário(s) em caso de morte o valor da respectiva Conta de Investimento, cessando todas as garantias relativas a este Segurado.</font>
</p><p><font>(...)".</font>
</p><p><font>7. De acordo com a cláusula 7.1. do aludido contrato, "em qualquer altura e com a antecedência mínima de 5 dias úteis, o Segurado pode solicitar o resgate total ou parcial da sua Conta de Investimento".</font>
</p><p><font>Nos termos do disposto nos arts. 659.º, nº 3, 713.º, nº 2 e 726.º do CPC, aditam-se mais os seguintes factos:</font>
</p><p><font>8. Estabelece-se na cláusula 3.1 do contrato:</font>
</p><p><font>“É garantido em qualquer momento o valor da Conta Investimento relativo a cada Segurado. A Conta Investimento corresponde ao valor das entregas líquidas de encargos, deduzidas dos resgates parciais, capitalizadas à taxa de rendimento do respectivo Fundo em cada exercício, deduzidas da respectiva comissão de gestão “.</font>
</p><p><font>9. Estabelece-se na cláusula 3.3 do contrato:</font>
</p><p><font>“Em qualquer circunstância, é garantido que o valor da Conta Investimento não será inferior ao valor das entregas, deduzido dos resgates parciais”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> A) </font><u><font>Se deve, ou não, ser relacionada a verba n° 1, um produto designado por “CC - Novo Aforro Familiar</font></u><font>”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Defende o recorrente que o inventariado ao subscrever a aplicação “CC - Novo Aforro Familiar”, salvaguardando a hipótese, prevista na clausula 7ª do contrato, de resgatar o capital aplicado, fazendo cessar antecipadamente o contrato, deixou patente que a sua vontade era que o valor aplicado permanecesse na sua titularidade e na sua disponibilidade até à sua morte, se ela ocorresse na vigência do contrato</font>
</p><p><font>É esta característica, que denomina de “</font><i><font>contra-seguro</font></i><font>”, que obriga a concluir que o valor em causa faz parte do património do “</font><i><font>de cujus</font></i><font>” e, como tal, da sua herança, até porque se encontra provado “</font><i><font>Que este era titular, à data da morte, do capital investido, tendo manifestado constituir beneficiária a reclamante DD</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>A questão não é assim tão linear quanto a apresenta o recorrente, que suporta todo o seu argumentário na fundamentação tecida e no decidido no Acórdão da Relação de Lisboa de 14/04/05, Proc. nº 1851/2005-6, tal como acontecera com a decisão da 1ª instância. </font>
</p><p><font>De facto, naquele acórdão, versando um caso similar, mas não de todo</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, que por sua vez seguiu a mesma linha orientadora traçada no anterior acórdão da mesma Relação de 13/05/04, Proc. nº 3329/2004-6, ambos disponíveis no ITIJ, considerou-se que se estaria “</font><i><font>perante uma modalidade de contrato de seguro de vida que visa, além do mais, a captação de aforro, por um determinado prazo, com rendimento pago apenas e em regra no termo desse prazo. É, no fundo, um produto de poupança de médio/longo prazo, sob a forma de seguros de vida que investem os seus prémios nomeadamente em fundos de investimento, garantindo em regra a total liquidez</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Não se trataria, assim, de um contrato de seguro do ramo vida tradicional, que é efectuado sobre a vida da pessoa segura, que permite garantir, como cobertura principal, o risco morte ou de sobrevivência ou ambos, visto que se prevê o reembolso dos prémios pagos pelo segurado, com ou sem capitalização, da mesma forma que ainda é permitido o resgate, podendo, assim, o tomador do seguro fazer cessar antecipadamente o contrato de seguro, sendo reembolsado pela seguradora no montante devido e de acordo com as condições previstas no contrato.</font>
</p><p><font>Esta característica permitindo o resgate pelo tomador do seguro, foi tida como significação de que o valor em causa fazia parte do património do </font><i><font>de cujus</font></i><font> e, como tal, fazia parte da sua herança. Por isso, se concluiu no mencionado acórdão não se estar perante um contrato do ramo vida </font><i><font>tout court</font></i><font>, pelo que o direito ao pagamento do capital seguro integrava a herança deixada pelo falecido.</font>
</p><p><font>Com o devido respeito, não concordamos com tal leitura, sem prejuízo de se reconhecer que o caso ali versado não é de todo coincidente com o ora sob análise, sobretudo porque ali existiam herdeiros legitimários o que poderá ter contribuído para uma análise menos aprofundada da questão. </font>
</p><p><font>No caso em apreço, como vem assente, nos termos da cláusula 1ª do contrato em causa, o “CC - Novo Aforro Familiar” tal como se designa, “</font><i><font>é um seguro de vida grupo contributivo do tipo capitalização</font></i><font>" (cfr. cópia de fls. 70).</font>
</p><p><font>Por seguro vem-se entendendo o contrato pelo qual o segurador, mediante uma retribuição (prémio) pelo tomador do seguro, por uma ou mais vezes, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, a uma indemnização pelos prejuízos resultantes, ou ao pagamento de um valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura (cfr. art. 183.º do Dec. Lei nº 72/2008 de 16/04, que aprovou a actual Lei do Contrato de Seguro retomando o essencial do art. 455.º, § único do Código Comercial).</font>
</p><p><font>Acontece que, por pressão dos operadores e interesses financeiros, operou-se uma verdadeira “revolução” no sector segurador, com a introdução de novas modalidades contratuais e o reforço da vertente financeira, permitindo e conferindo ao contrato de seguro de vida algumas polivalências que no início não tinha, com enorme impacto no volume de negócios dos seguradores</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>. A actual Lei do Contrato de Seguro é bem o espelho disso mesmo</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>. Mas, façamos um muito breve excurso pelo legislativo. </font>
</p><p><font>À data da formação do contrato esta matéria era disciplinada pelo Dec. Lei n° 94-B/98, de 17/04</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>, que estabeleceu uma fronteira entre os seguros do ramo “Vida” e dos ramos “Não vida”</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>, regulando no artigo 124.° o designado ramo “Vida” no qual incluía um leque de seguros, de entre os quais os seguros de capitalização como submodalidade legal típica de seguro de vida. Assim:</font>
</p><p><font> “</font><i><font>1) Seguro de vida: </font></i>
</p><p><i><font>a) Em caso de morte, em caso de vida, misto e em caso de vida com contra-seguro</font></i><font>;</font>
</p><p><font>(...)</font>
</p><p><i><font>3) Seguros ligados a fundos de investimento, que abrangem todos os seguros previstos nas alíneas a) e b) do nº1 e ligados a um fundo de investimento;</font></i>
</p><p><i><font>4) Operações de capitalização, que abrangem toda a operação de poupança, baseada numa técnica actuarial, que se traduza na assunção de compromissos determinados quanto à sua duração e ao seu montante, como contrapartida de uma prestação única ou de prestações periódicas préviamente fixadas; </font></i><font>(...)”.</font>
</p><p><font>Ainda o art. o artigo 455.° do Código Comercial, também vigente à data da formação do contrato em causa</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>, dispunha que “</font><i><font>os seguros de vida compreenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitais em troca da constituição de uma renda, ou vitalícia ou desde certa idade, ou ainda do pagamento de certa quantia, desde o falecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras quaisquer combinações semelhantes ou análogas</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>A amplitude dos termos deste normativo e o leque de configurações que consagra acolhe, sem dúvida, o seguro de capitalização entre os seguros de vida</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Actualmente, o seguro de vida encontra o seu regime disciplinador no já citado Dec. Lei n° 72/2008, de 16/04 (Título III, Capítulo II - artigos 183° a 209°)</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Na noção de seguro de vida que dá no art. 183.º</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>, como escreve Luís Poças, “</font><i><font>mantendo o elemento essencial suportação de risco pelo segurador, comporta um âmbito suficientemente lato para compreender realidades como as dos seguros financeiros, nomeadamente o seguro de capitalização, em que, como vimos, a prestação do segurador decorre precisamente da morte ou sobrevivência da pessoa segura.</font></i>
</p><p><i><font>(...) Desta forma, o seguro de capitalização segue o regime geral do seguro de vida...</font></i><font>”</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Consonante com este entendimento se mostra Leonor Cunha Teles para quem “ </font><i><font>com esta noção de seguro de vida pretende-se abranger todos os seguros em que o risco coberto é o risco morte, ainda que associados a seguros de capitalização....</font></i><font>”</font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por sua vez, o artigo 185.º, relativo às informações pré – contratuais, reforçando a transparência na formação do contrato, reporta-se ao tipo de contrato que tenha a </font><i><font>componente de capitalização</font></i><font>, (al. i) do nº 1), e no art. 187.º, que se ocupa com as indicações que devem constar da apólice do seguro de vida, no seu nº 1, al. g), especifica que nela se deve indicar “se o contrato dá ou não lugar a </font><i><font>investimento autónomo dos activos representativos das provisões matemáticas</font></i><font> e, no primeiro caso, indicação da natureza e regras para a formação da carteira de investimento desses activos “, determinando-se ainda no art. 194.º, nºs 1 e 2, que o contrato de seguro de vida deve regular os eventuais direitos de </font><i><font>resgate</font></i><font> e no seguro de grupo contributivo deve igualmente regular a </font><i><font>titularidade do resgate</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Depois de no nº 1 do art. 206.º se prever a associação de instrumentos de captação de aforro estruturados</font><a><u><font>[14]</font></u></a><font>, e no nº 2 se qualificarem como tais instrumentos os seguros ligados a fundos de investimento, na secção II do mesmo diploma, dedicada às operações de capitalização, determina o artigo 207.° que “</font><i><font>o regime comum do contrato de seguro e o regime especial do seguro de vida são aplicáveis subsidiariamente às operações de capitalização, desde que compatíveis com a respectiva natureza</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Ora, deste conjunto normativo e sua evolução, emana de forma flagrante, que o contrato de seguro pode assumir, e particularmente nos dias de hoje, uma multiplicidade de especialidades, de entre elas também uma componente de aforro, sem por isso perder essa mesma qualidade ou natureza. </font>
</p><p><font>Assim, mesmo os seguros de vida ligados a fundos de investimento</font><a><u><font>[15]</font></u></a><font>, designados por </font><i><font>unit linked</font></i><font>, que constituem instrumentos de captação de aforro estruturado, assumem a qualificação jurídica de contrato de seguro de vida, aos quais será aplicável o regime deste, com excepção dos arts. 185.º e 186.º (cfr. o nº 3 do art. 124.º do Dec. Lei n° 94-B/98 acima transcrito, e o mencionado art. 206.º do Dec. Lei n° 72/2008)</font><a><u><font>[16]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Revertendo ao caso em apreço, o contrato sob análise claramente exibe os elementos formalmente caracterizadores do seguro de vida, tal como resultam dos normativos acima enunciados: o prémio, o capital e o evento fortuito de que depende a prestação do segurador. </font>
</p><p><font>Pela sua estrutura, não se trata de um seguro “tipo puro”, mas de um seguro “misto” que inclui garantias em caso de morte ou em caso de vida. O segurador obrigou-se ao pagamento de um capital, quer em caso de morte do segurado durante a vigência do contrato (à beneficiária designada), quer em caso de vida do mesmo no termo contrato. Revela tal contrato pela sua estrutura maior flexibilidade que os de “tipo puro”, conciliando a vertente de risco puro (em caso de morte) com outra de capitalização.</font>
</p><p><font>Não configura o mesmo, é certo, um tradicional seguro de vida risco, pois que incorpora uma vertente de rendimento, denunciada logo na sua designação, mas, não obstante, consubstancia em simultâneo um contrato de seguro, qualidade que também integra a mesma designação (“</font><i><font>seguro de vida grupo contributivo do tipo capitalização</font></i><font>“), pelo qual a seguradora, mediante a entrega de prémio único ou prémios adicionais a pagar pelo tomador do seguro, se obrigou, a favor do segurado ou de terceiro, a proceder ao pagamento de um valor pré-definido, correspondente ao valor da respectiva Conta de Investimento</font><a><u><font>[17]</font></u></a><font>, no caso de morte do segurado, evento futuro e incerto (cfr. cláusula 5.4 sob nº 6 dos factos assentes).</font>
</p><p><font>Ou seja, apesar de não consubstanciar um contrato do ramo vida </font><i><font>tout court</font></i><font>, não deixa o contrato em apreço de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, pois que, ocorrendo a sua morte durante a vigência do contrato, a prestação do segurador decorrente desse risco reverte a favor da pessoa singular designada como “ Beneficiário “, no caso a interessada DD (cfr. nºs 2 e 3 dos factos provados), pelo que é, em rigor e também, um contrato de seguro de vida.</font>
</p><p><font>Portanto, qualificar o contrato em causa como uma aplicação financeira destinada à poupança só porque incorpora uma vertente de rendimento permitindo o resgate em vida do segurado, é ignorar que na sua valência nuclear se comporta tal e qual como o clássico seguro de vida. E foi isso que aconteceu precisamente no caso. Nesta circunstância tal qualificação peca por de todo inadequada.</font>
</p><p><font>A capitalização das entregas feitas, só por si, não tem virtualidade para anular e converter o seguro de vida em causa, sem dúvida o núcleo determinante do objecto contratualizado, num simples contrato de colocação de capitais ou de investimento</font><a><u><font>[18]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Nem o contra-seguro invocado, que se traduz “num seguro acessório através do qual o segurado garante o risco de não-realização do risco principal, isto é: caso a pessoa segura sobreviva ao termo do contrato haverá lugar ao reembolso dos prémios pagos”</font><a><u><font>[19]</font></u></a><font>, o descaracteriza como tal, como pretende o recorrente nas suas alegações recursivas, uma vez que tal direito é até próprio dos seguros de vida que prevejam a possibilidade de pagamento em caso de vida</font><a><u><font>[20]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por tudo isto, temos por acertada a resposta dada pela Relação de que o inventariado celebrou um contrato de seguro de vida.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>Ponderada agora a questão numa outra vertente, com o contrato celebrado constituiu-se, assim, estruturalmente um verdadeiro contrato a favor de terceiro definido pelo artigo 443.º do Código Civil (CC)</font><a><u><font>[21]</font></u></a><font>. </font>
<p><font>Como tal, o terceiro beneficiário adquire o direito à prestação como efeito imediato do contrato, independentemente da aceitação ou até do conhecimento da celebração do contrato, excepto se a prestação houver de ser efectuada após a morte do promissário, caso em que se presume que só depois do falecimento deste o terceiro adquire o direito à prestação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 444.º, nº 1 e 451.º, nº 1 do CC </font><a><u><font>[22]</font></u></a><font>, presunção que tem como objectivo evitar que a prestação prometida possa vir a ser penhorada ou apreendida, em processo de insolvência do terceiro, em vida do promissário</font><a><u><font>[23]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Deste modo, na hipótese em análise, a aquisição do direito à prestação do seguro, pelo terceiro beneficiário, estava dependente da morte do segurado, evento de que dependia a exigibilidade daquela prestação, como termo suspensivo da sua atribuição</font><a><u><font>[24]</font></u></a><font>. E só surgindo após o falecimento do promissário, o inventariado, não integra o seu património o capital segurado</font><a><u><font>[25]</font></u></a><font>, pelo que nessa consonância as disposições relativas à colação, imputação e redução das doações por inoficiosidade só são susceptíveis de aplicação aos prémios pagos pelo promissário, consoante decorre do disposto nos artigos 460.º do Código Comercial, 200.º do Dec. Lei n° 72/2008 e 450.º, nº 1 do CC.</font>
</p><p><font>De facto, estipulava o artigo 460.º do Código Comercial que “</font><i><font>no caso de morte…daquele que segurou, sobre a sua própria vida…, uma quantia para ser paga a outrem que lhe haja de suceder, o seguro subsiste em benefício exclusivo da pessoa designada no contrato, salvo, porém, com relação às quantias recebidas pelo segurador, as disposições do Código Civil relativas a colações, inoficiosidade nas sucessões…”, </font></i><font>e o vigente art. 200.º do Dec. Lei n° 72/2008 dispõe que </font><b><font>“</font></b><i><font>As relações do tomador do seguro com pessoas estranhas ao benefício não afectam a designação beneficiária, sendo aplicáveis as disposições relativas à colação, à imputação e à redução de liberalidades, assim como à impugnação pauliana, só no que corresponde às quantias prestadas pelo tomador do seguro ao segurador</font></i><b><font> “.</font></b>
</p><p><font>Coerentemente, o artigo 450.º, nº 1 do CC estatui que </font><i><font>“só no que respeita à contribuição do promissário para a prestação a terceiro são aplicáveis as disposições relativas à colação, imputação e redução das doações</font></i><font>…”.</font>
</p><p><font>Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 14/12/05, Proc. nº 3669/05, citado pela recorrente, “</font><i><font>Por esta razão, entende-se que o valor do seguro não transita pelo património do segurado para o património do beneficiário, não é recebido, pelo beneficiário, do «de cujus», mas, directamente, da seguradora, não havendo, por isso, lugar, quanto a este bem, à aplicação das regras gerais da sucessão, designadamente, em matéria de cálculo do valor total da herança, de inoficiosidade e de colação, exceptuando a situação dos prémios de seguro pagos à seguradora, que se encontram sujeitos ao regime civilístico da colação e da inoficiosidade, porquanto a lei comercial os considera como doações indirectas (Pereira Coelho, Direito das Sucessões, 1992, 163 e ss.; R. Capelo Sousa, Lições de Direito das Sucessões, I, 2000, 4ª edição renovada, 314 e 315; Galvão Teles, Direito das Sucessões, 1991, 78 e ss.; Oliveira Ascensão, Direito das Sucessões, 2000, 250; RLJ, Ano 41º, 39 e 40; Ano 50º, 391 e 392; RT, Ano 52º, 340 e 347 </font></i><font>”</font><a><u><font>[26]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Regressando à situação factual dos autos, importa reter que inexistindo herdeiros legitimários, não há que relacionar as quantias que o inventariado despendeu com o pagamento dos prémios do seguro, quer para serem conferidas pelo herdeiro porventura beneficiado com o seguro, quer para os demais efeitos previstos no artigo 450.º do CC.</font>
</p><p><font>Concluindo, o valor da aplicação contratada pelo inventariado não faz parte do acervo hereditário e, consequentemente, não tem que ser relacionado pelo cabeça de casal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B) </font><u><font>Se a declaração de vontade feita pelo “</font></u><i><u><font>de cujus</font></u></i><u><font>” integra uma disposição testamentária ou uma doação por morte</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Socorrendo-se ainda do expendido no antes mencionado Acórdão da Relação de Lisboa de 14/04/05, que seguiu à letra, o recorrente sustenta que a declaração de vontade feita pelo “</font><i><font>de cujus </font></i><font>”, de que em caso de morte a beneficiária da quantia aplicada devia reverter a favor da interessada DD, integra uma disposição testamentária que não observou a forma legal dos testamentos prevista nos arts. 2204.° a 2206.° do CC, e neste caso, está-se perante uma formalidade "</font><i><font>ad substantiam</font></i><font>", pelo que, a sua inobservância, implica a nulidade do legado (art. 220.° do CC)</font>
</p><p><font>Aduz ainda que se se entender que se configura uma doação por morte, a mesma é proibida (art. 946.° n.° 1 do CC).</font>
</p><p><font>Sucede que o conhecimento destas questões está inexoravelmente prejudicado pela solução dada à anterior questão (art. 660.º, nº 2 do CPC).</font>
</p><p><font>Mas mesmo que assim não fosse, e é, sempre a inevitabilidade da sua ponderação numa outra vertente, a de questão nova, comprometia o seu conhecimento. Estes temas não foram suscitados na apelação, como se disse o recorrente trouxe-os para esta revista colhendo-os do citado aresto da Relação de Lisboa onde foram abordados, razão pela qual sobre ele não se debruçou o Tribunal da Relação, e do art. 676.º, nº 1 do CPC resulta que os recursos se destinam ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido.</font>
</p><p><font>É pacífico, entre a jurisprudência e a doutrina, que os recursos não se destinam a alcançar decisões novas, a menos que se imponha o conhecimento oficioso, pois que visam a modificação das decisões recorridas</font><a><u><font>[27]</font></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Estar-se-ia, portanto, perante questões novas, de que por isso mesmo não se poderia conhecer, uma vez que, como decorre claro do que vem de expor-se, tal importaria preterição de jurisdição, e não se trata de questão de conhecimento oficioso.</font>
</p><p><font>Também aqui improcedem as conclusões recursivas. </font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>Resta sumariar no cumprimento do art. 713.º, nº 7 do CPC:</font>
<p><font>I – O contrato de seguro pode assumir, particularmente nos dias de hoje, uma multiplicidade de especialidades, de entre elas também uma componente de aforro, sem por isso perder essa mesma qualidade ou natureza;</fo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6TKTu4YBgYBz1XKv7B11 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>I. AA, S.A.</font></b><font> instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra </font><b><font>BB, S.A., </font></b><font>pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de Esc. 69.703.900$00, </font><i><font>acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento</font></i><font>.</font><br>
<font>Alegou fundamentalmente</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> que na sua actividade de prestação de serviços de marketing, comunicação e imagem por todas as formas previstas na lei a A. se dedica está incluída a prestação de serviços como "Agência de Meios" ("CC") e que nessa actividade celebrou, em 29 de Julho de 1999 e pelo prazo de dois anos, com o DD (sendo o R. o Banco sucessor de todos os direitos e deveres do extinto DD, S.A., …</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>) um contrato de compra de espaços publicitários que lhe atribuía em exclusivo o papel de "agência de meios" do DD em exclusivo à A.</font><br>
<font>O contrato foi celebrado tendo em conta um investimento mínimo correspondente a dois milhões de contos de colocação de publicidade (Preço de Tabela) durante o referido período de 2 anos de vigência do contrato, montante esse que corresponderia, em termos de "Investimento DD" a Esc. 933.452.00$00.</font><br>
<font>De acordo com os factos que alega, em Abril de 2000 o DD deixou de solicitar-lhe as compras de espaço publicitário a que se obrigara nos termos do contrato e em 29 de Junho de 2000 escreveu à</font><font> </font><font>A carta na qual afirmava que partir de 1 de Julho de 2000, cessaria o contrato terminando, por consequência, as relações comerciais entre a AA e o DD"; nos termos da mesma carta fundava-se a referida cessação no processo de fusão do DD no BB com o inerente desaparecimento das instituições do Banco e da própria marca “DD”.</font><br>
<font>Alega ainda a A que nunca se conformou com o conteúdo da referida carta e jamais aceitou o descrito fundamento de uma cessação lícita do contrato, por declaração unilateral da contraparte, tendo respondido através de carta de 12.07.2000.</font><br>
<font>Alega também que só colocou para o DD um volume de publicidade do valor de Esc. 430.000.000$00 quando, se o contrato tivesse sido cumprido até final, haveria de ser colocada publicidade no valor de, pelo menos, Esc. 933.452.000$00, alegando em consequência a não realização de um lucro liquido de Esc. 37.758.900$00 (Esc. 37.758.900$00 de lucro bruto - Esc. 7500.000$00 de custos necessários para a execução do contrato).</font><br>
<font>Igualmente alega que ao não ver realizado o volume de publicidade que estava contratualmente previsto para o período entre a data de cessação e a data prevista para esta, a A., no processo global de rappel extraordinário relativo ao ano de 2000, viu diminuir o seu desconto em 1,5%, pelo que deixou de auferir a quantia de Esc. 14.445.000$00 (Esc. 936.000.000$00 x 1,5%) nesse processo de rappel extraordinário.</font><br>
<font>Alega por ultimo que afectada pela cessação do contrato, viu severamente prejudicada a sua capacidade no mercado, pelo que viu diminuir os seus lucros num montante que estima em Esc. 25.000.000$00.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Citado, veio o Banco R contestar por impugnação e por excepção peremptória, apresentando uma contraversão dos mesmos factos e invocando causa extintiva do efeito jurídico derivado dos factos articulados pela A.</font><br>
<font>Diz em síntese que em Junho de 1999, o Grupo DD abriu um processo de consulta para selecção de Agência de Meios, para a realização de um investimento em publicidade de todas as marcas propriedade do DD, sendo certo que recebidas e analisadas várias propostas veio a seleccionar a A como "CC" exclusiva do DD, por um período de dois anos como consta de carta datada de 29 de Julho de 1999; a remuneração anual atribuída à A. nos termos do acordo-quadro regulador dos termos em que se processaria</font><font> </font><font>a prestação de serviços e quando solicitados era calculada como 1% do valor do investimento de meios após negociação)</font><br>
<font>Segundo o R, nos termos acordados entre A. e DD, aquela obrigava-se a repassar para este todos os montantes relativos a descontos, pelo que se a A viesse a obter outros descontos para além de "negociação", "desconto de Agência" e "rappel estimado", os mesmos deveriam ser repercutidos na íntegra na facturação da A. ao DD, independentemente o volume da facturação.</font><br>
<font>Partiu-se, para efeitos de comparabilidade das propostas, de uma previsão ou pressuposto</font><b><font> </font></b><font>de que o investimento do DD poderia atingir, a preço de tabela, um valor da ordem de grandeza dos 1.000.000.000$00 e desde a data da selecção da A. como Agência de Meios, que o DD passou a solicitar àquela a aquisição de espaço publicitário.</font><br>
<font>Em 10 de Janeiro de 2000, o BB adquiriu a maioria das acções representativas do capital do DD, tendo sido acordada a descontinuação da marca "DD" e na sequência de tal aquisição da maioria de capital foram iniciados vários procedimentos de integração e alterações estruturais que culminaram no facto de o DD ter sido incorporado por fusão ocorrida em 30 de Junho de 2000 no Banco R., mediante transferência global do seu património;</font><br>
<font>Em virtude do referido, o DD entrou em contacto com a A e expôs-lhe a inviabilização da continuação do acordo-quadro, tendo, por solicitação da A., acabado por aceitar a manutenção, até Junho de 2000, da relação decorrente do acordo-quadro existente ente o DD e a A cessando, consequentemente, por acordo, a partir dessa data, os efeitos do acordo-quadro.</font><br>
<font>Na sequência do acordo estabelecido entre a A. e o DD, o Banco R. continuou a adquirir espaço publicitário através daquela até Junho de 2000 e na sequência da fusão ocorrida entre o DD e o Banco R., a marca "DD" desapareceu pelo que deixou de fazer sentido publicitar a marca.</font><br>
<font>Foi a pedido da A. que o DD enviou a carta de 29 de Junho de 2000, tendo aquela solicitado a este que formalizasse por escrito o termo da relação contratual que até então tinha vigorado entre as partes, dizendo fazê-lo apenas para encerrar formalmente o dossier.</font><br>
<font>Alega que não é verdade que se o contrato tivesse sido cumprido pelo prazo de dois anos, o investimento total do DD e posteriormente do Banco R. fosse de Esc. 933.452.000$00, não</font><font> </font><font>existindo em parte alguma do acordo-quadro qualquer obrigação de colocação de valores mínimos de publicidade. </font><br>
<font>Alega que a A tinha conhecimento que a partir do segundo semestre de 2000, deixaria e efectuar quaisquer trabalhos para o DD ou para o Banco R., pelo que, atempadamente, teve possibilidade de reestruturar a sua estratégia comercial e que no âmbito da actividade prosseguida pela A., a realidade corrente é a de que as Agências de Meios perdem e ganham clientes dum momento para o outro, não afectando tal o prestígio ou a imagem da A. ou das entidades suas concorrentes, nem afectando a sua capacidade de negociação, designadamente, em termos de </font><i><font>rappel</font></i><font>.</font><br>
<font>Menciona também que pelo facto de a A ter deixado de realizar trabalhos para o DD ou para o Banco R conseguiu angariar um cliente como o EE, que, no ano de 2001, fez um investimento significativo em publicidade, o que não seria possível se em 2001 ainda se mantivesse uma qualquer relação com o DD ou com o Banco R.., uma vez que, o EE exerce uma actividade concorrente com a do Banco R.</font><br>
<font>Finalmente </font><i><font>deduz reconvenção</font></i><font>, alegando, no essencial, que a A. se apropriou de parte do montante dos descontos que deveriam ter sido repercutidos na facturação a emitir ao DD, no valor estimado de 32.250.000$00, a que acresce, ainda, a parcela de </font><i><font>rappel </font></i><font>extraordinário que não lhe foi devolvido.</font><br>
<font>Conclui pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, «</font><i><font>condenando-se a Reconvinda a pagar à Reconvinte Ré o diferencial entre o montante total de descontos que a Reconvinda obteve e aquele que entregou ou de que fez beneficiar o DD (eventualmente deduzindo o rappel extraordinário que a Reconvinte beneficiou), montante esse que se estima ser de 32.250.000$00 (160.862,32 €), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data em que cada montante foi recebido, tudo a liquidar em execução de sentença</font></i><font>».</font><br>
<font>A A. deduziu réplica, em que, no essencial, impugna a matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência, e pedindo a condenação do Banco R., como litigante de má fé, em multa e indemnização. </font><br>
<b><font>II. </font></b><font>Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual foi proferido</font><b><font> </font></b><font>despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto tida por pertinente, mediante elaboração dos Factos Assentes e organização da Base Instrutória, que não sofreram reclamação</font><font>.</font><br>
<font>Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento na sequencia do qual foi proferida sentença na qual</font><i><font> </font></i><font>se decidiu condenar o R a indemnizar a A em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do artº 661° n° 2 do CPCivil e a pagar à A. indemnização pela diminuição de ganhos que esta sofreu em montante a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros a contar da citação, às taxas dos juros comerciais sucessivamente em vigor.</font><br>
<font>Absolveu a A do pedido reconvencional e absolveu o R do pedido de pagamento de indemnização como litigante de má fé.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>III. </font></b><font>O Banco R. interpôs recurso de apelação Instrutória na sequência do qual foi proferido acórdão que julgou improcedente a apelação; interposto recurso de revista veio a ser proferido acórdão (fls. 876-892) em que se decidiu anular o acórdão, para serem sanadas as contradições evidenciadas (dado que a resposta dada ao 38º quesito é contraditória com o que foi respondido aos quesitos 16º, 19º e 20º).</font><br>
<font>Na sequência do acórdão deste STJ foi pelo Tribunal da Relação de Lisboa proferido novo acórdão no qual se decidiu (transcreve-se) – “</font><b><i><font>(A) </font></i></b><i><font>em estrita obediência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 876-892, sanar as contradições no mesmo Acórdão evidenciadas,</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>mediante a alteração das respostas aos Quesitos 16º, 19º e 20º da Base Instrutória nos termos constantes do antecedente ponto </font></i><b><i><font>II.2.2.</font></i></b><i><font>;</font></i><br>
<b><i><font>(B)</font></i></b><i><font> visto o âmbito de tal alteração e a anulação determinada no aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 876-892, julgar improcedente a apelação interposta pelo Banco R. da sentença, e confirmar, em consequência, aquela sentença recorrida.</font></i><br>
<i><font>Custas da Apelação a cargo do Banco Apelante.</font></i><br>
<font> </font><br>
<b><font>IV. </font></b><font>Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista.</font><br>
<font>Considerando a alegação da recorrente constante de fls. 1038 a 1073 dos autos (cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais) à qual respondeu a recorrida através da alegação constante de fls. 1163 a 1193 (que igualmente se dá por reproduzida) resultam colocadas as seguintes questões:</font><br>
<font>a) a questão da licitude (ou ilicitude) da cessação do contrato celebrado entre A e R;</font><br>
<font>b) subsidiariamente, a questão da eventual contradição entre factos provados e oposição entre eles e a decisão</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>V. Factos provados</font></b><br>
<b><font>1.</font></b><font> Na actividade a que a Autora se dedica está incluída a prestação de serviços como “Agência de Meios”, ou, também, “CC” (alínea A) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>2. </font></b><font>O Réu é o Banco sucessor de todos os direitos e deveres do extinto DD, S.A., Sociedade Aberta, por cessão operada por efeito da fusão que envolveu os Bancos BBB, BFF e DD, sendo o banco Réu a entidade incorporante e registada junto da Conservatória do Registo Comercial em 30 de Junho de 2000 (alínea B) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>3. </font></b><font>O serviço de uma Agência de Meios, como a Autora, consiste na colocação, após solicitação do respectivo cliente, de publicidade deste nos meios de comunicação social no suporte pretendido (imprensa escrita, rádio, televisão, “outdoors” e, mais recentemente, “internet” e suportes análogos) e segundo a estratégia por si definida em conjunto (ou não) com a Agência de Meios, com maior ou menor intervenção desta última na parte técnica de elaboração de publicidade (alínea C) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>4. </font></b><font>Quando a natureza, o montante dos custos envolvidos, a regularidade de solicitação ou outros factores assim o determinem, as Agências de Meios, em vez de acordarem casuisticamente com o cliente as respectivas condições de actuação, celebram com este um contrato, normalmente denominado de contrato de compra de espaços publicitários, onde se estabelece o quadro negocial em que a Agência de meios actuará e aí se definindo o modo de remuneração da Agência de Meios pela sua tarefa de colocação de publicidade do cliente nos Meios (alínea D) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>5. </font></b><font>Por carta datada de 28/06/1999 e junta a fls. 143 e seguintes, o Grupo DD abriu um processo de consulta para selecção de Agência de Meios a diversas entidades entre as quais a Autora, para a realização de um investimento em publicidade de todas as marcas propriedade do DD (alínea E) dos Factos Assentes). </font><br>
<b><font>6. </font></b><font>Tendo para o efeito remetido também o respectivo caderno de encargos (alínea F) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>7. </font></b><font>A Autora enviou em Julho – procedendo-se à </font><u><font>rectificação do lapso material</font></u><font> cometido com a indicação neste segmento do mês de Junho de 1999 (cfr. fls. 99) – ao Réu a sua proposta, a qual veio a ser seleccionada por carta datada de 29 de Julho de 1999 e remetida pelo Réu, passando a mesma a funcionar com Agência de Meios do DD em exclusivo (alínea G) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>8. </font></b><font>Foi acordado que a Autora trataria de colocar o material publicitário do DD nos Meios, negociando e contratando directamente com estes, embora formalizando a respectiva compra junto de outros intermediários que se encontram a montante nesta cadeia comercial denominados “Centrais de Compras” (alínea H) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>9. </font></b><font>No âmbito da proposta apresentada pela Autora foi apresentado o seguinte mapa relativo aos custos com os seguintes valores:</font><br>
<font> </font>
<p>
<table>
<tbody><tr><td><b><font>Share por meio</font></b></td><td><b><font>60%</font></b></td><td><b><font>12%</font></b></td><td><b><font> 22%</font></b></td><td><b><font> 6% </font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 100%</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Descritivo</font></b></td><td><b><font>TV</font></b></td><td><b><font>Rádio</font></b></td><td><b><font>Imprensa</font></b></td><td><b><font>Outdoor R</font></b></td><td><b><font>Outros</font></b></td><td><b><font> TOTAL</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Preço de Tabela</font></b></td><td><b><font>600.000.000</font></b></td><td><b><font>120.000.000</font></b></td><td><b><font>220.000.000</font></b></td><td><b><font>60.000.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 1.000.000.000</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Negociação</font></b></td><td><b><font>249.000.000</font></b></td><td><b><font>54.000.000</font></b></td><td><b><font> 70.400.000</font></b></td><td><b><font>21.000.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 394.400.000</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Preço após Negociação</font></b></td><td><b><font>351.000.000</font></b></td><td><b><font>66.000.000</font></b></td><td><b><font>149.600.000</font></b></td><td><b><font>39.000.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 605.600.000</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Desconto de Agência</font></b></td><td><b><font> 52.650.000</font></b></td><td><b><font>9.900.000</font></b></td><td><b><font> 22.440.000</font></b></td><td><b><font> 5.850.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 90.840.000</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Preço líquido </font></b><br>
<b><font>(Net Net)</font></b></td><td><b><font>298.350.000</font></b></td><td><b><font>56.100.000</font></b></td><td><b><font>127.160.000</font></b></td><td><b><font>33.150.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 514.760.000</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Rappel estimado</font></b></td><td><b><font>44.752.500</font></b></td><td><b><font>6.171.000</font></b></td><td><b><font> 16.530.800</font></b></td><td><b><font> 3.315.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 70.769.300</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Taxa de difusão (4%)</font></b></td><td><b><font>14.040.000</font></b></td><td><b><font>2.640.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 16.680.000</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Transcrições</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> </font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Remuneração</font></b></td><td><b><font> 3.510.000</font></b></td><td><b><font>660.000</font></b></td><td><b><font> 1.496.000</font></b></td><td><b><font> 390.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 6.056.000</font></b></td></tr>
<tr><td><b><font>Investimento Banco </font></b><br>
<b><font>DD</font></b></td><td><b><font>271.147.500</font></b></td><td><b><font>53.229.000</font></b></td><td><b><font>112.125.200</font></b></td><td><b><font>30.225.000</font></b></td><td><b><font> </font></b></td><td><b><font> 466.726.700</font></b></td></tr>
</tbody></table>
<br>
<font> </font><br>
<font>(alínea I) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>10. </font></b><font>Em 29 de Junho de 2000, o DD escreveu à Autora a carta de fls. 100 onde refere: "Tendo em atenção o processo de fusão do DD no BB com o inerente desaparecimento das instituições do Banco e da própria marca “DD”, vimos informar V. Exas. que, por tal razão, cessará o contrato que ligava o DD a essa empresa, terminando, por consequência, as relações comerciais entre a AA - …, Lda. e este Banco, a partir do próximo dia 1 de Julho de 2000" (alínea J) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>11. </font></b><font>A Autora respondeu ao DD por carta de 12/07/00 – </font><u><font>rectificando-se o lapso material cometido com a indicação neste segmento do ano de 2001</font></u><font> (cfr. fls. 101) – e junta a fls. 101, na qual refere que: "Não existe, assim, qualquer motivo ou fundamento legítimo para a cessação do presente contrato, ao contrário do que se retira da referida carta de V. Exas. O Referido contrato, nos termos que cremos sobejamente conhecidos de V. Exas., tem uma duração de dois anos, no que os seus efeitos estavam previstos cessar, apenas, em Julho de 2001" (alínea K) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>12. </font></b><font>A Autora consegue obter junto dos Meios os referidos descontos graças, entre outros factores, ao volume de publicidade que consegue colocar, sendo que quanto maior o volume de publicidade colocado maior o desconto obtido (alínea L) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>13. </font></b><font>A Autora só colocou, para o DD, um volume de publicidade do valor de € 2.144.830,96 (430.000.000$00) (alínea M) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>14. </font></b><font>Consta do ponto 2.5 do caderno de encargos do concurso o seguinte: "Cada proponente deverá indicar a remuneração desejada para oferecer o serviço adequado ao DD, e em que moldes propõe que ela seja estabelecida. As condições de pagamento/prazo médio de pagamento também deverão ser referidas. Deverá também mencionar a forma como garantirá com toda a transparência, a devolução ao DD de todos os ónus e rappels" (alínea N) dos Factos Assentes).</font><br>
<b><font>15. </font></b><font>O mapa referido na alínea I) foi elaborado "partindo do seguinte pressuposto": "O objectivo de share of voice do DD para o 2° semestre de 1999 e 1 ° semestre é de 6%. Prevê-se que o sector bancário invista cerca de 16 milhões de contos" (alínea O) dos Factos Assentes).</font><br>
<u><font>DAS RESPOSTAS AOS QUESITOS DA BASE INSTRUTÓRIA</font></u><font>:</font><br>
<b><font>16.</font></b><font> Uma das formas de acordar a remuneração e que foi estipulada com o Réu consistiu no montante resultante da diferença entre o preço de que a Agência de Meios "beneficia" junto dos Meios ou Centrais de Compras para colocação de publicidade e do montante que contratualmente se obrigou a facturar ao Réu, aplicados os descontos sobre o preço de tabela que, nos termos do respectivo contrato, se comprometeu contratualmente a reverter a favor deste (resposta ao Quesito 1º da Base Instrutória, </font><i><font>baseado nas afirmações vertidas no artigo 11º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>17. </font></b><font>Era a Autora que recebia e pagava a factura que lhe era apresentada pela respectiva Central de Compras e depois cobrava ao Réu o respectivo custo (resposta ao Quesito 2º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas nos artigos 18º e 19º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>18. </font></b><font>Esse custo era apurado tendo em conta o mapa de fls. 98 (resposta ao Quesito 3º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 19º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>19.</font></b><font> O "Custo" que a Autora cobrava ao Réu era o resultante apenas dos descontos de "Negociação", "Desconto de Agências" e "Rappel estimado" sobre o preço de tabela acrescido dos custos relativos à "Taxa de difusão", "Transcrições" e "Remuneração" (resposta ao Quesito 4º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 20º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>20.</font></b><font> Os valores apostos no mapa descrito na alínea I) e referidos como "Investimento DD" eram sempre os mesmos, independentemente de a Autora beneficiar de outros tipos de descontos ou de os descontos na área de "Negociação", "Desconto de Agências" e "Rappel estimado" serem superiores aos aí indicados (resposta ao Quesito 5º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 21º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>21.</font></b><font> Os valores do mapa descritos na alínea I) referem-se aos montantes para cada ano do Contrato (resposta ao Quesito 6º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 23º-A da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>22.</font></b><font> A última solicitação de publicidade pelo DD junto da Autora decorreu não antes do mês de Abril de 2000 (resposta ao Quesito 7º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas nos artigos 27º e 28º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>23.</font></b><font> Tendo a partir daí recorrido a outras entidades para o efeito (resposta ao Quesito 8º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 29º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>24.</font></b><font> O ganho da Autora consistia na diferença entre o montante de descontos que efectivamente conseguia daquele que, nos termos acordados, fazia beneficiar o cliente (resposta ao Quesito 9º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 37º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>25. </font></b><font>A Autora tinha uma expectativa de colocação efectiva de um volume equivalente ao preço líquido indicado no mapa de fls. 98 dos autos, ou seja, de 514.760.000$00, durante cada um dos dois anos em que vigorasse o acordo com o Réu, pois era esse preço líquido o que efectivamente o Réu gastaria (resposta ao Quesito 10º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 52º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>26. </font></b><font>Os descontos fixados ao DD pela Autora, pelos seus serviços, tiveram em conta a duração de dois anos do acordo (resposta ao Quesito 11º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 52º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>27.</font></b><font> Enquanto que no primeiro ano a Autora até poderia perder dinheiro, era no segundo ano de execução do contrato que esta, agora beneficiando de outro valor de descontos muito maior, iria obter maiores ganhos (resposta ao Quesito 12º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 54º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>28.</font></b><font> A Autora planeou a sua actividade no pressuposto da colocação daquele volume de publicidade, tendo gerido toda a sua abordagem junto dos Meios dentro dessa premissa (resposta ao Quesito 13º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 55º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>29.</font></b><font> A Autora esperava auferir, a título de ganho, no último ano, cerca de 7,5% do valor da publicidade não colocada (resposta ao Quesito 14º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 61º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>30. </font></b><font>Em virtude da cessação do acordo com o Réu, a Autora sofreu uma diminuição em percentagem não concretamente apurada, do desconto do “rappel” de que beneficiaria, aplicável ao ano de 2000, caso o volume da facturação se tivesse mantido (</font><b><u><font>resposta ao Quesito 16º da Base Instrutória</font></u></b><font>,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 69º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>31.</font></b><font> Com a cessação do “contrato” com o Réu, a Autora ficou afectada na sua capacidade negocial, por não ter atingido os montantes de colocação de publicidade no mercado que havia anunciado como previsíveis, e teve uma diminuição da percentagem do chamado “desconto de negociação” (</font><b><u><font>resposta ao Quesito 19º da Base Instrutória</font></u></b><font>,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas nos artigos 78º, 79º e 80º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>32.</font></b><font> Devido aos factos atrás descritos, mormente a diminuição dos descontos que deixou de auferir, a Autora teve uma diminuição de ganhos de montante não concretamente apurado (</font><b><u><font>resposta ao Quesito 20º da Base Instrutória</font></u></b><font>,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas nos artigos 84º e 88º da petição inicial</font></i><font>).</font><br>
<b><font>33.</font></b><font> O Réu comprometeu-se perante o Grupo DD a não renovar, junto do Instituto da Propriedade Industrial, as marcas anteriormente detidas pelo DD (resposta ao Quesito 25º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 39º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>34.</font></b><font> O Réu já tinha adquirido espaço publicitário a uma Agência de Meios concorrente da Autora (resposta ao Quesito 26º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 43º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>35.</font></b><font> O Banco DD entrou em contacto com a Autora e expôs-lhe a inviabilização da continuação do acordo quadro (resposta ao Quesito 27º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 44º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>36.</font></b><font> O DD afirmou à Autora que manteria, até Junho de 2000, o acordo quadro existente entre o DD e a Autora (resposta ao Quesito 28º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 45º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>37. </font></b><font>Na sequência da fusão ocorrida entre o DD e o Réu, a marca “DD” desapareceu, pelo que deixou de fazer sentido publicitar a marca DD ou de proceder a qualquer investimento em publicidade relativamente a esta (resposta ao Quesito 31º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas nos artigos 53º e 54º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>38.</font></b><font> A Autora solicitou ao DD que formalizasse por escrito o fim do acordo (resposta ao Quesito 32º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 57º, 58º e 59º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>39.</font></b><font> Na percentagem de descontos, além do volume da publicidade a colocar nos Meios, a identidade do cliente, o sector de actividade deste e a central de compras utilizada são também relevantes (resposta ao Quesito 34º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas nos artigos 85º e 86º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>40.</font></b><font> Relativamente ao Desconto de Agência, tal consiste num desconto de 15% que é automaticamente concedido a todas as entidades (resposta ao Quesito 35º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 92º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>41.</font></b><font> Todos os outros descontos e rappel que venham a ser concedidos são calculados com base nos preços de tabela menos os referidos 15% (resposta ao Quesito 36º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 93º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>42.</font></b><font> A Autora tinha conhecimento que a partir do segundo semestre de 2000 deixaria de efectuar quaisquer trabalhos para o DD ou para o Réu (resposta ao Quesito 37º da Base Instrutória,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas no artigo 127º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>43.</font></b><font> O facto de a Autora ter deixado de realizar trabalhos permitiu-lhe angariar um cliente como o EE que, no ano de 2001, fez um investimento significativo em publicidade o que não seria possível se ainda se mantivesse uma qualquer relação com o Réu (</font><b><u><font>resposta ao Quesito 38º da Base Instrutória</font></u></b><font>,</font><i><font> baseado nas afirmações vertidas nos artigos 135º e 136º da contestação</font></i><font>).</font><br>
<b><font>No acórdão recorrido procedeu-se a alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos seguintes: Quesito 16º</font></b><font>: Provado apenas que, em virtude da cessação do acordo com o Réu, a Autora sofreu uma diminuição em percentagem não concretamente apurada, do desconto do “rappe | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mzKYu4YBgYBz1XKvYiA3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>I. – Relatório.</font>
</p><p><font>AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe: a) a quantia de € 2.700.000,00, a título de danos morais e patrimoniais; b) e ainda todos os medicamentos, consultas médicas, tratamentos, internamentos, e intervenções médico-cirúrgicas de que venha a necessitar e a realizar ao longo da sua vida e que sejam consequência do acidente objecto dos presentes autos. </font>
</p><p><font>Para o pedido que formula alega que em 27/10/2005 foi vítima de acidente de viação, ocorrido em Espanha, quando seguia no banco traseiro de um veículo ligeiro de passageiros, cujo condutor se despistou sozinho, fez vários piões, embateu nos rails de protecção, e acabou por invadir a faixa de rodagem reservada ao trânsito, em sentido contrário, colidindo frontalmente com um veículo pesado de mercadorias, após o que se incendiou e explodiu. Daí resultaram para a autora gravíssimos danos físicos, incluindo extensas queimaduras de grande parte do corpo. Transportada para o Hospital, foi-lhe induzido tendo-se seguido um longo período de tratamentos e intervenções cirúrgicas: A demandante veio a ficar afectada de gravíssimas lesões e deficiências físicas, que não só a impediram de trabalhar para o resto da sua vida, como lhe causaram enorme sofrimento psicológico. </font>
</p><p><font>Subdivide o pedido da seguinte forma: a) € 700,00 por mês desde 1.11.2005 até 31.3.2006; e b) € 1.500,00 por mês desde 1 de Março de 2006 e durante 54 anos, à razão de 14 meses por ano, a título de danos patrimoniais; c) € 668.000,00 a título de danos não patrimoniais. </font>
</p><p><font>O veículo ligeiro no qual a autora seguia, de matrícula inglesa, não beneficiava de seguro válido e eficaz, pelo que cabe ao FGA, em representação do seu equivalente Inglês, ressarcir a autora. </font>
</p><p><font>O réu foi regular e pessoalmente citado e apresentou contestação.</font>
</p><p><font>Na contestação que exibiu, o demandado, Fundo de Garantia Automóvel, aceita a culpa do condutor do veículo onde seguia a autora, e aceita também a inexistência de seguro válido e eficaz para esse veículo. </font>
</p><p><font>No mais, impugna os factos alegados, por desconhecimento. </font>
</p><p><font>Impulsou a dedução de incidente de intervenção principal provocada de BB, que também seguia como passageiro no mesmo veículo, e que tem vindo a ser ressarcido extrajudicialmente pelo contestante. </font>
</p><p><font>Termina pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir. </font>
</p><p><font>Julgado procedente incidente de intervenção de terceiros e ordenada a citação do interveniente BB, veio este a apresentar articulado próprio, onde deduz contra o Fundo Garantia Automóvel, pedido de condenação deste a pagar-lhe, por força do mesmo acidente: a) a quantia de € 210.094,81, mais os vencimentos que deixou de auferir desde a data de entrada da acção, acrescida dos subsídios de férias e de natal, tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, quanto aos danos patrimoniais, e desde a prolação da decisão, quanto aos danos não patrimoniais, também até efectivo e integral pagamento; b) os montantes que se liquidarem em execução de sentença, decorrente da evolução </font>
</p><p><font>Do seu estado de saúde, em resultado do presente acidente de viação, incluindo eventuais intervenções cirúrgicas (plásticas ou outras), meios de diagnóstico, consultas médicas, também na vertente de psicologia, despesas com tratamentos e medicamentos, tudo por indicação médica. </font>
</p><p><font>O Instituto de Segurança Social. IP, citado para a acção, deduziu pedido de condenação contra o réu Fundo de Garantia Automóvel, para que este Fundo lhe pague a quantia de € 4.098,08, acrescida dos juros vincendos, contados a partir da data da citação deste pedido e até integral pagamento, alegando ser esse o montante que pagou ao autor BB, seu beneficiário, a título de subsídio de doença, nos períodos de 27.10.2005 a 17.5.2006 e de 28.5.2006 a 26.8.2006, e que tais pagamentos assumem natureza provisória e têm o carácter de adiantamento, enquanto o verdadeiro responsável pela indemnização -o ora réu- não proceder ao pagamento. </font>
</p><p><font>O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, onde relembrou que aceitou a culpa do condutor do -HGF e a responsabilidade decorrente deste acidente, e que recebeu reclamação dos sinistrados deste acidente e tem vindo a efectuar alguns pagamentos ao ora interveniente, que já atingem o valor de € 23.490,32. </font>
</p><p><font>Impugnou (por desconhecer) vários factos alegados sobre a situação do interveniente em todo o acidente, e no mais considerou o pedido formulado excessivo, à luz da legislação aplicável, a espanhola. </font>
</p><p><font>Termina pedindo a sua absolvição dos pedidos deduzidos pelos intervenientes, os quais devem por isso ser julgados improcedentes. </font>
</p><p><font>O tribunal de primeira (1.ª) instância, viria a condenar, o demandado, Fundo de Garantia Automóvel, a pagar:</font>
</p><p><font>a) À demandante, AA, as quantias de setecentos e setenta e cinco mil cento e dezoito euros e cinquenta e quatro cêntimos (€ 775.118,54), bem assim na quantia que vier a ser apurada em incidente de liquidação “correspondente às despesas futuras que a autora venha a ter que fazer para colmatar as áreas do seu corpo por epiletizar, tudo por causa do acidente”; </font>
</p><p><font>b) Ao demandante, BB, as quantias de setenta mil euros (€ 70.000,00), “acrescida de juros de mora contados à taxa supletiva legal, desde a data de prolação desta sentença até integral pagamento.” </font>
</p><p><font>Em dissensão com o decidido, impulsaram recursos de apelação – cfr. fls. 452 a 466 (demandante, BB); fls. 469 a 474 (demandante, AA); fls. (Fundo de Garantia Automóvel), tendo, por acórdão, de 7 de Maio de 2013, constante de fls. 650 a 694 (de fls. 674 a 694, consta o voto de vencido do relator originário) -, a Relação decidido condenar o demandado, Fundo Garantia Automóvel, a pagar à demandante; “AA, a indemnização de setecentos e catorze mil e oitenta e sete euros e setenta cêntimos (€ 714.087,70), a que deviam ser descontadas as quantias de trinta e três mil e vinte e um euros e quarenta e seis cêntimos (€ 33.021,46) e do “montante que vier a ser liquidado, correspondente à quantias pagas pelo réu á autora a título de reparação provisória do dano no procedimento cautelar já referido, e a que acrescem as despesas de tratamento futuro das sequelas do acidente (a apurar em liquidação de sentença); tudo com juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento”; - “a pagar ao autor BB a indemnização de trinta mil e seiscentos e cinquenta e seis euros e trinta cêntimos (€ 30.656,30), com juros de mora legais desse a citação até integral pagamento; - a pagar ao Instituto de Segurança Social, I. P., a quantia de quatro mil e noventa e oito euros e oito cêntimos (€ 4.098,08). [</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Irresignados com o julgado prolatado pela Relação, recorrem, de revista, os indicados sujeitos processuais – cfr. fls. 736 a 768 (Do recorrente BB); fls. 787 a 809 (da recorrente, AA); e fls. 820 a 829 (do recorrente Fundo de Garantia Automóvel) – tendo dessumido as respectivas alegações com as sumulas conclusivas que a seguir quedam extractadas. </font>
</p><p><font>I.A. – Quadro Conclusivo.</font>
</p><p><font>(Do recorrente BB): </font>
</p><p><font>1.ª - Aquando do acidente, causa de pedir nestes autos, o agente e os lesados encontravam-se ocasionalmente em Espanha, porquanto se encontravam, todos, em trânsito em direcção a Inglaterra - cf. n.º 1, dos factos provados (sentença da 1.ª instância); </font>
</p><p><font>2.ª - Todos, agente e lesados, tinham a nacionalidade portuguesa, para além de todos terem residência em Portugal - cf. certidões dos respectivos assentos de nascimento, constantes dos autos; </font>
</p><p><font>3.ª - O n.º 3, do are 45.º, do Código Civil, contém uma importante excepção à regra da lex loci, nos seguintes termos: "Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas"; </font>
</p><p><font>4.ª - Logo, tendo o agente (o falecido CC) e os lesados (BB e AA) a mesma nacionalidade - no caso a portuguesa -, encontrando-se ocasionalmente em Espanha (em trânsito para Inglaterra, país para onde todos se dirigiam), a lei aplicável não pode deixar de ser a lei da nacionalidade comum a todos eles, no caso a lei portuguesa; </font>
</p><p><font>5.ª - O Tribunal "a quo" reconheceu que todos - agente e lesados -, são portugueses, sendo seguro que se encontravam ocasionalmente em Espanha, e, não obstante tal, decidiu-se pela aplicação da lei espanhola; </font>
</p><p><font>6.ª- Deste modo, os fundamentos aduzidos pelo Tribunal "a quo", encontram-se em manifesta oposição com a decisão; </font>
</p><p><font>7.ª - Os fundamentos invocados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, impunham a conclusão que o Direito aplicável seria o português; </font>
</p><p><font>8.ª - Pelo que, ocorre, "in casu", a nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do art. 668.º, do C.P.C.; </font>
</p><p><font>9.ª - O acórdão recorrido mostra-se, assim, ferido de nulidade, o que deve ser declarado por esse alto Tribunal; </font>
</p><p><font>10.ª - A declaração de voto de vencido do Exmo. Desembargador ---, aponta neste sentido, pronunciando-se pela aplicação da lei portuguesa; </font>
</p><p><font>11.ª - Para a eventualidade, que apenas se aventa, por cautela de patrocínio, de esse alto Tribunal entender inexistir a nulidade supra invocada, então temos como seguro que o acórdão recorrido enferma de violação de lei substantiva, consistente em manifesto erro de determinação da norma aplicável ou, numa outra visão da problemática, em causa, erro de interpretação e de aplicação da pertinente lei substantiva (art. 722.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.); </font>
</p><p><font>12.ª - Pelas razões, supra aduzidas, o ordenamento jurídico aplicável sempre seria o português, por força do invocado n.º 3, do art. 45.º, do Código Civil; </font>
</p><p><font>13.ª - No sentido do supra propugnado, pronunciaram-se, "a contrario", o Tribunal da Relação do Porto (Ac. de 18/11/2010, relatado pelo Exmo. Desembargador JOSÉ FERRAZ) e esse S.T.J. (Ac. de 19/4/2012, relatado pelo Exmo. Conselheiro SILVA GONÇALVES); </font>
</p><p><font>14.ª - A aplicação, "tout court", do "baremo" espanhol, conduziu o Tribunal "a quo" a um resultado miserabilista; </font>
</p><p><font>15.ª - A propósito da aplicação do "baremo" têm-se suscitado, no país vizinho, controvérsias jurídicas, no que tange ao seu carácter vinculativo, ou não, nomeadamente na vertente do seu carácter "meramente presuntivo", ou rígido, e nas dificuldades na avaliação, por tal método, dos lucros cessantes; </font>
</p><p><font>16.ª - A doutrina constitucional espanhola tem vindo a entender que o "baremo" deve ser aplicado, "mas destituído do seu carácter rígido e fechado, devendo ser-lhe atribuído mero alcance presuntivo (iuris tantum), ao aceitar-se que o lesado ou até o responsável possam vir, excepcionalmente, a fazer a demonstração de danos de valor diferente do que resulta da sua estrita aplicação. - Raul GUICHARD, "ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJECTIVA POR DANOS CAUSADOS POR VEÍCULOS DE CIRCULAÇÃO TERRESTRE", RCEJ, n.º 9, 2006; </font>
</p><p><font>17.ª - "In casu", sempre os danos patrimoniais, na vertente dos "lucros cessantes", e os danos não patrimoniais, teriam de ser valorados, para além do "baremo", corrigindo-o, em obediência à doutrina constitucional espanhola, supra invocada; </font>
</p><p><font>18.ª - A recepção do Direito espanhol, assim operada, conduzindo a tal resultado miserabilista, mercê da interpretação que do mesmo é feita pelo Tribunal "a quo", enferma de manifesta inconstitucionalidade material, por violação do princípio de igualdade, consagrada no art. 13.º, do C.R.P.; </font>
</p><p><font>19.ª - Para todos os legais efeitos, invoca-se tal inconstitucionalidade, com as legais consequências; </font>
</p><p><font>20.ª - Partindo da matéria fáctica, dada como provada pelas instâncias, mostram-se pertinentes as considerações da 1.ª instância, para a fundamentação da decisão de atribuir ao A. a importância de € 70.000,00, acrescida de juros, à taxa supletiva legal, a título de danos não patrimoniais, decisão com a qual o A. se conformou, não tendo recorrido, da mesma, para a 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância; Nomeadamente: </font>
</p><p><font>21.ª " (...) à data do acidente o autor tinha 23 anos de idade. (...) Sofreu traumatismo torácico, com fractura de três arcos costais; queimaduras das mãos e dos pés, traumatismo crâneo-encefálico, com perda de conhecimento, traumatismo do ombro direito, traumatismo da coxa direita" - sentença (da 1.ª instância); </font>
</p><p><font>22.</font><sup><font>a</font></sup><font> - "Decorrente do acidente, o autor ficou com pouca apetência para o sexo, ao contrário do que sucedia anteriormente ao acidente. O autor BB ficou afectado de incapacidade permanente geral de 18 pontos. À data do acidente o autor era saudável, com grande alegria de viver, sem propensão para depressões ou angústias existenciais (...)" - sentença (da 1.ª instância); </font>
</p><p><font>23.</font><sup><font>a</font></sup><font> - "A doença do autor foi dolorosa, no grau 4, numa escala de 1 a 7. O autor vê-se diminuído e limitado na sua evolução humana, o que inclui, também, naturalmente, a vertente profissional, sendo que o dano estético foi fixado no grau 3, numa escala até 7, de gravidade crescente. Encara com muito cepticismo a sua vida futura, o que o angustia e deprime ainda mais, e o prejuízo de afirmação pessoal do autor foi fixado no grau 3, numa escala de 5 graus" - sentença (da 1.ª instância); </font>
</p><p><font>24</font><sup><font>a</font></sup><font>. "O sofrimento físico, ou seja, as dores que o autor teve de suportar em consequência do acidente, na escala de 1 a 7, foram fixadas no grau 4, o que já é considerável, e acima do ponto médio. O sofrimento psicológico, esse, para além do que já ficou para trás, vai manter-se no futuro (...)" - sentença (da 1.ª instância); </font>
</p><p><font>25.ª - Em suma, pugnamos pela procedência da presente revista devendo o F.G.A. ser condenado a pagar ao A. BB, a título de danos não patrimoniais, a importância de € 70.000,00, acrescida de juros de mora legais, desde a notificação à Ré do pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento; </font>
</p><p><font>26.ª - O A. tem o direito a ser indemnizado pelo dano patrimonial futuro, decorrente da incapacidade permanente que lhe foi fixada (18 pontos); </font>
</p><p><font>27.ª - Neste sentido, é pacífica a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores; </font>
</p><p><font>28.ª - São categóricos, no sentido supra apontado, nomeadamente os seguintes arestos, desse Alto Tribunal: </font>
</p><p><font>Ac. do S.T.J., de 19/2/2009 (Revista n.º 3652/08 - 2</font><sup><font>a</font></sup><font> Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro SANTOS BERNARDINO, o qual decidiu que "a repercussão negativa da I.P.P. (...) deve ser valorada, para efeitos de atribuição de indemnização por danos patrimoniais futuros, já que tem reflexos na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços daquela, e envolve uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e uma consequente maior penosidade, um maior esforço e desgaste físico na execução das tarefas que, antes, ela vinha desempenhando com regularidade, sendo este agravamento da penosidade que justifica a atribuição de tal indemnização"; </font>
</p><p><font>Ac. do S.T.J., de 23/4/2009 (Revista n.º 544/09 - 2</font><sup><font>a</font></sup><font> Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro PEREIRA DA SILVA, o qual opinou que "a incapacidade permanente parcial, mesmo que não Impeça o lesado de continuar a trabalhar, que se não prove, sequer, ser fonte de quebra, actual, da sua remuneração, consubstancia um dano patrimonial indemnizável"; </font>
</p><p><font>Ac. do S.T.J., de 18/6/2009 (Revista n.º 268/09 - 2</font><sup><font>a</font></sup><font> Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro ABÍLIO VASCONCELOS, o qual considerou que "a incapacidade permanente parcial é um dano patrimonial que atinge a força de trabalho do homem, que é fonte de rendimento e, por conseguinte, um bem patrimonial" e que "mesmo que dessa incapacidade não resulte diminuição dos proventos do trabalho, certo é que ela obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível dos rendimentos auferidos antes da lesão"; </font>
</p><p><font>- Ac. do S.T.J., de 8/9/2009 (Apelação n.º 17/09. O T2 AND. S1-1.ª Secção), relatado pelo Exmo. Conselheiro GARCIA CALEJO, o qual decidiu que "tendo-se provado que ficou portador de uma IPP de 10%, porém sem sequelas em termos de rebate profissional, esforço acrescido ou particular repulsa, não pode deixar de se considerar a incapacidade em termos de prejuízo funcional; é o chamado dano biológico (...) indemnizável de </font><i><font>per si, </font></i><font>independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado (...)", representando "um dano patrimonial (futuro), mesmo que a capacidade laboral do lesado não se encontre afectada"; </font>
</p><p><font>29.ª - Considerando a idade da vítima, aquando do acidente (23 anos), sua esperança média de vida (76 - 23 = 53 anos), os anos até atingir a reforma (70-23 = 47 anos), a taxa de 18% de IPP, o seu rendimento anual (€ 10.429,55, líquidos), a inexistência de culpa sua na produção do acidente, a taxa de inflação e todos os demais critérios valoráveis na aplicação das tabelas financeiras usadas para o efeito, temperadas pela equidade, afigura-se-nos justa uma indemnização, a tal título (danos patrimoniais futuros), de € 133.333,33; </font>
</p><p><font>30.</font><sup><font>a</font></sup><font> - Ademais, tal IPP de 18 pontos, resultou de danos físicos, os quais produziram sequelas, nomeadamente o facto do A. ter ficado a claudicar, e danos psiquiátricos, com grave repercussão na autonomia profissional do A.; </font>
</p><p><font>31.ª - Se o A. perder o emprego, terá uma séria dificuldade, acrescida, em conseguir outro, por causa da IPP que o afecta, com uma importante vertente psiquiátrica (16 pontos), a qual é muito valorada, negativamente, ao nível do actual mercado do emprego (muito deprimido), para já não falar da vertente física (o claudicar ao andar); </font>
</p><p><font>32.</font><sup><font>a</font></sup><font> - Pelo que, julgamos adequado o valor de € 133.333,33, importância que deve ser atribuída ao A., a título de dano patrimonial futuro, que o Tribunal "a quo" não atendeu, acrescido de juros, à taxa legal, desde a notificação à Ré do pedido de indemnização, até efectivo e integral pagamento; </font>
</p><p><font>33.ª - Ao decidir, como decidiu, violou o Tribunal "a quo" o disposto nos ares 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do C.C.; </font>
</p><p><font>34.ª - De resto, no voto de vencido, apresentado pelo Exmo. Desembargador JOSÉ AUGUSTO RAMOS, tal dano patrimonial futuro é acolhido (muito embora com uma valoração inferior à por nós peticionada), com fundamentos jurídicos que merecem a nossa inteira concordância e para os quais remetemos, dando-os aqui por integralmente reproduzidos voto de vencido, pg. 15. </font>
</p><p><font>PELO QUE, deve o acórdão recorrido ser declarado nulo, porquanto os seus fundamentos encontram-se em oposição com a decisão (al. c), do n.º 1, do art. 668.º, do C.P.C., ex-vi do art. 722.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma adjectivo), com a consequência da revogação da decisão recorrida, na procedência da presente revista, decidindo-se: </font>
</p><p><font>a) Condenar o R. (F.G.A.) a pagar ao recorrente a quantia de € 70.000,00 (Setenta mil euros), a título de danos não patrimoniais; </font>
</p><p><font>b) Condenar o mesmo R. a pagar ao recorrente a quantia de € 133.333,33 (Cento e trinta e três mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade permanente geral de 18 pontos, de que o mesmo ficou afectado; </font>
</p><p><font>c) Condenar, ainda, o R., no pagamento de juros, à taxa supletiva legal, sobre a importância global peticionada de € 203 333,33 (Duzentos e três mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) [€ 70 000,00 + € 133 333,33], desde a notificação, ao mesmo R., do pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento. </font>
</p><p><b><font>(Do recorrente Fundo Garantia Automóvel) </font></b>
</p><p><font>I - A douta sentença da 1.ª instância, no que respeita à condenação do FGA no montante a pagar à A. AA, não condena em quaisquer juros. </font>
</p><p><font>II - Lidas e relidas as alegações de apelação da aludida A., não descortinamos qualquer conclusão (e as conclusões delimitam o âmbito do recurso) onde se requeira a alteração dessa decisão da 1.ª instância. </font>
</p><p><font>III - No que respeita ao A. BB, a 1.ª instância condenou o FGA a apagar juros desde a prolação da sentença e também nas alegações de recurso deste A. não vislumbramos qualquer conclusão que ponha em causa esse momento de início da contagem de juros. </font>
</p><p><font>IV - O douto Acórdão recorrido condenou o FGA em juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento, quer no que respeita ao pedido da AA, quer no que concerne ao pedido do A. BB. </font>
</p><p><font>V - Conformados os AA. com a decisão da 1.ª instância relativamente, por um lado (AA) à inexistência de condenação em juros, e por outro (BB) ao início da contagem de juros desde a data da sentença, estava vedado ao Tribunal da Relação, porque se não trata de questão de conhecimento oficioso, a condenação do FGA em juros de mora relativamente à AA e na alteração do </font><i><font>dies </font></i><font>a quo relativamente ao A. BB. </font>
</p><p><font>VI - Verifica-se, pois, excesso de pronúncia, porquanto o Tribunal apreciou e tomou posição (emitiu pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso, isto é, esse excesso de pronúncia consistiu numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador, tudo como se lê do douto Acórdão do STJ de 30/09/2010, trado no proc. 341/08.9TCGMR.G1.S2, constituindo, assim, a nulidade do art. 668.º, n.º1, al. d) do C.P.C., que aqui se invoca para todos os efeitos legais. </font>
</p><p><font>VII - No que à indemnização atribuída à A. AA concerne, o facto provado 17, que a Veneranda Relação considera como intocável é o seguinte: “Era uma aluna muito interessada e empenhada, pois era aquela profissão que pretendia vir a desenvolver num futuro próximo, e, uma vez obtido o respectivo e adequado diploma, seria susceptível de auferir, com o produto do seu trabalho, a quantia mensal de 800,00 Euros”. </font>
</p><p><font>VIII - Deste facto, quer a 1.ª instância, quer a Veneranda Relação retiram uma consequência jurídica que é a de dar como garantido que a lesada auferiria com o curso de estética, a quantia mensal de 800,00 Euros. </font>
</p><p><font>IX - Acrescentou a Veneranda Relação, a quantia de 100,00 Euros que poderia ser angariada noutra área profissional para fixar um salário mensal ilíquido de 900,00 Euros. </font>
</p><p><font>X - O que temos certo é que a AA auferia 340,00 Euros mensais, na DD. Tudo o mais é mera futurologia, que, nos tempos que correm tem um limite dramático que é o do elevado desemprego jovem. </font>
</p><p><font>XI - A situação de crise económica do país deve ser tomada em conta pelos tribunais, ademais, sendo essa expectativa derivada de um curso de estética ainda não terminado, veja-se como é público e notório a drástica redução de gabinetes de estética e de cabeleireiros onde essa actividade pode ser exercida, para concluir que centrando-se a população portuguesa actual maioritariamente nas despesas de alimentação e educação dos filhos, bem como na habitação, as actividades de serviços, nomeadamente as de estética, têm visto reduzido o número de clientes. </font>
</p><p><font>XII - E, infelizmente, parece que esta crise veio para ficar. Portanto, retirar de um facto que é hipotético uma certeza, algo muito aleatório é violar o princípio da justiça, pois as decisões devem pautar-se pelo que é absolutamente concreto e tangível e não por expectativas. </font>
</p><p><font>XIII - As expectativas podem entrar no domínio do dano não patrimonial, mas nunca ser base de um cálculo matemático de dano patrimonial futuro. </font>
</p><p><font>XIV - Sendo o valor de 340,00 Euros inferior ao salário mínimo nacional na data do acidente (2005), admitimos como já o fizemos na conclusão 28.ª da apelação, um valor de 374,70 Euros (D.L. 242/2004 de 31/12) e não o valor de 900,00 Euros. </font>
</p><p><font>XV - Ainda que pudéssemos hipoteticamente considerar um salário ilíquido de 900,00 Euros e porque a legislação espanhola aplicável e aplicada no Acórdão fala em "ingresos netos", isto é, remuneração líquida, teremos apenas um salário líquido mensal, nessa perspectiva, de 702,00 Euros, decorrente de dedução de 11% da tabela de IRS e de 11% da taxa social única (um total de descontos de 198,00 Euros). </font>
</p><p><font>XVI - Por outro lado, o Acórdão não fundamenta no Baremo, nem em qualquer outra lei, que deveria ser espanhola, a atribuição de um dano patrimonial futuro, que isolado e desta forma, não está previsto no Baremo. </font>
</p><p><font>XVII - Há ainda a considerar que o Acórdão toma por base o Baremo do ano de 2004, quando a legislação espanhola manda aplicar o Baremo do momento em que as lesões se encontram consolidadas (o que ocorreu em 2006) ou o momento em que é conhecida essa consolidação (relatório médico-legal de 2009). </font>
</p><p><font>XVIII - Portanto, tomando o Baremo de 2009, publicado no Boletín Oficial dei Estado n.º 28 (Lunes, 2 de Febrero de 2009 - seco I. pago 10831, teremos: </font>
</p><p><font>XIX - Sendo as tabelas espanholas vinculativas para os tribunais, temos: </font>
</p><p><font>c) Tabla III -193.184,94 € (78 pontos x 2.476,73) </font>
</p><p><font>d) Tabla IV- </font><i><font>- Prejuícios económicas </font></i><b><font>34.773,29 </font></b><font>€ (18%) </font>
</p><p><i><font>- Lesiones permanentes que constituyan una incapacidad para la ocupación </font></i><font>o </font><i><font>actividad habitual de la víctima Permanente absoluta: </font></i><b><font>130.000 € </font></b>
</p><p><i><font>- Durante la estancia hospitalaria </font></i><b><font>8.250,48 </font></b><font>€ (de 27.10.2005 a 01.03.2006 = 126 dias x 65,48 €) </font>
</p><p><font>XX - O valor total a definir para indemnizar a AA ascende a </font><b><font>366.208,71 euros, </font></b><font>(naturalmente com as deduções que constam do douto Acórdão e com as quais se conforma o FGA - valores adiantados, pensão arbitrada em providência cautelar...) </font>
</p><p><font>XXI - A Tabla 3 já é ela própria uma indemnização por dano patrimonial, porque quando se diz em epígrafe "incluídos danos morais" significa que, associado aos factores de correcção seguidos, nomeadamente à percentagem que tem relação com o valor dos ganhos líquidos anuais do lesado, não permite, sob pena de enriquecimento sem causa, um sobre cálculo para danos patrimoniais futuros para além da tabela, que foi o que ocorreu no acórdão em crise. </font>
</p><p><font>XXII - Estando o julgador obrigado a aplicar a tabela decorrente do Baremo, já que em Espanha essa aplicação é obrigatória e o juiz português, julgando sob a lei espanhola, tem de a respeitar, ocorre nulidade por falta de fundamentação, nos termos do art. 668.º do C.P.C, e enriquecimento (art. _) a atribuição à lesada de uma quantia extra de 472.500,00 a título de danos patrimoniais. </font>
</p><p><font>Portanto, </font>
</p><p><font>XXIII - A indemnização total deve calcular-se exclusivamente nas diversas tabelas do Baremo espanhol e não parcialmente, como fez o Acórdão recorrido, indo depois aplicar uma fórmula estranha e inexistente para sobrecalcular danos patrimoniais. </font>
</p><p><font>XXIV - A lei é o que é, e as decisões devem conter-se nela e não extravasar para outras fórmulas de cálculo estranhas a essa lei, como ocorreu no caso presente. </font>
</p><p><font>XXV - O julgador que está adstrito a aplicar exclusivamente o Baremo espanhol devia ter-se marginado nos seus limites, pelo que o montante atribuído extraordinariamente, a título de dano patrimonial futuro, com um mero cálculo, violou a lei sobre responsabilidade civil e seguro en la circulacion de vehiculos a motor aprovado pelo Real Decreto Legislativo 8/2004 de 29/10, bem como a Resolução n.º 1669 de 20/01/2009 do Ministério de Economia e Hacienda, publicado no BOE espanhol de 2009, de 02/02/2009, secção I, pág. 10831 e seguintes. </font>
</p><p><font>XXVI Tal constitui também enriquecimento sem causa, porquanto o Baremo já integra todo o tipo de indemnização, não havendo qualquer lacuna, nomeadamente a título de dano patrimonial futuro, que o legislador deva integrar. </font>
</p><p><b><font>(Da Recorrente AA)</font></b>
</p><p><font>1) A ora Recorrente adere </font><i><font>in totum às </font></i><font>doutas alegações do Recorrente BB no que tange à aplicação do Direito Pátrio, nomeadamente no que concerne à contradição na fundamentação e consequente nulidade do acórdão recorrido; </font>
</p><p><font>2) Considerando a aplicabilidade da Lei Espanhola, então consideramos que o Tribunal " a quo" não fundamentou a razão pela qual fixou os danos patrimoniais futuros em € 630.000 e depois reduziu-os em </font><sub><font>1/4</font></sub><font> por ser disponibilizados de forma imediata; </font>
</p><p><font>3) Não existe qualquer razão fáctica ou fundamento legal para tal desconto. </font>
</p><p><font>4) Se é verdade que a quantia será disponibilizada de uma só vez, o Tribunal também há que ter um consideração o crescendo aumento do custo de vida, a inflação galopante prevista para as próximas décadas e a impossibilidade da autora de vir a melhorar as suas aptidões profissionais e consequentemente a auferir um melhor salário, a fazer horas extraordinárias e a aumentar a sua produtividade profissional; </font>
</p><p><font>5) Deverá, pois, este desconto de </font><sub><font>1/4</font></sub><font> ser revogado e, em consequência, determinar-se que a Recorrente receba, na íntegra o montante arbitrado a título de danos patrimoniais. </font>
</p><p><font>6) O mesmo se diga para a quantia arbitrada pela Primeira Instância, a qual se baseou na aplicabilidade da Lei Portuguesa, mas que também considerou haver um enriquecimento por parte da Recorrente pelo facto de receber de uma só vez e de forma imediata a quantia arbitrada a título de danos patrimoniais futuros. </font>
</p><p><font>7) No cálculo dos danos patrimoniais, o Tribunal Recorrido alterou a matéria de facto dada como provada; </font>
</p><p><font>8) No quesito 24.º a Primeira Instância deu como provado que a AA pretendia conciliar a actividade de esteticista com a profissão que vinha desenvolvendo, em regime nocturno, na DD; </font>
</p><p><font>9) Da conjugação da matéria deste quesito com o facto dado como provado no artigo 21.º do questionário, resultou provado que a AA viria a auferir € 1160 por mês, matéria esta, que a Relação de Lisboa alterou, considerando que a Autora apenas podia auferir € 900 mensais; </font>
</p><p><font>10) Ao alterar a matéria de facto dada como provada sem que as partes tenham suscitado esta alteração à matéria de facto dada como provada, o Tribunal Recorrido violou o disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, pelo que </font><b><font>o douto acórdão é nulo, </font></b><font>o que se invoca para os legais efeitos. </font>
</p><p><font>11) Será justo e equitativo, face à Lei Espanhola, que a Autora receba € 798.000 (1160xI4x50) a título de danos patrimoniais futuros; </font>
</p><p><font>12) No que concerne aos danos não | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTKiu4YBgYBz1XKvWCRx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><b><font> Recurso de Revista nº6628/04.2TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font> I – RELATÓRIO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>AA, </font></b><font>residente na Rua ..., Lisboa,</font><b><font> </font></b><font>intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma ordinária, contra</font><b><font> "</font></b>
</p><p><b><font>BB - Imobiliária Lda", </font></b><font>com sede na ..., Lisboa, e </font><b><font>"CC Lda", </font></b><font>actualmente</font><b><font>, "DD Restaurant & Catering Industry, Lda”</font></b><font>,</font><b><font> </font></b><font>com sede na mesma morada,</font><b><font> </font></b><font>pedindo que as rés sejam condenadas, solidariamente, a: </font>
</p><p><font>1 - Não voltar a colocar em funcionamento um restaurante ou qualquer outra actividade industrial, nomeadamente a lavandaria industrial, actualmente instalada na fracção "KH"; </font>
</p><p><font>2 - A retirar as máquinas e equipamentos relacionados com a actividade industrial de lavandaria e a não instalarem, nem colocarem em funcionamento nessa fracção quaisquer máquinas ou equipamentos que possibilitem ou que se relacionem com a preparação, confecção e serviço de refeições naquela fracção ou qualquer outra actividade industrial; </font>
</p><p><font>3 - Não utilizar a fracção "JN" (arrecadação nº 13) sita no piso 0 do mesmo edifício como "fossa de decantação", nem via de esgoto da dita fracção "KH"; </font>
</p><p><font>4 - Não proceder à alteração do actual ramal de alimentação eléctrica da fracção "KH"; </font>
</p><p><font>5 - Repor as partes comuns do prédio no estado em que se encontravam antes das obras que pelas RR. aí foram feitas; </font>
</p><p><font>6 - Retirar da cobertura do edifício o ventilador que as RR. aí colocaram; </font>
</p><p><font>7 - Pagar ao A. uma indemnização por danos presentes e futuros, causados à sua saúde, e na sua qualidade de vida, a apurar em liquidação de sentença; </font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese, que está registada a seu favor a propriedade sobre 6 fracções autónomas do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Lisboa, sendo a 1ª ré proprietária da fracção autónoma designada pelas letras "KH", no mesmo prédio. </font>
</p><p><font>A 1ª ré deu esta fracção de arrendamento à 2ª ré a fim de aí instalar um restaurante, contra a vontade dos condóminos e contra o título constitutivo da propriedade horizontal, segundo o qual aquela fracção se destina ao comércio. </font>
</p><p><font>As rés, contra a vontade dos restantes condóminos, realizaram diversas obras de adaptação da fracção, quer no seu interior, quer nas partes comuns, as quais alteram a estética do edifício, afectam a sua solidez e estanquicidade, produzem ruídos e vibrações, comprometem a segurança do edifício. </font>
</p><p><font>Além disso, as rés alteraram a rede de esgotos, instalando na fracção "JN", propriedade da 1ª ré, destinada segundo o título da propriedade horizontal a "arrecadação", uma fossa de decantação, que ligaram à dita rede. </font>
</p><p><font> A Assembleia-Geral de Condóminos, realizada em 17/12/2002, deliberou que a Administração promovesse a imediata interrupção das ditas obras, e a realizada em 18/9/2003 deliberou interditar a utilização da fracção “KH” para fins de actividade industrial de restauração ou qualquer outra actividade industrial. Esta deliberação foi notificada à 1ª ré, na sua qualidade de proprietária. </font>
</p><p><font>A situação tem provocado um grande desgaste emocional ao autor, bem como angústia e "stress", o que está na origem do agravamento do seu estado de saúde com patologias que menciona.</font>
</p><p><font>Regularmente citadas, as rés deduziram contestação. </font>
</p><p><font>A "BB - Imobiliária, Lda." invocou a incompetência em razão da matéria do tribunal e, por impugnação, alegou, em resumo, que a fracção em causa está localizada na zona da restauração e que as obras realizadas foram autorizadas pelo condomínio, em Setembro de 2002, tendo respeitado todos os procedimentos legais. </font>
</p><p><font>Em reconvenção, pede a condenação do autor a suportar os custos com pareceres, relatórios, honorários dos advogados e demais despesas inerentes à defesa da ré, bem como o pagamento de empréstimos bancários e respectivos juros pela aquisição da fracção desde a celebração da escritura de compra e venda até à abertura do restaurante, em montante a liquidar posteriormente. </font>
</p><p><font>A ré requereu a intervenção principal provocada de "EE- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda.", gestora do condomínio, contra quem deduziu pedido de condenação, em montante a determinar em liquidação de sentença, pelos prejuízos decorrentes dos atrasos verificados na execução da obra. </font>
</p><p><font>Requereu ainda a intervenção acessória de "TDF - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA", alegando que, caso venha a ser condenada, lhe assiste o direito a ser indemnizada pelas despesas feitas com a aquisição da fracção. </font>
</p><p><font>Por sua vez, a ré "CC Lda" excepcionou igualmente a incompetência absoluta do tribunal e, por impugnação, em síntese, alegou não haver impedimento legal ao funcionamento de restaurante na fracção de que é arrendatária, sendo, além do mais, abusiva a conduta do autor. </font>
</p><p><font>Em reconvenção, pede a condenação do autor, da "EE", e dos condóminos que vier a identificar, no pagamento à ré de uma indemnização a fixar em liquidação de sentença, pelos prejuízos decorrentes da inactividade forçada do estabelecimento da ré face à privação de electricidade a que está sujeita a fracção KH.</font>
</p><p><font>Requereu também a intervenção principal provocada da "EE- Gestão e Manutenção de Empreendimentos, Lda.", e a intervenção acessória da "TDF - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA", invocando que, caso venha a ser condenada, lhe assiste o direito a ser indemnizada pelo prejuízo correspondente.</font>
</p><p><font>Na réplica, o autor defendeu a improcedência da excepção da incompetência absoluta do tribunal e dos pedidos reconvencionais, assim como dos pedidos de intervenção de terceiros, e pediu a condenação da ré "Orizon" como litigante de má fé em multa e em indemnização a seu favor. </font>
</p><p><font>As rés treplicaram.</font>
</p><p><font>Foram indeferidos liminarmente os pedidos reconvencionais, bem como os pedidos de intervenção da "TDF" e da "EE". </font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador-sentença julgando a acção procedente e condenando as rés no pedido. </font>
</p><p><font>As rés recorreram das antecedentes decisões</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, e a Relação de Lisboa, no acórdão de 1/02/07 (fls. 1041 a 1055), decidiu confirmar a decisão que indeferiu o pedido reconvencional deduzido contra a EE, admitir a intervenção acessória da "TDF, SA", e anular o saneador-sentença bem como o processado posterior à sua prolação. </font>
</p><p><font>Em cumprimento do assim decidido foi ordenada a citação da "TDF, SA" que apresentou contestação confirmando a venda à ré ... da fracção “KH”, mas sem algum pressuposto de nela vir a ser instalado algum restaurante pelo que entende inexistir conexão entre o objecto da acção e eventual direito de regresso, pois não é responsável por quaisquer danos que venham a ser registados na esfera jurídica daquela ré.</font>
</p><p><font>Concluiu pedindo a improcedência de qualquer direito de regresso da ré ... sobre a chamada. </font>
</p><p><font>No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria invocada pelas rés, foi seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, com reclamação do autor parcialmente deferida. </font>
</p><p><font>O autor apresentou articulado superveniente, admitido liminarmente, tendo sido aditados novos factos à matéria assente e à base instrutória (fls. 1198 e segs., e 1423). </font>
</p><p><font>Autor e ré Orizon agravaram do despacho que ordenou este aditamento, e a ré ainda da inadmissibilidade de um requerimento probatório, recursos admitidos que vieram a ser julgados desertos por falta de alegações (fls. 1450, 1451, 1480, 1487 e 1527).</font>
</p><p><font>O autor ainda ampliou o pedido, aditando pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, no montante de 500,00€ por cada dia de atraso no cumprimento do que vier a ser decidido na sentença, e desde o respectivo trânsito, ampliação que foi admitida (fls.1496, 1503/1504). </font>
</p><p><font>Procedeu-se a julgamento, e decidida a matéria de facto (fls. 1521 a 1525) foi proferida sentença que, julgando procedente a acção, condenou as rés a: </font>
</p><p><font>"</font><i><font>1 - Não voltarem a colocar em funcionamento um restaurante e a procederem ao encerramento da lavandaria industrial instalada na fracção "KH" (loja 1), sita no piso 1, do corpo 1, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., em Lisboa; </font></i>
</p><p><i><font>2 - Retirarem as máquinas e equipamentos relacionados com a actividade industrial de lavandaria e a não instalarem, nem colocarem em funcionamento nessa fracção quaisquer máquinas ou equipamentos que possibilitem ou que se relacionem com a preparação, confecção e serviço de refeições naquela fracção; </font></i>
</p><p><i><font>3 - Não utilizarem a fracção "JN" (arrecadação n° 13) sita no piso 0, do mesmo edifício como fossa de decantação, nem via de esgoto da dita fracção "KH"; </font></i>
</p><p><i><font>4 - Não procederem à alteração do cabo de alimentação eléctrica que liga o quadro de colunas à fracção "KH"; </font></i>
</p><p><i><font>5 - Reporem as partes comuns do prédio no estado em que se encontravam antes das obras que pela R. DD Restaurant aí foram feitas, especificadamente a: </font></i>
</p><p><i><font>a) fecharem os «negativos» que foram abertos nas lajes dos pisos 1 e 0 e </font></i>
</p><p><i><font>b) retirarem a máquina e tubagens instalados na empena poente do edifício, bem como a caixa metálica instalada como "by pass"</font></i><font> </font><i><font>entre a conduta de uma das máquinas de climatização e a conduta de ventilação que liga à conduta do edifício; </font></i>
</p><p><i><font>6 - Pagarem ao A. uma indemnização pelas preocupações, stress, angústia e mau-estar causados ao mesmo, nos termos supra referidos, indemnização essa a apurar no respectivo incidente de liquidação; </font></i>
</p><p><i><font>7- Pagarem ao A. a quantia diária de €500,00 por cada dia, contado desde o trânsito em julgado da presente sentença: </font></i>
</p><p><i><font>a) em que persistam na utilização do local da fracção “KH” como restaurante ou lavandaria; </font></i>
</p><p><i><font>b) em que persistam na utilização do local da fracção”JN” como fossa de decantação; </font></i>
</p><p><i><font>c) em que persistam na utilização nas referidas fracções de máquinas e equipamentos, quer sejam relacionados com a actividade industrial de lavandaria, quer possibilitem ou se relacionem com a preparação, confecção e serviços de refeições naquela fracção; e</font></i>
</p><p><i><font>8- Pagarem ao A. a quantia diária de €500,00 por cada dia que decorrer, contado a partir do 30° dia após o trânsito em julgado da presente sentença, sem que sejam fechados os negativos que foram abertos nas lajes dos pisos 1 e 0 e retiradas a máquina e tubagens instalados na empena poente do edifício, bem como a caixa metálica instalada como “by pass” entre a conduta de uma das máquinas de climatização e a conduta de ventilação que liga à conduta do edifício.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Inconformada, apelou a ré "DD Restaurant & Catering Industry, Lda”, e a Relação, por unanimidade, concedendo parcial provimento ao recurso, revogou a sentença na parte em que condenou as rés a pagar ao autor uma indemnização por danos não patrimoniais, confirmando no mais a decisão recorrida (fls. 1694 a 1716).</font>
</p><p><font>Dele pedem revista autor e rés.</font>
</p><p><font>Das alegações que apresentaram, os recorrentes tiram as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>O Autor</font></u>
</p><p><font>1. Os danos sofridos pelo A., ora Recorrente, decorrentes da actuação culposa das RR., que tanto o Tribunal de l.ª Instância, quanto o Tribunal da Relação de Lisboa, deram como provados - a saber: preocupações, stress, angustia e mal-estar - constituem realidades que valem por si, como valores </font><i><font>a se stante</font></i><font>, geradores de danos à sua saúde, à sua integridade físico-psíquica, na sua qualidade de vida.</font>
</p><p><font>2. É, pois, facto evidente que as preocupações, stress, angustia e mal-estar, que a actuação culposa das RR. causaram ao A., ora Recorrente, não podem ter deixado de causar danos à sua saúde, à sua integridade físico-psíquica, à sua qualidade de vida, como, perante toda a matéria de facto provada, seria natural acontecer com qualquer outra pessoa.</font>
</p><p><font>3. Segundo o normal e comum entendimento, "Preocupação" é um "estado de espírito de uma pessoa que pensa insistentemente em alguém ou alguma coisa, prevendo ou receando uma contrariedade; apreensão, inquietação, cuidado, desassossego; ideia fixa e antecipada que perturba o espírito a ponto de produzir sofrimento moral".</font>
</p><p><font>4. Por sua vez, "Stress (ou stresse) é um "conjunto de perturbações psíquicas e fisiológicas provocadas por factores agressivos externos e por emoções, que exigem uma adaptação do organismo; é um estado gerado pela percepção de estímulos que provocam excitação emocional e, ao perturbarem a homeostasia, levam o organismo a disparar um processo de adaptação caracterizado pelo aumento da secreção de adrenalina, com várias consequências sistémicas; distúrbio fisiológico ou psicológico causado por circunstância adversa; tensão; inquietação intensa; conjunto de perturbações e alterações emocionais provocadas por uma série de factores, geralmente externos e opressivos, que prejudicam o normal funcionamento físico e psíquico do indivíduo".</font>
</p><p><font>5. Acresce que, quanto ao "Stress (ou stresse)", impõe-se concluir que existe uma relação de causa-efeito entre stress e diminuição das defesas do organismo.</font>
</p><p><font>6. Quanto a "Angústia", caracteriza-se como um "mal-estar profundo, físico e psicológico, que se manifesta por ansiedade, inquietação e tristeza excessivas, provocado por uma situação que não se domina ou da qual se tem medo e que pode ter carácter patológico, neurótico, psicótico; mal-estar, ao mesmo tempo psíquico e físico, caracterizado por um receio difuso, sem objecto bem determinado, desde a inquietação ao pânico, e por impressões corporais penosas, como a constrição torácica ou laríngea (este estado psicorgânico chamar-se-á angústia quando mais vivido do que pensado, e ansiedade quando tão pensado como vivido); estado de ansiedade, inquietude; sofrimento, tormento; estado de excitação emocional determinado pela percepção de sinais, por antecipações mais ou menos concretas e realistas, ou por representações gerais de perigo físico ou de ameaça psíquica; no campo filosófico e citando Kierkegaard (1813-1855), sentimento de ameaça impreciso e indeterminado inerente à condição humana, pelo facto de que a existência de um ser que projecta incessantemente o futuro defrontando-se de maneira inexorável com possibilidade de fracasso, sofrimento e, no limite, a morte".</font>
</p><p><font>7. Relativamente ao normal e comum entendimento de "Mal-estar (ou, na expressão do Mmo. Juiz de l.ª Instância, mau-estar)" identifica-se como "indisposição ou perturbação física; incómodo; sentimento indefinido de desconforto; ansiedade; inquietude; sensação desagradável de perturbação do organismo; estado de inquietação, de aflição mal definida; ansiedade".</font>
</p><p><font>8. Os danos à sua saúde, à sua integridade físico-psíquica, na sua qualidade de vida, sofridos pelo A., ora Recorrente, e causados pela actuação culposa das RR., constituem "factos evidentes" decorrentes daqueles que, tanto o Tribunal de l.ª Instância, quanto o Tribunal da Relação de Lisboa, deram como provados - a saber: preocupações, stress, angustia e mal-estar -, na exacta medida em que são factos que se apresentam ao juiz como provindos das fontes comuns do saber humano.</font>
</p><p><font>9. Sem prejuízo daquela, mas numa outra perspectiva, são, ainda "factos notórios" (no sentido plasmado no art.° 514°, do CPC, "não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral") posto que é do conhecimento geral pertinente à cultura média ou comum, fazendo parte da cultura geral do juiz, que preocupações, stress, angustia e mal-estar constituem a se realidades causadoras de danos à saúde, à integridade físico-psíquica das pessoas, à qualidade de vida de quem os sofre.</font>
</p><p><font>10. Dizer, como o disse o Tribunal da Relação de Lisboa, que se não provou que os tivesse havido seria fechar os olhos às realidades da vida, realidades que se impõem a qualquer observador, por menos preparado que seja, e que, por isso mesmo, encontram guarida </font>
</p><p><font>11. É, neste particular, jurisprudência pacífica e constante que cabe nas atribuições deste STJ, não só o controlo do correcto uso, pelas instâncias, do dispositivo do art°. 514°, 1, CPC, na definição do que, em concreto, constitui, ou não, facto notório, mas, também, o próprio conhecimento, de ofício, dos factos notórios.</font>
</p><p><font>12. Ainda por via de uma outra solução (defendida, entre outros, pelo Prof. Vaz Serra e vária da nossa jurisprudência: "a existência do dano não patrimonial pode ser presumida em certos casos, por ser normal essa existência em tais casos"), as preocupações, stress, angustia e mal-estar, que a actuação culposa das RR. causaram ao A., ora Recorrente, não podem ter deixado de causar danos à sua saúde, à sua integridade físico-psíquica, à sua qualidade de vida, como seria natural acontecer com qualquer outra pessoa.</font>
</p><p><font>13. No que concerne à indemnização reclamada - questão considerada prejudicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa -, o art. 569° do CC prescreve que quem exija indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos. Além disso, quem tiver pedido uma quantia determinada pode, no decurso da acção, vir a reclamar quantia superior, desde que o processo venha a revelar danos mais avultados face aos inicialmente previstos (art. 569°, 2a. parte, do CC). Isto, obviamente, sem prejuízo da indicação do valor do processo (art.º 305° do CPC).</font>
</p><p><font>14. O ressarcimento do dano não patrimonial assume uma vertente simultaneamente compensatória (na medida em que não se está perante uma indemnização em dinheiro equivalente aos danos, mas perante uma compensação) e sancionatória (na medida em que se considera uma ideia de reprovação, no plano civilístico e pelos meios próprios do direito privado, da conduta do lesante).</font>
</p><p><font>15. O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização -compensação - por danos não patrimoniais é, exclusivamente, o da equidade art. 496°, n° 3 do C. Civil.</font>
</p><p><font>16. Este critério remete-nos para uma operação intelectual complexa que atenderá ao circunstancialismo concreto do caso, devendo ser considerados os factores contidos no art. 494° do C. Civil (culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado), referenciados a valorações éticas como a boa ponderação, o senso prático, a justa medida das coisas.</font>
</p><p><font>17. Na fixação judicial da indemnização por estes danos, deve atender-se, por razões de justiça relativa, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência devidamente adaptados às circunstâncias especiais de cada caso e com a data em que as decisões em confronto foram proferidas.</font>
</p><p><font>18. A indemnização/compensação encontrada, embora não deva determinar enriquecimentos despropositados, não deve corresponder a uma esmola, a um valor simbólico.</font>
</p><p><font>19. Está, agora, dentro dos poderes deste Venerando Supremo Tribunal a fixação, como abaixo se requer, da indemnização dentro dos critérios legais mencionados.</font>
</p><p><font>20. A parte do douto Acórdão sob recurso violou, assim, entre outros, o disposto nos art.°s 70°; 483° e seguintes, </font><i><font>maxime</font></i><font> 496°; todos do Código Civil (CC), e, por remissão, no art.°. 25°, da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><u><font>As rés</font></u>
</p><p><font>1- Atenta a factualidade provada e assente, designadamente, no que respeita à inserção da fracção em local do condomínio G...P... onde outros espaços desenvolvem esta actividade, o acórdão recorrido viola o artigo 1422º nº 2 alínea c) do Código Civil</font>
</p><p><font>2- A interpretação do título constitutivo pode ser efectuada tendo por base outros elementos para além do próprio título constitutivo, conforme constatamos noutras decisões judiciais, como por exemplo Acórdão da Relação de Lisboa de 25-02-1992, cujo sumário supra transcrevemos.</font>
</p><p><font>3- Por outro lado, e relativamente à utilização subsequente enquanto lavandaria o acórdão recorrido é contraditório na sua própria fundamentação, porquanto da sua própria fundamentação se extrai a natureza que a actividade "lavandaria" não tem associada a si qualquer actividade de natureza industrial, no sentido de produção ou transformação.</font>
</p><p><font>4- Pelo que, nem mesmo se nos ativermos apenas ao valor etimológico da expressão "comércio" podemos concluir que o titulo constitutivo proíbe a utilização desta fracção para o fim de uma "lavandaria"</font>
</p><p><font>5- Por fim, e sem prejuízo das demais conclusões, no que respeita à aplicação de eventual sanção pecuniária compulsória, a interpretação que o acórdão faz do artigo 829º-A viola o princípio constitucional da proporcionalidade, pois, independentemente da função do mecanismo em questão, a margem de apreciação e decisão não admite o arbítrio que verificamos no caso em concreto, em particular, na ausência de qualquer fundamentação fáctica para sustentar o quantum aplicado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Só as rés contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso do autor. </font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>ª</font>
</p><p><font>As conclusões dos recorrentes – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font> - CPC daqui por diante) – consubstanciam as seguintes questões:</font>
</p><p><font>a) Se as rés devem ser condenadas no pagamento de uma indemnização, por danos não patrimoniais, em consequência das “preocupações, stress, angústia e mal estar” que com a sua actuação causaram ao autor;</font>
</p><p><font>b) Se a actividade da restauração se integra na cláusula “destinada a comércio” constante do título constitutivo da propriedade horizontal;</font>
</p><p><font>c) Sanção pecuniária compulsória.</font>
</p><p><font> ª</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1- O A. tem registado a seu favor o direito de propriedade sobre as fracções autónomas identificadas pelas letras MC, correspondente ao 15º-A, destinado a sua habitação própria, sito no Corpo Um; JD e JK, correspondentes às arrecadações nºs 3 e l0, sitas no r/c, piso 0, do Corpo Um; HX, HY e HZ correspondentes aos locais de estacionamento automóvel nºs 21, 22 e 23, sitos na 1ª cave, piso - 1, todos integrando o prédio urbano sito na Rua Dr. Bastos Gonçalves, 1, 1A, 1B, 1C, 1D, (anteriormente Lote H, sito na Rua General Correia Barreto), descrito na 8ª C.R.Predial de Lisboa sob o n." 1449, da freguesia de S. Sebastião da Pedreira - cf. certidão de fls. 55 e ss - (Al. A), da Matéria Assente). </font>
</p><p><font>2- Por escritura publica de 21/1/2000, foi constituída a propriedade horizontal relativa ao prédio, designado por "lote H", integrado na Urbanização da Palma de Cima, conhecida por "Urbanização G...P...", sito em Lisboa, na Rua General Correia Barreto, nºs 1 a 1-D, nos termos da qual: </font>
</p><p><font>O imóvel é constituído por vinte e um pisos, sendo três destinados a estacionamento automóvel, e três Blocos designados por Corpo Um, Corpo Dois e Corpo Três, sendo os Corpos Um e Dois, destinados a arrecadações, habitação e comércio e o Corpo Três exclusivamente a comércio. </font>
</p><p><font>O imóvel encontra-se dividido em três zonas: a zona de parqueamentos e arrecadações, correspondentes às quatro caves e ao rés-do-chão dos Corpos Um e Dois; a zona de comércio, correspondente ao primeiro andar dos Corpos UM e Dois e ao rés-do-chão e primeiro andar do Corpo Três; a zona de habitação correspondente aos pisos zero a dezasseis dos Corpos Um e Dois - (Al. B), da Matéria Assente). </font>
</p><p><font>3- A obra terminou em 27-10-1999, tendo sido emitida licença de utilização conforme fls. 130, daí resultando que há fracções destinadas a habitação, fracções destinadas a estacionamentos, fracções destinadas a arrecadações e fracções destinadas a lojas (alínea C) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>4- A propriedade da fracção designada pelas letras "KH", sita no piso 1, do Corpo Um, mostra-se registada a favor da R. "BB - Imobiliária, Lda.", constando da escritura pública celebrada entre a vendedora, a interveniente "TDF - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.", que a fracção se destinava a comércio (doc. de fls. 179 a 189) - (alínea D) da Matéria de Facto Assente);</font>
</p><p><font>5- Nos termos do documento complementar que faz parte integrante da escritura de constituição da propriedade horizontal, acima aludida, a fracção "JN", sita na Zona de Parqueamentos e Arrecadações, no piso 0, rés-do-chão, do Corpo Um, é composta de uma divisão destinada a arrecadação e a respectiva aquisição mostra-se inscrita a favor da R. "BB - Imobiliária, Lda." (alínea E) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>6- Nos termos do documento complementar que faz parte integrante da escritura de constituição da propriedade horizontal, a fracção "KH", sita na Zona de Comércio, no primeiro andar, do Corpo Um, é descrita como «loja destinada a comércio, composta de uma divisão ampla e instalações sanitárias». </font>
</p><p><font>7- A assembleia de condóminos aprovou o Regulamento do Condomínio de fls. 132 a 140 (alínea G) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>8- A R. "BB" consente que a R. "Orizon" instale na fracção "KH" um restaurante, a que corresponde a memória descritiva em projecto de fls. 191 a 205 - A (alínea H) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>9- A R. "Orizon", através do comunicado aos condóminos de 10-7-2003, o qual se encontra junto de fls. 190 a 206, reconhece terem sido efectuadas obras na fracção "KH", consistentes na colocação de uma unidade exterior com equipamento para extracção de fumos, poeiras e cheiros, a colocação de uma fossa de decantação instalada imediatamente abaixo da área do restaurante, terem sido adquiridos e instalados equipamentos, propondo-se ter comida de qualidade e rápida e um serviço de catering disponível (alínea I) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>10- Nesse comunicado, reconhece-se terem sido levadas a cabo obras nas zonas comuns, sem previamente ter sido dado conhecimento ao condomínio. (alínea J) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>11- A R. "Orizon" instalou uma fossa de decantação na fracção "JN" (alínea L) da Matéria de Facto Assente);</font>
</p><p><font>12- A R. "Orizon" procedeu à abertura de um "negativo" de 30 cm x 30 cm na laje do piso 1, ligando os esgotos da loja 1 (fracção KH) à fossa de decantação da fracção JN (alínea M) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>13- A R. "Orizon" procedeu à abertura de um "negativo" com um diâmetro superior a 12, 5 cm na laje do piso 0, ligando a fossa de decantação à rede de esgotos do prédio (alínea N) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>14- A R. colocou um ventilador na cobertura do prédio (alínea O) da Matéria de Facto assente); </font>
</p><p><font>15- A partir de início de Setembro de 2005, data em que entrou em funcionamento o restaurante instalado na loja 1 (fracção KH), para a extracção dos fumos da respectiva cozinha, a 2ª R. serviu-se da máquina e tubagens que tinha instalado na empena poente do edifício, tendo para tanto instalado uma caixa metálica como "by-pass" entre a conduta de uma das máquinas de climatização e a conduta de ventilação que liga à conduta do edifício (alínea P) da Matéria de Facto Assente)</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>; </font>
</p><p><font>16- Em 6 de Julho de 2006, as RR. procederam à retirada da cobertura do edifício do ventilador aludido em O) (alínea Q) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>17- Em 4/01/07 foi determinado pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica a imediata suspensão da laboração do estabelecimento de restauração e bebidas instalado na loja 1 (fracção KH), nos termos que constam da certidão junta de fls. 1285 a 1298 (alínea R) da Matéria de Facto Assente); </font>
</p><p><font>18- A fracção "KH" está localizada na zona destinada a comércio e na qual existem outras lojas onde é exercida a actividade de restauração (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>19- Os "negativos" enfraquecem a resistência e a durabilidade das lajes dos pisos 0 (zero) e 1 (um) do prédio - (resposta ao artigo 3° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>20- O projecto da 2ª R. integra a modificação de um cabo de alimentação eléctrica que liga o quadro de colunas à fracção KH (resposta ao artigo 4° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>21- O que consta das alíneas H) a O) da Matéria de Facto Assente e das respostas aos artigos 3° e 4° tem sido causa de preocupações, stress e angústia para o A. (resposta ao artigo 5° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>22- O sistema de saída de fumos aludido em P) determinou que os maus cheiros da cozinha do restaurante se acumulassem na entrada principal do edifício (resposta ao artigo 6° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>23- Em Outubro de 2005, a R. colocou dois «jerricans» em plástico para recolher resíduos da máquina através da qual estava a ser feita a exaustão de fumos da cozinha do restaurante na zona da empena poente do edifício (resposta ao artigo 7° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>24- A partir da data aludida em Q), a exaustão de fumos da cozinha do restaurante passou a ser efectuada, sem qualquer tratamento, directamente pela saída da conduta de ventilação da loja, ao nível da cobertura do edifício (resposta ao artigo 8° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>25- Em consequência do aludido no artigo 8°, propagaram-se durante meses, através das condutas de ventilação do prédio, para o interior da fracção MC maus cheiros provenientes da conduta de ventilação da loja 1 (fracção KH) (resposta ao artigo 9° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>26- Em 2 de Janeiro de 2007 e em 6 de Outubro do mesmo ano verificaram-se inundações, com origem na loja 1 (fracção KH), na zona das arrecadações sitas no piso 0 (resposta ao artigo 10° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>27 - A situação aludida na resposta ao artigo 10° obrigou à colocação de baldes para recolha desses escorrimentos, durante vários dias, no corredor da zona das arrecadações do piso 0 (resposta ao artigo 11 ° da Base Instrutória).</font>
</p><p><font>28- Em virtude do que consta do artigo 7° e das respostas aos artigos 9° a 11° o A. sofreu mal-estar e angústia (resposta ao artigo 12° da Base Instrutória). </font>
</p><p><font>29- Em 1 de Setembro de 2009, as RR. iniciaram na loja 1 (fracção KH) a exploração de uma lavandaria (resposta ao artigo 13° da Base Instrutória).</font>
</p><p><font>Ao abrigo do disposto nos arts. 659°, do CPC e 712°, ambos do CPC, considerou a Relação ainda provado que:</font>
</p><p><font>3 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTKpu4YBgYBz1XKvKymT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><u><font>Relatório</font></u></b><div><br>
</div><br>
<br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, o</font>
<p><b><u><font>AA</font></u></b><font>,</font>
</p><p><font>intentou a presente acção declarativa de condenação contra</font>
</p><p><b><u><font>BB</font></u></b><font> e</font>
</p><p><b><u><font>CC</font></u></b><font>,</font>
</p><p><font>alegando em resumo:</font>
</p><p><font>- Em 17/7/2003, na Rua …, S. Mamede de Infesta, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula, ..., propriedade da 1ª Ré e conduzido com o seu conhecimento, autorização e interesse, pelo 2º R.</font>
</p><p><font>- Nesse acidente foi atropelado o peão DD, quando atravessava a via, por uma passadeira aí existente da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do FM, em momento em que já se encontrava a cerca de 2m da berma direita.</font>
</p><p><font>-O acidente ocorreu porque o 2º R. conduzia completamente desatento ao trânsito pedonal que se processava na via e, assim, resultou de culpa exclusiva deste;</font>
</p><p><font>- Em consequência do acidente a DD foi projectada ao solo, sofrendo diversas lesões (que se especificam), tendo sido internada no hospital onde foi submetida a diversos tratamentos;</font>
</p><p><font>- A 1ª Ré não tinha seguro válido e eficaz que cobrisse a sua responsabilidade emergente de acidentes de viação causados pelo FM;</font>
</p><p><font>- São, portanto, os RR. os únicos responsáveis civis pela reparação dos danos derivados do sinistro;</font>
</p><p><font>- O A. pagou à sinistrada a indemnização global de 80.407,53 €, pelo que se encontra sub-rogado nos direitos da lesada.</font>
</p><p><font>Peticiona que, na procedência da acção, seja o condutor atropelante (2º R.) considerado o único e exclusivo culpado pela produção do acidente e, consequentemente sejam os RR. condenados a pagar ao A. a quantia de 80.332,53€, que despendeu, acrescida dos juros legais desde a citação, bem como o valor das despesas que o A. vier a suportar com a cobrança do reembolso, que posteriormente se liquidarão.</font>
</p><p><font>Citados os RR. contestaram.</font></p><div><br>
</div><br>
<br>
<font>A 1ª Ré alega que o veículo FM não é sua propriedade, pertencendo a sua mãe, EE, que em Outubro de 1999 o adquiriu a FF – Comércio de Automóveis, e o conduz habitualmente. Além disso, o FM beneficiava, à data do acidente, de seguro de responsabilidade civil, contratado com a Companhia de seguros GG, conforme apólice …, válida e eficaz no momento do sinistro.</font>
<p><font>Quanto ao 2º R., alega que nenhuma culpa teve no acidente.</font>
</p><p><font>Circulava a velocidade não superior a 50 Km/h, pela direita da faixa de rodagem, não se tendo apercebido que o peão sinistrado cruzava a via, porquanto, no momento, estava encoberto por um outro veículo que circulava na via.</font></p><div><br>
</div><br>
<br>
<font>Perante a contestação da 1ª Ré, veio o A., à cautela, nos termos do Art. 31º-B do C.P.C., </font><u><font>deduzir pedido subsidiário contra a Companhia de Seguros GG S.A. e EE</font></u><font>, requerendo as suas intervenções processuais ao abrigo do disposto no Art.º 325º do C.P.C., o que veio a ser deferido.</font>
<p><font>Citados os intervenientes, vieram contestar.</font>
</p><p><font>Alega a seguradora que o contrato de seguro celebrado com a mãe da 1ª Ré é nulo nos termos do Art. 428º e 429º do C. Comercial.</font>
</p><p><font>Ao contrário, alega a EE que esse contrato é válido e eficaz, tendo sido sempre ela a verdadeira proprietária do veículo, apesar de formalmente estar registado em nome da filha, a aqui 1ª Ré.</font>
</p><p><font>Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font>
</p><p><font>Instruídos os autos realizou-se o julgamento, findo o qual e lida a decisão de facto, foi proferida sentença final que julgou a acção parcialmente procedente e consequentemente,</font>
</p><p><font>-1- considerou o R. CC o único e exclusivo culpado pela produção do acidente;</font>
</p><p><font>-2- absolveu os RR. e a chamada EE dos pedidos</font>
</p><p><font>-3- condenou a chamada “GG a pagar ao A. a quantia de 80.332,53 € e o montante correspondente aos juros, à taxa legal desde a citação, bem como a quantia que vier a ser liquidada a título de despesas feitas com a cobrança.</font>
</p><p><font>Inconformada recorreu a seguradora, mas sem êxito, visto que a Relação, conhecendo da apelação, a julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font>
</p><p><font>Novamente inconformada, volta a recorrer a seguradora, agora de revista e para este S.T.J..</font>
</p><p><b><u><font>Conclusões</font></u></b>
</p><p><font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font></p><div><br>
<b><u><font>Conclusões da Revista</font></u></b></div><br>
<font>1- Face à matéria de facto dada como provada, o contrato de seguro em apreço nos presentes autos está ferido de NULIDADE/ANULABILIDADE nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 428.° e 429.° do Código Comercial, razão pela qual a Recorrente GG não é responsável pelo reembolso da indemnização já paga aos lesados pelo recorrido AA.</font>
<p><font>2- Com efeito, aquando da respectiva celebração, a tomadora do seguro, através de declarações inexactas sobre circunstâncias que influem sobre a existência e condições do contrato e, portanto, PRESTANDO FALSAS DECLARAÇÕES, VIOLOU OS DEVERES DE INFORMAÇÃO A QUE ESTAVA OBRIGADA, violação essa que configura um verdadeiro facto impeditivo/extintivo da validade do seguro, de acordo com o referido artigo 429° do Código Comercial.</font>
</p><p><font>3- Da matéria de facto provada nos autos retiramos que a Recorrente celebrou em 16/10/1999 um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com a Recorrida EE, contrato esse titulado pela APÓLICE …, NA CONVICÇÃO DE SER ESTA A PROPRIETÁRIA DO VEÍCULO SEGURO E A CONDUTORA HABITUAL DO MESMO, COM 38 ANOS E CARTA DE CONDUÇÃO HÁ MAIS DE 2 ANOS.</font>
</p><p><font>4- Foi com base nessas declarações (identidade e idade da proprietária do veículo e data da sua carta de condução) que a Recorrente aceitou celebrar o contrato de seguro.</font>
</p><p><font>5- Foi também com base nessas mesmas declarações que, no que se refere às condições do referido contrato, a recorrente concedeu à proponente/ tomadora do seguro, a aqui Recorrida EE, um BÓNUS/DESCONTO de 30% no valor do prémio de seguro.</font>
</p><p><font>6- PORÉM, veio a verificar-se que ESTAS DECLARAÇÕES ERAM FALSAS, conforme se pode comprovar pelos factos provados acima expostos, uma vez que o veículo da marca PEUGEOT, MODELO 106, de matrícula ..., contrariamente ao declarado pela proponente/ tomadora de seguro, nunca foi propriedade de EE, nunca esteve registado a favor da mesma.</font>
</p><p><font>7- Desse modo, a recorrida EE nunca poderia ter sido considerada responsável civil por qualquer dano causado a terceiro e, portanto, nunca poderia ter accionado o seguro contratado com a recorrente.</font>
</p><p><font>8- Pelo contrário, o referido veículo era, ao tempo da ocorrência do sinistro, PROPRIEDADE de BB, estando registado em nome da mesma e destinando-se ao seu uso habitual.</font>
</p><p><font>9- Porém, a recorrida BB NUNCA CELEBROU com a GG S.A. qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil referente ao veículo supra identificado, nem o contrato de seguro celebrado com a recorrida EE, sua mãe, foi celebrado em nome ou por conta da primeira, GG.</font>
</p><p><font>10- PELO QUE O CONTRATO DE SEGURO DOS AUTOS ENFERMA DE UMA NULIDADE.</font>
</p><p><font>11- Esta é, com efeito, a estatuição legal para o quadro factual subjudice de acordo com o artigo 429.° do Código Comercial: "toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo".</font>
</p><p><font>12- Por outro lado, é indispensável demonstrar que a inexactidão influiu na existência e condições do contrato, de modo a que a seguradora ou não contrataria ou contrataria em condições diversas.</font>
</p><p><font>13- As declarações inexactas só determinam a nulidade do contrato quando os factos ocultados PUDEREM AUMENTAR O RISCO E ALTERAR O PRÉMIO APLICÁVEL</font>
</p><p><font>14- E, com efeito, as declarações inexactas/reticentes em causa prestadas pela recorrida EE são declarações/ omissões que TINHAM UMA INFLUÊNCIA DETERMINANTE nas condições do contrato de seguro.</font>
</p><p><font>15- As omissões da proponente/tomadora do seguro não permitiram à seguradora avaliar correctamente o risco ou mesmo determinar o prémio aplicável caso decidisse assegurar a cobertura da situação efectivamente verificada e dos riscos que lhe são inerentes.</font>
</p><p><font>16- Com efeito, se a Recorrente tivesse tido conhecimento destes factos no momento da aceitação da proposta de seguro TERIA CONTRATADO EM CONDIÇÕES DIFERENTES uma vez que nesse momento a recorrida GG tinha apenas 19 anos de idade e carta de condução HÁ MENOS DE 2 ANOS, representando, portanto, um RISCO MUITO SUPERIOR ao representado pela recorrida EE.</font>
</p><p><font>17-Com efeito, a identidade e a idade do proprietário e o ano em que obteve a carta de condução são factos que influem sobre a existência e condições do contrato de seguro, ou mesmo na vontade de contratar, o que sucedeu no caso em apreço, condicionando o valor do prémio de seguro.</font>
</p><p><font>18- É de conhecimento comum, não podendo o Tribunal ignorar, que todas as seguradoras que operam no ramo automóvel agravam substancialmente os prémios nos contratos de seguro em que intervêm segurados mais jovens e com menor experiência de condução, porquanto está associado, inevitavelmente, um maior risco.</font>
</p><p><font>19- As omissões, inexactidões e falsas declarações da proponente/tomadora do seguro induziram a Recorrente em erro e DESTRUÍRAM O EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES E A EQUIDADE NA RELAÇÃO CONTRATUAL, levando a Recorrente a contratar com base em falsos pressupostos e em condições menos onerosas (prémio de seguro mais baixo) do que as que praticaria se tivesse conhecimento da identidade da proprietária do veículo, bem como da data da carta da carta de condução da verdadeira proprietária.</font>
</p><p><font>20- Do mesmo modo, o contrato de seguro dos autos enferma de uma nulidade ao abrigo do artigo 11.° das Condições Gerais do contrato de seguro (juntas como documento n.° 6 com a. contestação) o qual determina que "este contrato considera-se nulo e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro, quando da parte do tomador do seguro ou do segurado tenha havido declarações inexactas assim como reticências de factos ou circunstâncias deles conhecidas, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato".</font>
</p><p><font>21- Estas Condições Gerais, aceites pela R. EE, devem ter-se como manifestações inequívocas do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual, não tendo a referida manifestado qualquer reserva aquando da sua aceitação.</font>
</p><p><font>22- Verifica-se também estar preenchida a previsão do n° 1 do art.° 428.° do Código Comercial.</font>
</p><p><font>23- Tendo em conta que no momento da celebração do contrato de seguro, a recorrida EE não declarou que o seguro era por conta de outrem, o que deveria ter feito se assim desejasse, considera-se que o mesmo foi contratado em nome de quem o fez, nos termos do n.° 2 do referido artigo 428.°</font>
</p><p><font>24- Assim, tendo sido contratado em nome e por conta da Recorrida EE, a tomadora do seguro, e não sendo a mesma proprietária do veículo, nem nunca o tendo sido, não sendo ela a condutora habitual do veículo, nem nunca o tendo sido, nem tendo tido nunca a sua direcção efectiva, a recorrida NÃO TEVE NUNCA INTERESSE NA COISA SEGURA.</font>
</p><p><font>25- Pelo que o contrato de seguro É NULO também por esta via, conforme o n° 1 do referido artigo 428°.</font>
</p><p><font>26- Não se pode, com efeito, considerar como interesse na coisa segura o CONLUIO existente entre as recorridas no sentido de induzir a Recorrente em erro quanto à vontade de contratar e às condições do contrato de modo a permitir à recorrida GG o PAGAMENTO DE UM PRÉMIO MAIS BAIXO.</font>
</p><p><font>27- Caso contrário, estar-se-ia a proteger a prática de actos ilícitos e fraudulentos por parte dos segurados, os quais são sancionados logo nos termos gerais do direito dos contratos, tanto ao nível da culpa na formação dos contratos - artigo 227° do Código Civil, como ao nível da reserva mental - artigo 244° do mesmo Código, como ao nível do erro sobre a declaração com dolo do declaratário - artigos 247° e 253° do mesmo diploma.</font>
</p><p><font>28-Aplicando-se o regime da reserva mental ao presente caso, significa que apenas o contrato efectivamente assinado pelas partes é válido, sob o qual apenas estão cobertos os riscos nele previstos, isto é, estando apenas coberta a responsabilidade por danos causados a 3ºs pela recorrida EE.</font>
</p><p><font>29-Pelo contrário, é nulo aquele que apenas a recorrida EE tinha em vista e que se destinava a cobrir a responsabilidade por danos causados a 3ºs por GG, e sobre o qual aquela fez uma reserva mental, dissimulando-o sobre falsas declarações.</font>
</p><p><font>30-Foram ainda VIOLADOS OS MAIS ELEMENTARES DEVERES DA BOA FÉ pela recorrida EE, a qual destruiu a confiança entre as partes, devendo ser esta quem deve ser responsabilizada pelos danos causados à recorrente e, consequentemente, pelos danos causados a 3ºs pela recorrida GG.</font>
</p><p><font>31-A Recorrente pode opor aos Recorridos a cessação do contrato de seguro com base na nulidade/ anulabilidade do mesmo, não existindo qualquer razão para excluir da previsão legal do art. 14.° do Dec.-Lei n°. 522/85, de 31 de Dezembro, as situações enquadráveis nos art.ºs 428.° e 429° do Código Comercial, assim como nos artigos 227°, 244°, 24"70 e 253° do Código Civil.</font>
</p><p><font>32-A expressão "nos termos legais e regulamentares em vigor", dada a sua generalidade e abrangência, aponta no sentido de o legislador do seguro obrigatório de responsabilidade civil querer trazer para o raio de acção deste diploma legal, no que toca às causas de nulidade do seguro e sua oponibilidade aos lesados, as situações tipificadas naqueles preceitos do Código Comercial.</font>
</p><p><font>33-Por outro lado, quando o artigo em questão refere que "...a seguradora apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato (...) ou a sua resolução ou nulidade (...) desde que anteriores à data do sinistro", em boa verdade, esta parte final "desde que anteriores à data do sinistro", apenas se pode referir às causas/factos que geram a cessação, resolução ou nulidade do contrato e NUNCA às respectivas arguições de cessação, resolução ou de nulidade.</font>
</p><p><font>34-Na verdade, com este artigo o legislador pretendeu garantir que, sendo um contrato de seguro VÁLIDO e EFICAZ ao tempo da ocorrência de um sinistro, as seguradoras não se isentam da sua responsabilidade apenas porque, após a ocorrência do mesmo, sobreveio uma causa de cessação, resolução ou nulidade do contrato.</font>
</p><p><font>35-Visou-se, portanto, garantir que ainda que ocorram determinados factos após o sinistro que importem a cessação, resolução ou nulidade do contrato, isto é, que tornem inexigível para qualquer das partes a vinculação ao mesmo, mesmo assim, a seguradora é ainda responsável pelo sinistro que ocorreu ANTES de tais causas existirem e, portanto, é responsável TAL QUAL SE VINCULOU PELO CONTRATO DE SEGURO que realizou.</font>
</p><p><font>36-Porém, isto não significa que as seguradoras não possam opor aos lesados, mesmo após o sinistro, a verificação de determinadas causas que enfermem um contrato DESDE MOMENTO ANTERIOR AO SINISTRO.</font>
</p><p><font>37-Pelo contrário, uma interpretação segundo a qual a expressão "desde que anteriores à data do sinistro" implica que a arguição de cessação, resolução ou de nulidade do contrato não poderá ser feita após a ocorrência sinistro, mesmo que a sua causa seja anterior a ele, vai impor às seguradoras, como decidiu o acórdão ora recorrido, que respondam por RISCOS NÃO COBERTOS VALIDAMENTE, previstos, por exemplo, em contratos nulos e, portanto, condenáveis juridicamente.</font>
</p><p><font>38-Perguntamo-nos QUAIS OS FUNDAMENTOS ASSOCIADOS A UM CRITÉRIO EM QUE SE AGRAVA INADMISSIVELMENTE A RESPONSABILIDADE DAS SEGURADORAS para, do outro lado, termos a protecção de que tipo de interesse?? O interesse supremo de proteger os segurados mesmo numa situação de culpa e fraude na formação do contrato??</font>
</p><p><font>39-Repare-se no desequilíbrio que uma posição deste tipo acarreta para a relação contratual entre segurador e segurado, se o segurado, prestando FALSAS DECLARAÇÕES, se enquadrar entre aqueles que representam um "baixo risco" de ocorrência do facto seguro, quando na verdade se enquadra entre aqueles que comportam um elevadíssimo risco de ocorrência do facto seguro, como acontece no caso sub judice.</font>
</p><p><font>40- Na relação sub judice, até à ocorrência do sinistro a seguradora não tinha conhecimento da causa de extinção contratual, isto é, a existência de falsas declarações, nem isso lhe era exigido.</font>
</p><p><font>41- Só após o sinistro dos autos, que ocorreu em 17 de Julho de 2003. é que a Recorrente veio a tomar conhecimento esta realidade, procedendo desde logo à anulação da apólice através da carta remetida à segurada em 5 de Dezembro de 2003.</font>
</p><p><font>42-Por todo o exposto, consideramos que as únicas interpretações possíveis do artigo 14° do DL n° 255/85 de 31 de Dezembro passam:</font>
</p><p><font>- ou por considerar que tais causas de extinção do contrato apenas podem ser arguidas pelas seguradoras para isenção de responsabilidade SE OS FACTOS QUE LHES DERAM ORIGEM FORAM ANTERIORES AO SINISTRO; ou, hipótese que também se admite,</font>
</p><p><font>- por considerar que tais causas de extinção do contrato apenas podem ser arguidas até à data do sinistro se se provar que a seguradora TINHA CONHECIMENTO DAS MESMAS ANTES DO SINISTRO e nada fez, procurando aproveitar-se da situação, recebendo os prémios posteriormente pagos e depois eximindo-se da sua responsabilidade.</font>
</p><p><font>43- In casu, não tendo sido provado que a recorrente tinha conhecimento das falsas declarações antes da ocorrência do sinistro, e não lhe sendo exigível que delas tomasse conhecimento, a excepção invocada é legitimamente arguida.</font>
</p><p><font>44- AQUI A PARTE LESADA É A SEGURADORA, A QUEM LHE É EXIGIDA A RESPONSABILIDADE POR UM EVENTO QUE NUNCA SEGUROU.</font>
</p><p><font>45-Com efeito, a recorrente não segurou o risco que representa uma pessoa recorrida BB na condução de um veículo, sem qualquer experiência por ter carta há menos de dois anos, sendo que, para tal, ter-lhe-ia exigido um prémio de seguro mais elevado.</font>
</p><p><font>46-Efectivamente, a confirmar-se a decisão recorrida, o que não se admite, a verdade é que a seguradora, aqui recorrente, vai responder por um sinistro para o qual nunca deu cobertura, nem recebeu os prémios respectivos, saindo portanto efectivamente lesada.</font>
</p><p><font>47-A confirmar-se a decisão recorrida, as recorridas veriam a sua conduta fraudulenta protegida pelo direito, locupletando-se à custa da seguradora, uma vez que a recorrida BB nunca pagou as prestações correspondentes ao risco que sempre representou e vê no entanto o sinistro ser integralmente coberto pelo seguro realizado em nome e por conta de EE.</font>
</p><p><font>48-Por todo o exposto, o acórdão recorrido violou assim o artigo 428.° e 429.° do Código Comercial na interpretação e aplicação que fez dos referidos preceitos e violou ainda o disposto nas condições gerais e particulares do contrato de seguro em apreço, os artigos 227°, 244°, 247° e 253° do Código Civil, bem como o disposto no artigo 14.° do Decreto-Lei 522/85 de 31 de Dezembro.</font>
</p><p><font>49-Assim, só se pode concluir que a responsabilidade da Recorrente GG, SA está excluída nos termos das disposições referidas, subsistindo a responsabilidade do AA, ante o disposto no art. 21 °, n°. 2, alínea a) do DL 522/85 de 31/12.</font>
</p><p><font>Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências dentro do Vosso Mais Alto Saber e Critério doutamente se dignarem suprir, deve ser julgado procedente o presente recurso e por conseguinte declarada a nulidade/anulabilidade do contrato de seguro em apreço.</font>
</p><p><font>Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!</font>
</p><p><font>Contra-alegou o F.G.A., defendendo a confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Também a chamada EE, veio aos autos, nos termos do Art.º 683º do C.P.C. declarar que </font><u><font>não adere ao recurso da seguradora</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><u><font>Os Factos</font></u></b>
</p><p><font>As instâncias fixaram a seguinte factualidade:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na sentença foram dados como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>1º- A R. GG celebrou aos 16-10-1999 um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com EE, na qualidade de tomadora, contrato esse titulado pela apólice …em relação ao veículo com a matrícula ... (alínea A), da matéria assente.</font>
</p><p><font>2°- O prémio relativo ao período de 16 de Abril de 2003 a 16 de Outubro de 2003 havia sido pago, como pagos haviam sido os prémios desde o momento da celebração do contrato até então e o que posteriormente se venceu, tendo sido emitido o certificado internacional de seguro automóvel para o mesmo período (alínea B), da matéria assente.</font>
</p><p><font>3°- EE declarou que nasceu em 30/12/1960 e era a condutora habitual e proprietária do veículo marca Peugeot, modelo 106, de matrícula ... e tinha carta de condução há mais de 2 anos (alínea C), da matéria assente.</font>
</p><p><font>4º- A R. GG concedeu à EE um Bónus/Desconto de 30% no valor do prémio de seguro (alínea D), da matéria assente.</font>
</p><p><font>5º- Em 05-12-2003, a R. GG comunicou à R. EE que, de acordo com o art. 429° do Código Comercial, considerava o contrato nulo e de nenhum efeito desde 16-10-1999 (alínea E), da matéria assente.</font>
</p><p><font>6º- Em 17 de Julho de 2003, pelas 11h00m, DD foi atropelada por um veículo ligeiro de passageiros de matrícula ... (ponto 1º, da base instrutória).</font>
</p><p><font>7º - ... conduzido pelo 2° R., com conhecimento, autorização e no interesse da sua proprietária (ponto 2º, da base instrutória).</font>
</p><p><font>8º- O atropelamento ocorreu na Rua …, em cima da passadeira que antecede o entroncamento com a Rua …, em S. Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos (ponto 3°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>9º- DD, no momento em que é colhida pela viatura FM, procedia à travessia da dita passadeira, da direita para a esquerda - atento o sentido de marcha do veículo, que era S. Mamede/Matosinhos - e já se encontrava a cerca de 2 metros da berma direita (ponto 4º, da base instrutória).</font>
</p><p><font>10º- Quando se aproximava do entroncamento, o condutor deparou-se com a presença de DD a efectuar a travessia da faixa de rodagem na passagem de peões devidamente assinalada (ponto 5º, da base instrutória).</font>
</p><p><font>11º- ... e continuou a sua marcha, sem tomar qualquer precaução (ponto 6o, da base instrutória).</font>
</p><p><font>12º- Vindo a embater com a sua frente direita na DD (ponto 7º, da base instrutória).</font>
</p><p><font>13º - Após o embate, o veículo FM imobilizou-se (ponto 8°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>14º- Em consequência do embate, DD foi projectada para o solo (ponto 9°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>15º- O evento ocorreu numa faixa de rodagem de traçado recto, de boa visibilidade, sendo bom o estado do tempo (ponto 10°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>16º- A R. GG celebrou aos 16-10-1999 um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com EE, na qualidade de tomadora, contrato esse titulado pela apólice … em relação ao veículo com a matrícula .... O prémio relativo ao período de 16 de Abril de 2003 a 16 de Outubro de 2003 havia sido pago, como pagos haviam sido os prémios desde o momento da celebração do contrato até então e o que posteriormente se venceu, tendo sido emitido o certificado internacional de seguro automóvel para o mesmo período. EE declarou que nasceu em 30/12/1960 e era a condutora habitual e proprietária do veículo marca Peugeot, modelo 106, de matrícula ... e tinha carta de condução há mais de 2 anos. A R. GG concedeu à EE um Bónus/Desconto de 30% no valor do prémio de seguro. Em 05-12-2003, a R. GG comunicou à R. EE que, de acordo com o art. 429° do Código Comercial, considerava o contrato nulo e de nenhum efeito desde 16-10-1999 (ponto 11º, da base instrutória).</font>
</p><p><font>17º- Como causa directa e necessária do referido embate DD sofreu traumatismo crâneo-encefálico com perda imediata do conhecimento, fractura do maléolo peroneal esquerdo, fractura da 1ª e 3ª costelas esquerdas (ponto 12°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>18º -... Foi socorrida no local pelo INEM que a transportou ao Hospital de Matosinhos, onde recebeu tratamento de urgência (ponto 13°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>19º - ... Tendo sido de seguida transportada para o Hospital S. João no Porto, onde recebeu tratamento às lesões que sofreu (ponto 14°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>20º - Nessa unidade hospitalar ficou internada até ao dia 21.07.2003, data em que regressou novamente ao Hospital de Matosinhos, para aí ficar internada até ao dia 14.08.2003 (ponto 15°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>21º- Durante o período de internamento e como consequência do embate foi-lhe diagnosticado: contusão hemorrágica difusa, fractura da apófise mastóide esquerda com irradiação temporo-parietal e laceração do canal auditivo esquerdo com otorrogia (ponto 16°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>22º- Fez traqueotomia e monitorização com suporte ventilatório, tendo estado vários dias em coma, da qual viria a recuperar (ponto 17°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>23º- Como consequência directa do embate, a DD ficou acamada permanentemente, com escaras de decúbito totalmente dependente de 3ª pessoa ...(ponto 18°, da base instrutória)</font>
</p><p><font>24º- ... e apresenta sequelas neurológicas que lhe determinaram uma nula capacidade para qualquer tipo de actividade, além de determinarem cuidados e vigilância permanentes (ponto 19", da base instrutória).</font>
</p><p><font>25º- As referidas sequelas traduzem-se numa Incapacidade Permanente Geral de 100% (ponto 20°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>26º- Atenta a invocada inexistência de seguro válido e eficaz por parte da 1ª R., na altura do sinistro, que cobrisse a circulação do FM, DD, Hospital de S. João e a Unidade Local de Saúde de Matosinhos, S.A. participaram o acidente ao A., reclamando a reparação dos danos e prejuízos sofridos (ponto 21°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>27º- O A. pagou à Unidade Hospitalar de Matosinhos a quantia de € 30.080,93 (ponto 22°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>28º- ... Ao Hospital de S. João a quantia de € 251,60 (ponto 23°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>29º- ... à DD a quantia de € 50.000,00, sendo 25.0006 a título de dano não patrimonial e 25.0006 indemnização pelos danos patrimoniais (ponto 24°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>30º- O A. pagou € 75,00 a título de despesa suportada pela visita domiciliária com relatório médico elaborado pelo Dr. HH (ponto 26°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>31º - Os R.R. e CC foram interpelados para pagar em 16 de Novembro de 2004 (ponto 27°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>32º- EE chegou a conduzir o veículo FM (ponto 29°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>33º- O 2º R. circulava a uma velocidade não superior a 50 Km/h (ponto 31°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>34º - ... pela direita da faixa de rodagem (ponto 32°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>35º - O 2º R. não se apercebeu de que a DD cruzava a via (ponto 33°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>36º - A R. BB chegou a conduzir o veículo com a matrícula ... (ponto 34°, da base instrutória).</font>
</p><p><font>37º - As declarações da chamada EE Pesqueira foram determinantes para a decisão sobre as condições do contrato de seguro, sendo que, se a chamada GG tivesse conhecimento que a proprietária e condutora do veículo era alegadamente a R. BB e que esta tinha alegadamente carta há menos de 2 anos, no momento da aceitação da proposta de seguro, teria contratado em condições diferentes, nomeadamente a nível do prémio de seguro, contratando com um agravamento do prémio de seguro em pelo menos 30% (pontos 35° e 36°, ambos da base instrutória).</font>
</p><p><font>38º- A R. BB está registada como tendo nascido no dia 13 de Setembro de 1979 (encontra-se a fls. 283 a 284 o documento que prova este facto).</font>
</p><p><font>39º- A propriedade do veículo com a matrícula ... esteve registada a favor da R. BB desde 19 de Outubro de 1999 a 6 de Janeiro de 2005 (encontra-se a fls. 268 a 269 verse o documento que prova este facto).</font>
</p><p><font>40º- A R. BB é titular de carta de condução válida para a categoria B/Bl desde 12 de Outubro de 1999 (encontra-se a fls. 284 a 285 (existem duas fls. 284 nos autos) o documento que prova este facto).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><u><font>Fundamentação</font></u></b>
</p><p><font>Como resulta das conclusões da revista, está em causa a validade do contrato de seguro celebrado entre as chamadas, </font><u><font>GG</font></u><font> e </font><u><font>EE</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Interessa, por isso, ter em conta a factualidade descrita nos pontos 16, 32, 36, 37, 38, 39 e 40 dos factos provados acima transcritos.</font>
</p><p><font>Sabe-se, assim, que, embora o veículo automóvel ... se encontre registado, desde 19/10/1999, em nome da 1ª Ré – BB – e desse registo tenham as instâncias concluído ser esta ré a respectiva proprietária do veículo, o certo é que a seguradora, ora recorrente, celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, referente ao dito veículo, com a chamada EE, aparecendo esta como tomadora do seguro, sendo certo que, na proposta de seguro, declarou à seguradora que </font><u><font>nasceu em 30/12/1960, que era proprietária do FM</font></u><font>, cujos riscos pretendia segurar, </font><u><font>que era a condutora habitual da viatura e que tinha carta de condução há mais de 2 anos</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Foi com base nestas informações que a seguradora aceitou celebrar com a EE o mencionado contrato de seguro, concedendo à segurada um bónus/desconto de 30% do valor do prémio.</font>
</p><p><font>Porém, como se viu, o que ficou provado é que o veículo pertencia à 1ª Ré BB, cuja carta de condução foi obtida em 12/10/1999, portanto, escassos dias antes da celebração do dito contrato de seguro;</font>
</p><p><font>Ora, provou-se também que as declarações prestadas pela chamada EE, foram determinantes para a decisão da seguradora quanto às condições do contrato, pois se esta soubesse que a proprietária do veículo era a BB, que detinha a carta de condução há menos de 2 anos, teria contratado em condições diferentes, nomeadamente, a nível do prémio do seguro, que seria agravado pelo menos em 30%.</font>
</p><p><font>Perante esta matéria de facto, entende a recorrente que o contrato de seguro é nulo, quer por força do disposto no Art.º 428º n.º 1, quer do art.º 429º, ambos do C. Comercial nulidade/anulabilidade que pode opor aos lesados, no caso ao F.G.A., por a isso não obstar o disposto no Art.º 14º do DL 522/85.</font>
</p><p><font>Não assiste razão à recorrente, como tem sido jurisprudência firme deste S.T.J., como veremos.</font></p><div><br>
<font>1º</font>
<p><u><font>Art.º 428º n.º 1 do C. Comercial</font></u></p></div><br>
<font>Comecemos por analisar o regime do art.º 428º n.º 1 do C.Com. quando confrontado com o regime jurídico do contrato de seguro automóvel obrigatório.</font>
<p><font>Segundo a recorrente, uma vez que o veículo não é propriedade da segurada/contratante e esta celebrou o negócio por conta própria (Art.º 428º n.º 2 do C. Com.), o contrato é nulo porquan | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PzLtu4YBgYBz1XKvGFoD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I – A intentou acção com processo ordinário contra B; C; D , pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar a quantia de 2.848.465$00 e juros e ainda a 1ª ré condenada a entregar à autora o veículo automóvel de matrícula ..-..-BM.</font>
</p><p>
</p><p><font>Alegou que celebrou com a ré B um contrato de locação financeira referente à viatura em causa, tendo as outras rés segurado o risco de incumprimento das obrigações da 1ª ré.</font>
</p><p>
</p><p><font>Esta ré não pagou rendas vencidas, tendo a autora resolvido o contrato.</font>
</p><p><font>As rés seguradoras deduziram chamamento à autoria, que foi indeferido.</font>
</p><p><font>Contestando, as mesmas rés sustentaram que não garantiram as obrigações assumidas pela B para com a autora, mas e apenas as obrigações assumidas pelos locatários dos contratos de aluguer de longa duração perante a B, o que era do conhecimento da autora.</font>
</p><p><font>Em contestação, a ré B defende que só as seguradoras respondem perante a autora e ainda que a autora não podia ter resolvido o contrato, agindo em manifesto abuso de direito.</font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo sido proferida decisão que julgou a acção procedente.</font>
</p><p><font>Apelaram as rés.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação alterou a decisão quanto à condenação das seguradoras.</font>
</p><p><font>Inconformadas, recorrem as rés para este Tribunal.</font>
</p><p>
</p><p><font>As Seguradoras formulam as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Uma das questões essenciais dos autos prende-se com a interpretação da cláusula sobre objecto da garantia inserta nas Condições Particulares do seguro de caução directa a que se refere a apólice dos autos;</font><br>
<font>- O seguro de caução dos autos tem por objecto, como consta das respectivas Condições Particulares, o pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Honda CRX, ..-..-BM;</font><br>
<font>- Um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não pode deixar de entender aquela claúsula como significando que o seguro garante o pagamento das rendas do aluguer de longa duração, ou seja, as rendas devidas pela E à B;</font><br>
<font>- É esse o sentido objectivo que igualmente resulta de diversos outros documentos constantes dos autos, designadamente, a proposta de seguro e os protocolos de acordo celebrados entre a C e a B;</font><br>
<font>- Não foi provado nos autos que o objecto da garantia fosse o indicado no acórdão recorrido;</font><br>
<font>- Nem esse outro pretenso sentido poderia jamais valer, dado não ter no texto do documento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso; </font><br>
<font>- Mesmo que o tribunal se convencesse de que as partes teriam tido em vista garantir o pagamento de rendas devidas pela B à autora, jamais o negócio poderia valer com esse sentido, dado o disposto no nº 1 do artigo 238º do C. Civil;</font><br>
<font>- E a consequência seria, nesse caso, a nulidade do negócio em sede interpretativa;</font><br>
<font>- Por conseguinte, esse Supremo Tribunal deve considerar como provado e relevante o sentido objectivo constante da cláusula das Condições Particulares da apólice, segundo a qual o seguro em causa tem por objecto o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração, ou seja, as que fossem devidas pela adquirente final do veículo, E;</font><br>
<font>- A não ser assim, teria de decretar-se a nulidade do contrato de seguro em sede interpretativa;</font><br>
<font>- Não se mostra, pois, que a apólice de seguro dos autos tivesse garantido quaisquer obrigações da B para com a autora, emergentes do contrato de locação financeira;</font><br>
<font>- Por tudo o exposto, as rés seguradoras devem ser absolvidas inteiramente do pedido, dado que a apólice emitida não garante as quantias reclamadas na presente acção;</font><br>
<font>- E, em todo o caso, nunca poderia responder por qualquer indemnização decorrente da resolução do contrato, e respectivos juros, por tais obrigações não estarem incluídas no objecto da garantia das condições particulares da apólice de seguro caução, nem por rendas vencidas posteriormente à resolução do contrato de seguro;</font><br>
<font>- Sendo certo que, a haver condenação em juros, a taxa aplicável é a taxa de desconto do Banco de Portugal;</font><br>
<font>- As ora recorrentes e a B, ao celebrarem os protocolos existentes nos autos, recorreram à figura do contrato-quadro, pelo que tais protocolos são elementos imprescindíveis para a compreensão da apólice no tocante à questão do objecto da garantia, bem como a quaisquer outras;</font><br>
<font>- Como contrato a favor de terceiro, o seguro aproveita ao respectivo beneficiário apenas nos precisos termos contratados entre a seguradora e o tomador do seguro (que são os previstos nos protocolos em causa);</font><br>
<font>- O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 511º nº 1 do CXPC de 1961; 722º nº 2; 668º nº 1, alínea d); 659º nº 3 e 653º nº 2 do CPC actual; e artigos 238º, 236º, 280º, 281º, 364º, 393º, 562º, 563º, 564º, 566º, 632º nº 1, 762º e 798º, todos do Código Civil, artigos 426º do Código Comercial e artigo 8º do Dec-Lei nº 183/88, artigos 19º, alínea c) e 12º do Dec-Lei nº 446/85. </font>
</p><p>
</p><p><font>A B conclui da seguinte forma: </font><br>
<font>- Não pode a recorrente conformar-se com a decisão, porquanto, por um lado, não teve em consideração que o seguro de caução directa é uma garantia autónoma, automática, à 1ª interpelação, tal como, aliás, consta na carta de fls. 24 dirigida pela C à F (que apenas celebra contratos de locação financeira, pelo que as rendas aí referidas só podem ser as do contrato de locação financeira). Não há, portanto, devedores solidários, mas apenas as seguradoras, tal como bem decidiu o Supremo Tribunal de Justiça;</font><br>
<font>- Dado tratar-se de uma garantia autónoma, automática, à 1ª interpelação, não se está perante uma fiança. A natureza jurídica do seguro de caução directa não é a da fiança. É uma garantia autónoma, automática, à 1ª interpelação, como se lê na carta de fls. 24, completamente independente do contrato base, como bem afirma o Prof. Dr. Mário Júlio Almeida e Costa - CJ, Tomo V, 1986, pág. 15 e ss.; </font><br>
<font>- O tomador, ora recorrente, através do seguro de caução directa transferiu a responsabilidade civil contratual resultante do incumprimento, salvaguardando-se, assim, das consequências do incumprimento;</font><br>
<font>- A F, aquando da celebração do contrato de locação financeira com a ora apelada, exigiu como condição, que fosse prestada uma garantia idónea que cobrisse o eventual incumprimento da B;</font><br>
<font>- Tal garantia foi prestada por um seguro de caução directa, celebrado com a C, o qual consta da apólice nº ...;</font><br>
<font>- Nesta apólice consta como tomador a ré B e beneficiário a F;</font><br>
<font>- Resulta do contrato de seguro-caução directa celebrado , que a C garantiu à F (beneficiária), em caso de incumprimento da B (tomador), o pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como das rendas vincendas, pagamento esse que seria efectuado à 1ª interpelação e no prazo de 45 dias, sem qualquer outra formalidade (carta de fls. 24 e nºs. 4 e 5 do artigo 11º das Condições Gerais da apólice, a fls. 22/23);</font><br>
<font>- Face ao incumprimento da B, outra coisa não restaria à F senão ter agido em conformidade com o negociado, ou seja, accionar o seguro de caução directa por forma a ressarcir-se do valor das rendas vencidas e não pagas, bem como das vincendas, e, caso a Seguradora não honrasse o compromisso assumido, accioná-las judicialmente, e apenas estas;</font><br>
<font>- O seguro de caução é um contrato, rigorosamente, formal "ad substantiam";</font><br>
<font>- O contrato formal que é a apólice de seguro-caução não é uma fiança;</font><br>
<font>- O seguro de caução directa cobre o risco de incumprimento das obrigações susceptíveis de caução, fiança ou aval (nº 1 do artigo 6º do citado Dec-Lei nº 183/88, de 24.05); logo a natureza jurídica do seguro caução não é a da fiança;</font><br>
<font>- O contrato de seguro de caução à 1ª interpelação é uma garantia autónoma e automática;</font><br>
<font>- Enquanto a fiança é prejudicada, na sua eficácia, pela característica da acessoriedade, o contrato de garantia, em virtude da autonomia que, por definição, o individualiza, torna inoponíveis ao beneficiário as excepções fundadas na relação principal;</font><br>
<font>- O recurso a esta nova figura torna-se constante, acabando por ser um instrumento que bancos e companhias de seguros adoptam para garantir uma prestação "auf jedem Fail", ou seja, independentemente da circunstância de a obrigação do devedor principal subsistir ou se ter tornado impossível de cumprir;</font><br>
<font>- Por isso, aparece, para neutralizar este último inconveniente (com o apoio dos próprios bancos e seguradoras, interessados em não se envolverem em disputas deste tipo), a cláusula de pagamento à primeira solicitação;</font><br>
<font>- Consegue-se, deste modo, uma segurança total, pois, não só a garantia se desliga (porque autónoma) da relação principal (entre o beneficiário e o devedor), como igualmente se elimina o risco de litigância sobre ocorrência ou não dos pressupostos que legitimam o pedido de pagamento feito pelo beneficiário;</font><br>
<font>- Perante uma garantia de pagamento à primeira solicitação, o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados;</font><br>
<font>- Salvaguarda-se, assim, o risco de falta de solvabilidade do devedor, ao mesmo tempo que se supera o grave inconveniente que a natureza acessória da fiança comporta;</font><br>
<font>- A garantia autónoma, quer, pois, dizer que é exigível, independentemente das vicissitudes da relação principal entre o credor/beneficiário da garantia, e o devedor (à primeira solicitação), ou seja, a pagar logo que o beneficiário o solicite à entidade garante, sem que esta ou o devedor possam opor-lhe quaisquer objecções;</font><br>
<font>- Diferentemente da fiança, trata-se de uma garantia autónoma, isto é, não acessória, visto não ser afectada pelas vicissitudes da relação principal, e automática, porque a garantia à primeira interpelação opera imediatamente, logo que o seu pagamento seja pedido pelo beneficiário;</font><br>
<font>- O recurso à garantia autónoma visa precisamente superar a grave desvantagem que a natureza acessória da fiança comporta, incompatível com as exigência de celeridade e eficácia do comércio (Contrato de garantia à primeira solicitação – Prof. Dr. Mário Júlio Almeida Costa e Dr. António Pinto Monteiro, CJ, Tomo V, 1986, pág. 15 e ss.)</font><br>
<font>- A causa da garantia autónoma, a finalidade económico-social que serve, o seu escopo, é precisamente garantir determinado contrato-base;</font><br>
<font>- Outra coisa não restava às rés Seguradoras senão pagar a quantia peticionada, à primeira interpelação, pelo que, não o tendo feito, incorrem em mora desde que essa interpelação, perfeitamente válida e eficaz, lhe foi feita pela F, pelo que a ré Tracção nunca poderia ser condenada nos juros moratórios;</font><br>
<font>- Para garantir os contratos de ALD as seguradoras emitiram outro tipo de apólices, em que o tomador é o locatário de ALD e beneficiária a B, como a que se juntou como doc. 4 das alegações da apelação, e que, obviamente, não pode garantir o mesmo que garante a apólice de fls. 19;</font><br>
<font>- Nas condições gerais de apólice de seguro caução, está bem explícito o que é o sinistro e o objecto da garantia que é: sinistro - o incumprimento atempado do tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário; a C garante ao beneficiário pela presente apólice, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador de seguro, em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida;</font><br>
<font>- Sendo o beneficiário a F e o tomador a B, no caso de incumprimento desta, as únicas e exclusivas responsáveis só poderão ser as rés C e Co-Seguradora D;</font><br>
<font>- O capital seguro corresponde, exactamente, à soma das 12 rendas trimestrais do contrato de locação financeira, cum um ligeiro aumento, devido à elevada variação da taxa de juro indexada à APB, pelo que a apólice de seguro só pode cobrir o incumprimento desse contrato;</font><br>
<font>- Não tendo as rés seguradoras pago na data prevista, constitui-se em mora, pelo que à indemnização acrescem juros à razão da taxa de desconto do Banco de Portugal;</font><br>
<font>- Se as seguradoras pagassem o estipulado na apólice, ou seja, as rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, não havia que restituir o veículo à F, pois esta ficava ressarcida, devendo o veículo ser entregue à B que, por sua vez, o entregaria ao seu locatário de ALD;</font><br>
<font>- Isto sob pena de enriquecimento sem justa causa, por parte da autora;</font><br>
<font>- Se garantisse o incumprimento do contrato de ALD, o nome deste, segurado, deveria constar da apólice, atento o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 8º do DL nº 183/88, de 24.05, que dispõe que no caso do tomador e do segurado não coincidirem, deverá constar na apólice a identificação do tomador e a do segurado; Pergunta-se onde consta na apólice o nome do segurado?</font><br>
<font>- Toda a conduta da autora, foi no sentido de fazer confiar a ré B na possibilidade de outorga futura de um contrato de ALD, com terceiro alheio ao CLF, conforme aliás, consta do Acordo Comercial que se juntou como doc. 1 das alegações de apelação;</font><br>
<font>- Daí que a confiança transmitida pela autora à ré B impediria a condenação na restituição do veículo objecto do contrato de leasing, na sequência da sua resolução; </font><br>
<font>- O protocolo em vigor à data da emissão da apólice junta como doc. 3 da p.i., a fls. 19, é o datado de 1 de Novembro de 1992, que se juntou como doc. 3 das alegações de apelação, porque as rés seguradoras juntam todos menos este, cujo teor se explicou no capítulo dos protocolos e que prevê a emissão de dois tipos de seguro de caução com coberturas diferentes, umas como a que juntou como doc. 4 das alegações de apelação, que garante as rendas mensais do contrato de ALD e outras, como as de fls. 19, para garantir as rendas trimestrais do Contrato de Locação Financeira;</font><br>
<font>- Nem havia necessidade de tocar nos protocolos, porquanto a apólice de fls. 19 é um contrato formal, é claras, está lá tudo e entender de forma diferente é pretender alterar, profundamente, os termos do contrato de seguro caução accionado, nele substituindo as pessoas da tomadora do seguro e da beneficiária. É tentar ver nesse contrato um outro que nele de todo não poder ser encontrado, em claro desrespeito pelo disposto no artigo 238º do CC;</font><br>
<font>- Foram assim, violados os artigos 220º, 221º, 334º, 398º, 405º, 406º e 805º do Código Civil e 668º, alíneas b), c), d) e e) do actual CPC e ainda o DL nº 183/88, de 24 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 127/91, de 22 de Março.</font>
</p><p>
</p><p><font>Contra-alegando as partes reafirmam as suas teses.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais cumpre decidir.</font>
</p><p></p><div><br>
<font>XXX</font>
<p></p></div><br>
<font>II – Vem dado como provado:</font>
<p><font>Datado de 12.01.93, e com aditamento em 20.04.93, a autora e a ré B celebraram entre si um contrato de locação financeira mobiliária do tipo multiuso, tendo por objecto o veículo de matrícula ..-..-BM, pelo prazo de 36 meses, com 12 rendas trimestrais no valor de 363.043$00 (sem IVA), nos termos e condições constantes dos docs. de fls. 8 a 18;</font>
</p><p><font>Veículo que a ré destinou a aluguer de longa duração;</font>
</p><p><font>Em 21.04.93 a ré C celebrou com a ré B, na qualidade de tomadora, o contrato de seguro-caução, pelo prazo de 36 meses, através da apólice nº ..., sendo beneficiária a autora, tendo como objecto de garantia o pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Honda ..-..-BM, com o limite de capital de 4.868.820$00, nos termos e condições constantes dos docs. de fls. 19 a 23, ficando a 3ª ré co-obrigada nos termos do doc. de fls. 20;</font>
</p><p><font>A ré C enviou à autora a carta datada de 03.11.92, informando que os seguros caução emitidos a favor da autoria, cobriam, em caso de indemnização, o conjunto das rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, sendo o pagamento efectuado à primeira interpelação, nos demais termos que constam de fls. 24;</font>
</p><p><font>A 1ª ré não pagou à autora a renda vencida em 10.07.94, no valor de 416.533$00;</font>
</p><p><font>A autora interpelou a ré B para efectuar o pagamento da mesma, designadamente, pela carta de 13.07.94, recebida por aquela;</font>
</p><p><font>A autora comunicou à ré B a resolução do contrato de locação financeira através de carta datada de 25.08.94, registada com aviso de recepção, que aquela recebeu;</font>
</p><p><font>Desse facto deu a autora conhecimento à 2ª ré, através de carta registada de 13.07.94, que esta recebeu,;</font>
</p><p><font>A autora, através de carta datada de 05.09.94, solicitou à 2ª e 3ª rés o pagamento das quantias devidas pelo incumprimento da 1ª ré, nos termos que constam do doc. de fls. 34;</font>
</p><p><font>Nessa sequência, a 2ª ré enviou à autora a carta datada de 12.09.94, declinando o pagamento, por virtude de o seguro se destinar a garantir o cumprimento dos contratos de aluguer de longa duração celebrados pela ré B, não tendo sido comunicado sinistro nesse âmbito;</font>
</p><p><font>A autora enviou em resposta a carta nos termos que constam de fls. 36 - alínea k);</font>
</p><p><font>A ré B e a ré C subscreveram protocolos cujo teor consta de fls. 106 a 116;</font>
</p><p><font>A 2ª ré comunicou à autora o não pagamento do sobre-prémio do seguro celebrado com a ré B;</font>
</p><p><font>Tendo então a autora procedido ao pagamento do mesmo;</font>
</p><p><font>O que a ré C aceitou;</font>
</p><p><font>Por acordo das partes e documentos, este Tribunal considera ainda provado o alegado nos artigos 6º e 7º da petição inicial;</font>
</p><p><font>Nas negociações que precederam o contrato referido a autora fez depender a conclusão do mesmo da obtenção, pela ré B, de um terceiro com capacidade financeira, da prestação de garantia idónea;</font>
</p><p><font>Tendo-se esta obrigado a tanto.</font>
</p><p></p><div><br>
<font>XXX</font>
<p></p></div><br>
<font>III – Justifica-se uma nota prévia.</font>
<p><font>Correm nos Tribunais portugueses centenas de processos onde se discute no essencial a questão aqui colocada.</font>
</p><p><font>Não existem nestes autos elementos relevantes que levem a alterar a posição assumida em cerca de duas dezenas de acórdãos (designadamente nas Revistas nº 1630/00; 134/00; 2070/00, 2609/00; 2669/00; 975/01-1 e 4136/01-1, com o mesmo relator, todas desta 1ª Secção) e que constitui jurisprudência maioritária deste Supremo.</font>
</p><p><font>Seguir-se-á, assim, de perto o que já se decidiu anteriormente, uma vez que o caso se enquadra na mesma problemática e assenta em factualidade semelhante.</font>
</p><p></p><div><br>
<font>XXX</font>
<p></p></div><br>
<font>IV – A autora e a ré B celebraram entre si um contrato de locação financeira mobiliária tendo por objecto o veículo de matrícula ..-..-BM, pelo prazo de 36 meses, com 12 rendas trimestrais, no valor de 363.043$00 (sem IVA) cada.</font>
<p><font>A B, que destinou o veículo a aluguer de longa duração, não pagou a renda vencida no valor de 416.533$00, tendo a autora comunicado à 1ª e 2ª ré a resolução do contrato.</font>
</p><p><font>Invocando o não pagamento, a resolução do contrato e a não entrega do veículo, a autora accionou as rés.</font>
</p><p><font>Na 1ª instância foram as rés condenadas, decisão essa parcialmente confirmada pelo Tribunal da Relação.</font>
</p><p><font>Recorrem as rés.</font>
</p><p><font>A questão base a resolver consiste em saber se o contrato de seguro celebrado entre a B e as rés Seguradoras garante o cumprimento de locação financeira acordado entre a autora e a B ou antes os contratos de aluguer celebrados pela B.</font>
</p><p><font>Impõem-se, previamente, fazer um sintético enquadramento legal.</font>
</p><p><font>A autora, como sociedade de locação financeira, estava sujeita ao regime instituído pelo Dec-Lei nº 103/86, de 19 de Maio, que considerava tais sociedades como instituições parabancárias, cujo objecto social exclusivo era o exercício da actividade de locação financeira, nele não podendo incluir, simultaneamente, a prática de operações de locação financeira mobiliárias e imobiliárias (artigo 1º).</font>
</p><p><font>Nos termos do artigo 5º desse Diploma nenhuma empresa podia celebrar na qualidade de locadora, contratos de locação financeira ou realizar de forma habitual operações de natureza similar sem para tanto se encontrar devidamente autorizada, sob pena de sanções.</font>
</p><p><font>O Dec-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, aprovou o novo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, considerando as Sociedades de Locação Financeira como instituições de crédito que podem apenas efectuar as operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a sua actividade.</font>
</p><p><font>A actividade de tais sociedades passou a ser regulada pelo Dec-Lei nº 72/95, de 15 de Abril, em conformidade com o mencionado Dec-Lei nº 298/92. Tendo desaparecido a distinção entre Sociedade de Locação Financeira mobiliária e Sociedade de Locação Financeira imobiliária, pode a sociedade dedicar-se a qualquer uma dessas actividades e simultaneamente às duas.</font>
</p><p><font>As Sociedades de Locação Financeira passaram a ser instituições de crédito que têm como objecto exclusivo o exercício da actividade de locação financeira, podendo ainda alienar, ceder a exploração, locar ou praticar outros actos de administração sobre bens que lhe hajam sido restituídos, quer por motivo de resolução de um contrato de locação financeira, quer por virtude do não exercício pelo locatário do direito de adquirir a respectiva propriedade.</font>
</p><p><font>No que aqui importa e tendo em conta a época em que os factos ocorreram (1993), saliente-se que as inúmeras restrições de que foi alvo o contrato de locação financeira, nomeadamente quanto aos bens que podiam ser objecto do mesmo (e as restrições impostas à venda a prestações), fizeram com que os sujeitos económicos, para superar a barreira legislativa então imposta, recorressem, à semelhança do que se passava em vários países da Europa, ao aluguer de longa duração – Drª Cristina Alves – “O Contrato de Aluguer de Longa Duração – Análise Tipológica”, págs. 9/13.</font>
</p><p><font>A autora e a ré B celebraram entre si um contrato de locação financeira, ao abrigo das disposições legais aplicáveis, designadamente do Dec-Lei nº 171/79, de 6 de Junho e competentes avisos do Banco de Portugal.</font>
</p><p><font>Locação financeira é um contrato a médio ou a longo prazo dirigido a financiar alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas através do uso de um bem. Está-lhe subjacente a intenção de proporcionar ao locatário não tanto a propriedade de determinados bens, mas a sua posse e utilização para certos fins – Prof. Leite de Campos – “Ensaio de Análise Tipológica do Contrato de Locação Financeira” – Boletim da Faculdade de Direito, LX III, 1987, pág. 1 a 73, designadamente, pág. 10.</font>
</p><p><font>Na relação locador-locatário encontram-se integrados os direitos e deveres caracterizantes do contrato, ou seja, a obrigação do locador ceder o bem ao locatário para seu uso e o direito correspectivo do locatário e o dever do locatário de pagar a renda e o correlativo direito do locador; o direito do locatário comprar a coisa no fim do contrato.</font>
</p><p><font>O regime de locação financeira consta do Dec-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, tendo este Diploma sido alterado pelos Decretos-Lei nº 168/89, de 24 de Maio e 18/90, de 11 de Janeiro. A considerar ainda o Dec-Lei nº 11/84, de 7 de Janeiro, que equipara à do proprietário a posição do locatário na locação financeira de veículos e finalmente o Dec-Lei nº 149/95, de 24 de Junho.</font>
</p><p><font>É aqui aplicável o Dec-Lei nº 171/79, que estipula, no que aqui releva, no seu artigo 2º que a locação de bens móveis respeita sempre a bens de equipamento.</font>
</p><p><font>No caso concreto, a autora cedeu à ré B a fruição de um veículo automóvel.</font>
</p><p><font>A ré B dedica-se à actividade de aluguer de longa duração de veículos. Este contrato rege-se, em primeiro lugar, pelo Dec-Lei nº 354/86, de 23.10, pelas disposições gerais do contrato de locação que não contrariem aquele Diploma legal e ainda pelas disposições gerais dos contratos que não entrem em contradição com aquelas, sem esquecer o princípio da liberdade contratual, a autonomia privada, onde possa ter lugar.</font>
</p><p><font>Destinando-se os veículos cedidos (como vários outros) a satisfazer as necessidades da actividade da B, constituem bens de equipamento, já que como tal se entende aqueles que se destinam à actividade produtiva. Dedicando-se a B à actividade empresarial de aluguer de veículos, as viaturas por ela dadas em aluguer constituem (para ela) verdadeiros bens de equipamento (ou bens de investimento) – Assim se entendeu, entre outros, nos seguintes Acordãos deste Tribunal: Revista nº 1630/00-1; Revista nº 2070/00-1; Revista nº 2609/00.</font>
</p><p><font>Há assim que apurar, face à factualidade carreada até este Tribunal, se o contrato celebrado entre a Tracção e as Seguradoras garante o cumprimento do contrato de locação financeira ou antes o contrato de aluguer celebrado entre a B e o particular.</font>
</p><p><font>Entre a B e as Seguradoras foi celebrado um negócio jurídico a que as partes chamaram Seguro de Caução Directa, sendo constituído por cláusulas particulares e por cláusulas gerais e especiais.</font>
</p><p><font>O seguro caução garante, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento de obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval. É celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o contra-garante, a favor do respectivo credor. Trata-se de uma caução sob a forma de seguro e tem finalidade idêntica à garantia bancária "Contrato de Seguro" , José Vasques, 1999, págs. 54 e 72.</font>
</p><p><font>Configura o seguro caução um dos casos em que o contrato de seguro assume a posição típica de um contrato a favor de terceiro – Prof. Almeida Costa – RLJ Ano 129, pág. 21.</font>
</p><p><font>O regime jurídico encontra-se regulado no Dec-Lei nº 183/88, de 24.05, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 127/91, de 22 de Março e pelo Dec-Lei nº 214/99, de 15 de Junho.</font>
</p><p><font>Expressamente se diz no nº 1 do artigo 6º que o seguro de caução cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval.</font>
</p><p><font>O âmbito de aplicação do Dec-Lei nº 183/88 estende-se pelo género mais amplo, do seguro de riscos de crédito, no qual se distinguem os ramos crédito e "caução"”.</font>
</p><p><font>O seguro de créditos é celebrado com o credor da obrigação segura – artigo 9º nº 1.</font>
</p><p><font>O seguro-caução é celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o seu contraparte e a favor do respectivo credor – artigo 9º nº 2.</font>
</p><p><font>A obrigação de pagar as rendas, seja na locação financeira, seja no aluguer de longa duração, pode assim ser garantida pelo seguro-caução.</font>
</p><p><font>Conclui-se, com segurança, das Condições Gerais e das Condições Particulares que a garantia prestada se refere a um crédito de um terceiro alheio ao contrato. Dúvidas não há, pois, sobre tratar-se de um seguro-caução.</font>
</p><p><font>Saber qual dos contratos celebrados locação financeira ou aluguer de longa duração garante é questão que tem que ser resolvida em sede de interpretação.</font>
</p><p><font>É entendimento maioritário que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele (artigo 236º nº 1 do C. Civil).</font>
</p><p><font>Sempre que o declaratário conheça a contade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº 2 do artigo 236º).</font>
</p><p><font>No contrato de seguro, como negócio solene que é, a doutrina sofre desvios no sentido de um maior objectivismo, não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º nº 1 do CC).</font>
</p><p><font>Só assim não será se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (nº 2 do mesmo artigo).</font>
</p><p><font>O artigo 246º do C. Comercial estipula que o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num documento que constituirá a apólice de seguro. Várias disposições, aliás, do Dec-Lei nº 183/88 se referem à apólice emitida com o teor do seguro convencionado (artigos 5º nº 3, 6º nº 3, 8º nº 2, 9º nº 2, 13º nº 1).</font>
</p><p><font>Está-se, pois, perante um contrato formal, sendo ad substantiam a redução a escrito, como é entendimento pacífico "Cons. Moitinho de Almeida" “- O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado”, pág. 37 e 38; Ac. STJ de 17.10.93, CJ III, pág. 54, entre outros.</font>
</p><p><font>O facto de o contrato de seguro ser solene, sendo ad substantiam a sua redução a escrito, significa que o negócio jurídico não tem existência legal enquanto não estiver lavrada a apólice ou o documento equivalente.</font>
</p><p><font>Mas não significa que o intérprete não possa socorrer-se de outros elementos interpretativos que não a apólice. Certo é, porém, que, tratando-se de um contrato formal, não se pode chegar em sede de interpretação, a um conteúdo que não tenha no texto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeito.</font>
</p><p><font>Importa ter em conta, além do mais, que limitar a análise do contrato de seguro à apólice seria denegar protecção à parte mais fraca – Prof. Mota Pinto – “Direito Civil”, Coimbra, pág. 22. </font>
</p><p><font>Os conceitos e linguagem utilizados na apólice e outros escritos relativos ao contrato de seguro; a complexidade dos clausulados dos contratos; a necessidade de articular as condições gerais e particulares; a consideração de outros elementos anteriores ou posteriores à apólice, são algumas das fontes de dificuldade na interpretação do contrato de seguro "Contrato de Seguro" - –José Vasques, pág. 348 e seguintes.</font>
</p><p><font>Como resultado final deve prevalecer aquele sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, mas supondo-o uma pessoa razoável – Prof. Manuel Andrade – “Teoria Geral da Relação Jurídica” II, pág. 312.</font>
</p><p><font>Ora, a autora celebrou com a B um contrato de locação financeira e exigiu para tal que a ora ré lhe apresentasse uma caução para assegurar o cumprimento da obrigação de pagamento da totalidade das rendas.</font>
</p><p><font>Foi na sequência dessa exigência que a B contactou as Seguradoras e que veio a ser celebrado o contrato em causa.</font>
</p><p><font>E para garantir o quê?</font>
</p><p><font>Pensamos que para garantir as obrigações assumidas pela B no âmbito do contrato de locação financeira celebrado com a autora.</font>
</p><p><font>Parece ser essa a vontade real dos contraentes, dado o teor da apólice, as referências feitas ao prazo de 36 meses condizente com as indicações cronológicas constantes do contrato de locação financeira, as referências feitas em ambos os contratos ao pagamento de 12 rendas trimestrais relativas ao veículo.</font>
</p><p><font>E também o teor do protocolo vigente à data e as cartas que existiram, conforme descrito na matéria de facto provada.</font>
</p><p><font>Se a autora é uma Sociedade de Locação Financeira, afigura-se que as rendas que eram garantidas teriam que ser as de locação financeira e não outras, já que aquela não celebra outros contratos.</font>
</p><p><font | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NjKou4YBgYBz1XKvhynd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>I – RELATÓRIO.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<font>Desavinda com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que, na procedência parcial do recurso interposto da sentença proferida na 7.ª Vara do Tribunal Cível da comarca de Lisboa, recorrem, por via principal, a Ré, AA, e, subordinadamente, os AA., BB e “A... – Aluguer, Distribuição e Manutenção de Instalações e Equipamentos, Lda.”, recorrem de revista para este Supremo Tribunal de Justiça. </font><br>
<b><font>I.1. - Antecedentes com interesse para a decisão a proferir.</font></b><br>
<font>BB e “A... – Aluguer, Distribuição e Manutenção de Instalações e Equipamentos Lda.” instauraram acção declarativa com processo ordinário contra DD, AA, “S... – Sociedade de Comunicações Independente SA” e “O I...G... – Edição de Publicações Periódicas, SA” pedindo que os RR sejam condenados solidariamente a pagar-lhes as seguintes quantias, acrescidas de juros à taxa legal a contar da citação:</font><br>
<font>- ao A. BB, 62.349,74 € a título de danos não patrimoniais;</font><br>
<font>- à A. A... - Aluguer, Distribuição e Manutenção de Instalações e Equipamentos Lda, a quantia de 49.879,79 €, a título de danos não patrimoniais e a quantia de 349.158,52 € a título de danos patrimoniais.</font><br>
<font>Alegaram, em síntese:</font><br>
<font>- o 1º A. é sócio e gerente da 2ª A.;</font><br>
<font>- na edição de 14/8/1998 o jornal “O I...” publicou na sua primeira página um texto com o título “Polvo Unido” da autoria da R. DD, que também promoveu a sua ilustração com o desenho de um polvo;</font><br>
<font>- a R. AA, Directora do Jornal não deduziu oposição ao texto nem à respectiva ilustração;</font><br>
<font>- a R. S... era a proprietária do jornal na data em que a notícia foi publicada;</font><br>
<font>- a R. I...G... é a actual proprietária do jornal, tendo assumido, aquando da sua aquisição, todas as responsabilidades existentes resultantes da publicação de notícias nele;</font><br>
<font>- com esse texto e ilustração que simbolicamente representa a Máfia com a cabeça do GIL (mascote da Expo) teve-se por finalidade imputar aos AA a prática de actos no decurso do desenvolvimento do projecto da Expo 98 no âmbito da participação numa organização criminosa;</font><br>
<font>- o 1º A. ficou profundamente afectado, triste e deprimido com tais imputações, viu abalado o seu prestígio pessoal e profissional e sofreu nas suas relações pessoais e profissionais;</font><br>
<font>- a 2ª A. viu manchado o seu bom nome comercial e ser posto em causa o seu prestígio, credibilidade e seriedade durante vários anos;</font><br>
<font>- a 2ª A. sofreu ainda danos patrimoniais em consequência da publicação daquela notícia pois foi afastada da Expo e impedida de fornecer bens e serviços bem como deixou de ser convidada para concursos e para oferecer preço sobre fornecimentos de bens e serviços em várias entidades públicas;</font><br>
<font>- por não ser possível determinar com rigor o valor dos danos patrimoniais sofridos pela 2ª A., terá de se recorrer à equidade para a fixação da indemnização, sendo justo um valor não inferior a 349.158,52 €.</font><br>
<font>As RR contestaram por excepção invocando ineptidão da petição inicial, ilegitimidade activa e prescrição e por impugnação, pugnando pela absolvição da instância e/ou do pedido.</font><br>
<font>Impugnando, alegaram, em resumo:</font><br>
<font>- a 4ª Ré é a actual proprietária do jornal «O I...» mas não o adquiriu à Ré S..., não sendo responsável por eventuais danos sofridos pelos AA;</font><br>
<font>- a R. S... trespassou o jornal em 13/3/2001 à 2ª R. e EE tendo-se clausulado que o trespasse não inclui a transmissão de qualquer passivo, o qual, vencido ou vincendo em decorrência de actos praticados ou factos ocorridos até 31/3/2001, será assumido integralmente pela S...;</font><br>
<font>- a imagem e o título da notícia em causa não se reportavam ao caso particular dos AA, mas retratavam as peripécias que tinham envolvido a Expo, nomeadamente demissões e prisões, daí os tentáculos do polvo;</font><br>
<font>- o único intuito que presidiu a essa notícia foi publicitar um caso que as 1ª e 2ª RR consideravam de inegável interesse público;</font><br>
<font>- ignoram as RR se o 1º A ficou profundamente afectado, triste e deprimido com a notícia, se viu abalado o seu prestígio pessoal e profissional e se sofreu nas suas relações pessoais e profissionais;</font><br>
<font>- os termos em que a notícia está redigida não são excessivos ou insultuosos;</font><br>
<font>- a indemnização reclamada pelo 1º A. é exageradíssima;</font><br>
<font>- não aceitam as RR que a notícia tenha manchado gravemente o alegado bom nome comercial da A. e posto em causa o seu prestígio;</font><br>
<font>- as sociedades comerciais não podem sentir sofrimento moral, pelo que a ofensa ao seu bom nome e reputação apenas lhes pode produzir um dano patrimonial indirecto;</font><br>
<font>- ainda assim, é excessiva a indemnização reclamada a título de danos não patrimoniais;</font><br>
<font>- impugnam os alegados danos patrimoniais da 2ª A. </font><br>
<font>Os AA replicaram pronunciando-se pela improcedência das excepções.</font><br>
<font>No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções e procedeu-se à fixação dos factos considerados assentes e à elaboração da base instrutória.</font><br>
<font>Realizada a audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas à base instrutória, foi proferida sentença em que se decidiu:</font><br>
<font>«(…) o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e, em consequência: </font><br>
<font>- condena as Rés DD, AA e “S... – Sociedade de Comunicação Independente, SA” a pagarem, solidariamente, ao Autor BB a quantia de 10.000 € (dez mil euros) e à Autora “A... – Aluguer, Distribuição e Manutenção de Instalações e Equipamentos Lda.”, a quantia de 4.000 € (quatro mil) euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, a contar da prolação da presente sentença até integral pagamento;</font><br>
<font>- absolve as Rés DD, AA e “S... – Sociedade de Comunicação Independente, SA” do restante pedido;</font><br>
<font>- absolve a Ré “O I...G... – Edição de Publicações Periódicas, SA” do pedido.»</font><br>
<font>Interpostos recursos de apelação, que tiveram como objecto:</font><br>
<font>Da apelação da R. AA:</font><br>
<font>- Alteração da decisão de facto </font><br>
<font>- Atribuição aos AA indemnização por danos não patrimoniais ou se, pelo menos, deve ser reduzida </font><br>
<font>Da apelação dos AA:</font><br>
<font>- Quantitativo do quantum indemnizatur por danos não patrimoniais atribuída aos Autores, (Eng. CC uma indemnização não inferior a 25.000,00 euros e à autora A... uma indemnização não inferior a 15.000 €.);</font><br>
<font>tendo vindo a ser decidido:</font><br>
<i><font>“a) julgar improcedente o recurso de apelação interposto por A... – Aluguer, Distribuição e Manutenção de Instalações e Equipamentos Lda.; </font></i><br>
<i><font>b) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA, absolvendo-a do pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado por A... - Aluguer, Distribuição e Manutenção de Instalações e Equipamentos Lda.; </font></i><br>
<i><font>c) julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por BB, condenando-se as recorridas DD, AA e S... – Sociedade de Comunicação Independente SA, a pagar solidariamente a este recorrente a quantia de 15.000 € (quinze mil euros), já actualizada, acrescida dos juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a data desta decisão até integral pagamento</font></i><font>.”</font><br>
<b><font>I.2. – Quadro conclusivo.</font></b><br>
<i><font>“1.ª - Ao contrário do decidido em 1.ª Instância e confirmado pelo Venerando Tribunal recorrido, os factos dados por provados não são suficientes para sustentar a condenação das Rés no pagamento de uma indemnização por danos morais ao Autor CC; </font></i><br>
<i><font>2</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Com efeito, a matéria que foi dada por provada a respeito dos danos provocados ao Autor BB é genérica, vaga e não concretizada; </font></i><br>
<i><font>3</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Logo, não se apurou, com a necessária segurança, o impacto negativo que a noticia teve sobre o prestigio e bom nome do A. BB; </font></i><br>
<i><font>4</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Os sentimentos de vergonha, embaraço e constrangimento podem não assumir relevância significativa para serem indemnizáveis; </font></i><br>
<i><font>5.ª - E a circunstância de se ter simplesmente dado por provado que o A. BB ficou afectado, triste e deprimido, não é suficiente para apurar que a gravidade desses sentimentos merecem a tutela do direito; </font></i><br>
<i><font>6</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Para além disso, relativamente à Ré AA, não foi alegado pelos Autores e consequentemente não se provou que esta tinha possibilidade de evitar a publicação do artigo em questão ou sequer que tivesse tido conhecimento da mesma, pressuposto da sua condenação; </font></i><br>
<i><font>7</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Quando assim não se entenda, a indemnização fixada sempre seria excessiva, atendendo, além do mais, a que o A. BB não é uma figura pública e ainda ao longo tempo decorrido desde a data da publicação da noticia; </font></i><br>
<i><font>8</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Aliás, a indemnização atribuída é superior àquelas que têm vindo a ser correntemente fixadas pelos Tribunais em casos semelhantes e até em danos não patrimoniais por morte; e </font></i><br>
<i><font>9</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – Decidindo como decidiu, o tribunal recorrido violou, designadamente, as normas dos arts. 483.</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> e 496.</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font>, n.º 1 do CC. </font></i><br>
<i><font>Termos em que, com os mais que resultarão do douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido, na parte que condenou as Rés a pagar ao Autor CC indemnização por danos não patrimoniais e juros desde a sua prolação, como é de Justiça.”</font></i><font> </font><br>
<font>Para a pretensão recursiva dos recorrentes, por via subordinada, dessumem as sequentes conclusões: </font><br>
<i><font>“1. - A notícia publicada na edição de 14 de Agosto de 1998 do jornal "O I...", factos provados n.ºs 5, 7, 8, 9, ao imputar à recorrente e ao seu sócio gerente o envolvimento em negócios obscuros relacionados com o fornecimento de material informático para a Expo 98, o envolvimento em situações de favorecimento e privilégios injustificados e ilícitos e a integração numa organização criminosa destinada a lesar aquele evento, teve por consequência necessária manchar gravemente o bom nome comercial da recorrente e pôr em causa o seu prestígio, credibilidade e seriedade, quer no mercado em que se insere, quer na sociedade em geral; </font></i><br>
<i><font>2. - A colocação da figura de um gigantesco polvo, que simbolicamente representava a Máfia, com a cabeça do GIL (mascote da "Expo") e alguns tentáculos cortados, com o título "Polvo Unido", devidamente enquadrado com o texto de notícia, teve por finalidade imputar aos visados no texto, no qual se incluem os Autores, a participação numa organização criminosa - assim como que uma espécie de «Máfia da Expo; (facto provado n.º 24) </font></i><br>
<i><font>3. - A colocação da notícia na primeira página, em local privilegiado, realçado pela ilustração e pelo título, permitiu que a notícia chegasse ao conhecimento, pelo menos das pessoas que compraram o jornal nessa semana; (facto provado n.º 25) </font></i><br>
<i><font>4. - O jornal "O I...", à data da notícia referida nas alíneas E) e F) era um semanário que vendia mais de 50.000 exemplares por edição e a notícia por ele publica da na sua edição de 14 de Agosto de 1998, foi analisada e comentada em particular junto das pessoas e entidade com quem os Autores tinham relações pessoais (no caso do Autor) e comerciais (ambos); (factos provados n.ºs 22 e 23) </font></i><br>
<i><font>5. - A notícia identificada nos artigos precedentes ofendeu o bom-nome comercial da recorrente e pôs em causa o seu prestígio, credibilidade e seriedade, quer no mercado em que se insere, quer na sociedade em geral. </font></i><br>
<i><font>6. - Determina o art. 484.º do CC que «quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados»; </font></i><br>
<i><font>7. - Tendo em consideração que se provou que a recorrente A... conseguiu criar um bom nome comercial no mercado informático do fornecimento de equipamentos no sector público e que o relacionamento comercial com a EXPO 98 constituiu um elemento curricular de considerável importância para o seu futuro em termos comerciais, na angariação de novos clientes e intensificação com os já existentes; </font></i><br>
<i><font>8. - Tendo em consideração que a notícia publicada no dia 14 de Agosto de 1998 pelo jornal "O I..." manchou de forma ultrajante e ofensiva o bom nome comercial da recorrente e pôs em causa o seu prestígio, a sua credibilidade e seriedade, no mercado em que se insere e perante a sociedade em geral, atento o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 484.º, 496.º, n.º. 1 e 562.º do CC deveriam os recorridos terem sido condenados no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais no valor de 15.000, 00 euros; </font></i><br>
<i><font>9. - A indemnização por danos não patrimoniais devida ao recorrente Eng. BB, tendo em consideração a gravidade das imputações que lhe foram dirigidas na notícia publicada no dia 14 de Agosto de 1998 pelo jornal "O I...", a sua ampla divulgação e o sofrimento causado, deveria ter sido fixada em 25.000,00 euros; </font></i><br>
<i><font>10 - O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 484.º, 496.º, n.º. 1 e 562.º do CC. </font></i><br>
<i><font>Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso de Revista e, consequentemente, ser proferido acórdão que condene os recorridos no pagamento de uma indemnização à recorrente A... no valor de 15.000,00 euros e ao recorrente Eng. BB de 25.000,00 euros.” </font></i><br>
<b><font>I.2. - Questões para apreciação.</font></b><br>
<font>Para a decisão que se reclama deste Supremo Tribunal têm-se por pertinentes as sequentes questões:</font><br>
<font>Recurso Principal.</font><br>
<font>- Ofensa ao bom nome. Responsabilidade civil (Danos não patrimoniais). Obrigação de Indemnizar. </font><br>
<font>Recurso Subordinado.</font><br>
<font>- Ofensa de Pessoa colectiva. Responsabilidade Civil (por danos não patrimoniais). Obrigação de Indemnizar. Quantum indemnizatur. </font><br>
<b><font>II. - Fundamentação.</font></b><br>
<b><font>II.B. – De Facto.</font></b><br>
<font>As instâncias deram como adquirido a factualidade que queda transcrita a seguir.</font><br>
<i><font>“1 - A Ré DD (1ª Ré), que em 1998 usava o nome profissional DD, trabalhava como jornalista, naquele ano, para o jornal “O I...” (alínea A) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>2 - A Ré AA (2ª Ré) era em 1998, e continua a ser, a Directora do jornal “O I...” (alínea B) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>3 - A Ré “S... – Sociedade de Comunicação Independente, S.A. (3ª Ré) era em 1998 a proprietária do jornal “O I...” (alínea C) dos Factos Provados). </font></i><br>
<i><font>4 - A Ré “O I...G... – Edição de Publicações Periódicas, S.A.” (4ª Ré) é actualmente a proprietária do jornal “O I...” (alínea D) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>5 - Na sua edição de 14 de Agosto de 1998, o jornal “O I...” publicou na sua primeira página um texto com o título “Polvo Unido” (cfr. doc. de fls. 25) (alínea E) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>6 - No referido texto escreveu-se designadamente o seguinte:</font></i><br>
<i><font>“Já há mais de um ano que FF e o Secretário Geral da Expo 98, GG, tinham sido alertados para a existência de negócios obscuros que envolviam HH, chefe do departamento da Contabilidade e Tesouraria e II, director dos serviços informáticos da Parque Expo. Em causa estava o fornecimento de material informático de uma empresa, a A..., cujo proprietário, era também sócio da C...e R... numa sociedade imobiliária.</font></i><br>
<i><font>“A ligação dos quadros da Expo com o sócio maioritário da «A...», uma das principais fornecedoras de computadores da Parque Expo, era aliás conhecida pela maioria dos funcionários e chegou mesmo a ser denunciada a FF e GG através de um relatório interno.</font></i><br>
<i><font>“Mas, a denúncia acabou por cair em saco roto. A A... confirmou vender computadores à Parque Expo e HH e II, sócios de CC na «C..., R...e F..., Lda.», avançaram com os seus negócios sem serem incomodados.</font></i><br>
<i><font>“CC é também sócio-gerente de outras duas empresas que prestam serviços à Expo: Forinser-Prestação de Serviços de Informática e a Ambisig-Ambiente e Sistemas de Informação Geográfica, Lda.</font></i><br>
<i><font>“Ambas venceram uma série de concursos. Contudo algumas empresas não viam com bons olhos os contratos sucessivos que as empresas de F... conseguiam obter. CC era aliás visto frequentemente no Edifício da Parque Expo.</font></i><br>
<i><font>“O à vontade com que se movimentava na Expo dava-lhe outros privilégios. Como pagamentos adiantados relativamente aos contratos de leasing. LL, até à semana passada chefe de serviço, era quem dava a autorização para estes pagamentos” (alínea F) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>7 - O mesmo texto é ilustrado com a figura de um polvo, com a cabeça do GIL e alguns tentáculos cortados (alínea G) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>8 - A Ré DD foi autora do texto e promoveu a inclusão do desenho do polvo como ilustração respeitante ao texto por si criado (alínea H) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>9 - A Ré AA, Directora do jornal, não deduziu qualquer oposição ao texto em causa, nem à respectiva ilustração (alínea I) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>10 - Em 12 de Fevereiro de 1999 os Autores participaram criminalmente das 1ª e 2ª Rés imputando-lhes a prática de um crime de abuso de liberdade de imprensa (cfr. doc. de fls. 72 a 80) (alínea J) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>11 - Aquando da apresentação da acusação particular, deduziram os Autores pedido de indemnização cível contra as 1ª, 2ª e 3ª Rés (alínea L) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>12 - O processo foi distribuído ao 2º. Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, sendo-lhe atribuído o NIPC 3.620/99-0TDLSB (alínea M) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>13 - Por despacho proferido em 9 de Julho de 2002, o Mmº. Juiz de Direito remeteu as partes para os tribunais civis na parte respeitante ao pedido de indemnização civil (alínea N) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>14 - Tal despacho foi confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 5 de Fevereiro de 2003 (cfr. doc. de fls. 81 a 84) (alínea O) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>15 - Por Acórdão/sentença transitado em julgado em 30-11-2004, foi a Ré DD condenada como autora material de um crime de abuso de liberdade de imprensa e a Ré AA condenada como cúmplice na prática do mesmo crime (cfr. doc. de fls. 50 a 71) (alínea P) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>16 - CC é sócio e gerente da sociedade Autora (cfr. doc. de fls. 694 a 696) (alínea Q) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>17 - A Autora foi constituída em 1993, tendo sido registada em 9 de Agosto desse ano (cfr. doc. de fls. 694 a 696) (alínea R) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>18 - A Ré “O I...G... – Edição de Publicações Periódicas, S.A.” constitui‑se em 11 de Abril de 2001, por escritura pública realizada no 8º Cartório Notarial de Lisboa (cfr. docs. de fls. 346 a 366) (alínea S) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>19 - A Ré “S...” trespassou o jornal “O I...” em 13 de Março de 2001, à Ré AA e a EE, nos termos e condições do “contrato de trespasse” de fls. 367 e segs (alínea T) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>20 - Nos termos da cláusula 4ª do referido “contrato de trespasse” ficou expressamente consignado que “O trespasse ora celebrado não inclui a transmissão de qualquer passivo, o qual, vencido ou vincendo em decorrência de actos praticados ou factos ocorridos até 31 de Março de 2001, será assumido integralmente pela S...” (cfr. doc. de fls. 367 e segs.) (alínea U) dos Factos Provados).</font></i><br>
<i><font>21 - A “Expo 98” constituiu um projecto de significativa importância para Portugal a todos os níveis (resposta ao quesito 1º).</font></i><br>
<i><font>22 - O jornal “O I...”, à data da notícia referida nas alíneas E) e F), era um semanário que vendia mais de 50 mil exemplares por edição (resposta ao quesito 2º).</font></i><br>
<i><font>23 - A notícia publicada pelo jornal “O I...”, na sua edição de 14 de Agosto de 1998 a que se alude em E), foi analisada e comentada em particular junto das pessoas e entidades com quem os Autores tinham relações pessoais (no caso do Autor) e comerciais (ambos) (resposta aos quesitos 3º e 4º).</font></i><br>
<i><font>24 - A colocação da figura de um gigantesco polvo, que simbolicamente representa a Máfia, com a cabeça do GIL (mascote da “Expo”) e alguns tentáculos cortados, com o título “Polvo Unido”, devidamente enquadrado com o texto da notícia, teve por finalidade imputar aos visados no texto, no qual se incluem os Autores, a participação numa organização criminosa – assim como que uma espécie de “Máfia da Expo” (resposta ao quesito 5º).</font></i><br>
<i><font>25 - A colocação da notícia na primeira página, em local privilegiado, realçada pela ilustração e pelo título, permitiram que a notícia chegasse ao conhecimento, pelo menos das pessoas que compraram o jornal nessa semana (resposta ao quesito 6º).</font></i><br>
<i><font>26 - O Autor CC ficou profundamente afectado, triste e deprimido com as imputações que lhe foram feitas pelas Rés na edição do dia 14 de Agosto de 1998 do jornal “O I...”, situação que se manteve pelo menos alguns meses (resposta ao quesitos 7º e 8º).</font></i><br>
<i><font>27 - O Autor foi um aluno brilhante no Instituto Superior Técnico, onde inclusivamente exerceu com mérito funções docentes (resposta ao quesito 9º).</font></i><br>
<i><font>28 - O Autor viu o seu prestígio pessoal e profissional abalado pelas imputações de actividades criminosas que lhe foram feitas (resposta ao quesito 10º).</font></i><br>
<i><font>29 - Em consequência da notícia do “O I...”, na sua edição de 14 de Agosto de 1998, algumas pessoas das relações pessoais e profissionais do Autor passaram a evitá-lo (resposta ao quesito 11º).</font></i><br>
<i><font>30 - Em consequência da notícia do “O I...”, na sua edição de 14 de Agosto de 1998, o Autor sentiu, pelo menos à data dos factos e alguns meses depois, vergonha, embaraço e constrangimento no convívio pessoal, social e profissional com outras pessoas (resposta ao quesito 13º).</font></i><br>
<i><font>31 - A família do Autor ficou profundamente abalada com o teor da notícia, designadamente a sua esposa e filhos, que no local de trabalho e na escola tiveram de ouvir comentários sobre a imputação ao Autor da prática de actos criminosos (resposta ao quesito 14º).</font></i><br>
<i><font>32 - E viram afastar-se algumas pessoas com quem se relacionavam (resposta ao quesito 15º).</font></i><br>
<i><font>33 - A notícia publicada no dia 14 de Agosto de 1998 a que se alude em E), manchou o bom nome comercial da Autora e pôs em causa o seu prestígio, a sua credibilidade e seriedade, tendo tal situação perdurado por alguns meses (respostas aos quesitos 16º e 17º). (Eliminada – cfr. fls. 1783) </font></i><br>
<i><font>34 - A Autora foi progressivamente conhecendo uma evolução favorável nos seus negócios até 1998, designadamente em virtude dos seus produtos e dos serviços prestados (resposta ao quesito 18º).</font></i><br>
<i><font>35 - A Autora registou os seguintes resultados ao nível dos seus proveitos:</font></i><br>
<i><font>EXERCÍCIOS ESCUDOS/EUROS</font></i><br>
<i><font>1993 Esc. 59.845.289$00 (298.507,04€) </font></i><br>
<i><font>1994 Esc. 223.833.959$00 (1.116.479,08€) </font></i><br>
<i><font>1995 Esc. 375.620.110$00 (1.873.585,20€) </font></i><br>
<i><font>1996 Esc. 329.210.199$00 (1.642.093,55€) </font></i><br>
<i><font>1997 Esc. 354.503.741$00 (1.768.257,20€) </font></i><br>
<i><font>1998 Esc. 483.011.561$00 (2.409.251,51€)</font></i><br>
<i><font>(resposta ao quesito 19º). </font></i><br>
<i><font>36 - O crescimento da Autora ficou em grande parte a dever-se a esta ter apostado, a partir de 1994, no fornecimento de bens e serviços para a “EXPO 98” onde conseguiu obter vencimento em alguns concursos (resposta ao quesito 20º).</font></i><br>
<i><font>37 - O relacionamento comercial com a “EXPO 98” constituiu um elemento curricular de considerável importância para o futuro da Autora em termos comerciais, na angariação de novos clientes e intensificação do relacionamento com os já existentes (resposta ao quesito 21º).</font></i><br>
<i><font>38 - O sector público e instituições tiveram um grande peso no crescimento do volume de negócios e respectivos proveitos (resposta ao quesito 22º).</font></i><br>
<i><font>39 - A Autora conseguiu criar um bom nome comercial no mercado informático (resposta ao quesito 23º).</font></i><br>
<i><font>40 - Em 1998 vivia-se um período de alguma euforia económica, com a “Expo 98” (resposta ao quesito 24º).</font></i><br>
<i><font>41 - A “EXPO 98”, à data da notícia, cessara a aquisição de material informático à Autora, e cessou todos os contratos relativos à prestação de serviços que tinha com a Autora em 31 de Agosto de 1998 (resposta ao quesito 26º).</font></i><br>
<i><font>42 - Em virtude do estado de perturbação e tristeza durante alguns meses do Autor - sócio gerente da Autora e principal dinamizador da empresa em termos comerciais -, houve uma menor procura de novos clientes e desenvolvimento de negócios (resposta ao quesito 31º).</font></i><br>
<i><font>43 - A Autora registou os seguintes proveitos nos anos de 1999 a 2003:</font></i><br>
<i><font>EXERCÍCIOS ESCUDOS/EUROS</font></i><br>
<i><font>1999 Esc. 330.072.423$00 (1.646.394,30€) </font></i><br>
<i><font>2000 Esc. 305.676.941$00 (1.524.710,15€) </font></i><br>
<i><font>2001 Esc. 126.344.849$03 (630.205,45€) </font></i><br>
<i><font>2002 Esc. 124.978.540$14 (623.390,33€) </font></i><br>
<i><font>2003 Esc. 84.335.231$28 (420.662,36€) (resposta ao quesito 32º).</font></i><br>
<i><font>44 - No ano de 2001, a situação da Autora agravou-se com a situação económica do país (resposta ao quesito 34º).</font></i><br>
<i><font>45 - A notícia foi publicada no auge da “Expo 98” e dos escândalos que tinham sido anteriormente noticiados, como seja o caso denominado “Mar da Palha”, a detenção de HH, sócio do ora Autor, o caso dos “Paquetes da Expo” e a prisão de JJ (resposta ao quesito 37º).</font></i><br>
<i><font>46 - E esses casos, designadamente a detenção de HH, foram noticiados na mesma edição do jornal “O I...” nas páginas 2 a 4 (resposta ao quesito 38º).</font></i><br>
<i><font>47 - À data da publicação das notícias, o Autor era sócio da sociedade “C..., R...e F..., Lda.” </font></i><br>
<i><font>48 - A “I...G... – Edição de Publicações Periódicas, S.A.” foi declarada insolvente por decisão proferida no processo nº 1148/06.3TYLSWB do 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, transitada em julgado em 18.12.2006</font></i><font>.”</font><br>
<b><font>II.B. – De Direito.</font></b><br>
<b><font>II.B.1. – Recurso Principal (Interposto pela Ré/Recorrida AA.</font></b><br>
<b><font>II.B.1.a) – O direito à honra e ao bom nome e reputação. O direito de Liberdade de expressão. </font></b><br>
<font>Vestibular à decisão a proferir importa recensear, enquadrando, a matéria em tela de juízo.</font><br>
<font>De entre o leque de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados colhe predominância o direito ao bom nome pessoal e à reputação – cfr. n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa. Esta consagração constitucional reflecte-se no ordenamento ordinário estatuindo o artigo 70.º que “</font><i><font>a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral</font></i><font>”, constituindo-se na obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil – cfr. artigos 483.º e 484.º do Código Civil – todo aquele que, culposamente, violar, ilicitamente direito alheio constitui-se na obrigação de indemnizar. Os citados preceitos visam proteger os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade moral, assegurando-lhe a possibilidade de requerer as providências necessárias às circunstâncias do caso para evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gzKbu4YBgYBz1XKvvyJe | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. 1. - AA intentou acção declarativa contra “BB, S.A.”, proprietária da revista “CC!”, DD, Directora da revista “CC!”, “EE, S.A.”, proprietária do jornal “FF”, GG, director do jornal “FF”, “HH, Lda.”, actualmente denominada “II, Lda.”, proprietária da revista “JJ” e KK, directora da revista “JJ”, formulando os seguintes pedidos:</font>
</p><p><font> “a) serem as 1ª e 2ª RR. condenadas na inibição de, por intermédio das revistas de que sejam proprietárias, ou Directoras, revelarem, por qualquer meio, directo ou indirecto, a localização da residência do A. e de publicarem fotografias dos filhos ou outros familiares do A., captadas onde quer que seja;</font>
</p><p><font> b) serem as 1ª e 2ª RR. condenadas a pagar ao A., solidariamente, indemnização no montante de €50.000,00;</font>
</p><p><font> c) serem os 3ª e 4º RR. condenados na inibição de, por intermédio das revistas de que sejam proprietários ou Directores, revelarem, por qualquer meio, directo ou indirecto, a localização da residência do A. e de publicarem fotografias dos filhos ou outros familiares do A., captadas onde quer que seja;</font>
</p><p><font> d) serem as 5ª e 6ª RR. condenadas na inibição de, por intermédio das revistas de que sejam proprietárias ou Directoras, revelarem, por qualquer meio, directo ou indirecto, a localização da residência do A. e de publicarem fotografias dos filhos ou outros familiares do A., captadas onde quer que seja;</font>
</p><p><font> e) serem as 5ª e 6ª RR condenadas a pagar ao A, solidariamente, indemnização no montante de €50.000,00;</font>
</p><p><font> f) serem as 1ª a 6ª RR condenadas a publicar nas respectivas revistas a sentença que venha a ser proferida;</font>
</p><p><font> g) serem as 1ª a 6º RR condenados no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de €100,00 por cada dia de atraso na publicação da sentença, logo que transite em julgado”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto, alegou:</font>
</p><p><font> - que, sendo pessoa conhecida do grande público por via da profissão de ... que exerce, com vista ao incremento do lucro decorrente do aumento de vendas, sem o seu consentimento e contrariando expressa oposição sua difundida aos órgãos de comunicação social, além de ser conhecido que vinham sendo dirigidas, a si e à sua família, ameaças por parte de elementos que integram um grupo extremamente agressivo, foi publicada uma reportagem na revista “</font><i><font>CC!</font></i><font>” que apresentava o A., a mulher e as filhas em actividades quotidianas nas imediações da sua residência de tal modo que permite a identificação da mesma, bem como da mulher e filhas;</font>
</p><p><font> - que foi, também, publicada na revista do jornal “</font><i><font>FF</font></i><font>” uma reportagem alusiva à mudança de casa do A., com menção "comprou uma casinha nova na ..."; e,</font>
</p><p><font> - que foi, ainda, publicada uma reportagem na revista “</font><i><font>JJ</font></i><font>”, com fotografias da nova casa do A., permitindo a respectiva identificação, fazendo o texto menção de que a mudança se impunha atentas as ameaças de que vinha sendo alvo, indicando que se situa em Lisboa.</font>
</p><p><font>Mais articulou que tais factos colocaram e colocam o A., mulher e filhas em perigo, perturbaram o sossego do A. e família, causaram-lhe desgosto e perturbação por ver contrariada a sua vontade; o A. passou a recear a presença de mirones e dos autores das ameaças, viu aumentados os receios relativamente à segurança e passou a viver com o sentimento de perigo eminente de ver publicadas reportagens da mesma natureza, desrespeitadoras da reserva da vida privada e pondo em causa o sossego e segurança da sua família.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os RR. contestaram.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“A BB, S.A.” e DD alegaram que o A. explora comercialmente a sua imagem, sendo do interesse público, porque reportado à vida de uma figura pública, tudo aquilo que faz, mesmo fora da sua vida profissional, acrescentando que a reportagem da “</font><i><font>CC!</font></i><font>” não permite identificar as filhas do A. nem a residência, que não caracteriza, não sendo representada a família do A. na sua intimidade, mas apenas é retratado um lugar público (via pública), sendo irrelevante a falta de consentimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A “EE, S.A.” e GG invocaram a ilegitimidade da empresa jornalística quanto ao pedido que contra esta vem formulado. Impugnaram factualidade alegada pelo A. e deram conta de que a menção que apresenta o sumário da revista decorreu de um erro na impressão tipográfica, já que o A. foi consultado previamente à publicação, tendo sido acordado qual o âmbito da reportagem, o que foi respeitado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A “II, Lda.”, e KK afirmaram que as imagens publicadas foram objecto de tratamento digital do qual resultou não ser localizável a residência do A.. A realidade retratada é inócua, as fotografias foram tiradas num local público, sem violação de espaço de privacidade ou intimidade, não sendo o A. um sujeito anónimo ou desconhecido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na réplica, o Autor procedeu à ampliação da causa de pedir, articulando que os RR. directores das publicações determinaram o concreto conteúdo das respectivas edições.</font>
</p><p><font>Os RR. “BB” e DD apresentaram tréplica, impugnando a factualidade aditada pelo A..</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No despacho saneador foram proferidas decisões de:</font>
</p><p><font> - absolvição dos Réus da instância quanto ao pedido de inibição de publicação de fotografias de familiares do A., para além das filhas;</font>
</p><p><font> - absolvição dos RR. da instância quanto ao pedido de inibição de publicação de fotografias das filhas do A.;</font>
</p><p><font> - absolvição das 1ª, 3ª e 5ª RR. da instância quanto ao pedido de inibição de revelação, por qualquer meio, da localização da residência do A. e da publicação de fotografias das filhas ou de outros familiares do A, expressamente se definindo serem partes legítimas os directores das referidas publicações periódicas, nessa qualidade, mantendo-se os direitos e deveres inerentes ao cargo de director em caso de sucessão/substituição no exercício do cargo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na audiência discussão e julgamento, o A. requereu a ampliação do pedido e o aditamento de um novo pedido, pretensão que foi deferida apenas quanto à «alteração dos pedidos de forma a que passe a contemplar que deverão ser condenados, os 2º, 4º e 6º RR, na qualidade de directores das publicações aqui visadas, ou quem lhes venha a suceder na qualidade de directores das publicações aqui visadas».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Depois, sentenciou-se:</font>
</p><p><font> - «… julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção, em consequência do que:</font>
</p><p><font> - </font><i><font>vai a 2ª R., na qualidade de directora da revista CC!, ou quem lhe suceder nessa qualidade, condenada na inibição de, por intermédio da revista que dirige, revelar por qualquer meio directo ou indirecto a localização da residência do Autor</font></i><font>;</font>
</p><p><font> - </font><i><font>vão as 1ª e 2ª RR. condenadas a pagar ao A, solidariamente, indemnização no montante de € 15.000 (quinze mil euros);</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>vai o 4. ° R., na qualidade de director do jornal FF, ou quem lhe suceder nessa qualidade, condenado na inibição de, por intermédio da revista que dirige, revelar por qualquer meio directo ou indirecto a localização da residência do Autor;</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>vai a 6ª R., na qualidade de directora da revista JJ, ou quem lhe suceder nessa qualidade, condenada na inibição de, por intermédio da revista que dirige, revelar por qualquer meio directo ou indirecto a localização da residência do Autor;</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>vão as 5ª e 6ª RR. condenadas a pagar ao A, solidariamente, indemnização no montante de €22.500 (vinte e dois mil e quinhentos euros);</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>vão as 1ª, 2ª, 5ª e 6ª RR condenados a fazer publicar extracto da sentença transitada em julgado;</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>vão as 1ª, 2ª, 5ª e 6ª RR condenadas no pagamento ao Autor da quantia de €100 por cada dia de atraso na publicação do extracto da sentença;</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>vão as 2ª, 4° e 6ª RR condenados no pagamento ao A. da quantia de €15.000 por cada infracção à intimação de inibição de, por intermédio das revistas que dirigem, revelar por qualquer meio directo ou indirecto a localização da residência do Autor;</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>absolvendo as 1ª, 2ª, 5ª e 6ª RR do mais peticionado</font></i><font>».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Apelaram as Rés “BB, S.A.” e DD, “II, S.A.” e KK e ainda, subordinadamente, o Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> </font></b><font>A Relação decidiu: </font>
</p><p><font> - “</font><i><font>a) - Julgar improcedentes as apelações das rés, BB, …, SA. e DD e das rés, II – …, SA. e KK, mantendo-se a sentença proferida.</font></i>
</p><p><font> - </font><i><font>b) - Julgar parcialmente procedentes as apelações subordinadas do autor, AA, e consequentemente, altera-se a sentença, nesta parte, condenando-se as rés, BB…, SA. e DD, a pagarem solidariamente ao autor, a quantia de vinte e dois mil e quinhentos euros (€ 22.500,00) e as rés, II- …, SA. e KK, a pagarem solidariamente ao autor, a quantia de trinta mil euros (€ 30.000,00), do restante montante peticionado, se absolvendo todas as rés</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> </font></b><font>As Rés “BB” e DD interpuseram recurso de revista, ordinária ou normal e excepcional, tendo o Autor recorrido subordinadamente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1. 2. - Apenas o recurso de revista excepcional veio a ser admitido, limitado a três </font><b><font>questões</font></b><font>, que foram assim enunciadas:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - se atenta contra a liberdade de expressão a condenação das Rés directoras a não revelarem, por qualquer meio, através das revistas que dirigem, a localização da residência do Autor, questionando-se se o n.º 2 do art. 70º do Código Civil permite que se imponha uma tal limitação;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- a condenação de alguém que não foi parte no processo, na medida em que na decisão foi condenada «a 2ª Ré, na qualidade de directora, ou quem lhe venha a suceder nessa qualidade (…) na inibição de, por intermédio da revista que dirige, revelar, por qualquer meio directo ou indirecto a localização da residência do Autor»; e, </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- se o director do meio de comunicação é responsável pelos concretos conteúdos publicados, pelo simples facto das funções que exerce (ou se a responsabilidade recai apenas sobre o autor do escrito ou da imagem e a empresa jornalística e não o director, mesmo quando tenham tido conhecimento prévio da publicação do conteúdo em causa). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como consequência dessa delimitação do objecto do recurso de revista, o recurso subordinado do Autor ficou sem efeito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Relativamente àquelas questões, as Recorrentes argumentam como segue, nas conclusões da respectiva alegação:</font>
</p><p><font> (…);</font>
</p><p><font> 13. Ao admitir uma efectiva alteração subjectiva nos autos, sem que, para esse efeito, tivesse sido respeitado, entre outros, o regime de intervenção provocada, a sentença e o acórdão que a confirmou violam expressamente os arts. 3º, 268º, 325º, 326º e 327º, todo do Código do Processo Civil. </font>
</p><p><font> 14. A condenação da 2ª Ré a não revelar o local de residência do Recorrido constitui um acto de censura e uma oposição aos artigos 37º, 38º e 58º, todos da Constituição da República;</font>
</p><p><font> 15. Pelo acima referido, é evidente para qualquer um que, a sentença viola o Princípio da Proporcionalidade constitucionalmente consagrado, ao condenar a Recorrente a não divulgar o local da residência do Recorrido, e condenado aquela, numa sanção pecuniária compulsória. </font>
</p><p><font> 16. Recorde-se que, </font><u><font>não ficou provado nem foi sequer alegado que</font></u><font>, a publicação das fotografias da revista "CC!" tenha tido qualquer consequência ou dano efectivo a um qualquer direito do Recorrido. </font>
</p><p><font> 17. Assim, o Tribunal "a quo" faz uma interpretação errada do alcance dos artigos 70° e 80° do Código Civil, ao considerar que a divulgação do facto do Recorrido residir na "margem sul", acompanhado de uma fotografia daquele na via pública (sem que se veja a sua casa), é lesivo dos seus direitos de personalidade. </font>
</p><p><font> 18. (…);</font>
</p><p><font> 19. Assim, entendem os Recorrentes que o Acórdão objecto dos presentes autos, ao condenar os Recorrentes sem que estivesse presente ou tivesse sido demandado o autor material do acto, alegadamente gerador da responsabilidade civil, viola expressamente os artigos 483° e 487°, ambos do Código Civil, bem como, os artigos 26° do Código do Processo Civil e artigos 70°, 79°, 80° do Código Civil, bem como o número 2 do artigo 29° da Lei da Imprensa; </font>
</p><p><font> 20. Entendem ainda os Recorrentes que a decisão ao condenar a sociedade detentora do título, sem que tenha sido feita prova do conhecimento e falta de oposição do Director, mas ainda de que aquele sabia que, no caso concreto, estaria a violar um direito do Recorrido, viola expressamente, os artigos 342°, 351° e 487° do Código Civil, o número 2 do artigo 29° da Lei da Imprensa. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Recorrido contra-alegou em apoio do julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> As Rés “II” e KK, vieram dar adesão ao recurso excepcional admitido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. - A </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font> a considerar é a que segue:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A - Autor exerce a profissão de ..., sendo autor e apresentador dos programas vulgarmente conhecidos como "... ".</font>
</p><p><font>B - O Autor é casado com LL e tem duas filhas, MM e NN, nascidas a … e a …, respectivamente (docs. de fls. 96 a 101).</font>
</p><p><font>C - Os programas dos "..." granjearam popularidade e notoriedade.</font>
</p><p><font>D - Os seus autores a participantes, entre eles o Autor, tornaram-se pessoas conhecidas do grande público, são referenciados "figuras públicas".</font>
</p><p><font>«D» - O Autor aparece com regularidade em campanhas publicitárias e em acontecimentos sociais, relacionados ou não com a actividade profissional que desempenha, suscitando o interesse e a curiosidade do público em geral.</font>
</p><p><font>E - É frequente aparecerem publicadas em revistas de imprensa vulgarmente designada de "imprensa cor-de-rosa" imagens suas em eventos em que participa, ou reportagens com entrevistas que aceita dar.</font>
</p><p><font>F - A 2ª R., no momento em que foi publicada a edição n.º ... da publicação com o título </font><i><font>CC!</font></i><font> e à data da propositura desta acção, era a sua Directora.</font>
</p><p><font>G - A edição ... </font><i><font>da CC!</font></i><font> foi vendida ao público na semana de … a … de … de 20….</font>
</p><p><font>H - A revista </font><i><font>CC!</font></i><font> é propriedade da 1ª R., sociedade que contratou a 2ª R. para que esta orientasse, superintendesse e determinasse o conteúdo daquela publicação.</font>
</p><p><font>I - A 2ª R. dirigiu os colaboradores da revista e determinou o conteúdo da edição n.º ... da revista </font><i><font>CC!</font></i><font>, com uma tiragem de 105.000 exemplares.</font>
</p><p><font>J - Na edição n.º ... da revista </font><i><font>CC!</font></i><font>, foi publicada, a páginas … e …, uma reportagem acerca do Autor e da sua família, sob o título "… "...".</font>
</p><p><font>L - À sua publicação correspondia uma "chamada na capa" daquela edição da revista, com o título "EXCLUSIVO … de AA ".</font>
</p><p><font>M - A reportagem referenciada como "EXCLUSIVO", consiste em seis fotografias do Autor, sua mulher e filhas, obtidas nas imediações de sua casa, e num texto.</font>
</p><p><font>N - Das seis fotografias publicadas, duas encontram-se legendadas da seguinte forma: "…, AA tem dedicado todo o seu tempo às duas filhas, MM e NN ", e "LL é a grande paixão da vida deste '...'''.</font>
</p><p><font>O - A reportagem publicada na revista </font><i><font>CC!</font></i><font> tem os seguintes títulos e subtítulos:</font>
</p><p><font>"Um dia nas férias do "... " </font>
</p><p><font>"A MULHER E AS FILHAS TÊM SIDO A GRANDE PRIORIDADE DE AA"</font>
</p><p><font>"Enquanto prepara o regresso à OO, AA refugia-se em casa e sempre com a família por perto"</font>
</p><p><font>"AS SAÍDAS são escassas e sempre acompanhado pela família "</font>
</p><p><font>"PASSEAR as cadelas tem sido um ritual diário nas férias de AA ".</font>
</p><p><font>P - Do texto da reportagem constam, entre outros, os seguintes apontamentos:</font>
</p><p><font>«Desde o passado dia … de … que AA está de férias. O '...' tem aproveitado esta espécie de férias sabáticas para, fazer aquilo que mais gosta, estar com a mulher, LL e as duas falhas, MM e NN».</font>
</p><p><font>«(..) AA faz questão de ser ele próprio a levar as filhas ao Colégio. Depois disso e sempre que os horários da mulher o permitem, o casal aproveita para almoçar em conjunto. A casa do casal, na margem sul, tem sido o grande refúgio de AA. O `... ' passa horas a fio em casa a jogar playstation».</font>
</p><p><font>«AA é um homem bastante caseiro, não gosta de sair à noite e tem um pequeno grupo de amigos muito fiel. PP, QQ e RR, as três cadelas do casal também têm saído a ganhar com a maior disponibilidade do dono. AA sai, diariamente, de casa para dar longos passeios com as suas cadelas. No bairro onde vive, AA tenta passar despercebido mas a sua crescente popularidade começa a complicar-lhe os planos. O café que frequenta já é identificado como `o café do ...'».</font>
</p><p><font>«AA conheceu LL na mesma faculdade e cedeu desde logo aos encantos da agora produtora da SS. Quem os conhece diz que têm tido um casamento feliz e que continuam tão apaixonados como nos tempos de faculdade».</font>
</p><p><font>Q - A reportagem vem apenas assinada com um "…".</font>
</p><p><font>R - O autor das fotografias que dela constam é referido como "… ".</font>
</p><p><font>S - Não são identificadas quaisquer fontes da "informação " veiculada.</font>
</p><p><font>T - Nas referidas fotografias, o Autor, a mulher e as filhas aparecem em actividades quotidianas, foram obtidas nos dias que antecederam a publicação da revista, em dias diferentes e foram tiradas nas imediações da sua residência.</font>
</p><p><font>U - Não foi publicada qualquer fotografia da residência do Autor.</font>
</p><p><font>V - Na reportagem no interior da revista, a imagem da cara das filhas do A surge camuflada.</font>
</p><p><font>X - A fisionomia da mulher do A não foi encoberta.</font>
</p><p><font>Z - Na fotografia da capa da revista, a imagem de uma das suas filhas aparece sem tratamento ou camuflagem.</font>
</p><p><font>AA - O Autor não foi contactado pela direcção ou redacção da revista CC!. a fim de lhe ser comunicado que iriam proceder à publicação das fotografias em questão e para obtenção do seu consentimento para o efeito.</font>
</p><p><font>AB - O Autor não autorizou a publicação destas fotografias ou do texto que as acompanha.</font>
</p><p><font>AC - Os ... produziram um </font><i><font>talk</font></i><font> </font><i><font>show</font></i><font> semanal denominado "</font><i><font>...</font></i><font>" exibido aos domingos em horário nobre, na TT.</font>
</p><p><font>AD - Com impacto público, os ... abandonaram a TT e firmaram contrato com a OO, um canal concorrente à TT, o que foi noticiado como envolvendo uma vertente económica significativa.</font>
</p><p><font>AE - Os … foram animadores da festa de final de ano da TT no ..., em Lisboa, perante uma plateia de milhares de pessoas.</font>
</p><p><font>AF - A comunicação social divulgou, na altura, que tal evento envolveu um cachet milionário.</font>
</p><p><font>AG - Os ... e o A. dão a cara em campanhas publicitárias com impacto público, através da televisão – …, …, ….</font>
</p><p><font>AH - Pela recorrente exposição artística e comercial, o A. tornou-se objecto de curiosidade pública em todos os aspectos da sua vida.</font>
</p><p><font>AI - A reportagem publicada na revista </font><i><font>CC!</font></i><font> não contempla a matrícula do carro do A., não refere o nome da rua, número de polícia da casa, o bairro, freguesia ou concelho da margem Sul margem em que se situa, a estabelecimentos, monumentos ou outros elementos que pudessem constituir referências de proximidade.</font>
</p><p><font>AJ - Igualmente não refere:</font>
</p><p><font>- o tipo de decoração ou mobiliário da casa do A;</font>
</p><p><font>- o tipo de obras de remodelação que foram feitas ou o seu custo;</font>
</p><p><font>- a tipologia, as divisões em que se divide ou a pertença das mesmas;</font>
</p><p><font>- quem o A. recebe em sua casa ou quem nela habita;</font>
</p><p><font>- o uso que o A. faz da casa.</font>
</p><p><font>AL - O 4º R. é, à data da propositura da acção, Director da publicação com o título FF e era já o seu Director no momento em que foi publicada a edição que foi vendida ao público no dia ….</font>
</p><p><font>AM - A revista </font><i><font>FF</font></i><font> é propriedade da 3ª R., sociedade que contratou o 4° R. para que este orientasse, superintendesse e determinasse o conteúdo daquela publicação.</font>
</p><p><font>AN - O 4.º R. dirigiu os colaboradores da revista e determinou o conteúdo da edição vendida ao público em ….</font>
</p><p><font>AO - Na revista </font><i><font>FF</font></i><font> que entrou em circulação em …, foi publicada uma reportagem (págs. … a …) referindo-se à residência do A, em que não foram publicadas fotografias da residência do A. nem indicada a localização da mesma.</font>
</p><p><font>AP - Essa reportagem foi publicada tendo sido previamente o Autor informado de que a Revista tinha fotografias da nova casa do Autor e que as iria publicar.</font>
</p><p><font>AQ - Desesperado com essa informação e perante a iminência de publicação das fotografias, o Autor aceitou proferir declarações sobre o assunto da sua mudança de residência desde que não fossem publicadas as fotografias nem se indicasse qual o local da nova residência.</font>
</p><p><font>AR - A revista </font><i><font>FF</font></i><font> contempla no sumário/índice inserto na pág. … o seguinte: "histórias de capa – AA comprou uma casinha nova na .... Nós estivemos lá e mostramos o novo lar do "...".</font>
</p><p><font>AS - Tal índice encontrava-se preparado previamente ao contacto com o A.</font>
</p><p><font>AT- Após este contacto, o 4.° R. deu instruções à redacção em conformidade ao acordado com o A.; desafortunadamente, o índice não foi alterado e foi publicado sem o conhecimento do 4º. R.</font>
</p><p><font>AT1 - O que só aconteceu por mero lapso técnico, dado que, ocorrendo o fecho da edição no dia anterior à saída da revista para as ruas, não foi possível em tempo útil detectar a mencionada falha.</font>
</p><p><font>AT 2 - Na ... vivem muitas centenas de outras pessoas e a casa do A. não é a única que existe no local.</font>
</p><p><font>AU - A 6ª R. é, à data da propositura da acção, Directora da publicação com o título </font><i><font>JJ</font></i><font> e era já a sua Directora no momento em que foi publicada a edição nº. …, ano …, daquela revista e que foi vendida ao público de … de … a … de … de 20….</font>
</p><p><font>AV - A revista </font><i><font>JJ</font></i><font> é propriedade da 5ª R., sociedade que contratou a 6ª R. para que esta orientasse, superintendesse e determinasse o conteúdo daquela publicação de que é proprietária.</font>
</p><p><font>AX - A 6ª R. dirigiu os colaboradores da revista e determinou o conteúdo da edição n.º …. ano …, daquela revista.</font>
</p><p><font>AZ - No dia … de … de 20…, a Revista </font><i><font>JJ</font></i><font> publicou uma reportagem relativa à residência do Autor.</font>
</p><p><font>BA - Na capa dessa revista, no canto inferior esquerdo, pode ler-se "Exclusivo! A nova casa DE LUXO de AA", em título que acompanhava uma fotografia da nova habitação do Autor.</font>
</p><p><font>BB - Na página … aparecem 3 fotografias da nova residência do Autor, sob a indicação "Exclusivo".</font>
</p><p><font>BC - As três fotografias publicadas encontram-se legendadas da seguinte forma: "A morada foi construída em 9 meses "; "Neste pequeno terraço o casal pode apanhar banhos de sol. Em baixo estão a construir a piscina, e "O ... escolheu uma zona sossegada" .</font>
</p><p><font>BD - A reportagem publicada na revista </font><i><font>JJ</font></i><font> tem os seguintes títulos e subtítulos:</font>
</p><p><font>"AA deixou a …"</font>
</p><p><font>"... EM CASA DE LUXO</font>
</p><p><font>"A mudança impunha-se. O ... sentiu que a sua segurança e a da sua família estavam em risco e não hesitou. A nova casa terá custado 850 mil euros ".</font>
</p><p><font>BE - O texto da reportagem faz referência à necessidade de mudança de residência, por parte do Autor e família, por força das ameaças de que o Autor tem vindo a ser alvo.</font>
</p><p><font>BF - Do texto da reportagem constam, entre outros, os seguintes apontamentos:</font>
</p><p><font>«O local não podia ser mais sossegado e reúne tudo o que AA tinha na sua antiga casa"</font>
</p><p><font>"O conhecido ... deixou a …, onde morava, e mudou-se recentemente para …".</font>
</p><p><font>"A nova vivenda terá custado cerca de 850 mil euros e tem quase todos os luxos que uma estrela pode querer. "</font>
</p><p><font>"A moradia de dois pisos possui videovigilância, quatro quartos, garagem, painel solar e jardim. E ainda estão a construir uma piscina!"</font>
</p><p><font>"Para adquirir esta moradia, o ... terá, segundo um jornal diário, pedido um empréstimo de 800 mil euros".</font>
</p><p><font>BH - A reportagem publicada não está assinada.</font>
</p><p><font>BI - As fotografias publicadas mostram a residência particular do Autor.</font>
</p><p><font>BJ - O Autor, a sua mulher e as suas duas filhas residem juntos numa mesma habitação.</font>
</p><p><font>BL - No que respeita à sua relação com o público, por meio da imprensa, o A. não promove a divulgação de notícias relacionadas com a sua vida particular.</font>
</p><p><font>BM - Recusa-se a expor a sua família em entrevistas e reportagens em que participa, designadamente por publicação de fotografias.</font>
</p><p><font>BN – Actualmente, o A. não admite o acesso de meios de comunicação social à sua casa e imediações.</font>
</p><p><font>BO - A actividade profissional exercida pelo Autor, tal como é do conhecimento geral, consiste, maioritariamente, em fazer humor através de "sketches", ironizando sobre a actualidade política e social e sobre a actuação dos seus intervenientes.</font>
</p><p><font>BP - O A., em nome pessoal, adoptou posições públicas de apoio a iniciativas de carácter político-ideológico.</font>
</p><p><font>BQ - Em 20… tomou posição durante a campanha relativa ao referendo sobre a despenalização do aborto.</font>
</p><p><font>BR - Em Abril do mesmo ano, os "..." afixaram na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, um cartaz em que, recorrendo ao humor, atacava a posição assumida pelo Partido Nacional Renovador face à imigração em Portugal.</font>
</p><p><font>BS - Na sequência desta última iniciativa, o Autor foi objecto de ameaças de retaliação, dirigidas contra si e contra a sua família.</font>
</p><p><font>BT - Foi noticiado (www…..pt) que, por altura da afixação do mencionado cartaz, foram publicadas num site da Internet denominado Fórum Nacional, participado por elementos da extrema-direita, ameaças contra o Requerente e as suas filhas menores, aí se dizendo que os seus autores sabiam qual era o Colégio que as meninas frequentavam, bem como o carro do Autor, que o Autor iria receber os parabéns pelo cartaz afixado, que se "iria mijar pelas pernas abaixo.</font>
</p><p><font>BU - O que aumentou os receios do Autor relativamente à segurança da sua família.</font>
</p><p><font>BV - Foi noticiado que o A. apresentou queixa-crime e que os factos foram referidos no âmbito de um processo-crime que respeita a elementos que integram o movimento de extrema-direita Frente Nacional da facção skinhead Hammer-skin Portugal.</font>
</p><p><font>BX - Foi noticiado que o Autor foi inquirido a ……..20... no âmbito de tal processo-crime.</font>
</p><p><font>BZ - Esta situação causou e causa ainda preocupação ao Autor, obrigando-o a tomar medidas apertadas quanto à segurança dos seus familiares directos e, especialmente, das suas duas filhas.</font>
</p><p><font>CA - Também por este motivo, em ordem a obter protecção contra situações de conflito, o Autor insiste em manter, tanto quanto possível, a sua vida íntima e privada afastada da exposição pública.</font>
</p><p><font>CB - O A. procura manter desconhecidos do grande público tanto a identidade das suas filhas como o local onde se situa a sua residência.</font>
</p><p><font>CC - Em 20… havia fotógrafos nas imediações da sua residência.</font>
</p><p><font>CD - A ….0….20…, o Autor fez divulgar, através da </font><i><font>UU, S.A.,</font></i><font> um Comunicado à imprensa, onde apela «aos senhores jornalistas que não publiquem reportagens respeitantes à vida privada de AA e seus familiares, sem o prévio conhecimento deste, ou divulguem por qualquer meio fotografias de AA captadas a partir da sua residência ou das imediações desta, nem, em caso algum, publiquem ou divulguem, por qualquer meio, fotografias dos filhos ou outros familiares de AA, captadas onde quer que seja, só assim respeitando o direito à imagem e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada das mencionadas pessoas» (cfr.doc. de fls. 54).</font>
</p><p><font>CE - Mais refere, no mesmo comunicado, que, «caso V. Ex.as não acedam ao pedido que é feito pela presente comunicação, e que em nada obsta ao direito à informação do público em geral, que não questionamos e que nos merece todo o respeito, serão accionados todos os mecanismos judiciais adequados à salvaguarda dos referidos direitos e à indemnização por quaisquer danos que lhes venham a ser causados» (cfr. mesmo documento).</font>
</p><p><font>CF - O referido comunicado foi enviado para as seguintes publicações: </font><i><font>CC!</font></i><font>, </font><i><font>FF</font></i><font>, </font><i><font>VV</font></i><font>, </font><i><font>XX</font></i><font>, </font><i><font>ZZ</font></i><font>, </font><i><font>AAA</font></i><font>, </font><i><font>JJ</font></i><font>, a </font><i><font>BBB</font></i><font>, </font><i><font>OO</font></i><font>, </font><i><font>TT</font></i><font>, </font><i><font>CCC</font></i><font>, </font><i><font>DDD</font></i><font>, </font><i><font>EEE</font></i><font>, </font><i><font>FFF, GGG</font></i><font>, </font><i><font>HHH</font></i><font> e </font><i><font>III</font></i><font>.</font>
</p><p><font>CG - A rua onde foram obtidas as fotografias (publicadas na revista </font><i><font>CC!</font></i><font>) é um lugar de frequência das pessoas que aí residem ou que aí visitam alguém.</font>
</p><p><font>CH - As imagens que surgem na revista </font><i><font>CC!</font></i><font> da rua onde se situa a residência do A. e a referência, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sDKpu4YBgYBz1XKvIimd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br>
<font>AA e BBo intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, sua mulher DD e “... – Companhia de Seguros, S.A”.</font>
<p><font>Pediram que sejam declaradas habilitadas como únicas e universais herdeiras da herança ilíquida e indivisa de seus pais EE e FF, com legitimidade para exercerem em Tribunal todos os direitos relativos à herança, ainda indivisa e ilíquida, daqueles; a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, acrescida de juros legais desde a citação.</font>
</p><p><font>Nuclearmente, alegaram que seus pais faleceram intestados, sendo que do acervo da herança faz parte um edifício (n.ºs 21/31 da Rua dos Combatentes da Grande Guerra) em Bragança; que, em 11 de Abril de 2003, ocorreu um incêndio no edifício contíguo pertença dos Réus CC e DD; que o Réu mantinha aí um depósito de dezenas de botijas de gás de consumo doméstico, para revenda, actividade ilegal por exercida em bairro residencial e em zona histórica; que o incidente resultou de anomalia numa botija que o Réu substituía e cujo aquecedor acendeu, não obstante a fuga revelada pelo intenso cheiro a gás; seguiram-se, pelo menos, cinco explosões que provocaram a ruína da parede divisória dos edifícios e incêndio no pertencente às Autoras; que este ficou totalmente destruído ao nível dos 1.º e 2.º andares e das águas furtadas, não só pelas chamas como pela água utilizada pelos bombeiros no combate ao incêndio; que, de igual modo, ficou destruído o recheio; a reconstrução do prédio importa em, pelo menos, 25.000,00 euros; que as Autoras despenderam 2.500,00 euros por terem de se hospedar numa residencial durante um (1) mês; que deixaram de auferir rendas dos seus inquilinos, no valor anual de 4.968,00 euros; despenderam 10.000,00 euros em obras noutra casa para habitarem e 2000,00 euros em deslocações e telefones; que tiveram profundo desgosto acentuado pelas suas idades avançadas; que têm dois seguros na 3.ª Ré, um relativo ao edifício e outro ao recheio.</font>
</p><p><font>A seguradora contestou alegando, em síntese, que os seguros são pessoais, que não de responsabilidade civil extra-contratual, sendo os capitais, respectivamente, de 24.938,89 e 8.045,11 euros; que o que exceder o capital seguro é suportado pelas seguradas; os danos foram, por si, avaliados em 2.011,27, quanto ao recheio, e 9.975,55 euros, quanto ao imóvel, quantias já postas à disposição das Autoras; que, de todo o modo, o seguro não cobriria a perda de rendas.</font>
</p><p><font>Os Réus CC e DD contestaram dizendo, além do mais, que o prédio das Autoras, antes do incêndio e por estar onerado com arrendamentos, não valia mais de 75.000,00 euros e, porque ficou devoluto, passou a valer 150.000,00 euros; que, logo em Outubro de 2003, comunicaram às Autoras a disponibilidade para levantarem o telhado e repararem as paredes de suporte (águas furtadas), removerem os escombros e reconstruírem a ligação do 2.º andar ao sótão, o que estas recusaram; que, por isso, o prédio ficou sem cobertura o que agravou os danos; que a conduta das Autoras traduz-se em abuso de direito.</font>
</p><p><font>Requereram a intervenção principal da “... – Companhia de Seguros, SA”, com quem celebraram um contrato de seguro, pelo recheio e sua casa, incluindo a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros até ao limite de 16.728,64 (habitação) e de 5522,86 euros (recheio).</font>
</p><p><font>Na réplica, e alterando a causa de pedir, as Autoras requereram a intervenção principal provocada da “Shell Portuguesa, SA” juntando nova petição onde alegam, além do mais, que as botijas comercializadas pelo Réu eram “Shell Butagaz” e que a chamada permitiu o seu armazenamento no local.</font>
</p><p><font>Na nova conclusão pedem, para além do 1.º pedido antes formulado, a condenação dos Réus CC, DD e Shell a, solidariamente, pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, com juros, e a seguradora todo o capital e juros relativos aos dois contratos de seguro.</font>
</p><p><font>Oportunamente, os Réus CC e mulher desistiram do pedido de intervenção da seguradora por já ser parte no processo.</font>
</p><p><font>A chamada “Shell Portuguesa, SA”, alegando ter a designação de “Repsol Combustíveis, SA”, requereu a intervenção principal provocada de “Shell Gás, SA”, que foi admitida e que, dizendo ser agora designada “Repsol Butano Portugal RB, SA”, fez sua contestação da “Repsol Combustíveis, SA”.</font>
</p><p><font>As Autoras e a Ré “... – Companhia de Seguros, SA” vieram (fls. 663) transigir parcialmente a transacção homologada a fls. 799/800 tendo a instância sido julgada extinta nessa parte.</font>
</p><p><font>Depois, as Autoras, deduziram o incidente de intervenção principal provocada de “R...e P..., Limitada” que foi indeferido (despacho de fls. 1358/9) do qual foi interposto recurso de agravo.</font>
</p><p><font>A final foi proferida sentença nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>“a) Declaro que as Autoras são as únicas e universais herdeiras de seus pais EE e FF e como tal têm legitimidade para exercerem todos os direitos relativos às heranças, ilíquidas e indivisas, abertas por óbito dos mesmos. </font>
</p><p><font>b) Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa qualidade, a quantia, cujo montante será apurado em liquidação ulterior, correspondente aos danos patrimoniais referidos nos pontos 6.3.2, 6.3.3 (neste, com a redução de 1/5 aí referida), 6.4, supra; e, </font>
</p><p><font>c) Condeno a Ré “... — Companhia de Seguros, SA” a pagar às Autoras, solidariamente com esse Réu CC, a quantia acabada de referir em b), até ao limite de 16.728,64 € (dezasseis mil setecentos e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos). </font>
</p><p><font>d) Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa mesma qualidade, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento. </font>
</p><p><font>e) No mais, absolvo todos os Réus (chamadas incluídas).” </font>
</p><p><font>Apelaram as Autoras e, subordinadamente, os Réus CC e mulher.</font>
</p><p><font>Entretanto, as Autoras e a Ré “...” vieram juntar transacção em que acordaram fixar a quantia relegada para liquidação, referida nas als. b) e c) da precedente decisão, em 16.728,64 euros, referente ao contrato de seguro referido em AA) dos factos assentes, que a Ré se obrigou a pagar no prazo de 30 dias, considerando-se as autoras integramente ressarcidas, nada mais tendo a exigir da Ré a esse título. </font>
</p><p><font>A Relação do Porto julgou o agravo improcedente, negando-lhe provimento.</font>
</p><p><font>Homologou a transacção (de fls. 1809 – Autoras e Ré – Seguradora) condenando as partes “nos seus precisos termos”.</font>
</p><p><font>Quanto ao mais, assim deliberou:</font>
</p><p><font>“- Julgar parcialmente procedente a apelação das autoras e improcedente o recurso subordinado e, em consequência: </font>
</p><p><font>1) Revoga-se em parte a sentença recorrida, no que respeita à al. b) da decisão, condenando-se o réu CC a pagar às autoras as quantias: </font>
</p><p><font>a) de € 80.000,00, relativa aos danos no prédio; </font>
</p><p><font>b) de € 28.350,00, de rendas vencidas até esta data, referentes aos contratos de fis. 11, 13 e 15, acrescida das rendas vincendas até à data do pagamento da indemnização fixada para reparação do prédio das autoras, no máximo até Abril de 2013; </font>
</p><p><font>c) Relativa a rendas dos contratos de arrendamento celebrados com GG e com a arrendatária “G...”, vencidas desde Maio de 2003 e vincendas até ao momento referido na alínea anterior, a apurar em posterior liquidação; </font>
</p><p><font>d) Relativa aos danos patrimoniais referidos em 6.3.2, 6.3.3 (sem qualquer redução) e 6.3.4 da sentença, a apurar em liquidação ulterior; </font>
</p><p><font>e) A estas quantias referidas nas precedentes alíneas deve ser deduzido o montante de € 16.728,64 já pago pela ré Seguradora; </font>
</p><p><font>f) Acrescem às quantias das als. a) a c) juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a dada da citação e vincendos até efectivo pagamento; porém, em relação às rendas vencidas posteriormente a essa data e vincendas, os juros de mora apenas são devidos a partir das datas dos respectivos vencimentos. </font>
</p><p><font>2) Mantém-se a sentença, quanto ao decidido em a) (reconhecimento da qualidade das autoras), em d) (condenação por danos não patrimoniais e respectivos juros de mora) e quanto a custas.”</font>
</p><p><font>Por inconformado, o Réu CC pede revista, assim concluindo, no essencial – o que lográmos sintetizar, atenta a extensão da súmula –a sua alegação:</font><br>
<br>
<br>
<font>“- O acórdão recorrido assenta em premissa falsa ou, pelo menos, não verificada: De que as autoras formularam «pedido de indemnização, em dinheiro sim, mas para satisfazerem aquele objectivo, de reconstrução da casa.</font><br>
<font>- Em lugar algum da petição (na sua versão Inicial ou na sua versão reformulada) apresentada pelas autoras em juízo, se expressa a pretensão, ou sequer a vontade ou o desejo, de reparação do imóvel, ou seja, que as autoras pretenderam a reparação natural. </font><br>
<font>- Tal conclusão extraída do constante no artigo 36.° da petição inicial/artigo 39.° da petição reformulada (‘a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio orça em valor não inferior a €250.000, uma vez que tem uma área de implantação de cerca de 300m2 por andar.’) é uma mera ficção (suposição) ou criação imaginária, num domínio de relevância que a não comporta, ou seja, em que não há margem para a subjectividade (a discricionariedade). </font><br>
<font>- As autoras não referem que para reconstruir a casa em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio terão de des pender valor não inferior a €250.000. </font><br>
<font>- As autoras dizem coisa bem distinta, designadamente que «a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio orça em valor não inferior a €250.000 (...)». </font><br>
<font>- A referência ínsita no artigo 36.° da petição inicial (artigo 39.° da petição reformulada) visou tão só servir de esteio à quantificação da indemnização ambicionada, pela qual, deliberadamente, as autoras optaram e não como pretensão de reconstrução, constituindo mais uma parcela de adição destinada a «engordar» o valor Indemnizatório a peticionar a final. </font><br>
<font>- Informando ainda que já havia sido «(...) diligenciado empreiteiro que visitou o local e se disponibilizou para iniciar a sua execução (em estrutura de madeira e telha de boa qualidade) ainda no decurso do mês de Novembro de 2003». </font><br>
<font>- Aliás, conclusão inversa à do acórdão recorrido, ou seja, que as autoras não tinham (nem nunca tiveram) em mente a reconstrução da casa (reconstituição natural, ainda que através da percepção de uma indemnização) se impõe se compulsarmos os autos e em particular os «factos provados», por três ordens de razões, que aleatoriamente e de forma individualizada se afirmam: </font><br>
<font>- Resulta dos documentos de folhas 100 e 101 (documentos juntos com a contestação sob os números 12 e 13), que o ora recorrente propôs às ora recorridas, em 30/10/2003, a «execução da cobertura do prédio (...) e a remoção dos escombros originados pelo incêndio», solicitando «com a maior brevidade possível e por escrito a necessária autorização para (...) iniciar os respectivos trabalhos». </font><br>
<font>- Ao não aceitarem tal «oferta» do recorrente, as autoras não poderiam ignorar que estavam a agravar os custos de reparação ou a comprometer definitivamente as possibilidades de reconstrução do seu prédio. </font><br>
<font>- Agravamento da reparação que a ser esta (a reparação) realizada sempre os custos daquele (do seu agravamento) se teria que repercutir na esfera patrimonial das autoras. </font><br>
<font>- E não é curial pensar, ou sequer equacionar, que as autoras pretendiam a reconstrução do seu prédio não só porque a não aceitaram quando oferecida pelo lesante/recorrente mas também e por tal facto (por a não terem aceite), porque doravante a reconstrução, a realizar-se, também teria que ser por elas (autoras financeiramente comparticipada já que o óbvio e provado agravamento dos seus custos não poderia deixar de lhe ser imputado. </font><br>
<font>- Agravamento dos custos de reconstrução (construção de novo) a cargo das autoras que (se ainda possível — é sempre temporalmente possível reconstruir ainda que, em última análise, tal implique demolir e edificar de novo), naturalmente, se tem acentuado de forma exponencial com o decorrer do tempo, volvidos que são já quase oito anos sobre a data do incêndio. </font><br>
<font>- Não aceitação e necessidade de esforço financeiro (cada vez maior) a impender sobre a esfera patrimonial das autoras (no caso de realização da reconstrução com custos agravados por não terem aceite a oferta do recorrente) para as quais no plano da vontade não se encontra (nem comporta) qualquer outra Interpretação que não seja a de que as autoras a não pretendiam, alguma vez a tivessem pretendido e seguramente, extrajudicial ou judicialmente, nunca a declararam ou reclamaram. </font><br>
<font>- O seu prédio era uma estrutura velha sem condições de habitabilidade que não justificava reconstrução ou recuperação – que a fazer-se, teria que se ater às condicionantes de habitabilidade pré-existentes.</font><br>
<font>- Pelo que a sua reconstrução, a fazer-se, teria que se ater às condicionantes de habitabilidade pré-existentes (as autoras não poderiam exigir mais do que a colocação do imóvel no estado em que se encontrava à data do incêndio), que é a finalidade da reconstituição natural (colocação do lesado na situação em que estaria se não fosse a lesão), ou seja, à reposição do depauperado estado de habitabilidade em que se encontrava aquando do incêndio objecto dos autos, o que, manifestamente, não interessava às autoras como não interessaria a quem quer que fosse. </font><br>
<font>- As autoras, desde cedo, tomaram consciência que o incêndio gerara um incremento patrimonial inesperado e uma desmesurada expectativa quanto ao seu limite, já que o incêndio: </font><br>
<font>Fez disparar o valor venal do imóvel (porque devoluto). </font><br>
<font>• Permitia accionar o seguro que recaía sobre o imóvel e que haviam celebrado com a «... - Companhia de Seguros S.A». </font><br>
<font>• Possibilitava ainda a responsabilização dos réus e deles almejar a obtenção de uma indemnização. </font><br>
<font>- O que o acórdão recorrido lhe vem conferir, resultando da sua aplicação que, no que exclusivamente tem conexão com o imóvel, as autoras: </font><br>
<font>- Tem a sua esfera jurídica integrada por um activo patrimonial avaliado em 140.000€ (valor de mercado do imóvel, como se encontra). </font><br>
<font>- Arrecadariam do recorrente um valor indemnizatório referente ao imóvel numa ordem de grandeza que ultrapassa os 150.000€, apurado com base nas seguintes parcelas condenatórias: </font><br>
<font>- 80.000€ (valor dos danos do prédio). Ponto 1), alínea a) do acórdão condenatório. </font><br>
<font>• 25.600€ (valor aproximado dos juros calculados sobre o antecedente valor e à razão de 3.200€ anuais desde a data da citação). Ponto 1) alínea f), primeira parte do acórdão condenatório. </font><br>
<font>• 28.350€ de rendas vencidas até à data do acórdão a que acrescem as que se vencerem até à data da indemnização fixada para a reparação do prédio, no máximo até Abril de 2013. Ponto 1), alínea b) do acórdão condenatório. </font><br>
<font>• Valor das rendas a apurar em execução de sentença relativas aos contratos de arrendamento celebrados com GG e com a arrendatária «G...», vencidas desde Maio de 2003 até ao momento referido no ponto anterior. Ponto 1), alínea c) do acórdão condenatório. </font><br>
<font>• Valor dos juros de mora vencidos sobre todas as rendas antecedentes, computados a partir das datas dos respectivos vencimentos. Ponto 1.), alínea f), segunda parte do acórdão condenatório. </font><br>
<font>- E em especial, no artigo 124.° que é a «reintegração in natura o princípio geral consagrado no artigo 562.° do Código Civil, que só deverá ser preterida pela indemnização em dinheiro em situações excepcionais (...)» e no seu artigo 127.° que «qualquer indemnização a arbitrar só o deve ser com carácter subsidiário (..)». </font><br>
<font>- Ou seja, contestou o recorrente (e os demais réus) arquitectando e desenvolvendo a «contestação» com base no pedido de indemnização por equivalente literalmente (e sistematicamente) constante da petição inicial, acentuando: </font><br>
<font>• O facto de as autoras não terem peticionado a «reintegração in natura». </font><br>
<font>• Que a indemnização tem carácter subsidiário ou alternativo (embora assista o direito de as autoras, como fizeram, em vez de peticionar a reintegração optarem pela indemnização por equivalente). </font><br>
<font>• Que, quantos aos danos no imóvel teriam que se apurar aqueles que efectivamente foram causados pelo incêndio e não levar em linha de conta aqueles que resultaram do facto de as autoras não terem autorizado a reparação oferecida pelo recorrente. </font><br>
<font>• Que teria que ser considerada a valorização de mercado do imóvel resultante do facto de ficar devoluto em consequência do incêndio. </font><br>
<font>- Autoras que em sede de «Réplica», para a qual remetemos, nem uma palavra disseram sobre a matéria. </font><br>
<font>- E era a «Réplica» o momento processualmente oportuno para as autoras clarificar a sua pretensão quanto à «reintegração in natura», se esta fosse a sua intenção com a indemnização peticionada, ou, então, alterar o seu pedido se não o sendo, daí em diante passasse a ser. Insistiram, porém, nessa peça na referência «Se requerer uma indemnização compatível e justa por uma tragédia(...)». </font><br>
<font>- As autoras pediram uma indemnização correspondente (equivalente) ao custo da reconstrução do prédio ... não um valor indemnizatório para o reconstruir. É isso e tão só isso Que se constata da peça processual através da qual introduziram em juízo a lide e que, no seu decurso (podendo fazê-lo), não alteraram ou modificaram, tendo sido perante essa factualidade que os demais sujeitos processuais se moveram. </font><br>
<font>- Mas poderá acontecer que o facto lesivo (…) ocasione ao titular do direito ou do interesse ofendido não só consequências nocivas como consequências benéficas. Os prejuízos serão atenuados ou contrabalançados por ganhos ou lucros, também provenientes do facto gerador daqueles». </font><br>
<br>
<font>- E, neste caso, «tem de se fazer a compensação entre uns e outros («compensatio lucri cum damno»). </font><br>
<font>- Sendo «a indemnização fixada na diferença que o património do lesado acusar - diferença igual ao valor dos danos deduzido do valor dos ganhos.» </font><br>
<font>- «E nem haverá lugar a indemnização se, como pode conceber-se, os ganhos igualarem ou superarem os prejuízos.» </font><br>
<font>- E só provado que seja que existem prejuízos, não compensados pelas vantagens geradas pelo facto lesivo (para além dos outros pressupostos da responsabilidade civil), demonstrada estará a existência do crédito da indemnização. </font><br>
<font>- Aplicada esta interpretação jurídica à matéria de facto sub judice tida por pertinente, facilmente se constatará a inexistência de qualquer crédito indemnizatório das autoras no que concerne à relação entre os prejuízos conexos com o imóvel originados pelo facto determinante da responsabilidade (danos no imóvel e rendas que deixaram de receber na sequência da extinção dos contratos de arrendamento. </font><br>
<font>- Assim, o acórdão recorrido, revogando a sentença de 1.ª instância, ao condenar o ora recorrente CC no pagamento de 80.000€, correspondente ao valor apurado da reconstrução do prédio, no erróneo (não verificado, demonstrado ou declarado) pressuposto de que as autoras peticionaram indemnização para realizar essa reconstrução e como tal se poderia (a Indemnização) inscrever ou reconduzir ao âmbito da restauração natural, não só fez uma incorrecta aplicação do disposto nos artigos 562.° e 566.° do Código Civil, como violou o limite qualitativo imposto pelo segmento final do artigo 661.°. n° 1 do Código de Processo Civil que determina a sua nulidade em conformidade com o disposto no artigo 668.° n.° 1. alínea e), parte final, do mesmo diploma legal.”</font><br>
<font> </font><br>
<font>Mas mais,</font><br>
<br>
<font>“- tendo o recorrente oferecido às autoras a reparação e não a tendo estas aceite, não tinham o direito de se lhe substituir nessa reparação (fazendo por si mesmas a reconstrução — que não fizeram - ou peticionando o valor de reconstrução — que não declararam desejar fazer), a não ser que alegassem e, sobretudo, provassem as razões pelas quais a não aceitaram e estas fossem tidas por atendíveis, o que, in casu, se não verificou. </font><br>
<font>- Assim, visando as autoras prosseguir com o seu pedido indemnizatório um objectivo (reconstrução do prédio) - o que obviamente se não aceita - que lhe havia sido oferecido pelo recorrente, a sua pretensão para obter o mesmo efeito jurídico representaria um venire contra factum proprium, ou seja, uma conduta contraditória que, em combinação com o princípio da tutela da confiança, integra o instituto do ABUSO DO DIREITO consagrado no artigo 334.° do Código Civil e, como tal, ilegítima e indigna de tutela jurídica.”</font><br>
<font> </font><br>
<font>E ainda,</font><br>
<br>
<font>“- Assim, tendo o recorrente oferecido a reconstrução no ano do incêndio (2003) e não a tendo as autoras aceite, a fixação do quantum indemnizatório deveria reportar-se à data de tal «oferta», ou seja, ao ano do 2003 e não ao tempo actual, decorridos que foram entre tal data e a data da prolação da sentença de 1.ª instância mais de seis anos, não sendo razoável impor a cargo do recorrente o pagamento de um valor indemnizatório actualizado quando o mesmo pretendeu suportar os custos da reparação no ano de ocorrência do facto lesivo. </font><br>
<font>- A mora de reparação sempre se deveria a exclusiva culpa das autoras — artigos 813.° e 814.°, n.° 1 do Código Civil. </font><br>
<font>- Mas mesmo que não se partilhe tal opinião, sendo o valor fixado para a reconstrução um valor actual, não teria cabimento a condenação do recorrente no pagamento de juros moratórios a partir da sua citação. </font><br>
<font>- Juros de mora através dos quais se estaria a actualizar um valor já por si actualizado, representando, assim, o seu pagamento às autoras um Injustificado enriquecimento à custa do recorrente, reprovado pelo disposto no artigo 473.° do Código Civil, que, assim, o acórdão valorizou. </font><br>
<font>- Quanto às rendas e correspondentes juros: </font><br>
<b><font>.</font></b><font> Se as autoras aceitassem a reparação, as potencialidades do litígio ficariam reduzidas a questões pontuais (indemnizações relacionadas com danos no recheio, despesas, hipotéticos danos morais), mas teria permitido: </font><br>
<font>• Que as autoras pudessem, desde cedo, dispor, novamente, do imóvel para efeitos de arrendamento. </font><br>
<font>- Não se pode, também, concordar com o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto já que, mediante a homologada transacção a que chegaram com a seguradora, as autoras acordaram e, como tal, aceitaram que tal indemnização, referente aos danos no recheio (e não outros), fosse liquidada (fixada no valor Que especificam, como resulta da sua cláusula l.ª: «Autoras e Ré acordam em fixar a quantia relegada para execução de sentença referida nas alíneas b) e c) na decisão da douta sentença de fls ..., na quantia 16.728,64 euros, referente ao contrato de seguro identificado na alínea AA) dos factos assentes». </font><br>
<font>- Não podendo, assim, por fora da homologada transacção, o recorrente ser condenado ao pagamento de qualquer indemnização relacionada com os danos provocados pelo incêndio no recheio do prédio das autoras. </font><br>
<font>- Erro de interpretação que inquinou o sentido da decisão inserta no acórdão recorrido e que impõe a sua revogação. </font><br>
<font>- Mas mesmo que assim não se interprete, sempre sobre o valor a liquidar teria que incidir redução (que a sentença de 1.ª instância fixou em 1/5), já que a autoras pelo seu acondicionamento em condições que agravaram o dano não poderiam sonegar-se à correlativa responsabilização, assente na culpa sob a forma de negligência e que tem enquadramento legal no artigo 570.°, n. 1 do Código Civil, pois que, provado ficou, que tal recheio foi colocado pelas autoras numa garagem, em condições propícias à sua progressiva deterioração - «Factos Provados» números 181, 182 e 183. </font><br>
<font>- Pelo que, no primeiro caso, por não se terem extraído os devidos efeitos legais da mencionada transacção e, no segundo caso, por erro de interpretação do disposto no artigo 570.° do Código Civil, que inquinou o sentido da decisão inserta no acórdão recorrido, se impõe a sua revogação.”</font><br>
<font> </font><br>
<font>De todo o modo,</font><br>
<font> </font><br>
<font>“- O acórdão recorrido (tal como a sentença de 1.ª instância) ao condenar o ora recorrente CC no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais não peticionada pelas autoras violou o limite qualitativo imposto pelo segmento final do mencionado preceito - art. 661.°, n.º 1. do Código de Processo Civil. </font><br>
<font>- E se é certo que as autoras alegaram (e provaram) factos que em tese permitem discutir a existência de danos patrimoniais (o desgosto aliado às suas idades e ao facto de o prédio ter sido a residência da família), a verdade é que não pediram e muito menos quantificaram qualquer importância destinada ao seu ressarcimento, aparecendo a referência ao «desgosto» no discorrer da pena. </font><br>
<font>- Quantificação que também se impunha, entendida a mesma não como a exacta quantificação de tais danos, mas pelo menos a sua quantificação, como se extrai do artigo 569.° do Código Civil que não isenta o lesado da obrigatoriedade de quantificar mas sim de indicar a importância exacta em que os avalia. </font><br>
<font>- Mas mesmo que assim se não entenda, isto é, de que as autoras não precisavam sequer de indicar (e isso seguramente não indicaram) qualquer importância, então estaríamos no domínio de um pedido (se é que podemos vislumbrar no seu articulado qualquer pedido de danos não patrimoniais) genérico que recairia no âmbito de previsão e aplicação do artigo 471.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2 do Código de Processo Civil, isto é, pedido cuja formulação apenas poderia ser consentida se não fosse ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito ou se as autoras, pretensas lesadas, pretendessem usar da faculdade que lhe confere o mencionado artigo 569.° do Código Civil. </font><br>
<font>- Às autoras competia alegar e provar os factos integradores do dano não patrimonial (artigo 342.°, n° 1 do Código Civil), dispondo o artigo 496.°, n° 1. do Código Civil que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». </font><br>
<font>- Gravidade que deve ser sopesada por um padrão objectivo tendo em conta o circunstancialismo de cada caso e por, por outro lado, em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo trave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem patrimonial ao lesado. </font><br>
<font>- De todo o modo sempre o valor arbitrado, neste segmento, é excessivo e desproporcionado.”</font>
</p><p><font>As recorridas contra alegaram em defesa do julgado.</font>
</p><p><font>As instâncias deram por </font><b><font>provados os seguintes factos</font></b><font>: </font><br>
<font>1. Nos dias 30/05/1967 e 26/01/1993 faleceram em Bragança, respectivamente, EE e FF, conforme documentos juntos aos autos a fls. 5 e 6, que aqui se dão como integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais (A). </font><br>
<font>2. A Autora BB nasceu no dia 17 de Janeiro de 1931, sendo filha de EE e de HH, conforme certidão de nascimento junta aos autos a fls. 7, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais (B). </font><br>
<font>3. A Autora AA nasceu no dia 04 de Setembro de 1926, sendo filha de EE e de HH, conforme certidão de nascimento junta aos autos a fls. 8, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais (C). </font><br>
<font>4. Em 04 de Outubro de 1968, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fls. 10, denominado “Título de Arrendamento”, outorgado entre HH e GG , relativo ao 2.° andar esquerdo do prédio sito na Rua ...com o n.° 31, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria — Bragança sob o Art.° 785.°, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (D). </font><br>
<font>5. Em 01 de Março de 2002, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fls. 11 e 12, denominado “Contrato de Arrendamento”, outorgado entre AA, como cabeça de casal da Herança de HH, e II, JJ e LL, relativo ao prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria, Bragança sob o Art.° 787.°, onde consta a renda mensal de € 100,00, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (E). </font><br>
<font>6. Em 19 de Novembro de 2002, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fls. 13 e 14, denominado “Contrato de Arrendamento”, outorgado entre AA e MM, relativo às “Águas Furtadas — Nascente” do prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria — Bragança sob o Art.° 787.°, onde consta a renda mensal de € 100,00, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (F). </font><br>
<font>7. Em 24 de Abril de 2002, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fis. 15 e 16, denominado “Contrato de Arrendamento”, outorgado entre AA e NN, relativo ao prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria — Bragança, sob o Art° 787.°, onde consta a renda mensal de € 115,00, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (G). </font><br>
<font>8. No dia 05 de Maio de 2003, OO, como Comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de Bragança, emitiu a Declaração que consta de fls. 9, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais (H). </font><br>
<font>9. As Autoras são donas e exclusivas proprietárias e possuidoras do prédio urbano sito na Rua ..., da cidade de Bragança, que tem duas frentes — uma para a dita Rua ..., por onde tem rés-do-chão, 1.º, 2.°, 3° andar/águas furtadas; e para a Rua ...ª com um andar ao nível da cave (adegas e divisões várias adaptadas para habitação), inscrito nas matrizes urbanas sob os Art.°s 785.° e 787.° da freguesia de Santa Maria – Bragança (1). </font><br>
<font>10. No dia 11/04/2003, pelas 14:00 horas, no edifício da Rua ... da cidade de Bragança, contíguo ao prédio das Autoras, propriedade dos Réus CC e esposa, deu-se um incêndio (J). </font><br>
<font>11. O prédio dos Réus, identificado na alínea J) dos Factos Assentes situa-se numa zona habitacional na zona histórica da cidade de Bragança (L). </font><br>
<font>12. As botijas de gás GPL-Shell Butagás, nos termos contratados pelo Réu CC com a Ré Repsol Butano Portugal R. B., S. A. são propriedade desta (M). </font><br>
<font>13. Foi celebrado o contrato de seguro pelo risco de incêndio relativo ao imóvel ou edifício sito na Rua ..., composto de 3 pisos, destinado a habitação, comércio (lãs e peles) e consultórios médico-dentário, pelo valor de 5.000.00$00 ou 24.938,89 euros, com o n.° ou apólice 5019181, conforme documento junto aos autos de fls. 52 a 57, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (N). </font><br>
<font>14. Foi celebrado o contrato de seguro pelo risco de incêndio relativo ao conteúdo o recheio identificado no contrato pelo valor de 1.000.000$00, posteriormente alterado para o valor global de 1.612,900$00 ou 8.045,11 euros, com o n.° ou apólice 5019181, conforme documento junto aos autos de fls. 47 a 51, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (O). </font><br>
<font>15. A ... – C. Seguros, S.A. apresentou aos Herdeiros do EE os documentos que constam dos autos a lis. 58 e 59, que aqui | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ljJ-u4YBgYBz1XKvzhFB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA, casada, e BB, casada, residentes na Rua ..., propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, contra CC, pedindo que, na sua procedência, se declare que o réu é o pai biológico das autoras [a], que o réu seja condenado a reconhecer as autoras como suas filhas [b], que seja ordenado o averbamento, nos assentos de nascimento das autoras, da sua paternidade, nos termos da lei civil [c], alegando, para tanto, no essencial, que das relações sexuais mantidas entre a mãe das autoras, DD, e o réu, em consequência de uma relação amorosa que estabeleceram, durante cerca de sete anos, resultaram para aquela gravidezes e o nascimento das autoras, bem como de outro filho, entretanto, falecido.</font>
</p><p><font>Tendo as autoras sempre questionado sua mãe sobre a identidade de seu pai, esta sempre deu respostas vagas, sendo certo que a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, telefona-lhe e pede-lhe que estabeleça a sua filiação, mas este recusa os seus apelos.</font>
</p><p><font> Na contestação, o réu excecionou a caducidade do direito das autoras instaurarem a presente ação, atento o disposto nos artigos 1873º e 1817º, ambos do Código Civil, impugnando ainda a factualidade alegada pelas mesmas, relativamente ao conhecimento transmitido pela mãe sobre a identidade de seu pai e bem assim como que a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, lhe telefone e peça que estabeleça a sua filiação, e que este recuse os seus apelos.</font>
</p><p><font>Na sua resposta, as autoras limitaram-se a rebater a exceção da caducidade, que se não verifica, porque a ação de investigação de paternidade não está sujeita a prazo de caducidade, alegando ainda que o artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06, publicado no DR, de 8 de fevereiro de 2006, concluindo pela sua improcedência, mas sem qualquer referência factual quanto à extensão do prazo de propositura da ação, não invocando o circunstancionalismo superveniente justificativo da aplicação do estatuído pelo artigo 1817, nº 3, b), do Código Civil, que, no articulado inicial, imperfeitamente, alegaram.</font>
</p><p><font>No despacho saneador, julgou-se verificada e procedente a invocada exceção perentória de caducidade e, em consequência, declarou-se a caducidade do direito de investigação de paternidade exercido pelas autoras com a presente ação, deste modo se absolvendo o réu do pedido.</font>
</p><p><font>Deste saneador-sentença, as autoras interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação acordado </font><i><font>“julgar o recurso de apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação de Guimarães, as autoras interpuseram agora recurso de revista, pedindo que, na sua procedência, o mesmo seja revogado e substituído por outro que contemple as conclusões «infra» elencadas, que, na parte útil ao objeto da revista, se transcrevem:</font>
</p><p><font>……………………………………………………………………………………………………………………..</font>
</p><p><font>9ª – É inconstitucional o prazo de caducidade previsto no n° 1 do art.º 1817° do Código Civil, na redação dada pela Lei n° 14/2009 de 1 de Abril, aplicável à investigação de paternidade por remissão do art.º 1873° do mesmo código, porquanto a limitação temporal ao direito de intentar acção de investigação de paternidade constitui afronta ao consagrado constitucionalmente, relativamente a Direitos, Liberdades e Garantias;</font>
</p><p><font>10ª - A limitação temporal ao direito de investigação da paternidade é violadora dos art.°s 18°, n.ºs 1 e 2, 26, n.ºs 1 e 3 e 36°, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa;</font>
</p><p><font>11ª - O direito de investigação de paternidade não caduca, porque se trata do direito fundamental ao conhecimento da identidade pessoal, no qual se inclui o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade. Trata-se, pois de direito pessoal, intangível e imprescritível, cujo exercício se sobrepõe a todos os outros, nomeadamente do investigado, que com ele possam contender, independentemente de qualquer prazo que seja fixado na lei;</font>
</p><p><font>12ª - A fixação de um prazo não resulta num justo equilíbrio entre os interesses do investigante, do investigado e sua família e do interesse público da estabilidade das relações jurídicas;</font>
</p><p><font>13ª - O direito do investigante ao estabelecimento da sua paternidade e identidade pessoal é um direito mais forte, é um direito constitucionalmente garantido, é um direito que prevalece sobre o direito do investigado e da sua família bem como sobre o interesse público da estabilidade das relações jurídicas (art.°s 18°, n.ºs 1 e 2 e 26°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa);</font>
</p><p><font>14ª - O art.º 26° da Constituição da República Portuguesa não estabelece qualquer prazo para garantia do direito do reconhecimento da identidade pessoal, da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano;</font>
</p><p><font>15ª - A ação de investigação de paternidade é também um mecanismo criado pelo Estado que permite o exercício de outro direito constitucional, para além do da identidade pessoal, que é o “direito de constituir família”, previsto no n° 1 do art.º 36° da Constituição da República Portuguesa;</font>
</p><p><font>16ª - A caducidade do direito de ação de investigação da paternidade viola o disposto no n° 4 do art.º 36° da Constituição da República Portuguesa que proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento;</font>
</p><p><font>17ª - A superioridade dos interesses do investigante não se compadece com qualquer limitação dos seus direitos fundamentais;</font>
</p><p><font>18ª - As considerações de segurança jurídica, pessoal e familiar do investigado têm que ceder perante a imprescritibilidade do direito do investigante, têm que ceder perante a imprescritibilidade do direito à identidade pessoal, protegido nos art.º 18°. n.s 1 e 2 e 26°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, e que tem maior densidade constitucional;</font>
</p><p><font>19ª - No confronto entre o direito ao conhecimento e estabelecimento da ascendência e à verdade biológica, com a confiança, a segurança e a reserva do investigado pai ou dos seus herdeiros, obviamente que deve prevalecer o primeiro, por ser um direito socialmente mais importante, correspondendo à tutela da personalidade, sendo por isso indisponível, absoluto e imprescritível;</font>
</p><p><font>20ª - Os danos eventualmente causados ao pretenso pai, com a acção de investigação de paternidade, não são superiores aos sofridos pelo pretenso filho, caso a completa filiação do mesmo se mantivesse por estabelecer, nem aqueles seriam agravados pelo decurso do tempo;</font>
</p><p><font>21ª - O direito do investigante à sua identidade, direito fundamental no qual se integra o direito a conhecer a identidade dos progenitores não pode ser, portanto, impedido por limitações temporais, por afrontar o disposto nos art.°s 18°, n.ºs 1 e 2 e 26°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa;</font>
</p><p><font>22ª - A mais recente doutrina e jurisprudência vai no sentido da imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade precisamente porque há que respeitar a verdade biológica, postulando o direito à identidade pessoal, um princípio de verdade pessoal;</font>
</p><p><font>23ª - No âmbito do exercício do direito de ação de investigação de paternidade o interesse do investigante prevalece sobre os demais — interesse do investigado e sua família e interesse público da estabilidade das relações jurídicas;</font>
</p><p><font>24ª - Tem o investigante direito à identidade pessoal. Trata-se de um direito constitucionalmente garantido (art.º 26° da Constituição da República Portuguesa);</font>
</p><p><font>25ª - Ao colocar-se no mesmo patamar o interesse do investigante e o interesse do investigado, está apenas a proteger-se um progenitor relapso, desinteressado, que não acautela os interesses dos seus filhos. Um pai que não integra o conceito do </font><i><font>bonus pater familiae</font></i><font>;</font>
</p><p><font>26ª - Um progenitor responsável e consciente não carece que o condenem a reconhecer um filho como seu, um progenitor responsável chama a si o exercício da responsabilidade parental;</font>
</p><p><font>27ª - Ao ser o filho a desencadear a ação de investigação de paternidade está a imputar-se-lhe um “ónus” que deveria ser do investigado, pois este espontaneamente deveria reconhecer a paternidade dos filhos que concebeu ou tendo dúvidas sobre a titularidade da mesma dispor-se a esclarecê-la;</font>
</p><p><font>28ª - Com a limitação temporal o investigante é prejudicado e o investigado, que por uma questão moral, de honra e carácter deveria reconhecer os filhos que concebe, é premiado, pois a lei não deixa que essa responsabilidade lhe seja atribuída;</font>
</p><p><font>29ª - As consequências da caducidade da acção de investigação da paternidade são desproporcionadas do ponto de vista do investigante e do investigado. O prejuízo do investigante com a caducidade da acção de investigação da paternidade é superior ao prejuízo que para o investigado resulta da procedência da acção, que será a de ser condenado a reconhecer a paternidade. Ora, qual é a penalização se de facto é o progenitor? Apenas se está a condenar a fazer o que deveria ter feito ou que não fez por desconhecimento. Reconhecer o filho que concebeu;</font>
</p><p><font>30ª - Ao investigante falta uma parte da sua identidade, relativa ao progenitor e à família deste. O investigado só quer que não o perturbem, que não afectem a sua tranquilidade;</font>
</p><p><font>31ª - Os progenitores conscientes reconhecem os seus filhos. Os interesses e o bem estar dos filhos são sempre postos à frente dos seus. E isso o que se espera e faz o homem médio;</font>
</p><p><font>32ª - Ainda que aos 28 anos, objectivamente, se considere haver maturidade que permita intentar acção para a investigação da paternidade, subjectivamente, pode não ser assim. Pode não haver capacidade mental para enfrentar a discussão da paternidade, sabendo-se de antemão que se continuará a ser rejeitado, que o investigado tudo fará para que a paternidade não seja reconhecida e estabelecida;</font>
</p><p><font>33ª - Os argumentos apontados pela doutrina e pela jurisprudência defensoras da constitucionalidade do prazo de caducidade das acções de investigação de paternidade, relativos ao “envelhecimento” ou perecimento das provas, já não fazem sentido, pois os avanços da ciência no que aos exames de ADN se refere permite obter um grau de certeza muito próximo dos 100%;</font>
</p><p><font>34ª - Para a fixação de prazo de caducidade para a ação de investigação de paternidade, não podem colher argumentos de carácter económico, nomeadamente, a perspetiva do investigante ser herdeiro e causar dessa forma um rombo nas expectativas dos herdeiros do investigado, nomeadamente de outros filhos;</font>
</p><p><font>35ª - Não se pode negar ao investigante o mesmo direito que têm os filhos cuja paternidade se encontra estabelecida, pois estes sempre terão beneficiado do apoio do pai;</font>
</p><p><font>36ª - As pretensões patrimoniais são inteiramente legítimas no caso de se confirmar a paternidade, pois essas também são as dos filhos reconhecidos;</font>
</p><p><font>37ª - A verdade biológica também é importante para efeitos de natureza patrimonial, na medida em que iguala quem tem direitos iguais, ou seja os irmãos;</font>
</p><p><font>38ª - Os filhos têm direitos patrimoniais, não se podendo discriminar os filhos nascidos fora do casamento (art.º 36°, n° 4 da CRP);</font>
</p><p><font>39ª - O interesse público da estabilidade das relações jurídicas é de que as relações de paternidade se estabeleçam de forma a evitar casamentos consanguíneos, não se compadece, por isso, com a imposição de limitação temporal ao direito de acção de investigação de paternidade;</font>
</p><p><font>40ª - Não pode, por um lado a ordem pública impor o impedimento dirimente relativo do casamento entre pessoas parentes na linha recta ou no 2° grau da linha colateral (art.º 1602° do Código Civil) e por outro lado impedir que os cidadãos desencadeiem mecanismos tendentes ao estabelecimento da sua paternidade, da sua identidade, da sua história de família;</font>
</p><p><font>41ª - O Estado tem interesse na fixação das relações de parentesco, na concretização da filiação biológica, pois a família é o seu núcleo básico;</font>
</p><p><font>42ª - As aqui recorrentes consideram que o seu direito de investigação de paternidade não caducou, pois trata-se do direito fundamental ao conhecimento da sua identidade pessoal, no qual se inclui o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade. Trata-se, pois de direito pessoal, intangível e imprescritível, cujo exercício se sobrepõe a todos os outros, nomeadamente o do recorrido, que com ele possam contender, independentemente de qualquer prazo que seja fixado na lei;</font>
</p><p><font>43ª - O recorrido aceita que manteve relações sexuais de cópula completa com a mãe das recorrentes e diz que é verdade que na freguesia as pessoas diziam que o recorrido era o pai das recorrentes, bem como a mãe delas, portanto, ainda que não tenha a certeza que seja o pai das recorrentes a dúvida sempre se lhe deve ter suscitado;</font>
</p><p><font>44ª - Com a limitação temporal o aqui recorrido é premiado, pois ao invés de reconhecer os filhos que concebeu ainda vem invocar a perturbação da sua tranquilidade;</font>
</p><p><font>45ª - O recorrido em vez de se escudar com o instituto da caducidade do direito das recorrentes deveria encarar a propositura da acção como uma oportunidade que lhe é dada por estas para reparar o seu erro ou omissão.</font>
</p><p><font>46ª - O recorrido não acompanhou nem se interessou pela vida, pelo crescimento e pela educação das recorrentes e nunca lhes prestou o apoio que é devido aos filhos.</font>
</p><p><font>47ª - Antes pelo contrário, o recorrido até diz que centrou toda a sua vida a pensar num único filho.</font>
</p><p><font>48ª - Coloca o recorrido a possibilidade de ser pai das recorrentes, mas nunca curou de saber delas e do seu bem estar e felicidade e ainda por cima considera-se o grande prejudicado com a acção por elas proposta e por isso anda triste, acabrunhado e revoltado.</font>
</p><p><font>49ª - É da mais elementar justiça que a confirmar-se a paternidade não se negue às recorrentes os mesmos direitos patrimoniais que tem o filho do recorrido, aquele cuja paternidade se encontra estabelecida, pois este sempre beneficiou do apoio do pai;</font>
</p><p><font>50ª - As pretensões patrimoniais são inteiramente legítimas no caso de se confirmar a paternidade, pois essas também são as do filho nascido do casamento, conforme aliás é dito na contestação.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, o réu conclui no sentido de que deve ser negada procedência à revista, mantendo-se o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Não obstante a situação da dupla conformidade das decisões das instâncias, o Coletivo da Formação, a que alude o artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), aceitou o recurso de revista excecional, por considerar, juridicamente, relevante a matéria que engloba a problemática de saber se é possível limitar o direito à identidade pessoal, na vertente da identidade genética.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação, sem qualquer desvio face à sentença de primeira instância, entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC, mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. A presente ação foi instaurada a 14 de Outubro de 2014.</font>
</p><p><font>2. As autoras AA e BB nasceram a ... de 1945 e ... de 1949, respetivamente.</font>
</p><p><font>3. A mãe das autoras, DD, nasceu a ... de 1924.</font>
</p><p><font>4. O réu nasceu a ... de 1922.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>A única questão a decidir, na presente revista, uma vez que a questão prévia da sua admissibilidade já se mostra ultrapassada, em função da qual se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, consiste na questão da constitucionalidade do prazo de caducidade da propositura da ação de investigação de paternidade que decorre da aplicação do artigo 1817.º, «ex vi» artigo 1873.º, na redação emergente da Lei nº 14/2009, de 1 de abril, ambos do Código Civil (CC).</font>
</p><p><font>DA CONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO DE CADUCIDADE DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE</font>
</p><p><font>1. Dispõe o artigo 1817º, do CC, na redação emergente da Lei nº 14/2009, de 1 de abril, no seu nº 1, que “a ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”, aplicável à ação de investigação da paternidade, com as necessárias adaptações, por força do preceituado pelo artigo 1873º, do mesmo diploma legal.</font>
</p><p><font>Este normativo legal estabeleceu um prazo de caducidade, ao consagrar a possibilidade do direito “ser exercido dentro de certo prazo”, atento o estipulado pelo artigo 298.º, n.º 2, do CC. </font>
</p><p><font>O artigo 1817º, do CC, nos seus nºs 2 e 3, prevê ainda casos excecionais em que a ação pode ser instaurada, decorrido o prazo fixado naquele n.º 1, ou seja, “se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório” [nº 2], e “a ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação [nº 3], acrescentando o seu nº 4 que “no caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação”.</font>
</p><p><font>A eventual subsunção da materialidade contida, no articulado inicial, à situação excecional, a que alude o artigo 1817º, nº 3, b), do CC, decorrente da invocação pelas autoras de que “</font><i><font>a autora AA, desde que lhe foi confirmado que o réu é seu pai, há cerca de um ano, telefona-lhe e pede-lhe que estabeleça a sua filiação, mas este recusa os seus apelos”</font></i><font>, não traduz, pelo seu carater genérico e conclusivo, factualidade superveniente relevante suscetível de fundamentar a sua aplicação, de modo a justificar a adoção, por este Supremo Tribunal de Justiça, do entendimento justificativo da extensão do correspondente período temporal para a propositura da ação, para além de que as autoras não só não suscitaram a questão, como, em particular, não reagiram ao segmento do acórdão recorrido que emitiu pronúncia negativa nesse sentido, em termos de o mesmo constituir caso julgado formal, em conformidade com o disposto pelo artigo 620º, nº 1, do CPC.</font>
</p><p><font>A isto acresce, como já consta do relatório deste acórdão, que, na resposta à contestação, as autoras limitaram-se a rebater a exceção da caducidade e a sua constitucionalidade, sem qualquer referência factual quanto aos pressupostos da extensão do prazo de propositura da ação, não invocando o circunstancionalismo superveniente justificativo da aplicação do estatuído pelo artigo 1817, nº 3, b), do CC, que, no articulado inicial, imperfeitamente, alegaram.</font>
</p><p><font>Com efeito, incumbia às autoras a alegação dos factos constitutivos da contra-exceção da caducidade, resultante da previsão do artigo 1817º, nº 3, b), do CC, ao alongar o prazo geral consagrado no seu nº 1, quando o investigante só deles tenha conhecimento, após o decurso do mesmo, isto é, cabe ao investigante o ónus de invocar os factos que demonstrem que, apenas, após o decurso do prazo de 10 anos sobre a respetiva maioridade, teve conhecimento de factos ou circunstâncias essenciais e decisivas, idóneas a desencadear a propositura da ação, já que não era exigível que a tivesse proposto antes de ter adquirido conhecimento dos factos, subjetivamente, supervenientes, invocados.</font>
</p><p><font>Ora, o momento, processualmente, adequado para alegar tais factos, consubstanciadores de uma verdadeira contra-exceção, por forma a paralisar o efeito extintivo do direito que, normalmente, decorreria do esgotamento do prazo-regra, era o da apresentação da resposta à exceção de caducidade, deduzida pelo réu, na contestação, cabendo às autoras o ónus de, ainda que a título subsidiário, relativamente à tese da imprescritibilidade da ação, alegarem que só, tardiamente, tiveram acesso a factualidade fundamental para viabilizar a proposição da ação de reconhecimento judicial da paternidade</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>2. Por ocasião da propositura da presente ação de investigação de paternidade, a autora AA tinha 69 anos e a autora BB 65 anos de idade.</font>
</p><p><font>As instâncias convergiram na decisão de julgarem procedente a exceção perentória da caducidade do direito de ação, defendendo o acórdão recorrido, em síntese conclusiva, que “</font><i><font>não ocorre a inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º do mesmo código, porque não violam, de forma desproporcionada, os direitos fundamentais consagrados nos art.ºs 16º n.º 1, 18º n.º 2 e 26º n.º 1 da C.R.P”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Porém, as autoras sustentam, diferentemente, que é inconstitucional o prazo de caducidade, previsto no artigo 1817°, nº 1, do CC, na redação dada pela Lei n° 14/2009, de 1 de abril, porquanto o direito de investigação da paternidade não caduca, pois que se trata do direito fundamental ao conhecimento da identidade pessoal, que é o “direito de constituir família”, de natureza pessoal, intangível e imprescritível, no qual se inclui o direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, imposto pelo princípio da verdade biológica, cujo exercício se sobrepõe a todos os outros, nomeadamente, os do investigado e da sua família, bem como o do interesse público da estabilidade das relações jurídicas que com ele possam contender, independentemente de qualquer prazo que seja fixado na lei, não constituindo este um justo equilíbrio entre os interesses do investigante, do investigado e de sua família, antes afrontando o princípio da proibição da discriminação dos filhos nascidos fora do casamento.</font>
</p><p><font>3. No ordenamento jurídico nacional, defrontam-se, no que concerne à questão decidenda, duas teses contraditórias, uma que defende a inconstitucionalidade do prazo de caducidade e a consequente imprescritibilidade do direito à investigação da paternidade, e a outra que sustenta a sua constitucionalidade, com a reflexa caducidade do mesmo.</font>
</p><p><font>Deste modo, para os defensores da inconstitucionalidade, os prazos de caducidade impostos ao investigante, vedando que, a todo o tempo, se reconheça, por via judicial, a sua ascendência biológica, traduzem-se numa restrição violadora dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), configurando uma restrição desproporcionada do direito à identidade pessoal, considerando, ainda, que o estabelecimento da paternidade se insere no acervo dos direitos pessoalíssimos, tais como, o de conhecer e ver reconhecida a verdade biológica da filiação, a ascendência e a matriz genética de cada pessoa. </font>
</p><p><font>Assim sendo, o direito à investigação da paternidade ou da maternidade é imprescritível</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, sendo, portanto, a redação atual do artigo 1817.º, do CC, oriunda da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, inconstitucional, por violação do estipulado pelos artigos 18.º, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, todos da CRP, enquanto que, por sua vez, aqueles que defendem a constitucionalidade de tais prazos, fundamentam-se nos princípios da certeza e segurança jurídica, considerando insustentável a possibilidade de se instaurar a ação, a todo o tempo, por tal implicar uma situação de incerteza duradoura incidente sobre o pretenso pai e seus herdeiros, a perda ou envelhecimento das provas e, ainda, um incentivo no propósito da “caça às fortunas”.</font>
</p><p><font>Esta última tese encontrou a sua expressão acabada, no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22 de setembro, que considera, perfeitamente, aceitável o estabelecimento de prazos para a propositura da ação de investigação da paternidade, não se devendo pôr em causa a segurança jurídica do pretenso pai e da sua família, só para garantir ao investigante o direito de dispor de todo o tempo para intentar a referida ação, pois que não se conceberia um regime de imprescritibilidade que mantivesse tal situação de incerteza, perfeitamente, evitável.</font>
</p><p><font>4. O artigo 133.º, do Código Civil de 1867 (Código de Seabra), previa que as ações de investigação de paternidade só podiam ser intentadas pelos filhos enquanto os pretensos pais fossem vivos, exceto no caso de estes falecerem, sendo os filhos menores de idade, situação em que o prazo era alargado para os quatro anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, ou quando o filho obtivesse escrito dos pais a admitir a sua paternidade, hipótese em que a ação podia ser proposta, a todo o tempo, consagrando-se, assim, relativamente à matéria, o regime da imprescritibilidade que, no entanto, era pouco exequível, devido às exigências dos pressupostos da admissibilidade das investigações.</font>
</p><p><font>A investigação da paternidade ilegítima, contemplada pelos artigos 130.º a 133.º, do Código de Seabra, só era admitida, havendo escrito do pai a declarar a paternidade, se o filho beneficiasse de posse de estado, ou, na circunstância de ter havido violação da mãe, desde que o nascimento coincidisse com a data da pratica do crime, pois que, em todas as demais situações, a averiguação não era admitida, o que significa que o seu âmbito de aplicação era muito restrito, para não dizer, suprimido, desprovido de eficácia prática, sendo que esta restrição se justificava porque não havia interesse em que os filhos de relações extramatrimoniais, normalmente, de mulheres de classes mais baixas, beneficiassem de cobertura legal e, por essa via, pudessem subtrair proveitos, principalmente, financeiros, aos herdeiros legítimos sucessíveis do investigado. </font>
</p><p><font>Outra das justificações para o sucedido contendia com as dificuldades da prova do vínculo biológico, onde pontuavam as insuficiências da prova testemunhal.</font>
</p><p><font>Por isso, o Estado não intervinha, nesta esfera de intimidade pessoal, não tendo o vínculo biológico, quando não acompanhado de uma expressão de vontade, por parte do progenitor, qualquer peso específico.</font>
</p><p><font>Em seguida, o artigo 37.º, do Decreto nº 2, de 25 de dezembro de 1910, data até à qual se manteve em vigor o regime do Código de Seabra, estatuiu que “a ação de investigação da paternidade…só pode ser intentada em vida do pretenso pai…., ou dentro do ano posterior à sua morte, salvas as seguintes exceções…”, estendendo o prazo de propositura da ação de investigação de paternidade, até um ano após a morte dos supostos pais, pelo que o momento determinante da caducidade do prazo para a investigação passou a ser, não a vida do pretenso pai, mas o ano subsequente ao da sua morte, conhecendo, contudo, essa limitação temporal, três exceções, oriundas do Código de Seabra, ou seja, sendo o filho menor ou demente aquando do falecimento dos pais, gozava do prazo de quatro anos para propor a ação, após a maioridade, emancipação ou restabelecimento da sua razão (1.º), ou, mesmo tendo já decorrido o prazo legal, se o filho obtivesse documento escrito e assinado, em que os pais declarassem a sua paternidade, a ação poderia ser intentada, a todo o tempo, desde que o filho provasse que obteve o escrito, nos seis meses anteriores à proposição da ação, não prejudicando esta exceção as regras gerais sobre a prescrição da aquisição dos bens, mas podendo a filiação revestir, apenas, efeitos pessoais.</font>
</p><p><font>Esta nova solução legal relativa à investigação da paternidade, com prazos mais alargados, foi apodada de motivações, essencialmente, económicas, pois que a ação era intentada, praticamente, sempre depois da morte do pretenso progenitor, tendo como objetivo “a exigência tardia de bens materiais que já não concorrem para modificar a situação moral e social dos filhos ilegítimos e são extorquidos, quiçá muitas vezes com fraude, àqueles que desde há muito tinham legítima expectativa sobre esses bens”</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, convertendo a ação de determinação legal do pai num puro instrumento de caça à herança quando o pai fosse rico</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A faculdade de propor a ação de investigação da paternidade, a todo o tempo, manteve-se até à entrada em vigor do Código Civil de 1966.</font>
</p><p><font>Foi, porém, contra esta má instrumentalização da ação, em grande número de casos, e no intuito de aproximar o estabelecimento da paternidade do período de vida do filho em que o poder paternal é mais necessário e pode ser mais útil</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, que o artigo 1854.º, n.º1, do Código Civil de 1966, consagrou o prazo-regra de que “a ação de investigação de paternidade [ilegítima] só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois anos posteriores à sua emancipação ou maioridade”, sendo que a maioridade se atingia, por força do estipulado pelo respetivo artigo 130º, aos 21 anos, passando, assim, o momento chave do prazo de caducidade a ser os dois anos posteriores à maioridade ou emancipação e não a data da morte do pretenso progenitor, admitindo os restantes números do normativo em análise prazos excecionais, para situações tipificadas, nomeadamente, se a filiação já estivesse estabelecida, hipótese em que não era possível o reconhecimento judicial em contraposição com a definida na lei, sendo, então, necessário, remover, inicialmente, esse obstáculo, após o qual a ação podia ser proposta, no prazo de um ano, desde que a retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório tivesse sido requerida até ao momento em que o investigante fizesse 20 anos, após o abaixamento da data da maioridade [n.º2], se a ação fosse fundada em escrito onde o progenitor admitisse, de forma inequívoca, a maternidade ou paternidade, podia ser proposta, a todo o tempo, desde que o escrito apenas tivesse sido obtido pelo investigante, nos seis meses anteriores à proposição da ação [n.º3] e se a investigação se fundasse em posse de estado, o prazo para a propor era de um ano, após cessar o tratamento como filho [n.º4].</font>
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GTKnu4YBgYBz1XKvDSh3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
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<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> Revista nº 6152/03.0TVLSB.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> I— RELATÓRIO </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> A...H..., Limited, </font></b><font>com sede em ..., Grã Bretanha, intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra</font><b><font> A.A. S... - Imóveis, Comércio e Indústria, S.A., </font></b><font>com sede na Estrada ..., Oeiras, </font><b><font>P... - Sociedade Imobiliária de Paço De Arcos, Lda., </font></b><font>com sede em Tagus Park, Edifício Um, Piso 0, Ala A, Oeiras,</font><b><font> Banco Comercial Português, S.A., </font></b><font>com sede na Praça D. João I, nº 28, Porto, </font><b><font>Banco BPI, S.A., </font></b><font>com sede na Rua Tenente Valadim, nº 284, Porto,</font><b><font> Banco Espírito Santo, S.A., </font></b><font>com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, Lisboa,</font><b><font> Banco Santander Portugal, S.A., </font></b><font>com sede na Praça Marquês de Pombal, nº 2, Lisboa, </font><b><font>Banco Totta e Açores, S.A., </font></b><font>com sede na</font><b><font> </font></b><font>Rua do Ouro, nº 88, Lisboa, </font><b><font>Banco Finantia, S.A., </font></b><font>com sede na Rua General Firmino Miguel, nº 5, 1º, Lisboa,</font><b><font> </font></b><font>e</font><b><font> Caixa Central - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., </font></b><font>com sede na Rua Castilho, nº 233, Lisboa, pedindo:</font>
</p><p><font>A – A condenação da 1.ª R. e, solidariamente com ela, dos restantes RR. a pagarem à A:</font>
</p><p><font>a) – A quantia de 15.462.734,81€, a título de preço em dívida das acções que por esta última lhe foram vendidas, responsabilizando por tal todo o património da mesma R., sem qualquer limitação no que respeita aos respectivos bens;</font>
</p><p><font>b) – A quantia de 81.125,66€, a título de reembolso de 50% das quantias despendidas pela mesma A. no pagamento dos serviços prestados pelo Banco Finantia como depositário das acções vendidas;</font>
</p><p><font>c) – A quantia de 1.555,85€, a título de juros vencidos contados sobre a quantia indicada na alínea b), à taxa legal, desde 03/03/03, bem como os juros vincendos, até integral e efectivo pagamento;</font>
</p><p><font>d) – Uma quantia a liquidar em execução de sentença, estimada em 62.000.000,00€, correspondente aos ganhos frustrados que resultaram para a A. do incumprimento do contrato de compra e venda de acções e/ou da prática de um ilícito civil;</font>
</p><p><font>e) – Subsidiariamente ao pedido enunciado em d), a quantia de 296.603,07€, a título de juros vencidos contados sobre o preço da compra e venda de acções em dívida, à taxa legal, desde 03/03/03, bem como nos juros vincendos, até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>B – Que seja dado provimento à acção de impugnação pauliana deduzida e declarada ineficaz, em relação à A., a dação em cumprimento formalizada pela escritura de 08/04/2003;</font>
</p><p><font>C – Que seja ordenado o cancelamento das hipotecas inscritas a favor das 8.ª e 9.ª RR. por se manifestarem extintos os créditos por elas garantidos (inscrições C1, Ap. 43 de 1998/04/27 e C2 Ap. 9 de 1999/01/26) que incidem sobre o prédio urbano sito em Terrugem, Paço de Arcos, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o n.° 2881, freguesia de Paço de Arcos.</font>
</p><p><font>Alega a autora, no essencial, que:</font>
</p><p><font>- Em 07/03/1997, vendeu à 1.ª R. 836.957 acções, de que era titular no capital da sociedade Acumuladores A..., S.A., pelo preço de 3.200.000.000$00, a pagar em duas prestações, uma de 100.000.000$00 e outra de 3.100.000.000$00, esta última a efectuar em 03/03/2003 (cf. fls. 65 e segs.);</font>
</p><p><font>- Com a compra dessas acções, a 1.ª R. passou a deter 55,56% daquele capital;</font>
</p><p><font>- A par disso, foi celebrado entre a A., a 1.ª R. e o Banco Finantia um contrato, denominado “Acordo de Depósito Fiduciário”, nos termos do qual o referido Banco constituiu-se depositário das acções vendidas, a ser remunerado pela A. (cf. fls. 81 e segs.);</font>
</p><p><font>- Por sua vez, a 1.ª R. comprometeu-se, nos termos do n.° 1 da cláusula 8.ª do sobredito contrato de compra e venda, a reembolsar a A. de metade dos encargos que por esta fossem suportados no âmbito do contrato de depósito das acções, cujo valor ascende a 81.125,66€;</font>
</p><p><font>- Nos termos dos n.°s 1 e 3 da cláusula 10.ª do contrato de compra e venda, as partes limitaram a garantia da 1.ª R. pelo pagamento do preço das acções ao património por elas próprias constituído, excluindo de tal limitação a obrigação do reembolso de 50% da remuneração devida ao depositário Banco Finantia;</font>
</p><p><font>- Desde 07/03/1997, aquele património social acabou por ficar reduzido a nada, tendo a sociedade Acumuladores A..., S.A. ficado em situação de insolvência, sem que a 1.ª R. tivesse procedido, como devia, em função da obrigação de resultado assumida, por forma a evitar o esvaziamento do valor das acções, violando assim o contrato celebrado com a A. e defraudando as legítimas expectativas desta;</font>
</p><p><font>- Em 30/09/2002, a sociedade Acumuladores A..., S.A., a 1.ª R. e os Bancos RR. celebraram um contrato denominado “Contrato Promessa de Dação em Cumprimento e Financiamento”, (cf. fls. 142 e segs.), nos termos do qual a 1.ª R. prometeu dar em cumprimento aos referidos Bancos, ou a sociedade a ser por eles constituída sob a firma P..., um prédio urbano de que era proprietária, sito na Estrada de Paço de Arcos, para extinção de dívidas suas e da A..., S.A.;</font>
</p><p><font>- Ainda em 30/09/2002, a 1.ª R. e a Acumuladores A..., S.A., celebraram um contrato denominado “Contrato de Transmissão de Estabelecimento Comercial com Opção de Recompra” (cf. fls. 112 e segs.), nos termos do qual, após reconhecerem reciprocamente que a Acumuladores A..., S.A., se encontrava numa situação de insolvência, transferiram todo o estabelecimento comercial desta sociedade para a 1.ª R., passando esta a exercer a integralidade da actividade económica daquela, cujo património ficou assim esvaziado de activos rentáveis e sobrecarregado de passivo;</font>
</p><p><font>- Por carta de 01/10/2002, a 1.ª R. declarou-se perante a A. impossibilitada de pagar a última prestação do preço de venda das acções, correspondente a 15.462.734,81€, o que equivale a recusa antecipada de cumprir;</font>
</p><p><font>- Por escritura pública de 08/04/2003, foi constituída a P..., ora 2.ª R., tendo como sócios fundadores os Bancos RR.;</font>
</p><p><font>- Na mesma data e cartório, foi outorgada escritura pública, entre a 1.ª R. e a 2.ª R., denominada “Dação em Cumprimento” (cf. fls. 128 e segs.), nos termos da qual a 1.ª transmitiu à 2.ª o imóvel sito na Estrada de Paço de Arcos, com o valor de mercado aproximadamente de 45.000.000,00€, para extinção dos créditos dos Bancos, relativos a dívidas contraídas junto desses Bancos pela A..., S.A., no montante de 28.104.317,89€, e pela 1.ª R., no montante de 1.834.650,20€, na cifra total de 29.938.975,09€, créditos estes cedidos por aqueles Bancos à R. P..., na mesma data (08-04-2003) (cf. fls. 134 e segs.);</font>
</p><p><font>- O referido imóvel encontrava-se já onerado com duas hipotecas a favor dos Bancos, a primeira constituída em 22/04/1998 e a segunda em 26/06/2001, para garantia de créditos contraídos pela 1.ª R. e pela A..., S.A.;</font>
</p><p><font>- Os créditos garantidos pela 1.ª hipoteca (de 22/04/1998) respeitavam a dívidas da A..., S.A., no valor de 5.705.040,27€, e a dívidas da 1.ª R., no valor de 1.834.657,20€, no total de 7.539.697,47€, contraídas no âmbito do Contrato de Financiamento, de 23/04/1998, constante do documento de fls. 185 e segs.;</font>
</p><p><font>- Por sua vez, os créditos garantidos pela 2.ª hipoteca (de 26/06/2001), reportados ao contrato de financiamento referido na respectiva escritura de constituição reproduzida a fls. 205 e segs., respeitavam a dívidas da A..., S.A., no valor de 1.981.209,66€;</font>
</p><p><font>- Os créditos garantidos pelas duas hipotecas, que totalizam a cifra 29.938.975,09€, correspondem exactamente ao montante dos créditos cedidos pelos Bancos à P... e que foram satisfeitos pela sobredita dação em cumprimento, extinguindo assim as mencionadas hipotecas, não obstante ainda não terem sido canceladas;</font>
</p><p><font>- Dos eventos descritos decorre que os Bancos RR., com a conivência da administração da 1.ª R., dominada por AA, têm vindo a realizar uma estratégia progressiva de reforço, ao longo dos anos, das garantias dos seus créditos sobre o universo empresarial da A..., S.A., e da 1.ª R., o que culminou com o completo esvaziamento da A..., S.A., através do sobredito contrato de trespasse, e da 1.ª R., com a dação em cumprimento do imóvel já referido, beneficiando tanto os administradores da 1.ª R., ao se libertarem das garantias pessoais que tinham prestado, como os Bancos que viram plenamente satisfeitos os seus créditos;</font>
</p><p><font>- Desse modo, através do contrato de financiamento, de 23/04/1998, compreendendo um mútuo hipotecário (doc. de fls. 176 e segs.), um contrato de abertura de crédito (doc. de fls. 185 e segs, art. 2.º, al. b)) e um contrato de empréstimo a médio prazo (doc. fls. 185, art. 2.º, al. c)), bem como um outro contrato de financiamento, de 26/06/2001, os Bancos, ali designados por SINDICATO, refinanciaram a A..., S.A., e a 1.ª R. para pagamento de créditos pré-existentes deles próprios, conforme se alcança da cláusula 1.ª do contrato de financiamento de fls. 185, no montante total de 29.938.975,09€;</font>
</p><p><font>- Por fim, através do Contrato de Moratória, celebrado em 15/01/2002 (cf. fls. 215 e segs.), os Bancos reforçaram, ainda mais uma vez, as suas garantias;</font>
</p><p><font>- Assim, os Bancos RR., simultaneamente ao reforço das garantias dos seus créditos, passaram a controlar de perto a actividade da A..., S.A., com crescente influência na respectiva gestão;</font>
</p><p><font>- Com tais comportamentos os RR. violaram o princípio do tratamento igual de todos os credores contido no art. 604.°, n.° 1, do CC, ao terem constituído preferências de pagamento arbitrárias, e esvaziaram, com má fé, os patrimónios da A..., S.A., e da 1.ª R., que serviam de garantia ao crédito da A., mormente através da dação em cumprimento;</font>
</p><p><font>- A responsabilidade da 1.ª R. emerge tanto da violação das obrigações contratuais para com a A. como também da violação da lei, em sede pré-contratual e por violação do tratamento igual dos credores, enquanto que a responsabilidade dos demais RR. é exclusivamente de natureza extracontratual.</font>
</p><p><font>●</font>
</p><p><font>A 1.ª R. contestou, por impugnação (fls. 269-326), sustentando que:</font>
</p><p><font>- Pela falta do pagamento da parte do preço de venda das acções aqui em causa responde exclusivamente o património constituído pelas referidas acções depositadas no Banco Finantia, conforme o estipulado no n.° 1 da cláusula 10.ª do respectivo contrato;</font>
</p><p><font>- A R. comunicou à A. e ao Banco depositário que as acções que constituíam a garantia estavam à disposição da A., uma vez que não estava em condições de efectuar a parte do preço em dívida, não ocorrendo assim o alegado incumprimento da sua parte;</font>
</p><p><font>- No âmbito do mencionado contrato, a 1.ª R. não assumira qualquer obrigação especial de salvaguarda do valor dessas acções, para além da obrigação geral de diligência e boa fé na execução do contrato, nem lhe pode sequer ser exigida qualquer obrigação de resultado na manutenção do valor de tais acções;</font>
</p><p><font>- Não obstante, a R. sempre actuou com a maior diligência e a melhor boa fé para tentar recuperar a A..., S.A., negociando o financiamento bancário e dando em garantia bens do seu património imobiliário;</font>
</p><p><font>- A dação em cumprimento à R. do estabelecimento da A..., S.A., em nada agravou a situação desta sociedade, que ficou com a sua dívida reduzida na medida do valor daquele estabelecimento, já que esta sociedade se encontrava impossibilitada de solver os seus compromissos;</font>
</p><p><font>- A constituição das hipotecas sobre o prédio da 1.ª R. não esvaziou o património da A..., S.A., antes se destinou a salvá-la e a valorizar as acções dadas em garantia à A.;</font>
</p><p><font>- Não tendo sido praticado pela 1.ª R. nenhum acto susceptível de lesar a garantia patrimonial da A., que esta mesma não especifica, torna-se inconsistente a impugnação pauliana deduzida;</font>
</p><p><font>- Nem tão pouco se verifica o incumprimento da 1.ª R. quanto ao crédito de 81 125,66€, relativo à retribuição do Banco depositário, uma vez que, segundo o n.° 1 da cláusula 8.ª do contrato de compra e venda em causa, aquela importância só deveria ser paga na data do pagamento do preço das acções ou da transmissão destas à A., pelo que, não tendo a A. levantado tais acções, não ocorreu o vencimento daquela obrigação;</font>
</p><p><font>- A A. litiga de má fé, ao alegar factos que sabe serem falsos, adulterando conscientemente a verdade dos mesmos, e deduzir pretensões cuja falta de fundamento não pode ignorar.</font>
</p><p><font>Concluiu pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font>●</font>
</p><p><font>Os 2.º e 4.º a 9.° RR. apresentaram contestação conjunta (fls. 441-518), em que, no essencial:</font>
</p><p><font>- Invocam a incompetência relativa do tribunal recorrido para apreciar os pedidos de cancelamento das hipotecas e a impugnação pauliana;</font>
</p><p><font>- Suscitam a ilegalidade da coligação passiva, bem como a sua ilegitimidade processual e a ineptidão da petição inicial, com fundamento em contradição entre o pedido e a causa de pedir, quanto às pretensões indemnizatórias contra eles formulados;</font>
</p><p><font>- Argúem a anulabilidade do contrato de compra e venda das acções com base no art. 282.° do CC;</font>
</p><p><font>- Subsidiariamente, defendem que, verificado o termo do contrato de compra e venda das acções, sem que tenha ocorrido o pagamento do preço, se operou a caducidade do mesmo, ficando a A. apenas com o direito a fazer suas as acções em causa;</font>
</p><p><font>- Impugnam especificadamente muitos dos factos narrados e negam que tenham praticado ou omitido qualquer acto lesivo do direito da A.;</font>
</p><p><font>- Sustentam que não assiste à A. legitimidade para pedir o cancelamento do registo das hipotecas;</font>
</p><p><font>- Para o caso de procedência, quer das pretensões indemnizatórias, quer da impugnação pauliana, suscitam mediante reconvenção a anulação da cessão de créditos e da </font><i><font>datio pro solutum</font></i><font> a favor da R. P....</font>
</p><p><font>Concluíram pedindo:</font>
</p><p><font>- Em primeira linha, a absolvição dos RR. da instância fundada nas excepções dilatórias deduzidas;</font>
</p><p><font>- Em segunda linha, a absolvição dos RR. dos pedidos;</font>
</p><p><font>- Para o caso de procedência tanto das pretensões indemnizatórias como da impugnação pauliana, que sejam anulados os contratos de cessão de créditos e da dação em pagamento à R. P..., com a consequente repristinação dos direitos, deveres e garantias dos outorgantes e que a A./reconvinda seja condenada a pagar as despesas feitas pelos RR./reconvintes com os actos notariais e registais, bem como a indemnizá-los pelos incómodos e danos sofridos, em montante a liquidar em execução de sentença;</font>
</p><p><font>- A condenação da A. em multa e indemnização como litigante de má fé.</font>
</p><p><font>●</font>
</p><p><font>O 3.º R., BCP, apresentou contestação em separado (fls. 676-691), em que:</font>
</p><p><font>- Arguiu a ineptidão da petição inicial com fundamento na incompatibilidade de pedidos;</font>
</p><p><font>- Sustentou a inexistência de má fé e a não impugnabilidade da dação em cumprimento, na medida em que esta respeitou ao cumprimento de obrigações vencidas;</font>
</p><p><font>- Impugnou especificadamente a generalidade dos factos alegados pela A., bem como os fundamentos jurídicos invocados, concluindo pela inexistência de qualquer responsabilidade por parte do 3.º co-réu;</font>
</p><p><font>- Defendeu que a A. carece de legitimidade substantiva para requerer o cancelamento das hipotecas;</font>
</p><p><font>- Alegou que o preço de compra e venda das acções foi empolado, sendo assim o contrato usurário e simulado, pelo que tal preço deve ser reduzido em valor adequado mediante realização de prova pericial;</font>
</p><p><font>- Por fim, requereu a intervenção principal de BB, por considerá-lo também responsável pela situação financeira da A..., S.A., na então qualidade de administrador e de vogal do conselho fiscal desta sociedade, para se defender, juntamente com os RR., como devedor principal e poder exercer contra ele o seu direito de regresso.</font>
</p><p><font>Concluiu o BCP pedindo:</font>
</p><p><font>- A sua absolvição da instância com base na ineptidão da petição inicial;</font>
</p><p><font>- Subsidiariamente, a sua absolvição dos pedidos formulados pela A..</font>
</p><p><font>- A procedência da pretensão reconvencional com a consequente anulação ou declaração de nulidade do contrato de compra e venda das acções e redução do preço a um valor adequado à data de Março de 1997.</font>
</p><p><font>●</font>
</p><p><font>A A. apresentou réplica, respondendo às excepções deduzidas e às reconvenções formuladas, a sustentar a sua improcedência e a reiterar o petitório.</font>
</p><p><font>Admitida liminarmente a intervenção principal requerida pelo 3.º R., o chamado BB apresentou o articulado de fls. 832-835, em que conclui pedindo a denegação de provimento da intervenção deduzida contra ele.</font>
</p><p><font>Findos os articulados, foi proferido despacho saneador (fls. 846-853), no qual se decidiu:</font>
</p><p><font>a) – Desatender as excepções de incompetência relativa suscitadas;</font>
</p><p><font>b) – Absolver os RR. da instância, por ineptidão da petição inicial, fundada na contradição do pedido e causa de pedir, salvo quanto à 1.ª R. no tocante ao pedido de pagamento da quantia de 81.125,66€;</font>
</p><p><font>c) – Julgar, no entanto, este pedido improcedente absolvendo a 1.ª R. do mesmo.</font>
</p><p><font>A A. interpôs recurso de apelação daquele despacho, ao qual foi dado provimento pelo Tribunal da Relação revogando a decisão recorrida e mandando prosseguir os autos para a fase de instrução e julgamento, conforme acórdão de fls. 1160-1174.</font>
</p><p><font>Foi então proferido novo despacho saneador (fls. 1186-1193), no qual foram julgados inadmissíveis os pedidos reconvencionais deduzidos pelos 2.º e 4.º a 9.º RR., e admitido o pedido reconvencional deduzido pelo 3.º R. (BCP), procedendo-se de seguida à selecção da matéria de facto com organização da base instrutória, reformada, já em sede de audiência, conforme fls. 2361-2367.</font>
</p><p><font>Inconformados com a decisão de rejeição das reconvenções, os 2.º e 4.º a 9.º RR. interpuseram recurso de agravo, o qual foi admitido com subida diferida (fls. 1330), tendo apresentado alegações (fls. 1578-1585).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A A. requereu, a fls. 1873-1875, a realização de segunda perícia, o que foi indeferido pelo despacho proferido a fls. 1964-1965, do qual aquela interpôs recurso de agravo, admitido a fls. 2057 com subida diferida, cujas alegações fazem fls. 2289-2295.</font>
</p><p><font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a gravação da prova, conforme consta das actas de fls. 2327-2331, 2357-2360, 2379-2381, 2410-2412, 2440-2441, 2453-2455, e 2481-2484, tendo sido julgada a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 2609 a 2615.</font>
</p><p><font>No decurso daquela audiência, veio a A., a fls. 2456, arrolar mais duas testemunhas para serem inquiridas, por carta rogatória a expedir para a Suíça e E.U.A., aos arts. 39.°, 40.° e 41.° da base instrutória, o que foi indeferido, com fundamento em extemporaneidade, conforme despacho inserto na acta de fls. 2482, do qual a mesma interpôs recurso de agravo, admitido a fls. 2483 com subida diferida, tendo a agravante apresentado alegações a fls. 2535-2540.</font>
</p><p><font>Veio ainda a A., através do requerimento de fls. 2561-2563, alegar que:</font>
</p><p><font>- Do esclarecimento pericial junto aos autos resulta que o estabelecimento comercial transitado em 30/09/2002 da sociedade Acumuladores A..., S.A., para a 1.ª R. é o mesmo que foi cedido, em 1994, por esta R. para aquela sociedade;</font>
</p><p><font>- Por isso, o negócio de transmissão, feito em 30/09/2002, é nulo e de nenhum efeito, por impossibilidade objectiva e subjectiva dos falsos contratantes, dado que a mesma coisa foi duplamente transaccionada em sentidos opostos, verificando-se a confusão entre cedente e cessionária;</font>
</p><p><font>- De igual modo, a assunção da dívida da A. aos Bancos RR. pela 1.ª R. é nula e de nenhum efeito, bem como o negócio de dação em cumprimento celebrado entre a 1.ª R. e a R. P....</font>
</p><p><font>Nessa base, a A. requereu a ampliação do pedido inicialmente formulado, de forma subsidiária e alternativa, pedindo que fosse decretada a nulidade dos referidos negócios jurídicos e ordenadas as correspondentes alterações registais.</font>
</p><p><font>Deduzida oposição ao pedido de ampliação, por parte dos RR., o mesmo foi indeferido nos termos do despacho proferido a fls. 2598-2600, tendo a A. interposto recurso de agravo, o qual foi admitido a fls. 2602 com subida diferida, cujas alegações constam de fls. 2673-2677.</font>
</p><p><font>Produzidas alegações de direito, foi proferida sentença final a julgar totalmente improcedentes, tanto a acção, absolvendo-se os RR. de todos os pedidos, como a reconvenção sobre a declaração de simulação do preço de venda das acções, considerando-se prejudicada a apreciação da restante matéria reconvencional (fls. 2901 a 2925).</font>
</p><p><font>Inconformada, recorreu a A. daquela decisão, tendo a Relação proferido o acórdão de fls. 3651-3754, no qual decidiu:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>A- Negar provimento aos agravos apreciados nos pontos III/B e III/C;</font></i>
</p><p><i><font>B - Julgar prejudicada a procedência do agravo apreciado em III/A, por não ter tido qualquer influência na decisão de facto, mormente no âmbito da resposta ao artigo 30° da base instrutória;</font></i>
</p><p><i><font>C - julgar a apelação apenas procedente quanto ao pedido de reembolso das despesas de depósito das acções, alterando-se a sentença recorrida, nos seguintes termos:</font></i>
</p><p><i><font>a) - julga-se a acção parcialmente procedente quanto ao pedido de reembolso na quantia de € 81.125,66, condenando-se a 1ª R A.A. S... a pagar à A. aquela quantia, logo que esta realize a retoma das acções;</font></i>
</p><p><i><font>b) - confirmando-se, em tudo o mais, a decisão recorrida.</font></i>
</p><p><i><font>D) - Julgar, consequentemente, prejudicado o recurso de agravo interposto pelos 2º e 4º a 9º R.R.</font></i>
</p><p><i><font>As custas da acção e da apelação ficam inteiramente a cargo da A., quer na parte em que decai, quer na parte restante, nos termos do artigo 662.°, n° 2, do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>As custas dos agravos ficam a cargo dos respectivos agravantes</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>●</font>
</p><p><font>Novamente irresignada, vem a A. recorrer para este Supremo Tribunal, rematando as suas alegações de recurso de revista com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>“1ª- A deficiência das gravações de prova prejudicou a apreciação da matéria de facto pelo Venerando Tribunal a quo.</font>
</p><p><font>2ª-Tal facto constitui uma nulidade insuperável, enquadrável na alínea d) do artº. 668º. do C.P.C., devendo ser ordenada a repetição do julgamento, cfr. artºs. 201º. nºs. 1 e 2; 202º.; 203º., 205º., 690º.- A nºs. 1, 2 e 5 e 712º. nºs. 4 e 5 todos do C.P.C..</font>
</p><p><font>3ª- Do agravo interposto sobre a rejeição da segunda perícia foi indevidamente valorada a resposta dada pelo Exmº. Senhor Perito da ora Recorrente aos quesitos 15º; 22º e 25º, julgando erradamente não existir divergência para com a decisão final.</font>
</p><p><font>4ª- Em relação à resposta do Exmº. Senhor Perito da Recorrente ao quesito 30º, foi considerado pelo douto Acórdão ora em revista que aquela justificava a realização de uma segunda perícia, a não ser que a mesma ficasse prejudicada pela decisão final do mérito da Apelação.</font>
</p><p><font>Ora,</font>
</p><p><font>5ª- Não houve qualquer conclusão sobre esta questão, sendo que, por ser matéria de influência directa na decisão final da causa estaria sempre o agravo em causa obrigado a ser apreciado, nos termos da primeira parte do nº. 2 do arts. 710º do C.P.C..</font>
</p><p><font>6ª- Do agravo interposto contra a rejeição da ampliação do pedido resultava do mesmo o decretamento subsidiário ou alternativo da nulidade da transmissão do estabelecimento comercial e da nulidade da assumpção de dívida.</font>
</p><p><font>7ª- Esta ampliação constituía um natural desenvolvimento do pedido inicial inerente a processos desta dimensão, como prevê o nº. 2 do artº. 273º. do C.P.C..</font>
</p><p><font>8ª- Ainda que dúvidas subsistissem em relação à primeira parte da ampliação do pedido, não deveriam ter restado quaisquer incertezas relativamente à segunda parte, o que forçosamente determinaria a admissibilidade parcial daquela ampliação.</font>
</p><p><font>Quanto à questão central,</font>
</p><p><font>9º- Foi livremente celebrado entre a Recorrente e a Recorrida "A.A. S..." um contrato de compra e venda de acções da firma "ACUMULADORES A...", em 07 de Março de 1997.</font>
</p><p><font>10º- Pela venda das aludidas acções, a Recorrida "A.A. S..." ficou detentora de todos os direitos sociais da "ACUMULADORES A..." e passou, conjuntamente com as demais empresas da Família Sena da Silva, a deter totalidade do capital social, gerindo e administrando a dita empresa como muito bem entendia.</font>
</p><p><font>11º- O preço das acções transaccionadas foi de cerca de € 16.000.000,00, a ser pago no prazo máximo de seis anos, podendo reduzir no caso de antecipação de pagamento e aumentar mediante a valorização extraordinária.</font>
</p><p><font>12º- Do pagamento do preço apenas foi liquidada a primeira prestação de cerca de € 500.000,00.</font>
</p><p><font>Assim,</font>
</p><p><font>13º- A "AA S..." ficou em dívida para com a Recorrente na quantia de cerca de € 15.500.000,00.</font>
</p><p><font>14º- O mencionado contrato contem uma cláusula (10ª/1) limitativa de responsabilidade que conferia à compradora a possibilidade de no caso não conseguir pagar a totalidade do preço, entregar as mesmas acções adquiridas, sendo estas a garantia do pagamento do preço.</font>
</p><p><font>Em virtude desta situação,</font>
</p><p><font>15º- Impendiam sobre a "AA S..." as obrigações contratuais de garantia e de resultados, indissociáveis da cláusula limitativa de responsabilidade.</font>
</p><p><font>16º- Apenas existia a possibilidade da substituição das ditas acções por uma garantia bancária on first demand do valor do preço em falta.</font>
</p><p><font>Ainda que,</font>
</p><p><font>17º- Sobre a Recorrida "AA S..." recaísse apenas uma obrigação de "meios" estaria sempre a mesma sujeita ao dever de boa fé e de lealdade negociais e obrigada a abster-se da prática de todos os actos ao fim pretendido contratualmente.</font>
</p><p><font>Assim,</font>
</p><p><font>18º- Na eventualidade, da vendedora não receber a totalidade do preço ser-lhe-iam entregues as acções com um valor nunca inferior àquele por que as vendeu.</font>
</p><p><font>19º- As partes contratantes solicitaram os serviços de depositário do Recorrido BANCO FINANTIA para guarda das acções transaccionadas e controle do cumprimento das obrigações recíprocas.</font>
</p><p><font>Acresce que,</font>
</p><p><font>20º- Em clara violação das suas obrigações contratuais, em 30 de Setembro de 2002, a "AA S..." transferiu para si própria a globalidade do estabelecimento comercial da firma "ACUMULADORES A...".</font>
</p><p><font>21º- Com esse procedimento, a empresa "ACUMULADORES A..." ficou sem património e totalmente desprovida de actividade, deixando de laborar efectivamente.</font>
</p><p><font>22º- No dia seguinte, a "AA S..." comunicou à Recorrente que não iria pagar o valor em dívida e que aquela poderia levantar as acções, fazendo-as suas novamente.</font>
</p><p><font>Mas,</font>
</p><p><font>23º- Os títulos que a Recorrida "AA S..." propôs devolver à Recorrente, após a transferência do estabelecimento da "ACUMULADORES A..." nada valiam.</font>
</p><p><font>24º- A entrega liberatória das acções pretendida pela "AA S..." não corresponde, minimamente à realização de qualquer prestação.</font>
</p><p><font>25º- Com aquele comportamento a "AA S..." violou as obrigações contratuais que livre e esclarecidamente assumira, de protecção do valor do bem apresentado em garantia.</font>
</p><p><font>26º- Por impossibilidade culposa e dolosa da "AA S..." a prestação tornou-se impossível e consumou-se o incumprimento definitivo com o consequente vencimento da dívida.</font>
</p><p><font>27º- Com a violação das obrigações contratuais, a "AA S..." retirou eficácia à cláusula limitativa da responsabilidade, passando a responder pelas suas dívidas todo o seu património.</font>
</p><p><font>Ora,</font>
</p><p><font>28º- Do património da "AA S..." constava um imóvel, avaliado em cerca de 45 milhões de euros.</font>
</p><p><font>Mas,</font>
</p><p><font>29º- A Recorrida "AA S..." e a "sua" empresa "ACUMULADORES A..." tinham uma dívida hipotecária conjunta à banca de cerca de €7.539.697,40.</font>
</p><p><font>Então,</font>
</p><p><font>30º- Em conluio com os Bancos ora Recorridos, a "AA S..." colocou a salvo da Recorrente o seu único património capaz de responder pela dívida que tinha perante esta.</font>
</p><p><font>31º- A banca cedeu a globalidade dos seus créditos sobre a "AA S..." e sobre a "ACUMULADORES A...", num total de cerca de 29 milhões de euros, à firma especialmente criada para o efeito, a Recorrida "P...".</font>
</p><p><font>32º- A Recorrida "AA S..." celebrou com a "P..." uma escritura de dação em cumprimento em 08 de Abril de 2003, onde transmitiu o prédio descrito na 1-. Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n9. 2881, da freguesia de Paço de Arcos.</font>
</p><p><font>No entretanto,</font>
</p><p><font>33º- A "AA S..." passou a ser credora da "ACUMULADORES A..." de cerca de 29 milhões de euros.</font>
</p><p><font>Sendo certo que,</font>
</p><p><font>34º- Desde a celebração do contrato de compra e venda das acções que os Bancos tinham conhecimento do crédito da Recorrente.</font>
</p><p><font>35º- Sendo que o Recorrido BANCO FINANTIA foi, inclusive, o depositário das acções e o garante do cumprimento do contrato.</font>
</p><p><font>36º- Em virtude do contrato de financiamento bancário celebrado entre os Recorridos Bancos, o FINANTIA comprometeu-se a manter devidamente informados os seus parceiros contratuais de todos actos ou negócios que afectasse o fim comum.</font>
</p><p><font>37º- Atendendo a esta circunstância não existe qualquer dúvida sobre o conhecimento prévio da relação entre a Recorrente e a "AA S..." e o consequente abuso de direito e má fé que prejudicaram intencionalmente a credora.</font>
</p><p><font>38º- Face ao comportamento descrito, abuso de direito; má fé, violação de deveres de lealdade e de fidelidade, incorreram os Recorridos Bancos em responsabilidade extracontratual, sendo solidariamente responsáveis com a "AA S..." pelo pagamento à ora Recorrente.</font>
</p><p><font>39º- O crédito da Recorrente é anterior ao acto a impugnar e os seus autores agiram com má fé, permitindo-se o recurso à impugnação pauliana.</font>
</p><p><font>40º- Os credores devem ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, respeitando o princípio par conditio creditorum.</font>
</p><p><font>41º- No caso ora em recurso, credores privilegiados eram apenas os Bancos em € 7.539.697,47, montante exorbitantemente inferior aos € 45.000.000,00 do terreno cedido.</font>
</p><p><font>42º- São ainda os Recorridos responsáveis solidariamente pelo pagamento à R | [0 0 0 ... 0 0 0] |
4zKau4YBgYBz1XKvtCGr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> Recurso de Revista nº 5523/05.2TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I - RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA S.A., </font></b><font>com sede no Largo … de …, .., ...,</font><b><font> </font></b><font>e </font><b><font>BB, </font></b><font>com domicilio na Rua ..., nº …, ….º …., Lisboa, intentaram acção declarativa com processo ordinário contra </font><b><font>CC </font></b><font>e </font><b><font>DD, </font></b><font>com domicílio na Rua ..., …, …</font><b><font>, EE, S.A., </font></b><font>com sede na …, …, …, ...,</font><b><font> </font></b><font>e</font><b><font> FF-..., S.A., </font></b><font>com sede na Rua ..., …, …, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento:</font>
</p><p><font>- à 1.ª e 2.º autores uma indemnização pelos danos negativos ou de confiança por eles sofridos, respectivamente, nos valores de 445.448,00€ e 459,029,50€;</font>
</p><p><font>- ao 2.º autor uma indemnização pelos danos positivos no valor de 11.375.000,00€.</font>
</p><p><font>Para tanto, alegaram, em síntese, que em Março de 2003, o 1.º réu - CC - contactou formalmente o 2.º autor apresentando-lhe um projecto de investimento que consistia na constituição de uma sociedade em Portugal, cujo objecto seria o da produção, transformação, comercialização, exportação, compra e venda com ou sem compromisso de recompra por preço certo ou aleatório e distribuição de produtos florestais, agrícolas ou pecuários, bem como de, qualquer um dos seus derivados ou transformados.</font>
</p><p><font>O objectivo da parceria proposta seria o lançamento, em fase ulterior, do primeiro Fundo Florestal Português, constituído exclusivamente por activos do sector florestal. O Fundo seria constituído por propriedades rústicas em Portugal, compradas ou arrendadas a terceiros, que seriam geridas por aquela nova sociedade a constituir em parceria com a EE, S.A.</font>
</p><p><font>No decurso das negociações, das várias reuniões havidas entre as partes, dos protocolos de intenções e da minuta de parceria elaborados, os autores convenceram-se justificadamente de que o projecto seria concluído.</font>
</p><p><font>Acontece que os réus, não obstante a expectativa e confiança geradas, não avançaram com o negócio e à revelia do dever de conclusão que sobre eles impendia, optaram por fazer uma parceria com outras entidades, nomeadamente, o grupo FF.</font>
</p><p><font>Ao romperem de forma arbitrária e unilateralmente as negociações violaram os elementares princípios da boa-fé na formação dos contratos, constituindo-se na obrigação de ressarcir os danos negativos e positivos causados.</font>
</p><p><font>Regular e pessoalmente citados, a ré FF, na sua contestação, excepcionou a ineptidão da petição inicial e impugnou o alegado pelos autores afirmando nunca ter sido parte no negócio, concluindo pela sua absolvição da instância e do pedido. </font>
</p><p><font>Por seu turno, os réus CC, DD e EE, S.A., excepcionaram a ilegitimidade da 1.ª autora e do 1.º, 2.º e 4.ª ré, impugnaram em grande parte o alegado pelos autores, e concluíram pela absolvição da instância dos 1.º, 2.º e 4.ª ré e do pedido de todos os réus, assim como pediram a condenação dos autores como litigantes de má-fé em indemnização no valor de 122.795,00€ e em multa condigna.</font>
</p><p><font>Replicaram os autores e treplicou a ré FF.</font>
</p><p><font>No despacho saneador decidiu-se pela improcedência das excepções dilatórias arguidas, à excepção da 4.ª ré - FF- que foi considerada parte ilegítima e, consequentemente, absolvida da instância.</font>
</p><p><font>Condensado o processo, com reclamação dos réus desatendida, rogada à Justiça Espanhola a inquirição de algumas testemunhas, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, seguida da prolação da sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos, bem como os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.</font>
</p><p><font>Inconformados, apelaram os autores, mas a Relação, por acórdão de 4/10/12 (fls. 1769 a 1958), julgando a apelação improcedente manteve na íntegra a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Ainda não convencidos, dele interpõem o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com as suas alegações juntaram um Parecer do Professor Doutor Júlio Vieira Gomes, e nelas formulam as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1. O Acórdão sob recurso procedeu à alteração da decisão sobre a matéria de facto;</font>
</p><p><font>2. Na sequência do que considerou verificados os seguintes requisitos da responsabilidade civil aquiliana, que se aplica, segundo a doutrina e Jurisprudência maioritária, à responsabilidade civil pré-contratual: julgou verificado a existência de um facto voluntário, ilícito e culposo;</font>
</p><p><font>3. Porém, por erro na aplicação e interpretação do direito aplicável, não considerou verificado o requisito do Dano e do respectivo nexo de causalidade entre facto ilícito e dano.</font>
</p><p><font>4. Foi pedido uma Opinio Juris ao Professor Doutor Júlio Vieira Gomes, sobre o Acórdão a quo, o qual se requer a sua junção e se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos.</font>
</p><p><font>5. "(...) </font><i><font>parece-nos que existe, no entanto, uma contradição entre os factos apurados e dados como provados e a conclusão do Tribunal de que o 2. ° Autor não teria sofrido danos, não havendo, pois, lugar a responsabilidade civil dos réus.</font></i><font> ".</font>
</p><p><font>6. </font><i><font>Em primeiro lugar, sublinhe-se, que é dado como assente no ponto 28 que "devido à expectativa na realização deste investimento, desde 2003 que não voltou a ser plantado tabaco na Herdade ... e na Herdade de ..., como se fazia de há vários anos até então ". Foi igualmente dado como provado (ponto 53) que a Herdade ..., com cerca de 110 hectares e a Herdade de ..., com cerca de 420 hectares, não voltaram a ser arrendadas, para a eventualidade de virem a ser arrendadas à sociedade a constituir pelo 2.° autor e pela 3.ª ré</font></i><font>.</font>
</p><p><font>7. </font><i><font>Resulta, também, dos factos assentes (n. ° 29) que "a conduta de CC e a da EE, SA, foi de tal modo convincente, regular e contínua na revelação do interesse na criação da parceria com o 2.° autor e do primeiro Fundo Florestal português que criou neste a confiança de que tal projecto seria concluído</font></i><font> ".</font>
</p><p><font>8. </font><i><font>Ora, pergunta-se: deixar de plantar tabaco, em centenas de hectares, como se vinha fazendo há vários anos, não constitui um dano? E "imobilizar" tais terrenos não os arrendando como se poderia ter feito, por força da confiança gerada pela outra parte em que o projecto de negócio comum avançaria, também não representa um dano?</font></i>
</p><p><font>9. </font><i><font>O montante do dano - quer se considere aqui que a indemnização deve ater-se ao interesse contratual negativo, quer ao interesse contratual positivo - resulta, com efeito, em regra, da comparação entre a situação actual e real do lesado e a situação hipotética em que ele estaria (a situação em que ele estaria se não tivesse contratado, na hipótese de interesse contratual negativo e a situação em que ele estaria se o negócio se tivesse realizado, na hipótese de interesse contratual positivo), não fora o evento lesivo</font></i><font>. </font>
</p><p><font>10. </font><i><font>Em suma, quem confiou na realização do negócio e agiu de boa fé, não esteve, precisamente, à procura de alternativas a partir do momento em que se dedicou a esse projecto e não se lhe pode exigir que as demonstre como se as tivesse procurado</font></i><font>.</font>
</p><p><font>11. </font><i><font>O juízo sobre a probabilidade desta situação hipotética e, designadamente, sobre o lucro cessante é um juízo que se faz em termos de verosimilhança: se as terras vinham sendo cultivadas com tabaco há vários anos e deixaram de o ser na expectativa da realização deste investimento (n. ° 28), não nos parece que o mais provável fosse que elas permanecessem improdutivas quando já não o eram</font></i><font>. </font>
</p><p><font>12. </font><i><font>E é claro que, se as terras estavam "reservadas"para a eventualidade de serem arrendadas à sociedade a constituir pelo 2.° Autor e pela 3ª Ré (n.° 53), o 2.° Autor perdeu, definitivamente, a possibilidade de as arrendar, por força da confiança legítima que tinha na concretização do projecto e, precisamente por isso, não cuidou de procurar alternativas</font></i><font>. </font>
</p><p><font>13. </font><i><font>Em suma, o dano que sofreu, e que quanto a nós é um dano real, consistiu na lesão à liberdade de dispor do seu património, à liberdade de afectar aquelas terras a outros usos. Sofreu esse dano porque agiu de boa fé, de forma leal e fiel ao projecto e é quanto a nós surpreendente que quem causou esse dano por ter gerado a legitima confiança e expectativa de que o projecto se realizaria e de que a negociação seria conduzida de boa fé, venha agora alegar que não houve dano.</font></i><font> </font>
</p><p><font>14. </font><i><font>A questão que se coloca ao Tribunal é esta: manter centenas de hectares "à espera" de um projecto de valorização dos mesmos e renunciar a outras utilizações produtivas não é em si mesmo um dano? E caso se considere que o que esteve em jogo foi um lucro cessante não pode e deve o Tribunal fixar o seu montante atendendo à equidade?</font></i><font> </font>
</p><p><font>15. </font><i><font>Mas existem, e quanto a nós foram provados, outros danos</font></i><font>.</font>
</p><p><font>16. </font><i><font>com efeito, foi provado e dado como assente, que, por um lado, o 2.° Autor contratou pessoas para fazer estudos económico-financeiros e acompanhar a formação da nova empresa (n.° 16). </font></i>
</p><p><font>17. </font><i><font>E ficou igualmente provado que "o 2.° autor dedicou tempo e disponibilidade em encontrar terras de regadio " (ponto 35).</font></i><font> </font>
</p><p><font>18. </font><i><font>"despendeu um número de horas não concretamente apurado em reuniões com a Associação de …, com a Associação de ..., com o Conselho de Administração da 1ª Autora, com os Réus e com o seu colaborador, Dr. GG" (ponto 52)</font></i><font>. </font>
</p><p><font>19. </font><i><font>Resulta, aliás, de outros factos assentes, a participação do 2º Autor em múltiplas reuniões e encontros de negócios (vejam-se os pontos 5, 9, 14 e 15), deslocações a ... (veja-se o ponto 11) para dar andamento às negociações e ao projecto</font></i><font>. </font>
</p><p><font>20. </font><i><font>Mais uma vez, com todo o respeito, parece-nos que o Tribunal da Relação de Lisboa incorre, nesta sede, num erro. O 2º Autor trabalhou num projecto que acreditava que era seu e em que tinha a legítima confiança, induzida pela contraparte. É natural, que, nestas circunstâncias, não se contabilizem, nem se faça um orçamento das horas dispendidas e das despesas de viagem realizadas. </font></i>
</p><p><font>21. </font><i><font>Pode até o 2º Autor ter afectado recursos humanos de que já dispunha, parcialmente a este projecto, mais uma vez sem discriminar valores. E isto porque o 2º Autor não tencionava apresentar as contas do seu trabalho e receber o pagamento como em um contrato de prestação de serviços.</font></i>
</p><p><font>22. </font><i><font>Assim, o dano da confiança sofrido pelo 2.° Autor e que consistiu na afectação do seu trabalho e dos seus recursos à realização do projecto, não pode, quanto a nós, deixar de ser reparado.</font></i><font> </font>
</p><p><font>23. </font><i><font>A lesão da força de trabalho constitui um dano patrimonial que mais uma vez tem uma faceta que se projecta no futuro como lucros cessantes cujo montante o Tribunal deverá procurar concretizar, em última análise, e se necessário, recorrendo à equidade como o permite o nosso Código Civil.</font></i><font> </font>
</p><p><font>24. </font><i><font>Mas afigura-se-nos constituir um conceptualismo excessivo e injusto invocar a distinção entre interesse contratual negativo e interesse contratual positivo para negar qualquer indemnização ou compensação a quem, confiando legitimamente na concretização de um projecto negocial (e recorde-se que o Tribunal da Relação, no seu douto Acórdão considerou estarem preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa) "gastou " o seu trabalho e os seus recursos e empenhou-se na realização daquele projecto.</font></i><font> </font>
</p><p><font>25. </font><i><font>(...) o designado "nexo de causalidade" e o âmbito dos prejuízos indemnizáveis se acham interligados - que "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão" (artigo 563. °) e "na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis</font></i><font>". </font>
</p><p><font>26. Assim, tendo ficado provado os factos constantes supra da matéria assente como os factos 11, 16, 28, 29, 32, 35, 52 e 53, tais factos juridicamente deverão ser qualificados como um dano.</font>
</p><p><font>27. O Tribunal a quo confunde o conceito de Dano com determinação do quantum do dano.</font>
</p><p><font>28. O Tribunal a quo, deveria, pelo supra expendido e alegado, ter julgado verificados os requisitos do Dano e do nexo de causalidade entre Facto e Dano e deveria ter remetido o apuramento dos danos para liquidação em execução de sentença ao abrigo, do disposto no Art. 661.° n. 2 do CPC e em consequência, condenar os RR. a indemnizar os AA. pelos Danos de confiança sofridos.</font>
</p><p><font>29. O 2º A. deverá ser indemnizado pelo dano positivo, dado que estava seguro pela conduta do 1º e 2º Réu que o negócio seria concluído, conforme comprovam os factos provados supra em 28 e 29.</font>
</p><p><font>30. A 1ª A. deverá ser ressarcida pelo Dano da confiança que sofreu, dado que ficou provado que disponibilizou 400 hectares de terra para arrendar para este projecto de investimento e que participou em múltiplas reuniões.</font>
</p><p><font>31. “</font><i><font>A responsabilidade civil tem também uma função preventiva: visa-se com ela, também, dissuadir os participantes no tráfego jurídico de condutas ilícitas ou de má fé. De outro modo, as naturais dificuldades em demonstrar o valor económico do próprio trabalho acabarão por beneficiar o autor de um facto ilícito</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Nestes termos nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Exa. deverá ser revogada o Douto Acórdão sob recurso, dado que fez uma aplicação e interpretação errada do direito e, em consequência, serem os primeiros e segundos RR. condenados a pagar uma indemnização à Primeira A. pelo Dano negativo que sofreu com a não realização e conclusão do negócio e serem condenados a pagar ao 2º A. uma indemnização pelos danos de confiança, negativos e positivos, que sofreu, nos termos do regime estabelecido no Art. 661° n.2 do CPC, dado a prova assente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Só a recorrida “EE, S.A.” contra-alegou defendendo a manutenção do decidido, e requerendo a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no art. 684.°- A do Código de Processo Civil, na eventualidade de se considerar que os requisitos dano e nexo de causalidade estão preenchidos, e, consequentemente, a violação da confiança</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> ●</font>
</p><p><font> É pelo teor das conclusões dos recorrentes que se afere o âmbito do recurso, à parte as questões de conhecimento oficioso (arts. 684.º nº 3 e 690.º, nº 1 do Código de Processo Civil – CPC </font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>), e nelas suscita-se uma única questão: se ocorre uma situação de responsabilidade pré-contratual e, na afirmativa, quais os danos a ressarcir.</font>
</p><p><font> ● </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Das instâncias vem dada por assente a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1- A 1ª autora, "AA, S.A.", é uma sociedade que desenvolve a actividade de exploração agrícola, pecuária e florestal do seu património, bem como a industrialização e comercialização dos respectivos produtos (A).</font>
</p><p><font>2 - Em Março de 2003, CC contactou o 2º autor e propôs-lhe a constituição de uma sociedade em Portugal (B).</font>
</p><p><font>3 - Fundos de investimento Florestal são fundos que investem em floresta com objectivos de rentabilidade superiores à taxa de juro, sem risco. São tipicamente fundos fechados por prazos longos (no mínimo dez anos) que apenas geram receitas na sua liquidação. A sua rentabilidade é predominantemente influenciada pelo factor natural de crescimento da madeira e não tanto pelo factor preço de mercado (C).</font>
</p><p><font>4 - O primeiro contacto entre o 2º autor e CC foi estabelecido através do advogado comum de ambos, Dr. HH, o qual contactou o 2º autor e lhe colocou a questão do interesse do mesmo no projecto de investimento, ao que este respondeu afirmativamente, dadas as características de rentabilidade certa do mesmo (D).</font>
</p><p><font>5 - O 2º autor reuniu-se pela primeira vez com CC conjuntamente com o Dr. HH, em 7 de Março de 2003, na Herdade ...e na Herdade do ..., sitas em ... (E).</font>
</p><p><font>6 - Nessa reunião estiveram também presentes II e JJ, irmãos do 2º autor, e o Sr. KK (F).</font>
</p><p><font>7 - Na reunião acima referida não ficaram acertadas quais as fases de desenvolvimento do projecto, nem o plano de negócios do mesmo, nem quaisquer pormenores (G).</font>
</p><p><font>8 - Em 6 de Outubro de 2003 o 2º autor recebeu um e-mail do Sr. LL, com o texto que consta de fls. 205 dos autos (H).</font>
</p><p><font>9 - Em 8 de Outubro de 2003 o 2º autor teve uma reunião com LL, o qual apresentou o projecto escrito de investimento junto como documento n° 20 com a p.i. (I e art. 17 da BI).</font>
</p><p><font>10 - Nesta reunião de 8/10/2003, LL convidou o 2º autor a visitar uma plantação da "EE, SA", em ..., bem como os escritórios da mesma, em Madrid, a fim de o 2º autor constatar no local a actividade por esta desenvolvida (J).</font>
</p><p><font>11 - Em 28 de Novembro de 2003, o 2º autor, acompanhado de II e JJ, deslocou-se às propriedades da "EE, SA", onde se reuniu com CC e outros seus colaboradores, tendo-lhe sido mostradas várias plantações (K).</font>
</p><p><font>12 - Nesse encontro de 28/11/2003, CC entregou ao 2º autor o documento junto aos autos como documento n° 30 da p.i. (L e art. 17 da BI).</font>
</p><p><font>13 - A AA tem actividade na área agrícola, florestal, pecuária e no agro-turismo; situa-se a cerca de 40 Km de Lisboa, tem cerca de 22.000 hectares distribuídos pela Charneca do ... e pela … (M).</font>
</p><p><font>14 - Em 21 de Janeiro de 2004 realizou-se uma reunião no escritório do 2º autor onde estiveram presentes, para além deste, o Dr. GG, CC e DD (N).</font>
</p><p><font>15 - Nesse mesmo dia, à tarde, realizou-se uma reunião na sede da 1ª autora na qual estiveram presentes o 2º autor, CC, o Dr. GG, o Presidente do Conselho de Administração da 1ª autora, Dr. MM e um outro Administrador desta, Dr. NN (O).</font>
</p><p><font>16 - O 2º autor contratou o Dr. GG para fazer o estudo económico-financeiro deste projecto e para acompanhar a formação da nova empresa, conjuntamente com a Dra. OO, colaboradora do 2º autor para os assuntos jurídicos (P).</font>
</p><p><font>17 - Em 11 de Fevereiro de 2004 CC enviou ao 2º autor, que o recebeu, o e-mail junto como documento n° 38 da p.i. (Q).</font>
</p><p><font>18 - Em 11 de Julho de 2005 realizou-se uma conferência em Coimbra com o tema "..., na qual o Dr. PP proferiu uma palestra, na qual anunciou o lançamento por uma empresa do Grupo FF, a "FF— ... Sociais, SA", do primeiro Fundo Florestal Português, em parceria com a "EE, SA" (R).</font>
</p><p><font>19 - Na 4ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa foi matriculada em 26 de Agosto de 2005, sob o número 14.494 a sociedade "QQ — …, S.A.", cujo objecto social é "produção, transformação, comercialização, exportação, compra e venda com o sem compromisso de recompra por preço certo ou aleatório e distribuição de produtos florestais, agrícolas ou pecuários, bem como, de qualquer um dos seus derivados ou transformados", com um capital social de € 150.000,00 subscrito por um único accionista, e cujo conselho de administração para o quadriénio de 2005/2008 é composto por PP, RR, SS, CC e DD, conforme documento junto a fls. 262 a 265 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (S). </font>
</p><p><font>20 - "O 2º autor é administrador das seguintes sociedades:</font>
</p><p><font>a) Presidente do Conselho de Administração da sociedade G… - …, S.A., no período de 19…/20… (certidão de fls. 635/638).</font>
</p><p><font>b) Presidente do Conselho de Administração da sociedade I... - …, S. A. no quadriénio de 20…-20… (certidão de fls. 743-746).</font>
</p><p><font>c) Presidente do Conselho de Administração da sociedade C..., S.A. no quadriénio de 20…/20…(certidão de fls. 597/599).</font>
</p><p><font>d) Membro do Conselho de Administração da sociedade B... - …, S.A., no quadriénio de 20…/20… (certidão de fls. 639/647).</font>
</p><p><font>e) Vogal do Conselho de Administração da sociedade B... - …, S.A. no quadriénio de 20…/20… (certidão de fls. 606/611).</font>
</p><p><font>f) Membro do conselho de Administração da sociedade C..., S.A. nos períodos de 20…/20… e 20…/20… (certidão de fls. 648/652).</font>
</p><p><font>g) Vogal do conselho de administração da sociedade G…. - …, S.A. no quadriénio de 20…/20…certidão de fls. 600/605).</font>
</p><p><font>h) Vogal do Conselho de Administração da sociedade C... - …, S.A. no quadriénio de 20…/20… (certidão de fls. 653/655) - (AA).</font>
</p><p><font>21 - O 2º autor é comproprietário em conjunto com TT, II, UU, VV e XX dos seguintes prédios:</font>
</p><p><font>a) Prédio rústico Herdade da ..., com a área de 109,0225 ha, freguesia e concelho de ... - certidão de fls. 656/658.</font>
</p><p><font>b) Prédio misto Monte do ..., com a área de 418,2750 ha, freguesia e concelho de ... - certidão de fls. 659/660 - (DD).</font>
</p><p><font>22 - A "EE, SA" apresenta-se, no relatório de contas de 2002, como uma empresa que transforma plantações de sequeiro e regadio em plantações agro-florestais sustentáveis, onde se produz madeira de elevada procura e valor económico (1º).</font>
</p><p><font>23 - A "EE, S.A." publicita, no relatório de contas de 2002, que essas plantações agro-florestais se vendem depois a terceiros, ficando aquela ré como gestora económica e responsável pelo desenvolvimento das mesmas durante todo o ciclo de cultivo e produção (2º).</font>
</p><p><font>24 - A "EE" publicita também, no relatório de contas de 2002, que uma das formas de comercialização dessas plantações consiste em aquela ré constituir com terceiros investidores, que participam com o capital, uma sociedade comercial, que comprará um ou mais prédios rústicos e encomendará os projectos de desenvolvimento e os trabalhos de execução para realizar a plantação das árvores e a instalação das infra-estruturas de engenharia (3º).</font>
</p><p><font>25 - A sociedade proposta referida em 2 (alínea B) teria como objecto a produção, transformação, comercialização, exportação, compra e venda com ou sem compromisso de recompra por preço certo ou aleatório e distribuição de produtos florestais, agrícolas ou pecuários, bem como de qualquer um dos seus derivados ou transformados (4º).</font>
</p><p><font>26 - Na ocasião referida em 5 e 6 (alíneas E e F) o 2º autor e os seus irmãos afirmaram poder disponibilizar cerca de 530 hectares no perímetro de rega, para fazer a plantação (8º).</font>
</p><p><font>27 - CC manifestou, nessa reunião, o seu agrado pelas qualidades e características daqueles solos (9º).</font>
</p><p><font>28 - Devido à expectativa na realização deste investimento, desde 2003 que não voltou a ser plantado tabaco na Herdade ...e na Herdade de ..., como se fazia de há vários anos até então (12°).</font>
</p><p><font>29 - A conduta de CC e a da EE, S.A. foi de tal modo convincente, regular e contínua na revelação do interesse na criação da parceria com o 2º autor e do primeiro Fundo Florestal português que criou neste a confiança de que tal projecto seria concluído (art. 20°).</font>
</p><p><font>30 - Depois de 8/10/2003, houve reuniões entre LL e o 2º autor no escritório deste, em Lisboa (art. 24°).</font>
</p><p><font>31 - A qualidade e o detalhe da documentação fornecida por CC, LL e pela EE, ajudou a reforçar a confiança do 2º autor (art. 27°).</font>
</p><p><font>32 - As propriedades da "EE, SA" referidas em 11 (K) situam-se em ..., a cerca de 1 hora de Madrid (28°).</font>
</p><p><font>33 - Nessa visita ao local, CC explicou detalhadamente as técnicas inovadoras utilizadas pela "EE, SA" nas suas plantações, na área da genética (30°).</font>
</p><p><font>34 - Após o encontro havido em 28/11/2003, tiveram lugar as reuniões mencionadas em 14 e 15 (alíneas N) e O) - (art. 37°).</font>
</p><p><font>35 - O 2º autor dedicou tempo e disponibilidade a encontrar terras de regadio (art. 38°).</font>
</p><p><font>36 - O 2º autor era portador, aquando da propositura da acção, de cópia de um levantamento e classificação das albufeiras de Portugal publicado pela Direcção de Serviços de Utilização do Domínio Hídrico e de um relatório sobre "Caracterização da Rega e Drenagem em Portugal" publicado pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente (39°).</font>
</p><p><font>37 - À data da propositura da acção, o 2º autor era portador de um "relatório e contas" do exercício de 20… da … (41°).</font>
</p><p><font>38 - O 2º autor era portador, aquando da propositura da acção, de um estudo do Engenheiro Agrónomo Gonçalo de Freitas Leal, publicado pelo Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente (43°).</font>
</p><p><font>39 - O 2º autor reuniu mais do que uma vez com o Presidente da Associação de … e com o seu Director Executivo, Eng°. ZZ (44°).</font>
</p><p><font>40 - A 1ª autora mostrou disponibilidade para destinar terrenos à plantação de árvores no âmbito do negócio perspectivado (47°).</font>
</p><p><font>41 - Após a reunião em ... houve uma reunião mencionada em 15 (alínea O) (48°).</font>
</p><p><font>42 - O 2º autor apresentou à administração da 1ª autora o projecto de investimento da 3ª ré e mostrou documentação (49°).</font>
</p><p><font>43 - A 1ª autora mostrou disponibilidade para destinar 400 hectares de regadio para efectuar uma plantação (52°).</font>
</p><p><font>44 - A qualidade do solo seria um factor importante para a rentabilidade do projecto, pois determina o crescimento e a qualidade das árvores a plantar, o que terá implicações na valorização anual da madeira e, consequentemente na valorização dos fundos de investimento florestais (57°).</font>
</p><p><font>45 - Nessa reunião a 1ª autora demonstrou o seu interesse no projecto, pois seria uma forma de prossecução do seu objecto social (58°).</font>
</p><p><font>46 - O 2º autor, após a reunião de 21/1/2004 (factos 14 e 15), deu entrada no Registo Nacional de Pessoas Colectivas de um pedido de certificado de admissibilidade de firma, em 23/1/2004 (59°).</font>
</p><p><font>47 - Em 29 de Janeiro de 2004 foi aprovada a firma da sociedade a constituir "AAA - …, SA" (60º).</font>
</p><p><font>48 - O qual foi revalidado por 180 dias em 23/7/2004, 19/1/2005 e 18/7/2005 (70°).</font>
</p><p><font>49 - Em 23 de Março de 2005, o 2º autor diligenciou pelo registo do logótipo da "AAA e desenho" no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (71°).</font>
</p><p><font>50 - Pelo menos, em 15 de Julho de 2005 o 2º autor tomou conhecimento de que a "EE, S.A." ia fazer uma parceria com uma empresa do Grupo FF (72°).</font>
</p><p><font>51 - Após contactos com o Grupo FF, o 2º autor foi informado que os réus tinham celebrado entre si um acordo de parceria (73°).</font>
</p><p><font>52 - O 2º autor despendeu um número de horas não concretamente apurado em reuniões com a Associação de Regantes de ..., com a Associação de ..., com o Conselho de Administração da 1ª autora, com os réus, e com o seu colaborador Dr. GG (79°).</font>
</p><p><font>53 - A Herdade ..., com cerca de 110 hectares, e a Herdade de ..., com cerca de 420 hectares, não voltaram a ser arrendadas, para a eventualidade de serem arrendadas à sociedade a constituir pelo 2º autor e pela 3ª ré (83°).</font>
</p><p><font>54 - O 1º réu agiu sempre na qualidade de Presidente da "EE, SA" e em representação desta (87°).</font>
</p><p><font>55 - O 3º réu é um consultor independente (88°).</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><u><font>Se ocorre uma situação de responsabilidade pré-contratual e, na afirmativa, quais os danos a ressarcir</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os recorrentes/autores intentaram a presente acção contra os recorridos/réus com fundamento na ruptura injustificada das negociações em curso entre eles, tendentes à conclusão e formalização da constituição de uma sociedade em Portugal, que teria como objecto a produção, transformação, comercialização, exportação, compra e venda com ou sem compromisso de recompra por preço certo ou aleatório e distribuição de produtos florestais, agrícolas ou pecuários, bem como de qualquer um dos seus derivados ou transformados, e numa fase ulterior o lançamento do primeiro fundo florestal português, constituído exclusivamente por activos do sector florestal.</font>
</p><p><font>Alegam que os recorridos romperam, pouco antes da assinatura do contrato de sociedade respectivo, as negociações encetadas e em curso há cerca de um ano, de forma arbitrária e culposa, violando os elementares princípios de boa-fé na formação dos contratos, incorrendo em responsabilidade pré-contratual, e constituindo-se, como tal, na obrigação de ressarcirem os danos positivos e negativos causados.</font>
</p><p><font> Nessa conformidade, pedem a condenação dos réus a pagar à 1.ª e ao 2.º autores uma indemnização pelos danos negativos ou de confiança no valor de 445.448,00€ e de 459,029,50€, respectivamente, e ainda ao 2.º autor uma indemnização pelos danos positivos no valor de 11.375.000,00€.</font>
</p><p><font>A decisão proferida na 1ª instância não lhes reconheceu esse direito à indemnização por, essencialmente, haver considerado que, e passamos a transcrever, “</font><i><font>as conversas havidas entre Autores e Réus não adquiriram a suficiente consistência e intensidade que permitisse uma mínima representação do contrato a celebrar e a presença da violação de quaisquer deveres de lealdade, ou de qualquer perturbação do acima referido equilíbrio entre liberdade e justiça contratuais</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>À mesma solução de improcedência, mas por diferente ordem de razões, chegou o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><font>Depois de dar a saber acompanhar a corrente doutrinária e jurisprudencial que inser | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rzKQu4YBgYBz1XKvVxs_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> Revista nº26118/10.3T2SNT.L1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a></p><div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> I— RELATÓRIO </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente na Rua ..., nº …, …, ...</font><b><font>, </font></b><font>instaurou a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB</font></b><font>, residente na Rua ..., nº …, ...º andar, ..., pedindo que se reconheça o autor como único herdeiro de CC, e, consequentemente, único proprietário das quantias depositadas na conta bancária nº ... aberta na agência da C.. de ..., e a ré condenada a repor ao acervo hereditário a quantia que levantou acrescida de juros à taxa legal.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que em 7/10/2009 faleceu CC, casada em 2ªs núpcias com o autor, fazendo parte do acervo hereditário a conta bancária acima identificada, cujo saldo à data do óbito era de 1.250,66€.</font>
</p><p><font>Em 2005, na sequência da venda de um imóvel a falecida havia depositado na referida conta bancária a quantia de 72.623,50€, e na mesma conta era depositada mensalmente a pensão de reforma que auferia no montante de 340,00€.</font>
</p><p><font>Atento o seu estado de saúde, em Junho de 2008, o autor instalou a esposa num lar, onde permaneceu até ao seu falecimento, sendo que à data da sua entrada para o lar a referida conta bancária apresentava um saldo de 78.838,70€.</font>
</p><p><font>A ré, que era a 2ª titular da conta, na sequência de pedido da CC, sua tia, de Junho de 2008 a Setembro de 2009 levantou várias quantias num total de 22.300,00€ para prover às necessidades daquela, pelo que à data da sua morte deveria existir na conta um saldo de cerca de 56.538,74€, inexistente por a ré o ter levantado.</font>
</p><p><font>O dinheiro levantado pertence à herança da falecida CC, devendo a ré restitui-lo.</font>
</p><p><font>Contestou a ré por excepção, invocando ser parte ilegítima na acção, por estar desacompanhada do marido, existir erro na forma de processo por ao pedido corresponder processo especial de inventário, e ter ocorrido uma doação da falecida à ré, pelo que à data do óbito aquele dinheiro já não estava na titularidade da falecida. Por impugnação, alegou ter com esse dinheiro pago várias despesas da CC e nunca ter levantado dinheiro contra a vontade da mesma, concluindo por pedir o “indeferimento liminar” da acção, ou, assim não se entendendo, a sua improcedência e a condenação do autor como litigante de má fé, em indemnização a favor da ré no montante de 25.000,00€.</font>
</p><p><font>O autor replicou controvertendo as excepções invocadas e pugnando pela absolvição do pedido de condenação como litigante de má fé.</font>
</p><p><font>No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e de erro na forma do processo, e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e da base instrutória, com reclamação da ré que não foi atendida.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o autor do pedido de condenação como litigante de má fé.</font>
</p><p><font>Inconformado, o autor apelou dessa decisão de improcedência, com êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 17/12/14, por unanimidade, revogou a decisão recorrida e julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a restituir ao acervo hereditário de CC a quantia de 54.618,36€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 7/10/2009 e vincendos até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Foi a vez da ré mostrar o seu desacordo recorrendo de revista. Nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>A) Nestes autos vem o A. pedir que seja reconhecido como herdeiro de CC e ainda que seja a R. condenada a restituir-lhe a quantia de 56.538,74€ por ser um bem da herança daquela.</font>
</p><p><font>B) A R. contestou a restituição de qualquer montante pecuniário porque não o tem, tendo sido usado pela tia CC e ainda porque a referida Tia lhe doou o dinheiro que tinha nas contas 601 e 500 que tinha na C…..</font>
</p><p><font>C) A primeira instância declarou improcedente o pedido e absolveu a R. daquele por ter sido provado que houve efectivamente uma doação da Tia CC à sua sobrinha, aqui R., que se consubstanciou numa primeira fase na co-titularidade de contas bancárias solidárias e, após o casamento da tia CC com o aqui A. e o internamento desta no Lar da Santa Casa da Misericórdia esse dinheiro foi levantado, doado e gerido pela R., que pagou todas as despesas da Tia.</font>
</p><p><font>D) A primeira instância considerou ainda que se a posse do dinheiro por parte da R durante aqueles 16 meses, tivesse sido contra a vontade da tia CC, esse facto teria de ser provado pelo A. O que não foi feito.</font>
</p><p><font>E) Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido acórdão que, pese embora não altere a matéria de facto, declara procedente a acção e condena a R. a restituir os 54.618,36€, acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 07/10/2009.</font>
</p><p><font>F) Entende o Tribunal recorrido que não se verifica uma verdadeira doação por análise do regime jurídico das contas solidárias e ainda porque não estando determinado o montante da doação, esta terá sido uma promessa-doação que não chegou a ser concretizada por não ter existido tradição.</font>
</p><p><font>G) Com o que a R., aqui recorrente, se não conforma e apresenta o presente recurso.</font>
</p><p><font>H) À data da morte da falecida CC (07/10/2009), esta era apenas co-titular de uma conta (500 da C…) com o saldo de 625,33€, solidária com a R. BB (29 dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font>I) Tinha existido, em tempos, uma conta que fora liquidada, 16 meses antes do óbito (Junho de 2008), e que teria então cerca de 54.000,00€ e de que era co-titular em regime de conta solidária a R. e a tia CC (conta 161 da C…). </font>
</p><p><font>J) O A. pede a restituição daquele montante por ser herdeiro da falecida co-titular. É à data do óbito que se abre a sucessão. Pelo que, e nos termos do art. 2.031.° do C.C., o A. não tem direito a qualquer valor pretérito.</font>
</p><p><font>L) Não está provado qual o montante que a R. tenha ficado para si, nem como foi usado o dinheiro.</font>
</p><p><font>M) A R. geriu o referido dinheiro em proveito da tia, durante aqueles 16 meses anteriores à morte, entregando à tia e ao marido, aqui A., tudo o que lhe era solicitado.</font>
</p><p><font>N) Está provado e aceite pelo A. que durante os 16 meses em que a tia esteve no Lar da Misericórdia foi entregue pelo menos 22.300,00€ (13 dos Factos Assentes).</font>
</p><p><font>O) Foi dado por provado pela 1ª Instância que o referido dinheiro foi dado à aqui R. BB pela Tia CC, que sempre a preferiu e ajudou em vida.</font>
</p><p><font>P) A 2ª Instância, sem apreciar as provas produzidas, nem novas provas, altera a matéria de facto concluindo que existe um contrato promessa de doação sem que haja factos que sustentem tal entendimento.</font>
</p><p><font>Q) O acórdão recorrido alega não ter existido tradição do bem doado, quando está provado que o dinheiro estava totalmente na posse da donatária desde Junho de 2008, isto é, 16 meses antes do óbito da Tia CC.</font>
</p><p><font>R) O acórdão recorrido omite que durante 16 meses a R. entregou, daquele dinheiro, vários milhares de euros (pelo menos 23.600,00 €) à doadora e seu marido, aqui A.. O A. sabia da vontade da Tia CC naquela doação.</font>
</p><p><font>S) O acórdão recorrido entende que, por não estar determinado o valor doado (sujeito às necessidades da doadora), estamos perante uma promessa. O que é um critério errado face à lei, e à doutrina, que reconhecem a doação sujeita a termo (art. 963.° do C.C.) como doação.</font>
</p><p><font>T) Está provado na matéria de facto assente que a tia CC, em vida, doou à BB (A.) o dinheiro que tinha naquelas contas bancárias, que foi usado para proveito da própria doadora e caso existisse restante seria para a BB.</font>
</p><p><font>U) Não se provou que a R. tivesse usado ou movimentado o dinheiro contra vontade da tia.</font>
</p><p><font>V) O acórdão recorrido condena na restituição de montante que não está provado ter ficado na posse da R. BB. </font>
</p><p><font>X) O acórdão recorrido condena no pagamento de juros de mora, sem que a putativa devedora tivesse sido interpelada ou, o montante em dívida liquidado (art. 805.° do C.C.).</font>
</p><p><font>Z) Ao decidir pela procedência da acção e condenando a R. no pagamento de 54.618,36 € acrescida de juros de mora à taxa legal desde 07/10/2009, o Tribunal "a quo" violou o disposto nos artºs 2.031.°, 940.°, 945.°, 947.°, 954.°, 805.° e 342.° todos dos Código Civil e ainda o disposto no art. 662.° do C.P.C.</font>
</p><p><font>A autora juntou um Parecer publicado na Revista da Ordem dos Advogados.</font>
</p><p><font>O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> – por diante NCPC. São as seguintes as questões suscitadas:</font>
<p><font>a) Se houve doação;</font>
</p><p><font>b) Se é devida a condenação em juros de mora, e desde quando.</font></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No Acórdão recorrido vem tida por assente a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1. No dia 7 de Outubro de 2009, faleceu CC, com última residência habitual na Rua ... nº …, em ..., no estado de casada com o Autor AA (certidão de fls. 13- 16). (alínea A dos factos assentes) </font>
</p><p><font>2. Faleceu sem deixar descendentes, nem ascendentes e sem testamento ou outra disposição de última vontade, tendo deixado como único e universal herdeiro o seu cônjuge, ora Autor (certidão de fls. 17-20). (alínea B dos factos assentes) </font>
</p><p><font>3. Em 12 de Abril de 2005, a referida CC, então no estado de viúva de DD, e EE, esta por si e na qualidade de procuradora e em representação de FF, declararam vender pelo preço de noventa e dois mil e quinhentos euros, o prédio urbano sito no lugar do ..., freguesia e Concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o número seis mil quinhentos e vinte, que pertencia à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do referido DD (certidão de fls. 22-29 e documento de fls. 30-32). (alínea C dos factos assentes) </font>
</p><p><font>4. A referida CC era pensionista e auferia uma reforma de cerca de 340€. (alínea D dos factos assentes) </font>
</p><p><font>5. O Autor, à data da propositura da acção, tinha 84 anos de idade e, em Abril de 2005, tinha cerca de 80 anos de idade (certidão de fls. 94-96). (alínea E dos factos assentes) </font>
</p><p><font>6. O Autor havia casado civilmente com a referida CC em 17 de Abril de 2008, no regime imperativo da separação de bens (documentos de fls. 30-32 e 94- 96). (alínea F dos factos assentes) </font>
</p><p><font>7. Nessa data e desde há largos anos, o Autor e a referida CC já viviam juntos como se de marido e mulher se tratassem. (alínea G dos factos assentes) </font>
</p><p><font>8. À data, a referida CC já se encontrava muito doente. (alínea H dos factos assentes) </font>
</p><p><font>9. Estando quase sempre acamada e impossibilitada de se deslocar, apesar de ainda lúcida. (alínea I dos factos assentes) </font>
</p><p><font>10. O estado de saúde da falecida foi-se agravando e como o autor não podia cuidar daquela em condições, instalou-a no Lar da Santa Casa da Misericórdia de .... (alínea J dos factos assentes) </font>
</p><p><font>11. A referida CC entrou no Lar em Junho de 2008 e esteve aí durante 16 meses, até à data do seu falecimento. (alínea L dos factos assentes) </font>
</p><p><font>12. Tempo durante o qual a Ré levantava mensalmente uma quantia, de conta bancária solidária de que era titular com a CC, para fazer face às despesas desta. (alínea M dos factos assentes) </font>
</p><p><font>13. A Ré levantou dessa conta um total de 22.300€, designadamente: </font>
</p><p><font>- em Junho de 2008, 1.500€; </font>
</p><p><font>- em Julho de 2008, 1.500€; </font>
</p><p><font>- em Agosto de 2008, 2.000€; </font>
</p><p><font>- em Setembro de 2008, 1.400€; </font>
</p><p><font>- em Outubro de 2008, 1.600€; </font>
</p><p><font>- em Novembro de 2008, 1.200€; </font>
</p><p><font>- em Dezembro de 2008, 1.200€; </font>
</p><p><font>- em Janeiro de 2009, 1.100€; </font>
</p><p><font>- em Fevereiro de 2009, 1.100€; </font>
</p><p><font>- em Março de 2009, 1.200€; </font>
</p><p><font>- em Abril de 2009, 1.200€; </font>
</p><p><font>- em Maio de 2009, 1.400€; </font>
</p><p><font>- em Junho de 2009, 1.400€; </font>
</p><p><font>- em Julho de 2009, 1.400€; </font>
</p><p><font>- em Agosto de 2009, 1.700€; </font>
</p><p><font>- em Setembro de 2009, 1.400€. (alínea N dos factos assentes) </font>
</p><p><font>14. Um dia depois da data da escritura referida em C), CC depositou na conta da Caixa … nº … um cheque no montante de 72.623,50 €. (art. 1.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>15. Após o falecimento da sua irmã (mãe da ré) CC colocou a ré como 2ª titular de duas contas solidárias – conta nº … e nº …, ambas da Caixa …., balcão de .... (art. 2.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>16. As referidas contas eram solidárias. (art. 3.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>17. Mensalmente era depositada na conta nº … a pensão de reforma da referida CC. (art. 4.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>18. A Ré anuiu a ser 2.ª titular dessa mesma conta. (art. 5.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>19. A 17 de Abril de 2008 CC casou com o autor. (art. 7.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>20. Em Junho de 2008 a ré detinha as cadernetas das referidas contas da Caixa … (conta nº … e …), através da qual levantava mensalmente as quantias necessárias ao pagamento do Lar e de outras despesas necessárias de CC. (art. 8.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>21. Em 9/06/2008 a conta nº … apresentava um saldo de 353,29 € e a conta nº …, em 1/06/2008, um saldo de 76.918,36 €. (art. 9.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>22. A conta nº … em 1/06/2008 apresentava um saldo de 76.918,36 € e em 21/06/2008 um saldo de 0,0 €. (art. 10.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>23. Em 12/06/2008 a conta nº … foi totalmente liquidada. (art. 11.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>24. Todo o dinheiro existente na conta havia sido depositado pela falecida CC e era sua propriedade. (art. 12.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>25. Entre 12/06/2008 e 23/09/2009 a ré levantou um total de 26.000€ da conta nº …</font><b><font> </font></b><font>(Caixa …., balcão da ...) da qual era titular juntamente com o seu marido GG. (art. 13.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>26. A Ré sempre foi a sobrinha preferida da referida CC, que a via como filha e a quem ajudava muitas vezes. (art. 16.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>27. O dinheiro que CC depositou na conta referida em 15 seria para ser gasto quando precisasse e o que não fosse necessário dava-o à Ré. (art. 18.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>28. Em 12/06/2008, por transferência, foi creditada na conta nº …. da qual era titular a ré e o seu marido GG a quantia de 26.000 € e a conta nº … foi totalmente liquidada. (art. 19.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>29. A única conta solidária existente, à data do óbito da CC, era a referida conta n.º … da C…, com o saldo de 625,33€. (art. 22.º da base instrutória) </font>
</p><p><font>30. Foi a ré quem procedeu ao pagamento das despesas do funeral de CC. (art. 23.º da base instrutória).</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A)</font><b><font> </font></b><u><font>Se houve doação</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>É pacífico, que o autor/recorrido é o único herdeiro da falecida CC, bem como ser esta proprietária única de todo o dinheiro existente nas contas que detinha na Caixa …, de que a ré/recorrente era 2ª titular.</font><br>
<font>Assim sendo, dispõe o nº 1 do art. 940.º do Código Civil (a que pertencerão os normativos por diante citados sem expressa menção de origem) que: “</font><i><font>doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício de outro contraente</font></i><font>”.</font><br>
<font>São, pois, três os requisitos exigidos para que exista uma doação: atribuição patrimonial sem correspectivo; diminuição do património do doador; espírito de liberalidade.</font><br>
<font>Como contrato que é, exige o concurso e acordo de duas vontades: a do proponente-doador e a do aceitante-donatário. A esse propósito, o art. 945.º estatui que: </font><br>
<font>“</font><i><font>1. A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador. </font></i><br>
<i><font>2. A tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, é havida como aceitação.</font></i><br>
<i><font>3. Se a proposta não for aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947.º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos</font></i><font>”.</font><br>
<font>Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “</font><i><font>Para que se conclua o processo constitutivo do negócio jurídico, é necessária a aceitação do donatário. Antes dela, poderá existir uma simples proposta de doação, mas</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>uma doação, pois o acordo de vontades é sempre elemento essencial, nos termos do art. 232.º, da formação de qualquer contrato</font></i><font>. </font><br>
<font>(…) </font><i><font>A aceitação deve ter lugar, sob pena de caducidade da proposta, durante a vida do doador, não sendo necessário, porém, que ocorra no mesmo momento em que é feita a declaração do doador</font></i><font> (…)”</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Temos, pois, que o contrato de doação constitui um negócio jurídico bilateral receptício, que só fica perfeito, ressalvada a situação prevista no nº 2 do art. 951.º, com a aceitação pelo donatário. Até essa aceitação não existe senão uma mera proposta de doação.</font><br>
<font>Aceitação essa que não tem de ser expressa, pode ser tácita, sendo como tal havida a “</font><i><font>tradição</font></i><font>” para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, o que é imperioso é que ocorra durante a vida do doador. </font><br>
<font>A “</font><i><font>tradição</font></i><font>” pode ser feita pelo doador ou por seu representante, mandatário ou comissário</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Por seu turno, relativamente à doação de coisas móveis, dispõe o nº 2 do art. 947.º que “</font><i><font>não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada da tradição da coisa doada; não sendo acompanhada da tradição da coisa, só pode ser feita por escrito</font></i><font>”.</font><br>
<font>Significa tal que a lei não se satisfaz com as meras declarações verbais dos contraentes. Ou há “</font><i><font>tradição</font></i><font>”, ou, não havendo esta, a doação está sujeita a forma escrita, forma </font><i><font>ad substantiam</font></i><font>, necessária à validade do negócio de acordo com o princípio geral contido no art. 220.º, 1ª parte.</font><br>
<font>Ora, a “</font><i><font>tradição</font></i><font>” é uma forma de conferir a alguém a posse de determinado bem, o antigo possuidor demite-se da sua situação e entrega a coisa ao novo possuidor, ao adquirente, constituindo-o na situação de facto própria da posse. Desdobra-se a mesma em dois momentos, na cessação da relação material com a coisa por parte do primeiro possuidor e no seu empossamento por parte do segundo (</font><i><font>accipiens</font></i><font>) (cfr. art. 1263.º alínea b))</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Diz este preceito que a “</font><i><font>tradição</font></i><font>” tanto pode ser material como simbólica, pressupondo a primeira a execução de actos de entregar e receber que conferem de imediato a disposição do bem, ao passo que na simbólica não ocorre directa interferência no controlo material da coisa, a posse advém de um acto que apenas a torna possível, de um acto simbolizador da coisa (ex. entrega da chave de uma casa vendida)</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>O que releva em qualquer delas é ser o acto de entrega que torna efectivo o apossamento da coisa.</font><br>
<font>Esta exigência especial de forma visa essencialmente proteger o doador contra si próprio, evitando que se tenha por declaração definitiva de doar o que não passa ainda de um projecto de liberalidade, procurando sobretudo impedir que o declarante doador seja vítima dos seus arrebatamentos impulsivos, das suas inclinações precipitadas, dos seus sentimentos de ocasião, de atitudes imponderadas que posterior e serena reflexão poderia motivá-lo a deplorar. </font><br>
<font>Esclarece Vaz Serra que a lei não se contenta com o acordo das partes, exigindo a “</font><i><font>tradição</font></i><font>” da coisa ou um escrito, fundando-se essa exigência “</font><i><font>na circunstância de a doação poder ser perigosa se não houver um facto que chame especialmente a atenção das partes para a gravidade dos actos</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>, o que se assegura com a “</font><i><font>traditio</font></i><font>”, acrescentando Pessoa Jorge que “ </font><i><font>a doação, na medida em que determina uma diminuição patrimonial sem contrapartida, é um acto perigoso, não só para o próprio doador, como também para terceiros. O regime da pura consensualidade presta-se a fraudes susceptíveis de acarretar sérios prejuízos, por exemplo, aos credores do doador, que não poderiam atacar a doação ainda que fictícia, se o devedor conseguisse demonstrar que aquela fora anterior à constituição do crédito, não obstante as coisas doadas continuarem na sua posse</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>À luz destes princípios, é hora de regressarmos à factualidade provada, onde temos que:</font>
</p><p><font>- a ré sempre foi a sobrinha preferida da referida CC, que a via como filha e a quem ajudava muitas vezes (26 dos factos provados);</font>
</p><p><font>- após o falecimento da sua irmã (mãe da ré), a CC colocou a ré como 2ª titular de duas contas solidárias – conta nº … e nº …</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>, ambas da Caixa Geral de Depósitos, balcão de ... (15 dos factos provados);</font>
</p><p><font>- o dinheiro que a CC tinha depositado nas contas referidas seria para ser gasto quando precisasse e o que não fosse necessário dava-o à ré (27 dos factos provados); </font>
</p><p><font>- em Junho de 2008 a ré detinha as cadernetas das referidas contas da Caixa … (conta nº … e …), através das quais levantava mensalmente as quantias necessárias ao pagamento do Lar e de outras despesas necessárias de CC (20 dos factos provados); </font>
</p><p><font>- em 12/06/2008, por transferência, foi creditada na conta nº … da qual era titular a ré e o seu marido GG a quantia de 26.000 € e a conta nº … foi totalmente liquidada (23 e 28 dos factos provados); </font>
</p><p><font>- foi a ré quem procedeu ao pagamento das despesas do funeral de CC (30 dos factos provados).</font>
</p><p><font>Como antes se disse, todo o dinheiro existente nas contas bancárias era propriedade da falecida CC (cfr. nº 24 dos factos provados). Estamos perante contas conjuntas, na modalidade de solidárias, que se caracterizam por poder ser livremente movimentadas por qualquer dos seus titulares, e o simples facto de existirem não significa, só por si, que tenha havido “</font><i><font>tradição</font></i><font>” das respectivas quantias entre os seus contitulares. O proprietário pode permitir que outrem disponha de coisa sua, sem que necessariamente queira com isso significar que lha dá.</font>
</p><p><font>Observam Pires de Lima e Antunes Varela que “ </font><i><font>a mera constituição de um depósito bancário em nome conjunto do doador e de uma ou mais pessoas, para que funcionem como depositantes solidários, não representa necessariamente uma doação, enquanto se não conhecer a intenção do dono do dinheiro depositado. Em si mesma, a operação negocial é uma atribuição incolor que tanto pode assentar sobre um empréstimo ou uma doação, como sobre um puro</font></i><font> </font><i><font>mandato, etc. (cf. ac. do Sup. Trib. de Just, de 8 de maio de 1973, no Bol.Min. Just., n.º 227, pág. 133)</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Diferente poderá ser se, na realidade, foi intenção do titular que depositou o dinheiro que este passasse a ser propriedade do outro contitular, podendo dele dispor como entendesse. Nesta circunstância, então, estamos, de facto, face a uma doação acompanhada de “</font><i><font>tradição</font></i><font>” do bem doado, pois que a conta conjunta funciona como meio idóneo para tornar efectivo o apossamento das quantias depositadas.</font>
</p><p><font>Não foi o caso dos autos, dado que, como vem provado, a falecida CC destinava esse seu pecúlio a ser gasto quando precisasse, ou seja, para fazer face às suas necessidades, e só, depois, o que não fosse necessário dava à ré. Quer dizer, a CC não partilhou desde logo com a recorrente a propriedade dessas verbas, não se mostra que tenha sido o “</font><i><font>animus donandi</font></i><font>” que conduziu à abertura das contas colectivas e solidárias.</font>
</p><p><font>Mas, argumenta a recorrente que essa partilha veio a ocorrer posteriormente, afirmando que “</font><i><font>verifica-se uma verdadeira doação, que se traduziu na entrega do dinheiro pela tia à sobrinha</font></i><font> (...) </font><i><font>feita em vida e confirmada ao longo de 16 meses </font></i><font>(...). </font><i><u><font>A doação dá-se no momento em que a Tia CC se despoja do dinheiro, dando ordem à sobrinha BB (aqui R.) para que proceda ao levantamento daquele e o deposite em conta de que seja a única titular</font></u></i><font>”</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font> (pontos 22 e 24 das alegações, a fls. 339/340 dos autos). </font>
</p><p><font>Situa a doação, não aquando da sua colocação como 2ª titular das contas bancárias, mas em momento ulterior correspondente ao do levantamento do dinheiro e subsequente depósito na sua conta e do marido, mais precisamente em 12/06/2008.</font>
</p><p><font>Ora, a realidade evidenciada pelo acervo factual apurado é bem menos exuberante e expressiva do que aquela que apresenta a recorrente, uma vez que do acima descrito não resulta como provado que a transferência operada no dia 12/06/2008, creditando na conta pessoal da recorrente e do seu marido, com o nº …, a quantia de 26.000,00 €, e liquidando a conta nº …, tivesse sido realizada pela CC ou por ordem sua (cfr. resposta restritiva aos quesitos 19.º e 20.º e nºs 23 e 28 dos factos provados)</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>. </font><br>
<font>É certo que após tal movimentação, a recorrente/ré fez face às despesas da tia até à sua morte, bem como às despesas do seu funeral, mas, ao invés do que pretende a recorrente, sendo as contas bancárias em causa solidárias, podendo qualquer das suas titulares, isoladamente, proceder à sua mobilização, e não se podendo afirmar que a transferência ocorrida em 12/06/2008 tenha sido concretizada ou realizada por ordem da titular CC, não é possível concluir que esta lhe “entregou” o dinheiro, isto é, se operou a sua “</font><i><font>tradição</font></i><font>” no sentido estabelecido no art. 947.º, nº 2.</font><br>
<font>A “</font><i><font>tradição</font></i><font>”, um dos efeitos essenciais da doação (art. 954.º, al. b)), tem de se evidenciar, ou suportar, num acto de entrega ou transferência do bem móvel doado, ou do seu título representativo, exercido pelo doador ou seu representante. É que a doação é um contrato de eficácia real (</font><i><font>quod effectum</font></i><font>), no sentido de que a transferência da propriedade ou da titularidade do direito se verifica em consequência do próprio contrato (cfr. art. 408.º), e dele nasce, consequentemente, para o doador, a obrigação de entregar a coisa doada</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Essa “entrega” não se provou. Não pode ter esse significado a mera transferência da verba depositada no banco para a conta pessoal da recorrente e do marido, sem que se tenha apurado haver correspondido a determinação e execução material da CC, ou da recorrente por ordem daquela, quando se sabe que a recorrente como titular solidária da conta liquidada a poderia ter movimentado só por si. Por isso, a recorrente labora em manifesta confusão conceptual quando defende a existência da “</font><i><font>tradição</font></i><font>” pelo facto de estar “provado que o dinheiro estava totalmente na posse da donatária desde Junho de 2008, isto é, 16 meses antes do óbito da Tia CC (conclusão Q)). Primordial era apurar se tal transferência bancária correspondera à vontade desta, a seu acto voluntário, ou de outrem por ordem sua. </font><br>
<font>Destarte, não tendo sido acompanhada de “</font><i><font>tradição</font></i><font>”, a doação apenas poderia ser feita mediante escrito (nº 2 do art. 947.º), exigência de que igualmente não há notícia nos autos. Assim sendo, falta o necessário “índice exterior de</font><i><font> seriedade e firmeza </font></i><font>da intenção de doar”, no dizer de Antunes Varela</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Como se concluiu na decisão recorrida, da factualidade provada o que resulta é ter a CC feito uma promessa de doação verbal à recorrente/ré. Do que esta discorda argumentando que “</font><i><font>a 2ª Instância, sem apreciar as provas produzidas, nem novas provas, altera a matéria de facto concluindo que existe um contrato promessa de doação sem que haja factos que sustentem tal entendimento</font></i><font>” (conclusão P)), defendendo que se trataria de uma doação com encargos, consagrada legalmente no art. 963.º, pois “</font><i><font>A doação teve um encargo - prover as necessidades da Tia até à morte desta</font></i><font>” (cfr. ponto 39 das alegações e conclusão S)).</font>
</p><p><font>A recorrente aparenta ignorar que o julgador não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5.º, nº 3 do NCPC, equivalente ao art. 664.º do revogado CPC).</font>
</p><p><font>A questão da admissibilidade da promessa de doação tem suscitado na doutrina muitas dúvidas. Seguindo opinião contrária à de Cunha Gonçalves, no Tratado de Direito Civil, VIII, pág. 52, defensor da invalidade da promessa de doar</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>, sobre ela, escreveu Antunes Varela que “</font><i><font>dentro do texto | [0 0 0 ... 0 1 0] |
rzKlu4YBgYBz1XKvJSbr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font>
</p><p><font> </font><b><font>I.</font></b>
</p><p><font>AA (Sucursal em Portugal) intentou a presente acção contra BB, CC e DD, pedindo que se ordene a restituição do imóvel identificado no art. 2º da petição inicial ao património do 1.º R., para aí ser executado na medida do seu interesse e até onde for necessário para satisfação do seu crédito e que, nos termos do art. 8º do C. do Registo Predial, se ordene o cancelamento do registo de aquisição do imóvel mencionado a favor dos 2.º e 3.º RR, efectuado mediante a ap. 00000000, em relação à descrição n.º 00000000000.</font>
</p><p><font>Alegou em suma que intentou acção executiva contra o R. BB, para cobrança da dívida titulada por uma livrança, no valor de € 14 260,40, tendo nomeado à penhora o imóvel que identifica, a qual foi ordenada e efectuada por termo de 18-04-2001, o que foi registado, provisoriamente, por natureza em 18-04-2002, uma vez que a titularidade do direito de propriedade se encontra inscrita a favor dos 2.º e 3.º RR.</font>
</p><p><font>Acontece que não recebeu, até à data, qualquer quantia para pagamento da quantia exequenda nos autos acima referidos e que os juros de mora vencidos desde a interposição da acção executiva ascendem a € 990,06.</font>
</p><p><font>O imóvel penhorado foi doado pelo 1.º R. aos 2.º e 3.º RR, transmissão que foi levada a registo no dia 11-06-2002 e que não conhece outros bens ao 1.º R que sejam suficientes para pagamento da quantia exequenda.</font>
</p><p><font>Considera, por isso, que estão preenchidos os requisitos para que a doação referida possa ser impugnada nos termos dos arts. 610º e ss. do CPC.</font>
</p><p><font>Os RR. BB e DD apresentaram a contestação, onde concluíram pela improcedência do pedido, alegando que o pedido formulado pela A. não tem cabimento no normativo inerente à acção pauliana, posto que o mesmo deixa intocada a transmissão, sendo que esta ocorreu antes do registo da penhora.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o R. BB tem outros bens susceptíveis de penhora e os RR. CC e DD desconheciam o crédito e a penhora invocados pela A.;</font>
</p><p><font>Informam ainda que a doação impugnada apenas se destinou a restituir o imóvel que os RR. CC e DD haviam doado ao R. BB.</font>
</p><p><font>Replica a A., reiterando a procedência do pedido por si deduzido.</font>
</p><p><font>Finda a fase dos articulados, foi proferida sentença a julgar a acção, parcialmente, procedente, julgando ineficaz o contrato de doação do 1º réu aos 2º e 3º réus, ordenando a sua restituição ao património do 1º réu, a qual foi objecto de recurso, apreciado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, onde se decidiu anular a decisão impugnada e ordenar-se a elaboração de despacho saneador (com a natural selecção da matéria de facto) e a ulterior tramitação dos autos.</font>
</p><p><font>Em cumprimento do referido acórdão, após, nomeadamente, a realização de julgamento, veio a ser proferida sentença, julgando-se, ora, improcedente a acção com a consequente absolvição dos réus.</font>
</p><p><font>Igualmente, objecto de recurso que veio a ser decidido, de novo, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, aí se anulou a decisão da matéria de facto e da sentença recorrida e se ordenou a elaboração de base instrutória nos termos aí vertidos.</font>
</p><p><font>Dando-se-lhe inteiro cumprimento, veio a ter lugar nova audiência de julgamento e proferiu-se nova sentença que julgou a acção parcialmente procedente, em tudo idêntica à primeira decisão.</font>
</p><p><font>Entretanto em apenso próprio, I...I....D...F... Finance, AG, foi julgada habilitada a intervir na lide em substituição da originária A..</font>
</p><p><font>Inconformados, apelaram os RR mas a Relação do Porto, por acórdão, desatendeu o recurso e confirmou a sentença da 1º instância.</font>
</p><p><font>Recorreram de novo os RR., ora, de revista cuja alegação concluem, formulando o seguinte:</font>
</p><p><font> </font><i><font>1- O Douto Acórdão recorrido apesar do seu apreciável recorte técnico, não fez, salvo devido respeito, correcta aplicação do direito aos factos e não tomou em consideração toda a matéria relevante, bem como, por outro lado, se algumas das normas legais fossem aplicadas e interpretadas correctamente conduziriam, necessariamente, e com a devida vénia, a decisão diferente da tomada pelo Douto Tribunal a quo.</font></i>
</p><p><i><font>2- Como se procurará demonstrar, o Tribunal" a quo", ao decidir nos termos em que o fez, violou, directa e ou indirectamente, de entre o mais, o disposto no artigo 668 n° 1 ai. b) e c) do C.P.C., pois, o Douto Acórdão ora recorrido, que corroborou a decisão tomada em primeira instância, cuja já enfermava dos mesmos vícios, não contempla fundamentação quanto à matéria de facto que leve à decisão a que levou, bem como, atendendo à matéria de facto dada como provada, sempre se inferiria decisão diferente da adoptada no aresto em análise.</font></i>
</p><p><i><font>3- Consta dos autos e da Douta Sentença de que se recorre, que, efectivamente, o 1º R., BB, e a A. inicial, outorgaram, em 03-02-2000, um contrato de locação financeira, tendo aquele prestado a título de garantia um livrança. Ora, como se pode constatar da matéria de facto dada como assente, sob os pontos 9., 10. e 11., a livrança subscrita pelo 1º Réu foi a única garantia prestada e, como comprovado pela prova testemunhal, seria à data o único formalismo e requisito exigido pela instituição financeira de crédito. Assim, o prédio rústico sob o qual incidiu, ulteriormente, penhora e que, de resto, motivou a interposição da presente acção, não constava das condições particulares do dito contrato de locação financeira. Efectivamente, nada mais foi requerido, ao 1º Réu, a título de garantia para a celebração do referido contrato;</font></i>
</p><p><i><font>4- Na verdade, isto foi uma forma de os 2º e 3º RR auxiliarem o seu filho na prossecução de tal projecto, conferindo-lhe uma oportunidade de sucesso e trabalho para a sua vida. Daí que, uma vez este estabilizado ou cumprido o seu objectivo com aquele projecto, o prédio que os pais lhe transmitiram, seria alvo de regresso à esfera patrimonial dos 2º e 3º RR. E não outro foi o propósito de os mesmos efectuarem esta doação, pois, estes sempre actuaram no propósito de que tudo fosse cumprido, pois sempre confiaram no seu filho e, como pais, tudo fizeram para que este tivesse sucesso na sua vida profissional, que mais não foi o móbil de estes lhe terem doado, sob condição, o referido imóvel.</font></i>
</p><p><i><font>5- De facto, e não obstante os 2º e 3º RR. desconhecerem por completo o contrato de locação assumido pelo seu filho, aqui 1º Réu, o certo é que na data da escritura pública de doação, o 1º Réu ainda não estava em situação de qualquer incumprimento, pois que só mediaram cerca de cinco meses os dois actos e tendo sempre em consideração que a data de emissão da livrança dada pelo 1° Réu como garantia, remonta a cerca de 1 ano e 4 meses depois da referida escritura. Efectivamente, os 2º e 3º RR., permitiriam, como pais, que este cumprisse para com o acordado e contratado com as demais entidades, com vista a cumprir integralmente o assumido, pois, em momento algum, se pode inferir, que quer os 2º e 3º RR., quer o próprio 1º Réu pretendiam defraudar ou ter uma actuação fraudulenta com quem quer que fosse.</font></i>
</p><p><i><font>6- Assim, não se compreende como é que o Douto Tribunal a quo entende que a doação celebrada entre o 1º Réu e seus pais, 2º e 3º RR., foi celebrada no intuito de prejudicar e lesar os direitos e interesses da A., porquanto, no momento em que foi celebrado tal acto (doação) o 1º R. estava longe de entrar em qualquer situação de incumprimento, bem como, não prestou como garantia para aquele contrato de locação financeira o referido prédio, nem exibiu qualquer documento da sua titularidade que fosse, pois bem sabia que tal prédio sempre foi da propriedade dos 2º e 3º RR., tendo sido por estes transmitido temporariamente ao seu filho, para este executar o referido projecto, na sua totalidade. De facto, porque motivo ou razão atendível, a A. não procurou obter do 1º R. outro tipo de garantias, que reforçasse a sua posição, ao invés de somente lhe ter exigido a assinatura de uma livrança, não logrando apurar da sua situação patrimonial e financeira, aquando da concessão do crédito (financiamento)?</font></i>
</p><p><i><font>7- Assim, não pode considerar-se que os 2º e 3º RR. agiram de má fé, no sentido de ter procedido de modo a afectar, com a doação, a consistência do crédito da A., tornando impossível a sua satisfação integral ou de modo a agravar a impossibilidade dessa satisfação, pois como retro se referiu, quando aqueles efectuaram a escritura de doação, pouquíssimo tempo depois de o 1º R. ter celebrado o referido contrato, estava afastada qualquer hipótese de incumprimento contratual do 1º R., bem como os 2º e 3º não tinham conhecimento de que aquele tinha contraído aquela dívida e, ainda, estavam a proceder como tinham anteriormente definido e acordado, no sentido de devolver aos proprietários primitivos (aqui 2º e 3º RR) o prédio rústico, ora sob penhora.</font></i>
</p><p><i><font>8- Efectivamente, e com base nos factos declarados pelas testemunhas e atenta toda a prova carreada para os autos, impunha-se uma decisão diferente, que, de certo modo não estivesse em contradição ou em conflito com os seus fundamentos, uma vez que perante todo este conspecto fáctico é de deduzir uma outra decisão, que não no sentido da do Douto Tribunal a quo.</font></i>
</p><p><i><font>9- Analisando a prova no seu conjunto, é de referir que a mesma, salvo devido respeito, se encontra em contradição notória com a decisão, pois os depoimentos e a prova documental carreada para os autos, levam-nos a entender, salvo devido respeito, que o acto jurídico impugnado teria sido feito sob condição verbal, bem como, não atendeu aos motivos que levaram à doação do 1º R. aos 2º e 3º RR., pois que só mediaram poucos meses e ainda não se estava numa situação de incumprimento, e ainda, não foi valorado, com a devida vénia, o facto de a testemunha responsável pela gestão do contencioso da A. ter referido que não foi prestada como garantia o prédio sob penhora, tendo, ainda, julgado sem acerto no que concerne ao facto de ter considerado como anterior o crédito da A. por referência à data de subscrição livrança, quando na verdade, deveria ter computado o momento de nascimento do crédito da A. por referência à data de emissão da livrança, 13/11/2001, acto pela qual se reveste de plena eficácia.</font></i>
</p><p><i><font>10- Assim, entendemos, salvo devido respeito e melhor opinião, estamos perante, uma violação directa e ou indirecta, do art.° 668 n° 1 ai. d) do C.P.C, na medida em que o Tribunal "a quo" não se pronunciou sobre os elementos factuais alegados, quando o devia ter feito, nomeadamente os depoimentos das testemunhas que, conheciam e lidaram com a situação posta à apreciação do Tribunal, directa e diariamente, e as outras testemunhas inquiridas.</font></i>
</p><p><i><font>11- Da análise da prova gravada, conjugada com os demais elementos dos autos, mormente documentais, e as regras da experiência comum, resulta evidente que deveria ter sido dado como provado que o crédito da A. é anterior ao acto impugnado, pois, o acto da constituição do crédito, ou seja, a data de emissão do mesmo 13/11/2001 é em cerca de um ano, posterior à data de celebração de escritura pública de doação 20/07/2000 do prédio, do 1º R. aos 2º e 3º RR.; pese embora este acto seja, em prol da verdade, para retomar este prédio à titularidade dos pais do 1º R., de modo a fazer corresponder a real vontade e intenção destes quando doaram o prédio ao 1º R. de modo a poder garantir-lhe uma oportunidade de vida, o certo é que não estabeleceram nenhum negócio sob condição (escrita).</font></i>
</p><p><i><font>12- Com efeito, no Douto Acórdão prolatado pelo Tribunal a quo foi entendido que a questão aqui posta em análise, isto é, lograr apurar da verificação ou não dos requisitos de que depende a acção pauliana, atentos os factos carreados para o processo e a prova testemunhal produzida seria de proceder, porquanto considerou, este Tribunal, que o crédito da A. é anterior à escritura de doação entre 1º a 2º e 3º RR., ou seja, o acto impugnado.</font></i>
</p><p><i><font>13- De facto, o Douto Tribunal a quo funda a sua convicção, no que especialmente respeita ao requisito da anterioridade do crédito da A. sobre o acto impugnado, no facto de a subscrição da livrança, dada como garantia do cumprimento do contrato de locação financeira, ter sido subscrita pelo 1º R. em 03-02-2000, e que portanto seria anterior ao acto aqui impugnado, escritura de doação, porque celebrada em 20-07-2000.</font></i>
</p><p><i><font>14- Efectivamente, entende o Tribunal a quo que o critério a considerar em ordem a apurar se o crédito da A. é anterior ou posterior ao acto impugnado, respeita apurar do momento do nascimento da obrigação, isto é, do crédito, pois como referido "(...) o crédito titulado por uma livrança constitui-se, peio menos, no acto da subscrição.</font></i>
</p><p><i><font>(...) Atentando no caso dos autos, entende-se, face ao acima afirmado, que o crédito da A. nasceu no momento da subscrição da livrança em referência, ou seja, em 03-02-2000 (data em que o Réu BB assinou a mesma no lugar destinado ao subscritor, ainda que em branco no que respeita à data de emissão e data de vencimento), como tal, anterior ao acto impugnado (20-07-2000)."</font></i>
</p><p><i><font>15- Ora, quer isto dizer, que o douto tribunal a quo, funda a sua convicção na posição de que o direito de crédito da A., se constitui no momento da subscrição, in casu, da livrança dada como garantia para cumprimento do contrato de locação financeira. Todavia, e salvo o devido respeito, por opinião diversa, entendem os Réus, que tal posição não se afigura de todo correcta e adequada, na medida em que, se por um lado e como é referido pela mais meritória e unânime doutrina a livrança, embora subscrita, mas em branco, é válida enquanto título cambiário, mas ineficaz, por via do não preenchimento dos seus elementos essenciais, mormente valor e data de emissão; por outro lado, entendem os mesmos que ao invés do exposto no douto aresto, aqui sob análise, que importará apurar, como critério definidor do nascimento do direito de crédito, não o momento da subscrição, mas sim o momento da emissão.</font></i>
</p><p><i><font>16- Os Recorrentes, fundam esta sua convicção nos argumentos de que a livrança embora subscrita não é eficaz até ao seu completo preenchimento, o que se traduz de certo modo numa indeterminabilidade do direito de crédito, pois só aquando do seu preenchimento é que se consegue apurar o valor em dívida e que este titula, e marca o momento em que o devedor entra em incumprimento. De facto, não pareceria razoável, que o credor tivesse á sua disposição um título de crédito que após preenchimento imediatamente assume o carácter de título executivo, retroagindo nos seus efeitos, não à data do incumprimento, mas sim, e no que não se concede, à data da sua subscrição, de um qualquer título cambiário.</font></i>
</p><p><i><font>17- Na verdade, é entendimento, salvo devido respeito, dos Recorrentes, que o critério de aferir da anterioridade ou não, de um título de crédito face ao acto impugnado, deve ser, por maioria de razão, e questão de justiça, a data de emissão do título de crédito e não a data da respectiva subscrição. De facto se se atentar ao ponto treze da matéria de facto dada como provada, vemos que a data de emissão da livrança apurada reporta-se a 13-11-2001, e a data do seu vencimento a 20-11-2001, o que significa que estes actos são consideravelmente posteriores, ao acto impugnado, neste caso à data da escritura de doação ( data da escritura) do 1º Réu aos 2º e 3º Réus.</font></i>
</p><p><i><font>18- Assim, deve nesta óptica, considerar-se que mal andou o douto Tribunal a quo, aplicando e interpretando erroneamente as normas de direito, pois, de acordo com o retro expendido, deveria ter-se considerado como critério aferidor da anterioridade ou posterioridade do crédito da Autora, sobre o acto impugnado, não no momento da subscrição, mas sim, o momento da respectiva emissão, ou seja, a livrança foi emitida em 13-11-2001, sendo que a escritura de doação celebrada entre os Réus data de 20-07-2000; logo, e ao invés do decidido, deve considerar-se, por maioria de razão, e por tal, se mostrar consentâneo com a Lei, que o crédito da Autora é posterior ao acto impugnado, o que inelutavelmente acarretará improcedência da presente lide.</font></i>
</p><p><i><font>19- Há aqui uma flagrante nulidade da decisão ora Recorrida, prevista no art° 668 n° 1 ai. c) do C.P.C que não deixará de ser reconhecida pelo Tribunal " ad quem", por forma a demonstrar que o Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação da prova produzida, cujas consequências se traduziram numa decisão errada, injusta, a qual colide, ostensivamente, com os mais elementares princípios da livre apreciação da prova e do direito.</font></i>
</p><p><i><font>20- Por outro lado, a Douta Sentença e também o Douto Acórdão, não tiveram em consideração, o facto de a penhora sobre o bem aqui em causa, ter sido registada em 25 de Julho de 2002, sendo que o mesmo já tinha sido doado, pelo 1º R. aos 2º e 3º RR., seus pais, e registada tal doação em 11 de Junho de 2002. Ou seja, uma vez mais, temos aqui elementos que não foram atendidos pelo Douto Tribunal a quo, tanto mais que a própria penhora é efectuada num prédio, cuja propriedade já não pertence ao 1º R., por ser posterior à data daquele negócio translativo da propriedade. Neste sentido, deveria o Douto Tribunal a quo ter entendido que os presentes elementos eram suficientes e bastantes para que, com a penhora efectuada posteriormente à doação, a não eficácia da livrança pela falta dos elementos necessários ao seu pleno valor e, ainda, à falta de disposições particulares concretas no contrato de locação financeira assumido pelo primeiro R., levam a que tivesse que se considerar que a acção interposta pelo A. tivesse que soçobrar, pois os requisitos da acção pauliana não se encontram preenchidos, no total.</font></i>
</p><p><i><font>21 - Mais enferma a sentença ora recorrida, de falta de fundamentação de facto e de direito, o que consubstancia nulidade do art° 668 n° 1 ai. b) do C.P.C, na medida em que, simplesmente expressa que a A. não logrou fazer prova dos factos alegados, bem como errou ao interpretar o art.° 610° do Cód. Civil, considerando que se encontravam preenchidos todos os elementos necessários à impugnação pauliana.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que, deve, pois, ser revogada e ser proferida decisão que julgue a acção integralmente improcedente, com a absolvição dos RR. em todos os pedidos formulados.</font></i>
</p><p><font>Foi oferecida contra alegação que pugna pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.</font>
</p><p><font>A revista, em face das conclusões transcritas, gira em torno das seguintes questões: a impugnação da matéria de facto, nulidade do acórdão recorrido e a anterioridade do crédito face ao acto impugnado.</font>
</p><p><font>II.</font>
</p><p><font>A - Antes, porém, deixam-se consignados os factos que as instâncias deram por apurados:</font>
</p><p><font>1. A A., em Janeiro de 2002, interpôs, contra o R. BB, acção executiva para pagamento de quantia certa no valor de € 14 260,40, com processo ordinário, fundada em livrança com a data de vencimento de 20-11-2001, que corre termos na 1ª Secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;</font>
</p><p><font>2. Devolvido à exequente o direito de nomeação de bens à penhora, veio esta, por requerimento, pedir a penhora do prédio rústico - “M............”, “P......”, “C......”, “M....”e “Instalações Agrícolas”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ribeira de Pena sob o n.º 0000000000;</font>
</p><p><font>3. A penhora requerida foi ordenada por termo em 18 de Abril de 2002;</font>
</p><p><font>4. Tal penhora foi registada em 25 de Julho de 2002;</font>
</p><p><font>5. O registo de tal penhora foi lavrado provisoriamente por natureza, nos termos do disposto no art. 92º, n.º2, al. a), do Cód. Registo Predial, uma vez que os titulares inscritos são os RR. CC e DD;</font>
</p><p><font>6. A doação do imóvel penhorado no âmbito da execução que corre termos na 1º Secção do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, do R. BB para os RR. CC e DD, foi registada em 11-06-2002;</font>
</p><p><font>7. Não são conhecidos outros bens ao R. BB suficientes para pagamento da quantia em dívida;</font>
</p><p><font>8. Aquando da interposição da presente acção, ainda não haviam decorrido cinco anos desde a doação;</font>
</p><p><font>9. A A. inicial,AA (Sucursal de Portugal), SA., na qualidade de locadora, e R. BB na qualidade de locatário, outorgaram o documento escrito cuja cópia consta de fls. 485 a 487, intitulado de “Contrato de Locação Financeira”, com o n.º 00000000, datado de 03-02-2000, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>10. Consta das condições particulares de tal documento, no item “6 – Garantias”, que, como garantia para o cumprimento das obrigações do contrato titulado pelo mesmo documento, foi aceite uma livrança;</font>
</p><p><font>11. Em cumprimento do referido item 6, o R. BB, na altura em que outorgou o documento escrito cuja cópia consta de fls. 485 a 487, entregou à A. inicial,AA (Sucursal de Portugal), SA, uma livrança, por si assinada no lugar destinado à assinatura do respectivo subscritor;</font>
</p><p><font>12. A livrança referida em 11 é a livrança a que se alude em 1, cuja cópia consta de fls. 136;</font>
</p><p><font>13. Tal livrança tem, inscritas pela A. inicial, AA (Sucursal de Portugal), SA, após entrega da mesma assinada pelo R. BB, a data de emissão de 13-11-2001 e a data de vencimento de 20-11-2001;</font>
</p><p><font>14. Por escritura pública lavrada no dia 20-07-2000 no Cartório Notarial de Vila Pouca de Aguiar, a que respeita o doc. de fls. 203 e ss., o R. BB declarou doar a seu pai, o R. CC, por conta da sua cota disponível, o prédio referido em 2.</font>
</p><p><font> B – Vejamos, então, as questões suscitadas na revista, dando primazia às de natureza processual.</font>
</p><p><font> B1 - Pretendem os Recorrentes que a Relação deveria ter alterado a matéria de facto que foi dada como provada, mormente, no que respeita à anterioridade do acto impugnado (doação) face ao crédito ou que esse mesmo acto de transmissão não foi efectuado para prejudicar a autora, pelo menos por banda dos 2º e 3º réus, assim como defendem que houve erro na apreciação das provas e continuam a considerar incorrectamente julgada pelas instâncias factualidade por si alegada.</font>
</p><p><font>Não se preocupam os Recorrentes em descriminar em concreto os meios de prova envolvidos ou os factos que mereciam outra decisão e tão pouco invocam, violação de disposição legal imperativa, sobre certa espécie de prova ou sobre a força probatória de determinado meio de prova, que imponha a alteração, para os efeitos previstos nos arts. 722.º-2 e 729.º-2 do CPC, nem insuficiência ou contradição da matéria de facto assente, face ao disposto no n.º 3 do art. 729.º desse mesmo diploma.</font>
</p><p><font>Cabe às instâncias o apuramento da factualidade relevante, pois, neste domínio, é residual a intervenção do STJ, limitando-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material ou a ordenar a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, como impõem os aludidos preceitos. </font>
</p><p><font>Não ocorrendo, pois, nenhuma destas situações excepcionais, vedado está a este Tribunal conhecer da questão de valoração da prova produzida. </font>
</p><p><font> B2 – Apontam, depois, os Recorrentes, ao acórdão recorrido vícios formais de estrutura e lógica interna que consubstanciariam as nulidades previstas nas als. b), c) e d) do nº1 do artº668º do CPC.</font>
</p><p><font>Fundamentam-nos, ora dizendo que se omitiu pronúncia quanto a matéria de facto que haviam alegado ora alegando que se essa omissão não tivesse ocorrido e essa mesma factualidade fosse dada como apurada, a solução da causa teria de ser outra e não aquela que foi adoptada, daí brotando a contradição que imputam ao acórdão impugnado.</font>
</p><p><font>A falta de fundamentos de facto só constitui a nulidade da al.b) do citado artº668º se vier a verificar-se a omissão total da especificação dos factos que o juiz considera provados. Como é evidente, não se integrando a factualidade a que aludem os Recorrentes no âmbito daquela que mereceu resposta positiva das instâncias, a falta de sua referência de que vem acusado o acórdão não tem fundamento.</font>
</p><p><font>A oposição entre fundamentos e decisão a que se refere a nulidade da al.c) do nº1 daquele dispositivo constitui vício de construção e ordenação lógica da sentença quando os fundamentos nela enunciados conduzam, necessariamente, a decisão de sentido oposto ou diverso.</font>
</p><p><font>Não é disso que se trata, na reclamação dos Recorrentes: segundo eles, a decisão adoptada teria sido outra, se outros fossem os factos nela considerados como provados, ou seja, aqueles que eles haviam alegado e não foram reconhecidos como provados pelo Tribunal!</font>
</p><p><font>Ora, devendo constar do respectivo fundamento fáctico tão só os factos comprovados, como se viu, é evidente que falta um termo à oposição, à contradição que preside à pretensa nulidade arguida.</font>
</p><p><font>Percebe-se que nessa arguição o que os Recorrentes pretendem é pôr em causa a solução de mérito alcançada, apontando a sua discordância, afinal, à interpretação e subsunção jurídicas, operadas pela Relação. Ora, se assim é, enquadra-se essa situação no erro de julgamento, como tal devendo ser tratada e não como vício formal e de construção lógica do acórdão que vem impugnado.</font>
</p><p><font>Em suma, o exame atento da reclamação não incide sobre o acórdão, propriamente dito, antes insiste em algo que lhe é prévio, remontando a falta de fundamentação ou falta de pronúncia à decisão da matéria de facto, pois não resultaria explicada ou a prova de certos factos ou a falta de prova de outros, apesar de, nomeadamente, segundo os Recorrentes, o conjunto da prova inculcar o contrário.</font>
</p><p><font>Se já se explicou porque é que este Tribunal não pode intervir no julgamento dessa matéria de facto, não seria lógico esperar que a ela volte por efeito da alegação em análise, tanto mais que nem a falta de fundamentação nem a falta de pronúncia referidas às respostas que mereceu ou não a matéria objecto de base instrutória, integram as nulidades de sentença que os Recorrentes arguiram.</font>
</p><p><font>Tais vícios da decisão da matéria de facto começam por constituir fundamento para reclamação nos termos do art. 653º, nº 4 do CPC e persistindo, o que eles implicam, tratando-se de contradição entre as respostas dadas aos quesitos e se do processo não constarem todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação, é a anulação, na parte respectiva, da decisão proferida na 1ª instância (art. 712º, nº 4); e se o vício for de falta ou insuficiência de fundamentação da decisão sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a requerimento da parte, será determinado que o tribunal de 1ª instância proceda à respectiva fundamentação com base nos depoimentos já prestados ou, se necessário, com repetição da prova. </font>
</p><p><font>Esta apreciação que os Recorrentes não promoveram constitui encargo da Relação e das respectivas decisões não cabem recurso para o STJ (nº5 deste último normativo).</font>
</p><p><font>De qualquer modo, mesmo que pretendêssemos analisar tais deficiências não o poderíamos fazer pois desconhecem-se quais os concretos factos que, segundo os Recorrentes, carecem de fundamentação probatória ou aqueles que mereciam ter sido reconhecidos nesse exercício probatório.</font>
</p><p><font>B3 – De fundo, os Recorrentes põem em causa, de novo, o concurso dos requisitos da impugnação pauliana, invocando para o efeito a posteridade do crédito relativamente ao acto de alienação e a ausência de má fé.</font>
</p><p><font>A impugnação pauliana constitui, como se sabe, um meio de conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, com ela se tutelando o interesse la dos credores contra o desvio do património pelo devedor que implique obstáculo absoluto à satisfação dos seus créditos ou o seu agravamento.</font>
</p><p><font>Os pressupostos da impugnação pauliana são os seguintes: a existência de um crédito; a prática, pelo devedor, de um acto que não seja de natureza pessoal, que provoque, para o credor um prejuízo (a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade); a anterioridade do crédito relativamente ao acto ou, se o crédito for posterior, ter sido o acto dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé (arts. 610.º a 612.º do CC).</font>
</p><p><font>No que concerne ao ónus de prova, em desvio ao regime geral sobre a sua distribuição, cabe ao credor a prova do montante do crédito que tem contra o devedor, da anterioridade dele em relação ao acto impugnado, e ao devedor e ou ao terceiro adquirente existência de bens penhoráveis de valor igual ou superior na titularidade do obrigado lato sensu (611º do Código Civil).</font>
</p><p><font> A posteridade do crédito, segundo os recorrentes, resultaria da circunstância de, muito embora terem subscrito e entregue ao Banco Recorrido a livrança, em branco, em 3.02.2000, data da celebração do contrato de leasing, ela só foi emitida em 17.11.2001, sendo que só com o vencimento do título – 20.11.2001- o crédito passa a gozar de eficácia. </font>
</p><p><font>Como dá conta a matéria de facto, A. e R. BB outorgaram “Contrato de Locação Financeira”, datado de 03-02-2000; consta das condições particulares de tal documento que, como garantia para o cumprimento das obrigações do contrato titulado pelo mesmo documento, foi aceite uma livrança que o R. BB, na altura em que celebrou o referido contrato, entregou à A., por si assinada no lugar destinado à assinatura do respectivo subscritor; tal livrança tem, inscritas pela A. inicial,AA (Sucursal de Portugal), SA, após entrega da mesma assinada pelo R. BB, a data de emissão de 17-11-2001 e a data de vencimento de 20-11-2001.</font>
</p><p><font>Ao contrário do que pretendem os Recorrentes, a anterioridade do crédito relativamente ao acto que foi impugnado, resulta não só do seu acto de constituição “originário”, digamos assim – o citado contrato de leasing – mas também do crédito cambiário que resulta da subscrição da livrança em branco que lhe serviu de garantia e cuja “data de nascimento” corresponde àquela em que teve lugar a constituição daquele mesmo acto.</font>
</p><p><font>Vejamos:</font>
</p><p><font>Sabe-se que as partes, nos contratos, são livres de determinar o seu conteúdo, podendo mesmo modificar a sua estrutura fundamental, socorrendo-se de tipo contratual previsto na lei ou compondo o seu próprio contrato (artº 405º do CC) o que se justifica, normalmente, pelo facto de estarem aí, em jogo, apenas os interesses dos próprios contraentes.</font>
</p><p><font>Por referência a esta “liberdade de tipicidade negocial” (Ribeiro de Faria, Direito da Obrigações, II, 168) A. e R. BB acordaram no âmbito do contrato de locação financeira que celebraram, a emissão da dita livrança, destinada a servir de garantia do pagamento das prestações, ali, ajustadas e cujo preenchimento, segundo a prática bancária corrente, caberá à entidade credora, nomeadamente, nela inscrever o valor que devido for e bem assim exigir o seu pagamento, fixando-lhe a respectiva data de vencimento.</font>
</p><p><font>Tal preenchimento não foi questionado pelas partes mas é certo que na data da sua subscrição, além desta, nela figurava a assinatura do seu subscritor. Tratava-se, portanto, de uma livrança em branco.</font>
</p><p><font>A livrança em branco é aquela a que falta alguns dos requisitos enunciados nos artº1º e 77º da LULL mas que contém assinatura de subscritor que por esse meio pretende con | [0 0 0 ... 0 1 0] |
VDJ7u4YBgYBz1XKvEA_a | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b></div><br>
<br>
<b><font> </font></b><br>
<p><b><font>1 – Relatório.</font></b><br>
</p><p><font>Na 2ª Secção Cível da Instância Central de …, Comarca de Lisboa, </font><b><font>AA</font></b><font> intentou ação declarativa, sob forma de processo comum, contra </font><b><font>BB - Obras públicas e privadas, Lda. e CC</font></b><font>, pedindo a anulação da procuração outorgada pela A. e pelo seu marido no Segundo Cartório Notarial de … declarando-se a nulidade da transmissão do prédio para o R. CC e o cancelamento do registo ou, em alternativa, deve proceder a impugnação pauliana, anulando-se de igual modo a referida transmissão.</font><br>
</p><p><font>Para o efeito, alega que emitiu, conjuntamente com o seu marido, uma procuração irrevogável a favor da R. BB, mas apenas com a intenção de permitir ao sócio gerente da mesma, o Sr. DD, obter um empréstimo bancário, a fim de lhes pagar o remanescente do preço de um prédio que prometeu comprar-lhes e assim celebrarem a escritura de compra e venda.</font><br>
</p><p><font>No entanto, veio mais tarde a verificar que o prédio se encontrava registado em nome do R. CC, e que a transferência de propriedade foi feita com base no substabelecimento feito pela R. BB no R. CC, o qual foi precedido de um contrato promessa de compra e venda do prédio, celebrado entre os RR..</font><br>
</p><p><font>Ao outorgar a procuração que está na base da transmissão do prédio para o R. CC, a A. e o seu marido atuaram em erro, sendo tal negócio jurídico anulável, nos termos do art. 247° do CC.</font><br>
</p><p><font>Para além do mais, o Sr. DD, na qualidade de representante legal da R. BB, agiu de forma dolosa, determinando dessa forma a vontade da A. e do seu marido, motivo pelo qual a procuração deve ser anulada, nos termos dos arts. 253° e 254° do CC.</font><br>
</p><p><font>O que terá como consequência a declaração de nulidade da transmissão do prédio entre os RR. BB e CC, com o consequente cancelamento do registo, voltando o prédio ora em crise a integrar o património da A. e do seu marido.</font><br>
</p><p><font>Mas ainda que assim se não entenda, a verdade é que a R. BB devia à A. e ao seu marido € 337.306,06, correspondente ao remanescente do preço do prédio, acordado no contrato promessa, dívida essa que é anterior à transmissão do prédio pela R. BB ao R. CC. Sem a anulação da venda do prédio, a A. e o seu marido não terão outra possibilidade de obter a satisfação do seu crédito, pois o gerente da R. BB desapareceu e esta não possui outros bens que possam responder pela dívida.</font><br>
</p><p><font>Os RR. agiram de má fé, pois basta olhar para o preço de venda do prédio acordado entre a R. BB e o R. CC no contrato promessa, para se concluir que se tratou de um negócio simulado, na medida em que o prédio vale muito mais do que o preço pelo qual foi vendido.</font><br>
</p><p><font>Estão, assim, reunidos todos os requisitos para que proceda a impugnação pauliana, o que em alternativa requer.</font><br>
</p><p><font>O R. CC contestou, invocando a exceção dilatória da sua ilegitimidade e a exceção dilatória da ilegitimidade da A., em virtude de não se mostrarem acompanhados pelos respetivos cônjuges nesta demanda. </font><br>
</p><p><font>Mais invocou a exceção dilatória da incompetência territorial do tribunal, e contestou ainda por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido. </font><br>
</p><p><font>Alega para tanto que desconhecia os termos do contrato promessa celebrado pela A. e pelo seu marido com a R. BB, sustentando que na sua boa - fé pretendeu simplesmente adquirir o prédio.</font><br>
</p><p><font>Alega, por fim, que quanto ao contrato promessa por si assinado, investido dos poderes que lhe foram atribuídos pelo dito substabelecimento, celebrou o contrato promessa consigo mesmo, mas nunca chegou a celebrar o contrato definitivo, pelo que não pode afirmar-se que a propriedade do prédio se transferiu para a sua esfera jurídica.</font><br>
</p><p><font>Entretanto, foi conhecida nos autos a declaração de insolvência da R. BB, tendo sido junta aos mesmos certidão da respetiva sentença, com nota de trânsito em julgado (fls. 72 e segs.).</font><br>
</p><p><font>Nesta sequência foi declarada extinta a instância, quanto à R. BB, por impossibilidade superveniente da lide</font><u><font>, determinando-se que os autos prosseguissem quanto ao R, CC fls. 85)</font></u><font>.</font><br>
</p><p><font>Esta sentença foi notificada às partes, dela não tendo sido interposto recurso.</font><br>
</p><p><font>A A. respondeu à contestação, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pelo R. CC e pedindo a sua condenação como litigante de má - fé, no pagamento de multa e indemnização, com fundamento em que o R. CC sabia quem era o verdadeiro dono do prédio, bem como os valores em causa na transação.</font><br>
</p><p><font>O R. CC respondeu ao pedido da A. de condenação como litigante de má - fé, pugnando pela sua improcedência.</font><br>
</p><p><font>Foi proferido despacho de convite à A. para suprir as exceções dilatórias da ilegitimidade ativa e passiva, requerendo a intervenção principal do seu cônjuge e do cônjuge do R. CC, respetivamente EE e FF, o que a A. fez, tendo sido ordenada a citação dos cônjuges referidos.</font><br>
</p><p><font>Nesta sequência, FF veio declarar fazer seus os articulados já apresentados nos autos pelo R. CC, e EE nada veio declarar.</font><br>
</p><p><font>De seguida foi declarada a incompetência territorial do Tribunal da Comarca de … e ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Comarca do ….</font><br>
</p><p><font>Proferiu-se depois despacho saneador e procedeu-se à fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.</font><br>
</p><p><font>Produziu-se prova pericial, destinada a apurar o valor de mercado do prédio em discussão nos autos, nos anos de 2000 e 2009.</font><br>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido.</font><br>
</p><p><font>Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação daquela sentença.</font><br>
</p><p><font>Foi, então, proferido o acórdão da Relação de fls.448 e segs., que julgou procedente o recurso e, por consequência, revogou a decisão recorrida, julgando procedente o pedido de cancelamento do registo da aquisição do identificado imóvel a favor do réu CC.</font><br>
</p><p><font>Inconformados, os réus interpuseram recurso de revista daquele acórdão.</font><br>
</p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
</p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b><br>
</p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><font>l. Os AA. tiveram problemas de ordem financeira.</font><br>
</p><p><font>2. Por tal facto, decidiram colocar à venda o prédio misto denominado GG, com a área de 19.028,8 m2, descrito na I</font><sup><font>a</font></sup><font> Conservatória do Registo Predial de …, sob a ficha n.° 5…/19…8, e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 11, da secção B, da freguesia de ….</font><br>
</p><p><font>3. Foi assim que conheceram o Sr. DD, o qual contatou o A. através de um amigo deste, o Sr. HH, manifestando interesse na aquisição do prédio.</font><br>
</p><p><font>4. Nessa sequência, e com o objetivo de apurar o valor do referido prédio, que os AA. pretendiam vender pelo preço de 110.000.000$00 (cento e dez milhões de escudos), o Sr. DD dirigiu-se com o A. ao Departamento de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de …, a fim de se informar das possibilidades de construção, tendo sido requerida tal informação.</font><br>
</p><p><font>5. Na sequência da informação posteriormente recebida, o Sr. DD acordou com o A. a compra do prédio pelo preço de 107.500.000$00 (cento e sete milhões e quinhentos mil escudos).</font><br>
</p><p><font>6. Todas estas negociações foram acompanhadas pelo já referido Sr. HH.</font><br>
</p><p><font>7. Nessa sequência, com início em 2000 e até meados de 2001, o Sr. DD entregou por três vezes ao A., respetivamente, as importâncias de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), 3.000.000$00 (três milhões de escudos) e 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).</font><br>
</p><p><font>8. O A. comunicou ao Sr. DD, desde o início, que a propriedade estava onerada com uma hipoteca e que não tinha outro meio que não fosse a venda para cumprir com essa obrigação.</font><br>
</p><p><font>9. O Sr. DD entretanto criara fortes laços de amizade com o A..</font><br>
</p><p><font>10. O Sr. DD, no segundo semestre de 2003, abordou o A., dizendo-lhe que a sua situação financeira se estava a agravar.</font><br>
</p><p><font>11. Assim, iria pedir um crédito bancário e celebrariam já a escritura de compra e venda do prédio prometido.</font><br>
</p><p><font>12. Passado algum tempo, o Sr. DD informou o A. que o crédito havia sido recusado.</font><br>
</p><p><font>13. Mas que lhe haviam dito particularmente que seria tudo mais fácil se o prédio fosse já propriedade da BB.</font><br>
</p><p><font>14. Foi mandado fazer um projeto de construção no Gabinete do Técnico Projetista II.</font><br>
</p><p><font>15. O A. prontificou-se para emitir, juntamente com a A., uma procuração no interesse do procurador, designada de irrevogável, na medida em que o Sr. DD os havia informado que dessa forma conseguiria o empréstimo e poderiam celebrar, logo em seguida, a escritura de compra e venda, pagando ele a importância em falta para completar o preço acordado.</font><br>
</p><p><font>16. Foi nessa sequência que, no dia 23 de setembro de 2003, os AA. compareceram no Segundo Cartório Notarial de …, juntamente com o Sr. DD, e emitiram a seu favor a procuração (fls. 19 a 21).</font><br>
</p><p><font>17. Foi sempre na certeza de que a procuração em causa seria utilizada para obter um empréstimo que permitisse pagar o montante em falta aos AA., celebrando a escritura de compra e venda, que estes se prestaram a emitir a referida procuração.</font><br>
</p><p><font>18. Apesar de denotar algumas dificuldades, entre o dia 30 de junho de 2005 e o dia 21 de julho de 2007, o Sr. DD procedeu ao pagamento das dívidas dos AA. relacionadas com o prédio, despendendo para o efeito o montante de € 144.044,17 (cento e quarenta e quatro mil, quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos).</font><br>
</p><p><font>19. Os AA. não tiveram mais notícias do Sr. DD.</font><br>
</p><p><font>20. Sendo certo que o A. tentou diversas vezes contatá-lo, sem sucesso.</font><br>
</p><p><font>21. Tendo inclusive perguntado ao filho se o pai estava de boa saúde, manifestando preocupação por este nunca mais ter aparecido nem nada ter dito.</font><br>
</p><p><font>22. Ao que este lhe respondeu que nada sabia do pai, porque este havia desaparecido.</font><br>
</p><p><font>23. A aquisição do prédio aludido em 2., por compra, foi inscrita em nome do R. CC, no dia 1 de junho de 2009, pela Ap. 742 (fls. 26 a 28).</font><br>
</p><p><font>24. A inscrição aludida em 23. foi efetuada com base no substabelecimento feito pela R. BB, no R. CC, dos poderes que lhe foram conferidos através da procuração que os AA. assinaram no Cartório Notarial de … (fls. 23 a 25 e 29 a 31).</font><br>
</p><p><font>25. O substabelecimento foi precedido de um acordo escrito denominado "contrato promessa de compra e venda", assinado pelo Sr. DD, na qualidadede gerente da R. BB, estando esta na qualidade de procuradora dos AA., e pelo R. CC, no qual foi respetivamente prometido vender e comprar, pelo preço de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), o prédio aludido em 2. (fls. 32 a 37).</font><br>
</p><p><font>26. O gerente da R. BB desapareceu.</font><br>
</p><p><font>27. O A. e o Sr. HH foram procurá-lo a um posto de abastecimento de combustíveis que a R. BB explorava em ….</font><br>
</p><p><font>28. Os RR. sabiam que o preço declarado no contrato aludido em 25. não correspondia ao preço de mercado, valendo o prédio muito mais.</font><br>
</p><p><font>29. Por vontade dos RR., o preço que estes declararam no contrato aludido em 25. não corresponde ao acordo que alcançaram acerca do preço.</font><br>
</p><p><font>30. A R. BB não possui outros bens que possam responder pelo pagamento do remanescente do preço fixado no contrato promessa celebrado com os AA..</font><br>
</p><p><font>31. Quando demonstrou interesse na aquisição do prédio, o R. CC, acompanhado pelo Sr. DD, bem como pelo Sr. HH, dirigiram-se aos serviços competentes da Câmara Municipal de …, a fim de obter a informação sobre o andamento do projeto de construção ali existente. </font><b><font>(contém já a alteração introduzida pela Relação)</font></b><br>
</p><p><font>32. Na conversa havida entre o Sr. DD e o R. CC foram referidos os valores de uma eventual transação.</font><br>
</p><p><font>33. O R. CC tomou conhecimento da intenção de alienação do prédio através do Sr. JJ e do Sr. KK, que lhe apresentaram o Sr. DD.</font><br>
</p><p><font>34. O R. CC, após contatar com o Sr. DD, acordou com este a elaboração do substabelecimento aludido em 24..</font><br>
</p><p><font>35. Está inscrita a aquisição, por compra, a favor dos AA., do prédio aludido em 2., pela Ap. 19, de 22.12.1982 (fls. 26 a 28).</font><br>
</p><p><font>36. A Câmara Municipal de … informou o A., através de ofício datado de 15.12.2000, que "o terreno em título [GG - …], na revisão do Plano Diretor Municipal em curso foi integrado em área de expansão urbana" (fls. 12).</font><br>
</p><p><font>37. Em 21.06.2001, o A. e a R. BB assinaram um escrito intitulado "Contrato de Promessa de Compra e Venda", no qual aquele prometeu vender a esta, que prometeu comprar, o prédio aludido em 2., livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, pelo preço de € 536.208,00, tendo sido pago, a título de sinal, € 14.963,94, € 14.963,94 e 6 24.939,89 (fls. 13 a 14).</font><br>
</p><p><font>38. Foi consignado no contrato que a venda seria efetuada à R. BB ou a quem esta indicasse, autorizando desde logo o A. que tal indicação fosse efetuada (fls. 13 a 14).</font><br>
</p><p><font>39. Mais foi consignado que a escritura seria celebrada, após aprovação do alvará de loteamento para 26 lotes, pela Câmara Municipal de …, ficando o A. incumbido de notificar, para esse efeito, a R. BB, por carta registada com aviso de receção, com pelo menos 15 dias de antecedência do dia, hora e local da respetiva celebração (fls. 13 a 14).</font><br>
</p><p><i><font>40. </font></i><font>Consta da procuração aludida em 16., intitulada "Procuração Irrevogável", que os AA. </font><i><font>"constituem sua bastante procuradora a sociedade comercial por quotas sob afirma «BB - Obras públicas e privadas, Lda.» (...) à qual conferem os poderes necessários com os de substabelecer para prometer vender, vender, alugar a quem entender pelo preço e condições que entender convenientes um prédio misto denominado GG (...)</font></i><br>
</p><p><i><font>Confere ainda poderes à sociedade mandatária para relativamente ao imóvel anteriormente identificado outorgar e assinar contratos de promessa e escrituras notariais que se mostrem necessárias, bem como eventuais rectificações, podendo ainda representar os proprietários junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas, pagar impostos ou contribuições, reclamar dos indevidos ou excessivos, recebendo títulos de anulação e as correspondentes importâncias; representar os proprietários junto da Câmara Municipal de …, para obtenção de alvarás de licenciamento, confere ainda os poderes para o representar em juízo usando de todos os poderes gerais forenses em direito permitidos os quais deverão substabelecer em advogado ou procurador habilitado. Mais lhe confere poderes para na Conservatória do Registo Predial, requerer quaisquer actos de registo, averbamentos ou cancelamentos, para nas Repartições de Finanças, assinar quaisquer documentos, inscrições, alterações, anulações, isenções e reclamações de colectas e, bem assim, para nos referidos organismos e ainda junto Conservatória, Repartição Pública e Câmara Municipal.</font></i><br>
</p><p><i><font>São dados à sociedade mandatária poderes para hipotecar, desipotecar pelo valor que entender bem como obter os distrates de hipoteca actuais sobre o Banco LL ou futuras, para assinar quaisquer outros documentos que se tornem necessários para a realização dos actos acima indicados, praticar, requerer e assinar tudo o que se relacionar ou for necessário para qualquer fim.</font></i><br>
</p><p><i><font>A sociedade mandatária poderá celebrar negócio consigo mesma (...) ficando dispensada de prestar contas aos mandantes pelo exercício e cumprimento deste mandato.</font></i><br>
</p><p><i><font>A presente procuração é também passada no interesse da sociedade mandatária e de terceiros, e por conseguinte irrevogável e não caduca por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes " </font></i><font>(fls. 19 a 21).</font><br>
</p><p><font>41. A inscrição aludida em 23. é provisória por natureza, nos termos do art. 92° n° 1, ai. g) e n° 4 do CRPre (fls. 26 a 28).</font><br>
</p><p><font>42. A inscrição aludida em 23., para além do substabelecimento referido em 24., também teve por base o contrato promessa celebrado entre os AA. e o R. CC e o aditamento ao contrato promessa aludido em 46., tendo sido consignado no respetivo requerimento que a causa da aquisição foi uma promessa de venda, pelo preço de €35.000,00 (fls. 29 a 31).</font><br>
</p><p><font>43. O substabelecimento aludido em 24. data de 14.01.2008 (fls. 23 a 25).</font><br>
</p><p><font>44. Consta do substabelecimento aludido em 24. que foi arquivada a declaração para liquidação do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, e respetivo comprovativo de cobrança do imposto devido (fls. 23 a 25).</font><br>
</p><p><font>45. O contrato aludido em 25. foi celebrado em 14.01.2008 (fls. 32 a 37).</font><br>
</p><p><font>46. No contrato aludido em 25. foi consignado o pagamento de € 34.500,00 no acto da sua assinatura, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, do qual foi dada quitação, e o pagamento dos remanescentes € 500,00 na data da celebração da escritura pública de compra e venda, tendo sido aí fixado, para o efeito, o prazo de 90 dias a contar da data da assinatura do contrato'promessa (fls. 32 a 37).</font><br>
</p><p><font>47. Em escrito datado de 27.05.2009 e assinado pelo R. CC, intitulado</font><br>
</p><p><font>"Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda", o R. CC, por si e na qualidade de procurador substabelecido da R. BB, declarou aditar ao contrato promessa a seguinte cláusula: </font><i><font>"A escritura pública de compra e venda será outorgada, em qualquer Cartório Notarial, até o dia 31 de dezembro de 2020, data em que se presume estarem emitidos e reunidos todos os documentos necessários à realização de tal acto público".</font></i><br>
</p><p><font>48. De acordo com a avaliação efectuada pelo método do rendimento, o valor do prédio em apreço nestes autos, era o seguinte:</font><br>
</p><p><font>Ano de 2000: € 478.150,00</font><br>
</p><p><font>Ano de 2009</font><br>
</p><p><font>Outubro - € 421.000,00</font><br>
</p><p><font>Dezembro - € 298.850,00. </font><b><font>(este ponto 48 foi aditado pela Relação, embora, por lapso, se tenha referido no acórdão recorrido que passaria a ser o ponto nº50)</font></b><br>
</p><p><font>Foram considerados </font><b><font>"não provados",</font></b><font> os seguintes factos:</font><br>
</p><p><font>l. Os AA., na sequência de alguns problemas de ordem financeira, tiveram de recorrer ao crédito bancário.</font><br>
</p><p><font>2. Para tanto, negociaram com o LL uma conta corrente caucionada, no montante de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), tendo dado como garantia hipotecária o prédio aludido em 2. dos Factos Provados.</font><br>
</p><p><font>3. Porque o montante do crédito referido supra foi inferior ao que havia sido solicitado, os AA. apenas conseguiram liquidar dívidas que possuíam à data, ficando privados do remanescente com que pretendiam incrementar o negócio do A..</font><br>
</p><p><font>4. Por tal facto, os problemas com que se debatiam persistiram, apenas tendo ganho um adiamento, uma vez que conseguiram um prazo de carência de quatro anos. </font><br>
</p><p><font>5. Apalavrado o negócio, o A. quis celebrar um contrato promessa de venda com o sr. DD, mas este invocando falta de tempo para se deslocar ao escritório do Advogado em horário de expediente, foi dizendo que formalizariam o negócio em qualquer momento, que o A. estivesse descansado que isso não seria obstáculo a fazer-Ihe adiantamentos por conta do sinal sempre que fosse necessário, até porque já tinha recolhido informações e sabia que estava a lidar com gente séria.</font><br>
</p><p><font>6. Por essa altura, o Sr. DD, que se deslocava com alguma frequência a …, normalmente ao final do dia, começou a dizer ao A. que provavelmente só lhe interessaria efetuar a escritura quando conseguisse obter a aprovação do projeto de construção para o referido prédio.</font><br>
</p><p><font>7. O A. alertou-o para o tempo que isso poderia demorar, atento o facto constante de 8. dos Factos Provados.</font><br>
</p><p><font>8. O Sr. DD, uma vez mais, disse-lhe que não se preocupasse, porque chegando a altura, caso a escritura não estivesse feita, ele lá estaria, como sempre, até porque já tinham criado uma grande amizade e o mais certo seria o negócio evoluir para outra via, como por exemplo, serem os dois a construir em sociedade quando o projeto fosse aprovado.</font><br>
</p><p><font>9. O A., que se encontrava grato pela ajuda que tinha recebido do Sr. DD, disse-lhe que desde que se assegurasse o cumprimento das suas obrigações, estaria disponível para o que mais conviesse a este último.</font><br>
</p><p><font>10. De todos estes factos, a A. foi sempre sendo informada pelo A. e sempre lhe manifestou a sua concordância, uma vez que ambos estavam extraordinariamente sensibilizados com a disponibilidade e provas de consideração e estima manifestadas pelo Sr. DD.</font><br>
</p><p><font>11. Por seu turno, o A. sempre insistiu com o Sr. DD para que celebrassem o contrato promessa de compra e venda, o qual poderia ser modificado em qualquer momento, se o negócio evoluísse para a construção conjunta, para que o Sr. DD ficasse com uma salvaguarda das importâncias que havia adiantado, uma vez que os únicos comprovativos que possuía, eram pedaços de papel com as referidas importâncias escritas, assinados pelo A. e, ainda assim, por insistência deste.</font><br>
</p><p><font>12. Nessa sequência, já no início de 2002, o Sr. DD apareceu com o contrato promessa de compra e venda, figurando nele como promitente comprador a R. BB, da qual aquele era sócio gerente.</font><br>
</p><p><font>13. Contrato que, segundo o Sr. DD, se encontrava pronto há muito tempo, mas que este não via necessidade de o celebrar, na medida em que, como sempre disse, estava a lidar com pessoas de bem e que a palavra valia mais do que qualquer contrato.</font><br>
</p><p><font>14. E só o fazia nesta data por insistência do A..</font><br>
</p><p><font>15. Antes de assinar o contrato, o A. questionou o Sr. DD acerca de dois pontos:</font><br>
</p><p><font>a) Os valores nele inscritos estavam traduzidos em euros, moeda que só tinha entrado em circulação em janeiro de 2002, sendo que a data nele inscrita era a de 21 de junho de 2001;</font><br>
</p><p><font>b) A questão da hipoteca, que havia sido objeto de conversa, por diversas vezes, não se encontrava ali contemplada.</font><br>
</p><p><font>16. Ao que o Sr. DD respondeu que o contrato em questão para ele não valia nada, que a palavra é que contava e que, inclusive, já tinha dito que se a alteração ao PDM e a consequente aprovação do projeto não ocorressem antes do vencimento do contrato de conta corrente, ele assumiria a questão, de acordo com o que sempre haviam conversado, encarregando-se do pagamento e do distrate da hipoteca.</font><br>
</p><p><font>17. E que se o A. não tivesse confiança, por ele não valia a pena assinarem o contrato ou, em alternativa, teria de esperar que ele tivesse tempo para voltar a passar no escritório do Advogado, a fim de alterar o texto do mesmo.</font><br>
</p><p><font>18. Perante as provas de confiança que o Sr. DD havia depositado no A., este sentiu-se constrangido a assinar o referido contrato, até porque o Sr. HH estava quase sempre presente e testemunhara os compromissos assumidos entre ambos por diversas vezes.</font><br>
</p><p><font>19. A partir de finais do ano de 2002, princípios de 2003, o Sr. DD começou a queixar-se que vários clientes não pagavam as obras, outros não honravam a palavra nos negócios, mesmo com documentos escritos, o que lhe estava a causar um enorme transtorno, já que as dívidas que tinham para com ele ascendiam a mais de duas centenas de milhares de contos.</font><br>
</p><p><font>20. Pediu por isso ao A. que o ajudasse na realização de alguns negócios, donde se destaca a venda de um prédio para exploração de areal, sito no ….</font><br>
</p><p><font>21. O A. acompanhou todas as tentativas de negócio do referido prédio, em que também participou o já referido Sr. HH, apesar de tudo, sem êxito.</font><br>
</p><p><font>22. O Sr. DD disse ao A. que a sua situação se estava a agravar porque ninguém lhe pagava, e que por tal facto necessitava de realizar liquidez.</font><br>
</p><p><font>23. O Sr. DD informou o A. que através dos bancos com que trabalhava, conseguiria certamente um crédito superior ao valor que se propusera pagar pelo prédio.</font><br>
</p><p><font>24. O A. respondeu-lhe que o que ele decidisse, nesta matéria, teria a sua aprovação.</font><br>
</p><p><font>25. Durante uns tempos, o Sr. DD foi informando o A., primeiro, que já havia submetido o pedido de crédito ao Banco, depois que estava em análise na direção de crédito.</font><br>
</p><p><font>26. O Sr. DD disse ao A. que no balcão do BANCO MM lhe disseram que, de acordo com os critérios de concessão de crédito do Banco, a transferência da hipoteca e o reforço da mesma seriam automaticamente aprovados, bastando, para tanto, entregar uma cópia do projeto de construção.</font><br>
</p><p><font>27. O A. mandou fazer o projeto de construção, acompanhado do Sr. DD.</font><br>
</p><p><font>28. O empréstimo nunca mais foi aprovado.</font><br>
</p><p><font>29. E o Sr. DD foi dando conta, ao longo do tempo, das várias tentativas e dos sucessivos insucessos.</font><br>
</p><p><font>30. No entanto, quase todos os dias falava com o A., dizendo-lhe para não se preocupar, uma vez que, apesar de não ser o que mais lhe convinha, tinha dado a palavra e, como tal, não falharia com o pagamento da hipoteca quando chegasse o momento.</font><br>
</p><p><font>31. O Sr. DD procedeu ao pagamento do crédito e ao distrate da hipoteca que onerava o prédio objeto da promessa de compra e venda.</font><br>
</p><p><font>32. Continuando a encontrar-se regularmente com o A. e com o Sr. HH, com quem falava sobre as várias hipóteses relativas ao negócio do prédio, uma vez que a hipoteca já se encontrava totalmente liquidada.</font><br>
</p><p><font>33. Queixando-se regularmente que as coisas não andavam bem, uma vez que as pessoas cada vez eram mais incumpridoras e que a sua empresa tinha cada vez mais crédito mal parado.</font><br>
</p><p><font>34. O A. chegou a propor-lhe que vendessem o prédio a outra pessoa, se fosse a melhor solução, o que sempre foi recusado pelo Sr. DD, que afirmava que aquele era um grande negócio, ainda que demorasse.</font><br>
</p><p><font>35. Assim continuaram até ao final de 2008, data em que o A. teve de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica.</font><br>
</p><p><font>36. Não tendo este e o Sr. DD, por esse motivo, trocado os habituais votos de festas, sendo certo, no entanto, que o Sr. DD deixou uma mensagem ao A. na caixa postal do seu telemóvel.</font><br>
</p><p><font>37. O A. telefonou ao filho do Sr. DD.</font><br>
</p><p><font>38. Como entretanto soube por um seu primo de nome NN, residente na Ilha de …, que o Sr. DD o havia contatado para lhe propor um negócio, o A. ficou descansado e atribuiu o desconhecimento do seu paradeiro por parte do filho a um eventual "desaguisado" entre ambos, coisa que nos últimos tempos era frequente.</font><br>
</p><p><font>39. Não deixando no entanto de estranhar o facto deste nunca mais o ter contatado.</font><br>
</p><p><font>40. No final do mês de junho, quando o referido primo do A. veio a Portugal passar férias, deslocaram-se os dois ao prédio objeto da promessa, sendo que os caseiros se lhe dirigiram dizendo que pensavam que a quinta já não lhe pertencia, porque tinham aparecido lá uns senhores comportando-se como se fossem eles os proprietários.</font><br>
</p><p><font>41. O A. dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial de … para obter a informação sobre o facto aludido em 23. dos Factos Provados.</font><br>
</p><p><font>42. O Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas foi liquidado e pago tendo por base o valor de € 35.000,00.</font><br>
</p><p><font>43. O contrato promessa aludido em 25. foi feito com o único intuito de enganar os AA.</font><br>
</p><p><font>44. O posto aludido em 27. dos Factos Provados é da AGIP e estava encerrado.</font><br>
</p><p><font>45. Já após ter constatado o facto aludido em 23. dos Factos Provados, o A., sempre acompanhado do Sr. HH, procurou saber a situação da R. BB junto da Cooperativa da PSP, para quem esta estava a realizar várias obras, tendo sido informado que as obras haviam sido abandonadas a meio, e já estavam adjudicadas a outra entidade.</font><br>
</p><p><font>46. A terceira pessoa aludida em 30. dos Factos Provados é II.</font><br>
</p><p><font>47. Tendo sido discutida a questão de uma parceria para realização das obras, em alternativa à venda do prédio.</font><br>
</p><p><font>48. Durante a negociação informal com o R. CC, o Sr. DD disse-lhe que não obstante ser possuidor da procuração, nada se concretizaria sem a concordância do A..</font>
</p><p><font>49. Foi referido um valor de transação mínimo de € 600.000,00.</font>
</p><p><b><font>2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b><br>
</p><p><font>1) Em 2008.01.14 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda entre DD, na qualidade de gerente da sociedade comercial por quotas com a firma «BB - Obras Públicas e Privadas, Lda.» e esta, por sua vez, na qualidade de procuradora, em nome e representação dos Autores e o ora Recorrente, sendo certo que no artigo 4.</font><sup><font>0</font></sup><font> do referido contrato, designadamente na alínea a) estipula que a escritura pública de compra e venda será outorgada em qualquer Cartório Notarial no prazo de 90 dias a contar da data de assinatura do contrato, salvo se estiver por regularizar qualquer questão relativa aos documentos necessários à efectivação da escritura, caso em que o prazo de 90 dias contará a partir da data de regularização desta situação. </font><br>
</p><p><font>2) Dispõe, ainda, a alínea c) do referido contrato que o Primeiro Outorgante compromete-se a entregar ao Segundo Outorgante, ora Recorrente, no prazo máximo de 90 dias contados da respectiva solicitação por escrito, a cópia de todos os documentos pessoais, bem como de quaisquer procurações e outros documentos necessários à outorga da escritura prometida, </font><u><font>sendo certo que não se provou que o Primeiro Outorgante, tenha remetido ao Réu, ora Recorrente, a referida documentação. </font></u><br>
</p><p><font>3) Nessa sequência, em 2009.05.27, foi celebrado um aditamento ao contrato promessa de compra e venda, alterando, designadamente a al. a) do artigo 4.</font><sup><font>0</font></sup><font> do contrato promessa de compra e venda passando a ter a seguinte redacção: </font><br>
</p><p><sup><font>“</font></sup><font>A escritura pública de compra e venda será outorgada em qualquer Cartório Notarial, até ao dia 31 de Dezembro de 2020, data em que se presume es | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zDKfu4YBgYBz1XKvsSOi | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> Recurso de revista nº 9035/03.0TVLSB.L1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a></p><div><br>
<p><font> </font></p></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I - RELATÓRIO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> AA - ..., SAD, </font></b><font>intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra </font><b><font>BB, </font></b><font>jogador profissional de futebol, pedindo a condenação deste a pagar-lhe USD 3.000.000,00 ou, se o tribunal o entender, a pagar-lhe em euros a referida quantia de USD 3.000.000,00 ao câmbio do dia do cumprimento e ainda os juros de mora, vencidos desde o dia 10/07/2002</font><b><font>.</font></b>
</p><p><font>Alegou, para tanto e em síntese, que em Maio de 1999, a sociedade autora, réu e CC celebraram acordo pelo qual a primeira transferiu definitivamente para o terceiro os direitos federativos do jogador BB pelo preço de USD 15.000.000,00, tendo sido conferido à autora o direito de preferência numa futura transferência do réu do CC para qualquer outro clube ou ..., obrigando-se o CC a comunicar à autora os termos e condições da oferta recebida e o réu, no caso de não ser respeitado o direito de preferência, a indemnizar a autora na quantia de USD 3.000.000,00. </font>
</p><p><font>No dia 26/07/2001, o CC comunicou à autora as condições acordadas para a transferência do jogador para o DD, SAD, designadamente o preço de transferência de 2 mil milhões de pesetas, o pagamento em 3 prestações até 5/08/2003 e a prestação de garantia bancária; apesar de a autora ter solicitado ao réu que lhe comunicasse as condições referentes ao contrato de trabalho desportivo acertadas com o novo clube, o mesmo recusou comunicá-las.</font>
</p><p><font>A transferência do réu BB para o DD consumou-se em 3/08/2001, sem que o réu lhe tivesse comunicado a remuneração, prazo do contrato, e demais condições oferecidas pela DD SAD, inviabilizando por essa forma que a autora pudesse exercer a preferência.</font>
</p><p><font>O réu contestou, por excepção, invocando a nulidade da cláusula que conferiu à autora o direito de preferência por tal direito restringir o direito ao trabalho, o direito à liberdade de trabalho e o direito à capacidade civil do réu; a nulidade da promessa de trabalho por não ter sido reduzida a escrito; a exclusão da preferência por o acordo de transferência para o DD conferir ao CC o direito de preferência na transferência do jogador EE, prestação acessória que a autora nunca poderia satisfazer; a renúncia antecipada por parte da autora ao seu direito de preferência; a caducidade do direito de preferência; e o abuso do direito por a autora ter sempre afirmado que não estaria interessada na aquisição dos direito federativos do réu nem na sua contratação, criando junto do CC e do réu a expectativa de que não pretendia exercer o direito de preferência.</font>
</p><p><font>Por impugnação, alegou infirmarem os factos que integram a sua defesa por excepção inúmeros factos alegados pela autora, nessa medida se devendo os mesmos ter por impugnados.</font>
</p><p><font>A autora apresentou réplica, controvertendo as excepções invocadas, alegando que a preferência sobre o passe do EE não era essencial para o CC tendo tal prestação sido convencionada com o único fito de tentar afastar a preferência da autora, e afirmando que um passe de um jogador é avaliável em dinheiro.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>Foi proferido despacho julgando a incompetência do tribunal por falta de condição de admissibilidade da acção, submissão a prévia decisão de tribunal arbitral, mas dirimida esta questão pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 21/04/05 (fls. 348/360), dando provimento ao agravo interposto e revogando aquela decisão, foi saneado o processo (fls. 544/558), com reclamações totalmente indeferidas, e realizada a audiência de discussão e julgamento (cf. respostas à matéria controvertida a fls. 771/774) foi proferida sentença que julgou a acção improcedente (fls. 801/821).</font>
<p><font>Inconformada, a autora apelou da sentença, tendo o réu oferecido contra-alegações e, ainda, ao abrigo do disposto nos arts. 684.º-A e 685.º-B, n.º 5, do Código de Processo Civil, requerido a ampliação do recurso, pedindo a reapreciação de determinados pontos da matéria de facto (cf. fls. 975/1036).</font>
</p><p><font>Na resposta a estas contra-alegações a autora/recorrente suscitou 3 questões: extemporaneidade do recurso; inadmissibilidade da impugnação de matéria de facto, dado que a recorrente também a não impugnou; e, falta de conclusões da ampliação de recurso (cf. fls. 1051/1077).</font>
</p><p><font>A Exma Relatora decidiu, por despacho, julgar tempestivas as contra-alegações com a ampliação inclusa; admitir a impugnação da matéria de facto, em sede de ampliação do recurso e notificar o réu/recorrido para apresentar as conclusões relativas à ampliação do recurso (cf. fls. 1093/1096).</font>
</p><p><font>Esta decisão manteve-se, depois de submetida à Conferência (cf. fls. 1177/1181). </font>
</p><p><font>Do respectivo acórdão foi interposto, pela autora, recurso de agravo, para o STJ, o qual foi admitido a subir a final (cf. fls. 1189/1190), dele constando as seguintes conclusões (cf. fls. 1200):</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Entende a recorrente que o recorrido não podia ter impugnado a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, nos termos do disposto no art. 684.º-A, n.º 2 do CPC, uma vez que a recorrente não o fez, pelo que a mesma transitou em julgado;</font></i>
</p><p><i><font>2. Em consequência da conclusão 1, entende a recorrente que as contra-alegações e a ampliação do objecto do recurso são extemporâneas, uma vez que deram entrada em juízo para além dos 30 dias previstos no art. 698.º, n.º 2 do CPC, não tendo também aplicação ao caso dos autos o acréscimo de 10 dias previsto no art. 698.º, n.º 6 do CPC, o qual remete para os números anteriores, sem aí se prever qualquer aplicação no caso de ampliação do objecto do recurso, nos termos do disposto no art. 684.º-A do CPC;</font></i>
</p><p><i><font>3. Atenta a violação das normas jurídicas supra referidas, as contra-alegações e a ampliação do objecto do recurso deverão ser desentranhadas, nos termos do disposto nos arts. 137.º, 166.º, n.º 2, 265.º, n.º 1 e 690.º, n.º 3, do CPC;</font></i>
</p><p><i><font>4. À cautela e sem conceder, sempre se dirá que a ampliação do objecto do recurso deverá ser rejeitada, na medida em que as conclusões 12 a 15 não cumprem com o disposto no art. 690.º-A, n. 1, al. b) e n.º 2 do CPC, e as conclusões 16 a 20 não cumprem o disposto no art. 690.º, n.º 2, pelo que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a ampliação não deverá ser conhecida</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>A Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 1/02/12, por unanimidade, confirmou a decisão de mérito da 1.ª Instância (cf. fls. 1244/1274).</font>
</p><p><font>Mantendo a sua discordância, a autora interpõe, agora, recurso de revista, para este Supremo Tribunal, concluindo, assim, as suas alegações (cf. fls. 1290/1302):</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Entende a Recorrente que o Recorrido desrespeitou o direito de preferência, uma vez que o Recorrido assinou o contrato de trabalho desportivo com o DD, SAD, em 30 de Julho de 2001, no decurso do prazo concedido pelo FC CC à Recorrente para preferir – cfr. facto provado 83, a que o douto Tribunal não atendeu.</font>
</p><p><font>2. Ao assinar um contrato de trabalho com outro clube e ao registar esse contrato, o Recorrido ficou impossibilitado de prestar os seus serviços a outro clube de futebol, atenta a regra da prioridade do registo - cfr. informação prestada pela LPFP a fls. 652 e 674 dos autos, art. 117.° do Regulamento Disciplinar da LPFP para a época 2001/2002, arts. 35.° e 36.º do Comunicado oficial n° 1 da FPF para a época 2001/2002; art. 8.º do CCT celebrado entre a LPFP e o SJPF publicado no BTE, 1ª Série, n° 33, de 8/9/99; art. 8.º da Lei 28/98 de 26 de Junho; e art. 4.º do Comunicado oficial da FPF n° 336 (rectificado) de 17/4/01.</font>
</p><p><font>3. Com a conduta supra referida, o Recorrido não ilidiu a presunção de culpa, nos termos do disposto nos arts. 799.°, n° 1 e 487.°, n° 2 do CC, tendo antes ficado provado que agiu de má fé (cfr. arts. 227.°, 406.°, 762.°, n° 2 do CC); normas, aliás, que o douto Tribunal deveria ter atendido para concluir que a Recorrente não renunciou ao direito de preferência porque o prazo para o exercício do mesmo não se iniciou, atenta a falta de conhecimento da Recorrente das condições essenciais para preferir.</font>
</p><p><font>4. O douto Tribunal, ao não atender ao concluído anteriormente, violou o disposto nos arts. 406.°, 762.°, n° 2, 799.° e 801.°, n° 1 do CC.</font>
</p><p><font>5. Toda a matéria de facto provada permite interpretar a declaração negocial e a vontade real das partes como a Recorrente ora defende, ou seja, o Recorrido estava obrigado a transmitir as condições de trabalho oferecidas porque tais eram elementos essenciais e determinantes para a formação da vontade de preferir da Recorrente, não havendo qualquer razão determinante da forma do negócio que se oponha à validade da interpretação (muito pelo contrário, atentos os factos provados 20, 22, 24 a 26 e 52); assim, o douto Tribunal deveria ter aplicado o disposto nos arts. 236.°, n° 1, 238.°, n° 2 e 416.°do CC. </font>
</p><p><font>6. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que o Tribunal deveria ter aplicado o disposto no art. 236.° do CC, uma vez que o Recorrido poderia razoavelmente deduzir que a Recorrente quisesse saber as condições de trabalho oferecidas pelo terceiro (atentos os factos provados supra referidos), e o Recorrido teve conhecimento dessa vontade real, em momento posterior.</font>
</p><p><font>7. Na verdade, antes e depois de se iniciar o alegado prazo para preferir (em 26 de Julho de 2001), a Recorrente enviou diversos faxes ao Recorrido solicitando que este lhe transmitisse as condições de trabalho oferecidas pelo DD - SAD, sendo que o mesmo não o fez, apesar de terem sido do seu conhecimento a 30 de Julho de 2001 - cfr. factos provados 33, 34, 37 a 44, 47, 57 e 83.</font>
</p><p><font>8. A Recorrente mantém interesse na apreciação do recurso de agravo retido - cfr. art. 748° CPC”.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>O réu/recorrido, por seu turno, contra-alegou defendendo a manutenção do decidido e apresentou 21 conclusões relativas à ampliação do objecto de recurso (cf. fls. 1369 a 1373), a que adiante se fará referência específica caso se registe a necessidade de proceder à sua análise concreta, tendo aduzido ainda incidente de litigância de má-fé da autora/recorrente.</font>
<p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>As conclusões insertas no final das alegações da autora/recorrente, constituindo as balizas definidoras do objecto do recurso - cf. arts. 684.°, n.° 3, e 690.°, n.°s 1 e 3, do Código de Processo Civil</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>, por diante CPC -, suscitam as seguintes questões, por ordem de precedência lógica:</font>
<p><font>a) Análise do direito de preferência a favor da autora, decorrente da cláusula 7.ª do contrato de transferência celebrado entre ela, o réu e o CC, em 17/05/1999, e interpretação das respectivas declarações negociais (conclusões 3.ª a 7.ª);</font>
</p><p><font>b) Violação do direito de preferência, por banda do réu, com a outorga do contrato de trabalho desportivo com o DD (conclusões 1.ª e 2.ª);</font>
</p><p><font>c) Apreciação do recurso de agravo (conclusão 8.ª).</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>Importará examinar, por fim, o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé, suscitado pelo réu/recorrido, nas suas contra-alegações, em que pede o pagamento de uma indemnização, a arbitrar nos termos do art. 457.º do CPC, em valor não inferior ao montante de 50.000,00€ (cf. fls. 1368), e a que a contraparte respondeu (cf. fls. 1464/1465) – isto, sem prejuízo da necessidade ou desnecessidade de apreciar a questão da ampliação do objecto de recurso.</font>
<p></p><div><br>
<b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font>DE FACTO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Das instâncias vem dada por assente a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1 - No dia 29 de Abril de 2003, no âmbito da acção com processo ordinário que correu seus trâmites pela 1ª Secção desse douto Tribunal sob o n.º 268/2001, em que era Autora, “FF – Investimentos Imobiliários, Lda.”, e Réus, GG e HH (…) , foi acordado o seguinte, que se transcreve na íntegra:</font>
</p><p><font>1. A A. é uma sociedade anónima desportiva constituída em Outubro de 1997 e cotada em bolsa (Al).</font>
</p><p><font>2. A sociedade A. resultou da personalização jurídica da equipa do AA … que participa nas competições profissionais de futebol (B).</font>
</p><p><font>3. Foi seu clube fundador o AA … (C).</font>
</p><p><font>4. A A. tem por objecto e escopo a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol (D).</font>
</p><p><font>5. Os direitos desportivos ou federativos (vulgo "passes") dos jogadores de futebol profissional são activos incorpóreos da A. e como tal são contabilizados (A2).</font>
</p><p><font>6. O R. é jogador de futebol profissional e encontra-se actualmente ao serviço do DD, SAD (DD) (E).</font>
</p><p><font>7. O R. ingressou nas escolas de formação de futebol do AA … em 1992, com a idade de … anos (F).</font>
</p><p><font>8. Isto por efeito do Acordo de Transferência celebrado em 3 de Dezembro de 1992 entre o AA … e a Associação Desportiva e Cultural da II (G).</font>
</p><p><font>9. Em 1995, o R. celebrou o seu primeiro contrato de trabalho com o AA …, na qualidade de jogador profissional de futebol e na categoria Juvenil (H).</font>
</p><p><font>10. O R. recebeu a sua formação, como jogador de futebol profissional, no AA ..., tendo sucessivamente representado o Clube nos escalões de iniciados, juvenis, juniores e seniores (I).</font>
</p><p><font>11. A 3 de Julho de 1998, o R. celebrou com a sociedade A. um contrato de trabalho desportivo, nos termos do qual, e mediante determinada remuneração, aquele se obrigou a prestar com regularidade a actividade de futebolista da A., nos termos constantes do documento junto com a petição inicial sob n° 5 (J).</font>
</p><p><font>12. Nos termos do aludido contrato, a prestação de trabalho do R. foi acordada para ter a duração de sete épocas desportivas, com início a 1 de Agosto de 1998 e termo a 31 de Julho de 2005 (K).</font>
</p><p><font>13. Na cláusula 10.ª do mesmo contrato, foi conferido ao jogador o direito de rescindir unilateralmente o contrato, com aviso prévio, e ficando imediatamente desvinculado laboral e desportivamente da AA SAD, mediante determinadas condições, designadamente a rescisão só poderia ter lugar entre os dias 1 de Junho e 15 de Julho de cada época desportiva; com o pagamento imediato à AA SAD de USD 15.000.000,00 (quinze milhões de dólares americanos); sendo que o jogador deveria submeter o contrato de trabalho com o novo clube, nacional ou estrangeiro, à condição de este dar direito de preferência à AA SAD no caso de eventual cedência temporária ou definitiva dos seus direitos desportivos (L).</font>
</p><p><font>14. Sob a alínea e) da cláusula 10.ª, as partes acordaram – caso a faculdade de exercício do direito de preferência acima referido não fosse dada à AA SAD e uma vez que seria sempre necessário o consentimento do jogador para que qualquer cedência se viesse a efectivar – que o jogador, em virtude de tal facto, incorreria em responsabilidade civil pelos danos que viesse a causar à A., e tendo A. e R. logo fixado, à data do aludido contrato, o montante desses danos em USD 3.000,000,00 (três milhões de dólares americanos), a título de cláusula penal (M).</font>
</p><p><font>15. Em Maio de 1999, A., R. (e o empresário deste) e o CC iniciaram conversações com vista à transferência do jogador para esse clube espanhol, sendo do interesse pessoal do R. jogar por esse clube (N).</font>
</p><p><font>16. A pretendida transferência na altura em questão – Maio de 1999 – equivalia na prática a uma antecipação do prazo previsto para o exercício do direito de rescisão unilateral do contrato de trabalho pelo jogador (O).</font>
</p><p><font>17. Assim, muito embora o R., em Maio de 1999, não pudesse ainda “exercer” a cláusula de rescisão, a AA SAD acedeu na transferência, nessa altura, do jogador para o FC CC, contanto que lhe fossem asseguradas as contrapartidas já previstas contratualmente, ou seja, o recebimento de USD 15.000.000,00, o direito de preferência numa futura venda do passe do jogador e o pagamento de USD 3.000.000,00 no caso de incumprimento desse direito (P).</font>
</p><p><font>18. A 17 de Maio de 1999, o R. celebrou com a sociedade A. e com CC um contrato de transferência definitiva, a que se refere o documento n.º 6 junto com a petição inicial (Q).</font>
</p><p><font>19. Pelo aludido contrato, o FC CC adquiriu à AA SAD, por transferência definitiva e irrevogável, com efeitos a partir de 31 de Maio de 1999, os direitos federativos do jogador BB, pelo preço de USD 15.000.000,00 - quinze milhões de dólares americanos, a pagar a 20 de Julho de 1999 (cf. cláusula 2.ª e 3.ª do Contrato) (R).</font>
</p><p><font>20. O jogador e R., por seu lado, assinou o aludido contrato de transferência em sinal do seu total consentimento a tudo que no mesmo ficou consignado (cfr. cláusula 4.ª) (S).</font>
</p><p><font>21. Por efeito do mesmo contrato, a sociedade A. e o jogador BB revogaram, com efeitos a partir de 30 de Maio de 1999, o contrato de trabalho desportivo que os vinha vinculando (cfr. cláusula 5.ª) (T).</font>
</p><p><font>22. Na cláusula 7.ª do mesmo contrato, a AA SAD, o FC CC e o jogador BB fizeram consignar, e acordaram, o seguinte: “</font><i><font>Ao AA é conferido o direito de preferência numa futura transferência do jogador BB do F.C. CC para qualquer outro clube ou .... Para esse efeito o F.C. CC obriga-se a comunicar ao AA e ao jogador BB os termos e condições da oferta recebida. No caso de a oferta não ser igualada no prazo de sete dias pelo AA, mediante comunicação nesse sentido ao FC CC, considerar-se-á que o AA renunciou ao seu direito de preferência. O Jogador BB, na eventualidade de não ser respeitado o direito de preferência do AA, aceita e obriga-se a indemnizar o AA na quantidade de USD 3.000.000,00 (três milhões de dólares americanos). Tanto o Jogador como o AA eximem o FC CC de toda a responsabilidade respeitante ao pagamento desta indemnização</font></i><font>” (U).</font>
</p><p><font>23. Formalizado que ficou o contrato de transferência e acordadas as condições salariais entre o jogador e o FC CC, o R. passou a ser jogador de futebol profissional do FC CC a partir de 30 de Maio de 1999 (V).</font>
</p><p><font>24. A transferência ou passagem de um jogador de futebol profissional de um determinado clube para um outro depende da celebração do contrato de trabalho entre o jogador e o seu novo clube (W), ou seja, o próprio jogador tem a possibilidade de, a final, fazer "abortar" uma transferência caso não aceite as condições salariais oferecidas pelo novo clube e não subscreva com este um contrato de trabalho (X).</font>
</p><p><font>25. Foi nesse pressuposto que A. e R eximiram o FC CC de toda a responsabilidade quanto ao pagamento da indemnização fixada de USD 3.000.000,00 (Y).</font>
</p><p><font>26. Até porque o FC CC não se mostrou disposto a assumir tal obrigação, uma vez que o direito de preferência da A. poderia vir a ser desrespeitado ou violado pelo próprio R. jogador (Z).</font>
</p><p><font>27. Por notícias vindas a lume na comunicação social em princípios de Julho de 2001, a A. deparou-se com uma possível e eventual transferência do R. do FC CC para o DD (DD) (AA).</font>
</p><p><font>28. Perante tais notícias, a 5 de Julho de 2001, a A. enviou um telefax ao presidente do FC CC, que este recebeu, com conhecimento do DD, alertando o FC CC para o teor da cláusula 7.ª do contrato de transferência, para o direito de preferência da AA SAD na transferência do jogador e solicitando a comunicação das condições do negócio caso se confirmasse a veracidade de tais notícias, ou seja, a negociação da transferência do jogador para o DD ou para qualquer outro Clube, a que se refere o documento n.º 7 junto com a petição inicial (BB).</font>
</p><p><font>29. Na mesma data de 5 de Julho de 2001, a A. enviou também um telefax ao R., que este recebeu, sublinhando o que havia sido acordado no contrato de transferência quanto à preferência da A. na transferência do jogador para um terceiro clube e solicitando ao R. a comunicação das condições negociadas para a sua transferência, a que se refere o documento n.º 8 junto com a petição inicial (CC).</font>
</p><p><font>30. A 6 de Julho de 2001, a A. recebeu do FC CC, em resposta ao telefax supra referido, um telefax informando ter esse clube recebido uma proposta para a transferência do jogador, que nesse momento previa ascender a 2.500 milhões de pesetas, e confirmando ainda o direito de preferência da A., a que se refere o documento n.º 9 junto com a petição inicial (DD).</font>
</p><p><font>31. Na mesma data de 6 de Julho de 2001, a A. dirigiu novo telefax ao FC CC, por este recebido, solicitando a identidade do clube interessado no passe do jogador, bem como as condições de pagamento acordadas e ainda as condições contratuais oferecidas ao jogador, salientando que o prazo para o exercício da preferência só começaria a correr quando fossem dados a conhecer os exactos termos e condições da transferência, a que se refere o documento n° 10 junto com a petição inicial (EE).</font>
</p><p><font>32. Ainda na mesma data de 6 de Julho, a A. enviou um outro telefax ao FC CC, que este recebeu, esclarecendo que os elementos essenciais do negócio que lhe deviam ser dados a conhecer para eventual exercício da preferência eram a identificação do clube interessado, o valor fixado para a transferência, a forma de pagamento e as condições do contrato de trabalho a celebrar com o jogador, a que se refere o documento n.º 11 junto com a petição inicial (FF).</font>
</p><p><font>33. Também a 6 de Julho de 2001, a A. fez chegar ao R. novo telefax, informando-o que havia solicitado ao FC CC os termos e as condições acordadas para a transferência, nomeadamente as referentes ao contrato de trabalho desportivo que lhe teria sido proposto pelo DD, a que se refere o documento n.º 12 junto com a petição inicial (GG).</font>
</p><p><font>34. Nesse telefax, a A. referiu ao jogador contar com a sua colaboração para que lhe fossem transmitidos os elementos essenciais da transferência de forma a poder analisar a viabilidade do exercício do direito de preferência (HH).</font>
</p><p><font>35. Na mesma data de 6 de Julho de 2001, a A. voltou a insistir junto do FC CC e do R., por telefaxes a eles enviados e recebidos, para que lhe fossem comunicadas as condições acordadas com o DD para a transferência, a que se refere os documentos n.ºs 13 e 14 junto com a petição inicial (II), referindo expressamente no telefax enviado ao R. que, caso se confirmasse a intenção de o CC o transferir para o DD, ficava a aguardar que o R. lhe comunicasse as condições acordadas para a transferência (JJ).</font>
</p><p><font>36. Apenas por telefax de 24 de Julho de 2001, enviado pelo FC CC à A. e por esta recebido no dia 25 seguinte, veio esse clube comunicar à A. que havia recebido uma oferta, com o preço de transferência definitiva do jogador de 2 mil milhões de pesetas, com pagamento em 24 meses e garantia bancária, a que se refere o documento n.º 15 junto com a petição inicial (KK).</font>
</p><p><font>37. A A., por telefax dessa mesma data de 25 de Julho de 2001, solicitou ao FC CC que informasse das condições salariais do jogador BB e da duração do seu contrato de trabalho acertado com o novo clube, para que fosse possível à A. analisar a viabilidade do exercício do direito de preferência, a que se refere o documento n.º 16 junto com a petição inicial (LL).</font>
</p><p><font>38. Nesse mesmo documento, a A. salientou junto do FC CC que o prazo fixado contratualmente para o exercício da preferência só começaria a correr a partir do momento em que fossem dados a conhecer à A. os exactos termos e condições da transferência (MM).</font>
</p><p><font>39. A 26 de Julho de 2001, a A. enviou um outro telefax ao FC CC, solicitando que este lhe indicasse o clube que havia apresentado a proposta supra referida e informando que iria solicitar ao jogador e ao clube interessado que informassem das condições salariais acordadas, a que se refere o documento n.º 17 junto com a petição inicial (NN).</font>
</p><p><font>40. Nesse telefax, a A. fez saber mais uma vez ao FC CC que a contagem do prazo para a preferência só começaria a contar após o conhecimento, pela A., das condições salariais em questão (OO).</font>
</p><p><font>41. A 26 de Julho de 2001, a A. fez saber junto do R., por telefax que lhe enviou, que havia solicitado ao FC CC a informação sobre os termos e condições acordadas para a transferência, nomeadamente as referentes ao contrato de trabalho desportivo acertadas entre o R. e o novo clube, a que se refere o documento n.º 18 junto com a petição inicial (PP).</font>
</p><p><font>41. Nesse telefax, a A. fez ainda e novamente saber ao R. que contava com a sua colaboração para que lhe fossem transmitidos todos os elementos essenciais da transferência, por forma a ponderar o eventual exercício do direito de preferência (QQ).</font>
</p><p><font>42. Por telefax de 26 de Julho de 2001, a A. deu a conhecer ao empresário do R., JJ, o teor do telefax referido nos dois pontos antecedentes, solicitando-lhe que transmitisse ao jogador BB o pedido aí efectuado no sentido de que comunicasse à A. todos os elementos essenciais da transferência, nomeadamente as condições do contrato de trabalho desportivo que lhe havia sido proposto, a que se refere o documento n.º 19 junto com a petição inicial (RR).</font>
</p><p><font>43. Por telefax de 25 de Julho de 2001, que a A. recebeu no dia 26 seguinte, o FC CC fez saber junto desta que não poderia transmitir as condições laborais entre o jogador e o terceiro clube, por serem do seu desconhecimento, a que se refere o documento n.º 20 junto com a petição inicial (SS).</font>
</p><p><font>44. No dia 26 de Julho de 2001, a A. recebeu um telefax do FC CC, no qual este clube afirmou estar a notificar a A. do acordo condicional, dependente do direito de preferência da A., que havia sido ultimado nessa mesma data de 26 de Julho com a DD - Futebol, SAD, a que se refere o documento n.º 21 junto com a petição inicial (TT).</font>
</p><p><font>45. Nesse documento, o FC CC referiu estar a comunicar à A. as condições acordadas para a transferência do jogador para o DD SAD, designadamente na parte seguinte: “</font><i><font>O Clube DD pagará ao FC CC, pela renúncia de este último aos direitos federativos do jogador, a quantia de dois mil milhões de pesetas (2.000.000.000 PTAS) e o IVA respectivo se aplicável.” “Acorda-se num pagamento a prestações de acordo com os seguintes prazos: (...) a) na data de 5/8/2002 quinhentos milhões de pesetas; b) na data de 5/5/2003 quinhentos milhões de pesetas; c) na data de 5/8/2003 mil milhões de pesetas</font></i><font>” (UU).</font>
</p><p><font>46. Para além da referência a uma garantia bancária no valor de 2 mil milhões de pesetas a entregar ao FC CC antes de 5/8/2001 (ponto 3 do aludido telefax), o FC CC comunicou à A. diversos pontos laterais do acordo que teria celebrado com o DD SAD (W), tendo-lhe comunicado também que o referido acordo só produziria efeitos decorrido que fosse o prazo sem que a A. exercesse o seu direito de preferência (WW).</font>
</p><p><font>47. No dia 27 de Julho de 2001, a A. recebeu do R. um telefax, por ele assinado, acusando a recepção do telefax da A. do dia 26 anterior, e pelo qual este lhe comunicou o seguinte: “</font><i><font>1. Tal como é referido na vossa comunicação, o FC CC transmitiu formalmente a essa Sociedade Desportiva as condições e termos do contrato de transferência. 2. Como parte do contrato de transferência tenho total conhecimento das condições do mesmo, pelo que conheço a impossibilidade de essa Sociedade Desportiva igualar as condições estabelecidas entre as partes, nomeadamente e entre outras, no tocante ao Direito de Preferência sobre um activo do DD - Futebol, SAD. 3. Assim sendo e reconhecida essa impossibilidade, aliás hoje devidamente expressada publicamente pelos máximos responsáveis da AA, SAD, julgo totalmente inconveniente e nada ético transmitir as condições do meu futuro contrato com a DD - Futebol, SAD</font></i><font>”, a que se refere o documento n° 22 junto com a petição inicial (XX).</font>
</p><p><font>48. A A. dirigiu novo telefax, a 02-08-2001, ao FC CC, salientando que a AA SAD não poderia decidir sobre o eventual exercício do direito de preferência, uma vez que não havia chegado a ter conhecimento das condições referentes ao contrato de trabalho entre o jogador e a DD SAD, por recusa expressa do jogador BB em transmitir à A. essas condições, a que se refere o documento n.º 23 junto com a petição inicial (YY).</font>
</p><p><font>49. Da correspondência trocada entre A. e R., acima referida, teve conhecimento o empresário deste último, JJ, que já tivera intervenção na transferência do jogador para o FC CC e que se encontrava na altura a mediar a transferência do mesmo deste último clube para o SL DD (ZZ).</font>
</p><p><font>50. O referido empresário do jogador tinha conhecimento dos termos do acordo de transferência para o CC, designadamente a preferência conferida à A. (dessa preferência) (AAA).</font>
</p><p><font>51. O R. deu o seu acordo à transferência para o DD e aceitou celebrar contrato de trabalho com esta última sociedade desportiva (BBB).</font>
</p><p><font>52. Os termos e condições de trabalho acordados entre o jogador e o DD integraram o próprio negócio da transferência para este Clube, sendo suas condições essenciais (CCC).</font>
</p><p><font>53. O R. sabia que iria integrar o plantel clube que era, e é, o principal "rival" ou "concorrente" desportivo da A. (DDD).</font>
</p><p><font>54. A transferência do jogador para o DD consumou-se no dia 3 de Agosto de 2001, por verificação dos efeitos do contrato de transferência para esta sociedade desportiva (EEE).</font>
</p><p><font>55. E nessa altura o R. foi anunciado, oficialmente e pela comunicação social, como integrando o plantel oficial do DD SAD (FFF).</font>
</p><p><font>56. Por contrato de trabalho que com o mesmo celebrou, em data que a A. não pode precisar mas que se situa algures entre finais de Julho e princípios de Agosto de 2001 (GGG).</font>
</p><p><font>57. Nunca o R. lhe comunicou a remuneração, prazo do contrato e demais condições oferecidas pelo DD SAD (HHH).</font>
</p><p><font>58. A A., a 05-07-2002, requereu ao Tribunal a notificação judicial avulsa do R., expondo sumariamente os factos agora alegados nesta p.i., com a junção do contrato de transferência para o FC CC, e interpelando-o para que procedesse ao pagamento do montante da cláusula penal nele estipulada, e que ora se peticiona, a que se refere o documento n.º 24 junto com a petição inicial (III).</font>
</p><p><font>59. O R. disso ficou judicialmente notificado no dia 10-07-2002, sem que fizesse qualquer pagamento à A., nem nos oito dias que lhe foram concedidos, nem posteriormente (JJJ).</font>
</p><p><font>60. Ainda em Julho de 2002, a A. apresentou queixa contra o R. junto da Comissão do Estatuto do Jogador da FIFA, pedindo que este fosse condenado no pagamento à AA SAD da indemnização fixada de USD 3.000.000,00 (KKK).</font>
</p><p><font>61. Contudo, a FIFA declinou a intervenção na questão, considerando-se incompetente para a sua resolução, por se tratar de litígio entre um clube Português e um jogador Português a representar um clube também Português, a que se refere o documento n° 25 junto com a petição inicial (LLL).</font>
</p><p><font>62. O R., pelas características a seguir descritas, era um dos melhores j | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zDKnu4YBgYBz1XKv_Sil | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>F..., Construção Civil, Ldª</font></b><font>, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra </font><b><font>O... - Representações, Ldª</font></b><font>, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 76 954,78.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Tendo sido junta aos autos certidão da qual constava ter a R. sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado 21-09-2009, proferida no processo n.º 659/09.3TYLSB, do 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, o Mº Juiz considerou que a acção não podia prosseguir os seus termos, por entender que o meio processual próprio para o reconhecimento e verificação de créditos era o previsto no art.º 128º do CIRE e que, mesmo a proceder a acção, a A. nenhum efeito daí poderia retirar contra a massa falida, uma vez que a mesma seria inoperante contra os demais credores, atendo o disposto no art. 173º do CIRE.</font>
</p><p><font> Concluiu, por isso, que existia inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, julgou extinta a instância.</font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 25-11-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.</font>
</p><p><font> 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, pedindo a revista excepcional, recurso que foi admitido na Relação como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> Remetido o processo à formação de Juízes deste STJ a que alude o art. 721º A. nº 3 do C.P.Civil, foi aí decidido admitir </font><u><font>a revista excepcional</font></u><font>, por oposição de julgados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Cumprindo o ónus do art. 721°-A, nº 2, alínea c), do CPC, indica-se como acórdão-fundamento o do Tribunal da Relação do Porto, de 1 de Junho de 2010, proferido no processo nº 651 6/07.0TBVNG.P 1. </font>
</p><p><font> 2ª- São razões de identidade: </font>
</p><p><font> 2.1 Em ambos os acórdãos, recorrido e fundamento, corria uma acção declarativa de condenação tendente a estabelecer, pela via judicial, a existência, validade e procedência de um direito de crédito sobre o réu (sociedade comercial), na pendência da qual foi proferida sentença de insolvência do réu, com trânsito em julgado. </font>
</p><p><font> 2.2 Em ambos os acórdãos o que está em causa é a aplicação do art. 287°, alínea e), do CPC, tendo por horizonte os efeitos processuais da declaração de insolvência nos termos configurados pelo CIRE: artigos 85°, 88°, 128°, 129°, 173° e 234°. </font>
</p><p><font> 2.3 Em ambos os casos o que está em causa é saber se a declaração da insolvência implica para a acção declarativa pendente a sua extinção por inutilidade superveniente da lide, designadamente porque o autor não pode dar à execução a sentença condenatória, como julgou o acórdão recorrido, ou se a acção deve prosseguir, como se considerou no acórdão-fundamento. </font>
</p><p><font> 2.4 Estamos no domínio da mesma legislação: 287° CPC e artigos 85°, 90°, 128°, 129° e 234° do CIRE, interpretados e aplicados em sentido diferente, como se verá melhor </font><i><font>infra</font></i><font>. </font>
</p><p><font> 3ª- São razões da contradição: </font>
</p><p><font> 3.1 No acórdão recorrido, que confirmou a sentença que declarou a extinção da instância por impossibilidade/inutilidade e considerou-se que dos artigos 128°, 3 e 173° do CIRE, e do art. 287°, alínea e), do CPC, decorria necessariamente a extinção da instância com fundamento na inutilidade superveniente da lide. </font>
</p><p><font> 3.2 No acórdão-fundamento, julgou-se que a declaração de insolvência não determina nem a impossibilidade de a acção prosseguir, porquanto tal declaração não conduz à imediata extinção da sociedade, a qual só se dá com o registo de encerramento do processo após rateio final (234°, nº 3, CIRE), nem a inutilidade porquanto a obrigatoriedade de reclamar o crédito no processo de insolvência não assegura que o mesmo venha finalmente a ser reconhecido (129° CIRE) nem dispensa o credor de o provar (128° CIRE). </font>
</p><p><font> 4ª- Como bem se refere no douto acórdão recorrido, a questão a apreciar é se "a declaração da insolvência implica para a acção declarativa pendente a sua extinção por inutilidade superveniente da lide ( ... ) ou se a acção deve prosseguir" . </font>
</p><p><font> 5ª- É porém a jurisprudência do acórdão-fundamento aquela que deve prevalecer, por ser a que, face aos interesses em presença e à justa concatenação das normas do CIRE com as do processo civil, melhor interpreta, na perspectiva da Recorrente, o direito aplicável. </font>
</p><p><font> 6ª- O intérprete deve estrita obediência à lei positivada. Deste ponto de vista, há desde logo um argumento decisivo: o não constar do CIRE - cfr. art. 85º - e não é por acaso!, nenhuma norma legal expressa no sentido da impossibilidade/inutilidade das acções declarativas pendentes. </font>
</p><p><font> 7ª- Poderia argumentar-se que a tese contrária, apesar da omissão legal, decorre da interpretação sistemática do regime jurídico da insolvência e do regime processual da impossibilidade/inutilidade da lide. Mas a jurisprudência, menos representativa, que segue esta via não é convincente no sentido de que a inutilidade superveniente decorra necessariamente daquele regime falimentar, condição única para - contra um princípio </font><i><font>pro actione</font></i><font> - se declarar extinta a instância declarativa. </font>
</p><p><font> 8ª- Ao contrário, a omissão de norma expressa no sentido de uma necessária e automática impossibilidade/inutilidade justifica-se porque o legislador, de sobreaviso, não quis afirmar esse princípio geral, o que fez em vista das múltiplas situações em que tal impossibilidade/inutilidade não pode ser afirmada, exigindo-se uma análise casuística (aliás na linha do que defende Artur Dionísio, no seu artigo publicado na revista Julgar, nº 9, citado no acórdão recorrido). </font>
</p><p><font> Já que o douto acórdão recorrido se louvou no artigo publicado por Artur Dionísio, vale a pena atentar um pouco mais no que diz este Autor: </font>
</p><p><font> 9ª- A posição do acórdão recorrido, como a da jurisprudência que segue a mesma rota, assenta na inutilidade que decorre da fragilidade da sentença declaratória enquanto título executivo. Ou seja, a sentença declarativa não aproveita ao autor porque este não a pode dar à execução. </font>
</p><p><font> 10ª- Ora grande parte do trabalho de Artur Dionísio destina-se a demonstrar em que circunstâncias é que a acção executiva pode e deve prosseguir, daí que, nesta perspectiva, conserve utilidade a acção declarativa conexa: </font>
</p><p><font> 10.1 Atente-se, por exemplo, no que ele diz a fls. 177 da revista Julgar (nº 9): "Não obstante a lei continuar a afirmar que a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, não fica definitivamente comprometida a possibilidade das execuções pendentes poderem prosseguir no futuro. Tal prosseguimento será, por vezes, viável, designadamente (1) quando o processo venha a ser encerrado antes do rateio final a pedido do devedor ou por insuficiência da massa insolvente e (2) quando for homologado um plano de insolvência que não obste ao prosseguimento das execuções ". </font>
</p><p><font> Prossegue o mesmo Autor, a págs. 179: "Se o processo for encerrado antes do rateio final, a pedido do próprio devedor, nos termos previstos nos artigos 230º nº 1, al. c), e 231°, ou por insuficiência da massa insolvente, nos termos previstos nos arts. 230º nº 1, al. d), e 232º a execução deverá prosseguir, independentemente de se tratar de sociedade comercial ou pessoa singular, como decorre do disposto no art. 233º nº 1, alíneas a) e c)" </font>
</p><p><font> 10.2 Referindo-se já, explicitamente, às acções declarativas, Artur Dionísio sustenta, no mesmo estudo (pág. 185), que o prosseguimento destas acções (declarativas) só se revela inútil quando há lugar a liquidação do património do insolvente (sendo este suficiente: cfr. art. 232° nº 4). Isto porque a liquidação desemboca na extinção da sociedade. Como alerta o Autor, a extinção segue sempre, fora da instância falimentar, por via administrativa, nos termos do art. 234°, nº 4, de acordo com o preceituado no Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29.03. Só que neste procedimento administrativo não há norma legal semelhante à do art. 88° do CIRE e as acções executivas prosseguem o curso normal. </font>
</p><p><font> 10.3 O Autor lembra ainda, embora sem aprofundar, o interesse que pode haver no prosseguimento das acções declarativas por razões de ordem fiscal (parece-nos que se quererá referir a aceitação como custo fiscal de perdas por imparidade em créditos). </font>
</p><p><font> 11ª- Esta argumentação é imediatamente transponível para a acção declarativa e para a respectiva utilidade (possibilidade de instauração/prosseguimento [ainda que futuro] da acção executiva = utilidade da acção declarativa). </font>
</p><p><font> 12ª- Conforme vem sendo sustentado pela jurisprudência - cfr. Acs. da RP, proc. 0714018, de 29-10-2007, proc. n° 0836085, de 17-12-2008, proc. 413/08.0TBSTS-F.P1, de 22.09.2009, in www.dgsi.pt- não havendo notícia, no processo, de que já foi proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, a acção declarativa conserva a sua utilidade e, como tal, nada obsta ao prosseguimento dos autos. </font>
</p><p><font> 13ª- Aliás, a declaração de insolvência nunca determina, só por si, a impossibilidade/inutilidade das acções declarativas pendentes. Não se vislumbra norma expressa no CIRE que determine a inutilidade superveniente da lide dessas acções. </font>
</p><p><font> 14ª- O que diz o CIRE é (apenas) que - concorrendo determinados requisitos as acções pendentes podem ser apensadas ao processo de insolvência. É aliás patente que a previsão legal aponta para a agregação (apensação) de processos, e não para a extinção por impossibilidade/inutilidade. É isso que resulta do art. 85° CIRE, que prevê a apensação, desde que a mesma seja requerida pelo administrador da insolvência. </font>
</p><p><font> 15ª- Tal apensação, porém, não é automática; mesmo essa depende de requerimento e da verificação de certos requisitos. E mais, depende do controlo desses requisitos por parte do juiz - cfr. neste sentido CIRE Anotado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 2ª edição, pp. 354, anotação 5 ao artigo 85° do CIRE. </font>
</p><p><font> 16ª- Quanto aos processos executivos, os mesmos são apenas suspensos ou impedida a respectiva instauração ou prosseguimento, mas nunca extintos (art. 88°CIRE). Nada impede que a execução se instaure ou prossiga depois de encerrado o processo de insolvência - cfr. art. 233°, 1 , c) ClRE, circunstância que leva um reputado Autor a afirmar que "não pode ser decretada a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide, em virtude da insolvência do executado, ocorrendo apenas a suspensão da mesma enquanto durar o processo: cfr. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2ª edição, pp. 166, anotação 188 e Luís Martins, Processo de Insolvência, 2010, 2ª edição, pág. 233. </font>
</p><p><font> 17ª- Na jurisprudência, pela não extinção da instância executiva: </font>
</p><p><font> - Ac. RG, de 5.6.2008, em CJ 33 (2008),3, pp. 274-275; </font>
</p><p><font> - Ac. RC, de 26.10.2010, proc. nº 169/08.6TBVLF-F.C1; </font>
</p><p><font> - Ac. RG, de 23.09.2010, proc. nº 981/08-6; </font>
</p><p><font> - Ac. RL, de 18.07.2007, proc. nº 6414/2007-6; </font>
</p><p><font> - Ac. RC, de 3.11.2009, proc. 68/08.1 TBVLF-B.C1; </font>
</p><p><font> - Ac. RL, de 4.03.2010, proc. nº 119/-A/2001.L1-2; </font>
</p><p><font> 18ª- E na jurisprudência, pela não extinção, por inutilidade, das acções declarativas: </font>
</p><p><font> - Ac. RC, de 15.02.2007, proc. nº 168/06.2TTCBR.C1; </font>
</p><p><font> - Ac. RL, de 9.04.2008, proc. nº 10486/2007-4 </font>
</p><p><font> -Ac. RL, de 30.06.2010, proc. nº 1814/08.9TTLSB.Ll-4; </font>
</p><p><font> - Ac. RL, de 1.07.2010, proc. nº 12/2002-Ll-6. </font>
</p><p><font> 19ª- Há sempre que considerar o disposto no art. 230º, nº 1, alínea c), do CIRE, que virtualmente prevê o encerramento do processo de insolvência "a pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores derem o seu consentimento", altura em que o prosseguimento da instância fará todo o sentido e o autor terá legítimo interesse na obtenção de título judicial. Também por aqui, atenta aquela possível ocorrência, não poderia a decisão impugnada ser a da extinção da instância por impossibilidade, sob pena de contradição nos termos. </font>
</p><p><font> 20ª- Com efeito, pode o autor ter necessidade do título judicial para obstar à eventual impugnação da reclamação do seu crédito no processo de insolvência; pode o processo de insolvência claudicar e ser encerrado, nos termos do art. 230º ClRE (ficando o autor sem título comprovativo do seu direito perante a Ré); pode não se iniciar a liquidação do património, designadamente por insuficiência de património, etc., ficando o autor sem título comprovativo do seu direito perante o réu da acção. </font>
</p><p><font> 21ª- O acórdão recorrido adoptou ainda um outro argumento, </font><i><font>ex abundante</font></i><font>, e que na 1ª Instância se não considerou, de que deve afirmar-se, </font><i><font>in casu</font></i><font>, a inutilidade superveniente da lide porque "nenhuma menção é feita à insuficiência do património do devedor, como se infere da certidão de sentença de insolvência junta". </font>
</p><p><font> 22ª- Salvo erro é argumento que nada acrescenta à tese que no acórdão recorrido se sufraga. Com efeito, ao que já foi dito acresce que nunca resulta da sentença declaratória da insolvência que o património do insolvente, nessa fase, é suficiente ou insuficiente, circunstância que só mais tarde, quando da apresentação do relatório do administrador, se revelará e estabelecerá - cfr. as alíneas a) a n) do art. 36° e o art. 155° do CIRE. Tanto mais que a massa insolvente, na fase da sentença, é uma realidade dinâmica, e que a empresa insolvente continua o giro comercial, sendo exigido ao administrador que "conserve e frutifique os direitos do insolvente", e que "proveja à continuação da exploração da empresa", o que sucederá até ao encerramento (designadamente por insuficiência da massa: art. 232° nº 1) ou liquidação. </font>
</p><p><font> 23ª- Em resumo, deverá merecer acolhimento, por mais excelente, a tese subjacente ao acórdão-fundamento. </font>
</p><p><font> 24ª- A do douto acórdão recorrido, que confirmou a sentença que declarou a extinção da instância, viola lei substantiva, nomeadamente, os artigos 128°, 3 e 173° do CIRE e, principalmente, o art. 287°, alínea e), do CPC, na medida em que destes artigos não decorre a extinção da instância com o fundamento invocado - impossibilidade/inutilidade superveniente da lide. </font>
</p><p><font> Termos em que deverá a presente revista excepcional ser admitida e julgada procedente e o acórdão recorrido ser revogado, determinando-se a baixa do processo à 1ª Instância para ser proferida sentença de mérito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências. </font>
</p><p><font> Não houve contra-alegações.</font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se a declaração da insolvência de uma entidade implica, ou não, a extinção por inutilidade superveniente da lide, de uma acção declarativa em que é demandada essa mesma entidade, para efeitos de condenação no reconhecimento de um crédito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- As circunstâncias processuais que ditaram a declaração judicial de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide na presente acção, já acima se referiram. Recorde-se que face à junção aos autos da dita certidão da qual constava ter a R. sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, o Mº Juiz de 1ª instância considerou que a acção não podia prosseguir os seus termos, entendendo pelas razões indicadas na decisão, que existia inutilidade superveniente da lide, tendo julgado extinta a instância.</font>
</p><p><font> O douto acórdão recorrido confirmou esta posição tendo concluído que “</font><i><font>não decorrendo a extinção das acções declarativas pendentes, directamente do disposto em matéria de efeitos da insolvência, nomeadamente do disposto no art.º 128º, nº 3, e 172º do CIRE, terá não obstante de considerar-se que dessas mesmas disposições, conjugadas ainda com o que se preceitua no art.º 90º do CIRE, e salvo situações específicas, o prosseguimento das acções declarativas em que se peticiona o reconhecimento de créditos sobre o devedor se revela inútil, devendo entender-se que sobreveio inutilidade da lide nos termos previstos no art.º 287º, nº1, alínea e), do CPC.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Através da argumentação acima referida nas conclusões de recurso acima transcritas, a recorrente discorda desta posição, assumindo a posição de que a declaração de insolvência não deve determinar, só por si, a impossibilidade/inutilidade das acções declarativas pendentes.</font>
</p><p><font> Vejamos:</font>
</p><p><font> Estabelece o art. 287º nº 1 al. e) do C.P.Civil que a instância extingue-se por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Como é reconhecido pela doutrina, estes casos de extinção da instância ocorrem quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>. Daqui resulta que somente em caso de inutilidade patente e absoluta da acção, é que deve ser declarada a sua extinção.</font>
</p><p><font> Como ponto prévio haverá desde logo a sublinhar que não decorre directamente de qualquer disposição do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – Dec-Lei 53/2004)</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, a obrigatoriedade de declaração da inutilidade superveniente da lide em relação às acções declarativas pendentes em que seja demandada a entidade declarada insolvente</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font> No caso concreto, estamos perante uma acção declarativa de condenação (art. 4º, n.º 2, al. b), do C.P.Civil), intentada contra a R. devedora, entretanto declarada insolvente.</font>
</p><p><font> Por isso teremos que determinar quais os efeitos da declaração de insolvência, em relação a uma acção declarativa, decorrentes da aplicação dos dispositivos do CIRE (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) e como se devem compaginar esses efeitos perante as regras adjectivas gerais.</font>
</p><p><font> Resulta do art. 1º que “</font><i><font>o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Em relação aos efeitos processuais das acções derivados da declaração da insolvência, regem os arts. 85º a 89º. Para o que aqui importa o art. 85º determina que, declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor ou terceiros, devem ser apensadas ao processo de insolvência.</font>
</p><p><font> Por outro lado, a declaração de insolvência, por regra, de harmonia com o estatuído no art. 81º nº 1, priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (que passam a competir ao administrador da insolvência).</font>
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4jKau4YBgYBz1XKvsSHJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA intentou acção declarativa contra “BB – ..., ...”, pedindo que fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia global de 237.607,00€, correspondendo 135.000,00€ a danos patrimoniais e 102.607,00€ a danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.</font>
</p><p><font>Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese:</font>
</p><p><font> Era casada com CC, casamento de que nasceram dois filhos, DD e EE, ambos menores;</font>
</p><p><font> O marido da A. era trabalhador agrícola por conta da Ré e todos viviam na Quinta ..., habitando a “casa do caseiro”;</font>
</p><p><font> Entre as funções que estavam cometidas ao CC, incluía-se a de vigilante da Quinta e da unidade fabril de transformação de bagaço e produtos de origem vinícola, aí existente;</font>
</p><p><font> A “casa do caseiro” fica situada junto à unidade fabril, existindo, entre aquela e esta, apenas um caminho lhes dá acesso, não existindo qualquer delimitação física, separação, resguardo ou barreira entre uma e outra;</font>
</p><p><font> Os menores para entrarem e saírem de casa passavam, necessariamente, junto à unidade fabril e aos silos, para depósito do bagaço, aí existentes, construídos no solo, que têm cerca de 7 metros de profundidade, 6 metros de largura e 10m de comprimento;</font>
</p><p><font> No dia 17/09/2004, pelas 23,30horas, o menor DD desceu pela rampa formada pelo bagaço depositado num dos silos, para recuperar a bola que aí caíra, tendo, devido à concentração de CO2 no interior do silo, caído inanimado no fundo do mesmo, vindo a falecer;</font>
</p><p><font> Dois funcionários da Ré, que nesse momento chegavam ao local para iniciarem o seu turno de trabalho, viram o menor cair inanimado no fundo do silo e de imediato tentaram socorrê-lo, para o que desceram ao fundo do silo, onde um deles ficou caído, inanimado, vindo a falecer, tendo o outro perdido os sentidos;</font>
</p><p><font> O marido da Autora, que se encontrava em casa, acorreu ao local do acidente e desceu ao silo, para tentar salvar o filho, aí caindo também inanimado pela inalação de CO2 e vindo a falecer;</font>
</p><p><font> À data do acidente as aberturas dos silos não dispunham de barreiras de protecção contra quedas e a R. não tinha alertado os seus trabalhadores, nomeadamente, o marido da A., sobre o perigo para a vida que a descida aos silos poderia constituir e nem no local tinha colocado informação ou sinalização de segurança, nem meios de socorro. Não existia no local qualquer sinal de proibição de descer aos silos, nem sinal de perigo pela existência de CO2 nos silos, nem aparelhos de medição, nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação, nem máscaras de respiração autónoma, nem cintos de segurança, que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse;</font>
</p><p><font> A A. e os filhos não foram alertados para os perigos existentes nos silos, desconhecendo, por isso, que a fermentação do bagaço que ali era depositado produzia CO2, gás que, em determinadas concentrações, provoca a morte.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Ré contestou.</font>
</p><p><font>Negou que o marido da Autora exercesse funções de vigilância e alegou que, aquando da ocorrência do acidente, se encontrava a dormir e momentos antes de acontecer o acidente, o menor DD encontrava-se a jogar à bola junto dos silos, tendo o mesmo sido advertido, por empregado da Ré, de que era proibido jogar à bola naquele local, mandando-o para casa, o que o mesmo não acatou. Mais alegou que existia no local a ponte rolante (“grapim”) que permitia retirar do fundo do silo qualquer pessoa ou objecto, podendo ser descido a partir da superfície e apanhar o objecto ou permitir a subida de uma pessoa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Ré requereu a intervenção da seguradora “FF, S.A.”, que foi admitida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citada, a Seguradora apresentou-se a contestar.</font>
</p><p><font>Articulou que contrato de seguro garante a responsabilidade civil de exploração até ao limite máximo de 50.000,00€, deduzido de uma franquia por sinistro, para os danos materiais de 10%, com um mínimo de 50,00€ e máximo de 500,00€. Acrescentou que, a ser o marido da autora trabalhador agrícola por conta da Ré “BB”, não pode o mesmo ser considerado terceiro para efeitos da cobertura da responsabilidade civil, pelo que, o peticionado a título de danos deste terá de soçobrar, por força do artigo 11.º, n.º 1, al. a) das Condições Gerais do Seguro, e que o acidente não foi originado pela exploração normal da actividade segura, mas por um menor desacompanhado, que numa brincadeira desceu a um silo, causando a sua morte e de mais duas pessoas que o tentaram ajudar/salvar, existindo uma omissão do dever de vigilância dos pais do menor/vítima.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>FF, na qualidade de filho e de irmão das vítimas do acidente deduziu incidente de intervenção principal espontânea. Admitido, formulou pedido contra as Rés, pelos montantes e fundamentos coincidentes com os da Autora na petição inicial.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Após completa tramitação da acção, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Autora e o Interveniente EE apelaram, mas a Relação confirmou o sentenciado.</font>
</p><p><font> A Autora e o mesmo Interveniente interpuseram recurso de revista excepcional, que lhes foi admitida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em impugnação da decisão recorrida, argumentam nas conclusões da sua alegação: </font>
</p><p><font>1º - A ré BB, que se dedica à actividade, perigosa, de produção industrial de aguardente vínica a partir do bagaço, não deu cumprimento às normas imperativas que a obrigavam a afixar, nas suas instalações, adequada sinalética de proibição de descer ao fundo dos silos, de perigo de morte, perigo de morte por asfixia por C02, nem tinha no local os meios obrigatórios de salvamento, nomeadamente, máscaras de respiração autónoma para, em caso de emergência, retirar qualquer pessoa do fundo dos silos, normas estas que se destinavam directamente aos seus trabalhadores e indirectamente a todas as pessoas que legitimamente tivessem acesso aos silos. </font>
</p><p><font>2º - A ré BB, que cedeu gratuitamente à autora, seu marido e filhos menores, a habitação num pré-fabricado existente junto dos silos da instalações fabris, onde viveram durante mais de 13 anos, não só não cumpriu aquelas regras como também não informou os seus trabalhadores nem o falecido CC sobre os perigos para a vida que a descida ao fundo dos silos comportava. </font>
</p><p><font>3º - Da matéria de facto provada, resulta que a ré BB não cumpriu as mais elementares regras de informação e de salvamento a que estava obrigada nos termos legais, assim, não tinha alertado os seus trabalhadores, nem CC, sobre os “perigos para a vida" que a descida aos silos poderia constituir (15 da BI), não colocou no local informação ou sinalização de segurança nem meios de socorro (n.º 16 da BI); não existia qualquer sinal de proibição de descer aos silos (n.º 17 da BI); nem existia sinal de perigo pela existência de C02 nos silos nem aparelhos de medição nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação (n.º 18 da BI), nem existiam máscaras de respiração autónoma que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse (n.º 19 da BI) nem existiam cintos de segurança, nem arnês que permitissem socorrer as vítimas no fundo do silo (n.º 20 da BI). </font>
</p><p><font>4º - Ocorrendo as (três) mortes num dos silos devido à inalação do C02 (dióxido de carbono) aí concentrado - silos construídos no solo com 10 metros de comprimento por 6 metros de lado por 7 metros de profundidade, sem qualquer sistema de renovação de ar ou de extracção desse gás - cabia à ré BB alegar e provar, o que não fez, que cumpriu todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, nos termos do disposto no artigo 493º, n.º 2 do Código Civil e 799º nº 1, presumindo-se até que não avisou a autora desses perigos. </font>
</p><p><font>5º - As barreiras de segurança e os demais avisos de informações e sistemas de salvamento contribuiriam, no seu conjunto, para os pais do menor conhecerem os perigos e proibi-lo de descer aos silos e tendo o menor já 13 anos de idade, este já possui maturidade para respeitar às proibições caso elas ali existissem, como depois do acidente foram colocadas. </font>
</p><p><font>6º - A conduta omissiva da ré, ao contrário do decidido, não só não é indiferente para a ocorrência do dano - três mortes - como é agravada pelo facto de, no seu próprio interesse, ter cedido a habitação à autora e sua família, nesta incluindo os dois menores, junto aos silos e nada ter feito para informar e prevenir do perigo de morte que a descida aos silos comportava. </font>
</p><p><font>7º - O Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação aos factos do disposto nos artigos 491º, 486º, 493º, n.º 2, 483º designadamente na parte em que se refere à violação de “qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios", e 799º n.º 1 todos do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Recorrida Massa Insolvente de “BB, ...” respondeu, em defesa do julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2. - No acórdão da Formação que admitiu o recurso a </font><b><font>questão</font></b><font> a apreciar e decidir ficou enunciada e definida como sendo a de “</font><i><font>determinar a existência ou não de um nexo de causalidade adequada entre a inobservância de regras de sinalização, informação e salvamento, conjugadas com a falta de colocação de barreiras de proteção, se quando, estando em causa o exercício de uma atividade perigosa, a inobservância de tais regras pela entidade empregadora a elas sujeita possa eventualmente ter contribuído para um sinistro que vitime pessoa ou pessoas que legitimamente se encontrassem no local, inclusive, no caso concreto, por habitarem a casa do caseiro existente próximo dos silos referidos, e em relação às quais não se possa considerar o mesmo como um acidente laboral</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>3. - Vem definitivamente fixado o </font><b><font>quadro</font></b><font> </font><b><font>factual</font></b><font> que segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1) AA casou catolicamente com CC, em … de Agosto de 19… - </font><i><font>al. A) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>2) Tal casamento foi dissolvido por óbito de CC em … de Setembro de 20…. - </font><i><font>al. B) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>3) DD nascido a … de Novembro de 19… e falecido em … de Setembro de 20… era filho de AA e de CC. - </font><i><font>al. C) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>4) FF nascido a … de Novembro de 19… é filho de AA e de CC. - </font><i><font>al. D) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>5) CC era trabalhador agrícola por conta da ré BB e nessa qualidade tratava das vinhas e exercia de forma remunerada as demais funções agrícolas que lhe fossem ordenadas pela Ré “BB, CRL”. - </font><i><font>al. E) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>6) CC, residia, dia e noite e durante todo o ano, na Quinta .... - </font><i><font>al. F) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>7) A ré BB, entre outras, tem por actividade a transformação de bagaço e produtos de origem vinícola nas suas instalações fabris da Quinta do …. - </font><i><font>al. G) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>8) Em 17 de Setembro de 2004, pelas 23 horas 30 m, ocorreu “um acidente” nas instalações fabris da ré na Quinta …, do qual resultou a morte de CC, DD e GG. - </font><i><font>al. H) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>9) No local onde ocorreu o acidente, procede-se à armazenagem de bagaço em silos construídos no solo, os quais têm cerca de 7,0 metros de profundidade, 6,0 metros de largura e 10,0 metros de comprimento. - </font><i><font>al. I) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>10) No referido dia 17 de Setembro, o menor DD, que se encontrava nas imediações dos silos, desceu pela rampa de bagaço de um dos silos que se encontrava aproximadamente com um quarto do seu volume ocupado, para recuperar a bola que aí caíra. - </font><i><font>al. J) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>11) O menor DD desceu pelo seu pé ao interior do silo. - </font><i><font>al. K) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>12) Devido à concentração de CO2 no silo, o menor acabou por cair inanimado no fundo do mesmo. - </font><i><font>al. L) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>13) É então, que os funcionários da Ré, GG e HH, que nesse momento chegavam ao local para iniciarem o seu turno de trabalho pelas 24 horas, viram o menor cair inanimado no fundo do silo e de imediato tentaram socorrê-lo. - </font><i><font>al. M) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>14) GG e HH ao descerem ao fundo do silo, sentiram-se com dificuldades em respirar e tentaram sair. - </font><i><font>al. N) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>15) HH conseguiu aproximar-se da parte superior do silo, apesar de ter perdido os sentidos e GG acabou por cair inanimado no fundo do silo, onde também veio a falecer. - </font><i><font>al. O) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>16) CC que se encontrava em casa, acorreu ao local do acidente e desceu também ao silo para tentar salvar o filho, aí caindo também inanimado pela inalação de CO2. - </font><i><font>al. P) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>17) No Tribunal de Trabalho de Lamego correu termos o processo 454/04.6TTLMG, na qual era A. AA, por si e em representação do seu filho EE e Rés a “BB, CRL” e “II, S.A.” e no qual foi proferida sentença, em 1 de Fevereiro de 2008, a qual foi julgada improcedente e as aqui rés foram absolvidas do pedido. - </font><i><font>al. Q) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>18) No Tribunal Judicial de Armamar correu termos o processo de inquérito n.º 71/04.0GAAMM, que foi arquivado pelo Ministério Público por despacho de 27.06.2007. - </font><i><font>al. R) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>19) A Ré “BB, CRL” e a Ré “II, S.A.” celebraram um acordo escrito denominado de “</font><i><font>JJ – …</font></i><font>” titulado pela apólice n.º ..., o qual se encontrava em vigor em 17 de Setembro de 2004. - </font><i><font>al. S) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>20) Do acordo escrito referido em 19) consta para além do mais, nas condições gerais, que:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Artigo 2º - OBJECTO DO CONTRATO</font></i>
</p><p><i><font>1. O presente contrato garante, nos termos estabelecidos nas respectivas coberturas, as indemnizações devidas por:</font></i>
</p><p><i><font>a) Danos directamente causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares e destinados exclusivamente à actividade do Segurado.</font></i>
</p><p><i><font>b) Responsabilidade Civil do Segurado, emergente da actividade segura, objecto do presente contrato. 2. Mediante convenção expressa nas Condições Especiais, poderão ser objecto do presente contrato outros valores e/ou custos declarados nas Condições Particulares.</font></i>
</p><p><i><font>“Artigo 3º - COBERTURA BASE</font></i>
</p><p><i><font>A cobertura de base do presente contrato garante o ressarcimento dos prejuízos em consequência directa de:</font></i>
</p><p><i><font>(...) 11. Responsabilidade Civil Exploração.</font></i>
</p><p><i><font>“Artigo 5º - COBERTURA BASE</font></i>
</p><p><i><font>11. Responsabilidade Civil Exploração</font></i>
</p><p><i><font>11.1 Garantindo o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado com fundamento em Responsabilidade Civil Extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, ocorridos e reclamados na vigência do Contrato e decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos em Portugal Continental e regiões autónomas dos Açores e Madeira, quando originadas pela exploração normal da actividade segura e até ao limite máximo fixado nas Condições Particulares.</font></i>
</p><p><i><font>Não serão considerados terceiros, para efeitos desta cobertura:</font></i>
</p><p><i><font>a) O Tomador de Seguro, Segurado, os cônjuges ou pessoa que viva em união de facto com o Segurado, os parentes ou afins do Segurado e/ou do causador do sinistro, até ao segundo grau, bem como os sócios, gerentes ou legais representantes;</font></i>
</p><p><i><font>b) os trabalhadores ou mandatários do Segurado, quando ao serviço do mesmo ou quando os danos resultem de acidente enquadrável na Legislação sobre Acidentes de Trabalho ou Doença Profissional;</font></i>
</p><p><i><font>Fica convencionado que se entende por sinistros os eventos súbitos e imprevistos, exteriores às vítimas ou coisas danificadas, que ocasionem a responsabilidade civil extracontratual do Segurado, tenham uma mesma causa e sejam consequência de uma acção ou omissão, qualquer que seja o número de lesados e as características dos danos provocados.</font></i>
</p><p><i><font>11.2 Para além das Exclusões previstas no Artigo 6º, consideram-se excluídos desta cobertura:</font></i>
</p><p><i><font>al. n) decorrentes de falta de cumprimento das disposições legais ou regulamentares respeitantes à conservação de edifícios e suas instalações;</font></i>
</p><p><i><font>al. o) causados por instalações precárias ou que não obedeçam aos requisitos legais ou regulamentares respeitantes à montagem, instalação ou segurança.</font></i><font>” - </font><i><font>al. T) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>21) Nas condições particulares do acordo escrito referido em 19) consta, para além do mais, que pela “</font><i><font>Responsabilidade civil de exploração</font></i><font>”, o limite da indemnização se fixa em 25% do capital seguro, sendo no máximo € 50.000,00 e com franquia de 10%, sendo mínimo € 50,00 e o máximo € 500,00. - </font><i><font>al. U) dos factos assentes.</font></i>
</p><p><font>22) CC vivia com a autora e os filhos DD e EE, na Quinta ..., habitando a “casa do caseiro”. - </font><i><font>resposta ao ponto 1) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>23) A casa aludida em 22) foi atribuída a CC pela KK, sendo que a R. BB sucedeu àquele entidade, tendo-lhe comprado a “Quinta ...” e passando CC a trabalhar por conta desta R. </font><i><font>- resposta ao ponto 2) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>24) A casa aludida em 22) é um pré-fabricado. - </font><i><font>resposta ao ponto 3) da base Instrutória.</font></i>
</p><p><font>25) A casa aludida em 22) fica situada junto à unidade fabril. - </font><i><font>resposta ao ponto 4) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>26) Entre a casa referida em 22) e a unidade fabril existe uma estrada com um largo que dá acesso às duas “construções”. - </font><i><font>resposta ao ponto 5) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>27) Não existe qualquer delimitação física, resguardo ou barreira entre a casa referida no ponto 24) e a unidade fabril. - </font><i><font>resposta ao ponto 6) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>28) CC dispunha de telefone na casa indicada no ponto 22) que lhe foi atribuído quando foi contratado nas circunstâncias descritas no ponto 23). - </font><i><font>resposta ao ponto 10) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>29) Em 17 de Setembro de 2004, as aberturas dos silos não dispunham de barreiras de protecção contra quedas. - </font><i><font>resposta ao ponto 12) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>30) E as que actualmente possui têm de ser retiradas sempre que e para possibilitar a descarga do bagaço, o que ocorre em permanência durante o dia, sendo que durante a noite se procede ao acondicionamento do bagaço através de uma máquina de ponte rolante, comandada do exterior dos silos, sendo que tal sucede durante o período de campanha que decorre de Agosto a Outubro de cada ano. - </font><i><font>resposta aos pontos 13) e 14) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>31) Aquando da ocorrência do acidente ré BB não tinha afixada informação ou sinalização de perigo e proibição mencionados nos pontos 32) e 33), nem dispunha dos meios aludidos nos pontos 34) e 35). - </font><i><font>resposta ao ponto 16) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>32) E não existia qualquer sinal de proibição de descer aos silos. - </font><i><font>resposta ao ponto 17) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>33) Nem existia sinal de perigo pela existência de CO2 nos silos nem aparelhos de medição nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação. - </font><i><font>resposta ao ponto 18) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>34) Não existiam máscaras de respiração autónoma que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse. - </font><i><font>resposta ao ponto 19) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>35) Não existiam cintos de segurança, nem arnês que permitissem socorrer as vítimas no fundo dos silos. - </font><i><font>resposta ao ponto 20) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>36) A autora AA permanecia na casa do caseiro, ficando com a guarda dos filhos DD e EE. - </font><i><font>resposta ao ponto 22) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>37) No dia 17 de Setembro de 2004, no momento em que ocorreu o descrito em 8) a 16) não havia qualquer camião a entrar ou a sair da fábrica ou a descarregar. - </font><i><font>resposta ao ponto 27) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>38) A R. sabia que na casa aludida em 22) viviam dois menores. - </font><i><font>resposta ao ponto 28) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>39) A R. só após os factos ocorridos em 17 de Setembro de 2004 é que colocou as barreiras de protecção nos silos, colocou sinais de perigo e comprou as máscaras de salvamento. - </font><i><font>resposta ao ponto 29) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>40) CC e AA constituíam um casal jovem, harmonioso e feliz na companhia dos seus dois filhos. - </font><i><font>resposta ao ponto 32) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>41) Entre o casal reinava a harmonia e o bom entendimento. - </font><i><font>resposta ao ponto 33) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>42) A A. AA e EE sofreram e continuam a sofrer com a perda dolorosa e simultânea de CC e de DD. - </font><i><font>resposta ao ponto 34) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>43) AA e EE ainda choram a morte de CC e de DD. - </font><i><font>resposta ao ponto 35) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>44) AA e EE padeceram de grande sofrimento, desgosto, tristeza e um forte abalo psíquico com a morte de CC e DD. - </font><i><font>resposta ao ponto 36) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>45) AA e EE sentem a falta de CC e de DD. - </font><i><font>resposta ao ponto 37) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>46) CC amava AA e os filhos DD e EE, a quem dedicava a maior parte dos tempos livres. - </font><i><font>resposta ao ponto 38) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>47) Gostava de passar os fins-de-semana com a família, sua mulher AA e os dois filhos casal. - </font><i><font>resposta ao ponto 39) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>48) Era um pai carinhoso, meigo e dedicado à esposa e aos filhos com quem gostava de estar. - </font><i><font>resposta ao ponto 40) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>49) CC era uma pessoa saudável, dinâmica e cheia de alegria de viver. – </font><i><font>resposta ao ponto 41) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>50) Era uma pessoa muito estimada e respeitada quer nas relações com os seus colegas quer com todas as pessoas conhecidas. - </font><i><font>resposta ao ponto 42) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>51) CC era um profissional dedicado e competente nas suas funções. - </font><i><font>resposta ao ponto 43) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>52) CC recebia a remuneração mensal de €505,62 de salário base, mais €3,03, 22 dias por mês, onze meses por ano, de subsídio de alimentação. - </font><i><font>resposta ao ponto 44) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>53) AA ficou só e com o encargo de cuidar e educar o filho EE. - </font><i><font>resposta ao ponto 45) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>54) O salário de CC era a única fonte de rendimentos do agregado familiar, sendo o mesmo aplicado nas despesas do agregado. - </font><i><font>resposta ao ponto 46) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>55) A autora ficou sozinha a cuidar e a apoiar o seu filho EE, não conseguindo arranjar emprego. - </font><i><font>resposta ao ponto 47) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>56) DD momentos antes do referido em 10) encontrava-se a jogar à bola junto dos silos. - </font><i><font>resposta ao ponto 48) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>57) LL que ali se encontrava a trabalhar, advertira DD de que era proibido jogar à bola naquele local, mandando-o para casa. - </font><i><font>resposta ao ponto 49) da base Instrutória.</font></i>
</p><p><font>58) Aquando do referido nos pontos 10) a 15) CC encontrava-se em casa, sendo esta a mencionada no ponto 22). - </font><i><font>resposta ao ponto 50) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>59) Nos meses de Agosto a Outubro os portões e as barreiras têm de ser retiradas para recolha do bagaço. - </font><i><font>resposta ao ponto 51) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>60) Em 17 de Setembro de 2004, existia no local a ponte rolante (“grapim”) que permitia retirar do fundo do silo qualquer objecto e ser utilizada na retirada de pessoas, sendo que neste último caso, se a pessoa estiver inanimada e não houver auxilio de uma pessoa a colocar o corpo em posição de poder ser “agarrado”, existe o risco de as pontas do “grapim” poderem perfurar o corpo. - </font><i><font>resposta ao ponto 52) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>61) O objecto referido em 60) pode ser descido a partir da superfície e apanhar o objecto ou permitir a subida de uma pessoa, sendo que neste último caso, se a pessoa estiver inanimada e não houver auxilio de uma pessoa a colocar o corpo em posição de poder ser “agarrado”, existe o risco de as pontas do “grapim” poderem perfurar o corpo. - </font><i><font>resposta ao ponto 53) da base instrutória.</font></i>
</p><p><font>62) A ré BB não tinha alertado os seus trabalhadores, nem CC, sobre os “perigos para a vida” que a descida aos silos poderia constituir. – </font><i><font>resp. ao ponto 15), aditada pelo Tribunal da Relação</font></i><font>. </font>
</p><p><font> 4. 1. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - As Instâncias negaram a atribuição das reclamadas indemnizações com fundamento na inexistência de nexo de causalidade adequada entre a inobservância das regras de informação, segurança e socorro por parte da “BB” e a ocorrência do acidente de que resultou a morte das vítimas.</font>
</p><p><font> Considerou-se, no acórdão impugnado, que embora, em abstracto, a omissão seja apta a produzir o resultado, em face das circunstâncias concretas, a conduta omissiva da Ré mostra-se indiferente para a produção do dano, que ocorreu devido a circunstâncias anómalas ou extraordinárias que aumentaram o risco da sua verificação e que, dada a imprevisibilidade da conduta da vítima, não podem ter-se como passíveis de serem conhecidas ou cognoscíveis da “BB”.</font>
</p><p><font>Mais concretamente, e transcrevendo o trecho do aresto, escreveu-se: “... Se é certo que a violação das regras de segurança se apresenta como apta a provocar a morte de alguém que inalasse CO2 acumulado no fundo do silo, já a descida ao silo teria de resultar direta ou indiretamente da violação das ditas regras, para que se pudesse estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a omissão e o dano. </font>
</p><p><font>Sucede que as regras de segurança consistente na colocação de barreiras, sinalização, meios de socorro, etc., visam prevenir os riscos profissionais e a ocorrência de acidentes de trabalho. Assim, estarão cobertos atos decorrentes de descuido, de distração ou outra situação imprevista, por parte de trabalhadores ou de terceiros que, no âmbito da atividade laboral desenvolvida, entrem em contato com as instalações referidas.</font>
</p><p><font>Porém, não foi o que sucedeu no caso concreto, já que resultou provado que o menor DD entrou pelo seu próprio pé no silo e fê-lo por uma razão totalmente alheia às atividades acima mencionadas. Tratou-se de um ato voluntário do menor – recolher uma bola – que caiu no silo quando o menor se encontrava a jogar no local, totalmente desconexionado com atividade em curso, imprevisto e imprudente, tanto mais que tinha acabado de ser advertido que era proibido jogar à bola naquele local (cfr. ponto 57) dos factos provados).</font>
</p><p><font>Por outro lado, também a entrada no silo por parte do pai do menor está igualmente desconexionada com a atividade em curso e com a omissão das referidas regras de segurança, já que é um ato de heroísmo, de socorro do próprio filho.</font>
</p><p><font>A desconexão apontada vista na perspetiva da chamada teoria do escopo da norma jurídica – que procura determinar os danos resultantes de determinado comportamento em função do objetivo ínsito na norma jurídica violada – bastaria para se concluir pela inexistência de nexo de causalidade adequada entre a omissão e o dano, por o objetivo ou função das normas violadas sobre segurança no trabalho não terem como escopo evitar condutas como as ocorridas”.</font>
</p><p><font> Assim, concluiu-se, não se verificaria a concorrência de processos causais, radicando a causa do dano na acção das vítimas e, consequentemente, afastada estaria a obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O objecto deste recurso encontra-se centrado, como já dito, na questão de “</font><i><font>determinar a existência ou não de um nexo de causalidade adequada entre a inobservância de regras de sinalização, informação e salvamento, conjugadas com a falta de colocação de barreiras de proteção, quando, estando em causa o exercício de uma atividade perigosa, a inobservância de tais regras pela entidade empregadora a elas sujeita possa eventualmente ter contribuído para um sinistro que vitime pessoa ou pessoas que legitimamente se encontrassem no local, inclusive, no caso concreto, por habitarem a casa do caseiro existente próximo dos silos referidos, e em relação às quais não se possa considerar o mesmo como um acidente laboral</font></i><font>”. </font>
</p><p><font> 4. 2. - Assim delineado o </font><i><font>thema decidendum</font></i><font>, importa, portanto, apreciar e tomar posição sobre se entre a conduta da Ré “BB”, na medida em que integre acto ilícito, e a verificação do acidente que resultou na morte de DD e CC concorre, como requisito da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, o necessário nexo causal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A acção foi intentada ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e também a coberto das respectivas normas foi proferida a decisão impugnada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Irrelevam, portanto, ao menos directamente, ou seja, para efeitos de consideração de obrigações específicas da responsabilidade contratual, as relações existentes entre a Ré “BB” e as vítimas, enquanto empregadora do pai e cedente da casa, na Quinta, em que ambas habitavam. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Necessário, então, o concurso dos requisitos enunciados no art. 483º--1 C. Civil: - facto ilícito, culpa, dano e nexo | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5DKou4YBgYBz1XKvHCjq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font><b><font>1. </font></b><font>AA e, por intervenção principal provocada, BB, em acção declarativa ordinária proposta em 13-6-2006 contra CC deduziram os seguintes pedidos:</font>
</p><p><font> - Que seja a ré removida do cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai dos AA e marido da ré, DD falecido em 28-1-1999.</font>
</p><p><font> - Que seja nomeado cabeça-de-casal da herança aberta por óbito daquele DD a filha mais velha, BB.</font>
</p><p><font> - Que seja reconhecido que a ré perdeu o direito aos bens sonegados identificados no artigo 26.º da petição inicial (imóvel, depósito bancário e veículo automóvel) em benefício dos demais herdeiros daquele DD.</font>
</p><p><font> - Que seja a ré condenada a restituir à herança todos os bens sonegados melhor identificados no artigo 26.º da petição inicial.</font>
</p><p><font> - Que seja a ré condenada a indemnizar aquela herança com o valor das utilidades e faculdades que aqueles bens propiciam e de que a mesma usufrui em exclusividade desde a data da abertura da referida herança até efectiva restituição dos mesmos, a ser liquidada em execução de sentença.</font>
</p><p><font> </font><b><font>2. </font></b><font>Alegaram que DD faleceu no estado de casado em separação de bens com a ré que passou a viver com o marido no imóvel referenciado nos autos desde o casamento de ambos ocorrido em 2-12-1993.</font>
</p><p><font> </font><b><font>3. </font></b><font>No dia 23-6-1996 o falecido DD outorgou escritura de compra e venda desse imóvel sendo compradora EE, filha da ré que outorgou na escritura autorizando o marido a alienar a casa de morada de família, compra e venda que veio a ser julgada nula por simulação.</font>
</p><p><font> </font><b><font>4. </font></b><font>No julgamento da causa a ré em depoimento pessoal procurou obstar à prova da simulação declarando que emprestou dinheiro à filha para o pagamento do imóvel, mais declarando que sabia que a filha tinha pago o imóvel em prestações, contribuindo, assim, para sonegar o imóvel à herança.</font>
</p><p><font> </font><b><font>5. </font></b><font>No depoimento pessoal prestado afirmou que “ não informou os filhos de DD da existência de quaisquer bens por não existirem” e que “ o automóvel existia quando o DD faleceu e registado em nome da depoente foi adquirido com economias de ambos” e que “ tinham conta comum na Caixa Geral de Depósitos”.</font>
</p><p><font> </font><b><font>6. </font></b><font>Após o falecimento de DD a filha e genro da ré passaram a residir no mencionado imóvel a titulo gratuito.</font>
</p><p><font> </font><b><font>7. </font></b><font>A ré contestou alegando, em síntese, que as declarações prestadas em depoimento de parte não foram tidas por confessórias, não constituem confissão de qualquer facto que estivesse em discussão nos autos ou que a ré tivesse anteriormente negado, nunca teve qualquer conversa com o autor sobre a partilha dos bens, sempre tem mantido a residência no imóvel nele habitando com a sua filha, não ocultou dolosamente a existência de bens chamados a relacionar nem ocultou a sua existência na herança, nunca foi chamada para, na qualidade de herdeira ou de cabeça-de-casal relacionar ou apresentar bens; o autor, aliás, conhece a existência dos bens, sinal de que não foram ocultados, não foi ela quem tomou a decisão de alienar o imóvel, limitando-se a dar o seu consentimento à outorga da escritura, o seu convencimento de que o imóvel não integrava o património do falecido marido não a faz incorrer na pena prevista para a sonegação, só no inventário pode ocorrer a sonegação.</font>
</p><p><font> </font><b><font>8. </font></b><font>Face às despesas realizadas no imóvel, e para a hipótese de se entender que o processo é o próprio e de ser julgada procedente a acção, deduziu , em reconvenção, os seguintes pedidos:</font>
</p><p><font> - De condenação dos reconvindos, em representação da herança, a pagar à ré reconvinte a quantia de 20.459,30€, sendo 15.585,05€ relativa ao pagamento de empréstimo a favor do marido tendo em vista o pagamento de tornas a favor dos AA no âmbito de inventário instaurado por morte da mãe dos autores com quem DD foi casado.</font>
</p><p><font> - De condenação dos reconvindos sobre o capital em dívida, de 16.369,95€, ou outra quantia que, em seu lugar, seja apurada, de juros de mora vincendos à taxa legal em vigor em cada momento.</font>
</p><p><font> </font><b><font>9. </font></b><font>Foi proferida decisão em que a ré foi absolvida da instância por se ter considerado que houve erro na forma do processo por se entender que o pedido de remoção do cabeça-de-casal constitui incidente do processo de inventário, decisão revogada pelo acórdão da Relação do Porto de 11-2-2008 onde se considerou que é adequado para o pedido deduzido o meio processual comum utilizado pelo autor.</font>
</p><p><font> </font><b><font>10. </font></b><font>Prosseguindo a acção, foi julgada procedente nos seguintes termos:</font>
</p><p><font> - Removeu-se a ré CC do cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de DD.</font>
</p><p><font> - Nomeou-se cabeça-de-casal da mesma herança aberta por óbito daquele DD a filha mais velha do mesmo, BB.</font>
</p><p><font> - Declarou-se que a ré CC perdeu o direito aos bens sonegados identificados no item 11 dos factos provados em benefício dos demais herdeiros daquele DD.</font>
</p><p><font> - Condenou-se a ré CC a restituir à herança todos os bens sonegados melhor identificados no item 11 dos factos provados.</font>
</p><p><font> - Condenou-se a ré CC a indemnizar aquela herança com o valor das utilidades e faculdades que aqueles bens propiciam e de que a mesma usufrui em exclusividade desde a data da abertura da referida herança até efectiva restituição dos mesmos, a liquidar em momento ulterior</font>
</p><p><font> - Julgou-se improcedente, por não provada, a reconvenção formulada pela ré CC contra os demais herdeiros da herança dos autos, designadamente contra o autor AA e contra a chamada BB, absolvendo-os da totalidade dos pedidos contra si formulados.</font>
</p><p><font> </font><b><font>11. </font></b><font>Interposto recurso pela ré, o Tribunal da Relação, alterando a matéria de facto, revogou a sentença recorrida na parte em que considera procedente a acção e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos contra ela formulados, confirmando-se a sentença na parte respeitante à decisão sobre o pedido reconvencional.</font>
</p><p><font> </font><b><font>12. </font></b><font>Recorrem os autores, de revista, para o Supremo Tribunal, assim concluindo a minuta:</font>
</p><p><font> - Os factos considerados provados e assentes nos autos consubstanciam sonegação de bens da herança por parte da ré recorrida que desempenha as funções de cabeça-de-casal da mesma herança.</font>
</p><p><font> - Sonegação essa feita em benefício daquela mesma sua filha que outorgou a escritura de compra e venda simulada, anulada judicialmente no P. 2384/1999 do Tribunal Judicial da Maia.</font>
</p><p><font> - Tal sonegação ocorreu com dolo já que, com intenção da ré/recorrida, em prejudicar o autor e sua irmã, herdeiros da herança, proprietária do referido prédio.</font>
</p><p><font> - Em face da lei, perdeu a ré/recorrida o direito aos bens sonegados em benefício dos demais herdeiros daquele DD.</font>
</p><p><font> - Já que apenas com o trânsito da sentença que anulou a escritura de compra e venda simulada proferida pelo TJ da Maia no P. n.º 2384/1999 ficou assente que o prédio em questão pertencia à herança daquele DD</font>
</p><p><font> - Não se encontra alegado nem provado que os familiares que a ré/recorrida autorizou e autoriza a residir no prédio da herança e a utilizar os bens móveis existentes no mesmo, beneficiem da qualidade de família a que alude o artigo 1487.º do Código Civil que pode residir conjuntamente com o titular de qualquer direito de habitação.</font>
</p><p><font> - A ré/recorrida alegou expressamente que desde a morte daquele DD (28-1-1999) até à sentença de anulação da escritura simulada (13-9-2004) habitou o prédio controvertido nos autos ‘porque a sua filha EE a tal autorizou’ não tendo invocado qualquer razão ou fundamento. </font>
</p><p><font> - Pelo que terá que se concluir que tal não ocorreu por aí ter instalada a sua casa de morada de família.</font>
</p><p><font> - Aliás nem sequer se encontra alegado/provado que a ré/recorrida residiu no aludido prédio, tendo em conta qualquer atribuição preferencial em partilha do direito de habitação.</font>
</p><p><font> - Encontrando-se indiciado nos autos que aquela filha da ré/recorrida passou a residir no prédio em questão por morte daquele DD, e nada mais se encontrando provado nos autos, ter-se-á que considerar que a mesma passou a residir e a ocupar a morada e residência que era ocupada por aquele DD, até porque documentalmente esta era a titular do direito de propriedade do prédio em questão.</font>
</p><p><font> - Não tendo a ré/recorrida alegado e provado que passou a residir no prédio controvertido nos autos após a morte daquele DD, no exercício do seu direito próprio e pessoal de habitar a ‘ casa de morada de família’ e alegando a mesma que tal ocorreu apenas por autorização da sua filha Fernanda pelo prazo superior a um ano, caducou o seu direito, nos termos do artigo 2103.º-A,n.º2 do Código Civil.</font>
</p><p><font> - Pelo que deverá ser destituída de cabeça-de-casal daquela herança e condenada a restituir à mesma herança todos os bens sonegados e a indemnizar a mesma nos termos fixados na sentença proferida na 1ª instância</font>
</p><p><font> - O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 253.º, 1487.º, 2079.º, 2080.º,n.º1, alínea a), 2087.º,n.º1, 2088.º,n.º1, 2096.º,n.º 1 e 2, 2103.º-A,n.ºs 1 e 2 do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font><b><font>13. </font></b><font>Factos provados:</font>
</p><p><font> 1) DD faleceu, em 28/01/1999, no estado de casado, em segundas núpcias de ambos, com a Ré, no regime de separação de bens (alínea A). </font>
</p><p><font>2) O falecido DD deixou como únicos herdeiros os autores, seus filhos, e a ré, sua esposa (alínea B). </font>
</p><p><font> 3) O falecido DD não deixou testamento (alínea C). </font>
</p><p><font> 4) O falecido DD era proprietário do prédio urbano destinado a habitação, composto por edifício de ......, dois anexos, garagem e logradouro, sito na T......., nº ..., Águas Santas, Maia, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº 00000, da freguesia de Águas Santas, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 4194, com o valor patrimonial de Esc. 3.547.525$00 (alínea D). </font>
</p><p><font> 5) O falecido DD adquiriu o referido prédio em virtude de lhe ter sido adjudicado, pelo valor de Esc. 21.000.000$00, no processo de Inventário Facultativo que correu termos sob o nº 00000, na 2ª Secção, do 3º Juízo Cível do Porto, por óbito da mãe do Autor, FF, ocorrido em 01/02/1981 (alínea E). </font>
</p><p><font> 6) Desde 1981, o falecido DD sempre viveu neste prédio (alínea F). </font>
</p><p><font> 7) O falecido DD e a ré casaram em 02/12/1993, passando esta, a partir dessa data, a residir no mencionado prédio (alínea G). </font>
</p><p><font> 8) Após o falecimento de DD, a ré continuou e continua a residir no referido prédio (alínea H). </font>
</p><p><font> 9) Em 23/06/1996, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial da Maia, o falecido DD, com conhecimento e autorização prestada em tal acto pela ré, declarou vender a EE, filha da ré, o prédio urbano acima identificado (alínea I). </font>
</p><p><font> 10) O negócio de compra e venda titulado pela referida escritura pública foi declarado nulo, por simulação, através de decisão, transitada em julgado, proferida no Processo nº 2384/1999, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, nos termos constantes de fls. 18 a 31 destes autos, tendo a agora ré prestado depoimento de parte com as afirmações reproduzidas a escrito de fls. 30 e 31 destes autos, cujo teor aqui se reproduz (alínea J). </font>
</p><p><font> 11) Os bens que integram a herança do falecido DD são: o prédio urbano atrás identificado; os bens móveis, identificados sob as verbas nº 3 a 6 e 11 a 20, da descrição de bens junta a fls. 22 e 23 dos autos; um veículo automóvel e uma conta comum do falecido e da ré na "Caixa Geral de Depósitos" (alínea L). </font>
</p><p><font> 12) Após o falecimento do seu pai, o autor dirigiu- -se à Ré e solicitou-lhe informação sobre os bens que compunham o acervo da herança (Item 1º). </font>
</p><p><font> 13) Respondendo-lhe esta que o falecido DD não possuía quaisquer bens, que "não havia nada a partilhar" (Item 2º). </font>
</p><p><font> 14) A ré autorizou que outros seus familiares ocupem o mencionado prédio urbano e utilizem os bens móveis aí existentes, a título gratuito, contra a vontade dos autores (Item 3º). </font>
</p><p><font> 15) Se o imóvel fosse arrendado propiciaria um rendimento mensal de pelo menos 300,00€ (trezentos Euros) (Item 4º).</font>
</p><p><font> 15-A) O autor tinha conhecimento da existência da adjudicação ao pai, o falecido DD, do prédio referido nos autos e de que, pelo menos aquando da propositura da acção que com o n.º 000000/1999 correu termos no 1º juízo do Tribunal Judicial da Maia, referida, tinha conhecimento de que a venda de tal prédio, outorgada em escritura pública em 23-6-1996, tinha sido simulada. </font>
</p><p><font> 16) Quando o falecido DD e a ré contraíram casamento, estava pendente o inventário referido em 5) (Item 7º). </font>
</p><p><font>17) -(Item 8º) : eliminado.</font>
</p><p><font> 18) Na pendência do casamento da Ré com o falecido DD, pelo menos este DD procedeu à substituição da alcatifa da sala e dos três quartos de dormir por tijoleira, pagando os respectivos materiais e a mão de obra da sua colocação (Item 11º). </font>
</p><p><font> 19) Pessoa ou pessoas não apuradas mandou/mandaram retirar o papel de parede e executar limpeza e regularização das paredes interiores e sua pintura geral (Item 12º). </font>
</p><p><font> 20) Nestes trabalhos despendeu-se uma quantia de cerca de 4 250,00€ (quatro mil duzentos e cinquenta Euros) (Item 13º). </font>
</p><p><font> 21) Pessoa ou pessoas não apuradas mandou/mandaram executar móveis novos para a cozinha, em fórmica e com tampo, no que despendeu uma quantia de cerca de 700,00€ (Item 14º). </font>
</p><p><font> 22) No anexo pessoa ou pessoas não apuradas mandou/mandaram executar uma cobertura em chapa ondulada de alumínio com suporte de ferro (Item 15º). </font>
</p><p><font> 23) No sótão, assim criado, passou a existir uma área de arrumos (Item 16º). </font>
</p><p><font> 24) Na execução desta cobertura despendeu-se uma quantia de cerca de 2 500,00€ (dois mil e quinhentos Euros) (Item 17º). </font>
</p><p><font> 25) Foi ainda executada uma marquise na qual se despendeu a quantia de pelo menos 350,00€ (trezentos e cinquenta Euros) (Item 18º).</font>
</p><p><font> 26) As obras efectuadas fundiram-se no imóvel já existente, aumentando-lhe valor e tornando mais confortável e prática a habitação (Item 19º). </font>
</p><p><font> 27) O levantamento de tais obras inutiliza as mesmas e causa deterioração no prédio (Item 20º).</font>
</p><p><font> Apreciando:</font>
</p><p><font> </font><b><font>14. </font></b><font>A presente acção é uma acção de sonegados.</font>
</p><p><font> </font><b><font>15. </font></b><font>Os autores pretendem que se reconheça que a ré sonegou bens da herança, incorrendo na pena civil do artigo 2096.º do Código Civil - ou seja, a perda em benefício dos co-herdeiros do direito que possa ter a qualquer dos bens sonegados - sonegação respeitante a três bens, o imóvel que foi casa de morada de família da ré e de seu marido, pai dos AA, a conta bancária conjunta e o automóvel.</font>
</p><p><font> </font><b><font>16. </font></b><font>O Tribunal da Relação, reapreciando a matéria de facto que alterou em parte, considerou, no que respeita à prova do dolo - a sonegação tem de ser dolosa - que os factos não permitem concluir que havia de parte da ré uma tal intenção, pois impunha-se a prova (artigo 342.º do Código Civil) de que a ré, quando interpelada pelo autor sobre os bens que compunham o acervo da herança (12 </font><i><font>supra</font></i><font>) estava ciente de que o autor não tinha conhecimento dos bens a partilhar. Ora tal prova não se fez e, inclusivamente, no que respeita ao imóvel, provou- -se que o autor tinha o conhecimento a que se alude em 15-A </font><i><font>supra.</font></i>
</p><p><font> </font><b><font>17. </font></b><font>Assim, e no plano de facto que cabe ao Tribunal da Relação no que à intenção se refere, referiu o acórdão ainda o seguinte:</font>
</p><p><font> </font><font>A referida circunstância só poderia ter-se como evidenciadora de uma intenção ou desígnio fraudulento por parte da Ré se estivesse demonstrado que o Autor, quando interpelou a Ré, não tinha conhecimento dos bens a partilhar, e de que a Ré estava ciente desse facto. E essa prova incumbia ao Autor, sobre quem recaía o ónus de prova de todos os elementos concernentes ao dolo. Se isso se verificasse ainda se poderia afirmar que com a afirmação feita a Ré estava conscientemente a pretender ocultar bens da herança em detrimento de terceiros. Na ausência de comprovação dessa circunstância nada permite concluir por aquela intenção fraudulenta.</font>
</p><p><font>Deve assim concluir-se que nesta parte merece acolhimento o recurso, devendo concluir-se pela inexistência de elementos de facto suficientes para ter como verificada a sonegação de bens.</font>
</p><p><font> </font><b><font>18. </font></b><font>Nesta acção a sonegação pretende ser reconhecida com base em ocorrências prévias e independentes do processo de inventário; se tivermos em atenção que a sanção civil da sonegação não se reconduz à materialidade da ocultação dolosa da existência de bens alheia a qualquer declaração de vontade, mas pressupõe </font><i><font>obviamente</font></i><font>, nas palavras de Antunes Varela, “ um facto </font><i><font>negativo</font></i><font> ( a omissão de uma </font><i><font>declaração</font></i><font>) cumulado com um </font><i><font>facto jurídico</font></i><font> de carácter positivo ( o </font><i><font>dever</font></i><font> de declarar, por parte do omitente)” (</font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, 1998, Vol VI, pág. 156/157) a dúvida que se suscita é saber se, hoje, deve ou não deve continuar a entender-se que a </font><i><font>declaração de vontade que releva é a que se produziu no âmbito do inventário</font></i><font>. Isto porque a sanção civil que está em causa é violenta e meras declarações produzidas em contextos diversos podem levar a que as acções de sonegados conduzam à aplicação da sanção constante do artigo 2096.º do Código Civil quando, intentado que fosse o inventário e na sequência da acusação da falta de bens relacionados, o cabeça-de-casal ou o herdeiro não deixariam de considerar que tais bens integravam o acervo hereditário.</font>
</p><p><font> </font><b><font>19. </font></b><font>O artigo 1343.ºdo C.P.C. prescrevia o seguinte:</font>
</p><p><font> 1- Há sonegação quando dolosamente se omitam quaisquer bens na relação ou se negue a existência dos bens acusados.</font>
</p><p><font>2- A existência da sonegação é apreciada juntamente com a acusação da falta de bens, nos termos do artigo anterior, podendo a arguição ser feita até à decisão. Provada a sonegação, aplicar-se-á logo no inventário a sanção civil que lhe caiba. Se os elementos existentes no processo não permitirem decisão definitiva, são os interessados remetidos para os meios comuns.</font>
</p><p><font> </font><b><font>20. </font></b><font>De acordo com este preceito cuja redacção é de 1961 e que reproduz praticamente com poucas alterações o texto do C.P.C. de 1939 (artigo 1384.º) </font><i><font>e que não foi alterado com a entrada em vigor do Código Civil de 1966</font></i><font> a sonegação tinha em vista “ a violação intencional da </font><i><font>verdade</font></i><font> na declaração dos bens que constituem a herança” (Antunes Varela, </font><i><font>loc. cit.</font></i><font>, pág. 156).</font>
</p><p><font> </font><b><font>21. </font></b><font>Anteriormente, e enquanto vigorou o Código Civil de 1867 cujo artigo 2079.º não nos definia o que era a sonegação (artigo 2079.º:” pelo facto de sonegar bens da herança, o cabeça de casal perderá, em benefício dos co-herdeiros, o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, e, se não for herdeiro, incorrerá na pena de furto) entendia-se que a sanção civil pressupunha que houvesse inventário, orfanológico ou de maiores.</font>
</p><p><font> </font><b><font>22. </font></b><font>Escrevia Américo de Campos Costa a este propósito:</font>
</p><p><font> </font><font>Observe-se que a sanção civil, prevista no artigo 2079.º, só tem lugar havendo inventário, orfanológico ou de maiores.</font>
</p><p><font>Basta atender à própria colocação do preceito: ele está inserto na Secção III, subordinada à epígrafe “ </font><i><font>Do Inventário</font></i><font>” , e mais especialmente na subsecção I, intitulada </font><i><font>Do cabeça de casal e do arrolamento e descrição de bens</font></i><font>. Além disso, que a sonegação pressupõe a existência do inventário, di-lo claramente o artigo 1384.º do Código de Processo Civil, ao preceituar ‘ que se verifica a sonegação quando houver dolo na falta de descrição de bens ou na existência dos bens acusados’.</font>
</p><p><font>Qual será então a consequência legal de um herdeiro subtrair ou desencaminhar bens da herança, não se tendo instaurado inventário judicial?</font>
</p><p><font>Não rege para aqui o artigo 2079.º do Código Civil, pois, como acabámos de dizer, o artigo supõe a existência de inventário. A solução legal só poderá consistir em fazer responder o herdeiro pelo crime de abuso de confiança ou de furto, consoante estiver ou não na posse da herança, verificando-se, claro está, os demais requisitos de qualquer destas infracções” (</font><i><font>Revista dos Tribunais</font></i><font>, Ano 74.º, 1956, pág. 40/41)</font>
</p><p><font> </font><b><font>23. </font></b><font>Cunha Gonçalves não entendia de modo diverso a sonegação. Escrevia este autor:</font>
</p><p><font> A palavra ‘sonegar’, do latim </font><i><font>sub-negare</font></i><font>, significa ocultar dolosamente os bens alheios que alguém possui e tem o dever de apresentar, ou mencionar na respectiva relação ou descrição, negar a existência desses mesmos bens em seu poder […].A sonegação dos bens tem os elementos seguintes: a) prova de que os bens em questão pertenciam ao inventariado; b) existência desses bens em poder do cabeça-de-casal; c) conhecimento deste acerca da propriedade desses bens; d) omissão destes na descrição feita no inventário, por seu exclusivo arbítrio; e) dolo ou intenção de lesar os co-herdeiros(</font><i><font>Tratado de Direito Civil</font></i><font>, Vol X, 1936, pág. 641).</font>
</p><p><font> </font><b><font>24. </font></b><font>Não se duvida de que, se no inventário não for possível apurar a existência dos bens cuja falta foi acusada, remetendo-se os interessados para os meios comuns ( artigo 1349.º/2 e 1350.º/1 do C.P.C. redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro) pode, na acção de sonegados, pedir-se a condenação na pena civil.</font>
</p><p><font> </font><b><font>25. </font></b><font>A questão está em saber se, como se disse, pode ser proposta acção de sonegados com base em declaração proferida pelo herdeiro ou pelo cabeça de casal, considerando, como refere Lopes Cardoso, que o artigo 2096.º/1 do Código Civil se “ reporta à sonegação cometida quer em processo de inventário, quer fora dele, para em relação a ambos estabelecer igual penalidade: a da perda em benefício dos co-herdeiros do direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados”(</font><i><font>Partilhas Judiciais</font></i><font>, Vol I, 1979, pág. 555) e admitindo-se, por conseguinte, que “ não havendo processo de inventário, terá de recorrer-se ao processo comum de declaração, seguindo-se a forma que corresponder ao valor da acção” (Capelo de Sousa, </font><i><font>Lições de Direito das Sucessões</font></i><font>, 1993, Vol II, 2º edição, pág. 86), entendimento que também é o do Ac. do S.T.J. de 1-7-2010 (Alberto Sobrinho) C.J.,2, pág. 132).</font>
</p><p><font> </font><b><font>26. </font></b><font>E sendo certo que hoje - veja-se o artigo 1349.º/4 do C.P.C. com a redacção do DL n.º 227/94 assim como o artigo 30.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho) - o conceito de sonegação de bens é unicamente o que nos é dado pelo artigo 2096.º do Código Civil, está afastado, a partir das alterações introduzidas pelo DL n.º 227/94, o texto, acima mencionado, do artigo 1343.º/1.</font>
</p><p><font> </font><b><font>27. </font></b><font>No entanto, porque a ocultação de bens a que alude o artigo 2096.º/1 do Código Civil se manifesta necessariamente numa </font><i><font>omissão de declaração quando haja o dever de a produzir, </font></i><font>é em função do acto que impõe esse dever que cumpre atentar. Admite-se, por exemplo, que a acção de sonegados seja intentada quando, fora do inventário, não seja apresentada a relação de bens perante a entidade tributária após notificação do infractor ( ver artigo 70.º do Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações aprovado pelo Decreto- -Lei n.º 41969, de 24 de Novembro de 1958, hoje revogado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro que procedeu à reforma do património, passando o Código do Imposto do Selo a prescrever no que respeita à liquidação do imposto no caso de transmissões gratuitas que “ não sendo apresentada a participação nos termos dos artigos anteriores, ou contendo a mesma omissões ou inexactidões, e tendo o chefe de finanças conhecimento, por qualquer outro meio, de que se operou uma transmissão de bens a título gratuito, compete-lhe instaurar oficiosamente o processo de liquidação do imposto ( artigo 28.º/2) e que “antes de cumprir o disposto no n.º 2, o chefe de finanças notifica o infractor ou infractores, sob pena de serem havidos por sonegados todos os bens, para efectuar a participação ou suprir as deficiências ou omissões, dentro do prazo por ele estabelecido, não inferior a 10 nem superior a 30 dias. (n.º 3); refere finalmente o artigo 29.º, sob a epígrafe “ sonegação de bens” que “ em caso de suspeita fundada de sonegação de bens, o chefe de finanças competente requer o respectivo arrolamento nos termos dos artigos 141.o e 142.o do Código de Procedimento e de Processo Tributário”</font>
</p><p><font> </font><b><font>28. </font></b><font>Já não nos parece que a pena civil da sonegação se aplique com base nas meras declarações proferidas em contextos em que o cabeça de casal ou o herdeiro se limitam a pronunciar sobre a existência ou não dos bens, prestando </font><i><font>informações</font></i><font> ou </font><i><font>esclarecimentos</font></i><font> a outros interessados, não querendo com isto dizer-se que uma tal atitude não possa relevar, designadamente se for ulteriormente omitida a indicação desses bens na relação a apresentar no inventário, enquanto facto que evidencia o propósito fraudulento, ou enquanto acto ilícito susceptível de causar prejuízos resultantes de uma informação incorrecta ou enquanto comportamento justificativo de arrolamento.</font>
</p><p><font> </font><b><font>29. </font></b><font>Por isso, não se nos afigura que as declarações proferidas </font><i><font>in casu</font></i><font> pelo cabeça-de casal de que não havia nada a partilhar quando o autor se lhe dirigiu a solicitar </font><i><font>informação</font></i><font> sobre os bens que compunham o acervo - sendo certo que, quanto ao imóvel, estava ele ciente da situação, ou a referência ao facto de o veículo estar em seu nome ou de o depósito bancário ser comum - pudessem relevar enquanto declarações que pressupõem a </font><i><font>omissão de uma declaração</font></i><font> e o</font><i><font> dever de declarar</font></i><font> a justificar uma acção de sonegados </font><i><font>fora </font></i><font>do inventário.</font>
</p><p><font> </font><b><font>30. </font></b><font>Tais factos podiam relevar, assim como os actos do cabeça-de-casal no âmbito da venda simulada, enquanto factos susceptíveis de demonstrar a sua intenção dolosa se, no âmbito do inventário, ela tivesse omitido o </font><i><font>dever</font></i><font> de relacionar tais bens, o que não sucedeu porque, como se disse, não foi, tanto quanto é sabido, instaurado qualquer inventário.</font>
</p><p><font> </font><b><font>31. </font></b><font>Não existindo inventário e não se vendo que tais declarações tenham sido proferidas em situação em que se impusesse à recorrida o </font><i><font>dever de declarar os bens que integravam o acervo hereditário</font></i><font>, não podia, por tal motivo, proceder a presente acção, não procedendo igualmente por não se ter provado, como salientou o acórdão sob recurso, a existência do dolo integrativo da sonegação.</font>
</p><p><font> </font><b><font>32. </font></b><font>Quanto ao facto de a recorrida continuar a viver na casa de morada de família, não se vê que tal actuação seja ilícita e, por isso, acompanhamos as considerações do acórdão quando refere que </font><font> não pode no entanto esquecer-se que a casa em questão era a casa de morada de família, onde a ré, ora recorrente habitava com o de </font><i><font>cujus</font></i><font>. E a protecção da casa de morada de família, e do respectivo recheio, nos casos de dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges, é matéria que o legislador nacional acautela, desde logo nos artigos 2103º-A, 2103º-B, e 2103º-C, todos do CC</font>
</p><p><font>De acordo com o disposto no referido artº 2103º-A, nº1, do CC, " o cônjuge sobrevivo tem direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito de uso do respectivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver". </font>
</p><p><font>Reconhece assim o legislador a conveniência, em face da ponderação dos interesses em causa, de evitar que o cônjuge sobrevivo, por força do cesso do outro cônjuge, seja forçado a abandonar o local onde viveu na constância do casamento.</font>
</p><p><font>Trata-se de um direito que só se constituirá como tal se a casa que foi a de morada de família for, em partilha, atribuída o a outrem que não o cônjuge sobrevivo.</font>
</p><p><font>E se é esta a orientação que a lei perfilha, necessariamente não deve considerar-se como administração imprudente o facto de a ré se manter na casa em questão, usufruindo dos bens que constituíam o seu recheio.</font>
</p><p><font> </font><b><font>33. </font></b><font>Com efeito, resulta da matéria de facto que a ré, após o falecimento do marido, continuou e continua a residir no referido prédio, integrando-se o imóvel no património hereditário. Não foi ainda o mesmo sujeito a partilha porque assim não quiseram seguramente os interessados; não se vê que pelo facto de o cabeça-de-casal continuar a viver na casa de morada de família após decesso do marido incorra em acto ilícito ou que constitua acto ilícito receber na sua casa a filha.</font>
</p><p><font> Concluindo:</font>
</p><p><font> </font><a></a><font>I- A acção de sonegados tem por objectivo a condenação do herdeiro, seja ou não cabeça-de-casal, a perder em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados (artigo 2096.º do Código Civil) pressupõe a omissão de declaração quando se lhe impunha o dever de declarar os bens da herança.</font>
</p><p><font>II- Se o cabeça-de-casal, fora de qualquer acto judicial ou outro em que estivesse obrigad | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5DKru4YBgYBz1XKv2SvF | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA-“P... – Madeiras e materiais de Construção, Lda.” intentou acção declarativa de condenação, contra BB-“C...– Construções B... & C... Lda.” pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 14.247,84€ acrescida de juros de mora desde o vencimento das facturas.</font><br>
<font>Alegou, para o efeito e em síntese, que vendeu madeiras à Ré, conforme as duas facturas que juntou, esta recebeu a mercadoria, sem reservas, mas não pagou o respectivo preço.</font><br>
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<font>A Ré apresentou contestação e reconvenção, alegando que as madeiras foram vendidas com deficiências, o que foi tempestivamente denunciado à A., mas que esta não reparou, substituindo, o material fornecido e entretanto aplicado em obra, e que, por isso, teve de adquirir e aplicar outro material, substituindo o pavimento construído. </font><br>
<font>Em reconvenção, pede que a A. seja condenada apagar-lhe a quantia de 49.505,94€, respeitante ao valor da aquisição de novo material e despesas de colocação, acrescida de juros de mora desde a citação.</font><br>
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<font>A A. respondeu e excepcionou a caducidade dos direitos decorrentes de uma eventual venda de coisa defeituosa. Contestou a existência dos defeitos e dos prejuízos invocados pela Ré.</font><br>
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<font>Foi proferida sentença, tendo sido julgado improcedente o pedido da A., mas parcialmente procedente o pedido da Ré, sendo a A. condenada a pagar-lhe a indemnização de € 21.344,40, acrescida de juros de mora à taxa supletiva para as obrigações civis, contados desde a notificação e até ao pagamento.</font><br>
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<font>Mediante recurso da Autora, a Relação revogou a sentença, julgou procedente a acção, condenando a Ré a pagar à A. a quantia de 14.247.84€, com juros, à taxa comercial, desde a data do vencimento das facturas, e absolveu a A. do pedido reconvencional.</font><br>
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<font>Agora é a Ré a interpor recurso de revista, pugnando pela reposição do sentenciado pela 1ª Instância.</font><br>
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<font>Para tanto, na parte relevante, levou às conclusões:</font><br>
<font>(…) </font><br>
<font>7 - a acção de indemnização está sujeita às regras da responsabilidade civil; </font><br>
<font>8 - e, sendo certo que é um pedido de indemnização por violação contratual, o prazo de prescrição da acção até seria de 20 anos, e não de três; </font><br>
<font>9 - mas o Tribunal a quo transformou o puro e simples pedido indemnizatório que a recorrida havia formulado numa coisa diversa apesar de ser reconhecido que de pedido indemnizatório se tratava; </font><br>
<font>10 - porém, o contrato de fornecimento nunca foi cumprido pela Apelante aqui recorrida, posto que esta forneceu material que não correspondia às especificações da encomenda; </font><br>
<font>11 - a prestação incorrecta deve ser comparada ao incumprimento; </font><br>
<font>12 - tratando-se de um contrato sinalagmático, as prestações são recíprocas, pelo que só um fornecimento conforme às especificações da encomenda obrigava ao pagamento do preço; </font><br>
<font>13 - por tal facto, a Recorrente nunca entrou em mora; </font><br>
<font>14 - não estando findo o contrato porque o fornecimento não foi cumprido e por isso não foi pago o preço, e não tendo a Recorrida reconhecido quaisquer vícios seus no fornecimento, emitir as facturas não lhe conferia, só por isso, qualquer direito a ser paga, e muito menos a reclamar juros; </font><br>
<font>15 - isto é, mesmo que a acção/reconvenção fosse uma acção de anulação por simples erro (e não o é, como o Tribunal recorrido reconheceu), a caducidade de tal acção ainda não teria ocorrido, por o negócio não estar cumprido; </font><br>
<font>16 - por isso, à data das presentes alegações não teria caducado nunca o direito de acção (se se tratasse - e não trata - de uma acção de anulação); </font><br>
<font>17 - em qualquer caso, as regras gerais de interpretação das leis, não permitem acrescentar uma caducidade onde o legislador não a quis, e por isso não a previu; </font><br>
<font>18 - e não há lacuna alguma na lei, posto que o caso concreto se encontra coberto pelas normas de responsabilidade, quanto à reconvenção, e pelas regras sobre cumprimento e não cumprimento dos contratos, quanto ao pagamento do preço e dos juros reclamado por um fornecimento de mercadoria imprestável; </font><br>
<font>19 - considerar </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font> possível a caducidade dos direitos da Recorrente quando nenhuma lei previu para os direitos de indemnização um caso de caducidade é permitir que o Tribunal a quo se socorra de uma </font><i><font>odiosa</font></i><font> </font><i><font>restringenda</font></i><font>, e crie uma lei onde ela não existe; </font><br>
<font>20 - decidindo como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou, designadamente, o disposto nos artigos 690-A, n.º 2 do CPC; artigos 309.°, 798.°, 909.°, 917.° e 287.°, n.º 2, todos do Código Civil. </font><br>
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<font> </font><br>
<font>A Recorrida apresentou resposta em apoio do julgado.</font><br>
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<font> 2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> a decidir consiste em saber se se encontra extinto, por caducidade da acção, o exercício do direito a indemnização reclamada pela Ré-recorrente.</font><br>
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<font> 3. - No acórdão impugnado vem definitivamente fixado o seguinte </font><b><font>quadro</font></b><font> </font><b><font>factual</font></b><font>:</font><br>
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<font>A) A autora dedica-se à comercialização de madeiras e materiais de construção; </font><br>
<font>B) Em 10-10-2005, a ré enviou à autora um fax através do qual declarou «(...) adjudicar-lhe o fornecimento de pavimento em madeira de pinho de primeira qualidade, isenta de nós e com tratamento em autoclave e bem seca (...). O material será entregue na Escola A... R... "Ginásio" em V... F... de X....»;</font><br>
<font>C) Esse material destinava-se a substituir o pavimento existente no aludido ginásio da Escola A... R..., de V... F... de X...;</font><br>
<font>D) Na sequência do fax mencionado na alínea B), supra, a autora forneceu à ré as seguintes mercadorias, no valor global de €14.247,84:</font><br>
<font>- Soalho de pinho M/F tratado 2.60x0.12, 1728 tábuas; Soalho de pinho M/F tratado 2.20x0.12, 324 tábuas; Barrotes de pinho 2.60x0.10x0.07; conforme factura nº 15.877, emitida em 28-11-2005, no montante de €8.965,98; </font><br>
<font> - Soalho de pinho M/F tratado 2.60x0.12, 152 molhos de 6; Soalho de pinho M/F tratado 2.20x0.12, 60 molhos de 6; conforme factura nº --.---, emitida em 30-11-2005, no montante de €5.281,86. </font><br>
<font>E) Parte do material mencionado nas facturas referidas na alínea antecedente foi entregue pela ré à autora em 16-11-2005 e no local acordado;</font><br>
<font>F) Antes de proceder ao assentamento do pavimento entregue em 16-11-2005, a ré, por intermédio do seu sócio gerente CC, entrou em contacto com a autora dando-lhe conhecimento da existência de nós na madeira fornecida; </font><br>
<font>G) A restante parte do material encomendado e fornecido foi entregue pela autora à ré em 23-11-2005 e no local acordado; </font><br>
<font> H) Nesse mesmo dia (23-11-2005), a ré, por intermédio do seu sócio gerente CC, voltou a entrar em contacto com a autora dando-lhe conhecimento da existência de nós na madeira fornecida;</font><br>
<font>I) Em 25-11-2005, a ré enviou à autora, que recebeu, o fax de fls. 25, posteriormente confirmado por carta datada de 29-11-2005, com o seguinte teor:</font><br>
<i><font>«(...) Lamentavelmente a madeira não reúne as condições exigidas combinadas, tornando-se imprevisível as consequências que tamanha anomalia venha a trazer.</font></i><br>
<i><font>Vislumbra-se uma rejeição do trabalho, o que, a acontecer, declinamos as responsabilidades de V. Exas.</font></i><br>
<i><font>Ontem, dia 24, o Sr. DD ficou de nos informar das garantias que nos possam dar, o que também não aconteceu</font></i><font>»; </font><br>
<font>J) No dia 14-12-2005, o representante da autora DD deslocou-se ao local da obra, a fim de verificar a qualidade e o estado do material fornecido à ré;</font><br>
<font>L) Nesta ocasião a ré estava a proceder ao assentamento do pavimento com o material fornecido pela autora;</font><br>
<font>M) Em 14-12-2005, a ré enviou uma carta à autora, que a recebeu no dia seguinte (15-12-2005), com o seguinte teor:</font><br>
<font>«</font><i><font>Em continuação da n/ carta registada c/ aviso de recepção, datada de 29/11/005, vimos comunicar o seguinte: - A obra tem tido seguimento pelas deficiências apontadas, relacionadas com a má qualidade do material. </font></i><br>
<i><font>Dado o impasse em que nos encontramos envolvidos, vimos solicitar a v/ disponibilidade, caso a Fiscalização aceite, de nos entregarem uma garantia bancária, válida por 5 anos, na qual conste a garantia do material. </font></i><br>
<i><font>Esta é uma sugestão que poderá, eventualmente, funcionar, caso contrário estamos sujeitos a que o pavimento tenha de ser todo substituído no próximo Verão (Férias), o que, a verificar-se para além de trazer grandes despesas e transtornos será tremendamente desagradável</font></i><font>.»; </font><br>
<font>N) Em 22-12-2005, a autora enviou à ré resposta à carta referida na alínea antecedente, na qual refere, além do mais, que: «</font><i><font>(...) estranhamos que só após terem aplicado a totalidade da madeira, que dizem ser de má qualidade, é que exigem garantias bancárias (...). Como é do vosso conhecimento, e vos foi referido, a qualidade da nossa madeira, encontra-se sempre garantida como se pode aferir pelo certificado de tratamento do nosso fornecedor que está em anexo à presente.</font></i><font>»;</font><br>
<font>O) Em 27-12-2005, a Direcção Regional de Lisboa do Ministério da Educação enviou à ré uma carta, assinada por um Fiscal Técnico, com o seguinte teor:</font><br>
<font>«</font><i><font>Assunto: Pavimento do Gimnodesportivo da Escola Secundária A... R... Após uma visita de fiscalização a obra acima mencionada, verifiquei no local, que a madeira aplicada não reúne as Condições Técnicas referidas no Caderno de Encargos.</font></i><br>
<i><font>Solicito a V. Exa. a melhor atenção para este caso</font></i><font>.»; </font><br>
<font>P) Em 29-01-2006, a Direcção Regional de Lisboa do Ministério da Educação enviou à ré nova carta, assinada por um Fiscal Técnico, com o seguinte teor:</font><br>
<font>«</font><i><font>Assunto: Pavimento do Gimnodesportivo da Escola Secundária A... R.... </font></i><br>
<i><font>«De visita a obra acima mencionada, constata-se, mais uma vez, que o pavimento aplicado além de não reunir as Condições Técnicas do Caderno de Encargos apresenta-se com cedências em vários locais.</font></i><br>
<i><font>Esta deficiência deve-se à má qualidade das tábuas.</font></i><br>
<i><font>Agradamos os Vossos esclarecimentos como tencionam dar solução a este caso</font></i><font>.»;</font><br>
<font>Q) Em 04-07-2006, a ré enviou à autora uma carta com o seguinte teor:</font><br>
<font>«</font><i><font>Assunto: Pavimento do Ginásio Escola A... R... - V... F... de X... .</font></i><br>
<i><font>Em resposta à v/ carta, datada do passado 03 de Julho, informamos o seguinte: </font></i><br>
<i><font>Lamentavelmente as consequências, transcritas no n/ fax (...) de 2005/11/25, confirmam-se integralmente, isto é, todo o pavimento tem de ser substituído durante as presentes férias escolares. Esta imposição é-nos dada pela DREL e deve-se única e simplesmente ao facto do material fornecido por v/ Exas. Não possuir a qualidade exigida na n/ encomenda.</font></i><br>
<i><font>Oportunamente, daremos mais notícias, incluindo os custos que tamanha anomalia nos está a provocar</font></i><font>.»; </font><br>
<font>R) Em 03-07-2006 a autora enviou uma carta à ré, com o seguinte teor:</font><br>
<font>«</font><i><font>Serve a presente para informar que se encontram vencidas as V/ facturas n° ... – ... no montante de 14.247,84€ (catorze mil duzentos e quarenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos) agradecíamos a sua liquidação com a máxima brevidade</font></i><font>.»;</font><br>
<font>S) A ré procedeu ao assentamento no Ginásio da Escola A... R... de V... F... de X... de todo o material fornecido pela autora, referido em D), supra;</font><br>
<font>1° Para além do referido nas alíneas F) e H), supra, o sócio gerente da ré disse ainda à autora que a madeira por ela fornecida não estava devidamente seca;</font><br>
<font>2° A ré procedeu ao assentamento do material fornecido pela autora porque esta lhe garantiu que o mesmo era de boa qualidade e que não iria haver qualquer tipo de problema futuro;</font><br>
<font>3° Na sequência do referido em F) supra a autora disse à ré para pôr de parte a madeira que não estivesse em condições de ser utilizada para sua posterior substituição;</font><br>
<font>4° Parte da madeira fornecida continha nós;</font><br>
<font>5.º A madeira fornecida não estava seca em conformidade com o peticionado na encomenda referida na alínea B), supra;</font><br>
<font>6.º Em 10-02-2006, o pavimento do Ginásio da Escola A... R..., colocado pela ré com os materiais fornecidos pela autora, estava a começar a abrir em vários pontos;</font><br>
<font>7° Posteriormente a 10-02-2006 e antes de 04-07-2006, o pavimento do Ginásio da Escola A... R..., colocado pela ré com os materiais fornecidos pela autora, apresentava fissuras nas tábuas;</font><br>
<font>8° Posteriormente a 10-02-2006 e antes de 04-07-2006, o espaço entre as tábuas do mencionado pavimento do Ginásio da Escola A... R... aumentou em diversos pontos;</font><br>
<font>9° O referido no quesito antecedente foi originado pelo facto de, após a sua colocação, as tábuas fornecidas pela autora terem secado com o decurso do tempo;</font><br>
<font>10° Posteriormente a 10-02-2006 e antes de 04-07-2006, o mencionado pavimento do Ginásio da Escola A... R... apresentava desníveis;</font><br>
<font>12.º Em data posterior a 17-10-2006 a ré procedeu à </font><i><font>remodelação </font></i><font>[alteração da Relação] do pavimento colocado no Ginásio da Escola A... R... com material fornecido pela A.;</font><br>
<font>13.º Para proceder à substituição do pavimento a que se refere o quesito anterior a ré adquiriu à sociedade EE- A... O..., Lda., material </font><i><font>em plástico</font></i><font> [alteração da Relação];</font><br>
<font>14.º A ré despendeu a quantia de € 28.161,54 (vinte e oito mil cento e sessenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) na aquisição do material referido no quesito anterior e no respectivo assentamento no Ginásio da Escola A... R...;</font><br>
<font>15.º Com o assentamento do material fornecido pela autora a ré despendeu a quantia de € 21.344,40 (vinte e um mil trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos).</font><br>
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<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
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<font> 4. 1. - A Recorrente insurge-se contra a decisão da Relação que julgou extinto, por caducidade, o direito da Ré à indemnização pedida com fundamento no decurso do prazo de seis meses a que alude o art. 917º C. Civil.</font><br>
<font> Alega que, por se tratar de um pedido de indemnização por violação contratual, o prazo de prescrição seria de 20 anos mas, não tendo o contrato sido cumprido, o prazo também não se extinguiu, conforme se dispõe no n.º 2 do art. 287º C Civil para onde remete o dito art. 917º.</font><br>
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<font>No acórdão impugnado, depois de qualificar e integrar a questão em análise no regime jurídico da compra e venda de coisa defeituosa e de sobre ele discorrer, concluiu pela aplicabilidade do prazo de caducidade estabelecido no art. 917º, norma em que se dispõe que “a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorrido sobre esta seis meses, sem prejuízo neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º do Código Civil”, aludiu à existência de divergências interpretativas sobre a aplicabilidade deste último prazo, designadamente ao confronto de duas teses, uma largamente maioritária, a defender que ele se deve aplicar por interpretação extensiva, para além da acção de anulação, também às acções em que se vise obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual e outra, pouco seguida, a sustentar que as acções em que se peça a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual, não estão sujeitas a esse prazo de seis meses, mas ao prazo geral.</font><br>
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<font>Não se diverge, quanto este ponto, da solução adoptada.</font><br>
<font>Com efeito, a pretensão da Ré, aferida pelo pedido que formulou, consiste na obtenção de uma certa quantia correspondente aos custos da mercadoria e do respectivo assentamento, o que tudo faz decorrer de lhe ter sido fornecida, em divergência com o encomendado, madeira com nós e mal seca, isto é, com defeito.</font><br>
<font>Assim sendo, como já se reconheceu na sentença, a Ré lançou mão do direito à substituição, embora no seu sucedâneo do valor (preço) que reteve, e do direito a ser indemnizada pelo interesse contratual negativo, o custo de aplicação do material defeituoso, sendo que viu o primeiro recusado por caducidade e o segundo atendido ao abrigo da regra geral do art. 798º e do preceituado no art. 909º C. Civil. </font><br>
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<font>A causa de pedir entronca directamente na venda de coisa defeituosa, nos defeitos ou vícios da madeira fornecida.</font><br>
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<font>Estamos, em qualquer caso, relativamente a ambos os pedidos, perante pretensões fundadas em violação contratual que tem na origem os defeitos da coisa que integra a prestação do vendedor e cujos danos resultam desses vícios, </font><i><font>rectius</font></i><font>, da mesma causa de pedir: - o valor da coisa que teve de ser substituída, por imprestável por causa dos defeitos, e o valor do custo da sua aplicação, que, devido aos mesmos defeitos, teve de ser repetida.</font><br>
<font>Trata-se, sempre, de fazer valer direitos cuja fonte é a existência de vício ou defeito previsto no art. 913º C. Civil, e, por isso, “justifica-se a extensão do art. 917º, que refere apenas a acção de anulação, às acções dos demais direitos, porque e na medida em que através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas”.</font><br>
<font>Na verdade, seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade” (CALVÃO DA SILVA, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 72/74; no mesmo sentido, PEDRO R. MARTINEZ, “</font><i><font>Cumprimento Defeituoso…</font></i><font>”, 413 e acs. STJ de 6/11/2007 e 7/5/2009, procs. </font><i><font>07A3440</font></i><font> e </font><i><font>09B0057</font></i><font>, respectivamente) </font><br>
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<font>Acompanha-se, pois, o entendimento seguido no acórdão recorrido no sentido de que o prazo de caducidade do artigo 917.º do C. Civil se aplica, por interpretação extensiva, a todas as acções propostas com fundamento em cumprimento defeituoso da prestação de contrato de compra e venda, incluindo as de simples indemnização.</font><br>
<font>Tal acontecerá, designadamente, como acontece no caso presente, quando</font><b><font> </font></b><font>o pedido de indemnização se traduz em danos ou prejuízos, alegadamente causados pelos vícios da coisa vendida, subsumíveis à previsão do art. 913º C. Civil.</font><br>
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<font>4. 2. - Mas, apesar do que se deixa expresso, não se acompanha o decidido.</font><br>
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<font>Aplicável, como dito, o regime do art. 917º, não pode esquecer-se a ressalva, com remissão para o n.º 2 do art. 287º.</font><br>
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<font>E aí se dispõe que enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.</font><br>
<font>O contrato de compra e venda considera-se não cumprido se a coisa ainda não foi entregue e/ou o preço ainda não foi pago (art. 879º C. Civil). </font><br>
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<font>No caso, os direitos sucedâneos da anulação foram exercidos em defesa por excepção e via reconvencional, sem que o contrato estivesse cumprido, pois que o preço não estava pago.</font><br>
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<font>Ora, se o prazo curto de caducidade para o exercício dos direitos decorrentes da garantia se justifica pela necessidade de evitar, no interesse do vendedor e do comércio jurídico em geral, incertezas sobre o destino do contrato e dificuldades de prova de vícios da prestação (coisa entregue) efectuada, bem se compreenderá que, não estando o negócio cumprido, não concorram expectativas da outra parte (vendedor) a proteger pelo decurso do tempo e prazo curto, designadamente, as relativas à certeza do destino do contrato cujas prestações não foram executadas.</font><br>
<br>
<font>Claro que a interpretação extensiva que acima se deixou acolhida para a aplicabilidade do prazo de exercício da acção anulatória às demais acções fundadas em vícios da coisa vendida – venda de coisa defeituosa – se impõe nos mesmos precisos termos a estas últimas acções no tocante à aplicabilidade do n.º 2 do art. 287º, que o art. 917º também só prevê expressamente para a acção de anulação.</font><br>
<font>Só assim o sistema colhe coerência e harmonia nas soluções que proporciona à luz dos fundamentos que o suportam.</font><br>
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<br>
<font>Consequentemente, o exercício do direito à indemnização, apesar de decorrido o prazo de seis meses sobre a denúncia dos defeitos, não caducara ainda, ao abrigo da ressalva constante do último segmento do art. 917º, assistindo à Ré-recorrente o direito que lhe foi reconhecido na 1ª Instância, embora, quanto ao valor do preço, como supra referido, com fundamento no direito de substituição da coisa, que na sentença se teve por caducado.</font><br>
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<font>5. - Decisão.</font><br>
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<font>Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font>- Conceder a revista;</font><br>
<font>- Revogar o acórdão impugnado;</font><br>
<font>- Repor em vigor a decisão constante da sentença da 1ª Instância; e,</font><br>
<font>- Condenar a Recorrida nas custas.</font><br>
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<font>Supremo Tribunal de Justiça,</font><br>
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<font>Lisboa, 2 de Novembro de 2010.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
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<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
qTKOu4YBgYBz1XKvGBon | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b>
<p><font> </font>
</p><p><font>AA e seu marido BB, CC, DD e EE intentaram, no Julgado de Paz de ..., acção (que, depois veio a correr termos na Comarca de ... – ... – Secção Cível), com processo sumário, contra FF e sua mulher GG.</font>
</p><p><font>Pediram a condenação dos Réus a reconhecê-los donos e legítimos proprietários de uma proporção do prédio situado no lugar de ..., da freguesia de ... do Município de ... inscrito na matriz sob o artigo 590 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º...; que HH é comproprietária da parte restante; que os Réus não têm qualquer direito sobre o prédio.</font>
</p><p><font>Mais pediram a condenação dos demandados a:</font>
</p><p><font>— absterem-se de praticar qualquer acto que ponha, ou possa colocar em causa, o direito dos Autores sobre o prédio;</font>
</p><p><font>— pagarem aos demandantes uma sanção pecuniária compulsória em montante a fixar, não inferior a 250,00 euros, por cada acto de turbação;</font>
</p><p><font>— indemnizarem os Autores com uma quantia não inferior a 1500,00 euros, a título de compensação pelos danos morais que lhes causaram.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegaram, em síntese, que são proprietários, por sucessão de II, seu pai, de ½ do prédio urbano acima referido; que sua mãe, JJ, é proprietária da outra metade do prédio, que também adquiriu por sucessão do referido LL; que, em 1985, os Réus e os pais dos demandantes celebraram um contrato-promessa que nunca foi cumprido, já que os Autores não regularizaram a situação registral do prédio e os Réus não procederam ao pagamento do preço restante; que, em 1995, os pais dos Autores informaram os Réus que não pretendiam cumprir o contrato promessa, o que estes não aceitaram recusando-se receber o sinal passado (de 1.000,00 euros) e tentaram ocupar o prédio, o que originou um episódio de violência entre o pai dos demandantes e os demandados; que, recentemente, os demandados praticaram actos atentatórios do direito de propriedade dos demandantes tendo entrado no prédio contra a vontade e sem autorização destes; que, tendo falecido o pai dos demandantes, estes decidiram não vender o prédio, o que levou os demandados a rebentarem a fechadura do imóvel.</font>
</p><p><font>Na contestação, e em resumo, os Réus alegaram que, na sequência do contrato promessa com tradição, celebrado em 7 de Fevereiro de 1985 entre LL e sua mulher HH, como promitentes vendedores e os demandados, como promitentes compradores, ficaram estes na posse do imóvel pelo que já o adquiriram por usucapião.</font>
</p><p><font>É que, na sua óptica, se trata de posse há mais de 27 anos, de boa fé, à vista de todos, sem oposição, tendo realizado vários melhoramentos no prédio.</font>
</p><p><font>E deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos Autores a pagarem-lhes 7500,00 euros, a título de benfeitorias, caso proceda o pedido.</font>
</p><p><font>JJ (mãe dos demandantes) foi admitida a intervir principalmente.</font>
</p><p><font>Os Autores reduziram os pedidos para ficar erecto apenas o primeiro.</font>
</p><p><font>Na 1.ª Instância a acção foi julgada improcedente.</font>
</p><p><font>Os Autores apelaram para a Relação de Coimbra.</font>
</p><p><font>Pediram a reapreciação da matéria de facto e arguiram a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (contradição entre os fundamentos e a decisão).</font>
</p><p><font>Outrossim, imputaram à sentença apelada violação do caso julgado formal e material.</font>
</p><p><font>Referem, a propósito e como fundamento dessa alegação ter corrido termos a acção n.º 39/92 na qual os aí Autores (o pai dos, ora, Autores, já falecido e a, aqui, interveniente principal) pediram a declaração de nulidade do contrato-promessa atrás referido e a condenação dos Réus a restituírem o imóvel; que na sua contestação os Réus deduziram reconvenção pedindo “que se considere que os Autores são donos do prédio em causa, bem como se ordenasse o registo do prédio a favor dos Autores”; que esses autos subiram à Relação do Porto e, depois, a este Supremo Tribunal de Justiça que declararam improcedentes, quer o pedido dos Autores quer a reconvenção, julgando válido o contrato-promessa e declarando que a posse dos Réus era “meramente obrigacional”, sendo, por isso,posse em nome de outrem; que esta decisão transitou em julgado em 23 de Março de 1995.</font>
</p><p><font>A Relação de Coimbra, no aresto ora alvo de revista, julgou “parcialmente procedente o presente recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida quanto à decisão de direito, em consequência do que se julga parcialmente procedente a presente acção, no sentido de se reconhecer que os demandantes são donos e legítimos proprietários de uma proporção do prédio” (acima descrito) “e que HH é comproprietária da parte restante, mas sem prejuízo do reconhecimento do direito obrigacional dos Réus, a fruírem e usarem do referido imóvel, nos termos acordados em sede do contrato promessa de compra e venda celebrado e referido…”. Julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus dele absolvendo os Autores/reconvindos”</font>
</p><p><font>Os Réus vêm pedir revista.</font>
</p><p><font>E concluem a sua alegação nos seguintes termos:</font><br>
<font>“1. No Tribunal da Relação de Coimbra confirmou-se na íntegra, a matéria de facto assente na 1.ª instância, apenas lhe aditando, como 23° item, o teor da certidão de fls. 305 a 340, extraída do processo n° 39/92, para, depois, concluir que, face ao teor dos factos 3o e 23°, "a situação em causa na presente acção já fora apreciada e resolvida antes naquele processo, pelo menos, no que respeitava ao pedido de condenação dos RR a reconhecerem que não detinham sobre o prédio em causa qualquer direito, já que, pelo menos, ficara ali decidido serem eles titulares de um mero direito obrigacional, qual seria o de apenas poderem fruir e usar o imóvel "para sempre", nos termos do contrato promessa celebrado entre as partes".</font>
</p><p><font>2. Para, ao final, considerar que "não tem razão de ser nem qualquer conteúdo fáctico/jurídico a alegação/invocação dos RR/Reconvintes no sentido de que terão adquirido por usucapião o prédio em causa, que fazem reportar a uma alegada posse existente desde 1985, o que manifestamente nunca existiu (enquanto "posse boa" para esse efeito), já que essa "posse" sempre foi meramente obrigacional, resultante dos termos contratuais fixados no contrato promessa, pelo que apenas foram possuidores em nome do promitente vendedor..."</font>
</p><p><font>3. Tais considerandos não se compaginam com a lei nem com a doutrina e melhor jurisprudência, de ontem como de hoje, pois é o próprio promitente-vendedor e autor da herança - de cujo processo sucessório, note-se, se valeram os AA para registarem a seu favor o prédio em causa, quando, como documentado nos autos, nem a sua posse nem a do de cujus, (essa sim, precária e, por isso, de má fé, porque intitulada), eram defensáveis em direito - a confessar no art. 2° da p.i. da acção 39/92, que só o tinha comprado há uns 15 anos e, ainda por cima, verbalmente. (Vide, p.f., P. Lima e A. Varela, in obs.3ª ao art. 1259° do CC An., e, ainda, Cons. M. Salvador, in Elementos da Reivindicação, 1958, pag. 70 e 71, em anotação ao art. 1294° do CC. Que já então defendia "não bastar reportar-se o próprio direito ao anterior titular, pois pode ter sido adquirido por este invalidamente. E nem o facto de estar registado sana os vícios de tal título... O acto translativo limita-se a transferir um direito, se ele existir... ")</font>
</p><p><font>4. Estando-se perante uma decisão já transitada, proferida no processo 39/92, as questões a decidir consistem apenas em determinar, com exactidão, por um lado, qual o verdadeiro alcance do caso julgado formado pela referida decisão — que, como resulta dos arts 619°-1 e 621° do NCPC, é definido nos precisos limites e termos em que julga - e, por outro, em verificar se essa fronteira foi ou não desrespeitada pelo douto acórdão de que se recorre e, por conseguinte, se esta decisão ofende ou não o caso julgado que se formou naquele processo.</font>
</p><p><font>5. Tratando-se de uma decisão judicial, a invocação e arrimo a determinado caso julgado deverá sempre reportar-se a determinados factos concretos, como inarredáveis pressupostos da aplicação da norma decidenda, o que não se verifica, pois não basta afirmar-se que determinada decisão proferida num determinado processo se mostra abrangida pelo caso julgado que fez uma outra num processo anterior, por não ser a decisão em si mesma, enquanto conclusão do respectivo silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo.</font>
</p><p><font>6. Não se preocupou o Tribunal a quo em verificar que comando ficou a constar da decisão onde se formara o caso julgado, violando, assim, os limites objectivos que o enformam, frustrando por essa via o objectivo fulcral que integra a </font><i><font>mens legis</font></i><font> desse instituto jurídico, não só por entender que a presente acção era idêntica à que correra termos sob o n° 39/92, quando se vê, notoriamente, que, nesta, porque reivindicativa, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real que os autores pretendem ver-lhes reconhecido, e naquela, meramente declarativa, os ali AA pugnavam pela simples anulação do contrato promessa, invocando como causa de pedir a sua pretensa nulidade por falta dos requisitos formais do 410°-3 do CC. Acções muito distintas.</font>
</p><p><font>7. O efeito jurídico pretendido em ambas não é o mesmo, inexistindo identidade de pedido, já que, na 39/92, os AA pretendiam que fosse declarada a nulidade do contrato promessa, e nesta, é o reconhecimento do direito de propriedade sobre a coisa prometida.</font>
</p><p><font>8. E não se diga que tal identidade existe, pelo menos, entre a parte do pedido na presente acção - que é o de "...se reconhecer que os Demandados não detêm sobre o prédio em causa qualquer direito legar - e o pedido formulado pelos então autores na acção n° 39/92 - que fora o de "se condenarem os RR a restituir aos AA o urbano 590 da freguesia de ... - ...", pois, enquanto este último fora claramente formulado para a hipótese de vir a ser declarada a nulidade do contrato promessa, aqueloutro assenta antes na alegada inexistência de qualquer título ou justa causa que fundamente a apreensão material do referido prédio por parte dos demandados.</font>
</p><p><font> 9. Estes dois pedidos, além de visarem efeitos jurídicos distintos, nem sequer gozam de independência, face aos pedidos principais de declaração de nulidade (acção n° 39/92) e de reconhecimento do direito de propriedade (processo em mérito), sendo antes acessórios e seus meros pressupostos, para além de que as decisões proferidas no processo n° 39/92 apenas abordaram ao de leve a "situação de posse" dos RR, nunca exaurindo essa temática, porque mais não o exigia, então, a natureza da causa de pedir, do pedido e das respectivas conclusões.</font>
</p><p><font>10. Na acção n° 39/92, os AA pediam a condenação dos RR a restituir-lhes o prédio - não como pedido autónomo, mas apenas como consequência da declaração de nulidade do contrato promessa, pois era esta a sua única causa de pedir — e, neste contexto, tanto a Relação do Porto como o STJ, apenas com base na existência de um contrato promessa que consideraram válido e em que tinha havido tradição da coisa — únicos factos alegados e provados de que o tribunal naquela altura se podia socorrer — decidiram julgar esse pedido totalmente improcedente, com o único argumento, então possível, atenta a causa de pedir, de que os RR, por via desse acordo, tinham pelo menos o direito de usar e fruir da coisa.</font>
</p><p><font>11. Nenhuma das invocadas decisões pretendeu definir e qualificar o poder de facto efectivamente exercido pelos RR sobre este prédio e muito menos em termos definitivos, limitando-se tão-somente a defini-lo nos moldes possíveis e necessários a afirmar que os mesmos não tinham obrigação de restituir o prédio objecto da promessa aos AA por o contrato se manter, então, válido.</font>
</p><p><font>12. Injusto e errado é, pois, afirmar-se no douto Ac. recorrido que tais decisões e os fundamentos que as suportam também afectam a matéria de excepção invocada pelos réus na presente acção, no sentido de que possuem o prédio há mais de vinte anos e, portanto, já o adquiriram por usucapião, ofendendo-se, outrossim, por deficiente valoração e aplicação, o caso julgado que sobre elas se formara em processo anterior.</font>
</p><p><font>13. Aliás, jamais poderiam as decisões proferidas no processo 39/92 ter resolvido definitivamente, isto é, com força de caso julgado, a questão da posse dos RR sobre o prédio, quando essa questão nunca chegara a ser colocada pelas partes à apreciação do tribunal, nada obstando, pois, a que a posse invocada pelos RR possa ser apreciada nesta vertente, porque não abrangida por anteriores decisões.</font>
</p><p><font>14. Nessa perspectiva e pelo que vem de ser exposto, restariam inconstitucionais os citados arts 619º- l e 621° do NCPC, na interpretação que o Tribunal recorrido vem de fazer daqueles normativos, neles tendo feito assentar, enquanto </font><i><font>ratio decidendi</font></i><font>, os fundamentos de que partiu para, com base neles, revogar a douta sentença proferida na Ia instância, sem a menor razão.</font>
</p><p><font>15. O caso julgado a que se ancora o douto acórdão revidendo não pode reforçar ou restringir, de modo algum, a pretensão dos AA, tal como vieram deduzi-la na presente acção, já que o seu efeito útil e normal, no processo 39/92 e nestoutro, são notoriamente diversos.</font>
</p><p><font>16. Os recorrentes, aliás, não se limitaram a invocar a existência do contrato promessa no qual existiu tradição da coisa para justificar a sua posse, antes a fizeram assentar em vários outros factos — designadamente os dados como provados na sentença proferida pela 1ª instância e cuja resposta a Relação manteve na íntegra — de onde resultam amplamente demonstrados o corpus e o animus que caracterizam a posse dos réus, tal como entendida pelo nosso ordenamento jurídico e definida no art. 1251° do C. Civil, como se vê correta e justamente tratado na douta sentença apelada.</font>
</p><p><font>17. Não escapou à assertiva sindicância da Mma Juiz que proferiu a douta sentença revogada pela RC, para fundamentar a resposta positiva dada aos quesitos 48° e 49° da base instrutória (factos provados n° 11 e 12) - desiderato que a instância ora recorrida não beliscou minimamente, ao deixar exarado no douto acórdão recorrido que não seria necessário proceder à apreciação do ponto A (impugnação da matéria de facto), por se tratar de uma pura inutilidade, considerando que para apreciação das questões em discussão não carecia de ter lugar uma reapreciação da decisão de facto.</font>
</p><p><font>18. Tendo o agora Tribunal a quo decidido não reapreciar as respostas dadas à matéria de facto – onde se incluía, obviamente, a fundamentação e o raciocínio utilizado para as alcançar — aceitando-as, não podia depois, em clara contradição com tal escolha, retirar um sentido diferente, e muito menos contrário, ao que ali se fixou, mostrando-se, pois, aquela decisão incursa na nulidade prevista no art. 615°-1, c) do NCPC, o mesmo se dizendo no que concerne às afirmações exaradas nos 2º, 3º e 4º parágrafos da página 22 do douto acórdão, que, além de injustas, são também inconsideradas, sem fundamento e reveladoras de que o Douto Tribunal da RC terá incorrido em lapso na sua redacção.</font>
</p><p><font>19. Em especial no tocante ao supra transcrito em 4o, é de todo descabido afirmar que o direito próprio com que os RR dizem ter agido é um mero direito obrigacional/contratual, pois o alegado pelos recorrentes, como exsurge claramente da matéria de facto provada, é, sem dúvida, de natureza estritamente real, já que só esse poderia ter conduzido, como conduziu, à sua aquisição originária, como muito bem se observa na douta sentença que o Tribunal recorrido vem de revogar injustamente e sem fundamento válido.</font>
</p><p><font>20. Por último, dir-se-á que, sendo tão notório, só por lapso, seguramente desculpável, poderá ter-se julgado a autora HH comproprietária da parte restante do prédio, por tal se mostrar contrariado pela fundamentação que lhe subjaz - no sentido de que o pedido dos AA (de reconhecimento da propriedade) deve ser julgado procedente, em virtude, apenas, de os mesmos gozarem da presunção </font><i><font>tantum juris</font></i><font> derivada do registo predial a seu favor - sendo certo que a visada, ao contrário dos demais, não logrou, até hoje, registar na C.R.P. a parte que diz ser sua (cf. ponto 1 da matéria de facto provada) nem provou um só facto que permitisse retirar tal conclusão.</font>
</p><p><font>21. Incorreu, pois, a RC, na nulidade prevista no citado art. 615°-1, c) do NCPC, ao decidir de forma oposta aos fundamentos que lhe serviram de base, tornando a decisão ininteligível.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os recorridos vieram, além do mais, pugnar pela inadmissibilidade do recurso, alertando para o valor da causa (12.000,00 euros) e para o disposto nos artigos 24.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 44.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.</font>
</p><p><font>Não obstante, o M.º Desembargador Relator determinou a subida do recurso invocando o disposto no n.º 2, alínea a) do artigo 629.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos, após despacho liminar referindo cautelarmente que “em análise perfunctória, nada parece obstar ao conhecimento do mérito”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Conhecendo.</font></b><br>
<b><font>1- Admissibilidade da revista.</font></b><br>
<b><font>2- Conclusões.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<font>1- </font><b><u><font>Admissibilidade da revista</font></u></b><b><font>.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<font>1-1- O n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil condiciona a admissibilidade do recurso ao valor da causa e à sucumbência, sendo que aquele terá de ser superior à alçada do tribunal recorrido e esta é aferida pelo decaimento do impetrante que deverá ser superior a metade da alçada desse tribunal.</font><br>
<font>A recorribilidade, quanto às alçadas rege-se pela lei vigente aquando da propositura da acção, sendo que, “in casu”, a alçada da Relação é de 30 000,00 euros, por força do artigo 24.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.</font><br>
<font>Porém, o n.º 2 daquele artigo 629.º dispõe sobre a admissibilidade do recurso “independentemente do valor da causa e da sucumbência” em várias situações que elenca, relevando-se aqui as da alínea a) (se o recurso tem como “fundamento” a “violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado”).</font><br>
<font>Deter-nos-emos apenas nesta última “conditio” (ofensa de caso julgado) que foi a aqui chamada para admissão da revista, já que, só por si, o valor da causa, de 12.000,00 euros, não o permitiria.</font><br>
<font>Note-se, no entanto, que se o recurso é admitido apenas por verificada/indiciada qualquer das excepções da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do principal diploma adjectivo o seu objecto fica restringido ao conhecimento da impugnação que condicionou o seu conhecimento.</font><br>
<font>Assim entendiam o Prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil – Anotado V -223 ss) o Cons. Rodrigues Bastos (apud “Notas ao Código de Processo Civil”, III, 215) e v.g. os Acórdãos do S.T.J. de 13 de Março de 1997 – BMJ 465-477 - e de 3 de Fevereiro de 2011 – 190-A/1999.E1.S1).</font><br>
<font>1-2. Não será irrelevante tecer algumas considerações sobre a figura do caso julgado.</font><br>
<font>Desde logo importa o “distinguo” entre a excepção dilatória do caso julgado, que tem como escopo impedir que o tribunal decida sobre questões com a mesma causa de pedir em termos contraditórios e a autoridade do caso julgado que impõe a primeira decisão à segunda decisão de mérito (cfr. a propósito, o Acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 2015 – P.º 227/12 – 1.ª Secção, e do relato do ora 1.º Adjunto, o Acórdão de 13 de Julho de 2010 – 464/05.6TBCBT-C.G1.S1).</font><br>
<font>A irreversibilidade interna da sentença, por esgotamento quanto à matéria da causa após a sua prolação – artigo 613.º n.º 1 CPC – traduz o caso julgado formal, que pode ainda ter o sentido da imutabilidade das decisões de forma limitadas ao processo.</font><br>
<font>Mas, e como nota o Prof. Castro Mendes (“Direito Processual Civil”, II, 1969, p. 296 [nota 2]) … “esta imutabilidade alarga-se para fora do processo, pois nos parece que, se se absolveu da instância por certo fundamento e este se repete no novo processo, é lícito neste opor a excepção dilatória de caso julgado”.</font><br>
<font>Já o caso julgado material torna indiscutível a situação fixada na sentença transitada (“res judicata pro veritate habetur”).</font><br>
<font>Daí que o artigo 619.º disponha que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º” e sem prejuízo de revisão extraordinária.</font><br>
<font>Há, assim, um impedimento à propositura de nova acção com a mesma pretensão material e a vinculação das mesmas partes ao decidido sobre a questão, ainda que prejudicialmente.</font><br>
<font>A decisão sobre aquele pedido e causa de pedir fica imutável, impedindo não só que o tribunal decida diferentemente sobre o mesmo objecto ou mesmo, e mais de uma vez, do mesmo modo, cfr. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “O objecto da sentença e o caso julgado material – Estudo sobre a funcionalidade processual” – BMJ 325 – 49 ss).</font><br>
<font>Outrossim, entendemos que a força do caso julgado releva quanto às questões que a parte dispositiva da sentença decide expressamente, embora também se entenda poder abranger todas as questões que sejam antecedente lógico indispensável à decisão (cfr. o Acórdão do S.T.J. de 3 de Abril de 2014 – P.º 5928/04 – 2.ª Secção; e, neste último sentido os Profs. Antunes Varela, M. Bezerra e S. Nora, in “Manual do Processo Civil”, 1985, 718; enquanto o Prof. Castro Mendes, ob. cit. II, 302 opta pela tese enunciada em primeiro lugar).</font><br>
<font>O Prof. Alberto dos Reis (ob. cit. III, 143) refere que, aceitando o princípio da teoria limitativa, se conceda que, casuisticamente, pode ser sujeito a “grandes restrições”, no que, de certo modo, é acompanhado pelo Prof. Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, p. 327) e seguido pelo Cons. Rodrigues Bastos (ob. cit. III, 253).</font><br>
<font>Enfim, cotejando a evolução dos preceitos a partir do diploma de 1939 e ponderando os argumentos da doutrina e da jurisprudência entendemos que os limites objectivos do caso julgado se situam no segmento decisório da sentença.</font><br>
<font>Mas sendo esta a conclusão do silogismo judiciário terão de ser ponderadas as premissas, como antecedente lógico do referido segmento, e (se absolutamente determinantes, desde que não se traduzam, apenas em meros argumentos de exegese jurídica ou de exposição doutrinária) é-lhes conferida força de “res judicata”.</font><br>
<font>(Cfr. ainda o Prof. Miguel Teixeira de Sousa – Estudos sobre o Novo Processo Civil, 579/9 e Acórdão do STJ de 3 de Março de 2009 – 09A0020, relatado pelo ora 1.º Adjunto).</font><br>
<font>Assim, é obvio, que não podemos esquecer que, como antecedente lógico da “leitura” da parte decisória, há que proceder à respectiva interpretação, o que implica seguir o “iter” que conduziu à conclusão encontrada e que contém pressupostos dados por assentes a constituírem a fundamentação.</font><br>
<font>E como ensina o Prof. Castro Mendes (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, 255) a validade de uma decisão impõe a sua adequação ao pedido e à causa de pedir e aos seus próprios fundamentos, “daqui resulta que pedido, causa de pedir e fundamentos são importantes elementos de interpretação da sentença”.</font><br>
<font>Daí que, e para além disso, e com esse argumento, possam ser tidos como a coberto do que se quis dar por assente, ficando excluída a possibilidade de o mesmo objecto voltar a ser discutido em Juízo.</font><br>
<font>1-3-Aqui chegados, resta verificar se está preenchido o requisito de admissibilidade do recurso da previsão do n.º 2, alínea a), “in fine”, do artigo 629.º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>E a resposta não pode deixar de ser negativa.</font><br>
<font>Verificada a dogmática do caso julgado e os termos em que o mesmo aqui se sedimentou a admissão do recurso só seria possível se o mesmo tivesse sido violado pelo Acórdão recorrido.</font><br>
<font>É que, para efeitos de admissão excepcional (prescindindo da alçada e da sucumbência) a ofensa do caso julgado a que se refere o preceito imediatamente acima citado tem de ser cometida pela decisão que se pretende impugnar que não por quaisquer outras que, a montante, se pronunciem sobre aquela excepção (cfr. o despacho liminar no processo n.º 305/09.5TBTVR-A.E1.S1 – e os Acórdãos do STJ de 3 de Março de 2009 – 09A0020 – de 8 de Setembro de 2011 – 407/04.TBCDR.P2.S1 e de 13 de Julho de 2010 – 464/05.6TBCBT-C.G1.S1, os de 2010 e 2009 de relato do, ora, 1.º Adjunto).</font><br>
<font>Nestes afirmou-se que “da decisão da 2.ª Instância que conhece da excepção de caso julgado, não cabe regime de recurso diferente do contido na regra do n.º 1 do artigo 678.º, não sendo aplicável o fundamento excepcional de admissibilidade contemplado no n.º 2 do artigo 678.º pois que a admissibilidade do recurso fundada na violação de caso julgado tem como pressuposto ser a própria decisão impugnada a contrariar a anterior decisão transitada em julgado, violando-a, ela mesmo, directamente, bem como a posição assumida no mesmo acórdão de sindicar a decisão de mérito impugnada na perspectiva do respeito pela autoridade do caso julgado em conformidade com as normas contidas nos artigos 673.º (o caso julgado constitui-se «nos precisos termos e limites em que se julga» e 675.º, fazendo respeitar a vinculatividade à decisão judicial que primeiramente tivesse apreciado a matéria subjacente ao litigio e que tivesse transitado em julgado”. </font><br>
<font>Vejam-se ainda o Prof. Lebre de Freitas e Doutor A. Ribeiro Mendes in “Código de Processo Civil Anotado, 3.º, I, 2.ª ed., 2008, 15 em anotação ao artigo 678.º, n.º 2 e o Cons. Amâncio Ferreira – “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª ed., 104.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora o Acórdão recorrido não foi contra o já definitivamente julgado, tal como inequivocamente resulta de toda a matéria acima elencada, das certidões juntas e do que, de relevante se transcreveu, sendo que, no “punctum saliens”, a “posse” dos demandados foi, em ambos os arestos tida por “meramente obrigacional”, ou seja detenção.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Impossibilitada a admissão do recurso por inverificado o fundamento excepcional do n.º 2, alínea a) “in fine” do artigo 629.º do Código de Processo Civil, nada mais poderá ser conhecido nesta sede pois, e como antes se adiantou, o objecto do recurso só poderia ser limitado àquela questão.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>2- Conclusões</font></b>
</p></font><p><font><font>Pode, então, e desde já concluir-se que:</font><br>
<font>a) A excepção do caso julgado – dilatória, a surgir como pressuposto processual negativo ou excludente – destina-se a impedir que o Tribunal profira uma decisão de mérito que contrarie ou repita outra definitivamente julgada.</font><br>
<font>b) Obstaculiza nova decisão de mérito, enquanto a autoridade do caso julgado tem um conteúdo positivo, por impor a primeira posição assumida em sede de prejudicialidade.</font><br>
<font>c) A irreversibilidade da sentença, por esgotamento quanto à matéria da causa após a sua prolação – artigo 613.º n.º 1 CPC – traduz o caso julgado formal, que pode ainda ter o sentido da imutabilidade das decisões de forma limitadas ao processo.</font><br>
<font>d) Já o caso julgado material torna indiscutível “erga omnes” a situação fixada na sentença transitada (“res judicata pro veritate habetur”).</font><br>
<font>e) A decisão sobre o pedido e causa de pedir fica imutável, impedindo não só que o tribunal decida diferentemente sobre o mesmo objecto ou mesmo, e mais de uma vez, do mesmo modo.</font><br>
<font>f) Os limites objectivos do caso julgado situam-se no segmento decisório da sentença.</font><br>
<font>g) Mas sendo esta a conclusão do silogismo judiciário terão de ser ponderadas as premissas, como antecedente lógico do referido segmento, e se absolutamente determinantes (desde que não se traduzam, apenas em meros argumentos de exegese jurídica ou de exposição doutrinária) é-lhes conferida a força de “res judicata”.</font><br>
<font>h) Como antecedente lógico da “leitura” da parte decisória, há que proceder à respectiva interpretação, o que implica seguir o “iter” que conduziu à conclusão encontrada e que contem pressupostos dados por assentes a constituírem a fundamentação.</font><br>
<font>i) Se o recurso é admitido apenas por verificada/indiciada qualquer das excepções da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do principal diploma adjectivo o seu objecto fica restringido ao conhecimento da impugnação que condicionou o seu conhecimento.</font><br>
<font>j) Para efeitos de admissão excepcional (prescindindo da alçada e da sucumbência) a ofensa do caso julgado a que se refere o preceito imediatamente acima citado tem de ser cometida pela decisão que se pretende impugnar que não por quaisquer outras que, a montante, se pronuncie sobre aquela excepção.</font><br>
<font>k) Impossibilitada a admissão do recurso por inverificado o fundamento excepcional do n.º 2, alínea a) “in fine” do artigo 629.º do Código de Processo Civil, nada mais poderá ser conhecido nesta sede.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Nos termos expostos </font><u><font>acordam não admitir a revista</font></u><font>.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas (Relator)</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
<br>
<font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5DJ_u4YBgYBz1XKvQxE- | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font></p><div><br>
<font> I</font></div><br>
<font> 1. AA e Mulher, BB, intentaram ação originariamente contra </font><i><font>CC, S.A.</font></i><font>, ao lado da qual vieram a intervir, a título principal, </font><i><font>DD, S.A.</font></i><font> e a </font><i><font>EE – Energia, S.A.</font></i><font>, pedindo que a Ré seja condenada a remover toda a estrutura da subestação elétrica, incluindo as seis linhas de alta tensão que passam por cima do prédio dos AA., sustentadas por dois postes, ou, em alternativa, a proceder à desativação/encerramento da mesma, ou, subsidiariamente, a indemnizar os AA. na quantia de € 157 000, correspondente ao valor da desvalorização do prédio, quantia acrescida dos juros vincendos, à taxa de 7%, desde a data da citação, até integral pagamento; em qualquer dos casos, pede cumulativamente a condenação da Ré a pagar aos AA. a quantia de € 12 500, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, quantia igualmente acrescida de juros vincendos. </font>
<p><font>Contestaram Ré e Intervenientes, por exceção e impugnação.</font>
</p><p><font>Proferido saneador-sentença, a conhecer parcialmente da procedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, alegada pelos intervenientes, julgando-a improcedente quanto aos danos invocados que se reportem aos últimos três anos anteriores à ação. O assim decidido transitou em julgado.</font>
</p><p><font>Prolatada sentença, absolvendo do pedido a Ré originária, bem como a Interveniente </font><i><font>DD, S.A.</font></i><font> e a julgar a ação parcialmente procedente unicamente quanto à Interveniente </font><i><font>EE, S.A.</font></i><font>, condenando-a ao pagamento de indemnização, por danos não patrimoniais, ao 1º A., no montante de € 4.000,00 e à 2ª A., no montante de € 6.000,00; mostrando-se atualizados tais montantes, serão devidos juros de mora, à taxa civil, desde a data da prolação da sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Interpostos recursos para a Relação, por parte dos AA. e, subordinadamente, por parte da Interveniente.</font>
</p><p><font>Proferido acórdão a julgar improcedentes os recursos e a confirmar a sentença da 1ª instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pedem revista os AA., concluindo, a final das suas alegações:</font>
</p><p><i><font>«1 - Se é verdade que os factos constantes dos n°s 12, 15, e 16 dos factos provados se encontram prescritos, de acordo com o entendimento do douto despacho saneador-sentença, já o mesmo não se pode concluir quanto aos factos constantes do n° 17.</font></i>
</p><p><i><font>2 - Tais factos pela sua gravidade merecem a tutela do direito pois que a circunstância de os Autores viverem num estado de ansiedade e inquietação, com receio de que as linhas de alta tensão que passam por cima do seu prédio/residência lhes caíam em cima e de explosões na subestação, o que lhes provoca desgaste físico e psicológico, não se deve a uma "mera sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada", mas tem razão de ser em factos que, apesar de prescritos, já se verificaram - factos provados 12, 15, 16.</font></i>
</p><p><i><font>3 - O douto acórdão não apreciou o facto constante do n° 14 dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>4 - Tais factos merecem, igualmente, atenta a sua gravidade, a tutela do direito, pois que a circunstância de os mesmos não se sentirem bem no seu prédio se deve, designadamente, aos factos objectivos referidos nos n°s 12, 15, 16, e 17, e não a razões, mais uma vez, de "mera sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada."</font></i>
</p><p><i><font>5 - Os factos referidos - n°s 14 e 17 - consubstanciam, assim, ofensas aos direitos dos autores a um ambiente e qualidade de vida sadios, à proteção da sua saúde, na vertente física e psíquica, e são impostos diariamente na sua residência, centro da sua vida pessoal, onde têm direito a serem menos perturbados.</font></i>
</p><p><i><font>6 - Temos pois, que a realidade da matéria de facto supra configura a existência concreta de danos não patrimoniais sofridos pelos autores.</font></i>
</p><p><i><font>7 - Estes danos são imputáveis à actividade desenvolvida pela Interveniente EE na subestação e na exploração das linhas que dela chegam e saem, designadamente, das linhas que passam sobre a casa dos Autores, uma vez que in casu, se encontram verificados os elementos integradores da responsabilidade civil extracontratual da Interveniente EE, nos termos expostos supra expostos.</font></i>
</p><p><i><font>8 - A Interveniente EE não ilidiu a presunção de culpa do 493°, n°2, dado que não mostrou que " empregou todas as providências exigidas peias circunstâncias com o fim de os prevenir.", nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integramente reproduzido.</font></i>
</p><p><i><font>9 - Mesmo admitindo - o que só por mera hipótese se presume -, que a Interveniente conseguiu ilidir a presunção de culpa do n° 2 do art. 493° do CC, sempre teriam que sobrepor-se, no caso concreto, os direitos de personalidade dos Autores ofendidos com a actividade da Interveniente EE, aos direitos económicos desta última, nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.</font></i>
</p><p><i><font>10 - Temos, assim, de um lado, o direito dos Autores a um ambiente de vida humano, sadio, ecologicamente equilibrado (art.66° da CRP), o direito ao repouso necessário à preservação da integridade pessoal (art.25° da CRP), o direito à saúde (art. 64° da CRP),o direito à habitação que preserve a intimidade pessoal e a privacidade da família (art. 65° da CRP), o direito à tutela geral da personalidade prevista no art.°70° do C. Civil; e, do outro, temos o direito da Interveniente EE ao exercício da sua actividade económica/comercial de exploração/distribuição de energia eléctrica (direito à iniciativa privada).</font></i>
</p><p><i><font>11 - Pelo que estará aqui em causa a questão da compatibilização entre direitos fundamentais em conflito.</font></i>
</p><p><i><font>12 - A C.R.P. concede uma maior proteção aos direitos de natureza "Direitos, Liberdades, Garantias", do que aos direitos de natureza "económica, social e cultural".</font></i>
</p><p><i><font>13 - Por sua vez, determina o art.º 335°, n°l do CC que "havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes". E o seu n°2 acrescenta que "se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior."</font></i>
</p><p><i><font>14 - A jurisprudência dominante tem vindo a entender que no caso de colisão entre um direito de personalidade e um direito de não personalidade (direito económico), devem prevalecer, em princípio os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais, de acordo com o estipulado no n°2 do artigo citado.</font></i>
</p><p><i><font>15 - E, ainda, que o exercício de uma actividade económica deve ceder perante direitos de personalidade merecedores de tutela jurídica, mesmo nos casos em que aquela actividade seja autorizada administrativamente, ou respeite, por exemplo os níveis de ruído permitidos por lei, desde que provados danos em concreto.</font></i>
</p><p><i><font>16 - Nestes casos, mesmo que a actividade em causa possua as competentes licenças de exploração/funcionamento, continua a existir o direito de oposição por particulares quando haja ofensa dos seus direitos de personalidade. É que os direitos de personalidade são protegidos, em termos gerais, contra qualquer ofensa ilícita, independentemente de culpa ou de intenção de prejudicar terceiros.</font></i>
</p><p><i><font>17 - Há que averiguar, in casu, se se justifica um dever/obrigação por parte dos AA. de suportar, em exclusivo, na sua esfera jurídica, lesões dos seus mais elementares direitos de personalidade, constitucionalmente protegidos, em nome do interesse publico que, inegavelmente, reveste a actividade privada desenvolvida pela Interveniente EE</font></i>
</p><p><i><font>18 - Entende-se que no caso concreto deverão prevalecer os direitos dos Autores supra descritos, em detrimento do direito económico da Interveniente EE ao exercício da sua actividade comercial, nos termos supra exposto em V-B), que aqui se dá por inteiramente reproduzido.</font></i>
</p><p><i><font>19 - Como se entendeu no Ac. Rel. Lisboa, de 12.02.2013, Proc. 110/2000.Ll-7, in </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, num caso semelhante de colisão de direitos, "Todavia, os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer circunstância, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios que em nome do bem comum ou da sociedade devam ser suportadas por esta."</font></i>
</p><p><i><font>20 - Pelo que assiste aos Autores o direito de exigirem a remoção ou desactivação da subestação e das linhas que passam sobre a casa.</font></i>
</p><p><i><font>21 - É que, apesar da remoção ou desactivação da subestação e das linhas ter um custo económico apreciável, pelo menos, para o comum das pessoas, nunca é demais salientar que os lucros da EDP em 2014 foram de 1.040 milhões de euros! E que em 2015 a própria EDP fez uma previsão de lucros superiores a 900 milhões!</font></i>
</p><p><i><font>22 - E, se é certo que a Interveniente exerce, como se referiu uma actividade de interesse público, a mesma não deixa de ser uma actividade comercial de natureza privada que prossegue o objectivo do lucro com vista aos interesses "egoístas" dos seus acionistas.</font></i>
</p><p><i><font>23 - Assistiria sempre em qualquer dos casos, o direito dos autores a exigir a desactivação/remoção da subestação com base na aplicação do princípio da precaução pois está em causa o direito dos autores a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, direito que pode estar a ser colocado em risco devido à existência do campo elétrico e magnético, conforme o exposto supra em V - B).</font></i>
</p><p><i><font>24 - Ao contrário do entendido pelo douto acórdão recorrido a responsabilidade aquiliana pelo dano da desvalorização não está afastada, conforme o supra exposto em V - C).</font></i>
</p><p><i><font>25 - Ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido não há lugar no caso concreto ao afastamento da aplicação do artigo 37° do DL 43.335.</font></i>
</p><p><i><font>26 - Os autores intentaram a presente acção com base em responsabilidade civil extracontratual da Ré e Intervenientes, mas tal não impediria a qualificação posterior pelas instâncias como sendo um caso de constituição de uma servidão administrativa aérea, subsumindo e enquadrando os factos provados à responsabilidade civil por factos lícitos nos termos previstos naquele art. 37° (cfr. Ac. STJ, P.116S/06.8TBMCN.P1.S1, </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>27 - Mas, no caso dos autos nunca tal normativo poderia aplicar-se relativamente à subestação em si, que não foi construída em prédio pertença dos AA..</font></i>
</p><p><i><font>28 - Ora o prejuízo da desvalorização deve-se, quer à existência/actividade da subestação, com todo o seu equipamento, quer às linhas eléctricas que passam sobre o telhado do prédio dos AA..</font></i>
</p><p><i><font>29 - O direito à indemnização pelo dano da desvalorização não está prescrito, nos termos expostos em V - C).</font></i>
</p><p><i><font>30 -Os AA. só verdadeiramente ficaram consciente deste facto - DESVALORIZAÇÃO DO PRÉDIO -, quando o colocaram à venda durante um período de cerca de quatro anos - 1998-2001 - , e ninguém se mostrou interessado em o adquirir.</font></i>
</p><p><i><font>31 - O dano da desvalorização é um dano presente, permanente, continuado, variável ao longo do tempo.</font></i>
</p><p><i><font>32 - Em nenhuma parte dos factos provados se encontra demonstrado que foi constituída regularmente a favor Interveniente EDP uma servidão administrativa aérea por cima do telhado dos autores e aceite por estes.</font></i>
</p><p><i><font>33 - Ainda que se entenda que a constituição da servidão administrativa de passagem de linhas aéreas resulta dos factos provados, a verdade é que a Interveniente nunca indemnizou os autores do prejuízo pela passagem das linhas.</font></i>
</p><p><i><font>34 - A Interveniente EE, proprietária da subestação, usufruindo de todas as vantagens que a mesma lhe proporciona, tem contra si uma presunção de culpa que tem de ser ilidida por prova em contrário, incumbindo-lhe demonstrar que empregou todos os deveres exigidos pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos.</font></i>
</p><p><i><font>35 - A própria Interveniente EE em documento denominado "Guia de Boas Práticas para a Integração Paisagística de Infraestruturas Eléctricas -Vol. 2", e que pode ser consultado na íntegra no site da EE (</font></i><i><font>www.edpdistribuicao.pt</font></i><i><font>), assume relativamente às grandes infraestruturas eléctricas, onde se incluem as subestações, como principais impactes, entre outros, colisão e eletrocussão de aves, risco de incêndio, riscos aos conforto e segurança das populações associados à natureza dos objectos (risco de queda de uma linha e risco de eletrocussões), perceção social do objecto - ruído e impactes na saúde (a perceção certa ou errada que a exposição aos campos eletromagneticos pode trazer consequências para a saúde constitui um factor de desconforto e perturbação), desvalorização das propriedades produtivas que são atravessadas por uma linha eléctrica, desvalorização de áreas residenciais que se encontrem nas proximidades, desvalorização da paisagem provocada pela degradação do seu valor cénico."</font></i>
</p><p><i><font>36 - Não podia a Interveniente deixar de conhecer que a construção e manutenção em actividade de uma subestação em zona residencial, além de todos os perigos potenciais daí decorrentes para os prédios vizinhos (cfr. o citado Guia de Boas práticas), acarreta, também, desvalorização destes mesmos prédios, e desde logo, tal é facto público e notório para qualquer pessoa medianamente informada.</font></i>
</p><p><i><font>37 - A Interveniente não agiu como uma pessoa cautelosa, atenta informada e sagaz, empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar os danos, pelo que não ilidiu a presunção quer de culpa, quer de ilicitude.</font></i>
</p><p><i><font>38 - É imputável à Interveniente a responsabilidade pela indemnização sofrida pelos autores relativa ao dano sofrido com a desvalorização da casa, quer por via do citado art. 37° do DL 43.335, quanto às linhas que passam sobre o telhado da casa, quer por via do art.493°,n°2 quanto à subestação.</font></i>
</p><p><i><font>39 - Caso se entenda que no caso concreto a Interveniente ilidiu a presunção de culpa, sempre o pedido dos autores deveria proceder - quanto ao dano emergente da existência em actividade da substação - por aplicação, por via da analogia do preceituado no art. 1346° do Cód. Civil que contém um princípio genérico de responsabilidade civil.</font></i>
</p><p><i><font>40 - O quantum indemnizatório para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores deverá ser de €12.500,00, conforme o exposto supra em V-C).</font></i>
</p><p><i><font>41 - O douto acórdão recorrido, nos termos supra expostos, e saldo o devido respeito, não interpretou e aplicou corretamente o direito aos factos.</font></i>
</p><p><i><font>42 - O douto acórdão recorrido violou, designadamente, os artigos 335°, 483, n°1, 493º,n°2, 495°, 496°,n°3, 497°, 1346° todos do C. Civil, 8º, n°s 1 e 2, e 13° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), 25°, 26°, n°1, 64°, 65°, 66° da Constituição da República Portuguesa.»</font></i>
</p><p><font>Contra-alegou a </font><i><font>EDP</font></i><font>, concluindo no sentido da manutenção do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font>II</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2), respeitam as questões a decidir no presente recurso a saber se:</font><br>
<font>(i) Os danos sofridos pelos AA. – por estes destacados os que vêm referidos nos nºs. 14 e 17 dos factos provados –, consubstanciadores de </font><i><font>«ofensas aos direitos dos autores a um ambiente e qualidade de vida sadios, à proteção da sua saúde, na vertente física e psíquica»</font></i><font>, devem determinar a procedência do pedido respeitante à remoção ou desativação da subestação e das linhas de média tensão que passam sobre a sua casa de habitação, em razão (i.i) desde logo, da imputação de tais danos à Recorrida, no quadro de previsão do nº 2 do art. 493º do CC e (i.ii) da prevalência dos enunciados direitos dos AA., enquanto emanação de direitos fundamentais de personalidade constitucionalmente tutelados, sobre o direito da Recorrida em manter no local as instalações e equipamentos em causa, embora devidamente licenciados – conclusões 1/23 e 42;</font><br>
<font> </font><br>
<font>(ii) O dano sofrido com a desvalorização da casa de habitação dos AA. – no caso de improcedência do pedido respeitante à remoção ou desativação da subestação e das linhas de média tensão – deve ser imputado à Recorrida, seja, quanto às linhas que sobrepassam a casa de habitação, por via do art. 37º do DL 43.335, de 19 de Novembro de 1960, seja, quanto à subestação, por via do nº 2 do art. 493º do CC – conclusões 24/39 e 42;</font><br>
<font> </font><br>
<font>(iii) A indemnização por danos não patrimoniais deverá fixar-se no montante peticionado de € 12 500 – conclusões 40/41 e 42. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font>
</p><p><i><font>«1 – Os AA. são donos de um prédio urbano, composto de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação e sito no Lugar ..., a confrontar do norte e poente com os próprios, do sul com a Chamada EE – ..., S.A., e do nascente com caminho público, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1196 (alínea A) da matéria assente). </font></i>
</p><p><i><font>2 – Os AA. construíram o prédio identificado em 1 dos Factos Provados durante o ano de 1969 e passaram a utilizá-lo como casa de morada de família em 1970. </font></i>
</p><p><i><font>3 – Em 1972, a União Eléctrica Portuguesa (UEP) construiu e instalou uma subestação de 60/15 kV contígua ao prédio dos AA., do lado sul. Esta subestação integra, desde 2000, o património da Interveniente EE, S.A., e é explorada por ela. </font></i>
</p><p><i><font>4 – A estrutura da subestação comporta dezenas de linhas de alta (60 kV) e de média (15 kV) tensão, suportadas por postes, dois potentes transformadores, e um mais pequeno que serve para alimentar os serviços auxiliares da própria subestação, e respectivos ventiladores de arrefecimento, e demais equipamento necessário ao funcionamento da subestação. </font></i>
</p><p><i><font>5 – Mesmo junto ao prédio identificado em 1 dos Factos Provados, a uma distância de cerca de 72 centímetros da parede sul, existe um poste de linhas de média tensão (15 kV), e um outro a cerca de 3,67 centímetros da mesma parede.</font></i>
</p><p><i><font>6 – Três fios eléctricos de média tensão, sustentados por aqueles postes, passam por cima do telhado do prédio identificado em 1 dos Factos Provados. A mais curta distância do edifício de habitação dos AA. à linha mais próxima é de 5,67 metros. </font></i>
</p><p><i><font>7 – Pouco tempo depois da entrada em funcionamento da subestação, a A., que era o membro do agregado familiar que mais tempo passava em casa, começou a sofrer de um mal-estar, o qual se manifestava através de sensações de queimaduras, calores e irritação da pele ao nível da cabeça, face, pescoço e braços e inflamação na garganta, sentindo náuseas e dores na cabeça, nos ossos e articulações; em consequência do mal-estar sofrido pela A., esta consultou diversos médicos especialistas (2ª parte aditada nesta instância, consoante fundamentação infra).</font></i>
</p><p><i><font>8 – A A., que gostava de ter a companhia dos seus dois netos no prédio identificado em 1 dos Factos Provados, deixou de os ter a seu lado, por recear que possam vir a sofrer dos sintomas de que padece, já que os mesmos apresentavam queixas de calor na face. </font></i>
</p><p><i><font>9 – Na subestação existem dois transformadores que produzem de modo contínuo e permanente, durante o dia e durante a noite, um ruído, que era audível tanto no exterior como no interior do prédio identificado em 1 dos Factos Provados e muito incomodativo para os AA. (conforme alteração efectuada nesta instância – cf. fundamentação infra).</font></i>
</p><p><i><font>10 – Existem, igualmente, dois ventiladores, situando-se os mesmos a uma distância não superior a 15 metros do lado sul do prédio identificado em 1 dos Factos Provados, e que, quando em funcionamento, produziam um ruído contínuo, audível tanto no exterior como no interior do prédio dos AA. (conforme alteração efectuada nesta instância – cf. fundamentação infra).</font></i>
</p><p><i><font>11 – O ruído produzido por aqueles transformadores e ventiladores era perfeitamente audível até 2011/2012 e impedia os AA., principalmente durante a noite, de desfrutar de um ambiente calmo e tranquilo, ficando o seu sono e repouso perturbados. Em 2011/2012, a Interveniente EE - ..., S.A., colocou barreiras acústicas à volta dos transformadores e ventiladores o que atenua muito o ruído feito pelos mesmos. Actualmente o nível de incomodidade feito pelos mesmos cumpre o disposto no art. 13.º do D.L. nº 9/2007, de 17/01. </font></i>
</p><p><i><font>12 – Com tempo de trovoada e chuva intensa, verificam-se, de tempos a tempos, curto-circuitos acompanhados da formação de arcos eléctricos causadores de ondas acústicas que produzem barulho e que já fizeram estremecer, em data anterior a 1995, o prédio dos AA.</font></i>
</p><p><i><font>13 – Alguns dos holofotes da subestação estiveram colocados de uma forma que iluminava as janelas do prédio dos AA., do lado poente, durante um período não inferior a oito anos e até há cerca de um ano (à data da propositura da acção), causando muitos incómodos aos AA. </font></i>
</p><p><i><font>14 – Por não se sentirem bem no prédio identificado em 1 dos Factos Provados, e mesmo fora dele, no seu jardim, os AA. deslocam-se, quando tal lhes é possível, a casa de familiares, no Norte do país, a fim de descansar, ou vão dormir a casa de pessoas amigas, na cidade de .... </font></i>
</p><p><i><font>15 – Ocorreram já 2 ou 3 “explosões” nos postes de alta tensão da subestação as quais provocaram: a) a queda de um candeeiro de parede; b) que se queimasse o quadro eléctrico situado na entrada do prédio dos AA., uma televisão e uma lâmpada fluorescente existente no referido prédio. </font></i>
</p><p><i><font>16 – Estes factos ocorreram antes de 1995, altura em que a EDP “ligou” o sistema eléctrico de casa dos AA. a um fio terra existente na subestação. </font></i>
</p><p><i><font>17 – Os AA. vivem num estado de ansiedade e inquietação, com receio de que as linhas de alta tensão que passam por cima do prédio identificado em 1 dos Factos Provados lhes caiam em cima e de explosões na subestação, situação que lhes provoca desgaste físico e psicológico. </font></i>
</p><p><i><font>18 – As linhas eléctricas de alta e média tensão criam campos eléctricos e campos magnéticos. </font></i>
</p><p><i><font>19 – Há cerca de seis anos (à data da propositura da acção), os AA. decidiram colocar à venda o prédio identificado em 1 dos Factos Provados, tendo entregue a promoção dessa venda a vários mediadores e agências imobiliárias, designadamente, ..., Réplica e Sítio. </font></i>
</p><p><i><font>20 – O referido prédio esteve à venda durante cerca de quatro anos e, durante este período de tempo, alguns dos possíveis interessados na compra, quando constatavam que o prédio se localizava ao lado da subestação eléctrica e com cabos de alta tensão a passar por cima, imediatamente desistiam do negócio, não perguntando o preço nem entrando para ver o prédio. </font></i>
</p><p><i><font>21 – A FF, SARL, construiu a subestação 60/15 kV de ... em 1972. </font></i>
</p><p><i><font>22 – A sua construção obedeceu a todos os regulamentos técnicos existentes à data. </font></i>
</p><p><i><font>23 – A subestação foi licenciada pela Direcção Geral dos Serviços Eléctricos. </font></i>
</p><p><i><font>24 – E entrou em funcionamento em 1973. </font></i>
</p><p><i><font>25 – A subestação foi concebida recebendo energia a 60 kV da subestação de ... e da subestação de ..., através das respectivas linhas de alta tensão, e distribuindo energia eléctrica a 15 kV, designadamente através de duas linhas a 15 kV. </font></i>
</p><p><i><font>26 – Estas linhas foram executadas em obediência aos regulamentos técnicos existente à data. </font></i>
</p><p><i><font>27 – E foram licenciadas pela Fiscalização Eléctrica. </font></i>
</p><p><i><font>28 – Ao longo dos anos as linhas e a subestação foram sendo mantidas em bom estado de conservação e exploração e de acordo com o projecto licenciado.</font></i>
</p><p><i><font>29 – Em 1976 a subestação e as linhas passaram a integrar o património da GG, E.P.. </font></i>
</p><p><i><font>30 – Em 1991 passaram a integrar o património da GG – GG, S.A.. </font></i>
</p><p><i><font>31 – Em 1994 passaram a integrar o património da HH, S.A.. </font></i>
</p><p><i><font>32 – Posteriormente, em 2000, por fusão das empresas distribuidoras do grupo II, passaram a integrar, como hoje integram, o património da EE – ..., S.A.. </font></i>
</p><p><i><font>33 – O valor do campo magnético gerado pelas redes eléctricas que sobrepassam a casa dos AA. em situação de carga máxima é inferior a 5 ut. No dia 31/01/2012, foram medidos os campos eléctrico e magnético em casa dos AA. tendo-se registado os seguintes valores: a) o valor máximo do campo eléctrico foi registado na varanda da habitação, sendo de 53 V7m. Dentro da habitação, o campo eléctrico medido não ultrapassou 4 V/m; b) o valor máximo do campo magnético foi registado num dos quartos do 1º andar, sendo de 1,1 ut. Estes valores são muito inferiores aos limites estipulados pela Organização Mundial da Saúde, pelos Conselho e Parlamento Europeus e pela legislação portuguesa. </font></i>
</p><p><i><font>34 – A intensidade máxima nas linhas de 15 kV que sobrepassam a casa dos AA. – ... e ... – não sobrepassa os 400 amperes. No dia em que foi efectuada a medição não atingiu os 150 amperes na linha ... e os 60 amperes na linha .... São valores representativos dos valores máximos correspondentes à operação normal das linhas em questão, por corresponderem (terem sido medidos) a um dia de semana no inverno. </font></i>
</p><p><i><font>35 – A subestação e as linhas asseguram a distribuição de energia eléctrica a dezenas de PTs privativos e públicos. </font></i>
</p><p><i><font>36 – A remoção da subestação e das redes eléctricas de e para a subestação implicam trabalhos com custo superior a € 500.000,00. </font></i>
</p><p><i><font>37 – A construção de uma nova subestação exige vários meses, senão anos, e um investimento de centenas de milhares de euros. </font></i>
</p><p><i><font>38 – O valor de casa dos AA. é de cerca de € 80.000,00. </font></i>
</p><p><i><font>39 – Os AA. possuem uma segunda casa, em ..., onde passam algum tempo.»</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 7. </font><u><font>Do Direito</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1. </font><b><u><font>Do pedido de remoção/desativação da subestação e das linhas de média tensão que passam sobre a casa de habitação dos AA.</font></u></b><font> [</font><i><font>supra</font></i><font>, 5, (i)].</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.1. O conceito </font><i><u><font>atividade perigosa</font></u></i><font>, contido no </font><b><font>nº 2 do art. 493.º do CC</font></b><font>, apresenta-se como </font><i><font>conceito relativamente indeterminado</font></i><font>, carecido de preenchimento valorativo.</font>
</p><p><font>No que respeita à </font><b><i><font>atividade de transporte, distribuição e fornecimento de energia elétrica</font></i></b><font>, tal como exercida pela Recorrida, </font><b><font>deve ela ser considerada </font></b><b><i><font>perigosa por sua própria natureza</font></i></b><b><font>, para efeitos de aplicação da presunção de culpa prevista na referida disposição normativa</font></b><font>, conforme jurisprudência reiterada deste tribunal (além dos arestos citados no acórdão recorrido, vejam-se, mais recentemente, ASTJ de 27 de Abril e de 28 de Setembro de 2017, sumários publicados em </font><a><u><font>www.stj.pt</font></u></a><font>).</font>
</p><p><b><font>Responde, ainda, pelo risco</font></b><font>, </font><i><font>«tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade (…), como pelos danos resultantes da própria instalação»</font></i><font>, nos termos previstos no </font><b><font>nº 1 do art. 509º do mesmo código</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Considerado o mais severo regime de responsabilidade a que a Recorrida, na atividade exercida, se encontra sujeita, podendo, quanto ao elemento relativo à </font><i><font>culpa</font></i><font>, desta presumir-se, ou mesmo prescindir-se, sempre haverá que exigir a </font><b><font>verificação de um </font></b><b><i><font>nexo de causalidade</font></i></b><font> (CC, arts. 483º, nº 1 e 563º).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.2. Os danos sofridos pelos Recorrentes, consubstanciadores, conforme alegam, de</font><i><font> «ofensas aos direitos (…) a um ambiente e qualidade de vida sadios, à proteção da sua saúde, na vertente física e psíquica»</font></i><font>, a fundar o pedido de remoção/desativação da subestação e das linhas de média tensão que passam sobre a sua casa de habitação, constam, por um lado, do </font><b><font>nº 7</font></b><font> (restringidos à A., </font><i><font>«que mais tempo passava em casa, começou a sofrer de um mal-estar, o qual se manifestava através de sensações de queimaduras, calores e irritação da pele ao nível da cabeça, face, pescoço e braços e inflamação na garganta, sentindo náuseas e dores na cabeça, nos ossos e articulações»</font></i><font>) e, por outro, dos </font><b><font>nºs. (9, 10) 11 e 13 dos factos provados</font></b><font> (ruído produzido pelos transformadores e ventiladores e iluminação, por holofotes, das janelas da casa); a responsabilidade pelos danos referidos nos nºs. 12, 15 e 16 encontra-se definitivamente afastada (1ª parte do nº 1 das conclusões da alegação dos recorrentes).</font>
</p><p><font>O dimensionamento jurídico dos </font><b><font>factos constantes dos</font></b><font> </font><b><font>nºs. 14 e 17</font></b><font>, que os Recorrentes entendem não ter sido devidamente valorados no acórdão da Relação e </font><b><font>aos quais agora se estreita o fundamento do pedido</font></b><font> (conclusões 1/6 da alegação), será seguidamente apreciado – </font><i><font>infra</font></i><font>, 7.1.5.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1.3. A segunda parte do </font><b><font>nº 7 dos factos provados</font></b><font> foi aditada pela Relação, nessa parte considerada procedente a impugnação dos Recorrentes.</font>
</p><p><font>Já, quanto ao pelos mesmos alegado de que </font><i><font>«as linhas elétricas que passam por cima da casa dos AA., a subestação e todo o equipamento que a compõe, provocaram e provocam os efeitos na saúde dos AA. acima descritos»</font></i><font>, foi pela Relação julgado improcedente, nos seguintes termos (realce final acresc.):</font>
</p><p><i><font>«(…) É sobretudo de salientar que outros adultos conviventes com a Autora não registaram esses efeitos (ou outros) na respectiva saúde – e também há que salientar que a casa dos Autores, se bem que a única contígua ou confrontante com a subestação da Interveniente, não é a única que se situa próximo, ou muito próximo, da subestação: do lado Nascente da actual rua onde se situa a casa dos AA. (asfaltada, mas de largura estreita, mal servindo dois veículos em cruzamento) existem diversas casas de habitação de cujos residentes não existiu notícia de que se queixassem, designadamente das citadas doenças, com origem no funcionamento da subestação e na passagem superior de cabos de tensão el | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xDKxu4YBgYBz1XKvSDDf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><u><font>Relatório</font></u></b><div><font>*</font></div><br>
<b><u><font>A Câmara Municipal de Pombal</font></u></b><font> intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra</font><br>
<b><u><font>AA… – Fábrica Portuguesa de Redes Ld.</font></u></b><b><font>ª , </font></b><br>
<font>alegando em resumo:</font><br>
<font>— A. e Ré outorgaram escritura de compra e venda, por via da qual a A. vendeu à Ré e esta comprou , 3 lotes de terreno, sitas no Parque Industrial concelhio, destinados à implantação de unidades industriais, pelo preço de 4.162.000$00.</font><br>
<font>— ficou ainda convencionado que os projectos deveriam estar implantados no terreno no prazo de 180 dias e as unidades a construir deviam estas em laboração ao cabo de 12 meses após a emissão da licença de construção.</font><br>
<font>— clausulou-se, também que o não cumprimento de qualquer dos referidos prazos implicava que a Câmara tomasse posse dos lotes no estado em que se encontrarem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes à data daqueles tomados de posse.</font><br>
<font>— A Ré não cumpriu com os referidos prazos.</font><br>
<font>Pedia, então, a A., se declarasse resolvido o contrato, condenando-se a Ré a reconhecer a A. como dona dos mencionados lotes, com o cancelamento dos registos efectuados em função da compra e venda.</font><div><font>*</font></div><font>Entretanto, tendo sido decretada a falência da Ré (1996) foi citado o liquidatário nomeado, tendo este contestado.</font><div><font>*</font></div><font>Uma vez que os lotes em causa foram apreendidas para a massa falida, foi a acção apensada ao processo de falência e notificado a A. para fazer intervir os credores.</font><div><font>*</font></div><font>Requerida e deferida tal intervenção, veio o credor</font><br>
<u><font>BB-Banco … Português S.A.</font></u><font>, fazer seu o articulado de contestação da massa falida, alegando, além disso, que a cláusula resolutiva não lhe era oponível pois tinha registo da hipoteca sobre os lotes em causa, anterior ao registo da acção.</font><div><font>*</font></div><font>Proferida sentença final, declarou que “verificada a </font><u><font>condição resolutiva</font></u><font> aposta no contrato ... a A. tem direito a fazer seu o preço de venda”.</font><br>
<font>Condenou-se a Ré “a restituir os ... lotes de terreno, abstendo-se, no futuro de praticar quaisquer actos sobre os mesmos ... a reconhecer que, em consequência da resolução do contrato, não lhe assiste o direito de pedir qualquer indemnização à A.”.</font><br>
<font>Determinou-se ainda “o cancelamento dos registos originados no contrato de compra e venda em causa, designadamente o registo da aquisição a favor da falida, </font><u><font>de hipoteca voluntária a favor do BB-…</font></u><font> e de duas penhoras registadas sobre os lotes em causa”.</font><div><font>*</font></div><font>Inconformados recorreram a massa falida e o credor BB-… .</font><div><font>*</font></div><font>A Relação, apreciando as apelações e divergindo da qualificação jurídica assumindo pela 1ª instância (que teve o negócio como </font><u><font>condicional</font></u><font>) qualificou a cláusula em questão como cláusula resolutiva expressa (ou resolução contratual) validamente convencionada e sujeita ao regime dos Art.sº 432 e seg. do C.C..</font><br>
<font>Julgou improcedente a apelação de massa falida, mas teve por procedente a apelação do credor BB-…, revogando a sentença na parte em que ordenou o cancelamento do registo da hipoteca voluntária a favor do apelante e, consequentemente, declarou a ineficácia da resolução decretada relativamente a tal garantia.</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>Inconformado, é agora o Município de Pombal (A.) quem recorre de revista para este S.T.J..</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusão</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Apresentadas tempestivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusões de Revista</font></u></b><div><b><font>*</font></b><br>
<b><font>*</font></b><br>
<b><font>*</font></b></div><font>«CONCLUSÕES:</font><br>
<br>
<font>A- Ao decidir o acórdão por aplicar no caso sub judicie os art. 434 e segs do CC e não os art. 270 e segs do mesmo diploma legal, praticou um erro na determinação da norma aplicável</font><br>
<br>
<font>B- A cláusula corresponde a uma verdadeira condição resolutiva, cuja verificação importa a cessação do contrato e os seus efeitos operam em relação a todos os actos dispositivos praticados na pendência da condição, nos termos do art. 270.° e n.° 1 do art. 274.° do CC.</font><br>
<br>
<font>C- Segundo o douto entendimento do ilustre Prof. Manuel de Andrade, podemos definir condição (\...)como a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só se verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos , ou então, nessa eventualidade deixará de os produzir (condição resolutiva). A. condição exprime uma vontade hipotética, (.....) subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não certo (...)</font><br>
<br>
<font>D- A condição, é considerada, como um elemento voluntário dos negócios jurídicos, pela qual a produção ou extinção dos respectivos efeitos fica dependente de um acontecimento futuro e incerto e "faz corpo com o negócio a que é aposta".</font><br>
<br>
<font>E- Verificada a condição, os efeitos do negócio jurídico deixam de existir a condição opera ipso iure mesmo em confronto com terceiros, e tal como foi decido pelo tribunal de 1ª instância, que o terem as partes – Recorrente e Recorrida/Massa Falida, estipulado no contrato de compra e venda, a cláusula já descrita, que corresponde a uma condição resolutiva cuja verificação importa a cessação do contrato e que o regime aplicável é o do n.° 1 do art. 274.° do CC que estabelece " ...os actos dispositivos praticados na pendência da condição ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do próprio negócio"</font><br>
<br>
<font>F- A resolução do contrato deve-se unicamente à existência do evento condicionante, que consiste nos termos apostos na cláusula; cláusula essa devidamente registada na Conservatória de Registo Predial competente antes do registo das hipotecas, porquanto as partes, sem qualquer dúvida, quiseram que contrato produzisse, desde logo, os seus efeitos - transmissão da propriedade - sujeitando, porém, o comprador a cumprir com os prazos clausulados, sob pena de resolução por parte da vendedora.</font><br>
<br>
<font>G- Na esteira deste correcto entendimento, resolução do contrato e a consequente a operância dos seus efeitos jurídicos, nos termos do n.° 1 do art. 274.° do CC. atinge a hipoteca constituída a favor do Recorrido /BB. E por isso mesmo ser a mesma cancelada.</font><br>
<font>Nestes termos e melhores de direito e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto Acórdão proferido e só assim se fará JUSTIÇA!»</font><div><br>
<font>*</font></div><font>Nas suas contra-alegações, defende o credor BB-… – S.A. a confirmação do julgado.</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>OS FACTOS</font></u></b><div><font>*</font></div><font>As instâncias tiveram por provada a seguinte factualidade.</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><br>
<font>São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:</font><br>
<br>
<font>«1) Por escritura pública celebrada em 10/05/1991, pelo preço de Esc. 4 162 000$00, a Autora declarou vender, e a falida declarou comprar, os seguintes imóveis: lote de terreno, destinado a construção urbana, com a área de 5776m2, designado por lote número … e … do Parque Industrial M… da M…, sito na Q… da G…, freguesia e concelho de Pombal, inscrito na matriz respectiva sob o art. …, descrito na CRPredial de Pombal sob o n° 0…; Lote de terreno, destinado a construção, com a área de 5292m2, designado por lote número … e … do Parque Industrial M… da M…, sito na Q… da G…, freguesia e concelho de Pombal, inscrito na matriz respectiva sob o art. 7 816, descrito na CRPredial sob o n° 0…; lote de terreno, destinado a construção, com a área de 5580m2, designado por lote número … e … do Parque Industrial M… da M…, sito na Q… da G…, freguesia e concelho de Pombal, inscrito na matriz respectiva sob o art. …, descrito na CRPredial sob o n° 0… .</font><br>
<font>2) Na sua reunião ordinária do dia 21 de Dezembro de 1990, a Câmara Municipal de Pombal deliberou proceder à venda dos lotes de terreno ditos em A).</font><br>
<font>3) Na escritura dita em A) a Autora e a falida declararam ainda que: "Os lotes destinam-se à implantação de indústria que obedeça a todos os requisitos exigidos pelos vários Departamentos Estatais envolvidos e que tenha ausência total de poluição do meio ambiente".</font><br>
<font>4) Mais declararam que "No prazo máximo de cento e oitenta dias a contar da data da assinatura da. presente escritura, deverá o segundo outorgante (a Ré) dar início à implantação dos projectos no terreno".</font><br>
<font>5) E que: "Doze meses após da data do alvará-licença de construção, deverão as unidades estar em completa laboração dentro dos moldes apresentados pelos projectos aprovados e licenciados".</font><br>
<font>6) Declararam, igualmente, que: "O não cumprimento de qualquer destes prazos implica que a Câmara Municipal de Pombal tome posse dos lotes no estado em que os mesmos se encontrem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes às datas daquelas tomadas de posse".</font><br>
<font>7) Mais declararam que: "Em tudo o que não estiver expresso na presente escritura, serão aplicadas as cláusulas do Regulamento do Parque Industrial M… da M…, aprovado pela Câmara Municipal de Pombal nas suas reuniões de 11 de Agosto de 1988 e 29 de Setembro do mesmo ano e pela Assembleia Municipal na sessão de 27 de Setembro de 1988 e pelo Regulamento do respectivo loteamento".</font><br>
<font>8) A Ré entregou à Autora, a título de pagamento do preço dos lotes ditos em 1), a quantia de 4 162 000$00.</font><br>
<font>9) Os lotes ditos em A) encontram-se inscritos na CRPredial de Pombal a favor da Ré, pela inscrição G…, apresentação …/…, constando de tal inscrição no registo que: "O não cumprimento dos prazos estipulados no regulamento do loteamento implica que a Câmara Municipal de Pombal tome posse dos lotes no estado em que os mesmos se encontrem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes às datas daquelas tomadas de posse".</font><br>
<font>10) Os prazos estipulados no Regulamento do Parque Industrial M… da M…, aprovado pela Câmara Municipal de Pombal e pela Assembleia Municipal de Pombal, são os mesmos que aqueles ditos em 4) e 5).</font><br>
<font>11) A Ré foi declarada falida por sentença proferida em 22/04/1996, já transitada em julgado.</font><br>
<font>12) Através de apresentação …/0… foram registadas a favor do então CC-… (hoje BB) hipotecas voluntárias até ao montante de 36 000 000$00, para segurança e garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir pela falida.</font><br>
<font>13) O BB incorporou, por fusão, os já extintos CC-…, Banco P… e S… M… e U…de B… P… .</font><br>
<font>14) A falida procedeu à execução, em data não apurada, nos lotes ditos em A), de 38 sapatas de betão armado, tendo cada uma as dimensões de l,10mxl,10mxl,10, que correspondem à implantação de uma edificação com a área de 4 375,00m2.</font><br>
<font>15) A Ré, aquando da celebração da escritura pública dita em A), sabia que a Autora visava fomentar a instalação de projectos industriais no concelho de Pombal, sendo por esse motivo que a autora procedia à venda dos lotes do Parque Industrial M… da M… ao preço de 250$00 o m2.</font><br>
<font>16) Aquando da celebração da escritura dita em A), a Autora encontrava-se a dotar o Parque Industrial M… da M… de infra-estruturas.</font><br>
<font>17) A falida não continuou a obra dita em 1), devido às dificuldades económicas que sentia.</font><br>
<font>18) Na data da celebração da escritura dita em A) o valor do m2 no Parque M... da M... era de 250$00.</font><br>
<font>19) Para proceder à implantação das sapatas nos lotes de terreno ditos em A), em 1991 seria necessário despender o valor de €4 237,00.</font><br>
<font>20) O preço do m2 dos lotes ditos em A), em 30 de Agosto de 1998, era de 1.500$00.</font><br>
<font>21) Aquando da constituição das hipotecas ditas em A) o CC-… tinha conhecimento de que a falida laborava com normalidade e que dispunha de crédito.</font><br>
<div><font>*</font></div><font>Adita-se a este acervo o seguinte:</font><br>
<font>22) A presente acção foi registada em 24 de Fevereiro de 1997.»</font><div><font> *</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><br>
<b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Como facilmente se vê das conclusões da revista a questão colocada traduz-se em saber se estamos perante um negócio condicional, traduzindo-se, pois, a cláusula em questão, numa verdadeira e própria condição resolutiva a que se aplica o regime dos Arts. 270 e seg. do C.C., </font><u><font>ou</font></u><font>, como decidiu o acórdão recorrido, se estamos perante um vulgar contrato de compra e venda, traduzindo-se a cláusula referida numa simples cláusula resolutiva expressa (ou resolução convencionada), aplicando-se, em consequência o regime dos Art.ºs 432º e segs. do C. C. </font><br>
<font>Da qualificação porque se optar, dependerá à oponibilidade ou inoponibilidade da resolução decretada ao banco credor (quanto à hipoteca voluntária de que dispõe), questão essencial, que justifica a revista.</font><div><font>*</font></div><font>Vejamos então.</font><br>
<font>Dispõe o Art. 270 do C.C. que “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo resolutiva”.</font><br>
<font>Ora, como é entendimento unânime na doutrina e jurisprudência, a </font><u><font>condição</font></u><font> é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico (não é pois, seguramente, um elemento típico do tipo negocial).</font><br>
<font>Definindo a condição, ensina Manuel de Andrade (Teoria-Geral – II – 356), é “uma cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneiro que, ou só verificado tal acontecimento futuro e incerto é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então, só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva).</font><div><font>*</font></div><font>Salienta ainda o referido mestre que a </font><u><font>condição</font></u><font> exprime “uma vontade hipotética”, mas “actual e efectiva, embora subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não como certo” e que “não se desdobra em duas declarações de vontade, sendo a segunda limitativa da primeira. Constitui uma declaração de vontade única e incidível ... A condição faz corpo com o negócio em que é aposta”.</font><br>
<font>Deste modo, o negócio condicional “constitui um todo único, um bloco, um monólito”.</font><div><font>*</font></div><font>Note-se que esta última ideia de incindibilidade da declaração de vontade e, portanto, da unidade do negócio condicional, só pode aceitar-se (e, salvo melhor opinião será esse o sentido da afirmação do autor citado) no sentido de que o declarante apenas quis celebrar o negócio como negócio condicional. Só quer a produção dos efeitos do negócio propriamente dito se verificada a condição, ou só quer que esses efeitos se tornem definitivos e se consolidem, verificada a condição.</font><br>
<font>Fora do alcance deste sentido, parece que terá de convir-se que o acontecimento futuro previsto, não faz parte do contrato, antes é algo que simplesmente lhe acresce, com a única função de condicionar os seus efeitos.</font><br>
<font>Aceitamos, assim, a doutrina perfilhada pelo Prof. Galvão Teles (Manual dos Contratos em Geral) quando ensina com grande clareza que “O eventual acontecimento futuro previsto na condição não se encorpora no contrato, não se integra ou deixa absorver nele, nem mesmo na </font><u><font>condição suspensiva</font></u><font>, em que simplesmente </font><u><font>acresce</font></u><font> ao negócio, fechado o ciclo de um </font><u><font>facto complexo de produção sucessiva</font></u><font>, de que são peças ou elementos o </font><u><font>contrato condicionado</font></u><font> e o </font><u><font>facto condicionante</font></u><font>. Entre estes dois factos há um desnível de importância; não têm a mesma função; o elemento primordial é o contrato, verdadeira fonte dos efeitos jurídicos que a cláusula suspende e cuja livre expansão, até aí reprimida, se torna realidade com a verificação do evento previsto, que não tem outro papel senão esse. Tratando-se de condição resolutiva, menos ainda se pode afirmar que ela constitui com o negócio um todo único, um bloco, dado a sua finalidade ser precisamente a de, uma vez verificada, </font><u><font>destruir</font></u><font> os efeitos negociais entretanto em curso”.</font><div><font>*</font></div><font>Seja como for, vê-se claramente que a razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a sua futura verificação, uma vez que, na sua perspectiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende de circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta.</font><br>
<font>Como brilhantemente sintetiza o mestre citado “A dúvida é a raiz psicológica dessa cláusula. É, pode dizer-se, a mãe da condição”.</font><div><font>*</font></div><font>Assim, através da estipulação condicional o declarante pode prevenir eventualidades futuras (de verificação incerta), mas pode igualmente influenciar o comportamento da outra parte, no sentido por ele pretendido, atribuindo-lhe uma determinada vantagem ou impondo-lhe uma desvantagem.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Analisemos agora os efeitos da condição.</font><div><font>*</font></div><font>Antes de mais deve ter-se presente que, nos negócios reais, que envolvem a transmissão do direito de propriedade, assume a posição de </font><u><font>credor condicional</font></u><font> o adquirente e de </font><u><font>devedor</font></u><font> o transmitente que se obrigou, sob condição, a dispor da coisa a favor do primeiro.</font><div><font>*</font></div><font>Ora, sendo a </font><u><font>condição suspensiva</font></u><font>, durante a pendência da condição, o credor condicional detém uma simples expectativa de vir a adquirir o direito, verificada a condição, não pode ainda exercitar o seu direito, visto que não pode exigir do devedor condicional o cumprimento da prestação prometida.</font><br>
<font>Mas, face à expectativa de que já dispõe, a lei permite-lhe, como permite ao devedor condicional, praticar diversos actos jurídicos legalmente tutelados.</font><div><font>*</font></div><font>Assim, ambos podem praticar actos dispositivos sobre os bens ou direitos objecto do negócio condicional.</font><br>
<font>Podem, portanto, alienar aqueles bens ou direitos assim como onerá-los (por ex. com hipotecas voluntárias), embora tais actos fiquem dependentes da verificação ou não da condição.</font><br>
<font>Verificada esta, ficam sem efeito as disposições assumidas pelo devedor condicional, surgindo com plena validade os provenientes do credor condicional, ocorrendo a situação inversa se a condição não se verificar.</font><br>
<font>É que, no primeiro caso (verificação da condição) todos os efeitos do negócio que se encontravam suspensos, produzem-se imediatamente, </font><u><font>ipso jure</font></u><font> ou </font><u><font>ipsa vi legis</font></u><font> com efeito retroactivo ao momento da celebração do negócio, enquanto na segunda, (não verificação da condição), o negócio desaparece, assim como todos os efeitos provisórios ou preparatórios que ocorreram na pendência da condição.</font><br>
<font>Tudo se passa como se o negócio não tivesse sido celebrado.</font><div><font>*</font></div><font>Sendo </font><u><font>resolutiva a condição</font></u><font>, na pendência deste o negócio produz todos os efeitos que lhe são próprios, os quais, porém, desaparecerão, serão destruídos retroactivamente, se a condição se verificar.</font><br>
<font>A respeito da condição resolutiva, costumam os autores chamar a atenção para que, na pendência da condição (resolutiva), o devedor condicional se encontra numa situação idêntica à de um credor sob condição suspensiva já que, como observa Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil – 3ª ed.) “... a condição resolutiva é suspensiva da dissolução do negócio condicionado”.</font><div><font>*</font></div><font>Também aqui (no domínio da condição resolutiva) ambas as partes podem praticar actos dispositivos ou de oneração.</font><br>
<font>Porém, verificada a condição, os efeitos do negócio que até aí se estavam produzindo, cessam, deixam de existir no mundo jurídico.</font><br>
<font>O negócio fica destruído retroactivamente.</font><br>
<font>Tal efeito, tal como na condição suspensiva opera ipso jure, portanto, sem necessidade de qualquer acto das partes (por exemplo notificação à parte contrária) ou intervenção judicial.</font><div><font>*</font></div><font>E o referido efeito retroactivo produz-se mesmo em confronto com direitos de terceiros (Cof. Art.º 276 e 274 do C.C.).</font><br>
<font>É o que a doutrina denomina de “eficácia real”.</font><br>
<font>Consequentemente, verificada o condição resolutiva, os actos de disposição ou de oneração provenientes do devedor condicional, durante a pendência da condição, serão plenamente válidas e eficazes, enquanto os provenientes do credor condicional perdeu a sua eficácia.</font><div><font>*</font></div><font>Mas, a respeito do efeito retroactivo da </font><u><font>condição</font></u><font> é necessário notar-se que sendo esse o princípio geral, não é imposto por lei (é supletivo visto poder ser afastado por vontade das partes). Como a respeito observam A. Varela e P. Lima (C.C. anotado) em anotação ao Art.º 276 do C.C. “Formula-se o princípio geral da retroactividade, mas mostra-se, pela excepção admitida, que a retroactividade dos efeitos não é da natureza própria da condição.</font><br>
<font>Pode estipular-se a não retroactividade, ou uma retroactividade limitada, e pode a não retroactividade resultar da natureza do próprio acto ...”.</font><br>
<font>Há, portanto, aqui, um regime semelhante ao que se estipulou para a resolução do contrato, onde também a rectoactividade delineada como regra geral pode ser afastada pela vontade das partes (Art. 434 do C.C.).</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Falamos, até aqui, do regime geral da condição verdadeira e própria, tal como ele resulta do disposto nos Art.ºs 270 a 277 do C.C..</font><br>
<font>Porém, a par desta figura típica, surgem inúmeras situações que embora mantendo com ela pontos de contacto, não preenchem todos os seus requisitos.</font><br>
<font>Interessa-nos aqui considerar apenas duas dessas situações:</font><br>
<b><u><font>Condições legais.</font></u></b><br>
<b><u><font>Condição resolutiva tácita</font></u></b><font>.</font><div><font>*</font></div><u><font>A condição legal ou condicio juris</font></u><font> é o elemento do conteúdo do negócio, por via do qual </font><u><font>a lei</font></u><font> sujeita os efeitos desse negócio a um facto futuro e incerto.</font><br>
<font>Difere, desde logo da verdadeira condição, que se traduz num elemento acidental ou secundário do negócio jurídico, </font><u><font>nele introduzido pela vontade das partes no uso pleno do princípio da liberdade negocial</font></u><font> (Art. 450º do C.C.).</font><br>
<font>Dentro deste conceito genérico de condição legal cabe a chamada </font><u><font>condição resolutiva tácita</font></u><font>.</font><br>
<font>Define-a Castro Mendes da seguinte forma:</font><br>
<font>“Chama-se condição resolutiva tácita ao elemento inserto por lei nos contratos sinalagmáticos, segundo o qual se uma das partes não cumprir, a outra pode resolvê-lo, dá-lo por ineficaz”.</font><br>
<font>(Cof. Teoria Geral – II).</font><br>
<font>Consiste, portanto, no direito conferido por lei a um dos contraentes de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte, por sua vez, não ter cumprido a sua obrigação.</font><br>
<font>É o sinalagma genético que liga as duas prestações que explica o regime legal. (cof. Art. 432º n.º 1 – primeiro segmento – e 801 n.º 2 do C.C.).</font><br>
<font>Tal direito está, assim, limitado a uma situação de inadimplência e traduz-se num direito potestativo que o beneficiário pode exercer ou não. </font><br>
<font>Quer dizer, ocorrendo o não cumprimento por uma das partes, surge para a outra um duplo direito, já que tanto pode exigir a realização da prestação em falta (e portanto, o cumprimento do contrato) como pôr fim ao negócio, resolvendo-o.</font><div><font>*</font></div><font>Vê-se assim que a condição resolutiva tácita não constitui uma verdadeira condição no sentido do Art. 270º do C.C..</font><br>
<font>Trata-se da figura que a doutrina costuma denominar de </font><u><font>condição imprópria</font></u><font>.</font><div><font>*</font></div><font>Por um lado funda-se directamente na lei e não na vontade das partes, pelo que não necessita de ser convencionada (embora possa sê-lo, o que, porém, não altera a sua natureza).</font><br>
<font>Não opera “ipso jure”, isto é, automaticamente, conferindo tão só o direito à parte inocente de invocar a resolução, o que pode fazer judicialmente ou extrajudicialmente, mediante declaração à outra parte (Art. 801 n.º 1 e 436º do C.C.) e, por outro lado, não produz efeitos em relação a terceiros a não ser, nos casos excepcionais referidos no n.º 2 do Art. 435 (o registo da acção de resolução referente a direitos sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, torna o direito de resolução oponível a terceiros que não tenham registo dos seus direitos anteriores ao registo da acção).</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Finalmente, há-de ter-se presente que a chamada condição resolutiva tácita não se confunde com a convenção de resolução que a lei também admite (parte final do n.º 1 do Art. 432º do C.C.).</font><br>
<font>Trata-se, também aqui, de destruir a relação contratual com base num facto posterior à celebração, só que agora tal facto não tem de estar ligado necessariamente ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência.</font><br>
<font>A revogação pode ser convencionada entre as partes para o caso de se verificar determinada situação previamente prevista na cláusula e, se normalmente se trata de um poder vinculado, devendo, por isso, a parte que pretende operar a resolução, provar a verificação do fundamento previsto na convenção, nada impede que seja confiado um poder discricionário a um dos contraentes.</font><br>
<font>(Cf. A. Varela – Das Obrig. em Geral – II).</font><div><font>*</font></div><font>De notar, finalmente, que, diferentemente da condição verdadeira é própria, a revogação convencional não prejudica os direitos entretanto adquiridos por terceiros (Art.º 435º do C.C.).</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Expostos assim, ainda que resumidamente, os princípios que caracterizam a figura jurídica da </font><u><font>condição</font></u><font> e a distinguem de outras figuras próximas, mas diversas, é tempo de nos reportarmos à situação concreta dos autos.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Sabemos que, por escritura pública de 10/5/91 e pelo preço de 4.162.000$00 a Câmara Municipal de Pombal, vendeu à AA-… (actualmente no estado de falência) que lhe comprou, 3 lotes de terreno situados no Parque Industrial M… da M…, com destino à implantação de indústria que obedeça a todos os requisitos exigidos pelos vários departamentos estatais envolvidos e que tenham ausência total de poluição do meio ambiente, sujeitando-se a todas as cláusulas do Regulamento do respectivo loteamento.</font><br>
<font>Com o negócio, visava a Câmara Municipal fomentar s instalação de projectos industriais na área do respectivo concelho, sendo em atenção a essa política de fomento que foi deliberado pela Câmara a venda de lotes no referido Parque pelo preço de 250$00/m2.</font><br>
<font>Por isso mesmo, para garantir o fim visado, introduziu-se no contrato uma cláusula explicitando o fim a que se destinavam os lotes, clausulando-se ainda (aliás de acordo com o Reg. do Parque Industrial) que:</font><br>
<font>“No prazo máximo de cento e oitenta dias a contar da data da assinatura, da presente escritura, deverá o segundo outorgante (Ré) dar início à implantação dos projectos no terreno”</font><br>
<font>e que </font><br>
<font>“Doze meses após a data do alvará-licença de construção, deverão as unidades estar em completa laboração dentro dos moldes apresentados pelos projectos aprovados pelos projectos aprovados e licenciados”,</font><br>
<font>E ainda que</font><br>
<font>“O não cumprimento de qualquer destes prazos implica que a Câmara Municipal de Pombal tome posse dos lotes no estado em que os mesmos se encontrem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes às datas daquelas tomadas de posse”</font><br>
<font>A Ré pagou o preço convencionado e registou as aquisições na Conservatória Registo Predial de Pombal a seu favor.</font><br>
<font>Porém, </font><u><font>embora tenha iniciado a construção, não continuou a obra, devido a dificuldades económicas</font></u><font>.</font><div><font>*</font></div><font>Está também provado que </font><u><font>sobre os lotes se encontra registada hipoteca voluntária a favor do então CC-…, hoje BB-…, para, até ao montante de 36.000.000$00, garantir o bom pagamento e liquidação de todos e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir pela Ré, ora falida.</font></u><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Como se deixou referido no relatório inicial, a Relação qualificou a cláusula de reversão da propriedade para A. como </font><u><font>uma cláusula resolutiva expressa</font></u><font> ou </font><u><font>convenção resolutiva, sujeita ao regime dos Art.ºs 432 e seg. do C.C.</font></u><font> e consequentemente, embora mantendo a condenação proferida em 1ª instância, quanto à restituição dos lotes à A. cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré e perda do preço pago pela ré compradora, revogou-a na parte em que ordenou o cancelamento do registo da hipoteca voluntária a favor do BB-…, por entender que a resolução convencionada do contrato por incumprimento não afecta os direitos entretanto adquiridos por terceiros, com a única excepção do n.º 2 do Art. 435º, que não se verifica no caso concreto.</font><div><font>*</font></div><font>Portanto interessa agora apreciar e qualificar tal cláusula e daí retirar as devidas ilações.</font><br>
<font>Interessa, no fundo, saber se, no caso, a resolução do contrato é ou não oponível ao BB-… .</font><div><font>*</font></div><u><font>Vejamos</font></u><div><font>*</font></div><font>Saber se estamos perante uma cláusula acessória que íntegra uma condição resolutiva verdadeira e própria, ou perante uma cláusula resolutiva expressa ou resolução convencional, passa pela interpretação normativa do contrato, visto que não está provada qual tenha sido a vontade real das partes.</font><div><font>*</font></div><font | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xjKTu4YBgYBz1XKvuh3Q | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>I – Relatório.</font></b>
<p><font>“</font><i><font>AA – ..., Lda</font></i><font>.”,</font><b><i><font> </font></i></b><font>intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra: </font><i><font>BB – …, S.A.</font></i><font>, e </font><i><font>“CC, Lda.”</font></i><font>, peticionando a condenação solidária das Rés na quantia de €113.031,24, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos no montante de €3.610,11 e vincendos até efetivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>Para o pedido que impetra, apresenta, em síntese apertada, a sequente fundamentação de facto:</font>
</p><p><font>- no dia 26 de Fevereiro de 2009, na Estrada Nacional nº …, ocorreu um acidente que teve por único interveniente/sinistrado o veículo pesado de mercadorias, de matrícula -GJ-, equipado com uma betoneira;</font>
</p><p><font>- ao chegar ao local da descarga, tendo constatado que teria de aguardar pela sua vez para proceder à descarga do betão, o condutor do veículo -GJ- encostou-o à berma direita da estrada, tendo o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via;</font>
</p><p><font>- minutos após a sua paragem, o alcatrão e o cimento/betão da via onde se encontrava parado o veículo com a matrícula -GJ- cederam, provocando a inclinação deste para o lado da berma;</font>
</p><p><font>- na sequência do acidente a autora diligenciou junto da R. BB para enviar uma auto grua para remoção da viatura;</font>
</p><p><font>- na sequência de tal contacto, a R. BB contratou a 2ª R., “CC, Lda.”, a qual, chegada ao local, ligou o cabo de aço ao veículo sinistrado e começou a puxar, vindo este a ceder, provocando o capotamento da viatura sinistrada para cima do muro e gradeamento de uma propriedade privada;</font>
</p><p><font>- como consequência de tal ação resultaram danos no veículo sinistrado, bem como os decorrentes do transporte e imobilização do veículo.</font>
</p><p><font>Na contestação, a demandada “BB – …, S. A.”, alegou, terem ocorrido dois sinistros e não apenas um: um primeiro, em que o piso onde se encontrava o veículo …-GJ… cedeu, ficando o veículo inclinado num ângulo inferior a vinte graus; um segundo, decorridas três horas, quando um colega do condutor do aludido veículo acionou os comandos manuais da betoneira, iniciando a descarga do cimento, o que provocou o imediato capotamento do veículo, provocando danos no veículo;</font>
</p><p><font>tendo o acidente ocorrido durante uma operação de descarga do cimento, encontra-se, como tal, excluído das garantias do contrato, por força dos arts. 6.º, n.º4, als. b) e c), das Condições Gerais, art. 2.º, n.º1, al. e), das Condições Especiais; e, caso se comprove que a 2.ª Ré iniciou operações de salvamento do camião, sempre as garantias do contrato se encontrariam excluídas, por força do art. 10.º, n.º1, da Condição Especial 017.</font>
</p><p><font>Contestou, igualmente a demandada “</font><i><font>CC, Lda.</font></i><font>”, alegando ser alheia ao acidente, porquanto não teve intervenção na remoção da viatura: apenas se deslocou ao local para transportar a viatura sinistrada, tendo aí chegado quando a mesma já havia sido removida do local.</font>
</p><p><font>Na sentença proferida veio a acção a ser julgada improcedente e as demandadas absolvidas do pedido – cfr. fls. 610 a 621.</font><br>
<font>Irresignada com o julgado, impulsou a demandante recurso de apelação, que viria a ser julgado: </font><i><font>“(…) parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida, e condenando-se a 1ª Ré Seguradora a pagar à Autora a quantia de 93.330,82 €, acrescida de juros vencidos desde 3 de Julho de 2009, até integral pagamento.</font></i><font>” – cfr. fls. 720 a 752.</font>
</p><p><font>Contra o decidido insurge-se a demandada seguradora, que eleva recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo alinhado os fundamentos de fls. 761 a 782 e sumariado as conclusões que a seguir quedam extractadas. </font>
</p><p><b><font>I.A. – Quadro Conclusivo.</font></b>
</p><p><i><font>“2.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> No primitivo art. 17.º da douta base instrutória questionava-se se os danos do veículo ocorreram "Em consequência </font></i><i><u><font>directa e necessária da actividade de remoção </font></u></i><i><font>perpetrada pelo condutor do reboque da 2.ª Ré (...) "tendo o douto acórdão recorrido dado como provado, em termos restritivos, (“apenas que o veículo capotou, durante e em consequência das manobras, a que então se procedia de remoção do veículo, e que, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída.”);</font></i>
</p><p><i><font>3.ª Assim, e desde logo, não ficou provado </font></i><i><u><font>que foi em consequência directa e necessária da actividade de remoção que o veículo sofreu danos</font></u></i><i><font>. Esta questão é </font></i><i><u><font>crucial</font></u></i><i><font> e traça do destino dos presentes autos, sempre salvo o maior respeito por opinião contrária. </font></i>
</p><p><i><font>4.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Ao invés, </font></i><i><u><font>manteve-se</font></u></i><i><font> a </font></i><i><u><font>prova</font></u></i><i><font> dos seguintes factos: "o Sr. DD pelas 17.30h do dia em causa, accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior, de imediato, o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitado para a sua direita, com as rodas para o ar, o que constituiu a causa directa e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira." - pontos 37, 38 e 39 dos factos provados no douto acórdão recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>5.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Atenta a doutrina consagrada no are 563.º do Código Civil, o processo que leva ao início da descarga do betão foi a </font></i><i><u><font>causa adequada</font></u></i><i><font> dos danos sofridos pelo camião, atentas restantes condições de facto dadas como provadas. </font></i>
</p><p><i><font>6</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> – De modo que o sinistro </font></i><i><u><font>do capotamento</font></u></i><i><font>, onde são provocados os danos </font></i><i><u><font>sub judice </font></u></i><i><font>ocorre por efeito directo e necessário do início da descarga do cimento, como ficou provado. </font></i>
</p><p><i><font>7.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Face ao teor do art. 2.º, n.º 1, al. e), das Condições Especiais 002 (pág. 14 do livro das CGE da apólice): (Para além das exclusões previstas nos arts. 6° e 3º das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos as perdas ou danos: e) causados por objectos transportados ou </font></i><i><u><font>durante operações de carga ou descarga</font></u></i><i><font>': tem de se concluir que a Ré não pode ser responsabilizada, em termos contratuais, perante a autora, pelas consequências do evento danoso. </font></i>
</p><p><i><font>8.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - É de uma evidência cristalina que o capotamento ocorreu ao iniciar-se o processo de descarga do betão - causa </font></i><i><u><font>directa</font></u></i><i><font> dos danos sofridos pelo camião operação que ocorreu para facilitar a remoção desse camião do local onde se encontrava (o que nunca se escamoteou). </font></i>
</p><p><i><font>9.ª - A Relação desvaloriza o início da operação de descarga do betão, que, conforme flui dos factos provados, foi a </font></i><i><u><font>causa directa</font></u></i><i><font> dos danos sofridos pelo camião, preferindo entender que tudo ocorreu no vasto âmbito do serviço de remoção do veículo. Mas a verdade é que não decorria nenhum acto </font></i><i><u><font>concreto</font></u></i><i><font> de remoção do veículo, mas sim a preparação dessa remoção, na qual foi incluída a operação de descarga do betão. </font></i>
</p><p><i><font>10.ª - Como flui dos factos provados e se </font></i><i><u><font>admite,</font></u></i><i><font> quer na sentença, quer no douto acórdão recorrido (pág. 29), a descarga do betão servia para aliviar o peso do veículo, pois havia sido esse mesmo peso que provocara (ou contribuíra) a cedência do piso da via.</font></i>
</p><p><i><font>11.ª - Não foi nem era uma descarga no destino projectado, nem era uma descarga por efeito de uma avaria da betoneira. Tratava-se de uma descarga que foi entendida como necessária no âmbito da preparação das operações prévias à remoção do veículo. </font></i>
</p><p><i><font>12.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Porém, tratou-se de uma operação de descarga do betão, a qual foi iniciada, com os inerentes riscos.</font></i>
</p><p><i><font>13.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - O sinistro (capotamento com danos) </font></i><i><u><font>não ocorreu durante as manobras de efectiva remoção do veículo</font></u></i><i><font>, pois esta remoção só poderia ser levada a cabo por um reboque (o que veio, aliás, a suceder, mais tarde). O sinistro eclode no decorrer de uma operação de descarga do betão para facilitar uma posterior remoção do veículo. </font></i>
</p><p><i><font>14</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - O sinistro ocorre apenas por causa </font></i><i><u><font>imputável, de forma directa</font></u></i><i><font> (como ficou provado) à descarga do betão, pois já se encontrava em franco desequilíbrio, inclinado para a respectiva direita, por via da fragilidade do piso, da respectiva cedência, bastando iniciar-se a operação de descarga, que levou à oscilação do betão, ainda em estado líquido, pelo que a massa constituída por toneladas de betão deslocou· se, o que levou ao imediato capotamento do veículo. </font></i>
</p><p><i><font>15.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Isto ocorreu, como é manifesto e flui dos factos provados, por causa de se ter iniciado uma operação de descarga do betão. </font></i><i><u><font>Só a operação de descarga do betão foi apta, em termos causais, ao capotamento do veículo,</font></u></i><i><font> nas condições dadas como provadas, ao contrário do sustentado no douto acórdão recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>16.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - A nossa Lei - o art. 563.º do Código Civil - consagra a doutrina da causalidade adequada, e não a doutrina das condições equivalentes. </font></i>
</p><p><i><font>17.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Ao contrário do sustentado no douto acórdão recorrido, o sinistro tem um </font></i><i><u><font>nexo causal directo com o início da operação de descarga</font></u></i><i><font>, e com o risco próprio que esta operação encerra. </font></i>
</p><p><i><font>18</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Note-se que as operações de carga e descarga comportam riscos acrescidos que oneram o risco normal e típico do contrato de seguro automóvel. Daí que a exclusão em causa seja natural e faça sentido. Aliás, é comum a todos os contratos de seguro deste tipo. </font></i>
</p><p><i><font>19.ª - Assim, por efeito da cláusula de exclusão prevista no art. 2.º, n.º al. e), das Condições Especiais 002, deve restaurar-se o entendimento de primeira instância. </font></i>
</p><p><i><font>20.ª - </font></i><i><u><font>No próprio</font></u></i><i><font>, e sempre muito douto, acórdão recorrido, admite-se, de forma tímida, que faz sentido desresponsabilizar a Ré por efeito do disposto nessa cláusula: "sendo certo que só relativamente à prevista na al. e), se poderia pôr a hipótese de se encontrar verificada, no caso em apreço: "Para além das exclusões previstas nos arts. 6° e das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos as perdas ou danos: e) causados por objectos transportados ou durante operações de carga ou descarga" - cfr. douto acórdão de Fls . </font></i>
</p><p><i><font>21.ª - Este é o único entendimento conforme à letra e ao espírito do contrato. </font></i>
</p><p><i><font>22.ª - A autonomia do risco da descarga do betão tem de ser assumida e afirmada, mesmo que se entenda que tudo ocorreu num âmbito mais vasto de remoção do veículo. </font></i>
</p><p><i><font>23.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - A interpretação do douto acórdão recorrido, ao enquadrar o evento unicamente no vasto âmbito da preparação da remoção do veículo, colide com os factos provados sobre a causa directa e adequada da produção do dano (capotamento), e, por isso, não pode ser acolhida por este alto tribunal: "o Sr. DD pelas 17.30h do dia em causa, accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior, de imediato, o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitado para a sua direita, com as rodas para o ar, o que constituiu a causa directa e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira." </font></i>
</p><p><i><font>24.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - A Relação não teve a coragem, modo de dizer, que dar como provado o facto questionado no primitivo art. 17.º da douta base instrutória, segundo o qual os danos ocorreram "Em consequência </font></i><i><u><font>directa e necessária da actividade de remoção”</font></u></i><i><font> NÃO. </font></i>
</p><p><i><font>25.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Pelo contrário, a causa </font></i><i><u><font>directa e necessária</font></u></i><i><font> do capotamento do veículo com os danos documentados a Fls. ocorreu quando o funcionário da cliente da Autora accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior (…) o que constituiu a causa directa e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira." </font></i>
</p><p><i><font>26.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - Daí que tenha de funcionar a cláusula de exclusão prevista no art. 2.º, n.º l, al. e), das Condições Especiais 002 do contrato, que excluiu o pagamento das indemnizações por danos ocorridos c...) </font></i><i><u><font>durante operações de carga ou descarga</font></u></i><i><font>: </font></i>
</p><p><i><font>27</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 483.º, 487.º, n.º 2, 563.º, 564.º, 566.º, n.º 3 e 570.º do Código Civil e 712.º, n.ºs 1 e 4 e 716.º do Código Processo Civil e art. 2.º, n.º 1, al. e), das Condições Especiais 002 do contrato de Fls., as quais deveriam ser interpretadas nos termos explanados no presente recurso</font></i><font>.” </font>
</p><p><b><font>I.B. – Questões a merecer apreciação na revista</font></b><font>.</font>
</p><p><font>A questão nuclear que é pedida solver prende-se com a qualificação sinistro geradores dos danos verificados no veículo e operada essa qualificação apurar se o contrato de seguro cobria, ou garantia, a indemnização pelos danos verificados. Vale dizer, em lhana prefiguração do </font><i><font>thema decidendum</font></i><font>, se o seguro celebrado entre a demandante e a seguradora cobria os danos verificados no veículo pesado, em consequência do capotamento que ocorreu. </font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font><br>
<font>Em reapreciação da decisão de facto, o tribunal da Relação acabaria por alterar a resposta ao questionado no quesito 17 da Base Instrutório, estabelecendo, em definitivo, o quadro factológico que a seguir queda extractado.</font><br>
<i><font>“1) No dia 26 de Fevereiro de 2009, na Estrada Nacional nº 322, entre as localidades de ..., ocorreu, pelo menos, um sinistro, que teve por único interveniente/sinistrado o veículo pesado de mercadorias, de marca ..., modelo TGS 35 360 8x4 BB, 25.05 M Obras, com a matrícula -GJ-, equipado com betoneira S..., modelo … </font></i><font>– (alínea A) do Factos Assentes); </font><br>
<i><font>2) O veículo mencionado em 1) foi adquirido pela autora, por via de contrato de leasing, ao “Banco EE, S.A.”</font></i><font> - (alínea B) do Factos Assentes);</font><br>
<i><font>3) Em 26 de Fevereiro de 2009, o veículo pesado de mercadorias, de marca …, modelo TGS 35 360 8x4 BB, 25.05 M Obras, com a matrícula -GJ-, encontrava-se locado à sociedade comercial por quotas “FF, Lda.”, por força do contrato de aluguer de veículo pesado de mercadorias sem condutor, outorgado em 17 de Setembro de 2008, constante de fls. 28 a 31 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. </font></i><font>- (alínea C) do Factos Assentes);</font><br>
<i><font>4) Na data da ocorrência do sinistro, o veículo com a matrícula -GJ- encontrava-se ao serviço da empresa “FF, Lda.”, sendo conduzido pelo trabalhador daquela, Sr. GG, o qual seguia com destino à localidade de ..., a fim de aí proceder à descarga do material que transportava, nomeadamente betão (cimento fresco), que era mantido no interior de uma betoneira acoplada na parte central do veículo.</font></i><font> - (alínea E) do Factos Assentes);</font><br>
<i><font>5) Ao chegar ao local da descarga, tendo constatado que teria de aguardar pela sua vez para proceder à descarga do betão, o condutor do veículo -GJ- encostou-o à berma direita da estrada, no sentido ... - ..., tendo o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via.</font></i><font> - (alínea F) do Factos Assentes);</font><br>
<i><font>6) No local referido em 5), a via pública é composta por uma estrada de alcatrão, recta e sem qualquer inclinação, sendo a berma constituída por cimento/betão. </font></i><font>- (alínea G) do Factos Assentes)</font><br>
<i><font>7) Minutos após a sua paragem, o alcatrão e o cimento/betão da via onde se encontrava parado o veículo com a matrícula -GJ- cederam, num ângulo inferior a vinte graus, provocando a inclinação deste para o lado da berma.</font></i><font> - (alínea H) do Factos Assentes);</font><br>
<i><font>8) À data do sinistro, a responsabilidade civil emergente dos danos próprios do veículo -GJ-, em resultado de choque, colisão, capotamento, incêndio, raio, explosão ou quebra de vidros, encontrava-se transferida para a “BB – …, S.A.” (1ª ré), por contrato de seguro válido titulado pela apólice nº 004670669, o qual se rege, para além do teor da apólice, pelas condições gerais, especiais e particulares, constantes do livro de fls. 128 a 163, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font></i><font> - (alínea J) do Factos Assentes);</font><br>
<i><font>9) Para efeitos do contrato de seguro de responsabilidade civil facultativa referido em 8), entende-se por capotamento o “acidente em que o veículo perde a sua posição normal e não resulte de choque ou colisão.” – vide ponto 3 do art. 1.º (objecto do seguro) das condições especiais. </font></i><font>- (alínea K) do Factos Assentes);</font><br>
<i><font>10) Nos termos e para os efeitos do contrato de seguro obrigatório, dispõe o art. 6, nº 4, alíneas b) e c) das condições gerais, que se encontram excluídos da garantia contratual:</font></i><br>
<i><font>- “os danos causados nos bens transportados no veículo seguro, que se verifiquem durante o transporte, quer em operações de carga e descarga, salvo nos casos de transporte colectivo de mercadorias”;</font></i><br>
<i><font>- “quaisquer danos causados a terceiros em consequência de operações de cargas e descargas.”</font></i><font> - (alínea L) do Factos Assentes)</font><br>
<i><font>11) Nos termos e para os efeitos da condição especial de garantia dos danos no veículo segurado em consequência de choque, colisão, capotamento, incêndio, raio, explosão ou quebra de vidros, encontra-se clausulado o seguinte:</font></i><br>
<i><font>- “Além das exclusões previstas nos artigos 6º e 37º das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidas as perdas ou danos:</font></i><br>
<i><font>e) causados por objectos transportados ou durante operações de carga e descarga.” (cf. condição especial 002 – art. 2, n.º1, alínea e)”.</font></i><font> - (alínea M) do Factos Assentes)</font><br>
<i><font>12) Ao atuar do modo descrito em 5), o condutor do veículo -GJ- encostou-o ao lado oposto e a cerca de 40 metros do local onde iria proceder à descarga do material que transportava.</font></i><font> – resposta ao quesito 1.º;</font><br>
<i><font>13) O veículo sinistrado apresentava uma distância entre eixos de 5 m.</font></i><font> - resposta ao quesito 2.º;</font><br>
<i><font>14) Com 8,125 m de comprimento total e 2,50m de largura.</font></i><font> - resposta ao quesito 3.º;</font><br>
<i><font>15) E com um peso total de 14.240Kg, sendo 9.890Kg relativos à tara do veículo em chassis e 4.350Kg referentes à betoneira.</font></i><font> - resposta ao quesito 4.º;</font><br>
<i><font>16) Face ao sucedido (descrito em 7), o condutor do veículo -GJ- apressou-se a contactar telefonicamente a sua entidade patronal, a comunicar a ocorrência.</font></i><font> - resposta ao quesito 5.º;</font><br>
<i><font>17) Tendo esta, por sua vez, contactado a autora, a fim de ser resolvido o problema. </font></i><font>- resposta ao quesito 6.º;</font><br>
<i><font> 18) Em face disso, a autora comunicou a ocorrência do sinistro à firma “HH, Lda.”, empresa mediadora do acordo de seguro outorgado entre a autora e a 1ª ré (BB – ..., S.A.).</font></i><font> - resposta ao quesito 7.º;</font><br>
<i><font>19) A qual se responsabilizou pela adoção das medidas necessárias e adequadas à resolução do sinistro.</font></i><font> - resposta ao quesito 8.º;</font><br>
<i><font>20) Durante esse contacto, foi ainda transmitido àquela sociedade, que a 1ª ré teria de enviar uma auto-grua para remoção da viatura sinistrada. - </font></i><font>resposta ao quesito 9º;</font><br>
<i><font>21) Pois que, considerando as características e peso do veiculo sinistrado, bem como o estado do pavimento e a inclinação do veículo, após a cedência do piso, o mesmo apenas podia ser removido do local mediante a utilização de um grua, por meio de ganchos assentes numa estrutura sólida, através da sua elevação. </font></i><font>- resposta ao quesito 10.º;</font><br>
<i><font>22) Sob o fundamento de não trabalhar com auto-gruas, a 1ª ré, por sua responsabilidade, solicitou a intervenção de uma terceira entidade para a remoção do veículo sinistrado.</font></i><font> - resposta ao quesito 11.º;</font><br>
<i><font>23) Acedendo à solicitação da 1ª ré, volvidas três horas do aluimento do piso, surgiu no local um reboque, composto por camião de três eixos e 26 toneladas, com um guincho (cabo de aço).</font></i><font> - resposta ao quesito 12.º;</font><br>
<i><font>24) Após o capotamento parcial do veículo, e porque este corria o risco de virar por completo para cima do telhado da moradia aí existente, o condutor do reboque teve de colocar umas cintas no veículo, tendo aguardado pela chegada de uma auto-grua para o levantar.</font></i><font> - resposta ao quesito 15.º;</font><br>
<i><font>25) O que sucedeu, apenas, na manhã do dia seguinte, com o envio de uma auto-grua pela empresa “II, S.A.”, a solicitação da autora.</font></i><font> - resposta ao quesito 16.º;</font><br>
<i><font>25.a.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>O veículo capotou durante e em consequência das manobras a que então se procedia de remoção do veículo e, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída. </font></i><font>– resposta ao quesito 17.º (</font><i><u><font>resultado da alteração da decisão de facto operada pela Relação</font></u></i><font>);</font><br>
<i><font>26) Tornou-se necessária a substituição da betoneira, em virtude da solidificação do betão/cimento que era transportado no seu interior.</font></i><font> - resposta ao quesito 18.º;</font><br>
<i><font>27) A qual, tendo ficado inutilizável, obrigou a que a autora tivesse de proceder à remoção e transporte do balão para incineração. </font></i><font>- resposta ao quesito 19.º;</font><br>
<i><font>28) Com o que suportou um custo de €2.700,00. </font></i><font>- resposta ao quesito 20.º;</font><br>
<i><font>29) A fim de auxiliar a manobra de remoção do veículo, alguém não identificado ligou o motor, o qual se manteve ativo aquando do capotamento. </font></i><font>- resposta ao quesito 21.º;</font><br>
<i><font>30) O que fez com que o óleo do motor vertesse, misturando-se no circuito eletrónico e de admissão, tornando obrigatória a substituição do motor. </font></i><font>- resposta ao quesito 22.º;</font><br>
<i><font>31) O veículo sinistrado esteve imobilizado desde o dia do sinistro até ao dia 16 de Março de 2009. </font></i><font>- resposta ao quesito 23.º;</font><br>
<i><font>32) Tendo apenas ficado reparado e pronto a ser entregue à autora em 18 de Maio de 2009.</font></i><font> - resposta ao quesito 24.º;</font><br>
<i><font>33) Com reparação do veículo sinistrado e substituição da betoneira acidentada, a autora suportou, integralmente, um encargo de € 89.971,24 (oitenta e nove mil novecentos e setenta e um euros e vinte e quatro cêntimos). </font></i><font>- resposta ao quesito 25.º;</font><br>
<i><font>34) E despendeu a quantia de € 5.760,00 (cinco mil setecentos e sessenta euros) com o pagamento dos serviços do manobrador da empresa “II, S.A.”. - </font></i><font>resposta ao quesito 26.º;</font><br>
<i><font>35) Uma vez que as rés não assumiram a responsabilidade pelo sucedido, a autora viu-se na obrigação de firmar um acordo com a empresa “FF, Lda.”, nos termos do qual dispensou esta última de proceder ao pagamento de dois meses do contrato de aluguer entre ambas firmado, no valor global de € 4.600.00. </font></i><font>- resposta ao quesito 27.º;</font><br>
<i><font>36) Em razão do sinistro, o veículo sinistrado sofreu uma desvalorização de 10.000.00 (dez mil euros). -</font></i><font> resposta ao quesito 28.º;</font><br>
<i><font>37) Foi o Sr. DD quem, pelas 17.30h do dia em causa, acionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior. - </font></i><font>resposta ao quesito 33.º;</font><br>
<i><font>38) De imediato, o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitando para a sua direita, com as rodas para o ar. - </font></i><font>resposta ao quesito 34.º;</font><br>
<i><font>39) O que constituiu a causa direta e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira. - </font></i><font>resposta ao quesito 35.º;</font><br>
<i><font>40) O Sr. DD é funcionário da firma a quem a autora locou o camião.” - </font></i><font>resposta ao quesito 37.º; </font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>]</font><br>
<b><font>II.B. – DE DIREITO.</font></b><br>
<b><font>II.B.1. – Qualificação do sinistro: se ocorrido numa operação de descarga ou em acção de remoção do veículo. Âmbito do contrato de seguro</font></b><font>. </font><br>
<font>Como se sinalizou supra, a controvérsia que atina com a solução do litígio prende-se com a interpretação a conferir à manobra – mais correcto seria dizer «</font><i><font>ao início de manobra»</font></i><font> – operada pelo condutor quando a auto-grua intentou retirar o veículo da posição em que se encontrava, ou seja se preparava para o remover da posição «periclitante» e inclinada em que se encontrava. </font><br>
<font>Convém rememorar os factos marcantes que podem iluminar a operação de interpretação do que deve entender-se por, «</font><i><font>início de operação de descarga</font></i><font>», «</font><i><font>operação de descarga</font></i><font>», «</font><i><font>preparação da operação de remoção</font></i><font>» e «</font><i><font>execução da operação de remoção</font></i><font>». </font><br>
<font>Em sinopse integradora, recoloquemos, diacronicamente, os factos tal como vêm alinhados na decisão de facto.</font><br>
<font>O veículo pesado de mercadorias, que portava, acoplado, uma betoneira, dirigia-se para ..., para aí proceder a uma descarga de betão (cimento fresco) transportada na betoneira. Depois de ter chegado ao local, e ao verificar que teria de esperar pela sua vez para proceder à descarga do betão, “</font><i><font>o condutor do veículo -GJ- encostou-o à berma direita da estrada, no sentido ... - ..., tendo o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via.</font></i><font>”</font><br>
<font>O veículo ficou estacionado a cerca de quarenta (40) metros do local onde iria proceder à descarga do betão – cfr. ponto 12 da decisão de facto.</font><br>
<font>O veículo pesado ficou estacionado, na berma direita da estrada que liga ... a ..., tendo “</font><i><font>o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via.</font></i><font>”</font><br>
<font>Após a paragem “</font><i><font>o alcatrão e o cimento/betão da via onde se encontrava parado o veículo com a matrícula -GJ- cederam, num ângulo inferior a vinte graus, provocando a inclinação deste para o lado da berma.</font></i><font>”</font><br>
<font>Em face ao aluimento/cedência do alcatrão e cimento/betão, num ângulo inferior a vinte graus, no local onde se encontrava parado o veículo pesado, o veículo viria a inclinar-se para a berma.</font><br>
<font>Três horas após o facto acabado de referir – aluimento e inclinação do veículo para a berma – compareceu um reboque munido de um guincho. </font><br>
<font>“</font><i><font>O veículo capotou durante e em consequência das manobras a que então se procedia de remoção do veículo e, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída.</font></i><font>”</font><br>
<font>Adiante, e em desconexão – ou pelo menos descompassado, diacronicamente, com a matéria concernente com o processo de remoção do veículo pesado, surge como provado que um tal DD, pelas 17,30 horas, do dia em causa – qual dia? O dia 26 de Fevereiro de 2009? – accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior, tendo o camião rodado sobre si mesmo, ficando deitado para a direita, com as rodas para o ar, “o</font><i><font> que constituiu a causa direta e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira</font></i><font>”. </font><br>
<font>As causas (directas e causais) dos danos sofridos pelo veículo pesado foram, de acordo com a matéria de facto que vem provada das instâncias: a) – o capotamento decorrente das manobras de remoção do veículo – ponto 25.a dos factos provados; b) – e o início da descarga do cimento, em consequência do que o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitado para a direita, com as rodas para o ar (melhor seria dizer «com as rodas para o ar, de lado». (Na verdade, retira-se da fotografia junta a fls. 42 que a posição mais «inclinada» em que o camião ficou, foi tombado sobre o lado direito e com os rodados em ângulo recto com o pavimento. Não, como parece inferir-se da alegação, com o capot do camião em posição horizontal ao pavimento e os rodados, consequentemente, em posição vertical). </font><br>
<font>Contrariamente ao que a demandada pretende inculcar, não ocorreram dois momentos após o veículo pesado ter «</font><i><font>adornado</font></i><font>» em virtude da cedência do pavimento e da berma onde se encontrava estacionado – ou tendo ocorrido dois momentos temporais, um passado três horas da inclinação do veículo (17;30 horas do dia 26-02-2009) e outro na manhã do dia seguinte – eles constituem-se como encadeamentos do mesmo processo, a saber do processo de remoção do veículo. </font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>] </font><br>
<font>Após o veículo – vulgo autobetoneira – ter ficado inclinada (para a direita), em virtude da cedência do piso e da berma, todo o processo que que decorreu até ao endireitamento do veículo e colocação na posição normal, se inscreveu no processo de remoção do veículo. Numa primeira abordagem para a remoção – o que ocorreu n próprio dia em que o sinistro acaeceu, às 17;30 horas, com a chegada ao reboque da firma “CC, Lda.” (composto de cam | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xjKau4YBgYBz1XKvdyHJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA, SA.</font></b><font> propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra </font><b><font>BB, CC e marido DD, EE e esposa FF e GG – Sociedade Imobiliária e Investimentos, SA</font></b><font>., </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 56.396,40€ acrescida da taxa de IVA em vigor à data do efectivo pagamento e acrescida dos juros de mora à taxa legal prevista no artº 102º do Código Comercial, contados de 22.12.2004 até efectivo e integral pagamento, encontrando-se já vencidos juros no valor de 10.426,44 €, ou, subsidiariamente, a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia fixa de 56.396,40€, acrescida da taxa de IVA em vigor e juros de mora a contar de 22.10.2004 até efectivo e integral pagamento, encontrando-se vencidos juros no valor de 10.426,44€.</font>
</p><p><font> Fundamenta o pedido, em síntese, dizendo que no âmbito da sua actividade social a pedido dos RR. e com base no mapa de quantidades por estes fornecido, apresentou uma proposta sendo que o mapa de quantidades que havia sido fornecido pelos RR. continha erros nas quantidades, motivo pelo qual foi necessário aplicar nas obras quantidades de material superiores às que constavam do orçamento e do contrato celebrado, pelo que a A. contactou a representante do dono da obra, a R. BB que, confrontada com essa situação deu instruções à A. para executar a obra na sua totalidade, aplicando também as quantidades não previstas no mapa de quantidades e que não estavam incluídas no preço do contrato, o que a mesma efectivamente fez, tendo a final da obra, que os RR. aceitaram, elaborado um mapa de medições final, onde enumerava os serviços a mais e a menos que havia efectuado que entregou aos RR.. Porém, estes apesar de dele não terem reclamado não o enviaram à A. devidamente assinado, encontrando-se por liquidar a quantia peticionada, que corresponde ao crédito a favor da A., já tendo em conta os acertos de trabalhos feitos a mais e a menos, tendo por referência o contratado, sobre tal quantia devendo acrescer juros desde a data de aceitação da obra.</font>
</p><p><font> Subsidiariamente, para o caso de não se entender que o peticionado tem por base a argumentação fáctica mencionada, sempre terá que se considerar que os RR. viram engrandecido o seu património, com inclusão na obra de materiais e trabalhos não contidos no preço contratado e fornecido pela A., tendo esta empobrecido em idêntica medida pelo pois sempre teriam eles que concluir os trabalhos despendendo o valor correspondente, sempre procedendo o pedido, com tal argumentação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Comprovado o falecimento do R. </font><u><font>DD</font></u><font>, foi a acção suspensa até estarem processualmente habilitados os seus herdeiros, o que veio a ocorrer, por decisão já transitada em julgado, proferida no apenso criado com tal finalidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A R. GG SA. contestou, deduziu </font><u><font>reconvenção</font></u><font> e incidente de intervenção acessória provocada de </font><u><font>HH – …, Ldª, </font></u><font>autora do projecto e mapas de quantidades, pois a proceder a argumentação da A. sempre poderia exercer regresso contra a mesma. </font>
</p><p><font> Tal incidente foi deferido.</font>
</p><p><font> A R. invocou a prescrição do direito à restituição com base em enriquecimento sem causa invocada pela A., na medida em que, em Novembro de 2002 já a A. tinha apurado as contas finais referentes ao contrato celebrado entre as partes e apresentou nessa altura uma proposta de resolução amigável do litígio já tendo em conta o valor que agora peticiona pelo que, entre essa data e a de propositura da presente acção decorreram já mais do que os 3 anos previstos no art. 482º do Código Civil, aplicável </font><i><font>in casu</font></i><font>, encontrando-se prescrito o direito da A. com o citado fundamento, devendo ser proferida decisão em conformidade.</font>
</p><p><font> No mais, pugna pela total improcedência do peticionado, argumentando, em síntese, que quando foi convidada pela A. a apresentar uma proposta de orçamento com vista à execução da obra que depois acabou por lhe ser adjudicada, foi-lhe entregue a totalidade do projecto de arquitectura e, os trabalhos que foram executados são, precisamente aqueles que constam do referido projecto pelo que não se pode considerar existirem quaisquer trabalhos a mais. Aliás, do contrato celebrado pelas partes consta que qualquer alteração a esse contrato, ao projecto ou ao preço acordado teria que ser reduzida a escrito nada disso ocorrendo neste caso. Tendo sido pagos à A. o valor acordado através da entrega de lotes, nos exactos termos acordados, nada os RR. lhe devem, pelo que improcede a sua pretensão na totalidade. Muito pelo contrário, foi a A. quem se constituiu em mora e, por isso, na obrigação de indemnizar os RR., pois contratualmente estava previsto o prazo de 12 meses, a contar de Setembro de 1999, para a conclusão dos trabalhos sendo a própria A. que alega que a aceitação da obra a título definitivo só ocorreu em 22.12.2004. Ora, em 1999/2000 havia na zona procura para os fogos a construir e pouco ou nenhuma oferta o que não ocorre actualmente, não se conseguindo vender os lotes, exclusivamente por causa do atraso nas obras da responsabilidade da A.. Com base nesta fundamentação, a título reconvencional peticiona a condenação da A. a indemnizá-la, a ela R. GG, SA., pelos danos causados com o incumprimento culposo do prazo contratual, em montante que se vier a apurar, a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os RR. BB, CC, II e JJ também apresentaram contestação.</font>
</p><p><font> Nela invocaram a mencionada a prescrição do direito da A. com base em enriquecimento sem causa.</font>
</p><p><font> Com argumentação em tudo idêntica à mencionada pela R. sociedade, pugnam pela total improcedência da acção e requereram a intervenção acessória provocada da empresa já mencionada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A A. replicou nas quais defende que, ao contrário do invocado pelos RR., o pedido deduzido (subsidiariamente) com base em enriquecimento sem causa não se encontra prescrito, pois só a partir do momento em que o dono da obra aceita a mesma de forma definitiva e sem reservas é que nasce o direito de o empreiteiro ser ressarcido pelo valor do empobrecimento, que constitui a medida do enriquecimento da contraparte, sendo que, no caso dos autos, isso só aconteceu em 22.12.2004 pelo que é evidente que entre essa data e a de propositura da acção não tinha ainda decorrido o prazo prescricional de 3 anos.</font>
</p><p><font> Acresce que o direito com tal fundamento só nasce depois de esgotadas as possibilidades de obter o pagamento com base no contrato pelo que o dito prazo não começa a correr enquanto o empobrecido puder recorrer a outro meio, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão absolutória proferida numa acção destinada a exigir o cumprimento da obrigação de pagamento.</font>
</p><p><font> Impugna a restante argumentação fáctica vertida nas contestações, mantendo no essencial o argumentado na petição, defendendo a total improcedência do pedido reconvencional na medida em que os atrasos na execução da obra foram devidos a condutas dos próprios RR., que descreve sendo que o facto de os lotes não serem vendidos se deve a outras circunstâncias que não a data em que veio a ocorrer a sua conclusão.</font>
</p><p><font> Requer a condenação da R. GG como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor, que não deverá ser inferior a 5.000 €.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Citada, a interveniente acessória HH apresentou articulado próprio, no qual, invoca, também a prescrição e impugna fundamentadamente os factos articulados pela A., cuja pretensão, defende, deve improceder na totalidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Também a tal articulado se opôs a A. com os fundamentos constantes de fls. 273 a 275. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, no qual relegou para a sentença final o conhecimento da invocada excepção de prescrição, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Nesta julgou-se a acção e a reconvenção improcedentes por não provadas, absolvendo-se as partes dos pedidos deduzidos contra elas. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A., AA, SA., de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 29-1-2013, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-4- Continuando irresignada, a A. AA SA., recorreu do acórdão proferido, para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo. </font>
</p><p><font> <br>
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Da matéria fáctica elencada nos factos fixados como provados ressalta que entre as partes foi celebrado contrato de empreitada e que este contrato foi celebrado por escrito constando de duas peças essências, a proposta de preço apresentada pelo empreiteiro e o contrato propriamente dito. </font>
</p><p><font> 2ª- Da matéria fáctica elencada nos factos fixados como provados constata-se que pela empreiteira não foram executados trabalhos que constavam da proposta por si apresentada (supressão de trabalhos) e foram por si executados outros trabalhos que não constavam da proposta apresentada (acrescento de trabalhos). </font>
</p><p><font> 3ª- Da definição de contrato de trabalho emergem três elementos essenciais: os sujeitos (dono da obra e empreiteiro), a obra a realizar (obrigação do empreiteiro) e o pagamento do preço (obrigação do dono da obra). </font>
</p><p><font> 4ª- A relação jurídica da empreitada consiste numa relação sinalagmática, onerosa, comutativa e consensual.</font>
</p><p><font> 5ª- A essência de um contrato de empreitada está na obrigação assumida do empreiteiro realizar uma obra, segundo um plano e com características previamente definidas no conteúdo contratual acordado com o dono da obra, em que este assume a obrigação do pagamento do preço. </font>
</p><p><font> 6ª- O contrato de empreitada distingue-se de outros contratos de troca pela natureza da prestação não monetária que se encontra adstrito o empreiteiro: a realização de uma obra, isto, obviamente, sem prejuízo da possibilidade de estipulação do preço e da variação da sua modalidade. </font>
</p><p><font> 7ª- O preço, no contrato de empreitada, representa a retribuição devida ao empreiteiro pela realização do obra e tem de ser fixado em dinheiro, não se exigindo qualquer relação de proporcional idade entre a remuneração do empreiteiro e a qualidade ou quantidade da sua prestação. </font>
</p><p><font> 8ª- Uma empreitada ajustada por preço global só tendencialmente assume uma feição rígida e fixa quanto a este elemento do contrato. </font>
</p><p><font> 9ª- Ainda que as partes sujeitem a um determinado regime de pagamento a realização de uma obra, é licito que não queiram abdicar de proceder a ajustamentos, necessários e justificados, que uma execução continuada quase sempre co-envolve. </font>
</p><p><font> 10ª- Na empreitada por preço global, se existirem trabalhos suprimidos ou acrescentados ao acordado no contrato - por terem sido retirados ou aditados - o respectivo valor será deduzido ou acrescentado ao valor do contrato. </font>
</p><p><font> 11ª- Só assim se garantindo uma justiça comutativa e uma execução integral e de boa-fé do contrato celebrado. </font>
</p><p><font> 12ª- Não sendo justo nem equilibrado e violador dos principio da boa-fé e do cumprimento pontual dos contratos que as partes porque aceitaram uma forma ou modalidade de pagamento do preço, fossem "despojadas da criteriosa adaptação e conformação do conteúdo prestacional à realidade originada pelas alterações e modificações que a execução contratual ditou". </font>
</p><p><font> 13ª- As obrigações decorrentes do contrato de empreitada e da sua execução estão sujeitas ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos previsto no artigo 309° do CC. </font>
</p><p><font> 14ª- A contagem do prazo de prescrição da indemnização por enriquecimento sem causa previsto no artigo 1214° nº 2 do CC no contrato de empreitada só tem inicio quando o dono da obra a aceita, pois só com a aceitação da obra é que o empreiteiro tem conhecimento do direito que lhe assiste a exigir essa indemnização. </font>
</p><p><font> 15ª- A aceitação da obra pelo dono, no contrato de empreitada em causa, verificou-se na data em que este requereu a recepção definitiva da obra junto da Câmara Municipal, correspondendo este pedido à aceitação tácita da obra. </font>
</p><p><font> 16ª- O acórdão recorrido ao não decidir no sentido referido nos números antecedentes e propugnado pela recorrente viola as normas jurídicas constantes dos artigos 1207°, 1211º, 1214º, 833º, 406° e 309° todos do Código Civil. </font>
</p><p><font> Termos em que, revogando-se o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue a acção procedente e condene os recorridos no pedido principal ou, caso assim não se entenda, no pedido subsidiário, será feita Justiça. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não foram produzidas alegações. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas no regime de recursos pelo Dec-Lei 303/2007 de 24/8) Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se a A., recorrente, com base no contrato de empreitada, terá direito a receber dos RR. os trabalhos acrescentados aos acordados no contrato.</font>
</p><p><font> - Se ocorreu, ou não, o prazo de prescrição em relação à indemnização por enriquecimento sem causa previsto no art. 1214º nº 2 do C.Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> 1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de montagem e remodelação de instalações eléctricas, construção civil e obras públicas.</font>
</p><p><font> 2. A chamada “Urbanização ...” foi implantada em dois terrenos, o primeiro situado no lugar do ..., confrontando do norte com Estrada Nacional, nascente e sul com ... e poente com ... e Outros, e o segundo situado no lugar de ... ou ..., que confronta do norte com ... ..., nascente com estrada, sul com o caminho e do poente com ... ..., no concelho de ....</font>
</p><p><font> 3. Tendo os RR. decidido levar a cabo um loteamento com a denominação de loteamento ..., em ..., publicitaram tal decisão junto de construtores interessados na sua execução, conforme projecto, tendo a A. apresentado, por escrito, a proposta nº ....</font>
</p><p><font> 4. A proposta apresentada pela A. teve por base essencialmente os mapas de quantidades ou estimativas de custos constantes do projecto que lhe foi entregue.</font>
</p><p><font> 5. Tal proposta, no valor global de Esc. 56.022.403$00 [€ 279.738,57], era dividido pelos diferentes tipos de trabalhos a executar na obra, assim discriminados: CAPÍTULO DESCRITIVO VALOR - I Rede viária/terraplanagens Esc.12.585.148$00, II Pavimentação Esc. 5.871.136$10, III Diversos Esc. 3.202.842$00, IV Sinalização Esc. 2.107.900$00, V Rede de águas/movimento de terras Esc.694.171$10, VI Tubagens e acessórios Esc.3.407.856$00, VII Rede de esgotos pluvial Esc.4.753.398$20, VIII Rede de esgotos residual doméstico Esc.4.419.238$20, IX Sistema elevatório do esgoto residual Esc. 5.674.213$90, X Rede de baixa tensão e rede de iluminação pública Esc.6.799.500$00, XI Posto de transformação Esc.4.360.000$00, XII Condutas telefónicas Esc. 2.147.000$00.</font>
</p><p><font> 6. Na sequência dessa proposta iniciaram-se negociações entre a A. e os RR. na sequência das quais veio, em 6.9.1999, a ser por todos subscrito o documento intitulado contrato de empreitada, que se encontra junto a fls. 36 a 39, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.</font>
</p><p><font> 7. No decurso daquelas obras, a A. constatou que não seria necessário executar alguns desses trabalhos, no valor global de € 17.600,10, assim descriminados:</font>
</p><p><font> Capítulo Descritivo Valor - III Diversos 9.243,10 €; V Rede de águas-movimento de terras 61,56 €, VI Tubagens e acessórios 1.195,67 €, VII Rede de esgotos pluviais 998,11 €, VIII Rede de esgotos residual doméstico 4.525,90 €, IX Sistema elevatório do esgoto residual 1.563,79 €, XII Condutas telefónicas 11,97 €.</font>
</p><p><font> 8. Do orçamento elaborado pela A. constavam 755,05m2 de área para aplicação de sub-base, 755,05m2 de macadame betuminoso com 0,60m de espessura, 121,77m2 de material granulado britado com 0,12 m de espessura, 755,05 m2 de rega de impregnação, 755,05 m2 de rega de colagem com emulsão catiónica, 755,05m2 de camada de desgaste em betão betuminoso com espessura de 0,06m, 1014,75m2 de camada de pó em pedra com 0,08m e 1014,75m de calçada miúda vidraço.</font>
</p><p><font> 9. As quantidades que vieram a ser aplicadas foram superiores a essas, facto de que a A. se apercebeu no decurso do trabalho.</font>
</p><p><font> 10. Perante essa situação, a A. através do técnico responsável, fez saber à R. BB que a execução das obras de pavimentação implicava a aplicação de quantidades de material superiores às constantes da proposta feita pela A., facto que esta aceitou.</font>
</p><p><font> 11. A A. aplicou, para além das quantidades constantes da proposta por si apresentada, 3.347,95 m2 de sub-base de material de acordo com CE, 1355,73 m2 de material granulado britado com 0,12 m de espessura, 3347,95 m2 de macadame betuminoso com 0,06 m de espessura, 3347,95 m2 de rega de impregnação, 3347,95 m2 de rega de colagem com emulsão catiónica, 3347,95 m2 de camada de desgaste em betão betuminoso com espessura de 0,06m, 462,75 m2 de fornecimento e colocação de camada de pó em pedra com 0,08 m e 462,75 m de calçada miúda vidraço.</font>
</p><p><font> 12. O custo do material descrito e sua aplicação, tendo em conta a aplicação dos preços unitários constantes do mapa de medições e quantidades anexo à proposta supra referida, ascendeu a € 71.601,58, mais IVA, conforme se discrimina: 3347,95 m2 de sub-base em material de acordo com CE 10.353,69€, 1355,73 m2 de material granulado britado com 0,12 m de espessura 3.245,93 €, 3347,95 m2 de macadame betuminoso com 0,06 m de espessura 23.379,31 €, 3347,95 m de rega de impregnação 2.337,93 €, 3347,95 m2 de rega de colagem com emulsão catiónica 2.003,94 €, 3347,95 m2 de camada de desgaste em betão betuminoso com 0,06m 23.379,31 €, 462,75 m2 de camada de pó de pedra 900,19 €, 462,75m2 de calçada miúda vidraço 3.001,29 €.</font>
</p><p><font> 13. Também na rede de baixa tensão e iluminação a A. verificou, no decurso da obra, que as quantidades de material colocadas na sua proposta e, no essencial, retiradas do mapa de quantidades correspondente, constante do projecto que lhe havia sido entregue não correspondiam ao que era necessário colocar em obra.</font>
</p><p><font> 14. Perante esta situação, a A., através do técnico responsável, fez saber à R. BB que a execução das obras em causa implicava a aplicação de quantidades de material superiores às constantes da proposta feita, facto que esta aceitou.</font>
</p><p><font> 15. Para além das quantidades mencionadas na sua proposta/orçamento, a A. veio a aplicar na obra mais 864,80 m de tubo 50-6Kg/cm2, 10m de cabo LSVAV 4x95mm2 e 206m de cabo VAV 4x10mm2.</font>
</p><p><font> 16. Cujo custo global, tendo em conta a aplicação dos preços unitários constantes do mapa de medições e quantidades anexo à proposta em 1) e do acordo em 5) a 12), ascendeu a € 2.394,93, mais IVA, como se discrimina: 864,80m de tubo 50 – 6kg/cm2 1.294,08 €, 10m de cabo LSVAV 4x95mm2 124,70 €, 206m de cabo VAV 4x10mm 2 976,15 €.</font>
</p><p><font> &nb | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SjKtu4YBgYBz1XKvoC14 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<font> </font><b><font>I.</font></b><br>
<b><font> Relatório</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>Clube Naval de Porto Santo Manso demandou AA - M..., F... e P... Lª, na mira de obter a sua condenação na entrega do locado (estabelecimento de bar e restaurante, sito no P... de A... de Porto Santo), livre e devoluto, e no pagamento de todas as rendas, vencidas e vincendas, com juros de mora à taxa legal, atenta a cessação do contrato de cessão de exploração, com ela celebrado, por resolução.</font><br>
<br>
<font> A R. contestou e, concomitantemente, pediu, em reconvenção, condenação da A. no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a liquidar a final.</font><br>
<br>
<font> Replicou a A., pugnando não só pela improcedência deste pedido, como pela consagração do, por si, peticionado.</font><br>
<br>
<font> Em sede de saneador, na sequência da nulidade do contrato, decretada por falta de forma, foi a R. condenada a entregar o dito estabelecimento, completamente livre e devoluto de pessoas e bens, e, ainda, a pagar à A., a título de indemnização pela utilização do locado, a quantia correspondente ao valor da renda que seria devida se o mesmo fosse válido, desde o início do contrato até à entrega, com desconto dos meses já pagos, e a A. absolvida do pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<font> Sem êxito, apelou a R. para o Tribunal da Relação de Lisboa. </font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, a R. pede, ora, revista do acórdão da Relação de Lisboa, vertendo as seguintes conclusões:</font><br>
<b><font>– </font></b><font>O acórdão da Relação julgou improcedente o recurso interposto do saneador-sentença e julgou que a conversão do negócio nulo por inobservância da forma legal não pode servir para, num primeiro momento, à data da conclusão do contrato, o converter em contrato-promessa de cessão ou locação de estabelecimento, assim escapando à nulidade por inobservância de forma legal e, num segundo momento, considerar válido o referido contrato definitivo, porque celebrado pela forma escrita e assim beneficiar da alteração legislativa entretanto operada.</font><br>
<font>– O acórdão recorrido julgou ainda improcedente o recurso quanto à questão da reconvenção da Recorrente, por considerar que as pretendidas indemnizações, por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais, estão assentes no incumprimento contratual do A., que tinha a obrigação de obter a licença para o estabelecimento, e não o tendo feito, só se concebem se assentes num contrato válido.</font><br>
<font>– O saneador-sentença de 1ª instância decidiu considerar nulo, por falta de forma, o contrato de cessão de exploração celebrado entre A. e R., decisão que se veio a confirmar no Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font>– À data, aposta no contrato como sendo a da sua assinatura, era exigida a forma de escritura pública para celebração do contrato de cessão de exploração.</font><br>
<font>– Entretanto, produziu-se uma alteração legislativa, com a publicação do Decreto-Lei nº 64-A/2000, de 22 de Abril, tendo passado a ser apenas exigida a forma escrita. Ora, o contrato em causa obedecia à forma escrita.</font><br>
<font>– O regime de aplicação da lei no tempo previsto no artigo 12º, do Código Civil, tem como objectivo proteger as partes contra alterações legislativas que não poderiam prever ao tempo da celebração dos contratos.</font><br>
<font>Assim, não faria sentido que, celebrando-se hoje um contrato para a validade do qual apenas é exigida a forma escrita, ele venha amanhã a ser considerado nulo por falta de forma por força da entrada em vigor de uma lei que exija uma forma mais solene.</font><br>
<font>– No caso concreto o que se passa é o inverso, o contrato celebrado com deficiência de forma passa à luz da lei nova a ser válido. É opinião da Recorrente que, nestes casos, o contrato se convalida, o que levará a ter que considerar que o contrato em causa nos autos é válido e não poderá ser considerado nulo.</font><br>
<font>– Segundo a posição do Prof. Baptista Machado: “Acontece, que a LN vem exigir certos requisitos de validade cuja exigência era duvidosa no domínio da LA e ao mesmo tempo declara expressamente válidos os actos anteriores que não respeitam tais condições. Neste caso os actos praticados sem observância dos requisitos fixados pela LN passam a ser válidos.</font><br>
<font>– Se tal não se verifica, se não há esta declaração expressa, deve aplicar-se a LN se for mais favorável aos interesses do particular sem prejuízo do interesse de uma contraparte ou de terceiros. Se o legislador não der expressão no texto legal ao alcance confirmativo do mesmo intérprete deve orientar-se pelo disposto no nº 2, primeira parte deste artigo”.</font><br>
<font>– Um contrato-promessa pode produzir efeitos ou pode servir para permitir a execução correspondente ao contrato prometido ou actos que lhe sejam preparatórios.</font><br>
<font>– A possibilidade de se celebrarem contratos-promessa com tradição da coisa é claramente admitida pela lei – artigo 442°, nº 2, do Código Civil. Trata-se de um acto de antecipação dos efeitos próprios do contrato.</font><br>
<font>– Se se entender que não é possível convalidar um negócio jurídico nulo, então sempre se poderia converter um contrato de cessão de exploração nulo por falta de forma num contrato-promessa de locação. São negócios distintos mas que se subsumem aos actos praticados por Recorrente e Recorrido.</font><br>
<font>– O efeito prático do negócio sucedâneo seria, para a Recorrente, a tradição imediata do estabelecimento ou do espaço para que a Recorrente pudesse desde logo adaptar o mesmo à exploração ou utilização e poder iniciar a sua exploração na data de início de produção de efeitos</font><br>
<font>– Para o Recorrido, tal efeito prático do negócio sucedâneo seria cumprir a obrigação assumida de obter o necessário licenciamento municipal – para o qual seria necessário criar as condições mínimas para abrir um estabelecimento comercial de restaurante e bar – e começar a receber de imediato uma prestação pecuniária pela ocupação do espaço, que se pode qualificar como cumprimento antecipado ou até como forma de compensar o Recorrido pela imobilização do direito ao espaço onde se instalou o estabelecimento da Recorrente.</font><br>
<font>– Com a referida tradição do espaço ou do locado e com antecipação de cumprimento, não fica, no entanto, impedida a conversão do negócio em contrato-promessa de cessão de exploração ou então de locação comercial nem se defrauda o instituto respectivo.</font><br>
<font>– O negócio nulo tem a mesma substância do negócio em que se pretende convertê-lo:</font><br>
<font>Exploração comercial de um estabelecimento de restaurante e bar, mediante uma contrapartida.</font><br>
<font>– Durante anos que se vem executando um contrato entre as partes e a simples violação de uma formalidade, por mais importante que ela seja, vem a pôr em causa contratos de trabalho, contratos de fornecimentos de serviços e de bens.</font><br>
<font>– A vontade da Recorrente nunca seria a de colocar em causa tais contratos e a vontade do Recorrido era a de receber contrapartidas, já que sempre recebeu e reclamou os pagamentos.</font><br>
<font>– As partes continuaram com vontade em contratar e manifestaram-no.</font><br>
<font>– A reconvenção deduzida pela R. não deveria ter sido considerada improcedente, porque, ainda que se considere que o contrato é nulo, o facto de ele ter produzido efeitos não pode ser matéria estranha ao julgador.</font><br>
<font>– Não pode considerar-se que a relação jurídica entre as partes produziu alguns efeitos (pois se é condenada a R. a indemnizar por ter utilizado o espaço) e entender que a R. deve pagar ao A. as quantias a título de renda pelos meses que explorou o estabelecimento e depois considerar improcedente a reconvenção deduzida como se a relação jurídica entre A. e R. não tivesse tido consequências factuais bilaterais, ainda que ao abrigo de um contrato nulo, as quais terão por certo tratamento jurídico.</font><br>
<font>– Se o Recorrido tem direito a ser indemnizado pela utilização do espaço, também a Recorrente tem direito a ser indemnizada, nos termos oportunamente alegados em reconvenção, já que não deixou de ver a sua imagem abalada com a falta de licenciamento do local, conforme se tinha comprometido o A. </font><br>
<font>– A utilização do local que a R. tinha a legítima expectativa de vir a ter, com a redução de horário que sofreu por consequência directa da omissão do A. acabou por ser inferior, reflectindo-se negativamente nas receitas que esperava auferir.</font><br>
<font>– O uso efectivo do local não pode ter correspondência com o das prestações convencionadas, porque estas pressupunham um uso diverso, com um horário maior que aquele que a Recorrente viu ser-lhe imposto, por falta de licenciamento.</font><br>
<font>– O valor locativo era inferior ao que havia sido acordado, sem que a Recorrente tenha contribuído para tanto, com culpa exclusiva do Recorrido, do que se deveria ter produzido prova.</font><br>
<font>– Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou as disposições dos artigos 12° e 293° do Código Civil.</font><br>
<font>– Em virtude do que ficou exposto deve ser revogado o acórdão recorrido e ser proferida decisão que:</font><br>
<font>a) Considere válido o contrato, tudo com as legais consequências; ou</font><br>
<font>b) Ordene a baixa do processo à 1ª instância e a sua continuação até final para produção de prova; ou</font><br>
<font>c) Considere o contrato nulo, </font><i><font>sub judice</font></i><font> convertido em contrato promessa de cessão de espaço para instalação e exploração de estabelecimento comercial, ou de locação para o mesmo fim, tudo com as legais consequências.</font><br>
<br>
<font> A parte contrária não respondeu.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><br>
<b><font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<font>1 – Por documento escrito assinado pelas Partes, em 27 de Janeiro de 2000, e intitulado “Contrato de Concessão de Exploração”, o A. declarou conceder à R. a exploração do estabelecimento de restaurante e bar, sua pertença, localizado no prédio urbano em que se situa a sua sede, no P... de A... de Porto Santo, construído em parcela de terreno do domínio público cujo uso privativo lhe foi atribuído, por trinta anos, pela Resolução nº 1251/95, de 7 de Novembro de 1995.</font><br>
<font>2 – No mesmo documento consta que o A. pretende ter em funcionamento o mesmo estabelecimento de restaurante e bar a fim de prestar serviços correspondentes a essas actividades aos seus sócios e utilizadores da marina e conceder à R. a sua exploração de modo a que seja ela a ocupar-se dessa actividade.</font><br>
<font>3 – Ficou estipulado que a R. explorará o estabelecimento de restaurante e bar instalado no local, por um prazo de 8 anos, a contar de 1 de Janeiro de 2001.</font><br>
<font>4 – Nos termos constantes do referido documento, acordaram ainda as Partes que o preço da concessão é de 200.000$00 mensais, a que acresce I.V.A., à taxa em vigor em Porto Santo, pagáveis até ao dia 30 de cada mês, por cheque à ordem do primeiro outorgante (A.), de que este passará a respectiva quitação.</font><br>
<font>5 – Acordaram ainda as Partes que, a partir de 1 de Janeiro de 2005, o preço da concessão será o valor correspondente a 300.000$00 mensais, a que acresce I.V.A., à taxa em vigor em Porto Santo.</font><br>
<font>6 – Também submeteram ao referido acordo a condição de que, a partir de Janeiro de 2005, o valor da renda está sujeito a actualização anual, de acordo com os coeficientes de actualização de rendas fixadas anualmente para os arrendamentos para comércio e indústria.</font><br>
<font>7 – Ajustaram também que a R. pode ceder a terceiro a sua posição contratual no decurso da vigência do contrato, devendo informar o A., por carta registada com aviso de recepção, identificando o cessionário. Mais acordaram que a cessão considerar-se-á autorizada pelo primeiro outorgante (o A.), se este não se lhe opuser, por carta registada com aviso de recepção, que seja recebida pela segunda outorgante (a R.), no prazo de 30 dias sobre a informação que lhe tiver feito.</font><br>
<font>8 – A. e R. iniciaram a execução do acordo constante do documento identificado em 1, com a R. a explorar o aludido estabelecimento restaurante e bar e a pagar a contraprestação ajustada, e o A. a recebê-la.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>III.</font></b><br>
<b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<b><font> </font></b><font>Da leitura das conclusões, com que a Recorrente fechou a sua minuta, retira-se a ideia de que pugna pela manutenção da validade do negócio celebrado com a Recorrida ou, caso assim não seja entendido, pela sua conversão num contrato-promessa de locação de estabelecimento comercial. Ao mesmo tempo, defende que, mau grado o contrato outorgado ter sido declarado nulo, a reconvenção deve proceder e, por fim, a baixa do processo à 1ª instância para continuação, até final, com produção de prova.</font><br>
<br>
<font> Algo confusa, portanto, esta arrumação de pretensões, cujo conhecimento nos surge, de certa forma, interligado.</font><br>
<font> Analisemo-las, portanto.</font><br>
<font> É por demais evidente que as Partes outorgaram, no passado dia 27 de Janeiro de 2000, um contrato de cessão de exploração comercial (</font><i><font>rectius</font></i><font>: de locação comercial), tendo por objecto o estabelecimento de bar e restaurante, sito em P... de A..., Porto Santo, mediante simples escrito particular.</font><br>
<font> À época, a escritura notarial consubstanciava formalidade </font><i><font>ad substantiam</font></i><font> para que tal tipo de negócio fosse considerado como válido na ordem jurídica: o postulado no artigo 89º, alínea k), do Código Notarial, então vigente, assim o exigia.</font><br>
<font> Como assim, a inobservância daquela forma legal tinha como consequência a nulidade do negócio, atento o preceituado no artigo 220º do Código Civil.</font><br>
<font> Insiste, porém, a Recorrente na ideia de manter a validade do negócio, à custa de uma deturpada visão da realidade das cousas.</font><br>
<font> Vejamos.</font><br>
<font>Por força do Decreto-Lei nº 64-A/2000, de 22 de Abril, o artigo 110º do R.A.U. passou a conter um nº 3 no qual se estipulava que “a cessão de exploração do estabelecimento comercial deve constar de documento escrito, sob pena de nulidade”. Passou, portanto, a não ser exigida escritura pública para a validação deste negócio, contentando-se a Lei apenas e só com a redução do mesmo a escrito.</font><br>
<font>Esta alteração legislativa, ao contrário do que se possa pensar, não teve carácter interpretativo, antes surge com uma lei nova, sem eficácia retroactiva, nos precisos termos do nº 2 do artigo 12º, do Código Civil. Nesta conformidade, as condições de validade do negócio em causa são regulados pela lei em vigor à data da sua celebração.</font><br>
<font>É essa, seguramente, a lição que se colhe de Baptista Machado:</font><br>
<font>“Quando, pois, a constituição da SJ se processa através de um acto ou negócio jurídico (…), a regra de conflitos em causa não significa que a LN não se aplica às condições de validade do acto ou negócio jurídico que deu vida a uma SJ antes da sua entrada em vigor. Donde se conclui que é em face da LA que devem ser decididas as questões de saber se uma SJ concreta se constitui ou não, se ela se constituiu regularmente ou padece de quaisquer vícios na sua formação – isto é, todas as questões relativas à validade ou invalidade dos respectivos actos constitutivos” (</font><i><font>Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil</font></i><font>, páginas 70 e 71).</font><br>
<font>E, ainda:</font><br>
<font>Desenvolvendo o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, o art. 12º, nº 2, distingue dois tipos de leis ou normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que tais situações deram origem (2ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Jj) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data IV” (“início de vigência ou entrada em vigor”) (</font><i><font>Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador</font></i><font>, página 223).</font><br>
<font>Afastada, portanto, a previsão contemplada pela Recorrente: aqui não estamos perante um caso em que um dos requisitos de validade do negócio era objecto de dúvida, caso em que, então sim, a nova lei se apresentaria com roupagem interpretativa, com as necessárias implicações de retroactividade.</font><br>
<font>Aqui o que se passou foi simplesmente uma opção do legislador pela forma a observar neste (a par do trespasse) tipo de negócio, a partir de 1 de Maio de 2000 (artigo 3º do diploma em causa): daí a aplicação da LA ao caso </font><i><font>sub iudice</font></i><font>, como evidenciado.</font><br>
<font>Podemos, pois, com toda a certeza e com toda convicção, assegurar que o julgado pelas instâncias, no que tange à validade do negócio outorgado pelas Partes, está perfeitamente certo.</font><br>
<font>Estamos, definitivamente, em presença de um negócio nulo, por falta de forma. Ora, </font><i><font>nolens, volens</font></i><font>, um negócio nulo jamais pode ser considerado como válido.</font><br>
<font>Não faz, assim, qualquer sentido a pretensão da Recorrente de continuar a ver o negócio como válido, pretextando, sem qualquer fundamento jurídico válido a apoiá-la, que “o regime da aplicação da lei no tempo previsto no artigo 12º do Código Civil tem como objectivo proteger as pessoas contra alterações legislativas que não poderiam prever ao tempo da celebração dos contratos”.</font><br>
<font>Mais: precisamente, tendo em devida conta, as naturais expectativas das Partes outorgantes, é que se justifica, de todo, o regime legal consagrado no nosso Ordenamento.</font><br>
<br>
<font>Passemos, agora, à problemática do pedido reconvencional.</font><br>
<font>Prevendo a hipótese de absolvição, a R., aqui Recorrente, deduziu pedido reconvencional com o fito de obter condenação da A., aqui Recorrida, no pagamento de indemnização pelos danos “morais e materiais a que o seu incumprimento deu causa, em montante a fixar em liquidação de sentença”.</font><br>
<font>Ultrapassado a questão de saber se esta pretensão se encaixa na previsão do artigo 274º, do Código de Processo Civil, decisão que transitou em julgado, admitindo, apenas por mera hipótese de raciocínio, que as instâncias não decidiram em conformidade ao negar à Reconvinte o direito à indemnização pretendida, com o argumento de que um contrato nulo nunca pode sustentar uma tal pretensão indemnizatória (o que, para que não haja dúvidas, nos parece absolutamente certo), a verdade é que a este respeito nada ficou provado, como resulta da leitura dos factos elencados.</font><br>
<font>Razão de sobra para a Recorrente não lograr vencimento, neste ponto concreto.</font><br>
<br>
<font>Apesar do salientado, que, no fundo, confirma, na íntegra, as posições das instâncias, insiste a Recorrente na possibilidade de conversão do negócio celebrado num contrato-promessa de “cessão de espaço para instalação e exploração de estabelecimento comercial ou de locação para o mesmo fim”.</font><br>
<font>A Relação interpretou esta pretensão da Recorrente como sendo uma forma de ultrapassar a impossibilidade legal, imposta pela lei em vigor, no momento da feitura do negócio.</font><br>
<font>Daí que tenha observado, com toda a pertinência, que “o artigo 293º, do Código Civil, permite que um negócio jurídico nulo se converta em outro de tipo e conteúdo diferentes, mas não consente que esse negócio se convalide quando a lei posterior à sua celebração dispense os requisitos formais cuja falta determinou a nulidade”.</font><br>
<font>A admitir-se esta possibilidade estaria encontrada a forma (enviesada) de contornar a Lei, o que, como é sabido, o Direito não permite.</font><br>
<font>Em clara fraude à lei, permitir-se-ia às Partes a legitimação de uma situação que, aos olhos do legislador, se afigurava, na substância, como nula.</font><br>
<font>Não pode ser!</font><br>
<font>Daí a pertinente nota lançada por Pires de Lima e Antunes Varela:</font><br>
<font>“Para que se possa verificar a conversão, não basta que o negócio nulo ou anulado contenha os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio que vai substituí-lo. É ainda necessário, de acordo com a parte final do artigo 293º, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes”.</font><br>
<font>E acrescentam:</font><br>
<font>“Não se confunde a figura da conversão com o caso de negócio com vontade alternativa. Neste caso, as partes, prevendo a hipótese de ser nulo o negócio que querem celebrar, convencionaram que então valerá outro. </font><br>
<font>Este segundo negócio, apoia-se na vontade real das partes, enquanto na conversão o segundo negócio faz apelo à simples vontade conjectural ou hipotética” (</font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, Volume I, 4ª edição, página 269).</font><br>
<font>A conversão, tal como está prevista no artigo 293º, do Código Civil, pressupõe uma vontade hipotética das partes, aferida de acordo com os ditames da boa fé e os demais elementos atendíveis, por referência às circunstâncias temporais e circunstanciais da celebração do contrato (António Menezes Cordeiro, </font><i><font>Tratado de Direito Civil Português,</font></i><font> I, Tomo I, páginas 885 e 886, Carlos Alberto da Mota Pinto, </font><i><font>Teoria Geral da Relação Jurídica</font></i><font>, páginas 486 e 487, Pedro Pais de Vasconcelos, </font><i><font>Teoria Geral do Direito Civil</font></i><font>, 5ª edição, páginas 759 e seguintes, Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, páginas 268 e 269, Heinrich Ewald Hörster, </font><i><font>A Parte Geral do Código Civil Português</font></i><font>, página 600, e Manuel de Andrade, </font><i><font>Teoria Geral da Relação Jurídica</font></i><font>, Vol. II, página 434).</font><br>
<font>Este último A., consagrado Mestre coimbrão, com a clareza que o distingue e que transforma as cousas difíceis em fáceis, deixou mesmo dito que “a conversão só se realiza quando, …, seja de admitir que as partes teriam querido o negócio sucedâneo caso se tivessem apercebido da deficiência do negócio principal e não o pudessem ter realizado com a observância do requisito infringido. Esta vontade hipotética será a alma do negócio sucedâneo, mas construído sobre a base do negócio principal (…), tendo em vista a sua natureza típica e particularidades concretas”.</font><br>
<font>Tudo isto a exigir alegação e comprovação.</font><br>
<font>Ora, a este respeito, nada ficou provado, o que, automaticamente, afasta (se as outras razões não fossem pertinentes, e são, como vimos) qualquer possibilidade de satisfação da pretensão da Recorrente.</font><br>
<font>Além de tudo o referido, o certo é que tal pretensão, nos moldes em que aparece formulada, se nos apresenta de todo incompreensível, atenta a consabida natureza instrumental do contrato-promessa.</font><br>
<br>
<font>Perante tudo o que acabou de ser dito, uma última pergunta: para que anular a decisão recorrida?</font><br>
<font>A resposta está (implicitamente) dada: a previsão do nº 3 do artigo 729º, do Código de Processo Civil, é aqui totalmente inaplicável.</font><br>
<font>Pelo contrário, está tudo decidido, e bem decidido.</font><br>
<font>Justifica-se, assim, a plena confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<b><font>IV.</font></b><br>
<b><font>Decisão:</font></b><br>
<font>Nega-se a revista e coloca-se o pagamento das custas a cargo da Recorrente.</font><br>
<br>
<b><font>§§§</font></b><br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font>Lisboa, aos 17 de Junho de 2010,</font><br>
<font>Urbano Dias (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rDLwu4YBgYBz1XKv7V3Z | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A, intentou no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção declarativa de simples apreciação, com processo comum na forma ordinária, contra a Caixa Geral de Aposentações, pedindo se declare que ela autora se acha carecida do seu direito a alimentos.<br>
<br>
Para o efeito, alega, em resumo, que é divorciada e vivia, há mais de 20 anos, em comunhão de cama, mesa e habitação, com B, falecido em 22 de Agosto de 1997.<br>
<br>
Essa vivência em causa, como de marido e mulher se tratasse, era conhecida de familiares e amigos de ambos e perdurou até ao falecimento do B.<br>
<br>
Este B faleceu sem deixar quaisquer bens móveis ou imóveis e era aposentado do Estado, em cuja qualidade recebia uma pensão processada pela aqui ré, onde tinha o número de pensionista ....<br>
<br>
O ex-marido da autora está impossibilitado de lhe prestar alimentos, pois vive exclusivamente de uma reforma que recebe da Caixa Nacional de Pensões, com que faz face às despesas necessárias à sua sobrevivência.<br>
<br>
A autora tem um filho maior, que é professor universitário no I.S.T. onde recebe a quantia mensal de 339429 escudos e que, constituindo a sua única fonte de rendimento, lhe é absolutamente indispensável para subsistir com o estatuto inerente à sua condição social.<br>
<br>
Como únicas fontes de rendimento, a autora recebe uma pensão da ora ré, no valor mensal de 137650 escudos, uma pensão do Montepio Geral no montante mensal de 11348 escudos, e cerca de 900 escudos mensais, líquidos de IRS, da quarta parte do rendimento de um prédio indiviso localizado em Odivelas.<br>
<br>
Segundo afirma, esses seus rendimentos são manifestamente insuficientes para prover às suas despesas normais de sustento e manutenção, sendo que a autora tem já 74 anos de idade, sofre de ostroartipatia degenerativa - o que a impede de executar trabalhos domésticos - e não pode viver só, carecendo em absoluto de uma empregada doméstica.<br>
<br>
Depois de citada, a ré contestou, alegando desconhecer os factos articulados pela autora, devendo a acção ser julgada consoante a prova que esta lograsse fazer.<br>
<br>
O processo foi saneado, condensado e instruído, após o que teve lugar a audiência de discussão e julgamento, tendo o Tribunal Colectivo respondido, sem censura das partes, à matéria da base instrutória.<br>
<br>
Seguiu-se a sentença que julgou a acção improcedente por não provada, pelo que absolveu a ré do pedido, por entender que a autora auferia rendimentos mensais bastantes para suportar as suas despesas, não carecendo de alimentos.<br>
<br>
Inconformada, a autora apelou da sentença, mas a Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.<br>
<br>
Continuando inconformada, a autora voltou a recorrer, agora de revista, para este Supremo Tribunal, insistindo nas suas conclusões que, no âmbito da segurança social é titular de prestações pecuniárias devidas por morte do seu falecido companheiro B, aposentado do Estado, independentemente de estar ou não carecida de alimentos. mas, mesmo que assim não fosse, sempre a recorrente teria direito a tais prestações, porque aqueles a que nos termos da lei estariam obrigados a alimentos não dispõem de meios para os prestar. Devendo ainda, no caso, a noção de alimentos prevista no n.º 1 do artigo 2003º do Código Civil, ser interpretada em sentido lato, e não no sentido restrito ou literal do conceito.<br>
<br>
Respondeu a recorrida no sentido de se manter a decisão da 2ª instância.<br>
<br>
Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
<br>
No acórdão recorrido e seus fundamentos, de sentido oposto ao defendido pela recorrente, equacionou-se e enquadrou-se correctamente a solução jurídica da questão em apreço.<br>
<br>
Na verdade, da conjugação do estabelecido nos<br>
- artigo 8º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 322/90, de 18 de Outubro,<br>
- artigos 2020º, n.º 1 e 2009º do CC, alíneas a) a d) do Dec. Reg. n.º 1/94 de 18 de Janeiro, digo, do Código Civil,<br>
- artigos 2º e 3º n.ºs 1 e 2 do Dec. Reg. n.º 1/94, de 18 de Janeiro,<br>
resulta que um dos requisitos necessários para que o membro sobrevivo de uma união de facto seja equiparado ao cônjuge, para efeitos de atribuição das prestações sociais (pensões de sobrevivência), é que este necessite efectivamente de alimentos. E, por alimentos, deve entender-se o estritamente necessário para o sustento, habitação e vestuário.<br>
<br>
No caso "sub iudice", mesmo a entender-se que a medida dos alimentos se deve aferir pelo trem de vida do agregado de facto, ora dissolvido, concorda-se com a Relação ao julgar que a autora não carreou atempadamente para os autos factualidade bastante para determinar esse trem de vida.<br>
<br>
Nestes termos, por se verificar o condicionalismo previsto nas disposições combinadas dos artigos 713º, n.ºs 5 e 6 e 726º, ambos do Código de Processo Civil, decidem negar a revista, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida.<br>
<br>
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.<br>
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2002.<br>
<br>
Pais de Sousa,<br>
Afonso de Melo,<br>
Fernandes Magalhães.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VDKSu4YBgYBz1XKv8x2t | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I.</font></b><font> – Em 27/01/2011, AA e </font><b><font>"BB - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, L.DA"</font></b><font> intentaram (nas Varas Cíveis de Lisboa, com distribuição à 6.ª Vara) em 17/01/2011) uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra 1) </font><b><font>"BANCO BPI, S.A.";</font></b><font> 2) </font><b><font>"CC – RESTAURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS, L.DA"</font></b><font>; e 3) DD, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar aos AA. a quantia de 41.800,00 €, acrescida de juros vencidos no valor de 2.849,69 € e vincendos até integral pagamento. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto, alegaram, em síntese, que: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>– No cumprimento de um contrato de empreitada de construção civil, relativo à modificação duma fracção autónoma, destinada a restaurante, que, na altura, era explorada pela ora 2.ª Ré (CC, Lda.), nomeadamente para pagamento do valor da obra realizada pela sociedade ora 2.ª Autora (da qual o ora 1.º Autor é sócio e gerente), o 3.º R. (DD) preencheu, assinou e entregou aos Autores 4 (quatro) cheques, pré-datados, emitidos à ordem do 1.º Autor, sobre a conta n.º 36618320001, do Banco ..., S.A., no valor de € 10.440,00 cada, datados de 22 de Abril de 2010, de 22 de Maio de 2010, de 22 de Junho de 2010 e de 22 de Julho de 2010, tudo no valor global de € 41.760,00; </font>
</p><p><font>– Conforme ficou acertado entre os AA. e os 2.º e 3.º RR, tais cheques seriam pagos e tinham vencimento nas datas respectivamente neles apostas, já que a obra tinha terminado e nada mais os AA. tinham nela que efectuar; </font>
</p><p><font>– Contudo, no dia 23 de Março de 2010, o R. DD redigiu e entregou ao 1.º R. (..., S.A.) uma declaração, na qual ordenou a este que procedesse ao cancelamento dos aludidos cheques, alegadamente por impedimento e incumprimento contratual, e, no dia 5 de Abril de 2010, redigiu e entregou junto do 1.º R novo documento, no qual declarou que os cheques em causa não deveriam ser pagos, por motivo de extravio; </font>
</p><p><font>– Nos dias 26/04/2010, 26/05/2010, 23/06/2010 e 22/07/2010, o 1.º Autor apresentou a pagamento os referidos 4 cheques, tendo o respectivo pagamento sido recusado, pelo 1.º R, com a menção de "Extravio"; </font>
</p><p><font>– Nunca tendo havido qualquer resolução e/ou incumprimento contratual, tão pouco se tendo extraviado os cheques em causa, os ora AA. ficaram desapossados, ilicitamente, das quantias apostas nos mencionados cheques, devido à actuação ilícita e concertada dos 1.º e 3.º RR, durante o decurso do prazo para a apresentação dos mesmos cheques; </font>
</p><p><font>– A revogação dos referidos cheques, por parte do 3.º R, violou o disposto no n.º 1 do art.º. 32.º da LUC [Lei Uniforme sobre Cheques], porquanto, anteriormente a 24 de Março de 2010, o 3.º R não indicou ao 1.º R que os cheques se haviam extraviado mas, tão só, que, os revogava, por um alegado incumprimento contratual, ordenando o cancelamento do seu pagamento, dentro do prazo da respectiva apresentação; </font>
</p><p><font>– Tal revogação ordenada pelo 3.º R e aceite e cumprida pelo 1.º R não tem qualquer justificação e tão pouco é válida; </font>
</p><p><font>– Acresce, no caso concreto, que o 1.º R indicou, na certificação da devolução dos cheques, motivos diferentes daqueles que lhe foram transmitidos pelo sacador, tendo-os devolvido por motivo de Extravio, vício este que nunca fora referido em primeiro lugar pelo sacador, ora 3.º R, na declaração de revogação que lhe enviou;</font>
</p><p><font>– O 3.º R agiu ilicitamente, com manifesto dolo directo, porque desejou revogar e cancelar o pagamento dos supra referidos cheques, bem sabendo que o não poderia fazer; </font>
</p><p><font>– Tal conduta dos 1.º e 3.º RR. causou aos A.A. o prejuízo consubstanciado nos valores constantes dos cheques, acrescido de € 10,00 por cada cheque devolvido, num total de € 40,00, em sede de despesas bancárias cujo pagamento os AA. tiveram de suportar. </font>
</p><p><font>– A 2.ª Ré é devedora à 1.ª Autora da aludida importância de € 41.700,00 (correspondente ao valor total dos mencionados 4 cheques), por ser esta a parcela em dívida do preço global pelo qual a 1.ª Autora realizou para ela a referida obra de remodelação duma fracção autónoma destinada a um estabelecimento comercial de restauração então explorado pela 2.ª Ré.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os RR. contestaram separadamente, em articulados autónomos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O R. BANCO ..., SA pugnou pela sua absolvição do pedido, alegando, para tanto, que a 2.ª Ré o informou do extravio dos cheques, motivo pelo qual não procedeu ao respectivo pagamento, existindo assim justa causa para o seu não pagamento, de harmonia com o Acórdão Uniformizador de 28/2/2008, não competindo ao Banco aferir da veracidade das declarações dos seus clientes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A 2.ª Ré ("CC – RESTAURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS, LDA") contestou, por excepção e por impugnação, e deduziu reconvenção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Defendendo-se por excepção, invocou a falta de causa de pedir (no que ao 1.º Autor diz respeito), porquanto não celebrou qualquer contrato com o 1.º Autor, mas sim com a 2.ª Autora. </font>
</p><p><font>Mais invocou a nulidade do contrato de empreitada, pelo facto de a A. não possuir alvará de construção, ainda que tenha garantido à Ré que o possuía. </font>
</p><p><font>Ainda em sede de defesa por excepção, alegou que a 2.ª Autora, tendo embora celebrado um contrato de empreitada com a 2.ª Ré, não cumpriu o mesmo, já porque não executou a obra dentro do prazo convencionado, já porque a realizou com defeitos que foram oportunamente denunciados, faltando ainda a realização de trabalhos que as partes haviam acordado, pelo que existia uma causa legítima de cancelamento dos cheques.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Concluiu pela nulidade do contrato (nos termos do art.º 29.º, n.º 2, do DL n.º 12/2004, de 9/01), devendo ser restituído à Ré o valor pago à A, ser a acção declarada improcedente, reduzindo-se o valor do contrato a € 50.000 e nada sendo devido à Autora (dado o valor das reparações serem de montante superior).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em sede reconvencional, sustentou que, não tendo a A. concluído a obra, é devida pela mesma a indemnização correspondente a 1% do valor da obra, até à resolução definitiva do contrato, ocorrida em 9 de Abril de 2010, ou seja, o valor total de 26.500 €. Além disso, a não realização da obra teria impedido a Ré de abriu o restaurante projectado para o local, ainda que tenha suportado as rendas do mesmo, sem contudo retirar lucro, computando tais danos no valor de € 23.258,32, a que acresce o valor de € 10.000 de rendas pagas. Ademais, devido à má realização das obras, teria perdido clientela, computando tal dano no valor de 10.000 €. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em sede reconvencional, peticionou a condenação da Autora, a título de cláusula penal, no pagamento do valor de € 26.500, e na indemnização pelos prejuízos e lucros cessantes no valor de € 23.258,32 e € 20.000.</font>
</p><p><font>O 3.º Réu (DD) também contestou, alegando, em síntese, que apenas actuou como gerente da 2.ª Ré, sendo assim parte ilegítima, impugnando porém a matéria articulada pelos AA. e dizendo que o A. exigiu o pagamento em seu nome, dado a 2.ª A. ter cessado a sua actividade, – o que consubstanciaria um crime fiscal –, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os AA. replicaram, mantendo o alegado na PI e impugnando a matéria do pedido reconvencional. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A 2.ª Ré treplicou e pediu a condenação dos AA, como litigantes de má-fé.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os AA. foram convidados a aperfeiçoar o alegado na PI quanto aos cheques e o 1.º R. manteve o alegado em sede de contestação. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Findos os articulados, o processo foi saneado, organizou-se a base instrutória, realizou-se a instrução do processo e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 6/09/2013) que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«a) Absolver os réus Banco ... e DD do pedido dos AA; </font>
</p><p><font>b) Absolver a A. do pedido reconvencional deduzido pela ré "CC, Lda"; </font>
</p><p><font>c) Condenar a ré CC, Lda a pagar à A. "BB, Lda" quantia a liquidar e correspondente às obras efectuadas, com exclusão dos valores correspondentes às obras em falta e referidos no ponto 18, e o valor da diferença do material, quanto a preço, denunciado no ponto 19 dos factos provados, acrescido de juros, considerandos e ainda o valor já pago pela ré e referido em 6. dos mesmos factos.</font>
</p><p><font>Custas pela A. e 2.ª ré, na proporção do decaimento.» </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformados com o assim decidido, os Autores apelaram da referida sentença, tendo a Relação acordado em conceder parcial provimento à Apelação das Autoras, alterando a sentença recorrida, no segmento em que absolveu do pedido o Réu "BANCO ..., S.A.", e condenando este, solidariamente com a Ré "CC – RESTAURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS, LDA", a pagar à Autora "BB – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA." a quantia que se liquidar em execução de sentença correspondente ao preço global convencionado da empreitada (€ 60.000,00 [sessenta mil euros]), deduzido i) das quantias já pagas pela Ré "CC – RESTAURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS, LDA." (€ 7.860,00 [sete mil, oitocentos e sessenta euros]) + € 10.440,00 [dez mil, quatrocentos e quarenta euros]; ii) do valor das obras não realizadas e denunciadas em falta mencionadas na resposta aos Quesitos 23º e 24º; iii) bem como da diferença, em matéria de preço, entre o valor do material aplicado na parede de fundo da entrada principal (aglomerado de madeira pintado com tinta de cor preta) e o valor do material orçamentado no ponto 4 (MDF preto). </font>
</p><p><font>No mais, confirmam a sentença recorrida. “</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformado, o R. .... interpôs da referida decisão recurso de revista, recurso que foi admitido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O A. conclui, em sumula, as suas alegações, do seguinte modo:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>…”O presente recurso de revista versa sobre duas questões de direito, a apreciar pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>São elas: </font>
</p><p><font>a) Da licitude da conduta do Banco, ao não pagar os cheques com indicação de extravio; </font>
</p><p><font>b) Da verificação dos pressupostos cumulativos previstos no artigo 483º do Código Civil, geradores da obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil extracontratual. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quanto à primeira questão: </font>
</p><p><font>…</font>
</p><p><font>Ficou provado nos autos que não foi pela declaração junta aos autos a fls. 108 a 110, datada de 23.03.2010, que o Banco não procedeu ao pagamento dos cheques. </font>
</p><p><font>Tal declaração não foi aceite pelo Banco como motivo atendível para a revogação dos cheques, tal como, aliás, consta do e-mail junto aos autos a fls. 593 a 598. </font>
</p><p><font>Como tal pedido foi recusado, a declaração não ficou registada, nem passou a constar do sistema informático do Banco, pelo que não era do conhecimento da funcionária que atendeu o Sr. DD, gerente da Ré "CC, Lda.", em 05.04.2010, quando este veio ao Banco comunicar o extravio de 5 cheques. Conforme essa mesma funcionária – EE – arrolada como testemunha do Banco, deu conhecimento ao Tribunal, aquando da sua inquirição. </font>
</p><p><font>O Banco não procedeu ao pagamento daqueles cheques, porque tinha em seu poder uma declaração expressa da sua Cliente, assinada pelo seu gerente em 05.04.2010, a comunicar o extravio dos cheques.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim sendo, e face à Jurisprudência citada e à prova produzida nos autos, afigura-se que o comportamento do Banco, ao recusar o pagamento dos 4 cheques por motivo de "Extravio", não constituiu um facto ilícito, não devendo ser condenado, por esse motivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quanto à segunda questão:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Estamos perante uma acção de responsabilidade civil extracontratual, regulada pelo artigo 483.º do Código Civil, no que à actuação do Banco BPI diz respeito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os requisitos necessários e cumulativos para a verificação da existência deste tipo de responsabilidade são: </font>
</p><p><font>– O facto ilícito; </font>
</p><p><font>– A culpa; </font>
</p><p><font>– O nexo de causalidade; </font>
</p><p><font>– O prejuízo. </font>
</p><p><font>O ónus da prova compete exclusivamente aos Autores. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso dos autos essa prova não foi feita.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, os cheques foram emitidos à ordem de BB.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O contrato de empreitada foi celebrado entre a sociedade BB – Sociedade de Construções, Lda. e a Ré sociedade "CC, Lda". </font>
</p><p><font>A obra foi feita pela sociedade BB – Sociedade de Construções, Lda. e não por AA. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não estão verificados os requisitos necessários para a obrigação de indemnizar, por parte do Banco relativamente ao beneficiário dos cheques, AA, nomeadamente, o prejuízo por ele sofrido, como pessoa singular.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E, apesar de constar na Alínea E) dos factos assentes, que foi com base no acordo – contrato de empreitada celebrado entre a BB, Lda. e a CC, Lda. – que foram emitidos e entregues os cheques, nunca tal afirmação poderá responsabilizar o Banco ora Réu perante a Autora sociedade. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O qual apenas responde perante o beneficiário dos cheques.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A existir obrigação de indemnizar, por parte do Banco, teria de ser relativamente ao beneficiário dos cheques e não relativamente à sociedade Autora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não há qualquer culpa do Banco, e muito menos em relação à sociedade BB, Lda.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Autor AA, única entidade perante quem o Banco Réu poderia responder, pelo não pagamento dos cheques, uma vez verificados todos os requisitos previstos no artigo 483º do CC, não logrou provar o seu prejuízo, nem a culpa do Banco, nem o nexo de causalidade entre ambos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo que, quanto a este Réu terá o Banco de ser absolvido do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quanto à sociedade, BB, Lda., não tendo a mesma tido qualquer intervenção nos cheques, nunca o Banco poderá responder, perante ela, por responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo que, também quanto a ela, terá o Banco de ser absolvido do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não estão preenchidos todos os requisitos do artigo 483.º do Código Civil, que são cumulativos, para que o Banco seja condenado a indemnizar a Autora "BB, Lda.", em sede de responsabilidade civil extracontratual.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo que terá sempre, de ser absolvido do pedido contra si deduzido pelos Autores.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os AA. contralegaram, sustentando a bondade da decisão recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cabe apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De Facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.A.</font></b><font> São os seguintes os factos dados como provados, na 1.ª instância que não foram alterados pela Relação:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. A ré "CC, L.da" representada pelo 3º R. DD preencheu, assinou e à ordem do autor AA, quatro cheques, da conta nº ..., do Banco ..., SA, no valor de €: 10.440,00, cada, com os seguintes elementos: – nº ..., datado de 22 de Abril de 2010; – nº ..., datado de 22 de Maio de 2010; – nº ..., datado de 22 de Junho de 2010; – nº ..., datado de 22 de Julho de 2010, tudo num total de € 41.760,00 – cf. Cópias dos cheques juntos a fls. 22 a 25 cujo teor se dá por reproduzido; </font>
</p><p><font>2. Todos os referidos cheques foram apresentados a pagamento, mensalmente e a partir de Abril a Julho de 2010 e foram devolvidos sem pagamento com a indicação de "extravio", com datas de 26/4/2010, 26/05/2010, 23/06/2010 e 22/07/2010, respectivamente; </font>
</p><p><font>3. A ré "CC, L.da", representada pelo 3.º R., enviou ao Banco ..., SA. uma comunicação datada de 05/04/2010, dizendo "solicito que não proceda ao pagamento do(s) cheque(s) abaixo indicados por motivo de extravio. Cheque(s) nºs ..., ..., ..., ... e ... (cf. Doc. de fls. 61 cujo teor se reproduz); </font>
</p><p><font>PRIMEIRA 1– A A. e a 2ª R., por documento particular, datado de 2 de Fevereiro de 2010, denominado "Contrato de Empreitada" e anexo o orçamento 66/09, juntos a fls. 26 a 29 e cujo teor se reproduz, acordaram entre si, nos seguintes termos: "PRIMEIRA 1- A Segunda Outorgante dedica-se à actividade de restauração e é locatária da Loja B, sita na Rua ..., em Lisboa, pretendendo nela instalar um estabelecimento comercial de restauração e bebidas. 2– A Primeira Outorgante é uma sociedade que se dedica à realização de obras e trabalhos de construção civil. SEGUNDA 1– A Segunda Outorgante encomendou e adjudicou à Primeira Outorgante, todos os trabalhos constantes do orçamento nº 66/99, que esta lhe apresentou e ofereceu, e que aqui se dá como integralmente reproduzido, constituindo um anexo ao presente contrato. 2– A Primeira Outorgante obriga-se a realizar, de forma diligente, e de acordo com as regras da arte aplicáveis ao sector, para a Segunda Outorgante, todos os trabalhos constantes do respectivo orçamento, no supra referido locado, com excepção dos trabalhos relativos à aquisição e instalação dos aparelhos de ar condicionado, cozinha, mesas, cadeiras e sofás. TERCEIRA 1– O preço global dos trabalhos a realizar pela Primeira Outorgante, e que a Segunda outorgante se obriga a pagar àquela, é de €:50.000,00 (cinquenta mil Euros), acrescido de IVA à taxa em vigor, ou seja, no valor total de € 60.000,00. (sessenta mil Euros). 2– O pagamento da quantia referida no nº anterior é feito da seguinte forma: a) €:7.800,00 (sete mil e oitocentos Euros) até ao dia 27 de Janeiro de 2010; b) A restante parte do preço será paga pelo Segundo Outorgante, em cinco prestações, iguais, mensais e sucessivas, no valor de € 10.440,00 (dez mil quatrocentos e quarenta Euros), vencendo-se a primeira no próximo dia 22 de Março de 2010, e, as seguintes, em igual dia dos meses imediatamente subsequentes. c) As quantias referidas na alínea anterior, serão tituladas por cinco cheques, devidamente preenchidos, e assinados, pela Segunda Outorgante, e pré-datados, a favor da Primeira Outorgante, que lhe serão entregues nesta mesma data, comprometendo-se esta, apenas em descontá-los nas suas respectivas datas de vencimento, que coincidem com as datas referidas em b). QUARTA 1– A Primeira Outorgante compromete-se a concluir a obra em causa, até ao próximo dia 15 de Fevereiro de 2010, excepto se o não puder efectuar, devido ao atraso no fornecimento de materiais e, em especial, no que se refere às demais aparelhagens de ar condicionado. 2– A não conclusão da obra por motivo imputável à Primeira Outorgante, constitui-a na responsabilidade de indemnizar a Segunda Outorgante, a titulo de única cláusula penal, no valor correspondente a um por cento do valor global da presente empreitada, por cada dia de atraso. QUINTA Quaisquer trabalhos a mais deverão constar de documento escrito, assinado por ambas as partes, no qual deverá constar, de forma especificada, os trabalhos em causa, o seu preço e prazo de execução. SEXTA 1– Logo que a obra se encontre concluída a, e por solicitação da Primeira Outorgante, proceder-se-á à necessária vistoria destinada à entrega da obra. 2– Caso a vistoria em causa não se realize na data proposta pela Primeira Outorgante, por motivo que lhe não seja imputável, considera-se a obra finalizada na data proposta. SÉTIMA O prazo e os limites de garantia legal da obra, seguem o disposto no artigo 1225º do Código Civil."; </font>
</p><p><font>5. Foi com base nesse acordo que foram emitidos e entregues os cheques referidos em 1.;</font>
</p><p><font>6. A 2ª ré pagou à A. relativamente à obra em causa pagou o valor de € 7.860,00, bem como o valor de € 10.440,00; </font>
</p><p><font>7. Com data de 23 de Março de 2010, a ré "CC", representada pelo 3º R., comunicou à ré Banco ..., que os cheques n.ºs ..., ..., ..., ... e ..., "dado que o empreiteiro abandonara a obra sem concluir a mesma iremos no decurso desta resolver o contrato de empreitada. Em face do exposto entendemos ter sido vítimas de uma situação em que fomos induzidos em erro no momento da celebração do contrato já que não existia intenção do empreiteiro em concluir o mesmo tendo a sua actuação apenas visado a obtenção dos cinco cheques pré-datados. Em face do exposto somos obrigados a resolver o pagamento dos cheques já identificados”;</font>
</p><p><font>8. Em Setembro de 2009, o R. DD em representação da ré "CC" contactou o A em representação da A "BB, L.da" para que esta, no exercício da sua actividade, lhe fizesse obras de remodelação de um estabelecimento comercial a ser explorado pela ré, do ramo da restauração sito no Largo ..., em Lisboa; </font>
</p><p><font>9. A A "BB, L.da" na sequência do referido contacto apresentou um orçamento, datado de 9 de Setembro de 2009, com a seguinte orçamentação dos trabalhos: –execução de canalizações de águas e esgotos; – execução de instalações eléctricas conforme projectos e memórias descritivas; – partir paredes; – executar paredes; – instalar alarmes e detectores de incêndio; – executar tecto falso em pladur com isolamento; – executar sancas iluminadas; – assentar azulejo nas paredes; – pintar paredes; – isolar paredes; – executar algumas casas de banho que faltem; – executar circuito de iluminação de emergência, tudo nos termos constantes do documento junto a fls. 28 e 29 cujo teor se reproduz; </font>
</p><p><font>10. Mais referiu a A nesse documento, que todas as licenças são por conta do proprietário; </font>
</p><p><font>11. A obra iniciou-se em Outubro de 2009, mas o projecto de arquitectura da mesma apenas data de 2010 e o mesmo foi aprovado em 17/03/2010 pela Câmara Municipal de Lisboa; </font>
</p><p><font>12. Todas as obras foram realizadas pela A com excepção das aludidas em 18° e 19º;</font>
</p><p><font>13. A A, em Janeiro de 2010, emitiu as facturas nºs 15; 16; 17; 18 e 19, juntas a fls. 187 a 189 dos autos, no valor total de 36.000€; </font>
</p><p><font>14. A A. emitiu e enviou à R. CC, L.da, a factura n.º 21, no valor da obra, de € 60.500,00 junta a fls. 189, datada de 2/12/2010; </font>
</p><p><font>15. A 2ª R. começou a funcionar com o respectivo estabelecimento comercial de restauração, abrindo a porta aos clientes e fornecendo-lhes refeições, em Março de 2010; </font>
</p><p><font>16. A Autora após o dia 15 de Fevereiro de 2010 deslocou-se ocasionalmente à obra deixando de comparecer em obra após a 2.a semana de Março; </font>
</p><p><font>17. A 2.ª Ré enviou à Autora a carta datada de 6 de Abril de 2010, dizendo que ficaria a aguardar, pelo prazo máximo de 5 dias, a marcação da vistoria com vista á verificação da obra, e caso nada fosse dito, agendou a vistoria para o dia 19 de Abril de 2010 pelas 9 horas; </font>
</p><p><font>18. Por carta datada de 19/05/2010, junta a fls. 102 a 105 e cujo teor se reproduz, a ré sociedade denunciou à A. os defeitos que enunciou na carta em causa, verificando-se em obra os seguintes: na entrada o quadro de luz não tem trinco e não se encontra concluída a pintura da esquadria ou moldura do quadro de luz; não existe quadro eléctrico nessa zona, o cabo da iluminação exterior encontra-se solto, na sala as juntas de ligação entre o piso de madeira e o piso em pedra estão partidas, a sanca de luz não foi acabada, não existe qualquer placa de vidro a fazer de "prateleira", o acabamento/revestimento da escada e corrimão não se encontra executado, não forma colocadas as portas superiores do armário existindo as calhas, a iluminação da sala tem tons de luzes diferentes, no balcão este tem folgas na junção das placas ou paneis, não foi colocada a iluminação no fundo do balcão conforme o projecto de Março de 2010, na cozinha a porta da cozinha tem falta de acabamento, existe folga na união entre o aro superior da porta e a ombreira resultante do deficiente apoio ou vigamento da prumada; o esgoto não possui qualquer protecção de modo a evitar entupimentos, na caleira deveria existir um ralo de campainha o qual não foi colocado, não existem bocas de limpeza necessárias para uma eventual limpeza em caso de entupimento; os negativos abertos no tecto da garagem do edifício não foram acabados, não foram colocadas as caixas de retenção de gorduras; no Wc Senhoras falta colocar um azulejo e no Wc Homens o urinol encontra-se mal montado e não foi efectuada a limpeza do silicone existente na parede, o vidro de protecção do urinol não se encontra fixo, a torneira não foi colocada correctamente, encontrando-se torta, não há água quente nos sanitários mas existe um termoacumulador e previsão de canalização ou tubagem respectiva nos termos do projecto de esgotos quer nesta quer no Wc de Serviço; </font>
</p><p><font>19. Além do referido a Autora BB – Sociedade de Construções, L.da relativamente à parede de fundo da entrada principal não foi a mesma realizada em MDF preto, conforme orçamentado no ponto 4, mas sim em aglomerado de madeira pintado com tinta de cor preta; </font>
</p><p><font>20. A sociedade ré "CC" celebrou com a proprietária das instalações referidas um contrato de arrendamento, celebrado em Outubro de 2009, pelo prazo de dez anos, pela renda mensal de 7.500€, mas com pagamentos iniciais inferiores até aos 3 anos de vigência do contrato nos termos constantes do documento junto a fls. 112 a 117, tendo pago correspondente ao mês de Fevereiro de 2010, o valor de 4.500 € líquidos de renda; </font>
</p><p><font>21. A ré CC apresentou declarações de IVA no valor tributável de 10.379,27, em Março de 2010, 25.582,37€, em Junho de 2010 e de 2.802,23€ em Setembro de 2010. </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.B.1.</font></b><font> A grande divergência entre o acórdão recorrido e a decisão da primeira instância radica fundamentalmente no diverso entendimento sobre dever ou não Banco estar vinculado a um especial dever de diligência, não devendo recusar o respectivo pagamento com o fundamento em extravio, sem exigir a prova desse extravio ou averiguar da credibilidade de tal alegação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispensar-nos-emos de repetir a argumentação da primeira instância que o acórdão recorrido transcreve nem a parte substancial deste, uma vez que no essencial se repete a argumentação do acórdão uniformizador n.º 4/2008, de 2872/2008 de que fomos relator.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acrescentou-se no acórdão recorrido que PAULO OLAVO CUNHA, na anotação que publicou a este aresto nos Cadernos de Direito Privado, n.º 25, Janeiro/Março de 2009, pp. 17 a 23, dá apoio a essa tese, embora não acompanhando toda a sua argumentação (posição igualmente defendida por este Autor na sua dissertação de doutoramento, intitulada "Cheque e convenção de cheque", apresentada antes do referido Acórdão mas só objecto de arguição em data posterior).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sustentou-se, porém, que, no caso, não se teria de aplicar directamente a doutrina do acórdão uniformizador, porquanto não ocorreu qualquer revogação dos cheques.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Certo é – volta a dizer-se no acórdão recorrido – que, no dito acórdão uniformizador –, «os casos de extravio, furto e outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque, embora muitas vezes referenciados como justificando a respectiva revogação, exorbitam do âmbito da previsão do art. 32.º da LUCH, não decorrendo desta norma qualquer obstáculo à recusa do pagamento de tais cheques pelo sacado», </font>
</p><p><font>«Não pode, em casos tais, pretender-se aplicável o artigo 32.º apenas porque o titular da conta criou, com a comunicação ao banco, uma aparência de revogação. Ninguém, decerto, sustentará que um cheque furtado e depois subscrito a título de saque com assinatura falsa possa ser pago dentro do prazo de apresentação, só porque o aparente sacador advertiu imediatamente o banco interditando-lhe o pagamento. </font>
</p><p><font>Nem se estará aí perante uma revogação, nem se integraria, consequentemente, a previsão do art. 32.º»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Prossegue o acórdão recorrido na transcrição de argumentos aduzidos no acórdão uniformizador, como os que a seguir se referem:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«compaginada a redacção do art. 32.º da LUCH, com a do art. 17.º das Resoluções da Haia de 1912, verifica-se que do âmbito da previsão daquele normativo estão excluídos os casos de extravio, furto e outros, de emissão ou apropriação fraudulentas do cheque.</font>
</p><p><font>Apenas o art. 21.º da LUCH incidentalmente se ocupa da matéria, por razões de necessidade do comércio, a propósito da aquisição, a non domino e de boa fé, do cheque»;</font>
</p><p><font>«No direito extracambiário interno, esta matéria estava regulada, expressis verbis, no § único do art. 14.º do Dec. n.º 13.004 [«Se porém o sacador, ou o portador, tiver avisado o sacado de que o cheque se perdeu, ou se encontra na posse de terceiro em consequência de um facto fraudulento, o sacado só pode pagar o cheque ao seu detentor se este provar que o adquiriu por meios legítimos»], cuja vigência (…) terá cessado com a adopção da LUCH. </font>
</p><p><font>Através do DL n.º 316/97, ao aditar o n.º 3 ao art. 8.º do DL n.º 454/91) situações de «falsificação, furto, abuso de confiança ou apropriação ilegítima do cheque», constituindo causas de recusa justificada de pagamento por parte do Banco sacado (n.º 2 do artigo, igualmente na redacção daquele decreto-lei). </font>
</p><p><font>«Tais situações não cabem no conceito de revogação (...) nem estão compreendidas na proibição à instituição sacada do pagamento do cheque, por parte do sacador, constante da alínea b) do art. 11.º do mesmo diploma [alínea c), na redacção anterior ao DL n.º 316/97]».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Diz-se ainda no acórdão recorrido que também PAULO OLAVO CUNHA (na já referida anotação que publicou ao acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2008 “acentua que as situações de justa causa de não pagamento do cheque previstas no § único do art. 14.º do Dec. n.º 13.004 (disposição que este Autor considera estar ainda em vigor) – a saber: o extravio do cheque ou o facto de ele se encontrar na posse de terceiro em consequência de um facto fraudulento - «não se enquadram no conceito de revogação, mas constituem motivos que, a ocorrerem, a legitimam»”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Até aqui nada há no acórdão que mereça detalhe ou discordância pelas razões já apontadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O acórdão refere, de seguida, que o motivo aduzido para a devolução dos 4 cheques apresentados a pagamento pelos ora Autores/Apelantes, dentro do prazo de 8 dias marcado no art. 29.º da LUCH, foi o "extravio", puro e simples, dos mesmos cheques.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, segundo estabelece o n.º 2 do artigo 8.º do DL. n.º 454/91, na redacção aplicável «O disposto neste artigo [no seu n.º 1: “A instituição de crédito sacada é obrigada a pagar, não obstante a falta ou insuficiência de provisão, qualquer cheque emitido através de módulo por ela fornecido, de montante não superior a (euro) 150”] não se aplica quando a instituição sacada recusar justificadamente o pagamento do cheque por motivo diferente da falta o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VDKku4YBgYBz1XKvsCbb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. - RELATÓRIO</font></b><font>. </font>
</p><p><font>Irresignados com o julgado na apelação interposta pelo demandante, CC, que na respectiva procedência, revogou a decisão proferida na 1.ª instância que havia julgado improcedentes os pedidos formulados pelo demandante, recorrem, de revista, os demandados, AAe BB, havendo a considerar, os sequentes </font>
</p><p><b><font>I.1. – Antecedentes Processuais</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Mediante escritura pública, celebrada no 3º Cartório Notarial de Lisboa, no dia 19 de Novembro de 2004, o Autor, CC, declarou comprar e os RR., AAe mulher BB, declararam vender, o prédio urbano denominado lote …, sito em ..., composto de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, na freguesia de S... (C...), concelho de S..., descrito na Conservatória de Registo Predial de S..., sob a ficha n.º …. </font>
</p><p><font> Após a data referida no parágrafo anterior, o A. pretendeu contratar o fornecimento de energia eléctrica, tendo sido informado que seria necessária a apresentação de um certificado da DD, a comprovar que a instalação eléctrica estava devidamente executada e de acordo com as normas legais. Após insistências junto do Réu marido este não tinha entregue até ao momento da propositura da acção o referido certificado. </font>
</p><p><font>Do mesmo passo a moradia apresenta defeitos de construção, que discrimina de artigos 14.º a 30.º, tendo o Autor solicitado, através de carta endereçada pelo mandatário do A., a sua reparação, não obteve satisfação. </font>
</p><p><font>Estas situações têm provocado incómodos e mal estar pessoal, pela impossibilidade de habitação da moradia, por estar cerceado de convidar os amigos e poder ver cortada a energia eléctrica, que se traduzem em danos não patrimoniais ressarcíveis. </font>
</p><p><font>Pede que os réus sejam condenados a reparar os defeitos no prazo de 30 dias após o trânsito desta sentença, sob pena de o autor contratar a reparação por terceiros e de os réus suportarem esses custos; a entregarem no mesmo prazo o certificado que permita a celebração do contrato de fornecimento de energia eléctrica, sob pena de pagarem os custos que o autor tenha de suportar para esse efeito; e a pagarem uma indemnização de € 15.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação.</font>
</p><p><font>Os réus contestaram alegando, em resumo, que a moradia não foi construída por eles, que desconheciam a existência de defeitos, que tentaram em vão que a construtora os resolvesse e que os defeitos poderão ter sido casados pela construção, pelo autor, de uma piscina que não estava prevista no projecto. </font>
</p><p><font>Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida decisão quanto à matéria de facto que havia sido fixada como controvertida, tendo na sentença prolatada, o tribunal de 1.ª instância julgado a acção improcedente absolvendo os RR dos pedidos, por considerar que os RR. não tinham sido os construtores e desconheciam, sem culpa, os defeitos de que a moradia era portadora.</font>
</p><p><font>Em contramão com o decidido, foi interposto recurso de apelação pelo Autor, tendo, na respectiva procedência, sido decidido (sic): </font>
</p><p><font>“Condenam-se os RR AAe BB a procederem às obras necessárias com vista à reparação dos defeitos enumerados no nº 2 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.</font>
</p><p><font>Condenam-se os mesmos Réus a entregarem ao A, no prazo de 30 dias, o certificado da DD sob pena de, não o fazendo, serem obrigados a pagar ao A todos os gastos que este tenha de realizar para obter tal certificado.</font>
</p><p><font>Absolvem-se os Réus do pedido de indemnização por danos morais.”</font>
</p><p><font>E do assim decidido que trazem os demandados a presente revista para o que alinham o sequente,</font>
</p><p><b><font>I.2. - Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><font>“1.º O acórdão da Relação baseou a sua convicção na Ficha Técnica da Habitação, para assim condenar os Recorrentes na reparação dos defeitos apresentados no imóvel. </font>
</p><p><font>2.º A ficha técnica foi elaborada e assinada pela Técnico Responsável da Obra, conforme melhor se alcança pela análise de todo o documento. </font>
</p><p><font>3.º Não foi lavrada nem assinada por nenhum dos Recorrentes. </font>
</p><p><font>4.º Não houve prestação de garantia no sentido explanado no artigo 921.º do C.C. </font>
</p><p><font>5.º Foi o Técnico Responsável da Obra, que lavrou na ficha técnica da habitação a menção descrita no ponto 29. </font>
</p><p><font>6.º Pois, o imóvel destinava-se a habitação própria e permanente dos Recorrentes e não à venda. </font>
</p><p><font>7.</font><sup><font>0</font></sup><font> Não houve, assim, qualquer declaração dos RR. e dirigida ao A., no sentido de prestar garantia do imóvel. </font>
</p><p><font>8.º E sempre se dirá que, tal menção pode ser interpretada no sentido de encaminhar as eventuais reclamações para quem de direito, </font><i><font>in casu, </font></i><font>o construtor da moradia em causa. </font>
</p><p><font>9.º A menção inscrita na ficha técnica da habitação não é, nem pode ser, interpretada como garantia nos termos e para os efeitos descritos no artigo 921.º CC. </font>
</p><p><font>10.º Os Recorrentes, sempre, agiram de boa fé e sem culpa. </font>
</p><p><font>11.º A questão latente é a da responsabilidade decorrente de venda de coisa defeituosa, prevista nos artigos 913.</font><sup><font>0</font></sup><font> e seguintes do Código Civil, a qual não se verifica in casu. </font>
</p><p><font>12.º</font><sup><font> </font></sup><font>A Decisão recorrida condena ainda os Recorrentes a entregar o certificado da DD. </font>
</p><p><font>13.º Os Recorrentes não dispõem de meios para obter tal documento, uma vez que, a intervenção da firma construtora é essencial para a obtenção do mesmo. </font>
</p><p><font>14.º Sendo certo que, os Recorrentes diligenciaram nesse sentido conforme resulta dos factos provados. </font>
</p><p><font>15.º Sempre se dirá que tal parte da decisão se encontra prejudicada uma vez que o A. já obteve tal certificação conforme documento que juntou em sede de audiência de discussão e julgamento.” </font>
</p><p><font>Repontou o demandante/recorrido, tendo concluído com o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><font>“1. A norma do artigo 921.º do CC não exige forma especial para constituição de garantia de bom funcionamento da coisa vendida; </font>
</p><p><font>2. Mais, a ficha técnica dos autos preenche os requisitos do Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de Março; </font>
</p><p><font>3. Neste sentido, veja-se que o R. marido, na qualidade de promotor imobiliário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de Março, entregou nos serviços da Câmara Municipal de S... a Ficha Técnica da Habitação vendida, na qual se encontram descritas as características técnicas e funcionais da mesma, em cumprimento do disposto no artigo 4.º do mesmo diploma; </font>
</p><p><font>4. Carecem, assim, os Recorrentes de razoabilidade quando se desresponsabiliza pelos elementos constantes da ficha técnica de habitação, já que foi o próprio Recorrente marido quem procedeu à entrega da aludida ficha técnica nos serviços camarários, através de requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de S..., por si assinado, datado de 18 de Outubro de 2004, onde se lê que" </font><i><font>AA </font></i><font>(. . .) </font><i><font>vem solicitar </font></i><font>(. . .) </font><i><font>a junção de ficha técnica de habitação ao processo de obras … </font></i><font>", tal como se extrai do doc. de fls. ... , junto aos autos pelo A., durante a discussão da causa, através do requerimento de fls. ... , datado de 29 de Junho de 2009; </font>
</p><p><font>5. Em consequência, afigura-se irrelevante a afirmação de que a elaboração e assinatura da ficha técnica tenham sido concretizadas pelo Técnico Responsável da Obra; </font>
</p><p><u><font>6. Sendo que nenhuma prova foi feita pelos Recorrentes quanto a este facto nem o mesmo foi invocado quando foi junto aos autos a ficha técnica de habitação;</font></u>
</p><p><font>7. Nos termos do n.º 6, alínea a), do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 68/2004, o documento em causa contém expressamente o modo como o accionamento da garantia deveria ser operado em caso de detecção de defeitos quando dispõe no seu ponto n.º 29 que " </font><i><font>em caso de defeitos: Contactar Directamente o Sr. AA </font></i><font>"; </font>
</p><p><font>8. Pelo que, os RR. garantiram o bom funcionamento da coisa vendida por um prazo de 5 anos, independentemente de culpa, através da menção inserta no </font><i><font>item </font></i><font>29 da Ficha Técnica da Habitação; </font>
</p><p><font>9. De todo o modo, ainda que assim não se entendesse, considerando-se não verificada qualquer garantia do bom funcionamento da coisa vendida, sempre se dirá que os Recorrentes não elidiram a sua presunção de culpa; </font>
</p><p><font>10. Com efeito, face à dimensão dos defeitos verificados, e tendo-se em conta o teor descritivo da Ficha Técnica da Habitação – entregue pelo R. marido, na qualidade de promotor imobiliário, nos serviços da Câmara Municipal de S... –, que contém a descrição das características técnicas e funcionais da mesma, os RR. poderiam ou deveriam ter conhecimento da possibilidade da verificação dos vícios; </font>
</p><p><font>11. Veja-se a este respeito que a Ficha Técnica da Habitação promotor imobiliário pelas características da habitação; </font>
</p><p><font>12. Logo, os Recorrentes, enquanto promotores imobiliários, saberiam, ou deveriam saber, de antemão, as técnicas e os materiais de construção utilizados na edificação da moradia dos autos; </font>
</p><p><font>13. Assim, atendendo-se ao facto de os vícios verificados terem resultado de omissão de iniciativa para obter o certificado da DD ou de instalação em condições técnicas erradas que o impediram de ser emitido, sendo que os demais vícios resultaram de uma construção deficiente ou com materiais errados, conclui-se que, face à natureza dos vícios, os Recorrentes, enquanto promotores imobiliários da moradia dos autos, poderiam e/ou deveriam ter conhecimento de que os mesmos poderiam ocorrer tal como ocorreram; </font>
</p><p><font>14. Pelo que, no caso de se entender não prestada qualquer garantia do bom funcionamento da coisa vendida, sempre deverá considerar-se que o desconhecimento dos vícios por parte dos RR. é culposo, nomeadamente a título de negligência; </font>
</p><p><font>15. Ademais, o certificado DD foi, de facto, obtido a expensas do A., uma vez que o mesmo não conseguiu contratar com a EDP o fornecimento de electricidade enquanto não obtivesse o referido certificado e a EDP por falta de certificação da instalação cortou o fornecimento de electricidade ao imóvel; </font>
</p><p><font>16. Pelo exposto, face aos gastos em que incorreu o Recorrido para obtenção do certificado DD, e atendendo-se ao dispositivo do douto Acórdão, será, assim, deduzido incidente de liquidação de sentença após o seu trânsito em julgado, para condenação dos RR., ora Recorrentes, no pagamento das quantias despendidas pelo A. para obtenção do sobredito certificado; </font>
</p><p><font>17. Ainda, avulta que os Recorrentes afirmam nas suas alegações que a Ficha Técnica da Habitação foi preenchida e assinada à sua revelia, sem o seu conhecimento, ignorando os mesmos totalmente o seu conteúdo; </font>
</p><p><font>18. Contudo, não podia o Recorrente marido ignorar que foi o próprio quem procedeu à entrega da aludida ficha técnica nos serviços camarários, através de requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de S..., por si assinado, datado de 18 de Outubro de 2004, onde se lê que " </font><i><font>AA </font></i><font>(...) </font><i><font>vem solicitar </font></i><font>(...) </font><i><font>a junção de ficha técnica de habitação ao processo de obras 568/00 </font></i><font>", tal como se extrai do doc. de fls. ... , junto aos autos pelo A., durante a discussão da causa, através do requerimento de fls. ... , datado de 29 de Junho de 2009; </font>
</p><p><font>19. Pelo que, os Recorrentes na sua alegação faltam à verdade, sendo manifesta a desonestidade processual dos RR. no seu recurso de Revista, verificando-se, com tal alegação dos Recorrentes, uma impolida violação do dever de probidade processual imposto pelo artigo 266.</font><sup><font>o</font></sup><font>-A do CPC; </font>
</p><p><font>20. Em suma, os RR. esgrimiram conclusões cuja falta de fundamento e patente desonestidade eram do seu perfeito conhecimento e fizeram-no com consciência das implicações processuais, pelo que se impõe a sua condenação como litigantes de má fé em multa a fixar por este Venerando Tribunal e em indemnização a favor do Recorrido em valor não inferior a € 922,50, valor que o mesmo teve que custear com o pagamento dos honorários devidos ao seu mandatário com a elaboração das presentes contra-alegações de recurso, tudo conforme documento que se junta como doc. 1 e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais; </font>
</p><p><font>21. Em síntese, e nos termos </font><i><font>supra </font></i><font>expostos, se tem por preenchida a responsabilidade dos RR. a título objectivo e subjectivo pelos defeitos verificados; </font>
</p><p><font>22. Termos, pois, em que, por tudo o exposto, deverá julgar-se improcedente o recurso, confirmando-se o douto Acórdão recorrido. </font>
</p><p><b><font>I.3. - QUESTÕES A RESOLVER</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Contrato de compra e venda; Cumprimento defeituoso; Responsabilidade pela eliminação dos defeitos (vendedor/mediador ou construtor do imóvel).</font>
</p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Para a decisão a proferir vem consolidada das instâncias a factualidade que a seguir queda extractada. </font>
</p><p><font>“A) Em 19 de Novembro de 2004 o autor e os réus outorgaram escritura pública denominada "compra e venda e mútuo com hipoteca", na qual os segundos declararam vender ao primeiro, e o primeiro declarou aceitar, o prédio urbano denominado lote 10, sito em ..., composto de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, na freguesia de S... (C...), concelho de S..., descrito na Conservatória do Registo Predial de S..., sob a ficha nº … da mesma freguesia.</font>
</p><p><font>B) Depois de 19 de Novembro de 2004 o autor constatou existirem as seguintes deficiências no imóvel: </font>
</p><p><font>- Na zona de estacionamento da viatura, uma pendente desnivelada para a zona de drenagem, onde as águas da chuva se acumulam; </font>
</p><p><font>- No logradouro, fendilhações nas zonas de remate entre os panos de alvenaria e a estrutura, em consequência de assentamentos da moradia; </font>
</p><p><font>- Fundações insuficientes; </font>
</p><p><font>- Várias cantarias quebradas, em consequência de deficiente comportamento estrutural; </font>
</p><p><font>- Fachadas com rebocos fissurados e tintas empoladas, com permeabilização, em consequência de utilização de um excessivo teor de cimento da argamassa de reboco e aplicação incorrecta, originando problemas de retracção e rigidez excessivos; </font>
</p><p><font>- Falta de isolamento térmico da fachada; </font>
</p><p><font>- Infiltrações de águas, empolamentos de tintas, fungos, degradação de rebocos e outros materiais de revestimento, em consequência de deficiente impermeabilização; </font>
</p><p><font>- Degradação dos aros em madeiras, em consequência da deficiente impermeabilização do massame; </font>
</p><p><font>- Infiltrações de água no soalho flutuante do piso inferior; </font>
</p><p><font>- Rodapés descolados em todas as divisões; </font>
</p><p><font>- Infiltrações de água no tecto do quarto do piso térreo, em consequência de deficientes remates na impermeabilização da varanda confinante; </font>
</p><p><font>- Humidades e fungos nas divisões do piso superior, em consequência de deficiente impermeabilização da varanda confinante; </font>
</p><p><font>- Humidades, fungos e estuques rachados em consequência da infiltração de água; </font>
</p><p><font>- Azulejos rachados na cozinha e na casa de banho; </font>
</p><p><font>- Degrau partido na escada de acesso aio primeiro andar; </font>
</p><p><font>- Portas e portadas que não trancam; </font>
</p><p><font>- Porta de acesso à varanda do quarto que não tranca; </font>
</p><p><font>- Água na cozinha quando chove, em consequência do mau isolamento da cozinha; </font>
</p><p><font>C) Após 19 de Novembro de 2004, o réu não entregou ao autor o certificado da DD relativo à instalação eléctrica do imóvel e o autor não conseguiu contratar com a EDP o fornecimento de electricidade ao mesmo por falta do referido certificado. </font>
</p><p><font>D) No dia 19 de Dezembro de 2005 o autor enviou carta aos réus, por eles recebida, a relatar-lhe os "defeitos de construção" do imóvel a solicitar-lhes a reparação dos mesmos e a entrega do certificado da DD no prazo de 10 dias. </font>
</p><p><font>E) As humidades e infiltrações agravaram-se nos primeiros meses de 2006, com as chuvas, degradando as condições de habitação. </font>
</p><p><font>F) O autor inibe-se de convidar os amigos para se deslocarem ao imóvel. </font>
</p><p><font>G) Sofre com o risco de, em consequência de não poder celebrar contrato de fornecimento de energia eléctrica, a EDP poder a todo o tempo cortar esse fornecimento. </font>
</p><p><font>H) O autor sente-se ludibriado e enganado; </font>
</p><p><font>I) Adquiriu o imóvel com grande esforço financeiro e suporta todos os meses as prestações bancárias devidas pelos empréstimos contraídos para aquisição da moradia e verifica que a utilização que está a fazer da mesma não é proporcional ao valor da mensalidade paga. </font>
</p><p><font>J) Os réus desconheciam as deficiências descritas e logo que tomaram conhecimento da necessidade do certificado da DD contactaram a empresa construtora EE, Lda." para que o fornecesse, o que esta não fez. </font>
</p><p><font>K) O réu comprometeu-se perante o autor a pedir o certificado da DD ao electricista e a entregá-lo quando o tivesse. </font>
</p><p><font>L) Após 19 de Novembro de 2004 o autor procedeu à construção de uma piscina no imóvel.”</font>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Contrato de compra e venda; Cumprimento defeituoso; Responsabilidade na eliminação dos defeitos.</font></b>
</p><p><font>A dissensão dos recorrentes relativamente ao acórdão revidendo resulta do facto de este, após os ter isentado de responsabilidade, por ausência de culpa relativamente à existência de defeitos da coisa vendida, os ter condenado por “[…]existindo garantia de bom funcionamento, o vendedor responde objectivamente, independentemente de culpa da sua parte”. [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Não vem posto em crise pelas instâncias a tipicidade ou a qualificação jurídica do contrato [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>] em que foram intervenientes demandantes e demandados. Na verdade, o demandante, por escritura pública datada de 19 de Novembro de 2004, declarou comprar o imóvel identificado na mencionada escritura o qual, por declaração de vontade expressa, no mesmo momento temporal, os demandados declararam querer vender.</font>
</p><p><font>Constitui-se e este acordo de vontades como um típico contrato de compra e venda subsumível ao suposto de facto contido no artigo 874.º do Código Civil, segundo o qual: “ compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.” </font>
</p><p><font>Nos termos do artigo 879.º do mesmo livro de leis o contrato de compra e venda tem como efeitos essenciais: a) a transmissão da propriedade da coisa...; b) a obrigação de entregar a coisa; c) a obrigação de pagar o preço. [</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Concitam-se neste tipo de contrato dois tipos de efeitos: um de natureza real, traduzido na transferência da titularidade de uma coisa ou direito para outrem – cfr. art. 879.º, alínea a); e um outro de natureza puramente obrigacional, que se desdobra em duas vertentes: 1) do lado do vendedor a obrigação de entrega da coisa (vendida) – cfr. artigo 879.º, alínea b); e 2) para o comprador o dever de proceder ao pagamento do correlativo preço (obrigação pecuniária) – cfr. artigos. 879.º, alínea c) e 550.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>O devedor cumpre a obrigação quando realiza, pontualmente</font><i><font>, </font></i><font>a prestação a que está vinculado (art. 406.º, n.º 1 do Código Civil), o que significa, que «o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito</font><i><font>». </font></i><font>[</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>“Surgindo da obrigação um dever de conduta especifico, uma prestação de conteúdo (dar, entregar, fazer, não fazer) e significado (dever principal, secundário e lateral) multiformes., esse(s) dever(es) pode(m) não ser cumprido(s), em regra, por vontade do devedor e, Por vezes sem culpa do obrigado, num circunstancialismo que pode estar relacionado com a falat de cooperação de credor ou com um comportamento creditório ainda mais gravoso.” [</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>O incumprimento reparte-se em quatro estratos: artigos 790.º a 797.º e 813.º a 816.º - impossibilidade de cumprimento e mora não imputáveis ao devedor - artigos 798.º a 808.º - falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 809.º a 812.º - fixação contratual dos direitos do credor - e 817.º a 836.º - realização coactiva da prestação. </font>
</p><p><font>Como categoria heterogénea – entre a mora e o incumprimento definitivo [</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>] – a doutrina tem procurado definir ou desenhar os contornos da figura do cumprimento defeituoso (chamada na doutrina alemã “violação contratual positiva”), afirmando que “na execução defeituosa o devedor realiza a totalidade da prestação (ou parte dela) mas cumpre mal, sem ser nas condições devidas,” valorando a sua autonomia para os “danos que credor não teria sofrido se o devedor de todo não tivesse cumprido a obrigação”ou exigindo certos pressupostos, a saber: realização da prestação contra a pontualidade, aceitação da prestação pelo credor, não conhecendo este o vicio ou, em caso de conhecimento, emitindo reservas, relevância do vicio e verificação de danos específicos.” [</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>“Em sentido amplo, o cumprimento defeituoso corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada. </font>
</p><p><font>O cumprimento defeituoso depende do preenchimento de quatro condições. A saber: a primeira, ter o devedor realizado a prestação violando o princípio; segunda, ter o credor procedido à sua aceitação por desconhecer a desconformidade, ou conhecendo-a, apontando reserva; terceira, mostrar-se o defeito relevante; quarta, sobrevirem danos típicos.” [</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Ainda que sem nos alongarmos demasiado quanto à equivocidade que se foi construindo na doutrina nacional quanto à figura do cumprimento defeituoso, sempre diremos, na esteira do autor atrás citado, que não se nos afigura correcta qualificação/equiparação que é feita entre esta figura e o erro, nas sua modalidade de erro vicio (falsa representação da realidade (diferença entre a vontade real e a vontade conjectural), ou ainda da culpa in contrahendo. [</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>/</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Na verdade, ao contrário do erro cuja principal consequência é a anulabilidade (artigo 247.º do Código Civil), o cumprimento defeituoso permite a resolução do, a exigência das pretensões de cumprimento, de redução do preço e de indemnização pelos danos. </font>
</p><p><font>A regulamentação do regime de cumprimento e incumprimento das obrigações não contempla, especificamente, a figura do cumprimento defeituoso de uma obrigação – cfr. artigos 762.º a 816.º do Código Civil – sendo esta figura da violação do dever de prestar de forma pontual e em conformidade com o núcleo essencial do contratualizado, disciplinada especificamente a propósito da violação da prestação inadequada e incorrecta de determinados contratos, notadamente nos contratos típicos ou nominados de compra e venda e de empreitada – cfr. artigos 913.º e1218.º do Código Civil - fazendo a lei derivar desta patologia de cumprimento de um contrato determinadas consequências, como sejam o direito conferido ao credor de exigir a reparação ou substituição da coisa - cfr. artigos 914.º e 1221.º do Código Civil; o direito a indemnização decorrente dos prejuízos sofridos – cfr. artigos 909.º e 1223.º do mesmo livro de leis; e o direito à redução da contraprestação ou à resolução do contrato – cfr. artigos 911.º e 1222.º igualmente do Código Civil. [</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>/</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>No entanto, a doutrina, não deixa de estabelecer ou figurar a diferença entre cumprimento defeituoso de uma obrigação e venda defeituosa. [</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>/</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Estatui o artigo 913º do Código Civil que: “1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria</font><i><font>”. </font></i>
</p><p><font>No comentário adrede referem os Professores Pires de Lima e Antunes: “[...] O artigo 913.º cria um regime especial cuja real natureza constitui um dos temas mais debatidos na doutrina germânica [...] para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas: a) Vício que desvalorize a coisa; b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. </font>
</p><p><font>Equiparando, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidade da coisa e integrando todas as coisas por uns e outras afectadas na categoria genérica das coisas defeituosas, a lei evitou as dúvidas que, na doutrina italiana por exemplo, se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos. </font>
</p><p><font>Como disposição interpretativa, manda o nº 2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria [...]”. [</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Do mesmo passo refere Calvão e Silva que “[o] vício ou não-conformidade reside na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu...” e, por isso, “a inexactidão qualitativa da prestação respeita à fase executiva do negócio e será um caso de incumprimento parcial ou cumprimento imperfeito: o vendedor não cumpre exactamente a prestação devida ao comprador segundo a interpretação objectiva do contrato (...). [</font><a><u><sup><font>[16]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Na hermenêutica do segmento normativo contido no n.º 2 do preceito citado retira-se a intenção do legislador em privilegiar um critério funcional ou de destinação ajustada um fim utilitário, idóneo e típico da coisa vendida. [</font><a><u><sup><font>[17]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Uma coisa está ervada de defeito, no apontado sentido, quando não se consegue obter dela o efeito ou a utilidade finalística que lhe são atribuídas pelo sentido experiencial em que a utilidade genérica da coisa se inere. A obtenção do efeito prático normal e pretendido, pode não ser total, mas tem de assumir uma relevância que torne a coisa inapta ou inábil para o fim que lhe está destinado. Esta aptidão da coisa deve ser aferida de forma objectiva e de acordo com padrões de normalidade, apreciada na perspectiva que o utilizador lhe pretendia conferir, segundo os padrões de normalidade e experiência comuns.</font>
</p><p><font>O cumprimento defeituoso pode, no entanto, resultar de específicas e concretas condições apostas no contrato celebrado entre as partes. Assim tendo as partes contraentes estipulado as características que devem estar reunidas na coisa a transmitir ou a fazer, o desvio, no cumprimento, das especificas e concretas qualidades convencionadas, pode constituir, pela sua relevância na economia e equilíbrio da relação contratual, um cumprimento defeituoso. Incluem-se nesta categoria as condições, características e qualidades que foram anunciadas e que se hajam revelado idóneas e determinantes para a realização do contrato, nos termos em que as partes o quiseram celebrar, v. g. declarações negociais tácitas e que não devam estar estado ausentes do texto contratual.</font>
</p><p><font>Não constando do contrato uma finalidade específica, como se deixou dito, deverá atender-se e estar presente, na hora de valoração do comportamento e da conduta de cada um dos contraentes, a função típica, usual e normal conferida à coisa. Deste modo, quer o valor normal quer o uso comum ou ordinário devem ser aferidos e perspectivados tendo como padrão e paradigma com o que a utilidade típica e corrente conferem à coisa objecto do negócio contratualizado, maxime o fim económico e social, ou outro especificamente querido e convencionado, adstrito ao bem transaccionado,</font>
</p><p><font>A detecção e denúncia da verificação e existência de uma situação de cumprimento defeituoso, consubstanciada num desvio ao aos cânones estabelecidos e convencionados no negócio jurídico, constitui a causa donde emerge a faculdade/direito do lesado pelo cumprimento defeituoso pelo que, pretendendo o accionamento da respectiva pretensão, em juízo, deverá, nos termos do artigo 342.º do Código Civil, invocar os factos (concretos e específicos) donde decorre o direito para que tenciona obter a respectiva tutela jurídica. Tratando-se de defeito da coisa objecto da prestação quem a recebeu deverá provar a existência de um desvio ao que foi convencionado e acordado, do mesmo passo que lhe está cometido o dever de demonstrar que o defeito detectado se revela de tal modo gravoso e decisivo que, pela relevância que assume na utilização (ordinária e normal) da coisa é susceptível de afectar o fim que lhe estava destinado pelo uso normal que lha cabia. </font>
</p><p><font>Do mesmo passo ao vendedor caberá demonstrar que os defeitos, originários ou provindos de uma deficiente execução, lhe são imputáveis ou que houve concurso de terceiros ou do próprio credor na produção dos efeitos que determinaram o desvalor e a inutilidade (ou utilidade relativa) da coisa. [</font><a><u><sup><font>[18]</font></sup></u></a><font>] Naturalmente neste feixe de pendor probatório caberá ao devedor provar que o desvalor ou a carência de aptidão utilitária da coisa não a descaracteriza ao ponto de a tornar incapaz de servir o fim previamente destinado ou, inclusive, que o defeito denunciado era aparente, visível e patente no momento em que a coisa foi entregue e não obstante o comprador a aceitou, sem reservas. </font>
</p><p><font>Para além de causas imputáveis ao devedor ou ao credor, que podem determinar o afastamento da responsabilidade do obrigado á prestação devida, o vendedor pode ausentar-se de responsabilidade, decorrente do cumprimento defeituoso, se vier a fazer a prova de que ocorreram factores e causas exteriores ao escorreito cumprimento, v. g. um cumprimento isento e deserto de desconformidades e distorções tanto quanto ao convencionado como com o uso normal e corrente do comércio c | [0 0 0 ... 0 0 0] |
4zKru4YBgYBz1XKv2CuP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA intentou contra BB e CC acção declarativa em que formulou os pedidos de os RR: serem “condenados a reconhecer”:</font><br>
<font>a) - que o contrato de compra e venda relativo à fracção P não se concretizou em virtude do seu incumprimento;</font><br>
<font>b) . (…);</font><br>
<font>c) - o tempo decorrido entre a celebração do contrato-promessa e a propositura da acção conduziu à alteração das circunstâncias do negócio;</font><br>
<font>d) - os RR ainda não pagaram o valor da fracção F, já escriturada, apesar de nessa escritura estar declarado o preço, o seu pagamento e quitação;</font><br>
<font>Devendo os RR. ser condenados:</font><br>
<font>e) - a reconhecerem a rescisão do contrato-promessa por parte do A. a favor de quem reverte o sinal entregue;</font><br>
<font>f) - a entregarem ao A. a fracção F, que têm na sua posse, livre de pessoas e bens;</font><br>
<font>g) - a pagarem ao A. o valor de 15.600€ referente ao valor do rendimento da fracção F, contado de Setembro de 2002 até Fevereiro de 2007;</font><br>
<font>h) - a pagarem ao A. a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de 300€ mensais desde Março de 2007, inclusive, até devolução da fracção.</font><br>
<font>i) - a pagarem ao A. o quantitativo de 79.807,66€ referente ao valor da fracção P que o A. lhes vendeu por escritura pública de 16 de Maio de 2000;</font><br>
<font>Subsidiariamente:</font><br>
<font>- seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos RR dando excecução específica ao contrato promessa respeitante à fracção F e à concretização do negócio prometido;</font><br>
<font>- condenados os RR a reconhecerem que o valor da fracção P é actualmente de, pelo menos, 89.783, 62€;</font><br>
<font>- condenados os RR a depositarem previamente à prolação da sentença o valor de 62.349,74€ correspondente à diferença do valor da fracção, deduzido o sinal;</font><br>
<font>- a pagarem 15.600€ relativos ao valor do rendimento da fracção F, contado de Setembro de 2002 até Fevereiro de 2007, e a quantia de 300€ mensais, desde Fevereiro de 2007 até à data daquele pagamento;</font><br>
<font>- a pagarem ao A o valor de 79.807,66€ referente à fracção F, escriturada em nome dos RR desde 16 de Maio de 2000, actualizado em função dos valores de mercado.</font><br>
<font>- caso o depósito não seja efectuado no prazo concedido que se declare a rescisão contratual.</font><br>
<br>
<font>Para tanto, alegou, em síntese, que em 11 de Abril de 2001 outorgou com os RR. contrato-promessa de compra e venda relativo às fracções “F” e “P”, pelo preço global de esc. 16 000.000$00, tendo recebido, a título de sinal, a quantia de esc. 1 000 000$00 ou 4.987,98€. Em virtude de posteriores entregas, o A. recebeu a quantia de esc. 5 500 000$00</font><br>
<font>A escritura pública relativa à fracção “F” já foi outorgada entre A. e terceiro, mas, relativamente à fracção “P”, apesar das sucessivas interpelações, inclusive através de fixação judicial de prazo e de marcação de escritura, os RR não outorgaram o contrato definitivo.</font><br>
<font>A descrita situação gerou o incumprimento dos RR. e a perda de interesse do A. no negócio, que sofreu o prejuízo da perda do respectivo rendimento e da valorização.</font><br>
<font>Se assim se não entender assiste, pelo menos, ao A. a execução específica do contrato relativamente à fracção “P”.</font><br>
<font>Em virtude do decurso do tempo, devido ao incumprimento dos RR., as fracções valorizaram no mercado, valendo a F 74.818,69€ e a P 89,783,72€, assistindo ao A. o direito de haver o seu valor actualizado.</font><br>
<br>
<font>Os RR contestaram alegando, em síntese, que celebraram com o A. negócio imobiliário, concretizando-se o relativo à fracção “F” e encontrando-se a “P” na posse de terceira pessoa em virtude de os RR., com o conhecimento do A., terem outorgado contrato promessa com essa terceira pessoa.</font><br>
<font>Foi o A. quem entregou a garagem da fracção a esse terceiro, que nunca compareceu para que fosse outorgada a escritura pública, facto do conhecimento do A.</font><br>
<br>
<font> A acção improcedeu e a Relação confirmou o sentenciado.</font><br>
<font> Em recurso de revista foi decidido reenviar o processo ao Tribunal da Relação para aí se conhecer do alegado incumprimento contratual definitivo do negócio, qualificado como contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre o Autor e os Réus, em que se fundam os pedidos principais, ou sendo caso disso, apreciar os subsidiários.</font><br>
<br>
<font>A Relação, em cumprimento do julgado, declarou resolvido o contrato-promessa celebrado entre o A. e os RR., relativo à fracção “P”, podendo o Autor fazer sua a quantia entregue pelos Réus, condenou estes a entregarem ao A. a fracção “P” livre de pessoas e bens e absolveu-os do mais peticionado a título principal, considerando prejudicado o conhecimento dos pedidos subsidiários.</font><br>
<br>
<br>
<font>O Autor interpôs novamente recurso de revista, visando a revogação parcial do acórdão, ao abrigo das conclusões que se transcrevem:</font><br>
<font>1- O Venerando e douto Tribunal da Relação de Guimarães não apreciou e decidiu todas as questões em apreço, quer na causa de pedir, quer nos pedidos constantes da acção aqui em apreço; </font><br>
<font>2- Considerou, a nosso ver, acertadamente, o contrato em crise, como de promessa de compra e venda, mas não apreciou, nem decidiu, devidamente, os efeitos decorrentes da resolução do mesmo, que determinou; </font><br>
<font>3- A perca do valor do sinal processado pelos RR. não esgota aqueles efeitos; </font><br>
<font>4- Muito menos, resolve a questão dos pedidos formulados; </font><br>
<font>5- Contrariamente ao, doutamente, decidido, a compra e venda da fracção "F", cuja escritura foi outorgada em 29 de Junho de 2001, pelo A. e sua mulher a favor da DD, só tem a ver com os RR. e seus interesses e não com o A.; </font><br>
<font>6- Desta compra e venda, somente, os RR. retiraram os devidos benefícios; </font><br>
<font>7 - O preço pago por aquela compradora, apenas, reverteu em favor dos RR., que o receberam directamente e não do A. ou de sua mulher; </font><br>
<font>8- Estes agiram, apenas, como mero instrumento da formalização do negócio, para efeitos de fuga fiscal dos RR., como, claramente, se vê; </font><br>
<font>9- Se o A. recebeu alguma coisa, foi a titulo de reforço do sinal, já que o objecto do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre o A. e os RR., é constituído por duas fracções - "F e P" e não há valor, ou preço, estabelecido para qualquer uma; </font><br>
<font>10- Como o preço da fracção "F" foi recebido pelos RR., que, assim, enriqueceram à custa do A. e como não cumpriram o contrato promessa, dado, agora, como resolvido, deverão devolvê-lo ao A.; </font><br>
<font>11- Não faz sentido que se resolva o contrato-promessa com base no seu incumprimento total, e não se faça reverter todos os seus efeitos a favor do A.; </font><br>
<font>12- O preço da fracção transaccionada foi estabelecido pelos RR. e dele nem chegou o A. a ter conhecimento; </font><br>
<font>13- É de presumir que, pelo menos, corresponde ao valor dado como provado passados 5 (cinco) anos da data da celebração do contrato promessa; </font><br>
<font>14 Este valor é de 74.819,68 euros, como consta provado; </font><br>
<font>15- Atribuí-lo aos RR., é beneficiar o infractor, por isso, deverão ser os mesmos condenados a pagá-lo ao A., que dele está desembolsado; </font><br>
<font>16- A variante da perca do valor do sinal, aplicar-se-ia da forma como o, douto, Tribunal recorrido decidiu, se os RR., ainda, não tivessem transmitido as fracções a favor de terceiro, tivessem sinalizado o valor acordado, perdessem este e devolvessem as fracções ao A.; </font><br>
<font>17 - Como tal não é possível em relação à fracção "F", deverão, em substituição da mesma, ressarcir o A. do seu valor, que está determinado; </font><br>
<font>18- Se os RR. assim beneficiarem, enriquecerão, ilegitimamente, à custa do A.; </font><br>
<font>19- A fracção "P", única, ainda, não transmitida definitivamente, encontra-se na posse dos RR. desde 11 de Abril de 2001, data em que celebraram o contrato promessa de compra e venda com o A.; </font><br>
<font>20- Desde essa data que utilizaram a mesma em exclusivo proveito próprio; </font><br>
<font>21- O prazo estabelecido para o A. receber o preço total do negócio celebrado com os RR. era o de 6 meses, constante do parágrafo 8, de fls. 4, da, douta, sentença de 1ª Instância; </font><br>
<font>22- Esse foi o prazo estabelecido para o pagamento; </font><br>
<font>23- Tal prazo esgotou-se em 11 de Outubro de 2001 (11 de Abril de 2001 - 6 meses); </font><br>
<font>24- Em 18 de Abril de 2001, ou seja, passados, apenas, 7 dias da celebração, do contrato promessa celebrado entre o A. e os RR., estes prometeram vender ao marido da DD, a fracção "F" (loja) e por certo que receberam valor de sinal, que se desconhece; </font><br>
<font>25- em 28 de Novembro de 2001 os RR. celebraram com EE, contrato promessa de compra e venda, visando a venda da fracção "P" (Apartamento); </font><br>
<font>26- Nessa data, já deveriam ter pago a totalidade do preço ao A., mas receberam 4.000.000$00 de sinal e nada lhe deram; </font><br>
<font>27 - Porque lhes convinha receber o restante preço em falta, entregaram tal fracção e a garagem àquela senhora, em data desconhecida, da qual o A. teve, apenas, conhecimento em 21 de Fevereiro de 2002; </font><br>
<font>28- Por via de tal entrega, apenas, pagaram ao A., em 3/3/2002, a título de reforço de sinal, a quantia de 5.000,00 euros; </font><br>
<font>29- O contrato promessa de compra e venda celebrado com esta Maria Helena, teve, segundo o comprovado, o consentimento do A, mas este da sua outorga, somente, teve conhecimento depois (?); </font><br>
<font>30- A expressão contida no parágrafo 4°, de fls. 6 da, douta, sentença de 1ª Instância, "com o consentimento do A., e mediante contrapartida a efectuar por este aos RR." com o devido respeito, não faz qualquer sentido; </font><br>
<font>31- A livre e total disposição da fracção "P" pelos RR., visou o benefício dos mesmos e trouxe prejuízos ao A., que deverão ser por aqueles ressarcidos; </font><br>
<font>32- Como resulta da factualidade dada como provada em 1ª Instância, o A. já vinha reclamando o cumprimento do contrato e o pagamento dos RR., pelos menos, desde 10 de Setembro de 2002; </font><br>
<font>33- O A. ao não receber o preço e ao não poder dispor da fracção "P", pelo menos, desde os 6 meses contados da data da celebração do contrato promessa, sofreu, pelo menos, um prejuízo mensal de 300,00 euros, correspondente ao valor da renda que poderia retirar do arrendamento da mesma e não retirou; </font><br>
<font>34- Este valor mensal deverá ser reconhecido como um prejuízo que os RR. deram ao A., com toda a sua estratégia de venda, e, como tal, deverão ser condenados a ressarci-lo; </font><br>
<font>35- A Fracção "P" ainda não foi entregue pelos RR. ao A., nem se sabe quando o será, pelo que, os mesmos deverão ser condenados a pagar aqueles 300,00 euros, desde a data da prolação do douto, Acórdão recorrido até à tomada da posse efectiva da fracção pelo A., a título de sanção pecuniária compulsória, como está pedido pelo A. na sua P.I. e não foi considerado pelo Venerando Tribunal recorrido; </font><br>
<font>36- Há um nítido enriquecimento ilegítimo dos RR. em prol de um correspondente empobrecimento do A., quanto à fracção "P", até esta data - 04/06/2010 - de, pelo menos, 31.200,00 euros (trinta e um mil e duzentos euros); (11/10/2001 a 04/06/2010), a título de lucros cessantes; </font><br>
<font>37 -. Os RR. deverão ser condenados a pagar ao A., também, este valor; </font><br>
<font>A nosso ver e com o devido respeito, o, douto, Acórdão recorrido, violou, entre outras, as normas dos art.s 659°, nºs 2 e 3; 660°, nº 2, primeira parte; 663°, nº 1; 664°; 668, nº 1, alínea d) do C.P. Civil e 483° e 499° do C.Civil. </font><br>
<br>
<font> Os Recorridos não responderam.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> 2. - Do que na alegação do Recorrente vem designado por “conclusões”, decorre a colocação das seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>: </font><br>
<font> </font><br>
<font>- Se os RR.-recorridos devem ser condenados no pagamento ao A.-recorrente da quantia de 74.819,68€, valor da fracção “F”, entretanto vendida, cujo preço receberam e não devolveram ao A., por incumprimento do contrato-promessa agora resolvido (pedido i);</font><br>
<font> </font><br>
<font> - Se o Recorrente tem direito ao valor das rendas que o imóvel poderia proporcionar, no montante de 300,00€ mensais, desde a data da celebração do contrato-promessa, relativamente à fracção “P”, correspondendo a 31.200,00€, a título de lucros cessantes (pedido g); e,</font><br>
<br>
<font> - Se os Recorridos devem ser condenados a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória a referida quantia, desde a data do acórdão até à tomada de posse efectiva da fracção (pedido h)). </font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 3. - A matéria de facto a ter em conta é a seguinte:</font><br>
<font>1 - Em 16 de Maio de 2001 foi outorgada escritura pública nos termos da qual Manuel de Freitas Costa e mulher Rosa Martins Vilaça declararam vender ao autor, que declarou comprar, a fracção autónoma designada pela letra P, correspondente ao terceiro andar para habitação, com entrada pelo nº 31, com garagem individual no rés-do-chão, designada pelo nº um do prédio sito na Calçada de santa Tecla, Braga S. Vítor.</font><br>
<font>2 - A referida aquisição encontra-se registada a favor do A.</font><br>
<font>3 - A referida fracção possui o alvará de utilização nº 575, emitido pela Câmara Municipal de Braga em 2 de Julho de 1998.</font><br>
<font>4 - Em 11 de Abril de 2001 foi outorgado acordo escrito denominado Contrato Promessa de Compra e Venda, nos termos do qual o A declarou prometer vender aos RR, que declararam prometer comprar, a referida fracção e a fracção “F” sita no mesmo prédio, pelo preço global de 16.0000.000$00, tendo os segundos entregue 1.000.000$00 a título de sinal, declarando que o restante será entregue na data da escritura, e que as despesas de escritura e registo e demais impostos serão pagos pelos segundo e clausularam ainda a faculdade da execução específica.</font><br>
<font> 5 - Na data do contrato promessa o A. entregou aos RR. a referida fracção.</font><br>
<font> 6 - No âmbito do mesmo contrato os RR. entregaram ao A 27.433,88€</font><br>
<font> 7- Em 10 de Setembro de 2002 o A. através do seu mandatário, enviou ao R. que recebeu, uma carta alegando que a escritura pública referente à fracção P ainda não foi outorgada, devendo a mesma ser marcada pelo R, avisando este que se não for realizada a escritura e pago o restante preço em 15 dias, o A tomará posição judicial e pedir-lhes-á indemnização.</font><br>
<font> 8 - O A intentou contra os RR. acção de jurisdição voluntária para fixação de prazo, à qual os RR. não deduziram oposição.</font><br>
<font> 9 - Nessa acção foi proferida sentença fixando aos RR o prazo de 30 dias para realização da escritura pública.</font><br>
<font> 10- Os RR foram notificados dessa sentença em 17 de Dezembro de 2003.</font><br>
<font> 11- Aquando da realização do contrato promessa o A. esperava receber a totalidade do preço no prazo de 6 meses.</font><br>
<font> 12 - Em caso de arrendamento da fracção o A. receberia mensalmente 300€.</font><br>
<font> 13 - O A procedeu à marcação de escritura pública para realização do contrato de compra e venda da referida fracção, para o dia 27 de Fevereiro de 2007.</font><br>
<font> 14 - Os RR. foram notificados do dia e hora dessa escritura através de notificações judiciais avulsas.</font><br>
<font> 15 - Os RR. não compareceram para outorgar a escritura pública no dia e hora designados.</font><br>
<font> 16 - As fracções referidas, decorridos 5 anos do contrato promessa, valorizaram-se em 100%, valendo a fracção “F” 74.819,68€ e a fracção “P” 89.783,72€.</font><br>
<font> 17 - Se o A. tivesse recebido o preço das referidas fracções tê-lo-ia investido.</font><br>
<font>22 - Em 28 de Novembro de 2001, foi outorgado contrato escrito, denominado contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual os RR, na qualidade de donos e legítimos proprietários, declararam prometer vender a EE a fracção P correspondente ao ... andar direito tipo T4, com entrada pelo nº ... do prédio sito na C... de S... T..., com garagem individual, pelo valor de 15 500 000$00, tendo a segunda outorgante entregue 4 000 000$00 como sinal.</font><br>
<font>23 - Em 18 de Abril de 2001 foi celebrado contrato denominado promessa de compra e venda nos termos do qual os RR. na qualidade de donos e legítimos proprietários declararam prometer vender a FF casado com DD a fracção F, correspondente ao rés do chão – estabelecimento comercial ou similar de hotelaria, com entrada pelo nº ..., descrita na Conservatória sob o nº .../F/ Braga (S. Vítor), inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-F.</font><br>
<font>24 - Em 29 de Junho de 2001 foi outorgada escritura pública nos termos da qual o autor AA e mulher GG declararam vender a DD a referida fracção autónoma designada pela letra F. </font><br>
<font>26 - Os RR. celebraram com EE contrato denominado promessa de compra e venda relativo à fracção P. </font><br>
<font> 27 - Visando a outorga de escritura pública de compra e venda entre o autor e a EE relativa à fracção P, o primeiro R. entregou à segunda essa fracção P e respectiva garagem, facto de que o A. teve conhecimento antes de 21 de Fevereiro de 2002, recebendo do segundo R., em virtude dessa entrega e visando a outorga da referida escritura, a quantia de 5.000€, através de cheque datado de 3.3.2002.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Pagamento do valor ou do preço da fracção já definitivamente transaccionada.</font><br>
<br>
<font> O Recorrente insiste na pretensão de obtenção de condenação do Réus a pagarem-lhe a quantia de 74.819,68€, valor da fracção “E”, objecto da escritura de compra e venda, cujo preço os RR. terão recebido do comprador, mas não entregaram ao Autor.</font><br>
<br>
<font> Sobre tal pedido considerou a Relação que, tratando-se de fracção que “foi vendida (em 29 de Junho de 2001) pelo autor e mulher a DD, não existem nos autos quaisquer factos provados que possam conduzir à sua procedência”.</font><br>
<br>
<font> Assim é, efectivamente.</font><br>
<font> A fracção foi vendida, figurando na escritura de compra e venda, como vendedores, o A. e sua mulher.</font><br>
<font> Por isso, nem sequer se percebe o que vem agora dito pelo Recorrente (conclusões 12 e 13), sobre o desconhecimento do preço da venda, para pedir o valor do prédio referido a cinco anos após a data dessa venda.</font><br>
<br>
<br>
<font> O objecto imediato do contrato-promessa é uma prestação de facto que consiste na celebração do contrato de compra e venda (art. 410º-1 C. Civil).</font><br>
<font> Outorgado este, sobre o bem que consta como objecto mediato do contrato-promessa fica extinta a obrigação principal do contrato-promessa, isto é, a realização do contrato prometido, sendo que outra, com autonomia e susceptível de sobreviver à outorga do contrato prometido, não vem invocada. </font><br>
<font> Consequentemente, não se encontra qualquer fundamento para peticionar o valor actualizado da coisa vendida cinco anos após a transacção.</font><br>
<br>
<br>
<font> Se o Autor e sua mulher, enquanto vendedores, não receberam o preço da venda, como alegam, é o seu efectivo valor que terão de peticionar, eventualmente acrescido da indemnização pelo incumprimento dessa obrigação (de pagamento do preço) de natureza pecuniária, que não, repete-se, exercitar o direito que invocam como decorrente do contrato-promessa (arts. 879º-c), 885º-1 e 804º e 806º-1, todos do C. Civil). </font><br>
<font> </font><br>
<font> Nada, porém, vem provado contra ou para além do que consta da escritura pública, a fundar a obrigação de pagamento de qualquer quantia ao Autor.</font><br>
<br>
<font> Por isso, nenhuma censura merece o acórdão impugnado na parte em que teve por improcedente o pedido formulado em i) da petição inicial.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. 2. - Prejuízo pela privação da fracção “P” desde a data da sua entrega aos RR. até à instauração da acção.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Relativamente ao prejuízo correspondente ao valor das rendas de que o A. ficou privado em consequência da transferência da fracção “P” para os RR. que, desde a data do contrato-promessa a detêm, decidiu-se que, sendo o sinal a medida da indemnização, o pedido improcede.</font><br>
<br>
<font> Mais uma vez, o decidido se nos apresenta como incensurável.</font><br>
<br>
<font> Com efeito, foi decretada a resolução do contrato-promessa com perda a favor do A. de todas as quantias entregues pelos RR., por assumirem a natureza de sinal.</font><br>
<br>
<font> Como se dispõe no nº 4 do art. 442º C. Civil, “</font><i><font>na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal (…)”</font></i><font>.</font><br>
<font> Assim sendo, o valor da indemnização compensatória, havendo sinal, identifica-se </font><i><font>a forfait</font></i><font>, com o valor deste, identificação que só pode ser afastada em função de estipulação convencional das partes nesse sentido. </font><br>
<font> O sinal é a “medida da “responsabilidade debitória” do contraente inadimplente (vd. ANA PRATA, “</font><i><font>O Contrato-promessa e o seu Regime Civil</font></i><font>”, 1999, pg. 797).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Consequentemente, tendo as Partes convencionado o sinal, sem estipulação de qualquer outra indemnização em caso de incumprimento, ficou-lhes vedado lançarem mão de qualquer outra indemnização compensatória pelo incumprimento que não seja a da perda do sinal passado ou da restituição do seu dobro.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>4. 3. - Sanção pecuniária compulsória.</font><br>
<br>
<font>Apesar de na identificação das questões o Recorrente se referir “ao prejuízo que teve (…) desde 17 de Fevereiro de 2007, data em que a acção entrou em juízo, até à data da entrega efectiva da fracção”, certo é que na conclusão 35º - e é pelas conclusões que se afere objecto dos recursos –, sustenta que os RR. “deverão ser condenados a pagar aqueles 300,00 euros, desde a data da prolação do acórdão recorrido até à tomada de posse efectiva da fracção pelo A., a título de sanção pecuniária compulsória, como está pedido pelo A. na sua PI (…)”.</font><br>
<br>
<font>A Relação julgou improcedente o pedido formulado em h) com o mesmo fundamento do anterior, fazendo constar do acórdão que “sendo o sinal a medida da indemnização, improcedem os pedidos g) e h)”.</font><br>
<br>
<br>
<font>Ora, o pedido h), embora incorrectamente formulado, por isso que faz apelo, como suporte da pretensão de pagamento de “uma renda de valor mensal de 300,00 euros, desde Março de 2007 até à data da efectiva devolução da fracção, para compensar o A. dos prejuízos que de tal facto lhe advirão”, é feito com expressa invocação da figura e a título de sanção pecuniária compulsória.</font><br>
<br>
<font>Pensa-se, pois, que a procedência ou improcedência desse pedido não pode deixar de ser apreciada à luz do fundamento jurídico invocado, apesar de a sanção pecuniária compulsória não visar directamente a compensação de prejuízos futuros.</font><br>
<br>
<br>
<font>Dispõe o art. 829º-A do C. Civil que “nas obrigações de prestação de facto infungível (…), o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento”, a fixar “segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar”,</font><br>
<br>
<font>A sanção pecuniária compulsória destina-se a forçar o demandado resistente a abster-se de um comportamento que lhe está proibido, designadamente fazendo “acompanhar a condenação no cumprimento de medidas destinadas a exercer pressão sobre a vontade do devedor, capazes de vencer a sua rebeldia e de decidi-lo a cumprir voluntariamente” (CALVÃO DA SILVA; “</font><i><font>Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória</font></i><font>”, 1995, pg. 372).</font><br>
<br>
<font>Não se tratando de uma medida executiva, não se está a coagir o condenado a cumprir uma obrigação, executando-a, mas a constrangê-lo a realizar o cumprimento devido, impondo-lhe o cumprimento de uma nova obrigação, agora pecuniária, subsidiária da inicial e principal de prestação de facto.</font><br>
<br>
<br>
<font>Por não ter natureza indemnizatória, a sanção pecuniária compulsória pode ter lugar independentemente da existência ou não daquela e do respeito devido da condenação efectuada. Limita-se a, acessoriamente, reforçar esta última.</font><br>
<font> A independência e cumulabilidade da sanção com a indemnização encontra-se, de resto, afirmada no mencionado n.º 2 do art. 829º-A.</font><br>
<br>
<br>
<font> Assim sendo, carece de fundamento a total improcedência do pedido em apreciação, a pretexto de a perda do sinal ser a medida da indemnização.</font><br>
<br>
<font> Ao autor não estava vedado requerer a aplicação da sanção pecuniária compulsória.</font><br>
<br>
<font> A prestação a que os RR. foram condenados – entrega do imóvel – tem natureza infungível.</font><br>
<font> Vem provado que, em caso de arrendamento da fracção, o A. obteria 300,00€ mensais.</font><br>
<font> Na circunstância, considera-se razoável a aceitação desse valor para efeitos de fixação da sanção.</font><br>
<font> Tendo em atenção que a lei prevê a sua fixação com referência a dias de atraso e a que metade do valor se destina ao Estado, julga-se adequado fixar a sanção em 20,00€ por cada dia de atraso.</font><br>
<br>
<font> Esta, como é óbvio, perante os fins que visa e se deixaram referidos, só será exigível a partir do dia seguinte ao trânsito em julgado desta decisão, data em que se torna efectivo e definitivo o conhecimento e exigibilidade do cumprimento da prestação de facto positivo.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font>- Conceder parcialmente a revista;</font><br>
<font> - Revogar o acórdão impugnado na parte em que julgou totalmente improcedente o pedido formulado em h) da petição inicial e, consequentemente, condenar os Réus a pagarem, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 20 (vinte) euros por cada dia de atraso na efectiva entrega da fracção “P” ao Autor, com início no dia seguinte ao do trânsito em julgado desta decisão, quantia que terá o destino previsto no n.º 3 do art. 829º-A do Código Civil;</font><br>
<font> - Manter, quanto a tudo o mais decidido, o acórdão impugnado; e,</font><br>
<font> - Colocar as custas do recurso a cargo de Recorrente e Recorridos, na proporção de ¾ por aquele e ¼ por estes.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça,</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 2 Novembro 2010. </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (Relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GDKcu4YBgYBz1XKvtSOS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><div><br>
<b><font> </font></b></div><br>
<b><font> Recurso de Revista nº 1869/11.9TBPTM-A.E1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a><div><br>
<b><font> </font></b></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> I— RELATÓRIO </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA, Lda</font></b><font>, com sede no Parque Empresarial do Algarve, Edifício ..., Bloco …, ..., instaurou contra</font><b><font> BB Lda, </font></b><font>com sede em CC, … – …, …,</font><b><font> </font></b><font>…,</font><b><font> </font></b><font>…,</font><b><font> </font></b><font>execução comum, vindo esta, por apenso, a deduzir oposição à execução e a opor-se à penhora efectuada, alegando, no que à apreciação do recurso interessa, que a injunção enquanto título executivo não a vincula já que a fórmula executória foi aposta após notificação por carta registada que seguiu em português, não tendo os seus legais representantes entendido o alcance da mesma, quando tem sede em Malta, em violação do Regulamento (CE) n ° 1397/2007, de 13 de Novembro.</font>
</p><p><font>A preterição das formalidades legais previstas no nº 1 do art. 247º do CPC importa uma nulidade que equivale a falta de citação atento o disposto no nº 1 do art. 198º do CPC.</font>
</p><p><font>A exequente contestou, defendendo a aplicabilidade e cumprimento do Dec. Lei n° 269/98 de 1/09, sendo que o procedimento de injunção em que é aposta fórmula executória sem intervenção do juiz não assume natureza judicial, pelo que está excluído do âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n ° 1397/2007.</font>
</p><p><font>Tendo a executada sido devidamente notificada, com o cumprimento de todas as formalidades legais prescritas pelo regime legal aplicável do Dec. Lei n° 269/98 de 1/09, deve a oposição ser julgada improcedente.</font>
</p><p><font>Assim aconteceu, a oposição foi julgada improcedente e ordenado o prosseguimento da execução (cfr. decisão de fls. 165/167).</font>
</p><p><font>Inconformada, recorreu a opoente, e porque limitado à matéria de direito requereu que nos termos do art. 725º do CPC o recurso subisse </font><i><font>per saltum</font></i><font> a este Supremo Tribunal de Justiça. Não obstante, os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação de Évora onde foi ordenada a sua subida a este Tribunal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nas alegações que apresenta formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>I - A douta sentença recorrida considerou improcedentes as oposições à execução e à penhora deduzidas pela Executada, aqui Apelante, tendo, em consequência, mandando prosseguir os autos;</font>
</p><p><font>II - O primeiro fundamento para oposição à execução formulado pela Apelante consistiu em arguir a nulidade da citação para a oposição à injunção, por violação do disposto no regulamento (CE) n° 1393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, in "Jornal Oficial da Comunidade Europeia", de 10-12-2007, L 324, a pags. 79 e ss, respeitante à citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados Membros, que entrou em vigor 20 dias após a sua publicação, aplicável quer em Portugal, onde se situa a sede da Apelada, quer em Malta, onde se situa a sede da Apelante.</font>
</p><p><font>III - O Mmo Juiz "a quo", reconhecendo embora a primazia do direito internacional, em conformidade com o Art° 8º da C.R.P. e, portanto a aplicabilidade dos Regulamentos (CE) n°s 1896/2006 e 1393/2007, defendeu que a nulidade da citação não é de conhecimento oficioso, a não ser nos casos de citação edital ou de não ter sido indicado prazo para a defesa previstos na 2ª parte do n° 2 do Art° 198° (cfr. Art° 202°).</font>
</p><p><font> IV - Afigura-se, todavia, que o Mmo Juiz "a quo" partiu do princípio que a citação para a oposição à injunção se processou segundo os trâmites da injunção do pagamento europeia, o que não é manifestamente o caso. No entanto, só assim se justifica a menção contida na sentença recorrida, de que o actual Regulamento (CE) n° 1898/2006, "prevê no art. 14°, al. b), a possibilidade de as pessoas coletivas serem notificadas na pessoa de colaboradores.".</font>
</p><p><font>V - Este pressuposto levou à conclusão - errada na nossa modesta opinião - de que, tendo a notificação ocorrido em Fevereiro de 2011 e só em Outubro do mesmo ano é que a executada, ora Apelante, suscitou a questão, "quando a mesma estava já sanada.".</font>
</p><p><font>VI - Ora, esta posição não pode colher, demonstrado que está, inequivocamente, nos autos que a primeira intervenção da Apelante, exactamente em Outubro de 2011, consistiu na dedução de oposição à execução e à penhora, dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito.</font>
</p><p><font>VII - Dado ter havido preterição de formalidades legais na citação, face à violação do disposto no n° 1, do Artº 247° do C.P.C., estamos perante uma nulidade que foi arguida pela Apelante no primeiro acto em que interveio e, portanto, em prazo.</font>
</p><p><font>VIII - O Mmo Juiz "a quo" pronunciou-se, ainda, no sentido de que, constando dos autos (expediente da injunção, a Fls-149-155) uma procuração emitida em Malta e escrita em língua portuguesa, datada de 2008, não se afigura "excessiva a sanação da nulidade prevista no art. 198° do Código de Processo Civil."</font>
</p><p><font>IX - Por sua vez, a aqui Apelante sustenta que a emissão de uma tal procuração não significa que, à data da citação para a injunção, ou seja, em 2011, os responsáveis e colaboradores da sociedade tivessem conhecimentos da língua portuguesa. </font>
</p><p><font>X - Há, pois, que admitir que esse argumento não pode servir para considerar sanada a nulidade que consistiu na violação dos Regulamentos (CE) atrás citados e do próprio n°1, do Art° 247° do C.P.C.</font>
</p><p><font>XI - Portanto, a Apelante viu-se confrontada com uma execução, baseada na aposição de fórmula executória a uma injunção, da qual não se defendeu por não lhe ter sido dada a legítima oportunidade conhecer do que se tratava.</font>
</p><p><font>XII - Verifica-se, também, que no requerimento executivo a Apelada não juntou os documentos em que fundou o seu pedido, nomeadamente o aludido "contrato de prestação de serviços" (junto posteriormente e que se encontra a Fls. 44-49) segundo o qual a Apelante assumiu a obrigação de pagar um determinado preço por um serviço que alegadamente contratou. </font>
</p><p><font>XIII – Essa omissão viola o disposto na 1ª parte do n° 6, do Art° 810° do C.P.C.</font>
</p><p><u><font> </font></u>
</p><p><font>XIV - Só com a contestação à oposição à execução é que a Apelada juntou cópias do "contrato de prestação de serviços" e das facturas pró-forma cujo pagamento reclama, no valor total é de € 6.401.75.</font>
</p><p><font>XV - Pela análise do mencionado contrato constatou a Apelante que o mesmo não foi assinado por quem tinha poderes para obrigar a sociedade, o que veio a demonstrar com a junção de um certificado sobre a estrutura da sociedade (Fls. 72-79) e uma certidão sobre a Lei de Malta respeitante a sociedades (Fls. 110/121).</font>
</p><p><font>XVI - Entende, ainda, a Apelante que o pedido formulado pela Apelada, de € 36.089,70 que inclui, além do valor das mencionadas facturas pró-forma, uma penalização de € 20,00 por cada dia de pagamento em falta, nos termos do n° 5, da cláusula 4ª do referido "contrato de prestação de serviços", é abusivo, na medida em que é cerca de cinco vezes superior ao valor do alegado débito. </font>
</p><p><font>XVII - A consequência prevista em caso de mora no pagamento, só pode ser interpretada como correspondendo à aplicação de uma cláusula penal. Ora, o valor pedido a esse título pela Apelada viola claramente o n° 3, do Art° 803°, do C.C. e não pode ser aceite.</font>
</p><p><font>XVIII - Outro aspecto há a realçar, que se prende precisamente com o valor atribuído à injunção, incluindo capital, juros vencidos e taxa de justiça: € 37.196,52. É que, um pedido deste valor só poderia ser objecto de apreciação por um Tribunal Comum, conforme resulta do Art° 1º, do Decreto-Lei n° 269/98, na redacção dada pelo Art° 6º, do Decreto-Lei n° 303/2007, de 24 de Agosto.</font>
</p><p><font>XIX - Por sua vez, o Art° 7º, do Decreto-Lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro, alterado pelo Art° 5º do Decreto-Lei n° 107/2005, de 1 de Julho, procedeu à republicação do anexo ao Decreto-Lei n°269/98, estipulando que "</font><i><font>n° 2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum", </font></i><font>acrescentando no n° 4 que</font><i><font> "As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos</font></i><font>.".</font>
</p><p><font>XX - Ainda que tivesse sido invocada - e não foi - a alínea g), do Art° 11°, do Anexo ao Decreto-Lei n° 269/98, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 226/2008, de 20 de Novembro, ainda assim não poderia a Apelada socorrer-se do procedimento de injunção para pedir um valor superior ao da alçada da Relação - actualmente fixado em € 30.000,00.</font>
</p><p><font>XXI - Face ao atrás exposto, verifica-se que existem fundamentos para que a, aliás douta, sentença seja revogada, o que, em consequência, determinará, o reconhecimento de que as oposições à execução e à penhora merecem provimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A exequente não contra-alegou. </font>
</p><p><font>Cumpre conhecer e decidir.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 685º-Aº, nº 1, do Código de Processo Civil – por diante CPC.</font>
<p><font>São as seguintes as questões suscitadas que importa apreciar e decidir: </font>
</p><p><font>a) Saber se ao caso é aplicável o Regulamento(CE) n° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007;</font>
</p><p><font>b) Se ocorre nulidade da notificação e, na afirmativa, a mesma está ou não sanada;</font>
</p><p><font>c) Violação do disposto na 1ª parte do n° 6, do art. 810° do CPC;</font>
</p><p><font>d) Falsidade dos documentos juntos pela recorrida;</font>
</p><p><font>e) Validade de cláusula penal;</font>
</p><p><font>f) Se perante o valor peticionado, superior ao da alçada da Relação, a recorrida não podia socorrer-se do procedimento de injunção.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com interesse para a apreciação das questões, encontram-se documentalmente provados os seguintes factos, em conformidade com o disposto nos arts. 726º, 713º, nº 2 e 659º, nº 3 do CPC:</font>
</p><p><font>1. A requerente/exequente AA, Lda apresentou em 26/08/10, no Balcão Nacional de Injunções, o requerimento de injunção a que foi atribuído o nº 277378/10.5YIPRT, peticionando a quantia de 37.197,02€ (fls. 160);</font>
</p><p><font>2. A requerida/executada BB Lda foi notificada para pagar a quantia peticionada, por carta registada com A/R, na língua portuguesa, em 30/03/11 (fls. 158/159);</font>
</p><p><font>3. No dia 5/05/11 foi aposta fórmula executória no requerimento de injunção (fls. 160);</font>
</p><p><font>4. A executada BB Lda, deduziu oposição à execução e à penhora em 10/10/11;</font>
</p><p><font>5. Em 17/07/08, a executada tinha passado procuração, para vários fins, a um escritório de advogados português (fls. 151/152).</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A)</font><b><font> </font></b><u><font>Se ao caso é aplicável o Regulamento (CE) n° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007</font></u>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A questão essencial decidenda reside em saber se a notificação da recorrente na providência de injunção está ou não afectada de nulidade e, no caso afirmativo, se deve ou não anular-se o processado operado após a apresentação do requerimento de injunção pela recorrida.</font>
</p><p><font>O primeiro ponto de discordância expresso pela recorrente reside na circunstância de a sua notificação no procedimento de injunção, para pagar ou deduzir oposição, haver sido feita por carta registada com a/r, quando no seu entender deveria ter sido concretizada com observância do disposto no Regulamento (CE) n° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, publicado no Jornal Oficial da Comunidade Europeia, de 10/12/2007, L 324, págs. 79/86, respeitante à citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados Membros, aplicável quer em Portugal, onde se situa a sede da requerente/exequente/recorrida, quer em Malta, onde se situa a sede da requerida/executada/recorrente.</font>
</p><p><font>Argumenta a recorrente que se viu confrontada com uma execução, baseada na aposição de fórmula executória a uma injunção, da qual não se defendeu por não lhe ter sido dada a legítima oportunidade de conhecer do que se tratava. Reconhece que a notificação foi recebida na sede da recorrente, mas porque escrita em língua portuguesa os seus responsáveis não perceberam do que se tratava e nada fizeram</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> A preterição de formalidades legais, face à violação do aludido Regulamento e do disposto no n° 1, do art. 247° do CPC, traduz uma nulidade que foi arguida pela recorrente no primeiro acto em que interveio e, dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito, por isso não sanada. (conclusões II a XI).</font>
</p><p><font>Por sua vez, cedo a exequente/recorrida, na contestação à oposição, sustentou a exclusão de aplicação ao procedimento injuntivo, atenta a sua natureza jurídica enquanto procedimento administrativo, do citado Regulamento.</font>
</p><p><font>Passa, então, a resolução da questão enunciada pelo conhecimento da aplicação, ou não, ao caso do Regulamento (CE) n° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>A injunção constitui uma providência que tem por finalidade conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00€ (cfr. art. 1º do Dec. Lei nº 269/98 de 1/09, na redacção dada pelo art. 6º do Dec. Lei n° 303/2007 de 24/08) ou de obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Dec. Lei n.º 32/2003, de 17/02, independentemente do valor da dívida (cfr. arts. 3º, al. a) e 7º, nº 1 deste diploma).</font>
</p><p><font>Trata-se de um “processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo na sequência de uma notificação para pagamento, sem intervenção de um órgão jurisdicional, sob condição do requerido, pessoalmente notificado, não deduzir oposição”</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Na injunção a notificação do requerido faz-se por carta registada com aviso de recepção, para em 15 dias pagar a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça paga pelo requerente, ou para deduzir oposição (cfr. art. 12º, nº 1 do Dec. Lei nº 269/98 de 1/09).</font>
</p><p><font>Estabelece o nº 2 deste artigo 12º, com a redacção dada pelo art. 8º do Dec. Lei nº 32/2003 de 17/02, o regime processual da referida notificação, estatuindo que lhe são aplicáveis, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 231º, 232º, 236º, nºs 2 a 5, e 237º do CPC. Isto é, a notificação na injunção rege-se, em regra, pelas normas relativas à citação constantes da lei geral de processo civil.</font>
</p><p><font>No caso de domicílio convencionado a notificação é feita mediante o envio de carta simples (cfr. art. 12º-A, nº 1 do Dec. Lei nº 269/98 de 1/09, com a redacção dada pelo mesmo art. 8º do Dec. Lei nº 32/2003 de 17/02).</font>
</p><p><font>Por sua vez, quando o requerido resida no estrangeiro, como ocorre no caso vertente, deve observar-se o estipulado nos tratados ou convenções internacionais e, na sua falta, a notificação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (art. 247º, n.ºs 1 e 2, do CPC).</font>
</p><p><font>Ora, a República Portuguesa está vinculada à primazia do direito internacional, e conforme se dispõe no art. 8º, nº 3 da Constituição da República “ </font><i><font>as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>O artigo 8º da Constituição, em conjugação com outras normas, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 6 do artigo 7º, acolhe o princípio do primado do Direito Comunitário, e no seu nº 2 consagrou a doutrina da recepção automática das normas do direito internacional particular, isto é, o direito convencional constante de tratados e acordos em que participe o Estado português, as quais são directamente aplicáveis pelos tribunais, apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação.</font>
</p><p><font>Grande parte da doutrina constitucionalista admite a preferência do direito convencional sobre o direito ordinário para o que se socorre da parte final daquele nº 2 (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, na Constituição da República Portuguesa, Comentada, pág. 81)</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>O princípio do primado do Direito Comunitário sobre os Direitos internos dos Estados – membros constitui princípio fundamental estruturante daquele Direito e da própria realidade comunitária europeia, e é acolhido, sem reservas, no Direito Português, colocando as normas comunitárias originárias, bem como as derivadas dotadas de aplicabilidade directa acima da lei, ainda que abaixo da Constituição, e implicando a inaplicabilidade pela Administração Pública e pelos tribunais nacionais de lei contrária anterior e a proibição de lei contrária posterior (e ainda o dever de revogação ou modificação da lei anterior oposta ao Direito Comunitário)</font></i><font>”, frisa o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa em Parecer que pode ser lido na Colectânea de Jurisprudência do ano 1999, tomo IV, págs 5 a 17.</font>
</p><p><font>No mesmo local, mais adiante, pronunciando-se acerca da relevância jurídica dos Regulamentos de base do Conselho acentua dever ser “ </font><i><font>excluída qualquer aplicação parcial ou selectiva, modificação ou aditamento ou qualquer emissão de actos ou normas nacionais susceptíveis de afectar o seu conteúdo ou os seus efeitos (ou de compreender discricionariedade na sua execução), </font></i><font>para concluir que</font><i><font> “ O primado dos regulamentos analisados coloca-os em posição de supremacia sobre o Direito interno infraconstitucional, isto é acima das leis e de todos os actos de administração (além de acima dos actos jurisdicionais, também) </font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Portanto, as normas de fonte interna não poderão postergar, antes deverão ceder perante o que sob o mesmo título se ache estabelecido em normas de fonte supraestadual como tratados, convenções, e regulamentos comunitários, ou, dito de outra forma, o regime interno é aplicável fora da esfera de aplicação das fontes supraestaduais a não ser que estas para ele remetam</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Havendo que respeitar esta prevalência importa, então, recordar que o requerimento de injunção visado foi apresentado em 26/08/10. A essa data estava vigente o já mencionado Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros, que entrou em vigor em 13 de Novembro de 2008, com excepção do art. 23º (cfr. art. 26, do Regulamento)</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Regulamento também directamente aplicável em Portugal nos termos do art. 288º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).</font>
</p><p><font>Ora, nos termos do seu art. 1º: “O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial </font><i><font>ou extrajudicial</font></i><font> deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação...”</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Como refere o Juiz Desembargador Carlos Melo Marinho, no seu texto “As citações e Notificações no Espaço Europeu Comum”</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>, o conceito de documento extrajudicial é um conceito de direito comunitário, não sendo alcançável por recurso a noções do Direito interno, com uma concepção ampla “</font><i><font>susceptível de se manifestar quer no quadro de um processo judicial quer fora desse processo</font></i><font>”, conforme resposta dada pelo TJUE no Proc. nº C-14/08 “DD, S.L</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.”.</font>
</p><p><font>Esta abrangência aos actos extrajudiciais e do respectivo conceito torna inequívoca a sua aplicação às notificações que ocorram inseridas na providência da injunção, desvalorizando e dispensando, consequentemente, qualquer discussão em torno da natureza jurídica da mesma.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B) </font><u><font>Se ocorre nulidade da notificação e, na afirmativa, a mesma está ou não sanada</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E sendo assim, temos que a notificação serve para chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto, fora dos casos para os quais o legislador determinou a citação, devendo ser acompanhada de todos os elementos e cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessárias à plena compreensão do seu objecto (cfr. art. 228º, nºs 2 e 3 do CPC).</font>
</p><p><font>No capítulo II do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, consigna o art. 4º, nº 2, que: “A transmissão dos actos, requerimentos, atestados, avisos de recepção, certidões e quaisquer outros documentos entre as entidades de origem e as entidades requeridas pode ser feita por qualquer meio adequado, desde que o conteúdo do documento recebido seja fiel e conforme ao conteúdo do documento expedido e que todas as informações dele constantes sejam facilmente legíveis”.</font>
</p><p><font>E o nº 3 acrescenta que: “O acto a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do anexo I. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local em que deva ser efectuada a citação ou notificação, ou ainda numa outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar. Cada Estado-Membro deve indicar a língua oficial ou as línguas oficiais das instituições da União Europeia que, além da sua ou das suas, possam ser utilizadas no preenchimento do formulário”.</font>
</p><p><font>Na notificação assim feita os documentos devem ser redigidos numa das línguas previstas no art. 8º que estipula:</font>
</p><p><font>“1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que </font><i><font>pode recusar a recepção do acto</font></i><font> quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o acto à entidade requerida no prazo de uma semana, </font><i><font>se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas</font></i><font>:</font>
</p><p><font>a) </font><i><font>Uma língua que o destinatário compreenda</font></i><font>;</font>
</p><p><font>ou</font>
</p><p><font>b) </font><i><font>A língua oficial do Estado-Membro requerido</font></i><font> ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou a notificação</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>2. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto nos termos previstos ao abrigo do disposto no nº l, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.°, e devolver-lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.</font>
</p><p><font>3. Se o destinatário tiver recusado a recepção do acto ao abrigo do disposto no nº 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do acto acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no nº 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do acto é a data em que o acto acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado-Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado-Membro, um acto tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do acto inicial, determinada nos termos do nº 2 do artigo 9.º</font>
</p><p><font>4. </font><i><font>Os nºs 1, 2 e 3 aplicam-se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de actos judiciais previstos na secção 2</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Nesta Secção 2, por seu turno, o artigo 14° (citação ou notificação pelos serviços postais) estabelece</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalente</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Por fim, estipula o art. 16º que “</font><i><font>os actos extrajudiciais</font></i><font> </font><i><font>podem ser transmitidos para citação ou notificação noutro Estado-Membro nos termos do presente regulamento</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Temos, assim, pela conjugação destes normativos que o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 não excluiu, antes admite, a citação ou notificação pelos serviços postais, relativamente a actos extrajudiciais, como decorre de forma mais directa dos arts. 14º e 16º.</font>
</p><p><font>Mas, e mais relevante, é que nos termos do próprio Regulamento, utilizando-se a citação directa pelos serviços postais, fora, portanto, do âmbito de transmissão de acto a realizar entre entidades de origem e entidades requeridas, não se impõe que o acto judicial, e por extensão do art. 16º o acto extrajudicial, seja traduzido para a língua oficial do Estado requerido ou para uma língua que o destinatário compreenda</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Como tal, pode perfeitamente dar-se o caso de o destinatário ser citado por serviço postal sem que os actos (v.g. peças forenses, avisos de recepção, certidões e documentos), escritos em língua que lhes seja de todo estranha, tenham sido traduzidos</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No caso, o Balcão Nacional de Injunções notificou a recorrente por carta registada com aviso de recepção em língua portuguesa, isto é, sem que o requerimento de injunção e a informação inerente à nota de notificação hajam sido traduzidos. Mas resulta, assim, do que acaba de se expor, falecer a arguição da recorrente da necessidade de acompanhamento de uma tradução da notificação da injunção de que foi alvo.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>Importa, porém, ponderar a questão sob uma outra vertente, de que o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> não curou.</font>
<p><font>Acontece que o Regulamento n.º 1393/2007, apesar de procurar assegurar eficácia e celeridade à utilização de todos os meios adequados à transmissão dos actos, não descura a possibilidade, em situações excepcionais, de recusa pelo destinatário da citação ou notificação de actos. O seu considerando preambular n.º 12 evidencia manifesta preocupação com a defesa do interesse dos destinatários, traduzido no direito que lhes assiste de recusar um acto realizado numa língua que não seja reconduzível ao prescrito no art. 8.º, nº 1 acima enunciado.</font>
</p><p><font>Vale isso por dizer que, a permissão contida no artigo 14.º do Regulamento (citação ou notificação pelos serviços postais), sem acompanhamento de uma tradução, não implica a derrogação de todas as garantias de estabilidade e segurança na transmissão de um acto judicial, mormente as do artigo 8.º consubstanciadas no direito à recusa por parte do destinatário, até porque nessa situação se encontra mais desprotegido por ausência de prévio aviso da entidade requerida do Estado-Membro onde reside.</font>
</p><p><font>Perante a possibilidade de realização directa do acto judicial, ou extrajudicial, o direito efectivo à recusa por parte do destinatário ganha uma ainda maior importância na medida em que nenhuma entidade, seja no Estado-Membro de origem seja no Estado-Membro requerido, intervém no procedimento.</font>
</p><p><font>O mesmo considerando nº 12 do Regulamento nº 1393/2007 expressa, claramente, que “</font><i><font>As regras sobre a recusa deverão igualmente aplicar-se</font></i><font> </font><i><font>à citação ou notificação</font></i><font> efectuada por agentes diplomáticos ou consulares, </font><i><font>pelos serviços postais</font></i><font> ou directamente (...)”.</font>
</p><p><font>Significa isto que os Estados-Membros tiveram por inadmissível que o Tribunal de origem optasse por proceder à realização do acto judicial ou extrajudicial directamente, por serviço postal, sem garantir que o direito à recusa de recepção do acto fosse observado, assegurando expressa comunicação desse direito ao destinatário do acto, mediante formulário próprio.</font>
</p><p><font>Na conformidade com esta exigência, competia, então, ao Banco Nacional de Injunções promover o acto de notificação, ainda que ao abrigo do artigo 14.º do Regulamento,</font><i><font> </font></i><font>por carta registada com aviso de recepção, de molde a que o direito à recusa por parte da destinatária fosse, ou pudesse ser, realmente exercido.</font>
</p><p><font>Cabia-lhe, pelo menos, o dever de comunicar à destinatária da notificação, através do modelo uniforme constante do anexo II, e na língua oficial do Estado-Membro de destino, a possibilidade de recusa do acto por não se encontrar acompanhado de uma tradução, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 1 do Regulamento n.º 1393/2007.</font>
</p><p><font>Tendo, então, presente a factualidade acima referida, e pelos documentos certificados do processo de injunção constantes de fls. 126 a 163, constata-se que a recorrente foi notificada por carta registada com aviso de recepção, sem que as peças processuais tivessem sido acompanhadas da respectiva tradução, que como já vimos não seria necessário enviar. Mas verifica-se, igualmente, que não lhe comunicou, através do modelo uniforme constante do anexo II, e na língua oficial do Estado-Membro de destino, a possibilidade de recusa do acto por não se encontrar acompanhado de uma tradução, sendo certo que nada nos autos indicia que os representantes legais da ré compreendessem a língua portuguesa.</font>
</p><p><font>O procedimento observado viola o disposto nos artigos 247º, nº 1 do CPC e, bem assim, o disposto nos arts. 8º, nºs 1 e 4 do Regulamento n.º 1393/2007 de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6DKpu4YBgYBz1XKvYilb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>– Relatório.</font>
</p><p><font>Desavinda com a decisão prolatada no processo supra epigrafado em que o Tribunal da Relação de Porto decidiu, no provimento do recurso interposto da decisão de 1ª instância, que tinha decidido, na procedência do pedido formulado pela demandante, AA, declará-la arrendatária do imóvel sito na Rua ..., n.º ..., …, ..., Maia, e condenar os RR. A desocupar a referida habitação com os seus móveis, entregando-a livre e devoluta de pessoas e bens, revogar a sentença recorrida, declarando a acção improcedente e absolvendo os Réus, BB e CC, recorre a Autora, tendo concluído a alegação com o quadro sumário que a seguir queda transcrito. </font>
</p><p><font>“</font><i><font>I – O arrendatário, mesmo duma habitação social, pode escolher os membros do agregado familiar que com ele residem. </font></i>
</p><p><i><font>II - Se a habitação foi atribuída em função desse agregado havendo alteração no mesmo, para mais ou para menos, terá de ser resolvida a nova situação junto do senhorio, para atribuição ou não de nova habitação, condizente com a nova realidade. </font></i>
</p><p><i><font>III - Os agregados não são imutáveis e o arrendatário não pode sofrer com isso no seu direito de gozo da coisa arrendada. </font></i>
</p><p><i><font>IV</font></i><b><i><font> – </font></i></b><i><font>Se o arrendatário pede em Juízo que os outros membros do agregado familiar saiam da habitação, está no seu pleno direito de o fazer. </font></i>
</p><p><i><font>V – Não se pode impor ao arrendatário que viva com quem não quer, pois isso seria uma manifesto abuso de direito. </font></i>
</p><p><i><font>VI</font></i><b><i><font> – </font></i></b><i><font>Mesmo no tipo de habitação social em que o arrendatário também compra a habitação, cabe a ele decidir quem pode ou não viver na mesma habitação</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Em resposta ao recurso, dessumem os recorridos o sequente epítome conclusivo: </font>
</p><p><i><font>“1ª -Nos termos do disposto no artigo 721.º-A, n.º 2, al. b) do Código do Processo Civil, o requerente deve indicar as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social, sob pena de rejeição do recurso. </font></i>
</p><p><i><font>2.ª - O conhecimento deste tribunal "ad quem" cinge-se às conclusões do presente recurso, que o conformam e delimitam. </font></i>
</p><p><i><font>3.ª - Nas suas conclusões a recorrente não indicou as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social, reportando-se, única e exclusivamente ao seu concreto caso em apreço. </font></i>
</p><p><i><font>4.ª- Deverá o presente recurso ser rejeitado, por falta de verificação do pressuposto de que depende, ou seja, da indicação das razões pelas quais os interesses em causa são de particular relevância social. </font></i>
</p><p><i><font>5.ª - Conforme é referido no douto acórdão agora proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e á semelhança do que havia sido apreciado no Ac. da Relação do Porto de 26-03-2007, publicado em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><font>.</font></i></a><i><u><font> "No arrendamento social, se foi determinante para a concessão do </font></u></i><i><font>título de ocupação a uma só pessoa o seu agregado familiar ou o conjunto de pessoas que iriam habitar o prédio, não pode o titular exigir que estes deixem de ocupar o prédio sem um fundamento razoável." </font></i>
</p><p><i><font>6.ª - Não existe qualquer fundamento razoável, nem tão pouco foi alegado pela recorrente que existisse, conforme bem refere o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, para que o agregado familiar da recorrente deixe de ocupar o prédio. </font></i>
</p><p><i><font>7.ª - O propósito do realojamento social era erradicar com os espaços abarracados e degradados, situação em que se encontrava a ora recorrente e os recorridos, antes do realojamento. </font></i>
</p><p><i><font>8.ª· No processo de realojamento e atribuição de uma habitação de tipologia T4, teve em conta, por parte dos técnicos de acção social da Câmara da Maia, o número de elementos do agregado familiar. Caso assim não fosse, nunca a recorrente, por si só, teria direito a uma habitação de tipologia T4, conforme efectivamente veio a acontecer. </font></i>
</p><p><i><font>9.ª Não merece qualquer reparo ou censura a douta decisão recorrida, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos</font></i><font>.” </font>
</p><p><b><font>I.1. - Antecedentes com utilidade para a decisão.</font></b>
</p><p><font>- Por contrato de arrendamento e promessa de venda a Câmara Municipal da Maia atribuiu a AA o prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., 2.º – APTO 19, identificado por BM, Z e P, mediante a contrapartida de € 24.235,00, a ser pago, em sistema de pagamento de renda mensal, pelo período de vinte e cinco anos;</font>
</p><p><font>- A A. permitiu que a sua filha, BB, primeira ré, e o seu agregado familiar fosse residir no prédio indicado no item antecedente, por não possuir condições da habitabilidade e até que a situação melhorasse; </font>
</p><p><font>- A convivência não tem sido fácil, “uma vez que a ré não tem respeito pela sua mãe (aqui Autora) chegando a maltratá-la o que torna impossível a permanência do agregado familiar no prédio;</font>
</p><p><font>- A A. suporta as rendas, paga o consumo de energia eléctrica e a conta do telefone e internet, </font>
</p><p><font>Pede que, ao amparo do disposto no art. 1307.º do Cód. Civil, sejam os RR. condenados a desocuparem a habitação, com os seus móveis, entregando-a à Autora livre e devoluta.</font>
</p><p><font>Os RR. opuseram-se ao peticionado aduzindo as razões que a seguir se elencam:</font>
</p><p><font>- o fim destinado pela atribuição do prédio supra referenciado foi determinado pelo facto de a Câmara pretender realojar a Autora e o seu agregado familiar, que desde 1999 sempre foi constituído pela Autora, pelos Réus e um filho destes, nascido em 16 de Abril de 2000;</font>
</p><p><font>- Por recenseamento da Câmara, efectuado em 2000, a indivíduos que viviam em casas degradadas, apurou que viviam na habitação o agregado familiar supra referido e foi com base nesse agregado que a autarquia procedeu á atribuição de um apartamento de tipologia T4;</font>
</p><p><font>- O agregado familiar foi alojado no mencionado apartamento não até quando a situação melhorasse, mas por função da sua composição que a Autora indicou à autarquia; </font>
</p><p><font>- A autora tem 77 anos e são os RR. que dela cuidam e lhe prestam apoio sendo falso que a maltratem;</font>
</p><p><font>- A Autora apenas contribui com a renda mensal sendo as demais despesas suportadas pelos RR.</font>
</p><p><font>Julgada a acção em primeira instância foi decidido (em sentença que anomalamente não foi junta ao processo - cfr. artigo 23.º, n.º 2 da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro) declarar a Autora arrendatária do imóvel e condenou os Réus a desocupar da habitação, com os seus móveis, entregando-a à Autora livre e devoluta de pessoas e coisas. </font>
</p><p><font>Em via de recurso, o Tribunal da Relação do Porto decidiu revogar a decisão do tribunal de 1ª instância e absolveu os Réus do pedido.</font>
</p><p><font>É a vez da Autora intentar contrariar o decidido no Tribunal de 2ª instância pedindo, que em revista, se reponha a decisão inicial.</font>
</p><p><font>Ordenou-se, por se mostrar interessante para a ajuizar os termos por que se rege a atribuição de habitação social no Município da Maia, bem como requisitos e condicionantes que determinam essa atribuição, a junção do Regulamento Municipal de Habitação Social. </font>
</p><p><font>Sendo o âmbito do recurso balizado pelas conclusões o que ressalta para decisão do presente recurso consistirá em apreciar se o arrendatário de uma habitação social pode pedir a saída do locado dos membros da família de que dependeu a respectiva atribuição, usando para o efeito os meios possessórios contidos no artigo 1307.º do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. – Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – De Facto.</font></b>
</p><p><font>Vem adquirido das instâncias o sequente quadro factológico:</font>
</p><p><i><font>“1. Por escrito de 1 de Abril de 2001, a Autora celebrou com a Câmara Municipal da Maia, acordo por força do qual esta se obrigou a proporcionar-lhe o gozo e fruição, pelo prazo de 25 anos e mediante o pagamento de uma quantia mensal da habitação social sita na Rua …, n.º ..., …, ..., Maia.</font></i>
</p><p><i><font>2. Ainda por força do referido acordo a Autora prometeu e a Câmara Municipal da Maia prometeu vender a referida habitação.</font></i>
</p><p><i><font>3. BB é filha de AA.</font></i>
</p><p><i><font>4. Os Réus residem na habitação identificada em 1., juntamente com a Autora.</font></i>
</p><p><i><font>5. É a Autora quem paga as rendas relativas á habitação.</font></i>
</p><p><i><font>6. A Autora interpelou por diversas vezes a Ré para esta deixar a habitação, juntamente com o respectivo agregado familiar.</font></i>
</p><p><i><font>7. Tendo-se recusado a fazê-lo.</font></i>
</p><p><i><font>8. Desde pelo menos Setembro de 1999, que o agregado familiar da Autora sempre foi composto também pelos Réus.</font></i>
</p><p><i><font>9. A habitação referida em 1 de tipologia T4 só foi atribuída pela Câmara Municipal à Autora porque o agregado familiar era composto por 4 pessoas.</font></i>
</p><p><i><font>10. Tendo sido a própria Autora quem comunicou á Câmara Municipal pela própria, a filha, o genro e um neto.</font></i>
</p><p><i><font>11. São os réus que efectuam o pagamento do seguro e do condomínio da habitação.</font></i>
</p><p><i><font>12. E são os Réus que efectuam o pagamento da electricidade, da água, do gás e da internet.</font></i>
</p><p><b><font>II.B. – De Direito.</font></b>
</p><p><font>II.B. – Contrato de locação para habitação social.</font>
</p><p><font>Numa primeira abordagem importa caracterizar i tipo de contrato celebrado entre a A. e Câmara Municipal da Maia. </font>
</p><p><font>O contrato ajuizado é um contrato misto de arrendamento e promessa de compra e venda. Nos termos do ponto 1. do contrato celebrado entre a A. e a Câmara da Maia o contrato tem como objectivo </font><i><font>“[…] promover o realojamento de populações carenciadas no Concelho da Maia e a eliminação das barracas, casas abarracadas e situações similares ali existentes”</font></i><font>, tendo como fim </font><i><font>“[…] a satisfação das necessidades habitacionais do segundo outorgante e do seu agregado familiar”</font></i><font>. </font>
</p><p><font>A duração do contrato foi estipulado pelo período de vinte e cinco (25) anos e o montante da renda mensal calculada segundo uma equação em que Rt = renda técnica e Rm = amortização de capital e juros e conduz ao valor de € 24.235,00. </font>
</p><p><font>N os demais pontos respeitantes aos termos do contrato de arrendamento estipula-se o modo e tempo de pagamento da renda e as consequências da mora do arrendatário e ainda a causa de denúncia constituída a favor do locador - cfr. pontos 5., 6. e 7..</font>
</p><p><font>O apartado II. sobre a epigrafe de “Do contrato promessa de compra e venda” define o objecto deste contrato - promessa de venda ao segundo outorgante, ou a quem no momento ocupe legitimamente a sua posição - do imóvel objecto do contrato que vem de ser celebrado, estipulando-se no ponto 9. o valor do preço da compra e venda - igual à soma dos valores de todas as rendas devidas desde a celebração do contrato de arrendamento até ao seu termo, com as respectivas actualizações anuais, ficando o preço perfeito com o pagamento da última renda.</font>
</p><p><font>Pelo contrato de arrendamento e promessa de compra e venda o preço da renda a pagar não é estipulado livremente, mas antes constitui-se o resultado da fórmula indicada no ponto 4.1. a que se convencionou chamar de “</font><i><font>renda técnica</font></i><font>” – cfr. ponto 14.1. a) do contrato ajuizado. </font>
</p><p><font>O programa de reabilitação e realojamento das populações carenciadas e a progressiva eliminação das barracas, casas abarracadas, ilhas e situações similares está inserta num regulamento municipal de habitação social donde constam as modalidades de atribuição - cfr. artigo 2.º - e a definição de contrato de arrendamento - cfr. artigo 4.º do citado Regulamento. </font>
</p><p><font>Nos termos deste preceito (artigo 4.º) “o contrato de arrendamento é aquele em que a Câmara Municipal da Maia, na qualidade de locadora, confere direitos de uso e fruição de um determinado fogo a um cidadão para o efeito eleito através de concurso, o locatário, mediante o pagamento de uma renda técnica, calculada nos termos previstos no Cap. IV do presente Regulamento”. </font>
</p><p><font>Nos termos do artigo 7.º do referido Regulamento os contratos celebrados contém, obrigatoriamente, um cláusula de reversão, que funcionará sempre, entre outras razões a explicitar nos respectivos contratos, e à custa da qual o locatário se obriga a restituir imediatamente o imóvel à Câmara “[…] sempre que se verifique uma situação que legitime o funcionamento da cláusula de reversão - cfr. alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento.</font>
</p><p><font>Para atribuição dos “fogos” o Regulamento estipula e define – cfr. artigos 12.º a 31.º - o modo de abertura do concurso, as condições e requisitos exigíveis para apresentação da candidatura, o rendimento máximo mensal do agregado familiar, constituindo rendimento do agregado familiar “todos os vencimentos, salários e subvenções ilíquidas recebidas pelos concorrentes e pelas pessoas que fazem parte do agregado familiar […]” devendo ser considerado agregado familiar para efeitos de afectação do mencionado rendimento do agregado familiar “</font><i><font>o conjunto de pessoas que com ele vivam em comunhão de mesa e habitação, ligadas por laços de parentesco, casamento, afinidade e adopção ou outras situações que a lei considere assimiláveis</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Ainda nos termos do Regulamento que temos vindo citar o tipo de habitação a atribuir deve ser atribuído em função das necessidades do agregado familiar – cfr. artigo 29.º do mencionado Regulamento - sendo, nos termos do n.º 3 do artigo acabado de citar, adequado para um agregado familiar constituído por três pessoas um T2/3, como fogo mínimo e T3/6, como fogo máximo.</font>
</p><p><font>Arrimados nos elementos aportados pelo contrato e pelo Regulamento que rege a atribuição de “fogos de habitação social” emerge como pressuposto da decisão a proferir a definição do contrato celebrado entre a A. e a Câmara Municipal da Maia.</font>
</p><p><font>Procurando uma caracterização do negócio jurídico celebrado entre a pessoa de direito público que é a Câmara Municipal da Maia e um particular diremos que se trata de um contrato misto, formado na sua estrutura, combinada ou unida, por um contrato de locação e um contrato promessa de compra e venda. Na sua execução continuada ou duradoura o contrato que surge como prevalente é o contrato de locação na justa medida em que todo o feixe de obrigações típicas se reconduz ou tipifica na configuração de um contrato de locação. Todo o clausulado e obrigações assumidas pelas partes na execução do contrato, particularmente por parte do locatário/promitente comprador induzem deveres que são típicas do locatário, pelo que o contrato ajuizado há-de ser caracterizado como contrato de locação tendencialmente projectado como promessa de compra e venda, se o locatário não vilar nenhum dos deveres que lhe são cometidos pelo regulamento e pelo contrato celebrado.</font>
</p><p><font>Trata-se, no entanto, de um contrato de locação atípico dado que contém cláusulas que não são típicas de um contrato de locação privado ou de características vinculísticas. Desde logo o estabelecido quanto à reversão da propriedade á entidade de proprietária do imóvel e que surge como entidade munida de um imperium na sucumbência de deveres do locatário. Vale por dizer que neste tipo de contratos em que uma entidade de direito público surge como promotora de uma das suas atribuições sociais e/ou de utilidade publica, como é o caso de procurar prover ou promover o bem estar social das pessoas carenciadas de habitação, os contratos celebrados assumem uma feição administrativa que permitem a entidade que promove o investimento reaver ou ver-se restituída do imóvel se o locatário desrespeitar com as obrigações que contratualmente se obrigou e a que o regulamento geral o vinculou. </font>
</p><p><font>O contrato estabelecido entre a autarquia e os particulares assume, destarte características, peculiares e contém regras e cláusulas que revelam uma configuração típica de um contrato de locação administrativa, dado não se conformar com os contratos de locação regulados nos instrumentos legislativos adrede. A atribuição por concurso e a vinculação a regras ou deveres que não são típicos dos contratos de locação civil privada conferem a este tipo de contratos uma feição distinta e a dever ser interpretado não segundo as estatuições típicas do contrato de locação civil mas sim através de uma hermenêutica especial e especifica.</font>
</p><p><font>Partindo destes pressupostos vejamos o caso.</font>
</p><p><font>Por concurso público, a A. e a família forma seleccionados, pela composição do agregado familiar, pelas especificas condições económicas e pelo estado da habitação que ocupavam a celebrar o contrato de que a A. é titular. Na atribuição do imóvel, para além da verificação das condições de naturalidade e outras que o regulamento especifica, a A. e o agregado familiar que consigo habitava numa habitação degrada foi determinante para a escolha e atribuição do tipo de imóvel ou fracção. Daí que na formação da vontade da entidade que atribuiu o imóvel tivessem que ter estado presentes e tivessem sido determinantes um requisitório especifico que atinava com a o número de pessoas a alojar e, decorrentemente, com o tipo de alojamento que a uma família com aquele concreto número de pessoas devesse ser atribuído.</font>
</p><p><font>Não foi, pois, alheio e aleatória a atribuição de um determinado tipo de alojamento ao agregado familiar constituído pela A. e pela filha genro e neta. A Câmara teria atribuído outro tipo de alojamento se ao concurso tivesse concorrido a A. individualmente. Neste caso não lhe seria atribuído um alojamento com a tipologia de um T4 mas, com toda a probabilidade um T1 ou outro que permitisse um alojamento condigno a um agregado familiar constituído por uma pessoa só. </font>
</p><p><font>Na formação da vontade contratual da entidade de direito público, enquanto promotora de condições de habitabilidade condigna para os habitantes da circunscrição administrativa que gere, foi determinante a composição do agregado familiar a alojar para a atribuição do tipo de fracção. A A., embora figurando como titular do contrato, não pode eximir-se à responsabilidade (social) de que é portadora a intenção negocial da entidade (pública) contraente. Vale por dizer que a A. figura no contrato enquanto membro de um agregado familiar que a entidade contraente escolheu e seleccionou para conferir melhores condições de habitabilidade. A dimensão social que atravessa a composição e a estrutura do contrato não pode estar dissociada da formação, manutenção e execução do contrato de locação.</font>
</p><p><font>Ficou provado - não seria necessário, pois decorre da normação regulamentar - que na formação e vinculação contratual da Câmara com a A. não foi determinante a A., em si, mas, prevalentemente e de forma determinante, o agregado familiar que no momento do concurso foi assumido pela entidade promotora do contrato como o servia os fins (sociais) projectados para aquele complexo de habitações sociais. </font>
</p><p><font>Nos pontos 9 e 10 da decisão de facto ficou provado que – </font><i><font>“9. A habitação referida em 1 de tipologia T4 só foi atribuída pela Câmara Municipal à Autora porque o agregado familiar era composto por 4 pessoas; </font></i>
</p><p><i><font>10. Tendo sido a própria Autora quem comunicou à Câmara Municipal pela própria, a filha, o genro e um neto.”</font></i>
</p><p><font>Esta confirmação do fim social a que está votado o contrato de locação celebrado entre a A. (e seu agregado familiar) e a Câmara não pode deixar de conduzir à conclusão de que os RR. são, com a A., os legítimos possuidores da fracção, pela atribuição vinculada e especifica que determinou a realização do contrato de locação. Não pode a A. desvincular-se da obrigação, social e especifica, decorrente do concurso que lhe atribui a si e ao agregado familiar que fez constar desse mesmo concurso para que lhe fosse atribuída uma habitação social e com a tipologia que lhe foi atribuída. A dimensão e os contornos de sociabilidade conferido ao contrato induz específicos deveres aos “escolhidos/seleccionados” contraentes particulares não sendo legitimo desobrigarem-se do dever que assumiram perante a entidade pública que lhe atribuiu a habitação e o fez em atenção ao agregado familiar que pretendia subtrair a uma condição de habitabilidade partilhar a habitação de precária e indigna de manter o agregado familiar no locado. A ser provida a intenção da A. então deveria ser comunicado á entidade administrativa para rever o contrato porquanto para uma só pessoa não seria certamente atribuído este tipo de habitação. </font>
</p><p><font>Confere-se, neste tipo de contratos de feição social e com projecto de sanação de deficitárias condições pessoais e familiares, em áreas de intervenção das autoridades administrativas ou do Estado, uma limitação dos direitos dos contraentes particulares, que providos de uma condição social desprotegida e socialmente precária se obrigam ao cumprimento de deveres que num contrato dotado de autonomia de vontade não o seriam. Há neste tipo de contratos de feição social uma mitigação da vontade do contraente particular que se dilui na necessidade socialmente prevalente da entidade administrativa. A vontade do particular tem de se sujeitar ao fim do contrato, que no caso concreto emerge como promotor de melhoria das condições de habitabilidade dos habitantes de uma determinada circunscrição autárquica. No fim social projectado no contrato radica a limitação dos direitos de uma das partes, precisamente daquela que vê provida a insuficiência que concita a obrigação social da autoridade pública. </font>
</p><p><font>Acresce que ao prevalecer-se a A. neste caso, em que, com já foi asseverado, da sua posição de arrendatária estaria possibilitada à autarquia a reversão da fracção, pois deixavam de estar verificadas as condições e os pressupostos em que se formou a vontade de contratar por parte da autarquia promotora da habitação para aquele concreto agregado familiar. Ao modificarem-se as condições que determinaram a vontade “administrativa” de contratar geram-se as condições para uma alteração do contrato e a um ajustamento das condições de alojamento. Seria, como já se deixou entrever supra, alojar uma única pessoa ou prover de alojamento quatro pessoas. A A. colocar-se-ia na posição de promotora de alteração das condições em que o contrato tinha sido celebrado e com isso ver-se-ia, certamente, na contingência de ter que abandonar o locado para, devendo ser-lhe atribuída uma fracção compatível com as necessidades de habitação de uma pessoa. </font>
</p><p><font>Em face do que deixamos dito ensaia-se o seguinte sumário:</font>
</p><p><font>- Os contratos de locação celebrados entre uma entidade de direito público e um particular tendo como fim a provisão de habitação de a pessoas carecidas de habitação condigna regem-se por regras específicas não coincidentes com um contrato de locação típico;</font>
</p><p><font>- Tendo sido, por regulamento, determinante na escolha e atribuição de um alojamento, a composição de um agregado familiar, está vedado ao titular do contrato o uso dos meios possessórios ao alcance do locador para provocar a saída dos elementos que forma determinantes para a concreta atribuição de uma fracção.</font>
</p><p><font>- Neste tipo de contrato releva e prevalece o fim social que determinou a escolha, selecção e atribuição de um imóvel estando vedado ao particular desfazer o nexo causal estabelecido na formação do contrato, ou seja satisfação de habitação para um agregado familiar com um número especifico de pessoas que constituíam a família no momento de formação.</font>
</p><p><b><font>III. - Decisão</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Em face do que deixamos dito, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em: </font>
</p><p><font>- Negar a revista;</font>
</p><p><font>- Condenar a recorrente nas custas (sem prejuízo dos benefícios processuais adquiridos). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 17 de Maio de 2011</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Gabriel Catarino (Relator)</font>
</p><p><font> Sebastião Povoas</font>
</p><p><font> Moreira Alves</font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6DKyu4YBgYBz1XKvgjGC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>I - Os presentes autos reportam-se a uma acção de reivindicação proposta pela cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de AA e BB (inicialmente, CC e, sucessivamente, face a óbitos ocorridos, DD e, agora, EE) contra FF, GG, HH, e Estado Português, onde a Autora peticiona, no essencial, o seguinte:</font><br>
<font>a) Que se declare a herança em causa como proprietária dos sete prédios rústicos que identifica, possuídos e fruídos ilegalmente e de má fé pelos Réus.</font><br>
<font>b) Que se condenem estes a reconhecerem esse direito.</font><br>
<font>c) Que se condenem os Réus no pagamento de uma indemnização.</font><br>
<font>d) O cancelamento dos registos a favor dos 1º e 2º Réus.</font><br>
<br>
<font>A fls. 696 a 700, foi proferido despacho a absolver os Réus da instância, com o fundamento na falta de legitimidade da Autora, por se considerar ser necessária a intervenção de todos os herdeiros, dado estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário, atento o disposto no nº 1 do artigo 2091º do Código Civil, dizendo-se mesmo que “Tal excepção de ilegitimidade é, no caso concreto, insuprível, visto que nunca será possível fazer intervir todos os demais herdeiros como associados da A. (arts. 265º, nº 2, e 325º do CPC), porque um deles assume a qualidade de réu nesta acção”.</font><br>
<br>
<font>Tendo a Autora agravado desta decisão, foi, no Tribunal da Relação de Évora, proferido o acórdão de fls. 769 a 771, segundo o qual se decidiu dar provimento ao agravo e revogar a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento do processo.</font><br>
<br>
<font>Inconformada, veio a Ré HH, interpor o presente recurso de agravo de tal acórdão, invocando, para justificar a admissibilidade de tal recurso, que a decisão recorrida se encontra em oposição com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.04.1992, onde se decidiu que: “Se, para obterem a restituição da coisa, os autores invocam a sua qualidade de herdeiros, mas propõem uma acção de reivindicação, eles só serão parte legítima se forem todos os herdeiros a demandar”, limitando-se a juntar fotocópia de tal acórdão, extraída da CJ, Ano XVII-1992, Tomo II, págs. 234 e 235.</font><br>
<br>
<font>A Senhora Desembargadora proferiu o seguinte despacho:</font><br>
<br>
<font>“Embora nos pareça não existir a invocada contradição entre acórdãos, porquanto a A., nesta acção, invoca a sua qualidade de cabeça-de-casal, tendo sido com base nessa qualidade que se decidiu sobre a sua legitimidade para a presente acção, admite-se, por mera cautela, o agravo para o S.T.J. interposto a fls. 787, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo”.</font><br>
<br>
<font>Nas alegações apresentadas, a agravante invocou, como acórdão-fundamento (embora não juntando qualquer cópia) também o acórdão deste STJ de 17.03.2005 (Rec. Nº 05B433, in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>), segundo o qual “é indiscutível, face ao disposto no artigo 2091º, nº 1, do Código Civil, que a reivindicação tem de ser levada a cabo com intervenção de todos os herdeiros no exercício do seu direito de acção em litisconsórcio necessário activo legal”.</font><br>
<br>
<font>A recorrida não contra-alegou, tendo o Ministério Público, em representação do Réu Estado, requerido a sua adesão ao recurso interposto pela co-Ré HH, declarando subscrever as suas alegações de agravo.</font><br>
<br>
<font>Foi proferido, pelo aqui relator, o despacho de fls. 826 a 828, no qual se disse que “invocando como acórdão-fundamento o acórdão proferido a 09.04.1992 no Tribunal da Relação do Porto, a recorrente não demonstra sequer que tal decisão transitou em julgado, pois se limitou a juntar, como se disse, fotocópia de tal decisão, extraída da Colectânea de Jurisprudência, o que é manifestamente insuficiente”, acrescentando-se de seguida:</font><br>
<font>“De qualquer forma, temos de reconhecer que a situação dos presentes autos é bem diferente da situação aflorada em tal acórdão-fundamento.</font><br>
<font>Neste último, estava-se perante um caso em que se discutia se era de aplicar o disposto no nº 1 do artigo 2078º do Código Civil, segundo o qual qualquer dos herdeiros goza de legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro, ou o preceituado no nº 1 do artigo 2091º do mesmo Código, nos termos do qual os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (ressalvados os casos declarados nos artigos anteriores e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º). </font><br>
<font>A situação dos presentes autos não é esta.</font><br>
<font>O que aqui está em causa é saber se a Autora – na sua qualidade de cabeça-de-casal e não de simples herdeira – tem legitimidade para, desacompanhada dos demais herdeiros, intentar a presente acção de reivindicação, tendo a Relação entendido que se não está perante um litisconsórcio necessário (cfr. artigo 28º do CPC).</font><br>
<font>Logo, não estamos perante decisões opostas proferidas no domínio da mesma legislação, pelo que não ocorre a excepção prevista no citado nº 2 do artigo 754º”.</font><br>
<br>
<font>Por se considerar que o mesmo não sucede relativamente ao acórdão deste STJ invocado nas alegações, também como acórdão-fundamento, foi, então, determinada a notificação da agravante para juntar certidão do mesmo, com nota do respectivo trânsito em julgado, o que a recorrente, veio, por fim, a fazer, razão por que se decidiu conhecer do objecto do recurso, por ocorrer a oposição de julgados a que alude o nº 2 do artigo 754º do CPC.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>II – 1. A única questão a dilucidar no presente recurso consiste em saber se a Autora, na sua qualidade de cabeça-de-casal de herança aberta por óbito de AA e BB, tem ou não legitimidade para, desacompanhada dos demais herdeiros, propor a presente acção de reivindicação.</font><br>
<br>
<font>Na 1ª instância, entendeu-se que não, por se considerar haver um litisconsórcio necessário (cfr. artigos 2091º, nº 1, do Código Civil e 28º, nº 1, do CPC), enquanto que, no acórdão ora recorrido, tomou-se posição contrária.</font><br>
<br>
<font>Para chegar a tal conclusão, escreveu-se, a dado passo, em tal acórdão:</font><br>
<font>“Não nos esqueçamos, porém, que a aqui autora e agravante é a cabeça-de-casal da herança e que, como tal, compete-lhe administrá-la (artº 2079, C.C.). E que, como administradora da herança, tem o direito de reivindicar os bens que deva administrar, direito esse que lhe é expressamente reconhecido pelo nº 2 do artº 2078º, C.C..</font><br>
<font>(…).</font><br>
<font>Ao propor, pois, a presente acção de reivindicação de prédios rústicos da herança, a agravante situou-se no âmbito das funções de cabeça-de-casal.</font><br>
<font>Ela tem, pois, legitimidade para, desacompanhada dos demais herdeiros, reivindicar os prédios identificados na acção, pertencentes à herança e pedir inclusivamente que os mesmos lhe sejam entregues”.</font><br>
<br>
<font>2. Afigura-se-nos que a razão está do lado da 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>Segundo o nº 1 do artigo 2078º do Código Civil, “Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro”.</font><br>
<font>“O disposto no número anterior não prejudica o direito que assiste ao cabeça-de-casal de pedir a entrega dos bens que deva administrar, nos termos do capítulo seguinte” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br>
<br>
<font>Como diz o Conselheiro RODRIGUES BASTOS, em anotação a este artigo (Notas ao Código Civil, Vol. VII, 2002, pág. 296), “No caso em apreço, considera-se legitimado activamente, para exercer a petição da herança, qualquer herdeiro, que pode assim pedir separadamente a totalidade da herança àquele que a possuir ou detiver, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro. Para se legitimar, o autor não terá necessidade de provar mais do que dois requisitos: a sua qualidade de herdeiro, e que os bens em poder do demandado pertencem à herança respectiva”.</font><br>
<br>
<font>Estabelece o nº 1 do artigo 2091º do mesmo diploma que “Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.</font><br>
<br>
<font>“A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal” – artigo 2079º.</font><br>
<br>
<font>No comentário a este preceito, escreveu o referido Conselheiro RODRIGUES BASTOS (obra citada, pág. 297):</font><br>
<font>“A administração do cabeça-de-casal abrange todo o património hereditário, pelo que lhe é permitido pedir aos herdeiros, ou a terceiros, a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias, de modo a ser mantido ou restituído à posse dessas coisas (art. 2088º, nº 1). Pertence-lhe praticar os actos de administração geral a que se referem, designadamente, os arts. 2089º e 2090º, mas para o exercício de outros direitos relativos à herança regula o art. 2091º”.</font><br>
<br>
<font>Prescreve o nº 1 do artigo 2087º que “O cabeça-de-casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal”.</font><br>
<br>
<font>Por seu lado, o nº 1 do artigo 2088º refere que “O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído”.</font><br>
<br>
<font>3. Postos estes princípios legais, teremos de concluir – como o fez o acórdão deste STJ de 17.03.2005, na esteira do acórdão de 07.02.1997 (agravo nº 738/96), também deste Supremo Tribunal, que cita – que o disposto no artigo 2078º não tem aqui aplicação e, como resulta do preceituado no nº 2 deste artigo e do nº 1 do artigo 2088º, o cabeça-de-casal só tem legitimidade para pedir a entrega de bens e para usar de acções possessórias.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, e por se tratar de um litisconsórcio necessário (artigo 28º, nº 1, citado), a Autora, aqui agravada, carece de legitimidade para a presente acção de reivindicação (cfr. artigo 1311º do Código Civil), por estar desacompanhada dos demais herdeiros.</font><br>
<br>
<font>4. Decorre, pois, do exposto que colhem as conclusões da agravante, pelo que o acórdão recorrido não poderá manter-se, devendo prevalecer a decisão proferida na 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>IV – Podem, assim, extrair-se as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª – Reportando-se os autos a uma acção de reivindicação, intentada pela cabeça-de-casal de uma herança aberta por óbito de alguém, desacompanhada dos demais herdeiros, carece ela de legitimidade para tal, dado estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário (artigos 28º, nº 1, do CPC e 2091º, nº 1, do Código Civil).</font><br>
<font> 2ª – Efectivamente, o disposto no artigo 2078º do Código Civil não tem aqui aplicação e, como resulta do preceituado no nº 2 deste artigo e do nº 1 do artigo 2088º do mesmo diploma, o cabeça-de-casal só tem legitimidade para pedir a entrega de bens e para usar de acções possessórias.</font><br>
<br>
<font>V – Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, decide-se fazer subsistir a decisão proferida na 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da Autora, ora agravada </font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 6 de Outubro de 2009 </font><br>
<br>
<font>Camilo Moreira Camilo (Relator)</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KTLxu4YBgYBz1XKvT16a | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>A, B, C, D e E, todos residentes no Cadaval, requereram, pelo Tribunal Judicial daquela Comarca, providência cautelar não especificada contra "F", sociedade anónima, igualmente com sede no Cadaval, pedindo seja decretado que a requerida se abstenha de proceder na área geográfica da Quinta X, localizada na confluência dos concelhos de Torres Vedras, Cadaval e Alenquer, à execução de actividades ou obras que integrem o objecto do contrato de concessão celebrado entre esta e o Estado Português, e que se tornem necessárias para o processamento, depósito, ou eliminação de resíduos sólidos ou a tal equiparados nos termos da lei, designadamente abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição ou eliminação daqueles resíduos ou outros, estações de transferência, aterro sanitário, unidades de tratamento; e bem assim que seja considerado o local inidóneo para a eliminação dos resíduos sólidos e instalação do aterro sanitário sólidos, e resultar muito razoável o fundado receio de lesão dos direitos invocados, pois, através da execução da obra, causar-se-á danos dificilmente reparáveis ao direito ambiente e ao direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, de que os requerentes são legítimos titulares; bem como que se declare imediatamente suspensa a deliberação da requerida sobre a alteração da localização do Aterro sobre a Quinta X, por violação do direito de participação procedimental da Lei de Acção Popular e mais elementares critérios de razoabilidade sobre a adequação daquela localização ao tipo de empreendimento.</font><br>
<br>
<font>Alegaram, essencialmente, que a construção do aterro sanitário é lesiva para o ambiente e qualidade de vida das populações, merecedor de tutela jurisdicional resultante do art. 66, nº1 da CRPortuguesa, integrando-se a pretensão dos requerentes no quadro da lesão de interesses difusos, especialmente tutelado pela Lei de Bases.</font><br>
<br>
<font>Citada a requerida opôs-se, alegando, entre outras coisas respeitantes ao mérito, que aqui não importa referir, que os requerentes propuseram três providências cautelares, com identidade de partes, pedido e causa de pedir, em três tribunais diferentes: Cadaval, Torres Vedras e Alenquer; que a presente providência cautelar deve ser apreciada pelos tribunais administrativos, e não pelos tribunais civis, pois os actos em causa são de gestão pública e praticados no exercício de um poder público.</font><br>
<br>
<font>Após o que o Sr. Juiz proferiu despacho, julgando incompetente o tribunal comum (cível), nos termos do art. 101 e seguintes do CPC, por a providência requerida atacar directamente uma decisão administrativa (da Associação de Municípios), e, declarando competente o tribunal administrativo, absolveu a requerida da instância.</font><br>
<br>
<font>Do assim decidido recorreram os requerentes, de agravo, para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font>Que, decidindo o recurso, concedeu provimento ao agravo, revogou a decisão recorrida, considerou materialmente competente o tribunal comum (cível), e determinou que o procedimento cautelar prossiga os seus termos no tribunal cível onde foi instaurado.</font><br>
<br>
<font>Recorre agora a requerida, também de agravo, para este STJ.</font><br>
<br>
<font>Alegando, concluiu como assim se resume:</font><br>
<font>a) Face ao disposto no art. 212, nº3 da CRPortuguesa, a questão posta, que é a do tribunal materialmente competente (comum ou administrativo), passa por saber se no caso sub judice, estamos perante uma relação jurídico-administrativa ou jurídico-privada.</font><br>
<font>b) Qualquer que seja o critério doutrinário perfilhado quanto ao conceito de relação jurídico-administrativa (em função dos sujeitos, do objecto ou do fim), não apenas a decisão de autorização de localização, como também a construção e exploração do Aterro Sanitário do Oeste se inserem no âmbito de relações jurídicas administrativas com os particulares.</font><br>
<font>c) Por um lado, está em causa a actuação de uma entidade pública - a "F", como concessionária - na prossecução de um fim público: art. 2 do DL 294/94. de 16/11</font><br>
<font>d) Por outro, não apenas a autorização de localização, como a própria construção e exploração do Aterro estão vocacionados para a prossecução do interesse público: defesa do ambiente, pela valorização tratamento de resíduos sólidos urbanos.</font><br>
<font>e) Consequentemente, o julgamento da presente causa incide necessariamente sobre relações jurídico-administrativas, sujeitas à jurisdição administrativa: art. 212, nº3 da CRPortuguesa e art. 4, f) do ETAF.</font><br>
<font>f) A aplicação do art. 45 da LBA (lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei 11/87, de 07/04) a relações jurídico-administrativas é claramente inconstitucional, por violação do art. 212, nº3 da CRP.</font><br>
<font>g) Por outro lado, o pedido de abstenção da requerida de continuação das obras corresponde materialmente a um embargo de obra de um concessionário - o que só é possível se estiverem em causa actos de gestão privada: art. 414 do CPC.</font><br>
<font>h) Acresce que o que os requerentes pretendem colocar em causa é a localização escolhida e autorizada por decisão administrativa, que consideram inidónea.</font><br>
<font>i) Ora, a declaração de (in)idoneidade do local é, por reserva de lei, da competência da Administração, designadamente das entidades previstas nos art. 9, 10 e 11 do DL 239/97.</font><br>
<font>j) As decisões administrativas, relativas à localização do Aterro, só poderiam ser postas em crise através de uma declaração judicial da ilegalidade de tais decisões, o que só é possível por via da jurisdição administrativa, nomeadamente através de recurso contencioso e eventual suspensão de eficácia e através de acção para reconhecimento de direitos.</font><br>
<font>k) O pedido de abstenção da requerida de continuar a construção do Aterro Sanitário, a fim de, alegadamente, se evitar a ocorrência de danos ambientais seria sempre acessório de um processo principal, em que se discutiria necessariamente a validade dos actos administrativos relativos à localização do Aterro. Ora, o Tribunal materialmente competente para o processo principal deverá ser o materialmente competente para o meio cautelar acessório daquele.</font><br>
<font>l) Ao decidir pela competência material do tribunal comum, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 212, nº3 da CRP, o art. 4, f) do ETAF, o art. 45 da Lei de Bases do Ambiente, o art. 414 do CPC e os art. 8 e seguintes do DL 239/97.</font><br>
<br>
<font>Os recorridos contra-alegaram em apoio da competência do tribunal comum.</font><br>
<font>Na primeira instância ponderou-se que:</font><br>
<font>a) na base da causa de pedir está a construção de um aterro sanitário num determinado local, que se considera inidónio, porque lesivo do direito ao ambiente e qualidade de vida das populações;</font><br>
<font>b) no entanto, não foi a requerida quem escolheu o local, ela é apenas a concessionária de uma obra do Estado;</font><br>
<font>c) por isso, na base da construção do aterro naquele local encontra-se uma decisão administrativa tomada pela Associação dos Municípios do Oeste, e tal decisão só é impugnável perante um tribunal administrativo; e, enquanto não for anulada, ela subsiste válida e eficazmente;</font><br>
<font>d) no substracto da construção do aterro naquele local encontra-se todo um complexo de decisões administrativas: da Associação dos Municípios do Oeste, da Assembleia Municipal do Cadaval, da Direcção Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais de Lisboa e Vale do Tejo, do Ministro do Ambiente e do Instituto dos Resíduos;</font><br>
<font>e) aliás, um dos pedidos é o de que se declare imediatamente suspensa a deliberação da requerida, sobre a alteração da localização, por violação do direito de participação procedimental da lei de acção popular.</font><br>
<font>f) Concluindo, o litígio em causa reporta-se a uma relação jurídico-administrativa, portanto da jurisdição administrativa: art. 3 do ETAF.</font><br>
<br>
<font>Na Relação de Lisboa ponderou-se que:</font><br>
<font>a) não está em causa um pedido sobre qualquer acto administrativo: o pedido incide directamente sobre a abstenção da actividade alegadamente lesiva do ambiente e do direito dos cidadãos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, no quadro da lesão de interesses difusos;</font><br>
<font>b) o pedido não consiste na anulação do acto administrativo que determinou que o aterro fosse instalado naquele local (caso esse em que competente seria a jurisdição administrativa);</font><br>
<font>c) o art. 45, nº1 da Lei 11/87 (Lei de Bases do Ambiente) estabelece que o conhecimento das acções a que se referem o art. 66, nº3 da CRP e os art. 41 e 42 daquela Lei de Bases é da competência dos tribunais comuns;</font><br>
<font>d) aí se incluem as providências cautelares destinadas à suspensão provisória de actos agridam o ambiente, como por exemplo as actividades poluidoras (art. 41, nº1, a) e c));</font><br>
<font>e) o art. 45 dessa Lei não é inconstitucional (acórdão do TC nº 458/99, de 13/7/99, no DR, 2ª, de 06/03/00).</font><br>
<br>
<font>Apreciando.</font><br>
<font>No presente procedimento cautelar não especificado requerem-se três medidas:</font><br>
<font>1) que a requerida se abstenha de proceder à execução das actividades ou obras que integrem o objecto do contrato de concessão que celebrou com o Estado</font><br>
<font>2) que seja o local considerado inidóneo para eliminação dos resíduos sólidos e para instalação do aterro sanitário sólidos</font><br>
<font>3) que se declara imediatamente suspensa a deliberação da requerida sobre a alteração da localização do aterro.</font><br>
<font>Como causa de pedir invocam-se:</font><br>
<font>a) para os dois primeiros pedidos, que a execução da obra causará danos dificilmente reparáveis ao direito ao um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado dos requerentes: art. 66 da CRP, </font><br>
<font>b) para o terceiro pedido, que foi violado o direito de participação procedimental conferido pela Lei de Acção Popular e do Ambiente.</font><br>
<br>
<font>Não estão aqui em causa os direitos, constitucionalmente consagrados, ao ambiente e à qualidade de vida, bem como o direito de petição e acção popular: art. 66 e 52 da CRPortuguesa, art. 2 da Lei 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente).</font><br>
<font>Em causa está, apenas, saber qual o tribunal materialmente competente para este procedimento: o comum (cível) ou o administrativo?</font><br>
<br>
<font>Vejamos. </font><br>
<font>"Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes da relações jurídicas administrativas e fiscais": art. 212, nº3 da CRP.</font><br>
<font>A jurisdição administrativa (e fiscal) é exercida pelos tribunais administrativos, definidos como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-lhes, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (e fiscais): art.ºs 1º e 3º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, vulgo ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.</font><br>
<font>Depois, distribuindo esta competência pelos diversos tribunais administrativos, estabelece a lei que compete aos tribunais administrativos (de círculo) conhecer, entre outras, das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso: art. 51º, nº 1, h) do mesmo ETAF.</font><br>
<font>No entanto, encontram-se excluídos da jurisdição administrativa (e fiscal) os recursos e as acções que tenham por objecto, entre outras, as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público: art. 4º, nº 1, f) do ETAF.</font><br>
<font>Por seu lado, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria; fora do âmbito da jurisdição administrativa (e fiscal) é aplicável o disposto na lei de processo civil: art.ºs 1º e 4º, nº 4 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, vulgo LPTA, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.</font><br>
<br>
<font>Ainda por outro lado, a responsabilidade civil extracontratual do estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no Decreto-Lei nº 48051, de 21/11/67, em tudo que não esteja previsto em leis especiais</font><br>
<br>
<font>Toda a questão reside em saber se os actos devem ser considerados como actos de gestão pública ou como actos de gestão privada. </font><br>
<font>Assim, se forem considerados actos de gestão pública, eles serão materialmente da competência dos tribunais administrativos (art. 212, n.º 3 da CRP e art. 51, nº 1, h) do mesmo ETAF). Se forem considerados actos de gestão privada, materialmente competentes serão os tribunais judiciais comuns (art. 211, nº 1 da CRP, art. 4, nº 1, f) do ETAF e art. 66 do CPC). </font><br>
<font>Esta é portanto a questão.</font><br>
<br>
<font>Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. III, 4ª edição, 510/511) definem, em geral, os actos de gestão privada como "aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares. São actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despido do seu poder público.</font><br>
<font>Tratando-se de actos de gestão pública, a responsabilidade daquelas entidades deve naturalmente obedecer a princípios muito diferentes, visto se admitir a responsabilidade do Estado pela prática de actos lícitos (...) e nem sempre se conceder ao Estado e demais pessoas públicas o direito de regresso (...)".</font><br>
<font>Vaz Serra (em anotação ao acórdão do STJ de 16/05/69, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, 350/351) seguiu idêntico critério: saber se o acto se integra, ou não, numa actividade de direito público - " se ele se compreende numa actividade de direito privado duma pessoa colectiva pública, da mesma natureza da actividade de direito privado desenvolvida por um particular, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão privada; se, pelo contrário, o acto é praticado no exercício de um poder público, isto é, na realização de função pública, mas não nas formas e para a realização de interesses de direito civil, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão pública".</font><br>
<br>
<font>Critério que renovou na anotação que fez ao acórdão do STJ, de 19/05/75, na RLJ, ano 110-315.</font><br>
<font>Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, tomo II, 8ª edição, 1134) ensinava que "deve entender-se por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado". Para, logo a seguir, concretizar que "como o Direito Público que disciplina a actividade da Administração é quase todo composto por leis administrativas, pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para esse efeito".</font><br>
<font>Não encontramos, assim, divergências de monta entre os Autores: os actos praticados pelo Estado ou por pessoas colectivas públicas serão de gestão pública ou de gestão privada em função da natureza do regime jurídico a que estejam subordinados: de gestão pública se sujeitos ao direito público, de gestão privada se sujeitos ao direito privado. E estarão sujeitos a um ou outro ramo de direito, conforme a natureza do próprio acto.</font><br>
<font>Também a jurisprudência não se tem afastado disto: acórdãos do Tribunal de Conflitos, de 15/11/81, no BMJ nº 311-195, de 10/12/87, com anotação de Afonso Queiró, na RLJ, ano 121-237, e de 31/05/01, proferido no Conflito Negativo de Jurisdição nº 368, com o mesmo Relator do presente, e que julgamos inédito; bem como lapidarmente se escreveu no acórdão do STJ de 04/03/97, na CJSTJ, ano V, tomo I, 125: "os tribunais administrativos só dirimem litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, e nunca questões de direito privado; daí que o embargo de obra nova que envolva só questões de direito privado seja da competência dos tribunais comuns".</font><br>
<font>O critério determinante não será, propriamente, saber quem pratica o acto, ou a omissão, mas qual a natureza do acto.</font><br>
<br>
<font>Postas estas noções elementares, acompanham-se basicamente as razões aduzidas na primeira instância.</font><br>
<font>Ainda que (se possa considerar que) a implantação do aterro naquele local possa lesar o direito dos residentes a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (o que naturalmente está ainda por provar), não é possível dar provimento ao requerido sem atacar a legalidade, ou pelo menos o mérito (a substância ou a correcção), em termos ambientais, de todas as decisões administrativas que lhe estão na base.</font><br>
<font>Porque, de facto, não foi a requerida quem escolheu o local.</font><br>
<font>O local, bem ou mal, foi escolhido por diversas entidades públicas, num processo complexo envolvendo desde as Câmaras Municipais (e elas serão três), até ao Ministro do Ambiente, passando pela Associação dos Municípios do Oeste, pela Direcção Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais de Lisboa e Vale do Tejo, pelo Instituto dos Resíduos, etc.</font><br>
<font>Daí que não possa atacar-se a construção do Aterro naquele local sem se atacar as deliberações que decidiram que se fizesse naquele local.</font><br>
<br>
<font>Ora, como vimos, o foro materialmente competente define-se em função da natureza do acto atacado: de gestão pública ou de gestão privada.</font><br>
<font>A gestão, neste caso, é pública, quer atenta a entidade que a realiza (a requerida actua como concessionária do Estado, portanto, em nome dele), quer a natureza do objecto (obra pública de construção de um aterro sanitário), quer os fins tidos em vista (prosseguimento do interesse público consistente na protecção do ambiente, pela valorização dos resíduos sólidos urbanos).</font><br>
<font>No caso presente, as providências requeridas seriam contrárias a decisões administrativas, pelo que, só revogadas ou anuladas estas, se podem obter os efeitos pretendidos com o procedimento. </font><br>
<font>Daí, caber a solução do litígio à jurisdição administrativa: art. 212, nº3 da CRP e art. 3 do ETAF.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, só a solução aqui adoptada (competência material do foro administrativo, porque a providência requerida consiste na não realização de uma obra de interesse público determinada pela autoridade administrativa competente) se compagina com a regra do art. 414 do CPC: as obras do Estado e das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos não podem ser embargadas, quando o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, caso em que a defesa dos direitos ou interesses lesados se efectuará através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso.</font><br>
<font>De facto, a providência requerida em primeiro lugar corresponde substancialmente a um embargo de obra nova, que, nos termos do dito art. 414, não pode ter lugar nos tribunais comuns.</font><br>
<font>Determinar, neste caso, a primeira providência requerida seria fraudar a proibição legal do art. 414 do CPC, concedendo o embargo proibido, tão só porque "enroupado" de providência cautelar.</font><br>
<font>No que toca à segunda providência requerida, dir-se-á que não pode avaliar-se o mérito dos pedidos formulados, sem se avaliar a legalidade ou, pelo menos contrastar o mérito das decisões administrativas que autorizaram a construção do aterro naquele local. E o tribunal comum não tem jurisdição para controlar a legalidade, menos o mérito, de decisões administrativas. Como se escreveu na primeira instância: "como pode o tribunal considerar o local inidóneo, se existe uma decisão administrativa que, ao invés, o considera idóneo? Como se pode decretar que a Ré se abstenha de proceder à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado Português, no local, quando esse local foi considerado idóneo por decisão administrativa?".</font><br>
<font>Como pode o tribunal comum, abstraindo da legalidade e do mérito da decisão administrativa que lhe está na base (para o que não tem competência legal), saber se o local mais idóneo para a construção do Aterro é a Quinta X (como as instâncias competentes decidiram), ou as Y (como os requerentes entendem)?</font><br>
<br>
<font>Além de que o tribunal comum não tem competência legal para considerar idóneo ou não um local para aí construir um aterro sanitário, a qual cabe em exclusivo à entidades previstas na lei: DL 239/97.</font><br>
<br>
<font>Acompanham-se as alegações da recorrente na parte em que sublinha que as decisões administrativas relativas à localização do aterro só poderiam ser postas em crise através de uma declaração judicial de ilegalidade, o que só é possível na jurisdição administrativa; e o pedido de abstenção de continuação da obra a fim de se evitar danos ambientais, sempre seria acessório de um processo principal, e esse só podia ser aquele em que se discutiria a legalidade do acto que autorizou o aterro naquele lugar. Ora, o tribunal competente para o meio cautelar só pode ser o que o for para o processo principal.</font><br>
<font>O uso deste procedimento cautelar importaria um duplo desvio aos princípios (sem que se queira dizer, note-se bem, que essa tenha sido a intenção dos requerentes): por um lado, à norma que proíbe o embargo de obra nova por parte do Estado (art. 414 do CPC); por outro, ao princípio de que não pode impugnar-se uma actividade autorizada, sem se atacar a autorização. De facto, neste procedimento pretende-se que se não faça o aterro naquele local, mas não se ataca a decisão que autorizou que fosse feito naquele local.</font><br>
<font>Por outro lado, e no que tange à terceira providência requerida, quem tomou a deliberação de alterar a localização do Aterro não foi a requerida "F", mas a Associação de Municípios do Oeste, cuja deliberação é de natureza claramente administrativa.</font><br>
<font>Como se acentuou na primeira instância, "saber se o processo de autorização foi ou não concedido e, caso o não tenha sido, em que medida é que afecta a execução dessas obras, deve ser apreciado nos tribunais administrativos, bem como o deve ser a eventual violação da decisão administrativa em caso de alteração da localização do aterro sanitário".</font><br>
<br>
<font>Passemos a analisar brevemente os fundamentos da decisão recorrida (acórdão recorrido).</font><br>
<font>A disposição do art. 212, nº3 da CRPortuguesa tem, naturalmente, dada a sua hierarquia, de prevalecer sobre a norma do art. 45, nº1 da Lei 11/87 (Lei de Bases do Ambiente). Daí que, se houver conflito entre ambas, se deva aplicar a primeira. </font><br>
<font>No entanto, nem vemos que haja conflito, desde que o art. 45, nº1 seja interpretado, como parece que deve ser, no sentido de que a competência dos tribunais de comarca para as acções previstas no art. 41 da LBA não prejudica os casos em que competentes, por se tratar de relações jurídico-administrativas, são os tribunais administrativos. Tanto mais que o texto do artigo sugere que se trata de questões de natureza civil ("acções destinadas ao ressarcimento dos danos patrimoniais ou morais, em consequência de condutas que agridam o ambiente").</font><br>
<font>De forma aparentemente diversa se pronunciou já o Tribunal Constitucional, em seu acórdão nº 458/99, de 13/07/99 (no qual se espelha bem a discutibilidade da questão: julgado na primeira instância competente o tribunal administrativo, julgado o comum na Relação, de novo o administrativo no STJ e de novo o comum no TC).</font><br>
<font>No entanto, este Aresto do TC, além de não ter declarado a inconstitucionalidade de qualquer norma legal, nem de assumir força obrigatória geral - e só nesse caso ele seria obrigatório para nós - , talvez se concilie, afinal, com a solução que vimos defendendo.</font><br>
<font>Aí se entendeu não haver "uma reserva absoluta de matérias substancialmente administrativas aos tribunais administrativos, não sendo proibida constitucionalmente uma atribuição pontual a outros tribunais da competência para conhecer de questões substancialmente administrativas". E dá como exemplos: o julgamento de recursos da aplicação de coimas, recursos de decisões administrativas em matéria de patentes, certos casos de contencioso de actos dos conservadores e notários, recursos das decisões do CSM.</font><br>
<font>Passando por alto saber se nesses casos temos decisões substancialmente administrativas de que há recurso judicial (como o TC parece supor), ou antes decisões substancialmente contenciosas decididas administrativamente, com recurso contencioso - o certo é, porém, que tais casos não têm como o nosso o necessário parentesco.</font><br>
<font>No nosso caso, os actos praticados são iniludivelmente administrativos - quer quanto ao sujeito, quer quanto à natureza do objecto, quer quanto ao fim - praticados por entidades administrativas no uso da sua competência legal.</font><br>
<font>Por outro lado, não parece que o art. 45 da Lei 11/87, de 07/04 (LBA) deva ter a interpretação ampla e indiscriminada que os recorrentes pretendem emprestar-lhe.</font><br>
<font>Segundo tal preceito, "o conhecimento das acções a que se referem os artigos 66, nº3 da CRP e 41 e 42 da presente lei é da competência dos tribunais comuns" (nº1); "nos termos dos artigos 66, nº3 da CRP e 40 da presente lei, os lesados têm legitimidade para demandar os infractores nos tribunais comuns para obtenção das correspondentes indemnizações" (nº2).</font><br>
<font>Para compatibilizar este preceito com os dos art. 66, nº3 e 212, nº3 da CRP parece que uma só via é possível: no art. 66, nº1 confere-se o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (e o dever de o defender); no nº3 do mesmo art. 66 atribui-se a todos o direito de promover, nos termos da lei, a prevenção ou cessação dos factores de degradação do ambiente, bem como, em caso de lesão directa, o direito à correspondente indemnização.</font><br>
<font>Mas não se diz em que ordem jurisdicional, administrativa ou comum, esses direitos devem ser exercidos. Pelo que, tratando-se de actos de gestão privada, a jurisdição é a comum, tratando-se de actos de gestão pública a jurisdição é a administrativa.</font><br>
<font>Daí que o predito art. 45 da LBA deva ser interpretado de acordo com o comando do art. 212, nº3 da CRP, no sentido de que na sua base se encontram actos de natureza não administrativa.</font><br>
<font>Tanto mais que os comandos dos art. 41 e 42 da LBA, para que aquele art. 45 também remete, se reportam à obrigação de indemnizar (art. 41), cuja matriz e recorte é civil e não administrativo, e ao meio de obter a suspensão imediata das actividades causadoras do dano, que declaradamente é o processo de embargo administrativo (art. 42).</font><br>
<font>Estas ponderações, que nos conduzem à compatibilização do falado art. 45 da LBA com o art. 212, nº3 da CRP, foram também sublinhados no acórdão da RL de 30/11/00 (fls. 2425 a 2435 dos autos), proferido no recurso de agravo interposto do despacho que indeferiu liminarmente o procedimento equivalente requerido no tribunal comum de Torres Vedras, e que já se referiu acima: "o art. 45 foi elaborado tendo em mente as acções de responsabilidade civil e esquecendo que muitas das acções previstas nos art. 41 e 42 podiam visar actos administrativos. Regulamentou-se o direito ao ambiente face a terceiros privados, e não se curou das situações em que os lesantes fossem entidades públicas no uso do seu jus imperii". E, "a actividade da F limita-se ao cumprimento da deliberação tomada pela Associação de Municípios do Oeste e esta foi claramente tomada no uso do jus imperii".</font><br>
<font>Acolhemos esta posição.</font><br>
<font>O tribunal materialmente competente, em princípio, é o judicial (comum): art. 66 do CPC. Mas, neste caso, há uma norma a atribuir competência material ao tribunal administrativo: art. 3 do DL 129/84, de 27/04 (ETAF).</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, a invocação da Lei 83/95, de 31 de Agosto, não chega para dizer competente o tribunal comum, quando em causa está uma relação jurídico-administrativa.</font><br>
<font>O pedido formulado no procedimento incide directamente sobre a construção do aterro naquele local, pretendendo-se que a mesma não seja levada a efeito ("abster-se de proceder à execução"). Mas incide indirectamente sobre o acto administrativo que autorizou a construção do aterro naquele local, pelo que não podemos considerar uma coisa sem considerar a outra, visto que a construção do aterro ali é resultado do acto quer ali a autorizou.</font><br>
<font>Se a providência fosse decretada era frustrada a norma do art. 414 do CPC, e decretada uma providência sobre um acto que a todo o momento poderia recomeçar, visto que não se atingia a deliberação que o autorizou.</font><br>
<br>
<font>Conclusão.</font><br>
<font>A decisão recorrida não aplicou, como devia, o art. 212, nº3 da CRP; e não aplicou, como devia, ou interpretou menos bem, os art. 3, f) do ETAF, o art. 45 da LBA e os art. 8 e seguintes do DL 239/97.</font><br>
<br>
<font>Decisão</font><br>
<font>Pelo exposto, acordam em dar provimento ao agravo e assim em revogar a decisão recorrida, confirmando-se o decidido na primeira instância.</font><br>
<font>Custas pelos recorridos.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Janeiro de 2002</font><br>
<font>Reis Figueira,</font><br>
<font>Lemos Triunfante, </font><br>
<font>Barros Caldeira.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KTKyu4YBgYBz1XKvzzLq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i><br>
<br>
<font>I Relatório</font><br>
<br>
<b><font> </font></b><font>AA, residente em Quinta da Beloura – Sintra, instaurou </font><br>
<i><u><font>contra</font></u></i><font> </font><br>
<font>A Massa insolvente de “BB”, </font><br>
<br>
<font>acção destinada a obter a “revogação” de acto do Administrador da Massa, que, por considerar prejudicial a esta o acto de venda celebrado em 2003.07.31 que BB havia feito ao A., de ½ de uma fracção autónoma de um imóvel, decidiu resolver tal contrato.</font><br>
<br>
<font>Na referida acção formulou os seguintes pedidos:</font><br>
<font>- que se declare que o DL n.º 53/04 de 18 de Março (que aprovou o CIRE) não tem aplicação ao acto celebrado em 2003.06.13 ou 2003.07.31.</font><br>
<font>- que se considere que face ao disposto no art.° 156.° nº.1-a) do Dec-Lei 132/93 (que aprovou o CPEREF), caducou e ou prescreveu o direito de poder ser invocada a resolução do acto constante da decisão impugnada, no caso ora em análise, em 30 de Março de 2004, </font><br>
<font>- que se reconheça que, em face do disposto no art.° 156.°, n.º 3 do mencionado diploma, ficou precludido o direito do D.º Administrador de Insolvência declarar a resolução do negócio jurídico celebrado e concluído em Junho de 2003 por ter decorrido lapso de tempo superior àquele que a norma legal prevê para o efeito, dado que os elementos ora em causa constam dos processos apenso a este processo de insolvência. </font><br>
<font>- que se reconheça que a decisão impugnada foi ilegal e nula com as legais consequências </font><br>
<font>ou, caso assim se não entenda: </font><br>
<font>- que a impugnação seja julgada procedente por provada, revogando-se o acto impugnado, porquanto, da prova produzida não se verificam os legais pressupostos para a resolução em causa</font><br>
<font>- que seja reconhecido ao impugnante o direito de uso e fruição do bem em causa a que se refere o art.° 1.305.° do CC, até ao transito em julgado da decisão; </font><br>
<font>- que seja reconhecido ao impugnante o direito de retenção a que se refere o art.º 755.° do CC no que se refere às benfeitorias introduzidas na coisa. </font><br>
<font>Por mera hipótese de raciocínio, e por mero dever de patrocínio, em caso de improcedência da impugnação, o que não se espera, </font><br>
<font>- que seja a massa insolvente condenada a restituir ao impugnante não só os valores despendidos pelo A. na aquisição ao insolvente da metade do bem em causa - € 110.000,00, em dobro em face do disposto no art°.442 n°.2 do CPC, e bem assim o valor das benfeitorias introduzidas, cujo valor se relegará para execução de sentença uma vez que as mesmas não se encontram nesta fase liquidadas, a que acresce os juros de mora à taxa legal até efectivo pagamento" </font><br>
<br>
<font>Para o efeito foi alegado que:</font><br>
<font>- O CIRE só entrou em vigor 180 dias após a sua publicação (em 15 de Setembro de 2004) ;</font><br>
<font>- ter ocorrido intempestividade da resolução, face ao disposto no art.156.º-1-a) e c) e 3 e 158.º-a) do CPEREF e 303.º do CC.;</font><br>
<font>- foram violados os arts. 16.º, 17.º e 62.º da Constituição, ofendendo as regras da não retroactividade das leis e o caso julgado;</font><br>
<font>- a resolução do negócio teria de ocorrer através de acção judicial instaurada pelo Administrador contra o terceiro insolvente, por apenso nos autos, uma vez que o negócio de compra e venda era um negócio formal, não sendo também por isso aplicável o art. 123.º do CIRE.- cfr. art. 126.º-1 e 2;</font><br>
<font>- não foram invocados pelo Administrador os factos e pressupostos legais previstos no art. 120.º-2 e 4 em que pretende apoiar a resolução</font><br>
<font> - a acção do administrador corresponde a uma acto de vingança pelo facto do pai do A. ter apresentado queixa crime contra ele;</font><br>
<font>- serem falsos os factos atinentes à invocada simulação, ignorando o A., designadamente, a situação económica do vendedor insolvente;</font><br>
<font>- inexistir má fé negocial;</font><br>
<font>- lhe assiste o direito de retenção do bem porque é dono da fracção e foi pago o preço, consoante decisão já transitada em julgado, além de que nela realizou também benfeitorias, de boa fé;</font><br>
<br>
<br>
<font>A Massa Insolvente de “BB” contestou a acção, alegando que:</font><br>
<font>- o CIRE entrou em vigor em 15 de Setembro de 2004 mas aplica-se quer quanto às questões processuais quer às materiais;</font><br>
<font>- mesmo considerando aplicável o CPEREF, a resolução do negócio continua a ser formal e substancialmene válida e eficaz- art. 157.º do CPEREF;</font><br>
<font>- os fundamentos invocados para a resolução são verdadeiros;</font><br>
<font>- a venda em causa foi simulada e com o único intuito de defraudar os credores do insolvente BB. </font><br>
<font>Deduziu ainda </font><i><u><font>pedido reconvencional</font></u></i><font>, em que pediu que:</font><br>
<font>- fosse reconhecida a validade e eficácia da resolução da compra e venda de metade da fracção “E”, operada pela carta registada junta como doc. n.º 1, e em consequência, a acção improceder; quando não,</font><br>
<font>- fosse declarada a nulidade da compra e venda outorgada pelo Insolvente e pelo A., consubstanciada em escritura de 2003.07.31, por ser simulada e, em consequência, o A. condenado a entregar a metade da fracção autónoma “E” em causa à Massa Insolvente. Ou, quando assim se não entenda,</font><br>
<font>- decretar-se a resolução dessa venda, deferindo-se o pedido reconvencional subsidiário nesse sentido. Ou, quando não,</font><br>
<font>- ser julgada procedente a impugnação dessa mesma compra e venda ao abrigo do art. 157.º do CPEREF e, em consequência o A. condenado a entregar a metade da fracção autónoma em causa à Massa Insolvente para a qual reverterá livre de ónus ou encargos;</font><br>
<font>- com cancelamento dos registos efectuados em consequência da escritura pública de compra e venda ou quaisquer outros que eventualmente se venham a efectuar relativamente ao bem em causa. Quando não procedam todos os pedidos anteriores, então </font><br>
<font>- que seja o A. condenado a pagar à Massa insolvente a quantia de € 220.000, correspondente ao preço da metade da fracção que até então terá adquirido e não pagou ou, no mínimo, € 110.000 (diferença entre o preço real e o declarado como pago).</font><br>
<br>
<font>O A. replicou, alegando que:</font><br>
<font>- a contestação foi apresentada intempestivamente; </font><br>
<font>- a reconvenção é inadmissível, não podendo a Ré invocar a impugnação pauliana por a ela se não referir o documento resolutivo que está na origem da presente acção de impugnação;</font><br>
<font>- má fé processual da Ré;</font><br>
<font>- o valor da reconvenção deveria ser € 110.000,00</font><br>
<br>
<font>A R. treplicou</font><br>
<br>
<font>No despacho saneador (fls. 312) foram decididas as questões que se prendiam com a tempestividade da contestação (considerada tempestiva), admissibilidade da reconvenção (admitida), aplicação da lei no tempo (aplicabilidade do CIRE), inconstitucionalidade (não aceite) e validade formal da resolução (considerando-se ter a mesma sido feita pelo meio próprio).</font><br>
<font>Quanto à caducidade do direito de o Administrador da Massa suscitar a resolução, foi relegado o seu conhecimento para final, porque foi entendido estar dependente do conhecimento da data em que o Administrador teria tido conhecimento dos factos que servem de fundamento à defesa.</font><br>
<br>
<font>Da parte desfavorável do saneador foi interposto recurso pelo A., ora impugnante (fls. 346), que também reclamou quanto ao despacho de condensação (fls. 496).</font><br>
<font>A Ré, por sua vez, pediu esclarecimentos, sobre as razões pelas quais se decidiu relegar para fase posterior o conhecimento quanto à caducidade da resolução (entendendo que havia elementos para desde logo julgar não verificada a caducidade); reclamou ainda quanto à falta de inclusão de factos na base instrutória. (fls. 351 e 354)</font><br>
<br>
<font>O recurso do A. foi admitido como agravo, com subida em separado (fls.554 e </font><br>
<font>No mesmo despacho, foram decididas as reclamações.</font><br>
<font>No decurso da instrução, e uma vez observado o contraditório, foi fixado efeito devolutivo ao agravo. (fls. 761).(1)</font><br>
<font> </font><br>
<font>Efectuada audiência de discussão e julgamento, foram dadas as respostas aos quesitos da base instrutória (fls. 1535) e proferida Sentença em que se decidiu:</font><br>
<font>- julgar improcedente a excepção de caducidade invocada pelo A. quanto à resolução do negócio em prejuízo da Massa (estando por isso o Administrador em tempo para poder resolver o negócio jurídico pelo qual o A. adquirira a ½ da fracção em causa a BB);</font><br>
<font> - julgar no entanto procedente a acção, considerando sem efeito a resolução operada pela carta de fls. 48 e 49 do Administrador da Ré ao A., em que aquele o notificava dessa decisão e improcedente a reconvenção. </font><br>
<font>- absolver a R. do pedido de condenação por litigância de má fé. (fls. 1548- 1565),</font><br>
<br>
<font>Inconformada com a Sentença veio a Ré a recorrer (fls. 1574).</font><br>
<font>O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo. (fls. 1578).</font><br>
<font>Alegou a Ré (fls. 1607) (2) e contra-alegou o A.(fls. 2064).</font><br>
<font>Nas contra-alegações do A. pediu ele também a condenação da Ré como litigante de má fé e ainda, subsidiariamente, para o caso de o recurso proceder, a apreciação dos pedidos subsidiários que formulou na p.i.</font><br>
<b><font>A </font></b><font>Relação</font><b><font> </font></b><font>justificou que não podiam ser apreciadas quaisquer das questões decididas já no saneador; entendeu que não relevavam para o processo as decisões proferidas noutros apensos; decidiu que não podia apreciar a má fé do ex-mandatário do insolvente, a existência de venda litigiosa, a existência de crédito litigioso, a nulidade da cessão da posição contratual e o conhecimento de insolvência iminente, por em linhas gerais, tais matérias não estarem contempladas no acto resolutivo que servia de fundamento à acção. </font><br>
<font> Entendeu também que não podia reeditar-se a questão da não aplicabilidade do art. 123.º do CIRE ao contrato de compra e venda da fracção “E” (porque já tinha havido decisão da Relação que ao caso mandava aplicar o CIRE e não o CPEREF).</font><br>
<font>.</font><br>
<font>Veio então a julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré e improcedente também o pedido formulado pelo A. quanto à condenação daquela como litigante de má fé.</font><br>
<br>
<font>Do Acórdão da Relação voltou a recorrer a Ré, por se mostrar inconformada (fls. 2816), sendo o mesmo admitido como Revista, com efeito devolutivo.</font><br>
<font>Apresentou alegações.(fls. 2820)</font><br>
<font>O A. contra-alegou. (fls. 2839)</font><br>
<font> </font><br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<font>Vamos começar por transcrever as conclusões que a Recorrente-Ré apresentou nas suas alegações de recurso para este Supremo Tribunal, já que, nos termos dos arts. 690.º-1 e 684.º-3 do CPC, é nelas que o recorrente deve condensar e delimitar as questões que pretende ver (re)apreciadas.</font><br>
<font>Assim:</font><br>
<font>“Conclusões </font><br>
<i><font>“1. O art°. 123° do CIRE não exige que a carta registada com aviso de recepção a comunicar a resolução de acto em benefício da massa Insolvente (arts. 120° e segs. do CIRE) discrimine os fundamentos de facto e de direito dessa resolução; </font></i><br>
<i><font>2. Assim, o objecto da acção de impugnação da resolução prevista no art°. 125° do CIRE não é aquilatar da verificação dos fundamentos indicados na carta de resolução mas do preenchimento ou não dos fundamentos dos arts. 120° e 121° do CIRE para a resolução; </font></i><br>
<i><font>3. De qualquer modo, a carta de fls. dirigida pelo Administrador da Insolvência ao R., correctamente interpretada em todo o seu teor e contexto, continha fundamentos suficientes para a resolução decidida; </font></i><br>
<i><font>4. A averiguação cabal da verificação dos fundamentos da resolução decidida (os da lei e mesmo os da carta que a comunicou) carecem da definição da matéria de facto objecto de recurso o qual, assim, tem de ser conhecido também nesta parte; </font></i><br>
<i><font>5. A R. formulou o pedido reconvencional de que o acto aquisitivo em causa nos autos fosse declarado nulo por ser simulado; </font></i><br>
<i><font>6. O pedido reconvencional era possível e, como tal, foi admitido no douto despacho saneador já transitado; </font></i><br>
<i><font>7. A nulidade peticionada é, em acréscimo, de conhecimento oficioso (art°. 286° do CIRE); </font></i><br>
<i><font>8. E essa nulidade ocorre para o acto simulado quer em caso de nulidade absoluta quer relativa (arts. 240°, n.º 2 e 241, n.º 1 do C. Civil) pelo que, para tal declaração, é despiciendo que se tenha invocado uma ou outra; </font></i><br>
<i><font>9. Para o conhecimento da nulidade em causa mais uma vez se torna necessário conhecer previamente da apelação interposta no que concerne à matéria de facto, o que o douto Acordão sob recurso omitiu; </font></i><br>
<i><font>10. Não se suscitou nas alegações da apelação qualquer questão nova de que, por isso, não caiba conhecer; </font></i><br>
<i><font>11. Não pode ser afecto ao pagamento da fracção em causa o valor de honorários estipulado que no doc. de fls. 615 quer no doc. n.º 15 junto com o requerimento de fls, 1099 e segs por os serviços aí indicados não terem sido integralmente prestados, parte dos mesmos terem sido prestados ao abrigo do regime de apoio judiciário e o pagamento de honorários de advogado ser vedado dessa forma quer em geral quer, no caso concreto, nos termos do n.º 2 do art. 65° e 66°, alinea a) do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março (Estatuto da Ordem dos Advogados, em vigor à data dos factos); </font></i><br>
<i><font>12. Não podiam pactuar-se honorários - ainda por cima de € 120.000,00! - com a mera referência a "diversas acções judiciais" sob pena de infracção do disposto n.º 1 do art. 65° do Decreto-Lei n.º 84/84 já citado; </font></i><br>
<i><font>13. Em todo o caso, a questão de não pagamento de € 60.000,00 relativos aos preço da fracção "E" é subsidiária, só cabendo dela conhecer-se depois de se ter decidido da subsistência dessa venda, </font></i><br>
<i><font>14. Acrescendo, ainda, ter que se apreciar o recurso de apelação no que respeita à decisão da matéria de facto pela 1.ª Instância pois parte das respostas aos quesitos da Base Instrutória questionados são relevantes para se decidir sobre a questão do pagamento ou não da totalidade do preço; </font></i><br>
<i><font>15. Quando não conheceu da apelação interposta da decisão da matéria de facto o douto Acórdão sob recurso violou o disposto, entre outros, no art°. 712.° do CPC; </font></i><br>
<i><font>16. Como violou, ainda, o disposto, entre outros, nos arts. 120.°, 123.° e 125.° do CIRE, 240.°, n.º 2, 241.°, n.º 1, 286.°, 289.°, 579.° e 876.° do C. Civil, 514°, n.º. 2, 274.º, n.º1, 677.º do CPC e 65°, n.º1 e 2 e 66°, alinea a) do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março. </font></i><br>
<i><font>Termos em que, e nos do sempre douto suprimento, o presente recurso deve ser julgado procedente e provado e, em consequência, ordenar-se que o processo volte ao Tribunal da Relação de Évora para que o mesmo conheça da apelação relativamente à matéria de facto e que, após definição conscienciosa da que se encontra provada, sobre ela aplique a lei. </font></i><br>
<i><font>Salvo melhor opinião e não obstante a relativa amplitude da potencial ampliação/alteração da matéria de facto que resultará do conhecimento que se omitiu da apelação nesta sede, este Supremo Tribunal poderá já definir (no. 1 do art° 731° do CPC) que a permanência na ordem jurídica da compra e venda em causa depende da verificação dos requisitos do art°. 120° do CIRE (e não "apenas" dos invocados na carta a comunicar a revogação) e que a verificação de simulação na modalidade de interposição de pessoa (a aquisição foi para o pai e não para o A., seu filho) acarreta nulidade do acto de aquisição pelo A. com as consequências decorrentes dessa nulidade.”</font></i><br>
<br>
<font>Da leitura destas conclusões vemos que as questões sobre as quais importa que nos pronunciemos são as seguintes:</font><br>
<font>a) No âmbito de uma acção de impugnação de acto do Administrador de Massa Insolvente que decidiu resolver um negócio em favor da Massa Insolvente com o fundamento de factos conducentes à verificação de simulação absoluta, pode o Administrador introduzir no decurso dessa mesma acção outros factos e outros fundamentos, suporte de novos vícios para, através dessa via, inviabilizar o pedido de impugnação? </font><br>
<font>b) Teria a Relação de reapreciar a matéria de facto impugnada no recurso de Apelação quando se entenda que tais factos respeitam a matéria ou fundamentos não alegados na resolução?</font><br>
<font>c) Análise dos pedidos subsidiários indicados a que se reporta reconvenção, se necessário.</font><br>
<br>
<font>III. Fundamentação</font><br>
<br>
<font>III-A) Os factos</font><br>
<br>
<font>Foram considerados assentes e/ou provados na primeira instância os factos seguintes:</font><br>
<br>
<font>“1- Com data de 2006.10.02, recebida em 2006.10.09, o A. recebeu a notificação junta aos autos com a p.i. como documento 1 da p.i. e cujo teor é o seguinte:</font><br>
<i><font>“Venho pelo presente meio, nos termos do nº 1 do art. 123° do CIRE, resolver a aquisição a que procedeu ao Insolvente BB de 1/2 da fracção autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano registado sob o nº … (16/01/92) na Conservatória do Registo Predial de L… e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da L… sob o art. …, sito na C…, referida freguesia da L…. </font></i><br>
<i><font>A aquisição ora resolvida encontra-se registada a seu favor no referido prédio nº 02853 através da Ap. 57/130603. </font></i><br>
<i><font>A presente resolução funda-se no nº 1 do art. 120° do CIRE sendo certo que, entre outras circunstâncias: </font></i><br>
<i><font>a) A aquisição em causa foi simulada; </font></i><br>
<i><font>b) Não pagou V. EXª. qualquer preço; </font></i><br>
<i><font>c) Houve o intuito deliberado de subtrair a metade da fracção em causa à garantia dos credores do ora Insolvente; </font></i><br>
<i><font>d) Tinha V. EXª. exacto conhecimento da situação do Insolvente uma vez que é filho do Dist. Mandatário do Insolvente à data dos factos. </font></i><br>
<i><font>Em face da resolução a que ora se procede e que opera com a recepção da presente carta registada, deverá V. EXª. entregar-me a metade da fracção “E” em causa até ao próximo dia 31 de Outubro, desocupada de pessoas e bens.”</font></i><font> (al. A dos factos assentes e resp. ques. 87º).</font><br>
<font>2- Em 2003.07.31, o A. e o Insolvente BB celebraram a escritura certificada a fls. 50-57 dos autos e cujo teor é o seguinte: </font><br>
<i><font>“Compras e Vendas</font></i><br>
<i><font>No dia trinta e um de Julho de dois mil e três, no SEXTO CARTÓRIO DE NOTARIAL DE LISBOA, perante mim, Carlos Manuel Alves Costa, ajudante principal do Cartório, designado como primeiro substituto do Notário e investido, portanto, da plenitude das funções notariais, em virtude de o respectivo Notário, Lic. José Joaquim de Carvalho Botelho, se encontrar ausente por motivo de doença, compareceram como outorgantes:</font></i><br>
<i><font>PRlMEIRO:</font></i><br>
<i><font>BB, NIF …, solteiro, maior, natural de M…, residente na R. A… N… F…, n." …, 4.° esq. º Faro. </font></i><br>
<i><font>SEGUNDO:</font></i><br>
<i><font>AA, NIF …, solteiro, maior, natural do B…l, residente na R. M… da M… R… S…, 15. E apartamento …, n…, Q…, S….</font></i><br>
<i><font>TERCEIRO:</font></i><br>
<i><font>Dr. J… C… de A… V…, casado, natural de Lisboa, freguesia de S. Jorge de Arroios, residente na R. de P…, n…, …° andar, em F…</font></i><br>
<i><font>Intervém na qualidade de procurador, com os necessários poderes para o acto, em representação das seguintes sociedades: </font></i><br>
<i><font>a) M… P… L…, com sede em B… A…, T.. B…,S... S…, I… G…, G…, I… C…, R…. U…, NIPC…; e de </font></i><br>
<i><font>b) M... L…, sociedade por quotas constituída de acordo com a lei Reino Unido, com sede em C… H…, C… H…, F…, H…, P0…, Reino Unido, NIPC …….. </font></i><br>
<i><font> Verifiquei a identidade dos outorgantes por exibição dos seus bilhetes de identidade, respectivamente, números: …, de … de … de 2000; … de … de … de 2003; e …., de … de … de …, emitidos pelos S.I.C., o primeiro e o terceiro em Faro e o segundo em Lisboa. </font></i><br>
<i><font>DISSE O PRIMEIRO OUTORGANTE:</font></i><br>
<i><font>1. Que vende pelo preço já recebido de cento e dez mil euros ao segundo outorgante, AA, metade da fracção autónoma individualizada pela letra "E", correspondente ao RÉS-DO-CHÃO NO SENTIDO NORTE SUL - APARTAMENTO DUPLEX DESIGNADO PELO N.o…, do prédio urbano sito em C…, freguesia e concelho de L…, descrito na Conservatória do Registo Predial de L…, sob o número D… M… O…. E C… E T… da dita freguesia, registado a favor do vendedor, quanto à dita metade da fracção transmitida, a que corresponde a descrição subordinada d… m… o… e c…. e t…, nos termos da inscrição …., afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição …, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo …, com o valor patrimonial, correspondente à metade da fracção transmitida, de 19.467,€. </font></i><br>
<i><font>Que sobre esta indicada fracção incidem sete penhoras registadas na respectiva Conservatória do Registo Predial pelas inscrições F-um, F-dois,F-três, F-seis, F-sete, F-oito, e F-nove, e duas hipotecas registadas pelas inscrições C-um e C-dois, cujos cancelamentos se encontram, todavia assegurados.</font></i><br>
<i><font>2. Que vende pelo preço já recebido de cento e trinta e cinco mil euros à representada do terceiro outorgante, M… P… L…, a fracção autónoma individualizada pela letra "A", correspondente ao RES-DO-CHÃO NO SENTIDO NORTE SUL - APARTAMENTO DUPLEX DESIGNADO PELO N.O 1, do prédio urbano sito em C…, freguesia e concelho de L…, e descrito na Conservatória do Registo Predial de L…, sob o número D.. M… OS E C… E T… da dita freguesia, registado a favor do vendedor, quanto à dita metade da fracção transmitida, a que corresponde a descrição subordinada d… m.. o… e c… e três-A, nos termos da inscrição G-um, afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição F-dois, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo …, com o valor patrimonial, correspondente à metade da fracção transmitida, de 19.467,33€ </font></i><br>
<i><font> E que sobre esta indicada fracção incidem cinco penhoras registadas na respectiva Conservatória do Registo Predial pelas inscrições F-um, F-três,F-seis, F-oito, e F-nove, e duas hipotecas registadas pelas inscrições C-um e C-dois, cujos cancelamentos se encontram, todavia, assegurados.</font></i><br>
<i><font> 3. Que vende pelo preço já recebido de noventa e cinco mil euros à representada do terceiro outorgante, M… L…, metade da fracção autónoma individualizada pela letra "F", correspondente ao PRIMEIRO E ANDAR, NO SENTIDO NORTE SUL - APARTAMENTO DESIGNADO PELO N. 6 do prédio urbano sito em C…, freguesia e concelho de L…, descrito na Conservatória do Registo Predial de L…, sob o número D… M… O… E C.. E T… da dita freguesia, registado a favor do vendedor, quanto à dita metade da fracção transmitida, a que corresponde a descrição subordinada dois mil oitocentos e cinquenta e três-F, nos termos da inscrição G-um, afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição F-dois, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo …, com o valor patrimonial, correspondente à metade da fracção transmitida, de 13.198,19 Euros.</font></i><br>
<i><font> Que sobre esta indicada fracção incidem quatro penhoras registadas na respectiva Conservatória do Registo Predial pelas inscrições F-um, F-três, F-cinco e F-seis, e duas hipotecas registadas pelas inscrições C-um e C-dois, cujos cancelamentos se encontram, todavia, assegurados.</font></i><br>
<i><font>DISSERAM OS SEGUNDO E TERCEIRO OUTORGANTES, NAS SUAS RESPECTIVAS QUALIDADES:</font></i><br>
<i><font> Que, na parte que a cada um respeita, aceitam as vendas, nos termos exarados.</font></i><br>
<i><font>DECLARARAM AINDA OS OUTORGANTES, SOB SUA EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE:</font></i><br>
<i><font> Que , para cumprimento do disposto no artº 2º da Lei nº 14/2003, de 30 de Maio, que altera o CIMSISSD, afirmam , efectivamente , que com referência ás presentes transmissões, não foi celebrado entre todos os interessados, quaisquer contratos de promessa de compra e venda. </font></i><br>
<i><font>ASSIM O OUTORGARAM.</font></i><br>
<i><font> Exibiram os seguintes documentos: </font></i><br>
<i><font>a) Certidão passada pela dita Conservatória, em 12 de Fevereiro de 2003, comprovativa das menções registrais; </font></i><br>
<i><font>b) Três fotocópias de certidões, passadas pelo Serviço de Finanças de Lagoa,em 7 e 8 de Novembro de 2002, comprovativa das menções fiscais; </font></i><br>
<i><font>c) Alvará de licença de utilização n. o 333/2002, passado pela Câmara Municipal de Lagoa, em 22 de Novembro de 2002, respeitante ao identificado prédio. </font></i><br>
<i><font>Arquivo, no maço de documentos deste livro: </font></i><br>
<i><font>a) Fotocópias de duas procurações, uma delas acompanhada a respectiva tradução, comprovativas da qualidade e suficiência de poderes de que se arroga o terceiro outorgante; </font></i><br>
<i><font>b) Três conhecimentos de sisa, respectivamente, n. s 1066/836, 1066/856 e 1066/853, emitidas a primeira em 25 de Julho e as restantes em 29 de Julho todas do ano corrente, pelo referido Serviço de Finanças. </font></i><br>
<i><font>Fiz aos outorgantes, em voz alta e na presença simultânea de ambos, a leitura a explicação do conteúdo desta escritura.(</font></i><font>al. B dos factos assentes).</font><br>
<font>3- No acto notarial referido em 2 estiveram presentes:</font><br>
<font>- BB, como vendedor;</font><br>
<font>- AA;</font><br>
<font>- J… C… de A… V…, Advogado em representação de:</font><br>
<font> a) M… P…. L….</font><br>
<font> b) M… L…., também como compradoras (al. C dos factos assentes).</font><br>
<font>4- O vendedor BB, naquele acto, declarou quanto ao preço que já o havia recebido (al. D dos factos assentes).</font><br>
<font>5- Em 1 de Novembro de 2002 foi celebrado entre o ora insolvente com o Pai do A. um contrato de prestação de serviços. </font><br>
<i><font>“Ref.a: "Prestação de Serviços de Advocacia" </font></i><br>
<i><font> Exmo Senhor, </font></i><br>
<i><font>Tendo em vista anteriores contactos e reuniões, e, após a análise da situação relativa ao empreendimento da "C…", informo o seguinte: </font></i><br>
<i><font>Após a revogação da procuração efectuada ao seu procurador, abre-se agora uma nova questão e que dificilmente será resolvida sem o recurso à via judicial. </font></i><br>
<i><font>Assim, estou já a preparar uma acção para instaurar no Tribunal Judicial de Portimão, onde se irá requerer que o Tribunal declare que o contrato que o Sr. M.. F… celebrou com os herdeiros da sua ex-sócia, lhe pertence a si, onde se irá demonstrar que ele actuou por ordens e instruções suas e liquidou tais valores com dinheiro proveniente das vendas que realizou do seu empreendimento.</font></i><br>
<i><font>Naturalmente que se houver lugar ao reembolso de quaisquer valores que tenha despendido, o Tribunal irá quantificar tal valor. </font></i><br>
<i><font>A par disso, poderá haver a necessidade de nomeação de um administrador judicial para que as escrituras sejam realizadas e os promitentes-compradores não sejam prejudicados. </font></i><br>
<i><font>Neste caso, o produto das vendas, poderá ficar cativo até à decisão no processo principal.</font></i><br>
<i><font>Poderemos também ter de recorrer e vamos certamente avançar rapidamente com a acção de prestação de contas do mandato que ele teve até 15 de Outubro de 2002.</font></i><br>
<i><font>E, teremos de avançar rapidamente porque imagino que o Advogado dele possa, com este "silêncio", tentar fazer alguma “Jogada" pelo facto de ter no contrato a cedência, do crédito de penhora a seu favor! </font></i><br>
<i><font>Assim, irei preparar as acções judiciais e irei dar entrada no Tribunal Judicial em Portimão no decurso da próxima semana e se por hipótese existir alguma possibilidade de acordo, desistiremos dos processos -o que não acredito mas tudo pode acontecer. </font></i><br>
<i><font>Assim, tendo em vista o trabalho a desenvolver em tais acções ou outras eventualmente conexas, bem como a sua complexidade, e tempo a despender, cobro de V. Sa. o valor de € 49.879,79 a que acresce o Iva à taxa legal, cujo montante foi aliás sugerido por V.Sa. </font></i><br>
<i><font>Este será compensado com o valor a liquidar por "H… da S… P… F…", cujo contrato promessa de compra e venda foi nesta data celebrado e a quem cedo o crédito acima mencionado”</font></i><font> (al. E dos factos assentes e resp. ques. 6º).</font><br>
<font>6- No dia 2004.12.04, convocada pelo então vendedor e construtor BB, teve lugar no apartamento 5, ora em causa, assembleia de condóminos, na qual foi lavrada a primeira acta do condomínio do prédio em causa, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:</font><br>
<i><font>“…A assembleia foi convocada pelo construtor vendedor – BB … teve lugar no apartamento 5…”</font></i><br>
<i><font>“…Encontram-se presentes os condomínios, comproprietários das seguintes fracções: Fracção “E”, representada pelo Sr. AA…”</font></i><br>
<i><font>“…Aberta a sessão ficou a presidir à assembleia o Sr. BB, ficando a secretariar os trabalhos o condómino da fracção E – AA…”</font></i><br>
<i><font>“…Nomear o Sr. A.. C… S… … sendo coadjunto no cargo na parte administrativa pelo condómino da fracção “E” AA”.</font></i><br>
<i><font>“…A movimentação da conta a débito carece de duas assinaturas sendo uma do condómino AA…”.</font></i><font> (al. G dos factos assentes).</font><br>
<font>7- A reunião referida em 6 teve lugar na fracção “E” apenas porque era a única fracção que tinha mesas e cadeiras para tal efeito (resp. ques. 88º).</font><br>
<font>8- O A. e H… da S… P… F… são filhos do ex-Mandatário do Insolvente, Dr. S… F… (al. H dos factos assentes).</font><br>
<font>9- Para garantia de pagamento da dívida de € 824.174,64 à família Q…, incidia penhora sobre diversas fracções do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de L… sob o nº …, freguesia e Lagoa, entre as quais a fracção “E”, em causa nos autos, e a fracção”G” (al. I dos factos asentes).</font><br>
<font>10- Quando em 2002 o pai do A. conheceu o BB, o apartamento 7 encontrava-se inacabado (resp. ques. 4º).</font><br>
<font>11- O pai do impugnante teve uma moradia em Vilamoura (resp. ques. 5º).</font><br>
<font>12- A família do Dr. S… F… propôs-se comprar a fracção “G”, ficando esta em nome do H… F…, sendo parte do preço paga em dinheiro e outra parte em honorários relativos aos serviços que o Dr. S… ia prestar ao BB (resp. ques. 50º e 52º).</font><br>
<font>13- Em 2003.06.13, H… F… registou provisoriamente a aquisição de metade da fracção “G”, registo esse que foi convertido em 2003.06.26 e ainda se mantinha em vigor em Outubro de 2006 (al. J dos factos assentes).</font><br>
<font>14- O insolvente BB, por força do contrato promessa de compra e venda celebrado em 2002.11.01 com o H… F… e junto com a p.i. como nº 3, recebeu o valor que pretendia de 10.000 contos, através de 2 cheques (resp. ques. 7º).</font><br>
<font>15- E conseguiu ainda, através do acordado nos dois últimos parágrafos do documento referido em 5, o pagamento de honorários mencionados no dito documento, forma de pagamento aliás proposta pelo próprio insolvente (resp. ques. 8º)</font><br>
<font>16- O preço do contrato celebrado quanto à totalidade da fracção “G” (apartamento 7) foi liquidado através de um cheque de € 24.879,79, de um cheque de € 25.000 e da cessão do crédito a que se refere o documento junto com a p.i. com o nº “4”, no valor de € 49.879,79; (resp. ques. 9º).</font><br>
<font>17- No dia 2003.05.28, foi celebrado contrato promessa de compra e venda com permuta, através do qual, o insolvente BB, acordou com H… da S… P… F…, permuta de fracções, pela qual o contrato celebrado quanto à fracção “G” – Apartamento n.º 7, passava a referir-se ao apartamento 5, correspondente à fracção “E”, do mesmo prédio, n | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7TIYvIYBgYBz1XKvFpEC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
O Banco Comercial Português, S.A., instaurou contra A acção com processo especial para declaração de insolvência prevista no artigo 1313 do Código de Processo Civil, alegando que o Réu não era comerciante, que contra ele havia duas execuções que não foram embargadas e que ele autor era credor do requerido pela importância de 261423491 escudos, crédito este que resulta de livranças avalizadas pelo mesmo e que não foram pagas.<br>
O requerido foi declarado em estado de insolvência no respectivo processo.<br>
Recorreu, porém, e, na Relação do Porto, por se entender que os avales prestados pelo requerido eram resolúveis em benefício da massa, ficando, por isso, o banco apelado sem qualquer interesse no pedido de insolvência, faltando-lhe portanto o interesse em agir, em demandar, que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, foi dado, provimento ao recurso e revogada a sentença declaratória da insolvência, sendo o banco considerado parte ilegítima.<br>
Pede, revista o requerente da insolvência formulando, na respectiva minuta, as conclusões seguintes:<br>
1- A questão jurídica, substancial, da acção consiste em saber se deve ou não ser declarada a insolvência do recorrido;<br>
2- A causa de pedir da acção é a prevista nos artigos<br>
1314 e seguintes do Código de Processo Civil;<br>
3- E o pedido consiste na declaração de insolvência do recorrido;<br>
4- É ilegítimo apreciar nesta acção por não ter sido pedido na acção e neste recurso por estar delimitado à questão da ilegitimidade, as consequências para o recorrente da eventual equiparação do aval à fiança;<br>
5- O interesse em demandar não tem necessariamente de ser de ordem material;<br>
6- O interesse do recorrente em demandar é relevante, artigo 26, n. 3 do Código de Processo Civil por consistir no direito que lhe confere o artigo 1314 e seguintes desse Código, não havendo na lei indicação em contrário.<br>
Foram violados pelo Acórdão recorrido os artigos 26,<br>
1200 e 1314 do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado.<br>
Contra alegou o recorrido pugnando pela manutenção do<br>
Acórdão.<br>
Vistos corridos cumpre decidir.<br>
Os factos provados são os seguintes:<br>
O requerido não é comerciante.<br>
Estão pendentes contra o requerido duas execuções que não foram embargadas.<br>
O requerido subscreveu na qualidade de avalista as seguintes livranças: 93186000 escudos, com vencimento em 31 de Janeiro de 1991; 103737491 escudos, com vencimento em 31 de Janeiro de 1991; 9000000 escudos, com vencimento em 17 de Outubro de 1990; 9000000 escudos, com vencimento em 17 de Novembro de 1990;<br>
6500000 escudos, com vencimento em 15 de Novembro de<br>
1990; 8000000 escudos, com vencimento em 31 de Outubro de 1990; 14000000 escudos, com vencimento em 20 de<br>
Novembro de 1990; 8000000 escudos, com vencimento em 20 de Novembro de 1990; 5000000 escudos, com vencimento e<br>
15 de Dezembro de 1990.<br>
E fê-lo porque era accionista e administrador da sociedade de Sipsi - Sociedade Portuguesa de Sistemas de Informática, S.A. que também as subscreveu.<br>
As livranças ainda não foram pagas.<br>
Em cada operação de financiamento efectuada com a subscritora das livranças em causa, o requerente sempre pôs como única condição para a sua aprovação, a prestação de aval por parte dos administradores da subscritora.<br>
A única questão a resolver consiste em saber se o ora recorrente podia requerer a insolvência, se tinha para tanto legitimidade.<br>
Dispunha o artigo 1313 do Código de Processo Civil que o devedor não comerciante podia ser declarado em estado de insolvência quando fosse inferior ao passivo, o activo do seu património, presumindo-se a insolvência - artigo 1314, alínea a) - quando contra o devedor pendessem duas execuções não embargadas.<br>
O credor que pretenda a declaração da insolvência - dispunha o artigo 1317 - deduzirá os fundamentos do pedido, justificando a existência do seu crédito e oferecendo logo as provas.<br>
Foi o que fez o ora recorrente.<br>
À insolvência eram aplicáveis, conforme dispunha o artigo 1315, as disposições das subsecções anteriores, na parte não relacionada com o exercício da profissão de comerciante e salvo o prescrito nos artigos seguintes.<br>
Daí que, como se diz no Acórdão recorrido, seja aplicável ao processo de insolvência a doutrina do artigo 1200, pois que neste preceito legal nada se prescreve que esteja relacionado com a profissão de comerciante.<br>
Mas, além desse, outros preceitos da falência eram de aplicar à insolvência, como decorria do artigo 1315.<br>
Nomeadamente, era aplicável à insolvência a alínea a) do n. 1 do artigo 1176, ou seja, o Tribunal podia declarar a insolvência a requerimento de qualquer credor, ainda que preferente e fosse qual fosse a natureza do seu crédito.<br>
Tinha pois, legitimidade para requerer a insolvência qualquer credor independentemente da natureza do seu crédito.<br>
O que relevava era a qualidade de credor e não a espécie do seu crédito.<br>
Preceito idêntico consta actualmente do Decreto-Lei<br>
132/93 que, digo actualmente do Código dos Processos<br>
Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência, aprovado pelo DL 132/93; é o seu artigo 8, n. 1.<br>
No momento em que requereu a falência tinha, pois, o ora recorrente, legitimidade para tal, visto ser credor do requerido e ora recorrido.<br>
O facto de o seu crédito poder, porventura, vir a ser considerado ineficaz, nos termos do artigo 1200, n. 1, alínea b) do Código de Processo Civil, como facto futuro que era - depois de declarada a insolvência - não podia conduzir à conclusão de que ele recorrente era parte ilegítima para pedir o que pediu.<br>
Acresce que nada permite que se entenda que cabe em tal preceito o aval, apesar da natureza deste ser semelhante à fiança.<br>
Tem o aval particularidades que bem o distinguem da fiança.<br>
E há que atender à natureza dos títulos de crédito - sua literalidade, abstracção da obrigação, independência recíproca das várias obrigações incorporadas no mesmo e autonomia do direito do portador - e garantia que é dada aos seus legítimos portadores que não pode ser prejudicada por se entender que, afinal, um avalista é um fiador e que, portanto, na falência, um crédito fundamentado num aval é resolúvel em beneficio da massa.<br>
Se se entendesse que o aval era resolúvel em beneficio da massa, ter-se-ia dito isso expressamente até porque a doutrina se dividia sobre a natureza daquele, o que o legislador se tem de presumir que sabia.<br>
Sousa Macedo no seu Manual de Direito das Falências diz precisamente a página 233 do Volume II que "Mesmo entendendo que (o aval) é uma forma particular de fiança, mesmo assim parece-nos que o preceito (artigo<br>
1200 n. 1- c)) não lhe é aplicável por exigência da segurança que deve oferecer o titulo cambiário, de que<br>
é significativo reflexo o artigo 32, segunda parte, da<br>
Lei Uniforme - principio da independência do aval...".<br>
A lei actual sobre a falência, cujo legislador não desconhecia o problema em análise, no seu artigo 158 alínea e) diz que se presume de má fé a fiança, subfiança...em que o falido haja outorgado nos dois anos anteriores à abertura do processo conducente à falência...<br>
Não se fala no aval, nem que ele possa ser resolvido em beneficio da massa.<br>
Em conclusão: na alínea b) do n. 1 do artigo 1200 do<br>
Código de Processo Civil, não se enquadra directamente, ou por analogia, o aval apesar de ele ser semelhante à fiança.<br>
Sem necessidade de maiores desenvolvimentos conclui-se pois que o recorrente tinha legitimidade para requerer a insolvência.<br>
Concede pois a revista revoga-se o Acórdão recorrido mantendo-se a decisão da primeira instância.<br>
Custas pelo recorrido.<br>
Lisboa, 26 de Abril de 1994.<br>
Carlos Caldas.<br>
Correia de Sousa.<br>
Cura Mariano.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MzKUu4YBgYBz1XKvdB7g | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> Revista nº 147/13.3TVPRT-A.C1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a></p><div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
<font> </font>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><font> I— RELATÓRIO </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>AA – ... Lda, </font></b><font>com sede em ..., ..., apresentou nos Juízos Cíveis do Porto requerimento de injunção de pagamento europeu, contra </font><b><font>BB, </font></b><font>com sede em ..., ..., ..., França, ao abrigo do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/12/2006, com vista a obter da requerida a quantia de 27.981,68€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a título de pagamento do preço de bens que lhe forneceu.</font>
</p><p><font>Citada, a requerida deduziu oposição alegando, no essencial, o cumprimento defeituoso do contrato por parte da autora, traduzido na entrega tardia dos bens encomendados (cartões para acondicionamento de garrafas de vinho), e na desconformidade das dimensões e recortes dos cartões.</font>
</p><p><font>O Sr. Juiz da 1ª Vara Cível do Porto proferiu despacho a considerar que a dedução da oposição importava o termo do procedimento europeu de injunção de pagamento, implicando a passagem automática da acção para a forma de processo comum, e ordenou a remessa do processo para a comarca de Águeda por ser a competente para a subsequente tramitação.</font>
</p><p><font>Neste tribunal, foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a competência internacional do tribunal, em face do disposto no art. 6.º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu, e arts. 2.º e 5.º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22/12/2000.</font>
</p><p><font>As partes pronunciaram-se, em sentidos diferentes. A autora defendeu a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do pedido, e a ré sustentou a incompetência internacional dos mesmos, devendo consequentemente ser absolvida da instância.</font>
</p><p><font>Foi de seguida proferido despacho que julgou o Tribunal de Águeda competente internacionalmente para a acção, e designou dia para a realização do julgamento.</font>
</p><p><font>Inconformada, a ré apelou desse despacho, mas sem êxito porquanto a Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 8/04/14 (fls. 114 a 119), por unanimidade, confirmou a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Foi a vez de pedir revista, onde conclui:</font>
</p><p><font>A - A Recorrente tem sede em França; </font>
</p><p><font>B - foi notificada no âmbito de um procedimento de injunção de pagamento europeu; </font>
</p><p><font>C - A Recorrente tempestivamente apresentou a sua oposição ao referido procedimento nos termos do art.º 16.º do Regulamento {CE) 1896{2006; </font>
</p><p><font>D - Na referida oposição alegou diversos factos que obstavam ao pagamento à A./ Recorrida; </font>
</p><p><font>E - O contrato cujo cumprimento se discute deveria ter sido cumprido pela A./Recorrida com a entrega de mercadoria em França, na sede da Recorrente: </font>
</p><p><font>F - Não foi estipulado foro para a resolução de litigio, nem a R. tem qualquer presença em Portugal; </font>
</p><p><font>G - A Recorrente após notificação levada a cabo pela Mma Juiz A Quo para se pronunciar sobre a incompetência internacional desse tribunal alegou a referida excepção pugnando no sentido de ser a mesma procedente por provada com absolvição da R. da instância; </font>
</p><p><font>H - Não é pelo facto de a R., ora Recorrente, não ter alegado a excepção de incompetência internacional na sua oposição ao processo europeu de injunção de pagamento que a mesma não deva ser reconhecida, quando alegada pela Recorrente, e/ou declarada oficiosamente; </font>
</p><p><font>I - O Acórdão Recorrido ao não declarar o Tribunal Português incompetente internacionalmente violou o prescrito no art.º 96.º al.ª a e 97.º, ambos, do C.P.C e o art.º 6 do Regulamento {CE) 1896/2006 conjugado com o art.º 2.º do Regulamento {CE) 44/2001; </font>
</p><p><font>J - Não foi tal excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses alegada em sede de oposição ao procedimento europeu de injunção de pagamento, mas a tal não era obrigada (vide ac. do TJUE de 13 de Junho de 2013 ª Secção, no âmbito do processo C-144/12,</font><i><font>Goldbet Sportwetten GmbH vs Massimo Sperindeo</font></i><font>); </font>
</p><p><font>K- Nem tal falta de alegação conjugada com defesa da parte sobre o mérito da causa poderá ser considerada como uma comparência nos Tribunais Portugueses para os efeitos do art.º 24.º do Regulamento 44/2001., vide parágrafo 41ª do Acórdão proferido no âmbito do processo C- 144/12, </font><i><font>Goldbet Sportwetten GmbH vs Massimo Sperindeo</font></i><font>; </font>
</p><p><font>L - Em suma “… O artigo 6." do Regulamento n.º 1896/2006, tido em conjugação com o artigo 17.º deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que uma oposição à injunção de pagamento europeia que não contenha uma contestação da competência do tribunal do Estado-Membro de origem não pode ser considerada como uma comparência, na aceção do artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001, e que a circunstância de o requerido ter formulado, no âmbito da oposição que deduziu, alegações sobre o mérito da causa é desprovida de pertinência a este respeito.”: </font>
</p><p><font>M - A ora Recorrente alegou a referida excepção de incompetência absoluta do Tribunal A Quo, tempestivamente, atento que no processo em causa o poderia ter feito até ao trânsito em julgado da decisão sobre o fundo da causa nos termos do art.º 97.º n.º 1 do C.P.C.; </font>
</p><p><font>N - A excepção em causa é também do conhecimento oficioso nos termos do art.º 578º do Código Civil; </font>
</p><p><font>O - Ao não se pronunciar sobre o não conhecimento oficioso do Juízo de Pequena e Média Instância Cível de Águeda o Acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no art.º 615.º nº1 alª. d) ex vi artº 674.º nº1 alª c) ambos do C.P.C.; </font>
</p><p><font>P - Caso esse não seja o entendimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS, Acórdão ora recorrido no modesto entendimento da Recorrente, ao aplicar o principio da concentração da defesa, equiparando para tal facto a oposição em sede de processo de europeu de injunção à primeira defesa da Recorrente em processo pátrio e por via disso considerando a mesma como comparência nos termos e para os efeitos do art.º 24.º do Regulamento (CE) 44/2001 interpretou erroneamente o disposto no art.º 17.º do Regulamento {CE} 1896/2006 porquanto atribuiu efeitos inexistentes à luz do referido regulamento do Processo Europeu de Injunção pelo que deverá ser revogado; </font>
</p><p><font>Q - Ao efetuar a referida equiparação da oposição em sede processo Europeu de Injunção com a primeira defesa em sede de Direito pátrio, no modesto entendimento da Recorrente, violou o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que se alega para todos os efeitos legais daí decorrentes; e </font>
</p><p><font>R - A recorrente deverá ser considerada como tendo comparecido apenas e exclusivamente para alegar a excepção de incompetência dilatória dos Tribunais Portugueses. </font>
</p><p><font>Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de VOSSAS EXCELÊNC1AS, deverá o Douto Acórdão ora recorrido ser declarado nulo por omissão de pronúncia sobre a obrigatoriedade do Tribunal de 1ª Instância conhecer oficiosamente da sua incompetência internacional do presente pleito nos termos do disposto do artº 97º conjugado com o art.º 615º n.º 1 alª. d) e com o art. ex vi art. 674º nº 1 alª c} ou caso esse não seja o entendimento de VOSSAS EXCELÊNCIAS revogar o Acórdão ora recorrido com consequente procedência da excepção de incompetência absoluta ser julgada dos Tribunais Portugueses com reflexa absolvição da R. da instância, tudo nos termos conjugados dos artigos 96º alª a) e 99.º do C.P.C.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A recorrida não contra-alegou </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> – por diante NCPC.</font>
<p><font>São as seguintes as questões suscitadas:</font>
</p><p><font>a) Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;</font>
</p><p><font>b) Se o Tribunal da Comarca do Baixo Vouga - Águeda é ou não internacionalmente competente para conhecer do litígio;</font>
</p><p><font>c) Se a decisão recorrida violou o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><b><font> </font></b></p><div><br>
<b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>DE FACTO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os factos relevantes para a solução do recurso são os descritos no relatório que antecede.</font>
</p><p><font>Além desses, importa considerar que:</font>
</p><p><font>- o contrato de compra e venda (internacional) celebrado entre as partes tinha por objecto mercadoria a entregar pela requerente/recorrida à requerida/recorrente em França (cfr. doc. fls. 59);</font>
</p><p><font>- os presentes autos iniciaram-se com a apresentação de requerimento de injunção de pagamento europeu, no formulário normalizado A, a que se reporta o n.º 1, do art. 7.º do Regulamento (CE) n.º 1896/2006, como consta a fls. 27/34;</font>
</p><p><font>- a requerida/recorrente deduziu oposição através do formulário normalizado F, a que se reporta o n.º 1, do art. 16.º do Regulamento (CE) n.º 1896/2006, como consta a fls. 42/43.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A) </font><u><font>Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Invoca a recorrente que alegou tempestivamente na 1ª instancia e na apelação a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, excepção essa também do conhecimento oficioso nos termos do art. 578.º do NCPC.</font>
</p><p><font>Ao não se pronunciar sobre o não conhecimento oficioso do Juízo de Pequena e Média Instância Cível de Águeda o Acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no art. 615.º, nº 1, al. d), </font><i><font>ex vi</font></i><font> art. 674.º, nº 1, al. c) do mesmo Código. </font>
</p><p><font>Não lhe assiste razão, e passamos a explicar.</font>
</p><p><font>Como proémio diremos que das peças processuais que até nós chegaram extrai-se que o conhecimento da excepção no Tribunal da 1ª instância foi de carácter oficioso. Essa indicação está expressa nos despachos de 29/05/13 e de 28/10/13, e foi precedido da audição prévia das partes, na observância do comando estabelecido no art. 3.º, nº 3 do CPC à data vigente. </font>
</p><p><font>Mas para lá disso, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d) – primeira parte – do NCPC é a omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas. </font>
</p><p><font>Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 608.º, nº 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Verifica-se, por regra, estar instalada a confusão que se estabelece entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.</font>
</p><p><font>Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 608.º, nº 2 e 615.º, nº 1, al. d), do NCPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Analisando a apelação sobre este enfoque, constata-se que a recorrente alegou, nas conclusões L) e M), a referida excepção de incompetência absoluta do tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, atento que no processo em causa o poderia ter feito até ao início da audiência de julgamento, e que a excepção em causa era também de conhecimento oficioso.</font>
</p><p><font>Sabido que são as conclusões das alegações do recurso que limitam o respectivo objecto, constata-se que o acórdão recorrido, devidamente fundamentado, claramente se pronunciou sobre a questão suscitada pela apelante. Deste jeito encerrou a sua análise: </font>
</p><p><font>“</font><i><font>Citada para deduzir oposição ao requerimento de injunção, a Recorrente opôs-se ao pedido, alegando cumprimento defeituoso do contrato por parte da Autora, mas sem ter suscitado a incompetência internacional dos tribunais portugueses. Esta atitude consubstancia, como bem decidiu a decisão recorrida, a aceitação tácita da competência dos tribunais portugueses nos termos do art. 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001.</font></i>
</p><p><font>(...)</font><i><font> a Ré ao apresentar-se a contestar o pedido, não podia deixar de alegar a excepção de incompetência internacional do tribunal, por não o poder fazer posteriormente, e sob pena, não o fazendo, de se considerar tacitamente aceite a extensão da competência do tribunal.</font></i><font> “.</font>
</p><p><font>Isto é, apreciou-se e decidiu-se na decisão recorrida a aceitação tácita da competência internacional dos tribunais portugueses nos termos do art. 24.º do Regulamento (CE) nº 44/2001. </font>
</p><p><font>Importa, todavia, salientar que este Regulamento estatui no art. 25.º, nº 1, que “</font><i><font>o juiz de um Estado-Membro, perante o qual tiver sido proposta, a título principal, uma acção relativamente à qual tenha competência exclusiva um tribunal de outro Estado-Membro por força do art. 22.º, declarar-se-á oficiosamente incompetente</font></i><font>”, e no art. 26.º, nº 1, que “ </font><i><font>quando o requerido domiciliado no território de um Estado-Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado-Membro e não compareça, o juiz declarar-se-á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições do presente regulamento</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Da conjugação destes normativos resulta que, nos casos que caiem na alçada do Regulamento, o juiz só está obrigado a oficiosamente conhecer e a declarar a incompetência internacional nas situações de competência exclusiva de um tribunal de um Estado-Membro e nas situações em que o réu domiciliado num Estado-Membro for demandado perante um tribunal de um outro Estado-membro e não compareça.</font>
</p><p><font>Portanto, fora de tais situações, e nenhuma delas ocorre no caso em apreço, no âmbito de aplicação do Regulamento, a incompetência internacional não é de conhecimento oficioso.</font>
</p><p><font>Como quer que seja, e concluindo, não incorreu o acórdão revidendo na sugerida nulidade de omissão de pronúncia “</font><i><font>ex-vi</font></i><font>” do disposto no art. 615.º, nº 1, al. d), do NCPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B) </font><u><font>Se o Tribunal da Comarca do Baixo Vouga - Águeda é ou não internacionalmente competente para conhecer do litígio </font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como referido, a questão a decidir traduz-se em determinar se o Tribunal Judicial da Comarca do Baixo Vouga – Águeda – Juízo de Média e Pequena Instância Cível é internacionalmente competente para dirimir o pleito, tal como a autora o delineou.</font>
</p><p><font>Argumenta a recorrente, no essencial, ter a sua sede em França, tempestivamente ter apresentado a sua oposição ao procedimento de injunção de pagamento europeu nos termos do art. 16.º do Regulamento (CE) 1896/2006, onde alegou diversos factos que obstavam ao pagamento à recorrida.</font>
</p><p><font>O contrato cujo cumprimento se discute deveria ter sido cumprido pela recorrida com a entrega de mercadoria em França, não foi estipulado foro para a resolução de litigio, nem a recorrente tem qualquer presença em Portugal.</font>
</p><p><font>Após notificação levada a cabo pela Mma Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> para se pronunciar sobre a incompetência internacional desse tribunal, a recorrente alegou a referida excepção pugnando no sentido de ser a mesma procedente, e o acórdão recorrido ao não declarar o Tribunal Português incompetente internacionalmente violou o prescrito no art. 96.º al. a) e 97.º, ambos, do CPC e o art. 6.º do Regulamento {CE) 1896/2006 conjugado com o art. 2.º do Regulamento {CE) 44/2001. </font>
</p><p><font>Não foi tal excepção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses alegada em sede de oposição ao procedimento europeu de injunção de pagamento, mas a tal não era obrigada (vide ac. do TJUE de 13 de Junho de 2013 ª Secção, no âmbito do processo C-144/12,</font><i><font>Goldbet Sportwetten GmbH vs Massimo Sperindeo</font></i><font>); </font>
</p><p><font>Nem tal falta de alegação conjugada com defesa da parte sobre o mérito da causa poderá ser considerada como uma comparência nos Tribunais Portugueses para os efeitos do art. 24.º do Regulamento 44/2001., vide parágrafo 41ª do Acórdão proferido no âmbito do processo C- 144/12, </font><i><font>Goldbet Sportwetten GmbH vs Massimo Sperindeo</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>A acção iniciou-se em 22/02/13, nos Juízos Cíveis do Porto, com a apresentação de um requerimento de injunção de pagamento europeu, no formulário normalizado A a que se reporta o n.º 1, do art. 7.º do Regulamento (CE) n° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/06, pretendendo a autora receber da ré a quantia de 27.981,68€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a título de pagamento do preço dos bens que lhe forneceu.</font>
</p><p><font>O Regulamento (CE) n° 1896/2006, que teve por objectivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento, e permitir a livre circulação das injunções de pagamento europeias em todos os Estados-Membros, é aplicável em matéria civil e comercial, entendendo-se por caso transfronteiriço “</font><i><font>aquele em que pelo menos uma das partes tem domicílio ou residência habitual num Estado-Membro distinto do Estado-Membro do tribunal demandado </font></i><font>“ (cfr. arts. 1.º, 2.º, nº 1 e 3.º, n° 1)</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Nesse contexto, dispõe o art. 12.º, nº 3 deste Regulamento que “</font><i><font>na injunção de pagamento europeia, o requerido é avisado de que pode optar entre: a) Pagar ao requerente o montante indicado na injunção; ou b) Deduzir oposição à injunção de pagamento mediante a apresentação de uma declaração de oposição,</font></i><font> </font><i><font>que deve ser enviada ao tribunal de origem no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação da injunção.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Consonantemente, estabelece no seu art. 16.º, n.º 1 que: “</font><i><font>o requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem, utilizando o formulário normalizado F, constante do Anexo VI, que lhe é entregue juntamente com a injunção de pagamento europeia</font></i><font>”. Essa oposição tem como consequência que “</font><i><font>a acção prossegue nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao processo</font></i><font>“, sendo que “</font><i><font>a passagem da acção para a forma de processo civil comum, na acepção do n.º 1, rege-se pela lei do Estado-Membro de origem</font></i><font>. “ (art. 17.°, n°s 1 e 2).</font>
</p><p><font>Sob este enfoque, no caso vertente, citada que foi, a recorrente deduziu oposição à injunção, utilizando o mencionado formulário normalizado F, impugnando a alegada dívida e arguindo o cumprimento defeituoso do contrato por parte da recorrida. Perante a ausência da declaração a que alude o art. 17.º, nº 1 </font><i><font>in fine</font></i><font>, foi determinado o termo do procedimento europeu de injunção de pagamento e a sua passagem para uma forma de processo civil comum, com a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Águeda (cfr. fls. 61).</font>
</p><p><font>Neste Tribunal, após notificação das partes para se pronunciarem sobre a competência internacional do Tribunal, em face do disposto no art. 6.º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 1896/2006 e arts. 2.º e 5.º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, a autora defendeu a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer do pedido e a ré sustentou a sua incompetência.</font>
</p><p><font>Passando, então, ao âmbito da competência judiciária, o art. 6.º, n° 1 do Regulamento n° 1896/2006, estabelece que para efeitos da sua aplicação “</font><i><font>a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n° 44/2001</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>O Regulamento (CE) n.º 44/2000, do Conselho de 22/12/2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, veio substituir entre os Estados Membros a Convenção de Bruxelas de 1968, entrou em vigor em 01/03/02 (art. 76.º), e é directamente aplicável nos Estados-Membros (com excepção da Dinamarca), entre os quais se incluem Portugal e a França, prevalecendo as suas normas sobre normas de direito interno que regulam a competência internacional, nomeadamente as constantes dos arts. 62.° e 63.º do NCPC (cfr. arts. 249.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, 3.°, n.º 2 e 68.º do Regulamento, 59.º do NCPC e 8.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa). É a primazia do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>. Os elementos já antes denunciados evidenciam que a presente acção se enquadra no âmbito material, territorial, e temporal de aplicação deste Regulamento (cfr.arts.1.°, 3.°, n.º 1, 4.°, 60.° , 66.° e 76.°).De facto, estabelece-se nele, como regra geral, como conexão fundamental em matéria de competência internacional, o foro do domicílio do réu. As pessoas (singulares ou colectivas) domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, seja qual for a sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (art. 2.º, nº 1).</font>
</p><p><font>Tanto a autora como a ré são sociedades comerciais domiciliadas em Estados-Membros da União Europeia, e para efeitos do disposto no Regulamento as sociedades comerciais têm domicílio no lugar em que tiverem a sua sede social, a sua administração principal ou o seu estabelecimento principal (art. 60.°, alíneas do n° 1). </font>
</p><p><font>Porém, esta regra do domicílio não é absoluta, estando previstas, nas Secções 2 a 7 do Capítulo II, outras regras de atribuição de competência (art. 3.°, n.º 1), designadamente, e com relevância para o caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, estabelecendo-se no art. 5.º um conjunto de competências especiais em que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro. </font>
</p><p><font>Precisamente, no que toca a matéria contratual, a única que aqui interessa ter presente, no seu nº 1, al. a), admite que uma pessoa</font><i><font> </font></i><font>possa ser demandada</font><i><font> </font></i><font>“</font><i><font>perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão</font></i><font>”, concretizando de seguida na al. b) o conceito de “</font><i><font>lugar de cumprimento da obrigação</font></i><font>”, que para efeitos dessa disposição, e salvo convenção em contrário, será “ </font><i><font>no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Destarte, tendo em conta que o contrato de compra e venda (internacional) celebrado entre as partes tinha por objecto mercadoria a entregar pela autora/recorrida à ré/recorrente em França (cfr. doc. fls. 59), como é pacífico nos autos, em princípio seriam os tribunais franceses os internacionalmente competentes para dirimir a presente acção</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>. “</font><i><font>A obrigação relevante para a fixação da competência jurisdicional é, pois, no tocante aos tipos contratuais referidos, unicamente a obrigação característica do contrato – a entrega dos bens ou dos serviços convencionados -, e não, por exemplo, a correspondente obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro (excepto, evidentemente, se as partes estipularam coisa diversa)</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Igualmente foi esta a leitura das instâncias.</font></p><div><br>
<font>●</font></div><br>
<font>Acontece que a par de regras especiais de competência legal, em que se inserem os arts. 5.º a 22.º, o Regulamento (CE) n.º 44/2000 estabelece regras de competência convencional em que a competência internacional do foro resulta de convenção, expressa, os chamados pactos atributivos de jurisdição (art. 23.º)</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>, ou tácita (art. 24.º), das partes, como expressão do reconhecimento da autonomia da vontade das partes para, nesse domínio, poderem estabelecer a competência do foro, muito embora sujeitas a limitações, tais como não se tratar de um caso que caia no âmbito da competência exclusiva do foro atribuída pelo Regulamento (cfr. arts. 22.º, 23.º, nº 5 e 24.º).</font>
<p><font>No referente a esta competência convencional tácita está ela plasmada no art. 24.º do Regulamento que prevê uma </font><i><font>extensão tácita da competência jurisdicional</font></i><font> ao preceituar que “</font><i><font>Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento,</font></i><font> </font><i><font>é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça.</font></i><font> </font><i><font>Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º </font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Emana deste preceituado ter o legislador comunitário entendido que quando o requerido compareça perante o tribunal do Estado-Membro em que foi demandado, excepto se o fizer com o objectivo de arguir a incompetência do tribunal ou se a acção for da competência exclusiva dos tribunais de outro Estado-Membro por força do art. 22.º</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>, não se justifica a declaração oficiosa de incompetência, reconhecendo a autonomia da vontade como um princípio fundamental estruturante do regime instituído pelo Regulamento (cfr. os considerandos prévios nºs 11 e 14 do Regulamento).</font>
</p><p><font>Compreende-se que assim seja, pois que se a parte, demandada no tribunal de um Estado-Membro que não é competente de acordo com as regras do Regulamento, comparece, deduz oposição aceitando discutir o mérito da acção, e não invoca, como é seu direito, a excepção de incompetência, o tribunal não deve declarar-se incompetente por ser de considerar que tacitamente as partes acordaram quanto à sua competência. “</font><i><font>Esta prorrogação tácita da competência funda-se, assim, na presunção de que ao comparecer perante o tribunal incompetente, sem arguir a incompetência desse tribunal, o demandado aceita tacitamente ser julgado por essa jurisdição</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Contudo, se a comparência do demandado em juízo tiver como único objectivo arguir a incompetência do tribunal, então o tribunal não se torna competente para conhecer do litígio pois que obviamente essa comparência não se pode interpretar como uma aceitação da competência. Deste modo, a </font><i><font>extensão tácita de competência</font></i><font> é afastada, nos termos da 2.ª parte do art. 24.° se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do art. 22.° do Regulamento. </font>
</p><p><font>É inquestionável que este regime de excepção não quadra ao presente litígio. Não só este não está incluído na previsão das competências exclusivas do art. 22.°, como a ré/recorrente compareceu apresentando oposição à injunção de pagamento não arguindo nesse momento a incompetência do tribunal</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>, apenas o tendo feito posteriormente quando notificada, na observância do disposto no art. 3.º, nº 3 do CPC à data vigente, para se pronunciar sobre esse tema. </font>
</p><p><font>Argumenta a recorrente, contrariando o decidido pelas instâncias, que a sua alegação da excepção de incompetência absoluta do tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> nesse contexto e momento é tempestiva, atento a que o poderia ter feito até ao trânsito em julgado da decisão sobre o fundo da causa nos termos do art. 97.º n.º 1 do NCPC (102.º, nº 1 do anterior CPC), e que não é pelo facto de o não ter feito na sua oposição ao processo europeu de injunção de pagamento que a mesma não deva ser reconhecida. </font>
</p><p><font>Coloca-se, então, a questão de saber qual o momento em que deve ser suscitada a excepção de incompetência.</font>
</p><p><font>A doutrina mais autorizada e a jurisprudência do TJCE consideram que esse momento, para que possa excluir-se a formação tácita de acordo judiciário, deve ser determinado de acordo com a </font><i><font>lex fori</font></i><font>, mas com a limitação decorrente do direito uniforme comunitário. </font>
</p><p><font>Quer dizer, embora a excepção de incompetência absoluta, por violação das regras de competência internacional, possa ser arguida, segundo o nosso direito interno, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado (cfr. art. 102.º, nº 1 do CPC vigente à data do oferecimento da oposição, com correspondência no art. 97.º, nº 1 do NCPC), todavia, “</font><i><font>a regra comunitária determina que nunca esse momento poderá ser posterior ao momento em que se considera apresentada a primeira defesa segundo a lex fori. Isto é, mesmo que o direito nacional permita que a excepção de incompetência seja apresentada a todo o tempo, tal norma ficará preterida face à jurisprudência do TJCE, uma vez que por razões de ordem pública não será admissível essa invocação num momento posterior. Assim, a invocação da excepção de incompetência num momento posterior, ainda que admissível pelas regras de direito interno, não permite afastar o efeito atributivo de competência que o art. 24.º faz decorrer da comparência do demandado em juízo”</font></i><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No mesmo sentido se pronuncia Luís de Lima Pinheiro, na obra citada, pág. 147, segundo o qual a jurisprudência comunitária vem entendendo que a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa. Ponto é que essa “</font><i><font>contestação da compe | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OjKsu4YBgYBz1XKvUCxU | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<font> </font><b><font>I.</font></b><br>
<b><font> Relatório</font></b><br>
<font> AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Vieira do Minho, acção ordinária contra</font><br>
<font> Empresa Águas do G..., </font><br>
<font>pedindo:</font><br>
<font>– A declaração da falsidade da acta da assembleia-geral da R., de 27 de Abril de 2007;</font><br>
<font>– A declaração de inexistência das deliberações sociais tomadas nessa assembleia-geral, por falsidade da respectiva acta;</font><br>
<font>– A declaração de nulidade das mesmas deliberações, com todas as consequências; ou, subsidiariamente,</font><br>
<font>– A anulação das mesmas deliberações.</font><br>
<br>
<font>A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, salientando, na parte em que releva para a decisão do presente recurso, que os seus Estatutos dispõem concretamente sobre a distribuição dos lucros e que a deliberação respeitou o postulado no artigo 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<br>
<font>Replicou o A., mantendo a posição inicial, pedindo, no entanto, a ampliação do pedido no sentido do subsidiariamente pedido em b) e, para a hipótese de improcedência desse pedido, que seja decretada a ineficácia das deliberações sociais tomadas em assembleia-geral, por falsidade da respectiva acta, bem como a declaração de nulidade ou anulabilidade relativo ao ponto 5 da ordem de trabalhos.</font><br>
<br>
<font>A acção seguiu, depois, a sua tramitação normal até julgamento, não sem que, antes, tivesse sido fixado o seu valor em 54.084,56 €. </font><br>
<font>Após a realização daquele, foi proferida sentença a julgar totalmente improcedente o peticionado.</font><br>
<br>
<font>Inconformado, o A. apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães. Em vão, porém, na medida em que o julgado foi na íntegra confirmado.</font><br>
<br>
<font>Continuando no mesmo estado de espírito, eis que pede, ora, revista do aresto prolatado, a coberto das seguintes conclusões com que fechou a sua minuta:</font><br>
<font>– O pacto social não derrogou o limite de 50% de lucro que obrigatoriamente tem de ser distribuído aos sócios, salva deliberação contrária de maioria de 3/4, conforme impõe supletivamente o artigo do 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que o acórdão interpretou erradamente esta norma legal e aquela disposição contratual. </font><br>
<font>– Face ao estabelecido no parágrafo segundo do artigo 8° dos Estatutos da sociedade, é certo que podem ser constituídas reservas livres, em sacrifício óbvio das gratificações especiais, participações do pessoal, provisões, afectação a resultados transitados ou da distribuição aos accionistas, que constituem os outros destinos possíveis dos resultados de exercício. </font><br>
<font>– Mas a disposição contratual não implica, só por si, que os resultados possam ou devam ser integralmente afectos, sem qualquer limite, à sua constituição de reservas livres, afectando os lucros a distribuir até os exaurir completamente, por deliberação tomada por maioria absoluta. </font><br>
<font>– Posto que apenas significa que a afectação a reservas livres da percentagem dos lucros de exercício que medeia entre a percentagem de 20% dos lucros necessariamente afecta a reservas legais e a percentagem de 50% dos lucros necessariamente afecta a dividendos, pode ser deliberada, em primeira convocatória, por 50% mais um do capital social. </font><br>
<font>– Ao invés de permitir ou autorizar a não distribuição da totalidade do lucro, o que aquela regra impõe é que a constituição de reservas livres a fixar dentro das balizas das reservas legais e dos lucros a distribuir seja aprovada por uma maioria especial em primeira convocatória, diferente da regra geral supletiva. </font><br>
<font>– Ademais, aquela norma legal tem de ser interpretada por via restritiva, no sentido de que a destinação de 50% do lucro a dividendos, salvo deliberação diferente de uma maioria alargada, constitui uma reserva mínima, que a lei apenas permite ampliar mas nunca restringir, sendo inválidas as cláusulas estatutárias de sentido contrário, conforme, aliás, defendem largos sectores da doutrina. </font><br>
<br>
<font>Em defesa da manutenção do acórdão recorrido, contra-alegou a Recorrida.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>II.</font></b><br>
<b><font> As instâncias fixaram a seguinte factualidade:</font></b><br>
<font>– A R. Empresa de Águas do G..., S. A. é uma sociedade comercial na forma anónima, com sede na Av. ..., lugar do G..., freguesia de Vilar da Veiga, Terras do Bouro, com o capital social de € 1.100.000,00, correspondente a 220.000 acções ao portador com o valor nominal de € 5,00 cada, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Terras do Bouro, sob o nº ..., e foi constituída por escritura pública, de 19.04.1924, lavrada no Cartório do Notário Dr. Silva Lino, Porto.</font><br>
<font>– O pacto social está plasmado nos respectivos estatutos, cuja última redacção, actualmente em vigor, foi aprovada em assembleia-geral de 28 de Setembro de 2006, que passaram a ter a redacção constante do documento de fls. 21 a 23.</font><br>
<font>– Nos termos do artigo 2º dos Estatutos, a R. é uma sociedade de duração indeterminada e o seu principal objectivo é a exploração das nascentes das águas do G... e actividades turísticas.</font><br>
<font>– Nos termos do § 1 do artigo 6º dos seus Estatutos, a posse de 100 ou mais acções dá um direito de voto e daí para cima a tantos votos quantos grupos de 100, desprezando fracções que não completem grupos de 100 acções.</font><br>
<font>– O A. é titular de 26.649 acções ao portador da R., representativas de, aproximadamente, 12,11% do respectivo capital social.</font><br>
<font>– Os accionistas da R. foram convocados para reunirem em assembleia-geral anual, na Delegação do Porto, na Praça da L..., ... – ...º, sala ..., no dia 30 de Março de 2007, pelas 11.00 horas, e, em segunda convocatória, no dia 27 de Abril de 2007, à mesma hora, com a seguinte ordem de trabalhos, transcrita na acta nº 103:</font><br>
<font>Ponto 1: Deliberar sobre o relatório de gestão, balanço e contas do exercício de dois mil e seis;</font><br>
<font>Ponto 2: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados;</font><br>
<font>Ponto 3: Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade;</font><br>
<font>Ponto 4: Deliberar sobre as condições do projecto Sivetur;</font><br>
<font>Ponto 5: Proceder à eleição dos órgãos sociais para o triénio dois mil e sete, dois mil e nove e fixar as respectivas remunerações fixas e variáveis.</font><br>
<font>– Na acta nº 103, referente à assembleia-geral ordinária da R., convocada nos termos referidos, menciona-se que:</font><br>
<font>“No dia 27 de Abril de 2007, pelas 11.00 horas, reuniram, em segunda convocatória, no escritório do Porto, em assembleia-geral anual, accionistas ou representantes de accionistas devidamente credenciados, possuidores da totalidade do capital social em circulação da Empresa Águas do G..., S. A..</font><br>
<font>– Essa assembleia teve lugar no Hotel I.. P.., sito à Rua de S..., 124, Porto.</font><br>
<font>– Nessa acta e relativamente aos accionistas e ao capital social presentes escreveu-se que reuniram “ accionistas ou representantes de accionistas devidamente credenciados, possuidores da totalidade do capital social em circulação da Empresa Águas do G..., S. A..</font><br>
<font>– Nessa mesma acta, no que ao ponto 2 da ordem do dia respeita, escreveu-se que:</font><br>
<font>“Entrando no segundo ponto da ordem do dia:</font><br>
<font> Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados, foi este aprovado por maioria com os votos a favor do grupo V... Z... e os votos contra do grupo P... M..., tendo o accionista AA declarado que este ponto não poderia ser aprovado pois vinte e um por cento desses resultados a administração tem a obrigação de os distribuir, do que o Presidente na Mesa ficou de analisar a questão para ser resolvido nos termos da lei. Pelo que do total de quarenta e dois mil oitocentos e quarenta euros e cinquenta e quatro cêntimos, dois mil cento e setenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos vão reforçar as reservas legais e o saldo do trinta e nove mil novecentos e sete euros e oitenta e seis cêntimos para reservas livres. </font><br>
<font>– Relativamente às deliberações tomadas foram feitas as seguintes referências naquela acta:</font><br>
<font>Ponto 1: foi aprovado por maioria com os votos a favor do grupo V... Z... e os votos contra do grupo P... M...;</font><br>
<font>Ponto 2: foi aprovado por maioria com os votos a favor do grupo V... Z... e os votos contra do grupo P... M...;</font><br>
<font>Ponto 3: a votação foi idêntica à anterior;</font><br>
<font>Ponto 4: considerou-se estar esgotado pelas considerações feitas ao longo da assembleia;</font><br>
<font>Ponto 5: votada favoravelmente pelo grupo V... Z... e com os votos contra do grupo P... M....</font><br>
<font>– No âmbito do ponto dois da ordem de trabalhos foi apresentado à assembleia-geral o relatório de gestão, do qual constava uma proposta de afectação dos resultados de exploração de € 42.084,54, dos quais € 2.176,68, a reservas legais, e € 39.907,68, a reservas livres.</font><br>
<font>– Essa proposta foi aprovada, por 1.368 votos a favor, correspondentes à soma dos votos dos accionistas BB, CC, DD, do dito Grupo V... Z..., correspondentes a 136.947 acções e 824 votos contra, correspondentes à soma dos votos dos accionistas EE, FF, Herdeiros de GG, do dito grupo P... M..., correspondentes a 82.539 acções.</font><br>
<font>– Os escritórios/delegação do Porto da R. situam-se na Praça da L..., nº ..., sala E, na cidade do Porto, escritórios instalados num edifício que também tem entrada pelo nº .., ...º, sala ..., da Avenida dos A..., na cidade do Porto, escritório esse que é de dimensões reduzidas e reúne poucas condições de conforto para a realização de assembleias.</font><br>
<font>– Desde há anos que existe entre os accionistas da R. e por conveniência de todos, um acordo tácito, no sentido de as assembleias-gerais se realizarem nos referidos escritórios/delegação do Porto e é nesse local que se costumam realizar as assembleias-gerais da R..</font><br>
<font>– O A., que esteve presente na reunião, não levantou qualquer objecção formal à realização da reunião nesse local.</font><br>
<font>– No dia em que se realizou a aludida assembleia-geral ordinária, foi elaborada a lista de presenças de fls. 174, presenças que foram registadas no livro que existe para o efeito, e que o A., que esteve presente, assinou, por si e em representação da herança indivisa aberta pela morte do seu pai, GG e, igualmente, em representação de sua mãe, EE.</font><br>
<font>– A referência, na acta nº 103, ao grupo P... M... pretende agregar os accionistas: herança indivisa aberta por óbito de GG, EE e FF.</font><br>
<font>– Na referida acta nº 103 escreve-se que o ponto nº 1 da ordem do dia tem por objecto “ deliberar sobre o relatório de gestão, balanço e contas do exercício de 2006”.</font><br>
<font>– Da mesma acta consta que o A. pediu esclarecimentos sobre a discrepância de valores indicados entre equipamento básico e edificações relativamente ao orçamento do projecto; a derrapagem entre o orçamento do projecto dado pela Empresa E... e o orçamento do empreiteiro a quem tinha sido adjudicada a obra; o facto dos resultados operacionais terem sido negativos; o montante das garantias bancárias; a aquisição e venda de veículos; o financiamento do BES (Banco Espírito Santo); o aumento dos empréstimos obtidos no balancete de Fevereiro de 2007, comparativamente com o balanço de 31 de Dezembro de 2006.</font><br>
<font>– HH, filho do A., que, apesar de não ser accionista, nem representante de nenhum accionista, foi admitido pelo Presidente da Mesa da Assembleia a assistir à reunião, pediu, inclusivamente, esclarecimentos sobre os títulos negociáveis existentes.</font><br>
<font>– Nos termos do artigo 8º dos Estatutos da R.:</font><br>
<font>“A assembleia-geral poderá funcionar à primeira convocação quando estejam presentes pelo menos cinco accionistas cujas acções correspondam ao mínimo de 25% do capital, excepto no caso previsto no parágrafo imediato.</font><br>
<font>§ 1 – As Assembleias que tenham por fim a reforma de Estatutos, emissões de obrigações ou reforço e redução de capital devem constituir-se com a maioria absoluta do capital social.</font><br>
<font>§ 2 – A constituição de provisões ou reservas que excedam os limites estabelecidos na Lei só poderão ser constituídas quando em primeira convocatória obtiver a aprovação da maioria absoluta do Capital Social. Quando a assembleia-geral se realizar em segunda convocatória ou em data desde logo marcada na primeira convocatória, as deliberações sobre esta matéria poderão fazer-se por maioria simples. </font><br>
<font>– De acordo com o artigo 20º dos Estatutos da R. “além do fundo de reserva legal, a Assembleia poderá criar outros fundos especiais”.</font><br>
<font>– Na assembleia-geral ordinária realizada em 27 de Abril de 2007 foram apresentadas várias propostas e discutidas as contas da empresa, incluindo o seu relatório de gestão e balanço.</font><br>
<font>– Após a publicação da convocatória aludida, foi comunicado ao A. que a reunião se realizaria numa sala do Hotel I... P..., sito na Rua de S..., nº ..., Porto.</font><br>
<font>– O A. aceitou a alteração do local da realização da assembleia-geral de 27.04.2007.</font><br>
<font>– A proposta de aplicação de resultados constava do relatório de gestão, entregue a todos os accionistas presentes na assembleia juntamente com o balanço e as contas.</font><br>
<font>– A votação das propostas submetidas à referida assembleia-geral foi aberta.</font><br>
<font>– O A. foi informado, por simples via telefónica, por um membro do Conselho de Administração, que também possui acções na sociedade, que a reunião não teria lugar no local para onde havia sido regularmente convocada, mas sim no referido hotel.</font><br>
<font>– No início da assembleia-geral ordinária de 27 de Abril de 2007 os sócios da R. não se pronunciaram sobre a alteração do local da reunião.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>III.</font></b><br>
<b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<b><i><font> </font></i></b><font>De todas as questões suscitadas </font><i><font>ab initio</font></i><font>, o A. apenas manteve discordância, com o decidido pelas instâncias, em relação à deliberação aprovada em assembleia-geral relativa à distribuição dos lucros, continuando a defender que a mesma viola o estatuído no artigo 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<font> Esta é, pois, a questão que nos cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<font> O mesmo é dizer que a nossa tarefa está limitada a saber se a deliberação, tomada na assembleia-geral da R., no passado dia 27 de Abril de 2007, que afectou os resultados da exploração a reservas legais e a reservas livres, impedindo a distribuição de lucros pelos sócios, é legal ou, pelo contrário, é ilegal e, como tal, anulável.</font><br>
<font> Entenderam as instâncias que não houve, por parte da R., qualquer violação daquela disposição legal, sendo, portanto, perfeitamente legal a deliberação tomada, na dita assembleia-geral de 27 de Abril de 2007, no sentido de afectar os resultados da exploração (no valor de 42.084,54 €) a reservas legais (2.176,68 €) e a reservas livres (39.907,68 €), não proporcionando, desta forma, distribuição de lucros pelos seus sócios.</font><br>
<font> Ora, </font><i><font>primo conspectu</font></i><font>, parece que, aquele preceito salvaguarda para distribuição pelos accionistas metade do lucro do exercício, o que, a ser assim, terá implicações directas no deliberado, nomeadamente ao nível da sua anulação.</font><br>
<font>Na verdade, tal normativo legal estabelece que “salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos accionistas metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível”.</font><br>
<font> E o artigo 295º do mesmo corpo de leis fixa as reservas legais em 20% do lucro da sociedade até que seja atingida a quinta parte do capital social.</font><br>
<font> Entende o Recorrente que, da conjugação destes dois preceitos legais, resulta a ilegalidade da deliberação tomada, na justa medida em que não permite a distribuição de lucros.</font><br>
<font> As cousas, porém, ao contrário do que entende o Recorrente, não se apresentam com tamanha simplicidade.</font><br>
<font> Com efeito, como teve o cuidado de sublinhar o juiz da 1ª instância, com o apoio doutrinal de João Labareda, a regra constante do artigo 294º do Código das Sociedades Comerciais pode ser afastada por uma de duas vias, sendo uma delas a verificação de uma cláusula contratual em contrário, caso em que competirá à assembleia-geral deliberar sobre os lucros, nos termos gerais, e a outra por deliberação tomada por maioria de três quatros dos votos correspondentes ao capital social em assembleia-geral convocada para o efeito.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Assume, desta forma, natureza puramente supletiva a norma constante do mencionado artigo 294º (“normas supletivas são aquelas que se destinam a suprir a falta de manifestação da vontade das partes sobre determinados negócios que carecem de regulamentação” – J. Baptista Machado, </font><i><font>Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador</font></i><font>, página 97).</font><br>
<br>
<font> Indo directamente ao caso que nos interessa, cumpre-nos saber se o que consta dos Estatutos da R. constitui, na verdade, uma ressalva à regra supletiva do artigo 294º do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<font> Lendo, com a devida atenção, o § 2º do artigo 8º dos aludidos Estatutos, imperioso se torna concluir que o contrato de sociedade da R. prevê, de forma expressa e clara, que a constituição de reservas que excedam os limites estabelecidos na lei podem ser objecto de deliberação, tomada em assembleia-geral, por maioria absoluta, em 1ª convocatória, e por maioria simples, em 2ª convocatória.</font><br>
<br>
<font> Em estrito respeito do aí estabelecido, indo ao encontro das ideias já comentadas, a 1ª instância não teve dúvidas em concluir pela validade das decisões tomadas na dita assembleia-geral da R..</font><br>
<font> Estamos inteiramente de acordo com a sua argumentação e com a decisão encontrada.</font><br>
<font> A Relação de Guimarães não teve juízo diferente, confirmando, na íntegra, o julgado, usando precisamente a mesma argumentação.</font><br>
<br>
<font> Não vemos, pois, razão para conceder a pretendida revista.</font><br>
<br>
<font> O que nos afasta da visão do Recorrente, em perfeita consonância com as posições assumidas pelas instâncias, é, no fundo, a verificação da natureza supletiva da norma do citado artigo 294º do Código das Sociedade Comerciais.</font><br>
<font> Para o Recorrente, o pacto social não derrogou o limite de 50% de lucro do exercício que obrigatoriamente tem de ser distribuído aos sócios (parte final do nº 1 do artigo 259º), salva a deliberação contrária da maioria de ¾, conforme impõe, supletivamente, o artigo 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, razão pela qual entende que o acórdão interpretou erradamente esta norma legal e aquela disposição contratual (conclusão 1ª).</font><br>
<font> Não se opõe o Recorrente à constituição de reservas livres, desde que as mesmas não representem um limite absoluto à distribuição de lucros até os exaurir por completo, por deliberação tomada por maioria.</font><br>
<font> Procurando cimentar as posições já ilustradas pelas instâncias, no sentido de que a interpretação do Recorrente não é a mais consentânea, antes, pelo contrário, nada há de ilegal na deliberação tomada, iremos dizer algo mais.</font><br>
<font>O citado artigo 294º do Código das Sociedades Comerciais quando no seu nº 1 consagra a ressalva (“salvo diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído pelos accionistas metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível”), indica, de forma a não deixar dúvidas, a sua natureza supletiva.</font><br>
<font> Significa isto que, em princípio, a distribuição de lucros, tal como é regulada pelo Código das Sociedades Comerciais, não poderá deixar de ser observada, a menos (</font><i><font>salvo</font></i><font>, na expressão da própria lei) que haja cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de 3/4 dos votos correspondentes ao capital expresso em assembleia convocada para o efeito (aqui está bem desenhada a tal natureza supletiva assinalada).</font><br>
<font> Resulta, assim, claro que o postulado do nº 1 do artigo 294º, atenta a natureza já referida, permite a possibilidade de a regra da distribuição dos lucros do exercício poder ser alterada por uma das duas vias nele indicadas.</font><br>
<font> Este ponto é, aliás, bem salientado por António Menezes Cordeiro quando afirma que “a distribuição de lucros fica dependente da inexistência de «diferente cláusula contratual ou deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos (294º/1, aliás semelhante ao artigo 217º/1). Toda esta matéria é supletiva, embora fique marginada por normas imperativas, com exemplo nas que fixam «lucros não disponíveis». Supletivamente, deve ser distribuído aos accionistas metade do lucro de exercício distribuível. Trata-se de matéria que compete à assembleia geral anual: 376/1,b)” (</font><i><font>Direito das Sociedades Comerciais</font></i><font>, II, Das Sociedades em Especial, 2006, página 582).</font><br>
<font> Ponto de vista este que é também acolhido por Filipe Cassiano dos Santos que, referindo-se ao estatuído nos artigos 217º, nº 1 (sociedades por quotas) e 294º (sociedades anónimas), acaba por concluir que “este resultado pode ser paralisado: duradouramente, por cláusula contratual em contrário; pontualmente (para um exercício), por deliberação de aplicação de resultados sujeita a requisitos especiais (e que são a convocação para o efeito de não distribuir metade do lucro e a aprovação de uma maioria qualificada correspondente a ¾ do capital social” (</font><i><font>O Direito aos Lucros no Código das Sociedades Comerciais</font></i><font>, Problemas do Direito das Sociedades, páginas 189 e 190).</font><br>
<font> Posição idêntica assume Raúl Ventura que, depois de referir que a norma do artigo 294º é em tudo semelhante à do artigo 217º (esta relativa às sociedades por quotas), ao comentar precisamente este preceito (“</font><i><font>salvo diferente cláusula contratual</font></i><font>”), acaba por reconhecer que, no plano formal, esta cláusula é diferente da regra supletiva, mas substancialmente respeita a intenção da lei, na justa medida em que assegura aos sócios a distribuição de metade dos lucros, mas não contra a vontade deles. Nesta medida, “se no contrato de sociedade todos permitem a derrogação dessa regra, tanto faz que o façam por estabelecimento de percentagens diferentes, como deixando à assembleia o referido poder” (</font><i><font>Sociedade por Quotas</font></i><font>, Vol. I, 2ª edição, página 336).</font><br>
<font> Outrossim, João Labareda, debruçando-se sobre esta candente questão, a de saber se é ou não possível a uma sociedade (seja ela por quotas ou, como no caso, anónima) passar sem distribuir lucros respeitantes a algum ou alguns exercícios, não deixou de, respondendo afirmativamente, fazer a exegese do citado nº 1 do artigo 294º do Código das Sociedades Comerciais, concluindo, num primeiro momento, que “há, portanto, uma regra supletiva segundo a qual o sócio tem direito à partilha anual dos lucros, fixando-se em metade do total distribuível aqueles que obrigatoriamente são divididos”, para, logo de seguida, acrescentar, esclarecendo:</font><br>
<font> “Mas prevêem-se duas situações alternativas que afastam a regra geral, a primeira é a existência de uma cláusula contratual em contrário, nada obstando à previsão de possibilidade de não haver qualquer distribuição no final do exercício. Neste caso competirá à assembleia geral deliberar, nos termos gerais, sobre o destino dos lucros, salvo se estiver prevista a constituição de certo tipo de reservas e os lucros obtidos não forem de molde a proporcionarem remanescente.</font><br>
<font> A outra alternativa é a de, na omissão do pacto, a própria assembleia, então por maioria de três quatros dos votos correspondentes ao capital social, deliberar não distribuir lucros ou distribuir menos de metade dos lucros obtidos” (</font><i><font>Das Acções das Sociedades Anónimas</font></i><font>, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1988, páginas 146 e 147).</font><br>
<font> Ainda no mesmo sentido, não podemos deixar de citar a posição avalizada de Evaristo Mendes que, em aprofundado estudo, defende a natureza supletiva da norma em causa, criticando asperamente alguma doutrina que, em sentido contrário, pugna pela nulidade das cláusulas que afastam o regime geral consagrado nos 217, nº 1 e 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, na justa medida em que tal é “dificilmente aceitável num ordenamento jurídico que, justamente, consagra como regra geral do direito societário – em relação à qual a dos preceitos do CSC é especial – uma norma desse tipo (art. 991 CC)”, para além de que isso “significaria invalidar uma prática estatutária com larga tradição” (</font><i><font>Direito ao</font></i><font> </font><i><font>Lucro de Exercício no CSC</font></i><font> – arts. 217/294, Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, página 497). </font><br>
<font> Este mesmo A., em outro escrito sobre esta matéria, repete a mesma ideia, sublinhando que o direito do sócio a que a sociedade lhe atribua um crédito correspondente à sua quota-parte de metade dos lucros de exercício apurados e distribuíveis, sofre os dois tipos de limitações referidos (</font><i><font>Lucros de Exercício</font></i><font>, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXVIII, 1996, (XI da 2ª Série, páginas 257 e seguintes, nomeadamente 359 a 364).</font><br>
<br>
<font>No caso concreto, a deliberação foi tomada em respeito pelo estatuído no § 2º do artigo 8º dos Estatutos da R. que determina que “a constituição de provisões ou reservas que excedam os limites estabelecidos na Lei só poderão ser constituídas quando em primeira convocatória obtiver aprovação da maioria do capital social” e, ainda, que “quando a assembleia-geral se realizar em segunda convocatória ou em data desde logo marcada na primeira convocatória, as deliberações sobre esta matéria poderão fazer-se por maioria simples”.</font><br>
<font>Ou seja, imperioso é concluir, de uma vez por todas, que os próprios estatutos da R. prevêem a possibilidade de constituição de reservas que excedam os limites de distribuição dos lucros de exercício anual pelos sócios, possibilidade essa aceite </font><i><font>ab initio</font></i><font> por todos eles, ou seja, no momento da constituição da sociedade, o que permite dizer, sem qualquer hesitação, que a deliberação posta em crise é perfeitamente legal.</font><br>
<font>Um outro ponto a merecer referência tem a ver com a constituição de reservas livres.</font><br>
<font>Estas reservas são criadas normalmente para acudir mais convenientemente aos interesses sociais e, como refere Rodrigo Uria, nada há a reparar, mesmo implicando subtracção de benefícios à repartição anual de lucros, para decidir de benefícios quando assim se preveja mais conveniente para os interesses sociais (</font><i><font>Derecho Mercantil</font></i><font>, Duodécima Edición, páginas 282 a 284).</font><br>
<font> Em relação a este ponto, poder-se-á questionar se o preceituado no artigo 20º dos Estatutos (que prevê a constituição de reservas livres: a assembleia pode criar outros fundos especiais), encaixa ou na com a regra supletiva constante do artigo 294º do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<font> A resposta está já, implicitamente, dada e no sentido positivo. </font><br>
<font> O sentido da referida cláusula – “a constituição de provisões ou reservas que excedam os limites estabelecidos pela lei só poderão ser constituídos quando em primeira convocatória obtiver aprovação da maioria absoluta do capital social. Quando a assembleia-geral se realizar em segunda convocatória, as deliberações sobre esta matéria poderão fazer-se por maioria simples – § segundo do artigo 8º do contrato de sociedade. Além do Fundo de Reserva Legal, a Assembleia poderá criar outros fundos especiais – artigo 20º do contrato de sociedade” – não oferece dúvidas.</font><br>
<font> À luz da regra interpretativa constante do artigo 236º do Código Civil, aqui aplicável, embora sufragando um critério mais objectivista, na linha preconizada por António Pinto Monteiro (afastando-nos, portanto, da linha daqueles, como Menezes Cordeiro, que defendem que na interpretação do contrato de sociedade devem ser observados os critérios objectivos fixados no artigo 9º do Código Civil) (</font><i><font>Revista de Legislação e Jurisprudência</font></i><font>, Ano 136º, páginas 96 a 98), não podemos deixar de concluir que os sócios, ao subscreverem o contrato de sociedade da R., convencionaram que a constituição de reservas que excedam os limites estabelecidos na lei, só pode significar a criação de reservas para além das que o Código define como legais, pois só estas têm um limite fixado que é de 20% do valor dos lucros (artigo 295º, nº 1), sendo certo que para a aprovação das deliberações que tenham por objecto a matéria de criação de reservas, para além das legais, os Estatutos exigem, em primeira convocatória, que seja obtida a aprovação por maioria absoluta do capital social e, em segunda convocatória, por maioria simples.</font><br>
<font> Foi, precisamente, isto que se passou com a deliberação tomada na assembleia-geral da R., do passado dia 27 de Abril de 2007.</font><br>
<font> Ou seja, o teor desta cláusula afasta o regime supletivo constante do artigo 294º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<br>
<font> Cremos, assim, ter ficado claro que o julgado pelas instâncias não merece a mínima crítica, permitindo-nos dizer, afoitamente, que a razão não está, segura e definitivamente, do lado do A./Recorrente.</font><br>
<br>
<font> Não resistimos, porém, a dizer algo, em reforço desta nossa posição.</font><br>
<font> Em primeiro lugar, dever-se-á ter presente que, como nota Filipe Cassiano dos Santos, no contrato de sociedade não relevam intuitos individuais dos sócios, mas sim intuitos que eles colocam no plano da nova estrutura, sendo que o contrato não consagra qualquer regra específica à repartição dos lucros, limitando-se a prescrever mais ou menos implicitamente o escopo de repartição, donde resulta não um direito dos sócios à distribuição dos lucros, mas sim, e apenas uma regra de actuação para a escrituração societária.</font><br>
<font> Este A. coimbrão mais faz notar que estas conclusões só não são exactas “quando o contrato estabelecer uma relação definida e quantificada entre sócio e lucro, através da identificação do facto e do montante de distribuição que, por isso mesmo, se inscreve como direito ao dividendo na esfera individual do sócio” (obra citada, página 192).</font><br>
<font> No caso concreto em apreciação, resulta claro que os Estatutos da R. não estabeleceram qualquer relação definida e quantificada entre o sócio e o lucro, o que sedimenta a conclusão de que nada impedia que o órgão deliberativo por excelência, convocado expressamente para o efeito, tivesse tomada a deliberação de não distribuir pelos sócios os lucros do exercício, em resultado da criação de reservas livres, alcançada a maioria legal exigida.</font><br>
<font> Esta decisão de criar reservas, dela resultando a não distribuição de lucros do exercício pelos sócios tem muitas vezes a ver com a conjuntura económico-financeira da própria sociedade, como, aliás, é bem salientado pela própria Recorrida nas suas mui doutas contra-alegações.</font><br>
<font>Em boa verdade, a sociedade comercial, constituída embora com fins lucrativos, pode passar por períodos de crise ou de dificuldade, sendo mister, não raras vezes, acautelar o futuro, criando as ditas reservas livres, abdicando, se necessário, da distribuição de lucros pelos sócios.</f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7DKru4YBgYBz1XKv4yt3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (1):</font><br>
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<br>
<font>Procede-se a inventário para partilha dos bens comuns do casal dissolvido, composto por AA e BB, na sequência da acção de divórcio litigioso instaurada por esta contra aquele, em cuja tentativa de conciliação e, após conversão do divórcio litigioso em divórcio, por mútuo consentimento, foi proferida sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, entre ambos, e, ao abrigo do disposto pelo artigo 1778º, do Código Civil (CC), homologou, definitivamente, os acordos que ficaram a constar da acta.</font><br>
<font>Apresentada a relação especificada dos bens comuns móveis pelo cabeça-de-casal, AA, foi a mesma objecto de reclamação, por parte da requerida, BB, que se opôs à inclusão nos bens partíveis dos que foram relacionados, sob as verbas nº 1 a 36 e 37 e 38 da referida relação de bens, por considerar que já tinham sido adjudicados à requerida as verbas nºs 1 a 36, e ao requerente as verbas nºs 37 e 38, como parte integrante do acordo estabelecido no processo de divórcio, por mútuo consentimento, solicitando ainda a exclusão da verba nº 39, por entender não se tratar de um bem comum do casal, e bem assim como a inclusão nos bens comuns a relacionar do saldo da conta bancária do M... BCP, da quantia de €66.768,93, referente ao valor pago ao cabeça-de-casal, a título de créditos salariais, e bem assim como do valor dos salários pagos ao mesmo, nos meses decorridos desde que foi decretado o arrolamento.</font><br>
<font> Esta reclamação veio a ser decidida, por despacho datado de 24 de Outubro de 2009, que a julgou, parcialmente, procedente, sendo determinado que o cabeça-de-casal apresentasse uma nova relação de bens, da qual exclua a verba nº 39 [A] e inclua o saldo da conta bancária nº ... do M... BCP [B1] e metade do salário auferido relativo ao mês de Julho de 2008, no montante de €892,56 [B2].</font><br>
<font>Desta decisão, a interessada BB interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação, e, alterando a decisão recorrida, determinou que sejam eliminados da relação de bens comuns a partilhar os bens constantes das verbas nºs 1 a 36, por se considerar terem sido já objecto de partilha entre os ora recorrente e recorrido, nos termos que ficaram a constar do acordo consignado em acta de tentativa de conciliação, e homologado por sentença que, na mesma altura, foi proferida, e bem assim como que seja aditada à mesma relação, como bem comum a partilhar, uma verba respeitante ao valor correspondente à quantia de €66.768,93, recebida pelo recorrido, a título de compensação pecuniária, de natureza global, por créditos laborais, em tudo o mais considerando improcedente o recurso e confirmando a decisão recorrida.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação do Porto, o interessado AA interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, no que concerne à primeira e segunda questões apreciadas, com a confirmação, na totalidade, da douta sentença do Tribunal de 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font>
<p><font>1ª - No que concerne à primeira questão apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto,</font>
</p><p><font>2ª - Não fez uma correcta apreciação dos factos constantes do despacho recorrido, porquanto:</font>
</p><p><font>3ª - Concluiu que toda a fundamentação legal invocada pela ora recorrida não tinha aplicabilidade ao caso concreto.</font>
</p><p><font>4ª - Fundamentou o seu acórdão, no que a esta matéria diz respeito, apenas na interpretação parcial que fez do teor do acordo de vontades, constante da acta de convolação de divórcio litigioso em mútuo, relegando na sua apreciação o ponto 4 do acordo.</font>
</p><p><font>5ª – Ignorou o facto de os bens constantes dos pontos 5 e 6 do acordo serem os mesmos que se encontravam arrolados nos processos de arrolamento apensos.</font>
</p><p><font>6ª - Ignorou também o facto de as partes terem acordado a partilha de tais bens oportunamente.</font>
</p><p><font>7ª - Não tendo tido matéria de facto ou de direito suficiente para fundamentar e concluir o seu acórdão da forma como o fez.</font>
</p><p><font>8ª - Por último e no que toca a esta questão não podemos deixar de referir que o Venerando Tribunal da Relação do Porto quer na sua fundamentação quer na sua conclusão, omitiu por completo a sua decisão relativamente aos bens constantes do ponto 6 do acordo, constantes das verbas 37 e 38 da relação de bens. Por isto também andou mal o Venerando Tribunal.</font>
</p><p><font>9ª - No que concerne à segunda questão apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto,</font>
</p><p><font>10ª - Ignorou o Venerando Tribunal da Relação do Porto, o facto de no montante da indemnização recebida pelo ora recorrente, estar incluído o vencimento de Dezembro de 2008.</font>
</p><p><font>11ª - Encontrando-se em plena contradição com o decidido na terceira questão do acórdão ora recorrido.</font>
</p><p><font>12ª - Andou mal ao afastar a aplicabilidade do disposto no n°1 do artigo 1789°, do Código Civil, ao caso em apreço.</font>
</p><p><font>13ª - Fundamentou esse afastamento em disposições legais e doutrina que ao caso não são aplicáveis, em virtude da imperatividade, alcance e</font>
</p><p><font>eficácia do disposto no n° 1 do artigo 1789° do Código Civil.</font>
</p><p><font>14ª - No que concerne à terceira questão apreciada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto,</font>
</p><p><font>15ª - Nada a apontar, porquanto, teve, tal como o Tribunal a quo, uma</font>
</p><p><font>correcta apreciação dos factos, e decidiu a contento da Lei, aplicando</font>
</p><p><font>o disposto no n° 1 do artigo 1 789° do Código Civil.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, a interessada BB conclui no sentido da confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, dois novos, sob os nºs 9 e 10, com base nas disposições combinadas dos artigos 369º, nº 1 e 371º, nº 1, do CC, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font><br>
<font>1. Nos autos de divórcio litigioso que, sob o nº 726/08.0TBESP, correram termos no Tribunal Judicial de Espinho, 2° Juízo, sendo autora, a ora recorrida, BB, e réu, o ora recorrente, AA, teve lugar, a 27 de Janeiro de 2009, tentativa de conciliação, tendo os ali autora e réu declarado pretender a conversão do divórcio litigioso em divórcio, por mútuo consentimento, para o que formularam os seguintes acordos:</font><br>
<font>"1) Autores partes acordam em fixar o valor da pensão de alimentos, a título definitivo, a pagar pelo réu AA à autora BB, em €500,00 (quinhentos euros) mensais, que o réu deverá pagar através de transferência bancária, para o NIB que a Ilustre Mandatária da autora se compromete a indicar aos autos no prazo de 5 dias, até ao dia 8 de cada mês, iniciando-se tal pagamento no próximo mês de Fevereiro, nada mais havendo a exigir a título de alimentos. </font><br>
<font>2) Não existem filhos menores. </font><br>
<font>3) Autores partes acordam que a casa de morada de família seja atribuída à autora BB. </font><br>
<font>4) Autores partes acordam que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos.</font><br>
<font>5) Autora e Réu, desde já acordam, em relação aos bens móveis que compõem o recheio da casa morada de família, que os mesmos fiquem a pertencer à autora. </font><br>
<font>6) As partes acordam, que o veículo descrito na verba 38 do requerimento inicial do apenso B e o material descrito na verba 37 dessa mesma peça e desse mesmo apenso, no estado em que se encontrarem, fiquem a pertencer ao réu. </font><br>
<font>7) Em relação aos restantes bens arrolados, que se resumem a quantias pecuniárias, autora e réu comprometem-se a dividi-las, em sede própria e oportunamente".</font><br>
<font>2. Seguidamente, a Mmª Juiz proferiu sentença em que, para além do mais decretou: "… Atento o propósito dos cônjuges em se divorciarem por Mútuo Consentimento e verificados que estão os requisitos previstos nos artigos 1775º do Código Civil e 1407º, nº 2 e 3 do Código do Processo Civil, ainda ao abrigo do artigo 1778º daquela Lei substantiva, homologo definitivamente os acordos que antecedem e, em consequência, decreto o divórcio por Mútuo Consentimento entre BB, residente na R... , Nº ..., ...º S..., ... E... e AA, residente na R... ..., nº ..., ...º andar, ... E...." </font><br>
<font>3. Na decisão que, após produção de prova, recaiu sobre a reclamação da relação de bens apresentada nos autos de Inventário para Partilha de Bens em Casos Especiais, que correm termos, no Tribunal Judicial de Espinho, 2° Juízo, com o nº 726/08.0TBESP-C, vem dada como adquirida a seguinte factualidade, que ora releva para a decisão das questões em apreço:</font><br>
<font>4. Que, conforme decorre do processo de divórcio litigioso apenso, as verbas indicadas sob os números 1 a 36 foram adjudicadas à requerida, enquanto acordo integrante do processo de divorcio, por mútuo consentimento, com o n°726/08.0TBESP, que correu termos, no 2° juízo deste tribunal, conforme consta do ponto 5 da acta de tentativa de conciliação que veio a ser homologada, por sentença judicial, proferida naqueles autos, em 27 de Janeiro de 2009, e já transitada em julgado. </font><br>
<font>5. Resulta ainda dali que as verbas nºs 37 e 38 foram adjudicadas ao requerente, no ponto 6 daquela acta de tentativa de conciliação.</font><br>
<font>6. Quanto à verba nº 39, resultou demonstrado, através dos depoimentos simples e coerentes das testemunhas irmãs da reclamante, que estas receberam, por morte de sua mãe, cerca de 15.000,00€, cada uma, e ainda que BB utilizou tal montante para constituir um certificado de aforro.</font><br>
<font>7. Consta do ponto 4 do acordo integrante do processo de divorcio por mútuo consentimento, com o n° 726/0B.OTBESP, que correu termos no 2° Juízo deste Tribunal – acta de tentativa de conciliação que veio a ser homologada, por sentença judicial, proferida naqueles autos, em 27 de Janeiro de 2009, e já transitada em julgado - que "Autores partes acordam que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos". </font><br>
<font>8. Conforme carta da CC-B...S.A.., datada de 3 de Março de 2009, junta aos autos de arrolamento a folhas 309, foi paga ao cabeça-de-casal, ora recorrente, pela CC-B...S.A.., a quantia de 66.768,93€, recebida pelo recorrido, em final de 2008, a título de compensação pecuniária, de natureza global, por créditos salariais.</font><br>
<font>9. A acção de divórcio, aludida em 1 e 2, deu entrada em juízo, a 16 de Julho de 2008 – acórdão recorrido. </font><br>
<font>10. Os interessados AA e BB foram casados um com o outro, segundo o regime da comunhão de adquiridos – acórdão recorrido.</font><br>
<font> *</font><br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da partilha parcial dos bens realizada nos autos onde foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, por conversão do divórcio litigioso, por sentença que homologou os acordos, incluindo o acordo relativo à partilha de bens comuns.</font>
</p><p><font>II – A questão da excepção do caso julgado.</font>
</p><p><font>III – A questão da natureza jurídica do bem resultante de indemnização emergente de contrato de trabalho do cabeça-de-casal, que nasceu, perdurou e cessou durante a vigência do casamento.</font>
</p><p>
</p><p><font>I. DA PARTILHA REALIZADA EM DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO RESULTANTE DA CONVERSÃO DO DIVÓRCIO LITIGIOSO</font>
</p><p>
</p><p><font>I. 1. Muito embora não venha certificada a data da entrada em juízo da acção de divórcio, importa concluir, tal como foi decidido pelo acórdão recorrido, e obteve a aquiescência de ambas as partes, que não impugnaram esse entendimento, que se trata de processo instaurado ainda antes das alterações verificadas quanto ao regime de divórcio, introduzidas pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que entrou em vigor, a 30 de Novembro de 2008, portanto, sem aplicação aos processos pendentes, como se trata do caso em apreço, já que este diploma, entre outras alterações, veio abolir o divórcio litigioso, passando o divórcio a assumir as modalidades de divórcio, por mútuo consentimento, e de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, atendendo ao estipulado pelos artigos 1775º, nº1 e 1779º, nº 1, ambos do CC, na redacção introduzida pelo artigo 1º, da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro.</font>
</p><p><font>Deste modo, a situação em análise e, em particular, a presente questão a solucionar, deve ser decidida, à luz do Código Civil, na redacção anterior à resultante da referida Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro.</font>
</p><p><font>Determina o artigo 1407º, nº 3, do CPC, com referência ao artigo 1776º, nº 2, do CC, que, na tentativa de conciliação, ou em qualquer altura do processo, as partes poderão acordar no divórcio, por mútuo consentimento, quando se verifiquem os necessários pressupostos.</font><br>
<font>Por seu turno, o divórcio, por mútuo consentimento, só pode ser decretado quando estiverem reunidos determinados requisitos, para além da exigência fundamental do recíproco consenso dos cônjuges, que se consubstanciam na subscrição de acordos sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos filhos menores, e o destino da casa de morada de família, em termos de os interesses dos próprios cônjuges e dos filhos ficarem, suficientemente, acautelados (2), consoante flui do disposto pelo artigo 1775º, nºs 1, 2 e 3, do CC. </font><br>
<font>São estes e apenas estes os pressupostos determinantes para que, no âmbito do processo de divórcio litigioso, então, vigente, os cônjuges pudessem acordar na sua convolação em divórcio, por mútuo consentimento.</font><br>
<font>Por sua vez, o artigo 1419º, nº 1, do CPC, estabelece que o requerimento para o divórcio, por mútuo consentimento, será assinado por ambos os cônjuges ou pelos seus procuradores e instruído com os seguintes documentos: certidão de narrativa completa do registo de nascimento [a]; relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores [b]; acordo que hajam celebrado sobre o exercício do poder paternal, relativamente aos filhos menores, se os houver [c]; acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que careça deles [d]; certidão da convenção antenupcial e do seu registo, se os houver [e] e acordo sobre o destino da casa de morada da família [f].</font><br>
<font>A relação especificada dos bens comuns não importa o acordo dos cônjuges quanto à partilha dos respectivos bens, o que significa que se destina, tão-só, a protegê-los contra os riscos de, após o divórcio, virem a ser surpreendidos com a acusação da respectiva omissão. </font><br>
<font>E a falta de algum dos documentos exigidos pelo artigo 1419º, nº 1, do CPC, pode determinar o indeferimento liminar do requerimento de divórcio, por mútuo consentimento (3), ou, pelo menos, o sobrestar na sua apreciação, com vista à designação da conferência, a que aludem os artigos 1776º, nº 1, do CC, e 1420º, nº 1, do CPC, enquanto a omissão não for sanada pelos interessados.</font><br>
<font>Na hipótese em apreço, encontravam-se presentes todos os documentos obrigatórios, muito embora os interessados tenham junto aos autos, igualmente, um documento donde constava um acordo quanto aos bens móveis que compõem o recheio da casa morada de família, que ficariam a pertencer à autora BB, e ao veículo descrito, na verba 38 do requerimento inicial do apenso B, e ao material descrito, na verba 37 dessa mesma peça e desse mesmo apenso, no estado em que se encontrassem, que ficariam a pertencer ao réu AA, ao passo que, em relação aos restantes bens arrolados, que se resumem a quantias pecuniárias, autora e réu comprometeram-se a dividi-los, em sede própria, e, oportunamente.</font><br>
<font>Por isso, considerando que os cônjuges haviam junto aos autos todos os documentos e acordos indispensáveis à aludida conversão do divórcio litigioso, foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, com base no preceituado pelos artigos 1775º e 1778º, do CC, e 1407º, nºs 2, 3 e 4 e 1419º, do CPC.</font><br>
<font>I. 2. Os cônjuges têm direito à meação no património comum, sabendo cada um deles que goza da prerrogativa de ver preenchida essa metade, no momento da dissolução do casamento, e ainda que o valor da meação vai depender do valor que o património comum tiver, nessa ocasião, sendo certo que o valor dos bens concretos e das respectivas meações deve ser actual e referido a um certo momento, que deve coincidir com a altura da partilha.</font><br>
<font>O princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei está consagrado, no artigo 1714º, do CC, cujo nº 1 estatui que “fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados”, acrescentando o seu nº 2 que “consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, excepto quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens”.</font><br>
<font>Consoante resulta dos dois preceitos acabados de transcrever, o princípio da imutabilidade abrange as cláusulas da convenção que tiver sido celebrada, as regras legais respeitantes à administração ou disposição de bens e ainda a situação concreta dos bens dos cônjuges que interessa às relações entre estes.</font><br>
<font>Efectivamente, estas regras estão em harmonia com a ideia geral de que os cônjuges não podem modificar o seu estatuto patrimonial depois da celebração do casamento, não podendo, designadamente, bens comuns ser atribuídos, em propriedade exclusiva, a qualquer deles, ou os bens próprios entrar na comunhão ou ser transmitidos, onerosa ou irrevogavelmente, de um para o outro (4), com excepção do regime das doações entre casados.</font><br>
<font>Na verdade, se não existisse a proibição de todo e qualquer meio concreto de tornar próprio um bem comum, os cônjuges poderiam iludir o princípio da imutabilidade, mediante negócios modificativos de domínio sobre bens concretos, independentemente de simulação.</font><br>
<font>Deste modo, nenhum dos cônjuges corre perigo de ter sido influenciado e prejudicado pelo outro, que pudesse ter exercido um ascendente psicológico, pelo que o cônjuge mais fraco não perde qualquer um dos seus bens próprios, nem vê diminuída a sua meação nos bens comuns, nenhum deles indo acrescentar o seu património próprio, à custa do património do seu consorte ou à custa do património comum.</font><br>
<font>E se o regime de bens permanece intacto, se não muda a classificação de qualquer bem concreto e se, portanto, não há alteração do valor das massas patrimoniais do casal, então, não há perigo, nem para qualquer dos cônjuges, nem para terceiros.</font><br>
<font>I. 3. Entretanto, com a dissolução do casamento, por força da decretação do divórcio, cessam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, sem prejuízo das disposições do Código Civil relativas a alimentos, recebendo estes ou os seus herdeiros os respectivos bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património, nos termos do estipulado pelos artigos 1688º, 1689º e 1789º, todos do CC.</font><br>
<font>Na constância do matrimónio, os bens do casal constituem um património a que a lei confere determinada autonomia e que pertence, em comum, ao marido e à mulher, embora sem repartição de quotas ideais, sendo assim, uma comunhão sem quotas.</font><br>
<font>Porém, dissolvendo-se o casamento, extingue-se a comunhão conjugal, razão pela qual só, então, através de partilha, judicial ou extrajudicial, pode concretizar-se o direito de cada um dos cônjuges sobre os bens que integram a comunhão, atento o disposto pelos artigos 2101º, do CC, e 1404º, do CPC.</font><br>
<font>Ao contrário do que sucede na compropriedade, propriamente dita, ou comunhão com quotas, que é susceptível de dissolução, por simples acto de vontade de qualquer um dos comproprietários, a todo o tempo, salvo se tiver sido acordada a indivisão, por se tratar de um direito potestativo extintivo, como resulta do preceituado pelo artigo 1412º, do CC, a partilha convencional dos bens comuns, antes da dissolução do casamento, está ferida de nulidade.</font><br>
<font>Assim sendo, a proibição dos cônjuges partilharem os bens comuns do casal, na pendência do casamento, não é uma consequência do princípio da imutabilidade do regime de bens, mas antes algo que decorre, necessariamente, da própria definição, afectação e natureza jurídica daquela massa patrimonial.</font><br>
<font>Com efeito, sendo a partilha dos bens do casal uma consequência da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, a que, obviamente, só se procede, após esta cessação, por mútuo acordo, é, porém, nula quando realizada, na pendência do casamento e antes de findas as relações patrimoniais decorrentes do regime da comunhão de adquiridos.</font><br>
<font>De facto, a relação especificada dos bens comuns, a apresentar, conjuntamente, com o requerimento para a conversão do divórcio litigioso em divórcio, por mútuo consentimento, não visa determinar a forma de proceder à partilha, nem pode conter a partilha, propriamente dita, quer total, quer parcial, que apenas ocorrerá, quer através de escritura pública, quer por intermédio de inventário judicial, se os cônjuges não optarem por permanecer na indivisão, atento o disposto pelo artigo 2101º, nºs 1 e 2, do CC, após ter sido decretado o divórcio, mas, tão-só, constituir uma base de referência, com vista a uma futura partilha dos bens.</font><br>
<font>Efectivamente, o acordo sobre a partilha parcial dos bens comuns do casal que os cônjuges alcançaram, não os pode limitar, seguramente, em relação à eventualidade da sua partilha posterior.</font><br>
<font>Não se tratou, portanto, de um negócio jurídico abdicativo ou renunciativo da subsequente partilha judicial dos respectivos bens, face ao precedente acordo de partilha parcial, cuja validade possa ser discutida (5), o qual, aliás, seria nulo, por contrariar disposição legal de carácter imperativo, atento o teor das disposições conjugadas dos artigos 2101, º 2 e 294º, ambos do CC.</font><br>
<font>Assim sendo, uma vez transitada em julgado a sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, com a consequente dissolução do casamento, e, simultaneamente, homologou os acordos especiais, legalmente, exigidos, sobre os aspectos essenciais da situação pós-matrimonial, havendo-os, como acontece, no caso em apreço, a partilha dos bens do casal resulta como consequência necessária daquela sentença, desde que acordada ou requerida, nos termos do estipulado pelos artigos 2101º, nº 1 e 2102º, nº 1, do CC, mais não sendo do que a fase executiva do divórcio, relativamente aos referidos bens, até para que cada um dos cônjuges possa libertar o seu património pessoal da acção dos credores do outro (6).</font><br>
<font>Além do mais, a necessidade do inventário poderá ainda fundar-se no princípio subjacente ao disposto pelo artigo 1768º, do CC, sendo certo que a razão de ser justificativa da judicialidade do divórcio, que consiste na protecção dos interesses de terceiros e, nomeadamente, dos credores, encontra, no inventário para separação de meações, uma redobrada fundamentação(7). </font><br>
<font>I. 4. Aliás, convém não esquecer o terreno bem movediço em que, frequentemente, se movimentam os interesses dos cônjuges, subjacentes à dissolução do casamento, pela via do divórcio, por mútuo consentimento, com acordos mantidos sob a pressão temporária do intervalo que medeia entre a decisão da convolação e a conferência, a que se reporta o artigo 1776º, nº 1, do CC, na qual, por via de regra, aquele é decretado.</font><br>
<font>Nada é, muitas vezes, suficientemente, transparente, nos acordos e documentos com que deve ser instruído o requerimento para o divórcio, por mútuo consentimento, com resultados à vista, em especial, em sede de regulação do exercício do poder paternal, após a prolação da respectiva sentença homologatória, os quais, como baralho de cartas, não raro, se desfazem, num instante. </font><br>
<font> II. DA EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO</font><br>
<font>Porém, a sentença que decretou o divórcio definitivo terá força de caso julgado, no que se refere ao denominado “acordo de partilha parcial dos bens comuns”?</font><br>
<font>A excepção do caso julgado, hoje, de carácter dilatório, verifica-se quando houver repetição de uma causa, o que pressupõe a identidade das acções, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, nos termos do disposto pelos artigos 497º, nº 1 e 498º, nº 1, do CPC.</font><br>
<font>E a identidade de pedido tem lugar, em conformidade com o disposto pelo artigo 498º, nº 3, do CPC, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.</font><br>
<font>Efectivamente, na acção de divórcio, pede-se a dissolução do casamento, enquanto que, no inventário para separação de meações, é pedida a descrição, avaliação e a partilha dos bens comuns, segundo os direitos dos respectivos interessados, razão pela qual se não verifica a excepção do caso julgado.</font><br>
<font>Assim sendo, importa considerar que a sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento, não constituiu caso julgado, relativamente à questão do acordo de partilha parcial dos bens comuns do casal, pois nada decidiu quanto a estes, e aquela só constitui caso julgado, nos precisos limites e termos em que julga, face ao disposto pelo artigo 673º, do CPC, pelo que carece de fundamento legal a conclusão de que a homologação dos acordos, nomeadamente, o que se refere à declaração especificada sobre os bens comuns do casal, constitui caso julgado quanto à posterior partilha dos bens comuns do casal.</font><br>
<font>De facto, o juiz há-de apreciar e homologar os acordos dos cônjuges, relativamente aos filhos menores, se os houver, ao pedido de alimentos do cônjuge que deles careça e ao direito à casa de morada de família(8), sendo certo que não é obrigatório o entendimento prévio quanto à partilha dos bens comuns (9), podendo até nem ser consensual a discriminação sobre a natureza comum, de todos ou alguns deles, mas sem qualquer significado, neste particular, quanto ao decretamento do divórcio.</font><br>
<font>E, na conferência dos cônjuges, os interessados declararam não haver filhos menores do casamento, que a casa de morada de família seria adjudicada ao cônjuge BB, fixando-se ainda o valor da pensão de alimentos, a título definitivo, a pagar a esta, pelo cônjuge AA, em €500,00 mensais.</font><br>
<font>É certo que os interessados declararam, também, que os bens comuns a partilhar, oportunamente, correspondem àqueles cujo arrolamento foi ordenado nos respectivos processos de arrolamento apensos.</font><br>
<font>Contudo, a sentença que decretou o divórcio limitou-se a homologar os acordos respeitantes aos alimentos entre os cônjuges e à casa de morada de família.</font><br>
<font>Não se verifica, pois, a excepção do caso julgado sobre a existência ou inexistência do acordo de partilha parcial dos bens comuns do casal, não podendo, portanto, ser respeitado o aludido acordo, ao contrário do que defendeu o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Importa ainda deixar claro que o processo de divórcio não tem, por via de regra, como objecto, a partilha dos bens do dissolvido casal.</font><br>
<font>A possibilidade de, no âmbito do processo de divórcio, se processar a partilha dos bens do dissolvido casal, apenas veio a ser introduzida pelo DL n.º 324/2007, de 28 de Setembro, que deu nova redacção ao artigo 14°, nº 2, do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, bem como ao artigo 272º, nº 1, b) e aditou o artigo 272º-A, nºs 1 e 2, estes do Código de Registo Civil, introduzindo o denominado «procedimento simplificado de partilha do património conjugal», permitindo, assim, que, no processo de separação judicial de pessoas e bens ou de divórcio, por mutuo consentimento, instaurado na Conservatória, se proceda, também, à partilha dos bens comuns, quer imóveis, quer móveis ou participações sociais sujeitos a registo. </font><br>
<font>Trata-se, no entanto, de um procedimento que apenas pode ter lugar nos divórcios, por mútuo consentimento, instaurados nas Conservatórias do Registo Civil, dependendo de expressa formulação dessa intenção, por parte dos cônjuges requerentes, acompanhada de acordo de partilha sobre os bens comuns do casal.</font><br>
<font>III. DA NATUREZA DA INDEMNIZAÇÃO POR CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO</font>
</p><p><font>Defende ainda o interessado AA que, ao contrário do decidido pelo acórdão impugnado, não deveria ser incluída, na relação dos bens comuns a partilhar, a verba correspondente ao valor de €66.768,93, referente a indemnização recebida, em substituição dos créditos laborais.</font>
</p><p><font>Ficou provado, neste particular, que foi paga ao interessado AA, pela CC-“B... SA”, a quantia de €66.768,93, que aquele recebeu, em final de 2008, a título de compensação pecuniária, de natureza global, alusiva a créditos salariais.</font>
</p><p><font>Tendo os interessados sido casados entre si, segundo o regime supletivo da comunhão de adquiridos, o produto do trabalho dos cônjuges é um bem integrado na comunhão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1721º e 1724º, a), ambos do CC.</font>
</p><p><font>Efectivamente, fazem parte da comunhão as indemnizações, por qualquer causa, que tenham na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho (10).</font>
</p><p><font>Trata-se, no caso em análise, de um quantitativo pago ao interessado AA, pela sua entidade patronal, por ele recebido, em finais de 2008, a título de compensação pecuniária, de natureza global, alusiva a créditos salariais, em conformidade com o preceituado pelo artigo 394º, nº 4, do Código do Trabalho de 2003.</font>
</p><p><font>Dispunha o artigo 393º, do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, aplicável por força do preceituado no artigo 7º, nº 1, da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Novo Código do Trabalho de 2009, que “o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo, nos termos do disposto no artigo seguinte”.</font>
</p><p><font>E o artigo 394º, nº 4, do Código do Trabalho de 2003, preceitua que “se, no acordo de cessação, ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, presume-se que naquela foram pelas partes incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação”.</font>
</p><p><font>Deste modo, a compensação pecuniária, de natureza global, por créditos salariais, recebida pelo interessado AA, presume-se englobar os créditos já vencidos, à data da cessação do contrato, ou exigíveis, em virtude dessa cessação, que aconteceu em finais de 2008, após a data da propositura da acção de divórcio, mas antes da prolação da sentença que decretou o divórcio, por mútuo consentimento. </font>
</p><p><font>Cessando, em princípio, as relações patrimoniais entre os cônjuges com a dissolução do casamento, em consequência do divórcio, os efeitos deste apenas se produzem, a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se, por via de regra, à data da propositura da acção, quanto às aludidas relações, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1688º e 1789º, nº 1, ambos do CC.</font | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rzIGvIYBgYBz1XKvdHtD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1. A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. instaurou acção executiva, com processo ordinário, para pagamento de quantia certa, em 15 de Fevereiro de 1995, no Tribunal Judicial de Elvas, contra A e mulher, B, juntando, como título executivo, a escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada em 5 de Agosto de 1987, "para haver dos executados a quantia de 6919045 escudos" (que inclui capital, juros e despesas), "acrescida de juros vincendos até integral reembolso".<br>
Na petição esclareceu que a fracção que garantia o empréstimo hipotecário foi penhorada e vendida "nos autos de execução n. 9757, a correr termos pela 3.<br>
Secção do 14. Juízo Cível de Lisboa, pelo preço de 5501000 escudos, no qual foram reclamados créditos com privilégio creditório do CRSS de Portalegre, no montante de 2978883 escudos, acrescidos de juros, e ainda as custas processuais que, igualmente, serão pagas à frente do crédito desta Instituição, que ficará, apenas parcialmente paga, permanecendo, ainda, uma dívida significativa" e que "os autos referidos encontram-se pendentes de sentença de graduação de créditos e de conta de liquidação, com vista a ulteriores pagamentos de montantes que, de momento, se ignoram".<br>
E rematou:<br>
"Nestes termos (...) requer (...) se digne mandar citar os executados para, no prazo legal, pagarem à exequente<br>
às importâncias em dívida ou nomearem bens à penhora (...)".<br>
2. O Excelentíssimo Juiz, no despacho liminar, absolveu os Executados da instância, com fundamento em litispendência.<br>
3. Inconformada, a Exequente agravou, mas sem êxito.<br>
No Acórdão da Relação de Évora, de 8 de Fevereiro de 1996, escreveu-se:<br>
"A exequente parece nem sequer apresentar um pedido ilíquido mas verdadeiramente incerto.<br>
Na verdade, alegando a pendência de outra execução à qual concorreu, diz não saber que parte dos débitos dos executados será coberta pelo produto da venda do prédio dado de hipoteca, e já judicialmente alienado. É certo que poderá entender-se que acaba por reconduzir o pedido ao montante global do débito dos executados para consigo, já que atribui esse valor à execução (...). No entanto não pode contornar-se a alegação de que parte do pagamento da dívida está garantida.<br>
Estas circunstâncias, globalmente tomadas, tornam o pedido ininteligível, suscitando o problema de uma ineptidão inicial (art. 193 n2, alínea a)), tanto mais que sempre teriamos de convocar para as proximidades do campo em que a resolução da questão se coloca, a norma do artigo 805 n. 1 do Código de Processo Civil, acaso partíssemos do modelo da propositura de uma execução por quantia ilíquida.<br>
Nesta última hipótese, a ininteligibilidade era a mesma, porque a exequente não determinou, nem está em condições de determinar, por conta aritmética, o quantum do pedido.<br>
Assim sendo, visto o disposto nos artigos 801 do Código de Processo Civil e 193 n. 2 do mesmo Diploma, porque o despacho recorrido há-de manter-se, não pelas razões nele invocadas mas pelas que ficam agora aduzidas, improcedendo pois a pretensão de prosseguimento de execução que o recorrente formulou nas conclusões, decidem pela improcedência de recurso, ficando indeferido liminarmente o requerimento inicial da execução nos termos defendidos".<br>
4. Novamente irresignada, a Exequente recorreu para este Supremo Tribunal, pugnando pela revogação do Acórdão e pelo consequente prosseguimento da execução, tendo culminado a sua alegação com estas conclusões:<br>
I - A recorrente, na "sua petição inicial de execução, liquidou clara e expressamente o seu crédito, à data de 17 de Novembro de 1994, em 6919045 escudos, discriminando-o, quer em capital, quer em juros e despesas".<br>
II - Ao referir "na sua referida petição inicial que o imóvel, que então seria de garantia hipotecária ao mútuo contratado, havia sido penhorado e vendido numa outra execução movida por um terceiro contra os mesmos executados e nela havia reclamado o seu crédito e que não iria receber pagamentos na totalidade em face de terem sido igualmente nela reclamados créditos com privilégio creditório, tem valor meramente informativo".<br>
III - "A ora recorrente como credora, não obstante ter reclamado os créditos numa execução de terceiros (credores) movida contra os mesmos devedores, não estava impedida de instaurar execução própria pela totalidade da dívida contra os mesmos, até porque se o não fizesse correria o risco de deixar prescrever juros que se vencem para além de cinco anos".<br>
IV - "O crédito peticionado é pois notoriamente líquido, certo e inteligível", pelo que "o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou ostensivamente o disposto no artigo 805 do Código de Processo Civil".<br>
5. Não foram apresentadas contas-alegações.<br>
Colhidos os vistos cumpre decidir.<br>
6. De harmonia com o estatuído no artigo 802 do Código de Processo Civil, "não pode promover-se a execução enquanto a obrigação se não torne certa e exigível, caso o não seja em face do título".<br>
Com a ocorrência da certeza e da exigibilidade da prestação não se poderá promover a própria execução.<br>
Todavia, diversamente do que sucedia na vigência do Código de Processo Civil de 1939, a iliquidez da obrigação não constitui, hoje, obstáculo à instauração do processo executivo.<br>
E quando se poderá falar da incerteza ou da iliquidez da obrigação?<br>
A obrigação é certa sempre que a respectiva prestação se encontra qualitativamente determinada, "ainda que esteja por liquidar ou por individualizar".<br>
Ao invés, a obrigação não é certa quando esteja por fazer a determinação ou escolha, entre uma pluralidade, da prestação, quer essa escolha incumba ao credor ou a terceiro, quer pertença ao próprio devedor.<br>
É o que acontece nos casos de obrigações alternativas e nos casos de obrigação genérica de objecto qualitativamente indeterminado (cfr. artigos 400, 539 e 543 do Código Civil e artigo 803 do Código de Processo<br>
Civil).<br>
Por seu turno, obrigação ilíquida é aquela "em cuja prestação é essencial uma quantidade que não está numericamente determinada".<br>
Se se tiver um título executivo contendo uma obrigação ilíquida ou indeterminada, nada obsta, como dissemos, à instauração da execução.<br>
O que acontece é que a liquidação - ou seja, a conversão da obrigação em líquida - tem lugar na fase liminar do processo executivo, embora já no decurso deste.<br>
Liquidação que - frise-se - será efectuada, consoante as hipóteses, ou pelo exequente, ou pelo tribunal, ou por árbitros, nos termos dos artigos 805, 806 e 809 do Código do Processo Civil (cfr. Lebre de Freitas, "A<br>
Acção Executiva", 1993, páginas 65/70; Anselmo de Castro, "A Acção Executiva Singular, Comum e Especial", 1970, páginas 49/52; Castro Mendes, "Acção Executiva", 1971, páginas 15/16; e Lopes Cardoso, "Manual de Acção Executiva", 3. edição, páginas 193, 194 e 199).<br>
7. Perante estes princípios jurídicos, esquematicamente enunciados, é incontroverso que o indeferimento liminar do requerimento executivo, decretado no Acórdão impugnado, não pode subsistir.<br>
É que, em face da ajuizada escritura pública, que serve de título executivo, a obrigação exequente - que não reveste a natureza nem de obrigação alternativa, nem de obrigação genérica - é, indubitavelmente, certa, estando qualitativamente determinada.<br>
Além disso, a prestação encontra-se numérica ou quantitativamente determinada - é, por conseguinte, líquida -, sendo, por outro lado, claramente inteligível o pedido formulado.<br>
Com efeito, a exequente requereu a citação dos Executados para lhe pagarem as quantias em dívida - ou seja, a importância global de 6919045 escudos (5499650 escudos de capital + 1416415 escudos de juros vencidos + 2980 escudos de despesas), adicionadas de juros vincendos.<br>
De realçar, também, que, conquanto essas quantias - segundo o esclarecimento prestado pela Exequente no requerimento executivo - tenham sido reclamadas na execução n. 9757, movida por outro credor, a verdade é que ainda nada recebeu, uma vez que "os autos referidos encontram-se pendentes de sentença de graduação de créditos".<br>
8. E poderia a pretensa excepção dilatória da litispendência (decorrente do facto de a Exequente, depois de ter reclamado o seu crédito na apontada execução, ter vindo, agora, instaurar o presente processo executivo) desencadear a "absolvição da instância" dos Executados - no despacho liminar -, conforme se havia decidido na 1. instância?<br>
Obviamente que não.<br>
A excepção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa "estando a anterior ainda em curso".<br>
E a causa repete-se "quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir".<br>
"A litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar", considerando-se "proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu já citado posteriormente" (cfr. artigos 288 n. 1, alínea d), 493, ns. 1 e 2, 494 n. 1, alínea g), 495, 497 n. 1, 498 n. 1 e 499 n. 1 do Código de Processo Civil).<br>
9. Ora, tem-se entendido - e bem - que em processos executivos a litispendência só funciona quando são penhorados os mesmos bens, de acordo com o artigo 871 do mesmo Diploma (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Outubro de 1988, CJ, XIII, 4., página 124, e Acórdão da Relação do Porto de 13 de Novembro de 1990, CJ, XV, 5., página 186).<br>
A aceitar-se a existência de litispendência na situação em apreço, a Exequente corria o sério risco de, no caso de pouco ou nada receber no processo em que reclamou o seu crédito, ficar sem possibilidades de obter a sua plena satisfação em processo executivo. Bastava que, entretanto, os Executados se fossem despojando de todos os seus bens, ou que outros credores lhes movessem novas execuções.<br>
Saliente-se, aliás, que, na hipótese de a Exequente vir a obter a satisfação - na íntegra ou em parte - do seu crédito no processo em que o reclamou, o que vier a receber será considerado na presente execução, assistindo-se, então, à sua extinção - total ou parcial - pelo pagamento.<br>
10. De todo o modo, mesmo que se considerasse verificada, no caso, a litispendência, nunca dela se poderia conhecer no despacho liminar.<br>
É que, a litispendência, além de não figurar no elenco do n. 1 do artigo 474, deve ser aduzida - como já vimos - na acção em que o réu foi citado em segundo lugar.<br>
Logo, a sua invocação pressupõe que a citação se encontra feita, o que significa que já foi ultrapassada a fase do indeferimento liminar (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Maio de 1985, C.J., X, 3., página 68).<br>
Em suma: é inadmissível o indeferimento liminar com fundamento em litispendência.<br>
11. Pelo exposto, dando-se provimento ao agravo, revoga-se o Acórdão recorrido a determinar-se o prosseguimento da execução, com observância do disposto na primeira parte do n. 4 do artigo 475 do Código de Processo Civil.<br>
Custas, incluindo as das Instâncias, pelo vencido a final, adiantando-as, desde já a Exequente nos termos do artigo 142 n. 1 do Código das Custas Judiciais.<br>
Lisboa, 10 de Dezembro de 1996.<br>
Silva Paixão,<br>
Fernando Fabião,<br>
César Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rzIQvIYBgYBz1XKvWoee | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1 - No Tribunal de Círculo de Paredes, A accionou o Estado Português atinente a obter a sua condenação no pagamento de 11600000 escudos, com juros desde a citação como indemnização pelos danos materiais de 6600000 escudos e não patrimoniais de 50000000 escudos por si sofridos por ter estado preso devido a sentença condenatória, por prática de crime de burla, injusta e ilegalmente.<br>
O Estado Português, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público contestou por excepção e por impugnação.<br>
A excepção foi julgada improcedente no saneador, que transitou.<br>
Proferiu-se sentença - folhas 166 a 170 - que julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Estado Português tão somente por danos não patrimoniais, no montante de 750000 escudos, acrescido de juros.<br>
A. e R. apelaram.<br>
O douto Acórdão da Relação do Porto folhas 206 a 211 manteve o decidido.<br>
Daí a presente revista interposta pelo A. e pelo R., subordinadamente.<br>
2-1 O Autor nas suas alegações conclui: a) São factos notórios a levar em conta na apreciação do mérito: a existência de remuneração para o trabalho dos cidadãos e a existência de remunerações mínimas que o próprio recorrido garante produzindo leis para tal. b) Não conhecendo factos notórios o douto Acórdão recorrido violou o artigo 514 n. 1 do Código de Processo Civil. c) Não se pode dizer que se trata de recursos à pareceria de liquidação em execução de sentença por falência de prova, pois que:<br>
- nem houve a rotunda falência de prova, mas, pelo contrário, há factos provados e considerados e outros notórios que devem ser considerados.<br>
- é a própria lei que aconselha e impõe até a liquidação em execução de sentença mesmo quando não existe suporte fáctico para tal - artigo 462 n. 3 do Código de Processo Civil. d) O douto Acórdão recorrido violou o artigo 462 n. 3 do Código de Processo Civil e o disposto nos artigos<br>
494 e 496 do Código Civil. e) A quantia de 750000 escudos é diminuta para ressarcimento dos danos não patrimoniais. f) A decisão violou os artigos 494 e 496 do Código Civil e os princípios gerais do direito.<br>
Conclui pela condenação do recorrido em quantia a liquidar em execução de sentença quanto aos danos patrimoniais e, em 5000000 escudos ou outra justa e equitativa, para os danos não patrimoniais.<br>
2 - Subordinadamente o Ministério Público conclui: a) A situação económica do lesado não justifica que a mesma seja fixada em montante elevado. b) O circunstancialismo fáctico fixado permite concluir que a solidão, a angústia e o traumatismo psicológico resultante dos dez meses de prisão sofridos, não foram elevados. c) A indemnização justa pelos danos não patrimoniais sofridos não deverá ser superior a 200000 escudos.<br>
Foram, assim, violados os artigos 690 do Código de Processo Penal de 1929, 496 n. 3 e 494 do Código Civil e 293 n. 6 da Constituição.<br>
Como recorrido contra-alegou.<br>
3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - Está assente pela Relação: a) O A. A residiu em Rio Tinto, tendo-se depois mudado para a Lousada. b) Em ambas o réu, não foi, mercê de mudança de residência, notificado do dia designado para o julgamento no processo de querela n. 256/86, a que se encontrava apenso o processo correccional n. 33/87. c) Julgado à revelia no 1. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, veio a ser condenado por um crime de burla previsto e punido pelo artigo 313 do Código Penal na pena de 2 anos de prisão, de que lhe foi perdoado 1 ano, nos termos do artigo 13 n. 1 alínea b) lei 16/86, de 11 de Junho. d) Na sequência dos mandados de captura contra ele emitidos, veio a ser preso em 21 de Agosto de 1988 para cumprimento de 1 ano de prisão. e) Requereu então a marcação de novo julgamento, pretensão que lhe foi indeferida em 21 de Setembro de<br>
1988. f) Face a esse indeferimento, apresenta recurso de revisão que foi admitido e julgado procedente em 21 de Junho de 1989. g) Na decisão que concedeu revisão foi desligado do processo à ordem do qual cumpria pena. h) Julgado em Novembro de 1989 foi finalmente absolvido. i) Na ocasião (da prisão) reparava automóveis numa casa que possuía em Leiria. j) Em virtude de ter sido preso, deixou de exercer essa actividade. l) Enquanto esteve preso, sentiu-se só e passou por estado de angústia e de privação. m) O tempo de prisão que sofreu traumatizou-o psicologicamente. n) Como do seu certificado do registo criminal se vê, em pouco mais de 3 anos, o Autor sofreu 17 condenações em processos crime por crimes de emissão de cheques sem cobertura, duas por crime de desobediência previsto e punido no artigo 285-A do Código de Processo Penal e, além do referido nestes autos, uma outra, no Porto, também à revelia, por burla previsto e punido no artigo 313 do Código Penal. o) Em 22 de Maio de 1987 e em 8 de Fevereiro de 1988 foram, por tribunais do Porto, emitidos contra ele mandados de captura que não chegaram a ser cumpridos.<br>
5 - Não se discute o direito à indemnização.<br>
Discute-se:<br>
- se há anos patrimoniais a ressarcir;<br>
- o montante dos danos não patrimoniais;<br>
6 - Danos patrimoniais.<br>
Os danos patrimoniais reclamados pelo A. foram descritos nos quesitos 1 a 4.<br>
Das respostas - folha 164 - constata-se que se provou que o A. reparava automóveis numa casa que possuía em Leiria e que, por ter sido preso, deixou de exercer essa actividade.<br>
Não se provou que se dedicasse à aquisição, reparação e venda de veículos usados ou sinistrados e que, como tal, auferisse, em média, 600000 escudos mensais.<br>
Perante este quadro fáctico o recorrente sustenta:<br>
- A remuneração do seu trabalho na reparação de automóveis é facto notório, que não carece de prova;<br>
- a lei impõe a liquidação em execução de sentença.<br>
Não tem razão.<br>
Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral - n. 1 do artigo 514 do Código de Processo Civil.<br>
A lei admitiu o conhecimento e não conceito objectivo, fundado no interesse, como critério para surpreender a notoriedade.<br>
Só que não basta qualquer conhecimento, "é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau da difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de cometer de certeza" - A. Reis, Anotado volume III, Páginas 259-260.<br>
E como a notoriedade implica a ideia de publicidade, ele terá de ser conhecido da grande maioria dos cidadãos.<br>
Daí que a remuneração no seu aspecto quantitativo não é apreendida por aquela generalidade, sem apoio de base probatória.<br>
Por outro lado o n. 2 do artigo 661 do Código de Processo Civil permite que o tribunal condene no que se liquidar em execução de sentença "se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade".<br>
A sua aplicabilidade não depende de ter sido formulado um pedido genérico.<br>
"Mesmo que o A. tenha deduzido na acção um pedido de determinada importância indemnizatória, se o tribunal não puder averiguar o valor exacto dos danos, deve relegar a fixação da indemnização, na parte que não considerar ainda provada, para a execução de sentença<br>
(Código Civil artigo 561, Código de Processo Civil artigo 661 n. 2) - Prof. Vaz Serra, Rev. Leg. Jurisp. 114, Página 310.<br>
Com efeito, o apuramento dos pressupostos do dever de indemnização cabe à fase declarativa e não à fase executiva.<br>
Fracassada como fracassou, a prova, não há possibilidade de recurso a condenação em execução de sentença.<br>
Por isso a lei manda - parte final do n. 2 do artigo 661 - que se condene imediatamente na parte do pedido que foi possível liquidar, quando houver já dados suficientes para calcular a indemnização correspondente a alguns dos danos.<br>
Tudo porque "a carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram alegados e submetidos a prova, embora não se tivessem provado, mas sim à inexistência de factos provados, porque estes factos ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução, quando da propositura de acção ou que como tais se apresentavam no momento da decisão dos factos" - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 1995 - Processo 86528.<br>
7 - Danos não patrimoniais.<br>
Pelo n. 3 do artigo 496 do Código Civil eles serão fixados equitativamente pelas circunstâncias referidas no artigo 494 - grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.<br>
Perante este quadro temos uma prisão indevida de dez meses que o traumatizou psicologicamente, durante o qual se sentiu só, passando por estados de angústia e de privação.<br>
Há que equacionar as múltiplas condenações que sofreu e os mandados de captura contra si emitidos que não chegaram a ser cumpridos.<br>
Estes relevantes vectores foram destacados e ponderados pelas instâncias.<br>
Criteriosamente.<br>
Só que, o peso sentido pelo A. devido aos dez meses em que esteve indevidamente preso, determinando-lhe solidão e estados de angústia e de privação, não foi devidamente valorado.<br>
Dez meses é bastante tempo, mesmo posto em equação com a personalidade do A. refractária a uma conduta limpa, correcta e em consonância com os valores pautados pela lei.<br>
Por isso se reputa a quantia de 1000000 escudos, como devida compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A..<br>
8 - Termos em que, concede-se, em parte, a revista, condenado-se o R. a pagar ao A. a quantia de 1000000 escudos, como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A. e confirmando-se em tudo o mais o douto Acórdão recorrido.<br>
Custas pelo A., na proporção de vencido, estando o Estado isento.<br>
Lisboa, 26 de Setembro de 1995.<br>
Torres Paulo,<br>
Ramiro Vidigal,<br>
Cardona Ferreira.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sTJMvIYBgYBz1XKv6_PW | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>A clausula 19 do pacto social da Sociedade Comercial A, Limitada, constituida na Vila de Alcacer do Sal por escritura de 4 de Maio de 1923, diz que "todas as duvidas ou questões sobre assuntos respeitantes ao contrato, entre os socios ou entre estes e a sociedade, serão decididas amigavel, sumariamente e, sem recurso, por arbitros, para o que eles, outorgantes, por si e seus herdeiros ou representantes, se obrigam a celebrar os respectivos compromissos, ficando aquele que faltar ao cumprimento desta clausula obrigado a pagar, como pena convencional a quantia de 15000 escudos, cujo destino a Sociedade determinara".<br>
Em assembleia geral extraordinaria de 24 de Dezembro de 1954, foi deliberado dar nova redacção a um outro artigo do referido pacto social, contra o que protestaram os socios B, sua esposa, C, proprietarios, D, viuva, proprietaria, e E, viuva, proprietaria, todos residentes em Alcacer do Sal e representantes do falecido socio A, os quais, depois, invocando o artigo 1565 do Codigo de Processo Civil, requereram ao Senhor Juiz da comarca de Alcacer do Sal a notificação daquela Sociedade para se comprometer em arbitros que decidissem a questão nascida daquela divergencia.<br>
Feita a notificação, a Sociedade agravou do despacho que a ordenara, baseando-se em que o referido artigo não pode compeli-la ao cumprimento especifico daquela clausula compromissoria porque ela foi estabelecida na vigencia do Codigo de Processo de 1876, que não impunha tal compromisso.<br>
A Relação deu provimento ao agravo, por entender que, com efeito, a mencionada clausula compromissoria não deve sujeição aquele artigo 1565, na parte em que este impõe a celebração do compromisso, por se tratar de materia de direito substantivo e ter sido a clausula pactuada na vigencia do Codigo de 1876, que não obrigava a tal celebração.</font><br>
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Do respectivo acordão foi trazido, pelos mencionados socios, agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, que lhe negou provimento, sancionando a decisão da Relação, por seu acordão de folhas 90.</font><br>
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Interpuseram então os agravantes recurso para o Tribunal Pleno, sob a alegação de que esse acordão esta em oposição com os acordãos, tambem deste Supremo Tribunal, de 12 de Janeiro de 1945 e 5 de Abril de 1946, publicados, respectivamente, a paginas 19 do ano 5 e 109 do ano 6, do Boletim Oficial do Ministerio da Justiça.</font><br>
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A Secção, por seu acordão de folhas 186, reconheceu a existencia dessa oposição, a qual, de resto, desde logo fora reconhecida no acordão recorrido.<br>
Alegaram as partes nos termos do artigo 765 do Codigo de Processo Civil e deu-se cumprimento ao disposto no artigo 766.</font><br>
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Os recorrentes assentam o recurso, substancialmente, em que:<br>
I - Aquela clausula 19 constitui o chamado "contrato processual", cujo conteudo (ou efeitos), de natureza adjectiva, são exclusivamente a derrogação da competencia da jurisdição ordinaria e a estatuição da competencia do Tribunal Arbitral;</font><br>
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II - O artigo 1565 do Codigo de Processo Civil apenas veio assegurar no meio tecnico juridico de realização do conteudo da clausula compromissoria, isto e, de estatuição do Tribunal Arbitral;<br>
III - Trata-se de norma de organização judiciaria e por isso de natureza processual ou adjectiva;</font><br>
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IV - Não ha que invocar quanto a ela o artigo 8 do Codigo Civil, ja por ser norma de natureza adjectiva, ja porque a sua aplicação não ofende direitos substantivos adquiridos, mas meros direitos objectivos ou poderes legais;<br>
V - O artigo 1565 não pode ser simultaneamente preceito de natureza adjectiva e preceito de natureza substantiva.</font><br>
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O ilustre representante do Ministerio Publico junto das Secções Civeis deste Supremo Tribunal, em seu doutissimo parecer, opina que deve lavrar-se assento no sentido de que a obrigatoriedade do compromisso estabelecida no citado artigo 1565 não e aplicavel as clausulas compromissorias anteriores a vigencia do Codigo actual.<br>
Tudo visto:</font><br>
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O Codigo Civil define, o artigo 3, o direito civil ou substantivo como sendo o regulador dos direitos e obrigações limitadas as relações reciprocas dos cidadãos entre si, como meros particulares, ou entre os cidadãos e o Estado, em questões de propriedade ou de direitos puramente individuais, direitos e obrigações que constituem a capacidade civil dos cidadãos e são regidos pelo direito privado.</font><br>
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Direito processual ou adjectivo e o que regula a maneira de fazer valer e defender os direitos perante a justiça, constituindo um ramo de direito publico.<br>
Esta em recurso a questão de saber se o mencionado artigo 1565 na parte que impõe aos contraentes de clausula compromissoria a celebração do compromisso, a requerimento de um deles, abrange as clausulas compromissorias estipuladas na vigencia do Codigo de 1876.<br>
Ha que averiguar se estamos na presença de uma determinação de direito processual ou se ela e, pelo contrario, de natureza substantiva, e isso pela influencia da distinção perante o preceito do artigo 8 do Codigo Civil, que veda efeito retroactivo a lei civil, salvo tratando-se da lei interpretativa, a qual e aplicada retroactivamente se dessa aplicação não resultar ofensa de direitos adquiridos.</font><br>
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O Codigo de Processo Civil de 1876 no artigo 44, permitia que se decidissem por arbitros as questões sobre que pudesse transigir-se, e dispunha o artigo 45 do mesmo diploma que o compromisso respectivo deveria celebrar-se por escritura.</font><br>
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Se, porem, convencionado o juizo arbitral, uma parte quisesse derimir a questão por essa forma e a outra não anuisse, não tinha aquela meio de compelir esta a celebração do compromisso, a falta de preceito de que pudesse socorrer-se para tanto.</font><br>
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A clausula era considerada valida, mas ineficaz para assegurar o cumprimento especifico, so dando lugar, quando recusada a celebração do compromisso por um dos contraentes, ao pagamento de uma indemnização pelo remisso a favor do cumpridor, em função das regras aplicaveis ao incumprimento dos contratos.</font><br>
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O Codigo de Processo Civil actual tornou possivel o cumprimento especifico da clausula compromissoria, no mencionado artigo 15665, dando a parte cumpridora o poder de compelir a parte remissa a celebração do compromisso.<br>
Com efeito, depois de estabelecer a validade da convenção compromissoria, que ja era admitida pela doutrina e pela jurisprudencia, dispõe que, "estipulada a clausula compromissoria, se surgir alguma questão abrangida por ela e uma das partes se mostrar remissa a celebrar o compromisso, pode a outra parte requerer ao tribunal da comarca do domicilio daquela que a mande notificar pessoalmente para comparecer perante ele, a fim de se comprometer em arbitros".</font><br>
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E institui tambem medidas de suprimento para o caso de falta do notificado ou sua recusa a nomear arbitros.</font><br>
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Esta ultima parte e, como a relativa a notificação do remisso, nitidamente de direito processual, sobre o que não ha divergencia.</font><br>
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Mas tera tambem natureza adjectiva a propria faculdade de compelir o remisso a celebração do compromisso arbitral?</font><br>
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O acordão em recurso decidiu que não, atribuindo-lhe, pelo contrario, natureza substantiva, e por isso considerou o preceito inextensivo, nessa parte, a discutida clausula, como constituida na vigencia da legislação anterior e dado o disposto no artigo 8 do Codigo Civil.</font><br>
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Os acordãos oferecidos para confronto julgaram em sentido oposto.<br>
O primeiro decidiu que, estipulada no dominio do Codigo de Processo Civil de 1876, em apolice de seguro, uma clausula compromissoria determinando a sujeição previa de questão sobre sinistros ao Tribunal Arbitral, de forma a que nenhuma acção judicial possa ser intentada antes da sentença arbitral, ha lugar, no caso de litigio, e na vigencia do actual Codigo, ao cumprimento do disposto no artigo 1565.</font><br>
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E decidiu o segundo ser de fazer a notificação para o compromisso do artigo 1565 do Codigo de Processo Civil em relação a uma clausula compromissoria constante de escritura de 16 de Novembro de 1935.<br>
E, pois, manifesta a posição invocada, sobre a mesma questão de direito; e, porque se trata de processos diferentes e de decisões proferidas no dominio da mesma legislação e se presume o transito dos acordãos indicados para confronto, estão verificados os pressupostos do artigo 763 e seus paragrafos, do Codigo de Processo Civil.</font><br>
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Vejamos, pois, o recurso:</font><br>
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O referido artigo 44 do velho Codigo dava as partes a liberdade de adoptar ou não o juizo arbitral, e a adopção tinha por base uma convenção contratual.<br>
Nas mesmas liberdade e formação contratual assenta o artigo 1565 do Codigo actual.</font><br>
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O Estado não tem qualquer ingerencia na escolha do juizo arbitral, a qual, portanto, esta fora do ambito do direito adjectivo.</font><br>
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A clausula compromissoria e, pois, de essencia civil ou substantiva. Pelo Codigo antigo, o contraente cumpridor não tinha preceito que lhe assegurasse o cumprimento especifico da obrigação assumida pelo outro contraente, de se submeter ao juizo convencionado.</font><br>
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Adquiria pela clausula, um direito afinal incompleto.</font><br>
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O Codigo actual possibilitou o cumprimento especifico tornando obrigatoria a celebração do compromisso a requerimento da parte cumpridora.<br>
Medida de direito publico processual?</font><br>
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Respondemos afoitamente que não.</font><br>
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O compromisso, em si, não e formalidade processual.</font><br>
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Dele dizia Dias Ferreira que "e verdadeiro contrato que parece ate derivar o seu nome da promessa que as partes antigamente faziam de pagar certa soma, se depois não estivessem pela decisão arbitral" - Processo Civil Anotado, volume I, pagina 106. E acto de direito privado.<br>
A obrigatoriedade de compromisso aparece no artigo 1565, não como formalidade judiciaria adequada a fazer funcionar um direito preexistente, mas sim com a função de integrar um direito incompleto ou imperfeito o direito de fazer julgar a questão por arbitros.</font><br>
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Aquele artigo 1565 acrescentou a esse direito o poder que lhe faltava, tornando o compromisso inerente a obrigação resultante da convenção, assegurando dessa forma a eficacia do mesmo direito.</font><br>
<font>Essa função asseguradora e nitidamente civil, pois que a lei civil, alem de reconhecer e especificar direitos e obrigações, mantem e assegura a fruição daqueles e o cumprimento destas, como e lição do artigo 5 do Codigo Civil.<br>
A forma de exercer judicialmente esse poder assegurador e que e do dominio do direito processual.<br>
Por isso se tem como exacta a afirmação do acordão recorrido, de que, tornando o compromisso obrigatorio, o artigo 1565 criou direito, alargando os efeitos da convenção compromissoria.<br>
Para atacar estas razões, dizem os recorrentes que uma norma não pode ser simultaneamente de direito substantivo e de direito adjectivo, mas ha manifesto vicio no raciocinio.<br>
E evidente que uma norma singela não pode ser ao mesmo tempo de direito substantivo e de direito processual,mas outro não pode afirmar-se quanto a uma disposição complexa, como e a do artigo 1565 do Codigo de Processo Civil, pois que as disposições desse tipo podem conter normas de natureza diferentes.<br>
Tal preceito e de direito substantivo na parte em que tem por valida a clausula compromissoria e por obrigatorio o compromisso a requerimento da parte contraria, e de direito processual na parte em que determina o modo de fazer funcionar essa obrigação do compromisso.<br>
Louvam-se tambem os recorrentes para fazer submeter aquela obrigatoriedade aos dominios do direito adjectivo, na doutrina dos chamados negocios juridicos processuais.<br>
Certos tratadistas de direito, não obstante a diversidade existente entre relação processual e relação contratual, mas porque em muitos casos a vontade das partes determina efeitos juridicos no processo, pretendem transportar para o campo do direito adjectivo a doutrina do negocio juridico no direito privado. Hugo Rocco, um dos criadores da ideia, ainda deficiente e imperfeita no dizer do professor Doutor A. Reis, Processo ordinario e sumario, pagina 164 - começa por distinguir entre actos processuais e actos extraprocessuais. Quanto a estes, diz aquele professor, no lugar citado, ao expor a doutrina daquele tratadista italiano: "As partes realizam certos actos juridicos com um conteudo processual, mas porque, os realizam fora do processo e antes mesmo de existir o processo, não podem incluir-se tais actos na categoria dos negocios juridicos processuais. E o que sucede com o compromisso arbitral, com a chamada clausula compromissoria, com o pactum de non petendo e o pactum de foro prorogado. Trata-se de negocios juridicos extraprocessuais, regulados pelos principios de direito privado, mas que produzem efeitos de caracter processual. Daqui flui que a invocação da teoria dos negocios de direito processual não se quadra a tese dos recorrentes.<br>
E coincidente com aquele conceito de Rocco a exposição da doutrina feita pelo Doutor Manuel Rodrigues,<br>
Lições de Direito Processual Civil, coligidas por João de Matos e Sant'Ana Godinho, pagina 130. Ai se diz, a proposito dos negocios juridicos processuais, que são negocios no processo "e assim se distinguem dos negocios de direito processual e extraprocessuais, que são declarações de vontade que não fazem parte integrante do processo e são regulados pelos principios de direito privado".<br>
Reconhecida, assim, a natureza substantiva da referida obrigatoriedade do compromisso arbitral, o problema que resta e de aplicação da lei civil no tempo.<br>
Ora, como diz o ilustre representante do Ministerio Publico em seu douto parecer, nenhuma das teorias sobre a não retroactividade das leis da guarida a pretensão de submeter a clausula que se discute ao citado artigo 1565.<br>
Para a teoria classica dos direitos adquiridos - que inspirou o artigo 8 do nosso Codigo Civil, a lei nova respeita todos os direitos adquiridos no periodo da vigencia da lei antiga, e so as simples expectativas ou faculdades juridicas podem ser livremente alteradas pela nova lei.<br>
Ora pela clausula compromissoria de que se trata logo foi reconhecido aos contraentes o direito de renuncia ao juizo arbitral convencionado e ate fixado o montante da indemnização a pagar pelo renunciante ao contraente cumpridor, estando-se, portanto, em face de direito adquirido na vigencia da lei antiga.<br>
Para a teoria que distingue as situações juridicas objectivas, ou poderes legais, das subjectivas ou individuais, so estas são de respeitar pela nova lei, mas no caso em analise, quando surgiu a nova lei, subjectivara-se ja nos contratantes, por um acto de vontade - a convenção - o poder legal objectivo, ao tempo existente, de renunciar ao juizo convencionado.<br>
Para a teoria do facto passado (factum praeteritum, os factos são regulados pela lei vigente ao tempo em que se realizam e essa mesma lei se aplica aos efeitos ou consequencias juridicas desses factos, e certo e que a renuncia apareceria aqui como efeito do regime legal das clausulas compromissorias na vigencia do Codigo de 1876.<br>
A obrigatoriedade do compromisso instituida no citado artigo 1565 não e, pois, extensiva a clausula compromissoria em causa.<br>
Outras reflexões podia suscitar o assento, baseadas no caracter supletivo das normas reguladoras das relações contratuais e sua influencia para com as estipulações compromissorias com reserva da faculdade de renuncia, mas isso e materia que excede, porventura, os limites do recurso.<br>
Pelo exposto, acordam os do Supremo Tribunal de Justiça em confirmar o acordão recorrido, negando, assim, provimento ao recurso.<br>
E estabelecem o seguinte assento:<br>
O artigo 1565 do Codigo de Processo Civil, na parte em que confere o direito de efectivar o compromisso arbitral, não e aplicavel as clausulas compromissorias estipuladas na vigencia do Codigo de 1876.<br>
Custas pelos recorrentes. </font><br>
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<font>Lisboa, 23 de Julho de 1957</font><br>
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<font>Agostinho Fontes (Relator) - A. Sampaio Duarte - Sousa Carvalho - Eduardo Coimbra - Carlos Saavedra - Lopes Cardoso - Perestrelo Botelheiro - Sousa Pinto - Julio M. de Lemos - Piedade Rebelo - A. Gonçalves Pereira - Mario Cardoso - Lencastre da Veiga - A. Baltasar Pereira.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8TK8u4YBgYBz1XKvtjnk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
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<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
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<p><font>I - No Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, o Município de Rio Maior, em acção com processo ordinário, intentada contra AA e mulher </font><font>BB, </font><font>pediu que, com a procedência da acção, seja "anulada parcialmente a sentença homologatória de fls que reconheceu serem os RR proprietários da parcela de terreno com 800 m2, que constitui o artigo 24° secção A da freguesia de Rio Maior, prédio que se encontra omisso na Conservatória do registo Predial de Rio Maior, confrontando de Norte e Poente com estrada e Sul e Nascente com AA, por erro sobre os motivos por parte do Município de Rio Maior". </font>
</p><p><font>Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, que, em anterior acção intentada pelos agora Réus contra o agora Autor, foi celebrada transacção entre as partes, na qual o Município reconheceu a propriedade dos aí Autores em relação àqueles 800 m2, parcela que, entre outras</font><font>, </font><font>aqueles reivindicavam na dita acção, e que o Autor apenas celebrou aquela transacção, nos exactos termos que da mesma consta, por desconhecer que aquela parcela de 800 m2 integrava o seu domínio privado, desconhecimento este que os agora Réus conheciam, tal como sabiam que o então Réu nunca transaccionaria sobre um bem do seu património sem contrapartida financeira</font><font>, </font><font>como foi o caso. </font>
</p><p><font>Na sua contestação, os Réus arguiram a excepção dilatória de caso julgado e, em defesa por impugnação, alegaram que, na sua contestação (depreende-se que na outra acção), o então Réu alega (não desconhece) a situação dos 800 m2 que denomina de baldio, aliás, para o Réu, na altura, quase só o prédio urbano é que era propriedade dos Autores, concluindo a pedir a improcedência da acção. </font><br>
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</p><p><font>Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a </font><font>i</font><font>nvocada excepção de caso julgado e em que se decidiu "Julgar a presente acção procedente, por provada e, em consequência declarar a anulação da declaração negocial do autor, na cláusula primeira da transacção celebrada em 27-5-2005 nos autos de acção ordinária 307</font><font>/</font><font>03.5TBRMR do 1 </font><font>° </font><font>juízo do </font><font>t</font><font>ribunal judicial de Rio Maior, na parte em que reconhece o direito de propriedade dos réus (ali autores) sobre a parcela de 800 m2". </font>
</p><p><font>Após apelação dos Réus, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, segundo o qual se concedeu provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, absolvendo-se os Réus do pedido. </font>
</p><p><font>Veio, então, o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido. </font>
</p><p><font>O recorrente apresentou alegações e respectivas conclusões, onde argui a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia e invoca que o acórdão fez errada interpretação das normas dos artigos 247° e 25</font><font>1 </font><font>° do Código Civil, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que dê provimento ao recurso, anulando parcialmente a transacção celebrada em conformidade com o pedido e com o decidido na 1 a instância. </font><br>
</p><p><font>Os recorridos não contra-alegaram. </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font>II - Ao abrigo do disposto no artigo 713°, nO 6, aqui aplicável por força do artigo 726°, ambos do Código de Processo Civil (CPC)</font><font>, </font><font>remete-se para a fundamentação de facto constante do acórdão recorrido, a qual se dá por reproduzida. </font>
</p><p><b><font>11I </font></b><font>- 1. Na sentença proferida na 1 a instância, a Senhora Juíza, depois de aludir à figura jurídica denominada "transacção", escreveu: </font><br>
<font>"Sendo a transacção um contrato apertas os vícios próprios dos contratos podem conduzir à nulidade ou anulação da transacção. </font><br>
<font>Alega o autor que ao celebrar a transacção em apreciação e ao fazê-la nos exactos termos em que o fez laborava em erro por desconhecer que uma das parcelas de terreno abrangi das por tal transacção - a de 800 m2 integrava o seu património privado. </font><br>
<br>
<br>
</p><p><font>Com efeito, aquela parcela de terreno, juntamente com outra</font><font>s, </font><font>h</font><font>av</font><font>i</font><font>a </font><font>sido arrendada pelos autores, agora réus, à Junta de Fregue</font><font>si</font><font>a d</font><font>e A</font><font>lvorninha. Terminado o contrato decorreram conversações ent</font><font>re </font><font>os a</font><font>g</font><font>ora réus</font><font>, </font><font>a referida junta de freguesia e o Município autor, nas quais foi por todos considerado que aquela parcela pertencia aos agora réus. </font><br>
<font>Tal pressuposto manteve-se nas negociações que conduziram à transacção judicial que pôs termo aos autos 307</font><font>/</font><font>03.5TBRMR. </font><br>
<font>Após tal transacção, o autor foi alertado por populares para o facto de aquela parcela constituir um espaço que integraria propriedade municipal, vindo então a verificar que o mesmo correspondia ao artigo matricial 24 da secção A, o qual se encontrava averbado em nome do Município autor. </font><br>
<font>Verifica</font><font>, </font><font>então, o autor que a sua vontade de negociar e os termos de expressão de tal vontade partiram de um pressuposto errado - que os 800 m2 integravam o prédio dos réus - referido ao objecto do negócio</font><font>, </font><font>ou melhor</font><font>, </font><font>a parte do mesmo. </font><br>
<font>As situações de </font><font>"</font><font>perturbação do processo formativo da </font><font>v</font><font>ontade</font><font>" (v</font><font>d Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 43 ed., por A Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pag 498) integram os denominados vícios da </font><font>v</font><font>ontade, sendo que o </font><font>"</font><font>erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio</font><font>. </font><font>Se estivesse esclarec</font><font>i</font><font>do acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realid</font><font>a</font><font>d</font><font>e -, </font><font>o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou" (Ult aut e loc cit a pag 504)</font><font>. </font><br>
<font>É precisamente uma falsa ou errónea representação da realidade por parte do autor no contrato de transacção que o levou a contratar nos termos expressos na tran</font><font>s</font><font>acção e que se encontra prevista no art. 251 </font><font>° </font><font>do Código Civ</font><font>i</font><font>l. </font><br>
<font>De acordo com este preceito legal</font><font>, </font><font>o erro que atinge os mot</font><font>iv</font><font>o</font><font>s </font><font>determinantes da vontade</font><font>, </font><font>quando referido à pessoa do declaratário ou ao objecto do ne</font><font>g</font><font>ócio</font><font>, </font><font>toma este anulável nos termos do art. 247</font><font>° </font><font>do Códi</font><font>g</font><font>o Civil, </font><i><font>"</font></i><i><font>d</font></i><i><font>es</font></i><i><font>d</font></i><i><font>e </font></i><i><font>qu</font></i><i><font>e </font></i><font>o </font><i><font>declaratário conhecesse ou não d</font></i><i><font>e</font></i><i><font>v</font></i><i><font>e</font></i><i><font>s</font></i><i><font>se </font></i><i><font>i</font></i><i><font>g</font></i><i><font>nor</font></i><i><font>ar a es</font></i><i><font>s</font></i><i><font>e</font></i><i><font>n</font></i><i><font>c</font></i><i><font>ialid</font></i><i><font>a</font></i><i><font>d</font></i><i><font>e, </font></i><i><font>p</font></i><i><font>ar</font></i><i><font>a </font></i><font>o </font><i><font>declarant</font></i><i><font>e, </font></i><i><font>do elemento </font></i><i><font>s</font></i><i><font>obr</font></i><i><font>e </font></i><i><font>que inci</font></i><i><font>d</font></i><i><font>iu </font></i><font>o </font><i><font>er</font></i><i><font>r</font></i><i><font>o". </font></i><br>
<font>A essencialidade do erro é um requisito de relevância do mesmo. </font><font>"U</font><font>m </font><font>e</font><font>r</font><font>r</font><font>o </font><font>é </font><font>essencial quando levou o declarante </font><font>a </font><font>realizar o ne</font><font>g</font><font>ócio</font><font>, </font><font>em </font><font>s</font><font>i ou nos </font><font>s</font><font>eus elementos essenciais, de tal forma que</font><font>, </font><font>sem ele</font><font>, </font><font>o err</font><font>a</font><font>nte não o conclu</font><font>i</font><font>r</font><font>i</font><font>a</font><font>, </font><font>ou apenas o faria em condições essencialment</font><font>e </font><font>di</font><font>v</font><font>er</font><font>s</font><font>a</font><font>s, </font><font>sendo a sua e</font><font>xi</font><font>gência expressa</font><font>, </font><font>quanto ao erro-vício</font><font>, </font><font>logo pela referência ao </font><font>"</font><font>erro que recaia sobre os motivos determinantes da </font><font>v</font><font>ontade</font><font>", e </font><font>e</font><font>s</font><font>tando implícita</font><font>, </font><font>quanto ao erro na declaração</font><font>, </font><font>na exigência da parte final do artigo 247°: o conhecimento ou reconhecibilidade da essencialidade, para o decl</font><font>a</font><font>rante, do elemento sobre que incidiu o erro (bem como, para o erro na transmissão da declaração, na remissão para este artigo). Há</font><font>, </font><font>pois</font><font>, </font><font>que proceder a um </font><i><font>juízo hipotético </font></i><font>sobre, no caso de erro-vício, a vontade negocial que o errante teria tido, e, no caso de erro na declaração</font><font>, </font><font>a declaração que teria sido emitida. Por outro lado, a essencialidade tem de ser encarada sob o aspecto </font><i><font>subjectivo </font></i><font>do errante, e não sob qualquer outro. Trata-se do carácter determinante do erro, pelo menos como concausa da declaração, para </font><i><font>aquele </font></i><font>declarante, apreciada subjectivamente e </font><i><font>in concreto </font></i><font>- e </font><font>n</font><font>ão para um declarante razoável ou em abstracto. A função do requisito da e</font><font>s</font><font>sencialidade é, na verdade, atestar o peso do erro para o declarante, efec</font><font>t</font><font>uando-se a tutela do declaratário, de acordo com a opção do legislador</font><font>, </font><font>não através dela, mas pelo requisito relativo ao declaratário que é a cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro. Não se deve confundir esta última condição, nem com uma apreciação objectiva do valor essencial do elemento em causa, nem com os limites que possam decorrer de dificuldades probatórias de uma essencialidade </font><i><font>in concreto, </font></i><font>contrária à decisão de um declarante normal. Na verdade</font><font>, </font><font>a autonomia da apreciação subjectiva e </font><i><font>in concreto </font></i><font>da essencialidade </font><font>- </font><font>para aquele declarante - revela-se</font><font>, </font><font>justamente, quando há elementos no caso que não a tornavam cognoscível, ou que tornariam provavelmente diverso o juízo sobre a essencialidade do erro por um declarante </font><i><font>normal, </font></i><font>ou numa apreciação razoá</font><font>v</font><font>el segundo os usos" (vd Paulo Mota Pinto in Requisitos de Relevância do Erro, em Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. IV</font><font>, </font><font>pag 72 e ss). </font><br>
<font>No caso concreto dos autos afigura-se que a referida essencialidade resulta do relevo que a pressuposição - mantida desde a cessação do con</font><font>t</font><font>rato de arrendamento com a junta de freguesia de Alvorninha, quiçá mesmo antes atenta a inclusão daquela parcela no contrato que com esta havia sido celebrado - sobre a titularidade pelos réus do direito de propriedade sobre aquela parcela teve no reconhecimento pelo autor do direito de propriedade respectivo na transacção judicial. </font><br>
<font>Alega o autor que se soubesse na altura - das negociações ou da transacção tratar-se de uma sua propriedade privada nunca tra</font><font>n</font><font>saccionaria reconhecendo o direito de propriedade dos réus sobre a mesma</font><font>, </font><font>já que tal traduziria uma alienação de um direito sem qualquer contrapartida</font><font>, </font><font>alienação essa lesiva dos interesses que como pessoa pública está obrigado a acautelar. </font><br>
<font>( ... ). </font><br>
<font>Ainda que não se acompanhe a alegação do autor quando refere que não teve lugar qualquer contrapartida pelo reconhecimento daquela parcela - por definição</font><font>, </font><font>como supra exposto, a transacção envolve recíprocas concessões e os agora réus desistiram, enquanto autores, dos demais pedidos que formulavam nos autos 307/03.5TBRMR -, aceita-se não fosse aquela a contrapartida, ou que esta não deixasse de ser quantificada (estaria em causa uma alienação onerosa), entende-se que o erro consubstanciado no facto de considerar aquela parcela de 800 m2 como propriedade dos réus foi essencial para a determinação/formação da sua vontade expressa na transacção. </font><br>
<font>Mas ao requisito de essencialidade do erro que se acabou de expor acresce, como resulta da parte final do art. 247° do Código Civil, um requisito objectivo </font><i><font>"que </font></i><font>o </font><i><font>declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para </font></i><font>o </font><i><font>declarante, do elemento sobre que incidiu </font></i><font>o </font><i><font>erro </font></i><font>". </font><br>
<font> </font><font>Conhecimento da essencialidade do elemento e não </font><br>
<font>reconhecibilidade do próprio erro, ou seja, bastará que o declaratário, no caso os réus, tivesse conhecimento que o pressuposto de se tratar de propriedade dos réus foi determinante para que o autor celebrasse a transacção. Isto é, basta que os réus soubessem que só o desconhecimento pelo autor do facto de aquela parcela ser coisa sua (do autor) cçmduziu à transacção sobre aquela parcela</font><font>. </font><br>
<font>A realidade apurada nos autos permite afirmar esse conhecimento na medida em que os réus sabiam que o autor desconhecia que a parcela integrava o cadastro de bens municipais e que nunca transaccionaria sobre um bem imóvel do seu património naqueles termos. </font><br>
<font>Tanto basta para, à luz da solução legal plasmada no art. 247°</font><font>, </font><font>ex vi do art. 251°, se ter como verificado o requisito de relevância do erro referente ao declaratário. </font><br>
<font>Verificada a existência e relevância do erro invocado pelo autor importa retirar as consequências jurídicas. </font><br>
<font>Nos termos do art. 251 ° do Código Civil a consequência é a anulabil</font><font>i</font><font>dade - cfr</font><font>. </font><font>art. 285° e ss. do Código Civil. </font><br>
<font>Esta consequência recai sobre uma parte do negócio - transacção -, sobre a parte da declaração do autor que envolve o reconhecimento pelo autor do direito de propriedade dos réus sobre a parcela com 800 m2. Com efeito o autor não põe em causa o reconhecimento da propriedade dos réus sobre as duas outras parcelas referidas - as de 1191 m2 e de 653 m2 -, sem prejuízo de decorrer da invalidade da sua declaração sobre a parcela de 800 m2 a dedução de tal área na área total referida na declaração. </font><br>
<font>Devendo a anulação ser correspondente à extensão do erro e sendo este parcial haverá que considerar o preceituado no art. 292° do Código Civil</font><font>: </font><i><font>"A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo</font></i><font>o </font><i><font>negócio, salvo quando </font></i><font>se </font><i><font>mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada". </font></i><br>
<font>A solução legalmente consagrada parte da presunção de divisibilidade do negócio na perspectiva da vontade das partes e do princípio da conservação dos negócios jurídicos. </font><br>
<font>"Tal solução corresponde à ideia de proporcionalidade entre o vício e a sanção: sendo a nulidade parcial, deve igualmente a sanção, em princípio, afectar apenas a parte viciada. ( ... ) O contraente que pretender a declaração da invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas</font><font>, </font><font>no momento do negócio, era nesse sentido, isto é, que as partes - ou, pelo menos, uma delas - teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade. Se se não fez essa prova - isto é, se a vontade hipotética era no sentido da redução ou </font><i><font>em caso de dúvida </font></i><font>- a invalidade parcial não determina a </font><font>i</font><font>nvalidade total" (Vd Mota Pinto in loco Cit. a pag 635). </font><br>
<font>Esta última afirmação corresponde à situação dos autos, isto é</font><font>, </font><font>não foi feita prova que a vontade das partes, ou de alguma delas, era no sentido de apenas realizar a transacção na sua totalidade, não existindo nos autos elementos que permitam aferir de qualquer vontade hipotética ou conjuntural das mesmas. </font><br>
<font>Daí a invalidade parcial e limitada à declaração sobre a parcela de 800 m2". </font><br>
</p><p><font>2. No acórdão recorrido - que teve um entendimento diferente pode ler-se: </font><br>
<font>"A questão gira em torno do reconhecimento do direito de propriedade dos apelantes sobre a parcela de terreno de 800 m2, identificada nos autos</font><font>, </font><font>realizado pelo apelado, em transacção judicial, celebrada na fase da audiência de discussão e julgamento da acção de reivindicação, movida pelos primeiros contra o último. </font><br>
<font>Alegou-se o erro naquela declaração, por desconhecimento de que tal parcela de terreno estava inscrita a seu favor na respectiva matriz predial e de que constava do inventário e cadastro dos respectivos bens municipais. </font><br>
<font>Em face dessa materialidade, que resultou provada, não pode deixar de se admitir a existência do erro, que afectava o objecto da transacção. </font><br>
<font>Contudo</font><font>, </font><font>manifesta-se alguma perplexidade, na medida em que, quando foi celebrada a transacção, apenas permanecia controvertido, quanto ao direito de propriedade reivindicado (três parcelas), o referente à parcela de 800 m2, não se percebendo qual seria então a concessão do apelado. </font><br>
</p><p><font>Pelos próprios termos da acção proposta</font><font>, </font><font>a anulação parcial da </font><font>t</font><font>ransacção</font><font>, </font><font>desde logo</font><font>, </font><font>se verifica que o erro não era essencial para a não celebração da transacção, estando assim excluída, à partida</font><font>, </font><font>a essencialidade absoluta do erro. </font><br>
<font>O apelado enveredou, assim, pela alegação da essencialidade relativa do erro</font><font>, </font><font>na medida em que</font><font>, </font><font>sem aquele, teria celebrado uma transacção diferente, naturalmente mais favorável para si</font><font>. </font><br>
<font>Desde que o erro se revele essencial (e reunidos os demais requisitos), é admissível tal alegação, sendo possível a anulação parcial do negócio jurídico (GALVÃO TELLES, </font><i><font>Manual dos Contratos em Geral, </font></i><font>43 edição, pág</font><font>. </font><font>85</font><font>, </font><font>e MOTA PINTO, </font><i><font>ibidem (Teoria Geral do Direito Civil, </font></i><font>43 edição), pág. 508). </font><br>
<font>Nesse âmbito, ficou provado que o apelado nunca transaccionaria sobre um bem imóvel que constituísse bem público sem qualquer contrapartida financeira (32.). </font><br>
<font>Sem prejuízo da material idade consubstanciadora do referido erro não corresponder ao reconhecimento do direito de propriedade do apelado sobre a parcela de terreno de 800 m2, também não se pode afirmar que</font><font>, </font><font>na transacção efectuada</font><font>, </font><font>não tenha havido uma contrapartida financeira</font><font>, </font><font>entendida esta num sentido amplo. </font><br>
<font>Na verdade, face ao reconhecimento do direito de propriedade dos apelantes sobre as três parcelas de terreno feito pelo apelado</font><font>, </font><font>desistiram aqueles dos pedidos de indemnização formulados na acção de reivindicação a que a transacção pôs termo, os quais eram de montantes significativos (facto nº 2), sendo certo ainda que tal desistência constou até do conteúdo da respectiva deliberação camarária. </font><br>
<font>Correspondendo o valor de tais pedidos de indemnização a uma utilidade económica imediata, expressa pecuniariamente, a desistência quanto aos mesmos pode ter equivalido a uma contrapartida financeira</font><font>, </font><font>pelo reconhecimento do direito de propriedade, designadamente sobre a parcela de terreno de 800 m2. </font><br>
<font>Esta circunstância, retirando ao erro a essencial idade, não permite concluir que o apelado não teria celebrado a transacção</font><font>, </font><font>nomeadamente que não tivesse reconhecido o direito de propriedade sobre a parcela de terreno de 800 m2</font><font>. </font><br>
<font>A falta da essencialidade do erro, para o apelado, redunda na perda da sua relevância para a obtenção da anulabilidade. </font><br>
<font>No entanto, admitindo hipoteticamente essa essencialidade</font><font>, </font><font>por o apelado poder celebrar uma transacção em termos diferentes</font><font>, </font><font>sempre continuaria a faltar um outro requisito, nomeadamente o último que se enunciou, para o erro ser relevante. </font><font> </font><br>
</p><p><font>Efectivamente, não está demonstrado, nem os autos disponibilizam elementos para esse fim, que os apelantes conhecessem ou não devessem ignorar a essencialidade do erro para o apelado. Embora os apelantes soubessem, pela prova resultante dos autos, que o apelado desconhecia a inscrição a seu favor na matriz predial da referida parcela e de que esta constava do cadastro de bens municipais, já, no entanto, se desconhece se sabiam ou se não deviam ignorar que o apelado não reconheceria o direito de propriedade sobre a parcela de terreno de 800 m2 somente pela contrapartida equivalente à desistência total do pedido de indemnização. </font><br>
<font>Aliás, a conveniência de ambas as partes na transacção, sem a qual não a celebrariam, podia estar, precisamente, no reconhecimento do direito de propriedade sobre todas as parcelas de terreno, por um lado, e na desistência total dos pedidos de indemnização, por outro. </font><br>
<font>Seja como for, não se revela que os apelantes conhecessem ou não devessem ignorar a essencialidade do erro para o apelado. </font><br>
<font>Ora, não estando preenchido este requisito, o invocado erro era insusceptível de relevar para a anulação do reconhecimento do direito de propriedade sobre a parcela de terreno de 800 m2. </font><br>
<font>Assim, não havia fundamento legal, nomeadamente no art. ° 251 ° do Código Civil, para declarar a anulação parcial da transacção homologada judicialmente" . </font>
</p><p><font>3. Refere o recorrente que o acórdão recorrido não conhece do recurso que lhe foi posto à consideração, com as conclusões que o mesmo veiculava, mas sim o recurso que, eventualmente, os recorrentes deveriam ter interposto, pelo que padece de vício de excesso de pronúncia, na medida em que conhece de questões que lhe não foram colocadas e das quais, portanto, não deveria conhecer, padecendo, assim, de nulidade, a qual deverá ser suprida, modificando-se o acórdão em conformidade com o exposto, ou seja, não se conhecer do recurso. </font>
</p><p><font>Se bem que as conclusões apresentadas na apelação dos Réus sejam complexas e confusas, entendemos que das mesmas se pode extrair que o que estava em causa era a subsunção jurídica dos factos feita na sentença recorrida, ou seja, era saber se, mediante a factualidade provada, o Autor tinha logrado provar os factos constitutivos do direito que pretendia ver reconhecido, atento o disposto no artigo 342°, nº 1, do Código Civil. </font>
</p><p><font>Era, portanto, verificar se estavam preenchidos os requisitos previstos nos artigos 247° e 251 ° do Código Civil. </font><br>
</p><p><font>Foi isso que o acórdão - bem ou mal - fez. </font>
</p><p><font>Logo, não ocorre a nulidade prevista na 2a parte da alínea d) do n</font><font>º </font><font>1 do artigo 668° do CPC (embora não o diga, será a esta que o recorrente pretende aludir). </font>
</p><p><font>4. "Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões" - artigo 1248° do Código Civil. </font>
</p><p><font>Segundo o artigo 251° do mesmo diploma, "O erro que atInja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, tornam este anulável nos termos do artigo 247°"</font><br>
</p><p><font>"Quando, em virtude do erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro" - citado artigo 247°- </font>
</p><p><font>Temos, assim, que - e como se refere no acórdão recorrido - a relevância do erro sobre o objecto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende da reunião de três requisitos. </font><br>
<font>1 ° - Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro. </font><br>
<font>2° - Que</font><font>, </font><font>para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro</font><font>, </font><font>de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro. </font><br>
<font>3 ° - Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante. </font>
</p><p><font>Ao contrário do acórdão recorrido, entendemos que, no caso em análise</font><font>, </font><font>se encontram verificados todos os enunciados requisitos do erro</font><font>, </font><font>que fundamentam o pedido de anulação parcial da transacção efectuada entre as partes no outro processo. </font>
</p><p><font>Na verdade, mostra-se provado o seguinte: </font><br>
</p><p><font>"28. Após a transacção nos autos nº 307</font><font>/</font><font>03.5TBRMR</font><font>, </font><font>o Autor fo</font><font>i </font><font>alertado</font><font>, </font><font>por particulares conhecedores do local, que os 800 m2 do designado baldio constituíam uma espécie de logradouro público, que seria propriedade municipal. </font><br>
<font>29. Verificando, então, que o referido artigo matricial24 da secção A se encontrava averbado a favor do Autor. </font><br>
<font>30. E que o mesmo constava do sistema de inventário e cadastro de bens municipais. </font><br>
<font>31. Os Réus sabiam que o Autor desconhecia os factos referidos nos nºs 29 e 30, quando decorriam as negociações e se celebrou a referida transacção. </font><br>
<font>32. Mais sabiam que o Autor nunca transaccionaria sobre um bem imóvel que constituísse bem público sem qualquer contrapartida financeira" . </font><br>
</p><p><font>Pelo teor do acórdão impugnado, constata-se que a poslçao aí assumida - em oposição à da 1 a instância - se alicerçou principalmente na problemática da existência ou não de qualquer contrapartida financeira. </font>
</p><p><font>Conjectura-se aí que a contrapartida para o ora recorrente poderá ser o equivalente à desistência total do pedido de indemnização. </font><br>
</p><p><font>Trata-se, em nossa opinião, de um raciocínio incorrecto, pois não resulta dos presentes autos nem dos próprios termos da transacção, em conjugação com os pedidos formulados na acção onde se celebrou a transacção, que tenha havido qualquer contrapartida para o aqui Autor</font><font>, </font><font>relativamente à parcela de 800 m2 em causa, quando reconheceu aos aqui Réus a plena propriedade sobre o prédio, designadamente sobre as três parcelas de terreno, onde se inclui a referida de 800 m2. </font>
</p><p><font>Caberia aos Réus alegar, na sua contestação, e, depois, provar tal materialidade. </font><br>
</p><p><font>Considerar-se - como o fez a Relação - que a contrapartida poderá ter sido a desistência total do pedido de indemnização não pode constituir elemento decisivo para se concluir que não se demonstra que os aqui Réus (declaratários) conhecessem ou não devessem ignorar a essencialidade, para o aqui Autor (declarante), do elemento sobre que incidiu o erro. </font>
</p><p><font>Na acção onde foi celebrada a transacção, os aí Autores pediram, além do reconhecimento do direito real pleno de propriedade das aludidas três parcelas e da condenação do aí Réu à sua entrega aos Autores</font><font>, </font><font>completamente desocupadas</font><font>, </font><font>a condenação do Réu a pagar-lhes um euro por cada metro quadrado desse terreno desde O 1</font><font>.</font><font>06.2000 até trânsito em julgado da decisão e ainda € 1.000,00 pela destruição da rede</font><font>, </font><font>bem como</font><font>, </font><font>na réplica, uma indemnização de € 2.500,00 por litigância de má fé. </font>
</p><p><font>Ora, desistir de tais pedidos de indemnização não nos parece que possa considerar-se tal contrapartida financeira. </font>
</p><p><font>Logo</font><font>, </font><font>afigura-se-nos que se encontram preenchidos todos os requisitos previstos nos artigos 247° e 251 ° do Código Civil para a anulação parcial da transacção, por erro</font><font>, </font><font>pretendida pelo aqui recorrente. </font>
</p><p><font>Daí que tenhamos de reconhecer que se terá de fazer prevalecer a bem elaborada sentença proferida na 1 </font><font>a </font><font>instância</font><font>, </font><font>em detrimento do acórdão ora impugnado. </font>
</p><p><font>5. Decorre do exposto que colhem as conclusões do recorrente</font><font>, </font><font>tendentes ao provimento do recurso. </font>
</p><p><b><font>IV </font></b><font>- Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência</font><font>, </font><font>decide-se revogar o acórdão recorrido</font><font>, </font><font>fazendo subsistir </font><font>a </font><font>sentença da 1 </font><font>a </font><font>instância, que julgou procedente, por provada, a acção. </font>
</p><p><font>Custas</font><font>, </font><font>aqui e nas instâncias, a cargo dos Réus, ora recorridos. </font><br>
<br>
<br>
<br>
</p><p><font>Lisboa, 22 de Janeiro de 2008 </font><br>
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</p><p><font>Moreira Camilo (Relator)</font><br>
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</p><p><font>Urbano Dias </font><br>
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</p></font><p><font><font>Paulo Sá</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vzIEvIYBgYBz1XKv8Xmu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na Comarca de Oeiras, A propôs contra B a presente acção de despejo, na qual pediu se decretem a resolução do contrato de arrendamento referido no artigo 2 da petição inicial e se condenasse a ré a despejar a fracção autónoma na mesma identificada, tendo para tanto articulado os fundamentos que entendeu.<br>
Citada a ré para contestar, veio a mesma a fazê-lo no prazo legal, mas, em vez de apresentar a contestação na<br>
Comarca de Oeiras, 3. Juízo, onde pendia a acção, apresentou-a no 3. Juízo Cível de Lisboa, pelo que, já depois de transcorrido o prazo para contestar, veio dizer que se tratou de um lapso e requerer que se considerasse admitida em tempo a contestação.<br>
Ouvido o autor, não concordou com a posição da ré e pediu o desentranhamento da contestação e da resposta.<br>
Seguidamente, o meritíssimo juiz ordenou o desentranhamento da dita contestação.<br>
Deste despacho agravou a ré e a Relação, dando provimento ao recurso, ordenou a junção aos autos da contestação e, claro está, da resposta, com a posterior tramitação normal do processo.<br>
Deste acórdão agravou o autor, o qual, na sua alegação, concluiu assim:<br>
I- a contestação da ré, apresentada embora em 4 de<br>
Outubro de 1993, no prazo legal, foi entregue no 3.<br>
Juízo Cível de Lisboa e não no 3. Juízo do Tribunal da<br>
Comarca de Oeiras onde pendia a acção;<br>
II- o acórdão recorrido, ao considerar ter havido erro manifesto na indicação do Tribunal, susceptível de rectificação (artigo 249 do Código Civil) e as mandar juntar a contestação, atropelou o princípio da legalidade, uma vez que a contestação tinha de ser apresentada no 3. Juízo do Tribunal da Comarca de<br>
Oeiras, nos termos do artigo 783 do Código de Processo<br>
Civil, ex-vi do artigo 56, n. 1 do R.A.U., sendo que a interpretação dada pelo acórdão a este artigo 783 viola o artigo 2 da Constituição;<br>
III- contra o que pretende o acórdão recorrido, a equidade não pode entender-se como justiça à margem de leis de carácter imperativo, além de que as questões só podem ser resolvidas segundo a equidade nos casos taxativamente indicados no artigo 4 do Código Civil, entre os quais se não inclui o caso dos autos;<br>
IV- o juiz não se identifica com a "organização" (sic) ou "sistema" (sic) em termos de considerar tempestivamente apresentada a contestação em causa;<br>
V- a questão sub-judice não é subsumível à norma do artigo 249 do Código Civil, pois não houve erro de cálculo ou de escrita;<br>
VI- e a entrega de um articulado não feita no competente tribunal não pode ser invocada com justo impedimento, para efeitos do artigo 146, ns. 1 e 4 do<br>
Código de Processo Civil, porque o facto se deve a negligência do apresentante, que contribuiu para o engano, não o podendo, assim invocar;<br>
VII- o acórdão recorrido violou o artigo 4 do Código<br>
Civil, quando apela para a equidade, a que, no caso, não pode recorrer, como também violou, por erro de aplicação, o artigo 249 do mesmo Código Civil, e ainda os artigos 145 ns. 1 e 3 e 783, ambos do Código de<br>
Processo Civil;<br>
VIII- deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e mantendo-se a decisão de 1. instância.<br>
Na sua contra-alegação, a recorrida pugnou pela manutenção do acórdão recorrido.<br>
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br>
O objecto do recurso consiste apenas em saber se é de admitir e manter no processo uma contestação que, embora apresentada dentro do prazo legal (no caso, o prazo de 10 dias, nos termos dos artigos 783 do Código de Processo Civil e 56 n. 1 do R.A.U.), o foi não no tribunal onde devia ser, por nele correr a acção respectiva, o 3. Juízo Cível do Tribunal Judicial de<br>
Oeiras, mas no 3. Juízo Cível de Lisboa, transitados para aquele depois mas já fora de prazo.<br>
Como acabou de dizer-se, a contestação foi apresentada dentro do prazo legal mas em tribunal diferente daquele onde pendia a acção, pois que foi dirigida ao 3. Juízo<br>
Cível de Lisboa, 2. Secção, em vez de ter sido para o<br>
3. Juízo Cível de Oeiras, muito embora se tivesse indicado bem o número que o processo tinha neste último juízo - o n. 230/93 - bem como o nome das partes - o autor A e a ré B - (cfr. folha 23).<br>
Houve, portanto, erro, parcial ao menos, no chamado endereço ou cabeçalho da contestação, no qual, segundo o disposto no artigo 488 do Código de Processo Civil, o réu deve individualizar a acção, individualização esta que já pode ser feita com todos os elementos individualizadores, uma vez que a acção já tem até uma secção e um número (cfr. Antunes Varela, J. Miguel<br>
Bezerra, Sampaio E Nora, Manual de Processo Civil, 2. edição, 338, Notas 3 e 4).<br>
Quid Juris?<br>
Ao que nos parece, é de afastar, desde logo, a hipótese de justo impedimento.<br>
Na verdade, nos termos do artigo 146 n. 1 do Código de<br>
Processo Civil, considera-se justo impedimento o evento normalmente imprevisível estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário. Mas, no caso presente, não só o acto foi praticado como também o erro, quanto ao tribunal, se ficou a dever à falta de cuidado da ré, apresentante da contestação, e não a qualquer evento normalmente imprevisível e estranho à vontade dela (cfr. acórdão do<br>
S.T.J. de 12 de Outubro de 1979, B.M.J. 290, 251, sobre um caso paralelo).<br>
Mas não será de aplicar o artigo 149 n. 2 do Código de<br>
Processo Civil, segundo o qual quando nenhuma razão imponha outro lugar, os actos realizam-se no tribunal?<br>
Cremos que não.<br>
É que este preceito, como logo decorre do seu n. 1, pretende apenas dizer quais os actos que se realizam no tribunal e não noutros locais (cfr. o n. 1) e não indicar qual, de entre vários, o tribunal onde o acto deve ser praticado. Daí que não é com apoio neste texto legal que somos obrigados a concluir que a contestação devia ter sido apresentada no 3. Juízo Cível de Oeiras.<br>
Por assim não terem entendido, é que dois acórdãos, um da Relação de Lisboa, (C.J. 1979, Tomo 1, 154) e outro da Relação do Porto (C.J. 1983, Tomo 1, 223) decidiram não ter valor ou eficácia a contestação apresentada em tribunal diferente daquele onde corre a acção, embora dentro do prazo, tese esta com a qual, como se vai ver, não concordamos, salvo o muito respeito pelos seus ilustres subscritores.<br>
Não há um texto de lei processual que nos diga qual a sanção para este caso de apresentação da contestação em tribunal diferente daquele onde pende a acção, se bem que dentro do prazo legal.<br>
Mas a jurisprudência, seguramente maioritária, tem decidido que uma tal prática do acto (em devido tempo mas em tribunal diferente) é eficaz, muito embora esse acto não tenha sido a apresentação de uma contestação, mas sim a apresentação de um rol de testemunhas, a apresentação de uma alegação de recurso, a apresentação de documentos, a apresentação de alegações e oferecimento de provas, e sendo a apresentação em tribunais de comarca diferentes, em juízo do mesmo tribunal e em secções do mesmo juízo e justificando uns a decisão com apoio na existência de uma irregularidade que não arrasta a perda do direito de praticar o acto, outros no erro de escrita do artigo 249 do Código Civil e outro ainda no justo impedimento (cfr. acórdãos do<br>
S.T.J. de 15 de Julho de 1960, B.M.J. 99, 742, de 21 de<br>
Maio de 1963, B.M.J. 127, 319, de 6 de Junho de 1973,<br>
B.M.J. 228, 121; e o acórdão da Relação de Évora de 10 de Novembro de 1977, C.J. 1977, Tomo 5, 1263, e o acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Julho de 1980,<br>
C.J. 1980, Tomo 4, 82).<br>
Ora, esta orientação não pode deixar de ser válida para a apresentação da contestação, porque também esta deve ser apresentada em certo prazo e no tribunal onde está pendente a acção (v. artigos 486 n. 1 e 488, do Código de Processo Civil).<br>
E, por outro lado, tanto faz que o erro (sobre o tribunal onde o acto deve ser praticado) respeita apenas às secções do mesmo tribunal ou aos juizos do mesmo tribunal ou a tribunais de comarcas diferentes, como é o nosso caso, já que, em todos esses casos, há uma errada identificação do lugar onde corre o processo e o acto deve ser praticado.<br>
Em sede processual, não sofre dúvida que se está perante a prática de um acto que a lei não admite, mas o qual não produz nulidade, porque não há um texto a qualificar de nulo o acto de apresentação da contestação dentro do prazo mas em tribunal onde não corre a acção, nem, por outro lado, constitui irregularidade com influência no exame ou na decisão da causa, porque o autor, tendo tido ensejo de responder à contestação, em nada viu afectado o seu direito, do ponto de vista do princípio do contraditório (cfr. artigo 201, n. 1 do Código de Processo Civil).<br>
Mas ao mesmo resultado nos leva o preceituado no artigo<br>
219 do Código Civil, segundo o qual o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto de declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.<br>
Como logo decorre do próprio texto, o erro tem de ser revelado pelo próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a mesma é feita, ou seja, o erro tem de ser extensivo, patente, manifesto, já que, de contrário, não seria razoável sujeitar a outra parte<br>
à mera rectificação de um erro de que não poderia ter-se apercebido (Vaz Serra, R.L.J. 106, 79, 80; Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, volume I, 4. edição, 239; Rui Alarcão, B.M.J. 138, 90; Heinrich<br>
Ewald Horster, Teoria Geral de Direito Civil, 566; acórdão do S.T.J. de 14 de Março de 1972, B.M.J. 215,<br>
239, e de 8 de Junho de 1978, B.M.J. 278, 165); e Vaz<br>
Serra acrescenta ainda que se está perante a aplicação do artigo 236 n. 1 do Código Civil, constituindo a rectificação do erro uma consequência da regra nele prescrita, pois que, revelado esse erro, logo o declaratário fica a saber ou a poder e dever saber que a vontade do declarante não coincide com o declarado e qual é essa vontade (R.L.J. 106, 85).<br>
E Também se tem entendido que o princípio geral firmado neste texto é aplicável não só aos erros de cálculo ou de escrita cometidos em declarações negociais como também aos erros em que se verificam em declarações enunciativas como são as que as partes produzem no decurso do processo, portanto aos erros nos actos judiciais das partes nos processos em que intervenham, certo sendo ainda que a lei processual aplica a mesma regra por força do disposto nos artigos 666 n. 2 e 667 n. 1 do Código de Processo Civil, quanto à rectificação dos erros materiais da sentença e, claro está, do despacho, pelo que, por maioria de razão, o mesmo deve valer quanto à rectificação dos erros materiais das partes (Vaz Serra, R.L.J. 111, 384; citados acórdãos do<br>
S.T.J. e B.M.J. 228, 121 e 278, 165).<br>
Ora, afigura-se-nos que se tratou de erro de escrita, ostensivo, pois que um declaratário normal, colocado na posição do autor (ou do juiz do 3. Juízo do Tribunal<br>
Judicial de Oeiras) se teria, sem dúvida, apercebido que a contestação da Ré, pelo seu contexto ou até logo pela identificação das partes e pelo número do processo, dizia respeito ao processo que estava pendente no 3. Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras e não, como se dizia no cabeçalho da contestação, do 3.<br>
Juízo Cível de Lisboa, constituindo esta indicação um manifesto erro de escrita.<br>
Erro de escrita este, que foi rectificado, pelo que é de admitir e manter no processo a contestação, com toda a sua eficácia.<br>
Apraz-nos ainda salientar que é avisado e sensato estar de pé atrás em relação à interpretação de textos legais que implicam o atropelo da justiça material em nome das normas ou princípios processuais, uma vez que estes mais não são do que o caminho para alcançar aquele.<br>
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.<br>
Custas pelo recorrido.<br>
Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997<br>
Fernando Fabião,<br>
César Marques,<br>
Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kjIrvIYBgYBz1XKvSLA9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - A e esposa, vieram pelo tribunal da comarca de Vila Nova de Ourem com acção declarativa ordinaria contra os reus B e esposa, C e D, pedir a condenação destes a: a) reconhecer que o terreno arrematado por eles autores a Junta de Freguesia de Fatima por auto de 22-06-1975 foi todo o terreno que a mesma Junta possuia no local; b) que esse terreno confina do norte com E na extensão de 7 metros, de nascente com a rua Francisco Marto, do sul com a Rotunda de Santa Teresa de Ourem, e do poente com a Avenida D. Jose Alves Correia da Silva e com o lote que o primeiro reu marido tera comprado aos seus co-reus C e D; c) que no mesmo trato de terreno existem radicadas tres oliveiras que pertencem a Emilia de Jesus, do lugar de Fatima; d) que o lote de terreno que teria pertencido aos reus C e D e que estes quiseram vender aos seus co-reus, não confinava, não confina, nem nunca confinou a nascente com a Rua Francisco Marto mas sim com o terreno que pertenceu a Junta de Freguesia de Fatima e que esta vendeu aos autores; e) que o mesmo lote se situa todo ele a nascente da dita Avenida D. Jose Alves Correia da Silva; f) e que a sua area era e e de 365m2; g) que o predio inscrito na matriz rustica da Freguesia de Fatima sob o artigo 11706 se situa, todo ele, a poente da mesma avenida e pertença, em compropriedade, de herdeiros de F, do lugar de Montelo, G, da Cova da Iria, e herdeiros de H que foi do lugar de Aljustrel; h) que se ordene a alteração - rectificação da descrição predial n. 00071/Fatima, no tocante a confrontações, area e artigo matricial de cuja cuja desanexação teria resultado.<br>
II - Contestaram os reus por excepção (arguindo a ilegitimidade de Antonio e da D; a falta de interesse destes na lide; e a litispendencia com a acção 143/85 do mesmo tribunal), pedindo a sua absolvição da instancia, (e seguindo tambem o caso julgado aprovado pela decisão com transito proferido no processo 47/79), pedindo a sua absolvição do pedido; e por impugnação pedindo a improcedencia da acção; sempre com condenação dos autores, como litigantes de ma fe, em multa e indemnização não inferior a 100000 escudos.<br>
III - Os autores replicaram reputando as excepções.<br>
IV - No saneador foram os reus absolvidos da instancia; o C e a D por ilegitimidade e falta de interesse na lide (artigo 493, n. 2 e 494, n. 4, alinea b) e os Jose Pereira e esposa por litispendencia com a acção 143/85 (artigos 493, n. 2, 494, n. 4, alinea g) e 498, todos do C.P.C.) o que foi confirmado pela Relação de Coimbra em agravo interposto pelos autores.<br>
V - De novo vem com agravo, agora para este Supremo, os autores, formulando a seguinte sumula conclusiva.<br>
5.1- Os reus C e D são demandados como sujeitos da relação material subjacente aos pedidos formulados nas als. d) e g) do n. 1 supra, da p.i.;<br>
5.2- Tem, por isso interesse em opor-se-lhes;<br>
5.3- E são, portanto, partes legitimas;<br>
5.4- Violou a decisão recorrida o disposto nos ns. 1, 2 parte, 2, 2 parte, e 3, do artigo 26 do Codigo de Processo Civil;<br>
5.5- Entre estes autos e a referida acção 143/85 não se verificam as identidades referidas nos ns. 1, 2 e 3 do artigo 498 do citado Codigo;<br>
5.6- E, decidindo-se em contrario, violou-se esse normativo legal.<br>
5.7- Deve revogar-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente as excepções de ilegitimidade e litispendencia.<br>
VI - Contra-alegaram os reus pedindo a confirmação do julgado, negando-se provimento ao recurso.<br>
VII - Decidindo:<br>
VIII - Vem assentes da Relação os seguintes factos:<br>
8.1- Por arrematação em hasta publica, que teve lugar em 22-6-1975, os ora autores compraram a Junta de Freguesia de Fatima, pelo preço de 110800 escudos, uma parcela de terreno com 554m2, que se situa em Cova da Iria, junto a Rotunda de Santa Teresa de Ourem, e que confronta do poente com herdeiros de H, e dos outros lados com a estrada publica;<br>
8.2- Por escritura de 24-04-1979, os ora reus C e D venderam aos ora co-reus, B e esposa, um lote de terreno destinado a construção urbana com a area de 600m2, sito na Rua Francisco Marto, lugar da Cova de Iria, freguesia de Fatima;<br>
8.3- Dessa escritura consta ainda que esse lote de terreno confronta do norte com E numa extensão de 22 metros, do sul com A numa extensão de 26 metros, do poente com Avenida Jose Alves Correia da Silva numa extensão de 35 metros, e do nascente com a Rua Francisco Marto numa extensão de 14 metros, a desanexar do predio inscrito na matriz rustica daquela freguesia sob o artigo 11706 e registado a favor dos ora recorridos na Conservatoria do Registo Predial de Vila Nova de Ourem;<br>
8.4- Corre seus termos no tribunal judicial de Vila Nova de Ourem uma acção com o n. 143/85, na qual figuram como autores os ora reus B e esposa, e como autores, digo, e como reus os ora autores;<br>
8.5- Nessa acção, B e esposa alegam que compraram aos C e D, por escritura de 24-04-1979, um lote de terreno destinado a construção urbana, com a area de 600m2, sito na Rua Francisco Marto, inscrito na matriz sob o artigo 11706, e registado a seu favor na Conservatoria do Registo Predial de Vila Nova de Ourem;<br>
8.6- Alegaram ainda os ai autores que a extrema entre o predio de B e esposa e o predio dos ora autores foi definida pelo tribunal de Vila Nova de Ourem e confirmada por acordão da Relação de Coimbra, de 15-03-1983;<br>
8.7- E, finalmente, alegaram que os ora autores não vem respeitando a extrema, ocupando parte do predio dos ora reus;<br>
8.8- E pediram os mesmos B e esposa, alem do mais, que se declare que são donos e legitimos possuidores do lote de terreno com a area de 600m2, sito na Rua Francisco Marto;<br>
8.9- Nessa mesma acção, com o n. 143/85, os ora recorrentes contestaram alegando, no fundamental, as razões invocadas nesta acção e deduziram reconvenção, sustentando que o lote de B e esposa não confina do seu lado nascente com a Rua Francisco Marto, nem e parte do artigo 11706 da matriz predial rustica da freguesia de Fatima;<br>
8.10-Nessa reconvenção os ora autores A e esposa pediram que os B e esposa fossem condenados a reconhecer que a porção de terreno entre o lote destes e a Rua Francisco Marto, com a area aproximada de 250m2, que confronta do norte com E, do nascente com aquela Rua Francisco Marto, e do poente com B, pertence a eles A e esposa.<br>
IX - Postos os factos, passa a apreciar-se as conclusões do recurso.<br>
9.1- Dos factos referidos supra em 8.1 a 8.3, que vem assentes da Relação, conclui-se que os reus C e D, por escritura de 22-6-1979, venderam aos primeiros reus B e esposa - que a seu favor registaram a transmissão - um lote de terreno com certa area e confrontações, a desanexar de certo predio rustico inscrito na matriz da freguesia de Fatima sob o artigo 11706.<br>
Havendo os ditos C e D feito essa venda, e não tendo os autores atacado a escritura respectiva na sua validade e eficacia, e indiferente aqueles o despacho da demanda, pois, nem são sujeitos da relação material controvertida, nem podem ser prejudicados por tal desfecho, e, consequentemente, não tem interesse directo em contradizer.<br>
São, pois, parte ilegitima para a acção, face ao disposto no artigo 26 do Codigo de Processo Civil, o que tem por efeito a sua absolvição da instancia conferir artigos 288, n. 1, alinea d), 493, ns. 1 e 2, 494, n. 1, alinea b) e 495 do dito Codigo, e 510, n. 1, alinea a), id).<br>
9.2- E, sendo parte ilegitima, tambem não tem interesse processual (figura juridica controvertida na doutrina enquanto pressuposto processual autonomo, como pode ver-se em Noções Elementares de Processo Civil, de Manuel A. P. Andrade, ed. de 1956, folhas<br>
78 e seguintes; Direito de Processo Civil Declaratorio, de A. Anselmo de Castro, ed. de 1982, volume 4, folhas 251 e seguintes; Cod. Proc. Civil,<br>
I, folhas 320 e seguintes; Manual de Proc. Civil, de Antunes Varela e outros, 2 ed., folhas 179 e seguintes, Codigo de Processo Civil Anotado e Alberto Reis, ed. 1948, I volume, folhas 78), o que, a ser pressuposto processual, constituiria excepção dilatoria inominada (v. artigos 288, n. 1, alinea e), 493, ns. 1 e 2, 494, n. 1, 495 e 510, n. 1 alinea a), geradora de identico efeito de absolvição da instancia dos ditos reus.<br>
Improcedem, deste modo, as conclusões 5.1 a 5.4 supra.<br>
9.3- Por outro lado, emerge dos factos supramencionados em<br>
8.4 a 8.10, que são as mesmas as partes nesta acção (excluidos por ilegitimidade e falta de interesse processual dos co-reus C e D) e na 143/85, embora litigando em posições inversas, os reus desta acção como autores de 143/85, e os autores desta acção como reus reconvintes dessoutra acção.<br>
Tambem em ambas as acções e identico o pedido, ja que em ambos os autores desta acção pretendem ser reconhecidos como donos do mesmo lote de terreno que compraram, e a seu favor registaram, os C e D.<br>
E em ambas tambem e identica a causa de pedir, pois são no essencial identicos os factos alegados de que se pretende fazer derivar o pedido.<br>
Achando-se pendentes as duas acções entre as mesmas partes, com identicos pedidos e causa de pedir, manifesta e a existencia da excepção de litispendencia (excepção dilatoria), que deve ser deduzida nesta acção, por ser a mais recente, e que igualmente tem por efeito a absolvição dos reus remanescentes (ver artigos 280, n. 1, alinea e), 493, ns. 1 e 2, 494, n. 1, alinea g), 495, 497 a 499, e 520, n. 1, alinea a), do dito Codigo).<br>
E certo que a expressão literal dos pedidos não e exactamente a mesma em ambas as acções. Mas, o que releva e a substancia dos pedidos. E e, no essencial, a mesma, de tal forma que, a prosseguirem as duas acções paralelamente, poder-se-ia chegar a decisões contraditorias ou identicas, mal que a litispendencia visa justamente evitar (artigo 497, n. 2, id.)<br>
Não basta para descaracterizar a identidade dos pedidos o facto de na acção 143/85 não apareceu o pedido formulado na alinea c) desta acção, bem como os referidos nas alineas e) e g) (o supra, n. 1). O fundamental e que em ambas as causas esta em discussão o dominio do mesmo predio.<br>
Improcedem, pois, tambem as conclusões 5.5 e 5.6. E consequentemente, a 5.7.<br>
X - Nesta conformidade, acordam em negar provimento ao agravo.<br>
Custas pelos agravantes.<br>
Lisboa, 3 de Abril de 1991.<br>
Antonio de Matos,<br>
Beça Pereira,<br>
Simões Ventura.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hjIBvIYBgYBz1XKvnXRQ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1. O BANCO DO BRASIL requereu, em 28 de Julho de 1994, procedimento cautelar de arresto contra:<br>
A - como incidente da acção executiva que havia instaurado contra este e contra<br>
C.I.E., Companhia Internacional de Electrónica, S.A. -, pedindo que fosse decretado o arresto dos bens indicados no artigo 18 do requerimento inicial, sendo: a) 1/8 de um prédio misto, 1/8 de três prédios rústicos, 1/8 de quatro prédios urbanos e 1/8 de sete fracções autónomas; b) e uma quota de 2500000 escudos na Sociedade .....<br>
Por decisão de 26 de Agosto de 1994, a folha 105, sem audição do Requerido, foi decretado o arresto "de todos os imóveis mencionados no artigo 18 do requerimento inicial".<br>
2. Em 28 de Setembro de 1994, o arrestante - com fundamento em manifesto erro na definição do direito do arrestado nos imóveis, "com exclusão dos constantes nos ns. 7 e 8" do artigo 18 do requerimento inicial -, veio requerer a renovação do despacho de decretamento do arresto, com vista à rectificação do objecto deste, por forma a que, a) nos bens imóveis, com a mencionada exclusão, figurasse o direito e acção do arrestado na herança ilíquida e indivisa de B, de que fazem parte esses bens; b) e na quota social passasse a figurar, como pertencentes ao arrestado, a quota social de 2000000 escudos na "Sociedade....." e o direito e acção na quota social de 4000000 escudos dessa sociedade, integrada na referida herança.<br>
3. Por despacho de 26 de Outubro de 1994, a folha 116, o Excelentíssimo Juiz - tendo em conta que o de folha<br>
105 havia determinado apenas o arresto dos imóveis e que não se procedera a qualquer diligência para o arresto da quota de 2500000 escudos, indicada também no aludido artigo 18 - ordenou o arresto requerido em 2 b).<br>
4. E, posteriormente, por despacho de 3 de Novembro de<br>
1994, a folha 121 - ponderando que, face ao requerimento de 2, não se justificava o arresto dos imóveis ou partes indivisas dos mesmos, mas, tão-só, o direito e acção à herança indivisa de B, que abrangia, além desses imóveis, a dita quota de 4000000 escudos - ordenou o arresto desse direito nos termos do artigo 862 do Código de Processo Civil.<br>
5. Inconformado, o Requerido agravou desses despachos - de folha 105, de folha 116 e de folha 121.<br>
Sem êxito, contudo, pois a Relação de Lisboa, por Acórdão de 11 de Março de 1997, negou provimento ao recurso.<br>
6. Ainda irresignado, recorreu para este Supremo Tribunal, pugnando pela revogação desse Acórdão, tendo culminado a sua alegação com estas conclusões:<br>
I - Não é admissível arresto preventivo "como incidente do processo executivo".<br>
II - É "interditado o arresto contra comerciante matriculado em exercício, sendo essa proibição legal de interesse e ordem pública".<br>
III - O Requerido "não cessou a actividade comercial em<br>
19 de Março de 1990, como erradamente o tribunal induziu de certidão do 17. Bairro Fiscal de Lisboa".<br>
IV - Com o despacho de folha 105 foram violados os artigos 382, 383 e 403 do Código de Processo Civil e o artigo 691 do Código Civil e o Acórdão recorrido violou, ainda, o disposto no artigo 712 do Código de<br>
Processo Civil, "ao considerar ter de acatar os factos dados por assentes pela 1. instância".<br>
V - Considerando que "o despacho de folha 105 não decretou o arresto pedido sobre a quota social indicada no artigo 18", o despacho de folha 116, estendendo o arresto "às participações sociais indicadas em requerimento posterior do arrestante", "transgrediu" o disposto no artigo 666 ns. 1 e 3 do Código de Processo Civil.<br>
VI - O despacho de folha 121, "ao alterar o despacho de folha 105, sem motivo legal bastante, ofendeu o já citado artigo 666 do Código de Processo Civil, além de que não deixou incólumes os artigos 405, 256 e 3 do mesmo Código, dado que não observou a contraditoriedade postulada pela lei".<br>
VII - "O douto Acórdão recorrido, ao decidir que os mencionados despachos de folhas 116 e 121 não violaram os princípios da extinção de poder jurisdicional e do contraditório, fez errada aplicação dos citados artigos 666, 405, 256 e 3, todos do Código de Processo Civil".<br>
7. Em contra-alegação, o Banco Requerente bateu-se pela confirmação do julgado.<br>
Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
8. Eis a factualidade que serviu de suporte ao Acórdão recorrido: a) O Requerente concedeu diversos créditos à Executada<br>
C.I.E. e o Requerido, seu sócio-gerente, constituiu-se garante, por aval. b) Tais financiamentos encontram-se garantidos por três livranças avalizadas pelo Requerido, vencidas em 4 de<br>
Fevereiro de 1994 e não pagas, de 100000000 escudos, emitida em 7 de Agosto de 1988, de 100000000 escudos, emitida em 27 de Setembro de 1988, e de 400000000 escudos emitida em 8 de Agosto de 1991. c) Há cerca de um ano a C.I.E. começou a evidenciar graves dificuldades no pagamento das suas responsabilidades para com o Requerente e outros credores e a agravar a sua situação económica, devendo, actualmente, cerca de 6 milhões de contos. d) Desde há um ano, o Requerido vem assumindo o compromisso de apresentar um plano de pagamento e, ao mesmo tempo, de reforçar as garantias através da constituição de penhor mercantil e hipoteca. e) Apesar disso, nunca reforçou as garantias, pretendendo ganhar tempo para não pagar. f) Com intenção de dificultar ou impossibilitar o Requerente de obter a satisfação dos seus créditos, alienou, em Junho de 94, a quota parte de 1/8 em dois prédios urbanos, sitos em Lisboa. g) O Requerido ausentou-se, recentemente, de Portugal, encontrando-se na Alemanha por tempo indeterminado. h) Aquando do requerimento do arresto, o Requerido não era comerciante, tendo-o deixado de exercer há mais de três meses.<br>
9. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 684 n. 3 e 690 n. 1 do Código de Processo Civil; são deste Diploma - na redacção anterior à última reforma, aplicável por imperativo do artigo 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Fevereiro, com as alterações do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro - todos os preceitos que se citarem sem menção de proveniência), as questões suscitadas no seu âmbito são estas:<br>
- inadmissibilidade do arresto preventivo como incidente da execução;<br>
- impossibilidade legal de sua decretação contra o<br>
Agravante por ser comerciante matriculado em exercício;<br>
- violação do princípio da extinção do poder jurisdicional e do princípio do contraditório, relativamente aos despachos de folhas 116 e 121.<br>
10. Será inadmissível o arresto preventivo como incidente de execução, como preconiza o Agravante?<br>
Respondemos, desde já, negativamente.<br>
Vejamos.<br>
O procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado, podendo ser instaurado como preliminar ou como incidente "da acção".<br>
Neste último caso, isto é, se for requerido no decurso<br>
"da acção", será instaurado no tribunal onde ela havia sido proposta e deduzido por apenso ao respectivo processo (artigo 384 ns. 1 e 3).<br>
O procedimento cautelar, como processo instrumental - no sentido de que pressupõe uma acção principal a instaurar ou já instaurada -, visa, pois, assegurar a tutela efectiva do direito, prevenindo os perigos da natural demora de causa de que é dependência.<br>
Do elenco das providências cautelares, conta-se o arresto. Este consiste numa apreensão judicial de bens, a que são aplicáveis as disposições relativas à penhora e na qual virá a ser convertido, por despacho, no<br>
âmbito do respectivo processo executivo (cfr. artigos 402 e 846; ver, também, o artigo 622 n. 2 do Código Civil).<br>
Daqui resulta que o arresto e a penhora cerceiam o poder de disposição do arrestado ou do executado, mas não o suprimem, gerando-se, uma situação de ineficácia ou de indisponibilidade relativa quanto ao arrestante e ao exequente (artigo 819 do Código Civil).<br>
O arresto preventivo é conferido ao credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito (artigo 403 n. 1; ver, ainda, o artigo 619 n. 1 do Código Civil).<br>
Ora, entre a instauração do processo executivo para pagamento de quantia certa e a subsequente penhora - que, ao invés do que sucede com o arresto, não é acto urgente (artigo 143 n. 1) -, bem pode verificar-se - como se salienta no douto Acórdão recorrido - o justo receio de perda de garantia patrimonial do crédito exequendo e, assim, o risco da não efectivação da penhora, decorrente da morosidade na tramitação processual.<br>
Perigo que se acentua quando a própria acção executiva depender da citação do executado (artigo 811 ns. 1 e 3).<br>
Isto significa que, mesmo na pendência da execução, possa justificar-se o recurso ao arresto preventivo.<br>
Mediante o arresto, como incidente da execução, fica garantida a realização de penhora e salvaguardado o direito de crédito do exequente, possibilitando-se, desse modo, a sua satisfação coactiva.<br>
Logo, embora o artigo 384 fale em "incidente da acção" e em "decurso de acção", conclui-se que o vocábulo acção está usado em sentido amplo ou genérico, por forma a abranger tanto a acção declarativa como a acção executiva.<br>
Este era, aliás, o entendimento sufragado pela doutrina e pela jurisprudência (cfr. Alberto dos Reis, "Anotado", vol. II, página 11; Anselmo de Castro, "Direito Processual Civil Declaratório", vol. I, página<br>
130; E. Lopes Cardoso, "Manual da Acção Executiva", 3. edição, página 438; e Acórdão da Relação do Porto de 4 de Dezembro de 1986, Col. Jurisp. XI, 5, página 234) e que veio a ser expressamente acolhido na actual redacção do n. 1 do artigo 383 do Código de Processo Civil, à semelhança do que já sucedia no domínio do processo executivo fiscal (cfr. artigo 296 do Código de Processo Tributário).<br>
Soçobra, por conseguinte, a conclusão de 6-I.<br>
11. Apreciemos, agora, a questão de impossibilidade de decretação do arresto contra o Agravante, a pretexto de ser comerciante matriculado em exercício.<br>
Como se sabe, este Supremo, como tribunal de revista, apenas conhece, ao menos em princípio, de matéria de direito (artigo 29 da LOTJ).<br>
Razão por que só pode ser chamado a intervir, em via de recurso, qualquer violação da lei (lato sensu), quer da lei substantiva, quer da lei adjectiva ou processual, aplicando "definitivamente o regime jurídico que julgue adequado" aos factos materiais (artigos 721 n. 2, 722 n. 2, 729 ns. 1 e 2, 730 ns. 1 e 2 e 755 n. 1).<br>
A definição da matéria fáctica necessária para a solução do litígio pertence às instâncias, cabendo à Relação, neste capítulo, a última palavra.<br>
Esta regra comporta unicamente as excepções contempladas na parte final do n. 2 do artigo 722: quando tiver havido "ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova", então, sim, este Supremo Tribunal pode alterar a decisão de 2. instância, quanto à matéria de facto (artigo 729 n. 2).<br>
Em face de específica competência do Supremo, não lhe cabe censurar, como geralmente tem sido entendido na doutrina e na jurisprudência, o não uso pela Relação dos poderes conferidos pelo artigo 712.<br>
Sendo assim, o Acórdão recorrido é insindicável na parte em que considerar não poder alterar a decisão de 1. instância, quando baseando-se nos documentos juntos, sem força probatória plena, e nos depoimentos orais das testemunhas inquiridas, deu como provado que o Requerido não era comerciante e que, embora matriculado como tal, cessou a actividade em 19 de Março de 1990.<br>
Donde, não poder funcionar a restrição do n. 3 do artigo 403 - que proibia o arresto contra comerciantes - e que veio a ser eliminado na última reforma processual, com o consequente naufrágio das conclusões de 6 II e III.<br>
12. Resta analisar as conclusões de 6 IV, V, VI e VII.<br>
Também aqui nenhuma razão assiste ao Agravante, porquanto os despachos de folhas 116 e 121 não violaram o "princípio do contraditório", nem o "princípio da extinção do poder jurisdicional".<br>
Com efeito, importa acentuar, liminarmente, que tais despachos foram proferidos antes da efectivação de arresto decretado e foram determinados pelo pedido de rectificação do objecto material do arresto constante do requerimento inicial, com fundamento em erro manifesto na sua identificação.<br>
Ora, além de o Agravante não ter posto em causa a existência de tal erro, a verdade é que os referidos despachos não buliram com os factos com base nos quais foi decretado o arresto.<br>
Por outro lado, importa acentuar que o arresto incidiu sobre bens indicados pelo Requerente e que, à semelhança, do que sucede com a penhora, nada obstava a que ele desistisse do arresto desses bens apontando outros em sua substituição.<br>
Refira-se, ainda, que o Requerido não tem que ser ouvido sobre a indicação dos bens a arrestar, até porque o arresto é "decretado sem audiência de parte contrária", e que, "se o arresto houver sido requerido em mais bens do que os suficientes para segurança da obrigação, reduzir-se-á a garantia aos justos limites" (artigo 404 n. 1).<br>
Para além desses limites, o arresto redundaria numa<br>
"violência intolerável" (cfr. Alberto dos Reis, op. e vol. cits., página 34).<br>
13. Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo.<br>
Custas pelo Agravante.<br>
Lisboa, 21 de Outubro de 1997.<br>
Silva Paixão,<br>
Fernando Fabião,<br>
César Marques.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - 10. Juízo Cível de Lisboa - 1. Secção - 2015/D/94;<br>
II - Tribunal da Relação de Lisboa - 1. Secção -<br>
Processo 1191/95.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mDIFvIYBgYBz1XKvmXoP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - A deduziu o procedimento cautelar de embargo de obra nova contra "Transgás - Sociedade Portuguesa de Gás Natural, S.A.", pedindo "a suspensão imediata dos trabalhos levados a cabo pela requerida sobre o prédio do requerente", ou seja, um prédio rústico constituído por campo lavradio, sito no lugar de Ferral, freguesia de Souto, conselho de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz rústica sob o artigo 1809.<br>
A requerida foi citada e deduziu oposição.<br>
Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas e, pelo despacho de folhas 137 e seguintes, indeferiu-se a providência.<br>
Em recurso de agravo interposto pelo requerente, essa decisão veio a ser mantida pelo acórdão de folhas 183 e seguintes.<br>
Neste novo recurso de agravo, formulam-se, em resumo, as seguintes conclusões:<br>
- na tramitação da constituição de servidão de gás têm de se observar as disposições substantivas do Código Exp. (artigo 13 alínea a) do Decreto-Lei 374/89, de<br>
25 de Outubro), porque o Decreto-Lei 11/94, de 13 de Janeiro, apenas define o regime dessas servidões, em regulamentação daquele diploma;<br>
- a recorrida não comprovou ter praticado o acto de constituição da servidão, o qual tem de revestir forma escrita (artigo 122 do Código de Proc. Adm.);<br>
- a entender-se que as servidões decorrem da lei e podem ser exercidas uma vez cumpridas as formalidades legais impostas, não existe prova documental nem alegação de que os editais e as publicações referidas no cit. artigo 13 tenham sido efectuadas;<br>
- teria ainda de haver uma acto prévio a declarar a servidão de utilidade pública e urgente, o que a recorrida não demonstrou ter feito;<br>
- para poder exercer os poderes relativos à servidão, em momento anterior à formalização da sua constituição, a recorrida teria de possuir título de posse administrativa, o que se não verifica, por não ter sido declarada a urgência dos trabalhos (cit. artigo 13 alínea a) e artigo 17 n. 2 do Código Exp.);<br>
- mesmo na hipótese de existência dessa declaração, a autorização de posse administrativa teria caducado por terem decorrido mais de 90 dias desde a data da publicação do Decreto-Lei 11/94 e a da publicação do traçado no D.R. (28 de Abril de 1995);<br>
- o despacho que aprovou o traçado do gasoduto, com violação do PDM de Santa Maria da Feira, é nulo, por contrariar o disposto nos artigos 4 do Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março, e 52 n. 1 alínea b) do Decreto- -Lei 445/91, de 25 de Outubro, e inconstitucional, por ofender o princípio da tutela da confiança legítima de que o gasoduto não atravessaria o prédio do recorrente (artigo 2 da Const.).<br>
A recorrida, por sua vez, sustenta ser de negar provimento ao recurso.<br>
II - Factos dados como provados:<br>
O requerente é dono e legitimo possuidor do prédio rústico já identificado.<br>
A requerida é a empresa concessionária do transporte e distribuição do gás natural, encontrando-se a fazer a implantação da conduta do gasoduto que atravessa, de norte a sul, o território nacional.<br>
Em 30 de Junho de 1995, pelas 12 horas, contra a vontade do requerente, a requerida invadiu aquele prédio, aí colocando máquinas e movimentando terras, abrindo posteriormente um canal com a profundidade de vários metros e a quase todo o comprimento do prédio.<br>
O requerente é casado com B, tendo o terreno serviente sido adquirido por sucessão de que ela foi beneficiária.<br>
A afectação do terreno à passagem do gasoduto consta das plantas e a B vem referida na relação de proprietários publicada por aviso da Direcção-Geral de Energia no DR, II Série, n. 99, de 28 de Abril de 1995.<br>
E decorre da aprovação do traçado do mesmo gasoduto pelo despacho n. 113/93, de 15 de Setembro, do MIE, publicado por aviso daquela Direcção-Geral no D.R.,<br>
II Série, n. 64, de 17 de Março de 1994, e da aprovação do projecto - base pelo despacho do mesmo Ministro n. 66/94, de 16 de Junho, publicado no D.R, II. Série, n. 152, de 4 de Julho de 1994.<br>
A mulher do requerente foi notificada, nos termos a para os efeitos do n. 1 do artigo 12 do Decreto-Lei 11/94, por carta registada com AR, em 18 de Maio de 1995, tendo recusado recebê-la, e assistiu à vistoria<br>
"ad perpetuam rei memoriam" constante de folhas 72 e<br>
73, feita às 15h40 de 16 de Junho de 1995, onde se descreve o prédio.<br>
A Transgás ofereceu uma indemnização de 3780000 escudos pelo prejuízo decorrente da servidão, que abrange a área de 287 m2 e que o casal recusou.<br>
Daquela carta, junta a folhas 69 e seguintes, consta a descrição da parcela e ainda, no essencial, que: ela vai ser atravessada pela conduta de gás, tal como prevê o projecto de traçado aprovado...; a implantação da conduta não exige a aquisição ou expropriação do terreno mas tão só a servidão de gás...; a servidão incide sobre... e compreende...; V. assumirá ainda as obrigações específicas previstas no artigo 8 do Decreto- -Lei 11/94...; o início do exercício dos poderes será determinado pela data de começo dos trabalhos de construção, os quais se deverão iniciar a partir de Junho de 1995...; pela constituição da servidão e pelos prejuízos causados tem direito ao pagamento de uma indemnização...; para concretização da constituição da servidão solicitamos a colaboração no sentido de estar presente no acto de celebração do acordo...; assiste-lhe o direito de requerer uma vistoria...; dentro de poucos dias será contactada... para esclarecimento de qualquer dúvida... bem como para lhe propôr a celebração do contrato-promessa de constituição da servidão... .<br>
III - Quanto ao mérito do recurso:<br>
1. - Objecto do recurso:<br>
O presente processo é um procedimento cautelar de embargo de obra nova, que tem como um dos seus requisitos essenciais a ofensa do direito de propriedade do embargante, em consequência dessa obra (artigo 412 n. 1 do Código P. Civil), e para haver tal ofensa é indispensável a ilicitude da obra realizada pelo embargado.<br>
No requerimento inicial do embargo, o embargante baseou aquela ilicitude em dois fundamentos: não estar a embargada "munida do título de posse administrativa" para ocupação do prédio com a implantação do gasoduto, o que implicaria a prévia constituição da servidão, nos termos previstos no Cód. Exp.; e a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 11/94, de 13 de Janeiro, por não estar ainda "determinada, nem sequer a título provisório, a justa indemnização".<br>
Foram essas as questões apreciadas nas decisões das instâncias e por elas está delimitado o objecto do presente recurso, nos termos do disposto no artigo<br>
676 n. 1 do cit. Código P. Civil.<br>
Assim, não se tem como pertinente a alegação de que a implantação do gasoduto sobre o prédio do requerente violou o PDM de Santa Maria da Feira (questão suscitada no recurso para a Relação mas aí não apreciada).<br>
Por outro lado, este tribunal apenas se deve pronunciar, em princípio, sobe a matéria de direito (artigo 722 n. 2 e 729 do Cit. Código), pelo que se não tem como oportuna a alegação de não haverem sido afixados os editais e publicados os anúncios previstos no artigo<br>
13 n. 1 do Decreto-Lei 11/94, o que se reconduz a simples matéria de facto.<br>
2. - Constituição da servidão:<br>
Como concessionária da exploração dos serviços de transporte e distribuição de gás, a requerida ficou investida no direito de "constituir servidões e expropriar, por utilidade pública e urgente, nos termos do Código Exp., bens imóveis ou direitos a eles relativos..." (artigo 13 n. 3 e 15 alínea b) do cit.<br>
Decreto-Lei 374/89), e a ela "compete... optar... pelo recurso ao regime de servidões previsto no presente diploma ou ao das expropriações por causa de utilidade pública nos termos do Código Exp." (artigo 3 n. 1 do Decreto-Lei 11/94).<br>
A constituição dessas servidões, designadas por "servidões de gás", não ficou submetida, como pretende o recorrente, ao regime geral das expropriações por utilidade pública, estabelecido no Código Exp.: trata-se de servidão administrativa e as servidões desta natureza, que são sempre impostas por lei, podem resultar directa e imediatamente da lei ou exigir ainda a prática de um acto administrativo; o facto de se falar em "servidões constituídas por acto administrativo", como no artigo 8 n. 3 do citado Código, não significa que esse acto seja a causa ou a fonte da servidão mas apenas uma condição da sua constituição, sempre relacionada com a lei (cfr. Decreto-Lei 181/70, de 28 de Abril, e Marcelo Caetano, no Manual Dir.<br>
Adm., II, pág. 1053); os actos administrativos aqui exigidos são a aprovação ministerial do projecto de traçado do gasoduto, a sua publicação no D.R., a comunicação de diversos elementos aos proprietários dos prédios por ele abrangidos mediante carta registada com A.R. e a publicitação de alguns desses elementos, pela DGE, através de editais e anúncios (artigo 12 e seguintes do cit. Decreto-Lei 11/94); decorridos os prazos aí previstos, a concessionária "poderá dar início ao exercício efectivo dos poderes englobados nas servidões" (artigo 15 n. 1 do mesmo Decreto-Lei), o que tem o sentido de a servidão se considerar constituída, ao menos provisoriamente, por não depender esse exercício<br>
"de determinação, cálculo e pagamento das correspondentes indemnizações..." (artigo 10 n. 1 do cit. Decreto-Lei); este regime específico da constituição das servidões exclui a aplicação do Cod. Exp., como aliás resulta do confronto entre os citados artigos 13 e 15 do Decreto-Lei 374/89 e 3. n. 1 do Decreto-Lei 11/94, e a aplicação subsidiária desse Código, prevista no artigo 25 do segundo desses diplomas, apenas se justificará aqui, no essencial, quanto à determinação da indemnização.<br>
Não havia assim lugar à diligência da "posse administrativa", prevista nos artigos 17 e seguintes do Cód. Exp., em cuja falta o embargante baseou, no requerimento inicial do embargo, a ilicitude da actividade exercida pela embargada.<br>
Por outro lado, não procede a argumentação de o cit.<br>
Decreto-Lei 11/94 ter simples função regulamentadora do Decreto-Lei 374/89, pois esses diplomas gozam do mesmo valor legislativo (artigo 115 n. 2 da Const.) e, como se salienta no preâmbulo do primeiro, no outro "apenas foram estabelecidas as regras gerais...", pelo que "torna-se agora necessário proceder não só ao seu desenvolvimento como também à definição de múltiplos aspectos de natureza processual e procedimental adequados à sua concretização e exercício...", e que se incluiu a definição do "regime jurídico da constituição de servidões...", prevista no artigo 18 alínea d) do Decreto-Lei 274-A/93, de 4 de Agosto.<br>
No caso presente, a embargada optou pela constituição de simples servidão, como consta da carta de 18 de Maio de 1995, e a actividade por ela exercida sobre o prédio do embargante apenas se poderia considerar ilícita na hipótese de não ter sido precedida do cumprimento das formalidades administrativas exigidas para a constituição daquela servidão.<br>
Segundo o requerimento inicial, a formalidade omitida teria sido a da posse administrativa, por dever a constituição daquela servidão obedecer ao disposto no Cód. Exp. mas, como já se concluiu, esse diploma não<br>
é aqui aplicável, estando essa constituição submetida antes ao regime específico do cit. Decreto-Lei 11/94.<br>
As demais questões suscitadas quanto à constituição da servidão, ou são questões novas (por não terem sido incluídas naquele requerimento nem apreciadas nas decisões das instâncias) ou reconduzem-se a simples matéria de facto, pelo que se devem ter como excluídas do objecto do presente recurso.<br>
3.- Nulidade e inconstitucionalidade:<br>
No requerimento inicial do embargo, invocou-se a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 11/94, por permitir o exercício da servidão de gás sem prévia determinação, nem sequer a titulo provisório, da justa indemnização, o que foi julgado improcedente nas decisões das instâncias.<br>
Sustenta agora o recorrente que o despacho que aprovou o traçado do gasoduto, com violação do PDM de Santa Maria da Feira, é nulo, por contrariar o diposto nos artigos 4 do Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março, e<br>
52 n. 1 alínea b) do Decreto-Lei 445/91, de 25 de Outubro, e inconstitucional, por ofender o princípio da tutela da confiança legitima de que o mesmo gasoduto não atravessaria o seu prédio.<br>
Desde logo, aquela violação do PDM pelo traçado do gasoduto é também uma questão nova, nos termos acima apontados, pelo que não tem de ser aqui apreciada.<br>
Acresce que tal violação, a ter existido, apenas poderia fundamentar participação para efeito de interposição de recurso contencioso, no tribunal administrativo (artigo 23 e 53 dos citados Decretos-<br>
Lei ns. 69/90 e 445/91, respectivamente), o que exclui a competência deste tribunal para se pronunciar sobre a alegada nulidade, e, por outro lado, não põe em causa qualquer princípio constitucional, até porque os PDMs podem ser objecto de revisão, alteração e suspensão (artigos 19 e seguintes do cit. Decreto-Lei 69/90).<br>
Em conclusão:<br>
A constituição das "servidões de gás", como servidões administrativas, está sujeita ao regime jurídico previsto pelo Decreto-Lei 11/94, de 13 de Janeiro, e não ao regime geral do Cód. Exp.<br>
O exercício dos poderes inerentes a essas servidões apenas depende do cumprimento de determinadas formalidades exigidas pelo cit. Decreto-Lei, não dependendo da "posse administrativa" prevista nos artigos 17 e seguintes do cit. Código.<br>
Pelo exposto:<br>
Nega-se provimento ao recurso.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 28 Janeiro de 1997.<br>
Martins da Costa,<br>
Pais de Sousa,<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nDIKvIYBgYBz1XKvkH_0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - A, interpôs o presente recurso de agravo do acórdão da Relação, de fls. 22 e seg., que negou provimento ao recurso interposto de despacho em que se indeferiu a arguição de nulidade por falta de notificação de preferentes em acção executiva.<br>
O recorrente formula, em resumo, as seguintes conclusões:<br>
- o exequente não forneceu os elementos necessários à identificação dos preferentes na venda de prédio rústico, designadamente se o prédio estava ou não arrendado, se pertencia ou não a comproprietários e quais os actuais proprietários confinantes;<br>
- o tribunal não notificou os preferentes;<br>
- essa falta deve ter consequência idêntica à da falta das citações exigidas na execução;<br>
- a tese da propositura, em separado, de acção de preferência, levaria à duplicação de processos e a incertezas sobre a tempestividade dessa acção;<br>
- deve anular-se todo o processado a partir da prática da nulidade;<br>
- foi violado o disposto nos artigos 194 alínea a), 201 ns. 1 e 2, 205 ns. 1 e 2, 864 n. 3 e 892 do Código de Processo Civil, 10 do Código Civil e 205 e 207 da Constituição.<br>
Não houve contra-alegações.<br>
II - A situação de facto, descrita no acórdão recorrido, é a seguinte:<br>
"Em execução cambiária movida aos executados, pelo exequente, foi penhorado um prédio rústico dos ora agravantes, sito em Penela.<br>
A esta comarca foi deprecada a venda, em hasta pública.<br>
Aí foi designado, para arrematação, o dia 23 de Junho de 1993, às 10 horas.<br>
Foram aí notificados o exequente e os executados, tendo sido publicados anúncios.<br>
Imediatamente antes da hora da arrematação, os ora agravantes, por requerimento, arguiram a nulidade consistente na não notificação dos preferentes.<br>
Foi logo esse requerimento indeferido, tendo sido notificados os arguentes.<br>
Realizou-se a arrematação, tendo o exequente ficado com o prédio em causa".<br>
III - Quanto ao mérito do recurso:<br>
Antes de mais, importa notar que, no acórdão recorrido, se diz que os factos aí descritos estão "documentalmente provados" mas o certo é que não está junto ao processo qualquer documento relativo a esses factos.<br>
Os únicos documentos incorporados são a certidão de fls. 1, passada nos termos do artigo 742 n. 3 do Código de Processo Civil, e o requerimento de fls. 2, de interposição do recurso na 1. instância, do qual consta, aliás, que não há "agravantes" mas um só agravante, o "co- -executado" A.<br>
Não foi sequer junta certidão da decisão proferida na 1. instância, como se exige no citado artigo 742 n. 3 e se ordenou no despacho de fls. 11, pelo que se verifica a situação anómala de o recurso ter sido julgado sem a junção da decisão recorrida.<br>
Aliás, tendo-se decidido que o recurso, que subiu nos próprios autos, deveria subir em separado (fls. 9), este regime de subida dependia de requerimento do interessado para "que se proceda em harmonia com essa decisão" (artigo 751 n. 3 do citado Código), o que não teve lugar, como consta de fls. 11, pelo que o recurso deveria, em rigor, ter continuado a ser processado nos próprios autos.<br>
Seria ainda conveniente, para a apreciação do recurso, a junção do requerimento de arguição de nulidade, apresentado na 1. instância, mas esta falta é imputável ao recorrente, ao qual competia, nesta parte, a instrução do agravo, para o que foi notificado nos termos do citado n. 3 do artigo 751.<br>
Não se mostra agora indispensável a requisição daquela decisão da 1. instância, uma vez que este recurso deve ser julgado de harmonia com a situação configurada no acórdão recorrido.<br>
Assim, apesar das deficiências apontadas, e tendo em conta as conclusões da alegação do recorrente, a questão suscitada resume-se nestes termos: em execução para pagamento de quantia certa, foi penhorado o prédio rústico de um dos executados; não se fez menção, na execução, da existência de preferentes na venda do prédio; no dia designado para arrematação, e imediatamente antes dela; esse executado arguiu a nulidade de falta de notificação dos preferentes, a qual foi logo indeferida; trata-se apenas de saber se se configura ou não essa nulidade.<br>
Pelo artigo 892 do Código de Processo Civil, "os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da arrematação... para poderem exercer o seu direito no acto da praça..." (n. 1) e "a falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular" (n. 2).<br>
O objectivo deste preceito é o de ficar definida na execução, em princípio, a questão de eventual direito de preferência, evitando-se futuros litígios, e aquela notificação tem finalidade idêntica à da comunicação, prevista no artigo 416 do Código Civil, que é imposta ao "obrigado" à preferência.<br>
Notificado o titular do direito de preferência, na execução, ele deve comparecer à arrematação para exercer aí o seu direito, sob pena de caducidade, e, por aquele n. 2 do artigo 892, a omissão da notificação equivale à falta da referida comunicação, ficando o preferente com o direito de intentar a respectiva acção no prazo legal previsto no artigo 1410 n. 1 do citado Código Civil.<br>
Deve notar-se porém, que, não sendo reconhecido o direito ao notificado, na procedência de oposição deduzida por algum interessado, nomeadamente o arrematante, o pretenso titular do direito não fica impedido de pedir o seu reconhecimento judicial, em acção autónoma, uma vez que tal decisão se baseia em simples "juízo provisório", não susceptível de constituir caso julgado material (cfr. A. Varela, na Rev. Leg. J., 119, p. 56, em nota, e Ans. Castro, A Acção Executiva..., p. 224).<br>
O ponto que está aqui em discussão é o de saber se a falta da aludida notificação, independentemente dos motivos ou circunstâncias que a determinaram, apenas pode ter a "cominação" de subsistência do direito à acção de preferência, como se decidiu no acórdão recorrido, com o argumento do disposto no artigo 201 n. 1 do Código de Processo Civil, e como parece ser a opinião de E. Lopes Cardoso, ao afirmar que "a falta de notificação não induz em nulidade processual..." (Manual da Acção Executiva, p. 585), ou, como pretende o recorrente, se pode verificar-se tal nulidade.<br>
Numa primeira apreciação e em face da letra da lei poderia ter-se como excluída a nulidade processual mas entende-se que a hipótese justifica algumas considerações.<br>
O citado artigo 892 reproduz idêntica norma do Código de 1939 e, na lei anterior (artigo 848 do Código de 1876), dispunha-se que os titulares do direito de preferência eram citados para assistirem à praça e só aí poderiam exercer esse direito, pelo que a falta dessas citações tinham o efeito normal de anulação de todo o processado posterior ao momento em que deveriam ter sido realizadas (cfr. A. Reis, no Proc. Exec., II, p. 341 e 344).<br>
Do confronto dessas disposições, e apesar de a notificação dos preferentes dever porventura ser feita pelas regras próprias da citação (artigo 228 n. 1 do Código de Processo Civil), resulta que a alteração introduzida pela lei actual respeita apenas à "consequência" da falta de chamamento dos preferentes à execução, substituindo a anulação do processado anterior pela subsistência do direito à acção de preferência, mas isso não exclui, necessariamente, a ocorrência de alguma nulidade processual.<br>
A lei manda notificar os titulares do direito de preferência (n. 1 do citado artigo 892), o que se não traduz em mera faculdade ou poder arbitrário mas num dever jurídico, cuja falta implica, em princípio, a omissão de um acto processual legalmente prescrito.<br>
Essa notificação dirige-se a pessoa ou pessoas determinadas e pressupõe, desde logo, a sua prévia indicação na execução, mas a lei não prevê, em qualquer momento, designadamente no da nomeação dos bens à penhora ou neste acto, a obrigação de fazer essa menção, o que conduz a uma certa lacuna ou falta de regulamentação adequada.<br>
Tal lacuna deve ser preenchida no sentido de caber ao exequente, em princípio, a identificação dos preferentes, por ter "o principal ónus de promover os termos da execução", não podendo "negar-se aos outros credores verificados ou reconhecidos a faculdade de tomar a iniciativa..." (A. Reis, na obra cit., p. 344), e entende-se que também o executado o pode fazer, como parte no processo e interessado na sua intervenção da qual poderá resultar aumento do valor da adjudicação no caso de haver pluralidade de preferentes (artigo 879 n. 4 do Código de Processo Civil), e que o próprio tribunal pode e deve ordenar o suprimento da omissão (artigos 264 e segs. do mesmo Código).<br>
Assim, havendo titulares de direito de preferência na venda judicial, tanto a falta da sua indicação como da notificação, no caso de estarem identificados, constituem omissão de formalidade e de acto prescritos na lei, o que é susceptível de "influir no exame ou na decisão da causa", uma vez que se pretende que seja definido na execução, em princípio, algum eventual direito de preferência, e esse objectivo fica prejudicado com tal omissão, tratando-se pois da nulidade prevista no artigo 201 n. 1 do citado Código.<br>
Essa nulidade "pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição... do acto" (artigo 203 n. 1 do citado Código) e deve, em princípio reconhecer-se legitimidade ao executado para a sua invocação, dado o prejuízo que lhe pode advir da falta de intervenção dos preferentes, em face do disposto no citado artigo 897 n. 4, salvo se ocorrer alguma das hipóteses aludidas no n. 2 do citado artigo 203, o que, em princípio, não tem lugar, por não ser ele a parte onerada com a indicação dos preferentes.<br>
Em suma, a falta de notificação dos titulares de direito de preferência, na execução, tem a "consequência" de subsistência desse direito mas isso não exclui a configuração de nulidade processual decorrente dessa falta como da falta de indicação dos preferentes, a qual deve ser invocada antes da arrematação.<br>
No caso presente, o executado-recorrente limitou-se a arguir, imediatamente antes da hora da arrematação, a falta de notificação dos preferentes, em termos que não se encontram explícitos (por não ter sido instruído o agravo com o respectivo requerimento), mas deve ter-se como certo que tais preferentes não estavam identificados na execução nem foram então indicados, até porque, na própria alegação do recurso, diz que "incidindo a venda sobre um prédio rústico que, a não estar arrendado e não vigorando... o regime de compropriedade, teria como titulares daquele direito os proprietários dos prédios contíguos".<br>
Desde logo, a nulidade não respeitaria a falta de notificação mas de identificação dos possíveis preferentes e não se justifica que o recorrente não tivesse feito essa identificação, por ser ele quem estaria em melhores condições de o fazer, como proprietário de prédio.<br>
De resto, a circunstância de se tratar de prédio rústico não implica, necessariamente, a existência de preferentes, na sua venda, como resulta do disposto nos artigos 1380 e segs. do Código Civil.<br>
Porque nenhum dos intervenientes na execução havia feito indicação de titulares de direito de preferência, presume-se, em princípio, que eles não existiam e, perante essa situação, a arguição da nulidade de falta de notificação pressupunha a informação da existência e identificação dos preferentes, que podia e devia ser então feita pelo arguente.<br>
Só depois dessa informação, e se ela fosse julgada pertinente, em face de oposição porventura deduzida pelos outros intervenientes, é que se poderia ter como verificada a nulidade processual, sendo então de ordenar a suspensão da arrematação e a notificação dos preferentes.<br>
Por outro lado, o recorrente não invoca sequer, como requisito da sua legitimidade para invocação da nulidade, o possível aumento do valor da adjudicação do prédio, o qual dependeria da existência de vários preferentes, nos termos do citado artigo 897 n. 4, e isso só muito excepcionalmente teria lugar, em face do disposto no n. 2 do citado artigo 1380.<br>
Limita-se o recorrente a alegar, para esse efeito, a inconveniência da "propositura, em separado, duma acção de preferência...", mas isto não lhe confere tal legitimidade, por não ser susceptível de lhe causar qualquer prejuízo, uma vez que, não sendo a venda judicial promovida ou realizada pelo executado, este não teria de ser parte naquela acção.<br>
Deste modo, e perante os elementos disponíveis no recurso, não se mostra verificada a existência de efectiva nulidade processual nem a legitimidade do recorrente para a sua invocação.<br>
Em conclusão:<br>
A falta de notificação dos titulares de direito de preferência, em execução, tem como consequência a subsistência desse direito, que poderá vir a ser exercido em acção própria (artigo 892 n. 2 do Código de Processo Civil).<br>
Isso não exclui, porém, a configuração de nulidade processual decorrente dessa falta bem como da falta de indicação de possíveis preferentes, a qual cabe, em princípio, ao exequente (artigo 201 n. 1 do mesmo Código).<br>
O executado tem legitimidade para invocação dessa nulidade, no caso da existência de vários preferentes, devendo fazer então a identificação destes (artigo 203 n. 1 e 897 n. 4 do citado Código).<br>
Pelo exposto:<br>
Nega-se provimento ao recurso.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 28 de Maio de 1996.<br>
Martins da Costa.<br>
Pais de Sousa.<br>
Amâncio Ferreira.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
iTL2u4YBgYBz1XKvSWPo | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
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A Junta de Freguesia de Atei, do concelho de Mondim de Bastos veio propor a presente acção contra A e B, pedindo que estes sejam condenados a reconhecerem que a água da nascente dos "Olhos Meirinhos" é de natureza pública e a sua utilização destinada a todos os compartes dos baldios de Atei; a absterem-se de qualquer conduta, directa ou indirecta, tendente a impedir ou dificultar o aproveitamento da água por parte da requerente para abastecer as referidas povoações que dela têm necessidade para gastos domésticos; a pagar a Autora a quantia de 2000000 escudos pelos prejuízos causados pelas suas condutas.<br>
Alegou em síntese:<br>
A Autora é já há várias décadas a legítima administradora dos terrenos baldios, situados na freguesia de Atei;<br>
Num dos prédios baldios, sob a sua administração, num lugar conhecido por "Olhos Meirinhos", existe uma nascente de água denominada "Nascente dos Olhos Meirinhos".<br>
Em 1990, a Autora realizou nesta nascente algumas obras de captação, de modo a permitir o seu aproveitamento pelas várias povoações da freguesia, não se tendo, todavia, concretizado a respectiva utilização até 1995.<br>
No dia 2 de Agosto desse ano, passou a aproveitar a água, conduzindo-a através de uma mangueira para um depósito.<br>
Passados cerca de oito dias sobre essa data, os Réus retiraram a mangueira que também golpearam causando um prejuízo de cerca de 50000 escudos, fazendo com que a água se perdesse no local e não abastecesse as populações de alguns lugares da freguesia.<br>
Restituída a situação anterior pela Autora, voltaram os Réus a inviabilizar a circulação da água e acabaram por desviar a água da nascente para uma levada que a conduz ao regadio de algumas terras do lugar de Sobreira de Mondim, pertencentes aos Réus e a mais algumas pessoas, que nem sequer são compartes nos baldios.<br>
Em 18 de Julho de 1996, os Réus dirigiram-se ao presidente da Autora, dissuadindo-o de utilizar a água, pelo que as populações sofrem de restrições no abastecimento de água.<br>
Os Réus contestaram, por excepção a impugnação.<br>
Assim, aduzem, desde logo, a ilegitimidade da Autora, uma vez que a competência a legitimidade para as questões sobre domínio e posse dos baldios está por lei cometida aos respectivos compartes, através dos seus conselhos directivos, acontecendo que, em Junho de 1976, os compartes, constituída a Assembleia, elegeram o Conselho Directivo; e, depois, a circunstância da água em causa, integrada como, em princípio, está, num baldio nunca poder ser considerada como pertença da autarquia.<br>
Para além disso, opõem que a água em causa tem sido usada, desde tempos imemoriais, há mais de 200 anos, inclusivamente por vários proprietários de prédios rústicos, para rega e lima dos mesmos.<br>
Verificar-se-ia, assim, a favor deles aquisição originária, decorrente de ocupação e usucapião.<br>
Em reconvenção formulam o pedido de declaração e reconhecimento de que com os demais proprietários dos imóveis irrigados por ela - que identificam e cuja intervenção principal provocada requerem - são os únicos e exclusivos titulares do direito à água em causa, para rega e lima, de harmonia com o sistema de distribuição do tempo do uso por esses prédios.<br>
Respondendo, a Autora reafirmou a sua legitimidade como administradora dos baldios de Atei, esclarecendo que o conselho directivo aludido pelos Réus, referente a esses baldios, só existiu durante um breve período de tempo, retomando, após um lapso de tempo, a Junta de Freguesia a sua acção de administradora.<br>
Negou, também, o aproveitamento exclusivo da água pelos Réus e os outros proprietários identificados por estes.<br>
Uma vez citados, os chamados aderiram à contestação - reconvenção apresentada pelos Réus.<br>
Foi, então, proferido saneador no qual se considerou que a Autora não tinha interesse directo em demandar, face ao pedido formulado, sendo, por isso, julgada parte ilegítima.<br>
A Relação do Porto, porém, para onde agravou a Autora, considerou esta parte legítima, determinando o prosseguimento dos autos.<br>
Inconformados, os Réus recorreram para o Supremo, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br>
A- Os baldios constituem o núcleo central e essencial dos meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais - artigo 82 n. 4 alínea b) da C.R.<br>
B- A dominialidade dos baldios pertence, portanto, e exclusivamente a uma comunidade local que não se confunde, nem pode confundir com uma qualquer comunidade territorial autárquica - artigos 1, 2 e 3 da Lei n. 68/93.<br>
C- A Assembleia de Compartes é o único ente orgânico com poder para administrar o baldio e é, sobretudo, o único que tem o poder de pedir o reconhecimento de direitos sobre o baldio - artigos 5, 11, 15 e 21 alíneas a), e), h), i) e j) da citada Lei.<br>
D- Só em casos excepcionais a lei admite que a administração de um baldio possa ser exercida por uma junta de freguesia, o que, no entanto, constitui sempre uma competência transitória e só mesmo para administrar - artigo 36 da Lei citada.<br>
E- Como se colhe das próprias conclusões das alegações da Autora, junto do tribunal ora recorrido, esta pretende o reconhecimento do direito à água nascida e captada no baldio, como sendo água pertencente ao domínio público.<br>
F- Ora, isto é só por si a demonstração de uma clara violação da lei nomeadamente das normas citadas e dos princípios gerais subjacentes a tal lei e que dimanam do princípio constitucional consagrado no citado artigo 82 n. 4 alínea b) da Constituição.<br>
G- Dizer-se que essa água nascida e captada num baldio é uma água pública, como se pretende fazer ao invocar a antiga Lei das Águas - Decreto 5787 III - é desde logo ofender o aludido princípio constitucional, já que a posse e fruição dos baldios cabe aos compartes e não à Autora - artigo 82 n. 4 alínea b) da Constituição da República Portuguesa.<br>
H- Assim sempre estaríamos perante uma clara inconstitucionalidade, por flagrante violação daquele citado preceito constitucional e do princípio no mesmo consagrado.<br>
I- Porque violou os normativos legais que ficam referidos bem como o aludido princípio constitucional, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que confirme a douta decisão da 1. instância que faz - essa sim - uma concreta aplicação da lei.<br>
J- Deve, assim, conceder-se provimento ao recurso.<br>
Na contra-alegação, a Autora sustenta dever manter-se o Acórdão recorrido.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br>
Por força da Lei n. 1971 de 15 de Junho de 1938, foram submetidos ao regime florestal todos os baldios a Norte do Tejo.<br>
Donde terem ficado nessa situação, de jure, todos os baldios de Atei, em referência.<br>
Após o 25 de Abril de 1974, o Decreto-Lei n. 39/76 de 19 de Janeiro (complementado pelo Decreto-Lei n. 40/76 da mesma data) - repristinado com a revogação do artigo 109 da Lei n. 79/77 de 25 de Outubro, pela Lei n. 91/77 de 31 de Dezembro (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 1980, Boletim 362, página 394; da Relação de Coimbra de 13 de Novembro de 1979, Col. 1979, IV, Tomo 5, página 14) - integrado, aliás, como deflui do respectivo preâmbulo, na Reforma Agrária que então se começava a pôr em prática, respondendo aos anseios reivindicatórios da posse dos baldios, por parte das populações locais, veio devolver ao uso fruição e administração dos respectivos compartes, maioritariamente, os baldios submetidos ao regime florestal (artigo 3; cfr. ainda, Lei n. 2069 de 24 de Abril de 1934; Decreto-Lei n. 21207 de 16 de Novembro de 1936; artigos 388 e seguintes do Código Administrativo, publicado em 31 de Dezembro de 1940).<br>
Pretendeu, assim, a Lei devolver às populações, como seus utentes históricos, os baldios de que tinham sido espoliadas.<br>
Quanto aos baldios não submetidos ao regime florestal, embora a sua administração estivesse sujeita às autarquias, a verdade é que essa situação era mais formal do que real, já que aquelas se preocupavam mais com a extracção da mina e corte de madeira deixando o resto aos usos e costumes ancestrais das populações (cfr. Jaime Joalheiro, Comentário À(s) Lei(s) dos Baldios, página 77).<br>
A Constituição da República de 1976 veio plasmar, em termos mais categóricos, a determinação do artigo 3 do Decreto-Lei n. 39/76, ao atribuir, no seu artigo 89 alínea c) a propriedade, posse útil e gestão dos baldios, às comunidades locais, retirando-as às autarquias como se demonstra no Acórdão n. 325/89 do Tribunal Constitucional publicado no D.R. I série, de 17 de Abril de 1989.<br>
Posteriormente e sempre em consonância com a natureza jurídica dos baldios, as revisões da Constituição que se seguiram, mantiveram a atribuição da sua posse e gestão às comunidades locais (artigo 82 n. 4 alínea b))<br>
A Lei não se limitou, no entanto, a devolver os baldios às populações.<br>
Houve, desde logo, a preocupação de estabelecer o modo prático de viabilizar, no terreno, uma nova postura, atribuindo-se, assim, à Assembleia dos Compartes a faculdade de decidir "sobre a forma da administração" a adoptar (artigo 6 alínea d) do Decreto-Lei n. 39/76).<br>
Todavia o órgão executivo encarregado de pôr em prática as linhas definidas, a este nível, pela Assembleia de Compartes era, no âmbito do diploma enfocado (Decreto-Lei n. 39/76) o Conselho Directivo (artigo 9 alínea b)).<br>
Daqui resulta que a única entidade com legitimidade para intentar acções em defesa de quaisquer interesses comunitários dos baldios e da recuperação das parcelas indevidamente ocupadas ou que tivessem indevidamente passado à propriedade privada era a Assembleia dos Compartes, através do seu Conselho Directivo, tendo sido esta a orientação que predominantemente vingou nos Tribunais Superiores.<br>
Às Juntas de Freguesia só foi deixada competência para intentar acções pedindo a anulação dos actos ou negócios jurídicos que tivessem como objecto a apropriação de terrenos baldios ou parcelas de baldios por particulares, bem como as subsequentes transmissões (artigo 3 do Decreto-Lei n. 40/76).<br>
Acontecia, porém, como informa Jaime Joalheiro (ob. cit. página 88) que, em muitos locais não existiam Assembleias de Compartes constituídas e daí que se pusesse, com a maior acuidade, a questão de saber quem poderia e deveria defender os baldios em tribunal, contra toda a espécie de ataques a que estão habitualmente "sujeitos".<br>
Nestas circunstâncias, justificava-se que as Juntas de Freguesia actuassem no sentido de solucionar tal situação, desde que, pelo menos, ocorresse o estado de necessidade administrativo, que se verifica, segundo a lição do Professor Marcelo Caetano em caso de perigo eminente e actual que ameace interesses colectivos protegidos pelo Direito (cfr. Manual de Direito Administrativo, 9. edição, II, página 1285).<br>
Tal estado de necessidade verificar-se-á, deste modo, "se um baldio, no todo ou em parte, está a sofrer, ou corre sério risco de vir a sofrer, um ataque, que altere, profundamente, os fins a que historicamente, se destina a igual situação se dá, em razão desse ataque, estão a ser retirados, produtos, bens, ou partes integrantes, de valor relevante, correndo a comunidade sério risco de não vir a receber esse valor... (cfr. Jaime Joalheiro, ob. cit. páginas 88 e seguintes).<br>
Com a publicação da Lei n. 68/93 de 30 de Junho de 1993 foram introduzidas assinaláveis alterações no regime dos baldios, mas, se bem vemos, manteve-se, no essencial, os traços aqui salientados, pre-ordenados a uma melhor compreensão das soluções jurídicas que aqui adoptaremos, já no domínio da nova Lei dos baldios.<br>
Assim, todos os baldios entregues aos compartes, ex vi do disposto no artigo 3 do Decreto-Lei n. 39/76 continuaram nessa situação e aqueles que o não tinham sido, de facto, sê-lo-ão logo que, constituída a respectiva assembleia de compartes, este tomou a iniciativa de promover tal devolução (artigo 34 da Lei n. 68/93).<br>
A gestão dos baldios continua a pertencer "por direito próprio" aos respectivos compartes nos termos dos usos e costumes aplicáveis ou, na falta deles, organizados em Assembleia de Compartes, Conselho Directivo e - novidade - Comissões de Fiscalização (cfr. artigo 11 da Lei n. 68/93).<br>
Cabe, agora, ao Conselho Directivo competência para recorrer a juízo, em defesa de quaisquer interesses comunitários dos baldios, independentemente de audição prévia da Assembleia de Compartes embora esse recurso aos tribunais deve ser depois ratificado por aquela Assembleia (artigos 15, 21 e 25 da Lei n. 68/93). <br>
A questão que ora se coloca é a de saber se inexistindo Conselho Directivo - como parece suceder, neste caso - a quem competirá defender em juízo os interesses comunitários inerentes aos baldios.<br>
Pois, sem dúvida, que vale aqui toda a argumentação, acima deduzida em ordem a demonstrar ser de atribuir, nessa hipótese, de vazio de poder, competência, para tal efeito, à Junta de Freguesia respectiva, desde que se verifique o referido estado de necessidade administrativa.<br>
E podemos até avançar um pouco mais. Desde que se não prove que a falta de organização dos compartes se deve à Junta de freguesia, deve reconhecer-se-lhe - como se defendia no âmbito de Decreto-Lei n. 39/76 - legitimidade para intentar qualquer acção em defesa dos baldios.<br>
Certo que a Lei n. 68/93 não prevê a forma de organizar ou constituir as novas Assembleias de Compartes e de eleger os seus principais órgãos, deixando o preenchimento desta lacuna, para a sua posterior Regulamentação, permitida, aliás, no seu artigo 41.<br>
Só que, como vem sendo hábito, não se passa, na realidade, das promessas.<br>
Este buraco legislativo poderá, talvez, ser colmatado mediante apelo à regulamentação, deste tema, previsto no revogado Decreto-Lei n. 39/76, se se considerar que a revogação abranja apenas as normas que estão em contradição com aquelas que da presente lei podem ser directamente aplicáveis, como diz o artigo 41, sob pena de vazio legal" Jaime Joalheiro (in Rev. do Ministério Público, ano 15, n. 57, páginas 101 e seguintes).<br>
De todo o modo, o alçapão legal referido pode funcionar como contributo para a desculpabilização da Junta de Freguesia na falta de organização, aqui verificada, dos compartes como gestores do baldio em apreço, o que vem reforçar a ideia, neste caso, da sua legitimidade para agir (cfr. Jaime Joalheiro, Comentário cit. páginas 87 a 91; e in cit. Rev. M.P. página 102).<br>
Ideia que sai vencedora quando, para além disso, se verifica que o quadro factual, que move a Autora aponta - e é ele que conta para a aferição da legitimidade, nos termos do n. 3 do artigo 86 do Código de Processo Civil, mesmo na sua versão anterior, segundo o entendimento que sempre perfilhámos e que veio a ter consagração na actual redacção daquele preceito - para a verificação, in casu, de um estado de necessidade administrativa, tal como ficou atrás conceituado, dado a agressão actual grave, de que está a ser objecto, o baldio referenciado, por parte dos Réus, com prejuízo para as populações que, mercê dela, são privadas das águas nascidas no baldio, essenciais à satisfação das necessidades dos respectivos compartes.<br>
Ora, a alegação fáctica do estado de necessidade administrativa, vertida na petição pela Autora, é fundamento bastante para se dever considerá-la parte legítima, na presente acção (sobre o caminho percorrido vide Acórdão do S.T.J. de 4 de Dezembro de 1986, Bol. 362, página 394).<br>
Igualmente eficaz e mais frontal é, no âmbito da facticidade carreada pela Autora, a via adoptada, no Acórdão recorrido, conducente à mesma solução, com base no artigo 36 da Lei n. 68/93 aqui aplicável, enquanto determina que: "A administração de baldios que, no todo ou em parte, tenha sido transferida de facto para qualquer entidade administrativa nomeadamente para uma ou mais juntas de freguesia e que nesta situação se mantenha à data da entrada em vigor da presente Lei, considera-se delegada nessas entidades com os correspondentes poderes e deveres e com os inerentes direitos, por força da presente lei e nessa situação se mantém, com as adopções decorrentes do que nesta lei se dispõe, até que a delegação seja expressamente confirmada ou revogada nos novos moldes agora prescritos".<br>
Pois bem: a alegada administração de facto de que virá disfrutando a Autora, permite, face a tal circunstancialismo, configurar, a seu favor, a delegação operada ex vi do preceito transcrito, o que constitui, obviamente, base suficiente, para justificar a sua legitimidade activa, nesta acção.<br>
Também não se perfilha a tese da inconstitucionalidade avançada pelos recorrentes, a pretexto de se ter violado o artigo 82 n. 4 alínea b) da Constituição, que atribui a gestão dos baldios às respectivas comunidades locais.<br>
É que tal normativo supõe que as comunidades estão organizadas - mesmo que só "de facto" através de usos e costumes, existentes, destinados a esse efeito - para poderem proceder a essa gestão (artigo 11 da Lei n. 68/93).<br>
Assim, é evidente que não se verificando esse pressuposto, como é o caso, o preceito constitucional não pode funcionar, sendo, deste modo, inaplicável.<br>
Inconstitucionalidade, com tal fundamento, só ocorreria se, apesar de organizada a comunidade local, para a gestão em vista, a Junta de Freguesia se intrometesse como detentora de legitimidade para defender, em juízo, os baldios ou as águas neles existentes.<br>
Interessa, por último, referir ser inteiramente descabido, nesta fase, emitir qualquer juízo sobre a natureza jurídica das águas em causa, por isso depender de um acerto factual, que aí poderá ocorrer após o julgamento.<br>
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão agravado.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
<br>
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2000<br>
Machado Soares,<br>
Fernandes Magalhães,<br>
Tomé de Carvalho.<br>
<br>
Tribunal Judicial de Vila Real - Processo n. 86/97<br>
Tribunal da Relação do Porto - Processo n. 878/99 - 3. Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MjLfu4YBgYBz1XKvxEx4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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I – Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, "A, LTD", intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe determinada quantia.<br>
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A Ré contestou por impugnação, tendo requerido a intervenção principal de "C – COMUNICAÇÕES INTELIGENTES, S.A.", que, chamada, não ofereceu qualquer articulado.<br>
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Na sua contestação, a Ré B não deduziu a excepção de incompetência absoluta do tribunal.<br>
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No despacho saneador, foi decidido que “o tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia”.<br>
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Desta decisão agravou a interveniente C, tendo, no Tribunal da Relação de Lisboa, sido proferido acórdão a negar provimento ao recurso e a confirmar o despacho recorrido.<br>
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Inconformadas com tal decisão, vieram a interveniente e agora também a Ré interpor da mesma recurso de agravo, tendo ambos os recursos sido admitidos.<br>
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As agravantes apresentaram as suas alegações e respectivas conclusões, pedindo a revogação da decisão recorrida.<br>
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Contra-alegou a agravada, pugnando pela improcedência dos recursos.<br>
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.<br>
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II – 1. O acórdão ora impugnado, ao aludir à fundamentação de facto, limita-se a dizer: “Considera-se assente a matéria de facto constante do antecedente relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzida”.<br>
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Perante isto, a agravante B entende estar-se perante a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força dos artigos 716º e 755º, nº 1, b), do mesmo diploma.<br>
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Depreende-se dos termos usados no acórdão que se pretendeu dar também como reproduzidos os factos constantes das conclusões das alegações da agravante C, única então recorrente, no que concerne ao contrato quadro celebrado entre a recorrida e a recorrente.<br>
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De qualquer forma, temos de reconhecer – e com o devido respeito – que se trata de uma técnica deficiente de enunciar a matéria de facto que relevava para a decisão do recurso, sendo certo que, mesmo assim, haveria outros factos, resultantes do contrato em causa nos autos, que deveriam ser enunciados.<br>
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2. Assim, e suprindo tal nulidade, passamos a descrever a factualidade com interesse para o conhecimento dos agravos agora interpostos:<br>
A. No dia 27.12.1999, foi celebrado entre a aqui Autora, a aqui chamada C, e a sociedade “Lusis – Equipamentos e Serviços, Lda”, o “Contrato Quadro” constante de fls. 46 a 89 dos autos.<br>
B. A cláusula 23. deste contrato, respeitante a “FORO COMPETENTE E JURISDIÇÃO”, é do seguinte teor:<br>
“Este contrato será regulado pelas leis de Inglaterra e os tribunais competentes em Londres terão jurisdição exclusiva em qualquer litígio ao abrigo dessa jurisdição”.<br>
C. Desse contrato faz parte integrante o Anexo “K”, constante de fls. 90 a 103 dos autos, referente a um “Acordo de Financiamento”, no qual figura como “Fiador” a "B, S.A." (“B”), aqui Ré.<br>
D. Entre outras condições incluídas no referido Anexo, consta “Uma garantia inteiramente irrevogável a ser emitida em nome do fornecedor pelo fiador, para cobertura das obrigações do comprador ao abrigo do contrato comercial e do acordo de financiamento. A forma e substância da garantia está sujeita à aprovação de ECI”.<br>
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E. Em 13.12.2000, e em cumprimento do estipulado no Anexo “K”, a Ré subscreveu o documento de fls. 227 dos autos, do qual, além do mais, consta:<br>
“CONSEQUENTEMENTE, NÓS, OS ABAIXO-ASSINADOS COMPROMETEMO-NOS AO SEGUINTE:<br>
1. Nós, os abaixo-assinados, "B, S.A.", Campo Grande ...., 2º ...., 1700 Lisboa, Portugal, garantimos pelo presente o pagamento por C de todas as suas obrigações de pagamento em conformidade com o contrato e com o acordo de financiamento, anexo a este documento e que constituem parte integral sua como anexo “A”.<br>
2. Comprometemo-nos, pelo presente, a pagar ao vendedor qualquer montante exigível pelo vendedor ao abrigo do contrato e/ou do acordo do financiamento, contra solicitação por escrito de pagamento nos termos do contrato e/ou do acordo do financiamento, declarando que (1) "C" não cumpriu as suas responsabilidades de pagamento resultantes do contrato e/ou do acordo de financiamento, (2) o montante devido (3) e a data de vencimento desse pagamento.<br>
3. As notificações deverão ser endereçadas para a morada especificada no parágrafo 1..<br>
As disposições relativas às comunicações/notificações serão as especificadas na cláusula 20 deste contrato, mutatis mutandis”.<br>
F. Proposta a presente acção, nem a Ré, nem a interveniente, ambas aqui agravantes, arguiram a excepção dilatória de incompetência absoluta (em razão da nacionalidade) do tribunal, tendo o Senhor Juiz, no despacho saneador, declarado o tribunal competente em razão da nacionalidade para a acção.<br>
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III – 1. A questão essencial a conhecer nos agravos interpostos prende-se com o facto de, no contrato quadro acima aludido, as partes terem estabelecido um pacto privativo de jurisdição ao foro de Londres, havendo, portanto, de decidir se os tribunais portugueses serão ou não competentes para o conhecimento da presente acção.<br>
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Tendo a acção sido proposta em Portugal, e não tendo sido suscitada a questão de incompetência em razão da nacionalidade da 7ª Vara Cível (3ª Secção) de Lisboa – à qual foi distribuído o processo –, o Senhor Juiz, no despacho saneador, declarou que “o tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia”.<br>
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Na Relação, após recurso da interveniente C, confirmou-se tal decisão, com o fundamento de que a acção foi intentada pela Autora contra a B com vista ao cumprimento da garantia e, no contrato celebrado entre a Autora e a chamada, não existe qualquer pacto de jurisdição com a Ré B que remeta o presente litígio para o foro de Londres.<br>
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Assim, e antes de se aludir aos preceitos de natureza adjectiva para a solução da questão em causa, escreveu-se no acórdão ora impugnado:<br>
“Não tendo havido entre a autora e a ré qualquer pacto de jurisdição para dirimir as questões relacionadas com a garantia que esta prestou àquela, que constitui a causa de pedir da presente acção, improcede, desde logo, o recurso interposto pela chamada”.<br>
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2. Segundo o artigo 101º do CPC, “A infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, determina a incompetência absoluta do tribunal”.<br>
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“A infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo aplicável, na divisão judicial do território ou decorrentes do estipulado nas convenções previstas nos artigos 99º e 100º determina a incompetência relativa do tribunal” – artigo 108º (o artigo 99º respeita ao pacto privativo e atributivo de jurisdição). <br>
Da conjugação destes dois artigos resulta que a violação de um pacto privativo de jurisdição gera incompetência relativa, que não é do conhecimento oficioso do tribunal, podendo ser arguida pelo réu, sendo o prazo de arguição o fixado para a contestação, oposição ou resposta ou, quando não houver lugar a estas, para outro meio de defesa que tenha a faculdade de deduzir – artigo 109º, nº 1.<br>
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Sendo assim, não tendo a Ré B, na sua contestação, nem a interveniente C, no momento a que se refere o nº 3 do artigo 327º do CPC, deduzido tal excepção, não poderia, desde logo, o Senhor Juiz, no despacho saneador, deixar de considerar que o tribunal goza de competência em razão da nacionalidade para o conhecimento da presente acção.<br>
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Ficou, assim – e mesmo admitindo-se que o pacto privativo de jurisdição também abrange as relações entre a Autora e o “fiador” (a aqui Ré) –, logo definitivamente precludido o direito de invocar a aludida excepção, pelo que é manifesta a falta de razão das agravantes.<br>
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3. Uma última nota sobre o alegado (pela agravante B) excesso de pronúncia, em violação dos artigos 668º, nº 1, d), e 684º, ambos do CPC, pelo facto de a decisão ter incidido sobre questões essenciais e controvertidas em sede de 1ª Instância.<br>
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Efectivamente, sendo matéria controvertida nos autos, face à posição assumida pelas partes, se se está ou não perante uma garantia autónoma, não deveria o tribunal recorrido – ao qual foi cometida apenas a tarefa de decidir a questão da competência em razão da nacionalidade – tomar posição, dando logo por facto assente tratar-se de uma garantia autónoma.<br>
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É óbvio que tal posição extravasou os seus poderes, pelo que a questão será dirimida na altura própria com o prosseguimentos dos autos.<br>
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4. Infere-se, assim, do exposto que não colhem as conclusões das agravantes, tendentes ao provimento dos respectivos recursos, pelo que a decisão recorrida – que manteve a declaração de que o tribunal português é competente em razão da nacionalidade para o conhecimento da presente acção – não merece qualquer censura.<br>
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IV – Podem extrair-se as seguintes conclusões:<br>
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1ª - Da conjugação dos artigos 101º e 108º do CPC decorre que a violação de um pacto privativo de jurisdição gera incompetência relativa, que não é do conhecimento oficioso do tribunal, podendo ser arguida pelo réu, sendo o prazo de arguição o fixado para a contestação, oposição ou resposta ou, quando não houver lugar a estas, para outro meio de defesa que tenha a faculdade de deduzir – artigo 109º, nº 1, do mesmo diploma.<br>
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2ª - Sendo assim, não tendo a aqui Ré, na sua contestação, nem a interveniente, no momento a que se refere o nº 3 do artigo 327º do CPC, deduzido tal excepção, ficou definitivamente precludido o direito de a invocar.<br>
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3ª - Não podia, pois, o Senhor Juiz – no despacho saneador que veio a proferir – deixar de declarar que o tribunal é competente em razão da nacionalidade para o conhecimento da presente acção, decisão que não pode ser revogada por via de recurso.<br>
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V – Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento aos agravos, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.<br>
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Custas pelas respectivas agravantes.<br>
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Lisboa, 8 de Junho de 2004 <br>
Moreira Camilo<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MTIVvIYBgYBz1XKvD433 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - A interpôs o presente recurso de agravo do acórdão da Relação de folhas 81 e seguintes, na parte em que negou provimento ao agravo interposto do despacho certificado a folhas 67 e proferido a folhas 157 da acção ordinária intentada por "B, Lda."contra C, na qual o recorrente foi admitido a intervir como assistente da ré.<br>
Pretende o recorrente a revogação daquele acórdão e a sua substituição por outro "que anule o despacho de folhas 157" ou, quando assim se não entenda, que o revogue<br>
"e designe novo dia e hora para a nomeação de peritos", com base, em resumo, nas seguintes conclusões:<br>
- a falta de mandatário judicial constitui fundamento para o adiamento da audiência de discussão e julgamento, sem necessidade de justificação;<br>
- essa falta de mandatário judicial a acto para que tenha sido convocado constitui causa imediata de adiamento;<br>
- o despacho de folhas 157, como despacho vinculativo, deve ser fundamentado, sob pena de nulidade;<br>
- esse despacho carece, absolutamente, de fundamentação de facto, por nele não ser feita "qualquer referência aos factos que motivaram a decisão";<br>
- a mera referência "ao normativo insito no artigo 578 n. 4 do Código de Processo Civil não constitui especificação, nem sequer implícita, dos fundamentos de facto ...";<br>
- foi violado o disposto nos artigos 158, 578 n. 4, 651 n. 1 alínea c), 666 n. 3 e 668 n. 1 alínea b) do citado Código de Processo Civil e 1 do Decreto-Lei 330/91, de 5 Setembro.<br>
Não houve contra-alegações.<br>
II - Situação de facto:<br>
Na referida acção ordinária em que foi admitido a intervir como assistente da ré, o ora recorrente suscitou o incidente de falsidade de um documento junto pela autora.<br>
Oportunamente, veio a requerer, em relação ao incidente, a produção de "prova pericial: a ser prestada pelos peritos nomeados do Laboratório Nacional de Polícia Científica..." (fls. 54).<br>
"Em referência à prova pericial requerida", designou-se dia para "nomeação dos peritos" (fls. 66), tendo sido notificadas as partes, através dos seus mandatários (fls. 66 v.).<br>
Na data designada, elaborou-se a acta certificada a fls. 67, da qual consta, no essencial: "não se encontravam presentes nenhuma das pessoas convocadas";<br>
"declarada aberta a audiência ... foi proferido o seguinte Despacho: Nos termos do artigo 578 n. 4 do C.P.C. dou sem efeito a requerida produção de prova pericial pelo assistente".<br>
III - Quanto ao mérito do recurso:<br>
De harmonia com as conclusões acima transcritas, são duas as questões suscitadas no recurso: a nulidade do despacho de fls. 157 da acção ordinária e certificado a fls. 67, por falta de fundamentação de facto; e a legalidade desse despacho, por motivo de falta de adiamento da diligência de nomeação de peritos.<br>
1 - Nulidade do despacho:<br>
Pelo artigo 158 n. 1 do Código de Processo Civil (de cujo diploma serão os demais artigos citados sem referência),<br>
"as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas".<br>
Este dever geral de fundamentação, que goza de assento constitucional, embora reportado aos "casos e... termos previstos na lei", ou seja, na lei ordinária (artigo 208 n. 1 da Constituição), justifica-se pela necessidade de que "a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser" ou seja convencida "de que a decisão é conforme à justiça" (A. Reis, no Comentário.... 2. p. 172), ou mesmo pela necessidade de controlo do princípio da livre convicção do juiz (Ans. Castro, no Direito Proc. Civil..., III, p. 96).<br>
Tal dever está particularmente especificado, em relação à sentença, no artigo 659, o que se compreende pelo especial relevo desse acto judicial, e a nulidade cominada para a sua violação, no artigo 668 n. 1 alínea b), é extensiva aos próprios despachos, por força do disposto no artigo 666 n. 3.<br>
Como se tem geralmente entendido na doutrina e na jurisprudência, só é relevante, para este efeito, a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito, reconduzindo-se a simples deficiência de motivação a afectação do "valor doutrinal da sentença" (A. Reis, no Código de Processo Civil Anot., V, p. 140, e A. Varela, na Rev. Leg. J., 121, p. 311).<br>
Por outro lado, aquela "fundamentação pode não ser explícita, se a sua concretização decorre de outro modo inequívoco e seguro" (acórdão deste tribunal de 29 de Abril de 1966, na Rev. Trib., 84, p. 158), o que está de harmonia com a sua apontada justificação, na medida em que as partes podem facilmente tomar conhecimento das razões em que assenta a convicção do juiz e a respectiva decisão.<br>
No caso presente, o despacho foi consignado em acta, destinada à nomeação de peritos, da qual consta que "não se encontravam, presentes nenhuma das pessoas convocadas", e nele se cita o artigo 578 n. 4, onde se determina que "se ambas as partes faltarem, entende-se que desistiram da diligência", dando-se "sem efeito a requerida produção de prova pericial...".<br>
O simples contexto da acta revela, de modo seguro e inequívoco, a fundamentação de facto do despacho, que é aquela falta de comparência de ambas as partes, e o mesmo resulta ainda da própria citação daquele preceito.<br>
Aliás, o recorrente não alega sequer o desconhecimento daquele fundamento, nem poderia razoavelmente tê-lo posto em causa.<br>
Na tese do recorrente, o juiz deveria ter acrescentado ao despacho a expressão "pela falta de ambas as partes" ou "pelo motivo acima apontado" ou outra equivalente, mas isso, mesmo que se pudesse ter como mais rigoroso, nada acrescentaria ao sentido ou valor do despacho.<br>
Acresce que tal despacho não se pronunciou "sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo", tendo-se limitado a fazer a directa aplicação de uma norma legal à situação de facto constante da própria acta, pelo que o mesmo, em rigor, não estava sequer sujeito ao dever de fundamentação previsto no artigo 158 n. 1.<br>
Não se configura assim a nulidade imputada ao despacho certificado a fls. 67.<br>
Sustenta o recorrente que a diligência para nomeação de peritos deveria ter sido adiada, por falta de comparência do seu mandatário judicial, mas também aqui não lhe assiste razão.<br>
Os actos processuais devem ter lugar, em princípio, na data que for designada no respectivo despacho. O seu adiamento, designadamente por falta dos advogados, constitui uma excepção, pelo que só deverá ser ordenado nos casos especialmente previstos.<br>
A nomeação de peritos para a prova pericial está regulada no artigo 578; em princípio, na falta de acordo prévio entre as partes, são nomeados três peritos, um por cada uma das partes e o terceiro pelo juiz (n. 1); se faltar uma das partes, a respectiva nomeação devolve-se ao juiz<br>
(n. 3); e, "se ambas as partes faltarem, entende-se que desistiram da diligência" (n. 4).<br>
No caso presente, ocorreu a situação prevista nesse n. 4, pelo que o juiz aplicou o regime legal, dando "sem efeito a requerida produção de prova pericial...".<br>
Não se prevê pois aí o adiamento da diligência, por falta de alguma ou de ambas as partes ou dos seus mandatários, e, constituindo ele, como se notou, uma excepção, não poderia ter sido ordenado.<br>
A regra consignada no artigo 651 n. 1 alínea c), que impõe o adiamento da audiência de discussão e julgamento<br>
"se faltar algum dos advogados", é norma específica dessa audiência, justificada pelos graves inconvenientes que pode ocasionar à parte a realização do julgamento sem a presença do seu mandatário judicial.<br>
Tal regra não pode ter-se como aplicável à diligência em causa, por se tratar de norma especial, oposta ao regime geral do não adiamento, e por nem sequer ser indispensável a presença do advogado, podendo a indicação do perito fazer-se pela própria parte, dado não se levantar aí qualquer questão de direito (artigo 32 n. 2).<br>
Também não importa para o caso o disposto no artigo 1 do Decreto-Lei 330/91, de 5 de Setembro, onde se estabelece que "a falta de advogado a um acto judicial não carece de ser justificada nem pode dar lugar à sua condenação em custas", uma vez que o objectivo do preceito foi apenas esse (cfr. relatório daquele diploma), nada tendo a ver com a possibilidade legal de adiamento do acto judicial.<br>
O único meio de que a parte poderá fazer uso para obstar à cominação prevista no citado artigo 578 n. 4 é o do justo impedimento, previsto no artigo 146.<br>
Em conclusão:<br>
A fundamentação de facto de despacho inserto em acta pode não ser explícita, bastando que a mesma resulta do contexto dessa acta (artigo 158 n. 1 do Código de Processo Civil).<br>
Não enferma de nulidade, por falta dessa fundamentação, o despacho proferido em acta destinada à nomeação de peritos e que, constando da acta a falta de comparência das partes, faz directa aplicação do disposto no artigo 578 n. 4 daquele Código.<br>
O acto de nomeação de peritos, previsto nesse artigo 578, não pode ser adiado com fundamento na falta de comparência de algum dos advogados.<br>
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 14 de Dezembro de 1994<br>
Martins da costa.<br>
Pais de Sousa.<br>
Santos Monteiro.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjL4u4YBgYBz1XKvkmay | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div><br>
I</div><br>
A, B, C, D, E, F e G, todos com os sinais dos autos, vieram, por apenso à acção principal que, com o nº 469/94, corre termos no Tribunal de Círculo de Setúbal, requerer contra Assembleia de Deus de Setúbal, que também usa, actualmente, a denominação Igreja do Jubileu (Assembleia de Deus de Setúbal), também com os sinais constantes dos autos, a presente providência cautelar não especificada, pedindo que se ordene à Requerida que, enquanto estiver pendente a acção principal, se abstenha de vender, dar em cumprimento, alienar ou onerar, por qualquer forma, o 1º andar esquerdo, para habitação, que constitui a fracção autónoma designada pela letra D do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado em Setúbal, na Av. Bento Gonçalves, nº 3, nos andares superiores, e nºs 1 e 5 nas lojas, freguesia de S. Sebastião, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº 26564, a fls. 101 do Livro B - 85, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 7328, destinado a casa pastoral, a qualquer pessoa, singular ou colectiva, e ainda que se abstenha de efectuar quaisquer registos provisórios ou definitivos sobre a referida fracção autónoma.<br>
No caso de já ter sido deliberada qualquer forma de alienação ou oneração daquela fracção, devem também o seu órgão executivo (direcção) ou qualquer dos seus membros abster-se de executar tal deliberação.<br>
Alegam, em síntese, que: (a) Pretendem, na acção principal, que seja declarada inexistente a deliberação da Requerida a que se refere a acta nº 206 de 6/5/90, ou declarada nula ou anulada e, em consequência, declaradas também nulas e de nenhum efeito, a escritura de alteração dos estatutos da requerida celebrada em 5/7/90, para formalização daquela deliberação, a escritura dos estatutos lavrados em 11/11/92 e 26/3/93, no 1º Cartório Notarial de Setúbal; (b) Em 20/1/84, a Requerida adquiriu o imóvel acima identificado, com os donativos dos associados, entre os quais os dos requerentes, e destinava-se a casa pastoral, tendo nela habitado com a sua família o então Pastor da Igreja e presidente da Junta Administrativa, H, ocupando-a desde há cerca de 7 anos o Sr. I, que, em 1985, foi investido em tais funções; (c) Souberam agora os Requerentes que a Requerida se propõe vender aquele imóvel, tendo-se o actual Pastor e dirigente da Requerida mudado com a sua família para outra casa, sita em Aires, Palmela, tendo o referido imóvel ficado, assim, devoluto; (d) Ora, se, antes das alterações estatutárias levadas a efeito, era a assembleia geral de todos os associados que deliberava sobre aquisição ou alienação do património, o certo é que, actualmente, sendo a referida assembleia constituída pelos "oficiais da Igreja", só estes podem deliberar sobre a alienação do património; (d) Assim, se a acção principal tiver procedência, quer os Requerentes, quer os demais associados, readquirirão todos os direitos de que foram espoliados, sendo certo que, se a Requerida alienar o património, os direitos dos requerentes ficarão seriamente diminuídos; (e) O próprio retorno da vida associativa a condições de normalidade funcional ficará prejudicado, sendo que não será possível garantir habitação ao Pastor, caso ele não seja o Sr. I, pelo que a Associação regressará à situação anterior a Janeiro de 1984; (f) Ademais, se a referida fracção for vendida, o respectivo produto destina-se a bens de consumo referentes aos salários e a despesas de funcionamento como, por exemplo, pagamento e manutenção dos veículos automóveis dos dirigentes e a solver compromissos financeiros assumidos pelos "oficiais da Igreja".<br>
Ouvida, a Requerida opôs-se, alegando não se mostrarem verificados os pressupostos da providência solicitada, pelo que deve ser indeferida - fls. 19-25.<br>
Produzida a prova, foi proferida a decisão de fls. 65 que julgou improcedente a providência requerida.<br>
Inconformados, os Requerentes agravaram, tendo a Relação de Évora, por acórdão de 18.03.99 (fls. 98-108), negado provimento ao recurso e confirmado a decisão recorrida.<br>
Continuando inconformados, os Requerentes interpuseram agravo para este Supremo Tribunal, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br>
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1. No acórdão recorrido não foram considerados todos os factos dados por assentes nem se definiu correctamente o direito que os requerentes pretendem preservar com a presente providência cautelar.<br>
2. O acórdão recorrido apenas atendeu a um particular aspecto da factualidade, não tendo valorado o quadro fáctico global dado por assente e o próprio objectivo fundamental da providência - impedir a venda de património significativo da requerida, adquirido com os donativos dos requerentes, e que estava desde o início destinado a casa pastoral.<br>
3. Os recorrentes foram espoliados dos seus direitos associativos e, de acordo com os estatutos ilegalmente alterados, são eles e os demais associados que podem deliberar sobre a aquisição e deliberação ( ) Sic no texto. Trata-se de lapso manifesto. Por certo terá querido escrever-se "alienação" (ou "oneração").) do património.<br>
4. O que está em causa na presente providência cautelar, em primeiro lugar, é a lesão que resulta para o direito dos requerentes de não poderem participar como associados na formação da vontade da requerida em ordem à alienação ou não do seu património.<br>
5. Sendo certo que foi também com os seus donativos que o imóvel em causa foi adquirido e que, se a venda ocorrer, os efeitos serão irreversíveis - em concreto aquela casa não poderá mais desempenhar essas funções e foi para isso que ela foi adquirida com os donativos dos associados.<br>
6. A deliberação dos oficiais da Igreja para vender a citada casa, quando sabiam que a sua própria legitimidade estava a ser questionada e que fruíam de poderes estatutários conquistados à custa de uma actuação ilegítima, é contrária aos valores que o direito protege, tratando-se de uma deliberação abusiva e contrária à ordem pública e aos bons costumes, constituindo, no mínimo, abuso de direito.<br>
7. A concretização da deliberação de vender tomada pelos oficiais da igreja causará lesão grave e de difícil reparação aos direitos associativos dos recorrentes, direito que só pode ser acautelado mediante a decisão judicial que decrete a providência pedida.<br>
8. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 399º do CPCivil, que deve ser interpretado no sentido de que o direito que merece tutela é o dos requerentes, e não de outrem, e que a venda do imóvel pela requerida, em concretização da deliberação tomada causará lesão grave e de difícil reparação aos direitos associativos dos requerentes.<br>
A deliberação para venda do imóvel e a sua própria concretização constitui abuso de direito face ao que se dispõe no artº. 334º do Ccivil.<br>
Notificada, a Requerida não contra-alegou.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>São os seguintes os factos dados como provados:<br>
1 - Na acção principal estão especificados os seguintes factos:<br>
A) A associação requerida (Assembleia de Deus de Setúbal) foi instituída em 11/12/63, mostrando-se os seus estatutos arquivados no Governo Civil de Setúbal sob o proc. B-h/5, tendo adquirido personalidade jurídica "pelo acto de registo da participação escrita da sua constituição".<br>
B) De acordo com tais estatutos fazem parte da requerida todas as pessoas de ambos os sexos que aceitam ao Senhor Jesus Cristo como seu Salvador pessoal e andam em conformidade com os princípios, doutrinas, ordem e disciplina reinantes da associação, cujo ensino está baseado no conteúdo integral da Bíblia Sagrada, que é autoridade suprema do ensino aceite universalmente pelas Assembleias de Deus Pentecostais.<br>
C) A Assembleia de Deus é formada por todos os membros em comunhão plena, com direito de voto.<br>
D) Os estatutos "só por votos de dois terços podem ser modificados", com excepção do artº 111 (para que era necessária unanimidade - subentendido).<br>
E) Conforme publicação no D.R. de 15/1/93, III Série, foram remodelados totalmente os estatutos da Associação com a denominação "Igreja do Jubileu" (Assembleia de Deus de Setúbal), por escritura de 11/11/92, lavrada a fls. 54 a fls. 56 do Livro de Notas para escrituras diversas nº 22-F 1º Cartório Notarial de Setúbal e, depois, por escritura de 26/3/93, lavrada a fls. 84 vº a fls. 85 vº do Livro de Notas para escrituras diversas nº 3376-D do 1º Cartório Notarial de Setúbal, rectificado o nº 2 do artº 6º, bem como da escritura de constituição lavrada em 23/1/91 do 2º Cartório Notarial de Setúbal e respectivos estatutos.<br>
F) No livro de actas da requerida (ADS) foi lavrada uma acta a que foi dado o nº 206, na qual se consignou que: "Aos seis dias de Maio de 1990, pelas nove horas, na Congregação Evangélica, Assembleia de Deus de Setúbal, situada na Rua Frei António das Chagas, após a respectiva convocatória, compareceram no local o número suficiente de membros em comunhão, tendo o Pastor da Igreja, Sr.I, presidido à sessão com a seguinte ordem de trabalhos: - Assunto único - Votação de uma proposta feita pela Junta Administrativa, que consta do seguinte: Alteração total dos estatutos da Associação Evangélica "Assembleia de Deus de Setúbal". Face às exigências do nº 3 do artigo 175º do C.Civil, a proposta teve o seguinte resultado: Aprovada por unanimidade. Esta proposta constava de: Proposta de alteração total dos estatutos da Associação Religiosa, Assembleia de Deus de Setúbal.<br>
G) De acordo com a referida proposta de alteração total dos estatutos, a Assembleia Geral deixou de ser constituída por aqueles que eram seus associados, nomeadamente os AA., passando a ser constituída apenas "pelos oficiais da Igreja", os quais detêm também a qualidade de membros.<br>
H) Por carta registada com A/R de 28/1/94, os AA. solicitaram ao Presidente da Assembleia Geral da requerida que lhes certificasse, para fins judiciais, o número de associados, o pleno exercício dos seus direitos, nomeadamente o de voto, à data de 6/5/1990, a data e o teor da convocatória dirigida aos associados para a Assembleia Geral de 6/5/1990, pelas 9 horas, o teor da respectiva ordem de trabalhos e o teor integral da "lista de presenças", anexa à acta da referida Assembleia Geral e se algum dos ora AA foi pessoalmente ou por outro meio convocado e esteve presente na indicada Assembleia Geral, mas, até à data, esses elementos não lhe foram certificados.<br>
I) Presumindo que muitos mais associados desconhecessem completamente a deliberação em causa, tomaram a iniciativa de escrever uma carta a algumas dezenas deles, que melhor conheciam, além de terem divulgado verbalmente o conhecimento que tiveram a outras dezenas de associados.<br>
J) Os AA e várias dezenas de associados contribuíram, ao longo da sua vida de associados, que, para alguns, dura há mais de 30 anos, com milhares de contos com vista à concretização do objecto social - dízimos e ofertas - e trabalho denodado - construção do templo que pertence à Ré e aquisição de outros bens imóveis.<br>
2 - Em 20/1/84, a requerida, representada na altura por H, Presidente da Junta Administrativa da "Assembleia de Deus de Setúbal" e em cumprimento da deliberação desta tomada em 7/8/93, adquiriu, por escritura pública outorgada no 1º Cartório Notarial de Setúbal, lavrada a fls. 88 a 89 vº do Livro nº 178 - C de notas para escrituras avulsas, "o primeiro andar esquerdo, para habitação, que constitui a fracção autónoma designada pela letra "D" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado em Setúbal, na Av. Bento Gonçalves, nº 3, nos andares superiores, e nºs 1 e 5 nas lojas, freguesia de S. Sebastião, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº 26564, a fls. 101 do Livro B - 85, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 7328 (Doc. 1 - certidão da escritura pública (...), que se junta e se dá por reproduzida com os legais efeitos).<br>
3 - A aquisição deste imóvel foi registada pela inscrição nº 72270, Ap. 14/041284 a favor da requerida na já referida Conservatória do Registo Predial de Setúbal.<br>
4 - Esse imóvel foi adquirido com os donativos dos associados da requerida, entre os quais os dos ora requerentes e destinava-se a casa pastoral.<br>
5 - Nela habitou com a sua família, inicialmente, o referido H, que era o Pastor da Igreja e Presidente da Junta Administrativa.<br>
6 - Há cerca de 7 anos que era ocupada pelo sr. I, que, em 1985, depois da resignação daquele, foi investido em tais funções.<br>
7 - Souberam agora os requerentes que a requerida se propõe vender aquele imóvel.<br>
8 - O actual Pastor e dirigente da requerida - Sr. I - mudou-se com a sua família para uma outra casa, sita em Aires, Palmela, mostrando-se a casa pastoral acima identificada devoluta e em condições de ser vendida.<br>
9 - Como já está especificado na acção principal, antes das alterações estatutárias levadas a efeito, era a Assembleia Geral de todos os crentes associados que deliberava sobre a aquisição e alienação do património.<br>
10 - Actualmente os chamados "oficiais da Igreja" constituem a Assembleia Geral da requerida, podendo deliberar sobre a alienação do património.<br>
11 - No pressuposto da procedência da acção principal, quer os AA ora requerentes, quer todos os demais associados readquirirão todos os direitos de que foram ilegalmente espoliados.<br>
12 - A Associação retornará à situação anterior a Janeiro de 1984.<br>
13 - A compra daquela casa foi feita com muito esforço dos associados.<br>
14 - Os "oficiais da Igreja" socorrem-se, para financiar a actividade da requerida, de empréstimos, utilizando letras e livranças, que vão reformando.<br>
15 - Foi deliberado em Assembleia Geral dos "oficiais da Igreja" que o produto da venda da casa destinada a habitação do pastor será investido num projecto de construção de um lar de idosos.<br>
16 " A Igreja adquiriu o terreno pelo preço de 21000000 escudos (vinte e um milhões de escudos) em 28/7/93.<br>
17 - Antes do "Renault Laguna" a Igreja tinha um "Citroen BX" turbo diesel, que foi entregue em troca pelo "Renault Laguna".<br>
18 - Foi também deliberado em Assembleia Geral da requerida depositar o produto da venda numa conta específica e já existente só para o "fundo de construção".<div>III</div>1 - Sendo certo que o âmbito objectivo do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), são duas as questões que agora importa enfrentar:<br>
a) a que consiste em saber se se verificam, in casu, os pressupostos de procedência da providência cautelar não especificada requerida, mormente, se existe fundado receio de que sobrevenha lesão grave dos direitos associativos dos requerentes;<br>
b) a que se traduz em saber se a actuação da requerida constitui abuso de direito.<br>
<br>
Ou seja: existe identidade nas matérias problematizadas no quadro do presente agravo e no âmbito do antecedente recurso julgado pelo Tribunal da Relação.<br>
Diga-se, desde já, que se concorda com a decisão recorrida, que encontrou a solução adequada, com fundamentação clara e pertinente.<br>
De tal modo, que, se agora, não se lança mão do mecanismo previsto pelo artigo 713º, nº 5, aplicável atento o disposto nos artigos 762º, nº 1, e 749º, todos do C.P.C., isso deve-se ao facto de se justificar, a nosso ver, para que dúvidas não subsistam, o aditamento de algumas considerações.<br>
2 - Os artigos 399º a 401º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma processual de 1995/96, aplicável ao caso por força do disposto no artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, regulam as "providências cautelares não especificadas", decorrendo da respectiva disciplina os requisitos que lhes são próprios.<br>
2.1. - Segundo L.P. Moitinho de Almeida, a providência cautelar não especificada tem quatro requisitos principais e um requisito secundário ( ) Cfr. "Providências Cautelares não Especificadas", Coimbra Editora, 1981, págs. 18 e seguintes.).<br>
Os requisitos principais são os seguintes:<br>
1º - Não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares do Capítulo IV do Título I do Livro III do C.P.C., do que resulta o carácter subsidiário da providência.<br>
2º - A existência de um direito, ou, na terminologia do artigo 401º, "a probabilidade séria da existência do direito" alegadamente ameaçado - fumus boni juris.<br>
3º - O fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação - periculum in mora.<br>
4º - A adequação da providência solicitada para evitar a lesão.<br>
O requisito secundário consiste em não resultar da providência prejuízo superior ao dano que ela visa evitar.<br>
2.2. - Duas palavras mais acerca dos 2º e 3º requisitos principais acima enunciados.<br>
Quanto à apreciação do 2º requisito - fumus boni juris -, a lei contenta-se com a emissão de um juízo de probabilidade ou verosimilhança, mas exige que tal probabilidade seja forte ao dizer que a providência é decretada desde que as provas produzidas revelem uma "probabilidade séria da existência do direito" (artigo 401º, nº 1).<br>
Na apreciação do 3º requisito - periculum in mora -, a jurisprudência vem entendendo que não basta um juízo de probabilidade, tornando-se necessário um juízo de realidade ou de certeza ou, pelo menos, um receio fundado, não bastando, por isso, qualquer simples receio, que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num juízo precipitado das circunstâncias.<br>
Este fundado receio pressupõe que o titular do direito se encontra perante meras ameaças. Se a lesão já está consumada, a providência não tem razão de ser, por falta de função útil, porque não há que evitar ou acautelar um prejuízo se este já se produziu. Por isso o fundado receio tem de ser actual relativamente à decretação da providência ( ) Loc. cit., págs. 22-23.).<br>
Como teremos oportunidade de verificar, do breve discurso teórico acabado de realizar é possível extrair consequências práticas importantes.<br>
3 - Com efeito, diligenciando no sentido de subsumir a situação sub judice ao elenco dos requisitos enunciados, fácil é constatar nada haver a objectar quanto ao primeiro dos quatro requisitos principais. <br>
Também, quanto ao segundo (fumus boni juris), é de acompanhar a posição constante do acórdão recorrido, uma vez que se a acção principal vier a ser julgada procedente, a Assembleia Geral da requerida passará a ser constituída como anteriormente por todos os seus membros, incluindo os requerentes, que, assim, poderão intervir de novo na vida associativa.<br>
Já, no entanto, assim não é quanto ao terceiro requisito, relativo ao fundado receio de lesão.<br>
Alegam os Recorrentes que o que está em causa é a violação - in casu, o fundado perigo de violação - dos direitos associativos dos requerentes - cfr. designadamente, as conclusões 3ª, 4ª, 7ª e 8ª.<br>
Como se escreve no arrazoado da alegação de recurso, o que está em causa "não (é) o próprio prejuízo que pode resultar para a requerida" - resultante da alienação da fracção, entenda-se.<br>
Após o que, citando-se jurisprudência a propósito, se acrescenta o seguinte: "Como é sabido, a providência destina-se a evitar a lesão do direito de quem requer e não os prejuízos relacionados com outrem" - cfr. fls. 113.<br>
Por serem expressivas de tal intencionalidade, recorde-se o teor da conclusão 4ª e da primeira parte da conclusão 8ª:<br>
Conclusão 4ª: O que está em causa na presente providência cautelar, em primeiro lugar, é a lesão que resulta para o direito dos requerentes de não poderem participar como associados na formação da vontade da requerida em ordem à alienação ou não do seu património.<br>
Conclusão 8ª: A decisão recorrida violou o disposto no artigo 399º do CPCivil, que deve ser interpretado no sentido de que o direito que merece tutela é o dos requerentes, e não de outrem, e que a venda do imóvel pela requerida, em concretização da deliberação tomada causará lesão grave e de difícil reparação aos direitos associativos dos requerentes.<br>
Nesta óptica, exposta com tanta clareza, não se alcança o sentido da conclusão 2ª, nos termos da qual:<br>
O acórdão recorrido apenas atendeu a um particular aspecto da factualidade, não tendo valorado o quadro fáctico global dado por assente e o próprio objectivo fundamental da providência - impedir a venda de património siignificativo da requerida, adquirido com os donativos dos requerentes, e que estava desde o início destinado a casa pastoral.<br>
Ou seja: a parte ora sublinhada da 2ª conclusão entra em contradição com as referidas conclusões 3ª, 4ª, 7ª e 8ª, bem como com o que consta do arrazoado das alegações, a fls. 113.<br>
Assim situada a questão - alegação de fundado receio de violação dos direitos associativos dos requerentes -, justificar-se-á uma reflexão prévia acerca dos grandes princípios relativos à natureza e ao regime jurídico das associações (ou corporações) - cfr. infra, ponto 4-, bem como ao conteúdo e alcance do direito de associação, em geral, e aos direitos associativos enquanto manifestações do exercício da liberdade de associação pelos associados - infra, ponto 5.<br>
4 - Segundo Mota Pinto () "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª edição actualizada, 6ª Reimpressão, Coimbra Editora, 1992, págs. 281 e segs.), a distinção entre corporações () Ou, em diversa terminologia, associações - cfr., v.g., CASTRO MENDES, "Teoria Geral do Direito Civil", vol. I, edição da AAFDL, 1978, págs. 269 e segs.) e fundações tem por critério a composição do substrato quanto ao primeiro dos seus elementos integradores: as corporações são colectividades de pessoas (o seu substrato é integrado por um elemento pessoal); as fundações são massas de bens (o seu substrato é integrado por um elemento patrimonial, chamado dotação).<br>
Acompanhemos, por instantes, a lição deste Autor:<br>
As corporações são constituídas e governadas por um agrupamento de pessoas (os associados), que subscrevem originariamente os estatutos e outorgam no acto constitutivo ou aderem posteriormente à organização. Os associados dominam através dos órgãos - designadamente a Assembleia Geral - a vida e o destino da corporação, podendo mesmo alterar os estatutos.<br>
As corporações visam um fim próprio dos associados, podendo ser altruístico, e são governadas pela vontade dos associados. São regidas por uma vontade imanente, por uma vontade própria, que vem de dentro e, por isso, pode dizer-se que têm órgãos dominantes. Como escreve Ferrara, citado por Manuel de Andrade, são "auto-organizações para um interesse próprio". Ainda nas palavras de Andrade "a corporação tem membros - os associados -, que são senhores dela e sujeitos do interesse ou finalidade corporacional.<br>
Pelo contrário, "as fundações visam um interesse estranho às pessoas que entram na organização fundacional; visam um interesse do fundador de natureza social e são governadas pela vontade inalterável do fundador, que deu o impulso inicial à fundação e, desse modo, a animou com a vontade necessária à sua vida. <br>
São regidas, pois, por uma vontade transcendente, por uma vontade de outrem, que vem de fora e, por isso, pode dizer-se que têm órgãos servientes. Nas palavras de Ferrara, citado por Manuel de Andrade, são "hetero-organizações para um interesse alheio". Como escreveu este civilista português, "a fundação tem só administradores, que são serventuários da vontade do fundador e do escopo por ele designado".<br>
Reflectindo acerca do traço essencial distintivo das associações e das fundações, escreveu Castro Mendes:<br>
"Assim, este traço vê-se por vezes na vontade que constitui a pessoa colectiva e lhe define o fim e o objecto. Se essa vontade é uma vontade imanente, isto é, se são os membros do próprio substrato da pessoa colectiva que a constituem e decidem do fim e objecto da mesma, estamos perante uma associação; se essa vontade é transcendente, isto é, se é alguém estranho à pessoa colectiva - o fundador - que de fora a constitui e lhe fixa o fim e o objecto, teremos uma fundação.<br>
"Para nós, o critério fundamental é outro, e reside na estrutura primária do substrato da pessoa colectiva. Se o substrato é constituído essencialmente por pessoas, estamos perante uma associação, universitas personarum; se é constituído essencialmente por coisas, por um património, estamos perante uma fundação, universitas rerum.<br>
"A diferença anteriormente frisada também é exacta, mas é uma diferença secundária, uma diferença - corolário. É por o substrato da pessoa associação ser formado por homens, seres activos, que neles reside a vontade constituinte da pessoa colectiva; é porque o substrato da fundação é formado por coisas, seres inertes, que a vontade constituinte da pessoa colectiva tem de vir de fora".<br>
5 - A Constituição de 1976 consagrou o direito de associação no elenco dos direitos, liberdades e garantias (artigo 46º, incluído no título II, parte I).<br>
Pelo interesse de que se revestem transcrevem-se os seus três primeiros números:<br>
1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.<br>
2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.<br>
3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido, por qualquer meio, a permanecer nela.<br>
O direito de associação, que consagra o principal dos tipos constitucionalmente protegidos de organização colectiva dos cidadãos, desdobra-se em vários direitos ou liberdades especificos. Assim:<br>
a) O nº 1 reconhece o chamado direito positivo de associação, ou seja, "o direito individual dos cidadãos a constituir livremente associações sem impedimentos e sem imposições do Estado, bem como o direito de se filiar em associação já constituída";<br>
b) "O nº 2 reconhece a liberdade de associação, enquanto direito da própria associação a organizar-se e a prosseguir livremente a sua actividade";<br>
c) "Finalmente, o nº 3 garante a liberdade negativa de associação, isto é, o direito do cidadão de não entrar numa associação, bem como o direito de sair dela".<br>
De acordo com a primeira parte do nº 2 do artigo 46º, as associações "prosseguem livremente os seus fins", pelo que têm direito a gerir livremente a sua vida. Mas tal não significa que, "quando as actividades externas a que elas se dediquem estejam sujeitas a determinados requisitos gerais, elas fiquem livres de se submeterem a eles" ( ) Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 1º volume, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 264.).<br>
Ora, a livre prossecução dos fins associativos é feita através da participação dos membros da associação na formação e na alteração das normas estatutárias e mediante a gestão por órgãos representativos dos associados, nos termos estatutariamente consagrados.<br>
Trata-se do reflexo do substrato pessoal, que, como se viu, é próprio das associações ( ) Cfr. infra, ponto 4.).<br>
É a assembleia geral que elege os titulares dos órgãos da associação, sempre que os estatutos não estabeleçam outro processo de escolha (artigo 169º, nº 1, do CC). Por outro lado, competem à assembleia geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva (artigo 172º, nº 1, do CC), sendo, necessariamente, da sua competência a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo (nº 2 do mesmo artigo).<br>
6 - Resulta do exposto que o que é específico ou característico - isto é, o que é típico - do exercício dos direitos dos associados é a sua própria participação nas reuniões e na consequente tomada de deliberações da assembleia geral - e não tanto a concreta matéria deliberada. Quer isto dizer que não é o facto de, na ordem do dia, estar agendada a discussão acerca de uma eventual aquisição ou alienação patrimonial - ou de assunto de pessoal, de prestação de contas, ou de mera gestão corrente - que é a razão de ser da violação dos direitos por parte do(s) associado(s) que eventualmente não tenha(m) sido convocado(s) para a assembleia geral. Tal violação resulta, desde logo, da falta de convocação (cfr. artigos 173º e 174º do CC), sendo indiferente o objecto da ordem do dia e, consequentemente, as matérias sobre que, na assembleia geral, tenham sido tomadas deliberações.<br>
Ora, os requerentes passaram a não ser chamados a participar na vida associativa, maxime, nas reuniões da assembleia geral, como consequência das alterações introduzidas nos estatutos em virtude das quais os mesmos deixaram de integrar o referido órgão, tendo a Assembleia Geral passado a ser constituída apenas pelos "oficiais da Igreja", que também detêm a qualidade de membros.<br>
A decisão acerca de tal deliberação é matéria da acção principal.<br>
Por tal motivo, são totalmente irrelevantes, na economia do presente agravo, porque ausentes da factualidade dada como provada, os factos a que se referem algumas expressões utilizadas pelos Recorrentes, tais como: "os estatutos ilegalmente alterados" (conclusão 3ª) ou "poderes estatutários conquistados à custa de uma actuação ilegítima" (conclusão 6ª).<br>
Daí que assista razão ao acórdão recorrido quando ali se afirma que "de resto, os factos provados sob os pontos 11 e 12 nenhum interesse directo têm para a presente providência pois apenas reflectem uma conclusão lógica para o caso de procedência da acção principal, isto é, dos factos alegados pelos requerentes".<br>
"Como tal - prossegue -, não constituindo factos mas sim conclusões, não se pode dali retirar o sentido pretendido pelos agravantes nas conclusões 3ª e 6ª do seu recurso".<br>
Resulta do acima exposto que, em bom rigor, o objecto da presente providência é inócuo relativamente à concretização da lesão dos direitos (associativos) dos requerentes.<br>
Ou seja, não é o facto de se ordenar à requerida que, enquanto estiver pendente a acção principal, se abstenha de vender, dar em cumprimento, alienar, ou onerar, por qualquer forma, a fracção do imóvel em referência, que evita o "fundado receio" de lesão que é alegado.<br>
Bastará, para tal, constatar que os Requerentes não participaram nas deliberações a que se referem os factos nºs 15, 16 e 18, cujo teor se recorda:<br>
- Foi deliberado em Assembleia Geral dos "oficiais da Igreja" que o produto da venda da casa destinada a habitação do pastor será investido num projecto de construção de um lar de idosos.<br>
- A Igreja adquiriu o terreno pelo preço de 21000000 escudos (vinte e um milhões de escudos) em 28/7/93.<br>
- Foi também deliberado em Assembleia Geral da requerida depositar o produto da venda numa conta específica e já existente só para o "fundo de construção".<br>
<br>
No entanto, o que, com a presente providência, os requerentes pretendem prevenir não é a continuação da lesão (rectius, do não exercício) dos seus direitos associativos, em consequência da sua reiterada não participação nas assembleias gerais. O que visam é impedir a concretização de um acto de alienação que já foi objecto de deliberação em reunião da assembleia geral na qual não estiveram presentes, por terem deixado de integrar a composição daquele órgão - cfr. o facto supra elencado com o nº 1F).<br>
Ora, a sede própria para julgar da regularidade, ou não, daquela alteração dos estatutos é a acção principal.<br>
Pretender agora obstar, mediante a procedência da presente providência cautelar, à concretização do referido acto de alienação é algo que obedece, porventura, a diferente intencionalidade.<br>
É o que se extrai dos argumentos utilizados pelos requerentes, quando, a fim de bem fundamentar o requisito do "fundado receio", alegaram, no requerimento inicial, que, se a fracção em causa for vendida pelos "oficiais da igreja", o respectivo produto se destina a solver compromissos financeiros assumidos por eles e a suportar as despesas de funcionamento com o pagamento e manutenção dos veículos automóveis dos dirigentes - cfr. artºs 19, 20, 21 e 24 do req. inicial - e que, com a venda, a requerida ficará impossibilitada de satisfazer as necessidades de habitação pastoral - cfr. artº 25º do req. inicial, ficando os direitos dos requerentes seriamente di | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjLuu4YBgYBz1XKveVsM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<font>O Banco A, S.A. instaurou, na 7ª Vara Cível da Comarca do Porto, execução ordinária contra B e mulher C, para cobrança coerciva da quantia de 66423961 escudos. </font><br>
<font>Nessa execução (nº 1131-B/96), foi anunciada a venda por propostas em carta fechada do seguinte imóvel: Fracção F correspondente a uma habitação no 2º esquerdo, sito na Rua ....., Porto, sendo o valor anunciado para a venda de 25000000 escudos. </font><br>
<font>No dia anunciado para o efeito (20.12.2000), procedeu-se á abertura das propostas apresentadas pelos interessados, tendo no decurso dessa diligência, a sociedade "D - Empreendimentos Imobiliários, Ldª" ditado para a acta um requerimento em que afirmou que não lhe foi facultado o acesso ao andar praceado no sentido de poder apresentar uma proposta aquisitiva consentânea com o valor real dele, pelo que se viu no dilema de apresentar ou não uma proposta, optando no entanto por o fazer. Mais disse em tal requerimento, que constatou que o valor patrimonial do prédio praceado é de 26244000 escudos, pelo que o anúncio se encontra ferido de irregularidade manifesta; Acrescentou, em terceiro lugar, que resulta também do anúncio que a entrada do prédio à qual pertence a fracção praceada se efectua pelo nº 39, quando na certidão da Conservatória consta que a mesma se efectua pelo nº 35. Em face das irregularidades apontadas, requereu que a praça fosse dada sem efeito. </font><br>
<font>A proposta desta requerente para aquisição da aludida fracção autónoma foi de 36110000 escudos. </font><br>
<font>Foi aceite a proposta de valor mais elevado, apresentada pelo Banco E, S.A., no montante de 90000000 escudos. </font><br>
<font>O mencionado requerimento da "D" veio a ser indeferido por despacho ditado para a acta.</font><br>
<font>Inconformada com o assim decidido, interpôs a "D" recurso de agravo para a Relação do Porto, mas esta, por acórdão de 29.5.01, tirado por unanimidade, considerou provados apenas os factos que aqui já se deixaram relatados, e negou provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido.</font><br>
<font>Novamente irresignada, agravou a "D-Empreendimentos Imobiliários, Ldª", para este Supremo, fechando a minuta de recurso com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. Requereu que fossem juntas afim de instruir recurso diversas peças processuais e de entre elas o requerimento apresentado pelo fiel depositário alegando que não tinha chave do imóvel objecto da abertura de propostas;</font><br>
<font>2. A venda Judicial efectuada por proposta em carta fechada no dia 20.12.2000 não foi precedida da obrigação de mostrar o bem por parte do fiel depositário entre a data da publicação do anúncio e a data da abertura de propostas, nos termos do disposto no artº 891 do C. P. Civil;</font><br>
<font>3. É manifesto o prejuízo do princípio de que a praça seja o mais rendosa possível e a venda do bem seja efectuada pelo valor o mais próximo possível do valor real do mercado do bem;</font><br>
<font>4. É manifesta a omissão de formalidade essencial, nos termos do disposto no artº 891 do C. P. Civil;</font><br>
<font>5. Deve declarar-se nula e sem efeito a abertura de propostas em carta fechada e, por consequência deve anular-se a venda efectuada ordenando-se a repetição da abertura de propostas em carta fechada, mas só após ser assegurado aos proponentes a exibição da indicada fracção, nos termos do disposto no artº 201º e 205º do C. P. Civil;</font><br>
<font>6. Foram assim violados os comandos normativos ínsitos nos artigos 201º, 205º, 891º e alínea c) do artº 909º todos do C. P. Civil, </font><br>
<font>Devendo o acórdão ser aclarado no sentido indicado e alegado no ponto II das alegações e ponto 1 das conclusões e o recurso ser julgado procedente.</font><br>
<font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<font> Cumpre apreciar e decidir, colhidos que foram os vistos legais.</font><br>
<font> A agravante terminou a peça alegatória pedindo, em primeiro lugar, a aclaração do acórdão no sentido indicado e alegado no ponto II das alegações e ponto 1 das conclusões.</font><br>
<font> Esse pedido, como claramente resulta do ponto II das alegações, foi dirigido ao Tribunal da Relação.</font><br>
<font>Nem doutro modo poderia ser pois não é tarefa do Supremo Tribunal de Justiça aclarar acórdãos dos Tribunais de 2ª instância.</font><br>
<font>Quando muito o Supremo pode aclarar os seus próprios acórdãos.</font><br>
<font>Sucede que a Relação não se pronunciou sobre o requerimento de «aclaração ou reforma... feito na própria alegação, nos termos do disposto no nº 4 do artº 668 e nº 3 do artº 669 todos do C.P.Civil» (cfr. fls. 76).</font><br>
<font>Apesar dessa omissão, proferido despacho ordenando a remessa dos autos a este Supremo, e notificado esse despacho a requerente da "aclaração ou reforma" do acórdão recorrido não reclamou da eventual nulidade.</font><br>
<font>Avancemos, pois, para a apreciação e julgamento do pedido de procedência do agravo, este, sim, dirigido ao Supremo Tribunal. </font><br>
<font>Aduz a recorrente que impetrou a junção ao agravo em separado para a Relação do requerimento que disse ter sido apresentado pelo fiel depositário, referente à impossibilidade de este mostrar o andar, por falta de chaves, acrescentando que a Relação, por mero lapso, não atentou nesse requerimento que foi junto, e que tal documento só por si implica necessariamente decisão diversa da proferida na 2ª instância.</font><br>
<font>Todavia, e desde logo, não é de sufragar a tese de que o requerimento do fiel depositário (certificado a fls. 37) implica só por si, necessariamente, diversa solução da proferida na 2ª instância.</font><br>
<font> Trata-se, na realidade, de um documento sem força probatória plena, de um documento meramente particular cujo valor pode ser livremente apreciado pelas instâncias. </font><br>
<font> E, como é consabido e resulta directamente da lei, a regra geral é a de que não cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artºs 722º, nº 2 ex vi artº 755º, nº 2 da lei adjectiva).</font><br>
<font> O Supremo está limitado quanto ao conhecimento da matéria de facto, competindo-lhe somente decidir questões de direito, com as excepções previstas no nº 2 do artº 722º do CPC, porquanto, como dispõe o nº 2 do artº 729º do mesmo Código, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto naqueloutro dispositivo legal, e tão pouco pode exercer censura sobre o eventual não uso pela Relação das faculdades que lhe são conferidas pelo artº 712º, ibidem.</font><br>
<font> Para além disso, só pode ordenar a devolução do processo ao tribunal recorrido, quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, como textua o artº 729º, nº 3, ainda do mesmo Diploma, e cuja aplicação aqui de todo se não justifica.</font><br>
<font> As conclusões do recurso giram à volta da pretensa omissão da formalidade, qualificada pela recorrente de essencial, consistente em se ter omitido a obrigação que recaía sobre o fiel depositário de mostrar a fracção autónoma no período entre a data da publicação do anúncio e a data da abertura das propostas em carta fechada, em violação dos artºs 201º, 205º, 891º e 909º, c) do CPC.</font><br>
<font> Só que, como resulta de exposto, a Relação não deu como provado que o andar em referência não foi mostrado aos potenciais interessados, e designadamente à agravante, pelo que falece completamente o necessário substrato fáctico consubstanciador da reivindicada nulidade.</font><br>
<font> Termos em que acordam em negar provimento ao agravo, com custas pela agravante.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br>
<font>Faria Antunes,</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Ribeiro Coelho.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6TKpu4YBgYBz1XKvYynM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
</div><br>
<b><font> I – RELATÓRIO</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>AA </font></b><font>e</font><b><font> </font></b><font>BB, residentes na Av. .............., nº ......, ....., Lisboa, intentaram acção declarativa, sob a forma ordinária, contra </font><b><font>CC, </font></b><font>residente na Rua ............. nº...,......, Lisboa</font><b><font>, </font></b><font>pedindo se declare resolvido, por incumprimento da ré, o contrato tendo por objecto a utilização pela mesma de fra............ão autónoma do imóvel identificado no art. 3º da petição inicial, anteriormente pertença da 1ª autora e presentemente do 2º autor, condenando-se a ré a pagar as quantias de 7.904,58€ à autora, e de 16.245,42€ ao autor, acrescidas do montante alegadamente devido a título de compensação, até efectiva entrega da fracção.</font><br>
<font>Para tanto, alegam, em síntese, que a ré ocupa uma fracção autónoma correspondente a um rés do chão esquerdo de um prédio sito na Rua ............, em Lisboa, desde que contraiu matrimónio com o pai da autora e avô do autor, para onde este fora residir quando a autora era proprietária dessa fracção, ficando ele com o encargo do pagamento das rendas do locado onde residia a autora como forma de a compensar por essa ocupação.</font><br>
<font>Entretanto essa fracção foi adquirida pelo autor mas ficou sempre acordado entre todos os intervenientes que o pai da autora e a ré nela permaneceriam com a obrigação de efectuarem o pagamento à autora da compensação correspondente ao valor da renda que pagava. </font><br>
<font>Contudo, em Outubro de 2001 faleceu o pai da autora e desde Novembro seguinte nada mais foi pago, não tendo a ré manifestado, por qualquer forma, a intenção de proceder ao pagamento das compensações em atraso.</font><br>
<font>Regularmente citada, a ré contestou excepcionando a ilegitimidade da autora, por falta de interesse em demandar dado não ser proprietária do imóvel nem parte no contrato, o caso julgado constituído por anterior decisão proferida na acção de reivindicação nº 393/02 do 3º Juízo Cível de Lisboa -2ª secção, a renúncia dos autores à compensação, a nulidade da petição inicial, a excepção de não cumprimento por conduta indecorosa do autor, e a prescrição das compensações, impugnando de seguida alguns dos factos alegados, e reconvindo, caso o pedido de resolução dos autores proceda, pediu a condenação destes a entregar-lhe, livre de pessoas e bens, o locado onde residem e o direito de retenção da fracção que habita enquanto aquele locado não lhe for entregue.</font><br>
<font>Replicaram os autores às matérias de excepção e reconvenção pugnando pela sua improcedência.</font><br>
<font>No despacho saneador foram declaradas improcedentes as excepções, não admitido o pedido reconvencional e procedeu-se à selecção da matéria de facto que não foi alvo de reclamação.</font><br>
<font>A ré interpôs recurso do despacho de improcedência das excepções e de não admissão do pedido reconvencional, admitido como agravo de subida diferida, posteriormente julgado extinto (fls. 219 e 420). </font><br>
<font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, na qual os autores requereram, com aceitação, a ampliação dos pedidos dos montantes das compensações devidas desde a propositura da acção até efectiva entrega do imóvel, e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos.</font><br>
<font>Inconformados, apelaram os autores com parcial êxito, pois que a Relação, por unanimidade, revogando a sentença condenou a ré a pagar as quantias peticionadas.</font><br>
<br>
<font>Foi a vez da ré manifestar o seu desacordo vindo pedir revista, e das alegações que apresentou tira as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1.O douto acórdão recorrido é nulo, pois não se pronunciou sobre questões que se devia pronunciar, art° 668 n° 1 al.d) do CPC ex vi art° 721, n° 2 do mesmo diploma.</font><br>
<font>2.O douto acórdão em recurso errou na determinação da norma aplicável ao contrato dos autos, ao não qualificar o acordo como sendo de comodato, pelo que violou o art° 1129.° e seguintes do Código Civil.</font><br>
<font>3.Violou ainda o douto acórdão recorrido os art°s 236° e 432° e seguintes do Código Civil, por admitir na sua interpretação do contrato que a resolução pedida pelos recorridos seria eficaz, caso fosse precedida de interpelação admonitória adequada, art° 808 n° l do Código Civil.</font><br>
<font>4.A decisão em recurso, na sua interpretação do contrato, ao reconhecer aos recorridos legitimidade de senhorio do andar da .............. para cobrar as rendas desse locado, violou o art° 26 n° 1 a contrario sensu do CPC e art° 1022° do NRAU.</font><br>
<font>5.O douto aresto ao não interpretar a conduta dos recorridos, mantida durante quatorze anos, de não cobrar as compensações previstas na cláusula 7ª do acordo, como integrando renúncia ao direito de crédito, por força de modificação contratual operada de forma tácita entre as partes, violou os art°s 809°, 405°, 406°, 217°, 219° e 342°, n° 1, todos do Código Civil.</font><br>
<font>6.A douta decisão " a quo" violou o art° 334° do Código Civil, ao não integrar a conduta contratual e processual reprovável dos ora recorridos no instituto do abuso de direito, que a ser assim lhes deveria negar quaisquer direitos, atento o seu uso ter sido feito em total violação dos ditames da boa-fé que envolvem o nosso ordenamento jurídico.</font><br>
<font>7.Requer-se que os ora recorridos sejam condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização de dois mil e quinhentos euros, por terem deduzido pretensões cuja falta de fundamento não ignoravam, art° 456°, n° 2, ai a) do CPC.</font><br>
<br>
<font>Os autores contra-alegaram defendendo a improcedência do recurso, pedindo também a condenação da ré/recorrente por litigância de má fé. </font><br>
<font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<div></div><br>
<font>As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (1)). - CPC daqui por diante) – consubstanciam as seguintes questões: </font><br>
<font>a) Nulidade do acórdão;</font><br>
<font>b) Qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes;</font><br>
<font>c) Se o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 236° e 432° e seguintes do Código Civil;</font><br>
<font>d) Se o acordo celebrado foi tacitamente alterado e os recorridos renunciaram a reclamar da recorrente qualquer crédito;</font><br>
<font>e) Abuso de direito;</font><br>
<font>f) Condenação dos recorridos como litigantes de má-fé.</font><br>
<font> </font><div><b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><b><font>DE FACTO</font></b><br>
<br>
<font>No acórdão recorrido foi considerada assente, em definitivo, a seguinte matéria fáctica: </font><br>
<br>
<u><font>Matéria assente</font></u><br>
<font>1) A A. foi proprietária de um imóvel identificado como fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua .........., nºs .... e ......ª, freguesia de Benfica, concelho de Lisboa, descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° 00000</font><br>
<font>2) O referido imóvel é da propriedade do A., filho da A., tendo-o adquirido por compra a DD em Agosto de 1999, que por sua vez o adquirira à ora A.</font><br>
<font>3) Actualmente o referido imóvel encontra-se ocupado pela R., viúva de EE (pai da A. e avô do A.) sendo a sua actual residência.</font><br>
<font>4) EE viveu com a A., sua filha, num imóvel de que o mesmo era arrendatário, sito na Avenida .............., n° ...- .. ....., em Lisboa.</font><br>
<font>5) A A., em Maio de 1973, acordou com EE que a A. ficaria a residir no referido locado, sito na Av. .............. n° ......, ......, em Lisboa, e aquele iria viver para o imóvel sito na Rua ............, em Benfica, de que a A. era então proprietária.</font><br>
<font>6) Ficou ainda acordado que o pagamento das rendas daquele locado da Av. .............., em Lisboa, ficaria a cargo de EE.</font><br>
<font>7) EE passou a residir no imóvel sito na Rua ........., com a R. a partir de 20/3/76.</font><br>
<font>8) EE e a R., identificada como mulher daquele (como 1ºs outorgantes (2), a A. e FF, identificado como marido daquela (como 2ºs outorgantes), em 24/4/92, subscreveram o doc. particular junto a fls. 27 e 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o qual denominaram “Contrato”, e em que estabeleceram, além do mais, que: “</font><i><font>O 1° outorgante, EE é locatário desde 1954, do 5° andar, lado esquerdo, do imóvel sito em Lisboa, na Av. .............. n°......, de que é proprietário o senhorio - Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social”, </font></i><font>e na cls. 3ª previu-se que</font><i><font> “A 1ª outorgante AA é proprietária do rés-do-chão, lado esquerdo, do imóvel sito em Lisboa, na Rua................... n° </font></i><font>,....”, prevendo-se a residência dos 1°s no imóvel da .............. e dos 2°s no imóvel da Rua ............, mais se estabeleceu que “</font><i><font>a) os 1°s outorgantes não promoverão qualquer diligência contra os 2ºs outorgantes, em conjunto ou separadamente, ou contra a filha destes, designadamente de reivindicação, de desocupação ou enquanto eles, 1°s outorgantes, não desocuparem o...andar da Av. .............., por acto exclusivamente alheio à sua vontade (nomeadamente por iniciativa do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social). b) Os 2°s outorgantes não promoverão, contra os 1ºs outorgantes, em conjunto ou separadamente, ou contra os filhos destes, qualquer diligência designadamente de reivindicação, de desocupação ou de despejo do ....... da Avenida .............., enquanto eles, 2°s outorgantes, não desocuparem o rés do chão da Rua ............ por acto exclusivamente alheio à sua vontade”, </font></i><font>na cláusula 7ª estabeleceram ainda que</font><i><font> “A renda do ..... andar da Avenida .............. continuará a ser paga pelos 2°s outorgantes, como compensação pela ocupação do andar sito na Rua .........</font></i><font>”.</font><br>
<br>
<u><font>Da base instrutória </font></u><br>
<font>9) Apesar do imóvel sito na Rua ......... ser actualmente do A. e anteriormente de DD, que o vendeu ao A., dadas as relações familiares entre estes, sempre acordado que, quer a R., quer BB permaneceriam no referido imóvel.</font><br>
<font>10) Em Janeiro de 2001, BB deu uma ordem de transferência junto de uma instituição bancária - Nova Rede - para que todos os meses fosse transferida da sua conta para a conta da A. o montante de 16.730$00.</font><br>
<font>11) A R., em 25/6/2001, deu uma ordem de transferência para a conta da A. no montante de 26.270$00 mensais.</font><br>
<font>12) A Dr.ª GG, invocando a qualidade de mandatária dos AA., interpelou a R. por carta registada com aviso de recepção em 3/11/2006, pedindo o pagamento das denominadas compensações em falta no valor total de € 6.931,62, no prazo de oito dias.</font><br>
<font>13) A referida carta foi recepcionada pela R. em 6/11/2006.</font><br>
<font>14) A contrapartida mensal devida pelo locado sito na .............. e supra aludido era, no ano de 2001, de € 83,45, no ano de 2002, de € 88,83, no ano de 2003, de € 93,63, no ano de 2004, de € 98,83, no ano de 2005, de € 102,54, no ano de 2006, de € 105,77 e no ano de 2007, de € 110,69.</font><br>
<font>15) A contrapartida mensal devida pelo locado sito na .............. e supra aludido era, no ano de 2008, de € 114,84 e no ano de 2009, de € 119,66, sendo tal contrapartida objecto das actualizações anuais legalmente previstas.</font><br>
<font>16) A A., em 2001, mandou cancelar os contratos de água, electricidade e gás do imóvel onde a R. reside.</font><br>
<font>17) Desde 2001, que os AA. contactam a R. no sentido de a intimidar a abandonar o imóvel onde reside juntamente com a sua filha, deficiente e a seu cargo.</font><br>
<font>18) Tais actos dos AA. não permitem à R. e sua filha fruírem normalmente da habitação em causa.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> DE DIREITO</font></b><br>
<br>
<u><font>Questão prévia</font></u><br>
<br>
<font>A recorrente requer no proémio do corpo alegatório o julgamento ampliado da revista, nos termos do art. 732°-A do CPC, “perante a falta de uniformidade da jurisprudência da Relação de Lisboa sobre a qualificação jurídica do contrato em apreciação”. Reporta-se, concretamente, ao acórdão recorrido e ao acórdão da mesma Relação de 16/05/06, que diz haver transitado em julgado, de que juntou cópia, não certificada, com a contestação de fls. 80 a 98.</font><br>
<font>O recurso ampliado apresenta-se, de facto, como uma possibilidade que pode ocorrer na fase do julgamento do recurso de revista, como aponta o nº 1 do citado preceito. Se tal se justificar, então, decide o julgamento ampliado não só o caso concreto como uniformiza a jurisprudência sobre a questão jurídica controvertida. </font><br>
<font>São fundamentos da revista ampliada, tal como surgem, exemplificativamente, apontados no nº 2 do art. 732º-B: “ a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”. </font><br>
<font>Essa potencial oposição da decisão do recurso pendente pode verificar-se em duas situações distintas: </font><br>
<font>- se o Supremo já anteriormente uniformizara a jurisprudência na questão em apreciação; </font><br>
<font>- se ainda não a uniformizara, todavia, haja frequentes decisões opostas, resultantes de entendimentos divergentes, com outra jurisprudência ordinária das Relações ou do Supremo.</font><br>
<font>Não é, portanto, a simples interpretação feita no acórdão recorrido em contradição com um único aresto anterior da mesma Relação de Lisboa, de 16/05/06 (3), proferido 4 anos antes, e em torno de uma situação muito específica e singular, que justifica o julgamento ampliado da revista. Não é sustentável que um único acórdão constitua jurisprudência firmada.</font><br>
<font>Nestes termos, decide-se desatender a pretensão deduzida pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>A) </font><u><font>Nulidade do Acórdão</font></u><br>
<br>
<font>Dá início a recorrente ao seu insurgimento assacando ao acórdão indevido silêncio sobre duas questões que reclamavam o seu pronunciamento: abuso de direito e litigância de má-fé dos recorridos.</font><br>
<font>Fundamenta o primeiro, no facto de na sentença da 1ª instância se ter considerado que os ali autores, aqui recorridos, com as condutas descritas teriam violado os princípios da boa fé, o que poderia integrar a figura do abuso de direito. Juízo que os visados controverteram na 13ª conclusão da apelação que interpuseram, com a oposição da aqui recorrente nas contra-alegações.</font><br>
<font>Justifica o segundo, porque pediu nas mesmas contra-alegações a condenação dos ora recorridos como litigantes de má-fé.</font><br>
<font>Entende que por estas circunstâncias a Relação se devia ter pronunciado sobre tais temas, e como não o fez o acórdão padece da nulidade prevista no art. 668º, n° 1, al. d) do CPC.</font><br>
<font>Vejamos o que se nos oferece dizer.</font><br>
<font>A nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. d) – primeira parte – do CPC é a omissão de pronúncia sobre questões que se devesse apreciar. </font><br>
<font>Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 666º, n.º 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra (4)</font><br>
<font>Esta nulidade é uma constante nos recursos, originada na confusão que se estabelece entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.</font><br>
<font>Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d), do CPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes (5). </font><br>
<font>Como é sabido, e já em cima demos nota disso, as balizas delimitadoras do objecto do recurso são as conclusões alinhadas pelo recorrente (arts. 684º nº 3 e 690º, nº 1 do CPC). É constante, e unânime, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores de que não podem ser tomadas em conta pelo tribunal de recurso as questões não incluídas nas conclusões da alegação, ainda que versadas no respectivo corpo alegatório (6). </font><br>
<font>Pois bem, percorrendo todo o itinerário conclusivo da apelação interposta pelos ora recorridos não se descortina que em alguma delas tenham suscitado ao tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> o conhecimento do abuso de direito.</font><br>
<font>O sentido da sua aludida conclusão 13ª – “</font><i><font>Os actos praticados pelos AA. decorreram do incumprimento da R. e não configuram qualquer impedimento ou diminuição do uso da casa de Benfica </font></i><font>“ –, onde a recorrente lobriga fundamento para o abuso de direito, é tão só o de controverter a afirmação inserta na sentença de “</font><i><font>que não podem os AA pretender que a ré efectue o pagamento das contraprestações devidas pela ocupação pela A. do imóvel sito na ............, quando os próprios AA. impedem a ré de fruir da fracção que lhe foi permitida fruir no âmbito do acordo</font></i><font> “.</font><br>
<font>Até porque esta alusão feita na sentença da 1ª instância a eventual exercício abusivo dos apelantes não traduz mais do que um </font><i><font>obiter dictum</font></i><font> sem importância decisiva na sorte do pleito, mais concretamente do pedido de pagamento das contraprestações devidas pela ocupação do imóvel pela ré (aqui recorrente) acabado de julgar improcedente. Por isso o acrescento: “ </font><i><font>E ainda que se entenda que não se verifica a excepção de não cumprimento, sempre a actuação dos AA. viola os princípios da boa fé, pelo que poderia integrar a figura do abuso de direito – art. 334º do Código Civil </font></i><font>”.</font><br>
<font>Portanto, nem os ali apelantes, a quem competia restringir o objecto do recurso, suscitaram a apreciação dessa questão, nem a mesma se impunha por prejudicada que estava face à improcedência do pedido. Onde não há direito não pode haver abuso do seu exercício. </font><br>
<font>Não havia, pois, que apreciar algum eventual abuso de direito.</font><br>
<font>Passando à segunda circunstância, é facto haver a recorrente, no culminar das suas contra-alegações da apelação, pedido a condenação dos apelantes em multa e indemnização não inferior a 2.500,00€, pelas pretensões que vêm deduzindo cuja falta de fundamento não ignoram.</font><br>
<font>Mas, um primeiro reparo concitam a forma e o suporte da sua censura. </font><br>
<font>Fundamenta a recorrente o pedido de condenação por litigância de má fé alegando que os recorridos “</font><i><font>vêm deduzindo pedidos unanimemente considerados pelas instâncias como abusos de direito, deduzindo pretensões cuja falta de fundamento não ignoram - art° 456° n° 2 al. a) do CPC, devem assim ser condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização à recorrida nunca inferior a dois mil e quinhentos euros, pelos dez anos de sofrimento que lhe vêm infringindo. </font></i><font>“, ou seja, alicerça-o essencialmente numa conduta repetida dos autores ao longo de anos com diversos processos.</font><br>
<font>Ora, o que releva nesta demanda para efeitos de condenação por litigância de má fé é a conduta das partes intra processo e não em anteriores processos. A sanção processual do art. 456º do CPC é cominada para ilícitos praticados no processo e não para ilícitos anteriores à sua instauração (7).</font><br>
<font> Por isso que, com esse âmbito, não havia justificação para o tribunal se pronunciar.</font><br>
<font>Já no domínio intraprocesso o acórdão não deu, de facto, resposta expressa e lapidar a essa pretensão. E dizemos expressa, porque a deu de forma implícita. Senão atentemos.</font><br>
<font>Colocando os recorrentes à apreciação da Relação como questões, a qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes, a não vinculação do autor ao mesmo, a resolução desse contrato por incumprimento da ré, e o pagamento por esta das contraprestações em dívida, o acórdão impugnado centrou primordialmente a questão a decidir na definição e determinação dos efeitos do acordo celebrado entre as partes. E divergindo da sentença recorrida, qualificou o acordo celebrado como um contrato atípico, tendo por objecto regular a fruição, pelos respectivos subscritores, dos imóveis em causa, com reconhecido incumprimento por parte da ré, todavia, não convertido em definitivo por forma a fundamentar a resolução pretendida por falta de interpelação admonitória.</font><br>
<font>Subsistindo o acordo celebrado, nele se concluiu do incumprimento da ré resultar apenas por ela ser devido o montante correspondente às prestações que deixou de efectuar, e consequentemente somente nessa parte proceder o pedido formulado pelos autores/apelantes.</font><br>
<font>Portanto, emana da lógica facto-jurídica abraçada no acórdão que boa parte da razão está do lado dos autores/apelantes, natural, pois, a inexistência de má fé instrumental e substancial, dos mesmos. Por decorrência óbvia, seguramente os decisores levaram à letra o brocardo popular “para bom entendedor meia palavra basta”, e se abstiveram de manifestação expressa desnecessária.</font><br>
<font>Isto é, na fundamentação e decisão final do acórdão impugnado se contém resposta implícita (cfr. art. 217º, nº1, parte final, do Código Civil) de inverificada litigância de má fé dos apelantes. </font><br>
<font>Por tudo isto, entende-se não padecer o acórdão de alguma omissão de pronúncia.</font><br>
<br>
<font>B) </font><u><font>Qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes </font></u><br>
<br>
<font>Abraçando a tese sustentada no Acórdão da Relação de Lisboa de 16/05/06 acima mencionado, que citou e documentou, proferido em anterior acção de reivindicação em que igualmente fora demandada, entende a recorrente que o acórdão aqui impugnado errou na qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes, caracterizando-o como contrato atípico quando na verdade se trata de um genuíno contrato de comodato, no limite, com a aposição de um encargo.</font><br>
<font>Do aludido acordo, continua, ressalta estar-se perante um negócio gratuito, onde a recorrente e seu marido ficaram com o encargo de continuar a pagar a renda ao senhorio da casa onde residia a autora e enquanto ela aí permanecesse. Encargo que não belisca minimamente a gratuitidade do acordo.</font><br>
<font>Esta questão afigura-se-nos ser manifestamente irrelevante para a sorte do mérito do recurso nos objectivos com que se apresenta, que são os de definir se deve, ou não, a recorrente pagar as quantias correspondentes às prestações que deixou de efectuar como compensação pela ocupação que faz do imóvel no âmbito do acordo celebrado.</font><br>
<font>Ainda assim, diremos que propugnamos o acerto da solução sustentada no acórdão recorrido.</font><br>
<font>Comodato, encontra-se definido no art. 1129º do Código Civil como sendo um “</font><i><font> contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir</font></i><font>”.</font><br>
<font>Trata-se de um contrato constituído </font><i><font>intuitu personae</font></i><font>, de sua natureza real, </font><i><font>quod constitutionem</font></i><font>, com eficácia puramente obrigacional (8). , e que caduca com a morte do comodatário (art. 1141º).</font><br>
<font>É ainda um contrato gratuito, não sinalagmático pois que não há correspectividade entre as obrigações dele emergentes para as partes contratualizantes, ou seja, o uso da coisa não beneficia de contraprestação.</font><br>
<font>Ora, vem assente a expressa autorização para a recorrente residir no imóvel sito na Rua ............, propriedade do autor e anteriormente da autora, mas com a obrigação de, por sua vez, ela pagar as rendas relativas à locação do imóvel em que a autora reside na Av. .............. (nºs 1 a 3 e 6 a 9 dos factos provados).</font><br>
<font>Não se está, portanto, como pretende a recorrente, perante uma situação de pura cedência gratuita do imóvel, pois que a tal concessão por banda dos autores corresponde uma obrigação equivalente por parte da recorrente, e se, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (9), “</font><i><font>em troca do uso da coisa, o contraente, que a recebe, promete alguma prestação, o contrato deixa de ser comodato e passa a ser de arrendamento, de aluguer ou um contrato atípico, consoante os casos</font></i><font>”.</font><br>
<font>Contra-argumenta a recorrente que a possibilidade de o comodante impor ao comodatário certos encargos não inviabiliza essa gratuitidade, como tal se devendo entender a renda que paga da fracção ocupada pela autora que desse modo não descaracterizaria o comodato.</font><br>
<font>Não perfilhamos tal sentido. Entendemos por encargos, que, sem dúvida, o comodante pode impor ao comodatário, obrigações directamente conexionadas com o bem entregue e que se caracterizam por constituírem simples limitações ou restrições do direito conferido gratuitamente (ex. pagamento de impostos relativos ao prédio cedido, pagamento das despesas de condomínio, contratualização dos fornecimentos de água, gás, electricidade e tv por cabo), nunca podendo traduzirem-se numa prestação essencial e correspectiva do benefício do comodatário que se assume como parte integrante e nuclear do negócio jurídico celebrado.</font><br>
<font>Precisamente o que acontece no caso vertente, porquanto como resulta da cláusula 7ª do acordo celebrado (nº 8 dos factos provados), o pagamento mensal e sucessivo da renda do 5° andar da Avenida .............., ocupado pela autora, a cargo da recorrente foi estabelecido “</font><i><font>como compensação pela ocupação do andar sito na Rua .........</font></i><font>”, onde ela reside.</font><br>
<font>Representa-se-nos por clara haver ingénita correspectividade entre estas prestações dos autores/recorridos e da ré/recorrente.</font><br>
<font>Para além disso, o comodato caracteriza-se por uma outra distinção, ser feito no interesse do comodatário e não do comodante (10). Se o contrato persegue também um interesse do comodante, como é o que se constata no caso em apreço, não há comodato.</font><br>
<font>Em suma, apesar de envolver elementos próprios do contrato de comodato, estamos perante um contrato atípico inominado, celebrado ao abrigo do princípio da liberdade contratual, a que nenhuma regra ou princípio legal se opõe e que deve ser cumprido nos termos acordados (arts. 405º e 406º do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>C) </font><u><font>Se o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 236° e 432° e seguintes do Código Civil</font></u><br>
<br>
<font>Insurge-se a recorrente argumentando que o acórdão recorrido violou os arts. 236° e 432° e seguintes do Código Civil, por admitir na sua interpretação do contrato que a resolução pedida pelos recorridos seria eficaz, caso fosse precedida de interpelação admonitória adequada.</font><br>
<font>Tece esta crítica, porque na decisão recorrida, depois de se qualificar o contrato celebrado pelas partes como um contrato atípico, tendo por objecto regular a fruição, pelos respectivos subscritores, dos imóveis a que se reporta, concluiu-se, de forma sumária, que, apesar disso, “</font><i><font>resultando do teor da notificação efectuada à apelada (ponto 12 da matéria provada) não se traduzir a mesma numa verdadeira interpelação admonitória, não se mostra haja sido operada a conversão em definitivo do incumprimento àquela imputado, por forma a fundamentar (art. 808º, nº1, C.Civil) a resolução pretendida</font></i><font>.”.</font><br>
<font>Entende a recorrente que “não se pode deixar passar em claro essas doutas considerações, que enfermam de erro manifesto na interpretação do contrato, desconsiderando por completo o que as partes convencionaram na cláusula 6ª do acordo”, pois que deixam no ar que a resolução do acordo teria operado, caso tivesse ocorrido uma interpelação admonitória eficaz por parte dos recorridos, quando o ora recorrido está vinculado, a respeitar a cláusula 6ª, que constitui um termo incerto.</font><br>
<font>Sucede que aquela ponderação, ainda que breve, é um dos esteios em que assenta a improcedência do pedido dos autores/recorridos em ver declarado resolvido, por incumprimento da ré, o contrato celebrado. A recorrente nessa extensão foi vencedora.</font><br>
<font>Como tal, é de todo destituído de sentido discutir-se questão improfícua para a sorte do pleito, uma vez que mesmo que procedesse inteiramente a conclusão formulada pela recorrente em nada dela poderia beneficiar mais do que já beneficiou. Convém não esquecer que o recurso tem por objecto a parte dispositiva da decisão e não a parte enunciativa dos fundamentos(11)., bem como não tem como propósito a discussão de temas jurídicos por mero interesse académico.</font><br>
<font>Contudo, se a recorrente bem atentar, o acórdão, apesar de impressivamente sincopado, até dá resposta directa à sua preocupação no seguinte trecho: “…</font><i><font>dada a subsistência do acordo celebrado, ao mesmo se têm de considerar vinculadas - o 2º apelante, na qualidade de adquirente do direito sobre o imóvel reivindicado - qualquer das partes outorgantes</font></i><font>. </font><i><u><font>E, uma vez assente não ter ele próprio procedido à desocupação do imóvel arrendado, na vigência do aludido acordo (cfr. cl. 3ª </font></u></i><font> (12)</font><i><u><font>), vedado ao demandante exigir da demandada a entrega da fracção onde a mesma vem habitando.</font></u></i><font>” (13)..</font><br>
<font>Improcede a censura formulada.</font><br>
<br>
<font>D) </font><u><font>Se o acordo celebrado foi tacitamente alterado e os recorridos renunciaram a reclamar da recorrente qualquer crédito</font></u><br>
<br>
<font>Visando tirar partido da resposta curta e restritiva “(14) dada ao conjunto dos quesitos 2º a 7º, acolhedores de factos alegados pelos autores tendentes a demonstrar o pagamento pela recorrente e seu marido, até Outubro de 2001, da compensação correspondente ao valor da renda devida pelo arrendamento do imóvel que aqueles ocupavam, vem agora a recorrente alegar que a cláusula 7ª do contrato nunca foi executada </font><i><font>(15).</font></i><font>”., uma vez que “</font><i><font>a recorrente ou o seu marido jamais pagaram rendas da Guerrra Junqueiro ao abrigo daquele acordo</font></i><font>“.</font><br>
<font>E, continuando a utilizar alguma da argumentação, que transcreve, explanada no citado e distante Acórdão da Relação de Lisboa de 16/05/06, indesmentível fonte inspiradora deste recurso (16)”., sem se dar conta que se serve de dados inverificados nestes autos, aduz que recorridos e recorrente alteraram tacitamente nos termos do art. 217º do Código Civil o contrato nessa sua cláusula, passando os recorridos a pagar a renda da .............. e renunciando a reclamar qualquer crédito à recorrente, pelo que nada lhes deve.</font><br>
<font>Acontece que tal argumentação surge pela primeira vez nesta revista. Isto é, traduz matéria não alegada na oposição que por isso mesmo não foi objecto de apreciação nas instâncias recorridas.</font><br>
<font>Do art. 676º, nº1º, do CPC se vê que os recursos se destinam ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido.</font><br>
<font>É pacífico, entre a jurisprudência e a doutrina, que os recursos não se destinam a alcançar decisões novas, a menos que se imponha o conhecimento oficioso, pois que visam a modificação das decisões recorridas (17). </font><br>
<font>Está-se, portanto, perante questão nova, de que, por isso mesmo, não se pode conhecer, uma vez que, como decorre claro do que vem de expor-se, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6TKvu4YBgYBz1XKvcC5X | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><b><font>I.</font></b><br>
<b><font> Relatório</font></b><br>
<font> AA e mulher, BB, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção ordinária contra Construções CC Lª, pedindo a sua condenação no pagamento das quantias que tiveram de desembolsar para concluírem a obra que lhe adjudicaram, no montante global de 5.589,92 €, acrescida de 10.500 €, respeitante ao custo de reparação dos defeitos que a obra executada apresentava, e, ainda, de um indemnização de 3.500 €, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo alegado incumprimento do contrato de empreitada entre eles celebrado, com juros desde a citação, bem como a sua condenação na devolução dos rodados de uma grua, por troca da qual a R. se obrigou a executar os trabalhos.</font><br>
<font> A R. contestou, não só por impugnação, mas também por excepção, invocando, para tanto, a caducidade do direito dos AA., terminando por pedir a improcedência da acção.</font><br>
<font> Reconveio, ainda, para pedir a condenação dos AA. no pagamento de 17.080 €, correspondente ao remanescente da contraprestação devida e ainda não paga, acrescido de juros.</font><br>
<font> Houve réplica e tréplica.</font><br>
<font> No saneador, foi julgada improcedente a arguida excepção de caducidade.</font><br>
<font> Seleccionaram-se os factos, provados e controvertidos e o processo seguiu, depois, a normal tramitação até julgamento.</font><br>
<font> Findo este, foi proferida sentença a julgar a acção apenas parcialmente procedente, com a consequente condenação da R. no pagamento aos AA. de 10.500 € e juros.</font><br>
<font> Inconformada, apelou a R., para o Tribunal da Relação de Guimarães, mas em vão, na justa medida em que o julgado foi confirmado na íntegra.</font><br>
<font> Continuando no mesmo estado de espírito, pede, ora, revista, a coberto das seguintes conclusões com que rematou a sua minuta:</font><br>
<font>- A presente acção foi instaurada em 13 de Setembro de 2006. </font><br>
<font>- Nesta acção os AA. pedem, entre outras coisas, que a R. lhes pague a quantia de 10.500,00 € que, alegadamente, gastaram na reparação de uma piscina, que havia sido, para eles, construída pela R., no âmbito de um contrato de empreitada entre eles celebrado. </font><br>
<font>- Na sua contestação a R. alegou a caducidade do seu direito. </font><br>
<font>- Vem dado por provado, com interesse para o presente recurso, que: </font><br>
<font>- A piscina executada pela R. não era estanque, registando perdas de água que, pelo seu volume, exigiam o seu constante enchimento. </font><br>
<font>- Os AA. comunicaram, imediatamente, essa anomalia à R. e exigiram-lhe, repetidamente, a sua eliminação.</font><br>
<font>- No dia 11 de Março de 2004, o A. marido enviou-lhe a carta cuja cópia consta de fls. 19, instando-a, mais uma vez, a reparar a piscina e a executar os trabalhos alegadamente em falta. </font><br>
<font>- Por carta registada com aviso de recepção, datada de 18 de Outubro de 2004, o A. marido comunicou à R. que considerava resolvido o contrato de empreitada entre ambos celebrado, reservando-se o direito de exigir judicialmente a indemnização que lhe fosse devida. </font><br>
<font>- Em 19 de Maio de 2005, os AA. adjudicaram à firma DD Unipessoal, Lda. a reparação da piscina. </font><br>
<font>- Os AA., lesados com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos respectivos prejuízos, teriam de observar – e não o fizeram – a prioridade dos direitos consagrados nos artigos 1.221.°, 1.222° e 1.223.°, do Código Civil. </font><br>
<font>- Havendo optado pela eliminação dos defeitos por terceiro, sem, antes, haverem obtido a condenação do empreiteiro à prestação de facto, não havendo observado os caminhos sequenciais contidos nos mencionados preceitos legais, vedado lhes ficou o direito de peticionar à R. os custos que, alegada, mas falsamente, pagaram a terceiro para eliminar esses defeitos. </font><br>
<font>- Os AA. denunciaram os defeitos da empreitada, intimando a R. para o cumprimento, ou seja, para a sua eliminação. </font><br>
<font>- Não lhe fixaram um termo peremptório, com dilação razoável para o cumprimento. </font><br>
<font>- Nem interpelaram a R. com a cominação de que a obrigação se teria por definitivamente incumprida, se não ocorresse o cumprimento naquele prazo. </font><br>
<font>- Nem resulta alegado e/ou provado que os AA. houvessem perdido, objectivamente, todo o interesse na prestação. </font><br>
<font>- Não lograram – afinal – validamente converter a mora em incumprimento definitivo, como impõe o disposto no artigo 808º, do Código Civil. </font><br>
<font>- A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 808°, 1.218°, 1.221.°, 1.222°, 1.223.°, 1,224° e 1.225°, do Código Civil, e 659°, do Código de Processo Civil. </font><br>
<font>Os recorridos não apresentaram resposta.</font><br>
<b><font>II.</font></b><br>
<font>As instâncias fixaram os seguintes factos:</font><br>
<font>1 – Encontra-se inscrita a favor da A. BB, por virtude de compra que dele fez, a aquisição do lote de terreno designado pelo n.º 42-A, situado no lugar de A..............o, freguesia de Nogueira, concelho e comarca de Braga, a confrontar do norte com o lote n.º42 e do sul, nascente e poente com arruamento, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o n.º 877.</font><br>
<font>2 – Há mais de 20 anos que os AA., por si e antecessores, vêm usufruindo esse lote de terreno e a construção que nele foi entretanto implantada, habitando e dando de arrendamento a casa, percebendo as respectivas rendas, suportando as despesas com a sua conservação e pagando os impostos que o oneram, o que sempre fizeram ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de serem seus exclusivos donos.</font><br>
<font>3 – A R. dedica-se à actividade de construção civil.</font><br>
<font>4 – No exercício dessa actividade, a R. obrigou-se perante os AA. a construir uma piscina com a dimensão de 12x7x1,70 metros, em betão armado, com acabamento em mosaicos de vidro e dotada de uma escada interior feita de acordo com o modelo romano e de, pelo menos, uma escada exterior e de três projectores de luz estanques à água, bem como um edifício de apoio, designado por “anexos”, com cerca de 10,20x2,70x2,80 metros, com paredes em tijolo devidamente rebocadas e pintadas, rodapé em granito e cobertura em telha de argila, conhecida como telha francesa, composto por, pelo menos, duas divisões, uma das quais com as dimensões de 2,40x2,70x2,80, destinada à instalação da “casa das máquinas”, e a outra com 4,50x2,70x2,80 metros, destinada a balneário, com as paredes revestidas a azulejo e as competentes loiças e acessórios sanitários.</font><br>
<font>5 – Esse acordo compreendia, ainda, o aumento de um muro de vedação do logradouro da residência e a instalação do equipamento de tratamento da água da piscina.</font><br>
<font>6 – A R. comprometeu-se a executar todos os trabalhos por troca com uma grua em ferro, da marca </font><i><font>Potain</font></i><font>, modelo 218 B, com 20x30 metros, que então lhe foi entregue.</font><br>
<font>7 – Essa grua levou colocados rodados.</font><br>
<font>8 – O anexo compreendia a casa das máquinas da piscina, um balneário e uma churrasqueira.</font><br>
<font>9 – A piscina executada pela R. não era estanque, registando perdas de água que, pelo seu volume, exigiam o seu constante enchimento.</font><br>
<font>10 – Os AA. comunicaram, imediatamente, essa anomalia à R., a exigiram-lhe, repetidamente, a sua eliminação, bem como a execução de trabalhos que, segundo eles, ainda se encontravam em falta, enviando-lhe as cartas cujas cópias constam de fls. 13 e 17.</font><br>
<font>11 – Porque a R., não obstante sempre tivesse reconhecido a anomalia em causa, tardasse em dar início aos trabalhos de reparação, no dia 11 de Março de 2004, o A. marido enviou-lhe a carta, cuja cópia consta de fls. 19, instando-a, mais uma vez, a reparar a piscina e a executar os trabalhos alegadamente em falta.</font><br>
<font>12 – A R. não respondeu a essa missiva e nunca mais contactou com os AA..</font><br>
<font>13 – Por carta registada com aviso de recepção, datada de 18 de Outubro de 2004, o A. marido comunicou à R. que considerava resolvido o contrato de empreitada entre ambos celebrado, reservando-se o direito de exigir judicialmente a indemnização que lhe fosse devida.</font><br>
<font>14 – A referida anomalia desvalorizava substancialmente a piscina, tornando-a imprestável para o fim a que se destinava.</font><br>
<font>15 – Em 19 de Maio de 2005, os AA. adjudicaram à firma DD – Unipessoal, Lda. a reparação da piscina, mediante uma contrapartida pecuniária de € 10.500,00.</font><br>
<font>16 – A reparação implicou a extracção da pastilha aplicada, a colocação de uma malha de ferro, betonagem da estrutura e colocação de nova pastilha.</font><br>
<font>17 – A piscina só ficou em condições de ser utilizada em Maio de 2005.</font><br>
<font>18 – A R. colocou, a solicitação dos AA., um golfinho no fundo da piscina, que foi removido aquando dos trabalhos de reparação a que a mesma foi sujeita.</font><br>
<font>19 – O teor da factura constante de fls. 90.</font><br>
<font> </font><b><font>III.</font></b><br>
<font> </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br>
<font> Resulta das conclusões apresentadas pela recorrente que são três as questões que nos são colocadas para decisão, a saber:</font><br>
<font>1ª – Se os direitos dos AA. a resolverem o contrato e à indemnização caducaram, por força do estatuído no artigo 1224º, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font>2ª – Se houve, por parte destes, desrespeito pelo</font><i><font> iter</font></i><font> imposto pelos artigos 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil; e</font><br>
<font>3ª – Se, face à factualidade dada como provada, se pode defender, com propriedade, que os AA. converteram a mora em incumprimento definitivo, na medida em que, por um lado, não lhe foi fixado um prazo razoável para cumprir, e, por outro, não foi alegado nem provado que estes tivessem perdido o interesse na prestação.</font><br>
<font> Ao levantar estas três questões, a recorrente propôs-se, assim, demonstrar que nada justificava a resolução do contrato, por parte dos recorridos, e, consequentemente, que nada tem a pagar, a título indemnizatório, pelos prejuízos invocados e provados.</font><br>
<font> Cumpre-nos, pois, atentar nos argumentos e decidir em conformidade.</font><br>
<font> É o que passaremos a fazer.</font><br>
<font> Em relação à ressuscitada questão da caducidade, pouco há a dizer, a não ser, relembrando, que a mesma foi, definitivamente, julgada no saneador, no sentido da sua improcedência.</font><br>
<font> Não tendo, na altura própria, colocado em crise tal decisão, antes permitindo o seu trânsito em julgado, queda sem qualquer sentido a invocaçã</font><br>
<font> O apelo, por parte da R./recorrente, de que os AA./recorridos não cumpriram o</font><i><font> iter</font></i><font> imposto pelos artigos 1221º e 1222º, do Código Civil, com vista a obterem a eliminação dos defeitos, antes resolvendo o contrato, sem respeito pelo cumprimento das etapas prévias de eliminação dos defeitos ou execução de obra nova, surge, aqui, pela primeira vez.</font><br>
<font> Poder-se-ia ser tentado a dizer, em razão do referido, que o mesmo, traduzindo a apresentação de uma “questão nova”, não deveria ter aqui qualquer atenção, atenta a finalidade dos recursos (de mera reapreciação e já não de decisão de questões colocadas </font><i><font>ex novo</font></i><font> – artigo 676º, nº 1, do Código de Processo Civil).</font><br>
<font> Só, aparentemente, assim é.</font><br>
<font> Com efeito, com vista a analisarmos a argumentação directamente relacionada com o direito à resolução, torna-se necessário saber se, previamente, foram feitas tentativas, por parte dos donos da obra, no sentido de obterem da R./recorrente, enquanto empreiteira, a reparação dos vícios denunciados.</font><br>
<font> Sem sombra de dúvida que AA. e R. celebraram, entre si, um contrato de empreitada: di-lo, de forma expressa, aliás, a sentença da 1ª instância, sem que isso tivesse sido posto, por alguma forma, em crise.</font><br>
<font> É um facto que os AA. só poderiam recorrer à solução fatal, de resolução, depois de terem percorrido a via imposta pelos artigos 1221º e 1222º do Código Civil.</font><br>
<font> Que esse caminho foi feito, resulta claramente dos teores das várias cartas juntas aos autos, através das quais foram solicitando, por diversas vezes, a reparação dos defeitos à R./recorrente.</font><br>
<font>Só perante a recusa desta, traduzida na omissão sistemática de respostas aos pedidos de reparação, é que os AA. avançaram para a resolução, não sem que, antes, tivessem fixado o prazo admonitório de 15 dias, para a realização das obras. </font><br>
<font>Não resolveram, pois, o contrato arbitrariamente, antes, pelo contrário, deram todas as “</font><i><font>chances</font></i><font>” à R., com vista à sanação dos defeitos da obra, tal como a lei o impõe.</font><br>
<font> Não tendo esta cumprido a sua obrigação de reparar a obra, perante a patente recusa em fazê-lo, outro caminho não restava, pois, aos AA./recorridos que não fosse o da resolução do contrato.</font><br>
<font> De qualquer forma, importa, também, dizê-lo, este direito à resolução do contrato só surge, na esfera jurídica do dono da obra, se e na medida em que os defeitos a tornem inadequada ao fim a que se destina (artigo 1222º, nº 1, já citado).</font><br>
<font> Esta inadequação só ganha foros de relevo quando a obra realizada se apresenta completamente diversa da encomendada ou quando lhe falta uma qualidade essencial.</font><br>
<font> Como, com toda a pertinência, se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 05 de Março de 2009, relatado pelo Cons. Oliveira Rocha, “o regime estabelecido para a resolução da empreitada está direccionado para o momento do empreiteiro dar a obra por concluída, pois não seria lógico nem razoável que se permitisse a resolução no decurso da obra, sem se dar ao empreiteiro, dentro do prazo do contrato, o direito de eliminar os defeitos ou fazer obra nova” (</font><i><font>Colectânea de Jurisprudência</font></i><font>, Ano XVII, Tomo I, página 128 e seguintes).</font><br>
<font> Mas, como observam Pires de Lima e Antunes Varela, nada obsta a que o dono da obra resolva o contrato a todo o momento em que se verifique a impossibilidade de a obra ser executada, nos termos da regra geral do nº 2 do artigo 801º, ou seja, quando os defeitos registados sejam realmente impossíveis de eliminar e tornem a obra inadequada aos fins a que se destina (</font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, Volume II, 3ª edição, página 794).</font><br>
<font> Tendo por adquirido que os defeitos existiam, tornando a obra inadequada para os efeitos pretendidos, certo que a R./recorrente não deu ouvidos aos vários pedidos, no sentido de os mesmos serem eliminados, os AA./recorridos lançaram mão da resolução do contrato, na mira de irem ao encontro de terceiros para obterem, finalmente, o </font><i><font>desideratum</font></i><font> pretendido.</font><br>
<font> Antes, porém, numa última tentativa, fizeram ver à R./recorrente que devia reparar a obra, fixando-lhe, para tanto, um prazo de 15 dias.</font><br>
<font> E continuando a R./recorrente, como sempre, a não dar resposta às solicitações dos AA./recorridos, outro caminho não lhes restava que não fosse o de, perante aquela, proclamar a resolução do contrato.</font><br>
<font> Com pertinência, reconhece João Cura Mariano que “caso a fixação de prazo contenha inequivocamente a advertência de que o seu decurso determinará o fim da possibilidade de o próprio empreiteiro proceder às obras de reparação, a ocorrência desse facto determinará o incumprimento definitivo da prestação” (</font><i><font>Responsabilidade Contratual do Empreiteiro da Obra</font></i><font>, página 118).</font><br>
<font> Na carta junta a fls. 17 está bem patente a advertência cominatória, a legitimar a resolução do contrato, feita após o decurso daquele prazo de 15 dias, previamente fixado.</font><br>
<font>Não faria sentido, como advoga agora a R./recorrente, que, antes da declaração de resolução, os AA./recorridos obtivessem uma condenação daquela à prestação.</font><br>
<font> Esta acção condenatória só teria justificação no campo limitado de os donos da obra apenas pretenderam a eliminação dos defeitos por parte daquele concreto empreiteiro.</font><br>
<font> Posto perante esta hipótese, só sobraria, então, ao empreiteiro alegar, em sua defesa, a impossibilidade da eliminação ou a desproporção de custos dos respectivos trabalhos.</font><br>
<font> Mas, seguramente, não foi este o trilho que seguiram os AA./recorridos: como dito, eles procuraram, sempre, a colaboração da R./recorrente e, só perante a recusa obstinada em não cumprir, traduzida num silêncio total da sua parte às cartas recebidas, é que optaram pela resolução.</font><br>
<font> Face à mesma e perante a necessidade de verem as obras reparadas, aqueles viram-se na necessidade de chamar, para o efeito, um outra empresa que com a reparação lhes exigiu o pagamento de 10.080 € (resposta ao quesito 31º).</font><br>
<font> É este o montante que lhes é devido pela empreiteira, aqui recorrente: se esta tivesse cumprido as suas obrigações, reparando os defeitos, nunca os AA. teriam necessidade de desembolsar tal montante.</font><br>
<font>Aqui chegados, apenas mais uma palavra se impõe. </font><br>
<font>Diz ela respeito à invocada falta de alegação de perda de interesse por parte dos AA./recorridos. </font><br>
<font>Não foi, efectivamente, invocada, pelos AA./recorridos, a perda de interesse. </font><br>
<font> Vistas bem as cousas, tal como estes últimos as desenharam, tal nem podia ser, sob pena de contradição no seu discurso: eles tiveram sempre interesse na prestação e, tanto assim, que acabaram por a obter, embora por intervenção de terceiros.</font><br>
<font> Não faria sentido, seria, até, um contra-senso, invocar a perda de interesse quando o que, efectivamente, pretendiam era a realização da prestação.</font><br>
<font> Não podiam, pois, os AA./recorridos, em boa sequência lógica da sua actuação perante a R./recorrente, pedir a resolução do contrato, com base neste fundamento, previsto no artigo 808º, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font> Mas, pelo que ficou dito e redito, tiveram eles toda a razão em resolver o contrato, na justa medida em que a R. deu azo a que a sua simples mora se tivesse convertido em incumprimento definitivo, a legitimar a resolução do contrato e o pedido de indemnização pelos danos sofridos.</font><br>
<font> Salta, agora e finalmente, à vista o fracasso da argumentação que suportou a tese trazida a este pretório pela R./recorrente. </font><br>
<font> O mesmo é dizer que o acórdão da Relação, confirmatório do julgado em 1ª instância, não merece a crítica que lhe foi dirigida.</font><br>
<font> </font><b><font>IV.</font></b><br>
<font> Decisão:</font><br>
<font> Nega-se a revista e condena-se a R./recorrente no pagamento das custas devidas.</font><br>
<br>
<b><font>S.T.J.</font></b><font>, aos 16 de Março de 2010</font><br>
<font>Urbano Dias (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font><br>
<br>
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6TKzu4YBgYBz1XKvszLq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
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<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br>
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<font>AA, residente no lugar de Carrega, Vila de S. Martinho, concelho de Barcelos, propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra a “Companhia de Seguros BB, SA”, com sede em Lisboa, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €92.493,30, a título de indemnização pelos danos advenientes do acidente de viação em causa, acrescida de juros de mora, contados desde a citação e até integral pagamento, relegando-se, para liquidação em execução, os danos que resultarem da intervenção cirúrgica a que se vai submeter, alegando, para tanto, e, em</font><b><i><font> </font></i></b><font>síntese, que, no dia 22 de Março de 2004, pelas 3.30 horas, no lugar do Queimado, freguesia de Vila Frescaínha, S. Martinho, conduzindo o autor o motociclo, de sua propriedade, de matrícula 00-00-00, ao pretender mudar de direcção para a direita, que sinalizou, foi embatido na traseira do mesmo, pela parte frontal da dianteira direita do automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 0-00-00, conduzido pelo seu proprietário, CC, daí resultando, directamente, para o autor, danos, de natureza patrimonial e não patrimonial.</font><br>
<font>Na contestação, a ré defende-se, por impugnação, alegando desconhecimento dos factos respeitantes ao acidente e suas consequências para o autor.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, condenando a ré a pagar ao autor o montante de €46.315,15, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, sendo €20.000,00, de salários que deixou de auferir, €15.000,00, pela perda da capacidade aquisitiva, €1.315,15, pelos danos emergentes demonstrados, e €10.000,00, pelos danos morais sofridos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação, com relação aos danos materiais resultantes de danos emergentes, e, desde a presente data, relativamente aos danos morais e materiais fixados, com base na equidade, indemnização pela perda da capacidade aquisitiva resultante da IPP, até efectivo e integral pagamento, e o montante global que se vier a liquidar, em execução de sentença, relativamente ao valor das peças de vestuário danificado no sinistro, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados a partir da presente data e até integral e efectivo pagamento.</font><br>
<font>O acórdão do Tribunal da Relação recorrido, decidindo a apelação interposta pela ré, julgou-a, parcialmente, procedente, alterando o decidido pela sentença da 1ª instância, no tocante ao valor da indemnização fixado, a título de dano patrimonial futuro decorrente da IPP, em que o autor ficou afectado, que fixou em €13500,00, em substituição do valor de €15000,00, em tudo o mais mantendo a sentença impugnada.</font><br>
<font>No recurso de revista interposto para este Supremo Tribunal de Justiça, pela mesma ré, esta terminou as alegações com o pedido da sua procedência, devendo determinar-se o reenvio do processo para a Relação de Guimarães, por admissibilidade legal da requerida reapreciação da matéria de facto, ou, subsidiariamente, a fim de ser rectificado o erro de escrita ou de cálculo constante do facto provado 30, devido a lapso, notório e manifesto, ou, ainda, se assim se não entender, por existir evidente vício de contradição insanável entre o facto provado 30 e os apontados factos provados 19 e 28, ser reenviado o processo para novo julgamento, quanto a estas questões, no Tribunal de 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – Conforme resulta por um lado, da matéria constante do relatório da perícia médico-legal junto a fls. concretamente, no que respeita ao período de incapacidade temporária profissional total fixado ao autor., e, por outro, do facto provado número 28 da douta sentença de primeira instância, nunca poderia ser devida àquele a quantia constante do facto provado número 30;</font><br>
<font>2ª - De facto, considerando que as lesões sofridas em virtude do sinistro determinaram doença com incapacidade total para o trabalho por um período de 287 dias (facto provado número 19) e que resultou provado que ao tempo do acidente o autor exercia a função de serralheiro na empresa Jacard, com sede em Vila Frescaínha, S. Martinho, com direito a férias, subsídio de férias e de Natal, mediante um salário mensal de 500,00€ (facto provado número 28), o montante de 20.000,00€ constante do facto provado número 30 resulta de uma notória incorrecção do julgado;</font><br>
<font>3ª - Na realidade, durante o período de incapacidade temporária profissional total, fixado em 287 dias, o autor/recorrido não recebeu os salários e subsídios a que tinha direito, em montante não superior a €5.781.42€ - ((287x16,66) + (500,00 + 500,00));</font><br>
<font>4ª - Essa evidência decorre com clareza da análise do relatório médico-legal de fls. e da referida matéria factual considerada provada;</font><br>
<font>5ª – Assim, reapreciando a prova produzida, devia o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, nos termos do disposto no artigo 712° do Código de Processo Civil, ter modificado a decisão de facto constante do item número 30, e aí passar a constar: "Durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho e em consequência dos ferimentos que sofreu, o autor deixou de comparecer ao trabalho, e consequentemente foi substituído, pelo que não recebeu os salários e subsídios que tinha direito, relativos aos anos de 2004, 2005 e os proporcionais em montante não inferior a 5.781,42€.";</font><br>
<font>6ª - Em consequência, a Veneranda Relação de Guimarães devia ter revogado a douta sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Barcelos, na parte em que condenou a recorrente a pagar ao autor a quantia de 20.000,00€, a título de salários que este deixou de auferir, e substituí-la por outra que fixasse esse concreto dano em quantia não superior a €5.781,42€;</font><br>
<font>7ª - Pelo exposto, o douto acórdão em recurso violou, entre outros, o disposto nos artigos 562.°, do Código Civil, n.° 3 do artigo 659.°, 690.°-A, 667.° e 712.°, do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, o autor defende que deve ser mantido o decidido pelo Tribunal da Relação.</font><br>
<font> O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça reproduz:</font><br>
<font>1 - No dia 22 de Março de 2004, cerca das 3.30 horas, no lugar do Queimado, da freguesia de Vila Frescaínha, S. Martinho, Barcelos, na estrada camarária que liga a freguesia de Vila Frescaínha, S. Martinho, à freguesia de Abade de Neiva, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, matricula 0-00-00, conduzido pelo seu proprietário, CC, residente na Rua ..............., nº..., ..sq., Frente, ......., Barcelos, e o motociclo, matricula 00-00-00, conduzido pelo autor, seu proprietário.</font><br>
<font>2 - Do acidente em apreço resultaram ferimentos na pessoa do autor.</font><br>
<font>3 - No indicado dia, hora e local, o veículo do autor circulava na referida estrada camarária, no sentido Vila Frescaínha, S. Martinho - Abade de Neiva.</font><br>
<font>4 - Com as luzes médias ligadas.</font><br>
<font>5 - Seguia a uma velocidade não inferior a 40 kms/hora e não superior a 50 kms/hora.</font><br>
<font>6 - Pela metade direita da faixa de rodagem da referida estrada, atento o sentido Vila Frescaínha, S.Martinho /Abade de Neiva, e a cerca de um metro da berma que a margina.</font><br>
<font>7 - Ao chegar ao lugar do Queimado, a cerca de vinte metros do caminho municipal que liga a já referida estrada camarária à rua do Carregal, caminho esse que entronca pelo lado direito da estrada camarária, atento o sentido de marcha do veículo BV, o autor ergueu o braço direito, indicando a sua pretensão de efectuar a manobra de mudança de direcção à sua direita.</font><br>
<font>8 - Após o que reduziu a velocidade do veiculo que conduzia, para cerca de 30 quilómetros horários.</font><br>
<font>9 - Quando o BV se encontrava já, junto ao referido entroncamento, a fim de ingressar no caminho, à direita, atento o seu sentido, súbita e inesperadamente, foi embatido pelo GR.</font><br>
<font>10 - Embate esse que se dá com a parte da frente, lado direito, do GR, na parte de trás do BV.</font><br>
<font>11 – E, junto à berma que, pelo lado direito, atento o referido sentido dos veículos, margina a faixa de rodagem. </font><br>
<font>12 - CC conduzia o GR, no mesmo sentido, e seguia a uma velocidade não inferior a 50 kms/hora e não superior a 60 kms/hora.</font><br>
<font>13 - À retaguarda do BV.</font><br>
<font>14 - CC aproximou-se, repentinamente, do BV, de tal forma que embateu com a parte da frente do GR na parte de trás do BV.</font><br>
<font>15 - O BV, com o embate, foi projectado, juntamente, com o autor para o lado direito da faixa de rodagem, atento o já referido sentido.</font><br>
<font>16 - O condutor do GR, por circular distraído, não conseguiu, nem controlar esse veículo, nem detê-lo, no espaço livre e visível à sua frente.</font><br>
<font>17 - Como consequência, directa e necessária, do embate, o motociclo do autor sofreu danos consistentes no amolgamento e destruição das seguintes peças: guiador, manete esqª; manete dtª., vedantes forqueta; lts óleo forqueta 5W; comutador luz dto.; taco guiador dto.; carenogem farol; guarda-lamas frente; guarda-lamas trás; tampa radiador; kit autocolante; encapar selim e pintura de depósito, cuja reparação, com mão de obra e I.V.A., incluído, orça no montante de 984,15€.</font><br>
<font>18 - Como consequência, directa e necessária, do acidente dos autos, o autor sofreu múltiplos ferimentos e hematomas pelo corpo, designadamente, fractura exposta dos ossos da perna direita, a tíbia e o perónio.</font><br>
<font>19 - Que lhe determinaram doença, com incapacidade total para o trabalho, por um período de 287 dias, e com incapacidade parcial para o trabalho, por um período de 316 dias. </font><br>
<font>20 - Logo após o acidente, o autor foi socorrido às lesões sofridas no hospital de Santa Maria Maior, em Barcelos.</font><br>
<font>21 - No qual foi submetido a intervenção cirúrgica, onde lhe foi colocado material de osteossíntese na perna direita.</font><br>
<font>22 - O autor manteve-se, neste hospital, durante 15 dias.</font><br>
<font>23 - Após o que foi para a sua residência, onde ficou retido no leito, cerca de 120 dias.</font><br>
<font>24 - Durante os quais só se levantava para efectuar tratamento às referidas lesões, no Centro de Enfermagem de Barcelos.</font><br>
<font>25 - Andou arrimado a canadianas durante todo o período em que esteve com incapacidade total para o trabalho.</font><br>
<font>26 - Foi-lhe atribuída:</font><br>
<font>- uma incapacidade absoluta para o trabalho, desde 22 de Março de 2004 a 2 de Janeiro de 2005; </font><br>
<font>- uma incapacidade parcial de 30%, de 3 de Janeiro de 2005 a 4 de Março de 2005, e,</font><br>
<font>- uma IPP de 10%, de 5 de Março de 2005 a 14 de Novembro de 2005.</font><br>
<font>27 - As lesões sofridas foram causa adequada da IPP para o trabalho de 7%. </font><br>
<font>28 - Ao tempo do acidente, o autor exercia a função de serralheiro, na empresa Jacard, com sede em Vila Frescaínha, S. Martinho, com direito a férias, subsídio de férias e de Natal, mediante um salário mensal de 500,00 euros.</font><br>
<font>29 - Emprego esse que tinha iniciado oito dias antes de se dar o acidente dos autos, sendo certo que, em anos anteriores, trabalhou para a empresa de DD, sita na freguesia de Vila ......., S.Martinho, Barcelos, como serralheiro, e mediante a retribuição de 356,60 euros, com direito a férias e subsídio de férias e de Natal.</font><br>
<font>30 - Durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho e, em consequência dos ferimentos que sofreu, o autor deixou de comparecer ao trabalho, e, consequentemente, foi substituído, pelo que não recebeu os salários e subsídios a que tinha direito, relativos aos danos de 2004, 2005 e os proporcionais, em montante não inferior a 20.000,00€.</font><br>
<font>31 - A tudo isto acresce que o autor, durante o período em que esteve, absolutamente, incapacitado e ainda quando andou em tratamentos, deixou de exercer as suas normais ocupações, deslocando-se, durante o período de incapacidade, nos anos de 2004 e 2005, às consultas, no Centro de Enfermagem de Barcelos, e em médicos particulares, arrimado a canadianas e sujeitando-se às demoras para atendimento, por várias horas, nesses locais, a fim de ser examinado, bem como às viagens de ida e volta.</font><br>
<font>32 - Não gozou férias, quer no ano do acidente, quer no ano seguinte.</font><br>
<font>33 - Nem conviveu com os seus familiares e amigos.</font><br>
<font>34 - Em virtude das lesões sofridas, tem dificuldades em se movimentar, cansando-se, facilmente, por curtos períodos de tempo.</font><br>
<font>35 - Não consegue correr, nem praticar desportos.</font><br>
<font>36 - Sofreu angústia e dores, quer no momento do acidente, quer, posteriormente, quando foi socorrido às lesões sofridas.</font><br>
<font>37 – Ficou, para sempre, com várias cicatrizes na perna direita, nomeadamente, uma cicatriz longitudinal de 7 cms., na face anterior do joelho, outras de 3.50 cms. por 3 cms., nas suas maiores dimensões, na face anterior do terço distal da perna, outra de 9 cms., a nível da face anterior do terço médio da perna. </font><br>
<font>38 - Sendo certo que, antes do acidente, o autor era saudável e, sem qualquer defeito físico, a inquinar-lhe o aspecto geral.</font><br>
<font>39 - O autor tem, na perna direita, o material de osteossintese que lhe foi colocado, o qual terá de ser retirado, através de intervenção cirúrgica.</font><br>
<font>40 - Em consequência do acidente dos autos e das lesões sofridas, despendeu o autor no seu tratamento:</font><br>
<font>- no Centro de Imagem Médica de Barcelos, Lda., a montante de 80.00 €.</font><br>
<font>- no centro de Enfermagem de Barcelos, a quantia de 295,00 €.</font><br>
<font>- no serviço de radiologia de DD, Lda., a montante de 90,00 €.</font><br>
<font>- em farmácia, a quantia de 32,05€.</font><br>
<font>- no Dr. EE, a quantia de 500,00€. </font><br>
<font>- em transporte, para se deslocar aos locais de tratamento e médicos, a quantia de 318,10€.</font><br>
<font>41 - Em consequência do acidente, ficaram destruídos e irrecuperáveis, um blusão de ganga, uma camisa, umas calças e uns ténis, cujo concreto valor não foi possível determinar. </font><br>
<font>42 - O autor nasceu, no dia 2 de Agosto de 1970.</font><br>
<font>43 - A viatura 00-00-00 pertence a CC.</font><br>
<font>44 - Através do contrato de seguro, titulado pela apólice 000000000, a responsabilidade civil emergente da circulação da viatura, com a matrícula 00-00-00, tinha sido transferida para a ré “Companhia de Seguros BB, SA”.</font><br>
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<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da admissibilidade legal da reapreciação da matéria de facto.</font><br>
<font>II – A questão da rectificação do erro de escrita ou de cálculo.</font><br>
<font>III – A questão da contradição insanável nas respostas à base instrutória.</font><br>
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<font>I. DA ADMISSIBILIDADE LEGAL DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO </font><br>
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<font> Defende a ré que o Tribunal da Relação deveria ter reapreciado a prova produzida, ao contrário do que aconteceu, de modo a alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida, nos termos do preceituado pelo artigo 712º, nº1, a) e b), do CPC, alegando ter ocorrido erro de julgamento relativamente aos factos constantes do ponto nº 30 da base instrutória.</font><br>
<font>O acórdão recorrido considerou, a este propósito, que não sendo, legalmente, admissível a reapreciação da matéria de facto, não deveria conhecer da mesma, mantendo inalterada a factualidade fixada em 1ª instância.</font><br>
<font>Dispõe o artigo 712º, nº1, a), do CPC, que “a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser reapreciada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão neles proferida;”, ou seja, através da indicação dos concretos pontos de facto que considera, incorrectamente, julgados, e dos concretos meios probatórios constantes da gravação que imponham em relação aos mesmos decisão diversa, hipótese em que, continua o nº 2, do artigo 712º, citado, “…a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, …”.</font><br>
<font>Efectivamente, nos termos do estipulado pelo artigo 522-B, do CPC, “as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestadas são gravados sempre que alguma das partes o requeira, por não prescindir da documentação da prova nelas produzida, quando o tribunal oficiosamente determinar a gravação e nos casos especialmente previstos na lei”.</font><br>
<font>Porém, tendo o legislador da Reforma introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, de onde o essencial do normativo acabado de transcrever é oriundo, entendido que o registo das provas é o sistema que melhor assegura um efectivo segundo grau de jurisdição, em matéria de facto, com vista a satisfazer os fins da descoberta da verdade material e da boa administração da justiça, confiou às partes a faculdade de requerer ou não a sua utilização, sem imposição da respectiva obrigatoriedade.</font><br>
<font>Aliás, a gravação da audiência final ou da intervenção do Tribunal Colectivo pode ser requerida pelas partes, na fase de indicação das provas, nos termos do estipulado pelos artigos 508º-A, nºs 2, c) e 4, e 512º, nº 1, ambos do CPC, sendo certo que, se nada solicitarem, em processo ordinário, como se trata da causa em apreço, a acção será julgada pelo juiz singular, sem registo das provas.</font><br>
<font>Certo é que, por razões não, devidamente, apuradas, provavelmente, devido a um acto mecânico do senhor oficial da justiça que secretariou o Tribunal, foi objecto de registo de gravação a prova produzida em audiência, sem determinação oficiosa do Juiz Presidente, nem ocorrência de um caso daqueles que se encontram, especialmente, previstos na lei, conforme o aditamento introduzido pelo DL nº 183/00, de 10 de Agosto, ao artigo 522º-B, do CPC, citado.</font><br>
<font>Assim sendo, inexistindo uma hipótese, especialmente, prevista na lei que imponha a gravação da prova, não tendo o Tribunal, oficiosamente, determinado a sua realização, nem, finalmente, as partes requerido este meio de prova, deve entender-se que a ré prescindiu da faculdade legal de, em sede de recurso, vir a impugnar a matéria de facto produzida.</font><br>
<font>Consequentemente, não tem cobertura legal a pretendida reapreciação da prova produzida em audiência, designadamente, do ponto nº 30 da base instrutória, tal como vem sustentado pela ré.</font><br>
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<font> II. DA RECTIFICAÇÃO DO ERRO DE ESCRITA OU DE CÁLCULO</font><br>
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<font> Defende, também, a ré que deve ser rectificado o erro de escrita ou de cálculo constante do facto provado com o nº 30, devido a lapso notório e manifesto.</font><br>
<font> O princípio da intangibilidade da decisão judicial, consagrado pelo artigo 666º, nº 1, do CPC, cessa quando a vontade expressa na mesma não é aquela que o Juiz quis consagrar, pois que se houve erro material na expressão dessa vontade, não funciona a regra da inalterabilidade, sendo, então, licito ao Juiz ajustar, mediante rectificação, a vontade declarada à vontade real, servindo-se, para o efeito, do mecanismo processual contemplado pelo respectivo nº 2 e ainda pelo artigo 667º, do mesmo diploma legal.</font><br>
<font>Estipula o artigo 667º, nº 1, do CPC, que “se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”, acrescentando o correspondente nº 2 que “em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes dele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação”.</font><br>
<font>Se for interposto recurso do acórdão, como aconteceu, a rectificação tem de ser requerida, até ser ordenada a subida dos autos ao tribunal superior, sendo certo que a decisão proferida, quanto à rectificação, pode ser apreciada pelo tribunal para que se recorre, se alguma das partes alegar sobre essa matéria, independentemente do atendimento ou denegação do pedido de rectificação.</font><br>
<font>No caso em apreço, o Tribunal da Relação limitou-se a ordenar a subida dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font> O erro de escrita ou de cálculo há-de evidenciar-se, através da decisão ou das peças que a precederam, pressupondo que o Juiz escreveu o que quis escrever, mas devia ter escrito coisa diversa, que errou nas operações de cálculo, e só, por isso, chegou a resultado diferente do que alcançaria se as operações estivessem certas.</font><br>
<font> Efectivamente, o erro material só existe quando a vontade declarada diverge da vontade real e não quando, hipótese em que se está perante o denominado erro de julgamento, o Juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, ou contra lei expressa, ou contra os factos apurados (1).</font><br>
<font> Revertendo ao caso concreto, tendo o Tribunal de 1ª instância considerado como provada a factualidade constante do ponto nº 30 da base instrutória, conforme vinha perguntado, ou seja, “durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho e em consequência dos ferimentos que sofreu, o autor deixou de comparecer ao trabalho, e consequentemente foi substituído, pelo que não recebeu os salários e subsídios que tinha direito, relativos aos danos de 2004, 2005 e os proporcionais em montante não inferior a 20.000,00€”, e não “em quantia não superior a 5781,42”, como a ré sustenta que a resposta deveria ter sido, não se está perante um lapso de escrita ou de um erro de cálculo, em que o Juiz, sem margem para dúvidas, foi vítima de um erro material, não sendo razoável depreender, claramente, que quis escrever coisa diferente do que pretendia escrever, sob pena de se permitir emendar o erro de julgamento, que constitui, como se disse, realidade diversa do erro material.</font><br>
<font> Não se está, assim, perante um erro de escrita ou de cálculo, enfim, de uma inexactidão devida a lapso manifesto, por não respeitar à expressão material da vontade do julgador, mas antes, eventual e remotamente, em face de um erro que possa ter influído no processo interno de formação daquela vontade (2)., ou seja, de um erro de julgamento, só rectificável, em sede de recurso, mas que escapa, de todo, ao objecto da presente revista. </font><br>
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<font>III. DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL NAS RESPOSTAS À BASE INSTRUTÓRIA</font><br>
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<font> Defende, por fim, a ré que, por existir um evidente vício de contradição insanável entre o facto provado com o nº 30 e os apontados factos provados com os nºs 19 e 28, deveria o processo ser reenviado para novo julgamento.</font><br>
<font>Preceitua o artigo 653º, nº 4, do CPC, que, efectuado o exame do acórdão (ou decisão individual) que respondeu à matéria de facto, qualquer um dos advogados das partes pode reclamar da contradição da decisão nas respectivas respostas.</font><br>
<font> Por outro lado, a resposta é contraditória com outra quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra, ou, por outras palavras, quando a resposta ou respostas dadas a um quesito colidem com as dadas a outro ou outros (3). .</font><br>
<font>Porém, a contradição nas respostas aos quesitos traduz-se numa inconciliabilidade dos próprios factos em si, na expressão pura da sua materialidade, e não na extensão das suas consequências sensíveis ao mundo do Direito.</font><br>
<font> Ora, a Relação pode, não constando do processo todos os elementos probatórios que permitiriam a reapreciação da matéria de facto, como acontece na situação dos autos, mesmo, oficiosamente, anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, nomeadamente, repute contraditória a decisão sobre pontos da matéria de facto, nos termos do estipulado pelo artigo 712º, nº 4, do CPC.</font><br>
<font> Assim, neste particular, respondeu-se que, como consequência, directa e necessária, do acidente dos autos, o autor sofreu múltiplos ferimentos e hematomas pelo corpo, designadamente, fractura exposta dos ossos da perna direita, tíbia e perónio, que lhe determinaram “...doença com incapacidade total para o trabalho por um período de 287 dias e com incapacidade parcial para o trabalho por um período de 316 dias” [ponto nº19], que “ao tempo do acidente o autor exercia a função de serralheiro na empresa Jacard, com sede em Vila Frescaínha, S. Martinho, com direito a férias, subsídio de férias e de natal mediante um salário mensal de 500,00 euros” [ponto nº28] e, finalmente, que “durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho e em consequência dos ferimentos que sofreu, o autor deixou de comparecer ao trabalho, e consequentemente foi substituído, pelo que não recebeu os salários e subsídios que tinha direito, relativos aos danos de 2004, 2005 e os proporcionais em montante não inferior a 20.000,00€” [ponto nº30].</font><br>
<font> As respostas a estes pontos da base instrutória, porque contendem com os períodos de doença e da incapacidade, total e parcial, para o trabalho, suportados pelo autor, com o seu direito ao ordenado mensal, férias, subsídio de férias e de Natal, e inerentes perdas relativas aos anos de 2004, 2005 e aos proporcionais, não se mostram, na acepção estrita da sua materialidade, já apontada, contraditórias entre si.</font><br>
<font> Porém, a resposta à questão colocada, no aludido ponto nº 30 da base instrutória, que contende com a perda de vencimento, no período de incapacidade laboral, total e parcial, do subsídio de férias e de Natal, e respectivos proporcionais, e do próprio direito ao gozo de férias, durante dois anos, pressupõe o domínio de conceitos, de natureza jurídico-normativa, não bastando, para o efeito, o conhecimento da existência material da incapacidade e das consequentes perdas patrimoniais daí decorrentes, razão pela qual não se trata de uma simples questão de facto, mas antes de uma questão de direito, a fixação do montante indemnizatório (4). , sob pena de não se deixar espaço para o julgador de direito que, então, se tornaria supérfluo.</font><br>
<font> Muito embora a averiguação dos benefícios que o ofendido deixou de obter, em consequência da lesão, os denominados lucros cessantes, a que se reporta o artigo 564º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil, constitua matéria de facto (5), o apuramento dos efeitos derivados da subsunção dos factos ao Direito constitui, por seu turno, matéria de direito.</font><br>
<font> Na verdade, a matéria de direito respeita à aplicação das normas jurídicas aos factos, à valoração feita pelo Tribunal, de acordo com a interpretação ou aplicação da lei, e a qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica (6)., ou seja, sempre que, para se chegar a uma solução, haja necessidade de recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate da interpretação de uma simples palavra da lei.</font><br>
<font> Por outro lado, há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz à margem da aplicação directa da lei, por averiguação dos factos cuja existência ou não existência não depende da interpretação a dar a qualquer norma jurídica (7)..</font><br>
<font> Assim sendo, tendo-se o julgador da matéria de facto sobreposto ao julgador de direito, respondendo à matéria do mencionado ponto nº 30 que, parcialmente, contém uma questão de direito que, de todo, lhe não compete decidir, importa considerar não escrito o respectivo segmento da resposta, na parte em que se refere “em montante não inferior a 20.000,00€”, circunscrevendo-se a mesma ao restante, isto é, “durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho e em consequência dos ferimentos que sofreu, o autor deixou de comparecer ao trabalho, e consequentemente foi substituído, pelo que não recebeu os salários e subsídios que tinha direito, relativos aos danos de 2004, 2005 e os proporcionais”.</font><br>
<font> Deste modo, não competindo ao julgador da matéria de facto decidir questões de direito, como aconteceu, declara-se, oficiosamente, como não escrito o mencionado segmento da resposta ao ponto nº 20, “em montante não inferior a 20.000,00€”, nos termos do preceituado pelo artigo 646º, nº 4, do CPC, (8) (1) não produzindo, consequentemente, essa parte da decisão da matéria de facto quaisquer efeitos, em virtude da nulidade verificada (9).</font><br>
<font> Como assim, considerando ainda que este Supremo Tribunal de Justiça aplica, em termos imediatos e definitivos, o regime jurídico adequado ao caso a decidir, de acordo com os factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, em conformidade com o preceituado pelo artigo 729º, nº 1, do CPC, ora depurados da matéria de direito extravagante, importa proceder, em seguida, à determinação do montante a arbitrar ao autor, a título de danos materiais emergentes.</font><br>
<font> Assim sendo, atendendo a que o autor auferia a remuneração mensal de €500,00, ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral fixável em 7%, suportou uma incapacidade temporária profissional total de 287 dias, a que corresponde a perda salarial de €3302,80, uma incapacidade temporária profissional parcial de 30%, durante 61 dias, a que corresponde a perda salarial de €210,60, e uma incapacidade temporária profissional parcial de 10%, durante 255 dias, a que corresponde a perda salarial de €293,45, obtém-se uma perda salarial total de €3806,85.</font><br>
<font> Por outro lado, considerando ainda que o autor deixou de gozar férias, nos anos de 2004 e 2005, e de receber os correspondentes subsídios de férias e de Natal, sofreu uma perda parcial relativa de €3000,00 [€500,00 x 3 = €1500,00; €1500,00 x 2 = €3000,00].</font><br>
<font> Pelo exposto, o autor, em consequência do acidente e da incapacidade laboral que lhe sobreveio, suportou uma perda de ordenados mensais, férias, subsídios de férias e de Natal, relativamente aos anos de 2004 e 2005, e os proporcionais, a que correspondem danos materiais emergentes, no montante de €6806,85.</font><br>
<br>
<font>CONCLUSÕES:</font><br>
<br>
<font>I – A gravação da prova pessoal obtida em audiência final só pode ter lugar quando as partes requererem este meio de prova, nos casos, especialmente, previstos na lei que a imponham, e quando o Tribunal, oficiosamente, o determina, e não quando, por força de um acto mecânico do oficial de justiça que secretariou o Tribunal, a mesma teve lugar, devendo entender-se que prescindiu da faculdade legal de, em sede de recurso, vir a impugnar a matéria de facto, a parte que não requereu esse meio de prova.</font><br>
<font>II - Não se está perante um erro de escrita ou de cálculo, enfim, de uma inexactidão devida a lapso manifesto, por não respeitar à expressão material da vontade do julgador, mas antes, eventual e hipoteticamente, de um erro que pode ter influído no processo interno de formação daquela vontade, ou seja, de um erro de julgamento, quando não é razoável depreender, claramente, que se quis escrever coisa diferente do que se pretendia escrever, sob pena de se permitir emendar um erro de julgamento.</font><br>
<font>III - Muito embora a averiguação dos denominados lucros cessantes constitua matéria de facto, já a fixação do montante indemnizatório, porque consiste no apuramento dos efeitos derivados da subsunção dos factos ao Direito, se traduz numa questão de direito.</ | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xDLMu4YBgYBz1XKvED28 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
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<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
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<font> 1. - “E...– Gabinete de Ecografia de Fafe, Lda.” instaurou acção declarativa contra “I... B..., Companhia de Seguros, SA”, pedindo que se declarasse como inexistente no contrato de seguro – ramo automóvel; furto ou roubo - a cláusula 4.2 das condições especiais da apólice, com base na qual a R. recusou à A. o pagamento do capital seguro, condenando-se a pagar à A. a quantia de € 28 818,36, com juros legais vincendos sobre € 25 107,00.</font><br>
<font> Alegou, em síntese, que celebrou com a R. um contrato de seguro automóvel, abrangendo furto ou roubo. Em 6 de Abril de 2004, o veículo foi furtado, recusando-se a R. a pagar a indemnização, por ter aparecido em 2 de Julho de 2004, com invocação da cláusula 4.2 das condições especiais da apólice, nos termos da qual a indemnização só será devida 60 dias sobre a data da participação se até ao fim desse período não tiver sido encontrado o veículo, cláusula não comunicada à A., sendo certo que, antes, em 15 de Junho, a pedido da própria Ré, a A. lhe vendera a viatura e não revogou a declaração de venda.</font><br>
<br>
<font> Na contestação, a R. alegou ter havido renúncia tácita à invocação da não incorporação da cláusula no contrato, ao que acresce não ser ela abusiva ou instituída em benefício da Ré; que a viatura apareceu antes (27/5) da data em que a R. pediu a documentação para regularização do sinistro (1/6), nomeadamente a declaração de venda; que este documento constitui apenas um expediente prático, não tendo havido qualquer compra e venda, sendo que tudo ocorreu no desconhecimento de que a PSP já encontrara o veículo.</font><br>
<br>
<font> A final, foi declarada excluída do contrato de seguro a Cláusula 4.2 das Condições Especiais e a Ré absolvida do pedido indemnizatório.</font><br>
<br>
<font> A Relação confirmou o sentenciado.</font><br>
<br>
<font> A Autora pede ainda revista, pugnando pela procedência total da acção, a coberto da seguinte síntese conclusiva:</font><br>
<font> a. O acórdão recorrido valorou incorrectamente as declarações recíprocas das partes, tendo, igualmente, desatendido a um sério conceito de “</font><i><font>recuperação</font></i><font>” ou “</font><i><font>reaparecimento</font></i><font>” do veículo e, ainda, aos termos do contrato celebrado;</font><br>
<font> b. Inexistindo a cláusula 4.2 das condições especiais da apólice, não pode merecer acolhimento a sua invocação, pela Recorrida, para justificar o incumprimento do que houvera sido contratualmente estipulado como direito a indemnização em caso de furto ou roubo;</font><br>
<font> c. Dando o desaparecimento como definitivo, a Recorrida declarou, em 1 de Junho de 2004 e de forma inequívoca, perante a Recorrente, que iria proceder à regularização do dano, indemnizando-a no valor de € 25 107,00;</font><br>
<font> d. Uma declaração de semelhante teor, reconhecendo tacitamente a frustração das tentativas de localização do veículo, veio integrar e complementar o contrato que fora celebrado, fixando os precisos termos da regularização do pagamento; </font><br>
<font> e. Com tal declaração e exigência dos documentos à Recorrente, a Recorrida assumiu não apenas o risco do desaparecimento definitivo do veículo, mas também, diversamente, precaveu-se no sentido de não sair prejudicada com o eventual reaparecimento da viatura;</font><br>
<font> f. A declaração emitida pela Recorrida, em 1 de Junho de 2004, tornou--se eficaz logo que chegou ao poder da Recorrente e o comportamento desta (ao enviar os documentos pedidos) indiciou a aceitação dos termos fixados;</font><br>
<font> g. Desta forma, a declaração da Recorrida tornou-se eficaz e irrevogável, sem o consentimento da Recorrente – tanto mais que nem fixou, a Recorrida condição resolutiva, pois que não fez depender o pagamento indemnizatório do não aparecimento do veículo até esse momento;</font><br>
<font> h. É inconcebível, portanto, que a falta de pagamento da indemnização, ao tempo do aparecimento do veículo, venha actuar em benefício da Recorrida, sob pena de se conceder á Seguradora o direito de revogar unilateralmente o acordo sobre os termos de regularização do sinistro;</font><br>
<font> i. Sendo certo que a Recorrida recebeu o último documento que considerava relevante, para efeitos de liquidação da indemnização, em 2 de Julho de 2004, deveria ter procedido a tal pagamento, pelo menos, em 3/7/ 04, o que não fez, constituindo-se em mora a partir de 4 de Julho de 2004;</font><br>
<font> j. A compensação pela mora deve fazer-se mediante o pagamento de juros, à taxa legal.</font><br>
<font> - Foi feita errada interpretação dos arts. 5º e 8º do DL n.º 446/85, de 25/10 e foram violadas as disposições dos arts. 224º-1, 230º, 234º, 406º, 804º--2, 805º-2-a) e 806º-1 do C. Civil.</font><br>
<br>
<font> A Recorrida respondeu em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<font> 2. - Como resulta da síntese conclusiva enunciada, dela emergem, para solucionar, as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font> - Se, pela declaração incorporada na carta de 1 de Junho, complementarmente integrante do contrato, a Ré reconheceu a frustração das tentativas de localização do veículo e fixou definitivamente os termos da regularização do sinistro, assumindo o risco do não aparecimento definitivo e o benefício do seu eventual aparecimento, com a emissão da declaração de venda, dadas a eficácia vinculativa e a irrevogabilidade dessa declaração negocial;</font><br>
<font> - Se a Recorrida deveria ter satisfeito o pagamento da indemnização até ao dia 3 de Julho de 2004, tendo-se constituído em mora nesta data.</font><br>
<br>
<font> 3. – De relevante, vem assente o seguinte </font><b><font>quadro factual</font></b><font>: </font><br>
<br>
<font> 1 - No exercício da sua actividade, a R. celebrou com a A. o contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ... 22029096, relativo ao veículo BMW, matrícula ..., transferindo-se para a R., para além do mais, os riscos de furto ou roubo;</font><br>
<font> 2 - O contrato teve início em 1 de Agosto de 2003;</font><br>
<font> 3 - Nos termos das Condições Especiais da Apólice, estipula-se como “Condições de funcionamento da cobertura”: “</font><i><font>Quando ocorra Furto ou Roubo, e querendo o Segurado usar dos direitos que o contrato de seguro lhe confere, deverá apresentar imediatamente queixa às autoridades competentes e promover todas as diligências ao seu alcance conducentes à descoberta do veiculo e dos autores do crime”</font></i><font>(ponto </font><b><font>4.1</font></b><font>); </font><i><font>Em caso de Furto ou Roubo que origine o desaparecimento do veículo, a indemnização só será devida pela Seguradora decorridos que sejam 60 dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente e se, até ao fim desse período, o veículo ainda não tiver sido encontrado” </font></i><font>(ponto </font><b><font>4.2</font></b><font>);</font><br>
<font> 4 - As condições gerais e especiais do contrato foram pré-elaboradas pela R. sem prévia negociação com a A, que se limitou a subscrevê-las; </font><br>
<font> 5 - O veículo referido foi furtado na noite de 5 para 6 de Abril de 2004;</font><br>
<font> 6 - O seu desaparecimento foi comunicado à PSP na manhã de 6 de Abril;</font><br>
<font> 7 - Com data de 13 de Abril de 2004, a A. enviou à R. uma carta em que informa “(…) </font><i><font>a viatura ainda se encontra desaparecida desde</font></i><font> (…). </font><i><font>Complementando a informação para o vosso processo com o envio do auto de denúncia registado na 17ª esquadra da PSP do Porto.</font></i><br>
<i><font>Desde já agradecendo a V. Exas. mandem proceder a todas as averiguações necessárias, para que findo o prazo de 60 dias esteja aquelas concluídas de modo a proceder à indemnização</font></i><font>”;</font><br>
<font> 8 - Tal carta foi elaborada e apresentada para assinatura pelo mediador da R. ao representante da A., que apenas a assinou;</font><br>
<font> 9 - A A. teve conhecimento integral da Cláusula </font><b><font>4</font></b><font>, referida em 3, pelo menos na segunda quinzena de Abril de 2004;</font><br>
<font> 10 - O veículo foi encontrado pela PSP de Braga, abandonado, dia 27 de Maio de 2004, tendo aposta a matrícula ..., pertencente a um motociclo;</font><br>
<font> 11 - Com data de 1 de Junho de 2004, a R. remeteu à A., que a recebeu, uma carta em que afirma: “</font><i><font>Com referência ao acidente acima mencionado, vimos por este meio informar V. Exas. que, após ter-nos participado o desaparecimento da viatura, efectuamos todas as diligências possíveis no sentido de localizar a mesma, o que não se verificou até à presente data.</font></i><br>
<i><font>Assim, de acordo com as condições de cobertura, vamos proceder à regularização do dano, indemnizando o valor de € 25.107, pelo que agradecemos que nos habilitem com os elementos assinalados: Declaração de compra/venda legalizada pelo vendedor sem preenchimento dos quesitos destinados ao comprador; Título de registo de propriedade (…); Declaração de colocar à disposição da Companhia a viatura em caso de aparecimento desta. </font></i><br>
<i><font>Agradecemos ainda que juntem à documentação indicada uma declaração das autoridades a indicar que até à data a viatura não foi recuperada</font></i><font>”.</font><br>
<font> 12 - Com vista à satisfação da pretensão da R., a A. providenciou pela obtenção desses documentos, apenas não lhe remeteu a declaração da autoridade policial que, contactada para o efeito, declarou não o poder fazer;</font><br>
<font> 13 - Aquando desse contacto com a autoridade policial, o veiculo ainda não tinha sido pela mesma identificado;</font><i><font> </font></i><br>
<i><font> </font></i><font>14 - A declaração de colocação da viatura à disposição da Companhia em caso de aparecimento desta foi enviada à R. no dia 2 de Julho de 2004;</font><br>
<font> 15 - Antes desta data (2/7/2004), o mediador de seguros comunicou à A. que se encontravam preenchidos todos os requisitos para que a R. procedesse ao pagamento do capital seguro;</font><br>
<font>16 - No dia 2 de Julho de 2004, a PSP de Braga verificou que a viatura encontrada correspondia à da A.;</font><br>
<font> 17 - No próprio dia 2 de Julho, a PSP contactou AA, que havia feito a participação do desaparecimento na 17ª Esquadra do Porto, informando-a do aparecimento da viatura;</font><br>
<font> 18 - Nesta data (2/7/2004), a R. desconhecia que o veículo tinha sido encontrado;</font><br>
<font> 19 - A emissão de um “</font><i><font>Requerimento – declaração para Registo de Propriedade</font></i><font>” permite à R., satisfeita a indemnização, ficar com o veículo para lhe dar o uso que entender, caso ele venha a aparecer;</font><br>
<font> 20 - Em 22 de Julho de 2004, a R. remeteu uma carta à A. com devolução da documentação e informação de ficar a “</font><i><font>aguardar contacto, de forma a podermos proceder à marcação de peritagem para a viatura segura</font></i><font>”; </font><br>
<font> 21 - Por carta de 28/7/2004, a A. comunicou não aceitar a posição da Ré, concedendo-lhe prazo até ao fim de Agosto para pagamento da quantia de € 25.107, e afirma que entregou as chaves e documentos ao mediador.</font><i><font> </font></i><br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Está completamente fora de questão a consideração da cláusula 4.2 das Condições Especiais da Apólice do seguro – a qual estipula que “em caso de furto ou roubo que origine o desaparecimento do veículo, a indemnização só será devida pela Seguradora decorridos que sejam 60 dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente e se, até ao fim desse período, o veículo não tiver sido encontrado” -, pois que, sem impugnação, e, consequentemente, em termos definitivos, foi declarada, na sentença, a exclusão do contrato dessa cláusula.</font><br>
<br>
<font> Tudo se passa, pois, como se a mesma jamais tivesse constado do contrato de seguro, o que, de resto, também não se mostra relevante, pois que, à data em que a Recorrida recebeu o último documento que solicitara à Recorrente para satisfação da indemnização – 2 de Julho de 2004 – há muito se esgotara (em 6 de Junho) aquele prazo de 60 dias.</font><br>
<br>
<font> 4. 2. - Embora no acórdão impugnado não se afirme coisa diferente, parecendo mesmo admitir-se que assim seja, deixa-se claro que se acompanha a Recorrente no entendimento que o veículo deve considerar-se “encontrado” no dia 2 de Julho e não em qualquer data anterior a essa.</font><br>
<font> Com efeito, o achamento e, menos ainda, a recuperação da coisa furtada não se preenche, ou fica satisfeito, com o simples conhecimento, por terceiros, do local onde está ou onde foi deposta, sem a simultânea relação entre esse conhecimento, a sua identificação e a efectiva possibilidade de o respectivo dono a reaver nessa qualidade.</font><br>
<br>
<font> Ora, no caso, é absolutamente seguro que só na data referida a viatura foi identificada pela polícia e posta à disposição do seu proprietário registado – até então privado não só do seu uso como do conhecimento do paradeiro -, apesar de ter sido “encontrada abandonada” mais de um mês antes.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. 3. - Assente, então, que não se impõe, por via contratual, aguardar qualquer prazo de desaparecimento do veiculo seguro e que o seu aparecimento deve reportar-se a 2 de Julho de 2004, importa apreciar a questão dos efeitos da carta enviada pela R. à A., datada de 1 de Junho.</font><br>
<br>
<font> Sustenta a Recorrente que se está perante uma declaração negocial vinculativa e irrevogável sem o seu consentimento, à luz da qual a Recorrida assumiu o risco do desaparecimento definitivo do veículo e se precaveu no sentido de não sair prejudicada com o seu eventual reaparecimento. A declaração de venda da viatura, não revogada, transferindo a propriedade da mesma, seria incontornável. </font><br>
<br>
<font> Ao invés, na decisão impugnada considerou-se que a declaração em causa não corresponde a uma proposta contratual, mas uma “mera declaração da decisão do processo de regularização do sinistro, a qual por si só não é susceptível de atribuir quaisquer direitos ou obrigações”, não havendo qualquer contrato de compra e venda do veículo.</font><br>
<br>
<font> 4. 4. - As declarações constantes da carta de 1 de Junho integram declarações negociais e, como tais, sujeitas, em matéria de interpretação, aos princípios estabelecidos nos arts. 236º e 238º C. Civil.</font><br>
<br>
<font> Pelo contrato de seguro celebrado entre as Partes, abrangendo, nos termos referidos supra, o risco de perda do veículo por acto de terceiros, no caso de apropriação ilícita, assumiu a R. a obrigação de reparar os danos da A. resultantes de subtracção e privação da propriedade e posse da viatura segura.</font><br>
<font> Trata-se, assim, de um “típico contrato de risco, garantia e conservação de património do segurado”, seguro em que a indemnização que for devida, verificado o sinistro, “surge como uma forma de reparação ou ressarcimento do dano a favor do segurado” (ac. STJ, de 20/5/2004, Proc. 04B1484, </font><i><font>ITIJ</font></i><font>).</font><br>
<font> Sendo uma forma de reparação do dano, em reposição da situação patrimonial do segurado que o risco coberto visa satisfazer, a obrigação de indemnizar há-de ficar sujeita ao regime da responsabilidade civil, seja no tocante aos seus pressupostos, seja no que concerne à determinação do modo de reparação e respectivo montante.</font><br>
<font> Serão aplicáveis, nomeadamente, as regras dos arts. 562º, 563º e 566º C. Civil, de sorte que, verificado o dano, há-de o obrigado à reparação reconstituir a situação que existiria se o evento danoso não tivesse ocorrido, ou, não sendo possível essa reconstituição natural, proceder à reparação em dinheiro, sendo que, “não vigora entre nós o princípio da disponibilidade da indemnização pelo lesado” (cfr. ac. cit. e JOSÉ VASQUES, “</font><i><font>Contrato de Seguro</font></i><font>”, 256).</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, demonstrado o dano pelo segurado, fica a seguradora obrigada a indemnizar.</font><br>
<font> Dito de outro modo, enquanto o dano não se tiver por consumado, havendo-se por adquirida a verificação do prejuízo provocado pelo sinistro, a satisfação da indemnização não é exigível.</font><br>
<br>
<font> Em seguros como o de furto, a incerteza sobre a efectiva verificação do dano explica a inserção nos contratos de cláusulas que, como a banida do contrato dos autos, estabelecem um prazo presuntivo de perda definitiva do objecto seguro, presunção essa certamente elidível (cfr., neste sentido, ac. cit.) </font><br>
<font> Esgotado o prazo, o desaparecimento ou perda definitiva presumem-se, podendo a indemnização ser exigida.</font><br>
<br>
<font> Verificados os pressupostos de que depende a satisfação da indemnização ao segurado, designadamente processamento de averiguações, avaliações e outras diligências necessárias à liquidação do sinistro, enfim, a instrução do processo de regularização do sinistro, tem lugar o pagamento da indemnização, a qual deve ocorrer em prazo razoável (cfr., no caso, o art. 31º das Condições Gerais da Apólice).</font><br>
<font> </font><br>
<font> Finalmente, em virtude do pagamento da indemnização, a lei subroga o segurador nos direitos do segurado contra o terceiro causador do dano, ficando a substituir o indemnizado nos seus direitos contra o lesante (art. 441º C. Comercial).</font><br>
<font> Efectuado o pagamento, e nos limites do que tiver pago, o segurador sucede </font><i><font>ope legis </font></i><font>no direito do segurado, sendo que aquele “não quer obrigar-se a pagar o montante do seguro de maneira a suportar sempre o encargo definitivo do prejuízo, mas só a oferecer ao segurado uma garantia contra danos que eventualmente lhe sejam causados. Nestas condições a obrigação do segurador não vai além do que este fim justifica e, consequentemente, se houver um terceiro responsável, sub-roga-se o segurador no direito do segurado contra esse terceiro” (VAZ SERRA, “</font><i><font>A Sub-rogação do Segurador</font></i><font>”, </font><i><font>RLJ</font></i><font> 94º-228).</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. 5. - Na carta de 1 de Junho, a R. dá conta de que “</font><i><font>vamos proceder à regularização do dano, indemnizando o valor de € 25 107, pelo que agradecemos que nos habilitem com os elementos assinalados: declaração de compra/venda </font></i><font>(…), </font><i><font>declaração das autoridades a indicar que até à data a viatura não foi recuperada</font></i><font> ”.</font><br>
<font>As declarações nela contidas inserem-se, pois, no programa de execução do contrato de seguro, no segmento da obrigação da seguradora de promoção da realização da prestação indemnizatória.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Na fixação do seu sentido e alcance dos seus efeitos, enquanto instrumento de exteriorização da vontade do declarante, há que ter em conta que a declaração deve relevar com o “sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz a experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer” (MOTA PINTO, “</font><i><font>Teoria Geral</font></i><font>”, 3ª ed., 447).</font><br>
<font>Como se escreveu no ac. deste Supremo de 18/5/99 (</font><i><font>CJ/STJ</font></i><font> VII-II-96), citando Ferrer Correia (“</font><i><font>Erro e Interpretação</font></i><font>”, 199), “o declarante responde pelo sentido que a outra parte pode atribuir à sua declaração, enquanto essa seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela”. Presume-se ser o declaratário uma pessoa razoável e medianamente instruída e diligente.</font><br>
<br>
<font>O conteúdo da carta em causa não pode, assim, desligar-se do contexto e fase de execução do contrato em que está inserida e, dentro deles, da natureza e objecto do contrato de seguro, como atrás expostos.</font><br>
<font>E tudo isso, era, ou devia ser, do conhecimento da A.-recorrente.</font><br>
<br>
<font>Face ao tipo de contrato celebrado, o dano, que haveria de corresponder ao desaparecimento do veículo condicionante do pagamento da indemnização, não chegou, efectivamente, a verificar-se. A recuperação do veículo ocorrida quando a Seguradora se propunha pagar a indemnização, no pressuposto da não recuperação até ao momento da efectivação daquele, fez cessar a razão de ser desse pagamento, sucedâneo da restauração em espécie do património do lesado, pois que, sendo a perda total resultante do desaparecimento, o evento causal da indemnização, desaparecida essa causa, prejudicado fica o direito à prestação indemnizatória.</font><br>
<font> Pode, pois, quanto a este ponto, concluir-se, como já se afirmou na sentença, que a Autora não sofreu o dano previsto contratualmente.</font><br>
<br>
<font> E, como se deixou já aflorado, a obrigação de indemnizar, em seu âmbito e pressupostos, afere-se, no caso, porque por elas se rege, pelo estatuto do contrato e pelas regras da responsabilidade contratual.</font><br>
<font> Se, face a elas, a obrigação não existe, só a autonomização dos efeitos do conteúdo da carta de 1 de Junho poderiam justificar solução diversa.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, insiste-se, a sua natureza instrumental, na economia do contrato e no </font><i><font>iter</font></i><font> da sua execução, perfeitamente cognoscível para qualquer segurado, não permite entender o declarado como uma proposta contratual modificadora do regime do contrato de seguro e seus efeitos, designadamente quanto à verificação do dano e sua indemnização em dinheiro. </font><br>
<br>
<font> 4. 6. - Não se diverge, assim, das decisões das Instâncias quando sustentam que a declaração da Recorrida, emitida antes de conhecida a recuperação do veículo não se integra na manifestação de um acordo entre duas partes, com manifestação de vontade de celebrar um contrato, do mesmo passo que, em consequência, não se pode ver na negação do pagamento da indemnização um acto resolutivo dos efeitos da declaração, mas um mero efeito contratual da verificação superveniente da inexistência do direito, inerente ao aparecimento da viatura.</font><br>
<font>Nem quando se colocam na posição de que a declaração de venda do veículo não configura qualquer contrato de compra e venda tendo por objecto o mesmo veículo, pois que se destinava apenas a habilitar a Seguradora com um mandato para, na eventualidade de o veículo ser recuperado, o poder negociar à sua vontade e no seu interesse.</font><br>
<br>
<font>Antes e diferentemente, tudo vocacionado e dirigido instrumentalmente para que a R. ficasse habilitada a “satisfeita a indemnização, ficar com o veículo, para lhe dar o uso que entender, caso ele venha a aparecer”, como vem provado e consta da resposta ao quesito 27º.</font><br>
<br>
<font>Acresce que, se admitido estar-se perante uma compra e venda, também os seus efeitos haveriam de ter-se como “condicionados” ao aparecimento futuro da coisa vendida, sob pena de não se ter vendido coisa alguma, ou seja, de o contrato carecer de objecto cuja propriedade seria transferida (cfr. arts. 879º e 498º-1 C. Civil).</font><br>
<br>
<font>Dito doutro modo, tudo predeterminado a permitir à R. o exercício dos direitos emergentes da sub-rogação legal, e apenas isso, independentemente de outras formalidades dependentes da colaboração da A., entretanto indemnizada</font><br>
<br>
<font>Só assim é compreensível que, antes de decorrido o prazo de 60 dias, cláusula contratual que a R. considerava oponível à A., aquela tenha declarado ir proceder à regularização do dano, “de acordo com as declarações de cobertura”.</font><br>
<br>
<font> A Seguradora, satisfazendo, de resto, a pretensão da Autora manifestada na carta de 13 de Abril – invocável como elemento de integração das declarações constantes da carta seguinte, apesar da desconsideração da cláusula que pressupõe -, promoveu as diligências necessárias a que, decorrido aquele prazo, estivesse em condições de proceder ao pagamento da indemnização. </font><br>
<font>Porém, perversamente, de algum modo, acabou por ser a própria A. a dilatá-lo até à data do aparecimento e recuperação da viatura, inviabilizando uma possível indemnização em momento anterior.</font><br>
<br>
<font>4. 7. - Do convocado resulta, a nosso ver, que não possa ver-se no escrito, como sustenta a Recorrente, uma proposta de aditamento de cláusulas complementares ao contrato, alterando as condições de verificação do dano – mediante o reconhecimento tácito da frustração das tentativas de localização do veículo e a assunção do risco definitivo do seu desaparecimento -, valendo como proposta contratual eficaz e irrevogável. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Tendo assim decidido, o acórdão impugnado não merece censura.</font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 8. - Fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada, a mora da Ré (art. 660º-2 CPC).</font><br>
<br>
<font>5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>Pelo que ficou exposto, decide-se:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Confirmar a decisão recorrida; e, </font><br>
<font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Maio de 2007</font><br>
<font> </font><br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias </font><br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjKru4YBgYBz1XKvrCus | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><b><font>AA e mulher BB,</font></b><font> propuseram a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>CC </font></b><font>e</font><b><font> DD</font></b><font> e </font><b><font>EE - Banco M... Imobiliário, S.A.</font></b><font> (hoje </font><b><font>Banco C... Português, SA</font></b><font>),</font><i><font> pedindo</font></i><font> que sejam os RR. condenados a reconhecê-los como os titulares do direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e inscrito na matriz, sob o artigo ..., por o terem adquirido por usucapião, a reconhecerem que quer à data da transmissão do quinhão hereditário por sucessão legítima de FF, a favor do R. CC, quer à data do registo da hipoteca a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., o direito de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial e a que esses registos se referem já era deles, AA., que sejam declarados nulos esses registos e ordenado o cancelamento referente às apresentações .../...; .../... e respectiva conversão .../000....</font><br>
<font> Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que o A. AA comprou a FF, já falecida e a seu filho, o R. CC, o mencionado imóvel sendo que, à data da compra, estava inscrito, na Conservatória do Registo Predial, em nome de ambos os vendedores, sem determinação de parte ou direito. Pela ap. 23, de 30.07.99, mostra-se inscrita a aquisição do mesmo prédio, a favor do R. CC, por transmissão do quinhão hereditário, por sucessão legítima de FF. Pela apresentação nº 1, de 17.02.2000, a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., encontra-se registralmente inscrita hipoteca voluntária a incidir sobre o indicado prédio, para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00. A primeira apresentação é nula e a segunda não pode manter-se, sendo tais registos nulos, porque, naquelas datas, o direito de propriedade sobre o imóvel em questão já se havia transferido para o A. que, apesar de não ter registado a sua aquisição, tem a posse sobre o prédio que comprou, desde a data da transmissão e adquiriu-o, também por usucapião.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O R. CC contestou, em síntese, deduzindo a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, uma vez que o cônjuge não foi demandado, invocando ainda a nulidade da escritura pública de compra e venda que o A. alegou ter celebrado, por falsidade, uma vez que não a assinou, ou se assim se não entender, que a mesma é anulável, em virtude de padecer de esquizofrenia, encontrando-se afectado de incapacidade acidental no momento da sua celebração. Por impugnação, alegou que não estão verificados os pressupostos da usucapião, até porque a posse do A. dura apenas há 11 anos.</font><br>
<font> Impugnou também o valor atribuído pelo A., à presente causa.</font><br>
<font> Deduziu reconvenção, em que pediu:</font><br>
<font> Que se declare que o R. CC sofre de esquizofrenia, bem como que essa doença se manifesta há mais de vinte anos;</font><br>
<font> Que se declare que, em consequência dessa patologia, o R. CC não tinha, nem podia ter consciência de emitir quaisquer declarações negociais, estando, em 16 de Julho de 1990, afectado de uma verdadeira incapacidade acidental; </font><br>
<font> Que se declare nula ou anulável a escritura de compra e venda que o A. invoca ter celebrado com o R.;</font><br>
<font> Que se declare que o R. CC é o dono e legítimo possuidor do prédio urbano identificado na petição, e que sejam os AA. condenados a reconhecer esse direito de propriedade.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O Banco C... P..., SA, apresentou também contestação, juntando documento comprovativo da extinção do R. inicial EE-Banco M... Imobiliário, S.A., através de fusão por incorporação na entidade contestante, alegando em síntese:</font><br>
<font> Que estava convencido de que o prédio objecto destes autos pertencia apenas ao R. CC, sendo certo que apenas teve conhecimento da alegada venda feita ao A. quando foi citado para a presente acção e que apenas concedeu o empréstimo bancário ao R. CC em virtude de beneficiar de garantia decorrente da hipoteca e constituída por este último e de a ter a convicção de que tal hipoteca era válida. Ainda que os AA. tenham validamente comprado o imóvel não podem opor essa compra ao Banco R., atento o disposto nos arts. 5º nº 1 e 17º nº 2 do Código de Registo Predial, uma vez que o Banco tem de ser considerado terceiro de boa fé.</font><br>
<font> Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Os AA. replicaram, concluindo como na petição inicial.</font><br>
<font> Deduziram o incidente de intervenção principal provocada que, foi admitido, na sequência do que foi </font><u><font>DD</font></u><font> citada para a causa, tendo aderido ao articulado apresentado por seu marido, o R..</font><br>
<font> </font><br>
<font> Foram levadas a cabo diligências de avaliação do imóvel objecto dos autos, com vista à fixação do valor da causa.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Teve lugar audiência preliminar, a que se seguiu a prolação de despacho saneador, no qual foi atribuída à causa o valor de esc. 22.000.000$00, tendo sido admitida a reconvenção e organizadas a matéria assente e a base instrutória, após o que se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Nesta declarou-se que os AA. AA e mulher, BB são os titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano casa de habitação composta de rés do chão, primeiro e segundo andares com setenta e oito metros quadrados e quintal com trinta metros quadrados, sita em Tomar, na Rua de S. J..., com os números ... e... a ... e ..., freguesia de São J... B..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e inscrita na matriz, sob o artigo ..., por o terem adquirido por escritura pública de compra e venda outorgada no dia dezasseis de Julho de 1990, na Secretaria Notarial de Tomar, condenando-se os RR. a reconhecerem que, quer à data da transmissão do quinhão hereditário por sucessão legítima de FF, a favor do R. CC, quer à data do registo da hipoteca a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., o direito de propriedade sobre o prédio acima descrito e inscrita na matriz, sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../... e a que esses registos se referem já era dos AA., declarando-se nulos e de nenhum efeito, os seguintes registos que incidiram sobre o prédio acima identificado: </font><br>
<font> Apresentação 23 de 30.07.99 inscrição da a aquisição do prédio dito em C) da matéria assente, a favor do R. CC, por transmissão do quinhão hereditário, por sucessão legitima de FF; Apresentação 1 de 17.02.2000, a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., incorporado por fusão, no Banco C... P..., S.A., de hipoteca voluntária a incidir sobre o prédio descrito em C) da matéria assente, para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00; Apresentação 15 de 28.07.2000, relativa à conversão do registo da mesma hipoteca. </font><br>
<font> Mais se determinou o cancelamento de todos estes registos, absolvendo-se os RR. do restante pedido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2- Não se conformando com esta decisão dela recorreram o R. Banco C... P..., SA e o R. CC de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 2-3-2010, revogado a douta sentença recorrida, na parte em que declara nula a Apresentação 1 de 17.02.2000, a favor do R. EE-Banco M... Imobiliário, S.A., incorporado por fusão, no Banco C... P..., S.A., de hipoteca voluntária a incidir sobre o prédio descrito em C) da matéria assente, para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00 e a Apresentação 15 de 28.07.2000, relativa à conversão do registo da mesma hipoteca, bem como na parte em que determina o cancelamento dos referidos registos, mantendo a decisão em toda a parte restante.</font><br>
<font> Em resultado da alteração, o acórdão da Relação alterou a proporção das custas fixada na primeira instância, ficando em partes iguais, a cargo dos AA. e dos RR. CC e DD, mantendo as custas da reconvenção, a cargo dos reconvintes CC e DD.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> a) Os A.A. e o R. EE-Banco M... não são terceiros para efeitos de registo, uma vez que não adquiriram os respectivos direitos “</font><i><font>de um autor comum</font></i><font>”.</font><br>
<font> b) Em consequência, o direito de propriedade do prédio de que tratam os autos, adquirido e não registado pelos A.A., é oponível ao R. EE-Banco M... .</font><br>
<font> c) O R. EE-Banco M..., alguns anos após a aquisição do direito de propriedade do prédio pelos A.A. constituiu e portanto registou sobre esse prédio uma hipoteca, em negócio de mutuo celebrado com o R. CC.</font><br>
<font> d) Nestas circunstâncias, e porque à data da referida hipoteca, o prédio hipotecado não se encontrava no património do R. CC, mas sim no património dos A.A. traduziu-se um tal negócio numa oneração de bens alheios, por falta de legitimidade substantiva do R. CC para esse efeito.</font><br>
<font> e) Tal hipoteca é, assim, ineficaz em relação aos A.A. como verdadeiros proprietários do prédio à data da constituição e, portanto, do registo, da hipoteca. </font><br>
<font> f) Como o vício que inquina a hipoteca voluntária, em relação aos AA. é a ineficácia, nem o disposto no art. 17 n°2 do CRP nem no art. 291º do C.C. é aplicável ao caso.</font><br>
<font> g) O douto acórdão recorrido, violou, por isso, o disposto no art. 17 n°2 do CRP.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O recorrido Banco C... P... S.A. contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se se deve manter o registo da hipoteca voluntária realizada pelo R. CC, a favor do Banco R. </font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1. No dia dezasseis de Julho de 1990, na Secretaria Notarial de Tomar, foi elaborada uma escritura denominada de «Compra e Venda», com o seguinte teor: </font><br>
<font>«(...) perante mim GG, Notário do Primeiro Cartório, compareceram como outorgantes: </font><br>
<font>«Primeiro: a) FF, que também usa FF, viúva; b) CC, divorciado; Ambos residentes em Tomar, na Rua A... H..., ...º, ...º, naturais de S. J... B..., Tomar; </font><br>
<font>«Segundo: AA, casado com BB, em comunhão de adquiridos, residente em Tomar na Q... de S... A..., natural de A..., Ferreira do Zêzere. </font><br>
<font>«Verifiquei a identidade dos outorgantes por conhecimento pessoal.</font><br>
<font>«Pelos primeiros outorgantes, foi dito: Que vendem ao segundo outorgante, pelo preço de cinco mil e quinhentos contos, que já receberam e livre de encargos, uma casa de habitação composta de rés do chão, primeiro e segundo andares com setenta e oito metros quadrados e quintal com trinta metros quadrados, nesta cidade, na Rua de S. ..., com os números ... e ... a ... e ..., freguesia de S... J... B..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00.../..., com registo de aquisição sem determinação de parte ou direito a favor deles vendedores pela inscrição G-..., inscrito na matriz sob o artigo ... e ... e ..., com o valor patrimonial de sete milhões novecentos e setenta e oito mil oitocentos e quarenta e cinco escudos. </font><br>
<font>«Disse o segundo outorgante que aceita esta venda. </font><br>
<font> ( ... ) </font><br>
<font>«Esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos» (alínea A) da matéria assente);</font><br>
<font> 2. No final da escritura dita em A) encontram-se manuscritas quatro assinaturas, sendo perceptíveis as duas primeiras, com os dizeres «FF» e «CC» (alínea B) da matéria assente);</font><br>
<font> 3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob a ficha nº 00.../..., o prédio urbano sito na Rua de S.J..., ... a ..., freguesia de S. J... B..., composto de casa de habitação de r/chão, primeiro e segundo andares, com a área de 78 m2 e quintal com 30 m2, inscrito na matriz predial sob o art. ... (alínea C) da matéria assente);</font><br>
<font> 4. Pela ap. 07 de 06.07.88 havia sido inscrita a aquisição do prédio dito em C) a favor de FF ou FF, viúva, e de CC, divorciado, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão legítima de CC (alínea F) da matéria assente);</font><br>
<font> 5. Pela ap. 23 de 30.07.99 mostra-se inscrita a aquisição do prédio dito em C) a favor do R. CC, por transmissão do quinhão hereditário, por sucessão legitima de FF (alínea D) da matéria assente); </font><br>
<font> 6. Pela apresentação nº 1, de 17.02.2000, a favor do R. Banco encontra-se registralmente inscrita hipoteca voluntária a incidir sobre o prédio descrito em C), para garantia de empréstimo no valor de 12.000.000$00 (alínea E) da matéria assente); </font><br>
<font> 7. O EE-Banco M... Imobiliário, S.A. extinguiu-se através da fusão por incorporação no Banco C... P..., S.A. (alínea G) da matéria assente)</font><br>
<font> 8. Por escritura pública outorgada em 5 de Março de 1993 o A. e a interveniente declararam ceder a exploração do estabelecimento comercial de «B...», sito no rés-do-chão do prédio descrito em A) e C) à sociedade «B...-G... H..., Lda.», que declarou aceitar, pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos, pelo preço de 600.00$00, a pagar em duodécimos de 50.000$00 (alínea H) da matéria assente);</font><br>
<font> 9. Por sentença proferida em 03.07.2002, no âmbito do processo especial de interdição nº 124/2001, do 2º juízo do Tribunal da comarca de Torres Novas, transitada em julgado, foi julgado totalmente improcedente o pedido de decretação da interdição por anomalia psíquica de CC (alínea I) da matéria assente);</font><br>
<font> 10. O A. celebrou um contrato denominado de arrendamento do primeiro andar e sótão do prédio descrito em A) e C) supra com HH, com início em 1 de Novembro de 1993 (resposta ao nº 1 da base instrutória);</font><br>
<font> 11. O A. tem pago, desde 1991, a contribuição autárquica relativa ao prédio descrito em A) e C) supra (resposta ao nº 2 da base instrutória);</font><br>
<font> 12. Tem efectuado, no mesmo prédio, todas as obras de conservação e reparação, desde 16.07.1990 até hoje (resposta ao nº 3 da base instrutória); </font><br>
<font> 13. Continuadamente (resposta ao nº 4 da base instrutória); </font><br>
<font> 14. À vista de toda a gente (resposta ao nº 5 da base instrutória); </font><br>
<font> 15. Sem qualquer oposição (resposta ao nº 6 da base instrutória); </font><br>
<font> 16. Convencido de ser o verdadeiro e único dono do prédio (resposta ao nº 7 da base instrutória); </font><br>
<font> 17. Na data dita em E) supra, o R. Banco estava convencido de que o prédio descrito em A) e C) pertencia apenas ao R. CC (resposta ao nº 8 da base instrutória); </font><br>
<font> 18. O R. Banco apenas teve conhecimento da alegada venda feita ao autor quando foi citado para a presente acção (resposta ao nº 9 da base instrutória); </font><br>
<font> 19. O R. Banco apenas concedeu o empréstimo bancário ao R. CC em virtude de beneficiar de garantia decorrente da hipoteca e constituída por este último e de a ter a convicção de que tal hipoteca era válida (resposta ao nº 10 da base instrutória);</font><br>
<font> 20. O R. CC sofre de doença psicótica do tipo esquizofrenia paranóide, que se terá iniciado com 13 anos de idade e que origina períodos de organização mental, com outros de desorganização, sendo que nestes é de prever que não consiga gerir por si só os seus bens (resposta ao nº 12 da base instrutória). </font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-3- No douto acórdão recorrido e para o que interessa para o presente recurso, em divergência com a douta sentença de 1ª instância, entendeu-se que “</font><i><font>no que concerne ao registo da hipoteca a favor do Apelante, é inquestionável o facto de a mesma ter sido constituída sobre um imóvel que não estava no património do devedor, à data da respectiva constituição, traduzindo-se numa oneração de bens alheios, por falta de legitimidade substantiva do réu </font></i><font>CC”, sendo a questão debatida a de saber se os direitos adquiridos pelo Banco, emergentes da hipoteca (garantia real sobre o imóvel) serão prejudicados em consequência do vício que está na sua base (oneração por parte de quem já não era dono do prédio). Fez-se depois uma análise ao disposto nos arts. 291º do C.Civil e o nº 2 do art. 17º do C.R.Predial, tendo-se concluído que “</font><i><font>verificando-se a nulidade do registo por ter sido lavrado com base num título falso (alínea a) do artigo 16º), a declaração dessa nulidade não poderá deixar de integrar a previsão do artigo 17º, nº 2, sendo aplicável a consequência prevista na mesma norma: se o terceiro estiver de boa fé, mantém-se o registo, não ficando prejudicado nos direitos que adquiriu a título oneroso</font></i><font>”. Assim, aplicando no caso o regime desta disposição, tendo provado o Banco apelante a sua boa fé e a anterioridade do registo do seu direito real (hipoteca), não pode ser prejudicado pela declaração de nulidade do registo da aquisição do prédio a favor do R. CC. Assim e em conclusão referiu-se que o registo anterior (a favor do R. CC) é nulo, como se decidiu na douta sentença recorrida, cabendo aos AA. a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio, o qual, no entanto, se encontra validamente onerado com a hipoteca registada a favor do Banco apelante. Em razão deste entendimento proferiu-se a decisão acima indicada.</font><br>
<font> Por sua vez, o recorrente defende que os A.A. e o R. EE-Banco M... não são terceiros para efeitos de registo, uma vez que não adquiriram os respectivos direitos “</font><i><font>de um autor comum</font></i><font>”, pelo que o direito de propriedade do prédio de que tratam os autos, adquirido e não registado pelos A.A., é oponível ao R. EE- Banco M... . O R. Banco M..., alguns anos após a aquisição do direito de propriedade do prédio pelos A.A. constituiu e portanto registou sobre esse prédio uma hipoteca, em negócio de mutuo celebrado com o R. CC. Nestas circunstâncias, e porque à data da referida hipoteca, o prédio hipotecado não se encontrava no património do R. CC, mas sim no património dos A.A. traduziu-se um tal negócio numa oneração de bens alheios, por falta de legitimidade substantiva do R. CC para esse efeito. Tal hipoteca é, assim, ineficaz em relação aos A.A. como verdadeiros proprietários do prédio à data da constituição e, portanto, do registo da hipoteca. Como o vício que inquina a hipoteca voluntária, em relação aos AA., é a ineficácia, nem o disposto no art. 17 n°2 do CRP nem no art. 291º do C.C., são aplicáveis ao caso. Por isso, entende que o registo da hipoteca a favor do Banco, não se deve manter.</font><br>
<font> Vejamos:</font><br>
<font> Em causa no presente recurso está apenas a circunstância de o acórdão recorrido, em divergência com a sentença de 1ª instância, ter considerado que o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio se encontra validamente onerado com a hipoteca inscrita a favor do Banco, entendendo, face à boa fé deste e à anterioridade do registo da hipoteca, não poder este ónus ser prejudicado pela declaração de nulidade do registo de aquisição do prédio a favor do R. CC.</font><br>
<font> Através dos factos provados concluiu-se que o R. CC e a sua mãe, em 1988, quando eram ambos donos do prédio em questão «sem determinação de parte ou de direito», inscreveram a sua aquisição no registo. Em 1990 venderam, por escritura pública, o prédio aos AA.. Posteriormente, o R. CC (quando o prédio já não lhe pertencia), inscreveu a seu favor a aquisição da totalidade do imóvel no registo. Em 2000 o R. CC e o R. Banco celebraram o contrato na sequência do qual, para garantia de um financiamento, veio a ser registada a hipoteca sobre o imóvel.</font><br>
<font> Face a estes factos a primeira conclusão a retirar e desde logo, é que quando o R. CC constituiu a hipoteca sobre o imóvel em questão, já não era dele proprietário e, por isso, não o poderia alienar. Assim, poder-se-á dizer que a hipoteca não se constitui validamente. Com efeito, como resulta do art. 715º do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), só tem legitimidade para hipotecar (hipoteca voluntária, como sucede no caso) quem puder alienar os respectivos bens. Daqui resulta que para que o devedor (ou terceiro) possa constituir uma hipoteca sobre um bem imóvel, será indispensável que tenha o poder de dispor dele. Um sujeito não pode constituir hipoteca sobre coisa cuja disposição lhe não caiba. </font><br>
<font> Decorre do disposto no art. 939º, que as normas de compra e venda são aplicáveis a outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles (na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas).</font><br>
<font> Sendo o contrato aqui em causa um contrato oneroso, mediante o qual se estabeleceu a hipoteca (encargo) sobre o dito bem, somos em crer dever aplicar à situação as normas de compra e venda.</font><br>
<font> Neste sentido e como deriva do art. 892º, o acto que estabeleceu a hipoteca sobre o bem é nulo (o R. CC não tinha direito de disposição sobre o imóvel, designadamente por não ser já dele proprietário).</font><br>
<font> Porém, como tem entendido a doutrina a jurisprudência Vaz Serra em RLJ, 106º, 26, Pires de Lima e Antunes Varela em C.Civil Anotado, Vol II, 3ª edição, pag.189, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol III, 5ª edição, pág. 98 e Acs. deste STJ de 18-2-2003, Col. Jur. 2003, Tomo I, pág. 106, de 30-6-2009 e de 14-9-2010, ambos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf., a nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, por não poder actuar-se, juridicamente, a transferência do seu direito real. A este propósito diz Vaz Serra </font><i><font>In </font></i><font>RLJ 106º, pág. 25 e 26, comentando um acórdão deste STJ (de 21-1-1972) em que estava em causa uma situação de venda de bens comuns por um comproprietário, que “…</font><i><font>o acto de disposição efectuado por um dos consortes é, em relação aos outros, res inter alios acta, não carecendo eles, por conseguinte, de propor uma acção de anulação para retirar ao acto os seus efeitos, o que não seria razoável, por os forçar aos incómodos e despesas de uma acção de anulação de um acto em que não consentiram e que lesa os seus direitos. Só entre os contraentes (v.g. o vendedor e o comprador de coisa alheia) é que seria nulo ou anulável…; relativamente ao verdadeiro proprietário, a alienação não produz efeitos …</font></i><font>”. De igual entendimento é Raul Ventura </font><i><font>In </font></i><font>Revista da Ordem dos Advogados, ano 40, pág. 307 “</font><i><font>relativamente ao verdadeiro proprietário da coisa, o contrato de compra e venda de coisa alheia é res inter alios acta, que não altera o seu direito de propriedade</font></i><font>…”</font><br>
<font> Neste sentido estabelece o art. 406º nº 2 que o contrato, em relação a terceiros (e o proprietário do bem é terceiro em relação à venda de coisa alheia) só produz efeitos nos casos e nos termos especialmente previstos na lei.</font><br>
<font> Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda em relação a ele é “</font><i><font>res inter alios acta</font></i><font>”), este poderá reivindicar a coisa, directamente, do comprador, sem necessidade de promover a prévia declaração judicial da nulidade do aludido contrato. Neste sentido refere Menezes Leitão que o proprietário deverá “</font><i><font>sempre a ser admitido a exercer a reivindicação (art. 1311º), sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na venda</font></i><font>” Obra citada, pág. 98.. Isto caso não ocorra a usucapião a favor do comprador ou a aquisição tabular a favor desse mesmo comprador Menezes Leitão, obra citada, pág. 98, nota de rodapé nº 221..</font><br>
<font> No caso dos autos, pese embora a hipoteca À hipoteca, como já dissemos, deve ser aplicado o regime da compra e venda. em relação ao A. deva ser considerada ineficaz, o certo é que a mesma encontra-se “protegida” pelo registo. Nestas circunstâncias, dada a correspondente aquisição tabular, o respectivo contrato que a produziu deve ser discutido.</font><br>
<font> Tem-se debatido se o proprietário, sendo estranho ao contrato da venda de coisa que lhe pertencia, tem legitimidade para propor a nulidade desse contrato. A esta questão responde Raul Ventura afirmativamente Artigo citado inserido na Revista da Ordem dos Advogados, págs. 307 e 308. porque “</font><i><font>sendo um contrato absolutamente nulo, há prioridade da nulidade sobre a eficácia, isto é, a falta de produção de efeitos do contrato do contrato relativamente ao verdadeiro proprietário é consequência da nulidade e não de uma simples ineficácia…</font></i><font>”. A este propósito no Acórdão deste STJ de 18-2-2003 (em Col. Jur. Acórdãos do STJ, 2003, Tomo I, pág. 108) fazendo-se referência ao entendimento de Romano Martinez (Direito das Obrigações, Contratos, 2ª edição, pág. 113), considerou-se que este Mestre, embora sem falar em ineficácia, “</font><i><font>alude à possibilidade de o titular do bem alienado defender o seu direito através de uma acção de reivindicação ou de restituição de posse</font></i><font>”. Acrescenta-se, “</font><i><font>porém, expressamente que o titular da coisa pode também, ao abrigo do art. 286º, arguir a nulidade do contrato, embora não necessite fazê-lo; e de facto, se a legitimidade para a invocação de nulidade se basta com a titularidade de uma relação jurídica cuja consistência jurídica ou prática seja afectada pelo negócio nulo …difícil seria não aceitar que o titular ofendido está numa posição que assegura, de forma bastante, a sua legitimação para arguir, se o tiver como conveniente, o correspondente vício</font></i><font>”. Serve isto para dizer que, não obstante o negócio seja ineficaz em relação ao proprietário da coisa, este, se o achar conveniente, poderá arguir a nulidade do contrato, embora não o necessite fazer. </font><br>
<font> Voltando ao caso dos autos podemos concluir, pelas razões já ditas, que a hipoteca não se constituiu validamente, tendo sido já considerada nula Vide sentença de 1ª instância, que não foi revogada na Relação quanto a esse aspecto..</font><br>
<font> A hipoteca foi, porém, objecto de registo O registo tem quanto à hipoteca carácter constitutivo, pois não existe sem se encontrar registada (art. 687º do C.Civil) e, por isso, os AA. pediram que o esse registo fosse declarado nulo, em consonância aliás, com o disposto no art. 8º nº 1 do C.R.Predial que estabelece que “</font><i><font>os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo</font></i><font>”.</font><br>
<font> Se o comprador estiver de boa fé, o vendedor não lhe pode opor essa nulidade, bem como não o pode o comprador doloso ao vendedor que estiver de boa fé (artigo 892º última parte). Mas esta a inoponibilidade da nulidade não tem aplicação ao presente caso pois, como decorre da própria formulação da disposição, vigora apenas nas relações internas entre vendedor e comprador da coisa alheia, sendo certo que, nos presentes autos a questão que se suscita é a da oponibilidade em relação a não intervenientes no negócio, o A..</font><br>
<font> Pese embora a hipoteca seja nula (ineficaz em relação ao A.), o certo é que foi registada pelo beneficiário, o Banco R.. </font><br>
<font> Portanto a questão que se coloca será a de saber se a nulidade (ineficácia) da hipoteca poderá ser invocada relevantemente em relação ao Banco R., tendo dado as instâncias respostas divergentes, a 1ª instância entendeu que sim, o douto acórdão recorrido considerou que “</font><i><font>tendo-se provado a boa fé da entidade bancária e a anterioridade do registo do seu direito real (hipoteca), não pode a mesma ser prejudicada pela declaração de nulidade do registo da aquisição do prédio a favor do devedor</font></i><font>” e, por isso, entendeu que não.</font><br>
<font> Poder-se-á dizer, desde logo, que sendo o negócio ineficaz em relação aos AA., proprietários, redunda irrelevante a invocação do disposto no artigo 291º do Código Civil e no artigo 17º, nº 2, do Código de Registo Predial (neste sentido acórdão deste STJ de 14-9-2010 em </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj.nsf</font></u><font>). Todavia dada a inscrição registral de tal hipoteca a favor do Banco R. (aquisição tabular) e dado o pedido que os AA. formularam de nulidade de tal registo, somos em crer dever indagar da aplicação ao caso do regime estabelecido pelos arts. 291º e 17º nº 2 do C.R.Predial. </font><br>
<font> Em relação à nulidade estabelece o art. 291º:</font><br>
<font> “</font><i><font>1- A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação</font></i><font>. </font><br>
<font> </font><i><font>2- Os direitos de terceiro não são, todavia reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.</font></i><br>
<i><font> 3- É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável</font></i><font>”.</font><br>
<font> Visa este dispositivo a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente (ou subadquirente) que no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo, assim, um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou da anulabilidade do negócio (art. 289º), quando estão em causa</font><i><font> </font></i><font>bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo. Isto “</font><i><font>na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente o imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou anulação</font></i><font>” Antunes Varela, na Rev. de Leg. e Jur., ano 118º, págs. 310 e segs...</font><br>
<font> Como refere a propósito do art. 291º Oliveira Ascenção </font><i><font>In </font></i><font>Teoria Geral do Direito Civil – Vol. III, 1992, págs. 470 a 474., a disposição “</font><i><font>regula uma situação importante, que é a do terceiro subadquirente do bem proveniente do acto inválido estar protegido por um registo público… art. 291º permite que a aquisição de imóveis, ou | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vzKpu4YBgYBz1XKvMimG | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA e BB, intentaram acção declarativa contra "CC, S.A." pedindo que se declarasse definitiva e culposamente incumprido pela R. o contrato-promessa celebrado em 8/4/1999 e que se condenasse a Ré a restituir-lhes o dobro do sinal prestado, ou seja, € 40.559, 90, e a pagar-lhes juros sobre aquele montante, desde a data da citação até pagamento. </font>
</p><p><font>Alegaram que adquiriram a posição de promitentes-compradores em contrato-promessa de compra e venda de loja com parqueamento e arrecadação celebrado com a R., tendo esta incumprido o contrato ao alterar o respectivo projecto na execução das obras de construção do imóvel, seu objecto, tendo decorrido dessa alteração a redução da área da loja prometida vender bem como a eliminação da arrecadação. Alegam ainda, que só tiveram conhecimento da redução da área através de comunicação, informal e verbal, da R., e que, na sequência dessa informação, a mesma lhes propôs a subscrição de um aditamento ao contrato-promessa, do qual ficava a constar a nova área da loja e uma redução do preço do imóvel, sendo que apenas tiveram conhecimento de que a arrecadação deixava de integrar o imóvel depois de analisarem a documentação remetida pela R. com a carta que a mesma lhes enviou em 1/9/03, em que lhes comunicava, como data para a celebração da escritura definitiva de compra e venda, o dia 24/9/03. Não tendo comparecido na data designada pela R. para a celebração da escritura, esta enviou-lhes carta em 19/11/03, nela referindo que o contrato se encontrava em incumprimento definitivo. Alegaram ainda os AA. que a existência da arrecadação, em conjunto com a área total da fracção prometida e condições de preço constituíram elementos essenciais e determinantes para a tomada de decisão de aquisição da loja em questão por pretenderem exercer nela a actividade comercial de papelaria, o que era do conhecimento da R. </font>
</p><p><font>A R. contestou. </font>
</p><p><font>Alegou que a referência à arrecadação correspondeu a lapso de escrita, visto que desde o início da concepção e da aprovação do projecto de arquitectura nenhuma das lojas estava dotada de arrecadação; que se impôs a diminuição da área útil da loja, por as áreas técnicas do edifício carecerem de mais espaço, mas que, esteve, desde sempre, prevista no contrato-promessa a possibilidade da área da loja poder ser alterada porque a que se indicava era uma área aproximada. Alega ainda que tendo reunido com os AA. em 17/5/01, lhes deu a conhecer a redução da área da loja e o já referido lapso de escrita referente à arrecadação, e que propôs aos AA. a redução do preço da venda na proporção da redução da área, ou, em alternativa, a resolução do contrato-promessa com a devolução do sinal em singelo, acrescido o seu valor de juros à taxa de 7% ao ano, e que estes nada disseram. Conclui que foram os AA. que incumpriram o contrato-promessa, tanto mais que não satisfizeram, nos respectivos prazos de vencimento, os reforços do sinal, colocando-se em mora, e recusando-se a celebrar o contrato prometido. </font>
</p><p><font>Em reconvenção pediu o reconhecimento do incumprimento definitivo do contrato-promessa por culpa dos AA., declarando-se perdido o sinal e respectivo 1º reforço a seu favor e, em termos subsidiários, que se declarasse a anulação do contrato-promessa com fundamento em erro na declaração do objecto mediato, por os AA. conhecerem a essencialidade para ela do elemento sobre que incidiu o erro, com a consequente obrigação de devolução em singelo pela R. do sinal e respectivo primeiro reforço aos AA., com acréscimo de juros compensatórios à taxa supletiva legal, ou, que se declarasse a nulidade do contrato promessa com fundamento em impossibilidade originária, com a consequente obrigação de devolução em singelo do sinal e seu reforço, com acréscimo de juros compensatórios à taxa supletiva legal, invocando, para tanto, o art. 280º/1 e 286º CC.</font>
</p><p>
</p><p><font>A final foi proferida sentença que julgou “a acção improcedente, absolvendo-se a R. do pedido de declaração de que a resolução do contrato-promessa teve lugar por motivo a si imputável e do pedido de condenação a restituírem aos AA. o dobro do sinal prestado, improcedente o pedido reconvencional no sentido da R. fazer seu o sinal, e procedente o pedido reconvencional no sentido de ser declarada a devolução do sinal prestado ainda que com fundamentos jurídicos diversos dos invocados, condenando a R. a pagar aos AA. € 16.211,84”. </font>
</p><p><font>Do assim decidido apelaram os AA., e, subordinadamente a R..</font>
</p><p><font>A Relação julgou improcedentes as apelações, mas revogou a sentença recorrida, por ter declarado nulo o contrato, e condenou a R. a restituir aos AA. a quantia de € 16.221,84 acrescida de juros à taxa legal desde 19/1/2000. </font>
</p><p>
</p><p><font> Interpõem, agora, recursos de revista ambas as Partes.</font>
</p><p><font> A Ré para pedir a redução do negócio e a declaração apenas parcial da nulidade e, subsidiariamente, a condenação no pagamento de juros apenas desde a data da decisão ou, pelo menos, desde a data da citação, argumenta nas conclusões: </font>
</p><p><font>I - Da troca de correspondência efectuada entre as partes - factos provados no acórdão recorrido sob o nº 11,14 e 16 e constantes de fls. 33, 56 e 60 - resulta claramente demonstrado que, quer os AA., quer a Ré, admitiram reduzir o objecto mediato da promessa dos autos considerando a loja alienada apenas dotada de parqueamento automóvel e desprovida de arrecadação, tendo também concordado em reduzir o respectivo preço. </font>
</p><p><font>II - As partes apenas não se entenderam quanto ao montante da redução do preço. </font>
</p><p><font>III - A falta desse entendimento não obsta à redução do negócio jurídico declarado nulo, já que a vontade das partes é coincidente nessa alteração contratual, sendo esse o factor prevalecente. </font>
</p><p><font>IV - Nesta medida, o negócio dos autos, entretanto declarado nulo, deve considerar-se reduzido nos apontados moldes, pelo que deveriam ter os AA. relegado a questão do montante da redução do preço para ulterior discussão em Juízo, outorgando a prometida escritura pública. </font>
</p><p><font>V - Resulta também da correspondência remetida pela Ré aos AA. - factos provados sob os nºs 12 e 15 no acórdão recorrido e constante de fis. 57 e 58 dos autos - que os demandantes foram pela demandada interpelados por duas vezes, na última com efeitos admonitórios, para comparecerem nas datas, locais e horas para o efeito agendados e aí outorgarem a prometida escritura pública de alienação imobiliária e pagarem o remanescente do preço reduzido, sem que tivessem dado satisfação a semelhantes solicitações. </font>
</p><p><font>VI - Na medida em que os AA. não actuaram em conformidade com semelhantes interpelações, constituíram-se, sucessivamente, em mora e em incumprimento definitivo do contrato promessa reduzido dos autos, pelo que a Ré o resolveu com essa justa causa e se apropriou definitivamente do sinal nos termos que resultam das suas cartas de fls. 64 e 66, consideradas como provadas nos nºs 17 e 18 do acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>VII - Era no apontado sentido da redução do objecto mediato e do preço do contrato promessa dos autos, assim como no seu subsequente incumprimento definitivo por banda dos AA., com a consequente perda do sinal a favor da Ré, que se deveria ter decidido no acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>VIII - Como foi diversa a solução jurídica aí adoptada, designadamente no sentido da nulidade do contrato promessa dos autos sem se lhe reconhecer a possibilidade da sua redução, violou o acórdão recorrido o disposto nos art. 292º, 804º nº 2, 805º nº 1, 808º nº 1 e 442º nº 2, todos do Código Civil, pelo que, com esse fundamento, deve o mesmo ser revogado, concedendo-se a revista. </font>
</p><p><font>IX - Os AA. nunca interpelaram a Ré para que a mesma procedesse à restituição do sinal em singelo subsequente à nulidade da promessa dos autos, nem por interpelação extrajudicial, nem por via da sua citação para os termos desta demanda, porquanto aí apenas peticionaram a sua condenação no pagamento do dobro do sinal, no pressuposto de que a mesma havia incumprido definitivamente o invocado contrato promessa. </font>
</p><p><font>x - Tão pouco as partes alguma vez estipularam um prazo dentro do qual a Ré tivesse que restituir aos AA. o sinal que os mesmos lhe haviam anteriormente prestado. </font>
</p><p><font>XI - Muito menos as partes estabeleceram prazo equivalente na cláusula 12ª nº 3 do contrato promessa dos autos, concebida para a resolução a exercer exclusivamente pelo promitente comprador. </font>
</p><p><font>XII - Deste modo, apenas com o trânsito em julgado da decisão que, porventura, venha a manter a condenação da Ré na restituição aos AA. do sinal que os mesmos lhe prestaram, é que essa obrigação se vencerá, sendo esse o momento a partir do qual e se a mesma não for cumprida, se começarão a vencer juros moratórios. </font>
</p><p><font>XIII - Se assim não for entendido, há que concluir, de harmonia com a jurisprudência dominante, que apenas com a citação da Ré para os termos desta demanda ocorrida em 20/07/2007 é que a mesma foi interpelada para efectuar essa restituição, cessando aí a sua boa fé, sendo então e nesta perspectiva esse o momento a partir do qual a mesma se constituiu em mora e na obrigação adicional de pagar juros moratórios à taxa supletiva legal, com início de contagem a partir dessa ocorrência. </font>
</p><p><font>XIV - Ao se ter decidido diversamente no acórdão recorrido, no sentido de que o inicio da contagem dos juros moratórios se reconduz a 19/0112000, como data do pagamento do sinal, violou-se o disposto nos art. 289º, 804º nº 2, 805º nº 1 e 806º nº 1 e 2 do Código Civil. </font>
</p><p><font> Os Autores, por sua vez, insistindo no incumprimento culposo do contrato pela Ré, continuam a reclamar o pagamento do dobro do sinal passado, ao abrigo das conclusões que seguem. </font>
</p><p><font>1.ª- Por força do contrato promessa que vigorou entre as partes, obrigou-se a Ré a vender aos autores, um imóvel correspondente à fracção autónoma que viesse a corresponder à loja n.º … do Edifício Lote … do empreendimento "Parque ...", devendo a mesma observar as características constantes da alínea d) do respectivo preambulo, a saber: uma área privativa aproximada de 53,80 m2, um espaço de estacionamento de veículos na garagem colectiva e, uma arrecadação. </font>
</p><p><font>2-ª - Do teor dos factos provados, resulta que a ré, no decurso da execução das obras de construção do imóvel objecto do contrato promessa, alterou o respectivo projecto, tendo em consequência de tal facto reduzido a área da loja prometida vender, bem como a sua configuração. </font>
</p><p><font>3.ª Tais alterações foram confessadas pela Ré na comunicação escrita de documento 15 junto com a p.i. constante de fls. 56 dos autos, afirmando-se que tais alterações se deveram a "imperativos de construção". (sic) </font>
</p><p><font>4.ª Resulta igualmente da alegação das partes que a alteração ao projecto do imóvel objecto do contrato prometido, foi decidida unilateralmente pela ré, sem que o autor dela tivesse conhecimento, nem tendo dado à mesma autorização, ou por qualquer forma assentimento. </font>
</p><p><font>5-ª - Não obstante tal circunstancia veio a ré a intimar o A para a celebração do contrato definitivo, através das comunicações de fls. 51/52 e 57/58, mediante o pagamento integral da parte ainda em falta do preço previsto no contrato promessa. </font>
</p><p><font>6.ª - Em face das conclusões precedentes, deve concluir-se que a promitente vendedora incumpriu a obrigação assumida perante os autores de vender um imóvel com as características correspondentes ao que havia sido contratado, encontrando-se como tal em incumprimento perante estes, na data em que reclama a celebração do contrato definitivo. </font>
</p><p><font>7.ª - Ao pretender vender ao Autor a fracção identificada nos autos, sem que esta observasse as características estipuladas no contrato promessa, a Ré incumpriu o contrato promessa, de forma essencial o respectivo objecto, que deixa de corresponder ao prometido. </font>
</p><p><font>8.ª - A alteração do objecto (mediato) do contrato, sem que por parte da ré tenham sido observados os mais elementares deveres de informação ao promitente comprador, não pode ser deixada prevalecer impunemente, havendo em qualquer caso de considerar-se legitima a recusa deste no cumprimento da prestação a que estava obrigado a coberto do ditame de artigo 428.º do Código Civil, o que os autores efectivamente reclamaram pelo teor do escrito de fls. 52 dos autos. </font>
</p><p><font>9.ª - Aos autores não poderá ser tido como exigível a celebração do negócio definitivo quando o respectivo objecto não respeite as características da promessa assumida pela Ré, havendo como tal de considerar legítima a recusa dos autores em celebrar a escritura prometida. (artigo 428.º do Código Civil) </font>
</p><p><font>10.ª - Também por essa exacta razão que não poderá igualmente ter-se como válida a declaração resolutiva consignada pela Ré, nas comunicações de fls. 64 e 66, quando e de parte da ré o incumprimento, por carecer da legitimidade resolutiva para tanto. </font>
</p><p><font>11.ª - Os Autores consignaram na sua comunicação de 20-10-2003, a admonição de que teria como recusa definitiva da parte da ré, a falta de observância do procedimento ali descrito, vindo esta em resposta a declarar a resolução do vinculo contratual, sem que contudo se posa reconhecer que lhe assista o direito a tal resolução. </font>
</p><p><font>12.ª - Em conformidade com as conclusões antes vertidas deverá reconhecer-se que o incumprimento da ré, associado à declaração reiterada de recusa na manutenção e eventual e / ou redução do contrato, traduz uma recusa definitiva na realização da respectiva prestação, o que sempre importara a consideração de que por essa via incumpriu definitivamente a sua obrigação - cfr. artigo 808.º n.º 1 do Código Civil. </font>
</p><p><font>13.ª - Deverá por isso, ser reconhecido aos autores o direito a serem indemnizados em consequência de tal incumprimento, segundo o ditame legal de artigo 442.º do Código Civil, e como tal ser a ré condenada a pagar-lhes a quantia correspondente ao valor em dobro do sinal por si entregue, a titulo de indemnização pelos prejuízos sofridos com tal incumprimento (cfr. artigos 406º, 798º e 442º do Código Civil). </font>
</p><p><font>14.º - As conclusões ora vertidas em nada são afectadas pela afirmada existência de um suposto erro de escrita na elaboração do contrato, factualidade que não obstante se ter já impugnado, e como tal não se concedendo no seu reconhecimento, se tomara ainda assim como pressuposto de desenvolvimento da alegação subsequente. </font>
</p><p><font>15.ª - A instâncias recorridas, afastam também a relevância do erro de escrita na redacção do contrato promessa ao tê-lo por entender e bem, não estar em causa um qualquer erro subsumível às previsões dos vícios da vontade, de art.º 247.º do C.C., quer do erro de escrita regulado por art.º 249.º do C.C.. </font>
</p><p><font>16.ª Face a tal enquadramento, impunha-se a sentença em recurso que retirasse de tal constatação as consequências legais de tal facto, imputando a recorrida a responsabilidade eventual pelas divergências entre a declaração negocial e, a vontade negocial, conforme imposto por artigo 224.º n.º 1, e 230.º do Código Civil, no sentido de dever considerar a ré vinculada nos exactos termos do clausulado contratado, e como tal somente se podendo tomar como incumprimento a desconformidade entre a obrigação nesses termos assumida e, o objecto da prestação oferecida pela ré. </font>
</p><p><font>Mostram-se assim violados, para alem das demais invocadas, as disposições legais de artigos 224.º n.º 1, e 230.º, 428.º, 432.º n.º 1 801.º nos 1 e 2 e, 808.º do Código Civil. </font>
</p><p><font> Apenas a Ré respondeu.</font>
</p><p><font> 2. - Como se extrai das conclusões dos recursos, colocam-se as </font><b><font>questões </font></b><font>que seguem:</font>
</p><p><font> - Validade ou nulidade do contrato-promessa;</font>
</p><p><font> - Em caso de validade, se, como pretendem os Autores, há incumprimento imputável à Ré</font>
</p><p><font> - Em caso de nulidade, se, como aceita a Ré, se há lugar à redução do negócio;</font>
</p><p><font> - Ainda em caso de nulidade, qual o termo inicial da contagem dos juros sobre a quantia a restituir.</font>
</p><p><font> 3. - A factualidade definitivamente assente é a que segue:</font>
</p><p><font>1 - Por escrito datado de 8/4/1999, DD e EE prometeram comprar e a R. prometeu vender, pelo preço de Esc. 16261 050$00 (equivalente a € 81.109,78), a fracção autónoma a construir no empreendimento A... L..., Parque ..., em Lisboa, que viesse a corresponder à loja n.º … do edifício lote ….</font>
</p><p><font> 2 - Consta desse escrito que a fracção deveria ser constituída por uma loja com uma área privativa aproximada de 53, 80 m2, um espaço de estacionamento de veículos na garagem colectiva e uma arrecadação. </font>
</p><p><font>3 - A conclusão das obras deveria ter lugar até 30/6/2001 e a celebração da escritura definitiva de compra e venda até 31 de Dezembro de 2001.</font>
</p><p><font> 4 - Em caso de incumprimento, o promitente-comprador poderia optar entre receber o sinal em dobro ou recorrer à execução específica (cl. 9 11.9).</font>
</p><p><font> 5 - Verificando-se atrasos superiores a seis meses no início ou na conclusão da obra ou interrupções que se prolongassem por mais de seis meses, o promitente-comprador poderia resolver o contrato, reclamando da promitente vendedora as quantias por esta recebidas, acrescidas de juros à taxa de 7% ao ano.</font>
</p><p><font> 6 - Em 14-5-1999, DD e EE cederam a sua posição ao A..</font>
</p><p><font> 7 - A título de sinal e reforços do sinal, o A. entregou à R. pelo menos €16.221,84.</font>
</p><p><font> 8 - A fracção prometida vender veio a ser designada pelas letras "DN" e a corresponder à loja com o nº …, letra "…", com entrada pelo bloco …, do prédio urbano com os nº … e … da Rua …, no Lumiar, descrita na … C.R.P. de Lisboa sob o nº ….. </font>
</p><p><font>9 - A fracção prometida vender veio a ter de área 51, 3 m2. </font>
</p><p><font>10 - A R. informou o A. da alteração do projecto, com redução da área da loja prometida vender e da sua configuração. </font>
</p><p><font>11 - Na sequência dessa alteração, a R. propôs ao A. a subscrição de um aditamento conforme fls. 33, datado de 29/8/2002, alterando a área privativa da fracção para 51,3 m2 e reduzindo o preço para € 77 340,74. </font>
</p><p><font>12 - Em 1/9/2003, a R. comunicou ao A. que a celebração da escritura definitiva de compra e venda teria lugar em 24/9/2003. </font>
</p><p><font>13 - Os AA. dirigiram à R. o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 52, datado de 19/9/2003, referindo que não é indicada a área da loja prometida vender, que a fracção indicada não prevê a arrecadação enquanto seu elemento integrante, solicitando que, estando na vontade de cumprir integralmente as condições contratuais, estes aspectos sejam esclarecidos. </font>
</p><p><font>14 - A R. remeteu ao A. o escrito de fls. 56, datado de 1/10/2003, em que aduz, designadamente, que deu anteriormente conhecimento das alterações que a fracção sofreu, tendo sido proposta a celebração de um aditamento, com redução do preço, que nos dois autos de recepção a que faltou poderia ter constatado as divergências, e que se o A. se desinteressou está disponível para proceder à revogação, com devolução dos sinais, com juros à taxa de 7% ao ano.</font>
</p><p><font> 15 - A R. dirigiu nova carta ao A., datada de 1/10/2003, a fls. 57 e 58, em que indica como nova data para a realização da escritura o dia 22/10/2003, sob pena de o contrato ficar resolvido, com perda das quantias entregues a titulo de sinal. </font>
</p><p><font> 16 - Por carta datada de 20/10/2003, de que se mostra junta cópia a fls. 60 e 61, os AA. aduzem não concordar com a redução do preço proposto e, assinaladamente, remeto “o convite de apresentação de proposta de alteração contratual que contemple a efectiva desvalorização da loja em causa em razão das alterações por V. Exas. unilateralmente introduzidas. Tal não se verificando, assumirei tal omissão como recusa definitiva de v. parte no cumprimento do contrato promessa e, como tal considerarei o mesmo como objectivamente incumprido.</font>
</p><p><font> 17 - A R. remeteu ao A. o escrito datado de 19/11/1993, de que se mostra junta cópia a fls. 64, em que aduz que mantêm as propostas de 1/10/2003 e o contrato se encontra em incumprimento definitivo, pelo que, no prazo de oito dias, notificaremos formalmente V. Exa. da respectiva resolução com efeitos a 22 de Outubro p.p., perdendo V. Exa. a quantia entregue a título de sinal o direito à aquisição da fracção prometida vender (sic).</font>
</p><p><font> 18 - A R. remeteu ao A. o escrito de que se mostra junta cópia a tis. 66, em que se lê “notificamos V. Exa. que, nos termos dos nº 1 e 2 da cláusula décima do contrato promessa de compra e venda celebrado em 14/5/1999, o mesmo foi resolvido por incumprimento definitivo, com efeitos a 22 de Outubro de 2003, perdendo V. Exa. o montante entregue a título de sinal e o direito à compra da fracção prometida vender”.</font>
</p><p><font> 19 - O vendedor da R. referiu à compradora apenas a existência de loja e de parqueamento automóvel. </font>
</p><p><font>20 - A referência a arrecadação no contrato promessa (reproduzido na proposta de aditamento de fls. 33) constituiu um lapso de escrita, inexistindo desde o início da concepção do edifício qualquer arrecadação afectável a lojas. </font>
</p><p><font>21 - Em data não concretamente apurada, mas prévia a 29/8/2002, a R. informou os AA do lapso.</font>
</p><p><font> 22 - Em data não concretamente apurada, mas prévia a 29/8/2002, a R. comunicou aos AA. que a loja sofreria uma redução da área bruta de cerca de 2,5 m2, porquanto as áreas técnicas do edifício careciam de maior espaço. </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>4. - Mérito dos recursos. </font>
</p><p><font>4. 1. - Recurso dos Autores. </font>
</p><p><font>- Incumprimento do contrato e indemnização.</font>
</p><p><font>O recurso dos Autores, que continuam a reclamar, tal como inicialmente peticionado, o pagamento de indemnização correspondente ao dobro do sinal, pressupõe a válida vinculação das Partes e a posterior extinção do contrato-promessa fundada em incumprimento definitivo e culposo da Ré, também fundamento legal de resolução contratual.</font>
</p><p><font>Divergindo da decisão da 1ª Instância, em que se admitiu a validade do contrato e respectiva extinção por incumprimento definitivo imputável a ambas as Partes, no acórdão impugnado declarou-se nulo o negócio celebrado, por impossibilidade originária da prestação, nos termos dos arts. 401º e 280º, ambos do C. Civil.</font>
</p><p><font>Aí se ponderou que, tendo ficado provado que não existia desde o início da concepção do edifício qualquer arrecadação afectável a lojas, “</font><i><font>ficou arredada a situação que os AA. perspectivaram - e que nunca abandonaram no relacionamento contratual com a R. - de ter sido esta, quem, no decorrer das obras, alterara o projecto, de modo a que, estando inicialmente concebida a arrecadação como integrando a loja objecto do contrato, tivesse deixado de o estar. </font></i>
</p><p><i><font>O que significa que, ao contrário do que os AA., numa primeira via, pretendem na acção, a R. não se colocou (com a alteração do projecto que aqueles lhe atribuem) em situação de não poder cumprir (cfr art 795º/2 CC). (…) encontra-se (a Ré) desde o início do contrato em situação de não poder cumprir o contrato-promessa por impossibilidade física do seu objecto</font></i><font>”.</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>Ora, nas alegações e conclusões da revista, os Autores não dedicam um único argumento à impugnação da decisão recorrida e aos fundamentos nela invocados.</font>
</p><p><font>Ignoram, pura e simplesmente, toda a argumentação vertida no acórdão de que interpuseram recurso, bem como o que nele foi decidido, esquecendo os ónus de alegar e de concluir que lhe são impostos pelo art. 690º -1 e 2 CPC.</font>
</p><p><font>Esquecem, por outro lado, que a decisão sob recurso é o acórdão da Relação, que não já a da 1ª Instância, como previsto no nosso sistema de recursos e consagrado no art. 706º-1 CPC.</font>
</p><p><font>Numa palavra, omitindo qualquer crítica ao acórdão que anunciaram pretender impugnar no requerimento de interposição do recurso, os Recorrentes acabam por deixar o recurso sem objecto.</font>
</p><p><font>Apesar disso, até porque se está perante matéria de conhecimento oficioso, não deixará de se tomar posição sobre a questão da nulidade.</font>
</p><p><font> A nulidade prevista no art. 401º-1 para o negócio jurídico cuja prestação seja originariamente impossível traduz mera confirmação do regime estabelecido no art. 280º do mesmo Diploma, a taxar de nulo o negócio cujo objecto seja física ou legalmente impossível, do mesmo passo que o art. 286º declara a nulidade passível de conhecimento a todo o tempo e declaração oficiosa pelo tribunal.</font>
</p><p><font> A impossibilidade do objecto negocial, na modalidade contemplada, integraria uma impossibilidade quanto à prestação, originária, definitiva e parcial.</font>
</p><p><font>Será também uma impossibilidade objectiva, por verificável em relação a qualquer pessoa, isto é, absoluta. </font>
</p><p><font>Vem efectivamente provado, como convocado pela Relação, que «a referência a arrecadação, no contrato-promessa, constitui um lapso de escrita, inexistindo desde o início da concepção do edifício qualquer arrecadação afectável a lojas”.</font>
</p><p><font>Irrecusável, pois, a conclusão de facto, assumida no acórdão, de que a supressão da arrecadação não resulta - como pretendiam e continuam a manter os Autores - de qualquer alteração do projecto superveniente à celebração do contrato-promessa (no decorrer das obras), donde não poder a R., desde que se vinculou através do contrato promessa, vir a poder prestar no contrato definitivo o objecto prometido. </font>
</p><p><font>A impossibilidade resulta, assim, da coisa, em si mesma, que </font><i><font>ab initio</font></i><font> não foi concebida para conter qualquer arrecadação a afectar às lojas, independentemente dos sujeitos do negócio ou da possibilidade de, em razão destes, poder ser alterado o objecto da prestação, pré-estabelecida na concepção do edifício. Ocorre uma impossibilidade física absoluta, em termos objectivos.</font>
</p><p><font>Uma tal impossibilidade, porque originária, é impeditiva da constituição da obrigação, pois que incide sobre um dos seus elementos internos essenciais – o objecto – ferindo-o de nulidade (art. 401º-1 cit).</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>Assim, o contrato-promessa celebrado, tendo por objecto a realização de um contrato de compra e venda cujo objecto mediato (a loja com arrecadação) não pode, por força da impossibilidade física originária, ser transmitido, por indisponível pela promitente vendedora nos termos convencionados, não pode também, e por isso, ser validamente concluído (vd. M. ANDRADE, “</font><i><font>Teoria Geral da Relação Jurídica</font></i><font>”,</font><i><font> </font></i><font>4ª reimp., 329; MOTA PINTO “</font><i><font>Teoria Geral do Direito Civil</font></i><font>”, 3ª ed., 550; CASTRO MENDES, “</font><i><font>Teoria Geral do Direito Civil</font></i><font>”, II, ed. AAFDL, 269).</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>A declaração de nulidade do contrato, porque assenta na falta ou vício de um elemento interno ou formativo do negócio, que conduz a que o negócio não produza desde o início os efeitos a que tendia, prejudica ou sobrepõe-se a qualquer outro pedido que não corresponda ao reconhecimento dos seus efeitos. </font>
</p><p><font>Fica, por isso, prejudicado ou inviabilizado qualquer outro pedido que pressuponha ou implique a validade do negócio, qualquer que tenha sido a parte que o tenha formulado. </font>
</p><p><font>Nesta conformidade, por isso que, como começou por dizer-se, o recurso interposto pelos Autores pressupõe o reconhecimento da validade do contrato, confirmada, como fica, a declaração de nulidade do negócio, improcede esse pressuposto e fica prejudicado o conhecimento da imputação do incumprimento e respectivas consequências, únicas questões nele suscitadas. </font>
</p><p><font> 4. 2. - Recurso da Ré.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 2. 1. - Redução do contrato.</font>
</p><p><font> A Ré delimitou expressamente o objecto do recurso, logo no requerimento de interposição, às questões da (não) redução do objecto do contrato-promessa e, subsidiariamente, do início da contagem dos juros incidentes sobre a prestação a restituir.</font>
</p><p><font> No acórdão impugnado decidiu-se estar fora de questão a redução do contrato a pretexto de que “</font><i><font>na situação dos autos não poderiam os AA. beneficiarem da redução do negócio, sob pena de se estar a impor à R. um contrato que a mesma nunca quis celebrar</font></i><font>” e de que “</font><i><font>os pressupostos da redução em nada quadram à situação dos autos, precisamente porque o contrato a reduzir – correspondente à promessa de compra e venda da loja com arrecadação – por definição, visto o erro em que a R. incorreu, nunca foi por ela minimamente querido</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> A Recorrente, que nunca antes formulou qualquer pretensão no sentido da redução do negócio, invocara e peticionara, isso sim, a título subsidiário, «a nulidade do contrato promessa dos autos com fundamento na impossibilidade originária do seu objecto mediato, com a consequente obrigação da devolução em singelo pela Ré do sinal e respectivo 1º reforço aos AA., com acréscimo de juros compensatórios à taxa supletiva legal», vem agora defender a redução sustentando ter havido sempre essa predisposição das Partes para o cumprimento do contrato, havendo apenas divergência quanto ao montante da redução do preço.</font>
</p><p><font> De notar, antes de mais, que a redução só poderia incidir sobre o objecto mediato do contrato, ou seja, a prestação correspondente à coisa a entregar como prestação do contrato-prometido, pois que o objecto do contrato-promessa é a prestação de um facto, no caso a celebração do contrato-prometido. </font>
</p><p><font> Dispõe-se no art. 292º C. Civil que a nulidade parcial do negócio não determina a sua invalidade total, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.</font>
</p><p><font> Não é, portanto, necessária a demonstração da vontade de limitar os efeitos do negócio à parte não viciada, mas a de que o mesmo não teria sido celebrado sem a parte viciada. </font>
</p><p><font> A lei consagra abertamente o princípio do </font><i><font>favor negotii</font></i><font>, privilegiando a manutenção da parte sã do negócio, fazendo apelo à vontade conjectural dos contraentes, no sentido de fazer valer o que elas teriam querido se se tivessem apercebido de que o negócio era parcialmente inválido, não podendo manter-se integralmente.</font>
</p><p><font> & | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wDJ_u4YBgYBz1XKvDBHv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I Relatório</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA,</font></b><font> por apenso à execução em que é exequente </font><b><font>BB</font></b><font>, deduziu oposição, alegando, em síntese, que a declaração de dívida dada à execução foi subscrita em documento particular, daí que tal declaração seja nula por inobservância das regras do artigo 1143º. do CC gerando a inexequibilidade do título e, por outro lado, nunca a oponente pediu dinheiro ao exequente nem dele recebeu qualquer quantia, que o valor nele inscrito de €55 500,00 representa somente uma dívida de solteiro do seu ex-marido e que a oponente não aceitou reconhecer como dívida sua sob o império de forte pressão e ameaça.</font>
</p><p><font> Concluindo pela condenação do exequente em multa e indemnização como litigante de má fé.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. O Exequente contestou alegando, fundamentalmente, que o empréstimo foi feito ao casal na pendência do casamento e que, a eventual falta de forma do mútuo, não os exonera da restituição da quantia mutuada, pois o que aqui está em causa é uma confissão de dívida assinada pela executada. </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à seleção dos factos assentes e dos controvertidos.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Procedeu-se ao julgamento e foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição, e, em consequência, o prosseguimento da execução.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Não se conformando com a decisão, a Executada interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>O Tribunal da Relação do Porto veio a julgar a apelação procedente e, em consequência, absolvou a Executada da instância.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Inconformado com tal decisão, o Exequente veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª.</font><b><font> </font></b><font>O douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, ao absolver a executada da instância, por ilegitimidade, baseou-se no nº. 3 do artigo 34º. do C.P.C. e alínea a) do nº. 1 do artigo 1691º. do Código Civil.</font><b><font> </font></b>
</p><p><font>2ª. Ao ter aplicado e interpretado essas duas leis no sentido de que a falta do chamamento à execução do ex marido da executada conduz, automaticamente, à ilegitimidade passiva daquela, comete o douto acórdão um erro de aplicação e de interpretação extensiva e abusiva das referidas leis. </font>
</p><p><font>3ª. Com efeito, o nº. 3 do artigo 34º. do Código de Processo Civil, refere que devem ser propostas contra ambos os cônjuges as acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as acções emergentes de facto praticada por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as acções compreendidas no nº. 1. </font>
</p><p><font>4ª. A confissão de dívida que serve de título executivo nos autos foi assumida e assinada pela executada de livre vontade, como acto pessoal seu. </font>
</p><p><font>5ª. Tal acto é praticado, assim, só por si e dos autos não resulta que se pretenda obter decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do seu ex cônjuge e não se inclui no nº. 1 do mesmo artigo.</font>
</p><p><font>6ª. Por outro lado, o nº. 2 do artigo 32º. do Código de Processo Civil, refere expressamente que se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade. </font>
</p><p><font>7ª. Finalmente, o nº. 3 do artigo 33º. do Código de Processo Civil, também, refere, expressamente, que a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. </font>
</p><p><font>8ª. O problema da ilegitimidade não surge neste momento nos autos mas sim quando o exequente pretender penhorar bens comuns do casal, que não é o caso dos autos. </font>
</p><p><font>9ª. É, assim, a executada parte legítima da execução, pelo que, não se justifica, de modo algum, a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª. Instância. </font>
</p><p><font>10ª. Ao aplicar e interpretar o nº. 3 do artigo 34º. do C.P. C. e o nº. 1 do artigo 1691º do Código Civil, o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto fere, nomeadamente, o disposto no artigo 9º. do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> E conclui pelo provimento do recurso,</font><b><font> </font></b><font>devendo “a executada ser julgada parte legítima da execução, revogar-se o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e manter-se, nos seus precisos termos, a douta sentença proferida pela Tribunal de 1ª. Instância.</font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pela recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Exequente/Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão da ilegitimidade da Executada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provada a seguinte a factualidade:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Por escrito junto na execução, intitulada “Declaração de Confissão de Dívida”, datada de 24 de abril de 2007, assinado pelos devedores, então casados, CC e mulher AA, foi consignado que os obrigados declararam dever ao exequente BB, a quantia de €55 500,00, que dele receberam a título de empréstimo, obrigando-se a devolver ao exequente a quantia de €42 500,00 até ao dia 4 de maio de 2007 e, quanto ao restante de €13.000,00 será estipulado uma data aquando da entrega do valor acima mencionado. A quantia mutuada não vence juros remuneratórios.</font>
</p><p><font> </font><b><font>1.2.</font></b><font>Pelo escrito de fls.16, intitulado “Confissão de Dívida”, datado de 5 de janeiro de 2009, o executado CC, no estado de divorciado, declarou e confessou que é devedor do exequente BB na quantia de €74 000,00.</font>
</p><p><font> </font><b><font>1.3.</font></b><font>Teor declarado do requerimento de insolvência de fls. 18, intentado em 25-03-2010 pelo exequente contra os executados e que terminou por desistência da instância.</font>
</p><p><b><font>2. Do mérito do recurso</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>O Acórdão recorrido veio a absolver a Executada da instância, por ter entendido que se verificava a exceção de ilegitimidade dado que a executada não tinha sido demandada conjuntamente com o seu ex-marido, que também tinha subscrita a “declaração de dívida”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na acção executiva e por via de regra, o pressuposto processual da legitimidade afere-se exclusivamente pelo título executivo (n.º 1 do artigo 53.º do Código de Processo Civil). Daí que se deva considerar que tem legitimidade para promover e fazer seguir a execução quem no título figure como credor e que só deve intervir como executado quem, à luz do título, seja devedor da obrigação exequenda (cfr. Acórdão do STJ, de 15 de abril, acessível em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>).</font>
</p><p><font>Temos assim que, no contexto da ação executiva, a aferição da legitimidade adjetiva é efetuada num prisma exclusiva e marcadamente formal. O texto legal foi, aliás, redigido com o intuito de não atribuir importância à efetiva titularidade (do lado ativo ou passivo) do direito de crédito contido no título executivo e de apenas relevarem as posições creditícias e debitórias que deste derivam (cfr. Anselmo de Castro, in A acção executiva singular, comum e especial, págs.76/77 e Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. 1º, pág.219).</font>
</p><p><font>Por contraponto e como se sabe, no contexto da ação declarativa, a legitimidade processual é aferida em vista de um critério substantivo – o interesse em demandar e em contradizer – cfr. n.º 1 do artigo 30.º, do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O emprego de um discrepante critério de aferição do mesmo pressuposto processual resulta do facto de o título executivo que, necessária e impreterivelmente sustenta a execução, integrar em si o direito exequendo e possuir um nível de segurança tido por lei como suficiente quanto à existência daquele (cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, pág.46), o que torna despicienda qualquer indagação prévia sobre a subsistência do mesmo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, na maior parte dos casos, o exame do título dado à execução permitirá aferir a legitimidade adjetiva. Tratando-se de título extrajudicial, o exequente corresponderá à pessoa a favor de quem foi constituída a obrigação nele documentada e o executado será quem a contraiu.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No seguimento do que supra expusemos, temos que sempre que se verifique falta de coincidência entre quem promove - ou contra quem é promovida - a ação executiva e o título executivo, verificar-se-á ilegitimidade (cfr. Acórdão do STJ, de 20 de fevereiro de 2014). Trata-se de uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso cuja verificação implicará o indeferimento liminar do requerimento executivo ou, caso seja apenas conhecida em momento ulterior do processo (</font><i><font>maxime </font></i><font>até às diligências de venda), a rejeição da execução (n.º 2 do artigo 576.º, alínea e) do artigo 577.º, artigo 578.º alínea b) do n.º 2 do artigo 726.º e n.º 1 do artigo 734.º, todos do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Existem, é certo, desvios à regra de aferição formal da legitimidade que atrás enunciámos.</font>
</p><p><font>Desde logo, a que consta do n.º 2 do artigo 53.º, do Código de Processo Civil, na qual se alude ao título ao portador, o qual não contém, obviamente, a identificação do credor. Por sua vez, o n.º1 do artigo 54.º do Código de Processo Civil prevê a hipótese de ter ocorrido sucessão no direito ou na obrigação constante do título e estipula que a execução deve correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O n.º 2 do mesmo preceito viabiliza que a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro corra diretamente contra este. E o n.º 4 daquele artigo permite que, estando os bens onerados do devedor na posse de terceiro, este seja conjuntamente demandado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por fim, o artigo 55.º do Código de Processo Civil em decorrência das normas atinentes à abrangência subjetiva do caso julgado, estipula que a execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida, ademais, contra terceiros a ela vinculadas.</font>
</p><p><font>Note-se, contudo, que o facto de as expressões “credor” e “devedor” empregues na letra do n.º 1 do artigo 53.º do Código de Processo Civil terem sido formuladas no singular não impede que se desconsiderem eventuais litisconsórcios ativos ou passivos, havendo, nesse caso, que entendê-las por referência ao respetivo grupo.</font>
</p><p><font>E isto porque é de admitir a hipótese de a ação executiva respeitar a uma pluralidade de pessoas. Assim, existirá um litisconsórcio em processo executivo quando a mesma prestação for exigida por vários exequentes ou a vários executados – isto é, quando se verifique unidade na obrigação e unidade ideal de credores e devedores –, sendo aquele de qualificar como necessário à luz do critério enunciado no n.º 1 do artigo 34.º, do Código de Processo Civil, sempre que a intervenção de todos os devedores seja requerida pela natureza indivisível da prestação, pela lei ou por negócio (Lebre de Freitas, obra citada, pág.158 e Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, pág.302).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Regressando ao caso vertente, temos que o acórdão recorrido considerou que, pelo facto de o título dado à execução respeitar a uma dívida da responsabilidade da executada e do seu ex-marido, verificar-se-ia um caso de litisconsórcio necessário legal e inicial. Para tanto, convocou-se a previsão da primeira parte do n.º 3 do artigo 34.º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>É inequívoco que, no título dado à execução para pagamento de quantia certa instaurada pelo recorrente (cfr. ponto n.º 1 do elenco factual), figuram, como devedores, a executada e o CC, que foi casada com a recorrida até 28 de junho de 2007 – cfr. fls.48, pelo que, face ao critério enunciado no n.º 1 do artigo 53.º, qualquer um deles deteria legitimidade para a presente ação executiva, sem que, sequer, seja necessário convocar qualquer dos aludidos desvios e exceções a essa regra.</font>
</p><p><font>Porém, a ação executiva foi apenas instaurada contra a executada.</font>
</p><p><font>De acordo com o que emerge do título executivo, a quantia exequenda provirá de um empréstimo da quantia de €55 500 que aquela e o seu marido obtiveram por parte do exequente.</font>
</p><p><font>Trata-se, como bem se refere no acórdão recorrido, de uma dívida contraída pelos ex-cônjuges. Como tal, a responsabilidade pela sua satisfação é atribuída a ambos e onera o património comum do dissolvido casal (n.º 2 do artigo 1690.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 1691.º e do artigo 1695.º, todos do Código Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sucede, porém, que se deve entender que a previsão da primeira parte do n.º 3 do artigo 34.º do Código de Processo Civil tem o seu campo de aplicação confinado à ação declarativa. Tal solução, além de afastar as dificuldades práticas que decorreriam do emprego daquele critério na ação executiva, justifica-se pela circunstância de a </font><i><font>ratio </font></i><font>daquele preceito – a salvaguarda de ambos os cônjuges quando se discuta o regime de responsabilidade patrimonial pelo facto pretensamente atribuível àqueles – esgotar a sua eficácia na definitiva fixação da responsabilidade comum dos cônjuges.</font>
</p><p><font>Saliente-se, por seu turno, que o risco de perda de bens apenas disponíveis por ambos (cfr. n.º 1 do artigo 34.º </font><i><font>ex vi </font></i><font>n.º 3 do mesmo preceito) é, em casos como o dos autos acautelado por via dos mecanismos prevenidos pelo n.º 1 do artigo 740.º e pela alínea a) do n.º 1 do artigo 786.º. Deve-se, aliás, notar que o preceituado no n.º1 do artigo 740.º é aplicável ainda que ambos os cônjuges detivessem </font><i><font>ab initio</font></i><font> legitimidade para a execução, tanto mais que a expressão legal – “</font><i><font>execução movida só contra um dos cônjuges</font></i><font>” – inculca que, neste contexto, irreleva a índole própria ou comum da dívida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deve-se, por tudo isto, considerar que o n.º 3 do artigo 34.º não impõe ao credor exequente que esteja munido de título executivo extrajudicial que vincule ambos os cônjuges a obrigação de instaurar a execução contra aqueles. Dito de outra forma, o facto de, no título, figurar como devedor o ex-marido da recorrida não importa a sua demanda conjunta.</font>
</p><p><font>Esta posição não é, porém, unívoca na doutrina.</font>
</p><p><font>Embora reconheça a tendencial inexistência de litisconsórcio necessário no âmbito da execução para pagamento de quantia certa e a falta de imposição legal expressa, sustenta Rui Pinto (ob. citada, págs.533 e 534) que, sendo a dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, a execução intentada apenas contra um deles não produz o seu efeito útil normal, viabilizando, contra a lei substantiva, a geração de uma responsabilidade comum parcial. Perfilha, por isso, o entendimento de que a primeira parte do n.º 3 do artigo 34.º é aplicável à ação executiva, excluindo hipóteses como a dos autos do âmbito da aplicação da previsão do n.º 1 do artigo 740.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 786.º.</font>
</p><p><font>O mencionado autor baseia-se nos entendimentos de Castro Mendes (in Direito Processual Civil, II vol., Revisto e Actualizado, págs.112 e 290) e de Teixeira de Sousa (in A Acção Executiva Singular, págs.219/220).</font>
</p><p><font>O primeiro defende que, pretendendo o exequente executar uma dívida comunicável que foi contraída por um dos cônjuges sem a intervenção do outro (o que, como se disse, não é o caso dos autos), existe um litisconsórcio necessário legal que impõe a demanda conjunta.</font>
</p><p><font>Na mesma esteira, o segundo professa o entendimento de que, vigorando entre os cônjuges um dos regimes de comunhão matrimonial e existindo apenas título executivo extrajudicial contra um deles (o que, como apontámos, não ocorre no caso dos autos), deve, em harmonia com o disposto na 2.ª parte do n.º 3 do actual artigo 34.º, ser requerida a intervenção principal do outro cônjuge para que, na execução, se mostre assegurada a participação de ambos os cônjuges na lide, o que é indispensável pelo facto de os bens comuns do casal serem responsáveis pela satisfação da dívida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Revertendo ao caso em análise, temos a observar o seguinte.</font>
</p><p><font>Em primeiro lugar, o regime de bens que vigorou durante a constância do matrimónio que uniu a recorrida e CC foi o da comunhão de adquiridos, atento o facto de ser aplicável o regime supletivo (casamento celebrado em 21 de dezembro de 2006, sem convenção antenupcial – cfr. fls.47) e ignora-se a existência de bens comuns do casal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para mais, em momento algum, o recorrente faz menção à pretensão de efetivar a responsabilidade comum do dissolvido casal. Se assim é, deve-se entender que o credor exequente pretende, pelo menos inicialmente, que a execução recaia apenas sobre os bens próprios da executada e pela sua meação nos bens comuns (n.º 1 do artigo 1696.º do Código Civil) se os houver. Tal opção está compreendida no seu poder de condução da lide consoantes os seus interesses.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>É certo que essa opção acarreta um risco – já que se faculta à executada um fundamento para deduzir o incidente de oposição à penhora, a saber a subsidiariedade da responsabilização dos bens próprios pela dívida comum – cfr. n.º 1 do artigo 1695.º do Código Civil e alínea b) do n.º 1 do artigo 784.º). Porém, em concreta homenagem ao princípio da auto-responsabilização das partes pela condução da lide, não se antevê qualquer razão para que se outorgue impositivamente ao recorrente um benefício de que ele dispensou (cfr. Acórdão do STJ, de 17 de maio de 2016, acessível em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>).</font>
</p><p><font>Por aqui se vê que a qualificação da dívida exequenda como comum não determina, por si, a existência de litisconsórcio necessário.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por outro lado, afigura-se-nos que, estando a responsabilidade comum pela dívida exequenda suficientemente acertada no título (sendo, portanto, despicienda a intervenção de CC para a definir), é injustificável a formulação de uma exigência de uma demanda conjunta, que pode até, na prática, se vir a revelar dificilmente conciliável com o exercício do direito de ação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nestes termos e sopesando, também, as razões acima aludidas, pensamos que os entendimentos acima sumariados não resolvem satisfatoriamente a questão decidenda.</font>
</p><p><font>Em aditamento ao antes expendido (mas também e em reforço da posição por nós perfilhada), há ainda a observar o seguinte.</font>
</p><p><font>Ainda que se devesse adotar o entendimento sufragado pelo acórdão recorrido, o certo é que a falta de intervenção do ex-cônjuge da recorrida nos autos não conduziria, imediatamente, à ilegitimidade adjetiva desta.</font>
</p><p><font>A defender-se tal solução, impunha-se, subsequentemente, que o tribunal, em homenagem ao princípio do aproveitamento do esforço processual que se acha ínsito no n.º 2 do artigo 6.º, do Código de Processo Civil e porque se está perante uma exceção dilatória sanável, proferir o competente despacho, de modo a instar o exequente a fazer intervir CC como executado (n.º 4 do artigo 726.º e artigo 734.º, do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Por isso, só perante a eventual falta de correspondência a um convite formulado nesses termos se poderia concluir pela ilegitimidade processual singular da executada (cfr. n.º 5 do artigo 726.º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Não se tendo assim procedido, sempre caberia concluir pela intempestiva – e, logo, indevida – decisão de absolver a recorrida da instância executiva com fundamento na falta do aludido pressuposto processual.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deste modo, deve ser concedido ao provimento ao recurso, devendo os autos baixarem ao Tribunal da Relação para conhecimento das demais questões colocadas na apelação, já que o Supremo Tribunal de Justiça está impedido de sobre elas tomar posição (cfr. artigos 679º e 665º, ambos do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>IV. Decisão</font></b><br>
<font>Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, e, consequentemente, determina-se que os autos baixem ao Tribunal da Relação para conhecimento das demais questões colocadas no recurso de apelação. </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>As custas ficarão a cargo do vencido a final.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Lisboa, 22 de maio de 2018</font>
</p><p><font>(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> ( Lima Gonçalves)</font>
</p><p>
</p><p><font> ( Cabral Tavares)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> (Fátima Gomes)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6TK4u4YBgYBz1XKvfzYU | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- No Tribunal Judicial de Penafiel, </font><b><font>AA, </font></b><font>residente na Rua .............., ..., .....-...., Gondomar, propõe a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>Brisa, Auto-estradas de Portugal, SA</font></b><font>, com sede na Quinta da .........., Edifício........, ......-599, São Domingos de Rana, Cascais, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de € 32.872,30 (ou pelo menos € 9.122,30 € atento o pedido de paralisação subsidiário), a título de indemnização e compensação pelos danos sofridos pela A. em consequência directa do acidente de viação, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, alegando que no dia 21/12/2002, por volta das 23.50 horas, na auto-estrada A4, ao Km 45,575, na via de trânsito da esquerda, ocorreu um acidente que envolveu o veículo automóvel de matrícula ..-..-.., de marca Volkswagen Golf, sua propriedade e conduzido por BB seu filho e uma raposa, sendo que o acidente ocorreu devido ao facto de uma raposa ter invadido a faixa de rodagem da A4, no sentido Amarante – Porto, ao Km 45,570 em razão da rede de protecção existente no local não estar totalmente vedada, apresentado uma abertura no local do acidente. O súbito e imprevisto atravessamento do animal na faixa de rodagem levou a que o condutor do OG atropelasse a raposa sem sequer ter tido tempo para esboçar uma travagem, tendo originado o despiste do OG, seguindo-se o embate do mesmo nas guardas de segurança da berma direita da A4 e ulterior colisão no separador central da auto-estrada, acabando a viatura por se imobilizar na via de trânsito central da A4, ao quilómetro 45,475, sentido Amarante-Porto. Em consequência do acidente o OG sofreu estragos diversos, cuja reparação demanda a quantia de 6.122,30 Euros, ascendendo então o seu valor comercial a 20.000 € e sofrendo uma desvalorização de 10% do seu valor comercial. Por via do acidente a A. esteve privada da sua viatura de 21/12/2002 até Maio de 2004, altura em que a vendeu. Durante esse período de tempo a A. recorreu a transportes de terceiros ou próprios alternativos, suportando os respectivos custos, os quais ascendem a 50,00 € diários. A reparação do OG demandava 60 dias.</font><br>
<font> A R. contestou impugnando parte da matéria alegada e alegando efectuar inspecções periódicas da rede de vedação da auto-estrada e consertar imediatamente qualquer anomalia que detecte. Que na data do acidente não era de prever que a rede estivesse danificada tanto mais que na última inspecção realizada, ocorrida pouco tempo antes do acidente acontecer, a vedação estava em bom estado. Procede cuidadosamente à verificação amiúde da vedação e numa apreciação da normalidade das coisas, naquela data, a vedação estaria intacta, pelo que só o facto da mesma ter sido vandalizada determinou que se encontrasse rompida no dia do acidente, pelo que não houve qualquer culpa sua na eclosão do acidente.</font><br>
<font> Concluiu pedindo a improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.</font><br>
<font> Requereu a intervenção acessória da Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., com sede no Largo do ......., ........, Lisboa, alegando em síntese, ter celebrado com a chamada um contrato de seguro mediante o qual transferiu para aquela, até ao montante de 748.200 €, responsabilidade civil que, de conformidade com a lei, lhe possa ser exigida por prejuízos causados a terceiros na qualidade de concessionária da exploração e manutenção das auto-estradas, pelo que, em caso de condenação lhe assistirá direito de regresso contra a chamada.</font><br>
<font> Requereu igualmente a intervenção principal da mesma Seguradora, mas por despacho judicial de 1-3-2006 foi tal pedido de intervenção indeferido.</font><br>
<font> Na réplica a A. respondeu às intervenções requeridas pela R. Brisa e manteve, de essencial, a posição assumida na p.i.</font><br>
<font> Foi admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros ---------, S.A. e citada para contestar, em síntese, impugnou, por desconhecimento, a matéria alegada pela A. e concluiu pela improcedência da acção</font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos com a elaboração do despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se procedeu à audiência de discussão e julgamento, se respondeu à matéria de facto controvertida e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a R. Brisa a pagar à A. a quantia de 6.122,30 €, a título de indemnização correspondente ao custo da reparação do OG, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde 16/12/2005 até integral e efectivo pagamento e na indemnização a liquidar em execução de sentença correspondente à quantia despendida pela A. na obtenção de viatura de substituição do OG no período de 21/12/2002 até 01/05/2004.</font><br>
<font> No mais absolveu-se a R. do restante pedido. </font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a A. e a R. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 19-12-2007, julgado parcialmente procedentes os recursos e, em consequência, revogou-se em parte a sentença recorrida, julgando-se a acção parcialmente procedente condenando-se a R. Brisa a pagar à A. a quantia de 6.122,30 € acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.</font><br>
<font> No mais absolveu-se a R. do restante pedido.</font><br>
<font> 1-2- Não se conformando com este acórdão, dele recorreram a A. e a R., esta subordinadamente, para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> A recorrente A. alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- </font><font>É o item da paralisação que é objecto e fundamento do presente recurso.</font><br>
<font> 2ª- O tribunal não fez adequada interpretação do conceito de paralisação e suas repercussões da esfera jurídica do lesado enquanto, por si só, indemnizável.</font><br>
<font> 3ª- Errou o tribunal ao considerar para efeitos de indemnização por privação/paralisação apenas o período necessário à reparação.</font><br>
<font> 4ª- É à R. que incumbia reparar (mandar reparar) o veículo da A. sendo certo que a A. reclamou da R., por escrito, tal reparação.</font><br>
<font> 5ª- Pretensão que a R. não acedeu, não ordenando a reparação, nem fornecendo à A. qualquer veículo de substituição.</font><br>
<font> 6ª- O prejuízo resultante da privação da viatura trata-se de dano que a A. não teria sofrido não fosse o acidente dos autos.</font><br>
<font> 7ª- A A., por culpa exclusiva da R., esteve mais de 16 meses sem poder utilizar a sua viatura.</font><br>
<font> 8ª- A reconstituição </font><i><font>in natura </font></i><font>no caso da privação de veículo, pode (e deve) ser assegurada pela entrega, por parte do obrigado de indemnizar, de um veículo com as características do veículo paralisado.</font><br>
<font> 9ª- Se tal não ocorrer, como no caso não ocorreu, então em aplicação da regra da teoria da diferença consagrada no art. 566º do C.Civil, o dano constituído pela privação de uso, deverá ser reparado através da fixação de indemnização em dinheiro.</font><br>
<font> 10ª- E pelo tempo efectivo da privação e não o correspondente apenas ao período necessário da reparação.</font><br>
<font> 11ª- Que no caso deveria ter como referência o período de paralisação provado, à razão diária do valor de um aluguer provado.</font><br>
<font> 12ª- Face à matéria dada como provada e recorrendo à equidade poderia condenar a R. no pedido formulado quanto à indemnização por paralisação (495 dias x 50,00/dia = 24,750,€).</font><br>
<font> 13ª- Violou a sentença recorrida, por erro de interpretação, os arts. 342º, 496º, 562º, 564º e 566º do C.Civil.</font><br>
<font> A recorrente subordinada R. também alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> </font><font>1ª- A concessão de obras públicas consiste em o Estado, ou outra pessoa de direito público legalmente autorizada, transferir para uma empresa particular o poder de executar certos trabalhos, com capitais desta e a seu risco, mediante o privilégio de exploração exclusiva, durante um período determinado, dos imóveis construídos ou das instalações feitas. O concessionário recebe no acto de concessão a faculdade de cobrar taxas dos utentes das coisas que produzir e limitar-se-á a assegurar a conservação dos bens e a mantê-los em estado de poderem ser utilizados pelos particulares, mediante o pagamento por estes de uma taxa.</font>
<p><font> 2ª- A taxa pode ser definida, alternativamente, como a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semi-públicos, ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização.</font>
</p><p><font> 3ª- Sinalagma quer dizer algo como «pacto» ou «contrato», com alusão directa, precisamente ao carácter presente nos preços (</font><i><font>lato sensu</font></i><font>) de direito privado, estes estabelecidos no domínio da «autonomia da vontade» que, em via de princípio, determina o objecto das obrigações voluntárias e lhes modela o conteúdo quando se trata de negócios jurídicos bilaterais, ou contratos, mas ausentes de taxas, por estas serem nascidas </font><i><font>ope legis</font></i><font> e não </font><i><font>ex voluntate</font></i><font> e, muito menos, de conteúdo modelado </font><i><font>secundum voluntatem</font></i>
</p><p><font> 4ª- É fácil no caso das taxas de portagem e considerando o equilíbrio financeiro da concessão, verificar como aquelas são fixadas por regras ditadas unilateralmente pelo concedente (Bases XIV a XVI da concessão). Não há na fixação das taxas liberdade contratual alguma por parte dos utilizadores.</font>
</p><p><font> 5ª- O IVA não constitui receita da Brisa (da concessão), mas do Estado. O Estado pode alterar o valor da respectiva taxa - aumentou-o de 17% para 19% pela Lei nº 16-A de 31 de Maio. Por outro lado, o Estado é interessado na fixação da base de incidência da sua receita de IVA. As Bases XIV a XVI mostram que a recorrente não tem liberdade de fixação das taxas de portagem. Nem de conceder isenções (XIX,4)</font>
</p><p><font> 6ª- A taxa de portagem é paga por veículo independentemente do número de pessoas que nele viajam. A taxa é a mesma quer viaje uma só pessoa no veículo quer viajem mais. Com estas não haveria qualquer contrato. A taxa por veículo não aumenta se neste viajarem mais pessoas para lá do condutor, Todavia também perante essas outras pessoas a recorrente é igualmente responsável</font>
</p><p><font> 7ª- Não faz parte do conteúdo ou do objecto do dever da ré que em nenhum momento o piso possa estar molhado, ou a água gele, ou nele caia óleo, ou uma pedra, ou grades de cerveja ou um pneu. Não integra o objecto desse dever que, num momento, sem que se saiba como, um cão ou gato ou raposa não apareça na via. No objecto do seu dever não existe semelhante obrigação que pudesse findar quer a ilicitude da sua conduta quer uma presunção de culpa pela sua verificação. Tendo surgido esses factos, que são ou podem ser instantâneos, haverá então que averiguar se houve da recorrente negligência na sua remoção. Mas a não verificação deles não integra originariamente o dever da recorrente para com os utentes pois isso constituiria a estatuição originária de um dever impossível de cumprir e sabe-se que não poderia considerar-se válida tal estatuição originária de dever impossível de cumprir.</font>
</p><p><font> 8ª- Inexistindo no objecto do dever da concessionária tal irresponsabilidade originária não lhe poderá ser atribuída uma conduta ilícita nem uma presunção de culpa pelo surgimento de tais factos. Só através da demonstração de culpa por omissão subsequente à sua verificação poderá a recorrente vir a ser responsabilizada. Mas isso revela a ausência dum dever originário de impedir a ocorrência da verificação desses factos que lhe pudesse ser imputado a título de ilicitude ou de presunção de culpa por ocorrência dessa verificação.</font>
</p><p><font> 9ª- Inexistindo tal dever originário estamos fora do campo da responsabilidade contratual pois que esta pressupõe a pré-existência da obrigação violada. A modalidade de responsabilidade civil da concessionária terá de ser definida perante tais condicionalismos, sendo eles então impeditivos de que ela possa ser a responsabilidade contratual por impossibilidade de os integrar no dever originário que a lei lhe determina.</font>
</p><p><font> 10ª- A possibilidade de surgimento de uma raposa numa auto-estrada é urna possibilidade real, que os condutores devem considerar, pela qual a concessionária pode ser ou não ser responsável, mas sem que haja motivo para a presumir culpada. Estabelecer aqui uma presunção de culpa corresponderia a impor sobre a concessionária um dever de impossível realização, por não poder controlar actos praticados por terceiros nem ser possível vedar ou vigiar incessantemente durante as 24 horas todos os acessos e saídas. Este dever não faz parte do conteúdo do seu dever de assegurar a circulação em boas condições de segurança. Nem este seria válido se fizesse por ser impossível ou incomportável, da sua não realização não podendo decorrer qualquer ilicitude nem presunção de culpa.</font>
</p><p><font> 11ª- O utente não pode razoável mente contar que o piso não possa estar escorregadio, não possa cair um objecto na via ou nela não possa inopinadamente surgir um cão ou uma raposa. Tais garantias não fazem parte do conteúdo do dever da recorrente em termos de se lhe imputar urna conduta ilícita e culpa presumida.</font>
</p><p><font> 12ª- Ocorreram já acidentes na auto-estrada quando árvores a esta pertencentes tombaram na via; e também quando de obras na via. Nestes casos poderão determinar-se situações de danos causados pela coisa, cuja solução passe pela aplicação do disposto no art. 493º n°1 do Código Civil.</font>
</p><p><font> 13ª- Não constitui dever da recorrente, por impossível de cumprir, o de impedir que uma raposa entre por um dos milhares ramais de acesso (e de saída) da auto-estrada sempre abertos. Os condutores têm o dever de prever essa eventualidade e por isso se lhes impõe a obrigação de respeitar as normas de conduta estabelecidas no Código da Estrada.</font>
</p><p><font> 14ª- A recorrente é obrigada a assegurar aos utentes auxílio sanitário e mecânico e a circulação permanentemente em boas condições de segurança e comodidade, devendo vigiá-las (Bases XXXVI e XXXVII). Este dever, porém, não tem fonte contratual, existe independentemente da constituição de qualquer relação obrigacional entre a Brisa e aquele que paga a taxa de portagem, mantém-se nos troços dela isentos e também a favor de utentes pessoalmente isentos de taxa de portagem e de todos os passageiros das viaturas. Esse dever tem antes a sua fonte em “ legal destinada a proteger interesses alheios (art. 483°, n°1 do C.Civil) e cuja violação é portanto apreciada no âmbito da responsabilidade civil extraobrigacional.</font>
</p><p><font> 15ª- A função atribuída pela lei à vedação é a de delimitar a zona da auto-estrada e da concessão, fixar o limite donde se conta a zona </font><i><font>non aedificandi</font></i><font> e impedir a utilização por particulares dessa zona da auto-estrada que constitui o domínio público, que a vedação delimita. Se a finalidade de vedação fosse a de impedir a entrada de animais a sua concepção seria diferente e a sua colocação mais próxima da plataforma. A vedação tem assim por finalidade legal reservar e proteger o domínio público, delimitar a zona da auto-estrada e da concessão e fixar o limite da zona </font><i><font>non aedificandi</font></i><font>. Servindo para delimitar a zona </font><i><font>non aedificandi</font></i><font> a vedação tem de seguir o traçado que segue e não outro mais cómodo, económico ou eficaz, se tivesse por objectivo evitar a entrada de animais nas faixas de rodagem.</font>
</p><p><font> 16ª- A entrada e a saída de veículos na auto-estrada tem de estar (e está) permanentemente franqueada. Por onde entram ou por onde saem os veículos pode entrar uma raposa. Tal entrada só poderia evitar-se mantendo um guarda em permanência, 24 horas por dia em cada ramo da auto-estrada. Isso implicaria organizar um trabalho, por cada ponto envolvendo várias pessoas, por turnos, diurnos e nocturnos e criar instalações para a presença de guarda (armado), dia e noite e em situações de mau tempo, em cada ramo de entrada e em cada ramo de saída. Porventura não poderia estar apenas um guarda, pois carecia de naturais ausências momentâneas e lá se introduziria a raposa. Este dever não pode considerar-se incluído nos deveres da concessionária.</font>
</p><p><font> 17ª- Um choque em cadeia, uma bátega muito forte, a queda, na faixa de rodagem, de objectos transportados, o surgimento instantâneo de uma raposa, a perda de óleo por um veículo, tudo sem qualquer possibilidade de intervenção da concessionária constituem, ademais, acontecimentos inevitáveis — casos de força maior — naturais ou decorrentes de acções humanas, por cujas consequências só a demonstração de incúria da recorrente na sua remoção a fará incorrer em ilicitude e culpa.</font>
</p><p><font> 18ª- A circulação em auto-estrada pauta-se pelos princípios do padrão elevado e da igualdade rodoviária.</font>
</p><p><font> 19ª- Em especial quanto à igualdade rodoviária em todos os troços (concluídos pela Brisa ou pelo Estado e com portagem ou sem ela) e para todos os utentes (topos de gama, veículos antigos, automóveis particulares ou autoridades isentas de portagem) vigoram as mesmas regras de circulação e operam as mesmas responsabilidades, por exigência legal e de ordem pública.</font>
</p><p><font> 20ª- Não é possível construir um contrato inominado por pagamento de portagens: não há liberdade de celebração nem de estipulação, não há concorrência de declarações (v.g. o passageiro vai a dormir) e ele implicaria a quebra da igualdade rodoviária; além disso não se aplica qualquer regime contratual (a recusa de pagamento da portagem não isenta a Brisa dos seus deveres).</font>
</p><p><font> 21ª- O regime do artigo 493°/1, do Código Civil, só opera perante danos causados pelo imóvel não no imóvel.</font>
</p><p><font> 22ª- O contrato com protecção de terceiros não é necessário no direito português; além disso, ele assenta em prestações compartilhadas pela parte e pelo terceiro (vg.: arrendamento) que, de todo, aqui não ocorrem e dá azo, quando opere, a uma responsabilidade mais próxima da delitual (a “terceira via”).</font>
</p><p><font> 23ª- A solução justa permite fazer apelo à segunda modalidade de responsabilidade aquiliana: a que decorre da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios - 483°/1 do Código Civil.</font>
</p><p><font> 24ª- A disposição é constituída pelas normas das bases da concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro, que tutelam os utentes.</font>
</p><p><font> 25ª- Compete ao interessado provar o incumprimento dessas normas, a razoável conexão entre esse incumprimento e o dano verificado e isso em circunstâncias que permitam o juízo de culpa.</font>
</p><p><font> Sobre a Lei n°24/2007, de 18 de Julho</font>
</p><p><font> 26ª- As obrigações de segurança e a circulação em boas condições de segurança não são a mesma coisa; aquelas, realizadas através da vigilância, são o meio de realização desta. É sempre admitida a prova do cumprimento das obrigações de segurança quando a circulação em boas condições de segurança não está assegurada. Em caso de força maior não há presunção de incumprimento.</font>
</p><p><font> 27ª- Obrigações de segurança e condições de segurança não são a mesma coisa, sendo estas alcançadas ou proporcionadas por meio daquelas e consistindo as obrigações de segurança em assegurar a vigilância.</font>
</p><p><font> 28ª- A Brisa está obrigada a assegurar permanentemente a circulação em boas condições de segurança, obrigação que realiza através do cumprimento das obrigações de segurança consistentes em assegurar a vigilância das condições de segurança.</font>
</p><p><font> 29ª- A Lei nº 24/2007 ou não pode alterar o contrato (e então não vale) ou, se pode, alterou a Base XXXVI - 2 e hoje a Brisa, face à presença objectiva de cão ou objecto ou obstáculo não carece, para se isentar, de provar caso de força maior. Isentar-se-á se provar que cumpriu as obrigações de segurança.</font>
</p><p><font> 30ª- É fora de qualquer sentido dizer-se que uma vez que lá está o cão ou objecto a Brisa, só por isso não cumpriu, quando precisamente a lei admite que prove que cumpriu.</font>
</p><p><font> 31ª- Nesta medida, sendo certo que estabeleceu o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança a Lei afastou, excluiu ou impediu aquela tese extrema de que não basta provar que tinha cumprido as suas obrigações, tendo de provar também um caso de força maior.</font>
</p><p><font> 32ª- Jamais poderá dizer-se que se lá está o objecto ou obstáculo então não cumpriu porque, precisamente, é em tal situação que a Lei admite provar que cumpriu.</font>
</p><p><font> 33ª- Nos casos - que são, afinal, quase todos - do excesso de velocidade, a questão resolve-se através da prova da culpa do lesado.</font>
</p><p><font> 34ª- A Lei nº 24/2007 não é interpretativa pois não pode haver lei interpretativa duma cláusula contratual. Não constitui interpretação autêntica nem tem efeito retroactivo e é inconstitucional.</font>
</p><p><font> 35ª- O preceito sobre a responsabilidade por acidentes em auto-estradas vem atingir processos em discussão judicial: atinge a separação de poderes e viola regras básicas do Estado de Direito, fixado logo no artigo 20º da Constituição</font>
</p><p><font> 36ª- Além disso, esse mesmo preceito vem fixar urna presunção de incumprimento contrária as regras do processo equitativo, violando o artigo 20°, 14º da Constituição.</font>
</p><p><font> 37ª- Finalmente: o preceito em causa conduz a uma imputação objectiva de danos, sem limite máximo e atingindo situações já constituídas: é expropriativo e desarmónico, violando os artigos 62°/1 e 13°/1, sempre da Constituição.</font>
</p><p><font> O caso dos autos</font>
</p><p><font> 38ª- A alínea G) dos factos da sentença não é matéria de facto, não é facto, mas juízo de valor, conclusão. A colisão ficou, sim, a dever-se a condução irregular em infracção ao Código da Estrada - circulação injustificada pela via mais à esquerda das 3 vias da faixa de rodagem.</font>
</p><p><font> 39ª- O caso terá de ser julgado considerando livres as vias direita e central, como alegado na p.i. e mantido na resposta: o sinistro ocorreu na via da esquerda das 3 vias e não tinha ocorrido se o veículo circulasse na via da direita.</font>
</p><p><font> 40ª- Uma viatura que circulasse paralelamente a esta (portanto à mesma velocidade na via mais à direita não podia embater na raposa. Este facto é irrecusável, inegável, é notório, insusceptível de ser contrariado. É uma lei da física, da natureza. Se o veículo dos autos circulasse na via da direita não tinha embatido na raposa. “Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar” (art. 570º, n°2, do C.C.),</font>
</p><p><font> 41ª- Se o condutor circulasse, como devia, pela via da direita e não, indevidamente, pela via da esquerda, que são afastadas entre si 6,720 metros, não tinha colidido com a raposa. É apenas sua a culpa do sucedido.</font>
</p><p><font> 42ª- O caso não pode julgar-se por uma versão dele, apenas apresentada em audiência por uma testemunha interessada - menção de que ultrapassava uma viatura - sem que qualquer das partes alegue ou articule essa versão e o Tribunal a quesite - violar-se-iam, designadamente, os arts. 664°, 486°, 490°, 506°, 517°, 568° e ss., 264° n°3 e 3° n°3, do CPC ou então, entendendo-se que eles consentem ser aplicados desta forma, estarão em desacordo com o art. 20° da Constituição, este em conformidade com o disposto nos arts. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.</font>
</p><p><font> 43ª- Não foi determinado um nexo causal, nem condição necessária, entre a abertura referida em H-I-J da douta sentença e a invasão pela raposa da faixa de rodagem.</font>
</p><p><font> 44ª- Tendo-se quesitado — mas não provado — se a raposa entrou por aquela abertura, não pode julgar-se na consideração desse facto provado por presunção. A abertura não é, então, causa ou condição de a raposa se encontrar na faixa de rodagem.</font>
</p><p><font> 45ª- É certo que o condutor podia e devia ter evitado o dano, se não tivesse violado o Código da Estrada, e não é certo que tenha ocorrido omissão da ré nem que o dano tenha tido como causa ou condição a abertura da vedação. Não se pode trocar o certo pelo incerto.</font>
</p><p><font> 46ª- O condutor circulava com velocidade excessiva, pois não esboçou travagem, fez duas diagonais à plataforma de 3 vias e berma, embateu à direita e à esquerda da auto-estrada e imobilizou-se mais de 125 metros após o embate.</font>
</p><p><font> 47ª- A A. não procedeu nem mandou proceder à reparação do veículo nem fez, por isso, qualquer pagamento a esse título fosse a quem fosse. Perante tal situação factual a autora não pode ver satisfeita a procedência do seu pedido tal como formulado, uma vez que no pedido de condenação da ré numa quantia concreta está a pressupor o direito ao pagamento de uma quantia necessária à reposição natural que fez dos danos sofridos e orçamentados resultando agora do processo que isso não aconteceu.</font>
</p><p><font> 48ª- No douto acórdão apela-se a um contrato que a lei não prevê e que defronta o princípio da igualdade rodoviária, para fazer uma imputação de culpa/ilicitude que objectiva a responsabilidade civil.</font>
</p><p><font> 49ª- Além disso, retiraram-se, dos factos, causalidades unilaterais que eles não facultam.</font>
</p><p><font> 50ª- Desconhece-se em que circunstâncias de modo e de tempo a raposa entrou na zona da auto-estrada por modo que possa imputar-se à recorrente alguma omissão ilícita ou culposa pela não remoção do obstáculo à circulação.</font>
</p><p><font> 51ª- A raposa podia encontrar-se na zona da auto-estrada há escasso tempo e não havia sido detectada a sua presença antes do acidente. A regra básica do ordenamento é a da suportação do dano pela esfera onde ocorra.</font>
</p><p><font> 52ª- Desconhece-se quais as circunstâncias em que a raposa entrou na zona da auto-estrada e há quanto tempo ali estaria. Não é pois possível em tais circunstâncias dirigir à recorrente um juízo de censura por omissão ilícita ou culposa do seu dever.</font>
</p><p><font> 53ª- Os factos alegados que o julgador tem por essenciais aos fundamentos da pretensão ou da defesa têm de ser submetidos ao julgamento sob pena de violação do disposto designadamente nos arts. 3°, 487°, 488°, 489 511°,659°, 668° 1 d) e 712°, todos do CPC.</font>
</p><p><font> 54ª- Pretendendo a ré demonstrar que na vigilância e manutenção da vedação age de acordo com o critério do </font><i><font>bonus parter familias </font></i><font>e entendendo, bem, a sentença, no seu relatório, que a ré se defendeu por excepção, deve a decisão de facto ser ampliada, nos termos do disposto no art. 729°, n°3, pela inclusão dos factos referidos no nº 27 das presentes alegações.</font>
</p><p><font> 55ª- Se houvesse responsabilidade contratual então o acórdão não poderia condenar em juros desde a citação, mas apenas desde a liquidação - em tal caso, aplicou erradamente o disposto no artigo 805° do Código Civil.</font>
</p><p><font> 56ª- Em face da situação apresentada no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> se se concluísse pela responsabilidade da R. seria a decisão da 1ª Instância que deveria subsistir, porém limitada ao período até final de Fevereiro de 2003 e com juros apenas desde a liquidação.</font>
</p><p><font> 57ª- O douto acórdão recorrido aplicou também erradamente o disposto nos arts, 483°n°l, 487°n°1, 342°n°l, 406°, 493°, 798° e 799° n°1 do Código Civil, 24°n°1 do Código da Estrada e no Decreto-Lei n°294/97, de 24 de Outubro, art. 3° e Bases IV, V, XV, XVI, XVIII, XIX, XXXII, XXXIII, XXXV, XXXVI, XXXVII e XLIX.</font>
</p><p><font> 1-8- Não houve contra-alegações.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<font> 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3, ex vi do disposto no art. 726º do C.P.Civil).</font><br>
<font> Nesta conformidade serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>Quanto ao recurso da A:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>- Montante indemnizatório relativo à privação do uso do veículo.</font><br>
<font> </font><b><font>Quanto ao recurso subordinado da R.:</font></b><br>
<font> - Ónus da prova do cumprimento das obrigações.</font><br>
<font> - Presunção de incumprimento e sua elisão. </font><br>
<font> - Culpa do condutor pelo acidente.</font><br>
<font> - Não obrigatoriedade do pagamento de indemnização pelos danos.</font><br>
<font> - Ampliação da matéria de facto.</font><br>
<font> - Inconstitucionalidade da Lei 24/2007</font><br>
<font> 2-2- Das instâncias, vem fixada a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> A- A R. é uma sociedade comercial que tem por objecto social a construção, conservação e exploração, em regime de concessão, de um conjunto de auto-estradas, designadamente da A4, que faz a ligação da cidade do Porto à cidade de Amarante.</font><br>
<font> B- Entre a Brisa Auto-estradas de Portugal, S.A. e a interveniente Companhia de Seguros.........., S.A. foi celebrado um acordo escrito mediante o qual a segunda se compromete a pagar a terceiros os valores pecuniários decorrentes da conduta da R. Brisa, até ao montante de 748.200,00 Euros, em vigor à data dos factos e titulado pela apólice n.º ../........., conforme documento das fls. 61 a 80, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.</font><br>
<font> C- No dia 21 de Dezembro de 2002, cerca das 23.50 horas, ocorreu uma colisão na auto-estrada A4 envolvendo o automóvel com a matrícula ..-..-.., de marca Volkswagen, modelo Golf e uma raposa – resposta ao ponto 1º da base instrutória.</font><br>
<font> D- O veículo ..-..-.. era conduzido por BB – resposta ao ponto 2º da base instrutória.</font><br>
<font> E- A colisão ocorreu ao Km. 45,575 da A4, na via de trânsito esquerda, no sentido Amarante-Porto, lugar de São Mamede de Recesinhos, Penafiel – resposta ao ponto 3º da base instrutória.</font><br>
<font> F- O troço de auto-estrada onde se deu a colisão apresenta uma faixa de rodagem com três vias de trânsito, configurando uma ligeira curva – resposta ao ponto 4º da base instrutória.</font><br>
<font> G- A colisão ficou a dever-se à invasão de uma raposa na faixa de rodagem da auto-estrada A4, no sentido Amarante/Porto – resposta ao ponto 5º da base instrutória. </font><br>
<font> H- A rede de protecção existente ao longo da auto-estrada apresentava uma abertura, nas imediações do local do acidente, no sentido Amarante/Porto, conforme fotografias de fls. 33 e 35 - resposta ao ponto 6º da base instrutória.</font><br>
<font> I- Essa brecha/abertura permite a passagem de animais – resposta ao ponto 7º da base instrutória.</font><br>
<font> J- A brecha/abertura aludida na resposta anterior constitui um dos locais possíveis por onde poderá ter entrado na auto-estrada a raposa geradora do sinistro – resposta ao ponto 8º da base instrutória.</font><br>
<font> K- O condutor do veículo não teve tempo para efectuar qualquer travagem, despistando-se, embatendo nas guardas de segurança da berma do lado direito da A4 e ulterior colisão no separador central da auto-estrada – resposta ao ponto 9º da base instrutória.</font><br>
<font> L- O veículo acabou por ficar imobilizado na via de trânsito central da auto-estrada ao Km. 45,475, sentido Amarante/P | [0 0 0 ... 0 1 0] |
ADLPu4YBgYBz1XKvuEHP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>1. </font></b><font>O </font><b><font>Empresa-A</font></b><font>, veio intentar acção declarativa comum com forma ordinária, contra</font><b><font> AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo que sejam condenados, solidariamente entre si, a pagar ao autor a importância de € 17.295,44 acrescida de € 3.032,34 de juros vencidos até 11-12-2002 e de € 121,29 de imposto de selo sobre estes juros e, ainda, os juros que, sobre a quantia de € 17.295,44, se vencerem à taxa anual de 26,12 %, desde 12-12-2002 até integral pagamento, bem como do imposto de selo que, à referida taxa de 4 %, sobre estes juros recair e, ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal.</font><br>
<br>
<font>Citados os réus não contestaram.</font><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto no art.° 484°, n.° 1 do Cód. Proc. Civil, foi proferida sentença que condenou a ré AA a pagar ao autor a quantia de 650.142$00 (€ 3.242,89), correspondente a 9 prestações vencidas (9 x 72.238$00), acrescidas de juros desde a data de vencimento de cada uma delas (no dia 10 de cada mês) até integral pagamento, à taxa convencionada, que é de 22,12 %, acrescida do imposto de selo respectivo, absolvendo-a do restante pedido; e absolveu o réu BB da totalidade do pedido. Mais condenou o autor e a ré AA nas custas, na proporção do respectivo decaimento.</font><br>
<br>
<font>Inconformado apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que viria a julgar improcedente a apelação.</font><br>
<font>De novo, inconformado veio a interpor recurso de revista para este S.T.J., concluindo a sua alegação pela seguinte forma:</font><br>
<font> </font><br>
<font>1. As Condições Gerais, bem como as Condições Especificas acordadas no contrato de mútuo dos autos, encontravam-se já integralmente impressas quando o 1° R. ora recorrido nele apôs a sua assinatura, não foram inseridas depois da assinatura de qualquer das partes, pelo que não existe qualquer violação do disposto na alínea d) do artigo 8° do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro."</font><br>
<br>
<font>2. Nos autos não só nunca se pôs sequer a questão de o contrato dos autos ser ou não – e não o é, designadamente para efeitos do disposto na alínea d) do artigo 8° do Decreto-Lei n.° 446/85 de 25 de Outubro - um formulário como o previsto na dita alínea d) do artigo 8° do Decreto-Lei n.° 446/85 de 25 de Outubro, como – e é isso que interessa – também nunca se pôs a questão de a R. ora recorrida não ter dado – como deu – o seu consentimento aquilo que acordado foi no contrato de mútuo dos autos.</font><br>
<br>
<font>3. Aliás, nenhuma excepção foi deduzida pela R. ora recorrida que nem sequer contestou apesar de ter sido pessoal e regularmente citado, nem por qualquer dos restantes RR.</font><br>
<br>
<font>4. Não é necessária qualquer interpelação para o vencimento imediato nos temos do artigo 781° do Código Civil, no entanto, mesmo que se perfilhe a tese da necessidade de interpelação do credor ao devedor para fazer operar o que se dispõe no dito artigo 781° do Código Civil, é manifesto que no caso "sub judice", atento o expressamente acordado no contrato dos autos, tal interpelação é, sempre, desnecessária para que o vencimento de todas as prestações não pagas do referido contrato se verifique. Tal vencimento é, conforme expressamente acordado, imediato.</font><br>
<br>
<font>5. Não faz qualquer sentido pretender que estejam apenas em divida as prestações de capital não pagas acrescidas os juros de mora à taxa acordada, contabilizados apenas desde 10.04.2002.</font><br>
<br>
<font>6. O artigo 781° do Código Civil é expresso ao estabelecer, que: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas."</font><br>
<br>
<font>7. Estamos perante obrigações com prazo certo pelo que o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação do devedor ex vi alínea a) do n.° 2 do artigo 805° do Código Civil, o seu vencimento é imediato.</font><br>
<br>
<font>8. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo 1° R. de uma das referidas prestações.</font><br>
<br>
<font>9. Está provado nos presentes autos que o A. na acção, ora recorrente, na acção, ora recorrente, é uma sociedade financeira de aquisições a crédito, constituindo, actualmente uma instituição de crédito.</font><br>
<br>
<font>10. Não existe qualquer taxa juro especificadamente fixada pelo Banco de Portugal para a actividade de financiamento de aquisições a crédito, isto é, para a actividade exercida pela A., ora recorrente.</font><br>
<br>
<font>11. A taxa de juro — 22,12% - estabelecida por escrito para o financiamento de aquisição a crédito à R., ora recorrida, do veiculo automóvel referido nos autos é inteiramente válida.</font><br>
<br>
<font>12. É admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou parabancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses.</font><br>
<br>
<font>13. Não é pois aplicável no contrato de mútuo dos autos o disposto no artigo 560° do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>14. Ressalta do contrato de mútuo de fls. , que os juros capitalizados respeitam ao período de seis anos.</font><br>
<br>
<font>15. Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu recentíssimo acórdão, no processo n.° 1512/06, da 2ª Secção, de 30.03.2006, ao referir, que: Por aqui se vê que das disposições legais aplicáveis in casu se poderá concluir que quando as partes consignaram que a falta de pagamento de uma prestação implicaria o vencimento das restantes, admitiram que o vencimento abrangesse os furos remuneratórios, porque estes estão incluídos no conceito de prestação e porque a Lei permite, nestas circunstâncias, a capitalização de juros, neste sentido cfr os AC STJ de 18 de Dezembro de 2003 (Relator Cons Araújo de Barros) e de 22 de Maio de 2005 (Relator Cons. Pinto Monteiro), in www.dgsi. pt.</font><br>
<font>Por outra banda o artigo 9°, n.° 1 do DL 359/91 de 21 de Setembro (normativo este de formulação idêntica ao artigo 1147° do CCivil) predispõe que «O consumidor tem o direito a cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o contrato de crédito, sendo-lhe calculado o valor do pagamento antecipado do montante em divida com base numa taxa de actualização, que corresponderá a uma percentagem mínima de 90% da taxa de juros em vigor no momento da antecipação para o contrato em causa». Parece ser de aplicar aqui as considerações doutrinárias de Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 1147° do CCivil (Código Civil Anotado, vol II, 4° edição, 772, «(...) No mútuo oneroso, o prazo presume-se estipulado em beneficio de ambas as partes ... A experiência confirma, na generalidade dos casos, o raciocínio que está na base da presunção legal. O mutuário tem interesse em aproveitar-se da coisa durante o prazo estipulado; o mutuante tem, por seu turno, interesse em manter, durante o prazo aplicados os seus capitais, recebendo por eles os interesses convencionados... o direito conferido ao mutuário de antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro, harmoniza-se com o que acaba de ser dito acerca do interesse do mutuante. Desde que tal interesse reside na fruição da coisa mutuada, os seus direitos ficam assegurados, se o mutuário satisfizer os juros por inteiro. (...)». Neste caso, de antecipação do pagamento por banda do mutuário, quis-se salvaguardar o interesse do mutuante, fazendo-lhe atribuir os juros remuneratórios do capital. Não há razões que nos levem a uma solução diversa, na situação em que o mutuante não perde o beneficio de um prazo, estabelecido também em seu favor, impondo-lhe a sua perda apenas porque ele pretende reaver o montante mutuado e por facto imputável ao mutuário, que deixou de satisfazer pontualmente as prestações devidas. A não ser assim, numa sociedade como a actual, em que o crédito ao consumo assumiu o controlo da vida dos cidadãos, em que tudo se compra a prestações, está aberta a via para que os consumidores deixem de satisfazer pontualmente as suas obrigações, ao invés de, podendo, anteciparem o seu pagamento, pois ao fazê-lo estarão a ser beneficiados. Há, assim, que interpretar extensivamente aquele artigo 9° do DL 351/91, no sentido de que, se a divida se vencer nos termos do artigo 781º do C.Civil (nesta interpretação actualista da norma), o mutuante terá direito aos juros remuneratórios e consequentemente às quantias peticionadas e devidamente liquidadas em sede de Petição Inicial. </font><br>
<br>
<font>16. A capitalização de juros é, pois, inteiramente válida, no caso do contrato dos autos.</font><br>
<br>
<font>17. É, pois, manifesta a falta de razão da sentença confirmada pelo Acórdão recorrido, ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, o Sr. Juiz a quo violou, interpretou e aplicou erradamente não só o previsto na dita alínea d) do artigo 8° do Decreto-Lei n.° 446/85 de 2.5 de Outubro, como também, violou o disposto nos artigos 560° e 781° do Código Civil, nos artigos 5°, 6° e 7°, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 17 ° do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2° do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1° e 2° do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3°, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro.</font><br>
<br>
<font>18. O Acórdão recorrido errou ao considerar que o A., em 1 a instância, ora recorrente, não logrou provar o casamento dos RR., em 1ª instância, ora recorridos, e, assim, na pretensa falta de demonstração do proveito comum do casal dos RR, ora recorridos, violando assim o disposto no artigo 484°, n° 1 do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>19. Com efeito, no artigo 17° da petição inicial de fls. , o A. na acção, ora recorrente, alegou expressamente que o empréstimo concedido pelo dito recorrente á R. mulher, ora recorrida, - que se destinava à aquisição de um veículo automóvel como provado está - reverteu em proveito comum do casal formado pelos RR. na acção, ora recorridos, tratando-se de expressão complexa que engloba tanto matéria de facto como de direito e que, no caso dos autos, é matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>20. Os recorridos, foram pessoal e regularmente citados para os termos da presente acção, não tendo contestado a mesma, pelo que os RR, ora recorridos, não impugnaram, o seu casamento, antes pelo contrário, confessaram-no e não</font><br>
<font>impugnaram também o facto de o empréstimo concedido pelo A. na acção, ora recorrente, à ora recorrida mulher ter revertido em proveito comum do casal formado por ambos os RR., pelo que toda essa matéria de facto se encontra provada, face ao preceito imperativo do artigo 484°, n° 1, do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>21.O recorrido marido é, pois, solidariamente responsável pelo pagamento das importâncias reclamadas nos presentes autos, atento a importância mutuada ter revertido para o património comum do casal formado pelos recorridos - atenta aquisição de veículo automóvel -, como ressalta da matéria de facto invocada no artigo 17° da petição inicial que, por não impugnada, se tem de considerar confessada.</font><br>
<br>
<font>22. O Acórdão recorrido ao absolver o recorrido marido com fundamento na não demonstração quer do casamento dos RR, ora recorridos, quer do proveito comum, violou o disposto no artigo 484°, n° 1, do Código de Processo Civil, e no artigo 1.691°, n° 1, alínea c) do Código Civil, questão de que no caso dos autos este Tribunal pode conhecer de harmonia com o disposto no artigo 722°, n° 2, parte final do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Não foram produzidas contra alegações.</font><br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Decidindo.</font><br>
<br>
<b><font>2. </font></b><font>Foi considerada como provada pelas Instâncias, a seguinte factualidade:</font><br>
<br>
<font>1 - 0 A., no exercício da então sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada pela Ré Raquel Ferreira, à aquisição de um veículo automóvel da marca BMW , modelo 318 is, com a matricula BS, por contrato constante de título particular datado de 10 de Março de 2001, concedeu á dita Ré AA crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado á dito R. a importância de Esc. 2.540.000$00 - que ao presente corresponde a euros 12.669,47;</font><br>
<font>2 - Nos termos do contrato assim celebrado entre o A. e a referida Ré AA, aquele emprestou a esta a dita importância de Esc.2.540.000$00 - que ao presente corresponde a Euros 12.669,47, com juros à taxa nominal de 22,12% ao ano, devendo a importância do empréstimo, e os juros referidos, bem como o prémio de seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Abril de 2001 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;</font><br>
<font>3 - De harmonia com o acordado entre as partes - vidé citado doc. n° 2 -, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pela referida Ré AA para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar , aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pelo ora A.;</font><br>
<font>4 - Foi acordado entre as partes que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.</font><br>
<font>5 - Mais foi acordado entre A. e a referida R. que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada - 22,12% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 26,12%.</font><br>
<font>6 - Sucede que, a referida Ré AA, das prestações referidas, não pagou a 13ª e seguintes, com vencimento a primeira em 10 de Abril de 2002, vencendo-se então todas.</font><br>
<font>7 - A referida R mulher não providenciou às transferências bancárias referidas - que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, nem a referida Ré AA, ou quem quer que fosse por ela, as pagou ao A. </font><br>
<font>8 - Conforme expressamente consta do referido contrato, o valor de cada prestação era de Esc. 72.238$00 (que ao presente corresponde a Euros 360,32).</font><br>
<br>
<b><font>3. — Análise do objecto da revista — </font></b><br>
<br>
<font>Constitui objecto da revista, não obstante o alegado pelo recorrente, para este Supremo, tão somente a questão relativa </font><i><u><font>a) </font></u></i><font>à temática do vencimento de todas as prestações posteriores ao não pagamento da 13ª prestação, por desnecessidade de interpelação nos termos do art. 781º do C.Civil, conjugada com a cláusula 8ª das Condições Gerais do contrato e </font><i><u><font>b) </font></u></i><font>a atinente à dívida peticionada ter sido contraída tendo em vista o proveito comum do casal.</font><br>
<font>Com efeito, todos os outros pontos constantes da alegação da revista, com incidência na problemática dos juros, não são de conhecer, por não terem sido objecto de decisão no recurso de apelação, pela Relação, e, assim, serem de considerar </font><i><font>questões novas.</font></i><font> </font><br>
<br>
<font>Vejamos. </font><br>
<font>Quanto à primeira questão, verifica-se que resulta do circunstancialismo fáctico provado que o Autor e a Ré celebraram um contrato de crédito, entendido como o contrato por meio do qual um credor concede a um consumidor um crédito sob a forma de mútuo - art.° 2.°, alínea a) do Decreto-Lei n.° 359/ 91, de 21 de Setembro.</font><br>
<font>O regime legal do contrato de mútuo em causa decorre do Decreto-Lei n.° 359/91, de 21 de Setembro, que veio regular novas formas de crédito ao consumo.</font><br>
<font>O dissídio situa-se, conforme já se assinalou, no entendimento perfilhado na 1.ª Instância, e acolhido no acórdão recorrido, de que:</font><br>
<font>O A. não logrou provar que, anteriormente à propositura da acção, tenha interpelado a Ré para proceder ao pagamento dos 650.142$00 (€ 3.242,89), correspondente a 9 prestações vencidas (9 x 72.238$00) a que se arroga direito.</font><br>
<font>Nessa medida, só com a citação da Ré se deve considerar a mesma interpelada, nos termos do artigo 805.°, n.° 1 do Código Civil.</font><br>
<font> Ficou, no entanto, também provado que, conforme também expressamente acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações. </font><br>
<font>Esta cláusula contratual corresponde ao estatuído no artigo 781.° do Código Civil, segundo o qual "se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas."</font><br>
<br>
<font>Este preceito legal não preconiza o vencimento imediato, mas apenas que o vencimento das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor.</font><br>
<br>
<font>A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui</font><font> </font><font>(1)</font><font>.</font><br>
<br>
<font>Isto é, torna-se necessário que o credor interpele o devedor (para pagar a totalidade da dívida) para que se dê o vencimento nos termos gerais que se inferem do artigo 805.°, n.° 1 do Código Civil. </font><br>
<font>O vencimento imediato significa exigibilidade imediata e não que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação em falta.</font><font> </font><font>(2) </font><br>
<br>
<font>Ora, o Autor não logrou provar que, anteriormente à propositura desta acção, tenha interpelado a Ré para proceder ao pagamento que ora vem exigir.</font><br>
<font>No entanto, ficou provado que as partes convencionaram que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.</font><br>
<font>Ora, resultando tal facto da factualidade dada como provada e não tendo surgido oposição na presente acção logo se constata que o contrato celebrado é válido, já que foi livremente celebrado entre as partes (art. 405º do C.Civil), sendo certo que a aludida cláusula 8ª das Condições Gerais não se inclui em matéria em que supletivamente o legislador quis regular o trato contratual.</font><br>
<font>Dito doutra maneira, o disposto no art. 781º do C.Civil, na interpretação que lhe foi dada supra, por não ser uma norma imperativa pode ser afastada pela livre vontade das partes contraentes.</font><br>
<font>Como sustenta Mário Júlio de Almeida Costa</font><font> (3) </font><font>esta disposição legal sofre de limitação quanto à venda a prestações, já que o legislador optou por sancionar uma solução diversa, baseada na ideia de protecção dos consumidores que utilizem esse contrato, nos termos do que se dispõe no art. 934º do mesmo Código.</font><br>
<font>Assim, este normativo é imperativo, contrariamente o constante do art. 781º já não o será, pelo que os contraentes podem-no afastar livremente, nos termos do art. 405º do C.Civil.</font><br>
<font>Consequentemente, as partes ao clausularem que as diversas prestações se venceriam, desde que uma delas não fosse paga, independentemente de ter havido interpelação, não ofende qualquer norma imperativa, pelo que a validade do contrato celebrado não deveria ter sido colocado em crise, conforme foi pelas Instâncias.</font><br>
<font>Com efeito, existindo e estando provada a vontade das partes no sentido de ter sido celebrado um contrato de mútuo com as condições gerais e específicas constantes no documento que ambas subscreveram, não tendo sido colocada nos autos que o aludido contrato seria um “formulário”, para os fins previstos no art. 8º al. d) do Dec. – Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, e, não se equacionando, de igual modo, o facto de a recorrida não ter dado o seu consentimento aquilo que foi acordado no contrato de mútuo, já que não foi deduzida qualquer excepção, por falta de contestação, nunca o clausulado firmado pelas partes poderia ter sido colocado em crise, como o foi, pelas Instâncias.</font><br>
<font>Efectivamente, tem-se presente toda a problemática atinente às cláusulas contratuais gerais, maxime ao </font><i><font>“controlo da inclusão”</font></i><font>, de que fala Mário Júlio de Almeida Costa</font><font> (4)</font><font>, nomeadamente que pertence, nos termos do art. 5º nº 3 do citado Dec.-Lei nº446/85, ao contraente que submete a outrem as cláusulas contratuais gerais, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva, sendo que esse dever de comunicação é uma obrigação de meios no dizer do mesmo Mário Júlio de Almeida Costa e Menezes Cordeiro</font><font> (5)</font><font>, mas o certo é que, por confissão, ficou provado que as partes convencionaram que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.</font><br>
<font>Assim, não poderia o julgador ter questionado a validade da eficácia daquela cláusula que, aliás foi firmada previamente à assinatura do contrato, e, que, por não integrar matéria imperativa, estava vedado conhecer, atenta a confissão operada.</font><br>
<font>Não seria, por esta forma, necessária qualquer interpelação para que todas as prestações do contrato em análise nos presentes autos se vencessem, face ao não pagamento de uma delas – o seu vencimento é, pois, imediato.</font><br>
<font>Procede, nesta parte, a revista.</font><br>
<br>
<font>No que se reporta, agora à dívida peticionada ter sido contraída tendo em vista o proveito comum do casal, </font><br>
<font>Diga-se, em primeira abordagem, que não se concorda com o Acórdão recorrido, quando sustentou da necessidade da junção aos autos da certidão de casamento dos Réus por se encontrar em debate do proveito comum do casal.</font><br>
<font>Muito sucintamente dir-se-á que este STJ (Acórdão de 15 de Março de 2005</font><font> (6)</font><font> e 28.5.2006, Proc. 061222) vem entendendo, que " em acção de divida dirigida contra marido e mulher, na qual não resulte impugnado o estado civil dos Réus, como sendo casados entre si, não é exigível que o Autor faça prova de tal facto através de documento autêntico, já que tal estado é apenas um dos fundamentos do pedido e não o próprio objecto da acção".</font><br>
<font>Este entendimento é actual e de acolher sem reservas.</font><br>
<br>
<font>No que se refere ao proveito comum do casal, </font><i><font>“quo tale”</font></i><font> é de assinalar que:</font><br>
<br>
<font> Nos termos do Artigo 1691.°, n.°1, alínea d) do Código Civil, são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração.</font><br>
<font>A aplicação deste princípio, implica, em primeiro lugar, considerar:</font><br>
<font>Que a administração dos bens do casal cabe normalmente ao marido e à mulher (artigo 1678.° do Código Civil);</font><br>
<font>Se a dívida está conexionada com os bens de que o cônjuge, que a contraiu, tem administração (cf. artigos 1678.° e 1679.° do Código Civil); </font><br>
<font>E se o cônjuge agiu nos limites dos seus poderes de administração (cf. Artigo 1678.°, n.° 2 do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>Obtida uma conclusão positiva sobre os dois últimos pontos acabados de referir, terá que se indagar, agora, sobre uma outra vertente relativa ao proveito comum porquanto:</font><br>
<font> O proveito comum não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar (Artigo 1691.º, n.° 3 do Código Civil). </font><br>
<font>O proveito comum afere-se, não pelo resultado (positivo ou negativo) mas pela aplicação da dívida, isto é, pelo fim visado pelo devedor que a contraiu. </font><br>
<font>Exige-se uma intenção objectiva de proveito comum, isto é, que a dívida se possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média, ou seja, à luz das regras da experiência e das probabilidades normais.</font><br>
<br>
<font>Conforme referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira</font><font> (7</font><font>, cuja obra vimos a seguir, de perto, " (determinar se uma dívida foi aplicada em proveito comum implica, ao mesmo tempo, uma questão-de-facto (averiguar o destino dado ao dinheiro) e uma questão-dedireito (decidir sobre se, em face desse destino, a dívida foi ou não contraída em proveito do casal). </font><br>
<font>Por isso, não deve quesitar-se se a dívida foi ou não contraída em proveito comum do casal; deve antes perguntar-se que aplicação teve a quantia proveniente da dívida."</font><br>
<br>
<font>A distinção entre o que é matéria de facto e o que é matéria de direito é objecto de imensa doutrina e jurisprudência, cuja enunciação seria fastidiosa.</font><br>
<br>
<font>Em síntese, segundo Rodrigues Bastos</font><font> (8)</font><font>, factos são as ocorrências da vida real, os eventos materiais e concretos, as mudanças operadas no mundo exterior, que podem ser conhecidas sem referência a qualquer critério fixado pela ordem jurídica. Por vezes, estes factos podem revestir complexidade, por encerrarem já juízos de valor, por constituírem a conclusão de um silogismo primário, mas não são ainda conceitos jurídicos, por esse juízo de valor não ser efectuado à luz das normas e critérios de direito. Neste caso, o facto complexo ou conclusivo não deve ser respondido pelas testemunhas a quem seriam postos – e logo não devem ser incluídos na base instrutória –, mas deve ser o tribunal a tirar essa conclusão dos factos materiais mais lineares que podiam ser colocados às testemunhas.</font><br>
<br>
<font>A divisão entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em larga medida dos termos da causa e são inclusivamente de equiparar a factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido.</font><br>
<br>
<font>Pode-se dizer que cabe à matéria de facto determinar o que aconteceu e à matéria de direito a subsunção da situação concreta apurada ao tratamento jurídico que no caso colha ou caiba. Constitui matéria de direito tudo o que é referido na lei, com um sentido especial, diferente ou mais preciso que o corrente.</font><br>
<br>
<font>No caso dos autos, os factos terão de traduzir o fim ou intenção (objectiva) com que foi contraída a dívida.</font><br>
<br>
<font>Em consonância com os Artigos 342.°, n.°1 e 467.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, incumbe ao credor – que pretende responsabilizar ambos os cônjuges pelo pagamento de dívida contraída apenas por um deles, nos casos previstos na alínea d) do n.°1 do Artigo 1691.° do Código Civil – articular factos materiais concretos indicadores do destino dado ao dinheiro</font><font> </font><font>(9)</font><font>.</font><br>
<font>Com efeito, decorre do artigo 664.° do Código de Processo Civil, que o juiz não pode servir-se, numa acção, de factos não alegados.</font><br>
<font>Em consequência do que se disse atrás e reafirmando a tese defendida no acórdão recorrido, não se pode extrair relevância à alegação do A. de que o veículo se destinou ao património comum do casal. </font><br>
<font>O conceito de património comum é jurídico, desde logo porque anda associado ao conhecimento da data do casamento e respectivo regime de bens, sabido que é que só se pode falar em bens comuns se o casamento for no regime de comunhão geral ou, sendo-o na comunhão de adquiridos, após a celebração do contrato, não dispensando o silogismo judiciário o recurso à actividade interpretativa (cf. artigos 1722.° e 1723.° do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>Assim, não tendo o A. alegado factos materiais concretos indicativos do proveito comum, terá que improceder o respectivo pedido relativamente ao Réu.</font><br>
<br>
<br>
<font>A tal não obsta a circunstância de os Réus não terem contestado, porquanto o alegado na petição inicial não integra matéria de facto passível de ser adquirida pela confissão ficta, prevista no artigo 484.°, n.° 1 do Código de Processo Civil — cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, Proc. n.° 2730/04, (www.dgsi.pt\jstj), de 2.11.2004, Revista n.° 2982/04, de 12.7.2005, Proc. n.° 1710/05, (www.dgsi.pt\jstj), de 12.1.2006, Proc. n.° 3427/05 e de 7.3.2006, Proc. n.° 38/06, </font><u><font>(www.dgsi.pt\jstj</font></u><font>).</font><br>
<br>
<font>Improcede, pois, nesta parte, a revista.</font><br>
<br>
<b><font>4. </font></b><font>Nestes termos, acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em conceder, parcialmente a revista, nos termos expostos, pelo que se julga acção procedente, por provada, relativamente à Ré, condenando-se a mesma nos pedidos contra si deduzidos e julga-se a mesma acção improcedente, por não provada, relativamente ao Réu, pelo que se absolve o mesmo das pretensões contra si formuladas.</font><br>
<br>
<font>Custas por recorrente e recorrida, na proporção de metade.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, </font><font>21 de Novembro de 2006</font>
<p><font>Borges Soeiro (Relator)</font>
</p><p><font>Faria Antunes</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas</font>
</p></font><p><font><font>-----------------------------------------</font><br>
<font>(1)Antunes Varela, in” Das Obrigações em Geral”, II vol., pp. 53/54</font><font> </font><font>e Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 7ª ed. Pag. 914 e segs.</font><br>
<br>
<font>(2) </font><font>Menezes Cordeiro, in “ Direito das Obrigações”, II vol., p. 193 e Ac. do STJ, de 19 de Junho de 1995, CJ-STJ, Ano III, Tomo 2, p. 132</font><font>.</font><br>
<font>(3) “Ob. citada”, pag. 914.</font><br>
<font>(4) In, “Síntese (…)da Cláusulas Contratuais Gerais”, 2ª ed., pag.22.</font><br>
<font>(5) In, “Cláusulas Contratuais Gerais”, pag. 25.</font><br>
<font>(6) In,”C.J./S.T.J.”, 2005, 1º, pag. 132, onde, com muito detalhe, coloca a questão e a decide, com justeza, o que nos permite, com proveito, remeter para esse douto aresto, sem necessidade de desenvolvermos os argumentos aí explanados.</font><br>
<font>(7) “Curso de Direito de Família”, I, 2ª ed. pag. 412</font><br>
<font>(8) In, “</font><i><font>Notas ao CPC”, </font></i><font>vol. II, p. 80.</font><br>
<font>(9) </font><font>Acs. do S.T.J. de 4.10.2001 e 19.10.2004, in “www. dgsi.pt” (net)</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 1 1] |
ADLQu4YBgYBz1XKvr0I1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> I – No Tribunal Cível da Comarca de Leiria, AA e mulher BB, em acção com processo ordinário, intentada contra CC, Lda, pediram que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar aos Autores a quantia de 56.000.000$00, acrescida de juros, à taxa legal de 7% ao ano, vencidos desde a data de constituição em mora (04JUL99) – que de momento se elevam a 3.940.000$00 – e dos vincendos até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<br>
<font> Na sua contestação, a Ré pugnou pela improcedência da acção, tendo, em sede de reconvenção, pedido que:</font><br>
<font> a) Se declare, nos termos dos artigos 432º ou 437º do Código Civil, a resolução dos contratos de permuta e promessa de permuta que a Ré celebrou com os Autores, ou</font><br>
<font> b) Se declare que o negócio jurídico celebrado entre os Autores e a Ré, através dos contratos de promessa de permuta e de permuta, são fisicamente ou legalmente impossíveis, por a lei não permitir que sejam cumpridos nos termos acordados pelas partes, tendo em conta o disposto nos artigos 280º e 286º do Código Civil;</font><br>
<font> c) Sejam quantificados para efeitos do nº 1 do artigo 289º do Código Civil todos os gastos que a Ré teve de suportar até ao momento, bem como os gastos que ainda terá de suportar até à decisão final que vier a ser proferida nesta acção, bem como com todos os actos que vier a sofrer até os negócios celebrados com a Autora (?!) estarem resolvidos na forma e modo como se peticiona nesta contestação/reconvenção.</font><br>
<br>
<font> Replicaram os Autores.</font><br>
<br>
<font> A Ré apresentou a tréplica de fls. 78 a 81.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O Sr. Juiz proferiu o despacho de fls. 94, segundo o qual decidiu “não admitir a junção aos autos do articulado que constitui fls. 78 a 81, ordenando o seu desentranhamento e devolução à ré, transitado o despacho”.</font><br>
<br>
<font> De tal decisão recorreu a Ré, tendo o agravo sido admitido com subida diferida, nos termos do artigo 735º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC).</font><br>
<br>
<font> Com o prosseguimento dos autos, veio, a final, a ser proferida sentença, na qual se decidiu:</font><br>
<font> “1. Julga-se parcialmente procedente a acção e, em consequência:</font><br>
<font>- Condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de 279 326,82 euros (duzentos e setenta e nove mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora desde 16 de Dezembro de 1999, calculados à taxa de 7% ao ano até 30 de Abril de 2003 e à taxa de 4% ao ano a partir de 1 de Maio de 2003, até efectivo pagamento;</font><br>
<font>- Absolve-se a ré da parte restante do pedido.</font><br>
<font>2. Julga-se improcedente a reconvenção e, em consequência, absolvem-se os autores dos respectivos pedidos”.</font><br>
<br>
<font>Tendo a Ré recorrido, foi, no Tribunal da Relação de Coimbra, proferido acórdão a negar provimento ao agravo e a julgar improcedente a apelação e, consequentemente, a confirmar as decisões recorridas.</font><br>
<br>
<font>Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font>A recorrente apresentou alegações e longas conclusões (poderemos chamar-lhe conclusões, face ao disposto no nº 1 do artigo 690º do CPC?), defendendo a revogação da decisão impugnada.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela manutenção do acórdão sob censura.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II – 1. A recorrente começa por se insurgir contra a decisão proferida no agravo, mantendo que a tréplica deverá ser admitida, com as consequências daí advenientes no tocante à factualidade que aí alegou.</font><br>
<br>
<br>
<font>No seu singelo acórdão, a Relação, quanto ao agravo, limitou-se a dizer o seguinte:</font><br>
<font>“Acordam os juízes da secção cível em confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, negando-se provimento ao recurso e remetendo-se para os fundamentos da decisão impugnada – artigos 713º, nº 5 e 749º do CPC”.</font><br>
<br>
<font>No tangente a este recurso, nada impedia a Relação de proferir uma tão sumária decisão, a qual, reproduzindo a fundamentação constante do despacho recorrido, acaba por manter, embora sem qualquer referência aos fundamentos apresentados pela agravante, as razões que levaram o Senhor Juiz a considerar não haver lugar ao articulado “tréplica”, estando, assim, implícito que não colheram os argumentos que a agravante expôs nas respectivas alegações e conclusões, argumentos esses que a Relação optou, como dissemos, por não referir.</font><br>
<br>
<font>2. Mantendo a recorrente a pretensão de apreciação da questão da admissibilidade do articulado “tréplica”, que foi objecto do seu recurso de agravo, diremos que é vedado a este STJ tomar conhecimento de tal questão.</font><br>
<br>
<font>A apreciação da violação da lei de processo em recurso de revista depende da admissibilidade de recurso de agravo da decisão que integra a alegada violação, nos termos do artigo 754º, nº 2, do CPC, o que significa que o fundamento acessório da revista terá de admitir recurso autónomo de agravo, como decorre do disposto no nº 1 do artigo 722º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Na presente situação, estamos perante matéria de agravo continuado (decisão da Relação sobre decisão da 1ª instância) que não tem por fundamento a oposição de acórdãos.</font><br>
<br>
<font>Logo, e porque também não ocorre qualquer dos casos excepcionais previstos no nº 3 do citado artigo 754º, não pode este STJ pronunciar-se sobre esta questão, pelo que a decisão da Relação sobre esta matéria é definitiva.</font><br>
<br>
<font>III – 1. No tocante à apelação, a recorrente invoca, além do mais, que, tendo impugnado a matéria de facto, face à gravação da prova, a Relação não fez, no acórdão recorrido, a requerida reapreciação da matéria de facto, questão que terá de ser, desde já, apreciada.</font><br>
<br>
<font>Quanto a este recurso, o acórdão limitou-se ao seguinte:</font><br>
<font>“O recurso apresentado versa sobre a matéria de direito, mostrando-se, também, impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.</font><br>
<font>Não obstante a impugnação ter como apoio apenas alguns dos depoimentos prestados, esta instância entendeu proceder à audição de toda a prova gravada, sendo de registar a forma rigorosa e notavelmente eficaz como a audiência foi conduzida pelo julgador.</font><br>
<font>Também no que se refere à apelação, acordam os juízes da secção cível em confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, negando-se provimento ao recurso e remetendo-se para os fundamentos da decisão impugnada – artigo 713º, nº 5 do CPC”.</font><br>
<br>
<font>2. Não está em causa a possibilidade de a Relação poder alterar as respostas aos quesitos da base instrutória em questão, verificados que estavam os pressupostos legais constantes dos artigos 712º, nº 1, a), e 690º-A do CPC, como, aliás, a Senhora Desembargadora-relatora reconheceu em despacho prévio que proferiu - cfr. fls. 407 (deveria ser 507, pois, por lamentável lapso, passou-se, na numeração das folhas, de 381 para 282).</font><br>
<font>Impunha-se, pois, à Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente e dos recorridos, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, procedendo à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes (cfr. artigos 712º, nº 2, e 690º-A, nº 5, do CPC). </font><br>
<font>Estes poderes de reapreciação traduzem-se num verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição sobre a apreciação do conteúdo da prova produzida.</font><br>
<font>Impõe-se, assim, à Relação declarar se os pontos de facto impugnados foram bem ou mal julgados e, em conformidade com esse julgamento, manter ou alterar a decisão sobre eles proferida.</font><br>
<br>
<font>Nesta medida, pode mesmo dizer-se que o tribunal de recurso actua como tribunal de substituição relativamente ao tribunal recorrido, regime que se revela aceitável como corolário do concurso dos pressupostos referidos no nº 1 do artigo 712º, a colocar a 2ª instância de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>Quer na 1ª instância, quer na Relação, a questão traduz-se sempre na valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.</font><br>
<br>
<font>Em ambos os casos vigoram para os julgadores dos dois tribunais as mesmas regras e princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (por contraposição ao regime da prova legal), consagrado no nº 1 do artigo 655º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Significa isto que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação. Deve ela ainda ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos disponíveis (cfr. artigo 515º do CPC).</font><br>
<br>
<font>Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação, deve o julgador indicar os fundamentos da sua convicção, por forma a permitir o controlo da razoabilidade da decisão mediante a intervenção das mesmas regras da ciência, lógica e experiência, tudo tendente a dotá-la de força persuasiva e a convencer da bondade do acerto do decidido.</font><br>
<br>
<font>Assim, em recurso que tenha por objecto a impugnação da matéria de facto, o que interessa é averiguar se as respostas que são objecto de impugnação se mostram conformes à aplicação dos princípios e regras de valoração a que se fez alusão, sendo que é também à luz deles que os julgadores da Relação terão de decidir se a decisão merece a alteração proposta.</font><br>
<br>
<font>Tudo há-de inserir-se, pois, no processo global de valoração do conjunto das provas e de outros elementos atendíveis.</font><br>
<br>
<font>Não se pode, no entanto, ignorar que, na formação da convicção do julgador, interferem e concorrem subjectividades insusceptíveis de documentação ou de percepção directa através da gravação ou da reprodução escrita.</font><br>
<br>
<font>Contudo, para colmatar e controlar essas deficiências, impõe-se a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, despacho ou acórdão em que o(s) julgador(es) se encontra(m) obrigado(s) a dar notícia dos elementos que contribuíram para a formação da sua convicção, tais como a razão de ciência e a credibilidade dos depoentes ou outros sinais relevantes.</font><br>
<br>
<font>De qualquer forma, ao instituir um segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto com a amplitude em que o fez, estava, certamente, o legislador bem consciente da vigência dos princípios da livre apreciação da prova e da imediação, bem como do grau de subjectividade que os mesmos encerram.</font><br>
<br>
<font>Não bastará que a apreciação dos depoimentos sugira respostas parcialmente diferentes, pois é necessário que a alteração encontre justificação no resultado da formulação de uma diferente convicção, no contexto de uma reavaliação decorrente da referida reapreciação global.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, quando não encontre motivos para alteração, a Relação não se limita a aceitar a decisão da 1ª instância, mas, antes, faz sua a convicção que a ela presidiu e a respectiva decisão.</font><br>
<br>
<font>Relevante, pois, quanto ao objecto do recurso é saber se, na reapreciação da matéria de facto que lhe foi solicitada, a Relação violou o critério legal acolhido no nº 2 do artigo 712º do CPC. </font><br>
<br>
<font>3. Postos estes princípios, vejamos se a Relação procedeu, efectivamente, à reapreciação da matéria de facto, formando sobre ela a sua própria convicção.</font><br>
<br>
<font>Lendo o acórdão ora impugnado – que (inexplicavelmente, dizemos nós) tudo (dois recursos) deliberou em 2/3 de página, como refere a recorrente –, temos de concluir que é por demais evidente que a Relação não procedeu a uma legal reapreciação da matéria de facto, formando sobre ela a sua própria convicção.</font><br>
<br>
<font>Não se impõe ao Tribunal da Relação que dilucide, ponto por ponto, ou seja, individualmente, cada uma das respostas, se a decisão final, sobre todas elas, for coincidente.</font><br>
<br>
<font>Contudo, os Senhores Desembargadores foram excessivamente simplistas, tendo-se, como já vimos, para decidir a questão da impugnação da matéria de facto, limitado a dizer o seguinte:</font><br>
<font>“Não obstante a impugnação ter como apoio apenas alguns dos depoimentos prestados, esta instância entendeu proceder à audição de toda a prova gravada, sendo de registar a forma rigorosa e notavelmente eficaz como a audiência foi conduzida pelo julgador”.</font><br>
<br>
<font>Convenhamos que isto não é nada, tratando-se apenas de uma conclusão para a qual o acórdão não indica os respectivos pressupostos.</font><br>
<br>
<font>Logo, não foi feita a necessária reapreciação da prova, pelo que é manifesta a violação do disposto no nº 2 do artigo 712º do CPC.</font><br>
<br>
<font>A recorrente pretende ver alteradas as respostas a alguns dos quesitos da base instrutória.</font><br>
<br>
<font>Poderá não haver motivos para qualquer alteração, mas, a ser assim, será necessário que a Relação demonstre à recorrente a sua carência de razão, fundamentando a sua decisão (cfr. artigo 158º do CPC).</font><br>
<br>
<font>É, pois, necessário que a Relação faça a reapreciação da prova, dando cumprimento ao disposto nos artigos 690º-A, nº 5, e 712º, nºs 1, a), 2ª parte, e 2, do CPC.</font><br>
<br>
<font>Ao agir da forma como decorre do acórdão impugnado, o Tribunal da Relação não exerceu um verdadeiro segundo grau de jurisdição, substituindo-se ao tribunal recorrido, limitando-se antes a não rejeitar o decidido pela 1º instância, sem que se mostre que sobre o conjunto das provas produzidas formou uma nova e livre convicção para, depois, aderir ao julgado ou alterá-lo.</font><br>
<br>
<font>Estamos, assim, perante um uso indevido dos poderes conferidos pelo artigo 712º, nº 2, do CPC, no tocante ao critério de reapreciação da prova nele acolhido.</font><br>
<br>
<font>4. Precedendo necessariamente a fixação da matéria de facto o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso, respeitantes à aplicação do direito substantivo (matéria da apelação interposta da sentença proferida na 1ª instância), a apreciação destas encontra-se prejudicada.</font><br>
<br>
<font>5. De qualquer forma, não podemos deixar de aqui referir que, mesmo a aceitar-se como correcta a reapreciação da prova, não poderia o acórdão recorrido limitar a sua decisão à remissão para a decisão e respectivos fundamentos da 1ª instância, ao abrigo do preceituado no nº 5 do artigo 713º do CPC.</font><br>
<br>
<font>É que, lendo as alegações e respectivas conclusões da apelante, constata-se que foram arguidas nulidades da sentença, pelo que os Senhores Desembargadores teriam de, pelo menos, apreciar previamente as questões relacionadas com as apontadas nulidades e depois, se fosse caso disso, então limitar-se à indicada remissão.</font><br>
<br>
<font>IV – Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, em decidir:</font><br>
<font>- Não tomar conhecimento da questão da admissibilidade ou não do articulado “tréplica”;</font><br>
<font>- Revogar o acórdão recorrido na parte respeitante ao conhecimento da apelação e determinar a remessa dos autos à 2ª instância para que, em novo julgamento da apelação, se proceda à reapreciação da prova em relação aos pontos de facto impugnados, tendo em consideração o que ficou referido.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente e pelos recorridos, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, 17 de Outubro de 2006</font><br>
<br>
<font> </font><font>RELATOR: Camilo Moreira Camilo</font><br>
<font> ADJUNTOS: Cons. Urbano Dias</font><br>
<font> Cons. Paulo Sá</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ATLRu4YBgYBz1XKvp0MM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I </font><font>- </font><br>
<font>Empresa-A intentou, no Tribunal Judicial do Seixal, acção ordinária contra AA, por si e na qualidade de herdeira de BB, CC, DD, EE, e FF,</font><br>
<font>na qualidade de herdeiros de BB, pedindo a sua condenação no pagamento de 8.602.772$00 e juros, bem como nas despesas de liquidação e cobrança que se vierem a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font>Em suma, alegou ter despendido o montante peticionado em pagamento de indemnizações devidas por acidente de viação em que foi interveniente a 1ª R., causadora única e culposa do mesmo, que, então, conduzia o veículo RJ que tinha sido propriedade de BB, seu marido e pai dos restantes RR., sendo que o mesmo foi objecto de partilha em inventário que correu por óbito daquele no Tribunal Judicial de Sesimbra.</font><br>
<br>
<font>A acção foi contestada e nela os RR. defenderam a não condenação da R. condutora, com o argumento de que não teve culpa na produção do acidente, mas aceitaram a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações que viessem a ser apuradas atenta a sua qualidade de herdeiros do falecido ("uma vez que o mesmo já havia falecido à data do sinistro, são os RR., seus únicos e universais herdeiros os responsáveis").</font><br>
<br>
<font>O processo foi saneado e foram seleccionados os factos provados e a provar.</font><br>
<br>
<font>Após julgamento, foi a acção julgada procedente, por decisão do Mº juiz do Círculo de Almada, mas apenas em relação à R. AA que, por isso, foi condenada a pagar ao Fundo a quantia de 42.910,45 € e juros, para além do que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente a despesas de liquidação e cobrança.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não se conformou o A. que apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, pretendendo ver a condenação proferida estendida a todos os RR., em conformidade com o peticionado.</font><br>
<font>Mas não teve sucesso, na justa medida em que este Tribunal, estribando-se na argumentação exposta pelo Tribunal de 1ª instância, acabou por confirmar o julgado.</font><br>
<br>
<font>Novamente irresignado, o Empresa-A recorreu, ora para este STJ, pedindo revista do acórdão da Relação de Lisboa, tendo, para o efeito, apresentado a respectiva minuta que fechou com conclusões de teor idêntico às já aprestadas naquele Tribunal de recurso, ou seja:</font>
<p><font>- Veio o Meritíssimo Juiz </font><font>a quo</font><font>, na sentença de que se recorre, condenar isoladamente a R. AA no pagamento da quantia de 42.910,45 €, acrescida de juros, bem como na quantia que se venha a liquidar, em execução de sentença, relativa a despesas de liquidação e cobrança. </font>
</p><p><font>- A presente acção foi proposta contra os herdeiros de BB, ou seja, AA, CC, DD, EE e FF, uma vez que o veículo causador do sinistro que se discute nos autos se encontrar registado em nome do falecido, e não ter ocorrido ainda partilha da herança.</font>
</p><p><font>- A R. AA conduzia o veículo RJ, que integrava a herança do falecido BB, sendo certo que só por culpa sua sucedeu o acidente dos autos. Contudo, não é a R. AA a proprietária do RJ.</font><br>
<font>- Trata-se de um bem integrado na herança do BB, pelo que são dele proprietários todos os herdeiros.</font><br>
<font>- Assim, não pode a R. AA ser condenada isoladamente, uma vez que não é ela a única proprietária do veículo, mas apenas a condutora e uma das proprietárias, enquanto herdeira do proprietário registado, já falecido. | </font><br>
<font>-O proprietário tem, obrigatoriamente de ser condenado conjuntamente com o condutor, uma vez que só assim se entende estar preenchido o pressuposto processual - legitimidade, uma vez que estamos perante um caso de litisconsórcio necessário.</font><br>
<font>- O PROF. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (</font><font>in</font><font> "Estudos Sobre o Novo Processo Civil", LEX, Lisboa, 1997, págs. 156 e segs.), exemplifica, entre outros, como casos de litisconsórcio necessário legal, a acção de responsabilidade contra o comitente e o comissário fundada no art. 500°, n° l do C. Civil, bem como o previsto no art. 29°, n° 6, do DL 522/85, de 31-12.</font>
</p><p><font>- O Ilustre Professor, a págs. 157 da obra citada, alude a dois arestos esclarecedores sobre a matéria que nos ocupa:</font>
</p><p><font>* "Por civilmente responsável, nos termos do art. 29. °, n ° 6, do DL 522/85, de 31-12, deve considerar-se não só o condutor do veículo, mas também o dono deste que não prove a sua utilização abusiva"- RP - 8/5/1996, CJ 96/3, 225;</font>
</p><p><font>* "Se for conhecida a identidade do causador do acidente e a do seu proprietário e se este não tiver seguro válido e eficaz, o lesado deve demandá-los conjuntamente com o Empresa-A" - RP 10/1/1995, BMJ 443, 439;</font>
</p><p><font>- É que, a questão que deverá ser apreciada não é a da direcção efectiva do veículo.</font>
</p><p><font>- Sendo certo que, um dos responsáveis será sempre o condutor, com base na culpa na verificação do sinistro, por outro lado também o proprietário é responsável civil, segundo a doutrina e jurisprudência supra referida.</font><br>
<font>- E o proprietário responde, não pela direcção efectiva do veículo, mas sim pela violação da obrigação de segurar, prevista no art. 2°, n° l do D.L. 522/85 de 31 de Dezembro.</font><br>
<font>- Na verdade, a questão suscitada nem sequer foi apreciada no Acórdão recorrido, pois a questão voltou a ser apreciada como na sentença proferida em 1ª instância, à luz do conceito de direcção efectiva e não apreciando a responsabilidade do proprietário enquanto sujeito da obrigação de segurar.</font><br>
<font>- Ora, facilmente se alcança que o proprietário não é a R. AA, mas sim todos os herdeiros de BB, uma vez que não ocorreu ainda partilha, pelo que se mantém a propriedade em todos os herdeiros e não apenas em AA, apenas pelo facto de conduzir o veículo em questão. </font><br>
<font>- É que, sendo verdade que é a R. AA o cabeça de casal, os actos do cabeça-de-casal repercutem-se em toda a herança, pelo que todos os herdeiros são responsáveis enquanto proprietários.</font><br>
<font>- Ainda que se imponha que a condenação ocorra apenas até ao limite das forças da herança quanto aos restantes RR. para além da R. AA, uma vez que o bem se integra ainda na herança, todos os herdeiros devem ser condenados.</font>
</p><p><font>- Nestes termos, e porque a única Ré condenada não é a única proprietária, devem ser obrigatoriamente condenados todos os proprietários do veículo, sob pena de se desrespeitar o litisconsórcio necessário.</font>
</p></font><p><font><font>- Eventuais falhas do cabeça-de-casal na administração dos bens é questão que não pode ser oposta a terceiros - inscreve-se, apenas, nas relações internas.</font><br>
<br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<br>
<font>II</font><font> - </font><br>
<font>Com interesse para a decisão da causa interessa apenas referir a seguinte factualidade:</font><br>
<font>- Em consequência do acidente e a título de indemnizações, o Fundo pagou a importância de 42.910,45 € em consequência de acidente de viação ocorrido em Janeiro de 1998, altura em que corria processo de inventário por óbito do proprietário do veículo causador do mesmo.</font><br>
<font>- O falecido deixou como herdeiros não só a condutora do veículo, com quem esteve casado até então, e os restantes RR., seus filhos.</font><br>
<font>- A acção foi intentada em 29 de Novembro de 2001 e que a sentença proferida no inventário por morte do proprietário do veículo transitou em julgado em 03/02/2000 (</font><font>cfr</font><font>. fls. 32).</font><br>
<br>
<font>III</font><font> - </font><br>
<br>
<font>Não estando em causa a culpa na produção do acidente, nem a extensão dos danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, a única questão que é trazida à nossa consideração para julgamento é tão-somente esta: deverão todos os RR. ser condenados no pagamento das importâncias que o Fundo pagou em consequência do acidente de viação que ocorreu por culpa exclusiva da 1ª R. pelo facto de todos eles serem herdeiros do falecido proprietário do veículo que aquela conduzia então e que não estava seguro?</font><br>
<font> </font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<br>
<font>O argumento apresentado pelas instâncias para isentar os RR. filhos do falecido BB do pagamento da indemnização apurada foi o seguinte: responsável só pode ser a R. AA porque era ela a cabeça-de-casal e, nessa qualidade, tinha a obrigação de segurar o veículo.</font><br>
<font>Desta orientação discordou o Fundo ao proclamar, tanto ora neste STJ, como antes na Relação, que proprietários do dito veículo eram, à data do acidente, todos os RR., atenta a sua qualidade de herdeiros do proprietário, e por isso é que foram os mesmos demandados em litisconsórcio necessário.</font><br>
<br>
<font>De que lado está a razão?</font><br>
<br>
<font>Se o proprietário do veículo fosse vivo, nenhuma dúvida se levantava: era ele o responsável pelo facto de ser proprietário e não ter o veículo seguro, tal como o impõe o nº 1 do art. 2º do D.-L. 522/85, de 31 de Dezembro.</font><br>
<font>Pelas obrigações decorrentes do não cumprimento da obrigação legal de segurar o veículo responderia, naturalmente, o património do seu proprietário.</font><br>
<font>Mas, o problema levanta-se porque, à data do acidente, o mesmo já tinha falecido.</font><br>
<font>O dito veículo integrava, à data do acidente, a massa hereditária do </font><font>de cuius</font><font> e foi objecto de partilha no inventário que correu termos no Tribunal de Sesimbra.</font><br>
<font>Como assim, é a herança, enquanto património autónomo, que tem de responder pelas obrigações supra referidas.</font><br>
<font>Dado, porém, que tal património foi objecto de partilha, os herdeiros só podem ser responsabilidade pelos bens inventariados, como determina o nº 1 do art. 2071º do CC.</font><br>
<font>Como assim, se, eventualmente, os bens inventariados não fossem suficientes para pagamento desta "dívida" a eles competia a alegação e prova disso mesmo, com vista à redução ou até isenção do seu pagamento.</font><br>
<font>Note-se que a responsabilidade perante o Fundo advém pelo facto de o proprietário não ter o veículo seguro e impende sobre quem, por virtude dessa mesma qualidade, tinha a obrigação de o fazer.</font><br>
<font>Não do administrador da herança à qual pertencia o veículo.</font><br>
<font>Proprietária do veículo à data do acidente era a herança e, portanto, era sobre ela que impendia a obrigação de segurar o veículo.</font><br>
<font>No fundo estamos aqui perante um verdadeira obrigação </font><font>proptem rem</font><font> estabelecida para a satisfação de um interesse público a qual, impendendo sobre o proprietário do veículo, transitou, naturalmente, do falecido para a herança por mor da característica da ambulatoriedade: a obrigação de segurar nasceu por causa da </font><font>res</font><font> e transmitiu-se aos sucessivos proprietários.</font><br>
<font>Ao circular com o veículo sem ter efectuado o respectivo seguro, a herança incumpriu a obrigação que por lei lhe foi imposta e, por força do art. 25º do D.-L. 522/85, tornou-se responsável pelo pagamento das verbas entretanto avançadas pelo Empresa-A.</font><br>
<font>Se o Fundo tivesse intentado a acção ainda antes da partilha dos bens, deveria ter demandada a própria herança, mas não o fez e esperou pelo trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao inventário: daí que tenha accionado os herdeiros do falecido proprietário do veículo causador do acidente e todos eles sejam responsáveis pelo pagamento dos montantes apurados, de acordo com as regras contidas nos nºs 1 e 3 do art. 25º do D.-L. 522/85, supra referido (a este propósito importa dizer que o Fundo laborou num lapso, tanto nas alegações da apelação, como ora da revista, ao dizer que " a presente acção foi proposta contra os herdeiros..., uma vez que o veículo causador do sinistro que se discute nos autos se encontrar registado em nome do falecido, e não ter ocorrido ainda partilha da herança").</font><br>
<br>
<font>Ao atestarmos este ponto de vista não pretendemos afastar de todo a eventual responsabilidade da 1ª R. enquanto administradora da massa hereditária.</font><br>
<font>Mas se tal responsabilidade porventura existe ela terá de ser averiguada e concretizada na relação entre a cabeça-de-casal e os demais herdeiros e não entre ela e uma entidade estranha à boa ou má administração, como é o Empresa-A.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Em suma, ao contrário do que as instâncias defenderam, o Fundo tem direito ao pagamento da importância apurada, a qual tem de ser paga por todos os herdeiros.</font><br>
<font>Esta solução está até em perfeita consonância com a Defesa dos RR. espelhada na sua contestação.</font><br>
<br>
<font>Não há, pois, que confundir administração da herança (esta caberia, naturalmente, à 1ª R., em obediência ao comando da al. a) do nº 1 do art. 2080º do CC), com outra, bem diferente, que é propriedade dos bens que constituem a herança.</font><br>
<font>Esta, como património autónomo e até à partilha, é, por conjunto, de todos os herdeiros.</font><br>
<font>E daí o acerto do Fundo em demandar em litisconsórcio necessário todos os herdeiros.</font><br>
<font>De resto, tendo o mesmo sido admitido, e nisso não pode ser objecto de crítica pelo seu acerto, não se compreende a condenação da 1ª R. e a absolvição dos restantes.</font><br>
<font>E note-se, mais uma vez, que o fez já depois de ter transitado em julgado a sentença de partilha: daí a legitimidade de todos os herdeiros </font><font>ad causam</font><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Em conclusão: assiste inteira razão ao recorrente, que não às instâncias.</font><br>
<font> </font><br>
<font>IV </font><font>- </font><br>
<br>
<font>Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, concede-se a revista e condenam-se todos os RR. no pagamento ao Empresa-A das importâncias apuradas em 1ª instância.</font><br>
<font>Custas pelos recorridos.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 12 de Setembro de 2006</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ATLSu4YBgYBz1XKvm0QR | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"AA", residente na Freguesia-A, do Município da Ribeira Grande, na Região Autónoma dos Açores, demandou "Empresa-A", com sede em Ponta Delgada, pedindo a sua condenação no pagamento de 40 000 000$00, com juros à taxa legal desde a citação, para ressarcimento de danos sofridos em acidente de viação.</font><br>
<br>
<font>A acção foi julgada improcedente, sendo julgada procedente acção intentada por BB contra a mesma Ré, por danos sofridos no mesmo acidente.</font><br>
<br>
<font>"AA" interpôs recurso que veio a ser julgado parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de 9000,00 euros correspondente a 30% dos danos sofridos, considerando a sua culpa concorrente de 70%.</font><br>
<br>
<font>Inconformado, pediu revista assim concluindo:</font><br>
<br>
<font>- Não teve qualquer culpa na produção do acidente;</font><br>
<br>
<font>- Parou o tractor que conduzia a mais de 50 metros do cruzamento para reparar uma avaria de luzes nos faróis da frente que tinham falhado;</font><br>
<br>
<font>- Encostou o mais possível à berma;</font><br>
<br>
<font>- A via tem 7,60 metros de largura, duas faixas de rodagem para cada lado, é uma recta, com boa visibilidade, fazia bom tempo e o piso tinha boas condições de aderência e de manutenção;</font><br>
<br>
<font>- Colocou a chapa reflectora no alto, na parte de trás do tractor;</font><br>
<br>
<font>- O condutor do AQ estava alcoolizado;</font><br>
<br>
<font>- Podendo vê-lo pelo menos a 30 metros se circulasse em médios e a 100 metros se seguisse em máximos;</font><br>
<br>
<font>- Não circulavam veículos em sentido contrário;</font><br>
<br>
<font>- A culpa é toda do condutor do AQ;</font><br>
<br>
<font>- A indemnização a titulo de danos morais deve ser fixada em não menos de 50 000,00 euros;</font><br>
<br>
<font>- O Acórdão violou os artigos 483º, 496º, 500º, 563º e 566º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>A Ré "Empresa-A" pediu revista mas o recurso foi julgado deserto, por não alegado tempestivamente.</font><br>
<br>
<font>O BB interpôs recurso subordinado ao da "Empresa-A", o qual não veio a ser admitido.</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram por provados os seguintes factos:</font><br>
<br>
<font>- Cerca das 20 horas e 20 minutos do dia 21 de Novembro de 1996, CC conduzia o veiculo automóvel ligeiro de mercadorias e caixa aberta, de matricula Nº-0, pertença de BB, com seu conhecimento e autorização, na Estrada Regional Ponta Delgada - Ribeira Seca - Ribeira Grande, no sentido sul-norte;</font><br>
<br>
<font>- O tractor agrícola, sem reboque, de matricula Nº-1, pertencente à Câmara Municipal de Ribeira Grande, à responsabilidade de AA, estava estacionado no mesmo sentido;</font><br>
<br>
<font>- A estrada tem a largura de 7,60 metros, sendo uma recta com boa visibilidade;</font><br>
<br>
<font>- Estava bom tempo e o piso tinha boas condições de manutenção e aderência;</font><br>
<br>
<font>- Não existia iluminação pública no local, situado fora de uma localidade;</font><br>
<br>
<font>- O Nº-2 estava estacionado cerca de 50 metros após o cruzamento para o cemitério da Ribeira Seca, com os dois pneus do lado direito em cima da "valeta" de cimento para escoamento de água;</font><br>
<br>
<font>- O AQ foi embater com a frente do lado direito na traseira lateral do JZ;</font><br>
<br>
<font>- O AA estava no chão, de pé, à frente do tractor a reparar as luzes dos faróis da frente, que tinham falhado;</font><br>
<br>
<font>- Após o embate foi projectado para dentro da pastagem existente à sua direita, ficando inanimado a cerca de 20 metros da estrada;</font><br>
<br>
<font>- Sofreu, como consequência do embate, fractura de 9 arcos costais do hemitorax direito, que lhe determinou um quadro clínico de insuficiência respiratória aguda;</font><br>
<br>
<font>- Esteve internado na UCI do Hospital de Ponta Delgada, sob ventilação assistida, durante 7 dias e medicamentos com analgésicos potentes para combater as dores;</font><br>
<br>
<font>- Ficou internado mais 12 dias recebendo alta médica no dia 9 de Dezembro de 1996;</font><br>
<br>
<font>- Foi tratado ao abrigo de um seguro de acidente de trabalho;</font><br>
<br>
<font>- Como consequência do acidente ficará com uma incapacidade permanente de cerca de 10% e impossibilitado de fazer grandes esforços;</font><br>
<br>
<font>- Sofreu dores - que perduravam em 3 de Julho de 1997 - tendo sido sujeito a tratamentos contínuos;</font><br>
<br>
<font>- Antes do acidente era um homem jovial, trabalhador, estimado por todos;</font><br>
<br>
<font>- É pobre, a mulher é doméstica tendo 4 filhos a seu cargo, sendo duas delas diabéticas, dependentes de insulina e sujeitas a tratamentos contínuos e dispendiosos;</font><br>
<br>
<font>- Nasceu no dia 25 de Dezembro de 1943;</font><br>
<br>
<font>- O tractor ocupava parte da faixa de rodagem do sentido de marcha do AQ;</font><br>
<br>
<font>- Tinha uma placa reflectora na sua traseira;</font><br>
<br>
<font>- O AA não assinalou a paragem do JZ com triângulo de pré-sinalização em condições de o tornar visível a cerca de 100 metros;</font><br>
<br>
<font>- O DD avistou o tractor a apenas meio metro, não tendo tido tempo de travar e não tendo deixado no piso qualquer risco de travagem;</font><br>
<br>
<font>- Acusou uma taxa de alcoolemia de 0,60 g/litro;</font><br>
<br>
<font>- Do embate resultaram danos no AQ;</font><br>
<br>
<font>- Despendendo, o BB, 533.466$00 em peças, 148.700$00 em mão-de-obra, 477.150$00 em chapa e pintura e 139.117$00 em IVA;</font><br>
<br>
<font>- Através das apólices nº 90/154757 e 90/124363, foi transferida para a Ré "Empresa-A" a responsabilidade civil pelos danos de circulação, respectivamente dos veículos Nº-0 e Nº-1.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Evento e culpa.</font><br>
<font>2- Indemnização.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Evento e culpa.</font><br>
<br>
<font>A matéria fáctica apurada permite visualizar a dinâmica do evento pela forma seguinte: no principio da noite, numa estrada sem iluminação com cerca de 7,60 metros de largura, o condutor do tractor agrícola parou na faixa de rodagem direita - ponderando o seu sentido de marcha - com as duas rodas do lado direito em cima da valeta de cimento da berma. Este veículo ficara sem iluminação e o seu motorista postou-se à sua frente para tentar reparar os faróis sem que antes tivesse colocado o triângulo de pré-sinalização. O tractor tinha uma placa reflectora na sua traseira. No mesmo sentido circulava o veiculo ligeiro cujo condutor só avistou o tractor a meio metro de distancia e, não tendo tido tempo de travar, embateu-o na traseira lateral com a frente do seu lado direito. O tripulante deste tinha uma taxa de alcoolemia de 0,60 gramas por litro.</font><br>
<font>Com base nestes factos, a 1ª instância decidiu pela culpa exclusiva do condutor do tractor, por não ter detectado qualquer conduta ilícita por parte do motorista do veículo automóvel ligeiro.</font><br>
<font>A Relação de Lisboa interpretou a matéria de facto no sentido de que "o condutor do veiculo não podia deixar de se aperceber da presença do tractor na pior das hipóteses a 30 metros, se conduzisse em médios, mas em principio a 100 metros, pois, ressalvados os casos em que se impõe nas estradas a condução em médios, a regra é a condução em máximos (artigo 80º do CE/94)". </font><br>
<br>
<font>E mais adiante: "... compreende-se que assim as coisas se tenham passado considerando que o condutor do veiculo ligeiro de mercadorias circulava desatento o que se explica precisamente por conduzir alcoolizado". De seguida reconhece não se ter provado "que os seus reflexos estivessem diminuídos por se encontrar alcoolizado" mas essa ilação é "lógica e única susceptível de explicar a razão porque o condutor do ligeiro não se apercebeu da presença do tractor."</font><br>
<font>A final atribui 70% e 30% da culpa, respectivamente ao condutor do tractor e ao motorista do ligeiro.</font><br>
<font>Salvo o merecido respeito o raciocínio do Acórdão suscita sérias reservas.</font><br>
<font>O ónus da prova da culpa do autor da lesão, incumbia aqui ao lesado - nº1 do artigo 487º do Código Civil - pois sendo, embora, aquele condutor comissário, não havia presunção legal da sua culpa (nº3 do artigo 503º) por já estar apurada culpa real do outro condutor e esta não pode concorrer com culpa presumida.</font><br>
<font>Ora, o Autor não logrou provar a culpa do condutor do ligeiro, sendo que, mesmo o quesito 33º (onde se questionava a diminuição dos seus reflexos por ingestão de álcool - "E tinha os reflexos diminuídos por se encontrar alcoolizado?") quedou improvado.</font><br>
<font>E aqui, mau grado a resposta negativa, a Relação dá por assente esse facto, lançando mão de presunção judicial, o que talvez não pudesse fazer "in casu".</font><br>
<font>A resposta negativa a um quesito significa que o facto não se provou. Tudo se passa como não tivesse sido alegado, não sendo, outrossim, licito concluir pela prova em contrário.</font><br>
<font>Não pode recuperar-se esse facto pela prova da primeira aparência (presunção simples).</font><br>
<font>O Prof. Vaz Serra (BMJ 68-87) esclarecia, na esteira de Ennecerus-Lehman que "a jurisprudência tem facilitado a prova da culpa: basta para provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa." São as chamadas presunções simples, judiciais ou de experiência (cf. os Professores Pires de Lima e A. Varela, in " Código Civil Anotado", I, 3 ed, 310; Prof. A. Varela in "Manual de Processo Civil", 1984, 486 e Prof. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 191).</font><br>
<font>Aí, e na repartição do ónus da prova, nos termos do artigo 342º do Código Civil há que apelar para o critério da normalidade. ("Aquele que invoca um direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos" - Prof. Pires de Lima e A. Varela, ob.cit. I, 304; Cons. Mário de Brito -"Código Civil Anotado" I, 453; Prof. Vaz Serra, "Provas", BMJ 112-29).</font><br>
<font>Nesta linha, a jurisprudência vem entendendo que, em princípio, procede com culpa o condutor que em contravenção causar danos (v.g Acórdãos do STJ de 8/1/70 -BMJ 193-326, de 28/5/74 - BMJ 237-231, de 14/5/81 - BMJ 307-191, de 14/10/82 - BMJ 320-422, de 5/7/84 - BMJ 363-488 e de 26/2/92 - BMJ 414-533), atendendo a que a condução automóvel é sempre um acto voluntário, qualquer conduta contravencional - salvo situações anormais - é também voluntária.</font><br>
<font>Este raciocínio - a que se adere - reporta-se, contudo, às contravenções (ou contra-ordenações) que se prendem directamente com a circulação ou com o trânsito (ilícitos estradais típicos).</font><br>
<font>Ora, a condução sob influência do álcool, sendo embora uma contra-ordenação grave (ou muito grave) - cf. o artigo 148º m) do Código da Estrada, então vigente - não é um ilícito de circulação ou estradal, em sentido estrito, mas sim um ilícito que mais se prende com a habilitação psico-funcional para conduzir veículos na via pública. Tem a ver com uma diminuição da capacidade ou da aptidão para circular que não com o acto de circulação em si mesmo.</font><br>
<font>O factor alcoolemia pode, ou não, ser causal do acidente e esse nexo tem de ser apurado segundo as regras gerais da imputação. "Ele pode esclarecer a etiologia das irregularidades cometidas ou pode não as explicar, pode agravar as responsabilidades ou não interferir". (apud "Acidentes de Viação e Alcoolismo", 1964, 158, do Dr. Fernando Oliveira de Sá).</font><br>
<font>Isto posto, dizemos mais: a Relação deixou intocada a matéria de facto elencada pela 1ª instância e, expressamente, não usou da faculdade do nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil. Mas, de seguida, interpretou-a (com notório apelo a presunções judiciais) alterando o que dera por assente, "maxime" invertendo, sem o assumir, a resposta ao quesito 33º.</font><br>
<font>Ora, quando o STJ (Acórdão de 6 de Janeiro de 2006 - 05A3517) refere que "não cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça sindicar a decisão da Relação por via da qual, de factos assentes, extrai outros que sejam o seu desenvolvimento" ou (Acórdão de 7 de Dezembro de 2005 - 05B3853) decide ao firmar o conteúdo de presunções judiciais " a Relação</font><br>
<font>operou no âmbito da sua competência, no quadro da decisão da matéria de facto, na envolvência do principio da livre apreciação da prova a que se reporta o artigo 655º nº1 do Código de Processo Civil", fazem-no na estrita consideração de este ser um tribunal de revista e no acolhimento rigoroso do nº2 do artigo 722 do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Mas tal não impede que este Supremo Tribunal acompanhe o raciocínio lógico-discursivo da Relação quando interpretou a matéria de facto (até para ponderar sobre o uso eventual da faculdade extraordinária do citado artigo 722º nº2) e verificar se foi, ou não, incumprida qualquer norma jurídica reguladora das presunções utilizadas.</font><br>
<font>E a lei impõe a prova do facto-base (artigo 349º do Código Civil) ou seja, o facto conhecido que foi apurado através de outros meios de prova (cfr. Acórdão do STJ de 25 de Março de 2004 - RLJ 135º -3935-113).</font><br>
<font>Trata-se assim de verificar se, no caso concreto, era ou não admissível o uso da presunção, numa perspectiva de mera legalidade (cfr. vg, Acórdãos do STJ de 18 de Janeiro de 2001 - 3516/00-2ª e de 13 de Março de 2002 -278/01)</font><br>
<font>Perante o quadro fáctico assim fixado, é de censurar o juízo de culpa formulado pela Relação, e a sua repartição, pelo que, nesta parte, é de manter o decidido na 1ª Instância. Como, porém, apenas recorreu o Autor, já que a Ré seguradora viu o seu recurso ser julgado deserto, a proibição da "reformatio in pejus" (nº4 do artigo 684º do CPC) deixa intocada a indemnização arbitrada.</font><br>
<br>
<br>
<font>2- Indemnização.</font><br>
<br>
<font>Apenas por força do nº4 do citado artigo 684º, e face às razões acima explanadas, se mantêm o "quantum" indemnizatório arbitrado pela Relação.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões:</font><br>
<br>
<font>De concluir que:</font><br>
<br>
<br>
<font>a) Muito embora o Supremo Tribunal de Justiça não possa sindicar a decisão da Relação que extrai dos factos assentes outros que considera o seu desenvolvimento, deve acompanhar o raciocínio lógico-discursivo que conduziu àquela conclusão para poder apurar se foram respeitadas as normas jurídicas que regulam o uso das presunções judiciais.</font><br>
<font>b) A resposta negativa a um quesito significa que o facto nele perguntado se não provou não podendo, apelando para a prova da primeira aparência (presunção simples), lograr dá-la por assente, ainda que com outra formulação, como facto base.</font><br>
<font>c) Sendo a condução automóvel um acto voluntário também o é, em principio, a conduta contravencional, gerando culpa do condutor que, assim, causar danos.</font><br>
<font>d) A condução sob influência do álcool não é uma contra-ordenação estradal que se prenda directamente com a circulação (ilícito estradal puro, típico ou em sentido estrito) mas que tem a ver com a habilitação (capacidade ou aptidão) psico-funcional para tripular um veículo na via pública.</font><br>
<font>e) O factor alcoolémico pode ser, ou não, causal do acidente, devendo a causalidade ser alegada e provada.</font><br>
<br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar a revista.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 8 de Junho de 2006</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ATK2u4YBgYBz1XKvUzXZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>AA e esposa, </font><u><font>BB </font></u><font>intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra CC e esposa, DD</font><br>
<font>Alegando em resumo:</font><br>
<font>- No dia 14/9/2000, através de documento escrito (fls. 13 e 14) A. e R. celebraram um contrato promessa de compra e venda, em que o primeiro prometeu comprar e o segundo prometeu vender, pelo preço de 7.500.000$00, o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 739 e o prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 4911.</font><br>
<font>- O A. sinalizou com a importância de 3.000.000$00, tendo-se estipulado que a escritura deveria ser outorgada no prazo de 120 dias, após a entrega de todos os documentos necessários actualizados.</font><br>
<font>- Competia ao A. marcar a escritura.</font><br>
<font>- Após várias insistências os RR entregaram os documentos necessários à efectivação da escritura.</font><br>
<font>- Porém, de posse dos ditos documentos os A.A. verificaram que as inscrições e descrições dos prédios não coincidiam com o que, na realidade, tinham comprado e acordado pagar.</font><br>
<font>- Já que a casa de habitação tem 93 m2,. um pátio com dependências de 428 m2 e um logradouro com a área de 951 m2 que não consta das inscrições matriciais nem das descrições constantes do registo.</font><br>
<font>- Os A.A., apesar disso, marcaram a escritura, mas a notária recusou-se a efectivá-la, por verificar, face às declarações dos A.A., que existem erros nas descrições e inscrições sobre as áreas dos prédios, que não coincidem.</font><br>
<font>- Os A.A. pretendiam que o R. pedisse uma rectificação das áreas dos prédios em causa, o que competia ao R. por se ter obrigado no contrato-promessa a entregar os documentos actualizados.</font><br>
<font>- A partir de então, os A.A aguardaram que os R.R. efectuassem as referidas rectificações para efectivarem a escritura.</font><br>
<font>- Os A.A. pagaram já a respectiva sisa e tinham disponível cheque visado para pagarem aos R.R. o resto do preço convencionado.</font><br>
<font>- Porém os R.R. não procederam a tal rectificação e venderam a 3ºs os prédios prometidos vender aos A.A.</font><br>
<font>Peticionam em consequência:</font><br>
<font>- que se declare que o contrato celebrado entre A.A. e R.R. é um contrato-promessa de compra e venda, e que se condenem os R.R., no pagamento do dobro do valor do sinal que os A.A. prestaram, com juros desde a citação.</font><br>
<font>Contestaram os R.R., defendendo-se, em síntese, com a excepção de caso julgado, alegando ainda que, perante o incumprimento dos A.A., resolveram o contrato, tendo posteriormente vendido a casa e o terreno a terceiros.</font><br>
<font> No saneador julgou-se improcedente a excepção de caso julgado, afirmando-se, quanto ao mais a validade e regularidade da instância.</font><div></div><font>Os R.R. recorreram do saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção do caso julgado, mas não ofereceram as necessárias alegações.</font><br>
<font>Em consequência julgou-se deserto o agravo.</font><br>
<font>Instruídos os autos e realizado o julgamento, foi lida a decisão sobre a matéria de facto.</font><br>
<font>De seguida proferiu-se sentença final, que, na parcial procedência da acção, condenou o R. marido a pagar ao A. a quantia de 29.927,88 € (correspondente ao dobro do sinal passado) acrescido de juros de mora desde a citação.</font><br>
<font>Inconformados, apelaram quer os R.R. quer os A.A., estes subordinadamente, mas os A.A. não apresentaram alegações, pelo que o seu recurso subordinado foi julgado deserto.</font><div></div><font>Apreciada a apelação dos R.R., a Relação julgou-a improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font><div></div><font>É deste acórdãos que, novamente inconformado recorrem os R.R. , agora de revista é para este S.T.J.</font><div></div><u><font>Conclusões</font></u><div></div><font>Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões: </font><div><u><font>Conclusões da Revista</font></u><br>
</div><br>
<font>1 - O Acórdão recorrido foi sábio, ao reconhecer que "a recusa do Autor em fazer a escritura em 4/7/2002 carece de justificação, contrariamente ao decidido na sentença" (fls. 291 dos autos), mas foi infeliz ao não perceber que essa recusa injustificada traduz o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo Autor.</font><br>
<font>2 - Também EE, no douto Parecer Jurídico, que consta de fls. 215 a 220 dos autos, vê na recusa dos AA. recorridos em celebrar a escritura e no facto de nunca mais terem providenciado pela sua marcação um INCUMPRIMENTO DEFINITIVO!</font><br>
<font>3 - Depois da recusa dos AA. em celebrar a escritura, estes não fizeram mais qualquer diligência que indiciasse, minimamente, a vontade de a realizar.</font><br>
<font>4 - Não faz sentido, no caso sub judice, a tal notificação admonitória/interpelação cominatória a que pretende aludir o Acórdão recorrido, pois isso seria para converter a mora em incumprimento definitivo, mas, no caso presente, já havia incumprimento definitivo, dado que os AA. nunca mais providenciaram pela marcação da escritura.</font><br>
<font>5 - Haveria mora, aí sim, se, embora já tendo passado os 120 dias, os AA. tivessem continuado a diligenciar no sentido de marcar a escritura.</font><br>
<font>6 - Nas circunstâncias do caso concreto, a RECUSA, por si só e inequivocamente, traduz a perda de interesse no negócio.</font><br>
<font>7-0 Acórdão recorrido faz uma interpretação errada dos artºs. 442° , 798° e 808°, todos do C.C, normas que devem ser interpretadas e aplicadas com o sentido que resulta das presentes Alegações.</font><div><br>
<font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font><br>
<br>
<u><font>Os Factos.</font></u></div><font>São os seguintes os factos tidos por provados.</font><br>
<font>1) - Na Conservatória do Registo Predial (CRP) da F. da Foz encontra-se descrito, sob o n° ......... de 5/1/95, um prédio urbano sito no lugar de Negrote, composto de uma casa de habitação de rés-do-chão, de fachada caiada, com 93 mts2, logradouro com 428 mts2, confrontando a norte com BB, a sul com FF, a nascente com estrada e a poente com CC, inscrito na matriz respectiva sob o art. 739 ( A/).</font><br>
<font>2) - A aquisição dessa casa de habitação encontra-se inscrita pela Ap. 02, de 5/1/ 1995, por partilha da herança de GG, a favor de CC, casado com DD, no regime da comunhão de adquiridos ( B/).</font><br>
<font>3) - Na Conservatória do Registo Predial (CRP) da F. da Foz encontra-se descrito, sob o n° ......, de 5/1/95, um prédio rústico sito no lugar de Vala de Cima, composto de terra de cultura, videiras, oliveiras, fruteiras e eucaliptos, com área de 1.665 mts2, confrontando a norte com caminho, a sul com logradouro das casas do própria, a nascente com HH e a poente com II, inscrito na matriz respectiva sob o art. 4.911 (C/).</font><br>
<font>4) - A aquisição desse prédio encontra-se inscrita pela Ap. 02, de 5/1/1995, por partilha da herança de GG, a favor de CC, casado com DD, no regime da comunhão de adquiridos (D/).</font><br>
<font>5) - No dia 14/9/2000, por contrato particular designado de contrato-promessa de compra e venda, no qual figuram como" outorgantes CC (réu) e AA(autor), aquele prometeu vender ao autor os prédios referidos nas alíneas A) e C) dos factos assentes, pelo preço de 37.409, 84 euros (E/)</font><br>
<font>6) - Na data referida na alínea E) dos factos assentes, os autores pagaram aos réus a quantia de 14.963, 94 euros, a título de sinal, ficando a parte restante do preço para ser paga no acto da outorga da respectiva escritura pública (F/).</font><br>
<font>7) - Conforme as cláusulas 2ª' e 4ª do contrato referido na alínea E) dos factos assentes, a escritura pública realizar-se-ia no prazo de 120 dias a contar da data da entrega de todos os documentos actualizados, referentes aos imóveis acima descritos, e a marcação da escritura de compra e venda seria da responsabilidade do autor, que avisaria o réu, com a antecedência de dez dias, da data, hora e local da sua celebração, sendo da responsabilidade do réu a entrega dos documentos actualizados relacionados com os imóveis objecto do contrato ( G/).</font><br>
<font>8) - Os autores solicitaram aos réus, várias vezes, chegando a fazê-lo por carta, os documentos referidos na alínea G) dos factos assentes, para a marcação da escritura de compra e venda dos prédios referidos nas alíneas A) e C) dos factos assentes ( r.q. 1º).</font><br>
<font>9) - Os autores solicitaram aos réus os documentos referidos na alínea G) dos factos assentes, por carta registada com aviso de recepção que foi recusada ( r.q.2°).</font><br>
<font>10) - O réu enviou aos autores os documentos referidos na alínea G) dos factos assentes no dia 21/2/2002 (r.q. 14°).</font><br>
<font>11) - Os autores aceitaram tais documentos sem fazerem qualquer reclamação (r.q. 15°).</font><br>
<font>12) - O autor só marcou a escritura para o dia 4/7/02 ( r.q. 16°).</font><br>
<font>13) - O autor avisou o réu da data referida na resposta ao quesito 16°) (r.q. 17°).</font><br>
<font>14) - No dia referido na resposta ao quesito 16°), o autor recusou-se a fazer a escritura ( r.q. 18°).</font><br>
<font>15) - O autor pretendia que o réu pedisse uma rectificação da área dos prédios referidos nas alíneas A) e C) dos factos assentes ( r.q. 19°).</font><br>
<font>16) - Após a data referida na resposta ao quesito 15°), os autores nunca mais tornaram a marcar a escritura de compra e venda relativa aos prédios referidos nas alíneas A) e C) dos factos assentes ( r.q.20°).</font><br>
<font>17) - Por carta registada com aviso de recepção de 29/7/02, o réu informou o autor que dava o contrato por resolvido, com a consequente perda do sinal para o réu ( r.q.21°).</font><br>
<font>18) - Os Autores têm um cheque visado emitido a favor dos Réus no montante de € 22.445,95, desde 4/6/2002 ( r.q.6°).</font><br>
<font>19) - A casa de habitação referida na alínea A) dos factos assentes tem um pátio e um logradouro com uma eira ( r.q.4°).</font><br>
<font>20) - Os autores já efectuaram o pagamento da sisa relativa ao prédio referido na alínea C) dos factos assentes ( r.q. 11°).</font><br>
<font>21) - Os autores pediram um orçamento de arranjo e restauro para o prédio referido na alínea A) dos factos assentes, anexos e pátio, para a sua habitação e escritórios ( r.q. 12°).</font><br>
<font>22) - No dia 24/3/03, no 2º Cartório Notarial da F. da Foz, foi outorgada a escritura pública que está documentada a fls. 21 a 27 dos autos, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida (H/).</font><div><u><font>Fundamentação</font></u><br>
</div><br>
<font>Como se viu, entenderam as instâncias que o incumprimento definitivo do contrato tem de ser imputado ao R. promitente vendedor, pelo que sobre ele recairia a obrigação de restituir o sinal em dobro.</font><div></div><font>Pretende, porém, o R. recorrente que, face à factualidade provada, tem, antes, de concluir-se que foram os A.A., ao recusarem-se a outorgar a escritura que eles próprios marcaram, que incumpriram definitivamente o contrato.</font><br>
<font>No essencial é esta a questão suscitada na revista que tem aqui de ser apreciada.</font><br>
<font>Perante a matéria de facto que ele próprio fixou, entendeu o acórdão recorrido que os A.A., ao recusarem-se a outorgar a escritura, </font><u><font>entraram em mora</font></u><font>, mas não em incumprimento definitivo.</font><br>
<font>Mas, por sua vez, o R. ao resolver o contrato sem previamente ter notificado os A.A. admonitoriamente e sem justificar a perda objectiva de interesse e ao ter posteriormente, vendido a terceiros os prédios prometidos vender aos A.A., incorreu em incumprimento definitivo com a consequente obrigação de restituir o sinal em dobro, daí ter confirmado a sentença recorrida que chegou à mesma decisão, embora partindo do princípio de que os A.A. não entraram em mora por ter sido justificada a sua recusa de outorgar a escritura.</font><br>
<font>Parece-nos, salvo melhor opinião, que a questão não pode ser vista com tal simplicidade, devendo antes encarar-se a perspectiva de terem ocorrido culpas concorrentes para a destruição do contrato promessa em causa.</font><div></div><font>Vejamos:</font><div></div><font>Começaremos por salientar que, segundo nos parece, a concorrência de culpas no incumprimento não impede, só por si, o direito à resolução do contrato promessa bilateral.</font><div></div><font>Como ensina o Prof. Calvão da Silva (Sinal e Contrato Promessa – 12ª ed. – 146/48 « o facto de o não cumprimento ser imputável, em igual medida a ambas as partes, não deve precludir o direito de resolução de uma delas nos contratos com prestações correspectivas».</font><br>
<font>Consequentemente, por maioria de razão, deve </font><u><font>subsistir o direito à resolução</font></u><font>, p</font><u><font>ara a parte que, no confronto da concorrência de culpas, for a menos culpada.</font></u><br>
<font>Sobre esta problemática cof. Também Vaz Serra (Anotação – RLJ., ano 104 nº 3442 – pg. 11 e seg.), onde pode ler-se «… o direito de resolução dos contratos por não cumprimento da outra parte não tem lugar quando o não cumprimento seja, também imputável ao contraente que pretenda valer-se do direito de resolução…» todavia, escreve mais adiante «… se a culpa do devedor (ou as suas consequências) for mais grave do que a do credor, este tem direito de resolução do contrato, mas, se não o for, o credor não pode resolver o contrato…. Poderia também entender-se que, sendo iguais as culpas de ambas as partes, o promitente comprador não deixa de ter direito de resolução, pois sempre houve culpa do devedor e a deste não é inferior à do credor…».</font><div><font>*</font></div><font>Assim, </font><u><font>existindo direito à resolução do contrato</font></u><font> (que apenas será de excluir em relação ao único ou principal culpado pelo incumprimento) </font><u><font>existe obviamente direito a pedir a restituição do sinal, </font></u><font>que, aliás, desde logo decorre da destruição do contrato que importa, evidentemente, a restituição de tudo o que as partes tenham recebido uma da outra (Art.º 443º e 434 do C.C.).</font><br>
<font>E, </font><u><font>nada obsta a que</font></u><font> </font><u><font>igualmente se peticione a respectiva indemnização</font></u><font> que se julgue devida (no caso, tratando-se de um contrato promessa com sinal passado, a indemnização é, ela própria, a perda do sinal, se o incumprimento é imputável à parte que o prestou – tradens – ou a restituição do dobro, se imputável à que a recebeu- accipiens).</font><div></div><font>Porém, saber </font><u><font>se à restituição do sinal em singelo deve acrescer a indemnização,</font></u><font> quando pedida, </font><u><font>resultará da ponderação que se fizer das culpas em concorrência, segundo as regras gerais e do Art.º 570 do C.C.</font></u><div><font>*</font></div><font>É esta a lição do Prof. Calvão da Silva (obra citada – 146/47 - ) quando a respeito da indemnização em casos de incumprimento bilateral escreve:</font><br>
<font>«Quer-nos parecer que o caso de não cumprimento bilateral imputável do contrato deve ser resolvido, tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respectivos pressupostos (Art.º 570).</font><br>
<font>Assim, a indemnização poderá ser totalmente concedida reduzida ou mesmo excluída, consoante a gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas resultaram.</font><br>
<font>Se as culpas dos dois contraentes forem iguais, a indemnização deve ser excluída, devendo o accipiens, porém, restituir o sinal em singelo, pois não se vê a que título possa retê-lo legitimamente».</font><div><font>*</font></div><font>A este respeito cof. Também Ana Pratas (O Contrato-Promessa e o seu Reg. Civil – 2ª reimp…- 718/721 e 801/804-), que, não obstante não aceitar o direito à resolução do contrato por parte de quem, de algum modo concorreu, com culpa, para o incumprimento, aceita o direito à restituição do sinal em singelo e a eventual indemnização a conceder e calcular, se for caso disso, à luz do Art.º 570 do C.C.</font><div></div><font>Posto isto e regressando ao caso concreto, sabemos que os A.A. tendo marcado a escritura para o dia 4/6/2002, nesse dia recusaram-se a outorgá-la.</font><br>
<u><font>Resulta porém da prova</font></u><font> (cof. Resposta ao quesito 19º, p. ex.) </font><u><font>e de todo o contexto</font></u><font> </font><u><font>dos articulados</font></u><font> </font><u><font>que os A.A. pretendiam que o R. procedesse, a expensas suas, à rectificação da área dos prédios,</font></u><font> prometidos vender e comprar, já que, segundo alegam, estes teriam </font><u><font>uma área superior</font></u><font> à que constava das inscrições matriciais e descrições do registo predial.</font><br>
<font>E que foi esta pretensão dos A.A. que esteve na origem da recusa de outorgar a escritura que eles próprios marcaram, não oferece qualquer dúvida face a tudo quanto consta dos autos.</font><br>
<font>Aliás, está provado que os A.A. já tinham pago a sisa, pediram um orçamento para arranjo e restauro do prédio urbano em causa, e tinham disponível um cheque visado emitido a favor dos R.R., datado de 4/6/2002 (data marcada para a escritura), no valor de 22.445.90€ (correspondente ao resto do preço convencionado, que faltava pagar).</font><div></div><font>Assim, </font><u><font>a recusa de outorgar a escritura</font></u><font> na referida data, só por si, e atento o referido contexto factual, </font><u><font>não é facto concludente, no sentido de que os A.A. não queriam mais cumprir o contrato, de modo absoluto e definitivo.</font></u><div></div><font>Por isso, tal recusa apenas os constituiu </font><u><font>em mora.</font></u><br>
<font>Trata-se, no entanto, de mora culposa, como também entendeu o acórdão recorrido porquanto injustificada, desde logo porque, perante a matéria de facto fixada pela Relação, ficou por provar a falta de coincidência das áreas, tal como se questionava no q.3 (Não provado que face aos doc. entregues pelo R. aos s A.A. estes tenham verificado que as inscrições e descrições dos prédios em causa não coincidiam com o que na realidade tinham comprado.).</font><br>
<font>De resto, mesmo que se tivesse demonstrado integralmente a tese dos A.A. e ocorresse real desconformidade, entre as áreas dos prédios anotadas na matriz e no registo, com as áreas medidas no terreno, tal situação nunca justificaria a recusa dos A.A., tanto mais que, no caso, tal desconformidade só os beneficiaria, já que ficariam donos de mais terreno sem o pagar, porque, não havendo discrepâncias entre os documentos matriciais e as descrições registrais, como se vê dos documentos juntos aos autos, nada impedia a escritura e sobretudo porque, no âmbito do plano contratual, nenhuma obrigação assumiram os R.R. de proceder a qualquer rectificação das áreas.</font><br>
<font>Acresce que, sendo realidade frequente a existência de discrepâncias entre as áreas documentadas e as reais, nada impedia os A.A. de, após a compra dos prédios, procederem eles à rectificação que julgassem necessária, já que eram eles os beneficiários dessa desconformidade factual.</font><br>
<font>Todavia, porque os A.A. apenas se constituíram em mora, perante a sua inacção posterior, só era consentido aos R.R., notificá-los admonitoriamente para, dentro de um prazo razoável, cumprirem a sua prestação (marcar e outorgar na escritura de compra e venda), ou alegar e provar terem perdido o interesse na prestação por causa da mora (perda de interesse a apreciar objectivamente), como determina o Art.º 808 do C.C.</font><br>
<font>Mas, em vez disso, incompreensivelmente, o R. limitou-se a remeter aos A.A. a carta de 29/7/2002, (fls. 122 – cof. Resposta ao q. 21), por via da qual </font><u><font>declarou resolver o contrato promessa</font></u><font> em causa sendo ainda certo que, posteriormente (em 24/3/2003), vendeu os prédios a terceiros.</font><br>
<font>Tal declaração resolutiva, sendo uma declaração receptícia, produziu efeitos logo que recebida pelos A.A.</font><br>
<font>Está assim resolvido definitivamente o contrato, mas, conforme acima se disse, foi ilegalmente resolvido, visto que a lei não permitia aos R.R. destruiu o contrato pela resolução encontrando-se a outra parte apenas em situação de mora, sem antes a converter em incumprimento definitivo.</font><br>
<font>Logo, tal resolução elegítima coloca o R. em situação de incumprimento definitivo.</font><br>
<font>(À mesma conclusão se chegaria, caso se entendesse que a declaração dos R.R. não tinha força resolutiva, por a lei não admitir a resolução do contrato naquelas circunstâncias.</font><br>
<font>Então, a declaração de resolução equivaleria à declaração inequívoca de não querer cumprir o contrato, o que, da mesma forma, colocaria o R. em situação de incumprimento definitivo).</font><br>
<font>Estamos, pois, perante uma </font><u><font>situação de mora</font></u><font> </font><u><font>confrontando-se</font></u><font> </font><u><font>com outra situação de incumprimento definitivo.</font></u><br>
<font>Ambas as situações são culposas, de modo que, de acordo com a orientação inicialmente exposta, há </font><u><font>que averiguar qual o grau de culpa com que cada uma das partes concorreu para a quebra de confiança e subsequente destruição do contrato.</font></u><div></div><font>Como se viu o A. marcou a escritura, como era sua obrigação contratual, mas no dia que ele próprio agendou para o efeito, </font><u><font>recusou-se a outorgá-la, </font></u><font>porque</font><u><font> </font></u><font>pretendia que, antes disso, os R.R. rectificassem as áreas dos prédios prometidos vender e comprar, as quais, segundo o alegado, seriam, na realidade superiores às que constavam das inscrições matriciais e das descrições registrais, o que, porém, não se provou.</font><br>
<u><font>De qualquer modo</font></u><font>, </font><u><font>mesmo a ser como pretendem os A.A., a sua exigência, de rectificação nada tem de razoável atentos os princípios da boa-fé.</font></u><br>
<font>Por um lado, o pretenso direito à rectificação das áreas dos prédios (que os A.A. até pretenderem fazer valer por via de uma outra acção que moveram aos R.R., e na qual decaíram, como era evidente…) não encontra qualquer eco no plano contratual (a actualização dos documentos a que se refere o contrato, na falta de qualquer outra indicação, nada tem a ver com a pretendida rectificação de áreas, mas sim com o prazo de validade dos documentos, como qualquer declaratário normalmente diligente interpretaria), além do que, não havendo divergência de áreas nos documentos, necessários à realização da escritura, como não havia, nada impedia a realização ou efectivação da escritura, como nada impedia os A.A. de procederem eles, após o negócio, às rectificações que julgassem necessárias.</font><br>
<font>Por outro lado, sendo a alegada divergência de áreas favorável aos A.A. visto que seriam maiores as áreas reais de que os assinalados na matriz e registo, em nada os prejudicaria a efectivação do negócio (note-se que as descrições do registo predial não constituem qualquer presunção quanto às áreas dos prédios neles assinalados).</font><div><font>e</font></div><font>Acontece que apesar de tudo isto (que, de resto os A.A. nem lograram provar), recusaram-se a outorgar a escritura e quedaram-se nessa situação de omissão (que, como se viu qualificamos de mora), não tornando a marcar data para a sua realização (cof. Resposta ao quesito 20º).</font><br>
<font>Foi perante esta conduta injustificada, omissiva e censurável que o R, após esperar quase dois meses sem que os A.A. marcassem nova data para a escritura (e já tinha decorrido o prazo contratual para o efeito), remeteu a carta de 29/7/2002, a declarar resolvido o contrato promessa.</font><div></div><font>Nesta medida, ao que nos parece, bem pode dizer-se que a </font><u><font>conduta culposa dos A.A., embora só os constituindo em situação de mora, foi determinante, em parte, da conduta resolutiva do R.</font></u><br>
<font>Na verdade, sabendo-se que os A.A., como eles próprios alegam, não estavam dispostos a suportar os custos da rectificação da matriz e do registo, e por isso mesmo se recusaram a outorgar a escritura, nada mais fazendo no sentido de desbloquear o impasse que criaram e, não estando o R. também disponível a ser ele a suportar os custos inerentes a tal rectificação (que, repita-se, nem se provou ser, de facto, necessária…), tanto mais que a isso não estava contratualmente obrigado, e essa rectificação não era condição necessária à realização da escritura, era natural e presumível que pretendesse desvincular-se do contrato promessa em causa.</font><br>
<font>Só que, optou, para o efeito por um meio inadequado, porque ilegal, visto que, encontrando-se as A.A. em situação de mora culposa, não podia o R. resolver o contrato sem previamente converter a mora em incumprimento definitivo por qualquer dos processos previstos no Art.º 808 do C.C.</font><br>
<br>
<font>Assim, ao resolver o contrato ilegitimamente constituiu-se em situação de incumprimento definitivo culposo.</font><br>
<font>É este incumprimento que gera o dano dos A.A. e que eles pretendem ver ressarcido pelo pagamento do dobro do sinal, visto que, no âmbito do contrato promessa, com sinal passado, é só essa a indemnização que, no caso, podem exigir.</font><div></div><font>Ora, para a ocorrência do incumprimento do R., portanto para o dano dos A.A., concorreram eles próprios com a sua conduta culposa, como se disse, conduta essa que não pode ter-se de todo indiferente, segundo as regras da experiência comum ou a ordem natural das coisas, para o incumprimento do R. e consequentemente dano dele emergente. ( É claro que, no caso, não tem de provar-se o dano, visto que a indemnização para o incumprimento é fixada, ex ante, pela própria lei).</font><br>
<font>Há, então, que concluir que </font><u><font>para o dano resultante do incumprimento concorreram adequadamente, quer a conduta culposa dos A.A. </font></u><font> </font><u><font>como a do R</font></u><font>., igualmente culposa.</font><br>
<font>E, </font><u><font>atento o quadro factual</font></u><font> em presença e já descrito em pormenor, </font><u><font>não se vê razão para distinguir quantitativa ou qualitativamente as culpas imputáveis a ambas as partes, que por isso, devem ser considerados de igual grau.</font></u><br>
<font>Assim sendo, e como já acima se deixou dito, sendo iguais as culpas concorrentes, não há lugar à indemnização, o que, no caso, equivale a dizer-se que </font><u><font>não têm os A.A. direito à devolução do dobro do sinal </font></u><font>mas </font><u><font>apenas à sua restituição em singelo,</font></u><font> uma vez que, destruído o contrato e sendo iguais as culpas de ambas as partes, nenhuma razão existe para que o R. faça seu o sinal passado pelas A.A.</font><div></div><font>Os A.A. pediram a condenação dos R.R. a restituírem-lhes o dobro do valor do sinal (6.000.000$00 ou € 29.927.88).Nesse pedido, sempre estaria implícito a resolução do contrato. No caso, porém, uma vez que o contrato foi já resolvido pelos R.R., embora ilegalmente, não teria lógica peticionar a resolução.</font><br>
<font>Por outro lado, não sendo caso de restituição do sinal em dobro, mas apenas em singelo (portanto – 3.000.000$00, ou 14.963.94€-), é claro que tal se contém no âmbito do pedido, já que não se condena para além do pedido nem em objecto diferente dele. – Art. 661 do C.P.C. – mas simplesmente em quantia inferior à peticionada.</font><br>
<font>Consequentemente, na procedência parcial da revista, pode o Tribunal condenar o R. a restituir o sinal em singelo.</font><br>
<u><font>Decisão</font></u><br>
<font>Termos em que acordam neste S.T.J. em julgar parcialmente procedente a revista e, consequentemente:</font><br>
<font>- revogam o acórdão recorrido na parte em que, confirmando integralmente a sentença recorrida, condenou o R. a restituir aos A.A. o sinal em dobro. </font><br>
<font>- pelas razões expostas, julgam a acção parcialmente procedente, condenando o R. a restituir aos A.A. o sinal que deles recebeu, portanto, em singelo (3.000.000$00 ou 14.963.94 €), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até pagamento.</font><br>
<font>Custas por AA. E R., na proporção do vencimento e decaimento – também nas instâncias.</font><div></div><font>Lisboa, 13 de Janeiro de 2009</font><div></div><font> Moreira Alves (Relator) </font><br>
<font> Alves Velho</font><br>
<font> Moreira Camilo</font><br>
<div></div></font><br>
| [0 0 0 ... 0 0 0] |
5zKzu4YBgYBz1XKvsjIQ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<font>AA instaurou acção ordinária </font><br>
<b><i><u><font>contra </font></u></i></b><br>
<b><font>Banco BB, S.A., </font></b><br>
<b><i><u><font>pedindo</font></u></i></b><br>
<font>- que este seja condenado a pagar-lhe. a quantia de € 56.364,16, acrescida de juros vencidos no valor de € 51.374,77, bem como nos vincendos até integral pagamento. </font><br>
<font>Para tanto, alegou, em síntese, que em 2 de Abril de 1991, a A. e seu irmão abriram uma conta à ordem no R.., e que em 24 de Junho de 1994, o R. procedeu ao débito na referida conta, e em favor dele, das quantias de 1.750.000$00, 180.000$00, 2.000.000$00 e 5.750.000$00, sem que a A. ou o seu irmão tenham dado autorização para que tal se fizesse. </font><br>
<br>
<font>O R. contestou por excepção e por impugnação:</font><br>
<font>Por excepção, invocou a prescrição dos juros moratórios peticionados pela A., nos termos do art. 310.º- b) do C.C. </font><br>
<font>Por impugnação, alegou que os débitos em causa foram autorizados pelo irmão da A, CC, contitular da conta bancária em questão, para pagamento de letras de câmbio avalizadas pelo mesmo e que lhe foram devolvidas, depois de pagas. </font><br>
<br>
<font>Houve réplica. </font><br>
<br>
<font>No despacho saneador, foi relegado o conhecimento da prescrição para a sentença final.</font><br>
<br>
<font>Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida Sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido. </font><br>
<br>
<font>Apelou a A. (1), mas a Relação de Lisboa, através de seu Acórdão de 2007.12.13, negou provimento à Apelação e confirmou a sentença recorrida. </font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, a A. pediu Revista.</font><br>
<br>
<font>Em 2008.05.20, o STJ veio no entanto a anular o Acórdão recorrido, ordenando que os autos baixassem à Relação para suprir a falta de conhecimento da impugnação da matéria de facto, por forma a que </font><i><font>procedesse ao reexame dos impugnados depoimentos das testemunhas CC, DD,EE, FF e </font></i><font>GG (pois não se referia no Acórdão que tivesse sido procedido à audição dos respectivos registos), e de molde a que “</font><i><font>a Relação procedesse à sua própria análise crítica”</font></i><font>, de modo </font><u><font>a “formar sobre eles a sua própria convicção e a proceder a um segundo grau de julgamento da matéria de facto</font></u><font> que fora impugnada na apelação, tudo com vista a apurar se as respostas dadas pela primeira instância deveriam ser aquelas ou outras, em face da matéria quesitada e respectivos meios de prova</font><u><font>,</font></u><i><u><font> não se podendo limitar a aceitar a fundamentação fornecida pela primeira instância, baseada no princípio da livre apreciação da prova.”</font></u></i><br>
<br>
<font>A Relação lavrou então novo Acórdão, vindo este a julgar novamente improcedente o recurso e assim confirmando a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, recorre a A.. voltando a pedir Revista.</font><br>
<br>
<font> …………………</font><br>
<br>
<b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br>
<br>
<br>
<font>Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem. </font><br>
<font>Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º). </font><br>
<font>Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. </font><br>
<font>Traçado assim o quadro em que nos movimentaremos, passamos a transcrever as referidas “Conclusões” que a Recorrente apresentou: </font><br>
<i><font>a) É facto notório, por ser do conhecimento geral, que os Bancos apenas efectuam movimentos a débito na conta de clientes quando tais movimentos são ordenados ou confirmados por escrito; </font></i><br>
<i><font>b) Seja esse escrito um cheque, um título de crédito, uma ordem de levantamento ao balcão, ou qualquer instrução dada pela forma escrita pelo cliente ao Banco; </font></i><br>
<i><font>c) Sendo tal facto notório, não carece de alegação nem de prova, nos termos do artigo 514. ° do CPC, preceito, que o Tribunal a quo violou; </font></i><br>
<i><font>d) E, na medida em que essa declaração contratual a que ordena ou permite o débito apenas se pode provar por escrito, não pode ser provada por testemunhas, nos termos conjugados dos artigos 393.°-1 e 394.°-1, do Código Civil; </font></i><br>
<i><font>e) Preceitos esses que o Tribunal a quo violou ao entender que a matéria vertida nos quesitos 1.° e 2.° da base instrutória podia ser provada por testemunhas; </font></i><br>
<i><font>f) Isto quando o Banco Réu se recusou a entregar documentos que provassem a causa de tais débitos, alegando tê-los destruído;</font></i><br>
<i><font>g) Aliás, estando as obrigações emergentes do presente contrato sujeitas ao prazo de prescrição ordinária de vinte anos (artigo 309. ° do Código Civil) não pode o Banco Recorrido eximir-se ao ónus de provar tais factos, através do meio de prova legalmente exigido, a prova documental, fazendo-a substituir pelo depoimento testemunhal de funcionários seus, com a invocação - aliás, expressamente dada como não provada (cf. respostas aos quesitos 3. ° a 5. ° da decisão quanto à matéria de facto) - de que havia destruído, antes do decurso de tal prazo, os documentos que atestariam tais factos; </font></i><br>
<i><font>h) O que, do mesmo modo, afronta os artigos 393.º-1 e 364.°-1, do Código Civil, preceitos que o Douto Tribunal a quo desaplicou; </font></i><br>
<i><font>i) Sendo certo que a permissão de prova testemunhal, neste caso, impede objectivamente a Recorrente de, a ser verdade o que o Recorrido diz, socorrer-se do disposto no artigo 533.° do Código Civil, obrigando o co-contratante a restituir-lhe o montante retirado; </font></i><br>
<i><font>j) Pelo que tal tese nunca poderia proceder sob pena de lesar o credor solidário inocente; </font></i><br>
<i><font>k) A Recorrente e seu irmão firmaram, na qualidade de depositantes com o Banco Recorrido, na qualidade de depositário, um contrato de depósito bancário sob o regime da solidariedade activa; </font></i><br>
<i><font>1) Nos termos do artigo 512.º-1, do Código Civil, a obrigação é solidária, ( ... ) quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos e1es; </font></i><br>
<i><font>m) Em consonância com o qual a clausula quinta das "Condições Gerais de Depósito" determinava quanto ao depósito solidário que "na movimentação do depósito solidário, qualquer dos titulares poderá livremente total ou parcialmente, movimentar esta conta sem autorização dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito em resultado da movimentação;</font></i><br>
<i><font>n) Nos termos do contrato ajustado, o Banco Recorrido ficava desonerado da obrigação de prestar perante qualquer dos concredores se cumprisse ordens de movimentação da conta emitidas nos termos do mesmo contrato; </font></i><br>
<i><font>o) Tais ordens poderiam configurar o levantamento directo de numerário ao balcão, a transferência de fundos para outra conta (transferência bancária) ou o pagamento de cheque sacado sobre a conta; </font></i><br>
<i><font>p) O contrato de folhas 11, ajustado entre depositantes e depositário não admitia qualquer outra forma de movimentação da conta. Logo, não admitia a desoneração do depositário, inerente à entrega dos valores objecto do movimento senão através de uma dessas formas; </font></i><br>
<i><font>q) Porque o débito em conta inerente ao pagamento de uma letra aceite resulta do facto acidental de o Banco ser portador de uma letra de que um seu cliente é aceitante, o contrato admite o respectivo pagamento mediante aviso efectuado antes da data do vencimento e salvo indicação em contrário; </font></i><br>
<i><font>r) De onde decorre que, mesmo neste caso, o cliente pode opor- se ao débito bancário; </font></i><br>
<i><font>s) Porém, no caso em apreço não é certo de que nos encontrássemos perante uma letra dado que o Tribunal apenas deu como provada a existência de um "efeito" e tal conceito pode abranger outras realidades que não a letra - e, segundo o Tribunal deu como provado, o débito foi efectuado no cumprimento de uma obrigação de garantia - um aval; </font></i><br>
<i><font>t) Ao actuar como actuou, ainda que tivesse contado com o consentimento do concredor - o que, sem se admitir, apenas por hipótese se refere - o Banco Recorrido agiu ao arrepio do regime da solidariedade activa legal e contratualmente estabelecido violando os termos do contrato firmado com a Recorrente; </font></i><br>
<i><font>u) Pelo que, ao debitar as quantias que debitou, ainda que o pudesse ter feito como a aquiescência do concredor, o Banco Réu não se exonerou perante a Recorrente; </font></i><br>
<i><font>v) Limitando-se o regime da solidariedade activa, nos termos concretamente consignados no contrato, a fixar os termos em que o Banco devedor se desoneraria perante o concredor não ordenante, não resulta desse regime que o contrato possa ser modificado entre o Banco e o outro concredor ao arrepio da vontade da outra parte; </font></i><br>
<i><font>w) Pelo que, o eventual acordo entre o Banco Réu e o concredor viola o princípio pacta sunt servanda, não sendo, por consequência, eficaz perante a Recorrente que em tal modificação não anuiu; </font></i><br>
<i><font>x) Pelo que, ao julgar como julgou, violou o Douto Tribunal por incorrecta aplicação o disposto nos artigos 1205.º, 1206.º, 512.°-1 e 406.°-1, do Código Civil, 303.° e 304.° do Código Comercial, Decreto Lei n. ° 430/91, de 2/11 por referência às Clausulas 5.8 e 15.8 das Condições Gerais do Depósito; </font></i><br>
<i><font>Termos em que, deve o presente recurso de revista ser julgado inteiramente procedente, sendo revogado o douto acórdão recorrido e o Recorrido condenado nos termos peticionados.”</font></i><br>
<font> ……………………..</font><br>
<br>
<font>Em face do acima exarado, temos de considerar que as questões analisandas são as seguintes:</font><br>
<font>a) determinar se constitui “facto notório” que as ordens ou autorizações dadas a um Banco para efectuar lançamentos a débito em conta solidária aberta à ordem, tem de obedecer à forma escrita;</font><br>
<font>b) determinar a quem compete o ónus probatório da existência de uma ordem ou autorização para efectivação de lançamentos a débito por um contitular da conta e por que forma se pode provar;</font><br>
<font>c) determinar se pode o banco, e em que condições, compensar um crédito seu sobre um dos contitulares, lançando a débito na conta solidária a importância em causa, sem que os demais contitulares tenham sido notificados ou dado autorização para o efeito</font><br>
<font> ……………………</font><br>
<br>
<b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>III-A) Os factos</font></b><br>
<br>
<font>Foram considerados como fixados pela Relação os factos seguintes:</font><br>
<i><font>“1- Em 2-4-91, a autora e seu irmão, CC, abriram na dependência do réu, sita na Estrada de Benfica, em Lisboa, uma conta de depósitos à ordem, com o n.º 23000000 . </font></i><br>
<i><font>2- Nesse acto, a autora entregou ao réu quantias em dinheiro, para que o mesmo pudesse delas livremente dispor. </font></i><br>
<i><font>3 - Obrigando-se o réu a restituí-las, mediante solicitação, de acordo com as condições apostas no verso do documento, intituladas "Condições Gerais de Depósito" . </font></i><br>
<i><font>4 - O contrato de depósito à ordem celebrado entre a autora e seu irmão, na qualidade de depositantes, e o réu, na qualidade de depositário, foi -o sob o regime de solidariedade. </font></i><br>
<i><font>5 - Dispondo a cláusula 5.ª das "Condições Gerais de Depósito ", quanto ao depósito solidário, que na movimentação do depósito solidário, qualquer dos titulares poderá livremente, total ou parcialmente, movimentar esta conta, sem autorização dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito em resultado da movimentação. </font></i><br>
<i><font>6 - Em 24 de Junho de 1994, o réu procedeu ao débito, a seu favor, das quantias de 1.750.000$00, 1.800.000$00 , 2.000.000$00 e 5.750.000$00, no total de 11.3000.000$00 (56.364,16 euros que se encontravam depositados na aludida conta.) </font></i><br>
<i><font>7 - Justificando tal operação com a menção "pagamento de efeito", a que deu os números 39000000, 45000000, 44000000 e 42000000 . </font></i><br>
<i><font>8 - O réu não notificou a autora de que ia proceder a tais levantamentos. </font></i><br>
<i><font>9 - Nem a autora deu o seu acordo a tais débitos. </font></i><br>
<i><font>10 - A autora não deu qualquer ordem de pagamento de que os mesmos débitos fossem execução. </font></i><br>
<i><font>11 - A autora não sacou quaisquer cheques com tais valores. </font></i><br>
<i><font>12 - Nem subscreveu, na qualidade de aceitante, qualquer outro título de crédito, por força do qual tais quantias devessem ser debitadas. </font></i><br>
<i><font>13 - Os débitos em causa foram autorizados pelo irmão da autora , na qualidade de avalista dos efeitos debitados ( resposta ao quesito 1 ° da base instrutória ) . </font></i><br>
<i><font>14 - Em consequência, o réu devolveu os títulos pagos ao irmão da autora e contitular da conta ( resposta ao quesito 2° da base instrutória ).”</font></i><br>
<br>
<font> ……………………</font><br>
<br>
<b><font>III-B) O Direito</font></b><br>
<br>
<font>O depósito bancário é configurado como um contrato atípico, que reúne elementos comuns da conta corrente mercantil (art. 347.º do C. Comercial) e de contrato de mandato.(art. 1157.º do CC.), e cujo objecto se desdobra em actividades próximas do mútuo oneroso (1142.º e ss.) e do depósito (art. 1185.º).</font><br>
<br>
<font>Em linhas gerais podemos dizer, na linha dos ensinamentos colhidos em José Maria Pires, in Direito Bancário(2), que a conta bancária se traduz na entrega e transferência de propriedade para o banqueiro da propriedade dos depósitos que lhe são entregues para este lhe dar a utilização que entender, mediante a obrigação de devolução com os respectivos frutos (juros).</font><br>
<font> Quando estiver previsto que obrigação de devolução de capital e frutos vier a ocorrer no final do prazo acordado, estamos perante um depósito a prazo; quando se não preveja termo de encerramento da conta e só haja que devolver o saldo existente entre as diversas operações correntes que ao longo do tempo irão ocorrer, ligando ambas as partes contratantes por débitos e haveres, estaremos perante depósitos à ordem.</font><br>
<font> As contas à ordem podem ser singulares e colectivas; as colectivas, por sua vez, podem ser solidárias ou conjuntas. Há ainda a possibilidade de qualquer das contas colectivas ser mista, sendo solidária quanto a alguns dos titulares e conjunta quanto a outros.</font><br>
<br>
<font>Escreve o Prof. Meneses Cordeiro, in Depósito Bancário e Compensação(3), a respeito das contas solidárias, o seguinte:</font><br>
<br>
<font> </font><i><font>“(…)As contas bancárias solidárias têm um regime que resulta das respectivas aberturas de conta. No omisso, caberá recorrer às regras gerais sobre obrigações solidárias, verificando, caso a caso, as adaptações que se mostrem necessárias.</font></i><br>
<i><font>Como ponto de partida, importa sublinhar que (…) nos depósitos bancários, a solidariedade funciona seja no interesse dos depositantes, seja no interesse do banqueiro; paralelamente tem desvantagens para todos eles. Com efeito, cada depositante tem a vantagem de poder movimentar sozinho, o saldo; tem a desvantagem de poder ser despojado do seu valor, por acto unilateral do seu parceiro. Quanto ao banqueiro: tem a vantagem de poder exonerar-se perante um único depositante, com toda a simplificação burocrática e jurídica que isso implica; tem a desvantagem de poder ver aumentar a volatilidade dos depósitos.</font></i><br>
<i><font>(…) Se um titular pode sozinho, esgotar o saldo, também poderá, sozinho, constituir débitos, junto do banqueiro que impliquem, por via da compensação, esse mesmo esgotamento.</font></i><br>
<i><font>A lei geral não conduz a outra solução: o banqueiro (enquanto devedor) pode escolher o cliente solidário a quem satisfaça a prestação – art. 528.º-1, do CC.: basta que possa exonerar-se, o que sucede, por certo, perante os pressupostos da compensação.</font></i><br>
<i><font>Esta situação não é mais chocante do que comum solidariedade, em que uma pessoa responde imediatamente por débitos que não são seus, do que a comum garantia pessoal sem benefício de excussão ou do que uma conta solidária, em que um dos titulares (que pode não ser dono de nada) pode esgotar o saldo em proveito próprio. As pessoas apenas devem ser informadas das possíveis consequências legais das soluções que tomem.</font></i><br>
<i><font>O banqueiro, perante uma conta solidária, pode compensar o crédito que tenha sobre algum dos seus contitulares , até à totalidade do saldo.</font></i><br>
<i><font>O único aspecto restritivo poderia advir das condições de movimentação acordadas. Assim, se estas não facultarem débitos em conta por despesas e créditos do banqueiro em geral, o banqueiro terá de ter o cuidado de proceder a uma declaração avulsa de compensação, compensando com o saldo disponível.”</font></i><br>
<br>
<br>
<font>Traçado assim em linhas gerais o regime jurídico do contrato de abertura de conta em depósito solidário, é altura de começarmos a analisar o recurso que nos é colocado. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Um tanto deslocada e até incompreensivelmente, a Recorrente começa por sustentar que é um facto notório que qualquer ordem ou autorização dada a um banco para imputar numa conta solidária à ordem, um débito de cliente titular da mesma, tem de ter como suporte uma autorização ou ordem dada por escrito.</font><br>
<br>
<font>Não perfilhamos esse entendimento:</font><br>
<br>
<font>Um facto só é notório quando é do conhecimento geral – art. 514.º-1 do CPC.</font><br>
<font>Ora só se pode afirmar que é do conhecimento geral aquilo que toda a gente conhece. </font><br>
<font>Estando o contrato de abertura de conta sujeito a cláusulas contratuais gerais e/ou especiais negociadas entre banqueiro e cliente(4), só quem conhece os termos em que foi negociado o contrato é que verdadeiramente pode estar dentro dele.</font><br>
<font>Pelo que é absolutamente insustentável dizer ser um facto notório (ou seja, do conhecimento geral) que a forma de movimentação de contas à ordem no enunciado contexto, só pode fazer-se através de documento escrito.(autorização ou ordem dada pelos titulares da conta).</font><br>
<br>
<font>Na improcedência da linha argumentativa à base dos factos notórios, sustenta a recorrente, no entanto, que teria de haver ao menos um documento escrito donde tal autorização resultasse (nem que fosse a posteriori) , competindo o ónus dessa prova ao R. (como facto impeditivo do direito alegado pela A.), pelo que, na ausência de tal documento, não poderiam as instâncias dar como provado, com base em prova testemunhal, que o irmão tivesse dado autorização para lançamento a débito na conta solidária dos efeitos do alegado aval em que ele supostamente figuraria.</font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<br>
<font>Não se põe em causa que era ao R. que competia provar que o irmão da A. dera autorização para lançar a débito da conta solidária de que era contitular, o “efeito” decorrente do aval dado por ele, e de cujo título o Banco R. era beneficiário, de molde a que assim se operasse a compensação de créditos.- art. 342.º-2 do CC. </font><br>
<font>O que se discute, é se o poderia provar através de prova testemunhal.</font><br>
<br>
<font>Ora, nesse aspecto, entendemos que também não tem razão a Recorrente.</font><br>
<br>
<font>Vejamos:</font><br>
<br>
<font>Aquando da abertura de conta, foi estipulado entre as partes que esta seria uma conta à ordem solidária e que ficaria sujeita às condições apostas no verso do documento </font><i><font>“condições gerais do depósito”.</font></i><br>
<font>A cláusula 5.ª dessas “condições gerais do depósito” referia que </font><i><font>“na movimentação do depósito solidário, qualquer dos titulares poderá livremente, total ou parcialmente, movimentar esta conta sem autorização dos restantes, ficando o Banco isento de qualquer responsabilidade pela entrega de todo ou parte do depósito em resultado de movimentação.”</font></i><br>
<font>Ora, lendo as demais condições gerais, não se divisa no contrato qualquer norma que imponha especiais condições concretas em que a conta poderia ou teria de ser movimentada.</font><br>
<br>
<font>Não o entende assim a Recorrente, trazendo à colação a cláusula 15.ª, referindo que esta apresentava a única situação em que o Banco poderia debitar “efeitos” decorrentes de títulos de crédito, e que seria em “letras aceites por qualquer dos titulares”</font><br>
<br>
<font>Salvo o devido respeito, não partilhamos desse entendimento.</font><br>
<br>
<font>Tal cláusula tem a seguinte redacção:</font><br>
<i><font>“O Banco poderá debitar na conta as letras aceites por qualquer dos titulares domiciliados ou não na conta, mediante aviso antes do vencimento e salvo indicação em contrário”.</font></i><br>
<font>Ora, podemos verificar que não refere que só os aceites em letras possam ser descontadas e levados a débito na conta solidária, mas diz como deve o Banco proceder quando lhe forem apresentadas letras com aceites para desconto, dos titulares da conta solidária, referindo que o deve fazer avisando previamente que irá proceder a tal operação.</font><br>
<font> A alusão às “letras” e aos “aceites” dos titulares da conta corresponde à adopção de uma cláusula abrangente, baseada no princípio “id quod plerumque accidit.”</font><br>
<font>A razão da sua específica inclusão nas condições gerais do contrato tem um objectivo simples: Dar garantia aos titulares da conta de que serão previamente avisados das datas em que as letras, (que são os títulos de crédito mais comuns no sistema bancário com datas de pagamento diferidas no tempo) serão apresentados a desconto, com vista a que o titular da conta possa providenciar pela existência de saldo nesta, no dia do respectivo vencimento.</font><br>
<br>
<font>Não pode aceitar-se a interpretação restritiva de que estariam excluídos da autorização do débito em conta as operações assentes em outros títulos de crédito (que não as letras) ou noutras formas em que os titulares das contas se tenham obrigado (que não os aceites), muito menos que tivesse de haver documento escrito a suportar a ordem ou autorização de movimentação. </font><br>
<font>A única conclusão plausível que se pode retirar dessa cláusula é a de que o Banco avisaria com antecedência da data em que iria ser debitada na conta o efeito de um desconto cambiário (letras ou livranças) cujo pagamento não era normalmente exigível à vista, como seria o caso do cheque.</font><br>
<br>
<font>Não é despiciendo dizer-se que a actividade bancária assenta na confiança mútua entre a instituição e o cliente, e, naquilo que não é imposto por lei nem resulta expressamente do contrato, a forma de actuação se rege de acordo com as práticas livremente aceites, de forma expressa ou tácita, por ambas as partes, ao longo do tempo. </font><br>
<font>Daí que, na falta de estipulação especial existente no contrato firmado – como já vimos e analisamos - , e perante a não imposição legal de um meio específico ad constitutionem ou ad probationem, para a validade ou prova da autorização dada, pudesse ser utilizado qualquer meio de prova, inclusive a testemunhal, para demonstrar que o irmão da A. dera o assentimento para que fosse levada a débito da conta solidária a importância incluída no título de crédito em que o mesmo se mostrava obrigado como avalista.- art. 392.º do CC.</font><br>
<br>
<font>Estranha-se, de resto, que só ao fim de 11 anos, sem explicação para tão tardia actuação, e desacompanhada do irmão (que poderia confirmar ou desmentir a A.), venha pôr em causa a existência de autorização para movimentação da conta nos moldes retratados…</font><br>
<font>Mas mesmo que assim não se entendesse – o que só por questão de raciocínio se admite -, do que não pode restar a mínima dúvida é que não é exigível prova escrita para se provar – como se provou - que o irmão da A. ficou na posse do título cambiário que esteve na base da movimentação da conta, e que lhe foi entregue pelo R..</font><br>
<font>Ora, estando feita essa prova, seria absolutamente incompreensível, por incongruente, que o R. lhe tivesse entregue o título se não tivesse obtido do irmão da A. a correspondente autorização de débito em conta.</font><br>
<font>O mesmo efeito compensatório seria, de resto, obtido, se o irmão da A. tivesse levantado directamente o dinheiro da conta e pagasse directamente ao Banco (parte credora) a obrigação decorrente do aval.</font><br>
<font>Não é verdade que estava previsto na abertura de conta (cláusula 5.ª), como já atrás foi referido, que qualquer deles poderia movimentar a conta, sem que ao Banco pudesse ser exigido qualquer responsabilidade pela ordem dada?</font><br>
<br>
<font>Face ao meio mais forte da prova de autorização dada pelo irmão da A. para que o Banco procedesse ao lançamento dos respectivos débitos na conta solidária - ficando o mesmo com o título em seu poder [ (e assim podendo accionar o(s) avalizado(s)], não se punha sequer a necessidade de prova de envio de pré-aviso da data do desconto, dada a circunstância de a compensação operar no momento da entrega do título.</font><br>
<br>
<font>Dito isto, e pesem embora as doutas alegações da recorrente, não lhe reconhecemos razão quando censura o Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Como já se dizia no direito romano: “Ubi commoda, ibi incommoda”</font><br>
<font>Ao aceitar as condições contratuais em que a conta à ordem foi aberta com o irmão, no regime de conta solidária, qualquer dos contitulares ficava exposto aos benefícios e aos riscos da actuação do outro.</font><br>
<font>Por outro lado, ficava o Banco obrigado a dar sequência à ordem ou autorização de débito, mas isento de responsabilidade de qualquer actuação de um dos contitulares da conta face à repercussão que isso pudesse ter na esfera patrimonial do outro.</font><br>
<br>
<br>
<font>A Revista tem consequentemente de ser negada.</font><br>
<br>
<font> …………………..</font><br>
<br>
<b><font>IV. Decisão</font></b><br>
<br>
<b><i><font>Na negação da Revista, confirma-se o Acórdão recorrido.</font></i></b><br>
<b><i><font>Custas pela A.</font></i></b><br>
<br>
<font> </font><i><font>Lisboa, 09 de Junho de 2009</font></i><br>
<br>
<font>Mário Cruz (relator)</font><br>
<font> Garcia Calejo</font><br>
<font> Helder Roque</font><br>
<br>
<font>________________________</font><br>
<br>
<font>(1) Nas alegações de recurso então apresentadas concluía pela forma seguinte:</font><br>
<font> </font><i><font>“1 - Os quesitos 1 ° e 2° foram considerados provados com base em prova testemunhal, quando só podiam ter sido provados por documentos. </font></i><br>
<i><font>2- Foram violados os arts 393, n.º1 e 364, n.º1, do C.C. </font></i><br>
<i><font>3- Também foi violado o art. 712, n01, al. a) do C.P.C., na medida em que, não obstante a recorrente haver escrupulosamente observado o ónus que sobre si impendia, como reconheceu o Tribunal, este não conheceu da impugnação da matéria de facto, que lhe era requerido conhecesse. </font></i><br>
<i><font>4 - Ao actuar como actuou, ainda que tivesse contado com o consentimento do concredor, ( o que sem admitir apenas por hipótese se refere), o Banco recorrido agiu ao arrepio do regime da solidariedade activa legal e contratualmente estabelecido, violando os termos do contrato firmado com a recorrente . </font></i><br>
<i><font>5 - O contrato ajustado entre depositantes e depositário não admitia qualquer outra forma de movimentação que não o levantamento directo de numerário ao balcão, a transferência de fundos para outra conta, ou o pagamento de cheque sacado sobre a conta. </font></i><br>
<i><font>6 - Por outro lado, o contrato apenas admite o pagamento de letras mediante o aviso efectuado antes da data do vencimento e salvo indicação em contrário. </font></i><br>
<i><font>6 - Pelo que, ao debitar as quantias que debitou, ainda que o pudesse ter feito com a aquiescência do concredor, o Banco réu não se exonerou perante o recorrente . </font></i><br>
<i><font>7 - Limitando-se o regime da solidariedade activa, nos termos concretamente consignados no contrato, a fixar os termos em que o banco devedor se desoneraria perante o concredor não ordenante, não resulta desse regime que o contrato possa ser modificado entre o Banco e o outro concredor ao arrepio da vontade da outra parte. </font></i><br>
<i><font>8 - Pelo que o eventual acordo entre o Banco réu e o concredor viola o princípio pacta sunt servanda, não sendo, por consequência, eficaz perante o recorrente que em tal modificação não anuiu. </font></i><br>
<i><font>9 - Considera violados os arts 1205, 1206, 512, n01 e 406, n01, do C.C., 303 e 304 do Cód. Comercial e Dec-Iei 430/91, de 2 de Novembro, por referência às cláusulas 53 e 153 das Condições Gerais do Depósito.</font></i><font> </font><br>
<font>(2) José Maria Pires, Direito bancário, 2.º volume, pgs. 143 a 151</font><br>
<font>(3) Menezes Cordeiro, Depósito Bancário e Compensação, in Colectânea de Jurisprudência, Acs do STJ, ano X, tomo I, 2002, pg. 5 a 10.</font><br>
<font>(4) José Maria Pires, Direito Bancário, 2.º volume, 168</font><br>
<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jK_u4YBgYBz1XKvZjvs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i><br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<br>
<font>AA e esposa, </font><font>BB instauraram execução </font><br>
<i><u><font>contra </font></u></i><br>
<font>CC e esposa, </font><font>DD, </font><br>
<font>com vista à cobrança de diversos créditos mutuados.</font><br>
<font>Posteriormente vieram dar à execução um novo título (que não foi junto inicialmente por não se encontrar ainda vencido), e que se consubstanciava na escritura pública de 1998.02.13 – cfr. certidão fls. 182 -, onde se referia que os Exequentes concederam aos Executados um empréstimo com hipoteca do montante de 7.000.000$00 nessa data, a que correspondiam agora € 34.915,85, vencendo juros anuais à taxa de 10%, que na mora seria agravada em mais 4%. – fls. 166 e ss.</font><br>
<font>As execuções vieram mais tarde a ser cumuladas.</font><br>
<font>Os Executados haviam deduzido oposição à execução primitiva.</font><br>
<font>Depois vieram deduzir também oposição à nova execução cumulada.</font><br>
<font>Ao que parece, atendendo a que as fases processuais estavam em situações diferenciadas, seguiu cada um dos processos de oposição separadamente,</font><br>
<font>No que toca à escritura aqui apresentada como título executivo, alegaram os executados oponentes que a escritura não contém nenhuma obrigação pecuniária e que os exequentes não lhes entregaram o montante nela referido.</font><br>
<font>Pedem, por isso a procedência da oposição e a extinção da execução.</font><br>
<font>Os Exequentes contestaram a oposição, impugnando tudo quanto foi alegado em discordância ou conflito com o que emerge e decorre do título dado à execução, pedindo, simultaneamente, a condenação daqueles, como litigantes de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 2.500,00.</font><br>
<font> Foi proferido despacho saneador tabelar, dispensando-se, ao abrigo do disposto no art. 787º, nº/s 1 e 2, do CPC – </font><u><font>como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados</font></u><font> – a selecção da matéria de facto.</font><br>
<font>Prosseguiram os autos a sua tramitação, vindo a final, a ser proferida (em 2006.02.27) sentença que, julgando improcedente a oposição, absolveu os Exequentes do pedido.</font><br>
<font> Esta Sentença reportou-se apenas à parte da execução cujo título executivo é a escritura de 1998.02.13.</font><br>
<font> Inconformados, apelaram os oponentes, visando a revogação da Sentença. </font><br>
<font>O Acórdão da Relação julgou no entanto improcedente a apelação. </font><br>
<font>Novamente inconformados, recorreram os Executados, sendo o recurso admitido como de revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font>Foram apresentadas alegações. </font><br>
<font>Os Exequentes responderam, contra-alegando.</font><br>
<br>
<font>Remetidos os autos a este Tribunal foi o recurso aceite com a adjectivação atribuída.</font><br>
<font> Correram os vistos legais. </font><br>
<font> </font><br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><font> </font><br>
<br>
<font>Comecemos pela leitura das conclusões apresentadas pelos recorrentes nas suas alegações de recurso, sede própria para serem explicitadas as questões que os recorrentes visam ver tratadas- arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC.: </font><br>
<br>
<i><font>“Conclusões:</font></i><br>
<i><font>Primeira: A matéria assente, com relevo para a decisão da causa, circunscrever-se-á, como a seguir:</font></i><br>
<i><font>a)- No dia 13 de Maio de 1994, no âmbito do acordo celebrado entre exequentes e aqui apelantes (escritura pública da mesma data), estes receberam daqueles a quantia de 3.000.000$00, a título de empréstimo- al. k)- dos factos assentes. </font></i><br>
<i><font>b)- No âmbito dos acordos celebrados em 13 de Fevereiro de 1998, 8 de Junho de 1999 e 2 de Fevereiro de 2001, celebrados entre apelados e aqui apelantes(escrituras públicas das mesmas datas), estes receberam daqueles a quantia de 7.000.000$00, a título de empréstimo - al. L)- dos factos assentes.</font></i><br>
<i><font>Segunda: O que vale por dizer que no âmbito das questionadas quatro escrituras, os ora apelantes receberam dos aqui apelados a quantia global de 10.000.000$00, (Proc.n.o 2265/04.0TBPRD-A, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes, os presentes autos e Proc. n.º 2265/04.0TBPRD-C, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes - sob recurso). </font></i><br>
<i><font>Terceira: A causa de pedir e o pedido da oposição fundamentam-se, em súmula, na defesa da tese de que os apelantes não receberam dos apelados, em virtude das quatro identificadas escrituras a quantia global em capital de 19.500.000$00, como vem declarado nas escrituras e peticionado na respectiva execução, (Proc.n.º 2265/04.0TBPRD-A, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes, os presentes autos e Proc. n.o 2265/04.0TBPRD-C,</font></i><font> </font><i><font>que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes - sob recurso). </font></i><br>
<i><font>Quarta: Provado ficou, apenas, que os ora apelantes receberam dos aqui apelados a quantia global de 10.000.000$00 (quatro escrituras, três dos presentes autos -e uma do proc. n.o 2265/04.0TBPRD-C, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes - sob recurso). </font></i><br>
<i><font>Quinta: Por isso que, salvo melhor entendimento, a Oposição deveria ter procedido, e deverá proceder.</font></i><br>
<i><font>Sexta: Sem prejuízo, é facto que o empréstimo de 7.000.000$00, a que se refere a escritura de 13 de Fevereiro de 1998, consta apenas, que os apelados concederam aos apelantes um empréstimo de sete milhões de escudos. Mas não consta, como era mister, "de que se confessam e constituem devedores".</font></i><br>
<i><font>Sétima: O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou o disposto na al. d)- do n.º 1 do art.º 668° do CPC, bem como o estipulado no art.º 659°, n.º 3 do mesmo Código.”</font></i><br>
<br>
<font>Como pode ver-se, os recorrentes pretendem que nos pronunciemos sobre as questões seguintes:</font><br>
<font>a) análise conjunta das duas oposições em curso</font><br>
<font>b) apreciação do pedido exequendo face ao título</font><br>
<font>...........................</font><br>
<br>
<font>III. Fundamentação</font><br>
<br>
<font>III-A) Os factos </font><br>
<br>
<font>Foram </font><u><font>definitivamente fixados no Acórdão recorrido os factos seguintes</font></u><br>
<br>
<font>1- Por escritura pública intitulada “Mútuo com Hipoteca”, outorgada no Cartório Notarial de Paredes, no dia 13 de Fevereiro de 1998, constante do livro número 327-C, de fls. 8-9v – conforme documento junto aos presentes autos, a fls. 16 a 19, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido –, DD e CC, declararam:</font><br>
<font>“Que por escritura de treze de Maio de mil novecentos e noventa e quatro, exarada a partir de fls. 98, verso do Livro de Notas 215-C deste Cartório Notarial, os segundos outorgantes [leia-se: AA e BB] concederam-lhes um empréstimo da importância de três milhões de escudos pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes.</font><br>
<i><font>Que pela presente escritura os segundos outorgantes</font></i><font> [leia-se: AA e BB] </font><i><font>reforçam o empréstimo acima indicado mediante a concessão de um novo empréstimo no montante de sete milhões de escudos, que hoje lhes é concedido pelos segundos outorgantes</font></i><font> [leia-se: AA e BB] </font><i><font>pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo do prazo.</font></i><br>
<i><font>Que este empréstimo vence juros à taxa anual de dez por cento, que na mora será agravada em mais quatro por cento.</font></i><br>
<i><font>Ficam por conta dos mutuários todas as despesas inerentes ao presente contrato, nomeadamente registo de hipoteca a seguir efectuada e respectivo distrate.</font></i><br>
<i><font>Para garantia do pontual cumprimento do presente contrato, respectivos juros e despesas que para efeitos de registo se fixam em duzentos e oitenta mil escudos, os primeiros outorgantes constituem hipoteca sobre os seguintes imóveis, todos sitos na freguesia de Cristelo, deste concelho, descritos na Conservatória do Registo Predial de Paredes:</font></i><br>
<i><font>A- Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e andar, com quintal, com a área coberta de cem metros quadrados e descoberta de mil metros quadrados, no lugar de Paços, descrito sob o número duzentos e cinquenta e três de Cristelo e inscrito na matriz urbana sob o artigo 46 a que atribuem o valor de seis milhões de escudos;</font></i><br>
<i><font>B- Prédio rústico denominado Campo da Agra, com a área de mil e cem metros quadrados, no lugar de Portela, descrito sob o número duzentos e cinquenta e quatro de Cristelo, inscrito na matriz sob o artigo 85 e a que atribuem o valor de dois milhões de escudos;</font></i><br>
<i><font>C- Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e andar, com a área de sessenta e oito metros quadrados, quinteiro com quarenta metros quadrados e quintal com cem metros quadrados, no lugar de Portela, descrito sob o número duzentos e cinquenta e cinco de Cristelo e inscrito na matriz sob o artigo 123, a que atribuem o valor de dois milhões de escudos”[…] (art.3º da oposição e docº constante de fls.107-110 dos autos).</font></i><br>
<i><font>2- Tendo AA e BB, na qualidade de segundos outorgantes, declarado: “que aceitam o presente contrato na forma exarada” (art.3º da oposição e docº constante de fls.107-110 dos autos principais).</font></i><br>
<font>3- Em Fevereiro de 2004, AA e BB escreveram, subscreveram e enviaram a DD e uma carta, que foi por estes recebida em 11 de Fevereiro de 2004, com o seguinte teor:</font><br>
<font>“</font><u><font>Reg. c/ A. R.</font></u><br>
<font>Cristelo, 10 de Fevereiro de 2004</font><br>
<font>Ass: Denúncia de contratos</font><br>
<i><font>Os nossos cumprimentos</font></i><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>2- Por escritura de mútuo com hipoteca entre nós celebrada no Cartório Notarial de Paredes, no dia 13 de Fevereiro de 1998 e aí exarada de fls. 8 a 9 v. do livro 327-C, emprestamos-lhes a quantia de 7.000.000$00 (sete milhões de escudos), como reforço do anterior empréstimo, pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos de tempo enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 60 dias em relação ao termo do prazo;</font></i><br>
<i><font>(…)</font></i><br>
<i><font>Assim, vimos comunicar-lhes que no prazo de 60 dias deverão efectuar o pagamento na nossa residência dos juros vencidos sobre os montantes emprestados, (…) juros esses que serão contados desde 02 de Fevereiro de 2001.</font></i><br>
<i><font>Mais lhes comunicamos que </font></i><i><u><font>denunciamos os supra referidos contratos</font></u></i><i><font> para os termos dos respectivos períodos em curso, ou seja, (…) o segundo supra referido </font></i><i><u><font>para o dia 12/02/2005</font></u></i><i><font>, (…) devendo nessa data ser-nos pago na nossa residência o capital emprestado e ainda os juros que até então ainda se vencerem e ainda não pagos”</font></i><font> (docº constante de fls.36-40 dos autos principais).</font><br>
<font>4- A execução à qual está apensa a presente oposição funda-se na escritura de 1998.02.13 (docº de fls.107-110 dos autos principais/cfr. fls. 182 e ss da oposição).</font><br>
<br>
<font> ....................................</font><br>
<br>
<font>III-B) Análise do recurso</font><br>
<br>
<font>III-B)-a) Da análise conjunta das duas oposições em curso</font><br>
<br>
<font>Não se nos afigura pertinente conhecer das duas oposições em curso – apenso A e apenso C ao processo executivo pela simples razão de que respeitam a títulos executivos diferentes (ainda que cumulados formalmente na pendência de anterior execução), que foram objecto de apreciação em decisões distintas (cada uma das oposições no respectivo apenso) e com recursos também distintos:</font><br>
<font>Aqui está apenas em discussão a obrigação ou não de os Executados terem de pagar aos Exequentes o montante indicado como correspondente a empréstimo com hipoteca a que se reporta a escritura notarial de 1998.02.13, pelo que nenhuma confusão pode surgir relativamente à obrigação contida neste título com as eventualmente assumidas noutros títulos. </font><br>
<font>O que terá que apreciar-se aqui é se a dívida titulada na escritura de 1998.02.13 existe e é exigível; no outro apenso, o que terá de dirimir-se é se lá são devidas as importâncias respeitantes aos outros títulos executivos.</font><br>
<font>Coisas portanto inteiramente diferentes.</font><br>
<br>
<font>III-B)-b) Da inexistência ou inexigibilidade da quantia exequenda</font><br>
<br>
<font>Como está muito bem referido no Ac. da Relação, objecto de recurso, citando Pessoa Jorge, in Lições de Direito das Obrigações, 1966, pg. 169, o contrato de mútuo tem natureza real “quoad constitucionem”, ou seja, é um contrato para cuja constituição a lei exige a entrega da coisa que constitui o seu objecto, e cuja celebração implica a simultânea ou contemporânea entrega da quantia mutuada por parte do mutuante ao mutuário, com a simultânea constituição da obrigação do mutuário restituir a quantia entregue ao mutuante, nos termos convencionados. – arts. 405.º, 406.º, 1142.º, 1144.º e 1148-1 e 2 todos do CC. </font><br>
<font>Na escritura em causa estão bem explícitas as claúsulas do novo empréstimo (7.000.000$00) com hipoteca, e a declaração de que os mutuários aceitavam o contrato na forma exarada. </font><br>
<font>Cumprir o contrato na forma exarada, corresponde à obrigação de devolução da quantia mutuada, no fim do prazo previsto, com os juros acordados.</font><br>
<font>Tendo em conta a natureza jurídica do mútuo – já atrás enunciada – e a declaração dos mutuários perante Notário de que aceitavam o empréstimo nos termos exarados na escritura, declaração a que se seguiu a aposição da sua assinatura, nenhuma dúvida pode restar nem outra leitura se pode fazer senão a de que efectivamente reconheceram perante o Notário que lhes foi entregue a quantia mutuada e se obrigaram à restituição nos termos aí definidos.</font><br>
<font>Ora, os documentos exarados ou autenticados por Notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação podem servir de base à execução - art. 46.º-1-b) do CPC. São títulos executivos.</font><br>
<font>Os Executados/ recorrentes, por sua vez, não provaram – como lhes competia (art. 342.º-2 do CC) – que a obrigação titulada nessa escritura não existia nem que a mesma fosse inexigível.</font><br>
<font>Daí que nenhuma censura possa dirigir-se ao Acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font> ..................................</font><br>
<br>
<font>IV. Deliberação</font><br>
<br>
<i><font>Nega-se consequentemente a revista, condenando-se os recorrentes nas respectivas custas.</font></i><br>
<br>
<i><font>Lisboa, 09 de Outubro de 2007</font></i><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Mário Cruz (relator)</font><br>
<font> Faria Antunes </font><br>
<font> Moreira Alves</font><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eTK2u4YBgYBz1XKv3zX2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div></div><br>
<b><u><font>Relatório</font></u></b><div></div><font>No Tribunal judicial da comarca de Sintra</font><br>
<b><u><font>AA</font></u></b><font>, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br>
<font>BB alegando em fundamento:</font><div></div><font>-1- Por contrato de 7/1/2002 a Ré prometeu vender à A. e esta prometeu comprar, a fracção autónoma designada pelas letras “CT”, corres.......Rua de Timor, n.º ....... Queluz;</font><br>
<font>-2- O preço convencionado foi de 18.500.000$00, tendo a A. entregue a título de sinal a quantia de 10.474,76 €, devendo o resto do preço ser pago na data da escritura, a celebrar no prazo de 120 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 30 dias;</font><br>
<font>-3- Em 8 de Março de 2002, por aditamento ao citado contrato, foi admitida a prorrogação do prazo por mais 30 dias e foi entregue pela A., como reforço do sinal e princípio de pagamento, a quantia de 24.940,00 €, tendo sido acordado que, caso não fosse possível à ora A. marcar a escritura naquele prazo, ficaria a mesma obrigada a pagar juros de 2% sobre o capital em dívida;</font><br>
<font>-4- Competia à A. marcar a respectiva escritura e avisar a Ré, com a antecedência mínima de 15 dias da data, hora e cartório notarial onde seria outorgada;</font><br>
<font>-5- A Ré comprometeu-se a entregar toda a documentação necessária à efectivação da escritura e registos provisórios, se houver lugar, de imediato.</font><br>
<font>-6- Em Junho de 2002 a A. tomou conhecimento da existência de uma hipoteca e de uma penhora incidentes sobre a fracção em causa, tendo então acordado verbalmente com a Ré que a escritura apenas seria marcada quando fosse efectuado a distrate da hipoteca e o levantamento da penhora, o que a Ré não fez;</font><br>
<font>-7- De resto a Ré não entregou a documentação necessária à celebração da escritura, declarando, através da carta de 21/11/2002, além do mais, ter perdido o interesse na celebração do contrato prometido.</font><br>
<font>-8- A A. tinha recebido uma carta da Ré, datada de 15/10/2002, onde esta lhe comunicava que tendo expirado o prazo para marcar a escritura, lhe concedia o prazo suplementar de 5 dias para o efeito, findo o qual, sem que seja marcada a escritura, deixaria de estar interessada na celebração do negócio, considerando-o definitivamente incumprido por culpa única da A.</font><br>
<font>-9- Todavia, não enviou os documentos necessários, e nada disse em relação à penhora existente sobre a fracção.</font><div></div><font>Termina formulando os seguintes pedidos</font><br>
<font>a- que seja emitida sentença que substitua a declaração negocial em falta, isto é, que declare ter a A. adquirido por compra e venda e pelo preço de 92.277,61€ a fracção autónoma em casa;</font><br>
<font>b- que, nos termos do disposto no n.º 4 do Art. 830 do C.C. seja a Ré condenada a entregar a importância necessária para expurgar a hipoteca e penhora que recaem sobre a fracção prometida vender ...</font><br>
<font>c- Em </font><u><font>alternativa</font></u><font>, que seja a Ré condenada a restituir à A. as quantias recebidas a título de sinal, em dobro (70.829,52) em consequência do incumprimento ... + juros desde a citação.</font><div></div><font>Citada a Ré contestou.</font><br>
<font>No essencial e resumidamente alega:</font><br>
<font>- nunca se comprometeu a proceder ao distrate da hipoteca e ao levantamento da penhora em data anterior à da celebração da escritura;</font><br>
<font>- Entregou na agência de imediação imobiliária, logo em Fevereiro de 2002, a documentação necessária à celebração da escritura;</font><br>
<font>- Foi o A. quem desconsiderou os prazos contratualmente estabelecidos;</font><br>
<font>- A dívida à C.G.D. foi atempadamente liquidada, além do que, no limite, podia fazê-lo no momento da escritura;</font><br>
<font>- Assim, face ao incumprimento da A. assiste-lhe o direito de fazer suas as quantias entregues pela A. a título de sinal.</font><br>
<font>- Pede a condenação da A. como litigante de má-fé.</font><div><br>
</div><br>
<font>A A. replicou.</font><div><br>
</div><br>
<font>Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><div></div><font>Instruídos os autos realizou-se a audiência de discussão e julgamento, e, lida a decisão sobre a matéria de facto, elaborou-se sentença final que decidiu:</font><br>
<font>“... julgo improcedente o pedido de execução específica ... julgando parcialmente procedente o pedido de restituição das quantias entregues, condenando-se a Ré a pagar à A. a quantia de 11.804,92€ ..., acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a presente data ...”.</font><div></div><font>A. e Ré intentaram recurso de apelação da referida sentença final.</font><div></div><font>A Relação apreciando os recursos, alterou diversos pontos de facto que tinham sido impugnados nas apelações e afinal, </font><br>
<font>julgou improcedente a apelação da A.</font><br>
<font>julgou procedente a apelação da Ré e </font><br>
<font>em consequência revogou a sentença recorrida, absolvendo a Ré dos pedidos.</font><div></div><font>Inconformada recorre a A. agora de revista e para este S.T.J..</font><div></div><b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><br>
</div><br>
<font>Oferecidas tempestivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><div></div><font>Nestes termos e em conclusão:</font><br>
<font>1. O presente recurso tem como fim reapreciar o Acórdão proferido pela Relação de Lisboa que julgou a acção improcedente, por considerar que ambas as partes se encontram em mora.</font><br>
<font>2. Dos factos considerados assentes resulta em termos sumários que as partes outorgaram um contrato promessa de compra e venda, tendo resultado para a promitente compradora, ora recorrente a obrigação de marcar a escritura no prazo de 120 dias,</font><br>
<font>3. e para a promitente vendedora a obrigação de entregar a documentação necessária para essa marcação bem como a obrigação de vender a fracção prometida livre de ónus e encargos.</font><br>
<font>4. Em 8 de Março de 2002 as partes celebram um aditamento ao referido contrato promessa, onde a Promitente compradora reforçou o sinal entregando a quantia de 24.940.00€, tendo também sido inserida uma cláusula que caso não fosse possível à promitente compradora marca a escritura naquele prazo, ficaria a mesma obrigada a pagar juros de 2% sobre o capital em divida.</font><br>
<font>5. Ficou provado que a autora (promitente compradora) não marcou a escritura no prazo de 120 dias constante no contrato promessa.</font><br>
<font>6. E a partir deste facto o Acórdão recorrido conclui erradamente que a autora incumpriu o contrato em causa entrando em mora a partir de então.</font><br>
<font>7. È deste entendimento que a recorrente discorda, por entender que a autora não entrou em mora, isto é, apesar de não marcar a escritura dentro do prazo dos 120 dias, tal facto não implicaria o retardamento do cumprimento do seu dever de marcar o dia e hora da escritura no cartório Notarial, como vamos infra demonstrar.</font><br>
<font>8. O único fundamento que a Relação aponta para colocar a Autora numa situação de mora é por ter entendido que a documentação para a marcação da escritura se encontrar disponível na agência imobiliária, não concretizando desde que data e até que data esses documentos ai se encontravam disponíveis para serem entregues à autora.</font><br>
<font>9. Na verdade tal conclusão não encontra fundamento nem na matéria de facto assente nem resulta do texto escrito que as partes celebraram e aos quais nós temos que reportar, como bem salienta o Acórdão recorrido.</font><br>
<font>10. Do texto dos documentos escritos apenas e tão só consta que à promitente vendedora competia facultar toda a documentação necessária à escritura e proceder ao levantamento dos ónus e encargos que incidiam sobre o prédio prometido vender,</font><br>
<font>11. Enquanto à promitente compradora competia diligenciar na marcação de dia e hora para a escritura pública.</font><br>
<font>12. Em parte alguma dos documentos escritos resulta que a documentação seria levantada na imobiliária ou seria esta que facultava os mesmos à autora.</font><br>
<font>13. Daí que seja incorrecto concluir que a documentação estava disponível na imobiliária e que a autora poderia lá ir buscá-los, como fez a Relação em manifesto contradição com a factualidade provada.</font><br>
<font>14. Pois se aceitarmos, ao arrepio da prova, que o dever da Ré, de entregar a documentação foi cumprido, porque esses documentos estavam na imobiliária, teríamos que dizer também,</font><br>
<font> 15. que o dever da autora de marcar dia e hora para a escritura também foi cumprido porque seria a mesma agência a diligenciar por essa marcação.</font><br>
<font>16. Conclusão que não se aceita em virtude do contrato - promessa (que vincula ambas as partes) e que os deveres resultantes dos mesmos, sejam tratados de forma desigual quer se trata da Ré quer se trate da autora.</font><br>
<font>17. O que na realidade existe é um contrato que vincula as partes sem intervenção de terceiros,</font><br>
<font>18. Mas a Relação entendeu que a obrigação da autora em marcar a escritura não foi cumprido, e que o dever de entregar a documentação pela R. o foi, simplesmente porque a autora teria de localizar (quer junto da Ré quer da imobiliária) esses documentos para assim marcar a escritura.</font><br>
<font>19. Entendimento incorrecto face à prova assente que deverá ser revisto, porque aceitar essa conclusão equivaleria a dizer que sobre a autora incumbia, também, o dever de obter a documentação, ao arrepio do que foi clausulado</font><br>
<font>20. Ora para a autora poder marcar a escritura seria sempre necessário que, previamente, à marcação desse acto a Ré lhe entregasse toda a documentação, cumprido assim o seu dever.</font><br>
<font>21. Houve mora por parte da R. em virtude desta não ter apresentado a documentação necessária à marcação da escritura, apesar de ultrapassado o prazo fixado no contrato.</font><br>
<font>22. Pois para a realização e marcação da escritura que competia à autora era necessário a R. lhe entregar os documentos que não entregou.</font><br>
<font>23. Sendo certo que o prazo previsto no contrato para a celebração do contrato prometido pode revestir um prazo absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo ou um prazo fixo relativo, determinante da situação de mora.</font><br>
<font>24. Em relação a esta questão entendeu a Relação e bem que estaríamos perante um prazo fixo relativo, na medida em que as partes estabelecerem um limite temporal para o cumprimento, tal limite não traduz uma imediata perde de interesse negocial, aceitando-se que a prestação será ainda possível - (situação de mero atraso).</font><br>
<font>25. Não obstante a possibilidade de resolução convertida que seja a mora em incumprimento definitivo.</font><br>
<font> 26. Como já se disse a Relação conclui tratar-se de um prazo de natureza relativo, com o qual concordamos e por isso não impeditivo da realização da escritura após o seu decurso.</font><br>
<font>27. Mas dir-se-á como foi acordado no contrato que competia à autora marcar a data da escritura, não tendo esta sido feita dentro do prazo fixado, teríamos que concluir que entrou em mora, lai como entendeu à Relação?</font><br>
<font>28. Cremos que ao invés desse entendimento quem entrou em mora foi a Ré e não a autora, vejamos porque:</font><br>
<font>29. Como é entendimento unânime na jurisprudência o contrato promessa deve ser regulado no seu todo pelo regime jurídico do contrato de compra e venda;</font><br>
<font>30. Pelo que há um sinalagma funcional entre a obrigação da autora de marcar a escritura e a obrigação da Ré de obter os documentos à sua realização e de expurgar os ónus que incidissem sobre o imóvel.</font><br>
<font>31. Nos termos do contrato as partes acordaram que a escritura só se realizaria se a promitente vendedora obtivesse todos os documentos e o imóvel estivesse livre de ónus e encargos.</font><br>
<font>32. Está provado que a Ré não apresentou qualquer documento e que após ser notificada judicialmente para o efeito se recusou categoricamente a entrega-los;</font><br>
<font>33. Ora sendo assim, não se pode afirmar que a autora se constituiu em mora por não ter marcado a escritura dentro do prazo fixado no contrato.</font><br>
<font>34. È que não foi a autora que se atrasou no cumprimento da sua prestação, mas sim a Ré que não cumpriu com as suas prestações que lhe incumbia, e já descritas supra e que condicionavam a prestação da autora;</font><br>
<font>35. ou seja, a autora estava obrigada a marcar a escritura desde que a Ré lhe fornecesse os documentos, expurgasse os ónus e encargos que incidiam sob a fracção.</font><br>
<font>36. Como a Ré dentro do prazo em que a escritura se deveria realizar não cumpriu a sua obrigação nem posteriormente após esse prazo (apesar de vários diligencias encetadas pela Autora nesse sentido) entrou em mora quanto ao cumprimento dessas prestações ou deveres acessórios à prestação principal.</font><br>
<font>37. Indo mais longo sempre se dirá que como estas condicionavam a prestação da autora em marcar a escritura nunca esta poderia ser considerada em mora quanto a esse dever,</font><br>
<font>38. E ao contrário do que as instâncias entenderem quem na verdade estava em mora era a Ré que nunca entregou a documentação.</font><br>
<font>39. Daí que nada impedisse a autora de interpelar a Ré para esta cumprir com as suas prestações mesmo após o decurso do prazo fixado no contrato para esse efeito como na realidade veio a interpelar mediante notificação judicial avulsa.</font><br>
<font>40. Com efeito, mesmo que não considerássemos a ré em mora no cumprimento do seu dever, nunca poderia a autora estar em mora, porque com o aditamento e a estipulação da cláusula de juros,</font><br>
<font>41. As partes visaram evitar a mora e a única consequência, seria a autora ficar sujeita ao pagamento dos juros desde aquela data até ao dia em que marcasse a escritura, o que revela que o prazo foi estipulado no interesse da promitente compradora.</font><br>
<font>42. De onde resulta que a autora nunca esteve em mora, conforme foi decidido pelas Instâncias.</font><br>
<font>43. E ao invés quem entrou em mora foi a Ré e posteriormente incumpriu em termos definitivos o contrato promessa como iremos demonstrar.</font><br>
<font>44. Com interesse para aos autos é de salientar que em Junho de 2002 a autora tomou conhecimento que a fracção objecto do contrato estava penhorada na sequência de uma acção executiva movida contra a Ré.</font><br>
<font>45. Facto este que a Ré sempre omitiu da autora, em violação do principio da boa-fé - art. 7622 e 2272 do CC.</font><br>
<font>46. Facto que não foi devidamente valorado pela Instâncias, pelo contrário foi sempre desconsiderado na estrutura negocial no sentido de afirmarem quê tal situação não era impeditivo da autora marcar a escritura.</font><br>
<font>47. Ora não assiste razão a esse entendimento, porque a realidade da vida não é assim tão linear nem as pessoas normais tem conhecimentos técnicos para apurar quais as consequências que isso poderia causar no negócio atento, ainda ao facto de tal situação lhe ter sido omitida pela Ré.</font><br>
<font>48. Se por um lado podermos dizer que a penhora não inviabiliza, só por si, o cumprimento do contrato promessa, pelos menos em teoria (se considerarmos que a executada poderia sempre liquidar a quantia exequenda)</font><br>
<font>49. Por outro lado, qualquer venda que a executada fizesse essa venda era ineficaz em relação ao exequente.</font><br>
<font> 50. Acresce ainda o facto que o valor que a autora iria pagar era inferior ao valor em divida (quantia exequenda) o que permite dizer que mesmo que a escritura fosse realizada e a Ré recebesse o preço remanesceste, essa verba era insuficiente para saldar a divida e obter o levantamento da penhora.</font><br>
<font>51. O que significava que a Ré necessitaria de mais capital para conseguir expurgar os ónus.</font><br>
<font>52. Ora é justificável que a Autora tendo conhecimento desses factos ficasse receosa em marcar a escritura sem antes saber se a Ré estava em condições de a celebrar (mediante o envio de toda a documentação solicitada).</font><br>
<font>53. Na verdade a Ré ao deixar penhorar a fracção revela que incumpriu o seu dever principal que era vender à autora, neste sentido decidiu o 5TJ Ac. I\|2 07B3813.</font><br>
<font>54. Conforme consta do sumário do mencionado Acórdão o incumprimento verificou-se quando a promitente vendedora deixou penhorar a fracção sem reacção e sem dar conhecimento ao promitente-comprador desligou-se em definitivo dos compromissos assumidos com o autor.</font><br>
<font>55. Decorre do exposto que foi a R. que não criou as condições para que o fosse possível a celebração do contrato prometido ao não remover como lhe impunha o contrato - promessa a hipoteca, concluído como arresto supra citado - não era necessário esperar por este resultado - a venda do prédio ou a sua adjudicação para, só então, dar a promessa de venda como definitivamente incumprida.</font><br>
<font>56. Está, também, provado que a Ré vendeu a fracção prometida vender a terceiros este facto, irremediavelmente, colocou a ré numa situação de incumprimento definitivo como é entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência que a alienação a terceiro da coisa prometida vender revela inequívoca e manifestamente o propósito de incumprir o contrato promessa equivalendo á um incumprimento definitivo.</font><br>
<font>57. Sendo que o incumprimento presume culposo art. 7999 do CC .</font><br>
<font>58. Da conjugação deste facto com a recusa de não cumprir o contrato expressa na carta que a R. enviou à A. dúvidas não persistem que a A. incumpriu o contrato promessa de forma definitiva.</font><br>
<font>59. A esta conclusão também está plasmada do Acórdão recorrido que julgou da seguinte forma e que se cita: "</font><i><u><font>certo é que a mesma se coloca, na carta de Novembro de 2002 (fls. 47-48), numa posição de recusa, radical e definitiva, relativamente à satisfação das suas obrigações contratuais, o que tem de ser equiparado, inevitavelmente, a esse incumprimento definitivo, pag. 32 parte final do parágrafo 4</font></u></i><font>."</font><br>
<font>60. Só que não retirou as consequências jurídicas que se impunha face à qualificação da posição da Ré.</font><br>
<font>61. Em qualquer perspectiva analisada o resultado é sempre de qualificar? Ré numa situação de incumprimento definitivo exclusivo, quer porque não entregou a documentação nem expurgou os ónus, quer porque resolveu o contrato ilicitamente sem ter qualquer fundamento para o efeito e que será de ser qualificada como uma recusa culposa de cumprimento contratual,</font><br>
<font>62. Contudo apesar de a resolução operada ser ilícita por falta de pressupostos legais para o efeito, ela foi eficaz, porque chegou ao conhecimento da contraparte e portanto produziu os seus efeitos.</font><br>
<font>63. Dai que o contrato em causa esteja resolvido por comunicação da Ré feita à autora.</font><br>
<font>64. Isto porque, a autora sempre entendeu que aquela declaração (carta de Novembro de 2002) porque infundada, seria ilegal e ineficaz e, como tal, deveria ser interpretada como uma declaração inequívoca de não cumprimento por parte da Ré, que por seu turno consubstancia a resolução do contrato promessa por parte da recorrida.</font><br>
<font>65. Independentemente da razão que possa assistir à Ré, o sentido da carta de 15.10.02 por ela enviada à recorrente é inequívoca; ao cabo e ao resto esse documento não representa mais do que a concessão do " prazo razoável" a que se refere o art. 808º, n.º 1 CC. Para o devedor supostamente em mora cumprir a obrigação, sendo certo, de resto, que a autora o entendeu com esse sentido, como resulta, desde logo, da posição que assumiu de seguida (notificação judicial avulsa)</font><br>
<font>66. Se atendermos que autora ao longo da execução do contrato em causa agiu sempre no sentido de cumprir o contrato, diligenciando para se ultrapassar as dificuldades, comportamento que não foi seguido pela Ré, que nunca colaborou, revelou uma constante recusa em cumprir, tendo manifestado a sua intenção de não cumprir, posição que assumiu tendo inclusive transmitido a propriedade da fracção prometida a terceiro.</font><br>
<font>67. Dito de outra forma a recorrente agiu com a diligencia devida, no intuito de cumprir a sua obrigação, enquanto a recorrida, confiante na interpretação admonitória que tinham feito (ilicitamente) dirigiu a sua intenção para a resolução do contrato.</font><br>
<font>68. Tal resulta de todo o comportamento assacado à Recorrida, quer na recusa de entregar a documentação, necessários à marcação da escritura remetendo a autora para o incumprimento do prazo com a conveniente resolução do contrato, apesar de ter consciência de que esse prazo não era razoável por insuficiente, pela penhora que deixou incidir sobre a fracção sem disso dar conhecimento à autora; pela recusa categórica de não cumprir o contrato e resolvendo -o através da venda a terceiros que fez.</font><br>
<font>69. A recorrida agiu sempre em violação do principio da boa - fé, do dever de cooperação que lhe opunha agir de forma diferente, facto que não foi valorado pelo Acórdão Recorrido.</font><br>
<font>70. Daí que o Tribunal da Relação de Lisboa ao não condenar a R. no pagamento do sinal em dobro com fundamento no incumprimento definitivo imputado unicamente à R. fez errada interpretação dos artigos 798º, 799º, 801º, 804º, 808º, n.º 1, 442º, n.º 2 com violação da Lei substantiva e contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.</font><br>
<font>71. Como resulta do supra exposto, o contrato promessa em causa foi incumprido de forma definitiva pela R., máximo quando da alienação a terceiro da fracção, traduzindo-se na impossibilidade total de cumprimento que traduz uma perda do interesse da autora na prestação;</font><br>
<font>72. Sendo verdade que a interpelação admonitória de cumprimento da obrigação não tem razão de ser quando o comportamento da R. exprima, em termos categóricos, a vontade de não cumprir, caso em que se deve inferir desde logo o incumprimento definitivo, nos termos do disposto nos artigos 801º e 808º CC.</font><br>
<font>73. Termos em que o contrato deve ser judicialmente declarado resolvido, com fundamento no incumprimento definitivo imputável ao comportamento da R. e consequentemente perda de interesse da A. na prestação que se tornou impossível e extinguiu a obrigação.</font><br>
<font> 74. E face ao disposto no art. 442º, n.º 2 CC fica claro que, em caso de incumprimento têm o promitente-comprador o direito de exigir o dobro do sinal prestado.</font><br>
<font>75. De todo o modo, a questionar-se a validade do entendimento que se deixou expresso quanto à valoração, como incumprimento definitivo, do comportamento da Ré recorrida, é a consequente desnecessidade de interpelação para o cumprimento, sempre tal interpelação feita mediante o recurso à notificação judicial avulsa, teria o efeito previsto no n.º1 do art. 805º do CC, logo que esgotado o prazo para o cumprimento (razoável) a consequência era a fixada no art. 808º, n.º 1 CC e de onde recorria o direito da autora à resolução do contrato nos termos do art. 801º do CC.</font><br>
<font>Em suma impõe-se a conclusão de que o contrato foi definitivamente incumprido pela recorrida com qualquer um dos fundamentos do art. 808, n.º 2 do CC pelo que estão reunidos os pressupostos para que o contrato promessa em causa seja declarado judicialmente resolvido (por impossibilidade de cumprimento do contrato imputado "a Ré) e seja a Recorrida condenada a restituir à A. o valor em dobro do sinal prestado, caso assim não se entenda e se concluía que ambas as partes incumprirem o contrato, nesse caso deverá julgar-se resolvido o contrato e ser a Recorrida condenação a restituir o sinal em singelo, ao abrigo do enriquecimento sem causa.</font><br>
<font>Nesta conformidade deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrida por incorrecta subsunção dos factos ao Direito nos termos supra expostos.</font><br>
<font>No entanto V. Exas. melhor decidirão fazendo a habitual</font><br>
<font>JUSTIÇA</font><div></div><font>Contra-alegou a Ré, defendendo a confirmação do julgado.</font><div></div><font>Foram os seguintes os factos fixados pela Relação.</font><div></div><font>1) Através de escrito de 7 de Janeiro de 2002, e pelo preço de € 92 277,61, BB declarou prometer vender a AA, que declarou prometer comprar, o ..........., Letra ... correspondente à fracção designada pela "CT", do prédio urbano, sito na Rua de Timor, n.°s 4 e 6, em Queluz, descrito na Conservatória de Registo Predial de Queluz, sob o n.° 0000 e inscrito na matriz da freguesia respectiva sob o n.° 0000 (Doe. de fls. 19 e 20 que aqui se dá por inteiramente reproduzido) - alínea A);</font><br>
<font>2) A 7 de Janeiro de 2002, a Autora entregou à Ré a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €9. 975,96, tendo já antes, a 18 de Dezembro de 2001, entregue a quantia de €498,80 - alínea B);</font><br>
<font>3) Na mesma data as partes acordaram que o remanescente do preço, no valor de € 81. 802,86, seria pago na data da celebração da escritura - alínea C);</font><br>
<font>4) Acordaram ainda que a escritura seria celebrada no prazo de 120 dias após a celebração do contrato em causa, podendo tal prazo ser prorrogado por mais 30 dias, nos termos e condições previstas na cláusula Terceira que aqui se dá por inteiramente reproduzida - alínea D);</font><br>
<font>5) A 8 de Março de 2002 e em aditamento ao contrato referido supra, a ora Autora entregou à Ré a quantia de €24 940,00, a título de sinal e princípio de pagamento, acordando que o remanescente do preço, no valor de €56 863,00, seria pago no acto da escritura (Doc. de fls. 21-22 que aqui se dá por inteiramente reproduzido) - alínea E); </font><br>
<font>6) Na cláusula Terceira do aditamento referido em E) supra, foi acordado que caso não fosse possível à ora Autora celebrar a escritura de compra e venda no prazo estabelecido no "contrato de 07 de Janeiro de 2002, por causa alheia à sua vontade, poderá esse prazo ser dilatar-se por mais 30 dias" - alínea F);</font><br>
<font>7) Através do mesmo contrato e seu aditamento, as partes acordaram que caberia à ora Autora proceder à marcação da escritura e avisar a ora Ré por carta registada para a sua residência com 15 dias de antecedência - alínea G);</font><br>
<font>8) Mais acordaram que caberia à ora Ré entregar à ora Autora toda a documentação necessária - alínea H);</font><br>
<font>9) A 15 de Outubro de 2002, a ora Autora recebeu uma carta registada com aviso de recepção remetida pela Ré, dando-lhe conta de que tinha expirado o prazo para marcação da escritura, concedendo-lhe cinco dias para o fazer -alínea L);</font><br>
<font>10) A 17 de Outubro de 2002, a ora Autora remeteu à ora Ré a carta registada com aviso de recepção, de teor não apurado pelo tribunal - alínea M);</font><br>
<font>11) A carta em causa foi devolvida com a menção de "não reclamada" - alínea N);</font><br>
<font>12) A 13 de Novembro de 2002, a ora Ré recebeu a notificação judicial avulsa de fls. 37 e seguintes e que aqui se dá por inteiramente reproduzida -alínea O);</font><br>
<font>13) Remetendo a Ré à Autora, com data de 21/11/2002, uma carta onde dava conta do termo do prazo para a celebração da escritura bem como da sua prorrogação por mais 30 dias, tendo a Autora conhecimento da hipoteca, penhora do imóvel e liquidação da respectiva dívida, não sendo por tal motivo que não se realizou oportunamente a escritura de compra e venda, já não se justificando a entrega da documentação solicitada, que esteve desde o início do contrato à disposição da Autora na empresa imobiliária, por a Ré ter perdido o interesse no negócio (Doc. de fls. 47-48 que aqui se dá por inteiramente reproduzido).</font><br>
<font>14) Para garantia de dívida à CGD a fracção em causa foi penhorada no âmbito da execução n.° 233/00 que corre termos na 1.ª Vara deste Tribunal, estando a mesma penhora inscrita na Conservatória de Registo Predial a 11 de Outubro de 2002 - alínea Q);</font><br>
<font>15) Só em meados de Junho de 2002 é que a ora Autora tomou conhecimento que sobre a fracção em causa incidia penhora a favor da CG.D. (Resposta ao artigo 1.° da Base Instrutória);</font><br>
<font>16) Nunca a ora Ré, ou a imobiliária que mediou o negócio, lhe deram conta da existência daquela penhora (Resposta ao artigo 2.° da Base Instrutória);</font><br>
<font>17) A ora Ré, quando abordada pela Autora quanto à penhora, assegurou-lhe que iria liquidar a dívida à CG.D. (Resposta restritiva ao artigo 3.° da Base Instrutória);</font><br>
<font>18) A Autora sabia que poderia levantar os documentos na imobiliária (Resposta restritiva ao artigo 9.° da Base Instrutória);</font><br>
<font>19) Quando a ora Autora se dirigiu a esta sociedade, em finais do mês Outubro ou no início de Novembro de 2002, foi informada de que a ora Ré já tinha levado a documentação em causa (Resposta ao artigo 10.° da Base Instrutória);</font><br>
<font>19-A) A Ré, face à Notificação Judicial Avulsa promovida pela Autora e junta a fls. 37 e seguintes, recusou-se a entregar os documentos necessários à realização da escritura, nos termos constantes da carta de fls. 47 e 48, invocando a perda de interesse na celebração do negócio prometido;</font><br>
<font>20) A ora Ré reuniu os elementos e documentos necessários à realização da escritura e procedeu à sua entrega, em princípios do mês de Fevereiro de 2002, à sociedade "Pretexto, Lda." que mediou o negócio (Resposta restritiva aos artigos 12.° e 13.° da Base Instrutória); </font><br>
<font>21) A dívida à CG.D. referida supra, foi paga pela ora Ré (Resposta ao artigo 17.° da Base Instrutória);</font><br>
<font>23) Através da Apresentação 03/060308 foi inscrita, como provisória por natureza, a aquisição, por compra, da fracção em causa a favor de Olga Marlene Xavier Pereira.</font><div></div><b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div></div><font>O acórdão recorrido considerou que, quer a A. quer a Ré violaram o contrato promessa que celebraram, ambas se constituindo em mora.</font><br>
<font>Como a A. pediu a título subsidiário (e só este pedido interessa considerar) a </font><u><font>restituição do sinal em dobro</font></u><font>, o acórdão julgou-o improcedente, face à mora da A. e não ordenou a restituição do sinal em singelo por tal não ter sido pedido, como, aliás, não foi pedida a resolução do contrato, que sempre seria pressuposto da devolução do sinal passado.</font><div></div><font>Ora a questão suscitada na revista é a de saber se, de facto, ambas as partes incumpriram o contrato, ou se só a Ré o incumpriu definitivamente, como defende a recorrente, ou, em qualquer caso, mesmo a ter-se o contrato violado por ambas as partes se não devia, mesmo então, ter-se condenado a Ré a devolver o sinal em singelo.</font><div></div><font>Vejamos:</font><br>
<font>Sabemos que em 7/1/2002 a Ré e a A. celebraram um contrato promessa, por via do qual a primeira se obrigou a vender à segunda o 3º andar esq. Identificado nos autos.</font><div></div><font>Nesse contrato ficou estipulado, além do mais que:</font><br>
<font>- caberia à A. procedeu à marcação da escritura e avisar disso a Ré, por carta registada com 15 dias de antecedência;</font><br>
<font>- caberia, por sua vez à Ré entregar à A. toda a documentação necessária à realização da escritura;</font><br>
<font>- a escritura seria outorgada no prazo máximo de 120 dias após a celebração do contrato promessa, podendo, no entanto, tal prazo ser prorrogado automaticamente, por mais 30 dias, se, por causa alheia à vontade da A. não for possível a realização da escritura nos 120 dias referidos, devendo desse facto a A. dar atempado conhecimento à Ré (cláusula 3º n.º 1 e § único)</font><br>
<font>- por aditamento escrito de 8/3/2002, foi acordado ainda que, caso não fosse possível à A. celebrar a escritura de compra e venda no prazo já estabelecido na cláusula 3ª e § único do contrato de 7/1/2002 (isto é, no prazo de 120 dias + 30 de prorrogação automática), poderia esse prazo dilatar-se por mais 30 dias</font><br>
<font>- ficou ainda convencionado no dito aditamento que, caso à A. não fosse possível cumprir os prazos referidos no § 1º (120 + 30 +30), pagaria à Ré, juros, à taxa de 2% ao ano sobre a quantia ainda em dívida “fraccionado em mensalidad | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eTKwu4YBgYBz1XKvGi_W | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<b><font> I.</font></b><br>
<font>AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, acção ordinária contra BB – Empreendimentos Imobiliários, S.A, pedindo a sua condenação na realização das seguintes obras:</font><br>
<font>- Na envolvente exterior:</font><br>
<font>- Picagem de todo o reboco existente;</font><br>
<font>- Cerzitar toda a empena;</font><br>
<font>- Rebocar com acabamento areado;</font><br>
<font>- Pintar com tinta plástica;</font><br>
<font>- No muro lateral direito a reposição de pedras desprendidas com gateamento das respectivas juntas.</font><br>
<font>- No edifício da garagem:</font><br>
<font>- Levantamento e reposição do chão com entroncamento, com 20 cm de espessura, e betonilha com acabamento afagado, de 10 cm de espessura;</font><br>
<font>- Reparação das paredes com argamassas de alta resistência, com interposição simultânea de rede plástica.</font><br>
<font>- No edifício dos anexos:</font><br>
<font>- Levantamento do telhado em toda a sua extensão, fazendo-se as necessárias correcções ao nível de vedações existentes;</font><br>
<font>- Pintura de todas as paredes existentes assim como os tectos, estanhados e em estrutura de madeira.</font><br>
<font>- No edifício principal:</font><br>
<font>- Demolição da cobertura e paredes interiores existentes;</font><br>
<font>- Execução de estrutura interior de betão armado para apoio da laje de cobertura;</font><br>
<font>- Execução de alvenarias interiores em tijolo vazado de 11 para repor a compartimentação existente;</font><br>
<font>- Rebocar com acabamento estanhado todas as paredes interiores;</font><br>
<font>- Colocação, nas casas de banho e cozinha, de material cerâmico;</font><br>
<font>- Pintura de todo o interior – paredes e tectos;</font><br>
<font>- Colocação de telha na cobertura, igual à existente.</font><br>
<font>Ou, em alternativa, no pagamento da quantia de 80.000, 00 €, quantia acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<font> Em suma, alegou que, tendo a R. procedido à construção de um edifício em terreno contíguo a imóvel de sua propriedade, as obras ali realizadas, com utilização de maquinaria pesada, causaram vários estragos nos edifícios existentes no seu prédio.</font><br>
<font> A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, arguindo, para tanto, não só a excepção da ilegitimidade passiva, como também a caducidade do direito invocado.</font><br>
<font> Ao mesmo tempo, requereu a intervenção acessória da sociedade I......... M....... Lª, empreiteira da obra que, admitida, contestou, igualmente, arguindo também a ilegitimidade passiva e, ainda, a prescrição.</font><br>
<font> O A., na réplica, contrariou a defesa excepcional arguida nas contestações apresentadas.</font><br>
<font> Em sede de saneador, foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva e relegado para final o conhecimento da prescrição.</font><br>
<font> Seleccionaram-se os factos, provados e controvertidos, e a acção seguiu, depois, a sua normal tramitação até julgamento.</font><br>
<font> Findo este, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, como assim, a condenar a R. na realização das seguintes obras:</font><br>
<font>- Reposição de pedras, no muro lateral direito, com gateamento das respectivas juntas;</font><br>
<font>- Reparação das paredes do edifício da garagem com argamassa de alta resistência e interposição simultânea de rede plástica;</font><br>
<font>- Correcção dos apoios da estrutura da cobertura no edifício dos anexos, bem como reparação e reposicionamento das caleiras;</font><br>
<font>- Pintura de todas as paredes existentes no anexo, assim como os tectos sejam estes estanhados ou em estrutura de madeira;</font><br>
<font>- Revisão da cobertura e paredes interiores existentes no edifício principal; </font><br>
<font>- Reparação das superfícies interiores no edifício principal;</font><br>
<font>- Substituição dos revestimentos afectados nas casas de banho e cozinha;</font><br>
<font>- Pintura de todo o interior do edifício principal, paredes e tectos;</font><br>
<font>- Substituição de algumas das telhas (partidas) por outras novas.</font><br>
<font> Inconformada, apelou a R., para o Tribunal da Relação do Porto, que, sanando a nulidade por omissão de pronúncia por ela arguida, acabou por, nos termos do disposto no artigo 715º do Código de Processo Civil, conhecer do mérito da causa, julgando a acção improcedente, precisamente com fundamento na verificação da dita excepção de prescrição.</font><br>
<font> Foi a vez do A. mostrar o seu desagrado para com o julgado e pedir revista do acórdão revogatório, apresentando, para tanto, a respectiva minuta que fechou com conclusões nas quais defendeu que a factualidade dada como provada tipifica um crime de dano, resultando claramente a verificação do elemento volitivo do mesmo dos pontos 25, 26 e 27 do factos dados como provados, e, nessa medida, o prazo de prescrição a considerar há-de ser de cinco anos, atento o disposto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil.</font><br>
<font> Respondeu a recorrida em defesa da manutenção do acórdão impugnado.</font><br>
<b><font>II.</font></b><br>
<b><font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<b><font>A – </font></b><font>Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação n.º 37, datada de 19/06/92, a aquisição, a favor de CC, por compra, do prédio urbano sito na Rua ................, n.º ....., em Guardeiras – Maia, descrito sob o n.º 000000000 inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 659.</font><br>
<font>B – Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial da Maia, mediante apresentação nº 19, datada de 25/10/2004, a aquisição, a favor de AA, por compra, do prédio urbano sito na Rua .................., nº ..., em Guardeiras – Maia, descrito sob o n.º 000000000, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 659º.</font><br>
<b><font>C</font></b><font> – A R. dedica-se à construção e promoção de empreendimentos imobiliários.</font><br>
<b><font>D</font></b><font> – A R. promoveu a construção do empreendimento denominado “Centro Empresarial da Maia”.</font><br>
<b><font>E</font></b><font> – O empreendimento aludido em D) é contíguo ao prédio mencionado em A).</font><br>
<b><font>F </font></b><font>– A construção do empreendimento aludido em D) teve início no princípio do segundo trimestre do ano de 2001.</font><br>
<b><font>G</font></b><font> – Na construção do empreendimento aludido em D) foi utilizado equipamento pesado, com o qual foi feito um aterro compactado em várias camadas.</font><br>
<b><font>H</font></b><font> – Em 21 de Julho de 2001, o A. remeteu à R., que o recebeu, o documento junto a fls. 23 dos autos.</font><br>
<b><font>I</font></b><font> – Na sequência da recepção do documento mencionado em H), a R. enviou engenheiros que com ela trabalhavam na obra do Centro Empresarial da Maia, a fim de os mesmos verificaram o imóvel aludido em A).</font><br>
<b><font>J</font></b><font> – O A. remeteu à R., que o recebeu, o documento junto a fls. 24 a 26 dos autos, datado de 12 de Setembro de 2001.</font><br>
<b><font>L</font></b><font> – A R. remeteu ao A., que o recebeu, o documento junto a fls. 27 dos autos, datado de 14 de Setembro de 2001.</font><br>
<b><font>M</font></b><font> – Por proposta, datada de 11 de Maio de 2001, a chamada I..........M.........., Lda. apresentou o seu melhor preço para a execução da empreitada de construção civil do empreendimento Centro Empresarial da Maia, onde estavam incluídos trabalhos de escavações, terraplanagens e compactação de terras no prédio contíguo ao prédio aludido em A).</font><br>
<b><font>N</font></b><font> – A proposta apresentada pela chamada foi aceite pela R..</font><br>
<b><font>O</font></b><font> – A execução dos trabalhos de terraplanagem e aterro no prédio pertencente à R. ficou a cargo da chamada.</font><br>
<b><font>P</font></b><font> – A chamada iniciou os trabalhos em Julho de 2001 e concluiu os mesmos em finais do ano de 2001.</font><br>
<b><font>Q</font></b><font> – Na execução dos trabalhos de terraplanagem, a chamada ficou vinculada a executar os mesmos com respeito pelas regras de construção, para que os trabalhos ficassem executados sem vícios e não afectassem terceiros.</font><br>
<b><font>R</font></b><font> – Em Agosto de 2001, na sequência das reclamações apresentadas, a chamada solicitou à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto a realização de uma inspecção ao local, tendo sido elaborado o relatório junto a fls. 75 a 83 dos autos.</font><br>
<b><font>S</font></b><font> – Em 14 de Março de 2006, a R. remeteu à chamada, que a recebeu, a carta junta a fls. 84 a 86 dos autos.</font><br>
<b><font>T</font></b><font> – Mediante sentença proferida em 9/8/2004, já transitada em julgado, foi declarado transmitido para o A. AA o direito de propriedade relativo ao prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, com dependência no quintal, sito no Lugar das ..........., da freguesia de ............., concelho da Maia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 659, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n.º 00424, pelo preço de 29.927,87 € já pago, conforme documento junto a fls. 116 a 123 dos autos.</font><br>
<b><font>U</font></b><font> – A realização do aterro aludido em G) provocou diversas vibrações nos terrenos contíguos, nomeadamente do prédio mencionado em A).</font><br>
<b><font>V</font></b><font> – A realização do aterro aludido em G) dos Factos Assentes provocou, pelo menos, o agravamento da extensão e da profundidade de rachadelas nos tectos e paredes laterais do prédio mencionado em A).</font><br>
<b><font>X</font></b><font> – Este mesmo aterro provocou a queda de estuque do tecto em duas divisões. </font><br>
<b><font>Z</font></b><font> – Na sequência dos trabalhos aludidos em D) resultaram ainda furos num dos muros, em consequência da demolição de várias barracas e galinheiros que estavam presos ao aludido muro, pertencente ao A..</font><br>
<b><font>AA</font></b><font> – As situações aludidas em V) e Z) são consequência da mencionada vibração.</font><br>
<b><font>AB</font></b><font> – Depois de ter tomado conhecimento das situações aludidas em 2) e 3) através da visita dos seus técnicos, a R., de forma voluntária e consciente, continuou a executar a obra sem qualquer cuidado adicional.</font><br>
<b><font>AC</font></b><font> – A R. poderia e deveria ter conhecimento de que as situações aludidas em V) e Z) tinham sido causadas pela sua conduta.</font><br>
<b><font>AD</font></b><font> – Após Julho de 2001, a R. poderia e deveria saber que, se continuasse a efectuar a obra nos mesmos moldes que havia feito até aí, nomeadamente utilizando equipamento pesado, poderia continuar a provocar danos no imóvel mencionado em A).</font><br>
<b><font>AE</font></b><font> – Apesar disso, não se coibiu de o fazer, aceitando como consequência possível da sua conduta o surgimento de novos danos no imóvel aludido em A).</font><br>
<b><font>AF</font></b><font> – Durante o período de execução das obras, o A. solicitou ao arquitecto DD, que conjuntamente com um técnico da sua confiança acompanhasse a situação, para elucidá-lo quanto aos riscos que o imóvel aludido em A) podia correr.</font><br>
<b><font>AG</font></b><font> – Em 16 de Dezembro de 2001, o prédio aludido em A), na habitação principal, apresentava fissuras nas paredes exteriores em toda a sua espessura, bem como na quase totalidade das paredes divisórias interiores.</font><br>
<b><font>AH</font></b><font> – E os tectos encontravam-se degradados, mostrando desprendimentos em cerca de 20% da sua área e ameaçando ruína na área restante.</font><br>
<b><font>AI</font></b><font> – E no anexo, verificavam-se fissuras, de pequenas dimensões, quer em paredes exteriores, quer nas divisórias interiores.</font><br>
<b><font>AJ</font></b><font> – Na garagem verifica-se que o pavimento apresenta diversas fissuras no pavimento.</font><br>
<b><font>AL</font></b><font> – Sendo que as paredes também se apresentavam fissuradas.</font><br>
<b><font>AM</font></b><font> – Verificando-se ainda a destruição das caleiras existentes na empena contígua ao terreno vizinho.</font><br>
<b><font>AN</font></b><font> – O edifício principal do prédio referido em A) é constituído por paredes em perpianho, com cerca de 30 centímetros de espessura, suportando estas a cobertura em madeira.</font><br>
<b><font>AO</font></b><font> – E o edifício da garagem é estruturalmente idêntico ao do edifício principal.</font><br>
<b><font>AP</font></b><font> – E o edifício dos anexos tem a estrutura em betão armado, sendo as paredes exteriores e interiores de alvenaria e tijolo.</font><br>
<b><font>AQ</font></b><font> – Sendo que a laje de cobertura se apoia em pilares e vigas de betão armado.</font><br>
<b><font>AR</font></b><font> – O aterro aludido em G), com cerca de 3 metros, implicou uma enorme movimentação de terras no terreno contíguo ao prédio mencionado em A).</font><br>
<b><font>AS</font></b><font> – Devido ao aterro aludido em G) a moradia existente no prédio aludido em A), que antes estava à mesma cota do terreno natural, ficou devassada.</font><br>
<b><font>AT</font></b><font> – Sendo que no muro lateral direito, verificou-se o desprendimento de algumas pedras, torna-se necessário a sua reposição com gateamento das respectivas juntas.</font><br>
<b><font>AU</font></b><font> – Torna-se necessário reparar as paredes do edifício da garagem com argamassa de alta resistência e interposição simultânea de rede plástica.</font><br>
<b><font>AV</font></b><font> – Torna-se necessário corrigir os apoios da estrutura da cobertura no edifício dos anexos, bem como proceder à reparação e reposicionamento das caleiras. </font><br>
<b><font>AX</font></b><font> – E proceder à pintura de todas as paredes existentes assim como os tectos sejam estes estanhados ou em estrutura de madeira.</font><br>
<b><font>AZ</font></b><font> – No edifício principal torna-se necessário proceder à revisão da cobertura e paredes interiores existentes.</font><br>
<b><font>ABA</font></b><font> – Haverá que proceder à reparação das superfícies interiores.</font><br>
<b><font>ABB</font></b><font> – Nas casas de banho e cozinha há que substituir os revestimentos afectados. </font><br>
<b><font>ABC</font></b><font> – E proceder à pintura de todo o interior, paredes e tectos.</font><br>
<b><font>ABD</font></b><font> – Há que substituir algumas das telhas (partidas) por outras novas.</font><br>
<b><font>ABE</font></b><font> – A R. deu conhecimento à chamada de todas as reclamações formuladas pelo A., designadamente pessoalmente.</font><br>
<b><font>ABF </font></b><font>– As fendas existentes no prédio do A. podem ter tido a sua causa inicial (mas nunca com a extensão e profundidade que agora apresentam) no tráfego intenso e pesado que circula na artéria adjacente a esse prédio, associado a fenómenos de variações de temperatura, bem como à idade do prédio (que tem, pelo menos, 20 anos).</font><br>
<b><font>ABH</font></b><font> – Em 11 de Junho de 1992, o A. celebrou com CC e EE um acordo, denominado “contrato-promessa”, mediante o qual os segundos prometeram vender ao A. que, por seu turno, prometeu comprar, o prédio referido em A).</font><br>
<b><font>ABI</font></b><font> – Tendo o A. entrado logo no uso e fruição do prédio referido em A).</font><br>
<font> </font><b><font>III.</font></b><br>
<font> </font><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<b><font> </font></b><font>A única questão que nos é colocada é a de saber se os factos dados como provados se enquadram na tipicidade do crime de dano, facto que, a verificar-se, obrigaria à contagem do prazo prescricional, nos termos previstos no nº 3 do artigo 489º do Código Civil, o mesmo é dizer à inverificação da excepção da prescrição, atenta a temporalidade entre a realização das obras (finais de 2001) e a instauração da acção (06/02/2006).</font><br>
<font> A Relação considerou que os factos dados como provados não permitem a conclusão da verificação de crime de dano, razão pela qual, estando a responsabilidade da R. baseada na responsabilidade extra-contratual, o prazo prescricional a considerar é de três anos, atento o disposto no nº 1 do artigo 498º do Código Civil.</font><br>
<font> Conquanto não nos afastemos do âmbito do instituto responsabilizador da R. (responsabilidade extracontatual), tal como foi apontado pela Relação, o certo é que não a acompanhamos, no mais por ela ponderado, para chegar à conclusão da verificação da excepção de prescrição arguida.</font><br>
<font> É que, como mui bem nota o Juiz da 1ª instância, estamos aqui perante um dos casos típicos de responsabilização por actos lícitos, concretamente previsto no nº 2 do artigo 1348º do Código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, Volume III, 2ª edição revista e aumentada, página 183, nota 4, João de Matos Antunes Varela, </font><i><font>Das Obrigações em geral</font></i><font>, Vol. I, páginas 728 a 730, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, páginas 602 e 603, Luís A. Carvalho Fernandes, </font><i><font>Lições de Direitos Reais</font></i><font>, 3ª edição, página 217): apesar da licitude do acto (realização das obras em terreno próprio), não pode o seu autor (neste caso a R./recorrida, ainda que por intermédio de comissária) deixar de ser responsabilizado pelos danos causados aos proprietários vizinhos (neste caso o A.).</font><br>
<font> E sendo este o campo delimitador da responsabilidade da R., enquanto realizadora das obras, muito embora através de comissária (a chamada), a única conclusão a tirar é a de que, efectivamente, se verifica a excepção de prescrição, oportunamente arguida, por aplicação directa do já citado nº 1 do artigo 498º do Código Civil.</font><br>
<font> Situando-nos neste campo, de actos lícitos a originar danos que devem ser indemnizados (a factualidade dada como provada não permite outro enquadramento), afastada está, pela natureza das cousas, qualquer tipo de responsabilidade criminal (de resto a R., enquanto pessoa colectiva, nunca poderia ser criminalmente responsável pelos danos causados: em 1º lugar, porque só com a publicação da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, é que as pessoas colectivas passaram em regra a ser responsabilizadas do ponto de vista criminal e, depois, porque, mesmo com esta última alteração, o crime de dano foi excluído da aplicação às pessoas colectivas, como resulta do nº 2 do artigo 11º do Código Penal. Para além disto, que não é pouco, sempre a sua responsabilização penal implicaria uma actuação dolosa, o que, atenta a factualidade fixada pelas instâncias, se não verifica).</font><br>
<font> Improcede, dest’arte, a tese aqui apresentada pelo recorrente.</font><br>
<font> </font><b><font>IV.</font></b><br>
<font> Nega-se a pretendida revista e condena-se nas custas o recorrente.</font><br>
<b><font>Supremo Tribunal de Justiça,</font></b><font> aos 09 de Fevereiro de 2010</font><br>
<font>Urbano Dias (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eTKzu4YBgYBz1XKvKzJt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br>
<br>
<font>AA, advogada, residente na Rua ..., nº 000, 1º Esq., em Coimbra, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, CRL, com sede em Vagos, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a reconhecer que a autora prestou os serviços indicados, nos artigos 55º a 64º, 65º a 68º e 69º a 72º da petição inicial, e, consequentemente, a pagar-lhe a quantia de €237.400,21, acrescida de IVA, à taxa legal, e dos juros de capital vincendos, à taxa legal, contabilizados desde a citação e até efectivo e integral pagamento, invocando, para o efeito, e, em síntese, que, em 11 de Maio de 2001, obrigou-se a prestar à ré os serviços de apoio e consulta jurídica e de contencioso de que esta viesse a carecer, no exercício da sua actividade, mediante a remuneração mensal líquida de 120.000$00, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, catorze vezes por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da autora e, de igual modo, com o direito a receber, em todos os processos ou intervenções, em assuntos com valor económico determinado, superior a 500.000$00, em que a ré obtivesse uma vantagem patrimonial, directa ou indirecta, designadamente, cobranças judiciais ou extrajudiciais, ou o não pagamento de multas, indemnizações ou quaisquer outras quantias, a percentagem de 5%, líquido de IRS, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida.</font><br>
<font>Tendo o acordo sido celebrado no pressuposto de que o contencioso da ré seria assegurado, no futuro, em acumulação, por dois advogados, tal não veio a acontecer, porquanto, posteriormente, por impedimento do outro advogado contratado, a autora passou a movimentar os processos que ao mesmo competiam, aumentando, significativamente, o trabalho despendido.</font><br>
<font>Então, autora e ré acordaram em estabelecer a remuneração mensal de €1.500,00, a que acresceria uma percentagem ilíquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos.</font><br>
<font>Tendo a autora sido contactada pela ré no sentido de receber a totalidade do serviço do contencioso, assumindo todos os processos judiciais do outro advogado, entretanto, prescindido, aceitou a elaboração de um estudo e respectivo relatório sobre o estado desses processos, em número de 76, ficando acordado que estes não seriam incluídos na avença da autora e que, para o cálculo dos honorários a pagar pelos serviços neles prestados, na hipótese da sua viabilidade, considerar-se-ia o grau da sua dificuldade, a praxe do foro e o estilo da comarca, de harmonia com o que, actualmente, está estatuído no artigo 100º, do Estatuto da Ordem dos Advogados. </font><br>
<font>Na contestação, a ré alega, em resumo, que não teve como objectivo confiar o serviço do contencioso, em simultâneo, a dois advogados, e que os processos que a autora recebeu do anterior advogado não estavam fora do âmbito do contrato de avença, por não lhe ter sido conferido qualquer carácter de excepcionalidade. </font><br>
<font>Por outro lado, discorda da aplicação da percentagem de 5% sobre os processos que, como a autora reconhece, ainda se encontram pendentes, tendo concluído no sentido da improcedência da acção.</font><br>
<font>Na réplica, a autora termina como na petição inicial.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, por, parcialmente, provada e, em consequência, condenou a ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, CRL, a pagar à autora AA, a quantia de €28.675,00 (vinte e oito mil, seiscentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação e, em consequência, confirmado a decisão impugnada.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Coimbra, interpôs a autora, por seu turno, recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue a acção procedente, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1a - O douto acórdão recorrido omite em absoluto qualquer apreciação sobre a matéria das conclusões 17 a 21, configurando esta omissão uma omissão de pronúncia, que torna a decisão recorrida nula - com o que deve ser anulada, nos termos dos arts. 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, alínea d), do CPC;</font><br>
<font>2a - A douta decisão recorrida, ao negar a apreciação da matéria inserida na conclusão 16, incorreu, também nesta parte, em omissão de pronúncia - com a consequente nulidade do acórdão, também nos termos dos arts. 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, alínea d), do CPC;</font><br>
<font>3a - Ao carrear para o presente processo dados constantes de outros processos, e ao fazê-lo sem extrair documentos mas por mera avaliação ou percepção directa, o Tribunal de 1a Instância realizou de facto uma inspecção;</font><br>
<font>4a - Ao fazê-lo, procedeu a uma inspecção duplamente inválida, na medida em que excedeu aquele que é o âmbito das inspecções relativamente a processos judiciais (interferindo com as regras relativas ao uso extraprocessual de elementos) e na medida em que, de todo, não observou as regras processuais próprias e, designadamente o princípio do contraditório (art. 3º do CPC) - com o que violou os preceitos dos arts. 390º do CCiv e 612º do CPC e dos arts. 613º, 615º e 3º do CPC.</font><br>
<font>5o - Ora, realizada inspecção (de facto) contra as regras legais, e tendo ela sido o fundamento da prova a um quesito fundamental para a sorte da acção - na medida em que a sua prova poderia acarretar a demonstração de vantagens patrimoniais e até a aplicação directa da Cláusula 6o do Contrato -, fica inquinada toda a decisão sobre a matéria de facto - com o que ela é nula, nos termos conjugados nos arts. 3º, 201º, 613º e 615º do CPC.</font><br>
<font>6a - Apurada nos autos a realização de serviços e a aquisição potencial de vantagens que só não foram sedimentadas na esfera da Caixa por esta ter feito cessar o contrato, deve, quer por integração da lacuna do contrato quanto a tal hipótese, quer por aplicação analógica do regime do DL 178/86, estabelecer-se uma remuneração da recorrente nos termos peticionados.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser julgado improcedente o recurso e, em consequência, confirmado o acórdão proferido.</font><br>
<font>Neste Supremo Tribunal de Justiça, antes do recebimento da revista, a autora juntou aos autos um parecer jurídico da autoria de um distinto Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. </font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. A autora (advogada em Figueiró dos Vinhos) e a ré celebraram, em 11 de Maio de 2001, o contrato de prestação de serviços constante de folhas 49 e verso, nos termos do qual se estipulou, além do mais, o seguinte:</font><br>
<font>“1º A segunda outorgante (autora) obriga-se a prestar à primeira (ré) serviços de apoio e consulta jurídicos e de contencioso de que esta vier a carecer no exercício da sua actividade.</font><br>
<font>5º O presente contrato terá a duração de um ano, renovando-se automaticamente se não for denunciado por qualquer das partes com pelo menos 60 dias de antecedência sobre o fim do prazo inicial ou de qualquer das suas renovações.</font><br>
<font>6º A representada dos primeiros outorgantes obriga-se a pagar ao segundo a quantia mensal de Esc.: 120.000$00 liquida de IRS, acrescida de IVA, catorze meses por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da segunda outorgante, não podendo esta exigir qualquer outra quantia a título de remuneração, com excepção do que consta do § 1º.</font><br>
<font>§1º Em todos os processos ou intervenções da segunda outorgante em assuntos com valor económico determinado, superior a 500.000$00, em que a representada dos primeiros outorgantes obtenha uma vantagem patrimonial directa ou indirecta, designadamente cobranças judiciais ou extrajudiciais – ou não pagamento de multas, indemnizações ou quaisquer outras quantias, a autora teria direito a receber, além da quantia acima referida, a percentagem de 5% líquido de IRS, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida.</font><br>
<font>7º</font><b><font> </font></b><font>A extinção unilateral do presente contrato por qualquer das partes, salvo caso de justa causa de resolução ou denuncia nos termos da clausula 5º, confere à outra parte o direito a receber indemnização igual ao montante total da retribuição mensal acordada na cláusula anterior a multiplicar pelo número de meses que o contrato vigoraria a não ter ocorrido a extinção unilateral” – A). </font><br>
<font>2. No Verão de 2002, o Dr.BB também, advogado da ré, adoeceu - B). </font><br>
<font>3. Face ao referido impedimento, foram devolvidos à ré e, a pedido desta, os processos que aquele tinha no seu escritório e que ainda não tinha accionado, num total de 35 - C).</font><br>
<font>4. Não obstante o regresso ao serviço do Dr. BB, em Outubro de 2002, os mencionados 35 processos mantiveram-se com a autora - D).</font><br>
<font>5. No início do ano de 2003, autora e ré acordaram em rever o contrato, referido em A), passando, então, a autora a receber a quantia de €1.500,00 mensais, a que acresceria uma percentagem líquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos - E).</font><br>
<font>6. A partir de Março de 2003, a autora passou a ter, sob a sua responsabilidade, todo o crédito mal parado da ré, no valor de cerca de um milhão de contos/cinco milhões de euros, assegurando todos os processos judiciais, a cargo do Dr. BB, em número de 76, de cujos serviços a ré havia, entretanto, prescindido - F).</font><br>
<font>7. A autora elaborou e entregou à ré o relatório de folhas 52, referente aos processos recebidos do Dr. BB - G). </font><br>
<font>8. Em 26 de Fevereiro de 2004, a ré enviou à autora a carta de folhas 137, na qual comunicava que havia decidido rescindir, unilateralmente, o contrato com a autora e lhe solicitava que fosse efectuada a prestação de contas, com vista ao apuramento e pagamento dos serviços pendentes - H). </font><br>
<font>9. A autora apresentou à ré uma nota de honorários, no valor de €116.084,66, correspondente ao valor dos seus honorários, relativamente aos processos que transitassem para o novo advogado - I). </font><br>
<font>10. Em 30.4.2004, a autora apresentou à ré a nota de honorários constante de folhas 193, no valor global de €237.400,21, correspondente a: </font><br>
<font>1. Serviços prestados no âmbito de processos substabelecidos pelo Dr. BB: €92.640,55;</font><br>
<font>2. Elaboração do relatório, referido em G): €28.675,00;</font><br>
<font>3. Serviços prestados, originalmente, pela autora: €116.315,55 – J). </font><br>
<font>11. A ré recusou-se a pagar qualquer das apontadas quantias, tendo solicitado à Ordem dos Advogados a elaboração do laudo de honorários, que se encontra a folhas 212 e seg., que se pronunciou, apenas, relativamente aos serviços, referidos em J)2, e no pressuposto de que a actividade em causa não estava incluída no contrato, referido em A) - L).</font><br>
<font>12. A ré contactou a autora, em finais de Março de 2003, propondo-lhe que, além dos serviços já contratados, como referido em A), assegurasse, também, todos os processos judiciais, então, a cargo do Dr. BB, a que se referem os serviços, aludidos em J) 1 dos factos assentes - 1º. </font><br>
<font>13. A ré solicitou à autora a elaboração do relatório, referido em G) - 3º.</font><br>
<font>14. A execução do relatório não estava abrangida pelo pagamento acordado com a autora, nos termos referidos em A) e E) - 4º.</font><br>
<font>15. No âmbito das relações estabelecidas entre a autora e a ré, aquela executou os serviços discriminados no artigo 64º da petição - 5º. </font><br>
<font>16. E executou os serviços discriminados nos artigos 68º e 71º da petição inicial - 6º e 7º.</font><br>
<font>17. Na sequência da actividade da autora, no que concerne aos processos “herdados” do Dr.BB, o contencioso ficou, definitivamente, organizado e impulsionado, e houve processos recebidos com a indicação de “inexistência de bens”, em que foi assegurado o pagamento do crédito da ré com a penhora de bens - 8º. </font><br>
<font>18. Em todos os contratos de financiamento outorgados pela ré, está convencionado que as despesas efectuadas para cobrança dos seus créditos, incluindo as com honorários de advogados, são suportadas, integralmente, pelos mutuários - 10º. </font><br>
<font>19. O preço/hora médio, habitualmente, cobrado, na comarca de Figueiró dos Vinhos, por serviços análogos aos referidos em G), oscila entre €50,00 e €75,00 - 16º e 17º. </font><br>
<font>20. Até cessar o contrato entre autora e ré, como referido em H), a ré não obteve cobrança dos seus créditos, em qualquer dos processos em que a autora teve intervenção e que estão discriminados nos artigos 68º e 71º da petição inicial - 21º.</font><br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da nulidade da inspecção judicial.</font><br>
<font>II - A questão da nulidade por omissão de pronúncia.</font><br>
<font>III – A questão da remuneração acordada.</font><br>
<br>
<font> I. DA NULIDADE DA INSPECÇÃO JUDICIAL</font><br>
<br>
<font>Defende a autora que o Tribunal de 1a instância realizou uma inspecção judicial, duplamente, inválida, na medida em que excedeu o respectivo âmbito, interferindo com as regras relativas ao uso extraprocessual de elementos, e não observou as regras processuais próprias, designadamente, o princípio do contraditório, inquinando toda a decisão sobre a matéria de facto, sendo, assim, nula, nos termos das disposições conjugados dos artigos 3º, 201º, 612º, 613º e 615º, do CPC, e 390º, do Código Civil (CC).</font><br>
<font>Constitui finalidade da prova por inspecção, em conformidade com o disposto pelo artigo 390º, do CC, “a percepção directa de factos pelo tribunal”, podendo incidir, ainda de acordo com o estipulado pelo artigo 612º, nº 1, do CPC, sobre “coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a entender necessária”.</font><br>
<font>Trata-se do meio de prova directa, por excelência, em que nada se interpõe entre a percepção do julgador e o facto que se pretende averiguar, ao contrário do que sucede com as provas indirectas, em que entre o Juiz e o facto se interpõe uma pessoa, como acontece com a prova por confissão, por arbitramento ou com a prova testemunhal, ou em que se interpõe uma coisa, como sucede na prova por documentos (1)..</font><br>
<font>Assim sendo, constituindo o processo, na acepção veiculada pela autora e que agora interessa considerar, e, igualmente, vulgarizada na linguagem corrente do foro, as páginas escritas emanadas das partes, as decisões do tribunal e o relato dos actos e diligências praticados no desenvolvimento da acção(2), ou seja, o conjunto de documentos(3)que o integram, o acesso ao meio de prova em que se traduzem, por parte do Juiz, encontra um intermediário, que é a coisa, isto é, o caderno [autos], em que os mesmos se encontram.</font><br>
<font>Deste modo, a consulta a que o Tribunal de 1ª instância procedeu, em relação aos processos judiciais em que a autora interveio e que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, não se traduziu num meio de prova directa, já que se interpôs uma coisa entre o Juiz e o facto a averiguar, que consistiu nos documentos analisados, o que é, por essência, incompatível com a pretensa natureza de prova por inspecção judicial, que a autora sustenta ter ocorrido, na hipótese em apreço.</font><br>
<font>Não se está, assim, perante prova obtida mediante inspecção judicial, independentemente do grau de perfeccionismo processual-formal em que se consubstanciou a recolha dos elementos de facto que fundamentaram a convicção do tribunal, designadamente, dos meios de suporte material dessa convicção, atento o estipulado pelo artigo 535º, nº 1, do CPC, que lhe imporia mandar juntar aos autos todos os elementos probatórios destinados a convencer, inabalavelmente, as partes do acerto dessa posição.</font><br>
<font>Porém, os eventuais vícios em que se traduziu a diligência, a que alude a autora, através da invocação das normas jurídicas violadas, quer ao nível da convocação para o acto, quer do registo da diligência lavrada em auto, consistindo na omissão de formalidades que a lei prescreve, a que aludem os artigos 613º e 615º, do CPC, mas que não comina com a sanção da nulidade, não tendo sido, aliás, arguidas pelas partes, nem sendo sequer susceptível de conhecimento oficioso pelo Tribunal, atento o estipulado pelos artigos 201º, nº 1 e 202º, do mesmo diploma legal, consistem em meras nulidades secundárias, irrelevantes para a marcha processual.</font><br>
<font>Ora, tendo sido dada publicidade ao despacho que respondeu à matéria factual da base instrutória, em 13 de Março de 2008, que incluía a respectiva fundamentação, com referência expressa a que a resposta ao artigo 21º resultou da análise de todos os processos, a que a autora alude nos artigos 68º e 71º da petição inicial, que se encontram neste Tribunal, em conjugação com as informações prestadas quanto ao demais, a autora deveria ter arguido a respectiva nulidade, no prazo de dez dias, a que se reporta o artigo 153º, nº 1, do CPC, e do seu hipotético desatendimento, interposto o correspondente recurso de agravo, o que não aconteceu, porquanto, tão-só, com as alegações relativas ao recurso de apelação, apresentadas várias meses após a eventual nulidade verificada, veio arguir a sua ocorrência.</font><br>
<font>E, não tendo invocado as aludidas nulidades, nem, subsequentemente, interposto recurso de agravo, não podia, através da apelação, fazer renascer as questões ocorridas, em sede de tramitação processual, que, apenas, contendem com a tramitação do procedimento da acção.</font><br>
<font>Não colhem, por isso, nesta sede, as nulidades invocadas pela autora.</font><br>
<br>
<font> II. DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA</font><br>
<br>
<font> Sustenta, igualmente, a autora que o acórdão recorrido omitiu, em absoluto, qualquer apreciação sobre a matéria das conclusões 17 a 21, e negou-se a apreciar a matéria inserida na conclusão 16, configurando tal uma omissão de pronúncia, com a consequente nulidade da decisão, nos termos das disposições combinadas dos artigos 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, d), do CPC.</font><br>
<font> Relativamente à conclusão nº 16 das alegações da apelação, diz a autora que “sem prescindir, procedendo a requerida alteração da resposta dada ao ponto 2 da Base Instrutória de Não Provado para Provado, e atento o facto de os pontos n°s 5o, 6°, 7o, 8o, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17° e 18° da Base Instrutória terem sido dados como provados, a Ré terá que pagar à A. a quantia de €121.315,55 respeitante aos honorários devidos pelos serviços que ela prestou relativamente aos 76 processos que vieram do escritório do Dr. BB, devendo ser condenada a proceder a tal pagamento”.</font><br>
<font>Ora, a este propósito, o Tribunal «a quo» disse que «como a recorrente fazia depender a diferente solução de direito, que propugnava nas conclusões de recurso, da alteração da matéria de facto, maxime, da modificação da resposta dada ao artigo segundo da base instrutória, ao manter-se esta resposta em conformidade com o que foi decidido no tribunal recorrido, cai pela base a única fundamentação em que a recorrente se sustentava para obter uma diferente decisão, razões pelas quais não tenha este tribunal que pronunciar-se sobre qualquer razão de direito que não foi suscitada, mantendo-se na sua integridade a decisão recorrida».</font><br>
<font>Assim sendo, é inadmissível, neste particular, defender-se que o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre a questão colocada, pois que não é sinónimo, sendo antes realidades bem distintas, a alegação de que, na hipótese de alteração da resposta à matéria do aludido ponto nº 2, conjuntamente com os demais factos demonstrados, a ré “…terá de pagar ou que, independentemente de tal demonstração, a ré deverá pagar…”, e só assim, a Relação estaria incursa na causa de nulidade da decisão, em que consiste a omissão de pronúncia, a que se reportam os artigos 668º, nº 1, d) 1ª parte, e 716º, nº 1, do CPC. </font><br>
<font>Relativamente às conclusões nºs 17 a 21 das alegações da apelação, diz a autora, na sequência da anterior conclusão nº 16, que “E o mesmo se diga quanto à quantia pedida e correspondente aos processos que a A. instaurou no período de tempo em que vigorou o contrato de avença” [17ª], “De facto a A. tem direito a uma percentagem de 5% sobre o valor das vantagens patrimoniais que a Ré aufira na sequência do trabalho da A. desenvolvido antes da denuncia daquele contrato” [18ª], “A Ré. Ao pretender que tudo o que tinha a pagar à A., já o fez quando cessou o contrato querendo escamotear o valor das vantagens patrimoniais que auferiu ou venha a auferir depois da referida denuncia na sequência do trabalho desenvolvido pela A., para aplicar a percentagem remuneratória dos 5% a que ela tem direito, constitui-se como contraente que não usa de boa-fé, quer nas negociações quer na aplicação do contrato a que se tem aludido” [19ª], “atento o disposto no n° 1 do art°. 227° do Cód. Civil; por isso, a A. tem o direito a receber da Ré o equivalente a 5% do valor patrimonial já auferido ou a auferir pela Ré depois do contrato de avença ter cessado em consequência do trabalho desenvolvido pela A., nisso sendo condenada” [20ª] e “sem embargo, não existindo nos autos elementos que permitam determinar o valor de tais vantagens, a Ré deverá ser condenada a pagar a este título a quantia que vier a ser liquidada como vantagem patrimonial da Ré. à qual será aplicada a taxa de 5%, de acordo com o disposto no n° do art°. 661, do Cód. Proc. Civil, disposição violada pela sentença de que se recorre” [21ª].</font><br>
<font>Revertendo à essência da questão, importa registar que, perguntando-se no ponto nº 2 da base instrutória “…comprometendo-se [a ré] a pagar à autora os respectivos honorários em função da dificuldade do assunto, praxe do foro e estilo da Comarca em que a autora estava inscrita?”, a respectiva resposta foi negativa, mesmo após a sindicância que sobre a mesma a Relação exerceu.</font><br>
<font>Ora, se a resposta negativa analisada determinava, inexoravelmente, a improcedência do segmento do pedido que contendia com a alegada autonomização, em relação ao contrato inicial celebrado pelas partes, dos processos substabelecidos na autora pelo anterior advogado de que a ré prescindira, outrotanto não acontece, como consequência necessária e imediata, quanto ao pedido alusivo à avença da autora.</font><br>
<font>Efectivamente, não sendo embora de apurado recorte literário, na sequência do teor da conclusão 16º, o início da conclusão 17ª, com a expressão, “e o mesmo se diga…”, como querendo, aparentemente, significar que, a improceder a alteração ao sobredito ponto nº 2, a ré já não teria que pagar “a quantia pedida e correspondente aos processos que a autora instaurou no período de tempo em que vigorou o contrato de avença”, da análise conjugada do articulado inicial e respectivo pedido, conjuntamente com a factualidade que ficou consagrada, impõe-se retirar que a autora reclama o pagamento de honorários, no valor de €121315,55, alusivo aos processos substabelecidos pelo Dr. BB, em número de 76, e no valor de €116084,66, relativo aos processos instaurados pela autora e incluídos no contrato de prestação de serviço.</font><br>
<font>E, quanto a esta parte do pedido de honorários, ou seja, os honorários relativos ao contrato inicial de prestação de serviço, no montante de €116084,66, ocorreu omissão de pronúncia, porquanto a Relação deixou de conhecer uma questão que deveria ter apreciado. </font><br>
<font>Ocorre, portanto, a nulidade da decisão a que se reportam os artigos 668º, nº 1, d), 1ª parte, e 716º, nº 1, do CPC </font><br>
<font>Contudo, não obstante o Exº Relator da apelação se ter limitado a determinar a subida dos autos, por não ser de suprir qualquer nulidade, nos termos e para os efeitos do preceituado pelos artigos 670º, nº 1 e 716º, nº 1, do CPC, será a mesma objecto de apreciação no ponto seguinte.</font><br>
<br>
<font> III. DA REMUNERAÇÃO ACORDADA</font><br>
<br>
<font>Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, em 11 de Maio de 2001, a autora e a ré celebraram um contrato em que se estipulou que aquela se obrigava a prestar à última serviços de apoio e consulta jurídica e de contencioso de que esta viesse a carecer, no exercício da sua actividade, mediante a remuneração mensal de 120.000$00, liquida de IRS, acrescida de IVA, catorze meses por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da segunda outorgante, sendo certo, outrossim, que, em todos os processos ou intervenções desta, em assuntos com valor económico determinado, superior a 500.000$00, em que a ré obtivesse uma vantagem patrimonial, directa ou indirecta, a autora teria direito a receber, além da quantia acima referida, a percentagem de 5%, líquido de IRS, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida.</font><br>
<font>Porém, por força do impedimento do Dr BB, também advogado da ré, no Verão de 2002, foram devolvidos à ré, a pedido desta, os processos que aquele tinha no seu escritório e que ainda não havia accionado, num total de 35, sendo certo que, a partir de Março de 2003, a autora passou a ter, sob a sua responsabilidade, todo o crédito mal parado da ré, no valor de cerca de um milhão de contos/cinco milhões de euros, assegurando, também, todos os processos judiciais, então, a cargo do Dr.BB, em número de 76, de cujos serviços a ré havia, entretanto, prescindido.</font><br>
<font>Na ocasião, elaborou e entregou à ré, a solicitação desta, um relatório referente aos processos recebidos do Dr. BB, cuja execução não estava abrangida pelo pagamento ajustado entre ambas</font><b><font>.</font></b><br>
<font>Assim sendo, no início do ano de 2003, autora e ré acordaram em rever o aludido contrato, passando, então, a autora a receber a quantia de €1.500,00 mensais, a que acresceria uma percentagem, líquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos.</font><br>
<font>Em 26 de Fevereiro de 2004, a ré comunicou à autora que havia rescindido, unilateralmente, o contrato. </font><br>
<font>Por seu turno, no caso de extinção do contrato, por vontade unilateral de qualquer das partes, a outra goza do direito de receber uma indemnização, a menos que tenha ocorrido a situação de justa causa de resolução ou a denúncia tenha sido efectuada com, pelo menos, 60 dias de antecedência sobre o fim do prazo inicial de um ano ou de qualquer das suas renovações. </font><br>
<font>Acresce que as partes convencionaram que a autora não podia exigir qualquer outra quantia a título de remuneração.</font><br>
<font>No âmbito das relações estabelecidas entre a autora e a ré, aquela executou os serviços discriminados nos artigos 64º, 68º e 71º da petição inicial, e, quanto aos processos “herdados” do Dr. BB, o contencioso ficou, definitivamente, organizado e impulsionado, sendo certo que, não obstante alguns deles terem sido recebidos com a indicação de “inexistência de bens”, foi assegurado o pagamento do crédito da ré, através de penhora. </font><br>
<font>Porém, até à data da cessação do contrato, a ré não obteve cobrança dos seus créditos, em qualquer um dos processos em que a autora teve intervenção e que se encontram individualizados nos artigos 68º e 71º da petição inicial.</font><br>
<font>Entende a autora que, tendo-se demonstrado a realização de serviços, por si levados a cabo, em benefício da ré, donde resultou a aquisição potencial de vantagens para esta, que só não foram sedimentadas na sua esfera jurídica, por ter feito cessar o contrato, deve, quer por integração duma lacuna existente no mesmo, quanto a tal hipótese, quer por aplicação analógica do regime do DL nº 178/86, de 3 de Julho, estabelecer-se a remuneração da recorrente, nos termos peticionados, ou seja, subentenda-se agora quanto à parte que ainda interessa considerar, isto é, a verba respeitante aos serviços prestados, originalmente, pela autora, no quantitativo de €116.315,55.</font><br>
<font>A figura negocial acordada entre as partes traduziu-se num contrato de prestação de serviço, que é aquele, segundo a definição do artigo 1154º, do CC, “em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.</font><br>
<font> Para além do mandato, depósito e empreitada, modalidades tipificadas do contrato de prestação de serviço, que a lei regula, especialmente, outras existem, de carácter inominado, como seja a dos serviços prestados no exercício de artes e profissões liberais, que a lei já não contempla, especialmente, mas cujo regime é disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, de acordo com o previsto nos artigos 1155º e 1156º, do CC.</font><br>
<font>A sentença proferida em 1ª instância, e o acórdão da Relação que, sendo omisso, a esse respeito, como se disse, a confirmou, inteiramente, entenderam que não é devida a aludida remuneração de €116.315,55, por não se encontrar convencionada para as situações em que o contrato viesse a ser denunciado e porque os serviços, efectivamente, prestados foram remunerados nos termos acordados entre as partes. </font><br>
<font>Retornando à factualidade que ficou consagrada, ficou provado que as partes previram, para a hipótese de extinção do contrato, por vontade unilateral de qualquer uma delas, com excepção da situação de resolução com justa causa ou da denúncia efectuada com, pelo menos, 60 dias de antecedência sobre o fim do prazo inicial de um ano ou de qualquer uma das suas renovações, que a outra parte goza do direito de receber uma indemnização.</font><br>
<font>Assim sendo, as partes apenas clausularam o direito à indemnização decorrente da extinção do contrato, em relação à parte lesada com a sua resolução, sem justa causa, ou através da denúncia efectuada com uma antecedência inferior a 60 dias sobre o fim do prazo inicial de um ano ou de qualquer uma das suas renovações, afastando, expressamente, o direito da autora poder exigir qualquer outra quantia, a título de remuneração.</font><br>
<font>Tendo a ré exercido o direito de denúncia do contrato, em conformidade com as cláusulas acordadas, nem o contrário se demonstrou, e tal dependia da invocação da autora, que o não fez, de acordo com o disposto pelo artigo 342º, nº 2, do CC, face á natureza do facto impeditivo em causa, esta não goza do direito de reclamar o pagamento de qualquer indemnização pela extinção da relação contratual.</font><br>
<font>E o pagamento dos honorários, a título de remuneração pelo trabalho dispendido, como vem solicitado pela autora, é uma realidade distinta da obrigação de indemnização.</font><br>
<font>Porém, a título de remuneração mensal, foi acordado entre as partes, no início do ano de 2003, por ocasião da renegociação do contrato já existente, que a autora passaria a receber a quantia de €1.500,00 mensais, a que acresceria uma percentagem líquida de 5%, a aplicar so | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VjKku4YBgYBz1XKvsyZf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I.</font></b><font> No Tribunal da Comarca do Porto (1.ª Vara Cível), </font><b><font>AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font> intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária contra </font><b><font>CC – Companhia de Seguros, SA</font></b><font>, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de € 37.409,84, a título de indemnização por morte de DD, montante esse correspondente ao capital seguro nos termos da apólice ..., acrescido de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto, alegaram, em síntese:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em 16.04.1993, o pai de ambos, DD, celebrou com a ré um contrato de seguro, denominado “Seguro de Saúde/Doença – Individual/Familiar”, titulado pela apólice n.º ..., nos termos do qual esta passou, para além do mais, a garantir, em caso de morte do tomador/segurado, aos herdeiros deste, o pagamento do correspondente capital seguro, no montante de 7.5000.000$00;</font>
</p><p><font>Em 20-01-2005, na cidade de Luanda, o seu pai faleceu, vítima de homicídio, assistindo-lhes, por isso, o direito a receber o montante correspondente ao capital seguro.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citada devidamente, a ré contestou, alegando, fundamentalmente, que:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>– o pai dos autores encontrava-se radicado em Angola, há mais de 12 anos e tinha ao seu serviço vários seguranças;</font>
</p><p><font>– para além dos seguranças, o próprio pai dos autores tinha em seu poder, pelo menos, duas metralhadoras e uma AK 47 para seu uso pessoal;</font>
</p><p><font>– após ter sido assassinado, o pai dos autores manteve-se alguns dias em sua casa, local do crime, até ser encontrado;</font>
</p><p><font>– após ter sido encontrado, um dos seus seguranças, de nome </font><i><font>EE</font></i><font> que se encontrava em sua casa, onde se refugiara, declarou ter sido ele a matar o pai dos autores, morte que, de harmonia com a notícia dada pelos jornais, terá sido em legítima defesa, do segurança que o matou;</font>
</p><p><font>– o contrato de seguro, para além de ser principalmente um seguro de saúde, dá também cobertura a morte por doença natural e por acidente;</font>
</p><p><font>– a morte do pai dos autores, conforme resulta do que se alegou, não só não resulta de um caso fortuito, súbito e anormal, como resulta de acto praticado pelo próprio falecido, por virtude do qual o agente agiu em legítima defesa;</font>
</p><p><font>– a contestante, na sua actividade de seguradora, não se encontra impedida de efectuar seguros com alguém que, temporariamente, se demore em Angola, ou aí esteja, temporariamente, a exercer a sua profissão a título provisório e por tempo delimitado;</font>
</p><p><font>– por isso, qualquer contrato de seguro que a contestante celebre com alguém que se desloque para Angola, cobrindo riscos que venham a ocorrer nesse país, terá tal facto contemplado nas suas condições particulares;</font>
</p><p><font>– na proposta que subscreveu para o contrato celebrado em 1998, o pai dos autores declarou que a sua morada era na Rua …, … – Vila Nova de Gaia; </font>
</p><p><font>– o pai dos autores nunca comunicou à ré que residisse fora de Portugal e, não o tendo feito, não comunicou factos essenciais para a formação da vontade da ora contestante;</font>
</p><p><font>– não obstante a ré poder celebrar seguros com o risco a correr em Angola, nas condições em que já alegou, no contrato que aqui se discute, eram permitidas à pessoa, ou pessoas seguras, deslocações ao estrangeiro por período não superior a 45 dias, mediante a apresentação dos comprovativos de viagem;</font>
</p><p><font>– o pai dos autores não comunicou nem comprovou que lá se estivesse deslocado pelo período de 45 dias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Conclui pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na réplica, os autores vieram dizer que o falecido DD fazia constantes visitas a Angola e que tinha viajado para Luanda no dia 4 de Janeiro de 2005 e regressaria no dia 21 do mesmo mês, o que não aconteceu, por ter sido assassinado no dia 20 de Janeiro de 2005.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Proferiu-se despacho saneador em termos tabelares, fixou-se a matéria de facto assente e organizou-se a base instrutória. A fls. 477 a ré deduziu incidente de intervenção principal provocada de FF, o qual foi admitido – cfr. fls. 489.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Citado o interveniente, veio declarar fazer seus os articulados dos autores.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Teve lugar a audiência de julgamento, no termo da qual, após produção de prova foi fixada a matéria de facto e, de seguida, foi proferida sentença que julgou “procedente a presente acção em consequência do que se condena a ré a pagar aos autores AA e BB a quantia de € 37.409,84 (trinta e sete mil quatrocentos e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada, apelou a Ré, tendo a Relação do Porto vindo a julgar improcedente a apelação, e, em consequência, a manter a decisão recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Desta decisão recorre a R, de revista, para este STJ.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A R. conclui as suas alegações do seguinte modo:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1.ª O PRESENTE RECURSO VEM INTERPOSTO DA SENTENÇA, QUE CONDENOU A RECORRENTE CC A PAGAR AOS AA/RECORRIDOS A QUANTIA DE € 37.409.94, ACRESCIDA DE JUROS DE MORA, À TAXA LEGAL, DESDE A CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO, POR SE ENTENDER QUE, FACE À FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA, A RÉ/RECORRENTE NADA TEM A PAGAR;</font>
</p><p><font>2.ª DÃO-SE AQUI POR REPRODUZIDOS TODOS OS FACTOS PROVADOS E QUE ACIMA FICARAM TRANSCRITOS;</font>
</p><p><font>3.ª RESULTA DOS PRIMEIRO E SEGUNDO FACTOS PROVADOS QUE O TOMADOR DO SEGURO, DD, CELEBROU COM A ORA RECORRENTE, NÃO UM SEGURO DE VIDA, MAS SIM UM SEGURO DE SAÚDE INDIVIDUAL QUE INCLUÍA A COBERTURA DE “MORTE OU INVALIDEZ PERMANENTE” (CONDIÇÃO ESPECIAL 002);</font>
</p><p><font>4.ª POR ISSO, O PRESENTE CONTRATO NÃO TINHA POR FINALIDADE PRIMORDIAL GARANTIR O PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO A TERCEIROS NO CASO DE MORTE, MUITO MENOS QUANDO ESTA ADVIESSE, NÃO COMO DECORRÊNCIA DE UMA DOENÇA, MAS ANTES DE UM SINISTRO;</font>
</p><p><font>5.ª O QUE SIGNIFICA QUE SÓ HAVERIA LUGAR AO PAGAMENTO DO CAPITAL SEGURO, EM CASO DE MORTE OU INVALIDEZ PERMANENTE, NÃO EM TODO E QUALQUER CASO EM QUE UMA DESTAS SITUAÇÕES VIESSEM A OCORRER, MAS APENAS E TÃO SÓ NAS SITUAÇÕES QUE SE MOSTRASSEM INCLUÍDAS NAS CONDIÇÕES DA APÓLICE DE SEGURO A QUE OS PRESENTES AUTOS SE REPORTAM;</font>
</p><p><font>6.ª O QUE NÃO É O CASO DE HOMICÍDIO, QUE A APÓLICE DE SEGURO NÃO COBRE;</font>
</p><p><font>7.ª TAL SITUAÇÃO MOSTRAVA-SE, DESDE LOGO, EXCLUÍDA, NO “PRIMEIRO” CONTRATO DE SEGURO A QUE ALUDE O PONTO 10 DOS FACTOS PROVADOS, QUE EXCLUÍA DA GARANTIA DO SEGURO OS “ACTOS CRIMINOSOS”, CONTRATO ESTE QUE APENAS FOI RESOLVIDO POR FALTA DE PAGAMENTO DO PRÉMIO;</font>
</p><p><font>8.ª COMO, IGUALMENTE, SE MOSTRA EXCLUÍDO NO “NOVO” SEGURO ORA EM APREÇO NOS AUTOS, MAIS CONCRETAMENTE NO CAPÍTULO III, ART. 50, N. 1, AL. R), QUE EXPRESSAMENTE EXCLUI DA COBERTURA DESTA APÓLICE “LESÕES DECORRENTES DA INTERVENÇÃO EM ACTOS CRIMINOSOS”, BEM COMO NO ART. 2º DA CONDIÇÃO ESPECIAL 002 – “MORTE OU INVALIDEZ PERMANENTE”, QUE EXCLUI, ENTRE OUTROS, OS ACIDENTES RESULTANTES DE CRIMES;</font>
</p><p><font>9.ª ALIÁS, O HOMICÍDIO DE QUE A PESSOA SEGURA, DD, FOI VÍTIMA, É UM ACTO INTENCIONAL E, POR CONSEGUINTE, NÃO É UM ACIDENTE, ALIÁS, COMO VEM DEFINIDO NO CAPÍTULO 1 DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE: “...QUALQUER ACONTECIMENTO FORTUITO, SÚBITO E ANORMAL...”;</font>
</p><p><font>10.ª O ENTENDIMENTO PERFILHADO NO DOUTO ACÓRDÃO SOB CENSURA QUANTO A ESTE ASPECTO NÃO PODE PROCEDER, UMA VEZ QUE A ENTENDER-SE QUE SÓ ESTARIA EXCLUÍDO DAS GARANTIAS DO SEGURO A MORTE QUE OCORRESSE POR VONTADE DO SEGURADO, TAL ENTENDIMENTO DESVIRTUARIA POR COMPLETO O QUE CONSTA DO ART. 2º DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DA APÓLICE 002 “MORTE OU INVALIDEZ PERMANENTE”, QUE EXCLUI EXPRESSAMENTE, TANTO O SUICÍDIO, COMO OS ACIDENTES RESULTANTES DE CRIMES.</font>
</p><p><font>11.ª ORA, QUANDO A MORTE RESULTE DA VONTADE DA PESSOA SEGURA CONFIGURA UM SUICÍDIO QUE, PORTANTO, NÃO É UM CRIME.</font>
</p><p><font>12.ª ORA, SE A APÓLICE PRETENDESSE EXCLUIR APENAS OS SUICÍDIOS, NÃO EXCLUIRIA EXPRESSAMENTE OS CRIMES.</font>
</p><p><font>13.ª ORA, É INDISCUTÍVEL QUE UM HOMICÍDIO É UM CRIME E QUE A APÓLICE DE SEGURO NÃO DISTINGUE, SEQUER, AS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE O MESMO É PRATICADO, SE É DOLOSO OU NEGLIGENTE, OU SE TEM, OU NÃO, INTERVENÇÃO DO SEGURADO, PELO QUE DEVE CONSIDERAR-SE EXCLUÍDO DAS GARANTIAS DO SEGURO.</font>
</p><p><font>14.ª MESMO QUE ASSIM NÃO SE ENTENDESSE – O QUE SE ADMITE, SEM CONCEDER –, SEMPRE A PRESENTE SITUAÇÃO SE MOSTRA EXCLUÍDA DAS GARANTIAS DO SEGURO, UMA VEZ QUE O TOMADOR DO SEGURO, DD, NÃO DEU, COMO DEVIA, CONHECIMENTO DAS FREQUENTES DESLOCAÇÕES QUE REALIZAVA A LUANDA, ANGOLA (CFR. PONTOS 5º A 7º DOS FACTOS PROVADOS), UMA DAS CIDADES MAIS PERIGOSAS DO MUNDO, COMO É DO CONHECIMENTO GERAL, ONDE O MESMO VEIO A MORRER, ALIÁS, VÍTIMA DE HOMICÍDIO;</font>
</p><p><font>15.ª OBVIAMENTE QUE O CONHECIMENTO DESSE FACTO POR PARTE DA SEGURADORA/RECORRENTE TERIA SIDO LEVADO EM LINHA DE CONTA, TANTO NA PONDERAÇÃO DA REALIZAÇÃO DO PRÓPRIO CONTRATO DE SEGURO EM QUESTÃO, COMO NAS CONDIÇÕES DE VIGÊNCIA DO ALUDIDO CONTRATO, DO PRÉMIO A PAGAR, ETC., O QUE IMPLICA A NULIDADE DO MESMO (CFR. ART. 429º DO C. COMERCIAL E CAPÍTULO II, ART. 1º, N. 4, AL. B) E NO CAPÍTULO IV, ART. 60, N. 2, AL. B), AMBOS DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE);</font>
</p><p><font>16.ª PORTANTO, NÃO ERA À SEGURADORA CC QUE CABIA ALEGAR E PROVAR QUE TAL FACTO NÃO LHE FORA COMUNICADO, AO CONTRÁRIO DO QUE CONSTA DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, UMA VEZ QUE SE TRATA DE UM FACTO ESSENCIAL QUE PODIA INFLUIR TANTO AS CONDIÇÕES DE VIGÊNCIA, COMO A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO CONTRATO DE SEGURO E QUE, POR ISSO, DEVIA TER SIDO COMUNICADO À SEGURADORA, PELO TOMADOR DO SEGURO AQUANDO DA REALIZAÇÃO DO MESMO.</font>
</p><p><font>17.ª PORTANTO, ERA AOS AUTORES QUE CABIA ALEGAR E FAZER A ALEGAÇÃO E A PROVA DE QUE A PESSOA SEGURA TINHA, EFECTIVAMENTE, COMUNICADO TAL FACTO À SEGURADORA, UMA VEZ QUE É AOS AUTORES QUE INTERESSA PROVAR A VALIDADE E A EFICÁCIA DO ALUDIDO CONTRATO.</font>
</p><p><font>18.ª PARA ALÉM DISSO, E AO CONTRÁRIO DO QUE SE MENCIONA NA DOUTA SENTENÇA SOB CENSURA, O ÂMBITO TERRITORIAL DO SEGURO RESTRINGIA-SE A SINISTROS OCORRIDOS EM PORTUGAL, SALVO DESLOCAÇÃO POR PERÍODO DE PERMANÊNCIA NO ESTRANGEIRO NÃO SUPERIOR A 45 DIAS, COMPROVADA MEDIANTE APRESENTAÇÃO DOS COMPROVATIVOS DE VIAGEM (CF. ART. 3º E “MANUAL DE PROCEDIMENTOS”, AMBOS DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE);</font>
</p><p><font>19.ª ORA, NÃO RESULTA DE NENHUM DOS FACTOS PROVADOS NOS PRESENTES AUTOS (CFR., V.G., PONTOS 3º A 6º DOS ALUDIDOS FACTOS PROVADOS) QUE A PESSOA SEGURA SE DESLOCARA A LUANDA, ANGOLA, APENAS POR 45 DIAS, NEM QUE HAJAM SIDO ENTREGUES OS COMPROVATIVOS DESSA VIAGEM, AO CONTRÁRIO DO QUE DISPUNHAM AS CONDIÇÕES DA APÓLICE, OQUE IMPLICA QUE, TAMBÉM POR ESTA CIRCUNSTÂNCIA, NÃO HAVERÁ LUGAR AO PAGAMENTO DE QUALQUER INDEMNIZAÇÃO POR PARTE DA RECORRENTE CC;</font>
</p><p><font>20.ª AO CONTRARIO DO QUE SE MENCIONA NO DOUTO ACÓRDÃO SOB CENSURA, TRATA-SE DE UM FACTO CONSTITUTIVO DO DIREITO DOS AUTORES, UMA VEZ QUE A APÓLICE SÓ VIGORA NO ESTRANGEIRO VERIFICADAS QUE SEJAM AS CIRCUNSTÂNCIAS SUPRA INDICADAS, OU SEJA, AS GARANTIAS DO CONTRATO DE SEGURO SÓ SÃO EXTENSÍVEIS AO ESTRANGEIRO QUANDO A PERMANÊNCIA NÃO SEJA SUPERIOR A 45 DIAS, CABENDO À PESSOA SEGURA COMUNICAR TAL FACTO À SEGURADORA.</font>
</p><p><font>21.ª PORTANTO, SE OS AUTORES NÃO DEMONSTRAREM A VERIFICAÇÃO DESTAS CIRCUNSTÂNCIAS, ESSENCIAIS À FORMAÇÃO DA VONTADE E À AVALIAÇÃO DO RISCO, POR PARTE DA SEGURADORA, NÃO PODEM VER ACCIONADAS AS GARANTIAS DO SEGURO E A ACÇÃO TERÁ NECESSARIAMENTE QUE SER JULGADA IMPROCEDENTE.</font>
</p><p><font>22.ª DEVE, PORTANTO, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, DEVENDO A ORA RECORRENTE ABSOLVIDA DO PEDIDO POR ACÓRDÃO A PROFERIR;</font>
</p><p><font>23.ª ASSIM NÃO DECIDINDO, A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU, DESIGNADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTIGOS 426º, § ÚNICO, PONTO 8, 427º 427º E 429º, DO CÓDIGO COMERCIAL, BEM COMO O DISPOSTO NO ART. 342º DO CÓDIGO CIVIL.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os AA. contralegaram, sustentando a manutenção da decisão recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De Facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.A.</font></b><font> Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Em 16 de Abril de 1998, DD celebrou com a ré um contrato de seguro, denominado “Seguro de saúde/Doença – Individual/Familiar”, titulado pela apólice n.º …, contrato esse subscrito pelo tomador/segurado DD na modalidade de plano “VIP”, sendo beneficiários, em caso de morte, os filhos do tomador, aqui autores, tendo o tomador declarado que a sua morada era Rua ..., …, ..., Vila Nova de Gaia (alínea B) da matéria de facto assente).</font>
</p><p><font>2. Tal contrato foi anulado em 1 de Março de 2000 e, em 11 de Setembro de 2000, foi proposto à ré um novo contrato de seguro, com o mesmo objectivo, proposta que foi aceite, tendo sido celebrado o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... do Ramo Acidentes e Doença, Seguro de Saúde – Individual (alínea C) da matéria de facto assente).</font>
</p><p><font>3. O pai dos autores viajou para Luanda no dia 4 de Janeiro de 2005, tendo sido morto em território angolano no dia 20 desse mesmo mês (resposta ao facto controvertido n.º 11).</font>
</p><p><font>4. No dia 20 de Janeiro de 2005, na cidade de Luanda, Angola, faleceu DD, sem testamento nem doação “mortis causa”, sucedendo-lhe como únicos herdeiros três filhos, os ora autores AA, BB e FF (alínea A) da matéria de facto assente e documento de fls. 480).</font>
</p><p><font>5. Em 20 de Janeiro de 2005, na cidade de Luanda, DD é encontrado morto, vítima de homicídio (alínea D) dos factos assentes).</font>
</p><p><font>6. O falecido DD, jornalista e comerciante, de profissão, havia-se deslocado, por alguns dias, a Luanda, em negócios (resposta ao facto controvertido n.º 1).</font>
</p><p><font>7. As deslocações do falecido a Angola eram frequentes, por força dos negócios que este, enquanto empresário, aí possuía (resposta ao facto controvertido n.º 2).</font>
</p><p><font>8. O falecido manteve, desde 1980, até à data da morte, residência habitual em Portugal, na Rua ..., nº ..., ..., Vila Nova de Gaia (resposta ao facto controvertido n.º 3).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.1.</font></b><font> – Nos termos dos artigos 684.º e 690.º do Código de Processo Civil a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, sendo certo que o recurso não se destina a obter, do tribunal “ad quem”, decisões sobre “questões novas”, salvo as de conhecimento oficioso e que não tenham sido já decididas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As únicas questões suscitadas são as seguintes:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>a) exclusão da responsabilidade da seguradora, por a morte ter resultado de um homicídio;</font>
</p><p><font>b) exclusão da responsabilidade da seguradora, e nulidade do contrato, por o segurado não ter comunicado as suas frequentes deslocações a Angola;</font>
</p><p><font>c) ónus de prova dos AA. sobre a duração da estadia em Angola, inferior a 45 dias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.2 </font></b><font>– Está em causa nos autos um contrato de seguro de saúde, celebrado entre o falecido pai dos AA. e a R, contrato pelo qual a seguradora R, mediante o recebimento do tomador do seguro (segurado) de prémios semestrais, prometeu além do mais, pagar a terceiros (beneficiários) uma soma de dinheiro determinada, em caso de morte ou invalidez permanente da pessoa segura.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O contrato de seguro, em face da ausência de definição legal, tem-se como o contrato "pelo qual a seguradora, mediante retribuição do tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto" (José Vasques, </font><i><font>Contrato de Seguro</font></i><font>, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 94; Almeida Costa, </font><i><font>RLJ</font></i><font>, ano 129.º, p. 20; J.C. Moitinho de Almeida, </font><i><font>O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa Editora</font></i><font>, 1971, p. 23).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Trata-se de um tipo contratual (cf. arts. 425.º e seguintes, do Código Comercial), que reveste a verdadeira natureza de contrato a favor de terceiro – o beneficiário – criando para a seguradora a obrigação de pagar as indemnizações, incluindo os juros de mora, que sejam devidas pelo seu segurado ou pelas pessoas cuja responsabilidade deve garantir: o contrato de seguro é um contrato formal – reduzido a escrito, num instrumento que constitui a apólice de seguro – pelo qual alguém se obriga a proporcionar a outrem, a segurança de pessoas ou bens, relativamente a determinados riscos, mediante o pagamento de uma contraprestação, chamada "prémio" (sobre o contrato de seguro, vd., José Vasques, obra citada, pp. 87 a 140; Carlos Bettencourt de Faria, O conceito e a natureza jurídica do contrato de seguro, </font><i><font>CJ,</font></i><font> 1978, II, pp. 785 a 799; Paulo Duarte, “Contrato de Seguro À Luz da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais”, </font><i><font>Revista Portuguesa de Direito do Consumo</font></i><font>, Dezembro de 1997, n.º 12, pp. 93 a 109).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O contrato implica para o segurado a obrigação de pagamento do respectivo prémio de seguro, segundo as mesmas condições acordadas e estipuladas na apólice (cf., arts. 426.º, §7º e 427.º, ambos do Código Comercial).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para a seguradora, o contrato impõe-lhe a obrigação, "face à prova da existência do sinistro e de que o reclamante cumpriu com as obrigações que para ele emanam do contrato e da Lei, liquidar os compromissos a que a apólice o obrigue, com a maior diligência possível" (Adelino Cecílio da Costa, </font><i><font>Seguro Marítimo: sua problemática actual</font></i><font>, Petrony, 1988, p. 208), ou seja, a obrigação de assegurar o pagamento dos montantes devidos com a ocorrência dos factos previstos na apólice.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Trata-se, portanto, de um contrato bilateral ou sinalagmático (dele resultam obrigações para ambas as partes, visto a prestação da seguradora consistir na assunção do risco, por contrapartida do recebimento do prémio), oneroso (dele resulta para ambas as partes uma atribuição patrimonial e um correspectivo sacrifício patrimonial), aleatório (a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto), de execução continuada (a sua execução prolonga-se pela vida do contrato, facto que determina, designadamente, a eficácia </font><i><font>ex nunc</font></i><font> da resolução) e formal (a lei impõe a forma escrita).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O seguro aqui em análise assume natureza de seguro de pessoas em sentido amplo, tendo primordialmente por objecto o risco de doença, entendendo-se este conceito, em consonância com a definição estabelecida nas respectivas condições gerais, como “toda a alteração involuntária do estado de saúde devidamente diagnosticada por um médico e não causada por acidente”. Acresce que o ajuizado contrato, para além de ser, na sua vertente essencial, um seguro de doença, dá outrossim cobertura a morte por doença natural e por acidente do tomador/segurado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos do artigo 427.º do Código Comercial, o tipo de contrato em apreço, regula-se pelas disposições da respectiva apólice não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições desse código, sendo a apólice o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora e que é integrada pela condições gerais, especiais e particulares acordadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo firmado pelos respectivos outorgantes, termos esses que, no contrato de seguro, terão de constar da respectiva apólice, por força do disposto no § único do art.º 426.º do Cód. Comercial (o objecto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Daí que venha sendo perfilhado o entendimento que a exigência legal de documento constitui elemento do contrato, isto é, formalidade </font><i><font>ad substantiam</font></i><font>, nos termos do art.º 364.º, n.º 1, do Cód. Civil). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acresce que o DL. n.º 176/95, de 26/07, impõe ainda, no que respeita ao conteúdo (artigos 13.º a 16.º), o que deve constar das condições gerais e ou especiais dos seguros do ramo “não vida” (no qual se integra, como uma das suas modalidades típicas, o seguro de doença – cfr. art. 123.º, n.º 2, do DL. n.º 94-B/98, de 17.04).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na delimitação do contrato, importa, pois, atender ao objecto do seguro, respectivas garantias, riscos cobertos e riscos excluídos, para além, naturalmente, das demais obrigações assumidas pelos outorgantes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quanto aos riscos cobertos eles deverão resultar da apólice, como se disse, devendo esta ser igualmente clara nas exclusões de responsabilidade da seguradora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>In casu, sob a epígrafe objecto e âmbito do seguro, preceitua o n.º 2 do art. 1.º do Capítulo II das condições gerais do contrato que “a seguradora garante ainda o pagamento da indemnização para o efeito fixada nas condições particulares desta apólice em caso de acidente do qual resulte a morte ou a invalidez total e permanente clinicamente comprovada da pessoa segura”, sendo certo que, em conformidade com as respectivas condições particulares (cfr. fls. 42 e 43 dos autos), a ré assumiu os riscos aí previstos, entre os quais se conta o risco de morte ou invalidez permanente do tomador/segurado nos termos da condição especial 002, estabelecendo-se um capital seguro de 7.500.000$00 (correspondente a € 37.409,84).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispõe, com efeito, o art. 1.º da citada condição especial (p. 22), que a “seguradora garante (…) em caso de morte ocorrida imediatamente ou no decurso de dois anos a contar da data do acidente o pagamento do correspondente capital seguro aos beneficiários expressamente designados na apólice”, estabelecendo-se no art. 2.º da referida condição especial as respectivas exclusões, uma das quais relativa aos “acidentes resultantes de crimes e outros actos intencionais da pessoa segura, bem como o suicídio”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por seu turno, a al. a) do n.º 3 do art. 2.º do referido Capítulo II das condições gerais (sob a epígrafe funcionamento das garantias) – fls.19 – preceitua que “as garantias serão suspensas por período certo e determinado quando e enquanto se verificar, relativamente à pessoa segura, ausência no estrangeiro com duração superior a 45 dias”, sendo que a al. b) do n.º 2 do art. 3º dessas condições gerais (sob a epígrafe âmbito territorial) dispõe que “o contrato pode, todavia, abranger as despesas médicas realizadas ou a realizar no estrangeiro” [em caso de] “acidente ou doença súbita verificada durante permanência não superior a 45 dias, se a estadia for de natureza profissional ou turística, mediante a apresentação dos comprovativos de viagem”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Perante as descritas proposições contratuais, tendo ocorrido o óbito do tomador/seguro na vigência do contrato de seguro, </font><i><font>primo conspectu</font></i><font>, estaria verificado o condicionalismo necessário para os demandantes, enquanto terceiros beneficiários (cfr. arts. 443º e 444º, nº 1, ambos do Cód. Civil), poderem reclamar da ré seguradora o pagamento do capital nele fixado para o caso de ocorrência da morte daquele.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O problema reconduz-se, assim, à interpretação das cláusulas do contrato de seguro, em particular da já referida cláusula de exclusão estabelecida no § 2º do art. 2.º da condição especial 002, por recurso às regras da hermenêutica negocial, sendo certo que para o contrato de seguro, quanto à interpretação do seu clausulado, vale, conforme entendimento pacífico o regime geral do Código Civil (arts. 236.º e seguintes), com as especificidades decorrentes dos arts. 7.º, 10.º e 11.º do DL. n.º 446/85, de 15.10, a que acresce o disposto nos arts. 8.º e 9.º do DL. n.º 176/95, de 26.07, sobre regras de transparência para a actividade seguradora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como se viu, no contrato em causa estabeleceu-se uma exclusão de cobertura em relação aos “acidentes resultantes de crimes e outros actos intencionais da pessoa segura, bem como o suicídio”, sendo que, em consonância com a definição constante no capítulo I das condições gerais do contrato, se entende por acidente “qualquer acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e alheia à vontade da pessoa segura que lhe provoque uma lesão corporal, desde que requeira tratamento de urgência em hospital quer em regime de internamento quer em regime ambulatório”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Coerentemente correlacionadas entre si e interpretadas como as interpretaria um “declaratário normal” – pelo critério objectivo que a nossa lei impõe (art. 236.º, n.º 1, do Cód. Civil) – as referidas cláusulas da apólice impõem a conclusão de que o homicídio voluntário em questão só pode ser caracterizado como facto acidental.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, na economia e para os fins da apólice – onde apenas se prevêem morte natural ou morte acidental – o homicídio voluntário praticado, na pessoa do segurado, por pessoa diferente deste, é morte acidental.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na configuração de tais cláusulas temos que qualquer declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição do declaratário real (o segurado) daria às mesmas o sentido de que o acidente de que resultou a morte do tomador/segurado estaria abrangido pelo seguro, apenas ficando excluído o direito à indemnização quando o “acidente” tiver resultado de actos voluntários do próprio segurado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Este é, pois, o sentido que melhor é comportado pelas cláusulas contratuais que definem o âmbito objectivo do seguro contratado e, portanto, aquele que deve valer em consonância com os referidos critérios hermenêuticos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como é referido no acórdão, partindo de uma interpretação do conceito “acidente”, como acontecimento casual ou fortuito alguma jurisprudência tem entendido que a morte causada por homicídio voluntário não entra na qualificação de acidente, por este não depender da vontade humana, mas sim do acaso e, como tal, essa morte estaria excluída dos riscos assumidos pelo contrato de seguro.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Diversa posição assumiu este Tribunal de Justiça no acórdão de 06.02.1997, processo n.º 96B527, ao considerar que “para efeitos de apólice só há duas alternativas para a classificação da causa morte: natural ou acidental, não havendo um “tertio genius”: ou cabe no primeiro motivo da morte (natural) ou no segundo (acidental)”, estando o homicídio voluntário ou involuntário coberto pelo contrato de seguro. Só quando o acidente resultar da vontade do segurado ou do beneficiário é que fica excluído o direito à indemnização” – cfr. no mesmo sentido, o acórdão de 31.05.11, processo n.º 684/08.1TVLSB.L1.S1, ambos em </font><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><u><font>.</font></u></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>È para nós claro que, ao definir acidente como “acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e alheio à vontade da pessoa segurada, que lhe provoque uma lesão corporal…”, se não exclui o homicídio perpetrado por terceiro sobre o segurado, porquanto este acto se apresenta como fortuito (“Que acontece por acaso ou de forma inesperada”, segundo o </font><i><font>Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa</font></i><font>), súbito e anormal, para a qual não contribuiu voluntariamente a vítima.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por outro lado, a redacção da cláusula de exclusão, a que nos temos vindo a referir, aponta apenas para acidentes resultantes de actos perpetrados voluntariamente pelo tomador do seguro: crimes e outros actos intencionais da pessoa segura, ou em que ele interveio voluntariamente, daí a especificação dos crimes e do suicídio, uma vez que, no primeiro caso, o segurado pode ter sido abatido para obstar ao cometimento de um crime e no suicídio ele pode ocorrer sem ser o segurado o executor da acção, em consequência da qual a morte ocorreu, sem embargo de ter havido, por parte da vítima, expressão dessa vontade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por aqui não se verifica a pretendida exclusão da responsabilidade da seguradora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.3 </font></b><font>– Por outro lado, como se disse no acórdão, ao suscitar a questão de que haveria exclusão da responsabilidade, por o tomador de seguro não ter dado conhecimento das frequentes deslocações que realizava a Luanda para concluir pela nulidade do contrato invocou a seguradora uma nova excepção, o que configuraria uma questão nova, motivo pelo qual dela se não conheceu.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O mesmo argumento impede o conhecimento em sede de revista, uma vez que os recursos se destinam a impugnar decisões do tribunal recorrido e por isso não tendo a Relação conhecido dessa questão, apenas poderíamos reapreciar o bem fundado desse não conhecimento, se a questão tivesse sido colocada e não a específica questão colocada à Relação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por aqui, o recurso também improcede.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.B.4 </font></b><font>– Ultima questão: a falta de comprovativo da viagem exclui a responsabilidade da seguradora?</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O artigo 3 do capítulo 2 das condições gerais estipula que:” </font>
</p><p><font>“1 – O seguro só é válido </font><u><font>para doentes tratados</font></u><font> em Portugal”.</font>
</p><p><font>“2 – </font><u><font>O contrato pode, todavia, abranger as despesas médicas realizadas ou a realizar no estrangeiro nos seguintes casos</font></u><font>: alínea a) acidente ou doença súbita verificada durante permanência não superior a 45 dias, se a estadia for de natureza profissional ou turística, mediante a apresentação do comprovativos da viagem”; alínea b) “ tratamentos realizados no estrangeiro, conforme prescrição médica (…)”– sublinhados da nossa autoria.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cremos que se terá que entender que esta cláusula não é aplicável ao caso em apreço, porquanto a mesma está apenas referida às situações de doença e ao pagamento das despesas médicas resultantes de doença ou de acidente, como se extrai do seu texto, de forma clara.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria de reconhecer-se que o sentido útil da cláusula é de que a seguradora não se responsabiliza por ocorrências no estrangeiro, se essa permanência exceder 45 dias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Está demonstrado nos autos que o tomador do seguro viajou para Angola em 4 de Janeiro de 2005, vindo a falecer em 20 desse mesmo mês e ano.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Comprovado que não foi excedido o referido prazo, fica prejudicada a discussão sobre o ónus da prova | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JzKou4YBgYBz1XKvdSmz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Serpa,</font>
</p><p><u><font>AA,</font></u>
</p><p><font>Intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra a </font>
</p><p><u><font>Caixa Geral de Aposentações</font></u><font>,</font>
</p><p><font>pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, declarado que a A. é titular das prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social previstos no D.L. 322/90 de 18/10, no D.L. 142/73 de 31/3, no D. Rep. De 1/94 de 18/1 e no Art.º 3 alínea e) da Lei 7/2001, decorrentes da morte de BB, condenando-se a Ré a tal reconhecer.</font>
</p><p><font>Em resumo alegou:</font>
</p><p><font>- que vivia há mais de 2 anos à data da morte do BB, beneficiário da Ré, em união de facto, em situação análoga à dos cônjuges, em comunhão de leito, mesa e habitação, situação essa que se mantinha quando ocorreu o falecimento do companheiro;</font>
</p><p><font>- a A. carece de alimentos e os seus familiares (pai e irmã) não lhos podem prestar.</font>
</p><p><font>A Ré contestou, impugnando os factos alegados</font>
</p><p><font>Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizaram-se a base instrutória.</font>
</p><p><font>Realizado o julgamento e lida a decisão de facto, foi proferida sentença final, que julgou a acção improcedente, visto que a A. não provou necessitar de alimentos.</font>
</p><p><font>Inconformada apelou a A.</font>
</p><p><font>Entretanto, e já posteriormente às alegações das partes, foi publicada a lei 23/2010 de 30/8, que introduziu alterações no regime jurídico do instituto da </font><u><font>União de Facto</font></u><font> (designadamente, na Lei 7/2001 de 17/5, que estabelece medidas de protecção das uniões de facto, no D.L. 142/73 de 31/3, que define o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, bem como no D.L. 332/90 de 18/10, que actualizou a legislação de segurança social).</font>
</p><p><font>Perante esta situação, entendeu a Relação que a nova lei tinha aplicação imediata ao caso dos autos e, consequentemente, julgou prejudicado o conhecimento da apelação, revogou a sentença da 1ª instância e decidiu reconhecer à A. o direito a receber da Ré, por morte de BB, pensão de sobrevivência nos termos definidos no Estatuto de Pensão de Sobrevivência.</font>
</p><p><font>Inconformada, é agora, a Ré, que recorre de revista para este S.T.J.</font>
</p><p><u><font>Conclusões</font></u>
</p><p><font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font></p><div><br>
<font>Conclusão da Revista da Ré</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>1.ª Para que a acção pudesse proceder, a Autora tinha de ter alegado e provado factos que pudessem servir de suporte ao reconhecimento de direito a alimentos, nos termos legais. Isto é, a Autora tinha que provar quer a existência da união de facto com o pensionista à data da morte deste pelo espaço de tempo exigido por lei (no mínimo dois anos), quer ainda a carência efectiva da prestação de alimentos e ainda, a impossibilidade de os obter das pessoas mencionadas no art."2009."do Código Civil;</font>
</p><p><font>2.ª Da matéria de facto provada em audiência, apesar de ter ficado provada a união de facto da Autora com o pensionista até à morte deste, ficaram no entanto por provar outros requisitos de que a lei faz depender a atribuição do direito, designadamente a carência alimentar da Autora;</font>
</p><p><font>3.ª Se a Autora necessitava de alimentos não o demonstrou nos autos, designadamente que a quantia que aufere mensalmente é insuficiente para acorrer às suas despesas correntes normais. Competia à Autora o ónus da prova da insuficiência económica; </font>
</p><p><font>4.º O facto de o falecido ter descontado para a CGA em vida — natureza contributiva do regime — em nada altera os dados do problema, pois que, mesmo que a lei não o impusesse sempre a solução seria imposta pela realidade dos factos, que demonstram que as contribuições dos subscritores da CGA não são suficientes nem para pagar metade das pensões que os actuais pensionistas auferem;</font>
</p><p><font>5.ª Sendo certo que posteriormente à dedução de alegações pelas partes foi publicada a Lei n." 23/2010, de 30 de Agosto, que vem introduzir alterações no regime jurídico da União de Facto, designadamente na Lei n.º 7/2001, de 17 de Maio e no D. Lei n.° 142/73, de 31 de Março, porém, tais alterações ainda não entraram totalmente em vigor, uma vez que os preceitos em causa têm repercussão orçamental e só irão produzir efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor, (vide art." 11.º da citada Lei), o que ainda não se verificou;</font>
</p><p><font>6.ª Não se encontrando preenchidos todos os requisitos de que a lei faz depender a atribuição do direito à pensão de sobrevivência, a acção intentada pela Autora nunca poderia ser julgada procedente;</font>
</p><p><font>7ª O douto acórdão recorrido, ao ter revogado a decisão da primeira instância sob recurso e ter reconhecido à Autora o direito a receber da Ré, por morte de BB, pensão de sobrevivência, enferma de vício de lei pelo que deve ser revogado, devendo manter-se na íntegra a douta sentença do Tribunal Judicial de Serpa que havia julgado improcedente a acção intentada pela Autora.</font>
</p><p><font>Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá o douto acórdão recorrido ser substituído por outro que mantenha na íntegra a douta sentença recorrida da primeira instância, com observância das regras ainda</font>
</p><p><font>em vigor sobre a união de facto, assim se repondo a legalidade e se fazendo JUSTIÇA;</font>
</p><p><font>. </font>
</p><p><font> Contra-alegou a A. defendendo a confirmação do acórdão recorrido.</font></p><div><br>
<p><u><font>Os Factos</font></u></p></div><br>
<p><font> Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:</font>
</p><p><font>1)-BB faleceu no dia 31 de Julho de 2008 no estado de viúvo</font>
</p><p><font>2)-Tendo tido a sua última residência habitual na Rua …, n.° .., …..</font>
</p><p><font>3)-O falecido BB era utente da Ré CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, titulando o número….</font>
</p><p><font>4)-O falecido BB teve, como filhos, CC e DD, nascidos, respectivamente, no dia 24 de Fevereiro de 1982 e no dia 3 de Maio de 1979. </font>
</p><p><font>5)-O pai do falecido BB morreu em 8 de Junho de 1995,</font>
</p><p><font>6)--Vivendo a mãe sobreviva da correspondente reforma;</font>
</p><p><font>7)-A Autora viveu com o falecido BB desde Março de 2004 e até 31 de Julho de 2008 na mesma habitação sita na Rua de …, n.° .., ….</font>
</p><p><font>8)-A Autora e o falecido BB partilhavam a mesma cama.</font>
</p><p><font>9)-A Autora e o falecido BB mantinham relações sexuais com carácter regular.</font>
</p><p><font>10)-A Autora e o falecido BB trocavam afectos com carácter regular.</font>
</p><p><font>11)-A Autora e o falecido BB tomavam as refeições em conjunto.</font>
</p><p><font>12) -A Autora e o falecido BB passeavam e saíam à rua juntos.</font>
</p><p><font>13)-A Autora e o falecido BB tinham o mesmo círculo de amigos. </font>
</p><p><font>14) -A Autora e o falecido BB contribuíam, cada um com o seu rendimento, para a aquisição dos bens alimentares, móveis e electrodomésticos que existiam na habitação referida no ponto 1 da Base Instrutória.</font>
</p><p><font>15) -A Autora cuidava do falecido BB quando este se encontrava doente.</font>
</p><p><font>16) -O qual, por sua vez, cuidava da Autora quando este se encontrava doente.</font>
</p><p><font>17) -A Autora e o falecido BB auxiliavam-se nas tarefas do dia-a-dia.</font>
</p><p><font>18) -A Autora e o falecido BB eram considerados e tratados pelas pessoas que com eles privavam como se fossem casados.</font>
</p><p><font>19) -A Autora AA nasceu no dia … de Agosto de … na freguesia de Vila Nova de São Bento, concelho de Serpa.</font>
</p><p><font>20) -Sendo solteira;</font>
</p><p><font>21) -A Autora não tem filhos;</font>
</p><p><font>22) – A mãe da Autora, EE, faleceu em …de …de ….</font>
</p><p><font>23) Sendo o seu pai reformado e vivendo somente da correspondente reforma;</font>
</p><p><font>24) -A Autora tem uma irmã de seu nome FF e que se encontra casada com GG;</font>
</p><p><font>25) -A Autora é assistente de administração escolar,</font>
</p><p><font>26) -Auferindo, a título de retribuição mensal, o vencimento base de € 762,08;</font>
</p><p><font>27) -Os rendimentos de FF e do marido servem para suportar as suas despesas e dos dois filhos.</font>
</p><p><font>28) -Não tendo possibilidade, nessa sequência, de facultar apoio económico à Autora.</font>
</p><p><font>29) -A Autora satisfaz mensalmente uma prestação bancária no valor de € 216,32 derivada de um empréstimo para aquisição de habitação.</font>
</p><p><font>30) -A Autora, satisfaz mensalmente a quantia de € 7,41 e € 12,02 para pagamento de apólices de seguro.</font>
</p><p><u><font>Fundamentação</font></u>
</p><p><font>Como se vê das conclusões, entende a recorrente que a lei nova (D.L. 23/2010 de 30/8) não terá entrado totalmente em vigor, visto que, tendo repercussão no Orçamento, só produz efeitos a partir da nova lei orçamental (as alegações foram oferecidas em Dezembro de 2010), daí que, ao caso concreto, deva aplicar-se a lei em vigor, ou seja, a Lei 7/2001, na sua redacção anterior.</font>
</p><p><font>Assim sendo, apesar de a A. ter provado a união de facto com o falecido do contribuinte da ré, não provou a necessidade de alimentos, bem como outros requisitos exigidos, pelo que a acção deve improceder.</font>
</p><p><u><font>Vejamos.</font></u>
</p><p><font>A lei vigente à data do óbito do companheiro da A. era a Lei 7/2001, que instituiu um regime unitário de protecção das uniões de facto.</font>
</p><p><font>Segundo os seus Art.ºs 1º, 3º e 6º, as pessoas que vivam em união de facto há mais de 2 anos à data da morte do beneficiário, têm direito, no que aqui interessa considerar à “protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral de segurança social e da lei”.</font>
</p><p><font>Porém, este direito encontrava-se condicionado, pois só dele beneficiava quem reunisse as condições constantes do Art.º 2020 do C.C.</font>
</p><p><font>Daí que o direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte (cof. Art.º 3º do D.L. 322/90 de 18/10) dependesse da prova da união de facto há mais de 2 anos, da carência ou necessidade de alimentos, da inexistência ou insuficiência de bens da herança do falecido para prestar alimentos, ou, provada essa impossibilidade, da inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por parte dos familiares do unido de facto sobrevivente, referidos nas alíneas a) a d) do Art.º 2009 do C.C. (ou seja, cônjuge ou ex-cônjugue, descendentes, ascendentes e irmãos).</font>
</p><p><font>Foi à luz deste regime que a acção foi julgada na 1ª instância, que a julgou improcedente, porquanto, perante o rendimento de que a A. dispõe, se entendeu que não tinha direito a alimentos e consequentemente, não podia ser-lhe atribuído o direito às pretendidas prestações sociais.</font>
</p><p><font>Foi esta interpretação que a A. impugnou na sua apelação, mas a questão não foi conhecida pela Relação, que a julgou prejudicada, uma vez que aplicou ao caso a nova lei (L. 23/2010), que concede ao membro sobrevivo da união de facto, o direito a tais prestações, </font><u><font>independentemente da necessidade de alimentos.</font></u>
</p><p><font>A verdade é que, face à Lei 7/2001, na redacção anterior à introduzida pela L. 23/2010, além da necessidade de alimentos, tinha ainda a A. de demonstrar que as não podia obter da herança do falecido companheiro, bem como dos familiares referidos nas alíneas a) a d) do Art.º 2009 do C.C. (cônjuge, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos).</font>
</p><p><font>Assim sendo, mesmo que, ao contrário da sentença da 1ª instância, se entendesse que a A., face aos rendimentos que se provaram dispor, mesmo então, estava carecida de alimentos, o certo é que não está averiguado, porque não foi alegado, se o falecido companheiro da A. deixou bens que pudessem suportar a pensão alimentar a que o A. teria direito.</font>
</p><p><font>Aliás, mesmo em relação aos familiares da A. (pai e irmã), embora estando provado que a irmã da A. não tem possibilidades económicas para lhe prestar alimentos, já no que respeita ao pai, tal impossibilidade não ficou provada.</font>
</p><p><font>É que, apenas resulta da factualidade provada que o pai da A. vive somente da sua reforma.</font>
</p><p><font>Ora, ignorando-se a quanto monta essa reforma, nunca poderia concluir-se que o ascendente da A. não podia prestar-lhe alimentos.</font>
</p><p><font>Quer dizer, a acção sempre improcederia, se fosse aplicável o regime anterior à L. 23/2010.</font>
</p><p><font>Portanto, a questão decisiva é a de saber se as alterações legislativas introduzidas pela nova lei, se aplicam ou não ao caso concreto.</font>
</p><p><font>A Lei 23/2010 de 30/08/L.N.) veio introduzir algumas importantes alterações na Lei 7/2001, designadamente, mantendo o direito de acesso às prestações por morte, alterou o respectivo regime de acesso a tais prestações, estabelecendo que o membro sobrevivo da união de facto tem direito à prestação por morte segundo o regime geral ou especial da segurança social, </font><u><font>independentemente da necessidade de alimentos.</font></u>
</p><p><font>Consequentemente, de acordo com a nova redacção do Art.º 6º da L. 7/2001, conferida pelo Art.º 1º da L. 23/2010, para a atribuição da pensão de sobrevivência (no domínio da LN), basta provar a união de facto há mais de 2 anos à data da morte do beneficiário.</font>
</p><p><font>Quer dizer, o direito às prestações sociais deixou de estar condicionado à prova da necessidade de alimentos.</font>
</p><p><font>Será que tal alteração se aplica às situações de união de facto já dissolvidas à data da sua entrada em vigor, ou tão somente àquelas em que o óbito do beneficiário ocorra posteriormente?</font>
</p><p><font>Sabemos que a união de facto se dissolve com o falecimento de um dos seus membros (Art.º 8 da L. 7/2001) e que a definição das condições de atribuição das prestações sociais, se afere com referência à data da morte do beneficiário (Art.º 15 do D.L. 322/90).</font>
</p><p><font>Porém, se é certo que o momento do óbito tem a relevância acima referida, não passa, no entanto, de elemento despoletador do direito à atribuição da pensão de sobrevivência e subsídio por morte, </font><u><font>não sendo elemento constitutivo desse direito.</font></u>
</p><p><font>Como doutamente se diz no recente Ac. deste S.T.J., proferido no Proc. nº 1877/08. 7TBSTR.E1.S1, relatado pelo Exm.º Cons. Salazar Casanova”… o facto-morte não é facto integrativo ou constitutivo do direito à atribuição da pensão de sobrevivência.</font>
</p><p><font>Esse direito, no domínio da LA era composto pela existência da união de facto à data da morte…, pela necessidade de alimentos do membro sobrevivo e pela impossibilidade de os obter daquele que estava para com ele obrigado a alimentos…</font>
</p><p><font>A L.A. não reconhecia o direito à pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto que não carecesse de alimentos. A L.N. reconhece tal direito ao membro sobrevivo da união de facto independentemente da necessidade de alimentos”.</font>
</p><p><font>Por conseguinte, a morte do beneficiário apenas condiciona o nascimento do direito às prestações sociais na esfera jurídica do membro sobrevivo da união de facto.</font>
</p><p><font>Por outras palavras, diremos que a extinção da relação jurídica união de facto por via da morte de um dos seus membros (desde que o falecido seja contribuinte do regime de segurança social), cria uma nova situação jurídica de que é titular o membro sobrevivo, conferindo-lhe o direito a prestações sociais, que pode fazer valer contra as instituições de segurança social competentes.</font>
</p><p><font>É esta, e apenas esta nova situação jurídica que o LN contempla, isto é, </font><u><font>tem apenas em vista a situação de membro sobrevive de uma união de facto, sem estabelecer qualquer restrição referente ao momento em que findou a união de facto</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Ora, como é evidente, tal situação jurídica prolonga-se no tempo independentemente do facto que lhe deu origem ou do momento em que se constitui.</font>
</p><p><font>Assim, como se diz no Ac. citado, tal situação fica “consequentemente sujeita ao domínio da LN, pois ela autonomiza-se – abstrai – da realidade que a desencadeou: a dissolução por morte de uma união de facto pré-existente”.</font>
</p><p><font>Concluímos, pois, que as alterações introduzidas pela Lei 23/2010, na Lei 7/2011, são aplicáveis ao caso concreto, atento o disposto no Art.º 12 nº2, 2ª parte, do C.C.</font>
</p><p><font>Sendo assim, tem a A. indiscutível direito às pretendidas prestações sociais, independentemente da carência de alimentos.</font>
</p><p><font>Mas, ainda é necessário determinar a partir de que momento se deve reconhecer à A. o direito às ditas prestações sociais.</font>
</p><p><font>É que, remetendo a Lei 23/2010 para o regime geral de segurança social definido pelo D.L. 322/90, poderia pensar-se que, uma vez que se reconhece à A. o direito às referidas prestações sociais e sendo as condições de atribuição aferidos por referência à data da morte do contribuinte, ela teria direito a essas prestações nos termos do disposto no Art.º 36 nº3, o que significaria que a A. teria direito às reconhecidas prestações desde o início do mês seguinte ao da verificação do evento que determina a atribuição da pensão, ou seja, desde o início do mês seguinte à morte do contribuinte (no caso, desde início de Agosto de 2008).</font>
</p><p><font>Todavia, perante a LN, não pode ser assim.</font>
</p><p><font>Haverá, então, que distinguir entre </font><u><font>entrada em vigor e produção de efeitos</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Ora, na Lei 23/2010, não foi estabelecida qualquer “vacatio legis” daí que ela entrou em vigor no 5º dia após a respectiva publicação (Art.º 2 da L. 74/98, na redacção de L. 2/2005).</font>
</p><p><font>Porém, determinou-se no seu Art.º 6º que “os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior, à sua entrada em vigor”.</font>
</p><p><font>Não haverá dúvidas sérias que a aplicação da LN às situações de união de facto, independentemente da carência de alimentos dos respectivos titulares, tem repercussão no Orçamento do Estado pelo aumento de despesa que obviamente acarreta e que não foi considerada no anterior orçamento.</font>
</p><p><font>Portanto, a aplicação da LN à situação concreta, nos termos acima referidos implica que o direito às prestações sociais que se reconhece à A., abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.</font>
</p><p><u><font>Decisão</font></u>
</p><p><font>Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido, embora com a fundamentação e alcance acima referido</font>
</p><p><font>Lisboa, 12 de Julho de 2011</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Moreira Alves (Relator)</font>
</p><p><font>Alves Velho</font>
</p><p><font>Moreira Camilo</font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JzKvu4YBgYBz1XKvvC9s | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><b><font>I.</font></b><br>
<font>AA intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, acção ordinária contra BB e CC, pedindo que fossem condenados a pagar-lhes a importância de € 56.635,52, acrescida de juros à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, e, ainda, os juros bancários que tem vindo a suportar por causa do empréstimo contraído para pagamento daquele valor, à sociedade construtora M......D.... – Sociedade de Construções Lª, bem como o valor do I.V.A., se o recurso extraordinário de revisão que interpôs vier a ser julgado improcedente, a liquidar a final.</font><br>
<font> Em suma, alegou que </font><br>
<font>- Foi condenado a pagar àquela sociedade M.....D.... – Sociedade de Construções, Lda. a quantia de € 43.609,80, com juros desde a citação, e ainda o valor de I.V.A., à taxa legal, calculado sobre a quantia de € 253.100,03, acrescido de juros;</font><br>
<font> - Já liquidou a quantia de € 43.609,80 que, com os juros, ascendeu a € 56.635,52 e que interpôs recurso relativamente ao I.V.A.;</font><br>
<font>- Tal condenação deriva do facto de ter contratado aquela sociedade para construir uma moradia, a pedido dos RR., mediante orçamento que estes aceitaram, não tendo eles, posteriormente, liquidado os “</font><i><font>extra</font></i><font>” que foram efectuados a seu pedido, nem a última tranche do orçamento total; </font><br>
<font>- Agiu de acordo com os interesses dos RR., que aceitaram o orçamento e as obras </font><i><font>extra</font></i><font> e presenciaram o desenrolar da obra, sem nunca se oporem à sua efectivação, pelo que são eles os responsáveis pelo pagamento das quantias que teve que suportar e que não estavam provisionadas por eles.</font><br>
<br>
<font> Contestaram os RR., pugnando pela sua total absolvição, impugnando, por um lado, parte da factualidade alegada pelo A., e, por outro, por via de excepção, arguindo não só a incompetência territorial do Tribunal, a preclusão do direito dos AA., a prescrição e, por fim, a prejudicialidade da presente acção, em função de uma outra a correr termos na 7ª Vara Cível do Porto.</font><br>
<font> Na réplica, o A. contrariou a defesa de excepção, terminando por pedir a sua total improcedência.</font><br>
<font> Em resultado do julgamento da excepção de incompetência, o processo foi remetido para o Tribunal Cível da Comarca do Porto, onde, em sede de saneador, foi julgada improcedente toda a restante defesa por excepção, arguida pelos RR..</font><br>
<font> Seleccionados os factos, provados e controvertidos, a acção seguiu, depois, a sua tramitação normal até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgá-la improcedente, com a consequente absolvição dos RR. do pedido.</font><br>
<font> Inconformado, apelou o A. para o Tribunal da Relação do Porto, que, confrontado com as críticas, não só do julgamento da questão-de-facto, mas também com o problema da aplicação do direito, não lhes deu cobertura, antes confirmou, na íntegra, o julgado, limitando-se, na apreciação crítica da aplicação do direito, a reproduzir, quase na íntegra, o próprio texto da sentença.</font><br>
<br>
<font> Continuando irresignado, eis que o A. pede, ora, a revista do acórdão prolatado, na mira de obter a revogação do mesmo e a consequente condenação dos RR. no pedido.</font><br>
<font> Para o efeito, apresentou a respectiva minuta que fechou com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Os quesitos 5º, 6°, 8°, 12°, 16° e 17° deverão ser dados como provados já que estão em violação do princípio do caso julgado material e, como tal, por violação ao artigo 671º do Código de Processo Civil – tais quesitos tiveram resposta contrária aos dos autos no processo nº 2222/03, da 5ª Vara – 1ª secção, das Varas Cíveis do Porto, e ainda pela análise dos documentos juntos aos autos (tanto a planta do aquecimento central, certidão judicial daquele processo nº 2222/03 e ainda acção de prestação de contas que está também junto aos autos) e ainda porque do relatório pericial elaborado no processo nº107/2001, que corre termos na 7ª Vara Liquidatária – 3ª Secção das Varas Cíveis, não apontar qualquer vício de construção (</font><i><font>sic</font></i><font>).</font><br>
<font>- Mesmo, nos termos do artigo 1181° do Código Civil, o recorrente sempre deveria ser reembolsado dos valores que liquidou à empresa construtora – pelo que houve incorrecta interpretação deste normativo.</font><br>
<font>- Em último, o recorrente deveria ser reembolsado pelos valores que liquidou à empresa construtora, já que os recorridos foram, assim, beneficiados sem justa causa, pelo que houve incorrecta interpretação do artigo 473° do Código Civil (enriquecimento sem justa causa).</font><br>
<font>Os recorridos, em resposta, defenderam a manutenção da decisão censurada.</font><br>
<b><font>II.</font></b><br>
<font> As instâncias fixaram a seguinte factualidade:</font><br>
<font>1 – Correu termos na 5ª Vara Cível do Porto, 1ª Secção, o processo nº 2222/03, no qual o A. foi condenado a pagar à sociedade M.....& D....s – Sociedade de Construções, Lda. a quantia de € 43.609,80, com juros desde a citação, até integral e efectivo pagamento e ainda o valor do I.V.A., à taxa legal, calculado sobre a quantia de € 253.100,03, acrescido de juros.</font><br>
<font>2 – Da quantia referida, o A. liquidou € 56.635,52, sendo € 43.609,80 de capital e o restante de juros.</font><br>
<font>3 – O A. foi contactado pelos RR. para apresentar orçamentos das diversas especialidades, acompanhar e interligar as diversas equipas em obra com aqueles e ainda fiscalizar essas mesmas obras em curso, referentes à construção de uma moradia de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com uma área aproximada de 433 m2, que foi implantada num terreno, sito na Rua ......................., Lote .... à Marechal ..............a, no Porto, tendo ficado incumbido de entregar a moradia pronta, no sistema “chave na mão”.</font><br>
<font>4 – Os RR. solicitaram ao A., já no decurso da obra, o prolongamento da varanda da cozinha, a construção de uma pala que cobria a entrada para a cozinha e a alteração das divisões internas no piso dos quartos, de forma a ficarem três quartos onde estavam previstos quatro quartos, tendo o A. transmitido tais pedidos à sociedade construtora.</font><br>
<font>5 – As obras foram efectuadas pela sociedade construtora e aceites pelos AA..</font><br>
<font>6 – No exercício das suas funções, e porque os RR. optaram por escolher os materiais para aplicar na moradia, era o A. que depois liquidava junto das empresas esses materiais.</font><br>
<font>7 – E também liquidava, parcelarmente, às diversas equipas que trabalhavam na moradia.</font><br>
<font>8 – Esses pagamentos só eram efectuados mediante e se os RR. aprovisionassem o A. para tal (</font><i><font>sic</font></i><font>).</font><br>
<font>9 – O A. não liquidou parte do preço solicitado pela sociedade construtora. </font><br>
<br>
<font> </font><b><font>III.</font></b><br>
<font> </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br>
<font> Três são as questões que o recorrente colocou à nossa consideração, para decisão, a saber: </font><br>
<font>1ª – Terá havido violação do caso julgado material, por preterição do estatuído no artigo 671º do Código de Processo Civil, por parte das instâncias, ao não darem como provados os factos incluídos nos quesitos 5º, 6º, 8º, 16º e 17º?</font><br>
<font>2ª – Terão as instâncias, com as decisões absolutórias proferidas, violado o artigo 1181º do Código Civil?</font><br>
<font>3ª – Deveria ele ser reembolsado pelos RR./recorridos dos valores que reembolsou à empresa construtora, já que estes com isso beneficiaram sem justa causa, tendo em conta as regras próprias do instituto do enriquecimento sem causa?</font><br>
<br>
<font> Analisemos, pois, separadamente, cada uma destas teses.</font><br>
<br>
<font> 1ª – Da eventual violação do caso julgado material.</font><br>
<font> Depois de ter impugnado o julgamento de parte da matéria de facto, em sede de recurso de apelação, o recorrente lança, estranhamente, mão do instituto do caso julgado, para defender a modificação das respostas aos quesitos 5º, 6º, 8º, 12º, 16º e 17º.</font><br>
<font> Em apoio de tal posição, o recorrente invoca o que terá sido dado como provado numa outra acção, que correu termos num outro Tribunal, e louva-se no preceituado no artigo 671º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> Não serão necessárias grandes dissertações para fazer ver ao recorrente que esta sua crítica surge, aqui, deslocada e com total falta de apoio, legal e doutrinário.</font><br>
<font> Vejamos.</font><br>
<font> A excepção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (nº 2 do artigo 497º do Código de Processo Civil).</font><br>
<font> Para que se possa falar de excepção de caso julgado necessário se torna que se esteja perante uma tríplice identidade: de pedidos, de causas de pedir e de sujeitos (artigo 498º do mesmo diploma legal).</font><br>
<font>Em perfeita consonância com o referido, o artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil proclama que “transitada em julgado uma sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica com força obrigatória dentro e fora dele nos limites fixados pelo artigo 497º e seguintes”.</font><br>
<font>Doutrinadores há, que defendem que o caso julgado, ressalvados casos muito excepcionais, se forma apenas no âmbito da parte decisória (assim, por exemplo, Lebre de Freitas, </font><i><font>Revista da Ordem dos Advogados</font></i><font>, nº 66, Dezembro 2006, página 1514).</font><br>
<font> Outros, por seu turno, defendem que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo” já que “o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”. Daí que “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado” (</font><i><font>v.g</font></i><font>. Miguel Teixeira de Sousa, </font><i><font>Estudos Sobre O Novo Processo Civil</font></i><font>, página 577 e seguintes).</font><br>
<font> O que fica referido é, tanto quanto cremos, suficiente para demonstrar, à saciedade, o que, </font><i><font>ab initio</font></i><font>, afirmamos: a total falta de razão do recorrente neste ponto concreto.</font><br>
<font> Na verdade, a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela.</font><br>
<font> Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente: prova evidente do que acaba de ser dito é o que está estipulado no nº 2 do artigo 96º do Código de Processo Civil – “ A decisão das questões e incidentes suscitados não constituem, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia”.</font><br>
<font> Precisamente por esta razão, o último A. citado afirma que “os fundamentos de facto não adquirem, quando automatizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado”. É que – justifica – “esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta” (obra citada, página 580).</font><br>
<font> Concluímos, deste modo, que, não tendo o A. logrado alcançar a modificabilidade da decisão sobre a “questão-de-facto”, à luz do estatuído no artigo 712º do Código de Processo Civil, cai por terra, definitivamente, a possibilidade de a mesma ser alterada, por qualquer outro motivo, </font><i><font>maxime</font></i><font> o apontado da violação do caso julgado.</font><br>
<font> De resto, como é bem salientado pelos recorridos, excepção feita à previsão do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil (caso aqui inaplicável), não cabe nos poderes censórios deste Supremo Tribunal de Justiça imiscuir-se na bondade do juízo probatório firmado pelas instâncias.</font><br>
<font> Não tendo o recorrente indicado ou apontado qualquer violação normativa na captação da matéria de facto, tendo esta resultado da prova de livre apreciação, </font><br>
<font>não vislumbrando nós necessidade da ampliação da matéria de facto, à luz dos poderes conferidos pelo artigo 729º do Código de Processo Civil, cabe-nos apenas acatar o decidido, pelas instâncias, a respeito da chamada “questão-de-facto”.</font><br>
<br>
<font> 2ª – Da eventual violação do artigo 1181º do Código Civil.</font><br>
<font> A crítica, por si só e isoladamente, ou seja, fora do contexto do contrato que ligou os RR. ao A. e este à sociedade construtora, surge de forma insólita.</font><br>
<font> Calcorreando os trilhos que as instâncias impuseram a si próprias, na ânsia de compreensão perfeita da querela que entretece as Partes, entendemos por bem clarificar o que efectivamente está em causa.</font><br>
<font> Só, depois, estaremos em perfeitas condições de avaliar a justeza da crítica que o recorrente dirige ao aresto da Relação do Porto.</font><br>
<font> E o que se passou foi, resumidamente, o seguinte:</font><br>
<font> Os RR. mandataram o A. para celebrar contrato de empreitada com uma sociedade, tendo em vista a construção de uma moradia num terreno que era e é sua pertença.</font><br>
<font> O A. celebrou, no âmbito da execução do contrato de mandato, com a sociedade M.... & D.... – Sociedade de Construções Lª, o respectivo contrato com vista à realização da citada obra.</font><br>
<font> A moradia foi construída e o respectivo preço foi pago pelos RR.: é esta a ideia que se colhe do que está vertido nos artigos 39º a 50º da contestação, que não mereceu qualquer oposição por parte do A., nem antecipadamente, na petição, nem em sede própria, ou seja, na réplica, pelo que, atento o disposto no nº 2 do artigo 659º, aplicável </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigos 713º, nº 2, e 726º, todos do Código de Processo Civil, cumpre aqui considerá-la.</font><br>
<font> Um outro ponto a ponderar diz respeito ao facto de o A./recorrente, por força de acção intentada pela sociedade construtora, ter sido condenado a pagar-lhe 43.609,80 € e juros, desde a citação e, ainda, o valor do I.V.A. e respectivos juros.</font><br>
<font> Realçada esta factualidade, estamos, agora, em perfeitas condições para perceber que A. e RR. firmaram entre eles um contrato de mandato sem representação (o contrato de mandato sem representação define-se como sendo “aquele pelo qual uma pessoa – mandante – confia a outra – mandatário – a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um acto jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse mesmo acto”, Fernando Pessoa Jorge, </font><i><font>O Mandato Sem Representação</font></i><font>, página 411) que tinha por finalidade última a realização da moradia que os segundos pretendiam ver construída, a qual aquele, no uso dos poderes que lhe foram conferidos, tratou de concretizar, mediante contrato de empreitada celebrado com a construtora M....D.... – Sociedade de Construções Lª.</font><br>
<font> Ora, o que, verdadeiramente, está em causa, nesta demanda não diz respeito à obra em si, mas ao que terá vindo depois, ou seja, ao que vulgarmente se designa por “</font><i><font>extra</font></i><font>”. </font><br>
<font>Prova evidente do que acaba de ser dito resulta do que está escrito no artigo 4º da petição inicial: “aquele valor que entretanto o A. já liquidou deveu-se ao facto de o mesmo ter sido contactado pelos RR. para alterar algumas divisões interiores; apresentar orçamentos das diversas especialidades; acompanhar e interligar as diversas equipas em obra com aqueles e ainda fiscalizar essas mesmas obras em curso”.</font><br>
<font> E tudo isto, na lógica do mandato que, outrora lhe fora conferido – “tais funções referentes à construção de uma moradia de cave, …”, </font><i><font>ut</font></i><font> artigo 5º da mesma peça processual.</font><br>
<font> É nesse enquadramento que o A. apresentou a sua tese: os trabalhos </font><i><font>extra</font></i><font> foram pedidos, ele terá incumbido a sociedade construtora de os realizar o preço respectivo não foi pago pelos RR..</font><br>
<font> Com vista a obter êxito na sua pretensão, incumbia ao A., por força do determinado no artigo 342º, nº 1, do Código Civil, fazer a prova dos factos alegados, o que equivale a dizer que impendia sobre ele o ónus de alegar e, posteriormente, provar que as obras foram, efectivamente, “encomendadas” e aprovadas pelos RR., mediante a apresentação do respectivo orçamento, e que, realizadas as mesmas, não trataram estes de se explicar, pagando o respectivo preço, o que determinou o pagamento à dita construtora da sua parte, por via da acção judicial que por ela lhe foi movida, representando esta acção a concretização do chamado direito de regresso. </font><br>
<font> Postas as cousas nestes precisos termos, temos que a verdadeira questão, tal como foi salientado pelo Senhor Juiz da 1ª instância, é tão-somente esta: saber se se há-de repercutir na esfera patrimonial dos RR./recorridos esse preciso pagamento.</font><br>
<font> E não restam dúvidas que, de acordo com as regras que regulam o mandato sem representação (artigos 1180º e seguintes do Código Civil) que os RR. seriam responsáveis pelo pagamento daquelas despesas se … se efectivamente o A. tivesse provado que as fez no estrito cumprimento do mandato.</font><br>
<font> A verdade, porém, é que, como resulta das respostas negativas dadas aos quesitos 3º (“dentro das funções de que foi incumbido, o A. apresentou aos RR. um orçamento da empresa M....D.... – Sociedade de Construções Lª para construção da referida moradia, pelo valor de 47.700.000$00, ou seja, 237.926,60 €?”), 4ª (“que os AA. aceitaram?”), 8º (“tais obras importaram na quantia de € 28.592.99?”), 16º (“o A. agiu sempre de acordo com os interesses dos RR., conforme vontade expressa por parte destes e que o A., por sua vez, transmitiu às diversas equipas na construção da moradia?”) e 17º (“os RR. sempre presenciaram o desenrolar das obras na moradia, sem nunca se oporem à sua efectivação?”) e das respostas restritivas dadas aos quesitos 2º (correspondente ao ponto nº 3), 5ºe 6º (correspondente ao ponto nº 4), nada disso se provou. </font><br>
<font> Isto significa que tudo o que o A. invocou, como sendo devido pelos RR., em resultado no mandato inicialmente conferido, nada ficou provado. Como assim, não podem os RR. ser responsabilizados pelo pagamento do que saiu do âmbito do mandato que lhe conferiram.</font><br>
<font> As instâncias tiveram oportunidade de explicar isso mesmo, dizendo até que, a proceder a pretensão do A., os RR. seriam forçados a pagar duas vezes, sem qualquer justificação para isso: “tendo sido o contrato de mandato integralmente cumprido por parte dos RR., que pagaram ao A. valores que excederam o orçamento próprio do mandato, não há qualquer incumprimento por parte dos RR., sendo certo, também, que não se provou a existência de qualquer nexo de causalidade entre aquilo que o A. foi obrigado a pagar ao construtor e o mandato que lhe havia sido conferido”, pelo que, “a procedência desta acção significaria obrigar os RR. a pagarem duas vezes o custo da obra” – lê-se no acórdão recorrido que, como já afirmado, se limitou a reproduzir, na íntegra, as considerações de direito expostas na sentença.</font><br>
<font> No contexto do mandato sem representação, cabe ao mandante assumir, por qualquer das formas indicadas no nº 1 do artigo 595º (transmissão singular de dívida) as obrigações contraídas pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-lo deve entregar ao mandatário os meios necessários para cumprir ou reembolsá-lo do que houver despendido nesse cumprimento: assim o determina o artigo 1182º do Código Civil, consagrando aqui a tese da dupla transferência.</font><br>
<font> A verdade é que, como dito, não se provou nada do que o A. alegou a respeito da dívida que teve de pagar à sociedade construtora e, como assim, outra solução não pode ter o “caso” que não seja a de total absolvição dos RR..</font><br>
<font> Referindo-se o, ora convocado, pelos recorrentes, artigo 1181º do Código Civil, à obrigação do mandatário de transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato, surge o mesmo, aqui, totalmente deslocado, com vista à obtenção do pretendido ganho de causa. </font><br>
<font> 3ª – Do eventual enriquecimento sem causa.</font><br>
<font> Trata-se de uma argumento usado em 1ª mão neste recurso.</font><br>
<font> Sabido que os recursos tem por finalidade a reapreciação das decisões impugnadas e nunca a apreciação de “questões novas” (excepção feita aos casos de conhecimento oficioso), este “último” argumento cai, inexoravelmente, por terra.</font><br>
<font> Nem se vê – permita-se que isto seja dito – como pode ser convocado o instituto do enriquecimento sem causa num caso como o presente: é que, ou se prova a plena execução do mandato e os mandatários terão de avançar com o pagamento do despendido pelo mandante, ou nada se prova a este respeito e a absolvição daqueles é um facto inevitável. </font><br>
<font> No caso presente, foi esta segunda hipótese que veio à tona.</font><br>
<br>
<font> Analisadas as críticas feitas pelo recorrente e delas retirando a sua total injustiça, por não serem merecedoras, resta-nos apenas ditar a confirmação do que, pelas instâncias, foi julgado.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>IV.</font></b><br>
<font> Pelo exposto, nega-se a revista e condena-se o recorrente no pagamento das custas devidas.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>S.T.J.,</font></b><font> aos 02 de Março de 2010</font><br>
<font> Urbano Dias (Relator)</font><br>
<font> Paulo Sá</font><br>
<font> Mário Cruz</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JTKvu4YBgYBz1XKvui9z | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<b><font> 1.</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>O recorrente Gabinete Português da Carta Verde, notificado do acórdão de 27 de Janeiro de 2010, que indeferiu o pedido de reforma do acórdão proferido no dia 17 de Dezembro de 2009, veio, ora, arguir a nulidade deste consubstanciada num hipotético erro ou “manifesto lapso”, qual seja o de se ter escrito que ficou apurado simplesmente que o “segurado” no R. apostou em guinar à esquerda, com vista a estacionar, não cuidando, previamente, de saber das possibilidades de efectuar a manobra sem perturbar o trânsito.</font><br>
<font> Na tese do recorrente/requerente o referido não está conforme ao que ficou provado.</font><br>
<font> Segundo este, o que ficou provado foi tão-somente o seguinte:</font><br>
<font>- O veículo 00000000 circulava, na Rua da Rodovia ............, no sentido Guimarães/Santo Tirso, e, ao chegar antes da farmácia de Covas, o seu condutor, AA, fez uma manobra e guinou o seu veículo para a esquerda a fim de estacionar, no Largo de Covas.</font><br>
<font>- O veículo HD circulava no sentido Santo-Tirso/Guimarães, dentro da hemi-faixa da via destinada à sua circulação.</font><br>
<font>- O veículo HD efectuou uma travagem brusca na tentativa de evitar a colisão com o veículo 00000000 que, devido à manobra por ele efectuada, se encontrava atravessado na hemi-faixa destinada à circulação do veículo HD.</font><br>
<font> </font><b><font>2.</font></b><br>
<font> A parte contrária respondeu, a defender a inexistência de qualquer nulidade e, consequentemente, o indeferimento da pretensão do recorrente.</font><br>
<font> </font><b><font>3.</font></b><br>
<font> O presente incidente é totalmente anómalo, não encontrando, por isso, qualquer apoio legal, certo que nem o seu próprio autor, o recorrente, o tipificou.</font><br>
<font> Perante a factualidade dada como provada e respeitada, este Supremo Tribunal de Justiça tirou as ilações que houve por bem tirar, concluindo, assim, que o “segurado” no R., ou, dito com mais precisão, o condutor do veículo estrangeiro interveniente no acidente, não cuidou de, previamente, saber das possibilidades de efectuar a manobra sem perturbar o trânsito.</font><br>
<font> O discurso do acórdão censurado é lógico e foi tirado no pressuposto de que ao Supremo Tribunal de Justiça não está vedado tirar ilações/presunções, desde que, como é evidente, as mesmas tenham suporte na factualidade dada como provada (este o sentido de voto do aqui relator, exarado no processo nº 1089/08, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, Tomo I, páginas 93 a 96).</font><br>
<font> Nesta precisa medida, não há qualquer razão para alterar o sentido da decisão que, consciente e firmemente, tomamos.</font><br>
<font> Saber se a presunção foi ou não bem “tirada” é outra questão, cuja solução não encontra eco neste incidente.</font><br>
<font> E tudo isto porque julgar não é uma operação exacta, a exigir apenas que, “pegando” nos factos, se encaixe neles o direito. Não, é muito mais do que isso: o jurista não é, seguramente, um mero matemático, antes se exige dele um esforço lógico de análise e de compreensão dos factos apurados, com vista a obter uma boa aplicação do direito, mediante as regras da boa hermenêutica.</font><br>
<font> Perante a factualidade apurada pelas instâncias, compete ao Supremo Tribunal de Justiça, no cumprimento da missão que, por Lei, lhe está atribuída, como tribunal de revista que é, verificar se foram violadas as regras de direito substantivo atinentes.</font><br>
<font> Para tanto, torna-se necessário, como é evidente, captar, devidamente e previamente, o sentido dos factos, valorando-os e interpretando-os, retirando deles a realidade apurada.</font><br>
<font> Este “retirar” é, seguramente, o tirar ilações/presunções: foi isto que foi feito por nós, seguros de que não foram acolhidos na decisão factos para além dos alegados, antes, pelo contrário, só foram considerados estes e os que destes, com segurança, se puderam apurar.</font><br>
<font> No fundo, o que foi feito foi apenas tirar a ilação de um facto conhecido para firmar um facto até aí desconhecido (artigo 349ºdo Código Civil).</font><br>
<font> Só seria ilegítima a operação efectuada se o facto conhecido não estivesse lá, no elenco dos factos dados como provados, ou se, a mesma não tivesse qualquer suporte lógico.</font><br>
<font> Este, aliás, o sentido que se colhe do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2004, relatado pelo Cons. Lucas Coelho, que mereceu total aplauso de Calvão da Silva (</font><i><font>Revista de Legislação e Jurisprudência</font></i><font>, Ano 135º, página 113 e seguintes).</font><br>
<font>Mas, mesmo para quem não seja seguidor desta posição doutrinal e jurisprudencial, sempre, perante a matéria factualidade apurada, haveria de se considerar legítima a interpretação da factualidade, formulando, para tanto, os juízos de valor comportamental, à luz dos critérios da normalidade.</font><br>
<font>Fora disto, poder-se-ia pensar em erro de decisão. Este caso, contudo, a existir, está fora do alcance do incidente suscitado.</font><br>
<font>Aqui chegados, só resta tirar a conclusão de que o incidente atípico (apesar de cognominado de nulidade) não tem qualquer suporte jurídico a fundamentá-lo.</font><br>
<b><font>4.</font></b><br>
<font>Em conformidade com o relatado, indefere-se o peticionado e condena-se o requerente no pagamento das custas devidas, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.</font><br>
<br>
<b><font>S.T.J.</font></b><font>, aos 02 de Março de 2010</font><br>
<font>Urbano Dias (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JzLMu4YBgYBz1XKvcj4I | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><b><font>I </font></b><font>– </font><br>
<font> </font><b><font>Relatório</font></b><br>
<font>AA intentou no Tribunal de Comércio de Lisboa acção ordinária contra</font><br>
<font>BB Lª, pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia-geral da R. no passado dia 18 de Março de 2005 relativas à aprovação das contas do exercício de 2004 e aplicação dos respectivos resultados.</font><br>
<font> Em suma, alegou que a R. não colocou, em devido tempo, à sua disposição todos elementos de consulta necessários para poder verificar a regularidade das contas, sendo que as deliberações tomadas lhe causaram prejuízos.</font><br>
<font> A R. contestou, pedindo a improcedência da acção.</font><br>
<font> Em sede de saneador, o Mº Juiz do Tribunal de Comércio de Lisboa julgou a acção improcedente.</font><br>
<font> Mediante apelação da A., a pedir apenas a anulação do julgado com vista ao apuramento de matéria de facto controvertida, o Tribunal da Relação de Lisboa revogou o julgado da 1ª instância e proclamou a anulação das ditas deliberações sociais.</font><br>
<font> Foi a vez da R. não se conformar e pedir revista do aresto proferido. Para tanto, apresentou as respectivas alegações que fechou com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Não existiu qualquer violação do direito de informação, porquanto, </font><br>
<font>- As sócias-gerentes da sociedade ora recorrente, apenas se limitaram, na sequência do telegrama e da carta enviada pela A., a afirmar a sua indisponibilidade para na data pretendida por esta última – 14 de Março de 2005 - sugerindo outra data – 16 de Março de 2005 –, por razões relativas, exclusivamente, ao funcionamento da própria farmácia. </font><br>
<font>- A A. nem se deslocou à sede da farmácia na data que pretendia – 14 de Março de 2005 –, pelo que, não pode alegar ter havido qualquer recusa na prestação de informação. </font><br>
<font>- Consta da sentença proferida pela Tribunal de 1ª instância no ponto 17 da fundamentação fáctico-jurídica e conclusiva que: </font><br>
<font>“17 - A requerente não se deslocou à sede da requerida nos 15 dias que antecederam a Assembleia-Geral nem compareceu a esta”. </font><br>
<font>- A A. ao pretender que houve violação do seu direito à informação, está manifestamente no campo de uma suposição que nada tem a ver com a realidade factual objectiva. </font><br>
<font>- O ónus da prova (art. 342, n°1 do C. Civil), de que o direito de informação lhe foi vedado por parte da ora recorrente e R. incumbia à A., que não logrou fazer prova de tal situação.</font><br>
<font> A recorrida contra-alegou em defesa da manutenção do acórdão recorrido.</font><br>
<b><font>II</font></b><font> – </font><br>
<font> </font><b><font>As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:</font></b><br>
<font>1 - BB, Lª, com sede na R. ....., nº ..., Pragal, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada, sob o nº .......... </font><br>
<font>2 - Tem por objecto social a exploração da actividade de farmácia e o capital social de € 5.985,57. </font><br>
<font>3 - A gerência da sociedade pertence às sócias CC e DD. </font><br>
<font>4 - As gerentes da R., por comunicação datada de 3.03.2005, convocaram uma Assembleia-Geral ordinária da sociedade, a realizar no dia 18 de Março de 2005, tendo como ponto único da ordem de trabalhos: “Aprovação de contas do ano de 2004 e aplicação dos respectivos resultados”.</font><br>
<font>5 - Na convocatória referida não consta qualquer menção à disponibilidade dos documentos de prestação de contas para exame dos sócios. </font><br>
<font>6 - A A. enviou um telegrama à R. com o seguinte teor:</font><br>
<font>“Informo segunda-feira dia 14 estarei sede sociedade para consulta relatório de gestão, documentos prestação contas 2004, horas expediente”.</font><br>
<font>7 - Em resposta as gerentes da R. enviaram à A. uma carta datada de 9 de Março com o seguinte teor:</font><br>
<font>“ Em resposta ao telegrama recebido no dia 08 de Março de 2005, as sócias ( ... ) informam que não têm disponibilidade na 2ª feira, dia 14 de Março de 2005, para aceder ao pedido requerido. A consulta pretendida poderá ser efectuada na 4ª feira, dia 16 de Março, entre as 9 e as 13 horas, nas instalações da BB”.</font><br>
<font>8 - E no dia 11 de Março a A. enviou às duas sócias gerentes da R. uma carta registada com A/R. com o seguinte teor: </font><br>
<font>“Acuso a recepção da vossa carta datada de 9 de Março de 2005 aonde V. Exas. informam que não têm disponibilidade na 2ª feira, dia 14 de Março de 2005, para aceder ao pedido requerido” e que “a consulta pretendida poderá ser efectuada na 4ª feira, dia 16 de Março, entre as 9 e as 13 horas, nas instalações da BB”. </font><br>
<font>“Ao acima referido, cumpre-me responder o seguinte: </font><br>
<font>Como V. Exas. muito bem sabem, o direito à informação dos sócios previsto na lei, inclui a consulta dos livros e outros documentos da sociedade, incluindo os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas. </font><br>
<font>Todos estes documentos deverão estar disponíveis na sede da sociedade, para consulta dos sócios durante as horas de expediente, a partir do dia em que foi expedida a convocatória para a assembleia-geral destinada a apreciá-los. </font><br>
<font>A disponibilidade de tais documentos deveria de resto ter-me sido logo comunicada na carta de convocatória da assembleia-geral marcada para o dia 18 de Março de 2005. </font><br>
<font>Temos pois que, os documentos acima referidos deveriam estar disponíveis logo no dia 3 de Março de 2005 e até à data da assembleia, pelo que não aceito que apenas os possa consultar no dia 14 de Março de 2005 entre as 9 e as 13 horas. </font><br>
<font> </font><font>Assim, e face a tudo o acima exposto, considero que foi violado o meu direito à informação como sócia da sociedade BB Lª, direito este previsto nos arts. 214º e 263º, nº 1, ambos do Código das Sociedades Comerciais. </font><br>
<font>“</font><font>Nestes termos, e face à recusa de em tempo útil me ser permitida a consulta dos documentos acima discriminados, considero que não estou devidamente habilitada e informada para deliberar a ordem de trabalhos da assembleia-geral, que considero irregularmente convocada pelo que à mesma não comparecei, reservando-me o direito de agir em conformidade, requerendo judicialmente a anulação de qualquer deliberação que vier a ser tomada. </font><br>
<font>Mais requeiro, que nos termos do artigo 396º, nº 2 do Código de Processo Civil me seja fornecida cópia da acta da assembleia, que eventualmente vier a ter lugar. Sem mais (....)”. </font><br>
<font>9 - No dia 18 de Março realizou-se a assembleia-geral da requerida com a presença das sócias CC e DD. </font><br>
<font>10 - Que aprovaram as contas do exercício de 2004, constando da acta um lucro apurado de € 33.380,05. </font><br>
<font>12 - Foi ainda aprovada a aplicação dos resultados com a seguinte afectação: </font><br>
<font>- 5% para fundo de reserva legal; </font><br>
<font>- 6.177,56 euros para gratificação de balanço à gerência; </font><br>
<font>- 2.080,67 euros para gratificação de balanço ao pessoal; </font><br>
<font>- Valor remanescente para resultados transitados, ao que se retira o valor de 30.000,00 euros para distribuir em partes iguais como lucro das três sócias, cabendo assim a cada uma a quantia de 10.000,00 euros.</font><br>
<font>12 - Da acta da assembleia-geral não consta qualquer razão justificativa para a aplicação dos resultados aprovada. </font><br>
<font>13 - Por transferência bancária, datada de 27 de Abril de 2005, foi creditada em cada uma das contas das sócias gerentes CC e DD a quantia de € 3 088,78 cada, correspondente às gratificações de balanço à gerência referida. </font><br>
<font>14 - Os trabalhadores da requerida a quem foram pagas gratificações de balanço receberam as mesmas juntamente com os vencimentos do mês de Abril de 2005. </font><br>
<font>15 - Por cheque datado de 4 de Abril de 2005 foi entregue a cada uma das sócias CC e DD a quantia de € 8.500 líquidos.</font><br>
<font>16 - A A. não se deslocou à sede da requerida nos 15 dias que antecederam a Assembleia-Geral, nem compareceu a esta. </font><br>
<font> </font><b><font>III </font></b><font>– </font><br>
<font> </font><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<b><i><font> </font></i></b><font>A única questão a resolver é saber se há razão para decretar a anulação das deliberações tomadas na assembleia-geral da R. de 18 de Março de 2005, tal como decidiu o acórdão impugnado, ou não há, como sentenciou a 1ª instância.</font><br>
<font> A questão é somente esta: saber se a R. colocou à disposição da A. antes da assembleia-geral os elementos mínimos de informação.</font><br>
<font> Com efeito, a al. c) do nº 1 do art. 58º do CSC comina com anulabilidade as deliberações tomadas em violação ao direito de informação do sócio.</font><br>
<font> E o nº 4 deste artigo esclarece quais são os elementos mínimos de informação para este efeito: </font><br>
<font> a) As menções exigidas pelo art. 377º, nº 8; </font><br>
<font> b) A colocação de documentos para exame aos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.</font><br>
<font>(tem-se entendido, aliás, que esta enumeração não é taxativa, mas apenas exemplificativa – assim, Vasco Xavier, </font><i><font>in</font></i><font> Revista Decana, Ano 118º, 202, e Carneiro da Frada, </font><i><font>in</font></i><font> Deliberações Sociais Inválidas no novo Código das Sociedades Comerciais – Novas Perspectivas do Direito Comercial, pág. 324 e ss.).</font><br>
<font> Este direito de informação está genericamente consagrado na al. c) do nº 1 do art. 21º – “Todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato” – e está regulamentado no art. 214º, ambos do diploma legal supra referido.</font><br>
<font> Com vista à apreciação anual da situação da sociedade, o nº 1 do art. 263º do mesmo diploma prescreve que “o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas devem estar patentes aos sócios, nas condições previstas no art. 214º, nº 4, na sociedade e durante as horas de expediente, a partir do dia em que seja expedida convocatória para a assembleia destinada a apreciá-los; os sócios serão avisados deste facto na própria convocatória”.</font><br>
<font> Este direito de informação do sócio com vista à apreciação da real situação da sociedade a ser discutida em assembleia-geral não pode ser excluído como declara de forma mui clara o nº 2 do art. 214º citado – “…, não pode ser excluído … quando a consulta tiver por fim julgar da exactidão dos documentos de prestação de contas ou habilitar o sócio a votar em assembleia geral já convocada”.</font><br>
<font>Do que fica exposto é já permitido concluir que a R. não cumpriu para com a A., sua sócia, os deveres correspondentes ao direito à informação que a esta assistia, colocando ao seu dispor, durante todo o período anterior à data da assembleia e desde a convocação desta, todos os elementos de consulta necessários a uma participação séria e consciente na assembleia.</font><br>
<font> Nesta sede tomam-se, naturalmente decisões, muitas vezes após discussão. Umas e outra pressupõem uma boa informação dos comparticipantes.</font><br>
<font> Este direito do sócio à informação é “um direito instrumental para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extra-patrimoniais”, nomeadamente do “direito de voto” que deve ser exercido de forma consciente (</font><i><font>cfr</font></i><font>. Raúl Ventura, </font><i><font>in</font></i><font> Sociedades por Quotas, Vol. I, pág. 279 e ss.) </font><br>
<font>Este direito à informação visa proteger os interesses dos sócios, em primeira linha; mas também o dos trabalhadores da sociedade e os seus próprios credores – só perante um conhecimento fidedigno da realidade da empresa será possível deliberar a sua própria vida. “Sem informação verdadeira, completa e elucidativa, não se está habilitado a discutir construtivamente o assunto, e a votar conscientemente” (</font><i><font>apud</font></i><font> Pinto Furtado, Deliberações Sociais, pág. 96).</font><br>
<font> À A. não foram colocadas as condições de ela exercer o seu direito. Direito esse que, no fundo, comporta o dever de votar em conformidade com a sua perspectiva, a ordem de trabalhos.</font><br>
<font>Trata-se, pois, de um direito que, como tal, não se compadece com uma situação de “mendigar os elementos necessários à «vida» da sociedade e que lhe hão-de permitir votar a deliberação de forma consciente” como bem salientou o aresto impugnado.</font><br>
<font> Verificada a violação apontada, outra solução, à luz dos preceitos legais citados e aplicáveis, não poderia ser tomada que não fosse a assumida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font>Não se compreende, pois, que o Tribunal de Comércio, pela pena do seu douto julgador, tivesse convocado o art. 42º do Código do Registo Comercial (?!) para negar à A. o direito que lhe assistia de ser informada sobre a verdadeira situação da R., dizendo mesmo que “não têm de estar à disposição dos sócios para consulta antes da assembleia todos os documentos de suporte dos movimentos contabilísticos da sociedade”.</font><br>
<font> É claro que menos se compreende que tenha, no limiar da sua decisão, apontado como questões a decidir “a natureza dos suprimentos cuja realização foi deliberada e qual a taxa de juro que aos mesmos pode ser aplicada, por um lado, e apurar se a deliberação que aprovou a realização de suprimentos está ferida por os votos respectivos terem sido determinados por interesse pessoal dos sócios em prejuízo da sociedade e da A.” (!).</font><br>
<font>Aqui chegados, estamos em condições de dizer que improcede a linha argumentativa apresentada pela recorrente e sintetizada nas seis conclusões supra transcritas.</font><br>
<font> Houve violação do direito de informação que assistia à A. traduzida no incumprimento do dever de a R. colocar, no prazo que mediou entre a convocatória e a assembleia, todos os elementos de consulta com vista a uma boa consolidação de ideias a apresentar à consideração das demais sócias.</font><br>
<font> Irreleva de todo o facto de a A. não se ter deslocado à sede da R.: aquela previamente procurou informar-se se os seus direitos estavam assegurados e a informação que lhe foi dada veio, ao cabo e ao resto, a dizer que não estavam.</font><br>
<font> A obrigação era da R. em ter tudo à disposição dos sócios e esta foi, sem sombra de dúvida, violada.</font><br>
<font> Também não tem cabimento argumentar que a A. nem sequer compareceu na assembleia-geral, na justa medida em que ir ou não ir comporta em si também um direito dos sócios que nada tem a ver com o direito à informação.</font><br>
<font>Perante tudo o já explanado e provado, não faz sentido o que a R.-recorrente verteu na sua última conclusão relativamente ao ónus de prova quanto a recusa sua de informar a A..</font><br>
<font>Já, falando em ónus de prova e sua repartição, é perfeitamente pertinente dizer que a A. cumpriu a parte que lhe competia, qual seja a alegação e prova da omissão do dever de informação por parte da R., o que conduz necessariamente à procedência da acção.</font><br>
<font> Uma cousa é, pois, certa: as deliberações tomadas na assembleia-geral foram tomadas sem a participação da A. que, por omissão da R., não pôde contribuir para uma discussão sadia, séria e conscienciosa da vida económica da firma. </font><br>
<font>As deliberações tomadas e postas em crise não podem, portanto, ser a tradução da vontade das sócias da R.: daí que se imponha a sua anulação.</font><br>
<font> Pelo que fica dito, ainda que de forma sinóptica, o acórdão impugnado não merece censura, antes confirmação. </font><br>
<b><font>IV</font></b><font> – </font><br>
<font> </font><b><font>Decisão</font></b><br>
<font> Nega-se a revista e condena-se a R. no pagamento das custas devidas não só aqui como nas instâncias.</font><br>
<font> Lisboa, aos 17 de Abril de 2007</font><br>
<font> </font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Faria Antunes</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gDK8u4YBgYBz1XKvBzkx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - “C... - Centro de Equipamentos Mecânicos, S.A.” intentou acção declarativa contra “C... — Construção Civil e Obras Públicas, Lda”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 40.000,00 euros, acrescida de juros vencidos, no montante de 4.852,60 euros e vincendos, à taxa anual de 12%, até efectivo pagamento.</font><br>
<font>Alegou para tal ter vendido e entregue à R., em 21/7/2003, no âmbito da actividade comercial de ambas, uma autobetoneira, pelo preço de € 50.488,02, tendo ficado convencionado que, aquando da entrega da máquina, a R. pagaria € 10.488,02 e o remanescente seria pago em quatro prestações, iguais e sucessivas, de € 10.000 cada, sendo que a R. apenas procedeu ao pagamento da 1.ª prestação.</font><br>
<br>
<font>A R. contestou, sustentando que não procedeu ao pagamento da parte restante do preço por a autobetoneira apresentar defeitos, o que é do conhecimento da A., que, sucessivamente, procurou repará-los sem, contudo, lograr completa e eficaz reparação, referindo que adquiriu a autobetoneira para efectuar os trabalhos que contratou com “Mota & C. L.da” e que, por via da sua incapacidade para o desempenho de tais trabalhos, teve prejuízos, de índole patrimonial e não patrimonial, que contabiliza em 68.911,30 €; e acrescentando que a autobetoneira é inapta para as funções que lhe são próprias, encontrando-se nas instalações da A., para reparação, desde 21/4/2004, sem qualquer indicação para levantamento, razão por que recusa o pagamento do preço e pretende a anulação do contrato de compra e venda.</font><br>
<font>Em reconvenção, pede a anulação do contrato de compra e venda outorgado com a A. e a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 68.911,30 €, a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais padecidos com a outorga do contrato, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção.</font><br>
<br>
<font>A A. replicou, defendendo que os defeitos apresentados pela autobetoneira, ao menos alguns deles, se ficaram a dever à falta de cuidado no seu uso e manutenção, mas que, após sucessivas intervenções, à medida que a R. lhe ia solicitando, foi reparando a autobetoneira, que gozava de garantia de bom funcionamento de um ano ou 1.000 horas, o que ocorresse primeiro; em 20 de Abril de 2004, a R. propôs-lhe a devolução da autobetoneira e a consideração dos valores pagos na entrada da aquisição de uma outra autobetoneira, proposta que a A. rejeitou e disse para entregar a autobetoneira nas suas instalações, a fim de fazer uma revisão geral; a máquina entrou nas suas instalações em 21 de Abril de 2004, já com mais de 1.000 horas de trabalho e com avarias da responsabilidade da R., razão por que lhe foi apresentado um orçamento de reparação, e, desde então, a Ré nada mais disse, não deu ordem de reparação e nem levantou a autobetoneira. Argúi a excepção de abuso de direito, na modalidade do “venire contra factum proprium”.</font><br>
<br>
<font>Foi proferida sentença, em que foi decidido o seguinte:</font><br>
<i><font>“Perante o exposto, julga-se a acção improcedente e absolve-se a R. do pedido.</font></i><br>
<i><font>Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e condena-se a A. a pagar à R. a quantia indemnizatória que se vier a liquidar em posterior incidente, respeitante à imobilização do pessoal afecto à autobetoneira durante nove dias, até à quantia global de 21.202,90 euros, no mais a absolvendo do pedido”.</font></i><br>
<br>
<font>Interpôs a A. recurso de apelação, mas viu confirmada a decisão da 1ª Instância.</font><br>
<br>
<font>A Autora pede ainda revista, insistindo nas pretensões de condenação da Ré no pedido e da sua absolvição do pedido reconvencional. </font><br>
<font>Para tanto, levou às conclusões da alegação: </font><br>
<font>1. A excepção de não cumprimento - nos termos do disposto nos art. 428.° do Código Civil e 496.° do Código de Processo Civil -, por ser uma excepção em sentido próprio, não é de conhecimento oficioso, pelo que - não tendo sido, no caso vertente, invocada pela Ré - não deveria ter sido julgada procedente na douta sentença, nem confirmada pelo acórdão recorrido, os quais padecem, assim e nos termos do disposto no arts. 660.°, n.º 2, 661.° e 668.°, n.º 1, als. </font><i><font>d) </font></i><font>e </font><i><font>e) </font></i><font>do Código de Processo Civil, de nulidade.</font><br>
<font>2. A excepção de não cumprimento - porque pressupõe o cumprimento do contrato - é incompatível com o pedido de anulação do contrato (que pretende pôr-lhe termo), pelo que nunca seria possível a arguição cumulativa destes dois pedidos, não se podendo retirar da contestação a oposição da excepção de não cumprimento, o que, de igual modo, consubstancia nulidade da sentença nos termos da alínea </font><i><font>e) </font></i><font>do n.º 1 do art. 668º do Código de Processo Civil . </font><br>
<font>3. A recorrida não arguiu, sequer, factos susceptíveis de integrarem a causa de pedir da referida </font><i><u><font>exceptio non rite adimpleti contractus</font></u></i><font> (aplicável em casos de cumprimento defeituoso), uma vez que não alega, nem exige, qualquer direito à reparação, à redução do preço ou à substituição da máquina, sem os quais é impossível estabelecer qualquer nexo de correspectividade ou sinalagma. </font><br>
<font>4. Atento o incumprimento da recorrida (reportado à data da entrega da máquina - 22 de Julho de 2003) e o vencimento imediato da sua obrigação de pagamento do preço, estava a R. obrigada a cumprir em primeiro lugar e, por isso, a invocação da excepção não era, nos termos do disposto no art. 428º do Código Civil, possível. </font><br>
<b><i><font>Sem prescindir,</font></i></b><br>
<font>5.</font><i><font> </font></i><font>O alegado cumprimento parcial da recorrente, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da Boa Fé (ínsitos no art. 762º e subjacentes à previsão do art. 428º, ambos do Código Civil), nunca poderia legitimar uma paralisação total do pagamento do remanescente do preço, mas tão-só uma recusa em termos meramente parciais. </font><br>
<i><font>Mas mais</font></i><font> </font><br>
<font>6. No caso vertente, por força do princípio da economia processual, a Mma. juíza </font><i><font>a quo </font></i><font>deveria ter - caso considerasse verificar-se a aludida </font><i><font>exceptio </font></i><font>- optado por uma condenação </font><i><font>in futurum, </font></i><font>nos termos do disposto no art. 662º do Código de Processo Civil, evitando, deste modo, a posterior repetição do julgamento (com vista à obtenção do pagamento do preço) e oferecendo a total composição e resolução do litígio. </font><br>
<i><font>Quanto ao pedido reconvencional </font></i><br>
<font>7.</font><i><font> </font></i><font>A recorrida cumulou, com o pedido de anulação do contrato de compra e venda, pedido reconvencional de indemnização do dano contratual negativo - consequente do incumprimento definitivo do acordo - pelo que, improcedendo o primeiro, teria necessariamente de improceder o segundo, uma vez que a anulação do contrato é elemento da causa de pedir do pedido de indemnização. </font><br>
<font>8. A recorrida não peticionou sequer qualquer indemnização do dano contratual positivo, para o que teria de arguir cumulativamente algum dos direitos que legalmente assistem ao comprador em caso de cumprimento defeituoso (previstos no art. 914º e ss. do Código Civil, ou seja, </font><i><font>"após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos </font></i><u><font>circa rem</font></u><font> ...."), o que não aconteceu (determinando, também por este lado, a nulidade da sentença por violação do princípio do pedido - art. 668º, n.º l, als. </font><i><font>d) </font></i><font>a </font><i><font>e) </font></i><font>do Código de Processo Civil). </font><br>
<font>9. Porém, ainda que assim não fosse, tal direito já teria caducado, atenta a aplicação do disposto no art. 917º do Código Civil. </font><br>
<font>10. Sendo certo que, por último, a arguição de um tal direito representa, atenta a factualidade provada, um autêntico </font><b><i><u><font>venire contra factum proprium</font></u></i></b><b><i><font>,</font></i></b><font> violador dos limites da boa fé e patenteando um </font><b><i><font>manifesto abuso de direito </font></i></b><font>(art. 334º do Código Civil). </font><br>
<br>
<font>Não foi oferecida resposta.</font><br>
<br>
<font>2. - Como das conclusões formuladas se colhe, vem proposta a resolução das seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font>- nulidades da sentença;</font><br>
<font>- nulidade do acórdão;</font><br>
<font>- verificação dos pressupostos de oposição e concessão da “</font><i><font>exceptio non rite adimpleti contractus</font></i><font>” e,</font><br>
<font>- em caso de resposta afirmativa, saber se deve ser proferida condenação da Autora </font><i><font>in futurum</font></i><font>; </font><br>
<font>- se concorrem os requisitos do direito a indemnização peticionada pela Ré e,</font><br>
<font>- em caso afirmativo se esse direito se extinguiu por caducidade ou </font><br>
<font>- se deve ser recusado com fundamento em abuso de direito.</font><br>
<font>- medida de procedência da acção.</font><br>
<br>
<br>
<font> 3. - Vem fixada pela Relação a seguinte </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font>:</font><br>
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<font>1. A autora dedica-se à compra e venda de máquinas para obras públicas e construção civil, novas e usadas, das marcas Daewoo, Terex e outras, e a efectuar reparações e assistência às máquinas mencionadas (a).</font><br>
<font>2. A ré encontra na construção civil e obras públicas a sua área de actividade (b).</font><br>
<font>3. No exercício da actividade comercial de ambas, em 17 de Julho de 2003, a ré prometeu adquirir à autora e esta prometeu vender-lhe uma A..., marca D’Avino, PC5 ac. dec. 5128 P1, modelo Master 4.40, pelo preço de 50.488,02 €, IVA incluído (c).</font><br>
<font>4. Mais acordaram que, aquando da entrega da máquina, a ré pagaria a quantia de 10.488,02 € e que o remanescente seria pago em quatro prestações mensais e sucessivas, no valor de 10.000,00 € cada, com vencimentos em 17 de Outubro de 2003, 17 de Dezembro de 2003, 17 de Fevereiro de 2004 e 17 de Abril de 2004, tituladas por outros tantos cheques de igual valor e data (d).</font><br>
<font>5. Em 21 de Julho de 2003, a autora fez a entrega da autobetoneira à ré e emitiu a factura de venda n.° 1320102, com data de 22 de Julho de 2003, no valor de 50.487,61 euros (e).</font><br>
<font>6. Relativamente ao contrato celebrado entre a autora e a ré, aquela garantiu a esta o “bom funcionamento” da A... D’Avino durante um ano ou 1.000 horas (f).</font><br>
<font>7. A ré procedeu ao pagamento da primeira prestação, no valor de 10.488,02 € (g).</font><br>
<font>8. A ré, ao celebrar os contratos aludidos em c) e e), teve em vista a aquisição de uma autobetoneira destinada à produção de betão e argamassas para a realização dos trabalhos de drenagens de águas residuais e pluviais da obra do Metro Sul Tejo (1°).</font><br>
<font>9. A ré celebrou com a autora os contratos referidos em c) e e) para usar a autobetoneira na fabricação de betão e argamassas para a realização de trabalhos de drenagem de águas residuais e pluviais da subempreitada que executava na construção das infra estruturas urbanas da obra do Metro Sul Tejo (2° e 3°).</font><br>
<font>10. Em 31 de Julho de 2003, a autobetoneira apresentava fugas de óleo hidráulico (4°).</font><br>
<font>11. A ré reclamou junto da autora e esta, no dia 31.07.03, fez uma intervenção na autobetoneira e reparou a fuga de óleo hidráulico em vários pontos (5°).</font><br>
<font>12. Em 3.09.03, a autobetoneira apresentava a bomba de água encravada, devido à existência de lixos sugados pela mangueira, a que tinha caído o filtro, avaria no manómetro e fugas de óleo hidráulico, o que foi reparado pela autora em 3.09.03 (6°).</font><br>
<font>13. Em 25.09.03, quando a autobetoneira tinha 270 horas de trabalho, a ré solicitou à autora a revisão das 250 horas, pedido que foi por ela atendido em 6.10.03, quando a autobetoneira tinha 301 horas (7°).</font><br>
<font>14. Em 2.10.03, a ré insiste pela efectivação da revisão da autobetoneira e pede a deslocação à obra de um técnico para avaliar o seu estado, por a mesma aparentar não ter a resistência necessária para aguentar um ano de trabalho (8°).</font><br>
<font>15. Avaliação técnica que não chegou a ser efectuada (9°).</font><br>
<font>16. Após reclamação da ré, a autora, em 9.10.03, reparou fugas de óleo hidráulico e substituiu a válvula do depósito de gasóleo da autobetoneira (10° e 11°).</font><br>
<font>17. Mediante reclamação da ré, por a autobetoneira não trabalhar, em 20.10.03, a autora reparou o motor de arranque e as luzes de mudança de direcção e colocou fusíveis que se encontravam em falta e que tinham sido retirados mediante indicação telefónica da autora para testar a avaria (12° e 40°).</font><br>
<font>18. A autobetoneira sofreu um curto-circuito na instalação eléctrica e, em 12.11.03, a autora procedeu à sua reparação (13°).</font><br>
<font>19. Em 18 de Novembro de 2003, a pedido da ré, a autora dirigiu-se junto da máquina para soldar o apoio do radiador, verificar o alternador e a bateria (14°).</font><br>
<font>20. Em 10.12.2003, a ré enviou à autora um fax no qual a informou que continuavam a persistir os problemas com o sistema eléctrico e que a substituição da bateria não tinha solucionado o problema (15°).</font><br>
<font>21. No dia 12.12.2003, a autobetoneira deixou de trabalhar e, a solicitação da ré, a autora deslocou-se junto do equipamento para verificar o motor de arranque e, nesse dia, procedeu a autora à reparação da betoneira (16°).</font><br>
<font>22. No dia 21.01.2004, a autobetoneira fez a revisão das 500 horas, quando a betoneira tinha 540 horas (17°).</font><br>
<font>23. No dia 4.02.2004, a máquina ficou imobilizada e a autora, mediante reclamação da ré, procedeu à soldadura do suporte do radiador e limpeza do mesmo, reparação que foi efectuada pela autora nesse dia (18°).</font><br>
<font>24. Em 20.02.04, a autobetoneira deixou de trabalhar e, mediante reclamação da ré, nesse dia, a autora reparou-a, procedendo à limpeza do pré-filtro do gasóleo e à eliminação de fugas de óleo hidráulico (19°).</font><br>
<font>25. Em 1.03.04, a pedido da ré, a autora, nesse dia, procedeu à desmontagem e limpeza do sistema de alimentação da autobetoneira, quando a mesma contava 909 horas (20° e 45°).</font><br>
<font>26. Em 21 de Abril de 2004, o equipamento deu entrada nas instalações da autora para reparação, depois da reclamação apresentada pela ré, decorrente de uma paragem do mesmo na sua laboração, o que ocorreu após uma reunião, em 20.04.04, entre a autora e a ré com vista à obtenção de uma solução para as anomalias apresentadas pela autobetoneira, com 1257 horas de trabalho, que se traduziam, nessa altura, em duas fugas de óleo, uma hidráulica e outra no diferencial, e o êmbolo do hidráulico partido (21.º).</font><br>
<font>27. A A... D’Avino encontra-se nas instalações da autora desde essa data e, até ao presente, não foi transmitida à ré nenhuma indicação para esta proceder ao seu levantamento (22°).</font><br>
<font>28. As avarias que afectam a A... retiram rendimento ao trabalho por ela executado (23°).</font><br>
<font>29. As intervenções da autora nas reparações da autobetoneira não conseguiram suprimir a origem de todas as avarias, nomeadamente fugas hidráulicas (24° e 25°).</font><br>
<font>30. As avarias apresentadas pela autobetoneira reduziram o seu rendimento, o que provocou atrasos na execução da obra do Metro Sul Tejo (26°).</font><br>
<font>31. O dono da obra comunicava à ré os atrasos de que a mesma sofria (27°).</font><br>
<font>32. Como resultado das avarias da autobetoneira e das intervenções da autora, ela esteve imobilizada durante nove dias (28°).</font><br>
<font>33. Essa imobilização da autobetoneira acarretou a imobilização do pessoal afecto aos trabalhos que a mesma realizava, o que se traduziu em prejuízo não apurado (29°).</font><br>
<font>34. O dono da obra Metro Sul Tejo “resolveu” o contrato que havia outorgado com a ré, também por ela não cumprir os prazos estabelecidos (30°).</font><br>
<font>35. A “resolução” desse contrato implicou prejuízos para a ré de montante não determinado (31° e 32°).</font><br>
<font>36. O dono da obra do Metro Sul Tejo “resolveu” o contrato estabelecido com a ré (33°).</font><br>
<font>37. Antes da aquisição da autobetoneira a ré tinha um equipamento equivalente, cujas capacidades conhecia (34°).</font><br>
<font>38. Para a feitura de algumas das reparações, a autobetoneira esteve imobilizada algumas horas (35°, 36° e 39°).</font><br>
<font>39. A reparação referida em 18° deveu-se ao facto de a água do radiador apresentar mistura de óleo hidráulico, por razões que a autora não apurou (43°).</font><br>
<font>40. Aquando da reparação referida em 19°, a autobetoneira apresentava 850 horas de trabalho (44°).</font><br>
<font>41. A ré não está interessada na reparação da autobetoneira, por pretender a sua substituição por um equipamento idêntico em estado novo (46°).</font><br>
<font>42. Após a garantia aludida em 1), a autora debitaria à ré os custos das reparações (47°).</font><br>
<font>43. No exercício da actividade da ré, em Maio de 2003, foi-lhe adjudicada a empreitada de construção das infra estruturas urbanas da obra do Metro Sul Tejo, pela Mota & Companhia, S.A., pelo valor de 1.253.101,00 euros (48°).</font><br>
<br>
<font>4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>4. 1. - Nulidades da sentença.</font><br>
<br>
<font>A Recorrente argúi a nulidade da sentença por, ao pronunciar-se sobre a </font><i><font>exceptio</font></i><font>, ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia) e condenado em objecto diverso do pedido, incorrendo novamente nesta última nulidade ao conceder indemnização pelo interesse contratual positivo sem que se mostrassem alegados os respectivos fundamentos – art. 668º-1-d) e e) CPC.</font><br>
<br>
<font>A Recorrente continua a insistir na nulidade da decisão da 1ª Instância, acusando-a de violação do princípio do pedido, pedindo a sua anulação.</font><br>
<br>
<font>Ora, a decisão recorrida é, agora, o acórdão da Relação e não a sentença.</font><br>
<font>Os vícios </font><u><font>formais</font></u><font> desta última peça, a existirem, estarão cobertos pela decisão que foi chamada a sobre ela exercer censura, encontrando-se necessariamente sanados, desde logo por via da regra da substituição que o art. 715º CPC contempla.</font><br>
<font>Reflectindo-o, o acórdão impugnado julgou «improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida».</font><br>
<br>
<font> Quer isto dizer que, como é lógico e óbvio, se vícios formais há, da previsão do art. 668º, passíveis de serem arguidos perante o STJ – seja ao abrigo do art. 722º-1, seja do art. 755º-1 – só poderão ser os do acórdão da Relação.</font><br>
<font> No caso, concretiza-se exemplificando, haveria de se arguir de nulo o acórdão por, ele mesmo, por exemplo, omitir os fundamentos de facto ou de direito em que assentou a decisão confirmatória.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, o recurso carece, nesta parte, de objecto.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 2. - Nulidade do acórdão.</font><br>
<br>
<font> A Recorrente imputa ao acórdão a comissão das mesmas nulidade de excesso de pronúncia e violação do princípio do pedido – als. c) e d) do art. 668º-1 -, na parte respeitante ao conhecimento e concessão da </font><i><font>exceptio</font></i><font>, porque e na medida em que confirmou a sentença que cometera tais nulidades.</font><br>
<font> Estar-se-ia, assim, perante nulidades sequenciais. A nulidade da sentença repercutir-se-ia automaticamente no acórdão, implicando também a sua (e mesma) nulidade.</font><br>
<br>
<font> Do que se deixou referido no ponto anterior já resulta não merecer acolhimento a arguição.</font><br>
<font> Com efeito, as nulidades imputáveis ao acórdão hão-de ser as resultantes de vícios formais de que essa peça processual, ela mesma, padeça.</font><br>
<br>
<font> O acórdão tem por objecto a questão ou as questões que forem suscitadas nas conclusões do recorrente (arts. 684º e 690º-1 CPC), o que conduz directamente a que de vícios como o de excesso de pronúncia ou condenação </font><i><font>ultra petitum</font></i><font> só se possa falar quando no mesmo se trate e decida sobre questões que, não sendo de conhecimento oficioso, não estejam contidas na síntese conclusiva da alegação de recurso e/ou, alterando a decisão impugnada, se extravasem os limites balizados pela condenação impugnada no recurso e pelos pedidos formulados em sede recursiva. </font><br>
<font>É o que, a nosso ver, manifestamente resulta das normas dos arts. 660º-3, 661º-1, 676º-1, 684º-3 e 690º-1, todos do CPC.</font><br>
<br>
<font> Se, como no caso sucedeu, o tribunal de recurso aprecia as questões colocadas na alegação do recorrente, e só elas - apesar de imputada à instância recorrida comissão de vícios geradores de nulidade na respectiva apreciação -, e mantém a decisão impugnada, o que pode ocorrer é erro de julgamento, mas não nulidade se, ele próprio, não cometeu os alegados excessos ou omissões, mas tão só os teve ou não por perpetrados. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Improcede, pois, a arguição da nulidade do acórdão.</font><br>
<br>
<font>4. 3. - Concurso dos pressupostos da “</font><i><font>exceptio non rite adimpleti contractus</font></i><font>”.</font><br>
<br>
<font>4. 3. 1. - Antes de mais, importa notar que no acórdão recorrido já se decidiu não ser a </font><i><font>exceptio</font></i><font> de conhecimento oficioso, mas haver lugar à respectiva apreciação por se estar perante uma questão de qualificação e aplicação do direito à factualidade alegada. </font><br>
<font>Nessa medida, não reconheceu a nulidade a propósito arguida – e reposta neste recurso, como visto – e reapreciou a questão de fundo.</font><br>
<font>É desta que agora se trata.</font><br>
<br>
<br>
<font>4. 3. 2. 1. - A Ré formulou reconvencionalmente o pedido de anulação do contrato de compra e venda da autobetoneira, cumulando-o com o de indemnização por danos provenientes do mau funcionamento da máquina.</font><br>
<font>O pedido anulatório ficou definitivamente afastado na 1ª Instância, por inverificados os respectivos requisitos, nomeadamente o erro.</font><br>
<br>
<font>Porém, no entendimento de que o contrato foi cumprido pela A. de forma defeituosa, havendo venda de coisa defeituosa, tendo a R. alegado não ser devido o pagamento do preço, teve-se por oponível a excepção de não cumprimento do contrato em relação à parte do preço não paga, assim se legitimando o não pagamento das quantias reclamadas na petição inicial “enquanto a contraparte não cumprir ou não der garantias de cumprimento”.</font><br>
<font>No acórdão ora sob impugnação entendeu-se, também, que a autobetoneira revela falta das qualidades necessárias para o fim esperado/normal/corrente/habitual (art. 913º C. Civil), verificando-se haver venda de coisa defeituosa, havendo lugar à </font><i><font>exceptio</font></i><font>, ao abrigo do disposto no art. 914º C. Civ., para que tenham lugar as “correcções” atinentes ao cumprimento perfeito do contrato e restabelecimento do equilíbrio prestacional.</font><br>
<br>
<font>A Recorrente defende que para que a excepção procedesse era necessário que a Recorrida alegasse e provasse o direito à reparação, à redução do preço ou à substituição do equipamento.</font><br>
<br>
<br>
<font>4. 3. 2. 2. - Sem dúvida que, nos precisos termos da norma invocada no acórdão recorrido (art. 914º C. Civil), o comprador tem direito ao exacto cumprimento mediante a reparação ou, sendo caso disso, de substituição da coisa vendida.</font><br>
<font> Também se subscreve o entendimento que, perante a aquisição de coisa com vícios ou defeitos, deve ser reconhecido ao comprador que tenha o direito de exigir a reparação ou a substituição da coisa o direito de lhe opor a </font><i><font>exceptio </font></i><font>do não pagamento total ou parcial do preço como garantia do cumprimento perfeito que a reparação ou a substituição visam.</font><br>
<br>
<br>
<font>4. 3. 2. 3. - A Recorrente insiste, porém, em que a Recorrida não alegou nem provou o direito à reparação.</font><br>
<br>
<font>O direito à reparação ou substituição da coisa vendida pressupõe necessariamente que haja defeitos que devam ser reparados pelo vendedor ou que, pela sua gravidade, imponham a substituição.</font><br>
<br>
<font>A decisão recorrida assentou no pressuposto da existência de defeitos por, como aludido, revelar falta de qualidades para o fim normal a que se destinava, como o revelavam as sucessivas avarias.</font><br>
<br>
<font>Na verdade, as Instâncias tiveram, desde logo, por adquirido que as avarias verificadas na autobetoneira constituíam ou decorriam de vícios ou defeitos, de forma a qualificar o negócio como venda de coisa defeituosa –arts. 913º e 914º C. Civil,</font><br>
<br>
<font> A questão colocou-se, e na perspectiva pressuposta bem, no campo responsabilidade contratual emergente de cumprimento defeituoso do contrato, pois que a prestação do devedor não satisfaz o interesse do credor, </font><i><font>in casu</font></i><font> por se verificarem imperfeições ou desconformidades relativamente às que são normais e deviam existir, atento o seu destino e função da máquina.</font><br>
<font> O cumprimento defeituoso tem como pressuposta a ideia de que, aquando da entrega da coisa, o comprador desconhecia o vício ou inexactidão da prestação efectuada pela outra parte.</font><br>
<br>
<font> Quando haja cumprimento defeituoso, ou, seja, quando a prestação seja defeituosamente cumprida, o devedor, cuja culpa se presume, responde pelo prejuízo causado ao credor, nomeadamente pela eliminação dos defeitos – arts. 798º, 799º-1, 913º e 914º, todos do C. Civil.</font><br>
<font> Em caso de cumprimento defeituoso, a lei impõe, pois, ao devedor a prova de que o mesmo não procede de culpa sua.</font><br>
<br>
<font> A execução defeituosa da prestação contratual, como violação do contrato, é um acto ilícito, elemento integrante da responsabilidade contratual.</font><br>
<font> No domínio desta responsabilidade, presume-se, como se disse, a culpa, mas, na falta de norma que o permita, o mesmo não acontece relativamente aos restantes requisitos da responsabilidade civil.</font><br>
<font> Assim, há-de ser sobre quem invoca a prestação inexacta da outra parte como fonte da responsabilidade que há-de recair o ónus de demonstrar os factos que integram esse incumprimento (facto ilícito), bem como os prejuízos dele decorrentes (dano) – art. 342º-1 C.Civil (cfr. ac. STJ, de 23/11/06, Proc. 06B4007 – </font><i><font>ITIJ</font></i><font>; PEDRO R. MARTINEZ, “</font><i><font>Cumprimento Defeituoso-Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada</font></i><font>”, 356).</font><br>
<font> </font><br>
<font> O vício ou defeito da coisa é determinado à data do cumprimento e a ela se reporta. Deve, pois, existir nesse momento, embora eventualmente oculto.</font><br>
<font> Efectivamente, como escreve Pedro Martinez (</font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, 214), “o cumprimento defeituoso pressupõe a existência de culpa do devedor e não está na dependência do caso fortuito. Além disso, o defeito advém de uma execução imperfeita”.</font><br>
<br>
<font> Defeitos serão tanto os vícios que tiram valor ou aptidão à coisa para o uso ordinário ou previsto no contrato, como as desconformidades com o que as partes estipularam. No caso, dada a natureza do bem vendido reportar-se-ão, sobretudo, a deficiências de concepção ou de fabrico que a tornem imprópria para o uso normal de fabrico e transporte de argamassas em obras. </font><br>
<br>
<font> 4. 3. 2. 4. - Na situação ajuizada vem provada a existência de deficiências que se traduzem, objectivamente, em circunstâncias susceptíveis de afectarem negativamente o preenchimento da sua função e serviço como máquina industrial.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Não se mostra, porém, que essas deficiências existissem à data do cumprimento do contrato, mesmo em germe.</font><br>
<font> Trata-se, na verdade, de um conjunto de deficiências verificadas no decurso da utilização da autobetoneira, relativamente às quais não foi sequer alegado que existiam à data da entrega ou no início dessa utilização ou que advêm de erros de concepção, de montagem ou da utilização de materiais inadequados que as fizeram surgir (causas não detectáveis, mas ínsitas na prestação).</font><br>
<font> </font><br>
<font> Deste modo, não pode falar-se em defeitos para fins de preenchimento do conceito de prestação defeituosa e cumprimento defeituoso.</font><br>
<font> As anomalias provadas são compatíveis com defeitos de construção e com a sua contemporaneidade, mas, tem de aceitar-se, são-no também com outras causas posteriores como, por exemplo, as relativas às condições de utilização (uso anormal ou inadequado, como alegou a Autora).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ignorando-se a causa ou origem das deficiências, designadamente, insiste-se, se as mesmas resultam de vício concepção ou de fabrico, não pode concluir-se que resultam do cumprimento defeituoso da prestação (ac. STJ, cit., de 23/11/06). </font><br>
<font>Efectivamente, para que de venda de coisa defeituosa se possa falar, necessário seria que estivesse demonstrado que a máquina enfermava de deficiências que se manifestaram através das avarias reveladas, não sendo possível fazer equivaler estas (eventualmente devidas a causas supervenientes) a vícios da coisa vendida, enquanto qualidades que ela deve ter na previsão do acordo negocial e no momento da entrega.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Não tendo a Autora provado, nem alegado, factos integradores da figura jurídica do cumprimento inexacto da prestação – que a coisa vendida sofria de vício aquando da entrega ou aceitação (arts. 913º) -, demonstrando a violação do contrato pela Ré e a ilicitude que essa violação encerra, como pressuposto da responsabilidade, não se coloca sequer a questão da prova da ausência de culpa da última.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, falhando o pressuposto do direito ao exacto ou perfeito cumprimento, por isso que não está provado que ele não tivesse ocorrido, não ocorrerão os direitos que o enformam e concretizam (correcção por eliminação da desconformidade ou por substituição - art. 914º), direitos cuja exercibilidade e tutela legitimam, como se referiu, o reconhecimento da </font><i><font>exceptio non rite adimpleti contractus.</font></i><br>
<br>
<font>A Ré não pode, por isso, ver reconhecido o direito à eliminação ou reparação de quaisquer defeitos – que não estão demonstrados –, a coberto da garantia edílica prevista nos arts. 913º e 914º citados, e, reflexamente, não pode também beneficiar da excepção de direito substantivo que a </font><i><font>exceptio </font></i><font>encerra.</font><br>
<font>Nesta perspectiva, a reconvenção terá de improceder na totalidade, direito à indemnização incluído, por, como dito, falharem os pressupostos da responsabilidade contratual, desde logo a ilicitude inerente ao improvado cumprimento defeituoso ou imperfeito.</font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 3. 3. - Acontece que, apesar disso, a questão apresenta contornos diferentes, a postular também diferente enquadramento.</font><br>
<br>
<font>A Recorrente reparou as várias avarias que foram surgindo até que, em Abril de 2004, tendo a autobetoneira 1257 horas de trabalho, deu entrada nas suas instalações, com anomalias, para reparação, onde se mantém, não pretendendo a R. a reparação, cujo custo lhe seria debitado pela A., invocando o termo do período de “garantia”, mas a sua substituição. </font><br>
<br>
<font>Desloca-se, assim, para o âmbito da denominada garantia de bom funcionamento.</font><br>
<br>
<font>As Partes convencionaram um período de garantia de um ano ou mil horas de funcionamento da autobetoneira, consoante o que ocorresse em primeiro lugar.</font><br>
<font>Não se coloca qualquer problema de validade dessa garantia convencional, à luz da lei n. 24/96, de 31/7 e Dec.-Lei n.º 67/2003 (Defesa dos Consumidores), atento o destino profissional-industrial do b | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QDKuu4YBgYBz1XKvmi6j | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p>
</p><p><b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b>
</p><p><font>AA, por si e em representação de sua filha menor BB, intentou acção, com processo ordinário, contra “M... – Seguros Gerais, SA”, CC e “Fundo de Garantia Automóvel” pedindo a condenação da 1.ª Ré a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia de 230.756,20 euros, com juros desde a citação, para as ressarcir dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de acidente de viação do qual resultou a morte de seu marido e pai DD.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que o evento consistiu no embate entre o veículo automóvel ...-...-AG, conduzido pela Ré CC, e o motociclo ...-...-PD, conduzido pelo falecido; a 1.ª Ré é a seguradora do veículo automóvel; e caso se entenda que esse seguro não é válido a responsabilidade é solidária da Ré CC e do Réu “Fundo”.</font>
</p><p><font>Entretanto, o “Instituto de Segurança Social, IP” veio reclamar o pagamento de 8.228,55 euros, acrescidos de juros desde a citação, correspondentes ao que pagou a título de subsídio de morte e pensões de sobrevivência.</font>
</p><p><font>Na Comarca de Coimbra, a Ré “M...” foi absolvida do pedido; o Réu “Fundo de Garantia Automóvel” condenado a pagar às Autoras a quantia global de 195.461,08 euros – deduzida da franquia de 299,28 euros – com juros de mora desde a citação; e condenado a pagar ao ISS a quantia de 8.228,55 euros, com juros desde 11 de Fevereiro de 2008, sem prejuízo da subrogação que lhe assiste relativamente à Ré CC.</font>
</p><p><font>Os Réus “Fundo de Garantia Automóvel” e CC apelaram para a Relação de Coimbra que julgou improcedente o recurso desta Ré e parcialmente procedente o do “Fundo de Garantia Automóvel” condenando aquela, solidariamente com este, a pagarem às Autoras as quantias arbitradas na 1.ª Instância.</font>
</p><p><font>Inconformada, a Ré CC pediu revista tendo este Supremo Tribunal anulado o Acórdão recorrido e determinado a remessa dos autos à Relação para reapreciação da matéria de facto impugnada pela recorrente.</font>
</p><p><font>A Relação veio a proferir novo Acórdão concluindo nos precisos termos do primeiro.</font>
</p><p><font>De novo, a Ré CC pede revista, assim concluindo a sua alegação:</font><br>
<i><font>“- É relevante para a decisão de mérito ampliar a matéria de facto, a fim de se apurar se a seguradora estornou à tomadora o prémio que esta pagou respeitante ao período de 7/1/2006 a 7/1/2007, nos termos do art°. 729° do Código de Processo Civil; </font></i><br>
<i><font>- De acordo com a apólice junta na contestação pela recorrida seguradora emitida em 7 de Dezembro de 2006, o contrato de seguro sobre o veículo nela identificado produz efeitos entre 7/1/2006 a 7/1/2007, renovando-se nesta última data, englobando o período correspondente à data do acidente; </font></i><br>
<i><font>- Tal significa que, à data do acidente — 5 de Fevereiro de 2006 — o veículo se encontrava seguro na recorrida M..., competindo a esta responder pelas consequências do acidente ajuizado; Sendo a apólice a expressão formal da vontade da seguradora é ilegítima a invocação da cessação dos efeitos do seguro por alienação do veículo se a seguradora, posteriormente a essa invocação (Junho de 2006) emite em Dezembro desse ano, uma apólice a consagrar essa responsabilidade no período correspondente à ocorrência do sinistro; </font></i><br>
<i><font>- A apólice junta aos autos constitui uma declaração confessória da existência do seguro à data do acidente; </font></i><br>
<i><font>- Essa apólice, com o conteúdo relatado, não pode entender-se como um erro, sob pena de violação do princípio de boa-fé e exercício abusivo de direito, nos termos do art°. 334° do Código Civil; </font></i><br>
<i><font>- A emissão da apólice nos termos referidos não deixa dúvidas quanto à expressão da vontade da seguradora querer manter o seguro em vigor, não se tratando de nenhum erro, quando solicitou o pagamento do prémio de seguro correspondente ao período de Janeiro de 2007 a Janeiro de 2008; </font></i><br>
<i><font> - A reposição em vigor do seguro, manifestamente expressa na apólice emitida em 7 de Dezembro de 2006, com efeitos entre Janeiro de 2006 a Janeiro de 2007 faz incorrer a seguradora na obrigação de responder pelas consequências do sinistro, nos termos do art°. 2° n° 2 do D.L. 522/85 de 31 de Dezembro; </font></i><br>
<i><font>- Mas ainda que assim se não entenda, o que não se concede, ter-se-á de entender que, no caso em apreciação, não se verificaram os efeitos da alienação previstos no art°. 13° do D.L. 522/85 de 31 de Dezembro visto que a tomadora continuou a ter a direcção efectiva do veículo e a utilizá-lo no seu próprio interesse sendo que esta, após averbar a propriedade do veículo em nome da recorrente, continuou a conduzi-lo, a servir-se dele, a pagar a sua manutenção e as reparações que este carecia; </font></i><br>
<i><font>- Sendo o Contrato de seguro um negócio de natureza pessoal (e não real) mantendo a tomadora a mesma relação jurídica com o veículo não se produziram os efeitos do referido art°. 13° daquele decreto; </font></i><br>
<i><font>- O seguro continuou assim a ser o garante da responsabilidade que cabe ao tomador, tudo se passando como se nunca tivesse havido alienação; </font></i><br>
<i><font>- Perante terceiros, só o Fundo de Garantia Automóvel responde pelo pagamento das indemnizações aos lesados, sendo indevida a condenação da recorrente em regime de solidariedade com o FGA; </font></i><br>
<i><font>- Ao invés, satisfeitas as indemnizações por este, poderá solicitar tal reembolso ao responsável civil. </font></i><br>
<i><font>- Decidindo como decidiu violou o Tribunal recorrido o comando dos art°s. 712°. n° 4 do Código de Processo Civil, 227° n° 1, 334° e 762°, n.º 2 do Código Civil e 2.º, 13.º, 21.º, 23.º e 25.º do DL 522/85, de 31 de Dezembro.”</font></i>
</p><p><font>Contra alegaram o “Fundo de Garantia Automóvel” e “M..., SA”.</font>
</p><p><font>Aquele limita-se a pugnar pela condenação nos termos em que foi proferida, solidariamente (solidariedade imprópria) com a recorrente.</font>
</p><p><font>A seguradora vem em defesa do julgado.</font>
</p><p><font>A Relação deu por assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br>
<i><font>“1. DD, falecido a 5 de Fevereiro de 2006, com 33 anos de idade, havia contraído casamento a 6 de Julho de 1996, com a Autora AA, sob o regime de comunhão geral de bens;</font></i><br>
<i><font>2. Casamento que existia à data do óbito do cônjuge marido e do qual nasceu a Autora, BB, em 28 de Junho de 2001.</font></i><br>
<i><font>3. No dia 5 de Fevereiro de 2006, o DD circulava pela A1, no sentido sul-norte, tripulando o motociclo, de marca Honda, modelo CBR, com a matrícula ...-...-PD, pertença sua e de sua mulher, integrado num grupo de mais seis motociclos, conduzidos por amigos seus.</font></i><br>
<i><font>4. A Autora AA também seguia no PD.</font></i><br>
<i><font>5. Que circulava com os médios ligados (à frente e atrás).</font></i><br>
<i><font>6. Cerca das 18h15, entre a portagem de Condeixa e a portagem de Coimbra Sul, próximo da localidade de Ribeira dos Frades, ao Km 189, na recta imediatamente anterior à saída da A1 para Coimbra Sul, de quem circula no sentido sul-norte, AA e DD, constataram que o seu amigo EE, que seguia um pouco mais à frente, se encontrava imobilizado, na berma direita da auto-estrada, no sentido sul-norte, debaixo do motociclo que conduzia. </font></i><br>
<i><font>7. AA e DD pararam na berma, com vista a auxiliar EE, tendo para isso o DD ligado os piscas. </font></i><br>
<i><font>8. Na altura outros motociclistas amigos do DD e de EE, pararam na A 1 para socorrerem este último, ajudando-o sair debaixo da mota e a levantá-la. </font></i><br>
<i><font>9. Encontrando-se já imobilizados na berma estrada, DD pediu à autora AA para ir ajudar o EE a levantar o motociclo e a sair debaixo do mesmo, ficando o DD sentado em cima do PD, que se encontrava virado para a berma, em diagonal com a estrada. </font></i><br>
<i><font>10. Na altura circulava na A1, sentido sul/norte, na semi-faixa mais à direita (atento o respectivo sentido de marcha) o ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-AG conduzido pela ré CC , a velocidade não inferior a 90/100 Km/h. </font></i><br>
<i><font>11. A condutora do AG, por razões não apuradas, ao aperceber-se da diminuição da velocidade de veículos que seguiam à sua frente, travou e desviou-se para a direita, entrando na berma direita da A1, no sentido sul-norte e foi embater na roda traseira do PD quando este se encontrava imobilizado nessa referida berma, fora da faixa de rodagem, indo aí embater no PD. </font></i><br>
<i><font>12. O AG deixou no pavimento uma marca de travagem esquerda de 45,6 metros e uma marca de travagem direita de 40, 6 metros. </font></i><br>
<i><font>13. Com o embate, DD foi projectado cerca de 20 metros e o PD cerca de 32 m, no sentido norte. </font></i><br>
<i><font>14. Após o embate, o AG galgou o “rail”, subindo a ribanceira que se apresenta do lado direito, no sentido sul-norte, aí ficando imobilizado, com a frente do veículo virada para sul. </font></i><br>
<i><font>15. Na altura em que ocorreu o embate havia boa visibilidade, o céu apresentava-se pouco nublado ou limpo e não chovia. </font></i><br>
<i><font>16. O local onde o embate ocorreu é uma recta com inclinação descendente e boa visibilidade e a faixa de rodagem tem 7,60 metros de largura e a berma 2,60 metros de largura. </font></i><br>
<i><font>17. Na altura em que ocorreu o embate começava a anoitecer, existindo ainda luz natural que permitia visibilidade aos condutores. </font></i><br>
<i><font>18. Devido ao embate, DD sofreu ferida contusa na cabeça; escoriações na cabeça e membro inferior direito; equimoses na cabeça, pescoço, abdómen e membro superior direito; sinais de rinorragia e otorragia bilateral; lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas: edema cerebral; sangue no 4° ventrículo e ventrículos laterais; amolecimento do parénquima a nível do sulco bulbo pontino; hemorragias subdural e subarancnoideia; fracturas da base; lesões traumáticas torácicas; fractura bilateral de costelas; contusão pulmonar; lesões traumáticas raqui-meningo-medulares torácicas; fractura do disco intervertebral T2- T3, com hemorragia epidural, subdural e subaracnoideia e amolecimento medular a esse nível. </font></i><br>
<i><font>19. Essas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, torácicas e raqui-meningo-medulares torácicas determinaram-lhe a morte, nesse mesmo dia, pelas 19h35, já no Hospital dos Covões, Coimbra, para onde foi socorrido. </font></i><br>
<i><font>20. Desde o momento do embate — cerca das 18h 20m — até ao momento da sua morte — 19h 35m — DD foi submetido a hemograma, ecografia, intubação do tubo digestivo e algaliação. </font></i><br>
<i><font>21. DD era um jovem alegre, bem disposto e muito apegado à vida, saudável e forte. </font></i><br>
<i><font>22. Entre DD e a autora AA havia uma relação marital pautada por sentimentos de união e companheirismo, próprios de quem se encontrava ainda no início de uma vida a dois, com uma filha ainda criança. </font></i><br>
<i><font>23. A autora AA e o marido pretendiam vir a ter mais filhos, tendo como objectivo constituir uma família numerosa. </font></i><br>
<i><font>24. A autora e marido estavam na fase final da construção de uma moradia, que seria a residência da sua família e que era um sonho que vinha desde os tempos de namoro. </font></i><br>
<i><font>25. Desde Julho de 2006 as autoras habitam nessa moradia, sentindo a falta do marido e pai, respectivamente, com uma constante sensação de vazio. </font></i><br>
<i><font>26. A autora AA, no momento em que se prestava para ajudar o seu amigo EE, ouviu um barulho e ao olhar para trás percebeu que a mota onde estava o marido tinha sido embatida por uma viatura, correndo horrorizada, de imediato, para socorrer o corpo que, inanimado, jazia no chão. </font></i><br>
<i><font>27. No momento do acidente, a autora ficou em estado de choque, tendo que ser assistida no Hospital dos Covões, em Coimbra. </font></i><br>
<i><font>28. A morte súbita e inesperada de DD mergulhou a autora AA em dor e angústia, tendo-se fechado na sua dor, chorando e lamentando o sucedido e recordando permanentemente o marido falecido. </font></i><br>
<i><font>29. O sofrimento da autora AA é agravado ao ver a sua filha de quatro anos perguntar pelo pai, questionando o motivo da súbita ausência deste último e colocando um sem número de questões próprias de quem, aos quatro anos, não compreende o conceito de ‘morte’. </font></i><br>
<i><font>30. Pelo menos em 25 de Julho de 2006 a autora AA frequentou consulta de psiquiatria. </font></i><br>
<i><font>31. A autora BB mantinha uma relação de forte união e companheirismo com o pai, pautada pela brincadeira e alegria constantes e o pai representava para ela o lado ‘brincalhão’ da família (em contraposição com o lado ‘responsável’, ocupado pela mãe). </font></i><br>
<i><font>32. A autora BB sofreu uma grande dor e desgosto com a morte do pai, não conseguindo, dada a idade, compreender o conceito de ‘morte’, não aceitando que o pai tenha desaparecido da sua vida e não percebendo a razão dessa ausência. </font></i><br>
<i><font>33. Em virtude do sucedido, a BB teve que receber apoio psicológico, apoio esse que ainda hoje se mantém. </font></i><br>
<i><font>34. Devido ao embate, o capacete que o DD trazia, da marca Nolan com o valor de e 229,90 ficou inutilizado. </font></i><br>
<i><font>35.E o PD ficou com a roda traseira totalmente danificada; quadro traseiro danificado; escape partido; guarda-lamas traseiro partido; carnais laterais partidos; espelhos partidos; guiador partido; direcção empenada; ópticas riscadas; top case danificada; tampa do motor esquerdo partida, importando a sua reparação em € 8.226,57. </font></i><br>
<i><font>36. O PD tinha, à data, o valor comercial de cerca de € 6.500,00. </font></i><br>
<i><font>37. O PD teve e ser rebocado do local do acidente para Valongo, ficou parqueado nas instalações da empresa J...F...M...O..., Lda., desde 5 de Fevereiro de 2006 até 17.02.2006. </font></i><br>
<i><font>38. Com o reboque e o parqueamento do PD a autora AA despendeu é €129,03. </font></i><br>
<i><font>39. Com as despesas hospitalares relativas aos tratamentos efectuados a DD no Hospital dos Covões a AA despendeu € 14,30 e com as despesas hospitalares relativas aos tratamentos por si recebidos no Hospital dos Covões despendeu € 6,90. </font></i><br>
<i><font>40. O corpo de DD, após os procedimentos médico-legais, foi transportado de Coimbra para Valongo, com vista à realização do funeral, tendo a AA despendido, com o transporte do corpo do marido de Coimbra par Valongo e a realização do funeral, a quantia de € 1.809,50. </font></i><br>
<i><font>41. À data do embate, DD exercia as funções inerentes à categoria profissional de 1° Escriturário, por conta da sociedade M... G... & C.ª Lda., auferindo o vencimento mensal líquido no montante de € 480,00. </font></i><br>
<i><font>42. DD contribuía com a quase totalidade do valor do seu vencimento para as despesas do agregado familiar e com as relativas à construção de uma vivenda, destinando o remanescente a despesas pessoais. </font></i><br>
<i><font>43. Era expectável que DD viesse a progredir em termos profissionais - no local onde trabalhava ou noutro emprego – e que passasse no futuro a auferir um vencimento mensal superior. </font></i><br>
<i><font>44. DD almoçava e jantava muitas vezes em casa dos seus pais. </font></i><br>
<i><font>45. Os pais do DD apoiavam-no economicamente, dando-lhe dinheiro nalgumas ocasiões. </font></i><br>
<i><font>46. A autora AA, que possui o 12° ano de escolaridade, exerce a profissão de ‘caixa’ de uma grande superfície comercial auferindo mensalmente o montante de € 525,00. </font></i><br>
<i><font>47. O casal constituído pelo DD e pela autora AA eram um casal organizado e poupado, cujo principal objectivo que tinham em mente era terminar a construção da moradia para onde se pretendiam mudar proximamente e a compra do respectivo mobiliário. </font></i><br>
<i><font>48. Em virtude da morte de DD o ISS,IP/CNP pagou à autora AA o montante de € 1.653, 75 e à autora BB o montante de € 1.653,75, a título de subsídio por morte. </font></i><br>
<i><font>49. E à AA ainda o montante de € 3.690,88 e à BB o montante de € 1.230,17, a título de pensões de sobrevivência relativas ao período de Março de 2006 a Janeiro de 2008. </font></i><br>
<i><font>50. O valor mensal das pensões de sobrevivência atribuídas às autoras AA e BB Almeida é actualmente de € 141,88 e € 47,29. </font></i><br>
<i><font>51. Em 7 de Janeiro de 1988 foi celebrado entre a ré M... e FF contrato de seguro (ramo automóvel), titulado pela apólice ... mediante o qual a primeira assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-AG, nos termos constantes de fls. 117 e 118. </font></i><br>
<i><font>52. Em Julho de 2005 GG, tia da ré CC, por ocasião da obtenção da licença de condução por esta, decidiu transferir para a mesma, a titularidade do AG. </font></i><br>
<i><font>53. A anterior dona do veículo AG (GG), em data anterior ao embate, havia-o dado à ré CC. </font></i><br>
<i><font>54. Apesar disso,GG continuou a conduzir o AG sempre que necessitava, a suportar as despesas de combustível e demais despesas relativas à utilização do veículo. </font></i><br>
<i><font>55. O direito de propriedade sobre o veículo AG, marca Peugeot, encontra-se registado na C.R.A. de Lisboa a favor da aqui ré CC desde 22 de Setembro de 2005. </font></i><br>
<i><font>56. No dia 4 de Fevereiro e 2006 FF contactou com o ‘Call Center’ da M.... </font></i><br>
<i><font>57. A ré M..., em 4 de Dezembro de 2006, enviou a GG a carta cuja cópia figura a fls. 153. </font></i><br>
<i><font>58. À data do embate a ré CC apresentava vestígios de benzodiazepinas no organismo, em quantidade não apurada. </font></i><br>
<i><font>59. A ré CC possuía carta de condução para veículos ligeiros, categoria B), desde 13 de Junho de 2005.” </font></i>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font>Conhecendo,</font><br>
<font>1. Seguro de responsabilidade civil automóvel.</font><br>
<font>2. “In casu”</font><br>
<font>3. Conclusões.</font><br>
<b><font>1- Seguro de responsabilidade civil automóvel</font></b><font>.</font>
</p><p><font>A recorrente não põe em causa o evento, a culpa, os danos e o nexo causal, pressupostos da responsabilidade civil extra contratual.</font>
</p><p><font>Apenas questiona a vigência do seguro celebrado com a Ré “M...” e a sua condenação solidária com o “Fundo de Garantia Automóvel”.</font>
</p><p><font>Daí, o apenas relevarem para a decisão os factos elencados sobre os n.ºs 51 a 57 dos quais se conclui que o seguro de responsabilidade civil referente aos danos de circulação do veículo ...-...-AG foi outorgado entre a Ré “M...” e Maria de Lurdes Costa, em 7 de Janeiro de 1988, sendo esta, então, a proprietária do automóvel.</font>
</p><p><font>A GG transferiu esse domínio para a Ré CC, em Julho de 2005 – após esta ter obtido carta de condução – sendo que o veículo foi registado em nome da Ré em 22 de Setembro de 2005, tendo o acidente ocorrido em 5 de Fevereiro de 2006.</font>
</p><p><font>É certo ter-se provado que a GG “continuou a conduzir o AG sempre que necessitava, a suportar as despesas de combustível e demais despesas relativas à utilização do veículo.”</font>
</p><p><font>Mas tais factos irrelevam em termos de propriedade do mesmo pois, será normal (até por cortesia) que, quem utiliza um veículo esporadicamente (“sempre que necessitava”) pague o combustível e outros custos resultantes dessa utilização.</font>
</p><p><font>Tal não a torna proprietária, sendo certo que se provou ter transferido a propriedade que, de todo o modo, se presumiria da Ré CC, pessoa em nome da qual se encontra registado - “ex vi” do artigo 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro.</font>
</p><p><font>O seguro de responsabilidade civil automóvel, além de ser de natureza pessoal (pois garante a responsabilidade aquiliana dessa pessoa, que é o tomador), reporta-se aos danos causados pela utilização/circulação de certo e determinado veículo automóvel.</font>
</p><p><font>Aquando do evento vigorava o DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro (com as alterações dos DL n.ºs 122-A/86, de 30 de Maio, 102/88, de 29 de Março, 130/94, de 19 de Maio) e não ainda o DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto.</font>
</p><p><font>Daí que nos reportemos ao diploma de 1985, com algum apelo às regras gerais dos artigos 425.º e seguintes do Código Comercial (à epoca ainda não revogados pelo DL n.º 72/2008, de 16 de Abril).</font>
</p><p><font>Movemo-nos, pois, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.</font>
</p><p><font>Nos termos conjugados dos artigos 1.º e 2.º do citado DL n.º 522/85, a obrigação de segurar é de quem possa vir a ser responsável pela “reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo” (n.º 1 do artigo 1.º) sendo que a obrigação de segurar recai, em primeira linha, sobre o proprietário do veículo, salvo nos casos de usufruto, venda com reserva de propriedade ou locação financeira, em que a obrigação recai sobre os respectivos beneficiários desses institutos ou contratos (n.º 1 do artigo 2.º), (cf., no mesmo sentido, o artigo 6.º, n.ºs 1 e 2 do actual regime – DL 291/2007, de 21 de Agosto).</font>
</p><p><font>Porém, se qualquer outra pessoa celebrar o contrato de seguro relativamente ao veículo “fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos” a obrigação daquelas pessoas (n.º 2 do artigo 2.º).</font>
</p><p><font>Ou seja, mau grado a já afirmada natureza pessoal do seguro de responsabilidade civil automóvel, e o mesmo se reportar aos danos causados por certo e determinado veículo (constante da apólice) o legislador autoriza que um terceiro, sem qualquer ligação ao veículo, para celebrar o seguro.</font>
</p><p><font>Só que, nestes casos, fá-lo “por conta de outrem”, como já permitia o artigo 428.º do Código Comercial, só que não fica sujeito às obrigações cominatórias dos respectivos parafrafos.</font>
</p><p><font>Mas da conjugação daquele artigo 2.º com o n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei que vimos analisando (“O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo”) resulta que o que se pretendeu com a excepção do n.º 2 daquele artigo 2.º foi assegurar que, em situações transitórias, quando, e enquanto, as pessoas elencadas no n.º 1 não cumprissem o dever de segurar, o veículo não circulasse a descoberto daquela garantia.</font>
</p><p><font>Mas é evidente que o segundo tomador do seguro terá de ser sempre alguém com ligação ao veículo (“legitimo detentor” ou condutor habitual) tal como parece resultar do citado artigo 8.º.</font>
</p><p><font>Porém, o seguro não se transmite com a alienação do veículo, antes caducando “às 24 horas do próprio dia da alienação” (nos termos do artigo 13.º, n.º 1 daquele diploma – cf. o artigo 21.º do novo regime).</font>
</p><p><font>Ou seja, existindo um seguro válido e eficaz, se o veículo for vendido, doado ou, por qualquer outra forma, alienado, caduca no prazo referido, recaindo sobre o adquirente (em qualquer das modalidades do n.º 1 do artigo 2.º) a obrigação de celebrar novo contrato, por ter cessado a responsabilidade da primitiva seguradora, constante da primeira apólice.</font>
</p><p><b><font>2. “In casu”</font></b>
</p><p><font>Aqui chegados, pode afirmar-se a sem razão da recorrente, não se afigurando, sequer, necessária qualquer ampliação da matéria de facto.</font>
</p><p><font>O veículo foi alienado (doado) pela primitiva tomadora do seguro, que o tinha celebrado na sua qualidade de proprietária.</font>
</p><p><font>E a nova dona não demonstrou ter outorgado novo contrato (mesmo por outrem) apesar da cessação do primeiro, resultante da transferência de propriedade.</font>
</p><p><font>O facto da primitiva dona usar o veículo não basta para manter o seguro que, insiste-se, perdeu a sua vigência com a alienação.</font>
</p><p><font>Ademais, o que a lei pretende é que o seguro seja tomado por quem tem uma efectiva e permanente ligação ao veículo, que não por qualquer pessoa que o utilize, em circunstâncias de mero favor, tolerância ou cortesia de quem tem um direito sobre o veículo, designadamente do elenco do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.</font>
</p><p><font>Também, não tem qualquer relevo o facto de a “M...” não ter estornado o prémio de seguro da anuidade 2006/2007, já que tal não traduz facto que permita concluir pelo reconhecimento da validade do mesmo, antes sendo questão a ser eventualmente tratada em sede creditícia entre a primitiva segurada e a seguradora.</font>
</p><p><font>Também, e ao contrário do que a recorrente afirma, não existiu solidariedade, em termos próprios, mas apenas afirmado o direito de sub-rogação do FGA relativamente à recorrente.</font>
</p><p><font>Improcedem, em consequência, as razões da recorrente.</font><br>
<b><font>3. Conclusões</font></b>
</p><p><font>Pode, então, concluir-se que:</font><br>
<font>a) O seguro de responsabilidade civil automóvel é de natureza pessoal mas terá de ser reportado aos danos de circulação causados pelo(s) veículo(s) constante(s) da apólice.</font><br>
<font>b) Destina-se a garantir a responsabilidade aquiliana do proprietário ou de usufrutuário, locatário financeiro adquirente – sendo estes que têm uma ligação efectiva ao veículo e, portanto, sujeitos da obrigação de segurar – pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões causadas a terceiros por aquele veículo.</font><br>
<font>c) Excepcionalmente, qualquer um, com ligação ao veículo, pode ser tomador do seguro, fazendo-o sempre por conta de qualquer das pessoas da alínea b), não sendo, porém, nestes casos, aplicável quanto à invalidade, o disposto nos §s do artigo 428.º do Código Comercial.</font><br>
<font>d) O seguro caduca (cessa) às 24 horas do dia de alienação do veículo recaindo sobre o novo adquirente (ou terceiro, nos termos acima referidos) a obrigação de celebrar novo contrato.</font><br>
<font>e) O facto do primitivo proprietário continuar a utilizar o veículo, por mero favor, tolerância ou cortesia, e suportar as despesas resultantes dessa utilização, não faz renascer o contrato de seguro que cessou com a alienação, já que, após esta, seria obrigatória a outorga de novo seguro, nos termos, e pelas pessoas, referidas.</font>
</p><p><font>Nos termos expostos, </font><b><font>acordam negar a revista</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Custas pela recorrente.</font>
</p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Abril de 2010</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator)</font>
</p><p><font>Moreira Alves</font>
</p></font><p><font><font>Alves Velho</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKPu4YBgYBz1XKvbxtr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font> </font></b></p><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<font>AA intentou acção, com processo ordinário, contra “BB Produtos Alimentares”, actualmente com a denominação de “CC Production, SA”, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 29.900,00 euros, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, até integral pagamento e de todas as quantias a liquidar futuramente, sendo 22.500,00 euros a título de danos não patrimoniais e 7.400,00 euros pelos danos patrimoniais, todos consequência do acidente que sofreu quando trabalhava para a demandada, nas suas instalações.</font>
<p><font>O trabalho era prestado ao abrigo de um contrato celebrado com a empresa de trabalho temporário “DD Limitada”.</font>
</p><p><font>Alega que correu termos um processo por acidente de trabalho tendo a Autora sido indemnizada pela seguradora da entidade patronal – “EE” – mas apenas parcialmente.</font>
</p><p><font>Alega que a Ré é responsável atenta a sua qualidade de proprietária da máquina industrial que causou o acidente (porta- paletes) manobrada de forma desajeitada por um trabalhador ao seu serviço que agiu como comissário e cuja culpa se presume; que, mesmo que a máquina fosse manobrada com diligência, sempre, pelas suas características funcionais e mecânicas, é geradora de responsabilidade civil pelo risco inerente ao seu funcionamento.</font>
</p><p><font>A Ré contestou excepcionando a incompetência material do Tribunal, bem como, a prescrição e impugnando os factos alegados.</font>
</p><p><font>Pediu a intervenção principal da “DD Trabalho Temporário Unipessoal, Limitada”, com a qual a Autora tinha a seu vínculo laboral, intervenção que não foi admitida.</font>
</p><p><font>A “EE – Companhia de Seguros, SA” deduziu intervenção principal espontânea, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias que suportou (19.872,01 euros e juros) e que irá suportar enquanto seguradora do trabalho, tendo, nessa qualidade, sido condenada na acção que correu termos no Tribunal de Trabalho ainda não transitada.</font>
</p><p><font>Mais tarde, e por duas vezes, ampliou o pedido, respectivamente em mais 25.260,49 euros, e juros de mora, e 7.094,52 euros e juros de mora.</font>
</p><p><font>Estas intervenções e as ampliações foram admitidas.</font>
</p><p><font>Veio depois, a Autora deduzir ampliação do seu pedido para 113.926,28 euros, sendo mais 4.026,28 euros por danos patrimoniais e fixando em 80.000,00 euros a indemnização pelos danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>Na 1.ª Instância foi proferida sentença com o seguinte segmento final:</font>
</p><p><font>“Julgo a acção parcialmente procedente e condeno a Ré CC Production SA no pagamento da quantia de € 35.000 (Trinta e cinco mil euros) a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, proveniente da perda da capacidade de ganho da Autora.</font>
</p><p><font>Condeno a Ré no pagamento da correspondente diferença de valor face ao salário auferido pela Autora, contado a partir da data de 16 de Novembro de 2005, acrescida dos juros legais contados da citação e até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Condeno a Ré no pagamento da correspondente diferença de perda salarial entre o valor da pensão fixado e o do salário acrescida dos juros legais contados da citação e até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Condeno a Ré no pagamento da quantia de € 20.000 (Vinte mil euros) a título de indemnização por danos morais acrescida de juros legais vencidos desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do restante montante peticionado.</font>
</p><p><font>Condeno a Ré no pagamento à EE Companhia de Seguros SA da quantia de € 52.227,02 (Cinquenta e dois mil duzentos e vinte e sete euros e dois cêntimos) acrescida de juros à taxa legal contados desde a notificação da Ré e até integral e efectivo pagamento.</font>
</p><p><font>Absolvo a Ré do pagamento da quantia de € 7.400 (Sete mil e quatrocentos euros) relativo a proventos resultantes da sua ocupação remunerada da Autora como professora de dança.”</font>
</p><p><font>A Ré apelou para a Relação de Lisboa que, dando provimento ao recurso absolveu-a “dos pedidos contra si deduzidos pela Autora e pela interveniente”.</font>
</p><p><font>A Autora recorrera subordinadamente, limitando o âmbito do seu recurso ao montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais (20.000,00 euros) pedindo que seja fixado em quantia não inferior a 50.000,00 euros.</font>
</p><p><font>O Acórdão recorrido considerou prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.</font>
</p><p><font>A Autora vem pedir revista alinhando as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. A recorrente sofreu em 15 de Novembro de 2005, pelas 21/h, nas instalações fabris da ré, um acidente quando estava no seu posto de trabalho a embalar bolachas.</font>
</p><p><font>2ª. Como consequência de grave traumatismo craniano veio a ficar afectada de uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual e ficou com enorme incapacidade de comunicação, não assimila nem entende o que ouve, perdeu o sentido de humor, sofreu grande dispersão da sua capacidade de concentração.</font>
</p><p><font>3ª. O seu rendimento intelectual baixou de forma sensível, tem imaturidade na estruturação da formação, revelando uma personalidade pré-mórbida, sofre de forma notória de psicose post-traumática com graves perturbações permanentes.</font>
</p><p><font>4ª. O acidente ocorreu porque junto do seu local de trabalho, que era estático, permanecendo parada à frente de um tapete rolante a preencher embalagens de bolachas, circulava ou cirandava um porta-paletes, movendo de um lado para outro pilhas com caixas de bolachas.</font>
</p><p><font>5ª. A certa altura quando o aparelho em questão, manobrado manualmente, mudava a posição de uma palete, de um lado para o outro, o seu manobrador permitiu que ela batesse noutra palete que estava pousada no chão, sobre a qual havia uma pilhas de caixas e, como consequência desse choque ou empurrão as caixas superiores caíram sobre a cabeça e as costas da autora derrubando-a para a frente e sobre o tapete rolante, sofrendo grave traumatismo craniano.</font>
</p><p><font>6ª. É inquestionável que o acidente e as suas extensas e danosas consequências ocorreu devido à conduta negligente do manobrador do mencionado aparelho.</font>
</p><p><font>7ª. Mesmo que por mera hipótese não tivesse ficado provada a conduta negligente do manobrador do aparelho sempre a recorrida seria responsável pelo ressarcimento dos danos causados pela circulação do aparelho com base na responsabilidade objectiva e pelo risco da sua circulação.</font>
</p><p><font>8ª. Não houve violação de normas de Segurança do Trabalho, hipótese em que porventura poderia ser aplicável o acórdão uniformizador n°.6/2013 deste Supremo Tribunal.</font>
</p><p><font>9ª. Pela análise do referido acordo e do caso concreto que lhe deu origem, verifica-se que este Supremo Tribunal teve especial preocupação de zelar pelos interesses dos trabalhadores que, sendo contratados por uma empresa de trabalho temporário, sofrem acidentes ocorridos por violação de normas de Segurança no Trabalho, causadas por incúria da empresa utilizadora, tendo este Tribunal optado, para melhor protecção do sinistrado, que devia ser responsabilizada a empresa de trabalho temporário.</font>
</p><p><font>10ª. É uma solução possível e que no caso concreto ali julgado foi a mais adequada à protecção dos interesses do sinistrado.</font>
</p><p><font>11ª. Mas para chegar a tal solução não era imprescindível que a empresa utilizadora, que foi a efectiva causadora do acidente fosse declarada irresponsável ou inocentada, pois nada obsta a que a empresa de trabalho temporário, suportando; as consequências danosas de um acidente causado por negligência de outrem, não exercesse depois o correspondente direito de regresso contra a empresa utilizadora.</font>
</p><p><font>12ª. No caso ora </font><i><font>sub judice</font></i><font> não se verificou por parte da empresa recorrida, entidade utilizadora do labor da recorrente, violação de normas de Segurança no Trabalho, pois o acidente resultou da actuação negligente de um seu trabalhador.</font>
</p><p><font>13ª. Nada obsta a que a causadora do acidente responda pelas consequências danosas que não estão cobertas pela legislação de acidentes de trabalho, mas sim pelo regime geral de responsabilidade civil extra-contratual.</font>
</p><p><font>14ª. E foi para efectivar essa responsabilidade extra-contratual que a recorrente acudiu a Juízo.</font>
</p><p><font>15ª. A doutrina do acórdão uniformizador n°. 6/2013 não é aplicável ao caso dos presentes autos.</font>
</p><p><font> 16ª. O acórdão ora submetido à censura de V.Exas violou assim, por erro de interpretação, o disposto nos art°s. 483° e 493° 2, ambos do C.Civil, pelo que”</font>
</p><p><font>Também recorreu a interveniente “EE – Companhia de Seguros, SA”, assim concluindo:</font>
</p><p><font> 1ª - Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do tribunal da relação que julgou procedente a apelação, revogando a sentança proferida em ia instância e, consequentemente, absolveu a r. dos pedidos contra si deduzidos pela A. e pela interveniente;</font>
</p><p><font>2ª- A ora interveniente não se conforma com o teor desta decisão, dela vindo interpor o presente recurso, por entender que o pedido por si deduzido nos presentes autos deve ser julgado procedente, por provado, nos termos em que o foi em primeira instância, como seguidamente se passará a expor:</font>
</p><p><font>3ª- Para uma melhor dilucidação da presente questão, dão-se aqui por reproduzidos todos os factos que resultaram provados nos presentes autos e que assim ficaram transcritos;</font>
</p><p><font>4ª- Ao invés do que vem mencionado no douto acórdão sob censura, entende a ora recorrente que não é aplicável, nem tem que ser aplicado ao caso "sub judice " o aludido acórdão uniformizador de jurisprudência, por duas ordens de razões:</font>
</p><p><font>A) Em primeiro lugar, e como vem aliás mencionado na decisão sob censura, porque o aludido sinistro a que se reportam os presentes autos ocorreu a 15/11/2005 e o aludido acórdão foi proferido em 2013, ou seja, muitos anos após o sinistro; e</font>
</p><p><font>B) Em segundo lugar, porque os acórdãos uniformizadores vieram substituir a figura dos assentos precisamente com o intuito de confinar os tribunais ao exercício do poder que efectivamente lhes compete, o poder judicial (cfr. Artigo 202°, da CRP), os quais apenas estão sujeitos à lei (cfr. Artigo 203°, da CRP) e não ao que anteriormente veio a ser decidido - a nosso ver, mal;</font>
</p><p><font>5ª - Situação esta, aliás, que já não é nova e, pelo contrário, tem precedentes na nossa jurisprudência relativamente à interpretação do art. 19°, al. c), do DL n. 522/85, de 3 1/12, que veio sendo sucessivamente arredado por subsequentes decisões, formando quase unanimemente uma jurisprudência de sentido contrário ao pugnado por esse mesmo acórdão);</font>
</p><p><font>6ª - Deverá ser, com efeito, o que se passa no presente caso, porquanto -salvo o devido respeito - o acórdão uniformizador n° 6/2013, que aqui nos trás, decidiu ao arrepio do que vem consignado no Dec. Lei n. 358/89, de 17/10/1989, aplicável ao caso em apreço;</font>
</p><p><font>7ª - Com efeito, resulta provado nos autos e a este respeito, o seguinte:</font>
</p><p><font>• “Por contrato de trabalho ajustado entre a autora e a empresa de trabalho temporário «DD, Lda», passou a autora a prestar serviço nas instalações da ré, que anteriormente era designada por «... Portugal, SA», na antiga fábrica triunfo, no Algueirão.</font>
</p><p><font>• A A. AA era trabalhadora contratada pela empresa de trabalho temporário DD Trabalho Temporário, Unipessoal, Limitada, tendo celebrado com esta contrato de trabalho a termo incerto, a fim de exercer as suas funções na unidade fabril ..., sita no bairro ..., no ..., propriedade da empresa utilizadora do seu trabalho BB - Produtos Alimentares, SA - ao tempo denominada ... Portugal, SA." ;</font>
</p><p><font>8ª - Ora, como vem, aliás, referido no acórdão que é objecto do presente recurso, o aludido Decreto Lei "...clarifica, no seu preâmbulo, a especialidade deste tipo de trabalho temporário, definindo-o como "contrato de trabalho «triangular» em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce poder disciplinar) e o utilizador (que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros e exerce, em relação a ele, por delegação da empresa de trabalho temporário, os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora).";</font>
</p><p><font>9ª - Ora, como é bom de ver, o trabalhador estabelece uma relação contratual com a empresa de trabalho temporário, mas já não com a empresa relativamente à qual é cedido. Donde resultará que é aquela empresa - a qual contrata o trabalhador - que está obrigada a ter e a manter, para o trabalhador que contratou, um seguro de acidentes de trabalho;</font>
</p><p><font>10ª - O trabalhador contratado pela empresa de trabalho temporário é cedido a outra empresa, que utiliza o seu trabalho, exercendo em relação a este trabalhador determinados poderes, cedidos pela empresa de trabalho temporário que contratou o trabalhador, sendo, portanto, esta que estabelece uma relação com a empresa de trabalho temporário, e não o trabalhador;</font>
</p><p><font>11ª- Com efeito, esse trabalhador está a trabalhar na empresa de trabalho à qual foi cedido, como estaria a trabalhar noutra empresa qualquer, tendo que se sujeitar às suas ordens e direcção em virtude das relações estabelecidas entre a empresa cedente e a cessionária e não porque tenha estabelecido com a empresa a que foi cedido qualquer tipo de contrato, de trabalho, ou outro;</font>
</p><p><font>12ª- O mesmo é dizer que, em caso de sinistro, e uma vez que entre o trabalhador e a empresa utilizadora não existe qualquer relação de natureza contratual, esta responderá nos termos da responsabilidade civil extracontratual, legalmente estabelecidos nos artigos 483° e seguintes do C.C.;</font>
</p><p><font>13ª- Podendo o lesado accionar todos os mecanismos legais adequados a para exercer os seus direitos a indemnização, com o intuito de receber do responsável lima quantia indemnizatória adequada por todas as perdas e danos sofridos e que, nomeadamente, não se encontrem cobertos pelo seguro de acidentes de trabalho que a empresa que o contratou haja celebrado para ele;</font>
</p><p><font>14ª- De outro modo, pegando nas palavras da douta decisão sob censura, estava aberta a porta à injustiça, ficando o lesado completamente desprotegido e à mercê dos entendimentos que viessem a ser estabelecidos entre a sua entidade patronal e a empresa cessionária, entendimentos esses que a A. Não só desconhece, como lhes são completamente alheios;</font>
</p><p><font>15ª- Se assim não fosse, verificar-se-ia a situação, absurda, de a A., enquanto trabalhadora da empresa cedente gozar de menos direitos que um simples visitante da empresa que aí estivesse de passagem e que aí viesse a sofrer um sinistro das mais gravosas consequências, como aquele de que a A. foi vitima...</font>
</p><p><font>16ª - Só para se ter uma ideia das gravíssimas consequências do sinistro em apreço nos autos sofrido pela Autora, AA, remete-se, a este propósito e a título não exaustivo, para os factos - enumerados nos pontos 19 a 38 - do douto Acórdão sob censura, porquanto o presente recurso não versa directamente sobre esta questão;</font>
</p><p><font>17ª- Com efeito, no caso em apreço nos autos e relativamente ao Sinistro, provou-se o seguinte:</font>
</p><p><font>• no dia 15 de Novembro de 2015, pelas 21h00, nas instalações Fabris da ora Ré "BB", estando a A. no seu posto de trabalho a embalar bolachas, sofreu um acidente de trabalho;</font>
</p><p><font>• tendo sido a mesma atingida nas costas, no pescoço e na cabeça por várias embalagens de bolachas as quais se encontravam empilhadas no chão atrás da autora e foram derrubadas por um porta paletes manual que estava a ser naquele momento manobrado por um empregado da empresa utilizadora, a ré "CC", sob a sua direcção efectiva e segundo os seus procedimentos e instruções.</font>
</p><p><font>• quando esse porta paletes passava atrás da autora parte das caixas tombaram de forma súbita e violenta sobre a mesma, ferindo-a e projectando-a para a frente, ficando esta prostrada sobre a linha de montagem, cuja marcha teve que ser interrompida;</font>
</p><p><font>• o manobrador da aludida máquina estava a arrumar uma palete com caixas de bolachas, manobrando um porta paletes manual, "sendo que não tinha visibilidade para ver a Autora":</font>
</p><p><font>• a palete que estava a arrumar embateu numa pilha que estava do lado direito o que provocou a queda de uma fiada de caixas para a frente as quais atingiram a autora;</font>
</p><p><font>• as colegas de trabalho desta que estavam mais perto dela tentaram agarrá-la para que ela, depois de ter batido com a cabeça contra a linha das caixas em circulação, não batesse novamente] com a cabeça contra o chão e imobilizaram a linha e pediram socorro;</font>
</p><p><font>• os responsáveis da fábrica determinaram todavia que o trabalho fosse retomado para que a produção não fosse interrompida.";</font>
</p><p><font>18ª - Donde resulta que a responsabilidade pela ocorrência deste sinistro coube, na íntegra, ao manobrador do porta paletes, o qual, actuando de acordo com as ordens e instruções recebidas pela sua entidade patronal, e pese embora não tivesse possibilidades de ver a autora quando se encontrava a arrumar as paletes de bolachas, resolveu prosseguir com a sua tarefa e, não medindo as consequências da sua actuação, como devia, empurrou inadvertidamente uma pilha que se encontrava do lado direito, provocando a queda de uma fiada de caixas que vieram a atingir a autora;</font>
</p><p><font>19ª - Donde resulta a actuação, no mínimo, negligente deste empregado, que actuou sem medir as consequências dos seus actos (e, consequentemente, da empresa para a qual trabalhava, actuando de acordo com as suas ordens e instruções): não podia deixar de saber que, ao arrumar as paletes o devia fazer por forma a que não ocorresse a sua queda e, em caso de queda, se devia certificar que as mesmas não iriam atingir pessoas, neste caso, alguma das pessoas que se encontravam na linha de embalagem, sendo certo e como resulta das mais elementares regras da experiência, esse desiderato só podia ser conseguido se o aludido empregado tivesse o cuidado de colocar as paletes por forma a que as mesmas não caíssem na proximidade das pessoas que se encontravam a trabalhar e não lhe tapassem a visibilidade para essas pessoas que se encontravam na linha de embalagem;</font>
</p><p><font>20ª- Não o tendo feito, continuando a amontoar paletes que lhe tapavam a visibilidade para essas pessoas, impedindo-o de calcular a distância adequada a que as mesmas se deviam manter por forma a evitar um sinistro como o descrito nos autos, constituiu-se responsável pelo mesmo e, do mesmo modo, a sua entidade patronal, uma vez que esse trabalhador actuava de acordo com as suas ordens e seguindo as suas instruções (cfr. Artigo 500°, n. 1 do CC);</font>
</p><p><font>21ª- Na realidade, bem sabia o manobrador do porta paletes - que era funcionário da recorrente e por conseguinte conhecedor das instalações da mesma - que a ora a. Se encontrava a trabalhar numa "linha de embalagem de bolachas" com outras colegas e que as mesmas se encontravam a trabalhar sentadas mesmo à frente das paletes que o aludido manobrador se encontrava a empilhar e que, por conseguinte, a queda das mesmas não podia deixar de as atingir, como sucedeu, neste caso, com a autora, causando-lhe gravosos e irreversíveis danos;</font>
</p><p><font>22ª- Em face do supra exposto, deve, pois, a ora recorrida ser responsabilizada pelo pagamento de todas as quantias reclamadas pela ora recorrente que, neste caso, correspondem às indemnizações por esta prestadas ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n° ..., que infra se discriminam, às quais acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento:</font>
</p><p><font>A) A assistência médica prestada à A. custou à EE € 7.959,43 (sete mil novecentos e cinquenta e nove euros e quarenta e três cêntimos);</font>
</p><p><font>B) Com a realização de juntas médicas para avaliação da situação da A. despendeu a EE € 422,00 (quatrocentos e vinte e dois euros);</font>
</p><p><font>C) A EE gastou ainda € 285,64 (duzentos e oitenta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos) em medicamentos que a A. Necessitou;</font>
</p><p><font>D) E, despendeu em transportes da A. Para os tratamentos € 3.660,46 (três mil seiscentos e sessenta euros e quarenta e seis cêntimos);</font>
</p><p><font>E) Tendo pago à A. € 7.544,48 (sete ml quinhentos e quarenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos), a título de indemnizações devidas pelo tempo de incapacidade temporária até à data da alta;</font>
</p><p><font>F) Tendo a EE pago à sinistrada o subsídio de elevada incapacidade decretado no montante de € 3.362,86 (três mil trezentos e sessenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos) e as despesas de transporte com deslocações a tribunal no montante de € 7,48 (sete euros e quarenta e oito cêntimos).</font>
</p><p><font>Bem como terá de pagar as prestações futuras devidas, designadamente pensões, para garantia das quais teve de constituir a necessária e legalmente determinada reserva matemática;</font>
</p><p><font>23ª- Com efeito, nos termos da responsabilidade civil, tem a ré /recorrida CC o dever de indemnizar todos aqueles que prestaram assistência ao lesado, como sucedeu com a ora recorrida (cfr. Artigo 495°, n.2 do cc);</font>
</p><p><font>24ª- Aliás, é consabido que a seguradora de acidentes de trabalho que indemnize o trabalhador pelos danos causados, como sucedeu no presente caso, fica subrogada nos direitos deste contra o responsável civil, de acordo com a lei e a apólice;</font>
</p><p><font>25ª - O sinistro a que se reportam os presentes autos ocorreu por culpa do manobrador do veículo que fazia o transporte das paletes dentro das instalações da recorrente;</font>
</p><p><font>26ª- Culpa esta que, aliás, sempre se presumiria, nos termos do disposto</font>
</p><p><font>No artigo 503°, n. 3 do CC, porquanto o aludido manobrador, sendo um empregado da ora recorrente, actuava no interesse e sob as ordens e instruções da sua entidade patronal, como a própria recorrente reconhece (cfr. ponto 42 das suas conclusões na recurso de apelação);</font>
</p><p><font>27ª- A aludida disposição legal tem aplicabilidade mesmo quando se trata de um veículo não motorizado, como sucedia no presente caso, porquanto nada nessa disposição legal nos permite inferir o contrário;</font>
</p><p><font>28ª - Nomeadamente, em face do risco que a circulação do porta paletes manual e a arrumação das paletes, empilhando-as umas sobre as outras, representa, facto que, como referiu a ora ré/recorrida, é do conhecimento geral e comum;</font>
</p><p><font>29ª- É, aliás, por esta razão que nos supermercados de grandes dimensões estas manobras e trabalhados são efectuados sobretudo no período nocturno ou em alturas em que os supermercados se encontram encerrados, precisamente para evitar danos nos clientes que nos mesmos circulam;</font>
</p><p><font>30ª - Com efeito, tanto a circulação dos porta paletes em si mesma, como a arrumação em pilhas das paletes poderá, em caso de queda destas, provocar graves e irreversíveis danos, como malogradamente ocorre no sinistro em apreciação nos presentes autos;</font>
</p><p><font>31ª- Em face do supra exposto, deve, pois, a ora recorrida ser responsabilizada pelo pagamento de todas as quantias reclamadas pela ora recorrente, que neste caso correspondem às indemnizações por esta prestadas ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º ..., que infra se discriminam, às quais devem acrescer juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, conforme já explanado nestas conclusões;</font>
</p><p><font>32ª - Assim não decidindo, o acórdão recorrido, violou, designadamente, as supra referidas disposições legais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Este recurso foi contra alegado pela Ré CC” que, a final sintetizou:</font>
</p><p><font>A. Vem a Seguradora EE interpor recurso de revista da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação, por não se conformar com a mesma, designadamente na parte em que, por não se entender, e bem, que a ora Recorrida é um mero terceiro à relação laboral estabelecida entre a trabalhadora AA e a empresa de trabalho temporário, decidiu não haver lugar a qualquer responsabilização extracontratual da ora Recorrida.</font>
</p><p><font>Todavia, tal como doutamente decidido, por não se verificarem os pressupostos que permitiriam assacar qualquer responsabilidade à Recorrida pela reparação dos danos decorrentes do acidente de trabalho sofrido pela Autora, já que se trata de "matéria eminentemente de natureza contratual", não se verifica o direito à sub-rogação da Seguradora, ora Recorrente.</font>
</p><p><font>Pelo que, não assiste qualquer razão à Recorrente na interposição deste recurso, porquanto a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa mostra-se irrepreensível, tendo decidido de forma justa e fiel ao Direito, ao contrário do que sucedera na primeira instância.</font>
</p><p><font>Seria uma injusta e irrazoável interpretação do direito o de condenar a Recorrida a reembolsar a Seguradora EE, enquanto interveniente principal, de todos os montantes pagos por esta em virtude do acidente de trabalho, de acordo com a sentença proferida no processo 3609/06.5TTLSB, que correu termos no Juiz 3 do Juízo do Trabalho de Sintra.</font>
</p><p><font>B. Em tese, não sendo o utilizador o empregador formal, e, de acordo com a jurisprudência dominante, não sendo o responsável pelos acidentes de trabalho, poder-se-ia dizer que o utilizador só poderá ser um terceiro relativamente ao contrato de trabalho, mas assim não sucede.</font>
</p><p><font>Na verdade, o empregador é a empresa de trabalho temporário e é precisamente esta quem deve celebrar um seguro relativo a acidentes de trabalho e pagar os respectivos prémios.</font>
</p><p><font>Porém, o regime do trabalho temporário caracteriza-se pelo desdobramento do estatuto da entidade empregadora entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador, mantendo o trabalhador um vínculo com a empresa de trabalho temporário, mas ficando a prestação de trabalho sujeita ao poder de direcção do utilizador, ou seja, do destinatário da prestação de trabalho.</font>
</p><p><font>Embora a relação de trabalho se estabeleça entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário, que é a verdadeira entidade empregadora, a conformação da prestação de trabalho vai ser assumida, não pela entidade empregadora como no contrato de trabalho geral, mas sim pela empresa utilizadora, que recebe a prestação de trabalho do trabalhador cedido.</font>
</p><p><font>Logo, o enquadramento da prestação de trabalho pelo utilizador justifica plenamente a sujeição do trabalhador às condições de trabalho deste, pese embora essa situação não colocar em causa o núcleo fundamental da subordinação jurídica do trabalhador à empresa de trabalho temporário, a qual permanece como entidade empregadora do trabalhador em regime de trabalho temporário.</font>
</p><p><font>C. Desta feita, tal como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 6/2013, para uniformização de jurisprudência,: “(...) a empresa utilizadora de trabalho temporário não é um terceiro na relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário que o cede ao utilizador".</font>
</p><p><font>Com efeito, é bem patente a orientação preconizada neste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência no que toca à assunção de responsabilidades pelos vários intervenientes nesta relação de natureza tripolar.</font>
</p><p><font>Apesar de esta decisão ter sido proferida em momento posterior ao do acidente de trabalho ocorrido nos presentes autos, não deixa de poder relevar e de ser tida em conta a orientação aí expendida.</font>
</p><p><font>O acórdão uniformizador não é vinculativo para os tribunais judiciais, mas tal jurisprudência uniformizada estabelece um precedente judicial importante e valioso, que contribui para a unidade da ordem jurídica, pelo que, sendo tendencialmente vinculativo para a interpretação a levar a cabo pelos tribunais sobre a questão decidida deve ser seguido, principalmente quando o mesmo é recente.</font>
</p><p><font>Nada obsta a que o regime jurídico acolhido num acórdão uniformizador de jurisprudência seja aplicado a situações jurídicas constituídas antes da sua publicação.</font>
</p><p><font>A isto acresce que é absurdo entender, com o argumento de que o Acórdão Uniformizador do STJ n.° 6/2013 não pode ser aplicado retroactivamente, que o tribunal não pode aderir à orientação uniformizada e só pode discordar desta. A ser assim, depois do proferimento do Acórdão Uniformizador n.° 6/2013, a qualquer tribunal onde se colocasse a mesma questão só restaria, para não cair na aplicação retroactiva do Acórdão Uniformizador n.° 6/2013, não aplicar a doutrina nele definida, isto é, só restaria decidir em sentido contrário ao do Acórdão Uniformizador n.° 6/2013.</font>
</p><p><font>Ainda que não tenha atribuído valor de fonte do direito aos acórdãos de uniformização de jurisprudência, o legislador não ficou insensível ao problema da eficácia temporal desses acórdãos O artigo 695.°, n.° 3, CPC estabelece que a decisão de provimento do recurso de uniformização de jurisprudência não afecta qualquer sentença anterior à que tenha sido impugnada, nem as situações jurídicas constituídas ao seu abrigo. Este preceito é expressão da relevância que o caso julgado tem na ordem jurídica portuguesa, mas dele resulta apenas que o acórdão de uniformização de jurisprudência só não pode atingir os casos julgados anteriores.</font>
</p><p><font>D. Resta concluir, pois, como naquele aresto, que a empresa utilizadora de trabalho temporário não é um terceiro na relação de trabalho estabelecida entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário que o cede ao utilizador.</font>
</p><p><font>Caso a empresa utilizadora fosse um mero terceiro, é certo que o segurador de acidentes de trabalho que indemnize o trabalhador acidentado deveria ficar sub-rogado nos direitos deste contra o terceiro responsável, como resulta, aliás, tanto da lei de acidentes de trabalho, como da própria lei de contrato de seguro.</font>
</p><p><font>Todavia este raciocínio, aparentemente óbvio, revela-se contraditório com algumas opções do nosso legislador e, a prevalecer, acabaria, no final de contas, por subverter o sistema.</font>
</p><p><font>A própria lei de contrato de seguro estabelece limites à sub-rogação do segurador, já que esta sub-rogação não opera contra pessoas que vivem em economia comum com o tomador do seguro ou segurado porque, se assim fosse, do ponto de vista económico o seguro revelar-se-ia inútil já que, de todo o modo, seria o tomador do seguro/segurado a suportar o prejuízo.</font>
</p><p><font>Não é o que ocorre, em rigor, no caso vertente, mas o fenómeno tem alguma similitude do ponto de vista económico: a empresa de trabalho temporário paga os prémios dos contratos de seguro, mas esses prémios são, obviamente, repercutidos nos seus clientes (o utilizador).</font>
</p><p><font>Assim, quando um utilizador paga a contrapartida solicitada pela empresa de trabalho temporário pelo serviço que esta presta e, nomeadamente, pela cedência temporária de trabalhadores para utilização pelo utilizador, a contrapartida que paga já engloba o prémio do seguro.</font>
</p><p><font>Esta consideração puramente económica ajuda-nos igualmente a entender que estamos aqui perante um terceiro diferente: um terceiro que pode ser terceiro ao contrato de trabalho, mas que certamente não é terceiro face à relação laboral.</font>
</p | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKSu4YBgYBz1XKv6B2_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> Recurso de Revista nº 2482/12.9TBSTR-A.E1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a></p><div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiç</font>
<p>
</p><p><b><font> I - RELATÓRIO </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>O Banco AA, SA.,</font></b><font> com sede na ..., em 17/10/2012, moveu contra </font><b><font>BB, </font></b><font>residente na ..., e CC, residente na ..., execução para pagamento da quantia de 75.333,40€.</font>
</p><p><font>Alega o exequente, em síntese, que por escrituras públicas, outorgadas em 5/06/2000 e 29/11/2004, foram mutuadas aos executados quantias em dinheiro (37.409,84€ e 55.000,00€), creditadas na sua conta à ordem, tendo os executados constituído a favor da exequente hipotecas do imóvel que identifica, para garantia do pagamento das quantias mutuadas, e estes confessado serem devedores das mesmas.</font>
</p><p><font>Foi convencionado que o pagamento das quantias mutuadas seria feito em prestações mensais e que as hipotecas podiam ser executadas se não fossem pagas as prestações previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importava o vencimento imediato de todas. </font>
</p><p><font>O exequente celebrou ainda com os executados, em 5/09/2011, um contrato de abertura de crédito, Sob a Forma de Conta Empréstimo, resultante de reestruturação de dívida, no qual estes confessaram o montante da dívida que se obrigaram a pagar.</font>
</p><p><font>Os executados não pagaram as prestações vencidas em 25/12/2011 (1.º empréstimo), em 25/10/2011 (2.º empréstimo) e em 5/12/2011, nem as seguintes (contrato de abertura de crédito).</font>
</p><p><font>No decurso dos autos o exequente requereu a intervenção principal provocada de DD e EE, residentes na ..., alegando terem os executados doado aos chamados o prédio hipotecado ao exequente e identificado nos autos, encontrando-se tal doação devidamente registada na Conservatória do Registo Predial de Tomar, em 3/08/2010, razão pela qual deve a execução correr também contra eles nos termos do art. 54.º, nº 2 do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho inserto a fls. 63:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Requerimento datado de 9 de Outubro de 2013, referência 1397092: não admito o incidente de intervenção principal provocado por entender que tal incidente não é admissível em sede de processo de execução. </font></i>
</p><p><i><font>Acresce ainda o facto de que o artigo 54/2 do CPC</font></i><font> </font><i><font>refere “factos constitutivos da sucessão” </font></i><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><i><font> não fazendo referência ao incidente de intervenção</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Inconformado, dele recorreu o exequente, mas sem êxito uma vez que o Tribunal da Relação de Évora, por unanimidade, pelo Acórdão de 10/04/2014, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Mantendo o seu inconformismo, o exequente pediu revista excepcional a este Supremo Tribunal de Justiça, admitida pela Formação de Juízes deste Tribunal (art. 672.º, nº 3 do NCPC) com fundamento na al. c) do nº 1 deste mesmo normativo.</font>
</p><p><font>Nas alegações que apresenta formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1. O Tribunal a quo indeferiu liminarmente a Intervenção Provocada com parte da fundamentação ininteligível, pelo que o despacho recorrido é nulo nos termos do Art° 615 nº 1 al. c). </font>
</p><p><font>2. Também se encontra ferido de nulidade o Acórdão da Relação, por não se ter pronunciado sobre a Nulidade arguida na Apelação. </font>
</p><p><font>3. Mesmo que se entenda que a decisão recorrida não é nula, ainda assim deverá ser revogada. </font>
</p><p><font>4. Ao contrário do que entende o Venerando Tribunal da Relação de Évora, o terceiro adquirente, proprietário do imóvel desde Agosto de 2010, tinha legitimidade passiva inicial para a execução interposta em Outubro de 2012. </font>
</p><p><font>5. A Relação de Évora fundamentou o seu entendimento da leitura que faz do Artº 818 do C. Civil, considerando que os terceiros, que receberam o imóvel hipotecado em doação, não se encontram na situação prevista no Art° 818 do C. Civil. </font>
</p><p><font>6. Aparentemente o Venerando Tribunal da Relação interpreta a previsão do Art° 818 do C. Civil - "</font><i><font>quando estejam vinculados à garantia do crédito</font></i><font>" - ao terceiro e não ao seu bem. </font>
</p><p><font>7. Ora, qualquer que seja a metodologia interpretativa adoptada, seja gramatical, lógica racional ou sistemática, o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro se o bem estiver vinculado à garantia do crédito, e não se o terceiro estiver vinculado à garantia do crédito!</font>
</p><p><font>8. E o bem hipotecado está naturalmente vinculado à garantia do crédito. </font>
</p><p><font>9. É, assim, inequívoca a legitimidade passiva inicial do terceiro, possuidor ou proprietário dos bens onerados com garantia real, para a execução, quando o exequente pretenda efetivar tal garantia incidente sobre bens pertencentes ou na posse de terceiro. </font>
</p><p><font>10. Logo, o exequente poderia ter executado desde logo o adquirente, juntamente com o devedor, nos termos do Art° 54 n° 2 do C.P. Civil.</font>
</p><p><font>11. Se a lei processual civil admite que o adquirente ocupe ab initio a posição de executado, juntamente com o devedor, não existe nenhuma razão para que não o admita de forma superveniente. </font>
</p><p><font>12. Sendo intenção do legislador legitimar na execução a presença do terceiro possuidor ou proprietário do bem dado em garantia, inexiste fundamento para que se afaste a possibilidade de fazer intervir esse terceiro na ação executiva nos casos em que por lapso, ou deficiente informação, não se tenha interposto desde logo a execução contra o mesmo, como sucedeu no caso dos autos, continuando porém o devedor originário também na execução. </font>
</p><p><font>13. Assim, o incidente adequado para chamar o terceiro à execução será sempre a intervenção provocada previsto no Art° 316 do N.C.P. Civil. </font>
</p><p><font>14. Pelo que deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita o incidente de Intervenção Provocada, </font>
</p><p><font>nos termos do Art° 316 do C.P. Civil.</font>
</p><p><font>NORMAS VIOLADAS: Art° 615 nº 1 al. c) e d); 54 nº 2, 316º e 547, todos do NCPC e 818 do C.Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os executados não contra-alegaram. </font>
</p><p><font>Cumpre conhecer e decidir.</font>
</p><p><font> ●</font>
</p><p><font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil, introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26/06 – código a que pertencerão os normativos doravante citados sem expressa menção de origem</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>São as seguintes as questões suscitadas que importa apreciar e decidir: </font>
</p><p><font>a) Nulidade do acórdão;</font>
</p><p><font>b) Se é, ou não, admissível o incidente de Intervenção Provocada. </font></p><div><br>
<font> </font></div><br>
<b><font> II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO</font></b>
<p><font> </font>
</p><p><font>Os factos com interesse para a decisão do recurso são os constantes do relatório que antecede.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A)</font><b><font> </font></b><u><font>Nulidade do acórdão</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acusa o recorrente o Acórdão da Relação de se encontrar ferido de nulidade, por não se ter pronunciado sobre a nulidade arguida na apelação.</font>
</p><p><font>Nesse recurso que interpôs, o recorrente arguiu a nulidade da decisão da 1ª instância, nos termos do art. 615.º, nº 1, al. c), uma vez que considerava a sua fundamentação ininteligível e obscura, por não lhe permitir compreender o porquê da inadmissibilidade do incidente de Intervenção Provocada.</font>
</p><p><font> Acontece que estamos perante revista excepcional, cujo objecto único de conhecimento é a questão suscitada que justificou esse regime de excepção, a sua admissibilidade. De outras questões não se pode conhecer, pois se assim não fosse estar-se-ia a violar a regra da dupla conformidade e o seu regime de excepção.</font>
</p><p><font>Vale isto por dizer que a questão da nulidade extravasa o âmbito da presente revista, estando vedado o seu conhecimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B) </font><u><font>Se é, ou não, admissível o incidente de Intervenção Provocada</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A presente revista suscita à apreciação deste Tribunal a questão de saber se deve ser admitida a intervenção de terceiro, titular de um imóvel sobre o qual incide hipoteca registada a favor do exequente, cujo direito de propriedade ele adquiriu posteriormente à data da constituição da hipoteca mas antes da dedução da acção executiva, em execução primitivamente instaurada apenas contra os executados outorgantes do contrato de mútuo garantido por essa hipoteca, face ao disposto no art. 54.º, nº 2.</font>
</p><p><font>Tal intervenção foi indeferida em 1.ª instância por se entender que tal incidente não é admissível em sede de processo de execução, e porque “</font><i><font>o artigo 54/2 do CPC refere “factos constitutivos da sucessão” não fazendo referência ao incidente de intervenção</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Évora, no acórdão impugnado confirmou esta decisão com as seguintes ideias fundamentais que se transcrevem:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>i) Os empréstimos concedidos aos executados foram feitos com garantia hipotecária sobre o imóvel identificado nas respetivas escrituras, prédio que tinha, ao tempo, na respetiva certidão do registo predial, registado como últimos adquirentes os ora executados.</font></i>
</p><p><i><font>ii) Verifica-se agora, que após o registo das hipotecas que garantiram os empréstimos/mútuos aos executados, se encontra registada uma doação do mesmo prédio a DD e a EE, pessoas que o exequente agora pretende trazer aos autos.</font></i>
</p><p><font>(...) </font><i><font>Admitir-se que a execução dos autos prossiga também contra alguém que não fora demandado inicialmente, implica que se admita, para o efeito em questão, a sua legitimidade passiva inicial nos termos do nº 2 do art. 54.</font></i><font> </font>
</p><p><font>(...) </font><i><font>Ora no caso dos autos não existe nem nunca existiu qualquer relação entre os executados e os pretensos intervenientes no que se refere à obrigação que o exequente pretende ver cumprida. E quando o prédio dos autos foi dado como garantia hipotecária aos mútuos do exequente, só os executados eram donos do mesmo prédio.</font></i>
</p><p><i><font>Quid júris se o exequente, em vez de demandar os executados decidisse demandar tão só os pretensos intervenientes (?) De onde lhes vinha a legitimidade passiva para a execução (?)</font></i>
</p><p><i><font>É que a possibilidade de chamar o terceiro titular ao abrigo do art. 54 nº 2 tem de estar em consonância com o art. 818 do Código Civil, segundo o qual o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objeto de ato praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.</font></i>
</p><p><i><font>Voltando aos autos, constatamos que os pretensos intervenientes em nenhuma destas situações se encontram.</font></i>
</p><p><font>(...) </font><i><font>No caso dos autos, não estando os pretensos intervenientes vinculados à garantia do crédito, o exequente, sem cuidar de impugnar a doação que lhes foi feita, para garantir a possibilidade de executar coercivamente o prédio que por via da doação deixou de ser propriedade dos devedores e passou a ser deles, pretendeu, sem mais, trazê-los à ação executiva sem que os mesmos tivessem em relação à ação alguma obrigação ou encargo.</font></i>
</p><p><i><font>Nesta conformidade, os donatários e pretensos intervenientes não têm (e nunca adquiriram) legitimidade passiva para prosseguir a ação executiva, como terceiro titular, tal como o nº 2 do art. 54 permite</font></i><font>“.</font>
</p><p><font>Motivador legal desta revista, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 12/11/2013, proferido no Proc. nº 750/10.3TBFLG-B.G1</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, transitado em julgado, pronunciou-se em sentido contrário sobre a mesma questão de direito, nele se tendo assim sumariado:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Não tendo o exequente, inicialmente, demandado o garante, pode ainda fazê-lo, na pendência da execução, através da intervenção provocada, de modo a que o bem hipotecado e já penhorado, propriedade deste terceiro, possa responder pela dívida provida de garantia real.</font></i><font>“.</font>
</p><p><font> ●</font>
</p><p><font>Que dizer?</font>
</p><p><font>Primeiro que tudo, importa precisar o regime processual aplicável. O recorrente deduziu o incidente em causa em 9/10/2013, é pacífico que se aplica ao caso o Novo Código de Processo Civil (cfr. nºs 1 e 4 do art. 6.º da Lei nº 41/2013, de 26/06).</font>
</p><p><font>No domínio da acção executiva, a determinação da legitimidade activa e passiva passa pela análise do título executivo, pois como afirma o art. 53.º, nº 1, têm legitimidade como exequente e executado quem no título figura, respectivamente, como credor e devedor. Deste modo, a legitimidade das partes exige uma relação de coincidência entre aqueles que constam do requerimento inicial executivo e no título executivo.</font>
</p><p><font>Mas este regime regra da legitimidade sofre alguns desvios determinados por necessárias adaptações a alguns acontecimentos da vida real, à natureza e garantia da dívida, à natureza do título, e pela especificidade do Ministério Público (cfr. arts. 54.º a 57.º). No que respeita ao lado passivo da instância, aquele que aqui nos interessa, casos há em que a legitimidade passiva não coincide com a pessoa designada no título executivo, em que um terceiro pode ser parte legítima. Assim, nas hipóteses de sucessão, por morte e em vida, no direito ou na obrigação (nº 1 do art. 54.º), na execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro (nº 2 do art. 54.º), quando sendo o devedor proprietário pleno dos bens dados em garantia, porém, os mesmos estão na posse de terceiro (nº 4 do art. 54.º), e nos casos em que a execução se funda em sentença condenatória que tem força de caso julgado não só contra o devedor mas ainda contra outras pessoas (art. 55.º).</font>
</p><p><font>Nestes casos, pois, a legitimidade passiva alarga-se a terceiros, que não figuram no título executivo</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No caso em apreço, é líquido estarmos ante uma execução por dívida provida de garantia real (hipoteca) em que o credor, agora recorrente, quis accionar as hipotecas constituídas, à data da propositura da execução, sobre bem que à data das hipotecas se encontrava registado em nome dos devedores, mas que posteriormente, ainda em data anterior à execução, foi adquirido, por doação, por terceiros.</font>
</p><p><font>Nesta circunstância, sendo a transmissão do bem hipotecado plenamente eficaz, passando a coisa, por efeito do contrato, a pertencer ao património de um terceiro, continua o credor a poder realizar o seu direito de crédito, pois a prévia constituição da garantia fez nascer sobre o imóvel um vínculo de natureza real oponível </font><i><font>erga omnes</font></i><font>. O credor não faz mais do que exercer uma faculdade que caracteriza o seu direito real, a sequela.</font>
</p><p><font>A partir de então, como o credor hipotecário tem o direito de ser pago pelo produto dos bens hipotecados com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art. 686.º, nº 1 do Código Civil doravante CC), a acção executiva, sob pena de ilegitimidade, tem de ser proposta necessariamente contra o proprietário do bem (arts. 735.º, nº 2 e 818.º do CC)</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, como resulta do artigo 54.º, que prescreve nos seus nºs 2 e 3 o seguinte:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>2.</font></i><font> </font><i><font>A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.</font></i>
</p><p><i><font>3. Quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da ação executiva contra o devedor, que é demandado para completa satisfação do crédito exequendo</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Porque pode acontecer que o terceiro proprietário não seja sujeito da obrigação exequenda, ou porque onerou o bem de que é proprietário para garantir o pagamento de dívida alheia, ou porque adquiriu a propriedade do bem já onerada com uma garantia em benefício de outrem e esta transmissão ocorreu em data anterior à propositura da acção executiva, permite este normativo que o exequente que queira fazer valer a garantia real, quando os bens dados em garantia pertençam a terceiro, possa optar entre propor desde logo a execução contra o terceiro e o devedor, numa óbvia situação de litisconsórcio voluntário, ou ser mais expectante intentando a execução apenas contra o terceiro, para, posteriormente, se os bens se revelarem insuficientes, chamar o devedor para alcançar a completa satisfação do crédito exequendo</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Tal opção não foi exercitada no caso em apreço, porque, alega o recorrente, só no decurso da acção executiva se apercebeu que o bem em causa havia sido anteriormente transmitido para terceiros e já não era propriedade dos devedores, razão pela qual pretende sejam aqueles admitidos a intervir.</font>
</p><p><font>Como já vimos, as instâncias vedaram-lhe essa possibilidade, mas pensamos que sem razão.</font>
</p><p><font>Não será demais vincar, face ao suporte argumentativo de sentido contrário exarado na decisão recorrida, que a execução intentada nos termos do citado art. 54.º deve sempre ser proposta contra terceiro, contra pessoa que, muito embora não conste do título executivo como devedor, </font><i><font>é parte legítima </font></i><font>na acção, por força do vínculo de garantia existente sobre o bem submetido à satisfação de dívida alheia, por força da sua responsabilidade patrimonial uma vez que o objecto da penhora que se seguirá será um bem do seu património. Como salienta Lebre de Freitas, “trata-se de terceiro </font><i><font>perante a relação obrigacional</font></i><font>, mas não de terceiro perante a execução, pois esta terá sempre de ser contra ele movida, sob pena de os seus bens não poderem ser penhorados”</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>. No conceito de Miguel Mesquita trata-se de “</font><i><font>terceiro-parte</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Então, se a execução podia ter sido instaurada, </font><i><font>ab initio</font></i><font>, também contra o terceiro (n.º 2 do art. 54.º), muito embora as normas processuais referentes aos incidentes de intervenção de terceiros estejam estruturadas em função da acção declarativa, não se descortina fundamento para que ele não possa ser chamado no decurso da execução, sabido que a admissibilidade, em geral, da intervenção principal provocada é aceite quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva. </font>
</p><p><font>De facto, o fim perseguido pela execução não aparenta constituir obstáculo à requerida intervenção, até porque o art. 551.°, n.° 1 manda aplicar subsidiariamente ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a acção executiva, e o n.º 2 do artigo 316.º permite, nos casos de litisconsórcio voluntário, que o autor provoque a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39.º. </font>
</p><p><font>Com efeito, algumas situações surgem na acção executiva que impõem o recurso ao referido incidente como forma, designadamente, de salvaguardar a legitimidade das partes, como forma de assegurar a defesa do executado, como forma de conferir eficácia à oposição deduzida contra a execução, ou como forma de assegurar a realização coactiva da obrigação.</font>
</p><p><font>O legislador diagnosticou algumas dessas situações e para elas expressamente admitiu esse incidente. Assim, admite a intervenção principal quando o exequente careça de chamar a intervir determinada pessoa para assegurar a legitimidade duma parte, nos termos do art. 261.º, e</font><u><font> </font></u><font>em alguns casos de litisconsórcio necessário passivo</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No âmbito do litisconsórcio voluntário admite-o em quatro situações. São elas, o chamamento do devedor nos termos já enunciados no art. 54.º, nº 3, a demanda do devedor subsidiário, se instaurada a execução apenas contra o devedor principal os bens deste se revelarem insuficientes (art. 745.º, nº 3), a demanda do devedor principal, se instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário este invocar o beneficio da excussão prévia (art. 745.º, nº 2), e o chamamento à demanda do cônjuge do executado não obrigado no título, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida (741.º, nºs 1 a 5).</font>
</p><p><font>Embora afirme a discutibilidade da admissão da intervenção principal no âmbito do litisconsórcio voluntário, para além destas quatro situações e particularmente pela força adveniente do chamamento permitido pelo art. 745.º, nº 2, Lebre de Freitas reconhece ser sustentável que o incidente de intervenção principal, em geral, seja admissível na modalidade de intervenção passiva </font><i><font>provocada pelo exequente</font></i><font>, em nome da economia processual</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Também Miguel Teixeira de Sousa aceita na acção executiva a intervenção provocada de um litisconsorte voluntário, especialmente a intervenção de um condevedor solidário do executado chamado por este, bem como a intervenção espontânea de um litisconsorte necessário ou voluntário</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Em suma, como se vê, não se descortina na dogmática processual algum princípio geral e absoluto que vede o incidente de intervenção principal no âmbito da acção executiva. Lebre de Freitas considera a sua admissíbilidade, em geral, baseada na admissibilidade do litisconsórcio ou da coligação, “</font><i><font>quanto a pessoas com legitimidade para a ação executiva, pois de outro modo o incidente de intervenção iria servir à formação dum título executivo a favor ou contra terceiros, o que só se compadece com o fim (art. 10-4) e os limites (art. 10-5) da acão executiva quando uma norma excecional o preveja</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>, pelo que a admissibilidade do mesmo deverá é estar condicionada a uma análise da sua necessidade em face das circunstâncias de cada caso concreto, se, porventura, se mostram verificados os necessários pressupostos legais, e se tal intervenção tem a virtualidade de satisfazer um interesse legítimo e relevante que se coadune com o fim e os limites da acção executiva (cfr. art. 10.º, nºs 4 e 5).</font>
</p><p><font>Revertendo aos autos, tendo por inequívoca e adquirida a legitimidade passiva inicial dos terceiros para a execução, proprietários do bem onerado com garantia real, poderá, então, o recorrente/exequente socorrer-se do incidente de intervenção provocada?</font>
</p><p><font>Com boas razões e forte sedimentação, uma corrente de pensamento vem entendendo que no caso de </font><i><font>sucessão</font></i><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><i><font> </font></i><font>(nº 1 do art. 54.º) que ocorra na pendência da acção executiva, a que se equipara o caso de falecimento do executado antes da propositura da acção mas só nela conhecido após a frustração da citação, o meio adequado para essa intervenção é o incidente de habilitação (arts. 351.º a 357.º)</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A mesma via se preconiza para o acto de transmissão entre vivos da posição do executado quando dele só se venha a tomar conhecimento em momento posterior à propositura da acção executiva, se, tratando-se de título extrajudicial, a transmissão do bem seja posterior à formação do título executivo, como é o caso, uma vez que, “ </font><i><font>a responsabilidade patrimonial do adquirente igualmente torna necessário que contra ele seja movida a execução ... e representaria ofensa do princípio da economia processual e possibilidade de grave lesão dos interesses do credor forçá-lo à propositura de nova acção executiva, que por sua vez poderia ser confrontada com nova transmissão</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[16]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Ainda, para este autor, quando a garantia real dum crédito incida sobre bens de terceiro, se a transmissão do bem a terceiro for posterior à execução, e lhe for oponível</font><a><u><sup><font>[17]</font></sup></u></a><font>, a intervenção do terceiro adquirente é possível, mas dever-se-á fazer através do incidente de </font><i><font>habilitação</font></i><font>, como sucessor, por causa de morte ou entre vivos, do alienante</font><a><u><sup><font>[18]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Ora, acontece que nada disto está em causa nestes autos. O incidente de habilitação implica a substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio, seja por sucessão, seja por acto entre vivos, como resulta dos arts. 262.º, al. a), 263.º e 356.º</font><a><u><sup><font>[19]</font></sup></u></a><font>, e como tal não se coaduna com a situação vertida nos autos, uma vez que não está aqui em questão a sucessão dos devedores/executados</font><a><u><sup><font>[20]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>O recorrente/exequente não pretende substituir os executados que já são parte da presente execução, não procura fazer suceder na sua posição os terceiros proprietários do bem onerado, mas antes fazê-los intervir ao lado daqueles. Como manifesta de forma expressa no art. 3.º do seu requerimento, pretende que a execução corra “</font><i><font>também</font></i><font>” contra os terceiros, pretensão que sempre vinca nas alegações recursivas, designadamente nesta revista onde refere e justifica: “ </font><i><font>De resto, não há nenhuma desvantagem em manter na execução quem já nela é parte e que, diga-se, continua a não ser um estranho em relação à mesma.</font></i>
</p><p><i><font>O executado original continua a ser devedor do exequente e, como tal, pode, em qualquer momento, pagar o crédito exequendo e, em momento ulterior, pode mesmo ver penhorados bens próprios, caso o produto dos bens objeto da garantia real seja insuficiente para satisfazer o crédito do exequente - ver n° 3 do art° 54 do CPC, sendo certo que a exclui-lo, bem podia acontecer que, mais tarde, fosse necessário chamá-lo de novo à execução, o que aconteceria na referida hipótese de insuficiência do produto dos referidos bens, com os inerentes atrasos processuais.</font></i><font>“.</font>
</p><p><font>Para tal, pretendendo o exequente fazer valer a garantia real, o incidente adequado para chamar os terceiros à execução será a intervenção provocada prevista no art. 316.º, que assim dispõe no seu nº 2: “</font><i><font>Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.°.</font></i><font> “.</font>
</p><p><font>Pode, pois, o exequente chamar a intervir como executado, um terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido, implementar o chamamento desse terceiro para intervir em litisconsórcio voluntário. Com a intervenção principal permite-se a participação de terceiros que sejam titulares de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor ou pelo réu, “cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais”</font><a><u><sup><font>[21]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Conseguindo a participação de um interveniente evitar-se-á, em princípio, a propositura de mais uma acção sobre a mesma relação jurídica.</font>
</p><p><font>Como antes se disse, se a execução podia ter sido instaurada, </font><i><font>ab initio</font></i><font>, também contra os terceiros, não se descortina fundamento para que eles não possam ser chamados no seu decurso para o lado dos devedores/executados, para ocupar precisamente a posição que ocupariam desde o início. A sua intervenção é muito próxima da situação acautelada no art. 745.º, nº 3, vale aqui inteiramente a razão de ser desse preceito, que se coaduna perfeitamente com o fim e os limites da acção executiva (cfr. art. 10.º, nºs 4 e 5), pois com ela melhor garante o exequente o cumprimento da obrigação, já que se mostra indispensável para conferir eficácia à execução.</font>
</p><p><font>Assiste razão ao recorrente quando afirma que: “</font><i><font>Sendo intenção do legislador legitimar na execução a presença do terceiro possuidor ou proprietário do bem dado em garantia, inexiste fundamento para que se afaste a possibilidade de fazer intervir esse terceiro na ação executiva nos casos em que por lapso, ou deficiente informação, não se tenha interposto desde logo a execução contra o mesmo, como sucedeu no caso dos autos, continuando porém o devedor originário também na execução</font></i><font>”</font><i><font>.</font></i>
</p><p><font>Da mesma forma, se justifica essa intervenção em nome da economia processual. Seria violento impor ao recorrente, na eventualidade da insuficiência ou inexistência de bens dos devedores demandados, a consequente necessidade de ter de lançar mão duma acção declarativa autónoma de impugnação pauliana para acertamento do mérito da transmissão, para onde o acórdão recorrido remete o exequente, seguida de nova execução contra os terceiros, com o inerente sacrifício dos custos e da morosidade, em proveito do incumpridor que pretendeu com a transmissão, se não frustrar, pelo menos retardar o fim da execução e, consequentemente, o pagamento da dívida</font><a><u><sup><font>[22]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Ao intervir na causa, os terceiros vêm colmatar uma brecha integrando-se na relação jurídica versada nos autos, o incidente é compatível com a estrutura e a finalidade de uma acção executiva e, como tal, é admissível. Esta é uma posição que tem em conta o princípio da economia processual e, além disso, parece que será a melhor forma de acautelar os direitos do exequente.</font>
</p><p><font>Destarte, não tendo o exequente demandado inicialmente os garantes, pode ainda fazê-lo na pendência da execução, através do incidente da intervenção provocada, de modo a que o bem hipotecado, propriedade daqueles terceiros, possa responder pela dívida provida de garantia real.</font>
</p><p><font>Por tudo o que fica dito, a Rela | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKXu4YBgYBz1XKv9yB7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I.</font>
</p><p><font>AA e mulher, BB, CC e mulher, DD e EE e mulher, FF, vieram intentar acção com processo comum, na forma ordinária, contra GG e mulher, HH, II, JJ e marido KK e LL e marido MM, onde concluem pedindo que:</font>
</p><p><font>- seja declarado e reconhecido o seu direito de preferirem na venda (raiz ou nua propriedade e usufruto) do prédio referido e identificado na petição;</font>
</p><p><font>- o preço resultante da escritura pública de venda e nela declarado é simulado e que o preço real da venda do prédio (raiz e usufruto) foi de €200.000,00 e que este é o preço a pagar por si no exercício desse seu direito de preferência;</font>
</p><p><font>- se, porventura, se não vier a considerar provado esse valor como o preço real, deve ser reconhecido como preço real do prédio o de €260.000,00 e, consequentemente, o seu direito a preferirem o dito prédio por tal preço;</font>
</p><p><font>- se, porém, a simulação do preço não proceder, ser declarado e reconhecido que lhes assiste o direito de exercerem tal direito de preferência quanto à raiz ou nua propriedade do prédio pelo respectivo preço declarado de €260.000,00;</font>
</p><p><font>- de qualquer modo, e uma vez reconhecido o seu direito de preferência, sejam colocados na posição de adquirentes, em comum e na proporção de 1/2 para os primeiros e de 1/4 para cada um dos restantes segundos e terceiros, em substituição dos referidos réus compradores, GG e II, mediante o pagamento do respectivo e referido preço e despesas com IMT e custo da escritura;</font>
</p><p><font>- em qualquer caso, o cancelamento de todos e quaisquer registos que tenham sido e/ou possam ser efectuados com base na dita escritura de compra e venda de 21 de Abril de 2006.</font>
</p><p><font>Contestaram os RR. e impugnando o direito dos AA, concluem pela improcedência da acção. Os AA. replicaram, mantendo o teor do articulado inicial.</font>
</p><p><font>Elaborado despacho saneador e decorridos demais termos, realizou-se julgamento e no seu termo, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, após o que a causa foi sentenciada, julgando-se a acção não provada e improcedente e absolvendo-se os RR. do pedido.</font>
</p><p><font>Inconformados, dessa sentença, vieram interpor recurso de apelação os AA. que a Relação de Guimarães, por acórdão, julgou improcedente, confirmando-a.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De novo, inconformados, recorrem, ora, os AA., de revista exarando, no termo de sua alegação, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><i><font>A - Embora a este Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado conhecer da matéria de facto, a verdade é que lhe cabe o dever de verificar do cumprimento ou não cumprimento das normas legais sobre produção da prova e seu resultado, sendo neste sentido que aqui se invoca o respectivo incumprimento.</font></i>
</p><p><i><font>B - Em parte alguma da sua contestação os RR., ora Recorridos, impugnaram o que alegado foi pelos AA., Recorrentes, nos artigos 26° e 27° da sua petição inicial, donde deverem tais factos, nos termos do n° 2 do art. 490° do CPC, ter sido considerados como admitidos por acordo e, consequentemente, como tal considerados na sentença e, portanto também, no acórdão recorrido, o que não sucedeu, com manifesta violação dos arts. 659° n° 3 e 713° n° 2 do referido CPC.</font></i>
</p><p><i><font>C - Assim, há que ser admitido por acordo que "invocado peio R. GG o direito de preferência que tinha sido conferido a sua mulher FF" , "o comprador, que era o Dr. NN, aceitou desfazer o contrato promessa já celebrado e recebendo o que já havia pago a título de sinal".</font></i>
</p><p><i><font>D - Do mesmo modo, deve ser considerado igualmente admitido por acordo, se não mesmo por confessado (artigo 58° da contestação), que "os RR. não deram conhecimento aos AA. das condições da venda, designadamente dos respectivos preços, nem tão pouco de quem eram os compradores".</font></i>
</p><p><i><font>E - Os mesmos RR. confessaram na sua contestação (artigos 12° e 14°) que a venda em causa aos RR. GG e mulher foi feita para cumprir "a obrigação de dar preferência que lhes tinha sido imposta pelos doadores", factos que, porque admitidos por acordo e mesmo por confissão, não foram considerados quer na sentença quer no acórdão recorrido, em manifesta violação do disposto nos já referidos arts. 659° n° 3 e 713° n° 2 do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>F - Como se colhe da "Motivação" das respostas aos quesitos, tudo constante do despacho de 24.02.2010, a resposta ao quesito 13° da base instrutória resultou da total credibilidade que foi dada ao depoimento do Dr, NN, o que, todavia, e erradamente, não sucedeu quanto à resposta ao quesito 20° da mesma base instrutória.</font></i>
</p><p><i><font>G - Com efeito, o dito quesito 20° foi a transposição para a base instrutória de matéria fáctica alegada pelos RR., em detrimento da que os AA. tinham alegado nos artigos 24° e 25° da petição inicial, sendo que tal matéria tal como quesitada foi dada como não provada,</font></i>
</p><p><i><font>H - E isto porque o que se provou foi aquilo que expressa e claramente resulta da aludida "Motivação" e, consequentemente, do que foi referido pelo Dr. NN, pelo que se impunha, a bem da verdade material,</font></i>
</p><p><i><font>I - Que o acórdão recorrido, por força do disposto no art. 712° n° 1 ai. a) e n° 2 do CPC, alterasse a resposta, dando como "provado que o referido negocio não se concretizou porque o comprador Dr. NN cedeu perante a invocação pelo R. GG do direito de preferência de sua mulher, direito que exerceram" e que foi cumprido com as vendas de usufruto e raiz ou nua propriedade do prédio.</font></i>
</p><p><i><font>J - Também de harmonia com a "Motivação", constante do despacho de respostas aos quesitos da base instrutória, e da análise aí feita ao depoimento do já referido Dr. NN, impõe-se que a resposta aos quesitos 22°, 23° e 24° da base instrutória, e por força do disposto nos arts. 690°-A n°s 1 a 3, 712° n°s. 1 ai. a) e n° 2 e 726° do CPC, seja substituída por "provado que o preço das compras e vendas constantes da escritura referida em C) foi, para usufruto e raiz ou nua propriedade, de 260.000,00€".</font></i>
</p><p><i><font>K - O acórdão recorrido ao não decidir a apontada matéria pelo modo atrás apontado nas antecedentes conclusões violou manifestamente as apontadas disposições legais, pelo que tal matéria ser considerada no presente recurso, ou ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal recorrido para tal e caso se entenda não poder ser feito por este Supremo Tribunal, tudo nos termos do art. 729° do CPC.</font></i>
</p><p><i><font>L - Decorre de tudo o exposto que o preço constante da escritura de compra e venda em causa foi simulado, pois houve evidente divergência entre a realidade e a declaração, divergência intencional e acordada pelos seus outorgantes com o manifesto propósito de enganar os Recorrentes, pretendendo impedi-los de exercer o seu direito de preferência como arrendatários do prédio.</font></i>
</p><p><i><font>M - Deste modo, e de harmonia com o disposto nos arts. 47° a 49° do RAU, e os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, deve proceder inteiramente o que é pedido nas alíneas c), e) e f) do petitório formulado na petição inicial.</font></i>
</p><p><i><font>N - Se, porventura, assim se não entender, o que só por mera hipótese, e sem conceder, se admite, deve então proceder o que se pede nas alíneas d), e) e f) do referido petitório, e, em consequência, reconhecer-se o direito de preferência invocado e exercido em relação à venda da raiz ou nua propriedade do imóvel identificado.</font></i>
</p><p><i><font>O - Na verdade, considerando que tanto o usufruto como a raiz ou nua propriedade constituem direitos reais e passíveis de alienação, designadamente a título oneroso, tudo de acordo com o disposto nos arts. 1439°, 1443°, 1444° e 1476° n° 1 ala a), todos do CC,</font></i>
</p><p><i><font>P - E tendo ainda em devida conta que, no caso presente, pela escritura de 21.04.2006 se realizaram dois negócios distintos, a venda da raiz ou nua propriedade do prédio e a venda do usufruto, e não um único negócio de venda da propriedade plena, nenhuma lei ou principio geral de direito existe que proíba o exercício de tal direito de preferência ora aqui em causa,</font></i>
</p><p><i><font>Q - E considerando que cabe nos legítimos direitos dos preferentes optar, no caso concreto, em exercer o seu direito de preferência sobre uma qualquer das vendas, já que nenhuma lei lhes impõe o dever de exercer tal direito de preferência sobre as duas simultaneamente, e </font></i>
</p><p><i><font>R - Sendo certo ainda que os Recorrentes eram já inquilinos do prédio quando os senhorios, os RR. JJ e marido KK, efectuaram a doação de 09.10.1996, e constituíram o usufruto sobre o mesmo prédio.</font></i>
</p><p><i><font>S - Aliás, o direito ao usufruto sobre tal prédio não pode considerar-se extinto com os contratos celebrados com a escritura de 21.04.2006 (art. 1476° n° 1 al. b) do CC), porquanto, operando o exercício da preferência os seus efeitos ex tunc e mediante a substituição no contrato dos compradores pelos preferentes, o usufruto mantém-se plenamente válido e eficaz até que ocorra o seu termo, com a morte do primitivo usufrutuário.</font></i>
</p><p><i><font>T - A finalidade do art. 47° do RAU permanece intacta, já que, por via deste exercício do direito de preferência, continua a obter-se a junção na pessoa do arrendatário do direito de propriedade do arrendado, apenas com a ressalva que a propriedade plena tardará um pouco mais a verificar-se.</font></i>
</p><p><i><font>U - Porque o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos arts. 47° do RAU e 1439°, 1443°. 1444° e 1476° n° 1 ala b), todos do CC, e dos princípios gerais que informam o nosso ordenamento neste domínio do direito das coisas,</font></i>
</p><p><i><font>V - Deve ser revogado e substituído por douto acórdão que julgue inteiramente procedente os pedidos constantes das alíneas c), e) e f) do petitório, ou então, se assim se não entender, procedentes os pedidos das das suas alíneas d), e) e f),</font></i>
</p><p><i><font>X - E, em consequência, reconheça o exercício pelos Recorrentes do direito de preferência em relação à venda da raiz ou nua propriedade do prédio arrendado, substituindo no respectivo contrato os compradores pelos preferentes de harmonia com o referido na dita alínea e), mediante o valor depositado.</font></i>
</p><p><font>Não foi junta contra-alegação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, corridos os vistos, cumpre apreciar.</font>
</p><p><font>Repetem os Recorrentes, aqui, as questões da apelação relativas à modificação da decisão da matéria de facto e, no plano do direito substantivo, ao reconhecimento do seu direito de preferência restrito à venda da nua propriedade do prédio alienado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II.</font>
</p><p><font>A - Vejamos, antes de mais, os factos provados, tal como foram consignados pela Relação:</font>
</p><p><font>1. Encontra-se inscrito junto da Conservatória do Registo Predial de F..., sob o n° 03821/010703, pela inscrição G-1l, com a Ap. 19/010703, a aquisição a favor de LL c.c. MM, em comunhão de adquiridos, Avenida … , F..., por doação e partilha em vida de JJ e KK, casados em separação de bens, Avenida … ; pela inscrição F-l, com a Ap. 19/010730, o usufruto a favor de JJ e marido KK, a extinguir no todo à morte do último que sobreviver, e que posteriormente veio a ser cancelado pela Of.- Av. 1. Ap. 01/20060424; pela inscrição G-2, com a Ap. 01/20060424, a aquisição a favor de GG, c.c. FF, em comunhão de adquiridos, Urbanização ..., n°…, F..., e II, divorciado. Praceta ..., n°…, 3º esq, F..., por compra, com a seguinte descrição: Urbano, sito na Rua ..., freguesia e concelho de F..., composto de Casa de R/C e Io andar, com a área coberta de 234m2 e logradouro com 242m2; confronta de Norte e Nascente com FF; Sul com herdeiros de OO; e Poente com Rua ..., descrito no artigo matricial com o n° ...; desanexado do n° 11.751, a fls. 68, do Livro … [alínea A) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>2. Por escritura pública, realizada no Cartório Notarial de F..., exarada a fls. 93, do Livro 380-A, desse Cartório Notarial, no dia 09 de Outubro de 1996, declararam, JJ, e marido KK, na qualidade de l°s outorgantes; LL c.c. com MM, na qualidade de 2a outorgante; FF c.c. GG, na qualidade de 3a outorgante; e MM c.c. com a segunda outorgante, e GG, c.c. com a terceira outorgante, e na qualidade de 4°s outorgantes, o seguinte: os primeiros outorgantes: "que têm como únicos filhos e presuntivos herdeiros legitimários as referidas LL e FF, aqui segunda e terceira outorgantes. Que doam às mesmas suas filhas, em comum, os seguintes prédios:</font>
</p><p><font>Iº- Prédio urbano, sito na Rua …, desta freguesia e concelho de F..., composto de casa destinada a habitação, de rés-do-chão com doze divisões e primeiro andar também com doze divisões com a área coberta de duzentos e trinta e quatro metros quadrados e logradouro com duzentos e quarenta e dois metros quadrados, a confrontar de norte e nascente com prédios seguinte, sul com herdeiros de OO e poente com a Rua …, inscrito na respectiva matriz, desde mil novecentos e setenta e um, sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 2.148.120$00.</font>
</p><p><font>(...)</font>
</p><p><font>Que estes prédios formam o descrito na Conservatória do Registo Predial de F... sob o número onze mil setecentos e cinquenta e um, lá registado em nome deles doadores pela inscrição número oito mil novecentos e dezanove.</font>
</p><p><font>Que é de doze milhões quatrocentos e trinta e oito mil oitocentos e oitenta e cinco escudos, o valor patrimonial global dos indicados prédios.</font>
</p><p><font>Que reservam para eles doadores, o usufruto simultâneo e sucessivo de todos os prédios, usufruto esse com o valor fiscal de três milhões, setecentos e trinta e um mil, seiscentos e sessenta e cinco escudos e cinquenta centavos, atentas as suas idades, pelo que é de oito milhões, setecentos e sete mil, duzentos e dezanove escudos e cinquenta centavos, o valor global atribuído aos bens doados.</font>
</p><p><font>Que autorizam que as donatárias, em vida deles doadores, procedam à partilha dos referidos prédios."</font>
</p><p><font>Declararam a segunda e terceira outorgante:</font>
</p><p><font>"Que aceitam a doação que acaba de lhes ser feita e, desde já, estão acordadas em proceder à partilha dos prédios ora doados, em raiz.</font>
</p><p><font>Que é de oito milhões, setecentos e sete mil, duzentos e dezanove escudos e cinquenta centavos, o valor global dos mencionados bens, valor esse em que convieram para efeitos da presente partilha.</font>
</p><p><font>Desse valor, correspondem a cada meação, quatro milhões, trezentos e cinquenta e três mil seiscentos e nove escudos e setenta e cinco centavos.</font>
</p><p><font>Dividindo por três uma das meações, obtemos um milhão, quatrocentos e cinquenta e um mil, duzentos e três escudos e vinte e cinco centavos, que corresponde ao valor do quinhão do cônjuge doador que vier a sobreviver ao outro.</font>
</p><p><font>Deduzindo ao valor global dos bens doados, o dito quinhão de um milhão, quatrocentos e cinquenta e um mil, duzentos e três escudos e vinte e cinco centavos, obtemos sete milhões, duzentos e cinquenta e seis mil e dezassete escudos e vinte e cinco centavos, que, dividido por dois, por tantas serem as filhas donatárias, resultam, para cada uma, três milhões, seiscentos e vinte e oito mil, oito escudos e treze centavos.</font>
</p><p><font>Que partilhando os ditos prédios, procedem pela seguinte forma às adjudicações:</font>
</p><p><font>À segunda outorgante LL, fica adjudicada, a raiz ou nua propriedade do prédio da verba UM, no valor de um milhão, quinhentos e três mil, seiscentos e oitenta e quatro escudos. Porém, como lhe pertencem três milhões, seiscentos e vinte e oito mil, oito escudos e treze centavos, levam a menos dois milhões, cento e vinte e quatro mil, trezentos e vinte e quatro escudos e treze centavos, que em tomas de igual valor recebe da terceira outorgante.</font>
</p><p><font>À terceira outorgante (...)."</font>
</p><p><font>Declarou a segunda outorgante: "que já recebeu da terceira outorgante as tornas que lhe eram devidas".</font>
</p><p><font>Declaram ainda as segunda e terceira outorgantes: "que reciprocamente se obrigam a dar preferência na venda ou dação em cumprimento de qualquer dos prédios ora doados."</font>
</p><p><font>Declaram os quartos outorgantes: "que consentem na partilha ora efectuada por seus cônjuges".</font>
</p><p><font>Declaram finalmente os primeiros a terceira outorgantes: "que a favor do prédio ora doado à segunda outorgante ficou constituída, por destinação de pai de família, uma servidão de escoamento das águas residuais, provenientes daquele prédio e que são conduzidas, através de vários tubos e caixas, para os logradouros dos prédios supra descritos sob as verbas dois e três e que daqui seguem para as condutas de saneamento público, a que atribuem o valor de dez mH escudos" [alínea B)].</font>
</p><p><font>3. Por escritura pública, realizada no Cartório Notarial de Guimarães, exarada a fls. 78, do Livro …, desse Cartório Notarial sito na Av. …, Edifício …, no dia 21 de Abril de 2006, PP, na qualidade de procurador de a) JJ e marido KK, b) LL, por um lado e enquanto Iº outorgante; MM, por outro e enquanto segundo outorgante; e GG e II, por outro lado e enquanto terceiros outorgantes, declararam o primeiro que na dita qualidade:</font>
</p><p><font>"Que em nome dos seus representados indicados na alínea a) pelo preço, já recebido, de noventa mil euros, vende aos terceiros outorgantes, para lhes ficar a pertencer em comum, o usufruto que pertence aos seus representados, no imóvel a seguir identificado, usufruto esse que se encontra definitivamente registado na Conservatória do Registo Predial de F..., a favor dos seus representados pela inscrição F-um;</font>
</p><p><font>Que em nome da sua representada identificada na alínea b), pelo preço já recebido, de duzentos e sessenta mil euros, também vende aos mesmos terceiros outorgantes, para lhes ficar a pertencer em comum, a raiz ou nua propriedade do seguinte imóvel, definitivamente registado a favor da sua representada, na dita Conservatória, como seu bem próprio, pela inscrição G-um: Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, destinado a quatro habitações, situado na Rua …, anterior Rua …, da freguesia e concelho de F..., descrito na Conservatória do Registo Predial de F... sob o número três mil oitocentos e vinte e um - F..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 18.297,55.</font>
</p><p><font>Que sobre o aludido imóvel encontra-se subsistente hipoteca a favor do Banco QQ, S.A., conforme consta da respectiva inscrição C-um, cujo cancelamento se encontra assegurado.</font>
</p><p><font>Que sobre o referido imóvel encontra-se ainda registada pela inscrição F-dois, uma penhora, em que é exequente o Banco QQ, S.A., para garantia da quantia exequenda de quatrocentos e setenta e sete mil quatrocentos e setenta e sete mil quatrocentos e trinta e nove euros e cinquenta e três cêntimos."</font>
</p><p><font>Declarou ainda o primeiro outorgante na dita qualidade:</font>
</p><p><font>"Que os seus representados JJ e marido KK têm como únicas filhas e presuntivas herdeiras legitimarias a também sua representada LL e a mulher do comprador GG, a dita HH.".</font>
</p><p><font>Declararam os terceiros outorgantes:</font>
</p><p><font>"Que aceitam estes contratos nos termos exarados."</font>
</p><p><font>Declarou o segundo outorgante:</font>
</p><p><font>"Que consente na venda ora efectuada por seu cônjuge a ambos os compradores, autorizando ainda os seus sogros à venda feita a seu cunhado GG".</font>
</p><p><font>Finalmente declararam os outorgantes, sendo o primeiro na qualidade em que intervém:</font>
</p><p><font>"Que no presente negócio não houve intervenção de mediador imobiliário." [alínea C)].</font>
</p><p><font>4. AA e BB; CC e DD; EE e FF, habitam, juntamente com os seus agregados familiares os prédio descrito em 1), tendo tomado de arrendamento, pela forma verbal, com o respectivo proprietário [alínea D)].</font>
</p><p><font>5. No âmbito do acordo referido em 4) AA e BB pagavam, a título de renda, a quantia mensal de € 72,60 [alínea E)].</font>
</p><p><font>6. (...) os autores CC e DD pagavam, a título de renda, a quantia mensal de €60,00 [alínea ¥)].</font>
</p><p><font>7. (...) e os autores EE e FF pagavam, a título de renda a quantia mensal de € 42,44 [alínea G)].</font>
</p><p><font>8. O prédio descrito em 1) tem o número polícia 33, da Rua …, e é constituído por quatro habitações, duas no rés-do-chão e duas no primeiro andar [alínea I)];</font>
</p><p><font>9. (...) estando o rés-do-chão esquerdo arrendado aos Autores AA e BB [alínea J)].</font>
</p><p><font>10. (...) o 1º andar esquerdo aos Autores CC e DD [alínea L)].</font>
</p><p><font>11. (...) o 1º andar direito aos Autores EE e FF [alínea M)].</font>
</p><p><font>12. (...) e o rés-do-chão direito a RR e SS [alínea N)].</font>
</p><p><font>13. Encontra-se junto aos autos, a fls. 42, documento particular, datado de 23 de Maio de 2006, onde sob a menção "Declaração", consta o seguinte: "Nós abaixo assinados, SS e marido RR, declaramos, para todos os efeitos legais, que não pretendemos intervir na acção especial de preferência que os nossos vizinhos AA, CC e EE vão intentar pelo Tribunal de F... contra os senhorios e os compradores, Essa preferência respeita à venda feita por escritura de 21 de Abril do ano em curso, do prédio urbano sito na Rua Dr. ..., n°…, desta cidade, inscrito na matriz sob o artigo ..., de que somos inquilinos de habitação. Por tudo o que referido fica renunciamos ao direito de preferência na referida venda, cuja escritura nos foi exibida, lida e explicada/', estando, a final, desenhados as seguintes assinaturas "SS e RR" [alínea O)].</font>
</p><p><font>14. JJ, nasceu aos … de Novembro de 19…, é natural da freguesia da …, concelho do Porto, filha de LL, e casou aos … de Julho de 19… com KK, tendo alterado o nome para JJ [alínea P)].</font>
</p><p><font>15. KK, nasceu aos … de … de 19…, natural de F..., filho de TT e de UU [alínea Q)].</font>
</p><p><font>16. O prédio descrito em 1) tinha inscrito pela inscrição C-1, com a Ap. 20/010730, uma hipoteca a favor do Banco QQ, S.A., Praça …, …, Porto, para garantia de todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pelos titulares passivos ou VV, …, Lda.", Avenida …, …, F..., resultante de todas e quaisquer operações bancárias ou direitos permitidos bem como todas as despesas da responsabilidade do devedor, que não sejam consequência da mora, que o Banco haja pago por conta do devedor e que possa sobre ele repercutir esse pagamento ou ficar subrogado nos direitos do ser credor, todo até ao limite de 57.5G0.00G$00, Juro anual: 8,03125%, elevável na mora em mais 4%, a título de clausula penal; despesas: 2.300.0GO$00, Montante máximo: 80.553.907$00.</font>
</p><p><font>17. (...) pela inscrição F-2, com a Ap.16/20050209, foi inscrita penhora, efectuada em 09 de Fevereiro de 2005 para pagamento da quantia exequenda de € 477.439,53, acrescida de 5%, em que era exequente: Banco QQ, S.A., com sede na Praça …, …, Porto; e executado LL e marido MM e JJ e marido KK [alínea S)].</font>
</p><p><font>18. A hipoteca referida em 16) foi pela inscrição C-l, com o Av. 2- Ap. 02/20060424, cancelada [alínea T)].</font>
</p><p><font>19. Há mais de 30 anos que os Autores, na qualidade descrita em 4) utilizam o prédio descrito em 1) [resposta ao artigo 1º da base instrutória].</font>
</p><p><font>20. Uma parcela de € 200.000 do preço recebido foi entregue ao Banco XX para satisfação de uma dívida com garantia hipotecária sobre o prédio [artigo 3º].</font>
</p><p><font>21. Os Réus GG e MM, em representação de JJ, KK e LL abordaram os Autores, a quem propuseram vender-lhes o prédio, a todos ou a algum deles (artigo 4º).</font>
</p><p><font>22. Tal aconteceu há cerca de 4 meses (reportados à data da contestação), face à necessidade de MM e LL, até ao dia 21 de Abril de 2006, cumprirem um acordo que haviam celebrado com o Banco XX [artigo 5º].</font>
</p><p><font>23. RR e SS declararam aos Réus que, independentemente do preço e demais condições do negócio, não compravam [artigo 6°].</font>
</p><p><font>24. Os demais Autores manifestaram interesse na compra [artigo 7º].</font>
</p><p><font>25. Os Réus GG e MM, em representação de JJ, KK e LL propuseram o preço de € 400.000,00, ao que os Autores responderam com a proposta de € 200.000,00 [artigo 8°].</font>
</p><p><font>26. (...) e os Réus deram conhecimento aos Autores que era condição do acordo de venda do prédio a constituição de servidão de passagem sobre o prédio através de um caminho a implantar a favor do Réu GG situado nas traseiras [artigo 9°].</font>
</p><p><font>27. Seguidamente, surgiu como interessado na aquisição do prédio descrito em 1), o dono do prédio contíguo ao aqui em causa - NN -o qual propôs aos Réus alienantes o negócio nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>- a compra da raiz e nua propriedade por seu filho e respectiva namorada;</font>
</p><p><font>- a compra do usufruto por aquele e sua esposa, pelo preço de €260.000,00, do qual seriam pagos € 25.000,00 no acto de assinatura do contrato-promessa e o remanescente na data da realização da escritura, a ter lugar no prazo de 30 dias, no cartório notarial da Dra. ZZ, em Guimarães [artigo 13°].</font>
</p><p><font>28. Os Autores chegaram a oferecer aos Réus o valor máximo de € 240.000,00, ou seja, de € 60.000,00 por cada apartamento [artigo 21°].</font>
</p><p><font>29. Aos primeiros Réus faltava a quantia de € 142.500,00 para completarem o preço a pagar pela compra do prédio, razão pela qual contactaram o 2° Réu II, a quem pediram um empréstimo de tal montante [artigos 25° e 26°].</font>
</p><p><font>30. O Réu II declarou emprestar, sob condição de, em garantia do pagamento do seu crédito ser associado ao negócio como comprador [artigo 27°].</font>
</p><p><font>31. (...) e obrigando-se a fazer regressar o prédio na totalidade aos 1°s Réus, logo que estes lhe pagassem a quantia de € 142.500,00 [artigo 28°|.</font>
</p><p><font>32. (..) o que os 1°s Réus declararam aceitar [artigo 29°].</font>
</p><p><font>33. Os Autores procederam ao depósito da quantia global de € 272.271,59, junto da Caixa AAA, S.Á. [alínea U)].</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B – São, meramente, decorativas ou pontuais, as alterações que os Recorrentes introduziram na sua alegação na revista, em tudo idêntica à que motivou a apelação. Tem-se a noção, até, que ou o teor do acórdão da Relação de Guimarães não foi sequer lido ou, muito embora tenha apreciado de forma séria as questões que lhe foram submetidas, não mereceram qualquer rebate por banda dos Recorrentes. É esse acórdão, todavia que devia ser objecto da revista e não a sentença proferida em 1ª instância e essa circunstância, só por si, justificaria que nos limitássemos a remeter para os seus termos, tanto mais que, de uma maneira geral, merecem a nossa concordância (artº705º do CPC, versão anterior à reforma de 2007).</font>
</p><p><font>Não se lhe acrescentará, no entanto, muito mais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B1 - Pretendem os Recorrentes com a revista, num primeiro momento, que este Tribunal refaça a decisão da matéria de facto, sancionada pelas instâncias, de modo a que venha a julgar-se procedente os pedidos correlacionados com a simulação do preço que arguiu.</font>
</p><p><font>A intromissão deste Tribunal no julgamento de matéria desta natureza não se compreende no âmbito dos poderes que lhe cabem, como tribunal de revista, uma vez que, em princípio, lhe está vedada a alteração da decisão adoptada em sede de matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.</font>
</p><p><font>Reconhecem os Recorrentes esta limitação mas insistem em reiterar que no julgamento efectuado se não deu cumprimento a “normas legais sobre a produção de prova e seu resultado” sem grande preocupação pela verdade que o processo revela ou pelo rigor no seu enquadramento nas excepções que a lei adjectiva previne nos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3 e 722º, nº3 do CPC.</font>
</p><p><font>Na verdade, continuaram eles a insistir que a matéria dos artº12º, 14º, 26º, 27º e 58º da contestação devia ter sido dada como admitida por acordo, pois não foi objecto de impugnação da parte contrária o que os autos não comprovam, como a Relação demonstrou no acórdão recorrido e ora, se não vai repetir; e do mesmo passo, reclamam das respostas dadas aos quesitos 20º, 22º, 23º e 24º cuja alteração pretendem, invocando para esse efeito a credibilidade do depoimento de uma testemunha que a Relação não atendeu e a este Tribunal não cabe sanar, sustentadas que se mostram em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador (artº655º,1 do citado Código).</font>
</p><p><font>Limitou-se, portanto, a Relação a enquadrar o caso vertente no número daqueles em que a sua intervenção não oferece dúvida e reapreciando, nessa conformidade, a matéria de facto objecto de dissídio (e da apelação), fê-lo de forma a não extravasar de seus poderes nesse domínio. Não se aceita, em consequência, que no acórdão sob recurso se tenha atentado contra as disposições, referenciadas pelo Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> B2 – Passemos, então, à questão jurídica de maior interesse prático que, no essencial, se resume a saber se os Recorrentes, locatários do prédio alienado, sobre o qual recaíam um direito de usufruto e um direito de nua propriedade podem limitar o exercício de seu direito de preferência apenas ao segundo daqueles direitos quando ambos foram transferidos para os adquirentes, em conjunto, no mesmo instrumento notarial.</font>
</p><p><font>Filia-se o direito de preferência dos Recorrentes no disposto no artº47º,1 do RAU, cuja aplicação decorre da circunstância de a celebração do contrato que o determina, ter ocorrido na sua vigência. Segundo aquele dispositivo, o arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento no local arrendado há mais de um ano. </font>
</p><p><font>É corrente entender-se (cfr vg, preâmbulo da lei 63/77 de 25.08) que a justificação que preside à atribuição do direito de preferência a favor do locatário é a de facilitar a aquisição do prédio, proporcionando o acesso à propriedade a quem beneficia já de direito de gozo mais ou menos prolongado sobre esse bem, desta forma, dando realização a pretensão constitucional nesse sentido ao mesmo tempo que se solidifica a paz social, ao eliminar potenciais conflitos entre locador e locatário.</font>
</p><p><font>Os Recorrentes vieram satisfazer o seu direito por via da acção de preferência para tanto autorizados pelo artº 49º daquela lei que manda aplicar ao direito do locatário, com as necessárias adaptações, o artº1410º do CC. E da leitura desta disposição ressalta que essa acção de preferência constitui meio de reacção a que pode deitar mão o titular de uma preferência legal contra a venda ou dação em cumprimento, levada a cabo com infracção das regras destinadas a possibilitar o exercício e a efectivação do direito de preferência perante tal alienação.</font>
</p><p><font>Da precedência dessa acção o que pode esperar-se é tão só a substituição com eficácia </font><i><font>ex tunc</font></i><font> do adquirente pelo preferente. Na verdade, segundo o entendimento uniforme dos autores, as preferências legais conferem ao respectivo titular a faculdade de, em igualdade de condições (tanto por tanto), se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação. Ou, como escreve Henrique Mesquita, “o direito que pode exercer-se através de uma acção de preferência é o direito de em determinada venda, substituir o comprador, reembolsando-o do preço que pagou ao comprador…e passando o preferente a ocupar a sua posição jurídica, como se o vinculado à preferência houvesse celebrado directamente com ele o negócio sujeito à prelação” – cfr. RLJ, 132º, nº3903, 191.</font>
</p><p><font>De tudo o que se vem de exp | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKhu4YBgYBz1XKvnCSs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>I. - Relatório.</font>
</p><p><font>Em oposição com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão proferido na apelação que havia sido interposto da decisão prolatada na 1.ª instância [</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>], que concedendo, parcialmente provimento ao recurso decidiu “a) Julgar parcialmente procedente a apelação da sociedade “AA -... Lda.” e: - a) - Declarar a anulação da escritura de compra e venda celebrada em 23 de Novembro de 2000, lavrada de folhas 13 a folhas 14 do livro …, do extinto 3º Cartório Notarial do Funchal, sendo os efeitos reportados à data, devendo ser ordenada a anulação de quaisquer registos que tenha havido da compra e venda do imóvel; b) - Declarar a nulidade do contrato de locação financeira imobiliária, proposta nº...; c) -O R., Banco BB, S.A., Sociedade Aberta, condenada na restituição das rendas pagas pela A.; b) - Julgar, também, parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pelo R., Banco BB, S.A., Sociedade Aberta, e condenar a A., AA - ... Lda., a restituir-lhe o preço pago pela aquisição do imóvel.”, recorre, de revista, o demandado, “Banco BB, S.A., Sociedade Aberta”, havendo a considerar para a apreciação do recurso, os sequentes,</font>
</p><p><font>I.1. – Antecedentes Processuais. </font>
</p><p><font> A sociedade “AA – ... Lda.” intentou, nas Varas de Competência Mista do Tribunal do Funchal, acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a sociedade “CC Imobiliária – ..., S.A.”, actualmente, Banco BB, S.A., Sociedade Aberta, pedindo, na sua procedência, seja: - a) - Declarada a anulação da escritura de compra e venda celebrada em 23 de Novembro de 2000, lavrada de folhas 13 a folhas 14 do livro …, do extinto 3º Cartório Notarial do Funchal, por incumprimento do disposto no art. 49° do Código do Notariado, nos termos do art. 70.º, n.º 1, e) do mesmo código, tendo em conta os artigos 10.º, a) e e) do C. R. Comercial, art. 231.º, § único do C. Comercial, sendo os efeitos reportados à data, devendo ser ordenada a anulação de quaisquer registos que tenha havido da compra e venda do imóvel; b) - Declarada a nulidade do contrato de locação financeira imobiliária, proposta n.º ..., nos termos do art. 286.º do C. Civil e por aplicação do disposto no art. 9.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 446/85, de 25-X; c) - A R. condenada na restituição das rendas pagas pela A., nos termos do art. 289.º, n.º 1 do C. Civil. </font>
</p><p><font>Para o pedido que impetra alinhou, em síntese apertada, a sequente factualidade:</font>
</p><p><font>- celebrou com R., “CC Imobiliária - ..., S.A.”, actualmente, “Banco BB, S.A., Sociedade Aberta”, em 23 de Novembro de 2000, uma escritura de compra e venda de imóvel. </font>
</p><p><font>- Na mesma data foi celebrado, entre as mesmas partes, um contrato denominado Contrato de Locação Financeira Imobiliária, Proposta n.º .... </font>
</p><p><font>- O seu representante nessa escritura, DD, não possuía os necessários poderes para a sua outorga. </font>
</p><p><font>- O contrato de locação financeira foi um contrato de adesão, previamente elaborado sem qualquer sua intervenção e em relação ao qual foi omitido o dever de informação por parte da R., dado que o sócio EE nunca tomou conhecimento efectivo do teor, tipo e consequências da celebração daquele contrato. </font>
</p><p><font>- DD não possuía, nem nunca possuiu os poderes necessários para obrigar a sociedade A., por ser necessária a assinatura de dois gerentes. </font>
</p><p><font>- A sua acta nº 16 não constitui documento bastante para conferir ao outorgante os necessários poderes para a outorga da escritura, porque carecia de registo ou, então, deveria ter sido efectuada uma procuração. Pretendia um financiamento e a R. levou-a a transmitir a propriedade do imóvel por menos de metade do valor, omitindo a principal diferença entre os dois contratos a mudança da propriedade de forma permanente.</font>
</p><p><font>Na contestação, a R. contrapõe aos factos alinhados pela A. que: </font>
</p><p><font>- Na assembleia geral da sociedade demandante, ocorrida a 6 de Novembro de 2000, foi aprovada a proposta de vender à CC Imobiliária o imóvel da sociedade sito em Edifício ..., bloco …, ..., Funchal, inscrito na matriz sob o artigo …, fracção AM pelo preço de 9.600.000$00 e celebrar um contrato de locação financeira com aquela, com referência ao mesmo imóvel, concedendo-se ao gerente DD os mais amplos poderes para a concretização da operação. O</font>
</p><p><font>- O art. 252.º do C. S. Comerciais permite à gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos. Já o art. 49.º, n.º 1 do C. Notariado reporta-se à qualidade de representante de pessoa colectiva e não à suficiência de poderes para a prática dos actos que deve ser aferida em função de outros elementos, designadamente, actas da sociedade quando a certidão do registo não seja bastante, que foi o que sucedeu neste caso. </font>
</p><p><font>- A ocorrer insuficiência de poderes, a A. confirmou tal acto de modo imediato e tácito, posto que entre 20 de Novembro de 2000 e 20 de Abril de 2005 pagou-lhe a renda mensal acordada no contrato de locação financeira. </font>
</p><p><font>- Obteve a restituição judicial do imóvel em consequência da resolução unilateral do contrato por falta de pagamento das rendas vencidas desde 20 de Abril de 2005. O contrato de locação financeira foi da iniciativa da A. e esta bem sabia os termos, alcance e efeitos dos contratos que celebrava. Simultaneamente. </font>
</p><p><font>- Deduziu pedido reconvencional para o caso de a acção ser julgada procedente, situação em que pretendeu que a A. fosse condenada a restituir-lhe o preço pago pela aquisição do imóvel e ainda, nesse caso, ser-lhe reconhecido o direito a fazer seus os montantes efectivamente pagos a título de rendas e ainda a A. condenada a pagar-lhe o valor correspondente ao uso referente ao período compreendido entre 20 de Março de 2005 e 9 de Junho de 2006.</font>
</p><p><font>Após a realização do julgamento foi proferida sentença – fls. 180/193 - de 14 de Abril de 2011 que julgou improcedente, por não provada, a acção e, em consequência absolveu a R., Banco BB, S.A., Sociedade Aberta, dos pedidos deduzidos. Mais se decidiu não conhecer do pedido reconvencional deduzido subsidiariamente apenas para o caso de procedência da acção.</font>
</p><p><font>Para o recurso que interpõe alinha a recorrente o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.</font>
</p><p><b><font>I.2. – Quadro Conclusivo.</font></b>
</p><p><font>“1.ª O Acórdão recorrido desconsiderou em absoluto a sentença proferida em 1.ª instância na parte em que considerou – e bem – que não nos encontramos, in casu, perante um mandato comercial, ou seja, no âmbito de poderes de representação da sociedade, mas antes e ao invés, perante uma verdadeira distribuição ele poderes entre gerentes, válida e legalmente admissível ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 252.º, e n.º2 do artigo 261.º, ambos do artigo do Código das Sociedades Comerciais. </font>
</p><p><font>2</font><sup><font>a</font></sup><font> Tal distribuição de poderes extrai-se, de forma clara e inequívoca, do teor da acta da assembleia-geral de 6-11-2000 da Recorrida, onde os </font><u><font>dois únicos sócios e gerentes</font></u><font> delegaram num deles a competência para a celebração os dois contratos aqui em apreço – 17 dias depois –, não se tratando de representação de U11I gerente por outro mas sim de distribuição de competências entre gerentes. </font>
</p><p><font>3</font><sup><font>a</font></sup><font> A acta de sociedade aqui em causa foi assinada pelos </font><u><font>dois únicos sócios, ambos gerentes,</font></u><font> onde expressamente deliberaram conferir a apenas um deles os mais "amplos poderes para concretização da operação" que, in casu, estava perfeitamente identificada e concretizada por meio de deliberação unânime: operação de Lease-Back através da qual o locatário vende à locadora um bem, a qual, depois, lhe cede o mesmo bem em regime de locação financeira. </font>
</p><p><font>4</font><sup><font>a</font></sup><font> Dúvidas não existem que a referida operação de Sale and Lease-Back foi querida e conscientemente realizada pela Recorrida. </font>
</p><p><font>5</font><sup><font>a</font></sup><font> Não colhe a versão da Recorrida de que a acta da assembleia geral é nula, nos termos do art. 56/1 do CSC, por não se encontrar de acordo com o pacto social, violando directamente a forma de obrigar a sociedade aí prevista; nem, tão pouco, que "da acta junta aos autos, não se pode concluir que o sócio DD tinha poderes, para sozinho assinar uma escritura de venda do imóvel.» </font>
</p><p><font>6</font><sup><font>a</font></sup><font> E, pelo contrário, manifestamente abusiva e inadmissível tal versão: os dois únicos sócios e simultaneamente gerentes da Recorrida, sabendo que a sociedade se vinculam com a assinatura de ambos, deliberaram que, para esta operação em concreto, bastaria a intervenção de um deles, </font>
</p><p><font>7</font><sup><font>a</font></sup><font> A Recorrida tinha perfeito conhecimento da natureza e consequências dos negócios que havia celebrado, pelo que vir agora invocar desconhecimento dos termos desse contrato constitui uma flagrante situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (cfr. art. 334.º do C. Civil). </font>
</p><p><font>8.ª Mas, ainda que, efectivamente fosse nula a deliberação da assembleia geral da Recorrida, conforme pretendido por esta – o que apenas por hipótese se admite – sempre se dirá que tal nulidade sempre seria inoponível ao ora Recorrente, porquanto terceiro de boa fé – cfr, artigo 61.º, n.º 2 do CSC. </font>
</p><p><font>9.ª Diferentemente, já o inverso não é verdadeiro: a Recorrida, essa sim, inevitavelmente, conhecia e, aliás, criou ab initio a alegada nulidade mas, ainda assim, deliberadamente, sempre a terá omitido ao Recorrente, outorgando a escritura pública nos moldes em que o fez: repisa-se, a existir, essa alegada nulidade foi deliberada e intencional e convenientemente criada pela Recorrida, </font>
</p><p><font>10,ª Não podendo, assim, por via de um vício de forma, por si criado e mantido durante dez anos, obter um resultado mais gravoso – nulidade da deliberação - que doutra forma não conseguiria obter, </font>
</p><p><font>11.ª Por outro lado, refira-se que ainda que se admitisse a insuficiência de poderes para os actos, por parte do sócio e gerente DD – hipótese que se avança por mero dever de patrocínio e que não se concebe – a sua confirmação pela sociedade foi imediata e tácita, uma vez que, entre 20/11í2000 e 2010412005 – durante cinco longos anos – a Recorrida efectivamente, pagou ao Recorrente a renda mensal acordada no contrato de locação financeira. </font>
</p><p><font>12</font><sup><font>a</font></sup><font> É, assim, manifesto que estávamos perante uma clara distribuição de poderes entre gerentes nos termos previstos no Já referido artigo 261.º do CSC: dessa delegação de poderes teve o cuidado de se certificar a Senhora Notária, ao outorgar a escritura quer através da respectiva certidão comercial, quer através da acta da assembleia geral – assinada pelos dois únicos sócios e gerentes, donde se extrai, de forma expressa, essa mesma (intencional e consciente) delegação de poderes, </font>
</p><p><font>13.ª A. "AA – .... Lda." encontrava-se, assim regularmente representada, quer na escritura pública de compra e venda, quer na celebração do contrato de locação financeira que incidiu sobre o imóvel melhor identificado nos autos sendo, por isso, absolutamente válidos, os negócios celebrados. devendo, nesta parte, ser revogado o douto acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>14.ª Por cautela e dever de patrocínio, e caso assim não se entenda, sempre se dirá que a serem nulos os contratos aqui em causa, a invocação dessa nulidade, pela Recorrida, sempre consubstanciaria um Abuso de Direito, na modalidade de venire contra factum proprium (artigo 334.º do Código Civil) e que, atendendo aos moldes em como vem invocada, sempre obstaria à produção dos efeitosjll1idicos da nulidade. </font>
</p><p><font>15.ª Não se compreendendo, aliás, o Digníssimo Tribunal da Relação quando, sem alterar a decisão de 1.ª instância na parte em que condenou a Recorrida como litigante de má fé por julgar verificados os respectivos requisitos – cfr. artigo 456.º, n.º2, al. b) do CPC - veio, contraditoriamente e ainda assim, anular a escritura pública de compra e venda e declarar nulo o contrato de locação Financeira Imobiliária, com todas as consequências (jurídicas) daí advenientes. </font>
</p><p><font>16.ª É evidente que a anulação dos negócios aqui em causa foi declarada em claro abuso de direito! </font>
</p><p><font>17.ª Com efeito, em situações limite e excepcionais, o abuso de direito pode e deve tornar válido o acto formalmente nulo, como forma de sancionar o acto abusivo em si mesmo sendo manifesto que, no caso em apreço, estamos na presença de um desses casos excepcionais. </font>
</p><p><font>18.ª Encontram-se, efectivamente, verificados, in casu, todos os requisitos que justificam e permitem o afastamento dos efeitos da nulidade: </font>
</p><p><font>a) O Recorrente confiou que adquiriu pelos negócios celebrados com a Recorrida uma posição jurídica (a de proprietário e Locador;) </font>
</p><p><font>b) O Recorrente, com base em tal crença, orientou a sua vida por forma a tomar posições que ora são irreversíveis, pelo que a nulidade provocaria danos vultuosos, agora irremovíveis através de outros meios jurídicos; </font>
</p><p><font>c) A situação criada é exclusivamente imputada à Recorrida, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades. </font>
</p><p><font>19.ª Pelo que, parece não poder deixar de constatar-se que perante quadro factual disponível e sobejamente provado não se permite outra decisão que não seja a de afastamento integral dos efeitos da nulidade. </font>
</p><p><font>20.ª Numa palavra, a procedência da pretensão da Recorrida, nos termos em que, lhe foi reconhecida no douto acórdão recorrido, significa a prolação de uma decisão proferida em claro abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. </font>
</p><p><font>21.</font><sup><font>a</font></sup><font> Resultando da factualidade provada, de forma inequívoca, que a Recorrida violou os princípios da boa fé e da confiança que o Recorrente nela depositou, designadamente, ao aceitar o preço da compra do imóvel e ao cumprir (durante pelo menos cinco anos) o pagamento das rendas, em cumprimento do contrato de locação financeira e mesmo quando, em 2006, restituiu o imóvel ao Recorrente no âmbito de Providência Cautelar para o efeito requerida, </font>
</p><p><font>22.ª A conduta da Recorrida enferma de abuso de direito, tal como ele se mostra gizado no art. 334.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>23</font><sup><font>a</font></sup><font> Consequentemente, não podem a escritura pública de compra e venda e o contrato de locação Financeira Imobiliária celebrados entre Recorrida e Recorrente deixar de considerar-se válidos para todos os devidos e legais efeitos. </font>
</p><p><font>24</font><sup><font>a</font></sup><font> Deve, assim, necessariamente, revogar-se o douto acórdão recorrido na parte em que declarou nulos os aludidos contratos e condenou o ora Recorrente a restituir à Recorrida as rendas, por esta, pagas ao abrigo do contrato de locação financeira entre 23/11/2000 e 20/03/2005; devendo ainda a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente pelo uso do imóvel no período compreendido entre 20 de Março de 2005 a 9 de Junho de 2006, ficando, naturalmente e sempre no pressuposto da validade dos negócios celebrados com o Recorrente, dispensada de devolver o preço por este pago pela aquisição do mesmo. </font>
</p><p><font>25.ª Ao decidir como decidiu o douto acórdão recorrido viola gritantemente o artigo 334.º do Código Civil e os princípios constitucionais da legalidade do Estado de Direito e da boa-fé que devem nortear toda a actuação judicial. </font>
</p><p><font>26</font><sup><font>a</font></sup><font> O douto acórdão recorrido, salvo o devido respeito, pactua com a ilegítima intenção da ora Recorrida em se locupletar à custa do Recorrente. </font>
</p><p><font>27.ª A ser mantido o douto acórdão recorrido está a ser privilegiada a forma em prejuízo da substancia e a impedir-se, espera-se, a costumada justiça - que para o ser, não pode ser cega!”</font>
</p><p><font>Na resposta, sem epítome conclusivo, a demandante defende a manutenção do decidido na apelação. </font>
</p><p><b><font>I.3. – Questões a apreciar</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Para a solução do thema decidendum escrutinam-se as seguintes questões:</font>
</p><p><font>- Representação da sociedade comercial. Mandato comercial; Poderes conferidos aos sócios para representar a sociedade num contrato de compra e venda e leasing imobiliário.</font>
</p><p><font>- Abuso de Direito. </font>
</p><p><font>II. - Fundamentação.</font>
</p><p><font>II.A. – De Facto.</font>
</p><p><font>“1. - A então CC e … – Instituição Financeira de Crédito, S.A. e a sociedade AA – ..., Lda., ora A., celebraram com data de 23 de Novembro de 2000, uma escritura de compra e venda de imóvel, no extinto Terceiro Cartório Notarial do Funchal, perante a Senhora Notária FF, mediante a qual a segunda declarou vender à primeira, pelo preço já recebido de nove milhões e seiscentos mil escudos, a fracção autónoma ou unidade comercial, designada pelas letras "…", localizada no ângulo Sul – Poente rés-do-chão, integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado "Edifício ...", ao sítio ..., freguesia de ..., concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ..., a que corresponde a descrição predial subordinada ao n.º ... da freguesia de ..., da Conservatória do Registo Predial do Funchal, onde se acham registadas a constituição de propriedade horizontal pela inscrição F - … - Ap. 7 e a aquisição a favor da sociedade vendedora pela inscrição G- … - Ap. 39 (alínea A). </font>
</p><p><font>2. - Com a mesma data, foi também celebrado, entre os mesmos outorgantes, a A. e a R., um contrato denominado «Contrato de Locação Financeira Imobiliária», «Proposta número ...» mediante o qual esta cedeu a respectiva utilização à A., pelo prazo de 10 anos, mediante o pagamento de 120 rendas pagas mensal e antecipadamente, no valor de € 592,81 cada uma, indexadas à então Lisbor mensal, sendo a taxa implícita arredondada a 1/8 superior e que consta de fls. 31 a 46 pp. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea B).</font>
</p><p><font>3. - Na escritura referida em 1. interveio, na invocada qualidade de gerente da sociedade comercial AA – ..., Lda., primeira outorgante, DD (alínea C).</font>
</p><p><font>4. - Em representação da R., como segundo outorgante, interveio o Dr. GG, na qualidade de procurador, "...conforme pública-forma de procuração já arquivada neste Cartório sob o número 66, a folhas 145, do maço de documentos referente ao livro de notas número 348-C..." (alínea D).</font>
</p><p><font>5. - Consta do texto da escritura a seguinte menção no que concerne ao representante da AA – ..., Lda., vendedora do imóvel, naquele acto: "...qualidade, representação e suficiência de poderes para a prática do acto comprovadas por certidão de teor registral e pública-forma de acta que se arquivam..." (alínea E).</font>
</p><p><font>6. - O objecto social da A. consiste na comercialização de ..., software – assistência técnica, instalação de redes, comercialização de consumíveis, cursos de formação profissional (alínea F).</font>
</p><p><font>7. - À data da celebração da escritura referida em 1., a gerência da sociedade A. estava cometida a todos os sócios nessa data, EE e DD sendo a forma de obrigar a sociedade as assinaturas ou intervenção conjunta de dois gerentes (alínea G).</font>
</p><p><font>8. - No dia 6 de Novembro de 2000, a A. reuniu em Assembleia-geral da sociedade, para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos: Um – Venda de um imóvel da sociedade; Dois – Aprovação de uma operação de Locação Financeira Imobiliária (alínea H). </font>
</p><p><font>9. - Consta da Acta reportada à Assembleia-geral, referida em 8, que se encontravam presentes os seus dois únicos sócios e gerentes, DD, titular de uma quota do valor nominal de 7.000.000$00 e EE, titular de uma quota do valor nominal de 3.000.000$00, estando assim representada a totalidade do capital social; consta ainda que assumiu a presidência o sócio DD e que "...O Senhor Presidente após ter lido a convocatória pôs à votação dos sócios a seguinte proposta. - Que fosse aprovado vender à CC Imobiliária – Sociedade Locação Financeira, S. A., o imóvel da sociedade sito em Edifício ..., bloco …, freguesia de ... concelho do Funchal, inscrito na matriz sob o artigo ..., a fracção AM pelo preço de 9.600.000$00 (nove milhões e seiscentos escudos) e celebrar um contrato de locação financeira com a dita CC Imobiliária, com referência ao mesmo imóvel, concedendo-se ao gerente DD os mais amplos poderes para concretização da operação…" (alínea I.</font>
</p><p><font>10. - Entre 20 de Novembro de 2000 e 20 de Abril de 2005 a A. pagou à R. a renda mensal acordada no contrato referido em 2. (alínea J).</font>
</p><p><font>11. - O conteúdo da acta referida em 9 não foi objecto de registo (ponto 10).</font>
</p><p><font>12. - Desde a data referida em 1 e 2, o imóvel referido em 1 deixou de fazer parte dos activos da A., o que é do conhecimento desta (ponto 13.). </font>
</p><p><font>13. - A celebração do contrato de locação financeira referido em 2 foi da iniciativa da A. que o propôs à então CC – ..., S.A., como forma de financiamento para a sua actividade (ponto 14.). </font>
</p><p><font>14. - A operação que a A. apresentou à, então, CC – ..., S. A., consistiu numa operação de Lease Back através da qual o locatário vende à locadora um bem, a qual, depois, lhe cede o mesmo bem em regime de locação financeira (ponto 15.).</font>
</p><p><font>15. - O valor fixado para a compra e venda foi resultado do acordo entre as partes (ponto 16.).</font>
</p><p><font>16. - No âmbito da providência cautelar n.º 2018/06.0TJLSB, do 3º Juízo Cível de Lisboa, 3.ª Secção, na sequência de decisão a determinar a restituição do imóvel ao ora R., no dia 9 de Junho de 2006, procedeu-se à entrega da fracção autónoma ou unidade comercial designada pelas letras "…", localizada no ângulo Sul/Poente do R/c do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado Edifício ..., ao Sítio ..., freguesia de ..., concelho do Funchal (ponto 17.).</font>
</p><p><font>II.B. – De Direito</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Representação da sociedade comercial; Mandato Comercial; Poderes conferidos ao sócios para obrigar a sociedade num contrato de compra e venda e leasing imobiliário.</font></b>
</p><p><font>A questão que vem sendo controvertida, e que o acórdão revidendo solucionou a favor da sociedade demandante, prende-se com o facto de saber se a deliberação que conferiu ao sócio DD na invocada qualidade de gerente da sociedade comercial “AA – ..., Lda.” é instrumento suficiente e habilitante para a outorga na escritura de compra e venda e leasing imobiliário que a sociedade celebrou com o demandado. Vale por dizer que o que estará em causa é a capacidade ou poder de representação conferida a um dos sócios para obrigar a sociedade num contrato de compra e venda civil acoplado a um contrato de leasing do imóvel que havia sido transferido para a entidade locatária. </font>
</p><p><font>Vem provado que “na escritura referida em 1. interveio, na invocada qualidade de gerente da sociedade comercial AA – ..., Lda., primeira outorgante, DD” e que “[do] texto da escritura [consta] a seguinte menção no que concerne ao representante da AA – ..., Lda., vendedora do imóvel, naquele acto: "...qualidade, representação e suficiência de poderes para a prática do acto comprovadas por certidão de teor registral e pública-forma de acta que se arquivam..." . Para a conferência de poderes ao sócio DD havia sido realizada “[no] dia 6 de Novembro de 2000, a A. reuniu em Assembleia-geral da sociedade, para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos: Um – Venda de um imóvel da sociedade; Dois – Aprovação de uma operação de Locação Financeira Imobiliária (alínea H)” e que da mencionada “[acta] reportada à Assembleia-geral, referida em 8, que se encontravam presentes os seus dois únicos sócios e gerentes, DD, titular de uma quota do valor nominal de 7.000.000$00 e EE, titular de uma quota do valor nominal de 3.000.000$00, estando assim representada a totalidade do capital social; consta ainda que assumiu a presidência o sócio DD e que "...O Senhor Presidente após ter lido a convocatória pôs à votação dos sócios a seguinte proposta. - Que fosse aprovado vender à CC Imobiliária – Sociedade Locação Financeira, S. A., o imóvel da sociedade sito em Edifício ..., bloco …, freguesia de ... concelho do Funchal, inscrito na matriz sob o artigo ..., a fracção AM pelo preço de 9.600.000$00 (nove milhões e seiscentos escudos) e celebrar um contrato de locação financeira com a dita CC Imobiliária, com referência ao mesmo imóvel, concedendo-se ao gerente DD os mais amplos poderes para concretização da operação…" (alínea I.”</font>
</p><p><font>O cerne fundante da acção cinge-se à falta de poderes de representação do outorgante na escritura constante do item 1. da decisão de facto supra extractada - “vicio de forma de representação” - cfr. artigo 3.º da petição inicial - , na justa medida em que, ne tese, da demandada, na data da escritura era necessária a assinatura de dois gerentes e a certidão registral não comprova a suficiência de poderes do sócio outorgante na escritura, isto porque a pública-forma da acta n.º 16 não se pode constituir como capaz para conferir os necessários poderes de representação da sociedade, por carecer de registo, nos termos do Código de Registo Comercial e “[o] instrumento próprio para conferir os referidos poderes, será uma procuração” - cfr. artigo 21.º da petição inicial. Para além de que o mandato comercial está sujeito a registo e só pode autorizar actos não mercantis por declaração expressa, pelo que deveria ter sido registada na Conservatória do Registo Comercial.</font>
</p><p><font>O acórdão revidendo perfilhou a tese de que a deliberação descrita no item 9. não se constituí como instrumento suficiente para obrigar a sociedade no negócio jurídico de contrato de compra e venda de um imóvel pertencente á sociedade, dado que não foi sujeito a registo - cfr. item 11 da decisão de facto.</font>
</p><p><font>A questão, na sua linearidade e lhaneza cogente, reconduz-se a saber se, não tendo a deliberação que mandatou o sócio-gerente DD sido sujeito a registo, o mencionado sócio-gerente, ainda que estando munido dos “(…)mais amplos poderes para concretização da operação (…)” estava ou não “suficientemente mandatado para “[vender] à CC Imobiliária – Sociedade Locação Financeira, S. A., o imóvel da sociedade sito em Edifício ..., bloco …, freguesia de ... concelho do Funchal, inscrito na matriz sob o artigo ..., a fracção AM pelo preço de 9.600.000$00 (nove milhões e seiscentos escudos) e celebrar um contrato de locação financeira com a dita CC Imobiliária, com referência ao mesmo imóvel (…).”</font>
</p><p><font>É sabido que o Código Civil trata autonomamente a representação do mandato dado que “o representante age em nome do representado e os efeitos jurídicos dos negócios por aquele realizados, nos limites dos seus poderes, produzem-se directamente na esfera jurídica do representado (art. 258.º)” ao passo que pelo “mandato simples, os efeitos do acto jurídico praticado pelo mandatário repercutem-se na sua própria esfera jurídica (art. 1180.º): quando o mandato seja representativo, repercutem-se na esfera do mandante nos mesmos termos em que os actos praticados pelo representante se repercutem directamente na esfera do reapresentado (art. 1178.º). </font>
</p><p><font>A representação não faz, portanto, parte da essência do mandato; é algo que se lhe pode “acrescentar”, mas que não faz parte da sua estrutura; com poderes de representação o mandatário actua contemplacio domini, em nome do mandante.” [</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font> Tomando partido na querela que advogava a tese de que a procuração seria a fonte de toda a representação voluntária, escreveu Ferrer Correia que “[a] procuração é independente do contrato fundamental, designadamente do mandato; independentemente pela origem, uma vez que a faculdade representativa pode constituir-se sem a preexistência ou simultaneidade do mandato; independentemente pela extensão, uma vez que o âmbito dos poderes representativos não coincide com o dos poderes gestórios; independentemente na sorte, uma vez que a procuração pode ser nula e válido o mandato ou porque a procuração pode extinguir-se, extinguindo-se a relação causal” [</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Assim, de acordo com o Autor que vimos citando (Manuel Januário da Costa Gomes) “[a] procuração é, em principio, fonte de qualquer legitimidade representativa voluntária; portanto, como principio, de contratos susceptíveis de dar origem a um “rapporto di gestione” (nomeadamente mandato, prestação de serviços, sociedade) não resulta automaticamente a legitimidade representativa; esses negócios umas vezes apresentam as vestes da representação e outras vezes não. Assim, havendo poderes de representação é possível, ao menos em abstracto, delimitar a existência, lado a lado, dum contrato gestório e duma procuração. Note-se porém, que o acto conferidor de poderes representativos não necessita de estar autonomizado qua tale; pode “esconder-se” numa cláusula do contrato gestório, como pode também ser consequência de um comportamento concludente.” (…) “[a] procuração não é fonte de representação quando o conferimento dos poderes representativos resulte do negócio gestório como seu elemento caracterizador ou da lei; então não se torna necessário recorrer a um outro negócio, mais concretamente á procuração.” [</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Introduz a demandante na sua arenga que “[o] mandato comercial está sujeito a registo e só pode autorizar actos não mercantis por declaração expressa” e que “por essa razão a necessária extensão de poderes a conferir ao sócio-gerente deveria ter sido registada (…).” A alusão ao contrato de mandato comercial ou mercantil revela-se deslocada do tema em questão, na justa medida que ao sócio-gerente DD não foi, na deliberação consubstanciada na acta n.º 16, conferido mandato para pratica de actos mercantis ou comerciais, mas, outrossim, para prática dee um acto de alienação de um imóvel pertencente á sociedade e celebração de um contrato de leasing imobiliário.</font>
</p><p><font>Na verdade Januário Costa Gomes considera que os elementos essenciais do mandato comercial ou mercantil são os mesmos do mandato civil, conquanto naquele “[não] únicos, uma vez que há que especificar a natureza da actividade - actos de comércio - e há que considerar um outro elemento essencial: a onerosidade.” [</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>] Tal como acontece no mandato civil também no mandato comercial ou mercantil o mandato pode ser representativo ou não representativo, sendo que “[nesta] outra modalidade, que o legislador autonomizou sob a designação de “contrato de comissão” (arts. 266.º a 277.º do C. Com.) o mandatário pratica aqueles actos em seu próprio nome, embora por conta do mandante, assumindo directamente perante terceiro os direitos e obrigações deles emergentes.” [</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Em nosso juízo, a deliberação em que a sociedade conferiu os “(…) mais amplos poderes para concretização da operação (…)” constitui um mandato civil sem representação, ou seja um mandato mediante o qual a sociedade confere ao sócio-gerente poderes para praticar dois negócios jurídicos - compra e venda de um imóvel e contrato de leasing imobiliário - tendo pela escritura que consubstancia os negócios o sócio-gerente assumido a responsabilidade de tr | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKju4YBgYBz1XKvOCX6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA </font></b><font>e</font><b><font> BB</font></b><font>, invocando a qualidade de condóminos e administradores do prédio em regime de propriedade horizontal que identificam, intentaram acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra </font><b><font>CC – Comércio Imobiliário, Lda.</font></b><font>, </font><i><font>pedindo</font></i><font> que:</font>
</p><p><font> a) se declare serem partes comuns do prédio respectivo os locais que também identificam, decretando-se, se necessário, a nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal e condenando-se a R. a reconhecê-las e a aceitá-las como parte comum;</font>
</p><p><font> b) se condene a R. a proceder à demolição das obras e construções implantadas nesses locais, e também descritas, à reposição da parede de suporte da rampa de acesso do exterior à 1ª cave do estacionamento, e a entregá-las ao condomínio, completamente livre e desocupadas, fixando-se por cada dia de atraso no cumprimento e sem prejuízo da indemnização a que houver lugar, uma sanção pecuniária compulsória de 30.000$00; </font>
</p><p><font> c) se condene a R. a abster-se de utilizar a sua fracção A e, de qualquer modo, os mencionados locais, para fins diversos dos habitacionais, fixando-se, por cada dia de atraso no cumprimento, uma sanção pecuniária compulsória de 30.000$00.</font>
</p><p><font> d) se condene a R. a pagar ao condomínio a indemnização mensal de 20.000$00, desde 1 de Agosto de 1988 até que deixe de utilizar os locais para fins alheios à habitação, atingindo aquela, até à presente data, o montante de 320.000$00.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Fundamentam este pedido dizendo, em suma, que a R. é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio em causa, destinada exclusivamente a habitação, mas que a R. utiliza como escritório comercial. Utilizando uma zona correspondente a dois espaços de estacionamento, na 1ª cave, e por baixo da rampa de acesso, para armazém e oficina de vestuário, tendo para o efeito vedado o correspondente espaço, que subtraiu ao estacionamento do prédio, demolindo uma parede de suporte e implantando divisórias. Procedeu a obras no desvão do telhado do prédio, que lhe permitiram criar uma nova “fracção”, utilizada como escritório comercial, tudo sem autorização do condomínio e sem licença camarária. Cedendo a utilização desses locais a uma sociedade comercial, mediante o pagamento de renda. Tudo dando causa a um movimento de pessoas muitíssimo superior ao que seria normal, com o maior consumo de electricidade nas partes comuns assim afectadas, e acrescidas despesas com a limpeza das mesmas, bem como à devassa do prédio, com insegurança e incómodo dos moradores no mesmo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Citada, requereu a R. o chamamento à autoria de DD e mulher, EE; FF e GG, invocando direito de regresso contra os chamados, na hipótese de procedência da acção, e na circunstância de haver comprado àqueles a fracção “A”, que de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal compreende os espaços que os ora AA. pretendem ser comuns.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ouvidos os AA., que se opuseram ao requerido chamamento, veio o mesmo a ser deferido por despacho de folhas 37 e 38.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Citados, declararam todos os chamados não aceitar a autoria.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Em contestação, arguiu a R. CC, a ilegitimidade dos AA., por impugnada a sua eleição como administradores do condomínio, em acção pendente, e a sua própria ilegitimidade, por demandada desacompanhada dos outorgantes no título constitutivo da propriedade horizontal.</font>
</p><p><font> Por impugnação, sustentou a plena regularidade daquele título, alegando ter adquirido o direito de propriedade e posse dos espaços em causa por usucapião. Mais assinalando não haverem os AA. pedido o cancelamento do registo predial, na parte relativa aos espaços em causa e arguindo ainda a inconstitucionalidade do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.1989, invocado pelos AA.</font>
</p><p><font> Termina </font><i><font>pedindo</font></i><font> a sua absolvição da instância por ilegitimidade das partes e por falta de pedido de cancelamento do registo ou, se assim se não entender, com a total improcedência dos pedidos e a sua absolvição dos mesmos.</font>
</p><p><font> Deduziu reconvenção em que pediu:</font>
</p><p><font> a) Que seja declarado o direito da R. a usar e fruir, em exclusivo, todos os espaços atribuídos à fracção "A" no título constitutivo da propriedade horizontal, com registo definitivo a favor da R. na Conservatória do Registo Predial;</font>
</p><p><font> b) Que seja declarado que a "ampla ocupação (arrecadação) localizada na terceira cave, lado direito", se situa no piso da cave de estacionamento, situado imediatamente por baixo do rés do chão, com parte do piso da fracção "A" a corresponder ao tecto da arrecadação, tendo o construtor contado os pisos da cave de baixo para cima;</font>
</p><p><font> c) Que seja declarado que o local de estacionamento a que a fracção "A" tem direito é o lugar que foi marcado pelo construtor "R/C-A" no mesmo piso da cave situado imediatamente por baixo do rés do chão, no qual foram marcados os lugares atribuídos a todas as outras fracções do rés do chão;</font>
</p><p><font> d) A condenação dos AA. a permitir que a R., de sua conta e risco, efectue todas as obras indicadas pela EDP como necessárias ou convenientes;</font>
</p><p><font> e) A condenação dos AA. a abster-se de quaisquer actos que perturbem a posse pacífica da R. dos espaços que pertencem à fracção "A";</font>
</p><p><font> f) Em caso de procedência do pedido dos AA., que estes sejam devem condenados a pagar à R. a quantia de Esc. 5.700.000$00, com correcção monetária desde Agosto de 1987, como indemnização pelos espaços comprados pela R., que seriam subtraídos ao seu património e aumentados ao património dos AA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Na réplica os AA. concluíram como na petição inicial e com a improcedência da reconvenção, ampliando o pedido, “de modo a que a sentença ordene o registo dos locais em causa como partes integrantes da fracção “A” e a sua inscrição como partes comuns do edifício”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-4- A R. treplicou, opondo-se à admissão da ampliação do pedido e dos “factos novos deduzidos na réplica que podiam tê-lo sido na petição inicial”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-5- Por despacho de folhas 230 e v. foi decretada a suspensão da instância até que fosse proferida decisão definitiva na acção em que se discute a qualidade dos AA. de administradores do condomínio.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-6- Inconformados com esta decisão, recorreram os AA., vindo a Relação de Lisboa, em acórdão de folhas 251-255 v., a negar provimento ao agravo.</font>
</p><p><font> Novamente não conformados, recorreram os AA. de agravo em 2ª instância, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de folhas 274 a 276 v., negado provimento ao recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-7- Decidida com trânsito em julgado essa outra acção determinante da suspensão da instância nos presentes auto, prosseguiram os mesmos seus termos, com saneamento – admitindo-se a requerida ampliação do pedido, e a deduzida reconvenção e julgando-se as partes legítimas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-8- Não se conformando com este despacho saneador na parte em que admitiu a ampliação do pedido e julgou AA. e R. partes legítimas, interpôs a R. </font><u><font>recurso de agravo</font></u><font>, recurso que foi admitido, com subida diferida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-9- Realizada a audiência final veio a ser proferida sentença, com o seguinte teor decisório:</font>
</p><p><font> «</font><i><font>Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por provada a presente acção, e, consequentemente:</font></i>
</p><p><i><font>A) Declaro que são partes comuns do prédio os locais identificados nos artigos 4°., 5°., e 14°., da petição inicial (estacionamento e desvão do telhado) e condeno a R. a reconhecê-las e aceitá-las como partes comuns, encontrando-se todavia afectas à utilização da Ré, ordenando o cancelamento do registo dos locais em causa como partes integrantes da fracção "A", e a sua inscrição como partes comuns do edifício, mas com a expressa menção de que o seu uso se encontra exclusivamente afectado à fracção "A".</font></i>
</p><p><i><font>B) Condeno a R. a proceder à demolição das obras e construções implantadas nesses locais, à reposição da parede de suporte da rampa de acesso do exterior à 1ª cave do estacionamento, restituindo os locais à sua forma original.</font></i>
</p><p><i><font>C) Condeno a R. a abster-se de utilizar a sua fracção "A" e, de qualquer modo, os mencionados locais, para fins diversos dos habitacionais.</font></i>
</p><p><i><font>D) Condeno a R. a pagar ao condomínio a indemnização mensal de 20.000$00, desde 1 de Agosto de 1988 até ao dia em que a Ré deixou de utilizar os locais para fins alheios à habitação, data que não se logrou apurar em julgamento e será fixada em execução de sentença.</font></i>
</p><p><i><font>No mais, improcede a acção, e se absolve a Ré. </font></i>
</p><p><i><font>Julgo parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido reconvencional, e consequentemente:</font></i>
</p><p><i><font>A) Declaro o direito da Ré a usar e fruir em exclusivo dos espaços identificados nos artigos 4°., 5°., e 14°., da petição inicial (estacionamento e desvão do telhado).</font></i>
</p><p><i><font>B) Declaro que a "ampla ocupação (arrecadação) localizada na terceira cave, lado direito", se situa no piso da cave de estacionamento, situado imediatamente por baixo do rés do chão.</font></i>
</p><p><i><font>C) Condeno os Autores a permitir que a R., de sua conta e risco, efectue todas as obras indicadas pela EDP como necessárias ou convenientes, na exacta e precisa medida em que a Ré deve restituir os locais à sua forma original, antes de serem feitas as obras indevidas.</font></i>
</p><p><i><font>D) Condeno os Autores a abster-se de quaisquer actos que perturbem o uso pela R. dos espaços cuja utilização está afectada à fracção "A" pelo título constitutivo.</font></i>
</p><p><i><font>No mais, improcede o pedido reconvencional e se absolvem os Autores</font></i><font>».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-9- Irresignada com esta decisão, dela recorreu a R. para o Tribunal da Relação de Lisboa, recurso que foi admitido como apelação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-10- O Mº Juiz a quo manteve o despacho agravado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-11- Na Relação, foi, por despacho do relator, ordenada a baixa dos autos à 1ª instância, a fim de aí ser apreciada a rectificação da sentença, propugnada na conclusão 9ª das alegações do recurso de apelação, vindo ali a ser proferido o despacho de folhas 998, deferindo à rectificação requerida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-12- Conhecendo do </font><u><font>agravo</font></u><font>, decidiu-se no douto acórdão recorrido </font><u><font>a anulação do processado a partir do despacho saneador inclusive, desde o segmento em que se declara terem as partes capacidade judiciária</font></u><font>, ordenando-se a devolução dos autos à 1ª instância, onde deverá ser proferido despacho concedendo prazo aos AA., enquanto representantes do condomínio respectivo, para obterem a deliberação em falta, sendo que quando aquela seja documentada, em prazo, prosseguirão os autos seus termos, impondo-se, na negativa, a absolvição do R. da instância.</font>
</p><p><font> Em consequência considerou-se prejudicado o conhecimento do objecto da apelação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-13- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como </font><u><font>agravo (de 2ª instância)</font></u><font>, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-14- Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Vem o presente recurso de Agravo interposto do Acórdão proferido pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu sobre a alegada falta de pressuposto processual, ou seja, de deliberação da Assembleia de Condóminos que autorizasse os AA., agora Agravantes a propor a acção contra a Ré, agora Agravada. </font>
</p><p><font> 2ª- Tratando-se exclusivamente de matéria de direito adjectivo, referente à verificação de um pressuposto processual, e não versando sobre Acórdão que tenha decidido do mérito da causa, o presente recurso de Agravo é o meio legalmente admissível, ao abrigo do disposto nos artigos 754º e 721º do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font> 3ª- Os AA. propuseram a referida acção nas qualidades de condóminos (qualidade não contestada ou impugnada pela Agravada) e administradores do condomínio em causa nos autos, peticionando a declaração das áreas de estacionamento e desvão do telhado enquanto partes comuns; a condenação da Ré a proceder à demolição de obras realizadas em partes comuns do prédio e ao pagamento de indemnização pelos danos causados em virtude dessas obras e ao facto de destinar a fracção autónoma de que é titular em clara ofensa ao fim a que o prédio se destina, utilização essa de que, nos termos ainda peticionados, se deverá a Ré abster. </font>
</p><p><font> 4ª- Tratando-se de pessoas singulares, maiores e não interditos, os AA., enquanto comproprietários - condóminos - são dotados de efectiva capacidade judiciária. </font>
</p><p><font> 5ª- Nos termos dos artigos 1420º do Código Civil, para além da propriedade exclusiva sobre as respectivas fracções, os condóminos são ainda comproprietários das partes comuns. </font>
</p><p><font> 6ª- Aplicando-se, assim, à propriedade horizontal as regras da compropriedade, designadamente o artigo 1405º do Código Civil, qualquer dos consortes pode agir em juízo isoladamente, para defesa das partes comuns. </font>
</p><p><font> 7ª- Existe, aliás, boa e larga jurisprudência desse Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que qualquer condómino pode agir isoladamente em sede judicial, incluindo designadamente, acções sobre demolição de obras sobre partes comuns ilegitimamente efectuadas, defesa do título constitutivo e salvaguarda da utilização das fracções exclusivamente para os fins previstos no título e na respectiva licença de utilização. </font>
</p><p><font> 8ª- De nenhuma forma procedeu o legislador à limitação desse direito dos condóminos, não exigindo que (i) os mesmos actuem em juízo enquanto administradores do condomínio e (ii) se encontrem munidos de deliberação da assembleia que a tal os autorize; caso assim fosse, tais situações deveriam encontrar-se expressa e especificamente previstas nas competências dos órgãos de administração do condomínio, com exclusão de outros eventuais legitimados, o que não ocorre. </font>
</p><p><font> 9ª- De facto, a remissão efectuada na parte final do nº 1 do artigo 1420° para o regime da compropriedade, em que se inclui o disposto no nº 2 do artigo 1405°, significa que os condóminos, tal como os consortes, podem agir isoladamente em juízo na defesa das partes comuns do prédio. </font>
</p><p><font> 10ª- A entender-se como o fizeram os Venerados Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão recorrido, ficaria inevitavelmente prejudicado o exercício de tal direito por parte de qualquer condómino. </font>
</p><p><font> 11ª- A decisão recorrida violou as normas legais já citadas, entre outras, os artigos 5°, 9° e 26° do Código de Processo Civil, conjugados com o nº 1 do artigo 1420° e do artigo 1405°, ambos do Código Civil. </font>
</p><p><font> 12ª- Impõe-se, assim a revogação do Acórdão recorrido, devendo considerar-se os Agravantes dotados de capacidade judiciária e legitimidade para a propositura da acção e, consequentemente, deverá ser proferido novo Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa que decida sobre a decisão de mérito proferida em primeira instância. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não foram produzidas contra-alegações</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, devem ser apreciar apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, será o seguinte o tema a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se os AA., na sua qualidade de condóminos, têm capacidade judiciária para a presente acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Como se disse acima, o douto acórdão recorrido decidiu a anulação do processado a partir do despacho saneador inclusive, desde o segmento em que se declarou terem as partes capacidade judiciária, ordenando-se a devolução dos autos à 1ª instância. Isto para que se conceda prazo aos AA., enquanto representantes do condomínio respectivo, para obterem deliberação da assembleia de condóminos, onde se veja ter-lhes sido concedida autorização para propor a presente acção.</font>
</p><p><font> O fundamento desta decisão residiu no facto de se entender que o administrador do condomínio, para propor uma acção de propriedade ou possessória que tenha por objecto partes comuns do edifício, não tem competência própria, devendo a assembleia de condóminos atribui-lhe essa incumbência. Isto de acordo com o disposto nos arts. 1436º e 1437º do C.Civil. Ora, “</font><i><font>no caso em apreço, a invocada e verificada “ratificação” de todos os actos praticados pelos administradores AA e BB, desde três de Fevereiro de 1989, não tem, como se nos afigura meridiano, a virtualidade de abranger os actos ainda não praticados à data da deliberação respectiva, a saber, 25/7/89. Não sendo pois abarcado o acto da ulterior propositura da presente acção, na já referida data de 7 de Dezembro de 1989</font></i><font>”. Acrescentou-se que, nos termos do art. 25º do C.P.Civil e face à “</font><i><font>ausência de um tal pressuposto processual, impunha-se ao juiz que designasse o prazo dentro do qual os AA., enquanto administradores do condomínio do prédio em causa, deveriam “obter a respectiva deliberação, suspendendo-se entretanto os termos da causa</font></i><font>”. Em consequência, ordenou-se a referida anulação processual, conforme já se referenciou, pois considerou-se que subsistia “</font><i><font>a falta, suprível, de um pressuposto processual, sem que haja sido proferido despacho assinando prazo à parte para operar a sanação de tal vício, nem se tendo iniciado prazo para arguição da nulidade decorrente da omissão de tal despacho…</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em oposição a este entendimento, os recorrentes consideram que os AA. propuseram a acção na qualidade de condóminos (qualidade não contestada ou impugnada pela agravada) e administradores do condomínio em causa nos autos. Ora, enquanto comproprietários - condóminos - são dotados de efectiva capacidade judiciária. É que, nos termos dos artigos 1420º do C. Civil, para além da propriedade exclusiva sobre as respectivas fracções, os condóminos são ainda comproprietários das partes comuns, aplicando-se, assim, à propriedade horizontal as regras da compropriedade, designadamente o artigo 1405º do mesmo Código, segundo o qual qualquer dos consortes pode agir em juízo isoladamente, para defesa das partes comuns. A remissão efectuada na parte final do nº 1 do artigo 1420° para o regime da compropriedade, em que se inclui o disposto no nº 2 do artigo 1405°, significa que os condóminos, tal como os consortes, podem agir isoladamente em juízo na defesa das partes comuns do prédio. A entender-se como o fez o acórdão recorrido, ficaria inevitavelmente prejudicado o exercício de tal direito por parte de qualquer condómino.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Vejamos:</font>
</p><p><font> É ponto assente que os AA. interpuseram a presente acção como administradores do condomínio e como condóminos do prédio (vide petição inicial). É também certo que a qualidade de condóminos dos AA. não foi impugnada pela R. (vide contestação).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como ponto prévio diremos que, adjectivamente, a questão que se coloca, como aliás é afirmado pelo douto acórdão recorrido, é de capacidade judiciária. Com efeito, do que se trata é da susceptibilidade ou possibilidade de os AA. como administradores e condóminos, estarem, por si, em juízo (art. 9º do C.P.Civil). Ou seja, do que se cuida é da “</font><i><font>legitimatio ad processum</font></i><font>”, que corresponde à capacidade civil do exercício de direitos (capacidade de agir)</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font> – nº 2 do referido art. 9º-</font>
</p><p><font> Neste âmbito, a incapacidade judiciária abrange não somente a incapacidade em sentido restrito, mas também a irregularidade de representação e a falta de autorização, outorga ou deliberação exigida por lei, englobando ainda o suprimento judicial, quando possível (vide art. 23º do C.P.Civil).</font>
</p><p><font> Em relação a este aspecto, as incapacidades judiciárias poderão (e deverão) ser supridas pelas formas definidas nos arts. 10º e segs. do C.P.Civil. De sublinhar ainda que, nos termos do art. 25º nº 1 do mesmo Código, se a questão consistir na falta de qualquer autorização ou deliberação exigida por lei, então dever-se-á conceder prazo ao representante para conseguir a respectiva autorização ou deliberação, suspendendo-se os termos da causa.</font>
</p><p><font> Foi precisamente nesta disposição que o acórdão recorrido se baseou para ordenar o suprimento da considerada irregularidade, anulan | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKku4YBgYBz1XKvpya_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font>1. - “AA - ..., S.A.” instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, contra “BB, S.A.”, “CC - Transportes Internacionais, Lda.”, e DD, pedindo a condenação da 1ª Ré a pagar-lhe a quantia de 16.876,06€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento e, subsidiariamente, a condenação solidária, nos mesmos termos, dos 2º e 3° RR..</font>
</p><p><font>Para tanto alegou, em síntese, que ocorreu um acidente de viação, que descreve, em que foram intervenientes o conjunto articulado de veículos pesados composto pelo camião tractor de matrícula -PC e pelo semi-reboque de matrícula L-... e um outro veículo, exclusivamente imputável ao 3° R., condutor do tractor, ao serviço, por conta e no interesse da 2ª R.; que a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros e sofridos pelo próprio semi-reboque se encontrava transferida para a A.; que, no acidente, este veículo sofreu danos, após dedução da franquia, no valor de 16.876,06€, que a Autora suportou, tendo ficado subrogada no direito contra os responsáveis do acidente; que a responsabilidade pelos riscos resultantes da circulação do veículo PC se encontravam transferidos para a Ré “BB”. </font>
</p><p><font>A Ré “BB” contestou, tendo impugnado os alegados danos sofridos pelo semi-reboque e o pagamento da reparação pela A., bem como a sua responsabilidade, terminando pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.</font>
</p><p><font>A Autora replicou e desistiu do pedido formulado contra o Réu DD. </font>
</p><p><font>Proferida a sentença, foi a acção julgada procedente, tendo a Ré “BB” sido condenada no pagamento à Autora da quantia peticionada. </font>
</p><p><font>Mediante recurso da Ré “BB”, a Relação revogou a sentença apelada, na parte em que a condenou a pagar à Autora a quantia de € 16.876,06, mantendo a condenação da mesma “</font><i><font>no pagamento de metade dessa quantia (€8.438,03), a que acrescem os juros de mora fixados na sentença recorrida</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Pede agora revista a Seguradora “AA”, pugnando pela reposição da sentença da 1ª Instância, ao abrigo da seguinte síntese conclusiva: </font>
</p><p><font>1 - A Ré nunca questionou a culpa do condutor do veículo tractor e a sua contribuição exclusiva para a produção do acidente dos autos. </font>
</p><p><font>2 - A Ré, nas instâncias, apenas pelejou sempre na vertente jurídica da causa, defendendo que os danos causados no semi-reboque são danos próprios de um veículo único, e como tal, não cobertos pela apólice de seguro subscrita na BB. </font>
</p><p><font>3 - Porém, apesar de toda a fundamentação expendida pela Ré BB, em sede de recurso de apelação, não ter merecido acolhimento pelo douto Tribunal a quo, o recurso viria a ser julgado parcialmente procedente. </font>
</p><p><font>4 - Isto porque, na decisão recorrida, foi analisada uma questão extra não submetida a escrutínio pela apelante - a responsabilidade de cada veículo na produção do acidente. </font>
</p><p><font>5 - Ou seja, a Relação apreciou matéria que não constituiu objecto do recurso da Ré. </font>
</p><p><font>6 - O Tribunal recorrido, ao apreciar questões não submetidas a recurso e, subsequentemente, ao modificar a decisão da primeira instância, extravasou o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da apelante BB. </font>
</p><p><font>7 - Donde, a decisão recorrida violou os artigos 684º, n° 2 e 690º, n° 1 do CPC. </font>
</p><p><font>8 - Confrontadas as doutas decisões proferidas nas instâncias, verifica-se que a divergência entre as mesmas surgiu, apenas quanto à definição da responsabilidade de cada veículo no acidente. </font>
</p><p><font>9 - O douto Acórdão recorrido, nesta vertente, é merecedor de censura, já que não considerou nenhum dos factos provados e circunstâncias que estribam a culpa do condutor do veículo tractor. Nomeadamente, </font>
</p><p><font>10 - Provou-se que a velocidade máxima permitida no local era de 50 km/h e que o conjunto articulado circulava a velocidade superior a 70 km/h. </font>
</p><p><font>11 - Isto é, apesar de se tratar de um conjunto longo e pesado de veículos, o respectivo condutor imprimiu uma velocidade pelo menos 20 km/h superior ao limite máximo estabelecido para o local, o que fez perigar sobremaneira, a segurança e estabilidade do conjunto articulado. </font>
</p><p><font>12 - O tractor ao invadir a faixa contrária para efectuar uma ultrapassagem embate no veiculo ligeiro que o precedia, donde se retira que o condutor do tractor, além de circular em excesso de velocidade, ao efectuar a descrita manobra, revelou imperícia e imprudência, calculando deficientemente a distância de segurança em relação ao veiculo da frente, para iniciar a manobra. 13 - Acresce que a manobra de ultrapassagem iniciou-se em local proibido para o efeito, porquanto o tractor ao guinar para a esquerda viria a pisar as "zebras" marcadas no pavimento. </font>
</p><p><font>14 - A colisão, que deu origem ao despiste, registou-se entre o tractor e o veículo ligeiro BGF, sem qualquer intervenção do semi-reboque traseiro. </font>
</p><p><font>15 - Por outro lado, não se provaram quaisquer factos que induzam um factor de responsabilidade, ainda que mínimo, do semi-reboque, como seja, carga deficientemente acondicionada ou distribuída, excesso de carga ou medidas anti-regulamentares ou mesmo colisão do semi-reboque com o ligeiro BGF. </font>
</p><p><font>16 - Ficou, assim, bastamente provado e nunca impugnado pela Ré, que o acidente deveu-se a culpa exclusiva do condutor do tractor. </font>
</p><p><font>17 - Ao decidir diferentemente, inconsiderando o modo de produção do acidente supra expendido, o douto acórdão impugnado violou o disposto nos artigos 483°, 499°, 505°, 506° e 570° do C. Civil e 441° do C. Comercial. </font>
</p><p><font>18 - Sem prejuízo do supra alegado, a culpa do condutor do tractor seria sempre presumida nos termos do artigos 503° n° 3 do C. Civil, já que a 1ª Ré não impugnou a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente </font>
</p><p><font>19 - Sendo certo que ficou provado que o tractor -PC era conduzido por DD ao serviço, por conta e no interesse da 2ª Ré. </font>
</p><p><font>20 - O aresto impugnado, ao inconsiderar a presunção legal de culpa do condutor do veículo seguro na Ré violou o estatuído nos artigos 487º, 503°, e 505° do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Recorrida respondeu, agora para defender a manutenção do julgado.</font>
</p><p>
</p><p><font> 2. - A </font><b><font>questão </font></b><font>que se coloca consiste em saber em que termos responde a seguradora do veículo tractor de um conjunto articulado, por danos ocorridos no semi-reboque, em consequência de acidente culposamente imputável ao condutor do tractor. Se pela totalidade ou na proporção de metade. </font>
</p><p><font>3. - Da </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>factual </font></b><font>que, logo na 1ª Instância, ficou provada releva a que segue.</font>
</p><p><font>1- No dia 17.07.2005, pelas 14h00, ao KM 774,9 da Estrada N-I1, na área do município de Jonquera, comunidade da Catalunha, Espanha, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, modelo Xantia, matrícula ...BGF, e o conjunto articulado de veículos pesados composto pelo camião tractor Renault AE..., matrícula …PC, e pelo semi-reboque EE S…, com a matrícula L-....</font>
</p><p><font>2- O referido local consiste numa estrada com duas vias de circulação em cada sentido.</font>
</p><p><font>3- O tempo e o piso estavam em boas condições e a velocidade máxima permitida no local é de 50 km/h.</font>
</p><p><font>4- O conjunto articulado de veículos -PC/L-... circulava na retaguarda do ...BGF, ambos no sentido França-Madrid.</font>
</p><p><font>5- Ao Km 774,9 da referida estrada, o conjunto de veículos -PC/L-... guina para a esquerda e invade a mão contrária, a fim de ultrapassar o veículo BGF. </font>
</p><p><font>6- Ao efectuar a manobra de ultrapassagem, o tractor -PC embate com a sua parte lateral direita na parte traseira esquerda do veículo BGF.</font>
</p><p><font>7- Acto contínuo, o conjunto articulado de veículos -PC/L-... entra em despiste e invade completamente a via de sentido contrário, pisando as "zebras" em forma de triângulo pintadas no pavimento da mesma, destinadas a regular a entrada dos veículos provenientes do núcleo urbano de La Jonquera na N-II e vice-versa. </font>
</p><p><font>8- Seguidamente, o conjunto articulado de veículos -PC/L-... prossegue a sua marcha, descontrolado e ziguezagueando na via, vindo a tombar no pavimento, sobre o seu lado direito, numa rotunda situada ao Km 773,5 da N-11. </font>
</p><p><font>9- O tractor -PC circulava a velocidade superior a 70 Km/h. </font>
</p><p><font>12- O tractor -PC era conduzido por DD ao serviço, por conta e no interesse da 2ª R .. </font>
</p><p><font>13- Por contrato de seguro titulado pela apólice n° ..., a responsabilidade pelos riscos resultantes da circulação do tractor …PC encontrava-se transferida para a 1ª R .. </font>
</p><p><font>16- E, por contrato de seguro titulado pela apólice na ..., a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pelo semi-reboque L-... e pelos danos sofridos pelo próprio veículo encontrava-se transferida para a A .. </font>
</p><p><font> 17- Por carta datada de 17.07.2005, a A. reclamou à 1ª R. os prejuízos causados no veículo L-... e interpelou-a no sentido de obter o reembolso do montante de € 17.509,26, que incluía a franquia contratual do segurado no valor de € 633,20. </font>
</p><p><font>18- Em 24.05.2006, a 1ª R. declinou a sua responsabilidade, alegando que o conjunto tractor-reboque é considerado como um único veículo. </font>
</p><p><font>20- Em consequência da queda, o semi-reboque L-... sofreu danos na respectiva parte lateral direita e traseira, cuja reparação foi estimada em € 17.509,26. </font>
</p><p><font>21- Deduzida a franquia de € 663,20 ao referido montante, a A., ao abrigo do contrato de seguro, em 12.10.2005, pagou à sociedade EE, S.A., oficina reparadora do semi-reboque, a quantia de € 16.876,06. </font>
</p><p><font>4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - A Recorrente, na qualidade de Seguradora de danos próprios sofridos pelo semi-reboque, e, como tal, sub-rogada nos direitos do lesado, reclama da Recorrida, como Seguradora dos riscos decorrentes da circulação do tractor, que, com aquele formava um conjunto articulado em trânsito, os prejuízos causados no semi-reboque em consequência de acidente provocado por actuação ilícita e culposa do condutor do veículo seguro na Recorrida. </font>
</p><p><font> Na sentença considerou-se que, no caso, o conjunto de veículos não seria de ter como veículo único «para efeitos de circulação», sendo o critério a ter em conta, não o da circulação rodoviária, mas o económico, donde não se poder falar em danos causados no próprio veículo seguro, situação excluída da garantia de seguro (art. 7º-4 –a) do DL n.º 522/85).</font>
</p><p><font> Diferentemente, no acórdão recorrido, depois de se ponderar que, perante terceiros, tudo se passa como se existisse um só veículo, com um só seguro, correspondente aos seguros parcelares, colocou-se o problema no tocante às “relações internas”, relativamente aos danos sofridos por cada um dos veículos, para se responder que não funciona o princípio da equiparação, ocorrendo uma situação similar à que se verifica quando há dois veículos que concorrem separadamente para a produção do acidente e seus danos, sendo o dono do semi-reboque terceiro lesado em relação ao outro responsável pelo acidente, o dono do tractor, donde que este deva responder na proporção da sua responsabilidade pelo acidente, a qual, sendo desconhecida, deve valer na proporção de metade.</font>
</p><p><font> A Recorrente, por sua vez, apoiando-se exclusivamente na existência de culpa exclusiva do condutor do tractor, que acusa o acórdão de ter desconsiderado, sustenta a responsabilidade da Recorrida pelo ressarcimento da totalidade dos danos sofrido pelo semi-reboque. </font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 2. - Como todos estão de acordo, os semi-reboques são veículos, não automóveis, destinados a transitar atrelados a um veículo a motor (automóvel), assentando a parte da frente e distribuindo o peso sobre este, formando um conjunto de veículos, que é equiparado a veículo único, para efeitos de circulação (art. 111º, n.ºs 2 e 3 CE).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Sem o veículo tractor, o semi-reboque, porque não é automóvel ou autónomo, não pode circular, sendo que, por outro lado, aquele esgota a sua utilidade funcional em operações de rebocagem, constituindo uma unidade circulante. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Ambos os veículos estão sujeitos à obrigação de segurar (art. 1º, n.º 1, do DL n.º 522/85, de 31/12), podendo o seguro de responsabilidade civil, ser tomado pela mesma ou por diferentes seguradoras. Neste caso, como é jurisprudência pacífica, os seguros funcionarão complementarmente, entendendo-se que haverá uma cobertura de risco igual à soma dos limites garantidos por ambos os contratos de seguro.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Como, reflectindo o entendimento da jurisprudência dominante, se afirmou no acórdão impugnado, a lei concebe como uma unidade circulante o conjunto articulado do tractor e do semi-reboque, “</font><i><font>a qual é produtora de um risco maior, </font></i><i><u><font>não se podendo individualizar o risco de cada um dos componentes do veículo único</font></u></i><i><font>, que é suporte de um risco global, contribuindo ambos os veículos para o mesmo: o atrelado cria riscos porque é introduzido no trânsito por um tractor, e este vê os seus riscos ampliados quando tem um semi-reboque</font></i><font>”, risco global que sai aumentado por via dos maiores peso e dimensões do conjunto e inerentes limitações de mobilidade, a reflectir-se nas condições de eficácia e segurança da condução e circulação. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Existindo dois contratos de seguro, a responsabilidade por danos causados incidirá sobre ambas as seguradoras e, sendo os lesados terceiros, a respectiva responsabilidade está sujeita ao regime da solidariedade (art. 497º-1 C. Civil)</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 3. - Liminarmente, importa deixar dito que não assiste razão à Recorrente quando - apesar de daí não extrair quaisquer consequências, designadamente em sede de vício de nulidade – imputa ao acórdão a apreciação de “uma questão extra”, a responsabilidade de cada veículo na produção do acidente, nunca antes colocada.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, o que no aresto se diz, para repartir responsabilidades, é que não há elementos para as cindir, donde a aplicação do critério subsidiário de indemnização. </font><br>
<font> </font>
</p><p><font> 4. 4. - A situação que aqui se depara escapa, porém, ao regime do seguro obrigatório, pois que, em causa está apenas um seguro de danos próprios, ou seja, saber em que termos o condutor do tractor – e, por via do contrato de seguro, a Ré - deve responder por danos provocados no reboque que, em circulação, levava acoplado, sendo a causa do acidente da exclusiva responsabilidade daquele condutor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim sendo, parece que nada terá que ver com a solução da questão a norma acolhida pelo art. 7º-4-a) do DL n.º 522/85, nos termos da qual se excluem da garantia do seguro os danos causados no próprio veículo.</font>
</p><p><font> Estamos em pleno domínio das relações entre o titular de um bem danificado e o titular de outro bem que constituíam uma unidade circulante e em circulação, isto é, comportando-se como um só veículo, sob a condução de um mesmo condutor.</font>
</p><p><font> Mais expressivamente, as manobras e vicissitudes da circulação do semi-reboque, causais ou não de danos nele próprio ou em outras coisas, estão indissociavelmente ligadas e dependentes das do tractor e da condução deste, de sorte que se poderá dizer que o condutor do tractor é também o condutor do reboque.</font>
</p><p><font> Consequentemente, a regra será que, se o condutor do tractor é responsável, a título de culpa, pelos danos de que foi causador – e por via do contrato de seguro a respectiva seguradora – essa responsabilidade abrangerá, além da indemnização de terceiros atingidos pelo veículo articulado, a reparação dos danos causados no semi-reboque, tal como abrangerá os do tractor (nas relações com o respectivo titular – direito de regresso – arts. 497º-2 e 500º-2 C. Civil).</font>
</p><p><font> Não se coloca, em tal perspectiva, quanto aos últimos danos referidos, um problema de risco, maior ou menor, a justificar a complementaridade dos contratos de seguro, e a responsabilidade das Seguradoras perante terceiros lesados, mas, antes, de responsabilidade do autor de um facto ilícito culposo perante o dono de uma das coisas integrante de uma unidade de que tinha a guarda e direcção, apresentando-se como comissário numa relação de comissão em que são comitentes os titulares do interesse na circulação do veículo/conjunto articulado. </font>
</p><p><font> 4. 5. - Aqui chegados, importará, então, determinar se, apesar da responsabilidade do segurado da Ré, enquanto condutor único dos veículos, a indemnização reclamada deve recair unicamente sobre a sua Seguradora ou se deve ser repartida com a do semi-reboque, atendendo às regras da complementaridade dos seguros e da impossibilidade de individualização do risco em razão da contribuição dos veículos para o resultado.</font>
</p><p><font> Dito de outro modo, importa determinar se a Recorrida responde pela totalidade dos danos causados, apresentando-se o proprietário ou locatário do semi-reboque lesado como terceiro relativamente ao do tractor, ou se, diferentemente, aquele lesado, como assumptor de um risco indissociável e equiparado ao do tractor, não deve ver recair sobre si essa parte da responsabilidade nos mesmos termos em que teria de assumi-la perante terceiros, em homenagem às ditas regras da unidade de funcionamento dos seguros e do risco.</font>
</p><p><font> Ora, cremos que, sob pena de se ignorar a realidade e a configuração jurídica descritas – unidade circulante, condutor único, dois titulares dos bens e relação de comissão –, não pode deixar de considerar-se que “lesante” não terá sido apenas o tractor, mas o conjunto que constituía a unidade circulante.</font>
</p><p><font> Assim, haverá uma quota de danos que são causados pelo reboque a si próprio (auto-lesão), ocorrendo, quanto a essa parte, confusão entre lesante e lesado, pois que tem lugar a verificação de dano em coisa própria, dano esse que, embora coberto por seguro de danos próprios, não poderá, por virtude de sub-rogação (art. 606º-1 C. Civil) da Seguradora no direito do Segurado-lesado, ser exigido do também co-lesante/lesado (Segurado do tractor e sua Seguradora), porquanto também o não poderia exigir esse co-lesante/lesado (dono ou locatário do reboque). </font>
</p><p><font> Pensa-se, por isso, que a resposta à questão colocada não pode deixar de ser no sentido da co-assunção da responsabilidade pelos danos e respectivos prejuízos, pois que não seria legítimo imputar à seguradora de um dos componentes do conjunto o risco global da circulação do veículo que constitui uma unidade, o qual deverá ser repartido entre as respectivas Seguradoras, incidindo sobre a meação do valor dos prejuízos – a quota do risco imputável à outra Seguradora - o direito a indemnização por danos próprios. </font>
</p><p><font> Trata-se, de resto, de questão que não tem que ver com a da culpa exclusiva do condutor, por isso que, pela responsabilidade decorrente dessa actuação respondem ambas as Seguradoras no campo da responsabilidade civil (podendo, depois, como aflorado supra, seguir-se a acção de regresso). </font>
</p><p><font> Deste modo, embora trilhando caminho não coincidente, converge-se na conclusão a que se chegou no acórdão recorrido segundo a qual “pelos danos causados no semi-reboque deve responder a seguradora do tractor, na proporção da sua responsabilidade no acidente”, vale dizer, nos termo em que deveria indemnizar um terceiro.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não sendo possível separar e concretizar a contribuição dos veículos para a produção dos danos, deverá considerar-se equivalente o contributo de cada um (arts. 506º e 570º C. Civil).</font>
</p><p>
</p><p><font> Improcedem, pois, as conclusões da alegação da Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. - Decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font>- Negar a revista;</font>
</p><p><font> - Confirmar a decisão impugnada; e,</font>
</p><p><font> - Condenar a Recorrente nas custas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 24 Abril 2012 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alves Velho (Relator)</font>
</p><p><font>Paulo Sá</font>
</p></font><p><font><font>Garcia Calejo </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UDKhu4YBgYBz1XKvnyTO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA</font></b><font>, residente na Ilha ..., Cabo Verde, propôs instaurou a presente execução contra o executado </font><b><font>BB</font></b><font>, residente na Rua ..., nº …, … Dtº, ..., com o fim de obter o pagamento coercivo da quantia titulada pelos cheques n.º ... e n.º ..., ambos da Caixa Geral de Depósitos – agência de ..., no montante de € 60.000,00 euros cada um deles, os quais foram emitidos pelo executado a favor dele, exequente.</font>
</p><p><font> Como causa para a emissão dos cheques, o exequente referiu na petição executiva o seguinte: </font>
</p><p><font> «Cheques que o Exdo. emitiu à ordem do Exte e a quem os entregou, para pagamento de um empréstimo mercantil que o Exte fizera, anteriormente, à sociedade Construções CC Limitada (de que o Exdo. é sócio e gerente) no valor de 20.000,00 Euros (…) e o remanescente, no valor de 100.000,00 Euros, para pagamento de uma parte de direitos e das quotas que o Exte. detinha naquela sociedade, e que foram transmitidos, por compra, ao Exdo».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O executado BB deduziu oposição para mostrar que os cheques careciam de causa que justificasse o pagamento ao exequente porque na origem dos cheques esteve a necessidade de obter um empréstimo em benefício da sociedade «DD, Lda.» da qual o exequente e o executado eram e são sócios, o qual se destinava a efectuar um investimento em Cabo Verde. Porém, quando o executado se apercebeu que o exequente não pretendia fazer o investimento em nome da sociedade, mas a título individual, solicitou ao Banco o cancelamento dos cheques, pelo que o executado nada deve ao exequente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O exequente contestou esta oposição e veio alterar a causa de pedir afirmada na petição executiva, referindo que tinha havido erro nessa alegação, tendo os cheques sido emitidos, sim, no âmbito de acordos estabelecidos entre exequente e executado relativamente à aquisição por parte do exequente de quotas nas sociedades EE, Lda., e DD, Lda., e destinavam-se ao pagamento de créditos do exequente, sobre o executado que este prometeu pagar. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Foi elaborada a base instrutória de onde constou apenas a versão factual alegada na oposição a qual, após julgamento, foi declarada não provada.</font>
</p><p><font> Seguiu-se a sentença que julgou a oposição procedente e declarou a extinção da execução, fundamentalmente, por se ter considerado que «</font><i><font>foi o próprio exequente com a sua contestação que admitiu não existir a relação causal relativa à emissão dos cheques que alegou no requerimento executivo, sendo certo que a primeira delas invocada – “empréstimo mercantil que o exequente fizera, anteriormente, à sociedade Construções CC, Limitada” – não configura obviamente qualquer negócio causal entre exequente e executado, mas entre exequente e outra pessoa jurídica diferente (uma sociedade). Por conseguinte, qualquer presunção de que beneficiasse o exequente ao abrigo do disposto no art. 458º nº 1 do CC (como o mesmo refere no requerimento executivo), foi elidida por ele próprio, que dessa forma retirou a força executiva dos títulos dados à execução</font></i><font>».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o exequente de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 15-5-2012, julgado improcedente a oposição revogando-se a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu agora o executado BB para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1º- O Recorrente entende que a razão não está contida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de que se recorre. </font>
</p><p><font> 2</font><sup><font>º</font></sup><font> </font><u><font>O próprio Recorrido admitiu inexistente a relação causal à emissão dos cheques pelo Recorrente, não podendo os mesmos valer como título executivo, seja a que título for. </font></u>
</p><p><font> 3°- O Recorrido retirou a veracidade do alegado no Artigo 29.° da Contestação à Oposição. </font>
</p><p><font> - </font><u><font>Normas violadas: </font></u>
</p><p><font> 4°- Ao revogar-se a Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância da Lousã, o Tribunal da Relação de Coimbra violou a Lei substantiva, fazendo, na opinião do Recorrente, uma errada interpretação e aplicação das normas aplicadas ao caso, nomeadamente os Arts. 46º, nº 1 alínea c), 273.° nº 1, ambos do Código Processo Civil, e ainda os Arts. 344° e 349º, do Código Civil. </font>
</p><p><font> 5°- Afigura-se evidente que deve ser mantida a douta Sentença do Tribunal da 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, revogando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de que se recorre. </font>
</p><p><font> 6°- O Recorrido retirou a veracidade do alegado no Artigo 29</font><sup><font>0</font></sup><font> da Contestação à Oposição à Execução. </font>
</p><p><font> 7°- </font><u><font>O próprio Recorrido admitiu inexistente a relação causal à emissão dos cheques pelo Recorrente, não podendo os mesmos valer como título executivo, seja a que título for. </font></u>
</p><p><b><font> </font></b><font>É de elementar JUSTIÇA manter a Douta Sentença proferida pela Exa. Senhora Dra. Juiz do Tribunal Judicial da Lousã, revogando-se totalmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de que se recorre. </font>
</p><p><font> </font><u><font>Decidindo-se deste modo far-se-á JUSTIÇA.</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, será o seguinte o tema a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se a execução deverá ser julgada extinta, em razão da inexistência da relação causal à emissão dos cheques.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> 1. O exequente apresentou como títulos executivos os seguintes cheques:</font>
</p><p><font> Cheque n.º ... da Caixa Geral de Depósitos – agência de ..., emitido por BB à ordem de AA, no montante de € 60 000,00 euros, com data de 10 de Janeiro de 2008, o qual foi devolvido na compensação do Banco de Portugal, em Lisboa, em 11 de Novembro de 2008 por motivo de «extravio».</font>
</p><p><font> Cheque nº ... da Caixa Geral de Depósitos – agência de ..., emitido por BB à ordem de AA, no montante de € 60 000,00 euros, com data de 20 de Junho de 2008, o qual foi devolvido na compensação do Banco de Portugal, em Lisboa, em 27 de Junho de 2008 por motivo de «extravio».</font>
</p><p><font> 2. O exequente emprestou à empresa «CC, Lda» o montante de vinte mil euros que ainda não lhe foi pago. ----------------------------------------</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-3- As instâncias deram diversa solução à questão jurídica que se coloca no presente caso. Com efeito, a 1ª instância considerou que foi o próprio exequente, na sua contestação, que admitiu não existir relação causal à emissão dos cheques que alegou no requerimento executivo, pelo que qualquer presunção de que beneficiasse ao abrigo do art. 458º nº 1 do C.C. foi ilidida por ele próprio que, dessa forma, retirou força executiva aos títulos dados à execução. Assim, pese embora o oponente não tenha logrado provar a sua versão dos factos, a execução não poderá prosseguir, pelo que se julgou a oposição à execução procedente e, em consequência, determinou-se a extinção da execução.</font>
</p><p><font> Por sua vez a Relação, através do douto acórdão recorrido, considerou, em síntese, que os cheques que não podem valer já como cheques, são ainda títulos executivos se preencherem os requisitos indicados nos termos da al. c), do nº 1, do artigo 46º do Código de Processo Civil. Assim, mesmo que os factos alegados na oposição não se tenham provado, a oposição não deve proceder porque, por força do disposto no nº 1 do artigo 458º do Código Civil, o exequente não tem de provar o que quer que seja, por estar dispensado de demonstrar a relação que deu origem aos cheques, dado que a sua existência se presume até prova em contrário. Por isso, julgou-se a oposição improcedente revogando-se a decisão recorrida.</font>
</p><p><font> O recorrente, o executado, sustenta na presente revista que o próprio recorrido admitiu ser inexistente a relação causal à emissão dos cheques pelo recorrente, não podendo os mesmos valer como título executivo, seja a que título for. O recorrido retirou a veracidade do alegado no art. 29º da contestação à oposição, pelo que deve manter-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância da Lousã, já que o Tribunal da Relação de Coimbra fez uma errada interpretação e aplicação das normas aplicadas ao caso, nomeadamente os arts. 46º nº 1 alínea c), 273° nº 1, ambos do Código Processo Civil, e ainda os arts. 344° e 349º do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Vejamos: </font>
</p><p><font> Servem de fundamento à execução, os dois cheques acima referenciados, títulos que não obtiveram pagamento, tendo sido devolvidos pela compensação do Banco de Portugal por motivo de «extravio»</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Nos termos do art. 46º al. c) do C.P.Civil que “</font><i><font>à execução apenas podem servir de base: … </font></i>
</p><p><i><font> c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa móveis ou de prestação de facto</font></i><font>” (redacção introduzida pelo Dec-Lei 38/2003 de 8/3).</font>
</p><p><font> Como tem vindo a ser pacífico</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, os cheques (e também as letras e livranças) expressamente mencionados no art. 46º al. c) do C.P.Civil antes da redacção introduzida pela reforma processual de 1995/1996, continuam a poder servir de base à execução, contanto que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Sobre este tema, segundo cremos, nenhuma dúvida se coloca pelo que nos abstemos de o desenvolver.</font>
</p><p><font> Estabelece o art. 3º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque (L.U.C.) que “</font><i><font>o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com convenção expressa ou tácita, segundo o qual o sacador tem o direito de dispor desse fundos por meio de cheque…</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Perante esta norma, vem sendo entendido pela doutrina</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> e jurisprudência</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> que na base da emissão de um cheque, ocorrem duas distintas relações jurídicas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>. A emissão de cheques pressupõe a existência no banco sacado de fundos (provisão)</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> de que o sacador ou emitente aí disponha. Para além da existência de fundos no banco sacado, a possibilidade de emissão de cheque, depende ainda da realização do acordo de contrato ou convenção de cheque, mediante a qual é concedido ao titular da provisão, pelo banco, o direito de dispor de numerário através da emissão de cheques. Mediante este contrato (ou convenção), o banco assume a obrigação de efectuar o pagamento do numerário inscrito no cheque, desde que, evidentemente, o sacador possua na sua conta bancária, os necessários fundos.</font>
</p><p><font> Nesta conformidade, os cheques incorporam uma ordem dada pelo cliente (sacador) ao seu banco (sacado) para efectuar determinado pagamento a um terceiro, ou até a si próprio (mandante), por conta dos fundos que dispõe na instituição bancária.</font>
</p><p><font> O cheque é um título de crédito e como tal trata-se de um documento em que está incorporado um direito, de tal maneira que é impossível fazê-lo valer ou transferi-lo independentemente do título. Nos títulos de crédito, só através do documento é que se exerce e transfere o direito. O direito está </font><i><font>incorporado </font></i><font>no título. A aquisição do documento determina o direito de exigir a prestação. Por outro lado, sem o documento, o titular não pode exercer o seu direito. O direito e o título constituem uma unidade. Em virtude desta particular conexão, é que se refere que os títulos de crédito têm como fundamental característica a incorporação.</font>
</p><p><font> O cheque, como título de crédito, permite ao portador exigir do sacador o seu pagamento, como decorre do art. 12º da mesma L.U.C. Assim, se o banco recusar o pagamento, resulta para o sacador uma obrigação cambiária (cartular), podendo então o beneficiário exigir-lhe o pagamento. Isto com base nessa obrigação cambiária.</font>
</p><p><font> Tem também por característica a autonomia que significa, como diz Ferrer Correia</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> “</font><i><font>que o possuidor do título, o que o recebeu segundo a lei de circulação, adquire o direito nele referido de modo originário, isto é, independentemente da titularidade do seu antecessor e dos possíveis vícios dessa titularidade</font></i><font>”. Este carácter afirma-se, com toda a nitidez, nas relações entre o devedor e terceiros. Significa a independência dos diversos e sucessivos possuidores do título em relação aos seus antecessores, concretizando-se, por exemplo, no princípio da inoponibilidade das excepções a terceiros portadores de boa fé. O adquirente do título adquire um direito </font><i><font>ex novo</font></i><font>, que se não afere pelo dos anteriores possuidores. É precisamente nesta característica de autonomia que se deve ir buscar a diferença substancial entre a aquisição de um título de crédito e a cessão de créditos regulada no direito comum. Nesta, o cessionário adquire o mesmo direito do cedente. Aquele passa a ocupar, na relação obrigacional, a mesma posição que ocupava este, sendo o direito transmitido, o mesmo. Daí que possa o devedor opor a qualquer cessionário as defesas ou excepções que eventualmente possua relativamente ao primitivo credor (art.585º do C.Civil). Nos títulos de crédito tal não sucede. O portador é titular de um direito originário e não de um direito derivado. Esta característica justifica-se pela exigência de rápida e segura circulação.</font>
</p><p><font> Também os títulos de crédito têm como característica a </font><i><font>abstracção</font></i><font>, que significa que a obrigação decorrente do título não se prende com a causa (fundamental) que lhe deu origem. É claro que a criação da obrigação cartular pressupõe uma relação jurídica anterior, que é a relação subjacente (compra e venda, mútuo, etc.). Mas a obrigação cambiária é independente da sua causa. Ou seja, os cheques (e também as letras e livranças) são títulos abstractos, no sentido em que se não prendem legalmente a nenhuma causa certa e determinada. A obrigação cambiária é independente da «</font><i><font>causa debendi</font></i><font>», isto é, da causa que lhe deu origem (a relação fundamental). A obrigação origina-se apenas com a aposição da assinatura no título. Como diz Valeri “</font><i><font>a abstracção constitui a exacerbação da autonomia, do mesmo modo que o formalismo é a exacerbação da literalidade</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>. Está este princípio consagrado no art. 22º da L.U.C. (em paralelismo com o disposto no art. 17º da L.U.L.L), onde se estabelece a regra, segundo a qual as pessoas accionadas em virtude de uma cheque não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre relações pessoais delas com o sacador ou portadores anteriores. “</font><i><font>Embora este preceito respeite directamente ao princípio da autonomia, é manifesto que dele resulta claramente que a obrigação cambiária se desprende das relações subjacentes, quer do acto da emissão, quer do acto da transmissão do título</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Porém, esta natureza cede nas relações imediatas, ou seja nas relações pessoais entre o subscritor e o sujeito cambiário imediato. Nestas circunstâncias e para o que aqui importa, um sacador pode opor ao portador as excepções fundadas nas relações pessoais de ambos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No caso dos autos, o exequente é o portador e beneficiário dos cheques dados à execução, sendo o executado o sacador, pelo que, não existindo qualquer endosso, estamos no domínio das relações imediatas. Por isso, como se diz correctamente na sentença de 1ª instância “</font><i><font>o opoente e o exequente podem afinal discutir entre si as excepções relacionadas com a relação contratual donde emerge a obrigação pecuniária para cujo pagamento destinavam os cheques</font></i><font>”. Ou seja, as partes podem discutir relevantemente a obrigação subjacente.</font>
</p><p><font> E o certo é que executado/opoente, o fez. Na verdade, alega que o que esteve na origem dos cheques dados à execução foi a necessidade de obter um empréstimo em benefício da sociedade "DD Lda" de que exequente e executado são sócios e que tinha em vista um investimento em Cabo Verde, tendo então ele, executado, passado individualmente três cheques pré-datados ao exequente, como garantia, dois deles dados à execução, sendo que quando se apercebeu que o exequente não pretendia fazer o investimento em nome da sociedade, mas a título individual, solicitou ao Banco o cancelamento dos cheques. </font>
</p><p><font> Esta posição foi levada à base instrutória mas recebeu resposta negativa. Concluiu-se, assim, que o opoente não logrou provar que os cheques não tinham causa juridicamente relevante, ou seja, que o negócio que esteve na base da emissão dos cheques não havia ocorrido.</font>
</p><p><font> Evidentemente que a prova das excepções que invocou, baseada nas relações pessoais que teve com o beneficiário/portador do cheque, o exequente, cabia-lhe, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2 do C.Civil. Não tendo efectuado essa prova, essas excepções resultaram improvadas, donde decorre que o executado, como sacador dos cheques e nos termos do dito art. 12º da L.U., continua adstrito ao seu pagamento. Ou seja, a obrigação cambiária resultante da emissão dos cheques mantém-se.</font><br>
<font> A construção jurídica que o douto acórdão recorrido faz, parte de um pressuposto que não se pode, segundo cremos, ter como assente. É de que os cheques não podem já valer como títulos de crédito. Disse-se concretamente, sem que se tenha explicado esse entendimento, que “…</font><i><font>inexistindo um cheque em sentido próprio, nem por isso desaparecerá o papel que o suportava fisicamente e este papel constitui, sem dúvida, um escrito particular do qual consta a obrigação de entregar uma quantia determinada a certa pessoa (credor) e a assinatura do seu devedor</font></i><font>”, partindo-se então para reputar os cheques como documento particular a que alude a al. c), do artigo 46º Código de Processo Civil, disposição que “</font><i><font>apenas exige que do documento conste a obrigação do pagamento de uma quantia determinada e a assinatura do devedor, nenhuma exigência fazendo acerca da explicitação da causa da prestação</font></i><font>”.</font><br>
<font> Segundo cremos, essa construção é certa quando o cheque (ou qualquer outro título) não possa valer como título de crédito, por exemplo, por estar prescrito, por não reunir os requisitos essenciais, ou por não ser apresentado a pagamento no prazo referido no art. 29º da mesma Lei Uniforme. Ora nada disto foi alegado</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font> e se demonstrou (veja-se factos assentes). </font>
</p><p><font> Não se vendo que os cheques não devam continuar a valer como títulos de crédito e não tendo demonstrado o executado a inexistência da obrigação de pagamento inerente a eles, ou seja, não tendo provado as excepções que aduziu baseadas nas suas relações pessoais (relações imediatas) com o exequente, portador/beneficiário do cheque, a sua oposição resulta infundada e, por isso, deve improceder.</font>
</p><p><font> Quer dizer, se bem que por estas razões, a revista não poderá ser concedida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> As instâncias referem que o exequente com a apresentação da contestação à oposição, modificou a causa de pedir, modificação não possível por não haver mais articulados, como resulta dos arts. 273º nº 1 e 812º nº 2 do C.P.Civil.</font>
</p><p><font> Segundo cremos e salvo o devido respeito pela opinião contrária esta posição é inexacta face ao controvertido nos autos, tendo dado origem à construção jurídica deficiente a que se procedeu. É que o que está aqui em causa é uma obrigação cambiária e neste contexto a causa de pedir é o próprio título. Os títulos de crédito (cheques) foram invocados pelo exequente como modo de demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta, o que constitui a verdadeira causa de pedir da acção executiva. Só se não pudessem valer os cheques | [0 0 0 ... 0 1 0] |