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---|---|---|---|
bTLAu4YBgYBz1XKvKDxY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i><br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<br>
<font> AA e esposa, BB, residentes em .........e, Massachussets, E.U.A. deduziram embargos de terceiro na execução que a CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO ALTO MINHO, CRL move contra CC, alegando em síntese que são promitentes compradores do imóvel penhorado, que o promitente vendedor lhes entregou as chaves do imóvel, que, vêm praticando à vista de todos, diversos actos – que enunciou – que são demonstrativos dessa posse em nome próprio</font><font> (1)o tudo isso à vista de todos, na convicção de que exercem tal direito em nome e por direito próprio e não já em nome do promitente vendedor.</font><font>, e que, gozam do direito de retenção sobre ele.</font><br>
<font> Mais referem que já deram como sinal e princípio de pagamento € 74.819,68 e que a restante parte do preço seria paga no acto da escritura, a qual só ainda não foi feita, em virtude de o promitente vendedor não ter obtido da C. M. de Arcos de Valdevez, a respectiva licença de utilização, mas que se adivinha para breve a emissão de tal documento.</font><br>
<font>Alega por fim que lhe assiste o direito de retenção e que a penhora ofende a posse e esse direito, não sendo ele responsável pela dívida.</font><br>
<br>
<font>Contestou a exequente, dizendo que o contrato- promessa foi simulado, pois nunca os embargantes estiveram na posse do imóvel penhorado, nem nunca praticaram sobre ele os actos que invocam, pugnando assim pela improcedência da oposição com o consequente prosseguimento da execução no tocante ao imóvel em causa.</font><br>
<br>
<font>Findos os articulados foi proferido saneador-sentença, tendo a M.ª Juiz julgado os embargos improcedentes e absolvido a requerida embargada do pertinente pedido.</font><br>
<br>
<font>Inconformados com a decisão, recorreram os embargantes pretendendo a sua revogação e a selecção dos factos para ulterior julgamento.</font><br>
<br>
<font>Em resposta a exequente defendeu a confirmação da decisão impugnada.</font><br>
<br>
<font>A Relação veio a julgar improcedente o recurso.</font><br>
<br>
<font>De novo recorreram os embargantes para este Tribunal, havendo apresentado alegações na revista, que concluíram pela mesma forma que já haviam apresentado na Relação, mas a que acrescentaram o texto agora incluído sob a alínea F), e que abaixo reproduziremos.</font><br>
<br>
<font>As conclusões das actuais alegações foram as seguintes: </font><br>
<br>
<i><font>“A - A tradição da coisa, por via de contrato promessa de compra e venda para os promitentes-compradores confere-lhes o acesso à tutela do meios possessórios desde que aquela tradição seja seguida da prática por parte destes de actos próprios de quem age em nome próprio.</font></i><br>
<i><font>B - Neste caso os promitentes-compradores gozam do direito de retenção.</font></i><br>
<i><font>C- Tal direito de retenção prevalece sobre hipoteca ainda que anteriormente registada.</font></i><br>
<i><font>D - A penhora sobre a coisa ofende a posse dos promitentes-compradores.</font></i><br>
<i><font>E - Os promitentes-compradores alegaram, em sede de petição de embargos, factos que a serem dados como provados consubstanciam actos próprios e de quem age em nome próprio.</font></i><br>
<i><font>F - A Douta Sentença proferida na Primeira Instância não deu qualquer facto como provado.</font></i><br>
<i><font>G - Estes factos só poderão ser apreciados em sede de Audiência de Julgamento. </font></i><br>
<i><font>H - A Douta Sentença proferida na Primeira Instância e o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães violam, entre outras, as disposições contidas nos artigos 351.° 510.° n.o 1 ali. b) e 659.° n.o 2 todos do CPC.”</font></i><br>
<br>
<br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<br>
<font>A questão que se coloca nesta sede continua a ser a mesma sobre a qual a Relação já se pronunciou, que é a de saber se poderia o M.º Juiz conhecer desde logo da improcedência dos embargos de terceiro no despacho saneador, ou se pelo contrário deveria ordenar que o Tribunal da 1.ª instância proferisse despacho onde fizesse prosseguir os autos em direcção à audiência de julgamento.</font><br>
<font>Levantam agora os Apelantes uma outra questão, não suscitada anteriormente, que é a de a decisão da primeira instância não enunciar qualquer facto como provado</font><br>
<br>
<br>
<font>III. Fundamentação</font><br>
<br>
<font>Comecemos por nos debruçar sobre a admissibilidade das questões suscitadas e sua eventual atendibilidade:</font><br>
<br>
<br>
<font>a) Da inexistência de factos provados na decisão da primeira instância:</font><br>
<br>
<font>O conhecimento do presente recurso incide sobre o Acórdão da Relação de Guimarães (e não já propriamente sobre a Sentença proferida na primeira instância, a respeito da qual vêm agora os embargantes recorrentes levantar essa nova questão).</font><br>
<font>Daí que, em bom rigor, não devesse ser aqui objecto de contemplação a questão suscitada, porque os recursos não incidem sobre questões novas, mas apenas sobre questões já suscitadas anteriormente e com cuja solução se não concorda.</font><br>
<font>Sempre se dirá, no entanto, para que se não diga que este Tribunal se refugia em questões meramente formais para não apreciar questões de fundo, ainda que extemporaneamente suscitadas, que o facto de a Sentença proferida na primeira instância não conter a enunciação de qualquer facto provado, mesmo que porventura pudesse vir – por mera hipótese académica – a ser julgada matéria atendível, nem por isso seria relevante no caso em presença para efeitos da decisão, uma vez que a improcedência dos embargos de terceiro assenta desde logo na inviabilidade da acção, porque os factos alegados eram insusceptíveis de conferir aos embargantes a posse em nome próprio ou o direito de retenção do imóvel, únicos elementos que poderiam servir de suporte ao meio processual utilizado. </font><br>
<br>
<font>b) Da extemporaneidade da decisão na primeira instância, por necessidade de instrução e julgamento a respeito dos factos alegados</font><br>
<br>
<font>Entendem os Apelantes que, se o processo, em vez de ser julgado de imediato no saneador, tivesse prosseguido os seus normais termos em ordem à audiência de discussão e julgamento, teriam oportunidade de provar que a penhora ofendia a sua posse e o direito de retenção.</font><br>
<br>
<font>Estes argumentos, salvo o devido respeito, não são válidos para o caso em presença, por duas ordens de razões:</font><br>
<br>
<u><font>Em primeiro lugar</font></u><font>, porque só há posse propriamente dita, havendo simultaneamente “corpus” e “animus”. </font><br>
<font>No contrato promessa aqui em presença, mesmo podendo haver “corpus” com a traditio da coisa, - consubstanciada na alegada entrega da chave -, faltar-lhe-ia o “animus” – porque o promitente comprador é o primeiro a reconhecer que ainda só pagou o sinal e que a parte restante do preço só será paga no acto da escritura, dizendo, inclusive, que a marcação desta se prevê para breve.</font><br>
<font>Sabe assim que a coisa ainda lhe não pertence e que o imóvel só supostamente passará a ser seu após o cumprimento integral da prestação que sobre ele impende, com a realização da escritura, o que significa saber perfeitamente que sobre o imóvel ainda não actua como se dono já fosse mas como tendo autorização dele para aí praticar os actos materiais em causa.</font><br>
<font>Logo, no momento em que deduz os embargos de terceiro actua ainda em nome de outrem ou por ele autorizado, e não em nome próprio. Trata-se portanto de posse precária .</font><font> (2) será de equacionar a possibilidade de excepção a essa regra. </font><br>
<font>Na qualidade de mero detentor, não lhe assiste o direito de se socorrer dos meios possessórios.- arts. 351.º-1 do CC.</font><br>
<br>
<u><font>Em segundo lugar</font></u><font>, só está reconhecido o direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido pelo crédito resultante do </font><u><font>não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.º. – art. 755.º-f) do CC.</font></u><br>
<u><font>Ora o art. 442.º, reporta-se às sanções pelo </font></u><u><font>incumprimento definitivo</font></u><font>, por recurso às regras do sinal ou à execução específica, estando delas excluída, designadamente, a ainda tempestividade no cumprimento do contrato definitivo ou até a simples mora.</font><font>(3)</font><br>
<font> Ac. do STJ de 2000.02.08, CJ/STJ, 2000, 1.º-72</font><br>
<font>No caso em presença, os embargantes não alegam qualquer incumprimento do contrato promessa, (limitando-se a sustentar que a escritura definitiva ainda não foi outorgada em virtude de o promitente vendedor ainda não ter obtido a licença de utilização). </font><br>
<font>Tais factos não são suficientes para que se possa vir a apurar o incumprimento.</font><br>
<font>E sem a alegação de factos que sejam susceptíveis de levar ao incumprimento não há direito de retenção, de acordo com o disposto no art. 442.º já acima citado..</font><br>
<br>
<font>Mesmo admitindo que pudesse existir direito de retenção – o que decididamente rejeitamos, mas que só por razões académicas aqui equacionamos – sempre seria de trazer á colação que o direito de retenção é um mero direito real de garantia das obrigações, e não um direito real de gozo, pelo que a sua função é o de servir de garantia do crédito em equação concursal com os direitos de demais credores sobre o bem retido, permitindo ao respectivo titular manter-se no imóvel até à fase da venda (donde provirá a importância para pagamento aos credores), mas que terá sempre de ser precedida da fase do concurso e graduação de créditos reclamados.</font><font> (4)</font><font> </font><br>
<font>Não pode aceitar-se que o titular do direito de retenção, só pelo facto de o ser, teria o direito de impedir, paralisar e extinguir qualquer execução. Bastará pensar na circunstância de o crédito garantido ser inferior ao do imóvel retido, para se constatar o escândalo que seria serem impedidos os demais credores de poderem executar os seus créditos, mesmo quando o imóvel retido tem um valor consideravelmente superior ao crédito do titular do direito de retenção!</font><br>
<font>O meio processual adequado para o titular do direito de retenção defender o seu crédito faz-se através de execução própria ou intervenção na fase processual do concurso e graduação de créditos.- arts. 865.º e ss do CPC.</font><font> (5) . </font><br>
<font>Assim posto, havia já, aquando do saneador, elementos suficientes que só por si levavam à inviabilidade da acção, pelo que, fosse qual fosse a perspectiva da solução de direito, não havia efectivamente – face à matéria alegada pelos embargantes - qualquer interesse em fazer prosseguir os embargos de terceiro para julgamento.</font><br>
<font>Não foram violadas quaisquer disposições substantivas ou processuais, designadamente as apontadas.</font><br>
<font> </font><br>
<font>IV. Deliberação</font><br>
<br>
<font>Tendo em conta o acima referido, confirma-se o douto Acórdão da Relação, que manteve a também douta decisão da primeira instância.</font><br>
<font>Custas pelos embargantes.</font><br>
<font> Lisboa, 19 de Setembro de 2007</font><br>
<br>
<br>
<font>Mário Cruz (relator)</font><br>
<font>Faria Antunes </font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<br>
<font>________________________</font><br>
<br>
<font>(1)</font><font> Alegaram que habitam o imóvel penhorado quando vêm de férias, autorizam que nele permaneçam permanentemente diversos familiares, fizeram nele diversas obras, contrataram água e electricidade, instalaram móveis, plantaram árvores e semearam relva, fazendo tudo isso à vista de todos, na convicção de que exercem tal direito em nome e por direito próprio e não já em nome do promitente vendedor.</font><br>
<br>
<font>(2)</font><font> Só em casos limites, como na hipótese de o promitente vendedor ter já visto satisfeito material e integralmente o cumprimento da prestação que incide sobre o promitente comprador (ou faltar apenas um valor praticamente sem significado face ao estipulado) será de equacionar a possibilidade de excepção a essa regra. </font><br>
<font>(3) Ac. do STJ de 1998.05.26, CJ/STJ, 1998,2.º-100</font><br>
<font> Ac. do STJ de 2000.02.08, CJ/STJ, 2000, 1.º-72</font><br>
<font>(4) Ac. do STJ de 2004.02.12, CJ/STJ,2004, 1.º-57</font><br>
<font>(5) </font><font> Cfr. Calvão da Silva in Sinal e Contrato-Promessa, 6.ª ed.-154; </font><br>
<font> Salvador da Costa, Concurso de Credores, 2.ª ed.-230;</font><br>
<font> Lebre de Freitas, a Acção Executiva –231, citações já feitas no Acórdão recorrido </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NDK4u4YBgYBz1XKv2jch | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<font>AA, Advogado,</font><br>
<font> e esposa BB, </font><br>
<font>instauraram acção com processo ordinário </font><br>
<b><u><font>contra </font></u></b><br>
<b><font>G... Notícias, Publicações, S. A</font></b><font>. com sede na Rua Gonçalo Cristóvão desta cidade</font><br>
<b><u><font> pedindo </font></u></b><br>
<font>- a condenação da Ré nas quantias de €35.000,00 e €25.000,00, respectivamente ao Autor e Autora, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Para o efeito alegaram danos não patrimoniais sofridos, causados com notícias publicadas no jornal "Jornal de Notícias" de que a Ré é proprietária (notícia de 11 de Outubro de 2000; de 14 de Janeiro de 2002 e de 15 de Dezembro de 2003), no período em que decorria a fase de Instrução de processo-crime em que eram arguidos, violando o segredo de justiça e o seu direito de personalidade (art. 86.° do CPP e 5.° da Lei de Imprensa) imputando-lhes condutas criminosas pelas quais não vieram a ser pronunciados, vindo o processo a ser arquivado quanto a eles.</font><br>
<br>
<font>A Ré contestou, começando por invocar a prescrição dos eventuais direitos relativos às duas primeiras notícias e alegando a licitude da sua conduta face à terceira, sustentando ser ela verdadeira, e invocando o interesse público na sua publicação, concluindo assim pela absolvição do pedido.</font><br>
<br>
<font>Responderam os AA., manifestando-se contra a alegada prescrição, dado que se trata de um conjunto de notícias e que, devido ao facto de haver inquérito em curso e de eles AA. se terem oposto à respectiva publicidade na fase instrutória, não terem podido intentar qualquer acção contra a Ré antes que estivesse concluída a instrução do processo crime. </font><br>
<br>
<font>No saneador foi julgada procedente a excepção de prescrição relativamente às notícias publicadas em 11-10-2000 e 14-01-2002, mas prosseguiram os autos quanto à outra notícia.</font><br>
<font>Dessa decisão não foi interposto recurso. </font><br>
<br>
<font>Elaborada a condensação dos autos com a indicação da matéria assente e a feitura da base instrutória, seguiram os autos o seu normal ritualismo até à audiência de discussão e julgamento, vindo o Tribunal a dar as respostas aos quesitos da b.i. e a proferir Sentença, havendo esta julgado a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao A. a quantia de € 25.000,00 acrescida de juros legais à taxa em vigor a cada momento, desde essa data (2007.08.20) até integral pagamento, absolvendo-a quanto ao demais.</font><br>
<br>
<font>A Ré mostrou-se inconformada, pelo que apelou da Sentença, mas a Relação veio a julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão da primeira instância.</font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, pede agora Revista, apresentando alegações que concluiu pela forma seguinte:</font><br>
<br>
<font>“A. A sentença recorrida quantificou os danos considerando que o A. Recorrido AA "viu afectada a sua credibilidade pessoal e profissional junto de quem menos o conhece", esquecendo que antes dela, outras duas notícias, publicadas em 2000 e 2002, do mesmo teor (de fls), com a mesma informação, e cujos efeitos foram peticionados e foram declarados prescritos, produziram igual efeito, pelo que a publicação da terceira notícia cai (se assim podemos dizer) numa credibilidade pessoal e profissional já afectada. </font><br>
<font>B. Por outro lado, não ficou provado que a competência, prestígio, credibilidade e honorabilidade do A. tenham sido tocadas após a publicação de qualquer das notícias. </font><br>
<font>C. Por outro lado ainda a decisão da indemnização pressupôs ter ficado provado que os AA. sofreram uma profunda humilhação e continuado receio de que as notícias em causa afectassem irremediavelmente não só a sua credibilidade e honorabilidade como, por arrastamento, diminuíssem a sua clientela. No entanto, essa profunda humilhação e continuado receio ocorreu fundamentalmente quando da primeira notícia, em 2000. </font><br>
<font>D. Quando em 2003 é publicada a notícia dos autos, verdadeiramente, quaisquer danos morais seriam menos intensos dos que as primeira e segunda notícias poderiam ter produzido. Trata-se de matéria da experiência comum. Que, como tal, este tribunal de recurso pode conhecer. </font><br>
<font>E. Se o A. Recorrente peticionou € 35.000,00 por danos morais ocorridos em três lesões (2000, 2002 e 2003) e estando os factos relativos às duas primeiras prescritos, não poderia o acórdão recorrido ter sentenciado uma indemnização de € 25.000,00 por excesso de pronúncia. </font><br>
<font>F. Se, no caso, uma divisão aritmética do pedido pelo número de lesões peticionadas pelo A (€ 35.000,00 : 3 = € 11.666,66) sempre fundamentaria a revogação do acórdão recorrido, a verdade é que nem aritmeticamente tal exercício é legítimo em virtude das regras da experiência comum quanto aos danos: sempre a terceira (putativa) lesão seria, ou teria que ser, de intensidade menor quanto à produção de danos. O que determinaria, necessariamente, a estatuição de uma indemnização inferior a € 11.666 euros. </font><br>
<font>G. Por outro lado ainda, resulta dos autos que o A foi arguido no processo criminal desde 2000 a 2003/2004, sendo que aquilo que de negativo o A. pode ter experimentado em função das notícias de 2000, 2002 e 2003, não foi exclusivamente pela divulgação do seu nome pelos jornais. Foi também - e necessariamente - pelos receios dos desenvolvimentos que o próprio processo judicial de que era arguido poderiam ter, e, igualmente, as repercussões que o mesmo processo pudessem ter na sua vida. Independentemente dos jornais o divulgarem ou não. </font><br>
<font>H. É da experiência comum que o A., como Advogado, ao ser constituído arguido num processo crime onde esteve acusado, durante 4 anos, de desvio de dinheiros públicos e de facturação de trabalhos por valores não devidos, necessariamente experimentou humilhação e receio de que o processo, o seu desenrolar e o seu epílogo, pudessem afectar essa credibilidade. Ora, estes sentimentos não são imputáveis ao jornal! De tal sorte que se a indemnização é (também) calculada pela extensão do dano, diríamos que o dano, neste caso, será também efeito de actos a que a Ré é alheia. </font><br>
<font>I. Por outro lado, dizer-se, como faz a notícia, que a gestão corrente de uma empresa que prestou serviços ao C... estava a cargo do advogado AA e que essa empresa debitou à C... valores exorbitantes que terá gerado aos arguidos benefícios da ordem dos 1,2 milhões de euros não constitui uma ofensa, sendo que na notícia nem sequer se diz, se afirma, ou dela sequer resulta, que AA seja um dos Arguidos, ou sequer seja um dos Arguidos que retirou benefícios dos 1,2 milhões. Nada. </font><br>
<font>J. A sentença recorrida confunde as notícias, pois foi na notícia de 2000 (cujos efeitos se encontram prescritos) que foi divulgado que o Recorrido era Arguido - como era - no processo crime. </font><br>
<font>L. Ainda que assim não fosse, a conduta da Ré Recorrente é lícita e justificada. A peça jornalística foi publicada no exercício do direito de informar. </font><br>
<font>M. Foi publicada nas páginas de um jornal exclusivamente por causa de uma notícia em causa, e enquadrada na questão: um processo crime existia relativo a uma questão de descaminho de dinheiros públicos, onde se encontrava envolvida como arguida uma empresa, "cuja gestão corrente estava a cargo do advogado AA". </font><br>
<font>N. Existe claramente interesse público na divulgação dos factos, uma vez que se trata de assunto relacionado com o descaminho de dinheiros públicos. </font><br>
<font>O. Por outro lado, a notícia é redigida em termos razoáveis, contidos, não especulativos, sem o recurso a passagens especulativas, de forma absolutamente moderada e não ofensiva. </font><br>
<font>P. Inexiste qualquer animus injuriandi por parte da Ré. </font><br>
<font>Q. Por outro lado a notícia faz uma afirmação que já era, ao tempo, do conhecimento público desde 2000. </font><br>
<font>R. O relatado na notícia era e é absolutamente rigoroso e verdadeiro. </font><br>
<font>S. Como tal nos termos do artigo 483.º e 484.º do CC, que foram violados pela sentença recorrida, deve ser considerado que a notícia dos autos está escrita de forma moderada e adequada, sem animus injuriandi, dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão e de informação, movendo-se precisamente dentro desses limites, estando por essa via justificada a conduta da Ré, e existindo interesse público na divulgação dos factos. Existindo, assim, ausência de culpa e de ilicitude. </font><br>
<font>T. Bem ao contrário do referido na sentença da Relação recorrida, foi legítima a divulgação do nome do A. Recorrido na notícia dos autos. </font><br>
<font>U. De acordo com a recente posição da ERC, "à luz do direito positivo português, que no caso em apreço, a identificação do suspeito e da vítima não atenta contra as normas legais e ético-deontológicas que presidem à actividade jornalística" </font><br>
<font>V. Divulgar numa notícia o nome de uma pessoa que dirige uma empresa que deu a ganhar a outra benefícios milionários é, em si mesma, uma conduta lícita e justificada, excluindo naturalmente qualquer ilicitude e, portanto, qualquer dever de indemnizar por danos morais sofridos pela pessoa cujo nome é divulgado. </font><br>
<font>X. Ao contrário do previsto no acórdão recorrido, a licitude da divulgação do nome do A. na sua qualidade de responsável da empresa que facturou valores exorbitantes ao C... não se transforma em ilícita ainda que o processo judicial em causa seja de natureza criminal e o mesmo se encontre sob segredo de justiça ou sob interdição de publicidade. A mera invocação do segredo, ou da falta de publicidade, não torna automaticamente ilícita a divulgação do nome de pessoa que está referenciada num processo. </font><br>
<font>Z. Os jornalistas não estavam vinculados ao segredo de justiça. Os jornalistas (ou a Recorrente) não tiveram qualquer contacto com o processo em questão, quer por consulta, quer por qualquer outra via, sendo que a norma do art. 86, n.º 4 do CPP previa que estão vinculados ao segredo de justiça “(. . .) todos os participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos a ele pertencentes (. . .)”. </font><br>
<font>AA. É entendimento corrente na doutrina que, tendo em conta o direito ao sigilo profissional das fontes de informação, válido mesmo em processo penal (v. g. arts. 135° do C.P.P.) e na lei ordinária (cfr. arts. 22°, al. c) da Lei de Imprensa e 6°, al. c) do Estatuto dos Jornalistas), e face ao papel que todos reconhecem como fundamental do jornalismo nas sociedades democráticas, “(…) o autor da divulgação não poderá em regra ser incriminado, desde que as informações não tenham sido obtidas por meio que em si mesmo é ilícito. Assim, se um jornalista divulga partes de um processo que se encontra em segredo de justiça e que lhe foram voluntariamente facultadas por um funcionário judicial, só este, e não o jornalista, pode ser incriminado. “</font><br>
<font>AB. Por outro lado, a notícia teve base na estrita informação que era do conhecimento público, porque divulgada em anos anterior à "sua" notícia, de tal sorte que todos os factos narrados já haviam chegado ao conhecimento público, o que torna lícita a sua divulgação. </font><br>
<font>AC. Ainda assim não fosse, a sua eventual violação não se poderia reflectir na ilicitude da divulgação do nome do arguido. O exercício do direito constitucional à informação não pode ficar, ou estar, condicionado por um suposto direito potestativo do visado que, opondo-se à publicidade do processo criminal, impedira qualquer divulgação informativa sobre os factos. </font><br>
<font>AD. Não faz qualquer sentido ético-jurídico que esteja na disponibilidade de uma parte poder unilateralmente decretar a resolução da colisão de direitos de igual dignidade constitucional (direito à informação e direito ao bom nome) quando a CRP, ela própria, elege como único critério de superação desse conflito o princípio da concordância prática e não, como aparece previsto no acórdão recorrido, a vontade do visado. </font><br>
<font>AE. O princípio da concordância prática visa a procura da solução do conflito no quadro da unidade da Constituição e da lei ordinária, tentando harmonizar os preceitos divergentes. Ora, parece-nos que é inconstitucional a (des)harmonização defendida na decisão recorrida, pois que tem por consequência prática ... a total e completa supressão de um dos dois direitos em concurso. Solução que, obviamente, é inconstitucional. </font><br>
<font>AF. A margem de tolerância da invasão dos direitos de personalidade do Recorrido é bem maior no que diz respeito à esfera de afirmações sobre os actos públicos do A. que sobre os seus actos privados, sendo que o texto em causa se move naquilo que é o legítimo exercício da liberdade de expressão e do direito à informação, constitucionalmente garantidos à Recorrente. </font><br>
<font>AG. A decisão recorrida infra-gradua o direito do Recorrente à sua liberdade de expressão quando os arts. 2°, 3°, 18°, 37° e 38° da CRP não consentem qualquer infra-graduação da mesma. </font><br>
<font>AH. É bem manifesta e evidente a exclusão de ilicitude, traduzida na violação não justificada do direito à informação. </font><br>
<font>• O artigo contém-se dentro dos limites consentidos pela liberdade de expressão e do direito à informação; </font><br>
<font>• Os factos são verdadeiros; </font><br>
<font>• O Recorrente estava, como está, convencido de que o teor do que afirmou era verdadeiro e, em boa fé, tinha razões para acreditar nisso; </font><br>
<font>• O Recorrente não tinha qualquer razão para supor que os factos narrados poderiam ser inexactos, falsos ou conter inverdades; </font><br>
<font>• O Recorrente não teve qualquer intenção de ofender o Recorrido com a elaboração do artigo em causa; </font><br>
<font>• O Recorrente apenas pretendeu levar ao conhecimento da opinião pública factos que lhe pareceram fundamentais no exercício democrático da liberdade de expressão e de crítica ao comportamento de figuras políticas. </font><br>
<font>AI. A imputação considerada ofensiva da honra do Recorrido poder-se-á justificar pelo direito à liberdade de expressão e informação, pela função pública da imprensa, pela realização do interesse público legítimo? Pode. </font><br>
<font>AJ. O direito à informação obedeceu ao seu triplo limite: o valor socialmente relevante da notícia; a moderação da forma de a veicular; e a verdade, medida esta pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do autor, evitando manipulações que a deontologia profissional condena. </font><br>
<font>AL. Acresce dizer, mesmo que tal não se entenda, também não provou o Recorrido que a Recorrente tenha actuado com culpa ao publicar tais escritos. </font><br>
<font>AM. A conduta dos jornalistas da ré quando afirmaram e difundiram factos capazes de prejudicar o bom nome do autor, mostra-se ajustada do comportamento que qualquer pessoa normalmente diligente adoptaria, ao revelar facto verdadeiro, de forma contida, precisa e exacta, de acordo com a legis artis, tornando-se, dessa forma, não censurável nem culposa, tanto mais quanto é certo que a mera culpa ou negligência no dever de indemnizar não está dependente de intencionalidade ofensiva, bastando a simples reprovabilidade da actuação. </font><br>
<font>AN. Não estando verificados os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extra-contratual, o tribunal "a quo" interpretou incorrectamente o disposto no art. 483.° do CPCivil, não violando (sic), deste modo, com tal interpretação, os artigos 1°, 12° e 13°, da CRPortuguesa. </font><br>
<font>AO. Ainda assim, a ser arbitrada qualquer indemnização, o que se admite apenas por cautela de patrocínio, não poderia ser o montante, apesar de tudo fixado pelo douto Tribunal a quo, na medida em que este se revela excessivo e manifestamente desadequado face às circunstâncias e danos sub judice e, também, à realidade jurisprudencial corrente em Portugal. </font><br>
<font>AP. Mesmo que se pudesse atribuir 1/4 de culpa à noticia dos autos (deixando os outros 3/4 para as outras duas noticias prescritas e 1/4 para o facto, em si, do A. ter sido arguido em processo crime) tal consideração bastaria para demonstrar que esta lesão não corresponde um dano de € 100.000,00 !</font><br>
<font>AQ. Mais. Se peticionou € 35.000,00 pelas 3 lesões (notícias de 2000, 2002 e 2003) e as duas primeiras estão prescritas, como pode a sentença recorrida sentenciar … € 25.000,00 apenas por uma lesão ?! </font><br>
<font>AR. Há, obviamente, excesso de pronúncia na decisão, quando vai além do que o próprio lesado quantificou nos autos (no máximo 1/3 de 35.000,00 para cada lesão) e vai para além do que seria razoável estatuir face à experiência comum: a primeira violação causou obviamente mais danos que a segunda, e a segunda do que a terceira .... </font><br>
<font>AS. Andou mal o douto tribunal recorrido e, ao decidir como decidiu, afrontou elementares regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que, ademais, constitui violação da lei substantiva que predica de diferente modo. </font><br>
<font>AT. O grau de culpa não é intenso. Aliás, nem sequer existe culpa. Não redundou provado qualquer animus injuriandi por parte da Recorrente. Não há gravidade dos danos produzidos, como se atesta, igualmente, pela nenhuma repercussão que os putativos danos tiveram na vida do A. </font><br>
<font>AU. O A. não alegou ou provou noites sem dormir. Problemas de stress, cardíacos, ou de outras doenças. Não ficou proscrito na sociedade, para os seus amigos, para a sua família. Não perdeu clientes ou amigos. Não deixou de ser convidado para festas, acontecimentos públicos. Continuou um sucedido advogado, tendo mantido o seu estatuto de competência, prestígio, credibilidade e honorabilidade. </font><br>
<font>AV. Gravidade dos danos que, de resto, não se provou e que apenas competia ao Recorrido; não ao tribunal em exercícios de pura adivinhação em que se lançou. </font><br>
<font>AX. A fundamentação da douta sentença a quo apoia-se no que prognosticou que seria a lesão num homem médio, não curando da subjectividade inerente ao apuramento de danos para efectivação de responsabilidade civil. </font><br>
<font>Termos em que, com o douto suprimento, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências, designadamente a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por uma outra que julgue totalmente improcedente os pedidos. </font><br>
<font>Assim se fazendo justiça!”</font><br>
<br>
<font>O A. contra-alegou.</font><br>
<br>
<font>Remetidos os autos a este Tribunal foi o recurso aceite com a adjectivação que lhe fora dada.</font><br>
<font>Correram os vistos legais.</font><br>
<font> ……………….</font><br>
<b><font>II. Âmbito do recurso e fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>II-A) Delimitação objectiva</font></b><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC., o âmbito da Revista, em tudo quanto não seja de conhecimento oficioso, é delimitado nas conclusões alegacionais do recorrente.</font><br>
<font>Daí que, procedendo à leitura das alegações de recurso, possa desde já definir-se que essas questões são as seguintes:</font><br>
<font>a) Direito à informação e interesse público da notícia;</font><br>
<font>b) Segredo de justiça</font><br>
<font>c) Responsabilidade civil;</font><br>
<font>d) subsidiariamente, montante desproporcionado para a indemnização fixada, tendo em conta as vertentes seguintes:</font><br>
<font>i. excesso de pronúncia</font><br>
<font>ii. existência de concausas</font><br>
<br>
<b><font>II-B) Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>II-B)-a) Os factos</font></b><br>
<br>
<font>Foram considerados como assentes e/ou provados na primeira instância os factos seguintes:</font><br>
<br>
<font>“1 - A Ré é proprietária do título "Jornal de Notícias" ou "J.N.", jornal de grande circulação nacional [al. A) da matéria assente]. </font><br>
<font>2 - Na tiragem do Jornal de Notícias - "J.N." de Quarta Feira, dia 11/10/2000, com chamada de 1.ª página subordinada ao título "Advogados arguidos em processo de burla de 300 mil contos" foi publicada uma notícia, na pág. 3, alusiva aos AA, relativa a uma acusação do MP.º contra o advogado AA e sua mulher, BB, entre outros arguidos, aí se aludindo também à empresa de prestação de serviços S... cuja gestão estava a cargo dos AA (al. B) da matéria assente). </font><br>
<font>3 - Refere a notícia que os prazos para a abertura da instrução só começaram a contar após as férias judiciais (15/09/2000) e que o julgamento deverá ter lugar no próximo ano, referindo ainda que os dois arguidos (ora AA) terão tido benefícios, livres de impostos, da ordem dos 255 mil contos (al. C) da matéria assente). </font><br>
<font>4 - Em caixa, na mesma página 3, e com o título "Seis arguidos (três advogados) vão responder por peculato", refere-se de novo o nome "AA, também advogado e sua mulher BB" (al. D) da matéria assente). </font><br>
<font>5 - Na tiragem do Jornal de Notícias - "J.N." de Segunda-feira, dia 14/01/2002 e na página 6, surge uma notícia sob o título "Juíza acusada de peculato será julgada na Relação". Sem referir os nomes dos A.A., a notícia diz que "A irregularidade mais grave diz respeito à colaboração do Centro com uma empresa de prestação de serviços, cuja gestão corrente estava a cargo de um advogado e da sua mulher..." (al. E) da matéria assente). </font><br>
<font>6 - Mais se refere na sobredita notícia que a facturação terá gerado aos arguidos, de modo directo ou indirecto, benefícios livres de impostos na ordem de € 1.285.000,00 (255 mil contos) (al. F) da matéria assente). </font><br>
<font>7 - Na tiragem do Jornal de Notícias - "J.N." de Segunda-feira, dia 15/12/2003 e na página 32, aparece uma caixa com o título "Fraudes nos cursos de formação à distância", a notícia refere, entre outras coisas, que "a maior irregularidade detectada diz respeito à colaboração do C... com uma empresa de prestação de serviços cuja gestão corrente estava a cargo do advogado AA" (al. G) da matéria assente). </font><br>
<font>8 - Mais se refere naquela notícia "Entre 1992 a 1996, C... terá pago 915 mil euros (183 mil contos) pelo trabalho desenvolvido pela empresa. Segundo o Ministério Público, não foram gastos mais de 35 mil euros (sete mil contos). A margem de lucro foi de 2.454% " (al. H) da matéria assente). </font><br>
<font>9 - Na página 34, em ficha técnica, refere-se que a tiragem média diária do mês de Novembro foi de 137.486 jornais, vendidos a 0,60 € cada (al. I) da matéria assente). </font><br>
<font>10 - Após a não pronúncia dos A.A. o J.N. não publicou mais qualquer notícia sobre o assunto, nem voltou a referir os seus nomes (al. J) da matéria assente). </font><br>
<font>11 - Os A.A. habitam, trabalham e são naturais da Região Norte do País (al. L) da matéria assente). </font><br>
<font>12 - A Ré é uma das maiores empresas de comunicação social do país, com grande dimensão económica (al. M) da matéria assente). </font><br>
<font>13 - As três notícias foram lidas por milhares de pessoas, maioritariamente no Norte do país, região onde o Jornal de Notícias tem mais leitores (resp. ao quesito 2°). </font><br>
<font>14 - O marido é advogado, sendo a esmagadora maioria dos seus clientes sociedades comerciais (resp. ao quesito 3°). </font><br>
<font>15 - A Autora mulher é consultora de formação (resp. ao quesito 4°). </font><br>
<font>16 - São pessoas conhecidas na cidade, e designadamente nos meios profissionais ligados à advocacia (o A marido) e às empresas, (ambos os AA) (resp. ao quesito 5.º)</font><br>
<font>17 - A notícia de 11.10.2000 faz expressa referência ao nome dos AA, bem como à "S...", sociedade por quotas por aqueles gerida e a notícia de 15.12.2003 faz expressa referência ao A. AA, enquanto "gestor corrente" de uma empresa de prestação de serviços que colaborava com o C..., o que permitiu, quanto à primeira, que todos os destinatários das notícias identificassem, sem qualquer dúvida, aquelas pessoas como sendo as pessoas objecto das mesmas notícias e, no que tange à última notícia, que tal identificação fosse feita pelos mesmos destinatários quanto ao advogado marido (resp. ao quesito 6°). </font><br>
<font>18 - Os A.A são pessoas muito consideradas e respeitadas no meio em que vivem (resp. ao quesito 7°). </font><br>
<font>19 - O A. marido, que profissionalmente usa o nome AA, com escritório na Esplanada do Castelo, ..., Porto, exercendo a profissão há mais de 25 anos, no Porto e na Região Norte, viu afectada a sua credibilidade pessoal e profissional junto de quem menos o conhece (resp. ao quesito 8°). </font><br>
<font>20 - O A. AA é um bem sucedido advogado, com um estatuto de competência, prestígio, credibilidade e honorabilidade conquistado ao longo dos anos, junto da sua clientela, bem como de colegas (resp. ao quesito 9°). </font><br>
<font>21 - A Autora, enquanto consultora de formação, goza de prestígio e credibilidade junto das variadas empresas que constituem a carteira de clientes da empresa que gere (resp. ao quesito 10.°). </font><br>
<font>22 - Ambos sofreram uma profunda humilhação e continuado receio de que as notícias em causa afectassem irremediavelmente não só a sua credibilidade e honorabilidade como, por arrastamento, diminuíssem a sua clientela conquistada ao longo de anos (resp. ao quesito 11. j. </font><br>
<font>23 - As notícias referidas na resposta ao quesito 6° afectaram, junto de quem menos o conhece, a imagem pública e credibilidade do A. marido, o mesmo sucedendo com a autora mulher face ao teor da primeira notícia publicada (resp. ao quesito 13°). </font><br>
<font>24 - Na sequência da primeira notícia e por causa dela, antes da publicação da segunda notícia, e visando preservar o seu bom nome e a sua credibilidade, designadamente junto de clientes, os AA. viram-se obrigados a levar a cabo uma informal campanha "porta a porta" de informação e sensibilização, junto desses seus clientes, a quem explicaram individualmente, com angústia e revolta, a sua versão dos factos, alegando que a acusação não tinha fundamento, que eram pessoas sérias e honestas e que estavam esperançados em que o processo não chegasse a julgamento, dada a falsidade dos factos em que assentava (resp. ao quesito 14°). </font><br>
<font>25 - Gastaram dezenas de horas nisso, em prejuízo da sua vida familiar, pessoal e profissional (resp. ao quesito 15°). </font><br>
<font>26 - Só desse modo e apoiados no seu bom nome e reputação mantidos ao longo de anos, e com a compreensão dos seus clientes foi possível aos AA continuar a trabalhar e a levar por diante as suas vidas (resp. ao quesito 16°). </font><br>
<font>27 - Os AA. sentiram visível desgosto com a publicação das três notícias, mormente com a primeira (resp. ao quesito 17°). </font><br>
<font>28 - Tiveram dificuldades em encarar as pessoas, sabendo que os seus clientes estavam a par das notícias publicadas pela Ré (resp. ao quesito 18°). </font><br>
<font>29 - A Ré sabia que a sua conduta iria necessariamente provocar nos AA danos, afectando o seu bom nome, honra e consideração e de modo evitável, na medida em que a notícia valeria por si, sem necessidade de identificação dos "advogados arguidos" ou da "empresa de prestação de serviços" (resp. ao quesito 19°). </font><br>
<font>30 - Bem sabendo que esses danos seriam agravados pela posição social e profissional dos A.A. (resp. ao quesito 20°).”</font><br>
<br>
<font>Apesar de no recurso para a Relação se ter impugnado parte da matéria de facto considerada provada na primeira instância, a Relação veio a desatender tal pretensão, mantendo a decisão sobre a matéria de facto nos seus exactos termos, à qual acrescentou, no entanto, mais os elementos seguintes, resultantes de prova documental existente nos autos:</font><br>
<font>“31. Em 16 de Junho de 2000 o M.º P.º deduziu acusação contra os AA., imputando-lhes um crime de peculato.</font><br>
<font>32. Em Setembro de 2000 os AA. requereram a abertura da fase instrutória, manifestando a sua oposição à publicidade do processo, nos termos e para os efeitos do art. 86.º do CPP.</font><br>
<font>33. Em 17 de Fevereiro de 2004 foi decidido pela Relação do Porto não pronunciar os AA., arquivando-se o processo quanto aos mesmos.”</font><br>
<br>
<b><font>II-B)-c) Análise do recurso</font></b><br>
<br>
<font>À laia de introdução:</font><br>
<br>
<font>É hoje incontestado o poder da comunicação social, peça essencial num estado democrático.</font><br>
<font>Para além das suas tradicionais funções de divulgação de notícias, eventos e entretenimentos, tem um papel importantíssimo na formação crítica dos cidadãos, é o meio por excelência para a defesa da liberdade e para transmitir valores, criar espaços de reflexão e de debate, denunciar abusos ou desvios de poder, posicionando-se como guarda avançada no combate a todas as formas de criminalidade, abusos, e descriminação e defesa da “res publica”.</font><br>
<font>Actua no entanto, em grande parte das situações, no fio da navalha, dada a dificuldade por vezes sentida em estabelecer o justo equilíbrio entre essas nobres funções que lhe estão adstritas ou para as quais se encontra vocacionada, a fome de informação dos cidadãos e os direitos de personalidade de que se mostram revestidos os agentes visados.</font><br>
<font>Dada a situação empresarial de que funcionalmente dependem, os meios de comunicação social e seus trabalhadores vivem ainda sujeitos à pressão do sucesso das vendas, o que faz com que nem sempre a sua nobre função seja exercida da melhor maneira e com a independência, equilíbrio e ponderação que lhes é exigível.</font><br>
<font>Com a pressão da notícia, passa por vezes para segundo plano o direito à honra, à imagem e ao bem nome dos visados, apressando-se o mensageiro a apresentar factos que fazem ou induzem a opinião pública a julgamentos apressados sobre as pessoas ou instituições visadas, sem mais possibilidade de restabelecimento eficaz do bom nome e da honorabilidade devida, mesmo que mais tarde nada se venha a provar quanto a elas ou venham a fazer-se os tradicionais desmentidos.</font><br>
<font>Em caso de ofensa à honra, o labéu fica logo lançado, e nunca mais a situação anterior à notícia volta a ser o que era ou a ser reparada.</font><br>
<br>
<font> Feitas estas pequeníssimas considerações de ordem geral, lancemo-nos na apreciação jurídica dos factos aqui em presença:</font><br>
<br>
<font>Pois bem</font><br>
<br>
<font>Estamos perante uma situação que nos é configurada pelo A. como correspondente a indemnização por responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, decorrente de danos não patrimoniais causados pela Ré e sofridos pelo A., em consequência de notícias publicadas e difundidas através de um órgão de comunicação social de grande divulgação (Jornal de Notícias), que ofenderam de forma gravosa os seus direitos de personalidade (nome, honra, consideração), factos esses que foram difundidos ao público quando o processo estava em segredo de justiça e nos quais era imputada ao A. a prática de graves ilícitos criminais, ancorada em acusação do M.º P.º ainda em segredo de justiça, mas pelos quais não chegou o A. sequer a ser pronunciado.</font><br>
<font>Sustenta a Ré , em síntese, que a notícia da acusação do M.º P.º era verdadeira e tinha manifesto interesse público.</font><br>
<font>Posiciona-se o A., no entanto, num outro enquadramento, dizendo que a divulgação do seu nome e identificação profissional não era necessária para o direito à informação ser atingido, tanto mais que a simples notícia dos factos, sem indicação concreta dos acusados se bastava a si mesma, e uma vez que até à condenação com trânsito em julgado toda a pessoa se deve considerar inocente. </font><br>
<font>Mais refere o A. que com a divulgação desnecessária do seu nome e profissão e da sua ligação ao escândalo das fraudes com dinheiros públicos no C... – pelos quais não chegou sequer a ser pronunciado - veio a ter enorme dano na sua respeitabilidade, credibilidade e honorabilidade e sofreu humilhações, tendo despendido muitas horas a justificar-se perante clientes e amigos, e que por isso preten | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hTLvu4YBgYBz1XKvrFyu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA<br>
<br>
<br>
"A - Sociedade Construtora e Gestora de Imóveis, Lda." intentou, em 15.9.98, acção ordinária contra "B - Sociedade de Gestão e Investimentos Imobiliário, SA.", e "C - Imobiliária e serviços, SA.", pedindo, além do mais, que se declare a preferência legal decorrente do contrato de arrendamento que liga, por forma vinculística, a A. ao espaço referido no art. 3º da p.i., se declare legal e contratual admissível a transmissão, tão somente, da referida fracção, em favor da A., com efeitos desde 18.12.97, mediante o pagamento do preço de 20.000.000$00.<br>
Terminou requerendo que se passassem e entregassem guias para depósito do preço correspondente à fracção, que é de 20.000.000$00.<br>
Catorze dias depois - dia 29.9.98 - apresentou o requerimento de fls. 25 a 27, dentro do prazo fixado no art. 1410º, nº 1, do CC, requerendo que:<br>
- Se considere suspenso o prazo a que alude esse normativo até despacho sobre tal requerimento;<br>
- Se defira a prestação de garantia bancária, por fiança on first demand, relativamente ao preço a entregar a final (20.000.000$00);<br>
- Ouvindo-se, inclusive a parte contrária, já que tal disposição é maioritariamente concebida na tutela dos interesses patrimoniais daquela.<br>
Por despacho de fls. 29, o Mmº Juiz ordenou a citação dos réus, escrevendo ainda:<br>
Requerimento de fls. 25 e ss: Notifique a parte contrária para se pronunciar, querendo, em 10 dias (art. 3º do CPC).<br>
Entretanto, a fls. 35 apresentou a Autora requerimento em que refere que, nos termos da lei, teria que efectuar um depósito em dado prazo. Considerando que o conceito "depósito" não seria necessariamente equivalente a "depósito na C. Geral de Depósitos", requereu que se permitisse assegurar esse depósito através de fiança on first demand, e se considerasse, entretanto, sustado o prazo para cumprir, face à dúvida sobre a licitude da forma de cumprir a condição, e, como não teve notícia do despacho que tenha recaído sobre a sua pretensão, requereu que se considerasse suspenso o prazo previsto na lei até que fosse proferido despacho sobre tal questão incidental.<br>
A fls. 36 e ss, a ré B, SA., ainda antes de esgotar o prazo da contestação, veio em requerimento avulso pedir que fosse indeferida a ajuizada pretensão incidental da A. <br>
O Senhor Juiz mandou que este requerimento ficasse nos autos, e, sobre o aludido 2º requerimento da A. proferiu, a fls. 41, o seguinte despacho:<br>
"Requerimento de fls. 35:<br>
Não obstante as doutas considerações ali aduzidas, tendo em conta que, na questão a apreciar, se entendeu dar lugar ao disposto no art. 3º do CPC (princípio do contraditório), embora o prazo para efectuar o depósito em causa se encontre determinado por lei, terá desde logo que se considerar "suspenso", enquanto não houver decisão sobre a pretensão requerida.<br>
Ora, conforme resulta dos autos uma das co-rés já se pronunciou (fls. 36 a 39).<br>
Porém, a outra co-ré ainda não foi citada para o efeito (fls. 34).<br>
Pelo que, nada mais a apreciar, por enquanto, quanto ao requerido.<br>
Aguarde-se pela efectivação daquela citação.<br>
A fls. 42 e 43, a Ré B, SA. requereu a aclaração deste despacho, no sentido de ficar claro se ele vale como decisão quanto à questão de saber se o prazo para efectivação do depósito fixado no art. 1410º, nº 1 do CC se encontra suspenso.<br>
A fls. 44 e segs. a mesma ré apresentou a sua contestação da acção, pedindo a sua improcedência.<br>
A fls. 60 e 61, proferiu o Mmº Juiz o seguinte despacho:<br>
Requerimento de fls. 42:<br>
Salvo o devido respeito por entendimento contrário, e, não obstante as doutas considerações ali aduzidas pela requerente, não nos parece, que o despacho de fls. 41 mereça ou necessite de qualquer aclaração.<br>
O mesmo recaiu sobre o requerimento da Autora que se encontra junto a fls. 35 e, no qual se entendeu que, face à pretensão formulada, em obediência ao princípio do contraditório, só após o cumprimento do despacho proferido a fls. 29, relativamente a ambas as RR, se apreciaria e decidiria em conformidade, o que até ao momento ainda se não verificou, porquanto, a co-ré "C" ainda não foi do mesmo notificada.<br>
Contudo, a co-ré agora requerente, e a seu tempo, desde logo, se pronunciou quanto a tal pretensão, conforme consta de fls. 36 e ss.<br>
Estamos de acordo com a requerente, relativamente à natureza do prazo que assiste à A. para proceder ao respectivo depósito.<br>
No entanto, porque a mesma requereu que o depósito a efectuar nos termos do disposto no art. 1410º, nº 1 do CC, lhe fosse permitido através de fiança por garantia bancária, e fê-lo antes de se proceder à citação das RR. (momento que presentemente deve relevar-se para o efeito, uma vez que deixou de haver despacho - liminar - a determinar tal citação) - ver requerimento de fls. 25, datado de 29.9.98 e cota de fls. 30, efectuada em 7.10.98 - parece-nos e assim entendemos, que enquanto não houver decisão sobre o pedido formulado, o respectivo prazo não poderá correr. Nem de outra forma poderia ser entendido, porquanto, não sabe a A. sequer, se a sua pretensão vai ou não ser deferida, e, consequentemente, de que forma e porque meio deverá proceder ao respectivo depósito.<br>
Quanto ao facto de, dever ou não entender-se se aquele despacho deve ser tido como "decisão" quanto à questão de saber-se se o prazo para a efectivação do depósito se encontra "suspenso", deve referir-se que o mesmo foi proferido apenas para esclarecimento do requerido a fls. 35, não tendo sido feita qualquer apreciação de fundo quanto a tal questão, pelo que, o mesmo vale o que vale quanto ao seu conteúdo, agora reforçado com os considerandos atrás expostos.<br>
Relativamente à questão de tal apreciação ter ou não lugar, só após o cumprimento do despacho de fls. 29, 2º §, assim o entendemos, em obediência ao princípio do contraditório."<br>
A ré C, contestou e deduziu reconvenção.<br>
E, em requerimento avulso, pugnou pelo indeferimento da aludida pretensão incidental da demandante, por, tal como já havia sustentado a co-ré, ter caducado o direito da autora depositar o preço e o depósito deste ser impossível de ser feito por garantia bancária<br>
A Autora apresentou réplica.<br>
Houve tréplica da C.<br>
Foi então proferida decisão em que a Mmª Juíza declarou caducado o direito que a Autora pretendia fazer valer na acção, absolvendo-se as Rés do pedido.<br>
Escreveu a Senhora Juíza:<br>
...os despachos de fls. 41 e 60 a 61 não apreciaram o fundo destas questões levantadas...<br>
O Código Civil fixa, no seu art. 1410º nº 1, o prazo dentro do qual deve ser efectuado o depósito do preço, ou seja nos 15 dias seguintes à propositura da acção.<br>
Alegaram as Rés que se trata de um prazo de caducidade e, logo, não poderia nunca tal prazo ser declarado suspenso por despacho judicial.<br>
Desde já se diga que perfilhamos do entendimento das Rés.<br>
Que tal prazo de 15 dias é um prazo de caducidade, já a Jurisprudência e a Doutrina o estabeleceram...<br>
Ora, tratando-se de um prazo de caducidade, preceitua o art. 328º do CC que «não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine».<br>
Ora, a apresentação de um requerimento a solicitar a substituição do depósito do preço (como expressamente refere a Lei) por uma garantia bancária não conduz à suspensão do prazo de caducidade previsto no citado art. 1410º nº 1 do CC.<br>
E, assim sendo, decorrido que se encontra há muito aquele prazo de 15 dias sem que tivesse sido efectuado qualquer depósito caducou o direito da autora a ver declarado o seu direito de preferência.<br>
Razão porque não se determina, sequer, que a autora proceda ao registo da acção.<br>
...Por todo o exposto, declaro caducado o direito que a Autora pretendia fazer valer na presente acção, pelo que absolvo as Rés do pedido...».<br>
Inconformada, apelou a Autora, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 25.6.01, revogado a decisão, determinando que o tribunal da 1ª instância decidisse sobre a pretensão formulada pela demandante, a fim de esta saber como efectuar o depósito.<br>
Inconformadas, recorreram ambas as rés.<br>
A recorrente B - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, SA. fechou a sua peça alegatória com as seguintes<br>
Conclusões:<br>
1- O acórdão interpretou e aplicou erradamente os arts. 1410º, nº 1, 328º, 331º e 333º do CC e 672º e 497ª, nº 2, 666º, nº 3, e 668º, nº 1, al.d), 1ª parte do CPC, porque considera que a Mmª Juíza violou o caso julgado (por causa de dois despachos anteriores, de fls. 41 e 60 a 61) e se não pronunciou sobre questão que devia ter apreciado (saber se a A. poderia, ao invés de depositar o preço, como manda o nº 1 do artigo 1410º do CC, apresentar uma garantia bancária on first demand;<br>
2- O prazo estabelecido no art. 1410º, nº 1 é um prazo de caducidade, que se verifica inevitavelmente se não for praticado o acto que a impede (no caso, o depósito do preço), não podendo esse prazo ser alongado ou encurtado por via negocial, pelo que pode e deve o tribunal conhecer oficiosamente da extinção do direito real de preferência (art. 333º, nº 1);<br>
3- Ora, a preferente devia ter efectuado o depósito do preço até ao dia 30.9.98 e não o fez, tendo antes requerido, no dia 29 de Setembro desse longínquo ano, que lhe fosse permitida a apresentação de uma garantia bancária on first demand - ao invés de, como manda a lei, depositar o preço - bem como a suspensão do prazo até que se decidisse a sua pretensão; <br>
4- Quaisquer que fossem (e tenham sido) os passos, requerimentos, despachos ou decisões posteriores, dado que até hoje (Outubro de 2001) a preferente nunca efectuou qualquer depósito é óbvia a caducidade do direito da preferente e a extinção da instância por absoluta, total e manifesta inutilidade da lide;<br>
5- No "despacho" de fls. 41 e 60 a 61 o Mmº Juiz, afirmando que não tinha sido feita qualquer apreciação de fundo sobre a questão, esclareceu que só após «cumprimento do despacho de fls. 29, 2º §» apreciaria os requerimentos para a suspensão do prazo e a substituição do depósito do preço pela apresentação de uma garantia bancária, proferindo considerações avulsas sobre o assunto mas utilizando sempre comas na palavra «suspenso», querendo dizer que iria considerar o prazo como que «suspenso» até ele poder estudar e tomar uma decisão sobre o assunto, ou seja, que nem decretava logo a caducidade nem se pronunciaria sobre as pretensões requeridas (suspensão do prazo e substituição do depósito do preço pela apresentação de uma garantia), o que relegava para momento posterior;<br>
6- Os aludidos despachos não decidiram qualquer das pretensões do preferente, e quem decidiu as pretensões deste foi a Mmª Juíza que veio ocupar o lugar do anterior, na sentença proferida;<br>
7- E essa sentença decide, e bem, dado que não tinha ainda havido decisão sobre as ditas questões: o prazo em causa era de caducidade, que apenas se suspende nos termos da lei (efectuando-se o depósito do preço, e não por qualquer requerimento nesse sentido); como não foi efectuado o depósito no prazo legal, o direito do preferente caducou;<br>
8- Tendo caducado o direito do preferente, que sentido teria vir a Juíza a quo pronunciar-se sobre questões absolutamente paralelas e irrelevantes para o que se discutia, como seja a questão da garantia bancária? A questão encontrava-se resolvida ipso facto!;<br>
9- A sentença da 1ª instância não enferma de vício algum: não houve violação de caso julgado (pois os despachos proferidos anteriormente não continham qualquer decisão digna desse nome face ao requerente pelo preferente), nem deixou de se pronunciar sobre questões sobre as quais devesse ter-se pronunciado. A questão da garantia bancária é irrelevante, face à caducidade do direito do preferente;<br>
10- O acórdão recorrido parte de pressupostos que não se verificaram.<br>
O primeiro é o de que os despachos de fls. 41 e 60 a 61 teriam suspendido, mesmo que de forma ilegal, o prazo de caducidade, o que não corresponde à verdade pois o Juiz só se iria pronunciar sobre isso «após o cumprimento do despacho de fls. 29, 2 §»;<br>
11- O segundo é o de que a Juíza não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado, o que também não corresponde à verdade pois, face ao que a lei diz, dado que se tinham passado mais de dois anos sobre a data em que deveria ter sido efectuado o depósito do preço, só tinha de decretar a caducidade do direito do preferente e nada mais, sendo tudo o resto acessório e sem relevância face à caducidade do direito do preferente;<br>
12- Segundo o acórdão da Relação, o preferente teria ficado sem saber como deveria «efectuar o depósito», mas a lei é claríssima: é depositando o preço!.<br>
Não uma garantia bancária, mas, como toda a gente sabe, o preço (incluindo valores como sisa, despesas de aquisição, etc);<br>
13- Nem essa ignorância corresponde à verdade porque o preferente bem sabia como devia fazer. Tanto sabia que requereu na petição inicial que lhe fossem passadas guias para proceder ao depósito, só que não deve ter arranjado o dinheiro e lembrou-se de vir com este expediente manifestamente ilegal;<br>
14- Este processo tem que ter um fim, impondo-se que seja decretada a caducidade do direito do preferente, que se extinga de imediato a instância, por manifesta inutilidade superveniente da lide, que se declare que a sentença proferida na 1ª instância não se encontra ferida de qualquer vício, revogando-se assim o acórdão recorrido.<br>
Por seu turno, a recorrente C - Imobiliária e Serviços, SA.; extraiu no fim da sua minuta de recurso as seguintes<br>
<br>
Conclusões:<br>
1- A A. requereu, catorze dias após a apresentação da petição inicial, a suspensão do prazo previsto no artigo 1410º, nº 1º do CC e o deferimento da possibilidade de efectuar o depósito do preço pela apresentação de garantia bancária;<br>
2- Discute-se se dos despachos de fls. 42 e 60 a 61 resultou suspenso o prazo previsto no artigo 1410º nº 1 do CC;<br>
3- Tal prazo é de caducidade, de natureza substantiva e cujo decurso só é impedido por acto a que a lei atribua tal efeito - artsº 1410º, nº 1, 298º e 331º do CC;<br>
4- O Tribunal de 1ª instância não decidiu tal questão;<br>
5- Invoca que o prazo teria de se considerar "suspenso" (entre aspas), que o mesmo "vale o que vale", quando confrontado com um pedido de aclaração, sublinhando reiteradamente que só se pronunciaria quanto ao fundo da questão após verificação do princípio do contraditório, remetendo para período posterior;<br>
6- Assim o fez, em sede de sentença decisão seguinte àquela, pronunciando-se acerca do requerido pela A.;<br>
7- Os despachos de fls. 42 e 60 a 61 não constituem assim caso julgado formal no que à suspensão do prazo respeita - ou a qualquer outra questão;<br>
8- Se assim fosse também teria de entender-se que considerou tal prazo como substantivo, e então que estaria suspenso ao fim do 14º dia por força do requerimento da A. em 29.9.98<br>
9- Ou será que pretenderia que o indicado prazo corresse apenas a partir da citação da rés? Não é este o sentido do disposto no nº 1 do artº 1410º do CC, pelo que não pode manter-se o acórdão mas sim a decisão da 1ª instância, por aquele ter violado os arts. 1410º, 298º e 331º do CC, não se encontrado violados com a sentença proferida os artsº 672º e 497º do CPC, inaplicáveis no presente caso.<br>
Contra-alegou a demandante.<br>
Correram os vistos legais.<br>
Por acórdão de 5.3.02, considerou-se que o recurso não é de revista (por a Relação não ter conhecido do mérito) mas de agravo, e que este não era admissível, à luz do artº 754º, nsº 2 e 3 do CPC, pelo que se decidiu não tomar conhecimento do recurso, com custas pelas recorrentes, devendo proceder-se à correspondente rectificação da distribuição nos termos da parte final do nº 4 do art. 223º do CPC.<br>
Notificadas, vieram as recorrentes B - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliário, SA e C - Imobiliária e Serviços, SA. pedir a reforma do acórdão, alegando que houve manifesto lapso na determinação da norma aplicável (art. 669º, nº 2, a) do CPC).<br>
Com inteira razão o fazem.<br>
Efectivamente, este colectivo absteve-se de conhecer dos agravos, porque considerou aplicável a actual redacção dos nº 2 do art. 754º da lei adjectiva, emprestada pelo art. 1º do DL nº 375-A/99, de 20/9.<br>
A decisão estava correcta à luz desse normativo.<br>
Só que, como deflui do art. 8º, nº 2 do citado Decreto-Lei, essa redacção não é aplicável neste processo, porque o processo já se encontrava pendente à data da publicação e da entrada em vigor desse diploma legal.<br>
Ora, de acordo com a anterior redacção do nº 2 do art. 754º do CPC (dada pelos DL nsº 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9, e aqui aplicável) os agravos são admissíveis, importando deles tomar conhecimento, o que se passa de imediato a fazer.<br>
No acórdão recorrido, que se pronunciou contra a procedência da peremptória da caducidade do direito real de preferência decretada na 1ª instância, entendeu-se que:<br>
- O Mmº Juiz da 1ª instância proferiu despacho em que considerou que estava suspenso o prazo fixado pelo art. 1410º, nº 1 da lei substantiva, e que só a partir da decisão sobre a possibilidade ou não da prestação da fiança on first demand poderia a A. proceder ao depósito, quer quanto à forma, quer quanto ao meio; <br>
- Esta decisão transitou em julgado, constituindo caso julgado formal, nos termos do art. 672º do CPC;<br>
- Estava pois suspenso o prazo para efectuar o depósito;<br>
- Tendo o Mmº Juiz violado o caso julgado formal ao decidir pela procedência da caducidade do direito;<br>
- Além disso, foi proferida a decisão sem que o Senhor Juiz se tivesse pronunciado sobre a bondade da pretensão de substituição do depósito do preço pela prestação da aludida fiança, impossibilitando assim esta de saber de que forma e por que meio deveria proceder ao depósito.<br>
Vejamos:<br>
Antes de mais, a matéria de facto com que se tem de lidar, e que a Relação elencou é, na essência, a que consta já do relatório deste acórdão.<br>
O art. 1410º do Código Civil (sob a epígrafe "Acção de preferência") fixa no seu nº 1 o prazo de 15 dias seguinte à propositura da acção para o depósito do preço devido.<br>
Em 29.9.98, a A. (que na p.i. pedira se passassem guias para depósito do preço correspondente à fracção que é de 20.000.000$00), um dia antes de terminar aquele prazo de 15 dias, veio requerer que lhe fosse deferida a prestação de garantia bancária por fiança on first demand, em vez do depósito em numerário.<br>
O Mmº Juiz, no § 2º do despacho de fls. 29, ordenou a notificação das rés para se pronunciarem sobre tal pretensão, audição, aliás, como se referiu, requerida anteriormente pela impetrante.<br>
Esse despacho do Mmº Juiz, para garantir o princípio do contraditório, foi um despacho de mero expediente, pois que se destinou apenas a prover ao regular andamento do incidente, sem interferir no conflito de interesses entre as partes e sem ofender o direito de qualquer delas, sendo insusceptível de recurso, nos termos do artº 679º do CPC.<br>
Esse despacho não poderia portanto formar caso julgado.<br>
Nem sequer indicia, ainda que implicitamente, em que sentido se orientaria o Tribunal, que nele não tomou qualquer posição sobre o problema de fundo suscitado, não aflorado nele nem mesmo implicitamente.<br>
Por outro lado, a A. requereu, quer a fls. 26 verso, quer a fls. 35 verso que se considerasse suspenso o prazo a que se reporta o nº 1 do art. 1410º até que fosse decidida a questão incidental em apreço.<br>
E o Mmº Juiz, ao invés do que a Relação expendeu, nunca deferiu esse pedido de suspensão, quer a fls. 41 (onde emprega a palavra suspenso entre comas), quer (na sequência do pedido de aclaração que constitui fls. 42 e 43) a fls. 60 a 62, onde expressamente escreveu que:<br>
«Quanto ao facto de, dever ou não entender-se se aquele despacho» - o de fls. 41 - «deve ser tido como "decisão" quanto à questão de saber-se se o prazo para a efectivação do depósito se encontra "suspenso", deve referir-se que o mesmo foi proferido apenas para esclarecimento do requerido a fls. 35, não tendo sido feita qualquer apreciação de fundo quanto a tal questão, pelo que o mesmo vale o que vale quanto ao seu conteúdo...<br>
Relativamente à questão de tal apreciação ter ou não lugar, só após o cumprimento do despacho de fls. 29, § 2º, assim o entendemos, em obediência ao princípio do contraditório» (os negritos são da nossa lavra).<br>
É nítido que o Senhor Juiz, ao querer ouvir as rés sobre a pretensão incidental da demandante, pretendeu tão-só dar cumprimento ao princípio do contraditório.<br>
Se o prazo estipulado no nº1 do artº 1410º do CC se suspendia ou não, seria quid a decidir após ser dado cumprimento àquele princípio estruturante do nosso direito adjectivo.<br>
Não se formou, por conseguinte, qualquer caso julgado formal, ao contrário do que se entendeu na 2ª instância.<br>
E, decidido - diga-se que com acerto - pela Mmª Juíza nova titular do processo, que o prazo de caducidade não se suspende por um requerimento a solicitar a substituição do depósito do preço por uma garantia bancária, mas apenas nos termos dos arts 328º e 1410º, nº 1 do CC, que portanto o direito que a demandante pretendia fazer valer no petitório inicial caducou, nada mais havia realmente a decidir.<br>
Termos em que acordam em conceder provimento aos agravos, revogando o acórdão da Relação, para ficar a valer a decisão da 1ª instância, com custas pela autora recorrida, assim se reformando o nosso anterior acórdão, que assentou num manifesto lapso na determinação da norma aplicável, passando o presente acórdão a complementá-lo e a fazer parte integrante dele (arts. 669º, nº 2, a), 670º, nº 2, 716º, ns. 1 e 2, 749º e 762º, nº1 do CPC), devendo proceder-se à rectificação da distribuição, nos termos do nº 4 (parte final) do art. 223º do CPC.<br>
<br>
Lisboa, 30 de Abril de 2002<br>
Faria Antunes<br>
Lopes Pinto<br>
Ribeiro Coelho</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
iTIbvIYBgYBz1XKvZ5dw | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Frugal - Frutos, Sumos de Portugal SA demandou<br>
Aleytrans - Transportes Internacionais Lda. e Trevomar<br>
- Navegação e Transitários Lda, em acção com processo ordinário, alegando, em síntese: que após ter comprado em Inglaterra 360000 preformas de 1, 5 litros, com 48 gramas, cor verde, embaladas em 1000 caixas de cartão, com 360 peças cada, pelo preço de 23860000 libras, contratou com a Ré Aleytrans o transporte por via terrestre daquela mercadoria, da Inglaterra para as suas instalações, em Pombal, mediante o pagamento de<br>
3338612 escudos, devendo a operação ser realizada no prazo máximo de 2/3 dias; mas que esta Ré, sem conhecimento, consentimento ou autorização da Autora, alugou à Ré Trevomar uma viatura automóvel com motorista para efectuar o transporte referido, acontecendo, porém, que quando a mercadoria já transitava em Portugal, a mesma Ré, Trevomar, ordenou ao motorista, seu empregado, que seguisse com a mercadoria para as suas instalações em Esmoriz, onde desde então a retém, sem se dispor a entregá-la ou a transportá-la, a pretexto de ser credora da Ré<br>
Aleytrans, o que vem causando danos à Autora, cujo montante ainda não pode determinar.<br>
Perante este circunstancialismo a Autora pede a condenação da Ré Aleytrans a reconhecer que não cumpriu a obrigação a que estava vinculada perante ela, demandante e a indemnizá-la em quantia a liquidar em execução de sentença; e da Ré Trevomar a reconhecer que a Autora é legítima dona da mercadoria referida, que retém, bem como a restituir-lha, imediatamente.<br>
Só a Ré Trevomar contestou para além de arguir com a incompetência territorial do tribunal onde a acção foi proposta, informar que quem efectuou o transporte foi<br>
TDN - Transportes David Neto e reconhecer que a autora<br>
é dona da mercadoria, pelo que se prontifica a entregá-la de imediato.<br>
Na Réplica a Autora ampliou o pedido de modo a abranger a condenação solidária de ambas as rés a indemnizá-la pelos prejuízos referidos, em quantia a liquidar em execução de sentença.<br>
Após a apresentação deste articulado, a Autora fez constar, no processo, que a Trevomar lhe entregou a mercadoria, transportada em 19 de Fevereiro de 1990.<br>
Perante isto esta mesma Ré requereu a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.<br>
Posteriormente, após o julgamento, foi proferida sentença onde se julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de restituição da mercadoria deduzido contra a Ré Trevomar e se condenou solidariamente as Rés a indemnizarem a<br>
Autora na quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença.<br>
Inconformada a Ré Trevomar apelou, tendo a Relação concedido provimento ao recurso, ao revogar a sentença apelada na parte em que havia condenado a apelante como devedora solidária a pagar à Autora uma indemnização a liquidar em execução de sentença e, assim, absolvendo-a do respectivo pedido.<br>
Deste Acórdão da Relação, interpôs recurso de revista a<br>
Autora Frugal, que concluiu as suas alegações do seguinte modo:<br>
1 - Está provado que a recorrida Trevomar reteve 360000 preformas, pertença da recorrente, desde 29 de Agosto de 89 até 19 de Fevereiro de 90, sem que tivesse direito ou existisse qualquer relação jurídica que lho permitisse.<br>
2 - Provado está que, com tal retenção, a recorrente teve de adquirir, em Outubro de 1989, 208000 preformas no estrangeiro, onde despendeu nessa aquisição 5510700 escudos.<br>
3 - Provado ficou ainda que devido àquela retenção, a recorrente deixou de fazer fornecimentos de sumos e refrigerantes a clientes seus.<br>
4 - Dos autos resulta que a Trevomar foi citada em<br>
Dezembro de 1989 e sabia desde Agosto que as preformas eram da Frugal e o local da entrega era em Pombal, nas instalações desta.<br>
5 - Mais está provada a existência de um contrato de transporte entre a recorrente e a Ré Aleytrans e um sub contrato entre esta e a Trevomar.<br>
6 - A disciplina jurídica estabelecida para o contrato de transporte de mercadorias CMR, aplica-se ao sub contrato, dado existir uma relação especial, entre aquele e o contrato firmado entre a recorrente e a Ré<br>
Aleytrans.<br>
7 - A Frugal pode responsabilizar a Trevomar com vista ao ressarcimento dos seus prejuízos.<br>
8 - No Acórdão recorrido por erro de interpretação e por aplicação, foram violados,entre outros, os artigos<br>
483, 562 do Código Civil e artigo 3 do CMR.<br>
9 - Deve ser concedida a revista, revogando-se o<br>
Acórdão recorrido e mantendo-se a sentença da 1 instância.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:<br>
Os factos considerados como provados são os seguintes:<br>
A Frugal exerce a actividade industrial de fabrico, engarrafamento e comercialização de sumos e refrigerantes (req. A).<br>
A Ré Aleytrans - Transportes Internacionais Lda. exerce a actividade concernente com expedição, recepção e circulação de bens e mercadorias, no país e no estrangeiro (req. B).<br>
A Ré Trevomar - Navegação e transportes exerce a actividade de transportes de bens e mercadorias (req.<br>
C).<br>
A Ré Aleytrans comprometeu-se com a demandante a efectuar o transporte, em viatura automóvel, desde<br>
Tembury Wells, para as instalações desta, em Pombal, de<br>
360000 preformas (req D.).<br>
A Ré Aleytrans comprometeu-se com a Autora a realizar o referido transporte em 2/3 dias, a contar de 25 de<br>
Agosto de 1989 (resposta ao quesito 1).<br>
A Ré Aleytrans, para a realização do transporte referido, procedeu ao aluguer de uma viatura automóvel, com motorista à Ré Trevomar (resposta ao quesito 2).<br>
A Trevomar reteve os 360000 preformas até ao dia 19 de<br>
Fevereiro de 90 (req. E.).<br>
Os 360000 preformas proporcionariam à Autora 360000 garrafas com a capacidade de 1,5 litros (req. F.).<br>
A Autora, em Outubro de 1989 adquiriu 268000 preformas<br>
(rep. ao quesito 3) no que despendeu 5510700 escudos<br>
(rep. ao quesito 4).<br>
No Verão de 1989, a Autora não dispunha de qualquer vasilhame de 1,5 litros (rep. ao quesito 5).<br>
A demandante não tinha possibilidade de adquirir preformas no mercado nacional (rep. ao quesito 6).<br>
A demandante por virtude de retenção de preformas, deixou de fazer fornecimentos de sumos e refrigerantes a clientes seus (rep. ao quesito 7).<br>
Postos os factos, o Direito:<br>
A qualificação jurídica proposta, sem discrepâncias, pelas partes, relativamente aos negócios jurídicos havidos entre as partes não merece qualquer reparo e, por isso, não nos deteremos na sua apreciação.<br>
Assim, aceita-se ser de transporte internacional de mercadorias por estrada, o contrato celebrado entre a<br>
Autora Frugal e a Ré Aleytrans, como tal submetido à<br>
Convenção de Genebra de 19 de Maio de 56 (aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n. 46235 de 18 de Março de 65, modificada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Julho de<br>
78, aprovado, para adesão, pelo decreto n. 28/88 de 6 de Setembro); e assumir a natureza de sub contrato, dependente do outro, ou acordo estabelecido entre a Ré<br>
Aleytrans (intermediária) e a Ré Trevomar (subcontraente).<br>
Pois bem: como se sabe, resulta do confronto entre o contrato-base e o subcontrato, não se estabelecer uma verdadeira relação jurídica entre o 1 contraente (no caso a Autora Frugal) e o subcontraente (ou seja, neste caso, a Ré Trevomar) e, daí que o último seja um terceiro em relação aquele.<br>
Por isso mesmo, se tem considerado o subcontrato como<br>
"outro contrato que uma das partes do contrato principal estipula com terceiro" (Orlando Gomes,<br>
Contratos, 7 edição, página 102).<br>
Ora, a Ré Trevomar, a despeito de, deste modo, ter a posição de terceira, relativamente à Autora, de não gozar de direito de retenção sobre a mercadoria transportada seja a Ré Aleytrans (intermediária) com quem contratou, não ser dona, nem legítima possuidora, dessas mesmas mercadorias (cfr. Prof. Antunes Varela,<br>
Das Obrigações em Geral, II, página 562) nem "destinatário" dela (cfr. artigo 390 do Código<br>
Comercial) - reteve, sem qualquer base legal, a coisa transportada, com o que, consequentemente, cometeu um facto ilícito, gerador, como tal, de responsabilidade aquiliana, nos termos do artigo 483 do Código Civil, o que só por si obsta a que se pudesse lançar mão de uma acção directa contra o terceiro-violador do direito, ou seja, a Ré Trevomar, já que esse meio, como se sabe, se configura como acção de cumprimento, movendo-se, portanto, no âmbito da responsabilidade obrigacional.<br>
E efectivamente, a "acção directa", como forma de agir contra o devedor do devedor e que é a que nos interessa aqui considerar e que não se confunde com o recurso à força a que se reporta o artigo 336 daquele mesmo<br>
Código - "é um benefício concedido a determinados credores, pelo qual se permite que estes demandem directamente os devedores dos seus devedores imediatos<br>
(Romano Martinez, o Subcontrato, página 162).<br>
Neste caso, não há obviamente acção directa, ou a<br>
Autora não visou obter apenas a prestação do seu devedor imediato, pretendendo, também, uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da retenção ilícita da mercadoria pelo subcontraente (devedora do devedor imediato), no âmbito da responsabilidade extra-contratual.<br>
De resto, a acção directa reverte um carácter excepcional, em relação à regra de que o património do devedor é a garantia comum dos credores, não admitindo a doutrina dominante, na falta de uma indicação clara da lei nesse sentido, que o 1 contraente possa usar dela contra o subcontraente (Romano Martinez, sub. cit. página 166-167 e 173).<br>
Mas, se não parece admissível, neste caso, a acção directa do 1 contraente, como aliás concluem o Acórdão recorrido, isto não significa que este, como terceiro, não possa ser responsabilizado, fazendo apelo à chamada eficácia externa das obrigações.<br>
A doutrina tradicional, encarada no pretenso dogma da relatividade dos direitos de crédito, tem-se mostrado renitente em aceitar a oponibilidade dos créditos frente a terceiros. Todavia, confrontada com a natureza das coisas, tem sido obrigada a fazer algumas cedências. Assim, admite, nomeadamente, que, nos casos em que a relatividade dos créditos conduza a situações de injustiça gritante, o terceiro possa ser condenado por abuso de direito (Prof. Vaz Serra, Responsabilidade de terceiros, página 348; Prof. Manuel de Andrade,<br>
Teoria Geral das Obrigações, página 53; Prof. Almeida<br>
Costa, Direito das Obrigações, 3 edição página 68;<br>
Prof. Pereira Coelho, Obrigações, página 69 e seguintes; Prof. Rui de Alarcão, Direito das<br>
Obrigações, página 88 e seguintes).<br>
Esta construção depara, desde logo, com um obstáculo decisivo, como aliás faz notar o Prof. Antunes Varela<br>
(Das Obrigações em Geral; I página 157): é que a verificação dum abuso de direito requer elementarmente um direito de que se abuse. "Quer isto dizer que - como observa o Prof. Menezes Cordeiro (in Direito das<br>
Obrigações, I página 270), cuja lição seguimos,<br>
"quando o terceiro, usando dum direito seu, lesa um direito, pode ser condenado. Pelo contrário, quando procede da mesma forma sem, sequer, agir nos termos formais um direito, nunca é incomodado".<br>
Todavia, a favor da eficácia externa das obrigações pronunciaram-se não só Prof. Ferrer Correia ("A Responsabilidade de terceiro...", Revista de Legislação e Jurisprudência 98, página 355 e seguintes e Estudos<br>
Jurídicos II, página 33 e seguintes), mas sobretudo o<br>
Prof. Pessoa Jorge (Direito das Obrigações, I, página<br>
188 e Lições de Direito das Obrigações, página 599) e, ultimamente p Prof, Galvão Telles (Direito das<br>
Obrigações, 3 edição, página 9).<br>
O Prof. Menezes Cordeiro (ob. lei. cit.), após exaustiva análise desta questão, também não tem a menor relutância em afirmar o princípio de que os direitos de crédito, porque direitos, se impõem juridicamente a todas as pessoas, devendo, consequentemente, ser respeitados por cada um, e produzindo, nessa medida, efeitos erga omnes" (página 280), "salvar as excepções derivadas da boa fé" (página 282).<br>
"O essencial das limitações aos efeitos externos das obrigações deriva "- escreve-se -" não da amputação da própria eficácia do direito de crédito em si, mas antes das regras da responsabilidade civil" (página 282).<br>
Assim, a violação material dum direito de crédito só implica, para o terceiro violador, o dever de indemnizar, se se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil exigidos pelo artigo 483 do<br>
Código Civil.<br>
Mas se antes ocorrerem, o terceiro violador terá que indemnizar o credor por todos os danos resultantes da violação, em conformidade com aquele preceito.<br>
Portanto, e reportando-nos agora ao caso subjudice, a<br>
Ré Trevomar como terceira violadora, terá que indemnizar a Autora pelos danos resultantes da retenção ilícita das mercadorias transportadas.<br>
Há, todavia, que ter em conta, aqui, o disposto nos artigos 23 n. 5, 28 e 29 da referida Convenção de<br>
Genebra, devidamente conjugados. Deles deflui, efectivamente, que o transportador só responde, mesmo no âmbito da responsabilidade extracontratual com referência aos prejuízos resultantes da demora, por uma indemnização que não poderá ultrapassar o preço de transporte, salvo se procedeu com dolo.<br>
Ora, a conduta da Ré Trevomar, ao persistir na retenção da mercadoria, mesmo depois de dever considerar, por ter sido alertada para isso, que ela não pertencia à Ré<br>
Aleytrans, mostra bem que ela agiu com dolo, pelo menos eventual.<br>
Assim a Ré Trevomar não poderá nunca beneficiar do limite estabelecido pelo n. 5 do artigo 25 da Convenção de Genebra em referência.<br>
De todo o modo, sempre seria problemático que pudesse auferir de tal benefício, mesmo que tivesse agido apenas com culpa - aliás patenteada na extrema leviandade com que avaliou , se é que chegou a avaliar, os pressupostos do pretenso direito de retenção, de que injustificadamente se arrogou - pois não é seguro que a<br>
"demora" a que se reporta o n. 5 do citado artigo 23 da<br>
Convenção de Genebra, englobe também o conceito de retenção ilícita...<br>
Cremos que não: pois pensamos que na base da noção de<br>
"demora", está, quando muito, uma actuação descuidada ou negligente do transportador, e nunca a afirmação, mesmo que injustificada, dum direito seu, como, v. g., um direito de retenção.<br>
Mas não é necessário enveredarmos por este caminho, uma vez que consideramos ter a Ré Trevomar procedido com dolo, pelo menos eventual.<br>
Não há pois razão, para não se responsabilizar aquela<br>
Ré por todos os danos decorrentes da retenção ilícita da mercadoria.<br>
Face ao exposto, podemos concluir:<br>
1 - No caso de contrato de transporte seguido de subcontrato, o 1 contraente não pode valer-se, em geral, de "acção directa", contra o devedor do seu devedor, ou vir, contra o sub contraente, mormente quando lhe exija responsabilidade extracontratual, uma vez que tal acção reveste a posição de uma acção de cumprimento.<br>
2 - O 1 contraente poderá, todavia, agir contra o subcontraente, terceiro-violador do seu direito de crédito, ao abrigo do princípio da eficácia externa das obrigações, desde que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil exigidos por lei.<br>
Nestes termos concede-se a revista, revogando-se o<br>
Acórdão recorrido e dando-se prevalência ao decidido na<br>
1 instância.<br>
Custas pela recorrida.<br>
25 de Novembro de 1993<br>
Fernando Machado Soares.<br>
Miguel Montenegro.<br>
José Martins da Costa.<br>
Fernando Fabião (Vencido. Entendi ser de negar a revista, porquanto, indiferentemente de se seguir ou não a doutrina da eficácia externa das obrigações - eu sou contra tal doutrina, conforme decorre do artigo 406 n. 2 do Código Civil e tem sido defendido pela doutrina dominante e alguma jurisprudência, como por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1978, Colectânea de Jurisprudência 188, 146 - certo<br>
é que a autora não provou ter os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na medida em que apenas se provou que "a Trevomar reteve os 360000 preformas até ao dia 19 de Novembro de 1990.<br>
Assim, não vêm provados os pressupostos da ilicitude e da conduta dolosa ou culpa da Trevomar exigidos pelo artigo 483 n. 1 do Código Civil e à autora é que cabia prová-los, nos termos do disposto nos artigos 342 n. 1 e 487 n. 1 do mesmo Código).<br>
César Marques (vencido de harmonia com o voto do meu<br>
Ex. Colega Fernando Fabião).</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mDIavIYBgYBz1XKv2Zae | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>I. Nutrexpa, S.A. interpôs recurso, que correu termos pelo 3. Juízo Cível de Lisboa, do Despacho do Director de Serviços do Instituto Nacional da Propriedade<br>
Industrial, que indeferira o pedido de registo da marca, sob o n. 204213, COLA-CAO-VIT.<br>
Nesse Tribunal, foi proferida a sentença de fls. 38 e segs., negado provimento àquele recurso.<br>
Nutrexpa, S.A. apelou.<br>
Sem melhor sorte porque, através do Acórdão de fls. 82 e segs., a Relação de Lisboa manteve o decidido na 1 instância.<br>
Novamente inconformada, Nutrexpa, S.A. recorreu, de revista, para este Supremo.<br>
E, alegando, concluíu (fls. 97 e segs.):<br>
A) O douto Acórdão, ora recorrido, violou os preceitos legais, aplicáveis à hipótese, consignados nos arts. 93 n. 12 e 94 do Código da Propriedade Industrial;<br>
B) A marca sub judice é dotada de atributos indispensáveis de verdade e novidade, e sujeita de suficiente eficácia distintiva, afastando a cominação de confusão e indução em erro geradora de concorrência menos leal ou de qualquer outra;<br>
C) O juízo de aferição sobre a imitação da marca da recorrente não teve em devida conta a contextura global, mas deteve-se na dissecação dos elementos considerados isoladamente;<br>
D) A semelhança entre as expressões não é flagrante nem se pode considerar qualificada, como o exige o corpo do art. 94 do citado código e, por isso, face à eventual presença simultânea de produtos, por eles, designados, o público consumidor, mesmo o mais distraído ou menos atento, será, sem dúvida alguma, livremente determinado na sua escolha.<br>
A recorrente finaliza, pedindo que seja concedida revista, com as legais consequências.<br>
A interessada Fábrica de chocolates Regina, Lda. contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido<br>
(fls. 112 e segs.).<br>
O M.P. emitiu douto Parecer (fls. 124 e segs.).<br>
Foram colhidos vistos legais e, face às regras processuais, houve mudança de relator.<br>
II. Vem considerado assente o seguinte circunstancialismo (fls. 83 ): a) Nutrexpa, S.A., empresa espanhola, requereu em 25 de<br>
Outubro de 1979, o registo da marca 204.2213 - COLA CAO<br>
VIT; b) Tal registo da marca destinava-se a assinalar cacau e preparações à base de cacau; c) Por despacho proferido em 17.11.1989 e publicado no<br>
Boletim da Propriedade Industrial, em 31.5.1990, foi recusado tal registo, com fundamento de que a marca registada é susceptível da confundir-se com a marca nacional 127.526, VIT-A-CAU; d) É titular da marca 17.526, VIT-A-CAU; a sociedade<br>
Chocolates Rajá, Lda.; e) Esta marca destina-se a assinalar cacau vitaminado em pó.<br>
III. Esta problemática, que ora nos é presente, é das que evidencia a necessidade de urgente reformulação do sistema de recursos da lei portuguesa, viabilizando, a actual normatividade ( art. 209 do CP.I. ) que, durante anos, se arraste uma questão registral de marca ou matéria semelhante, através de 4 decisões, até ao<br>
Supremo Tribunal de Justiça, por mais evidente que seja e por mais harmónicas que vão sendo as decisões!<br>
Pese embora, naturalmente, todo o respeito que temos por qualquer opinião em contrário.<br>
Dir-se-à - e receamos que com razão - que estes pequenos apontamentos que vamos deixando em alguns acórdãos serão inúteis.<br>
Talvez.<br>
Mas, a nós, juizes, face visível da Justiça, como alguém já nos chamou, compete estar na 1. linha de quem, não deixando de cumprir a lei que vigora, procura que ela melhore, para que os cidadãos tenham<br>
Justiça se não melhor, mais pronta, sem esquecer - et pour cause - que a prontidão é, em rigor, elemento da qualidade da justiça.<br>
E vamos ao caso concreto.<br>
IV. Em causa, um problema de marcas: poder ou não poder ser feito o registo da marca COLA CAO VIT.<br>
Já houve 3 decisões negativas.<br>
E vai haver uma quarta.<br>
Diremos, tão brevemente quanto possível, porquê.<br>
V. A marca de um produto é um sinal distintivo do comércio e da indústria.<br>
Assim como a firma identifica o sujeito comercial, e o nome e (ou) a insígnia distinguem um estabelecimento, a marca só tem sentido enquanto distinção de um certo produto (v.g. Prof. Ferrer Correia, Lições de Direito<br>
Comercial, 1973, I, 312 e segs.).<br>
Isto significa que um comerciante (lato sensu, isto<br>
é, abrangendo situações, em maior rigor, de indústria) tem, em princípio, direito a atribuir uma marca, um sinal distintivo aos produtos que negoceia.<br>
Simplesmente, vivendo as pessoas umas com as outras e tendo, o Direito, como causa-final, a viabilização dessa convivência através de uma tanto quanto possível compatibilização de valores e de interesses, natural é que estipula umas tantas regras condicionantes do exercício do direito a uma marca.<br>
Entre outras características concretas, a marca deverá, assim, revestir-se de verdade e de novidade. E isto significa que não pode ser passível de induzir em erro, quer relativamente ao produto a que se destina, quer no concernente a outros que possam ser afins.<br>
VI. Esta indução em erro não pressupõe, necessariamente, uma cópia - dir-se-ia a papel químico ou fotocópia - de outra. Tal hipótese seria tão absurda<br>
(a marca exacta e completamente igual a outra anterior), que seria rejeitada pela mais elementar lei da boa razão.<br>
Portanto, imitar uma marca é um conceito jurídico que não pressupõe, necessariamente, uma cópia integral; mas, sim uma semelhança obtida através da globalidade da marca. E, tratando-se do pressuposto semelhança, essa perspectiva há-de ser obtida, na dita globalidade, tendo em particular atenção mais os pontos de convergência que os pormenores de divergência no fundo, mais as semelhanças, do que as dissemelhanças v.g.<br>
Acórdãos deste Supremo de 3.11.81 (BMJ 311, 401) e de<br>
16.7.76 (BMJ 259, 239).<br>
E, tudo isto, tendo em atenção a protecção da tanto quanto possível correcção do mercado, reconhecendo direitos ao titular ou candidato a titular de uma marca, mas sem esquecer os outros titulares de outras marcas relativas a produtos idênticos ou afins - protegendo, assim, uma salutar e leal concorrência; e, com particular relevância nos tempos de hoje, protegendo os consumidores, em ordem a evitar que possam cair em erro, sabendo, como é notório, que a publicidade entra em casa de qualquer cidadão, quer este queira ou não queira, seja pela televisão, essa caixinha que mudou o mundo, seja pelos outros meios de comunicação social, seja pela própria caixa do correio!<br>
VII. E esta protecção tem algumas tónicas que convém frisar.<br>
Por um lado, tem um significado ético a que os<br>
Tribunais têm de ser sensíveis.<br>
Outrossim, as regras limitadoras de marcas têm um cariz cautelar, preventivo. Ou seja, não vamos estar à espera que a casa arda para, depois, se chamar os bombeiros, ou seja, não vamos estar à espera que alguém se engane, para, só então, se dizer que tanto podia enganar, que enganou! Não, o temos de fazer é um juízo de potencialidade.<br>
E, só para referenciar alguns tópicos determinantes, a pessoa que temos de ter em vista como passível de ser induzido em erro é o consumidor comum dos dias de hoje, apressado as mais das vezes, sem tempo, nem possibilidade prática para hábeis distinções de pormenor. Ou seja, é óbvio que, para o pretendente à nova marca, esta não se confunde com outra, ainda que semelhante, isto é, ele sabe que se não trata, exactamente, do mesmo produto; também é de admitir que um técnico, de gestão ou, até, de Direito ou algo idêntico, possa distinguir certas marcas ainda que muito parecidas e de produtos afins; mas não são essas perspectivas que temos de considerar; a perspectiva determinante é, como se disse, a do consumidor comum, que vai ao supermercado ou a local semelhante, sem tempo, nem mentalizado para estar a fazer distinções subtis de marcas com acentuada semelhança: até pode pensar, se a tanto chegar, que o mesmo fabricante mudou um pouco da sua marca do mesmo produto (cfr. v.g.<br>
Acórdão deste Supremo de 3.7.80 - BMJ 299, 345).<br>
E isto é tanto assim que o art. 94 do C.P.I., normativo nuclear em toda esta problemática, nem exige que exista intenção dolosa para que uma marca seja considerada imitada e, como tal, não registável (ver art. 93 n. 12 do C.P.I.).<br>
VIII. A matéria da chamada concorrência desleal já exigira outros considerandos mas, estando directamente em causa uma questão de registo, as normas básicas a considerar são os ditos art. 93 n. 12 e 94 do CPI, a saber:<br>
Art. 93 n. 12:<br>
Será recusado o registo das marcas que contrariem o disposto nos arts. 76 a 79 e seus parágrafos ou que, em todos ou alguns dos seus elementos, contenham:<br>
12. Reprodução ou imitação total ou parcial de marca anteriormente registada pr outrém, para o mesmo produto ou produto semelhante, que possa induzir em erro ou confusão no mercado.<br>
Art. 94:<br>
Considera-se imitada ou usurpada no todo ou em parte a marca destinada a objectos ou produtos inscritos no reportório sob o mesmo número, ou sob números diferentes mas de afinidade manifesta, que tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.<br>
Daqui decorre que, tendo por base problemática de facto, isto é, factores de semelhança de duas marcas, se põe um problema de Direito, isto é, de situação imitativa, pressupondo: a) que as marcas se destinem a produtos efectivamente afins, inscritos, ou não, no reportório sob o mesmo número; b) que, pela sua semelhança gráfica, figurativa ou fonética, possa gerar-se confusão ou erro no consumidor comum (cfr., v.g., Acs. do S.T.J. de 13.2.70, in<br>
BMJ 194, 237 e de 27.3.79, in BMJ 285, 352).<br>
Postas estas ideias, sem as quais não seria viável o estudo do caso concreto, vejamo-lo, cingido às suas particularidades essenciais.<br>
IX. Conforme o circunstancialismo que a Relação de<br>
Lisboa trouxe até nós, existia a:<br>
-marca 127526 - VIT-A-CAU; e por isso, foi negado o registo da<br>
-marca 204213 - COLA-CAO-VIT.<br>
Aquela 1. marca destina-se a assinalar cacau vitaminado em pó. E a 2. destinar-se-ia a cacau e preparações à base de cacau.<br>
Por outro lado, em várias das suas passagens, o Acórdão ora sob recurso é explícito quanto ao reconhecimento da semelhança gráfica e sonora, "grande similitude", semelhança absoluta - cfr. fls. 85/85v. no concernente<br>
às duas referenciadas marcas.<br>
Tratando-se de produtos à base de cacau, reportam-se à mesma classe, a 30., da tabela n. 5 anexa ao DL 176/80, de 30 de Maio.<br>
Trata-se, assim, de produtos não só afins, como reportados sob o mesmo número.<br>
Outrossim e decisivamente, a carga gráfica e fonética da similitude decorrente das expressões nucleares CAU e<br>
CAO/VIT e VIT, sem que a ordem das expressões ou o U ou o O tenham significado suficientemente relevante, como o não tem a inserção de COLA em vez de A, é de tal ordem que, seguramente, a utilização, em mercado, de marcas tão semelhantes, em produtos da mesma classe, é considerável imitação, juridicamente e, pelo que vem apurado, passível de induzir em confusão ou erro o consumidor comum.<br>
Logo, a marca registada não se reveste, globalmente considerada, do atributo de novidade, indispensável ao registo questionado, nem viabiliza um normal juízo da distinção pelo consumidor comum.<br>
Consequentemente, censura não há que fazer à decisão da<br>
Relação de Lisboa, aqui e agora, sob recurso.<br>
X. Resumindo alguns pontos, para concluir:<br>
1) A marca é um sinal distintivo, devendo respeitar, entre outros princípios, os de verdade e de novidade.<br>
2) A imitação, antinómica do princípio da novidade, pressupõe semelhança fáctica decorrente da globalidade de marcas em presença, com particular incidência nos pontos de convergência.<br>
3) O regime sobre registo de marcas tem em vista proteger uma leal concorrência de mercado e, essencialmente, o direito do consumidor a saber, claramente, o que tem no mercado, em termos cautelares e preventivos.<br>
4) A pessoa cujos direitos e interesses está, nesta perspectiva, em causa, não é o perito mas, sim, o consumidor comum dos dias de hoje.<br>
5) A situação imitativa implica análise jurídica de fáctica semelhança, pressupondo: a) que as marcas se destinam a produtos afins, inscritos, ou não, no mesmo número do reportório ponderável; b) que, pela sua semelhança gráfica, figurativa ou fonética, possa gerar-se confusão ou erro no consumidor comum.<br>
6) Não é registável a marca COLA-CAO-VIT, face ao anterior registo da marca VIT-A-CAU, por não respeitar o princípio da novidade, tratando-se, num caso como noutro, de produtos à base de cacau, abrangíveis pelo mesmo número do reportório legal.<br>
XI. Donde, concluindo:<br>
Acorda-se em negar a revista.<br>
Custas pela Recorrente.<br>
LISBOA, 16 DE NOVEMBRO DE 1993.<br>
CARDONA FERREIRA,<br>
CORREIA DE SOUSA,<br>
MÁRIO CANCELA,<br>
SANTOS MONTEIRO,<br>
CARLOS DA SILVA CALDAS. (vencido).<br>
(Vencido pelas razões da declaração de voto que junto):<br>
DECLARAÇÃO DE VOTO:<br>
A questão de saber se a imitação de uma certa marca por outra, constitui matéria de facto, ou de direito tem suscitado larga discusão na jurisprudência deste<br>
Supremo Tribunal, tende-se formado-lhes correntes diversas.<br>
A primeira entendia para a imitação de marcas, é questão de facto da competência exclusiva das instâncias;<br>
A segunda tinha critério oposto dando ao Supremo competência para decidir se há ou não semelhança entre as marcas e para julgar a questão da imitação;<br>
A terceira corrente, a mais seguida, distingue dois aspectos: o de haver, ou não, semelhança entre as marcas em confronto, o que constitui questão de facto, e o de haver, ou não, imitação.<br>
Em presença das semelhanças, ou dissemelhanças verificadas, o que constitui matéria de direito.<br>
Perfilhamos esta ultima corrente intermédia pois entendemos que são as instâncias que devem fixar a matéria de facto consistente em, face a duas marcas, verificar se entre elas existem semelhanças e dissemelhanças.<br>
Resolvida esta questão preliminar avancemos pois, em busca da solução justa e legal, face aos preceitos do<br>
Cód. da Prop. Industrial que regem a matéria, dando como assente que entre a marcas registanda "Cola Cao<br>
Vit " e Vit - A - Cau, registada, existem semelhanças e dissemelhanças.<br>
Serão porém, as semelhanças entre essas marcas de tal forma relevantes que se possa concluir que a registanda imita a registada induzindo facilmente em erro ou confusão o consumidor, que não possa distinguir uma da outra?<br>
Dispõe o n. 12 do art.93 do Código referido que " será recusado o registo de marca que contrarie o disposto nos arts. 76 a 79 e seus paragrafos, ou que, em todos ou alguns dos seus elementos, contenham reprodução ou imitação total ou parcial de marca anteriormente registada por outrém, para o mesmo produto ou produto semelhante, que possa induzir em erro ou confusão no mercado ".<br>
Por sua vez, o art. 94, precisando melhor a imitação ou usurpação de marca, dispõe: " considera-se imitada ou usurpada no todo ou em parte a marca destinada a objectos ou produtos inscritos no reportório sob o mesmo número, ou sob números diferentes mas de afinidade manifesta, que tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto."<br>
A marca, como é sabido e resulta da lei destina-se a distinguir produtos da actividade económica de alguém - cfrt. 74 do C.P.I.<br>
Na sua composição vigora o princípio da liberdade, princípio este que tem limites e restrições<br>
Um dos limites à liberdade de composição de marca é o denominado princípio da especialidade ou da novidade, da maior relevância.<br>
A novidade da marca significa que esta não pode ser idêntica a outra anteriormente registada para produtos iguais ou afins.<br>
Daí o disposto nos arts. acima indicados, sendo certo que há que distinguir entre contrafacção e imitação.<br>
Na contrafacção existe uma cópia de outra marca, são idênticos os sinais distintivos de ambas. esta imitação, os sinais distintivos da nova marca, não são idênticos aos da marca já existente, existindo, apenas, uma semelhança que é susceptível de criar confusão capaz de a fazer aceitar como sendo a marca que já era conhecida.<br>
Tem-se entendido ser das semelhanças mais do que das diferenças do conjunto dos elementos que constituem duas marcas, que se pode extrair a conclusão de que existe confusão entre ambas, de que uma imita a outra.<br>
Não basta, porém, atender às semelhanças, nem a quaisquer semelhanças, para se poder concluir que uma das marcas - a registanda - imita a outra já existente, registada.<br>
É necessário olhar ao conjunto dos elementos das marcas para verificar se existe imitação que possa induzir em erro ou confusão o consumidor.<br>
Atende-se no art. 94; considera-se imitada uma marca desde que ela temha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que...<br>
Induza facilmente em erro ou conmfusão o consumidor...<br>
Não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto.<br>
Como se vê, ao escrever-se tal semelhança pretendeu-se bem vincar que não é qualquer semelhança entre marcas que leva a poder dizer-se que uma imita a outra.<br>
A semelhança deve ser evidente, de tal modo que possa induzir em erro o consumidor, com facilidade.<br>
O erro ou confusão devem, ainda fazer com que o consumidor só possa distinguir as duas marcas desde que as examine com atenção ou as confronte uma com a outra.<br>
A norma do art. 94 existe em defesa do consumidor, mais do que em defesa do titular da marca mais antiga.<br>
Esse consumidor de que fala a lei é o consumidor vulgar, comum. aquele que entre numa loja, ou supra, ou hipermercado com a intenção de comprar determinados produtos.<br>
Muitas vezes, o consumidor procura determinadas marcas de produtos.<br>
Muitas outras, não olha a marca, antes atendendo ao preço relativo das marcas dos produtos que pretende comprar, se decide na escolha dos mesmos.<br>
O consumidor que procura um produto de determinada marca, dificilmente irá comprar o mesmo, de outra marca, que tem semelhanças com aquela da sua preferência, por ter feito confusão entre ambas.<br>
Só se uma marca for tão semelhante a outra gráfica, figurativa ou foneticamente, o consumidor se confunde ou se engana.<br>
Felizmente, e cada vez mais, as pessoas são esclarecidas e sabem o que querem.<br>
Neste contexto, que é bem diferente do que existia à data da publicação do Cód. da Prop. Industrial - 1940 - se tem de decidir se, a marca " Cola-Cao-Vit ", cujo registo foi recusado, por ela se confundir com a marca registada Vit-A-Cau, de facto, se confunde com esta.<br>
É certo, como se afirmou nas instâncias, que existe, na marca registada a palavra, ou melhor abreviatura Vit que existe na marca Vit-A-Cau.<br>
Certo, também, que existe grande similitude entre o vocábulo Cao da marca registanda e a palavra Cau da marca anteriormente registada.<br>
Foneticamente esses elementos "Cao" e "Cau" e "vit" são são de uma semelhança absoluta.<br>
Contudo há que atender ao conjunto dos elementos que compõem as duas marcas não ficando pela mera dissecação daqueles.<br>
No conjunto dos elementos da marca registanda o que ressalta, fonetica e graficamente, é "Cola Cao".<br>
A "Vit" quase se pronuncia surdamente.<br>
Na marca registada, pelo contrário, o que ressalta é<br>
Vit.<br>
Vê-se de fls. 22 que a recorrente já tem a marca Cola<br>
Cau, registada a seu favor.<br>
A junção de Vit, abreviatura de vitaminado, (como se vê em muitos produtos alimenticios à venda) pretende induzir o consumidor a comprar algo que, além de do mais, também tem vitaminas. Por vezes é apenas, um engodo, mas isso não tem agora interesse estar a questionar...<br>
Só por si "Vit" nunca poderia ser uma marca pois que serve apenas, para nos esclarecer que o produto tem determinada qualidade. (ver art. 79 e 91 do C.P.I.).<br>
A marca registada destina-se,também a assinalar produtos da classe 30: Cacau e preparações á base de cacau.<br>
São produtos, de uma e outra marca, que se destinam normalmente, a ser misturados com leite e que são tomados ao pequeno almoço, ou noutras refeições ligeiras.<br>
Os consumidores finais desses produtos são, em grande parte, crianças e jovens, que têm os seus gostos bem apurados e que, em muitos casos, escolhem as marcas, têm preferências e não se deixam enganar.<br>
E são eles que, como é do conhecimento geral, quase sempre acompanham os pais nas visitas às "catedrais" do consumismo que são os hipermercados e supermercados.<br>
Será que alguns dos potenciais consumidores dos produtos para dissolver no leite, se irá confundir ou enganar, comprando uma embalagem com a marca Cola -<br>
Cao - Vit, quando queria comprar Vit - A - Cau?.<br>
Serão as semelhanças gráficas e fonéticas das duas marcas tão relevantes que possam, com facilidade, induzir em erro ou confusão o consumidor normal (do nosso tempo, de tal forma que ele não distinga uma da outra, se não fizer atento exame ou as confrontar?.<br>
A resposta às interrogações tem, por força de ser negativa.<br>
As semelhanças não levam a que, facilmente, qualquer um se engane trocando uma marca por outra.<br>
Nenhuma pessoa ira comprar pois, Cola Cao Vit julgando estar a comprar Vit - A - Cau.<br>
E o inverso também é verdadeiro: Ninguém comprará Vit-<br>
A-Cau, querendo comprar Cola - Cau - Vit.<br>
Há, pois que concluir que, embora haja semelhanças entre a marca Cola - Cao - Vit e a marca Vit - A<br>
- Cau, tais semelhanças não permitem, face ao disposto no art. 94 do Cód. da Prop. Industrial, que se possa concluir que aquela marca imita esta.<br>
As semelhanças existentes, na verdade, não têm virtualidade para poder induzir em erro ou confusão o consumidor normal do nosso tempo.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mTL5u4YBgYBz1XKvz2hy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
I- Da Tramitação Processual<br>
A, propôs acção ordinária contra B, C, e D, pedindo seja declarada a ineficácia da venda que os primeiros Réus fizeram à segunda Ré do prédio urbano sito em Vale Cavala,<br>
Charneca da Caparica, na medida do necessário à satisfação do seu crédito para com os primeiros Réus.<br>
Alega que é credor dos primeiros Réus da quantia de 22453444 escudos e cinquenta centavos, por financiamentos vários concedidos a Niporpeças, titulada por livranças que eles subscreveram.<br>
Os mesmos Réus venderam à segunda Ré, sua familiar, o referido prédio com o intuito de prejudicarem o Autor, agindo todos de má fé, plenamente conscientes do prejuízo que a venda causava ao Autor.<br>
Contestaram os dois primeiros Réus alegando que a Ré mulher apenas subscreveu os títulos por lhe ter sido pedido pelo marido; que o Autor não concedeu os financiamentos em função do património dos Réus, mas sim em função da actividade comercial da sociedade; que o Réu marido ainda é titular das quotas da sociedade; e que, sendo o preço fixado para a casa em função de dívidas que tinham para com a segunda Ré, nunca houve qualquer intenção de prejudicarem o Autor.<br>
Por sua vez a Ré D contestou alegando que os primeiros Réus tinham uma vida desafogada, ignorando que tivessem dívidas para com a Autor; que viveu fora do país; e que é apenas tia deles por afinidade, embora, não obstante a dissolução do seu casamento, tenha continuado a manter uma relação de grande amizade com C.<br>
A acção prosseguiu seus termos e veio a ser julgada procedente.<br>
Apelaram os primeiros Réus com êxito, pois viram a acção ser julgada improcedente.<br>
II - Do Recurso<br>
1 - Das Conclusões:<br>
Inconformado, recorreu o Autor para este Supremo Tribunal, concluindo, deste modo, as suas alegações: a- O Acórdão recorrido é nulo, porquanto não se pronunciou sobre matéria que deveria ter apreciado. b- Com efeito, os recorrentes B e mulher contestaram a acção separadamente da ré D. c- No Acórdão recorrido, foram vencidos em todos os fundamentos que invocaram quanto ao seu comportamento no negócio jurídico em causa. d- Só obtiveram vencimento no fundamento que invocaram quanto ao comportamento da D no mesmo negócio, mas a D não recorreu. e- Antes aceitou o comportamento (má-fé) que se lhe imputou na sentença recorrida. f- Ora, a condenação tirada da sentença só atinge a D, porquanto a venda não é anulada e o imóvel será penhorado e vendido como direito exclusivo do Banco credor, para pagamento do seu crédito e até às suas forças. g- Nem tal facto dá à D direito de regresso contra os Apelantes, pois não pode invocar vícios para que contribuiu decisivamente. h- Os recorrentes não podem obter ganho de causa fundados em fundamentos que são só invocáveis pela parte a quem são desfavoráveis. i- A inércia da D retirou aos recorrentes legitimidade para ver reconhecida a boa fé daquela e obter ganho de causa que a eles não aproveita. j- Nem podem invocar litisconsórcio necessário pois a lei não exige concertação entre as partes para o prejuízo do credor mas apenas a consciência individual desse prejuízo. l- O ora recorrente invocou esta questão na Apelação. m- Ao omitir apreciação desta questão o Acórdão recorrido está ferido de nulidade. n- Ao apreciar matéria de que não podia - fundamento só invocável por parte que não recorreu - o Acórdão recorrido está ferido de nulidade. o- O Acórdão fez errada interpretação da lei substantiva e adjectiva. p- O vazio ou a indeterminação resultante das respostas do Tribunal Colectivo ao questionário podem ser supridas pelo Juiz que julgar de direito, nomeadamente por meio de presunções judiciais. q- Tal não invade a competência do Tribunal Colectivo, pois, situa-se na competência do julgador de Direito. r- As presunções judiciais não constituem meios de prova mas "representam processos mentais do julgador para a descoberta dos factos, numa verdadeira dedução decorrente dos factos provados". s- A resposta de "não provado" não impõe que se julgue que foi provado o contrário. t- Os autos contêm os elementos suficientes para sustentar a convicção do julgador de que o preço da venda do imóvel<br>
é baixo e que a D tinha consciência do prejuízo que a celebração da escritura pública de compra e venda em causa constituiria prejuízo para o ora recorrente. u- O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos<br>
659 a 665, 668, 680, 683, 684, n. 2, e 713, do CPC, quanto<br>
à nulidade. v- E quanto a errada aplicação da lei foram violados os artigos 349 e 351 e 612 do C.Civil e artigos 653 e 659 (nomeadamente o seu n. 3) do CPC. z- Deve ser declarado nulo o Acórdão recorrido ou, se assim se não entender, julgado improcedente e rejeitado, mantendo-se o decidido na 1. instância.<br>
Os Réus B e mulher pugnam pela confirmação do decidido.<br>
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.<br>
2- Dos Factos Provados<br>
B e C casaram, um com o outro, a 10 de Julho de 1974.<br>
E e F são avós paternos de C.<br>
G, filho dos avós paternos de C, e D casaram, um com o outro, a 3 de Abril de 1954, casamento esse dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado a 13 de Dezembro de 1984.<br>
Por escritura pública celebrada em 10 de Agosto de 1993, no Cartório Notarial de Almada, B e C venderam a D, pelo preço declarado de 3000000 escudos, livre de ónus ou encargos, o prédio urbano sito em Vale de Cavala, Charneca da Caparica, Concelho de Almada, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 820 e descrito na 1. Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n. 17.443, do Livro B-49.<br>
A aquisição, por compra a B e mulher, do prédio que antecede, com o valor patrimonial de 117638 escudos, mostra-se inscrita no registo predial a favor de D desde<br>
22 de Setembro de 1993.<br>
Os Réus B e C apuseram a sua assinatura sob a expressão "bom por aval à subscritora" nas livranças de folhas 10 e<br>
14, no valor de 10857527 escudos e 50 centavos e 6918403 escudos, vencidas em 17 de Novembro de 1993 e 15 de Julho de 1993, respectivamente, e subscritas por Niporpeças - Import. Com. Mat. Auto, Lda., respectivamente em 10 de Março de 1993 e 18 de Junho de 1993 e de que o Banco autor<br>
é "tomador".<br>
Tais livranças não foram pagas.<br>
Com o acto referido, os Réus B e C tinham, consciência de que ficavam sem quaisquer bens através dos quais o banco Autor pudesse obter satisfação do seu crédito.<br>
A Ré D decidiu comprar o prédio urbano em causa por alguns amigos lhe dizerem que era bom negócio para investimento.<br>
3- Das Questões a Decidir:<br>
O recorrente argui excesso de pronúncia e a nulidade do Acórdão por ter invocado nas alegações para a Relação, que diz esta não ter considerado nessa parte, que D não tinha recorrido, o que lhe retirava legitimidade para ver reconhecida a sua boa fé e obter ganho de causa, e que isso não podia aproveitar aos ora recorridos.<br>
Pretende, ainda, que prevaleçam as presunções judiciais de que se socorrera o Mmo. Juiz da 1. instância.<br>
Vejamos, por isso, se o Acórdão é nulo, por excesso de pronúncia e se são de considerar as presunções judiciais.<br>
4- Da Impugnação Pauliana<br>
A impugnação pauliana é um meio facultado ao credor para atacar actos - válidos ou nulos - celebrados pelo seu devedor com a finalidade de o prejudicar.<br>
Esses actos - onerosos ou gratuitos -, nos termos do artigo 610 do C.Civil, não devem ser de natureza pessoal, embora possam ter reflexos no património do devedor, como o casamento ou o divórcio, mas têm de envolver diminuição da garantia patrimonial do crédito, quer se traduzam num aumento do passivo quer na redução do activo do património do devedor.<br>
A impugnação pressupõe nos termos do preceito acima referido e, ainda, do artigo 612, a verificação simultânea das seguintes circunstâncias:<br>
- ser o crédito anterior ao acto a impugnar ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;<br>
- resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade;<br>
- que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé, ou seja, que ambos tenham agido com consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, se o acto for a título oneroso, pois, se for a título gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.<br>
Portanto, em princípio, o crédito tem de ser anterior ao acto, podendo ser, também, posterior se se tratar daquilo a que alguns autores, no dizer do Prof. Antunes Varela,<br>
Das Obrigações em Geral, II, 450, designam por fraude preordenada, como quando o devedor, para obter o crédito, faz dolosamente crer ao credor que certos bens por ele alienados ou onerados ainda pertencem ao seu património, como bens livres de quaisquer encargos.<br>
Depois deve resultar do acto a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou se essa impossibilidade se agravar como, no dizer do Prof.<br>
Vaz Serra, Responsabilidade Patrimonial, Bol. 75, 199, quando outros bens são de impossível, difícil ou dispendiosa execução, ao contrário dos alienados, de modo a tornar-se praticamente impossível a sua execução.<br>
Por último, e no caso de o acto celebrado ter sido a título oneroso, que quer o alienante quer o terceiro, mas ambos em conjunto, tenham agido com consciência do prejuízo que o acto causa ao credor. O que é necessário é que tenham consciência desse prejuízo, embora o acto celebrado não tenha por finalidade directa prejudicar o credor.<br>
Do artigo 611 resulta a repartição do ónus da prova na acção pauliana: ao credor incumbe a prova do montante das dívidas, ou seja, de todo o passivo do devedor e não só do seu crédito; ou devedor ou ao terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor, isto é, que à data do acto era possível a satisfação integral do crédito do autor.<br>
O A, quando instaura a acção pauliana, constitutiva, com vista a modificar a relação jurídica estabelecida entre alienante e o terceiro adquirente, deve pedir, em relação a estes, a impugnabilidade do acto que transmitiu os bens,<br>
(sendo a impugnabilidade uma causa da ineficácia), na medida do necessário para satisfação do seu crédito - cfr.<br>
Ac. do STJ de 17 de Junho de 1988, Col. Jur. STJ VI, 2,<br>
127.<br>
Julgada procedente a impugnação, o acto impugnado mantém-se válido e eficaz, cedendo unicamente na parte em que os bens transmitidos respondem pelas dívidas do alienante, estabelecendo o artigo 616, do C.Civil que o credor apenas tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.<br>
Como notam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela,<br>
C.Civil Anotado, I, 4 ed., 634, a restituição efectiva dos bens ao alienante não tem, pois, interesse, na generalidade dos casos. Mas pode tê-lo, se a execução ainda não é possível ou se há falência ou insolvência, caso em que os bens revertem para a massa falida (cfr. artigo 1203 do CPC; hoje, artigo 159 do C. dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência).<br>
5- Das Partes na Acção de Impugnação Pauliana<br>
Escrevem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, op. e loc. cit., que a impugnação pauliana só é exercitável pela via judiciária, como facilmente se compreende, aliás, quer pela repercussão dos seus efeitos no património do devedor e do adquirente, quer pelo seu interesse para os demais credores do devedor e do terceiro adquirente. Tanto pode ser exercida por meio de acção, como por via de excepção, podendo o devedor (ou terceiro) obstar ao seu prosseguimento, mediante a satisfação do direito do credor lesado.<br>
Nesta acção, acção pessoal com escopo indemnizatório - Prof. Henrique Mesquita, Rev. Leg. Jur. 128, 224 -, vai-se discutir um direito nascido de um facto ilícito praticado por devedor e alienante, numa comparticipação necessária, facto ilícito de que deriva o próprio exercício da acção, podendo advir para ambos consequências danosas: para o terceiro adquirente ver os bens que adquiriu serem restituídos ao credor, na medida do interesse deste; para o alienante, se o acto impugnado for de natureza gratuita, ser responsabilizado perante o adquirente nos termos do disposto em matéria de doações; sendo o acto oneroso, ver o adquirente exigir-lhe aquilo com que enriqueceu, e, em ambos os casos, ver o alienante pedir-lhe indemnização a que tenha direito. De qualquer modo, os direitos que o terceiro adquira contra o devedor não prejudicam a satisfação dos direitos do credor sobre os bens que são objecto da restituição (artigo 617 do CC).<br>
Assim sendo, na acção de impugnação pauliana é necessária a presença, pelo lado activo, do credor prejudicado, porque o acto impugnado, embora não afectando os seus direitos atinge a sua consistência prática, a utilidade que deles deriva, o interesse que protegem - cfr. Prof.<br>
Manuel de Andrade, A Legitimidade nas Acções Anulatórias,<br>
Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, X 612.<br>
Pelo lado passivo é indispensável a intervenção do alienante, que pode alegar factos que demonstrem que não agiu de má fé e que conduzam à improcedência da acção e, consequentemente, da responsabilidade que lhe pode ser assacada. Não se pode proceder a julgamento de uma causa em que se imputa um facto a uma pessoa, sem que ela necessariamente seja chamada a defender-se.<br>
É, também, necessária a presença do terceiro adquirente, que tem a coisa alienada na sua esfera patrimonial, e a quem é imputada má fé ao outorgar no acto impugnado.<br>
A intervenção dos três é necessária, como salvaguarda do princípio do contraditório, e para que a decisão possa definir com força de caso julgado a relação controvertida, tal como é configurada pelo A - artigo 26 do CPC - pois, um e outros, têm interesse directo em demandar e interesse directo em contradizer, sendo a falta de qualquer deles motivo de ilegitimidade dos restantes (artigos 610 e 612 do C.Civil). Se o alienante não intervier a decisão a proferir não tem força de caso julgado quanto a ele.<br>
Desta opinião é o Prof. Antunes Varela, Rev. Leg. Jur.,<br>
126, 370, quando diz que na impugnação pauliana, (pelo facto da relação controvertida envolver três sujeitos), a acção deve ser proposta, sob pena de ilegitimidade, tanto contra o devedor, como contra o terceiro interessado na manutenção do acto, porque, apesar de a pretensão poder causar prejuízo apenas a este terceiro quando o acto for gratuito, a relação controvertida, pelos diversos aspectos que envolve, diz respeito aos três sujeitos: ao devedor e ao terceiro interessado na validade do acto, quanto ao acto de diminuição da garantia patrimonial do crédito; ao credor (impugnante) e ao devedor, quanto à relação de crédito cuja garantia patrimonial se pretende acautelar.<br>
E no Manual de Processo Civil, de colaboração com os Drs. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2 ed., 137, afirma que nos casos de impugnação pauliana sujeitos da relação controvertida são o titular do direito, como autor, de um lado, e os sujeitos do estado de sujeição corresponde<br>
(ou sejam, o alienante e o adquirente) como réus, do outro lado; e a fols. 157, que na impugnação pauliana (artigo<br>
610 do C.Civil), bem como na generalidade de casos em que o titular duma relação conexa com outra pretende, ao abrigo da lei, interferir nesta, a legitimidade do autor, ligada à titularidade do direito potestativo, depende da prova do crédito e da sua anterioridade; a legitimidade passiva, conexionada por seu turno com a titularidade do estado de sujeição e do acto impugnado, consiste em serem os réus o devedor (alienante) e o terceiro adquirente.<br>
Adianta-se que, em sentido contrário, decidiu o Acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Dezembro de 1991, Bol.<br>
412, 406.<br>
6- Do Excesso de Pronúncia<br>
Nas alegações para a Relação o então apelado, ora recorrente, além de aduzir que "D não interpôs recurso da sentença em causa, com ela se tendo confirmado, aceitando, portanto, o juízo feito sobre o seu envolvimento no enredo antes denunciado", acrescentou que "na verdade, quer o objecto do recurso, quer o elenco das conclusões apontam apenas para a reapreciação do comportamento da Ré não recorrente e é daqui que pretendem ganho de causa".<br>
Pediu a confirmação da sentença recorrida.<br>
Não suscitou, pois, qualquer questão que necessitasse de expressa pronúncia da Relação. No entanto, a sua afirmação já poderia fazer incorrer o Acórdão em excesso de pronúncia, por não ser respeitado caso julgado, a existir.<br>
Mas não existe.<br>
Com efeito, verificámos que os Réus estão ligados por um vínculo de litisconsórcio necessário.<br>
Assim sendo, e considerando que no artigo 29 do CPC se diz que no caso de litisconsórcio necessário há uma única acção com pluralidade de sujeitos, tem de se entender que o recurso interposto por um dos litisconsortes aproveita aos outros.<br>
De onde se concluirá que inexiste qualquer nulidade por excesso de pronúncia, já que o Acórdão recorrido podia conhecer de toda a sentença por os efeitos do recurso se estenderem a todos os co-interessados.<br>
7- Das Presunções Judiciais<br>
O Acórdão da Relação concluiu que, tendo sido dado como não provado o quesito 3. - onde se perguntava se D tinha conhecimento da subscrição das livranças por parte dos co-Réus e de que não tinham sido pagas -, e atenta a resposta ao quesito 4., onde se deu como não provado que D tivesse consciência de que, com a venda, os Réus B e C ficavam sem quaisquer bens através dos quais o Banco A pudesse obter satisfação do seu crédito -, não podia ter o Mmo. Juiz alterado as respostas com base em presunção judicial.<br>
Se, como se diz no Ac. deste Supremo Tribunal de 9 de Março de 1995, Bol. 445, 423, as Relações têm poder, nos termos dos arts. 659 n. 3, segmento final, e 713 n. 2, do CPC, e nos quadros do recurso de apelação, para extrair do quadro fáctico inicialmente apurado as correspondentes presunções judiciais, já o mesmo se não passa com o STJ, que, no domínio do recurso de revista, não goza de similar competência (artigos 721 n. 2, 722 n. 2 e 729 n. 2, do C.P.Civil). Como assim não pode o STJ substituir-se aqui à Relação recorrida e conclusivamente afirmar que, face aos factos apurados outro deveria ter sido o facto a deles deduzir.<br>
Acresce que os eventuais juízos de valor que se pretendem extrair dos factos dados como provados haviam-se de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum, não apelando essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador - cfr. Prof. Antunes Varela, Rev. Leg. Jur. 122, 220 - pelo que a última palavra sobre tal questão compete à Relação.<br>
8- Da Decisão<br>
Acorda-se em se negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 25 de Maio de 1999.<br>
Aragão Seia,<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mTLVu4YBgYBz1XKvS0Yn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"AA" propôs acção ordinária contra a Empresa-A, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a indemnização de 6.388.421$00, acrescida de juros de mora à taxa anual de 15%, desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<font>Alegou que, por negligência dos empregados da ré, esta, contratando com terceiros desconhecidos que haviam furtado o bilhete de identidade do autor, abriu uma conta em nome deste, e que, tendo ulteriormente sido emitidos cheques sem cobertura sobre aquela conta, foi submetido a julgamento em processos crime, nos quais foi absolvido volvidos vários anos, tendo sofrido os danos patrimoniais e não patrimoniais que discriminou como totalizando o capital peticionado.</font><br>
<font>A acção foi julgada parcialmente procedente na 1ª instância, com a condenação da R. a pagar ao A. a quantia de 16.900 euros (14.963 pelos danos morais, e 1.937 pelos danos patrimoniais), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. </font><br>
<font>A R. apelou para a Relação do Porto, que, todavia, confirmou a sentença.</font><br>
<font>Novamente inconformada, recorre agora a R. de revista, tirando as seguintes</font><br>
<br>
<font>Conclusões:</font><br>
<font>1ª - Mesmo que se admita que os seus funcionários actuaram com menor diligência no acto de abertura da conta bancária, sempre o seu grau de culpa terá que ser doseado pelas circunstâncias em concreto verificadas, com relevância para a habilidosa utilização do bilhete de identidade extraviado ou furtado;</font><br>
<font>2ª - Com a sua conduta desleixada e irresponsável, a todos os títulos censurável, o A. concorreu de forma decisiva para a produção dos danos de que foi vítima, incorrendo na previsão do artº 570º do C. Civil; </font><br>
<font>3ª - Conditio sine qua non para a produção dos danos, e a sua causa imediata, foi a falsificação e emissão dos cheques sem provisão, factos que não foram praticados pela R. mas por terceiro, sendo a R., como o A., vítima dos actos criminosos por aquele perpetrados, dos quais também saiu lesada;</font><br>
<font>4ª - Os danos sofridos pelo A., mormente os danos morais, foram imputados ao seu envolvimento nos processos crime, originados pela emissão de cheques sem provisão; </font><br>
<font>5ª - Não é aceitável a tese do A., sufragada pelas instâncias, de que os interrogatórios, testes e perícias a que foi submetido, pudessem provocar, a quem sabe estar inocente, tão elevados danos morais como os que foram atendidos; </font><br>
<font>6ª - Se alguma responsabilidade pelos danos padecidos pelo A. puder ser imputada à R., sempre se terá que entrar em linha de conta com a concorrência de culpa do A. (artº 570º CC), com a limitação da indemnização em face do reduzido grau de culpa da R. (artº 494º CC) e com o facto de apenas se dever atender aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artº 496º CC) e que inequivocamente resultem do facto ilícito e culposo da R. (artº 483º CC);</font><br>
<font>7ª - Tendo em conta tudo isso e ainda que a indemnização foi reportada há mais de 10 anos (citação em 9.5.1995, data a partir da qual foram fixados juros de mora) e a natureza dos danos invocados (não se trata de danos ou deficiências físicas irreversíveis, ou de incapacidade permanente ou redução da capacidade para o trabalho), o montante da indemnização por danos não patrimoniais, fixado em 14.963,00 euros, é exagerado, desproporcionado e injusto; </font><br>
<font>8ª - O acórdão recorrido, ao manter a decisão da 1ª instância, violou os artºs 494º, 496º, 566º, nº 3 e 570º do C. Civil;</font><br>
<font>Devendo a R. ser absolvida do pedido,</font><br>
<font>Ou, se assim se não entender, ser fixado o valor da indemnização em valor substancialmente inferior e simbólico, que leve em conta a concorrência de culpa do A., o reduzido grau de culpa da R. (artºs 570º e 494º do CC), a natureza dos danos e a concorrência dos factores não imputáveis à R. para a sua produção (falsificação e emissão dos cheques sem provisão), </font><br>
<font>E se assim se não julgar, deve a indemnização fixada na 1ª instância considerar-se actualizada à data da sentença, com os juros de mora a contar apenas da notificação da referida decisão. </font><br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<font>Corridos os vistos, urge decidir.</font><br>
<font>A acção foi proposta em 31.3.1995.</font><br>
<font>Porém, segundo o disposto no artº 25º, nº 1 do DL 329-A/95, de 12/12, o Código de Processo Civil revisto e entrado em vigor em 1.1.1997 aplica-se aos recursos interpostos de decisões proferidas nos processos pendentes após a entrada em vigor daquele diploma.</font><br>
<font>Daí que seja aplicável in casu a lei adjectiva com as alterações introduzidas por aquele diploma (e pelo DL 180/96, de 25/9). </font><br>
<font>Assim, por não ter sido impugnada, nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto tida como provada no acórdão recorrido, para ela se remete nos termos do artº 713º, nº 6, ex vi artº 726º do CPC.</font><br>
<font>Sopesados esses factos à luz do direito aplicável, afigura-se que a decisão da Relação e respectiva fundamentação não merecem a censura que lhes vem dirigida, nem qualquer outra que cumpra oficiosamente fazer.</font><br>
<font>Será por isso negada a final a revista, com remissão para a fundamentação do acórdão em crise, ao abrigo do artº 713º, nº 5, por força do artº 726º do CPC.</font><br>
<font>Antes disso, porém não se deixarão de rebater, ainda que sumariamente, as teses da recorrente.</font><br>
<font>Assim, não se vislumbra como atribuir qualquer parcela de culpa ao A., que não teve qualquer intervenção na abertura da conta, a qual teve lugar sem o seu consentimento.</font><br>
<font>Por outro lado, os empregados da R. agiram com culpa, e não apenas com culpa mitigada como se pretende fazer crer no conclusório da revista.</font><br>
<font>Na verdade, na altura da abertura da conta bancária em nome do A., não fizeram uma observação cuidada do bilhete de identidade deste, não reparando em que a assinatura da ficha bancária se não assemelhava à constante do B.I..</font><br>
<font>E se é certo que quem emitiu os cheques sem provisão foi um terceiro desconhecido, a verdade é que tal só foi possível devido à negligência dos empregados da R. aquando da abertura da conta em nome do A. e do contrato de convenção de cheque - artº 3º da LUCH (isto é, da requisição pelo terceiro desconhecido, e entrega, da respectiva caderneta de cheques).</font><br>
<font>Ora, havendo concurso de causas adequadas subsequentes, qualquer dos agentes é responsável pela reparação de todos os danos, podendo o lesado exigir de qualquer dos responsáveis (que ulteriormente poderá porventura exercer o direito de regresso) o pagamento integral da indemnização (artºs 490º, 497º, nº 1 e 512º, nº 1 do CC).</font><br>
<font>Ademais, a intensidade e a longa duração dos danos não patrimoniais padecidos pelo demandante justificam cabalmente o montante compensatório arbitrado àquele título. </font><br>
<font>É que, o A., jovem adulto que nunca tinha estado a contas com a justiça e era bem conceituado entre os seus familiares, amigos e professores, bom estudante, saudável, levando uma vida social e escolar regrada, foi submetido ao longo de 4 anos a repetidos testes de caligrafia e inúmeros interrogatórios, tendo ao longo dos processos crime - em que acabou por ser julgado e absolvido - estado sempre sujeito a permanente angústia e perante a possibilidade de uma condenação a penas de prisão que poderiam atingir os 10 anos, levando a que sentisse grande vergonha e angústia, visse o seu rendimento escolar diminuir e se afastasse do seu grupo de amigos e familiares, ao ver o seu bom nome e reputação publicamente afectados, o que tudo lhe causou uma depressão nervosa prolongada, que culminou na formação de uma úlcera no estômago, de origem nervosa, que o afecta à presente data e ocasiona dores físicas. </font><br>
<font>Tendo o A. sofrido tão intensos e duradouros danos, não repugna aceitar como equitativa a compensação monetária fixada pelas instâncias e reportada à data da citação (9.5.1995), até porque, como salienta Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 385, 2ª nota de roda-pé), a reparação dos danos morais não reveste puro carácter indemnizatório, revestindo também, de certo modo, carácter punitivo, uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante (que é notoriamente muito boa) e do lesado (estudante à data da ocorrência).</font><br>
<font>E tendo o quantum indemnizatur sido avaliado à data da citação, não tendo por conseguinte sido actualizado à data da sentença, os juros de mora são devidos desde a data da citação, sendo inaplicável o acórdão uniformizador nº 4/2002 (publicado no Diário da República IS - A Série, de 27/6), segundo o qual, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.</font><br>
<font>Tudo visto e ponderado, acordam em </font><b><font>negar a revista,</font></b><font> remetendo para a mais aprofundada fundamentação do acórdão recorrido, com a qual se concorda, nos termos do artº 713, nº 5, ex vi artº 726º do CPC, condenando a recorrente nas custas. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 13 de Dezembro de 2005</font><br>
<font>Faria Antunes. (Relator)</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
IDITvIYBgYBz1XKv44yX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1. O Estado, representado pelo Ministério Público, propôs acção de condenação com processo ordinário na Comarca de Lisboa contra Transcor-Transoceânica, Lda., com sede na Rua Duque de Palmela, 27 - 3. Drt., em Lisboa, e Corticeira do Fidalgo, Lda., com sede na<br>
Rua do Mercado, n. 15 - 1. Drt., em Santiago do Cacém, pedindo a condenação das Rés a cumprirem a obrigação de pagamento do preço da cortiça que adquiriram mediante o contrato de compra e venda, celebrado em 31 de Maio de 1977 com a Cooperativa Agrícola 5 de Outubro, com sede em Alcaçovas, no montante de 2498210 escudos, e a pagarem juros de mora sobre esta quantia, à taxa legal, desde a citação até liquidação integral.<br>
Fundamentando o pedido, o Autor alegou que as Rés e a Cooperativa celebraram o dito contrato mediante o qual compraram 10456 arrobas de cortiça relativa<br>
à campanha de 1977 e proveniente da Herdade da Água Doce, em Alcáçovas, Viana do Alentejo, expropriada pela Portaria n. 579/75, de 24 de Setembro.<br>
O contrato estava sujeito ao regime definido no Decreto-Lei n. 260/77, de 21 de Junho, e, por isso, estavam as Rés obrigadas a depositarem na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Instituto dos Produtos Florestais - I.P.F. -, a totalidade do preço da cortiça comprada mediante tal contrato, o que nunca fizeram.<br>
A cortiça era proriedade do Estado, tendo a dita Cooperativa agido, na outorga do contrato, em nome e no interesse deste. E a intervenção do I.P.F., enquanto organismo à ordem do qual o preço devia ser depositado, foi também o de mero intermediário do Estado, agindo em nome e no interesse deste.<br>
Porém, se se entendesse, o que se rejeita, que o I.P.F. era o titular originário do direito ao recebimento do preço, então o Estado teria adquirido esse direito por via sucessória, visto que esse Instituto se extinguiu.<br>
As Rés contestaram alegando terem sido cumpridas as formalidades legais impostas pelos diplomas vigentes<br>
à data da celebração do contrato - Decretos-Leis ns. 407/75, de 30 de Junho, e 521/76, de 5 de Julho. O contrato foi registado no I.P.F., havendo este entregue às Rés as autorizações que, a coberto da lei, lhes permitiram levantar a cortiça comprada e paga conforme recibos juntos aos autos. Mesmo admitindo, sem conceder, que houvessem incorrido em responsabilidade civil, contratual ou extra-contratual, mesmo assim o direito do Estado prescreveu, decorridos que foram três anos, sobre o levantamento da cortiça - ocorrido entre 2 e 12 de Agosto de 1978 - ou sobre o não pagamento ao Estado nas datas contratualmente estabelecidas - 25 de Agosto de 1977. Concluíram pedindo a sua absolvição.<br>
O Autor replicou no sentido da improcedência da excepção de prescrição.<br>
2. As Rés foram absolvidas no saneador-sentença por aí se entender que era caso de responsabilidade extracontratual e, sendo assim, se mostrar prescrito o direito do autor.<br>
A Relação, todavia, decidindo o recurso que para ela interpusera o Autor, revogou a decisão da<br>
1. instância e, entendendo que no processo se encontravam reunidos todos os elementos que permitiam conhecer do mérito da causa, deste mérito conheceu.<br>
Julgou a acção procedente e condenou as Rés a pagar ao Autor a quantia pedida acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 26 de Outubro de 1990, data da citação das Rés, até liquidação integral.<br>
3. Vem agora revista do acórdão da Relação, sendo recorrentes as Rés que pugnam pela manutenção da decisão da 1. instância e concluem as suas alegações nestes termos (folhas 121 a 124):<br>
"A. Em qualquer vertente jurídica a que se pretenda subsumir o direito aplicável à questão sub judice, não assiste razão ao Estado Português.<br>
"B. Com efeito, e se o contrato de compra e venda a que se reportam os presentes autos, foi celebrado entre as ora Recorrentes como compradoras e a Comissão da Cooperativa 5 de Outubro, como vendedora e diz respeito à venda de cortiça de amadia, da produção de 1977 da Herdade de Água Doce, então o preço foi pago, recebido e dada quitação.<br>
"C. O Instituto de Produtos Florestais, ao declarar que se achavam cumpridas as obrigações de preço e pagamento, autorizando as Recorrentes a levantarem e transportarem a cortiça que adquiriram, assim o confessou.<br>
"D. Mais, fê-lo com inteiro conhecimento do contrato celebrado, o qual recebeu e registou, sem que o mesmo lhe haja merecido qualquer reparo tendo mesmo, e bem pelo contrário, actuado de forma contrária a tal entendimento.<br>
"E. Todavia, e porque o entendimento expressado na própria P.I. é nesse sentido, se entender que a Cooperativa 5 de Outubro actuou em nome e no interesse do estado Português, então as Recorrentes são mesmo completamente alheias às relações entre o mandante e o mandatário.<br>
"F. Sendo certo que o Instituto de Produtos Florestais é também ele intermediário do Estado, em cujo nome e interesse agia, então ratificada está, e há muito, a execução desse mandato, não podendo ser posta em causa a execução do contrato.<br>
"G. Competia ao Estado, em tempo próprio ter accionado os meios necessários e aplicáveis a tal situação, sendo certo que o seu silêncio, como resulta do disposto no artigo 1163 do Código Civil, valeu como aprovação da conduta da Cooperativa.<br>
"H. Em qualquer dos casos prescreveu o direito do Estado invocar, quer fosse o incumprimento quer a má execução do mandato, sendo certo que as Recorrentes a tal são alheias.<br>
"I. Não pode o Estado, expropriar e devolver bens aos proprietários, sem previamente se assegurar do cumprimento dos contratos que se mostrassem válidos.<br>
"J. Sendo entendimento que o Decreto-Lei 260/77 é uma norma especial, que contém nela própria os comportamentos sancionáveis e as penas que se lhe aplicam, então prescreveu o direito de queixa do Estado, e consequentemente o de exigir a reparação de danos emergentes de responsabilidade civil extracontratual.<br>
"K. Com efeito, o douto acórdão recorrido, ao declarar que nenhumas dúvidas podem subsistir de que a Cooperativa Agrícola 5 de Outubro agiu em nome e no interesse do Estado, reconhece inequivocamente a existência de um mandato, cujas regras próprias omite e não aplica, violando o disposto nos artigos 1157 e seguintes do Código Civil.<br>
"L. Certo é que nunca as Recorrentes negociaram ou contrataram com o Estado, mas sim com a Cooperativa Agrícola 5 de Outubro, agisse esta em nome próprio ou em representação do Estado, que alega suceder ao I.P.F..<br>
"M. Ora, o Instituto de Produtos Florestais, declarou como tendo sido cumprido, ao abrigo do Decreto 260/77, sendo certo que nenhuma sanção se encontrava prevista, na legislação anterior, para ser aplicada a qualquer infractor.<br>
"N. Ora, e tratando-se este diploma de lei especial, e sendo ali consideradas as penalizações a infractores, não pode vir a ser imputada responsabilidade contratual àqueles que violem esse preceito legal.<br>
"O. Com efeito, ou se está meramente no âmbito das relações contratuais, e aí terão de se aplicar as regras do mandato, ou no domínio de legislação especial, em que o Estado, no uso do ius imperii, impõe determinadas sanções cuja aplicabilidade não depende de contratos mas sim da apreciação de infracções.<br>
"P. Neste caso, o infractor responde pela responsabilidade extracontratual ou penal, e nunca contratual, porque não tinha de lhe ser pago o preço.<br>
"R. Não figurando sequer o Estado como destinatário do produto da venda de qualquer cortiça, não pode ser parte contratante, nem exigir o pagamento do preço ou qualquer indemnização contratual.<br>
"S. A actuação do Estado, que pretendia controlar a extracção e venda de cortiça, somente poderia, e por esta via, ser apreciada em termos de direito administrativo e não cível ou contratual.<br>
"T. Aliás, e para que o Estado tivesse direito a ser ressarcido, haveria então de ter alegado, e provado, os seus próprios danos, o que não sucedeu.<br>
"U. Foram ainda violadas as disposições legais contidas no próprio Decreto-Lei 260/77, nomeadamente os artigos 9 e 11, no artigo 498 do Código Civil".<br>
O Estado respondeu sustentando a improcedência do recurso analisando cada uma das vertentes em que sumariam as obrigações e conclusões das recorrentes, a saber: a) a questão do carácter liberatório do pagamento feito pela Rés à cooperativa; b) a questão da prescrição do direito invocado pelo Estado; c) a questão da insusceptibilidade de o incumprimento do contrato gerar responsabilidade contratual, mas tão-só poder gerar infracções penais e responsabilidade extra-contratual.<br>
3. Cumpre apreciar e decidir, afigurando-se que são duas as questões cuja solução, na óptica das recorrentes, levaria à procedência do recurso: a) a questão do carácter liberatório do pagamento feito pelas Rés directamente à cooperativa; b) a questão da prescrição do direito invocado pelo Estado.<br>
Haverá que registar a base de facto estabelecida pela Relação no acórdão recorrido (infra, 3.1.), expor o direito aplicável no tocante ao regime de alienação da cortiça no âmbito da Reforma Agrária (infra, 3.2.), analisar as questões postas (infra,<br>
3.3.), e, a final, decidir do recurso (infra, 4.).<br>
3.1. Com relevo para a decisão a Relação considerou provados os seguintes factos:<br>
"1 - Em 31 de Maio de 1977, as rés e a Cooperativa Agrícola 5 de Outubro celebraram o contrato titulado pelo documento de folhas 11 e 12, o qual foi registado no Instituto dos Produtos Florestais sob o n. CA/6;<br>
"2 - Por tal contrato as rés compraram à dita Cooperativa 9448 arrobas de cortiça amadia, 465 arrobas de cortiça virgem e 550 arrobas de bocados de cortiça, pelo valor global de 2498210 escudos;<br>
"3 - Tal cortiça era relativa à campanha do ano de 1977 e provinha da Herdade da Água Doce, sita em Alcáçovas, Viana do Alentejo, a qual havia sido expropriada pela portaria 579/75, de 24 de Setembro;<br>
"4 - Em 31 de Maio de 1977, cada uma das rés pagou à Cooperativa referida a quantia de 500000 escudos - vd. folhas 14 e 15;<br>
"5 - Em 25 de Agosto de 1977 e 3 de Setembro de 1977, as rés Transcor-Transoceânica, Lda. e Corticeira Fidalgo, Lda. respectivamente, pagaram, cada uma à mesma Cooperativa a quantia de 749105 escudos - vd. folhas 16 e 17;<br>
"6 - Em 4 de Junho de 1981, o Instituto de Produtos Florestais oficiou às Rés concedendo-lhes um prazo de quinze dias para procederem ao pagamento, o que elas não fizeram;<br>
"7 - A presente acção foi proposta em 17 de Outubro de 1990 e as Rés citadas em 26 de Outubro de 1990."<br>
A remissão feita pela Relação do item 4 da matéria de facto, isto é, para folhas 14 e 15, respeita a recibos passados pela Cooperativa a cada uma das Rés, como delas tendo recebido, 500000 escudos de cada uma, "provenientes do sinal e 1. pagamento" da venda da cortiça, e a remissão feita no item 5 para as folhas 16 e 17 respeita a recibos de 749105 escudos, cada um, passados a cada uma das<br>
Rés "provenientes da cortiça".<br>
3.2. Uma exposição sobre o regime da alienação da cortiça abrangendo o tempo do contrato aqui em causa vem feito no acórdão recorrido.<br>
3.2.1. Aqui haverá a registar os aspectos pertinentes para as questões colocadas e que se detectem na análise pormenorizada das disposições dos vários diplomas que, desde 1975, consubstanciaram tal regime e se podem agrupar em seis estádios sucessivos:<br>
1.) Decretos-Leis ns. 407-A/75, de 30 de Junho, e 521/76, de 5 de Julho, complementados pelos Despachos dos Ministros da Agricultura e Pescas e do Comércio Externo, de 17 de Outubro de 1975 (D.<br>
Gov., I, n. 253, de 31 de Outubro de 1975) e Despacho Conjunto dos Ministros da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo, de 17 de Agosto de 1976 (D. Rep. I, n. 220, de 18 de Setembro de 1976);<br>
2.) Decreto-Lei n. 260/77, de 21 de Junho, e Portarias 550/77, de 1 de Setembro, 371/77, de 21 de Junho, e 271/78, de 13 de Maio;<br>
3.) Decretos-Leis n. 119/79, de 5 de Maio, e 209/79, de 11 de Julho, que alterou a redacção do n. 1 do artigo 10 do primeiro, diploma que cuja ratificação pela Assembleia da República veio a ser recusada pel a Resolução n. 208/79, no D. Rep. I, n. 164, de 18 de Julho de 1979;<br>
4.) Decreto-Lei n. 95/80, de 5 de Maio, revogatório do Decreto-Lei n. 260/77;<br>
5.) Decreto-Lei n. 189-C/81, de 3 de Julho, alterado por ratificação pela Lei 26/82, de 23 de Setembro, revogatório do anterior (artigo 13);<br>
6.) Decreto-Lei n. 312/85, de 31 de Julho, revogatório do anterior (artigo 11);<br>
Os aspectos relevantes e, grosso modo, constantes nesta sucessão normativa são os seguintes:<br>
- Proibição de pagamento do preço da cortiça pelos seus adquirentes directamente aos "alienantes";<br>
- Obrigação de depósito desse preço à ordem do Estado, isto é, sucessivamente da Comissão Regional da Reforma Agrária, depois do Instituto dos Produtos Florestais, depois do Instituto Gestão e Estruturação Fundiária e por último da Direcção-Geral das Florestas;<br>
- Disponibilidade do preço depositado, por parte do Estado no tocante ao seu destino;<br>
- Condicionamento do "levantamento" da cortiça adquirida pela prévia atestação documental pelo "Estado" do cumprimento do depósito do preço;<br>
- Sancionamento penal do incumprimento da obrigação do depósito do preço.<br>
Este regime, sempre justificado pelo interesse nacional da salvaguarda dos valores provenientes do importante património suberícola e da sua aplicação, conforme se alcança dos preâmbulos dos diplomas citados, iniciou-se na previsão de expropriações e nacionalizações (1. estádio) e conservou-se mesmo depois de efectuadas (estádios subsequentes), abrangendo a cortiça proveniente dos prédios respectivos, isto é, os sujeitos a tais medidas ablativas da propriedade, previsíveis ou efectivadas.<br>
De notar neste sucessivo regime que quase sempre as entidades vendedoras não puderam receber directamente o preço, pois expressamente se vedou aos adquirentes lhes pagassem, antes os obrigando a depósito.<br>
3.2.2. Justificar-se-á uma referência mais detida ao regime dos dois primeiros estádios nos quais se inserem a celebração do contrato em causa e pagamento de preço respectivos.<br>
3.2.2.1. Assim e quanto ao 1. estádio, caberá registar caracterizar-se pela indisponibilidade da cortiça das campanhas de 1975 e anos seguintes por parte dos proprietários que fossem entidades "sujeitas à aplicação e abrangidas pelas mencionadas expropriações e nacionalizações, nos termos do artigo 1 do Decreto-Lei 406-A/75 - que sujeitava a exproriação "os prédios rústicos localizados na área de intervenção" da Reforma Agrária, que tivessem determinadas características - e do artigo 1 do Decreto-Lei 407-A/75" - que nacionalizava "os prédios rústicos beneficiados em todo ou em parte" por aproveitamentos hidro-agrícolas aí mencionados e dotados de determinadas características.<br>
Essa indisponibilidade traduzia-se em condicionamento de validade dos negócios jurídicos relativos à cortiça por autorização da administração estadual (artigos 1 e 3 do Decreto-Lei n. 407-B/75 e 2 do Decreto-Lei n. 521/76), pela obrigatoriedade do depósito do preço pelos compradores no Centro Regional da Reforma Agrária, mesmo no caso de as propriedades de que a cortiça proviesse estarem já na "posse" de unidades colectivas de produção<br>
- UCPs - (n. 4 do Despacho de 17 de Outubro de 1975). Impendendia sobre os compradores o dever de consultar as listas existentes no C.R.R.A. em que se identificavam os proprietários abrangidos pela indisponibilidade estabelecida no artigo 1 do Decreto-Lei n. 407-B/75 (n. 1 do mesmo Despacho).<br>
UCPs eram "as explorações agrícolas ou pecuárias geridas pelos trabalhadores rurais e pequenos agricultores sob forma cooperativa e bem assim quaisquer outras entidades de natureza associativa de efeito e composição social equiparáveis" (artigo 1, n. 1, do Decreto-Lei n. 406-B/75, de 29 de Julho).<br>
Neste estádio procurou-se evitar o risco de os proprietários desencaminharem e ilicitamente fazerem sair do País o produto da venda da cortiça e evitarem-se as "situações irremediáveis" (preâmbulo do Decreto-Lei 407-B/75). Mas também, se procurou como resulta da norma do depósito do preço relativo aos negócios anteriormente celebrados pelos proprietários, em vez do pagamento directo às UCPs, o acautelamento do correcto destino dos valores recebidos, em que se incluía a liquidação das dívidas de carácter agrícola antes da entrega do remanescente às UCPs (cfr. n. 4 do Despacho de 17 de Outubro de 1975).<br>
3.2.2.2. O 2. estádio - o correspondente à vigência do Decreto-Lei 260/77 - caracteriza-se, globalmente, por alterações do esquema de controlo e eliminação do regime de indisponibilidade "uma vez que a situação concreta actual se apresenta estruturalmente diferenciada da que originou as medidas que por este diploma se revêem", como se escreveu no preâmbulo.<br>
A estrutura diferente da situação vem de seguida registada, pela evocação do interesse nacional proveniente da circunstância de Portugal ser o primeiro produtor mundial de cortiça e de no conjunto dos bens exportados atingir a exportação deste produto valores dos mais significativos, urgindo o fomento da produção e assegurar presença permanente e qualificada da Portugal nos mercados estrangeiros. E a diferença estrutural vem depois textualmente descrita assim: "... por via das acções da reforma agrária o Estado é hoje proprietário de grande número de explorações, englobando a maior parte do nosso montante de sobro sob sua directa administração ou na posse útil e gestão de colectivos de trabalhadores, cooperativas, agricultores ou empresários individuais, devendo extrair dessa circunstância as inerentes vantagens sociais e económicas, criando estruturas que propiciem a distribuição equitativa dos benefícios pelo maior número de trabalhadores e agricultores e que defendam o sector corticeiro".<br>
Seguem-se alguns comentários sobre soluções consagradas no articulado. Importa destacar, agora sublinhadas, pela pertinência ao tema deste recurso, as que tendiam a "obstar a que se repitam as habituais distorções do mercado interno", entre as quais, "a par de medidas impulsionadoras do cumprimento das disposições editadas, sanções de natureza civil, penal e administrativa, para as infracções mais intensamente lesivas dos interesses a proteger".<br>
Do regime instituído por este diploma terá interesse destacar: a) O âmbito do controlo das operações relativas à cortiça amadia e secundária, entre as quais as de comercialização. Esse âmbito era constituido pelos "prédios nacionalizados ou expropriados ao abrigo da<br>
Lei da Reforma Agrária ou na situação prevista no artigo 1 do Decreto-Lei n. 492/76, de 23 de Junho" (artigo 1). Este segundo grupo era constituído por prédios e explorações agrícolas susceptíveis de expropriação nos termos do Decreto-Lei n. 406-A/75, ocupados por grupos de trabalhadores agrícolas, de pequenos agricultores de cooperativas e associações de natureza e composição social idênticas, de unidades colectivas de produção ou por gestores públicos, e que eram objecto de acções de reivindicação, restituição e posse ou outros com fundamneto nos actos de ocupação (artigo 1, ns. 1 e<br>
2, do Decreto-Lei n. 492/76). b) A sujeição dos "orgãos ou entidades singulares ou colectivas, gestores em nome ou por conta própria ou alheia, de estabelecimentos agrícolas que contenham montado de sobro" (artigo 2, n. 1), a várias obrigações e deveres, v.g., os de "não efectuar ou permitir que se efectue o levantamento ou transporte de quaisquer quantidades de cortiça sem autorização escrita do Instituto dos Produtos Florestais" (alínea d)), e, enquanto "intervenientes directos ou indirectos em negócios jurídicos que tenham por objecto a cortiça" (n. 2), reduzir a escrito todos os negócios jurídicos "que tenham esse objecto" (alínea a)); c) A sujeição dos adquirentes da cortiça à obrigação de depósito na C.G.D. à ordem do I.P.F. do valor da cortiça adquirida, só sendo liberatório do pagamento do preço esse depósito (artigo 9); d) Várias disposições imperativas destinadas a reforçar a injunção de cumprimentos de deveres e obrigações estabelecidas no diploma, v.g.; ocondicionamento do levantamento da cortiça a autorização do I.P.F. (artigo 11, n. 1); a vinculatividade estrita desta autorização à prévia "prova bastante de terem sido cumpridas as obrigações impostas a adquirentes ou alienantes pelo presente diploma" (artigo 11, n. 2), prova essa no tocante aos adquirentes que era "a apresentação... de documento probatório do depósito na Caixa Geral de Depósitos" à ordem do I.P.F. "da quantia liquidada referente à fracção a levantar, de acordo com o estipulado no contrato de venda (Portaria n. 550/77, n. 3); sancionamento penal do desrespeito de vários deveres e obrigações, tais como o do levantamento da cortiça e do depósito do preço (artigo 15 ns. 2 e 3). e) A imposição de adaptação dos "contratos já celebrados respeitantes a cortiça a extrair na campanha do corrente ano - 1977 - ou nos seguintes" ao regime estabelecido neste diploma mediante instrumento adicional (artigo 16); f) Revogação expressa do regime anterior, isto é, dos Decretos-Leis ns. 407-B/75 e 521/76 e entrada em vigor do novo "no dia imediato" ao da publicação do Diploma (artigo 32).<br>
3.3. Cabe agora analisar as questões postas no recurso. Assim:<br>
3.3.1. Quanto ao carácter liberatório do pagamento feito pelos Réus directamente à Cooperativa "alienante".<br>
Conforme resulta da matéria de facto considerada provada pela Relação, e que cumpre acatar, o preço da cortiça adquirida pelos Réus foi repartidamente pago em três momentos: 31 de Maio de 1977, data da própria celebração do contrato respectivo (cfr. supra, 3.1., items 1 e 4), 25 de Agosto de 1977 e 3 de Setembro de 1977 (ibidem, item 5). O que significa que parte do preço foi pago na vigência do primeiro estádio legislativo constituído pelos Decretos-Leis ns. 406-B/75 e 521/76 e Despachos Ministeriais de 17 de Outubro de 1975 e 17 de Agosto de 1976 (supra 3.2.2.1), e o restante pago na vigência do segundo estádio, constituido pelo Decreto-Lei n. 260/77 e Portarias 371/77, 550/77 e 271/78 (supra, 3.2.2.2).<br>
Os regimes desses dois estádios não eram iguais, todavia, embora obedecendo a uma matriz geral comum, constante, que substituiu ulteriormente, conforme se registou.<br>
Importa, por isso, analisar a questão do carácter liberatório dos pagamentos distinguindo a parte correspondente ao 1. estádio, do restante efectuado no 2. estádio.<br>
3.3.1.1. No 1. estádio legislativo também se estabeleceu uma imposição de pagamento das aquisições de cortiça mediante depósito, então à ordem do Centro Regional da Reforma Agrária. Mas o dispositivo que isso prescrevia (n. 4 do Despacho de 17 de Outubro de 1975), cingia-se, literalmente, a uma situação de pre-nacionalização ou de pre-expropriação, sendo relativamente a actos de disposição de cortiça pelos donos de terras ainda não nacionalizadas ou expropriadas mediante contratos por eles celebrados, por eles ainda executados ou pelas UCPs., que se obrigou ao depósito do preço. E isso para obviar, no caso de contratos celebrados pelos donos ainda aos riscos de que dava conta o preâmbulo do Decreto-Lei 407-B/75, e no caso dos executados pelas UCPs., aos riscos do desacautelamento do destino dos valores por estas recebidos - "liquidação das dívidas de carácter agrícola do anterior proprietário" - pois só o remanescente dessa liquidação seria depois entregue pelo C.R.R.A. às UCPs.<br>
Expropriados os prédios, que por esse facto transitavam para o domínio indisponível do Estado, passou este a ser o dono dos montantes de sobro e, logo, da cortiça como fruto, não havendo norma expressa que impusesse o depósito do preço das vendas feitas em seu nome e no seu interesse pelas UCPs. e outras entidades que detivessem a exploração de tais prédios.<br>
Na verdade, nem a norma do n. 4 do Despacho de 17 de Outubro de 1975 comporta interpretação extensiva, por falta de mínimo de expressão verbal (artigo 9, n. 2, do Código Civil), nem traduz lacuna verdadeira e própria que importasse colmatar, certo como era,<br>
à época, face ao movimento antecipado de ocupação relativamente às nacionalizações e expropriações e à iminência destas últimas, conforme se reconhecia no preâmbulo do Decreto-Lei 407-B/75, a evidência de situações em que, vindo a ser o Estado o proprietário de montados de sobro, a exploração dos prédios respectivos cabia designadamente a UCPs. às quais continuavam entregues, ou viriam a ser, e também a realização de negócios da respectiva cortiça, importando o recebimento do preço respectivo.<br>
Se essa era a evidência, a não edição de norma instituindo também para tais casos a obrigatoriedade de depósito não pode significar incompletude do sistema a colmatar nos termos do artigo 10 do Código Civil. Haja em vista que a motivação particular, expressamente invocada, estava ligada tão-só à "disponibilidade" da cortiça por antigos donos, o que deixava de se verificar pela expropriação ou nacionalização.<br>
E nem sequer é possível invocar o disposto no artigo 16 do Decreto-Lei n. 260/77, sem embargo de alguma intenção reactiva sobre o passado, isto é, de aplicação da nova norma a contratos "já celebrados" no respeitante a cortiça a extrair na campanha do presente ano" - a de 1977 - mediante adaptações a fazer-lhes por "instrumento adicional".<br>
Na verdade, o princípio é o de irretroactividade da lei, em termos tais que mesmo que "ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos que a lei se destina a regular" (artigo 12, n. 1 do Código Civil).<br>
Ora, no caso em apreço, o contrato celebrado entre a Cooperativa e os Réus já produzira um efeito qual fosse a eficácia do regime nele instituído quanto ao pagamento de parte do preço - obrigação do pagamento dessa parte no acto da celebração.<br>
Isso verificou-se pelo cumprimento respectivo: os Réus pagaram logo a parte do preço acordada. De resto, um tal entendimento, a eficácia liberatória em caso semelhante, foi reconhecida por acórdão deste mesmo tribunal e 1. secção, de 8 de Novembro de 1994, processo n. 85767.<br>
Em suma, os pagamentos feitos pelos Réus em 31 de Maio de 1977 à Cooperativa que "em nome e no interesse do Estado" lhes vendeu a cortiça, foram feitos a quem, nesse estádio normativo, tinha legitimidade para receber, liberando, por isso as recorrentes da obrigação de pagamento na medida do que pagaram, isto é, ao todo 1000000 escudos.<br>
3.3.1.2. Consideremos, agora, os pagamentos ulteriormente feitos já na vigência do estádio normativo, constituido pelo Decreto-Lei n. 260/77, em 25 de Agosto de 1977 e 3 Setembro de 1977.<br>
Como se viu, este diploma estabeleceu de modo imperativo explícito a obrigação do depósito pelos adquirentes da cortiça do preço da aquisição (artigo 9, n. 1), com o reverso lógico, claro e inquestionável da proibição do pagamento directo a quem vendesse, que eram todos quantos o n. 1 do artigo 2 enumerava, nos quais se inclui a Cooperativa, no caso presente.<br>
A norma de direito intertemporal, do artigo 16 inserida no diploma mostra que se quiz de aplicação imediata, mesmo aos "contratos já celebrados", com a ressalva, todavia, já assinalada (cfr. 3.3.1.1.).<br>
Sendo assim, os pagamentos ainda não feitos passaram a dever ser por depósito na C.G.D. à ordem do I.P.F., não podendo valer, pelo carácter imperativo da norma, a autonomia da vontade em contrário (artigos 280 e 295 do Código Civil).<br>
Daí que os recibos das prestações respeitantes ao pagamento do restante feito directamente à Cooperativa em 25 de Agosto de 1977 e 3 de Setembro de 1977 não valham juridicamente como tal relativamente ao Estado, dono da cortiça em seu nome e interesse vendida, pois só era liberatório o depósito, por expressa disposição do n. 2 do artigo 9 do Decreto-Lei n. 260/77, logicamente decorrente da imperatividade estabelecida no n. 1 desse normativo.<br>
Sem que aqui se tome conhecimento, o que não cabe, da base de facto em que assentam as conclusões C a G das alegações das recorrentes, matéria sobre que as instâcias não se pronunciaram em sede de prova, dir-se-á todavia, que, dado o carácter imperativo do depósito e o seu correlativo carácter, exclusivo, liberatório, seria irrelevante a pretensa "confissão" do I.P.F., extraída pelas recorrentes da invocada autorização do levantamento da cortiça (conclusões C e D), da ratificação do invocado mandato e da respectiva execução, extraída pelas recorrentes da conduta do I.P.F. e do Estado (conclusões E e F).<br>
Em suma, os pagamentos feitos pelas Recorrentes directamente à Cooperativa, em 25 de Agosto de 1977 e 3 de Setembro de 1977, no total de 1498210 escudos, não são liberatórios, não representando cumprimento da obrigação de pagamento da cortiça que adquiriram pelo contrato que em nome e no interesse do Estado a Cooperativa Agrícola 5 de Outubro lhes vendeu.<br>
3.3.2. Cabe apreciar a segunda questão suscitada pelas recorrentes (conclusões H e seguintes), a da prescrição do direito do autor. Ora, não se trata, face ao pedido e à causa de pedir, e ao regime jurídico imperativo relativo ao cumprimento da obrigação do pagamento do preço da cortiça vendida, de obrigação indemnizatória por responsabilidade civil.<br>
Do que se trata é de exigir, dos obrigados contratualmente a pagar o preço do objecto adquirido por contrato e que não pagaram a quem deviam, que cumprissem. Trata-se, pois, de exigir o cumprimento da obrigação de pagamento do preço contratualmente estabelecido e ainda não satisfeito.<br>
A imposição de cumprimento por depósito, nos termos já indicados, no regime do Decreto-Lei n. 260/77, não constitui fonte de obrigação de pagamento. Esta resulta do contrato (artigo 879, alínea c), do Código Civil). A modalidade do cumprimento é que resulta da lei - o depósito - assim como a eficácia liberatória, como se expôs, sendo o facto negativo da falta de depósito, mera revelação da violação do contrato quanto à obrigação do pagamento.<br>
Mas sendo assim, isto é, sendo o direito invocado pelo autor fundado no contrato e pedindo este o cumprimento da obrigação respectiva, isto é, o cumprimento do contrato, não está em causa nenhum tipo de responsabilidade, excepto quanto à mora, implicíta no pedido de juros desde a citação.<br>
Ora, a acção foi proposta em 18 de Outubro de 1990, e a obrigação cujo cumprimento se pede nasceu em 31 de Maio de 1977, data da celebração do contrato, e até a parte do preço, reconhecida como ainda não satisfeita (supra, 3.3.1.2), só era exigível mais tarde, nos termos do contrato - por altura do peso da cortiça (Agosto e Setembro de 1977, a aferir pelos recibos passados pela Cooperativa).<br>
O prazo de prescrição é de 20 anos nos termos do artigo 309 do Código Civil, manifestamente não decorridos à data da propositura da acção.<br>
Ao caso não vem qualquer responsabilidade extracontratual ou penal por infracção, enquanto tal, do dever de depósito do preço.<br>
Trata-se de um plano diferente, que não foi invocado como causa de pedir e que, no correcto entendimento do regime do decreto-Lei n. 260/77, nem sequer contende com o regime contratual. Um mesmo facto, pode em geral, como é sabido, ser perspectivado segundo interesses dos vários ramos do direito. Assim, o facto do depósito do ponto de vista civil retira eficácia liberatória no pagamento directo, e constitui facto ilícito sancionado, do ponto de vista penal.<br>
Não tendo sido pedida na acção qualquer responsabilidade por falta de depósito, designadamente enquanto infracção penal, não há lugar à prescrição de obrigação indemnizatória por responsabilidade civil extracontratual nos termos do artigo 498, n. 1, do do Código Civil.<br>
Do que se tratou, repete-se, foi de exigir o cumprimento de um contrato de compra e venda celebrado em nome e no interesse do Estado, em que a disciplina do modo de cumprimento foi estabelecida por lei, em termos tais que, pelo atribuição legal de exclusiva eficácia liberatória ao depósito, quem pagasse directamente ao vendedor cumpria mal, ficando em mora com o credor, aquele em cujo nome e interesse o contrato foi celebrado.<br>
Não se vê, por isso, que relevância tenham para a questão as considerações feitas pelo recorrente sobre o regime do mandato.<br>
De resto, são matéria só abordada no recurso presente, não suscitada antes nem apreciada pela decisão recorrida. Ora, como é jurisprudência constante deste Suprem o Tribunal, com base, aliás, na função dos recursos (artigo 676, n. 1, do Código de Processo Civil), estes destinam-se a apreciação de questões já decididas e não a julgar matéria nova, excepto se for d | [0 0 0 ... 0 0 0] |
IDLiu4YBgYBz1XKvVU__ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
I. Por sentença de 14.10.02 a Vara Mista de Guimarães julgou improcedentes os embargos opostos por A à execução ordinária que lhe foi movida pelo "Banco B, S.A.", para pagamento de uma livrança no valor de 9.875.000$00, acrescida de juros, de que o exequente é portador.<br>
O embargante apelou, mas sem êxito, pois a Relação de Guimarães confirmou a sentença.<br>
De novo inconformado, pede agora revista, formulando conclusões que assim se resumem:<br>
1ª Ao considerar provado que o documento de fls. 18 a 24 se refere à livrança dada à execução o tribunal da 1ª instância errou na apreciação das provas, sendo certo que a Relação não conheceu da razão aduzida pelo recorrente no sentido de que tal pacto de preenchimento não se reporta à livrança exequenda, mas a uma outra, identificada nos autos;<br>
2ª Por estarem presentes todos os elementos considerados pelo tribunal recorrido, tal prova pode e deve ser agora reapreciada, nos termos do artº. 712º, nºs. 1 e 2, do CPC;<br>
3ª Resulta desses elementos que o pacto em causa se refere a essa outra livrança, aí radicando o erro de apreciação;<br>
4ª Em relação ao embargante, o preenchimento da livrança exequenda seria sempre abusivo, já que não outorgou o contrato de fls. 18 a 24; e é-lhe inoponível, por idêntica razão;<br>
5ª O pacto de preenchimento de fls. 18 a 24 é nulo porque a sua cláusula 9ª estabelece uma obrigação indeterminável e imprescritível;<br>
6ª A obrigação decorrente do aval prestado caducou porque o recorrente foi afastado da qualidade de sócio com base na qual subscreveu a livrança largos anos antes da apresentação a pagamento.<br>
O recorrido não apresentou contra alegações.<br>
<br>
II. A Relação deu como assentes os seguintes factos:<br>
1 - O teor da livrança de fls 4 da acção executiva;<br>
2 - A livrança dada à execução foi entregue ao embargado subscrita pela sociedade "C, Lda.", avalizada pelo embargante, em branco e em garantia do bom pagamento do contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada de 20 mil contos, celebrado em 26.6.85 e concedido à subscritora;<br>
3 - O banco embargado ficou autorizado a proceder ao seu preenchimento pelo valor em dívida, juros e demais encargos, bem como a fixar-lhe e a inscrever a data do seu vencimento em caso se incumprimento, tudo conforme consta do pacto de preenchimento cuja cópia está junta de fls. 18 a 24.<br>
4 - Vencido o referido contrato de abertura de crédito e não tendo a referida sociedade nem nenhum dos seus gerentes procedido ao reembolso do montante em dívida, o embargado preencheu a livrança dada de caução pelo valor em dívida, fixou-lhe o vencimento e apresentou-a a pagamento, de tudo dando prévio conhecimento a todos os obrigados, incluindo ao embargante.<br>
5 - o embargante deixou de ser sócio da sociedade "C, Lda.", em 11.12.92, tendo o banco conhecimento deste facto, pelo menos, em 22.1.93.<br>
<br>
Nas três primeiras conclusões do recurso colocam-se questões atinentes à matéria de facto. Como já tinha feito na apelação, o recorrente insiste em que as instâncias erraram na apreciação das provas, designadamente no que toca às referentes ao pacto de preenchimento do título exequendo que se considerou demonstrado.<br>
É sabido, porém, e tem sido constantemente reafirmado, que não cabe ao Supremo Tribunal, como tribunal de revista, censurar a decisão de facto das instâncias, modificando-a de harmonia com a diversa convicção acerca das provas que eventualmente se forme no espírito dos seus juízes. O Supremo julga de direito, aplicando definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que considere adequado; e não pode, salvo o caso excepcional previsto no nº. 2 do artº. 722º - caso esse que aqui não se coloca - alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto (artº. 729º, nºs. 1 e 2).<br>
Nas restantes conclusões o problema central que se coloca é o de saber se, tendo o recorrente prestado o seu aval numa livrança em branco, o acordo de preenchimento do título celebrado entre o subscritor e o portador o vincula.<br>
Nos termos do artº. 32º, § 1º, da Lei Uniforme, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. Isto significa, praticamente, que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado. Por isso, sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo de preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista para medir a sua responsabilidade.<br>
Por outro lado, é indiferente que o avalista tenha ou não dado o seu acordo ao preenchimento da livrança. Na verdade, esse acordo somente respeita ao portador da livrança e ao seu subscritor. O avalista, enquanto tal, não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança. É sujeito, isso sim, da relação subjacente ao acto cambiário do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só no confronto de ambos é invocável.<br>
Depois, o aval, como autêntico acto cambiário, origina uma obrigação autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu se revelar nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (artº. 32º, § 2º, da LU).<br>
No caso ajuizado, provado que o aval foi validamente prestado pelo recorrente e que não houve violação do contrato de preenchimento, não sofre dúvida que a sua obrigação, surgida mediante a aposição da assinatura na livrança, subsiste incólume. O banco recorrido, por conseguinte, é um portador legítimo do título dado à execução, cujo pagamento o recorrente pessoalmente garantiu através do aval (artºs. 30º e 71º da LU); pessoalmente, dizêmo-lo, porque o aval se apresenta como uma garantia dessa natureza: a responsabilidade que implica incide sobre o avalista e, consequentemente, sobre o seu património pessoal. Por isso mesmo, como já se decidiu (CJ XX-III-141), é indiferente que o aval garanta obrigação de sociedade comercial de que o avalista é sócio: sendo o património do avalista que em última análise suporta a garantia concedida, o facto de ter cedido a sua quota na sociedade avalizada não o isenta de responsabilidade.<br>
Como decorre do exposto, o facto de o embargante ter deixado de ser sócio da sociedade avalizada antes da apresentação do título a pagamento não implica a cessação por caducidade da obrigação decorrente do aval prestado: isso não é uma excepção que possa ser oposta triunfantemente ao recorrido visto que o seu direito está justificado pela posse legítima do título, não ensombrada pelo cometimento de qualquer falta grave ou por comportamento lesivo da boa fé (artºs. 16º e 17º da LU).<br>
Para que a dita caducidade pudesse operar seria necessário, no mínimo, que no pacto de preenchimento tivesse ficado explicitamente estipulado que o aval prestado pelo recorrente deixaria de subsistir se e quando ele deixasse de ser sócio da subscritora/avalizada. Tal, porém, não aconteceu. <br>
A questão levantada na 5ª conclusão está prejudicada pelo que já ficou dito. Em todo o caso, importa referir que o recorrente carece de razão quando afirma que a obrigação estabelecida na cláusula 9ª do pacto é indeterminável e imprescritível. Resulta dos próprios termos daquela estipulação, em conjugação com todas as restantes cláusulas do contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada junto aos autos, concluído entre o recorrido e a sociedade subscritora da livrança, que a obrigação ali fixada ficou perfeitamente delimitada, "qualitativa" e quantitativamente: o banco concedeu à sociedade um crédito em conta corrente até ao valor máximo de 20 mil contos, utilizável nas condições especificadas no documento, sendo que a caução (isto é, a garantia do financiamento concedido) traduziu-se justamente na livrança em branco ajuizada, subscrita pela sociedade mutuária e avalizada pelos sócios, entre eles o recorrente.<br>
Improcedem, assim, ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do recurso.<br>
<br>
III. Pelo exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 11 de Dezembro de 2003<br>
Nuno Cameira<br>
Afonso de Melo<br>
Sousa Leite</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
CTIfvIYBgYBz1XKvEp5_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na comarca da Chamusca, A e esposa B propuseram acção com processo ordinário contra C, alegando serem donos e legítimos proprietários do prédio urbano que identificam e que a ré ocupava a cave do mesmo por mero favor, recusando-se a sair dali, pedindo a final, que sejam reconhecidos como proprietários e a ré condenada a entregar a cave.<br>
A ré contestou alegando ser inquilina.<br>
Houve réplica e o processo seguiu seus trâmites, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e condenou os autores como litigantes de má fé.<br>
Recorreram os mesmos, mas a Relação confirmou o decidido na 1 instância.<br>
Pedem agora revista e, na respectiva minuta, formulam as seguintes conclusões:<br>
1- Este tribunal pode pronunciar-se sobre a questão de ter havido erro na apreciação das provas e na fixação dos factos de tiver havido ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência dos factos ou que fixe a força de determinado meio probatório, nos termos do artigo 722, n. 2 do Código de Processo Civil;<br>
2- A recorrida invocou um contrato de arrendamento supostamente celebrado em 1970;<br>
3- E é certo que, tanto o artigo 1088 do Código Civil em vigor na altura, como o Decreto-Lei 321-B/90, em vigor aquando da declaração da existência do contrato de arrendamento, estabelecem que o contrato de arrendamento deve ser reduzido a escrito e só pode provar-se mediante exibição do recibo de renda;<br>
4- As instâncias consideraram que o diploma aplicável neste caso era o Decreto-Lei 13/86 que instituiu a liberdade probatória quanto à demonstração da existência do contrato;<br>
5- Porém, referindo-se este diploma à aplicabilidade do respectivo regime nos arrendamentos existentes à data da sua entrada em vigor, esse regime não deve considerar-se extensivo aos contratos cuja existência foi declarada posteriormente já na vigência do Decreto-Lei 321-B/90 como é o caso dos autos;<br>
6- Sendo este último o aplicável, à face do artigo 364 do Código Civil estava vedado ao inquilino fazer a prova do contrato por outros meios que não o documento escrito ou o recibo de renda;<br>
7- Tendo as instâncias fundamentado em declarações de um terceiro para dar a existência do contrato por provada, violaram-se os referidos normativos, impondo-se a revogação.<br>
Não contra-alegou a ré.<br>
Apreciando e decidindo, há que referir os factos dados como provados que são os seguintes:<br>
Os autores, por si e antecessores, desde há mais de 30 anos que vêm actuando pela forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito em Chamusca, freguesia de Argoncilhe,<br>
Feira, constituído por uma casa formada de cave ampla e de rés-do-chão com cinco divisões, destinada a habitação, a confrontar de norte com caminhos, sul com<br>
Quintino de Castro, nascente e poente com D, inscrito na matriz sob o artigo 1403.<br>
Agindo assim os autores e antecessores com plena consciência de que não lesavam nem lesam direitos de quem quer que seja, sem terem utilizado a força, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e ininterruptamente;<br>
A ré vive na cave desse prédio com uma filha e com a sua ex-sogra;<br>
Foi a ré casada com o irmão do autor E tendo o casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 25 de Julho de 1984, transitada em 10 de Outubro de 1984 (respostas aos quesitos 1 e 2 e documentário de folhas);<br>
Quando o dito irmão do autor regressou do serviço militar, por volta de 1970, a ré e o seu então marido, acordaram verbalmente com os autores a troco de 500 escudos mensais, em passar a utilizar a cave do prédio referido (resposta ao quesito 12);<br>
A pedido do seu ex-marido, a ré consentiu que os pais do autor viessem, como vieram, viver com eles, na cave o que ainda hoje sucede quanto à mãe do autor (resposta aos quesitos 6, 14 e 15);<br>
A ré e o seu marido, enquanto viveram juntos, entregaram aos autores diversas quantias de 500 escudos, como pagamento das rendas mensais (resposta ao quesito 13);<br>
O marido da ré deixou de viver na cave, após o divórcio de ambos (resposta ao quesito 8);<br>
Após o divórcio da ré, o autor marido solicitou-lhe que deixasse a cave e que fosse morar para outro lado (resposta ao quesito 10);<br>
A partir de Março de 1981, a ré efectuou o depósito de rendas a que respeitam os documentos de folhas 70 a<br>
188, acto de que os autores tiveram conhecimento, tendo tal acontecido por estes se recusarem a receber os respectivos montantes (respostas aos quesitos 17, 18 e<br>
20);<br>
A ré, intitulando-se arrendatária da respectiva cave, intentou uma acção com processo sumário que corre seus termos, na qual exige que os autores realizem obras nessa cave (resposta ao quesito 11 e certidão de folhas<br>
57 e seguintes).<br>
Na 1 instância e perante os factos provados, entendeu-se que existia um contrato de arrendamento e que por tal ficavam os autores impedidos de reivindicar a cave ocupada pela ré; apesar de não ser contestado o direito de propriedade invocado pelos autores.<br>
Ao apelarem, os autores defenderam que as respostas aos quesitos 12 e 13 deviam ter sido negativas pois que não se podia fazer a prova do arrendamento com base no depoimento de testemunhas e na carta de folhas 69 subscrita e elaborada pelo ex-marido da ré.<br>
O arrendamento só podia provar-se com a exibição de recibo de renda, dado o disposto no artigo 1088 do<br>
Código Civil (vigente à data da celebração do discutido contrato).<br>
No acórdão, ora em recurso, entendeu-se que era aplicável o artigo 1 do Decreto-Lei 13/86 de 23 de<br>
Janeiro, pois que embora este diploma tivesse sido revogado pelo artigo 3, n. 1 alínea g) do Decreto-Lei<br>
321-B/90 ficaram ressalvados, quanto à aplicação daquele artigo 1, os contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do último Decreto-Lei como estipula o artigo 6 do mesmo diploma preambular do R.A.U..<br>
Conforme dispõe o n. 2 do artigo 722 do Código de<br>
Processo Civil, o tribunal de revista pode pronunciar-se sobre se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa quando tenha havido ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br>
A ré não juntou aos autos qualquer recibo de renda e, os quesitos 12 e 13 foram dados como provados, com fundamento no depoimento de testemunhas, nomeadamente do ex-marido da ré e na carta por este escrita, de folhas 69 e nos depósitos de renda - folhas 70 a 188.<br>
A única questão que se levanta é a de saber se com tais provas se podiam dar como provados os referidos quesitos 12 e 13.<br>
Vejamos pois.<br>
Dispunha o artigo 1088 do Código Civil que "se o arrendamento for válido independentemente de titulo escrito e este não existir, o arrendatário só pode provar o contrato desde que exiba recibo de renda".<br>
No arrendamento para habitação, "o contrato respectivo podia ser apenas verbal, mas o arrendatário só provava a existência do mesmo contrato desde que exibisse o recibo de renda que era aliás, mera formalidade probatória e não formalidade substancial.<br>
O Código não considerava essencial qualquer formalidade externa para a validade do contrato de arrendamento<br>
(regra da consensualidade) salvo nos casos previstos no artigo 1029 em que era exigida escritura pública.<br>
Surgiu, porém, o Decreto-Lei 445/74, de 12 de Setembro cujo artigo 14 dispunha que "de futuro os contratos de arrendamento para habitação constarão obrigatoriamente de documento assinado por ambos os contratantes".<br>
Passava, assim, a ser obrigatório o contrato escrito nos arrendamentos habitacionais.<br>
Com a finalidade, apregoada no seu preâmbulo, de proteger o direito à habitação e defender as classes economicamente mais desfavorecidas, surge depois, o Decreto-Lei 188/76, de 12 de Março, cujo artigo 1 no seu número 1, reafirmou o principio de que o contrato de arrendamento para habitação seria sempre reduzido a escrito.<br>
Porém, e conforme o n. 2 do mesmo artigo 1, a falta de contrato escrito presumia-se imputável ao locador e a respectiva nulidade só podia ser invocada pelo locatário.<br>
Conforme o n. 3, o dito locatário podia provar a existência do contrato por qualquer meio de prova admitida em direito, desde que não tivesse invocado a nulidade.<br>
O artigo 2, n. 1 manda aplicar o disposto no n. 3 do artigo anterior aos arrendamentos já existentes mesmo que haja acção pendente, ainda que já decretada a entrega de prédio, desde que não efectuada.<br>
Isto significava que mesmo para arrendamentos anteriores ao dito diploma, o locatário podia provar a existência do contrato respectivo com qualquer meio de prova admitida em direito e não, apenas, através da exibição do recibo de renda. Assim implicitamente era revogado o disposto no artigo 1088 do Código Civil.<br>
Nesta sequência de diplomas legais sobre o arrendamento para habitação e com a finalidade, além de outras, de consolidar normas dispersas por outros diplomas, que são revogados, é publicado o Decreto-Lei 13/86, de 23 de Janeiro (que revogou o Decreto-Lei 188/76 (no artigo<br>
21) cujo artigo 1 dispõe, no n. 1, que o contrato de arrendamento para habitação será sempre reduzido a escrito, sendo, conforme o n. 2, a falta de contrato escrito presumidamente imputável ao senhorio e só podendo a respectiva nulidade ser invocada pelo arrendatário.<br>
No n. 3 dispõe-se que "o arrendatário pode provar a existência do contrato por qualquer meio de prova admitido em direito, desde que não haja invocado a nulidade.<br>
Conforme o n. 4, o disposto no n. 3 é aplicável aos arrendamentos já existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei 13/86.<br>
O Decreto preambular do R.A.U. - Decreto-Lei 321-B/91 de 15 de Outubro - no seu artigo 3, n. 1, alínea j) revogou o Decreto-Lei 13/86, mas ficaram ressalvados junto à aplicação do artigo 1 deste diploma os contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do R.A.U., dado o estipulado no artigo 6 do mesmo diploma preambular.<br>
Quer dizer: com a entrada em vigor do R.A.U. os contratos de arrendamento urbano devem ser celebrados por escrito, - artigo 7 - mas mantém-se o disposto no artigo 1 do Decreto-Lei 13/86 para os contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 321-B/90.<br>
Verifica-se assim, na sequência dos diplomas que enunciamos, o seguinte:<br>
No Código Civil o contrato de arrendamento para habitação não tinha que ser reduzido a escrito, mas o locatário só podia provar a sua existência através da exibição do recibo de renda.<br>
A partir do Decreto-Lei 445/74 passou a ser obrigatório que o dito contrato fosse reduzido a escrito.<br>
Porém, o locatário podia provar, a partir do Decreto-Lei 188/76, a existência do contrato de arrendamento não reduzido a escrito - verbal - através de qualquer meio de prova admitida em direito, mesmo em relação a arrendamentos já existentes, o que foi reafirmado no Decreto-Lei 13/86 e se mantém com a entrada em vigor do R.A.U. para os arrendamentos pretéritos a este.<br>
De onde se tem de concluir que um contrato de arrendamento verbal que se alega ter sido celebrado em<br>
1970, pode ser provado através de qualquer meio de prova admitido em direito e não, apenas, com a exibição de recibo de renda.<br>
Aqui chegados há que concluir que para provar os quesitos 12 e 13 não era necessário o recibo de renda, podendo sobre eles ser feita prova testemunhal.<br>
Pelo exposto nega-se a revista confirmando-se o acórdão recorrido.<br>
Custas pelos autores.<br>
Lisboa, 9 de Março de 1993<br>
Carlos Caldas;<br>
Cura Mariano;<br>
Joaquim de Carvalho.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I- Sentença de 15 de Fevereiro de 1991 do 3 Juízo, 1<br>
Secção do tribunal de Santa Maria da Feira;<br>
II- Acórdão de 3 de Fevereiro de 1992 do tribunal da<br>
Relação do Porto, 3 Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
AzIFvIYBgYBz1XKv4HuH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
No 1. Juízo do Tribunal de Círculo de Braga correu termos uma acção declarativa com processo ordinário em que A demandou o B para obter a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 10000000 escudos como indemnização pelos prejuízos decorrentes das obras não consentidas que alteraram e deterioraram substancialmente quer a sua estética e estrutura externa, quer a disposição interna das divisões do rés-do-chão do prédio com os ns. 2 a 20, em Braga, bem como a resolução do arrendamento respectivo e a condenação do réu a despejar o arrendado.<br>
Invocou ser senhoria e o réu arrendatário daquele rés do chão e ter o réu efectuado sem autorização obras que destruíram a fachada e alteraram a disposição interna de todas as divisões, acarretando a perda de elementos estéticos, arquitectónicos e construtivos da fachada e uma planificação do interior que diminui o potencial valor locativo do locado.<br>
Ao contestar o réu alegou estar autorizado a fazer aquelas obras, que valorizaram o prédio pela sua melhoria estética e de conforto, impugnando os factos que a autora alegara para suportar as suas conclusões sobre as alterações feitas. Pediu a sua absolvição do pedido.<br>
Após réplica houve despacho saneador, condensação e julgamento, após o que foi proferida sentença que declarou resolvido o arrendamento, condenou o réu a despejar o locado e a indemnizar a autora com o pagamento da quantia, a liquidar em execução de sentença, necessária para a reposição da estrutura externa no estado anterior às obras.<br>
Em apelação do réu foi proferido pela Relação do Porto acórdão que lhe negou procedência, confirmando a sentença recorrida.<br>
Trouxe daí o réu recurso de revista em que pede que seja declarado nulo o processado subsequente à apresentação da réplica com junção de documentos, por violação do disposto nos artigos 201, 502 e 526 do CPC e que se revogue o acórdão recorrido.<br>
Concluíu as alegações pelo modo seguinte: a) O recorrente nunca foi notificado, nem teve conhecimento, da apresentação pela recorrida da réplica com junção de documentos, pelo que ficou privado de tomar posição sobre o seu conteúdo e admissibilidade; b) A omissão do despacho judicial a ordenar a notificação ao recorrente da apresentação da réplica com a junção de documentos consubstancia a omissão de actos prescritos na lei (artigos 502 e 526 do CPC); c) Como resulta da especificação, resposta aos quesitos e sentença recorrida, a réplica e o documento que a instruíu influenciaram o exame e a decisão da causa; d) Tal configura uma nulidade que determina a anulação de todo o processado subsequente à apresentação da réplica com documentos; e) A cláusula terceira do contrato de arrendamento interpretada conjuntamente com a cláusula quinta autoriza o recorrente a fazer no arrendado as obras que julgue convenientes à instalação dos seus serviços, tanto exteriores como interiores; f) Esta conclusão alcança-se, quer com o recurso aos critérios interpretativos previstos no artigo 236 do<br>
CC, quer com apelo ao disposto no artigo 237, porque nos negócios onerosos prevalece a interpretação que conduza ao maior equilíbrio das prestações. Sendo que no caso dos autos, pelas razões já expendidas, é a manutenção do contrato de arrendamento que conduz ao maior equilíbrio das prestações; g) Como o certificam o Gabinete de Salvaguarda e Revitalização do Centro Histórico de Braga, o Instituto Português do Património Cultural, as respostas dos peritos e o reconhece a própria sentença da 1. instância, as obras efectuadas introduziram beneficiações ao nível do espaço interior e das fachadas, qualificando o imóvel e aumentando o seu valor locativo, pelo que não podem ser causas da resolução do contrato de arrendamento; h) E muito menos geradoras de dever de indemnizar; i) A sentença recorrida violou, interpretou e aplicou mal os artigos 201, 502 e 526 do CPC, os artigos<br>
236 e 237 do CC, o artigo 64, n. 1, alínea d) do RAU, as cláusulas 3. e 5. do contrato de arrendamento.<br>
Contra-alegou a autora a defender a improcedência do recurso.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Vem dada como assente a seguinte matéria de facto:<br>
1 - A autora é dona do prédio urbano sito na freguesia de S. João do Souto - Braga.<br>
2 - Por escritura pública de 16 de Março de 1966, junta a folhas 21 a 27 dos autos, operou-se a rescisão do arrendamento elaborado entre C e D por escritura de 30 de Janeiro de 1954 e a celebração de contrato de arrendamento com o réu, do rés-do-chão daquele imóvel, pelo prazo de um ano prorrogável por iguais períodos, com início em<br>
1 de Maio de 1966.<br>
3 - A renda convencionada foi a de 60000 escudos, paga em duodécimos de 5000 escudos, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita, sendo actualmente, depois de sucessivamente actualizada, de 39398 escudos?.<br>
4 - O locado tem por destino ser uma agência bancária do réu.<br>
5 - No novo contrato de arrendamento celebrado por escritura pública de 16 de Março de 1966 - de folhas<br>
21 a 27 dos autos - consta da cláusula terceira o seguinte:<br>
O arrendatário fica autorizado a efectuar no rés-do-chão arrendado as obras que julgue convenientes à instalação dos serviços da sua agência, tanto interiores como exteriores, inclusivé as destinadas a anúncios, desde que respeite a estrutura e segurança do prédio e a sua normal utilização.<br>
6 - No decurso do ano de 1991 o réu efectuou obras no arrendado.<br>
7 - Documento de folhas 53 a 57 e que consiste na cópia do despacho do Presidente da Câmara de Braga a aprovar o projecto de alteração das instalações do réu no arrendado, sob parecer prévio do Instituto Português do Património Cultural.<br>
8 - Documentos de folhas 66 a 84 e que consistem no seguinte:<br>
- o de folhas 66 a 68, o referido parecer do I.P.P.C.;<br>
- o de folhas 69 a 70, um requerimento do réu a solicitar<br>
à Câmara o início dos trabalhos, antes do parecer do I.P.P.C., que foi deferido por despacho de 13 de Fevereiro de 1991;<br>
- o de folhas 72 e 73, ofício da Câmara dirigido ao<br>
B, com cópia do pedido, formulado por aquela, do parecer do I.P.P.C.;<br>
- o de folhas 74 a 84, projecto de arquitectura relativo<br>
às alterações que o réu pretendia levar a efeito no arrendado.<br>
9 - Nas obras referidas no n. 6, pelo menos, as semi-elipses dos arcos exteriores em granito foram cheias com massa, para dar forma rectangular aos vãos.<br>
10 - Os arcos eram características do imóvel.<br>
11 - Nas obras referidas no n. 6 houve alteração dos vãos com a inerente destruição de forros da parede exterior.<br>
12 - Actualmente não existem cantarias.<br>
13 - Nas obras referidas no n. 6, o interior do arrendado foi totalmente alterado, importando a demolição das paredes interiores, escadas e portas de comunicação.<br>
14 - Os arcos exteriores em granito com a cantaria tinham valor estético.<br>
15 - A eliminação dos arcos, referidos na resposta ao quesito 1., diminui o valor estético global do imóvel.<br>
16 - À data das obras referidas no n. 6, os arcos existiam sem as alterações referidas na resposta ao quesito 1. e os vãos existentes foram alterados, procurando um realinhamento com os vãos dos pisos superiores.<br>
17 - As obras efectuadas no interior do arrendado tiveram como objectivo melhorar a sua capacidade funcional como agência bancária, propiciando maior conforto e acrescida eficácia ao atendimento e ao trabalho dos seus funcionários.<br>
18 - O estado geral de degradação do imóvel ao nível da pintura também lhe causa dano estético.<br>
Para melhor entendimento dos factos com os ns. 15 e 16 esclarece-se que a resposta ao quesito 1., aí referida, corresponde ao facto n. 9 supra.<br>
Temos para decidir duas questões - uma de natureza processual, a que se referem as conclusões a) a d), e outra de índole substantiva, com base no que consta das conclusões e) a i).<br>
Vejamos aquela.<br>
Nestes autos, após a apresentação da contestação pelo réu, houve por parte da autora a apresentação de um articulado de réplica, constante de folhas 61-65.<br>
Veio acompanhado de diversos documentos, que constituem folhas 66-84.<br>
Os artigos 503, n. 2 e 229, n. 3, do CPC - ao qual pertencerão as normas que em seguida se citarem sem outra indicação - mostram que a apresentação da réplica deve ser oficiosamente notificada pela secretaria à parte contrária.<br>
Também oficiosamente deve ser notificada a junção de documentos com o último articulado ou posteriormente - artigos 526, 517, n. 2 e 229, n. 3.<br>
Estas notificações não foram feitas, o que constitui a nulidade prevista no artigo 201, n. 1, nomeadamente porque alguns daqueles documentos - os de folhas 80-84 - figuram na justificação das respostas dadas ao questionário.<br>
O réu veio invocar essa nulidade nas alegações da apelação; não lhe tendo sido dada razão, de novo argumenta com ela nesta revista.<br>
Mas não pode reconhecer-se-lhe razão.<br>
Consta do n. 1 do artigo 205 o seguinte segmento normativo:<br>
"... se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência."<br>
O termo "a quo" do decurso, nesta situação, do prazo de cinco dias a que se refere o artigo 153 localiza-se, pois, em dois documentos diversos.<br>
Um é, numa certa medida, incerto; a notificação para qualquer termo do processo, feita posteriormente ao cometimento da nulidade, desencadeia o decurso desse prazo, mas apenas se for de molde a dar a conhecer à parte aquilo que se passou de errado.<br>
O outro é de eficácia certa; assim sucede se a parte interveio em algum acto praticado no processo. Parte a lei do princípio de que, ao intervir num acto processual subsequente, a parte tomou contacto com a nulidade e ficou informado da sua existência - cfr. Alberto dos Reis,<br>
Comentário, Vol. II, página 504, escrevendo então sobre a redacção de 1939, onde igual regime valia para as hipóteses de simples notificação posterior à nulidade.<br>
Após aquela indevida omissão de notificação o réu foi notificado, na pessoa do seu ilustre advogado, nos seguintes momentos:<br>
- Notificação, a folhas 90v, do saneador e condensação, sendo-lhe dado a conhecer, designadamente, o teor da alínea j) da especificação, onde se dão como reproduzidos os documentos de folhas 66-84;<br>
- Notificação, a folhas 95, para os termos dos artigos 511, n. 4 e 512;<br>
- Notificação, a folhas 107, para o acto de nomeação de peritos;<br>
- Notificação, a folhas 108, para o juramento dos peritos;<br>
- Notificação, a folhas 114, da junção do relatório pericial;<br>
- Notificação, a folhas 117 a 122, para audiência de julgamento;<br>
- Notificação, a folhas 145, da sentença, em cujo texto se refere a existência da réplica e dos documentos de folhas 66-84.<br>
Também o ilustre advogado do réu participou na audiência de julgamento - cfr. actas de folhas 129 e 133.<br>
Estas ocorrências processuais destroem a tese do réu segundo a qual só ao elaborar as alegações para a apelação verificou haver réplica com a junção de documentos. Ou melhor, se isso aconteceu, temos que reconhecer que deixou escapar boas ocasiões em que podia e devia ter-se apercebido da situação; e as respectivas consequências terão que ser por si suportadas.<br>
Na verdade, se é certo que as notificações referidas acima em 2., 3., 4., e 5. lugares não foram de molde a mostrar a ocorrência da réplica e da junção daqueles documentos e que se não pode também dizer que, agindo com a diligência então devida, o réu delas pudesse ter sabido, já a situação é totalmente diversa quanto às indicadas em<br>
1. e 7. lugares.<br>
Na verdade, em ambas se refere expressamente, quer a réplica, quer os documentos em questão.<br>
Não adianta, quanto aos documentos, dizer o réu que a simples indicação da paginação dos mesmos o não esclarecia da sua origem, já que podia corresponder a documentos por si juntos; é evidente que este estado de dúvida ou equívoco - se o réu acha que "podia", é porque não tinha nem podia ter a certeza - poderia ter sido esclarecido se o réu tivesse então usado da devida diligência.<br>
E a intervenção do réu no julgamento releva também, definitivamente, no mesmo sentido.<br>
Assim, está verificado qualquer dos momentos em que começa a correr o prazo para ser arguida a nulidade ocorrida, sem que tal haja sido feito tempestivamente.<br>
É, obviamente, lamentável que o tribunal tenha agido mal neste pormenor; mas a verdade é que só ao réu é imputável ter deixado consolidar a situação.<br>
Por isso improcedem as conclusões a) a d).<br>
Entremos agora na apreciação do mérito da revista.<br>
A presente acção foi proposta com invocação da causa de resolução consistente em obras não autorizadas, feitas pelo locatário, que envolveram alteração substancial da estrutura externa do edifício e da sua disposição interna.<br>
Essas obras ocorreram em 1991, quando entrara já em vigor o novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto 321-B/90, de 15 de Outubro.<br>
Nesta regulamentação jurídica as causas de resolução do arrendamento estão reguladas no seu artigo 64, tendo sido revogado o artigo 1093 do CC, que antes regia a mesma matéria - o qual, por sua vez, viera já substituir o regime que constou dos parágrafos 1., 6. e 7. do artigo<br>
5 da Lei 1662, de 4 de Setembro de 1924.<br>
O arrendamento a que os autos se referem foi outorgado em 1966, quando vigorava esta última regulamentação.<br>
Mas o princípio básico da não aplicação retroactiva da lei, consagrado no artigo 12 do CC, tem duas vertentes de diverso alcance. Nuns casos, toma-se como referência o momento em que ocorreu o facto gerador de efeitos jurídicos, os quais serão regulados pela lei vigente quando aquele facto se deu - 1. parte do seu n. 2; outras vezes toma-se como referência, não o facto gerador dos efeitos, mas a situação por ele gerada, com uma potencialidade de renovação que a leva a, em cada momento, e enquanto permanecer, ter o regime que a lei lhe for sucessivamente atribuindo - 2. parte do mesmo n. 2.<br>
Esta última hipótese adequa-se, em particular, aos casos em que, mais do que os efeitos de um contrato, interessa o regime definidor do conteúdo de um determinado estatuto com vocação de perenidade.<br>
Assim se encontra, por exemplo, a ideia indiscutida segundo a qual a problemática do divórcio se afere em função da lei vigente quando se deu o facto violador dos deveres contratuais, já que estes deveres também variarão independentemente da data do casamento.<br>
Também ideia idêntica é de sufragar quanto ao estatuto do locatário e do locador, ao menos naqueles arrendamentos que estiverem sujeitos ao regime da renovação obrigatória, há muito instituído.<br>
Por isso, a pretensão da autora nesta acção é de avaliar em face do RAU - ao qual pertencerão as normas que a partir deste momento citarmos sem outra referência -, e não em face da Lei 1662.<br>
Somos, deste modo, levados à imediata consideração do disposto na alínea d) do n. 1 do artigo 64, que confere eficácia geradora do direito do senhoria à resolução do arrendamento às obras, feitas pelo arrendatário sem consentimento escrito daquele, que alterem substancialmente a estrutura externa do locado ou a disposição interna das suas divisões.<br>
Esta norma será a aplicável ao caso se não existir uma outra regulamentação válida resultante da vontade das partes, no exercício de um legítimo mas coarctado princípio de liberdade contratual.<br>
A este propósito diremos que um pendor proteccionista do arrendatário - em sucessivo declínio mas ainda existente<br>
- caracteriza o arrendamento urbano, distinguindo a posição dos contraentes perante a problemática da resolução por violação contratual da outra parte. Enquanto que o arrendatário pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, alegando incumprimento pelo senhorio e fazendo-o por simples declaração receptícia - n. 1 do artigo 63 -, já bem diferente é o que se passa com a resolução por iniciativa deste último; a lei impõe a resolução por via judicial - n. 2 do mesmo artigo - e limita aí drasticamente as possibilidades de resolução do contrato, como se vê do confronto do citado artigo 64 com aquele n. 2 do artigo 63, aliás em conformidade com o disposto no artigo 1047 do CC; a resolução dos arrendamentos a que o RAU se aplica não pode fundar-se no simples incumprimento por parte do locatário, apenas algumas infracções contratuais qualificadas tendo essa virtualidade.<br>
Tendo estas limitações, como não é de discutir, natureza imperativa, o que em contrário se mostrar convencionado valerá se der mais direitos ao arrendatário, mas já não será tolerável se agravar a sua situação jurídica, limitando-lhe os direitos ou criando-lhe novas ou mais amplas obrigações.<br>
Há, a este propósito, que sopesar a cláusula 3. do arrendamento, descrita acima no facto n. 5, ponderando a eficácia que deve ser-lhe atribuída.<br>
Por ela ficou o réu, na sua posição de arrendatário, autorizado a fazer no locado as obras que julgue convenientes à instalação dos serviços da sua agência, tanto interiores como exteriores, inclusive as destinadas a anúncios, desde que respeite a estrutura e segurança do prédio e a sua normal utilização.<br>
À data do arrendamento o n. 3 do artigo 22 do Decreto 5411, de 17 de Abril de 1919, limitava-se a obrigar o arrendatário a servir-se do prédio apenas para o uso convencionado ou conforme com a sua natureza, sem que houvesse dispositivo que das obras indevidas extraísse a consequência da resolução do contrato.<br>
Mas, à data em que as obras tiveram lugar, esta cláusula devia ser confrontada com a alínea d) do n. 1 do artigo<br>
64, da qual resulta claro, implicitamente, que o arrendatário, obrigado que está a não aplicar a coisa a fim diverso daquele a que ela se destina e a não fazer dela uma utilização imprudente - alíneas c) e d) do artigo 1038 do CC -, sempre poderia, sem risco de incorrer em resolução do contrato, levar a cabo obras que não envolvessem alteração substancial, quer da estrutura externa, quer da disposição interna das divisões do locado. Apenas teria que, nesse caso, restituir o locado, findo o contrato, no estado em que o recebera - alínea i) do mesmo artigo e n. 1 do artigo 1043 e artigo 1092, ambos do mesmo Código.<br>
Diga-se, a propósito, que nos parece indiscutível a referência do qualificativo "substancial" a qualquer dos termos subsequentemente previstos - cfr. Aragão Seia,<br>
Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 2. edição, página<br>
295 e Pais de Sousa, Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 3. edição, página 179. A ideia exposta por Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 1996, página 663 - para quem, segundo parece, esse qualificativo tenderia a referir-se apenas à alteração da estrutura externa, e não já à da disposição interna - é infundada, por evidente falta de razoabilidade de tal solução, já que a todas as luzes uma alteração externa parece ser mais grave - ou, no mínimo, não ser menos grave - do que a alteração interna, e tanto mais que, no plano de interpretação puramente gramatical, ambas as ideias são igualmente correctas.<br>
Daí que, feito esse confronto, estão patentes as seguintes diferenças:<br>
- a cláusula 3. permite quaisquer obras exteriores e interiores, desde que respeitem a estrutura e a segurança do edifício;<br>
- a lei permite essas obras desde que não seja alterada substancialmente a estrutura externa do prédio ou a disposição interna das divisões.<br>
E estas diferenças assim detectadas apontam, a ser o mesmo o conceito de "estrutura" usado num e noutro lugar, para que se diga que o artigo 64 define um regime de certo modo mais liberal do que aquela cláusula. Na verdade, de acordo com a lei o arrendatário só pode ver o contrato resolvido se as obras envolverem uma alteração substancial do locado, ao passo que a cláusula admitiria reacções contra ele desde que tivesse lugar qualquer alteração da estrutura, pois que nesse caso ela não teria sido respeitada.<br>
Temos, pois, que procurar saber se esse conceito de "estrutura" é, ou não, o mesmo.<br>
Entrando, mais frontalmente, na interpretação da cláusula, diremos que é de ponderar o seguinte:<br>
- os factos provados não dão elementos relevantes sobre qual terá sido a vontade comum das partes a este respeito;<br>
- face ao artigo 236 do CC, ela deverá ser entendida como consagrando o sentido que um declaratário normal deduziria do que foi dito;<br>
- nos negócios onerosos este sentido deverá ainda ser, em caso de dúvida, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações - artigo 237 do CC;<br>
- a cláusula fala em respeito da estrutura e da segurança, o que sugere que se têm em vista duas realidades diferentes;<br>
- "estrutura" será o mesmo que "construção, composição, organização e disposição arquitectónica de um edifício" - conceito fornecido pelo Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Vol. II, página 694, citado por ambas as instâncias;<br>
- também António Morais da Silva, Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, Vol. II, página 512, a define como sendo "forma como um edifício é construído";<br>
- a lei vigente aquando da estipulação da cláusula não definia nem usava, nesta matéria - já que não concebia sequer a resolução com base em obras indevidas -, o conceito de estrutura do prédio;<br>
- foi expressamente autorizada a realização de obras exteriores, incluindo a colocação de anúncios.<br>
Por isso a única conclusão que pode ser adoptada a este propósito será aquela segundo a qual a estrutura do prédio tem que ver com o seu aspecto e configuração, e não com a sua resistência, a qual é abrangida na mesma cláusula através da menção feita à "segurança" do prédio.<br>
De nada adianta a tentativa de recurso ao que consta do citado artigo 237.<br>
O maior equilíbrio das prestações só se avalia pelo confronto das mesmas, comparando aquilo que por cada uma das partes é dado à outra.<br>
Do lado do arrendatário há o pagamento da renda a que se comprometeu.<br>
Do lado do senhorio encontra-se a cedência do local para ser utilizado por aquele e uma autorização para certas obras; esta autorização não é quantificável em dinheiro.<br>
Assim, não podemos dizer até que ponto a contrapartida paga pelo arrendatário fica mais ou menos equilibrada se a autorização para obras for mais ampla ou menos ampla. Não podem ser comparados factores cujas ordens de grandeza se não reconduzem a parâmetros de natureza idêntica.<br>
Igual solução tem a dúvida que possa estabelecer-se a propósito da ideia, levantada pela autora e à qual aderiu a sentença da 1. instância, segundo a qual a cláusula 3. apenas autorizou o réu a fazer as obras iniciais de instalação no arrendado, com elas se esgotando e por isso não valendo para as obras feitas em 1991.<br>
Pela mesma razão o critério do maior equilíbrio das prestações não pode funcionar.<br>
E, por outro lado, a letra da cláusula só por via de restrição interpretativa poderia acomodar-se a essa ideia, já que tem um teor que se concilia mais facilmente com o sentido amplo; e não foram provados factos que revelem diferente intenção das partes.<br>
No entanto, a restrição das obras exteriores a determinado limite - o respeito da estrutura e da segurança do prédio<br>
- importa, à luz do n. 1 do artigo 236 do CC, um esforço interpretativo do que os contraentes quiseram.<br>
Definida a estrutura nos termos que acima indicámos, o respeito da mesma inviabilizaria praticamente todas as obras que o réu quisesse efectuar.<br>
Mas a necessidade de extrair da cláusula um sentido útil, que estava necessariamente no espírito dos contraentes, leva a entendê-la no sentido de esse respeito não ser absoluto, tolerando-se alterações que se conciliem com a utilização do locado e não agridam consideravelmente aquela estrutura.<br>
De algum modo a cláusula terá de autorizar alterações que sejam tidas como razoáveis.<br>
Assim definido o alcance da cláusula 3., deve esclarecer-se que a mesma não pode ser olhada como cláusula resolutória a aplicar, eventualmente, em alternativa à alínea d) do n. 1 do artigo 64.<br>
Os contraentes não lhe atribuíram eficácia dessa natureza; assim, sempre a resolução se regerá por esta norma legal, ficando reservado à cláusula a função de servir, se para tal valer, como autorização escrita para as obras.<br>
Entrando agora a analisar a alínea d) do n. 1 do artigo<br>
64, há que ver se as obras realizadas pelo réu envolveram uma alteração substancial, quer da estrutura externa do prédio, quer da disposição interna das suas divisões.<br>
Sobre o que é estrutura externa perfilam-se dois entendimentos diversos; um equipara-a à noção corrente em construção civil, com correspondência à estrutura resistente, e outro fá-la corresponder à fisionomia do prédio, nos termos já referidos atrás a propósito da interpretação da cláusula 3..<br>
O primeiro destes entendimentos não é de acolher por duas razões que desde logo nos ocorrem:<br>
- por um lado, como é notório no campo da moderna construção civil, a construção de edifícios de andares não tem sequer uma estrutura externa, entendida como estrutura resistente a constituir o exterior do prédio; a estrutura resistente é composta por uma espécie de esqueleto, formado por colunas e placas horizontais de betão, cujos espaços abertos exteriores são depois preenchidos por paredes que podem ser de tijolo, ou blocos de ytong, ou vidro, mas em qualquer caso indiferentes no tocante à resistência ou estabilidade do prédio;<br>
- por outro lado, mal se concebe que, conscientemente, um senhorio dê autorização escrita para que o arrendatário faça obras que vão pôr em risco a segurança do edifício.<br>
E o segundo entendimento apresenta-se, ao contrário, como o único que está de acordo com o poder de transformação da coisa que é inerente ao direito de propriedade, do qual o senhorio não abre mão ao dar o seu prédio de arrendamento;<br>
é também certo que o direito de propriedade pode ser lesado de forma muito extensa, ainda que sem lesão da segurança do prédio, por transformações do seu aspecto exterior, em relação às quais é insuficiente a possibilidade de exigência de reposição no estado anterior quando se chegar ao termo do arrendamento, ainda por cima de duração indefinida e provavelmente longa.<br>
Este entendimento é defendido largamente na doutrina, tendo apoio em Rabindranath, Capelo de Sousa, em parecer publicado na Col. Jur., 1987-V-20 a 22, Aragão Seia, obra citada, página 296, Pais de Sousa, Extinção do Arrendamento Urbano, 2. edição, página 247, e João de Matos, Manual do Arrendamento e do Aluguer, Vol.II, página 218.<br>
Quanto à disposição interna das divisões, ela é alterada quando se modifique de modo permanente - isto é, sem que a modificação seja amovível, o que depende dos materiais usados e da forma da sua implantação - o número e/ou a configuração da sua planta interior.<br>
Finalmente, só releva para a resolução do arrendamento a alteração que seja substancial.<br>
Isto significa, para uns, que deve ser profunda ou fundamental - como opinam Pais de Sousa e João de Matos, secundados por Rabindranath Capelo de Sousa -, e, para outros, que seja uma alteração de monta ou considerável - como opinam Januário Gomes, Resolução do Contrato de Arrendamento..., O Direito, 125, página 461-467, e Aragão Seia.<br>
Entendemos que os qualificativos de "profundo" ou de "considerável" têm sentido equivalente e que traduzem um grau de alteração que já é, seguramente, substancial, o qual terá lugar a partir do momento em que a alteração deixa de ser algo de significado relativamente pequeno.<br>
Pode ainda dizer-se que, vistas as coisas no prisma que tem vindo a ser adoptado, a cláusula 3. é, neste momento, irrelevante quanto às obras exteriores.<br>
De facto, essa cláusula autorizaria apenas as que introduzissem na estrutura alterações ainda não consideráveis; e o direito à resolução do arrendamento só nasce quando há alterações consideráveis.<br>
Quer dizer: as alterações permitidas pela cláusula são também aquelas que segundo a lei não relevam para a resolução do arredamento.<br>
Ficaria, deste modo, o interesse da cláusula limitado à questão da reposição do locado no estado original quando chegasse o termo do arrendamento.<br>
De posse destas noções, averiguemos se as obras feitas pelo réu integram a previsão legal deste motivo de resolução.<br>
Às obras feitas no interior do locado respeitam os factos enunciados acima sob os ns. 13 e 17.<br>
A descrição que delas aí é feita mostra, com toda a evidência, que envolveram uma alteração substancial da disposição interior das divisões.<br>
Simplesmente, não podem ser causa de resolução do arrendamento.<br>
A cláusula 3. autorizou as obras interiores julgadas convenientes pelo réu para a instalação dos seus serviços, desde que respeitassem a estrutura e a segurança do prédio e a sua normal utilização. E autorizou-as a todo o tempo por que durasse o arrendamento.<br>
A utilização dada ao locado é a normal, considerando o destino contratual do locado.<br>
Respeitando a estrutura do prédio, como acima ficou dito ao interpretar-se esta cláusula, ao seu aspecto exterior, ela não é afectada pelas obras no interior.<br>
Resta saber qual é a situação no tocante à segurança.<br>
Já dissemos atrás que a cláusula 3. valerá, eventualmente, como autorização escrita do senhorio para as obras a fazer pelo réu.<br>
Este poderá, pois, efectuar as obras interiores que não afectem a segurança do prédio.<br>
Tanto a realização das obras como o dano para a segurança cabem dentro do ónus probatório do senhorio - n. 1 e 3 do artigo 342 do CC.<br>
A autora provou a realização e a extensão das obras - sendo irrisória, face ao provado, a afirmação do réu de que a ideia de uma alteração neste campo teria que pressupor o conhecimento de qual era a disposição interior para que, por comparação, se formule um juízo conclusivo sobre a existência da alteração; na verdade, pode não se saber como estava antes o interior, mas saber-se como está e que isso é diferente do que era.<br>
Mas não provou que delas resultasse dano para a segurança do prédio, coisa que, aliás, nem sequer alegara, já que no artigo 17 da p.i. apenas disse, quanto à nova planificação interna, que ela diminuía o potencial valor locativo do imóvel.<br>
Conclui-se que estas obras no interior não podem fundar a resolução do arrendamento.<br>
Falta considerar, à luz da cláusula 3., as obras exteriores.<br>
Elas estão descritas acima nos ns. 9, 11, 12 e 16.<br>
Consistiram no enchimento com massa das semi-elipses dos arcos exteriores em granito, para dar forma rectangular aos vãos, assim como na destruição de forros da parede exterior e na eliminação das cantarias; na alteração dos vãos procurou-se o seu realinhamento com os vãos dos pisos superiores.<br>
Afectaram, pois, a estrutura do prédio; mas para se saber se excederam o âmbito da autorização específica contida naquela cláusula - ou se, o que vem a dar no mesmo, traduzem uma alteração substancial - é necessário ajuizar da extensão da alteração introduzida.<br>
Para a valoração desta extensão importa referir o que foi dado como provado em 10. - Os arcos eram características do imóvel -, 14. - Os arcos exteriores em granito com a cantaria tinham valor estético -, 15. - A eliminação dos arcos, referidos na resposta ao quesito 1. diminui o valor estético global do imóvel - e 18. - O estado geral de degradação do imóvel ao nível da pintura também lhe causa dano estético.<br>
No facto provado sob o n. 8 refere-se a existência de um parecer do Instituto Português do Património Cultural, que, por a proposta pretender qualificar o imóvel, foi favorável à aprovação do projecto apresentado pelo réu à Câmara Municipal de Braga, apenas condicionado à substituição de vidros espelhados por vidraça lisa e incolor.<br>
Como já resulta de tudo o que vem sendo dito, não é qualquer alteração que pode conduzir à resolução, mas apenas uma alteração substancial.<br>
O grau da violação dos interesses do senhorio é aqui fundamental, pois essa violação pode ter lugar em medida insuficiente para a gravosidade da reacção legal.<br>
E cabe ao senhorio o ónus da prova dessa gravidade, pois ela é um elemento constitutivo do seu direito - n. 1 do artigo 342 do CC.<br>
Os arcos, que eram características do imóvel, tinham um valor estético que desapareceu.<br>
Diminuíu o valor estético global do imóvel.<br>
Mas este imóvel está num estado de degradação ao nível da pintura que lhe cau | [0 0 0 ... 0 0 0] |
AzLXu4YBgYBz1XKvvUkJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -</font><br>
<br>
<font>"A" e mulher B deduziram embargos de executado à execução movida por Talhos e Supermercados C, Lª., com base em prescrição da obrigação cambiária, além de, como questão prévia, alegarem erro na forma do processo.</font><br>
<font>Contestando, a exequente invocou a exequibilidade, como documento particular, do cheque cuja obrigação que incorpora esteja prescrita.</font><br>
<font>Improcedeu a questão prévia e procederam os embargos por saneador-sentença que a Relação revogou julgando-os improcedentes.</font><br>
<font>Pediram revista os embargantes que, em suma e no essencial, concluíram, em suas alegações -</font><br>
<font>- a acção cambiária, titulada pelo cheque dado à execução, encontra-se prescrita;</font><br>
<font>- este cheque, quando apresentado a pagamento, encontrava-se fora do domínio das relações imediatas,</font><br>
<font>- pelo que o seu sacador não podia, em sua defesa, invocar a relação subjacente nem o portador dela fazer valer qualquer direito;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 46 c) CPC e 52 da LUC.</font><br>
<font>Contraalegando, defendeu a exequente a confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- A execução a que estes embargos respeitam é anterior ao dec-lei 38/03, de 08.03, o que o torna inaplicável in casu (arts. 21-1 e 3), continuando a reger a redacção anterior do CPC.</font><br>
<font>O recurso da sentença que conheça do objecto dos embargos subia desapensado da execução e era obrigatoriamente instruído com certidão das peças necessárias do processo principal; duas delas o requerimento inicial e o título executivo ou, sendo caso de cumulação sucessiva e os embargos se reportarem ao título dado em cumulação, o requerimento e título respectivos (CPC - 922,3).</font><br>
<font>Em vão se percorrem os autos à sua procura.</font><br>
<font>Esta omissão não se mostra ultrapassável pela requisição desses elementos pois, além do que irá ser referido, se desconhece o que, a respeito de uma questão de conhecimento oficioso, ocorre na execução.</font><br>
<br>
<font>2.- As instâncias deram como provado que o cheque 4029445212, dado à execução, foi sacado pela embargante mulher.</font><br>
<font>Se a execução for cambiária, o embargante é parte ilegítima (CPC - 55,1) razão por que deve ser excluído da execução em que valha como título executivo esse cheque. Em rigor, o lugar próprio para proferir o respectivo despacho é a execução; se o não tiver sido, ou, nos embargos, se manda abrir conclusão na execução para o proferir ou se conhece desta questão nos embargos.</font><br>
<font>É questão de conhecimento oficioso.</font><br>
<br>
<font>3.- A, porventura, ter pretendido usar o cheque como documento particular, assinado pelo devedor, e importando reconhecimento de obrigação pecuniária, além de exactamente ser de colocar idêntica questão de legitimidade (o embargante não assinou esse documento), outros aspectos ainda não podem ser ultrapassados.</font><br>
<font>Desconhece-se se, no requerimento inicial, a exequente invocou a relação subjacente em que fundaria a execução, já que, se alegação posterior, há alteração da causa de pedir o que é vedado.</font><br>
<font>Causa de pedir na execução não se confunde com título executivo - causa de pedir é a obrigação exequenda, sendo ela que tem de constar do título que serve de base à execução. O título não só a incorpora como a demonstra, mas não é a obrigação exequenda.</font><br>
<br>
<font>4.- As instâncias deram como provado que o cheque em causa foi sacado a favor de Cambricarnes para pagamento/restituição da quantia que esta tinha entregue aos embargantes a título de sinal e princípio de pagamento pela promessa de compra e venda de um prédio urbano, e que por aquela foi endossado à exequente para pagamento de vários fornecimentos de carne.</font><br>
<br>
<font>Face a esta realidade, uma conclusão se impõe: o cheque saiu do domínio das relações imediatas. Nesta medida, estando prescrita a obrigação cambiária que titula, irreleva a discussão sobre se um título de crédito cuja obrigação cambiária esteja prescrita pode conhecer ainda valor e força executiva por aplicação dos arts. 46 c) CPC e 458-1 CC. Perfilhe-se ou não a tese de lhe reconhecer essa força (cfr., nesse sentido - Lopes do Rego in Coment. Ao CPC - I/82, Lebre de Freitas in A Acção Executiva - 54, e Amâncio Ferreira in Curso de Proc. de Exec. - 34/36, acs. STJ de 03.01.14 e 03.05.06 in recs, 509-A/02 e 1051-A/51), uma vez que, a seguir-se a resposta positiva, saíra das relações imediatas pelo que tinha que necessariamente lha ser negada (uma resposta negativa comporta a impossibilidade de se reconhecer que, sob uma perspectiva diversa, pudesse o cheque prescrito conhecer a exequibilidade que em si não tem).</font><br>
<br>
<font>5.- Em resumo -</font><br>
<font>- valha como título de crédito ou como documento particular, se ao título executivo falhar a assinatura do embargante seja enquanto sacador seja como devedor, não pode ser executado, por ilegitimidade;</font><br>
<font>- se só valer como documento particular e nele ou no requerimento inicial foi omitida a relação subjacente, não é admissível posteriormente vir invocá-la; isso representaria alteração da causa de pedir, o que está vedado;</font><br>
<font>- se, porém, a causa de pedir (obrigação exequenda) constar do documento particular ou do requerimento inicial e verificado que está o endosso, o cheque saiu das relações imediatas pelo que, mesmo como documento particular, não implica reconhecimento de dívida e, consequentemente, não goza de exequibilidade.</font><br>
<font>Apenas perante a certidão do requerimento inicial e do título executivo se pode extrair a respectiva consequência seja em relação ao embargante seja à embargante. De todo o modo, a decisão de improcedência dos embargos não poderá ser mantida.</font><br>
<font>Há que anular o acórdão recorrido em ordem a ser ampliada a decisão de facto com os elementos essenciais que foram omitidos.</font><br>
<font>Definido que ficou o direito aplicável, o processo baixa à Relação para aí ser de novo julgada a causa de harmonia com a decisão de direito (CPC - 730,1).</font><br>
<br>
<font>Termos em que se anula o julgamento e se ordena a </font><b><font>baixa do processo à Relação</font></b><font> para aí ser de novo julgada a causa, em harmonia com a decisão de direito antes definida, pelos mesmos Juízes Desembargadores que intervieram no julgamento anterior, se possível.</font><br>
<font>Custas a final.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 7 de Abril de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OjLvu4YBgYBz1XKvYVwo | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"A" intentou contra B acção a fim de se a condenar a lhe pagar 98.515.667$00, valor do 1º prémio no concurso 42/96 de apostas do Totoloto em que participou com o boletim nº 3454026, registado sob o nº 80722, nele acertando, e que a ré se recusa a pagar, acrescidos de juros vencidos, no montante de 15.941.319$00, e vincendos, e ainda 500.000$00 de indemnização a título de danos morais.</font><br>
<font>Contestando, a ré excepcionou a incompetência do tribunal em razão da matéria (por a atribuir ao foro administrativo) e a sua ilegitimidade, e impugnou, concluindo pela sua absolvição.</font><br>
<font>No saneador improcederam as excepções e foi organizado o despacho de condensação.</font><br>
<font>A final, improcedeu a acção por sentença de que apelou o autor.</font><br>
<font>Apresentadas as alegações, foi lavrado despacho a convidar o autor, «sob pena de não se conhecer do recurso», a apresentar conclusões, por as formuladas serem «aturadamente desenvolvidas, prolixas e, ..., complexas longe daquela sumariedade e concisão pretendidas pela lei» (fls. 322 vº-323).</font><br>
<font>Apresentadas novas conclusões e delas notificada a parte contrária, foi lavrado acórdão a rejeitar o recurso, por inobservância do disposto no art. 690-A, 1 e 2 CPC.</font><br>
<font>A ré reclamou de nulidade por, antes de ser lavrado o acórdão, não ter sido ordenado o cumprimento do nº 1 do art. 704 CPC, e do acórdão agravou para o STJ.</font><br>
<font>Em síntese e no essencial, concluiu que, ao alegar na apelação, -</font><br>
<font>- indicou com suficiente precisão os concretos pontos da sentença e os concretos meios probatórios que inelutavelmente conduziam a uma decisão diferente, além de a atacar</font><br>
<font>- por ser totalmente omissa em relação a factos que a própria lei reguladora dos concursos considera serem os únicos meios legítimos e válidos de prova de participação nos concursos, bem como à prova plena que dos mesmos resulta e</font><br>
<font>- por admitir e considerar meios de prova factos que a lei do concurso proíbe e</font><br>
<font>- por denegar toda a possibilidade de o apostador fazer valer os seus direitos, aplicando normas regulamentares ilegais - por violadoras do dec-lei 84/85 - e inconstitucionais;</font><br>
<font>- não se limitou, contrariamente ao defendido no acórdão recorrido, a atacar as opções assumidas pelo Tribunal ‘a quo’ em matéria de formação de formação da sua convicção, sendo que essas mesmas têm de ser legais, no sentido de que têm de ser tomadas dentro de um quadro legal legítimo, de forma a que a convicção do Tribunal se possa dizer legalmente formada;</font><br>
<font>- o acórdão recorrido fez uma interpretação claramente restritiva do art. 690-A CPC, o que, no caso concreto, conduz a uma denegação de Justiça e, consequentemente, à inconstitucionalidade das normas deste art. por violação do art. 20-1 Const.</font><br>
<font>- pelo que o recurso de apelação deve ser admitido e apreciado.</font><br>
<font>Contraalegando, defendeu a ré o improvimento do agravo.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Ao conhecimento do objecto de agravo desinteressa a descrição da matéria de facto, mas tão somente, além do relatório supra, o conteúdo das conclusões nas alegações da ré na apelação que interpôs e que antes do acórdão não foram, a propósito e/ou com vista à aplicabilidade do art. 690-A CPC, ouvidas as partes.</font><br>
<br>
<font>Decidindo:</font><br>
<br>
<font>1.- Frise-se desde já, face às contraalegações no agravo, que não é objecto do presente recurso saber se o pedido formulado pelo autor deve ou não proceder, isto é, se a sentença deve ou não ser confirmada.</font><br>
<br>
<font>2.- Defendeu o autor a existência de nulidade susceptível de influir no exame da causa pelo facto de não ter dado cumprimento ao art. 704 n. 1 CPC, o que determina a do próprio acórdão.</font><br>
<font>A Relação indeferiu, em conferência, a arguição da nulidade.</font><br>
<font>Uma primeira reflexão que isto nos merece conduz à pergunta de que tipo de nulidade se trata tanto mais que se nos afigura que as normas invocadas (CPC 704, n. 1 e 204 n. 1 e 2) são inaplicáveis aqui.</font><br>
<font>Estava ultrapassada a fase do despacho preliminar do relator. Todavia, a natureza deste - provisória - não era obstáculo a que a conferência deliberasse, sendo caso disso, mandar ouvir as partes sobre a eventualidade de rejeitar o recurso ou convidar o recorrente a conformar-se com a norma do art. 690-A CPC sob pena de o recurso ser rejeitado.</font><br>
<font>Aberta a perspectiva de a questão poder conhecer duas vias, observe-se que, embora a fundamentação da solução seja diversa, tem um traço em comum - a exigência do respeito pelo princípio do contraditório (logo no ponto de partida, 1ª via; na parte final, após uma resposta positiva ao convite, na 2ª via).</font><br>
<font>Com efeito, no prisma de uma decisão-surpresa - um acórdão a rejeitar a apelação - a lei manda que só o possa ser lavrado se antes for dada às partes a possibilidade de se pronunciarem, isto é, há que as mandar ouvir sobre essa questão, salvo caso de manifesta desnecessidade, o que, in casu, em abono da verdade, se deverá dizer que não foi feito nem era dispensável (CPC 3,3).</font><br>
<font>Desde logo é o próprio acórdão a evidenciar que a desnecessidade não era manifesta - o objecto da apelação não se circunscrevia à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; a rejeição, todavia, foi total e apenas com o fundamento em não ter sido observado pelo recorrente aquelas normas do art. 690-A.</font><br>
<font>Sendo o princípio do contraditório uma das traves-mestras do nosso processo civil, o mesmo impõe que o seu desrespeito seja ferido de nulidade e de conhecimento oficioso (entre vários, cfr., ac. STJ de 99.12.09 in rec. 939/99 - 1ª sec.).</font><br>
<font>No prisma do despacho-convite, o facto de o art. 690-A se lhe não referir não pode ser argumento válido para o não proferir.</font><br>
<font>Com efeito, além de caber ao tribunal a promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, deve providenciar ainda que oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, o que deve ser entendido numa compreensão muito lata (CPC 265, 1 e 2) - onde, pelo menos, houver identidade de razão, para regularizar a instância deve-se-o fazer -, e que, num caso como o presente, conduz ao despacho-convite aí referido (se a lei confere ao juiz esse poder para situações que, tomadas no sentido estrito do termo, são comparativamente, de uma gravidade maior, não se compreenderia que o tribunal usasse de um maior rigor para uma menos grave; é o argumento da maioria da razão).</font><br>
<font>Introduziu-se uma componente que privilegia a justiça material, sempre que possível, e a propicia na resolução do litígio, tornando-a justa, em lugar de se a não alcançar por razões meramente formais ultrapassáveis.</font><br>
<font>Trata-se de um poder-dever do julgador que terá de ser exercido como administrador da justiça, para o desempenho e bom resultado do qual a lei pretende que as partes colaborem, cooperem (CPC 266), sempre sem prejuízo do contraditório.</font><br>
<font>Seja em consequência de uma norma que traduz um princípio de carácter geral (CPC 265, n. 2) seja de uma outra (CPC 690, n. 4) para cuja aplicação analógica existe fundamento (CC 10, n. 1 e 2), é de concluir que se impunha a prolação de despacho-convite.</font><br>
<font>Na realidade, havia que o proferir com a indicação expressa de o recurso ser rejeitado, na parte afectada (porque a rejeição foi aqui total, sem se questionar se como objecto da apelação apenas se impugnava a decisão proferida sobre a matéria de facto, adiante, focar-se-á este último aspecto).</font><br>
<font>A sua omissão traduz nulidade, tornando prematura a rejeição do recurso (concluindo no mesmo sentido, cfr. ac. STJ de 98.10.01 in BMJ 480/348).</font><br>
<br>
<font>3.- Defendeu o autor a existência de nulidade susceptível de influir no exame da causa pelo facto de não ter sido cumprido o art. 704 n. 1 CPC, o que determina a nulidade do próprio acórdão.</font><br>
<font>A Relação indeferiu, em conferência, a arguição da nulidade.</font><br>
<font>Uma segunda reflexão surge em consequência de o autor não ter interposto recurso do acórdão de indeferimento da nulidade ou, a tê-lo como complemento e parte integrante do anterior, não o atacar nas conclusões do seu agravo.</font><br>
<font>Esta última deve ter sido a perspectiva da Relação pois que apenas admitiu o recurso, interposto simultaneamente à reclamação (fls. 341 e 342), só após ter decidido esta (fls. 384).</font><br>
<font>Todavia, a nulidade que se arguia fora reclamada como de processo (e não do acórdão) e foi nessa base, embora sem a qualificar, que foi decidida.</font><br>
<font>Porque nulidade de processo, o acórdão que a indeferiu não é complemento nem parte integrante do anterior acórdão, teria de ser impugnado via recurso.</font><br>
<font>Então a pergunta natural e lógica é se poderá o STJ conhecer da omissão do despacho--convite e das suas consequências, se o caso julgado formado pelo segundo acórdão não obsta a tal.</font><br>
<font>Se a resposta dever ser afirmativa, nem oficiosamente disso se poderá conhecer.</font><br>
<font>Na consideração do 2º prisma acima referido, o facto (negativo) é o mesmo - ausência de despacho, a qual, por aquele não ter sido proferido, constitui nulidade. Sendo indeferida e não tendo o autor reagido contra esse acórdão não se a pode declarar.</font><br>
<font>Poderá, porém, ser diversa a solução se nos ativermos ao 1º prisma considerado?</font><br>
<font>Reconhecendo que houve decisão-surpresa não pode ser mantida, tem de ser anulada e de, sobre a eventualidade de o tribunal decidir com base no art. 690-A CPC, mandar ouvir as partes (art. 3-3).</font><br>
<font>Apelando, defendeu o autor que a sentença enfermava de vícios substanciais e que fez uma errada aplicação do direito aos factos (fls. 327).</font><br>
<font>Uma decisão de rejeição total do recurso constitui, face à pretensão de revogação da sentença substituindo-a por outra que dê procedência à acção (em consequência da atribuição de força probatória plena ao boletim autenticado, do reconhecimento do vício e manipulação pelo agente da ré, da impossibilidade de retirar da microfilmagem qualquer conclusão ou presunção, e da responsabilização da ré - síntese das alegações na apelação), para as partes (contraalegando, a ré não a pediu nem a sugeriu, apenas se limitou a defender a bondade da sentença) «surpresa».</font><br>
<font>A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu uma relação com o pedido formulado para a concreta decisão, ter ou não sido prevista em função da pretensão colocada a quem irá decidir.</font><br>
<br>
<font>A sequência processual após a declaração da nulidade e sua eficácia cabe à Relação - a manter a eventualidade de proferir decisão de rejeição total mandar ouvir as partes e, perante a posição que adoptem, inclusive do apelo que possa ser feito aos arts. 265 n. 4 e 690 n. 4 CPC, decidir a sequência ou, desde logo, proferir esse despacho-convite (a decisão que se lhe siga e a esta matéria respeite já não se poderá ter como decisão-surpresa e mantém a exigência de o tribunal verificar se as «conclusões» que apresentadas venham a ser bem como as relativas às outras questões o são ou não juridicamente - note-se que estas já derivam de resposta a despacho-convite direccionado directamente para elas bem como a de verificar da conformidade à especificação que legalmente onera o recorrente que impugne a decisão de facto).</font><br>
<font>Poder ou dever a tramitação que se irá seguir conduzir ao suprimento do vício, embora pareça prima facie uma medida equivalente, não é consequência directa da declaração de nulidade, o que, só em si e por si, a distingue da que fora arguida e, porque tal, permite dela conhecer, ainda que, aqui, ex officio.</font><br>
<font>Rejeitando a apelação, a Relação não conheceu do objecto do recurso pelo que anulado o acórdão baixa o processo à Relação por onde seguirá nos termos do art. 762 n. 2 CPC.</font><br>
<font>Termos em que se anula o acórdão e baixa o processo à Relação para, pelos mesmos Exº srs. Juízes-Desembargadores, se possível, se conhecer.</font><br>
<br>
<font>Custas a final.</font><br>
<font>Lisboa, 14 de Maio de 2002</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Ribeiro Coelho, </font><br>
<font>Garcia Marques.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NzLvu4YBgYBz1XKvXVy6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> Coube ao 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa uma acção declarativa pela qual A e sua mulher B pediram contra C e sua mulher D que se decretasse a resolução do contrato pelo qual os primeiros prometeram vender aos segundos, e estes prometeram comprar àqueles, um andar num prédio sito na Brandoa, concelho da Amadora, por impossibilidade objectiva do seu cumprimento por causa não imputável ao devedor, com restituição, pelos autores, do sinal de 100.000$00 que receberam.</font><br>
<font> Após contestação, na qual os réus defenderam a improcedência da acção e reconvieram pedindo a condenação dos autores a pagarem-lhes 10.000.000$00, por considerarem ser este o valor do andar e haver culpa por parte dos autores na impossibilidade de cumprimento do contrato, seguiram-se os trâmites adequados até à audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção e procedente a acção, declarando nulo o contrato-promessa em causa e ordenando a restituição da quantia de 100.000$00 entregue como sinal aos autores.</font><br>
<font> Apelaram os réus, sem êxito, visto que na Relação de Lisboa foi proferido acórdão que julgou improcedente o seu recurso.</font><br>
<font> Inconformados, trouxeram a este STJ o presente recurso de revista em que pedem a revogação do acórdão recorrido e a condenação dos autores no pedido reconvencional.</font><br>
<font> Ao alegarem formularam as seguintes conclusões:</font><br>
<font>A) A prestação a que os AA. se vincularam - venda do andar dos autos - é fisicamente possível por se tratar de um facto realizável, quer se atenda à construção ou à outorga da escritura de venda. Não há, assim, impossibilidade física da prestação.</font><br>
<font>B) Por igual não há impossibilidade legal, na medida em que a lei se não opõe, não proíbe a construção, antes a considera legalizável, como resulta das certidões de fls. 33 e 54, passadas pela Câmara da Amadora. Decidindo-se em contrário, desrespeitou-se o art. 280º do CC;</font><br>
<font>C) Ainda as partes assumiram a obrigação, a promessa, de vender e comprar, no caso de isso se tornar possível, ou seja, de os AA. legalizarem o prédio dos autos, o que estes estavam tentando, como se provou - Q. 2º. E só não aconteceu por culpa a estes imputável - Q. 8º - desrespeito pelas normas de construção;</font><br>
<font>D) Donde, mesmo que o contrato sofresse de impossibilidade originária, ele se tinha de considerar válido, nos termos do art. 401, n. 2 CC, que o acórdão recorrido ofendeu;</font><br>
<font>E) A falta de licença de construção, à data da assinatura do contrato de fls. 10, não constitui impossibilidade originária de cumprimento, já que as partes se não obrigaram à venda e compra do andar ilegalizado, antes o prometeram fazer, mais tarde, legalizado. Não há, como se diz na decisão sob recurso, impossibilidade originária, violando-se o art. 401 CC;</font><br>
<font>F) Nem esta impossibilidade pode resultar do facto de, à data da celebração do contrato-promessa, não existir licença de construção, uma vez que ao contrato-promessa não são aplicáveis todas as disposições legais relativas ao contrato prometido. Aquela licença é necessária no contrato de venda, e não no momento da sua promessa. Não se atendeu ao art. 410 do CC;</font><br>
<font>G) A impossibilidade absoluta que o acórdão impugnado sustenta, com base num esforço económico "enorme e desproporcionado" para os vendedores, é uma impossibilidade subjectiva, que não releva, como claramente o art. 401, nº 3 do CC refere;</font><br>
<font>H) Porque não há impossibilidade do cumprimento, não se tendo realizado a escritura de venda por culpa imputável aos AA., têm os recorrentes, nos termos do art. 442, nº 2 do CC, na redacção dada pelo DL nº 236/80, de 18/7, que não foi respeitado, direito ao pedido feito em reconvenção, do pagamento de 10.000 contos;</font><br>
<font>I) Para a hipótese de se considerar nulo o contrato-promessa celebrado, há que restituir tudo o que foi prestado, ou seja, o sinal de 100.000$00 e a quantia entregue mensalmente de 19.500$00, desde Novembro de 1988 até ao mês em que transite a sentença que eventualmente assim decida. Violou-se o art. 289º do CPC;</font><br>
<font>J) A afirmação de que a legalização da construção importava construir de novo no local é facto não articulado pelas partes, introduzido pelo julgador, em contravenção dos arts. 264º, nº 2, 660º, nº 2 e 664º do CPC, que foram transgredidos.</font><br>
<br>
<font>Responderam os autores no sentido da improcedência do recurso</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<font>Os </font><b><font>factos dados como provados</font></b><font> são os seguintes:</font><br>
<font>1. Os AA. são proprietários do lote ..... da Rua ......, freguesia da Brandoa, concelho da Amadora, composto de r/c (destinado a armazém), 1º e 2º andares (destinados a habitação), inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 1389º;</font><br>
<font>2. AA. e RR. outorgaram em 28/10/88 o documento junto a fls. 10, mediante o qual os primeiros prometeram vender aos segundos, que prometeram comprar, por 4.000.000$00 o 2º andar direito do mesmo prédio;</font><br>
<font>3. Os RR. entregaram aos AA., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 100.000$00;</font><br>
<font>4. No âmbito do mesmo acordo os RR. entregariam aos AA., mensalmente e até à realização da escritura, a quantia de 19.500$00, podendo habitar o andar objecto do acordo;</font><br>
<font>5. Os RR. habitam o andar referido;</font><br>
<font>6. A construção do prédio não está legalizada;</font><br>
<font>7. No documento em questão refere-se que a escritura será realizada logo que legalmente possível;</font><br>
<font>8. Na ocasião em que foi outorgado o contrato referido em 2. os RR. sabiam que o prédio tinha sido construído sem licença de construção e que os AA. estavam a tentar legalizá-lo junto da Câmara Municipal da Amadora;</font><br>
<font>9. A Câmara indeferiu o processo de legalização do prédio por desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentares relativas à construção;</font><br>
<font>10. O valor do andar em causa é indeterminado.</font><br>
<br>
<font>É de destacar o teor da cláusula 6ª do contrato-promessa: "A escritura será realizada logo que legalmente seja possível, ficando de conta do segundo outorgante as despesas com as mesmas inerentes, bem como os registos e sisa a que haja lugar"</font><br>
<font>Tem ainda interesse salientar que, de acordo com a certidão de fls. 33, emitida em 1/6/94 pela Câmara Municipal da Amadora, o pedido de legalização feito quanto ao prédio aqui em causa foi indeferido em 10/8/90 por, tendo-se procedido a verificação de estabilidade, se ter constatado não corresponder ao constante do projecto; consta da mesma certidão que em Abril de 1991 deu entrada outro projecto de estabilidade.</font><br>
<font>Numa outra certidão constante de fls. 54, emitida pela mesma entidade em 18/6/97, é dito que o prédio se não encontra legalizado mas está em vias de legalização.</font><br>
<font>Vem decidido que o contrato-promessa em causa está viciado por impossibilidade originária porquanto a não legalização da construção do prédio impede a realização da escritura de compra e venda, gerando a nulidade do contrato-promessa.</font><br>
<font>Invoca-se, para tanto, o art. 401º, nº 1 do CC- diploma do qual serão as normas que a seguir referirmos sem outra menção de pertença.</font><br>
<font>Não se o disse expressamente, mas certamente se considerou haver uma impossibilidade legal- que não física- do objecto do contrato.</font><br>
<font> O art. 280º, nº 1 diz que é nulo o negócio jurídico de objecto física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.</font><br>
<font> Dois sentidos pode ter a expressão "objecto do negócio jurídico"</font><br>
<font> Um corresponde ao objecto imediato, ou conteúdo, do negócio, sendo preenchido pelos efeitos que tende a produzir.</font><br>
<font> Outro, o objecto mediato, consiste naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio.</font><br>
<font> Ambos estes sentidos estão abrangidos naquela disposição- cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pg. 547.</font><br>
<font> A impossibilidade legal, ou jurídica, ocorre quando a prestação consiste num acto que a lei não permite que seja realizado, podendo impedi-lo; há contrariedade à lei se a prestação consiste num acto que viola uma proibição legal que não pode, em todo o caso, impedir a sua ocorrência- cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª edição, pg. 831, e Mota Pinto, obra citada, pgs. 550.</font><br>
<font> Como não pode ser celebrada uma escritura pública de compra e venda de um prédio urbano ou de uma fracção autónoma do mesmo sem que a respectiva construção e constituição em propriedade horizontal estejam legalizadas, pareceria, em princípio, haver impossibilidade legal do objecto quando se promete vender e comprar uma casa ou um andar que não estão nessas condições - cfr., neste sentido, o acórdão proferido por este STJ em 19/12/69, BMJ nº 192, pg. 236. </font><br>
<font>O contrato-promessa aqui em causa foi, porém, celebrado sem qualquer estipulação de prazo.</font><br>
<font> Mais: não ficou, sequer, o promitente comprador com a possibilidade de tomar, em seu arbítrio, a iniciativa da celebração da escritura, dado que esta só seria realizada quando fosse legalmente possível, sabendo os recorrentes que havia obstáculo legal à sua celebração imediata e que os recorridos estavam a diligenciar no sentido da sua remoção.</font><br>
<font> Diz Antunes Varela, obra citada, pgs. 830-831: "Pode, todavia, suceder que, sendo a prestação impossível no momento em que é constituída, o obrigado admita a sua possibilidade num futuro relativamente próximo ...... e que o negócio aceite exactamente essa conversão ...... . Nestes casos, já não há razão para considerar nulo o negócio ..."</font><br>
<font> E, comentando o acórdão acima referido e depois de assinalar que as Câmaras não são obrigadas a ordenar a demolição de construções clandestinas e podem considerar sanado o vício da construção, escreveu Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., ano 104º, pg. 9:</font><br>
<font>"Quando, por isso, é concluído um contrato cujo objecto só pode ser objecto de contrato com aprovação de uma autoridade, o contrato é válido, ainda que não tenha sido dada a aprovação (salvo se desde logo não pudesse contar-se com esta), e, se ela depois não for concedida, o caso é já de impossibilidade superveniente e, consequentemente, não é de nulidade do contrato"</font><br>
<font>O art. 401º, nº 2 preceitua que o negócio é válido se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi este o caso, como se vê da transcrita cláusula 6ª.</font><br>
<font> Assim, não há, neste momento, impossibilidade legal, nem originária, nem superveniente, do objecto do contrato-promessa, ao contrário do que as instâncias opinaram.</font><br>
<font> A circunstância de a Câmara ter indeferido o pedido de legalização não é mais do que isso; o prédio não está legalizado ainda, mas nada mostra que o não possa vir a estar.</font><br>
<font> Por isso mesmo a Câmara diz, mais tarde, que está em vias de legalização.</font><br>
<font> Não encontra fundamento na factualidade disponível a suposição, feita no acórdão recorrido, no sentido de que a solução para a situação do prédio seria uma nova construção do mesmo em condições legais, que por isso, no seu entender, seria geradora de impossibilidade por implicar, por parte do devedor, um esforço enorme e desproporcionado.</font><br>
<font> Não havendo, pois, impossibilidade legal do objecto, nem havendo impossibilidade física do mesmo - como diz Antunes Varela, obra citada, pg. 829, "É fisicamente impossível ...... a prestação de facto irrealizável (por exceder a capacidade do homem, contrariar a força inelutável da natureza, etc.), bem como a prestação de coisa que não exista, nem possa vir a existir nos termos da obrigação", nem sendo esse objecto contrário à lei ou indeterminável, não é o contrato nulo.</font><br>
<font> Daí resulta a improcedência da acção e a necessidade de, por isso, revogar o acórdão recorrido e a sentença por ele confirmada.</font><br>
<font> Por isso não há que curar da fixação do que aos recorrentes devesse ser restituído, já que falta o pressuposto de qualquer restituição imposta pelo art. 289º - haver um contrato nulo.</font><br>
<font> Quanto ao pedido reconvencional:</font><br>
<font> A sua procedência é pedida na conclusão H).</font><br>
<font>É corrente o entendimento segundo o qual o âmbito objectivo de um recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente formula ao alegar, conclusões estas que servem para sintetizar os fundamentos pelos quais se defende a revogação ou a alteração da decisão recorrida- art. 690º, nº 1 do CPC. </font><br>
<font>A importância deste sistema está em que não há que conhecer, nem das questões versadas no arrazoado que antecede as conclusões mas não estão contidas nestas, nem das que apenas nestas, e não naquele arrazoado, figuram.</font><br>
<font> Sucedeu aqui precisamente esta última hipótese: a referida conclusão H) não tem, no arrazoado que antecedeu as conclusões dos recorrentes, qualquer correspondência.</font><br>
<font> Assim, nunca se poderá, neste acórdão, julgar procedente a reconvenção por se tratar de matéria não integrada na delimitação objectiva do recurso que pelos recorrentes foi feita.</font><br>
<font> Ela, de qualquer modo, não poderia proceder.</font><br>
<font> Tal procedência dependeria da verificação de um não cumprimento do contrato imputável aos promitentes vendedores.</font><br>
<font> Não tendo sido estipulada qualquer data ou prazo para a celebração da escritura prometida, nem se tendo procedido a uma interpelação nesse sentido ou a uma fixação judicial de prazo, não pode falar-se em atraso quanto a esta celebração.</font><br>
<font> Não há também qualquer declaração categórica e séria, por parte dos mesmos promitentes vendedores, de que não cumprirão o contrato- o que poderia ser feito equivaler às outras formas de não cumprimento definitivo-, pelo que também por esta via se não encontra fundamento para que sejam considerados em falta nos termos legalmente exigidos e relevantes para os constituir em responsabilidade contratual.</font><br>
<font> Daí que, a não ter verificação a primeira razão de improcedência já afirmada, sempre o mesmo juízo seria de formular.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Nestes termos, </font><b><font>concede-se em parte a revista</font></b><font>, revogando-se o acórdão recorrido e a por ele confirmada sentença da 1ª instância na parte em que deram procedência à acção, assim se absolvendo os réus, aqui recorrentes, do pedido.</font><br>
<font> E confirmam-se as mesmas decisões das instâncias na parte em que delas resulta a improcedência da reconvenção.</font><br>
<font> Custas, aqui e nas instâncias, a cargo de réus e autores na proporção de 5/7 para aqueles e de 2/7 para estes, mas atendendo-se ao benefício de apoio judiciário concedido àqueles.</font><br>
<font>Lisboa, 14 de Maio de 2002</font><br>
<font>Ribeiro Coelho,</font><br>
<font>Garcia Marques,</font><br>
<font>Ferreira Ramos.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xTLfu4YBgYBz1XKvRUuq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"A", requereu contra </font><font>B, a execução específica do contrato-promessa, reduzido a escrito, de 92.02.12, a ser rectificado nos termos descritos nos arts. 18 e 19 da petição inicial, comprometendo-se a efectuar o depósito do preço ainda em dívida dentro do prazo que para o efeito lhe fosse fixado pelo tribunal.</font><br>
<font>A ré contestou, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.</font><br>
<font>Fixado, por despacho de fls. 55, o prazo de 15 dias a partir da respectiva notificação, o autor não procedeu ao seu depósito.</font><br>
<font>Do despacho (fls. 62) a julgar improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido, nos termos do art. 830-5 CC, recorreu o autor, recurso admitido como agravo.</font><br>
<font>Do acórdão a conceder provimento e ordenar o prosseguimento do processo, agravou a ré que, a finalizar as suas muito extensas conclusões, pretende se reponha a sentença da 1ª instância tendo por violado, ao ser concedido um novo prazo, já de si improrrogável, o disposto no art. 830-5 CC.</font><br>
<font>Contraalegando, defendeu o autor a correcção do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<br>
<font>Matéria de facto com interesse para o conhecimento do agravo - apenas a que consta do relatório supra.</font><br>
<br>
<br>
<font>Decidindo: </font><br>
<br>
<font>1.- Da espécie de recurso e sua admissibilidade.</font><br>
<font>Admitido e recebido como agravo quando, na realidade, é de revista, pelo que se lhe não aplica o disposto no art. 154-2 C PC que, a sê-lo, impediria, face à redacção de 1999, a sua admissão.</font><br>
<font>Com efeito, o acórdão recorrido contém dois segmentos decisórios.</font><br>
<font>O primeiro subdivide-se em dois itens - revogar a decisão da 1ª instância que julgara, ao abrigo do art. 830-5 CC, improcedente a acção de execução específica (não efectuado o depósito no prazo judicialmente assinado e expressamente se indicando a cominação legal); ordenar a concessão de novo prazo.</font><br>
<font>O segundo vem na sequência do segundo item e amplia-o - não fixando o momento para ser fixado um novo prazo, ordena o prosseguimento do processo.</font><br>
<font>Se se atendesse apenas a este segundo segmento ou apenas fosse dele que se recorria, não subsistia que o recurso era inadmissível (CPC- 754,2 na red. de 99).</font><br>
<font>Todavia, há que considerar, e disso recorreu a ré, o primeiro segmento, </font><i><font>maxime </font></i><font>ao seu primeiro item - revogar a sentença (CPC-156,2) que julgou improcedente a acção. A improcedência foi decretada não em função do (de)mérito do pedido mas por não ter sido satisfeito um pressuposto prévio à cognição de fundo e que, se procedente, comporta uma consequência directa sobre o mérito da acção (a improcedência da acção, ser o demandado absolvido do pedido).</font><br>
<font>À qualificação da espécie de recurso desinteressa a espécie em que ele foi admitido e conhecido pela Relação (</font><i><font>in casu, </font></i><font>como agravo quando o devia te sido como apelação).</font><br>
<font>O acórdão da Relação, quanto a este segmento, expressa decisão de mérito e a contém pelo que ao recurso cabe a espécie de revista (CPC- 721,1 e CC- 830-5), pelo que o recurso é admissível.</font><br>
<br>
<font>2.-Recorrendo para a Relação, o autor apenas questionou a oportunidade do despacho que ordenou o depósito, este que, em seu entender, deverá ser posterior à decisão de procedência da acção ou, quando muito, imediatamente anterior a esta, sendo que, a ser proferido saneador-sentença, tem o Tribunal de, ao fixar o prazo de depósito, fazer consignar essa eventualidade.</font><br>
<font>A Relação, apenas se debruçando sobre esta questão, revogou a decisão ordenando a sua substituição por outra a conceder novo prazo a se entender que a decisão de mérito deve ser proferida no saneador e, caso contrário, a fazer prosseguir sem consignação do remanescente do preço.</font><br>
<br>
<font>3.- Independentemente do (des)acerto da decisão e da sua inteligibilidade, esse recurso não tinha viabilidade nem a Relação podia conhecer da questão da oportunidade do despacho que fixou o prazo para o depósito.</font><br>
<font>Na realidade, o autor foi notificado do despacho a fixar o prazo do depósito bem como a indicar a respectiva cominação para a falta daquele.</font><br>
<font>Não reagiu quer dele agravando quer pedindo simplesmente a sua aclaração (para vir a decidir se interporia ou não recurso) quer arguindo nulidade alguma.</font><br>
<font>Qualquer divergência fosse quanto à oportunidade desse despacho ou ao seu teor fosse quanto ao momento em que o depósito deveria ser efectuado, teria de constituir o objecto da reacção que contra ele houvesse. Não o poderia ser em diversa altura nem em diverso meio processual. Mais tarde, ter-lhe-ia precludido o direito.</font><br>
<font>Deixou-o transitar .</font><br>
<font>Quando vem discutir a oportunidade do despacho a fixar o prazo de depósito e o seu teor, fá-lo em momento em que transitara já a decisão e em reacção a uma outra que se limitou a respeitar a cominação, baseada na lei, nele expressamente indicada.</font><br>
<font>Na medida do trânsito tomou-se indiscutível a decisão que fixou o prazo e o fez com a expressa menção da cominação legal.</font><br>
<font>Tinha a Relação de respeitar o caso julgado formado, o que não sucedeu. O discurso que desenvolveu em nada respeita a questão de que pudesse e devesse conhecer, daí que o seu valor não pode ser outro que não o de um </font><i><font>obiter dicta.</font></i><br>
<font>À Relação não restava outra solução que não a de necessariamente negar provimento ao 'agravo' de uma decisão, através do qual o autor apenas procurava a revogação da anterior transitada (e por si não respeitada em termos de depósito) e em que a ulterior (a agravada) nada mais fazia que, na sua sequência, a respeitar em absoluto.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se concede a revista e se revoga o acórdão, mantendo-se a decisão da 1ª instância.</font><br>
<font>Custas, em todas as instâncias, pelo autor.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 6 de Julho de 2004</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDLWu4YBgYBz1XKv9EhQ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Em 02.05.28, A propôs acção contra B - Companhia de Seguros, S.A., a fim de, por efectivação da responsabilidade civil, ser condenada a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 99.06.01, cerca das 17h 30m, na rotunda do Lidl, E. N. 247-5, em Tires, Cascais, culposa e exclusivamente causado por C, € 60.599,92 acrescidos de juros de mora.</font><br>
<br>
<font>Contestando, a ré impugnou tão só a extensão dos danos e o montante indemnizatório.</font><br>
<font>Prosseguindo o processo, procedeu parcialmente a acção, por sentença que a Relação, sob apelação de ambas as partes, revogou quanto ao valor indemnizatório.</font><br>
<font>Pediram revista a autora e, subordinadamente, a ré (fls. 366 e 370).</font><br>
<font>A autora circunscreveu o âmbito do recurso à indemnização do lucro cessante (perda de um ano lectivo e consequente atraso da entrada na vida profissional, o que tem como determinado pelo acidente que sofreu e respectivas lesões) tendo por adequada a de € 5.117,00 e à compensação por danos não patrimoniais que a Relação reduziu de € 35.000 para € 15.000.</font><br>
<font>Assim, tem por violado o disposto nos arts. 349, 494 e 496 CC e 712 a) CPC.</font><br>
<font>A ré circunscreve o âmbito do recurso à compensação pelos danos não patrimoniais à qual, por ter como excessiva a arbitrada, contrapõe a de € 5.000 e ao termo inicial da obrigação de juros - por o acórdão recorrido dever ser interpretado como actualizador - que deve ser a data do encerramento da discussão em 1ª instância e não a da citação.</font><br>
<font>Assim, tem por violado o disposto nos arts. 496 n. 3, 494, 566 n. 2 e 295 CC.</font><br>
<font>Apenas contraalegou a ré, pedindo a improcedência do recurso principal.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Nos termos do art. 713 n. 6, ex vi do art. 726, ambos do CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto, sem prejuízo de oportunamente se sintetizar a que interessa aos presentes recursos.</font><br>
<br>
<font>Decidindo:</font><br>
<br>
<font>1.- Ao Supremo Tribunal de Justiça é lícito censurar o uso dos poderes que à Relação são cometidos pelo art. 712 n. 1 CPC mas já não o contrário, o não uso.</font><br>
<font>Não compete ao STJ a fixação da matéria de facto, à que vem fixada pelas instâncias, maxime pela Relação, aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado (CPC - 729, n. 1).</font><br>
<font>As presunções não são propriamente um meio de prova mas um processo lógico ou mental para, socorrendo-se de um facto conhecido e verificando que, com base nas regras da experiência, ele denuncia a existência de um outro afirmar este.</font><br>
<font>Por conseguinte, afirmá-lo ainda que por recurso a presunções, situa-se no domínio do facto e o conhecimento desta matéria é vedado ao STJ (diverso é poder o STJ conhecer se foi respeitado esse percurso).</font><br>
<font>A autora entende que a Relação errou por não ter aplicado o disposto no art. 349 CC a fim de extrair dos factos provados em resposta aos quesitos 2, 3, 6, 11, 12, 14, 16 e 19 bem como da al. g) «a ilação de que o estado de nervosismo e de ansiedade tenha tido como causa o acidente ocorrido 15 dias antes» (fls. 394), «o nexo causal entre o acidente e o estado anímico ... no dia do exame» (fls. 393).</font><br>
<font>O nexo causal decompõe-se primeiramente na vertente do facto (matéria de facto) e só depois na de direito (aquela matéria dever ser considerada ou não causa adequada).</font><br>
<font>A autora, apelando, pretendia a alteração da resposta aos quesitos 33 e 36 tendo como provados, por presunção, os mesmos, o que a Relação fundamentadamente recusou.</font><br>
<font>Daqui resultam duas conclusões - a Relação não fez uso dos poderes cometidos pelo art. 712 CPC e está-se no domínio do facto.</font><br>
<font>Vedado ao Supremo Tribunal de Justiça quer o censurar o não-uso quer o conhecer da decisão de facto (impossível enquadrar a problemática nalguma das excepções referidas nos arts. 722 n. 2 e 729 n. 3 CPC).</font><br>
<br>
<font>2.- A autora tinha 16 anos quando sofreu o acidente em causa e em virtude do qual lhe foi fracturada o terço médio da tíbia direita, tendo por essa razão sido, entre 99.06.02 e 00.06.06, sujeita a 3 intervenções cirúrgicas, antes das quais ficava muito ansiosa e após as quais sentiu dores; teve consultas de ortopedia e fez fisioterapia, tendo tido dores nos primeiros tratamentos desta; considerada clinicamente curada em 00.05.16; esteve sem poder andar duas semanas, necessitando durante 3 meses de auxílio de terceiras pessoas para se levantar, tratar da sua higiene, vestir-se, alimentar-se e deslocar-se; sente dores na perna direita quando faz esforço ou há mudanças de tempo; ficou com 4 cicatrizes (uma no joelho com cerca de 8 cm; outra, de 2 cm, no terço superior da perna direita; duas, de cerca de 1 cm, no tornozelo, em virtude do que deixou de usar saia).</font><br>
<font>Comum a ambas as revistas, a compensação pelos danos não patrimoniais, fixada na sentença em € 35.000 o que a autora pretende se mantenha, tendo o acórdão reduzido para € 15.000 valor que a ré quer ver reduzido para € 5.000.</font><br>
<font>De há muito que a jurisprudência vem afirmando que a indemnização não pode ter um carácter miserabilista nem pode representar um negócio. Há que ser realista e criteriosamente recorrer à equidade, maxime quando se trate ou de compensação ou de indemnização por lucro cessante.</font><br>
<font>Isto não dispensa a análise comparativa com as atribuídas em casos similares nem a inserção actualista referida quer ao momento da lesão quer ao da fixação da indemnização e a evolução da economia.</font><br>
<font>Dano estético, pretium doloris, ansiedade e desgosto. Lesada estudante e com 16 anos que temporariamente se viu privada de andar e com capacidade limitada de movimentos e cuidar de si.</font><br>
<font>Afigura-se mais adequada e equitativa a compensação de € 12.500 que a arbitrada.</font><br>
<br>
<font>3.- Termo inicial da obrigação de juros.</font><br>
<font>Se a indemnização por facto ilícito ou pelo risco foi objecto de cálculo actualizado são devidos juros de mora a partir da data da decisão actualizadora, não se exigindo que o tribunal, expressa e explicitamente, afirme, sob pena de entendimento contrário, que o quantum atribuído é actualizado.</font><br>
<font>Em princípio, a decisão que a arbitre deverá ser actualizadora como decorre dos arts. 566 n. 2 CC e 663 n. 1 in fine CPC.</font><br>
<font>Sucede, porém, que não foi esse o caso como resulta da interpretação do acórdão.</font><br>
<font>Com efeito, refere que a sentença não procedeu à actualização, o que a ré reconhece, e, pelo discurso lógico justificando a redução da compensação, observa-se que seguiu precisamente nessa esteira, ou seja, aceitou raciocinar e atribuir um quantum dentro do parâmetro temporal considerado por aquela.</font><br>
<font>É ainda exactamente no respeito e seguimento do mesmo raciocínio que ora se a fixa em menor valor, pelo que os juros moratórios são devidos desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Termos em que </font><b><font>nega a revista da autora</font></b><font> e </font><b><font>parcialmente se</font></b><font> </font><b><font>concede a subordinada da ré</font></b><font>, fixando-se a compensação pelos danos não patrimoniais em € 12.500, no mais se mantendo o acórdão.</font><br>
<font>Custas - pela autora, na sua revista; - por autora e ré, respectivamente na proporção de 1/6 e 5/6, no recurso desta.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Maio de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDLiu4YBgYBz1XKvhU8n | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<br>
"A" - Unidade de Venda e Aluguer de Máquinas, alegando ser credora da requerida B, ser economicamente inviável e existirem vestígios de prática de crimes de insolvência dolosa ou eventualmente negligente, requereu, sine audite parte, ab initio, a declaração de falência, fixando-se a responsabilidade solidária e ilimitada dos gerentes C, D e E, indicando para gestor judicial provisório o Dr. F.<br>
Prosseguindo o processo, foi, após a produção da prova, ordenado o arquivamento dos autos considerando parte ilegítima a requerente e inexistirem os pressupostos legais.<br>
Inconformada, a requerente apelou, sem êxito (confirmada a sentença, embora com 2 doutas declarações de voto - entendendo que a requerente goza de legitimidade processual).<br>
Mais uma vez irresignada, pediu revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- apresentando-se como credora, é parte legítima,<br>
- sendo ainda que na fase declarativa do processo falimentar basta a prova sumária, de primeira aparência, sobre a indicação da origem, natureza e montante do crédito;<br>
- das declarações de G transcritas nas alegações da apelação resulta que a solicitação verbal da reparação das máquinas constitui uma verdadeira declaração negocial, pelo que é sindicável pelo STJ, por constituir verdadeira questão de direito;<br>
- um destinatário normal, colocado na posição do mesmo, não entenderia doutra forma - das declarações da requerida ter resultado o direito de encomendar as reparações por conta e risco desta independentemente de quem fossem os seus sócios na altura;<br>
- o depoimento da E, negando o facto, não deveria ser tomado em conta pelas instâncias;<br>
- os factos apurados no procedimento cautelar cuja decisão está certificada de fls. 383 a 387 não podem ser tidos aqui como meio de prova suficientes quer por tal decisão já ter sido anulada uma vez por falta de fundamentação quer por não ter transitado quer por ser inconstitucional o art. 522-1 CPC, por violação do art. 20-1 Const;<br>
- por outro lado, havendo factos indiciadores da prática dos crimes previstos nos arts. 325 a 327 CP, a instância devia ter seguido oficiosamente;<br>
- violado o disposto nos arts. 8-1, 17-1 e 224-2 CPEREF, 26-1 CPC, e 230-1, 234 e 236 CC.<br>
Contraalegando, a requerida defendeu a confirmação do acórdão.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -<br>
a)- a requerente dedica-se ao comércio de compra e venda de máquinas usadas para a construção civil e sua recuperação;<br>
b)- a requerida tem como objecto a indústria de construção civil e de empreitada de obras;<br>
c)- a requerida tem actualmente cerca de 15 trabalhadores, todos com o salário em dia,<br>
d)- está a pagar ao Fisco, faltando pagar 2 ou 3 prestações,<br>
e)- tem encomendas em regime de subempreitada, ocupando diariamente todos os trabalhadores,<br>
f)- as receitas mensais ascendem a uma média de 8/10 mil contos,<br>
g)- tem como património um estaleiro, que se avalia em 40.000.000$00 e as máquinas em 70.000.000$00;<br>
h)- as máquinas levadas pela requerente do estaleiro da requerida, quando foram devolvidas, apresentavam danos e avarias provocados pela requerente;<br>
i)- foram justificados créditos, até este momento, pelos credores BCP, IGFSS, H e Entreposto Setúbal, no montante de 122.818.000$00.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- A nova redacção do art. 26 CPC, em 1995/96, veio pôr termo à controvérsia entre 2 grandes Mestres - José Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães.<br>
Se já antes a doutrina e jurisprudência eram maioritárias no sentido de distinguir entre a questão processual e a de fundo, ficou claro agora que o interesse relevante para o efeito de legitimidade se afere pela relação controvertida tal como é configurada pelo autor.<br>
Nesse aspecto, assiste razão à requerente para se apoiar nas duas doutas declarações de voto.<br>
É, na realidade, parte legítima.<br>
<br>
2.- Todavia, já não lhe assiste razão quando, embora começando por afirmar que o STJ é um tribunal de revista, o pretende transformar em tribunal de instância.<br>
Com efeito, o STJ aplica definitivamente o direito aos factos materiais que do e pelo tribunal recorrido vêem fixados (CPC- 729,1).<br>
O facto não é o meio de prova. Este é produzido em ordem a demonstrar aquele.<br>
A prova testemunhal é um meio de prova; visa, portanto, a demonstração do facto que se questiona com vista a autorizar que o tribunal o possa fixar. Só depois deste fixado é que incide sobre ele a actividade interpretativa. Não se pode considerar demonstrado e fixado um facto porque um meio de prova se lhe referiu, mas apenas porque a prova produzida convenceu o tribunal da sua realidade.<br>
A prova testemunhal é de livre apreciação, não é prova de força vinculada. Depondo, a testemunha expressa os factos que conhece, directa ou indirectamente, e o tribunal valora o depoimento. A testemunha não expressa declaração negocial, pode referir-se à que diz conhecer. Na apreciação desse depoimento não deve nem tem o tribunal que se socorrer das regras de interpretação das declarações negociais. No final da audiência, o que se pede ao tribunal é que fixe o facto; interpretá-lo e submetê-lo ao direito é tarefa reservada para a sentença.<br>
Valorar o meio de prova para fixar o facto é totalmente distinto de interpretar o facto. Uma e outra desenvolvem-se em momentos diferentes e segundo critérios normativos distintos.<br>
Não pode, pois, a requerente pretender que o STJ se imiscua em esfera cujo poder de cognição lhe escapa.<br>
A referência ao valor extraprocessual das provas (CPC- 522) surge deslocada, não cabe num recurso de revista e, acrescente-se, que as decisões das instâncias, não se lhe reportam. Porque assim, não há que questionar da constitucionalidade do nº 1 daquele artigo.<br>
Inatacável a decisão do facto.<br>
<br>
3.- Não é a circunstância de no requerimento inicial se indicar haver indícios da prática de crime que pode justificar o prosseguimento oficioso do processo.<br>
O art. 224 CPEREF é claro ao mandar dar conhecimento ao Mº Pº para efeitos do exercício da acção penal (nº 1 e 3), inquirir as testemunhas sobre os factos alegados, extractando-se na acta os seus depoimentos (nº2).<br>
Percorrendo o processo, em vão poderá a requerente encontrar apoio e invocar aquele artigo (no despacho liminar, o relator pronunciou-se sobre as duas eventuais referências e como inexistem elementos que autorizem aqui reportá-las aos crimes alegados pela requerente e a quem os imputar).<br>
É com e sobre a factualidade provada e não com o que se alega que se tem de proferir a decisão.<br>
A requerente não logrou convencer o tribunal sobre os pressupostos da declaração de falência nem para a eventualidade de a instância prosseguir oficiosamente.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela requerente.<br>
<br>
Lisboa, 2 de Dezembro de 2003<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Reis Figueira</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QDLvu4YBgYBz1XKvZFz4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<br>
Por apenso à acção executiva em que é exequente o Banco, ....SA, e executado AA, veio este deduzir embargos de executado, com fundamento na prescrição da dívida exequenda.<br>
Na sentença, foram julgados procedentes os embargos à execução.<br>
Inconformado, apelou o embargado para a Relação de Lisboa, sustentando, em síntese, que a citação se não verificou nos cinco dias posteriores à instauração da acção executiva por causa que lhe não é imputável, pelo que a prescrição se deve ter por interrompida logo após o decurso daquele prazo.<br>
A Relação de Lisboa, por acórdão de 13.11.01, julgou o recurso procedente, revogando a sentença recorrida.<br>
Irresignado, interpôs o embargante o presente recurso de revista, que minutou concluindo da seguinte forma:<br>
1- Da letra/título executivo consta a morada correcta do ora recorrente/executado, onde acabou por cumprir-se a citação;<br>
2- Por razões desconhecidas, o ora recorrido/exequente indicou uma morada diferente, onde, como seria de esperar, o recorrente não foi citado;<br>
3- Posteriormente, goradas que foram as diligências para efectuar a citação, requereu o recorrido a citação edital do recorrente, a qual lhe foi negada, e bem, por falta de apoio legal;<br>
4- Somente em 14.7.98, encontrando-se já prescrito o direito de acção, é que o recorrido indicou a morada correcta do recorrente;<br>
5- A decisão de que ora se recorre fez errada interpretação das disposições contidas nos artigos 70º da LULL e 323º, nºs 1 e 2, do CC.<br>
<br>
Devendo a decisão recorrida ser revogada.<br>
Contra-alegou o recorrido Banco ...,SA, pedindo a manutenção do decidido no acórdão da Relação.<br>
Correram os vistos legais.<br>
Apreciando e decidindo.<br>
A Relação considerou provados os seguintes factos:<br>
A acção executiva deu entrada em juízo em 22.11.96, indicando-se como morada do executado a Rua 10, nº 25, do Bairro da Serafina, em Lisboa;<br>
A letra dada à execução tinha o seu vencimento em 15.3.95;<br>
Na referida letra constava ser o executado residente na Quinta do Bretão, lote ...Caneças, Odivelas;<br>
Em 17.5.97, foi lavrada certidão negativa de citação do executado, por ser desconhecido na morada indicada no requerimento executivo;<br>
Em 26.5.97, a exequente requereu a citação edital do executado, pedido que reiterou em 17.9.97;<br>
Em 27.5.98, sob solicitação do tribunal, a Administração Fiscal informou ser o domicílio fiscal do executado na Quinta das Almoinhas, ..., ..., Mealhada, Loures;<br>
Para esta morada foi enviada carta registada para citação do executado, a qual veio devolvida com a indicação de "endereço insuficiente";<br>
Em 14.7.98, a exequente requereu a citação do executado na morada que consta do título executivo, citação que ocorreu em 6.10.98.<br>
<br>
Em face desta panorâmica factual, vejamos.<br>
De acordo com o art. 70º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.<br>
Todavia, a prescrição pode ser interrompida pelo titular através da citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art. 323º, nº 1 do CC).<br>
E a interrupção da prescrição destrói ou inutiliza o prazo já decorrido, (art. 326º, nº 1, do CC) começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos art.s 327º, nºs 1 e 3 e 326º, nº 1, in fine.<br>
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias (art. 323º, nº 2, ibidem).<br>
Ao invés - como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 291 - se a culpa da demora for do requerente, atende-se ao momento em que a citação ou notificação efectivamente vierem a ocorrer.<br>
Ora, como se diz no acórdão da Relação:<br>
- O embargado instaurou a execução um ano e quatro meses antes da verificação da prescrição;<br>
- Apenas seis meses depois foi lavrada a certidão negativa da citação, na qual consta ser o executado desconhecido na morada indicada no requerimento executivo;<br>
- O embargado requereu a citação edital e reiterou esse pedido, sem lograr deferimento;<br>
- Quase um ano depois o tribunal encetou diligências junto da administração fiscal no sentido de apurar o paradeiro do embargante;<br>
- Este veio a ser citado apenas em 6.10.98, cerca de dois anos após a instauração da execução.<br>
<br>
Constata-se que a citação ocorreu mais de três anos após o vencimento da letra exequenda. Todavia, poreja dos autos que a não citação dentro dos cinco dias seguintes à instauração da execução não foi imputável, objectiva e (ou) subjectivamente, ao embargado, mas sim, como se expendeu no aresto em recurso, às vicissitudes de índole administrativa e processual que os autos espelham.<br>
Não colhe sequer o argumento de que o recorrido deu no requerimento executivo uma morada "falsa" do recorrente por ter indicado uma morada (Rua ..., nº ..., Bairro da Serafina, Lisboa) não condizente com a constante da letra exequenda (Quinta Bretão, Lote ..., Caneças, Odivelas), onde acabou, volvidos muitos meses, por se processar a citação.<br>
É que o recorrido tinha na sua posse os documentos de fls. 13 e 14, posteriores à letra exequenda, os quais juntou com a contestação, e nos quais consta a residência do recorrente na morada indicada no requerimento executivo.<br>
O recorrente impugnou a assinatura do primeiro desses dois documentos (uma letra de câmbio onde figura como aceitante) que, segundo ele, foi falsificada pelo sacador.<br>
Essa impugnação não invalida, contudo, que o recorrido estivesse convencido de que a morada era a que indicou no requerimento executivo.<br>
<br>
Estava de boa fé, não tendo agido com culpa, quando indicou aquela morada, e nem mesmo objectivamente devia indicar morada diferente, pois eram aqueles os elementos mais recentes de que dispunha.<br>
Deste modo, a falta de citação nos 5 dias seguintes à instauração da acção executiva não ocorreu por causa imputável ao recorrido.<br>
E não ocorreu antes de se perfazerem 3 anos sobre a data do vencimento da letra exequenda mercê das vicissitudes processuais e administrativas já escalpelizadas.<br>
Não merece portanto censura o acórdão da Relação, por isso que, como se decidiu no aresto deste Supremo, de 30.4.96, publicado no BMJ 456, pág. 376 e segs., para que se verifique a interrupção da prescrição em conformidade com os nºs 1 e 2 do art. 323º do CC, a lei não exige uma diligência excepcional ao autor, pedindo-lhe apenas que o requerimento da citação dê entrada em juízo antes de cinco dias do fim do prazo de prescrição e, caso a citação se não efective dentro desse período de tempo, que não lhe seja imputável a causa dessa demora, devendo a expressão «causa não imputável ao requerente», usada naquele artigo, ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação.<br>
<br>
Demonstrado que o recorrido estava de posse da indicação de uma morada do recorrente diferente da indicada no título executivo e mais recente do que esta, isso é o quantum satis para que se considere que a falta de citação dentro dos falados 5 dias não lhe é imputável, quer objectiva, quer subjectivamente por não estar obrigado a usar de maior diligência, tanto mais que a instauração da execução ocorria largos meses antes de expirar o prazo da prescrição, não estando razoavelmente no horizonte do recorrido, aquando da apresentação do requerimento executivo, que viessem a ocorrer as peripécias que os autos evidenciam e que por tempo demasiadamente longo foram protelando a citação.<br>
Não lhe podendo ser imputável a não citação dentro dos 5 dias, por interrompida se tinha de ter a prescrição, findo tal lapso de tempo, muito antes portanto do termo do prazo prescricional, justificando-se assim o naufrágio da arguida excepção, decretada na 2ª instância.<br>
De resto, indemonstrado está também que a morada do recorrente indicada no título executivo fosse a sua verdadeira residência aquando da instauração da execução. O facto de nela ter sido citado, não implica que nela residisse meses antes, no momento do início da execução.<br>
Também no acórdão deste Supremo, de 24.4.79, in BMJ 286, pág. 252 se decidiu que a demora da citação, para além dos 5 dias, não era imputável aos autores, apesar de ter havido, na petição inicial, errada indicação da residência de alguns dos citandos, desde que os factos atribuíveis aos autores, posteriores aos resultantes da acção ou inacção do Tribunal, não possam reportar-se, numa ordem de grandeza superando os deste, causa necessária das tardias citações.<br>
E como se escreveu no acórdão deste Supremo, de 9.2.95, publicado no MBJ 444, pág. 574, se o autor intentou a acção, requerendo a citação, com a antecedência legal mínima e, posteriormente, até à efectiva citação, não infringiu a lei, então esta, mediante o art. 323º, nº 2 do Código Civil, estabelece a seu favor a ficção de a citação ter ocorrido no 5º dia posterior ao respectivo requerimento.<br>
No mesmo sentido, também já se pronunciara este Tribunal no acórdão de 5.5.87, in BMJ 367, pág. 510, onde se expendeu que para a demora da citação ser de imputar ao autor, é necessário demonstrar o nexo de causalidade entre a sua conduta posterior ao requerimento para a citação e o resultado de a citação ter sido efectivada mais de 5 dias depois.<br>
<br>
Tudo visto e ponderado, acordam em negar a revista, com custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário em devido tempo concedido.<br>
<br>
Lisboa, 14 de Maio de 2002<br>
Faria Antunes<br>
Lopes Pinto<br>
Ribeiro Coelho</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
aDLYu4YBgYBz1XKvIUk5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I - "A" e mulher B intentaram acção com processo ordinário contra C - Empreendimentos Urbanos e Turísticos SA, pedindo que a ré seja condenada a pagar a quantia de 92.559,37 euros e juros.</font>
</p><p><font>Alegaram que o menor, seu filho, faleceu por afogamento numa piscina da ré, por omissão do dever de vigilância e ausência de meios de salvamento.</font>
</p><p><font>Contestando, a ré excepcionou a prescrição e a remissão, sustentou não ter qualquer responsabilidade e requereu a intervenção de D e da Companhia de Seguros E.</font>
</p><p><font>Foram admitidas as pretendidas intervenções, vindo a Seguradora invocar a prescrição e a outra chamada defender que não impende sobre ela qualquer responsabilidade.</font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo em despacho saneador sido julgadas improcedentes as invocadas excepções.</font>
</p><p><font>Apelou a ré e a Companhia de Seguros.</font>
</p><p><font>Teve lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente.</font>
</p><p><font>Recorreram os autores.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação confirmou o decidido.</font>
</p><p><font>Inconformados, recorrem os autores para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Formulam as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- O acórdão julgou improcedente a impugnação da matéria de facto, alegando que a Relação não pode, em princípio, alterar as respostas dadas aos quesitos pela 1ª instância;</font><br>
<font>- Com tal entendimento, o acórdão fez "tábua rasa" do estipulado no artigo 712º do CPC;</font><br>
<font>- E não deu cumprimento ao estipulado no n.º 5 do artigo 690-A do CPC;</font><br>
<font>- O acórdão julgou improcedente a arguição de nulidade da sentença, admitindo, no entanto a hipótese de erro de julgamento;</font><br>
<font>- A inexistir o alegado vazio legal, deveria o caso "sub-judice" ser resolvido com recurso à analogia, nos termos do artigo 10º do CC;</font><br>
<font>- E, em tal situação, deveria aplicar-se ao caso, a regulamentação da assistência aos banhistas nas praias, estabelecida pelo Dec.-Lei n.º 42305, ou caso tal não se entendesse, a regulamentação dos parques de diversões aquáticas, estabelecidas pelo Dec.-Lei n.º 65-A/97 e regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 5/97, ambos de 31.03.</font>
</p><p><font>Respondendo às alegações a ré defendeu que:</font>
</p><p><br>
<font>- O acórdão recorrido pronunciou-se sobre o recurso da matéria de facto, rejeitando-o e julgando-o improcedente, pelo que não existe motivo de nulidade nem violação do artigo 712º do CPC;</font><br>
<font>- A recorrida Vianorte não incorreu em qualquer tipo de responsabilidade, não tendo violado nenhum dever legal nem nenhuma obrigação contratual;</font><br>
<font>- Por isso, a decisão recorrida não merece qualquer censura;</font><br>
<font>- Provoca-se ainda a apreciação das questões suscitadas nas conclusões infra, nos termos do artigo 684º-A do CPC;</font><br>
<font>- A eventual responsabilidade pelo sucedido compete integralmente à interveniente D, tia do menor, que o acompanhava e a quem estava confiada a guarda e a obrigação de vigilância e que negligenciou e incumpriu os seus deveres. Não só omitiu os cuidados mínimos, que no caso se impunham por ser um menino doente, como inclusivamente distraiu-se na brincadeira com os outros, deixando o F só, na piscina, a afastar-se para a zona mais funda, a perder o pé e a afogar-se;</font><br>
<font>- Tendo o acidente do filho dos autores ocorrido em 28.08.1998 e a morte quatro dias depois e suscitando-se a mera e eventual responsabilidade civil da ré recorrida, "ab initio", não lhe é aplicável qualquer prazo prescricional eventualmente mais longo do que o ordinário, porque não existiu qualquer crime nem o facto era susceptível de constituir crime quanto à ré/recorrida, verifica-se a excepção peremptória da prescrição, que se invoca nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 493º do CPC.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>A ré é proprietária da Estalagem "Vianorte" e explora comercialmente uma piscina, aberta ao público, instalada na referida Estalagem;</font>
</p><p><font>Em 28 de Agosto de 1998, por volta da 11.30 horas, o menor F, na companhia das suas tias, D e G, bem como de três filhos menores destas, dirigiu-se à piscina propriedade da ré, sita na Estalagem Vianorte;</font>
</p><p><font>Efectuado o pagamento dos referidos ingressos, o grupo dirigiu-se para piscina grande do empreendimento;</font>
</p><p><font>Após algum tempo, quando se encontrava na referida piscina, o F perdeu os sentidos, tendo permanecido, aproximadamente durante cinco minutos, submerso nas águas da piscina;</font>
</p><p><font>O menor F foi retirado da piscina por um utente da mesma, depois de alertado pelos gritos das tias daquele;</font>
</p><p><font>O menor F deu entrada no Hospital de S. João no Porto, em 28.08.98, pelas 13.15 horas, aí vindo a falecer em 31.08.98;</font>
</p><p><font>A ré Vianorte celebrou com a interveniente Mundial Confiança um contrato de seguro titulado pela apólice com cópia junta a fls. 32;</font>
</p><p><font>Depois de retirado da piscina, o menor F foi assistido por H, também utente da piscina, que tentou restabelecer a respiração e a batida cardíaca do menor;</font>
</p><p><font>Na piscina havia um telefone pelo menos com ligação para a recepção, que foi usado para, através daquela, chamar meios de salvação;</font>
</p><p><font>Desde o momento em que foi detectado que o F se encontrava no fundo da piscina e o da chegada da equipa do INEM demoraram cerca de 15 minutos;</font>
</p><p><font>Desde o momento em que o F foi retirado da piscina até ao da chegada da equipa do INEM, ele permaneceu no chão, sem assistência médica e sob os cuidados de H, que não tem quaisquer conhecimentos em matéria de socorrismo e não tinha à sua disposição qualquer material médico de primeiros socorros;</font>
</p><p><font>Não se encontravam no local quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros;</font>
</p><p><font>O menor F foi transportado pelo INEM para o Hospital de S. João;</font>
</p><p><font>Na sequência do afogamento, o menor F viria a morrer, por "a anoxia cerebral que surgiu como complicação da asfixia, por submersão em água doce";</font>
</p><p><font>Se no local estivesse pessoal especializado e existissem meios técnicos de salvamento seria evitada a morte do menor;</font>
</p><p><font>O F era um rapaz cheio de vida e alegre;</font>
</p><p><font>Com o funeral os autores despenderam a importância de 183.300$00;</font>
</p><p><font>Na aquisição de terreno para a sepultura gastaram a importância de 160.000$00;</font>
</p><p><font>Na construção de um jazigo gastaram a importância de 250.000$00;</font>
</p><p><font>Os autores visitam a campa do filho diariamente, aí colocando flores e velas acesas, no que despendem, em média, a importância mensal de 100 euros;</font>
</p><p><font>Em deslocações ao Hospital, Instituto de Medicina Legal, Tribunal e Polícia, despenderam até à presente data a importância de 500 euros;</font>
</p><p><font>O F era o filho mais velho do casal, sendo um jovem meigo e carinhoso para os seus pais e irmão mais novo; sempre disponível para auxiliar a família e, designadamente, tomar conta do irmão;</font>
</p><p><font>Os autores sofreram um profundo desgosto, que alterou radicalmente e para sempre as suas vidas;</font>
</p><p><font>O autor marido começou a revelar atitudes de revolta e de grave desadaptação no seu local de trabalho, o que motivou a sua saída da empresa;</font>
</p><p><font>O autor marido esteve desempregado durante vários meses;</font>
</p><p><font>Na sequência da morte do seu filho, os autores perderam toda a vontade de viver, revelando grande insatisfação, quer em casa, quer junto dos seus amigos, cuja companhia praticamente deixaram de frequentar;</font>
</p><p><font>Aquando dos factos dos autos, o menor F encontrava-se a passar férias em casa da tia D, irmã do autor marido e madrinha do menor;</font>
</p><p><font>A tia D era a única do grupo que sabia nadar;</font>
</p><p><font>O F não sabia nadar e nunca tinha entrado numa piscina;</font>
</p><p><font>O F sofria de epilepsia com lipotomas (desmaios) de causa ansiogénica;</font>
</p><p><font>O F tinha o sonho de entrar numa piscina e estava ansioso e excitado;</font>
</p><p><font>Nas ocasiões que ia à praia e tomava banho no mar, o F era sempre acompanhado pelo pai e rodeado de cuidados;</font>
</p><p><font>O F tinha tomado um bom pequeno-almoço em casa da tia D;</font>
</p><p><font>A interveniente D não comunicou ao funcionária da ré que lhes facultou o acesso à piscina que o F sofria de epilepsia;</font>
</p><p><font>A tia D não tinha levado nenhuma bóia ou meio de salvação para o F usar na piscina e não os solicitou a nenhum empregado da ré;</font>
</p><p><font>O F meteu-se na piscina sem qualquer tipo de bóia ou meio de salvação;</font>
</p><p><font>A piscina tem 19,98 metros de comprimento e 10 de largura;</font>
</p><p><font>A certa altura, o F afastou-se para a parte mais funda da piscina, ficou sem pé e perdeu os sentidos, submergindo para o fundo da piscina;</font>
</p><p><font>A tia D encontrava-se longe do local, no lado contrário da piscina, a brincar com os outros;</font>
</p><p><font>A interveniente D não assistiu à entrada e presença do F na piscina;</font>
</p><p><font>A interveniente D e a sua irmão G deram conta da ausência do menor F e alertaram isso com gritos;</font>
</p><p><font>O F foi retirado do fundo da piscina por um dos utentes, após o que foi assistido por H, também utente da piscina, ao mesmo tempo que I telefonou para a recepção da estalagem a fim de, dali, convocarem os bombeiros, o que deu origem a que também o INEM fosse convocado ao local;</font>
</p><p><font>A ré tem um empregado responsável pela piscina, encarregado da vigilância e do apoio à piscina e pela sua organização, mormente ao nível do pessoal;</font>
</p><p><font>O encarregado da piscina tem formação em primeiros socorros, desde a altura em que fez a tropa;</font>
</p><p><font>No bar da piscina trabalhavam duas colaboradoras que a ré contratou sazonalmente para o Verão, para o serviço necessário;</font>
</p><p><font>No momento do acidente, se encontrava no espaço junto à piscina o respectivo encarregado, I;</font>
</p><p><font>Na piscina, está assinalada a profundidade de cada zona e sinalizada a descida de profundidade;</font>
</p><p><font>A piscina encontrava-se equipada com um telefone pelo menos com ligação para a recepção, croque metálico de 2 metros, com duas bóias circulares com retenida de 5,80 metros de comprimento e um kit de apoio e primeiros socorros, composto de um farmácia (com álcool, mercúrio, água oxigenada, tintura de iodo, compressas, pensos e medicamentos vários);</font>
</p><p><font>Até à época em que ocorreu o acidente, a ré Vianorte teve dificuldade em contratar um nadador-salvador para a piscina, dado o número de pessoas com tal habilitação ser, à época, insuficiente para as praias e estruturas hoteleiras e balneares com piscinas;</font>
</p><p><font>O F nasceu a 23 de Agosto de 1983 e foi registado como filho de A e de B;</font>
</p><p><font>A presente acção deu entrada em juízo a 7 de Fevereiro de 2002;</font>
</p><p><font>O acidente a que se reportam os autos deu origem, no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, aos autos de instrução n.º 165/01, em que figuravam como assistentes A e B e como arguidos D e J, enquanto administrador da sociedade Vianorte;</font>
</p><p><font>Naqueles autos de instrução, veio a ser proferido, em 30.11.2001, despacho que pronunciou a arguida D como autora material de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelos artigos 10º e 137º n.º 1, do Código Penal, e, ao mesmo tempo, de não pronúncia, quanto ao arguido J;</font>
</p><p><font>Aquele despacho veio a ser confirmado por acórdão desta Relação de 05.06.2002;</font>
</p><p><font>Por sentença de 10.07.2002, do Tribunal da Comarca de Matosinhos, a arguida D veio a ser absolvida do crime de homicídio por negligência de que fora pronunciada.</font>
</p><p><font>III - Está em causa a revista dos autores e o pedido de ampliação do âmbito do recurso, feito pela ré.</font>
</p><p><font>Socorrendo-se do disposto no artigo 684-A do C. Processo Civil, pede a recorrida que se reapreciem as questões por si suscitadas desde logo no recurso interposto do despacho saneador.</font>
</p><p><font>Na sua tese ocorreu a prescrição e impende sobre a interveniente a responsabilidade do acidente.</font>
</p><p><font>Vejamos a problemática da prescrição, analisando a questão da eventual responsabilidade civil dos réus de forma conjunta.</font>
</p><p><font>O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso (artigo 498º n.º 1 do C. Civil).</font>
</p><p><font>Se, porém, o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabelece prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável (n. 3 do referido artigo).</font>
</p><p><font>O alongamento justifica-se já que, se para efeitos penais se pode discutir a questão durante um prazo mais longo que o da acção cível, nada justificará que não se pudesse aproveitar tal prazo para apreciar a responsabilidade civil.</font>
</p><p><font>Como as instâncias já concluíram, os factos em causa são susceptíveis de integrar o crime de homicídio por negligência, punido, em abstracto, com pena de prisão até 3 anos, de onde resulta um prazo de prescrição de 5 anos (artigos 10º, 137º n.º 1 e 118 n.º 1, alínea c), todos do C. Penal).</font>
</p><p><font>Defende, contudo, a ré recorrente que não lhe é aplicável qualquer prazo prescricional mais longo do que o ordinário, porque só responderá, eventualmente, a título de responsabilidade civil e não criminal. Terá por isso ocorrido a prescrição.</font>
</p><p><font>A questão de saber se o disposto no artigo 498º n.º 3 do C. Civil se aplica ou não aos responsáveis meramente civis, não é de solução pacífica.</font>
</p><p><font>A ré, como pessoa colectiva que é, é um centro autónomo de relações jurídicas, autónomo mesmo em relação aos seus membros ou às pessoas que actuam como seus órgãos. Mas, tal não significa que a pessoa colectiva não responda pelos actos de quem legitimamente actue em seu nome. As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários (artigo 165º do C. Civil).</font>
</p><p><font>A responsabilidade civil das pessoas colectivas abrange a responsabilidade contratual e extracontratual, remetendo a referida norma para o artigo 500 do C. Civil.</font>
</p><p>
</p><p><font>Para que a pessoa colectiva responda é assim necessário que sobre o órgão, agente ou mandatário recaia igualmente a obrigação de indemnizar, o que sucede quando existe culpa da pessoa física que praticou o acto ilícito causador do dano, excepto se se tratar de matérias onde responda sem culpa; que o acto causador dos danos tenha sido praticado pelo órgão, agente ou mandatário no exercício da função que lhe foi confiada, ou seja por causa das suas funções e não apenas por ocasião delas. Essa responsabilidade mantém-se mesmo que o acto seja praticado intencionalmente em vista de um interesse próprio do seu autor. O acto, embora doloso, desde que praticado em vista do interesse da pessoa colectiva ou em conexão com ele, responsabiliza esta, se tiver sido praticado no exercício de função que lhe foi confiada (artigo 500 n.º 1 e 2 do C. Civil).</font>
</p><p><font>A posição do comitente é assim de garante da indemnização perante o lesado, pelos actos praticados pelo comissário, que causem danos e independentemente de culpa sua.</font>
</p><p><font>Se a vontade legislativa foi dar cobertura à obrigação devida ao lesado, tal cobertura deve manter-se no campo da prescrição, ou seja o comitente não pode deixar de cobrir a indemnização devida ao lesado por todo o tempo em que o comissário estiver obrigado a indemnizar "pelo que a obrigação só deve prescrever quando o mesmo acontecer com a obrigação do comissário" - Ac. STJ de 22.02.94, CJ I, pág. 126.</font>
</p><p><font>Veja-se, aliás, que a letra do artigo 498 n. 3 - "Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável" - não faz qualquer distinção pelo que é aplicável a todos os responsáveis, quer civis quer criminais. Necessário é tão só que tenha havido crime sujeito a prescrição de prazo mais longo.</font>
</p><p><font>Conclui-se assim que não ocorreu a prescrição.</font>
</p><p><font>Importa, pois, analisar a problemática da responsabilidade.</font>
</p><p><font>Diga-se antes de mais que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, não é possível alterar a matéria de facto. A censura do Supremo sobre a apreciação da matéria de facto seria admissível se as instâncias tivessem atribuído ao meio de prova um valor que ele não comporta ou tivessem deixado de lhe conceder o seu valor legal (artigo 722º n.º 2 do C. Processo Civil), o que não é claramente o caso.</font>
</p><p><font>Nem o Supremo pode exercer, sem mais, censura sobre o não uso pela Relação dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 712º do C. Processo Civil, podendo-o fazer sobre o seu uso, mas, mesmo neste caso, a possibilidade de sindicância por este Tribunal não poderá ultrapassar a perspectiva formal e processual.</font>
</p><p><font>Não tem assim razão de ser a pretensão dos recorrentes, devendo este Tribunal aceitar a factualidade apurada pelas instâncias e ainda as presunções de facto daí extraídas.</font>
</p><p><font>Da matéria de facto considerada provada conclui-se desde logo que nenhuma responsabilidade é possível imputar à chamada D, como, correctamente foi reconhecido na decisão impugnada (como aliás, o foi no processo crime que correu termos), nada se tomando necessário acrescentar a esse respeito.</font>
</p><p><font>O cerne da questão consiste em saber se a ré sociedade é ou não responsável. A Companhia de Seguros responderá nos termos do contrato celebrado, se existir obrigação de indemnizar por parte da segurada.</font>
</p><p><font>Está em causa um afogamento numa piscina explorada comercialmente pela sociedade ré, aberta ao público, instalada numa estalagem propriedade da mesma ré e onde se tem acesso mediante pagamento de determinada importância. A piscina com 19,98 metros de comprimento e 10 metros de largura, tem uma profundidade suficiente para os utentes ficarem "sem pé".</font>
</p><p><font>Está-se no campo da responsabilidade civil extracontratual, ou seja da que resulta da violação de um dever geral de abstenção contraponto a um direito absoluto, no caso, direito de personalidade.</font>
</p><p><font>São conhecidos os pressupostos: o facto, o dano, a ilicitude, a culpa, o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 483 n. 1 do C. Civil). </font>
</p><p><font>Existindo no nosso ordenamento jurídico uma responsabilidade objectiva (artigo 483º nº 2 do C. Civil) e casos de responsabilidade por actos lícitos ou intervenções lícitas (artigo 339º do C. Civil por exemplo), a verdade é que o que aqui interessa analisar é a responsabilidade civil subjectiva por factos ilícitos.</font>
</p><p><font>Embora se assista hoje a uma forte tendência no sentido de aumentar a responsabilidade objectiva, mantêm-se o primado da culpa, continuando esta a ser a pedra base do edifício da responsabilidade civil.</font>
</p><p><font>No caso em análise o único pressuposto que pode ser questionado é exactamente a culpa. Os danos causados pela morte do menor na piscina poderão ser imputados ou não à ré e, por virtude do contrato, à Companhia de Seguros?</font>
</p><p><font>Vem dado como assente que o menor permaneceu cerca de 5 minutos submerso na água da piscina, tendo sido retirado por um utente da mesma, depois de alertado por gritos, sendo assistido por um utente que tentou restabelecer a respiração e a batida cardíaca do menor. Chamados os meios de salvação, a equipa do INEM demorou cerca de quinze minutos. </font>
</p><p><font>Desde o momento em que a vitima foi retirada da piscina até ao da chegada do INEM, a mesma permaneceu sem assistência médica de qualquer espécie, não se encontrando no local quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros.</font>
</p><p><font>Foi dado ainda como assente que "se no local estivesse pessoal especializado e existissem meios técnicos de salvamento seria evitada a morte do menor. Tendo que se considerar tal como uma conclusão, a verdade é que a mesma foi tirada dos factos apurados. O menor, saliente-se, veio a falecer no hospital três dias depois.</font>
</p><p><font>A exploração comercial de uma piscina aberta ao público onde, independentemente da idade ou de uma eventual incapacidade, qualquer pessoa pode entrar mediante o pagamento de determinada importância, impõe especiais cuidados por parte de quem usufrui dos proventos que a mesma proporciona. </font>
</p><p><font>O nº 2 do artigo 493º do C.Civil estipula que quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados é obrigado a repara-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.</font>
</p><p><font>Está-se perante uma situação de presunção de culpa, cabendo ao demandado provar que empregou todas as medidas exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos causados. </font>
</p><p><font>Esta inversão do ónus da prova justifica-se pelo perigo que certas coisas ou actividades representam como causa de danos, ou, dito de outro modo, do risco que a ausência de especiais precauções pode acarretar nesses casos.</font>
</p><p><font>Não basta assim que se prove a normal diligência, tornando-se necessário que se alegue e prove terem sido adoptadas as precauções particulares que a técnica respectiva indicar como idóneas a prevenir os resultados danosos de actividades intrinsecamente perigosas ou a perigosidade dos meios principal ou acessoriamente utilizados - Cons. Rodrigues Bastos " Notas ao Código Civil" II, página 292.</font>
</p><p><font>Não dizendo a lei o que se entende por actividade perigosa, deverá existir uma cautelosa e ponderada apreciação casuística.</font>
</p><p><font>Tratando-se de piscina aberta ao público em geral há que ter em conta o risco que a ausência de vigilância da sua utilização pode causar. São relativamente vulgares os acidentes ocorridos em piscinas públicas, sendo de considerar tal actividade como perigosa por sua própria natureza, para os efeitos no disposto no citado artigo 493º nº2. </font>
</p><p><font>Não se tendo para estes casos optado por uma responsabilidade objectiva, continuando a considerar-se a culpa como fundamento da responsabilidade, agravou-se, contudo, a medida de ordinária diligência que o agente deve prestar, pondo a seu cargo o dever de adoptar todas as medidas aptas a evitar o dano, o que se justifica pela periculosidade que a actividade representa e pela previsão de dano, excluindo-se a responsabilidade " só para as lesões absolutamente inevitáveis"- Prof. Vaz Serra, Bol. 85, págs. 376 e 378; Acs. STJ de 17-3-98 CJ I, pág. 138. </font>
</p><p><font>A utilização da piscina por todos aqueles que pagarem o ingresso é, desde logo em abstracto, uma actividade perigosa quando em funcionamento. </font>
</p><p><font>Nem aproveita à ré recorrida o facto de na piscina estar assinalada a profundidade (bastará pensar nas crianças e analfabetos) nem o facto de existir um telefone com ligação para a recepção ou a circunstância de existir um empregado encarregado da piscina.</font>
</p><p><font>A verdade é que não se encontravam no local " quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros" e, como já descrito, ninguém com conhecimentos específicos socorreu o menor.</font>
</p><p><font>Ora, a ré só veria a sua responsabilidade excluída se provasse que empregou todas as providências, todas as medidas e meios exigidos para impedir um afogamento evitável na piscina sua propriedade. </font>
</p><p><font>Diga-se que a existência ou não existência de legislação especial sobre o caso não afastam sem mais, os princípios enunciados. De qualquer forma situações algo similares têm merecido especiais cautelas, como é o caso do funcionamento dos recintos com diversões aquáticas (Dec-lei 65/97 de 31 de Março e Decreto Regulamentar nº5/97 de 31 de Março).</font>
</p><p><font>Sendo a ré responsável e respondendo a seguradora nos termos contratuais, importa quantificar os danos.</font>
</p><p><font>Há que reparar os danos patrimoniais e compensar, até onde possível, os danos não patrimoniais ( artigos 562º, 563º, 564º, 566º e 496º, todos do Código Civil).</font>
</p><p><font>Vem dado como provado que os autores, por virtude da morte do filho, despenderam cento e oitenta e três mil e trezentos escudos com o funeral, cento e sessenta mil escudos com o terreno da sepultura, duzentos e cinquenta mil escudos com o jazigo e quinhentos euros em deslocações, o que totaliza 3.459,37 euros. </font>
</p><p><font>Peticionaram os autores a quantia de 25 mil euros pelo direito à vida e 25 mil euros por prejuízos patrimoniais, importâncias que não sofreram oposição válida. </font>
</p><p><font>Pedem ainda os autores a importância de 25 mil euros a título de danos morais e uma quantia mensal para deslocações ao cemitério, quantia que terá de ser considerada abrangida nos danos não patrimoniais pedidos.</font>
</p><p><font>As importâncias estão dentro dos montantes que este tribunal tem ultimamente considerado razoáveis pela morte de um jovem de 15 anos, que subitamente os pais perderam. </font>
</p><p><font>Condenam-se assim a ré Sociedade e a Seguradora, solidariamente, a pagarem aos autores a quantia de 78.459,37 euros e juros como pedidos.</font>
</p><p><font>Nos termos expostos concede-se a revista.</font>
</p><p><font>Custas na proporção do vencido. </font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 8 de Março de 2005</font>
</p><p><font>Pinto Monteiro,</font>
</p><p><font>Lemos Triunfante,</font>
</p></font><p><font><font>Reis Figueira.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_zLvu4YBgYBz1XKvH1t7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>AA requereu, junto do Tribunal Judicial de Gondomar, a ratificação judicial do embargo extra-judicial de obra nova, contra a Câmara Municipal de Gondomar ( naturalmente, o Município de Gondomar).</font><br>
<font>Alegou que é proprietário de um prédio rústico, que identifica, o qual se encontra dividido pelo novo traçado da EN nº 219 ( supomos tratar-se da EN 209), entre o Porto e Gondomar; uma das parcelas encontra-se ladeada, por um lado pelo novo traçado da dita EN, e pelo outro traçado antigo; no dia 11/11/00, o requerente encontrou a trabalhar naquela sua propriedade uma máquina retro-escavadora e vários trabalhadores, que abriram uma vala com cerca de 4 metros de largura, 3 de fundo e 30 de extensão, na diagonal do respectivo terreno, iniciando-se na confrontação deste com o antigo traçado da EN 219 e prolongando-se em direcção ao novo traçado; tal obra iniciou-se e desenrolou-se à revelia do requerente, que a não consentiu; a prossecução da obra, com a colocação de manilhas de betão, com cerca de 1,50 metros de diâmetro e 3 de profundidade, torna impraticável a reintegração do requerente na plenitude do seu direito de propriedade, motivo por que, naquele mesmo dia, na presença de 2 testemunhas e da autoridade policial, comunicou ao responsável da obra que a mesma se encontrava embargada, tendo o mesmo dito que a obra era da Câmara Municipal de Gondomar, como tudo consta do auto de ocorrência lavrado pela PSP naquela data ( doc. agora junto a fls. 26).</font><br>
<br>
<font>Citada a requerida, deduziu oposição, na qual arguiu a excepção da incompetência material do tribunal judicial ( neste caso de Gondomar), a impossibilidade legal do presente embargo e a caducidade do mesmo; e defendeu-se depois da impugnação.</font><br>
<font>Para sustentar a incompetência material do tribunal judicial, alegou a CMG que estava a concluir uma obra iniciada em 1998 e que se destinava a enterrar uma conduta de água, para dessa forma guiar um curso de água que ali corria e a proceder ao aterro de um local que se apresentava como um anterior barranco; estas obras tinham sido acordadas entre a requerida e os três proprietários dos terrenos em causa, e haviam sido decididas por deliberações da CMG de 25/06/90 e de 21/12/92 ( doc. que junta a fls. 36 a 41); mais tarde, em 1998, quando foi construído o novo traçado da EN, decidiu a requerida, não só nivelar um dos terrenos, como os três para o que solicitou e obteve a devida autorização dos respectivos proprietários.</font><br>
<font>Consequentemente, sustenta a requerida, a obra decorre de acto administrativo, praticado pela Autarquia no exercício de um poder público e por causa dele, tratando-se por isso de acto de gestão pública, pelo que o tribunal competente é o administrativo: art. 3 do ETAF.</font><br>
<font>Em sede de impugnação, disse: que em 25/06/90 e 21/12/91, a CMG deliberou adquirir uma parcela de terreno contígua à do requerente (assinalada com “A” na planta de fls. 42), para possibilitar a construção do novo traçado da EN 209 ( doc. de fls. 36 a 41 e 42); no seguimento das deliberações tomadas, a CMG decidiu proceder à colocação de um colector de betão, com 1 metro de diâmetro, para drenagem das águas pluviais existentes no local, colector colocado entre 16/06/98 e 26/08/98, no limite entre o terreno assinalado com letra “A” e o terreno do requerente, assinalado com a letra “ B” na mesma planta; tal colector foi colocado com total consentimento do anterior proprietário do terreno ora do requerente; após a colocação do colector, foi o terreno do ora requerente e dos demais vizinhos aterrado em parte, através de colocação de terra por parte de desconhecidos; o que provocou fissuras no colector anteriormente ( colocado), pelo que a CMG se viu obrigada a proceder a um reforço de betão, trabalho esse iniciado em 17/10/00 e interrompido em 11/11/00, aquando do embargo extrajudicial; a intenção da requerida era reforçar o colector colocado em 1998 e depois proceder à regularização de todo aquele local, procedendo ao aterro dos três prédios existentes entre o novo e o antigo traçado da EN 209 ( doc. de fls. 42); assim, a regularização do terreno com a colocação do colector e posterior aterro já tinha sido acordada com os anteriores proprietários do prédio do ora recorrente; a CMG não tinha intenção de colocar quaisquer manilhas de betão no terreno do requerente, uma vez que tais manilhas já tinham sido colocadas em 1998, com conhecimento e autorização dos anteriores proprietários do terreno do ora requerente.</font><br>
<br>
<font>O Sr. Juiz proferiu então despacho, no qual conclui que se tratava de acto de gestão pública, pelo que materialmente competente não era o tribunal judicial, mas o administrativo, motivo por que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria e absolveu a requerida da instância.</font><br>
<br>
<font>Recorreu o requerente de agravo para a Relação do Porto, que deu provimento ao recurso, revogou o despacho recorrido e mandou substituí-lo por outro que julgue o tribunal judicial de Gondomar competente em razão da matéria.</font><br>
<font>Para assim decidir, sustentou a Relação que a causa de pedir na presente acção (procedimento cautelar) é constituída basicamente pela realização de trabalhos em terreno do agravante, levados a cabo pela agravada sem seu consentimento; por isso, a obra em causa não assenta em qualquer acto de gestão pública; o colector foi colocado no limite entre o terreno assinalado com a letra “A” e o terreno do requerente, assinalado com a letra “ B”; por isso, o colector não está colocado no terreno do agravante, mas no limite do terreno deste com o terreno “A”; as alegadas deliberações da CMG tiveram unicamente como objecto a aquisição de uma parcela contígua à do agravante; os trabalhos em causa foram levados a efeito no terreno do agravante; não obstante a competência das CM, definida no art. 64º da Lei 169/99, de 18 se Setembro, tal norma visa só a construção, criação e gestão dos equipamentos, etc, integrados no património municipal ou colocados por lei sob administração municipal ( al. f) do nº 2); ora, as obras foram levadas a efeito no terreno do agravante, sendo que o colector necessitado de reparação não estava no terreno do agravante, mas no limite dele com o terreno “ A”.</font><br>
<br>
<font>Recorre agora a requerida, de novo de agravo, para este Supremo Tribunal.</font><br>
<font>Alegando, concluiu:</font><br>
<font>1) As obras em questão, objecto do embargo extra-judicial, já tinham sido anteriormente decididas pelas deliberações camarárias de 25/06/90 e de 21/12/92.</font><br>
<font>2) No Âmbito das citadas deliberações, a CMG adquiriu uma parcela de terreno contígua à do requerente, para possibilitar a construção de um novo traçado da EN 209.</font><br>
<font>3) No seguimento de tais deliberações, a requerida e ora recorrente decidiu proceder à colocação de um colector de betão, de 1 metro de diâmetro, no limite entre o terreno contíguo ao do recorrido e o seu próprio terreno, tendo em vista a drenagem das águas pluviais existentes no local.</font><br>
<font>4) Posteriormente à colocação de tal colector, foi o terreno do recorrido, bem como o dos vizinhos, aterrado em parte, através da colocação de terra por parte de desconhecidos.</font><br>
<font>5) O que significa que as obras embargadas decorrem de acto praticado pelo órgão da administração, no exercício de um poder público, sendo por isso acto de gestão pública, o que determina a competência dos tribunais administrativos.</font><br>
<font>6) O recorrido reconheceu expressamente, nas suas alegações de recurso, que a obra em causa se baseou em acto de gestão pública.</font><br>
<font>7) Seja como for, tais obras deviam ter sido consideradas como excluídas da competência dos tribunais comuns, nos termos do art. 414º do CPC.</font><br>
<font>8) De facto, face à nova redacção dada ao dito preceito do CPC, não podem subsistir dúvidas que as obras das autarquias locais, efectuadas em terrenos particulares, não podem ser embargadas.</font><br>
<font>9) A expressão “ relação jurídico-administrativa”, contida em tal preceito, não tem actualmente o mínimo de correspondência verbal na letra da lei: art. 9º, nº 2 do CC.</font><br>
<font>10) É que, se no âmbito da anterior redacção se entendia que o art. 414º, nº 1 não abrangia as obras das autarquias quando realizadas nos terrenos particulares, tal não sucede face à redacção introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.</font><br>
<font>11) Foram violados os art. 414º do CPC, 4, nº 1, e) e f) do ETAF, 18 da LOTJ e 66 do CPC.</font><br>
<br>
<font>O recorrido contra-alegou em apoio do decidido.</font><br>
<br>
<font>Neste STJ, o MP emitiu douto parecer no sentido de que materialmente competente é o tribunal judicial, confortando-se na doutrina de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição (1997), 229 e 245 e do acórdão deste STJ de 04/03/97, na CJ/STJ, V, 1, 125, argumentando que a presente providência cautelar é instrumental de uma acção de defesa da propriedade, portanto de natureza cível, para concluir que, no caso, a CMG surge despida do jus auctoritas, pelo que não se trata de acto de gestão pública.</font><br>
<br>
<font>A matéria de facto relevante é a que consta alegada pelas partes e dos documentos por elas referidos, juntos sem impugnação (nenhum foi impugnado), bem como do documento de fls. 7, por onde se vê que o prédio rústico designado “ Campos dos Lameirinhos e Toural”, ou “ Campo da Baleira Pequena e Campo de Cova Má”, descrito na CRP de Gondomar sob a ficha 00956/251191, foi registado (provisoriamente por dúvidas) em favor do requerente em 13/7/99.</font><br>
<br>
<font>A única questão posta é a de saber qual o tribunal materialmente competente: o comum ( judicial) ou o administrativo?</font><br>
<font>Antes de mais uma nota de esclarecimento: a questão acima alinhada sob os nºs 6 a 11 das conclusões da recorrente ( de o embargo não ser possível, no quadro do art. 414º do CPC) não se põe directamente a este Tribunal, como não chegou a colocar-se à Relação:</font><br>
<font>essa questão foi, sim, colocada na oposição da recorrida perante a primeira instância, mas não foi por esse Tribunal tratada nem resolvida, dado o mesmo ter decidido em função de uma questão prévia, que era a da incompetência material do tribunal, por entender tratar-se de um acto de gestão pública da requerida. Consequentemente, a primeira instância não se pronunciando sobre esta questão.</font><br>
<font>A impossibilidade de embargar aquela obra, por se tratar de obra de uma autarquia, nos termos do art. 414º do CPC, também não foi posta a Relação, até porque quem arguiu a incompetência foi a requerida e quem recorreu para a Relação foi o requerente.</font><br>
<font>Assim, tal questão está fora do âmbito de conhecimento deste Tribunal (art. 660º, nº 2, 661º, nº 1 e 667º, nº 1 do CPC), devendo, naturalmente, ser apreciada pelo Tribunal que vier a ser julgado materialmente competente.</font><br>
<br>
<font>Vejamos, portanto, a questão posta: competência material para conhecer do pedido de ratificação judicial do embargo extra-judicial de obra nova feita pelo Requerente. </font><br>
<font>Aplicável é o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (vulgo ETAF), aprovado pelo DL 129/84, de 27 de Abril, visto que a Lei 13/02, de 19 de Fevereiro, que o revoga e substitui, ainda não entrou em vigor ( seu art. 9º).</font><br>
<font>Isto posto, a jurisdição administrativa ( e fiscal) é exercida pelos tribunais administrativos, definidos como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-lhes, na administração da justiça, assegurar a defesa dos interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (e fiscais): art. 1º e 3º do referido ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.</font><br>
<font>Depois, distribuindo esta competência pelos diversos tribunais administrativos, estabelecida aquela lei que compete aos tribunais administrativos ( de círculo) conhecer, entre outras, das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso: art. 51º, nº 1, h) do mesmo ETAF.</font><br>
<font>No entanto, encontravam-se excluídos da jurisdição administrativa (e fiscal) os recursos e as acções, que tivessem por objecto, entre outras, as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes fosse pessoa de direito público: art. 4º, nº 1, f) do ETAF.</font><br>
<font>Por seu lado, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria; fora do âmbito da jurisdição administrativa ( e fiscal) é aplicável o disposto na lei de processo civil: art.s 1º e 4º, nº 4 da Lei de Processo Penal nos Tribunais Administrativos, vulgo LPTA, aprovada pelo Decreto- Lei nº 267/85, de 16 de Julho ( este também declarado revogado e substituído pela Lei 15/02, de 22 de Fevereiro, que também ainda não entrou em vigor: seu art. 7º).</font><br>
<br>
<font>Toda a questão reside em saber se ao actos (obras realizadas pela autarquia) deve ser considerados como actos de gestão pública ou como actos de gestão privada; bem como qual a natureza da relação jurídica em litígio: art. 3º e 51º, nº 1, h) do ETAF.</font><br>
<font>Porque, sem dúvida que são actos de um autarquia local, portanto uma pessoa colectiva de direito público.</font><br>
<font>Assim, se forem considerados actos de gestão pública, eles serão materialmente da competência dos tribunais administrativos ( art. 214º, nº 3 da CRP e art. 51º, nº 1, h) do mesmo ETAF). Se forem considerados actos de gestão privada, materialmente competentes serão os tribunais judiciais comuns ( art. 213º, nº 1 da CRP, art. 4º, nº 1, f) do ETAF e art. 66º do CPC).</font><br>
<font>Esta é portanto a questão.</font><br>
<br>
<font>Conceito de actos de gestão pública.</font><br>
<br>
<font>Pires de lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, vol. III, 4.ª edição, 510/511) definem, em geral, os actos de gestão privada como “ aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitas às mesmas regras que vigorariam para a hipótese de serem praticados por simples particulares. São actos em que o Estado ou a pessoa colectiva pública intervém como um simples particular, despido do seu poder público.</font><br>
<font>Tratando-se de actos de gestão pública, a responsabilidade daquelas entidades deve naturalmente obedecer a princípios muito diferentes, visto se admitir a responsabilidade do estado pela prática de actos ilícitos (…) e nem sempre se conceder ao Estado e demais pessoas públicas o direito de regresso ( …)”.</font><br>
<font>Vaz Serra ( em anotação ao acórdão do STJ de 16/05/69, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, 350/351) seguiu idêntico critério para saber se o acto se integra, ou não, numa actividade de direito público: “ se ele se compreende numa actividade de direito privado duma pessoa colectiva pública, da mesma natureza da actividade de direito privado desenvolvida por um particular, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão privada; se, pelo contrário, o acto é praticado no exercício de um poder público, isto é, na realização de um poder público, isto é, na realização de função pública, mas não nas formas e para a realização de interesses do direito civil, o caso é de acto praticado no domínio dos actos de gestão pública”.</font><br>
<font>Critério que renovou na anotação que fez ao acórdão do STJ, de 19/05/75, na RLJ, ano 110-315.</font><br>
<font>Marcello Caetano ( Manual de Direito Administrativo, tomo II, 8.ª edição, 1134) ensinava que “ deve entender-se por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado”. Para, logo a seguir, concretizar que “ como o Direito Público que disciplina a actividade da Administração é quase todo composto por leis administrativas, pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para esse efeito”.</font><br>
<font>Não encontramos, assim, divergências de monta entre os Autores: os actos praticados pelo estado ou por pessoas colectivas públicas serão de gestão pública ou de gestão privada em função da natureza do regime jurídico a que estejam subordinados: de gestão pública se sujeitos ao direito público, privada se sujeitos ao direito privado. E estarão sujeitos a um ou outro ramo de direito, conforme a natureza do próprio acto.</font><br>
<font>Também a jurisprudência não se tem afastado disto: acórdãos do Tribunal de Conflitos, de 15/11//81, no BMJ nº 311-195, de 10/12/87, com anotação de Afonso Queirós, na RLJ, ano 121-137 e de 31/05/01, proferido no Conflito Negativo de Jurisdição nº 368 e o acórdão deste STJ de 24/01/02, de 24/12/02, proferido no recurso 3241/01, da 1.ª secção, estes dois últimos com o mesmo Relator do presente e que julgamos inéditos; bem como, lapidarmente, o acórdão do STJ de 04/03/97, na CJ/STJ, ano V, tomo I, 125: “ os tribunais administrativos só dirimem litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, e nunca questões de direito privado; daí que o embargo de obra nova que envolva só questões de direito privado seja da competência dos tribunais comuns”.</font><br>
<font>o critério determinante não é saber quem pratica o acto, ou a omissão, mas qual a natureza do acto e o fim tido em vista.</font><br>
<font>Bem como qual a natureza, civil ou administrativa, da relação jurídica pleiteada ( M. Andrade, Noções Elementares citada, 92). </font><br>
<br>
<font>Estamos perante um procedimento cautelar: ratificação do embargo extrajudicial de obra nova, que é um requisito da eficácia do embargo extrajudicialmente efectuado ( art. 412º, nº 3 do CPC).</font><br>
<font>O embargo de obra nova (ou a ratificação judicial do embargo extrajudicial de obra nova) não é uma acção declarativa, não aspira à tutela directa do direito substancial que se pretende ver definido; é sim, um meio de tutela indirecta desse direito, através da tutela directa do meio processual que a ele tende: art. 383º e 412º do CPC.</font><br>
<font>A composição provisória realizada através da providência cautelar solicitada ( neste caso, a ratificação judicial do embargo feito) destina-se a garantir a eficácia e a utilidade da própria tutela processual, sendo por isso instrumental perante a tutela processual e mediatamente instrumental em relação à própria situação jurídica substancial que se pretende ver acautelada: “ a composição provisória assegura a efectividade da tutela jurisdicional”. Por isso, o “ objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida” (assim, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 229). É em consequência da sua instrumentalidade em relação à acção de que é dependência que o procedimento cautelar deve ser apensado à acção principal ( art. 323º, nº 2 e 3), motivo por que corre necessariamente no Tribunal que for competente para a acção principal.</font><br>
<font>Daqui ressalta que o direito ( substantivo) litigado não é o embargo da obra nova ( este é um meio cautelar de defesa do direito litigado), nem é mesmo a obra feita ou iniciada, mas o direito que ( se diz que) a obra nova ofende: direito de propriedade.</font><br>
<font>O presente procedimento não se destina, por exemplo, a obter a declaração de nulidade ou a anulação do (alegado) acto administrativo que deliberou levar a efeito aquela obra, mas a acautelar o direito de propriedade: é instrumental de uma acção de defesa da propriedade. E, como nessa acção se pode pedir, não só o reconhecimento da propriedade, como por exemplo também uma indemnização por danos, está evidenciado que o tribunal competente só pode ser o comum.</font><br>
<font>A relação jurídica litigada, tal como o Autor a desenha e formula o pedido, não é de direito administrativo, mas de direito privado, pelo que materialmente competente é o tribunal comum ( José Oliveira Ascensão, Direito do Urbanismo, 340 a 342). Também assim o acórdão do Tribunal de Conflitos, de 13/04/72, em Acórdãos Doutrinais do STA, 125º, 774.</font><br>
<font>Pelo que competente é o tribunal comum (judicial), como decidiu a Relação, e de acordo com a doutrina deste STJ, em acórdão de 04/03/97, já citado.</font><br>
<font>Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 21 de Maio de 2002 </font><br>
<font>Reis Figueira</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UzL_u4YBgYBz1XKvdXFE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>A instaurou contra "R.J.N." - B, Lda, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 1432000 escudos e juros vencidos e vincendos, até pagamento integral, de honorários por actividade profissional de arquitecto que prestou à Ré.</font></b><br>
<b><font>Esta contestou e deduziu reconvenção pedindo a condenação do A a pagar-lhe um total de 10313740 escudos por prejuízos sofridos.</font></b><br>
<b><font>O processo correu seus termos, vindo após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente condenando-se o A. a pagar ao R. 113740 escudos e como litigante de má fé.</font></b><br>
<b><font>Inconformado com tal decisão dela recorreu o A., tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão a manter a improcedência da acção, mas a julgar também improcedente a reconvenção, revogando também a decisão da 1ª instância na parte em que condenou o A. como litigante de má fé.</font></b><br>
<b><font>Recorre de novo o A., agora de revista para este Supremo Tribunal, alegando e concluindo, em suma, que:</font></b><br>
<b><font>1 - Celebrou com a R, um contrato de prestação de serviços pelo qual se obrigou a efectuar para esta, no âmbito da sua actividade profissional de arquitecto, um projecto de execução de um pavilhão permanente de exposições da Ré na "Exponor" bem como o acompanhamento e gestão da obra a realizar, e não a execução do mesmo.</font></b><br>
<b><font>2 - Esta última não está provada, devendo considerar-se não escrita, na medida em que contem matéria conclusiva e de direito a resposta ao quesito 7 na parte em que se refere que "o contrato" incluía todos os custos do tipo chave na mão, sendo por isso errada a qualificação do contrato celebrado entre A. e Ré como de "empreitada" ou "misto de prestação de serviços e de empreitada".</font></b><br>
<b><font>3 - Assim a R. deve ser condenada nos termos por ele peticionados, devendo a não se entender desse modo, ordenar-se a ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 729 n. 3 C.P.C. .</font></b><br>
<b><font>4 - E sempre não teria havido mora da sua parte, e a haver não justificaria a resolução do contrato por parte da Ré, pelo que esta está vinculada a cumprir a sua prestação e a pagar-lhe, a ele recorrente, os honorários peticionados.</font></b><br>
<b><font>Houve contra alegação a defender o acórdão recorrido.</font></b><br>
<b><font>Corridos os vistos cumpre decidir.</font></b><br>
<b><font>Vejamos, antes de mais, o que no acórdão recorrido se considerou matéria de facto provada:</font></b><br>
<b><font>1 - O A. desempenha a actividade profissional de arquitecto, elaborando estudos e projectos e exercendo o acompanhamento e fiscalização sobre a execução dos mesmos.</font></b><br>
<b><font>2 - A Ré é uma sociedade comercial por quotas, proprietária de estação radiofónica B.</font></b><br>
<b><font>3 - O A. foi convidado directamente pela direcção da Ré para apresentar o seu projecto, facto que se deveu a ele conhecer um colaborador da empresa e ser arquitecto em início de carreira.</font></b><br>
<b><font>4 - A. e Ré reuniram-se, tendo esta solicitado àquele a elaboração de um projecto de execução, pedindo-lhe, de igual modo, que procedesse ao acompanhamento e gestão da obra a realizar.</font></b><br>
<b><font>5 - O A. elaborou um painel de desenhos definidores de um projecto de arquitectura para construção na Exponor de um pavilhão permanente de prestação de serviços da Ré, uma memória descritiva do mesmo e uma maquete à escala de 1/10, construída em termos reais.</font></b><br>
<b><font>6 - Prosseguiu o A. suas tarefas concluindo o projecto de execução, bem como acompanhando e verificando a obra em execução, bem como acompanhamento e verificando a obra em execução.</font></b><br>
<b><font>7 - Juntamente com a proposta de projecto o A. entregou à R. o cálculo orçamental de fls. 34, onde referia que o custo do pavilhão seria de cerca de 1500000 escudos, sujeito a alterações.</font></b><br>
<b><font>8 - No início dos trabalhos e aquando da apresentação do orçamento referido, o A. apenas se limitou a indicar um valor total do custo da obra, acordando com a Ré que o contrato incluía todos os custos, do tipo "chave na mão" e por 1500000 escudos, no qual já estavam incluídos os honorários do A. .</font></b><br>
<b><font>9 - A. e R. acordaram que a obra estaria pronta até final de Out./93.</font></b><br>
<b><font>10 - Em 14-12-93 foi enviada ao A. via "fax" a carta de fls. 37, onde se estabelecia o dia 31-12-93 para data limite da conclusão do "stand".</font></b><br>
<b><font>11 - Em 23-12-93 por fax a Ré informou a Ré a prorrogar a conclusão do "stand" para 14-01-94.</font></b><br>
<b><font>12 - Em 28-12-94 o A. é informado pela Ré de que o stand não estava conforme às normas de segurança eléctrica, ou seja, que o sistema montado não estava autorizado e que iria proceder à desmontagem do stand, e do stand vizinho.</font></b><br>
<b><font>13 - Em 08-03-94 a R. comunicou ao A., via fax que abdicava dos seus serviços, por não terem ficado prontos atempadamente.</font></b><br>
<b><font>14 - Em 17-03-94 o A. enviou à Ré a sua nota de honorários, com um saldo a seu favor de 1234512 escudos.</font></b><br>
<b><font>15 - A Ré recebeu tal nota em 20-04-94.</font></b><br>
<b><font>16 - Tal nota foi elaborada com base em pareceres solicitados à Associação de Arquitectos Portugueses, bem como a uma empresa especializada neste tipo de serviços.</font></b><br>
<b><font>17 - Em 27-07-94 a R. informou o A., por carta registada c/av. de recepção, que os materiais pertencentes ao trabalho inacabado na Exponor tinham sido removidos para uns armazéns do J.N., devendo o mesmo proceder ao seu levantamento até 15-09-94.</font></b><br>
<b><font>18 - Em 19-10-94 a R. enviou ao A. a carta de fls. 47, onde, além do mais, admitiu pagar 200000 escudos ao A. acima do valor referido de 1500000 escudos.</font></b><br>
<b><font>19 - A Ré ainda nada pagou ao Autor .</font></b><br>
<b><font>Enumerada, deste modo, o que no acórdão recorrido foi considerada matéria fáctica provada, começaremos por dizer face ao alegado pelo recorrente que a existência de tipos contratuais legais suscita a qualificação dos contratos que são celebrados na vida de relação.</font></b><br>
<b><font>Sabe-se também que a qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo, sendo ela um juízo predicativo que tem como objecto um contrato concretamente celebrado e que tem como conteúdo a correspondência de um contrato a um ou mais tipos, bem como o grau e o modo de ser dessa correspondência.</font></b><br>
<b><font>Feitas estas considerações, é momento de assinalar que no caso "sub judice" se põe a questão de saber se estamos em presença de um simples contrato de prestação de serviço ou se estamos em face de um contrato misto de prestação de serviço e de empreitada.</font></b><br>
<b><font>Como se estatui no art. 1154 C. Civ. o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo trabalho do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.</font></b><br>
<b><font>Por outro lado estabelece-se no art. 1207 C. Civil que empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço.</font></b><br>
<b><font>Estas as noções legais destes dois contratos chamados à colação para decisão do caso presente, isto é, do contrato celebrado entre A. e R. e seu cumprimento e sua revogação ou não por forma válida e relevante (sobre as diferenças e os traços de afinidade existentes entre a prestação de serviço e a empreitada, v., em sentidos não coincidentes Prof. A. Varela, Parecer sobre a prestação de obra intelectual, separata da Rev. Ord. Adv., 45, I, pág. 159 e Prof. Ferrer Correia e M. Mesquita, anotação do Ac. S.T.J. de 03-11-93, Rev. Ord. Adv., 45, I, pág. 129, tendo também manifesto interesse a anotação na Rev. Leg. Jur. ano 118, 3738, pág. 274 e seg. do Prof. Baptista Machado ao Ac. S.T.J. de 08-11-83).</font></b><br>
<b><font>Feitas estas referências é momento de acrescentar que se tem de apurar com todo o rigor a matéria de facto que sirva de base à qualificação do contrato em causa celebrado entre A. e Ré.</font></b><br>
<b><font>Isto é, o juiz ao fixar a base instrutória tem de seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida (v. art. 511 C.P.Civil).</font></b><br>
<b><font>E faz-se esta afirmação porque, efectivamente, isso não foi tido em conta ao ser elaborado o questionário.</font></b><br>
<b><font>Na verdade, centrou-se a matéria controvertida, numa parte muito importante, no que foi alegado pela R. no art. 23 da contestação: "No início dos trabalhos, aquando da apresentação do orçamento o A. apenas se limitou a indicar um valor total do custo da obra, acordando com a R. que o contrato incluía todos os custos, do tipo "chave na mão".</font></b><br>
<b><font>E fez-se isso de forma não correcta desde logo porque se repartiu essa afirmação por dois quesitos, o 6 e o 7, acabando, por forma surpreendente, o 6 por ter resposta positiva e o 7 resposta negativa.</font></b><br>
<b><font>Olvidou-se, assim, até a sequência lógica e temporal dos dois apontados quesitos e criou-se uma ambiguidade que de modo algum se justifica, dando aso a que se não mostra claro se o orçamento é que incluía todos os custos ou não, como destaca o recorrente nas suas alegações.</font></b><br>
<b><font>Mas, mais do que isso, há na afirmação do art. 23 da contestação matéria manifestamente conclusiva, "maxime" a que foi desdobrada para o quesito 7.</font></b><br>
<b><font>Não podem, pois, manter-se estes quesitos e suas respostas pelo que se tem estas por não escritas, assim se alterando o que foi devido nesta parte pelas instâncias.</font></b><br>
<b><font>E impõe-se, isso sim, que se tenha mais em conta o alegado na petição inicial e também nos arts. 24, 25 e 26 da contestação e 20, 21, 22, 23, 24, 27 e 28 da resposta.</font></b><br>
<b><font>Há, em suma, que ter em conta factos que permitam decidir se o A., se comprometeu para com a Ré só como arquitecto a elaborar o projecto e ao acompanhamento e gestão da obra, recebendo honorários para essa sua actividade ou se se comprometeu a executar totalmente a obra (projecto e o mais) recebendo um preço único e global por todo esse trabalho.</font></b><br>
<b><font>E com isto se delimitará com rigor a matéria fáctica que alicerçará a decisão de direito - sabe-se que este Supremo Tribunal pode ordenar a ampliação da decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, quando ocorrem contradições desta inviabilizando a decisão jurídica do pleito, mandar operar no sentido de pôr termo às mesmas (v. art. 729 C.P.Civil).</font></b><br>
<b><font>Como nota final o dizer-se que assim mais facilitada estará a decisão da presente acção, que já está com proporções mais reduzidas uma vez que a reconvenção deduzida pela Ré já foi julgada improcedente - a 1ª instância tinha condenado o A. a pagar àquela 113740 escudos, mas no acórdão recorrido fez-se a devida correcção já que ao quesito 13 respectivo, tinha sido dada resposta negativa ...</font></b><br>
<br>
<b><font>Decisão</font></b><br>
<b><font>1 - Ordena-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação em ordem a que aí se proceda à referida ampliação da matéria de facto, e se profira decisão de direito.</font></b><br>
<b><font>2 - Custas pela parte vencida no final.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 10 de Março de 1998.</font></b><br>
<b><font>Fernandes Magalhães,</font></b><br>
<b><font>Tomé de Carvalho,</font></b><br>
<b><font>Silva Paixão.</font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VDINvIYBgYBz1XKvX4Ms | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
A, viúva e seus filhos com ela residentes, B, C, D, E e F, todos de apelido "Pinto Leite" intentaram a presente acção contra G, pedindo a condenação desta a pagar-lhes, por danos patrimoniais e morais, sofridos com a morte de H, marido e pai, respectivamente, a quantia global de 13947836 escudos e 60 centavos e juros legais desde a citação.<br>
O processo correu seus termos com contestação da Ré, vindo, após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente.<br>
Inconformados recorreram os A.A. vindo o Tribunal da<br>
Relação do Porto a negar provimento ao recurso, julgando em termos de confirmar a decisão da 1. instância.<br>
Recorrem agora de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:<br>
1 - Verificam-se nos autos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos nos artigos 483 e 486 do Código Civil.<br>
2 - A recorrida praticou o facto não permitido por lei de mandar a vítima manipular directamente e ligar a instalação eléctrica da casa de caseiro, já velha e desactivada, à instalação eléctrica da sua própria casa.<br>
3 - Cometeu também a omissão do dever imposto pelo artigo 13 n. 1 do Regulamento para Instalações<br>
Eléctricas de promover a vistoria da mesma instalação antes de a mandar reactivar.<br>
4 - A recorrida violou disposições legais designadas a proteger essencialmente interesses alheios, designadamente, a segurança e a vida das pessoas.<br>
5 - A parte do ordenamento jurídico que contempla a distribuição da energia eléctrica, licenciamento e segurança das instalações tem de ser visto e interpretado como um todo e não separadamente.<br>
6 - Ao atribuir aos munícipios a competência para a distribuição da energia eléctrica, a lei não visou apenas prosseguir o interesse público da distribuição da energia, já que lhes impôs também a prossecução dos fins visados por outras leis, designadamente, pelo<br>
Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas aprovado pelo Decreto-Lei 26852 de 30 de Julho de 1936, com as alterações do Decreto-Lei 446/76, pelo<br>
Decreto-Lei 740/74 de 26 de Dezembro e pelo Regulamento de Segurança de Instalações de Utilização de Energia<br>
Eléctrica, que faz parte integrante deste último.<br>
7 - Todos estes instrumentos legais estão fortemente impregnados pelo fim primordial a prosseguir, de protecção das pessoas e das suas vidas, como se verifica pelos artigos 13, 44 ns. 2, 3 e 4 e 47 n. 2 do<br>
Regulamento da Licença referido.<br>
8 - Igual objectivo prosseguem expressamente o<br>
Decreto-Lei 740/74 e o Regulamento de Segurança referidos, estabelecendo-se no artigo 1. deste que: "O presente regulamento destina-se a fixar as condições técnicas a que devem obedecer o estabelecimento e a exploração das instalações eléctricas indicadas no artigo seguinte, com vista à protecção de pessoas e coisas e à salvaguarda dos interesses colectivos".<br>
9 - O objectivo da segurança e protecção das pessoas é tão importante que é especificado, definido e tratado ao longo de 30 artigos do 53 ao 82.<br>
10 - Na prossecução desse objectivo foi estabelecido o disposto no artigo 4 ns. 1, 3 e 4 do Decreto-Lei<br>
740/74, impondo-se à recorrida requerer a necessária vistoria para verificar a conformidade da instalação com os ditos regulamentos, no que respeita à protecção das pessoas, antes de mandar restabelecer a sua ligação à corrente eléctrica.<br>
11 - As normas violadas destinam-se a proteger interesses alheios, como a protecção das pessoas e das suas vidas.<br>
12 - A recorrida agiu, mais do que com mera culpa, com dolo eventual, pois tinha a obrigação de prever o resultado.<br>
13 - O dano sofrido pela vítima foi o maior dos danos: a perda da vida.<br>
14 - A manipulação e ligação de uma instalação eléctrica já velha, a necessitar de obras de renovação e modificação que se encontra desactivada e com o fornecimento cortado pelos serviços do distribuidor público e não obedece ou não se sabe se obedece às disposições dos regulamentos referidos, no que respeita<br>
à protecção das pessoas, faz admitir fortes probabilidades de electrocussão de quem a ligue e manipule, havendo, pois, um nexo de causalidade entre o facto da recorrida e a morte da vítima.<br>
15 - Pelo exposto deve conceder-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e condenando-se a Ré no pedido.<br>
Não houve contra alegação.<br>
Corridos os vistos cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais os factos provados.<br>
1 - Os A.A. são os únicos e universais herdeiros de H.<br>
2 - A Ré é proprietária de uma casa de caseiro sita em<br>
Lornedo das Almas, Salvador do Monte, Amarante, construída paredes meias com aquela em que ela vivia.<br>
3 - Em 24 de Junho de 1990 ia entrar um novo caseiro para a casa de caseiro.<br>
4 - O H era saudável, tinha boa constituição física.<br>
5 - Era com o produto do seu trabalho que a vitima sustentava o seu agregado familiar, que, com a sua morte, ficou privado da única fonte de rendimento que tinha.<br>
6 - O H era uma pessoa alegre, com grande apego à vida e gosto de viver, tendo pressentido, com horror a morte.<br>
7 - Era muito dedicado à mulher e aos filhos para quem vivia inteiramente. Por sua vez a mulher e os filhos idolatravam-no, tendo sofrido todos eles grande abalo e profunda dor e desgosto com a sua morte.<br>
8 - O H nasceu a 5 de Novembro de 1947 e faleceu a 23 de Junho de 1990, tendo casado com a A em 24 de Maio de 1969, que por sua vez nasceu em 18 de Fevereiro de 1947.<br>
9 - Os A.A. filhos B, C, D, E e F nasceram, respectivamente, em 20 de Julho de 1969, 28 de Fevereiro de 1972, 6 de Janeiro de 1975, 28 de Fevereiro de 1977 e 23 de Janeiro de 1981.<br>
10 - Em 21 de Junho de 1990 a Ré incumbiu o H de lhe executar no sábado seguinte, 23 de Junho de 1990, na casa do caseiro um trabalho de electricista, que consistia na renovação, ampliação e modificação da instalação eléctrica já velha existente.<br>
11 - A instalação eléctrica da casa do caseiro já havia sido instalada, digo, alimentada em tempos por um contador eléctrico, registado nos serviços da E.D.P. de<br>
Amarante, a que correspondia o n. 22864 de consumidor.<br>
12 - Tal contador foi suspenso na E.D.P. em 4 de<br>
Setembro de 1989, ficando a partir daí cortado o fornecimento de energia eléctrica àquela habitação.<br>
13 - Para haver energia eléctrica na casa do caseiro era necessário fazer a ligação directa da instalação da casa de habitação da Ré para a instalação daquela outra casa; passando a haver a alimentação de energia eléctrica por meio de fio novo.<br>
14 - E tornava-se necessário ampliar a instalação eléctrica existente, fazendo a instalação de mais duas tomadas fixas nas paredes, com a ampliação e fixação do respectivo fio eléctrico, bem como a instalação e reparação de pontos de luz nos tectos, respectivos fios eléctricos, suportes de lâmpadas e colocação destas.<br>
15 - Satisfazendo a incumbência da Ré, deu o H execução no dia 23 de Junho de 1990 à dita obra.<br>
16 - Quando estava prestes a concluir o serviço e experimentava a instalação eléctrica reactivada foi vítima de acidente mortal por electrocussão.<br>
17 - O H não era electricista, não estava inscrito como tal na D.G.E., pelo que não prestou o termo de responsabilidade exigível.<br>
18 - A vítima era, profissionalmente, operário metalúrgico.<br>
19 - A Ré mandou ligar directamente a instalação eléctrica da sua própria casa de habitação à instalação eléctrica da casa do caseiro.<br>
20 - Cada uma destas casas era uma unidade habitacional distinta e autónoma, com entrada, cozinha e compartimentos próprios e susceptíveis de serem ocupadas por agregados familiares distintos.<br>
21 - Em 21 de Setembro de 1990 foi instalado na casa do caseiro um novo contador eléctrico para alimentar a respectiva instalação, com o n. 26950, registado em nome da R..<br>
22 - A vítima trabalhava na ....Limitada, em Livração, Marco de Canaveses, com o salário mensal de 86100 escudos, acrescido de 2600 escudos de subsídio de alimentação, com a categoria de serralheiro mecânico.<br>
23 - A vítima era conhecida como pessoa que prestava trabalhos de electricidade, na freguesia de Salvador do<br>
Monte e noutros lugares vizinhos, nomeadamente em estabelecimentos comerciais que se dedicam à venda de material ligado à execução de trabalhos eléctricos, e onde a vítima se abastecia de materiais eléctricos - fios, tomadas, caixas, bobines...<br>
24 - A vítima executava diversas obras de electricidade e reparava motores eléctricos - o que era do conhecimento da Ré.<br>
25 - O trabalho que a vítima ia fazer para a Ré era remunerado.<br>
26 - A casa de morada da Ré e do caseiro estão ligadas entre si e só as separa uma porta.<br>
Assim enumerada a matéria fáctica provada, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos A.A. recorrentes, começaremos desde logo por dizer que estes carecem de razão.<br>
Com efeito, como é bem sabido, sempre que a norma tuteladora da ordem jurídica impõe a quem transgride as suas obrigações, por adopção de comportamento diverso do que lhe era prescrito, e, por tal forma, causa prejuízo ao titular do correspondente interesse protegido, o dever de colocar, à sua custa, o ofendido no estado em que ele se encontraria se não fosse a lesão sofrida, estamos no campo da responsabilidade civil - cfr. artigo 562 do Código Civil e A. Baptista<br>
Marques, Da Responsabilidade Civil Extracontratual, página 15.<br>
E nela tanto cabe a proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei, (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrém (responsabilidade extracontratual), como acentua o Professor A. Varela, Das Obrigações em<br>
Geral, vol. I, 5. edição, página 473).<br>
Ora o que sucede no caso "sub judice" é que a Ré e o pai e marido dos A.A. acordaram que este realizava a obra de electricidade em causa mediante uma remuneração<br>
- no acórdão recorrido se destaca que a "Ré é vítima acordaram, entre si num regime de prestação de serviços, válido na modalidade de empreitada (artigo<br>
1154, 1155 e 1207 do Código Civil)".<br>
E isto porque o H era conhecido "no seu meio" como pessoa que prestava tal serviço de electricista, assim o conhecendo a Ré, que por via disso o chamou para esse fim, e ele nessa conformidade acedeu ao por ela solicitado, ciente, como estava, das suas qualidades em tal área, isto apesar de ser serralheiro mecânico na ....,Limitada, em Livração, Marco de Canavezes, onde auferia o seu salário.<br>
E não se provou que a Ré, viúva e doméstica, lhe tivesse dado quaisquer específicas instruções para a realização do mencionado trabalho ou obra, sendo esta feita única e exclusivamente pelo modo que o H achou por conveniente, segundo os conhecimentos que ele tinha de montagem eléctricas, e que ele achava suficientes para tal.<br>
De resto, a obra que começou a executar nada tinha de especial, pois, se tratava de ligar as duas casas por um fio novo, e pôr tomadas, pontos de luz nos tectos, respectivos fios eléctricos, suportes de lâmpadas e colocações destas.<br>
Anote-se a este propósito que os A.A. alegaram, e ficou a constituir a matéria do quesito 5., que "para haver luz eléctrica na casa do caseiro era necessário fazer a ligação directa do contador da casa de habitação da R. para a instalação da dita casa, passando a haver uma alimentação directa da energia eléctrica, por meio de fio novo", mas na resposta dada a tal quesito foi eliminada a expressão do contador...<br>
De igual modo alegaram os A.A., e ficou a constituir a matéria do quesito 15, que a Ré mandou ligar directamente a instalação eléctrica da casa do caseiro ao contador eléctrico da sua própria casa de habitação, mas na resposta a tal quesito se diz que "a R. mandou ligar directamente a instalação eléctrica da casa do caseiro à instalação eléctrica da sua própria casa de habitação".<br>
Tudo isto a revelar a simplicidade da obra a realizar pelo Joaquim Leite (nada condizente com tudo o alegado pelos A.A. no processo) não se vendo assim como imputar<br>
à Ré a morte deste quando experimentava a instalação eléctrica por si reactivada e que estava prestes a concluir.<br>
Assentam os A.A. recorrentes o seu recurso de revista no verificarem-se nos autos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos nos artigos 483 e 486 do Código Civil.<br>
Mas também por esta via se lhe não pode dar razão, sendo desde já de salientar, como o faz Pessoa Jorge (Pressupostos da Responsabilidade Civil, 69), que "a omissão do comportamento devido, objectivamente considerado, não chega para definir a ilicitude. É necessário o aspecto subjectivo, que consiste na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente de forma a poder formular-se a respeito da sua conduta o referido juízo de reprovação; numa palavra, exige-se a culpabilidade".<br>
E longe se está no caso "sub judice" da afirmação dos recorrentes de que" a recorrida agiu, mais do que com mera culpa, com dolo eventual, pois, tinha obrigação de prever o resultado; o dano sofrido pela vítima foi o maior dos danos: a perda da vida".<br>
Repare-se que os A.A. primeiro falam no ter ela contratado quem não era electricista, e, depois, em nova tese, no fornecimento não autorizado de energia eléctrica.<br>
E à vítima que não tinha, como bem sabia, a qualidade credenciada de electricista, nada pode ser apontado em termos de a responsabilizar, a ela, e somente a ela, pelo que lhe sucedeu?<br>
E não sabia ela também qual a situação legal em que a ligação eléctrica que estava a efectuar se encontrava?<br>
Tal significa, além do mais, dito (e como se assinala no acórdão recorrido, citando a decisão da 1. instância) que "da norma que proíbe ao particular o fornecimento de energia a um terceiro, a partir da sua instalação, não pode extrair-se tutela para a integridade física (ou vida) de quem violou essa disposição".<br>
E com isto se afastam as conclusões que os recorrentes tiram a partir do preceituado nos Decreto-Lei 26852 de<br>
30 de Julho de 1936, Decreto-Lei 446/76, Decreto-Lei<br>
740/74 de 26 de Dezembro e pelo Regulamento de<br>
Segurança de Instalações de Utilização de Energia<br>
Eléctrica, que faz parte integrante deste último.<br>
É que, na verdade, como se diz no acórdão recorrido os interesses visados por tais diplomas legais e normas deles, citados pelos A.A., não são iguais ou similares, em primeira linha, aos que se discutem na presente acção e que os A.A. pretendem fazer vingar a coberto do estipulado no artigo 483 do Código Civil" (bem como do artigo 486 do mesmo Código).<br>
Nos termos destas duas disposições do Código Civil, dizem os recorrentes, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual:<br>
1- O facto ou omissão;<br>
2- A ilicitude;<br>
3- A imputação do facto ao lesante;<br>
4- O dano;<br>
5- O nexo de causalidade.<br>
Ora, para concluir, já vimos que o referido pelos recorrentes em termos de existência de omissão por sua parte, de ilicitude, de culpa e mesmo de nexo de causalidade (só se sabe que a vítima morreu por electrocussão...) não colhe de modo algum em moldes de se responsabilizar a Ré, pelo dano morte do H, civilmente.<br>
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, se decide não conceder a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa 23 de Janeiro de 1996<br>
Fernandes Magalhães,<br>
Miguel Montenegro,<br>
Herculano Lima. (Dispensei o visto)</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yzL_u4YBgYBz1XKvG3DC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam do Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>"A, Lda" intentou a presente acção de processo comum contra "B, Lda", pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 1026733 escudos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, como parte do preço de contrato celebrado entre a autora e a ré.</font></b><br>
<b><font>A ré contestou e houve resposta da autora.</font></b><br>
<b><font>Procedeu-se a julgamento e, pela sentença de fls. 99 e segs., julgou-se "a acção e a reconvenção improcedentes por não provadas ...".</font></b><br>
<b><font>Em recurso de apelação interposto pela autora, o acórdão de fls. 150 e segs. decidiu que "... ao abrigo do preceituado no art. 712 n. 2 do Cód. P. Civil, anula-se o julgamento da matéria de facto, que deverá repetir-se, com a subsequente prolação de nova sentença".</font></b><br>
<b><font>Neste recurso de revista, a autora formula, em resumo, as seguintes conclusões:</font></b><br>
<b><font>- só ela recorreu da sentença da 1ª instância, pelo que a decisão que julgou a reconvenção improcedente transitou em julgado";</font></b><br>
<b><font>- a apreciação da matéria de facto suscitada na 2ª instância decorre daquele recurso "e é nesse âmbito que o recurso deve ser apreciado e decidido";</font></b><br>
<b><font>- a Relação, ao conhecer de questões que não lhe foram colocadas e de que não podia tomar conhecimento - "reapreciação da sentença quanto à reconvenção" - cometeu a nulidade prevista no art. 668 n. 1 d, do Cód. P. Civil;</font></b><br>
<b><font>- os elementos fornecidos pelo processo impunham que a acção fosse julgada procedente, com a condenação da ré no pedido inicial;</font></b><br>
<b><font>- foi violado ainda o disposto nos arts. 342, 879 c) e 207 do Cód. Civil e 671, 672, 676 n. 1, 682, n. 1, 683, 684 ns. 3 e 4 e 712 ns 1 b), e 4 do cit. Cód. P. Civil.</font></b><br>
<b><font>Não houve contra-alegações.</font></b><br>
<b><font>Em face do objecto do recurso, delimitado pelas conclusões acima transcritas, mostra-se desnecessária, por inútil, a descrição da matéria de facto dada como provada.</font></b><br>
<b><font>O Cód. P. Civil é aqui aplicável sem as alterações introduzidas em 1995/96, salvo quanto à generalidade das normas respeitantes à tramitação do recurso, dado o disposto nos arts, 16 e 25 do DL 329-A/95, de 12-12.</font></b><br>
<b><font>Pelos arts. 722 n. 2 e 729 do cit. Código, o Supremo não intervém, em princípio, na fixação da matéria de facto, apenas lhe competindo aplicar aos factos materiais o regime jurídico que julgue adequado. </font></b><br>
<b><font>Daqui decorre, como geralmente se tem entendido na doutrina e na jurisprudência, que ao Supremo não cabe censurar o não uso, pela Relação, dos poderes conferidos pelo art. 712 do cit. Código, mas poderá verificar se foi feito uso legítimo desses poderes, na medida em que, se a Relação não "agiu dentro dos limites traçados por lei para os exercer", terá havido violação da lei processual, o que poderá ser apreciado em recurso para o Supremo (cfr. A. Reis, no Cód. Anot., V, P. 473, Rodrigues Bastos, Notas ..., III, p. 337, A. Varela, na Rev. Leg. J., 122, p. 249, e, entre outros, o acórdão deste tribunal de 06-03-90, no Bol. 395, p. 542).</font></b><br>
<b><font>Afigura-se porém que a intervenção do Supremo naquela censura do uso, pela Relação, dos poderes previstos no cit. art. 712, apenas se justifica nos casos de manifesta violação da lei, designadamente quando só estiver em causa matéria de facto, uma vez que, se o Supremo não pode interferir na fixação dos factos materiais, também não o deve fazer, em regra, se o uso daqueles poderes tiver esse objectivo.</font></b><br>
<b><font>No mesmo sentido concorre a circunstância de, em princípio, o recurso para o Supremo só ser admissível depois da definitiva fixação da matéria de facto (cfr. "assento" de 13-04-94, no Bol. 436, p. 15).</font></b><br>
<b><font>No caso presente, a Relação anulou o julgamento da matéria de facto e ordenou a sua repetição por obscuridade das respostas aos quesitos (os quesitos 43 e 49 tiveram "inicialmente respostas negativas e, posteriormente, ... respostas positivas, embora a título esclarecedor"), contradição "entre as respostas aos quesitos 46, 47 e 48, por um lado, e a resposta ao quesito 49, por outro lado", e contradição ou, pelo menos, obscuridade entre as respostas aos quesitos 54 e 55.</font></b><br>
<b><font>Configuram-se esse vícios e a Relação justificou, suficientemente, a necessidade de repetição do julgamento, o que, em rigor, nem sequer é impugnado pela recorrente.</font></b><br>
<b><font>Havia assim fundamento legal para aquela anulação da decisão do colectivo, nos termos do n. 2 do cit. art. 712.</font></b><br>
<b><font>A pretensão da recorrente dirige-se, no essencial, no sentido de que a Relação cometeu a nulidade de excesso de pronúncia, por "reapreciação da sentença quanto à reconvenção", mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão: em rigor, não terá havido sequer a dedução de pedido reconvencional, pois a condenação da autora "a proceder à eliminação dos defeitos da obra ... à custa do valor da redução de preço, em tempo próprio efectuada", integra-se em matéria de simples excepção, ou seja, na justificação dessa redução do preço; mesmo considerando-se que houve reconvenção, o acórdão da Relação não se pronunciou, directamente, sobre ela, e, na falta de recurso, só constituiria caso julgado formal "nos precisos limites e termos" em que julgou (art. 673 do cit. Código), ou seja, na parte em que ordenou a anulação de decisão do colectivo; é certo que, apenas tendo sido interposto recurso da sentença da 1ª instância pela autora, ela transitou em julgado e não pode ser alterada com referência à improcedência da "reconvenção" (art. 684 n. 4 do cit. Cód. P. Civil), mas o acórdão da Relação nada decidiu em contrário; se a fundamentação desse acórdão apontasse em outro sentido, o que porventura se poderia justificar seria o pedido de esclarecimento; e nem isso se tornaria necessário, uma vez que a autora sempre poderia invocar, contra posterior decisão, a excepção de caso julgado.</font></b><br>
<br>
<b><font>Não procede também a pretensão de que "os elementos fornecidos pelo processo impunham que a acção fosse julgada procedente ...": os factos constantes das respostas aos quesitos que se mostram viciados e determinaram a anulação do julgamento são ou, pelo menos, afigura-se que sejam relevantes para a decisão do mérito da causa; não cabe ao Supremo fazer a apreciação daqueles elementos respeitantes à matéria de facto; e a sua intervenção na reapreciação do "regime jurídico" só deve ter lugar, como já se notou, depois da fixação definitiva dessa matéria de facto.</font></b><br>
<b><font>Pelo exposto:</font></b><br>
<br>
<b><font>Nega-se a revista.</font></b><br>
<b><font>Custas pela recorrente.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 31 de Março de 1998.</font></b><br>
<b><font>Martins da Costa,</font></b><br>
<b><font>Pais de Sousa,</font></b><br>
<b><font>Machado Soares.</font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zDIDvIYBgYBz1XKvs3fM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1 - No 2. Juízo Cível de Comarca de Santo Tirso,<br>
"A Limitada, com sede em Santo Tirso, requereu a falência de "B Limitada", com sede em Vila das Aves, da mesma comarca.<br>
A requerida deduziu oposição.<br>
Por sentença a acção foi julgada improcedente.<br>
Em apelação o douto Acórdão da Relação do Porto - folhas 212 a 220 - julgando a acção procedente, declarou a falência da requerida.<br>
Daí a presente revista.<br>
2 - Nas suas alegações a requerida recorrente conclui, em resumo: a) Não se encontra preenchido nenhum dos requisitos exigidos pelo n. 1 do artigo 8 do C.P.E.R.E.F., para que seja possível declarar a falência. b) O Credor União de Bancos Portugueses, S.A., representante de mais de 75 por cento do valor dos créditos conhecidos, opôs-se ao prosseguimento do processo de falência. c) E alegou a viabilidade económica de recorrente. d) Caso se considere a verificação de algum dos requisitos, deve a acção prosseguir, como processo de recuperação.<br>
Em contra alegações recorrida e Ministério Público pugnam pela bondade do decidido.<br>
3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - Está provado pela Relação: a) A requerida B Limitada está matriculada na Conservatória de Registo Comercial com o n. 1467/860107, dedica-se à comercialização de têxteis e tem como sócios gerentes, C e D - Documento folhas 24 a 27. b) No exercício da sua actividade a requerente realizou, a pedido da requerida, diversos serviços da sua especialidade - resposta ao quesito 1. c) Para pagamento desses serviços, a requerida aceitou as seguintes três letras de câmbio:<br>
- letra emitida em 28 de Novembro de 1993, com vencimento em 10 de Fevereiro de 1994 e no montante de 1622795 escudos;<br>
- letra emitida em 20 de Dezembro de 1993, com vencimento em 20 de Março de 1994 e no montante de 1529262 escudos;<br>
- letra emitida em 24 de Janeiro de 1994, com vencimento em 30 de Abril de 1994 e no montante de 1850000 escudos - resposta ao quesito 2. d) As referidas letras titulam transacções comerciais, não tendo a requerida efectuado o pagamento das letras de câmbio acima referidas, na data do seu vencimento, nem sequer posteriormente - resposta aos quesitos 3 e<br>
4. e) A requerente instaurou contra a requerida uma execução ordinária, que corre termos no 1. Juízo Cível deste Tribunal sob o n. 718/94 e uma execução sumária, também a correr termos no 1. Juízo, sob o n. 828/94 -<br>
Documento de folhas 162 a 179. f) Nessas execuções foram nomeados à penhora todas as máquinas indústriais e equipamentos de escritório, bem como o direito ao arrendamento e trespasse do prédio onde a requerida tinha as suas instalações, sendo certo que tais penhoras não foram efectuadas em virtude de a requerida já não laborar naquele local - Documento folhas 162 a 179. g) A requerida cessou o pagamento a pelo menos alguns dos seus credores - resposta ao quesito 5. h) A requerida está impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, pois atravessa um período de dificuldades de ordem financeira como aliás acontece com a grande maioria das empresas do sector, onde se inclui - resposta ao quesito 8. i) As instalações onde se situa a sede da requerida foram encerradas há mais de seis meses - resposta ao quesito 8. j) A crise financeira que a requerida atravessa deve-se também ao facto de ter deixado de cobrar créditos que detém sobre clientes, na medida em que vários dos seus clientes faliram, requereram processos de recuperação ou existe a manifesta dificuldade de serem penhorados bens que garantam o pagamento das respectivas dívidas - respostas aos quesitos 11 e 12. l) Em 1993, o activo imobilizado da requerida ascendia a 301019000 escudos, sendo certo que a maior parte desse activo era constituído pelo investimento em quotas na "Empresa Fiandeira de Lordelo Limitada - resposta ao quesito 18. m) Em 1993 as suas existências atingiam 18408000 escudos - resposta ao quesito 19. n) A requerida é sócia da Empresa Fiandeira de Lordelo Limitada, com sede em Lordelo, Guimarães, sendo titular de três quotas sociais nessa empresa, nos valores nominais, respectivamente, de 200000 escudos, 99000 escudos e 240000 escudos, quotas essas que se encontram penhoradas - resposta ao quesito 20 e documento de folhas 72 a 83.<br>
5 - Do n. 1 do artigo 1 do C.P.E.R.E.F. resulta que a situação de insolvência de um devedor pode ser objecto de providência de recuperação da empresa ou de declaração em regime de falência.<br>
Foi reconhecida a situação de insolvência da requerida ao ordenar-se o prosseguimento da acção, em face do estatuído no n. 2 - parte final - do artigo 25.<br>
A requerida encontra-se frente a uma falta estrutural de liquidez.<br>
O n. 1 do art. 8 traça um quadro de factos presuntivos que permitem ao credor ou ao Ministério Público requerer a adopção de providência de recuperação ou a declaração de falência.<br>
A matéria fáctica provada revela a impossibilidade de a requerida satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações - n. 1 alínea a) do artigo 8.<br>
A própria requerida "reconheceu na sua contestação que não estava em condições de cumprir as suas obrigações designadamente para com a requerente...", como está provado no douto Acórdão recorrido - folhas 217/verso.<br>
Igualmente provado está o índice incerto na parte final da alínea b) do n. 1 do artigo 8.<br>
6 - O problema só se coloca quanto à viabilidade ou inviabilidade económica da requerida.<br>
Pelo n. 2 artigo 1 a declaração de falência tem como suporte a inviabilidade económica da empresa ou não ser provável a sua recuperação financeira, em face das circunstâncias.<br>
Dando-se prioridade ao regime de recuperação de empresa em situação económica e financeira deficiente, frente à sua declaração de falência, a sua viabilidade económica com superação daquela deficiente situação financeira, é base de aplicabilidade de providência de recuperação - artigo 5.<br>
Para surpreender tal viabilidade ou inviabilidade perguntava-se no quesito 24 - folha 151 -. "A requerida, tendo em consideração o seu património, a sua implantação no mercado, o conhecimento que tem deste e o seu volume de negócios, é uma empresa, manifestamente, viável?"<br>
O Tribunal respondeu - folhas 159/verso - "Não provado".<br>
Para além de críticas certeiras e concitas quanto ao conteúdo deste quesito, o que agora importa reter é que ele obteve uma resposta negativa.<br>
A sua valoração depende do ónus de prova.<br>
Ele é resolvido pelas regras dos artigos 342 e 344, ambos do Código Civil e pelo n. 3 do artigo 8.<br>
Este n. 3 artigo 8 ao permitir que o interessado se legitime a requerer a falência logo que a considere inviável está a dispensá-lo da prova específica da inviabilidade, em face da natural dificuldade que terá em se munir de elementos necessários e suficientes para enquadrar a empresa na situação de inviabilidade.<br>
Assim tem sido correctamente interpelado pela doutrina<br>
"se for a empresa a requerente, ela deve fazer prova da sua inviabilidade, se pretender a declaração directa da falência. Mas se o processo for iniciado por credor ou pelo Ministério Público, verifica-se qualquer dos factos arrolados nas três alíneas do artigo 8, n. 1, fica dispensada aquela prova" - Drs. Carvalho Fernandes e João Labaredo, 2. edição, 1995, Página 59.<br>
E julgado - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, desta secção, de 27 de Fevereiro de 1996, Processo<br>
88131.<br>
Daqui resulta que competia à empresa requerida insolvente o ónus da prova da sua viabilidade económica.<br>
O que não conseguiu - resposta negativa ao quesito 24.<br>
7 - Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 13 de Maio de 1997.<br>
Torres Paulo,<br>
Herculano Lima,<br>
Bessa Pacheco.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
FDIBvIYBgYBz1XKv9XUQ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
A intentou contra B e mulher C e Companhia de Seguros D S.A., todos com os sinais dos autos, acção para efectivação da responsabilidade civil decorrente do acidente de viação ocorrido em 89.04.15, cerca da 07 h., na E. N. nº 347, em Sebal Grande, Condeixa-a-Nova, com o veículo de matrícula PJ-..., que era conduzido pelo 1º réu e propriedade da 2ª ré, que para 3ª transferira aquela por contrato de seguro, e em que o autor se fazia transportar como passageiro, do qual lhe resultaram danos, pedindo que sejam condenados a solidariamente o indemnizarem em 41440000 escudos acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.<br>
Peticionou ainda a concessão de apoio judiciário.<br>
Contestando, a ré seguradora, excepcionou a prescrição do direito e impugnou, atribuindo a responsabilidade , em exclusivo, à Junta Autónoma das Estradas (por falta de sinalização), chamando-a à autoria.<br>
Contestando, os outros réus excepcionaram a sua ilegitimidade e impugnaram, requerendo ainda a concessão de apoio judiciário.<br>
Prosseguindo o processo, foi concedido o apoio ao autor e aos réus B e mulher, não foi admitido o incidente de chamamento, improcederam as excepções da ilegitimidade e da prescrição e foi organizada a especificação e o questionário.<br>
Após julgamento, procedeu em parte a acção, por sentença que condenou a ré seguradora a pagar ao autor a indemnização de 5850000 escudos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, e a que, quanto a danos futuros, se liquidar em execução de sentença.<br>
Apelou o autor, circunscrevendo a apelação ao quantum indemnizatório relativo a «lucros cessantes futuros com matriz na incapacidade parcial permanente de 45%», que computou em 24141500 escudos.<br>
Subordinadamente apelou a ré seguradora, tendo, porém, deixado ficar deserto o recurso.<br>
A Relação julgou parcialmente procedente o recurso, por douto acórdão que, liquidando a indemnização pela perda da capacidade de ganho em 18000000 escudos, nela condenou a ré seguradora.<br>
Inconformada, pediu revista esta ré e, em suas alegações, concluiu -<br>
- os autos não contêm em si elementos bastantes para a liquidação da indemnização devida ao autor a título de lucros cessantes, pelo que deveria ter sido confirmada a sentença de 1ª instância;<br>
- a não se entender assim, deverá fixar-se a indemnização, a tal título, em 10000000 escudos,<br>
- dado que o curso de engenharia pecuária - contrariamente ao considerado no acórdão - dá condições iguais ao curso de engenharia mecânica no que respeita a acesso, progressão na carreira e nível remuneratório;<br>
- violou o acórdão o disposto nos arts. 564 CC e 661-2 CPC e Decretos-Lei 248/85 e 353-A/89.<br>
Não contra-alegado.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto provada, transcrevendo-se, por força da delimitação do objecto do recurso, apenas a que interessa à revista -<br>
a)- por decisão proferida neste processo e transitada já, o réu B foi considerado único culpado e causador do acidente de viação ocorrido em 89.04.15, cerca da 07 h., na E. N. nº 347, em Sebal Grande, Condeixa-a-Nova, com o veículo de matrícula PJ-..., por si conduzido e propriedade da 2ª ré, que para 3ª transferira aquela até ao montante de 100000 escudos por contrato de seguro, e no qual o autor se fazia transportar como passageiro, do qual lhe resultaram danos;<br>
b)- o autor, que seguia no banco de trás, foi cuspido para o exterior do veículo e, socorrido, deu entrada no Centro Hospitalar de Coimbra em estado de coma profundo, com desvio conjugado do olhar para a esquerda, com hemiparésia direita, com fractura do maléolo tibial direito e escoriações generalizadas, sobretudo na região frontal à direita da linha média, junto à cabeça do supracílio;<br>
c)- após a alta desenvolveu um hematoma sub-dural crónico à esquerda, tendo sofrido uma intervenção cirúrgica-trepanação e drenagem do espaço sub-dural;<br>
d)- após esta intervenção surgiram as primeiras manifestações de epilepsia, com dificuldade na fala, movimentos descontrolados, falta de concentração e de fixação, manifestações que, em Janeiro de 92, se acentuaram com desmaios;<br>
e)- com as lesões traumático-encefálicas sofridas o autor ficou diminuído e incapacitado, e irrita-se e excita-se com a maior das facilidades;<br>
f)- tem perdas de memória, dificuldades de assimilação de conhecimentos e de concentração e lentidão de raciocínio interactivo na expressão e ausências frequentes, e dificuldades no relacionamento com os colegas e amigos;<br>
g)- o autor era um jovem (nascido em 68.11.17) saudável, cheio de vida, com alegria de viver, não se lhe conhecendo qualquer doença ou deformidade;<br>
h)- o autor é portador de sequelas que lhe conferem uma incapacidade geral permanente parcial fixável em 45% a partir da data da sua consolidação (92.02.20);<br>
i)- à data do acidente, o autor frequentava o 1º ano de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra;<br>
j)- o autor fez várias frequências, não tendo chegado a fazer exame naquele ano a nenhuma das disciplinas anuais;<br>
k)- matriculou-se e inscreveu-se nos anos lectivos de 1990/91 e 1991/92, mas também sem qualquer aproveitamento;<br>
l)- as sequelas traumáticas sofridas reduziram o rendimento escolar do autor que se inscreveu no 1º ano do curso de Engenharia Agro-Pecuária no ano lectivo de 1994/95, obtendo aprovação nas datas e com as classificações indicadas, nas seguintes disciplinas do curso de engenharia agro-alimentar -- Inglês I, 1º semestre, em 94.03.01, com 12 valores;<br>
- Registos na empresa agrícola, 1º semestre, em 94.03.04, com 11 valores;<br>
- Processos de Comunicação e Relações Humanas, 1º semestre, em 94.06.14, com 12 valores;<br>
- Inglês II, 2º semestre, em 94.09.15, com 12 valores;<br>
- Utilização de computadores, 1º semestre, em 95.03.10, com 12 valores;<br>
m)- sucede os alunos de Engenharia entrarem no mercado de trabalho logo no 4º ano, em part-time;<br>
n)- com a licenciatura em Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra, o autor ganharia num primeiro emprego cerca de 150 contos.<br>
Decidindo: -<br>
1.- São duas as questões postas - saber se in casu é desde já liquidável a indemnização por danos futuros, restritos aqui à perda de capacidade de ganho, e, em caso afirmativo, qual o quantum a fixar.<br>
Não se discute, antes vem aceite - e crê-se que bem, que o facto de o lesado não exercer, à data da lesão, profissão remunerada não afasta a existência de dano patrimonial ressarcível (um dano futuro). Apenas há que provar que são previsíveis (CC- 564,2). A fixação da indemnização correspondente ou o relegá--la para decisão ulterior depende de serem ou não determináveis.<br>
2.- Na normalidade da vida, quem frequenta um curso superior espera poder vir a exercer de acordo com as habilitações que através dele obtenha e desse exercício auferir proventos.<br>
A ré não discute esta previsibilidade e aceita que para o autor resultou,como consequência das sequelas causadas pelo acidente de viação que sofreu, uma perda da capacidade de ganho (lucro cessante). <br>
Enquanto na 1ª instância se não a teve como determinável a indemnização (por na fixação poder influir de forma relevante a evolução dos estudos do autor que, entretanto se inscreveu num curso em que teve aproveitamento) - e daí relegar para execução de sentença a sua liquidação, a Relação divergiu, fixando-a por entender que minimamente existiam elementos significativos e seguros e não se dever protelar essa decisão para as calendas gregas.<br>
O concreto lucro cessante invocado e o então status - apenas - estudantil do autor revelam que para a fixação da indemnização se tem de recorrer aqui à equidade e que esta deve ser liquidada desde já.<br>
Relegar a fixação para momento ulterior nada faria acrescer à sua determinação, a menos que se aguardasse pelo tempo não da conclusão do curso (tese da 1ª instância) mas da efectiva colocação para se comparar as remunerações que os recém-habilitados com engenharia mecânica ou engenharia agro-pecuária pudessem auferir, e, mesmo assim, seria duvidoso que houvesse esse «acrescer» dado o que de aleatório tudo isto acarretaria.<br>
E uma incerteza destas quanto à sua vantagem, se vantagem viesse a haver, conduz a que o julgador tenha presente a importância do elemento temporal na administração da justiça - «a justiça retardada não é justiça».<br>
3.- Recapitulemos os factos e interpretemo-los.<br>
À data da lesão, o autor estava com 20 anos e meio. <br>
Estudava, estando no 1º ano do curso de Engenharia Mecânica da FCTUC.<br>
Atenta a idade a que, em Portugal, se entra para a primária e os anos de escolaridade até à Universidade, resulta daqui que o autor já sofrera insucesso ou se deixara atrasar.<br>
Devido às lesões que sofreu e suas sequelas, não fez qualquer das disciplinas anuais.<br>
As sequelas traumáticas sofridas reduziram o seu rendimento escolar.<br>
Nos dois anos escolares imediatos inscreveu-se mas sem aproveitamento algum.<br>
No ano escolar seguinte (crê-se que há lapso das instâncias na al. l) já que um ano escolar começa após o verão e se dão as cadeiras feitas nesse ano antes do verão, ressalvando Inglês II, mas esta pela data terá sido feita na 2ª época desse ano), inscreveu-se noutro curso de engenharia (a agro-pecuária) onde teve aproveitamento.<br>
Sucede (ou seja, acontece a alguns, mas não a todos) os alunos de engenharia entrarem no mercado de trabalho logo no 4º ano, em part-time.<br>
Com a licenciatura em Engenharia Mecânica da FCTUC (quando a alcançaria? há que ter presente o seu percurso escolar até ao momento em que sofreu a lesão) o autor ganharia num primeiro emprego (quando o obteria? não é possível ignorar a crise de emprego em Portugal, especialmente dos jovens acabados de saír das nossas Universidades nem a instabilidade num primeiro emprego) cerca de 150 contos (não se refere que sejam isentos de descontos).<br>
A normalidade da vida revela que há progressão na carreira e nos proventos auferidos.<br>
É portador de sequelas que lhe conferem a incapacidade geral permanente parcial de 45%.<br>
Isso acrescenta dificuldades no alcançar de um emprego (lamentável mas correspondendo a uma visão materialista do homem e utilitária do trabalho) e, obtido, no seu próprio desempenho.<br>
Inscreveu-se noutro curso - Engenharia Agro-Pecuária - e tem tido aproveitamento (tal não significa que foi possível por a dificuldade ser menor - é difícil formular um juízo comparativo da exigência dos cursos em questão, por falharem de todo, nos autos, elementos concretos; por outro, a dificuldade pode residir não tanto na exigência dos estudos mas na aptidão de cada um para os mesmos - inclusive, in casu, a escolha inicial podia não ter sido a mais correcta e sê-lo a segunda e daí o aproveitamento; não é possível passar aqui de meras conjecturas, nada mais que isso).<br>
Tecendo aqui as mesmas considerações que antes se fez a propósito dos outros estudos que estava a cursar e da respectiva saída profissional, por serem igualmente pertinentes, há ainda que não perder de vista o facto de o lucro cessante incidir sobre a diferença entre os proventos que auferirá na profissão que vier a exercer de acordo com as habilitações que obtenha e os que, de idêntico modo, auferiria se não tivesse ficado com as sequelas e elas não tivessem importado uma diminuição na capacidade de ganho, diferença em que está já incluída a que eventualmente possa derivar duma profissão exigindo a habilitação de engenharia mecânica e doutra requerendo a de engenharia agro-pecuária, se forem estas que obterá podendo ser as outras; ou seja, um juízo de prognose prático e comparativo que, procurando-se colocar o autor em identidade de situações, nos permita ter uma percepção quantitativa da diferença (o estipulado para os funcionários técnicos, em termos de remunerações - criando uma igualdade, só vale para o quadro do funcionalismo; por isso, relativamente a quem ainda está a tirar um curso isso só poderá valer como referência e não como o elemento a considerar por força dos Decretos-Lei 248/85 e 353-A/89).<br>
Para fixar o quantum indemnizatório há que recorrer aqui à equidade (sempre teria de a ela se apelar se relegasse a liquidação para decisão ulterior, pois o pouco mais que pudesse ser provado não seria suficiente para a dispensar).<br>
O tempo de vida activa útil vai até aos 65 anos e o movimento sindical é no sentido de cada vez mais se o encurtar.<br>
Se até há pouco era possível ter presente, ao calcular-se o quantum indemnizatório, na taxa de capitalização e nos juros, hoje, com a descida das taxa de juros e com a entrada no sistema da moeda única, a dificuldade em rentabilizar uma indemnização de modo a que ela se tenha por esgotada ao fim do período de tempo que for de considerar é factor a atender e que joga desfavoravelmente para o devedor daquela.<br>
Assim, atendendo à diferença previsível de ordenados e ao tempo de vida útil (cerca de 40 anos na previsão de terminar o curso pelos 25 anos) tem-se como mais adequado e equilibrado fixar a indemnização por tal dano futuro em 12000000 escudos (doze milhões de escudos).<br>
Termos em que se concede parcialmente a revista e se fixa em 12000000 escudos (doze milhões de escudos) a indemnização pela perda da capacidade de ganho.<br>
Custas, em partes iguais, pelo autor e ré seguradora.<br>
<br>
Lisboa, 7 de Outubro de 1997.<br>
<br>
Lopes Pinto,<br>
José Saraiva,<br>
Torres Paulo.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
DzLwu4YBgYBz1XKvSF2V | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: <br>
<br>
A, propôs acção ordinária contra B, pedindo a condenação desta a ver anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral extraordinária que discriminou. <br>
Alegou, em resumo, que a convocação da assembleia não foi expedida com a antecedência mínima de 15 dias, que a convocatória é vaga, designadamente quanto ao ponto 3, e que as deliberações tomadas traduzem um abuso de direito por conduzir à formação de uma maioria visando a defesa de interesses particulares dos intervenientes na assembleia.<br>
Contestou a ré, pugnando pela validade das deliberações em causa.<br>
Após regular processamento dos autos, foi proferida sentença que absolveu a Ré do pedido.<br>
Irresignado, apelou o autor para a Relação de Coimbra, que, por acórdão de 5.6.01, revogou em parte a sentença:<br>
- Declarando a anulação da deliberação tomada na assembleia geral da ré, em 28.4.97, na parte em que reconheceu suprimentos e créditos nos termos do nº 17 da factualidade apurada;<br>
- Confirmando a sentença na parte restante;<br>
- Condenando autor e ré nas custas de ambas as instâncias, respectivamente, na proporção de ¾ e ¼. <br>
Novamente inconformado, interpôs o demandante a presente revista, tirando as seguintes<br>
Conclusões:<br>
1- O autor pede que sejam anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral referida na petição inicial pois que, sendo a convocatória datada de 26 de Março de 1997, e tendo a assembleia geral iniciado no dia 9.4.97, não foi cumprida a antecedência legal de 15 dias para a expedição da convocatória;<br>
2- Mesmo que assim não fosse, as deliberações tomadas de acordo com o ponto 3 da convocatória subscrita por C são anuláveis por não constarem do aviso convocatório;<br>
3- Bem como por traduzirem manifesto abuso de direito;<br>
4- Aliás, o Tribunal a quo entendeu que a deliberação relativa ao reconhecimento de suprimentos e débitos é anulável por não constar da convocatória;<br>
5- Contudo, quanto à deliberação relativa à distribuição de funções aos gerentes também deveria ser considerada anulável pois não constava da convocatória;<br>
6- Traduzindo também manifesto abuso de direito na medida em que excede os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes;<br>
7- A decisão recorrida viola além do mais o disposto nos artigos 58º, nº 1, alíneas b) e c) e nº 4, alínea a) e 377º, nº 8 do CSC, <br>
Deve dar-se anular-se a decisão recorrida na parte em que julgou o recurso improcedente, substituindo-a por outra que julgue o recurso procedente também nessa parte.<br>
Contra-alegou a recorrida, acudindo em defesa do decidido.<br>
Com os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Factos assentes pelas instâncias:<br>
1- O Autor é sócio gerente da Ré;<br>
2- A Ré foi constituída há mais de 50 anos;<br>
3- As quotas sociais da sociedade são divididas entre os sócios, uma representada pelo autor e cada uma das outras partes pelos herdeiros dos anteriores sócios que tinham igualmente 1/3 cada;<br>
4- A D é filha de E, sócio fundador da Ré, sendo que a quota deste hoje pertence à sua viúva;<br>
5- O F representava na gerência a herança aberta por óbito de seu pai G; <br>
6- Em 18.3.97, foi deliberado eleger F para a gerência, sem a concordância do autor que se recusou a assinar a respectiva acta (doc. de fls. 69 dos autos de providência cautelar apensa);<br>
7- O Autor, na qualidade de gerente, convocou uma assembleia geral para o dia 9.4.97, pelas 18 horas (doc. de fls. 16 dos autos de providência cautelar apensos);<br>
8-Em 26.3.97, o gerente C subscreveu uma carta dirigida ao autor, em seu próprio nome, de F e de H, convocando uma assembleia extraordinária para o mesmo dia 9 de Abril pelas 18 horas, com a ordem de trabalhos que dela consta (doc. de fls. 17 dos autos de providência cautelar apensos, cujo teor aqui se dá por reproduzido);<br>
9- No dia 9 de Abril de 1997, o Autor compareceu na sede social da Ré, acompanhado do seu mandatário;<br>
10- Nesse mesmo dia foi acordado transferir a assembleia extraordinária para o dia 28.4.97, à mesma hora, para que qualquer sócio se pudesse fazer acompanhar de advogado, caso assim o entendesse;<br>
11- No dia 28.4.97 compareceram todos os sócios, fazendo-se o autor e a D acompanhar dos seus advogados;<br>
12- Antes do início dessa assembleia fizeram-se diligências no sentido da compra e venda de quotas e foram os restantes sócios auscultados sobre a intenção do autor quanto a uma eventual alteração do art. 7º do pacto social;<br>
13- 0 autor após estas diligências afastou-se e não participou na assembleia desse dia 28.4.97;<br>
14- Na assembleia ocorrida em 28.4.97 foi deliberado não reconhecer os débitos ao autor e seus filhos e não alterar o art. 7º do pacto social;<br>
15- Foi igualmente deliberado nomear gerente o sócio F que, juntamente com a sócia H (esta por intermédio da sua representante) exerceriam a gestão contabilística, nomeadamente o caixa, bem como seriam responsáveis pelo serviço de escritório e coadjuvariam nas vendas;<br>
16- Mais foi deliberado que o sócio e gerente C e a Drª D passariam a ficar encarregues da compra de matéria prima, da produção fabril, dos acabamentos e em conjunto com o gerente Joaquim, nessa data nomeado, das vendas e que o sócio e gerente autor ficasse encarregue da gestão e venda dos sobrantes;<br>
17- Foi ainda deliberado reconhecer os suprimentos à sociedade e créditos dos sócios sobre esta, assim discriminados: <br>
a) Dois milhões de escudos de suprimentos dos sócios C, F e H, em dívida contraída particularmente por eles Junto do BESCL, para cobrir a conta da sociedade na CCA e pagar aos fornecedores I e J, bem como à segurança social;<br>
b) Dois milhões e quinhentos mil escudos de suprimentos dos sócios F, C e H, em dívida contraída junto do BNU para acorrer a défice de caixa;<br>
c) Um milhão de escudos em dívida pela sociedade ao BNU, para acorrer a défice de caixa;<br>
d) Cinco milhões de escudos de dívida ao BCI, titulada pelos sócios F, C e H, para acorrer a défice de caixa e pagamentos a fornecedores;<br>
e) Dez milhões de escudos, em dívida da sociedade à CCAM, garantida por hipoteca sobre o imóvel de que a sociedade é dona, para acorrer a défice de caixa e efectuar pagamentos a fornecedores, dos quais estão por utilizar, ainda, cerca de quatro milhões de escudos;<br>
f) Cento e setenta mil seiscentos e vinte escudos em dívida ao sócio gerente C de deslocações em carro próprio;<br>
g) Um milhão e quarenta mil escudos de suprimentos ao caixa da Drª D para pagamento de pinheiros;<br>
h) Setenta e cinco mil escudos de deslocações da representante da sócia H, Drª D, da sua residência à sede da empresa;<br>
i) Um milhão setecentos e oitenta e seis mil seiscentos e trinta e dois escudos em dívida ao sócio F, relativos a empréstimos ao caixa, juros, valores selados, pagamentos diversos, nomeadamente à EDP e combustíveis;<br>
18- De acordo com o artº 5º do pacto social os suprimentos dos sócios só podem ser efectuados se a assembleia geral os julgar indispensáveis (doc. de fls. 77 a 83 dos autos de providência cautelar apensos);<br>
19- O sócio fundador G encontrava-se incapacitado desde 1985, facto que deu lugar a uma acção de interdição por parte dos seus filhos (doc. de fls. 39 a 41 dos autos, que se dá por reproduzido);<br>
20- Em 17.1.97, foi levado ao registo o regime de bens do casamento do autor, e do sócio G;<br>
21- De acordo com o pacto social a Ré obriga-se apenas com duas assinaturas;<br>
22- A gerente D e os demais sócios da Ré presentes na assembleia convocada para o dia 9.4.97 recusaram-se a iniciar tal assembleia por o autor estar acompanhado do seu mandatário;<br>
23- A sociedade acumula prejuízos pelo menos desde 1991;<br>
24- Na assembleia convocada para o dia 9.4.97 fundiram-se as duas convocatórias referidas em 7 e 8, e iniciou-se uma assembleia na qual foram tidas em conta as ordens de trabalho referidas em tais convocatórias;<br>
25- A D exerce a sua actividade profissional no Porto deslocando-se esporadicamente a Campo de Besteiros;<br>
26- A deliberação tomada na assembleia realizada no dia 28.4.97 encarregou o autor da gestão e venda de serraduras, fitas e lenhas;<br>
27- Desde 1985-1986 e até, pelo menos, 1990, o autor exerceu sozinho a gerência da sociedade Ré;<br>
28- No período referido em 27, a sócia H assinava as actas;<br>
29- O F foi nomeado gerente em 26.12.91;<br>
30- O Autor não efectuou obras de restauro ou conservação dos imóveis da sociedade enquanto exerceu as funções de gerência nesta;<br>
31- Aquando do facto referido em 13, o autor tinha conhecimento da ordem de trabalhos da convocatória mencionada em 8.<br>
Sustenta o recorrente que devem ser anuladas as deliberações sociais tomadas em 28.4.97, por não ter sido cumprida a antecedência legal de 15 dias para a expedição da convocatória, já que esta é datada de 26.3.97, e a assembleia geral se iniciou em 9.4.97, sendo a de 28.4.97 mera continuação dela.<br>
Não tem, porém, razão.<br>
A convocatória do gerente C é datada de 26.3.97, mas a assembleia geral extraordinária onde as aludidas deliberações foram tomadas ocorreu em 28.4.97, altura em que o recorrente há mais de 15 dias conhecia a ordem de trabalhos constante daquela convocatória e que era:<br>
1- Eleição de nova gerência para a sociedade;<br>
2- Deliberar sobre a necessidade de uma eventual auditoria às contas da sociedade comercial por quotas denominada B, a ser feita, eventualmente, por uma entidade habilitada para tal e exterior à referida sociedade;<br>
3- Discussão de outros assuntos de interesse para a sociedade.<br>
A assembleia geral extraordinária de 28.4.97, não foi continuação da iniciada em 9.4.97.<br>
Deflui da acta nº 59, a fls. 20 da providência cautelar não especificada apensa, que no dia 9.4.97 (só por lapso se escreveu 8.4.97, pois as convocatórias foram para o dia seguinte):<br>
«...O sócio A... fez-se acompanhar do seu advogado...facto a que se opuseram os restantes sócios, porquanto, em outras reuniões o mesmo sócio impediu a presença de advogados.<br>
Acordaram então em adiar a reunião para o dia vinte e oito de Abril de mil novecentos e noventa e sete, pelas dezoito horas, com as mesmas ordens de trabalhos, e que os sócios ficariam de se fazer acompanhar de advogados...».<br>
Ora "adiar" é um verbo transitivo, que significa transferir para outro dia.<br>
Não houve portanto suspensão dos trabalhos, para continuarem no dia 28.4.97, mas, como de resto se deu como provado no ponto 10 da matéria de facto, o adiamento ou transferência da assembleia extraordinária para essa nova data.<br>
Foi neste sentido que, com inteiro acerto, ajuizaram as instâncias.<br>
As deliberações em causa foram tomadas numa assembleia iniciada em 28.4.97, adiada de 9.4.97, pelo que a convocatória foi regular.<br>
A matéria constante do ponto 24 dos factos apurados e atrás descritos e a circunstância de a assembleia geral extraordinária de 28.4.97 ter sido registada na mesma acta nº 59, onde se lê «...Reiniciados os trabalhos no dia vinte e oito de Abril...», não invalida o que se disse, até porque, no ponto 22 da matéria de facto se deu como cristalinamente provado que a gerente D e os demais sócios da Ré presentes na assembleia convocada para o dia 9.4.97 se recusaram a iniciar tal assembleia por o autor estar acompanhado do seu mandatário (sublinhado nosso).<br>
A interpretação coerente do somatório de factos apurados é, pois, a de que no dia 9.4.97 apenas se deliberou fundir as duas convocatórias, adiando-se ou transferindo-se a assembleia geral extraordinária para o dia 28.4.97, podendo os sócios nela comparecer acompanhados dos seus advogados, iniciando-se então, nessa nova data, a ordem de trabalhos constante das duas convocatórias fundidas na assembleia geral de 9.4.97. <br>
A eleição da nova gerência, prevista no ponto 1 da ordem de trabalhos da convocatória do sócio C, vem posta em crise no conclusório do recurso apenas com base na sobredita irregularidade da convocatória, já que o abuso de direito referido na conclusão 3ª se reporta apenas às deliberações referidas na conclusão 2ª (as tomadas ao abrigo do ponto 3 da convocatória).<br>
E acabamos de ver que afinal a irregularidade de convocatória não existe.<br>
E que dizer da deliberação tomada na assembleia geral extraordinária de 28.4.97, relativa à distribuição de funções aos gerentes?<br>
Entende o recorrente que deve ser anulada visto que, por um lado, tal matéria não constava da convocatória, e por outro lado consubstancia um manifesto abuso de direito na medida em que excede os limites impostos pela boa é e pelos bons costumes.<br>
A Relação concordou que a distribuição de funções pelos gerentes não constava da convocatória do sócio C, nomeadamente do seu ponto 3, o qual apenas contemplava a «Discussão de outros assuntos de interesse para a sociedade».<br>
Através desta fórmula, expendeu-se no acórdão, por ser vaga e genérica, não fica o sócio minimamente informado sobre a matéria a discutir e aprovar, sendo surpreendido em plena assembleia com qualquer assunto da vida da sociedade colocado em discussão.<br>
Acrescentou-se, todavia, no mesmo acórdão o seguinte:<br>
«... Mas cabe à gerência administrar a sociedade (artº 252º, nº 1 do CSC). A competência dos sócios em matéria deliberativa consta do artº 246º do CSC. Mas ainda lhes assiste uma competência residual na medida em que... podem deliberar sobre todas as matérias relativas à sociedade, a não ser que... se inscrevam, por força da lei ou do pacto social, na esfera de competência de outro órgão. Com efeito, nos termos do artº 259º do CSC, os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios. Tratando-se, no caso, de uma gerência plural, a administração é deliberada pela maioria dos votos dos gerentes (artº 261º, nº 1 do CSC). E de acordo com o nº 2 podem os gerentes delegar nalgum ou nalguns deles competência para determinados negócios ou espécie de negócio. A distribuição das tarefas administrativas ou a delegação de competência para determinados negócios numa gerência plural escapa, pois, à competência da deliberação dos sócios. E se os gerentes numa assembleia geral de sócios procedem a uma distribuição de tarefas entre si, então tal deliberação não é impugnável pelos sócios, uma vez que versa sobre matéria que, por força da lei, é da exclusiva competência da gerência... Não podendo ser válida como deliberação dos sócios, por exorbitar da competência destes, é porém, válida como deliberação dos sócios gerentes presentes na mesma assembleia, reunindo a deliberação da maioria dos gerentes. Portanto, nenhum interesse atendível existe por parte do Autor para impugnar a deliberação atinente à distribuição das tarefas, apesar de ser tomada ao abrigo do ponto 3 da convocatória redigido em termos genéricos...» (os negritos e sublinhados são da nossa autoria).<br>
Concordamos também com este ponto de vista jurídico.<br>
Diz o nº 1 do artº 252º do CSC que a sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes... <br>
Segundo a artº 261º, nº 1 do mesmo diploma legal, quando haja vários gerentes e salvo cláusula do contrato de sociedade que disponha de modo diverso, os respectivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria...<br>
Emerge ainda do nº 2, ibidem, que o assim disposto não impede que os gerentes deleguem nalgum ou nalguns deles competência para determinados negócios ou espécie de negócio...<br>
Ex vi artº 259º, os gerentes devem praticar os actos que forem necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios.<br>
Ora a competência destes é a que consta do artº 246º, nºs 1 e 2 do CSC, alargando-se ainda, apenas, a matérias que não estejam abrangidas pela competência própria doutros órgãos sociais.<br>
O princípio da soberania da assembleia geral, como expende Pupo Correia (in Direito Comercial, 2ª Edição Revista, pág. 540, 541 e 542), não exclui que a condução dos negócios sociais tenha passado a competir de modo prevalente e quase exclusivo ao órgão de administração, tendo a supremacia do órgão assembleia geral como limites as competências de outros órgãos, tanto de administração e representação como de fiscalização, cujas esferas funcionais a assembleia não pode invadir, defluindo dos nºs 2 e 3 do artº 373º (susceptíveis de serem aplicados, suprindo qualquer lacuna) que a assembleia geral tem competência para deliberar sobre as matérias fundamentais, mas só essas, que lhe foram cometidas pela lei ou pelo contrato e sobre as que não couberam nas atribuições dos outros órgãos.<br>
Ora, eleita a nova gerência - como estava previsto no ponto 1 da convocatória do C - não repugna admitir como possível, que, logo a seguir, e para, com a concordância de todos os presentes, ficar a constar da acta, os gerentes e sócios C e F, e ainda a gerente e representante da sócia H, sua mãe, Drª D, distribuíssem as tarefas administrativas da sociedade, matéria que, escapando à competência dos sócios, cabia no entanto na competência da gerência plural dos sócios gerentes, através da deliberação maioritária destes.<br>
Quanto ao abuso de direito, e como bem se pondera no acórdão recorrido, só relativamente a deliberações da competência dos sócios é que se poderia colocar o problema.<br>
Acerca da distribuição das tarefas administrativas, que escapava à competência deliberativa dos sócios, e que foi maioritariamente deliberada pelos sócios gerentes, não se coloca a problemática do exercício abusivo do direito de deliberação.<br>
Contra a má actuação dos gerentes, a reacção legalmente adequada é a sua destituição (artº 257º do CSC).<br>
Não podendo o recorrente impugnar a citada deliberação dos sócios gerentes, tomada em matéria da competência da gerência plural, que não dos sócios.<br>
Finalmente, ao admitir que os sócios gerentes, na própria assembleia geral extraordinária, deliberassem sobre a distribuição das tarefas administrativas da gerência plural , a assembleia geral soberana não invadiu competência reservada de outro órgão social, nem essa permissão vem especificamente atacada no recurso, onde se insiste que se tratou exclusivamente de uma deliberação social, quando pode ser encarada e avaliada como deliberação dos gerentes, simultaneamente sócios (dois) e representante de uma sócia (uma).<br>
Termos em que acordam em negar a revista, com custas pelo recorrente. <br>
<br>
Lisboa, 9 de Abril de 2002<br>
Faria Antunes,<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
aTLYu4YBgYBz1XKvI0le | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Por apenso à execução ordinária que o Banco A instaurou contra B e C, veio esta deduzir embargos de executada, alegando que:</font><br>
<br>
<font>-- Como garante, desconhece se o valor peticionado é o que está em dívida, pois não utilizou qualquer quantia da referida conta e, não tendo sido junto o extracto da mesma, não podem os contratos de abertura de crédito juntos pelo exequente servir de título executivo;</font><br>
<font>-- Existindo uma livrança como garantia, só ela poderia servir de base à execução;</font><br>
<font>-- Existe a seu favor o beneficio da excussão e a fiança por si prestada é nula por indeterminabilidade do objecto;</font><br>
<font>-- Os juros peticionados são excessivos e a data a partir da qual estão calculados não é correcta, uma vez que não foi interpelada para o pagamento. </font><br>
<br>
<font>Contestou o embargado pronunciando-se pela improcedência dos embargos e juntando a carta de interpelação para pagamento, enviada à embargante. </font><br>
<font>Considerando ser possível o conhecimento do mérito da causa, por o processo conter todos os elementos indispensáveis para tal, proferiu o Mmº Juiz saneador-sentença em que julgou improcedentes os embargos, ordenando o prosseguimento da execução.</font><br>
<font>A embargante apelou para a Relação do Porto, que confirmou o decidido.</font><br>
<font>É desse acórdão que vem interposta a presente revista, minutada pela recorrente Lígia, que concluiu do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font>1ª- O contrato dado à execução, puro e simples, não é um título executivo nos termos e para os efeitos do artº 46º, alínea c) do CPC;</font><br>
<font>2ª- O Banco exequente deveria ter procedido à liquidação do montante em dívida, provando com os elementos necessários qual o montante do crédito concedido e em dívida;</font><br>
<font>3ª- Esta obrigação pertencia ao banco exequente em face do disposto nos arts. 342, n. 1 do CC e 805 do CPC, e não à executada;</font><img><br>
<font>4ª- De forma diversa da decidida no acórdão recorrido se pronunciou o acórdão proferido na mesma Relação no processo nº 1358/2001, onde se decidiu a necessidade de um documento complementar ou a comprovação de que tenha realmente sido feita a concessão do crédito, para que os documentos assinados entre um particular e um banco, que impliquem obrigações pecuniárias a assumir no futuro ou já alegadamente assumidas, sejam títulos executivos, nos termos do artº 46º, alínea c) do CPC; </font><br>
<font>5ª- Fez-se errada aplicação dos artºs 46º e 805º do CPC e 342º, nº 2 do CC, devendo revogar-se a decisão.</font><br>
<font>Contra-alegou o Banco recorrido, pedindo a manutenção do acórdão em crise.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<font>Decidindo.</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram como provados os seguintes factos: </font><br>
<br>
<font>1 - O exequente celebrou com os executados, em 14 de Janeiro de 1997, um contrato de abertura de crédito no montante de 2.500.000$00, que é o documento junto a fls. 12 a 15 da execução apensa, que aqui se dá por reproduzido;</font><br>
<font>2 - Através de um contrato de aditamento, celebrado em Novembro de 1997, o limite de crédito concedido pelo contrato de abertura de crédito supra referido foi aumentado para 5.000.000$00 - documento junto a fls. 16 e 17 da execução apensa, que aqui se dá por reproduzido;</font><br>
<font>3 - Posteriormente o aludido contrato de abertura de crédito foi objecto de novo aditamento, por contrato celebrado em 24 de Julho de 1998, através do qual o capital mutuado foi aumentado para 7.500.000$00 - documento junto a fls. 18 e 19 da execução apensa, que aqui se dá por reproduzido;</font><br>
<font>4 - O contrato e seus aditamentos estão assinados pela embargante na qualidade de garante, assumindo ela, solidariamente com o cliente a responsabilidade pelo cumprimento pontual de todas as obrigações pecuniárias dele decorrentes;</font><br>
<font>5 - A 17 de Maio de 2002, o exequente enviou à embargante carta registada com aviso de recepção de denúncia de contrato de abertura de crédito e interpelação para pagamento.</font><br>
<br>
<font>Compulsados os autos, afigura-se que o recurso deve proceder pelos fundamentos e nos moldes que se passam a expor.</font><br>
<font>O recorrido articulou no requerimento executivo que celebrou um contrato de abertura de crédito com os executados - sendo a embargante como garante - cujo limite inicial, de 2.500.000$00, foi alterado para 5.000.000$00 e depois para 7.500.000$00 (através dos dois aditamentos ao contrato inicial), acrescentando que denunciou o contrato por ter sido violado pela contraparte, e que é credor, por força da utilização do crédito concedido, da quantia de 31.632,02 euros e juros que indicou.</font><br>
<br>
<font>Como se vê do contrato, a fls. 98, ficou clausulado que o montante do crédito disponibilizado seria lançado pelo Banco numa conta corrente aberta na sua agência de Arouca, ficando o cliente autorizado a movimentar até ao limite ajustado, mediante entrega de cheques pré-datados e por transferências para a conta de depósitos à ordem nº 0042.08.3729877.</font><br>
<br>
<font>O contrato e aditamentos foram assinados pelos executados, tendo a embargante aceitado expressamente todos os seus termos e condições, assumindo, solidariamente com o cliente, a responsabilidade pelo cumprimento pontual de todas as obrigações pecuniárias decorrentes do contrato (fls.99).</font><br>
<br>
<font>A questão que se coloca é a de saber se a documentação junta pelo embargado, só por si, constitui um verdadeiro e completo título executivo, sendo a resposta a dar negativa.</font><br>
<font>Títulos executivos são apenas aqueles a que a lei (artº 46º do CPC) atribui essa natureza (princípio da tipicidade).</font><br>
<br>
<font>Anteriormente à reforma adjectiva operada pelos DL nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9, a al. c) daquele preceito contemplava os escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais constasse a obrigação de pagamento de quantias determinadas.</font><br>
<br>
<font>Agora prevê os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º.</font><br>
<br>
<font>Houve uma ampliação no numerus clausus, no que interessa ao nosso caso por se ter conferido exequibilidade aos documentos particulares dos quais conste obrigação pecuniária a liquidar por simples cálculo aritmético, assinados pelo devedor, não se exigindo agora que a prestação pecuniária esteja liquidada no título, que nele figure certa soma ou importância em dinheiro (Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª Edição, págs. 50 e 51). </font><br>
<br>
<font>Os documentos juntos com o requerimento executivo (contrato e aditamentos) não se enquadram no âmbito dessa ampliação.</font><br>
<font>O contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual um banco se vincula a ter à disposição da outra parte uma quantia em dinheiro por certo período de tempo ou por tempo indeterminado, obrigando-se esta ao reembolso das importâncias levantadas e pagamento dos juros acordados na data do vencimento, podendo uma das suas modalidades ser a de abertura de crédito em conta corrente e com garantia pessoal (Calvão da Silva, Direito Bancário, pág. 365 e 366).</font><br>
<br>
<font>O contrato dos autos, destinado a apoio de tesouraria e gestão de cheques pré-datados (como nele se consignou, ut fls. 97), enquadra-se na referida modalidade, já que o crédito seria a utilizar por várias vezes, sacando importâncias da conta corrente, com a garantia pessoal da embargante/recorrente relativamente a todas as obrigações que viessem a ser contraídas pelo cliente (o outro executado) na execução do contrato.</font><br>
<br>
<font>Com a assinatura deste, o Banco apenas assumiu o compromisso de constituir a aludida disponibilidade quando o cliente beneficiário o exigisse nos termos clausulados. Não se constituiu como credor em virtude de uma prestação monetária efectiva, pois não entregou fundos ao beneficiário, como sucede no contrato de mútuo civil, nem procedeu à constituição efectiva de uma disponibilidade monetária, nos termos usuais do mútuo bancário, antes se vinculou a realizar no futuro as prestações que o cliente exigisse nos termos contratados, consistindo a prestação imediata do Banco na manifestação de vontade de vir a tornar-se credor (cfr. José Maria Pires, Direito Bancário, 2º Vol., pág. 207).</font><br>
<br>
<font>O Banco vinculou-se a entregar ao cliente, se e quando este o solicitasse, a importância do crédito, e o cliente, que não era ainda titular efectivo de qualquer soma, apenas tendo uma disponibilidade (que podia ou não vir a utilizar) obrigou-se a restituir as somas que viesse a utilizar, com os acréscimos clausulados. A disposição efectiva dos fundos a favor do creditado dependia da manifestação de vontade deste, constituindo a segunda fase do contrato (ibidem, fls. 211).</font><br>
<br>
<font>Revertendo ao artº 46º, c) do CPC, na redacção operada pela reforma adjectiva de 1995/96, aqui aplicável, temos que o contrato de abertura de crédito (e seus aditamentos) é um documento particular assinado pela embargante/recorrente e pelo outro executado, importando a constituição de obrigações pecuniárias a contrair de futuro - e que na execução se alega terem já sido assumidas - determináveis por simples cálculo aritmético a partir dos cheques e transferências referidos no contrato. </font><br>
<br>
<font>O legislador ao referir-se na alínea c) do artº 46º a montante determinável nos termos do artº 805º, terá querido abranger a dívida de futuro, passível de determinação aritmética.</font><br>
<br>
<font>No caso concreto, essa determinação podia e devia ter sido feita no requerimento inicial da execução, juntando o exequente a conta corrente, os cheques e a documentação concernente às transferências da conta corrente para a conta de depósito à ordem.</font><br>
<font>Sobre a liquidação por simples cálculo aritmético, cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 82 e 83.</font><br>
<br>
<font>A mera junção do contrato de abertura de credito (e seus dois aditamentos) ainda não demonstra que tenha efectivamente sido sacada qualquer verba da conta corrente aberta pelo Banco, não bastando que este tenha articulado no requerimento inicial da execução que foi utilizado pelo cliente o capital que indicou.</font><br>
<br>
<font>Como estatui o artº 804º do CPC, se a obrigação estiver dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte de credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação (nº 1), e se a prova não puder ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferecerá as respectivas provas, que são logo produzidas, podendo ser ouvido o devedor, quando se julgue necessário, sem prejuízo da faculdade de oportunamente deduzir oposição mediante embargos de executado (nº 2).</font><br>
<br>
<font>No caso sub judice não se mostra, em suma, feita ainda a prova da efectiva concessão de crédito pelo recorrido, o aproveitamento, pelo cliente, do capital indicado no requerimento executivo, ou de qualquer outro, pois isso não consta da documentação apresentada, que não constitui, só por si, título executivo, dotado de exequibilidade.</font><br>
<br>
<font>Se a embargante e (ou) o outro executado chegaram ou não a utilizar alguma ou algumas parcelas da verba total disponibilizada pelo recorrido é questão que o título apresentado, desacompanhado de documentação complementar, não resolve, não estando os autos de execução instruídos por forma a que a embargante tome uma atitude concordante ou discordante relativamente à pretensão executiva.</font><br>
<br>
<font>Sabido que é que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (artº 45º, nº 1), não tendo o documento apresentado, isoladamente, a força executiva pretendida, não fazendo presumir, só por si, a existência de qualquer obrigação certa, líquida e exigível (artº 802º), não pode a execução prosseguir nas condições decididas pelas instâncias nos presentes embargos.</font><br>
<br>
<font>O desfecho não deve porém ser o da extinção e subsequente arquivamento da execução com base na inexistência ou insuficiência de título executivo.</font><br>
<br>
<font>É orientação fundamental, no código revisto em 95/96, a de proporcionar o aproveitamento das acções, mediante o suprimento da falta de pressupostos processuais, bem como a correcção de irregularidades formais, susceptíveis de sanação (artºs 265º, nº 2 e 508º, nº 2), regime que deve ser aplicável ao processo executivo, onde a solução do aperfeiçoamento do requerimento executivo é hoje indiscutível, ut artº 811º-B, nº 1 (Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 81).</font><br>
<br>
<font>O Mmº Juiz devia no despacho inicial da execução ter convidado o exequente a apresentar novo requerimento executivo em que procedesse a detalhada liquidação da quantia exequenda, fazendo-o acompanhar de pertinente prova complementar de suporte da respectiva liquidação aritmética, nada obstando a que tal convite seja agora feito, nos temos do artº 508º, nºs 2, 3 e 4 do CPC, para assim se evitar a instauração de nova acção executiva.</font><br>
<br>
<font>Só se tal convite não tiver cabal resposta do exequente é que deverá ser decretada a extinção da execução e subsequente arquivamento dela, podendo, no caso contrário, obviamente, haver a possibilidade de dedução de embargos de executado. </font><br>
<font> Termos em que acordam em conceder a revista, revogando o acórdão recorrido, devendo o exequente ser convidado na 1ª instância a apresentar novo requerimento executivo em que proceda a detalhada liquidação da quantia exequenda, fazendo-o acompanhar de documentação susceptível de justificar a liquidação aritmética do pedido exequendo.</font><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrido, na revista e nas instâncias.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 8 de Março de 2005</font><br>
<font>Faria Antunes,</font><br>
<font>Moreira Alves,</font><br>
<font>Alves Velho.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
9TIJvIYBgYBz1XKvXX17 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - Da Tramitação Processual<br>
Motivo - Comércio e Motivação de Mercados, Lda., intentou acção ordinária contra Miami - Construções Industriais,<br>
SA, porquanto, tendo-lhe vendido com reserva de propriedade uma máquina multicarregadora, deixou de lhe pagar prestações vencidas.<br>
Pede, por isso, que seja condenada a reconhecê-la como legítima proprietária da multicarregadora e a pagar-lhe a parte do preço em dívida, no montante de 4912000 escudos, acrescida da indemnização por mora que se vencer até efectivo pagamento, contada à taxa de 25% + 2 ao ano, ou aquela que for aplicada nos termos da portaria 807-U1/83.<br>
Contestou a Ré imputando à Autora defeituoso cumprimento do contrato, que lhe ocasionou graves danos e legitimando o incumprimento por sua parte.<br>
Em reconvenção a Ré pediu que fosse declarada inexistente a cláusula de reserva de propriedade ou pelo menos declarada nula e de nenhum efeito e que a Autora fosse condenada a proceder à legalização da máquina por forma a que a mesma possa trabalhar com a plataforma ou cestinha.<br>
Subsidiariamente, para a hipótese de a Autora não poder proceder à legalização pede seja anulado o contrato, condenando-se aquela a restituir-lhe a importância de 4822000 escudos do preço já parcialmente satisfeito.<br>
Em qualquer dos casos deverá a Autora ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por perda e danos no montante de 8482000 escudos, acrescida do valor de lucros cessantes e dos prejuízos causados pela imobilização da máquina e por despesas com excesso de mão de obra, cuja liquidação deverá ser feita em execução de sentença, a que acrescerá, no caso de anulação do contrato, a indemnização de 3771825 escudos por, em vista da demora e da inflação, se mostrar necessária à aquisição de uma máquina equivalente, além de 3500000 escudos já considerados.<br>
Replicou a Autora negando à Ré e pedindo a sua condenação como litigante de má fé em multa e em indemnização a seu favor, em quantia não inferior a 500000 escudos, acrescida de honorários ao seu patrono no montante de 100000 escudos.<br>
Proferida sentença foi julgado improcedente o pedido reconvencional e a Ré condenada a pagar à Autora o resto do preço da máquina em dívida, no montante de 4912000 escudos, com juros de mora à taxa de 15%, desde 15 de Setembro de 1990 até efectiva liquidação. Como litigante de má fé foi a Ré condenada na multa de 20 UCS, na indemnização de 300000 escudos à Autora e em 100000 escudos de honorários ao seu mandatário.<br>
Apelou a Ré, vendo confirmada a decisão da 1. Instância.<br>
II - Do Recurso:<br>
1 - Das Conclusões: a - A recorrente é consumidora sediada em Portugal e protegida pelo artigo 60 n. 1 da Constituição da República, incumbindo ao Estado Português proteger o consumidor, nos termos do artigo 81 alínea j) da Constituição. b - Os direitos da consumidora Miami, regulados na Lei 29/81, de 22 de Agosto, foram violados no acórdão recorrido. c - A Resolução 543 de 17 de Maio de 1983, assim como o Tratado de Roma nos artigos 2, 3, 7, 100-A e 100-B, também contemplam a protecção dos direitos dos consumidores, matéria que não foi respeitada no acórdão recorrido. d - Visto a máquina transaccionada ser uma máquina automotora fabricada e comercializada no Reino Unido a legislação Comunitária aplicável é a Directiva 84/532/CEE, sem prejuízo da aplicação das Directivas 70/570/CEE e 80/1277/CEE. e - Estas Directivas, conjuntamente com a nota explanatória adenda à referida S.S. (Statutory Instruments), são implementadas com as DC 84/532 a 84/537/CEE de 17 de Setembro, JO L 300 de 19 de Novembro de 1984, pág. 111-170, em substituição das DC 85/406 a 85/409/CEE, JO L 233 de 30 de Agosto de 1985, publicada no Reino Unido em 16 de Dezembro de 1985 - pela S.I. 1985 - n. 1968. f - Dispõe esta S.I. que o tipo de máquina a coberto desta Directiva não poderá ser colocado no mercado a partir de<br>
16 de Março de 1986, desde que não esteja a construção destes equipamentos certificada com o exame tipo CEE e com o certificado de homologação CEE. g - A Directiva 84/532/CEE sofreu novo aditamento no Reino Unido pela S.I. - 1988 - n. 361, que implementou conjuntamente a DC 86/662/CEE, assinada em 3 de Março de 1988 pelo Secretário de Estado do Departamento do Trabalho e Indústria Robert Atkins. h - Esta Directiva tem implementação obrigatória, tornando proibida a colocação para venda no mercado a partir de 29 de Dezembro de 1989 das máquinas certificadas com o Exame Tipo CEE, certificação e homologação de acordo com as normas CEE constantes dos ns. 3, 5, 7 da referida S.I. i - Aquela Directiva foi posteriormente integrada nas Directivas 86/295/CEE (FOPS) e 86/296/CEE (ROPS), publicadas no Reino Unido pelas S.I. 1988 ns. 362 e 363, respectivamente, aplicáveis com força obrigatória em substituição das normas ISO 371/1/1986 - BS 5527 e a ISO 3449/1984 BS 5526/1985. j - Os Certificados ROPS (ISO n. 3471/1 de 1986) - estruturas de protecção de capotagem e os certificados FOPS (ISO n. 3449 de 1984) - estruturas de protecção contra a queda de objectos, já eram obrigatórias em Portugal nos termos da Norma Portuguesa n. 1939 de 1988, publicada no DR, III. Série, n. 116 de 19 de Maio de 1988 e que o fabricante publicitava no catálogo e no Manual de Manutenção que a máquina possuia. l - O fabricante JCB inglês e o seu representante em Portugal, a recorrida Motivo, estavam obrigados à apresentação de todos os certificados de homologação CEE, assim como as normas FOPS e ROPS da Norma Portuguesa 1939, a que ficou sujeita a máquina com base no dossier técnico de homologação de fabrico, conforme o disposto na Resolução do Conselho de 7 de Maio de 1985 pelo que o Tribunal da Relação, em caso de dúvida, deveria dar cumprimento ao disposto no artigo 177 do Tratado de Roma. m - O acórdão ao afirmar que os Tribunais não estariam habilitados a reconhecer quaisquer direitos aos particulares, com base nas directivas comunitárias dirigidas aos Estados destinatários, viola o princípio do direito comunitário de que compete às autoridades nacionais por a sua ordem jurídica de acordo com a ordem jurídica comunitária, em conformidade com o acórdão n. 25/11/86, proc. 201 e 201/85, Col. 1986, pág. 3477. n - O acórdão recorrido violou a legislação comunitária quanto à exigibilidade dos certificados de homologação e certificação CEE, ao fundamentar que a máquina estava homologada apenas com base na Directiva dos ruídos do motor - DC 86/662/CEE. o - A cláusula de reserva de propriedade aposta no verso do contrato é juridicamente nula, por violação do disposto nos artigos 7 e 8 alíneas a) e b), do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro. p - Tendo a recorrida actuado com dolo e incumprido o contrato é responsável pela obrigação que criou, nos termos do artigo 483 do C.C. e do Decreto-Lei 383/89, de 6 de Novembro, que deu cumprimento à D.C. 85/374/CEE, de 25 de Julho, tendo a recorrente a faculdade de recusar a sua prestação enquanto a daquela não for cumprida. q - De acordo com o artigo 456 n. 1 do C.P.C. a condenação da recorrente como litigante de má fé exige a existência de verdadeiro dolo, não tendo ficado provado que haja actuado com ele.<br>
Em contra alegações a Autora pugna pela confirmação da decisão recorrida.<br>
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal é de parecer que a Ré actuou com má fé não só instrumental mas também substancial, pelo que deve ser confirmada a sua condenação como litigante de má fé.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
2 - Dos Factos Provados<br>
A Autora no exercício do seu comércio vendeu à Ré em 7 de Dezembro de 1989, uma multicarregadora da marca JCB, modelo 530 B 4 AL, equipada com um balde de betão de 400 litros e um gancho de grua, transacção que foi reduzida a escrito no documento de fls. 21, do qual consta o que se contém no seu verso, ficando acordado entre ambas que o objecto negociado permaneceria propriedade da Autora até ao integral pagamento por parte da Ré, entregando-lhe a Autora o original do contrato constante de fls 21.<br>
A Autora adquiriu esta máquina e acessórios ao fabricante<br>
JCB Materials Handling Limited, com sede no Reino Unido, tendo-os importado para comercializar.<br>
O preço ajustado foi de 8320000 escudos a que acresceu de<br>
IVA 1444400 escudos, ficando acordado que o pagamento do preço seria de 3910000 escudos por meio de cheque e o restante em duas prestações tituladas por letras, cada uma de 2912000 escudos, com vencimentos em 15 de Junho de 1990 e 15 de Setembro de 1990.<br>
Nos termos acordados a Ré levantou a multicarregadora e acessórios, tendo a Autora emitido a factura que, por cópia, se encontra a fls. 22, no valor de 973400 escudos, tendo a Ré pago à Autora, desta importância, o montante de 3910400 escudos, parcelada em dois cheques, o último deles de 11 de Janeiro de 1990.<br>
Quanto às letras, como se vê de fls. 24 a 26, após as subscrever na qualidade de aceitante enviou-as à Autora em<br>
16 de Janeiro de 1990, sendo a primeira, vencida a 15 de Junho de 1990 reformada pelo valor de 2000000 escudos, do qual a Ré amortizou 912000 escudos, entregando à Autora nova letra no valor residual com vencimento em 15 de Setembro de 1990.<br>
Após a reforma de 15 de Junho de 1990 a Ré não mais pagou<br>
à Autora, restando por satisfazer o valor global de 4912000 escudos, montante das letras vencidas em 15 de Setembro de 1990, cujos valores parciais eram de 2000000 escudos e 2912000 escudos, e que também foram apresentadas, por várias vezes, a pagamento pela Autora que procurou junto da Ré obter tal satisfação, o que ainda não sucedeu.<br>
Por esse motivo e por a Autora ter invocado e demonstrado indiciariamente receio de extravio e de estragos que pudessem ocorrer, pediu o arrolamento da máquina nos termos que constam do apenso A, desta acção.<br>
A Autora é a representante em Portugal das máquinas JCB.<br>
No decurso das negociações entre a Ré e a Autora as negociações iniciaram-se, por parte desta, com um seu empregado, de nome Brandão, tendo sido fornecido pela Autora à Ré um catálogo que, por cópia, se encontra junto a fls. 16 a 21 dos embargos.<br>
A máquina multicarregadora transaccionada pelo escrito de fls. 22 está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE, válidas para Portugal.<br>
Com o conteúdo que dele consta e na data do mesmo, a Ré enviou à Autora o escrito que, em cópia, se encontra a fls. 22 dos embargos, nunca tendo as negociações incidido sobre a plataforma do mesmo.<br>
Em Fevereiro de 1990 a Inspecção Geral do Trabalho levantou entraves a que a Ré usasse em serviço a máquina equipada com a "cestinha".<br>
A Ré pretendeu da Autora obtenção de documentação comprovativa da sua homologação para serviço equipado com a "cestinha", o que a Autora não forneceu.<br>
A Ré não logrou obter seguro para acidentes de trabalho de pessoal em serviço na máquina equipada com "cestinha" fabricada pela Ré.<br>
A Ré elaborou a garantia bancária que, por cópia, se encontra junta a fls. 42-43 dos embargos do arrolamento.<br>
Em princípios de Dezembro de 1989 a Autora fez para a Ré uma demonstração com uma máquina JCB, experiência realizada com uma máquina idêntica à do catálogo atrás referido, mas não utilizou qualquer plataforma ou "cestinha".<br>
A Ré tem como actividade habitual a realização de trabalhos de construção civil, de instalações de estruturas pré-fabricadas metálicas para suporte de tectos sobre grandes vãos, colocados a muitos metros do chão.<br>
A sua colocação eficaz é feita com máquina carregadora automóvel, dotada de lança telescópica equipada com gancho e com uma plataforma.<br>
A Ré expôs à Autora a sua pretensão, dando-lhe conhecimento das suas actividades, dos trabalhos que realizava e da eventual necessidade de instalação de uma plataforma.<br>
A Autora sugeriu a máquina multicarregadora dizendo que satisfazia às necessidades da Ré, nelas incluindo também a possibilidade de instalação de uma plataforma para 2 ou 4 operários.<br>
Um organismo fiscalizador do Ministério do Trabalho exigiu<br>
à Ré a apresentação de documento de homologação e certificado de segurança da máquina, quando equipada e a funcionar com a cestinha fabricada pela Ré.<br>
Esta solicitou tal documentação à Autora que lhe disse não a ter nem ser ela exigível à máquina multicarregadora, funcionando sem cesta.<br>
A Ré teve de parar o uso da máquina equipada com cestinha e nunca mais pôde operar com a máquina equipada de plataforma, por falta da referida documentação.<br>
A Ré não efectuou à Autora os pagamentos em falta.<br>
A Ré para observância dos compromissos de trabalho de construção civil viu-se compelida a usar mais mão de obra e a ter mais despesas com salários, com deslocação do seu pessoal e correspondentes descontos de encargos sociais.<br>
A Ré procedeu à aquisição de uma nova máquina em cuja aquisição despendeu cerca de 5000000 escudos.<br>
Só após a consulta da fábrica a Autora informa qual o prazo de fornecimento de plataformas.<br>
Com o escrito, que por cópia se encontra a fls. 22 dos embargos, a Ré solicitou à Autora uma mera proposta de uma plataforma e esta nunca vende ou garante qualquer equipamento que não tenha em stock, sem prévia consulta do fabricante.<br>
E, neste caso, nem a Autora tinha visto ou vendido qualquer plataforma.<br>
O que a Ré pensava fazer e fez foi construir uma cesta semelhante à da plataforma e aplicá-la à máquina, usando-a, pelo menos, até à data da intervenção da Inspecção Geral do Trabalho, em Fevereiro de 1990, não tendo querido saber da proposta que solicitou à Autora.<br>
A Ré só não logrou obter seguro contra acidentes de trabalho quando os operários estivessem em actividade na cestinha por ela produzida.<br>
A Ré alegando entraves levantados pela fiscalização do Ministério do Trabalho ao uso da cestinha é que, meses depois, voltou ao assunto da plataforma.<br>
A Autora apresentou à Ré mais do que uma proposta para fornecimento de uma cestinha ou plataforma JBC, mas a esta nenhuma das propostas servia.<br>
3 - Das Directivas Comunitárias<br>
A directiva comunitária apresenta-se como um processo de legislação indirecta, pois, não é directamente aplicável.<br>
Nos termos do artigo 189 do TCEE só os Estados membros podem ser destinatários das directivas, que necessitam de ser transportadas para as ordens jurídicas nacionais<br>
- Cfr. Louis Cartou, L'Union Européenne, Precis Dalloz,<br>
1994.<br>
As directivas têm carácter obrigatório e para se assegurar o seu efeito útil deve reconhecer-se aos particulares o direito de se prevalecerem delas em Juízo.<br>
O efeito directo resulta, assim, da necessidade de proteger os cidadãos contra a inércia do Estado.<br>
Há que examinar em cada caso se a natureza e os termos da disposição em causa são susceptíveis de produzir efeito directo na relação entre o destinatário da directiva - o Estado - e terceiros - Ac. Van Duyn de 4 de Dezembro de 1974, proc. 41/74 -, o que se verifica quando a disposição em causa é incondicional e suficientemente precisa - Ac.<br>
Van Cant de 1 de Julho de 1993, C-154/92 - cfr. Philippe Manin, Les Communautes Europeennes, L'Union Europeenne,<br>
Pedone, 1993.<br>
A jurisprudência comunitária distingue entre efeito directo vertical e efeito directo horizontal.<br>
O primeiro, consiste na possibilidade de o particular invocar num tribunal nacional uma norma comunitária contra qualquer autoridade pública; o segundo, em o particular invocar em Tribunal uma norma comunitária contra outro particular.<br>
O Tribunal de Justiça das Comunidades aceitou o efeito directo vertical das directivas, mas tem recusado o efeito horizontal - Acs. Marshall de 26 de Fevereiro de 1986, proc. 152/84, e Faccini Dori de 14 de Julho de 1994, proc. C-91/92.<br>
A directiva pode, portanto, ser invocada contra qualquer entidade pública, mesmo que se trate de administração descentralizada estadual - Ac. Fratelli Constanzo de 22 de Junho de 1989, proc. 103/88 -, mas não pode, em caso algum, ser invocada contra um particular, pessoa singular ou colectiva.<br>
Pelo exposto conclui-se que o que a recorrente alega quanto ao efeito directo das directivas, ainda não transpostas para a ordem jurídica portuguesa, não se aplica ao presente caso.<br>
Só teria cabimento numa acção contra o Estado.<br>
De notar, por fim, que a Ré cita nas suas conclusões diplomas posteriores à venda da máquina ocorrida em 7 de Dezembro de 1989 e cujo documento alfandegário de importação tem a data de 12 de Setembro de 1989 - fls. 93.<br>
É o caso do Decreto-Lei 105/91, de 8 de Março, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 84/532/CEE, do Conselho, de 17 de Setembro de 1984,<br>
Decreto-Lei que no n. 2 do artigo 7 dispõe, também, que para os equipamentos, incluindo materiais, instalações e máquinas de estaleiro ou seus componentes, que, de acordo com o tipo de construção, são utilizados nos estaleiros de engenharia civil de construção de edifícios e não se destinam, prioritariamente, ao transporte de pessoas ou mercadorias, e que estejam em utilização à data da entrada em vigor deste diploma, o cumprimento das obrigações nele contidas só é exigível cinco anos após a data da sua entrada em vigor.<br>
Por outro lado, a invocada Norma Portuguesa n. 1939 respeita à plataforma suspensa que não estava licenciada, por não ter sido fornecida pela Autora mas fabricada pela<br>
Ré.<br>
4 - Dos artigos 173 e 177 do TCEE:<br>
O artigo 173 prevê a possibilidade de interposição de recurso de anulação de actos de direito derivado, de carácter obrigatório, com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação de direito comunitário ou desvio de poder.<br>
A acção por incumprimento do direito comunitário pelos Estados membros está prevista nos artigos 169 e 170 do TCEE, mas em nenhum destes preceitos é atribuída aos particulares legitimidade processual activa.<br>
O particular só pode invocar o não cumprimento do direito comunitário por parte do Estado no espaço jurídico nacional.<br>
Mas, esta questão, já cai fora do âmbito dos presentes autos onde a causa é discutida entre particulares, não estando o Estado no processo.<br>
No que diz respeito ao invocado artigo 177 do TCEE resta relembrar que este preceito só tem aplicação quando o Juiz nacional tem dúvidas sobre a interpretação e apreciação da validade do direito comunitário, dúvidas que não existem no presente caso.<br>
Não é ao Juiz comunitário que cabe a aplicação do direito comunitário ao caso sub judice, como pretende a recorrente, mas ao Juiz nacional, conforme decorre do princípio da autonomia da ordem jurídica comunitária e do das ordens jurídicas nacionais.<br>
5 - Da Homologação da Máquina Multicarregadora<br>
As instâncias deram como provado que a máquina multicarregadora transaccionada pelo escrito de fls. 22 está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE, válidas para Portugal, nunca tendo as negociações incidio sobre a plataforma.<br>
Nos termos dos artigos 722 n. 2 e 729 n. 2, do C.P.C. está vedado ao STJ a censura da matéria de facto fixada pelas instâncias, salvo havendo disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br>
E estes princípios não foram ofendidos, pelo que a fixação dos factos materiais da lide não está sujeita à censura deste Tribunal.<br>
6 - Da Reserva de Propriedade<br>
Alega a Ré que a cláusula de reserva de propriedade aposta no verso do contrato é juridicamente nula, por violação do disposto nos artigos 7 e 8 alíneas a) e b) do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.<br>
Porém, esta alegação não tem qualquer interesse para a decisão do recurso.<br>
É que a Ré não foi condenada a entregar à Autora a máquina, com base na reserva da propriedade, mas sim condenada a pagar o resto do preço em dívida.<br>
7 - Da Faculdade da Ré Recusar a Prestação<br>
Diz a Ré que não efectuou a liquidação total do preço da máquina em virtude de se tratar de uma venda defeituosa, nos termos do artigo 913 n. 1 do C.C. e que, por conseguinte, impedia a realização do fim a que se destinava.<br>
Mas não é assim.<br>
Como se viu, a máquina está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE válidas para Portugal.<br>
O que não possuia a certificação da CEE era a plataforma,<br>
"cestinha", que foi fabricada e adaptada pela Ré à máquina e de que, por conseguinte, a Autora não podia apresentar o certificado de homologação CEE.<br>
E a Ré não logrou obter o seguro para acidentes de trabalho de pessoal em serviço na máquina quando equipada com a "cestinha" por si fabricada.<br>
Não ficou provado que a Autora, como pretende a Ré, tivesse actuado com dolo na venda da máquina ou na enunciação das suas características, comercializando o que se tinha proposto vender à Autora.<br>
Não houve da sua parte incumprimento, pelo que a Ré não o podia invocar para se eximir à sua obrigação.<br>
8 - Da Litigância de Má Fé:<br>
Sem razão, levantou a Ré o problema da nulidade de reserva de propriedade, quando sabia muito bem que ficara acordado entre ela e a Autora que o objecto negociado permaneceria propriedade desta até ao seu integral pagamento, tendo-lhe entregue a Autora o original do contrato constante de fls. 21.<br>
Por outro lado, ficou provado, não obstante todas as reticências e argumentos sem qualquer cabimento opostos pela Ré, que a máquina mulicarregadora está homologada para comercialização de acordo com as normas da CEE, válidas para Portugal.<br>
Esta actuação fê-la incorrer nos preceitos definidores da litigância de má fé - artigos 456 e 457 do C.P.C. - pelo que não merece censura a condenação que lhe foi imposta.<br>
9 - Da Decisão<br>
Acorda-se em se negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 1 de Outubro de 1996.<br>
Aragão Seia.<br>
Lopes Pinto.<br>
Torres Paulo.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YzIDvIYBgYBz1XKvcXfL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div></div> I. A, propôs esta acção declarativa, distribuída ao 8º Juízo Cível do Porto, contra B, C e D.<br>
Essencialmente, o autor considerou-se afectado por textos publicados, cuja responsabilidade atribuiu aos réus e pediu a condenação destes a pagarem-lhe, solidariamente : 5000000 escudos por danos não patrimoniais; quantia a liquidar, em execução de sentença, por danos patrimoniais (fls.2 e segs.).<br>
Os réus contestaram (fls. 64 e segs.).<br>
A fls. 356 e segs., foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.<br>
O autor apelou (fls. 365).<br>
E a Relação do Porto emitiu o Acórdão de fls.. 429 e segs., dando parcial provimento a tal recurso, revogando a sentença e condenando os réus, solidariamente, a pagarem indemnização de 1500000 escudos ao autor.<br>
Posto isto, os réus recorreram, de revista, para este Supremo (fls.. 440). E, alegando, concluíram (fls..454 e segs.):<br>
1) Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão da Relação do Porto o qual, "data venia", deverá ser revogado;<br>
2) Da matéria dada como provada não resulta que os factos imputados aos recorrentes tivessem sido praticados com dolo ou mera culpa, como impõe o art 483 do C Civil, elemento essencial para a obrigação de indemnizar;<br>
3) Efectivamente, os recorrentes, ao redigirem os escritos em apreço e permitirem a sua publicação, pretenderam, exclusivamente, no exercício do seu direito e obrigação de informar, relatar com rigor, objectividade e isenção a verdade dos factos, como lhes competia; a corroborá-lo, estão os escritos da autoria da restante imprensa presente no torneio de Toulon que relatam, afinal, os mesmos factos;<br>
4) "Mutatis mutandis", os recorrentes não podiam prever o resultado lesivo porquanto desconheciam, nem podiam prever, à semelhança da restante imprensa, as razões que levaram a selecção portuguesa a jogar a 1ª parte do jogo Portugal-Brasil com 7 jogadores e, a 2ª parte, com 6 jogadores;<br>
5) "In summa", não tendo o ilícito em causa sido praticado, pelos recorrentes, com dolo ou mera culpa, cai por terra o nexo de imputação ético-jurídica que faz a ligação do facto jurídico à vontade do agente, falhando assim um elemento essencial da obrigação de indemnizar, como decorre do disposto nos arts 483 e 484 do C Civil;<br>
6) De resto, dir-se-à em abono da verdade que a responsabilidade "ex vi" do art 484 do C Civil é responsabilidade subjectiva por factos ilícitos, "ut" decorre, desde logo, da inserção sistemática do artigo;<br>
7) Finalmente, ao recorrido competia provar - o que não logrou fazer - que o recorrente B tinha tido a "intenção", com os escritos publicados de, "conscientemente", atentar contra a verdade dos factos e de lesar o recorrido, imputando-lhe tudo quanto de mau ocorreu com Toulon;<br>
8) Impõe-se, assim, a revogação do Acórdão recorrido, por manifesta violação dos arts 483 e 484 do C Civil, confirmando-se a sentença.<br>
O recorrido contra-alegou, manifestando-se no sentido de ser negado provimento a este recurso (fls. 459 e segs.).<br>
Foram colhidos os vistos legais (fls. 481/481v.).<br>
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 430):<br>
1) O autor foi jogador de futebol durante 18 épocas, tendo representado o F.C.Porto, Bétis de Sevilha, F.C.de Penafiel e Sporting Clube de Portugal;<br>
2) Representou 28 vezes as selecções nacionais, 4 nos juniores e 24 na selecção A;<br>
3) Como treinador, esteve ao serviço do Sporting Clube de Portugal, C.S.Marítimo, F.C.Penafiel, Vitória S.C e C.A.Coimbra;<br>
4) Foi treinador das selecções nacionais no período de 1 de Agosto de 1986 a Outubro de 1987; e, desde Dezembro de 1989, "exerce" funções de treinador das selecções nacionais;<br>
5) Foi louvado pela F.P.Futebol "pela sua dedicação, humildade, pelo seu exuberante entusiasmo e dignidade,como soube honrar o nome do futebol português e contribuiu para o prestígio desportivo do nosso País", relativo ao campeonato da Europa e fase preliminar para o campeonato do Mundo, conforme nota informativa nº22, de 04.11.77, da F.P.F.;<br>
6) O réu B é jornalista e director-adjunto do jornal D, e o réu C é director desse jornal, do qual a ré é proprietária; <br>
7) A "D" é um jornal desportivo de âmbito nacional, sendo vendido em todo o território nacional;<br>
8) Tem uma tiragem média, em Abril de 1990, de 87.781 exemplares;<br>
9) Por convite da respectiva organização, a selecção portuguesa de futebol de Esperanças, de que o autor "é" treinador, participou, na 2ª quinzena de Maio de 1990, no torneio internacional de Esperanças de Toulon, em França;<br>
10) O réu B, em artigo na "D", de 18.05.1990, escrevia, referindo-se ao autor, "inteligente e sagaz com o bichinho do futebol bem infiltrado na sua vida, A está agora com 28 anos e uma boa pedalada para sucessos com os sub-21 que são, simultaneamente, esperanças e olímpicos; quando jogador, tido por um tanto irreverente e difícil, A atingiu os píncaros da qualidade, mas haveria quem duvidasse se daria ou não um bom treinador. E deu. e vai evoluir, porque é convicto, interessado, audacioso";<br>
11) A participação da selecção portuguesa naquele torneio de Toulon foi, nos 2 primeiros jogos - contra a Inglaterra e a U.R.S.S - brilhante, saldando-se com outras tantas vitórias, ainda que pela tangencial vantagem de um golo;<br>
12) As exibições feitas pela selecção mereceram os mais rasgados elogios dos críticos, dos participantes e da imprensa, o que era estendido ao treinador, realçando-se o esplêndido trabalho por ele realizado;<br>
13) O jogo seguinte, com a selecção francesa, foi noticiado nos jornais portugueses, "pela forma constante dos docs. de fls.. 20 a 27", designadamente titulando-o "foi uma incrível e estúpida tourada, com três expulsões e Sousa no Hospital" e "encenação à la française mancha dignidade do torneio";<br>
14) E deu origem ao relatório à F.P.F. elaborado pelo chefe da delegação a Toulon, "constante de fls. 28 a 37";<br>
15) Os incidentes ocorridos após o jogo com a França e durante o jogo com o Brasil foram relatados pelos jornais portugueses "Record", "Correio da Manhã" e "Jornal de Notícias" "nos termos constantes dos docs. de fls.. 48 a 50";<br>
16) O réu B presenciou, na presença de várias testemunhas oculares, o desenlace da história de Toulon;<br>
17) Assistiu e confirmou os erros grosseiros da arbitragem, no jogo Portugal-França, que prejudicaram, indiscutivelmente, a equipa portuguesa;<br>
18) Assistiu e ouviu a resposta dos organizadores quanto ao pedido de protesto feito pelo dirigente federativo no final do jogo com a França;<br>
19) Censurou, previamente, o dirigente desportivo, chefe da delegação, Dr. Pais do Amaral, por não ter sabido, querido ou podido ler o regulamento do torneio antes do início do mesmo, a fim de evitar aquilo que veio a suceder;<br>
20) O jornal "D" publicou, em 08.06.1990, uma crónica de França com o título "o óptimo e o péssimo das esperanças portuguesas", assinado por Maurice Revello, "nos termos de fls. 53 dos autos";<br>
21) Todos os artigos identificados, da autoria do réu B e publicados na "D", foram totalmente conhecidos, antes da publicação, pelo réu Joaquim Queirós, que a autorizou;<br>
22) O autor acumulou funções de jogador de futebol e de treinador no Sporting Clube de Portugal e no Futebol Clube de Penafiel, após o que passou a exercer, apenas, a profissão de treinador de futebol;<br>
23) Como treinador, o autor tem um "bom curriculum", sendo muito conceituado e respeitado pela generalidade de dirigentes e jogadores;<br>
24) É reconhecido, ao autor, o seu valor técnico, capacidade natural para orientar os jogadores, inteligência e sagacidade;<br>
25) O autor é uma pessoa muito prestigiada, respeitada e considerada, e havido como honesto, coerente, dedicado ao trabalho, educado e respeitador de toda a gente;<br>
26) Em resultado do jogo com a França, que foi "noticiado nos termos de fls.26 a 27 e no relatório de fls. 28 a 37", aconteceu que, para o jogo com a selecção do Brasil, apenas 10 jogadores estiveram em condições de o disputar;<br>
27) Nesse encontro, a 2ª parte iniciou-se com a selecção portuguesa constituída por 7 elementos, por lesão dos jogadores Morgado, Filipe e Rosário;<br>
28) A lesão do Paulo Madeira ocorreu ¾ minutos após o início da 2ª parte ;<br>
29) O réu B, na "D" de 28.05.1990, escreveu um artigo na folha 6 que intitulou, em grandes parangonas, a 5 colunas, "Fantochada vergonhosa" que encimava uma fotografia do autor, a 4 colunas, com a legenda "o técnico A não esteve bem" onde, entre outras coisas, se dizia: " aos hinos nacionais dez portugueses deram as mãos e alinharam para a bandeira do seu país, mas sem querer, pessoalmente, passaram a servir de verdadeiros fantoches para interesses mesquinhos, "comandados" por um técnico realmente de cabeça perdida que resolveu fazer de um jogo sério uma brincadeira de vingança inaceitável"; "Portugal numa situação de inferioridade numérica propositada e teatralizada ..."; "sucessivamente os jogadores portugueses foram-se atirando para o chão"; "o jogo permitiu as estreias teatrais do guarda-redes José Carlos e do alcantarense Camberra, registando-se da parte deste bastante aplicação e uma elogiável vontade de não colaborar tão fortemente na verdadeira fantochada a que fomos forçados a assistir aqui em Toulon"; "... do dirigente Pais do Amaral, com muitas dificuldades pessoais em se impor ao poderio directivo de A"; "...para aquilo que de muito estranho, de verdadeiramente inaceitável aconteceu com a selecção portuguesa de Esperanças"; "Resta-nos esperar que a própria F.P.F. se anticipe a tudo quanto possa vir da UEFA ou da FIFA e, antes que seja tarde, ponha o mínimo de dignidade neste triste caso da selecção de Esperanças de Toulon";<br>
30) No dia 30.05.1990, escreveu, em novo artigo, a 3 colunas, subordinado ao título "As nossas três verdades de Toulon", que encimava uma fotografia do autor, legendada da seguinte forma: "A montou uma vingança mesquinha" e onde, entre outras coisas, "Ficámos preocupados e descrentes deste trabalho, com culpas maiores do técnico escalado para vir a Toulon de fraco índice pedagógico, intenção vingativa, tão imaginativo no mau sentido, como quando era jogador"; "mas daí até entrarmos em campo só com dez jogadores e cumprir depois um maquiavélico plano para acabar com o jogo, vai uma enorme distância"; "Sabemos que A fez questão de falar com os jogadores à porta fechada, expressou-nos mais alto que o dirigente federativo Pais do Amaral, montou um esquema de vingança mesquinha que revoltou e enojou todos os portugueses que estavam no estádio"; "que tristeza e que crueldade imaginativa. Alguns jogadores serviram de uma fantochada, gozaram com o ideal respeitável de representar Portugal, obedeceram cegamente a quem talvez possa estar arrependido do que provocou...";<br>
31) Com estes escritos e, também, com o publicado em 30.06.1990, assinado por Maurice Revello, o autor sentiu-se ofendido na sua honra e consideração e sofreu um grande desgosto;<br>
32) As afirmações contidas nos escritos põem em causa a verticalidade, o empenho e a seriedade do autor no desempenho da profissão de treinador de futebol;<br>
33) O réu B visualizou pela primeira vez, nos últimos 50 anos, uma selecção portuguesa alinhar, inicialmente, com dez jogadores para, a ¾ minutos do início da 2ª parte, ficar reduzido a seis;<br>
34) O jogo com o Brasil não acabou;<br>
35) Os jornais franceses diários "Livre Matin", de 29.05.1990, e "L’Équie", do mesmo dia, noticiavam os acontecimentos do jogo com o Brasil "nos termos constantes do documento de fls. 342 (traduzido a fls. 340 e 341) e 345 (traduzido a fls. 344)".<br>
III. Este processo faz subir ao Supremo, mais uma vez, o problema difícil dos limites de exercício de direitos constitucionais fundamentais.<br>
É lamentável que este tipo de questões venha proliferando. Com efeito, tem custado a interiorizar e a reflectir-se numa sã convivência que constitui factor "sine qua non" de qualquer regime democrático que o direito de exprimir e divulgar, livremente, o pensamento não está, nem pode estar, sujeito a qualquer tipo ou forma de censura; mas, simultaneamente, há que entender que, tratando-se de um corolário da liberdade imanente a uma vivência cívica, ela não pode deixar de, na prática, ter limites que, muito simplesmente, radicam nisto: a liberdade de um cidadão termina onde começa a liberdade de outro.<br>
Concretizando, em princípio a liberdade de expressão e de informação não pode ser exercida de forma a lesar direitos, identicamente fundamentais, de outrem.<br>
É o que se reflecte, desde logo, no específico art 37 da Constituição, onde está imanente o princípio da proporcionalidade (Jorge Miranda, "Manual de Direito Constitucional", IV - 2ª edição, 216). Esta questão é, aliás, comum em regimes de natureza democrática (v.g. Jorge Rodríguez - Zapata, "Teoría Y Prática del Derecho Constitucional", 349).<br>
O factor mais adequado à regência do exercício de direitos (fundamentais ou não) que possam colidir com direitos de outrém, está no civismo que deve ser a base da convivência social.<br>
Mas desde que surjam diferendos, naturalmente a ordem jurídica deve inserir caminhos que permitam adequada solução jurisdicional.<br>
IV. O que está em causa traz à colação - e em colisão - por um lado o direito fundamental que se traduz na liberdade de expressão e de informação e, por outro lado, o direito, também fundamental, ao bom nome da reputação (arts 37 e 26 da Constituição).<br>
A este respeito, sabe-se que o direito de expressão do pensamento não é o mesmo que direito de informação (Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição Anotada", 3ª edição, 225).<br>
O direito de expressão "tout court" emerge da incontrolável liberdade de pensar que, mais do que decorrente da lei, é inerente à condição humana, particularmente incita nos estudos de Kant ("cogito ergum sum"). O direito de informação reflecte-se em algo com que, às vezes, se confunde, a liberdade da comunicação social (art 38 da Constituição).<br>
Mas tudo isto não pode fazer esquecer que os direitos, mesmo os fundamentais, existindo para bem dos cidadãos, não podem privilegiar uns em detrimento injusto de outros.<br>
É o que, com suficiente clareza, significa o genérico art 37 da Constituição:<br>
"1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.<br>
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.<br>
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos Tribunais judiciais.<br>
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia. o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos".<br>
Este normativo, mormente a parte final do nº4, deve ser compaginado com o art 26 da Constituição, de igual valor (também sobre direitos e deveres fundamentais), prescrevendo, designadamente, que:<br>
"1. A todos são reconhecidos os direitos ... ao bom nome e reputação, à imagem, ... e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.<br>
2... <br>
3...".<br>
E, conjugadamente, há que ponderar normas do C Civil, de uma década anterior à Constituição, mas com ela identificáveis e por ela profundamente revitalizadas, mormente arts. 70 (tutela geral da personalidade), 79 (direito à imagem), 80 (direito à reserva sobre a intimidade da vida privada), 484 (ofensa do crédito ou do bom nome).<br>
<br>
V. Perspectivada a questão não tanto em termos genéricos do direito de expressão mas, sim, de informação através da comunicação social, também são, especialmente consideráveis, para além do art 38 da Constituição, normatividade específica como a chamada lei de imprensa (DL 85-C/75, de 26.02, com as alterações que foi tendo) e o Estatuto de Jornalista, aprovado pela lei 62/79, de 20.09; o art 11 deste Estatuto prescreve os deveres fundamentais do jornalista, mormente o respeito escrupuloso pelo rigor e pela objectividade da informação: e, além do mais, a "lei de imprensa", através do seu art 24 nº1, prescreve que "na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observar-se-ão os princípios gerais".<br>
Perante este mosaico legislativo - de que se deixam reflectidos alguns contornos significativos - têm sido a Jurisprudência e a Doutrina a procurar caminhos que permitam o justo equilíbrio, a realização do falado princípio da proporcionalidade, entre direitos que, sendo fundamentais, não são absolutos.<br>
De todo o modo, deve frisar-se que estamos em face de um recurso de revista.<br>
Como tal, há duas notas cruciais que não podem ser esquecidas.<br>
Em primeiro lugar, e como é próprio de qualquer recurso, só há que apreciar o que, aqui e agora, é questionado pelos recorrentes e que, praticamente, se reconduz ao factor culpa (salvo se houvesse algo de conhecimento oficioso a considerar, o que não é o caso) - arts 684 e 690 do CPC.<br>
Em segundo lugar, impõe-se não esquecer que o circunstancialismo factual vem fixado pela 2ª instância, o que é insindicável pelo STJ, salvo situação excepcional que, ao caso, não vem (art 729 do CPC).<br>
VI. O nó górdio de toda esta problemática radica em algo que já aflorámos: na prática, a difícil convivência entre o direito da liberdade de comunicação social e o direito ao bom nome e reputação.<br>
Na falta de clareza legislativa acerca desse confronto e tal como já aludido, a Jurisprudência e a Doutrina têm procurado encontrar soluções mas, porventura, com naturais hesitações e, às vezes, muito casuisticamente. Aliás e não obstante a existência de doutos trabalhos, reconhece-se que é próprio da Jurisprudência a procura de soluções para casos concretos e não, propriamente, o encontro de uma teorética geral; e que a Doutrina, dificilmente poderá sair de linhas gerais, perante direitos que a Lei Fundamental assume, em princípio, com dignidade idêntica ( v.g. Lopes Rocha, BFDC, LXV, 305 e segs; Valentim Peixe e Silva Fernandes, "A lei de imprensa comentada e anotada, 215 e segs; Figueiredo Dias, RLJ 115, 100, 133, 170; Gomes Canotilho, Conflitos e Protecção dos Direitos Fundamentais, RLJ 125, 35, 231, 264 e 293; Acórdãos do STJ de 05.03.96 (CJ-STJ)IX-1,122), de 29.10.96 (CJ-STJ-3, 80; de 27.06.95 (CJ-STJ-III-2, 138 e BMJ 448,378; de 26.04.94(CJ-STJ-II-2, 54; de 17.03.93 (BMJ 425, 491); de 18.02.88 (BMJ 374, 218); 07.10.87 (BMJ 370, 292).<br>
De todo o modo, existem suficientes elementos ponderáveis. Na base dos pressupostos que ficam reflectidos, tendo em conta os sentidos legalmente orientadores (designadamente, art 335 do C Civil), atendendo aos essenciais valores personalistas de uma sociedade como a nossa (que bem se poderiam traduzir pela indispensabilidade do respeito do Homem pelo Homem e, "the last but non the least", considerando a própria lógica do art 37 da Constituição (de que o art 38 é um corolário), podemos concluir que a liberdade de expressão e informação é fundamental no Estado de Direito democrático, sendo vedado qualquer tipo de censura mas, em princípio, deve respeitar e, portanto, tem por limite o direito à honra e ao bom nome dos cidadãos.<br>
<br>
Naturalmente, trata-se de um princípio. Se estiver em causa algo determinante para o correcto funcionamento do Estado, ou seja, se se tratar de algo que se prove ser verdadeiro e se reflicta, negativamente, na actuação concreta funcional de entidades públicas, já pode ser justificada a expressão de circunstâncias pessoalmente contundentes.<br>
Não quer isto dizer que, sendo necessária a veracidade do facto, ela seja suficiente. Mesmo o facto verdadeiro, se ofensivo e de revelação injustificada, pode ser punível; outrossim, não é indispensável, para a punibilidade, uma intencionalidade ofensiva, bastando o carácter genérico do dolo ou da culpa (basicamente no mesmo sentido, Figueiredo Dias, RLJ 115, 133 e 135).<br>
Naturalmente, esta problemática tem sido mais estudada no campo penal, mas esses estudos são ponderáveis na vertente cível, ainda que "mutatis mutandis.<br>
E, isto, volta a fazer-nos pensar num normativo importante, como outros revitalizado pela Constituição de 1976, o art 484 do C Civil:<br>
"Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.<br>
Posto isto, é altura de concretizar, tendo em vista o caso vertente, na medida das conclusões dos recorrentes.<br>
VII. O recurso praticamente se reconduz a uma questão: existência, ou não, de culpa dos recorrentes.<br>
Decerto têm razão ao considerarem que, na falta de norma excepcional, a sua responsabilidade sempre dependeria de imputação do evento a título de culpa, factor normal no instituto da responsabilidade civil (v.g. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", I- 2ª edição, 403 e segs.).<br>
Mas é um ponto significativo em que os recorrentes têm razão nessa medida, mas de que tiram consequência inadequada. Com efeito, não se provou que algum dos recorrentes tivesse tido intenção de falsear factos ou de atingir o recorrido.<br>
Só que isso é inócuo relativamente ao dever de indemnizar. Releva, apenas, para efeitos de graduação sancionatória, na falta de prova de dolo (orientação reflectida, v.g., no art 494 do C Civil).<br>
O que temos de saber é se, na medida do circunstancialismo provado, se pode dizer que existe culpa (mera culpa ou culpa "stricto sensu"). Tal constituía, efectivamente, objecto de ónus de prova do autor (art 487 nº1 do C Civil).<br>
<br>
VIII. A imputação do facto ao agente pressupõe, naturalmente, um juízo jurídico-normativo a realizar, "na falta de outro critério geral, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" (nº2 do art 487 do C Civil), ou seja, em abstracto, de acordo com a conduta normal do cidadão comum, e com a ética, a deontologia, o civismo exigíveis à generalidade das pessoas.<br>
A favor dos recorrentes milita a circunstância de estar em causa não algo atinente à vida pessoal, à privacidade do autor mas, sim, a sua conduta profissional, naturalmente sujeita à informação e à crítica, designadamente, dos pertinentes meios de comunicação social.<br>
E é patente que os recorrentes se basearam em estranhas ocorrências no âmbito de uma representação nacional desportiva orientada, tecnicamente, pelo autor.<br>
Outrossim, poderia o jornalista relator até estar convencido do acerto da sua perspectiva.<br>
Mas, nada disso legitimava que, utilizando a força incontroversa da comunicação social, os recorrentes tivessem proclamado "urbe et orbi", uma leitura dos acontecimentos como se fosse, seguramente, a correcta quando, afinal, os próprios recorrentes, na sua conclusão 4, reconhecem que desconheciam elementos determinantes desses acontecimentos.<br>
O juízo proclamado só, tanto quanto resulta dos autos, perante o que poderia parecer, para mais no âmbito - repete-se, ainda que, agora, em outra vertente - de uma representação do País, nos termos em que tal foi feito, não corresponde ao que era exigível, deontológica e civicamente.<br>
<br>
Repare-se que os recorrentes até poderiam, a nosso ver, na perspectiva do direito e do dever de informar, explicitar a sua opinião negativa. Mas era exigível que tal se assumisse como uma simples perspectiva pessoal e de forma ou com termos não lesivos da personalidade alheia.<br>
Com efeito, referenciar que se assistira a algo estranho, porventura passível deste ou daquele entendimento que se alicerçasse em factos, seria uma coisa; dar uma perspectiva negativa como segura e rotulá-la de termos como "fantochada" atribuível ao autor, não pode deixar de considerar-se desrespeito do dever geral da probidade quando é certo é certo que, das duas, uma: ou se comprovava uma má orientação do técnico de uma representação nacional que, assim, mereceria análise pelos órgãos competentes e, mesmo assim, os termos como "fantochada" e semelhantes sempre seriam inadequados; ou o circunstancialismo atribuído ao autor não se comprovava - e não dispomos da sua comprovação - e, exactamente por tudo radicar numa actividade profissional, não só o nome mas, também, a aceitabilidade funcional do autor sairiam, previsivelmente, atingidos.<br>
Os artigos em causa, efectivamente, atribuíam ao autor uma conduta que, se fosse exacta, faria considerá-lo sem condições cívicas para orientar uma representação nacional. E tal não vem provado.<br>
A comunicação social pode e deve informar e opinar. Mas, para tanto,deverá usar expressões aceitáveis e poder comprovar o que afirma (além do muito já citado, também o aludido art 12 do Estatuto do Jornalista, aprovado pela lei 62/79, de 20.09); além de que, como também já se disse, até um facto verdadeiro pode constituir ofensa se for injustificada a sua expressão.<br>
Exactamente para que esteja afastado, definitivamente, o fantasma da censura, a comunicação social tem de pautar-se por regras éticas e deontológicas que, conforme já referenciado, são tão simples e tão incontroversas que vêm a ser a tradução do civismo adequado a uma sã sociedade.<br>
Posto isto, não dispomos de qualquer margem para conceder a revista.<br>
IX. Resumindo, para concluir:<br>
1. O direito-dever de expressar o pensamento não está, nem pode estar, sujeito a qualquer tipo de censura; mas identicamente, tem de ser exercido com claro índice cívico, de respeito do Homem pelo Homem.<br>
2. Entre outros normativos. o art 37 da Constituição reflecte o princípio da proporcionalidade.<br>
3. A liberdade de pensar é inerente à condição humana; mas expressão do pensamento não pode deixar de reflectir o respeito que todos devem a todos.<br>
4. A Constituição de 1976 revitalizou normas do C Civil como, designadamente, arts 70, 79, 80, 484.<br>
5. O direito de livre expressão, sendo fundamental, não é absoluto.<br>
6. Numa sociedade democrática e personalista como a nossa, em princípio, a liberdade de expressão deve respeitar o direito à honra e ao bom nome, salvo casos excepcionais.<br>
7. Mesmo a expressão de facto verdadeiro, se injustificada, pode ser passível de sanção legal.<br>
8. A punibilidade do excesso de expressão não depende de intencionalidade ofensiva; havendo mera culpa (e os demais elementos próprios da responsabilidade civil) existe dever indemnizatório; tratar-se de dolo ou de mera culpa concorre, sim, para a graduação indemnizatória.<br>
9. A irradicação definitiva do fantasma da censura implica que a informação se paute por regras éticas e deontológicas rigorosas, adequadas a uma natural convivência cívica.<br>
X. Donde, concluindo<br>
Acorda-se em negar provimento ao recurso.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 27 de Maio de 1997.<br>
Cardona Ferreira,<br>
Herculano Lima,<br>
Aragão Seia.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NjLvu4YBgYBz1XKvXFx1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Em acção declarativa proposta por A foi proferida no 10º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa sentença que condenou os réus B, C, D e E, a pagarem àquele, solidariamente, a quantia de 1.500.000$00, com juros desde a citação, e os absolveu do restante pedido, já que este visara a obtenção da quantia de 10.000.000$00, como indemnização dos danos não patrimoniais sofridos em consequência de uma entrevista dada pelo 1º réu ao 3º, jornalista de um jornal pertencente à 4ª ré e de que era director o 2º réu.</font><br>
<font> Apelaram os réus, mas sem êxito, já que a Relação de Lisboa proferiu, julgando esses recursos, acórdão que confirmou na íntegra a sentença.</font><br>
<font> Continuando inconformados, daí trouxeram os réus recursos de revista - um deles deduzido pelo réu B, o outro pelos restantes -, defendendo cada recorrente a sua absolvição do pedido.</font><br>
<br>
<font> O réu B formulou, ao alegar, as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. Para resposta ao quesito 7º, no qual se centra todo o litígio, o Tribunal baseou-se em presunções, sem contudo indicar a base das mesmas.</font><br>
<font>2. Dos factos imputados em abstracto ao réu não foi feita prova em concreto dos mesmos e quanto a estes nada se apurou;</font><br>
<font>3. Pelo que ao imputar-se ao recorrente a conduta ilícita foi violado o art. 483º do CC,</font><br>
<font>4. Pois não foi feita prova do ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre eles imputado ao recorrente.</font><br>
<font>Os restantes réus, por sua vez, concluíram as suas alegações pela seguinte forma:</font><br>
<font>a) O trabalho jornalístico em apreciação no âmbito do presente recurso é uma entrevista e não uma notícia;</font><br>
<font>b) Numa entrevista, e ao contrário do que sucede na elaboração de matérias noticiosas, impende sobre o jornalista apenas o dever de transcrever de forma fiel as afirmações proferidas pelo entrevistado;</font><br>
<font>c) No caso"sub judice", foi dado como provado que o R. D se limitou a transcrever de forma fiel as afirmações produzidas pelo R. B (resposta ao quesito 9º). Assim,</font><br>
<font>d) O referido R. limitou-se a exercer um direito em conformidade com as possibilidades de acção que constituem o conteúdo desse mesmo direito. Logo,</font><br>
<font>e) Os RR. não violaram qualquer dever jurídico, pelo que não praticaram qualquer activo - sic - ilícito, gerador de responsabilidade civil. Com efeito,</font><br>
<font>f) A ilicitude, para efeitos de responsabilidade civil extracontratual, tem que ser interpretada e avaliada por imperativo constitucional (art. 37º, nº 3 da CRP) em conformidade com os princípios gerais do direito criminal, pelo que,</font><br>
<font>g) Atento os princípios do actual art. 31º da Lei de Imprensa que reproduz o já expresso no art. 26º, nº 5 do DL nº 85-C/75, de 26/2, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 15/95, de 25/5, a conduta dos ora recorrentes não pode ser censurada em sede juspenal e,</font><br>
<font>h) Também não o pode ser em matéria de responsabilidade civil por o seu comportamento não ser violador de qualquer dever jurídico. Com efeito,</font><br>
<font>i) Os recorrentes limitaram-se a exercer a sua actividade jornalística, em matéria de evidente interesse público, com observância das regras éticas e legais que impendem sobre o exercício da sua profissão. Assim, </font><br>
<font>j) A douta sentença - sic - recorrida fez uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente as atrás citadas e, ainda, do art. 483 do CC.</font><br>
<font>O recorrido defendeu a improcedência de ambos os recursos.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<font>A factualidade que vem dada como assente é a seguinte:</font><br>
<font>1. O autor é árbitro de futebol pertencendo à primeira categoria do quadro nacional e é, igualmente, árbitro internacional;</font><br>
<font>2. O autor é solicitado diversas vezes para dirigir partidas de torneios internacionais ligados à UEFA;</font><br>
<font>3. É um respeitado funcionário bancário desempenhando funções no Banco Comercial Português ao balcão de uma das suas agências onde, diariamente, contacta com o público que aí se desloca;</font><br>
<font>4. No exercício das suas funções o autor granjeou grande prestígio quer a nível desportivo nacional e internacional, quer a nível profissional, social e humano;</font><br>
<font>5. O autor obteve o respeito e consideração generalizados, tendo sido sempre tratado e considerado por todos que se relacionam com ele como homem de bem e honrado;</font><br>
<font>6. O réu C é director do jornal "...", sendo o réu D um dos seus jornalistas;</font><br>
<font>7. A ré sociedade é proprietária daquele jornal;</font><br>
<font>8. Em 1/5/92 foi publicada uma notícia no jornal "E" sob o título "B parte o serviço";</font><br>
<font>9. Ocupando meia página do jornal e impresso a letras negras e de tamanho grande encontra-se escrita a seguinte frase: "A é um corrupto";</font><br>
<font>10. A notícia em apreço foi da autoria do réu D com a cobertura do réu C, que a ela se não opôs;</font><br>
<font>11. Na dita entrevista o réu B, com a intenção de ofender o autor, proferiu as seguintes frases: "Já viu o que é uma pessoa ser julgada sumariamente e tendo por base as declarações de um árbitro que tem índices de doença mental, como é o Senhor A? Eu já o aconselhei a ir ao psiquiatra... Se você olhar direitinho para ele vê logo que o homem não é normal"; "Porque é que ele não devolveu o relógio em ouro que o Sporting lhe ofereceu? E porque não me devolveu o meu serviço da Vista Alegre?"; "Para mim A é um corrupto em todos os aspectos! Quem não é corrupto denuncia toda a gente e não só alguns";</font><br>
<font>12. Os restantes réus difundiram as frases proferidas pelo réu B, sem se certificarem se o seu teor correspondia à verdade;</font><br>
<font>13. Fizeram-no no exercício da sua actividade jornalística;</font><br>
<font>14. O réu D limitou-se a transcrever de forma fiel as afirmações produzidas pelo réu B;</font><br>
<font>15. Em consequência das frases proferidas pelo réu B e noticiadas pelos réus C e D no jornal "...." o autor sentiu-se vexado e ofendido, tanto mais que o jornal em questão é lido por milhares de pessoas;</font><br>
<font>16. O autor ficou profundamente traumatizado, sentindo-se inibido no contacto público que a sua actividade profissional exige;</font><br>
<font>17. O autor ficou afectado no desempenho como árbitro de futebol, pelo menos em Portugal;</font><br>
<font>18. O autor é uma pessoa bem educada e sensível;</font><br>
<font>19. O autor reconheceu num programa de televisão que o réu B lhe havia enviado um serviço da Vista Alegre, que não aceitou, remetendo-lhe um cartão de visita pedindo que o viesse buscar.</font><br>
<br>
<font>Comecemos pela revista do réu B.</font><br>
<font>A sua argumentação parte da sua discordância em relação aos factos dados como provados e constantes da resposta ao quesito 7º, os quais constituem o nº 11 supra.</font><br>
<font> As suas conclusões 1ª e 2ª são antecedidas da afirmação de que não houve prova de que o recorrente tivesse querido manchar o bom nome do autor e de que, além do entrevistador, ninguém ouviu a entrevista, que o recorrente não publicou nem pediu que o fosse. E diz ainda que o julgador presumiu que o recorrente tinha proferido essa entrevista, mas sem base para tal, reafirmando não ter dado nem permitido essa entrevista.</font><br>
<font> Não pode ser considerada esta defesa.</font><br>
<font> Desde logo, porque, no tocante ao uso infundado de presunções judiciais, o recorrente nada disse ao apelar, representando a sua invocação neste recurso o levantamento de uma questão nova, que não pode fazer parte do âmbito objectivo do recurso; tirando as questões que são de conhecimento oficioso - e esta não o é -, os recursos destinam-se à reapreciação da decisão recorrida, e não à obtenção de pronúncia judicial sobre novas questões.</font><br>
<font> Depois, porque a matéria em causa foi dada como assente - como se vê da fundamentação constante do despacho que respondeu ao questionário - com base no depoimento de parte do réu D, na valoração da não comparência injustificada do recorrente em audiência, apesar de ter sido notificado para depor como parte, e nos depoimentos de duas testemunhas. Trata-se de provas que não têm valor probatório pleno e que ficam, deste modo, no âmbito do campo de aplicação do princípio da livre apreciação a que se refere o art. 655 do CPC; não cabe a este STJ controlar as convicções que delas sejam extraídas e, concretamente, ter como infundada qualquer presunção judicial de que o juiz se houvesse eventualmente servido.</font><br>
<font> Os factos dados como provados têm que ser aceites como verdadeiros e reais e, enquanto tal, suportam a decisão que foi proferida quanto a este recorrente.</font><br>
<font> A revista dos restantes recorrentes tem o seu ponto de partida no seguinte raciocínio:</font><br>
<font>- a imposição constitucional de que as infracções cometidas no exercício dos direitos de livre expressão e informação estejam submetidas aos princípios gerais de direito criminal vale para ilícitos penais e para ilícitos civis;</font><br>
<font>- não sendo a sua conduta censurável penalmente em face do art. 26º, nº 5 do DL nº 85-C/75, de 26/2, na redacção dada pela Lei nº 15/95, de 25/5 - correspondente ao actual art. 31º da Lei nº 2/99, de 13/1 -, não pode a mesma gerar obrigação civil de indemnizar;</font><br>
<font>- Tendo a entrevista publicada transcrito de modo fiel as declarações produzidas pelo entrevistado, cumpriu o jornalista as obrigações legais e éticas que sobre ele recaíam nesta matéria, que é de interesse público, pelo que nenhum ilícito cometeu.</font><br>
<br>
<font>Não temos esta argumentação como pertinente.</font><br>
<font>O art. 38 da CRP garante a liberdade de imprensa que, além do mais, passa pela liberdade de expressão e criação dos jornalistas.</font><br>
<font>Esta liberdade de expressão em sede de imprensa começa por ter uma repercussão interna, na medida em que suscita o problema da sua conciliação com a orientação editorial da publicação em que se integra - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pags. 231-232.</font><br>
<font>Mas numa vertente externa recebe o tratamento que lhe dá o art. 37 da CRP, que versa a liberdade de expressão e informação em geral e diz no seu nº 3 o seguinte:</font><br>
<font> "As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei".</font><br>
<font> Esta redacção é a introduzida pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20/9, tendo sido nela acrescentados os incisos relativos ao ilícito de mera ordenação social e à entidade administrativa independente.</font><br>
<font> Referem os autores e obra citados, pg. 227, escrevendo na vigência da redacção anterior, que aqui se proíbe um direito penal de excepção, não assinalando qualquer repercussão do mesmo no regime dos ilícitos civis conexionados com o exercício desses direitos.</font><br>
<font> É sabido que a responsabilidade penal e a responsabilidade civil são diversas na sua natureza, nas sanções que desencadeiam, nos seus fins e no seu regime.</font><br>
<font> Arrancando ambas, em princípio, de uma ideia de censurabilidade do autor de um facto ilícito - o que se diz para simplificar a exposição, pondo assim de parte os casos de responsabilidade civil sem culpa, sejam os fundados no risco, sejam os que derivam de factos lícitos -, delas decorrem, porém, consequências que na primeira delas consistem em penas a infligir ao criminoso para o castigar de forma tida como proporcionada, além do mais, à sua culpa e às necessidades de prevenção geral e especial, ao passo que na segunda delas visam reparar os danos causados através da atribuição, ao lesado, de uma indemnização.</font><br>
<br>
<font>Se a isto acrescentarmos a constatação de que a sanção criminal está reservada para as maiores ofensas aos princípios que norteiam a vida em sociedade e a necessária coexistência das pessoas, fácil é concluir que muitas vezes haverá ilícito civil que o não é numa perspectiva de direito criminal; e o reverso também se verifica com frequência.</font><br>
<font>Porém, resultando do crime danos para um lesado, estas duas responsabilidades coexistem, mantendo ambas a sua autonomia e determinando simultaneamente aquela dupla ordem de consequências.</font><br>
<font> Isto mesmo é expressamente previsto no nosso direito penal, designadamente no art. 129 do C. Penal, que remete para a lei civil a regulação da indemnização por perdas e danos emergentes de um crime.</font><br>
<font> E esta coexistência manifesta-se ainda quando normas de um e outro sector do direito contêm previsões e estatuições relativas a condutas idênticas, encarando-as segundo as suas perspectivas próprias; é o que se passa, por um lado, com a norma contida no art. 484º do C. Civil e, por outro, com as normas penais que punem a difamação e a injúria.</font><br>
<font> Assim, acompanhando-se Figueiredo Dias quando escreve, a propósito do citado art. 37, nº 3, que"... É o próprio texto constitucional que invoca o direito penal a tomar o seu lugar e a sua responsabilidade na solução dos conflitos entre as figuras jurídico-constitucionais do direito à honra e do direito de informação ..." - cfr. Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português, Rev. Leg. Jur., ano 115º, pag. 102 -, depara-se-nos, porém, desde logo a questão de saber a que infracções este preceito se refere - se apenas aos ilícitos criminais e contra-ordenacionais, se também aos ilícitos de outra natureza, designadamente aos civis.</font><br>
<font> O objectivo apontado ao preceito por Gomes Canotilho e Vital Moreira - a inviabilização de um direito penal de excepção - e o uso da expressão "infracções" - típica da terminologia da doutrina juspenalística - aponta, porém, para a primeira destas hipóteses, deixando espaço para que o regime da responsabilidade civil por facto ilícito seja definido pela lei sem a necessária observância daqueles princípios gerais e por isso devendo agora o aplicador do direito atender, nesta matéria, ao referido art. 484º e demais normas civilísticas pertinentes.</font><br>
<font> E, nesta linha, dir-se-á que a redacção dada em 1995 ao art. 26º, nº 5 do DL nº 85-C/75, de 26/2, não é aqui convocável, sendo, como é, uma norma concebida apenas em sede de responsabilidade criminal por delitos de imprensa.</font><br>
<br>
<font> Mas sempre se demonstrará, em todo o caso, que, a não ser assim, também os aqui recorrentes não teriam razão.</font><br>
<font>A obrigação de indemnizar gerada por uma conduta criminosa não desaparece por força da verificação das causas de extinção da respectiva responsabilidade criminal - designadamente as enumeradas nos arts. 118 e 127 do C. Penal -, nem por virtude da sua eventual descriminalização - cfr. o art. 2º, nº 2 do mesmo diploma, que daí extrai apenas a não punibilidade e a cessação da execução da condenação e dos seus efeitos penais.</font><br>
<font> Não há um princípio de direito criminal segundo o qual, em tais casos, se extinga a obrigação de indemnizar emergente de uma conduta punível criminalmente no momento em que teve lugar. Tal obrigação pode extinguir-se pelo pagamento, ou pela prescrição, ou por outra causa prevista no direito civil, mas não é afectada por aquelas vicissitudes da perseguição criminal.</font><br>
<font> Aliás, é a própria Constituição que no nº 4 do mesmo art. 37º garante aos lesados a indemnização pelos danos sofridos por virtude das infracções aos referidos direitos de expressão e de informação.</font><br>
<font> O jornal "..." é uma publicação periódica.</font><br>
<font> À data dos factos vigorava o art. 26º do citado DL nº 85-C/75, ainda na sua redacção originária.</font><br>
<font> No seu nº 2 previa-se a responsabilização criminal por escritos publicados em publicações periódicas, abrangendo-se na al. a), cumulativamente, o autor do escrito - o recorrente D - e também o director do jornal - o recorrente C - como cúmplice, se não provasse que não conhecia o escrito publicado ou que lhe não foi possível impedir a publicação.</font><br>
<font> A Lei nº 15/95, de 25/5, introduziu neste art. 26º uma norma, que aí ficou tendo o nº 5, de acordo com a qual "... Tratando-se de entrevistas, o jornalista que a tiver realizado e o director não podem ser criminalmente responsabilizados por afirmações produzidas pelo entrevistado, quando este esteja devidamente identificado".</font><br>
<font>E a actual Lei de Imprensa, publicada com o nº 2/99, de 13/1, disse no seu art. 31º, nº 4: "Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas, prestadas por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua instigação à prática de um crime".</font><br>
<font>Passou, pois, a vigorar um sistema segundo o qual, ao menos face à letra da lei, o jornalista e o director do periódico não são responsáveis criminalmente se as declarações do entrevistado constituem crime.</font><br>
<font>Corre a lei, assim, o risco de facultar aos profissionais da imprensa a possibilidade de fazerem um mau uso da sua liberdade de informar sem incorrerem em responsabilidade, o que se nos não afigura inteiramente justificado, já que sempre se poderia, mais acertadamente, fazer relevar a ideia segundo a qual lhes compete escolher aquilo que é publicado, podendo, caso a caso, haver circunstâncias, deles conhecidas, que tornem dispensável ou inconveniente a publicação de um escrito, ainda que seja uma entrevista, de conteúdo danoso; e nesse sentido seria razoável fazer apelo ao sentido de responsabilidade próprio de profissionais guiados por regras deontológicas firmes, aliás na linha do dever de respeitar os limites ao exercício da liberdade de imprensa nos termos da Constituição e da lei, consagrado na al. c) do nº 1 do art. 11º do Estatuto do Jornalista aprovado pela Lei nº 62/79, de 20/9 - podendo hoje falar-se, em sentido idêntico, no mais específico dever de abstenção de recolha de declarações que atinjam a dignidade das pessoas, consagrado agora na al. f) do art. 14º da Lei nº 1/99, que aprovou o actual Estatuto do Jornalista.</font><br>
<br>
<font>Também com o mesmo pendor se pode invocar o Código Deontológico dos Jornalistas, aprovado em 13/9/76 em assembleia geral extraordinária do respectivo Sindicato, no qual se consignava o dever de rejeitar a mentira, a acusação sem provas, a difamação, a injúria, a viciação de documentos e o plágio - cfr. a al. h) do seu Cap. I.</font><br>
<font>Daqui se extrairia, coerentemente, um sistema que apelasse ao sentido de auto-responsabilização dos jornalistas, tal como a doutrina tem assinalado - cfr. J. M. Coutinho Ribeiro, A Nova Lei de Imprensa (Anotada) face ao novo Código Penal, 1995, pgs. 53-54, e João Luís de Moraes Rocha, Lei de Imprensa - Notas e Comentários, 1996, pgs. 115-116 -, em vez de desresponsabilizar quem pode e deve controlar o interesse na publicação.</font><br>
<br>
<font>Sentido de auto-responsabilização que permitiu, em todo o caso, à Lei nº 2/99 a restrição contida na segunda parte do seu art. 31, nº 4, já transcrito, de algum modo limitadora daquele risco.</font><br>
<font>Voltando agora ao nº 5 do citado art. 26º, poderá dizer-se que a eventual responsabilidade criminal dos recorrentes D e C, decorrente da entrevista publicada em 1/5/92, sempre teria cessado com a entrada em vigor desta nova disposição, visto o disposto no art. 2º, nº 2 do C. Penal.</font><br>
<font>Porém, já deixámos acima demonstrado que esta desresponsabilização criminal não produz igual efeito no tocante à responsabilidade civil emergente do crime que, embora não punível já, tiver sido, de facto, cometido.</font><br>
<font>Uma outra hipótese, em todo o caso, foi já aventada nestes autos, qual seja a de o novo nº 5 do citado art. 26º ser uma norma interpretativa do regime anterior e por isso dever ser aplicada retroactivamente, fazendo desaparecer o crime "ab initio".</font><br>
<font>Foi o que se entendeu no voto de vencido expresso no acórdão recorrido, mas, a nosso ver - e certamente também no modo de ver dos recorrentes, que o não sustentaram nas suas alegações -, sem razão.</font><br>
<font>Na verdade, só há interpretação autêntica quando a nova lei, para além de consagrar uma das interpretações possíveis do direito anterior, tem, não o propósito de deixar claro o regime que para o futuro se aplicará, mas o de esclarecer o sentido que esse direito anterior tinha, fazendo-o por declaração expressa no novo articulado legal ou no seu preâmbulo, ou referindo-se tacitamente a uma situação normativa duvidosa preexistente - cfr. Oliveira Ascensão, O Direito - Introdução e Teoria Geral, 6ª edição, pgs. 483-484.</font><br>
<br>
<font>Não o disse expressamente a Lei nº 15/95, nem se conhecem sinais jurisprudenciais ou doutrinários de que se pusesse com agudeza qualquer dúvida a este respeito.</font><br>
<font>Assim, dando-se como assente o insucesso do que se sustenta nas conclusões f) e g), interessa ver se a conduta destes recorrentes teve lugar em circunstâncias que à data os responsabilizassem.</font><br>
<font>A consagração constitucional do direito à liberdade de expressão e informação, por um lado, e do direito à integridade moral e ao bom nome e reputação - cfr. os arts. 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da CRP -, por outro, gera a possibilidade de conflito entre dois direitos fundamentais, para cuja solução a própria Constituição aponta uma via de solução, através dos limites ao primeiro que implicitamente prevê ao admitir as sanções e reacções a que se referem os nº 3 e 4 do citado art. 37º.</font><br>
<font>Mas importa também, por outro lado, limitar a tutela da honra em ordem à conservação do que será o núcleo essencial do direito à informação, não punindo as ofensas à honra quando constituírem o "meio adequado e razoável de cumprimento da função pública da imprensa", usado por esta "com ...... a intenção ...... de cumprir a sua função pública e, assim, de exercer o seu direito-dever de informação" e com possibilidade de ser feita a prova da verdade da imputação "no preciso âmbito do direito de informação", ainda que através da simples demonstração de "uma crença fundada na verdade" obtida de acordo com "as exigências derivadas das «leges artis» dos jornalistas, das suas concepções profissionais sérias, e que se não contentarão com a criação de um convencimento meramente subjectivo, mas imporão que aquela - a verdade da imputação - repouse numa base objectiva"</font><br>
<font>Importa que "... a imprensa, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexactas, cuja exactidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se convenientemente" - cfr. Figueiredo Dias, estudo citado, pags. 101-102, 105-106 e 170-171.</font><br>
<br>
<font>Este equilíbrio ponderado da defesa dos dois direitos em conflito, rejeitando a punibilidade de condutas "... que, no que respeita ao elemento intencional que a elas presidiu, se não apresentem como algo de excessivo, desproporcionado ou manifesta e claramente inadequado", foi aceite pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 113/97, proc. nº 62/96, de 5/2/97, publicado no DRep, II série, de 15/4/97.</font><br>
<font>As opiniões que deixamos mencionadas foram expendidas a propósito da qualificação de ilícito criminal a atribuir à publicação de escritos em imprensa, mas são de considerar aqui pertinentes porque, além da sua razoabilidade, elas se inserem, acima de tudo, na órbita do direito constitucional dos conflitos, e não do direito penal.</font><br>
<font>E correspondem também, nos seus traços gerais, ao que este STJ tem defendido em diversas decisões.</font><br>
<font>Assim, tem-se dito que a solução dos conflitos entre a liberdade de expressão e informação e o direito à honra passa pela sua harmonização ou pela prevalência a dar a um ou a outro com recurso aos princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação de acordo com as circunstâncias do caso concreto - cfr. acórdãos de 5/3/96, de 29/10/96 e de 26/9/00, Col. Jur. 1996-I-122 e III-80 e 2000-II-42, respectivamente.</font><br>
<font>Os recorrentes não discutem a potencialidade do escrito publicado para gerar uma ofensa à honra do recorrido.</font><br>
<font>Defendem, porém, que não violaram qualquer dever jurídico e agiram com observância das regras legais e éticas aplicáveis à sua actividade.</font><br>
<br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>Provou-se que os recorrentes De C difundiram as frases proferidas pelo réu B sem se certificarem se o seu teor correspondia à verdade. </font><br>
<font>Se é certo que quanto ao serviço da Vista Alegre foram provados factos que, materialmente, se conciliam em parte com a imputação feita - embora descaracterizando-a -, já nada se sabe que confirme a oferta de um relógio em ouro.</font><br>
<font>Com aquela falta de certificação, estes recorrentes deixaram de observar as cautelas exigidas para um legítimo e correcto exercício do seu direito de informar, que corresponde também a um dever de informar correctamente.</font><br>
<font>E, contendo aquelas frases imputações que atentam contra a honra, bom nome e reputação do recorrido, caíram dentro do que lhes era vedado pelo seu Código Deontológico, pelo Estatuto dos Jornalistas e pelo art. 484 do CC.</font><br>
<font>Acresce que, dada a falta de pormenorização das circunstâncias que teriam rodeado as denunciadas ofertas, fica sem caracterização evidente e bastante o juízo de "corrupto" formulado sobre o recorrido.</font><br>
<font>Juízo este que o escrito publicado no B se não limitou a reproduzir no texto da entrevista, antes tendo sido repescado no título que com destaque lhe foi dado, fazendo um "zoom" que o evidenciou perante quem se limitasse a passar os olhos pela folha do jornal e assim acicatando a curiosidade do leitor distraído, atraído pelo sensacionalismo de que se revestiu.</font><br>
<font>É evidente o efeito amplificador que este título teve quanto à difamação que na entrevista se veiculava.</font><br>
<br>
<font>Por isso a subsunção legal feita pelas instâncias a partir dos factos provados não merece críticas, sendo de manter.</font><br>
<font>Negam-se, deste modo, ambas as revistas.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<font>Lisboa, 14 de Maio de 2002</font><br>
<font>Ribeiro Coelho,</font><br>
<font>Garcia Marques,</font><br>
<font>Ferreira Ramos.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OTLvu4YBgYBz1XKvYFyE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font>I - "A", intentou acção com processo sumário contra B, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe 3.004.700$00 e juros.</font>
</p><p><font>Alegou que tem direito de regresso contra o réu, seu segurado, relativamente às importâncias que despendeu devido a acidente que o réu originou por ter agido sob a influência do álcool.</font>
</p><p><font>Contestando, o réu sustentou não ter culpa no acidente ocorrido.</font>
</p><p><font>A autora requereu a ampliação do pedido.</font>
</p><p><font>Teve lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida decisão que absolveu o réu do pedido.</font>
</p><p><font>Apelou a autora.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação confirmou a decisão.</font>
</p><p><font>Inconformada, recorre a autora para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Entender a lei como o acórdão da Relação o faz traduz-se num benefício dado ao infractor;</font><br>
<font>- De facto, quem viola a lei não deve ser desresponsabilizado por esse facto - conduzir sob o efeito de álcool é pura violação da lei;</font><br>
<font>- Entender a lei como o acórdão o faz retira grande parte da força que o legislador pretendeu dar ao sancionamento legal da condução sob influência de álcool;</font><br>
<font>- O entendimento acolhido no acórdão da Relação, para além do mais, não tem acolhimento na letra da lei, nomeadamente no que se refere aos requisitos do direito de regresso das seguradoras que são, tão simplesmente dois: Que a seguradora tenha satisfeito a indemnização; Que o condutor tenha agido sob a influência do álcool;</font><br>
<font>- Estes dois requisitos não podem ser interpretados de forma tão extensiva que deles se retire um ónus para a detentora do direito de regresso que é obrigar a que faça prova da influência do álcool conexionada com o acidente . Esse ónus cabe a quem violou a lei e agiu sob influência do álcool.</font>
</p><p><font>Contra-alegando, o recorrido defende a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>A autora explora, devidamente autorizada, a actividade seguradora e, no exercício da sua actividade, celebrou com o réu um contrato de seguro do ramo automóvel, a que se refere a apólice nº 350.217;</font>
</p><p><font>Na vigência do referido contrato o réu participou à autora, em 6 de Maio de 1996, um acidente de viação em que foi interveniente;</font>
</p><p><font>O acidente ocorreu no dia 5 de Maio de 1996, pelas 21h 30m, na Estrada das Alcáçovas, em frente à Quinta do Pomarinho, quando o réu conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Mazda, matrícula BZ, pela Estrada Nacional nº 380, no sentido Évora-Alcáçovas;</font>
</p><p><font>O veículo do réu circulava na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido da sua marcha;</font>
</p><p><font>O acidente consistiu no atropelamento mortal de um peão, C, precisamente ao Km 88,150 da dita estrada;</font>
</p><p><font>Na ocasião do acidente era já noite e o tempo estava chuvoso;</font>
</p><p><font>O réu não se deu conta da presença do peão, antes da ocorrência do embate;</font>
</p><p><font>Após o embate, o réu travou, tendo parado alguns metros mais à frente retrocedendo, então, para verificar em que é que tinha batido;</font>
</p><p><font>Na altura, o réu apresentava uma taxa de alcoolémia no sangue de 0,74g/l;</font>
</p><p><font>A autora pagou às herdeiras de C a quantia de 3.000.000$00, como indemnização pelos danos morais resultantes do acidente, bem como as despesas relativas à urgência do Hospital do Espírito Santo, em Évora, no montante de 4.700$00;</font>
</p><p><font>A autora interpelou o réu, através de cartas, para que este a reembolsasse das quantias referidas;</font>
</p><p><font>Até ao presente o réu não fez qualquer pagamento à autora;</font>
</p><p><font>O réu declarou à autora não se sentir responsável pelo acidente;</font>
</p><p><font>No local do acidente a estrada desenvolve-se em linha recta e na ocasião do acidente estava a chover, não existia qualquer iluminação pública e a visibilidade era reduzida; trata-se de um lugar ermo;</font>
</p><p><font>Atento o sentido de marcha do réu, não existia berma do lado direito da estrada e desse lado da estrada existe uma valeta ladeada por um muro, que à data do acidente estava totalmente coberta de matagal;</font>
</p><p><font>O réu conhecia bem o local em questão;</font>
</p><p><font>Em sentido contrário à mão do trânsito em que seguia o réu, apresentavam-se vários veículos;</font>
</p><p><font>A vítima vestia um fato de água preto e não tinha qualquer sinalização que desse a conhecer a sua presença.</font>
</p><p><font>III - A autora, invocando o direito de regresso contra o segurado por este ter conduzido sob o efeito do álcool, pediu que o mesmo fosse condenado a pagar-lhe as quantias que despendeu com a família da vítima de atropelamento mortal.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação, confirmando a decisão da 1ª instância, absolveu o réu do pedido.</font>
</p><p><font>Daí o recurso.</font>
</p><p><font>A questão a resolver consiste em saber se o réu responde perante a autora pelas importâncias que esta pagou ou, por outras palavras, o que está em causa é saber se a autora goza do direito de regresso contra o réu seu segurado, por este ter conduzido sob a influência do álcool.</font>
</p><p><font>A problemática não é nova nem pacífica, como, aliás, resulta desde logo do acórdão recorrido e do voto de vencido.</font>
</p><p><font>O artigo 19º, alínea c) do Dec-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, estipula, no que aqui interessa, que, satisfeita a indemnização, a Seguradora tem direito de regresso contra o condutor se este tiver agido sob influência do álcool.</font>
</p><p><font>Indica o artigo taxativamente os casos em que a Seguradora, tendo satisfeito a indemnização que for devida, passa a ser titular do direito de regresso face aos responsáveis pelo sinistro. Extinguindo a relação creditícia existente, a Seguradora passa a ser titular de um direito novo, o direito de regresso.</font>
</p><p><font>A problemática que divide a jurisprudência consiste em apurar quais os requisitos necessários para que se possa exercer esse mesmo direito.</font>
</p><p><font>Em concreto, ocorreu um acidente de viação em que interveio o veículo seguro na autora e conduzido pelo réu, com atropelamento mortal de um peão; o réu conduzia com uma taxa de alcoolémia de 0,74gr/l; a Seguradora pagou aos herdeiros do falecido a quantia de 3.004.000$00.</font>
</p><p><font>Resultará daqui, sem mais, a obrigação para o réu de reembolsar a autora?</font>
</p><p><font>A resposta é, diga-se desde já, negativa.</font>
</p><p><font>Impõem-se, contudo, previamente, algumas considerações sobre a obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font>Para o surgimento da responsabilidade civil devem verificar-se determinados pressupostos. Como é sabido, o artigo 483º nº 1 do Código Civil estabelece como elementos constitutivos da responsabilidade civil: o facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; a ilicitude; o nexo de causalidade entre o facto e o dano.</font>
</p><p><font>Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (nº 2 do artigo 483º).</font>
</p><p><font>Em princípio é assim necessário que o facto seja ilícito, ou seja violador de direitos subjectivos ou interesses alheios tutelados por uma disposição legal, e culposo, isto é, passível de uma censura ético-jurídica ao sujeito lesante.</font>
</p><p><font>A regra base no nosso ordenamento é assim a concepção da responsabilidade subjectiva, ou seja baseada na culpa.</font>
</p><p><font>Isto, quer se trate de responsabilidade contratual, originada pela violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico, quer se trate de responsabilidade extracontratual, resultante da violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (direito real, direito de personalidade).</font>
</p><p><font>A diferença essencial no que respeita à culpa consiste na presunção de culpa existente na responsabilidade contratual (artigo 799º do C. Civil) enquanto que na responsabilidade aquiliana é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (artigo 487º nº 1 do C. Civil).</font>
</p><p><font>No caso em análise a Seguradora responde nos termos contratuais em que se obrigou e o réu responderá perante o lesado nos termos da responsabilidade civil extracontratual.</font>
</p><p><font>Nem o citado artigo 19º nem qualquer outra disposição do Dec-Lei nº 522/85 derrogaram os princípios enunciados.</font>
</p><p><font>Necessário se torna assim, além do mais, que se prove a existência do nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool, a ocorrência do acidente e, os danos que deste resultarem.</font>
</p><p><font>O Segurado fica obrigado a pagar à Seguradora o que esta tiver despendido, mas tão somente se a condenação sob o efeito do álcool for causa adequada do acidente ou, pelo menos, uma das causas do mesmo.</font>
</p><p><font>Não se podendo presumir a culpa fora dos casos especificados na lei, nem existindo, em concreto, qualquer alteração das regras do ónus da prova é à Seguradora que cabe provar que o facto de o condutor conduzir com taxa de alcoolémia não permitida foi causa adequada do acidente ou que contribuiu para a ocorrência do mesmo - Neste sentido é a jurisprudência maioritária. Assim, entre outros: Ac. RL de 24.10.91, CJ IV; pág. 191; Ac. RP de 30.09.93, CJ IV, pág. 216; Ac. STJ de 14.01.97, CJ I, pág. 39; Ac. STJ de 24.02.99, Revista nº 34/99 desta Secção, "Sumários" 1999, pág. 64; Ac. STJ de 08.06.99, Revista nº 410/99 (com a intervenção do aqui relator), "Sumários" 1999, pág. 211; Ac. STJ de 18.11.99, Revista nº 706/99, "Sumários" 1999, pág. 377.</font>
</p><p><font>Ora, como correctamente se decidiu logo na 1ª instância, a factualidade apurada não demonstra que exista responsabilidade por parte do segurado na produção do acidente, do evento danoso.</font>
</p><p><font>Nem se conclua (como se escreve no Ac. STJ de 24.05.2001, CJ II, pág. 109) que com a instituição do seguro obrigatório passaram as seguradoras a ter de suportar riscos alargados que, com o entendimento aqui perfilhado, não estarão suficientemente defendidos.</font>
</p><p><font>Só se existir um nexo causal entre a taxa de alcoolémia e o acidente é que se poderá dizer que a Seguradora suporta um risco desporpocional. E é por isso que para esses casos a lei criou aquilo a que chama direito de regresso.</font>
</p><p><font>Não existindo causalidade, então a Seguradora suporta tão só aqueles riscos que são inerentes a um contrato aleatório, como é o do seguro automóvel.</font>
</p><p><font>Diga-se, aliás, que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que foi, após tentativas frustradas, regulado pelo Dec-Lei nº 408/79, de 25 de Setembro (hoje revogado pelo Dec-Lei nº 522/85, de 31.12), foi criado tendo como principal finalidade permitir aos lesados o efectivo recebimento da indemnização a que tenham direito. Muitas vezes a capacidade de indemnizar não estava conforme com o montante dos danos.</font>
</p><p><font>Sendo essa a principal preocupação, a verdade é que não deixaram de ser considerados os interesses das Seguradoras como resulta, designadamente, do mencionado artigo 19º do Dec-Lei nº 522/85 e do direito de regresso aí consagrado.</font>
</p><p><font>O número de seguros obrigatórios tem vindo a aumentar. Segundo José Vasques - "Contrato de Seguro", pág. 49 - existiam já em 1992, 43 casos de seguro obrigatório. Questionam-se por isso alguns autores sobre quem deve suportar os encargos que tal medida comporta, falando-se da chamada socialização do risco e interrogando-se sobre a intervenção estatal.</font>
</p><p><font>Se várias soluções são possíveis em sede de direito a constituir, a verdade é que face ao direito vigente não se pode concluir que o segurado responde, sem mais, só pelo facto de ter ingerido bebidas alcoólicas. A condução sob o efeito do álcool não é só por si causal do acidente.</font>
</p><p>
</p><p><font>Acrescentam-se duas notas finais.</font>
</p><p><font>Assiste-se hoje a uma forte tendência no sentido de aumentar a extensão da responsabilidade objectiva ou pelo risco, o que se justifica, antes de mais, pela necessidade de defesa do lesado face ao enorme aumento de riscos que o desenvolvimento tecnológico da sociedade industrial acarreta - Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª ed., pág. 121.</font>
</p><p><font>Esse aumento de casos de responsabilidade pelo risco não pode, contudo, existir sem que tenha expressa consagração na lei, já que avisadamente, o legislador consagrou no já citado nº 2 do artigo 483º que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.</font>
</p><p><font>Não é assim possível invocar a responsabilidade objectiva, prescindindo da culpa, a propósito da alínea c) do artigo 19º do mencionado Dec-Lei nº 522/85.</font>
</p><p><font>Saliente-se por fim que, contrariamente ao defendido por alguma jurisprudência, não existe qualquer sanção cível para a condução sob o efeito do álcool. Poderá existir a obrigação de indemnizar não devido à taxa de alcoolémia, mas sim devido às consequências que possa originar.</font>
</p><p><font>A condução com taxa alcoólica não permitida pode ser uma contra-ordenação ou um crime e como tal sancionado, pelo que de perigoso comporta. Mas só dará lugar à obrigação de indemnizar se esse perigo for causa concreta e adequada do evento danoso.</font>
</p><p><font>Nada há pois a alterar na fundamentada decisão recorrida.</font>
</p><p>
</p><p><font>Pelo exposto, nega-se a revista.</font>
</p><p><font>Custas pela recorrente.</font>
</p><p><font>Lisboa, 14 de Maio de 2002</font>
</p><p><font>Pinto Monteiro,</font>
</p><p><font>Lemos Triunfante,</font>
</p></font><p><font><font>Reis Figueira.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bzL7u4YBgYBz1XKvBWoy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam:<br>
<br>
A, e B, celebraram em 31/7/95 o contrato documentado a fls. 142-143, no qual a 2ª outorgante, mediante a remuneração ali estabelecida, se obrigou a elaborar componente relativa à formação profissional da candidatura da 1ª outorgante ao PEDIP II.<br>
Em 24/10/96, com fundamento em situação de não cumprimento do contrato, a B demandou judicialmente, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a A, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a indemnização de 17751977 escudos, com juros.<br>
A Ré A requereu o chamamento à autoria de C e D.<br>
Fundamento:<br>
O C era gerente da R. à data do contrato celebrado com a A.<br>
Estava incumbido de supervisionar e acompanhar o referido projecto e de coordenar entre si e com a R a evolução dos trabalhos das duas empresas especializadas nele envolvidas.<br>
Cessou as funções de gerente em 10/11/95 mas, por contrato de 20/11/95 celebrado com a R,, vinculou-se a acompanhar durante o ano de 1996, o processo de candidatura na mesma R. ao PEDIP II, prosseguindo assim o seu trabalho anterior.<br>
E terá recorrido à sociedade D.<br>
Qualquer responsabilidade da R. relativamente ao contrato celebrado com a A. passa por falhar o C no acompanhamento, supervisão e coordenação das componentes do projecto de candidatura no PEDIP II.<br>
A A. opôs-se no chamamento e o Mmº Juiz indeferiu-o, com o fundamento de que "não está suficientemente caracterizado o direito de regresso."<br>
A Relação, dando provimento ao recurso de agravo interposto pela R., determinou que fosse proferido despacho ordenando a admissão do incidente e o seu natural prosseguimento.<br>
Neste agravo a A. pede a revogação do acórdão recorrido, pois:<br>
O chamamento à autoria pressupõe acção conexa com a relação jurídica controvertida, onde poderá ser efectivado o direito de regresso.<br>
A Relação entendeu erradamente que dos arts. 72º e 80º do C.S.C. resulta uma responsabilidade dos chamados para com a R. conexa com a responsabilidade que esta possa ter para com a A., fundamento do direito de regresso.<br>
Ora, o artº 72º limita a responsabilidade dos gerentes das sociedades aos actos em que estes tenham participado e a acção assenta em resolução (indevida) do contrato pela R. sendo gerente desta Artur Moreira. Do art. 80º resulta que têm responsabilidade idêntica à do art. 72º, terceiros a quem sejam confiadas funções de administração. Mas, do contrato de prestação de serviços celebrado entre a R. e os chamados não resulta para estes poderes de administração.<br>
Não é configurável qualquer tipo de responsabilidade dos chamados face à R., pelo que não se encontra suficientemente caracterizado direito de regresso.<br>
A recorrida sustentou a improcedência do recurso.<br>
Ao incidente em causa aplica-se o disposto nos arts. 325 e seg. do C.P.C., com a redacção anterior à Reforma de 1995/96 - artº 16º do D.L. nº 329-A/95, de 12/12.<br>
O Réu tem de alegar no requerimento do incidente os fundamentos da acção de regresso prevista no nº1 do artº 325º.<br>
Esta acção do réu, destinada a obter do terceiro indemnização correspondente ao prejuízo que lhe cause a perda da demanda, assenta numa relação entre ambos a que o autor é alheio, dependente da relação principal entre o autor e o réu (a relação jurídica controvertida).<br>
A remuneração estabelecida no contrato que constitui a relação jurídica controvertida foi de 3220000 escudos, mais o equivalente a 20% dos subsídios aprovados a fundo perdido para a componente de formação profissional no âmbito do processo de candidatura ao PEDIP II.<br>
Segundo a A., a R. pagou-lhe os 3220000 escudos pelos serviços prestados no dossier de candidatura ao programa do PEDIP II, que aprovou. Porém, declarou depois o contrato resolvido.<br>
O pedido que formulou respeita aos lucros cessantes.<br>
Quanto ao C, a Relação fundamentou a admissão do incidente nos arts. 72º e 80º, do C.S.C., e no referido contrato de prestação de serviços documentado a fls. 186.<br>
Ora, não se alegou que ao C tivessem sido confiadas funções de administração da R., depois de cessada a sua gerência nos termos do artº 80º.<br>
Quanto ao artº 72º e ao contrato de prestação de serviços, a R. ficou-se por uma nebulosa imputação ao C de qualquer responsabilidade dela relativamente ao contrato que celebrou com a A.<br>
Fundamentando a A. o pedido de indemnização na ruptura do contrato pela R. em meados de 1996, esta não explicitou qual a conexão entre aquela ruptura e a anterior gerência do C ou o contrato de prestação de serviços.<br>
Observa exactamente o ac. do S.T.J. de 11/10/95, BMJ 450 p. 363 e seg., que o chamamento à autoria era, na prática forense, o mais utilizado, o menos útil e, até, o mais injustificadamente protelante incidente de intervenção de terceiros. Donde, a necessidade de haver factos onde assentar a constatação de uma relação jurídica conexa e consequente direito de regresso.<br>
Tinha razão o Mmº Juiz - "o direito de regresso não se mostra suficientemente caracterizado".<br>
Nestes termos julgam o recurso procedente, revogando o acórdão da Relação para se manter a decisão da primeira instância.<br>
Custas pela recorrida.<br>
Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.<br>
Afonso de Melo,<br>
Tomé de Carvalho,<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
tzL9u4YBgYBz1XKvwG7d | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div><br>
I<br>
</div><br>
A A, instaurou procedimento cautelar comum, no Tribunal de Póvoa de Lanhoso, contra B, pedindo que se proferisse decisão que considere o local inidóneo para a eliminação dos resíduos sólidos urbanos e instalação de um aterro sanitário e se ordene que a Requerida se abstenha de proceder, na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso e conhecida por Vale de Chão ou Cobertos (na serra do Carvalho), à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados nos termos da lei, designadamente, abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferência, aterro sanitário, unidades de tratamento e, bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros.<br>
A Requerida deduziu oposição alegando, em síntese, para além das excepções que suscitou, a inexistência de fundamento para o receio de lesão do meio ambiente como consequência da construção e exploração do aterro.<br>
Produzidas as provas, incluindo a realização de uma inspecção judicial ao local, o Mmº Juiz proferiu, em 19 de Junho de 1997, decisão em que indeferiu a providência cautelar requerida.<br>
Inconformada, veio a Requerente interpor recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 23 de Outubro de 1997, negado provimento ao agravo.<br>
Ainda inconformada, trouxe a Requerente o presente recurso de agravo, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br>
<br>
1. Os direitos ao ambiente e à qualidade de vida constituem no ordenamento jurídico-constitucional português direitos constitucionais fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no nosso diploma fundamental, pelo que lhes é aplicável o regime constitucional específico destes.<br>
2. Tais direitos gozam de aplicabilidade directa independentemente da eventual intervenção do legislador e vinculam imediatamente os poderes públicos e as entidades privadas.<br>
3. A compreensão do regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais ao Ambiente e à qualidade de vida e sua aplicação e consideração nos actos de administração da Justiça não podem ser suprimidos ou restringidos a este Venerando Supremo Tribunal por lei ordinária.<br>
4. O disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 755º do C.P.C. encontra-se ferido de inconstitucionalidade material na medida em que apenas prevê para fundamento do presente agravo a violação ou errada aplicação da lei do processo e não já a violação ou errada aplicação da lei substantiva.<br>
5. Tal norma viola o disposto nos artigos 17º, 18º, 66º, 205º, nº 2, da C.R.P.<br>
6. Uma vez que a decisão impugnada pôs termo ao processo, devem ser, em consequência daquela inconstitucionalidade material, apreciados os fundamentos do presente recurso na parte em que se alega e ocorre violação e errada interpretação da lei substantiva.<br>
7. Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 66º da C.R.P. incumbe ao Estado ordenar e promover o ordenamento do território tendo em vista uma correcta localização de actividades e um equilibrado desenvolvimento sócio-económico.<br>
8. O local onde a recorrida pretende instalar o aterro sanitário e proceder à deposição dos resíduos, como consta do Anúncio público para a abertura do concurso para a execução das obras necessárias para o efeito, foi escolhido unilateralmente pela Câmara Municipal de Braga.<br>
9. Como resulta do conteúdo dos documentos constantes dos autos, juntos, de resto, pela própria recorrida, a escolha do local para onde se encontra projectada a construção do referido aterro, obedeceu única e exclusivamente a uma pura escolha política, determinada ainda por razões de puro interesse e racionalidade económica.<br>
10. Não houve, em toda a área dos concelhos de Braga, de Póvoa de Lanhoso e de Vieira do Minho, - beneficiários do dito aterro para deposição e eliminação de lixos -, quaisquer estudos ou prévia indagação de outros locais que se pudessem revelar ou oferecer condições adequadas e seguras à prevenção de previsíveis riscos de sérios danos no ambiente que a construção de um aterro sanitário, em grau elevado, sempre acarreta.<br>
11. Só depois de determinado, por tais motivos e razões, o local assim designado e irremissivelmente fixado para a implantação do aterro sanitário e para deposição dos resíduos é que foram realizados alguns estudos para caucionar ou tentar justificar a adequação do local.<br>
12. As obrigações imputadas ao Estado e, consequentemente, à Administração Pública descentralizada, como é o caso das autarquias locais, por imposição dos princípios jurídicos fundamentas contidos na alínea b) do nº 2 do artigo 66º da C.R.P., obrigam a que esta, na ordenação e promoção do ordenamento do território, proceda, e não deva alhear-se de uma correcta localização das actividades, com vista a assegurar um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e paisagens biologicamente equilibradas.<br>
13. A continuação por forma cautelosa e previdente da defesa do aproveitamento dos recursos naturais, designadamente a manutenção da pureza das águas das várias nascentes existentes no local para onde se encontra prevista a construção do aterro sanitário, tendo em vista sobretudo a sua preservação futura, a médio e longo prazo, preservando a sua capacidade de renovação e estabilidade ecológica, garantidas pelo artigo 66º, nº 2, da C.R.P., não permitia, antes vedava, como veda, à Administração local autárquica, e designadamente, à Câmara Municipal de Braga, uma actividade absoluta, livre, na escolha do local, daquelas vinculações jurídico-constitucionais inscritas naquele preceito.<br>
14. Ao assim não considerar, a douta decisão ora impugnada violou o disposto na alínea b) do artigo 66º, nº 2, da C.R.P. e o disposto nos artigos 17º e 18º do mesmo diploma fundamental, tendo deixado de conhecer de questões que deveria ter apreciado, assim tendo também violado o disposto na alínea d) do artigo 668º do C.P.C.<br>
15. Dessa omissão de pré-selecção de outros locais para a construção do dito aterro resulta a ausência de outro que, podendo ser encontrado noutro local correspondente à área dos três concelhos, pudesse oferecer características adequadas à correcta localização daquela actividade, à salvaguarda da capacidade de recursos naturais e à estabilidade ecológica e, quanto àquele que foi imposto, a inobservância dos factores que, em grau mais elevado, e tendo em vista neste domínio, os princípios fundamentais de cautela, de segurança e de prevenção, possam garantir a eliminação de receios sérios e fundados de que a capacidade de renovação da pureza das águas e da estabilidade ecológica não será alterada a curto, médio e longo prazo.<br>
16. O local conhecido por "Vale de Chão" ou "Cobertos", sito na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso, pela sua localização e morfologia, pelas suas características geológicas, hidrológicas, de ar e paisagem é inadequado e inidóneo para nele se construir o aterro sanitário referido nos autos e para nele se proceder à deposição de resíduos.<br>
17. É absolutamente incompreensível e intolerável, do ponto de vista da estabilidade ecológica das águas da sua capacidade de renovação e da defesa da saúde pública, que se construa um aterro sanitário num local impróprio, situando-se tal local sobre uma ribeira e sobre pelo menos onze nascentes, próximo de vários depósitos públicos que captam a água que se integra na rede de abastecimento público do concelho de Póvoa de Lanhoso.<br>
18. Não é tolerável, e repugna ao direito e às normas jurídicas que visam salvaguardar e preservar a pureza das águas e a saúde das pessoas, que se permita a construção de um aterro sanitário e se proceda à deposição de lixos, num local onde as condições naturais existentes permitem a infiltração de efluentes que possam provir dos alvéolos de deposição de lixos e a contaminação das águas.<br>
19. É intolerável e absolutamente inadmissível que se permita a construção do referido aterro numa área que é uma zona de recarga dos aquíferos suspensos que abastecem aquelas inúmeras fontes e nascentes cujo caudal de água é utilizado para fins de abastecimento humano, público e particular.<br>
20. À luz dos factos apurados e das regras da experiência comum existe fundado receio de que a recorrida, através da execução das obras referidas nos autos e da deposição dos resíduos no referido local conhecido por "Vale do Chão" ou "Cobertos", da freguesia de Lanhoso, do concelho da Póvoa de Lanhoso, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do Ambiente objecto da defesa e actividade da recorrente, e do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado de que os representados pela ora recorrente são legítimos titulares.<br>
21. Incumbindo ao Estado prevenir e controlar a poluição, situação a que a douta decisão não deu acolhimento, violou esta o disposto no nº 2, alínea a), do artigo 66º da C.R.P.<br>
22. A douta decisão que indeferiu a providência cautelar, para além daqueles normativos legais e constitucionais, violou ainda o disposto no artigo 381º do Código de Processo Civil, o disposto nos artigos 70º e 349º do Código Civil, o preceituado no artigo 12º, nº 1, da Lei nº 83/95, de 31.08 e, bem assim, o disposto nos artigos 2º, 3º, als. a) e b), 5º, 10º, 11º, 14º, nº 4 do artigo 24º, 26º, 30º, 40º, nº 4, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, o nº 2 do artigo 4º do Dec.-Lei nº 310/95, de 20.11 (que operou a transposição para a ordem jurídica interna portuguesa das Directivas 91/156/CEE e 91/689/CEE, ambas do Conselho), o disposto no nº 1 do artigo 130-S do Tratado da União Europeia, o nº 1 do artigo 30º da Lei nº 11/87, de 11.04, as normas constantes da Directiva 75/442/CEE, do Conselho, de 15.07.1975, as normas constantes das Directivas 91/156/CEE, do Conselho, de 18.03.1991, os princípios gerais da Comunicação da Comissão relativa à aplicação das Directivas 75/439/CEE, 75/442/CEE, 78/319/CEE e 86/278/CEE, relativa à política em matéria de resíduos (COM (97) 23 final) e, bem assim, as disposições da Directiva 75/440/CEE, do Conselho, de 16.06.1975; as normas constantes da Directiva nº 80/68/CEE, do Conselho, de 17.12.80, da Directiva 80/778/CEE, do Conselho, de 15.07.1980, as normas integradoras do Dec-Lei nº 75/90, de 07.03.90 (designadamente o preceituado nos seus artigos 1º, 3º, 8º, 12º, 13º, nº 2, 15º e 16º), as normas constantes da Directiva do Conselho nº 85/337/CEE, de 27.06, violando ainda o disposto no nº 2do artigo 2º e artigo 9º do Dec-Lei 186/90, de 6.06, rectificado in D. Rep., I série, nº 175, de 31.07.90.<br>
<br>
Em consequência do que a recorrente pede a anulação do acórdão recorrido, que deve ser substituído por outro que considere que o local conhecido por Vale do Chão ou Cobertos, na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso é inidóneo para a instalação do referido aterro sanitário e para a deposição e eliminação dos resíduos sólidos urbanos, mais se ordenando que a recorrida se abstenha de proceder naquela área à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados, designadamente, abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferências, aterro sanitário, unidades de tratamento e bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros.<br>
Contra-alegando, a requerida pede a confirmação do acórdão recorrido.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>Foi dada como provada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:<br>
1- A Requerente foi constituída por escritura pública no dia 27 de Fevereiro de 1997 visando exclusivamente a conservação da natureza e a promoção da qualidade de vida através da promoção de intervenções que contribuam para a resolução dos seus problemas ambientais específicos.<br>
2- A Requerente desenvolve a sua actuação num âmbito local coincidente com os limites da região de Lanhoso, na qual se integra a freguesia de Lanhoso do concelho da Póvoa de Lanhoso.<br>
3- A Requerida é uma sociedade anónima constituída pelo Decreto-Lei nº 117/96, de 6 de Agosto com o objecto principal de actividades de recolha selectiva, triagem, tratamento e valorização de resíduos sólidos a quem foi adjudicada em regime de concessão a exploração e gestão do sistema inter-municipal do Baixo Cávado.<br>
4- Entre o Estado Português e a B foi celebrado o contrato de concessão constante de fls. 119 e seguintes cujo teor se dá por reproduzido.<br>
5- A B promoverá a construção, manutenção e administração, na área da Serra de Carvalho, sita na área territorial das freguesias de Lanhoso, do concelho da Póvoa de Lanhoso e limites nascente e norte da freguesia de Pedralva, do concelho de Braga, num local conhecido por "Vale do Chão" e também por "Cobertos" de um "Centro de Enterramento Técnico" (CET), também conhecido por aterro sanitário, destinado a absorver resíduos sólidos urbanos produzidos nos concelhos de Braga, Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho.<br>
6- Para o efeito, a B efectuou estudos com vista à implantação do dito aterro e programou o desmate do terreno e corte de árvores com vista à preparação das áreas destinadas a possibilitar a construção de vias de acesso e à abertura dos locais onde se situarão os respectivos alvéolos de depósito daqueles resíduos.<br>
7- A área de implantação de todas as instalações do aterro que se encontra projectada tem a forma de um rectângulo e é de 110.400 m2, correspondendo 92.000 m2 à área de implantação dos alvéolos de deposição de resíduos e os restantes 18.400 m2 a infra-estruturas de apoio.<br>
8- A cerca de 700 metros do local de implantação dos alvéolos encontra-se o lugar dos Tinocos e Cimo de Vila da freguesia de Lanhoso.<br>
9- A área destinada à construção do aterro sanitário situa-se a cerca de 1 km a sul da EN 103 que estabelece a ligação rodoviária entre Braga e Póvoa de Lanhoso entre os Kms 52 e 53.<br>
10- O local faz parte da encosta sul da Serra do Carvalho a qual possui o seu ponto mais elevado à cota de 495 m e situa-se nas áreas das freguesias de Lanhoso e Pedralva.<br>
11- Aquele vértice dista aproximadamente 1 km do local onde se encontra prevista a edificação dos alvéolos de deposição.<br>
12- A morfologia do local previsto para a implantação do aterro possui uma altitude média da ordem dos 430 metros e ficará sobre um pequeno vale planáltico que drena as escorrências superficiais e as águas das nascentes para uma corrente de água permanente não navegável nem flutuável que lhe fica a sul, conhecida por "Ribeira de Reamondes".<br>
13- Esta ribeira atravessa o referido vale no sentido poente-nascente situando-se em sentido perpendicular ao plano da área territorial prevista para a implantação do aterro.<br>
14- Tal ribeira dista daquela área cerca de 150 metros e situa-se em nível inferior ao mesmo de, pelo menos, 45 metros.<br>
15- Desde tempos imemoriais que a essa ribeira fluem naturalmente as fontes e as nascentes, superficiais e subterrâneas, existentes na vertente sul do local onde se encontra projectada a construção do aterro.<br>
16- As águas que formam aquela ribeira fluem naturalmente pelo seu curso natural em direcção a Lanhoso e à vila de Póvoa de Lanhoso e são utilizadas na irrigação de campos destinados à produção agrícola e do local onde se prevê a construção do aterro até à área da Vila da Póvoa de Lanhoso, tendo em consideração o curso do ribeiro de Reamondes distam cerca de 2 kms.<br>
17- Em toda a área onde se encontra prevista a construção do aterro encontra-se uma floresta de eucaliptos e trata-se de um lugar ermo e não habitado.<br>
18- Na referida área afloram dois linótipos graníticos essenciais: granito de grão fino de duas micos, essencialmente biofísico, com megacristais dispersos com tendência porfiróide incipiente e granito de grão médio ou fino a médio, porfiróide, de duas micas, essencialmente biotítico.<br>
19- Nos cantos sudoeste e nordeste da área estabelecem-se contactos com granito porfiróide de duas micas com grão médio e grosseiro.<br>
20- A rede de drenagem da área evidencia um controlo tectónico.<br>
21- A maioria dos ribeiros existentes naquele local, de direcção norte/sul da serra de Carvalho, encontram-se instalados em vales que correspondem a alinhamentos regionais de acidentes geológicos de direcção norte/sul a N10E.<br>
22- A "ribeira de Reamondes" é controlada tectonicamente por uma grande fractura com a direcção W/E, de carácter regional que se desenvolve ao longo de várias dezenas de quilómetros.<br>
23- A par desta fracturação é possível inferir mais duas famílias de fracturas que ocorrem naqueles maciços, típicas das rochas ígneas que se instalam durante fases de orogenia hercínica.<br>
24- Existe escassez de material inerte, necessário para a cobertura dos resíduos durante toda a exploração do aterro.<br>
25- A rede de fracturas existentes no local são as responsáveis pela circulação subterrânea da água.<br>
26- O grande desenvolvimento de fracturação N-S, associadas às fracturas NE e NW, poderá estabelecer uma rede de circulação subterrânea que conecte os diferentes aquíferos regionais e as captações neles instalados.<br>
27- A altitude a que a construção do aterro se encontra prevista facilita a circulação gravítica das águas em direcção ao leito da Ribeira de Reamondes.<br>
28- Na vertente norte do local onde se encontra projectado o referido aterro e a cerca de 500 metros do seu limite norte existem três nascentes com as respectivas captações públicas e uma particular.<br>
29- Desses locais são as respectivas águas derivadas para vários depósitos públicos e daí para a rede de abastecimento público do concelho de Póvoa de Lanhoso.<br>
30- A nordeste do local onde se encontra projectada a construção do aterro existe próximo do limite projectado do aterro uma outra nascente.<br>
31- Nas adjacências da área projectada para a implantação do aterro encontram-se ainda várias nascentes e captações particulares a cerca de 200 e 300 metros.<br>
32- Junto à face sul da área de implantação dos alvéolos existem dois pontos onde brotam águas e que escorrem para a ribeira de Reamondes.<br>
33 - A oeste existe uma outra nascente cujo caudal é utilizado para gastos domésticos da população da freguesia de Pedralva.<br>
34- A este e sueste existem quatro nascentes cujo caudal vem sendo utilizado em gastos domésticos.<br>
35- A cerca de 200 metros do limite sueste do aterro existe um depósito de recolha de água.<br>
36- Também próximo do aterro existem duas fontes onde afluem águas.<br>
37- Todas essas águas se apresentam na nascente química e bacteriologicamente puras.<br>
38- As condições naturais existentes no local permitem a infiltração de efluentes que possam provir dos alvéolos de deposição de lixos e a consequente contaminação das águas.<br>
39- Nas conclusões de um estudo que fizeram em 29 de Abril de 1996, os engenheiros responsáveis pela divisão de geotecnia e o Director do Laboratório de Engenharia Civil da Universidade do Minho afirmaram ser possível realizar um aterro no local que se encontra projectado sujeito a determinadas condições e concluíram também que isso não quer dizer que a área escolhida seja a melhor.<br>
40- Mais afirmaram que "...se houver rotura da barreira artificial de impermeabilização as águas subterrâneas ficarão sujeitas a poluição, dada a grande permeabilidade da parte superior da Bedrock".<br>
41- Não se procedeu a análises físico-químicas e bacteriológicos das águas.<br>
42 - Não foram efectuadas canalizações de ribeiros.<br>
43- O nível freático do local onde se encontra projectada a implantação do aterro situa-se entre os 0 e os 5,9 metros.<br>
44- A permeabilidade do solo no local onde se encontra projectada a implantação do aterro medida em Lugeon varia entre 0,23 e 3,04.<br>
45- Os coeficientes de permeabilidade do solo nesse mesmo local oscilam entre 1,5x10 elevado a menos 5 e 5,7x10 elevado a menos 7.<br>
46- O solo nesse local pode ser classificado como areia siltosa que necessita de uma barreira artificial de impermeabilização.<br>
47- A precipitação média anual no sector Braga-Póvoa de Lanhoso oscila entre 1300 e 1700 mm dos quais mais de 40% ocorrem nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro.<br>
48- Encontra-se projectada para o aterro a existência de um sistema de captação, drenagem e tratamento de biogás que consiste na sua queima numa unidade especialmente desenvolvida para o efeito.<br>
49 - Encontra-se prevista a cobertura diária dos resíduos sólidos urbanos depositados no aterro.<br>
50- Encontra-se prevista a construção de um sistema de impermeabilização artificial do aterro (fundo e taludes laterais) construído por uma tela bentonítica; geotêxtil não tecido de 300 g/m2; geomembrana de polietileno de alta densidade (PEAD) de 2,0mm; geotêxtil não tecido de 300 g/m2 e camada drenante de gravilha com 0,50 m de espessura colocada sob os sistemas de impermeabilização.<br>
51- A tela bentonítica garante coeficientes de permeabilidade da ordem de 1x10 elevado a menos 11m/s ou seja uma percolação sobre os terrenos subjacentes com evolução à velocidade de 0,315 mm/ano.<br>
52- O aterro sanitário dispõe ainda de dois drenos, sob a camada de impermeabilização cuja função é captar quaisquer águas externas que, durante o período chuvoso se podem acumular e que captarão igualmente os lixiviados em caso de falhas do sistema de impermeabilização.<br>
53- A totalidade das águas poluídas será tratada numa estação de águas residuais.<br>
54- Os efluentes líquidos à entrada e saída da estação de tratamento serão objecto de monitorização regular e também o serão as águas superficiais a jusante do aterro bem como as águas subterrâneas a montante e jusante do aterro em furos e poços existentes na vizinhança do local.<br>
55 - Tal monitorização far-se-á durante a fase de exploração do aterro e durante a fase de manutenção após encerramento do aterro.<br>
56- Durante a fase de exploração a monitorização das águas será feita trimestralmente (águas superficiais, composição de lixiviado), mensalmente (caudal de lixiviado), semestralmente (nível de captações de água subterrânea e qualidade das águas captadas nos drenos e em furos e poços).<br>
57- Durante a fase de manutenção aqueles períodos passarão a ser semestrais e anuais respectivamente.<br>
58- Durante a fase de exploração do aterro encontra-se prevista a instalação de uma vedação metálica que confinará a área, seguida de uma vedação arbórea.<br>
59- Está prevista, após a selagem do local, a sua recuperação paisagística de forma a proceder à sua revegetação com plantação de espécies que fazem parte da paisagem natural da região.<br>
60- A estrada de acesso directo ao aterro não atravessa nenhuma das povoações que se situam na respectiva envolvente e a sua construção faz parte integrante do projecto.<br>
61- A passagem dos camiões do lixo não será contínua.<br>
62- As águas resultantes da lavagem dos rodados de camiões, da lavagem dos veículos pesados, das oficinas, da lavagem do equipamento mecânico e da plataforma de abastecimento de combustível serão captadas e conduzidas para um tanque de separação água/óleo.<br>
63- Após separação, as águas serão conduzidas à ETAR e os óleos serão colocados em bidões e encaminhados para uma entidade licenciada para os receber.<br>
64- No programa de monitorização da qualidade das águas encontra-se prevista a realização de análises organolépticas, físico-químicas, bactereológicas e determinação do nível das águas.<br>
65- O aterro sanitário receberá resíduos sólidos urbanos e equiparados e não serão admitidos resíduos perigosos, industriais ou hospitalares.<br>
66- O aterro encontra-se projectado para funcionar durante doze anos prevendo-se nesse período uma produção total de cerca de 630.000 toneladas de resíduos sólidos.<br>
67- Os alvéolos de deposição de lixos que constituirão o aterro serão parcialmente escavados, estando previsto um volume de escavação de 171.000 m3.<br>
68- A área onde serão implantados os alvéolos é uma zona de recarga de aquíferos suspensos.<br>
69- O prazo de garantia comercial das telas que vão ser utilizadas na impermeabilização do aterro dada pelo respectivo fabricante é de 10 anos.<div>III</div>1 - Recorde-se o pedido formulado mediante na presente providência cautelar: Pretende a requerente que se profira decisão que considere o local escolhido para a construção de um "Centro de Enterramento Técnico", também conhecido por aterro sanitário, inidóneo para a eliminação dos resíduos sólidos urbanos e instalação de um aterro sanitário e se ordene que a Requerida se abstenha de proceder, na área geográfica das freguesias de Lanhoso e Pedralva, respectivamente, dos concelhos de Braga e Póvoa de Lanhoso e conhecida por Vale de Chão ou Cobertos (na serra do Carvalho), à execução de actividades ou obras que integram o objecto do contrato de concessão entre esta celebrado e o Estado português e que se tornem necessárias para o processamento, depósito ou eliminação de resíduos sólidos urbanos ou a tal equiparados nos termos da lei, designadamente, abate de árvores, execução ou construção de infra-estruturas de estações de transferência, aterro sanitário, unidades de tratamento e, bem assim de quaisquer infra-estruturas associadas, tais como as que têm por objecto a deposição e eliminação daqueles resíduos ou outros.<br>
<br>
2 - Exterior ao presente recurso situa-se a questão da competência material da jurisdição comum.<br>
Posto que, todavia, na economia do caso sub judice, tal como se configura a partir das conclusões das alegações que, como é sabido, delimitam o âmbito do recurso - cfr. artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, ambos do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pela revisão de 1995/96 -, se entrelaçam questões distintas, algumas das quais poderiam relevar da competência do contencioso administrativo, permita-se que ao assunto se dedique breve referência.<br>
Como justamente decidiu o Tribunal de 1ª instância, citando, a propósito o Acórdão do STJ de 21.09.93, in C.J., tomo 3, pág. 26, (1) Cfr. despacho de fls. 167 e segs., maxime, a fls. 171.) bem andou a Requerente ao instaurar a presente providência cautelar num tribunal judicial e não num tribunal administrativo, uma vez que é àquele que cabe a competência em razão da matéria para apreciar e julgar. Nesse sentido aponta, desde logo, o disposto no artigo 45º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, que aprovou a Lei de Bases do Ambiente (LBA), ao dispor que "todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva".<br>
É, pois, incontroverso, sendo também, repete-se, incontrovertido, que o foro comum dispõe de competência material para conhecer desta causa.<br>
A competência material, tal como a forma processual, depende do thema decidendum, ou seja, do pedido conjugado com a causa de pedir.<br>
À semelhança da situação apreciada e decidida pelo Acórdão deste STJ de 02.07.96, processo nº 96A483, da 1ª Secção, não está em causa um pedido incidente sobre qualquer acto administrativo.<br>
O pedido em causa incide, sim, directamente, sobre a abstenção de actividade alegadamente lesiva do ambiente e do exercício do direito que, adiante, melhor se configurará, a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.<br>
Mas, como também se salienta no referido acórdão, na realidade que é a vida, o Direito é um todo, pelo que a ordem jurídica é integrada por institutos que se avizinham e, quantas vezes, se interpenetram, na sua interdisciplinariedade.<br>
Vem isto a propósito da questão, aflorada pela recorrente, relativa aos vícios que eventualmente afectam a deliberação relativa à escolha do local para a instalação do aterro sanitário, que, segundo a recorrente, resultou de "escolha unilateral" da Câmara Municipal de Braga - cfr., verbi gratia, a conclusão 8ª.<br>
Para além de os presentes autos não oferecerem, acerca dessa temática, elementos bastantes que pudessem servir de parâmetros de cotejo, o certo é que a sindicabilidade judicial de tal (eventual) deliberação sempre caberia no quadro da jurisdição administrativa, posto que estaria em causa a apreciação da validade de um acto administrativo.<br>
Não é, pois, desse concreto aspecto que se vai cuidar, devendo ser a essa luz interpretadas as afirmações produzidas nas decisões das instâncias acerca da insindicabilidade, nesta sede, de actos que relevam de opções administrativas e, nessa medida, quiçá, de natureza política. O que, não as afastando de um saudável e constitucionalmente impositivo controlo jurisdicional, as arreda, no entanto, da competência material de julgamento dos tribunais comuns.<br>
Terão, assim que se considerar sem fundamento e claramente excessivas as afirmações constantes das alegações da recorrente, a fls. 1300 (designadamente, 3º e 4º parágrafos) e 1303 (5º parágrafo).<br>
Uma coisa consiste em averiguar se, na perspectiva do pedido e da causa de pedir da presente providência cautelar, a disciplina do artigo 66º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa foi respeitada, ou, pelo contrário, terá sido infringida; outra, diferente, consistiria em sindicar da legalidade da actuação da Câmara Municipal de Braga, e/ou de outras entidades públicas envolvidas no processo decisório conducente à escolha do local. <br>
Se, relativamente à primeira vertente, não pode este Supremo Tribunal deixar de a considerar, já, em relação à segunda a competência pertencerá aos Tribunais administrativos.<br>
Podendo, mesmo, dar-se, obviamente, o caso de a actividade dos órgãos municipais envolvidos no referido processo de escolha ser ilegal, sem que daí resultasse qualquer ofensa do disposto no nº 2 do artigo 66º da CRP.<br>
Podendo o inverso ser também verdadeiro. Ou seja, poderia o processo administrativo de selecção do local ser, do ponto de vista da legalidade, intocável, e haver, todavia, razões para, mormente em sede de procedimento cautelar, se julgarem verificados os requisitos para o respectivo decretamento.<br>
Improcedem, em consequência, as conclusões 8ª a 10ª.<br>
3 - Já se viu que, sem prejuízo de se poder recorrer ao foro administrativo quando o pedido e a causa de pedir a tanto se adequem, nada obsta à competência material do foro comum numa causa em que o pedido e a causa de pedir são os que aqui ocorrem. Se isto assim é, por certo, quanto a uma acção em que tal se decida em definitivo, coerentemente o é também a propósito de processo simplesmente cautelar, logicamente dependente da acção principal - cfr., após a reforma de 1995/96, o artigo 383º, nº 1, do CPC, correspondente ao artigo 384º, nº 1, na versão anterior -, na circunstância através do processo inominado ou comum, por não cabimento dos nominados ou especificados.<br>
Vem, aliás, a propósito, sublinhar o seguinte: apesar de toda a conflitualidade que os autos patenteiam, parece ter-se perdido a perspectiva de que estamos perante um processo meramente cautelar e, portanto, provisório; e não em face da causa que, em definitivo, poderá, jurisdicionalmente, pôr ponto final, resolvendo, de vez, o litígio.<br>
Justifica-se, assim, tecer algumas considerações básicas acerca dos princípios aplicáveis em sede de processo relativo aos procedimentos cautelares.<br>
<br>
3.1. - Como se sabe, a concessão da tutela cautelar impõe-se naqueles casos em que a falta de uma decisão imediata, ainda que provisória, seja susceptível de causar prejuízos graves.<br>
A natureza e finalidade dos procedimentos cautelares não se compadecem com delongas excessivas, ainda que, porventura, destas possa emergir uma decisão mais segura.<br>
No entanto, isso não pode conduzir a uma decisão precipitada que decrete uma providência em casos em que não estejam reunidas as condições para a concessão da tutela provisória.<br>
Não pode consentir-se que, através de uma medida meramente cautelar e provi | [0 0 0 ... 0 0 0] |
njLwu4YBgYBz1XKv4V2v | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A sucursal em França do A., com sede em Paris, intentou, em 24.10.96, no Tribunal Judicial da Comarca de Melgaço, contra B e mulher C, indicados como residentes em Melgaço, e ...., com sede em Gibraltar, acção ordinária, pedindo que se declare impugnadas as vendas que identificou, nos termos e para os efeitos dos artºs 610º e 616º do CC, condenando-se a 2ª ré a restituir os bens que adquiriu aos 1ªs réus até ao valor de 71366134 escudos. <br>
Alegou, em resumo:<br>
- Em 10 de Março, 20 de Março, 11 de Maio e 1 de Junho de 1995, o primeiro réu assinou quatro documentos de dívida (Billet a Ordre, no direito francês), na qualidade de avalista, documentos que tinham sido emitidos pela sociedade D, SA., a favor do Banco Autor, cujos prazos de pagamento já se venceram, sem que a sociedade emitente D, SA. procedesse ao seu pagamento, pelo que, em face disso e do teor do aval, fez o Banco Autor diligências para que o primeiro Réu pagasse a quantia em dívida, mas sem resultado; <br>
- Tendo o primeiro Réu manifestado ao Autor a intenção de alienar os bens que detinha em Portugal, para se furtar ao pagamento da dívida, o Autor intentou, em 6.12.95, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, providência cautelar de arresto, incidindo no prédio urbano e nos rústicos que identificou, tendo essa providência sido decretada em 16.1.96, e tendo já sido intentada a respectiva acção principal. <br>
Só que, após ter sido decretado o arresto desses imóveis, quando se procedia ao registo dos prédios rústicos mencionados nas alíneas b) a l) do artº 8º, verificou-se que os mesmos já tinham sido alienados pelos primeiros réus à segunda ré, pelo preço global de 16700000 escudos, por escritura pública outorgada em 10.8.95, na Chancelaria do Consulado de Portugal em Versailles, sendo que a essa data o crédito do Autor sobre o primeiro Réu, em capital e juros, ascendia a 61200000 escudos; <br>
- Com a redução do património do 1º réu, tornou-se impossível ao autor obter a satisfação integral do seu crédito, não sendo conhecidos outros bens àquele;<br>
- A segunda ré conhecia as dívidas do 1º réu, bem sabendo que, pela diminuição de bens penhoráveis que a venda provocava no património deste, se tornava impossível a cobrança do crédito do autor, tendo agido com perfeita consciência do prejuízo que tal venda provocava a este;<br>
- Também o primeiro réu tinha perfeita consciência do prejuízo que a alienação dos bens causava ao autor;<br>
- Porque, conscientes do prejuízo que causava essa alienação, devem o primeiro e a segunda ré, serem julgados como alienantes de má fé, restituindo a 2ª ré os bens na medida do crédito da Autora. <br>
Contestaram os Réus B e mulher, começando por excepcionar a incompetência dos tribunais portugueses, alegando, no essencial, que a relação sub judice cai dentro do âmbito de aplicação da Convenção Relativa á Competência Judiciária e á Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (Convenção de Bruxelas), assinada em 27.9.68; ora, essa Convenção estabelece a competência concorrente dos tribunais do estado do domicilio do Réu (art. 2º) e dos tribunais do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida (art. 5º, nº 1), sendo certo que o réu se encontra domiciliado em território francês e que se mostra igualmente óbvio que as obrigações que servem de fundamento ao pedido - as obrigações de garantia assumidas pelo Réu, relativamente ao cumprimento das dívidas da D - deveriam ser cumpridas em França, pelo que a competência para conhecer da acção cabe aos tribunais franceses. <br>
Subsidiariamente, arguiu a ilegitimidade da ré mulher, com o fundamento de que os réus são casados em regime de separação de bens e que os bens em causa são bens próprios do marido, pelo que a ré mulher é indiferente à problemática em discussão nos autos. <br>
Impugnou, finalmente, a matéria articulada na petição inicial, concluindo pela absolvição da instância ou do pedido.<br>
Contestou também a ré E arguindo a aludida excepção da incompetência internacional, aduzindo que o A. se encontra instalado em França, os RR. B e mulher residem em Paris e a contestante tem a sua sede em Gibraltar, sendo que o contrato promessa que foi assinado entre a contestante e o réu B foi assinado em Paris, a escritura de compra e venda foi assinada em Paris e o contrato donde resultou o direito de crédito do A. sobre a D e que o B terá avalizado, foi realizado em Paris.<br>
Houve réplica, na qual o autor respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência.<br>
No saneador foram as sobreditas excepções julgadas improcedentes.<br>
Inconformados com esta decisão, dela agravaram os réus B e mulher, mas a Relação do Porto, por acórdão de 25.9.01, negou provimento ao agravo.<br>
Novamente inconformados agravaram para este Supremo.<br>
Minutando o recurso, tiraram as seguintes
<p>Conclusões:
</p><p>A decisão fez uma errada aplicação do direito, pois:<br>
1- Considerou aplicável a al. b) do nº 1 do artº 65º do CPC, quando tal norma é manifestamente inaplicável já que pressupõe que a Convenção de Bruxelas não seja aplicável;<br>
2- Aplicam-se os artºs 2º e 3º daquela Convenção, sendo competente o tribunal do domicílio do réu;<br>
3- Considerando aplicável o artº 65º do CPC, em prejuízo das normas da mencionada Convenção, violou a decisão recorrida os artºs 7º e 8º da Constituição, e 2º, 3º e 5º da Convenção de Bruxelas;<br>
4- Residindo os réus B e mulher em França, são competentes os tribunais francesas para conhecerem do objecto do pedido, até porque é em França que deve ser cumprida a obrigação que serve de fundamento ao pedido, razão pela qual nunca a aplicação do artº 5º da Convenção em referência levaria a solução diferente, sendo portanto os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para conhecerem da matéria destes autos;<br>
5- A decisão recorrida violou, na parte em que considerou improcedente a excepção de ilegitimidade da ré mulher, o disposto nos artºs 26º do CPC e 1682º-A, nº 2 e 1682º-B do CC.
</p><p>Contra-alegou o autor, pugnando pelo insucesso do agravo.
</p></font><p><font>Com os vistos legais cumpridos, urge agora decidir.<br>
Dos factos constantes dos autos e com interesse para a decisão das excepções de incompetência internacional do Tribunal Judicial de Melgaço e ilegitimidade da ré mulher, deu a Relação como assentes, para além dos atrás referidos e que aqui se dão por integrados, mais os seguintes:<br>
Os RR. B e mulher contraíram casamento civil, na Câmara Municipal de Gif sur Ivette, Essonne, França, no dia 13 de Outubro de 1990, sob o regime de separação de bens, casamento transcrito no Consulado de Portugal em Noyent sur Marne, França; <br>
No dia 10 de Agosto de 1995, na Chancelaria do Consulado de Portugal em Versailles, foi formalizada a venda dos imóveis aí descritos, pelo valor de 16700000 escudos, pelos primeiros RR ao segundo. <br>
No dia 6.12.95, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a A. instaurou uma providência cautelar de arresto preventivo, a que corresponde o processo nº 870/95, 7º Juízo, 3ª Secção, arresto que foi decretado no dia 17 de Janeiro de 1996; <br>
O A. requereu o arresto relativamente a doze imóveis descritos sob as alíneas a) a l) do artº 8º da petição inicial; <br>
Após ter sido decretado o arresto referido, quando se procedeu ao registo dos prédios rústicos referidos nas alíneas b) a l) do art. 8º da petição inicial, os mesmos já tinham sido alienados. <br>
Traçado o quadro factual fixado pela Relação, vejamos antes de mais a questão principal da excepção da incompetência internacional do Tribunal Judicial da Comarca de Melgaço, deixando-se para ulterior conhecimento, se for caso disso, a questão subsidiária da ilegitimidade da ré mulher.<br>
A acção foi proposta em 1996, devendo atender-se, por isso, à redacção do artº 65º do CPC anterior à introduzida pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9.<br>
Ora, segundo o artº 65º, nº 1, b) do CPC de 1961, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção.<br>
Tendo o contrato de compra e venda que na acção se intenta impugnar sido celebrado na Cancelaria do Consulado de Portugal em Versailles, concluiu a Relação que ocorreu em território nacional o facto que serve de causa de pedir na acção, ou, pelo menos, um dos elementos que integram a causa de pedir ocorreu em território português, o que é só por si factor de atribuição da competência internacional ao tribunal português.<br>
Realmente - diga-se - já anteriormente à reforma adjectiva de 95/96 se vinha defendendo a tese, hoje expressa na alínea c) do nº 1 do artº 65º do CPC revisto, de bastar que algum dos factos que integram a causa de pedir complexa tenha sido praticado em Portugal, para que a competência internacional recaia sobre os tribunais portugueses.<br>
Neste sentido, v.g., se pronunciou proficientemente o aresto deste Supremo, de 14.1.93, na CJSTJ 1993, I, 57, donde se podem colher abundantes subsídios sobre a matéria.<br>
Também no Assento deste Supremo nº 6/94 (publicado no DR, I Série-A, de 30.3.94, se decidiu que invocado um contrato de seguro celebrado em Portugal, no âmbito de causa complexa de pedido, ainda que também decorrente de má estiva ou mau manuseamento de mercadorias não ocorrido em Portugal, aquele facto desencadeia a competência internacional do foro português face ao artº 65º, 1, b) do CPC. <br>
Mais se ponderou no acórdão em crise que a atribuição da referida competência ao tribunal nacional não é postergada pela Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (Convenção de Bruxelas de 27.9.68, que entrou em vigor na nossa ordem jurídica em 1.7.92), já que, segundo o seu artº 5º, nº 1, o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida (desde que se situe noutro Estado Contratante), tendo tal obrigação no caso concreto de ser cumprida em Melgaço (só por lapso se referiu no aresto Monção).<br>
A tese dos agravantes é, ao invés, a de que são internacionalmente competentes os tribunais franceses porque eles residem habitualmente em França e a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida nesse país.<br>
Vejamos.<br>
Dispõe a Convenção de Bruxelas, na parte útil, o seguinte:<br>
Título II<br>
Competência<br>
Artº 2º<br>
Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado...<br>
Artº 3º<br>
As pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Contratante por força das regras enunciadas nas secções 2 a 6 do presente título...<br>
Artº 4º <br>
..............<br>
Secção 2<br>
Competências especiais<br>
Artº 5º<br>
O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante:<br>
1. Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida...<br>
Pois bem. Da exegese destes normativos deflui que o critério do domicílio, expresso na disposição geral do artº 2º só pode ser postergado no caso de haver uma competência especial, colocando-se in casu a hipótese de se configurar a contida no nº 1 do artº 5º, que à frente será escalpelizada.<br>
Na autorizada opinião de Miguel Teixeira de Sousa (nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.95), se o réu tiver domicílio num Estado-membro, deve, em regra, ser demandado nos tribunais desse Estado (artº 2º Conv. Bruxelas / Conv. Lugano), mas pode ser demandado nos tribunais de um outro Estado quando os tribunais deste último forem competentes por força de algum dos critérios especiais enunciados nas convenções (artº 3º, § 1º, das aludidas convenções), o que significa que o réu pode sempre ser demandado no Estado do seu domicílio, mas, se relevar uma das competências especiais, o autor pode optar por utilizar uma destas competências.<br>
Descendo ao caso concreto, a hipótese que temos perante nós não pode ser subsumida ao dito nº 1 do artº 5º.<br>
Com efeito, o pedido formulado na acção foi o de se declararem impugnadas as vendas nos termos e para os efeitos dos artºs 610º e 616º do Código Civil, condenando-se a segunda ré a restituir os bens até ao valor de 71366134 escudos.<br>
Em face disto e dos demais elementos já referidos, não se pode sufragar o entendimento expresso no acórdão em crise, segundo o qual a hipótese se pode abrigar no nº 1 do artº 5º, por: «o local onde a obrigação, que resulta da impugnação reclamada pela A., há-de ser cumprida, situa-se em Monção, Portugal».<br>
Do mesmo modo se não pode admitir, como se faz na contra-minuta de recurso, que: «É a obrigação da entrega dos imóveis, resultantes do contrato de compra e venda celebrado entre os ora Agravantes e a 2ª Ré, que serve de fundamento ao pedido da acção de impugnação pauliana».<br>
A razão está, neste particular, do lado dos recorrentes, quando afirmam que: «... a obrigação que no presente caso serve de fundamento ao pedido é a obrigação de restituição à A., ora Agravada, da quantia mutuada à Sociedade D, obrigação esta que foi avalizada pelo ora agravante.<br>
... pretende assegurar o cumprimento de tal obrigação através da restituição dos bens alienados ao património do devedor...<br>
... assim se vê, que a obrigação que serve de fundamento ao pedido não é... a obrigação de restituição dos bens ao património do Agravante, mas sim a de restituição da quantia mutuada.<br>
A restituição dos bens ao património do Agravante é a consequência requerida na presente acção, é o próprio pedido, não o fundamento do pedido».<br>
Nesta conformidade, não se encaixando o caso sub judice na previsão do nº 1 do artº 5º, não se verificará a competência especial aí contemplada.<br>
Mas, pergunta-se:<br>
Aplicar-se-á a regra geral do artº 2º, que prevalece, porque hierarquicamente superior, sobre o dispositivo do artº 65º, nº 1, b) do CPC de 61?<br>
Para isso seria necessário que estivesse já especificado ou respondido a pertinente quesito ou ponto de facto da base instrutória, que os aqui agravantes residiam habitualmente em França à data da instauração da acção.<br>
Esse facto foi por eles articulado, mas não consta como provado no acórdão recorrido, que no seu início dá os recorrentes como residentes em Melgaço mas aparentemente apenas porque essa foi a residência indicada pelo autor na petição inicial.<br>
Aliás, também na 1ª instância não foi dada como provada a residência permanente dos recorrentes em França, apenas se tendo aventado essa hipótese para efeitos de raciocínio.<br>
Acresce que não se evidencia nos autos que a residência permanente em França, articulada pelos réus/recorrentes na contestação, não haja sido impugnada especificadamente (o agravo em separado não foi instruído com cópia da réplica, e alude-se no probatório que a excepção da incompetência foi impugnada), não podendo também por essa via ser dado por assente a reivindicada residência permanente, por não demonstrada a confissão quanto a esse facto.<br>
E, finalmente, não se divisa qualquer documento com força probatória plena que ateste a mencionada residência permanente em França.<br>
A eventual residência permanente dos agravantes em França situa-se ao nível dos factos articulados que às instâncias cabe apurar para sobre eles se poder definir o direito aplicável.<br>
O Supremo aplica o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (artº 729º, nº 1 do CPC), não lhe incumbindo determinar essa eventual residência permanente - contrariamente ao que pretendem os agravantes - com base nos documentos que estes indicam nas alegações, que não dispõem de força probatória plena e em parte nem sequer constam destes autos de agravo em separado.<br>
Por tudo quanto se disse, já se vê que para se decidir conscienciosamente a excepção da incompetência internacional do Tribunal Judicial de Melgaço, se torna imprescindível fixar previamente se realmente os réus agravantes tinham residência permanente em França à data da instauração da demanda.<br>
E, obviamente que a questão da excepção da ilegitimidade da ré só poderá ser apreciada se se chegar à conclusão de que o Tribunal Judicial de Melgaço é internacionalmente competente, ficando prejudicado o seu conhecimento, em caso contrário.<br>
Nesta conformidade, e nos termos do nº 3 do artº 729º do CPC, ex vi artº 762º, nº 1, ibidem, acordam em determinar que os autos baixem à 2ª instância para ampliação da decisão de facto, se possível pelo mesmo colectivo, nos termos referidos, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito relativamente à excepção da incompetência internacional do Tribunal Judicial de Melgaço, com custas pela parte vencida a final.<br>
<br>
Lisboa, 5 de Março de 2002.<br>
Faria Antunes.<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho.</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bjL2u4YBgYBz1XKv22Rf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Por apenso à acção de divórcio que instaurou contra B, veio A deduzir incidente de atribuição do direito de arrendamento da casa de morada de família, propriedade do requerido, seu ex-marido, porque divorciados, pedindo que seja dada de arrendamento a referida casa, onde reside, pela renda de 5000 escudos mensais, consoante requerimento apresentado em juízo no dia 5 de Julho de 1991.<br>
O requerido contestou, opondo-se à pretensão da requerente.<br>
Às partes foi concedido apoio judiciário.<br>
Vencidos diversos obstáculos processuais, produzida a prova, foi proferida decisão que, julgando parcialmente procedente o pedido, deu de arrendamento à requerente a fracção habitacional em causa, sendo tal arrendamento para habitação da requerente, pela renda mensal de 10000 escudos, que passará para 40000 escudos a partir de Novembro (inclusive) de 1999 (a decisão é de 24 de Outubro de 1997) e pelo prazo de seis meses, renovável nos termos da lei.<br>
Inconformados, recorreram requerente e requerido.<br>
O Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acórdão de fls. 361 e seguintes, datado de 20 de Maio de 1999, julgando improcedentes ambos os recursos, confirmou a decisão recorrida.<br>
Ainda não conformados, recorreram para este Supremo Tribunal a requerente e o requerido.<br>
Na sua alegação formula o requerido as conclusões que passam a indicar-se:<br>
1ª - A matéria de facto provada não justifica a atribuição à requerente do direito ao arrendamento da casa em questão;<br>
2ª - não há interesse dos filhos do dissolvido casal a ponderar, o requerido é mais idoso, a capacidade e situação económica do requerido é inferior á da requerente e a situação familiar do requerido (casado e com dois filhos a seu cargo) relativamente à da requerente (que vive só) é de molde a fazer pender a balança também para o lado do primeiro;<br>
3ª - A requerente é dona de valioso património imobiliário, no valor de algumas dezenas de milhar de contos, tendo o dever de o conservar e de o empregar aos fins das suas necessidades, sem ser à custa do sacrifício do património alheio;<br>
4ª - A requerente só não dispõe ainda de casa própria porque nunca cuidou de alienar parte do seu património ou de ocupar alguma das casas de que dispõe, para aí habitar, uma atitude que se arrasta há 22 anos;<br>
5ª - O requerente não tem outra casa que sirva as suas necessidades habitacionais e do seu agregado familiar, sendo esta casa sua propriedade exclusiva;<br>
6ª - A composição da casa é excessiva para uma pessoa, como a requerente, que vive sozinha;<br>
7ª - O acórdão recorrido, ao atribuir à requerente o direito ao arrendamento da casa em questão, violou o disposto no artigo 1793º do Código Civil e ainda o direito à propriedade privada constitucionalmente consagrado - artigo 62º da Constituição - subvertendo ainda os princípios da exigibilidade, adequação e proporcionalidade, únicos susceptíveis de permitir a compressão ou restrição daquele direito constitucional, análogo aos direitos, liberdades, e garantias - artigo 17º da Constituição;<br>
8ª - Sem conceder, sempre será inaceitável a solução encontrada pelo acórdão agora em crise no que toca à renda mensal fixada em 10 contos, que passará a 40 contos a partir de Novembro de 1999;<br>
9ª - Foi esquecido o laudo dos peritos, que fixou o valor locativo do andar em 100 contos mensais;<br>
10ª - O acórdão recorrido postergou os princípios da adequação e da proporcionalidade, balizas do direito de propriedade privada, desta forma aberrantemente violado;<br>
11ª - Também aqui a interpretação dada pela decisão ora em crise ao artigo 1793º do Código Civil e aos artigos 62º, 17º e 18º, nº 2, da Constituição importa manifesta inconstitucionalidade, com clara violação de tais dispositivos;<br>
12ª - Em suma, a sentença recorrida deverá ser revogada, com as legais consequências, julgando-se improcedente o peticionado arrendamento, que não se justifica, ou, caso assim não venha a entender-se, fixar-se a renda mensal em 100000 escudos.<br>
Por seu turno, a requerente, na sua alegação, formula as conclusões seguintes:<br>
1ª - A renda fixada, passando para 40000 escudos (mensais) a partir de Novembro de 1999, apresenta-se manifestamente excessiva, atendendo a que a recorrente é pessoa doente e vive tão só da pensão de alimentos que aufere no valor de 68300 escudos, a que acresce o valor de 6100 escudos a título de rendas mensais de imóveis que tem arrendados;<br>
2ª - Com o que aufere, a recorrente tem que suportar elevadas despesas com consultas médicas, tratamentos, medicamentos, água, luz, telefone, contribuição autárquica, seguros, condomínio das fracções do recorrido, bem como outros valores relacionados com as fracções, como se encontra provado através da documentação junta aos autos;<br>
3ª - Assim, atendendo ao valor que aufere por mês, resulta ser impossível para a recorrente o encargo de 40000 escudos de renda, pois o remanescente para o seu sustento fica no limiar da pobreza;<br>
4ª - A recorrente é proprietária de dois imóveis em Linda-a-Velha, os quais dão um baixo rendimento em razão dos contratos de arrendamento datarem de há dezenas de anos.<br>
Não existe fundamento legal para rescindir os contratos. Por outro lado, vê-se impossibilitada de aumentar as rendas, pois implicaria proceder a obras de conservação de avultado montante, para o qual não tem meios económicos;<br>
5ª - A recorrente encontra-se impossibilitada de alienar os bens de que é proprietária, bem como realizar liquidez que lhe permita suportar uma renda de 40000 escudos, além de que um dos princípios consagrados na CRP - artigo 62º - é direito de propriedade privada, pelo que não pode a recorrente ver-se forçada a alienar o seu património;<br>
6ª - Nos termos do disposto no artigo 84º do RAU bem como no artigo 1793º do Código Civil, na atribuição do direito de arrendamento da casa de morada de família há que atender aos rendimentos, necessidades e possibilidades dos cônjuges, sendo as condições do recorrido muito superiores às da recorrente;<br>
7ª - Para fixação da renda não há que atender exclusivamente ao mercado normal do arrendamento, sendo facultado ao tribunal definir as condições do contrato, ponderando a situação de cada um dos ex-cônjuges, fixando uma renda proporcionada aos rendimentos daquele que ficar obrigado - artigo 1793º, nº 2, e em conformidade com o disposto nos artigos 30º a 34º do RAU;<br>
8ª - Assim, atendendo à precária situação económica em que a recorrente sobrevive e não à situação hipotética que resultaria da eventual alienação do seu património, deve o tribunal fixar uma renda proporcionada aos rendimentos da recorrente, não superior ao valor de 10000 escudos a partir de 1 de Novembro de 1999, sob pena de ser violado o artigo 84º do RAU e o artigo 1793º do Código Civil e artigos 30º a 34º do RAU.<br>
Contra-alegou a requerente para defender a improcedência do recurso do requerido.<br>
Cumpre decidir.<br>
Vejamos os factos considerados provados pela Relação:<br>
1. Requerente e requerido casaram um com o outro, segundo o regime de separação de bens, em 20 de Fevereiro de 1954;<br>
2. Esse casamento foi dissolvido por divórcio decretado em Junho de 1988;<br>
3. O requerido foi declarado cônjuge culpado do divórcio;<br>
4. A requerente nasceu em 1927 e o requerido em 1921;<br>
5. O requerido é dono, com exclusão da requerente, do 3º andar direito do prédio sito na rua de Mucaba, Lote 40, Parede;<br>
6. O requerido é dono igualmente e nos mesmos termos de uma cave do mesmo prédio, com duas assoalhadas, que arrendou em 1972 e de que recebe uma renda mensal de cerca de 5000 escudos;<br>
7. A casa referida em 5 é a casa em que requerente e requerido e filhos comuns viviam quando o casal se separou;<br>
8. Em 1975 o requerido foi para o Brasil e aí passou a residir permanentemente desde então, naturalizando-se brasileiro;<br>
9. Em 1988 o requerido casou no Brasil com Selma Garcia Durão;<br>
10. O requerido e actual mulher têm dois filhos, um nascido em 1979 outro em 1983;<br>
11. O requerido aufere pensão de reforma em Portugal de cerca de 180000 escudos;<br>
12. A requerente recebe alimentos do requerido, no valor de 68300 escudos, judicialmente fixados;<br>
13. A requerente sofre de doença óssea, o que lhe limita a respectiva locomoção;<br>
14. A requerente é dona de dois prédios sitos em Linda-a-Velha;<br>
15. Tais prédios encontram-se arrendados, pelo menos em parte, há dezenas de anos, recebendo a requerente de renda total mensal quantia não excedente a 15000 escudos;<br>
16. Esses prédios têm o valor de algumas dezenas de milhares de contos;<br>
17. A requerente reside actualmente sozinha na casa em questão;<br>
18. A partir de 1995 a requerente tem suportado despesas inerentes á propriedade da casa, como condomínio, seguro e contribuição autárquica; <br>
19. A requerente suporta despesas com consumos de água, electricidade, telefone, médicos e medicamentos;<br>
20. O andar em que reside a requerente encontrava-se convenientemente mobilado quando o requerido a deixou e assim se manteve; porém, ao longo dos anos, a requerente e os filhos reformaram e aditaram algumas peças de mobiliário;<br>
21. Esse andar fica bem localizado e encontra-se em regular estado de conservação;<br>
22. O andar é constituído por sala, cozinha, duas casas de banho, hall, corredores, marquise, varanda, sala e quatro quartos;<br>
23. O mesmo andar, no estado em que se encontra, mobilado, podia ser arrendado por cerca de 100000 escudos;<br>
24. E podia ser vendido por cerca de 15000000 escudos;<br>
25. Requerente e requerido têm três filhos, todos de maioridade e com vidas independentes dos pais.<br>
Postos os factos, entremos na apreciação dos recursos.<br>
Analisando o objecto dos recursos, que, como se sabe, é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, as questões neles colocadas podem assim indicar-se:<br>
1ª - Saber se o artigo 1793º do Código Civil é ou não inconstitucional por violar o direito de propriedade privada, consagrado no nº 1 do artigo 62º da Constituição;<br>
2ª - Se se justifica ou não a atribuição à requerente do direito ao arrendamento da casa que foi morada de família e é propriedade do requerido;<br>
3ª - Se se mostra ou não adequada a renda fixada pelas instâncias.<br>
Abordemos tais questões.<br>
Nos termos do nº 1 do artigo 1793º do Código Civil, pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.<br>
Trata-se de uma das normas introduzidas pela reforma de 1977 (Decreto-Lei 496/77. de 25 de Novembro) para protecção da habitação da família, uma vez que o divórcio, muito embora dissolva o casamento, não extingue completamente os deveres de solidariedade entre os ex-cônjuges, como resulta, designadamente, dos artigos 2009º, nº 1 alínea a) e 2016º do Código Civil.<br>
É certo que a Constituição da República, no artigo 62º, nº 1, garante a todos o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte.<br>
Simplesmente, o impor-se o arrendamento da casa que foi morada de família a favor de um cônjuge quando tal casa é propriedade do outro, em certas circunstâncias e em certas condições, não briga com o direito à propriedade privada, constitucionalmente consagrado.<br>
Em primeiro lugar, porque o direito de propriedade sobre a casa a arrendar não se extingue com tal arrendamento.<br>
Depois, este, o arrendamento destina-se a proteger a família, que tem também constitucionalmente (artigo 67º, nº 1) direito à protecção da sociedade e do Estado, o que justifica a compressão do direito de propriedade por força do referido arrendamento, sendo de notar que esta diminuição dos direitos do proprietário é compensada pelo recebimento da respectiva renda.<br>
Conclui-se, assim, que o artigo 1793º do Código Civil não é inconstitucional.<br>
Outra questão é saber se, "in casu", se justifica ou não atribuir à requerente o direito ao arrendamento da casa que foi morada de família, propriedade exclusiva do requerido.<br>
Como é referido por Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. IV, 2ª edição, página 570, "para se saber a qual dos cônjuges deve ser concedida primazia na ocupação da casa"..., a lei refere, com intenção declaradamente exemplificativa, dois factores: as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos dos casal".<br>
E mais adiante: "Não se trata, efectivamente, de um resultado do ajuste de contas desencadeado pela crise do divórcio, que a lei queira resolver ainda com base na culpa do infractor, mas de uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges, que a lei procura satisfazer com os olhos postos na instituição familiar.<br>
E o primeiro factor que a lei manda naturalmente considerar para o efeito é o da actual necessidade de cada um dos cônjuges, tendo em conta também, se for caso disso, a posição que cada um deles fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar".<br>
Neste caso, "a lei quererá que a casa da morada de família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro" (Pereira Coelho, Rev. Leg. Jur, ano122, página 137).<br>
A casa da morada de família há-de, pois, ser atribuída ao cônjuge ou ex-cônjuge que dela se mostre mais carecido.<br>
No caso dos autos, face aos factos apurados, quem mais precisa da casa em questão é a requerente.<br>
Efectivamente, enquanto o requerido passou a residir permanentemente no Brasil desde 1975, onde casou de novo e de cuja mulher tem dois filhos, tendo-se naturalizado brasileiro, a requerente continua a residir na casa que foi morada da família e recebe alimentos do requerido, não se vendo que possa denunciar os arrendamentos dos seus prédios para aí habitar.<br>
Apurado que a requerente precisa mais da casa da morada de família do que o requerido, tem ela direito a que tal casa lhe seja dada de arrendamento, nos termos do artigo 1793º do Código Civil.<br>
Isto posto, avancemos para a terceira e última questão.<br>
De harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 1793º do Código Civil, o arrendamento em causa fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.<br>
A este respeito, as instâncias fixaram a renda mensal de 10000 escudos até Novembro de 1999, passando depois para 40000 escudos.<br>
A requerente insurge-se contra esta renda de 40000 escudos, pretendendo a manutenção da renda de 10000 escudos.<br>
O requerido, por seu lado, pretende que a renda mensal seja fixada em 100000 escudos, por ser esse o valor do mercado.<br>
Entendemos que a renda fixada, na 1ª instância e confirmada pela Relação é de manter.<br>
A lei, como se viu, permite que o tribunal defina as condições do contrato. Para esta definição, o tribunal há-de tomar em conta, precisamente, as necessidades e os interesses que levaram á atribuição da casa de morada de família. Assim sendo, na fixação da renda não há que considerar exclusivamente o valor do mercado (cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 16 de Novembro de 1993, Col. Jur. anoxviii, tomo 5º, página 123).<br>
Atendendo ás condições da requerente tem-se como justa e adequada a renda fixada.<br>
Não se justifica a renda mensal de 10000 escudos pretendida pela requerente, pois não se pode esquecer que ela é dona de dois prédios que têm o valor de algumas dezenas de milhar de contos. Com esse valor, se realizado, podia ela obter um rendimento bem superior ao obtido através das rendas que actualmente recebe. Trata-se de rentabilizar o património e não, como nos parece claro, de qualquer atentado ao direito à propriedade privada.<br>
Com a rentabilização do seu património, não será um sacrifício excessivo para a requerente o pagamento da renda mensal de 40000 escudos, uma vez que impede o requerido de fruir o que é seu.<br>
Por outro lado, também não se justifica a renda mensal peticionada pelo requerido, de 100000 escudos, face às condições económicas da requerente, que, não se esqueça, recebe daquele uma pensão de alimentos. Uma tal renda significaria que o requerido teria de pagar uma maior pensão. Seria dar com uma mão e tirar com a outra.<br>
O acórdão recorrido não merece, pois, qualquer censura.<br>
Termos em que se negam ambas as revistas.<br>
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.<br>
<br>
Lisboa, 16 de Dezembro de 1999.<br>
Tomé de Carvalho,<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça.<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YjIFvIYBgYBz1XKvcnp7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1 - No 1. Juízo do Tribunal de Círculo de Braga, J.<br>
Gomes - Sociedade de Construção do Cávado S.A. requereu contra Sedal - Amares, Compra e Venda de Propriedades<br>
S.A. providência cautelar não especificada, pedindo: a) a abstenção da requerida em transmitir, designadamente por endosso, as letras que indicou vencidas e a vencer, por ela sacadas e aceites pela requerente, b) a apreensão de tais letras e subsequente depósito à guarda do tribunal, c) a abstenção da requerida de proceder ao protesto de tais letras.<br>
Verificados os requisitos, nos termos dos artigos 399 e<br>
401 n. 1 do Código de Processo Civil, por sentença e procedimento foi deferido.<br>
Em recurso o Douto Acórdão da Relação do Porto a folhas<br>
133 a 138 - revogando o decidido, indeferiu a requerida providência.<br>
Daí o presente agravo.<br>
2 - Nas suas alegações a requerente agravante conclui, em resumo: a) Não se entende, com a requerida providência, qualquer arresto dos bens da requerida nem, tão pouco, se visou acautelar ou garantir um direito de crédito, fundado num justo receito de insolvência. b) Apenas se visou garantir que a requerida se abstivesse de proceder à transmissão dos títulos de que<br>
é titular, devendo, com tal fim proceder-se ao respectivo sequestro e depósito. c) O sequestro e o depósito de coisa litigiosa são providências distintas do arresto e do arrolamento. d) Por o arresto consistir na apreensão de bens suficientes não litigiosos, para segurança de dívida.<br>
Não houve contra alegação.<br>
3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - O douto Acórdão recorrido considerou - conforme o alegado pela então agravante, a requerida Sedal -<br>
Amares - que o pedido formulado - cremos judicial de letras fundado no receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito (infraestrutura) - mais não serão que um arresto.<br>
Daí a improcedência.<br>
A requerente, ora agravante, afasta a ideia de arresto e pugna pela correcta qualificação da providência como não especificada.<br>
Assim circunscrita a apreciação de agravo, está provada, de útil e em resumo: a) Por contrato de compra e venda, outorgado em 4 de<br>
Maio de 1989 a requerida vendeu à Urbicoore, 30 lotes para construção. b) O preço em dívida seria pago... c) A requerida obrigou-se a realizar obras de infraestruturas do loteamento. d) Que não se executou. e) Estipulou-se que a inexecução destas obras conferia<br>
à compradora Urbicoore direito de retenção de todas as importâncias que ainda se encontrassem em dívida. f) Em 30 de Dezembro de 1994 Urbicoore cedeu à requerente os direitos e obrigações decorrentes daquela compra e venda. g) Estipulando-se de forma expressa aquele direito de retenção. h) Por contrato de 7 de Fevereiro de 1995 requerente e requerida acordaram que a parte restante da dívida, no que se refere a 35740000 escudos seria paga em 20 prestações de valor unitário de 1787000 escudos titulados por letras de igual número e valor aceites pela ora requerente com vencimento em 7 de Março de<br>
1995 e nos correspondentes dias de cada um dos meses seguintes. i) Ficou vedado à requerida o desconto bancário destas letras. j) Em 30 de Março de 1995 as obras de restauração das infraestruturas continuavam paradas. l) A requerida está numa situação económica precária e encontra-se com dificuldades de cumprir pontualmente as suas obrigações.<br>
5 - Como se frisou o requerente pede que a requerida se abstenha de proceder à transmissão daquelas letras e sem protesto com a sua correlativa apreensão e depósito<br>
à guarda do tribunal.<br>
O douto Acórdão recorrido entendeu que tal pedido não poderá ser objecto de providência cautelar não especificada, mas sim de arresto, pelo que revogou o decidido em 1. instância.<br>
É só isto que se discute no presente agravo.<br>
Daí que se tenha de ter correcto o preenchimento dos requisitos em que o sr. Juiz se fundamentou para julgar procedente a solicitada providência.<br>
6 - O direito adjectivo tipificou as providências cautelares, mas sentindo e sabendo que assim não acautelaria completamente todas as situações da vida real que no dia a dia surgem, subsidiariamente, criou uma de carácter geral, designando-a por "não especificada".<br>
Revelando a nítida intenção de tal providência se aplicar sempre que se mostre adequada à situação, indica o artigo 399 do Código de Processo Penal três tipos genéricos por ela visados.<br>
- prática de certo acto pelo requerente,<br>
- imposição de uma abstenção ao requerido,<br>
- entrega provisória de bens móveis ou imóveis a um terceiro como fiel depositário.<br>
Anteriormente o artigo 405 diria "a posse, o sequestro ou o depósito de coisa litigiosa, a proibição ou a autorização de certos actos".<br>
O novo do Código de Processo Civil - artigo 381 n. 1 - ficou-se pela generalidade "pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado".<br>
E no seu n. 3 mantém a sua inaplicabilidade, quando o acautelamento do risco da lesão por especialmente prevenido por providência tipificada.<br>
Interessa-nos , por isso, só o arresto.<br>
Trata-se de uma apreensão judicial de bens, para segurança da dívida, perante o perigo de insatisfação do direito de crédito, por só se encontrarem no património do devedor bens suficientes para garantirem o pagamento.<br>
Indistintamente.<br>
O sequestro do artigo 405 de então era a "apreensão e o depósito de coisa a fim de se conservarem ilesos os direitos de todos que tenham interesse nela, até o feito ser findo para ser entregue a quem pertencer" -<br>
Dr. Moitinho de Almeida, Prov. caut. não esp. Página<br>
31.<br>
Ideia vasada no artigo 399.<br>
Sendo estes os quadros legais, frente ao requerido, é patente a razão da agravante.<br>
Com efeito:<br>
- não se pretende qualquer arresto dos bens da requerida, visando garantir um direito de crédito face a um justo receio de insolvência.<br>
- mas sim uma intenção por parte da requerida em proceder à transmissibilidade das letras, devendo, com tal fim, proceder-se ao respectivo sequestro e depósito.<br>
Tão só perante este quadro seria de deferir a providência, como se decidiu em 1. instância.<br>
7 - Termos em que, dando o provimento ao agravo decide-se pela manutenção do devido em 1. instância.<br>
Custas pela agravada.<br>
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1997.<br>
Torres Paulo,<br>
Ramiro Vidigal,<br>
Cardona Ferreira.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Despacho de 31 de Maio de 1995 do Tribunal do<br>
Círculo de Braga;<br>
II - Acórdão de 13 de Junho de 1996 da Relação do<br>
Porto.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uzKvu4YBgYBz1XKvNC5j | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<font>A “</font><b><font>Companhia de Seguros AA, SA”</font></b><font>, intentou em 2002.07.10 acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, </font><br>
<b><i><u><font>contra </font></u></i></b><br>
<font>BB,</font><br>
<b><i><u><font>pedindo</font></u></i></b><br>
<font>- que fosse o R. condenado a restituir-lhe a importância de € 18.655,20, acrescida dos juros de mora vencidos desde a data de citação e dos vincendos até integral pagamento.</font><br>
<font>Para o efeito alegou que celebrara com o R. um contrato de seguro do ramo «acidentes de trabalho de trabalhador por conta própria» tendo este sofrido um acidente em 6 de Outubro de 1999.</font><br>
<font>Convicta de que se tratava de um acidente coberto pelo seguro, a A. procedeu ao pagamento de despesas no valor que peticiona. No entanto veio a ter conhecimento, quando fez a averiguação do acidente que este não podia ser caracterizado como sendo “de trabalho”, porque ocorrido ainda dentro da propriedade particular do R..</font><br>
<font> Declinou então a responsabilidade pelos danos sofridos pelo R. peticionando o reembolso da referida quantia acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e dos vincendos até efectivo e integral pagamento, mas o R. recusa fazê-lo.</font><br>
<br>
<font>Contestou o R., sustentando que o acidente ocorreu quando descia as escadas exteriores de sua casa e se dirigia a um seu escritório, em compartimento do rés-do-chão anexo à sua residência, onde exerce a sua actividade de mediador de seguros, atende os seus segurados e promove a celebração de contratos de seguros com várias seguradoras, e que não há comunicação interna entre a sua habitação e esse escritório ou o exterior que não seja através dessas escadas onde teve o acidente, pelo que pretendia obter a sua absolvição quanto ao pedido de reembolso.</font><br>
<font>Em reconvenção, pediu a condenação da reconvinda/autora no pagamento da quantia que se vier a liquidar em fase posterior à sentença, referente à pensão devida pela incapacidade permanente parcial de que passou a ser portador.</font><br>
<br>
<font>Replicou a A.. mantendo que o acidente não está abrangido pelas coberturas da apólice contratada, pois não existiu sequer o risco “in itinere” atendendo a que, mesmo a ser verdade a versão do R., este ocorrera ainda dentro de sua propriedade.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Treplicou o R., sustentando não haver caducidade.</font><br>
<br>
<font> O processo decorreu com várias vicissitudes que para o caso não interessam.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Veio oportunamnete a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, sendo dadas as respostas aos quesitos da base instrutória e proferida </font><b><u><font>Sentença</font></u></b><font>.</font><br>
<font>Esta </font><b><font>julgou-se a acção procedente, condenando o R. a pagar à A., a quantia de 18.655,20 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, contabilizados desde a data da citação à taxa legal, e julgou improcedente o pedido reconvencional, absolvendo por isso a Reconvinda do pedido.</font></b><br>
<br>
<b><font>O R. mostrou-se inconformado e apelou, mas sem resultado, já que a Relação veio a julgar improcedente o recurso.</font></b><br>
<br>
<font>Continuando a sentir-se injustiçado, pediu Revista, que foi admitida na Relação e aceite neste Supremo Tribunal.</font><br>
<font>Correram os vistos legais.</font><br>
<br>
<b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, já que é através delas que ficam delimitadas as questões apreciandas.</font><br>
<font>Assim:</font><br>
<i><font>“1. Nos termos em que a Autora controverte a presente acção, a única questão suscitada em juízo era a de saber se em função do local onde ocorreu o acidente, o mesmo, para efeito de garantias do seguro, deve ou não ser caracterizado como acidente in itinere. </font></i><br>
<i><font>2. Não sendo sequer controvertida a caracterização do acidente como de trabalho, em função do momento temporal em que o mesmo ocorreu, não pode o Tribunal ocupar-se dessa questão. </font></i><br>
<i><font>3. Ao fazê-lo, comete excesso de pronúncia. </font></i><br>
<i><font>4. Tendo a questão em apreço incidência directa e imediata no desfecho da acção, mesmo que o seu conhecimento se impusesse, sempre ao Réu teria de ser concedida a possibilidade de exercer o contraditório, o que não foi. </font></i><br>
<i><font>5. Tendo a Autora pago ao Réu determinadas prestações indemnizatórias no pressuposto de estar perante um acidente de trabalho, e apenas controvertendo na presente acção a descaracterização do acidente, em função do local onde ocorreu, jamais o controvertendo em função do momento temporal da sua ocorrência, ter-se-á de considerar assente que o mesmo acidente ocorreu também quando o Réu se deslocava para o trabalho. </font></i><br>
<i><font>6. Impondo-se por isso a procedência do pedido reconvencional nos termos em que o Réu o formula; </font></i><br>
<i><font>Sem prescindir e por mera cautela; </font></i><br>
<i><font>7. Nos termos em que a presente acção é controvertida, são constitutivos do direito da Autora os factos reportados ao local e momento temporal onde o acidente ocorreu. </font></i><br>
<i><font>8. Pelo que, competia à Autora a sua prova. </font></i><br>
<i><font>9. Saldando-se por um non liquet (o que não se concede), a questão de saber se o Réu sofreu o acidente quando se deslocava para o trabalho, as respectivas consequências jurídicas terão de ser suportadas pela Autora. </font></i><br>
<i><font>10. Também por este fundamento se impõe a improcedência da acção. </font></i><br>
<i><font>11. Foi violado o disposto nos arts 660.º e 30.º do C.P.Civil e art. 342.º do C.Civil. </font></i><br>
<i><font>Termos porque, ao presente recurso deve ser dado provimento.”</font></i><br>
<br>
<font> Da leitura das “conclusões” acima transcritas vemos que nos </font><b><u><font>estão colocadas as seguintes questões</font></u></b><font>:</font><br>
<font>a) excesso de pronúncia e de contraditório</font><br>
<font>b) ónus da prova</font><br>
<font>c) consequências da formatação do acidente.</font><br>
<br>
<b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>III-A) Os factos</font></b><br>
<br>
<font>Foram considerados assentes e/ou provados os factos seguintes:</font><br>
<font> </font><br>
<i><font>“1.A A. exerce, devidamente autorizada, a actividade seguradora (al. A).</font></i><br>
<i><font>2. O R. exerce a profissão de mediador de seguros (al. B).</font></i><br>
<i><font> 3. No exercício da sua actividade celebrou com o R. um contrato de seguro do ramo «acidentes de trabalho de trabalhador por conta própria», titulado pela apólice nº000000, através do qual assumiu a responsabilidade pelos acidentes de trabalho decorrentes do exercício da actividade profissional por conta própria do mesmo R. (al. C).</font></i><br>
<i><font>4. Em 1999.10.06, o R. participou à A. um sinistro ocorrido em 1999.09.22, pelas 8h30m, quando descia as escadas que estavam molhadas, tendo o pé escorregado na beira de um degrau e o R. caído e torcido a perna (al.D).</font></i><br>
<i><font>5. Na sequência dessa participação e na convicção de que estava perante um acidente denominado “in itinere”, a A. suportou e pagou diversas despesas no valor global de €18.655,20, assim discriminadas:</font></i><br>
<i><font>- ITP de 23.9.1999 a 4.6.2000 - €1.188,84;</font></i><br>
<i><font>- ITA de 5.6.2000 a10.7.2001 - €4.551,09;</font></i><br>
<i><font>- ITP de 11.7.2001 a 12.9.2001 - €290,54;</font></i><br>
<i><font>- Hospitais - €7.910,59;</font></i><br>
<i><font>- Transportes - €4.078,08;</font></i><br>
<i><font>- Centros médicos - €557,66;</font></i><br>
<i><font>- Farmácia - €78,40 (doc. de fls. 9 a 56) (al. E).</font></i><br>
<i><font>6. A A., por cartas de 1 de Outubro e 30 de Novembro de 2001, comunicou ao R. que não assumia a responsabilidade emergente do sinistro, tendo solicitado o reembolso das despesas entretanto efectuadas (al. F).</font></i><br>
<i><font>7. O acordo celebrado entre a A. e o R. a que se alude em C) compreendia a incapacidade temporária absoluta ou parcial e incapacidade permanente total ou parcial para o trabalho, decorrentes de acidente de trabalho, bem como as despesas médicas, medicamentosas e internamento hospitalar (al. G).</font></i><br>
<i><font>8. Mercê da queda referida em D), o R. sofreu rotura do ligamento cruzado na perna direita (al. H).</font></i><br>
<i><font> 9. Após a queda foi transportado para a «Clinague», em Águeda (al. I).</font></i><br>
<i><font>10. E daí foi transferido para os «Hospitais Privados de Portugal», na cidade do Porto, onde foi submetido a intervenção cirúrgica, tratamentos e consultas médicas (al.J).</font></i><br>
<i><font>11. Foi-lhe dada alta hospitalar em 12.9.2001 (al. L).</font></i><br>
<i><font>12. Para efeito do contrato referido em D), acordaram A. e R. que o salário se cifrava em 120.000$00 (al. M).</font></i><br>
<i><font>13. As escadas onde o R. caiu situam-se dentro da respectiva propriedade, de uso exclusivo da respectiva residência (artº1º e 2º).</font></i><br>
<i><font>14. A A. assumiu as supra referidas despesas na convicção de que estas escadas davam acesso à via pública (artº4º).</font></i><br>
<i><font>15. As referidas escadas davam acesso a um pátio, que confinava com um portão que limitava a propriedade do R. da via pública; o portão distava das escadas não menos de 4 metros (artº3º).</font></i><br>
<i><font>16. O R. num compartimento anexo à sua residência tinha um escritório particular, que não estava aberto ao público, mas onde também reunia com clientes no âmbito da actividade de mediador de seguros que desenvolvia nos escritórios que tinha em Sever do Vouga e nas Talhadas (art.º 5º a 7º).</font></i><br>
<i><font>17. O R., quando saía da sua residência pela porta que dá acesso às referidas escadas, tinha que as descer para aceder à via pública ou ao compartimento que utilizava como escritório particular (art.º 8º a 10º).</font></i><br>
<i><font>18. Na data em que ocorreu o acidente, o referido escritório não tinha acesso através interior da sua habitação (artº11º).</font></i><br>
<i><font>19. As lesões sofridas pelo réu determinaram-lhe uma incapacidade permanente para o trabalho de 15% (artº14º e 15º). </font></i><br>
<i><font>20. A apólice de seguro cobre os acidentes ocorridos na ida ou no regresso do local de trabalho. doc. fls.6 (cópia das condições particulares da apólice referida)”</font></i><br>
<br>
<b><font>III-B) O Direito</font></b><br>
<br>
<font>Escreveu-se no Acórdão recorrido que de acordo com a cláusula 2.ª da Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 3/09, de 23/03, que aprovou a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguros obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes, diz-se que se deve entender como acidente de trabalho:</font><br>
<font> </font><i><font>“1. -o acidente que se verifique no local de trabalho ou no local onde é prestado o serviço e no tempo de trabalho; </font></i><br>
<i><font>2. -o ocorrido no trajecto, normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador: de ida e de regresso para e do local de trabalho, ou para o local onde é prestado o serviço, entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns de edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho.”</font></i><br>
<br>
<font>Considerou no entanto o Acórdão recorrido que o acidente não podia ser considerado in itinere.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Sustenta o Recorrente que houve excesso de pronúncia.</font><br>
<br>
<font>Analisemos então a situação:</font><br>
<br>
<font>Colhe-se da petição inicial, onde a A. formula o pedido de reembolso das despesas entretanto efectuadas, que a única causa de pedir residia precisamente na circunstância de o facto infortunístico ter ocorrido nas escadas exteriores da habitação que não davam comunicação directa com a via pública, o que, no entender da A., não estava a coberto das condições da apólice.</font><br>
<br>
<font>Na contestação/reconvenção o R. não contestou que o acidente ocorreu dentro de sua propriedade, mas sustentou que está abrangido pelo seguro porque o que era relevante era o facto de o acidente ter ocorrido quando estava a caminho do seu escritório, instalado num compartimento de rés-de-chão, anexo à sua residência, havendo já transposto a porta de saída da sua habitação.</font><br>
<font>Entende que o critério que deve levar a que seja considerado </font><i><font>in itinere</font></i><font> se deve basear na saída (ultrapassagem) da porta da sua residência e não no facto de o acidente ter ocorrido já na via pública, quando o segurado se dirige para o trabalho.</font><br>
<font>Na réplica a A. impugnou, por desconhecimento, a existência de escritório em anexo à residência do R., acrescentando que, a ser assim, a versão deste é de molde a confirmar que não houve risco a cobrir, pela precisa razão de que o acidente se registou ainda dentro da propriedade do R., sem transposição para a via pública.</font><br>
<font>Assentava essa conclusão na indicação daquilo que, em termos legais, é definido como “percurso normal”, trazendo à colação que a lei o descreve como sendo </font><i><font>“o trajecto normalmente utilizado pela pessoa segura desde a porta de acesso da sua habitação para as áreas comuns do edifício da sua residência, ou para a via pública, e até às instalações que constituem o seu local de trabalho</font></i><font>.”</font><br>
<font>Decorre daqui o seguinte:</font><br>
<font>A causa de pedir da acção assentava exclusivamente no facto de o acidente não ter ocorrido em espaço comum nem na via pública, situação que não foi ampliada sequer na réplica.</font><br>
<font>Como a A. não tinha posto em causa que o R. ia a caminho do local de trabalho, o R. tinha apenas que se preocupar, na sua defesa, com a interpretação que a Ré fazia do âmbito do contrato de seguro, à luz da qual pedia o reembolso.</font><br>
<font>Ora, considerando o acima afirmado, entendemos que o Acórdão recorrido foi além do que podia, assentando a decisão num fundamento não invocado pela A. para assim afastar a obrigação de pagamento e legitimar o pedido de reembolso, argumentando não ter ficado provado que o R. se dirigia para o local de trabalho.</font><br>
<font>Ao fazê-lo, utilizou uma causa de pedir diferente da que havia sido formulada.</font><br>
<font>E assim, foi cometido excesso de pronúncia, sendo por isso nula a decisão nesse segmento.- art. 668.º-1-d) do CPC.</font><br>
<font>Poder-se-á objectar que não ficou provado que o R. se dirigisse para o seu local de trabalho, e que assim, nunca se poderia estar em presença de acidente in itinere.</font><br>
<font>Não concordamos com a objecção:</font><br>
<font>Não se pode confundir, de resto, a </font><i><u><font>não prova de que ia </font></u></i><font>para o seu local de trabalho com a </font><i><u><font>prova de que não ia.</font></u></i><br>
<font>Ora, a A. nunca chegou a alegar, no seu pedido de reembolso, que o R. não fosse para o local de trabalho, limitando o seu fundamento à </font><u><font>única circunstância de o acidente não ter ocorrido em espaço comum de edifício ou na via pública.</font></u><br>
<font>E assim sendo, não tinha que provar o R. um pressuposto que a A. não questionara.</font><br>
<font>Há então que passar para o segundo plano, analisando se deve ocorrer ou não o reembolso das despesas feitas pela A. ao abrigo da subsunção dos factos à interpretação do clausulado a respeito da cobertura do contrato de seguro:</font><br>
<font>Importa começar por relembrar que o legislador estabeleceu como acidente “in itinere” o ocorrido no trajecto normalmente utilizado pela pessoa segura </font><i><font>desde a porta de acesso da sua habitação </font></i><i><u><font>para as áreas comuns</font></u></i><i><font> do edifício da sua residência </font></i><i><u><font>ou para a via pública</font></u></i><i><font> até às instalações que constituem o seu local de trabalho.</font></i><br>
<font>As </font><i><font>áreas comuns de edifícios</font></i><font> são características que só existem nos prédios constituídos em propriedade horizontal ou em regime de compropriedade.</font><br>
<font>Donde se conclui que o legislador só teve presente, quando elaborou a definição de acidente de trabalho </font><i><font>in itinere</font></i><font>, os edifícios dessa natureza.</font><br>
<font>Não fez referências concretas às vivendas unifamiliares, onde, por natureza tudo é espaço próprio e não há áreas comuns, mas que nem por isso deixam de ter, por via de regra, partes exteriores à habitação (escadas, pátios, etc.), pertencentes ao mesmo dono e ao mesmo prédio e por onde obrigatoriamente se sai a caminho do emprego.</font><br>
<font> Não raras vezes as escada exteriores ou pátios são os únicos meios de ligação da habitação à via pública, pelos quais é preciso passar antes que se chegue à porta, portão ou simples demarcação da entrada que serve de ligação directa com a via pública.</font><br>
<font>Nem por isso, no entanto, se pode concluir que o legislador quis estabelecer diferenciação de protecção entre os segurados que vivam em condomínios ou em compropriedade, com aqueles que vivem em moradias unifamiliares, ora protegendo uns (condóminos ou comproprietários), ora desprotegendo outros (proprietários singulares), quando, em igualdades de circunstâncias saiam da sua habitação a caminho do emprego.</font><br>
<font> A ocorrer tal interpretação, estar-se-á a violar o </font><u><font>princípio da não discriminação</font></u><font>, consagrado no art. 26.º-1 da Constituição da República Portuguesa:</font><br>
<font>Trata-se portanto de lacuna na cláusula da Norma Regulamentar já acima referida, a ser preenchida por analogia, surgindo esta, precisamente, com a previsão legal que melhor se adapte às razões justificativas de aplicação concreta.- art. 10.º do CC.</font><br>
<font>E assim, a situação legalmente prevista que melhor se adapta à situação presente é a da que preveja a existência de espaços exteriores à própria habitação onde se possa já enquadrar o acidente in itinere.</font><br>
<font>Isso acontece, como já deixámos antever, nos edifícios que têm partes comuns – (cfr. definição transcrita atrás de acidente de trabalho de acordo com a 2.ª cláusula da Norma Regulamentar do ISP n.º 3/09, de 23/03, já acima citado) - , ou seja, naqueles que estão constituídos em propriedade horizontal ou em compropriedade, onde está explicitamente referido que o critério determinante para poder caber no enquadramento do acidente </font><i><font>in itinere</font></i><font>, é o de este </font><i><font>poder ocorrer</font></i><font> </font><i><font>ainda antes</font></i><font> de se entrar na via pública, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, e ainda se circule nos espaços comuns do condomínio, no percurso de ida para o local de trabalho ou vice-versa. </font><br>
<font>E assim sendo, deve interpretar-se a Norma Regulamentar acima visada como integrando ainda</font><i><font> </font></i><font>no seu âmbito de aplicação</font><i><font> o acidente ocorrido nas escadas exteriores de </font></i><i><u><font>uma vivenda unifamiliar</font></u></i><i><font>, quando a vítima se desloque para o local de trabalho, sendo esse o trajecto normalmente utilizado, no período habitualmente gasto pelo trabalhador e com esse objectivo.</font></i><br>
<br>
<font>Ora, o que sabemos quanto a esta matéria é que o R. é um profissional liberal, que as escadas davam acesso a um pátio, através do qual o R. acedia a um escritório particular, sito num anexo à residência, não aberto ao público, mas onde também reunia com clientes no âmbito da actividade de mediador de seguros e para onde disse que ia trabalhar.</font><br>
<font>A hora a que ocorreu não foi posta em causa como fundamento de exclusão da garantia de seguro.</font><br>
<font>Nem havia sido posto em causa, no pedido de acção, a questão de não ir para o trabalho.</font><br>
<font>Assim, a acção deveria ter sido julgada apenas com esses elementos, e não com outros que a A. não alegara.</font><br>
<font>Tem por isso razão o R. quando se mostra inconformado por se ver condenado à luz de factos que a A. não questionara ao formular o pedido de reembolso.</font><br>
<font>E como perante os factos narrados o acidente não chegou a ser descaracterizado como de trabalho, naturalmente que se deve conceder a Revista </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>IV. Decisão</font></b><br>
<br>
<b><i><font>Na concessão da Revista, revoga-se o Acórdão recorrido, absolvendo-se o R. da acção e condenando-se a A.-Reconvinda no pedido formulado em sede reconvencional.</font></i></b><br>
<b><i><font>Custas pela A.</font></i></b><br>
<br>
<i><font>Lisboa, 25 de Março de 2010</font></i><br>
<br>
<font>Mário Cruz (Relator)</font><br>
<font>Garcia Calejo </font><br>
<font>Helder Roque</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FzLXu4YBgYBz1XKv0Em6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I - "A" intentou acção com processo ordinário contra B e mulher C; D; E; F - Técnica Submarina e de Salvação, Lda, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhes a quantia de 5.000.000$00 e juros.</font>
</p><p><font>Alegou que a autora e os três primeiros réus são os únicos e actuais sócios da sociedade ré</font>
</p><p><font>Contestando, os réus B e mulher sustentaram que D e F, Lda defenderam que </font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que</font>
</p><p><font>Apelou a autora e o réu B</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação alterou parcialmente a decisão.</font>
</p><p><font>Inconformados, interpõem recurso para este Tribunal os réus D, a sociedade, B.</font>
</p><p><font>O réu B formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- </font><font>A decisão recorrida contém uma incorrecta interpretação do artigo 219º do CC conjugado com o n.º 1 do artigo 223º do mesmo Diploma Legal;</font><br>
<font>- </font><font>A correcta interpretação das referidas disposições legais implica que a assunção da dívida da Sociedade F para com a autora, por parte dos réus, tivesse revestido a forma escrita, o que efectivamente não aconteceu;</font><br>
<font>- </font><font>Os réus não são responsáveis, em nome pessoal, pela dívida da sociedade F à autora.</font>
</p><p><font>O réu D conclue da seguinte forma:</font>
</p><p><font>O recorrente não está vinculado ao cumprimento do contrato-promessa outorgado no dia 29.06.1994, no Cartório Notarial do Cartaxo;</font>
</p><p><font>O recorrente limitou-se a emitir uma declaração de ratificação no Consulado-Geral de Portugal, em Luanda, em 27.05.94, destinada a um contrato-promessa de cessão de quota, sem a menor correspondência com o referido anteriormente;</font>
</p><p><font>Com efeito, naquela declaração não se aludia a quaisquer suprimentos, mas tão somente à aquisição da quota da recorrida na Sociedade F, Lda, pelo valor de 5.000.000$00 (24.939,89 euros), que foi pago;</font>
</p><p><font>Daí que o recorrente deva ser totalmente absolvido como foi em 1ª instância, acresce ainda que, à mera cautela, se invoca que;</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação condenou indevidamente o recorrente no duplo pagamento à recorrida na quantia de 4.500.000$00 (22.445,91 euros), uma vez solidariamente por todos os sócios e outra pelos 3 sócios varões;</font>
</p><p><font>Esta condenação vai para além do pedido, que não só não tem suporte legal, como não foi peticionada pela recorrida, e assim violou o preceituado do artigo 661º n.º 1 do CPC, pelo que deverá ser sancionada pelo disposto no artigo 668º n.º 1 do mesmo diploma;</font>
</p><p><font>O acórdão recorrido não parece enquadrar-se no espírito da lei e ao decidir de forma diversa daquela violou, entre outros, os artigos 236º n.º 1 e 268º do C. Civil, devendo, por isso, a revista ser concedida e, em consequência, ser o mesmo revogado e manter-se a decisão de 1ª instância.</font>
</p><p><font>Contra-alegando, a autora defende a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>A autora e os réus B, D e E são os únicos sócios da ré F, constituída a 1990 e matriculada sob o n.º 5607, em Conservatória do Registo Comercial de Almada;</font>
</p><p><font>No dia 29 de Junho de 1994, teve lugar uma assembleia geral da ré F, na qual foi deliberada, designadamente, proceder ao reembolso dos suprimentos feitos pela autora àquela, no montante de 9.500.000$00;</font>
</p><p><font>Na mesma data, entre a autora, como primeira outorgante, e os réus B, por si e em representação do réu D e E, como segundo outorgantes, foi celebrado um acordo escrito, de que consta, designadamente, o seguinte: "a primeira e segunda outorgantes reciprocamente ajustam e aceitam o presente contrato de promessa de cessão de quota com as cláusulas e condições seguintes"; "a primeira outorgante promete ceder aos segundos outorgantes, que prometem comprar, a quota no valor nominal de 350.000$00, que a primeira tem na sociedade por quotas F"; "o preço é de 500.000$00, devendo ser pago até 31 de Dezembro de 1994, conjuntamente com a quantia restante de 4.500.000$00, ainda por restituir à promitente cedente, de suprimentos, no acto da escritura pública de cessão de quota"; "os promitentes adquirentes ou cessionários declaram reconhecer ter a promitente cedente direito a ser reembolsada dos suprimentos que esta fez entretanto em favor da sociedade, os quais totalizam 9.500.000$00, que serão pagos pela forma seguinte: a) 5.000.000$00 são pagos no prazo de 30 dias; b) 4.500.000$00 são pagos até 31 de Dezembro de 1994, no acto da escritura de cessão de quota"; "a escritura de cessão de quotas será realizada até 31 de Dezembro de 1994, em dia e hora e notário da escolha dos segundos outorgantes, os quais avisarão por escrito e com antecedência de 10 dias para estar presente para a sua realização, estando pagos antes o preço e a totalidade dos suprimentos";</font>
</p><p><font>A autora recebeu a quantia de 5.000.000$00;</font>
</p><p><font>A escritura de cessão de quotas não se realizou, quer no prazo acima referido quer posteriormente;</font>
</p><p><font>A autora fez diligência para que os réus realizassem a escritura pública de cessão de quotas, mesmo após 31 de Dezembro de 1994;</font>
</p><p><font>Os 5.000.000$00 foram pagos pela ré F;</font>
</p><p><font>Os réus B e E deixaram de entrar na sede da sociedade, quando esta se situava na residência do réu D, tendo sido a partir de 29 de Junho de 1994 que a mesma aqui se passou a situar;</font>
</p><p><font>Todos os sócios se afastaram uns dos outros;</font>
</p><p><font>Era impossível ao réu B adquirir a quota da autora e pagar-lhe o preço acordado;</font>
</p><p><font>A 27 de Maio de 1994, o réu D exarou a seguinte declaração: "Eu D venho expressamente declarar que ratifico o contrato de promessa de cessão de quotas outorgado pelo senhor B com a senhora A, pelo qual esta promete ceder a quota que tem na sociedade F aos restantes sócios pelo preço global de 5.000.000$00, a serem pagos até ao final do corrente ano de 1994; assim dou o meu pleno acordo às condições exaradas nesse contrato, que me obrigo a cumprir na minha quota parte".</font>
</p><p><font>Lisboa, 7 de Abril de 2005</font>
</p><p><font>Pinto Monteiro</font>
</p><p><font>Lemos Triunfante</font>
</p></font><p><font><font>Reis Figueira</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RTLXu4YBgYBz1XKv_0k1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Proferida a sentença de verificação e graduação de créditos relativa à falência de "A", Ldª, interpôs o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Santarém (antigo CRSS), recurso de apelação para a Relação de Coimbra, por discordar da graduação do seu crédito, e respectivos juros, como comum, reclamando ainda ulteriormente que fossem considerados vários créditos vencidos no período de recuperação daquela empresa, e respectivos juros de mora, pedindo que o seu crédito fosse graduado no lugar correspondente aos credores titulares de garantias reais.</font><br>
<br>
<font>A Relação decidiu:</font><br>
<font>1. Julgar reconhecidos, para além dos que já haviam sido, os créditos constituídos no decurso do processo de recuperação de empresa.</font><br>
<font>2. Graduar os créditos pela seguinte forma:</font><br>
<font>a) Do produto da liquidação dos bens apreendidos sairão precípuas as custas e as despesas com a liquidação do activo a começar com as verbas despendidas com a remuneração do Exmº Liquidatário nomeado. </font><br>
<font>b) Do remanescente dar-se-á pagamento aos credores com os créditos verificados pela forma e ordem seguinte: </font><br>
<font>b.1. Quanto ao produto obtido com a venda da verba nº 1 (imóvel) registado sob o nº 01392 do auto de apreensão</font><br>
<font>b.1.a) Em primeiro lugar, os créditos reclamados pelos ex-trabalhadores emergentes do contrato de trabalho referentes a falta de pagamento de retribuição e indemnização pela cessação do contrato de trabalho - artº 12º nº 3 alínea b) da Lei 17/86.</font><br>
<font>b.1.b) Em segundo lugar, os créditos constituídos no decurso do processo de recuperação de empresa (privilégio creditório). </font><br>
<font>b.1.c) Em terceiro Iugar, o crédito reclamado pelo CRSS até ao montante garantido no registo da hipoteca.</font><br>
<font>b.1.d) Em quarto lugar o crédito reclamado pela "B", S.A. até aos valores garantidos pelo registo da hipoteca.</font><br>
<font>b.1.e) Em quinto lugar os restantes créditos como comuns.</font><br>
<br>
<font>b.2. Quanto ao produto obtido com a venda da verba nº 2 do auto de apreensão, imóvel registado sob o nº 00023:</font><br>
<font>b.2.a) Em primeiro lugar os créditos reclamados pelos ex-trabalhadores, emergentes do contrato de trabalho referentes a falta de pagamento de retribuição e indemnização pela cessação do contrato de trabalho e respectivos juros - artº 12º nº 3 alínea b) da Lei 17/86. </font><br>
<font>b.2.b) Em segundo lugar, os créditos constituídos no decurso do processo de recuperação de empresa. </font><br>
<font>b.2.c) Os restantes créditos como comuns.</font><br>
<br>
<font>b.3. Quanto ao produto da venda da verba nº 3, imóvel do auto de apreensão registado sob o nº 00313:</font><br>
<font>b.3.a) Em primeiro lugar os créditos reclamados pelos ex-trabalhadores emergentes do contrato de trabalho referentes à falta de pagamento de retribuição e indemnização pela cessação do contrato de trabalho e respectivos juros. </font><br>
<font>b.3.b) Os créditos constituídos no decurso da recuperação de empresa.</font><br>
<font>b.3.c) Os restantes créditos como comuns.</font><br>
<br>
<font>b.4. Quanto aos bens imóveis sobre que incide penhor mercantil:</font><br>
<font>b.4.a) Em primeiro lugar o crédito garantido por penhor a favor da B. </font><br>
<font>b.4.b) Em segundo lugar o crédito garantido por penhor a favor da Caixa Geral de Depósitos.</font><br>
<font>b.4.c) Os créditos reclamados pelos ex-trabalhadores emergentes de contrato de trabalho referentes à falta de pagamento da retribuição e indemnização pela cessação do contrato de trabalho e respectivos juros.</font><br>
<font>b.4.d) Os créditos constituídos no decurso da recuperação de empresa.</font><br>
<font>b.4.e) Os restantes créditos como comuns.</font><br>
<br>
<font>b.5. Quanto aos restantes bens móveis:</font><br>
<font>b.5.a) Em primeiro lugar os créditos emergentes de contrato de trabalho e respectivos juros.</font><br>
<font>b.5.b) Os créditos constituídos no decurso da recuperação de empresa.</font><br>
<font>b.5.c) Os restantes créditos como comuns.</font><br>
<font>c) Proceder-se-á a rateio, se necessário entre os credores da mesma ordem de graduação, devendo dos créditos que obtenham plena satisfação de ser graduados nas graduações ulteriores.</font><br>
<br>
<font>Não se conformando com a graduação, recorreu a credora B, S.A. de revista, concluindo grosso modo da seguinte forma:</font><br>
<font>1º- No acórdão recorrido considerou-se que o crédito do CRSS, garantido por hipoteca legal, não devia considerar-se extinto como crédito privilegiado com a declaração de falência da empresa, com fundamentos de natureza teleológica e de interpretação do artº 152º do CPEREF, face ao disposto no artº 9º do CC; </font><br>
<font>2º- Não fez correcta interpretação e aplicação do artº 152º do CPEREF devendo aplicar-se o mesmo regime do artº 200º nº 3 do CPEREF, de que "na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora";</font><br>
<font>3º- A não menção expressa nos artºs 152º e 200º nº 3 do CPEREF à extinção do privilégio do CRSS garantido por hipoteca legal constitui uma lacuna da lei que deve ser suprida com recurso à analogia prevista no artº 10º nºs 1 e 2 do Código Civil; </font><br>
<font>4º- No preâmbulo do CPEREF98, encontrava-se o propósito de extinguir todos os privilégios creditórios do Estado incluindo os garantidos pela hipoteca legal; </font><br>
<font>5º- A interpretação do referido artº 152º só é possível recorrendo à ratio legis do preceito considerando que não pretendia excluir mas incluir todos os créditos privilegiados do Estado e as Instituições de Segurança Social no processo de viabilização das empresas; </font><br>
<font>6º- Os credores Estado e Segurança Social continuariam, na interpretação do acórdão recorrido, a ser titulares de créditos privilegiados não fazendo sentido falar em extinção de privilégios creditórios quando todos estes se encontrassem garantidos por hipoteca legal registada a seu favor;</font><br>
<font>7º- A extinção dos privilégios creditórios do Estado e da Segurança Social acarreta simultaneamente a extinção das respectivas hipotecas legais, mesmo que estas tenham sido objecto de registo predial, nos termos do artº 12º do DL 103/80 de 9 de Maio;</font><br>
<font>8º- Os créditos do CRSS garantidos por hipoteca legal deverão pois ser graduados como créditos comuns ao contrário do decidido, revogando-se parcialmente o acórdão, nesta parte;</font><br>
<font>9º- Sem prejuízo dessa decisão, no que respeita ao prédio 01392, referido em b).b1 do acórdão recorrido, este não respeitou a prioridade do registo das hipotecas voluntárias constituídas a favor do crédito da recorrente, violando o disposto no artº 686º, nº 1 do CC, devendo o crédito da recorrente ser graduado antes do crédito do CRSS garantido por hipoteca legal;</font><br>
<font>10º- O acórdão recorrido também cometeu a nulidade do artº 668º nº 1 al. c) do CPC, no que respeita ao prédio 01392, pois ao graduar o crédito do CRSS garantido pela hipoteca legal à frente do da recorrente não considerou os fundamentos que invocara no ponto 2.2.3, ou seja, a prioridade do registo das hipotecas a favor da recorrente sobre o registo da hipoteca legal a favor do CRSS, sendo que com aqueles fundamentos invocados no acórdão deveriam ter sido graduados os créditos da recorrente, garantidos por hipotecas, antes do crédito do CRSS garantido pela hipoteca legal.</font><br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font><br>
<font>Remete-se para a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, para a qual a Relação também remeteu, nos termos do artº 713, nº 6, ex vi artº 726 do CPC.</font><br>
<font>A falência de "A", Ldª foi decretada por sentença de 21.12.1999, tendo ficado decidido ser essa a data da falência.</font><br>
<font>Nessa altura estava em vigor o artº 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF93), aprovado pelo DL nº 132/93, de 23/4, com a redacção do DL nº 315/98, de 20/10, segundo a qual:</font><br>
<font>Com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência.</font><br>
<font>A primitiva redacção deste preceito, emprestada pelo aludido DL 132/93, estabelecia idêntico comando, tendo o citado DL 315/98 acrescentado a excepção contida no segmento final.</font><br>
<font>O artigo, na original e na subsequente redacção, menciona apenas a extinção dos privilégios creditórios.</font><br>
<font>Todavia, praticamente desde o início da vigência do CPEREF começaram a tomar corpo, na doutrina e na jurisprudência, duas correntes quanto à questão de saber se aquele normativo também deve abranger a extinção da garantia das hipotecas legais de que gozem as respectivas entidades.</font><br>
<font>Só a título de exemplo, podem citar-se na jurisprudência do STJ, por mais recentes, no sentido da abrangência, o acórdão de 27.5.2003, na CJSTJ, 2003, II, 84, e no sentido inverso o acórdão da mesma data, publicado no mesmo tomo, logo a seguir àquele, bem como o acórdão de 25.3.2003, na CJSTJ 2003, I, pág. 138.</font><br>
<font>Afigura-se-nos que o normativo em causa não dispõe relativamente á hipoteca legal de que gozem as entidades nele referidas.</font><br>
<font>Desde logo, o preceito em referência não fala na hipoteca, e o legislador seguramente não desconhecia que os privilégios creditórios a que fez alusão e as hipotecas são figuras distintas.</font><br>
<br>
<font>O privilégio creditório, na definição do artº 733º do CC, é a faculdade de que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros, e a hipoteca é uma garantia real que, nos termos do artº 686º, nº 1 do CC, confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. </font><br>
<font> Os privilégios creditórios, constituindo embora garantias reais, não são confundíveis com a hipoteca, o que o legislador evidentemente não ignorava, pelo que se quisesse incluir no indicado normativo as hipotecas legais, tê-lo-ia feito expressamente, como fez depois, desta feita relativamente à hipoteca judicial, no nº 3 do artº 200º do CPEREF, segundo o qual na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial...</font><br>
<font>O legislador também não ignorava certamente a divergência de entendimentos que existia quando, volvidos mais de cinco anos sobre o DL nº 132/93, de 23/4, deu, através do DL 315/98, de 20/10, nova redacção ao artº 152º.</font><br>
<font>Ciente da controvérsia que se gerara a propósito da interpretação desse normativo na versão primitiva, caso entendesse que havia uma lacuna a carecer de preenchimento teria aproveitado a oportunidade de a integrar, fazendo consignar na nova redacção do artigo que abrangia a hipoteca legal, o que não fez, passado que era aquele dilatado espaço de tempo.</font><br>
<font>Não se aludindo na letra do artº 152º do CPEREF à hipoteca legal, quer na redacção originária, quer na que, passados mais de cinco anos, lhe foi dada, e não podendo o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artº 9º, nº 2 do CC), propendemos para a não abrangência da hipoteca legal pelo artº 152º do CPEREF, mesmo porque se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º, nº 3 do CC) e sabia destrinçar entre privilégios creditórios e hipotecas legais, os primeiros independentes do registo, e estas dele dependentes visto não terem existência legal antes do registo, que é constitutivo.</font><br>
<font>Pelo que o legislador ao não fazer consignar a hipoteca legal no artº 152º, na redacção de 1993, e na de 1998, foi porque entendeu não o dever fazer.</font><br>
<font>No sentido propugnado, expenderam Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (Garantias de Cumprimento, pág. 78 e seg.), que, prevalecendo os privilégios creditórios imobiliários estabelecidos nos artºs 733º e seguintes do Código Civil, e alguns também em diplomas avulsos, sobre as hipotecas (artº 751º do Cód. Civil), esta situação, bastante gravosa para os credores hipotecários, foi de certa forma atenuada pelo artº 152º do Decreto-Lei nº 132/93, de 23/4, na medida em que, em caso de falência, os privilégios creditórios deixaram de prevalecer sobre as hipotecas, ficando os credores hipotecários melhor defendidos do que estavam.</font><br>
<br>
<font>Acresce que o DL nº 53/2004, de 18/3, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, em vigor desde Setembro de 2004 (com as alterações introduzidas pelo DL nº 200/2004, de 18/8) veio no artº 97º, como se refere no nº 24 do preâmbulo, prever a extinção das hipotecas que sejam acessórias dos créditos do Estado, instituições de segurança social e autarquias locais, cujo registo haja sido requerido nos dois meses anteriores à data de início do processo de insolvência, e consagrar relativamente aos privilégios creditórios gerais, em lugar da extinção de todos eles como sucedia no CPEREF declarada que seja a falência, a extinção tão-somente daqueles que se hajam constituído nos 12 meses anteriores à data de início do processo de insolvência.</font><br>
<font>O legislador passou pois a incluir as hipotecas legas no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, mas ainda assim mais restritivamente do que os privilégios creditórios.</font><br>
<font>Teve uma vez mais em mente que são diferentes os regimes do privilégio creditório, que é uma perigosa garantia oculta porque não sujeito a registo, e o da hipoteca, garantia dependente do registo (artº 687º do CC), que é constitutivo quanto a ela, o que a torna cognoscível para todos os credores pela garantia da publicidade.</font><br>
<br>
<font>Ainda aqui o legislador teve em atenção o perigo que para a segurança do tráfego jurídico decorre da circunstância de os privilégios creditórios valerem em face de terceiros independentemente do registo, perigo esse que, estamos em crer, ditou que não tivesse regulado no artº 152º do CPEREF as hipotecas legais que favorecem as entidades aí referidas, hipotecas essas a que também jamais aludiu no preâmbulo daquele diploma, onde tão-só refere a morte dos privilégios creditórios, e não também a das hipotecas legais.</font><br>
<br>
<font>O argumento da paridade de razão (a pari), extraído da ratio legis que a corrente contrária à que defendemos vê no sobredito artº 152º para justificar a inclusão das hipotecas legais nesse comando legal não tem quanto a nós consistência, pois do que se tratou foi de tratar diversamente situações perfeitamente diferentes, às quais correspondem direitos reais de garantia com contornos ou regimes jurídicos bem diferenciados. </font><br>
<font>Face às razões já explanadas, e avocando também a fundamentação constante do aresto deste STJ de 25.3.2003 (CJSTJ, 2003, I, 138 e segs.) com a qual se concorda, afigura-se-nos que no domínio de aplicação do CPEREF a extinção prevista para os privilégios creditórios no processo de falência, não é extensível às hipotecas legais.</font><br>
<font>O legislador do CPEREF não pretendeu, nem em 1993 nem, volvidos mais de cinco anos, quando o alterou, a recuperação das empresas à custa de todos os credores, mas apenas atenuar os efeitos perniciosos dos créditos mais gravosos.</font><br>
<br>
<font>Improcedem portanto as oito primeiras conclusões da revista.</font><br>
<font>Nos termos do artº 686º do CC, os credores hipotecários gozam do direito de serem pagos pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.</font><br>
<font>Estão nessa situação os créditos da recorrente B e do CRSS (agora IGFSS de Santarém) relativamente ao produto da venda do imóvel que constitui a verba nº 1, com a descrição nº 1392 - Alcanena, na Conservatória do Registo Predial.</font><br>
<br>
<font>Como se vê do ponto 2.b.1. c) e d), da graduação operada pelo acórdão da Relação o crédito reclamado pelo CRSS até ao montante garantido no registo da hipoteca legal ficou graduado à frente do crédito reclamado pela B até aos valores garantidos pelo registo das hipotecas voluntárias.</font><br>
<font>Sustenta porém a recorrente B que desse modo se não respeitou a prioridade do registo das hipotecas voluntárias constituídas a favor do seu crédito, mostrando-se assim violado o disposto no artº 686º, nº 1 do CC.</font><br>
<font>Tem a recorrente na maior parte razão.</font><br>
<br>
<font>Os credores reclamantes Banco "C", Fundo "D", "E" Ldª e "F" Ldª cederam os seus créditos hipotecários, sobre a falida, à recorrente B, que foi habilitada como cessionária de tais credores, passando a ocupar a posição deles nos autos.</font><br>
<font>Examinando a certidão da Conservatória do Registo Predial de Alcanena, referente ao prédio com a descrição nº 1392, constante de fls. 158 a 165 do apenso 203-F/97 do Tribunal Judicial daquela comarca, constata-se que a maior parte do crédito reclamado pela recorrente B goza de prioridade de registo de hipotecas voluntárias, gozando o CRSS na outra parte de prioridade de registo de hipoteca legal.</font><br>
<br>
<font>Assim, relativamente ao produto da venda da verba nº 1 (imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o nº 01392), a B tem a seu favor os registos originários (que para ela foram transferidos) das hipotecas voluntárias constantes das seguintes cotas: C-2, de 19.4.88; C-3, também de 19.4.88; C-5, de 12.1.94; C-7, de 12.3.82; C-8, de 15.7.82; C-9, de 30.11.83.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Santarém (CRSS) apenas tem a seu favor a prioridade do registo da hipoteca legal a que se reporta a cota C-4, de 10.1.92, sobre o registo constante da cota C-5 atrás assinalada a negro.</font><br>
<font>A prioridade registral não foi atendida no acórdão recorrido, a despeito de nele se ter invocado o teor do artº 686º, nº 1 do CC, em cujo segmento final se manda atender à prioridade do registo.</font><br>
<font>Isso ter-se-á ficado a dever, porém, não a uma nulidade por oposição entre a fundamentação e a decisão, como conclui a recorrente, mas, ao que tudo indica, à circunstância de a Relação não ter tido acesso, na apelação em separado, ao apenso 203-F/97, que agora foi requisitado ao Tribunal de Alcanena para efeito de consulta da aludida certidão registral. </font><br>
<br>
<font>Tudo visto e ponderado, acordam em </font><b><font>conceder em parte a revista,</font></b><font> graduando - relativamente ao produto da venda do prédio nº 1 - os créditos reclamados pelo CRRS (agora Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Santarém) e pela recorrente "B", S.A., até aos montantes garantidos no registo das hipotecas, pela ordem de antiguidade em que estas se mostram registadas na certidão de fls. 158 a 165 do apenso 203-F/97, assim alterando o ponto 2.b.1. c) e d) da graduação constante do acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas pela massa falida.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 15 de Março de 2005</font><br>
<font>Faria Antunes,</font><br>
<font>Moreira Alves,</font><br>
<font>Alves Velho.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zzL7u4YBgYBz1XKv4msS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Na acção ordinária com processo comum a correr termos no 5. Juízo Cível da comarca do Porto, sob o n. 694/97 em que é Autor A e Ré, a<br>
B, na qual aquele pede que esta seja condenada a pagar-lhe uma determinada quantia por serviços prestados, veio o Autor, após notificação nos termos do artigo 512 do Código de Processo Civil para apresentação das provas, requerer ao abrigo do preceituado no artigo 528 n. 1 daquele diploma adjectivo "a apresentação por parte da Ré do livro ou livros, de actas de reuniões do seu conselho de administração referentes aos meses de Junho, Julho, Setembro e Outubro de 1995, para prova dos quesitos 8, 9, 10, 13, 16, 17, 19 e 20;<br>
- Tal requerimento foi deferido pelo Meritíssimo Juiz "a quo", que fixou em dez dias o prazo para a Ré apresentar o livro das actas referentes ao pretendido período de tempo;<br>
- Desse despacho, mantido mesmo após pedida uma aclaração, foi interposto recurso de Agravo, pela Ré;<br>
- Conhecendo desse recurso no Tribunal da Relação do Porto, veio a ser proferido Acórdão, decidindo que a Ré "apresente, em audiência de julgamento, os livros contendo as actas referidas, a fim de aí serem examinadas na parte interessante à solução do "litígio em presença, pelo tribunal e mandatários judiciais das partes, delas retirando os elementos pertinentes à boa decisão da causa";<br>
- Ou seja, concedendo-se parcial provimento ao recurso, nos termos acabados de referir;<br>
- Desse Acórdão, inconformado, recorreu, por sua vez, o Autor, na forma do presente Agravo, para este S.T.J.;<br>
- Alegando, para o efeito, o Recorrente, e invocando uma situação de inexistência de lacuna legal, e de não criação de uma norma geral e abstracta, conclui no sentido de se dar provimento ao dito presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e ordenando-se, novamente à B que junte aos autos do processo em causa, n. 694/97, da 2. Secção do 5. Juízo do Tribunal Cível do Porto os livros de Actas do seu Conselho de Administração referentes aos meses de Junho, Julho, Setembro e Outubro de 1995;<br>
- Contra alegou a Ré, acompanhando o Acórdão sob censura, e terminando pela manutenção daquele;<br>
- Na sua vista, o Digno Procurador Geral da República, Adjunto junto deste S.T.J., nada se lhe ofereceu requerer;<br>
- Foram colhidos os vistos, dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos,<br>
- Apreciando:<br>
Como constitui entendimento genericamente assente, são as conclusões das alegações do Recorrente que delimitam, em princípio, o âmbito e o objecto dos recursos, com ressalva da matéria de conhecimento oficioso, no quadro dos artigos 684 ns. 3 e 4, e 690 n. 1, do Código de Processo Civil;<br>
Nesse sentido, nomeadamente, os Acórdãos deste S.T.J., de 16 de Outubro de 1986 B.M.J. 360, 534, e da Relação de Lisboa de 20 de Abril de 1989, Col. Jur. 1989, 2., 143, entre outros;<br>
Assim como já e também os Professores A. dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado 5., 308, 309 e 363 e Castro Mendes, Direito Processual Civil 3., 65, e ainda o Dr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil 3., 286 e 289;<br>
Contudo tal não significa, nem impõe que haja que apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações, mas somente as questões, essenciais, suscitadas;<br>
Nessa expressão, por igual modo se tendo pronunciado, o mencionado Dr. Rodrigues Bastos, na sua citada obra, 3., 247, assim como, entre outros, o Acórdão deste S.T.J., de 5 de Abril de 1989 B.M.J. 280, 446;<br>
Neste contexto, a única questão a decidir é a de saber, se é de manter ou não o ordenamento da apresentação dos livros das actas, em causa, desde logo, ou se apenas, na fase-rainha, da audiência de julgamento;<br>
Ponderando, importa e desde logo, salientar que a Ré invoca, que essa junção implicaria, "necessariamente a publicação perpétua do seu conteúdo integral inclusive das partes estranhas ao litígio e relativamente às quais, nada impõe ou legitima uma violação do foro íntimo e privado da mesma".<br>
Na verdade, a Ré, tendo embora sede no Porto, tem contudo uma actividade que pode abarcar qualquer outra zona do País e sendo uma Fundação é um ente administrativo, com personalidade jurídica, dotado de um património para o prosseguimento de um fim não lucrativo;<br>
Advindo do Decreto-Lei n. 240-A/89, de 27 de Julho, que foi instituída pelo Estado, e por um grupo de pessoas singulares e colectivas;<br>
Diploma esse, que aprovou os seus estatutos, como tudo se vê, do Dr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil e de página 33, em anotação ao artigo 185;<br>
Resultando, outrossim dos Estatutos da Ré que os fins da mesma como Fundação são a promoção de actividades culturais no domínio de todas as artes, cumprindo-lhe, nomeadamente, criar e manter na Quinta da Ré, onde tem, a sua sede, um museu de arte moderna, um auditório para a realização de concertos e espectáculos de bailado e teatro e quaisquer outros empreendimentos compatíveis com os seus fins;<br>
E nessa sequência, a Ré entendeu que no despacho proferido na 1. Instância, ocorreu a violação do disposto nos artigos 41 a 43 do Código de Comercial;<br>
Considerando, ainda, que o Autor deveria antes ter pedido um exame pericial aos livros, na exacta medida em que se limitaria, então, a "averiguar e extrair do processo, o tocante, aos pontos especificados que tenham relação com a questão";<br>
Sustentando, outrossim, encontrar-se, já, ultrapassada a data para requerer esse exame pericial;<br>
Porém na hipótese, "sub-judice", o exame pericial poderá não se justificar por, aparentemente não haver que recorrer a conhecimentos especiais que os julgadores não possuam nas fronteiras do artigo 388 do Código Civil;<br>
Porém, e na realidade e sendo a Ré uma Fundação, e assim, um ente que não visa interesses económicos, nomeadamente o lucro, sendo antes o seu fim "a promoção de actividades culturais no dito domínio de todas as artes", e como advém do artigo 4. dos seus estatutos não lhe será aplicável, ao menos directamente o disposto nos referidos artigos 41 a 43 do Código Comercial;<br>
Com efeito, estes dispositivos visam a defesa do segredo da escrituração mercantil, com algumas excepções;<br>
Paralelamente, o dever de cooperação para a descoberta da verdade, fixado no artigo 519 do Código de Processo Civil, não conflitua com regimes especiais, nomeadamente, os previstos nos artigos 41 a 43 do<br>
Código Comercial, os quais se mantêm em vigor;<br>
De resto, tais preceitos não respeitam somente, à produção de prova, na medida em que envolvem normas de direito substantivo e de garantia do crédito dos comerciantes, do segredo e do êxito das operações;<br>
Como nesse sentido, se pronunciou, entre outros, o Acórdão deste S.T.J. de 21 de Abril de 1993, B.M.J.<br>
426, 491, por igual modo referenciado no Acórdão em apreço;<br>
Tal jurisprudência, não deixou, também, de ser confirmada pelo Assento n. 2/98, do S.T.J., no DR, IS, de 8 de Janeiro de 1998, ao estabelecer que o artigo 43 do Código Comercial, não foi revogado pelo artigo 519, n. 1, do Código de Processo Civil de 1961, na versão de 1967, de modo que só se poderá, proceder-se, a exame dos livros e documentos quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida;<br>
Assim, no caso "sub-judice", e pressupondo-se que se tratava, de questão comercial, caberia, de pleno, o exame por apresentação dos livros em que a escrituração desse nota da alegada responsabilidade da sociedade em relação ao seu pretenso credor;<br>
E tal conforme, o mencionado artigo 43 do Código Comercial;<br>
Com efeito, e de acordo com a forma como é proposta a acção, e provada que seja a matéria invocada pelo Autor, este será credor da Ré, de uma determinada quantia, mercê de serviços que alegadamente lhe prestou;<br>
E esse constitui o objectivo da prova;<br>
Todavia, já se pôs em destaque, também, que a natureza da Ré é diversa da sociedade comercial;<br>
E assim sendo, não lhe é aplicável, directamente o regime daquele dispositivo legal;<br>
O mesmo sucedendo, em termos de apreciação analógica, e na exacta medida em que tal analogia se traduziria no caso, a que procedessem as razões justificativas, da regulamentação do caso omisso, no quadro do artigo 10, ns. 1 e 2, do Código Civil;<br>
E não é, essa, a situação;<br>
Nessa expressão, outrossim, os Professores B. Machado, DIP., 145 e seguintes, Castro Mendes, Introdução, 204 e 205, Menezes Cordeiro, Obrigações, 1., 77, Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas, 20 e Oliveira<br>
Ascenção, o Direito, 7. Edição, 435;<br>
Neste contexto, depara-se com toda uma situação em que, na falta de lei expressa que tal regula e, também, na ausência de analogia que o consinta, importa recorrer ao espírito do sistema, e criando, portanto, uma norma que nele se ajuste, para aplicar ao caso;<br>
E tudo, no quadro do n. 3, do citado artigo 10 do Código Civil;<br>
Acrescendo que essa norma, não poderá deixar de ser aquela que permitindo, embora, dar cumprimento ao dever processual aludido, de cooperação para a descoberta da verdade, cominado no artigo 519, n. 1, do Código de Processo Civil, tenha também e contudo, em atenção e devida conta a defesa dos valores da privacidade, segredo e êxito das operações, e finalidades estatutárias das fundações;<br>
O que tudo, surge como necessário, na hipótese em análise, neste caso concreto;<br>
E face ao interesse social, de utilidade pública existente, no âmbito do artigo 157 do Código Civil;<br>
Nesse prisma, outrossim, os Professores Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, 20, e Vaz Serra, R.L.J., 107., 96, e 108., 174, assim como o Dr. Manuel Pita, RDES, XXX, 214 e seguintes, ao abordarem a dita existência de utilidade pública;<br>
Com efeito, é notório, que também a fundação, e ainda que por motivos diversos, terá e tem, interesse real em manter ao abrigo da publicidade certos processos de decisão ou certas tomadas de posição, ou até, algumas, deliberações de natureza interna;<br>
As quais, e obviamente, se conhecidas em todos os seus aspectos, e mediante um eventual aproveitamento indevido, e por motivos não justificados, poderiam vir a suscitar toda uma ambiência pública menos recomendável, com uma inerente consequência de perturbação dos fins da própria fundação;<br>
E tal como, se explicita no Acórdão sob censura;<br>
Cuja "inteligibilidade", assim, é evidente, não merecendo, portanto, qualquer censura;<br>
Designadamente, ao decidir, como decidiu, em adequação com o alvitre, em alternativa, que a Ré indicara, para a questão em causa;<br>
Na verdade, o artigo 519 do Código de Processo Civil, mencionado, prescreve para todas as pessoas, quer singulares quer colectivas, a obrigação de colaboração, para a descoberta da verdade;<br>
Contudo, a recusa de cumprimento dessa obrigação surge e assume-se como legítima se a obediência a esse dispositivo traduzir a intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações e como advém da alínea b), do n. 3, desse mesmo preceito;<br>
O qual, nesse ponto, tem em vista a protecção geral, de um compreensível "sigilo";<br>
Nesse sentido, também e nomeadamente, o Acórdão deste S.T.J., entre outros, de 15 de Junho de 1993, B.M.J., 428., 607, em sede, mesmo, de protecção da escrituração mercantil;<br>
"In casu", é evidente que a junção aos autos das actas do Conselho de Administração da Ré, representaria, a dita intromissão, na vida privada da instituição;<br>
E como, aliás, de qualquer outra instituição que fosse;<br>
Intromissão essa, que teria de se considerar não tolerável, na sua esfera privada, e na exacta medida em que tal implicaria a publicidade de diversos assuntos, que não teriam de o ser, e porventura, dos mais íntimos ou próximos;<br>
Neste contexto, parece, in dúbio, que da mera interpretação declarativa da referida norma, logo resultaria, até, a legitimidade - recusa, da junção ao processo dos livros de actas em causa;<br>
Com efeito, a interpretação, correcta desse dispositivo, englobaria a sua extensão, no concernente não só, às penas singulares, como, também, às colectivas;<br>
Na verdade, se o dito dever de cooperação, envolvido nesse preceito, recai tanto sobre as pessoas singulares, como sobre as colectivas, seria, de concluir que na dita "intromissão", se tenha de considerar, outrossim, essa dupla incidência;<br>
E, assim, na sequência dessa interpretação, poderia, até e mesmo, entender-se, por extensão, que à Ré, por ventura, não cumpria ter de juntar os mencionados livros ao processo, nem, sequer, exibi-los, em audiência;<br>
Contudo, no Acórdão recorrido, entendeu-se existir, neste ponto, uma lacuna;<br>
E no prisma, em que, as pessoas singulares viam protegida, a sua esfera privada;<br>
E bem assim, de que as pessoas colectivas mercantis, tinham, por igual modo a sua vida privada, protegida pelas normas comerciais comináveis, mas que no entendimento da Relação não poderiam ser aplicadas ao caso vertente, nem por analogia;<br>
Mas, então, facultar-se-ia, como que uma "devassa", às fundações e restantes pessoas colectivas", podendo atingir-se, o seu foro intimo.<br>
E isso, obviamente, não poderia ter acolhimento, na ordem jurídica,<br>
Na Relação, e como se frisou ao não interpretar a alínea c), do n. 3, do artigo 519 do Código de Processo Civil na forma descrita, chegou-se antes, à conclusão da existência da mencionada lacuna, à qual teria de se consignar uma solução;<br>
Lacuna, essa, traduzida, no facto de não se garantir às pessoas colectivas de natureza e índole não mercantil, como a Ré, o mesmo direito à privacidade, que se garante às pessoas singulares, e sem que exista razão ponderável, para tal;<br>
E daí, a evidência, da necessidade de criação de uma norma "ad hoc" opinada na Relação;<br>
Neste entendimento, contudo, e quando o legislador impõe ao julgador a elaboração e criação de uma norma, geral e abstracta que verse e incida, sobre o tipo de casos em que se integra o caso omisso, isto é, quando lhe impõe a obrigação de criação de uma norma "ad hoc", não o vincula a expressar uma norma, com a precisão, que é exigível às restantes;<br>
E na medida em que a "norma" a criar, somente, tem a destinação do caso em apreço;<br>
Paralelamente, e como ensinam os Professores P. de Lima e A. Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, I, 6. Edição, 1965, 176, "Por mais esclarecido, diligente e hábil que seja o legislador nunca consegue regular directamente, todas as relações da vida social merecedoras de tutela jurídica. Para lá das situações directamente disciplinadas, há sempre outras não regulamentadas e que todavia bem merecem a protecção do direito".<br>
E quando se pronunciam sobre a integração das lacunas da lei;<br>
Ocorrendo, pois, aí, toda uma situação de confiança do legislador no bom-senso dos intervenientes, a fim de não vincular o Juiz, a uma enumeração precisa;<br>
Porém, e o que foi assumido na decisão proferida no Acórdão "sub-judice", corresponde ao pretendido;<br>
Isto é, que "quando a intromissão na vida privada disser respeito a pessoas colectivas não mercantis a junção de documentos que violem a sua esfera de privacidade deverá ser substituída pela exibição dos documentos em audiência, devendo juntar-se, ao processo, apenas e estritamente, as partes ou extractos dos documentos que digam respeito à acção";<br>
Formulação, esta, apontada na peça de contra-alegações da Ré, ora Recorrida;<br>
Contudo, tal formulação ou qualquer outra do género, não é diferente ou diversa da "decisão" proferida no Acórdão em apreço;<br>
E na exacta medida em que esta, reveste, a generalidade, e abstracção que são apenas exigíveis;<br>
Com efeito, e como se frisou, o legislador não vincula, à referida previsão;<br>
Assim, e por todo o exposto, inexiste qualquer vício no Acórdão proferido na Relação;<br>
Com efeito, e na interpretação efectuada na 2. Instância, existe, na verdade, uma lacuna;<br>
E por outro lado, a norma "ad hoc" que foi criada para suprir aquela, acomoda-se e respeita o espírito do sistema e a generalidade e abstracção que devem revestir as normas legais;<br>
Cumprindo, ainda, mencionar aliás, que o Acórdão em causa, não deixa, também, de garantir ao ora Recorrente Autor, os meios de prova pretendidos;<br>
E pertinentes, e tendo, outrossim, in dubio, que haveria sempre, que salvaguardar uma possível "devassa" aos assuntos tratados nas reuniões do Conselho de Administração da Ré, e que não digam respeito à questão que se encontra em juízo;<br>
Como, também, aos que não tenham a ver com a posição do Autor na sua prestação de serviço para com a Ré;<br>
Neste contexto no Acórdão recorrido, foram cumpridas as regras a observar tanto quanto à interpretação que levou à verificação da existência de uma lacuna como as metodologias que enquadram e dirigem a criação de uma norma "ad hoc";<br>
E assim sucedendo, improcedem genericamente, as alegações do Autor-Agravante;<br>
E por não se verificar, no Acórdão em apreço qualquer violação de dispositivos legais;<br>
Face a essa improcedência, pois, nega-se provimento ao<br>
Agravo, mantendo-se, assim, o Acórdão recorrido,<br>
Custas, pelo Autor, recorrente, agravante.<br>
Lisboa, 15 de Dezembro de 1998.<br>
Lemos Triunfante,<br>
Torres Paulo,<br>
Aragão Seia.<br>
5. Juízo do Porto - Processo n. 694/97 - 2. Secção.<br>
Processo n. 612/98-A - Relação do Porto - 3. Secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YDIMvIYBgYBz1XKvnIKv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I. Por apenso a acção executiva do 3. Juízo Cível do Porto em que é, exequente, o "Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, SA" e são, executados, A e B, foi instaurado apenso de reclamações de créditos (folhas 9).<br>
Foram, liminarmente, admitidas reclamações do "Banco Totta & Açores, SA" e do "Banco Pinto & Sotto Mayor,<br>
SA" (folhas 82).<br>
A folhas 125, o "Banco Pinto & Sotto Mayor, SA" apresentou nova reclamação, então por custas liquidadas.<br>
Esta reclamação foi indeferida a folhas 133, por invocada extemporaneidade.<br>
A folhas 135 e seguintes, o mesmo "Banco Pinto e Sotto Mayor, SA" veio apresentar nova reclamação, dizendo que, por lapso, não incluira, na sua primeira reclamação, a verba de 2831916 escudos e 70 centavos.<br>
Esta verba resultaria de empréstimos cujo cumprimento estaria garantido por hipotecas. O reclamante disse, no final do seu requerimento, que ampliava o seu pedido, aditando-lhe aquele montante.<br>
Por intempestivo, a 1. instância indeferiu este novo requerimento, segundo despacho de folhas 161.<br>
O referido reclamante agravou deste despacho (folhas 162). Todavia, a Relação do Porto, segundo Acórdão de folhas 178 e seguintes, negou provimento a tal agravo.<br>
Novamente inconformado, o "Banco Pinto & Sotto Mayor,<br>
SA" agravou para este Supremo (folhas 184). E, alegando, concluiu (folhas 186/187):<br>
1) O artigo 868 do C.P.C. estabelece, no caso em apreço, a forma ordinária para verificação de créditos;<br>
2) Foi violado o artigo 273 n. 2 do C.P.C. que permite a ampliação do pedido;<br>
3) Neste último preceito, estabelece-se que o pedido seja desenvolvimento do pedido primitivo, o que é o caso, pois o pedido emerge da qualidade de credor hipotecário.<br>
Finalizando, o agravante pede a revogação da decisão que considerou intempestiva a reclamação questionada,<br>
"com as legais consequências".<br>
Não constam contra-alegações.<br>
Foram colhidos os vistos legais (folhas 195/v.).<br>
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (folhas 179):<br>
1) O crédito reclamado pela agravante em 1. lugar e antes do despacho saneador diz respeito a escrituras de constituição de hipoteca lavradas a 30 de Março de 1983 e 22 de Dezembro de 1983, em garantia do pagamento de dois empréstimos de 1600000 escudos e 3000000 escudos e respectivos juros (tudo, no montante global de 11766999 escudos e 20 centavos);<br>
2) O crédito reclamado já depois de designado dia para audiência de julgamento, no montante global de 2831916 escudos e 70 centavos, diz respeito a escrituras de constituição de hipoteca lavradas a 30 de Março de 1983 e 6 de Junho de 1983, em garantia de dois empréstimos de 2000000 escudos e 900000 escudos e respectivos juros.<br>
III. Que se seguem os termos do processo ordinário de declaração, já está claro face ao Acórdão recorrido, explícito nesse sentido.<br>
Daí que a problemática ora "sub judice" se cinja a uma questão, ou seja, a de saber se o recorrente poderá fazer admitir a pretensão que veiculou através do seu requerimento de folhas 135 e seguintes, utilizando o mecanismo processual da ampliação do pedido.<br>
A solução é, claramente, negativa. Vejamos porquê, procurando sintetizar a fundamentação pertinente.<br>
IV. É certo que, atento o disposto no artigo 273 n. 2 do Código de Processo Civil, o agravante poderia ampliar o seu pedido inicial, até ao encerramento da dicussão em 1. instância, mas se a ampliação fosse "... o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo".<br>
Portanto, tudo está em saber se se verifica, no caso vertente, este pressuposto "sine qua non".<br>
Com efeito, longe de contribuir para boa decisão das causas, a falta de regras que, às vezes, se ouve pretender, só acarretaria anarquia processual e maior dificuldade em se chegar, em tempo razoável, as soluções correctas.<br>
Muito pior irá a resposta que os Tribunais têm de dar às pretensões dos cidadãos quando bastar dizer que, por lapso ou esquecimento, se não formulou um pedido em tempo útil. E repare-se que o agravante invocou lapso seu para não ter feito, anteriormente, o pedido ora em causa (folhas 135). Seja um problema de cultura judiciária, seja uma questão de realismo judiciário, este caso é quase paradigmático do que poderá - ou pode - advir de uma inoportuna intervenção processual, atenta, ainda, a generosidade da lei portuguesa em matéria de recursos.<br>
V. Retornando ao concreto da situação, impõe-se, conforme indicado, saber se o agravante apenas desenvolveu ou extraiu consequências do seu inicial pedido, ou foi mais longe e formulou um novo e autónomo pedido.<br>
Decerto houve uma ampliação material. O agravante reclamara uma determinada quantia e, através do requerimento questionado, pretendeu acrescida quantia de dinheiro.<br>
Só que o assunto a decidir não é, simplesmente, monetarista.<br>
É jurídico.<br>
Logo, a ampliação que a lei viabiliza não é um facto simplesmente material ou monetário. É algo a considerar na sua vertente jurídica.<br>
O que o agravante, enquanto reclamante, inicialmente, desencadeou foi a apreciação de determinadas relações jurídicas, nos seus vários contornos, designadamente nas suas consequências.<br>
Esse contexto tem uma certa causalidade que, à luz da doutrina da substanciação, acolhida pela lei processual civil portuguesa, é integrada por concreta factualidade: artigo 498 n. 4 do Código de Processo Civil; Prof. A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, "Manual de Processo Civil", 2. edição, página 245.<br>
O pedido inicial formulado pelo agravante assentou, ainda que com os seus corolários, em referidas escrituras públicas - que são factos, ainda que jurídicos - datadas de 30 de Março de 1983 e 22 de Dezembro de 1983.<br>
O requerimento que veio a dar origem a todo este problema radicou em outras escrituras públicas, uma também datada de 30 de Março de 1983 e, outra, de 6 de Junho de 1983 (conforme indicado, ainda que coincida uma daquelas datas, trata-se de escrituras diferentes, tal como reflectido no circunstancialismo relatado, em consonância com o Acórdão recorrido e com documentação que constitui aquisição processual).<br>
Consequentemente, o agravante formulou outro pedido, ainda que da mesma natureza que o primitivo, com outra causalidade.<br>
Isto evidencia que não houve qualquer desenvolvimento do primeiro pedido (como há, designadamente, quando se pretendam juros de capital anteriormente peticionado) ou consequência do pedido primitivo.<br>
O que o agravante pretendeu e pretende foi, e é, algo juridicamente diferente, a saber, a introdução de outras relações jurídicas no mesmo processo, em tempo claramente inoportuno e por via sem base legal (cfr. artigo 865 do Código de Processo Civil; sendo certo que não vem ao caso no artigo 871 do mesmo Código).<br>
Ou seja: a ampliação ou a consequência, para o serem, têm de manter a discussão no âmbito da mesma ou mesmas relações jurídicas (Prof. A. Reis, "Comentário", 111, 94; Prof. A. Varela, RLJ 117, 118).<br>
E tal não seria o caso, atentas as circunstâncias.<br>
Mais não é necessário para se tornar incontroversa a inviabilidade deste agravo.<br>
VI. Resumindo, para concluir:<br>
1) Não há ampliação jurídica de um pedido, mas sim, inoportuna formulação de novo pedido quando um reclamante de créditos, depois de ter peticionado uma quantia em dinheiro com base em certas escrituras públicas, já depois do saneador, formula pretensão de recebimento de outras quantias, com base em outras escrituras públicas e com referência a outras relações jurídicas.<br>
2) Isto seria uma inoportuna introdução de novas relações jurídicas materiais no mesmo pleito.<br>
VII. Donde, concluindo:<br>
Acorda-se em negar provimento ao agravo.<br>
Custas do recurso pelo agravante.<br>
Lisboa, 27 de Fevereiro 1996.<br>
Cardona Ferreira.<br>
Oliveira Branquinho.<br>
Herculano Lima.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yDLfu4YBgYBz1XKvSks3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<b><font>"A"</font></b><font> e mulher </font><b><font>B</font></b><font>, C</font><font> e mulher </font><font>D, e </font><font>E e marido </font><b><font>F</font></b><font> propuseram contra </font><b><font>"G"</font></b><font>, </font><b><font>"H"</font></b><font>, I</font><font> e mulher J</font><font>, L</font><font>, M</font><font> e N</font><font> acção a fim de se reconhecer que os réus, cometendo com culpa grave e reiteradamente agressões à integridade física e psíquica daqueles e a um ambiente ecologicamente equilibrado, têm violado os seus direitos de personalidade, nomeadamente, os ao repouso e à saúde, se decretar o encerramento definitivo da fábrica instalada nos lotes 2 e 3 e nos pavilhões mencionados nos arts. 32 e 34 da petição inicial, condenando-se-os a se absterem do exercício nesses locais da actividade industrial de transformação de mármores e granitos e sua comercialização e em indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e não-patrimoniais por eles sofridos.</font><br>
<font>Contestando em conjunto, os réus excepcionaram a ilegitimidade salvo da 1ª ré, o abuso de direito e a colisão de direitos e impugnaram.</font><br>
<font>No saneador, procedeu a excepção de ilegitimidade quanto aos réus H, J, L, M e N pelo que da instância foram absolvidos.</font><br>
<font>Prosseguindo, requereram os autores a ampliação do pedido o que foi mandado seguir como liquidação do pedido de indemnização.</font><br>
<font>A final, procedeu em parte a acção por sentença que, sob apelação de autores e réus, a Relação confirmou.</font><br>
<font>Irresignada, a primeira ré pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações –</font><br>
<font>- os autores fizeram aprovar o seu loteamento para construção de habitação 4 anos após a instalação e início da actividade da recorrente no mesmo local;</font><br>
<font>- sendo que os terrenos, aquando do início da actividade, eram inóspitos tendo sido a ré quem os transformou em condições de se poderem urbanizar;</font><br>
<font>- quando os autores se instalaram nos seus prédios sabiam que a 1ª ré já lá exercia a sua actividade sendo bem conhecedores da situação e das restrições eventualmente a suportar, pelo que teriam de ceder ante a pré-existência da recorrente;</font><br>
<font>- a não se entender assim, viram os seus terrenos valorizados ante os acessos que para esse ponto foram rasgados pela recorrente,</font><br>
<font>- sendo que, para além dos autores, outros vizinhos edificaram, tornando-se o meio valorizado;</font><br>
<font>- litigam contra os princípios da boa fé, do fim social e económico do direito e os bons costumes;</font><br>
<font>- violado o disposto no art. 335 e 334 CC.</font><br>
<font>Contra alegando, os autores pugnam pela confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<font>Ao abrigo do disposto no art. 713-6, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 726, ambos do CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.</font><br>
<br>
<br>
<font>Decidindo: </font><br>
<br>
<font>1.- Circunscrito objecto da revista à colisão de direitos e ao abuso de direito.</font><br>
<font>Além de os factos serem diferentes dos apontados pela recorrente (assente que os 2º autores moram no loteamento em data anterior à actual configuração da fábrica – fls. 376), são de acolher os judiciosos considerandos e conclusões que, a propósito, na sentença (o acórdão recorrido foi lavrado por remissão) foram desenvolvidos.</font><br>
<font>Em princípio, tal seria suficiente para, ao abrigo do disposto no art. 713-5, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 726, ambos do CPC ser lavrado o acórdão. Sucede, todavia, que uma outra questão, esta de conhecimento oficioso mas que deve também ser entendida como um </font><i><font>minus</font></i><font> em relação ao pretendido na revista, tem de ser apreciada.</font><br>
<br>
<font>2.- Através destes dois institutos pretende a 1ª ré não se ordene o seu encerramento nem se a condene em indemnização (fls. 511).</font><br>
<font>A acção não procedeu pelo pedido de encerramento – os réus foram condenados «a não prosseguir a sua actividade industrial, encerrando, pelo menos temporariamente, enquanto a mesma continuar a produzir danos na saúde e bem estar dos AA., perturbar a normal utilização do prédio destes e causar danos no ambiente envolvente, realizando as obras, ou reconversões, necessárias quer para a insonorização das suas instalações de forma a não emitir ruídos que prejudiquem os segundos, quer para não emitir poeira para o prédio destes últimos, devendo abster-se finalmente da trepidação provocada pelo trânsito intensivo de camiões» (fls. 382-383).</font><br>
<font>Não foi decretado o encerramento (definitivo) mas uma suspensão da actividade até que sejam removidos certos obstáculos, o que é bem diferente.</font><br>
<font>É o conteúdo deste segmento decisório que nos merece reparos.</font><br>
<font>Adiante-se, desde já, se justifica plenamente a suspensão decretada, medida menos gravosa e proporcionalmente mais adequada à violação verificada e à reparação que </font><i><font>in casu</font></i><font> se impunha (sanção – encerramento temporário – equilibrada e proporcional às constatadas violações dos direitos de personalidade dos autores e ao direito de ambiente e que revela ter equacionado os direitos da ré).</font><br>
<font>Ao tribunal foi pedida a resolução de um conflito, foi chamado a resolvê-lo.</font><br>
<font>Por outro, a acção proposta é uma acção de condenação. Nesta exige-se a prestação de uma coisa ou de um facto (CPC- 4,2 b)).</font><br>
<font>Condenados os réus (claro, salvo os da instância absolvidos), a decisão tem de revestir a possibilidade de se fazer executar (CPC- 2,1).</font><br>
<font>É precisamente aqui que reside o cerne do reparo.</font><br>
<font>Entre a fundamentação da decisão e esta em si há uma aparente contradição – recusa-se, e bem, o pedido de encerramento mas deixou-se indefinida temporalmente a suspensão remetendo-se, no fundo, para uma outra acção, a discussão sobre o seu termo.</font><br>
<font>Nos termos indefinidos, mais configura uma decisão em procedimento cautelar – aos autores assistirá sempre a possibilidade de discutir a continuação de violações ora acusadas por mais ou melhores obras ou reconversão a que os réus procedam; para os réus resultará não saberem se e quando podem retomar a actividade industrial naqueles locais sejam quais forem as obras ou reconversão a que procedam.</font><br>
<font>Equivale isto a dizer que a decisão condenatória apenas se poderá fazer executar na sua primeira parte – suspensão da actividade industrial naquele local, mas já não quanto à segunda já que não se definiram elementos para poder ser verificado se o reinício da actividade respeita ou não a lei que se teve por violada nem ficaram assegurados os direitos da ré quanto a retomá-la.</font><br>
<font>Torna-se necessário completar a decisão, sem prejuízo da já decretada.</font><br>
<font>A execução para prestação de facto carece de a obrigação a prestar conhecer um prazo certo (CPC- 933,1. Inviável o recurso ao disposto no art. 939-1 – mas, admita-se que o seria; o tribunal fixaria um prazo para a prestação, que sucederia se a ré não o respeitasse? a decisão era executada sem com isso ficar resolvido o problema da indefinição). O sentenciado não se a permitiria requerer, pois.</font><br>
<font>Tal como decretada, transferir-se-ia para a execução a concretização da decisão, seria, desculpe-se a falta de rigor, pedir que na execução para prestação de facto se procedesse a uma liquidação prévia da sentença.</font><br>
<font>Todavia, nem uma execução para prestação de facto está estruturada para isso nem, à semelhança da execução para pagamento de quantia certa onde a liquidação não dispensa que tenham sido fixados, na sentença a executar, os danos, essa fixação (concretização) aqui existiria.</font><br>
<font>Havia que se ter concretizado os comportamentos, mas só se iniciou a concretização de um, abster-se de, temporariamente, prosseguir a actividade industrial nos moldes em que o vinha sendo – nada mais se concretizou.</font><br>
<font>Possibilitando o processo civil actual a sua adequação à especificidade da causa nada, em princípio, se oporia a que, uma vez proferida a decisão de facto o tribunal, verificando a necessidade de, para correcto e concreto acerto da decisão a proferir, adoptasse a tramitação adequada a possibilitar a concretização dos comportamentos, </font><i><font>maxime</font></i><font> da suspensão da actividade que se lhe afigurava como o mais correcto, e, assim, prevenir a propositura de nova ou novas acções para apreciar se a conduta adoptada pela ré constituirá ou continuará a constituir a violação ou as violações acusadas.</font><br>
<font>Por exemplo, a eliminação da autonomização da acção possessória da prevenção do dano não impede que o respectivo pedido possa ser formulado nem que o tribunal accione, se necessário, o princípio da adequação.</font><br>
<font>A decisão tal como está afigura-se condicional (no mínimo, incompleta) e não o pode ser.</font><br>
<font>Para se desfazer esse carácter, definindo os contornos da suspensão, impõe-se recorrer à </font><i><font>instrumentalidade</font></i><font> e fixar o necessário a assegurar os direitos dos réus e a continuar a fazer respeitar os direitos dos autores. Poderá não haver que fixar, ainda que acidentalmente, um prazo de cumprimento. Há outros meios para se conseguir esse desiderato (sem pretender condicionar a liberdade de julgamento, é possível apontar um, por exemplo – estabelecer um modo ou um mecanismo de verificação).</font><br>
<font>À ré não podem ser impostas as obras ou a reconversão. O que a sentença afirma, com razão, é que se as fizer em termos de pôr cobro às violações verificadas poderá retomar a actividade. Isso depende de si, portanto – manter indefinidamente a suspensão ou fazê-la cessar. Mas daí não se segue que o tribunal não deva definir, com precisão, como pode a ré assegurar esse direito a reiniciá-la – tal como está não depende só da ré a extensão temporal, mas também dos autores a accionaram (não é problema de execução da sentença) por não ter feito o necessário à reabertura do estabelecimento fabril</font><br>
<font>Quer na medida em que não é admissível uma sentença que condene em termos de subsidiariedade quer porque proibida a </font><i><font>aberratio ictus</font></i><font> quer na medida do que referido sobre a justiça da decisão de suspensão não pode ser desfeito esse carácter transformando-a em encerramento (definitivo) – v.g., se não cumprir dentro de certo prazo, fica encerrada.</font><br>
<br>
<font>3.- Finalmente, uma observação suscitada pelas alegações da recorrente.</font><br>
<font>O dever da ré em indemnizar radica nas violações dos direitos dos autores por actos seus (dela, ré) e que causaram danos.</font><br>
<font>O abuso de direito que invoca, no que concerne ao direito a ser indemnizada, poderá eventualmente legitimar uma reacção sua </font><i><font>maxime</font></i><font> contra os 3º autores contra quem concretamente alegou factos que tem por dele integradores, não anula aquele outro dever nem com a respectiva indemnização pode ser compensado (CC- 853,1 a)).</font><br>
<br>
<br>
<font>Termos em que se nega a revista mantendo-se a decisão de encerramento temporário e se ordena a baixa do processo à Relação a fim de, se possível, pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores ser julgada de novo a questão em ordem a ser completada e definida aquela decisão.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 6 de Julho de 2004</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uDLTu4YBgYBz1XKvVUQp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I </font><font>-</font><br>
<font> </font><br>
<font>"AA" e marido BB, e CC e esposa DD intentaram, no tribunal judicial de V. Franca de Xira, acção ordinária contra EE e esposa FF, pedindo que fosse declarada a inexistência de uma dívida e, consequentemente, a nulidade da correspondente declaração prestada por GG perante os RR., através de escritura pública em que foram intervenientes e, em consequência, que seja ordenado o cancelamento dos registos hipotecários efectuados a favor dos RR. sobre os prédios que identificam. </font><br>
<br>
<font>Os RR. contestaram, afirmando a existência da dívida no valor de 20.000.000$00 confessada pela dita GG, e defendendo a improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font>Após julgamento, a acção foi julgada improcedente.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não se conformaram os AA. que apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem êxito.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformados, os AA. recorreram agora para este Supremo Tribunal, pedindo a consagração da sua pretensão.</font><br>
<font>Para o efeito, apresentaram oportunamente as suas alegações que concluíram do seguinte modo: </font><br>
<font>- Atenta a situação concreta da GG e a actuação desenvolvida pêlos RR., ocorre a situação de usura prevista no art" 282° CC;</font><br>
<font> - Apesar da confissão de dívida resultante da mencionada escritura, tal dívida jamais existiu - cfr. declarado provado no ponto 12 e evidenciado pela Exmª Desembargadora que votou vencida;</font><br>
<font>- A promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extra-negocial, sendo esta a verdadeira fonte da obrigação (Como esclarecidamente afirma o Exº Prof. A. Varela, "Se o declarante ou seus sucessores alegarem e provarem que semelhante relação não existe (porque o negócio que a promessa de prestação ou o reconhecimento de dívida pressupõem não chegou a constituir-se, porque é nulo ou foi anulado, porque caducou ou os seus efeitos se extinguiram entretanto... a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida.";</font><br>
<font>4. "A proposta e a aceitação são negócios unilaterais que não se confundem, mas que, reunidas, formam contrato".</font><br>
<font>Apesar do ponto de partida - tanto no caso do testamento como no caso da escritura e até mesmo da procuração - se basear em negócio unilateral, o que temos verdadeiramente são contratos, em que, de um lado, a GG declara o R. EE como seu único e universal herdeiro (no caso do testamento), declara-se devedora duma determinada quantia aos RR. (escritura) e institui o R. marido como seu procurador universal e com plenos poderes (procuração); e, de outro lado, existe a promessa feita pelos RR. de cuidar e tratar da GG e de seu companheiro;</font><br>
<font>- Tais promessas não foram cumpridas, já que os RR. sempre abandonaram a GG, quer após o testamento, quer depois desta ter outorgado a escritura de confissão de dívida;</font><br>
<font>- Mesmo que se entendesse ter a dívida inicialmente existido, não pode ser-lhe dada cobertura legal em virtude do inadimplemento dos RR., sendo este de conhecimento oficioso (cfr. Acórdão do STJ de 2/5/85, de foi relator o Exm° Conselheiro Campos Costa - BMJ 347, ano de 1985, pgs. 375; e Base de Dados Jurídica - Proc. 072678, N° Convenc. JSTJ00003736, de que se retira, com a devida vénia, o seguinte extracto: "O juiz não modifica a causa de pedir invocada na petição inicial se aprecia e decide a acção com base nos mesmos factos concretos reveladores do inadimplemento culposo, alegados pelo autor, apesar de este ter pressuposto a validade da promessa...);</font><br>
<font>- Tendo-se dado como provado que, com o testamento feito pela GG, pretendera» as partes saldar a divida antiga (de 250 contos) e pagar todos os serviços prestados e a prestar no futuro - cfr. 28. de factos provados - deixa de ter validade o acordo que mais tarde fizeram através da escritura de confissão de divida (confessar uma dívida que não existe é obra!!!) sobre o mesmo objecto, já que tal corresponderia ao "pagamento" feito duas vezes do mesmo serviço (Tal conclusão é também evidenciada - por outras palavras - no voto de vencida da Exª Desembargadora);</font><br>
<font>- O acórdão de que se recorre violou o preceituado nos arts. 282°, 428º e 458° do C. Civil.</font><br>
<br>
<font>Os recorridos, por sua vez, defenderam a manutenção do julgado posto em crise.</font><br>
<font> </font><br>
<font>II</font><font> - </font><br>
<br>
<font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1 - Por escritura pública lavrada no 2° Cartório Notarial de Sintra, datada de 22.JUL.99, compareceram HH, II e JJ, os quais declararam ter falecido GG, no estado de solteira, no dia 07.ABR.99, que a mesma não deixou descendentes nem ascendentes, tendo feito testamento público outorgado em quatro de Agosto de 1971, no qual instituiu um legado e instituiu único herdeiro do remanescente UU e no caso deste não querer ou não poder aceitar a herança ser substituído pelos seus sobrinhos, filhos legítimos do irmão da testadora KK, que herdarão em partes iguais;</font><br>
<font>2 - UU faleceu em 04.MAI.93, sendo filhos de KK, AA e CC;</font><br>
<font>3 - No testamento de GG, junto a fls. 20 e ss., declara-se o referido em 1; </font><br>
<font>4- Por escritura pública datada de 30.JUL.93, lavrada na casa de morada de GG, perante LL, Notária do Primeiro Cartório Notarial de Freguesia-A, EE e mulher MM, declarou GG "que, pela presente escritura confessa-se devedora aos segundos outorgantes (EE e FF) da quantia de vinte milhões de escudos. Que para garantia da presente dívida HIPOTECA, com plenitude e nos termos legais o imóvel situado no Casal do Freixo, em Alpriate, freguesia de Vialonga, concelho de Vila Franca de Xira, descrito na Conservatória do registo Predial deste concelho sob o número vinte mil quinhentos e vinte e três, do livro B cinquenta e quatro (...) ao qual atribui o valor de trinta milhões de escudos"; </font><br>
<font>5 - Encontra-se registada sob a apresentação 08/941115," hipoteca voluntária do prédio n° 20523 do B-54, a favor de EE e mulher FF, casados (...) constituída por GG, solteira (...) garantia de empréstimo: capital: 20.000.000$00; Montante máximo: 20.000.000$00. Não vence juros", conforme documento junto a fls. 152 e seguintes que aqui consideramos integralmente reproduzido;</font><br>
<font>6 - Por escritura pública datada de 13.JUL.93, lavrada na casa de GG, declarou a mesma, para além do mais, que " constitui bastante procurador EE (...) ao qual confere os poderes necessários para com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os bens dela outorgante (...) comprar ou vender, quaisquer bens móveis ou imóveis (...) esta procuração é passada também no interesse do mandatário, podendo ele próprio celebrar consigo mesmo quaisquer negócios pelo que assim é irrevogável e não caduca por morte, interdição ou inabilitação da mandante"; </font><br>
<font>7 - Durante alguns meses os RR. trataram de GG, faziam a comida e tratavam e tratavam da lida da casa, revelando para GG um carinho e afecto como se fossem seus familiares; </font><br>
<font>8 - GG, declarou vender as várias parcelas do prédio referido em 4, identificados na Av. n° 2, de 4/11/69 - do qual foi destacado um talhão de terreno p/ construção urbana com a área de 420m2, o qual foi cedido à Câmara Municipal;</font><br>
<font>Av. n° 3 , de 21/7/70- foi desanexado um talhão de terreno destinado a construção urbana com a área de 480m2, o qual foi vendido a uma tal NN;</font><br>
<font>Av. n° 4 de 23/1/71 - foi desanexado um talhão de terreno p/ construção urbana com a área de 175m2, do qual foi feita venda a OO; </font><br>
<font>Av. n° 5, de 23/1/71 - desanexado um outro talhão de terreno também p/ construção urbana, com a área de 350 m2, do qual foi feita venda a TT;</font><br>
<font>Av. n° 6, - desanexado um talhão de terreno p/ construção urbana, com a área de 390m2, o qual foi vendido a um tal PP; </font><br>
<font>Av. n° 7, de 29/10/71 - desanexado outro talhão de terreno para o mesmo fim de construção urbana, com a área de 240m2, vendido a</font><br>
<font>Av. n.º 8 de 10/1/72 - desanexado outro talhão com a área de 332 m2, ainda para construção urbana, vendido a QQ; </font><br>
<font>Av. n° 9, de 9/11/73 - desanexado outro talhão de terreno p/ construção urbana com a área de 327m2, o qual foi vendido a RR; </font><br>
<font>9 - No dia 01 de Abril de 1999, foi distribuída ao 1° Juízo Cível deste Tribunal, uma providência cautelar instaurada por GG, contra EE, com os fundamentos e pedidos, melhor descriminados na certidão da respectiva petição inicial, junta de fls. 25 a 29 dos autos;</font><br>
<font>10 - À data da outorga da outorga dos documentos referidos nos factos 5 e 6, GG encontrava-se doente e debilitada, não sendo capaz de tratar da comida, da lida doméstica ou alimentar-se;</font><br>
<font>11 - GG tinha problemas de alcoolismo; </font><br>
<font>12 - Apesar do declarado, a dívida referida no facto 4 nunca existiu (...); </font><br>
<font>13 - A GG, sofria de cirrose hepática crónica de etiologia alcoólica, desde há mais de 10 anos; </font><br>
<font>14 - Mais tarde, os RR. deixaram novamente de habitar com a GG; </font><br>
<font>15 - A GG intentou neste tribunal a providência cautelar cuja certidão faz fls. 24 a 29 dos autos, pedindo que o R. se abstivesse de usar a procuração irrevogável passada a seu favor; </font><br>
<font>16 - A GG trabalhou em Lisboa como criada e a pessoa para quem trabalhou deu-lhe algumas jóias e móveis; </font><br>
<font>17 - GG deixou o trabalho em Lisboa e veio viver para Alpriate; </font><br>
<font>18 - O seu companheiro, UU, fazia trabalhos de construção civil;</font><br>
<font>19 - A GG recebia mensalmente rendas no montante de cerca de 50.000$00;</font><br>
<font>20 - A GG recebia uma pensão da segurança Social no montante de 33.950$00 e outra da Fundação Gulbenkian no montante de 22.500$00, sendo que estes montantes se reportam a data próxima da morte e não dos documentos em causa nos autos;</font><br>
<font>21 - Em 1984 os RR. fizeram a GG e UU assinados pelos dois um empréstimo de 250.000$00, com juros anuais de 20%; </font><br>
<font>22 - Os RR. pagaram o funeral do Sr. FF; </font><br>
<font>23 - Os RR. fizeram muitas despesas no prédio da GG sito no Local-C;</font><br>
<font>24 - Muitas obras foram feitas no prédio (urbano e rústico) onde habitava a GG, custeados pelos RR.;</font><br>
<font>25 - A GG procedeu às vendas a que aludem os documentos de fls. 83 a 112;</font><br>
<font>26 - Perante o estado de saúde da GG, que sofria de cirrose hepática e tinha intensas hemorragias, esta pediu aos RR. por várias vezes auxilio, a que corresponderam os RR. indo a sua casa aos fins-de-semana; </font><br>
<font>27 - Os RR prestavam à GG apoio nos cuidados pessoais e serviços de limpeza; </font><br>
<font>28 - Dizia a GG que faria um testamento a favor dos RR. e, por sua iniciativa, como forma de pagamento da dívida antiga e de todos os serviços prestados e a prestar no futuro, visto mais ninguém se disponibilizar para a ajudar, e estando os seus parentes mais próximos no Brasil, e em 24-8-1992, a GG lavrou a favor do R. o testamento que faz fls. 130 e 131 dos autos;</font><br>
<font>29 - Este acordo viria a implicar, nas vidas dos RR., mudanças radicais que teriam de ser por eles reflectidas antes de tomarem qualquer decisão, pois afectariam o desempenho das suas profissões e abandono da sua residência para passar a viver permanentemente com a dita senhora e o seu companheiro prestando-lhes todos os cuidados necessários para o seu bem-estar;</font><br>
<font>30 - Aceitaram os RR. inicialmente este acordo o que implicou a reforma antecipada;</font><br>
<font>31 - Os RR. passaram a ir com frequência (todos os fins de semana) à casa da GG e do seu companheiro, levando para a casa da GG mobiliário, roupas e louças suas e adquirindo às suas custas vários electrodomésticos e algum mobiliário para melhor conforto de todos; </font><br>
<font>32 - Fizeram os RR., a expensas próprias, obras no interior da casa que foram habitar, de tratamento dos soalhos, pintura das paredes e ainda de colocação de estores, algumas janelas novas e um portão;</font><br>
<font>33 - Com o facto referido em facto 5, a GG pretendia pagar aos RR. A dívida de 1984 e os serviços prestados; </font><br>
<font>34 - Os RR. providenciaram um médico particular que a consultava no domicílio e que foi testemunha não só da sua melhoria de saúde como pelo facto de ter deixado totalmente o vício do álcool; </font><br>
<font>35 - Relativamente aos bens imóveis, cuja situação era irregular, procuraram os RR. legalizar não só os terrenos como também o prédio, para o que foi feito um levantamento topográfico e vários projectos, sendo posteriormente legalizados os terrenos, com documentos comprovativos na Câmara de Vila Franca de Xira e Conservatória do Registo Predial; </font><br>
<font>36 - A GG deixou de beber e fazia a sua vida normal.</font><br>
<br>
<font>III</font><font> - </font><br>
<br>
<font>Quid iuris?</font><br>
<br>
<font>Em apreciação, cumpre-nos analisar, face às conclusões dos recorrentes, as seguintes questões:</font><br>
<font>- qual o valor do documento escrito através do qual a falecida GG confessou dever aos RR. 20.000.000$00?</font><br>
<font>- os factos provados permitem chegar à conclusão que a referida confissão de dívida foi viciada por usura?</font><br>
<font>- os AA. conseguiram fazer a prova da inexistência de causa?</font><br>
<font>- poder-se-á falar de </font><font>exceptio</font><font> por parte dos RR.?</font><br>
<br>
<font>Vejamos. </font><br>
<br>
<font>A confissão de dívida por parte da falecida GG ocorreu no 1º Cartório Notarial de Vila Franca de Xira.</font><br>
<font>Estamos, pois, perante documento autêntico, o que significa que a mesma se considera provada, nos termos do nº 2 do art. 358º do C. Civil.</font><br>
<font>Isto não significa que a declaração não possa ser declarada nula ou anulada por falta ou vícios de vontade, como o expressa o nº 1 do art. 359º do mesmo Código.</font><br>
<font>Ora, o que os AA. pretenderam com a presente acção foi isso mesmo, a declaração de anulabilidade da declaração de dívida por a mesma estar viciada.</font><br>
<font>Segundo estes, os RR. terão explorado a situação da dita GG para alcançarem a declaração a seu favor da dívida referida.</font><br>
<font>A prova de que a declaração de dívida foi viciada por usura competia aos próprios AA., em obediência ao nº 1 do art. 342º do C. Civil.</font><br>
<font>Tanto o tribunal de 1ª Instância como o Tribunal da Relação entenderam que os AA. não lograram fazer a prova de ter havido por parte dos RR. usura.</font><br>
<font>Ora bem. </font><br>
<font>A este propósito, foram levados vários factos à base instrutória.</font><br>
<font>Do julgamento dos mesmos resultou o seguinte:</font><br>
<font>- GG sofria de alcoolismo crónico de tal forma que habitual e permanentemente alcoolizada não tendo consciência do que estava a fazer quando outorgou a escritura de confissão de dívida e quando constitui o R. EE seu procurador ? - Quesito 3º.</font><br>
<font>A resposta foi "provado que a GG tinha problemas de alcoolismo".</font><br>
<font>- Os RR., servindo-se da enorme solidão, ignorância e analfabetismo de GG induziram-na a outorgar o documento referido em D) (confissão de dívida com hipoteca)? Quesito 5º.</font><br>
<font>A resposta foi "não provado".</font><br>
<font>- A GG sofria de cirrose hepática de etilogia alcoólica, desde há mais de dez anos? - Quesito 6º.</font><br>
<font>A resposta foi "provado".</font><br>
<font>- Alguns meses depois de ter sido outorgada a escritura referida em D), a GG passou a ser maltratada pelos RR., que lhe batiam, tendo por isso ido receber tratamento ao hospital de V. Franca de Xira? - Quesito 7º.</font><br>
<font>A resposta foi "não provado".</font><br>
<font>- Deixaram então de viver com ela?</font><br>
<font>- Mais tarde uma vizinha da GG comunicou aos RR. que aquela estava gravemente doente, tendo eles voltado então para a sua companhia durante mais cerca de dois anos?</font><br>
<font>- Durante tal período, a GG passou grandes temporadas internada no Hospital?</font><br>
<font>- Os RR. então passaram a pôr e dispor de tudo o que pertencia à GG, recebendo as pensões e as rendas que a esta pertenciam ao ponto de terem efectuado obras na casa sem o consentimento dela? - Quesitos 8º a 11º.</font><br>
<font>Todos estes quesitos receberam resposta de "não provado". </font><br>
<font>- A GG não se recordava de ter tido intervenção na escritura referida em D) e na procuração referida em F)?</font><br>
<font>A resposta foi "provado que a GG intentou neste Tribunal a providência cautelar cuja certidão faz fls. 24 a 29 dos autos, pedindo que o R. se abstivesse de usar a procuração irrevogável que passara a seu favor".</font><br>
<font>Do resultado do julgamento da matéria de facto é legítimo concluir que os AA. não lograram fazer a prova do apontado vício da declaração de dívida.</font><br>
<font>Com efeito, o nº 1 do art. 282º do C. Civil, na redacção dada pelo D.-L. 262/83, de 16 de Junho, prescreve que "é anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, tiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados".</font><br>
<font>Para Pires de Lima e Antunes Varela, "usurário é aquele que </font><font>explora</font><font> certas situações em que outra pessoa se encontra, para dela obter, em proveito próprio ou de terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados" (</font><font>in</font><font> Código Civil Anotado, Volume I - 4ª edição -, pág. 260).</font><br>
<font>Segundo Pedro Pais de Vasconcelos, o art. em apreciação exige um requisito objectivo - o desequilíbrio excessivo ou injustificado -, um requisito subjectivo atinente ao lesado - a inferioridade -, e, ainda, um requisito subjectivo atinente ao usurário - a exploração reprovável.</font><br>
<font>Para este A., o requisito objectivo verifica-se "quando a relação valorativa entre as prestações revelar um desequilíbrio que exceda os limites normais dos padrões típicos de valor vigentes no mercado e quando não haja uma causa justificativa atendível para esse desequilíbrio".</font><br>
<font>Já em relação ao requisito subjectivo, refere que é necessário que o lesado, ao celebrar o negócio, se encontrasse num caso de inferioridade negocial caracterizado daquela maneira, devendo, para tanto, o intérprete "discernir a </font><font>ratio</font><font> </font><font>legis</font><font>, o sentido que está subjacente ou imanente naquela abundância verbal e sindicar se o lesado da usura estava numa situação de inferioridade negocial tal que dessa inferioridade resultasse para ele a inabilidade para compreender o mau negócio que fazia ou para evitar fazê-lo", sendo também imprescindível sindicar a causalidade desta inferioridade em relação ao negócio e ao seu desequilíbrio.</font><br>
<font>Finalmente, em relação ao requisito subjectivo relativo ao usurário, sublinha que a lei exige que haja um aproveitamento consciente e intencional da vantagem comparativa em que o usurário se encontra perante o lesado, ou seja, "é necessário que o usurário saiba que a sua vítima está numa situação de inferioridade, com discernimento ou liberdade diminuída, que ele próprio está numa correspondente situação de superioridade" (</font><font>in</font><font> Teoria Geral do Direito - 2ª edição -, pág. 462 e ss.). </font><br>
<font>Olhando para a pouca matéria de facto que a este respeito ficou provada e, sobretudo, para a não provada, forçoso é concluir que os AA. não lograram fazer a prova relativa a qualquer dos requisitos referidos, sejam eles de natureza objectiva, sejam de natureza subjectiva.</font><br>
<font>Daí que se tenha de concluir que as instâncias decidiram bem, ao afastar a usura como vício da declaração da falecida GG.</font><br>
<br>
<font>Mas, se não se provou o vício alegado, importa ainda saber se por trás da declaração existe alguma causa.</font><br>
<font>O nº 1 do art. 458º do C. Civil prescreve que "se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário".</font><br>
<font>Aqui, a lei veio estabelecer uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental.</font><br>
<font>Assim, "se o declarante ou seus sucessores alegarem e provarem que semelhante relação não existe ..., a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida" (ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, </font><font>in</font><font> obra citada, pág. 440).</font><br>
<font>"O que resulta do art. 458º é a ineficácia dessa estipulação e a sua relevância apenas para inversão do ónus da prova, o que corresponde à celebração de um acto jurídico simples e não de um negócio jurídico" (Menezes Leitão,</font><font> in</font><font> Direito das Obrigações, Volume I, pág. 263).</font><br>
<br>
<font>A questão da "falta de causa" foi suscitada pelos AA. no art. 71º da petição.</font><br>
<font>Aí se disse que </font><br>
<font>"Em tal documento, a GG apenas declarou que devia aos RR. a quantia de 20.000 contos, mas nada disse sobre a origem dessa dívida, ou seja, omitiu-se completamente a relação fundamental subjacente.</font><br>
<font>Há, portanto, que apurar se tal relação existiu ou não, uma vez que esta seria (a existir) a verdadeira fonte da obrigação em causa".</font><br>
<font>Mas, nada foi alegado no sentido de não ser provada a "não causa" da confissão da dívida.</font><br>
<font>Limitaram-se os AA. a concluir que não era crível, "segundo juízos de razoabilidade do </font><font>bónus pater familias</font><font> que a GG se tivesse endividado".</font><br>
<font>Não obstante isso, e contra todas as boas regras de feitura de questionário (ou base instrutória, como ora se chama), foi elaborado um quesito do seguinte teor: "Apesar do declarado, a dívida referida em D) nunca existiu?".</font><br>
<font>E a resposta foi positiva.</font><br>
<font>Se a pergunta não devia ter sido formulado porque a mesma envolve um juízo puramente conclusivo, o certo é que o juiz decisor da matéria de facto estava impedido de lhe dar resposta, em obediência ao nº4 do art. 646º do C.P.C..</font><br>
<font> </font><br>
<font>O Mº juiz da 1ª Instância, ao elaborar a sentença procedeu à análise da factualidade dada como provada e no sentido de a considerar como sendo insuficiente para se poder concluir pelo vício de vontade alegado pelos AA..</font><br>
<font>Não obstante na sentença não se fazer qualquer referência à invocada falta de causa, o certo é que os AA. não arguiram qualquer nulidade da decisão.</font><br>
<font>Mas isso não os impediu de levantarem a questão em sede de alegações, dizendo mesmo que houve violação do art. 458º do C. Civil.</font><br>
<font>O acórdão da Relação apreciou tal questão, dizendo que "não só os AA. não ilidiram essa presunção como resultou provada a existência de uma relação fundamental subjacente ao reconhecimento da dívida por parte da GG".</font><br>
<font>Tal conclusão foi tirada por maioria já que houve um voto de vencido.</font><br>
<font>Segundo este, do teor do ponto 12 (resposta dada ao quesito em análise) "decorre - sem margem para dúvidas - que a relação fundamental (que deu causa ao reconhecimento de dívida) não existe, tendo os AA. - a quem incumbia o ónus de prova - ilidido a presunção de que os RR. beneficiavam".</font><br>
<br>
<font>Mais do que fazer referência à eventual prova da causa subjacente à confissão de dívida, é importante dizer que os AA., ao contrário do que se defendeu no voto de vencido, não lograram ilidir a presunção e pela singela razão de que, de concreto, nada foi alegado.</font><br>
<font>Para alcançarem tal desiderato, era obrigação dos AA. a alegação (e subsequente prova) de factos que permitissem ao juiz tirar a conclusão de que, efectivamente, a declaração não tinha atrás de si qualquer causa.</font><br>
<font>Mas, tal não foi feito: os AA. concluíram pela inexistência de causa, não facultando ao tribunal a apreciação de factos de molde a este poder concluir pela sua verificação e, consequentemente, pela destruição da presunção do art. 458º do C. Civil.</font><br>
<br>
<font>Os AA. não obstante terem defendido que a declaração de dívida não tinha causa, nos precisos termos que ficaram referidos, acabaram, já em sede de alegações, construir uma teoria segundo a qual houve entre a falecida GG e os RR. um verdadeiro contrato, só que estes não o cumpriram - daí a invocação da </font><font>exceptio</font><font>.</font><br>
<font> A este respeito, a petição inicial é simplesmente omissa.</font><br>
<font>A Relação considerou a este respeito que, na linha da posição maioritária, que "o reconhecimento de dívida em causa nos autos, tendo embora subjacentes negócios bilaterais entre a GG e os RR., não permite afirmar a existência do contrato a que os AA. se referem nas alegações, nos termos do qual esse reconhecimento de dívida constituiria a contra-prestação da promessa feita pelos RR. de cuidar e tratar da GG e de seu companheiro".</font><br>
<font>E, por isso mesmo, acabou por concluir que o art. 428º, nº 1 do C. Civil não tinha aplicação ao caso presente.</font><br>
<font>Pela nossa parte, pelo que ficou dito, concorda-se com a conclusão tirada pela Relação: não foi alegada qualquer matéria correspondente ao contrato só invocado pelos AA. em sede de alegações.</font><br>
<br>
<font>E dito isto, está demonstrada a improcedência da tese dos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>IV</font><font> - </font><br>
<br>
<font>Nesta conformidade e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se, na improcedência do recurso, negar a revista, condenando os AA. nas respectivas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 27 de Abril de 2006</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gjJnu4YBgYBz1XKvhwK4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>I - RELATÓRIO </font></div><br>
<br>
<font>1.1. Os Autores - AA, Cartão de Cidadão nº ........, Contribuinte Fiscal nº ......, residente na ............, n.º .., ....-... ......., ......; e BB, Cartão de Cidadão nº ......, Contribuinte Fiscal n.º ......, residente na ........, nº .. ......, ....-... ......., ......, instauraram (12/1/2019 ) acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus: </font><br>
<p><font>1. PAVILANHESES – CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva nº 510 944 310, com sede na Rua Padre Matos, Edifício Marta, entrada 2, letra C, rés-do-chão direito, freguesia de Albergaria-a-Velha e Valmaior, 3850-091 Albergaria-a-Velha;</font><br>
</p><p><font>2. CC, Cartão de Cidadão nº ........, residente na … n.º .., ….-……, …., .....;</font><br>
</p><p><font>3. VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A., pessoa coletiva nº 502 856 408, com sede na Rua …, nº …, Apartado …, …., …., ….;</font><br>
</p><p><font>4. DD, residente na …, nº .., ……., ….-… …., ….; e</font><br>
</p><p><font>5. </font><font>MADUREIRA & MADUREIRA – ESTUDOS E PROJECTOS, LDA., pessoa coletiva nº 504 …55, com sede no Centro Empresarial …, …., …., </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Alegaram, em resumo:</font><br>
</p><p><font>Os Autores são filhos e únicos herdeiros de EE, falecido num acidente de trabalho, por soterramento e asfixia mecânica numa vala em que trabalhava como pedreiro, ocorrido no dia 11.3.2014, em .......</font><br>
</p><p><font>A vítima faleceu quando se encontrava ao serviço, sobre as ordens e direção da 1ª R., representada pelo 2º R., tendo sido estes já condenados pela prática de um crime de infração de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 277º, n.ºs 1, al. a) e 2, e 285º do Código Penal, por referência aos artigos 66º a 72º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de agosto, a 1ª R. ainda com referência aos art.ºs 11º, nºs 2, al. a), e 4, e 90º-B, n.ºs 1, 2 e 5, do Código Penal.</font><br>
</p><p><font>O dono da obra era a ADRA – Águas da Região de Aveiro, S.A., que a adjudicara à 3ª R. (empreiteira), representada pelo 4º R., que, por sua vez, celebrou um contrato de subempreitada com a 1ª R.</font><br>
</p><p><font>A dona da obra contratara a 5ª R. para a fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.</font><br>
</p><p><font>Os 1ª e 2º RR. não promoveram a colocação de qualquer proteção coletiva no local de execução dos trabalhos, designadamente a entivação, por forma a prevenir o risco de soterramento dos trabalhadores que executavam os trabalhos na vala.</font><br>
</p><p><font>A 1ª R. também não ministrou à vítima, como devia, formação em segurança no trabalho.</font><br>
</p><p><font>Os 3º, 4º e 5º RR. permitiram o início dos trabalhos e a sua continuação sem que tivessem assegurado, como é sua obrigação legal, a aplicação do plano de segurança e saúde e sem terem verificado o seu cumprimento ao longo da execução dos trabalhos, não atendendo à organização do estaleiro, às condicionantes nele existentes e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, em concreto, o risco de soterramento.</font><br>
</p><p><font>A 3ª R. havia-se responsabilizado por todas as obrigações legais na execução de todos os trabalhos, nomeadamente cumprir e fazer cumprir as regras de segurança pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação.</font><br>
</p><p><font>A 5ª R. deveria ter fiscalizado e coordenado a segurança da empreitada, e não o fez como devia.</font><br>
</p><p><font>Em consequência do soterramento, o EE sofreu uma morte violenta e quase imediata, apercebendo-se de que iria morrer ali, pelo que os AA. entendem que deve ser fixada a indemnização de € 20.000,00, a repartir em duas partes iguais pelos AA. (€ 10.000,00 para cada um).</font><br>
</p><p><font>O falecido tinha 50 anos de idade e, pelas suas caraterísticas pessoais e esperança de vida, os AA. defendem que o dano morte deve ser reparado com a quantia de € 70.000,00, a dividir em partes iguais por cada um deles (€ 35.000,00 para cada um).</font><br>
</p><p><font>Em consequência da morte de seu pai, os AA. sofreram:</font><br>
</p><p><font>Danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00 para cada um deles.</font><br>
</p><p><font>Perda de um rendimento equivalente a € 50,00 por mês, cada um, relativo ao fornecimento produtos hortícolas e outros alimentos com que o seu pai contribuía em favor de ambos, e que estimam em € 9.000,00 para cada A. a título de dano futuro.</font><br>
</p><p><font> Os AA. pagaram a quantia de € 1.790,00 à Agência Funerária Cardoso e Martins, Lda., que tratou do funeral, tendo sido reembolsados pela Segurança Social “em quantia não inferior a €1000,00”, gastaram € 170,00 em flores, pagaram a quantia de € 80,00 à Junta de Freguesia, conforme guia de entrada de cadáver no cemitério, e ainda uma dívida que o falecido pai tinha junto da Segurança Social, no valor de € 787,05.</font><br>
</p><p><font>Concluíram pedindo </font><br>
</p><p><font>«I) - Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e os Réus solidariamente condenados:</font><br>
</p><p><font>A) A pagar a cada um dos Autores:</font><br>
</p><p><font>- A título de indemnização por danos morais da vítima, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);</font><br>
</p><p><font>- A título de indemnização pelo dano da privação do direito à vida, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);</font><br>
</p><p><font>- A título de indemnização por danos morais próprios dos Autores, a quantia de € 20.000,00;</font><br>
</p><p><font>- A título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido, a quantia de € 9.000,00.</font><br>
</p><p><font>B) A pagar aos Autores a quantia global de €1.827,05, correspondente às despesas com o funeral (€790,00 + €170,00 + €80,00) e corresponde a uma dívida na Segurança Social paga pelos Autores e que dizia respeito ao de cujus (€787,05).</font><br>
</p><p><font>C) A pagar os juros, à taxa legal, desde a citação; </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>Os Réus contestaram, defendendo-se, em síntese:</font><br>
</p><p><font>O 2º R. com a excepção da violação do princípio da adesão ao processo crime e por impugnação.</font><br>
</p><p><font>Os 3ª, 4º e 5º RR. por impugnação, negando qualquer tipo de responsabilidade.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.2. Realizada audiência de julgamento, </font><b><font>foi proferida (9/7/2020) sentença</font></b><font> ( fls. 800 e segs.)que decidiu:</font><br>
</p><p><font>«A – Julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em função disso, condeno os Réus Pavilanheses – Construções Unipesssoal Lda, CC, Vitor Almeida & Filhos Lda e Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda a pagarem, solidariamente:</font><br>
</p><p><font>- A cada um dos Autores, a quantia de 5.000 €, por danos morais da vítima, 35.000 € pelo dano de privação do direito à vida da vítima, 10.000 € por danos morais próprios dos autores;</font><br>
</p><p><font>- A pagar aos Autores a quantia de 1.040,00 €, correspondente às despesas de funeral.</font><br>
</p><p><font>Quantias acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><font>B – Improcede o pedido no que se refere ao Réu DD. Custas na proporção do decaimento.»</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.3. Inconformados, os 3ª R. VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A. ( fls. 820 e segs) e a 5ª R. MADUREIRA & MADUREIRA – ESTUDOS E PROJECTOS, LDA.( fls. 840 e segs.) , recorreram de apelação. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.4.</font><b><font> A Relação …., por acórdão de 11/2/2021, decidiu:</font></b><br>
</p><p><font>“Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da 3ª R. parcialmente procedente e a apelação da 5ª R. procedente, alterando-se a sentença recorrida, sendo ação parcialmente procedente e, em consequência,</font><br>
</p><p><font>A- Condenam-se:</font><br>
</p><p><font>1- Os RR. Pavilanheses – Construções Unipessoal Lda. e CC, a pagarem, solidariamente, a cada um dos AA., a quantia de € 5.000,00, por danos morais da vítima, € 35.000,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e € 10.000,00 por danos morais próprios dos AA.;</font><br>
</p><p><font>2- A R. Vítor Almeida & Filhos, S.A. a pagar, solidariamente com aqueles dois RR., a cada um dos AA., a quantia de € 3.250,00, por danos morais da vítima, € 22.750,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e € 6.500,00 por danos morais próprios dos AA.;</font><br>
</p><p><font>3- Todos os referidos RR., solidariamente, no pagamento aos AA. da quantia de € 1.040,00, correspondente às despesas de funeral.</font><br>
</p><p><font>B- Absolve-se a 5ª R. Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda. do pedido da ação.</font><br>
</p><p><font>Todas as quantias são acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><font>As custas da apelação da 3ª R. serão suportadas por ela e pelos AA. na proporção do respetivo decaimento no recurso.</font><br>
</p><p><font>As custas da apelação da 5ª R. serão suportadas pelos AA., dado o seu total decaimento no recurso.</font><br>
</p><p><font>As custas da ação são da responsabilidade dos AA. e dos RR. condenados, na proporção do decaimento de cada um deles, tudo de acordo com o disposto nos art.ºs 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Voto de vencida da Exma. Desembargadora Francisca Mota Vieira</font><br>
</p><p><font>“Voto vencida a decisão na parte do nº 2 do dispositivo e fundamentação respetiva, porque, sendo solidária a responsabilidade dos 1ª, 2º e 3ª Réus, a distinta contribuição destes na dinâmica causal que produziu o dano não pode desvirtuar a natureza solidária da obrigação em que aqueles réus estão constituídos perante os Autores, terceiros lesados, nos termos dos artigos 512º, nºs 1 e 2 e 497º, nº 1 do Código Civil, sendo que no regime de solidariedade há sempre que considerar o plano das relações externas (as estabelecidas entre credores solidários e o devedor ou entre devedores solidários e o credor) e o plano das relações internas (as estabelecidas entre os devedores solidários entre si ou entre os credores solidários entre si) e que apenas naquele plano das relações externas é que é retratado o regime fundamental da solidariedade, relevando a distinta contribuição dos devedores para a produção do dano apenas no plano das relações internas, conforme art. 512º nº 2 e 516º do CC.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.5. </font><b><font>A 3ª Ré - VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A.,</font></b><font> </font><b><font>recorreu de revista, com as seguintes conclusões:</font></b><br>
</p><p><font>1.O objecto da apelação abrange o dispositivo do douto acórdão recorrido na parte em que decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando a ora recorrente a pagar aos autores as quantias ali discriminadas, num total de 65.000,00 euros, no que respeita aos danos não patrimoniais, e 1.040,00 euros, no que respeita aos danos patrimoniais, acrescidas dos juros legais desde a citação, sendo o valor da sucumbência de 66.040,00 euros.</font><br>
</p><p><font>2. Entende a recorrente que não se verificam, relativamente a si, os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrentes do instituto da responsabilidade civil extra-contratual, previstos no artigo 483º do CC. </font><br>
</p><p><font>3. Conforme resulta dos pontos 6, 7, 10, 12, 13, 32, alínea 5, e 34 dos factos provados, o facto voluntário que provocou o dano consistiu na omissão e escoramento/entivação da vala, destinando-se tal operação técnica a evitar o soterramento no caso de ocorrer um desabamento de terras e verificando-se que a não entivação de parte da vala ocorreu por ordem e não promoção da mesma pelo réu CC, gerente da ré subempreiteira Pavilanheses.</font><br>
</p><p><font>4.O cumprimento de tal norma de segurança é idónea e suficiente para impedir lesões ou morte por soterramento, seja de trabalhador, seja de qualquer outra pessoa, pelo que a invocada omissão de ser ministrada formação adequada, com o devido respeito, não pode relevar como nexo de causalidade dequada para o acidente, sendo, face à verificada falta de entivação/escoramento da vala, inidónea para evitar o mesmo.</font><br>
</p><p><font>5.Verifica-se que o douto acórdão recorrido, e bem, não imputa a omissão de entivação/escoramento à recorrente, referindo, aliás, expressamente, que aquela, além do mais, não tinha o dever nem a possibilidade de vigiar e fiscalizar a todo o momento a existência da entivação/escoramento, situação que apenas poderia ser verificada por quem se encontrasse no local e no momento em causa --- no seguimento da alteração de redacção decidida quanto aos pontos 37, 38 e 44 da matéria de facto provada e eliminação do ponto 39 --- concluindo não se verificar negligência imputável à recorrente quanto a tal omissão praticada pela subempreiteira.</font><br>
</p><p><font>6. Assim, não tendo a recorrente omitido qualquer acto de entivação/escoramento da vala que lhe fosse imputável, não poderá ser responsável pela indemnização peticionada nos autos, sendo certo que, com o devido respeito, o único nexo de causalidade com o evento ocorrido, ou seja, a morte do sinistrado, teria sempre de ser reportado à referida omissão de entivação/escoramento da vala e não a eventual omissão de formação adequada, verificando-se, aliás, que esta omissão não foi provada nos autos.</font><br>
</p><p><font>7. Considera o douto acórdão recorrido, e bem, que a ilicitude da omissão da entivação/escoramento da vala em causa não pode ser imputada à recorrente, não lhe sendo exigível, no âmbito do dever de vigilância, que evitasse a existência de uma situação apenas constatável por quem estivesse no exacto momento e local em que ocorreu, resultando, tal das alterações aos factos provados decididos em sede de apelação, com nova redacção dos pontos 37, 38 e 44 e eliminação do ponto 39.</font><br>
</p><p><font>8. Por outro lado, ao contrário do entendido no douto acórdão recorrido, a recorrente não pode ser responsabilizada, por não ter provado ter ministrado formação, por aplicação do disposto no artigo 493º, nºs 1 e 2, do Código Civil, pois prevê tal norma legal uma presunção de culpa apenas aplicável no caso de se verificar a prática de facto ilícito pela recorrente, o que, como já se alegou, não ocorreu, não lhe podendo ser imputado o facto e a ilicitude relativamente à omissão de entivação/escoramento da vala. </font><br>
</p><p><font>9. A eventual omissão de formação ao sinistrado, como já se referiu, não constitui facto voluntário da recorrente idóneo para provocar o evento e não se pode considerar, com o devido respeito, abrangida pelo âmbito das obrigações de vigilância sobre coisa imóvel, pressuposto da norma legal invocada.</font><br>
</p><p><font>10.A presunção de culpa, ainda que fosse aplicável, não envolve a dispensa da prova do nexo de causalidade, exigindo-se, por isso, a demonstração de que ocorreu um facto voluntário do agente, um comportamento dominável pela vontade, revista ele a forma de ação ou de omissão.</font><br>
</p><p><font>11. E, conforme resulta da alínea P) dos factos não provados, não foi logrado pelos autores provar que a ora recorrente não ministrou formação à vítima e aos demais trabalhadores. Assim, não se tendo provado tal facto/omissão da recorrente, a presunção de culpa, prevista no artigo 493, do CC, não opera por falta não só de prova do facto voluntário a imputar à recorrente, como por, em consequência, não existir nexo de causalidade entre um facto (que não se provou) e a afectação do direito do lesado.</font><br>
</p><p><font>12. Assim, entende a recorrente que só o subempreiteiro responde perante terceiros pelos actos por ele praticados, dada a autonomia com o empreiteiro.</font><br>
</p><p><font>13. Considerou, e bem, o douto acórdão recorrido, que, no que respeita à omissão de entivação/escoramento da vala, nenhuma imputação culposa poderia ser feita à recorrente e, por outro lado, não se provou nos autos que, conforme alínea P) dos factos não provados, a recorrente não tivesse ministrado formação adequada aos trabalhadores da ré subempreiteira que se encontravam a laborar no local do acidente, nem se provou que a recorrente nenhuma formação deu ao trabalhador sinistrado</font><br>
</p><p><font>14. Assim, a existência do facto voluntário da recorrente que poderia ser classificado de ilícito e lhe poderia ser imputado a título de culpa não foi provado nos autos e, como já referido, competia aos autores o ónus da prova da verificação de tal facto voluntário praticado pela recorrente, pois a presunção de culpa prevista no artigo 493º, nº 1, do CC, ou no seu nº 2, não abrange uma presunção de causalidade, pelo que, conforme o </font><br>
</p><p><font>16. Sem conceder, não se verifica, ao contrário do decidido, que tenha ocorrido nexo de causalidade entre um facto omitido pela recorrente e o dano sofrido pela vítima, pois, sendo o facto invocado a omissão de a recorrente ter ministrado formação adequada, nomeadamente à vítima, verifica-se, como já referido, que tal facto não foi provado nos autos, não operando a presunção de culpa, ou até de eventual ilicitude, decorrente do disposto no artigo 493º, do CC, relativamente à causalidade e existência do facto voluntário.</font><br>
</p><p><font>17. Verificando-se ainda que a recorrente empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir o acidente, como resulta dos factos provados sob os pontos 29, 30, 31, 32 ( subpontos 6), 11), 12), 13), 14), 15), 16) e 17) ), 34, 35, 36 ( « Assim, não se verifica a existência do nexo de causalidade exigido pelo artigo 563º, do CC, entre a conduta da recorrente e o acidente e, consequentemente os respectivos danos, não existindo, também por isso, obrigação de indemnizar.</font><br>
</p><p><font>18. Considera a recorrente que, face ao já exposto, não existe obrigação da sua parte de reparar os danos decorrentes do acidente, não se aplicando o disposto no artigo 562º, do CC.</font><br>
</p><p><font>19. Sem conceder relativamente ao alegado e, desse modo, quanto à sua consequente absolvição integral do pedido pelos autores, que peticiona na procedência desta revista, caso tal não seja acolhido, considera a recorrente que os montantes fixados pela douto acórdão recorrido, no que respeita aos danos não patrimoniais, devem ser ainda reduzidos, de forma equitativa, atendendo, desde logo, no que respeita à recorrente, que mesmo que lhe fosse imputável a responsabilidade, o seu grau de culpabilidade seria sempre substancialmente menor relativamente aos demais co-réus, nomeadamente o subempreiteiro e seu gerente, como, aliás, já foi acolhido no douto acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font>20. Assim, entende a recorrente, com o devido respeito, como já pedido em sede de apelação, que a indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima e pelo dano de privação da vida, deveria ser reduzida para montante não superior a cinco mil euros e quarenta mil euros respectivamente e, no que se refere aos danos morais sofridos pelos autores, que a indemnização deveria ser reduzida para montante não superior a cinco mil euros para cada um deles. Ou seja, sendo o valor da indemnização por danos não patrimoniais fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, ao abrigo do disposto no artigo 494º do CC, deverá a mesma ser fixada em percentagem não superior a 55% do montante total fixado em 1ªinstância, ou seja, um total de 55.000,00 euros, em partes iguais para cada um dos autores, ao invés dos 65% e 65.000,00 euros fixados no douto acórdão recorrido.</font><br>
</p><p><font>21. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 483º, nº1, 486º, 487º, nº 1, 493º, nºs 1 e 2, 494º, 496º, nº 3, 562º e 563º, do Código Civil, devendo tais normas legais ser interpretadas e aplicadas no sentido de não se considerarem verificados relativamente à recorrente os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual e, em consequência se verificar a inexistência de obrigação desta indemnizar os autores, ou, sem conceder, ainda que tal não proceda, tal obrigação ser reduzida no que respeita aos danos não patrimoniais.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.6. – </font><b><font>Os Autores AA e BB, AUTORES recorreram de revista</font></b><font> na parte em que o acórdão da Relação alterou a sentença recorrida, absolvendo a 5ª R. Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda. do pedido da acção, e alterando a condenação solidária da Ré Vítor Almeida & Filhos, S.A., reduzindo-a para 65% do valor total da indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais, com as seguintes conclusões </font><br>
</p><p><font>1. O “adequado cumprimento das suas (da Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª”) obrigações funcionais” apenas se mostrará cumprido e será efectivo e real se e quando a entidade responsável pela coordenação de segurança em obra colocar nessa obra pessoas em número suficiente para garantia essa mesma segurança, com especial relevo para o rigoroso cumprimento do PSS.</font><br>
</p><p><font>2. A Entidade responsável era a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª. Se a Engª FF (funcionária desta) esteve naquela frente de obra apenas 2 vezes em 15 dias porquanto (supõe-se) no restante tempo estaria noutros locais da obra (noutras frentes) apenas àquela Ré se pode imputar a efectiva e real incapacidade para os serviços para que foi contratada.</font><br>
</p><p><font>3. Ao celebrar o contrato com a Adra (facto provado nº 3) teve necessariamente de tomar conhecimento da grandeza da obra pelo que se não era capaz de assegurar o cabal exercício das funções que lhe eram exigidas, não deveria ter contratado com a Adra.</font><br>
</p><p><font>4. Considerar que a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª cumpriu com as suas obrigações funcionais porque ficou demonstrado (ou se considerou como tal) que por duas vezes a Engª FF chamou a atenção para falhas de segurança, é de uma displicência indescritível e demonstra uma inadmissível benevolência para com esta Ré.</font><br>
</p><p><font>5. A Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª foi claramente negligente, ao considerar que uma pessoa apenas seria suficiente para cobrir adequadamente todas as frentes da obra, o que, manifestamente, não aconteceu.</font><br>
</p><p><font>6. Se naquela frente de obra já tinha havido incumprimento, tal facto era (contrariamente ao entendimento da Relação) motivo acrescido para uma vigilância redobrada, isto é, havendo motivos para se considerar que naquela frente de obra alguém era incumpridor, a Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª deveria ter reforçado a sua função fiscalizadora naquela frente de obra.</font><br>
</p><p><font>7. Porém, nada consta dos Autos a este respeito, constando, pelo contrário, do relatório do ACT, que “não foram apresentadas evidências, por parte da coordenação de segurança de ter promovido e verificado o cumprimento do plano de segurança e saúde” e que “Não foram apresentados registos das actividades do coordenador de segurança”.</font><br>
</p><p><font> 8. A dimensão, complexidade e a própria natureza das obras são determinantes de</font><font> </font><font>diferentes condições de trabalho com consequências diversas no que respeita à ocorrência de riscos, frequentemente muito graves, para a segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Por isso, o exercício das actividades de coordenação em matéria de segurança e saúde no trabalho, quer durante a elaboração do projecto, quer durante a execução da obra, implica níveis de exigência diferentes no que diz respeito às competências requeridas, em função da dimensão, complexidade e natureza dos empreendimentos que são objecto da coordenação.</font><br>
</p><p><font>9. A Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª não calculou convenientemente o risco existente daquela obra, de modo a fazer o acompanhamento que era devido e se lhe exigia – razão pela qual é solidariamente responsável com os demais Réus já condenados por todos os danos sofridos pelos Autores e já quantificados nos Autos.</font><br>
</p><p><font>10.O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação do disposto no artº 19º nº 2, als. e) e h) do Dec. Lei nº 273/2003 de 29 de Outubro.</font><br>
</p><p><font>11. No caso em apreço não está em causa a aplicabilidade daquele regime, mas sim a prática de um facto omissivo ilícito pela 3.ª Ré que era a adjudicatária da empreitada em apreço (empreiteira geral), e foi a mesma que declarou «que na execução de todos os trabalhos cumprirá e fará cumprir pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação todas as obrigações previstas no Decreto-Lei nº 273/2003 de 29 de Outubro e demais legislação aplicável no âmbito da construção e da segurança, higiene e saúde no trabalho» - facto provado 27.</font><br>
</p><p><font>12 Foi a 3.ª Ré quem nomeou o director técnico e o representante do empreiteiro (o Réu DD) para aquela empreitada, sendo que este último ficou responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho a que se refere a cláusula 6.1.9 do caderno de encargos os quais se comprometeram a desempenhar as funções com dedicação, proficiência e assiduidade. E foi ainda ela quem nomeou GG (que aceitou a nomeação) como responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.</font><br>
</p><p><font>13. Era a 3.ª RR quem estava obrigada a dar formação aos trabalhadores da 1.ª R. subempreiteira, não tendo provado que tivesse ministrado tal formação.</font><br>
</p><p><font>14. Está, assim, em causa a responsabilidade de uma entidade cuja actividade lucrativa está directamente relacionada com o acidente, sendo a própria dona de obra, devendo a sua atenção estar centrada (como decorre da factualidade dada como provada) na formação dos trabalhadores e cumprimento da legislação aplicável no âmbito da construção e da segurança, higiene e saúde no trabalho, para bem cumprir as obrigações por si assumidas.</font><br>
</p><p><font>15. Acresce que a 3.ª Ré sempre seria responsabilizada ao abrigo do dever de vigilância consagrado no art. 493º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>16. O Tribunal “a quo” confunde no regime da responsabilidade solidária o plano das relações externas (relações que se estabelecem entre os credores) e o plano das relações internas (aquelas que se estabelecem entre os devedores), como bem se alerta voto de vencido.</font><br>
</p><p><font>17. Nas obrigações solidárias, pelo seu lado activo, qualquer dos credores tem a faculdade de exigir do devedor a prestação por inteiro, e a prestação efectuada pelo devedor a qualquer deles libera-os em face de todos os outros credores. É no chamado plano externo que, como é bom de ver, é retratado o regime fundamental da solidariedade. No plano das relações internas não são necessariamente iguais as quotas ou partes que competem a cada um dos devedores ou credores, sendo o mesmo já um traço secundário, não essencial, da solidariedade.</font><br>
</p><p><font>18. Os arts. 512º, n.º 2 e 516º do Cód. Civil funcionam neste plano interno, pelo que a circunstância dos devedores solidários estarem obrigados entre eles em termos diversos, ou com diversas garantias, ou do conteúdo das prestações de cada um deles ser diferente, não obsta a que a obrigação seja solidária, sendo, aliás, indiferente para o estabelecimento do regime da solidariedade.</font><br>
</p><p><font>19. Sendo solidária a responsabilidade dos 1.ª, 2º e 3ª Réus, a alegada distinta contribuição destes na dinâmica causal que produziu o dano não pode desvirtuar a natureza solidária da obrigação em que aqueles RR estão constituídos perante os AA, terceiros lesados, nos termos dos artigos 512º, n.ºs 1 e 2 e 497.º, n.º 1 do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>20. A interpretação levada a cabo pelo Tribunal “a quo” dos artigos 512.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil deturpa o regime da solidariedade e desprotege os lesados, ao reduzir consideravelmente a aplicação daquele regime nas relações externas.</font><br>
</p><p><font>21. Julgando a revista procedente e condenando os Réus Pavilanheses – Construções Unipesssoal Lda, CC, Vitor Almeida & Filhos Lda e Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda a pagarem, solidariamente a cada um dos Autores, a quantia de 5.000 €, por danos morais da vítima, 35.000 € pelo dano de privação do direito à vida da vítima, 10.000 € por danos morais próprios dos autores e a quantia de 1.040,00 €, correspondente às despesas de funeral, quantias acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, Vªs. Exªs farão, como sempre, a habitual</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>II – FUNDAMENTAÇÃO</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>2.1. – </font><b><font>O objecto dos recursos</font></b><font> </font><br>
</p><p><font>As questões submetidas a recurso, delimitadas pelas respectivas conclusões, são, no essencial e por ordem lógica, as seguintes:</font><br>
</p><p><font>A responsabilidade da 3º Ré (empreiteira)</font><br>
</p><p><font>A responsabilidade da 5ª Ré (coordenadora de segurança)</font><br>
</p><p><font>A quantificação da indemnização pelos danos não patrimoniais</font><br>
</p><p><font>A responsabilidade solidária dos Réus.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.2. – </font><b><font>Os factos provados</font></b><font> </font><br>
</p><p><font>1 - </font><font>A Adra – Águas da Região de Aveiro, S.A., na qualidade de dona de obra, adjudicou ao Réu Vítor Almeida & Filhos, S.A., cujo legal representante é o Réu DD, a obra “Lote 1 – Infra-estruturas Municipais de Saneamento Básico ...... – Fase 12 – Redes de Drenagem de Águas Residuais do PAR – 022, PAR-023 e PAR-024”.</font><br>
</p><p><font>2 - Em 24 de Fevereiro de 2014, o Réu Vítor Almeida & Filhos, S.A., na qualidade de entidade executante, com vista à execução daquela obra, celebrou um contrato de subempreitada com a Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda., cujo gerente é o Réu CC.</font><br>
</p><p><font>3 - </font><font>A Adra – Águas da Região de Aveiro, S.A. contratou a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Lda para efectuar os trabalhos de fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.</font><br>
</p><p><font>4 - O pai dos AA, vítima EE, exercia as funções de pedreiro por conta, ordem e direcção da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda., desde o dia 3 de Fevereiro de 2014, ainda que sem seguro de trabalho.</font><br>
</p><p><font>5 - No dia 11 de Março de 2014, na frente da obra sita na Rua …...., em …….., ......, estavam em curso, por conta da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda., trabalhos de abertura de uma vala para colocação de tubagem de saneamento, com cerca de 3,40 metros de profundidade e 12 metros de comprimento.</font><br>
</p><p><font>6 - Apenas metade do interior daquela vala (cerca de 6 metros) se encontrava escorada/entivada, a fim de proceder ao sustentamento dos solos naquela parte, com o objectivo de evitar que ocorressem desmoronamentos de terra enquanto os trabalhadores se encontrassem no seu interior,</font><br>
</p><p><font>7 - Permanecendo os restantes 6 metros sem qualquer protecção colectiva – sem entivação da vala, por forma a prevenir o risco de soterramento.</font><br>
</p><p><font>8 - No dia 11 de Março de 2014, sensivelmente pelas 17h35, encontravam-se na obra a vítima EE, CC, além de outros trabalhadores.</font><br>
</p><p><font>9 - Junto à vala, mas fora da mesma, encontravam-se CC, na qualidade de gerente da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda, dando as instruções/ordens aos trabalhadores no local.</font><br>
</p><p><font>10 - EE encontrava-se na zona mais profunda da vala, na parte não entivada, com a função de puxar areia para fazer o lastro e depois pousar o tubo.</font><br>
</p><p><font>11 - A dado momento, as terras e pedras de um dos lados do talude desprenderam-se (não tendo qualquer suporte que as fixasse).</font><b | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ljK5u4YBgYBz1XKvRjcI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i><br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<br>
<font>1) AA</font><br>
<font>2) BB intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, </font><br>
<i><u><font>contra </font></u></i><br>
<font>1) CC e marido DD, </font><br>
<font>2) EE e esposa FF </font><br>
<font>e</font><br>
<font>3) GG e esposa HH, </font><br>
<i><u><font>pedindo</font></u></i><font> </font><br>
<font>- que sejam colocadas no lugar dos segundos RR. na aquisição do imóvel onde residem, adquirido aos primeiros réus. </font><br>
<br>
<font>Para o efeito, alegaram que são arrendatárias dos primeiros RR., os quais venderam aos segundos o prédio em questão, que foi hipotecado por estes ao terceiro R. e, embora lhes tenha sido comunicada a intenção de alienação do imóvel, não foram comunicadas as condições concretas em que a venda foi efectuada, sendo certo que as autoras nunca renunciaram à aquisição do mesmo. </font><br>
<br>
<font>Citados, contestaram os RR., adiantando todos eles, no essencial, que as AA. não quiseram exercer o direito de preferência, sendo-lhes comunicadas todas as condições essenciais do negócio, e que o direito invocado pelas AA. já caducou, tendo ainda GG e mulher, excepcionado a ilegitimidade desta, em virtude de serem casados sob o regime de separação de bens e suscitando ainda a existência de erro na forma do processo.</font><br>
<br>
<font>Após réplica das AA. e tréplica dos RR., foi proferido despacho saneador, no qual se </font><u><font>julgou procedente a excepção de ilegitimidade da Ré </font></u><font>HH que, em consequência, foi logo absolvida da instância, se relegou para final o conhecimento da restante matéria exceptiva e foi elaborada base instrutória. </font><br>
<br>
<font>Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença julgando a acção improcedente.</font><br>
<font>As AA. recorreram. </font><br>
<br>
<font>Por acórdão da Relação de Lisboa (cfr. fls. 887 a 896), foi no entanto anulada a sentença, determinando-se a ampliação da matéria de facto. </font><br>
<font>Ampliada esta, repetiu-se a audiência de julgamento, após o que se lavrou nova sentença, em que se julgou igualmente improcedente a acção. </font><br>
<br>
<font>De novo inconformadas, voltaram as AA. a interpor recurso para a Relação, mas o Acórdão da Relação voltou a julgar improcedente a apelação.</font><br>
<br>
<font>Pedem agora Revista desse Acórdão.</font><br>
<br>
<font>O recurso foi admitido, havendo as AA. apresentado as respectivas alegações.</font><br>
<font>Contra-alegou apenas o 3.º R., que pediu que se visasse também na análise do recurso a questão do abuso de direito. </font><br>
<br>
<font>Remetidos os autos a este Supremo Tribunal foi o recurso aceite com a adjectivação anteriormente atribuída</font><br>
<font>Correram os vistos.</font><br>
<font> ………………………</font><br>
<br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, vamos começar por transcrever as conclusões apresentadas pelas AA.-Recorrentes nas suas alegações de recurso, já que é por elas que deve entender-se delimitado o respectivo âmbito.</font><br>
<br>
<font>Assim:</font><br>
<br>
<i><font>“ 1°. Por carta datada de 28 de Maio de 1985, recebida em 3 de Junho de 1985, CC e marido, proprietários do imóvel sito na Rua do Poço Novo, em Cascais, comunicaram aos herdeiros de F...R...J... e aos herdeiros de A...J...O..., (os primitivos inquilinos respectivamente do rés-do-chão e 1 ° andar do imóvel sito na Rua do Poço Novo, n°. ..., em Cascais), o projecto de venda deste a EE, pelo preço de 7.500.000$00, quantia a pagar a pronto e no dia 2 de Outubro de 1985, a fim de os mesmos exercerem o direito de preferência que lhes assiste; </font></i><br>
<i><font>2°. Dos autos resulta não só que esse projecto não foi comunicado a ambos os cônjuges inquilinos do rés-da-chão e l.º andar do imóvel, </font></i><br>
<i><font>3°. Como tal projecto não se concretizou, isto é, o imóvel não foi vendido naquela data, nem no condicionalismo ali comunicado. </font></i><br>
<i><font>4°. Os autos também informam que as rendas devidas pelo inquilinos do 1.º andar e do rés-do-chão continuaram a ser pagas aos senhorios e no mesmo local, </font></i><br>
<i><font>5°. Dos autos resulta também que, por carta datada de 2 de Dezembro de 1997, EE comunicou às AA., já viúvas, que adquirira o imóvel por escritura de 21 de Novembro de 1997 outorgada no 5.º Cartório Notarial de Lisboa e indicava o novo local de pagamento das rendas de futuro. </font></i><br>
<i><font>De imediato, </font></i><br>
<i><font>6°. As AA. acederam à escritura de compra e venda, fIs. 336 e seguintes, e constataram "que no dia 21 de Novembro de 1997, M...J...V...M..., como procurador de CC e marido, venderam a EE e por sete milhões e quinhentos mil escudos, livre de ónus e encargos o imóvel". </font></i><br>
<i><font>E mais que, </font></i><br>
<i><font>7. O dito EE se confessa devedor a GG da quantia de 35.000.000$00- Trinta e Cinco Milhões de Escudos-. </font></i><br>
<i><font>8°. Conhecedoras da transacção do imóvel de que são inquilinas e nos exactos moldes que ali se contém, as AA., no prazo que a Lei lhes consente, e no exercício do direito de preferência que lhes assiste como arrendatárias, distribuíram acção para o exercício do direito de preferência na aquisição subjacente à venda efectivamente concretizada e no mesmo condicionalismo. </font></i><br>
<i><font>9°. Na escritura não se contém quaisquer "das vicissitudes" que o Julgador menciona quererem as AA. "aproveitar", vicissitudes a que comprovadamente são alheias. </font></i><br>
<i><font>10°. Resulta provado nos autos -Alínea S) que em 11 de Julho de 1985, EE, CC e marido, celebraram um contrato promessa recíproco da compra e venda, relativo ao prédio dos autos, sendo o preço acordado de esc.: 7.500.000$00 a liquidar no acto da outorga da escritura, a realizar no dia 30 de Janeiro de 1986, tendo sido entregue pelo EE a quantia de 2.500.000$00 a título de sinal. E também que, depois, é substituído o acordo atrás mencionado, </font></i><br>
<i><font>11°. Em 30 de Maio de 1986, EE e CC e marido celebraram novo contrato promessa recíproco de compra e venda relativo ao prédio dos Autos que substituía o primeiro, mantendo-se o preço acordado de Esc.: 7.500.000$00, sendo a escritura a realizar até 31 de Julho de 1986, tendo sido entregue pelo EE mais Esc.: 1.000.000$00, a titulo de sinal e comprometendo-se a pagar mais 1.500.000$00 até 30 de Junho e o restante no acto da escritura; </font></i><br>
<i><font>12°. Também está assente que, "desinteligências recíprocas", conforme o alegado pelo EE no art° 40.º da sua Contestação, motivaram este a requerer a execução específica do Contrato Promessa atrás descrito, Alínea T) da Matéria Assente; </font></i><br>
<i><font>13°. Essas "vicissitudes", afinal as "desinteligências recíprocas" a que as Recorrentes são alheias, ao invés do (que) se lê na Sentença da 1.ª Instância, se nunca as procuraram aproveitar, também as mesmas não as podem prejudicar ou justificar ser-lhes negado o direito que lhes assiste de preferir, em igualdade de condições, às consentidas ao EE, na venda do imóvel de que são, há muitas dezenas de anos, inquilinas. </font></i><br>
<i><font>14°. "As tais vicissitudes" é que teriam determinado a "delonga" na outorga da escritura que, prevista para 31 de Julho de 1986, teve lugar mais de 12 anos depois, ou seja, 21 de Novembro de 1997; </font></i><br>
<i><font>15°. E implicaram o pagamento de uma indemnização pela mora de esc.: 7.500.000$00, pagamento efectuado pelo Recorrido GG que, entretanto financiou o comprador, com a quantia de esc. 35.000.000$00, garantida por hipoteca sobre o imóvel em causa. </font></i><br>
<i><font>E porque, </font></i><br>
<i><font>16°. A comunicação de 28.05.85 é ineficaz em relação às AA., porque não foi cumprido o art. 1.463° do C.P.C., </font></i><br>
<i><font>17°. Nem tal cumprimento se presume, como se sugere no Acórdão recorrido, onde se sustenta que não é conforme a normalidade duma vida em comum ... que o cônjuge que recepcionou a comunicação não tenha do teor desta dado conhecimento ao outro cônjuge, e assim a presunção de que o marido da A. BB lhe referiu a carta que recebeu e a A. AA referiu ao marido o projecto que lhe fora comunicado, não pode consentir que se decida que aquela comunicação era eficaz e cumpria o art.º 416° n.º 1 e n° 2, o art 1.463°, o art. 47° n°. 1 do RAU. </font></i><br>
<i><font>18°. Acresce até que, para dissipar dúvidas, como a que o Acórdão em recurso coloca, no NRAU até se contém o seguinte dispositivo: </font></i><br>
<font>(Art°. 1068°. (Comunicabilidade) </font><br>
<font>"o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente" </font><br>
<i><font>19°. Mesmo que a comunicação de 28 de Maio de 1985 tivesse sido cumprida nos termos da Lei e não foi, a verdade é que, é ao obrigado à preferência que incumbe provar que cumprira eficazmente tal obrigação. </font></i><br>
<i><font>20°. Tal transacção que na previsão do Acórdão teria sido reciprocamente comunicada, não se concretizou, mas sim a prevista no Contrato Promessa de 30 de Maio de 1986 -Alínea T), não comunicada aos inquilinos. ! </font></i><br>
<i><font>21.º Parafraseando a Sentença da 1.ª Instância, </font></i><br>
<i><font>" ... da nova matéria de facto discutida em Audiência de Julgamento ... » na sequência da anulação da 1.ª Sentença para se averiguar se às AA. havia sido dado conhecimento do contrato promessa da Alínea T), nada de novo se apurou, </font></i><br>
<i><font>22°. Temos como inequívoco que aos arrendatários, primitivos ou sucessores, não foi comunicado o citado projecto expresso no contrato promessa de 30 de Maio de 1986, </font></i><br>
<i><font>23°. Nem tampouco, - diga-se - o Acordo homologado por Sentença Judicial de 22 de Maio de 1996, no qual se estipula que a escritura seria celebrada até 22 de Novembro de 1997, devendo o R. EE pagar mais a quantia de 7.500.000$00 a título de indemnização pelos danos resultantes do atraso na marcação da escritura, conforme documento de fIs. 116 e 117, Alínea R) fis. 997. </font></i><br>
<i><font>24°. Acordo esse que só chegou ao conhecimento das AA. na pendência dos autos e justificou o articulado superveniente, Acordo que, em boa verdade e em cumprimento da Lei, deveria ter sido comunicado aos arrendatários ! </font></i><br>
<i><font>E assim, </font></i><br>
<i><font>25°. Não concretizado o projecto de 28 de Maio de 1985, aliás imperfeitamente comunicado aos titulares do direito de preferência, </font></i><br>
<i><font> 26°. Impunha-se notificar os arrendatários do projecto da venda do imóvel titulado pelo contrato promessa de 31 de Maio de 1986, Alínea T) que substituiu o contrato promessa de 11 de Julho de 1985, Alínea S). </font></i><br>
<i><font>Ou, </font></i><br>
<i><font>27°. Mesmo o Acordo homologado por Sentença referido na Alínea R) onde os obrigados à preferência, (os proprietários do imóvel) e o R. EE, estipulam que a escritura seria celebrada até 21 de Novembro de 1997, e que aquele se obriga a ressarcir os proprietários pela mora, com a indemnização de 7.500.000$00, quantia que, comprovadamente, até não constituía preço do imóvel, nem foi pelo mesmo liquidada. </font></i><br>
<i><font>Pelo exposto: </font></i><br>
<i><font>Assiste às Recorrentes o direito de preferir na transacção do imóvel, de que há muitas dezenas de anos são inquilinas, sito na Rua do Poço Novo, na. ..., em Cascais. </font></i><br>
<i><font>Termos em que, </font></i><br>
<i><font>Se requer (…) seja reconhecido às AA. o direito de preferir na venda do imóvel sito no n°. ... na Rua do Poço Novo, em Cascais e identificado nos Autos e livre de ónus e encargos, venda em que intervieram CC e DD, como proprietários, e EE e mulher FF, e titulado por escritura de 21 de Novembro de 1997, outorgada no 5.º Cartório Notarial de Lisboa, e condenados os mesmos EE e mulher a abrir mão do referido imóvel a favor das AA. que assim os substituirão na posição de adquirentes nos termos da Lei, e assim e como se requereu na P.I., ser ordenado o averbamento desta aquisição à inscrição predial e o cancelamento de todos os registos de transmissão e oneração posteriores à transmissão a favor dos l.ºs Recorridos, sempre com custas e encargos a cargo dos RR.. </font></i><br>
<i><font>E assim se fará Justiça !”</font></i><br>
<font> ………………….</font><br>
<br>
<font>Da leitura destas conclusões vemos que as questões que se nos mostram suscitadas pelas AA. são as seguintes:</font><br>
<br>
<font>a) inobservância por parte dos RR.- vendedores das condições legalmente exigíveis para o exercício da preferência por parte das AA.; </font><br>
<font>b) diferenças entre o negócio que foi comunicado e o efectivamente realizado, e suas consequências. </font><br>
<font>Em contrapartida, o 3.º R. pretende que se analise também, ao abrigo do art. 684.º-A do CPC., o abuso de direito</font><br>
<font>……………………..</font><br>
<br>
<font>III- Fundamentação</font><br>
<br>
<font>III-A) Os factos</font><br>
<br>
<font>Foram considerados assentes e/ou provados nas instâncias os factos seguintes:</font><br>
<br>
<i><font>“A) A autora AA é inquilina do rés-do-chão do imóvel sito na Rua do Poço Novo, n° ..., em Cascais, por lhe haver sido transmitido a si e a seu marido, J...H...B...A..., o direito ao arrendamento outorgado por seu falecido pai, F...R...J..., conforme resulta dos documentos de fls. 20 a 27, 41 a 47, 52 a 56, 103, 306 a 308, 313 e 314. </font></i><br>
<i><font>B) Em 15 de Agosto de 1995 faleceu J...H...B...A..., marido da autora AA, conforme certidão de fls. 314. </font></i><br>
<i><font>C) A autora BB é, por lhe haver sido transmitido por falecimento do titular,A...J...de O..., inquilina do 1° andar da Rua do Poço Novo, n° ..., em Cascais, conforme resulta dos documentos de fls. 26 a 28, 48 a 51, 57, 102 e 306 a 312. </font></i><br>
<i><font>D) Em 10 de Agosto de 1988 faleceu o marido desta, F...J...M...de O..., conforme certidão de fls. 28. </font></i><br>
<i><font>E) Os réus CC e DD foram donos do prédio urbano sito na Rua do Poço Novo, n° ..., em Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 769, registada a seu favor pela inscrição G-1, inscrito na respectiva matriz sob o art. 530°, conforme certidões de fls. 28 a 35. </font></i><br>
<i><font>F). Por escritura de 21 de Novembro de 1997, lavrada no 5 ° Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 27 e seguintes do Livro 229-L, os réus CC e DD declararam vender aos réus EE e FF, que declararam comprar, o referido imóvel livre de ónus e encargos e pelo preço de Esc. 7.500.000$00, conforme certidão de fls. 36 a 40. </font></i><br>
<i><font>G) O prédio não estava constituído no regime de propriedade horizontal. </font></i><br>
<i><font>H) Em 28 de Maio de 1985, foi dirigida aos herdeiros de F...R...J..., para o rés-do- chão do imóvel em causa, a carta de fls. 41, na qual os réus CC e DD comunicam que vão proceder à venda do prédio dos autos, notificando aqueles para exercerem a preferência, com o "Projecto e cláusulas essenciais do respectivo contrato" seguintes: </font></i><br>
<font>"Preço ajustado - 7.500.000$00; </font><br>
<font>"Pagamento - por inteiro, no acto da escritura, em moeda corrente no país; </font><br>
<font>"Despesas de sisa e registos a cargo do comprador, assim como as demais relativas à escritura, em Cartório Notarial a designar no prazo de sessenta dias; </font><br>
<font>"Pessoa do comprador - Senhor EE". </font><br>
<i><font>J) A autoraAA enviou à ré CC a carta de fls. 43, datada de 4 de Junho de 1985, na qual declara que não pretendia renunciar ao direito de preferência que lhe é consentido e em referência ao rés-do-chão de que é inqui1ina. </font></i><br>
<i><font>L) O s réus CC e DD enviaram à autora AA a carta de fls. 44, na qual referem que, na sequência da carta dirigida pelos mesmos a esta em 28 de Maio, avisam-na que a venda do prédio se realizará no dia 2 de Outubro de 1985. </font></i><br>
<i><font>M) Até à alienação do prédio, as rendas continuaram a ser pagas no mesmo local e aos réus CC e DD. </font></i><br>
<i><font>N) Em 1 de Fevereiro de 1986, os réus CC e DD e a autoraAA procederam a aditamento ao arrendamento, com vista à aplicação do regime de renda condicionada. </font></i><br>
<i><font>O) Por carta datada de 2 de Dezembro de 1997, o réu EE comunicou às autoras que adquirira a propriedade do imóvel que habitam por escritura outorgada em 21 de Novembro de 1997, no 5.º Cartório Notarial de Lisboa, e que as rendas deveriam ser depositadas na Conta n° 013/...- 64 do B.N.C. da Parede, conforme documento de fls. 55 a 57. </font></i><br>
<i><font>P) As rendas vencidas em 1 de Dezembro de1997 eram respectivamente nos montantes de Esc. 21.330$00, devida pela autoraAA, e Esc. 5.561$00 pela autora BB. </font></i><br>
<i><font>Q) Os réus EE e mulher oneraram o imóvel em causa constituindo-se devedores ao réu GG da quantia de Esc. 35.000.000$00, e garantindo essa dívida por hipoteca sobre o referido imóvel, conforme certidões de fls. 36 a 40 e 225 a 229. </font></i><br>
<i><font>R) O réu EE intentou contra os réus CC e DD acção de execução específica do contrato-promessa de compra e venda do prédio dos autos, tendo a acção culminado com o acordo homologado por sentença judicial, de 22 de Maio de 1996, no qual se estipulou que a escritura seria celebrada até ao dia 22 de Novembro de 1997, devendo o réu EE pagar mais a quantia de Esc. 7.500.000$00, a título de indemnização pelos danos resultantes do atraso na marcação da escritura, conforme documento de fls. 116 e 117 . </font></i><br>
<i><font>S) Em 11 de Julho de 1985, o réu EE e os réus CC e DD celebraram um contrato-promessa recíproco de compra e venda, relativo ao prédio dos autos, sendo o preço acordado de Esc. 7.500.000$00, a liquidar no acto de outorga da escritura, a realizar no dia 30 de Janeiro de 1986, tendo sido entregue pelo réu EE Esc. 2.500.000$00, a título de sinal, conforme documento de fls. 156 e 157. </font></i><br>
<i><font>T) Em 30 de Maio de 1986, o réu EE e os réus CC e DD celebraram novo contrato- promessa recíproco de compra e venda, relativo ao prédio dos autos, que substituiu o primeiro, mantendo-se o preço acordado de Esc. 7.500.000$00, sendo a escritura a realizar até 31 de Julho de mesmo ano, tendo sido entregue pelo réu EE mais Esc. 1.000.000$00, a título de sinal, e comprometendo-se a pagar mais Esc. 1.500.000$00 até 30 de Junho, e os restantes Esc. 2.500.000$00, no acto da escritura, conforme documento de fls. 158 e 159. </font></i><br>
<i><font>U) As autoras procederam ao depósito da quantia de Esc. 7.597.250$00, conforme documentado a fls.65. </font></i><br>
<i><font>V) A carta de fls. 41 só foi recebida em 3 de Junho de 1985. </font></i><br>
<i><font>X) Só pelas cartas de fls. 55 e 57 as autoras tomaram conhecimento da alienação do prédio. </font></i><br>
<i><font>Z) E tomaram igualmente conhecimento que os réus EE e mulher oneraram o imóvel. </font></i><br>
<i><font>AA) Através de carta datada de 28 de Maio de 1985, os réus CC e DD deram igualmente conhecimento ao marido da autora BB do projecto de venda do prédio. </font></i><br>
<i><font>BB) Carta essa enviada para os herdeiros de A...J...de O..., nos mesmos termos da carta de fls. 41, tendo aquele respondido não estar na altura interessado, nos termos da carta de fls. 139. </font></i><br>
<i><font>CC) Os réus CC e DD enviaram ao marido da Autora BB, uma carta datada de 30 de Maio de 1985, na qual lhe comunicaram que a escritura tinha sido adiada para o dia 30 de Janeiro de 1986, pelo que, caso este estivesse interessado em exercer o seu direito de preferência, deveria comunicar tal facto no prazo de oito dias, conforme carta junta a fls. 140. </font></i><br>
<i><font>DD) As autoras e os seus respectivos maridos sempre tiveram conhecimento da intenção de compra do imóvel por parte do réu EE. </font></i><br>
<i><font>EE) A Ré CC e DD enviou à autora AA a carta datada de 24 de Junho de 1985, junta a fls. 103, comunicando que teria que preferir em relação a todo o prédio. </font></i><br>
<i><font>FF) A autora respondeu por carta datada de 1 de Julho de 1985, junta a fls. 104, na qual refere ignorar se o prédio está ou não em propriedade horizontal e reafirmando a intenção de preferir relativamente ao rés-do-chão. </font></i><br>
<i><font>GG) Em 30 de Maio de 1986, para reforço do sinal, foi entregue a quantia de Esc. 1.000.000$00, dado não ter sido possível celebrar a escritura na data inicialmente prevista, e entregou o réu EE, em 30 de Junho de 1986, também como novo reforço, a importância de Esc. 1.500.000$00, e a quantia remanescente de Esc. 2.500.000$00 antes de celebrar qualquer escritura. </font></i><br>
<i><font>HH. O prédio tem um valor não inferior a Esc. 80.000.000$00.</font></i><br>
<i><font>II. Além do valor que consta da escritura, os réus GG e mulher entregaram aos réus CC e marido mais Esc. 7.500.000$00. </font></i><font> </font><br>
<font> ………………………..</font><br>
<br>
<font>III-B) Análise do recurso</font><br>
<br>
<br>
<font> Dos factos considerados como provados pelas instâncias, importa reter, como absolutamente determinantes para o êxito da acção, nesta primeira fase de apreciação, os seguintes:</font><br>
<br>
<font>As AA. foram consideradas pelas instâncias como sendo as actuais arrendatárias do rés-do-chão e 1.º andar do prédio não constituído em propriedade horizontal, sito na Rua do Poço Novo, n.º ..., em Cascais, </font><br>
<font>A 1.ª A. é filha de F...R...J..., primitivo arrendatário do rés-do-chão, e viúva de J...R...B...A..., falecido em 15 de Agosto de 1995, dizendo as instâncias que o direito de arrendamento do rés-do-chão lhe foi atribuído a si e ao marido por morte do primitivo titular.</font><br>
<font>A 2.ª A., é filha de A...J...O..., primitivo arrendatário, e viúva de F...J...M...de O..., falecido em 1988.08.10, dizendo as instâncias que lhe foi transmitido por sucessão o direito ao arrendamento do 1.º andar por falecimento do respectivo titular.</font><br>
<font> Em 28 de Maio de 1985 fora enviada pelos 1.ºs RR. aos herdeiros de F...R...J... (primitivo arrendatário do rés-do-chão), uma carta anunciando que iriam proceder à venda do prédio dos autos e notificando-os para exercerem a preferência, dando conta do projecto e das seguintes cláusulas:</font><br>
<i><font>Preço ajustado: 7.500.000$00</font></i><br>
<i><font>Pagamento – por inteiro no acto da escritura em moeda corrente do País;</font></i><br>
<i><font>Despesas de sisa e registos a cargo do comprador, assim como as demais despesas relativas à escritura, em Cartório Notarial a designar no prazo de 60 dias.</font></i><br>
<i><font>Pessoa do comprador: Senhor EE.”</font></i><br>
<font>Na mesma data da primeira carta dirigida aos herdeiros de F...R...J... (1985.05.28) enviaram também os 1.ºs RR. uma outra carta, dirigida agora aos herdeiros de A...J...O..., primitivo arrendatário do 1.º andar, indicando as mesmas condições para preferirem.</font><br>
<br>
<font>A 1.ª A. respondeu em 1985.06.04 à carta que lhe foi enviada, declarando que não pretendia renunciar ao direito de preferência relativamente ao rés-do-chão de que é inquilina. No entanto, quando advertida pelos promitentes vendedores de que o exercício do direito teria de fazer-se relativamente a todo o prédio, declarou não lhe competir saber se o mesmo estava ou não em regime de propriedade horizontal e nada veio a indicar no sentido de pretender exercer o direito sobre a totalidade dele.</font><br>
<font>O marido da 2.ª A., F...J...M...de O..., veio dizer, por sua vez, que na altura lhe não interessava preferir.</font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<br>
<font>É hoje pacífico o entendimento da doutrina e da Jurisprudência que não estando o prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, como era o caso, só é reconhecido o direito de preferência ao inquilino que pretenda adquirir a totalidade do prédio. (1) </font><br>
<font>Ao reafirmar que pretendia exercer a preferência sobre a parte que lhe está arrendada, mas nada dizendo quanto à intenção de preferir relativamente à sua totalidade no prazo previsto - depois de para tal ter sido prevenida pelos promitentes vendedores - , a 1.ª A. manifestou tacitamente , embora de forma clara e inequívoca que, renunciava ao respectivo exercício do direito, uma vez que não proferiu declaração em que afirmasse desejar preferir pela totalidade. No entanto, tal silêncio só pode valer como eficaz relativamente ao concreto negócio de venda pela totalidade, naquelas circunstâncias concretas de tempo e preço, que lhe foram anunciadas. (2) </font><br>
<font>Da mesma forma, o marido da 2.ª A. tornou claro que não pretendia exercer a preferência se o negócio fosse concretizado até ao fim desse ano (3) , o que equivalia a dizer que, se porventura o contrato não viesse a ser realizado dentro da data anunciada, tal como de resto veio a acontecer, operando-se a venda 12 anos mais tarde(!), teria de se admitir que tal declaração era absolutamente ineficaz em termos de caducidade do direito à preferência, porque haviam sido entretanto alteradas as circunstâncias anunciadas e efectivadas. (4).</font><br>
<br>
<font>A 1.ª A. alegou, no entanto, que os RR. não deram conhecimento da projectada venda e respectivas cláusulas ao marido dela, J...H...B...A..., o que tornaria ineficaz a notificação para a preferência.</font><br>
<font>E a 2.ª A. alegou que não lhe foi dado conhecimento a ela, mas só ao marido, entendendo que o conhecimento dos elementos essenciais do negócio teria de ser comunicado a ambos.</font><br>
<br>
<font>Entendemos que, face à lei vigente da época, essa argumentação não pode proceder: </font><br>
<br>
<font>Em primeiro lugar importa recordar que estávamos em Maio de 1985, quando a qualidade de arrendatário se não comunicava ao cônjuge, a não ser por morte, ainda que pudesse vir a transmitir-se posteriormente aos parentes ou afins em linha recta (…) - arts. 1110.º e 1111.º do CC., na redacção dada a este último preceito pelo DL n.º 273/77, de 20 de Julho.</font><br>
<font>Assim, a qualidade de arrendatários, pertencia apenas, naquele momento, à 1.ª A. e ao marido da 2.ª, que eram os filhos dos primitivos arrendatários, pelo que bastaria a notificação deles. (5) </font><br>
<font> </font><br>
<font>Só nos casos em que ambos os cônjuges tivessem a qualidade de arrendatários (e não apenas um deles) poderia ser interpretada como exigível a dupla notificação.</font><br>
<br>
<font>Em segundo lugar, importa referir que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sentir-se vinculado à qualificação jurídica dos factos feita pelas instâncias, pelo que não se sente amordaçado à circunstância de nelas se ter dito que o direito ao arrendamento do rés-do-chão se havia transmitido, por via sucessória, para a A. AA </font><u><font>e seu marido</font></u><font> J...H...B...A.... </font><br>
<font>O arrendamento só se transmitia ao sucessor, e esse sucessor era, no caso da 1.ª A. (AA), ela própria.</font><br>
<br>
<font>Mas ainda que assim não fosse, o que só por mera hipótese de raciocínio se coloca, teria de aceitar-se a perspicaz observação do Tribunal da Relação no Acórdão recorrido de que só numa visão muito redutora poderia aceitar-se que, não tivesse o cônjuge da A. AA (1.ª A.) ou a própria 2.ª A.(BB) tomado conhecimento das comunicações que os 1.ºs RR. enviaram para as respectivas residências, dando conta das cláusulas essenciais do negócio, tratando-se – como se tratava – de assunto tão importante na vida de um casal, e depois de estar provado que as autoras e respectivos cônjuges sempre tiveram conhecimento da intenção da compra do imóvel por parte do R. EE.</font><br>
<font> Com efeito, foge completamente à normalidade dos fenómenos que perante uma decisão tão relevante, como aquela aqui versada, em que as cartas chegaram ao conhecimento dos titulares dos arrendamentos e tivesse sido enviadas com a indicação de destinatários plurais, não tivesse sido dado conhecimento aos consortes das comunicações que os 1.ºs RR. enviaram no tocante à projectada venda, tanto mais que as cartas não foram dirigidas singularmente aos que responderam (a 1.ª A. e o marido da 2.ª).</font><br>
<font>Pode até afirmar-se não ser racionalmente compreensível face à legislação da época, onde já imperava o art. 1463.º do CPC., que fosse intenção do legislador a exigência feita aos 1.ºs RR. de enviarem comunicações individualizadas, com idêntico teor, para cada um dos cônjuges, vivendo ambos na mesma casa, quando efectivamente se constata face à matéria de facto provada que a A. AA era a filha do primitivo arrendatário do rés-do-chão e que o marido da BB era o filho do primitivo arrendatário do 1.º andar) - o que explica que tivessem sido eles a responder às cartas enviadas – e não tivesse sido sequer alegado por qualquer delas que os respectivos cônjuges não coabitassem com elas, estivessem ausentes, ou impedidos, por qualquer forma, de às comunicações terem acedido. (6) </font><br>
<font>Na verdade, o art. 1463.º do CPC só prescrevia que a notificação se devesse fazer a ambos quando o direito de preferência não pertencesse em comum aos cônjuges, podendo nesse caso qualquer deles exercê-lo.(7) </font><br>
<font>Concluímos, portanto, que, se o contrato definitivo se tivesse efectivamente celebrado na data que foi anunciada às aqui AA., e nas condições que foram anunciadas pelos 1.ºs RR., não teriam elas o direito a preferir.</font><br>
<br>
<br>
<font>Questão diferente é a de saber se perante o anúncio da projectada venda e das respostas que acabaram por ser dadas pela 1.ª A e pelo marido da 2.ª A., em Junho de1985, renunciando à preferência do negócio que lhes era proposto para ser realizado, através de escritura, a designar no prazo de 60 dias, (e que depois foi fixado tendo como data de escritura o dia 2 de Outubro de 1985, posteriormente adiado para 30 de Janeiro de 1986), teria aquele negócio sido o mesmo que veio a ser celebrado por escritura em 21 de Novembro de 1997, ou seja, mais de doze anos depois da primeira comunicação.</font><br>
<font>Ora aqui permitimo-nos discordar da decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Historiando os acontecimentos, vemos que embora os promitentes compradores e promitentes vendedores tenham sido os mesmos e o negócio respeite ao mesmo objecto, ocorreram alterações importantes, e que consideramos essenciais, entre o que constava do anunciado projecto com o que efectivamente veio a ocorrer.</font><br>
<font>Na verdade, em Maio de 1986 foi celebrado um novo contrato promessa de compra e venda, que substituiu o primeiro.</font><br>
<font>Neste novo contrato, embora fosse mantido o preço inicial de 7.500.000$00, dizia-se nele que a escritura seria realizada até 31 de Julho do mesmo ano, ficando nele programadas entregas parciais de determinadas quantias antes da escritura.</font><br>
<font>Pode dizer-se desde logo que houve uma importante benesse dada aos promitentes compradores quanto ao novo prazo que veio a ser estipulado no tocante ao pagamento, radicalmente diferente do que fora comunicado antes, e do qual as AA. não vieram a beneficiar porque no tocante a este novo contrato e nova data para a escritura, nada lhes foi comunicado, enquanto que os promitentes compradores ficaram colocados em assinalável vantagem, designadamente, no menor custo (após correcção monetária) e na maior facilidade de recurso ao crédito.</font><br>
<font>De trazer à colação, mais uma vez, que a declaração do marido da A. BB apenas incluía a renúncia à preferência se a escritura viesse a efectuar-se até final de 1985, o que é bastante revelador da tão grande importância que o prazo da escritura tinha na declaração para a consumação do negócio da preferência! </font><br>
<font>De notar também, ainda, que o novo contrato promessa de 1986 (ainda que em grande parte sobreponível ao primeiro) não foi cumprido, havendo os 2.ºs RR. instaurado acção para execução específica, que veio a terminar com transacção, homologada por sentença em 1996.05.22, e na qual ficou acordado que a escritura seria celebrada até ao dia 22 de Novembro de1997, devendo os 2.ºs RR. pagar aos primeiros mais 7.500.000$00 por danos resultantes do atraso na celebração da mesma.</font><br>
<br>
<font>O acordo decorrente de uma transacção judicial devidamente homologado passou assim a ser substancialmente diferente quer do primitivo contrato promessa anunciado às AA. e celebrado em 11 de Julho de 1985, quer daquele que foi celebrado em 30 de Maio de 1986, quer ainda, e | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ljLQu4YBgYBz1XKvOUHw | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<font>AA e BB instauraram acção ordinária contra CC e mulher DD, pedindo que:</font><br>
<font>- se declare existente e válido o contrato promessa de compra e venda celebrado em 17 de Janeiro de 1990, constante do escrito de fls. 5, em que os autores prometeram vender ao réu marido, que prometeu comprar-lhes, a fracção autónoma correspondente ao estabelecimento comercial com o nº 2 do projecto apresentado na Câmara Municipal de ..., do rés-do-chão do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ..., em ...., pelo preço de 5.500.000$00;</font><br>
<font>- se condenem os réus a pagarem àqueles a quantia de 1.500.000$00, correspondente à parte do preço em dívida, acrescida de juros vencidos, no montante de 557.260$00, e dos vincendos, até integral e efectivo pagamento.</font><br>
<font>Os réus contestaram.</font><br>
<font>Deduziram também reconvenção, alegando ter sobre os AA um crédito líquido de 5.614.900$00 </font><i><font>- aduzindo para tanto, além do mais, que por motivos a eles alheios, os AA apenas entregaram as duas moradias com 193 dias de atraso</font></i><font> – e um crédito ilíquido pelos danos causados pela violação do pacto de preferência que articularam, terminando por pedir que se proceda à compensação do crédito dos autores de 1.500.000$00 com o crédito deles, devendo aqueles serem condenados a pagar-lhes a quantia líquida de 4.114.190$00, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção, bem como uma quantia a liquidar em execução de sentença, pelos danos causados pela violação do aludido pacto de preferência,.</font><br>
<font>Os autores replicaram, além do mais atribuindo aos réus a culpa pelo atraso na entrega das moradias e aduzindo a excessiva onerosidade da cláusula penal de 50.000$00 diários, cuja redução solicitaram em termos equitativos.</font><br>
<font>Na audiência de julgamento, os réus solicitaram a ampliação do pedido reconvencional, com vista à actualização dos montantes peticionados, por então já terem decorrido mais de nove anos sobre a data da formulação do pedido, nos termos constantes do seu requerimento de fls. 171, ampliação que foi admitida por despacho de fls. 172 .</font><br>
<font>Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença, que decidiu:</font><br>
<font>1- julgar a acção procedente a condenar os réus a pagarem aos autores a pedida quantia 1.500.000$00, equivalentes a 7.482 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento;</font><br>
<font>2- julgar improcedente a reconvenção e absolver os autores do pedido reconvencional;</font><br>
<font>3- condenar os réus, como litigantes de má fé, na multa de mil euros e em igual quantia de indemnização a favor dos autores.</font><br>
<font>Os réus apelaram para a Relação de Guimarães que confirmou a sentença recorrida.</font><br>
<font>Recorreram então os RR de revista, tendo o STJ conhecido a quase totalidade das questões suscitadas e ordenado a baixa dos autos à Relação, a fim de fazer a reforma do acórdão, pelos mesmos Ex.mos Desembargadores, se possível, por o acórdão recorrido ter omitido a decisão sobre a questão consistente no facto dos autores não terem concluído as obras da habitação dos RR no prazo acordado, só a tendo entregue em 9-1-02, ou seja, com 193 dias de atraso, quando havia sido estipulada a cláusula penal de 50.000$00 diários, como indemnização por cada dia de atraso.</font><br>
<font>Sem prejuízo da decisão de todas as questões definitivamente resolvidas pelo STJ, voltaram os autos à Relação de Guimarães, para suprimento da apontada nulidade e consequente reforma do acórdão recorrido, parcialmente anulado pelo STJ, quanto ao conhecimento daquela questão que a Relação deixou indevidamente de conhecer – artº 731º, nº 2, do C.P.C.</font><br>
<font>Suprindo o vício declarado, reformulou a Relação de Guimarães o seu anterior acórdão, condenando os AA., pela parcial procedência da reconvenção, na quantia de 12.033,499 €, correspondentes a 2.412.500$00, a título de prejuízos, pela mora na entrega das habitações, com juros vincendos à taxa legal, com custas pelos sucumbentes, na proporção devida.</font><br>
<font>É dessa decisão que vem o presente recurso de revista interposto pelos AA, que concluíram do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font>1 - Pese embora o reconhecimento da imputação da culpa aos recorrentes pelo atraso verificado na entrega de duas habitações, esse facto não pode ser dissociado do reconhecimento expresso no acórdão recorrido de que deve ter-se também com parcialmente imputado tal atraso aos reconvintes na medida em que já na fase de construção impuseram aumento da área construtiva e de piso em profundidade, o que implicou a reformulação do projecto construtivo e necessariamente mais tempo de espera;</font><br>
<font>2 - O que nos coloca perante o dilema de saber se a imputação parcial da culpa aos RR feita pelo acórdão recorrido quando salienta que foram estes quem após o atraso inicialmente verificado na entrega das casas, originaram o seu protelamento, resultante das imposições ou exigências feitas aos AA. relativas à alteração das obras e do projecto construtivo, não excluirá ou fará "esquecer" a culpa inicial atribuída aos AA; </font><br>
<font>3 - A exigência e as imposições feitas pelos RR aos recorrentes de realização de novas obras em alteração ao projecto inicial poderão ter para um declaratário normal, como os são os recorrentes, o valor de uma declaração negocial no sentido de se ver por aqueles relevado o atraso na entrega da obra, já que esse entendimento pode perfeitamente deduzir-se daquele comportamento dos RR;</font><br>
<font>4 - O que conduzirá à possibilidade de não vir a ter aplicação a cláusula penal convencionada, mesmo que reduzida;</font><br>
<font> 5 - De qualquer modo, e sem prescindir, aquele comportamento dos RR justifica uma redução mais substancial da cláusula penal, a fixar em 1/8, liquidando-se nessa base a indemnização que eventualmente venha a ser arbitrada àqueles; </font><br>
<font>6 - É que, se tinham tanta pressa ou urgência na entrega das ditas habitações nos idos de 1991, não se compreende que tal urgência e prejuízos decorrentes da não entrega deixem de ter razão de ser ou sejam esquecidos pelos recorridos ao exigirem aos recorrentes novos trabalhos com a consequente alteração do projecto de construção que, como resulta do documento ora junto, só foi aprovado em 04/11/1991 e licenciado em 19/11/1991 e só a partir daí os AA puderam iniciar as obras; </font><br>
<font>7 - Os incómodos referidos pelos recorridos pela não entrega tempestiva pelos recorrentes das duas habitações acabaram assim por ser esbatidas ou diluídas no tempo, com a realização das novas obras, agora sem qualquer preocupação ou empenho por parte dos recorridos de lhes fixar um prazo rígido a observar, o que deixa subentender que terão esquecido definitivamente tais incómodos e, por isso, não se mostrará justificada a fixação de qualquer indemnização e muito menos do montante que foi agora fixado pelo douto acórdão recorrido;</font><br>
<font>8 - Que, por isso, violou os artigos 236º, nº 1, 798º e 812º do CC, </font><br>
<font>Devendo ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que julgue improcedente o pedido de indemnização formulado pelos RR. a título de cláusula penal pela falta de entrega tempestiva de duas habitações e se assim não vier a ser entendido ser reduzida a cláusula penal para 1/8 do montante fixado.</font><br>
<font> Contra-alegaram os RR/recorridos, em apoio do decidido.</font><br>
<font> Corridos os vistos, cumpre decidir.</font><br>
<font> A Relação teve em consideração os seguintes factos provados: </font><br>
<i><font>A) Por documento particular, datado de 29 de Setembro de 1989, os AA. BB eAA declararam, em troca do contrato de promessa de compra e venda, prometer dar aos RR Manuel, Soledade, Albano e Orlanda o seguinte, a construir no dito prédio:</font></i><br>
<i><font>1º um estabelecimento, ao rés do chão, com a largura mínima de 4m e um fundo com o mínimo de 7m , voltado para a Rua..., junto ao prédio que faz gaveto, ou qualquer outro estabelecimento (fracção autónoma) nas mesmas condições de medidas, voltado para a Rua, à escolha dos referidos Manuel, Soledade, Albano e Orlanda; </font></i><br>
<i><font>2º uma garagem, na cave, por baixo da dita fracção do estabelecimento, com a capacidade necessária para recolha de veículos ligeiros, sendo um de peso até 3.500kg e outro automóvel, com entrada</font></i><font> </font><i><font>exclusiva e desafogada pela Rua ...; </font></i><br>
<i><font>3º duas habitações de rés-do-chão e primeiro andar, geminadas, com uma parede em cada uma no lado em que ligam uma com a outra, a construir nos lotes, nºs 3 e 4 da planta apresentada na Câmara Municipal de ... e junta ao respectivo processo AZ/89, de viabilidade de construção, com as áreas constantes desse processo e de estilo à escolha dos referidos Manuel, Soledade, Albano e Orlanda, e com um passeio em volta das mesmas com a largura de 1 m, abrangendo todo o terreno que lhes está junto e demarcado na planta nos nºs 3 e 4;</font></i><br>
<i><font>B) Declararam todos os contraentes que estas construções seriam efectuadas com materiais e acabamentos à escolha dos referidos Manuel, Soledade, Albano e Orlanda de primeira categoria corrente;</font></i><br>
<i><font>C) Em 18 de Setembro de 1990, os mesmos declarantes fizeram um aditamento ao contrato referido em G) a S), definindo nas cláusulas 3 a) e B) como seriam os acabamentos das duas habitações referidas em H), cujo teor aqui se tem por reproduzido; </font></i><br>
<i><font>D) Mais declararam os referidos BB e AA que se obrigavam a concluir as obras destas duas habitações até finais de Junho de 1991, pagando a importância de 50.000$00 por dia aos referidos Manuel, Soledade, Albano e Orlanda, a título de indemnização se porventura não as concluíssem dentro desse prazo; </font></i><br>
<i><font>E) Os AA entregaram as habitações aos RR, apenas aos 1992.01.09; </font></i><br>
<i><font>F) Os RR aceitaram sem qualquer reserva a obra realizada pelos AA; </font></i><br>
<i><font>G) Quando os AA procediam à construção de duas habitações, os RR exigiram dos AA que procedessem à construção da cave e a um maior aumento de área;</font></i><br>
<i><font>H) A construção da cave obrigou à alteração e aprovação de novo projecto.</font></i><br>
<i><font> </font></i><font>São estes, e só estes, os factos com que o STJ tem de lidar.</font><br>
<font>Não pode portanto considerar-se como assente que a alteração do projecto de construção só foi aprovada em 4.11.1991 e licenciada em 19.11.1991, e que só a partir daí os AA puderam iniciar as obras.</font><br>
<font>Estoutro circunstancialismo, segundo se lê na 6ª conclusão recursória, é comprovado pelo documento junto com as alegações da revista, mas esse documento foi mandado desentranhar dos autos, no despacho inicial do relator, por tal junção ser inadmissível nos termos do artº 727º do CPC.</font><br>
<font>Posto isto, vejamos se os factos provados foram bem subsumidos juridicamente.</font><br>
<font>A propósito da única questão ainda pendente, expendeu-se no acórdão recorrido, o seguinte:</font><br>
<i><font>«…É óbvio que as partes quiseram, com a outorga daquela convenção, de 1989.09.29, conferir especial reforço ao direito dos RR a obterem a entrega das habitações no prazo fixado - finais de Junho de 1991.</font></i><br>
<i><font>…Os AA., que não cumpriram o prazo marcado nem lograram convencer que o atraso não provinha de culpa sua…, espadeiraram contra o excessivo valor/dia (25.000$00). Mas deve ter-se como parcialmente imputado tal atraso aos reconvintes, na medida em que, já na fase da construção, impuseram aumento de área construtiva e de piso em profundidade, o que implicou reformulação do projecto construtivo - e, necessariamente, mais tempo de espera, decerto já não de todo compensável na execução da obra.</font></i><br>
<i><font>É sabido que os contratos são para cumprir em toda a linha. Nem sequer foi alegado que os reconvindos tenham sido levados ao engano ou forçados a subscrever a estipulação pelo incumprimento atempado; de resto, se tivessem prestado alguma conta àquilo com que se tinham comprometido, deveriam ter diligenciado junto dos RR pela sua modificação, pelo menos, em função do seu suposto exagero.</font></i><br>
<i><font>A liquidação convencional antecipada, a forfait, só pode ser reduzida pelo tribunal, no caso de se revelar manifestamente excessiva, e não simplesmente exagerada, por superior ao dano causado.</font></i><br>
<i><font>Sabe-se, por experiência comum, que a não entrega tempestiva de duas casas é susceptível de causar graves incómodos, de diversa ordem a quem tinha direito a recebê-las – até de cariz imediatamente pecuniário.</font></i><br>
<i><font>Equitativamente, tem-se por dividida a responsabilidade de cada um dos contraentes, em partes iguais, em função daquela culpa; mas esta repartição não pretende olvidar que falecem largamente as necessárias referências, até por a questão se reportar aos recuados idos de 1.992.</font></i><br>
<i><font>Pelo que haverão os AA de pagar aos RR a quantia equivalente a 2.412.500$00.».</font></i><font> </font><br>
<font>Salvo o devido respeito, não se afigura ser esta a solução jurídica correcta para o caso.</font><br>
<font>Como escreve Galvão Telles </font><i><font>(Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 442)</font></i><font>, destinando-se a cláusula penal a substituir a indemnização que seria arbitrada pelo juiz, supõe portanto, nos termos gerais, inexecução da obrigação e culpa da parte do devedor, só podendo ser efectivada se este culposamente não tiver cumprido o contrato, apenas não havendo que averiguar se o credor sofreu ou não prejuízos em consequência da inexecução da obrigação e, em caso afirmativo, qual o seu valor.</font><br>
<font> Ficou provado o atraso relativamente ao prazo convencionado para a entrega das duas habitações, bem como, a cláusula penal de 50.000$00, fixada a título de indemnização, por cada dia de mora no cumprimento dessa obrigação pelos AA.</font><br>
<font> Os RR/reconvintes pediram a condenação dos AA no pagamento de 4.825.000$00 com base na referida cláusula penal, tendo os AA replicado pugnando pela ausência de razão para tal pagamento, ou pela sua redução equitativa para montante que não indicaram. </font><br>
<font>A cláusula penal teve, por vontade das partes, uma função indemnizatória, tendo-se portanto destinado a liquidar o dano da mora na entrega das habitações, fixando antecipadamente o montante da indemnização exigível independentemente dos danos (artº 810º, nº 1 do CC).</font><br>
<font>Sendo a estipulação de uma cláusula penal válida, pode justificar-se uma redução equitativa, facultada pelo artº 812º do CC.</font><br>
<font>No caso de incumprimento culposo da obrigação pelo devedor, funciona a cláusula penal convencionada, mas se houver culpas concorrentes pode reduzir-se o montante da cláusula penal.</font><br>
<font>Só que no caso concreto o prazo da entrega das habitações e a indemnização </font><i><font>a forfait</font></i><font> </font><font> foram pensados e queridos pelas partes </font><font>relativamente às obras inicialmente acordadas</font><font>, indicadas em A) 3º da matéria de facto provada.</font><br>
<font>Ora, quando os AA procediam à construção das duas habitações, os RR </font><u><font>exigiram</font></u><font> </font><font>dos AA que procedessem à construção da cave e a um maior aumento de área, tendo a construção da cave obrigado à alteração e aprovação de novo projecto, o que, como se reconhece no acórdão em crise, originou </font><i><font>«necessariamente, mais tempo de espera, decerto já não de todo compensável na execução da obra…» </font></i><font>( </font><i><font>sic</font></i><font>)</font><font>.</font><br>
<font>Assim sendo, e salvo o devido respeito, os reconvintes, ao pretenderem executar a cláusula penal, impetrando a indemnização, inobservaram o princípio geral do cumprimento das obrigações constante do nº 2 do artº 762º do C. Civil, segundo o qual </font><i><font>«No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé».</font></i><br>
<font>O direito de serem indemnizados pela não entrega das duas vivendas dentro do prazo inicialmente acordado exerce-se </font><u><font>fora do quadro resultante do fim para que foi atribuído</font></u><font>, sendo a pretensão, em termos objectivos, inequívoca e clamorosamente ofensiva do sentimento de justiça reinante na nossa sociedade, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, </font><i><u><font>tornando ilegítimo o exercício do direito</font></u></i><font> (artº 334º do C. Civil), excepção que é de conhecimento </font><i><font>ex officio judicis</font></i><font> (cfr. v.g. acórdãos. do STJ, de 7.1.93, no BMJ 423, pág. 539, e de 21.9.93, n a CJSTJ 1993, III, 19).</font><br>
<font> Nesta conformidade, acordam em </font><font>conceder a revista</font><font>, revogando o acordão recorrido – </font><i><font>posto que com diferente fundamentação da constante do conclusório da revista</font></i><font> – e julgando improcedente o pedido de indemnização formulado pelos recorridos a título de cláusula penal pela falta de entrega tempestiva das duas habitações, dele se absolvendo os recorrentes.</font><br>
<font>Custas da acção de acordo com o decaimento das partes. </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 31-10-2006</font><br>
<br>
<font>Faria Antunes (Relator)</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1DJNvIYBgYBz1XKvAfPh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:</font><br>
<font><br>
A e marido, desta cidade, administradores do predio urbano, aqui situado, na Rua do Arco de Carvalhão, n. 86-A, propuseram esta acção especial de despejo contra B, actual arrendatario do primeiro andar, lado esquerdo, do dito predio, alegando, alem do mais que agora não interessa, que o reu deixara de pagar a renda relativa a Maio de 1943, vencida em 1 de Abril desse ano.</font><br>
<font><br>
Contestando, alegou o reu, quanto a falta de pagamento dessa renda, que, tendo ido a casa dos autores, nos primeiros dias de Abril, para lha pagar, eles se recusaram injustificadamente a receber-lha.</font><br>
<font><br>
Por isso, embora nessas condições estivesse dispensado de a depositar, fez em tempo util o respectivo deposito, não tendo requerido a notificação do mesmo deposito por a isso não estar obrigado.</font><br>
<font><br>
E juntou com a contestação documento comprovativo de tal deposito.<br>
Na sua resposta, impugnaram os autores o mencionado deposito por este não ter sido notificado.</font><br>
<font><br>
Tendo a causa seguido os seus termos, foi a final a acção julgada procedente apenas pelo fundamento de falta de pagamento da referida renda pela sentença de folhas 84, tendo o despejo sido decretado, porque, como se ve da mesma sentença, embora o deposito da dita renda de Maio de 1943 e os das dos meses subsequentes, - Junho, Julho e Agosto - tivessem sido efectuados no prazo legal, tais depositos, porque não foram judicialmente notificados aos senhorios, não produzem efeito de pagamento para evitarem o despejo definitivo, nos termos do disposto no artigo 996 do Codigo de Processo Civil, conjugado com o preceito do artigo 93, paragrafo 4, do Decreto n. 5411.</font><br>
<font><br>
Essa sentença foi, porem, revogada pela Relação de Lisboa, por acordão de folhas 207, com o fundamento de que, tendo o reu oferecido a renda oportunamente, e tendo os autores recusado recebe-la sem motivo legal, não era o reu obrigado a deposita-la, nada importando, em consequencia, que o deposito fosse ou não notificado.</font><br>
<font><br>
Tendo os autores recorrido de revista, foi negada pelo acordão deste Supremo Tribunal de folhas 310.</font><br>
<font><br>
E desse acordão, bem como do de folhas 333, proferido sobre um pedido de esclarecimento, recorreram os autores para o Tribunal Pleno, alegando oposição sobre a mesma questão de direito entre essa decisão e o que decidiram os acordãos, tambem deste Supremo Tribunal, de 29 de Maio de 1942 e de 8 de Fevereiro de 1946, publicados no Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, respectivamente, ano 2, a paginas 166, e ano 6, a paginas 12.</font><br>
<font><br>
Admitido o recurso e cumprido o disposto nos artigos<br>
765 e 766 do Codigo de Processo Civil, decidiu-se pelo acordão de folhas 371 que o recurso prosseguisse, por se ter entendido que existe oposição entre o acordão recorrido e o de 29 de Maio de 1942 sobre o mesmo ponto de direito.</font><br>
<font><br>
As partes alegaram e o digno Magistrado do Ministerio Publico emitiu o seu parecer, tendo-se observado tudo o mais que se determina no artigo 767 daquele Codigo.</font><br>
<font><br>
Nestes termos, e porque se reconheceu e entendeu que, na presente hipotese, nenhum dos Juizes que compõem o Tribunal esta impedido de intervir na discussão e decisão deste recurso, e todos se declararam habilitados para o apreciar e decidir, o Tribunal passa a conhecer dele.<br>
E, conhecendo:</font><br>
<font><br>
E, inegavel que existe oposição de doutrina entre o acordão recorrido e o de 29 de Maio de 1942, pois que, enquanto naquele se decidiu que, não estando, o arrendatario em mora, não e obrigatorio o deposito da renda, para que se produzam efeitos de pagamento, e que, se o deposito foi feito, não pode atribuir-se qualquer valor a falta da sua notificação, no acordão de 1942, decidiu-se em sentido oposto, isto e, que o deposito da renda, para produzir efeitos de pagamento, e, portanto, para obstar ao despejo definitivo, tem de ser notificado.</font><br>
<font><br>
E tambem não oferece duvidas que os dois acordãos foram proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação.</font><br>
<font><br>
Finalmente, convem acentuar que apenas esta em causa o efeito juridico da falta de notificação de deposito simples de renda, efectuado em tempo util, e que, embora a Lei n. 2030 tenha dado nova redacção ao artigo 996 do Codigo de Processo Civil, tal circunstancia não se projecta, pelo menos directamente, no problema em discussão, pois este tem de ser apreciado e resolvido em face da legislação anterior a data em que essa lei entrou em vigor.<br>
Posto isto, vejamos qual a solução a dar ao presente conflito de jurisprudencia, isto e, qual a doutrina que deve prevalecer, fixando-a em Assento.<br>
Entendem os recorrentes que a doutrina exacta e a do acordão de 1942, segundo o qual o deposito da renda tem de ser notificado ao senhorio, sob pena de não produzir efeitos de pagamento, baseando-se para tal no disposto no artigo 996 do Codigo de Processo Civil e ate no facto de a Lei n. 2030, dando nova redacção a esse artigo, ter eliminado o final da primeira parte do mesmo artigo, o que, no seu modo de ver, leva a concluir que, a face da primitiva redacção do citado artigo 996, o deposito de rendas não notificado não impedia o despejo definitivo.</font><br>
<font><br>
Por um lado, o recorrido, acentuando que, nos termos do artigo 993 do dito Codigo, e facultativo o deposito de rendas quando o inquilino não esta em mora, defende a doutrina do acordão em recurso, por ser inadmissivel que se ordene o despejo por falta de notificação de um deposito a que o inquilino não esta obrigado.</font><br>
<font><br>
Na mesma orientação se pronuncia o digno Magistrado do Ministerio Publico no seu douto parecer, ou seja, no sentido de que a notificação do deposito de rendas não constitui condição necessaria para impedir o despejo definitivo.</font><br>
<font><br>
Afigura-se-nos ser esta a melhor doutrina, por ser a que resulta da letra e do espirito da lei.</font><br>
<font><br>
Com efeito:</font><br>
<font><br>
Preceituava-se no artigo 93 do Decreto n. 5411 que, em qualquer dos casos do artigo 759 do Codigo Civil, o arrendatario poderia depositar a renda nos oito dias imediatos ao seu vencimento, dispondo-se no paragrafo 4 desse artigo que, feito o deposito, seria notificado ao senhorio, salvo o caso do n. 5 daquele artigo 759.</font><br>
<font><br>
Na plena vigencia dessa disposição, a jurisprudencia dominante foi a de que a notificação era obrigatoria.</font><br>
<font><br>
Mas, posteriormente, surgiram duvidas por virtude do disposto na alinea b) do paragrafo 1 do artigo 5 da Lei n. 1662, o que deu lugar ao assento de 14 de Novembro de 1929, onde se estabeleceu que, para a suspensão da acção de despejo por falta de pagamento de rendas, bastava a prova do deposito delas, independentemente de notificação.</font><br>
<font><br>
O referido assento resolveu a questão da falta de notificação do deposito, mas apenas quanto ao despejo provisorio continuando de pe a questão relativamente ao despejo definitivo, mesmo depois da publicação do Decreto n. 22661 por virtude do preceituado no artigo<br>
2 desse Decreto.</font><br>
<font><br>
Aparece depois, em 1939, o Codigo de Processo Civil que, no artigo 993 dispõe que, quando o arrendatario não puder efectuar o pagamento da renda por se verificar algum dos casos do artigo 759 do Codigo Civil, tem a faculdade de a depositar nos oito dias imediatos ao vencimento.<br>
E preceitua o mesmo Codigo no artigo 996 que o deposito feito em tempo util impedira o despejo provisorio, independentemente de notificação; mas não impedira o despejo definitivo se não for notificado.</font><br>
<font><br>
Como se ve, nos termos expressos daquele artigo 993, o deposito de rendas não constitui para o arrendatario uma obrigação. E uma faculdade.<br>
Não e, pois, o arrendatario obrigado a depositar, ou melhor, conforme diz o Professor Doutor Jose Alberto dos Reis, no seu Codigo de Processo Civil Anotado, o arrendatario não perde o direito ao arrendamento pelo facto de não depositar a renda que o senhorio tenha recusado receber.<br>
Ora, se o arrendatario, que não esteja em mora, não fizer o deposito por o artigo 993 não lhe impor a obrigação de o efectuar, e se, não depositando, não perde por esse facto, o direito ao arrendamento, e claro que a circunstancia de ter efectuado o deposito a que não e obrigado, não pode coloca-lo em pior situação pelo facto de o deposito não ter sido notificado.<br>
O que aquele artigo 996 quer significar e que o deposito não notificado não impede o despejo definitivo, quando o despejo tenha de ser ordenado por procederem os fundamentos da acção.</font><br>
<font><br>
Se tais fundamentos não procederem, não havendo, portanto, que decretar o despejo definitivo por virtude de tal improcedencia, e bem de ver que não ha despejo a impedir.</font><br>
<font><br>
O artigo 996, que estamos analisando, não diz, nem da sua analise pode concluir-se, que a falta de notificação do deposito constitua so por si motivo de despejo.</font><br>
<font><br>
O que nele se preceitua e que o deposito não notificado não impede o despejo definitivo.</font><br>
<font><br>
Portanto, a falta de notificação do deposito de renda so e de considerar quando o despejo deva ser ordenado porque o fundamento da acção procede, e nunca quando pela improcedencia de tal fundamento, não deva decretar-se o despejo.</font><br>
<font><br>
Ora, no caso dos autos, e segundo vem provado das instancias, o reu, ora recorrido, ofereceu a renda oportunamente aos autores, senhorios, ora recorrentes, tendo estes recusado receber-lha.</font><br>
<font><br>
Se não tivesse efectuado o deposito, a acção tinha de ser julgada improcedente.<br>
Mas o reu fez o deposito. Tal circunstancia, porem, não pode influir na decisão da causa, pelo facto do deposito não ter sido notificado, pois que, como ja se notou, a falta de notificação so poderia não impedir o despejo definitivo, se este tivesse de ser decretado, o que não poderia ter lugar perante os factos que as instancias deram por provados e que conduzem a improcedencia da acção.</font><br>
<font><br>
Nestes termos, negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida, com custas pelos recorrentes, estabelecem o seguinte Assento:<br>
A falta de notificação do deposito da renda, referido no artigo 993 do Codigo de Processo Civil, não e motivo de despejo definitivo.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 31 de Maio de 1950</font><br>
<font><br>
Campelo de Andrade (Relator) - Artur A. Ribeiro - Jaime de Almeida Ribeiro - Rocha Ferreira - Raul Duque - A. Cruz Alvura - Antonio de Magalhães Barros - Alvaro Ponces - A.</font><br>
<font>Bartolo - Lencastre da Veiga - Jose de Abreu Coutinho -<br>
- Roberto Martins - Tem voto de conformidade, constando do livro de lembranças, dos Excelentissimos Conselheiros Bordalo e Sa e Mario de Vasconcelos, que não assinam por não estarem presentes. Campelo de Andrade.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TIVvIYBgYBz1XKvbo2t | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
<br>
A, veio propor a presente acção, com processo sumário, contra a Companhia de Seguros Metrópole S.A. com vista a obter a condenação desta ao pagamento da quantia de 37000000 escudos - que reduziu, no decurso da audiência de julgamento para 15000000 escudos - reclamada a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que refere ter sofrido com um acidente de viação, ocorrido em 12 de Novembro de 1990 em que interveio o veículo ligeiro de passageiros CC-47-47, conduzido por B e pertencente a C, com seguro na Ré e no qual era transportada a autora.<br>
<br>
A Ré contestou, impugnando o próprio acidente, aceitando apenas que o veículo referido estava seguro nela e que lhe foi apresentada participação do sinistro com esse veículo, assinado pelo segurado, mas não escrita por ele, na qual se dá uma versão dos factos que não coincide com a apresentada pela Autora.<br>
Na 1. instância, a acção foi julgada improcedente, inclusive por não se ter dado como provado o próprio acidente.<br>
A Relação de Coimbra, através do Acórdão ora recorrido, para onde a Autora apelou, confirmou o veredicto da 1 instância.<br>
Inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br>
1 - Continuando, como a 1 instância, a não considerar como provado o acidente, o Acórdão recorrido, violou o artigo 376 do Código Civil, porque não valorizou devidamente o documento de folha 19, alínea c) da referência, e a resposta dada ao quesito 35 do questionário.<br>
2 - Deve por isso ser revogado e substituído por uma decisão que, admitindo a existência do acidente, decida em conformidade.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:<br>
Os factos que as instâncias consideraram como provados são os seguintes:<br>
1 - O veículo ligeiro de passageiros de matricula CC-47-47 pertence a C (A).<br>
2 - Este, em 12 de Novembro de 1990 por contrato titulado pela apólice n. 5242892, havia transferido para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação desse veículo, até ao montante de cem mil contos (B).<br>
3 - O C subscreveu e fez chegar à Ré a declaração amigável, junta por cópia a folha 19:<br>
4 - Em 13 de Novembro de 1990, a Autora apresentava fractura do tecto acetabular esquerda e traumatismo craniano com perda do conhecimento (8 e 9).<br>
5- Como consequência destas lesões, a Autora tem dificuldade de locomoção (10).<br>
6- Após 13 de Novembro de 1990, a Autora tem também padecido constantemente de dores físicas (15).<br>
7- Antes de sofrer as lesões supra referidas, a Autora era muito saudável, era jovial, tinha um extremo gosto pela vida, e revelara-se sempre uma trabalhadora exímia (18, 19, 20, 21).<br>
8- Após ter sofrido tais lesões, a Autora tem medo de sair à rua (29).<br>
9- Em 12 de Novembro de 1990, a Autora trabalhava como empregada de limpeza e após ter sofrido aquelas lesões deixou de trabalhar, pois tem dificuldades de locomoção e de movimentos (37, 39 e 40).<br>
10- Agora chega a irritar-se com facilidade (44).<br>
11- Exclusivamente com base no documento de folha 19, a Ré prestou assistência clínica, durante meses, à Autora (54).<br>
12- E pagou-lhe 310000 escudos por conta da indemnização dos danos que mostrasse ter sofrido (55).<br>
13- Poucas semanas antes da propositura desta acção, a Autora estava na sede da Ré para acordar na indemnização dos seus danos (62).<br>
14- O seu porte e comportamento foram normais, serenos, tranquilos, educados e inteligentes (64).<br>
15- Foi acompanhada pelo marido que, por ela, mostrou atenção e carinho, revelando preocupação e interesse pela indemnização dos danos da esposa (65 e 66).<br>
16- A Autora é casada com D, casamento esse ocorrido em 17 de Agosto de 1991 (doc. de folhas 83 e 88).<br>
17- Este D é filho de C.<br>
<br>
Deve considerar-se como reconhecida a autenticidade do documento de folha 19 (participação do acidente à seguradora), nos termos do artigo 374 n. 1 do Código Civil, visto a Ré, como declaratária, ter considerado como verdadeira a assinatura da prova que figura como subscrita, ou seja, de C.<br>
Ora, o documento particular cuja assinatura esteja reconhecida em conformidade com o preceito citado, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, mas só na medida em que forem contrárias aos seus interesses (artigo 376 ns. 1 e 2).<br>
No caso sub judice poder-se-á afirmar que as declarações contidas no documento enfocado são contrárias aos interesses do declarante?<br>
Sem dúvida que não.<br>
Vejamos porquê:<br>
Como se referiu as declarações insertas num documento particular, com autenticidade reconhecida, como é o caso, só fazem prova plena contra o declarante, na medida em que forem contrárias aos seus interesses, ou seja, perspectivando-as do lado do declaratário, na medida em que forem vantajosas para este.<br>
Efectivamente, a declaração só é desvantajosa para o declarante, na medida em que o declaratário pode tirar vantagens ou proveito dela.<br>
Se isto não sucede, então a declaração não é, devidamente desvantajosa para o seu autor.<br>
Pois bem: a participação do segurado à respectiva seguradora, responsabilizando-se pela produção do acidente, nunca é vantajosa para a Seguradora, quando visa, ao fim e ao cabo, como sucede neste caso, transferir a responsabilidade civil, para esta.<br>
O que o declarante pretende é onerar a Seguradora com tal responsabilidade, caso da revista, libertando-se desse encargo.<br>
Portanto não se mostra que as declarações insertas no documento em apreço são contrárias aos interesses do declarante e, como tais, vantajosas para a declaratária e, daí, que não façam prova plena, impondo um rumo contrário ao que foi tomado pelas instâncias quanto à existência do acidente invocado pela Autora.<br>
Há que acatar, pois, em toda a linha a posição do Acórdão recorrido a tal respeito.<br>
E, mal estava se o segurado pudesse vincular, sem mais, a seguradora, só mercê do teor da sua participação, feita a seu bel-prazer, impedindo aquela de usar o seu juízo crítico, de proceder às averiguações necessárias, ou de exercer, com toda a latitude, o seu direito de defesa.<br>
Pois, se assim fosse, estavam abertas as portas, à possibilidade das maiores fraudes e injustiças.<br>
Nestes termos, nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.<br>
Custas pela recorrente.<br>
22 de Novembro de 1994.<br>
Machado Soares,<br>
Fernando Fabião,<br>
Miguel Montenegro.<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TIjvIYBgYBz1XKvP6Ih | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, que o Banco Exterior de España,<br>
S.A., intentou contra A - Conservas de Peixe, S.A., e B, veio este deduzir embargos de executado, pedindo se julgasse procedente a excepção peremptória da prescrição, com a sua consequente absolvição do pedido no tocante ao pagamento de sete letras dadas à execução e respectivos juros moratórios.<br>
Fundamentou o pedido afirmando, no essencial, que, relativamente a essas letras, ou, pelo menos, a cinco delas, não pode funcionar o disposto no n. 2 do artigo<br>
323 do Código Civil, tendo de atender-se ao momento da citação para o efeito da prescrição estabelecida no artigo 70 da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças.<br>
O embargado contestou referindo que a execução foi proposta em tempo que permitiu a aplicação do disposto no dito n. 2 do artigo 323, como tem sido pacífica a jurisprudência, de sorte que a prescrição, por interrompida, se não verificou. Referiu, ainda, que o embargante, por litigar de má fé, devia ser condenado em multa.<br>
Os embargos improcederam no despacho saneador, tendo o embargante apelado sem êxito. E no recurso de revista conclui, assim, as alegações: o exequente, para se poder valer do disposto no artigo<br>
323 n. 2 do Código Civil, deveria ter sido mais diligente, nomeadamente requerendo a execução com mais antecedência, ou pelo menos que não o tivesse feito dois dias antes do encerramento dos tribunais, ou pelo menos que tivesse pago o preparo inicial no dia em que levantou as guias, e não depois de já terem decorrido os très anos em relação às quatro primeiras letras; pelo menos em relação a estas quatro letras, não pode funcionar o dispositivo do referido n. 2 do artigo 323, tendo de atender-se ao momento da citação para o efeito de prescrição estabelecida no artigo 70 da L.U.; o acórdão fez errada interpretação daquele n. 2 do artigo 323 uma vez que, no caso em apreço, a causa da demora na citação é imputável ao exequente.<br>
O embargado respondeu no sentido do improvimento do recurso.<br>
E o Excelentissimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal nada requereu.<br>
Estão assentes, no que aqui importa os seguintes factos:<br>
O Banco Exterior de España, S.A., em 15-10-85, instaurou execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra A - Conservas de Peixe, S.A., e B, com base em letra de câmbio aceite por aquela sociedade e avalizada por este último; em 18-12-85, o exequente, ao abrigo do disposto no artigo 54 do Código de Processo Civil, veio requerer a execução, no mesmo processo, de mais sete letras, aceites, também pela executada e avalizadas pelo embargante, vencidas, as três primeiras, em 08-01-83, e as restantes em 09-01-83, 13-01-83, 20-01-83 e 24-01-83, com os valores em pesetas respectivamente, de<br>
2487651, 3055701, 2402094, 3059100, 3115750, 2719200 e<br>
3059100; as guias para o preparo inicial, na sequência deste requerimento, foram levantadas em 20-12-85 - sexta-feira - data do encerramento dos tribunais para férias do Natal; os tribunais só reabriram, findas as férias, em 06-01-86, já que os dias 4 e 5 desse mês foram, respectivamente, sábado e domingo; o preparo inicial foi pago em 10-01-86, ou seja, em tempo, tendo sido aberta conclusão em 14-01-86; o despacho a ordenar a citação dos executados foi proferido em 19-03-86 e o respectivo mandado entregue ao funcionário em 15-05-86; o embargante foi citado editalmente em Setembro de 1988.<br>
E de três anos o prazo de prescrição da acção cambiária contra o avalista do aceitante de uma letra - artigos 32 e 70 da mencionada Lei Uniforme.<br>
O assento deste Supremo Tribunal de 12-06-62, no<br>
Boletim 118, página 313, fixou a jurisprudência no sentido de se tratar de prazo de prescrição sujeito a interrupção nos termos do Código Civil.<br>
Segundo o n. 1 do artigo 323 do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação de qualquer acto que exprima directamente a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. E o n. 2 do mesmo artigo estabelece que se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.<br>
No caso em questão, relativamente às sete letras, foi requerido, em 18-12-85, que a execução prosseguisse e se citassem os executados para esse prosseguimento. A citação não se efectuou dentro dos cinco dias seguintes, embora, de harmonia com o segundo período do n. 1 do artigo 143 do Código de Processo Civil, até pudesse ocorrer em férias. É que há todo um conjunto de trabalhos burocráticos que fazem com que na prática, muito dificilmente se consiga uma citação dentro desse prazo. Poderá dizer-se que seria necessária a colaboração de todos os intervenientes e que tudo andasse a correr.<br>
Por isso, desde que não haja causa imputável ao requerente, considera-se a prescrição interrompida cinco dias após ter sido requerida a citação, no caso concreto, em 24 de Dezembro - neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 20-06-86, no Boletim 358, página 367. E assim antes de se perfazerem três anos sobre o vencimento de qualquer das sete letras.<br>
Ora não se demonstra qualquer causa imputável ao exequente, sequer relativa ao seu requerimento entrado em 18-12-85, pois não consta que lhe tenha sido feito qualquer reparo. Pelo que a demora da citação decorreu da organização judiciária, com a interposição das férias judiciais, e de formalidades processuais com o pagamento do preparo inicial, que obedece a prazos que o exequente respeitou.<br>
E nada o obrigava, nem sequer o disposto no mencionado artigo 323 n. 2 do Código Civil, a efectuar o preparo no primeiro dia do respectivo prazo.<br>
Para a demora contribuiu, também o funcionamento do tribunal - não imputável ao exequente - face ao tempo que o despacho a ordenar a citação levou a ser proferido. E mais ainda demorou a citação do embargante, só possivel pela via edital, de que nenhuma culpa se atribui ao exequente.<br>
Caberá dizer, finalmente, como salienta o embargado, que é neste sentido a jurisprudência, que se supõe pacifica, deste tribunal - entre outros, os acórdãos de 30-11-72, 10-02-81, 10-12-81, 27-07-82 e de 27-03-84, respectivamente no Boletim 221, página 222, 304, página<br>
406; 312, página 281; 319, página 265; e 335, página<br>
255; e ainda, o proferido no recurso n. 81772, em 29 de<br>
Abril findo, pelos signatários do presente acórdão.<br>
Termos em que, improcedendo as conclusões do recorrente, se nega a revista, com custas a seu cargo.<br>
Lisboa, 13 de Outubro de 1992<br>
César Marques;<br>
Ramiro Vidigal;<br>
Santos Monteiro.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Sentença de 31 de Outubro de 1989 de Vila Real de<br>
Santo António;<br>
II - Acórdão de 28 de Fevereiro de 1991 da Relação de<br>
Évora.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TIkvIYBgYBz1XKvZKTL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam em conferencia, neste Supremo:-<br>
Por escritura publica, outorgada no Cartorio Notarial da Figueira da Foz em 17-1-64, A e mulher B adquiriram o predio rustico sito no lugar de Carro Queimado, freguesia de Samuel, concelho de Soure, e inscrito na matriz predial sob o artigo n. 5479 e descrito na Conservatoria de<br>
Soure sob o n. 25888. Tal predio, composto de terra de semeadura, com algumas videiras e oliveiras, e com area de 2700 metros quadrados não tinha comunicação com a via publica.<br>
Por escritura publica, outorgada no Cartorio Notarial de Soure em 23-1-69, os mesmos Marcial e mulher adquiriram o predio rustico inscrito na matriz sob o artigo 5478 e sito no mesmo lugar e freguesia do anterior. O qual e composto de terra de semeadura, com algumas oliveiras e arvores de fruto, e tem area de<br>
1980 metros quadrados.<br>
Estes dois predios são contiguos e o segundo confronta, a nascente, com a via publica, pelo que ambos passaram a ter acesso facil para esta via, fazendo-o o 1 atraves do 2.<br>
Por escritura publica, outorgada no Cartorio Notarial de Soure em 13-3-86, aquele A e mulher B fizeram doação daquele segundo predio a sua filha C, que a aceitou; esta não era proprietaria de quaisquer terrenos contiguos ao predio doado, que não se destinou a fim diferente da exploração agricola.<br>
Com o fundamento de que esta doação deu lugar a fraccionamento de terrenos contra o disposto no artigo<br>
1376 do Codigo Civil, o Magistrado do Ministerio<br>
Publico na comarca de Soure propos esta acção contra os doadores e a donataria e seu marido, D, pedindo, nos termos do artigo 1379 do mesmo<br>
Codigo, a anulação da doação.<br>
Contestaram os reus. E, alem de o fazerem por impugnação, excepcionaram ainda com a caducidade do direito de propor a acção.<br>
Houve replica.<br>
No saneador, foi julgada improcedente a referida excepção. E entrando logo na apreciação do merito, o<br>
Senhor Juiz julgou procedente a acção declarando anulado o contrato de doação.<br>
Recorreram os reus deste saneador-sentença. E a<br>
Relação, no provimento do recurso, revogou-o julgando procedente a apontada excepção e prejudicada, por isso, a questão de fundo da anulabilidade da doação.<br>
Do Acordão da Relação recorre agora o Ministerio<br>
Publico (Autor) por, em sua opinião, nele se ter violado o disposto nos artigos 267 n. 2, 477 n. 2 e 476 n. 2, do Codigo de Processo Civil, e 327 n. 2, 332 n. 1 e 1379 n. 3, do Codigo Civil, porquanto:-<br>
- O que suspende a caducidade e a propositura da acção e não a citação e isto não se altera por o autor ter sido convidado a corrigir a petição;<br>
- O caso dos autos não se integra na previsão decorrente da interpretação "a contrario" do artigo 327 n. 3 do Codigo Civil porque não ha similitude ou equivalencia entre a absolvição da instancia e o despacho que convida o Autor a corrigir a petição inicial.<br>
Os recorridos defendem a confirmação do Acordão.<br>
Colhidos os vistos, vai decidir-se.<br>
Trata-se de acção de anulação de acto de fracçionamento de terrenos que, na opinião do Autor, infrigira o disposto no artigo 1376 do Codigo Civil.<br>
Mas, nos termos do n. 3 do artigo 1379 do mesmo Codigo, esta acção esta sujeita a caducidade no fim de tres anos a contar da celebração do acto.<br>
E, como vimos, os reus invocaram esta mesma caducidade que, rejeitada na 1 Instancia, foi acolhida na Relação onde, por isso, não chegou a ser apreciada a questão de fundo da anulabilidade do acto. Assim, a unica questão que neste recurso se põe e a relacionada com a verificação, ou não, no caso, dessa caducidade.<br>
O questionado acto de fracçionamento foi praticado, como vimos, em 13-3-86.<br>
A petição da acção foi apresentada, e registada, na secretaria judicial em 28-2-89.<br>
Mas, por despacho de 9-3-89 e nos termos do n. 1 do artigo<br>
477 do Codigo de Processo Civil, foi o Autor convidado a corrigir essa petição de apontadas deficiencias quanto a indicações facticas.<br>
Deste despacho foi o Autor notificado em 15-3-89; e em<br>
03-4-89 pediu a prorrogação, por oito dias do prazo de dez dias que, para isso, lhe fora fixado naquele despacho, no que foi atendido. E, em 11-4-89 foi apresentada a petição corrigida, vindo os doadores a ser citados em 2-5-89 e a donataria e marido so em 27-4-89.<br>
Notar-se-a, antes de mais, que no ano de 1989 as ferias judiciais de Pascoa decorreram entre 19 e 27 (inclusive) de Março, caindo, pois, em sabado o dia 18 desse mes. De onde ter de concluir-se que a prorrogação do prazo de 10 dias para apresentar petição corrigida, por mais 8, foi requerida no 7 dia desse prazo e a nova petição foi apresentada no 13 dia.<br>
Ao contrario da 1 Instancia, a Relação julgou procedente a caducidade da acção de anulação.<br>
A ideia base da argumentação que a isso conduziu foi a de que a caducidade da acção so e impedida pela citação do reu e não pela propositura da acção. E como aqui as citações dos reus so foram operadas, por culpa do Autor, depois de consumado o prazo de caducidade, esta procede. E, a força da referencia a citação e buscada no facto de no n. 3 daquele artigo 1379 se não falar na proposição da acção e de no artigo 267-2 do Codigo de Processo Civil se estabelecer que a proposição da acção em relação ao reu so produz efeitos a partir da citação.<br>
Parece-nos que não pode acolher-se a solução adoptada pela Relação.<br>
Trata-se de caducidade (não prescrição) referida ao direito de propor uma acção em juizo. E expressamente a lei proclama (artigo 328 do Codigo Civil) que, em principio, a caducidade não se suspende nem se interrompe, pelo que, a não ser quando isso seja ordenado, não lhe são aplicaveis as regras de suspensão e da interrupção da prescrição, o que aqui acontece.<br>
Não se suspende, nem se interrompe; apenas se impede ou não impede. Como?<br>
So a impede a pratica, dentro do prazo, do acto a que a lei atribua o efeito impeditivo (artigo 331 do Codigo<br>
Civil). A partir dai o direito sera definido (pela positiva ou pela negativa), razão da inaplicabilidade da suspensão ou interrupção.<br>
Reportada ao direito de propor a acção de anulação<br>
(alusão clara daquele n. 3 do artigo 1379), parece indiscutivel que o acto a que tem de atribuir-se o efeito impeditivo dessa mesma caducidade e o da propositura dessa mesma acção. Temos como seguro, alias, que isso mesmo resulta bem claro da letra do artigo 332 do Codigo Civil, onde se fala na acção "......tempestivamente proposta (n. 1); e.....prazo decorrido entre a propositura da acção e......".<br>
Aqui se revela, cremos que sem margem para duvidas, que o acto impeditivo da caducidade e o da propositura da acção, sem mais. O que importa para impedir a caducidade e a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-o, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte. Em parte nenhuma a lei faz depender, neste tipo de caducidade, o efeito impeditivo da propositura da acção de citação do reu, ao contrario do que se passa com a interrupção da prescrição (cfr. artigo 323-1 do Codigo Civil).<br>
E a proposição da acção considera-se feita, consumada, com o recebimento da petição inicial na secretaria - n. 1 do artigo 267 do Codigo de Processo Civil. Pelo que vem de dizer-se não interessa o que se dispõe no n. 2 deste artigo, onde se apoiou, essencialmente, o Acordão recorrido.<br>
Como se viu, a petição foi recebida na secretaria doze ou treze dias antes de se consumar o prazo da caducidade estabelecido no n. 3 do citado artigo 1379.<br>
Se nada mais houver, concluiriamos, pois e ja, que a caducidade fora tempestivamente impedida.<br>
Acontece, porem e como foi notado, que houve despacho considerando a correcção de deficiencias dessa petição no prazo de dez dias. E mais:- que foi pedida a prorrogação deste prazo, sendo a nova petição apresentada no periodo da prorrogação, embora antes de se atingir sequer o meio desta.<br>
Isto levanta alguns problemas que tem de ser abordados, mas não os suscitados e solucionados no Acordão.<br>
Efectivamente, e pelo que ja foi dito, não importa nada saber se a citação foi demorada por motivo imputavel ao Autor. O n. 2 do artigo 323 do Codigo Civil não pode ser para aqui chamado uma vez que respeita a interrupção da prescrição, o que na caducidade não existe. Não interessa a data da citação.<br>
Por outro lado, e ao contrario do que se seguiu no Acordão tambem o disposto no n. 3 do artigo 327 do Codigo Civil não interessa nem pode ser aqui chamado mesmo so para uso do argumento "ao contrario".<br>
E que, no caso, não houve, nem se trata, de absolvição da instancia por qualquer motivo nem da queda do efeito de algum compromisso arbitral - situações a que se aplica tal n. 3.<br>
E nem sequer ha caso omisso a integrar.<br>
Não. A situação concreta esta perfeita e integralmente regulada na 1 parte do n. 2 do artigo 477 do Codigo de Processo Civil. E e a partir daqui que ha-de solucionar-se este problema oriundo da repetição da petição com o circunstancialismo apontado.<br>
Resulta desta ultima disposição legal que, sendo a nova petição apresentada dentro do prazo marcado, a acção se considera proposta na data em que a primeira petição tenha dado entrada na secretaria. Isto, claro, independentemente do motivo determinante do convite a correcção e sua imputabilidade.<br>
Entendem os recorridos que isso não pode aplicar-se aqui porque a nova petição não foi apresentada dentro do prazo marcado, mas ja na prorrogação.<br>
Pensamos que não tem razão. trata-se de prazo judicial, não marcado por lei, mas fixado por despacho do juiz, como tal, este prazo e prorrogavel - cfr. artigos 144-1 e 147, do Codigo de Processo Civil.<br>
Desde que se trate de verdadeira prorrogação, o prazo inicialmente marcado e integrado por ela, constituindo-se um unico prazo simplesmente mais alongado.<br>
E a prorrogação e real quando solicitada antes de terminado o prazo marcado por forma a não haver solução de continuidade no seu curso.<br>
E foi, como se viu, o que aqui aconteceu.<br>
Alias, mesmo o n. 2 daquele artigo 477 não elimina a possibilidade de prorrogação do prazo marcado para manter o efeito da apresentação atempada de nova petição.<br>
Teremos, pois, de concluir que esta foi apresentada no prazo marcado, com o efeito, portanto, do n. 2 do artigo 476 do Codigo de Processo Civil.<br>
Mas a isto apõem ainda os recorridos que tal efeito e afastado por a nova petição ser substancialmente diferente da primeira.<br>
Tambem nisto não tem razão.<br>
Sendo as duas petições logo se ve que a causa de pedir e o pedido são, em ambas, exactamente os mesmos. Apenas na segunda, e na correspondencia ao convite proposto, se articula mais completamente certos aspectos facticos integradores da causa de pedir.<br>
Não cremos que isso justifique a acusação de diferença substancial, por forma a desconexionar inteiramente as duas petições. De resto e se assim fosse, certamente que o Senhor Juiz não deixaria de o apontar. E nada disse.<br>
Procedem, pois, as conclusões da alegação do Recorrente. E ao julgar procedente a excepção peremptoria da caducidade da acção de anulação, ofende-se no Acordão em recurso o disposto nos artigos<br>
1379- e 331-1, 332 e 327-3 (estes 2 ultimos por não serem aplicaveis), do Codigo Civil, e 477-2, do Codigo de Processo Civil.<br>
Na improcedencia da excepção, os autos terão que voltar a Relação para ser apreciada a questão de fundo da anulabilidade de doação, que na 1 instancia foi apreciada e fazia parte do objecto da apelação, questão que ai foi considerada prejudicada pela solução adoptada quanto a caducidade.<br>
Pelo exposto, concede-se a revista, revogando-se o<br>
Acordão da Relação para ficar a subsistir a decisão da<br>
1 Instancia quanto a improcedencia da excepção da caducidade; e, em consequencia, voltam os autos a Relação para, com os mesmos Senhores Desembargadores se possivel, ser completada a apreciação do objecto da apelação conforme ficou referido.<br>
Custas pelos recorridos.<br>
Lisboa, 3 de Junho de 1992<br>
Joaquim de Carvalho,<br>
Martins da Fonseca,<br>
Beça Pereira.<br>
Decisões Impugnadas:<br>
I- Sentença de 90.01.04 do tribunal judicial de Soure;<br>
II- Acordão de 91.06.18 da Relação de Coimbra.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FDIdvIYBgYBz1XKv8Zz3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam na Secção Cível:<br>
I) <br>
Relatório.<br>
<br>
1. Com fundamento na resolução, sem justa causa do contrato que a nomeou, em exclusividade para a zona concelhia de Lisboa, mais tarde alargada à de Loures, agente distribuidora e vendedora de gás e material de queima "Flaga", veio a autora Simogás - Comércio e Distribuição de Gás, Lda, com a presente acção ordinária, a correr termo no 10 juízo da comarca de<br>
Lisboa, pedir a condenação da ré Gás Flaga Portuguesa,<br>
Lda - a outra parte naquele contrato - a pagar-lhe as seguintes importâncias: a) indemnização global a titulo de danos emergentes -<br>
6085000 escudos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação, acrescendo também as rendas do armazém; b) indemnização a titulo de bens cessantes à razão de<br>
300000 escudos mensais, com a actualização desde a renovabilidade até à sentença, importância que melhor se liquidará em execução de sentença; c) indemnização de clientela, de valor não inferior a<br>
10000000 escudos.<br>
A autora pediu ainda se declarasse a ineficácia da resolução do contrato operado pela ré por falta de fundamento legal.<br>
Regularmente citada, a ré não contestou, pelo que se consideraram confessados os factos articulados pela autora.<br>
Foi proferida sentença na qual: a) foi declarado cessado o contrato celebrado entre a autora e a ré, a partir de 28 de Fevereiro de 1990. b) foi condenada a ré a pagar à autora as seguintes quantias, a título de indemnização:<br>
1- por danos emergentes:<br>
1.1) - 53412 escudos, referente a rendas;<br>
1.2) - 1590000 escudos, referente ao valor da desvalorização e adaptação das carrinhas;<br>
1.3) - 2995000 escudos, referentes às aquisições dos materiais referidos em 30 5, 6, 7 da petição inicial e contra a entrega destes.<br>
2- por bens cessantes, a quantia de 1620000 escudos, sem prejuízo do acrescido resultante da actualização mensal a calcular de acordo com o indice de preços do consumidor, a liquidar em execução de sentença;<br>
3- da clientela, a quantia de 1800000 escudos e o mais que se vier a apurar em execução de sentença.<br>
4- Sendo tais quantias acrescidas de juros de mora à taxa anual de 15% desde 26 de Setembro de 1990.<br>
2) Inconformadas com a sentença, dela apelaram tanto a autora, como a ré.<br>
Na Relação de Lisboa, por acórdão de folhas 75 e seguintes, foi dado parcial provimento a ambas as apelações, em consequência do que:<br>
I)- Se alterou, também em parte, a sentença recorrida quanto aos pontos 1.2, 1.3, 3 e 4 da sua parte dispositiva, condenando-se a ré a pagar à autora: 1.2 -<br>
1500000 escudos e 1680000 escudos referentes, respectivamente, às desvalorizações das carrinhas e à indemnização paga aos trabalhadores da autora; 1.3 -<br>
3005000 escudos referentes às aquisições de materiais referidos em 30, 5, 6 e 7 da petição inicial e contra a entrega destes; 3 - a quantia que se liquidar em execução de sentença, a título de indemnização de clientela; 4 - os juros de mora, a partir da citação<br>
(26 de Setembro de 1990) à taxa anual de 15%, a calcular sobre as quantias acabadas de referir.<br>
II- Se manteve o mais decidido em a), b) 1.1, 2 e c) da mesma parte dispositiva da sentença recorrida.<br>
3)- Inconformados, de novo, tanto a autora como a ré interpuseram recurso de revista para este Supremo<br>
Tribunal de Justiça, tendo a Simogás limitado o seu recurso à parte da sentença em que se decidiu relegar para execução de sentença toda a indemnização de clientela.<br>
Na sua alegação de recurso, Simogás formulou as seguintes conclusões:<br>
1) A indemnização de clientela nÑo tem por fim indemnizar um dano, antes se destina a indemnizar o concessionário pela clientela que está a angariar e no caso dos autos a ré veio a beneficiar.<br>
2) Tal indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade e no caso dos autos tendo por base o lucro de 300000 escudos que a autora vinha auferindo.<br>
3) Tal lucro extrapolado para 18 meses, constitui um valor de indemnização que assenta em critérios de razoabilidade.<br>
4) Decidindo-se relegar para a execução de sentença o cálculo de indemnização de clientela, foram violados os artigos 34 do Decreto-Lei n. 178/86, de 3 de Julho, e o artigo 566, n. 3 do Código Civil, visto que tal indemnização não tem por finalidade ressarcir danos sofridos, mas antes um crédito a favor da recorrente pela clientela que angariou; pelo que deve dar-se provimento ao recurso, através da fixação de indemnização de clientela no valor mínimo de 5400000 escudos, correspondente a um período de 18 meses com base no lucro mensal de 300000 escudos que a autora auferia.<br>
Por sua vez, na sua alegação de recurso Gás Flaga Portuguesa, Lda., formulou as seguintes conclusões:<br>
1) O aviso prévio de rescisão do contrato de agência, que vigorava entre a recorrente e a recorrida, correspondendo a três meses, é um prazo menor ao verificado desde a data da rescisão em 28 de Fevereiro de 1990 até ao termo da prorrogação em curso em 12 de<br>
Agosto de 1990.<br>
2) Consequentemente, os efeitos da rescisão, entre as partes, não poderão ir para além de 5 meses e 12 dias, quer no tocante aos lucros cessantes, quer aos danos emergentes.<br>
3) Os danos emergentes em favor da recorrida, a titulo de rendas do armazém, deveriam ter sido provados documentalmente para atender ao disposto no artigo 36, n. 1 da Lei n. 2030 e, posteriormente, ao estabelecido no artigo 14 do Decreto-Lei n. 445/74 e ao artigo 1088 do Código Civil, e também a quanto dispõe o artigo 162 do Regulamento do Imposto de Selo.<br>
4) A inobservância destas disposições legais, não fazendo a recorrida prova da existência do arrendamento, nem do pagamento de rendas, desrespeita o artigo 364, n. 1 do Código Civil e obsta por isso à aplicação do efeito cominatório previsto no artigo 484, n. 1 do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 485, alínea d) do citado Código.<br>
5) o acórdão recorrido, condenando a recorrente no pagamento das rendas pretendidas pela recorrida, violou as citadas disposições legais, não podendo, por isso manter-se a decisão, já que foi produzida a prova legalmente exigível.<br>
6) O material em stock, cujo valor a recorrente está obrigada a restituir à recorrida, contra a sua entrega, respeitando o principio da equidade, impõe que o mesmo se encontre nas condições em que foi fornecido, portanto, sem deterioração alguma.<br>
7) A condenação da recorrente, a titulo de danos emergentes, no que se refere aos meios de transporte referidos pela recorrida, não leva em conta o tempo de duração do contrato e as amortizações do imobilizado corpóreo, em cada exercício em relação ao valor indicado.<br>
8) Uma vez que o contrato entre a recorrente e a recorrida perdurou por mais de quatro anos, nos termos do artigo 30 do Código da Contribuição Industrial e da<br>
Portaria n. 737/81, de 20 de Agosto, as amortizações operadas em cada exercício, no inventário o balanço da sociedade recorrida, teria como efeito que da desvalorização respectiva resulte apenas como dano emergente a quantia, não amortizada de 300000 escudos.<br>
9) A indemnização a empregados, invocada pela recorrida, sempre deveria ter sido provada nos termos do Decreto-Lei n.372-A/75, de 16 de Julho, e ainda do Decreto-Lei n. 64-A/84, de 27 de Fevereiro, artigos 6 e<br>
8, n. 1, respectivamente, obrigando à apresentação de documento escrito e assinado por ambas as partes.<br>
10) A falta do referido documento, elemento essencial de prova, obsta à aplicação do efeito cominatório do artigo 484, n. 1, do Código de Processo Civil, por força do artigo 485, alínea d), do citado Código, resultando ainda violado o disposto no artigo 364, n.<br>
1, do Código Civil.<br>
11) Consequentemente, o acórdão recorrido deve ser revogado, absolvendo-se a recorrente na parte em que condena a pagar as referidas rendas, desvalorização das carrinhas; para além de 300000 escudos, e também qualquer valor de indemnização pago a trabalhadores.<br>
12) E ainda o acórdão recorrido, no que se refere a indemnização de clientela, a liquidar em execução de sentença, deve apenas considerar o período de 5 meses e<br>
12 dias; enquanto a restituição do material em stock a pagar pela recorrida à recorrente só deverá ser admitida se o mesmo estiver em perfeitas condições de qualidade e conservação.<br>
13) A indemnização de clientela, respeitando o princípio da equidade, deve reportar-se a 5 meses e 12 dias, enquanto os juros de mora deverão depender do "quantum" fixado a final; pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido.<br>
Houve contra-alegações nos dois recursos.<br>
II) Fundamentos da Decisão<br>
A) Matéria de Facto provada:<br>
1- Por contrato celebrado em 12 de Fevereiro de 1986, a autora foi nomeada agente concelhia da ré para o concelho de Lisboa.<br>
2- Decorridos seis meses, por acordo verbal entre autora e ré, o contrato de agência foi territorialmente alargado para o concelho de Loures.<br>
3- Nos termos dos contratos ajustados, a autora obrigava-se a distribuir e vender o material de queima, as garrafas e o gás Flaga nos concelhos de Lisboa e de<br>
Loures.<br>
4- Ao mesmo tempo que se vedava à autora a venda de produtos de outra marca, era assegurado pela ré nos referidos contratos o exclusivo da representação do gás<br>
Flaga e material ligado ao consumo do referido gás.<br>
5- Tal contrato, embora estabelecido para durar pelo prazo de 6 meses renováveis, prolongou-se desde a sua assinatura em 12 de Fevereiro de 1986 até 28 de Fevereiro de 1990, data em que a ré tomou a iniciativa de o rescindir com a alegação de justa causa, fazendo-o sem aviso prévio e alegando generalizadas reclamações da parte dos subagentes, o que a prejudicava em vendas e em imagem.<br>
6- A autora foi obrigada a efectuar investimentos.<br>
7- Ultimamente, a ré passou a fornecer directamente a grandes hipermercados na mira da obtenção do lucro integral.<br>
8- Em 1989, a ré teve demora em alguns fornecimentos à autora.<br>
9- As encomendas da autora à ré tiveram a evolução seguinte em milhares de escudos: ano de 1986 - 16050000 escudos; ano de 1987 - 18980000 escudos; ano de 1988 -<br>
23000000 escudos, ano de 1989 - 20300000 escudos.<br>
10- A autora sempre abasteceu os subagentes e revendedores, com os produtos Flaga necessários e suficientes ao escoamento que o mercado permitia.<br>
11- Nunca a autora teve qualquer reclamação, antes pelo contrário, era considerada e estimada pelos seus clientes.<br>
12- A ré deve para com a autora as folhas pontuais de fornecimento, conforme carta que lhe enviou em 27 de<br>
Março de 1984.<br>
13- A autora sofreu os seguintes danos emergentes: a)- rendas do armazém, à razão de 8902 escudos mensais; b)- uma carrinha Renault Traffic adaptada para o transporte e distribuição de material Flaga - preço de compra<br>
1800000 escudos; desvalorização respectiva - 1000000 escudos, valor da indemnização; c)- transformação de duas carrinhas, anteriormente propriedade da autora, com a finalidade de venda e distribuição de gás flaga - valor da adaptação - 500000 escudos; d)- aquisição à ré de garrafas Flaga para o inicio da representação e o normal abastecimento aos subagentes - 750 garrafas ao preço unitário de 19400 escudos - 1455000 escudos, cujo número foi mantido e se mantém em stock e sem hipótese de comercialização; e)- outro material Flaga, em stock, como fogões, grelhadores, colchões de campismo, termos e sacos térmicos - 1400000 escudos, sem hipótese de comercialização; f)- facturas de publicidade imprimidas com o símbolo Flaga - 150000 escudos; g)- indemnização aos empregados contratados para a venda e comercialização Flaga - 1680000 escudos.<br>
14- As vendas da autora permitiam-lhe ultimamente um lucro liquido mensal de 300000 escudos.<br>
15- A ré continuou a actividade da autora e tem vindo a fornecer directamente os subagentes e demais clientela nos concelhos de Lisboa e Loures.<br>
16- Alguma clientela de que a ré agora beneficia foi angariada pela autora, que com ela mantinha relações contratuais de fornecimento regular.<br>
17- A autora não recebeu qualquer retribuição pelos contratos entretanto ajustados com os subagentes e demais clientela após a operada rescisão da ré.<br>
B) Aspecto Jurídico<br>
Quanto ao recurso da autora.<br>
1- Como já vimos, a recorrente autora apenas pretende com o seu recurso que, em vez de ser relegada para execução de sentença a fixação do montante da indemnização de clientela, devia a mesma fixar-se desde já no montante de 5400000 escudos, correspondente a um período de 18 meses com base no lucro mensal de 300000 escudos que a autora auferia com o negócio de distribuição e venda do gás Flaga e artigos de queima a ele ligados.<br>
2- Antes de mais convém definir o contrato celebrado entre as partes.<br>
Não se trata de um contrato de agência, como este é definido no artigo 11 do Decreto-Lei n. 128/86, de 3 de<br>
Julho; e agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição. Daqui se vê que o agente, mesmo quando pode vender, o faz por conta e em nome do proponente.<br>
Pelo contrário estamos perante um contrato de concessão.<br>
Concessionário é um comerciante independente que aceita não comprar, para os revender, senão certos materiais ou produtos de uma marca determinada, com a combinação de o construtor ou o fabricante lhe atribuir a exclusividade de venda num sector determinado (Manuel Gonçalves Salvador, "Contrato de Mediação", página<br>
244). Igual conceito é estabelecido por Manuel Januário<br>
Gomes em "Da Qualidade de Comerciante do Agente Comercial" (B.M.J. n. 313, página 24).<br>
O contrato de concessão é um contrato atípico, como se refere no preâmbulo do citado Decreto-Lei n. 178/86, de<br>
3 de Julho, a que se aplica, por analogia - quando e na medida em que ela se verifique - o regime do contrato de agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato (citado preâmbulo), já Galvão Telles ensinava que os contratos inominados têm de se reger pelas disposições reguladoras dos contratos em geral e, se necessário, pelas disposições (não excepcionais) dos contratos nominados em que apresentarem mais forte analogia ("Dos Contratos em Geral, página 325).<br>
2- Agora convém saber o que se entende por "indemnização de clientela". A expressão foi introduzida nos artigos 33 e 34 do Decreto-Lei n.<br>
178/86, de 3 de Julho, que regulamenta o contrato de agência ou representação comercial. Trata-se, no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato - seja qual for a forma por que se lhe põe termo e sem prejuízo de outras indemnizações a que haja lugar - pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente (António Pinto Monteiro, "Contrato de Agência" no B.M.J., n. 360 página 116).<br>
É essa compensação pela clientela que ela angariou e que agora é cliente da ré que a autora vem pedir nesta acção.<br>
Resulta do n. 16 da matéria de facto provada que alguma clientela de que a ré agora beneficia foi angariada pela autora, que com ela mantinha relações contratuais de fornecimento regular.<br>
Em face desta matéria de facto, não podemos quantificar, nem ao menos aproximadamente, qual a parte da clientela angariada pela autora e de que a ré agora beneficia (metade?, um terço?, um quarto?, um oitavo?, um décimo?, etc).<br>
Se é certo que a indemnização de clientela é calculada em termos equitativos (artigo 34 daquele Decreto-Lei n.<br>
178/86), há uma grande diferença entre equidade e discricionariedade. A equidade é fonte de direito, quando a lei o permitir, como no caso concreto (artigo<br>
40, alínea a) do Código Civil).<br>
A equidade pode definir-se como a justiça no caso concreto ou antes como um aspecto do sentimento de justiça que surge em consequência da natureza geral e abstracta da norma.<br>
O recurso à equidade pode conduzir ao arbítrio do julgador e é por isso que no caso em apreço, para se fazer um bom juízo equitativo quanto ao montante da indemnização, se deve tentar provar que parte da clientela angariada pela autora foi parar à ré como cliente desta e essa parte da clientela, o mais aproximadamente, só se pode fixar em execução de sentença, como se decidiu no acórdão recorrido.<br>
Daqui já se vê que o recurso interposto pela autora não pode proceder.<br>
Quanto ao recurso da ré.<br>
1- A ré Gás Flaga Portuguesa, Lda, nas conclusões 3, 4 e 5 da sua alegação de recurso de revista vem defender que os danos emergentes referidos pela autora quanto às rendas do armazém não podem ser tomados em conta para efeitos de indemnização porque a autora não fez a prova do arrendamento e do pagamento das rendas.<br>
Verifica-se que a ré não suscitou essa questão na sua alegação de recurso de apelação e, por isso, tal questão não foi decidida pelo acórdão da Relação.<br>
Trata-se, assim, de uma questão nova que não foi levantada no tribunal recorrido e de que, por isso, este Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer. Com efeito, nos termos do artigo 721 do Código de Processo<br>
Civil, o recurso de revista é do acórdão da Relação que decidiu a apelação e do que nele foi suscitado e decidido.<br>
2- O mesmo se diga quanto ao referido pela ré nas conclusões 7 e 8 da sua alegação de recurso, pois também não foi suscitada anteriormente a questão da amortização do imobilizado corpóreo em cada exercício da ré. É também uma questão nova, de que este Supremo<br>
Tribunal está impedido de conhecer.<br>
3- É também questão nova a obrigatoriedade de vencimento para prova de ter sido paga a indemnização aos empregados da autora, pois esta questão também não foi suscitada e, por isso, não conhecida no tribunal recorrido. Daí que improcedam também as conclusões 9,<br>
10, e 11 da alegação de recurso da ré.<br>
4- O contrato celebrado entre as partes tinha a duração de 6 meses, sendo automaticamente renovado por iguais períodos, enquanto qualquer das partes o não denunciasse (cláusula 11).<br>
Ora, nos termos do n. 2 do artigo 27 do Decreto-Lei n.<br>
178/86, aqui aplicado analogicamente, como já vimos, depois da sua vigência, esse contrato, após a sua primeira renovação, considerou-se renovado por tempo indeterminado.<br>
Daqui tira a recorrente Gás Flaga Portuguesa, Lda, a conclusão, apoiada na alínea c) do n. 1 do artigo 28 daquele Decreto-Lei n. 178/86, de que, estando o contrato sujeito a uma denúncia com a antecedência mínima de 3 meses, a indemnização devia limitar-se aos prejuízos sofridos durante esses 3 meses.<br>
Ora, nos termos dessa alínea c) do n. 1 daquele artigo<br>
28 durando o contrato há mais de um ano (como no caso concreto), a antecedência mínima para a denúncia dele é de três a doze meses, conforme a importância do contrato, as expectativas das partes e as demais circunstâncias do caso, elementos estes que são do nosso desconhecimento, pelo que não podemos saber qual a antecedência mínima para a denúncia do contrato celebrado entre as partes.<br>
Esquece-se a recorrente ré de que, por não ter contestado a acção, foram dados como provados os factos articulados pela autora. Por outro lado, é matéria de facto estabelecer o nexo de causalidade entre a demissão do contrato e os prejuízos sofridos pela autora.<br>
Por isso este Supremo Tribunal de Justiça tem de aceitar os prejuízos assentes pelas instâncias como sendo os derivados da denúncia do contrato pela ré.<br>
Improcedem assim todas as conclusões da alegação de recurso da ré.<br>
III) Decisão<br>
Pelo exposto, negam a revista.<br>
Custas pelas recorrentes em relação aos recursos que interpuseram.<br>
Lisboa, 4 de Maio de 1993<br>
Santos Monteiro<br>
Pereira Cardigos<br>
Miguel Montenegro<br>
Decisões impugnadas:<br>
I- Sentença de 91.02.08 do 3 juízo cível de Lisboa, 3 secção;<br>
II- Acórdão de 92.07.05 da Relação de Lisboa, 2 secção.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EjL_u4YBgYBz1XKvSnH3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
A, Limitada veio propor a presente acção, com processo ordinário, contra "Fábrica de Confecções B" pedindo que seja declarada dona e legítima possuidora do prédio urbano, identificado na petição inicial, a troco do pagamento do seu chão e ruínas no valor de 55200000 escudos, por si já desembolsado a favor da Ré e que esta seja condenada a reconhecer tal pretensão e requerendo, ainda, o cancelamento de quaisquer inscrições nele recaídas, lavradas ulteriormente à da transmissão exarada com o n. ... do Livro ..., a folhas 76 verso, a favor da<br>
Autora.<br>
Subsidiariamente, e para o caso de tal demissibilidade lhe não ser reconhecida, peticionou que, pelo menos a<br>
Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de 160000000 escudos, correspondente ao valor das benfeitorias por ela realizadas no mesmo prédio e a reconhecer o seu direito de retenção nelas fundado, enquanto não for integralmente liquidado o seu valor.<br>
Alega, em síntese:<br>
Adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio referido, antes pertencente à Ré por 55200000 escudos, em leilão judicial, realizado em 25 de Novembro de 1981, na sequência de sentença de declaração de falência da Ré, sentença esta que, todavia, veio a ser revogada, em recurso, pelas instâncias superiores.<br>
Depois do leilão e após ter pago a totalidade do preço, veio a ser-lhe entregue o prédio, com autorização do administrador, prédio no qual, por se encontrar em mau estado de conservação e pretender adoptá-lo ao seu comércio, realizou obras com o que dispendeu a importância global de 180200000 escudos.<br>
As obras realizadas foram incorporadas no prédio, não podendo dele ser separadas, e valorizaram-no em 180200000 escudos.<br>
A Autora pagou as contribuições e encargos legais decorrentes do direito de propriedade sobre o imóvel em causa, bem como os prémios de seguro de incêndio a ele referentes, tendo adquirido o direito de propriedade do prédio através da acessão imobiliária.<br>
Para o caso de assim se não entender, deverá, no mínimo, a Autora ser indemnizada do valor das obras levadas a cabo, por constituírem benfeitorias necessárias e úteis, assistindo-lhe o direito de retenção sobre o imóvel até que a indemnização lhe seja paga.<br>
A indemnização reclamada, há-de abranger, ainda, outras obras de melhoramento, conservação e remodelação que realizou entre 1987 e 1992, com o que despendeu o montante de 28112739 escudos, e que representam um valor incorporado de 41000000 escudos.<br>
Contestando, a Ré opôs, por um lado, que na altura do referido leilão judicial, a Autora fora advertida de que havia sido requerida a anulação do processo de falência e, por outro, que o prédio se encontrava em bom estado de conservação, sendo que as obras efectuadas não atingem a dimensão pretendida pela Autora.<br>
Alega, também, que a Autora, a despeito de ter sido notificada em Outubro de 1983 de que a venda fora anulada, continuou a ocupar indevidamente o prédio e, por isso, pede, em reconvenção, que ela seja condenada a pagar-lhe uma indemnização a fixar segundo critérios que indica, nomeadamente através do montante de rendas que receberia se o prédio estivesse arrendado, ou a liquidar em execução de sentença.<br>
A Autora replicou.<br>
Foi interposto recurso de agravo pela Autora do despacho que a condenou nas custas do incidente de apoio judiciário.<br>
Foi também interposto recurso de agravo pela mesma Autora do despacho que considerou admissível a reconvenção deduzida pela Ré.<br>
Posteriormente, a culminar o julgamento, foi proferida sentença onde se julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção declarando-se a Autora titular do direito de propriedade sobre o prédio em causa, por o ter adquirido por acessão industrial imobiliária, e condenando-se a Ré a reconhecer tal direito, devendo, em contrapartida a Autora pagar àquela a quantia de 55200000 escudos, a actualizar desde 1982, segundo os índices de variação de preço ao consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística e excluindo a Autora do pedido reconvencional.<br>
A Relação do Porto, para onde recorreram ambas as partes, através do Acórdão de 4 de Março de 1997, constante de folhas 360 e seguintes, decidiu do seguinte modo: a) Julgar deserto , por falta de alegações o recurso de agravo interposto pela Autora do despacho que a condenou em custas do incidente de apoio judiciário; b) Negar provimento ao agravo interposto pela mesma Autora do despacho que julgou admissível a reconvenção; c) Julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos por ambas as partes; d) E, em consequência confirmar as decisões recorridas.<br>
Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal.<br>
Eis as conclusões das alegações apresentadas pela Ré:<br>
A) A decisão recorrida contraria frontalmente toda a jurisprudência sobre o tema, nomeadamente a do S.T.J. reafirmadas em Acórdão bem recente, toda a doutrina nacional e o direito comparado e, ainda, as regras básicas da interpretação da lei.<br>
B) Na acessão imobiliária reporta-se a lei à construção de obra em terreno alheio, o que significa a existência de uma relação entre ela e o terreno, com exclusão da obra realizada apenas num edifício (como é o caso dos autos), sob pena de o pensamento legislativo não ter na lei um mínimo de correspondência verbal (Acórdão do S.T.J. de 4 de Abril de 1995).<br>
C) A fundamentação da posição (única) do Tribunal a quo em querer equiparar prédio (melhor, edifício) a terreno, no texto do artigo 1340 do Código Civil, é totalmente desmentida pelo elemento literal, histórico e sistemático que devem presidir à interpretação do preceito em questão.<br>
D) A acessão supõe uma inovação e não apenas uma melhoria da coisa existente, o que corresponde a uma benfeitoria.<br>
Com o Senhor Juiz-Desembargador vencido diremos que a ora recorrida "fez num prédio importantes obras de restauro de um prédio urbano preexistente, em alguma coisa inovadora, mas não suficientemente inovadora para se dizer que houve alteração de substância do prédio".<br>
E) Na acessão o interventor tem que ser um estranho em relação à coisa; releva aqui, como ensina a doutrina, o elemento subjectivo.<br>
F) No momento em que realizou as obras, a A, era legalmente proprietária do prédio em causa, muito embora tal título tenha, posteriormente, sido destruído.<br>
A A, actuou como proprietária putativa do prédio, com a consciência de o prédio ser seu, pelo que não está preenchido o requisito legal da obra em terreno alheio.<br>
G) Pelas razões expostas deverá ser revogada a sentença recorrida e apreciado o pedido reconvencional, o qual deverá ser julgado procedente, sendo a recorrida condenada a pagar à recorrente, uma indemnização pelo tempo de ocupação de má-fé do prédio, ou seja, desde Novembro de 1983.<br>
H) Tal indemnização deverá ser calculada tomando por base o valor da renda do prédio no mercado de arrendamento, tomando-se como referência o valor de tal renda em Maio de 1994, a qual era de 3000000 escudos por mês, como ficou dado por provado.<br>
I) O montante de tal indemnização vencerá juros, à taxa legal, desde a apresentação do pedido reconvencional.<br>
J) Sem prescindir, a ser confirmada a sentença recorrida no tocante à acessão, esta deve ser alterada no seguinte ponto:<br>
L) O montante nela fixado como indemnização à recorrente B - 55200000 escudos - deve ser actualizado desde 26 de Novembro de 1981 e não 26 de Novembro de 1982, como consta da sentença recorrida.<br>
M) Trata-se aqui de uma questão de direito - as regras legais de actualização de uma dívida de valor - que implicam necessariamente, para a suposição do valor real de um certo quantitativo monetário, que a actualização se faça desde a data em que tal quantitativo foi determinado.<br>
N) Deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, na parte em que julgou verificada a acessão imobiliária e conhecendo-se e julgando-se procedente o pedido reconvencional.<br>
O) Subsidiariamente, para a hipótese de se não julgar improcedente o pedido de acessão, deve o Supremo corrigir a sentença recorrida no sentido de considerar a data de 26 de Novembro de 1981 como sendo a data a partir da qual deverá ser actualizada a indemnização devida à recorrente.<br>
Passa-se, agora, a transcrever as conclusões das alegações do Autor, A.<br>
1- A lei confere ao beneficiário da acessão a aquisição da propriedade.<br>
2- E atribui ao construtor apenas o poder de a adquirir.<br>
3- Daí a aquisição pelo Autor de acessão a operar automaticamente.<br>
4- E se dar desde o momento da incorporação.<br>
5- Sendo assim o valor a pagar e, aliás, já pago pela recorrente à recorrida não poderá ir além dos já desembolsados 55200000 escudos.<br>
6- É que a recorrida que deixara de ser dona da coisa é titular de um crédito de raiz pecuniária.<br>
7- A que necessariamente corresponde uma obrigação pecuniária liberada por uma prestação em dinheiro.<br>
8- Por isso a obrigação da recorrente, autora da acessão, é originariamente pecuniária.<br>
9- E, como tal, se mantém sem qualquer convenção à luz do princípio nominalista que é a regra, ainda que não absoluta.<br>
10- Já que, há excepções a um princípio explicitamente consignadas na Lei.<br>
11- E outras implicitamente, como a obrigação de indemnizar e a de restituir fundada no enriquecimento sem causa.<br>
12- Ainda que uma e outra, sob o mesmo e amplo sistemático das obrigações ser geral e outros dois mais restritos das suas fontes e modalidades.<br>
13- Porém aquelas e estas figuras são excepções àquele regime-regra.<br>
14- Logo, quaisquer situações jurídicas situadas fora delas ficam sob a alçada do princípio nominalista.<br>
15- De entre essas figuras o artigo 1340 n. 1 do Código<br>
Civil, que, até, repetidamente reporta a fixação do quantitativo a época anterior à incorporação em sentido inverso de que a actualização é expressão.<br>
16- A recorrida ainda que dissolvida pela declaração de falência, continuou a existir como pessoa jurídica.<br>
17- E deixou de ser uma sociedade dissolvida pela anulação da sentença declaratória de falência.<br>
18- Pelo que o quantitativo desembolsado pela recorrente ingressou no património da recorrida e para ela reverteu e à sua disposição permaneceu.<br>
19- Donde se ter convertido na contraprestação envolvida na aquisição originária pela acessão imobiliária do prédio pela recorrente.<br>
20- Que era devida por esta àquela a favor de quem nada mais terá de ser desembolsado à sombra do princípio nominalista.<br>
21- Mas, se assim não for entendido, o que só por mera dialéctica se hipotisa, então, dúvidas não pairam que, ao contrário do sufragado pelo Acórdão recorrido, nenhuma manifestação volitiva da actualização da prestação creditícia é perfilhada pela Autora-recorrente.<br>
22- Tal como, de igual modo, nenhuma é esboçada pela Ré-recorrida, na oposição deduzida ou no pedido reconvencional ensaiado.<br>
23- Daí que fosse vedado ao Acórdão recorrido promovê-la.<br>
24- Até porque é jurisprudência uniformizada pelo<br>
Acórdão n. 13/96 do S.T.J. a proibição de actualizar oficiosamente as dívidas de valor para quantitativo superior ao que se apresenta pedido.<br>
25- O Acórdão recorrido violou os artigos 1340 n. 1 do Código Civil e os artigos 3 n. 1, 193 n. 2 alínea a), 268, 467 n. 1, alínea d) e 661 n. 1 do Código de Processo Civil.<br>
26- Deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a parte do Acórdão condenatório no pagamento à recorrida do produto actualizado da contraprestação que já integralmente lhe fora satisfeita.<br>
Qualquer das partes contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela contra-parte.<br>
Ambas as partes juntaram Pareceres, ilustrando as posições que defendem.<br>
O Parecer junto pela Autora é subscrito pelo Professor Antunes Varela, e o apresentado pela Ré tem a assinatura do Professor Oliveira Ascensão.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br>
Os factos: a) Em vários dias do mês de Novembro de 1981, foi simultaneamente publicado, no "Comércio do Porto",<br>
"Jornal de Notícias" e "Primeiro de Janeiro" o leilão judicial, por ordem da Câmara de Falências do Porto, dos bens pertencentes à Ré, então declarada falida (alínea A) da especificação). b) Nesses anúncios atrás mencionados constava igualmente o dia e hora da realização do leilão, no dia 25 às 15 horas", evidenciando a denominação da Ré (alínea B) da especificação). c) Dentre os bens pertencentes à Ré constava o prédio urbano de dois pavimentos, destinado à industria e habitação, sito na Rua ..., da freguesia de Ramalde, Porto, descrito na 2. Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n. ... a folha 78 do Livro ..., e inscrito na matriz sob o artigo 5363 (alínea C) da especificação). d) No dia designado foi posto em leilão o referido prédio, na presença de candidatos, entre os quais se encontrava a Autora, o qual foi objecto de disputa através de lanços sucessivos e ascendentes nenhum deles tendo coberto o lanço da Autora de 55200000 escudos (alínea D) da especificação). e) A leiloeira, sob as ordens e instruções do Administrador da C, atribuiu então o prédio à Autora que, de pronto, sinalizou a aquisição feita com a quantia de 12040000 escudos, equivalente a 20 por cento do preço, conforme havia sido previamente fixado no início do leilão, satisfazendo igualmente de imediato a comissão da mediadora no montante de 5520000 escudos, correspondente a 10 por cento do preço, também de acordo com exigência prévia (alíneas E) e F) da especificação). f) A Autora liquidou em 22 de Março de 1982 ao Cofre da Administração da Falência, a quantia de 44160000 escudos, representativa do remanescente daquele preço de 55200000 escudos, solicitou a emissão do conhecimento de Sisa inerente a promover a sua liquidação cifrada na quantia de 6072000 escudos, em 19 de Novembro de 1982 (alínea J) da especificação). g) Foi analisada a escritura de compra e venda do mesmo prédio em 26 de Novembro de 1982, na qual a Autora despendeu 401000 escudos, requerendo o registo dessa transmissão em 16 de Março de 1983, no que desembolsou 177212 escudos, e, nessa mesma data, colheu a inscrição registral dessa aludida transmissão exarada no Livro ..., a folha 76, sob o n.... (alínea H) da especificação). h) A Ré, em 12 de Dezembro de 1981, interveio pela primeira vez na acção judicial em que havia sido declarada falida, requerendo a anulação de todo o processo por falta de citação (alínea I) da especificação). i) Em 26 de Julho de 1983, a Autora teve notícia, através da notificação a si dirigida, no âmbito do processo de falência da Ré, de que esta pretendia retomar de novo o domínio do prédio acima referido (alínea J) da especificação). j) Foi comunicada à Autora, em finais de Outubro de 1983, uma decisão proferida na 1. instância, que considerava aquela compra por si efectuada como anulada, da qual veio a interpor recurso, vindo, porém, a ser confirmada tal decisão por Acórdão da Relação do Porto de 26 de Junho de 1985, finalmente, pelo S.T.J. em 18 de Fevereiro de 1986 e dele ratificada a 27 de Fevereiro de 1986, tendo transitado em julgado em Março seguinte (alínea L) da especificação). k) A Autora, desde que o prédio lhe foi atribuído no leilão judicial, vem pagando os prémios relativos a seguro de incêndio do prédio, contribuições e demais encargos fiscais e camarários (alínea M) da especificação). l) A Autora é importadora e distribuidora no país de veículos da marca "Volvo" e na instalação do stand de exposição e de vendas das suas viaturas e da oficina da sua assistência e reparação, foram aí criados 103 postos de trabalho, que aí passaram a labutar (alínea N) da especificação). m) Aquando da realização do leilão acima referido, o pavimento do prédio encontrava-se ondulante e esburacado, encontrando-se o soalho apodrecido e as paredes encontravam-se rachadas, rasgadas e sulcadas em alvenaria de tijolo (respostas aos quesitos 2 e 3). n) Havia uma estrutura de betão armado de apoio à cobertura e às lages do 2. piso e havia igualmente uma estrutura metálica enferrujada, abatida em mais de metade e a céu aberto (respostas aos quesitos 4 e 5). o) Restavam vestígios de canalizações e de aberturas, portas e janelas, sem vidraças (resposta ao quesito 6). p) Logo após a entrega do sinal no leilão judicial realizado, a Autora solicitou de imediato a elaboração de projectos de arquitectura e de engenharia para o terreno e submeteu-os à aprovação camarária, despendendo com a respectiva licença a quantia de 3733595 escudos (resposta ao quesito 8). q) O administrador da marca falida, perante as demoras na realização da escritura de compra e venda, em consequência de divergência na descrição do registo e inscrição matricial, propôs à Autora, em Fevereiro de 1982, que pagasse o remanescente do preço e em troca daria autorização para que recebesse o prédio e iniciasse a execução das obras (resposta ao quesito 9). r) A Autora aceitou e em finais de Março de 1982, procedeu ao depósito daquele remanescente, a quantia de 44160000 escudos (resposta ao quesito 10). s) A Autora arrancou o pavimento existente e abriu uma caixa de tout-venout com a área de 3815 metros quadrados e sobrepôs uma camada de betão molho-rol, cobrindo uma parte dessa caixa, correspondente a 2361,5 metros quadrados, destinada a oficinas, sanitários e balneários, a mosaico hidráulico, outra de 371,5 metros quadrados, destinada a escritórios, a plástico sintético e a restante destinada a stand e zonas de vendas, a mármore e alcatifa (resposta aos quesitos 11 e 12). t) Picou, reforçou, rebocou e areou todas as paredes em todas as faces, sendo que, pela sua banda exterior, pintou-as com duas mãos de tinta plástica e forrou-as numa altura de 2,5 metros a chapa galvanizada, tipo efir, assente sobre engradado de suporte (resposta ao quesito 13). u) Pela parte inferior dessas mesmas paredes revestiu as zonas da oficina, sanitários e balneários, a azulejo branco até à altura de 1,80 metro e nas demais pintou-as com duas mãos de tinta plástica (resposta ao quesito 14). v) Na zona dos escritórios, pintou-as com duas mãos de tinta plástica, na de vendas, revestiu-as com alcatifas e na do stand revestiu-as com madeiras exóticas e espelho, bem como no pilar de apoio à loja do 1. andar (resposta ao quesito 15). w) Reforçou a loja das áreas do 1. andar, deu-lhes acabamento a cimento extensivo às duas escadas que a si conduzem, pavimentou uma parte da sua área, 670 metros quadrados, a taco envernizado e, a restante, 686 metros quadrados, a mosaico hidráulico e a quadrados de plástico sintético (resposta ao quesito 16). x) Dividiu por nove espaços diferenciados, a parte de tijolo coroadas a vidro, a área de 458 metros quadrados (resposta ao quesito 17). y) Rebocou e estucou os tectos, coloriu de marmorite as escadas de acesso ao stand e ao primeiro andar, guarneceu-as com um corrimão em madeira exótica, aplicou perfis de alumínio na caixilharia das janelas exteriores e portas, envidraçando umas e outras (resposta ao quesito 18). z) Rasgou aberturas laterais em 4 das quais colocou portas de foles e nas outras fechou-as com portas e vitrinas de perfis de alumínio e vidro (resposta ao quesito 19). a') Explorou e captou água por furo artesiano e cobriu o prédio com uma rede de distribuição de água (resposta ao quesito 20). b') Instalou uma rede autónoma de combate ao incêndio, com reservatório subterrâneo e os instrumentos respeitantes (resposta ao quesito 21). c') Construiu sanitários e balneários com louça, torneiras, chuveiros, autoclismos, toalheiros, espelhos e cilindros (resposta ao quesito 22). d') Dotou o prédio com uma rede de recolha de águas pluviais e esgotos (resposta ao quesito 23). e') Instalou também uma rede de ar comprimido (resposta ao quesito 24). f') Reconstruiu a estrutura metálica de cobertura, cobriu-a com fibrocimento e vidro, muniu-a de caleiras em chapa zincada, forrando-a interiormente a placas de esferovite (respostas aos quesitos 25 e 26). g') Revestiu com cartões asfálticos betuminosos os terraços voltados a nascente, norte e poente (resposta ao quesito 27). h') Os trabalhos acima mencionados decorreram entre Março de 1992 até<br>
Maio de 1983 (resposta ao quesito 28). i') A Autora despendeu a quantia global de 51821035 escudos em materiais e mão de obra de pedreiro, trolha, carpintaria, serralharia, pichelaria, vidraria, prospecção e captação, sendo 18084294 escudos com as referidas na petição inicial ns. 11, 13, 18 (desde madeiras exóticas) 23, 25 e 27, despendendo a quantia de 33736742 escudos com as mencionadas em 12, 14, 15, 16 e 18 (até madeiras exóticas) 19, 20, 21 e 16, da mesma petição (resposta aos quesitos 29 e 30). j') A Autora electrificou todo o prédio, tendo promovido a baixada, criado um posto de alta tensão, montado quadros de disjunção, armaduras e suportes de cabos, ventiladores na oficina, sala de baterias, exaustores nos balneários, espalhando caixas de derivação, tomadas, fichas, interruptores e fio condutor de calibragens diversas, com o que despendeu a quantia de 7765037 escudos (resposta aos quesitos 31 e<br>
32). k') As obras efectuadas pela Autora levaram a uma valorização do prédio em causa, pelo menos no montante por ela despendido com essas obras que actualmente ascenderiam a 250000000 escudos (resposta ao quesito 33). l') As obras em causa foram efectuadas pela Autora à vista de todos e sem qualquer oposição e na convicção de que eram feitas em seu próprio benefício e em prédio por ela adquirido (resposta ao quesito 34). m') Em 1984, a Autora consertou o telhado do prédio, pintou-o exteriormente no seu todo e interiormente em parte, despendendo a quantia de 7634200 escudos, (resposta ao quesito 35). n') Eliminou infiltrações de águas pluviais ocorridas em vários pontos, impediu que elas alastrassem bem como o surgimento de outros focos (resposta ao quesito 36). o') No ano de 1987, a Autora aplicou numa parte do prédio um subtecto de placas de isotex e perfís de plástico para reduzir os ruídos da cobertura e suprimir humidades, despendendo a quantia de 2320000 escudos(resposta ao quesito 37). p') No ano de 1984, montou portas automáticas e construiu uma cabine exterior de guarda para sua protecção, no que despendeu a quantia de 3083892 escudos (resposta ao quesito 38). q') No decurso do ano de 1991 e até ao início de 1992, pintou interiormente uma outra parte afecta a escritórios do sector oficinal e remodelou uma outra parte onde estavam instalados os escritórios do sector administrativo (resposta ao quesito 39). r') Na modificação da disposição das paredes divisórias interiores, e rebaixamento dos tectos, alteração e reforço da instalação eléctrica e da pintura, para realização das obras atrás referidas despendeu a quantia de 15074597 escudos (resposta ao quesito 40). s') As obras efectuadas pela Autora referidas em m') a r') levaram a uma valorização do prédio em causa, pelo menos no montante por ele despendido na sua realização, que, em valores actuais, seria de 41000000 escudos (resposta ao quesito 41). t') Grande parte das obras realizadas pela Autora, designadamente aquelas que digam respeito ao reforço da loja, pavimento, ornamento dessa zona de vendas e stand, reordenamento do espaço interior e materiais escolhidos para colocação como revestimento, destinavam-se à adaptação do prédio em causa à actividade que a Autora ali pretendia exercer (resposta ao quesito 45). u') O valor da renda do prédio em causa, caso fosse colocado no mercado de arrendamento, seria de 3000000 escudos/mês, em Maio de 1994 (resposta ao quesito 40). v') O prédio em causa, considerando o terreno e a construção nele implantada, tinha o valor de pelo menos 52500000 escudos, em 25 de Novembro de 1981 (resposta ao quesito 47). w') As obras realizadas pela Autora acima indicadas, encontram-se ligadas e integradas no prédio em causa, e dele não podem ser retiradas, nem separadas, sem a desagregação e destruição de ambas (resposta ao quesito 48). x') As obras provocaram uma melhoria na estrutura, contextura, resistência, traço e funcionalidade do prédio em causa, tendo em atenção a actividade a que a Autora a destinava (resposta ao quesito 49). y') As fotografias constantes de folhas 129 e seguintes retratam o prédio em causa nas datas nelas indicadas (Outubro de 1977 e Dezembro de 1982) (resposta ao quesito 50).<br>
Considerou-se, no Acórdão recorrido, ter a Autora adquirido a propriedade do prédio em causa através de acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340 n. 1 do Código Civil.<br>
A recorrente esgrime contra este arresto, desde logo, com uma interpretação puramente literal daquele preceito: segundo tal entendimento, ele reporta-se-ia tão só à construção de uma obra em "terreno" alheio, com exclusão de obra realizada apenas num edifício, como acontece neste caso.<br>
Não sufragamos esta posição.<br>
É que a ratio legis do normativo enfocado radica-se no carácter inovador ou transformador das obras realizadas em prédio alheio, não havendo qualquer motivo para distinguir se elas foram efectuadas em prédio rústico ou urbano.<br>
A razão de ser do preceito cobre inequivocamente qualquer dos casos.<br>
Certamente que o legislador ao redigir restitivamente tal preceito, deixou-se influenciar pela situação mais usual de acessão imobiliária que é a de construção de obra em terreno alheio.<br>
Como expende o Professor Batista Machado da própria ratio legis pode decorrer que o legislador "fechado numa perspectiva casuística" não tenha conseguido dar a latitude ao preceito que ele deveria comportar.<br>
Cumpre, então, ao interprete repor o pensamento legislativo, fazendo corresponder "a letra da lei ao espírito da lei" (Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, página 185).<br>
Diremos que, neste caso, a auscultação do elemento racional leva a concluir que o texto da lei ficou àquem do espírito da lei, que "a fórmula verbal adoptada peca por defeito". Assim, através do recurso à interpretação extensiva, repor-se-á o exacto alcance do dispositivo legal em apreço, ao integrar-se nele, por identidade de razão, também a hipótese das obras terem sido construídas em prédio urbano.<br>
E não se diga que o resultado interpretativo adoptado é de respeitar por não encontrar no texto da lei um mínimo de correspondência, pois a interpretação extensiva visa precisamente alargar ou estender o texto da lei, dando-lhe um alcance mais vasto, conforme o pensamento legislativo.<br>
Essa mínima sequência verbal, exigida pela lei (artigo 9 n. 2 do Código Civil), existe realmente. Apenas uma significação mais ampla, em nome da ratio legis, lhe foi emprestada.<br>
Apelando, ainda, à lição do Professor Baptista Machado<br>
(ob. loc. cit.) diremos, que "a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei, mas são abrangidos pela finalidade da mesma".<br>
E foi isto que se fez neste caso, (cfr. Professor Cabral de Moncada Lições de Direito Civil, 2. edição, I volume, páginas 123 e seguintes).<br>
Acresce, não ser hoje possível argumentar-se, em adverso, com o princípio clássico "superficies solo cedit", uma vez que - e ao contrário do que acontece em alguns sistemas estrangeiros sobre esta matéria - a acessão imobiliária não é uma emanação desse princípio (Carvalho Martins, Acessão, página 127).<br>
Como salienta o Professor Penha Gonçalves (Curso de Direitos Reis, 1992, página 353) na escolha do interessado a quem atribui a propriedade do conjunto de objectos, material ou economicamente inseparáveis, a nossa lei libertou-se completamente do mercado, tradicional mas nem sempre junto, do "superficies solo cedit" para abraçar livre e criteriosamente, como resulta do disposto aos vários números do artigo 1340 e das disposições subsequentes, a solução mais justa e mais adequada às circunstâncias especiais de cada tipo de situações.<br>
Desajustada da realidade defluente do acervo factual provado é a afirmação de que as obras realizadas no prédio em causa se traduzem tão só numa melhoria da coisa, a que corresponderia apenas a uma benfeitorização da mesma.<br>
Efectivamente não é essa visão limitada que se surge da facticidade apurada, de resto bastante abrangente e detalhada, na louvável caracterização das obras efectuadas.<br>
O que resulta, na verdade, de uma imparcial ponderação dos factos é que tais obras atingem uma envergadura e dimensão tais, reforçando e transformando a ossatura básica do prédio, que bem se pode concluir que elas se integraram definitivamente na sua estrutura alterando, dest' arte, a sua própria substância.<br>
Mas esta caracterização das obras é própria da acessão imobiliária, já que não implica, apenas, uma beneficiação do que já existe, como acontece com as benfeitorias.<br>
Ora, esta dicotomia assim modelada reflecte uma das distinções doutrinais, traçadas a este respeito, com larga tradição entre nós e que não deixa continuar a impor-se, perante importante sector do nosso pensamento jurídico, mesmo após a publicação do actual Código Civil.<br>
Assim, o Professor Vaz Serra, entendendo, embora, que o critério distintivo deve fundar-se na finalidade e no regime jurídico de ambas as figuras - critério a que todavia não reconhece validade absoluta - não deixa, todavia, de considerar que no caso de acessão, não se trata, como sucede no âmbito das benfeitorias, apenas de conservar ou melhorar uma coisa de outrém, mas de construir uma coisa nova, mediante alteração da substância daquela em que a obra é feita (Rev. Leg. Jur. 108, páginas 265 e seguintes; Professor Manuel Rodrigues, A Posse, n. 73; Professor Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, I, página 274; Cunha<br>
Gonçalves, Tratado, III, página 301).<br>
Este entendimento, quanto a nós, é o que melhor se coaduna com a exigência, contida no artigo 1340 n. 1 do Código Civil, da "incorporação" da obra acrescida no prédio alheio.<br>
Com efeito, a palavra incorporação, o fundamento económico do preceito - não destruir a obra feita - sugerem que com a acessão deve formar-se um único corpo e, consequentemente, que "dela há-de resultar uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio, que torne impossível a reparação, sem alteração de substância da coisa (Carvalho Martins, ob. cit. página 124).<br>
Por isso é que, para nós, a mera inexistência de um vínculo ou relação jurídica entre o autor das obras e o prédio onde são realizadas não é suficiente para a caracterização jurídica da acessão, em tal hipótese<br>
(cfr. critério proposto pelos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, III, 2. edição, página 163; ainda Pescatore e Ruperto, Codice Civile Annotato, 7. edição, 1978, anot. ao artigo 934). É necessário, ainda, que tais obras assumam a feição atrás descrita, denunciada pela exigência de "incorporação" feita pelo citado artigo 1340 n. 1 do Código Civil.<br>
Tudo isto nos leva a concluir que as obras realizadas pela Autora, incorporadas no edifício da Ré revestem as características necessárias para permitirem a aquisição, pelo primeiro, desse prédio, através de acessão industrial imobiliária (artigo 1340, n. 1 do Código Civil).<br>
A recorrente opõe mais uma objecção:<br>
"Na acessão, o interventor tem que ser um estranho em relação à coisa.<br>
Neste caso, isso não ocorreria, já que ele era proprietário dela, aquando da realização das obras.<br>
Esta objecção não tem o mesmo fundamento.<br>
É que, mercê da declarada nulidade do acto por que se operou a transferência da propriedade, a intervenção da Autora, ao realizar as obras em causa, deixou de poder justificar-se juridicamente com base nesse acto, dada a eficácia rectroativa dessa declaração (artigo 289 n. 1 do Código Civil).<br>
O retorno ao status quo ante imposto pelo artigo 289 n. 1 do Código Civil implica a destruição retroactiva da arrematação, através da qual foi adquirido o prédio em apreço, e, logicamente, da qualidade da proprietária da Autora, tudo se passando como se esta nunca tivesse tido qualquer relação ou ligação jurídica com essa coisa.<br>
Não procede, portanto, a objecção analizada.<br>
Deve, pois, manter-se a decisão recorrida, enquanto considera ter a Autora adquirido a propriedade sobre o prédio em causa, através de acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340 n. 1 do Código<br>
Civil, já que nenhuma razão foi alegada com potencialidade para invalidar tal conclusão.<br>
Assim sendo, prejudicado está, nos termos do artigo 660 n. 2 do Código de Processo Civil, o conhecimento do pedido indemnizatório, deduzido em reconvenção, que arrasta numa ocupação ilegítima do prédio por parte da<br>
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EjIQvIYBgYBz1XKvlIjN | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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O A propôs contra B, S. A., acção com processo ordinário pedindo que fosse judicialmente declarada a nulidade: da deliberação social tomada na assembleia geral anual da ré, realizada em 31 de Março de 1992, que destituiu o conselho fiscal eleito para o quadriénio 1991/1994; e da deliberação social, tomada na mesma assembleia, que elegeu os membros do conselho fiscal para substituir o destituído.<br>
Em resumo, articulou que, como presidente, fazia parte do conselho fiscal destituído na assembleia geral anual realizada em 31 de Março de 1992. Aos membros desse conselho não foram imputados quaisquer factos susceptíveis de integrar o conceito de justa causa para a destituição nem foram interpelados pelo presidente da assembleia para responderem antes de tomada tal deliberação. E o relatório e parecer do referido conselho respeitantes ao exercício terminado em 31 de Dezembro de 1991, foi, nessa assembleia, aprovado por unanimidade. Na sequência da destituição, efectuou-se a eleição de novo conselho fiscal.<br>
A ré contestou dizendo que a destituição se realizou por necessidade de assegurar independência e profissionalismo ao conselho fiscal e que o parecer deste conselho, relativo ao exercício de 1991, nem sequer foi votado. Além disso, em Junho de 1992, realizou-se nova assembleia geral que renovou as deliberações anteriormente tomadas, designadamente quanto à eleição do novo conselho fiscal, e na sessão de outra assembleia geral, ocorrida em 30 de Outubro de 1992, foi deliberado alterar a estrutura da administração e fiscalização, tendo o conselho fiscal sido substituído por um revisor oficial de contas, pelo que, em 18 de Dezembro de 1992 foi eleito, como órgão de fiscalização da ré, a sociedade de revisores oficiais de contas denominada B.D.C. - Barroso, Silva Dias, Caseirão e Associados, cujo mandato de dois anos teria início em 1 de Janeiro de 1993.<br>
Daí que seja inútil a reconstituição do conselho fiscal pretendida pelo autor. Quanto à destituição dos membros desse conselho, além de ser legalmente permitida, não é exigido pelo artigo 451 n. 2 do Código das Sociedades Comerciais - adiante designado por C.S.C. - formalismo especial para o efeito e faltando a confiança no dito conselho, há justa causa para a sua destituição. De qualquer modo, a deliberação seria apenas anulável e não nula.<br>
Terminou a ré pela absolvição do pedido por inutilidade superveniente ou por improcedência da acção por não provada.<br>
Replicou o autor no sentido de que se não verificava a inutilidade da lide, que a mera desconfiança não integrava justa causa e que não fora respeitado o formalismo legal da destituição, sendo nulas as deliberações em causa.<br>
Em saneador - sentença foi julgada a acção procedente e assim confirmada pela Relação.<br>
Ocorreu, entretanto, o óbito do autor, tendo sido julgados habilitados, como seus sucessores, a viúva C e os filhos D, E, F, G, H, e J.<br>
A ré, neste recurso de revista, concluiu deste modo as alegações: não está provado no processo que o relatório e parecer do conselho fiscal relativos às contas de 1991 tenha sido aprovado pela assembleia geral: ao decidir em contrário, o acórdão violou a norma do n. 1 do artigo 511 do Código de Processo Civil: a desconfiança em todos ou alguns dos membros do conselho fiscal das sociedades anónimas, com excepção do revisor oficial de contas - sujeito, nessa matéria, a disciplina própria (artigo 12 do Decreto 519-L2/79, de 29 de Dezembro) - constitui justa causa de destituição: ao decidir em contrário, o acórdão infringiu disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 451 do C.S.C.; a causa da eventual invalidade das deliberações impugnadas não é nenhuma das previstas nas sucessivas alíneas do n. 1 do artigo 56 do C.S.C.: por isso, a julgar-se inexistente a justa causa, ela só afectaria a destituição do antecessor dos recorridos e não o restante conteúdo das deliberações: nesse aspecto o acórdão violou o disposto no n. 1 do dito artigo 56.<br>
Os sucessores do autor responderam no sentido do improvimento do recurso.<br>
Nada vem requerido pelo Excelentissímo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal.<br>
Com base em documentos e no acordo das partes vem pelas instâncias provado o seguinte: o autor foi presidente da assembleia geral da ré desde 1973 até 1983; na assembleia geral anual da ré realizada em 1991, foram eleitos para exercerem as funções de membros do conselho fiscal no quadriénio de 1991/94, o autor como presidente e L e M, este em representação de Barroso, da Silva Dias, Caseirão e Associados, sociedade de revisores oficiais de contas; na assembleia geral anual da ré realizada em 31 de Março de 1992 foi deliberada a destituição do conselho fiscal eleito anteriormente para o quadriénio de 1991/94; a destituição, aprovada por maioria, foi votada apenas tendo em consideração a proposta apresentada na dita assembleia sob o n. 2 e do seguinte teor:<br>
"Considerando<br>
A necessidade de uma relação de colaboração e supervisão constantes dos actos dos órgãos de gestão da empresa por parte do Conselho Fiscal, o que numa empresa com a dimensão e complexidade da Triunfo implica obrigatoriamente uma clara e total profissionalização e independência do próprio Conselho Fiscal da empresa; proponho: a destituição imediata do Conselho Fiscal na sua globalidade.<br>
Coimbra, 31 de Março de 1992"; nem aos membros em conjunto, nem a qualquer deles individualmente, foram imputadas acções ou omissões justificativas da sua exoneração; o presidente da mesa não interpelou os membros do conselho fiscal destituído para responderem; o revisor oficial de contas M, em representação de Barroso, da Silva Dias, Caseirão e Associados, foi reeleito na mesma assembleia para o conselho fiscal; o relatório e parecer do conselho fiscal relativos ao exercício terminado em 31 de Dezembro de 1991, foi nessa assembleia geral aprovado - por unanimidade segundo a 1. instância, por esmagadora maioria dos accionistas presentes conforme a Relação.<br>
A assembleia geral dos accionistas, reunida nos três primeiros meses de cada ano, deve proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade e concluir ou por uma deliberação de confiança em todos ou alguns dos órgãos de administração e de fiscalização e respectivos membros ou por destituição de algum ou alguns destes - artigo 451 ns. 1 e 2 do C.S.C., de que serão os adiante indicados sem qualquer menção.<br>
Nas sociedades com conselho fiscal, como era o caso da ré, o revisor oficial de contas membro desse conselho deve proceder ao exame do relatório e das contas apresentados pelo conselho de administração e elaborar relatório anual sobre a fiscalização efectuada, distinto do relatório ou do parecer do conselho fiscal em que se integra, a apresentar ao conselho de administração e, se o entender, à assembleia geral, devendo emitir documento de certificação legal das contas, com ou sem reservas, ou declaração de recusa de certificação legal ou declaração de impossibilidade de certificação - artigo 452 ns. 1 e 3.<br>
Esse relatório anual integra-se no relatório do conselho fiscal, que, se concordar com a certificação legal das contas, deve declarar expressamente tal concordância - artigo 453 ns. 1 e 2.<br>
O relatório e parecer do conselho fiscal referente ao exercício terminado em 31 de Dezembro de 1991 foi junto com a petição inicial - folhas 5 a 7.<br>
Nesse parecer o conselho fiscal concordou com a certificação legal de contas e concluiu que deviam ser aprovados o relatório de gestão, as contas do exercício e a proposta de aplicação do resultado contida no relatório de gestão.<br>
Tudo isto foi aprovado pela assembleia geral anual da ré, realizada em 31 de Março de 1992, com o que a própria ré concorda, como expressamente consta das suas alegações a folha 228 e da fotocópia da acta dessa assembleia geral, junta pela ré com a contestação - ver folha 73 e seguintes.<br>
O relatório de gestão e contas do exercício e a proposta de aplicação do resultado foram votados favoravelmente pelos accionistas presentes - sendo então 61 - salvo 4 que se abstiveram, conforme consta a folha 84.<br>
Nada se encontra, assim, que possa servir em desabono ao então conselho fiscal da ré, sendo certo que, destituído, ao serem eleitos os novos membros desse conselho, voltou dele a fazer parte o M, em representação de Barroso, da Silva Dias, Caseirão e Associados, que já fazia parte do conselho destituído - ver folha 83.<br>
É irrelevante dizer-se, na matéria de facto provada, que o relatório e parecer do conselho fiscal relativos ao exercício terminado em 31 de Dezembro de 1991 foram aprovados pela assembleia geral anual da ré. O que efectivamente isso pretende significar é que o relatório de gestão, as contas desse exercício e a proposta de aplicação do resultado, que haviam merecido o acordo do conselho fiscal, foram aprovados pela referida assembleia - e no caso até sem qualquer voto contra.<br>
O artigo 376 n. 1 c) estabelece que a assembleia geral anual dos accionistas deve ainda proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade e, se disso for caso e embora esses assuntos não constem da ordem do dia, proceder à destituição, dentro da sua competência, ou manifestar a sua desconfiança quanto a administradores ou directores.<br>
De salientar que a manifestação de desconfiança não vem aí reportada aos membros do conselho fiscal.<br>
Quanto a estes dispõe expressamente o n. 1 do artigo 419 que podem ser destituídos pela assembleia geral desde que ocorra justa causa e não tenham sido nomeados judicialmente.<br>
Os deveres dos membros do conselho fiscal constam do artigo 422, estabelecendo o n. 1 do artigo 423 que tal conselho deve reunir, pelo menos, todos os trimestres.<br>
A proposta de destituição do conselho fiscal na sua globalidade não atribui a qualquer dos seus membros infracção dos deveres que lhes incumbiam.<br>
Para a ré, a falta de confiança dos accionistas, votada na sequência da apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade, constitui causa de destituição.<br>
No entanto essa falta de confiança não se encontra alicerçada em qualquer facto.<br>
E pelo contrário, como se disse, o parecer do conselho fiscal foi aceite quando a assembleia geral aprovou o relatório de gestão, as contas de exercício e a proposta de aplicação do resultado. Mesmo um dos membros do conselho fiscal destituído - o revisor oficial de contas - foi escolhido para integrar o conselho fiscal eleito em substituição.<br>
Acresce que a destituição dos membros do conselho fiscal não é livre, pois só tem lugar ocorrendo justa causa. Porém, como se escreveu no acórdão deste Tribunal de 3 de Maio de 1978, no Boletim 277, página 282, " a justa causa é um conceito jurídico que tem de ser apreciado em função de matéria fáctica concreta e positiva, visto o tribunal não poder julgar abstractamente, baseado em meras hipóteses ou conjecturas ".<br>
E a existência de justa causa para a destituição dos membros do conselho fiscal não pode ser dispensada. De resto já assim estabelecia o artigo 9 n. 1 do Decreto 49381, de 15 de Novembro de 1969, fonte do dito artigo 419 n. 1.<br>
Trata-se de norma de carácter imperativo, não podendo assim ser afastada pela vontade expressa pelos accionistas - nesse sentido o acórdão já apontado.<br>
E as deliberações dos sócios que infrinjam tal norma são nulas, como dispõe o artigo 56 n. 1 d). Aliás o artigo 69 n. 3, integrado no capítulo da apreciação anual da situação da sociedade, estabelece que produz nulidade a violação de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a protecção dos credores ou do interesse público. Ora o dito artigo 419 n. 1, além dar estabilidade aos órgãos sociais, limita a soberania da assembleia geral não só, eventualmente, no interesse de sócios minoritários mas principalmente no interesse dos credores da sociedade e também no interesse público em que a situação da sociedade, apreciada em assembleia geral, corresponda à realidade e tenha sido fiscalizada com independência.<br>
Termos em que se decide negar a revista com custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 4 de Julho de 1995.<br>
César Marques,<br>
Martins da Costa,<br>
Pais de Sousa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
IzKUu4YBgYBz1XKvXR4K | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> “</font></b><font>AA” e “BB” propuseram a presente ação declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, seja reconhecida a validade e eficácia do testamento, outorgado por DD, em 15 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de Castelo Branco [1] e sejam declarados nulos e de nenhum efeito os registos efectuados, a favor da ré, dos prédios descritos em 41º da petição inicial, emitindo-se a respetiva certidão que permita o seu cancelamento [2].</font>
</p><p><font> Com vista a alcançar a finalidade visada com a ação, as autoras alegam, em síntese, que tendo o aludido DD falecido, em 17 de Agosto de 2010, outorgou o mesmo um testamento, em que instituiu vários legatários, sendo que nele, também, nomeou herdeira do remanescente dos seus bens a “</font><i><font>associação</font></i><font> a </font><i><font>constituir</font></i><font>, com a </font><i><font>denominação</font></i><font> </font><i><font>BB”</font></i><font>, com sede na ..., ..., Castelo Branco, desde que tal herdeira lhe prestasse toda a assistência de que necessitasse enquanto vivo.</font>
</p><p><font>Embora o autor AA tivesse, então, já iniciado a construção do edifício, onde se instalaria o BB, sempre se disponibilizou a prestar ao testador todos os cuidados e assistência que este solicitasse, o que aconteceu, esporadicamente.</font>
</p><p><font>A autora BB foi, efectivamente, constituída, em 18 de Outubro de 2010, por não ter sido autorizada a denominação “BB”, pelo que com a concretização da prestação de cuidados ao falecido DD e a construção do aludido lar, estão preenchidos os factos requeridos pelo testador.</font>
</p><p><font>A ré foi habilitada como única herdeira legítima do aludido DD, sob a falsa invocação do não cumprimento da condição imposta no testamento e, com base nessa habilitação, a mesma procedeu ao registo, em seu nome, da aquisição, por via hereditária, dos bens que eram pertença do falecido, sendo certo que estes registos são nulos, porquanto se encontram suportados por um título que não é válido.</font>
</p><p><font>Na contestação, a ré excepciona a ilegitimidade do autor AA, porquanto já existia, à data do testamento, e o testador, sabendo-o, não o instituiu logo como seu herdeiro, e a falta de capacidade sucessória</font><i><font> </font></i><font>da autora BB,</font><i><font> </font></i><font>uma vez que só veio a constituir-se, após a morte do testador.</font>
</p><p><font>Porém, a entender-se, de outro modo, a ré invoca que, pelo menos, não foi cumprida a condição estabelecida no testamento, pois não só a “associação a constituir” nunca se constituiu, em vida do testador, como nunca lhe prestou a requerida assistência em vida, cuidados que sempre foram, exclusivamente, prestados pelo Lar ..., onde, de resto, o mesmo viria a falecer, concluindo pela improcedência de todos os pedidos formulados e com a invalidade da habilitação da autora BB.</font>
</p><p><font>Na réplica,</font><b><i><font> </font></i></b><font>os autores refutam as exceções aduzidas, reiterando a factualidade já explicitada, na petição inicial, e concluindo da mesma forma.</font>
</p><p><font>No saneador, declarou-se o autor AA parte legítima, e, a final, a sentença julgou</font><i><font> </font></i><font>a</font><i><font> </font></i><font>acção,</font><i><font> </font></i><font>parcialmente,</font><i><font> </font></i><font>procedente,</font><i><font> </font></i><font>por,</font><i><font> </font></i><font>parcialmente,</font><i><font> </font></i><font>provada</font><i><font>,</font></i><font> declarando-se válido o testamento efectuado por DD, em 15 de Dezembro de 2009, e absolvendo-se a ré do demais peticionado.</font>
</p><p><font>Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando, em parte, a sentença e, em função disso, julgou a acção improcedente, por não provada, relativamente ao autor AA, absolvendo-se a ré dos pedidos por ela formulados [A] e, procedente por provada, relativamente à autora BB, pelo que condenou a ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento, aludido em 2, 3 e 4 dos factos provados, e, nomeadamente, a reconhecer a referida segunda autora como única herdeira, aí instituída, do remanescente dos bens do falecido DD, ordenando-se o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da ré, com base na escritura de habilitação de herdeiros, a que se reporta o nº 11 dos factos provados [B].</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, a ré interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue improcedente o pedido formulado pela autora BB, confirmando a decisão proferida pela 1ª</font><i><font> </font></i><font>Instância, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – É pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que na interpretação dos testamentos, como é o caso nos presentes Autos, a vontade real do testador deve aferir-se, atento o disposto no artigo 2187º do Código Civil, em função do contexto do testamento e da prova complementar, sendo que esta não pode ser atendida se as conclusões obtidas por essa via não tiverem um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso no texto do testamento.</font>
</p><p><font>2ª - Nos Autos está provado que, não só que na data em que o Testamento foi outorgado, o Testador já necessitava de cuidados e tratamentos que recebia no Lar … em ..., como mais ficou provado que as obras que o mesmo pretenderia fossem feitas para a construção do lar que ele desejava frequentar tinham já sido iniciadas pela aqui 1ª Autora, entidade que o mesmo bem conhecia,</font><b><font> </font></b><font>como ficou provado.</font>
</p><p><font>3ª - Mais ficou provado que do Testamento não consta a vontade de o Testador instituir como herdeira a 1ª Autora.</font>
</p><p><font>4ª - Pelo que, é certo que o Testador não poderia querer beneficiar com a deixa Testamentária que introduziu no Testamento em causa nos presentes Autos a obra, ou o referido edifício, cuja construção foi iniciada por aquela, pois se assim fosse por certo teria instituído como herdeira a Associação já existente, que ele bem sabia tinha iniciado a construção de um edifício com o objetivo de nele instalar um lar de terceira idade para prestar nomeadamente alojamento aos respetivos utentes.</font>
</p><p><font>5ª -</font><b><font> </font></b><font>Acresce que, as mesmas pessoas que integram os órgãos diretivos da 1ª Autora, são os que integram os órgãos diretivos da 2ª Autora;</font>
</p><p><font>6ª - Mais se verificando que a 2ª Autora não tem a denominação exigida de forma clara e expressa pelo Testador na deixa testamentária.</font>
</p><p><font>7ª -</font><b><font> </font></b><font>É pois manifesto que a 2ª Autora, que tem como órgãos as mesmas pessoas que a 1ª Autora, e tem sede no edifício que a mesma estava a construir já em vida do Testador, e não tem a denominação indicada expressamente no testamento, não é nem pode ser a beneficiária que o Testador quis instituir como sua herdeira no Testamento em causa nos presentes Autos.</font>
</p><p><font>8ª -</font><b><font> </font></b><font>Na esteira do que vem sendo dito, impõe-se referir que é pacificamente aceite na Jurisprudência que é, necessariamente, "objecto de exclusão aquela interpretação que não recolha um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, no conteúdo formal do documento lavrado" </font><i><font>- </font></i><font>cfr. Ac. STJ, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, 12.01.2010, Proc. 33/08.9YRGMR.S1.</font>
</p><p><font>9ª - Acresce ainda o aresto proferido no proc. 259/10.5TBESP.PI.SI, do STJ, que refere expressamente que, "A/o interpretação do testamento vale a vontade querida pelo testador, apenas com a limitação da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa no contexto do testamento, exigida pela sua natureza formal.</font>
</p><p><font>Essa interpretação, de cariz subjetivista, a refletir o sentido atribuído à declaração pelo respetivo autor, deve ser acolhida reportada ao tempo da elaboração e aprovação do texto, mas sem desprezar a globalidade das circunstâncias reconhecíveis ao tempo da sua abertura.</font>
</p><p><font>Esgotado o processo interpretativo, as declarações negociais do testador não podem ser objeto de integração, por ampliação, se a cláusula não prevista corresponder a</font><i><font> </font></i><font>uma adição de previsão factual que não encontra correspondência na vontade expressa no contexto do testamento."</font>
</p><p><font>10ª - Atento o que, é manifesto que a 2ª Autora não é, nem pode ser a Entidade referida pelo Testador na Disposição Testamentária em causa nos presentes Autos, devendo em consequência ser julgado totalmente improcedente, por não provado o pedido relativamente à </font><i><font>2ª </font></i><font>Autora, absolvendo-se a Ré, aqui Recorrente dos pedidos por ela formulados.</font>
</p><p><font>SEM CONCEDER,</font>
</p><p><font>11ª -</font><b><font> </font></b><font>No Acórdão ora em crise foi entendido que a disposição Testamentária em apreço não é uma condição em sentido próprio, mas, antes, um encargo ou modo, traduzido como uma conduta específica a preencher pelo já herdeiro de pleno direito.</font>
</p><p><font>12ª - Sucede que a 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> A., tal como resulta inequivocamente provado, apenas foi constituída vários meses após a morte do Testador, verificando-se neste intervalo de tempo um hiato em que o remanescente da herança por ele deixado se encontra num vácuo legalmente inadmissível, já que não se enquadra em nenhuma das situações que a lei contempla com a capacidade sucessória.</font>
</p><p><font>13ª - Situação que se mantinha à data em que foi outorgada a habilitação de herdeiros a favor da Ré, aqui Recorrente.</font>
</p><p><font>14ª - Se a intenção do Testador fosse, QUE NÃO FOI, estipular uma condição realizável após o respetivo falecimento, ou até nem estipulasse nenhuma condição e apenas instituísse herdeira do remanescente a </font><i><font>"associação a constituir", </font></i><font>estaríamos perante uma situação análoga à sucessão dos concepturos, esta sim, legalmente prevista e tutelada.</font>
</p><p><font>15ª - Mas, nesta hipótese o Testador teria que o ter declarado na disposição Testamentária - O QUE NÃO FEZ - que pretendia, após a morte, ver o seu património afeto à constituição da dita entidade jurídica e, nomeando a associação constituída herdeira do remanescente, impor-lhe-ia um encargo que ela cumpriria ou não, mas mantendo sempre a qualidade de herdeira instituída.</font>
</p><p><font>16ª - Ora, não se afigura à Recorrente que este fosse o desígnio, e muito menos a vontade do Testador, pois consta de forma clara e expressa do Testamento que ele condicionou a instituição de herdeiro a uma associação que ele queria fosse constituída em sua vida para que lhe prestasse a assistência e os cuidados indicados, facto que não pode ser derrogado pela eventual prova testemunhal produzida, atentas as regras de interpretação do Testamento, que limitam a </font><i><font>"pretensa" </font></i><font>vontade real, impondo que a mesma não é suscetível de derrogar a vontade do Testador que expressamente consta do texto.</font>
</p><p><font>17ª - O testamento data de Dezembro de 2009, e que o Testador faleceu em Agosto de 2010, sendo este intervalo de tempo mais do que suficiente para que a 2</font><sup><font>ª</font></sup><font> A. se constituísse e lhe prestasse a assistência pretendida, tanto mais que como ficou provado a construção do edifício estava já em curso, e as pessoas que vieram a integrar os órgão diretivos da 2ª Autora, são as mesmas que vieram a integrar a 2ª</font><i><font> </font></i><font>Autora, tratando-se a constituição da mesma de uma mera formalidade que não estava dependente de qualquer ato ou omissão.</font>
</p><p><font>18ª - Atento o que a 2ª Autora, NUNCA PODERIA SER A BENEFICIÁRIA INDICADA PELO TESTADOR NA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS.</font>
</p><p><font>19ª - Não pode ter sido vontade do Testador que expressamente exigiu a constituição de uma entidade específica, que identificou nominalmente, com o objetivo de a mesma lhe prestar cuidados e assistência, instituir herdeira do remanescente da sua herança uma qualquer associação que pudesse vir a ser constituída, seja por quem for, com denominação diversa da indicada, mais de dois meses após o seu falecimento.</font>
</p><p><font>20ª - O facto de a 2ª</font><i><font> </font></i><font>R. não se ter constituído em vida do Testador, retira-lhe necessariamente vocação sucessória para ser instituída herdeira do remanescente da herança daquele, até porque nada impedia que tal tivesse ocorrido, pelo contrário, estando a construção do edifício iniciada, faria todo o sentido que a mesma se tivesse entretanto constituído para lograr conduzir as obras e obter o fim almejado, que era a criação de um lar de 3ª idade.</font>
</p><p><font>21ª - Entender diferentemente desvirtua de forma cabal a vontade e propósito do Testador, elementos que são, como se sabe, os únicos fatores que podem e devem ser atendidos na interpretação do texto testamentário, ultrapassando de forma manifestamente excessiva, por legalmente inadmissível a vontade do Testador que resulta do Texto expresso do Testamento.</font>
</p><p><font>22ª - A concluir-se como no Acórdão ora em crise, parece resultar que qualquer Associação que se constituísse, em qualquer altura, desde que com sede em ..., poderia ser admitida como herdeira do remanescente da herança do de cujus, o que obviamente não é legalmente admissível.</font>
</p><p><font>23ª - E nem se diga que para tanto contribuiu o facto de o de cujus não querer beneficiar a Recorrente com o testamento, pois nunca a Recorrente quis fazer prova do contrário.</font>
</p><p><font>24ª - Entendendo diferentemente o douto acórdão proferido violou de forma expressa e direta o disposto no Art. 2187</font><sup><font>º</font></sup><font> do CC, pelo que deve ser revogado e substituído por um que, julgando improcedente o pedido formulado pela 2ª</font><i><font> </font></i><font>Autora, confirme a decisão proferida pela 1ª</font><i><font> </font></i><font>Instância.</font>
</p><p><font>AINDA SEM PRESCINDIR,</font>
</p><p><font>25ª - E, admitindo ainda que por mera hipótese académica que assim não venha a ser entendido, a Recorrente não se conforma ainda com o Acórdão ora em crise, no que concerne à atribuição de capacidade sucessória à </font><i><font>2ª </font></i><font>Autora.</font>
</p><p><font>26ª - A questão da capacidade sucessória tem que ser interpretada à luz do disposto no Artigo 2033º do Código Civil, não aceitando a Recorrente o que veio a ser entendido no Acórdão ora em crise a tal respeito, designadamente que possa vir a ser atribuída capacidade sucessória à aqui 2ª Autora.</font>
</p><p><font>27ª - Sendo que NA OBRA CITADA NO Acórdão para sustentar a posição defendida o Autor apenas defende no eu respeita à capacidade sucessória das pessoas coletivas a constituir, tal é possível e legalmente admissível quando o Testador deixa os respetivos bens para constituir a dotação de uma fundação a constituir, até porque tal hipótese está expressamente prevista no Artigo 185º do Código Civil.</font>
</p><p><font>28ª - Ora, salvo melhor opinião, este não é manifestamente o caso dos Autos, desde logo porque não estamos perante uma deixa testamentária na qual esteja previsto que os bens deverão constituir a dotação de uma fundação.</font>
</p><p><font>29ª - As Associações nos termos do disposto no Artigo 168º do Código Civil, ao contrário das fundações, não podem constituir-se por testamento.</font>
</p><p><font>30ª - Mas, ainda que por analogia pudéssemos transpor tal hipótese para o caso em apreço aplicando os mesmos princípios à associação a constituir (o que apenas por hipótese de raciocínio se concebe), o certo é que, no caso em apreço, da disposição testamentária resulta expressamente que os bens se destinam a uma associação que terá que estar previamente constituída, não tendo sido intenção do Testador que os mesmos viessem a constituir a dotação necessária, e muito menos fossem condição para a constituição da associação.</font>
</p><p><font>31ª -</font><b><font> </font></b><font>Assim resultando do artº 2033º que apenas têm capacidade sucessória as pessoas não físicas que estejam constituídas à data do óbito, é manifesto que a 2ª Autora não tinha, como não tem capacidade sucessória à data da abertura da sucessão, em nada relevando a constituição tardia da mesma.</font>
</p><p><font>32ª - Até porque, no caso dos Autos não estamos perante nenhuma das excepções legalmente previstas, pois só se vislumbram duas outras situações em que o chamamento possa ocorrer de forma distinta: a dos artº 185.</font><sup><font>º</font></sup><font>, n.</font><sup><font>º</font></sup><font> 1 e do art.</font><sup><font>º</font></sup><font> 197.</font><sup><font>º</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>33ª - Nos presentes autos, e porque não tratamos da existência de qualquer Fundação (185</font><sup><font>º</font></sup><font>, n.</font><sup><font>º</font></sup><font> 1), teríamos que subsumir a situação de facto em apreço ao disposto no art. 197</font><sup><font>º</font></sup><font> do C.C., no entanto que, este preceito apenas admite liberalidades em favor de associações sem personalidade jurídica as quais considera feitas aos respetivos associados.</font>
</p><p><font>34ª - No caso em análise, não só não existia, à data do óbito, qualquer associação, ainda que sem personalidade jurídica, como, nem sequer, e como tal, seria possível identificar quais os seus associados (até porque o Testador não identifica qualquer pessoa nessa qualidade, podendo até entender-se que queria excluir as pessoas que integravam a 1ª Autora, uma vez que não as instituiu voluntariamente como herdeiras), sendo assim inaplicável o disposto no Artigo 197º ao caso aqui em apreço.</font>
</p><p><font>35ª - É, pois, inevitável concluir que a 2ª A. não cumpre qualquer requisito legalmente imposto para que possa considerar-se que tem capacidade sucessória e, nesses termos, poder ser como considerada herdeira testamentária do testador, devendo em consequência improceder necessariamente o pedido formulado pela 2ª</font><sup><font> </font></sup><font>Autora.</font>
</p><p><font>36ª - Entendendo diferentemente o douto acórdão proferido violou de forma expressa e direta o disposto no Art. 2033º do CC, pelo que deve ser revogado e substituído por um que, julgando improcedente o pedido formulado pela 2ª Autora, confirme a decisão proferida pela 1ª Instância.</font>
</p><p><font>Os autores não apresentaram contra-alegações.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. No dia 17 de Agosto de 2010, às 09.00 horas, faleceu o Sr. DD, nascido a 21.12.1928, viúvo, natural da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, filho de EE e de FF.</font>
</p><p><font>2. O Sr. DD deixou testamento, outorgado no dia 15 de Dezembro de 2009, no Cartório Notarial de Castelo Branco, sito na Rua …, n.º … – 1.º Andar, lavrado pela respectiva notária, GG.</font>
</p><p><font>3. Por esse testamento, o testador instituiu vários legatários, a quem fez diversos legados dos seus bens.</font>
</p><p><font>4. Nesse testamento, o Sr. DD declarou: “Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos”.</font>
</p><p><font>5. Pelo referido testamento do dia 15 de Dezembro de 2009, o Sr. DD revogou qualquer outro testamento feito, anteriormente, nomeadamente, o outorgado, naquele Cartório, a 03 de Novembro de 2009, exarado a partir de fls. trinta do respectivo livro número três – T.</font>
</p><p><font>6. A Associação “BB” foi constituída, no dia 18 de Outubro de 2010, no Cartório Notarial, sito na Rua …, … – ….º, em Lisboa, perante o notário HH.</font>
</p><p><font>7. O escopo social da referida Associação é a prossecução dos seguintes fins:</font>
</p><p><font>- A criação e administração de um lar de terceira idade;</font>
</p><p><font>- Prestação de cuidados continuados a idosos e famílias carenciadas;</font>
</p><p><font>Nomeadamente, confecção e distribuição de alimentos e apoio domiciliário;</font>
</p><p><font>- Apoio médico e fornecimento de medicamentos;</font>
</p><p><font>- Criação de instalações de convívio e apoio a idosos.</font>
</p><p><font>8. Esta associação nunca prestou ao Sr. DD qualquer tipo de assistência, nomeadamente, de alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.</font>
</p><p><font>9. O Sr. DD vivia, no Lar …, em ..., onde veio a falecer, não recorrendo, naquela altura, nomeadamente, em matéria de alojamento, alimentação e vestuário, à assistência da 1.ª autora, por dela não precisar, já que era providenciada pelo lar onde vivia.</font>
</p><p><font>10. Os órgãos directivos do AA, associação sem fins lucrativos, com o NIPC … , com sede na ..., s/n, na freguesia de ..., no concelho de Castelo Branco, e da Associação “BB”, que foi constituída, no dia 18 de Outubro de 2010, são compostos pelas mesmas pessoas.</font>
</p><p><font>11. No dia vinte e três de Setembro de dois mil e dez, perante II, notária no concelho de Lisboa, no seu Cartório, na Avenida …, Lote…, Loja …, na referida cidade de Lisboa, compareceram: JJ, KK, e, LL. Que declararam que, “no dia dezassete de Agosto de dois mil e dez, na freguesia ..., concelho de Castelo Branco, faleceu DD, natural da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, sem descendentes nem ascendentes vivos, sem irmãos ou sobrinhos vivos, no estado de viúvo de MM, com ultima residência habitual no Lar … em ..., concelho de Castelo Branco.</font>
</p><p><font>Que o falecido deixou testamento público, efectuado no cartório notarial em Castelo Branco de GG Prudente, em quinze de Dezembro de dois mil e nove, exarado a fls. 45 a 46 verso, do Livro de Testamentos e Escrituras de Revogação de Testamentos numero 3-T, no qual efectuou vários legados e dispôs:</font>
</p><p><font>Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.”</font>
</p><p><font>Mais declararam “que é do conhecimentos dos declarantes que a referida associação não foi constituída e que o falecido DD teve a sua ultima residência habitual no Lar …, em ..., Castelo Branco.</font>
</p><p><font>Que não existe qualquer instituição registada com a denominação “BB”, nos registos do Governo Civil de Castelo Branco, não foi dado início de actividade nos serviços de Finanças de Castelo Branco e não existe qualquer inscrição no Registo de Pessoas Colectivas…</font>
</p><p><font>Que assim ao falecido sucedeu como sua única herdeira:</font>
</p><p><font>A prima:</font>
</p><p><font>CC, natural da freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, viúva, residente no Centro Comunitário NN, em Castelo Branco.</font>
</p><p><font>Que não existem outras pessoas que segundo a lei e o invocado testamento possam preferir à indicada herdeira, ou que com ela possam concorrer nesta sucessão.”</font>
</p><p><font>12. Aquando da celebração da escritura de habilitação da ré, como única e universal herdeira do Sr. DD, aquela já tinha conhecimento da existência do testamento, por ele celebrado no dia 15 de Dezembro de 2009.</font>
</p><p><font>13. No seu testamento, exarado no dia 15 de Dezembro de 2009, o Sr. DD não fez qualquer referência à ré CC, seja na qualidade de herdeira, seja na qualidade de legatária.</font>
</p><p><font>14. Também, em nenhum outro dos seus testamentos anteriores, o Sr. DD não fez qualquer referência à ré CC, seja na qualidade de herdeira, seja na qualidade de legatária.</font>
</p><p><font>15. Com na habilitação de herdeiros, lavrada no dia vinte e três de Setembro de dois mil e dez, que a declara como única e universal herdeira do Sr. DD, a ré já procedeu, em 06 de Outubro de 2010, pelas apresentações 535 e 734, ao registo de propriedade, em seu nome, do património hereditário dos bens que eram pertença do referido DD, que era constituído, à data da sua morte, pelos seguintes bens:</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito na Rua …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 475;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito em …, …, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número 407, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 900;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito na Avenida …, ..., freguesia de …, concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 34;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 85;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 86;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 758;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito no Largo …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 87;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em …, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …- Secção O.</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 10 - Secção O.</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 18 - Secção F;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 35 Secção A;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 15 - Secção E;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo … - Secção D;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5 - Secção F;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ... (...), freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número ..., da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 13 - Secção G;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, sito na Rua …, ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o actual artigo … - Secção D (resultou da desanexação do artigo 181 - Secção D);</font>
</p><p><font>- prédio rústico, denominado "...", freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob número que se desconhece, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2 - Secção G. 20; -</font>
</p><p><font>- prédio urbano, denominado "...", sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo … - Secção D;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, sito em …, freguesia de ..., concelho de Castelo Branco, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo Branco, sob o número …, da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 78 - Secção D.</font>
</p><p><font>- fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra "O", correspondente ao terceiro andar, esquerdo sul-poente, letra "A", do prédio urbano, sito em ... à …, freguesia de Torres Vedras (S. Pedro e Santiago), concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória de Registo Predial de Torres Vedras, sob o número …, da freguesia de Torres Vedras (S. Pedro e Santiago), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ….</font>
</p><p><font>16. O AA, associação sem fins lucrativos, com o NIPC …, com sede na ..., s/n, na freguesia de ..., no concelho de Castelo Branco, já estava constituído, no dia 15.12.2009, quando o Sr. DD outorgou o seu testamento.</font>
</p><p><font>17. Do texto do testamento outorgado pelo Sr. DD, no dia 15.12.2009, não consta a sua vontade declarada no sentido de instituir sua herdeira a Associação AA, aqui primeira autora.</font>
</p><p><font>18. Na habilitação de herdeiros, junta aos autos com a PI, como doc. n.º1, consta que </font><i><font>“…o falecido, DD, deixou como única herdeira, por vocação testamentária, a associação, hoje constituída, “BB”, com sede na ..., freguesia de ..., concelho de Castelo Branco”</font></i><font>, e que </font><i><font>“…não existem outras pessoas que segundo a lei ou o testamento, possam preferir ou concorrer com a herdeira instituída na sucessão à herança”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>19. Sabendo da morte do Sr. DD, a ré averiguou, junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, se existia alguma associação | [0 0 0 ... 0 0 0] |
2TJGvIYBgYBz1XKvpuY5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam, em Pleno, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
</font><br>
<font>Baseado no artigo 770 do Codigo de Processo Civil, o Excelentissimo representante do Ministerio Publico interpos recurso para Tribunal Pleno do acordão de 30 de Novembro de 1977, alegando que esta em oposição com o acordão de 17 do mesmo mes e ano.<br>
Baseia a oposição em o acordão recorrido ter julgado que e admissivel recurso para este Supremo Tribunal das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação em processo de expropriação por utilidade publica sobre o pagamento, em prestações, da indemnização, e o acordão de 17 de Novembro de 1977 ter julgado que nesses processos so e admissivel recurso ate a Relação, ainda que se trate de conhecer daquele pagamento.<br>
Apos cumprimento do disposto nos artigos 765 e 766 daquele Codigo, foi proferido o acordão de folhas 22, em que preliminarmente se reconheceu existir a invocada oposição. Considerou-se, para o efeito, que aqueles acordãos, proferidos no dominio da mesma legislação -<br>
- o Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n. 323/77, de 8 de Agosto -, se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito: se e admissivel recurso de acordão da Relação para este Supremo Tribunal em processos de expropriação por utilidade publica, no que se refere ao pagamento da indemnização fixada, nomeadamente em prestações.<br>
Enquanto no acordão de 17 de Novembro de 1977 se decidiu não ser admissivel esse recurso, no acordão recorrido julgou-se a sua admissibilidade.<br>
O digno magistrado recorrente alegou a folhas 26 e seguintes, entendendo que o conflito de jurisprudencia deve ser decidido no sentido de que o referido recurso e admissivel, se o valor do pedido de pagamento em prestações da indemnização fixada exceder a alçada do Tribunal da Relação.<br>
Apos os vistos legais, cumpre conhecer do recurso.<br>
I - Em face do disposto no artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, o acordão que reconheça a existencia da oposição não impede que o Tribunal Pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.<br>
Pronunciando-se sobre esta questão preliminar, reconhece este Supremo Tribunal a manifesta oposição de julgados, proferidos no dominio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: possibilidade ou impossibilidade de recurso para este Supremo Tribunal do acordão da Relação sobre a forma de pagamento da indemnização fixada em processo de expropriação por utilidade publica.<br>
Esta-se assim perante conflito de jurisprudencia que cumpre resolver.<br>
II - Da evolução legislativa nesta materia extraem-se alguns elementos uteis para interpretação da lei vigente.<br>
O artigo 14, n. 3, da Lei n. 2030, de 22 de Junho de 1948, limitava-se a preceituar que do resultado da arbitragem haveria recurso para o Tribunal da comarca de situação dos bens, de harmonia com as disposições legais em vigor.<br>
No Decreto n. 37758, de 27 de Fevereiro de 1950, que regulamentou essa Lei, permitia-se recorrer, para o juiz de direito da comarca, da decisão dos arbitros que fixassem o montante da indemnização a pagar pelo expropriante (artigo 23). Todavia, da decisão do juiz não havia recurso, sendo-lhe apenas aplicaveis as disposicões sobre vicios e reforma da sentença (paragrafo 2 do artigo 31).<br>
A Lei n. 2063, de 3 de Junho de 1953, veio, porem, consagrar um regime amplo em materia de recursos.<br>
Com efeito, as decisões do juiz de direito proferidas na fase anterior ao recurso de arbitragem ou na pendencia do recurso para ele interposto da decisão dos arbitros, admitiam recurso para os tribunais superiores, de harmonia com as regras gerais das alçadas (artigos 1 e 2).<br>
Por sua vez, das decisões de arbitros ou de outras entidades que fixem indemnizações recorria-se para o juiz de direito da comarca, e da decisão deste para os tribunais superiores (artigo 8).<br>
Este regime foi mantido pelo Regulamento das Expropriações aprovado pelo Decreto n. 43587, de 8 de Abril de 1961, que no artigo 41, n. 3, com remissão expressa para o artigo 8 acabado de citar, permite recorrer para os Tribunais superiores da decisão do juiz que, em recurso da decisão arbitral, fixe o montante das indemnizações a pagar pelo expropriante.<br>
III - Esta ampla possibilidade de recurso ate ao Supremo Tribunal de Justiça sobre o "quantum" indemnizatorio, apenas restringida pelas alçadas, suscitou o debatido problema de qualificar a decisão arbitral como um verdadeiro julgamento, ou como simples arbitramento, e, por consequencia, a admissibilidade de quatro graus de jurisdição como desvio ao sistema geral de recursos.<br>
A orientação dominante na jurisprudencia deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que no processo de expropriação o julgamento dos arbitros constitui uma verdadeira decisão (veja-se, por todos, o acordão de 8 de Maio de 1974, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 237, pagina 171).<br>
Reconhecia-se assim a existencia daqueles quatro graus de jurisdição.<br>
Mas este desvio ao sistema geral foi corrigido pelo Decreto-Lei n. 71/76, de 27 Janeiro, em cujo artigo 41, n. 1, no capitulo da expropriação litigiosa, se admite recurso para os Tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas, da arbitragem que tenha fixado o valor global da indemnização.<br>
Preceitua o segundo periodo desse n. 1:<br>
"Não havera, porem, recurso das decisões da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça".<br>
O mesmo principio se encontra afirmado nos artigos<br>
56, n. 1, e 80, n. 4.<br>
O alcance desta limitação e esclarecido no relatorio do diploma nos seguintes termos:<br>
"Ao estabelecer-se a arbitragem com recurso para os Tribunais, exclui-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pois não se justificaria a existencia de quatro graus de jurisdição".<br>
Ficou por esta forma reconhecida a natureza jurisdicional da arbitragem - o artigo 53, n. 1, regula a forma de "julgamento pelos arbitros" -, funcionando os Tribunais de comarca como segunda instancia.<br>
Dai a irrecorribilidade do acordão da Relação quanto ao valor da indemnização.<br>
Tambem se admitiu so ate a Relação das decisões do juiz sobre irregularidades cometidas na constituição ou funcionamento da arbitragem, e sobre o pedido de expropriação total (artigos 57, n. 2, e 58, n. 5).<br>
Mas e de notar que todas essas decisões recorriveis ate a Relação tem por objecto o valor da indemnização, ou actos anteriores a fixação desse valor e com possivel influencia nele.<br>
Na fase posterior, designadamente quanto a forma de pagamento da indemnização ja fixada, materia constante de outro Titulo; admite-se no artigo 91, alinea e), sem qualquer restrição, recurso da decisão final sobre o pedido de pagamento em prestações ou modo de as satisfazer.<br>
Compreende-se aqui a falta de referencia a recurso so ate a Relação, porque a decisão e proferida em primeira instancia pelo juiz da comarca, não havendo ate ao Supremo Tribunal de Justiça mais de tres graus de jurisdição.<br>
IV - No Codigo das Expropriações vigente (aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro), adoptou-se orientação identica a do referido Decreto-Lei n. 71/76, e em certos aspectos mais ampla. Na verdade, em dois casos o recurso e admitido so ate ao Tribunal da Relação: a) Das decisões judiciais fixando o valor da indemnização em recurso das decisões arbitrais (artigos 49, n. 1,<br>
59, n. 1, e 83, n. 4); b) Das decisões sobre o valor da reversão de bens expropriados proferidas pelo juiz da comarca em recurso da decisão dos arbitros (artigos 111 e seguintes, especialmente 116, n. 3).<br>
Para alem destes casos, em que manifestamente se quis afastar a possibilidade de quatro graus de jurisdição, em alguns outros não se encontram normas a admitir ou a restringir o recurso.<br>
Assim e que o artigo 48, n. 1, manda reger o incidente da habilitação de herdeiros pelas normas aplicaveis do Codigo de Processo Civil; e o artigo 45, n. 3, alinea d), quanto ao incidente de partilha da indemnização, manda aplicar os termos posteriores aos articulados do processo ordinario ou sumario, consoante o valor do direito reclamado.<br>
Mas ja em relação as decisões sobre o pedido de pagamento da indemnização em prestações, o recurso e expressamente admitido, e sem restrições. Com efeito, o artigo 93, n. 1, manda aplicar no caso o processo sumario, com algumas especialidades, de entre as quais se destaca a alinea e): a decisão das reclamações contra o questionario so pode ser impugnada "no recurso que se interpuser da decisão final sobre o pedido".<br>
Desde que esta sentença (ut alinea g)), e recorrivel, tem por objecto materia estranha ao montante da indemnização e, alem disso, e proferida pelo juiz da comarca, não havia lugar a restabelecer os tres graus de jurisdição, que assim resultam da aplicação do regime geral.<br>
Aquele artigo 93, que constitui apoio para a tese da inadmissibilidade do recurso, e afinal confirmativo de que a decisão sobre a forma de pagamento da indemnização e recorrivel ate ao Supremo Tribunal de Justiça, em aplicação do principio geral de tres graus de jurisdição, apenas limitado pelo valor da causa (artigos 16 e 20, n. 1, da Lei Organica dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n. 82/77, de 6 de Dezembro, e artigo 462 do Codigo de Processo Civil).<br>
Não importa que se apliquem os termos do processo sumario, embora modificados, porque para o efeito ha que atender o valor do pedido, e em face deste se determinara a recorribilidade da sentença sobre o pedido de pagamento da indemnização em prestações.<br>
Sendo especial o processo de expropriação, e nele seguindo termos o pedido de apreciação do direito aquele pagamento, o regime de recursos sera, na falta de norma expressa em contrario, o estabelecido no artigo 463, n. 3, alinea a), do Codigo de Processo Civil, que, não obstante mandar aplicar o regime do processo sumario, admite excepcionalmente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se o valor da causa exceder a alçada da Relação.<br>
Conclui-se, assim, que nesta materia de pagamento das indemnizações, regulada em Capitulo a parte quer da fixação da indemnização quer da reversão dos bens expropriados, não podem aplicar-se as disposições limitativas do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as quais, alias, se limitaram a reintegrar o principio de tres graus de jurisdição.</font><br>
<font>Aplica-las neste caso importaria criar aberrantemente um regime excepcional de dois graus de jurisdição, que so disposição expressa de lei poderia aplicar.<br>
Bem decidiu, pois, o acordão recorrido em admitir o recurso.<br>
V - Pelos fundamentos expostos, acorda-se em resolver o conflito de jurisprudencia pela formulação do seguinte assento:<br>
E susceptivel de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais, o acordão da Relação que em processo de expropriação por utilidade publica julgue sobre a forma de pagamento da indemnização fixada.<br>
Sem custas.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 24 de Julho de 1979</font><br>
<br>
<font>Miguel Caeiro (Relator)-Oliveira Carvalho- Bruto da Costa-<br>
- Santos Vitor - Ferreira da Costa - Hernani de Lencastre-<br>
- Adriano Vera Jardim - João Moura - Rodrigues Bastos -<br>
- Daniel Ferreira - Abel de Campos - Eduardo Botelho de Sousa - Costa Soares - Artur Moreira da Fonseca - Alberto Alves Pinto - Antonio Furtado dos Santos - Octavio Dias Garcia - João Ferreira do Vale - Henrique da Rocha Ferreira - Manuel Alves Peixoto - Rui de Matos Corte Real-<br>
- Antonio de Melo Bandeira - Augusto de Azevedo Ferreira.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GTImvIYBgYBz1XKvNagw | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de<br>
Justiça:<br>
A, representado por seus pais B e C, propos, na Comarca de Vila Nova de Famalicão, contra Aliança Seguradora, acção sumaria pedindo o pagamento da indemnização de cinco milhões sessenta quatro mil e novecentos escudos, por motivo de acidente de viação que o ofendeu corporalmente.<br>
A Re contestou por excepção e por impugnação.<br>
Respondeu o Autor.<br>
Prosseguiu o processo seus regulares termos, vindo a ser proferida decisão que, apurando concorrencia de culpas, condenou a re no pagamento de dois milhões e quinhentos mil escudos, acrescida de juros, alem de quinze mil escudos aos pais do A. e de 29600 escudos ao Hospital Distrital de Vila Nova de Famalicão.<br>
Havendo interposição de recurso, foi considerada culpa exclusiva da Seguradora da Re e esta condenada no pagamento da indemnização de cinco milhões de escudos.<br>
Novo recurso por parte da Re para este Supremo Tribunal de Justiça em que alega:<br>
1 - o Acordão recorrido violou o disposto no artigo 240, n. 1 do Codigo Civil;<br>
2 - a compra e venda efectuadas, para ser considerada simulada, falta o requisito do intuito de enganar terceiros;<br>
3 - por conseguinte, deve ser declarada valida a venda do veiculo ao D como na realidade sucedeu:<br>
4 - o documento corresponde a vontade real dos factos;<br>
5 - houve, pois alienação do veiculo pelo que o contrato de seguro cessou os seus efeitos as 24 horas do dia 15 de Outubro de 1985, nos termos do artigo 10 do Decreto-Lei n. 408/79, de 25 de Setembro e 13 do Decreto-Lei n. 522/85, de 31 de Dezembro;<br>
Sem prescindir:<br>
6 - o D não violou qualquer regra do Codigo da Estrada pelo que nenhuma culpa lhe pode ser assacada;<br>
7 - a culpa e imputavel, em exclusivo, ao proprio lesado e, nos termos do artigo 491 do Codigo Civil, aos pais por violação dos deveres de vigilancia;<br>
8 - o montante indemnizatorio e extremamente elevado considerando a idade do lesado e o nivel de rendimento dos cidadãos nacionais:<br>
9 - deve, pois, ser reduzido no seu montante, a metade.<br>
Em contra-alegações, o A. defende a manutenção do julgado.<br>
Tudo visto:<br>
Vem dado como demonstrado:<br>
1 - No dia 13 de Maio de 1988, pelas 10 horas, em<br>
Quinta da Passelada,Landim, Vila Nova de Famalicão, no caminho de acesso a referida Quinta da Passelada, no local onde o caminho e uma pequena recta, com pequenas bermas de ambos os lados, ocorreu um acidente de viação;<br>
2 - intervieram no acidente o motorista D e A, na altura com 4 anos de idade;<br>
3 - O menor encontrava-se na traseira do tractor entre este e o arado, entretido a observa-lo;<br>
4 - e, ao iniciar a marcha, afim de seguir no sentido<br>
Quinta da Passelada - Landim, o condutor do tractor levantou o hidraulico e embateu no menor, apanhando-lhe a mão direita e esmagando-lhe quatro dedos;<br>
5 - em consequencia do acidente o menor sofreu perda completa de todos os dedos da mão direita, com excepção do polegar;<br>
6 - e ao ser dado como clinicamente curado ficou com quatro cotos dolorosos na mesma mão direita;<br>
7 - do que resultou ficar afectado de I.P.P., sendo dextro;<br>
8 - em consequencia das lesões sofridas o A. sofre e continuara a sofrer desgosto, angustia e tristeza;<br>
9 - por contrato de seguro Titulado pela apolice n. 635347, com inicio em 28 de Abril de 1984, a Re assumiu responsabilidade civil emergente da circulação do veiculo ...;<br>
10 - por escrito datado de 15 Outubro de 1985, E declarou vender a D e mulher pelo preço de 1200000 escudos, um tractor marca Massej - Ferguson do qual e proprietario, e ainda todas as alfaias agricolas, tendo ja recebido o preço, tendo os referidos D e mulher declarado que aceitavam a venda;<br>
11 - o caminho referido em 1 tem entre dois e tres metros de largura;<br>
12 - ao iniciar a marcha o D não olhou para tras afim de se certificar da eventual presença de alguem junto ao arado;<br>
13 - nem emitiu quaisquer sinais sonoros ou luminosos;<br>
14 - o D, ao por em marcha o seu tractor, não se apercebeu da presença do menor;<br>
15 - o caminho de um dos lados, estava ladeado de vegetação com altura superior a um metro;<br>
16 - o A. era uma criança saudavel;<br>
17 - tendo ficado afectado de I.P.P. de 50 por cento;<br>
18 - em virtude das lesões sofridas o A. sofreu varios tratamentos e curativos e intervenção cirurgica com anestesia geral, tendo estado internado no Hospital de Vila Nova de Famalicão durante quatro dias e, no Hospital de S. João, no Porto, durante dois dias, tendo sofrido angustia, grande susto, dores e incomodos;<br>
19 - O A. sofre e sofrera dores na mão direita com as mudanças de tempo;<br>
20 - em consequencia do acidente, o menor ficou com o fato de treino, camisola interior e camisa completamente inutilizados, no que os AA., seus pais sofreram um prejuizo.<br>
21 - o menor teve de ser transportado, algumas vezes, ao Hospital de Vila Nova de Famalicão, no que seus pais dispenderam dinheiro;<br>
22 - durante algum tempo apos o acidente a mãe do menor deixou de ir trabalhar ficando em casa a tratar do seu filho, ja que carecia de cuidados permanentes;<br>
24 - a mãe do menor auferia como jornaleira agricola, cerca de 600 escudos por dia;<br>
25 - o D conduzia o tractor no interesse e sob a direcção efectiva de E;<br>
26 - o documento de folhas 16 destinava-se apenas a atribuir ao D e esposa a responsabilidade de tratar do tractor;<br>
27 - O D não pagou qualquer preço pelo tractor, nem recebeu qualquer tractor:<br>
28 - sendo sempre o D quem paga os premios de seguro, mesmo depois de 15 de Outubro de 1985.<br>
Contrato de compra e venda<br>
A folhas 16 encontra-se junto um documento em que E declara vender a D e mulher F, pelo preço de 1200000 escudos um tractor de marca Massej Ferguson e todas as alfaias agricolas de que o primeiro e dono.<br>
Apesar de tal declaração de venda, devidamente assinada e com assinaturas reconhecidas o Acordão recorrido continua a considerar o tractor como propriedade daquele E.<br>
O contrato de compra e venda de veiculos automoveis não depende da observancia de qualquer formalidade especial, podendo a sua prova fazer-se por qualquer meio admitido em direito - artigos 874 e 875 do Codigo Civil. E certo que a lei considera obrigatorio o registo dos veiculos automoveis e suas transmissões. So que tal registo não tem natureza constitutiva, antes revestindo feição meramente declarativa ou publicitaria, criando a presunção "Juris Tantum" de que o direito registado existe e pertence a pessoa em nome de quem a inscrição foi feita - artigo 29, Decreto-Lei 54/75.<br>
Ora, o documento junto não foi impugnado quanto as assinaturas do mesmo constantes, mas tão somente quanto ao conteudo das vontades declaradas.<br>
Vontades que, consubstanciando um acordo, manifestam a intenção de quererem celebrar um contrato com certo conteudo. Ha que querer aquilo que se diz ou dizer aquilo que se quer.<br>
Se olharmos so ao documento duvidas não se tem de que contem um contrato de compra e venda. Pelo que as declarações de vontade objectivamente parecem coincidir com o conteudo do contrato.<br>
No entanto, apesar do disposto nos artigos 393 do<br>
Codigo Civil e seus numeros 2 e 3, o de a Re não haver reagido a tal, apurou-se em materia de facto que o documento de folhas 16 destinava-se apenas a atribuir ao D e esposa a responsabilidade de tratar do tractor; que não foi pago qualquer preço por este, nem o veiculo foi entregue ao D; sempre o E pagou os premios de seguro e, no dia do acidente, o mesmo D conduzia o tractor no interesse e sob a direcção efectiva do E.<br>
Assim e nitida a ausencia de um acordo de transferencia de propriedade para o D e o pagamento do respectivo prazo por parte deste. Não se concretizou qualquer contrato de compra e venda, ja que a intenção das partes não foi essa. Dai que o documento de folhas 16 não destrinça a presunção que resulta do registo e não demonstra que o veiculo deixou de pertencer ao segurado E.<br>
Consequentemente e valido o contrato de seguro celebrado pelo E, tendo a re que cumprir com as obrigações que o mesmo acarreta.<br>
Mas, sera a mesma responsavel?<br>
Afigurava-se-nos que sim.<br>
Primeiro, porque o condutor do veiculo, atenta a resposta dada ao quesito 23, agiu na qualidade de comissario do segurado E e não conseguiu provar que não houve culpa da sua parte - artigo 503<br>
Codigo Civil. Pelo contrario - segundo - o A. conseguiu demonstrar que o comissario agiu com culpa.<br>
Ora, na base do conceito de culpa esta sempre um juizo de reprovabilidade da conduta do agente. Aqui a incidir na negligencia ou mera culpa, que importa omissão da diligencia exigivel do agente. Nomeadamente, quando o o agente por improvidencia ou desleixo cre que o resultado não se verificara e, por isso, não adopta as diligencias necessarias para o evitar; ou, ainda por imprevidencia ou desleixo não concebe a possibilidade de o facto acontecer e não adopta qualquer providencia para o evitar.<br>
No artigo 487 do Codigo Civil consagrou a tese da culpa abstracta,tendo-se como paradigma a diligencia de um bom pai de familia.<br>
No artigo 5, n. 5 do Codigo da Estrada refere-se expressamente que "os condutores, ao iniciarem qualquer manobra, devem previamente certificar-se de que a mesma não comprometa a segurança do trafego".<br>
Tambem o artigo 6 do mesmo diploma legal refere que nas manobras de inicio de marcha o condutor deve assinalar o facto por meio de sinais sonoros ou luminosos.<br>
Resulta, então, que o condutor de um veiculo, seja ele qual for, ao iniciar a sua marcha deve assegurar-se de que do facto não resulta dano para pessoas ou coisas e so depois de diligenciar o facto e que pode começar a manobra.<br>
Dos autos resulta que o comissario subiu para o tractor sem se assegurar se, junto do veiculo se encontrava alguem e, seguidamente, accionou o hidraulico para levantar o arado, sem que igualmente tivesse feito qualquer diligencia no sentido de averiguar se o facto iria afectar pessoa ou coisa. Foi então que atingiu o menor A produzindo-lhe as lesões e consequencias danosas que os autos bem reflectem.<br>
Dai que a omissão das diligencias devidas, sejam, no caso concreto, idoneas a produção do evento danoso.<br>
Dai a culpa do condutor do tractor e a sua responsabilidade extracontratual no evento.<br>
Mas, responsabilidade exclusiva?<br>
O facto de o ofendido ser um menor de quatro anos, encontrando-se no local sem vigilância daqueles que tinham obrigação de a exercer, concorreu para a produção do evento?<br>
Na 1 instancia entendeu-se que a criança se encontrava sozinha no local, não tendo o seu progenitor vigiado suficientemente a conduta de seu filho.<br>
Ja na 2 instancia, aceitando-se os pressupostos, concluiu-se não existir nexo de causalidade entre aquela falta de vigilancia e o dano consequente do evento, ja que - diz-se - mesmo tendo havido vigilancia sempre os danos teriam acontecido.<br>
Entende-se que a previsão da 1 Instancia e a mais adequada.<br>
Um menor de quatro anos, pela sua irrequietude e inconsciencia e trata-se de um inimputavel; exige uma vigilancia constante daqueles que tem obrigação de a prestar. E não e o facto de o caminho não ter movimento ou tendo-o em reduzida escala, que conduz a eliminação daquele dever de vigilancia. Dever que a ser exercido bem poderia ter evitado o acidente. Na verdade a presença do pai, bastaria para que, ao ver o condutor aproximar-se, retirar a criança do local onde a mesma se encontrava, antecipando-se assim ao desencadear do evento danoso.<br>
Termos em que se considera estarmos perante concorrencia de culpas na proporção de 75 por cento, para o condutor do veiculo e de 25 por cento para a lesada, ja que a falta de vigilancia concorreu em menor grau para a proposição do acidente. Por outro lado, o tractor e um objecto perigoso e a sua condução exige bem mais cuidados.<br>
Ao contrario do que refere a Recorrente os montantes indemnizatorios não são exagerados. Ha que ter presente que o ofendido e um menor que ficou sem quatro dedos da mão direita, o que importa uma desvalorização parcial permanente de 50 por cento. Facto que ensombra sobremaneira o futuro do menor, limitando o seu nivel e modo de vida futuros e não consentindo um desenvolvimento laboral pleno. O que tera influencia decisiva na escolha da profissão e no ascender da carreira respectiva. Por outro lado, o montante que hoje, podera parecer exagerado, atentos os niveis de inflacção e de desvalorização da moeda, no futuro, quando o lesado mais precisar do dinheiro estara bastante limitado e talvez, não prossiga o escopo pretendido. De considerar ainda que a limitação fisica vai exigir dos pais um maior dispendio na educação do filho, obrigando ao recurso a um ensino especial, se pretenderem valorizar o futuro do menor.<br>
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequencia, fixa-se a indemnização a conceder ao menor em tres milhões setecentos cinquenta mil escudos.<br>
Custas na proporção do vencido.<br>
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1992.<br>
Cura Mariano,<br>
Joaquim de Carvalho,<br>
Martins da Fonseca.<br>
Decisões Impugnadas:<br>
I - Sentença de 90.05.02 do Tribunal de Vila Nova de Famalicão;<br>
II - Acordão de 91.09.05 do Tribunal da Relação do<br>
Porto.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
pTIJvIYBgYBz1XKvIH1j | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível<br>
Banco Pinto & Sotto Mayor, com sede em Lisboa intentou a presente acção ordinária contra A, residente em Lisboa, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe 199194111 escudos e juros vencidos, e ainda o ser-lhe reconhecido o direito de retenção sobre os títulos, que identifica na sua petição inicial.<br>
O R. contestou e deduziu pedido reconvencional, replicando o A. no sentido da improcedência deste último.<br>
O processo correu seus termos regulares, vindo, após audiência de julgamento a ser proferida sentença a condenar o R. a pagar ao A. a quantia de 185507881 escudos e juros e procedente o pedido reconvencional relativo a danos causados, e a liquidar em execução de sentença por retenção ilícita pelo A. de alguns títulos referidos na sua petição inicial.<br>
Inconformado com tal decisão na parte em que o condenou, dele recorreu o R., mas a sua apelação foi julgada improcedente, pelo que recorre agora de revista.<br>
Formula ele nas suas alegações as seguintes conclusões:<br>
1 - A sentença recorrida não tomou em consideração a totalidade dos factos e documentos antecedentemente descriminados, os aludidos nos pontos XI a XXII destas alegações, os quais têm manifesto interesse para a descrição da causa, com isso infringindo o disposto nos artigos 515 e 659 n. 3 do Código de Processo Civil.<br>
2 - As operações de bolsa configuram-se como uma<br>
"espécie" dentro do género lato de "operações bancárias" regulado no Código Comercial.<br>
3 - As "operações de bolsa são reguladas por legislação especial.<br>
4 - Essa legislação é constituída pelo Decreto-Lei 8/74 de 14 de Janeiro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 696/75 de 12 de Dezembro e pela Portaria 1063/80 de 12 de Dezembro.<br>
5 - São além disso de ter em consideração as normas internas na Bolsa de Valores do Porto, constantes da circular n. 7/87 de 23 de Março (folha 312 dos autos).<br>
6 - Não existe, de acordo com tais normas especiais, nenhum dever por parte do comitente (comprador) de formalização escrita de ordens de bolsa por si formuladas.<br>
7 - De acordo com o artigo 72 n. 1 do Decreto-Lei 7/74 o Autor estava impedido de dar seguimento às ordens de compra dos autos, sem, antes da transmissão, ser posta pelo R., à disposição, a importância provável a dispender com a concretização de tal compra.<br>
8 - A exigência do artigo 72 n. 1 é ditada pelo interesse global, digo, geral do mercado bolsista, pelo interesse do comitente e pelo interesse do comissário.<br>
9 - O comissário deve obediência a tal norma, pois, ela não integra o seu direito potestativo.<br>
10 - O A. não podia interpretar, nos dias que antecederam a compra, o não provisionamento da conta do R., em face das normas legais, se não como o desinteresse deste na referida e projectada compra.<br>
11 - O A. infringiu, pois, normas legais vinculativas e agiu, ao ir para a frente com a subscrição dos lotes de acções, a que respeitam aos autos, por sua exclusiva conta e risco.<br>
12 - O A., ao praticar um acto ilegal, não podia projectá-lo na esfera jurídica do R..<br>
13 - As referidas acções, ao serem depositadas na carteira de títulos do R., foram-no abusivamente, pois, jamais foram sua propriedade.<br>
14 - Nada deve, portanto, o Réu ao Autor relativamente<br>
à compra das acções, a que os autos respeitam.<br>
15 - O douto Acórdão recorrido ao confirmar a condenação do R. quase na totalidade do pedido, incluindo juros desde 1 de Dezembro de 1987 e ainda em 92 porcento das custas do processo "a quo" violou todos os preceitos legais supracitados.<br>
16 - Deve, pois, ser revogado e o R., ora recorrente, totalmente absolvido do pedido.<br>
Houve contra alegações defendendo a negação da revista.<br>
Corridos os vistos cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais a matéria de facto considerada como provada no Acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa:<br>
A - O R. é titular da conta depósito à ordem na dependência de Santa Apolónia, do Banco Autor.<br>
B - Em 15 de Outubro de 1987 o R. deu ordem ao Banco - autor para comprar os seguintes títulos na Bolsa do Porto: OPV - Somec<br>
1000 Acções a 7800 escudos 1000 Acções a 8300 escudos<br>
1000 Acções a 12400 escudos 1000 Acções a 14100 escudos<br>
1000 Acções a 16600 escudos OPV - Cofaco<br>
1000 Acções a 8800 escudos 1000 Acções a 9400 escudos<br>
1000 Acções a 10700 escudos 1000 Acções a 13200 escudos<br>
1000 Acções a 7300 escudos OPV - Salvador Caetano<br>
1000 Acções a 16100 escudos 1000 Acções a 17200 escudos<br>
1000 Acções a 18300 escudos 1000 Acções a 19400 escudos<br>
1000 Acções a 20100 escudos<br>
C - Na sessão de 19 de Outubro de 1987, o Autor procedeu à compra, onde teriam lugar as OPV (Bolsa do Porto) das acções seguintes:<br>
- 1000 acções da Somec ao preço de 14100 escudos cada, que com as inerentes despesas se elevou a 14193392 escudos.<br>
- 1000 acções da Somec ao preço de 7800 escudos cada, que com as inerentes despesas se elevou a 7851686 escudos.<br>
- 1000 acções da Somec a 8300 escudos cada, que com as despesas se elevou a 8354995 escudos.<br>
- 1000 acções a 12400 escudos, que com as despesas se elevou a 12482138 escudos, da Somec.<br>
- 1000 acções da Somec a 16600 escudos, que com as despesas se elevou a 16709941 escudos e 90 centavos.<br>
- 1000 acções da Salvador Caetano ao preço de 18300 escudos que com as despesas se elevou a 18421195 escudos e 90 centavos.<br>
- 1000 acções da Salvador Caetano a 17200 escudos cada, que com as despesas se elevou a 17313913 escudos e 90 centavos.<br>
- 1000 acções da Salvador Caetano a 19400 escudos cada, que com as despesas se elevou a 19528477 escudos e 90 centavos.<br>
- 1000 acções da Salvador Caetano a 20100 escudos cada, que com as despesas se elevou a 20202962 escudos.<br>
- 1000 acções da Confaco a 10700 escudos cada, que com as despesas se elevou a 10770884 escudos.<br>
- 1000 acções da Confaco a 13200 escudos cada, que com as inerentes despesas se elevou a 13287434 escudos.<br>
D - As acções referidas na alínea C) foram adquiridas aos preços unitários aí mencionados, tendo o A. dispendido os valores globais constantes da mesma.<br>
E - Em Novembro/87 foram enviadas ao R. as notas de débito com os valores referidos em C).<br>
F - O Autor lançou na conta de depósito à ordem referida em A) a quantia de 159117021 escudos e 60 centavos, a qual não foi provisionada pelo Réu, passando a dita conta a apresentar um saldo devedor de<br>
158453564 escudos.<br>
G - Em 22 de Fevereiro de 1988 em consequência da subscrição de 2000, dispendeu o A. 5010650 escudos, sendo essas acções de capital da Somec.<br>
H - O A. solicitou ao R. a regularização do saldo da conta em causa, correspondentes à soma dos montantes referidos em F) e G), no valor de 163461764 escudos e 20 centavos, até 29 de Fevereiro de 1988.<br>
I - Não tendo o Réu entregue ao Banco Autor o montante do saldo devedor referido em H), este procedeu ao encerramento da dita conta em 29 de Fevereiro de 1988.<br>
J - Encontram-se depositados no Banco autor, além dos títulos já referidos em C) e G), os seguintes títulos:<br>
- 1000 acções da Cires<br>
- 2000 acções da Fornos Eléctricos<br>
- 266 acções da Gregório<br>
- 13 acções da Imobiliária Grão Pará<br>
- 454 acções da Consitur<br>
- 20 acções da Novembal<br>
- 520 acções da Prazol<br>
- 1196 acções da Supermercados Inô<br>
- 200 acções da Marconi<br>
- 200 acções da Soltejo<br>
L - O Autor tem impedido o Réu de dispor dos títulos referidos em C), G) e J).<br>
M - Este facto tem causado ao réu prejuízos pela circunstância de os não negociar de acordo com as suas directrizes financeiras.<br>
N - A situação referida em L) é susceptível de continuar a causar prejuízos futuramente.<br>
Feita esta enumeração da matéria de facto considerada assente pelas instâncias começaremos desde logo por acentuar que nada há no processo que a possa ver alterada por este Supremo Tribunal - como é bem sabido, também, não se verificando, como se não verifica no caso "sub judice", o pressuposto do n. 2 do artigo 722 do Código de Processo Civil, está fora da competência deste Tribunal Supremo, como tribunal de revista, saber se num acórdão recorrido se fez ou não correcta apreciação dos factos.<br>
E com isto se supera, considerando-a não pertinente, a questão posta nas suas alegações pelo recorrente atinente a factos que, no seu entender, não foram devidamente tomados em conta na decisão recorrida.<br>
Tal significa que não houve infracção, de que se possa conhecer, do preceituado nos artigos 515 (provas atendíveis) e 659 n. 3 (fundamentação da sentença) ambos do Código de Processo Civil.<br>
Como revela de igual modo que, em suma, ficou provado que o Réu deu ordem ao Autor, para aquisição, no seu interesse, dos títulos que estão em causa no presente recurso - delimitado como está pelas conclusões das alegações do recorrente - não tendo ficado provada a contra ordem que o R. alegou e que afadigadamente, mas em vão, tentou provar (v. respostas negativas aos quesitos 4, 5, 6, 7 e 8).<br>
E não que aqui, em sede de revista, recomeçar o debate a tal respeito...<br>
Disto isto avançaremos então para a questão fulcral do presente recurso que é a de saber se existem normas especiais em matéria de operações de bolsa que, por si só, independentemente da prova da contra ordem, que determinavam a própria nulidade da ordem de compra.<br>
Alega a este propósito o Réu recorrente que de acordo com o n. 1 do artigo 72 do Decreto-Lei 8/74 de 14 de Janeiro (redacção do Decreto-Lei 696/75 de 12 de Dezembro) o A. estava impedido de dar seguimento às ordens de compra dos autos, sem antes da sua transmissão, ser posta pelo R., à disposição a importância provável a dispender com a concretização de tal compra, sendo esta exigência ditada pelo interesse do mercado bolsista, pelo interesse do comitente e pelo interesse do comissário.<br>
Mas para melhor se esclarecer esta questão vamos ver o que se preceitua, no que importa agora considerar com relação à mesma, no citado Decreto-Lei 8/74 de 14 de Janeiro.<br>
Ora conforme dispõe o seu artigo 70 ns. 1 e 2, os títulos cotados na bolsa e os demais valores mobiliários mencionados no artigo 52 do mesmo diploma legal são comprados e vendidos mediante ordens que se denominam ordens de bolsa, que podem ser recebidas directamente pelos correctores e pelas instituições de crédito, mas só os correctores as podem executar (pelo que sendo recebidas pelas instituições de crédito, estas deverão transmiti-las àqueles.<br>
Por sua vez, repare-se bem, o citado artigo 72 estatui que a entidade que receber uma ordem de bolsa deverá exigir ao comitente antes da sua transmissão ou execução, a entrega dos valores a vender ou da importância provável da compra ordenada (n. 1), exceptuando-se os casos em que as ordens são transmitidas aos correctores pelas instituições de crédito.<br>
São intuitivos os objectivos visados por este artigo 72: pretende-se não só incutir confiança nos negócios de bolsa, como também garantir os direitos de terceiros compradores, procurando-se evitar que alguém dê ordem para venda de valores mobiliários que não possua, ou de que não possa dispor, ou dê ordem de compra sem ter meios para pagar o respectivo preço.<br>
E compreende-se a excepção prevista para as ordens transmitidas aos correctores pelas instituições de crédito: a idoneidade destas faz supor que os valores a vender existem e serão entregues após a transacção ser efectuada, e, por outro lado, a sua reconhecida solvabilidade não deixa dúvidas de que o pagamento dos valores comprados será feito em tempo (v. Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 1993, C.J., XVIII,<br>
4, 130).<br>
E com isto se afasta a tese sufragada pelo recorrente de que a dispensa referida no n. 2 do artigo 72 citado só ocorre entre o banco e o corrector, e não já entre aquele e o comitente.<br>
A antecipação de fundos não tem carácter imperativo; trata-se de um direito disponível, podendo as partes convencionar o contrário expressa ou tacitamente e podendo também o mandatário renunciar a esse direito.<br>
A falta de entrega dos valores ou dos fundos pelo comitente exime definitivamente o comitente da obrigação de cumprir a respectiva ordem (n. 3 do dito artigo 72), mas nada impede, como é óbvio, que ela a resolva cumprir, "maxime" se confia no seu cliente com quem tem já largas transacções do mesmo género...<br>
Não é defensável assim a ideia, posta pelo recorrente, de que sem fundos disponíveis não há ordem de compra válida e exequível.<br>
Em suma, o facto de o R. não ter entregue ao A. antes da realização do acto ordenado a correspondente quantia, se permitia a este eximir-se ao cumprimento da ordem, não o impedia de cumprir o ordenado, mantendo-se o R. vinculado à ordem comunicada e não anulada.<br>
De notar a tal respeito que o R. recorrente estava ligado ao A. recorrido por uma relação de mandato para se realizar através dele o já mencionado contrato de bolsa: a aquisição de títulos.<br>
E não se está aqui (contrariamente ao pretendido pelo recorrente), assim, numa contraposição entre mandato e operação de bolsa.<br>
Isto é, não está em causa uma alternatividade: ou mandato, ou operação de bolsa; está sim a celebração de um contrato através de um mandato, ou seja: mandato e operação de bolsa.<br>
Em resumo, através de uma relação jurídica de mandato o recorrente pretendia a realização de uma operação (contrato de bolsa) (cfr. a este propósito os artigos 231 e seguintes? e 362 e seguintes? Código Comercial,<br>
Abílio Neto, Código Comercial Anotado, páginas 110 e seguintes? e 160 e seguintes?, Professor Menezes Cordeiro, Banca, Bolsa e Crédito, Ramos Pereira, O Sistema de Crédito e a Estrutura Bancária em Portugal,<br>
I, páginas 107 e seguintes? e Augusto Gaspar e Mário - Adegas, Operações Bancárias e Alberto Luís, Direito Bancário, 1925, páginas 85 e seguintes?).<br>
E ela acabou por ser realizada através da já referida actuação do A. Banco, a quem, repete-se, o legislador não podia impor a antecipação de fundos, nos termos queridos pelo recorrente, pois, só esta entidade bancária sabe da solvabilidade do seu cliente e constituinte, bem como da consideração e confiança que o mesmo lhe merece.<br>
E o A. assim agiu por forma correcta, como o faria qualquer declaratário normal (v. artigo 236 do Código Civil), face às relações que existiam com o R., com vários e avultados movimentos de conta.<br>
De resto o R. ao dar ordens ao A. Banco para comprar título é que tinha de saber ou devia saber (no rigor da posição que vem tomando) se a conta destinada ao fim em vista estava provisionada, e se o não fez, e aconteceu o que aconteceu, pode dizer-se que ele implicitamente pedia ao Banco A. que adiantasse o numerário para o pagamento do preço, ou, pelo menos, contava que o Banco fizesse esse adiantamento.<br>
Razão pela qual não pode vir agora ele recorrente protestar no sentido de que o A. Banco só devia adquirir os ditos títulos, dando assim execução às suas ordens, se a sua conta tivesse os necessários fundos.<br>
Como não pode também vir agora afirmar nas suas alegações de recurso que o A. não podia interpretar, nos dias que antecederam a compra, o não aprovisionamento a não ser como o desinteresse deste na referida e projectada compra.<br>
Pretende o recorrente segundo pensamento lançar mão da existência de uma declaração tácita em tal sentido.<br>
Ora sabe-se que em tal declaração se põe em destaque o facto de se realizar uma inferência a partir de factos concludentes.<br>
Como diz Paulo Mota Pinto, in Declaração Tácita e Comportamento concludente no Negócio Jurídico,<br>
Almedina, 1995, páginas 746 e seguintes? à conduta a partir da qual se pode efectuar uma ilação podemos chamar "comportamento concludente", o qual deve ser visto como o elemento objectivo da declaração tácita, o qual é determinado, como na declaração expressa, por via interpretativa.<br>
E é ao interprete, portanto, que cabe determinar o espaço de determinação da "ilação de concludência" admissível, de "até onde" e de "que coisa" um comportamento pode significar de acordo com os critérios de interpretação a que deve recorrer no caso concreto.<br>
E no que concerne ao problema da perspectiva a partir da qual se há-de obter o critério para a concludência também aqui há que apelar aos princípios gerais em matéria de interpretação. A ilação - é nas declarações receptíveis - de fazer de acordo com a impressão do destinatário - ou seja, depende do juízo sobre se um "declaratário normal, colocado na posição do real declaratário" a efectuaria (v. citado artigo 236 do Código Civil bem como o artigo 217 do mesmo Código).<br>
Ora no caso "sub judice" face a tudo o que se deixou explanado não se pode interpretar o não provisionamento da conta do R. recorrente por forma a tirar-se a ilação por ele pretendida, de que se desinteressou da compra de títulos em causa.<br>
Como nota final o dizer-se que um dos princípios que perpassa o direito civil (e obviamente o direito comercial - v. Termas do Direito Comercial, Almedina, 1986, páginas 180 e seguintes?) é o da boa fé que objectivamente, ou como regra de conduta, consiste num procedimento correcto e leal ou com a outra parte, designadamente no cumprimento de obrigações, como se expressa no n. 2 do artigo 762 do Código Civil (v. no que concerne às obrigações do mandante, Januário Gomes,<br>
Contrato de Mandato, página 103).<br>
Trata-se (como também se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 1994, C.J., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do ano II, Tomo III, página 154, de um princípio normativo em cuja aplicação devem ponderar-se os valores fundamentais do direito em face da situação concreta e em que, como directrizes, se deverá atender em especial, não só à confiança das partes no sentido global das cláusulas, processo de formação do contrato, seu teor e outros elementos atendíveis, como também ao objectivo que as partes visam atingir negocialmente à luz do tipo de contrato utilizado, o que tudo se traduz pela tutela da confiança e pela primazia da materialidade subjacente à questão em luta contra um estrito formalismo (v. Menezes cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2. volume, página 1234 e 1252).<br>
E a conduta do recorrente está longe de se aproximar de tal princípio.<br>
Pelos motivos expostos se profere a seguinte.<br>
Decisão:<br>
1 - Nega-se a revista.<br>
2 - Condena-se o recorrente nas custas.<br>
Lisboa, 9 de Outubro de 1996<br>
Fernando Magalhães,<br>
Fernando Fabião,<br>
César Marques.<br>
Decisão Impugnada:<br>
I - 12. juízo Cível de Lisboa - 2. Secção - 2255/88 -<br>
21 de Maio de 1991.<br>
II - Tribunal da Relação de Lisboa - 6. Secção -<br>
3921/91 - 28 de Setembro de 1995.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eDJxu4YBgYBz1XKvfQkC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<b><font>Processo n.º 758/12.4TMPRT.1.P2-A.S1</font></b><div><b><font> </font></b><br>
<b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça,</font></b></div><font> </font><br>
<b><font>I – Relatório</font></b><br>
<b><font>1. </font></b><font>Por decisão de 9 de maio de 2012 foi homologado o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais celebrado entre Requerente – </font><b><font>AA</font></b><font> - e Requerido – </font><b><font>BB</font></b><font>-, no qual se fixou o </font><i><font>quantum </font></i><font>de 50 € da obrigação de alimentos do Requerido perante cada um dos menores, CC e DD. </font><br>
<b><font>2. </font></b><font>No incidente de incumprimento, que correu por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais relativas aos menores CC e DD, foi proferida, a 26 de junho de 2014, decisão que declarou o incumprimento do pagamento da pensão de alimentos por parte do Requerido. Nessa decisão de 26 de junho de 2014, determinou-se ainda que o </font><b><font>Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores</font></b><font> (doravante </font><b><font>FGADM</font></b><font>), gerido pelo </font><b><font>Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP</font></b><font> (doravante </font><b><font>IGFSS</font></b><font>), pagasse mensalmente à mãe das menores a quantia de 100,00 € por cada um dos menores, a partir do mês subsequente ao da respetiva notificação judicial. </font><br>
<b><font>3. </font></b><font>Interposto recurso dessa decisão por parte do </font><b><font>IGFSS</font></b><font>, interveniente acidental nos autos à margem referenciados na qualidade de gestor do </font><b><font>FGADM</font></b><font>, por acórdão de 10 novembro de 2015, o Tribunal da Relação do Porto repôs o montante de 50,00 € para cada um dos menores. </font><br>
<b><font>4. </font></b><font>A 28 de janeiro de 2016, foi proferido, nesse incidente de incumprimento, despacho que, ao abrigo do art. 9.º do DL n.º 164/99, de 13 maio, manteve a obrigação do </font><b><font>FGADM</font></b><font> de proceder ao pagamento da prestação já fixada. A decisão contida neste despacho foi subsequentemente renovada, nesse mesmo incidente de incumprimento, nos despachos de 12 de janeiro de 2017, de 20 de fevereiro de 2018 e de 20 de fevereiro de 2019: manteve-se, pois, a obrigação do </font><b><font>FGADM </font></b><font>de realizar a respetiva prestação em prol dos menores. </font><br>
<b><font>5. </font></b><font>A 19 de novembro de 2018, decidiu-se, no processo principal, atribuir o montante de 100 € a cada um dos menores, a partir de abril do mesmo ano. </font><br>
<b><font>6. </font></b><font>A 20 de novembro de 2018, a Requerente desencadeou, junto da DGAJ, o procedimento de cobrança coerciva da obrigação de alimentos em ..., país onde vive o Requerido. </font><br>
<b><font>7. </font></b><font>Por seu turno, a 16 de maio de 2019, foi proferida, no mesmo incidente de incumprimento, decisão que, além de declarar a subsistência dos pressupostos da intervenção do </font><b><font>FGADM</font></b><font>, fixou o </font><i><font>quantum</font></i><font> da obrigação, em conformidade com a decisão proferida no processo principal, perante cada um dos menores, no valor de 100 €, e que ordenou a notificação do </font><b><font>IGFSS</font></b><font> de ambas as decisões. </font><br>
<b><font>8. </font></b><font>O </font><b><font>IGFSS</font></b><font>, irresignado, interpôs recurso de apelação, julgado improcedente pelo Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 26 de novembro de 2019, confirmou a decisão recorrida.</font><br>
<b><font>9. </font></b><font>Inconformado com esta decisão, o </font><b><font>IGFSS,</font></b><font> a 27 de dezembro de 2019, interpôs recurso de revista.</font><br>
<b><font>10. </font></b><font>Notificado do despacho de indeferimento do recurso por si interposto, a 27 de dezembro de 2019, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de novembro de 2019, o </font><b><font>IGFSS</font></b><font>, nos termos do art. 643.º, n.º 1, do CPC, veio dele reclamar para o Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<b><font>11. </font></b><font>O despacho reclamado, do Tribunal da Relação de Porto, de 24 de janeiro de 2020, baseia-se na sujeição da decisão recorrida à disciplina do art. 32.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, consagrado na Lei n.º 141/2015 de 8 de setembro (doravante RGPTC), pelo que o prazo para a interposição de recurso seria de 15 dias, e não de 30 dias.</font><br>
<b><font>12. </font></b><font>O </font><b><font>IGFSS</font></b><font>, na sua Reclamação, apresenta as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font><br>
<font>“</font><i><font>I. Fundamenta-se, em suma, o despacho reclamado no facto de estarmos perante uma decisão à qual se aplica o art. 32.º do RGPTC, pelo que o prazo de recurso seria de 15 dias.</font></i><br>
<i><font>II. Na decisão recorrida não está em causa qualquer decisão que se pronuncie definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis, mas sim sobre a atribuição de prestações substitutivas de alimentos por parte do Estado através do FGADM.</font></i><br>
<i><font>III. O incidente de intervenção do FGADM é regulado por lei especial, concretamente, pela Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro, e pelo DL 164/99, de 13 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 70/2010 de 16 de Junho e pela Lei n.º 64/2012, de 20 de Dezembro.</font></i><br>
<i><font>IV. No Regime Geral do Processo Tutelar Cível não se encontra prevista qualquer regulamentação processual referente à fixação, manutenção ou cessação da prestação do FGADM, sendo que no que diz respeito a recursos de decisões relativas a tal matéria, apenas existe o n.º 5 do art. 3.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.</font></i><br>
<i><font>V. Se o legislador pretendesse que o incidente de intervenção do FGADM ficasse sujeito às regras constantes do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nomeadamente, no que diz respeito a recursos de decisões relativas a tal matéria, tê-lo-ia feito, alterando nesse sentido a redacção do n.º 5 do art. 3.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, ou teria legislado no sentido de que o previsto no art. 32.º do RGPTC seria aplicável aos recursos respeitantes a decisões proferidas no âmbito dos incidentes de atribuição de prestações substitutivas de alimentos a pagar pelo FGADM.</font></i><br>
<i><font>VI. Ora, o certo é que o legislador, por certo conhecedor dos dois regimes de recursos aqui em causa, não o fez.</font></i><br>
<i><font>VII. E se não o fez foi porque considerou que este regime dual era o correcto.</font></i><br>
<i><font>VIII. Consequentemente, o regime de recursos a aplicar é o regime geral consagrado no Código de Processo Civil, pelo que o prazo de interposição é de 30 dias.</font></i><br>
<i><font>IX. No sentido do que o IGFSS aqui defende, vem a douta decisão singular da Veneranda Relação do Porto — 2ª Secção, proc. 2681/11.0TBPNF-B.P1, cuja fundamentação foi resumida da seguinte forma: "As prestações. a cargo do FGADM têm natureza eminentemente social/assistencial, como refere o preâmbulo do DL n.º 164/99 de 11/5, não constituindo pois verdadeiras prestações alimentícias familiares, não tendo, em decorrência, logrado previsão e regulamentação no Regime Geral do Processo Tutelar Cível, designadamente no que diz respeito ao prazo de interposição dos recursos pelas entidades públicas responsáveis pelas prestações. ".</font></i><br>
<br>
<i><font>XI. Também sobre esta mesma questão pronunciou-se recentemente a Veneranda Relação de Évora no Acórdão, de 21.12.2017, proferido no proc. 185/12.3TBENT-B.E1, Relator Mário Canelas Brás, da forma que na parte pertinente acima reproduzimos (por não estar disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>) e onde se diz: "Pois aderimos à solução encontrada no (bem recente) douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016, in ITU ...".</font></i><br>
<br>
<i><font>XIII. A questão que está na base da presente reclamação e que se ora se submete a esse Supremo Tribunal é rigorosamente igual à já apreciada e decidida no douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em de 14 de Dezembro de 2016 - Proc. n.º</font></i><i><sup><font> </font></sup></i><i><font>232/15.7T8GDM-B.P1.S1, Relator Tomé Gomes — disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, cujo entendimento e fundamento acompanhamos integralmente e sem reservas, e em cujas conclusões acima reproduzidas nas alegações, se diz, em suma, que: o prazo de interposição do recurso previsto no n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 75/98 é de 30 dias nos termos da l.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC.".</font></i><br>
<i><font>Nestes termos, seguindo-se a jurisprudência acima referida, deverá o recurso interposto ser considerado tempestivo, conhecendo-se do mesmo, e decidindo-se, a final, conforme for de Justiça.</font></i><br>
<i><font>No entanto, V. Exas. apreciando e decidindo farão a costumada JUSTIÇA</font></i><font>”.</font><br>
<b><font>13. </font></b><font>A Requerente - </font><b><font>AA</font></b><font> -, notificada da Reclamação apresentada pelo </font><b><font>IGFSS</font></b><font>, respondeu, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font><br>
<font>“</font><i><font>A. O Reclamante/Recorrente reclama do despacho que indeferiu a admissão do recurso.</font></i><br>
<i><font>B. O Reclamante/Recorrente alega que o regime de recursos a aplicar é o regime geral consagrado no C.P.C. e, como tal, o prazo de interposição do recurso é de 30 dias e não de 15 dias.</font></i><br>
<i><font>C. A posição do Reclamante/Recorrente escuda-se numa errada interpretação do direito aplicável ao caso em apreço.</font></i><br>
<i><font>D. O recurso interposto pelo Reclamante/Recorrente respeita à manutenção da decisão de condenação do FGADM a continuar a pagar mensalmente a quantia devida aos menores a título de prestação de alimentos.</font></i><br>
<i><font>E. Estamos perante uma providência tutelar cível, cujo processado está integrado em incidente de incumprimento.</font></i><br>
<i><font>F. A questão em apreço prende-se, sucintamente, em saber da compatibilização entre o regime consagrado no C.P.C e o regime instituído no Regime Geral do Processo Tutelar Cível, no que à matéria de prazos e interposição de recurso diz respeito.</font></i><br>
<i><font>G. O artigo 7.º</font></i><i><sup><font> </font></sup></i><i><font>n.º</font></i><i><sup><font> </font></sup></i><i><font>3 do Código que: "A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador."</font></i><br>
<i><font>H. A I.ei 141/2015, de 8 de Setembro, que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível especial — estabelece um regime de prazo muito diferente do consignado no C.P.C. que, por sua vez, é considerado lei geral.</font></i><br>
<i><font>I. O RGPTC prevê o prazo de 15 dias para a interposição de recurso no âmbito da Jurisdição Tutelar Cível.</font></i><br>
<i><font>J. O C.P.C. estipula o prazo de 30 dias para interposição de recurso.</font></i><br>
<i><font>K. Numa situação de conflito entre regra geral e a regra especial, prevalece a regra especial.</font></i><br>
<i><font>L. A regra geral só se aplica se não houver uma regra especial que não preveja uma determinada hipótese.</font></i><br>
<i><font>M. O que não é o caso.</font></i><br>
<i><font>N. O RGPTC prevê a regra especial de 15 dias como prazo de interposição de recurso.</font></i><br>
<i><font>O. É o prazo previsto no artigo 32.º</font></i><i><sup><font> </font></sup></i><i><font>n.º 3 do RGPTC que se deve aplicar.</font></i><br>
<i><font>P. A este respeito, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/02/2018 no âmbito do processo 728/13.5TBPRD-B.Pl .</font></i><br>
<i><font>Q. Sobre a mesma questão, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora no Acórdão proferido em 07/06/2017 no âmbito do Processo 181 /05.7TMSTB-D. El.</font></i><br>
<i><font>R. O Reclamante/Recorrente foi notificado do douto Acórdão que confirmou a decisão recorrida na data de 27/11/2019.</font></i><br>
<i><font>S. O Reclamante/Recorrente interpôs recurso dessa mesma decisão na data de 27/12/2019.</font></i><br>
<i><font>T. Nessa data - 27 de Dezembro de 2019 - tinha precludido o direito a interpor recurso por parte do interveniente acidental.</font></i><br>
<i><font>U. Pelo que são as alegações de recurso extemporâneas e a sentença recorrida transitada em julgado.</font></i><br>
<i><font>Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser negado provimento à reclamação e, consequentemente, ser o recurso interposto considerado intempestivo, mantendo-se nos seus precisos termos, o despacho apelado, com todas as legais consequências, assim se fazendo costumada, inteira, plena e Sã </font></i><i><u><font>JUSTIÇA!</font></u></i><u><font>”.</font></u><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>14. </font></b><font>Por despacho, a 27 de julho de 2020, a Senhora Relatora decidiu o seguinte:</font><br>
<font>“</font><i><font>Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelo </font></i><b><i><font>Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, </font></i></b><i><font>confirmando-se, embora com diferente fundamentação, o despacho reclamado</font></i><font>”. </font><br>
<b><font>15. </font></b><font>O </font><b><font>IGFSS</font></b><font> vem agora, nos termos do art. 652.º, n.º 3, do CPC, requerer que sobre a matéria da referida decisão recaia um Acórdão, apresentando as seguintes </font><b><font>Conclusões</font></b><font>:</font><br>
<i><font>“Fundamenta-se, em suma, a decisão reclamada reclamado no facto de estarmos perante uma decisão à qual se aplica o art. 32º do RGPTC, pelo que o prazo de recurso seria de 15 dias.</font></i><br>
<i><font>II. Na decisão recorrida não está em causa qualquer decisão que se pronuncie definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis, mas sim sobre a atribuição de prestações substitutivas de alimentos por parte do Estado através do FGADM.</font></i><br>
<i><font>III. O incidente de intervenção do FGADM é regulado por lei especial, concretamente, pela Lei nº 75/98 de 19 de Novembro, e pelo DL 164/99, de 13 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL nº 70/2010 de 16 de Junho e pela e pela Lei nº 64/2012, de 20 de Dezembro.</font></i><br>
<i><font>IV. No Regime Geral do Processo Tutelar Cível não se encontra prevista qualquer regulamentação processual referente à fixação, manutenção ou cessação da prestação do FGADM, sendo que no que diz respeito a recursos de decisões relativas a tal matéria, apenas existe o nº 5 do art. 3º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.</font></i><br>
<i><font>V. Se o legislador pretendesse que o incidente de intervenção do FGADM ficasse sujeito às regras constantes do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nomeadamente, no que diz respeito a recursos de decisões relativas a tal matéria, tê-lo-ia feito, alterando nesse sentido a redacção do nº 5 do art. 3º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, ou teria legislado no sentido de que o previsto no art. 32º do RGPTC seria aplicável aos recursos respeitantes a decisões proferidas no âmbito dos incidentes de atribuição de prestações substitutivas de alimentos a pagar pelo FGADM.</font></i><br>
<i><font>VI. Ora, o certo é que o legislador, por certo conhecedor dos dois regimes de recursos aqui em causa, não o fez.</font></i><br>
<i><font>VII. E se não o fez foi porque considerou que este regime dual era o correcto.</font></i><br>
<i><font>VIII. Acresce que, atendendo ao disposto no nº 3 do art. 9º do CC, há que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.</font></i><br>
<i><font>IX. Não existe, pois, salvo o devido respeito, qualquer lacuna que cumpra ser integrada, ao contrário do que entende a Sra. Conselheira Relatora.</font></i><br>
<i><font>X. Consequentemente, o regime de recursos a aplicar é o regime geral consagrado no Código de Processo Civil, pelo que o prazo de interposição é de 30 dias.</font></i><br>
<i><font>XI. No sentido do que o IGFSS aqui defende, vem a douta decisão singular da Veneranda Relação do Porto – 2ª Secção, proc. 2681/11.0TBPNF-B.P1, cuja fundamentação foi resumida da seguinte forma: “As prestações a cargo do FGADM têm natureza eminentemente social/assistencial, como refere o preâmbulo do D-L nº 164/99 de 11/5, não constituindo pois verdadeiras prestações alimentícias familiares, não tendo, em decorrência, logrado previsão e regulamentação no Regime Geral do Processo Tutelar Cível, designadamente no que diz respeito ao prazo de interposição dos recursos pelas entidades públicas responsáveis pelas prestações.”.</font></i><br>
<i><font>XII. Sobre a mesma questão pronunciou-se recentemente a Veneranda Relação de Coimbra na decisão singular, de 03.05.2017, proferida no proc. 619/09.4TMCBR-E.C1, acima reproduzida e onde se concluiu “… Assim, porque a decisão em causa admite recurso de apelação, porque o art. 32° do RGPTC não é aqui aplicável e porque a decisão em causa não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art. 644°, n° 2, do CPC, o prazo para a interposição desse recurso será de 30 dias, em conformidade com o disposto no art. 638°, n° 1, do CPC, conforme se decidiu, aliás, no Acórdão do STJ de 14/12/2016 (citado pelo Recorrente), proferido no processo n° 232/15.7TGDM-B.P1.S1 (disponível em </font></i><i><font><a>http://www.dgsi.pt</a></font></i><i><font>.)... .”.</font></i><br>
<i><font>XIII. Também sobre esta mesma questão pronunciou-se recentemente a Veneranda Relação de Évora no Acórdão, de 21.12.2017, proferido no proc. 185/12.3TBENT-B.E1, Relator Mário Canelas Brás, da forma que na parte pertinente acima reproduzimos (por não estar disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>) e onde se diz: “Pois aderimos à solução encontrada no (bem recente) douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016, in ITIJ, …”.</font></i><br>
<i><font>XIV. Igualmente, sobre esta mesma questão pronunciou-se recentemente a Veneranda Relação de Lisboa na decisão singular, de 19.03.2018, proferida no proc. 193/10.9TMFUN-D.L1, Relator Carlos de Melo Marinho, acima reproduzida, na qual após se referir expressamente o teor do douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 14 de Dezembro de 2016 - Proc. n° 232/15.7T8GDM-B.P1.S1 – disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, se conclui: “A decisão da qual se quis interpor recurso formou-se, claramente, num quadro de subsunção de factos à Lei 75/98, de 19 de Novembro, que regula a garantia dos alimentos devidos a menores. Aliás, esse diploma foi expressamente invocado nessa decisão. Estamos situados no domínio de referência do aresto acima invocado, em especial no seu contexto regulatório de incidência processual – o art. 3º. É plenamente aplicável o esclarecido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça indicado. Não se entrevendo como sustentável outra resposta à questão em apreço.”</font></i><br>
<i><font>XV. A questão que está na base da presente reclamação e que se ora se submete a esse Supremo Tribunal é rigorosamente igual à já apreciada e decidida no douto acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em de 14 de Dezembro de 2016 - Proc. n° 232/15.7T8GDM-B.P1.S1, Relator Tomé Gomes – disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, cujo entendimento e fundamento acompanhamos integralmente e sem reservas, e em cujas conclusões acima reproduzidas nas alegações, se diz, em suma, que: … o prazo de interposição do recurso previsto no n.º 5 do artigo 3.º da Lei n.º 75/98 é de 30 dias nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC.”.</font></i><br>
<i><font>Quanto à natureza urgente do processo</font></i><br>
<i><font>XVI. Diz a Sra. Conselheira Relatora na fundamentação da sua decisão o seguinte: </font></i><br>
<i><font>“Trata-se de uma lacuna teleológica, determinada em face do escopo visado pelo</font></i><br>
<i><font>legislador, em face da teleologia imanente a um complexo normativo – RGPTC: a celeridade processual postulada pela urgência da estabilização de uma decisão judicial entendida como prioritária, porquanto respeitante à segurança económica de existência de um sujeito.”</font></i><br>
<i><font>XVII. Parece resultar da decisão reclamada, ao invocar-se a celeridade processual postulada pela urgência da estabilização de uma decisão judicial entendida como prioritária, a consideração da natureza urgente automática do processo, como razão para a aplicação do prazo reduzido de 15 dias, sem que tal natureza urgente tenha de ser declarada pelo julgador.</font></i><br>
<i><font>XVIII. Como se diz no Acórdão de 23.04.2015 do Tribunal da Relação de Guimarães – Proc. 795/09.6TBVRL-B.G1- 2ª Secção Cível, Relator Desembargador Filipe Caroço – disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt:</font></i><i><font> “2. A natureza urgente nos processo tutelares cíveis não é automática para todos eles, antes há de ser apreciada e declarada caso a caso, segundo critério do prejuízo para o superior interesse do menor previsto no art.º 160º da OTM, apenas respeitante ao decurso do processo em férias judicias.</font></i><br>
<i><font>3. Por se situar no âmbito do incumprimento da obrigação de alimentos e não haver norma especial no Regime de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores e da responsabilidade social do respetivo Fundo, deve entender-se a ele aplicável a norma do art.º 160º da OTM.</font></i><br>
<i><font>4. Discutindo-se se o prazo de interposição de recurso é normal (30 dias) ou reduzido (15 dias) em função da natureza não urgente ou urgente do processo (art.º 638º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem que a urgência tivesse sido declarada, a subsistência da dúvida sobre aquele prazo sempre justificaria a admissão do recurso atento o interesse em causa e a valência da regra segundo a qual, na dúvida, os direitos prevalecem sobre as respetivas restrições.” (reproduzimos).</font></i><br>
<i><font>XIX. Nos presentes autos não foi declarada pelo Mmo. Juiz a quo a urgência do processo, pelo que, salvo melhor opinião, não pode agora, em sede de recurso, invocar-se, seja a que título for, uma eventual – por que não anteriormente declarada – urgência processual como forma de limitar o direito de recurso que ao IGFSS assiste, tanto mais que, como se sabe, o recurso interposto tem efeito meramente devolutivo. </font></i><br>
<i><font>XX. Não se suspendendo, por efeito do recurso, o pagamento das prestações substitutivas de alimentos determinadas em primeira instância, salvo o devido respeito, não se alcança como poderá estar em causa - nos presentes autos, ou noutros idênticos - “… a celeridade processual postulada pela urgência da estabilização de uma decisão judicial entendida como prioritária, porquanto respeitante à segurança económica de existência de um sujeito”, concretamente, a subsistência das crianças.</font></i><br>
<i><font>XXI. Caso esteja efectivamente em causa a segurança económica de um sujeito, a celeridade processual postulada pela urgência de uma decisão prioritária, ficará sempre assegurada pelo recurso à fixação provisória de alimentos prevista no nº 2 do art. 3º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.</font></i><br>
<i><font>Consequentemente, também sob esta vertente,</font></i><br>
<i><font>XXII. Tal como se decidiu no Acórdão do STJ de 14.12.2016 – Proc. 232/15.7TGDM-B.P1.S1 -2ª Secção, ao recurso interposto não é aplicável o disposto no art. 32º do RGPTC, mas sim o regime de recursos geral consagrado no Código de Processo Civil, pelo que o prazo de interposição é de 30 dias.</font></i><br>
<i><font> </font></i><br>
<i><font>Nestes termos, a reclamação sub judice deve ser apreciada em sede de conferência, decidindo-se admiti-la, devendo o recurso interposto, na senda da jurisprudência supra citada, ser considerado admissível e tempestivo, conhecendo-se do mesmo, e decidindo-se, a final, conforme for de Justiça”.</font></i><br>
<font> </font><br>
<b><font>16. </font></b><font>A Requerente - </font><b><font>AA – </font></b><font>respondeu ao requerimento apresentado pelo </font><b><font>IGFSS</font></b><font> à luz do art. 652.º, n.º 3, do CPC.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>II – Questão a decidir</font></b><br>
<font> Está em causa a questão de se saber qual o prazo de interposição do recurso, pelo IGFSS, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, nos autos de incumprimento (art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro), mantém a condenação do </font><b><font>FGADM</font></b><font> no pagamento de prestação substitutiva dos alimentos, mas, conforme decisão entretanto proferida no processo de regulação das responsabilidades parentais, num montante superior ao anteriormente fixado. Trata-se, pois, da questão de se saber se se aplica o regime geral, previsto no CPC (art. 638.º, n.º 1, 1.ª parte), ou o regime especial, estabelecido no RGPTC (art. 32.º, n.º 3).</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>III - Fundamentação</font></b><br>
<b><font>A) De Facto</font></b><br>
<font>Relevam os factos referidos </font><i><font>supra</font></i><font>.</font><br>
<b><font>B) De Direito</font></b><br>
<b><font>(In)admissibilidade, em geral, do recurso de revista</font></b><br>
<font>Conforme referido </font><i><font>supra</font></i><font>, nos presentes autos foi desencadeado o incidente regulado no art. 3.º da Lei n.º 75/98 com vista a determinar o pagamento, por parte do FGADM, de prestações alimentares em substituição do alimentante e foi no âmbito desse incidente que foi proferida a decisão recorrida.</font><br>
<font>De acordo com o n.º 5 do art. 3.º da Lei n.º 75/98, da decisão proferida cabe recurso – atualmente de apelação -, para o Tribunal da Relação.</font><br>
<i><font>In casu</font></i><font>, não se coloca a questão de se saber se deste preceito resulta, por interpretação enunciativa mediante o recurso ao argumento a</font><i><font> contrario</font></i><font>, que em regra não cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação, salvo nos casos em que o recurso é sempre admissível. Com efeito, o Recorrente </font><b><font>IGFSS</font></b><font> invoca fundamento subsumível ao art. 629.º, n.º 2, al. d) – </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 671.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC: contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de abril de 2015, proc. n.º 1201/13.7T2AMD-B.L1.S1. Assim, em abstrato, o recurso de revista ora em apreço sempre seria admissível no caso de se verificar a alegada contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito.</font><br>
<b><font>O FGADM</font></b><br>
<font>O legislador (Lei n.º 75/98 e DL n.º 164/99, de 13 de maio) introduziu uma nova prestação do Estado a favor de crianças carecidas de alimentos, residentes em território nacional, a pagar pelo FGDAM, no caso de a pessoa judicialmente obrigada não cumprir e não se obter o satisfação dessa obrigação pelos mecanismos previstos no art. 48.º do RGPTC e, simultaneamente, de o menor não dispor de rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficiar, nessa medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre. </font><br>
<font>O montante da prestação é determinado pelo tribunal de acordo com a capacidade económica do agregado familiar, o montante da prestação de alimentos fixada no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e as necessidades concretas da criança (art. 2.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, e art. 3.º, n.º 3, do DL n.º 164/99). Têm legitimidade para requerer esta prestação, nos autos de incumprimento, o Ministério Público ou a pessoa a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue (art. 3.º da Lei n.º 75/98). Trata-se de um incidente deduzido numa instância incidental - o processo de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais - relativamente ao processo principal (de regulação do exercício dessas responsabilidades), destinada a verificar a (in)existência de uma situação de incumprimento do regime de exercício das responsabilidades parentais estabelecido. </font><br>
<font>O AUJ n.º 15/2015 decidiu que “</font><i><font>Nos termos do disposto no artigo 2° da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3° n° 3 do DL nº 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário.</font></i><font>” Todavia, é consentido ao representante legal da criança, ao MP, ao progenitor com a guarda ou ao diretor da instituição de acolhimento a quem a criança tenha sido confiada peticionar, antes da intervenção do FGDAM, o aumento da pensão de alimentos no processo declarativo autónomo, previsto nos arts. 45.º e ss do RGPTC.</font>
<p><font> </font><b><font>A obrigação de alimentos</font></b><br>
<font>A obrigação de alimentos perante filhos menores emerge das responsabilidades parentais (art. 1878.º do CC) que, para os progenitores, decorrem do art. 1874.º do CC, como efeito essencial da filiação </font><i><font>jus</font></i><font>-atendível. Nos termos do art. 2009.º, n.º 1, al. c), do CC, a obrigação de alimentos impende sobre os parentes na linha reta ascendente, como corolário do dever recíproco de assistência entre pais e filhos.</font><br>
<font>Tendo a filiação biológica como fundamento, além do princípio da solidariedade familiar, a responsabilidade dos progenitores pela conceção e nascimento dos filhos, independentemente da relação afetiva e do convívio (in)existente entre os progenitores e os filhos (art. 1917º), dispõe de um conteúdo especial, mais intenso e extenso. Trata-se da expressão daquela solidariedade mais intensa própria das relações da família nuclear convivente. </font><br>
<font>A obrigação legal de alimentos apenas surge na família nuclear quando desaparece a convivência. </font><br>
<font>A tutela do ser humano em estado de necessidade continua a ser confiada, em larga medida, à solidariedade familiar, desempenhando a obrigação legal de alimentos uma relevante função social. Está em causa a necessidade de </font><i><font>faire vivre</font></i><font> o alimentando. Em geral, a obrigação de alimentos funda-se na solidariedade decorrente da existência de laços pessoais e tem por finalidade assegurar a segurança económica de existência do sujeito necessitado. É uma obrigação de </font><i><font>faire vivre</font></i><font> o alimentando. Por força desta sua natureza alimentar ou assistencial, a obrigação de alimentos caracteriza-se pela urgência (</font><i><font>il faut vivre</font></i><font>) – por isso lhe subjaz um interesse público e, pela mesma razão, está sujeita à cláusula </font><i><font>rebus sic stantibus</font></i><font> -, de um lado e, de outro, pela atualidade (não se vive retroativamente) – </font><i><font>in praeteritum non vivitur</font></i><font>, </font><i><font>aliments ne s’arréragent pas</font></i><font>.</font><br>
<b><font>Obrigação do FGADM e obrigação de alimentos</font></b><br>
<font>Pode afirmar-se que tanto a obrigação do </font><b><font>FGADM</font></b><font> – fundada num princípio de solidariedad | [0 0 0 ... 0 0 0] |
czJ0u4YBgYBz1XKvowtn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Proc.º n.º 669/16.4T8BGC</font></b><br>
<font> </font><br>
<font>1.ª Secção</font><br>
<font> </font><br>
<i><font> </font></i><br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
<p><font>I</font>
</p><p><b><font>Relatório</font></b><br>
<font> </font><br>
<font>1.</font><b><font>AA</font></b><font>, identificado no processo, instaurou uma ação contra </font><b><font>BB Seguros S.A</font></b><font>, igualmente identificada no processo, pedindo a condenação desta última em danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes de um acidente de viação, na quantia de € 79.940,31, assim como o pagamento de todas as despesas hospitalares e ainda os juros desde a citação, à taxa legal, e custas, procuradoria e demais encargos.</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>2.Como fundamento do pedido, alegaria, em síntese, que no dia 22 de Junho de 2015, pelas 17 horas e 58 minutos, na aldeia de ..., mais concretamente na estrada municipal 1..., município de ..., distrito de ..., ocorreu um acidente de viação. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3.Tal acidente ocorreu entre o veículo ligeiro de passageiros, marca Opel, modelo Corsa (propriedade de CC, mãe da condutora DD) com a matrícula 00-00-JI, e o ciclomotor, marca E.F.S., modelo Luxo, com a matrícula 00-NB-00; conduzido pelo seu dono e aqui autor, AA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4.Este veículo circulava no sentido ... ... a 20 Km/h, e o </font>
</p><p><font>outro veículo no sentido oposto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5.Esta última ia a descer e o A. a subir numa reta de 250 m, estrada ladeada por inúmeras vivendas, não se podendo circular a uma velocidade superior a 50 km/h; e quando se aproximou da curva acentuada para a esquerda atento o seu sentido de marcha, surgiu o veículo seguro em ziguezague sem controlo, ocupando parte da hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6.Pelo que chocou com o motociclo do A. na parte lateral esquerda e parte da frente esquerda, tombando o veículo e o A. para o chão e contra o muro de vedação ao poste de iluminação pública assinalado no </font><i><font>croquis</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.Em consequência dessas queda e colisão, sofreu o A. as lesões descritas nos autos, que lhe determinaram uma I.P.P de 22/%; o que lhe dificulta o trabalho atual e comprometerá o futuro e tem implicações limitadoras na vida corrente. Designadamente se afirma (art. 50 da petição inicial): “o autor sente muitas dores na zona do peito, região dorsal, perto da zona renal e no braço esquerdo, sentido, amiúde, dormência na zona do braço, designadamente se fizer esforços, o que lhe dificulta a realização de algumas tarefas quotidianas e do foro laboral”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8.Contestou a Ré, alegando em síntese, que confirma a existência do contrato de seguro do veículo identificado na P.I, mas, nas circunstâncias de tempo e lugar, descritas pelo A. devido ao facto de este ter perdido o controlo do seu veículo, invadiu a faixa de rodagem do veículo seguro, tendo, em consequência, colidido com a lateral esquerda na traseira do JI; este ainda travou, mas, à velocidade a que o A. circulava, o embate foi inevitável na faixa de rodagem em que circulava o veículo seguro; pelo que a responsabilidade pela ocorrência é do A. E o dano patrimonial peticionado foi considerado exagerado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>9.Ulteriormente, a fls. 349 e ss, veio o </font><b><font>Centro Hospitalar de ...</font></b><font> instaurar contra as </font><b><font>FF</font></b><font> e a </font><b><font>EE Seguros SA</font></b><font>, devidamente identificadas no processo, ação com vista ao pagamento das despesas decorrentes dos tratamentos ao A. em consequência do acidente. </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>10.Pedindo-lhes a quantia de € 27.468,50, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Alegando que, sendo uma unidade pública que presta cuidados de saúde no âmbito do Sistema Nacional de Saúde, nessa qualidade prestou serviços de saúde e tratamentos médicos e medicamentosos ao A. no montante peticionado. </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>11.Para o efeito, além do mais, alegou os factos da ocorrência do acidente em coincidência com os alegados pelo A. na P.I. Terminado assim por concluir que o veículo seguro foi quem deu causa ao acidente e como tal a seguradora responsável pelo pagamento das despesas hospitalares. E fê-lo com base no disposto na al. c) do nº 1 do art. 23 do D.L n.º 11/93 de 15/1 por remissão do n.º1 do art. 4 do D.L 218/99 de 15/6.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>12.Decidiu o Tribunal Judicial da Comarca de ... da seguinte forma, dando parcialmente provimento ao A.: </font><i><font>“Nesta conformidade e sem necessidade de mais considerandos julga-se a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência decide-se: Condenar a ré FF S.A ( ex-BB) a pagar ao autor: €50.000,00 a título do dano biológico e 3.610,00 de lucros cessantes e despesas. No total de € 53.610,00 ( cinquenta e três mil e seiscentos e dez euros) e ainda condená-la a pagar: A quantia de €27.468,50 (vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos) mais juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento ao Centro Hospitalar ....</font></i><br>
<i><font>Custas pelo autor e pela ré FF, S.A (ex-BB) de acordo e correspondência com o vencimento e decaimento.</font></i><br>
<i><font>No que concerne às custas relativamente ao pedido do Centro Hospitalar serão suportadas na integra pela referida Seguradora. Finalmente absolver a ré EE Seguros S.A.”</font></i>
</p><p><font> </font><br>
<font>13.Inconformado, o A. interpôs recurso </font><i><font>per saltum</font></i><font> para este Supremo Tribunal de Justiça, circunscrito a matéria de direito, considerando ocorrer sucumbência parcial da ré (em valor superior a metade da alçada da Relação) e ao abrigo do disposto no art. 678 n.° 1 do CPC.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>14.Nas respetivas conclusões, o A. considera:</font><br>
<i><font>“1ª. - Por sentença proferida em 30 de Março de 2019, o Mer. Juiz a quo declarou parcialmente procedente a presente acção, condenando a Ré FF S.A (ex-BB) a pagar ao Autor a quantia de €50.000,00 a título do dano biológico e 3.610,00 de lucros cessantes e despesas, no total de € 53.610,00 (cinquenta e três mil e seiscentos e dez euros).</font></i><br>
<i><font>Salvo o devido respeito por opinião contrária, os montantes fixados para ressarcir o dano biológico (dano patrimonial futuro e o dano não patrimonial) são escassos, como a seguir se demonstrará, não se afigurando como justo e equilibrado tal valor indemnizatório.</font></i><br>
<i><font>2ª. - O lesado tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais futuros resultantes de incapacidade permanente, prove-se ou não que, em consequência dessa incapacidade, haja resultado diminuição dos seus proventos do trabalho (diminuição da capacidade geral de ganho).</font></i><br>
<i><font>3ª. - Para o cálculo justo e equilibrado do dano patrimonial futuro diversos métodos podem e devem ser ensaiados como instrumentos de trabalho, designadamente o uso da fórmula, que nos parece sugestiva e muito adequada, defendida no acórdão da Relação de Coimbra, de 04/04/1995, CJ, tomo II, pág. 23, não se dispensando o recurso à equidade, conforme o disposto no artigo 566º n.º 3 do Código Civil, os critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos, devendo ainda ser ponderados diversos factores, como sejam o vencimento anual do lesado, a sua esperança de vida, o tempo provável de vida laboral, a idade, o défice funcional permanente atribuído, etc</font></i><br>
<i><font>4ª. - Para alcançar tal desiderato entendemos ser imperioso valor os concretos pontos ou factores de ponderação e que - na nossa opinião - não foram devidamente sopesados pelo tribunal a quo e melhor escalpelizados nas págs 5, 6, 7 e 8 destas alegações, designadamente idade (48), esperança média de vida, patamar da vida activa, défice funcional de 20,67 pontos, sequelas concretas do acidente que obrigam a terapêutica permanente (ablação do baço, diminuição de força no membro superior esquerdo em consequência do esfacelo de partes moles, as fraturas dos arcos costais e múltiplas cicatrizes, designadamente no braço e antebraço esquerdos, dores na zona do peito, região dorsal, perto da zona renal e no braço esquerdo, acompanhadas de dormência na zona do braço, designadamente se fizer esforços), bem como o rendimento mensal e anual que o sinistrado auferia.</font></i><br>
<i><font>5ª. - O Mer Juiz a quo teria de considerar e ponderar, o que, se bem cuidamos, não fez, para efeitos de cálculo do rendimento anual do sinistrado, o salário mínimo nacional (14 vezes ao ano), bem como outras fontes de rendimento, designadamente as jeiras que fazia e que recebia e quanto a estas ficou provado que auferia 160,00€ mensais das jeiras da agricultura e 250,00€ mensais de jeiras na construção civil (factos provados 69, 87 e 88), pelo que o rendimento mensal a considerar nunca poderia ser inferior a 1.010,00€ (600 + 250€ + 160€) e o valor anual de 13.320,00€ - (600 x 14 meses = 8.400€) + (250 x 12= 3.000€) + (160 x 12 = 1.920€).</font></i><br>
<i><font>6ª. - Por seu turno, o quantum da indemnização por danos não patrimoniais deve ser significativo, visando propiciar adequada compensação quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais atualizados.</font></i><br>
<i><font> 7ª. - O Mer. Juiz a quo teria de ponderar e valorar, de forma justa, equilibrada e igualitária os factos dados como provados e melhor escalpelizados supra nas páginas 10 e 11, com vista à fixação de uma indemnização em virtude dos danos não patrimoniais sofridos (autonomizando depois ou não tal categoria dentro do dano biológico), designadamente o facto de o autor ter sofrido dores físicas intensas (grau 5 numa escala de gravidade crescente de 7 graus), prejuízo estético (grau 4 numa escala de gravidade crescente de 7 graus) , muito sofrimento, quer durante o período de cura, quer por se sentir diminuído no seu aspecto físico e na sua capacidade para os exercícios físicos do dia-a-dia e na sua capacidade laboral, bem como a angústia de não conseguir arranjar trabalho, compatível com a sua experiência, bem como angústia de não poder trabalhar nas lides agrícolas ou nas suas profissões habituais e de vir a padecer de futuros problemas de saúde em consequência da ablação do baço, o défice funcional permanente que ficou a padecer (20,67 pontos), as variadas intervenções cirúrgicas a que teve de ser submetido e o longo período de internamento, com períodos de coma induzido (10 dias), bem como o tempo necessário para a recuperação, incluindo as consequências do facto de estar acamado por largos dias, com o aparecimento de feridas ou escaras (pontos 33 até 41), a culpa grave e exclusiva da condutora do veículo e situação económica do lesado, que se encontrava desempregado à data do acidente.</font></i><br>
<i><font>8ª. - Cotejando o sinistro em apreço (e toda a matéria de facto dada como provada) com outras situações que já passaram o crivo judicial, designadamente junto deste Supremo Tribunal, será imperioso concluir que o valor fixado a título de dano biológico peca por manifestamente baixo. Vejam-se designadamente as decisões referidas no corpo destas alegações.</font></i><br>
<i><font>9ª. - Contrariamente ao que sucedeu na decisão recorrida, ponderando correctamente todos os pontos referidos supra (conclusões 4ª., 5ª. e 8ª.) e designadamente não olvidando a circunstância de o autor não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, antes o mesmo se deveu a culpa acentuada e exclusiva da condutora do veículo segurado na ré, o período de quase 4 anos que intercedeu entre o acidente e a sentença proferida em 1ª instância (22-06-2015 e 30-03-2019), obrigando a cálculo actualizado da indemnização (arts. 566º., nº. 2); em juízo de equidade, e ponderando casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização global peticionada de 79.940,31€ (setenta e nove mil novecentos e quarenta euros e trinta e um cêntimos) ou , se se entender autonomizar as categorias de danos patrimoniais e não patrimoniais, as quantias parcelares de 57.200,00€, que acrescerá aos danos não patrimoniais no valor de 20.000,00€ e aos lucros cessantes que o tribunal a quo considerou e em que condenou.</font></i><br>
<i><font>10ª. - Ao não ponderar e/ou ao não valorizar correctamente o quadro referido supra, a decisão recorrida violou, nesta matéria, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 483º, 496º., 562º, 564º e 566º do CC, normativos que deveriam ter sido ponderados e aplicados no sentido de que, face a todos os danos sofridos e todo o circunstancialismo dado como provado, a indemnização justa e equitativa nunca poderia ser inferior ao valor peticionado e referido supra.</font></i><br>
<i><font>11ª. - Dado que a matéria do presente recurso se circunscreve a matéria de direito e houve sucumbência parcial da ré (em valor superior a metade da alçada da Relação) requer-se, nos termos do disposto no art. 678° n.° 1 do CPC, que o mesmo suba, "per saltum", para o Supremo Tribunal de Justiça.”</font></i>
</p><p><font> </font><br>
<font>15.Notificada do recurso, FF, S.A, veio contra-alegar subscrevendo a sentença recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<i><u><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font></u></i><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>II</font></b>
</p><p><b><font> Dos Factos</font></b>
</p><p><i><font>Deu-se como provado o seguinte, no Tribunal de primeira instância:</font></i>
</p><p><font>1º- No dia 22 de Junho de 2015, pelas 17 horas e 58 minutos, na aldeia de ..., mais concretamente na estrada municipal 1..., município de ..., distrito de ..., ocorreu um acidente de viação, em que tiveram intervenção o veículo ligeiro de passageiros, marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula 00-00-JI, aqui também designado como veículo nº. 1, propriedade de CC e o ciclomotor, marca E.F.S., modelo Luxo, com a matrícula 00-NB-00, aqui também designado como veículo nº. 2, conduzido pelo seu dono e aqui autor, AA.</font>
</p><p><font>2º. - No referido dia, o veículo identificado com o nº. 1 era conduzido por DD, filha da proprietária do veículo, a qual, com a autorização e segundo a vontade e ordens de sua progenitora, tripulava tal veículo.</font>
</p><p><font>3º. - A proprietária do veículo em causa tinha então a direção efetiva do mesmo e tripulava-o no seu próprio interesse, ainda que conduzido, naquele dia e hora, por um terceiro, a sua filha, a quem o tinha emprestado.</font>
</p><p><font>4º. - O Autor circulava no seu ciclomotor, no sentido ...- .../..., aldeias do município de ... e o outro veículo (veículo nº. 1) seguia no sentido oposto, isto é em direção ao centro da aldeia de ....</font>
</p><p><font>5º. - O ora autor conduzia o veículo referido dentro da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha.</font>
</p><p><font>6º. - E tripulava um ciclomotor e o percurso que efetuava configura uma subida com inclinação.</font>
</p><p><font>7º. - O ciclomotor do autor é um veículo dotado de duas rodas, tem 33 anos de antiguidade, com 50 cm3 de cilindrada, é um veículo com uma velocidade máxima, em patamar e por construção, não superior a 45 km/h2 (vide certificado de matrícula como documento nº. 1).</font>
</p><p><font>8º. - O autor conhece muito bem a estrada em questão, sendo certo que há mais de 20 anos que a percorre e, porque conhece bem a referida estrada, sabe que o percurso é sinuoso, com variadas curvas e contracurvas, com inclinação acentuada em alguns pontos, onde já ocorreram acidentes de viação. (vide sequência fotográfica, retirada do programa Google Earth, que reconstitui o percurso seguido pela condutora do veículo nº. 1, desde o entroncamento da aldeia de ... até ao local do embate que se junta como doc. nº. 2).</font>
</p><p><font>9º. - No aprazado dia, o céu estava limpo, não tinha chovido, pelo que a estrada, que é de asfalto, encontrava-se em boas condições de circulação.</font>
</p><p><font>10º. - Enquanto o autor seguia na referida subida, rumo ao cruzamento que depois flete para as aldeias da ... e de ..., percorrendo uma reta com cerca de 250 m, a condutora do veículo nº 1 seguia no sentido oposto, isto é no sentido descendente, rumo ao centro da aldeia de ....</font>
</p><p><font>11º. - Desde o referido cruzamento até ao local onde ocorreu o acidente, seguindo assim o percurso então efetuado pela condutora, sempre a descer, estrada essa ladeada por vivendas, não podendo circular-se a velocidade superior a 50 km/h (vide 2 Vide fotografias extraídas do programa </font><i><font>Google earth</font></i><font> que reconstituem o referido percurso feito pela condutora do veículo nº. 1 (doc. nº. 2).</font>
</p><p><font>12º. - Nos referidos dia e hora, a condutora do veículo ligeiro de passageiros (veículo nº. 1) circulava naquela estrada a uma velocidade, não apurada mas superior ao limite legal, que no local era de 50km/h.</font>
</p><p><font>13º. -Impedindo-a de controlar a dinâmica do veículo e, designadamente de o imobilizar ou diminuir a velocidade, de forma segura, caso se deparasse com situação de perigo.</font>
</p><p><font>14º. - O Autor, quando se estava a aproximar do final da dita reta, que desemboca numa</font>
</p><p><font>curva acentuada para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, pôde percecionar que, em sentido contrário, ainda antes de atingir a dita curva, se aproximava o veículo nº. 1,</font>
</p><p><font>desgovernado, em ziguezague, sem controlo.</font>
</p><p><font>15º. - Ocupando nesse ziguezaguear quer parte da hemi-faixa esquerda, quer parte da hemi-faixa direita (vide fotografias que retratam a dita reta que o autor percorria como doc. nº. 4).</font>
</p><p><font>16º. - E o automóvel seguro na ré, quando já se encontrava a fazer a dita curva, travou e passou a descrever uma trajetória enviesada, a pender para a sua esquerda, isto é invadindocada vez mais a hemi-faixa por onde o autor circulava aproximando-se cada vez mais deste.</font>
</p><p><font>17º. - O Autor não conseguiu impedir que a condutora do veículo, a referida DD, invadisse a hemi-faixa de rodagem onde ele circulava e viesse embater com a sua parte lateral esquerda na parte da frente e esquerda do motociclo, tombando o veículo e o autor para o chão junto à vedação aí existente e o candeeiro de iluminação pública, assinalado no croquis referido sob a al. f).</font>
</p><p><font>18º. - A colisão ocorreu então quando o Autor se encontrava sensivelmente em posição perpendicular ao dito candeeiro.</font>
</p><p><font>19º. - Sendo então visíveis, nessa concreta zona da colisão, sita na hemi-faixa do autor, atento o seu sentido de marcha, os vidros e partes do veículo ligeiro de passageiros, designadamente pedaços do protetor lateral e do farolim do ciclomotor que se desprenderam com o embate. (reportagem fotográfica doc. nº. 5, fotos g), h), i), j), k), e l), capturadas no dia 22/06/2015).</font>
</p><p><font>20º. - A estrada em questão tem 5,07 metros de largura, junto ao armazém identificado no “croquis”/planta (como documento n°. 3, tem 5,30 m).</font>
</p><p><font>21º. - E na zona do embate atrás assinalada é de 5 metros a largura do espaço com pavimento em alcatrão, sendo de cerca de 1,70 m a largura da berma, constituída por piso em terra e erva, sendo certo que o embate se deu junto da valeta e perpendicularmente ao dito candeeiro.</font>
</p><p><font>22º. - O veículo segurado na ré tem 372,9 cm de comprimento, por 161 cm de largura, ao passo que o ciclomotor do autor tem 1,20 m de comprimento por 0,20 de largura (doc. nº. 6).</font>
</p><p><font>23º. - Por força desse embate, o ora autor e o seu veículo foram tombados. (conforme o descrito no art. 17 desta peça) vide as fotos e croquis (reportagem fotográfica que se juntou como doc. nº. 5, designadamente foto g) capturada no dia 22/06/2015).</font>
</p><p><font>24º. - Tendo o autor ficado prostrado na valeta, paralelamente/em frente ao referido candeeiro público, em posição de decúbito dorsal com a cabeça orientada para o centro da aldeia de ... e com parte do ciclomotor sobre o seu corpo.</font>
</p><p><font>25º. - Quando entrou na curva, a condutora do veículo automóvel indicado com o nº. 1, travou, deixando no pavimento rastos de travagem de mais de 30 metros, rastos esses que se iniciaram antes do local de embate e seguem sempre em oblíquo, a orientar ou fletir para a esquerda (atento o sentido de marcha da condutora), ocupando assim cada vez mais a hemi-faixa por onde o A. circulava (doc. nº. 5, nomeadamente fotografias f), m), o), p), q) e r) juntas com a P.I).</font>
</p><p><font>26º. - Acabando por embater no autor e seu motociclo, acertando-lhe com a parte do veículo correspondente ao espaço que vai desde a abertura da porta do condutor até toda a porta traseira do passageiro - vide doc. nº. 5, nomeadamente fotografias c), e), e f).</font>
</p><p><font>27º. -Tendo partido, com tal impacto, o vidro traseiro que se desfez em pedaços.</font>
</p><p><font>28º. - O veículo continuou a sua marcha, marcando o asfalto com a sua travagem, tendo o pneu esquerdo traseiro rebentado, deixando marcas no alcatrão, e vindo a imobilizar-se, ficando virado em sentido contrário ao que seguia, com a parte da frente virada para .../... e ocupando a hemi-faixa direita, isto é, a hemi-faixa por onde o autor seguia (cfr citadas fotografias juntas como doc. nº. 5, capturadas no dia seguinte ao acidente). </font>
</p><p><font>29º. - O Autor manteve-se consciente.</font>
</p><p><font>30º. - E a condutora do veículo segurado na ré imediatamente após o embate, poucos minutos depois, afirmou e repetiu por variadas vezes ao Autor, a seus familiares e outras testemunhas que tudo iria correr pelo melhor e que pagaria todas as despesas e tudo o que fosse necessário. </font>
</p><p><font>31º. - Ao local acorreram os Bombeiros Voluntários de ..., que prestaram os primeiros socorros ao autor, tendo sido transferidos para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de ..., transporte esse a cargo dos bombeiros GG e HH (vide documento nº. 8).</font>
</p><p><font>32º. - Aí foi observado, tendo sido pedida a ajuda do CODU/HELI para estabilização no SUB, tendo sido entubado e ventilado e transferido para o Centro Hospitalar do ... E. P. E., sito em ..., em virtude de agravamento clínico e choque hemorrágico, onde deu entrada ainda no referido dia 22 de Junho. - vide documentos nº.s 9 e 10 juntos com a P.I. </font>
</p><p><font>33º. - Uma vez aí chegado, sempre consciente, embora muito queixoso pela dor, os clínicos decidiram realizar uma intervenção cirúrgica, mais concretamente laparotomia exploradora. </font>
</p><p><font>34º. - Ainda na referida urgência, o corpo clínico constatou (e vazou tal realidade no diário clínico do paciente) uma laceração extensa a nível do antebraço esquerdo região externa com visualização de tendões em toda a superfície (fls 1 do doc. nº. 9), bem como indicação de que o baço apresenta contornos regulares com textura heterogénea, verificando-se alterações em relação com rutura esplénica. Esboçam-se alguns focos hiperdensos no seu interior em fase venosa, podendo estar em relação com hemorragia ativa. Pequena quantidade de líquido hemático peri-esplénico. Observam-se várias áreas hipovasculares no terço inferior do rim esquerdo, em relação com laceração renal. Associa-se pequeno hematoma subcapsular. Espessamento da fáscia para-renal esquerda. Pequeno hemoperitoneu na cavidade pélvica. Nas partes esqueléticas avaliadas notam-se fraturas no terço médio da 3ª., 4ª., 5ª., 6ª., 7ª. e 8ª. costelas à esquerda, com desalinhamento dos topos ósseos na 5ª. costela e com um fragmento óssea na vertebra interna com 11 mm… há um fragmento ósseo, com 20 mm na região nadegueira esquerda (doc. nº. 9).</font>
</p><p><font>35º. - Depois da intervenção cirúrgica referida supra em 35, o autor foi imediatamente transferido do Bloco Operatório de ... para o SUB de ..., onde deu entrada no dia seguinte, dia 23 de Junho de 2015, 38º. - Os clínicos confirmaram então, para além do mais, que se tratava de: politraumatizado grave, com variadas costelas partidas (da 3º à 8º), com contusão pulmonar e respiratória aguda, contusão miocárdica, ferida cortocontusa peitoral suturada e com lesões dos tecidos moles adjacentes, trauma abdominal fechado, laceração do hilo esplénico, fratura renal e com hematoma retroperitoneal esfacelos com feridas corto contusas lineares do antebraço e braço, insuficiência suprarrenal aguda.</font>
</p><p><font>36º. - Dia 25 de Junho, o autor regressa ao bloco operatório, sendo colocados drenos, mantendo então a disfunção renal, hematoma retroperitoneal e hematoma renal (laceração grau III) - vide doc. nº. 10, fls 5 juntos com a P.I.</font>
</p><p><font>37º. - O autor ficou então em coma induzido durante mais de 10 dias, sendo-lhe ministrada morfina, antibióticos e outros medicamentos, sendo depois transferido novamente para o Centro Hospitalar de ... a 03 de Julho de 2015, onde permaneceu internado até ao dia 21 de Julho.</font>
</p><p><font>38º. - A partir de tal data, o autor regressou a casa e, durante, pelo menos 15 dias, permaneceu na cama, sendo auxiliado pelos familiares em todas tarefas quotidianas e essenciais, designadamente nas idas à casa-de-banho, para comer ou para se vestir.</font>
</p><p><font>39º. - Decorrido tal período de 15 dias, o autor começou a sair da cama e a procurar andar sem ajuda de terceiros, apoiado a um pau, sendo certo que para se vestir e tomar banho ainda necessitou da ajuda de familiares durante mais de um mês.</font>
</p><p><font>40º. - Durante mais de um mês após a saída do hospital, o autor só saia de casa para se dirigir ao centro de saúde ou hospital de ..., onde foi seguido em variadas sessões de fisioterapia e para mudar os curativos.</font>
</p><p><font>41º. - Mercê do seu prolongado internamento e, portanto do acidente que lhe deu causa, durante o mesmo, o autor teve períodos em que permaneceu em coma, portanto, sem fazer qualquer movimento corporal, surgiu uma escara profunda no calcanhar do autor, que lhe acarretou mais dores e necessidade de tratamento adequado para sarar tal ferida profunda.</font>
</p><p><font>42º. - E em 21 de Dezembro de 2015 foi consultado pelo especialista em ortopedia e traumatologia, pós-graduado em avaliação de dano corporal, Dr. II, que se pronunciou no sentido de que, como consequência direta e necessária do acidente aqui em crise, resultou para o autor “trauma toraco-abdominal grave: Esfacelo do antebraço e braço esquerdos Trauma esplénico com esplenectomia Trauma renal esquerdo Trauma torácico com contusão pulmonar, volet torácico esquerdo e hemotórax. (cfr. relatório médico de avaliação do dano corporal doc. nº. 11 junto co a P.I).</font>
</p><p><font>43º. - Ainda segundo tal Clínico, o autor apresenta sequelas permanentes e irreversíveis que implicam uma diminuição da sua capacidade laboral e alterações da sua vida de relação. De entre tais sequelas, destaca a ablação do baço, que obrigará a terapêutica permanente, a diminuição de força no membro superior esquerdo em consequência do esfacelo de partes moles, as fraturas dos arcos costais e múltiplas cicatrizes, designadamente no braço e antebraço esquerdos, sendo as maiores com 10 e 11 centímetros e ainda várias cicatrizes abdominais, a maior com 22 cm.</font>
</p><p><font>47º (</font><i><font>sic</font></i><font>). - Como consequência direta e necessária do sinistro e das lesões sofridas, resultou para o autor dano estético de 4 em 7 e </font><i><font>quantum doloris</font></i><font> de 5 em 7.</font>
</p><p><font>48º. - Segundo a avaliação especializada e técnica de tal Clínico foi proposta a seguinte incapacidade: Mf1401 - 3 pontos Cb0405 - 4 pontos Vb0302 - 10 pontos Pa0101 - 5 pontos. </font>
</p><p><font>49º. - Correspondendo assim a uma incapacidade parcial permanente de 20,67 pontos, sem rebate profissional mas a exigir esforços acrescidos.</font>
</p><p><font>50º. -No presente, o autor sente dores na zona do peito, região dorsal, perto da zona renal e no braço esquerdo, sentido, amiúde, dormência na zona do braço, designadamente se fizer esforços, o que lhe dificulta a realização de algumas tarefas quotidianas e do foro laboral. </font>
</p><p><font>51º. - Por causa do sinistro e das consequentes lesões, o autor suportou, algumas despesas conexionadas com o acidente, designadamente algumas despesas médicas e medicamentosas, despesas de deslocação de e para os hospitais e clínicas, quer de táxi, autocarro, quer em automóvel cedido e/ou tripulado por terceiros. </font>
</p><p><font>52º. - O que, aliado, às memórias do acidente, o receio que sentiu de poder morrer ou ficar, até ao fim dos seus dias, confinado a uma cama, bem como a dificuldade em voltar a conduzir e voltar a trabalhar, lhe trouxe angústia, ansiedade, antes do sinistro o autor não sofria de qualquer lesão ou limitação.</font>
</p><p><font>53º. - O veículo seguro que havia sido emprestado à referida condutora pela sua própria progenitora, utilização essa que era conhecida e autorizada pela referida mãe.</font>
</p><p><font>54º.-A legitimidade e responsabilidade da ré, BB, resulta do facto de haver chamado a si a obrigação de indemnizar os danos causados (pelo menos) a terceiros pela circulação do 00-00-JI, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº. 0000000004, (</font><i><font>sic</font></i><font>).</font>
</p><p><font>55º. - Como consequência direta e necessária do referido sinistro, resultaram danos no ciclomotor do autor, que ficou muito danificado, obrigando a uma reparação mecânica no valor de 641,00€, com IVA já incluído, implicando a substituição de variadas peças ou componentes, conforme fatura/recibo documento nº. 14.</font>
</p><p><font>58º. - Quantia, esta que já foi paga pelo Autor, que se viu obrigado a proceder à reparação, a expensas suas, do ciclomotor em causa de molde a poder continuar a utilizar o referido veículo na sua vida quotidiana.</font>
</p><p><font>59º. -A ré Seguradora declinou qualquer responsabilidade na produção do sinistro. </font>
</p><p><font>60º. - Quantia esta que o A. não suportaria se, por um lado, não tivesse havido necessidade de reparar o seu veículo (por via do acidente).</font>
</p><p><font>61º. - Por causa das consultas, meios de diagnóstico, medicamentos e tratamentos e deslocações atrás referidos nesta petição, o autor fez as seguintes despesas: </font>
</p><p><font>62- Deslocações:</font>
</p><p><font>- De táxi: desde o local da sua residência, sito na aldeia da ... até ao Centro Hospitalar de ... e Centro de Saúde para fisioterapia e mudança de pensos e outros curativos, nos dias 28, 29, 30, 31 de Julho, 3, 6, 10, 12, 14, 18, 21, 25, 28 de Agosto, 01, 03, 08, 10, 18, 21 de 23 de Setembro, todos de 2015, tendo gasto a quantia global de 260,00€ (doe. n°. 16 e boletim clínico do Centro de Saúde de .... 63º - Consultas:</font>
</p><p><font>- de medicina dentária para conserto da prótese dentária superior, que sofreu fratura em consequência do acidente aqui em crise (doc. nº. 17) 30,00€.</font>
</p><p><font>- consulta com médico especialista para avaliação do dano corporal (doc. nº.</font>
</p><p><font>11)150,006</font>
</p><p><font>- Roupa e outros objetos danificados no acidente: botas impermeáveis de biqueira de aço -45€</font>
</p><p><font>- t-shirt-10e - calças de ganga, de cor azul-25€ - capacete ficou com variados riscos, sendo necessário o seu polimento, implicando o pagamento de quantia não inferior- a 20,006-relógio de pulso-30€.</font>
< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
CzKCu4YBgYBz1XKvqxQt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>I. Relatório</font><br>
<font>1. AA e BB intentaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., ação administrativa comum contra Estado Português, Ministério da Justiça, Ministério da Administração Interna, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento de uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de €500 000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação.</font><br>
<font>Alegam, em síntese, que:</font><br>
<font>- Constituíram-se assistentes no processo n.º 405/07.6GDMFR que correu termos na Comarca da Grande Lisboa Noroeste, juízo de Grande Instância Criminal, 1.ª secção, em que foi arguido CC, ..., acusado da prática de um crime de homicídio na forma consumada na pessoa do DD filho dos autores;</font><br>
<font>- No âmbito do referido processo o arguido foi submetido às medidas de coação de proibição de se ausentar de Portugal e de apresentação periódica bissemanal no posto policial da respetiva residência, tendo a decisão instrutória confirmado as medidas de coação aplicadas ao arguido;</font><br>
<font>- Realizado o julgamento o arguido foi condenado na pena de 12 anos de prisão efetiva pela prática do crime de que vinha acusado, sendo que o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no âmbito do recurso interposto pelo MP, ordenou a repetição do julgamento;</font><br>
<font>- Repetido o julgamento foi proferida nova decisão que condenou o arguido na pena de 12 anos de prisão efetiva pela prática do crime de que vinha acusado, sendo que face à interposição de recurso, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às medidas já impostas, isto é, TIR, obrigação de apresentação bissemanal e proibição de se ausentar para o estrangeiro;</font><br>
<font>- Em 3 de outubro de 2011 o SEF remeteu aos autos </font><i><font>fax</font></i><font> informando que em 1 de outubro de 2011 o arguido fora detetado no posto de fronteira quando pretendia embarcar no voo ... com destino ao Rio de Janeiro, tendo o mesmo afirmado que iria regressar a Lisboa em 9 de outubro de 2011;</font><br>
<font>- O arguido embarcou no voo com destino ao Rio de Janeiro, nunca mais tendo regressado a Portugal, não obstante à data estarem em vigor as medidas de coação aplicadas, nomeadamente, a de proibição de se ausentar de Portugal;</font><br>
<font>- O SEF informou os Autores que o arguido saiu porque não constava, em 1 de outubro de 2011, qualquer indicação, no sistema integrado, de que o arguido estivesse sujeito à medida de coação de proibição de se ausentar para o estrangeiro;</font><br>
<font>- Atualmente consta do sistema integrado de informação do SEF o mandado de detenção do arguido para cumprimento de pena;</font><br>
<font>- Toda esta situação gerou nos Autores profunda revolta por verem o seu filho perder a vida e constatarem que o único responsável julgado e condenado pelo homicídio do mesmo fugiu de Portugal, encontrando-se em liberdade em parte incerta, sem cumprir a pena a que foi condenado, apenas e tão só porque o Estado Português e os seus organismos não cumpriram as suas obrigações, permitindo a fuga do arguido;</font><br>
<font>- Esta situação gerou nos autores mal-estar, choque, revolta, angústia, desgosto, temendo os mesmos que o arguido possa nunca vir a cumprir a pena em que foi condenado pela morte do filho de ambos;</font><br>
<font>- O facto de o arguido ter conseguido fugir, vivendo em liberdade por inércia do Estado Português, reflete-se no dia-a-dia dos autores, sentindo-se os mesmos profundamente deprimidos e desmotivados, sem força para o exercício de qualquer atividade profissional, vivendo num estado de profunda tristeza e angústia permanente;</font><br>
<font>- Os Autores nunca mais conseguirão viver em paz sabendo que o arguido fugiu do país, furtando-se ao cumprimento de pena, tudo por responsabilidade do Estado Português.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Citados, os Réus apresentaram contestação,</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>- o Ministério da Administração Interna -</font><br>
<font>Alegou que incumbe ao Ministério Público a defesa do Estado, razão pela qual aderem à contestação a apresentar pelo Digníssimo representante do M.P.</font><br>
<font> </font><br>
<font>- o Estado Português, representado pelo Ministério Público -</font><br>
<font>Por exceção, invocando a incompetência do Tribunal administrativo e pugnando pela competência dos Tribunais comuns.</font><br>
<font>Por impugnação, invocando:</font><br>
<font>- que a violação que determinou a fuga do arguido se ficou a dever ao Consulado do Brasil em Lisboa que emitiu um passaporte, sabendo e não podendo desconhecer que o passaporte do Arguido havia sido apreendido no cumprimento da medida de coação que lhe foi aplicada; </font><br>
<font>- a exclusão da ilicitude, pela emissão indevida do passaporte, uma situação de erro judiciário e exclusão da culpa ou, a admitir-se a mesma, uma concorrência de culpas. </font><br>
<font> - os valores indemnizatórios reclamados são desajustados.</font><br>
<font>Conclui pela procedência da exceção invocada, absolvendo-se o R. Estado Português da instância e, assim não se entendendo, deverá a ação improceder com a absolvição do Réu do pedido.</font><br>
<font>3. Por despacho de fls. 327, o Tribunal Administrativo e Fiscal de ... declarou-se materialmente incompetente para conhecer dos presentes autos.</font><br>
<font> </font><br>
<font>4. Os Autores vieram, por requerimento de fls. 350 e ss. e ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 2, do CPTA, requerer a remessa dos autos para o Tribunal materialmente competente.</font><br>
<font> </font><br>
<font>5. Realizou-se a audiência prévia; foi lavrado despacho saneador, que absolveu da instância os Ministérios da Justiça e da Administração Interna, por carecerem de personalidade judiciária; foram fixados o objecto do litígio e os temas de prova.</font><br>
<font> </font><br>
<font>6. Realizou-se audiência de julgamento, e foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenou o Réu Estado Português a pagar aos Autores AA e BB a quantia de €20.000,00, a que acrescem juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento (cfr. fls. 407 a 434).</font><br>
<font> </font><br>
<font>7. Inconformado com esta decisão o Réu Estado Português veio interpor recurso para o Tribunal da Relação.</font><br>
<font> </font><br>
<font>8. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar procedente o recurso de apelação, e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>9. Inconformados com tal decisão, os Autores vieram interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O Recorrente Estado Português violou o disposto no artigo 200.º n.º 3 do CPP e no artigo 212.º n.º 2 alínea c) subalínea ii) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, estando preenchidos os requisitos legais para a sua responsabilização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Recorridos (vertidos nos factos 25 a 35 dos factos provados), nos termos dos artigos 7.º e 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12. </font>
</p><p><font>2ª. No caso concreto, a terceira diligência cautelar prevista legalmente no artigo 200.º n.º 3 do CPP não foi assegurada, o que possibilitou a fuga do arguido. </font>
</p><p><font>3ª. Com a sua conduta, o Estado Português não só contribuiu como acabou por permitir que o arguido se ausentasse, furtando-se, assim, ao cumprimento da medida de coação que lhe tinha sido imposto.</font>
</p><p><font>4ª. A comunicação prevista no artigo 200.º n.º 3 do CPP é essencial e imprescindível para impedir que arguidos se ausentem do país quando estão proibidos de o fazer. </font>
</p><p><font>5ª. Num quadro de normalidade e de previsibilidade, a comunicação ao SEF teria sido feita. </font>
</p><p><font>6ª. O que foi anormal e imprevisível foi o SEF não ter sido informado da medida de coação aplicada ao arguido, nos termos plasmados na lei, pois, mesmo na posse de passaporte válido o arguido nunca teria conseguido ausentar-se do território nacional, caso o Tribunal tivesse procedido à comunicação ao SEF a que se encontra obrigado. </font>
</p><p><font>7ª. O que está em causa na presente lide não é o direito dos Recorrentes à punição do arguido, mas sim o seu direito a que o Estado Português cumpra os dispositivos legais ao seu dispor para garantir que a decisão judicial, seja ela qual for, seja efetivamente aplicada e cumprida. </font>
</p><p><font>8ª. Os danos sofridos pelos Recorridos deveram-se à perda da confiança na tutela do Estado em fazer cumprir as suas decisões e pela frustração do direito a um julgamento justo e equitativo cujo desfecho o Estado entendeu ser o justo, devido e adequado. </font>
</p><p><font>9ª. Como bem sustenta a decisão proferida em primeira instância: </font><i><font>"No caso, a pena de prisão foi determinada em função das necessidades preventivas e não em nome de um qualquer direito das vítimas </font></i><font>à </font><i><font>punição. </font></i><font>O </font><i><font>que falhou foi a atuação das instâncias formais de controlo - e os sujeitos processuais têm direito a que as instâncias formais de controlo funcionem como deve ser. Por esse falhanço deve </font></i><font>o </font><i><font>Estado ser responsabilizado. Não em nome de um direito </font></i><font>à </font><i><font>punição das vítimas, mas de um direito </font></i><font>à </font><i><font>tutela da confiança, salvaguardando os sujeitos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionam, neste particular dos operadores no sistema de justiça. </font></i><font>", </font>
</p><p><font>10ª. </font><i><font>"Se as partes não podem elas próprias, pelas suas próprias mãos, fazer justiça e se essa tarefa de aplicar a justiça cabe aos tribunais, então </font></i><font>- </font><i><font>no reverso </font></i><font>- </font><i><font>têm essas mesmas partes que recorreram ao Tribunal </font></i><font>o </font><i><font>direito de exigir que </font></i><font>o </font><i><font>Tribunal pugne pelo cumprimento das decisões que aqueles lhe confiaram." </font></i>
</p><p><font>11ª.</font><i><font> </font></i><font>Estão, assim, preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, atenta a sua conduta omissiva do cumprimento de obrigações legais que sobre si impendem, conduta que, além, de ilícita, teve uma repercussão direta nos autores, conforme provado e bem sustentado em primeira instância. </font>
</p><p><font>Concluem pela procedência do recurso. </font>
</p><p><font>10. O Recorrido Estado Português contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista.</font>
</p><p><font>11. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Autores / ora Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:</font>
</p><p><font>- mau funcionamento do sistema de justiça;</font>
</p><p><font>- violação do princípio da confiança;</font>
</p><p><font>- responsabilidade do Estado pelos danos sofridos pelos Autores.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> III. Fundamentação.</font>
</p><p><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>1.1. Os autores foram assistentes no processo n.º 405/07.6GDMFR que correu termos na Comarca da Grande Lisboa Noroeste, Juízo de Grande Instância Criminal de ..., 1. Secção, juiz 1.</font>
</p><p><font>1.2. Nos autos supra identificados foi arguido CC, cidadão de nacionalidade brasileira.</font>
</p><p><font>1.3. O qual foi acusado da prática de um crime de homicídio na forma consumada do filho dos autores DD, previsto e punido pelo art. 131.º do Código Penal.</font>
</p><p><font>1.4. No âmbito do identificado processo o arguido foi submetido na fase de inquérito às medidas de coação de proibição de se ausentar de Portugal e de apresentação periódica bissemanal no posto policial da respetiva residência.</font>
</p><p><font>1.5. Deduzida acusação contra aquele arguido, os autores vieram requerer abertura da instrução, por entender haver fundamento para acusação pelo mesmo crime contra outros arguidos, relativamente aos quais fora determinado o arquivamento do inquérito.</font>
</p><p><font>1.6. Realizado debate instrutório, foi confirmada integralmente a acusação, não tendo sido pronunciados os restantes arguidos, conforme pretendido pelos autores.</font>
</p><p><font>1.7. Tendo a decisão instrutória confirmado as medidas de coação aplicadas ao arguido CC.</font>
</p><p><font>1.8. Realizado julgamento, foi o arguido condenado na pena de 12 anos de prisão efetiva pela prática do crime de que vinha acusado.</font>
</p><p><font>1.9. Tendo sido determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de coação já impostas de T.I.R., obrigação de apresentação duas vezes por semana, no posto policial da área da respetiva residência e de proibição de se ausentar para o estrangeiro.</font>
</p><p><font>1.10. Tendo sido interposto recurso da decisão condenatória pelo Ministério Público, veio o Tribunal da Relação de Lisboa a ordenar a repetição do julgamento.</font>
</p><p><font>1.11. Repetido o julgamento foi proferida nova decisão que condenou o arguido na pena de 12 anos de prisão efetiva pela prática do crime de homicídio de que vinha acusado. </font>
</p><p><font>1.12. Tendo mais uma vez sido determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de coação já impostas de T.I.R., obrigação de apresentação, duas vezes por semana, no posto policial da área da respetiva residência e de proibição de se ausentar para o estrangeiro.</font>
</p><p><font>1.13. A decisão foi lida em 29 de setembro de 2011 estando o arguido presente na respetiva audiência.</font>
</p><p><font>1.14. Desde a fase de inquérito que ao arguido foi sendo sucessivamente aplicada a medida de coação de proibição de se ausentar para o estrangeiro.</font>
</p><p><font>1.15. O próprio arguido veio, em data anterior à prolação da decisão condenatória requerer autorização para se deslocar ao Brasil, pedido esse que foi indeferido.</font>
</p><p><font>1.16. Os Autores porque receavam que o arguido pudesse ausentar-se de Portugal requereram nos autos, em 10 de julho de 2009 a substituição das medidas de coação aplicadas pela de prisão preventiva.</font>
</p><p><font>1.17. Em 3 de outubro de 2011, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras remeteu aos autos um fax informando que em 1 de outubro de 2011 o arguido fora detetado no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa/SEF, quando pretendia embarcar no voo TP176 com destino ao Rio de Janeiro.</font>
</p><p><font>1.18. O SEF informou igualmente que o arguido terá informado que iria regressar a Lisboa em 9 de outubro de 2011 no voo TP 176, proveniente do Rio de Janeiro.</font>
</p><p><font>1.19. Bem como da informação constante da ficha de interceção do SEF consta </font><i><font>«o registo informático da medida cautelar acima mencionada foi anulada nesta data»</font></i><font>.</font>
</p><p><font>1.20. Em 3 de outubro de 2011 o arguido embarcou no voo TP 176 com destino ao Rio de Janeiro, não tendo utilizado o bilhete de regresso.</font>
</p><p><font>1.21. Na decisão condenatória proferida a 29 de setembro de 2011, e que transitou em julgado em 4 de setembro de 2012, as medidas de coação aplicadas foram novamente renovadas.</font>
</p><p><font>1.22. Os autores, por intermédio do seu mandatário, dirigiram ao SEF requerimento de procedimento interno de averiguações, nos termos constantes de fls. 106 e ss. que aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>1.23. O SEF, por ofício constante de fls. 110 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido, informou os autores de que no sistema integrado apenas constava um pedido de paradeiro do arguido Marcelo, mas não de medida de coação de proibição de se ausentar para o estrangeiro. </font>
</p><p><font>1.24. Bem como informou de que atualmente consta, nesse mesmo sistema integrado, o registo do mandado de detenção do arguido para cumprimento da pena.</font>
</p><p><font>1.25. Toda esta situação, que culminou com o embarque do arguido CC, gerou nos autores perplexidade e surpresa, ao verem que não obstante as sucessivas renovações das medidas de coação aplicadas, tal indicação nunca foi comunicada ao SEF a fim de ser registada no Sistema Integrado de Informação.</font>
</p><p><font>1.26. Esta situação gerou nos autores um profundo mal-estar, tendo os mesmos ficado chocados e revoltados com a circunstância de o único responsável julgado e condenado pelo homicídio do seu filho DD ter fugido de Portugal.</font>
</p><p><font>1.27. Vivendo os autores momentos de angústia, desgosto e profundo pesar por verificarem que o arguido se encontra em liberdade e em parte incerta fora de Portugal.</font>
</p><p><font>1.28. Sentimentos estes agravados pela circunstância de eles terem alertado, por requerimento que efetuaram ao inquérito, que as medidas aplicadas eram insuficientes e que tudo aconselhava a sua substituição pela medida de prisão preventiva.</font>
</p><p><font>1.29. Os autores receiam que o arguido possa nunca vir a cumprir a pena em que foi condenado, não respondendo pela perda da vida do Diogo.</font>
</p><p><font>1.30. Os autores têm permanentemente em mente, de uma forma quase obsessiva, a circunstância de por inércia dos organismos o arguido ter conseguido fugir do país.</font>
</p><p><font>1.31. Situação que se reflete no seu dia-a-dia, e que os deprime, impedindo-os de recuperar a normalidade da sua vida, mesmo sem o seu filho.</font>
</p><p><font>1.32. A fuga do arguido CC desmotivou os Autores os quais se sentem sem força para exercer as suas atividades profissionais.</font>
</p><p><font>1.33. Levando-os a estar permanentemente a pensar e falar sobre a situação, a propósito e despropósito, num sentimento de revolta e desgosto para com o Estado Português.</font>
</p><p><font>1.34. Não conseguem, por via da fuga do arguido, encerrar em definitivo a situação que se iniciou em outubro de 2007 com a perda do seu filho, e recuperar paz nas suas vidas a qual, para eles, apenas seria obtida com o cumprimento de pena por parte do responsável pela morte do filho de ambos.</font>
</p><p><font>1.35. Os autores deixaram de confiar no Estado Português e nas suas instituições, sofrendo com a circunstância de irem sofrer durante o resto da vida a perda do seu filho, sabendo que o responsável por essa perda fugiu do país, furtando-se ao cumprimento da pena.</font>
</p><p><font>1.36. No dia 6 de outubro de 2007, pelas 4h da manhã, a GNR do posto territorial da Ericeira, interveio na sequência de ter tomado conhecimento que na Rua ... se encontravam indivíduos envolvidos em agressões.</font>
</p><p><font>1.37. Na altura, para além de outros, foram identificados CC, nascido a ....</font>
</p><p><font>1.38. Os factos deram origem ao auto de notícia a que foi atribuído o NUIPC 405/07.6GDMFR.</font>
</p><p><font>1.39. Nesse mesmo dia CC veio a ser constituído arguido.</font>
</p><p><font>1.40. Das ocorrências referidas em 36 resultou, ainda nesse dia, a morte do filho dos Autores, DD, que não obstante ter sido transferido para a unidade de Saúde de ..., acabou por falecer neste local.</font>
</p><p><font>1.41. Ainda nesse dia 6 de outubro de 2007, no âmbito das investigações levadas a cabo pela PJ, Diretoria de..., foi por esta remetido um fax, ao SEF no qual solicitava a este organismo que </font><i><font>«caso tenham conhecimento de movimentos de saída do país de cidadãos brasileiros abaixo identificados, sejam os mesmos impedidos de tal movimento em virtude de serem suspeitos da prática de crime…»</font></i>
</p><p><font>1.42. O pedido referido em 41. incidia, entre outros, sobre CC.</font>
</p><p><font>1.43. No dia 8 de outubro de 2007 CC, já no âmbito do inquérito, veio a ser interrogado pela PJ, tendo sido sujeito por aquele órgão de polícia criminal a Termo de Identidade e Residência.</font>
</p><p><font>1.44. No dia 9 de outubro de 2007 o Magistrado do Ministério Público proferiu despacho, no âmbito do inquérito, constante de fls. 178 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido, em que referia </font><i><font>“Verificando-se a existência de perigo de fuga, bem como perigo de perturbação da ordem pública, a cautelar desde já, tendo em conta o estatuído nos arts. 198.º, 200, n.º 1, al. b) e 204.º, als. a) e c) do CPP, que seja aplicada aos arguidos EE….., fls. 93, medida de coação de proibição de se ausentarem do nosso país, bem como medida de coação de apresentação periódica bi-semanal, o posto policial da área das respetivas residências”.</font></i>
</p><p><font>1.45. No dia 13 de novembro de 2007, na sequência de promoção do Ministério Público referida em 44. veio a ser proferido despacho pela Juiz de Instrução Criminal, constante de fls. 179 e ss., no qual se determinou que </font><i><font>“os arguidos aguardem os ulteriores termos processuais sujeitos a TIR, obrigação de se apresentarem 2 vezes por semana, às terças e sextas-feiras, entre as 9h e as 17h, ao OPC competente da área das respetivas residências, e proibidos de se ausentarem para o estrangeiro devendo ser imediatamente entregues os passaportes que devem ser remetidos ao Consulado Brasileiro”.</font></i>
</p><p><font>1.46. Em 15 de dezembro de 2007 o arguido CC veio a ser notificado da aplicação das medidas referidas em 45..</font>
</p><p><font>1.47. Em 22 de janeiro de 2008 o arguido FF requereu autorização para que as suas apresentações se passassem a processar no posto policial competente da área de ..., por entretanto ter mudado de residência, o que veio a ser deferido por despacho judicial.</font>
</p><p><font>1.48. No dia 28 de março de 2008, a PJ procedeu à apreensão do passaporte do arguido CC, com o n.º ..., emitido em 19-02-2007 e em 12-05-2008, pelos Serviços do Ministério Público da Comarca de ..., foi remetido, através do ofício n.º ..., ao consulado do Brasil em Lisboa, o passaporte do arguido CC.</font>
</p><p><font>1.49. Em 29 de agosto de 2008, foi remetido pela PJ e junto ao inquérito uma informação do SEF, na sequência do fax remetido no dia 06-10-2007, no qual se solicitava informação no interesse na manutenção da medida cautelar solicitada.</font>
</p><p><font>1.50. Em 22 de maio de 2009 os Autores endereçaram ao Ministério Público o requerimento de fls. 193 e ss. – que aqui se dá por integralmente reproduzido – onde requeriam a substituição das medidas de coação aplicadas aos arguidos GG, HH e II</font>
</p><p><font>1.51. Em 22 de maio de 2009 o arguido CC veio requerer a extinção das medidas de coação aplicadas e autorização para se deslocar ao Brasil, nos termos do requerimento de fls. 197 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>1.52. Por despacho de 15 de junho de 2009, constante de fls. 208 dos autos, foi tal requerimento indeferido.</font>
</p><p><font>1.53. Por despacho de 24 de junho de 2009 foi declarada, por anterior promoção do Ministério Público, a especial complexidade dos autos.</font>
</p><p><font>1.54. Em 30 de julho de 2009 foi deduzida acusação contra o arguido CC imputando-lhe a prática de dois crimes de homicídio na forma tentada e um crime de homicídio na forma consumada.</font>
</p><p><font>1.55. Tendo o M.P. se pronunciado em tal despacho pela manutenção das medidas de coação aplicadas, isto é, obrigação de apresentação bissemanal e proibição de se ausentar para o estrangeiro.</font>
</p><p><font>1.56. Em 13 de agosto foi o arguido CC notificado da acusação contra si deduzida.</font>
</p><p><font>1.57. Em 22 de setembro de 2009 os autores requereram a abertura da instrução, nos termos constantes do requerimento constante de fls. 238 e ss. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><font>1.58. Realizada a instrução, foi decidido não pronunciar o arguido HH e pronunciar o arguido CC, conforme decisão instrutória de fls. 247 que aqui se dá por reproduzida.</font>
</p><p><font>1.59. Em 26 de janeiro de 2010 foi proferido despacho de recebimento da acusação e designadas datas para a realização do julgamento, tendo nesse mesmo despacho sido mantidas as medidas de coação impostas, as quais foram comunicadas em 3 de fevereiro de 2011 ao Comandante do Posto da GNR de ...</font>
</p><p><font>1.60. Em 31 de março de 2010 foi realizado relatório social ao arguido CC constante de fls. 279 a 282 e no qual se conclui que </font><i><font>“CC evidencia competências pessoais e sociais compatíveis com a vivência em sociedade, apresentando-se socialmente inserido, pelo que a confirmarem-se os factos pelos quais se encontra acusado, os mesmos assumem um cariz pontual no seu percurso de vida”.</font></i>
</p><p><font>1.61. O arguido esteve presente em todas as audiências de discussão e julgamentos, nos dias 7 de abril de 2010, 13 de abril de 2010, 30 de abril de 2010 e 20 de maio de 2010, sendo que nesta última foi realizada a leitura do acórdão que o condenou em cúmulo jurídico na pena única de 12 anos de prisão.</font>
</p><p><font>1.62. Tendo o coletivo proferido o seguinte despacho: </font><i><font>“o arguido aguardará os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de coação já impostas de TIR, obrigação de apresentação periódica duas vezes por semana no posto da área da respetiva residência, e de proibição de se ausentar para o estrangeiro….”.</font></i>
</p><p><font>1.63. O arguido apresentou de imediato recurso do acórdão, sendo que o Ministério Público também veio a recorrer do mesmo em 9 de junho de 2010.</font>
</p><p><font>1.64. Em 19 de março de 2011 foi proferido acórdão pelo T.R.Lisboa no qual, dando provimento ao recurso interposto pelo MP, se determinou o reenvio dos autos para novo julgamento.</font>
</p><p><font>1.65. Agendado novo dia para repetição do julgamento – 21 de setembro de 2011 – o arguido CC foi notificado e esteve presente.</font>
</p><p><font>1.66. Quando o arguido CC se apresentou no Aeroporto de Lisboa no dia 1 de outubro de 2011, no posto de Fronteira do Aeroporto para embarcar com destino ao Brasil, no voo ... detinha consigo e exibiu às autoridades competentes do SEF novo passaporte, com o n.º ..., emitido pelo Consulado do Brasil em Lisboa em 8 de novembro de 2010 e válido até 7 de novembro de 2014.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apreciação</font><br>
<font>2.1. Da responsabilidade do Estado em consequência do mau funcionamento do sistema de justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos do disposto no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa:</font>
</p><p><font>“O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font> “O artigo 22º constitui também fundamento constitucional quanto à responsabilidade do Estado por facto de função jurisdicional. A Constituição prescreve, expressis verbis, a indemnização no caso de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade (mesmo quando decretada por um juiz) e nos casos de condenação injusta, como, por exemplo, nas hipóteses de erro judiciário (artigos 27º-5º e 29º-6). Mas, para além destes casos, deve valer o princípio geral da responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional sempre que das ações ou omissões ilícitas praticada por titulares de órgãos jurisdicionais do Estado, seus funcionários ou agentes, resultem violações de direitos, liberdades e garantias ou lesões de posições jurídico-subjectivas (ex: prisão preventiva ilícita, prescrição do procedimento, não prolação de uma decisão jurisdicional num prazo razoável) ” - Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada – artigos 1º a 107”, a págs. 430 /431. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Podendo afirmar-se, também, que “noutro plano, justamente porque a referência à solidariedade não deve fazer esquecer a intenção fundamental do artigo 22º da Constituição, a teleologia do preceito vale igualmente para as faltas anónimas e para as faltas coletivas, em que, designadamente em consequência de vícios de organização, ocorreu um funcionamento anormal do serviço público. É certo que, numa perspetiva estritamente literal, o artigo 22º, ao associar a responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas à responsabilidade dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, está estruturado segundo o modelo de imputação individualístico clássico. Em rigor, porém, numa interpretação teleologicamente comprometida, o sentido da disposição constitucional protege igualmente os particulares que sejam lesados por ações ou omissões dos serviços públicos que não cumpram os padrões exigíveis (cfr., no plano da concretização legal desta hipótese, artigo 7º, nºs 3 e 4, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº67/2007.”</font><br>
<font>- Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, págs.483/484 -</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Procedendo à concretização do disposto no artigo 22º da CRP, a Lei nº67/2007, de 31 de dezembro (com a posterior alteração introduzida pela Lei nº31/2008, de 17 de julho) veio definir o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, prescrevendo o seu artigo 7º, respeitante à responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de direito público: </font>
</p><p><font>“1- O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício. </font>
</p><p><font>2 – É</font><i><font> concedida indemnização às pessoas lesadas por violação de norma ocorrida no âmbito de procedimento de formação dos contratos referidos no artigo 100.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de acordo com os requisitos da responsabilidade civil extracontratual definidos pelo direito comunitário. </font></i>
</p><p><i><font>3 – O</font></i><font> Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço. </font>
</p><p><font>4 – Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos”. </font>
</p><p><font> </font><br>
<a></a><font>Por sua vez, dispõe o artigo 9º, do mesmo diploma legal: </font><br>
<font>“1 – Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. </font><br>
<font>2- Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”.</font><br>
<font> </font><br>
<a></a><font>Acrescenta o artigo 10.º:</font><i><font> </font></i><font>“A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor. | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDJ8u4YBgYBz1XKvoxDF | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> propôs a presente ação contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo que seja declarado que é filho de CC, falecido, ordenando-se o averbamento de tal paternidade e da avoenga paterna no seu assento de nascimento. </font><br>
<font>Para tanto alegou, em síntese, que:</font><br>
<font>- O Autor nasceu em 18-07-1945, tendo sido registada apenas como filho de DD, mas também é filho de CC, não haver entre ambos relações de parentesco ou de afinidade que obstem a tal reconhecimento;</font><br>
<font> - O CC faleceu, tendo deixado como única descendente, em primeiro grau, a sua filha BB, bem como um neto e, pelo menos, um bisneto;</font><br>
<font>- A mãe do Autor e o CC mantiveram relações sexuais de cópula completa durante os meses de janeiro a dezembro de 1944, e foi na sequência de uma dessas relações sexuais que a mãe do Autor engravidou, gravidez de que veio a nascer o Autor, tendo a mãe do Autor e o CC mantido entre si relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do Autor.</font><br>
<font>- O Autor sempre foi reputado como filho pelo CC e este, até falecer, tratou sempre o Autor como filho;</font><br>
<font>- O Autor foi sempre reputado pelo público como filho do CC. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Devido à incapacidade de facto da Ré, foi-lhe nomeado curador provisório.</font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Na contestação, foi invoca a exceção perentória da caducidade do direito do Autor, e impugnada a matéria de facto alegada.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Foi proferido saneador-sentença, que julgou a exceção de caducidade procedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Évora julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Mais uma vez inconformado, o Autor / Apelante veio interpor revista a título excecional, a qual foi considerada admissível, conforme o Acórdão de fls.209/210, proferido pela formação dos Juízes deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> O Autor / Recorrente apresentou alegações, em que formula as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O recorrente intentou acção contra BB, na qual pediu que fosse declarado filho de CC e que fosse ordenado o averbamento de tal paternidade e da avoenga paterna no seu assento de nascimento.</font>
</p><p><font>2ª. Veio a recorrida, em sede de contestação, arguir a excepção de caducidade do direito do recorrente, pedindo a improcedência da acção.</font>
</p><p><font>3ª. Concluindo, o Tribunal de 1ª. instância, que os autos já dispunham de todos os elementos de facto para se conhecer da supra referida excepção deu, em suma, como assente que: </font>
</p><p><font>O recorrente nasceu no dia 18 de Julho de 1945. </font>
</p><p><font>No seu assento de nascimento não consta a identificação do seu pai. </font>
</p><p><font>O recorrente alega que é filho biológico de CC, o qual faleceu em 20 de Setembro de 2004. </font>
</p><p><font>O recorrente alega que desde "tenra idade" que sabe que é filho do investigado. </font>
</p><p><font>A acção de investigação de paternidade foi instaurada em 30 de Novembro de 2016. </font>
</p><p><font>4ª. Mais refere que resulta provado o decurso do prazo, que traduz um facto extintivo do direito de o recorrente investigar e estabelecer a filiação jurídica, pelo que, caducou o direito que este pretendia fazer valer na acção que intentou. </font>
</p><p><font>5.</font><sup><font>a</font></sup><font> Porém, a sentença recorrida não deixou de se pronunciar quanto à questão da constitucionalidade do artigo 1817.°, do Código Civil, defendendo que o mesmo não padece de nenhum vício de inconstitucionalidade e que nenhum imperativo constitucional existe de tornar absolutamente ilimitado no tempo o direito de querer ver judicialmente afirmada e reconhecida a paternidade biológica. Mais defende que não existe desequilíbrio axiológico-normativo ante a síntese material do conflito subjacente à inconstitucionalidade, que se pode esculpir em vértices opostos: de um lado, o </font><u><font>direito à verdade biológica</font></u><font> e, de outro, o </font><u><font>direito a uma certeza e segurança.</font></u>
</p><p><font>6.</font><sup><font>a</font></sup><font> Posteriormente, o Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se também pela constitucionalidade do nº1, do artigo 1817.°, do Código Civil, com a seguinte fundamentação: «é nosso entendimento que o direito fundamental à identidade pessoal não é um direito absoluto e, como tal, insusceptível de, nomeadamente em matéria de investigação da paternidade, ver o seu exercício condicionado em homenagem a outros valores constitucionalmente tutelados, como são os da certeza e segurança jurídicas, elementos essenciais do Estado de Direito.» </font>
</p><p><font>7.</font><sup><font>a</font></sup><font> Bem sabia o recorrente que, face ao preceituado no artigo 1817.°, do Código Civil, o seu direito, de intentar acção de investigação de paternidade, estaria caducado. No entanto, também sabia que, ultimamente, este preceito tem sido, inúmeras vezes, declarado inconstitucional pelos diversos Tribunais da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, tese esta que o recorrente acreditava que o Tribunal acolheria.</font>
</p><p><font>8.</font><sup><font>a</font></sup><font> E, quanto ao facto de as Instâncias terem considerado que o artigo 1817.° do Código Civil não é inconstitucional, cremos que estas não fizeram uma correcta ponderação dos direitos em conflito: o direito à verdade biológica e o direito a uma certeza e segurança. </font>
</p><p><font>9ª. Pois cremos, ser de maior justiça o defendido no acórdão do STJ, de 06-07 -10 que refere: « ... é dogmaticamente mais consistente a tese da imprescritibilidade deste tipo de acções, por estar em causa o direito à identidade pessoal no qual se insere a chamado "direito ao conhecimento da ascedência biológica", enquanto direito fundamental - art. 26.°, nº. 1, CRP -, tratando-se de um direito de personalidade imprescritível. </font>
</p><p><font>IV- Assim, deve entender-se que, nesta matéria, os prazos de caducidade, sejam eles quais forem, traduzem uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, mais precisamente ao direito à historicidade pessoal, sendo, por isso, inconstitucionais as normas dos artº.s 1817.° e 1842.° do CC, na redacção introduzida pela Lei nº. 14/2009, de 1/04, com o alargamento dos prazos. VII- As acções de investigação da paternidade e de impugnação de paternidade presumida, instauradas pelo filho, não estão sujeitos a prazos de caducidade.»</font>
</p><p><font>10ª. E o defendido no acórdão do STJ de 31-01-2017, que refere: « ... </font><i><font>IV- </font></i><font>A norma constante do nº.1 do artigo 1817.° do Código Civil, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade de a A., enquanto filha, propor a presente acção de investigação de parternidade, com fundamento no facto biológico da filiação, é inconstitucional, uma vez que o direito a conhecer a ascendência biológica constitui dimensão do direito à identidade pessoal ... e o direito a estabelecer os concomitantes vínculos jurídicos traduz uma dimensão do direito a constituir família ... consubstanciando tal prazo limitador uma restrição excessiva ou desproporcionada aos assinalados direito fundamental à identidade pessoal e o direito de constituir família, bem como ao próprio direito geral de personalidade dos investigantes ... »</font>
</p><p><font>11ª. Bem como o muito bem defendido no acórdão do STJ, de 06-09-2011, que refere: «I-Mostra se inconstitucional o estabelecimento ou estatuição, pelo art. 1817.°, nº. 1, do CC, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº.14/2009, de 01-04, de um prazo legal para o filho possa investigar a verdade biológica da sua filiação. II-Na ponderação dos direitos fundamentais em lide posicionam-se, do lado do filho investigante, o "direito à identidade pessoal", o "direito à integridade pessoal" e o "direito ao desenvolvimento da personalidade" e, do lado do pretenso pai-investigado, os de "reserva da intimidade da vida privada e familiar" e o "direito ao desenvolvimento da personalidade". III- Estando em causa direitos de raiz e feição absoluta, a regra será a não restrição dos direitos fundamentais, a menos que estejam em causa ou possam interferir no exercício desses direitos outros valores de "rango" constitucional que justifiquem a regulação por via legislativa. IV- Há que indagar quais os factos de ponderação que, no caso concreto, podem ser alinhados para aferição dos direitos e valores em causa e, nesta ponderação, terão que intervir critérios ou princípios de proporcionalidade, de razoabilidade, de adequação, de integração pessoal e familiar e de equivalência dos efeitos na esfera pessoal e familiar de cada um dos sujeitos involucrados. V- No conspecto dos valores em confronto, deve privilegiar-se aqueles que abonam e exoneram a pessoa humana em detrimento de valores de perturbação da tranquilidade familiar, da aquisição das situações pessoais e familiares estabelecidas e estabilização das relações económicas e/ou sucessórias, pelo que o nº. 1 do art. 1817.° do Código Civil, na versão da Lei nº. 14/2009, de 01-04, deve ser considerado inconstitucional, por impor um limite temporal ao direito de alguém ver reconhecida a sua paternidade.» </font>
</p><p><font>12ª. São, actualmente, inúmeros os Acórdãos que decidiram julgar, manifestamente, inconstitucional o artigo 1817.° do Código Civil, de entre os quais, os: </font>
</p><p><font>TRP, de 13-03-2014 </font>
</p><p><font>TRC, de 06-07-2010 </font>
</p><p><font>STJ, de 14-01-2014 </font>
</p><p><font>STJ, de 31-03-2017 </font>
</p><p><font>STJ, de 06-09-2011 </font>
</p><p><font>STJ, de 15-11-2011, todos eles disponíveis em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>,</font>
</p><p><font>mas poderíamos mencionar outros, os quais fazem uma correcta ponderação dos direitos fundamentais conflituantes - a identidade pessoal e direito à reserva da intimidade da vida privada - e, em nome da verdade material/biológica, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, decidem que deve prevalecer o direito à identidade pessoal sobra a "paz social". </font>
</p><p><font>13ª. Logo, as Instâncias, ao decidirem pela não inconstitucionalidade do nº.1, do artigo 1817.°, do Código Civil, violaram os artigos 18.°, nº.2 e 3, 26.°, nº. 1 e 36.°, nº.1 da CRP e declararam o referido preceito do Código Civil constitucional ao invés de decidirem pela sua inconstitucionalidade e declararem que os acções de investigação de paternidade são imprescritíveis. </font>
</p><p><font> E conclui pela procedência da revista, “revogando-se o Acórdão recorrido e, consequentemente julgar-se inconstitucional a norma do artigo 1817º, do Código Civil, declarando-se que, por isso, não caducou o direito do recorrente de investigar a sua paternidade, por se tratar de direito imprescritível”. </font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Ré / Recorrida, representada por curador especial, o seu filho EE, contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista e formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 14/01/2014, foi objecto de reforma por determinação do Tribunal Constitucional. </font>
</p><p><font>2ª. Em consequência da reforma referida na conclusão anterior o STJ determinou em 09/07/14 o “provimento da revista e, em consequência, julgando procedente a excepção da caducidade do direito de acção, absolve-se o R. F… do pedido”. </font>
</p><p><font>3ª. O acórdão da Relação de Évora, sob recurso, não encerra qualquer contradição com o acórdão proferido em 14/01/2014 pelo supremo Tribunal de Justiça na sequência da reforma pelo mesmo efectuada em 09/07/2014 em conformidade com o determinado pelo Tribunal Constitucional e mencionado na conclusão anterior. </font>
</p><p><font>4ª. O acórdão sob recurso não viola qualquer norma constitucional, estando em conformidade com a decisão do Plenário do tribunal constitucional proferida em 22 de Setembro de 2011 que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817 nº1 do Código Civil, na redacção da Lei nº14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante”. </font>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><b><font> 10.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Autor / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão da inconstitucionalidade da norma do nº1 do artigo 1817º do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias atenderam à seguinte factualidade: </font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> O Autor nasceu no dia 18 de Julho de 1945.</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> No assento de nascimento do autor, consta DD, identificada como sua mãe.</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Nesse assento de nascimento não consta a identificação do pai do autor.</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> CC faleceu em 20 de setembro de 2004, no estado de viúvo.</font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> O Autor alega que é filho biológico do indicado CC.</font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> O Autor alega que este sempre, mesmo perante terceiras pessoas, o tratou como filho até falecer sempre lhe dispensou cuidados, amparo, atenção e carinho, oferecia-lhe roupas e calçado, tratava-o por “o meu filho”, e aceitava que os seus familiares, amigos e vizinhos se referissem ao autor como sendo seu filho.</font>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> O Autor alega que CC viveu toda a sua vida convicto de que o Autor era seu filho.</font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> O Autor alega que desde “tenra idade” que sabe que é filho do CC.</font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> O Autor alega que sempre foi reputado como filho do CC e tratado como tal pelo público, nomeadamente pelas pessoas da freguesia da ..., onde o autor e o CC viviam, como filho deste.</font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> O Autor alega que a ré, quando via o autor na rua, dizia para as amigas “Olha vai ali o meu irmão”.</font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> O Autor alega que a mãe do CC tratava o Autor como seu neto.</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> O Autor alega que nasceu de gravidez surgida de uma das relações sexuais mantidas no período de Janeiro a Dezembro de 1944 entre CC e a indicada DD.</font>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> A presente ação foi instaurada em 30 de Novembro de 2016.</font>
</p><p><font> </font><b><font>2. Do mérito do recurso</font></b>
</p><p><b><font>3. Enquadramento preliminar </font></b>
</p><p><font>Estamos no âmbito de uma ação de investigação da paternidade, instaurada, em 30/11/2016, pelo Autor, com vista ao reconhecimento de que CC era seu pai. </font>
</p><p><font>Tendo tal ação como escopo a atribuição jurídica da paternidade do filho ao progenitor biológico deste, então, o facto de onde emerge tal direito é a procriação biológica ou geração, constituindo tal facto jurídico procriador (relação sexual fecundante) a respetiva </font><i><font>causa petendi.</font></i><font> </font>
</p><p><font>Sucede que tal facto, pode</font><i><font> </font></i><font>lograr prova:</font>
</p><p><i><font> </font></i><font>— </font><i><font>diretamente</font></i><font>, enquanto prova da procriação / filiação biológica (</font><b><font>via biológica</font></b><font>);</font>
</p><p><font>— ou </font><i><font>indiretamente</font></i><font>, através do uso de alguma das presunções legais (da relação biológica) de paternidade previstas no artigo 1871º do Código Civil, desde que não ilididas nos termos do nº 2 do mesmo normativo (</font><b><font>via presuntiva</font></b><font>), podendo tais vias ser invocadas cumulativamente (como sucede no caso dos autos).</font>
</p><p><font>No caso em presença, a causa de pedir complexa invocada mostra-se, então, integrada:</font>
</p><p><font>— pelo facto jurídico procriador (</font><i><font>procriação biológica</font></i><font>: o facto de o Autor ter sido gerado através de cópula fecundante entre a sua mãe e o CC), cuja prova direta o Autor se propõe;</font>
</p><p><font>— pelo facto-base da presunção estabelecida na alínea a) no nº 1 do artigo 1871º do Código Civil (</font><i><font>posse de estado</font></i><font>).</font>
</p><p><font> Na contestação, a Ré BB (representada pelo seu curador provisório, o seu filho EE), filha de CC, falecido, no estado de viúvo, veio invocar a caducidade da ação, dado que a mesma tinha sido intentada mais de 10 anos depois do Autor ter atingido a maioridade:</font>
</p><p><font>- O Autor nasceu em 18/07/1945;</font>
</p><p><font>- Atingiu a maioridade em 18/07/1966, ao completar 21 anos de idade, visto não constar do assento de nascimento que tinha sido emancipado;</font>
</p><p><font>- CC faleceu a 20/09/2004;</font>
</p><p><font>- A presente ação foi instaurada em 30/11/2016.</font>
</p><p><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><font>O Tribunal de 1ª instância, considerando não ser inconstitucional a norma do nº1 do artigo 1817º do Código Civil, concluiu pela procedência da exceção da caducidade da ação, pelo decurso do prazo fixado naquele mesmo nº1.</font>
</p><p><font>Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, sustentando, no que ora releva, a inconstitucionalidade da norma do Código Civil que fixa prazos para a propositura da ação de investigação de paternidade.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão sob recurso, veio a manter a decisão da 1ª instância, concluindo que a norma do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, na redação dada pela Lei nº14/2009, de 1 de abril, não é inconstitucional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Autor interpôs revista excecional, contrapondo a inconstitucionalidade das normas que fixam prazos na ação de investigação de paternidade.</font>
</p><p><font>Vejamos, então, os parâmetros constitucionais em questão.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>4. Dos parâmetros constitucionais da questão da inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil e das respetivas consequências no plano da caducidade</font></b>
</p><p><font>No que aqui importa, assume relevo o prazo constante do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil (aplicável à ação de investigação de paternidade </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 1873º do Código Civil), nos termos do qual «</font><i><font>a ação só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação</font></i><font>».</font><br>
<font>A questão da admissibilidade do estabelecimento, por meio da lei ordinária, de prazos de caducidade das ações de investigação paternidade sempre foi objeto de grande controvérsia, vindo a merecer acolhimento no Código Civil de 1966 a posição que apontava no sentido do estabelecimento de tais prazos, alicerçada em princípios de certeza e segurança jurídica, passando a dispor o respetivo nº1 do artigo 1854º (redação inicial) que «</font><i><font>a ação de investigação de maternidade ou paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua emancipação ou maioridade</font></i><font>. </font>
</p><p><font>Em anotação, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA explicitaram que «</font><i><font>a nova solução traduziu-se, praticamente, num encurtamento geral do prazo de proposição da ação</font></i><font>» [relativamente ao direito pretérito, a saber, artigo 37º. do Decreto nº 2, de 25 de Dezembro, de 1910, nos termos do qual «</font><i><font>a ação de investigação da paternidade ou maternidade, só pode ser intentada em vida do pretenso pai ou mãe, ou dentro do ano posterior à sua morte, salvas as seguintes exceções(…)</font></i><font>»], adiantando que: «</font><i><font>esta solução do direito anterior tinha reconhecidamente graves inconvenientes, o mais importante dos quais foi o de ter convertido a ação de determinação legal do pai num puro instrumento de caça à herança paterna…quando o pai fosse rico.</font></i><font>»</font>
</p><p><font>E que «</font><i><font>a principal razão que determinou entre nós a nova solução de 1966 e certamente pesou na sua manutenção pela reforma de 1977 (…) foi a tal consideração ético-pragmática de combate à investigação como puro instrumento de caça à herança paterna e de estímulo à determinação da paternidade (…) em tempo socialmente útil.</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> "Código Civil, Anotado", Vol. V, 1995, p. 82 e 83).</font>
</p><p><font>A controvérsia não ficou, porém, encerrada com tal inovação legislativa, vindo o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 23/2006, de 10 de Janeiro (pub. no Diário da República, I série, de 08 de Fevereiro de 2006), a declarar </font><i><font>a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 do artigo 1817º do CC</font></i><font> (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro), aplicável por força do artigo 1873º do mesmo Código, </font><i><font>na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos arts. 26º, nº 1, 36º, nº 1, e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Entretanto, a Lei nº 14/2009, de 01 de Abril, veio alterar a redação do referido artigo 1817º, n.º 1, alargando (de dois para) para dez anos posteriores à maioridade ou emancipação o prazo para a propositura da ação de investigação, regressando com tal alteração a dissensão jurisprudencial. </font>
</p><p><font>Procurando pôr fim à nova controvérsia, o Tribunal Constitucional em sede de </font><i><font>fiscalização concreta,</font></i><font> veio a proferir, em plenário, o Acórdão nº 401/2011, de 22/09/2011, decidindo «</font><i><font>não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.</font></i><font>»</font><i><font>.</font></i>
</p><p><font>[Na mesma linha, vêm sendo proferidas sucessivas decisões do mesmo Tribunal, de que se citam, a título meramente ilustrativo, os Acórdãos n.º 476/2011, de 12 de Outubro de 2011; n.º 106/2012, de 06 de Março de 2012; n.º 166/2013, de 20 de Março de 2013; n.º 441/2013, de 15-06-2013; n.º 350/2013, de 19-06-2013 e n.º 750/2013, de 23-10-2013, acessíveis </font><i><font>in </font></i><a><i><font>www.tribunalconstitucional.pt</font></i></a><font>].</font>
</p><p><font>Todavia, não o conseguiu evitar, mantendo-se atual e polémica a questão da constitucionalidade da norma na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.</font>
</p><p><font>Na doutrina, no quadro constitucional vigente, GUILHERME DE OLIVEIRA defende a imprescritibilidade do direito de investigar, sugerindo que se aplique a figura do abuso de direito de modo a que, em situações extremas, o autor de uma ação de investigação «</font><i><font>possa ser tratado como se não tivesse o direito que invoca</font></i><font>», nomeadamente, quando «não pretende mais do que faturar no seu ativo patrimonial» (in "Caducidade das ações de investigação", </font><i><font>Lex familiae</font></i><font>, n.º 1, 2004, pags. 12-13).</font>
</p><p><font>De resto, em consonância com a posição ulteriormente expressa, em obra conjunta com PEREIRA COELHO, aí referindo que «</font><i><font>depois de se dar ao filho um direito imprescritível, uma ação pode merecer o obstáculo do sistema jurídico, ao menos em casos-limite. Os obstáculos resultarão das potencialidades da norma geral sobre o "abuso do direito", ou de um remédio específico como o que vigora no direito de Macau, que determina a ineficácia patrimonial do estabelecimento do vínculo (artigo 1656º CCiv Mac) quando a ação é intentada mais de quinze anos depois do conhecimento dos factos de onde se poderia concluir a paternidade e, além disto, quando se mostre que a intenção principal do autor é a obtenção de benefícios patrimoniais.</font></i><font>» (in "Curso de Direito de Família", Vol. II, tomo I, 2006, pag. 252).</font>
</p><p><font>A esta primeira "solução" de recurso ao abuso de direito, objetando JORGE DUARTE PINHEIRO que «</font><i><font>pode ter, porém, vários inconvenientes: abre uma brecha na alegada imprescritibilidade do direito de investigar, cujo alcance será inicialmente difícil de apurar; remete diretamente para a figura geral do abuso de direito, quando talvez fosse plausível lançar mão de possíveis concretizações, o que diminuiria o grau de incerteza: reage ao exercício abusivo do direito paralisando-o totalmente, em vez de permitir a produção de alguns dos seus efeitos, dentro do que fosse aceitável (p.e., se a finalidade do investigante é a mera obtenção de benefícios sucessórios, não bastará negar-lhe tais benefícios, autorizando a constituição do vínculo de filiação?); ao paralisar totalmente o direito de investigar, por causa de uma atuação censurável do investigante, não contempla a posição de terceiros que possam estar legitimamente interessados no estabelecimento da filiação entre o investigante e o pretenso pai (v.g. dos filhos do investigante: o direito à identidade ou historicidade pessoal não se reduz ao conhecimento e reconhecimento do parentesco no 1º grau da linha reta.</font></i><font>» (in "O direito da família contemporâneo", 4ª ed., 2013, pág. 177)</font>
</p><p><font>E propõe este mesmo Autor</font><a></a><font> que «</font><i><font>Tudo ponderado e dado que a posição sucessória legal que é atribuída aos familiares do de cujus não cabe nos efeitos característicos do direito de constituir família, (…) o melhor caminho será o de uma interpretação que, acentuando o elemento teleológico em detrimento do elemento literal, permita extrair do art.º 1817º um sentido compatível com os art.ºs 26º, n.º 1, e 36º, n.º 1, da C.R.P., com o princípio do aproveitamento das disposições legais (…) e com o princípio da rejeição do exercício inadmissível de situações jurídicas (…). Os prazos do art.º 1817º devem ser observados se o investigante quiser obter benefícios sucessórios do vínculo da filiação (…) Onde se lê, p.e., no n.º 1, que “a ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação” deve subentender-se “para efeitos sucessórios” (…)</font></i><font>» (in ob. cit., p. 178.).</font>
</p><p><font>Feito este breve bosquejo sobre o estado da questão relativamente ao prazo de caducidade de 10 anos nas ações de investigação de paternidade, desde já, se consigna que se </font><b><font>adere à posição de que a nova redação do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil (introduzida pela Lei nº 14/2009), ao manter uma limitação temporal (10 anos) para a propositura da ação, não afastou a inconstitucionalidade da norma, pela ordem de razões que </font></b><b><i><font>infra</font></i></b><b><font> se analisará</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Como é sabido, nos termos do </font><b><font>nº 1 do artigo 25º da Constituição da República Portuguesa</font></b><font>, «</font><i><font>a integridade moral e física das pessoas é inviolável» </font></i><font>surgindo</font><i><font> «o reconhecimento e a tutela da integridade pessoal indissociavelmente ligados ao reconhecimento constitucional absoluto da pessoa humana (artigo 1º da Constituição)</font></i><font>» (JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, </font><i><font>in</font></i><font> "Constituição da República Portuguesa Anotada", Tomo I, 2010, pág. 552).</font><br>
<font>Por sua vez, de harmonia com do </font><b><font>nº 1 do artigo 26º do mesmo diploma</font></b><font>, «</font><i><font>a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação</font></i><font>».</font><br>
<font>E, como notam os Autores citados, «</font><i><font>a identidade pessoal é aquilo que caracteriza cada pessoa enquanto unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal. Num sentido muito amplo, o direito à identidade pessoal abrange o direito de cada pessoa a viver em concordância consiga própria, sendo, em última análise, expressão da liberdade de consciência projetada exteriormente em determinadas opções de vida. O direito à identidade pessoal postula um princípio de verdade pessoal. Ninguém deve ser obrigado a viver em discordância com aquilo que pessoal e identitariamente é.</font></i><font>» </font><br>
<font>Acrescentando «</font><i><font>(…) a identidade pessoal inclui os vínculos de filiação. Existe um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e da maternidade</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> ob. cit., p. 609).</font><br>
<font>Por último, de acordo com o </font><b><font>nº 1 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa</font></b><font>, «</font><i><font>todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade</font></i><font>».</font><br>
<font>E desta disposição constitucional, em conjugação com os direitos à integridade pessoal e à identidade pessoal, resulta «</font><i><font>um direito a converter a filiação biológica em filiação jurídica mediante o estabelecimento das correspondentes relações de maternidade e paternidade</font></i><font>» (PEREIRA COELHO e GUILHERME OLIVEIRA, </font><i><font>in</font></i><font> Curso), citado pelos Autores anteriormente referidos, que adiantam «</font><i><font>não podendo, numa situação de conflito entre um eventual interesse dos pais naturais em ocultar a relação de filiação e o interesse do filho em estabelecer a filiação, ser invocado pelos pais, após a procriação, um direito a não constituir família e, assim, ao não estabelecimento da filiação</font></i><font>» (ob. cit., p.814). </font><br>
<font>À luz destes preceitos, o direito à identidade pessoal, nele se incluindo o direito de conhecer e ver reconhecida a respetiva ascendência biológica, configura um direito de índole pessoalíssima (englobando o direito de conhecer e de ver reconhecida a verdade biológica da filiação, a ascendência genética de cada pessoa) e imprescritível, constitucionalmente consagrado. </font><br>
<font>Ora, «</font><i><font>os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas</font></i><font>» (nº1 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa), sendo que «</font><i><font>a lei só pode restringir | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EjFXu4YBgYBz1XKvEPc2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
</p><p>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1</font></b><font>. </font><b><font>O Ministério Público</font></b><font>, em representação do Estado – Autoridade Tributária/Fazenda Pública, instaurou a presente ação de processo comum contra </font><b><font>AA, BB, CC e DD,</font></b><font> pedindo:</font><br>
</p><p><font>- que seja declarada a ineficácia, em relação a si, atenta a sua qualidade de credor, dos atos que consubstanciaram as transferências financeiras e, consequentemente, que lhe seja reconhecida a possibilidade de executar tais valores no património dos réus CC e DD;</font><br>
</p><p><font>Subsidiariamente:</font><br>
</p><p><font>- que se declare a nulidade por simulação dos negócios jurídicos (doações) que consubstanciaram as transferências dos valores financeiros em causa, declarando-se que tais bens/ativos financeiros são propriedade dos réus AA e BB.</font><br>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese:</font><br>
</p><p><font>- os Réus CC e DD são pais do Réu AA e sogros da ré BB;</font><br>
</p><p><font>- no decurso de uma ação inspetiva levada a cabo pela Direção de Finanças ..., foi verificada uma divergência significativa entre os rendimentos declarados pelos contribuintes (aqui Réus AA e BB) e os acréscimos patrimoniais revelados nas respetivas contas bancárias, nos anos de ...7/...8, o que deu origem à liquidação do IRS correspondente;</font><br>
</p><p><font>- visando eximir-se à responsabilidade pelo pagamento de tais impostos, o Réu AA efetuou a transferência de vários ativos financeiros em favor dos Réus CC e DD, seus pais;</font><br>
</p><p><font>- no momento atual, os Réus AA e BB não dispõem de património suficiente para garantir o pagamento dos impostos de IRS apurados, o que resultou das transferências bancárias que ordenaram e que determinaram a dissipação de todo o seu património financeiro de forma gratuita para os Réus CC e DD, o que fizeram depois de conhecerem as implicações e consequências fiscais que iriam ocorrer na sua esfera pessoal;</font><br>
</p><p><font>- todos os Réus agiram de forma concertada, visando prejudicar o credor tributário, tendo consciência do prejuízo que causariam ao Estado, já que com as aludidas transferências gratuitas impossibilitaram, ou pelo menos agravaram em elevado grau, a possibilidade de cobrança coerciva desse crédito que se havia constituído anteriormente;</font><br>
</p><p><font>- tais transferências reconduzem-se a atos ineficazes relativamente ao autor, por se verificarem rodos os requisitos da impugnação pauliana;</font><br>
</p><p><font>- se se concluir que o património financeiro em causa não foi doado, sempre se deverá concluir que as transferências ocorreram com o propósito de subtrair os respetivos valores da esfera jurídica dos Réus AA e BB, para evitar o pagamento da dívida do Estado, reconduzindo-se a ato simulado e, consequentemente, nulo.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Citados, os Réus vieram contestar, alegando, em suma, a ilegitimidade substancial do Autor, porquanto à data em que a ação foi intentada apenas existia a possibilidade de vir a ser credor dos Réus AA e BB, negando ter atuado de má fé e arguindo a caducidade do direito invocado pelo Autor, por decurso do prazo de cinco anos estabelecido no artigo 618.º do Código Civil, dado que a presente ação foi intentada em 31 de janeiro de 2017 e todas as transferências sido ordenadas em data anterior a 31 de janeiro de 2012; por fim, alegam que as doações em questão não constituem negócios simulados, por corresponderem a uma restituição de património efetuada pelo Réu AA a seus pais, em conformidade com o que com eles foi acordado há uns anos atrás, quando deles recebeu o património e o negócio relativo à exploração da “M...”, numa época em que atravessavam graves dificuldades financeiras.</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> O Tribunal de 1.ª instância veio a proferir sentença, tendo o dispositivo o seguinte teor:</font><br>
</p><p><font>“Por tudo o atrás exposto, decido julgar procedente a presente ação e, em consequência, declaro a ineficácia relativamente ao autor Estado-Autoridade Tributária/Fazenda Pública das transferências de ativos financeiros mencionadas no facto enunciado sob o nº 5.24 da presente decisão.” </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Inconformados com esta decisão, os Réus interpuseram recurso de revista </font><i><font>per saltum</font></i><font>, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª O presente recurso versa apenas matéria de direito e por isso os recorrentes requerem que suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
</p><p><font>2.ª - Apurado que alguém quis dar dinheiro a outrem (no caso dos autos um filho ao pai) e assinou uma ordem de transferência para uma conta do donatário, que identificou na própria ordem, estamos perante uma doação manual, em que ocorreu a tradição.</font><br>
</p><p><font>3.ª - A vontade de doar (que nos autos se demonstrou) está exteriorizada e expressa na assinatura da ordem de transferência,</font><br>
</p><p><font>4.ª - E a vontade de a aceitar não resulta apenas da tradição efetiva e posterior, mas está exteriorizada e resulta de nela ser indicada uma conta de destino do donatário.</font><br>
</p><p><font>5.ª - A tradição a que alude a 1ª parte do nº 2 do art. 947º do C Civil não tem que ser simultânea, nem tem que ser material, mas é antes uma tradição jurídica, uma tradição simbólica consubstanciada numa entrega reveladora da vontade de doar; entrega essa que ocorre com a prática de atos que possam pôr a coisa na disponibilidade do donatário.</font><br>
</p><p><font>6.ª -É esse o caso de uma ordem de transferência escrita que tem justamente esse efeito: o de operar a tradição simbólica do dinheiro.</font><br>
</p><p><font>7.ª - O facto de essa transferência não ocorrer de imediato já não se prende com a vontade das partes mas com as regras do funcionamento dos bancos.</font><br>
</p><p><font>8.ª - Não se considerar que com a emissão da ordem de transferência se dá logo a transmissão dos valores, significaria cair numa espécie de limbo em que, com a assinatura das ordem de transferências, ocorreria um abandono dos valores pelo doador – uma vez que a sua vontade de deles abrir mão é inequívoca - ficando eles pertença do banco até que este executasse a ordem de transferência, o que é um absurdo.</font><br>
</p><p><font>9.ª - Por isso se pode dizer quer quando alguém doa a outrem dinheiro depositado num banco, essa doação considera-se feita pela emissão da ordem escrita dirigida ao banco para que o transfira para uma conta do donatário.</font><br>
</p><p><font>10.ª - E que todos os atos que o banco a seguir pratica – conferência de assinaturas e transferência de fundos – destinam-se apenas a dar execução à sua intenção mas já não são atos do doador nem do donatário.</font><br>
</p><p><font>11.ª - Tendo decido no caso dos autos que a doação ocorreu apenas no momento em que os valores foram transferidos violou o Tribunal recorrido, 10 na interpretação e aplicação que deles fez o disposto nos arts. 947º/2 e 618º do C. Civil.</font><br>
</p><p><font>E concluem: “Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência revogada a decisão recorrida, proferindo-se Acórdão que julgue que a doação do dinheiro depositado se considera feita na data em que o doador emitiu a ordem de transferência junto do banco, e retire daí a consequência de que caducou o direito à impugnação dos autos no que respeita às seis transferências bancárias emitidas em 30 de janeiro de 2012.”</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Réu contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª - A questão de direito que os RR. pretendem ver apreciada pela Instância Superior é a de saber em que momento ocorre a doação do dinheiro depositado nas contas do Réu AA para a conta titulada pelos seus pais os RR. CC e DD.</font><br>
</p><p><font>2.ª - Os Réus recorrentes entendem que a doação ocorreu no momento em que o Réu AA assinou as ordens de transferência, ou seja, em 30/01/2012, e não no momento em que os valores foram transferidos para as contas dos pais/RR. CC e DD.</font><br>
</p><p><font>3.ª - O Ministério Público não perfilha tal entendimento.</font><br>
</p><p><font>4.ª - Nos termos do disposto no art. 947.º, n.º 2, do Código Civil, “a doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada da tradição da coisa doada; não sendo acompanhada da coisa, só pode ser feita por escrito”.</font><br>
</p><p><font>5.ª - Acresce que, nos termos do disposto no art. 940.º, n.º 1, do Código Civil, “a doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício de outro contraente”.</font><br>
</p><p><font>6.ª - Assim, são três os requisitos exigidos para que exista uma doação: atribuição patrimonial sem correspetivo; diminuição do património do doador; espírito da liberalidade.</font><br>
</p><p><font>7.ª - Acresce ainda que o disposto no art. 940.º do Código Cível, tem que ser interpretado em conjugação com o art. 945.º (Aceitação da doação) e seu n.º 2, do Código Civil, que dispõe que “a tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou seu título representativo, é havida como aceitação”.</font><br>
</p><p><font>8.ª - Em face do supra, exposto, a tradição da coisa apenas ocorreu no dia 01/02/2012 e não no dia 30/01/2012 (data em ocorreu a ordem de transferência).</font><br>
</p><p><font>9.ª - Por último, diga-se ainda, que a não ser assim entendido e se pretendesse dar alguma relevância apenas a uma ordem de transferência, esta, não obstante aparecer datada de 30/01/2012, tão-só foi conferida pelo funcionário do banco a 01/02/2012, data esta a partir da qual a ordem deve considerar-se formalizada e produtora de efeitos.</font><br>
</p><p><font>10.ª - Pelo que, aquando da entrada da ação ainda não tinha decorrido o prazo de caducidade de cinco anos.</font><br>
</p><p><font>11.ª Assim, tendo a sentença proferida nos autos entendido que a doação ocorreu apenas no momento em que os valores foram transferidos paras a conta dos RR. CC e DD, o Tribunal recorrido não violou a interpretação e a aplicação do disposto no as arts. 947.º, n.º 2 e 618.º do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso</font><b><font>.</font></b><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Réus / ora Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se o direito de impugnação invocado pelo Autor está extinto por caducidade.</font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Os réus CC e DD são pais do réu AA e sogros da ré BB (artigo 1º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Foi realizado um procedimento de inspeção, levado a cabo pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de ..., aos sujeitos passivos AA, NIF ...19, e BB, NIF ...06, o qual teve origem nas ordens de serviço números ...54 e ...55, de 28.11.2011 e 29.12.2011 (artigo 2º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> No decurso de tal procedimento, foi apurado que AA e sua mulher BB são sócios da sociedade comercial denominada “M... S.A.”, sendo que o primeiro detém ainda o controlo da J..., entidade registada numa região off-shore (com sede em ...) (artigo 3º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> No decorrer da referida ação inspetiva resultaram correções da matéria tributável, com recurso a métodos indiretos, nos termos do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, que ascenderam a €962.246,64 e €1.199.92,20, respetivamente para os anos de 2007 e 2008 (artigo 4º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> No âmbito desse procedimento inspetivo ficou apurado que AA e mulher, BB, nos exercícios em análise (2007 e 2008), evidenciavam um acréscimo de património superior a um terço dos rendimentos por si declarados no mesmo período de tributação (artigos 5º e 8º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> No exercício de 2007 evidenciavam um acréscimo de património no valor de €962.246,64, enquanto que, para tributação em IRS nesse mesmo ano, declararam conjuntamente um rendimento coletável de € 11.994,16 (artigo 6º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> E, no exercício de 2008, evidenciavam um acréscimo do património no valor de €1.100.892,20, enquanto que, para tributação de IRS nesse mesmo ano, declararam conjuntamente um rendimento coletável de € 9.700,72 (artigo 7º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Em 29/09/2011 foi solicitada autorização aos contribuintes supra identificados para consulta/acesso a todos os documentos, documentos e registos bancários de que eram titulares, relativamente aos exercícios de 2007 e 2008, não tendo os sujeitos passivos respondido à notificação (artigo 12º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Na falta dessa resposta e questionado verbalmente sobre o assunto visado na sua notificação, o contribuinte e aqui réu AA recusou fornecer essa autorização (artigo 13º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> Pelo que, em 19/10/2011, foi solicitado ao Senhor Diretor ... o pedido de derrogação do sigilo bancário, o qual veio a ser autorizado nos termos do disposto no artigo 63º B da LGT, por decisão de 26/10/2011 (artigo 14º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> Na sequência de tal autorização, foram solicitados às entidades financeiras extratos de todas as contas bancárias em que AA era titular autorizado, bem como dos documentos de suporte aos lançamentos de crédito e a débito (artigo 15º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Em resultado da análise efetuada às contas bancárias, apurou-se como rendimento obtido pelos sujeitos passivos os depósitos efetuados nas contas bancárias expurgados das transferências bancárias efetuadas nas diversas contas de AA, juros, cheques de montante igual ao valor das transferências de ordenados, transferências para a M..., transferências da segurança social, cheques emitidos para a J..., cheques emitidos para AA, estamos e resgastes de aplicações financeiras, os montantes de €974.240,80 e de €1.100.592,92 para 2007 e 2008 (artigo 16º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> A análise efetuada foi, através de ofício datado de 2/2/2012, notificada a AA e mulher, BB, nos termos do disposto no nº 3 do art. 89º-A da LGT e 60°, nº 1, alínea d) da LGT, para justificar e comprovar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada, tendo sido aceites pela inspeção determinados montantes devidamente justificados pelos sujeitos passivos aquando do exercício do direito de audição (artigo 17º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> No dia 22/2/2012, deu entrada na Direção de Serviços de Finanças de ... o "direito de audição", composto por 44 pontos, em que os sujeitos passivos solicitam o arquivamento do processo (artigo 18º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> O procedimento inspetivo relativo aos exercícios de 2007 e 2008 decorreu entre datas que em concreto não foi possível apurar, situadas entre o último trimestre de 2011 e o primeiro trimestre de 2012 (artigo 19º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> Na sequência do exercício desse direito de audição, a Direção de Finanças ... apurou um rendimento tributável no montante de € 974.240,80, relativamente ao ano de 2007, e no valor de € 1.110.592,92, respeitante ao ano de 2008, o que comunicou aos réus AA e BB por ofício de 8/3/2012 (artigo 20º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Foram aceites as quantias devidamente justificadas pelos sujeitos passivos e as quantias apuradas pela inspeção tributária com correspondência com saídas para as empresas M..., J..., ordenados, Segurança Social, entre outros, igualmente justificados, e considerado como acréscimo os depósitos não justificados (artigo 21º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Tendo-se verificado que subsistia uma divergência muito superior a um terço entre os rendimentos declarados pelos contribuintes e os acréscimos patrimoniais revelados nas contas bancárias (2007 - rendimentos declarados €11.994,16 - acréscimos patrimoniais €962.246,64; 2008 - rendimentos declarados €9.700,72 - acréscimos patrimoniais €1.100.892,20), mostrando-se preenchidos os pressupostos para a avaliação indireta da matéria coletável, nos termos da alínea f) do artigo 87º e do artigo 89ºA, ambos da LGT (artigo 22º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> Em face do exposto, concluiu a Autoridade Tributária encontrarem-se reunidas as condições legais de acordo com o nº 5 do artigo 89ºA da LGT, para proceder à fixação do rendimento tributável nos exercícios de 2007 e 2008 nos montantes respetivos de €974.240,80 e de €1.100.592,92, a qual de acordo com o nº 3 do artigo 9.° do CIRS, foi considerado como rendimento da categoria G - Incrementos patrimoniais (artigo 24º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> Tal tributo encontrava-se em fase de liquidação na data da interposição da ação, tendo a Autoridade Tributária calculado o valor do IRS relativo ao ano de 2007 em €392.804,23 e ao ano de 2008 em €449.770,85 (artigos 25º e 27º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> Os sujeitos passivos AA e BB tinham conhecimento das ações inspetivas supra mencionadas, como também conheciam a existência, âmbito e alcance do procedimento de derrogação do sigilo bancário, cuja autorização lhes foi notificada por ofício enviado por carta registada em 27 de janeiro de 2012 (artigo 28º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.22.</font></b><font> De igual modo, a notificação nos termos dos artigos 89º-A, nº3 e 60°, nº 1, alínea, ambos da LGT. foi concretizada aos referidos sujeitos passivos por ofício enviado em 2 de fevereiro de 2012, tendo tomado conhecimento, após o seu recebimento, dos concretos valores do rendimento coletável apurados pela inspeção tributária, e no qual foram instados a justificar a divergência entre o rendimento declarado (2007 e 2008) e o apurado com base na análise às suas contas bancárias (artigo 29º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.23.</font></b><font> Logo que os réus AA e BB foram notificados do procedimento de derrogação do sigilo bancário, mediante ofício que lhes foi enviado em 27 de janeiro de 2012, bem como da notificação que lhes foi enviada nos termos do artigo 89ºA e 60º, nº 1, alínea d) da LGT, mediante ofício que lhes foi enviado em 2/2/2012, data em que tomaram conhecimentos dos concretos valores do rendimento coletável apurados pela inspeção tributária e em que foram instados a justificar a divergência entre o rendimento declarado nos anos de 2007 e 2008 e o apurado, com base na análise às suas contas bancárias, formularam o propósito de não procederem ao pagamento do IRS devido, relativamente a esses dois anos, resolvendo desfazer-se do respetivo património, constituído por depósitos bancários e ativos financeiros (artigos 30º, 31º, 48º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.24.</font></b><font> Ao longo do mês de fevereiro de 2012 (sobretudo nesse mês, mas também nos subsequentes, e até dezembro de 2012, inclusive) verificaram-se várias transferências de ativos financeiros (saldos bancários e aplicações financeiras), por ordem de AA em favor dos seus pais CC e DD, transferências, essas que, globalmente, ascendem a um valor na ordem dos €3.700.000,00 (três milhões e setecentos mil euros), designadamente:</font><br>
</p><p><font>a) Valores creditados em contas bancárias cujo titular é o requerido CC:</font><br>
</p><p><font>a.1) Transferências no Banco Espírito Santo - conta n.º ...81</font>
</p><p><font>.6/2/2012 - TRF ...HL-AA - €119.000,00;</font>
</p><p><font>.7/2/2012 - TRF ...HN-AA - €10.965,00;</font>
</p><p><font>a.2) Transferências no Banco Santander Totta</font>
</p><p><font>.8/2/2012 - TRF ...HL-AA - €119.000,00;</font>
</p><p><font>.8/2/2012 - TRF ...HN-AA - €3.307,83;</font>
</p><p><font>.8/2/2012 - TRF ...HR-AA - €34.485,42;</font>
</p><p><font>.8/2/2012 - TRF ...JB -AA - €500.000,000;</font>
</p><p><font>.8/2/2012 - TRF ...Je-AA - €105.255,88;</font>
</p><p><font>.27/2/2012 - TRF ...OO-AA - €395.263,65;</font>
</p><p><font>.28/2/2012 - TRF ...SO-AA - €21.049,65;</font>
</p><p><font>.9/3/2012 - TRF ...KJ- AA - €31,41;</font><font> </font>
</p><p><font>.A3) Pagamentos de rendimentos e reembolsos de aplicações no Banco Santander Totta creditadas nas contas bancárias cujo titular é CC, conta n.º ...20</font><br>
</p><p><font>.15/2/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €3.941,25;</font><br>
</p><p><font>.27/2/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33;</font><br>
</p><p><font>.6/3/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC -€1.956,15;</font><br>
</p><p><font>.16/3/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €2.460,00;</font><br>
</p><p><font>.21/3/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €7.165,50;</font><br>
</p><p><font>.26/3/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33;</font><br>
</p><p><font>.28/3/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €4.243,35;</font><br>
</p><p><font>.28/3/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €424,33;</font><br>
</p><p><font>.28/3/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €1.082,16;</font><br>
</p><p><font>.26/4/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €636,17;</font><br>
</p><p><font>.26/4/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33;</font><br>
</p><p><font>.15/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €3.941,25;</font><br>
</p><p><font>.28/5/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33 €;</font><br>
</p><p><font>.6/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €1.956,15;</font><br>
</p><p><font>.15/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €119.404,17;</font><br>
</p><p><font>.18/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €2.460,00;</font><br>
</p><p><font>.21/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €7.165,50;</font><br>
</p><p><font>.26/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33;</font><br>
</p><p><font>.27/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €599.114,73;</font><br>
</p><p><font>.28/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €3.528,75;</font><br>
</p><p><font>.28/6/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €352,87;</font><br>
</p><p><font>.26/7/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €530,83;</font><br>
</p><p><font>.26/7/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33;</font><br>
</p><p><font>.16/8/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €3.941,25;</font><br>
</p><p><font>.27/8/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33;</font><br>
</p><p><font>.6/9/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €1.956,15;</font><br>
</p><p><font>.17/9/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €2.460,00;</font><br>
</p><p><font>.26/9/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9.33;</font><br>
</p><p><font>.28/9/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €3.343,50;</font><br>
</p><p><font>.28/9/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €334,35;</font><br>
</p><p><font>.26/10/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €461,39;</font><br>
</p><p><font>.26/10/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,33;</font><br>
</p><p><font>.15/11/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €3.862,50;</font><br>
</p><p><font>.26/11/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,27;</font><br>
</p><p><font>.6/12/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €1.916,78;</font><br>
</p><p><font>.7/12/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €2.411,25;</font><br>
</p><p><font>.26/12/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €9,27;</font><br>
</p><p><font>.28/12/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €2.769,90;</font><br>
</p><p><font>.28/12/2012 - TR-TRANSF SANTANDER TOTTA SC - €276,99.</font><br>
</p><p><font>A4) Transferências dos salários do Sr. AA, pagos pela M..., para a conta bancária cujo titular é CC;</font><br>
</p><p><font>b) Transmissões de apólices de seguros do S... S.A. a favor de AA:</font><br>
</p><p><font>.1/2/2012 - Plano Rend Setembro - €550.000,00;</font><br>
</p><p><font>. 1/2/2012 - Plano Rend Private Abril - €315.000,00;</font><br>
</p><p><font>.1/2/2012 - Plano Rend Private Set. 2013 - €96.000,00;</font><br>
</p><p><font>.1/2/2012 - Plano Rend Private Março de 2016 - €300.000,00;</font><br>
</p><p><font>.8/2/2012 - Rend Mensal Jan 2011 - €3.500,00;</font><br>
</p><p><font>.1/2/2012 - Plano Private Fev 2014 - €250.000,00 (artigo 32º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.25.</font></b><font> Apurados tais factos, foi CC, ao abrigo do disposto nos artigos 128º do CIRS, 59º, nº 4, da LGT e 28º e 29º do RCPITA, notificado, em 11 de Março de 2016, para informar a origem das duas entradas realizadas na conta do BES em 6 e 7 de fevereiro de 2012, nos montantes de €119.000 e €10.965, respetivamente, bem como relativamente à conta do Banco Santander Totta para justificar, comprovadamente a origem do depósito múltiplo efetuado em 20/04/2012, no valor de € 750,000, bem como de todas as outras referidas no artigo anterior, bem como para comprovar o património financeiro à data de 01/01/2012 respeitante a todas as aplicações financeiras, nomeadamente os produtos de seguros, existentes junto ao Banco Santander Torta, justificar de forma documentada, da data da constituição e da origem das aplicações financeiras existentes em 31/12/2012 indicados no extrato que foi anexado, e ainda a justificar, comprovadamente os valores registados a crédito na conta bancária com a denominação "..." (artigo 33º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.26.</font></b><font> Em 24 de março de 2016, CC e DD informaram o Sr. Diretor de Finanças ..., que:</font><br>
</p><p><font>- relativamente à conta bancária no BES nº ...81, a origem das duas entradas realizadas na conta em 6 e 7 de fevereiro de 2012, foram transferências efetuadas pelo seu filho AA, nos montantes de €119.000,00 e de €10.965,00 respetivamente;</font><br>
</p><p><font>-relativamente à conta bancária no Banco Santander Totta - ...20, a origem do múltiplo depósito efetuado no dia 20/4/2012, no valor de € 750.000, justifica-se pela saída dos Cofres Sociais da M... e que regularizou uma entrada nos mesmos cofres da sociedade no dia 24/2/2012 no mesmo montante, que saiu da mesma conta;</font><br>
</p><p><font>- quanto às transferências foram efetuadas pelo seu filho AA;</font><br>
</p><p><font>- quanto à data de constituição e da origem das aplicações financeiras existentes em 31/12/2012, são referente a apólices referentes a prémios de seguros constituídos por AA, cfr. quadro que anexaram;</font><br>
</p><p><font>- os valores registados a crédito na conta bancária, com a denominação "...", dizem respeito a salários do seu filho AA (artigo 34º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.27.</font></b><font> Acresce que, atendendo ao fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributáveis, no âmbito da ação inspetiva desencadeada a AA e BB, foi requerido nos termos do artigo 136º do CPPT e decretado o arresto (em 10/05/2012 no processo que correu sob o nº190/12.... no Tribunal Administrativo e Fiscal ...), dos saldos das contas bancárias (conhecidas) e de nove imóveis de que os sujeitos passivos eram titulares, até ao valor de €842.575,08 (artigo 36º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.28.</font></b><font> Ocorre, porém, que aquando da execução desse arresto, as contas bancárias não apresentavam qualquer saldo, e os imóveis tinham sido objeto de uma penhora no processo nº...2..., em que era exequente EE, sobrinho de AA (artigo 37º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.29.</font></b><font> Na referida ação executiva os bens imóveis vieram a ser adjudicados à sociedade I... Unipessoal, Lda., a qual foi constituída no dia 16/5/2012, data em que foi também registada a penhora dos imóveis (artigo 38º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.30.</font></b><font> Entre as contas bancárias objeto do arresto constam contas do Banco Santander Totta, das quais foram retirados os valores transferidos para as contas dos pais de AA e apurados na ação inspetiva (artigo 39º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.31.</font></b><font> Relativamente aos resultados inspetivos apurados em sede de IRS aos exercícios de 2007 e 2008, AA e BB apresentaram Recurso Judicial nos termos do artigo 89º A, nº 7, da LGT, da decisão do Diretor de Finanças ... de tributação por avaliação indireta, contencioso que correu termos no TAF ... sob o nº 168/12...., que veio a ser julgado improcedente, por decisão que foi confirmada pelo Tribunal Central Administrativo ..., transitada em julgado no dia 3 de maio de 2018, data após a qual foi liquidado o IRS devido e foi instaurada execução fiscal, com vista ao seu pagamento, na qual os referidos contribuintes deduziram oposição (artigo 41º da petição inicial, certidões de fls 605 e ss, requerimento de fls 670 - referência ...95 – e documentação com o mesmo junta);</font><br>
</p><p><b><font>1.32.</font></b><font> AA e BB, já em fevereiro de 2012, tinham perfeito conhecimento das ações inspetivas em curso (quer no plano individual, quer relativamente à Sociedade M..., S.A.), bem como das correções propostas, dos impostos em falta e ainda do procedimento de derrogação do sigilo bancário na sua esfera individual, sendo que não obstante e após esse conhecimento, AA, com o conhecimento e consentimento da sua mulher, a ré BB, transferiu de forma gratuita todo o seu património financeiro para os seus pais (artigo 42º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.33.</font></b><font> Neste momento, AA e BB não dispõem de quaisquer imóveis inscritos em seu nome, bem como veículos automóveis, além de que não obtêm rendimento de capitais, apenas auferindo rendimento da categoria A de IRS derivados do trabalho dependente exercido na M..., S.A. (artigo 43º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.34.</font></b><font> Todos os réus atuaram concertados com intenção de prejudicar o credor tributário, visando impedir qualquer possibilidade de êxito num eventual arresto, o que veio a suceder, bem como o sucesso numa ação executiva fiscal para pagamento do IRS relativo aos anos de 2007 a 2008 que viesse a ser liquidado da responsabilidade dos réus AA e BB, admitindo a possibilidade de vir a ser declarada a existência dessa dívida (artigos 50º, 51º, 52º, 53º, da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.35.</font></b><font> Através das ordens de transferência dos depósitos e ativos financeiros mencionadas em 5.24 visaram os réus subtrair todo o património financeiro dos réus AA e BB com a exclusiva finalidade de evitar a satisfação integral dos créditos do Estado relativos ao IRS de 2007 e 2008 que viesse a ser liquidado (artigos 54º, 67º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.36.</font></b><font> A ré BB é casada com o réu AA no regime de comunhão geral de bens (artigo 65º da petição inicial);</font><br>
</p><p><b><font>1.37.</font></b><font> A presente ação deu entrada em juízo em 31 de janeiro de 2017 e em 23 de janeiro de 2017 foi instaurado o procedimento cautelar de arresto apenso pelo autor (requerente) contra os réus (requeridos) (artigos 17º da petição inicial e 19º do articulado de resposta às exceções);</font><br>
</p><p><b><font>1.3 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzKpu4YBgYBz1XKv5CoL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div></div><b><u><font>Relatório</font></u></b><div><font> </font></div><font>Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa,</font><br>
<b><u><font>AA Bank (Portugal), S.A.</font></u></b><font>,</font><br>
<font>intentou a presente acção, com processo especial contra: </font><br>
<font>1- </font><b><u><font>BB – Restauração e Hotelaria, Ld.ª,</font></u></b><br>
<font>2- </font><b><u><font>CC,</font></u></b><br>
<font>3- </font><b><u><font>DD</font></u></b><br>
<font>4- </font><b><u><font>EE</font></u></b><font> e</font><b><u><font> </font></u></b><br>
<font>5- </font><b><u><font>FF, </font></u></b><br>
<font>alegando em resumo:</font><div><font> </font></div><font>- A 1ª requerida celebrou com o banco requerente um contrato de mútuo em 9/5/2001, que veio a ser alterado por aditamento de 17/5/2001;</font><br>
<font>- o valor do empréstimo era de 74.819,68 €;</font><br>
<font>- A 1ª requerida tem vindo a incumprir o contrato, encontrando-se em mora prestação no valor de 19.944,01€;</font><br>
<font>- A 1ª requerida entregou ao banco requerente, como garantia do mencionado mútuo, uma livrança em branco assinada pelos seus representantes legais, a qual foi avalizada pelos 2º a 5º requeridos;</font><br>
<font>- Ora, em data e por motivo que não foi possível apurar um funcionário da requerente apôs na dita livrança um carimbo com a menção de </font><u><font>“NULO”</font></u><font>, pelo que a requerente viu inutilizada a única garantia de pagamento do mútuo concedido, já que, face a tal menção, não pode preencher o título e dá-lo à execução.</font><div><font> </font></div><font>Requer então a reforma da aludida livrança nos termos dos Art.º 1069º e seg. do C.P.C..</font><div><font> </font></div><font>Realizada a conferência de interessados a que se refere o n.º 2 do Art.º 1069º do C.P.C., não se logrou obter acordo para a reforma do título.</font><div><font> </font></div><font>Os 1º, 2º, 3º e 5º requeridos contestaram.</font><div><font> </font></div><font>O 4º requerido faleceu, entretanto, encontrando-se devidamente habilitados os seus sucessores, tendo a habilitada </font><u><font>GG</font></u><font> oferecido contestação.</font><div><font> </font></div><font>Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><div><font> </font></div><font>Após audiência de discussão e julgamento, foi </font><u><font>proferida decisão que julgou a acção improcedente</font></u><font>, absolvendo os requeridos do pedido de reforma do mencionado título de crédito.</font><div><br>
</div><br>
<font>Recorreu o requerente, mas sem êxito, visto que a Relação, conhecendo da apelação, a julgou improcedente, </font><u><font>confirmando a sentença recorrida</font></u><font>.</font><div><br>
<br>
</div><br>
<font>Novamente inconformado, volta a recorrer o banco requerente, agora de revista e para este S.T.J..</font><br>
<br>
<b><u><font>Conclusões</font></u></b><div></div><font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><div><br>
</div><br>
<b><u><font>Conclusões da Revista do requerente</font></u></b><div></div><br>
<font>1. A aposição do carimbo "NULO" destruiu a livrança dada como garantia, inviabilizando a possibilidade da ora Recorrente recuperar o montante em dívida através da interposição de uma acção executiva.</font><br>
<font>2. Só através da reconstituição da livrança é possível tornar a livrança título executivo, nos termos dos art.s 46° e 805° do C.P.C..</font><br>
<font>3. A ratio do art. 1069° do C.P.C, é possibilitar que sejam ressuscitados títulos desaparecidos de forma irreversível, pelo que este é o processo indicado para voltar a dar à livrança em causa todo o seu sentido útil, já que não é possível retirar o carimbo "NULO" da mesma.</font><br>
<font>4. Acresce que a aposição do carimbo "NULO" na livrança não corresponde à intenção das partes de acordo com o art. 236° do Código Civil</font><br>
<font> </font><br>
<font>5. Tendo em conta que o contrato de mútuo celebrado nunca foi totalmente cumprido e que os aditamentos estabelecidos mantiveram sempre válida a livrança dada como garantia, pode concluir-se que um homem médio, colocado na posição dos Recorridos, sabe que a aposição do carimbo "NULO" não corresponde à vontade real de ambas as partes.</font><br>
<font>6. Posto isto, estamos perante uma livrança danificada uma vez que a aposição involuntária e inexplicável do carimbo de "NULO" impede que a livrança permita o exercício do direito da Recorrente a ser ressarcida do montante resultante do incumprimento.</font><br>
<font>7. Face ao exposto, encontram-se preenchidos os pressupostos de facto e de direito da aplicação do regime especial de reforma de títulos previsto no art. 1069.° do CPC, pelo que deverá a livrança, objecto dos presentes autos ser reformada em conformidade e ser desconsiderada a aposição da palavra "NULO" na mesma.</font><br>
<font>Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente e assim, revogado o douto Acórdão da Relação proferido, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!</font><div></div><font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font><br>
<br>
<b><u><font>Os Factos</font></u></b><div></div><font>As instâncias fixaram a seguinte factualidade:</font><div></div><b><u><font>Factos Provados</font></u></b><div></div><font>São os seguintes os factos considerados assentes no primeiro grau:</font><br>
<font>1. No exercício da sua actividade comercial a Requerente celebrou com a Requerida BB - Restaurante e Hotelaria, Lda., um "Contrato de Mútuo", em 09/05/01. que sofreu um aditamento em 17/05/01, cfr. documento de fls. 8 a 18, cujo teor se dá por reproduzido (A)).</font><br>
<font>2. Nos termos das cláusulas 2 e 4 do referido "Contrato de Mútuo" celebrado entre as partes a Requerida BB - Restaurante e Hotelaria, Lda. aceitou tal empréstimo, desde logo se confessando devedora da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos resultantes do contrato mencionado (C)).</font><br>
<font>3. Ficou também acordado entre as partes que a quantia mutuada seria utilizada de uma só vez, mediante crédito a conceder pela Requerente na conta de depósito à ordem n°... da Requerida BB - Restaurante e Hotelaria, Lda. junto do AA Bank Portugal (D)).</font><br>
<font>4. Nos termos da cláusula 10.1 do "Contrato de Mútuo" todos os Requeridos autorizaram desde logo a requerente a preencher tal livrança, pelos montantes correspondentes à totalidade ou parte das responsabilidades emergentes do contrato para a Requerida BB -Restaurante e Hotelaria, Lda. (F)).</font><br>
<font>5. O mencionado preenchimento ocorreria pelo não cumprimento por parte da BB - Restaurante e Hotelaria, Lda. de qualquer das obrigações pecuniárias decorrentes do "Contrato de Mútuo" ou pelo vencimento antecipado do contrato por qualquer motivo contratualmente previsto (G)).</font><br>
<font>6. Por "Aditamento ao Contrato" datado de 09/07/02, cfr. documento de fls. 22 a 26, cujo teor se dá por reproduzido, e que, por acordo das partes, faz parte integrante do "Contrato de Mútuo", a Requerente e a Requerida BB - Restaurante e Hotelaria, Lda. acordaram na prorrogação do prazo deste contrato até ao dia 09/07/07 (H)).</font><br>
<font>7. EE faleceu em 17/09/01 (J)).</font><br>
<font>8. A segunda assinatura constante no verso da livrança de fls. 21 foi aposta pelo punho do falecido EE (3º).</font><br>
<font>9. Nos termos do referido contrato a Requerente concedeu à Requerida BB - Restaurante e Hotelaria, Lda. um empréstimo no montante de € 74.819,68, com início em 09/05/01 e vencimento em 09/10/03 (4º).</font><br>
<font>10. Como forma adicional de titulação do crédito, a Requerida BB - Restaurante de Hotelaria, Lda. entregou na data da celebração do contrato uma livrança em branco assinada pelos seus representantes legais, cfr. documento de fls. 21. cujo teor se dá por reproduzido (5º).</font><br>
<font>11. Em 09/07/02 a primeira Requerida tinha reembolsado parte da quantia mutuada, encontrando-se em dívida a quantia de € 53.000,00 (6º).</font><div></div><br>
<b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div></div><font>No que é aqui essencial, as conclusões da revista limitou-se a reproduzir as oferecidas em sede de apelação (cof. conclusões n.º 5, 6, 7, 8, 9 e 10 da apelação).</font><div></div><font>Portanto, todas as questões suscitadas foram já aprecidas no recurso anterior. </font><br>
<font>Como estamos de acordo com a fundamentação e com a decisão do acórdão recorrido, para ele remetemos o recorrente nos termos do disposto no Art.º 713º n.º 5 do C.P.C..</font><div></div><font>Sem prejuízo, não deixará de se expor algumas sumárias considerações complementares.</font><br>
<br>
<font>A lei apenas prevê a reforma de títulos (como o aqui em causa) ou outros documentos, ocorrendo a sua </font><u><font>destruição</font></u><font>, </font><u><font>perda</font></u><font> ou </font><u><font>desaparecimento</font></u><font> (cof. Art. 484º do C. Com. Art. 1069 do C.P.C. e Art.º 367º do C.C.), sendo certo, porém, que desde sempre se interpretou tais expressões extensivamente, no sentido de abrangerem a subtracção fraudulenta do documento (furto, roubo, extravio), como a sua destruição parcial ou simples obliteração, designadamente, provocada pelo uso.</font><div></div><font>No caso concreto não ocorreu perda, extravio, subtracção ou desaparecimento do título de crédito que o recorrente pretende reformar.</font><br>
<font>O título em causa encontra-se na posse do banco requerente, seu legítimo dono.</font><br>
<font>Mas será que a aposição da menção de </font><u><font>NULO</font></u><font>, traduzirá uma situação de destruição ou obliteração justificativa do processo de reforma?</font><div></div><font>Como ensina A. Reis (Proc. Esp. – II – 64) “... pode acontecer que o proprietário do título esteja de posse dele e contudo necessita de o reformar, pelo facto de o papel não se encontrar em estado de servir de fundamento à exigência da respectiva obrigação. O título está nas mãos do proprietário, mas acha-se de tal modo destruído, gasto, obliterado, que não pode ser utilizado como instrumento de constituição de obrigação”.</font><br>
<font>Ora, salvo melhor opinião, parece-nos óbvio que a </font><u><font>situação de destruição a que se refere a lei</font></u><font>, ou de mera destruição parcial ou mesmo de obliteração, que temos por abrangidos no conceito legal, é </font><u><font>a situação ou estado físico do documento</font></u><font>, isto é, reporta-se à </font><u><font>situação de destruição material</font></u><font>, ainda que parcial, </font><u><font>de ruína ou de desgaste</font></u><font>, que elimine ou apague as características essenciais do documento, impedindo a sua utilização como instrumento de uma obrigação.</font><br>
<font>Não se refere a lei ao valor ou eficácia jurídica do título ou de qualquer menção nele aposta, visto que o processo de reforma </font><u><font>visa apenas a reconstituição física ou material do documento e não apreciar a sua relevância jurídica.</font></u><div></div><font>No caso dos autos, o requerente tem em seu poder o título (livrança), que não se encontra destruído, obliterado ou danificado física ou materialmente como se vê de fls. 21. O que ocorre é que foi aposto nesse título a menção de </font><u><font>NULO</font></u><font>, o que lhe retira a sua validade jurídica, pura e simplesmente.</font><div></div><u><font>Não se verifica</font></u><font>, pois, </font><u><font>qualquer necessidade de reconstituir fisicamente o título</font></u><font> que não se apresenta parcialmente destruído, obliterado ou danificado, no sentido acima referido e só este é o escopo do processo especial de reforma previsto no Art. 1096 e seg. do C.P.C..</font><br>
<font>Quando muito, trata-se de saber da validade ou invalidade da dita menção, isto é, se foi aposta por mero lapso ou erro desculpável, indagação para a qual não é apropriado este processo especial.</font><br>
<font>Para esse efeito terá o requerente de recorrer, querendo, ao processo comum.</font><div></div><font>Por conseguinte, o requerente não tem o direito de ver reformado o título em questão nos termos peticionados, daí a improcedência da acção.</font><br>
<div></div><br>
<font>De qualquer modo, a entender-se diferentemente, o que se admite como simples hipótese de trabalho, então sempre a requerente teria de justificar, ainda que sumariamente “os termos em que se deu a destruição ...” (n.º 1 do Art. 1069º), coisa que não fez, porquanto se limitou a alegar que “... </font><u><font>por motivo que não sabe precisar, foi por um funcionário da requerente aposto na livrança o carimbo com a menção de NULO</font></u><font>”.</font><br>
<font>Ou seja, ignora-se completamente as circunstâncias ou o motivo porque foi aposta no título a dita menção.</font><br>
<font>Ora, para além de ser incompreensível que o banco requerente não saiba explicar, um acto praticado pelos seus próprios serviços, a única conclusão que pode retirar-se do alegado, é que a aposição do carimbo com a menção de “NULO”, no título em causa, </font><u><font>foi um acto voluntário de um seu funcionário</font></u><font> (o que à partida afasta a possibilidade de reforma do documento), sendo certo que pela actuação dos seus funcionários ou colaboradores, responde o requerente e mais ninguém.</font><div></div><font>Assim, da referida factualidade, não pode concluir-se, como parece pretender a recorrente, que se tratou de um acto involuntário, de um lapso ou de um erro, ilações que, de resto, não tendo sido retiradas pelas instâncias, nunca estariam ao alcance do S.T.J., por se tratar de pura matéria de facto.</font><br>
<font>Notar-se-á ademais, que nos seus articulados nunca o requerente alegou que a aposição da aludida menção foi um acto involuntário executado por lapso ou erro do seu funcionário, como agora alega em sede de recurso ...</font><div></div><font>Diga-se finalmente que é completamente irrelevante que os requeridos não tenham conseguido provar a explicação que adiantaram para a oposição da dita menção de NULO no título em causa, não só porque da resposta negativa a um quesito, não resulta a prova do facto contrário, como era ao requerente que competia provar os pressupostos da pretendida reforma.</font><div></div><font>Improcedem, pelo exposto, todas as conclusões da revista.</font><div></div><b><u><font>DECISÃO</font></u></b><div></div><font>Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando o acórdão recorrido.</font><div><br>
</div><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><div><br>
</div><br>
<font>Lisboa, 7 de Abril de 2011</font><br>
<br>
<font>Moreira Alves (Relator)</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
<font>Camilo Moreira Camilo</font><div></div></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzLWu4YBgYBz1XKv-khd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. A autora, "A", CRL, propôs em 19.2.02 uma acção ordinária contra B e sua mulher C, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de 38.739,00 €, acrescida de juros legais vincendos.</font><br>
<font>Invocou como causas de pedir o empréstimo de determinadas quantias em datas situadas entre 1990 e 1992 e a venda das mercadorias referenciadas nas facturas juntas com a petição inicial, cujo preço, salvo pequenos pagamentos por conta</font><br>
<font>efectuados conforme documentos para que remete, os réus não satisfizeram.</font><br>
<font>Após julgamento dos factos foi proferida sentença que, dando procedência à excepção da prescrição presuntiva oportunamente invocada, absolveu os réus da parte do pedido referente ao fornecimento de mercadorias, no total de 17.560,81 €.</font><br>
<font>Sob recurso da autora a Relação decidiu anular o julgamento, mandando aditar um quesito à base instrutória, nos termos do art.º 712º, nº 4, do CPC, para o efeito de se apurar se os réus pagaram "as quantias referentes às facturas objecto da presente acção, além das quantias referidas nas alíneas C) e D) dos factos assentes" (fls 350, v).</font><br>
<font>Inconformados, recorrem agora os réus para o Supremo Tribunal, concluindo, de útil, que deve ser reposta a decisão da 1ª instância porque a Relação violou os art.ºs 317º, b), do Código Civil, 4º do Código Cooperativo, 1º e 2º do CSC, 13º e 230º do Código Comercial ao desconsiderar os pressupostos para aplicação da prescrição presuntiva.</font><br>
<br>
<font>Não foram apresentadas contra alegações.</font><br>
<br>
<font>2. Nesta fase do processo discute-se apenas uma das duas causas de pedir da acção: os fornecimentos feitos pela autora aos réus, discriminados nas facturas juntas com a petição inicial.</font><br>
<font>A esse propósito invocou-se na contestação, por um lado, a prescrição presuntiva prevista no art.º 317º, b), do CC, e, por outro, o pagamento.</font><br>
<font>Quanto à primeira excepção, a Relação considerou que ela não opera na situação ajuizada; quanto à segunda, decidiu mandar ampliar a matéria de facto, nos termos acima referidos, esclarecendo que isso facultaria aos réus "a prova do que alegaram e que lhes incumbe provar, por qualquer meio admitido em direito, e aos autores a contraprova ou a prova do contrário, pondo-se assim as coisas no seu justo pé".</font><br>
<font>No recurso os réus atacam somente a decisão tomada a respeito do afastamento da prescrição presuntiva; apesar da intima conexão lógica entre ambos, o outro segmento do acórdão recorrido é deixado incólume, não podendo, assim, ser reexaminado pelo Supremo, por não fazer parte do objecto da revista.</font><br>
<font>Assim isolada a questão a decidir, vejamos se assiste razão aos recorrentes.</font><br>
<font>Na parte que interessa ao caso, o art.º 317º, b), do CC diz que prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio.</font><br>
<font>A prescrição de que aqui se trata é uma prescrição presuntiva ou "imperfeita", na medida em que, decorrido o prazo legal, o que funciona, o que actua em termos jurídicos não é propriamente a extinção da obrigação - mais precisamente,</font><br>
<font>a recusa legítima do cumprimento da prestação por parte do beneficiário (art.º 304º, nº 1 do CC) - mas apenas a presunção do cumprimento; a "imperfeição", a incompletude resulta justamente da sua natureza presuntiva, e não extintiva do direito accionado.</font><br>
<font>A presunção do cumprimento pode ser ilidida por prova em contrário, que, no entanto, a lei só aceita que se faça por confissão do devedor (judicial e extrajudicial, mas neste caso ainda com a limitação de ter que se realizar por escrito - art.ºs 313º e 314º do mesmo diploma legal).</font><br>
<font>A prescrição presuntiva, portanto, tem um carácter diferente da prescrição comum; nesta, basta ao devedor invocar e provar a inércia do credor no exercício do direito durante o tempo fixado na lei; naquela, exactamente porque só se</font><br>
<font>presume o cumprimento, o devedor carece de provar os elementos (requisitos) que a caracterizam e definem. No caso ajuizado, o primeiro desses elementos é o tratar-se de créditos de um comerciante (citado art.º 317º, b).</font><br>
<br>
<font>Ora, foi elaborado um quesito - o 6º - sobre o facto do não pagamento ("os réus nunca entregaram à autora os montantes constantes das facturas"?"), que a 1ª instância considerou provado. Mas a Relação, e bem, alterou a resposta, julgando o quesito não provado, precisamente com o fundamento de que, a verificar-se a presunção do pagamento das mercadorias em causa (cereais e rações para animais), aquele facto só podia resultar provado mediante confissão dos réus devedores, nos termos das disposições legais atrás mencionadas; mas tal confissão, acrescentou-se, não ocorreu, nem mesmo sob a forma de confissão tácita, derivada da recusa do devedor a depor ou prestar juramento no tribunal, ou da prática em juízo de actos incompatíveis com o incumprimento. Como resulta do que já se disse, o acerto deste outro segmento do acórdão recorrido afigura-se indiscutível; e, de todo o modo, o simples facto de também ele não ter sido objecto da censura dos recorrentes na presente revista determina, por si só, o insucesso desta.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, os réus insistem em que a prescrição presuntiva opera na situação ajuizada porque, contrariamente ao decidido pela Relação, a recorrida é comerciante, isto é, exerce profissionalmente o comércio, tendo sido no exercício deste que lhes vendeu os produtos. Mas não é assim. Apenas está assente que a autora é uma cooperativa agrícola. E as cooperativas, por definição, não são sociedades, nem, consequentemente, sociedades comerciais, desde logo porque não têm escopo lucrativo, nos termos legais (art.º 2º do Código Cooperativo). Por outro lado, não resulta dos autos, nem que a autora seja um comerciante no sentido visado pelo art.º 13º do Código Comercial e acolhido no art.º 317º, b), do CC, isto é, alguém que exerça a título profissional uma determinada actividade económica com fins lucrativos, nem que os fornecimentos em causa no processo se inscrevam no âmbito dessa actividade. </font><br>
<font>Está provado que a actividade da autora enquanto cooperativa agrícola consiste na recolha, concentração e tratamento do leite, no fabrico e venda de queijos e derivados, bem como na comercialização, armazenagem e industrialização de cereais, e que no exercício desta sua actividade forneceu aos réus as mercadorias referidas nas facturas juntas ao processo (todas com data de vencimento situadas entre 1994 e 1999). Todavia, não tendo a 2ª instância retirado destes factos a ilação de que a autora é um comerciante na acepção indicada, parece que ao Supremo Tribunal sempre estaria vedado fazê-lo, na medida em que se trata de matéria de facto que enquanto tribunal de revista não lhe cabe julgar.</font><br>
<font>Assim, mostra-se acertado o veredicto da 2ª instância ao afastar a aplicação daquela presunção presuntiva por falta de verificação dos respectivos pressupostos, mas ao facultar aos réus, por outro lado, o ensejo de provar que cumpriram, nos termos do art.º 342º, nº 2, do CC, considerando que alegaram expressamente a excepção peremptória do pagamento nos artigos 2º, 14º e 15º da contestação.</font><br>
<br>
<font>É, como se viu, uma decisão correcta do ponto de vista estritamente legal porquanto o facto de não funcionar a inversão do ónus da prova associada à prescrição presuntiva em razão da ausência de confissão juridicamente relevante</font><br>
<font>não impede o devedor que tenha alegado o pagamento de fazer a prova deste para se livrar da obrigação; e as coisas passam-se assim porque a invocação do pagamento não é substancialmente incompatível com a presunção de cumprimento (art.º 314º, 2ª parte, do CC). Mas é também, para além disso, uma decisão que abre as portas a uma solução final do litígio assente no apuramento da verdade material, desfecho este que deve sempre prevalecer quando não se</font><br>
<font>anteveja a impossibilidade prática de conciliar o valor da segurança jurídica com o valor, mais alto, da justiça.</font><br>
<br>
<font>3. Nestes termos, nega-se a revista.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Maio de 2005</font><br>
<font>Nuno Cameira, </font><br>
<font>Sousa Leite,</font><br>
<font>Salreta Pereira.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTK6u4YBgYBz1XKvqDhL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i><br>
<br>
<font>I. </font><font>AA intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra </font><b><font>BB, CC e DD </font></b><font>pedindo a anulação das escrituras de doação, que identifica, outorgadas por si e seu irmão a favor do 1º R e o consequente cancelamento dos registo efectuados com base em tais escrituras.</font><br>
<font>Pede, ainda, a condenação dos RR no pagamento de uma indemnização de € 200000.</font><br>
<font>Alegou, em síntese, que, por razões que indica, os negócios consubstanciados nas escrituras são usurários.</font><br>
<br>
<font>Os RR BB e CC contestaram por excepção – alegando a caducidade do direito da A à anulação das escrituras – e por impugnação.</font><br>
<font>A R DD excepcionou a sua ilegitimidade e impugnou os factos articulados pela A.</font><br>
<br>
<font>Findos os articulados foi proferido saneador-sentença em que se decidiu:</font><br>
<font>- julgar a R DD parte ilegítima na acção e absolvê-la, consequentemente, da instância;</font><br>
<font>- julgar procedente a excepção da caducidade e absolver os (restantes) RR do pedido.</font><br>
<br>
<font>Desta sentença apelou a A tendo, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sido julgada improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><font> Inconformada com esta decisão interpôs a A o presente recurso de revista.</font><br>
<br>
<font>Nas conclusões da sua alegação diz a recorrente:</font><br>
<font>1) A carta de 18/9/01 foi subscrita por advogado com vista a uma negociação;</font><br>
<font>2) Não tendo valor probatório, atento o disposto no artigo 87º nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados;</font><br>
<font>3) Impõe-se, por isso mesmo, o seu desentranhamento;</font><br>
<font>4) Aliás, não está provado que a A e o seu irmão tivessem mandatado aquele advogado para subscrever a carta;</font><br>
<font>5) Estamos perante um negócio usurário que merece forte censura, conforme o alegado;</font><br>
<font>6) O prazo consignado no artigo 287º CCv conta-se a partir da cessação do estado de necessidade da A;</font><br>
<font>7) O problema do negócio usurário não se pode equacionar tendo apenas em conta o seu aspecto objectivo;</font><br>
<font>8) A justiça interna do negócio não se limita a uma mera equivalência objectiva de prestações;</font><br>
<font>9) Sendo necessário que os contraentes, “maxime” o lesado adiram a esse equilíbrio;</font><br>
<font>10)O que não acontece no caso vertente;</font><br>
<font>11)A correcção do desequilíbrio, que não houve, das prestações por factores exteriores e independentes do querer, quer do lesado quer do usurário, não provam, nem sequer indiciam que qualquer deles deixou de considerar o negócio injusto;</font><br>
<font>12) Tanto mais que os RR forma objecto de queixa-crime intentada pelos AA;</font><br>
<font>13) E se a A continua a entender que o negócio se mantém injusto o ordenamento jurídico deve continuar a dar-lhe a possibilidade de corrigir essa injustiça;</font><br>
<font>14) Não tendo ocorrido a cessação da lesão não se pode falar em caducidade do direito de requerer a anulação do negócio.</font><br>
<br>
<font>Por tudo isto, conclui, devem os autos baixar à 1ª instância para elaboração da base instrutória.</font><br>
<br>
<b><font>III.</font></b><font> Nas decisões das instâncias foi dada como assente a seguinte matéria de facto:</font><br>
<br>
<b><font>A)</font></b><font>Por escritura pública de doação de 6 de Agosto de 2001, lavrada no 2º Cartório Notarial de Almada …, AA e BB declararam perante a ajudante principal do Cartório, DD, a primeira doar ao segundo a nua propriedade dos imóveis descritos no artigo 1º da petição inicial, no valor global de € 30785,65, reservando para si o usufruto dos bens doados e sucessivamente para o seu irmão EE, e o segundo aceitar a doação;</font><br>
<b><font>B)</font></b><font>Por escritura publica da mesma data e lavrada no mesmo local EE e BB declararam por escrito, perante a ajudante principal do cartório, DD , o primeiro doar ao segundo a nua propriedade dos imóveis descritos no artigo 2º da petição inicial, no valor global de € 59035,72, reservando para si o usufruto dos bens doados, e o segundo aceitar a doação;</font><br>
<b><font>C)</font></b><font>EE faleceu no dia 20 de Janeiro de 2002;</font><br>
<b><font>D)</font></b><font>Por escritura publica de habilitação lavrada a 17 de Julho de 2002 no 1º Cartório de Competência Especializada de Lisboa, AA declarou, por escrito, perante notário, o falecimento de EE, que o falecido deixou testamento na qual a instituiu única herdeira, não existindo ninguém que lhe prefira ou que com ela concorra à sucessão;</font><br>
<b><font>E)</font></b><font>Por testamento lavrado a 27 de Fevereiro de 1969, no 17º Cartório Notarial de Lisboa, EE, declarou por escrito, perante Notário, que deixa a sua irmã AA todos os bens ou a quota disponível se de todos não puder dispor por lhe sobreviver sua mãe;</font><br>
<b><font>F)</font></b><font>Fernando Velez, advogado, em representação de EE e AA, enviou a BB, que recebeu, carta datada de 18 de Setembro de 2001, na qual expressa intenção dos seus clientes de resolver as doações outorgadas por escrituras se 6 de Agosto de 2001;</font><br>
<b><font>G)</font></b><font>A presente acção foi apresentada em Juízo no dia 20 de Maio de 2003.</font><br>
<br>
<b><font>IV.</font></b><font> Apreciando e decidindo.</font><br>
<br>
<b><font>A primeira questão</font></b><font> suscitada pela recorrente tem a ver com a admissibilidade ou não como meio de prova da carta subscrita por advogado junta a fls. 75 dos autos e referida na alínea F da factualidade assente.</font><br>
<font>Sobre este ponto:</font><br>
<font>O Estatuto da Ordem dos Advogados, particularmente o seu artigo 87º, estabelece uma proibição de utilização de elementos de prova relativos a factos abrangidos pelo sigilo profissional.</font><br>
<font>Entre esses factos contam-se:</font><br>
<font>- os referentes a assuntos profissionais revelados pelo cliente ou conhecidos no exercício da profissão;</font><br>
<font>- os comunicados por co-interessado;</font><br>
<font>- os comunicados pela parte contrária durante negociações para acordo amigável e relativos à pendência;</font><br>
<font>- os considerados sigilosos que, em virtude de cargo ocupado na Ordem, tenham sido comunicados ao advogado por qualquer colega.</font><br>
<br>
<font>Considerar-se-ão, igualmente, abrangidos pelo sigilo profissional os factos contidos em comunicações, dirigidas por advogado a outro colega, nas quais se manifeste clara e equivocamente, aquando da sua expedição, o seu carácter confidencial (“without prejudice”, na terminologia anglo-saxónica).</font><br>
<font>A carta em apreço é dirigida por advogado (alegadamente em nome da aqui A e do seu irmão) ao aqui R BB, limitando-se a manifestar o propósito de revogação das doações e a sugerir um acordo nesse sentido; o seu conteúdo não se enquadra em qualquer das situações acima enunciadas e o seu destinatário não está vinculado a qualquer dever especial de sigilo.</font><br>
<font>É, assim, perfeitamente legitima a sua utilização como meio de prova pelo que falece este segmento do recurso.</font><br>
<br>
<font>Posto isto, e tendo em conta as conclusões da alegação da recorrente e as decisões das instâncias, importante, decisivo mesmo, se torna determo-nos sobre </font><b><font>uma segunda questão </font></b><font>ou seja sobre o conteúdo dessa carta e sobre o raciocínio que a partir dela é efectuado pelas instâncias (lembramos que no Acórdão recorrido se remete pura e simplesmente para a decisão de 1ª instância).</font><br>
<font>Na alínea F) da factualidade assente dá-se como provado que a carta, subscrita por advogado (não o que actualmente patrocina a A), foi dirigida ao R Vedor em representação da A AA e do seu irmão (entretanto falecido) EE.</font><br>
<font>A partir daqui entendem as decisões das instâncias que (cita-se) pelo “</font><i><font>menos a partir da data desta missiva (18/09/2001), a A e seu irmão tiveram vontade de anular as escrituras outorgadas</font></i><font>”; acrescentando-se que “</font><i><font>tendo em consideração que as escrituras foram outorgadas em 6 de Agosto de 2001, que a A e o EE revelaram a intenção de as anular em 18 de Setembro de 2001 e que a presente acção foi intentada em 20 de Maio de 2003, duvidas não restam que se mostra caducado o direito da A</font></i><font>”.</font><br>
<font>Ora essa aludida carta é um mero documento particular não subscrito pela A ou pelo seu falecido irmão (também outorgante de uma das escrituras em causa) e que se encontra impugnado, ainda que de forma genérica, no artigo 13º da réplica.</font><br>
<br>
<font>Não tendo, nem podendo ter, tal documento a força probatória que ao mesmo foi conferida pelas instâncias, não podendo nomeadamente concluir-se que o advogado subscritor o redigiu e enviou em representação da A e do seu referido irmão, não poderia do mesmo extrair-se que, para efeitos do disposto no artigo 287º nº 1 CCv, deva, na data da sua elaboração e remessa, considerar-se cessado o vicio que serve de fundamento à arguição da anulabilidade.</font><br>
<font>A carta junta a fls. 75 dos autos, porque não pode ser entendida como um acto pessoal da A ou do seu irmão do qual resulte a verificação da cessação do vício do negócio jurídico por ela invocado, não prova (porque tal documento não tem virtualidade bastante) que eles tenham em 18 de Setembro de 2001 revelado a intenção de anular as escrituras de doação; a única conclusão que se poderá tirar é que o subscritor de tal documento afirmou, sem o demonstrar, que actuava em nome deles.</font><br>
<font>Não podendo deste facto retirar-se as consequências que retiraram as instâncias</font><font> (1)</font><font>, e sendo ele fundamento da decisão recorrida deve questionar-se se, apesar disso, não fornecem os autos elementos suficientes para se concluir que efectivamente, e nos termos do disposto no artigo 287º nº 1 do CCv, caducou o direito que a A pretende fazer valer na presente acção.</font><br>
<br>
<font>Entendemos que sim e justificaremos porquê.</font><br>
<br>
<font>O artigo 287º nº 1 do CCv é claro ao estabelecer um prazo de caducidade de um ano após a cessação do vicio que serve de fundamento à arguição da anulabilidade do negócio jurídico por ele atingido; como refere Carvalho Fernandes</font><font> (2)</font><font> findo o prazo estabelecido naquela disposição legal cessa por caducidade o direito a arguir a anulabilidade e a invalidade afectadora do negócio jurídico sana-se.</font><br>
<font>Tal como a configura o nosso ordenamento jurídico a caducidade traduz-se na pré-fixação normativa de um prazo dentro do qual pode e deve ser exercido um direito.</font><br>
<br>
<font>Este entendimento conduz a que alguma (escassa) doutrina</font><font> (3).</font><font> e jurisprudência</font><font> (4)</font><font> defenda a sua inclusão na esfera da defesa por impugnação, considerando que o respeito por aquele prazo é um facto constitutivo do direito do A.</font><br>
<font>Não seguindo este entendimento e antes acompanhando os que defendem que a arguição da caducidade do direito se insere no quadro da defesa por excepção (peremptória), analisaremos, no quadro que nos é oferecido, a questão.</font><br>
<br>
<font>Alicerça a A a causa de pedir, como dissemos, no disposto no artigo 282º nº 1 CCv, aduzindo factos que, alegadamente, qualificam as doações efectuadas como negócios usurários. Para tanto alega que os RR exploraram o estado de incapacidade (acidental) em que ela e seu irmão se encontravam à data da celebração das escrituras.</font><br>
<font>Em momento algum alega a A, na petição inicial, a partir de que momento cessou essa situação de incapacidade.</font><br>
<font>Perante a defesa por excepção (peremptória) de caducidade do direito vem a A referir na réplica que (artigo 5º) “quando a A e o seu irmão foram alertados para o verdadeiro alcance das escrituras tiveram um choque emocional enorme que os transtornou, de sorte que foi causa directa da morte do irmão da A”.</font><br>
<font>É, assim, a própria A que confessa inequívoca e expressamente que tomou consciência do vício de que, em seu entender, enfermava o negócio, antes da morte do seu irmão ocorrida, como está demonstrado (alínea C dos factos assentes) a 20 de Janeiro de 2002.</font><br>
<br>
<b><font>Assim sendo e tendo a acção sido proposta a 20 de Maio de 2003 já tinha obviamente decorrido o prazo de caducidade a que alude o artigo 287º nº 1 do CCv</font></b><font>.</font><br>
<br>
<b><font>Percorramos, agora, a ultima questão suscitada pela recorrente</font></b><font>.</font><br>
<font>Afirma-se, em síntese, que não tendo ocorrido a cessação da lesão (na óptica da recorrente, por não ter havido correcção do desequilíbrio das prestações) não se pode falar em caducidade do direito de requerer a anulação do negócio jurídico.</font><br>
<br>
<font>Com todo o respeito esta questão que é suscitada nada tem a ver com a questão “sub judicio” ou seja com a caducidade ou não do direito invocado.</font><br>
<br>
<font>Estabelecendo a nossa lei civil – </font><b><font>artigo 282º nº 1 CCv</font></b><font> – uma noção de negócio usurário em que relevam, necessariamente, </font><b><font>um elemento subjectivo</font></b><font> – </font><i><font>verificação de uma situação de dependência traduzida numa relação injustificada de dependência ou subordinação psicológica, social ou económica </font></i><font>– e um </font><b><font>elemento objectivo</font></b><font> – </font><i><font>verificação de uma injustificada desproporção económica de prestações</font></i><font> – prevê simultaneamente uma cominação de anulabilidade dos negócios jurídicos usurários</font><font> (5)</font><font>, funcionando para efeitos de arguição (por via judicial) dessa anulabilidade o estatuído no nº 1 do artigo 287º do mesmo diploma legal</font><font> (6)</font><font>.</font><br>
<font>O prazo de um ano ali referido contar-se-á a partir do momento da cessação do vício ou seja do estado em que cessou (comprovadamente) a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter do lesado</font><font> (7).</font><font>, configuradora do tal elemento subjectivo.</font><br>
<br>
<font>Independentemente da permanência dos efeitos do negócio jurídico na esfera patrimonial dos contraentes (da manutenção da desproporção de prestações) </font><b><font>a contagem do prazo de caducidade decorre a partir do momento em que aquele que outorgou o negócio em condições anómalas de vulnerabilidade (de dependência ou inferioridade mental) adquiriu normal consciência da prejudicialidade de tal negócio</font></b><font>.</font><br>
<br>
<font>Decorrido esse prazo a invalidade afectadora fica sanada, mantendo-se, com os consequentes reflexos patrimoniais, os efeitos do negócio celebrado.</font><br>
<font>Não têm qualquer fundamento legal os argumentos que, neste segmento são aduzidos pela recorrente.</font><br>
<br>
<b><i><font>Por tudo o que fica exposto, acorda-se em negar a revista, ainda que por diferentes razões das constantes na decisão recorrida</font></i></b><font>.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 17 de Abril de 2008</font><br>
<br>
<font>Mário Mendes</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<br>
<font>____________________________________</font><br>
<br>
<font>(</font><font>1)</font><font> Trata-se, em nosso entender, de uma situação sindicável por este Tribunal nos termos do disposto no artigo 722º nº 2 2ª parte CPC.</font><br>
<font>(2) Teoria Geral, 1983, 2º, página 488.</font><br>
<font>(3) Dias Marques, “O Direito” – 84º/250.</font><br>
<font>(4) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7/1/1958, JR, 4º/229</font><br>
<font>(5)</font><font> A opção é criticada por alguns autores, como é o caso de Menezes Cordeiro, que consideram o regime pouco favorável para o lesado.</font><br>
<font>(6) Como afirmam Pires de Lima/Antunes Varela – Código Civil Anotado – Volume I – 3ª edição – comentário ao artigo 287º, o negócio anulável é um negócio válido enquanto não for anulado.</font><br>
<font>(7) Exceptuam-se as situações em que o negócio não estiver ainda cumprido – nº 2 do artigo 287º.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTLAu4YBgYBz1XKvlTyV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font>AA intentou, na Comarca de Viana do Castelo, acção, com processo ordinário, contra “Companhia de Seguros BB, SA”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 38875,00 euros, acrescida de 600,00 euros mensais, despesas médicas e medicamentosas que venha a suportar ou, em alternativa àquela quantia mensal 50.000,00 euros, tudo a titulo de indemnização por danos sofridos em acidente de viação. </font><br>
</p><p><font>A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré no pagamento de 33857,00, “por danos morais e patrimoniais” (sendo 20.000,00 euros a titulo de danos morais com juros “desde a data da presente decisão até efectivo pagamento”).</font><br>
</p><p><font>Mais a condenou no pagamento da “renda vitalícia” de 600,00 euros mensais.</font><br>
</p><p><font>Apenas apelou a Ré.</font><br>
</p><p><font>A Relação de Guimarães alterou o julgado condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de 25.807,00 euros (mantendo os 20.000,00 euros a titulo de dano não patrimonial) “acrescida da prestação vitalícia de 250,00 euros mensais, desde a propositura da acção.”</font><br>
</p><p><font>Pede, agora, o Autor, revista para concluir dever:</font><br>
</p><p><font>- ‘Fixar em 600,00 €/mês a indemnização devida ao recorrente pelos danos patrimoniais de natureza continuada que sofreu e vem suportando, em consequência deste acidente, </font><b><font>consubstanciados na necessidade permanente do auxilio de uma terceira pessoa; </font></b><br>
</p><p><b><font>- </font></b><font>Reportar valorizar </font><b><font>e </font></b><font>contabilizar este dano, desde </font><b><font>a </font></b><font>data em </font><b><font>que se </font></b><u><font>demonstrou ter começado </font></u><b><u><font>a </font></u></b><u><font>verificar-se, 10 de Março de 2003 e enquanto o mesmo persistir, </font></u><font>como acontece no presente momento; </font><br>
</p><p><font>- Condenar-se a Ré/recorrida no pagamento de todas as despesas médicas, medicamentosas, de internamento hospitalar e outras que este (lesado) tiver de suportar como resultado ou em consequência das lesões sofridas neste acidente, a liquidar em execução de sentença; </font><br>
</p><p><font>- Condenar-se a Ré no pagamento dos juros legais das indemnizações que vierem a ser arbitradas ao recorrente, a partir da citação da Ré para contestar esta acção, ou, se assim se não entender, relativamente aos danos de natureza não patrimonial, condenar-se a Ré/recorrida no pagamento dos juros relativos a essa importância, devidos desde a data da realização da audiência de julgamento até ao seu pagamento </font><br>
</p><p><font>Assim se sintetizam as longas conclusões formuladas.</font><br>
</p><p><font> Foram produzidas contra alegações em defesa do julgado.</font><br>
</p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><u><font>matéria de facto</font></u><font>:</font><br>
</p><p><font>A) Em 28.02.03, pelas 10.30 horas, CC estacionou o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula 00-00-EV, propriedade de Âncora Mar — Mariscos, Lda., junto ao lado esquerdo e topo Sul da Capela das Malheiras, na Rua Gago Coutinho, cidade de Viana do Castelo. </font><br>
</p><p><font>B) Do local onde se encontrava estacionado, o condutor do EV não podia avançar para Norte e, por isso, empreendeu uma manobra de marcha-atrás no sentido Norte – Sul. </font><br>
</p><p><font>C) O autor nasceu a 26.08.1923 – certidão de fis. 23. </font><br>
</p><p><font>D) À data do acidente, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação com o veículo de matrícula 00-00-EV encontrava-se transferida para a ré. Mediante contrato de seguro titulado pela apólice no 02-0000699858. </font><br>
</p><p><font>E) À data do acidente o condutor do veículo de matrícula 00-00.EV conduzia-o de acordo com ordens da sua entidade empregadora ou seja a proprietária do referido veículo e já referida na alínea A. </font><br>
</p><p><font>F) No local do acidente, a rua Gago Coutinho tem uma largura de cerca de 10 metros. </font><br>
</p><p><font>G) E só é permitido trânsito no sentido ascendente (sul — norte), para cargas e descargas. </font><br>
</p><p><font>H) O EV estava estacionado sobre o piso em granito que ladeja a Capela das Malheiras. </font><br>
</p><p><font>I) Quando o autor iniciou a travessia da rua, não se processava qualquer trânsito de veículos em todo a rua. </font><br>
</p><p><font>J) O autor atravessou a rua em diagonal, da direita para a esquerda. </font><br>
</p><p><font>K) O autor acedeu ao piso em granito que ladeia a capela das Malheiras.</font><br>
</p><p><font>L) Quando caminhava já sobre o referido piso em granito, o condutor do EV iniciou a manobra de marcha-atrás. </font><br>
</p><p><font>M) Após ter percorrido uma distância de 3 a 5 m em marcha-atrás, o EV foi embater no autor; </font><br>
</p><p><font>N) O autor foi colhido do seu lado direito pela parte média traseira do EV </font><br>
</p><p><font>O) Se tivesse olhado pelos espelhos retrovisores antes do início da execução da manobra, o condutor do EV teria visto o autor; </font><br>
</p><p><font>P) O condutor do EV só se apercebeu da presença do autor após o embate </font><br>
</p><p><font>Q) Em consequência do acidente, o autor sofreu traumatismo da anca esquerda e do ombro esquerdo, fractura trocantérica do fémur esquerdo e fractura do colo do úmero esquerdo. </font><br>
</p><p><font>R) No Centro Hospitalar do Alto Minho, foi-lhe efectuada redução da fractura do ombro e encavilhamento com cravo Gama, mais imobilização da fractura do ombro com Gerdy. </font><br>
</p><p><font>S) O autor ficou internado até 10.03.03. </font><br>
</p><p><font>T) Naquela data teve alta melhorada com transporte e orientado para a consulta externa. </font><br>
</p><p><font>U) Manteve-se em observação na consulta externa até Maio de 2003. </font><br>
</p><p><font>V) Depois da alta hospitalar de 10.03.03, manteve-se retido no leito, em casa, durante cerca de três meses. </font><br>
</p><p><font>W) Em 02.06.03, a fractura do colo do úmero havia-se consolidado e a fractura do colo do fémur esquerdo estava o consolidar em varo com vareta e cravo exteriorizados. </font><br>
</p><p><font>X) Em 19.06.03 foi operado para lhe ser retirado o material de osteossíntese. </font><br>
</p><p><font>Y) E foi-lhe feita fixação provisória com fio de Kirschen, acentuando-se a posição viciosa face à sua idade. </font><br>
</p><p><font>Z) Em 04.02.04, retirou os fios de Kirschen da anca esquerda. </font><br>
</p><p><font>AA) A partir de Fevereiro de 2004, fez 118 sessões de fisioterapia. </font><br>
</p><p><font>BB) Como sequela do acidente, o autor ficou portador de rigidez moderada do ombro esquerdo </font><br>
</p><p><font>CC) E encurtamento do membro inferior esquerdo em 4,5 cm. </font><br>
</p><p><font>DD) …dores na anca esquerda com limitação da mobilidade da coxa femoral. </font><br>
</p><p><font>EE) Tais lesões e sequelas determinaram-lhe uma incapacidade permanente geral de 40%. </font><br>
</p><p><font>FF) E a necessidade de apoio permanente de uma terceira pessoa. </font><br>
</p><p><font>GG) O autor só consegue locomover-se por curtos espaços, apoiado em duas muletas e com a ajuda de uma terceira pessoa. </font><br>
</p><p><font>HH) Antes do acidente, o autor era saudável e cheio de vitalidade. </font><br>
</p><p><font>II) Vivia sozinho confeccionava as suas próprias refeições, tratava das suas roupas e da limpeza da casa, conduzia um veículo automóvel e passeava. </font><br>
</p><p><font>JJ) A partir de 10.03.03, foi viver para casa de um filho. </font><br>
</p><p><font>KK) A sua nora presta-lhe assistência permanente, confeccionando-lhe as refeições, tratando-lhe das roupas, ministrando-lhe os medicamentos, ajudando-o a locomover-se, a deitar-se e a levantar-se diariamente. </font><br>
</p><p><font>LL) Os factos descritos nos quesitos anteriores causam ao autor sofrimento, revolta e frustração. </font><br>
</p><p><font>MM) O autor paga à sua nora, desde 10.03.03, a quantia de €600,00 mensais. </font><br>
</p><p><font>NN) O autor despendeu € 57,00 na deslocação da sua residência ao hospital no Porto para ser observado. </font><br>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
</p><p><font>Conhecendo, </font>
</p><p><font>1- Âmbito do recurso.</font><br>
<font>2- Subvenção mensal.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>1- Âmbito do recurso</font></b><font>.</font>
</p><p><br>
</p><p><font>Tratando-se de lide destinada a efectivar a responsabilidade extra contratual, o recorrente não questiona o evento lesivo, a culpa e o nexo causal mas, e tão-somente, os “quanta” indemnizatórios dos danos sofridos.</font><br>
</p><p><font>Mas, mesmo nesta sede, parece ter esquecido que os recursos são meios destinados a corrigir o menor acerto (“error in judicando” ou “error in procedendo”) da decisão recorrida que não para decidir questões novas, sob pena de se ultrapassar um grau de jurisdição (cf. v.g. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1993 CJ, 1993, 150, de 7 de Janeiro de 1993 – BMJ 423-539 e 9 de Março de 1993 – BMJ -425-438 e de 18 de Maio de 2006 – 06 A1222, desta conferencia, representando, “inter alia” uma jurisprudência uniforme).</font><br>
</p><p><font>E são de considerar questões novas todos as que não forem suscitadas em termos de terem sido apreciadas e decididas pelo juízo “a quo” (salvo se lhe tiverem passado despercebidas, então na comissão da nulidade do artigo 668º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil) ou que tenham sido excluídas do âmbito do recurso por delimitação expressa ou por a parte que as poderia ter suscitado não recorrer principal ou subordinadamente.</font><br>
</p><p><font>Ora, o recorrente não impugnou a decisão da 1ª instância onde se fixaram o montante dos danos morais e o “terminus a quo” dos respectivos juros; não questionou as despesas médicas, medicamentosas e hospitalares futuras que aquela decisão não arbitrou, não tendo, por isso, a Relação emitido pronuncia sobre esses pontos, com o que se terá, então, conformado.</font><br>
</p><p><font>Daí que não possa agora vir suscitar tais questões na revista.</font><br>
</p><p><font>O âmbito do recurso fica, assim, limitado ao montante da subvenção vitalícia, não sendo de conhecer os restantes segmentos conclusivos, “maxime” o inicio do vencimento da subvenção vitalícia.</font><br>
</p><p><font> É que a sentença da 1ª instância arbitrou ao recorrente “a renda mensal vitalícia de 600,00 euros, a pagar até ao dia 10 de cada mês, com início em Fevereiro de 2005”.</font><br>
</p><p><font>E mais uma vez o Autor não impugnou esse termo inicial o que, se dele discordava, deveria ter feito em apelação, não havendo decisão sobre esse ponto pelo tribunal “a quo” pelo que integra, também, matéria nova aqui não cognoscível.</font><br>
</p><p><font>2- </font><b><font>Subvenção mensal</font></b><font>.</font><br>
</p><p><font>A Relação considerou que o montante mensal de 600,00 euros era excessivo e reduziu-o para 250,00 euros.</font><br>
</p><p><font>E considerou que:</font>
</p></font><p><font><font>“Impor à ré o pagamento do valor entregue pelo autor a seu filho e nora pelos alimentos (em sentido lato) que eles lhe prestam, traduziria um enriquecimento injustificado relativamente ao estritamente necessário a reparar (na medida do possível) as sequelas do acidente. </font><br>
<font>O autor tem actualmente 83 anos, mas de acordo com o depoimento da própria nora que dele cuida, a única limitação funcional resultante do acidente prende-se com a perna esquerda que, para além do encurtamento de 4,5 cm, ficou limitada nos movimentos da ligação coxo femoral. </font><br>
<font>Todavia, na avaliação pericial constante de fls. 110 assinala-se que “as sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade da vida geral, mas implicam esforços suplementares. </font><br>
<br>
<font>Tal significa que a dependência de terceiro que o A. revela para a execução de algumas tarefas do seu quotidiano não tem como causa única as sequelas do acidente sofrido. </font><br>
<br>
<font>Por conseguinte, a indemnização a arbitrar para ressarcimento de tal limitação funcional há-de levar em conta tal circunstancialismo, fixando-se num valor constante por elementar pragmatismo, sem embargo de na sua determinação se sopesar a depreciação expectável do seu natural limite de vigência.”</font><br>
<br>
<font>Aceita-se, por sensata e ponderada, a argumentação do aresto recorrido, sendo, outrossim, de atentar que a assistência prestada, no dia a dia pela nora e pelo filho a um pai com 83 anos de idade terá sempre uma componente primeira de solidariedade familiar – exigível de acordo com os padrões que historicamente vêm regendo a vida em sociedade – e que transcende o dever de prestação alimentícia dos descendentes consagrado na alínea c) do nº 1 do artigo 2009 do Código Civil.</font><br>
<font>Certo que é irrealista conceber uma sociedade movida, apenas, por critérios morais e éticos que prescinda de certa compensação de incómodos e sacrifícios, ainda que sofridos no exercício de um estrito dever da família nuclear, centrípeta.</font><br>
<font>Só que, o ressarcimento desses incómodos – ainda que admissível face à dogmática do artigo 496º do Código Civil – representaria um dano não patrimonial próprio dos parentes, que não da vítima e não seria perceptível pelo meio aqui em controvérsia.</font><br>
<font>De outra banda, não foi alegado nem provado que o filho e a nora do lesado tivessem de suportar despesas extraordinárias com o pai (como, por exemplo, em alimentos, medicamentos, etc.) que, aliás tem meios para tal – (note-se que a Relação aceitou que o Recorrente aufere uma pensão de 650,00 euros, da França).</font><br>
<font>Daí que o montante encontrado – 250,00 euros mensais – traduza o que é razoavelmente equivalente ao que o Autor despenderia com quem o ajudasse no dia a dia e que será de elementar justiça contribuir com essa quantia para o lar de acolhimento, não representando um seu enriquecimento e podendo ressarcir o filho e nora de despesas do dia a dia não facilmente contabilizáveis, propiciando um amortecimento de incómodos que causa, mas deixando os restantes – que sempre teria independentemente do acidente – para “outras contas” a que a recorrida é alheia.</font><br>
<br>
<br>
<font>Improcedem, em consequência, as razões do recorrente.</font><br>
<br>
<font>3- </font><b><font>Conclusões</font></b><font>.</font><br>
<br>
<font>De concluir que:</font><br>
<br>
<font>a) Os recursos destinam-se a reapreciar as questões julgadas pelo tribunal “a quo”, que não a submeter a decisão do tribunal de recurso questões que aí não tenham sido suscitadas, salvo tratando-se dos cognoscíveis “ex officio” quer de mérito, quer de natureza adjectiva.</font><br>
<font>b) Se o recorrente se conformar com questões julgadas na 1ª instância e não recorrer – principal ou subordinadamente para a Relação – não pode, em recurso para o STJ, pedir que sejam reapreciados se inalteradas por não conhecidas na apelação.</font><br>
<font>c) O dever de assistência dos filhos aos pais idosos e fragilizados – não se confunde com o dever de prestar alimentos aos ascendentes – pode implicar certa coabitação para apoio no dia a dia e , embora possa representar incómodos e sacrifícios, não é indemnizável a titulo de dano não patrimonial próprio dos descendentes.</font><br>
<font>d) Mas o ascendente assistido deve contribuir, na medida das suas possibilidades, para criar condições que atenuem esses incómodos e para satisfazer despesas, não facilmente contabilizáveis, que a sua presença implica.</font><br>
<br>
<br>
<font>Destarte, </font><u><font>acordam negar a revista.</font></u><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 12 de Julho de 2007</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas ( relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTLNu4YBgYBz1XKvBD6r | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>I </font></b><font>– </font><br>
<b><font>Relatório</font></b><br>
<font>"AA" e esposa BB intentaram, no Tribunal Judicial de Gondomar, acção ordinária contra CC, pedindo que se declare a resolução do contrato-promessa firmado entre eles, AA., e a R., fazendo sua a importância que aquela lhes entregou a título de sinal e a R. a entregar-lhes o estabelecimento comercial, livre de pessoas e coisas, e, ainda, a pagar-lhes 498,80 € mensais, a título compulsório, até efectiva entrega do estabelecimento comercial.</font><br>
<br>
<font>Em suma, alegaram ter a R. incumprido o contrato firmado (junto aos autos a fls. 24 e ss.), facto que lhes provocou prejuízos. </font><br>
<br>
<font>Contestou a R., pugnando pela improcedência da acção, e, em reconvenção, pediu a condenação dos AA. a verem declarado resolvido por si o contrato ajuizado e, por via disso, a serem condenados a restituírem-lhe todas as quantias pagas a título de sinal e princípio de pagamento, no total de 4.489,18 € e a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos com os equipamentos que adquiriu para o estabelecimento, no montante de € 2.234,33, dos gastos com o projectista, no montante de € 498,80, das obras realizadas que beneficiaram a fracção no valor de € 9.576,92 e, finalmente, com juros de mora, calculados à taxa legal, sobre os montantes indicados, desde a notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento. </font><br>
<br>
<font>O processo acabou por seguir para julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar procedente a acção e improcedente a reconvenção.</font><br>
<br>
<font>Inconformada com tal desfecho, a R. apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, dando parcial provimento ao recurso, revogou a sentença do Mº juiz de Círculo de Gondomar, na parte em que condenou aquela a pagar aos AA. a quantia de 498,80 € mensais até efectiva entrega do estabelecimento comercial, mantendo-se tudo o mais decidido.</font><br>
<br>
<font>Com a prolação do aresto pelo Tribunal da Relação do Porto não ficaram satisfeitos AA. e R. e daí terem ambas pedido revista do mesmo.</font><br>
<br>
<font>Para o efeito, aqueles fecharam a sua minuta de recurso com 37 longas “conclusões”, em nítida infracção ao preceituado no art. 690º, nº 1 do CPC, que, no entanto, encerram apenas duas questões. Uma diz respeito à oportunidade e licitude de rectificação do art. 12º da base instrutória e outra à qualificação jurídica do negócio celebrado e suas consequências ao nível do incumprimento.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, a R. pôs à nossa consideração nas 19 conclusões com que fechou a sua minuta a questão da nulidade do contrato ajuizado por ser física e legalmente impossível e haver mesmo responsabilidade pré-contratual a imputar aos AA.</font><br>
<font>Ambas as partes apresentaram contra-alegações, defendendo cada uma delas a improcedência do recurso da parte contrária.</font><br>
<b><font>II</font></b><font> – </font><br>
<b><font>As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:</font></b><br>
<br>
<font>- Em 11 de Setembro de 2001 os AA. celebraram com a R. o contrato junto de fls. 24 a 27 dos autos.</font><br>
<font>- A R., na mesma data, recebeu dos AA. a respectiva chave do estabelecimento.</font><br>
<font>- Em 4 de Outubro de 1990, o A. marido requereu junto da Câmara Municipal de Gondomar a aprovação da propriedade horizontal para o referido prédio, o qual foi aprovado em 25/10/90.</font><br>
<font>- O referido prédio possui alvará de utilização sob o nº 120, desde 19 de Dezembro de 1991.</font><br>
<font>- A R. deixou de pagar as prestações, vindo a interpelar os AA. através de uma notificação judicial avulsa, requerendo que sejam os mesmos condenados a restituírem a quantia de € 4.489,18 entregue a título de sinal do contrato- promessa e a quantia de € 12.310,05 a título de prejuízos;</font><br>
<font>- Ao projecto das obras respeitantes à instalação e funcionamento da frutaria com o n° 17075/011 foi dado parecer negativo pela Autoridade de Saúde, com fundamento no facto de a fracção não respeitar o pé direito mínimo de 3 metros;</font><br>
<font>- A parte da frente da fracção em causa tem a altura de 3,2 metros e a parte traseira a altura de 2,8 metros;</font><br>
<font>- Os AA. deixaram de poder rentabilizar a fracção ocupada pela R., deixando de auferir € 498,80 mensais;</font><br>
<font>- A R. despendeu € 9.576,92 em obras na fracção;</font><br>
<font>- E € 13.207,89 em equipamentos diversos;</font><br>
<font>- A R. encerrou o estabelecimento e vendeu os equipamentos por € 10.973,56;</font><br>
<font>- Se a R. conhecesse tal exigência e a altura da fracção não teria celebrado o negócio.</font><br>
<b><font>III</font></b><font> – </font><br>
<b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<br>
<font>Delimitado o âmbito da nossa apreciação pelas questões contidas nas diversas conclusões, temos a dizer que a primeira e grande tarefa que importa levar a cabo é a que diz respeito à qualificação jurídica do contrato que as partes aqui em disputa firmaram.</font><br>
<font>Para isso importa vazar nos autos o texto do mesmo, já que as instâncias se limitaram – mal, como é evidente (é a elas que compete a fixação dos factos e os documentos não são mais que meios de prova desses mesmos factos) – a dar o mesmo como reproduzido.</font><br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>No documento junto a fls. 24 e ss. consta, </font><i><font>inter alia</font></i><font>, o seguinte:</font><br>
<font>“1º</font><br>
<font>Os primeiros outorgantes na qualidade supra indicada são donos e legítimos possuidores do estabelecimento…</font><br>
<font>2º </font><br>
<font>Os primeiros outorgantes dão de arrendamento o imóvel acima descrito, pelo prazo de um ano a contar da presente data…</font><br>
<font>3º </font><br>
<font>A renda mensal é de 100.000$00 (cem mil escudos) será paga em casa do senhorio ou em local a combinar.</font><br>
<font>O pagamento dessa renda mensal que ao fim de um ano totalizará a importância de 1.200.000$00 servirá de sinal para a aquisição do imóvel.</font><br>
<font>5º </font><br>
<font>Os terceiros outorgantes ficarão fiadores da segunda outorgante durante a vigência desse arrendamento (um ano a contar da presente data).</font><br>
<br>
<font>Em suma:</font><br>
<font>6º</font><br>
<font>Os primeiros outorgantes prometem vender e a segunda promete comprar o estabelecimento anteriormente descrito pelo preço de 17.000.000$00 que será liquidado da seguinte forma:</font><br>
<font>Uma prestação de 200.000$00 (duzentos mil escudos), neste acto…</font><br>
<font>Dez prestações mensais de 100.000$00 (cem mil escudos) até 10/07/2002, perfazendo desta forma a quantia de 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos), e os restantes 15.800.000$00 (quinze milhões e oitocentos mil escudos) serão liquidados no acto da escritura pública que se realizará até ao dia 11/08/2002.</font><br>
<font>….”.</font><br>
<font>Pelo que se acabou de transcrever, fácil é concluir que a imprecisão de conceitos usados, tradutora de uma má gestão da linguagem jurídica, terá de certo modo complicado a resolução do “problema” a nível extrajudicial.</font><br>
<font>Com efeito, a confusão de ideias vertidas nas diversas peças deu azo a que as partes acabassem por esgrimir argumentos que, podendo eventualmente estar nas suas cogitações, acabaram por não ter tradução ao nível do “texto”.</font><br>
<font>Daí a dificuldade e o melindre em encontrar a </font><i><font>solutio</font></i><font> justa para a composição dos interesses aqui em jogo.</font><br>
<br>
<font>Avisados disso mesmo, entremos, pois, na apreciação do mérito de cada um dos recursos. </font><br>
<br>
<font>Mas, como já ficou dito, a mesma não pode passar sem uma análise e respectiva qualificação do que está vazado no documento supra transcrito na parte relevante para a decisão.</font><br>
<font>Por outras palavras, indo directamente ao assunto, é altura de nos interrogarmos: o que é que as partes quiseram ao celebrar o contrato em causa? O que é que quiseram contratar?</font><br>
<br>
<font>O Mº Juiz de Gondomar decidiu-se pela qualificação do contrato como sendo concomitantemente de arrendamento e de promessa de compra e venda.</font><br>
<font>E as consequências foram já foram referidas: procedência total da acção e improcedência da reconvenção. </font><br>
<br>
<font>Mas outra foi a orientação da Relação do Porto: qualificando o contrato ajuizado como sendo apenas e só um contrato-promessa de compra e venda, acabou por, em parte, dar guarida à pretensão da R.-apelante e revogar parcialmente o sentenciado pela 1ª instância, absolvendo aquela da parte condenatória relativa à indemnização mensal de 498,80 € até entrega.</font><br>
<br>
<font>Sob o ponto de vista da qualificação do negócio jurídico celebrado pelas partes, cumpre, desde já, dizer da nossa perfeita concordância com a tese perfilhada pela Relação do Porto.</font><br>
<font>Com efeito, o que as partes quiseram foi celebrar um contrato-promessa de compra e venda que teve, na sua antecâmara, um contrato de arrendamento.</font><br>
<font>O fim último do negócio foi a celebrado de um contrato-promessa que levaria a mudar de proprietário a “coisa” caso o mesmo viesse a ser honrado por ambas, mediante a celebração do contrato definitivo.</font><br>
<br>
<font>Dito de outro modo, teremos de concluir, malgrado a grande imprecisão de terminologia jurídica usada na redacção do mesmo, que as partes, tendo como fim último a celebração do contrato-promessa, começaram, por motivos que nos escapam e irrelevantes para a sorte da lide, por fixar um renda pela ocupação da “coisa”, transformando o total das doze primeiras rendas (1.200 contos) num sinal.</font><br>
<font>Este é, a nosso ver, o único sentido que se colhe na interpretação do que está vertido no texto que as partes trouxeram a juízo, à luz das regras consagradas nos arts. 236º e ss. do Código Civil.</font><br>
<font>E tanto assim que a R., ao tomar a iniciativa de resolver o contrato, pediu, além do mais, que lhe fosse entregue o dobro do sinal, o que consolida a ideia de que, na base de toda a contratação, esteve, como fim último, a celebração de um contrato-promessa.</font><br>
<font>Ideia esta que sai reforçada se tivermos em devida conta a pretensão dos AA. em fazerem suas as importâncias recebidas das mãos da R. e por força da resolução do contrato-promessa.</font><br>
<font>E se determinados factores são determinantes na busca da verdadeira intenção das partes (</font><i><font>v.g</font></i><font>. a finalidades prosseguidas pelos contratantes, negociações prévias, etc.), sendo que o material fáctico apurado é nulo a este respeito, não menos relevante é a conduta por elas adoptada posteriormente à sua conclusão (assim, Rui Alarcão, </font><i><font>in</font></i><font> B.M.J. 84, citando Betti). Ora, tomando este último factor como verdadeiramente provado, não podemos deixar de assinalar que é perfeitamente legítima a conclusão de que as partes quiseram, na verdade, foi celebrar um contrato-promessa de compra e venda. Isto é, posteriormente à celebração do contrato, as partes comportaram-se como interessadas na resolução das questões derivadas de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, concretamente na abordagem que dele fizeram em juízo.</font><br>
<font>Definitivamente, em causa está, assim, a apreciação do incumprimento de um contrato-promessa e por parte de quem.</font><br>
<br>
<font>Referimo-nos à “coisa” atenta a imprecisão já referida: enorme confusão está espelhada no dito papel que selou o contrato, ao fazer referência ora a imóvel, ora a estabelecimento, esquecendo que um e outro são realidades diferentes, podendo quanto muito coexistirem em certos e determinados tipos de negócios. </font><br>
<font>Da apreciação global dos articulados, acaba-se por perceber que a “coisa” é a fracção onde o estabelecimento estava instalado. Foi ela (a fracção) que esteve na origem da negociação e na sua concretização.</font><br>
<font>Assim, o que as partes outorgaram foi um contrato-promessa de compra e venda cujo objecto era uma fracção da propriedade dos AA., prometendo estes venderem-na e a R. comprá-la. </font><br>
<br>
<font>Uma outra nota – e importante – interessa trazer à colação com vista a encontrar o rumo certo neste emaranhado de complicações que as partes trouxeram a juízo. Diz ela respeito à forma como as partes resolveram marcar os direitos e obrigações negociais, concretamente à forma escrita.</font><br>
<font>Com isto queremos chamar a atenção para o facto de, na interpretação daquelas vontades, estarmos, todos nós, limitados pelo que ficou escrito e só podemos convocar as regras interpretativas consagradas nos arts. 236º e ss. supra referidos para determinar a verdadeira vontade das partes.</font><br>
<br>
<font>Posto isto, que reputamos de essencial, é altura de nos debruçarmos, em concreto e definitivamente, sobre o mérito dos recursos à luz das questões que estão inseridas nas conclusões respectivas.</font><br>
<br>
<font>Comecemos pelo recurso dos AA..</font><br>
<br>
<font>Aqui, em face do que ficou referido a respeito da verdadeira qualificação jurídica do contrato ajuizado, fácil é, agora, concluir que não assiste a mínima razão aos AA. quando reivindicam uma indemnização na base da ocupação da fracção por parte da R..</font><br>
<font>Não que o não pusessem fazer em tese, mas sim pela singela razão de que nenhuma cláusula penal foi convencionada para o caso de incumprimento do contrato-promessa (“na ausência de estipulação em contrário” – estipula o nº 4 do art. 442º do CC, o que inculca a ideia de tal possibilidade).</font><br>
<font>Assim, na falta de uma qualquer cláusula penal, verificando-se incumprimento do mesmo, só há que solucionar a questão na base do instituto do sinal, tal como está consagrado nos arts. 441º e 442º do C.Civil.</font><br>
<font>Não é, pois, justa a censura que os AA.-recorrentes dirigiram ao aresto da Relação do Porto que, na aplicação directa das regras do contrato-promessa estabelecidas nos preceitos supra assinalados, acabou por não lhes reconhecer o direito à peticionada indemnização, face à ausência de qualquer outra sanção pré-estabelecida para o caso de incumprimento.</font><br>
<font>A única indemnização que lhes assistirá, portanto, é a resultante do sinal, fazendo seu o respectivo montante, </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 2 do art. 442º citado.</font><br>
<br>
<font>A outra questão que os AA. suscitaram diz respeito à rectificação do art. 12º da base instrutória.</font><br>
<font>Independentemente de se saber qual o verdadeiro peso desta pretensão, o certo é que ela, aqui e agora, não pode colher.</font><br>
<font>Bem ou mal – abstemo-nos de tecer qualquer juízo crítico a esse respeito – a rectificação de erros materiais à luz da aplicação do art. 249º do C. Civil só pode ter lugar, como se compreende pela sua própria natureza das cousas, pela pessoa que errou. Isso mesmo resulta claro na disciplina do art. 667º do CPC: a rectificação, só pode ter lugar antes da subida do recurso.</font><br>
<font>Como assim, nunca poderia este Supremo Tribunal rectificar eventuais erros que não cometeu.</font><br>
<font>Mas, mais: bem ou mal, a matéria de facto está definitivamente fixada pelas instâncias, não havendo razão alguma para o STJ intervir nos apertados limites que a lei lhe permite (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 722º, nº 2 e 729º, nº 3, do CPC).</font><br>
<font>Em conclusão, diremos que também neste ponto concreto a razão não está do lado dos AA.-recorrentes.</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados, é altura de dedicarmos a nossa atenção ao recurso da R..</font><br>
<br>
<font>E, desde logo, trazer à memória o que ficou dito em relação ao modo como as partes quiseram perpetuar os direitos e obrigações resultantes do contrato.</font><br>
<font>Com isto pretendemos dizer que, nada tendo sido clausulado a respeito do ramo de negócio que a R. pretendia explorar na “coisa” (imóvel, como já o afirmamos) é totalmente descabido todo o manancial argumentativo derramado por esta nas suas conclusões a tal respeito.</font><br>
<font>O texto há-de ser sempre o ponto de partida, pois, desde logo, elimina os sentidos que nele não têm apoio.</font><br>
<br>
<font>O que já tem toda a pertinência é dizer, sem mais rodeios, que o contrato acabou por não ser honrado pela própria R.: foi ela, com a sua atitude injustificável e injustificada, que se colocou de fora da economia do mesmo, fazendo uma mera declaração (gratuita porque despida de causa adequada para tanto) de resolução do mesmo.</font><br>
<font>Ao proceder da maneira como procedeu, sem qualquer razão para isso, resolvendo </font><i><font>ad nutum</font></i><font> o contrato, a R. quis simplesmente dizer que não queria cumpri-lo (</font><i><font>cfr</font></i><font>. Antunes Varela, </font><i><font>in</font></i><font> Das obrigações em geral, Vol. II – 6ª edição –, pág. 91). O mesmo é dizer que ela própria o incumpriu e, como assim, permitiu que os AA., com toda a razão, viessem a juízo reclamar a resolução do mesmo.</font><br>
<br>
<font>Em suma, só a R. é que incumpriu o dito contrato e já não os AA..</font><br>
<br>
<font>Está, agora, claro e certo que os AA. têm direito ao sinal, tal como as instâncias reconheceram.</font><br>
<br>
<font>De igual modo se nos antolha que a R., ao trazer para esta sede a questão (“nova” porque não colocada à apreciação do tribunal recorrido) da eventual responsabilidade pré-contratual, acaba por, de uma forma implícita, reconhecer que, no âmbito da responsabilidade contratual, a sua pretensão, face aos factos alegados e aos factos provados, nunca poderia ter acolhimento, como, efectivamente, não tem.</font><br>
<br>
<font>Não será por isso despiciendo repetir aqui que toda a motivação não suportada pelo documento junto aos autos é de todo em todo irrelevante.</font><br>
<br>
<font>Em remate final e como consequência do que ficou dito, teremos de concluir pela bondade do aresto impugnado: ele nada mais fez do que uma análise correcta dos factos provados à luz dos preceitos legais atinentes e, por isso mesmo, aplicáveis.</font><br>
<b><font>IV</font></b><font> – </font><br>
<b><font>Decisão </font></b><br>
<font>Negam-se, pois, ambas as revistas e condenam-se os recorrentes nas respectivas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 13 de Março de 2007</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTLTu4YBgYBz1XKvV0QA | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> I - </font><br>
<br>
<font>Empresa-A. intentou, no tribunal judicial de Fronteira, acção ordinária contra</font><br>
<font>AA; BB e mulher CC; DD; EE, casada com FF; GG, casado com HH; II, casada com JJ;</font><br>
<font>KK, casada com LL; MM, casada com NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; e Conservatória do Registo Predial de Fronteira, pedindo que</font><br>
<font>- as inscrições G-1 às actuais descrições 00886 e 00887 de Fronteira sejam nulas, por os actos em que se fundam serem nulos nas datas em que foram praticados;</font><br>
<font>- por concessão do direito de reserva - requerido em conjunto pelos 1º a 14º RR., enquanto herdeiros de seu avô paterno Dr. UU e, por isso, enquanto legítimos titulares e representantes em conjunto e na proporção dos seus quinhões hereditários, da herança aberta por seu óbito - dos dois imóveis identificados no artigo 1º - expropriados pelo Estado após o óbito do autor da herança e enquanto eles dessa sua herança faziam parte integrante e, por isso, expropriados à herança, representada por todos os seus herdeiros na proporção dos seus quinhões hereditários - foi restabelecido o direito de propriedade sobre tais imóveis nos exactos termos em que o mesmo existia na data da sua expropriação e, por isso, na titularidade de quem o detinha na data da expropriação - a herança do falecido Dr. UU representada por todos os seus herdeiros, na proporção dos seus quinhões hereditários;</font><br>
<font>- tal restabelecimento do direito de propriedade fez assim regressar os dois imóveis à herança donde haviam sido expropriados e que sempre foi e só poderia ser representada activa e passivamente em conjunto por todos os 1º a 14º RR., enquanto únicos e universais herdeiros do autor da herança, e por isso, únicos titulares e legítimos representantes desta, em conjunto e na proporção dos seus quinhões hereditários, tendo-lhe o direito de reserva sido concedido em conjunto nesses termos e qualidade e os dois prédios em causa sido entregues a todos na sua totalidade em 22. 4. 1993;</font><br>
<font>- tal restabelecimento do direito de propriedade daqueles imóveis na herança provocou a convalidação da partilha daquela herança e da adjudicação nela feita daqueles imóveis aos 13º e 14º RR. efectuadas no inventário judicial identificado nos artigos 13º a 18º supra e nele homologadas e julgadas válidas por sentença de 8. 3. 1979, devidamente transitada em julgado, partilha e adjudicação essas que até então eram nulas por à data os dois imóveis não fazerem parte da herança e serem alheios por a sua propriedade ter sido dela excluída através de expropriação decretada pelo Estado após o óbito do inventariado;</font><br>
<font>- plenamente convalidada a partilha da herança do falecido Dr. UU efectuada no citado inventário judicial e a adjudicação feita no mesmo inventário a cada um dos 13º e 14º RR. dos dois respectivos imóveis identificados no artigo 1º supra, para que com base em tal convolidação judicialmente declarada, a sua aquisição possa ser válida e definitivamente inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fronteira a favor de cada um dos 13º e 14º RR., respectivamente, após as actuais inscrições G-3 das descrições 00886 e 00887/Fronteira e, depois, a A. possa fazer inscrever definitivamente a seu favor a aquisição daqueles mesmo imóveis com base na escritura de compra e venda com aqueles mesmos RR. outorgada;</font><br>
<font>- se ordenar o cancelamento de todos os registos de actos que, porventura, possam entretanto ter sido efectuados que contrariem a convolidação acima referida e a subsequente compra celebrada pela A..</font><br>
<font>Em suma, alegou que:</font><br>
<font>- as herdades do Bispo e do Pego do Poio, da freguesia de Fronteira pertenciam a Dr. UU, o qual faleceu no dia 11 de Junho de 1975;</font><br>
<font>- por força da sentença homologatória das partilhas e da adjudicação de bens proferida a 8. 3. 79 e devidamente transitada em julgado, passaram a ser os 13º e 14º RR., SS e TT os legítimos donos dos imóveis que nelas respectivamente lhes foram adjudicados, e como tal cada um deles fez inscrever a sua aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Fronteira;</font><br>
<font>- por escritura de 11. 8. 1994, lavrada no 1º Cartório da Secretaria Notarial de Tomar a fls. 19 a 22 verso do Livro 296 - C, os 13º e 14º RR. procederam à venda daqueles seus imóveis;</font><br>
<font>- quando da celebração da escritura foi exibida certidão da Conservatória do Registo Predial de Fronteira de teor das descrições prediais 00886 e 00887 da freguesia de Fronteira e inscrições em vigor, onde figuravam apenas as inscrições G-1 a favor de cada um dos respectivos vendedores;</font><br>
<font>- quando requereu o registo de aquisição a seu favor daqueles dois imóveis depararam-se-lhe em cada uma das descrições dois registos posteriores à inscrição G-1, a inscrição G-2 relativa à aquisição de cada imóvel pelo Estado por expropriação e a inscrição G-3 relativa à reaquisição de cada imóvel a favor de todos os RR. enquanto herdeiros do falecido UU na proporção dos seus respectivos quinhões hereditários nessa herança, por força das reservas atribuídas nos termos da Lei nº 109/88 de 26 de Setembro.</font><br>
<br>
<font>Apenas contestaram os RR. KK, MM, OO, PP e QQ, defendendo que partilharam bens que não integravam o património hereditário do seu avô paterno, concretamente os prédios identificados no art. 1º da petição, porque tinham sido expropriados pelo Estado, e, como assim, a partilha é nula, sendo que os bens só voltaram à titularidade dos RR., nas proporções constantes da inscrição G-3, o que torna impossível a convalidação da partilha na medida em que é inconciliável com a concessão do direito de reserva de propriedade atribuído a todos os herdeiros.</font><br>
<br>
<font>"AA". replicou, sublinhando que todos os herdeiros do falecido procederam à partilha da herança deste e como se dela continuassem a fazer parte os imóveis que após a morte do autor da herança dela vieram a ser expropriados pelo Estado e que, posteriormente, a ela vieram a retornar por força da concessão do direito de reserva em conjunto a todos os herdeiros ma proporção dos seus quinhões hereditários.</font><br>
<font>Mais alegou que todos os herdeiros do falecido, incluindo as Rés ora contestantes, então representadas pelo seu pai VV, partilharam a herança do seu avô como se dela fizessem parte os imóveis que após a morte dele foram expropriados, tendo tido em conta os seus valores para o cálculo dos quinhões hereditários de cada um e preenchendo com eles os quinhões hereditários de alguns herdeiros.</font><br>
<br>
<font>No saneador, a R. Conservatória foi absolvida da instância por falta de personalidade judiciária.</font><br>
<font>A acção seguiu para julgamento e, após o mesmo, veio a ser julgada improcedente.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não se conformou a A. e os RR. AA, BB, HH, EE, GG e II, mas sem êxito. </font><br>
<font>Novamente inconformados, estas partes pediram revista, tendo, para tanto, apresentado as respectivas alegações que concluíram do seguinte modo:</font><br>
<font>a) da A - </font>
<p><font>I - São os seguintes os dados da questão que esse Tribunal terá que ter em conta na decisão do presente recurso: </font>
</p><p><font>l- Dr. UU, casado sob o regime da separação absoluta de bens com XX, era dono, além de outros, dos seguintes imóveis, que se encontravam inscritos na respectiva matriz em seu nome: </font>
</p><p><font>a) Prédio rústico - Herdade do Bispo - cultura arvense, montado de sobro, cultura arvense em sobreiral, moutado de azinho, cultura arvense em azinhal, pastagem, oliveiras e leitos de curso de água, com a área de 56,4500 hectares, confrontando do norte com ZZ, do sul com AA1, do nascente com Eng° BB2 e do poente com prédios situados no concelho de Avis, inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de Fronteira sob o artigo 31 da secção G; </font>
</p><p><font>b) Prédio misto - Herdade Pego do Poio - cultura arvense em azinhal, olival, leitos de curso de água e oliveiras, com a área de 91,5000 hectares: a parte urbana de rés-do-chão, destinada a habitação com a área coberta de 173 m2, a confrontar do norte com D. CC3, do sul e nascente com Ribeira Grande e do poente com Ribeira Grande e prédios da freguesia de Figueira de Barros, do concelho de Avis, inscrito na matriz urbana da freguesia de Fronteira sob o artigo 1091 e na matriz cadastral rústica da mesma freguesia sob o artigo 3 -Secção F;</font>
</p><p><font>2 - Os ditos imóveis encontravam-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Fronteira, respectivamente, sob as descrições n° 1880, a fls. 150 do livro B-5, e n° 54, a fls. 135 verso do livro B l-S/F, e a sua aquisição encontrava-se ali inscrita a favor do dito Pr. UU pelas inscrições n° 5547, de 23/11/1944, e n° 6915, de 2/11/1955, por os haver comprado por compra (1/2 indivisa pela 1ª inscrição e a outra ½ indivisa pela 2ª inscrição);</font>
</p><p><font>3 - O referido Dr. UU faleceu no dia 11 de Junho de 1975, no estado de casado sob o regime de separação absoluta de bens com XX, sem testamento, doação ou qualquer disposição de última vontade, tendo deixado como seus sucessores os seus seguintes únicos filhos, todos legítimos: - DD4, casado sob o regime da separação de bens com EE5 ; - VV, casado sob o regime de separação de bens com FF6; - GG7, casado sob o regime da comunhão de adquiridos com HH8;</font>
</p><p><font>4 - Estes seus três únicos filhos, que lhe sucederiam nos termos da redacção em vigor do artigo 2.133° do C. Civil, repudiaram a herança, pelo que, por força do disposto nos artigos 2062° e 2039° do C. Civil, passaram a ser herdeiros do entretanto falecido Dr. UU e, por isso, os titulares e representantes da sua herança indivisa os seus netos, filhos dos seus três filhos: - os 1° a 6° RR. (EE, GG, II, BB, DD e AA), filhos do filho DD4, sendo o quinhão hereditário de cada um deles de (1/3:6=) 1/18 da herança; - os 7° a 11° RR. (KK, MM, OO, PP e QQ), filhos do filho VV, sendo o quinhão hereditário de cada um deles de (1/3:5=) 1/15 da herança; - os 12° a 14° RR. (RR, SS e TT), filhos do filho GG7, sendo o quinhão hereditário de cada um deles de (1/3:3=) 1/9 da herança; </font>
</p><p><font>5 - Aliás, como únicos e legítimos herdeiros de seu avô paterno Dr. UU, e únicos titulares e legítimos representantes da sua herança, na proporção dos seus quinhões hereditários, foram os 1° a 14° Réus julgados habilitados no inventário obrigatório a que se procedeu por óbito do seu avô paterno Dr. UU, o qual correu seus termos pela 3ª Secção do 1° Juízo Cível da Comarca de Lisboa sob o número 1772 do ano de 1977 e se acha arquivado na Secretaria Geral das Varas Cíveis, dos Juízos Cíveis e dos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa sob a ficha 668613;</font>
</p><p><font>6 - Da herança aberta por óbito do falecido Dr. UU, que se finou em 11/6/2005, faziam parte, além de outros que constam da descrição de bens que aqui se dá como reproduzida do inventário identificado no número anterior e que integra a certidão deste extraída junta com a p.i. sob doc. n° 4, os dois imóveis identificados em 1;</font>
</p><p><font>7- No inventário a que se procedeu por óbito do falecido Dr. UU, devidamente identificado no número 5 anterior, todos os seus herdeiros, ou seja, os 1° a 14° RR, procederam entre si, tendo em conta os respectivos quinhões hereditários de cada um, à partilha, preenchimento dos quinhões e adjudicações dos bens que integravam o património hereditário do seu avô paterno, tendo as partilhas sido por eles efectuadas e nos termos em que o foram e as adjudicações de bens nela efectuadas sido homologadas e julgadas válidas por sentença de 8/3/1979, devidamente transitada em julgado, do seguinte teor: " Nestes autos de inventário obrigatório em que é inventariado DD4 e inventariante VV, homologo por sentença a partilha constante do mapa de fls..., adjudicando aos interessados nele mencionados os respectivos quinhões"; </font>
</p><p><font>8 - No dito inventário judicial para partilha da herança aberta por óbito do seu avô paterno Dr. UU por todos os 1° a 14° RR., enquanto herdeiros, foram considerados como pertencendo à herança e, por isso, como tal foram descritos no inventário, para além dos outros que constam das verbas n°s 415 a 435 da descrição, os dois imóveis acima identificados sob o número um, os quais foram descritos no inventário sob as verbas n°s 432 (o primeiro) e 428 (a parte urbana do 2°) e 433 (a parte rústica do 2°).</font>
</p><p><font>9 - No mesmo inventário judicial foram todos os bens da herança, incluindo todos os imóveis descritos sob as verbas números 415 a 439 da descrição do inventário, e, por isso, também os dois imóveis identificados sob o número l supra descritos sob as verbas 432, 428 e 433, partilhados entre todos os herdeiros (netos) do inventariado, ou seja, os 1° a 14° RR., e nele e por todos os seus herdeiros (os 1° a 14° RR.) foi adjudicado ao 13° R. (SS), para preenchimento parcial do seu quinhão hereditário, a verba n° 432, ou seja, o primeiro dos prédios identificados em l, e à 14ª R. (TT), para preenchimento parcial do seu quinhão hereditário, as verbas 428 e 433, ou seja, o 2° dos prédios identificados em l, da mesma forma que os demais imóveis descritos sob as verbas 415 a 427, 429, 430, 431, e 434 a 436 foram também adjudicados àqueles e aos demais RR., para preenchimento parcial dos seus quinhões hereditários, tudo nos termos constantes do mapa da partilha elaborado no inventário e que integra o Doc. n° 4 junto com a p.i;</font>
</p><p><font>10 - Adjudicados aqueles dois imóveis ao 13° e ao 14° RR., cada um destes fez inscrever na Conservatória do Registo Predial de Fronteira, respectivamente em 11/10/1993 (ap.01/111093) e em 12/10/1993 (Ap. 01/121093), a aquisição da sua propriedade a seu favor com base na adjudicação que deles lhes foi feita na partilha judicial efectuada naquele inventário judicial;</font>
</p><p><font>11 - Por força do pedido de tais inscrições feito pelos 13° e 14° RR.:</font><br>
<font>- as respectivas descrições prediais dos dois citados prédios foram extractadas dos livros onde até então se encontravam para fichas, por força do disposto no artigo 4° e 3° do Dec-Lei n° 224/84, de 6/7, que aprovou o Código do Registo Predial, e os respectivos prédios passaram a estar descritos, respectivamente, sob a ficha nº 00886/11109/freguesia de Fronteira o correspondente ao extractado da descrição n° 1880 a fls. 150 do Livro B-5, e sob a ficha 00887/1110 93/freguesia de Fronteira o correspondente ao extractado da descrição n° 54 a fls. 135 verso do Livro B-5/F;</font><br>
<font> - a aquisição de cada um daqueles prédios a favor dos 13° e 14° RR. foi por eles inscrita pela inscrição G-1 relativa a cada uma daquelas fichas ou descrições prediais;</font><br>
<font>12 - Por escritura de 11/8/1994 lavrada no 1° Cartório da Secretaria Notarial de Tomar a fls. 19 a 22 verso do Livro 296 - C , pelo representante para o acto dos 13° e 14° RR. foi declarado que vende a Empresa-B : - em nome do seu representado VV (o 13° R.), pelo preço de oito milhões quatrocentos e onze mil e oitocentos escudos, um prédio rústico denominado "Herdade do Bispo", freguesia de Fronteira, concelho de Fronteira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o n° 886, com registo de aquisição a favor dele vendedor pela inscrição G-l, inscrito na matriz sob o artigo 31, secção G, ou seja, o prédio descrito na alínea a) do número l supra; - em nome da sua representada TT (a 14ª R.), pelo preço de seis milhões quinhentos e setenta e dois mil setecentos e trinta e nove escudos e de oito milhões e quatrocentos mil escudos, o prédio misto denominado "Herdade do Pego do Poio", freguesia de Fronteira, concelho de Fronteira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fronteira sob o n° 887, com registo de aquisição a favor dele vendedor pela inscrição G-1, inscrito na matriz rústica sob o artigo 3, secção F e na matriz urbana sob o artigo 1.091, ou seja, o prédio descrito na alínea b) do número l supra;</font><br>
<font>13 - A compradora dos referidos imóveis na escritura referida no número anterior foi a sociedade por quotas Empresa-B, ou seja, a A. que, entretanto, se transformou em sociedade anónima e adoptou a denominação social Casa de Empresa-A.;</font><br>
<font>14 - Quando da celebração da escritura de compra e venda referida em 12 foi exibida certidão da Conservatória do Registo Predial de Fronteira emitida em 7/4/1994 de teor das descrições prediais 00886 e 00887 da freguesia de Fronteira e inscrições em vigor, onde figuravam apenas as inscrições G - l a favor de cada um dos respectivos vendedores - os 13° e 14° RR.;</font><br>
<font>15 - A A. requereu em 20/10/1994 - Ap. 01/201094 o registo de aquisição a seu favor por compra aos respectivos titulares inscritos daqueles dois imóveis identificados no n° 1 supra, mas o mesmo veio a ser lavrado provisório por dúvidas por, entretanto, terem sido feitos entre a data de emissão da certidão do registo predial que instruiu a escritura de compra e venda (7/4/1994) e a data em que requereu o registo, dois registos posteriores às inscrições G - l relativos àqueles dois prédios:</font><br>
<font>- a inscrição G-2 relativa à aquisição de cada um dos imóveis pelo Estado Português por expropriação; </font><br>
<font>- a inscrição G-3 relativa a aquisição de cada um dos imóveis a favor de todos os RR, na proporção dos seus respectivos quinhões hereditários ideais enquanto herdeiros do falecido seu avô Dr. UU, (1/18 cada um dos 1° a 6° RR., 1/15 cada um dos 7° a 11° RR. e 1/9 cada um dos 12° a 14° RR.) por força de reserva de propriedade atribuída nos termos da Lei n° 109/88, de 26/9; </font><br>
<font>16 - Em razão disso, a Ajudante substituta legal da Conservatória do Registo Predial de Fronteira, depois de gorada a conferência de interessados que convocou nos termos do n° 2 do artigo 125° do Código do Registo Predial, propôs acção tendente à rectificação da ordem das inscrições prediais G-1, G-2 e G-3 em relação a cada uma das descrições para que as inscrições G-2 e G-3 precedessem a inscrição G-1, após o que se seguiria a inscrição G-4 relativa à aquisição por compra feita pela A.; </font><br>
<font>17 - Essa acção veio a ser julgada improcedente por Acórdão do STJ de que considerou a inscrição G-1 nula por violação do trato sucessivo;</font><br>
<font>18 - Em razão do referido em 15 e 16, veio a A. - compradora e terceira de boa-fé em relação a tudo isso - a ter conhecimento de que após a morte, ocorrida em 11/6/1975, do falecido avô paterno dos 1° a 14° RR., Dr. UU, aos seus únicos herdeiros (os 1° a 14° RR.), enquanto únicos titulares e representantes, na proporção dos seus respectivos quinhões ideais hereditários (1/18 cada um dos 1° a 16° RR, 1/15 cada um dos 7° a 11° RR. e 1/9 cada um dos 12° a 14° RR.) da sua herança naquelas datas ainda indivisa e por partilhar, foram expropriados:</font><br>
<font>- por Portaria n° 560/75, de 17/9, os dois imóveis identificados sob o n° l supra que a A. comprara aos 13° e 14° RR. em 11/8/1994, bem como outro imóvel sito no concelho de Fronteira (Herdade de Porto de Melões - verba n° 429 do inventário) e outros imóveis sitos nas freguesias de Cano e Casa Branca do concelho de Sousel, e outros imóveis sitos no concelho de Avis; - por Portaria n° 505/76 de 10/8 (vide Diário da República I Série página 1975), dois imóveis sitos no concelho de Monforte (verbas 415 e 416 do inventário - Herdade da Carreteira e Carvones e Herdade da Carreteira);</font>
</p><p><font>19 - E que entretanto correra seus termos, ao abrigo do disposto na Lei de Bases da Reforma Agrária - Lei n° 109/88, de 26/9 -, um processo de concessão de reserva em nome de Herdeiros do falecido Dr. UU - os 1° a 14° RR. -, a quem, nessa mesma qualidade, haviam sido expropriados aqueles vários prédios constantes das Portarias mencionadas no número anterior, para que nessa sua qualidade de herdeiros de seu avô lhes fossem restituídos tais prédios;</font>
</p><p><font>20 - Conforme certidão emitida em 9/9/1993 pela zona Agrária de Portalegre e actas de entrega datadas de 25/9/89 e de 22/4/1993 que integram o Doc. n° 11 junto com a p.i, foi devolvida aos herdeiros do Dr. UU - os 1° a 14° RR. -, na proporção dos seus respectivos quinhões hereditários ideais (1/18 cada um dos 1° a 6° RR., 1/15 cada um dos 7° a 11° RR., e 1/9 cada um dos 12° a 14° RR.) em 25/9/1989 a titularidade da totalidade dos prédios enumerados na respectiva acta e em 22/4/1993 a titularidade da totalidade dos prédios também enumerados na acta respectiva, entre os quais se contam os identificados sob o n° l - Herdade Pego do Poio, com a área de 91.5000 ha (sic) e Herdade do Bispo com a área de 50,8500 hectares (sic), conforme consta das actas, prédios estes que, de harmonia com aquela certidão, ficaram por inteiro - em toda a sua extensão e área - na titularidade de todos os herdeiros expropriados nessa qualidade;</font>
</p><p><font>21 - Tal como resulta da referida certidão a propriedade dos prédios em causa foi restituída, na sua totalidade e sem excepção de qualquer área, a quem havia sido expropriada, ou seja, aos herdeiros do falecido Dr. UU, isto é, aos 1° a 14° RR. na qualidade de herdeiros e por isso de titulares e representantes da herança aberta por seu óbito, na proporção ideal dos seus quinhões hereditários, tendo os prédios em causa sido entregues na sua totalidade e sem excepção de qualquer extensão ou parte da sua área (aliás se assim não fosse, ou seja, se fosse excluída da restituição qualquer área de um dos prédios isso conduziria a necessariamente a uma alteração na descrição predial respectiva na Conservatória do Registo Predial, quando foram lavradas as inscrições G-2 e G-3, o que não se verificou;</font>
</p><p><font>22 - Na realidade, não foi entregue a cada um dos co-herdeiros, isto é, a cada um dos 1° a 14° RR., uma área certa e determinada de cada imóvel como correspondente à pontuação que a cada um caberia no exercício do direito de reserva, porquanto o que foi realmente restituído e entregue foi-o a todos os herdeiros do Dr. UU - os 1° a 14° RR. -, em conjunto e na proporção dos seus respectivos quinhões ideais hereditários, tal como já lhes haviam sido expropriados (1/18 cada um dos 1° a 6° Réus, 1/15 cada um dos 7° a 11° Réus e 1/9 cada um dos 12° a 14° RR.), e foi-lhes entregue a totalidade dos imóveis da herança de que eram titulares, em toda a sua extensão e área, tal como já lhes haviam sido expropriados tudo se passando como se os mesmos nunca lhes tivessem sido expropriados na indicada qualidade de herdeiros de seu falecido avô paterno;</font>
</p><p><font>23 - Consequentemente, a totalidade dos prédios expropriados aos herdeiros do Dr. UU, enquanto titulares da herança indivisa aberta por seu óbito na proporção dos seus quinhões ideais hereditários, foi-lhes restituída nos mesmos termos em que lhes haviam sido expropriados, ou seja, em conjunto a todos e na mesma sua qualidade de herdeiros e na mesma proporção dos seus respectivos quinhões ideais hereditários;</font>
</p><p><font>II - A alusão feita no Acórdão recorrido ao disposto no artigo 11° da Lei n° 109/88, de 26/9, na parte em que este refere a expropriação de prédios pertencentes a heranças indivisas não tem qualquer relevância para a decisão da causa, porquanto não era essa a lei vigente às datas das expropriações - 1975 e 1976 -, datas em que vigorava o Decreto-Lei n° 406-A/75, de 29/7, que não prevê a expropriação de prédios pertencentes a heranças indivisas, mas simplesmente pertencentes a pessoas singulares, sociedades ou pessoas colectivas de direito privado, ainda que de utilidade pública (vide seu artigo 1°);</font>
</p><p><font>III - Os prédios em causa foram expropriados, nos termos que constam das respectivas Portarias n° 560/75, de 17/9, e n° 505/76 de 10/8, não à herança, mas aos herdeiros do Dr. UU, obviamente na qualidade de titulares e representantes da herança aberta por seu óbito nos termos do art. 2091º do C. Civil;</font>
</p><p><font>IV - Na verdade, a herança não goza de personalidade jurídica - e à data dos factos nem sequer gozava de personalidade judiciária por estarem determinados os herdeiros -, e não se enquadrando o caso sub-judice em nenhum dos artigos 2079° a 2090° do C. Civil, por força do disposto no artigo 2091° do C. Civil "os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros," - e o Acórdão recorrido não teve isso na devida conta -, razão por que as expropriações dos prédios que integravam a herança foram dirigidas contra os Herdeiros do Dr. UU (Vide Portarias acima citadas), portanto, nos termos do artigo 2.091° do Código Civil, contra os 1° a 14° RR. na sua qualidade de Herdeiros e titulares e representantes, na proporção dos seus quinhões hereditários, da Herança e do património hereditário, e que pela mesma razão a titularidade da totalidade da propriedade dos mesmos prédios, por concessão do direito de reserva, tenha sido devolvida e entregue em conjunto aos Herdeiros do Dr. UU (os 1° a 14° RR.) na proporção dos seus quinhões hereditários, e, portanto, na sua qualidade de herdeiros e titulares e representantes, na proporção dos seus quinhões hereditários, da herança aberta por seu óbito e do respectivo património hereditário, ou seja, também nos termos do disposto no artigo 2.091° do C. Civil;</font>
</p><p><font>V - Muito embora o art. 13° da Lei n° 109/88, de 26/9, ao abrigo da qual foi concedido o direito de reserva, disponha que " Aos proprietários dos prédios expropriados é atribuído o direito de reserva de propriedade de uma área determinada nos termos desta Lei, o certo é também que no artigo 14° da mesma Lei se dispõe que " A concessão do direito de reserva determina o reestabelecimento do respectivo direito de propriedade, tal como existia à data da expropriação", o que significa que se, nos termos do disposto no artigo 13° daquela Lei, for devolvida a totalidade da área dos prédios expropriados - como aconteceu no caso sub-judice - o direito de propriedade sobre a totalidade desses prédios é restabelecido nos exactos termos em que existia quando se verificara a expropriação.</font>
</p><p><font>VI - Com efeito, tal como se refere no despacho n° 1/89, de 25/1/89, publicado no D.R.,11 série, de 20/2/89, transcrito a fls. 181 por Jorge Alberto Aragão Seia e Manuel da Costa Calvão, in Arrendamento Rural,(1989) em anotação ao artigo 14° da Lei n° 109/88, de 26/9, " ......tudo se passa como se a área de reserva nunca tivesse deixado de ser propriedade do respectivo reservatário, ainda que essa área tivesse sido previamente expropriada .....", o que significa que em relação ao que for objecto de concessão do direito de reserva tudo se passa como se ele nunca tivesse sido expropriado, sendo restabelecido o direito de propriedade nos exactos termos em que existia na data da expropriação como se esta não tivesse sido feita, ocorrendo uma espécie de restauração natural da situação à data em que se verificara a expropriação;</font>
</p><p><font>VII - Assim, tendo sido concedida, por direito de reserva, a todos os herdeiros do Dr. UU, em conjunto nessa sua qualidade de herdeiros e na proporção dos seus respectivos quinhões hereditários, a titularidade do direito de propriedade sobre a totalidade da área dos prédios que, após a morte daquele seu avô paterno, haviam sido expropriados aos seus Herdeiros pelas Portarias acima citadas, tudo se passa como se a totalidade daqueles prédios nunca tivessem sido expropriados e a sua propriedade nunca tivesse deixado de ser dos Herdeiros do Dr. UU, enquanto titulares e representantes da sua herança, na proporção dos seus quinhões hereditários (artigo 2091° do Código Civil) e, por isso, como se nunca os prédios expropriados e depois devolvidos tivessem deixado de integrar o acervo hereditário que eles Réus partilharam entre si; </font>
</p><p><font>VIII - Ao contrário do que se sustenta no Acórdão recorrido, no caso sub-judice não foi cada um dos RR. encabeçado num direito novo individual, recebendo cada um uma fracção certa e determinada de cada um dos imóveis expropriados e depois devolvidos e entregues, designadamente dos dois imóveis identificados sob o n° l da conclusão I supra, uma vez que o que resulta da certidão da zona agrária datada de 9/9/1993 que integra o doc. n° 11 junto com a p.i. é que foi devolvida e entregue a titularidade da totalidade - toda a área - dos prédios nela identificados, entre os quais se contam os dois identificados sob o n° 1 da conclusão I, que pertenceram ao Dr. UU, e que a totalidade dos mesmos dois prédios - assim como a totalidade dos outros que também haviam sido expropriados - foi entregue em conjunto a todos os herdeiros deste, nessa sua qualidade de herdeiros e na proporção dos seus quinhões hereditários, ou seja, como representantes do património hereditário do seu falecido avô;</font>
</p><p><font>IX - Isto é, no caso sub-judice, porque aos reservatórios, que foram todos os RR., no seu conjunto, enquanto herdeiros do seu falecido avô paterno Dr. UU e na proporção dos seus quinhões hereditários, foi devolvida e entregue a totalidade da área dos prédios que lhes haviam sido expropriados exactamente na mesma qualidade de Herdeiros daquele seu avô paterno, foi restabelecido em relação à totalidade desses prédios o direito de propriedade tal qual o mesmo lhes cabia nas datas das expropriações, ou seja, na qualidade de Herdeiros do seu avô paterno e de titulares e representantes da sua herança, na proporção dos seu quinhões hereditários (art. 2091° do Código Civil), passando, por força disso, tais bens a integrar o acervo hereditário por eles partilhado tal como dele nunca tivessem saído.</font>
</p><p><font>X - Da comparação de tal certidão da Zona Agrária de Portalegre de 9/9/1993 que integra o referido Doc. n° 11 com a Portaria n° 560/75, de 17/9, e a Portaria n° 505/76, de 10/8, resulta que há integral coincidência, tanto de área, como de inscrição matricial, entre os bens imóveis por elas expropriados aos Herdeiros de UU e os bens imóveis a eles devolvidos por concessão do direito de reserva, pelo que são exactamente os mesmos os bens que existiam e foram expropriados e os bens que passaram a existir após a atribuição do direito de reserva e que foram devolvidos e entregues aos herdeiros a quem haviam sido expropriados;</font>
</p><p><font> XI - Tal restabelecimento do direito de propriedade nos exactos termos em que existia à data da expropriação, como se esta nunca se tivesse verificado, faz com que em relação aos imóveis que haviam sido expropriados pelas Portarias acima citadas, entre os quais se contam os dois imóveis identificados sob o n° 1 da conclusão I, tudo se passe como se nunca o tivessem sido, o que implica que se tenha que se considerar que o seu direito de propriedade foi devolvido aos Herdeiros do Dr. UU nos exactos termos em que existia na sua titularidade à data da expropriação, isto é, enquanto titulares e representantes da sua herança na proporção dos seus quinhões hereditários, nos termos do disposto no art. 2.091° do C. Civil; </font>
</p><p><font>XII - E, assim sendo, a propriedade de todos esses prédios regressou na sua totalidade à titularidade dos Herdeiros, em representação da herança e na proporção respectiva dos seus quinhões hereditários, e, por força dessa devolução e entrega aos herdeiros, enquanto tais, nos termos do disposto no artigo 2.091° do C. Civil, reingressou no acervo ou património hereditário, donde fora expropriada, como se dele nunca tivesse sido expropriada e dele saído, tudo se passando como se tais prédios nunca tivessem sido expropriados e saído da herança ou património hereditário do avô paterno dos RR., por estes representada e titulada nos termos do art. 2.091° do C Civil;</font>
</p><p><font>XIII - Por força disso passa a ser válida a partilha que todos os RR. deles fizeram como pertencendo ao acervo hereditário daquele seu avô, por tais bens terem deixado de ser alheios na própria data da partilha e tudo se passar como eles do acervo hereditário partilhado nunca tivessem saído, não havendo qualquer obstáculo à convalidação da partilha, já que para que esta se verifique, nos termos do disposto no artigo 2.123° e no artigo 895°, ambos do C. Civil, basta que os bens, que na data em que fora efectuada fossem alheios, regressem ao acervo ou património hereditário, como foi o que aconteceu no caso sub-judice;</font>
</p><p><font>XIV - Na verdade, sendo aplicável à partilha | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ujFdu4YBgYBz1XKve_vp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<div><br>
<font>I – RELATÓRIO</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font>1.1.- Os Autores - </font><b><font>AA e BB</font></b><font> - instauraram acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus - </font><b><font>CC e DD. </font></b><br>
</p><p><font>Alegaram, em resumo</font><br>
</p><p><font>Os Autores, em 15 de Agosto de 2018, celebraram contrato promessa de compra e venda com a sociedade P... Lda, através do qual prometeram comprar e esta prometeu vender, pelo preço de € 310.000,00, o prédio urbano localizado no sítio ..., freguesia ..., fracção ..., tipo 3, ... andar, Bloco ..., inscrito na matriz sob o art....67. Acordaram que o preço seria pago em prestações, tendo os Autores sinalizado com a quantia de € 46.000,00.</font><br>
</p><p><font>O apartamento foi adquirido por Autores e Réus em compropriedade, mas a escritura de compra e venda, outorgada em 8 de Outubro de 2019, ficou apenas em nome dos Réus, como compradores, sendo um negócio simulado.</font><br>
</p><p><font>Em 6 Agosto de 2018, Autores e Réus, por documento particular, fizeram acordo, que designaram de “contrato particular”, mas os Réus nem sequer cumpriram, pois estão a utilizar exclusivamente o imóvel e a receber as rendas.</font><br>
</p><p><font>Os Réus agiram de má fé querendo ter o apartamento com o dinheiro dos Autores, sendo que a Ré é filha deles, aproveitando-se das suas fragilidades.</font><br>
</p><p><font>Pediram que:</font><br>
</p><p><font>a) os Réus sejam condenados a apresentar a planilha das rendas e a ressarcir do valor das rendas auferidas no período em que era para ser dos Autores, ou seja, 1 de outubro de 2019 a 31 de março de 2020, ao montante devem acrescer os juros de mora à taxa legal desde a citação até o efetivo e integral pagamento ou que seja declarado aos Autores o direito a usufruir do apartamento neste período das férias de 2020, da presente data até 30 de setembro de 2020;</font><br>
</p><p><font>b) seja declarada a nulidade da escritura de compra e venda realizada em nome dos Réus;</font><br>
</p><p><font>c) sejam declarados os Autores como os únicos donos e legítimos proprietários do apartamento;</font><br>
</p><p><font>ou, em alternativa,</font><br>
</p><p><font>d) sejam os Réus condenados a pagar aos Autores a quantia de € 137.692,00, por todo o investimento efetuado no apartamento, não sendo mais coproprietários, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.2.- Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação, alegando serem os únicos proprietários do imóvel, e muito embora reconheçam o contrato particular, a verdade é que os Autores não o cumpriram, pois não pagaram a metade do preço, pelo que a acção deve ser julgada improcedente.</font><br>
</p><p><font>1.3. Realizada audiência de julgamento, foi proferida (27/6/2021) </font><b><font>sentença</font></b><font> que decidiu absolver os Réus CC e DD dos pedidos deduzidos pelos Autores AA e BB. </font><br>
</p><p><font>1.4. Os Autores recorreram de apelação e a </font><b><font>Relação de Évora, por acórdão de 16/12/2021, decidiu:</font></b><br>
</p><p><font>“Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida na parte impugnada e, consequentemente, por via da declaração de nulidade do contrato intitulado «Contrato Particular» junto aos autos:</font><br>
</p><p><font>a) Condenam os Réus a restituir aos Autores a quantia líquida de €64.900,00 (sessenta e quatro mil e novecentos euros), que já incluí a compensação da quantia em que os Autores são condenados a restituir aos Réus no valor de €30.000,00 (trinta mil euros);</font><br>
</p><p><font>b) Condenam os Réus a restituir aos Autores os valores que vierem a ser liquidados decorrentes dos factos provados 4, 9, 16 e 19, sendo que o valor das quantias a liquidar somadas à referida em a) deste dispostito não podem exceder €107.242,49 (cento e sete mil, duzentos e quarenta e dois euros e quarenta e nove cêntimos);</font><br>
</p><p><font>c) Condenam Autores/Apelantes e Réus/Apelados nas custas nas duas instâncias, dado o recíproco decaimento em relação ao pedido subsidiário, fixando-se provisoriamente as mesmas, respetivamente, em 25% e 75%, sem prejuízo do rateio final, sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela Tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.</font><br>
</p><p><font>d) Condenam os Apelantes nas custas do incidente de não admissão do documento junto em sede de recurso, fixando-se a taxa de justiça, em 2 (duas) UC´s (artigo 527.º do CPC e artigo 7.º, n.º 4, do RCP).”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.5.- </font><b><font>Os Réus</font></b><font> </font><b><font>recorreram de revista</font></b><font>, com as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>1)O presente recurso de revista tem por fundamento o disposto no artigo 674 nº 1 aliena a) do CPC por erro de julgamento do Tribunal da Relação de Évora em virtude de errónea interpretação e aplicação do Direito aos factos provados e na determinação da norma aplicável.</font><br>
</p><p><font>2) O Tribunal de 1ªInstância considerou que o contrato celebrado entre Autores e Réus, escrito particular intitulado “Acordo Particular “é válido (artº 219º do CC) e produz efeitos ao abrigo da liberdade contratual devendo ser pontualmente cumprido como dispõem os artigos 405º e 406º do Código Civil.”</font><br>
</p><p><font>3) O Tribunal de 1ªInstância considerou igualmente que tal “Acordo Particular” ainda pode ser cumprido, atento o prazo concedido para pagamento do empréstimo e as partes não revogaram ou resolveram tal contrato , ainda é no âmbito desse incumprimento contratual que tem que ser resolvida a situação , e que tendo o instituto do enriquecimento sem causa natureza subsidiária ,só caso os Autores não sejam indemnizados no âmbito do termo do contrato paralelo que celebraram com os RR é que poderão lançar mão de tal instituto.”</font><br>
</p><p><font>4) O Tribunal da Relação de Évora teve uma interpretação jurídica diversa relativamente à validade do “Acordo Particular” que foi celebrado entre as partes, entendendo que ao mesmo se aplica o artº 875 do Código Civil e 89º do Código do Notariado e que não obedece à forma legal prevista na lei para validar transmissão do direito de propriedade.</font><br>
</p><p><font>5) Sendo tal Acordo Particular Nulo, nos termos do artigo 220.º do Código Civil, podendo a mesma ser conhecida a todo o tempo e declarada oficiosamente pelo tribunal (artigo 286.º do Código Civil). Os efeitos da nulidade constam do artigo 289.º do mesmo diploma legal. Tem efeito retroativo e deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.</font><br>
</p><p><font>6) Recorrentes não concordam com a interpretação jurídica que foi dada pelo Tribunal da Relação de Évora ao “Acordo Particular” pois o acordo que foi outorgado pelas partes foi celebrado apenas e só com efeitos meramente obrigacionais.</font><br>
</p><p><font>7) Tal Acordo Particular não consubstancia título de transmissão de propriedade, ao contrário do que interpretou o Tribunal da Relação de Évora.</font><br>
</p><p><font>8) O Acordo Particular em causa foi apenas e só para as partes</font><b><font> </font></b><font>regularem os termos e as condições que após cumprimento desse acordo particular seria efetuada a transmissão do direito de compropriedade do imóvel, pela forma legalmente prevista.</font><br>
</p><p><font>9)Tendo igualmente sido este o entendimento do Tribunal de 1ªInstância.</font><br>
</p><p><font>10) O Tribunal da Relação de Évora ao interpretar o “Acordo Particular” pressupondo que com tal Acordo pressupõe a transmissão de propriedade, ou seja, que tal “Acordo Particular” seria o título de transmissão da propriedade(compropriedade), cometeu erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito aos factos provados e na determinação da norma aplicável.</font><br>
</p><p><font>11) O “Acordo Particular” junto aos autos é perfeitamente legal nos termos do artº 219 do Código Civil, não tendo aplicação o artº 875º do C.Civil e artº 89º do Código do Notariado, porquanto, tal acordo produz efeitos meramente obrigacionais, não sendo o acordo em causa título que consubstanciaria a transmissão da propriedade (compropriedade).</font><br>
</p><p><font>12) Não tem aplicação ao Acordo Particular junto aos autos os artº 220º, 286º e 289º do Código Civil, não existindo qualquer causa de Nulidade do Acordo Particular.</font><br>
</p><p><font>13) Sendo tal Acordo Particular perfeitamente válido ao abrigo do artº 219º do CC e eficaz como considerou o Tribunal de 1ª Instância, não podendo por isso ser declaro nulo.</font><br>
</p><p><font>14) Deverá ser considerado que o Acordo Particular junto aos autos produz apenas efeitos meramente obrigacionais e é perfeitamente válido e eficaz por força do artº 219º do C.Civil, não tendo aplicação os artº 875º do C.Civil e artº 89º do Código do Notariado e artº 220, 286º e 289º do Código Civil do Código Civil , não sendo Nulo tal Acordo Particular.</font><br>
</p><p><font>15) Deverá ser Revogado o Acórdão Recorrido e mantida a decisão da 1ª Instância com os fundamentos aí constantes a qual absolveu os Recorrentes dos pedidos formulados pelos AA. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>1.6</font><b><font>.- </font></b><font>Os Autores contra-alegaram, suscitando previamente a rejeição do recurso por “no entendimento dos Recorridos o recurso é quanto à matéria de facto”, e a improcedência do mesmo. </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><div><br>
<font>II – FUNDAMENTAÇÃO</font><br>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<br>
<font>2.1</font><b><font>. Questão prévia da (in)admissibilidade do recurso </font></b><br>
<p><font>Os Autores suscitaram a questão prévia da inadmissibilidade da revista com a alegação de que nela se põe em causa a decisão de facto, e se pretende “reanalisar as provas”, subtraída ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
</p><p><font>Esta questão carece de total fundamento, pois em parte alguma das alegações os Recorrentes pretendem a reavaliação dos factos, antes exprimindo claramente que o recurso tem por fundamento o disposto no art. 674 nº 1 a) CPC com base na “errónea interpretação e aplicação do Direito aos factos provados e na determinação da norma aplicável”.</font><br>
</p><p><font>Improcede a questão prévia.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>2.2.</font><b><font> – Delimitação do objecto do recurso </font></b><br>
</p><p><font>A questão submetida a revista, delimitada pelas respectivas conclusões, contende com a interpretação e (in)validade do escrito particular denominado “contrato particular” de 6 de Agosto de 2019, subscrito pelas partes.</font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>2.3</font><b><font>. – Os factos provados </font></b><br>
</p><p><font>1. Os Autores AA e BB celebraram em 15 de agosto de 2018, um Contrato de Promessa de Compra e Venda com a Parcitec – Construções Lda no âmbito do qual prometeram comprar e esta prometeu vender, pelo preço total de € 310.000,00, a pagar em várias prestações, devendo estar pago até 31 de março de 2019 a quantia de € € 186.000,00, sendo o remanescente pago na celebração da escritura definitiva, uma fração autónoma correspondente ao 1º andar do Bloco, fração ..., tipo ..., B, do prédio urbano localizado no Sítio dos ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...67º da mencionado freguesia e descrito na conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...10 da freguesia ..., encontrando-se o apartamento em construção, tal como resulta de fls. 10 a 12 e 134 a136, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 1º a 4º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>2. Os Autores pagaram a quantia de €46.000,00 relativamente à promessa de compra e venda referida em 2) até agosto de 2019 (artigo 5º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>3) Em agosto de 2019, os Autores receberam um comunicado da promitente vendedora de que o prédio já tinha sido finalizado e que seria realizada a escritura de compra e venda (artigo 6º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>4) Os Autores residem em Luxemburgo e organizaram-se para viajar para Portugal, mas precisamente para ..., localidade onde está o apartamento e seria realizada a escritura de compra e venda, gastando nas viagens montante não concretamente apurado (artigos 7º e 39º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>5) Convidaram os Réus que vivem na Bélgica para irem de férias, sendo que a Ré é filha do Autor e este pagou a estadia dos Réus (artigo 8º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>6. O Autor teve um acidente em 14 de junho de 2019 e caiu do andaime nas obras na qual trabalhava, quebrando as vertebras e ficou com dificuldades para trabalhar desde meados de 2019 (artigo 9º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>7. Na sequência dos Autores não terem disponibilidade financeira para comprar o imóvel referido em 1) e não lhes ter sido concedido financiamento bancário, para não perderem o sinal já pago, solicitaram aos Réus que adquirissem o imóvel para si, acordando a possibilidade dos Autores o virem a adquirir em compropriedade por acordo escrito de 6 de agosto de 2018, denominado “Acordo particular”, nos termos do qual estabeleceram que a compra do apartamento referido em 1) seria em nome dos Réus, que contrariam um empréstimo no valor de €200.000,00 (incluindo €50.000,00 para os Autores, que serão solidários com este empréstimo e também “responsável” pela sua parte no empréstimo). Mais referem que o apartamento pertencerá aos Autores em 50% desde que paguem a sua participação de 50% (metade do preço de compra- €155.000,00, já tendo sido pagos €46.000,00; taxas de Notário e impostos relacionados com a compra- +/- €8.500,00; metade do preço do ar condicionado- +/- €2.500,00; metade da compra dos móveis-+/- €5.000,00; metade das cobranças mensais do apartamento e metade dos impostos e taxas). Foi estabelecido como condição da compropriedade que entre 1 de outubro e 31 de março o apartamento é propriedade exclusiva dos Autores. A venda só pode ser feita com o acordo dos 4 proprietários, só não sendo necessária quando uma das partes não assumir o pagamento da sua parte. Mais referem que os Autores assumem o compromisso de reembolsar o empréstimo de € 200.000,00 até ao fim de 2021, mas com flexibilidade nas datas, tal como resulta de fls. 37 a 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 15º da petição inicial-parte).</font><br>
</p><p><font>8. Em 18 de Outubro de 2019, os Réus CC e DD compraram o prédio referido em 1) à Parcitec – Construções Lda por escritura pública de compra e venda, pelo preço de PTE. 310.000,00, o qual foi adquirido com recurso a mútuo com hipoteca no valor de €200.000,00, sendo os Réus os compradores e os mutuários, tendo o preço sido pago, por cheque ou transferência bancária, nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>- €31.000,00, em 04-09-2018;</font><br>
</p><p><font>- €7.500,00 em 18-01-2019;</font><br>
</p><p><font>- €7.500,00 em 24-01-2019;</font><br>
</p><p><font>- €30.000,00 em 06-08-2019;</font><br>
</p><p><font>- €34.000,00 em 10-09-2019,</font><br>
</p><p><font>- €200.000,00 em 18-10-2019, de fls. 180 a 214; 9)</font><br>
</p><p><font>9. Atento o acordo referido em 7), os Réus efetuaram um empréstimo bancário em nome deles, por serem mais jovens e terem crédito bancário, ao contrario dos Autores, junto na Caixa Geral de Depósitos em ..., no montante total de € 200.000,00, a serem pagos em 20 anos em prestações mensais, sendo que entre Autores e Réus acordaram que € 150.000,00 seriam pagos pelos Réus e € 50.000,00 seriam pagos pelos Autores, os quais têm pago aos Réus mensalmente a quantia de € 230,00 da prestação que estes suportam para amortização do empréstimo bancário (artigos 17º e 24º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>10) Os Réus têm inscrita a seu favor a aquisição, por compra, do prédio referido em 1) Ap. 2349 de 29-10-2019, estando tal prédio onerado com uma hipoteca.</font><br>
</p><p><font>11) O Autor efetuou duas transferências para conta bancária do Réu CC, em agosto de 2019, uma no valor de €6.000,00, a outra no valor de €14.000,00 e, em 18 de outubro de 2019, fez uma transferência bancária para o Réu no valor de €24.000,00, perfazendo um total de €44.000,00 (artigo 19º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>12) Em setembro de 2019, o Réu emprestou a quantia de €30.000,00 ao Autor para pagamento de parte do apartamento referido em 1), a qual deveria ser paga logo após a escritura (artigo 22º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>13) Os Autores não utilizaram o apartamento de 1 de outubro de 2019 a 31 de março de 2020, apesar de o terem solicitado aos Réus (artigos 28º e 29º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>14) Os Réus vêm explorando o imóvel referido em 1), desde outubro de 2019, auferindo rendas, com publicidade no Airbnb e Facebook (artigo 30º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>15) Os Autores receberam uma carta da advogada dos Réus, informando que não tem direito de fruir do imóvel, a não ser que pague o valor de 30.000,00€ e outras dívidas (artigo 33º da petição inicial)</font><br>
</p><p><font>16) Os Autores inicialmente pagavam metade das despesas mensais de luz, água, condomínio, ainda mais com o pagamento do IMI, prestações do empréstimo bancário e seguro anual do apartamento, sempre realizando o pagamento por transferências bancárias para a conta do Réu mas, por não terem acesso ao apartamento, deixaram de o fazer (artigo 46º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>17) Em 24 de Março de 2019, os Réus entregaram a quantia de €10.000,00 aos Autores, a título de empréstimo, a qual foi devolvida no âmbito das transferências referidas em 11), tendo ainda sido transferida pelo Autor a quantia de €4.000,00 em 30-08-2019 (artigo 13º da contestação).</font><br>
</p><p><font>18) Entre 1 de outubro e 2019 e 31 de março de 2020, a exploração turística do prédio referido em 1), rendeu pelo menos, a quantia líquida de €3.093,69 auferida pelos Réus (artigo 41º da contestação).</font><br>
</p><p><font>19) Os Autores suportaram custos com a mobília do apartamento referido em 1) e de valor não concretamente apurado, tendo pago exclusivamente o ar condicionado no valor de €4.900,00, tendo sido o Réu que suportou as despesas relativas a impostos e Notário para celebração a compra e venda do imóvel referido em 1), no valor total de €17.574,75 (artigo 38º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.4. – </font><b><font>Os factos não provados</font></b><br>
</p><p><font>a) Já em Portugal, os Réus ficaram deslumbrados com o apartamento e propuseram aos Autores a comprar a metade do valor do apartamento, ou seja, serem coproprietários (artigo 10º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>b) Por causa do acidente do Autor, os Réus diziam que queriam ajudar, assim não ficaria tão caro as prestações do empréstimo bancário (artigo 11º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>c) O investimento dos Autores no apartamento era para reforma, pois que já estavam cansados e muito perto de atingir a idade para reforma (artigo 12º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>d) A princípio, os Autores não aceitaram a proposta, mas diante de tanta insistência por parte dos Réus, então eles acabaram cedendo, sem contar que a Ré é filha do Autor e assim ficaria tudo em família (artigo 13º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>e) Na assinatura do acordo referido em 7) dos factos provados, o Réu não aceitou um profissional do direito, ou seja, um advogado e até mesmo a filha da Autora que é advogada, não teve acesso ao Contrato e foi proibida de ter conhecimento (artigo 15º da petição inicial-parte).</font><br>
</p><p><font>f) O Autor argumentou por várias vezes que a escritura ficasse em nome dos Autores também, mas não foi aceite pelo Réu (artigo 26º da petição inicial)</font><br>
</p><p><font>g) Os Autores contribuíram com o pagamento do Notário e impostos relacionados a compra do imóvel (artigo 27º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>h) Ficou acordado verbalmente entre as partes que a quantia emprestada pelo Réu de € 30.000,00, seria pago em várias prestações e até porque eles sabiam da saúde precária do Autor e a dificuldade em trabalha (artigo 36º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>i) O Réu disse que ia castigá-lo por não ter pago os €30.000,00 e não ia deixar os Autores a usufruir os 6 meses, desrespeitando o contrato de gaveta (artigo 37º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>j) Para além do provado em 4), desde 2018 que os Autores vêm tendo gastos com apartamento, como vivem em Luxemburgo tem os custos da viagem, hotel, aluguel de apartamento e etc., o que já perfaz um total no valor de €15.650,00 (artigo 39º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>k) Para além do provado em 19), toda a mobília foi comprada pelos Autores e outras despesas gerais, perfazendo um total de €12.042,00 (doc. que se junta) (artigo 38º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>l) Para além do provado em 18), o valor das rendas apurados pelos Réus no período de 1 de outubro de 2019 a 31 de março de 2020 é de €20.000,00 (artigo 42º da petição inicial).</font><br>
</p><p><font>m) O apartamento e a mobília estão danificados, em virtude do uso frequente de pessoas do arrendamento e se encontram em más condições de conservação e utilização (artigo 43º da petição inicial) </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.5</font><b><font>. </font></b><b><font>A interpretação e (in)validade do escrito particular denominado “contrato particular” de 6 de Agosto de 2019.</font></b><font> </font><br>
</p><p><font>Os Autores pediram a condenação dos Réus a pagar-lhes “a quantia de € 137.692,00, por todo o investimento efetuado no apartamento, não sendo mais coproprietários, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento” </font><br>
</p><p><font>Muito embora os Autores tenham designado tal pedido como alternativo (“ou em alternativa”), tanto a 1ª instância como a Relação qualificaram-no como pedido subsidiário.</font><br>
</p><p><font>Como se sabe, o pedido costuma qualificar-se como a pretensão do autor para a qual requer a tutela judicial, ou seja, é o feito jurídico pretendido (pretensão processual) e, em regra, deve ser único, certo e exigível. O art.555 do CPC permite a cumulação de pedidos, que pressupõe a simultaneidade ou multiplicidade de pretensões, ou seja, o autor pede a satisfação ao mesmo tempo de mais de uma prestação, exigindo-se, contudo, a compatibilidade substancial, verificando-se a incompatibilidade sempre que as prestações se excluem mutuamente, sejam contrárias entre si, de tal forma que uma impeça o exercício da outra, ou seja, quando produzem efeitos contraditórios ou sob o aspecto material ou sob o aspecto processual.</font><br>
</p><p><font>No pedido alternativo (art. 553 CPC), a alternatividade pressupõe a dedução de duas ou mais pretensões disjuntivas, para apenas uma delas se efectivar. Já o pedido subsidiário (art. 554 CPC) é feito para a hipótese de o primeiro não proceder.</font><br>
</p><p><font>Tanto nos pedidos subsidiários, como alternativos, há uma singularidade de pretensões, porque o autor pretende valer contra o réu um dos pedidos, o que não sucede na cumulação. A distinção entre pedidos alternativos e subsidiários consiste em que, nos primeiros, o réu tem a faculdade de escolher um deles, dada a equivalência das prestações pretendidas pelo autor, e, nos segundos, embora apresentados sob a veste formal mais aparente de alternativa, a sua apreciação depende da improcedência do chamado pedido principal.</font><br>
</p><p><font>Considerando o contexto do pedido e a alegação da petição inicial, interpretada de acordo com o critério dos arts. 236 e 238 CC, estamos perante um pedido subsidiário, como de resto foi interpretado pelas instâncias.</font><br>
</p><p><font>Os pedidos principais nomeadamente o da declaração do direito de propriedade dos Autores sobre o apartamento, foi julgado improcedente, e não está aqui impugnado, logo transitou em julgado.</font><br>
</p><p><font>A sentença da 1ª instância absolveu os Réus do pedido, com base nos seguintes tópicos:</font><br>
</p><p><font>O contrato particular outorgado por documento particular em 6/8/2019 (cf. fls. 37 a 48) foi celebrado no âmbito da liberdade contratual, pelo que só com a revogação ou resolução é que eventualmente poderá ocorrer o pagamento de uma indemnização, a título de enriquecimento sem causa relativamente aos valores pagos. Mas como “ no caso dos autos, considerando que o contato particular ainda pode ser cumprido, atento o prazo concedido para pagamento do empréstimo e as partes não revogaram ou resolveram tal contrato, ainda é no âmbito desse incumprimento contratual que tem que ser resolvida a situação, tendo o instituto jurídico do enriquecimento sem causa natureza subsidiária, ou seja, só caso os Autores não sejam indemnizados no âmbito do termo do contrato paralelo que celebraram com os Réus é que poderá lançar mão de tal instituto (o qual nem seque invocou nos autos)”.</font><br>
</p><p><font>A Relação, por seu turno, decretou a nulidade do “contrato particular”, argumentando, em síntese, que o contrato particular de 6/8/2019 (fls. 37 a 48) é formalmente nulo porque reportando-se à constituição do direito de compropriedade, o documento particular junto não obedece à formal legal prevista na lei para validar a transmissão do direito de propriedade. </font><br>
</p><p><font>A qualificação de um negócio jurídico postula, antes de mais, um problema de interpretação sobre a inerente declaração de vontade, na sua dupla função ambivalente: como acto de comunicação interpessoal e como acto determinativo ou normativo.</font><br>
</p><p><font>A interpretação dos negócios jurídicos rege-se pelas disposições dos arts.236 a 238 do CC, que consagram de forma mitigada o princípio da impressão do destinatário. Por conseguinte, na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Neste âmbito, deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as respectivas negociações, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes.</font><br>
</p><p><font>Interpretar uma declaração negocial é actividade tendente a determinar o que as partes quiseram ou declararam querer. E, como se viu, esta vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. </font><br>
</p><p><font>Nos negócios formais, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário e não deve por isso ser-lhe imposto (art. 238 do CC). Isto significa que a letra do negócio (o texto do documento ) surge como limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, nos termos gerais da interpretação. Optou-se por uma orientação objectiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem.</font><br>
</p><p><font>A determinação da vontade real das partes nas declarações negociais constitui matéria de facto. Mas não sendo possível determinar qual foi essa vontade, impõe-se fixar o sentido juridicamente decisivo dessas declarações, reconduzindo-se a questão de direito, por contender com as regras legais que definem o critério hermenêutico.</font><br>
</p><p><font>Por seu turno, a aplicação do art. 237 do CC confina-se, como, desde logo, resulta da sua epígrafe, aos casos duvidosos. A sua doutrina não prevalece contra as regras do art. 236 do CC, aplicando-se apenas se estas não puderem definir o sentido da declaração, ou seja, “vale para os casos em que a declaração, consultados todos os elementos utilizáveis para a sua interpretação de harmonia com o critério fixado no artigo anterior, comporta ainda dois ou mais sentidos, baseados em razões de igual força”.</font><br>
</p><p><font>Está provado que </font><br>
</p><p><font>“7</font><font>. Na sequência dos Autores não terem disponibilidade financeira para comprar o imóvel referido em 1) e não lhes ter sido concedido financiamento bancário, para não perderem o sinal já pago, solicitaram aos Réus que adquirissem o imóvel para si, acordando a possibilidade dos Autores o virem a adquirir em compropriedade por acordo escrito de 6 de agosto de 2018, denominado “Acordo particular”, nos termos do qual estabeleceram que a compra do apartamento referido em 1) seria em nome dos Réus, que contrariam um empréstimo no valor de €200.000,00 (incluindo €50.000,00 para os Autores, que serão solidários com este empréstimo e também “responsável” pela sua parte no empréstimo). Mais referem que o apartamento pertencerá aos Autores em 50% desde que paguem a sua participação de 50% (metade do preço de compra- €155.000,00, já tendo sido pagos €46.000,00; taxas de Notário e impostos relacionados com a compra- +/- €8.500,00; metade do preço do ar condicionado- +/- €2.500,00; metade da compra dos móveis-+/- €5.000,00; metade das cobranças mensais do apartamento e metade dos impostos e taxas). Foi estabelecido como condição da compropriedade que entre 1 de outubro e 31 de março o apartamento é propriedade exclusiva dos Autores. A venda só pode ser feita com o acordo dos 4 proprietários, só não sendo necessária quando uma das partes não assumir o pagamento da sua parte. Mais referem que os Autores assumem o compromisso de reembolsar o empréstimo de € 200.000,00 até ao fim de 2021, mas com flexibilidade nas datas, tal como resulta de fls. 37 a 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 15º da petição inicial-parte)”. </font><br>
</p><p><font>Comprova-se que a negociação do apartamento (uma fração autónoma correspondente ao 1º andar do Bloco, fração ..., tipo ..., B, do prédio urbano localizado no Sítio dos ..., freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...67º da mencionada freguesia e descrito na conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...10 da freguesia ...) foi feita através de contrato promessa de compra e venda bilateral no qual a Parcitec – Construções Lda prometeu vender aos Autores, que prometeram comprar, pelo preço de € 310.000,00, o referido apartamento, tendo os Autores entregue € 46.000,00, a título de sinal.</font><br>
</p><p><font>Como o apartamento já estava finalizado, em Agosto de 2019 a promitente vendedora comunica aos Autores tal facto, e que seria realizada a escritura pública. Por esse motivo, os Autores, que vivem no Luxemburgo, deslocaram-se com os Réus (filha e genro) à ....</font><br>
</p><p><font>Devido às dificuldades financeiras e em virtude de lhes não ter sido concedido financiamento bancário, para não perderem o sinal, é que Autores e Réus outorgaram, em 6/8/2019, o escrito designado “contrato particular” (fls. 37 a 49).</font><br>
</p><p><font>E em 18/10/2019, é celebrada a escritura pública de compra e venda entre a Parcitec – Construções Lda (vendedora) e os Réus (compradores).</font><br>
</p><p><font>Pois bem, é neste contexto que deverá ser interpretado o designado “contrato particular”, outorgado cerca de um mês antes da escritura pública de venda e naturalmente para acautelar os interesses dos Autores.</font><br>
</p><p><font>Sabe-se que a interposição fictícia de pessoas ocorre quando um negócio jurídico é realizado simuladamente com uma pessoa, dissimulando-se nele um outro negócio (real), de conteúdo idêntico ao primeiro, mas celebrado com outra pessoa, ou seja, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kjK_u4YBgYBz1XKvADvj | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<font>T... Crédito Especializado, S.A. - Instituição Financeira de Crédito, requereu providência cautelar de entrega judicial contra F... Sociedade de Construções e Comércio, S.A., pedindo que se ordene a apreensão da grua Torre Potain, modelo M... 85A City Crane SM, COM, alegando para tanto que, tendo resolvido o contrato de locação financeira celebrado com a requerida, não lhe foi restituído o equipamento locado. </font><br>
<font>A requerida deduziu oposição, defendendo-se por excepção e alegando que, no âmbito do processo de recuperação de empresa contra si requerido e que correu termos no 2° juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o processo n0484/03.5TYVNG, foi reconhecido o crédito da requerente e aprovada, com voto favorável da mesma, uma medida de reestruturação financeira, mediante a qual se dispunha, para os créditos das sociedades de locação financeira e relativamente aos contratos já resolvidos, "a celebração de novos contratos" nas condições aí estipuladas. </font><br>
<font>A requerente pronunciou-se sobre o teor dos documentos apresentados com a oposição. </font><br>
<font>O Mmº Juiz, entendendo não ser necessária a produção de prova, indeferiu a providência requerida.</font><br>
<font>A requerente agravou para a Relação do Porto, que negou provimento ao agravo.</font><br>
<font>Inconformada, recorre agora de agravo para o STJ, invocando conflito jurisprudencial entre a decisão agravada e a decisão tirada no agravo nº 1020/07-2ª secção da mesma Relação, de que juntou cópia.</font><br>
<font>O recurso foi bem admitido, atento o disposto na parte final do artº 387º-A e no 678º, nº 4 do CPC.</font><br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações. </font><br>
<font> A agravante fechou a minuta recursória concluindo: </font><br>
<font>1º- Ao contrário do que o acordão decidiu, o simples voto favorável da agravante na assembleia de credores que aprovou a medida de recuperação não consubstancia qualquer vontade de novar as obrigações emergentes do contrato de </font><i><font>leasing </font></i><font>extinto;</font><br>
<font>2º- A vontade de novar tem de ser manifestada de forma expressa, o que no caso concreto não sucedeu;</font><br>
<font>3º- E não se diga que, pelo facto de na medida de recuperação se aludir, relativamente aos contratos já resolvidos, que iriam ser celebrados novos contratos, que tal menção traduz a vontade de novar;</font><br>
<font>4º- Na verdade, tal referência é feita no contexto da reestruturação da dívida relativa aos contratos de </font><i><font>leasing</font></i><font>, sendo claro que a alusão a novos contratos foi efectuada apenas porque os mesmos tinham sido resolvidos, já que, em relação aos não resolvidos, a medida se circunscrevia á mera reestruturação dos prazos de pagamento;</font><br>
<font>5º- Tal reestruturação/modificação dos prazos de pagamento abrangeu também os contratos resolvidos e só porque a resolução tinha ocorrido é que a medida alude à celebração de novos contratos, como forma de "repristinar" os contratos de leasing iniciais: do que se tratou foi apenas de, através da fórmula utilizada, restabelecer/retomar os aludidos contratos, ou seja, fazer a sua "repristinação";</font><br>
<font>6º- Se a intenção tivesse sido a de novar as obrigações emergentes do contrato resolvido, as condições de pagamento não seriam idênticas às dos que não tinham sido resolvidos. O que as partes pretenderam foi, tão só, prolongar ou diferir o pagamento das prestações estabelecidas no contrato resolvido, ou seja, de modificar as condições de pagamento, não tendo sido prevista a alteração de qualquer outra cláusula do contrato resolvido;</font><br>
<font>7º- Acresce que não chegou sequer a ser celebrado qualquer novo contrato, tendo sido ultrapassado o prazo previsto para o pagamento das importâncias em dívida, sem que a recorrida o tivesse feito;</font><br>
<font>8º- Não tendo sido celebrado qualquer novo contrato, não existe fonte de uma nova obrigação, motivo por que não se vislumbra como é possível sustentar que nasceu uma nova obrigação que extinguiu a que tinha por fonte o contrato resolvido;</font><br>
<font>9º- O Acórdão recorrido considerou e reconheceu que o contrato de "leasing" não foi cumprido pela recorrida e que o recorrente procedeu à respectiva resolução;</font><br>
<font>10º- Um dos efeitos da resolução é assegurar ao agravante a devolução do bem objecto do contrato, sendo certo que, de acordo com o regime legal em causa, o proprietário desse bem continua a ser o ora recorrente;</font><br>
<font>11º- Desse modo, é lícito ao ora recorrente lançar mão da presente providência cautelar;</font><br>
<font>12º-Acresce que os factos que o Tribunal "a quo" deu como provados são suficientemente indiciadores do direito que o recorrente alega, bem como da necessidade desse direito ser rapidamente acautelado;</font><br>
<font>12º- A prevalecer a decisão proferida no âmbito do Acórdão recorrido, estar-se-á a permitir que a parte não cumpridora, se mantenha, indefinidamente, a usufruir do equipamento, ainda que se aceite que o correspondente contrato de leasing se encontra resolvido por facto a si imputável e que, em resultado disso mesmo, incorre a recorrida na obrigação de restituir o bem à recorrente, sua legitima titular e proprietária;</font><br>
<font>13º- Melhor demonstração de tudo quanto foi referido e sobretudo de que não existiu novação objectiva da dívida é que as condições de pagamento previstas para os "novos contratos" é exactamente igual às condições de pagamento prevista para os contratos ainda vigentes;</font><br>
<font>14º- O que significa que, a alusão à celebração de "novos contratos" para aqueles que já tinham sido resolvidos, prende-se com uma questão meramente de forma, que em nada belisca nem altera o conteúdo substancial das obrigações neles previstas;</font><br>
<font>15º- Decidindo como decidiu a decisão recorrida violou o disposto no artigo 859º do Código Civil,</font><br>
<font> Devendo o presente agravo ser provido e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e decretar-se a apreensão do bem objecto do contrato de </font><i><font>leasing.</font></i><br>
<font>Com os vistos, cabe decidir. </font><br>
<font>A 1ª instância considerou estarem indiciados os seguintes factos, que a Relação não alterou:</font><br>
<i><font>1) A requerente, anteriormente denominada "M... Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A." e posteriormente "S... Central Hispano - Leasing", é uma empresa parabancária, autorizada a praticar operações de locação financeira (leasing);</font></i><br>
<i><font>2) No exercício dessa actividade, a então denominada "M... Leasing", celebrou, em 21 de Agosto de 2000, com a requerida, um acordo mediante o qual colocava a grua "Torre Potain", modelo "M... 85A City Crane SM, COM" à disposição desta pelo período de 48 meses, com início em 21 de Agosto de 2000 e termo em 21 de Agosto de 2004, mediante o pagamento de uma renda mensal, com vencimento ao dia 5 de cada mês, de 1.956,64 €, a fim de a requerida a utilizar mediante o pagamento de uma renda de 1.956,64 € por mês, ficando a requerida com o direito à sua aquisição pelo valor de 2% do preço de 99.210,90 €, acrescido de IVA, à taxa legal, conforme resulta do teor dos documentos de fls. 11 a 13 dos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzido;</font></i><br>
<i><font>3) Aquele equipamento foi adquirido pela requerente à "Potain - Portugal, S.A.", com o propósito de ceder o gozo do mesmo à requerida, conforme resulta do documento de fls. 13 dos autos;</font></i><br>
<i><font>4) A requerida começou a utilizar o equipamento referido em 2) em 21 de Agosto de 2000;</font></i><br>
<i><font>5) A requerida não pagou a 34ª renda a que estava obrigada e que se venceu em 20 de Julho de 2003;</font></i><br>
<i><font>6) Nem qualquer das rendas subsequentes que se venceram;</font></i><br>
<i><font>7) Em 22 de Março de 2004 a requerente enviou à requerida uma carta registada com aviso de recepção declarando resolver o contrato referido em 2);</font></i><br>
<i><font>8) O equipamento referido em 2) continua a ser utilizado pela requerida no exercício da actividade de construção;</font></i><br>
<i><font>9) Foi requerido em 4 de Agosto de 2003 e correu termos contra a requerida o processo nº 484/03.5TYVNG, sob a forma de processo de recuperação de empresas, no 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia;</font></i><br>
<i><font>10) No decurso do mesmo processo judicial, o gestor judicial elaborou e submeteu à aprovação da Assembleia Definitiva de Credores uma medida de reestruturação financeira;</font></i><br>
<i><font>11) Para os credores das sociedades de locação financeira, de renting e similares, a referida medida prescreve o seguinte: "Propõe-se para os créditos destas sociedades: a) Pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos. Para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas.", conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 47 a 60, mais concretamente a fls. 57, e que se dá aqui por integralmente reproduzido;</font></i><br>
<i><font>12) A Requerente votou favoravelmente a medida de reestruturação financeira da aqui requerida, conforme resulta do teor do documento de fls. 66;</font></i><br>
<i><font>13) A sentença homologatória da deliberação da Assembleia de Credores transitou em julgado em 25 de Outubro de 2004.</font></i><br>
<font>A questão em discussão é meramente de direito, centrando-se na interpretação a dar à decisão proferida quanto à medida de reestruturação financeira aprovada na assembleia geral dos credores, na parte em que, «para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas».</font><br>
<font>Essa questão colocou-se exactamente da mesma forma nos dois mencionados agravos para a Relação do Porto que lhe deu todavia respostas diametralmente opostas.</font><br>
<font>Assim, no acórdão recorrido, expendeu-se: </font><br>
<font> </font><i><font>«… no processo de recuperação de empresas, que correu termos pelo 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, contra a aqui requerida, foi elaborado e submetido à aprovação da Assembleia de Credores uma medida de reestruturação financeira, a qual previa, para os créditos das sociedades de locação financeira, de renting e similares: </font></i><br>
<i><font>"o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos. Para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas.” </font></i><br>
<i><font>A medida de reestruturação financeira foi apresentada como proposta pelo gestor judicial, aprovada pela Assembleia de Credores, tendo a requerente votado favoravelmente tal medida e por escrito. </font></i><br>
<i><font>Para o tribunal a quo, depois de considerar que o contrato celebrado entre a requerente e a requerida se classifica de um contrato de locação financeira, analisa seguidamente o problema do ponto de vista jurídico, considerando que, quanto aos efeitos jurídicos desta medida sobre as obrigações emergentes da resolução do contrato de locação financeira, aquela deliberação vincula os credores e terceiros nos termos previstos nos arts. 92°, 93° e 94° do CPEREF, e há-de ser interpretada de acordo com o disposto no art. 236°, nº1, do CC. </font></i><br>
<i><font>E considera ainda que, numa primeira análise, se poderia entender que a medida aprovada traduzir-se-ia tão-só na renegociação dos créditos indemnizatórios emergentes da resolução dos contratos de locação financeira resolvidos, operando assim uma mera modificação ou alteração da obrigação ao nível de um elemento acessório da mesma - o prazo de cumprimento -, resultando que aquelas obrigações seriam pagas em 36 prestações após um período de carência de um semestre. </font></i><br>
<i><font>Mas, quanto aos contratos já resolvidos, como é o caso dos autos, considera que a vontade dos credores, com aquela deliberação, significa e expressa a intenção de operar uma verdadeira extinção das obrigações emergentes da resolução dos contratos de locação financeira com a criação ou assunção da obrigação de celebrar novos contratos sujeitos a plano prestacional de 36 meses, antecedido de um período de carência de um semestre, ou seja, a deliberação aprovada teve como efeito, no que às obrigações decorrentes da resolução dos contratos de locação financeira diz respeito, operar uma verdadeira novação. </font></i><br>
<i><font>E assim, no caso em análise, «por força da aprovação da medida de reestruturação financeira, é de entender que se operou uma novação objectiva das obrigações que recaiam sobre a requerente por força do contrato de locação financeira - como dissemos supra, de indemnizar nos termos convencionados e de restituir o bem locado - na obrigação de celebrar novos contratos de locação financeira».</font></i><br>
<i><font>E conclui, então, que não pode a requerente vir a juízo fazer valer o cumprimento de uma obrigação extinta - a extinta obrigação de restituição do equipamento locado por força da resolução do contrato de locação financeira. </font></i><br>
<i><font>… temos para nós que ao caso se não pode aplicar a interpretação defendida pelo recorrente de que se está perante uma mera modificação do contrato e antes aquela que efectuou o tribunal a quo. </font></i><br>
<i><font>…Desde logo, trata-se aqui de analisar um problema, que embora parcial e restrito - dívidas devidas a sociedades de locação financeira -, está integrado numa medida de recuperação de empresa, apresentada pelo Gestor Judicial e aprovada pela Assembleia de Credores, medida esta aprovada que também o foi pela requerente, por escrito. </font></i><br>
<i><font>Por outro lado, trata-se de obrigações resultantes de um contrato de locação financeira existente entre a requerente e requerido que fora resolvido por aquela por falta de pagamento das prestações por esta e que, por isso mesmo, estava resolvido. </font></i><br>
<i><font>Temos ainda que, quanto aos créditos resultantes dos contratos de locação financeira, previa expressamente a medida de recuperação da requerida, a sua distinção entre os ainda em vigor e os já resolvidos, da seguinte forma: </font></i><br>
<i><font>- o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos; </font></i><br>
<i><font>- para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas. </font></i><br>
<i><font>Ora, segundo o art. 857º do CC dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga, isto é, substitui-se a obrigação mas mantêm-se os sujeitos. </font></i><br>
<i><font>Ensina A. Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª ed. vol. II, pág. 230 que novação consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação, em lugar dela, considerando ainda essencial que queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação. </font></i><br>
<i><font>Daí que o art. 859º do CC considere que a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deva ser expressamente manifestada, o que, no caso concreto, dúvidas não existem dado que a requerente votou a medida neste particular e até por escrito. </font></i><br>
<i><font>Portanto, a requerente aceitou, votou a medida, segundo a qual resultava que o crédito de que era titular fosse substituído por outro, uma vez que esta fala em "novos contratos", ou seja, atendendo ao sentido da medida, há uma substituição da forma de pagamento do crédito vencido agora para 36 meses prestacional, com carência de 6 meses. </font></i><br>
<i><font> Há, assim, uma vontade expressamente declarada, que nos surge de forma bem explícita, de forma inequívoca, extinguindo-se a anterior obrigação com a criação de uma nova em lugar daquela. </font></i><br>
<i><font>E a denominada vontade novatória "animus novandi" de que fala Galvão Telles, em CJ, Ano 1987, vol. II, pág. 35, surge claramente dos termos do contrato, mesmo ao cuidado colocado de distinguir as situações em apreço, especificamente para os contratos de locação financeira e para os contratos já resolvidos e no sentido de existir uma vontade das partes de substituir a obrigação antiga, que fica extinta, por uma obrigação nova embora nascida de contrato ínsito na convenção celebrada, contrato que fica a ser a fonte, causa ou título dessa obrigação nova. </font></i><br>
<i><font>E quanto à distinção entre novação e modificação da obrigação, releva a interpretação que efectua A. Varela, na mesma Colectânea, a pág. 43, considerando que na primeira situação as partes pretendem realmente extinguir a antiga obrigação, mediante a constituição de um novo débito, enquanto que no segundo a intenção é manter dívida, mas alterando uma ou mais cláusulas acessórias ou secundárias da respectiva relação obrigacional, dando como exemplos, a taxa de juro, datas de amortização de capital, etc. </font></i><br>
<i><font>Ora, repetindo, a cláusula que se aceitou no acordo fala mesmo na realização de novos contratos e daí que, caiba plenamente no conceito que é usado por Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 9ª ed. pág. 1036 de que a novação será a extinção contratual de uma obrigação em virtude da constituição de uma nova que vem ocupar o lugar da primeira e considera ainda que não será forçoso que a nova obrigação apresente um conteúdo diferente do da antiga. </font></i><br>
<i><font>Este mesmo autor aponta ainda, obra citada mas a tis. 1038, os requisitos para que haja novação, quais sejam: </font></i><br>
<i><font>1° - a intenção de novar, expressamente declarada. </font></i><br>
<i><font>2° - que a obrigação primitiva seja válida e não se encontre extinta ao tempo em que a segunda foi contraída. </font></i><br>
<i><font>30 - que a nova obrigação se constitua validamente. </font></i><br>
<i><font>Ora, da análise de todo o processado e perante o atrás relatado, verificamos que se encontram preenchidos todos os requisitos exigíveis para a verificação no caso de novação e não simples modificação da obrigação. </font></i><br>
<i><font> Por isso que consideramos que se não está na presença de uma simples modificação da obrigação aprovada em assembleia de credores efectuada em processo de recuperação de empresa mas antes em firme novação da obrigação existente por outra em lugar daquela. </font></i><br>
<i><font>A aprovação por escrito da medida pelo credor/agravante e os termos em que a mesma se mostra redigida, contextualizada na reestruturação das dívidas relativas ao contrato de leasing, consubstanciam uma declaração expressa de vontade de novar tendo, portanto, a virtualidade de se poder concluir que se tratou de uma efectiva novação da obrigação. </font></i><br>
<i><font>E nem se diga que se a intenção tivesse sido a de novar as obrigações emergentes do contrato resolvido, as condições de pagamento não seriam idênticas às dos que não tinham sido resolvidos. </font></i><br>
<i><font>De facto, a novação objectiva pode abranger perfeitamente uma nova forma de pagamento, como foi o caso, agora em 36 meses com seis meses de carência. </font></i><br>
<i><font>A não realização do novo contrato não releva para efeitos de classificação da alteração da obrigação operada. </font></i><br>
<i><font>Assim, não podemos nem devemos alterar a decisão impugnada, por se mostrar conforme o fixado na lei. </font></i><br>
<i><font>Podemos concluir que em processo de recuperação de empresa, aprovada uma medida relativo ao crédito resultante de um contrato de locação financeira, já resolvido por falta de pagamento, com o voto favorável do credor, por escrito, segundo a qual para os contratos já resolvidos, se propõe a celebração de novos contratos agora com a condição de o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas ser em 3 anos, após 1 semestre de carência, devemos considerar que se está perante uma novação objectiva da dívida e não simples modificação da obrigação, porquanto o crédito primitivo se extingue por substituição do novo crédito. </font></i><br>
<i><font>Mas diga-se ainda que não será em sede de providência cautela r de apreensão que poderá ou deverá ser averiguada da razão ou razões da não elaboração do novo contrato. </font></i><br>
<i><font>Esta problemática não tem aqui e agora cabimento - artigos 3810 e 3820 do CPC…».</font></i><br>
<font>Em sentido completamente diferente se pronunciou o outro referido aresto da Relação do Porto, onde se escreveu nomeadamente o seguinte:</font><br>
<i><font>«…A proposta aprovada… tinha a redacção seguinte: </font></i><br>
<i><font>"Propõe-se para os créditos destas sociedades (sociedades de locação financeira, de renting e similares):</font></i><br>
<i><font>a) Pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após I semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da Sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos. Para os contratos resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas. " </font></i><br>
<i><font>Se bem repararmos, a proposta, tal como foi apresentada, começa com uma alínea alínea a), e não refere mais nenhuma outra.</font></i><br>
<i><font>No entanto, verificamos da sua leitura, que sob a alínea em causa estão indicadas duas previsões regimentais distintas: uma para os contratos (ainda) vigentes; outra para os contratos já resolvidos.</font></i><br>
<i><font>a) Para os contratos ainda vigentes (leia-se aqui leasing), ficou aprovado o pagamento do crédito das locadoras no tocante à totalidade das rendas vencidas e vincendas em três anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da Sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos;</font></i><br>
<i><font>b) Para os contratos já resolvidos, "a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas." </font></i><br>
<i><font>Ora, as "condições acima identificadas" nada mais previam que não fossem as relativas à alteração do prazo para pagamento de dívidas.</font></i><br>
<i><font>No despacho recorrido foi entendido que se estava perante a novação de dívida.</font></i><br>
<i><font>No entanto, a novação de dívida exige o acordo expresso do credor em substituir uma dívida por outra dívida nova - art. 859.° do CC - , levando à extinção da primeira, e surgindo a nova como totalmente independente daquela.</font></i><br>
<i><font>0 que se mostra expresso "nas condições acima identificadas", é apenas aceitação de um período de carência de seis meses a contar do trânsito em julgado Sentença homologatória e o protelamento do pagamento das rendas vencidas e vincendas, com juros vencidos, que poderia passar a fazer-se ao longo de três anos (em vez de serem imediatamente exigíveis, como eram quanto ao contrato resolvido).</font></i><br>
<i><font>Em nenhum lugar vem referido como tendo sido aceite que a Requerida se mantivesse na utilização da viatura como se o contrato anterior não tivesse sido resolvido ou se quisesse fazer um contrato novo que fosse em tudo independente do anterior e se esquecesse que tinha havido resolução por incumprimento da Requerida.</font></i><br>
<i><font>Em matéria de novação, não são admitidas, de resto, presunções de animus novandi.</font></i><br>
<i><font>Concluímos portanto, que a referência à "celebração de novos contratos relativamente aos contratos já resolvidos" pretende apenas significar que os novos contratos respeitam apenas à reestruturação da dívida, que era imediatamente exigível, e que foi alterada, passando a contar com um prazo de carência e um modo de pagamento diluído ao longo de três anos.</font></i><br>
<i><font>Mas mesmo que porventura se viesse a admitir que o efeito pretendido era efectivamente o da celebração de um contrato inteiramente novo, seria então necessário que esse contrato se mostrasse firmado entretanto e que surgisse nos autos, para vermos em que tinha constituído ele. O que não se mostra efectuado.</font></i><br>
<i><font>A pendência do processo de recuperação de empresa não obsta por outro lado à instauração e procedência da providência requerida já que, visando a mesma um bem propriedade da Requerente, não é abrangida pelas limitações impostas pelo art. 29º do CPEREF.</font></i><br>
<i><font>Ora estando reconhecido que a Requerida incumpriu o contrato, deve devolver de imediato o bem dado em locação, pois não lhe pertence, beneficiando já das vantagens decorrentes dos prazos de pagamento acordados e que a Sentença homologatória passou a contemplar.</font></i><br>
<i><font>Acresce que a sua não apreensão imediata faz perigar o seu desaparecimento, e faz presumir o aumenta do desgaste e a falta de cuidados com a sua manutenção, aumentando ainda a sua desvalorização ao longo do tempo.</font></i><br>
<i><font>Entendemos, portanto, que pelo menos neste procedimento cautelar, não foi feita da forma que parece mais plausível a interpretação da proposta aprovada no tocante ao contrato de leasing aqui em apreciação.</font></i><br>
<i><font>Estão assim verificados os requisitos legais exigíveis nos arts. 381º do CPC e 21º do DL nº 149/95, de 24 de Junho, aplicável ex vi do art. 24º do mesmo diploma…».</font></i><br>
<font>Vistos os autos, do que se trata, no fundo, é de determinar se com a aprovação da medida de reestruturação financeira, a que se reportam 10), 11) e 12) do rol dos factos provados, se pretendeu </font><i><font>novar</font></i><font> ou apenas </font><i><font>alterar </font></i><font>ou </font><i><font>modificar</font></i><font> as anteriores obrigações da recorrida.</font><br>
<font>Ora, a distinção entre a novação e a mera modificação da obrigação pode revelar-se na prática bem difícil, disso nos dando conta os dois discursos díspares da Relação do Porto, ambos recheados de argumentos aparentemente não despiciendos, evidenciando a dimensão e a dificuldade do problema.</font><br>
<font>Não raro surgem questões assaz melindrosas sobre aquela distinção, de que é exemplo o caso tratado nos Pareceres contraditórios de dois Ilustres Professores Universitários, constantes de fls. 29 a 38 e 39 a 50 do tomo II do ano 1987 da Colectânea de Jurisprudência.</font><br>
<font>Pois bem. A propósito da distinção entre a novação e a simples modificação da obrigação, expende Antunes Varela (Das Obrigações Em Geral, Vol II, Reimpressão da 7ª Edição, pág. 233): </font><br>
<i><font>«… A fixação da vontade das partes a esse respeito… reveste o maior interesse, pois a substituição da obrigação pressupõe, em regra, a eliminação das garantias e dos acessórios da dívida extinta, ao passo que na simples modificação da obrigação se mantêm todos os elementos que não forem alterados.</font></i><br>
<i><font>… Se a alteração resultante da convenção das partes se reflecte apenas em elementos acessórios da relação creditória (prorrogação… de um prazo… etc.), nenhumas dúvidas se levantarão, em regra, acerca da persistência da obrigação e da manutenção dos seus elementos não alterados.</font></i><br>
<i><font>Quando, pelo contrário, a alteração convencionada atinja os elementos essenciais da relação obrigacional (o objecto, a causa, os sujeitos), o seu sentido pode já ser radicalmente distinto.</font></i><br>
<i><font>Pode ser, mas não quer dizer que necessária ou sistematicamente o seja.</font></i><br>
<i><font>… importa saber é se as partes quiseram ou não, com a modificação operada, extinguir a obrigação, designadamente as suas garantias acessórias. É para esse alvo prático (animus novandi) que o julgador deve apontar directamente, com os instrumentos facultados pela interpretação e integração da declaração negocial. E é nesse sentido que os artigos 859º e 840º encaminham a resolução das dúvidas que as várias espécies concretas possam suscitar ao intérprete».</font></i><br>
<font>Resulta do artº 857º do CC que se dá a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.</font><br>
<font>A novação traduz-se num verdadeiro contrato extintivo – constitutivo de obrigações, pelo qual as partes visam expressamente substituir uma obrigação originária, que se extingue, por uma obrigação nova, que se constitui </font><i><font>(Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 147)</font></i><font>.</font><br>
<font>O </font><i><font>animus novandi </font></i><font>não se presume.</font><br>
<font>Com efeito, o artº 859º do CC diz que a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser </font><i><font>expressamente</font></i><font> manifestada.</font><br>
<font>E nos termos do artº 217º, nº 1 do CC, a declaração é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio </font><i><font>directo</font></i><font> de manifestação de vontade.</font><br>
<font>Reportando-se o artº 859º da lei substantiva menos à vontade de contrair a obrigação do que à ideia de que esta contracção da dívida se faz em substituição da antiga (Antunes Varela, citado vol. II, pág. 237), ocorre perguntar: de acordo com os dados colhidos houve a vontade de </font><i><font>substituir </font></i><font>uma antiga obrigação?</font><br>
<font>É certo que para os contratos de </font><i><font>leasing </font></i><font>já resolvidos </font><i><font>(caso do ajuizado contrato)</font></i><font> foi proposta pelo gestor judicial da recorrida e aceite por escrito pela recorrente, a celebração de </font><i><font>«novos contratos»</font></i><font> em que o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas seria feito em tês anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos.</font><br>
<font>Todavia, aludiu-se a </font><i><font>novos contratos</font></i><font>, mas </font><u><font>não se falou na </font></u><i><u><font>substituição</font></u></i><u><font> da anterior dívida, </font></u><font>que continuou a mesma, apenas se alterando o prazo do seu pagamento.</font><br>
<font>O “</font><i><font>novo contrato” </font></i><font>recairia apenas sobre a prorrogação de prazo de pagamento, portanto sobre um mero elemento acessório da relação creditória.</font><br>
<font>As partes não manifestaram directamente a vontade de </font><i><font>substituir</font></i><font> a antiga obrigação pela criação de uma outra em seu lugar.</font><br>
<font>Não se desenha claramente, com nitidez, inequivocamente, na aprovação pela ora agravante da medida de recuperação da aqui agravada, a vontade de novar as obrigações emergentes do contrato de </font><i><font>leasing</font></i><font> extinto.</font><br>
<font>No contrato resolvido as rendas vencidas e vincendas eram imediatamente exigíveis, e foi só esse aspecto que as partes quiseram alterar, criando um período de carência de seis meses a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória e protelando o pagamento, a processar ao longo de três anos.</font><br>
<font>As partes pretenderam tão-só prolongar ou diferir o pagamento das prestações estabelecidas no contrato resolvido, não tendo sido sua intenção alterar qualquer outra cláusula.</font><br>
<font>Nada foi dito no sentido de a agravada manter a utilização da viatura, como se o anterior contrato não tivesse sido resolvido.</font><br>
<font>E, como bem se salienta no referido segundo acórdão da Relação do Porto, mesmo que porventura se viesse a admitir que o efeito pretendido pelas partes era o da celebração de um contrato inteiramente novo, seria então necessário que esse contrato se mostrasse firmado e junto aos autos, o que não sucede, para se poder verificar quais os seus verdadeiros contornos.</font><br>
<font>Resolvida, nos termos indicados, a mesma questão fundamental de direito sobre a qual caíram em contradição os dois acórdãos da Relação do Porto, acordam em </font><b><font>conceder provimento ao agravo</font></b><font>, revogando o acórdão recorrido, e com ele a decisão da 1ª instância, ordenando a remessa directa dos autos ao 2º Juízo Cível da comarca de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kDKmu4YBgYBz1XKvWSfT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><u><font>Relatório</font></u></b><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima,</font><br>
<b><u><font>AA</font></u></b><br>
<font>intentou a presente acção declarativa de investigação da paternidade, com processo ordinário, contra</font><br>
<b><u><font>BB</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Alegou em resumo:</font><br>
<font>— o A. nasceu em 24/1/1949, e foi registado como sendo filho de CC, não se fazendo menção da paternidade.</font><br>
<font>— Porém, o A. é filho do R., como lhe foi confessado por sua mãe (falecida em 25/5/1971).</font><br>
<font>— A mão do A. e o R. iniciaram e mantiveram relações sexuais nos finais de 1947 que perduraram durante grande parte do ano de 1948, até à altura em que a mãe do A. confessou ao R. estar grávida dele.</font><br>
<font>— Durante esse período, a mãe do A. e o R. mantiveram relações sexuais frequentes, em consequência das quais aquela ficou grávida do A..</font><br>
<font>— Durante esse período, a mãe do A. apenas com o R. manteve relações sexuais.</font><br>
<font>Termina pedindo que seja reconhecido ao A. a paternidade biológica do R..</font><div><font>*</font></div><font>O R. contestou, defendendo-se desde logo por excepção, invocando a caducidade da acção, ao abrigo do disposto no Art. 1817º n.º 1 do C.C., na redacção que lhe foi conferida pela Lei 14/2009 de ¼, que se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, segundo o Art.º 3 do referido diploma.</font><div><font>*</font></div><font>O A. replicou.</font><div><font>*</font></div><font>Proferiu-se despacho saneador, que, conhecendo da excepção, a julgou procedente por aplicação do Art.º 1817º n.º 1 do C.C., na redacção da Lei 14/2009, e Art.º 3º deste diploma.</font><br>
<font>Em consequência, absolveu o R. do pedido.</font><div><font>*</font></div><font>Inconformado recorreu o A..</font><div><font>*</font></div><font>A Relação, conhecendo da apelação, julgou-a procedente, e consequentemente, improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção do A., revogando a decisão recorrida.</font><div><font>*</font></div><font>Como resulta dos autos a acção foi instaurada em 27/2/2009, </font><u><font>depois</font></u><font> da publicação no D.R. do Ac. do T.Constitucional n.º 23/2006 de 2/2, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do Art.º 1817º do CC., (aplicável ao caso por força do disposto no Art.º 1873º) e </font><u><font>antes</font></u><font> da publicação da Lei 14/2009 de 1/4, que alterou a redacção anterior dos Art.ºs 1817º e 1842º do C.C..</font><br>
<font>Assim, em consequência da referida declaração de inconstitucionalidade e da nova lei, o prazo geral para instaurar a acção de investigação da maternidade ou paternidade deixou de ser de 2 anos para passar a 10 anos, contados a partir da maioridade ou emancipação do investigante.</font><br>
<font>Partindo da análise do mencionado Ac. do Tribunal Constitucional e demais jurisprudência sobre o assunto da mesma proveniência bem como da Lei 14/2009, o acórdão recorrido optou por não considerar inconstitucional a nova redacção do n.º 1 do Art.º 1817º do CC..</font><br>
<font>Considerou, porém, que a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral do dito preceito, repristinou a norma equivalente anterior, revogada pelo legislador do C.C. de 1966, ou seja a norma do Decreto n.º 2 de 1910, que determinava que a acção de investigação da paternidade ou maternidade só podia ser intentada em vida do pretenso pai ou mãe ou dentro do ano posterior à sua morte, concluindo, então, que, no caso concreto, sendo o pretenso pai (ora R.) vivo, a acção foi intentada tempestivamente.</font><br>
<font>No entanto, confrontado com a norma de direito transitório do Art.º 3º da nova lei 14/2009, que expressamente determina a sua aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o acórdão recorrido chamou à colação as regras dos Art.ºs 12º n.º 1, 297 e 331 n.º 1 do C.C., à luz dos quais teceu as seguintes considerações:</font><br>
<font>«</font><i><font>O art.º 3º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, embora mande aplicar as alterações por ela introduzidas aos artigos 1817 e 1842 do Código Civil aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (2/4/2009), não indica a forma como essa aplicação retroactiva deve ser efectuada, pelo que a esta são, subsidiariamente, aplicáveis o n.º 1 do art.º 12º e o n.º 1 do art.º 297º, ambos do Código Civil.</font></i><br>
<i><font>- Nos termos do n.º 1 do art.º 12 do C.C., ainda que seja atribuída eficácia retroactiva à lei, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.</font></i><br>
<i><font>- Ora, como nos termos do art.º 331º n.º 1, do Código Civil, a propositura da acção no prazo legal impede a caducidade do direito de acção e como este efeito impeditivo de caducidade, por força do disposto no n.º 1 do art.º 12º do C.C., fica ressalvado, no caso de publicação de nova lei com eficácia retroactiva, o direito do apelante, a investigar a sua paternidade, através desta acção, não caducou, em consequência da posterior publicação e vigência da Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril.</font></i><br>
<i><font>- E, caso o apelante, à data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, não tivesse instaurado esta acção de investigação da sua paternidade, ainda disporia, para o efeito, do prazo de dez anos, a contar da data da entrada em vigor (02/04/2009) daquela Lei, uma vez que esta Lei, relativamente ao repristinado artigo 130º do Código Civil de 1867, na redacção introduzida pelo D.L. n.º 2, de 25/12/1910, diminuiu o prazo legal para propositura da acção de investigação da paternidade, caso em que, por força do disposto no n.º 1 do art.º 297º do Código Civil, o novo prazo de dez anos se conta a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, ou seja, a partir de 02/04/2009 .....».</font></i><div><i><font>*</font></i></div><font>É contra o assim decidido pelo acórdão recorrido que se insurge o R., dele recorrendo, portanto, de revista para este S.T.J..</font><div><font>*</font></div><b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Oferecidas tempestivas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font></div><font>«</font><i><font>1- Com o devido respeito, o douto acórdão recorrido errou ao decidir julgar improcedente a excepção de caducidade invocada pelo ora recorrente, porquanto;</font></i><br>
<i><font>2- Ressalvados os limites constitucionais, o legislador não está impedido de atribuir eficácia retroactiva às normas jurídicas por ele emanadas.</font></i><br>
<i><font>3 - O n.° 1 do artigo 12° do Código Civil tem um carácter subsidiário, só se aplicando nos casos em que o legislador não regula expressamente a aplicação no tempo da lei nova.</font></i><br>
<i><font>4 - A Lei 14/2009 de 01/04 contém uma norma de carácter transitório no seu artigo 3°, segundo a qual, o disposto naquela Lei é aplicável aos processos pendentes.</font></i><br>
<i><font>5- Contendo a lei nova, 14/2009, uma norma de carácter transitório que regula expressamente a sua aplicação no tempo, vedada está a aplicação do n.° 1 do artigo 12° do CC. e a presunção nele estabelecida.</font></i><br>
<i><font>6- Por consequência, também, fica prejudicada a aplicação do artigo 331° do Código Civil, isto porque, é a própria lei nova, através da norma de carácter transitório do seu artigo 3° a destruíra sua aplicabilidade a este caso.</font></i><br>
<i><font>7- O douto acórdão recorrido errou ao considerar que caso o recorrido ainda não tivesse instaurado a acção de investigação da sua paternidade antes da entrada em vigor da Lei 14/2009 ainda teria o prazo de 10 anos a contar da data de entrada em vigor desta Lei por força do artigo 297° do CC.</font></i><br>
<i><font>8- O prazo previsto no artigo 130° do Código de 1987, que o douto acórdão recorrido considerou repristinado por força do acórdão n.° 23/2006 do Tribunal Constitucional, não é passível de ser comparado, em termos da sua extensão temporal, com o prazo previsto na lei nova n.° 14/2009 de 01/04.</font></i><br>
<i><font>9- Uma vez que, o artigo repristinado faz depender o exercício do direito de acção de um facto incerto quanto ao momento da sua verificação, facto esse que é justamente a vida do pretenso pai.</font></i><br>
<i><font>10- Pelo que, o prazo nele previsto é tanto mais longo quanto maior for a longevidade do pretenso progenitor.</font></i><br>
<i><font>11- Com o devido respeito, o douto acórdão recorrido, também, errou ao não ter em conta todo o corpo da actual redacção do artigo 1817° do CC.</font></i><br>
<i><font>12- Uma vez que a actual redacção do artigo 1817° do CC. possibilita a interposição da acção de investigação da paternidade para além do prazo de 10 anos referido no seu n.° 1., conforme o disposto na sua Al. b) do n.° 3.</font></i><br>
<i><font>13- Pelas razões expostas, não podemos afirmar que a actual redacção do n.° 1 do artigo 1817° tenha vindo diminuir o prazo para a interposição da acção de investigação da paternidade.</font></i><br>
<i><font>14- Assim, ao não podermos estabelecer uma comparação, quanto à sua extensão, entre o prazo da norma repristinada e o prazo da lei nova, 14/2009 de 01/04, afastada está, também, a aplicabilidade ao presente caso do artigo 297° do Código Civil.</font></i><br>
<i><font>15- Ao julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pelo ora recorrente, o douto acórdão recorrido violou a lei substantiva, porquanto, errou ao aplicar os artigos 12°, 297° 331° do Código Civil, quando devia ter aplicado o artigo 3° da Lei 14/2009 de 1 de Abril e artigos1817° e 1873° do Código Civil.</font></i><br>
<i><font>Termos em que se requer a V. Ex.as se dignem revogar o douto acordo recorrido, mantendo-se a decisão proferida na douta sentença de 1ª instância. Assim se fazendo JUSTIÇA.</font></i><font>».</font><div><font>*</font><br>
</div><br>
<font>Em conformidade com o despacho que antecede (fls. 169), o recorrente pronunciou-se sobre a questão da constitucionalidade/inconstitucionalidade da Lei 14/2009, quando alargou de 2 para 10 anos o prazo do n.º 1 do Art. 1817º do C.C.. É a questão que a seguir abordaremos, embora em sentido contrário, ao defendido pelo recorrente.</font><div><font>*</font></div><b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Como se vê das conclusões a única questão suscitada é a de saber se a acção de investigação da paternidade aqui em causa </font><u><font>caducou</font></u><font>, como pretende o recorrente, ou </font><u><font>é tempestiva</font></u><font> como decidiu o acórdão recorrido.</font><div><font>*</font></div><font>Na aplicação do direito não está o tribunal sujeito às alegações das partes e deve mesmo apreciar as questões de direito que sejam do conhecimento oficioso, como é o caso (Art.º 333º do C.C.) e, sobretudo, não pode aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (Art.º 24º da C.R.P.), o que significa que deve apreciar a inconstitucionalidade das normas, em princípio aplicáveis ao caso, quando tal questão seja pertinente.</font><div><font>*</font></div><font>A matéria de facto em equação está suficientemente descrita no antecedente relatório e vimos já qual foi, perante ela, a solução jurídica adoptada pelo acórdão recorrido.</font><br>
<font>Diga-se, desde já, que, concordando embora com a decisão (a acção é tempestiva), não acolhemos a fundamentação em que se apoia.</font><br>
<font>Não interessará, no entanto, apreciar e rebater, ponto por ponto, a aliás douta argumentação do acórdão sob censura, porquanto, para nós, a questão põe-se a montante e passa, à partida, pela inconstitucionalidade de </font><u><font>qualquer norma</font></u><font> que estabeleça um prazo legal para que o filho possa investigar a verdade biológica da sua filiação.</font><br>
<font>Por isso mesmo, a solução de repristinar as normas do Decreto n.º 2 de 1910, ensaiada no acórdão recorrido, esbarraria com a mesma questão da sua conformidade com a Constituição em vigor, desde logo, porque não se deixa de estabelecer um prazo para o exercício do direito de acção, ainda que condicionado a um facto futuro certo quanto à sua verificação, mas incerto quanto ao momento ou ao tempo em que se verifica (isto é, à morte do pretenso pai).</font><div><font>*</font></div><font>Consequentemente, a inconstitucionalidade que defendemos estende-se igualmente, à nova formulação do n.º 1 do Art.º 1817º de C.C. conferida pela Lei 14/2009, na medida em que, alargando o prazo de caducidade (de 2 para 10 anos) manteve uma limitação temporal para a propositura da acção.</font><br>
<font>Daí a sua inaplicabilidade ao caso concreto, sem necessidade de chamar à colação o disposto nos Art.ºs 12º, 297º e 331º do C.C..</font><div><font>*</font></div><font>Resta justificar a orientação defendida, no sentido de que os prazos de caducidade impostos ao investigante, obstando que, a todo o tempo, obtenha o reconhecimento judicial da sua ascendência biológica se traduzem numa restrição, violadora dos princípios constitucionais consagrados nos Arts. 18º n.º 2, 26º n.º 1 e 36º n.º 1 da C.R.P., ou, dito por outras palavras, configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade das pessoas.</font><div><font>*</font></div><font>Recuperamos, aqui, na parte que ora interessa, a argumentação utilizada pelo Ac. deste Supremo Tribunal de 21/9/2010 (495/04 – 3TBOR.C!.S1) relatado pelo Ex.mo Cons. Sebastião Povoas e no qual foram adjuntos os aqui relator e 1º adjunto, que no essencial se reproduzirá.</font><br>
<font>Vejamos.</font><div><font>*</font></div><font>Começará por se invocar o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.º 1 do Art.º 1817º do C.C. (redacção anterior à Lei 14/2009), na medida em que estabelecia um prazo de caducidade de 2 anos para a propositura da acção de investigação da paternidade, com o terminus a quo na maioridade do investigante.</font><div><font>*</font></div><font>Tal aresto, acolheu, reproduzindo-a, a argumentação do Ac. n.º 486/2004 de 7/7, do mesmo Alto Tribunal, a qual, por sua vez, havia sido confirmada pelo Ac. 11/2005 de 12/1 e sufragada pelas decisões sumárias 114/2005 de 9/3 e 288/2005 de 4/8.</font><div><font>*</font></div><font>Como consta das decisões referidas, ponderou-se, a respeito do prazo de caducidade estabelecido no n.º 1 do Art.º 1817º do C.C., que, apesar de a jurisprudência constitucional anterior ao Ac. 486/2004, ter sempre decidido pela constitucionalidade da fixação do prazo de caducidade estabelecido no citado preceito, a verdade é que se tem verificado «</font><i><font>... uma progressiva, mas segura e significativa, alteração dos dados do problema constitucionalmente relevantes a favor do filho e da imprescritibilidade da acção, designadamente, com o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da genética, e a generalização dos testes genéticos de muita elevada fiabilidade. Esta alteração não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos, constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a paternidade.” (…) “…nota-se também um movimento cientifico e social em direcção ao conhecimento das origens, com desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, que tem acentuado a importância dos vínculos biológicos (mesmo se porventura com exagerado determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre a identidade dos progenitores biológicos, mesmo nos casos de reprodução assistida.</font></i><font>» </font><div><font>*</font></div><font>Ora, tal “alteração dos dados do problema constitucionalmente relevantes ...”, que as citadas decisões desenvolvem exaustivamente, aponta claramente para a solução da imprescridibilidade da acção de investigação da paternidade/maternidade, ou seja, para a falta de justificação e de proporcionalidade que modernamente apoiem a existência de prazos de caducidade condicionando a instauração de tais acções.</font><br>
<font>Não se ignora que o Ac. n.º 23/2006, refugiando-se no princípio do pedido, afirmou que, no caso, “... está apenas em apreciação o prazo </font><u><font>de dois anos</font></u><font> a contar da maioridade ou emancipação e não a possibilidade de um qualquer outro limite temporal para a acção de investigação da paternidade” não constituindo, por isso, objecto do recurso de constitucionalidade, “apurar se a impossibilidade da acção corresponde à única solução constitucionalmente conforme ...”, acabou por não tomar posição directa sobre a referida imprescribilidade no seu segmento decisório, deixando, assim, margem para uma interpretação restritiva a permitir a substituição do prazo previsto no preceito declarado inconstitucional, por outro ou outros prazos mais alargados, como fez a Lei 14/2009, fazendo ressurgir a questão que a final, não ficou definitivamente resolvida.</font><div><font>*</font></div><font>Mas, por outro lado, considerando que o referido acórdão, acolhendo a argumentação do anterior Ac. 486/2004, </font><u><font>confrontou</font></u><font> e </font><u><font>rejeitou</font></u><font> a jurisprudência constitucional que até aí vinha sendo seguida, toda no sentido da conformidade constitucional do n.º 1 do Art.º 1817 do C.C., rebatendo-a nos seus fundamentos, ponto por ponto, com argumentação utilizada pelos defensores da não caducidade ou imprescritibilidade da acção de investigação da paternidade/maternidade, parece legítima a interpretação extensiva do dito aresto constitucional.</font><br>
<font>Dir-se-á, como se fez no acórdão que vimos seguindo, que o referido aresto deve ser lido no seu todo e, se interpretado em coerência, só pode concluir-se que “minus dixit” no seu segmento final. No fundo, está implícito no referido Ac. a ideia da imprescritibilidade das acções onde esteja em causa o reconhecimento de paternidade ou maternidade, por respeito ao direito fundamental à identidade pessoal.</font><div><font>*</font><br>
</div><br>
<font>De qualquer modo, a verdade é que </font><u><font>o estabelecimento da paternidade se insere no acervo dos direitos pessoalíssimos</font></u><font>, entre os quais, o de conhecer a verdade biológica, a ascendência e marca genética, enfim, a inserção de cada um, numa genealogia com relevantes reflexos sociais e históricos.</font><br>
<font>Trata-se, em suma, do direito à integridade moral e à identidade pessoal, direitos inalienáveis e absolutos, sempre garantidos pelos Art.ºs 25º n.º 1 e 26º n.º 1 da Constituição da R. Portuguesa.</font><br>
<font>Como conclui Paulo Otero, a identidade pessoal tem uma dimensão absoluta ou individual, sendo infugível, indivisível e irrepetível e uma dimensão relativa, com a “história “ ou “memória” de cada um, própria e exclusiva da sua identidade (in “Personalidade e Identidade Pessoal e Genética de Ser Humano – um perfil constitucional de bioética –).</font><div><font>*</font></div><font>Da mesma forma, como observam os Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à identidade pessoal, tal como está consagrado no Art.º 26º n.º 1 da Constituição, enquanto conhecimento da identidade dos progenitores pode fundamentar em si um direito à investigação da paternidade e da maternidade (cof. Const. da Rep. Port. Anotada – 4ª ed. I – 462).</font><div><font>*</font></div><font>E outra não é a conclusão a que tem chegado a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que nunca pôs em dúvida que, seja do direito à integridade pessoal, em particular do direito à integridade moral (Art. 25º n.º 1), seja do direito à identidade pessoal, pode e deve extrair-se um verdadeiro direito fundamental ao conhecimento da paternidade/maternidade.</font><br>
<font>Aliás, um tal direito, inclui o direito à identidade genética própria e, em consequência ao conhecimento dos vínculos de filiação “no ponto em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo factor genético” (cof. Prof. Jorge Miranda e Dr. Rui Medeiros in Const. da Rep. Port. Anotada – 2005, I, 204/205).</font><div><font>*</font></div><font>Aderindo, sem reservas, a estas reflexões e à conceptualização do direito a conhecer a sua ascendência e de estabelecer um vínculo biológico conducente ao estabelecimento de um vínculo jurídico, parece poder concluir-se com segurança, que o Estado não pode limitar o assentamento da filiação/identidade pessoal, com limitação de prazos independentemente da sua duração, extensão e “terminus ad quem”.</font><br>
<font>Aliás, vai nesse sentido a mais recente jurisprudência deste S.T.J., como pode ver-se, para além do Ac. já citado e cuja argumentação temos vindo a reproduzir, no essencial, dos seguintes arestos:</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 14/12/2006 – 06A2489;</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 23/10/2007 – 07A2736;</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 31/1/2007 – 06A4303;</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 17/4/2008 – 08A474;</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 8/6/2010 – Proc. 1847/08;</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 21/9/2010 – Proc. 4/07;</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 27/1/2011 – Proc. 123/08 ou</font><br>
<font>— Ac. do S.T.J. de 6/9/2011 – Proc. 1167/10 (subscrito como 2º adjunto pelo aqui relator).</font><div><font>*</font></div><font>Todos afirmando que o direito à identidade pessoal, nele incluído o direito de conhecer e ver reconhecida a sua ascendência biológica, configura um direito de índole pessoalíssima e imprescritível consagrado constitucionalmente, daí que o estabelecimento de prazos de caducidade, sejam eles quais forem, a condicionar a instauração de acções de investigação de paternidade/maternidade, traduzem-se em restrições desproporcionadas ao direito à identidade pessoal e ao direito à integridade moral, violadoras da Constituição.</font><div><font>*</font></div><font>Só assim não seria se essas </font><u><font>restrições pudessem ser tidas como proporcionais</font></u><font>, o que passa por analisar os fundamentos que tem sido utilizados neste sentido.</font><br>
<font>Destacam-se, de entre eles:</font><br>
<font>— a segurança jurídica dos pretensos pai e herdeiros;</font><br>
<font>— a perda ou “envelhecimento” das provas, e</font><br>
<font>— o escopo “caça fortunas”.</font><div><font>*</font></div><font>São, no entanto, facilmente rebatíveis.</font><div><font>*</font><br>
</div><br>
<font>Quanto ao primeiro, bastaria dizer-se que conflituando o direito ao conhecimento da ascendência e verdade biológica com a “tranquilidade” do suposto pai (e muito menos de herdeiros a defenderem interesses puramente patrimoniais), sempre deveria prevalecer o primeiro já que, como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2008 – 08 A474 – “esse direito a conhecer a paternidade, valor social e moral da maior relevância, que se inscreve no direito de personalidade é um direito inviolável e imprescritível”. Refere ainda o mesmo aresto que “países como a Itália, a Espanha e a Áustria, optaram pela imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, por considerarem que “a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor.” </font><br>
<font>Mas mais diremos quanto a esta primeira “razão”: </font><br>
<font>O Prof. Guilherme de Oliveira (in “Caducidade das Acções de Investigação”, 53) refere que a garantia de segurança jurídica “tem sentido principalmente no âmbito patrimonial de onde emergiu, afinal, todo o direito civil”. (…) “Os eventuais onerados precisam, de um ponto de vista da sua organização patrimonial de saber a partir de que momento é que podem confiar na propriedade do bem adquirido, na disponibilidade de uma soma em dinheiro, ou a partir do momento em que já não precisam de estar financeiramente prevenidos para proceder a um pagamento, ou orçamentar uma despesa de indemnização.” </font><br>
<br>
<font>Mas não poderão privilegiar-se direitos patrimoniais perante os direitos pessoalíssimos de personalidade e de identidade e os danos eventualmente causados à reserva da vida privada e familiar do pretenso pai não ficarão agravados com o decurso do tempo. </font><div><font>*</font></div><font>Quanto ao chamado “envelhecimento” das provas, trata-se de razão completamente irrelevante hoje em dia.</font><br>
<font>De facto, se, em 1966, e ainda em 1977, não era fácil a determinação exacta da filiação biológica, o certo é que na última reforma o legislador já concedeu consagrar expressamente como meios de prova “os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados”. </font><br>
<font>Quanto aos primeiros, recorria-se à conjugação dos grupos sanguíneos (ABO e factor Rhesus) que apenas garantiam uma possibilidade ou uma exclusão, sendo utilizados, sobretudo, para a criação das “dúvidas sérias” referidas no n.º 2 do artigo 1871.º citado. </font><br>
<font>Tinham, entretanto, sido abandonados os exames antropológicos e, de alguma forma, os heredobiológicos, considerados apenas com vocação auxiliar da prova. (cf., a propósito, o Cons. Simões Correia, “Da Investigação da Paternidade Ilegítima”, 1935, 151-157; Dr. Vítor Pereira Nunes, in “Tratado de Filiação Legitima e Ilegítima”, 1963, 638 e ss. e Cons. Santos Silveira, ob. cit., 377). </font><br>
<font>O grande avanço da ciência surge com o ADN (em português, ácido desoxirribonucleico) ou DNA (em inglês, deoxyribonucleic acid) como composto orgânico cujas moléculas contém as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e de alguns vírus, cuja estrutura molecular foi descoberta em conjunto pelo norte americano James Watson e pelo britânico Francis Crick, prémios Nobel da Fisiologia/Medicina, juntamente com Maurice Wilkins, em 1962. </font><br>
<font>Com aplicações na engenharia genética, na bioinformática, na nanotecnologia, na história e na antropologia, é na medicina legal – áreas criminal e civil – que através da determinação da impressão genética (ou perfil de ADN) que se torna de alta fiabilidade a identificação de pessoas, já que cada uma possui uma codificação diferente de instruções escritas, sendo que a dupla cadeia polinucleatídica constitui a molécula de ADN, cuja sequência de nucleatídeos codifica as instruções hereditárias, organizadas em genes, que codificam as inúmeras proteínas existentes nas células. (cf., v.g., W L Miller “Use of recombinant DNA technology for the production of polypeptides”, 1979, 118, 153-74; D. Job, “Plant biotechnology in agriculture”, 2002, 84 (11), 1105; Pierre Baldi, “Bioinformatics”; The Machine Learning Approach”, MIT Press, 2001; P Yin, R F Horiadi e S. Choi, “Programming DNA Tube Circumferences”, apud “Science”, 321, 824; Yaakov Kleiman “The Cohanim/DNA Connection: The fascinating story of how DNA studies confirm an ancient biblical tradition”, 2000; e, na parte que aqui mais releva, A. Jeffreys, Wilson V., Thein S., “Individual – Specific fingerprints of human DNA”, 1985, in “Nature”, 316 e “DNA Identification in Mass Fatality Incidents”, National Institute of Justice”, 2006). </font><br>
<font>Na investigação de paternidade a fiabilidade é quase total (superior a 99,99%). </font><br>
<font>Ao contrário, se os perfis genéticos do filho e do presumível pai não coincidem em pelo menos dois dos indicadores submetidos à análise a paternidade é improvável em 100%. </font><br>
<font>Do exposto resulta que, actualmente, a paternidade biológica é determinável com todo o rigor e fiabilidade.</font><i><font> </font></i><div><font>*</font></div><font>Assim, actualmente, para além do que se disse a respeito do ADN, pode afirmar-se que, mesmo quando muitos anos depois</font><i><font>, </font></i><font>o pretenso pai tem de ser exumado, tal não impede a recolha de material genético (restos obtidos no seu meio, envelopes, selos; no meio hospitalar; biopsias, doações de sangue; em exumação, grandes ossos e dentes ou testes indirectos com reconstituição do perfil genético a partir de amostras de parentes do falecido) que até pode existir sob outras formas no meio familiar em peças de vestuário (vestígios de sangue, de esperma e de outros fluidos) ou como memória resguardada (v.g., cabelos com raiz) que, em princípio, não são impeditivos da perícia médico-forense. </font><br>
<font>Mas o “envelhecimento” da prova sempre poderia invocar-se para qualquer outro tipo de lide intentada decorrido muito tempo, sendo que tal não impôs, só por si, o estabelecimento de prazos de caducidade para accionar. (vejam-se, v.g., certas lides reivindicatórias, a busca do trato sucessivo e a demonstração de algumas formas originárias de adquirir). </font><br>
<font>Ainda se diria, como o Prof. Guilherme de Oliveira, que “morrem as testemunhas, mudam os lugares, é certo, mas nada disso altera verdadeiramente o caminho que as acções seguem e que hão de seguir cada vez mais no futuro”.</font><div><font>*</font></div><font>Finalmente no que se refere ao argumento de “caça fortunas”, se é certo que </font><i><font>nem sempre o propósito ou o fim que se pretende obter com a lide é pio e límpido. </font></i><br>
<i><font>Porém, e para tal limitar/obviar existem, entre outros, os institutos substantivos do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) de outro tipo de actuações abusivas (artigos 269.º e 1482.º do Código Civil) da fraude à lei, em sede de aplicação de normas de conflitos (artigo 21.º do Código Civil) e adjectiva da litigância de má fé ou mesmo temerária (artigo 456.º do Código de Processo Civil). </font></i><br>
<i><font>Aliás, o legislador de Macau no Código Civil aí elaborado (Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3 de Agosto) e ainda vigente na actual R.A.E.M., dispôs a imprescritibilidade do direito de investigar a paternidade (n.º 1 do artigo 1677.º) acautelando expressamente o “caça fortunas” ao dispor, no artigo 1656.º a ineficácia patrimonial do estabelecimento da filiação em acção de investigação se intentada “decorridos mais de 15 anos após o conhecimento dos factos dos quais se poderia concluir a relação de filiação (n.º1, a)) ou quando “as circunstâncias tornem patente que o propósito inicial que moveu a declaração ou a proposição da acção foi o da obtenção de benefícios patrimoniais.” </font></i><br>
<i><font>Diz-se, a propósito, na “Breve Nota Justificativa” desse diploma que com a norma “pretendeu-se criar mecanismos que impedissem, em casos limite, os efeitos perversos resultantes da constituição tardiamente negligente do vínculo de filiação com propósitos de mero enriquecimento patrimonial” (…) permitindo a limitação dos “resultados indirectos que estariam normalmente associados à constituição do vínculo de filiação.” </font></i><br>
<i><font>Esta solução que, poderia ser ponderada em futura revisão da lei, foi colhendo apoios, mesmo com afastamento do princípio da indivisibilidade ou da unidade do estado, como o Dr. Jorge Duarte Pinheiro, in “Cadernos de Direito Privado”, 15.º, 52. </font></i><div><font>*</font></div><font>Note-se, que, já em 1999, a Provedoria da justiça recomendou que a lei fosse alterada no sentido de “a par da existência de prazos para a propositura da acção com fins patrimoniais, ser consagrada a imprescritibilidade para a propositura de acções de investigação da paternidade/maternidade, desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal” (Recomendação do Provedor de Justiça n.º 36/B/99 de 22/12/99).</font><br>
<font>Na sequência, foi apresentado um projecto de lei (Projecto n.º 92/IX) pelo partido “Os Verdes”, publicado no DAR II S n.º 18 de 4/7/2002, que aditava ao Art.º 1817º um n.º 7, em que se dispunha “... desde que os efeitos pretendidos sejam de natureza meramente pessoal, a acção de investigação de maternidade pode ser proposta a todo o tempo”.</font><br>
<font>Tal iniciativa legislativa acabou por caducar.</font><div><font>*</font></div><font>Para além do que se deixou referido há ainda que ponderar que o direito à verdade da filiação biológica não é só do investigante, mas é também do Estado.</font><div><font>*</font></div><font>A ordem pública impõe o impedimento dirimente absoluto do casamento entre duas pessoas parentes na linha recta ou no segundo grau da linha colateral (artigo 1602.º do Código Civil). </font><br>
<font>E fá-lo não só no propósito de vedar relações incestuosas “com todas as razões de or | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kDLNu4YBgYBz1XKv1j-f | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font>AA – ,LDA., propôs, no 1º Juízo Cível de Cascais, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, </font><b><font>pedindo</font></b><font> a condenação desta a entregar-lhe a quantia de Esc. 17.444.460$00 e juros vencidos e vincendos, </font><b><font>com fundamento</font></b><font> em que tendo executado para esta trabalhos de construção civil no âmbito de um contrato de empreitada, a mesma não lhe pagou aquele montante como parte da totalidade do preço. </font><br>
<font>Citada, contestou a R. dizendo que a A. executou a obra com deficiências que não corrigiu apesar de para isso instada e facturou trabalhos a mais, não acordados, e que em parte não executou, pelo que a R. recusa o pagamento também da quantia de que se considera devedora, invocando a excepção de não cumprimento do contrato. </font><br>
<font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, julgando a acção improcedente e absolvendo a R. do pedido, não obstante reconhecer a existência de uma dívida da R. para com a A. no montante equivalente a 6.870.000$00, por se haver julgado verificada excepção de não cumprimento do contrato por parte da autora.</font><br>
<font>Inconformada com essa decisão, a A. dela interpôs recurso de apelação, que foi julgada procedente, tendo a ré sido condenada no pagamento da referida importância de 6.870.000$00.</font><br>
<font>Desta foi a ré que, ficando inconformada, veio interpor a presente revista, tendo nas suas alegações, formulado as conclusões seguintes:</font><br>
<br>
<font>a) Ficou provado que as obras efectuadas pela ora recorrida foram deficientes, não tendo a mesma procedido à eliminação dos defeitos mesmo após ter sido instada para esse efeito pela recorrente;</font><br>
<font>b) A excepção de não cumprimento do contrato funciona para os contratos em geral e para a empreitada, em particular;</font><br>
<font>c) Mesmo que se entenda que no caso concreto houve mora por parte da recorrente, por estar vencida a sua obrigação, esta, ao exercer a excepção do não cumprimento, suspende o contrato, nomeadamente quanto à exigibilidade da sua prestação;</font><br>
<font>d) A recorrente pode invocar a excepção, a chamada “exceptio non rite adimpleti contractus”, dada a verificação posterior dos defeitos, para recusar a sua prestação enquanto a recorrida não rectificar a sua;</font><br>
<font>e) Como decidiu num caso paralelo, o Acórdão do STJ, de 16/04/1996, </font><i><font>in</font></i><font> </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>., “Subsistindo outros defeitos não aparentes, os réus, como donos da obra, continuam a ter o direito de exigir da autora empreiteira a sua eliminação e, enquanto esta obrigação não for cumprida, podem os donos da obra invocar a excepção do não cumprimento do contrato para recusar o pagamento do preço”;</font><br>
<font>f) O empreiteiro da obra (a recorrida), que cumpriu defeituosamente a sua obrigação, não tem, assim, o direito de exigir a respectiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte, de acordo com a economia e equilíbrio da relação contratual;</font><br>
<font>g) Afigura-se que o douto Acórdão recorrido está igualmente em contradição com a doutrina e jurisprudência maioritária quanto a esta questão, designadamente com o decidido nos Acórdãos do STJ de 31-01-80, de 09-12-98 e de 30-11-00, respectivamente no BMJ, nº 293, pág. 365, 322, pág. 337 e na Colectânea – Acórdãos do STJ, ano VIII, tomo III, pág. 150 e de 18-02-2003, em </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj.nsf</font></u><font>., que acolhem, no essencial, esta interpretação quanto ao exercício da excepção;</font><br>
<font>h) Ao entender diversamente, o Tribunal recorrido violou, designadamente, por erro de interpretação, o estatuído nos arts. 428º, 1207º, 1208º, n.º 2, 1218º, n.º 5 todos do Código Civil; </font><br>
<font>i) Pelo exposto, deve a revista ser julgada procedente, revogando-se a douta decisão recorrida e mantendo-se a decisão proferida na primeira instância, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA .</font><br>
<font>Contra-alegou a recorrida defendendo a manutenção do decidido.</font><br>
<font>Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.</font><br>
<font>Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.</font><br>
<font>Das conclusões acima expostas da aqui recorrente se vê que a mesma, para decidir neste recurso, levanta a seguinte questão:</font><br>
<i><font>No contrato de empreitada em apreço, a existência de mora por parte do dono da obra, não lhe retira a faculdade de exercer a excepção de não cumprimento baseada em defeitos da obra que apenas surgiram após a entrada daquela em mora ? </font></i><br>
<font>Mas antes de mais há que ver a factualidade que as instâncias deram por provada e que é a seguinte: </font><br>
<font>1) A autora é uma sociedade que se dedica ao fornecimento e à prestação de serviços de construção civil.</font><br>
<font>2) No exercício da sua actividade, a autora acordou com a ré a realização de trabalhos de construção civil para reparação e conservação dos edifícios que compõem o Condomínio das CC, de que a ré é administradora, nos termos do documento de fls. 161 a 229.</font><br>
<font>3) A autora emitiu a factura n.º ..., de 2 de Agosto de 1999, no valor de Esc. 12.870.000$00, referente aos trabalhos mencionados e que a ré recebeu e aceitou sem contestar.</font><br>
<font>4) Por conta da factura mencionada, a ré apenas pagou a quantia de Esc. 6.000.000$00.</font><br>
<font>5) A autora emitiu a factura n°..., de 3 de Novembro de 2000, no valor de Esc. 10.574.460$00, referente a trabalhos a mais de 1699 folhas de janela em alumínio e 2.256 folhas de estores.</font><br>
<font>6) A ré não pagou esta factura.</font><br>
<font>7) Após a execução dos trabalhos supra referidos surgiram infiltrações de água no tecto da garagem n° 29 da Torre 3 e nas paredes da fracção correspondente ao 10.º-B da Torre 2.</font><br>
<font>8) Por cartas enviadas a 27 de Junho de 2000, 5 de Dezembro de 2000, 28 de Dezembro de 2000 e 22 de Fevereiro de 2001, que a autora recebeu, a ré comunicou à autora que considerava existirem deficiências na execução dos trabalhos no que respeita às ferragens de caixilharia, caixilharia de alumínio, envernizamento de madeiras de janelas, calhas de estores e estores em trinta fracções autónomas, sendo doze da Torre 1, seis da Torre 2 e doze da Torre 3 e infiltrações de água no tecto da garagem n° 29 da Torre 3 e nas paredes da fracção correspondente ao 10.º-B da Torre 2.</font><br>
<font>9) A autora recusou-se a reparar estas deficiências.</font><br>
<font>10) Por escrito particular datado de 6 de Dezembro de 1999 e intitulado de "Condomínio CC", DD,EE e FF declararam que:</font><br>
<font>«1. INTRODUÇÃO</font><br>
<font>Aos seis dias do mês de Dezembro de mil novecentos e noventa e nove, reuniram-se no local da obra os Senhores Eng.DD Eng. EE representantes da GG, Lda., Eng. FF representante da HH, Lda., que constituíram a comissão para a realização da vistoria das rectificações às anomalias constantes do auto de recepção provisória das Torres 1, 2 e 3 e edifícios de apoio do Condomínio CC, que a firma HH realizou em São João do Estoril.</font><br>
<font>2. SITUAÇÃO DA OBRA</font><br>
<font>Não se verificaram quaisquer imperfeições nos trabalhos que contrariem as disposições ao contrato da empreitada em referência.</font><br>
<font>3. SITUAÇÃO DA VISTORIA</font><br>
<font>O prazo de garantia de todos os trabalhos é de 730 (setecentos e trinta) dias contados a partir da data deste auto».</font><br>
<font>11) A autora e a ré acordaram que quaisquer trabalhos a mais só seriam realizados mediante ajuste prévio entre as partes reduzido a escrito.</font><br>
<font>12) A autora executou de forma deficiente os trabalhos acordados no que respeita às ferragens de caixilharia, caixilharia de alumínio, envernizamento de madeiras de janelas, calhas de estores e estores em trinta fracções autónomas, sendo doze da Torre 1, seis da Torre 2 e doze da Torre 3.</font><br>
<font>13) As infiltrações mencionadas ocorreram por deficiência dos trabalhos executados pela autora.</font><br>
<font>14) Os estores tinham cerca de vinte e cinco anos, não existindo no mercado peças idênticas às que os integravam, pelo que a ré solicitou à autora que substituísse as peças que fossem necessário substituir por outras semelhantes existentes no mercado.</font><br>
<font>15) A autora estava sujeita a fiscalização efectuada pela sociedade GG -, Lda.,em representação da ré.</font><br>
<font>Vejamos agora a concreta questão que a recorrente levantou como objecto deste recurso.</font><br>
<font>Aquela questão aqui em causa é, com o dissemos já, a de saber se num contrato de empreitada, em que a dona da obra estando em mora quanto ao pagamento de parte do respectivo preço – por ter sido a obra entregue - e porque depois do início dessa mora, surgiram defeitos na mesma obra, podia exercer a excepção de não cumprimento, para se eximir ao pagamento, apesar de o prazo para o cumprimento da sua obrigação ser anterior ao prazo para a empreiteira cumprir a sua correspectiva obrigação de reparação dos defeitos.</font><br>
<font>Podemos assentar já que a existência de defeitos na obra realizada, ou seja o cumprimento defeituoso, tal como o linear incumprimento, dão direito ao credor a exercer aquele excepção de não cumprimento.</font><br>
<font>É este o entendimento pacífico, tal como pensamos, da doutrina e da jurisprudência e foi o entendimento quer das partes quer das doutas decisões aqui proferidas – cfr ac. STJ de 18-02-2003, no proc. nº 20/03 – 6ª secção.</font><br>
<font>O único problema aqui em causa consiste em saber se sendo o prazo da obrigação do dono da obra – aqui ré-recorrente -, aparentemente anterior ao da obrigação da empreiteira – aqui autora-recorrida – em reparar os defeitos que só surgiram muito depois de se ter vencido a obrigação da recorrente de pagamento da parte do preço aqui peticionado, podia a recorrente recusar o pagamento com fundamento na recusa da recorrida em reparar os defeitos.</font><br>
<font>A primeira instância entendeu que, pese embora os prazos de cumprimento serem diferentes e correr primeiro o prazo para a recorrente cumprir, era de admitir o exercício dessa faculdade de recusa no pagamento até que a recorrida cumprisse a sua obrigação.</font><br>
<font>Para fundamentar tal decisão recorre a 1ª instância ao princípio da boa fé contratual que exige que haja um equilíbrio na economia do contrato.</font><br>
<font>Por seu lado, o douto acórdão da Relação foi de opinião oposta, com o fundamento de que se não se verificam os requisitos legais da excepção de incumprimento e de que o entendimento contrário iria subverter a regulamentação do cumprimento do contrato de empreitada ao permitir que enquanto subsistisse a possibilidade legal de exigência ao empreiteiro de eliminação de defeitos, não se venceria a obrigação do pagamento do preço, apesar de haver cláusula de prazo de pagamento com términus anterior.</font><br>
<font>Esta questão em causa não se nos afigura de solução fácil, não se podendo dizer que qualquer uma das soluções a que as instâncias chegaram nos pareçam descabidas.</font><br>
<font>Porém após aturada reflexão, parece-nos mais razoável a solução adoptada na decisão da 1ª instância, que foi seguida na única decisão deste Supremo Tribunal que encontramos sobre a específica questão aqui em causa e que é o acórdão de 16-04-1996 apontado pelo recorrente nas suas conclusões em primeiro lugar.</font><br>
<font>Assim, a excepção de não cumprimento do contrato – </font><i><font>exceptio non adimpleti contractus </font></i><font>na terminologia clássica - é regulada nos arts. 428º a 431º do Cód. Civil e analisa-se na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, de recusar o cumprimento da obrigação a que se acha adstrita, enquanto a contraparte não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. O instituto opera, assim, nos contratos bilaterais e quando os prazos de cumprimento sejam simultâneos ou sendo estes diferentes, apenas a parte que beneficie de prazo mais alargado é que pode usar da faculdade em causa.</font><br>
<font>Exige-se que as obrigações em causa se integrem na relação sinalagmática ou correspectiva uma da outra.</font><br>
<font>Deste modo refere o Prof. Almeida Costa, in Rev. Leg. e Jur., ano 119º, pág. 143, “a diversidade de prazos obsta à invocação da </font><i><font>exceptio</font></i><font> pela parte que primeiro tenha de efectuar a sua prestação, mas nada impede a outra de opô-la “</font><br>
<font>E acrescenta aquele autor: “ O dever de cumprimento prévio pode derivar da natureza do contrato, das cláusulas deste ou ainda de dispositivo da lei.” </font><br>
<font>O douto acórdão em recurso concluiu que era a recorrente quem tinha de cumprir primeiro, ou seja, a recorrente tinha de efectuar o pagamento até ao dia 17/08/1999, mas apenas fez então um pagamento parcelar, ficando em dívida a importância de 6.870.000$00, sem que então lhe fosse lícito recusar ou atrasar aquele pagamento, tendo alegado na sua contestação o fundamento irrelevante de então não dispunha de liquidez financeira – cfr. artigo 15 da contestação.</font><br>
<font>E continuando a citar o douto acórdão, a obra foi aceite sem que se verificassem quaisquer imperfeições, conforme foi atestado pela firma que ao serviço da recorrente procedeu à vistoria a tal execução.</font><br>
<font>Assim, aparentemente, desde 18/08/1999 que a recorrente estava em mora no pagamento da quantia acima mencionada.</font><br>
<font>E apenas em 27/06/2000 a recorrente aparece a reclamar das imperfeições da obra, imperfeições essas que alega servir de excepção ao pagamento que lhe foi aqui peticionado.</font><br>
<font>Daqui concluiu aquele acórdão que se não verifica o circunstancialismo legal do art. 428º, do Cód. Civil de serem os prazos de cumprimento simultâneos ou a ampliação pacificamente aceite, de ser o prazo de cumprimento do excepcionante posterior ao do excepcionado.</font><br>
<font>Porém, parece-nos que temos de analisar os factos noutra perspectiva.</font><br>
<font>Para que se possa entender que se venceu a obrigação do recorrente de pagar a parcela da empreitada aqui em causa, havia que se verificar a execução daquela obra sem defeitos, o que só aparentemente acontecia.</font><br>
<font>Daí que a recorrente ao não cumprir a obrigação sentindo-se em mora tenha alegado apenas a sua indisponibilidade financeira.</font><br>
<font>No entanto, posteriormente – quando se detectaram os referidos defeitos da obras denunciados tempestivamente à recorrida -, se concluiu que, afinal, a recorrente não estava em mora, por a sua obrigação só se vencer com a execução, sem defeitos, da obra.</font><br>
<font>Por outras palavras diremos que a mora da recorrente apenas resultava de um erro em que as partes estavam no sentido de que a obra empreitada estava completa e sem defeitos.</font><br>
<font>Surgindo estes visíveis posteriormente, sem que aquela obrigação estivesse cumprida, nada se opõe a que a devedora se sirva da excepção de não cumprimento, pois afinal, a sua obrigação ainda se não vencera por a obra apresentar defeitos que embora não visíveis após a entrega da obra, já existiam e por isso, não se vencera a obrigação de parte do preço das obras que pressupunha a execução prévia e sem defeitos pela empreiteira.</font><br>
<font>E o argumento usado pelo douto acórdão de que o entendimento aqui ora sufragado implica considerar que o pagamento em causa apenas se poderia vencer quando se tivesse extinguido o direito de reclamar de defeitos não colhe, pois que enquanto os mencionados defeitos não forem conhecidos, poderá a empreiteira demandar ou executar o dono da obra, sem que este possa deduzir aquela excepção que só a evidência dos referidos defeitos faz surgir.</font><br>
<font>Em conclusão diremos que a consideração de que a execução e entrega da obra aparentemente sem defeitos provoca o vencimento do pagamento da parte do preço em causa, tem de ser afastada se antes do referido pagamento, surgirem defeitos na obra da responsabilidade do empreiteiro, por então se verificar que a obra não estava executada sem defeitos e, por isso, não estava vencida a obrigação de pagar o respectivo preço parcelar que estava condicionada à execução daquela obra. </font><br>
<font>No mesmo sentido aponta o argumento usado pela primeira instância, deduzido do princípio da boa fé, pois que estando provada a mora da recorrida, em reparar os defeitos da obra, não é razoável obrigar a recorrente a pagar a mesma só com o argumento de que, aparentemente, esta última obrigação se teria vencido anteriormente à obrigação de reparar.</font><br>
<font> Desta forma, procede o fundamento do recurso.</font><br>
<font>Pelo exposto, concede-se a revista pedida e por isso se revoga o douto acórdão recorrido, para subsistir a decisão da 1ª instância.</font><br>
<font>Custas pela recorrida na revista e nas instâncias.</font><br>
<font>31-01-2007.</font><br>
<font>João Moreira Camilo ( Relator )</font><br>
<font>Fernando Azevedo Ramos</font><br>
<font>Manuel Silva Salazar.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mzK6u4YBgYBz1XKvbjiy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<b><font>AA</font></b><font> e marido </font><b><font>BB</font></b><font> </font><br>
<font>e </font><b><font>CC</font></b><br>
<font> intentaram acção declarativa, com processo ordinário</font><br>
<b><i><u><font> contra:</font></u></i></b><br>
<font> </font><b><font>DD</font></b><font>, </font><br>
<b><font> EE, </font></b><br>
<b><font> FF </font></b><br>
<font> e </font><b><font>GG</font></b><font>, </font><br>
<b><i><u><font> pedindo</font></u></i></b><font> que, julgada a acção procedente, o Tribunal declare:</font><br>
<font>a)Que não existiu, nem foi celebrado qualquer casamento entre a Ré DD (já falecido), designadamente, em 14 de Agosto de 1978;</font><br>
<font>b)Ser falso, por não ter acontecido, o facto/casamento entre a Ré DD e o GG, a que se reporta o registo/assento, lavrado pelo R Padre EE, em 14 de Abril de 2002;</font><br>
<font>c)A nulidade do registo de casamento, entre a Ré DD e o falecido HH, a que se refere o assento n.º 68, do ano 2002, do Livro respectivo da Conservatória do Registo Civil de Chaves;</font><br>
<font>d)Que, consequentemente, seja ordenado o cancelamento desse registo;</font><br>
<font>e)A nulidade da habilitação de herdeiros, a que se reporta a escritura, lavrada no Cartório Notarial de Valpaços, em 2 de Maio de 2002, a fls. 56 e ss., do Livro 122-D, na qual, a Ré DD se declarou única e universal herdeira de HH, na qualidade de cônjuge sobrevivo;</font><br>
<font>f)Nulas e de nenhum efeito todas e quaisquer disposições de bens móveis e imóveis, integrantes da herança, que se abriu por óbito de HH, e a que a ré DD procedeu, ou venha a proceder, com base na alegada qualidade de sua única e universal herdeira;</font><br>
<font>g)Que sejam mandados cancelar todos e quaisquer registos e inscrições de factos aquisitivos de bens da aludida herança, decorrentes de eventuais alienações operadas ou a operar pela Ré DD.</font><br>
<br>
<font>Todos os RR. contestaram por excepção, deduzindo a incompetência absoluta do Tribunal, e impugnando parte da materialidade fáctica alegada.</font><br>
<font>Os co-RR. FF e GG deduziram também a excepção da sua própria ilegitimidade.</font><br>
<br>
<br>
<b><u><font>No Saneador</font></u></b><b><font> foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade dos co-RR. FF e GG e a da incompetência absoluta do Tribunal, declarando-se este (Tribunal de Chaves) competente em razão da matéria.</font></b><br>
<br>
<font>Procedeu-se em seguida à condensação do processo, com a indicação dos factos assentes e organizando-se a base instrutória.</font><br>
<br>
<u><font>Os Réus DD e outros, agravaram da decisão que julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal,</font></u><font> sendo o recurso admitido para subir conjuntamente com o recurso da decisão que, depois dele interposto, houvesse de subir imediatamente.</font><br>
<font> Os AA. contra-alegaram.</font><br>
<br>
<font>Seguiu-se a instrução do processo e a audiência de discussão e julgamento, vindo no seu termo a ser proferida </font><b><u><font>Sentença.</font></u></b><br>
<br>
<b><font>Esta julgou a acção integralmente procedente, nos exactos termos peticionados.</font></b><br>
<br>
<u><font>Inconformados, voltaram a recorrer os RR.</font></u><font>, declarando manter interesse na apreciação do agravo retido.</font><br>
<font>Este recurso foi admitido como apelação e com efeito suspensivo.</font><br>
<font>Alegaram os RR. e contra-alegaram os AA.</font><br>
<br>
<b><u><font>O Tribunal da Relação do Porto</font></u></b><b><font>, usando do disposto no art. 713.º-5 e 6 veio a negar provimento ao agravo e a julgar improcedente a apelação, e, assim, mantendo a decisão em que se considerava competente, confirmou também a Sentença</font></b><font> .</font><br>
<br>
<font>Recorreram o R. EE e a Ré DD (fls. 340 e 366), classificando-os como Agravos.</font><br>
<font>O R. EE requereu desde logo, aquando da interposição de recurso, que este fosse admitido como Agravo em 2.ª instância com intervenção do Plenário para uniformização de jurisprudência, porquanto – segundo alegou – o Acórdão recorrido está em manifesta contradição com outros, indicando a título exemplificativo, como referência, </font><br>
<font>- o Ac. do STJ de 1978.06.29, BMJ, 278-228;</font><br>
<font>- o Ac. do STJ de 1983.02.22, BMJ, 324-540;</font><br>
<font>- o Ac. do STJ, de 94.02.22, CJ do STJ 1994, ano II, tomo I-115</font><br>
<font>- e o Ac. da Relação de Lisboa de 1992.12.03, in ITIJ, RL199212030059592 (n.º convencional JTRL00012102, processo 0059592.</font><br>
<br>
<font>Os recursos foram admitidos pela Relação, mas qualificados como Revistas.</font><br>
<font>Só o R. EE veio a alegar, pelo que a Relação julgou deserto o recurso da Ré DD.</font><br>
<br>
<font>Remetidos os autos a este Tribunal, o Ex.mo Senhor Procurador Geral-Adjunto emitiu douto Parecer, no sentido de se lhe afigurar como inidónea a Revista ampliada.</font><br>
<font>O Relator proferiu despacho justificando por que razões entendia não se verificarem os pressupostos para a revista ampliada</font><font> (1) </font><i><font> </font></i><font>, ordenando a ida dos autos ao Excelentíssimo Senhor Conselheiro Presidente deste Tribunal, tendo este concordado com a posição do Relator. </font><br>
<font> ……………………..</font><br>
<br>
<br>
<b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br>
<br>
<font>O recorrente EE apresentou as seguintes conclusões nas alegações de recurso que apresentou para este Tribunal:</font><br>
<i><font>“I. Na presente acção pede-se que o Tribunal Comum declare que não existiu nem foi celebrado qualquer casamento entre a ré DD e HHa, designadamente em 14 de Agosto de 1978, por tal facto jurídico (casamento) ser falso - alíneas a) e b) do pedido, sendo que nas restantes alíneas em que os autores subdividiram o pedido, pede-se, tão só, o reconhecimento dos efeitos jurídicos que a procedência do pedido efectuado nas alíneas a) e b) necessariamente acarretaria. </font></i><br>
<i><font>II. Não estamos, assim, em face de uma cumulação real de pedidos, mas meramente aparente, porquanto o pedido é, na verdade, único. </font></i><br>
<i><font>III .Dispõe o artigo 1625° do Código Civil que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes, disposição legal que corresponde ao primeiro parágrafo do artigo XXV da Concordata com a Santa Sé, de 7 de Maio de 1940 e ao artigo 24° do Decreto-Lei n.o 30615, de 25 de Julho de 1940. </font></i><br>
<i><font>IV .O capítulo V do Titulo I do Livro IV do Código Civil, que se estende até ao artigo 1646°, trata da invalidade do casamento, para abranger as hipóteses da ineficácia, da nulidade e da anulabilidade do casamento católico, que tem um regime totalmente distinto da invalidade do casamento civil, conforme se proclama no cânone 1671 do "Codex Juris Canonici". </font></i><br>
<i><font>V. O Codex Juris Canonici não admite a figura da inexistência jurídica do casamento, tendo-se confinado ao regime da nulidade. </font></i><br>
<i><font>VI. O artigo 2° do Protocolo adicional de 15 de Fevereiro de 1975 expressamente manteve em vigor o primeiro parágrafo do artigo XXV da Concordata, ao qual corresponde o citado art. 1625.º do CC., e segundo Antunes Varela não é credível”que os constituintes, um ano volvido sobre a assinatura do Protocolo que solucionou uma questão particularmente delicada entre o Governo Português e a Santa Sé, pretendessem alterar unilateralmente posição tão nevrálgica como a da jurisdição dos tribunais eclesiásticos em matéria de casamento(católico) Direito de Família, ed de 1987, pgs. 151 e 152. </font></i><br>
<i><font>VII. Por outro lado, a reforma do Código Civil, operada pelo Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, teve em vista harmonizar esse diploma legal com os princípios da Constituição da República Portuguesa, e essa reforma deixou intacto aquele artigo 1625°, indício de que o legislador continuou a considerá-lo em vigor. </font></i><br>
<i><font>VIII. Portanto, excepto o que concerne à capacidade matrimonial dos nubentes, a decisão sobre as questões da existência e nulidade do casamento católico e da sua forma, é da competência dos tribunais eclesiásticos e não dos tribunais comuns portugueses. </font></i><br>
<i><font>IX. Ninguém colocou em causa que DD e HH não estivessem dotados da capacidade matrimonial exigida na lei civil para, nas circunstâncias espaciais e temporais referidas no assento de casamento e na consequente transcrição, celebrar tal convénio católico. </font></i><br>
<i><font>X DD e HH, que tiveram um filho e sempre viveram como marido e mulher que eram, consorciaram-se catolicamente. </font></i><br>
<i><font>Termos em que, revogando-se o douto Acórdão recorrido, considerando-se o Tribunal Comum (Tribunal Judicial da Comarca de Chaves) absolutamente incompetente, em razão da matéria, para julgar o presente pleito, anulando-se todo o processado posterior à elaboração do despacho saneador, designadamente a audiência de discussão e julgamento, e, na procedência daquela excepção dilatória, absolvendo-se os réus da instância se fará JUSTIÇA! </font></i><br>
<i><font>Sempre aquele Acordão haveria de ser revogado, porquanto DD e DD contraíram entre si casamento católico, nas circunstâncias referidas nos respectivos assentos canónico e de registo civil.”</font></i><br>
<br>
<font> …………………………..</font><br>
<br>
<font>Da leitura destas conclusões vemos que a questão que se coloca é a da competência material para apreciação da </font><i><u><font>declaração de inexistência de matrimónio canónico</font></u></i><font> quando foi apresentado ao registo civil de Chaves, para transcrição, um assento paroquial</font><u><font>, atacado de falso pelos ora AA. quanto aos dizeres nele contidos no tocante à aí indicada celebração do próprio acto - matrimónio.</font></u><br>
<font>Importa saber se para tal conhecimento são competentes os Tribunais civis portugueses ou os Tribunais eclesiásticos (dependentes do Estado da Santa Sé). </font><br>
<font> ………………………………</font><br>
<br>
<b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>III. – A) Os factos</font></b><br>
<br>
<font>Foram considerados assentes e/ou provados na primeira instância os factos seguintes, que a Relação manteve inalteráveis:</font><br>
<font>- </font><i><font>HH faleceu no dia 2002.02.21, na freguesia d Moreiras, concelho de Chaves</font></i><font> </font><font>(cfr. certidão narrrativa de óbito junta a fls. 8). - al. A)</font><br>
<font>- </font><i><font>Na certidão narrativa de óbito emitida pela Conservatória do Registo Civil de Chaves em 2002.05.17 e junta a fls. 8 diz-se nomeadamente:</font></i><br>
<font>“Certifico que no livro de assentos de óbito nesta Conservatória referente ao ano de 2002 existe um registo n.º 140, do qual consta:</font><br>
<font>Nome do falecido: HH</font><br>
<font>Idade: 73 anos</font><br>
<font>Estado: solteiro (…)” </font><font>(cfr. documento junto a fls. 8 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). – al. B)</font><br>
<font> </font><i><font>- HH faleceu sem testamento nem descendentes ou ascendentes vivos. – </font></i><font>al. C)</font><br>
<font> - </font><i><font>Quer HH quer os AA. AA e CC são filhos de M. P. e I. de J. </font></i><font>(cfr. fotocópias dos assentos de nascimento juntos a fls. 9 e 10. – al. D) </font><br>
<i><font>- Em 2002.04.30 foi lavrado por transcrição na Conservatória do Registo Civil de Chaves, assento de casamento, sob o n.º 68, no qual se fez constar que:</font></i><br>
<font>“(…) em 1978.08.14 HH casara com DD”, ora Ré…</font><br>
<font>“(…) os nubentes declararam celebrar de livre vontade o seu casamento perante o Padre L. A. A. R., pároco da dita Moreiras (…)”</font><br>
<font>“Menções especiais: duplicado paroquial entregue pelo dito Pároco em 2002.04.18 </font><font>(cfr. fotocópia do assento de casamento n.º 68 e averbamento constante do documento junto a fls. 11 e 12) – al. E)</font><font> </font><br>
<i><font>- No documento junto a fls. 14 consta nomeadamente:</font></i><br>
<font>“Às oito horas do dia 14 de Agosto de 1978 perante Padre L. A. A. R., pároco da freguesia de Moreiras, concelho de Chaves, na igreja paroquial desta paróquia e freguesia de Moreiras, concelho de Chaves, diocese de Vila Real, compareceram os nubentes HH e DD, ele de cinquenta anos, no estado de solteiro, natural do lugar e freguesia de Moreiras, concelho de Chaves, onde foi baptizado e residente no lugar e freguesia de Moreiras. Concelho de Chaves, filho de M. P. e de Isabel de Jesus, e ela de quarenta e seis anos, no estado de solteira, natural da freguesia de santa Leocádia, concelho de Chaves, onde foi baptizada e residente no mesmo lugar e freguesia de Moreiras, dita. Filha de A. P. e de M. das N. (…)</font><br>
<font>“NB. Em virtude de se ter extraviado o Assento deste casamento, eu, Padre EE, actual Pároco da dita freguesia de Moreiras, no dia 2002.04.14, na presença das testemunhas e da nubente, tendo já falecido o oficiante e o nubente, lavrei este assento que depois de lido e conferido vai ser assinado pela nubente, pelas testemunhas e por mim (…)” </font><font>(cfr. doc. junto a fls. 14). – al. F)</font><br>
<i><font>- Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Valpaços em 2002.05.02 lavrada a fls. 56 do livro 122-D, DD, ora Ré, declarou ser “a única e universal herdeira e viúva de HHa” </font></i><font>(cfr. fotocópia junta a fls. 15 a 17) – al. F)</font><br>
<i><font>- Na cédula pessoal n.º 386486 de II cuja cópia certificada se encontra junta a fls. 33 e 34 consta nomeadamente:</font></i><br>
<font>Nome: II, filha de HH, natural de Moreiras, concelho de Chaves e de DD, natural de santa Leocádia, concelho de Chaves, nasceu na freguesia de Chaves, concelho de Chaves aos 1975.02.13, assento n.º 186 do ano de 1975, Chaves, 1975.03.16 (…)” outros assentos faleceu na freguesia de Moreiras dia 1975.03.31 </font><font>(cfr. doc. junto a fls. 33 a 35) – al. H) </font><br>
<br>
<i><font>- A afirmação constante do documento referido na al. E) da matéria assente, datada de 2002.04.14 levada a efeito pelo Padre EE, ora R., de que </font></i><font>“o assento de casamento celebrado pela Ré DD e o falecido HH, em 1978.08.14 se extraviou” é </font><i><font>uma inverdade</font></i><font>. – </font><font>resp. ao q. 2.º da b.i.</font><br>
<i><font>- A Ré DD, conluiada com os RR. FF dos santos e mulher deste GG prestaram declarações ao R: EEs que este aceitou como boas e verdadeiras, as quais serviram de substracto e levaram este R. à elaboração do documento cuja cópia se encontra junta a fls. 14 e aludido na alínea E) da matéria assente. </font></i><font>– resp. ao q. 3.º da b.i.</font><br>
<i><font>- Os intervenientes DD, FF e mulher GG a conluiaram-se, pactuaram e mancomunaram para conceber um documento inventando um facto inexistente a saber: “o do casamento da DD com HH”(sic) – </font></i><font>resp. ao q. 4.º da b.i.</font><br>
<i><font>- A concepção do referido documento foi levada a efeito pelos intervenientes DD, FF e mulher GG com intenção de enganar e induzir em erro terceiros (a Conservatória do Registo Civil de Chaves) </font></i><font>– resp. ao q. 5.º da b.i.</font><br>
<i><font>- Com a criação do documento referido em F) a Ré DD a visou prejudicar os AA.- </font></i><i><font>resp. ao q. 6.º da b.i.</font></i><br>
<i><font>- Desde 1973 até 2002.02.21 a Ré DD viveu com HH em comunhão de cama, mesa e habitação – </font></i><i><font>resp. aos qs. 7.º, 13.º e 21.º da b.i.</font></i><br>
<i><font>- Após 2002.02.21 a Ré DD declarou em varias circunstâncias ter o estado civil de solteira – </font></i><font>resp. ao q. 8.º</font><br>
<i><font>- A Ré DD após a morte de HH (2002.02.21) consultou advogado em Chaves a quem pediu parecer e conselho sobre eventuais direitos, que lhe assistiam, na qualidade de pessoa solteira, que viveu vários anos em comunhão de cama, mesa e habitação com o referido HH. </font></i><font>– resp. ao q. 9.º da b.i. </font><br>
<i><font>-Em vida HH dizia, quando solicitado, que não era casado. – </font></i><font>resp. ao q. 10.º</font><br>
<i><font>- Nos bilhetes de identidade de HH e de DD a sempre fizeram constar que eram solteiros – </font></i><font>resp. ao q. 11.º</font><br>
<i><font>- HH dizia publicamente que “trabalhava” para os irmãos e sobrinhos para quem “iria” o que era seu. – </font></i><font>resp. ao q. 12.º</font><br>
<br>
<font> ……………………..</font><br>
<br>
<b><font>III-B) Análise do recurso</font></b><br>
<br>
<font>Entendem os recorrentes que a presente causa é de exclusiva competência dos Tribunais eclesiásticos porque nos termos do art. 1625.º do CC.</font><font> (2)</font><font> </font><i><font>“O conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.”</font></i><br>
<font>Em seu entender, os Tribunais portugueses seriam apenas competentes para apreciar a capacidade matrimonial dos nubentes, situação que no caso presente ninguém pôs em causa.</font><br>
<br>
<font>Salvo o devido respeito, partes os recorrentes de um claro equívoco:</font><br>
<br>
<font>Não se trata aqui de apreciar a nulidade ou anulabilidade de um casamento canónico, para cuja apreciação se reconhece que são efectivamente competentes os tribunais e repartições eclesiásticas dependentes do Estado Pontifício da Santa Sé, assentes na Concordata de 1940, ou, se quisermos, na actual, de 2004. </font><font>(3) </font><font> </font><br>
<font>O que aqui está em causa é a apreciação de uma fraude num documento apresentado ao registo civil para transcrição de um acto que não aconteceu, pois vem alegado que não houve qualquer acto de casamento.</font><br>
<font>Pois bem:</font><br>
<font>O que o Estado Português reconhece aos Tribunais e repartições eclesiásticos é o conhecimento </font><i><u><font>das causas de nulidade ou da anulabilidade</font></u></i><u><font> </font></u><i><u><font>do casamento canónico</font></u></i><u><font> </font></u><font>ou a dispensa de casamento rato e não consumado.</font><br>
<font>Ora, essas situações são as que vêm previstas nos cânones 1055.º a 1150.º do Código do Direito Canónico (Codex Juris Canonici), das quais destacamos, em linguagem canónica (cujos conceitos, nem sempre são correspondentes aos conceitos civilísticos do direito português) a existência de impedimentos dirimentes gerais (cânones 1073.º a 1082.º) ou impedimentos dirimentes especiais (cânones 1083.º a 1094.º), os relativos ao consentimento (incapacidade, erro, dolo, violência, medo grave, vontade, procuração) (cânones 1095.º a 1107.º), os respeitantes à forma de celebração (cânones 1108.º a 1123.º e 1130.º a 1133.º), os atinentes aos matrimónios mistos (ou seja entre membros com disparidade de culto, um dos quais baptizado e o outro não- cânones 1124.º a 1129.º), àqueles casos que a Igreja considera como sendo matrimónio rato e não consumado, e a outros casos especiais que possam demandar a dissolução do vínculo (1141.º a 1155.º).</font><br>
<font>Todas estas situações pressupõem a existência do acto “matrimónio”.</font><br>
<font>Ou seja, o Estado Português, nos termos da Concordata, reconhece competência à Santa Sé para examinar os vícios do acto (matrimónio canónico), recebendo e reconhecendo na ordem jurídica nacional efeitos civis às decisões que essas entidades profiram ou venham a proferir sobre tais matérias, uma vez observados os trâmites processuais no tocante à sua transcrição registral. </font><br>
<font>Ora não pode confundir-se a competência para examinar as causas/vícios do matrimónio, com a </font><u><font>inexistência do próprio acto casamento.</font></u><br>
<u><font>Não se confunda, por outro lado, inexistência jurídica com inexistência do acto.</font></u><font> (4) </font><br>
<br>
<font> Sai-se fora do âmbito do art. 1625.º do CC., e portanto, por arrastamento também das normas da própria Concordata, ao pretender alargar-se aos tribunais e repartições eclesiásticas a competência para a apreciação de fraudes nos documentos que serviram de suporte aos actos registrais.</font><br>
<font>De acordo com o disposto no art. 1587.º-2 do CC., o Estado português reconhece valor e eficácia de casamento ao matrimónio católico nos termos das disposições seguintes inseridas nesse diploma, e reconhece também aos Tribunais e repartições e eclesiásticos a competência para decidir sobre a invalidade do matrimónio, ou seja, sobre </font><i><u><font>as causas ou vícios que afectem o matrimónio efectivamente celebrado e suas repercussões (efeitos jurídicos) na ordem jurídica nacional</font></u></i><font>, mas de forma alguma abdicou ou cedeu parte da sua soberania para reconhecer a um Estado estrangeiro (nesta caso a Santa Sé), para apreciar e julgar os vícios de documentos fraudulentos apresentados nas repartições nacionais para comprovar um facto que nunca existiu.</font><br>
<br>
<font>No caso em presença, a questão que se colocava era de tratar de avaliar se o documento apresentado para registo do casamento canónico constituía uma fraude, por alegadamente – como se veio a provar – nunca ter chegado a haver matrimónio católico.</font><br>
<font> Esta situação não se encontra contemplada no âmbito da Concordata.</font><br>
<br>
<font>Ora, ao Estado cabe, por outro lado, assegurar a validade e a fé pública dos documentos. </font><br>
<font>A fé pública dos documentos autênticos é apenas um corolário dos interesses de ordem pública que o Estado Português visa prosseguir.</font><br>
<font>Bem aplicada aqui a expressão mais eloquente da separação entre a Igreja e o Estado: </font><br>
<font> “A César o que é de César, a Deus o que é Deus”.</font><br>
<br>
<font>À laia de conclusão:</font><br>
<font>Se o acto não existe, não pode ter causas. Donde, bastaria esta simples constatação para se concluir que o Estado Português não incluiu nas cedências de soberania ao Estado da Santa Sé o direito de julgar as fraudes documentais onde se alicerça o registo do estado das pessoas e suas eventuais alterações.</font><br>
<br>
<font>Reforçando tudo quanto foi afirmado, tem interesse em trazer à colação a actual redacção do art. 13.º-1 da Concordata de 2004:</font><br>
<font>O Estado Português reconhece efeitos civis </font><i><u><font>aos casamentos celebrados</font></u></i><font> em </font><i><u><font>conformidade com as leis canónicas</font></u></i><font>, desde que o respectivo assento de casamento seja transcrito para os competentes livros do registo civil.</font><br>
<font>Mais uma vez, para que não fiquem dúvidas:</font><br>
<i><font>“(…) efeitos civis aos casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas (…)”</font></i><br>
<font>A Igreja católica nunca admitiu nem admite a existência de matrimónio sem a sua celebração (acto). Mesmo nos considerados casamentos “in articulo mortis” ou nos matrimónios “de consciência”, tem que haver o acto “celebração”, ainda que falte parte das formalidades normalmente exigidas para os demais matrimónios ou a ele não presida o oficial celebrante que em condições normais a ele deveria presidir.</font><br>
<font>Assim, versando toda a questão aqui colocada sobre a inexistência desse acto, toda a problemática se coloca a montante da questão da competência concordatada que o Estado Português estabeleceu com o Estado da Santa Sé.</font><br>
<font>E, quanto a essa competência não houve qualquer abdicação de soberania exclusiva por parte do Estado Português.</font><font> (5) </font><br>
<font>. </font><br>
<font> …………………….</font><br>
<br>
<font>Em face do exposto, o recurso não pode proceder.</font><br>
<font>A Revista terá de ser negada.</font><br>
<font> …………………….</font><br>
<br>
<b><font>IV. Decisão</font></b><br>
<br>
<b><i><font>Na negação da Revista, confirma-se o Acórdão recorrido, embora não exactamente pelas mesmas razões nele apontadas.</font></i></b><br>
<b><i><font>Custas pelo Recorrente.</font></i></b><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 17 de Abril de 2008</font><br>
<br>
<br>
<font>Mário Cruz (Relator)</font><br>
<font>Garcia Calejo</font><br>
<font>Mário Mendes</font><br>
<font>________________________</font><br>
<font>1- </font><font>Escreveu-se então o seguinte:</font><br>
<i><font>“Concorda-se inteiramente com o douto Parecer do Il.mº Senhor Procurador Geral-Adjunto, dando aqui por reproduzidas as razões invocadas que levam a não enquadrar o presente recurso como elegível para a Revista ampliada.</font></i><br>
<i><font>Na verdade, 1) não foi feita nas conclusões de recurso (apresentadas com as alegações) qualquer referência à contradição de julgados que viessem a postular a necessidade de revista ampliada, sendo certo que é nesta sede que o âmbito dos recursos é delimitado (arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC); 2) Nenhum dos Acórdãos citados como fundamento tem como núcleo essencial a “inexistência de acto matrimónio” e a “falsidade de documento” que se destinaria a servir de base ao assento por transcrição no registo civil, à sua suposta existência; 3) no Acórdão recorrido não é posta em causa a vigência do art. 1625.º do CC. ou sua inconstitucionalidade, sublinhando-se que o que está aqui em causa não é a competência dos Tribunais eclesiásticos para a apreciação da nulidade do acto casamento ou a dispensa de casamento rato e não consumado, mas sim a sua própria inexistência, fundada em suposta fraude certificada em documento paroquial como suporte à respectiva transcrição, sendo falso quer o acto de casamento quer os dizeres certificados na certidão paroquial que terá servido à transcrição no registo civil.</font></i><br>
<i><font>Face ao exposto, entendo que efectivamente o Acórdão a produzir não tem condições de elegibilidade para merecer Revista ampliada, acrescendo ainda o facto de se não vislumbrar como a decisão recorrida tenha estado em oposição com qualquer outro Acórdão – tirado sob o domínio da mesma legislação – sobre a mesma questão fundamental de direito.</font></i><br>
<i><font>Vão no entanto os autos à consideração do Excelentíssimo Senhor Presidente deste Supremo Tribunal, para, nos termos do art. 732.º-A, n.º 1 do CPC proferir decisão.”</font></i><br>
<font>2- </font><font> que transcreve “ipsis verbis”, o art. XXV § 1.º da anterior Concordata com a Santa Sé, de 1940.05.07 e o artigo 24° do Decreto-Lei n.o 30615, de 25 de Julho de 1940 e que se manteve inalterável com o Protocolo adicional de 15 de Fevereiro de 1975,</font><font>,</font><br>
<font>3- </font><font>Esta última, foi assinada em 16 de Maio de 2004, aprovada por Resolução n.º 74/2004 da Assembleia da República em 2004.09.30, ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 03 de Novembro, publicada no DR-I-A de 2006.11.16 e trocados os respectivos instrumentos de ratificação, entre ambos os Estados em 2004.12.18, consoante Aviso n.º 23/2005, de 07 de Janeiro, do Ministério dos Negócios Estrangeiros , publicado no DR-I-A de 26 de Janeiro</font><br>
<font>4- </font><font>As situações de inexistência jurídica que o Código Civil prevê respeitam a situações que admitem a produção do acto, mas lhe não reconhecem qualquer efeito, podendo ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial. – art. 1630.º-2 do CC..</font><br>
<font>São elas as seguintes, tipificadas no art. 1628.º:</font><br>
<font> </font><i><font>a) o casamento celebrado perante quem não tinha competência funcional para o acto, salvo tratando-se de casamento urgente; </font></i><br>
<i><font>b) o casamento urgente que não tenha sido impugnado;</font></i><br>
<i><font>c) o casamento em cuja celebração tenha faltado a declaração de vontade de um ou de ambos os nubentes, ou do procurador de um deles;</font></i><br>
<i><font>d) o casamento contraído por intermédio de procurador, quando celebrado depois de terem cessado os efeitos da procuração, ou quando esta não tenha sido outorgada por quem nela figura como constituinte, ou quando seja nula por falta de concessão de poderes especiais para o acto ou de designação expressa do outro contraente;</font></i><br>
<i><font> e) o casamento contraído por duas pessoas do mesmo sexo. </font></i><br>
<font>Nessas situações de inexistência jurídica houve pelo menos o acto consistente na celebração do casamento.</font><br>
<font>5- </font><font>A nova Concordata veio no art. 16.º-1 dar um passo num sentido de maior laicização, ao colocar as decisões dos Tribunais eclesiásticos, dependentes do Estado da Santa Sé, em pé de igualdade com as decisões proferidas por tribunais de outros países estrangeiros no tocante ao estado das pessoas, exigindo que tais decisões passem a ser revistas e confirmadas pelo Tribunal competente do Estado Português (Tribunal da Relação territorialmente competente), derrogando-se assim o simples “Exequatur.” que até então existia na anterior Concordata .</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mjLQu4YBgYBz1XKvPEHE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<font> </font><br>
<font> I – Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, Banco AA, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra BB, pediu que, com a procedência da acção, seja o Réu condenado a pagar ao Autor a importância de € 16.915,71, acrescida de € 1.903,46 de juros vencidos até ao presente – 22 de Fevereiro de 2002 – e de € 76,14 de imposto de selo sobre estes juros e, ainda, os juros que, sobre a dita quantia de € 16.915,71, se vencerem à taxa anual de 17,33 %, desde 23 de Fevereiro de 2002 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.</font><br>
<br>
<font> Para fundamentar a sua pretensão, invoca um contrato de mútuo que celebrou com o Réu para aquisição de uma viatura e o não pagamento por este de prestações a que estava vinculado.</font><br>
<br>
<font> Contestou o Réu, defendendo que o contrato de mútuo não foi concluído, pelo que é inexistente.</font><br>
<br>
<font> Houve réplica.</font><br>
<br>
<font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, foi o Réu absolvido do pedido, decisão que foi confirmada por acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, após apelação do Autor.</font><br>
<br>
<font> Ainda inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font> O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª - O contrato de mútuo dos autos foi assinado pelo punho do R., ora recorrido.</font><br>
<br>
<font> 2ª - Do contrato de mútuo dos autos consta, das respectivas Condições Gerais – Cláusula 3ª –, que a concessão do empréstimo directo ao R., ora recorrido, no valor de Esc. 2.400.000$00 se considerava efectivada mediante a entrega desta importância directamente ao vendedor constante do contrato de mútuo dos autos.</font><br>
<font> 3ª - A importância do referido crédito directo, no montante de Esc. 2.400.000$00, foi efectivamente entregue pelo A., ora recorrente, ao fornecedor do veículo.</font><br>
<font> 4ª - O A., ora recorrente, não ajustou com o fornecedor do veículo qualquer acordo em que se tenha comprometido a financiar, em regime de exclusividade, as aquisições a crédito pelos clientes compradores deste de bens ou equipamentos, não tendo igualmente ajustado com o dito fornecedor qualquer acordo que obrigasse este a solicitar exclusivamente ao ora recorrente a concessão de financiamento para a aquisição a crédito pelos clientes compradores de bens ou equipamentos por ele vendidos.</font><br>
<font> 5ª - As Condições Gerais do contrato dos autos não foram fisicamente inseridas no mesmo após a assinatura do referido contrato pelo recorrido.</font><br>
<font> 6ª - Aliás, o próprio recorrido, como se vê do seu articulado de contestação, jamais pôs em causa que, aquando da assinatura do contrato de mútuo dos autos, ele não contivesse já, como continha, as respectivas Condições Específicas e Condições Gerais, todas elas impressas aliás.</font><br>
<font> 7ª - O recorrido, “sempre que contactado pelo A., (ora recorrente), para proceder ao pagamento das prestações em débito relativamente ao contrato dos autos, nunca referiu que o mesmo não teria sido celebrado, pelo contrário, referiu que foi enganado pelo fornecedor e que não podia registar o veículo em seu nome, pelo que não iria proceder ao pagamento de mais prestações”.</font><br>
<font> 8ª - A sentença confirmada pelo acórdão recorrido fez assim errada interpretação e aplicação da matéria de facto dada como provada nos autos, tendo violado o disposto no artigo 8º, alínea d), do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, e, consequentemente, o disposto nos artigos 405º, 406º e 1142º do Código Civil, donde o presente recurso dever ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida e a mesma substituída por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente e provada, nos precisos termos que dela constam.</font><br>
<br>
<font> Contra-alegou o recorrido, defendendo a manutenção da decisão impugnada.</font><br>
<br>
<font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font> II – Ao abrigo do disposto no artigo 713º, nº 6, aqui aplicável por força do artigo 726º, ambos do Código de Processo Civil, remete-se para a fundamentação de facto constante do acórdão recorrido, a qual se dá por reproduzida.</font><br>
<br>
<font> III – 1. Entenderam as instâncias (a Relação com um voto de vencido) ser de excluir do contrato de mútuo a que os autos se reportam a cláusula 3ª das Condições Gerais, nos termos do artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pelo facto de a mesma se inserir na 2ª página do contrato e ser posterior à aposição das assinaturas dos contraentes.</font><br>
<br>
<font> A cláusula 3ª, sob a epígrafe UTILIZAÇÃO DO EMPRÉSTIMO, refere:</font><br>
<font> “O empréstimo considera-se utilizado com a entrega pelo Banco Mais de um cheque emitido à ordem do Mutuário ou do Fornecedor do bem a adquirir pelo Mutuário, no montante do empréstimo fixado nas Condições Específicas”.</font><br>
<br>
<font> 2. Estamos perante um contrato de mútuo (oneroso) – artigo 1142º do Código Civil.</font><br>
<font> Deve o contrato ser qualificado como um contrato de adesão, com inclusão de cláusulas contratuais gerais – artigo 1º do citado DL 446/85.</font><br>
<font> Trata-se igualmente de uma operação de crédito, realizada por uma instituição de crédito ou parabancária – artigo 1º do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Estamos, pois, aqui no âmbito das denominadas “cláusulas contratuais gerais”, regidas pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho, e pelo artigo 24º do Anexo ao Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro.</font><br>
<br>
<font> Assim, a falta de negociação prévia sobre a matéria versada em cláusulas desta natureza faz nascer o risco de o contraente que a elas se submete sem ter participado na sua elaboração o fazer de modo pouco esclarecido e consciente, assim chamando a si obrigações cujo alcance e medida não ponderou devidamente, em clara postergação do princípio da liberdade negocial.</font><br>
<br>
<font> Quis, por isso, o legislador acautelar a sua posição, para tanto impondo a observação de certas práticas na celebração dos contratos e limitando a margem de arbítrio das partes na definição do conteúdo concreto do acordo celebrado (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 21.01.2003, in CJ, Ano XXVII-2003, Tomo I, pág. 70).</font><br>
<br>
<font> Há, pois, que saber se as “Condições Gerais” impressas em documento autónomo ou no verso do documento formalizador do contrato, assinado pelos outorgantes no documento ou no seu rosto (onde foram apostas as assinaturas), devem ou não ser excluídas do contrato,</font><br>
<br>
<font> Nos artigos 5º e 6º do citado DL 446/85, é imposto à parte que utilize cláusulas gerais contratuais pré-formuladas para uma pluralidade de contratos, independentemente das pessoas que as venham a subscrever, para serem aceites no seu todo – cláusulas contratuais gerais –, o dever de comunicação e de informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.</font><br>
<br>
<font> Bem se compreende isto, pois que, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista de um contrato devam considerar-se parte integrante dele é necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode suceder se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial.</font><br>
<br>
<font> A não ser assim, não pode falar-se de uma livre, consciente e correcta formação de vontade, nomeadamente isenta de vícios, como os referidos nos artigos 246º, 247º e 251º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> Estabelece a lei o princípio de que a comunicação deve ter em consideração a importância do contrato e a extensão, bem como a complexidade, das respectivas cláusulas, de forma a que o aderente, usando da diligência própria do cidadão médio, normal ou comum, possa aceder a um conhecimento completo e efectivo.</font><br>
<br>
<font> Não bastando a simples informação da existência de cláusulas contratuais gerais, exige-se “que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões. Que o contraente venha a ter, na prática, tal conhecimento, isso já não é exigido, pois bem pode suceder que a sua conduta não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto (...): aquilo a que o utilizador está vinculado é tão-só proporcionar à contraparte a </font><i><font>razoável possibilidade</font></i><font> de delas tomar conhecimento” (ALMENO SÁ, “Cláusulas Contratuais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, págs. 190 e 191).</font><br>
<br>
<font> O utilizador das cláusulas pré-elaboradas deve ainda esclarecer o aderente sobre o respectivo conteúdo, significado e consequências, sempre que a sua complexidade, extensão, carácter técnico ou outras circunstâncias o justifiquem do ponto de vista das necessidades ou dificuldades de um aderente normal, perante o concreto bloco de cláusulas. É uma emanação do princípio da boa fé – artigo 227º, nº 1, do Código Civil (cfr. ALMEIDA COSTA/MENEZES CORDEIRO, “Cláusulas Contratuais Gerais”, anotação ao artigo 6º).</font><br>
<br>
<font> 3. Perante isto, vejamos o que consta da 1ª página do “CONTRATO DE MÚTUO Nº. 444784” aqui em causa.</font><br>
<br>
<font> Depois da identificação dos outorgantes, diz-se: “É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e gerais seguintes:”.</font><br>
<font> A seguir, nas “CONDIÇÕES ESPECÍFICAS”, vêm referidas, além dos dados sobre “BEM FINANCIADO E IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR” – onde se identifica o fornecedor como sendo “CC” – as “CONDIÇÔES DO FINANCIAMENTO”, onde se alude ao montante do crédito, ao valor total das prestações e seus número e valor, às datas do respectivo vencimento, à taxa de juro e à TAEG.</font><br>
<br>
<font> Mais adiante, consignou-se o seguinte:</font><br>
<font> “Declaro estar de boa saúde, não sujeito a controlo médico regular por doença ou acidente, ocorrido nos últimos 12 meses. Tendo aderido à Protecção Total Banco AA declaro ainda ter tomado conhecimento das condições de cobertura, garantias e exclusões associadas àquele seguro, todas descritas em documento autónomo”.</font><br>
<br>
<font> 4. Para além disto, mostra-se provado o seguinte:</font><br>
<font>- Em data anterior a 30.01.2001 (diremos que, certamente, muito antes, pois o negócio viria a concretizar-se em 17.01.2001, sendo que 30.01.2001 é a data do contrato de mútuo), o Réu interessou-se por adquirir uma viatura automóvel que se encontrava exposta para venda no stand denominado Multimarcas – Viaturas Novas e Usadas, na Rua Alves da Silva, nº 16, 2900-185 Setúbal.</font><br>
<font>- Para o efeito, dirigiu-se ao stand, tendo negociado a viatura com o Sr. DD, que se intitulou dono do referido estabelecimento comercial.</font><br>
<font> - O Sr. DD intitulou-se proprietário da viatura pretendida pelo Réu.</font><br>
<font> - Na sequência das negociações, o Réu e o referido DD celebraram, em 17.01.2001, o negócio pelo qual aquele adquiriu a este o veículo de marca Mitsubishi, modelo Space Star 1.3 GI-X, de matrícula .........</font><br>
<font> - Como forma de pagamento da viatura adquirida, o Réu entregou ao DD sua viatura Fiat Punto 55.5 X, de matrícula ...., atribuindo-lhe o valor de 950.000$00, ficando em débito a quantia de € 11.971,15, que o Réu pagaria mediante as entregas mensais.</font><br>
<font> - Nessa data, o Réu entregou ao referido DD a viatura marca Punto, com a respectiva declaração de venda, e recebeu a viatura adquirida da marca Mitsubishi, matrícula ......., a qual lhe foi entregue sem documentos, os quais, segundo o vendedor, se encontravam na Conservatória do Registo Automóvel para mudança da sua propriedade para o Réu.</font><br>
<font> - Para que o Réu pudesse circular com a viatura adquirida, o referido DD emitiu uma declaração de circulação, confirmando a venda da mesma.</font><br>
<font> - Posteriormente, e perante as insistências do Réu para que lhe fossem entregues os documentos, o referido DD, dizendo que tinha um banco com quem trabalhava e no qual tinha os financiamentos que queria, propôs ao Réu requerer a concessão de crédito para pagamento da parte restante do preço da viatura adquirida, alegando que com aquele financiamento seria mais breve a entrega de documentação.</font><br>
<font> - Foi o próprio DD que no seu stand elucidou o Réu do montante necessário a pedir ao banco, a forma de pagamento e o montante exacto das prestações de reembolso.</font><br>
<font> - Dado que o negócio lhe convinha e tinha possibilidades económicas para satisfazer as prestações de reembolso do capital, o Réu aceitou o negócio.</font><br>
<font> - Foi no stand do DD que o Réu assinou o contrato de mútuo e o documento de autorização de débito que se encontram junto aos autos e que lhe foram entregues para assinar pelo próprio DD.</font><br>
<br>
<font> - Perante as dúvidas suscitadas pelo Réu, se com aquele financiamento receberia os documentos da viatura, o referido DD tranquilizou-o, dizendo que o capital mutuado era creditado na sua conta e só posteriormente seria ele a pagar à parte o restante do preço contra a entrega dos documentos.</font><br>
<font> - O vendedor DD assegurou ao Réu que não estava a assinar nenhum documento a autorizar o banco a emitir o cheque sobre o valor do capital mutuado a favor do vendedor ou a permitir-lhe o seu levantamento.</font><br>
<font> - Após o Réu ter outorgado o contrato de mútuo junto aos autos, o referido DD encerrou o estabelecimento comercial e desapareceu, deixando de estar contactável.</font><br>
<font> - Entretanto, o Réu veio a saber que a viatura que lhe fora cedida não era propriedade nem do DD nem de quem figura como vendedora no contrato de mútuo.</font><br>
<font> - A referida viatura é propriedade da Mitsubishi, S.A., e tinha sido entregue ao referido DD para que este intermediasse a sua venda.</font><br>
<font> - O Réu não autorizou o Autor que o capital mutuado fosse entregue directamente à pessoa que consta do contrato de mútuo como fornecedora do bem.</font><br>
<font> - O Réu não autorizou o Autor a prestar financiamento à fornecedora do veículo que se reportava o contrato de mútuo.</font><br>
<font> - O Autor é um banco, pelo que se dedica ao exercício de financiamento de aquisições a crédito, tendo sido, aliás, no desempenho de tais exercício e funções que tomou contacto com o Réu.</font><br>
<font> - Quando o comerciante pretende vender determinado equipamento – no caso concreto, um veículo automóvel –, a determinada pessoa que não tem possibilidade de o pagar a pronto, depois de ajustar com ela os termos e condições do negócio, designadamente, o preço e as condições e estado do equipamento, contacta o Autor, propondo-lhe que financie o crédito para a operação, de forma a que o vendedor receba o preço a pronto e o Autor providencie ao financiamento de tal aquisição a crédito.</font><br>
<font> - Para o efeito, o Autor concede empréstimo directo ao comprador do dito equipamento com destino à aquisição por este desse equipamento, a pedido final de ambos – comerciante/vendedor e cliente deste, o comprador.</font><br>
<font>- Após o ajuste do negócio, o fornecedor do veículo automóvel referido no contrato de mútuo junto com a petição como CC, e também em nome do Réu, propôs ao Autor que concedesse empréstimo directo ao dito Réu, com destino à aquisição do veículo automóvel referido.</font><br>
<font> - Foi o fornecedor que enviou ao Autor os elementos de identificação do Réu, bem como comunicou ao Autor o montante do empréstimo directo a conceder ao Réu com destino à aquisição por este do dito veículo automóvel.</font><br>
<font> - O Autor acedeu em conceder ao Réu o dito crédito, no montante de 2.400.000$00, com destino à aquisição por este do dito veículo.</font><br>
<font> - Para formalizar o referido negócio, o Réu veio a subscrever o contrato de mútuo referido nos autos.</font><br>
<font> - O Autor, após ter recebido as informações que lhe foram prestadas pelo dito fornecedor, elaborou, em conformidade com tais elementos de identificação e com as condições em que tinha sido ajustado o negócio, o contrato de mútuo referido nos autos, bem como a declaração de autorização de débito em conta.</font><br>
<font> - Posteriormente a tal elaboração, o Autor enviou ao dito fornecedor o contrato referido nos autos, em dois exemplares, para que os mesmos fossem assinados pelo Réu, bem como enviou a referida autorização de débito em conta, para que a mesma fosse assinada pelo Réu.</font><br>
<font> - Posteriormente à aposição de tais assinaturas, o dito fornecedor remeteu ao Autor os referidos dois exemplares do contrato referido, para que o Autor neles apusesse a assinatura de um seu representante, bem como a referida declaração de autorização de débito em conta, tudo devidamente assinado pelo Réu.</font><br>
<font> - Posteriormente à aposição nos dois exemplares do contrato referido nos autos da assinatura de um representante do Autor, este enviou ao dito fornecedor um exemplar do dito contrato e da autorização de débito em conta, com destino ao Réu.</font><br>
<font> - O Réu não contactou directamente com o Autor e este não entregou ao Réu a quantia emprestada, tendo-a entregue ao fornecedor do veículo, a pedido e solicitação deste ao Réu, com destino à aquisição por este do veículo automóvel.</font><br>
<font> - O Autor entregou directamente ao fornecedor a importância de 2.400.000$00 do crédito concedido ao Réu, a pedido e solicitação do dito fornecedor, com vista a uma maior celeridade na conclusão do negócio e conforme prática seguida em vários contratos que celebra.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 5. Perante toda esta factualidade, não pode aceitar-se – como fizeram a 1ª instância e a Relação (esta com um voto de vencido) – que a cláusula 3ª das “Condições Gerais” é nula.</font><br>
<br>
<font> No rosto do contrato, o Réu reconheceu ter tomado conhecimento do constante das “Condições Gerais”, sendo certo que nunca pôs em causa a validade das mesmas.</font><br>
<br>
<font> Tanto assim que o Réu, sempre que contactado pelo Autor para proceder ao pagamento das prestações em débito relativamente ao contrato dos autos (note-se que o Réu pagou pontualmente as 4 primeiras prestações mensais, nunca pondo em causa a sua obrigação de proceder ao seu pagamento), nunca referiu que o mesmo não teria sido celebrado; pelo contrário, referiu que foi enganado pelo fornecedor e que não podia registar o veículo em seu nome, pelo que não iria proceder ao pagamento de mais prestações.</font><br>
<br>
<font> Sendo assim, e apesar de tudo aquilo que o DD possa ter dito ao Réu no decurso das negociações do contrato de compra e venda do veículo, o contrato de mútuo celebrado entre o Autor e o Réu é perfeitamente válido, tendo produzido todos os seus efeitos legais.</font><br>
<br>
<font> 6. Demonstrando-se que a propriedade do veículo que o Réu negociou não chegou a ser-lhe transmitida, já que a mesma pertencia à Mitsubishi, S.A., e não à fornecedora do mesmo, identificada no contrato de mútuo assinado pelo Réu, e referindo-se ser de ter em conta que o contrato de compra e venda não pode ser dissociado do contrato de mútuo, escreveu-se no acórdão ora recorrido:</font><br>
<font> </font><br>
<font>“O autor (ter-se-á querido escrever réu) negociou uma viatura de uma terceira pessoa, que nunca chegou a conhecer, através de um vendedor que dispôs de um bem que não era seu e que o motivou a contrair um empréstimo.</font><br>
<font> Ora, é demais evidente que tal negócio se encontra inquinado, nunca tendo chegado a ser validada a venda, padecendo de vício que a torna nula, como bem se aludiu na sentença recorrida.</font><br>
<font> O contrato de compra e venda não gerou quaisquer obrigações na esfera jurídica do réu, já que o mesmo se encontra subsumido à previsão do artigo 892º do Código Civil, sendo-lhe legítimo invocar tal nulidade.</font><br>
<font> Com efeito, não existindo um contrato de compra e venda válido e eficaz, o contrato de crédito ao consumo nada financia.</font><br>
<font> O réu nada acabou por comprar e o Banco não lhe entregou a quantia mutuada, mas a outrem, neste caso, ao aludido fornecedor do bem.</font><br>
<font> Coloca-se, por isso, a questão da validade ou não do contrato de mútuo.(...). Ora, como bem se aludiu na sentença em apreciação, não se apuraram factos no sentido de a nulidade do contrato de compra e venda poder ser oponível ao mutuante, já que não se apurou qualquer exclusividade entre o vendedor e aquele.</font><br>
<font> Assim, temos que constatar existir um contrato que se encontra assinado pelo réu, apenas incumbindo analisar quais as consequências do mesmo, perante a ineficácia do outro.</font><br>
<font> Tal implica saber quais as obrigações emergentes para o réu, do contrato de mútuo por si assinado, ou seja, o domínio do seu cumprimento ou não, atento o desfecho para este do contrato de compra e venda (...).</font><br>
<font> Se é certo que o banco concedeu o empréstimo, também não é menos certo que o réu nada beneficiou do mesmo, pois o capital mutuado foi entregue ao fornecedor do veículo.</font><br>
<font> Ao recorrente impunha-se a demonstração de que o réu tinha anuído de modo expresso a que o capital mutuado fosse entregue a um terceiro”.</font><br>
<br>
<font> A seguir, depois de se aludir à cláusula 3ª das Condições Gerais do Contrato, pode aí ler-se:</font><br>
<font> </font><br>
<font>“Mas o réu provou que não autorizou que o capital mutuado fosse entregue directamente à pessoa que consta do contrato de mútuo como fornecedora do bem, nem autorizou a autora a prestar financiamento à fornecedora do veículo a que se reportava o contrato.</font><br>
<font> Além do mais, a cláusula contratual ao abrigo da qual foi entregue a quantia mutuada insere-se na 2ª página do contrato de mútuo e é posterior à consignação das cláusulas especiais e à aposição da assinatura dos contraentes.</font><br>
<font> (...).</font><br>
<font> Na situação em apreço, o autor esqueceu-se que nunca negociou directamente com o réu, tendo apenas beneficiado da sua assinatura no contrato, por intermédio de um terceiro, e que procedeu à entrega do capital também ao dito terceiro.</font><br>
<font> Não se provou a existência de qualquer exclusividade entre o autor e o fornecedor, mas igualmente não se apurou que o réu devesse actuar de outra forma quando analisado o seu comportamento perante a realidade fáctica demonstrada.</font><br>
<font> O réu, logo que tomou conhecimento da situação que o envolveu, nunca reconheceu o banco como seu credor, pois este não lhe entregou qualquer quantia, mas ao fornecedor do veículo, e este, após a outorga do contrato pelo réu, desapareceu, deixou de estar contactável e encerrou o estabelecimento.</font><br>
<font> Assim sucedendo, conclui-se que o autor não procedeu como lhe competia relativamente ao contrato em apreço e, por banda do réu, não se consubstanciou qualquer forma de incumprimento, não lhe sendo de assacar qualquer responsabilidade”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 7. Discordamos do entendimento perfilhado nas instâncias.</font><br>
<br>
<font> O próprio mutuário, sempre que contactado pelo mutuante para proceder ao pagamento das prestações em débito relativamente ao contrato dos autos, referiu que foi enganado pelo fornecedor e que não podia registar o veículo em seu nome, pelo que não iria proceder ao pagamento de mais prestações.</font><br>
<br>
<font> Logo, o ora recorrido nunca pôs em causa a validade do contrato de mútuo por si assinado para aquisição de um veículo, do qual, nas Condições Gerais, consta a cláusula 3ª, segundo a qual “O empréstimo considera-se utilizado com a entrega pelo Banco AA de um cheque emitido à ordem do Mutuário ou do Fornecedor do bem a adquirir pelo Mutuário, no montante do empréstimo fixado nas Condições Específicas”.</font><br>
<br>
<font>Aliás, decorre da factualidade apurada – e como já se disse – que o contrato de compra e venda foi celebrado entre o Réu e o DD em 17.01.2001 e que, como forma de pagamento da viatura adquirida, o Réu entregou, nessa data, ao DD, com a declaração de venda, a sua viatura Fiat Punto, de matrícula ...., à qual foi atribuído um valor de 950.000$00, ficando em débito a quantia de € 11.971,15, </font><u><font>que o Réu pagaria mediante as entregas mensais</font></u><font>, tendo recebido a viatura adquirida, matrícula ..., a qual lhe foi entregue sem documentos, os quais, segundo o vendedor, se encontravam na Conservatória do Registo Automóvel para mudança da sua propriedade para o Réu.</font><br>
<br>
<font>Mais se provou que, para que o Réu pudesse circular com a viatura adquirida, o DD emitiu uma declaração de circulação, confirmando a venda da mesma, e que, posteriormente, e perante as insistências do Réu para que lhe fossem entregues os documentos, o referido DD, dizendo que tinha um banco com quem trabalhava e no qual tinha os financiamentos que queria, propôs ao Réu requerer a concessão de crédito para pagamento da parte restante do preço da viatura adquirida, alegando que com aquele financiamento seria mais breve a entrega de documentação, tendo o próprio DD, no seu stand, elucidado o Réu do montante necessário a pedir ao banco, a forma de pagamento e o montante exacto das prestações de reembolso.</font><br>
<br>
<font> Ainda se mostra demonstrado que, dado que o negócio lhe convinha e tinha possibilidades económicas para satisfazer as prestações de reembolso do capital, </font><u><font>o Réu aceitou o negócio</font></u><font>.</font><br>
<br>
<font> Daqui resulta que estamos perante dois contratos distintos – compra e venda e mútuo –, os quais foram celebrados em momentos diferentes, pelo que não colhe, em nossa opinião, a afirmação do acórdão recorrido de que “o contrato de compra e venda não pode ser dissociado do contrato de mútuo, já que a existência da venda foi condição sine qua non do empréstimo”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O facto de o Réu não ter contactado directamente com o Autor para a concessão do crédito não tem aqui a menor relevância, pois é sabido que, em financiamentos de bens de consumo, como o dos presentes autos, é o fornecedor do bem que procede habitualmente às diligências para a aquisição do crédito, funcionando, portanto, como intermediário no contrato.</font><br>
<br>
<font> Também não releva para a decisão da presente acção a circunstância de resultar dos factos provados que o Réu não autorizou que o capital mutuado fosse entregue directamente à pessoa que consta do contrato de mútuo como fornecedora do bem e que o Réu não autorizou o Autor a prestar financiamento à fornecedora do veículo a que se reportava o contrato de mútuo.</font><br>
<br>
<font> Esta matéria resulta das relações entre o Réu e o representante da fornecedora do veículo – pois, como se disse, não houve qualquer contacto directo entre o Réu e o Autor –, a que este é completamente alheio.</font><br>
<br>
<font> Aliás, ao assinar o contrato, e por força da referida cláusula 3ª das “Condições Gerais” do mesmo – que aqui se considera válida –, o Réu autorizou o Autor a emitir o cheque respeitante ao valor do empréstimo à ordem de quem constava do contrato como fornecedora da viatura.</font><br>
<br>
<font> 8. Posto isto, diremos que, não tendo a fornecedora do veículo (vendedora) chegado a adquirir o bem para venda, estamos perante uma venda de bem alheio.</font><br>
<br>
<font> Segundo o artigo 892º do Código Civil, “É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso”.</font><br>
<br>
<font> A alienação, em nome próprio, do veículo, por parte de quem se intitulou seu proprietário, não pode ter qualquer reflexo no contrato de mútuo celebrado entre os aqui Autor e Réu, pois não se provou a existência de qualquer exclusividade entre o Autor e a pessoa que figura como fornecedora da viatura.</font><br>
<br>
<font> O ora recorrido foi – como o próprio reconhece – enganado por quem, em nome da “CC, RUA ALVES DA SILVA, Nº ..., 2900 SETÚBAL” (identificada no contrato de mútuo como fornecedora do veículo) com ele contactou no stand onde se encontrava tal viatura que o Réu pretendeu adquirir e onde este entregou o seu Fiat Punto, sendo que tal pessoa viria a encerrar o estabelecimento comercial e a desaparecer, deixando de estar contactável.</font><br>
<br>
<font> A tudo isto é completamente alheio o Autor, o qual não pode ser penalizado por uma situação que pode, além do mais, indiciar a prática de um ilícito de natureza penal de que terá sido vítima o aqui Réu.</font><br>
<br>
<font> Será perante a proprietária do stand – CC – e o DD que o Réu deverá providenciar pelo ressarcimento de todos os prejuízos que sofreu e vai sofrer.</font><br>
<br>
<font> Estamos, assim, perante um contrato de mútuo válido, o qual deveria ter sido pontualmente cumprido pelo ora recorrido (cfr. artigos 1142º e 405º, nº 1, do Código Civil).</font><br>
<br>
<font> 9. Decorre, pois, do exposto que colhem as conclusões do recorrente, pelo que o acórdão recorrido – que confirmou a sentença da 1ª instância – não poderá manter-se.</font><br>
<br>
<font> IV – Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, decide-se julgar a acção procedente, por provada, condenando-se o Réu no pedido.</font><br>
<br>
<font> Custas, aqui e nas instâncias, a cargo do ora recorrido.</font><br>
<br>
<br>
<font> Lisboa, 31 de Outubro de 2006</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Moreira Camilo (Relator)</font></b><br>
<b><font>Urbano Dias</font></b><br>
<b><font>Paulo Sá</font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mjLTu4YBgYBz1XKvNUSe | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"AA", que residia na Local-A do Local-B - Santa Marinha - na Comarca de Vila Nova de Gaia, hoje substituído, na sequência de incidente de habilitação de herdeiros, por BB, CC e DD, intentou acção, com processo ordinário, contra EE e sua mulher Dr.ª FF, residentes no Porto.</font><br>
<br>
<font>Pediu a resolução do contrato de arrendamento comercial do prédio de rés do chão e dois pisos, com a área coberta de 187 m2, situado no Local-D, na Freguesia de Santa Marinha do Município de Vila Nova de Gaia, formalizado por escritura publica entre o Autor e o Réu marido.</font><br>
<br>
<font>Mais pediu a condenação dos Réus a despejarem o locado e no pagamento das rendas vencidas, no montante de 3337639$00 e as vincendas até à entrega, acrescidas de juros. Alegou que o demandado deixou de pagar as rendas que se venceram a partir de Setembro de 1998 e que a responsabilidade de pagamento é também da Ré, por se tratar de divida comercial, contraída na pendência do casamento.</font><br>
<br>
<font>Contestou o Réu excepcionando a sua ilegitimidade por o contrato ter sido denunciado, com entrega das chaves ao Autor em Abril de 1997, estando o prédio a ser ocupado por uma sociedade.</font><br>
<br>
<font>A 1ª instância julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido.</font><br>
<br>
<font>Os Autores apelaram para a Relação do Porto que confirmou o julgado.</font><br>
<br>
<font>Inconformados pedem revista, assim concluindo:</font><br>
<br>
<font>- Os Réus deixaram de pagar as rendas do locado, desde Outubro de 1998;</font><br>
<br>
<font>- Não se provou que tivessem ficado impedidos da fruição do prédio e que os Autores tenham a plena posse do locado;</font><br>
<br>
<font>- A denúncia só podia ser feita por comunicação escrita, o que não aconteceu (artigos 52º e seguintes do RAU);</font><br>
<br>
<font>- A prova do facto extintivo cabia aos Réus;</font><br>
<br>
<font>- Na dúvida deve decidir - contra quem o facto aproveita (artigo 516º do CPC);</font><br>
<br>
<font>-Apenas se provou a entrega das chaves mas não que o senhorio não tivesse proporcionado o gozo da coisa;</font><br>
<br>
<font>- Apenas seria de contemplar a hipótese de revogação unilateral, que é ilegal;</font><br>
<br>
<font>- Foram violados os artigos 9º, nºs 1 e 2, 342, nºs 1 e 2, 406º nº1 do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Contra alegou o Réu pedindo a improcedência do recurso.</font><br>
<br>
<font>Está definitivamente assente a seguinte </font><font>matéria de facto:</font><br>
<br>
<font>- Por escritura pública outorgada em 27 de Junho de 1991, o Autor deu de arrendamento ao Réu - marido, o prédio acima identificado;</font><br>
<br>
<font>- Pela renda mensal de 100000$00, a vencer se no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, a pagar no domicílio dos senhorios ou do seu representante;</font><br>
<br>
<font>- O Réu - marido dedica - se ao comercio e armazenamento de produtos químicos;</font><br>
<br>
<font>- Celebrou o contrato para o exercício dessa actividade;</font><br>
<br>
<font>- A sociedade de que é sócio - "Empresa-A" - utilizou o prédio, para o exercício da sua actividade entre 1995 e 1996,</font><br>
<br>
<font>- Em Abril de 1997, o Réu fez a entrega das chaves do prédio ao Autor.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1 - Subsistência do arrendamento.</font><br>
<font>2 - Matéria de facto.</font><br>
<font>3 - Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1 - Subsistência do arrendamento</font><br>
<br>
<font>A única questão suscitada é a da subsistência, ou não, do contrato de arrendamento.</font><br>
<br>
<font>A 1ª instância julgou no sentido de ter havido revogação real unilateral pelo Réu, enquanto a Relação decidiu pela vigência do contrato, embora sem que o inquilino pudesse fruir o locado.</font><br>
<br>
<font>Vejamos.</font><br>
<br>
<font>O contrato de arrendamento foi celebrado em 27 de Junho de 1991.</font><br>
<font>Ao tempo, a celebração de contratos de arrendamento de duração limitada só era admitida para os arrendamentos habitacionais (artigo 98º do Regime de Arrendamento Urbano, na redacção do Decreto - lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro).</font><br>
<br>
<font>A celebração destes contratos só passou a ser admitida para os outros tipos de arrendamento urbano com as alterações ao RAU introduzidas pelo Decreto - lei nº 257/95, de 30 de Setembro, ao artigo 117º.</font><br>
<br>
<font>Trata se de um preceito novo, sem eficácia retroactiva e, por conseguinte, inaplicável aos arrendamentos de pretérito.</font><br>
<br>
<font>O RAU só permite a revogação unilateral para os contratos de duração limitada - nº 4 do artigo 100º - mediante comunicação ao senhorio, formulada por escrito e com antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que deve operar o seu efeito, ou seja, exige uma inequívoca declaração de vontade.</font><br>
<br>
<font>Os artigos 50º e 62º nº 1 do RAU (de 1990) prevêem a cessação do arrendamento por acordo das partes (mútuo dissenso, revogação bilateral ou distrate).</font><br>
<br>
<font>Trata - se, para usar a terminologia do Acórdão do STJ de 4 de Dezembro de 1997 - 98B304 - de "um contrato consensual mediante o qual as partes revogam um contrato anterior, com ou sem eficácia retroactiva, consoante o que as partes estipulem." (cf. ainda o Prof. Vaz Serra, in RLJ 112º - 30).</font><br>
<br>
<font>Também a revogação bilateral só teve consagração legal com o RAU.</font><br>
<br>
<font>Anteriormente era vagamente referido o "contrato de revogação", sem que, contudo, a sua disciplina no arrendamento fosse pacífica (Cons. Pinto Furtado, in "Manual do Arrendamento Urbano, 3ª ed, 738).</font><br>
<br>
<font>O artigo 62º da lei vigente veio regular o instituto, pondo termo à " vexata quaestia" relativa à forma.</font><br>
<br>
<font>Sabido é que, em regra, o distrate é meramente consensual (artigo 219º do Código Civil) podendo, inclusivamente, inferir - se da conduta dos contraentes, ou seja de factos que, com toda a probabilidade, o revelem (artigo 217º).</font><br>
<br>
<font>O Prof. Vaz Serra (ob. cit. 32) já entendia que a exigência de forma do mútuo dissenso só seria aplicável nos contratos formais se as razoes de exigência de forma também lhe fossem aplicáveis; tratando se de contrato não sujeito legalmente a documento, o distrate só seria formal se a lei lhe impusesse o escrito. Tal resultaria da disciplina dos artigos 221º nº 2 e 222º nº 1 da lei civil. Então, o Dr. Henrique Mesquita (RLJ 125º -102 e 103) defendia a mera consensualidade da revogação bilateral mesmo nos casos de contratos formais e o Cons. Pinto Furtado ("Curso de Arrendamentos Vinculisticos"392) sustentava que só podia ser verbal o distrate de contratos para cuja celebração se não exigia forma especial.</font><br>
<br>
<font>A lei em vigor impõe a forma escrita sempre que o acordo " não seja imediatamente executado ou sempre que contenha clausulas compensatórias ou quaisquer outras clausulas acessórias".</font><br>
<br>
<font>Se o acordo não contem quaisquer cláusulas e é cumprido de imediato - revogação real - não tem de ser observada a forma escrita. Isto é, para que o escrito seja desnecessário é essencial que o locatário entregue - ou abandone - imediatamente o locado.</font><br>
<br>
<font>Há, então, um acordo das partes em porem termo ao contrato seguindo - se logo a desocupação material do prédio. (cf. Cons. Aragão Seia - "Arrendamento Urbano", 7ª ed, 403; Cons. Pais de Sousa - "Extinção do Arrendamento Urbano", 65-70 e, a propósito, o Acórdão do STJ de 29 de Abril de 1992, com anotação concordante do Dr. Henrique Mesquita, RLJ, 125, 86 e ss).</font><br>
<br>
<font>2 - Matéria de facto</font><br>
<br>
<font>2.1 - "In casu", resulta da factualidade assente que em Abril de 1997 o Réu entregou ao Autor as chaves do prédio.</font><br>
<br>
<font>Já vimos que tal acto não teria relevo como revogação unilateral, por não se tratar de contrato de duração limitada, ao tempo não legalmente admissível, para os arrendamentos comerciais anteriores à entrada em vigor do Decreto - lei nº 257/95.</font><br>
<br>
<font>Mas poderá considerar - se distrate, na modalidade de revogação real.</font><br>
<br>
<font>A revogação real assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário, a que acresce a execução imediata, com dispensa de escrito, mesmo que o contrato exija essa forma. (Ac. STJ de 13 de Março de 1997 - 97A 858).</font><br>
<br>
<font>Incumbe ao Réu o "ónus probandi" por ter alegado essa forma de extinção que terá de resultar de factos concludentes.</font><br>
<br>
<font>O facto tal como resulta provado - simples entrega das chaves - só poderia, eventualmente, conduzir a uma conclusão de existência de consenso pela via da presunção judicial. O "id quod plerumque accidit" resultante da experiência comum.</font><br>
<br>
<font>É a prova "prima facie", baseada "no simples raciocínio de quem julga" e "nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana." (in "Código Civil Anotado" I, 310, 4ª ed.).</font><br>
<br>
<font>O uso destas presunções simples é geralmente admitido como conclusões logicamente necessárias por já compreendidas nas premissas em termos de normalidade de vida, do conhecimento geral e do senso comum. (cf. ainda o Prof. Manuel Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", 191).</font><br>
<br>
<font>Ora, na repartição do ónus da prova, nos termos do artigo 342º do Código Civil, há que apelar para o critério da normalidade. ("Aquele que invoca um determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contraria terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos." - apud Prof. P. Lima e A. Varela, ob.cit. I, 304 e Cons. Mário de Brito in "Código Civil Anotado" I 453;cf. ainda o Prof. Vaz Serra, "Provas", BMJ, 112-29).</font><br>
<br>
<font>Acontece, porem, que este Supremo Tribunal não pode extrair aquele tipo de ilações por se tratar de pura matéria de facto e, em consequência, da exclusiva competência das instâncias (vide, neste sentido, os Acórdãos do STJ de 7 de Dezembro de 2005 - 05B3853; de 6 de Janeiro de 2006 - 05 A3517; de 26 de Janeiro de 2006 - 05B4252 - entre muitos outros) - artigo 26º da LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro), 729º nº 2 e 722 nº 2 do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>2.2 - Para alem daquele facto, o Réu alegou, ainda, na sua contestação que procedeu à entrega das chaves por já não necessitar do locado (artigo 11º) e que, desde a data da entrega das chaves, o Autor vem tendo plena posse do prédio, sendo que o Réu jamais lá se deslocou ou o utilizou, por si ou por interposta pessoa (artigo 12º).</font><br>
<br>
<font>Estes factos que relevam para a decisão da causa, nos termos descritos, não foram seleccionados para a base instrutória.</font><br>
<br>
<font>E a respectiva ampliação importa para constituir base suficiente para poder aferir - se da existência da revogação real bilateral.</font><br>
<br>
<font>É, em consequência, caso de utilização do nº 3 do artigo 729 do CPC.</font><br>
<br>
<font>3 - Conclusões</font><br>
<br>
<font>É de concluir que:</font><br>
<br>
<font>a) A possibilidade de celebração de contratos de arrendamento de duração limitada para fins não habitacionais só foi introduzida na RAU pelo Decreto - lei nº 257/95. A nova redacção do artigo 117º é inaplicável aos arrendamentos de pretérito.</font><br>
<font>b) A revogação unilateral dos contratos de arrendamento só é permitida quando o contrato é de duração limitada.</font><br>
<font>c) A revogação bilateral (mútuo dissenso, acordo revogatório ou distrate) é um negócio consensual e deve ser reduzido a escrito se não for executado de imediato ou contiver qualquer outra cláusula, compensatória ou não.</font><br>
<font>d) Se o acordo é seguido de entrega imediata - ou abandono - do locado pelo arrendatário e nada mais é clausulado, o distrate é nominado de revogação real.</font><br>
<font>e) Da simples entrega das chaves do locatário ao senhorio só poderia concluir se pelo acordo revogatório por apelo ás regras de experiência comum, aos juízos correntes de probabilidade, em termos de normalidade de vida e do senso comum.</font><br>
<font>f) Tal implicaria o lançar mão de presunção judicial, que, sendo uma ilação de facto, é da exclusiva competência das instâncias e está fora dos poderes de cognição do STJ em sede de recurso de revista.</font><br>
<font>g) Tendo sido alegados outros factos relevantes para alcançar aquela convicção e não seleccionados para base instrutória, justifica se o uso da faculdade do nº 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Destarte, </font><font>acordam reenviar os autos ao Tribunal recorrido, </font><font>para ampliação da matéria de facto nos termos referidos.</font><br>
<br>
<font>Custas pela parte vencida a final.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 9 de Maio de 2006</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jjK-u4YBgYBz1XKv_DsB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<font>AA (herdeira universal de BB) e CC bem como </font><font>DD ( estas, filhas consaguíneas de EE, por sua vez, filho da BB) intentaram ao abrigo do disposto no art. 77.º/1 da Lei n.º 168/99, de 19/09 (Código de Expropriações/99) </font><b><i><u><font>contra</font></u></i></b><font>o FFe GG, SA (1)assim como </font><b><i><u><font>contra</font></u></i></b><font>o </font><b><font>Estado Português</font></b><font>, uma acção especial de adjudicação de imóvel cuja autorização de reversão foi autorizada, onde pedem, entre outras coisas, que lhes seja adjudicado o prédio rústico sito na freguesia de Sines, constituído por uma parcela de terreno com a área de 4,2417 hectares, denominado “Cerca da Figueira”, que fazia parte de um prédio com a área de 9,050 hectares e que fora expropriado à sua antecessora BB, área aquela que dizem ser actualmente correspondente ao art. 34.º da sec. M, da CRP de Sines.</font><br>
<font> Subsidiariamente, formulam o pedido de adjudicação do prédio do art. 39.º da secção M.</font><br>
<font>Para o efeito alegaram, em síntese, que:</font><br>
<font>- Haviam requerido ao Senhor Ministro do Planeamento e Administração do Território a declaração de reversão do prédio expropriado à BB pelo GAS (Gabinete da Área de Sines), ou seja, o prédio denominado “Cerca da Figueira” com a área de 9.050 hectares, requerimento esse que no entanto lhes foi tacitamente indeferido. </font><br>
<font>- Desse indeferimento tácito as ora requerentes e a viúva do EE (de nome Georgina) interpuseram recurso de anulação junto do STA.</font><br>
<font>- Esse Tribunal veio a dar parcial provimento ao recurso, indicando na parte decisória que as recorrentes têm o direito de reversão que invocam no que toca à parte do prédio “Cerca das Figueiras”, agora inscrito sob parte do art. 39.º da secção M da freguesia de Sines, com a área de 4, 2417 hectares, que fazia parte do terreno expropriado (à BB) e se encontrava entretanto afecto à DGF (Direcção Geral de Florestas).</font><br>
<font>- O Senhor Secretário de Estado Adjunto lavrou despacho onde, referiu que, “em cumprimento do Ac. de 25 de Junho de 2002, proferido pelo STA no processo 37651”, determinava a reversão parcial do anterior prédio expropriado a favor das ora Requerentes e de HH, identificando-o como fazendo parte do prédio “Cerca da Figueira” agora descrito sob o art. 39.º da secção M (uma vez que o art. 11.º da secção M foi eliminado) da freguesia de Sines, com a área de 4,2417 hectares, identificando-o nos mesmos termos indicados pelo STA.</font><br>
<font>- O Perito da lista oficial ao intervir para efectuar o Relatório com a estimativa das depreciações que o prédio a reverter apresenta no seu estado actual, veio a constatar que o prédio expropriado à BB não é o que actualmente se encontra na matriz sob o art. 39.º, mas sim sob o actual art. 34.º, tirando tal conclusão através do confronto das estremas, composição dos solos e parcelamento cultural entre o prédio expropriado e o actualmente inscrito sob o art. 39.º da secção M e do cotejo com tais elementos em relação ao prédio a que respeita o actual art. 34.º, tomando como base os relatórios de avaliação da arbitragem, os laudos periciais elaborados pelos peritos judiciais e o auto de vistoria que constam do processo de expropriação.</font><br>
<font>- O prédio a que corresponde a actual descrição do art. 34.º vem identificado na CRP de Sines como “ Cerca das Figueiras”, com a área de 9,050 hectares e corresponde à soma das duas parcelas com as áreas de 4,2417 hectares e 4,8083, a que se refere o Ac. do STA, enquanto que a do prédio descrito actualmente sob o art. 39.º cuja área é de 7,2500 respeita ao prédio Brejo da Fontinha, e que fora adquirido pelo GAS por acordo amigável com II, sua anterior dona, e vem identificado na CRP como Brejo da Fontinha ou Mal Pensada . </font><br>
<font>- Iriam pedir a rectificação ao STA daquilo que consideravam um erro de escrita, por forma a que nele se viesse a dizer que a parte do prédio objecto de reversão não era a indicada no art. 39.º, mas sim no art. 34.º</font><br>
<font>- O STA, no entanto, indeferiu-lhes a pretensão, não alterando a identificação do artigo matricial do prédio reverter.</font><br>
<font>- Impunha-se no entanto alterar a referência ao art. 39.º, na fase de adjudicação, por existir completa incompatibilidade física com a descrição do prédio objecto de reversão, e ser também contrária ao que dos documentos oficiais consta, designadamente o registo predial e as presunções que este estabelece.</font><br>
<font>.As AA. juntaram diversa documentação e fizeram alusão a relatório de Perito constante da lista oficial onde pretendem demonstrar a existência de erro grosseiro na correspondência do indicado artigo 39.º com a identidade física do prédio a reverter.</font><br>
<br>
<font>Ouvidas a sociedade PGS- Promoção e Gestão de Areas Industriais e de Serviços, SA, assim como o IAPMEI, (ainda antes de vierem a ser declaradas partes ilegítimas) vieram tais entidades a opor-se à adjudicação , invocando como excepção a “ausência de título para a adjudicação”, uma vez que se verificava a total coincidência dos elementos identificativos do prédio na declaração de reversão com a do pedido de adjudicação, sublinhando que no caso dos autos, não fora reconhecida às AA., pelo STA, o direito de reversão sobre o prédio descrito no art. 34.º da secção M (mas sim sobre o 39.º), e que a adjudicação também deveria ser recusada face ao art. 39.º, pois são as próprias requerentes a referir nunca tal prédio lhes ter pertencido ou à já referida BB.</font><br>
<font>A primeira instância decidiu não ter competência jurisdicional para o desiderato das Requerentes, sustentando que o despacho de adjudicação tem que se conformar com o despacho de reversão, e, para esse efeito, não tem ele competência para proceder à alteração do artigo matricial referido no título de reversão (fls. 132 a 137). </font><br>
<font>Em despacho posterior.(fls. 189 a 195), julgou extinta a instância por impossibilidade da lide.</font><br>
<font>As AA. recorreram para a Relação, mas esta negou-lhes provimento.</font><br>
<font>As AA. insistiram com pedido de aclarações e arguiram nulidades, mas a Relação entendeu que não havia fundamento para tal, sustentando que tudo estava claro no Acórdão recorrido e não havia qualquer nulidade a suprir.</font><br>
<font>As AA. agravaram de novo, sendo o recurso aceite por este Tribunal uma vez que o despacho de extinção da instância, a transitar, poria fim ao processo. </font><br>
<font>Nas alegações que as AA. apresentaram foram formuladas as conclusões seguintes: </font><br>
<i><font>“1) No presente processo não se discute o direito de reversão – ele entrou já na titularidade dos requerentes (Discute-se, tão só, os montantes da indemnização e da estimativa apresentada (cfr. Art. 78.º-/1 do CE) relativamente ao prédio expropriado, pois só esse pode ser objecto de reversão; fls. 135, linhas 13 a 15.</font></i><br>
<i><font>2) No caso dos autos foi expropriante o Gabinete do Planeamento de Desenvolvimento da Área de Sines – ver fls 136, linhas 11 e 12;</font></i><br>
<i><font>3) A certidão junta aos autos a fls. 14 a 22 reporta-se ao prédio inscrito sob o n.º 304 da CRP de Sines, que, em 81.07.03, passou a estar inscrito na matriz de Sines sob o art. 34.º da Sec. M, com a área de 9,0500 há, conforme averbamento dele constante;</font></i><br>
<i><font>4) Portanto, só o prédio expropriado no processso movido pelo GAS a BB, por esse Tribunal, com o n.º 88/80 – 1.ª Sec. poderia ter sido objecto de reversão; </font></i><br>
<i><font>5) Na área do prédio do art. 39.º da Secção M (7,2500 ha, no máximo - ver fls. 12 e 13) não cabem as duas parcelas com as áreas de 4,8083 e 4,2417, em que o Ac. do STA de 25.06.02 "dividiu" o prédio objecto do pedido de reversão - o denominado “Cerca das Figueiras”, expropriado pelo GAS a BB no Proc, 88/80 – 1.ª, com a área total de 9,0500 ha concedendo a reversão sobre a última parcela e recusando-a quanto àquela primeira, sendo que em tal impossível e descabida "divisão" - contra as leis da matéria, da Física e do Direito-, insistiu, incompreensível e infundamentadamente, o acórdão do STA de 11.03.03. Ver fls. 59 e 60. </font></i><br>
<i><font>6) A presunção estabelecida pelo art. 7.º do Cód. do Reg. Predial não pode ser ilidida pelo Tribunal, oficiosamente, nem por simples requerimento de qualquer interessado. </font></i><br>
<i><font>7) Com efeito, os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados, sem que simultaneamente seja pedido o seu cancelamento (artigo do C. Reg. Predial). </font></i><br>
<i><font>8) A certidão predial de fls. 16 prova que o prédio do art° 304°, a fls, 5 do Liv. B-2, que estava inscrito sob parte do art° 11 da Sec, M, passou à matriz cadastral sob o art° 34 da Sec, M, em 03.07.1981.</font></i><br>
<i><font>9) Como impõe o art.7.º do Cód. Reg. Predial, este registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao seu titular. </font></i><br>
<i><font>10) O prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 39-M não foi expropriado, mas sim adquirido, por compra pelo GAS, à sua proprietária JJ, por escritura outorgada em 26.10.98, no 6° Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 26 e segs. do Liv. E-55, pelo que não foi - nem podia ser -, objecto do processo de expropriação e muito menos do que o GAS moveu contra a BB (o que, repete-se, correu pelo Tribunal recorrido com o n.º 88/80 – 1.ª Sec. e no qual foi proferida sentença em 22/01/81, que se encontra certificada a fls. 127 v. a 130 v., nos autos do apenso n.º 88/80-1.ª Secção, desse Tribunal - pelo que, necessariamente, não é susceptível de reversão, por imposição legal. </font></i><br>
<i><font>11) Acresce que o prédio do art.º 39 da Sec. M está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 309, a fls. 8 do Liv. 13-2, e nunca foi expropriaoo nem foi propriedade de BB, como decorre do alegado na antecedente al. b). </font></i><br>
<i><font>12) Ora é precisamente o prédio descrito sob o n.º 304 a fls. 5 do Liv. B-2, na Conservatória do Registo Predial de Sines, que os Acs. do STA de 25.06.2002 - doc, ora junto sob o n.º 2 -, e de 11.03.2003 (fls. 59) consideram parcialmente revertido para as requerentes, sendo em cumprimento daquele acórdão de 25.06.02 que o despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Ordenamento do Território, proferido em 27.07.2002, ordenou a entrega às requeridas do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 304, denominado "Cerca das Figueiras" e com a área de 9,0500 ha. </font></i><br>
<i><font>13) - Assim, o acórdão agravado omitiu pronunciar-se sobre as questões relevantes para a correcta identificação do prédio objecto da reversão, e não apreciou nem interpretou correctamente a prova documental abundante nos autos e da qual resulta rigorosamente identificado o prédio objecto da reversão, isto é, o prédio que foi expropriado a BB, pelo GAS, no processo n" 88/80 – 1.ª Secção, apenso aos presentes autos. </font></i><br>
<i><font>14) As ora requerentes em 04.02.1994 dirigiram ao Senhor Ministro do Planeamento e da Administração do Território" um requerimento "no qual pedia a reversão do prédio rústico denominado Cerca das Figueiras, sito na freguesia e concelho de Sines, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n" ... e inscrito na matriz cadastral rústica sob parte do art" 11 da Sec. M" - F1s. 1 do texto do acórdão; </font></i><br>
<i><font>15) Em 26.05.80 fo(ra) lavrado auto de investidura pelo qual o Director dos Serviços Adjuntos do GAS foi investido na posse e propriedade do prédio rústico denominado Cerca das Figueiras, com a área de 9,0500 ha, sito na freguesia e concelho de Sines, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o n° 304, a fls. Sv" do Livro 6-2 e inscrito na matriz predial rústica sob parte do art.º 11 da Sec.M", em cumprimento do despacho proferido. </font></i><br>
<i><font>16) Não é verdade que a parte do terreno denominado Cerca das Figueiras esteja inscrita na matriz sob o art. 39.º da Sec. M, uma vez que esse é o n.º da inscrição do prédio Brejo da Fontínha, como provam de forma irrefutável as certidões identificadas no n.º 19 al. c); </font></i><br>
<i><font>17) O prédio denominado “Cerca das Figueiras” de que foi pedida a reversão "só em parte concedida" tem a área de 9,0500 ha - o que está perfeitamente de acordo com a área do terreno expropriado a BB, como consta da sentença proferida a fls. 127 v a 130 v dos autos do apenso da expropriação, em 22.01.81". </font></i><br>
<i><font>18) Na sentença proferida em 22.01.81, a fls. 127 v e segs. do apenso, o imóvel expropriado é identificado pela descrição predial n.º 304, a fls. 5.º do Liv B-2 e inscrito na matriz sob parte do art. 11 da Sec. M. </font></i><br>
<i><font>19) Só por lapso - ou por confusão -, pode entender-se a referência à inscrição matricial sob o art. 39.º da Sec. M do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n" 304 a fls. 5 v do Livro B-2, uma vez que, como prova a certidão de fls. 181 emitida pelo Registo Predial de Sines, o prédio inscrito na matriz sob o art. 39 da Sec. M está descrito sob o n.º 309 a fls. 8 do Liv. B-2. </font></i><br>
<i><font>20) Finalmente, é a própria Lei - art.º 79" do Cód. do Registo Predial – DL n.º 533/99, de 11.12 -, que define e impõe o meio idóneo e legal de identificação dos prédios ao considerar no seu n.º 1 que: "a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios". </font></i><br>
<i><font>21) - Resulta assim inexorável a conclusão de que o imóvel objecto da reversão está correcta e eficazmente identificado na decisão exequenda, como sendo o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Sines, sob o n° ..., a fls. 5 do livro B-2 e que à data da expropriação estava inscrito na matriz sob parte do art.º 11 da secção M a que corresponde actualmente o art.º 34 da Sec. M. Ver certidão de fls. 16. </font></i><br>
<i><font>22) Qualquer omissão, erro ou deficiência na identificação da inscrição matricial, é de todo irrelevante para por em dúvida - e muito menos neutralizar - a identificação constante da descrição predial; </font></i><br>
<i><font>23) De tudo quanto vem exposto resulta que a óbvia, manifesta e insanável contradição existente na identificação matricial no prédio objecto da reversão e da respectiva área, por parte dos acórdãos de 25.06.2002 e 11.03.2003, em nada afecta a identificação do mesmo prédio a qual é feita pela respectiva descrição predial, nos termos impostos pelo art. 79.º n.s 1 e 2 do Cod. Reg. Predial; </font></i><br>
<i><font>24) O terreno objecto do pedido de reversão está assim, correctamente identificado nos autos (salvo no que respeita à confusão existente quanto à inscrição matricial) -, pelo que o douto acórdão agravado devia como tal ter considerado o prédio rústico sito na freguesia e concelho de Sines, inscrito na matriz sob o art° 34 da Sec. M, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., a fls. 5 verso do Liv, 8-2 e que foi expropriado pelo GAS a BB através do processo de expropriação urgente n.º 88/80-1.ª secção do Tribunal recorrido, encontrando-se à data da expropriação inscrito na matriz sob arte do art. 11.º da secção M.</font></i><br>
<i><font>25) Ao decidir da forma que consta do respectivo teor, o douto Acórdão agravado, de 2006.11.30 violou as normas sancionadas pelos arts. </font></i><br>
<i><font>- 8.º/1 e 2 e 79.º do CRP; </font></i><br>
<i><font>- 659.º, 660.º/2, 265.º/3, 266.º/1 e 2, 156.º/1, 666.º/2 e 3, 668.º/1b),c) e d), 158.º, 264.º/2 e 3, do CPC;</font></i><br>
<i><font>- 202.º/1 e 2; 205.º e 20.º/1,4 e 5 da CRP;</font></i><br>
<i><font>- 78.º/2 da Lei n.º 168/99, de 18/09.</font></i><br>
<i><font>Deve, pois, ser proferido (…) Acórdão que declare nulo o douto Acórdão agravado, não deixando porém de conhecer do objecto do agravo (art.º 715.º, 716.º, 749.º e 755.º do CPC), com os legais efeitos.</font></i><br>
<i><font>Assim se julgará com legalidade e Justiça!”</font></i><br>
<font> O M.º Público contra-alegou, pugnando pela negação do agravo.</font><br>
<font> </font><b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br>
<font>Da leitura das conclusões apresentadas vemos que tudo se resume a determinar a solução para as questões seguintes:</font><br>
<br>
<font>- Omissão de pronúncia a respeito dos elementos identificativos do prédio</font><br>
<font>- Poderes do Tribunal adjudicante face ao título que autoriza a reversão</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>III-A) Os factos</font></b><br>
<font>Com interesse para a apreciação do recurso, os factos a ter em consideração são os já constantes do Relatório.</font><br>
<b><font>III-B) O Direito</font></b><br>
<b><font>III-B)-a) Da nulidade por omissão de pronúncia a respeito dos elementos identificativos do prédio</font></b><br>
<font>Entendem as Agravantes que o Acórdão incorreu em nulidade por não se haver pronunciado sobre esta questão.</font><br>
<font>Vejamos:</font><br>
<font>O que em primeiro lugar constatamos quando lemos o Acórdão recorrido é que a questão determinante que levou a que fosse julgada extinta a instância, foi o facto de se ter entendido que no despacho de adjudicação teria o Juiz de se conformar inteiramente com o despacho que autorizava a reversão, sustentando-se, por outro lado, que o problema da identificação do prédio objecto de reversão já havia sido colocada ao STA, e este reafirmara que o prédio em causa (objecto de reversão) era o indicado sob a denominação “Cerca das Figueiras”, com a área de 4, 2417 hectares, sob parte do art. 39.º da secção M da freguesia de Sines, (e não sob o art. 34.º) , mais se indicando que não era da sua competência fazer a correcção da correspondência matricial pedida, cabendo essa eventual correcção à entidade administrativamente competente para a decretar, sendo neste caso, o Senhor Secretário de Estado do Planeamento e Ordenamento do Território. </font><br>
<font>Com esta decisão, o que o Acórdão recorrido fez foi suscitar como questão prévia matéria integrável no pressuposto processual da sua incompetência material, in casu, o poder para alterar/rectificar eventual desconformidade ou lapsos materiais já objecto de decisões de outro Tribunal (STA) e mantida no despacho Ministerial que, “em cumprimento daquele”, veio a declarar a reversão de parte do bem, anteriormente expropriado. </font><br>
<font>Ao decidir pela sua incompetência material a respeito da questão em crise, o Tribunal recorrido tornou automaticamente ininvocável a apreciação da questão como fonte de nulidade, dada a relação de prejudicialidade nesse seu raciocínio.</font><br>
<font>Não chegou, por isso, o Acórdão a cometer a alegada nulidade.</font><br>
<br>
<b><font>III-B)-b) Dos poderes do Tribunal adjudicante</font></b><br>
<br>
<font>Há que ver, no entanto, se a decisão de julgar desde já extinta a instância será de manter:</font><br>
<br>
<font>Convém ter presente, em primeiro lugar, que na vigência do CE/91 (em vigor à data dos factos, e por isso aqui aplicável), a competência para a adjudicação de entrega de prédio anteriormente expropriado e cuja reversão fosse autorizada nos termos 70.º a 72.º do mencionado Código, competia ao Tribunal de Comarca da respectiva situação – cfr. art. 73.º -1 desse diploma</font><font> (2).</font><br>
<font>Por esse artigo se colhe que o pedido de adjudicação deveria vir acompanhado de diversos documentos, designadamente, da comunicação da autorização da reversão, da certidão passada pela Conservatória Registo Predial contendo a descrição e todas as inscrições em vigor (…), da certidão matricial (…), da indicação da indemnização (…), e, em certos casos, de um relatório pericial …</font><br>
<font>Com a junção de tais documentos visavam-se obter essencialmente dois objectivos:</font><br>
<font>a) em primeiro lugar, que o prédio a adjudicar correspondesse efectivamente ao prédio cuja reversão fora autorizada;</font><br>
<font>b) em segundo lugar, que pela análise e confronto de todos os elementos, ficasse assegurada a fidedignidade identificativa do prédio objecto do despacho de autorização de reversão (acto administrativo) com o do despacho de adjudicação (acto judicial), para depois se virem a proceder as alterações subsequentes junto dos organismos competentes (designadamente, a nível de cadastro registal e fiscal) quer quanto à nova identificação e titularidade do prédio, quer quanto à alteração do seu valor patrimonial. </font><br>
<font>Aqui chegados, pergunta-se:</font><br>
<font>Poderá uma simples divergência na identificação do artigo matricial (mas não na identificação física do prédio) servir de fundamento para considerar inexequível a adjudicação do prédio cuja reversão, em todos os demais elementos identificativos se vier a constatar que ter sido autorizada?</font><br>
<font>Salvo o devido respeito, entendemos que não:</font><br>
<font>Por um lado, o que verdadeiramente se impõe é que se </font><u><font>continue a respeitar escrupulosamente a identificação do prédio nos seus elementos essenciais</font></u><font>, não devendo ser obstáculo a que se possa vir a corrigir ou a alterar o artigo matricial indicado no despacho de autorização de reversão, se se vier a constatar que a única não coincidência é essa.</font><br>
<font>Na verdade, na identificação de um prédio a reverter, o que tem efectivamente valor determinante, isto é, o que constitui os seus elementos essenciais, é a sua realidade e compatibilidade física, dada pela situação, área e confrontações. É necessário que o prédio a reverter seja fisicamente sobreponível ou se encaixe (em caso de reversão parcial) com a situação espacial e identificativa traçada no processo de expropriação, e não necessariamente com um artigo matricial.</font><br>
<font>Por certo que a natureza, ligação ao tipo de culturas (exploração económica), denominação e sucessão de titularidade documental muito contribuirão para essa identidade de correspondência.</font><br>
<font>A questão de divergência com o artigo identificativo é uma questão secundária ou acessória, que pode ser perfeitamente corrigida, sem se deturpar o sentido e a vontade da entidade que decretou a autorização de reversão.</font><br>
<font>O artigo administrativamente atribuído é um simples número de referência, que não pode ser elevado ao estatuto de elemento essencial da identificação, comportando-se como um índice num livro, mas que vive do que diz o capítulo ao qual se reporta. </font><br>
<font>O que se mostra verdadeiramente importante é que não haja dúvidas que o título de autorização de reversão incide efectivamente sobre o prédio anteriormente expropriado ao revertente ou a um seu antecessor e não a uma terceira pessoa.</font><br>
<font> A autorização de reversão não pode, por outro lado, incidir sobre prédio que nunca foi expropriado, nem muito menos sobre prédio de que nunca tivessem sido donas as revertentes ou seu(s) antecessor(es), como afirmam as AA. relativamente ao art. 39.º.</font><br>
<font> O suposto erro material (a que as AA. chamam grosseiro) pode vir a ser livremente corrigidos pelo Tribunal adjudicante, se porventura vier a verificar-se que o artigo 39.º a que se reporta não lhe corresponde por impossibilidade física.</font><br>
<font>O Direito não tem a possibilidade de mudar as leis da natureza, pelo que não pode definir-se (maxime, constituir ou formar-se caso julgado) em contradição com esta. </font><br>
<font> Essencial é que no presente processo venha a constatar-se que a peticionada adjudicação a que se reporta a autorização de reversão se encaixa (porque se trata de uma reversão parcial) no espaço físico do imóvel bem expropriado à referida BB.- o que pode ser feito, designadamente, por sobreposição das cartas topográficas ou ortofotogramétricas à mesma escala, e que podem consultar-se em ambos os processos</font><br>
<font>A partir daí, e </font><u><font>respeitando sempre a descrição integral do prédio cuja autorização de reversão foi concedida, com a área, denominação e situação física aí definida</font></u><font>, nada pode obstar que o Juiz rectifique o artigo que lhe foi feito corresponder e o substitua por aquele que, em termos físicos, de acordo com a natureza, actualmente lhe corresponde. </font><br>
<font>Embora o caminho preconizado pelo Acórdão da Relação - de suscitar o problema junto da entidade que autorizou a reversão fosse absolutamente válido (e talvez o mais directo) - , nem por isso deve o Tribunal recusar a hipótese de poder ser ele mesmo a rectificar o suposto erro, pois não se trata de definir um novo direito em contradição com o já julgado, mas sim o de alterar um número de artigo administrativamente atribuído como índice ou referência daquele.</font><br>
<font>O direito está no objecto, e não na referência que o artigo lhe faz. </font><br>
<font>Acontece que há já nos autos abundante documentação, constituída por documentos autênticos não impugnados, e que </font><u><font>com a ajuda dos elementos recolhidos ou a recolher no processo de expropriação do imóvel e até, porventura, com a ajuda de outros elementos novos a obter na fase instrutória</font></u><font>, possam vir a dissipar-se eventuais dúvidas na correspondência do actual artigo 34.º ao prédio a adjudicar , fazendo com se aceite não ser possível o seu encaixe físico e jurídico ao do prédio ora descrito sob o art. 39.º.</font><br>
<font>O agravo deve por isso obter provimento.</font><br>
<b><font>IV. Deliberação</font></b><br>
<font> </font><b><i><font>No provimento do agravo, revoga-se o não obstante Acórdão recorrido substituindo-o por outro que, fazendo baixar os autos à Relação, venha esta a ordenar a indispensável instrução tendo como primeiro objectivo o rigoroso apuramento se o prédio descrito como sendo objecto da autorização de reversão se encaixa fisicamente no que foi indicado no processo de expropriação, e, no caso afirmativo, se proceda à rectificação do artigo que física e legalmente se impõe corresponder-lhe, sem prejuízo, neste caso, da prossecução do processo – arts 73.º a 75.º do CE/91.</font></i></b><br>
<i><font>Sem custas.</font></i><br>
<br>
<i><font>Lisboa, 23 de Outubro de 2007</font></i><br>
<font> </font><br>
<font>Mário Cruz (Relator)</font><br>
<font> Faria Antunes</font><br>
<font> Moreira Alves</font><br>
<i><font>_________________</font></i><br>
<font>(1) Julgadas entretanto partes ilegítimas</font><br>
<font>(2) Hoje já não é assim – cfr. art. 77.º do CE aprovado pela lei n.º 168/99, de 18/09: A competência para a adjudicação cabe ao Tribunal Administrativo de Círculo da área do imóvel.</font><br>
<font>.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jjKmu4YBgYBz1XKvVyfU | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font> </font></b><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
<p><font>I. </font><b><font>AA Portugal, SA</font></b><font> veio intentar acção com processo comum, na forma ordinária, contra </font><b><font>BB – Elevadores, Lda.</font></b><font> e </font><b><font>Santa Casa da Misericórdia de Fafe </font></b><font>pedindo que sejam as rés solidariamente condenadas a pagarem-lhe a quantia de €46.686,46, correspondente às quantias por si suportadas em virtude do acidente que vitimou a trabalhadora DD, no dia 24-08-2001, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.</font>
</p><p><font>A ré Santa Casa da Misericórdia de Fafe, apresentou contestação onde conclui entendendo dever a acção ser julgada improcedente, por não provada.</font>
</p><p><font>Por sua vez a ré “BB – Montagem de Elevadores, Lda.” apresentou contestação onde conclui entendendo dever considerar-se provada e procedente a excepção de prescrição ou, se assim se não considerar, deve a acção ser julgada improcedente e, em consequência, ser a ré absolvida do pedido e requereu a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros EE, SA”, melhor identificada como “EE – Companhia de Seguros, SA”, tendo tal intervenção sido admitida (fls. 92-93).</font>
</p><p><font>A chamada “EE – Companhia de Seguros, SA” apresentou contestação onde entende dever a acção ser julgada não provada e improcedente e a chamada absolvida do pedido com as consequências legais.</font>
</p><p><font>A autora, “Companhia de Seguros AA Portugal, SA” apresentou réplica onde conclui entendendo dever ser julgada não provada e improcedente a defesa excepcional, com todas as consequências legais, concluindo como na petição inicial.</font>
</p><p><font>Foi elaborado despacho saneador, onde se decidiu julgar improcedente a excepção de caso julgado, e organizados os Factos Assentes e a Base Instrutória.</font>
</p><p><font>Realizou-se julgamento e foi respondida a matéria constante da Base Instrutória.</font>
</p><p><font>Foi proferida sentença onde foi decidido julgar a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolver as rés do pedido formulado pela autora.</font>
</p><p><font>A autora “Companhia de Seguros AA Portugal, SA” interpôs recurso de apelação e a ré “BB, Elevadores, Lda.” veio interpor recurso subordinado.</font>
</p><p><font>Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães veio a ser dado parcial provimento ao recurso da A AA Portugal, SA condenando-se a R BB, Lda. pagar a quantia de € 46668,46, acrescida de juros legais e foi dado provimento parcial ao recurso subordinado alterando-se a resposta à matéria de facto contida nos quesitos 22º (provado – “o ascensor apenas se destinava ao transporte de carga”) e 24º (provado que à data do sinistro estava colocado no interior do monta-cargas um sinal de proibição de transporte de pessoas).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.</font></b><font> Deste acórdão foi interposto pela R BB, Elevadores, Limitada o presente recurso de revista.</font>
</p><p><font>Nas conclusões da sua alegação diz a recorrente, em síntese, que:</font>
</p><p><b><font>1 </font></b><font>–</font><b><i><font> na situação concreta dos autos e pelos fundamentos que indica o prazo prescricional é o de três anos (contados desde 27/8/2001)</font></i></b><b><font> </font></b><b><i><font>e não o de cinco anos como se entendeu no acórdão recorrido;</font></i></b>
</p><p><b><font>2 – </font></b><b><i><font>se não verificam “in casu” os pressupostos da responsabilidade civil e consequente obrigação de indemnizar (nomeadamente) porque o acidente se deve à falta de cuidado da vitima que violou a proibição de acesso ao monta cargas que, aliás, estaria sinalizada;</font></i></b>
</p><p><b><font>3 –</font></b><b><i><font> que a haver responsabilidade sua (dela recorrente) ela deve ser limitada a uma percentagem de 70% e deve ser solidariamente condenada a R Santa Casa da Misericórdia de Fafe.</font></i></b>
</p><p><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><font>A aqui recorrida apresentou contra-alegações refutando os argumentos utilizados pela recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:</font>
</p><p><font>A) A Companhia de Seguros FF, S. Lda. e a R., Santa Casa da Misericórdia de Fafe celebraram o contrato de seguros de acidentes de trabalho titulada pela apólice n.º ---/---/---, com início em 01-01-98, de prémio variável, na modalidade de folhas de férias, cuja cópia consta de fls., que aqui se dá por reproduzida, através da qual assumiu o risco infortunístico dos trabalhadores desta em infantários e lares de terceira idade. (A.). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>B) Consta de fls. 12 dos autos um documento escrito com o timbre da A., dirigido à R BB-Elevadores Lda., e endereçada para a Trav. da cooperação, n.º ..., ...° Dto., casa ..., rua A... H..., n.º ..., 4..., São M... de I... com o seguinte teor: </font>
</p><p><font>“Ref... : Proc. 2001. 19.15181-DD ac. 24-08-2001-segª Santa Casa da Misericórdia de Fafe. (...) </font>
</p><p><font>Vimos à V. presença para dar conhecimento de um acidente de trabalho, de que foi vítima a sinistrada, quando ao serviço da entidade referida em título, ocorrido em 24-08-2001. </font>
</p><p><font>Tal sinistro ocorreu quando a sinistrada pretendia colocar um carrinho de louça no monta-cargas e a plataforma não se encontrava ao nível do piso, originando que a mesma se precipitasse juntamente com o carrinho para o piso inferior. </font>
</p><p><font>Ora, para que tal se verificasse terá contribuído o facto de não existir qualquer dispositivo que impeça a abertura da porta do monta-cargas quando a plataforma não se encontrava nesse piso. </font>
</p><p><i><font>Porque eram V. Ex.as responsáveis pela assistência técnica ao referido monta-cargas, conforme cópia do contrato que se anexa, agradecemos nos digam o que lhes oferecer sobre esse assunto, bem como qual a seguradora onde possuem o seguro de responsabilidade civil para cobertura dos danos sofridos pela sinistrada</font></i><font>. </font>
</p><p><font>(...)”. (3). </font>
</p><p><font>C) A R. Santa Casa da Misericórdia de Fafe outorgou o documento cuja cópia consta de fls. 32, também outorgada pela R. BB-Elevadores Lda., mediante o qual acordou com esta em, além do mais, proceder a instalação, conservação e assistência técnica ao ascensor monta-cargas existente no lar daquela em Cepães, Fafe; (C). </font>
</p><p><font>D) Em cumprimento do referido em c), a R BB-Elevadores Lda., instalou o referido monta-cargas em 01-09-98. (2).</font>
</p><p><font>E) Consta do documento referido em C) que a conservação do ascensor referido será feita uma vez por mês, compreendendo uma inspecção e a realização de trabalhos e reparações necessárias à segurança e continuidade do seu funcionamento, conforme art. 108° do Dec. nº 513170, de 30-90, do novo regulamento de segurança dos elevadores. (e) </font>
</p><p><font>F) Mediante a celebração do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 2-1-91-0---/06, actualmente n.º RC ..., constante de fls. 66 e 67, 103 e seguintes, a Companhia de Seguros Império, S.A., no dia 24-08-2001, havia assumido o dever de indemnizar terceiros por danos corporais e materiais decorrentes do exercício, pela R. BB, Lda., da exploração da actividade de assistência a elevadores, até ao capital de €100.000.000$00, sendo a franquia de 10% sobre o valor da indemnização, sujeita ao mínimo de 75.000$00 e ao máximo de 375.000$00 - cf. fls. 106. (F). </font>
</p><p><font>G) </font><i><font>A R. BB, Lda. foi citada no dia 3-04-2006 - cf. fls. 43. (G). </font></i>
</p><p><font>H) A chamada, Companhia de Seguros EE, S.A. foi citada no dia 10-10-2006 - cf. fls. 99. (H). </font>
</p><p><font>1) No dia 24-08-2001, DD laborava para a R. Santa Casa da Misericórdia de Fafe no Lar D. Maria Joaquina Leite Vaz, situado em Cepães, Fafe. (1°). </font>
</p><p><font>2) Mediante o pagamento de uma quantia monetária. (2°). </font>
</p><p><font>3) Cumprindo ordens e horário de trabalho definidos pela R. Santa Casa da Misericórdia de Fafe. (3°). </font>
</p><p><font>4) No dia referido em 1°, DD dirigiu-se para o ascensor monta-cargas existente no referido lar. (4°). </font>
</p><p><font>5) Com o carrinho que carregava o lanche dos utentes do lar. (5°). </font>
</p><p><font>6) E abriu a porta do ascensor. (6°). </font>
</p><p><font>7) E caiu na caixa do ascensor. (7°). </font>
</p><p><font>8) Por a respectiva plataforma não se encontrar no piso correspondente (8°). </font>
</p><p><font>9) </font><i><font>Era possível abrir a porta do monta-cargas quando a plataforma não se encontrava no respectivo piso.</font></i><font> (9°). </font>
</p><p><font>10) Devido à queda acima referida, DD sofreu ferimentos. (10°). </font>
</p><p><font>11) </font><i><font>No dia 27-08-2001, a Ré Santa Casa da Misericórdia de Fafe comunicou à A. o referido em 1°, 2°, 3°, 5° e 10°. (11°).</font></i><font> </font>
</p><p><font>13) A A. prestou cuidados de saúde à DD que o tratamento das lesões sofridas com a queda demandava. (13°). </font>
</p><p><font>14) E suportou encargos com deslocações e serviços técnicos a favor da sinistrada. (14°). </font>
</p><p><font>15) Assistência e encargos referidos em 13° e 14° têm o montante de €22.957,20. (15°). </font>
</p><p><font>16) A A. pagou €9.837,10 a DD, (16°)</font>
</p><p><font>17) Para compensação pela incapacidade temporária para o trabalho decorrente das lesões sofridas com a queda mencionada. (17°).</font>
</p><p><font>18) E, no âmbito do processo especial de acidente de trabalho n.º 514/2002, que correu termos no 2.° Juízo do Tribunal do Trabalho de Guimarães, a A. pagou €13.874,16. (18°) </font>
</p><p><font>19) A título de capital de remissão. (19°) </font>
</p><p><font>20) </font><i><font>A A. enviou à R. BB, Lda. a carta que consta de fls. 12 dos presentes autos. (20°).</font></i>
</p><p><font>23) </font><i><font>Estava vedado o acesso ao mesmo pelos trabalhadores do Lar da R. Santa Casa da Misericórdia de Fafe. (23°). </font></i>
</p><p><font>26) A entrada do monta-cargas referido tem 1,10m de altura e 0,80m de largura. (26°) </font>
</p><p><font>27) Quem pretenda entrar no monta-cargas tem de se derrear e curvar na plataforma. (27°). </font>
</p><p><font>30) </font><i><font>A DD sabia o referido em 23°. (30°).</font></i><font> </font>
</p><p><font>31) O ascensor apenas se destinava ao transporte de carga (22º)</font>
</p><p><font>32) Estava colocado no interior do monta-cargas um sinal de proibição de transporte de pessoas (24º).</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Do mérito do recurso de revista –</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Torna-se, antes de mais, importante, para situarmos devidamente as questões que são colocadas neste recurso, procedermos á análise da causa de pedir na presente acção através da qual a A “Companhia de Seguros AA Portugal, SA” formula pedido no sentido de ser ressarcida, solidariamente, pelas duas RR (</font><i><font>BB Elevadores, Limitada e Santa Casa da Misericórdia de Fafe</font></i><font>) das importâncias por si dispendidas com o pagamento de despesas médicas e outras decorrentes de acidente de trabalho sofrido, em 24.8.2001, por uma trabalhadora da 2ª R (Santa Casa) sua segurada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na perspectiva da A, que exerce um alegado direito de regresso</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, o fundamento da acção, traduzido na matéria integrante da causa de pedir tem por base o instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos, (extracontratual) circunstancia que justificará, ainda na perspectiva da A e porque os factos configurarão um crime de ofensas corporais involuntárias, a aplicação “in casu” do prazo prescricional de 5 anos – artigos 148º e 118º CPenal e 498 nº 3 CCivil.</font>
</p><p><b><font>De acordo com o que nesta sede de recurso de revista vem alegado pela R BB não existem pressupostos que fundamentem a sua responsabilidade civil (por factos ilícitos), não há por outro lado responsabilidade criminal</font></b><a><b><u><sup><font>[3]</font></sup></u></b></a><b><font>, daí resultando (além do mais) a prescrição do direito da A (recorrida) por inaplicação do prazo (excepcional) previsto no nº 3 do artigo 498º</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Em defesa desta sua posição argumenta a recorrente que, por um lado, a legislação ao caso aplicável – </font><i><font>Decreto-lei nº 110/91, de 18 de Março e Regulamento de Segurança de Elevadores Eléctricos, aprovado pelo Decreto nº 513/70, de 30 de Outubro com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar nº 13/80, de 16 de Maio</font></i><font> – qualifica como mera contra ordenação a violação das regras previstas nesses diplomas e que, por outro lado não há lugar neste caso a responsabilidade criminal de pessoa colectiva (no caso ela R).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Salvo o devido respeito, o único segmento sustentável desta posição da recorrente é o que se traduz na correcta indicação da legislação aplicável.</font>
</p><p><font>Concordando-se com a indesmentível realidade traduzida no facto de o artigo 7º do DL 110/91 qualificar como contra ordenação a violação de normas de segurança aplicáveis, nomeadamente, a ascensores e monta-cargas (eléctricos ou hidráulicos) não se pode, todavia, deixar de tomar em consideração que:</font>
</p><p><font>1º - O artigo 3º do supracitado diploma legal</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> diz expressamente que </font><i><font>“os elevadores</font></i><a><b><i><u><sup><font>[5]</font></sup></u></i></b></a><i><font>…deverão ser vigiados conservados e reparados por uma entidade conservadora de elevadores (ECE) que </font></i><i><u><font>assumirá a responsabilidade civil, solidariamente com o proprietário, pelos acidentes causados por deficiente conservação ou não conformidade com a legislação aplicável</font></u></i><i><font>”;</font></i>
</p><p><font>2º - Todas as normas de segurança constantes do Regulamento de Segurança de Elevadores Eléctricos, aprovado pelo Decreto 513/70, com as alterações constantes do Decreto Regulamentar nº 13/80, de 16 de Maio, são normas indiscutivelmente destinadas à protecção e segurança de interesses alheios cuja violação pode gerar responsabilidade civil por factos ilícitos (artigo 483º CCivil)</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>3º - a contra-ordenação prevista é aplicável às situações irregulares detectadas pelas autoridades administrativas.</font>
</p><p><font>Colocadas as questões nos seus devidos termos, afastando de todo a qualificação da actividade de conservação e manutenção de elevadores como actividade (em si mesma ou por natureza) perigosa, e indo agora à factualidade provada podemos concluir que o acidente ocorreu quando a trabalhadora da co-ré Santa Casa da Misericórdia de Fafe se dirigiu ao monta cargas, transportando um carrinho com lanche dos utentes, precipitando-se no fosso do monta cargas por o mesmo não se encontrar nesse piso e ser ainda assim possível abrir a porta do mesmo.</font>
</p><p><font>Sem embargo de a vítima do acidente (trabalhadora da Santa Casa) conhecer a proibição de utilização do ascensor para transporte de pessoas nada na factualidade provada evidencia de forma suficiente que fosse essa a intenção dela ao abrir a porta do mesmo, devendo ou podendo “a contrario” admitir-se que a intenção da vitima seria a colocação do “carrinho” no monta cargas para a sua deslocação para diferente piso e Os factos provados constantes dos pontos 6, 7, 8 e 9 mostram, por outro lado, com toda a evidência que o acidente sofrido pela trabalhadora da R apenas ocorreu porque, contra todas as regras de segurança, era possível proceder à abertura da porta do ascensor num patamar sem que a cabine do ascensor ali estivesse estacionada. </font>
</p><p><font>De acordo com as normas mais relevantes constantes da legislação ao caso aplicável (Decreto nº 513/70, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar nº 13/80 – Regulamento de Segurança de Elevadores Eléctricos (adiante designado apenas por Regulamento) - as portas de patamar deverão possuir dispositivos de encravamento seguros que permitam que todas elas permaneçam permanentemente encravadas com excepção daquela que esteja situada no patamar onde a cabine esteja estacionada (artigo 39 nº 1 do Regulamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Igualmente deverão ser munidas de dispositivos de controlo de encravamento e de fecho de portas de patamar (artigo 40º do Regulamento) que garantam quer o referido encravamento permanente (conforme o disposto no nº 1 do artigo 39º) quer a impossibilidade de início de movimento se todas as portas não estiverem encravadas.</font>
</p><p><font>No caso em apreço existe evidente nexo de causalidade (adequada) entre o incumprimento das (referidas) normas de segurança dos elevadores eléctricos e o acidente aqui em apreço não se verificando qualquer elemento probatório que permita concluir que da conduta da vitima possa resultar interferência (total ou parcial) no desenvolvimento desse processo de causalidade considerado no seu todo, não se demonstrando sequer (como já referimos) que seria intenção da vitima entrar no monta cargas.</font>
</p><p><font>Resulta do exposto que por um lado, e ao contrário do que defende a recorrente, o acidente apenas ocorre por manifesta violação das normas legais acima referidas as quais visam a protecção e segurança de interesses alheios e que por outro lado os danos produzidos se enquadram completamente dentro daqueles que essas normas pretendem prevenir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Numa primeira e definitiva conclusão existe responsabilidade civil da recorrente e consequente obrigação de indemnizar, inexistindo quaisquer razões de facto ou de direito que permitam qualquer redução ou limitação de tal responsabilidade.</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Ficou, por outro lado, demonstrado que a R. Misericórdia de Fafe outorgou o documento cuja cópia consta de fls. 32, também outorgado pela R. BB-Elevadores Lda., mediante o qual acordou com esta em, além do mais, proceder a instalação, conservação e assistência técnica ao ascensor monta-cargas existente no lar daquela em Cepães, Fafe e que em cumprimento do referido instalou o referido monta-cargas em 01-09-98 assumindo que a conservação do ascensor referido seria feita uma vez por mês, compreendendo essa obrigação uma inspecção e a realização de trabalhos e reparações necessárias à segurança e continuidade do seu funcionamento, conforme art. 108° do Decreto n.º 513/70, de 30/10, do regulamento de segurança dos elevadores. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Nesta qualidade, e em segunda e definitiva conclusão, é a Misericórdia de Fafe solidariamente responsável (com a recorrente BB) pelos danos causados pelo acidente de acordo com o disposto no artigo 3º do Decreto-lei nº 110/91 (tal com o seria na vigência do Decreto nº 513/70 atenta a redacção do artigo 2º deste diploma).</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Indo, agora e por ultimo, à suscitada questão da prescrição do direito da A (recorrida).</font>
</p><p><font>Estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual (por factos ilícitos) e o acidente ocorreu em 24/8/2001 tendo a BB sido citada em 3/4/2006 (para além do prazo de três anos previsto no nº 2 do artigo 498º CC mas dentro do prazo previsto no nº 3 da mesma disposição legal, se ao caso aplicável).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os factos ocorridos dos quais resultaram as lesões sofridas pela trabalhadora da R Misericórdia de Fafe enquadram a prática do crime de ofensas corporais por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º n.º 1 do Código Penal sendo o prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos, nos termos dos artigos 148.º n.º 1, 118.º n.º 1 alínea c) do Código Penal.</font>
</p><p><font>Não discordando deste entendimento afirma a recorrente que o prazo decorrente do artigo 498.º n.º 3 CC se lhe não aplica porque por um lado a lei típica como mera contra-ordenação a violação das normas donde se pretende decorra a sua responsabilidade e por outro lado não pode enquanto pessoa colectiva ser criminalmente responsável. </font>
</p><p><font>Já tivemos ocasião de referir que consideramos destituída de qualquer fundamento a argumentação que se defende nas alegações sobre as consequências da natureza contraordenacional das infracções ao Regulamento aqui em causa uma vez que, repetimos, uma coisa é a constatação administrativa dessas infracções e outra as consequências decorrentes para terceiros de acidentes provocados por essas infracções.</font>
</p><p><font>Totalmente destituída de fundamento é igualmente o argumento relativo à inaplicabilidade do prazo do nº 3 do artigo 498º CC com fundamento no facto de a R (recorrente) ser uma pessoa colectiva. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sem necessidade de entrar na discussão sobre a responsabilidade criminal das pessoas colectivas é elementar, e como tal indiscutido na doutrina e na jurisprudência, que a aplicação do prazo alongado da prescrição previsto na disposição legal supracitada depende apenas de o facto ilícito constituir crime (para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Em conclusão a R (recorrente) “BB, Elevadores, Lda.”, foi citada no dia 3-04-2006, em data anterior ao termo do prazo de prescrição (de 5 anos) (fls. 40 e 43), daí resultando que não decorreu o prazo prescricional.</font></b>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><font>IV - DECISÃO</font>
</p><p><font>Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em conceder (parcialmente) a revista mantendo-se o acórdão recorrido na parte e nos termos em que no segmento decisório condena a R BB, Elevadores, Lda. a pagar à A AA Portugal a quantia de € 46668,46, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento mas condenando-se com ela solidariamente a R Santa Casa da Misericórdia de Fafe.</font>
</p><p><font>Custas pela recorrente.</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa,</font><font>10 de Janeiro de 2012</font><font>,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mário Mendes (Relator) </font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<br>
<font>Moreira Alves</font>
</p><p><font>___________________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> </font><font>Pontos 31 e 32 aditados na sequencia do acórdão do Tribunal da Relação na sequencia do parcial provimento da apelação da R.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> O acórdão recorrido fundamenta, e em nosso entender correctamente, o reconhecimento do direito de regresso exercido pela A no artigo 31º nº 4 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro – “a entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente (de trabalho) tem o direito de regresso contra os responsáveis…” exigindo-se neste caso que o acidente tenha sido provocado por outros trabalhadores ou por terceiros e que estejam reunidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> </font><font>Alega, pelos fundamentos que expõe, que não há lugar a responsabilidade criminal enquanto pessoa colectiva.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> No artigo 2º do decreto nº 513/70 previa-se, ainda, responsabilidade criminal pelos acidentes provocados pela violação das normas de conservação e segurança ali estabelecidas.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Cabem na designação de elevadores para efeitos deste diploma (e dos demais que foram citados) os ascensores e monta-cargas eléctricos e hidráulicos.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> De acordo com o artigo 483º CC a ilicitude pode decorrer tanto da violação de um direito de outrem (violação de um direito subjectivo) como de violação de disposição legal destinada à protecção de interesses de terceiros.</font><font><br>
</font></p><hr></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jjLQu4YBgYBz1XKvM0Ei | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"AA"</font><font> propôs em 12.3.2003 acção ordinária contra a Empresa-A , actualmente </font><font>Empresa-B</font><font>, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia indemnizatória de 397,500,00 € </font><font>(sendo 90.000 € por danos morais e 307.500 € a título de danos patrimoniais)</font><font>, acrescida de juros legais, desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<font>A ré contestou, por excepção - </font><font>escudando-se em que o direito à indemnização se encontra prescrito por ter decorrido o prazo de três anos a que se refere o artº 498º, nº 1 do CC, ao que o A. retorquiu que só teve conhecimento do direito que lhe assiste em princípios de 2001, pelo que só a partir de então se iniciou a contagem do prazo prescricional -</font><font> e por impugnação.</font><br>
<font>Após o saneamento, condensação, instrução e audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que absolveu o A. da excepção de prescrição do direito e condenou a R. a pagar-lhe a quantia de 230.000 €, acrescida dos juros de mora, sobre o montante de 165.000 € a contar da citação, e sobre o montante de 65.000 € a contar da data da sentença, até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de o autor optar pela indemnização (cível ou laboral) que mais lhe convenha.</font><br>
<font>A R. apelou para a Relação do Porto que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição, absolvendo a ré do pedido - artº 493º, nºs 1 e 3 do CPC.</font><br>
<font>Recorre agra o A. de revista, concluindo:</font><br>
<font>1º- A prova de que o A. tomou conhecimento dos seus direitos há mais de cinco anos incumbia à ré/seguradora, o que esta não logrou provar - artº 342º, nº 2 e 343º, nº 3 do CC, ac. RE, 09/07/87, BMJ, 369º - 619;</font><br>
<font>2º- Não resultando da matéria de facto provada a data em que o A. tomou conhecimento do seu direito, daí não pode concluir-se, como concluiu o acórdão recorrido, que o prazo prescricional de 5 anos, se havia completado em data anterior à da propositura da acção, devendo aplicar-se o prazo prescricional ordinário de vinte anos - artº 309º CC;</font><br>
<font>3º- A. e R./seguradora foram partes no Processo de Trabalho Emergente do Acidente dos Autos, nº 206/1997, do Tribunal do Trabalho de Bragança, no qual estas e a Entidade Patronal do A. se conciliaram, em Auto de Conciliação de 19 de Dezembro de 2000, entretanto homologado - doc. de fls. 65 e seg, cujo teor foi dado como reproduzido - cfr. alínea AC dos Factos Assentes;</font><br>
<font>4º- Aí o legal representante da seguradora aceitou o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, e a incapacidade atribuída pelo perito médico do Tribunal - cfr. doc. referido;</font><br>
<font>5º- Mais aceitou que o acidente ocorreu em 13/08/1996, em Mirandela, e que consistiu em o trabalhador, quando trabalhava com uma retro-escavadora, ter sido colhido por um comboio, no exercício da sua profissão, e do qual resultou politraumatismo - cfr. doc. referido;</font><br>
<font>6º- O Magistrado do Ministério Público interveniente no referido Proc. Nº 206/1997, do Tribunal do Trabalho de Bragança, certificou-se da identidade dos presentes e da sua capacidade e legitimidade para intervirem no acto - Auto de Conciliação, cfr. doc. referido;</font><br>
<font>7º- Pelo mesmo Magistrado foi dito, entendido e aceite pelos intervenientes, incluindo a seguradora, que se apurou nesses autos que o sinistrado foi vítima de acidente de trabalho ocorrido nas circunstâncias de lugar, tempo e modo, descritos pelo mesmo, quando desempenhava a sua prestação laboral como servente - cfr. doc. referido;</font><br>
<font>8º- A mesma seguradora aí aceitou, por proposta do Magistrado do Ministério Público, pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia, a pagar em duodécimos mensais na residência do sinistrado, acrescida de um duodécimo suplementar a pagar em Dezembro de cada ano - cfr. doc. referido;</font><br>
<font>9º- Terá de se considerar que a Acção que decorreu no Tribunal de Trabalho de Bragança, pelo supra exposto, interrompeu a prescrição que a seguradora invocou, por força do disposto no artº 323º, nº 1, do CC, com efeitos previstos no artº 326º, nº 1 do CC, com o novo prazo de prescrição a correr nos termos do artº 328º, nº 1, do mesmo Código;</font><br>
<font>10º- E caso se considere 19/12/2000 - data do Auto de Conciliação como a data a partir da qual se inicia a contagem de novo prazo prescricional, entendimento mais favorável para a seguradora, só em Dezembro de 2003 procederia a invocada excepção, e como a R./seguradora foi citada em 17 de Março de 2003 nunca poderia julgar-se prescrito o direito do sinistrado;</font><br>
<font>11º- Por outro lado, e sem conceder, ainda por força do Proc. 206/ 1997, do Tribunal de Trabalho de Bragança, outra razão há a determinar a interrupção do prazo prescricional suscitado pela seguradora, decorrente do reconhecimento do direito do sinistrado, quer esse reconhecimento se considere como expresso ou tácito, como resulta do disposto no artº 325º do CC. Civil, com os efeitos previstos no artº 326º, nº 1, correndo o mesmo prazo nos termos do artigo 328º, nº 1, ambas as normas do mesmo Código;</font><br>
<font>12º- E em virtude desta nova causa interruptiva prescricional, há que concluir como se refere em 10° destas conclusões;</font><br>
<font>13º- Os pressupostos essenciais, quer da Acção Especial Emergente de Acidente de Trabalho quer da presente Acção, são os mesmos, foram dados a conhecer à seguradora, que deles tomou conhecimento, os aceitou e até reconheceu, perante o sinistrado, quer perante terceiros, a Entidade Patronal daquele e o próprio Tribunal;</font><br>
<font>14º- A julgar-se procedente o presente recurso não resulta para a Seguradora o risco de indemnizar o sinistrado em duplicado pelo mesmo dano, quer porque a sentença proferida em 1ª instância o não permite, quer porque a isso se opõe expressamente a própria Lei nº 100/97, de 13/09/97;</font><br>
<font>15º- Trata-se, apenas e só, do sinistrado receber da Seguradora, de uma e só vez, uma quantia global compensatória dos danos sofridos, em vez de receber, como até aqui, uma pensão anual e vitalícia, paga em duodécimos;</font><br>
<font>16º- O acórdão recorrido violou o disposto nos artºs 498º, nºs 1 e 3, 342, nº 2, 343º, nº 2, 323º, nº 1, 325º, 326º e 327º, nº 1 do CC.</font><br>
<font>Contra-alegou a recorrida, pugnando pela manutenção da absolvição do pedido por via da procedência da peremptória da prescrição, ou, caso assim se não entenda, impetrando a apreciação dos demais fundamentos da defesa por ela invocados quer na 1ª instância quer na Relação, nos termos do artº 684º-A do CPC, concluindo, para este efeito, o seguinte:</font><br>
<font>--- Sem prejuízo da inequívoca prescrição dos direitos que o A. pretende exercer nestes autos, sempre ocorreram graves erros de julgamento que, ainda que não se altere a decisão sobre a matéria de facto, têm que ser corrigidos;</font><br>
<font>--- Entres os ditos erros avulta o da não consideração da conduta do recorrente como causa concorrente da produção e extensão dos danos, pois que, ao fazer-se transportar, empoleirado, no estribo existente na parte exterior direita de uma máquina retro-escavadora cuja lotação era de apenas o respectivo manobrador, o recorrente expôs-se inútil e temerariamente a um elevadíssimo risco de contrair fortes lesões, como veio a suceder, ao ser tal parte da retro-escavadora, que cruzava a linha férrea, embatida pela frente de um comboio, sendo o recorrente trucidado e contraindo as múltiplas lesões que o afectaram;</font><br>
<font>--- Tal conduta tem que ser valorada nos termos do disposto no artº 570º do CC, sendo equitativo valorar a mesma como concorrente em 50% para a produção dos danos, razão pela qual, sempre toda e qualquer indemnização do recorrente deve ser reduzida na mesma proporção;</font><br>
<font>--- Ainda sem prescindir, considerando a doutrina e a jurisprudência correntes é manifesto que as indemnizações arbitradas pecam por excessivas, e, como tal, violadoras dos artºs 483º, 494º nº 3, 562º e 566º do CC, pelo que, em obediência a tais preceitos, e ainda sem a redução decorrente da aplicação do artº 570º do mesmo diploma, deve a compensação dos danos morais do recorrente ser fixada em € 25.000,00 e a indemnização pelo seu dano patrimonial futuro em € 90.000,00, sob pena de se estar não a indemnizar o recorrente mas a facultar o seu enriquecimento ilegítimo às custas da recorrida;</font><br>
<font>--- A tudo isto acresce que o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho, sendo que, enquanto seguradora da entidade patronal, a recorrida, para além de toda a assistência médica que prestou ao recorrente, pagou-lhe já as verbas referidas no nº 80 da matéria de facto considerada na sentença, entre os quais avultam € 15.941,29 pagos a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias e de pensão anual e vitalícia vencida entre 08/06/2000 e 30/04/2003;</font><br>
<font>--- De facto, está ainda assente que recorrente, entidade patronal e recorrida, aí na qualidade de seguradora da patronal pelo risco infortunístico - laboral, se conciliaram no processo especial de acidente de trabalho que correu termos sob o nº 206/1997 pelo Tribunal do Trabalho de Bragança, através de acordo devidamente homologado, junto a fls. 65 a 69 dos autos e dado por reproduzido na alínea AC da Matéria de Facto Assente;</font><br>
<font>--- Ou seja, para além de tudo quanto a recorrida prestou ao A. tem-lhe continuado a pagar a sua pensão, 14 vezes por ano, e, actualmente, de € 200,21/mês, prestação esta que tem natureza vitalícia e, nos termos legais, é anualmente actualizada;</font><br>
<font>--- Ao não considerar tais prestações, já efectuadas e a efectuar no futuro, a sentença violou a Base XXXVIl da Lei 2127 e proporcionou o enriquecimento do recorrente às custas da recorrida, violando o art. 473º do CC;</font><br>
<font>--- Deve assim ser substituída por outra em que se declare que não pode o recorrente cumular as prestações que já recebeu e que continuará a receber a título vitalício com a que nestes autos lhe for arbitrada, ordenando que seja descontado tudo o que, até à data da sentença, houver sido pago a título de pensão pela I.P.P. ao recorrente e desonerando a recorrida, na sua veste de seguradora de acidentes de trabalho da entidade patronal do recorrente, até que se esgote o montante da prestação que nestes autos lhe for arbitrada para indemnizar o dano futuro resultante dessa sua incapacidade;</font><br>
<font>--- Por a indemnização pelo dano patrimonial futuro resultante da incapacidade do recorrente ter sido fixada em valores já devidamente actualizados à data da prolação da sentença, não podem ser contados juros sobre tal verba a contar da citação, sob pena de, como fez o Mmo. Juiz "a quo", se violar o estatuído nos artºs 566º nº 2 do CC, 663º nº 1 do CPC e o Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, publicado no DR lª Série-A de 27 de Junho.</font><br>
<font>Corridos os vistos, cabe decidir.</font><br>
<font>A Relação deu como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1. O autor celebrou um contrato de trabalho para a categoria de servente de construção civil com a Empresa-C, sedeada na freguesia de S. Gonçalo, concelho de Amarante, em 01 de Janeiro de 1996;</font><br>
<font>2. A esta empresa foi adjudicada pela Câmara Municipal de Mirandela, a construção de ETAR, sita no lugar de Pombal, subúrbios da cidade de Mirandela, na qual o autor prestava a sua actividade profissional;</font><br>
<font>3. Os trabalhos de construção da ETAR dispersavam-se por dois locais, separados pela linha-férrea existente na cidade;</font><br>
<font>4. Em 13 de Agosto de 1996, cerca das 10 horas e 30 minutos, no referido lugar de Pombal, Bairro da Preguiça - Mirandela, ocorreu um acidente entre uma retro-escavadora MARCA JBC, sem matrícula, propriedade e ao serviço da entidade patronal do autor e um comboio de passageiros da CP, de matrícula 10790222-6;</font><br>
<font>5. Na altura do acidente o tempo estava bom, não chovia e não havia nevoeiro;</font><br>
<font>6. Os órgãos de travagem, direcção e sinalização acústica de ambos os veículos encontravam-se em bom estado de funcionamento;</font><br>
<font>7. A retro-escavadora era conduzida por BB, trabalhador da Empresa-C, com a função de condutor/manobrador e colega de trabalho do autor;</font><br>
<font>8. A retro-escavadora interveniente no acidente tem um assento único destinado ao seu condutor, sendo, o seu limite de lotação, um ocupante;</font><br>
<font>9. No momento em que ocorreu o embate, o autor seguia empoleirado no estribo das escadas de acesso à cabine da retro-escavadora, localizadas no lado direito de tal veículo;</font><br>
<font>10. O acidente deu-se num lugar da linha-férrea que se configura como uma recta com boa visibilidade;</font><br>
<font>11. O acidente ocorreu cerca de 20 (vinte) metros depois de o traçado da linha-férrea desenhar uma curva à esquerda, atento o sentido de marcha do comboio;</font><br>
<font>12. A retro-escavadora cruzou a via-férrea numa zona de passagem de nível sem guarda e não assinalada, num atalho que era utilizado pelos veículos da Empresa-C para assim mais rapidamente acederem ao outro local onde decorria a obra;</font><br>
<font>13. Tal prática acontecia com o conhecimento e em cumprimento de ordens dadas pelos superiores hierárquicos do condutor da retro-escavadora e do autor;</font><br>
<font>14. Não obstante saber que, nesse local de passagem, a via não se encontrava sinalizada e que existia outro local, próprio para fazer a travessia da via-férrea;</font><br>
<font>15. E apesar de ter perfeita consciência do perigo que isso representava;</font><br>
<font>16. O condutor da retro-escavadora circulou diversas vezes com a mesma pelo local onde se deu o embate;</font><br>
<font>17. A retro-escavadora, antes do embate, circulava por um caminho público e dirigia-se a um outro local da local da mesma obra que se situava do outro lado da via-férrea;</font><br>
<font>18. O condutor da retro-escavadora aproximou-se da passagem de nível e, sem se certificar de que a intensidade do tráfego e não o obrigava a imobilizar o veículo sobre a passagem de nível e de que não se aproximava qualquer veículo ferroviário, decidiu atravessá-la;</font><br>
<font>19. E, no preciso momento em que a retro-escavadora entrava na linha-férrea, aí circulava o comboio, no sentido Norte-Sul, ao Km 52,950;</font><br>
<font>20. Tendo a frente da locomotiva embatido na parte do centro do lado direito da retro-escavadora, que foi apanhada em plena via-férrea, por onde foi arrastada num espaço de cerca de 15 (quinze) metros;</font><br>
<font>21. Devido à conduta desatenta do condutor da retro-escavadora, não foi possível ao condutor do comboio da CP, cujo nome era CC, evitar a colisão entre os dois veículos;</font><br>
<font>22. Ambos os condutores dos veículos foram submetidos ao teste de alcoolemia, através do aparelho SD2, em uso na Policia de Segurança Pública, revelando resultados negativos;</font><br>
<font>23. O autor, que no momento do acidente se fazia transportar na retro-escavadora, sofreu como consequência directa e necessária do mesmo lesões múltiplas;</font><br>
<font>24. O autor, logo após o acidente, foi transportado de ambulância para o Hospital Distrital de Mirandela, onde deu entrada no respectivo Serviço de Urgência pelas 11 horas e 03 minutos, tendo-lhe sido realizado como diagnóstico de entrada: "Trucidado pelo comboio" e "Pré-choque";</font><br>
<font>25. Dada a gravidade das lesões "Múltiplas fracturas dos membros inferiores. Lesões graves da bacia. Isquemia do pé direito" foi daí imediatamente transferido para o Hospital Geral de Santo António, no Porto;</font><br>
<font>26. O autor, ao entrar no Hospital de Mirandela, estava acordado e com sinais de choque cárdio circulatório e, à entrada no serviço de urgência do Hospital Geral de Santo António, encontrava-se entubado, ventilado e sedado/analgesiado;</font><br>
<font>27. Na sequência do exame que lhe foi feito na altura, o autor apresentava já uma fractura cominutiva do fémur direito (com amputação do membro que estava preso pela pele), fractura dos ossos da perna esquerda (exposta - grau 111) e fractura explosiva dos ramos isquiopúbicos e cavidade acetabular à direita;</font><br>
<font>28. Ainda se lhe identificou a fractura da uretra posterior, tendo sido submetido a cistostomia;</font><br>
<font>29. À entrada de tal serviço, e face à existência de hemoperitoneu, fez laparotomia;</font><br>
<font>30. O que permitiu drenar cerca de 1,5 litros de sangue, bem como identificar lacerações peritoneais múltiplas + volumoso hematoma retroperitoneal;</font><br>
<font>31. Foi ainda politransfundido, em contexto de coagulopatia de consumo/diluicional;</font><br>
<font>32. O autor foi submetido ainda a amputação do membro inferior direito, acima do joelho;</font><br>
<font>33. E foi-lhe feito tratamento com imobilização com fixadores externos dos ossos da perna esquerda;</font><br>
<font>34. Entendeu-se, na altura, que as lesões da bacia que o autor apresentava deviam ser abordadas conservadoramente;</font><br>
<font>35. Durante internamento, o autor fez múltiplos pensos cirúrgicos e tratamento apropriado por Cirurgia Plástica das feridas da coxa, região pélvica e escrotal;</font><br>
<font>36. No dia em que deu entrada no H. G. S. A., o autor foi submetido a arteriografia do MIE (Membro Inferior Esquerdo), eco abdominopélvica, punção vesical suprapúbicaistostomia, punção lavagem peritoneal, laparotomia exploradora, amputação do MIO (Membro Inferior Direito) pelo 1/3 inferior da coxa, fixação externa da tíbia esquerda, sutura do escroto e pénis, sutura de feridas da região inguinal;</font><br>
<font>37. A cirurgia teve a duração de 7 (sete) horas, com dois episódios de hipotensão, que resolveram com dopamina e volume;</font><br>
<font>38. Tendo sido transferido com 8 GR + 2 plasma;</font><br>
<font>39. O autor deu entrada na UCIP pelas 23.45 horas, sedado, curarizado em ventilação controlada, sem suporte inotrópico, estável hemodinâmicamente;</font><br>
<font>30A. Foram-lhe realizadas limpezas cirúrgicas diárias, 16 (dezasseis) no bloco e nos intervalos na UCIP;</font><br>
<font>31A. Em 1 de Setembro, foi-lhe colocado cateter epidural tunalizado;</font><br>
<font>32A. No momento em que o autor teve alta do Hospital de Santo António, foi-lhe diagnosticado a título principal "esfacelo com amputação" do membro inferior direito;</font><br>
<font>33A. E ainda lhe foi diagnosticado: fractura da perna esquerda com fixador externo, ferida do períneo e região inguinal, laceração e fractura dos ossos da bacia;</font><br>
<font>34A. Em 6 de Setembro de 1996, o autor encontrava-se estável do ponto de vista cárdio circulatório e respiratório, tendo sido transferido para o Hospital da Prelada para continuação do tratamento das feridas pélvicas e dos membros inferiores;</font><br>
<font>35A. Onde se manteve internado, no Serviço de Cirurgia Plástica, desde o dia 6 de Setembro a Outubro de 1996;</font><br>
<font>36A. E, durante este internamento, foi submetido, em 11 de Setembro de 1996, a limpeza cirúrgica da coxa e coto de amputação do membro inferior direito e plastia, com enxerto de pele, e, no dia 27 do mesmo mês, a nova limpeza cirúrgica e novas enxertias de pele;</font><br>
<font>37A. E foi submetido, ainda, a diversos pensos, muitas vezes, feitos mais do que uma vez por dia;</font><br>
<font>38A. Também durante este internamento, foi controlado, no ponto de vista ortopédico, por médicos desta especialidade;</font><br>
<font>39A. Em 9 de Outubro 1996, o autor foi transferido do Hospital da Prelada para o Hospital Mirandela e, nesse mesmo dia, foi enviado para o Hospital Distrital de Macedo de Cavaleiros, onde esteve internado no Serviço de Ortopedia, até 30 de Outubro de 1996;</font><br>
<font>40. E deste foi transferido para Hospital Distrital de Mirandela, onde esteve internado, de 30 de Outubro de 1996 até 4 de Novembro do mesmo ano;</font><br>
<font>41. O Cirurgião Plástico do Hospital da Prelada dirigiu, em 09 de Outubro de 1996, ao seu Colega do Hospital de Mirandela, a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 29, e que aqui se dá por integralmente reproduzida;</font><br>
<font>42. Em 8 de Outubro de 2000, o médico ortopedista subscreveu o documento de fls. 41, que se integra e dá por integralmente reproduzido, onde fez constar que o autor apresenta "sequelas de destruição da uretra posterior" "cicatrizes distróficas do abdómen", 2 sequelas de fractura dos ramos isquio-púbicos", "fractura dos ossos da perna direita com diminuição da resistência", "amputação pelo 1/3 médio do fémur direito", "após o exame clínico do sinistrado e observação dos exames radiológicos, concordo com a I. P. P. atribuída pela Seguradora de 85,53%", "contudo na nossa opinião o sinistrado encontra-se totalmente incapacitado para a sua profissão de servente" e "Há ainda a acrescentar que os músculos do coto de amputação do fémur atrofiam pelo que terá de ser mudada a prótese, cujo custo é dispendioso";</font><br>
<font>43. O documento cuja cópia se encontra junta a fls. 29, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com a epígrafe "informação clínica", tem a data de 28 de Fevereiro de 2003 e tem a subscrição do Director do Serviço de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética do Hospital da Prelada, Dr. DD;</font><br>
<font>44. O autor, a partir de 4 de Novembro de 1996, esteve internado, várias vezes, no Hospital da Companhia de Seguros da Empresa-A, no Porto, e nos Hospitais Privados de Portugal, a saber: de 04/11/1996 a 20/12/1996; de 06/01/1997 a 23/06/97; de 26/06/1997 a 18/07/1997; de 18/09/1997 a 10/12/1997; de 05/01/1998 a 20/02/1998; e a 26/3/1998;</font><br>
<font>45. Aí sendo examinado por Clínicos de ortopedia, cirurgia e urologia e submetido a várias cirurgias;</font><br>
<font>46. Em 30 de Julho de 1997, em exame feito por clínico da seguradora, refere-se o autor como " Politraumatizado/traumatismo da Bacia, com alongamento da parede abdominal + Amputação do Membro Inferior Direito pelo 1/3 do Fémur + Fractura exposta dos ossos da perna esquerda. Em tratamento por Ortopedia + Cirurgia Plástica. Em tratamento das suas lesões";</font><br>
<font>47. Em 20 de Janeiro de 1999, em exame feito por clínico da seguradora, ainda se lhe diagnosticava Fractura da bacia + Fractura exposta (Amputação do membro inferior direito pelo 1/3 médio da coxa) + Fractura tíbia esquerda + Feridas contusas da região inguinal, escroto. Fez RX";</font><br>
<font>48. Em 13 de Dezembro de 1999, em exame feito por clínico da seguradora, era-lhe ainda diagnosticado: II Amputação 1/3 médio da coxa direita + Fractura ossos perna esquerda. Fez RX. Em tratamento";</font><br>
<font>49. Em 26 de Janeiro de 2000, em exame feito por clínico da seguradora, mantinha-se o diagnóstico anterior, fez RX e continuou em tratamento;</font><br>
<font>50. Em 6 de Março de 2000, em exame feito por clínico da seguradora, mantinha-se o diagnóstico anterior, fez RX e continuou em tratamento;</font><br>
<font>51. Em 7 de Junho de 2000, em exame feito por clínico da seguradora, foi considerado clinicamente curado, com a atribuição de I.P.P. de 85,53%, fez RX, com sequelas várias;</font><br>
<font>52. Os serviços da Seguradora Empresa-A concederam alta ao autor, em 07 de Junho de 2000, com uma incapacidade parcial permanente, por sequelas da destruição da uretra parcial posterior, cicatriz abdominal, sequelas de fractura ramos isquio-púbica, ossos da perna esquerda e amputação do membro inferior direito pelo terço médio;</font><br>
<font>53. Desde a data do acidente até 7 de Junho de 2000, o autor encontrou-se na situação de Incapacidade Temporária Absoluta;</font><br>
<font>54. O autor, em consequência do acidente, sofreu amputação pelo 1/3 médio, do fémur direito;</font><br>
<font>55. E destruição da uretra posterior;</font><br>
<font>56. E sofreu fractura dos ramos isquio-púbicos e fractura dos ossos da perna esquerda;</font><br>
<font>57. O autor nasceu em 22 de Fevereiro de 1975 e tinha 21 anos de idade, no momento do acidente;</font><br>
<font>58. O autor à data do acidente gozava de perfeita saúde;</font><br>
<font>59. Era uma pessoa alegre e com entusiasmo pela vida;</font><br>
<font>60. O autor praticava actividades de desporto;</font><br>
<font>61. Em consequência do acidente, para além dos problemas físicos, padece de desequilíbrios nervosos e angústias;</font><br>
<font>62. Padeceu durante tempo de dores, o que ainda hoje ocorre;</font><br>
<font>63. O autor só com dificuldade é que se consegue vestir e calçar sozinho;</font><br>
<font>64. O autor andou com duas canadianas, desde o acidente até ao momento da colocação da prótese, e, depois disso, sempre com uma;</font><br>
<font>65. O uso da prótese causa-lhe transtorno e incomodidade;</font><br>
<font>66. Só sobe terrenos inclinados com grande esforço e os degraus com dificuldade e de forma morosa;</font><br>
<font>67. O autor é, hoje, um homem amargurado e sem alegria de viver;</font><br>
<font>68. E sente-se um marginalizado da sociedade e praticamente um dependente;</font><br>
<font>69. Antes do acidente, o autor frequentava o ensino básico recorrente, na Escola Secundária de Mirandela, onde esteve matriculado no ano lectivo de 1995/1996 e com aproveitamento;</font><br>
<font>70. E teve de suspender os seus estudos por causa do acidente, só os reatando no ano lectivo de 2000/2001;</font><br>
<font>71. O autor conduz um veículo automóvel, que foi adaptado para o poder conduzir;</font><br>
<font>72. O seu veículo dispõe apenas de dois pedais acelerador e travão e, uma vez que apenas pode fazer uso do seu pé esquerdo, o pedal do acelerador teve de ser transferido para o lado esquerdo;</font><br>
<font>73. A adaptação do seu veículo custou pelo menos cerca de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros);</font><br>
<font>74. O autor, no período compreendido entre 1 de Fevereiro de 2002 e 31 de Janeiro de 2005, trabalhou ao serviço da Câmara Municipal de Mirandela, através do Programa Medida "Reabilitação Profissional" e recebeu Subsídio de Compensação do Instituto de Emprego e Formação Profissional;</font><br>
<font>75. O condutor da retro-escavadora trabalhava por conta e no interesse da Empresa-C, e sob as ordens, direcção e fiscalização desta;</font><br>
<font>76. A Empresa-C, através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº 6672195, válida à data do acidente, havia transferido para a Empresa-A a sua responsabilidade pelos danos que para terceiros resultassem da circulação da retro-escavadora marca JBC, sem matrícula interveniente no acidente;</font><br>
<font>77. Correu termos, no Tribunal do Trabalho de Bragança, um processo emergente de acidente de trabalho com o nº 206/1997, em que foram partes o autor, a sua entidade patronal e a ré, tendo-se realizado, em 19 de Dezembro de 2000, a tentativa de conciliação das partes em cujo âmbito foi celebrado um acordo devidamente homologado;</font><br>
<font>78. Não tendo sido ele (o autor) quem o instaurou (o processo referido em 77°) e o autor nasceu em 22 de Fevereiro de 1975 e tinha 21 anos de idade, no momento do acidente e aí se fez representar por advogado;</font><br>
<font>79. No contexto deste processo, o acidente foi caracterizado como de trabalho, tendo a ré e a entidade patronal do autor, na medida em que não havia transferido a responsabilidade pela totalidade do salário, assumido toda a responsabilidade pelo pagamento da assistência médica e medicamentosa necessária ao restabelecimento do mesmo;</font><br>
<font>80. A Ré já despendeu, até 30 de Abril de 2003, enquanto seguradora da entidade patronal do autor, os seguintes quantitativos:</font><br>
<font>- indemnizações por I. T. A. e I. T. P.: € 8470,61 (oito mil quatrocentos e setenta euros e sessenta e um cêntimos);</font><br>
<font>- pagamentos a Hospitais privados: € 60 540,25 (sessenta mil e quinhentos e quarenta euros e vinte e cinco cêntimos);</font><br>
<font>- pagamentos a Hospitais externos e Farmácia: € 13 438,00 (treze mil quatrocentos e trinta e oito euros);</font><br>
<font>- assistência indirecta: € 13877,37 (treze mil oitocentos e setenta e sete euros e trinta e sete cêntimos);</font><br>
<font>- transportes: € 13 463,63 (treze mil quatrocentos e sessenta e três euros e sessenta e três cêntimos);</font><br>
<font>- pensões, desde o dia 8 de Junho de 2000 até ao dia 30 de Abril de 2003 € 7 470,68 (sete mil quatrocentos e setenta euros e sessenta e oito cêntimos). </font><br>
<font>A Relação revogou a sentença, julgando procedente a excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização do autor, absolvendo a ré do pedido, ponderando para tanto, em síntese, que:</font><br>
<font>-- O ónus da prova da excepção peremptória da prescrição competia à ré que fez a prova dos respectivos factos constitutivos, pois ficou provado que:</font><br>
<font>- De acordo com a normalidade da vida, o autor, porque foi interveniente no acidente, passou a ter conhecimento do direito que lhe cometia na própria data do sinistro, sabendo desde então que podia pedir o ressarcimento dos danos;</font><br>
<font>- Só assim não seria se tivesse ocorrido a suspensão ou a interrupção do prazo da prescrição;</font><br>
<font>- Competia ao autor alegar e provar factos que integrassem causa (s) de suspensão ou de interrupção da prescrição;</font><br>
<font>- Da factualidade alegada e provada não resultam factos que demonstrem que o autor esteve impossibilitado de exercer o seu direito, ou que não teve conhecimento do mesmo ou ainda que indiciem qualquer causa de força maior que obstasse ao decurso do prazo de prescrição.</font><br>
<font>- </font><font>O acidente ocorreu em 13.8.96 e a acção só deu entrada em 12.3.2003, portanto depois de ter terminado o prazo de 5 anos a que alude o nº 3 do artº 498º do CC.</font><br>
<font>Sustenta o recorrente que era à recorrida que competia provar que ele teve conhecimento do seu direito há mais de 5 anos relativamente à data da instauração da acção, e que, não resultando da matéria de facto provada a data em que teve tal conhecimento, não se pode concluir que aquando da propositura da demanda já tinha decorrido o prazo de cinco anos, devendo por isso aplicar-se o prazo de 20 anos a que se reporta o artº 309º do CC.</font><br>
<font>Todavia não é de censurar a presunção feita pela Relação de que o lesado teve conhecimento do seu direito à indemnização na própria data do acidente, pois, de acordo com a normalidade das coisas, os lesados ficam nessa mesma data a saber do seu direito à reparação. Tal presunção, não pecando por ilogismo, não pode ser sindicada pelo Supremo, sendo admitida à Relação atento o artº 351º do CC, sabido que as presunções judiciais ou naturais têm por base as lições da experiência ou as regras da vida </font><font>(quod plerunque accidit)</font><font>, deduzindo o juiz, no seu prudente arbítrio, de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a sua experiência da vida lhe ensina que aquele é normalmente indício deste </font><font>(Aberto dos Reis, CPC anotado, III, pág. 249).</font><br>
<font>Haverá naturalmente excepções à regra, justificando-se a suspensão da contagem do prazo da prescrição sempre que se constate uma situação que se possa classificar de força maior </font><font>(</font><font>v.g. o lesado ficou em estado de coma prolongado)</font><font>, mas então caberá ao lesado alegar e provar o respectivo circunstancialismo, por fugir à normalidade das coisas.</font><br>
<font>Provado que se completou o prazo prescricional, qualquer facto que infirmasse a prescrição teria de ser provado pelo recorrente como titular do direito indemnizatório, pois tal facto funcionaria como impeditivo da extinção do direito, como elemento constitutivo da existência e sobrevivência desse direito. </font><br>
<font>Competia destarte apenas à recorrida arguir a peremptória da prescrição, alegando e provando a data do acidente, presumindo-se que foi nessa mesma data que o recorrente teve conhecimento do direito que lhe compete </font><font>(mesmo que desconhecesse ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos - ut nº 1 do artº 498º do CC), </font><font>sendo sobre o recorrente que incumbia o ónus da prova de que apesar de terem decorrido mais de 5 anos após o acidente, quando intentou a presente acção, o seu direito não prescreveu </font><font>(por o início do prazo da prescrição ter sido diferido para ulterior momento, ou por tal prazo se ter interrompido). </font><fo | [0 0 0 ... 0 1 1] |
WTLYu4YBgYBz1XKvFEkE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"A" intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção declarativa comum, com processo ordinário, contra o "Banco B, SA" e o Estado Português, peticionando:</font><br>
<br>
<font>a) a declaração de nulidade da venda judicial, realizada em 18 de Março de 1992, do "Prédio Misto - Quinta da Perriça - terra de horta - 11.000 m2 - Armazém - 600 m2 - Casa de rés do chão e 1º andar - 96 m2 - norte, C; sul o próprio; nascente Estrada; poente, C - V. P. 11.524$00 Artigo 2898 (rústico) V. P. 223.776$00 - Artigo 1239 e V. P. 57.542$00 - Artigo 1240 (urbano);</font><br>
<br>
<font>b) o cancelamento do registo de aquisição a favor do 1º réu, pela inscrição G-2, correspondente à Apresentação nº 01/080393.</font><br>
<br>
<font>Alegou, para tanto, que:</font><br>
<font>- adquiriu, em 25 de Setembro de 1991, por remição, aquele prédio;</font><br>
<font>- o 1º réu sabia, à data dessa compra, quais as características do prédio e que ónus sobre ele incidiam;</font><br>
<font>- o banco, aproveitando circunstâncias que só ele conhecia, promoveu por duas vezes a venda desse prédio;</font><br>
<font>- a segunda venda (ao próprio BPSM) é nula (art. 892º do C.Civil).</font><br>
<br>
<font>Contestou o Estado Português, representado pelo Ministério Público, excepcionando a sua ilegitimidade.</font><br>
<br>
<font>Contestou também o 1º réu pugnando pela improcedência da acção.</font><br>
<font>Apresentou, entretanto, o autor articulado superveniente, requerendo a intervenção principal dos novos adquirentes do prédio, D e mulher E, e peticionando a nulidade da compra por estes feita.</font><br>
<br>
<font>Admitido o incidente, contestaram os intervenientes, sustentando a improcedência do pedido.</font><br>
<br>
<font>No despacho saneador foi o Estado Português absolvido da instância por ilegitimidade passiva.</font><br>
<br>
<font>Fixada, na audiência preliminar, a matéria de facto, por acordo das partes, e após alegações de direito, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os réus do pedido.</font><br>
<font>Inconformado apelou o autor, sem êxito, já que o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 22 de Abril de 2004, considerando improcedentes as razões invocadas pelo recorrente, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Interpôs, então, o mesmo autor recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido com todas as consequências legais.</font><br>
<br>
<font>Em contra-alegações, quer o banco réu, quer os intervenientes D e mulher, defenderam a bondade do julgado.</font><br>
<br>
<font>Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.</font><br>
<font>Nas alegações do recurso formulou o recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690, nº 1 e 684, nº 3, do C.Proc.Civil):</font><br>
<br>
<font>1. O prédio penhorado e vendido nas duas execuções, 18/88 do Tribunal de Pinhel e 1356/86 do Tribunal de Coimbra é o mesmo, apenas não se tendo indicado na penhora da execução do Tribunal de Pinhel a parte urbana.</font><br>
<br>
<font>2. Tendo o prédio sido adquirido por remição pelo autor, ora recorrente, em 25 de Setembro de 1991, na execução 18/88 do Tribunal de Pinhel, não podia o mesmo prédio ser objecto de outra venda, como efectivamente foi, em 18 de Março de 1992, na execução 1356/86 do Tribunal de Coimbra.</font><br>
<br>
<font>3. Nas duas execuções foi exequente o Banco B e executados F e mulher.</font><br>
<br>
<font>4. O Banco tinha perfeito conhecimento da aquisição pelo autor, na medida em que interveio e acompanhou ambas as execuções a correr em simultâneo.</font><br>
<br>
<font>5. Esteve e procedeu o Banco de má fé em todo este percurso das duas execuções.</font><br>
<br>
<font>6. A aquisição do prédio pelo Banco em 18 de Março de 1992, sendo uma venda de bem alheio, é um acto nulo, nos termos do disposto no art. 892º do CC e invocável a todo o tempo, nos termos do disposto no art. 286º do CC.</font><br>
<br>
<font>7. Deve ser declarada a nulidade da segunda venda, na execução 1356/86 do Tribunal de Coimbra e mandada cancelar a respectiva inscrição na Conservatória.</font><br>
<br>
<font>8. O registo da acção encontra-se efectuado na respectiva Conservatória do Registo Predial.</font><br>
<br>
<font>9. É também nula a venda do Banco ao interveniente, D, por o banco não ter legitimidade para poder proceder à venda, (res alliena) e ainda porque estava a correr a acção para declarar a nulidade da segunda venda.</font><br>
<br>
<font>10. Deve ser declarada a nulidade da venda do Banco ao Interveniente, nos termos do disposto nos arts. 892 e 286 do CC e ordenado o cancelamento da inscrição a favor do dito interveniente.</font><br>
<br>
<font>11. Procedeu o interveniente de má fé, pois conhecia perfeitamente que o prédio em causa pertencia ao autor.</font><br>
<br>
<font>12. Houve, portanto, a má fé conjugada do Banco e interveniente, nesta última venda.</font><br>
<br>
<font>13. O Tribunal da Relação omitiu a pronúncia, não apreciando a questão dos dois quesitos formulados, de que se reclamou na 1ª Instância, para em julgamento se comprovar a má fé do Banco e do Interveniente, que ao longo do processo é patente, questão essencial para a decisão, tendo o Tribunal a quo violado o disposto no n°1, al. d), do art. 668º do CPC, o que desencadeia a nulidade do mesmo acórdão.</font><br>
<br>
<font>14. Deve assim revogar-se o acórdão, ordenando-se ao Tribunal a quo a reformular novo acórdão de forma a serem contemplados os referidos quesitos de molde a produzir-se prova sobre os mesmos.</font><br>
<br>
<font>15. Violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 286, 892 e 291 do CC e nos arts. 510, 511, 659 e 660 do CPC.</font><br>
<br>
<font>16. Deve revogar-se o acórdão recorrido, dando-se procedência à acção, com todas as consequências legais.</font><br>
<br>
<font>17. Ou, pelo menos, dar-se procedência à acção reduzindo-se a segunda venda, apenas no que se refere à parte urbana, nos termos previstos no art. 292° do CC, ficando o Banco com um direito de crédito em relação ao autor, pela dita parte urbana, isto sem prejuízo da anulação da venda ao interveniente.</font><br>
<br>
<font>18. Ou, caso não proceda qualquer das duas últimas conclusões, deve dar-se provimento às conclusões formuladas em 13 e 14.</font><br>
<font>No acórdão recorrido foram, definitivamente fixados, os factos seguintes:</font><br>
<br>
<font>i) - o autor adquiriu, em 25 de Setembro de 1991, por remição, juntamente com outros bens, o imóvel, inscrito na matriz sob o artigo 2898, da freguesia de Escalhão, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, conforme consta do Auto de Arrematação (fls. 11 a 14);</font><br>
<br>
<font>ii) - com data de 22/11/1989, foi elaborado o Auto de penhora no Tribunal de Figueira de Castelo Rodrigo em cumprimento dos autos de carta precatória nº 67/89 da comarca de Pinhel e extraída dos autos de Execução Ordinária para pagamento de quantia certa, em que era Exequente o Réu Banco e Executados os pais do autor (fls. 8);</font><br>
<br>
<font>iii) - a verba nº 17 do referido auto está assim descrita: "Prédio rústico composto por terra de horta sito no lugar da Quinta da Pedreira, limite dito, com a área de 1.100 HA, a confrontar do norte com C, nascente com estrada, sul com o próprio (o executado e pai do autor) e poente com C, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 2898 e não descrita na Conservatória do Registo Predial;</font><br>
<br>
<font>iv) - na aquisição referida em i), o prédio remido pelo autor foi assim descrito: verba 17ª, prédio rústico composto por terra de horta sito na Quinta da Pereira, limite da freguesia de Escalhão, desta comarca (Figueira Castelo Rodrigo), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 2898 com valor patrimonial de 11.524$00;</font><br>
<br>
<font>v) - no dia 31/01/1984 no Cartório Notarial de Pinhel, F e G, pais do ora autor, deram de hipoteca ao Banco réu, para garantia do pagamento de todas e quaisquer letras, livranças, aceites bancários e outras responsabilidades de que natureza fossem que o dito Banco tivesse descontado ou viesse a descontar, os prédios, entre outros, o prédio identificado na dita escritura e descrito como terreno de batata, centeio , trigo, vinha, videiras em cordão, pastagem, oliveiras, amendoeiras, laranjeiras, pereiras, com armazém que se destina à conserva de azeitonas, casa de rés-de-chão e primeiro andar destinada à habitação, no sítio da Quinta de Pedriça, freguesia de Escalhão, a confrontar de Norte com Dr. H, Nascente com Rio Águeda, sul com Dr. I e Poente com Dr. J, inscrito na matriz sob os artigos 21º rústico e 1239º e 1240º urbanos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira Castelo Rodrigo sob o número 15961, a fls. 194 vº;</font><br>
<br>
<font>vi) - como ressalta da certidão da Exec. Hipotecária nº 1356/86, 1ªSecção, 1ºJuízo, Tribunal Judicial de Coimbra, foi exactamente com esta composição unitária e natureza de misto que aquele prédio:</font><br>
<font>- recebeu a inscrição registral da hipoteca (fls. 11 a 14);</font><br>
<font>- foi penhorado naquela Execução Hipotecária (fls. 4, verba 5ª);</font><br>
<font>- foi publicado para venda (fls. 23 e 24);</font><br>
<font>- foi arrematado e adjudicado em praça ao Banco exequente (fls. 27, verba 4ª e fls. 30);</font><br>
<br>
<font>vii) - que, pela Ap. 01/080393, registou a seu favor a aquisição do respectivo direito de propriedade (G-2 - fls. 15 e vº);</font><br>
<br>
<font>viii) - encontram-se juntas aos autos duas fichas emitidas pelo Registo Civil, Comercial e Predial de Figueira de Castelo Rodrigo e juntas a fls. 15 e 16, com o nº 1140 de 08/03/93 e fls. 17 e vº com o nº 691 de 26/03/90. A ficha 691 foi aberta na sequência de um registo de penhora sob a apresentação nº 1 de 26/03/90 (ao abrigo do artigo 80º do CRP);</font><br>
<br>
<font>ix) - o registo teve por base certidão extraída da Execução Ordinária nº 18/88 de Tribunal Judicial de Pinhel, identificando o prédio em questão sob a verba nº 17 como não descrita na Conservatória (fls. 832);</font><br>
<br>
<font>x) - no requerimento apresentado (de acordo com a informação da Conservatória de Figueira de Castelo Rodrigo), não foram declarados os antepossuidores da verba nº 17, invocando o desconhecimento dos mesmos pelas más relações existentes (fls. 832);</font><br>
<br>
<font>xi) - a ficha nº 691 foi inutilizada, por duplicação, em 08/03/93, tendo sido transcrita para a ficha nº 1140 a penhora já referida (fls. 832);</font><br>
<br>
<font>xii) - nessa data deram entrada sob os nºs 1, 2, 3, 4 e 5, cinco pedidos sob o prédio 15961 de fls. 194 vº do livro B-38;</font><br>
<br>
<font>xiii) - nas declarações prestadas no pedido nº 1 de 08/03/93, identifica-se um prédio misto, composto por parte urbana artigos 1239 e 1240 e parte rústica artigo 2898, correspondendo a ficha nº 691 ao artigo rústico 2898º;</font><br>
<br>
<font>xiv) - a ficha nº 1140 da freguesia de Escalhão foi aberta na sequência do pedido de registo de aquisição, por arrematação em hasta pública, apresentando sob o nº 1 de 08/03/93, por extractação, para a ficha em causa, da descrição nº 15961 e inscrições em vigor sobre esta descrição e sobre a ficha nº 691;</font><br>
<font>xv) - o prédio a que corresponde o nº 15961 e identificado na respectiva Repartição de Finanças como rústico, sofreu uma alteração por averbamento, em 29/09/76, apresentação nº 5, por nele ter sido edificado um armazém que se destinava à conserva de azeitona com área de 600 m2, tendo no r/c, 30 depósitos em cimento para azeitona e no 1º andar três divisões de 20 m2 cada, mais duas de 25 m2, duas de 10 m2 cada uma e uma outra com 405 m2, confrontado de todos os lados com o executado Castelo Branco, pai do autor. A esta construção coube o artigo urbano 1239º;</font><br>
<br>
<font>xvi) - na mesma ocasião, foi ainda inscrita a construção de uma casa de altos e baixos com área de 96 m2 com 3 divisões de 16 m2 no 1º andar, mais 3 divisões de 12 m2 cada e quarto de banho com 6 m2, e no r/c uma divisão de 15 m2, outra de 21 m2 e outra de 36 m2, confrontada também esta construção por todos os lados com F, pai do autor. A esta construção coube o artigo urbano 1240º. Nesta ocasião (29/09/76), o prédio passou a ter a natureza de misto;</font><br>
<br>
<font>xvii) - o prédio passou a ser composto então pelos artigos urbanos 1239º e 1240º e o artigo rústico 21º;</font><br>
<br>
<font>xviii) - em 08/03/93, pela apresentação nº 1 houve actualização da parte rústica do prédio;</font><br>
<br>
<font>xix) - nessa actualização foram alteradas as confrontações norte, sul e poente e foi alterada a denominação do prédio da Pedriça para Quinta da Pedriça, e foi alterado o artigo rústico de 21º para 2898º (fls. 832 vº). Na mesma ocasião ficou a constar a área da parte rústica;</font><br>
<br>
<font>xx) - ainda nos termos da informação da Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo, foi dito que se existe alguma identidade entre o prédio com a parte rústica inscrita sob o art. 21º e o prédio inscrito sob o art.2898º a identidade consistirá no seguinte:</font><br>
<font>- o art. 21º era composto por olival, sito na Pedriça, com as confrontações de norte e poente com os Herdeiros de C, de nascente com estrada e Eng.º C e de Sul com K, omisso quanto à área e com construção posterior de um armazém e uma casa, passando a ser prédio misto;</font><br>
<font>- o art. 2898º é composto por terra de horta, sinto na Quinta da Pedriça, com as confrontações de Norte com C, sul com o próprio (proprietário), de nascente com estrada e de poente com C, com a área 11000 m2, fazendo parte de um prédio misto composto também por armazém e casa (fls. 833);</font><br>
<br>
<font>xxi) - o prédio penhorado na Execução Hipotecária nº 1356/86 da 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Coimbra e descrito em v) foi penhorado em 20/02/1987 e registado na competente Conservatória do Registo Predial em 11/09/1987; </font><br>
<br>
<font>xxii) - por escritura pública lavrada no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia com data de 25 de Julho de 2000 o Banco B, SA declarou que vendeu aos Intervenientes, D e E pelo preço de 35.000.000$00 (€ 174.579,26) dezassete imóveis (fls. 641 a 651);</font><br>
<br>
<font>xxiii) - de entre os prédios objecto de alienação consta como alínea d) o seguinte imóvel:</font><br>
<font>- "misto, composto de terra de horta; armazém; e casa de rés-do-chão e primeiro andar, sito na Quinta da Pedriça, descrito na Conservatória sob o número zero mil cento e quarenta e nela registado a favor do vendedor pela inscrição G-2, inscrito na matriz sob os artigos 2898 (rústico), com o valor patrimonial de 11.524$00 e atribuído de 190.000$00, 1239 (urbano), com o valor patrimonial de 187.012$00 e atribuído de 3.200.000$00 e 1240 (urbano), com o valor patrimonial de 74.804$00 e atribuído de 10.500.000$00 (fls. 644);</font><br>
<br>
<font>xxiv) - pela Ap. 01 de 28/03/96 o autor promoveu o registo dos presentes autos, pedindo a declaração de nulidade da venda judicial efectuada em 18/03/1992 a favor do Banco B, SA e consequente cancelamento da inscrição G-2 AP 01/080393 (fls. 733);</font><br>
<br>
<font>xxv) - com data de 23/09/1999 foi anotada a caducidade do registo da acção;</font><br>
<br>
<font>xxvi) - a aquisição referida em xxii) foi registada como G-3, Ap. 01 de 04/08/2000 (fls. 733);</font><br>
<br>
<font>xxvii) - como inscrições F4 Ap. 03 de 19/01/2001, foi registada de novo a presente acção (fls. 733);</font><br>
<br>
<font>xxviii) - a aquisição referida em i) foi efectuada na sequência da Execução Ordinária nº 18/88 do Tribunal Judicial de Pinhel. </font><br>
<font>Vem o recorrente imputar ao acórdão recorrido a nulidade por omissão de pronúncia (art. 668º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil) por não ter apreciado a questão dos dois quesitos não formulados, de que aquele reclamou na 1ª Instância, para em julgamento se comprovar a má fé do réu banco e do interveniente, questão essencial para a decisão a proferir.</font><br>
<br>
<font>Vejamos.</font><br>
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<font>Após a audiência preliminar (fls. 840 a 843 e 862 a 865) em que, com o acordo das partes, o tribunal fixou a matéria de facto assente, veio o autor, ora recorrente, requerer a formulação de dois quesitos que entendia com interesse para o dirimir da causa (fls. 872), com a seguinte redacção: a) "tanto o banco como o interveniente sabiam perfeitamente da primeira venda existente"; b) "estavam ambos de má fé".</font><br>
<br>
<font>Em resposta o banco réu sustentou a extemporaneidade da pretensão deduzida pelo autor, pugnando pelo respectivo indeferimento (fls. 899).</font><br>
<br>
<font>Acerca daquele requerimento foi exarado despacho (fls. 904) do seguinte teor: "Foi delimitada na audiência preliminar toda a matéria de facto relevante para a decisão pelo que nada mais há que aditar ou quesitar. Indefere-se, pois, esta parte do requerimento de fls. 872 e 873".</font><br>
<br>
<font>Se bem que este despacho não haja sido, na altura, impugnado (em boa verdade, nem poderia sê-lo atento o preceituado no nº 3 do art. 511º do C.Proc.Civil), certo é que o autor, nas alegações da apelação, suscitou a questão, sustentando que porque não foram formulados os quesitos propostos lhe ficou vedada a dedução de prova em relação à má fé de ambos (banco e intervenientes) e concluindo (conclusão n) que "deve revogar-se a douta sentença, e ordenando a formulação de dois quesitos, para objecto de prova" (fls. 967 e 978).</font><br>
<br>
<font>Assim, indubitavelmente, a questão da nulidade da sentença por deficiência da matéria de facto (quesitada), bem como a impugnação do despacho que indeferiu a reclamação do autor de fls. 872, foram suscitadas pelo autor (embora em termos estruturalmente pouco ortodoxos, mas de iniludível compreensão) no recurso de apelação.</font><br>
<br>
<font>Porém, a Relação não se pronunciou sobre a questão assim colocada, silenciando, pura e simplesmente, sobre o assunto. (1) </font><br>
<font>Ora, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, prevista no art. 668º, nº 1, al. d) do C.Proc.Civil, ocorre sempre que o juiz (2) incumpre o comando do artigo 660º, nº 2, do mesmo diploma, segundo o qual "deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação".</font><br>
<br>
<font>Poderia, é certo, dizer-se que os quesitos cujo aditamento o autor pretendia não se revestiam de interesse, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. art. 511º, nº 1, do C.Proc.Civil). Ou, por outro lado, que a reclamação do autor deveria ter sido feita na audiência preliminar e não na altura em que o foi. (3) </font><br>
<font> Ou até que os quesitos propostas não incluíam matéria de facto (o que parece acontecer quanto ao proposto em segundo lugar, manifestamente conclusivo).</font><br>
<br>
<font>Não poderá, todavia, esquecer-se que essa argumentação significaria já pronúncia acerca da questão, a qual, como é óbvio, nada se dizendo, esteve ausente.</font><br>
<br>
<font>E ainda que se entendesse que a formulação de quesitos na altura da reclamação pelo autor estava processualmente vedada, não pode deixar de se considerar que "tratando-se (a condensação) de uma peça processual com simples função instrumental, destinada a facilitar a realização do julgamento, é preferível corrigir uma falha imediatamente detectada e reclamada pela parte do que persistir no erro e, com ele, afectar os direitos substanciais envolvidos ou motivar que, em sede de recurso, a Relação, sob iniciativa do recorrente ou mesmo oficiosamente, tenha de ordenar a ampliação da base instrutória e determinar a repetição parcial do julgamento, nos termos do art. 712º, nº 4". (4) </font><br>
<br>
<font>O que significa, à semelhança do que acontecia quanto ao direito processual anterior, que o conhecimento da questão da nulidade da sentença da 1ª instância, suscitada pelo autor na apelação, porque de conhecimento oficioso, sempre teria que ser analisada ainda que anteriormente se não tivesse discutido. (5) </font><br>
<font>Ocorre, pois, manifesta omissão de pronúncia no acórdão recorrido, o qual, na procedência do recurso do autor, há-de ser anulado.</font><br>
<br>
<font>Por este motivo, prejudicado fica o conhecimento das demais questões colocadas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Nestes termos decide-se:</font><br>
<br>
<font>a) - anular o acórdão recorrido, ordenando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para que, suprindo a nulidade, aprecie, de novo, se possível com os mesmos Juízes Desembargadores, o recurso de apelação; </font><br>
<br>
<font>c) - condenar nas custas a parte que ficar vencida a final, ou, não havendo inteiro vencimento, na proporção do decaimento respectivo.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 10 de Março de 2005</font><br>
<font>Araújo Barros,</font><br>
<font>Oliveira Barros,</font><br>
<font>Salvador da Costa.</font><br>
<font>------------------------------------</font><br>
<font>(1) Nem mesmo o fez, como podia (ou devia) nos termos dos arts. 668º, nº 4, 716º, nº 1 e 744º do C.Proc.Civil, depois de invocada a nulidade do acórdão nas alegações da revista.</font><br>
<font>(2) Ou o colectivo, no caso de decisão em recurso do Tribunal da Relação (art. 716º, nº 1).</font><br>
<font>(3) Temos sérias reservas quanto à possibilidade de aplicação das normas adjectivas advindas da Reforma Processual de 1995 (realização de audiência preliminar e diligências subsequentes) porquanto a acção foi instaurada em 28 de Março de 1996.</font><br>
<font>(4) António Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, Coimbra, 1997, pags. 148 e 149.</font><br>
<font>(5) Cfr. Assento STJ nº 19/94, de 26 de Maio, in DR IS-A de 04/10/94.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
oTLvu4YBgYBz1XKv0Vzu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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"A", deduziu embargos de terceiro, com função preventiva, por apenso ao processo de falência de B, a fim de ser, designadamente, «suspensa de imediato a apreensão ordenada» «de todos os bens que se encontrem na sede da falida, nomeadamente os que são detidos pela» embargante.<br>
Produzida a prova informatória, foi ordenada a suspensão da apreensão e a notificação da falida embargada, na pessoa do seu liquidatário.<br>
Este, contestando, excepcionou o erro na forma do processo e a ilegitimidade da falida, e impugnou.<br>
A embargante, apenas por julgar ser de atribuir carácter urgente a este processo de embargos, requereu o desentranhamento da contestação, por extemporaneidade.<br>
Replicou por ter como admissível a dedução de embargos preventivos.<br>
Instruído o processo com diversos documentos, foi proferido despacho saneador onde foi tida por tempestiva a apresentação da contestação, desatendido o erro na forma do processo e julgados improcedentes os embargos.<br>
Apelou, sem êxito, a embargante.<br>
Novamente inconformada, pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:<br>
- o despacho de recebimento dos embargos de terceiro com função preventiva formou caso julgado,<br>
- pelo que não podiam as instâncias voltar a pronunciar-se sobre a questão processual;<br>
- além de tal constituir violação de caso julgado formal, o acórdão padece de nulidade por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida;<br>
- a norma do art. 351 n. 2 CPC é excepcional, não se aplicando aos embargos de terceiro com função preventiva nem comportando aplicação analógica;<br>
- o CPEREF permite o recurso a estes embargos no processo especial de recuperação da empresa e de falência,<br>
- os quais têm carácter de urgência, pelo que a contestação não é tempestiva e devia ter sido desentranhada;<br>
- é inconstitucional, por conduzir a regulação arbitrária, discriminatória e a intolerável desigualdade, a interpretação dos arts. 359 n. 1 e 351 n. 2 CPC, no sentido da impossibilidade de dedução de embargos de terceiro com função preventiva;<br>
- violado o disposto nos arts. 10 e 14 CPEREF, 144, 145, 351, 354, 359, 668 n. 1 c), 671 e 672 CPC e 13 e 62 CRPort.<br>
Contraalegando, pugnou a embargada pela confirmação do julgado.<br>
Colhidos os vistos.<br>
Ao abrigo do disposto no art. 713 n. 6 CPC, remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido, sendo que, fundamentalmente, é suficiente para conhecer do objecto do recurso a contida no relatório supra.<br>
<br>
Decidindo:<br>
<br>
1 - Deduzidos os embargos, o sr. Juiz proferiu despacho a ordenar a produção de prova e recebeu-os.<br>
Defende a embargante que tal decisão é susceptível de caso julgado, pelo que se impõe ainda que, porventura, não gozasse de apoio legal.<br>
Antecede tal despacho a produção de prova meramente perfunctória. Para a prolacção do despacho nem sequer é ouvida a parte contrária o que, desde logo, inviabiliza que se lho possa opor com força de caso julgado.<br>
Pode, assim, a parte contrária opor-lhe todas as questões que, em seu entender, deviam ter conduzido a que fosse proferido em sentido diferente.<br>
Além disso, que em si é suficiente para demonstrar o infundado da argumentação da embargante, são a finalidade em si do despacho e o seu carácter provisório a contrariarem-na também.<br>
Em princípio, o sr. Juiz parece ter-se preocupado apenas com a prova (informatória) da existência da posse e da qualificação de terceiro.<br>
E, porque no despacho nada decidiu sobre a admissibilidade destes embargos, relegou (e não é preciso dizê-lo expressamente) o conhecimento e decisão do problema para momento posterior, o que lhe era permitido.<br>
Tratando-se de um despacho com natureza de liminar, o conhecimento de questões que nele poderiam ter sido decididas não ficou precludido.<br>
Por outro lado, além de proferido sem audição da parte contrária, há que ter em conta o carácter genérico da pronúncia, não havendo um debruçar directo e concreto da questão muito embora ela seja de conhecimento oficioso (invocável aqui, a argumentação, hoje pacífica, para não conferir força de caso julgado ao despacho saneador sobre excepções dilatórias quando de carácter genérico).<br>
2 - A embargante continua a defender a extemporaneidade da contestação atribuindo a este processo de embargos de terceiro carácter urgente.<br>
Desde logo, é inviável o conhecimento de tal questão (independentemente, o disposto no art. 10 n. 1 CPEREF não consente tal interpretação).<br>
«Sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação de lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do nº 2 do art. 754, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso» (CPC art. 722,n. 1).<br>
Os embargos foram propostos em 00.06.08.<br>
O despacho saneador ao negar procedência à arguição não pôs termo ao processo.<br>
A Relação, conhecendo, no acórdão recorrido, desta decisão, confirmou-a, sem voto de vencido.<br>
Porque deste segmento decisório não era admissível agravo para o STJ, não se conhece da respectiva alegação da embargante - não lhe era lícito produzi-la.<br>
3 - Pugna pela admissibilidade dos embargos de terceiro com função preventiva.<br>
As instâncias negam-na.<br>
«Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo especial de recuperação e de falência» (CPC art. 351, n. 2).<br>
No entender da embargante, apenas se aplica se tiver havido efectiva apreensão (aqui sim porque previstos no CPEREF 201, 203 e 205). Atribuindo carácter excepcional à norma, considera inaplicável o disposto no art. 359 n. 1 CPC.<br>
A norma contida nesse n. 2 é especial por ela se deixando a porta aberta para a defesa de terceiros ser regulada em diploma próprio do instituto falimentar. Estabelecendo-a, pretendeu-se com ela acautelar a especificidade daquele instituto e que a restituição e separação de bens tivesse lugar em sede própria e a sua regulamentação, já de si reveladora de particularidades muito próprias, não andasse dispersa, antes fosse compendiada num só diploma. Não se criou qualquer norma excepcional.<br>
Assim, não seria pelo seu carácter que a norma do nº 1 do art. 359 CPC deixaria de ser aplicada.<br>
A resolução da questão não passa pela controvérsia que a embargante quis suscitar.<br>
A lei, como se disse, quis compendiar num só Código a legislação relativa ao processo falimentar, nele regulando exaustivamente todos os seus aspectos, incluindo o relativo aos meios para se reagir à apreensão de bens. Entre estes não consagrou a possibilidade de a reacção ser desencadeada contra o despacho que a ordenou - não o quis fazer quer pelo propósito de codificação quer por não ter como subsidiária à mesma o CPC (onde o é, expressamente para ele se remete) quer por a protecção que quis dispensar e o equilíbrio de interesses que procurou encontrar o desaconselharem.<br>
Se em lugar de visualizarmos o «despacho», olharmos ao que a lei refere - a apreensão é decretada na sentença de declaração de falência (CPEREF 128, n. 1 c)); contra esta reage-se embargando (art. 129; não é impugnável através de recurso - este só caberá da sentença sobre os embargos, art. 228); proferida a sentença procede-se à imediata apreensão (art. 175 n. 1), resultando da declaração de falência o poder de apreensão (art. 176 n. 1) - observa-se que, embora negando a quem se arrogue a propriedade ou a compropriedade de bens apreendidos a possibilidade de embargar, não lhe desacautelou a defesa do que julgue ser seu direito. A acção de reivindicação, o pedido de restituição ou de separação de bens são os meios que a lei colocou ao seu alcance (CPEREF 201, 203, 205 e 179 n. 2 e 3); mais, a separação pode, inclusive, ser requerida pelo liquidatário (art. 201 n. 2).<br>
À requerente não lhe assistia, portanto, o direito de embargar.<br>
<br>
4 - Defende a embargante a inconstitucionalidade por se ter socorrido «do único meio que tem ao seu dispor para defesa preventiva da propriedade dos seus bens», «sendo ... que, em qualquer outro tipo de processo o terceiro pode recorrer a este meio de garantia do seu direito à propriedade privada, quando colocado numa situação em tudo semelhante»; «tal interpretação exclusiva dos embargos de terceiro com função preventiva insurge-se em contradição com todo o sistema jurídico subjacente ao Código de Processo Civil e ao CPEREF».<br>
De um modo sintético e sem pretensão de se ser exaustivo dir-se-á que o igual deve ser tratado como igual e o desigual como desigual.<br>
Enquanto a execução é singular (abrindo-se, mais tarde, uma fase a certos outros - não a todos, portanto - credores), a falência e respectiva liquidação tem carácter universal. A falência é um regime que respeita à liquidação universal do património das empresas inviáveis.<br>
Logo por aí, uma desigualdade - e fundamental - de situações, pelo que não requer o mesmo tratamento.<br>
Um dos objectivos essenciais, comum à recuperação das empresas e à falência, é a salvaguarda dos interesses dos credores, aos quais a lei reconhece independência da sua posição face quer à empresa quer ao gestor judicial quer ao liquidatário mesmo no que respeita à actuação processual em geral (daí que, inclusivamente quanto os meios específicos de oposição à apreensão de bens de terceiro a sua posição não possa em nada ser dispensada) - é o chamado princípio da autonomia de actuação dos credores.<br>
Na falência, os credores - todos eles - podem ser afectados pelos actos que da massa falida excluam ou pretendam excluir certos bens, são todos interessados, quando a apreensão ocorre ou pode ocorrer em processo sem carácter universal, os actos de exclusão de bens merecem uma repercussão restrita.<br>
O instituto falimentar tem de se organizar procurando um equilíbrio entre os interesses de todos quantos nele possam ou devam intervir - falido, credores, promitentes, titulares de direitos reais de gozo sobre os bens, terceiros coobrigados, terceiros garantes da obrigação, etc.<br>
Diversamente quando o acto que possa constituir agressão de direito real de gozo se insira em processo sem aquela natureza universal.<br>
É na sentença que a apreensão é decretada, procedendo-se de imediato à apreensão dos bens. Não há um despacho autónomo e posterior à sentença.<br>
Apreendidos os bens, se eles pertencerem a terceiro, tem este de se servir dos meios específicos que o CPEREF consagra, o que não obstaculiza a iniciativa do liquidatário desde que obtenha parecer favorável da comissão de credores.<br>
Reclamando a restituição ou a separação de bens, o seu dono funda o seu pedido na relação de domínio (art. 201 n. 1 a)) e o terceiro na titularidade de direito real de gozo sobre bens de que o falido não tinha sequer a posse (art. 201 n. 1 c)).<br>
A reclamação tem assim de assumir a natureza de acção reivindicatória.<br>
A reclamação e a reivindicação são os meios próprios para se fazer valer o direito real de gozo sobre os bens apreendidos em processo de falência e a lei não prevê - porque não quis concedê-la - qualquer providência cautelar a instaurar por quem se arroga ou virá a arrogar-se como reclamante ou reivindicante.<br>
Nem tinha a lei que tratar como igual aquilo que é desigual nem devia descurar quer o carácter do processo de falência quer o equilíbrio entre os vários interesses que aí se debatem.<br>
Desnecessária é qualquer outra fundamentação pois a expendida pela embargante não o exige.<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 23 de Abril de 2002<br>
Lopes Pinto.<br>
Ribeiro Coelho.<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ojIovIYBgYBz1XKvxqwA | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ):<br>
I - Relatorio<br>
1. Sociedade Industrial de Construções e Turismo, J.<br>
Pimenta, S.A., propos contra o Estado, A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L e M uma acção com esta pretensão:<br>
"dever julgar-se procedente a presente acção e o reu<br>
Estado condenado a pagar a autora uma indemnização a liquidar em execução de sentença e calculada nos termos do artigo 50 desta petição inicial - mas nunca inferior a 400001 escudo, devendo os reus gestores, solidariamente ser condenados a pagar a autora a parte dessa indemnização correspondente aos danos causados por factos dolosos, designadamente os referidos no artigo 48 desta petição e que estimam em nunca menos de<br>
500000 escudos".<br>
2 . Para fundamentar esta pretensão, a autora articulou ter sido sujeita a intervenção do Estado " ao abrigo do Decreto-Lei n. 660/74, de 25 de Novembro, atraves da resolução do Conselho de Ministros, de 4 de Março de<br>
1975, publicada no Diario da Republica, I serie, n. 71, de 25 de Março de 1975".<br>
Acrescentou, porem, a substituição dos seus corpos sociais por gestores do Estado (os outros reus) que integravam, ao longo de mais de 2 anos, as sucessivas comissoes administrativas. Tambem disse que a intervenção se manteve ate 4 de Maio de 1979, pois foi nesta data que a empresa, atraves da resolução 133-A/79<br>
(D.G., I serie, da data citada) foi devolvida aos seus legitimos donos.<br>
3 . No plano mais aproximado dos factos, alegou o seguinte: a) O que foi restituido a autora tinha valor muito inferior ao que existia a data da intervenção; b) Esta ultima "veio a saldar-se por prejuizos muito elevados da ordem de milhares de contos"; c) A data da desintervenção a autora "estava sem quadros a todos os niveis, as relações humanas e laborais estavam deterioradas, sendo profunda a deterioração economica e financeira"; d) O ultimo balanço aprovado antes da intervenção revela possuir a autora "um patrimonio estavel e valioso"; e) Atento o estado em que foi deixada a sua contabilidade, aquando da desintervenção, impede, ainda hoje, o apuramento rigoroso da sua situação patrimonial, embora tudo aponte para um passivo superior ao activo "em termos preocupantes, o que permite concluir que a gestão da autora foi feita de uma forma extremamente ruinosa para esta"; f) os gestores consideraram erradamente a autora como pertencente a um grupo de empresas sobretudo para os efeitos de receitas, "mas individualmente quanto a despesas e encargos"; g) os gestores nao pagaram impostos, encargos sociais e juros de emprestimos contraidos durante o periodo da intervenção; h) os mesmos utilizaram "rendas" da autora para outras do "impropriamente chamado grupo J. Pimenta"; i) durante o mesmo periodo, a autora "deixou de receber o lucro anual de 600000 escudos proveniente da diferença entre as rendas que cobrava e a que devia pagar aos titulares de contratos de garantia de rendimento"; j) "a autora perdeu alguns contratos de garantia de rendimentos", merce da actuação dos gestores; l) houve "falta de cumprimento de contratos validos e eficazes", bem como "falta de cobrança atempada de rendas"; m) dada a forma caotica como os gestores administravam a empresa, aqueles foram pedindo a exoneração e sucessivamente substituidos, o que provocou descreditos para a autora com o consequente abandono dos tecnicos qualificadas existentes.<br>
4 . Com excepção dos demandados H e D (este por a autora ter desistido do pedido contra ele formulado), todos contestaram por excepção (ineptidão da petição por ser ininteligivel a causa pedida, incompetencia em razão da materia e prescrição) e por impugnação. A autora replicou, procurando caracterizar melhor, quanto a factos, o que ficou referido como consta da petição e concluiu assim: "condenando-se os reus solidariamente a pagar a autora a indemnização por danos emergentes, lucros cessantes num montante de 93685 contos, bem assim em lucros futuros provisorios, a liquidar em execuçao de sentença". Os reus triplicaram.<br>
5 . O Excelentissimo Juiz, no saneador, absolveu os reus da instancia, julgando o tribunal incompetente em razão da materia e inepta a petição inicial (foi esta a ordem seguida). A autora agravou e a Relação revogou o citado despacho, decidindo ser competente o tribunal comum e apta a petição.<br>
6 . So o Estado agravou, tendo concluido nestes exactos termos: a) "No dominio das empresas intervencionadas os actos de gestão a luz dos poderes legais e estatutarios de administração de empresa integram actos de gestão privada da propria empresa"; b) "Sendo a responsabilidade do Estado a que advem do n. 2 do artigo 10 do Decreto-Lei n. 422/76 que corporiza um regime especial de responsabilidade extracontratual pelos actos praticados pelos seus representantes (gestores) sem que aquele se haja despojado do jus imperie"; c) "para cujo conhecimento o foro comum e materialmente incompetente"; d) "reduzindo-se a sua competencia a materia atinente ao pedido fundado em actuação dolosa dos membros da comissão administrativa nomeados pelo Estado"; e) "sendo de todo o modo, inepta a petição inicial e nulo o processado por carencia ou ininteligibilidade da causa de pedir"; f) "e saindo violados os artigos 494, 105, 288, 493 e<br>
494, todos do Codigo de Processo Civil (CPC).<br>
A autora respondeu a alegação do Ministerio Publico.<br>
II - Fundamentos:<br>
1 . No despacho saneador, o juiz deve, em primeiro lugar, conhecer das excepções dilatorias , segundo a ordem por que são enumeradas no artigo 288 do Codigo de Processo Civil. Isto, para alem de resultar do proprio texto legal, e abonado por Antunes Varela, J. Miguel<br>
Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2 edição, pag. 382) e pelo Supremo Tribunal de Justiça<br>
(Acordão de 4 de Outubro de 1984, BMJ, n340, pag. 321).<br>
Comecemos, portanto, pela excepção de incompetencia absoluta do tribunal (infracçao das regras de competencia em razão da materia), relativamente ao pedido formulado contra o Estado. Ora, a pretensão formulada contra este resulta ou e baseada na intervenção na gestão da autora, ao abrigo do Decreto-Lei n. 660/74, de 25 de Novembro. Por se ter alegado, na resolução do Conselho de Ministros, a verificaçao da situação descrita no artigo 1 do citado diploma, deliberou-se "suspender os corpos sociais em exercicio" na empresa e nomear uma comissão administrativa para a respectiva gestão.<br>
2 . Disfruta o artigo 9 do Decreto-Lei n. 660/74: "os administradores por parte do Estado ou outros representantes do governo nomeados nos termos do presente Decreto-Lei (...) so serão responsaveis perante o governo, excepto nos casos em que haja dolo".<br>
Assim, nada se dispunha, em especial, quanto a responsabilidade civil do estado perante a empresa intervencionada e quanto aos actos dos gestores nomeados.<br>
Todavia, o Decreto-Lei n. 422/76, de 29 de Maio, ao revogar o Decreto-Lei 660/74, mantendo, porem, a possibilidade de intervenção nas empresas privadas, veio dispor o seguinte (artigo 10, n. 2): "os representantes do Estado nomeados nos termos do presente decreto-lei e dos Decretos-Leis ns. 40833, de<br>
29 de Outubro de 1956, 44722, de 24 de Fevereiro (sic),<br>
660/74, de 25 de Novembro, e 597/55, de 28 de Outubro, so serão responsaveis perante o Estado, excepto nos casos em que haja dolo; a responsabilidade do Estado emergente de actos dos seus representantes sera, nos termos gerais, a dos comitentes pelos actos dos seus comitidos".<br>
Mas esta segunda parte do preceito "não significa que, ao intervir na gestão de uma empresa atraves da actuação dos seus representantes (gestores), o Estado se haja despido do poder autoritario que confere aos seus actos a natureza de gestão publica: e antes no uso desse mesmo poder que o Estado se sobrepõe a administração social da propria empresa, impondo-lhe uma orientação geralmente em dissonancia com a desta"<br>
(Acordão do STJ de 18 de Fevereiro de 1982, BMJ, 311, pag. 345).<br>
3 . Embora o regime geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado no dominio dos actos de gestão publica seja o regulado no Decreto-Lei n. 48051, de 21 de Novembro de 1967, a verdade e que, logo no seu artigo 1, ficou ressalvado o que pudesse ser estabelecido em leis especiais. Ora, o Decreto-Lei n.<br>
422/76, de 29 de Maio, constitui exactamente uma lei especial relativamente ao diploma de 1967 e, por assim ser, Antunes Varela (das Obrigações em Geral, 6 edição, vol. I, nota 3. pag. 616) chama a atenção para o primeiro ao referir-se a responsabilidade do Estado nas chamadas empresas intervencionadas. Assim, o citado artigo 10, n. 2, ao remeter necessariamente para o artigo 500 do Codigo Civil (CC), altera o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, no que respeita a culpa exigida pelo artigo 2 do Decreto-Lei n. 48051, ja que manda aplicar o regime da responsabilidade objectiva. Do mesmo passo, tambem alarga a responsabilidade civil extracontratual do<br>
Estado aos actos dos seus representantes. E que os membros das comissões administrativas mencionadas nos diplomas de 1974 e 1976 e nomeados para a gestão das empresas intervencionadas tem a qualidade de representantes do Estado (Acordão do STJ, de 6 de Abril de 1983, BMJ, 326, pag. 442). Isto mesmo e o que atras se disse e confirmado por Artur Mauricio (Revista do Ministerio Publico, ano II, vol. 5, pag. 85) em termos muito incisivos: "... sem contestar o poder de representação das empresas intervencionadas por parte dos administradores, gestores ou membros das comissões administrativas nomeados pelo processo, inscrevendo-se na esfera juridica daqueles os actos por estes praticados, certo e que a sua designaçao em nome do<br>
Estado e a sua estrita dependencia as directivas do Executivo justificam um regime de responsabilidade que faz impender principalmente sobre o Estado o risco da actuação dos seus representantes".<br>
4 . Conforme ensinamento de Antunes Varela (Revista Legislação e Jurisprudencia (RLJ), ano 124. pag 59) actividades de gestão publica são todas aquelas em que se reflecte o poder de soberania proprio da pessoa colectiva publica e em cujo regime transporia, consequentemente, o nexo de subordinação existente entre os sujeitos da relação, caracteristico do direito publico (no mesmo sentido, o acordão do Tribunal de conflitos 5.11.1981, BMJ, 311, pag. 195, relatado pelo ilustre Conselheiro Rui Pestana).<br>
No caso concreto, esta caracterização resulta bem clara do preambulo do Decreto-Lei n. 422/76, de 29 de Maio:<br>
"a intervenção do Estado em empresas privadas tem de constituir um instrumento adequado a dinamica da socialização em curso (...)". E mesmo do curto preambulo do Decreto-Lei n. 660/74, ao remeter para a<br>
"alinea c) do ponto 4" do Programa do Governo Provisorio do seguinte teor:<br>
"... a adopção de novas providencias de intervenção do<br>
Estado nos sectores basicos da vida economica, designadamente junto de actividades de interesse nacional, sem menosprezo dos legitimos interesses da iniciativa privada" (Decreto-Lei n. 203/74, de 15 de<br>
Maio).<br>
Actualmente, a intervenção do Estado na gestão das empresas privadas esta subordinada ao novo texto do artigo 87, n. 2, da Constituição (revisão de 1989): o<br>
Estado so pode intervir na gestão de empresas privadas a titulo transitorio, nos casos expressamente previstos na lei e, em regra, mediante previa decisão judicial.<br>
Por outro lado, deve notar-se que, salvo as situações de legitimidade da intervenção do Estado nas empresas privadas ao abrigo da legislação anterior a 25 de Abril de 1974 e situações especificas posteriores, hoje não existe legislação geral sobre intervenção nas empresas privadas, pois a que foi, entretanto, publicada foi revogada pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 90/81, de 28 de Abril (Nuno Sa Gomes, Nacionalizações e Privatizações, Lisboa, 1988, pag. 112).<br>
5 . Sera ainda de interesse referir que o artigo 22 da Constituição, interpretado nos termos em que o faz J.J.<br>
Gomes Canotilho (RLJ, 124, pag. 85) significa que o<br>
Estado responde de forma directa (...) pela lesão dos direitos, liberdades e garantias cometidas pelos titulares dos seus orgãos, funcionarios ou agentes.<br>
Este direito e directamente aplicavel, nos termos do artigo 18, n. 1, do texto constitucional. O Governo, orgão do Estado, intervindo na gestão privada (empresas particulares), deve responder directamente pelos danos decorrentes dessa intervenção, mesmo que ela seja licita (aplicação do artigo 9 do diploma de 1967)<br>
Contudo, o que ora interessa concluir e que a intervenção do Estado na gestão das empresas privadas e sempre um acto de gestão publica, pelo que, nos termos do artigo 815, paragrafo 1. alinea b), do Codigo Administrativo, compreendem-se no ambito do contencioso administrativo os pedidos de indemnização feitos a Administração relativamente aos danos decorrentes daquela intervenção.<br>
Como o tribunal comum e, assim, incompetente em razão da materia, não interessa (esta prejudicado) conhecer da segunda questão posta nas conclusões (nulidade de todo o processo).<br>
III - Decisão:<br>
Com os fundamentos expostos, revoga-se o acordão que fica substituido por outro a julgar procedente a excepção da incompetencia do tribunal comum em razão da materia, absolvendo-se o Estado da instancia. Custas pela agravada.<br>
1 de Outubro de 1991<br>
Meneres Pimentel;<br>
Brochado Brandão;<br>
Cura Mariano.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nzLwu4YBgYBz1XKv4l3A | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: <br>
<br>
A, propôs contra Companhia de Seguros B, e C, acção para efectivação de responsabilidade civil, pedindo se a condene a lhe pagar a indemnização de 14770000 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais a si causados em virtude do acidente de viação ocorrido em 93.04.21, culposamente provocado pelos condutores dos veículos automóveis com a matrícula QS e AB, seguros nas rés.<br>
Na sua contestação, a ré B, seguradora do QS, atribuiu exclusivamente a culpa ao condutor do AB, pelo que concluiu pela absolvição do pedido.<br>
A ré C excepcionou a sua ilegitimidade por não ser, à data dos factos, seguradora do AB e impugnou, por desconhecimento, todos os factos.<br>
Provocou a autora a intervenção principal da D, a qual, depois de admitido o incidente, contestou atribuindo a culpa exclusivamente ao condutor do QS.<br>
No saneador, foi julgada parte ilegítima a ré C.<br>
A final, foi absolvida do pedido a interveniente e condenada a ré B a pagar à autora a indemnização de 7770000 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação, por sentença de que apelaram, a título principal, a ré B e, subordinadamente, a autora, ambas dela divergindo apenas sobre o quantum indemnizatório.<br>
A Relação deu provimento parcial à apelação da ré e negou a da autora.<br>
Novamente inconformadas, pedem ambas revista, concluindo, em suam e no essencial, em suas alegações.<br>
<br>
A) - a ré, pretendendo se reduza a 2500000 escudos a indemnização pelos lucros cessantes decorrentes da IPP e a 1000000 escudos a pelos danos morais - a indemnização a atribuir pela IPP há-de corresponder a uma quantia em dinheiro cujo rendimento compense a perda da capacidade de ganho, sendo adequado no seu cálculo o recurso às tabelas financeiras, corrigindo-se à luz da equidade o valor encontrado, no qual se deve considerar quer o benefício do recebimento antecipado quer que o capital a atribuir se deve mostrar exaurido finda a vida activa da lesada;<br>
- in casu, porque excessivo o valor arbitrado pelo prejuízo material decorrente do IPP, deve ser reduzido de 3700000 escudos para 2500000 escudos;<br>
- recorrendo à equidade e à jurisprudência dos tribunais, é exagerado o valor atribuído pelos danos morais de 2500000 escudos, devendo ser reduzido a 1000000 escudos tanto mais que incidem sobre ele juros de mora desde a citação;<br>
- violado o disposto nos arts. 496, 562, 564 e 566 CC;<br>
<br>
B) - a autora, defendendo a fixação da indemnização em 5000000 escudos e 4000000 escudos, respectivamente, pelos danos patrimoniais e morais -<br>
- contrariamente ao afirmado pela Relação, os resultados obtidos na sentença não são arbitrários, mas tomaram em conta o grau de incapacidade atribuído à autora, salário auferido, idade e instrução da mesma, limite da vida activa, sendo que este não corresponde à idade da reforma, pelo que deve ser fixado como tempo de vida activa útil o de 48 anos;<br>
- há que recorrer às tabelas financeiras e necessariamente à equidade, pelo que, tendo, à data dos factos, apenas 23 anos, sem quaisquer problemas de saúde que afectassem o seu desempenho profissional, a indemnização por danos patrimoniais não deve ser inferior a 5000000 escudos;<br>
- a indemnização por danos morais deve constituir um lenitivo e ser consentânea com os padrões referenciais do aumento geral da qualidade de vida e do progresso económico, das oscilações do valor aquisitivo da moeda, das taxas de inflação do juro, dos aumentos dos prémios e da capacidade económica das companhias de seguro;<br>
- pelas dores físicas sofridas, os sofrimentos morais que padeceu e padecerá, pelos prejuízos na vida de relação, sobretudo os provenientes de deformações estéticas que terá de suportar (sem esquecer que ficou prejudicada para casar) e pelo desgosto de não dar ao seu corpo a sua utilização profissional cabal, deve a autora ser compensada em não menos de 4000000 escudos;<br>
- violado o disposto nos arts. 483-1, 496-1 e 2, 562, 564-1 e 566-3 CC.<br>
Não contra-alegado pela ré e defendendo a autora, nas suas alegações, a improcedência da revista daquela.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Ao abrigo dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto, sem prejuízo de se destacar a que interessa à decisão dos recursos:<br>
a) - a autora nasceu em 69.08.19;<br>
b) - em 93.04.21, pelas 13h, na EN que liga V.N.Famalicão à Póvoa de Varzim ocorreu um embate entre duas viaturas, sendo que uma delas viria a colher a autora que na altura estava sentada num muro que ladeia a via,<br>
c) - em consequência do que sofreu múltiplas lesões traumáticas no membro inferior direito e outros ferimentos menores;<br>
d) - foi de imediato conduzida ao Hospital da Póvoa de Varzim e daí, no mesmo dia, foi transferida para a Clipóvoa, de imediato sendo submetida a intervenção cirúrgica, com anestesia geral, ao membro inferior direito;<br>
e) - esteve aí internada 23 dias e também aí foi operada mais duas vezes ao membro inferior direito;<br>
f) - esteve acamada durante alguns dias, passando de forma lenta e gradual a andar, apoiada em duas muletas durante sete meses;<br>
g) - tinha fortes dores quando punha o pé no chão; <br>
h)- esteve totalmente incapacitada para o trabalho até 94.01.13, retomando o trabalho por ordem do médico da seguradora, com 50% da incapacidade;<br>
i) - devido às dores que tinha não conseguia trabalhar tendo sido novamente observada pelo médico da seguradora e<br>
j) - operada no Hospital de Santa Maria, no Porto, em Abril de 1994, com anestesia geral;<br>
l) - em 94.05.31 foi novamente vista pelo médico da seguradora que mandou retomar o trabalho com 50% da incapacidade;<br>
m) - trabalhou com este grau de incapacidade até 94.10.11 e<br>
n) - desde esta data até 94.11.11 trabalhou com 40% de incapacidade.<br>
o) - foi considerada curada em 15/11/94 com uma IPP de 20,5%;<br>
p) - ficou com uma cicatriz na face anterior do joelho direito, que a desfigura bastante;<br>
q) - ficou com uma rigidez no joelho direito que lhe provoca claudicação na marcha;<br>
r) - sente-se desgostada com as sequelas do acidente que para si resultaram;<br>
s) - era à data do acidente uma jovem atraente e que namorava;<br>
t) - por causa das lesões e sequelas aludidas ficou sem namorado;<br>
u) - à data do acidente a autora auferia um vencimento de 51500 escudos mensais, 14 meses ao ano;<br>
v) - enquanto esteve incapacitada para o trabalho sofreu um dano de 270000 escudos;<br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- De um modo global, pode-se afirmar que as partes não divergem, no fundamental, dos princípios que a jurisprudência considera deverem orientar a fixação do quantum indemnizatório - em relação à pelos danos patrimoniais, onde a certeza se não impuser, o apelo firme à equidade corrigindo os resultados que outros critérios (v.g., tabelas financeiras, etc) possam fornecer, critérios esses que mais não valem que meras referências e ajudas na determinação daquele valor; em relação aos danos morais, a equidade volta a imperar e a exigir não só que a valoração (e não avaliação, esta por natureza não poderá haver) seja realista (e não miserabilista) como ainda não represente para o lesado a materialização de uma ideia economicista e negocial.<br>
Determinar o quantum não é, portanto, uma operação matemática.<br>
Onde ré a autora divergem é nos resultados práticos a que a aplicação desses princípios orientadores conduz.<br>
Na sentença, a indemnização por danos patrimoniais foi fixada em 5270000 escudos e a Relação reduziu-a para 3970000 escudos.<br>
Não se discute a inclusão da parcela de 270000 escudos, a que se refere a al. v), mas tão só que a verba restante (5000000 escudos para a sentença, 3700000 escudos para o acórdão) - perda da capacidade de ganho - deva ser alterada.<br>
A Relação manteve a compensação de 2500000 escudos pelos danos não-patrimoniais que a sentença atribuíra à autora.<br>
<br>
2.- A Relação socorreu-se das tabelas financeiras, apenas delas, afastando de todo o recurso à equidade (fls. 269) e como factor a intervir naquelas quanto a tempo de vida apenas considerou a idade da reforma, recusando atender ao limite de vida activa (fls. 268).<br>
Não se pode concordar quer com a recusa a fazer intervir a equidade (a quantificação deste dano, perda da capacidade aquisitiva, não pode ser feita numa base matemática, de certeza; desde logo, porque é um juízo de probabilidade que é pedido e em que são vários os factores aleatórios) quer com um critério que, não distinguindo entre limite de vida activa de limite de vida útil, recusa considerar esta no cômputo da indemnização (reforma não é sinónimo de inutilidade).<br>
Finalmente, a Relação, embora ao abrigo do art. 713-6 CPC tenha dado como provada a matéria de facto elencada na sentença (fls. 266), não considerou na factualidade que teve como atinente à decisão (fls. 267), os factos acima descritos nas als. h), i) e l) a m) dados como provados naquela.<br>
A mera constatação de que o valor referido na al. v) não atinge sequer cinco ordenados mensais e meio é suficiente para se concluir que o aresto não levou minimamente em conta a apontada factualidade.<br>
A autora unificou os danos da diminuição da capacidade de ganho e da diminuição da capacidade de trabalho e formulou apenas um pedido parcelar.<br>
Qualquer destes danos é patrimonial e não há quer sobreposição quer confusão entre o dano da diminuição da capacidade de trabalho e o dano não patrimonial que a própria diminuição possa gerar (v.g., desgosto, angústia, perda da alegria, etc).<br>
A diminuição da capacidade de trabalho é distinta da diminuição salarial (podendo mesmo obter ou vir a obter rendimentos idênticos) e traduz-se em a incapacidade exigir - actualmente ou, com toda a probabilidade, no futuro - do lesado um esforço suplementar quer físico quer psíquico para obter o mesmo resultado do trabalho.<br>
Com uma IPP de 20,5%, a lesada, para atingir o mesmo nível, tem ou terá de suportar um esforço mais penoso, um maior sacrifício, o que se reflecte quer na progressão na carreira quer na sua capacidade produtiva e de ganho.<br>
Para valorar este dano tem o tribunal de lançar mão da equidade e da probabilidade.<br>
Afigura-se mais correcta e equitativa manter a indemnização atribuída na sentença.<br>
<br>
3.- A compensação pelos danos não-patrimonais foi fixada em 2500000 escudos.<br>
A ré, embora discordando, não apresentou argumento algum - apenas que a incidência de juros de mora desde a citação torna mais evidente o exagero (note-se, não está a discordar do momento a partir do qual a indemnização moratória é devida mas a afirmar que, incidindo a partir desse momento, se torna mais evidente o exagero da compensação atribuída).<br>
Se de argumento se puder qualificar esta alegação, então será suficiente recordar, qual a causa desta indemnização - a mora, isto é, o retardamento no cumprimento da obrigação, o que, além de representar uma sanção ao seu comportamento, permite distinguir esta indemnização da outra.<br>
A compensação atribuída tomou em conta não só os diversos aspectos que constituem in casu os danos morais como os vários elementos a pesar na sua valoração e situa-se ao nível das que o STJ tem fixado.<br>
<br>
Nestes termos, nega-se a revista da ré e concede-se parcialmente a da autora, fixando-se a indemnização pela perda da capacidade de ganho a pagar pela ré à autora, em 5000000 escudos, no mais se mantendo o acórdão.<br>
Custas por autora e ré na proporção, respectivamente, de 1/5 e 4/5.<br>
<br>
Lisboa, 5 de Março de 2002.<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTL_u4YBgYBz1XKvb3H0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>I - A, e marido, B, e mulher, intentaram a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra C, e D, e mulher e E, pedindo, como "herdeiros legitimários na qualidade de filhos de F, se declare "nulo o testamento cerrado lavrado pelo G ..." e que, "em consequência da nulidade devem todos os réus restituir à massa da herança todos os bens que à data do falecimento pertenciam ao G e os réus C, e D, os bens imóveis que foram vendidos em vida pelo G ao réu E, vendas essas que foram efectuadas ... em 30-05-53, 16-06-53 e 23-05-56 e que foram ulteriormente objecto de acção de anulação, por simulação ..., ou o valor correspondente se tal restituição não for possível", tendo requerido ainda "o cancelamento dos registos efectuados posteriormente àqueles que fez o último réu ...".</font></b><br>
<b><font>Contestaram apenas os réus C, e D, por impugnação e excepção (ilegitimidade dos autores, caso julgado e "caducidade de acção de anulação do testamento") e houve resposta dos autores.</font></b><br>
<b><font>No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e de caso julgado mas procedente a de caducidade, com fundamento em que se trata de anulabilidade de disposição testamentária por erro e no disposto nos arts. 2201 e 2308 n. 2 do Cod. Civil.</font></b><br>
<b><font>Em recurso de apelação interposto pelos autores, o acórdão de fls. 99 e seguintes revogou aquela decisão e julgou "improcedente a excepção da caducidade do pedido de declaração de nulidade do testamento, formulado pelos autores", nele se considerando, em especial, que: na 1ª instância "atendeu-se mais à causa de pedir - o erro por parte do testador - do que propriamente ao pedido"; "a sentença não pode condenar em objecto diverso do que se pedir", nos termos do art. 661 n. 1 do Cód. P. Civil; para o efeito, o que importa é o pedido formulado, o de "declaração de nulidade do testamento"; a esse pedido corresponde o prazo de caducidade de 10 anos, previsto no art. 2308 n. 1 do Cód. Civil; esse prazo ainda não decorreu; "tal não significa que a causa de pedir invocada na petição inicial adequada ao pedido formulado ..." e "à primeira instância caberá apreciar essa adequação".</font></b><br>
<br>
<b><font>Neste recurso de revista, os réus pretendem a revogação daquele acórdão e a subsistência da decisão da 1ª instância, com base nas seguintes conclusões:</font></b><br>
<b><font>- o acórdão aplicou indevidamente o disposto nos arts. 661 n. 1 do Cód. P. Civil e 286, 287, 289 e 2308 n. 1 do Cód. Civil;</font></b><br>
<b><font>- ele deveria ter aplicado o art. 2308 n. 2 do Cód. Civil, em conjugação com o seu art. 2201.</font></b><br>
<b><font>Os autores, por sua vez, sustentam dever negar-se provimento ao recurso.</font></b><br>
<br>
<b><font>II - Situação de facto:</font></b><br>
<b><font>O acórdão recorrido descreve, como "factos que ... considera provados": os autores tiveram conhecimento do testamento do G, pelo menos, no momento da sua citação para a acção apensa, entre 17 e 20-09-90; a acção deu entrada em 04-10-94; e o teor dos pedidos formulados na petição inicial.</font></b><br>
<br>
<b><font>III - Quanto ao mérito do recurso:</font></b><br>
<b><font>Está em causa a caducidade da acção, prevista no art. 2308 do Cód. Civil, tendo a 1ª instância concluído por essa caducidade, nos termos do n. 2 desse art. 2308 (anulabilidade de disposição testamentária), e a Relação pela sua exclusão, nos termos do n. 1, em face do pedido formulado (declaração de nulidade do testamento).</font></b><br>
<b><font>Desde logo, não se tem como pertinente, salvo o devido respeito, a fundamentação do acórdão recorrido: o juiz é livre quanto à qualificação jurídica dos factos alegados pelas partes, nos termos do princípio geral consignado no art. 664 do Cód. P. Civil (aqui aplicável sem as alterações introduzidas em 1995/96, salvo em relação à generalidade das normas respeitantes à tramitação do recurso - arts. 16 e 25 do DL 329-A/95, de 12-12); essa diversa qualificação jurídica não implica alteração da causa de pedir, entendida como o facto jurídico concreto de que procede a pretensão deduzida (art. 498 do cit. Código); assim, pedida a declaração de nulidade de testamento e invocada a excepção de caducidade, a apreciação desta não pode limitar-se ao aspecto formal articulado pelo autor, cabendo antes ao juiz proceder à qualificação jurídica dos factos alegados e só em seguida ao conhecimento da excepção; aliás, se houver factos controvertidos, com interesse para a decisão, esta deve ser deixada para a sentença final; se o juiz concluir pela anulabilidade, em lugar da invocada nulidade, deve decidir a excepção da caducidade, nessa conformidade, o que não implica violação do cit. art. 661 n. 1; essa violação não ocorreria mesmo que se tratasse de condenação, o que não é o caso; o juiz poderá mesmo concluir que não há nulidade nem anulabilidade e, nessa hipótese, resta-lhe julgar a excepção improcedente e reconhecer, oportunamente, do pedido formulado.</font></b><br>
<br>
<b><font>Por outro lado, a intervenção do Supremo, no recurso de revista, está limitada, em princípio, às questões de direito, cabendo-lhe aplicar "aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido ... o regime jurídico que julgue adequado", e o processo deve voltar à 2ª instância, para ampliação da matéria de facto, quando isso se mostre necessário" em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito" (arts. 722 n. 2 e 729 do cit. Cód. P. Civil).</font></b><br>
<b><font>É essa a hipótese que aqui se verifica: nos "fundamentos de facto", o acórdão recorrido limita-se à indicação de apenas alguns elementos que não permitem, nos termos acima expostos, uma pronúncia definitiva sobre a excepção de caducidade da acção; não se faz sequer referência aos termos do testamento ou aos factos invocados pelos autores como causa do vício imputado ao acto ou às respectivas disposições; e, se a Relação entender que há factos controvertidos, com interesse relevante, a consequência será a de ordenar o prosseguimento da acção, relegando para final o reconhecimento da excepção.</font></b><br>
<b><font>Finalmente, não deixa de se notar que os autores não formulam apenas o pedido de declaração de nulidade do testamento mas ainda o de restituição de bens "à massa da herança".</font></b><br>
<b><font>Apesar de formulada "em consequência da nulidade", essa restituição de bens constitui um verdadeiro pedido e até o principal efeito jurídico pretendido pelos autores, o qual deverá ser oportunamente apreciado, em face da qualificação juridica que vier a ser dada aos factos alegados e provados.</font></b><br>
<b><font>Na verdade, e designadamente na hipótese de se concluir que o testamento ou a disposição testamentária não sofrem de qualquer vício, não será porventura de excluir que aquela restituição possa resultar de interpretação da vontade do testador ou da determinação dos bens abrangidos por aquela disposição.</font></b><br>
<br>
<b><font>Em conclusão:</font></b><br>
<b><font>A excepção de caducidade da acção respeitante a "nulidade de testamento" não deve ser decidida apenas em função dos termos do pedido, pressupondo antes a qualificação jurídica dos factos alegados (arts. 2308 do Cód. Civil e 664 do Cód. P. Civil).</font></b><br>
<b><font>Julgada improcedente essa excepção com base naquele aspecto formal, sem a descrição dos factos pertinentes e respectiva qualificação, o processo deve voltar à Relação para ampliação da matéria de facto e nova decisão (arts. 729 e 730 n. 2 do cit. Cód. P. Civil).</font></b><br>
<br>
<b><font>Pelo exposto:</font></b><br>
<b><font>Revoga-se o acórdão recorrido.</font></b><br>
<b><font>O processo deve baixar à Relação para ampliação da matéria de facto e nova decisão. </font></b><br>
<b><font>Custas pelos recorridos.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 10 de Março de 1998.</font></b><br>
<b><font>Martins da Costa,</font></b><br>
<b><font>Pais de Sousa,</font></b><br>
<b><font>Machado Soares.</font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
dDLgu4YBgYBz1XKv600Q | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
"A" intentou, em 24.01.1995, acção ordinária contra "Stand B, Lda." pedindo a destituição de gerente da Ré do sócio desta C. <br>
Alegou que a Ré é uma sociedade por quotas cujo objecto é a compra e venda de automóveis novos e usados, sendo o capital social, de 400.000$00, distribuído por duas quotas de 200.000$00 cada, uma do Autor e a outra de C, ambos gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de ambos, acrescentado que o sócio C vinha a exerce por conta própria actividade concorrente com a da Ré, comprando e vendendo para si carros que expunha e reparava nas instalações desta, e que o mesmo em vez de proceder ao depósito bancário do produto da venda das viaturas da sociedade apenas deixa para o A. uma suposta quota-parte de 50%, factos que constituem justa causa de destituição desse gerente C ao abrigo do disposto no artº. 257º do Código das Sociedades Comerciais. <br>
Contestou a Ré, impugnando a maior parte dos factos e invocando que dadas as divergências existentes entre os dois sócios quanto ao modo de gerir a sociedade, acordaram que a sociedade não adquiriria mais carros, podendo qualquer deles proceder à venda dos veículos existentes, fazendo logo de seguida as contas, continuando os empregados da demandada a dar assistência às viaturas vendidas no período de garantia, e que cada um dos sócios podia desenvolver a título pessoal a mesma actividade, não tendo o A. angariado clientes para a Ré, nem deixado cheques assinados, não tendo a Ré parado ainda a sua actividade porque o seu sócio C tem estado a pagar todas as despesas "do seu bolso", devendo-lhe por isso a sociedade cerca de 2.000.000$00.<br>
O Autor deduziu réplica.<br>
Após o saneador, meramente tabelar, foi proferido o despacho de fls. 420, no qual a Ré foi julgada parte ilegítima e absolvida do pedido.<br>
O A. agravou desse despacho para a Relação de Lisboa que, concedendo provimento ao agravo, ordenou o prosseguimento normal dos autos, decisão que transitou em julgado.<br>
A final foi proferida sentença que absolveu a Ré do pedido.<br>
O A. apelou para a Relação de Lisboa, que confirmou a decisão.<br>
<br>
Recorre agora o A. de revista, formulando as seguintes Conclusões:<br>
1ª- Quer a sentença quer o acórdão da Relação sofrem da violação dos princípios fundamentais do Código das Sociedades Comerciais, mormente no tocante às sociedades por quotas;<br>
2ª- É um facto reconhecido na sentença que o sócio C não está na acção por si e em seu nome mas sim em nome e representação da sociedade;<br>
3ª- Esta é uma entidade e tem uma personalidade diferente da personalidade dos seus sócios, o que resulta de inúmeros textos do CSC tais como os artºs. 55º, 58º, 64º, 65º e salientemente o 63º;<br>
4ª- Todos esses textos impõem as regras de funcionamento para defender os interesses da sociedade, ela própria, dos sócios e de terceiros;<br>
5ª- Não existiu, como foi dado como provado, qualquer acordo entre os sócios para comercialização e venda de automóveis e não em nome da sociedade;<br>
6ª- Tal acordo, a existir, seria sempre passível de lesar o outro sócio, mas necessariamente lesava a sociedade que ficava desprovida de meios para financiar as suas actividades e ainda lesava o Estado e a Segurança Social;<br>
7ª- Consequentemente, não podiam as decisões dar guarida a um facto não provado, deveriam sim, aplicar a lei substancial e dar procedência a acção, com fundamento na lesão patrimonial da sociedade, de terceiros e até de um dos sócios, matéria de direito substantivo que pode ser apreciada pelo tribunal de revista;<br>
8ª- Mas também é lícito e processualmente correcto alegar qualquer das nulidades previstas no artº. 668º do CPC;<br>
9ª- A sentença não analisou nem fundamentou as respostas negativas dadas a vários quesitos e afirma não carecerem tais respostas de fundamentação;<br>
10ª- O primeiro problema a esse propósito é o da admissibilidade da reclamação em sede de recurso, e esse parece não suscitar dúvidas face ao nº. 5 do artº. 712º do CPC anterior, igual no seu texto ao CPC de 1975;<br>
11ª- A formulação dos textos em ambos os códigos parece impor o deferimento da reclamação ou a baixa do processo à 1ª instância;<br>
12ª- De qualquer modo a sentença é nula por falta de fundamentação das respostas negativas dadas aos quesitos respectivos;<br>
13ª- Há contradição nas respostas aos quesitos em confronto com a matéria contida na especificação;<br>
14ª- Finalmente por não impugnados deveriam ser tomados em consideração os conteúdos imputados ao sócio C como vendedor autónomo de várias viaturas;<br>
15ª- Estão assim violados os artºs. 56º, 58º, 64º, 65º e 63º do CSC e 653º, 659º e 712° do CPC, vigentes ao tempo, e ainda o artº. 668º alíneas b) e d) do CPC quer na versão actual quer na versão de 1975.<br>
Contra-alegou a Ré, pugnando pela manutenção do decidido.<br>
Com os vistos legais, cumpre decidir.<br>
<br>
As instâncias deram como provados os seguintes factos:<br>
Por escritura de 06.04.1989, celebrada no 12º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade Ré com sede na Estrada Salvador Allende, ..., Reboleira, Amadora, tendo como objecto a compra e venda de automóveis novos e usados (A)); <br>
0 seu capital social é de 400.000$00, repartido por duas quotas de 200.000$00, uma pertencente ao Autor e outra a C, ambos sócios gerentes, sendo necessária a assinatura dos dois para obrigar a sociedade (B)); <br>
C vendeu por vezes alguns automóveis da sociedade Ré, ficando com 50% das mesmas vendas, e deixando na mesa do autor os outros 50% (C)); <br>
A Ré tem duas contas bancárias, uma no BCP, em nome do autor, e a outra no Barklays Bank, que em 31.03.1995, apresentavam saldo positivo, de, respectivamente 711.511$50 e 248.712$00 (D)).<br>
<br>
Compulsados os autos, não se constata qualquer das ressalvas a que se reporta o segmento final do artº. 722º, nº. 2 do CPC, não podendo por isso sindicar-se qualquer erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.<br>
Também não se mostram reunidas condições para ordenar a remessa do processo ao tribunal recorrido nos termos do artº. 729º, nº. 3 do CPC.<br>
Inexiste, nomeadamente, contradição entre as respostas aos quesitos e a especificação (conclusão 13ª), pois aquelas respostas foram todas elas negativas, o que desde logo afasta a possibilidade de haver qualquer contradição.<br>
Por outro lado, a sentença não assentou na existência do acordo que segundo a Ré teria sido feito pelos sócios no sentido de esta não adquirir mais viaturas, devendo os seus veículos serem vendidos por qualquer dos sócios com lucros repartidos entre ambos, podendo qualquer deles desenvolver a actividade de compra e venda de carros usados, a título meramente pessoal.<br>
Essa matéria foi vertida nos quesitos 18º e 20º, quedou-se improvada, como se disse, e não teve qualquer valia na decisão da 1ª instância. <br>
Tão-pouco se divisam no processo actos imputados ao sócio C como vendedor autónomo de várias viaturas e que, por não impugnados se devam considerar especificados (conclusão 14ª).<br>
Os factos articulados, controvertidos e com possível relevância para a decisão da lide foram levados ao questionário, quedando-se improvados, já que todas as respostas aos quesitos foram negativas. <br>
Tem por isso o STJ de acatar o quadro factual acima descrito.<br>
Por outro lado ainda, como todos os 21 quesitos receberam resposta negativa, e a acção foi proposta em 24.1.95, era aplicável a norma constante do nº. 2 do artº. 653º do CPC na redacção anterior aos Decretos-Leis nºs. 39/95, de 15/2, 329-A/95, de 12/12 e 180/06, de 25/9, que só obrigava a fundamentar as respostas positivas (e restritivas) aos quesitos, e não também as respostas negativas, o que, como se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional nº. 56/97, de 23/1 (BMJ 463, págs. 179 e segs.), cumpria, em termos bastantes, a funcionalidade endoprocessual e extraprocessual inerente à norma do artigo 208º, nº. 1 da Constituição da República Portuguesa, não sendo portanto inconstitucional.<br>
<br>
Bem andou pois o colectivo da 1ª instância ao, no acórdão decisório da matéria de facto, consignar que as respostas aos quesitos não careciam de fundamentação.<br>
E a haver carência de motivação do julgamento de facto - o que já vimos não suceder! - tal não consubstanciaria uma nulidade da sentença, visto as nulidades da sentença serem apenas as constantes do artº. 668º do CPC.<br>
A confabulada falta de motivação (ou a sua insuficiência) poderia alicerçar, quando muito, em sede de recurso para a Relação, o pedido de devolução dos autos à 1ª instância para que se procedesse á fundamentação em falta (artº. 712º, nº. 3, na redacção anterior à reforma adjectiva de 95/96, agora nº. 5 do mesmo artigo).<br>
Acresce que o artº. 659º, nº. 3 do CPC ao aludir ao exame crítico das provas a que o juiz deve proceder na sentença refere-se apenas às provas que devam ser tidas em conta aquando da elaboração da sentença, não às consideradas aquando das respostas aos quesitos, pois quanto a essas o exame crítico é feito logo após as respostas aos mesmos, nos termos do aludido artº. 653º, nº. 2.<br>
Improcedem por conseguinte, igualmente, as 8ª a 12ª conclusões recursórias.<br>
<br>
Sustenta o recorrente que a acção deve proceder com fundamento na lesão patrimonial da sociedade, de terceiros e até de um dos sócios (conclusões 1ª a 7ª, mormente esta última).<br>
Todavia, não se vislumbra no elenco dos escassos factos especificados qualquer efectiva lesão patrimonial da sociedade Ré, de qualquer dos seus dois sócios ou de terceiros.<br>
Da circunstância de o sócio C ter vendido por vezes alguns automóveis da Ré, ficando com 50% dessas vendas e deixando na mesa do Autor os outros 50% não é forçoso concluir pela existência de prejuízos quer para a Ré quer para o Autor, já que, como bem se expendeu no acórdão em crise, está por apurar se esses valores activos foram ou não lançados na contabilidade da demandada.<br>
Da factualidade vertida na al. D) também não redunda comprovadamente qualquer prejuízo para quem quer que seja, motivado pelo C.<br>
Naufragam destarte as demais conclusões da minuta de recurso.<br>
Não tendo o Autor provado os quesitos que continham os factos essenciais constitutivos da causa de pedir, tinha a acção de improceder.<br>
E tinha também de naufragar, desde logo, por outro e decisivo fundamento.<br>
Por força do assento do STJ de 1.2.1963 (D.G., I Série, de 21.2.63 e BMJ 124, pág. 414), a legitimidade processual da Ré ficou definitivamente fixada no saneador meramente tabelar proferido nos autos e transitado anteriormente à reforma adjectiva de 95/96, como decidiu a Relação de Lisboa no já mencionado acórdão transitado em julgado. <br>
Sem embargo, pese embora a questão da legitimidade processual passiva se encontrar definitivamente resolvida, inexiste no caso vertente a imprescindível legitimação substantiva passiva, condição de procedência da acção.<br>
Na verdade, a pretensão da destituição de gerente do sócio C é no fundo dirigida contra ele, que não é parte no processo, donde jamais poderia ser destituído de gerente da Ré visto não ter sido chamado a deduzir oposição (artº. 3º, nº. 1 do CPC).<br>
A circunstância de ter sido reconhecida a legitimidade processual passiva da Ré sociedade, não significa necessariamente que ao Autor possa ser reconhecido o direito que se arroga (em sentido idêntico, cfr. o acórdão do STJ, de 18.11.1998, no BMJ 481, págs. 234 e segs.).<br>
Nesta conformidade, nunca a pretensão deduzida nos autos poderia proceder, por ser inadmissível a destituição do gerente de uma sociedade sem que ao visado tenha sido dada a possibilidade de exercer o contraditório, princípio jurídico cuja observância é fundamental nas sociedades modernas e civilizadas.<br>
<br>
Termos em que, na improcedência de todas as conclusões recursórias, acordam em não conceder a revista, condenando o recorrente nas custas.<br>
<br>
Lisboa, 16 de Março de 2004<br>
Faria Antunes<br>
Moreira Alves<br>
Alves Velho</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
dTLgu4YBgYBz1XKv603F | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
"A" propôs acção sumária, emergente de acidente de viação, contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 7.380.000$00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.<br>
Após a contestação, saneamento, condensação, instrução e audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.<br>
O A. interpôs recurso para a Relação de Lisboa que anulou a decisão da matéria de facto e ordenou a repetição do julgamento.<br>
Realizado o novo julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido.<br>
O A. recorreu uma vez mais para a Relação de Lisboa, que confirmou a decisão da 1ª instância.<br>
<br>
Inconformado, recorre agora o A. de revista, formulando as seguintes<br>
Conclusões:<br>
1ª- Subsiste a contradição insanável entre o facto de o condutor do veículo ter encetado uma travagem de 7,70 mts e o facto do peão só ter iniciado a travessia da faixa de rodagem a um metro daquele;<br>
2ª- Pois a explicação de que 6,00 mts dessa travagem ocorreram já para lá do local do embate esbarra com a sequência lógica dos factos, com o próprio senso comum e com a participação policial junta aos autos;<br>
3ª- Aliás, se o próprio acórdão recorrido salienta (e o recorrente subscreve) que o acto de travar só ocorre algum tempo após a observação de um determinado obstáculo ou a necessidade de travar então também não seria possível que o condutor do veículo ainda travasse 1,70 mts quando o peão, ora recorrente só se atravessou à sua frente a 1 mt de distância. Para isso seria necessário possuir reflexos antecipatórios;<br>
4ª- Por outro lado, muito embora a largura total da faixa de rodagem não tivesse sido medida no local onde ocorreu o embate (ou seja, na confluência das estradas nacionais nºs. 10 e 110-5), mas mais adiante, não pode significar que a sua largura naquele local fosse muito superior, considerada da berma esquerda da faixa de rodagem, atendendo ao sentido de marcha do veículo até á linha imaginária que delimita a faixa de rodagem pela sua direita, atento o mesmo sentido de marcha;<br>
5ª- Sendo assim, não seria possível que o veículo "AM" tivesse ficado a distar 6,80 mts à berma esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido de marcha já referido e ainda assim ficasse imobilizado no interior da EN 10, dado que, a referida via só tem 6 mts de largura da faixa de rodagem;<br>
6ª- Porque isso faria com que a largura da faixa de rodagem naquele local não fosse inferior a 8,30 mts, porquanto à já referida largura teria de ser adicionada a própria largura do veículo;<br>
7ª- Para além disso, essa distância medida da parte lateral esquerda da viatura após a sua imobilização não pode ser significativamente diferente da do local provável do embate a essa mesma berma, atenta a curta distância percorrida pela viatura após o mesmo;<br>
8ª- Tal facto é igualmente contraditório com a conclusão de que o peão iniciou inadvertidamente a travessia da EN 10, atenta a largura total da mesma, fazendo com que se assim fosse o embate tivesse ocorrido no interior da EN 110-5 e não na via por onde seguia o "AM";<br>
9ª- As contradições apontadas não foram dissipadas em face do acórdão recorrido, impondo-se a repetição do julgamento para esclarecimento dos pontos de facto em contradição, ao abrigo do artº. 712º, nº. 4 do CPC;<br>
10ª- No que respeita à culpa na produção do acidente, os factos apurados não permitem concluir se o embate ocorreu ou não no interior da EN 10;<br>
11ª Como já se referiu, a parte lateral esquerda do ligeiro ficou a distar 6,80 mts à berma esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, após a sua imobilização que, no entanto, ocorreu 6 mts após o próprio embate;<br>
12ª- Daí que, o local do embate no peão não possa ter ocorrido no interior da faixa de rodagem por onde seguia o veículo, dada a largura da faixa de rodagem naquele local, conclusão que resulta reforçada se se constatar que o embate naquele ocorreu com a parte dianteira direita da viatura;<br>
13ª- Com efeito, a faixa de rodagem não sofrerá grandes alterações de largura naquele local só porque é um local de entroncamento pois essa largura só deverá considerar-se até á linha imaginária que delimita a EN 10 pela sua direita, atento o sentido de marcha de Porto Alto para Vila Franca de Xira;<br>
14ª- Por isso, inexistindo factos concretos sobre o local provável do embate fica prejudicada a imputação de culpa a conduta do recorrente, restando a subsunção do acidente dos autos à responsabilidade do recorrido por culpa presumida do condutor do seu veículo, pois este conduzia o "AM" sob as ordens, no interesse e sob a direcção daquele, enquanto militar da FAP e no exercício dessa sua função;<br>
15ª- Por outro lado, a sua presunção de culpa não foi ilidida pela prova de que tivesse sido a conduta do peão a única causal do acidente, dada a manifesta insuficiência de factos que sustentem o local provável do embate e a contradição existente em muitos desses factos;<br>
16ª- Deste modo, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o recorrido a pagar ao ora recorrente o montante indemnizatório devido por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que o condutor do seu veículo lhe infligiu e, em conformidade com a prova produzida sobre os mesmos;<br>
17ª- Tendo o acórdão recorrido violado os artºs. 494º, 496º, 503º, nº. 3, 562º, 564º e 566º do CC e 712º, nº. 4 e 729º, nº. 3 do CPC.<br>
<br>
Contra-alegou o Ministério Público, em representação do Estado Português, sustentando que, nos termos do nº. 6 do artº. 712º do CPC, se não deve tomar conhecimento do objecto do recurso, por este versar unicamente matéria de facto, e que, se assim não for entendido, se deverá confirmar o acórdão recorrido, por inexistir contradição insolúvel entre a matéria de facto provada.<br>
Correram os vistos legais.<br>
Decidindo.<br>
<br>
Com interesse para a decisão deste recurso, deram as instâncias como provada a seguinte matéria de facto: <br>
A E.N. 10 em determinada parte do seu trajecto estabelece a ligação entre as localidades do Porto Alto - Vila Franca de Xira (A)); <br>
Ao seu Km 109,90 existe, do lado direito, atento o sentido de marcha Porto Alto - Vila Franca de Xira, um entroncamento que dá acesso a Samora Correia (B)); <br>
A faixa de rodagem apresenta no local uma largura não inferior a seis metros (C)); <br>
Sendo ladeada por bermas de ambos os lados com largura não inferior a setenta centímetros (D));<br>
No dia 2 de Março de 1992, cerca das 7 horas e 20 minutos, na EN 10, no Porto Alto, B, Tenente Coronel da Força Aérea Portuguesa, a prestar serviço no Comando Operacional da Força Aérea de Monsanto, Lisboa, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matricula AM, propriedade daquele Comando (E)); <br>
Tal veículo estava-lhe distribuído, por aquele militar exercer funções de comandante no Grupo de Apoio da F.A.P., e conduzia-o no interesse, por conta e sob as ordens desta (F)); <br>
No local do acidente não existe passadeira de peões (H));<br>
O veículo AM, nas circunstâncias de tempo e lugar mencionados na alínea E), circulava no sentido Porto Alto - Vila Franca de Xira, pela metade direita da estrada, atento o sentido de marcha referido (I)); <br>
Os condutores que circulam na EN 10, no sentido Vila Franca de Xira - Porto Alto, cerca do Km 109,90, avistam-se reciprocamente a uma distância não inferior a 75 metros (1º); <br>
O piso nesse local é de revestimento betuminoso (2º); <br>
No dia 2 de Março de 1992, pelas 7h20m, o A. saiu do veículo onde se fazia transportar e que se encontrava estacionado no parque existente em frente do restaurante "Vira Milho" (5º); <br>
Este restaurante fica situado ao Km 110 da EN 10 do lado direito, atento o sentido de marcha Porto Alto - Vila Franca de Xira (6º); <br>
O A. pretendia atravessar a estrada do lado direito para o lado esquerdo da mesma, atento o sentido referido (7º); <br>
O A. abeirou-se da estrada e parou junto da berma da mesma (8º);<br>
Nenhum veículo seguia à frente do veículo conduzido por B (15º); <br>
Após o embate o A. ficou caído no asfalto (20º); <br>
O AM, após o embate ficou a 5,06 mts da berma do seu lado direito e a 6,80 mts da do seu lado esquerdo, atento o sentido de marcha Porto Alto - Vila Franca de Xira (21º);<br>
O AM deixou marcado no pavimento um rasto de travagem de 7,70 mts, enviesado da sua esquerda para a direita (22º);<br>
O veículo AM seguia a uma velocidade de cerca de 40 Km/h (43º);<br>
Com as luzes de intensidade média acesas (44º); <br>
Na porção de terreno de forma triangular que delineia a confluência da EN 110-5 com a EN 10, encontrava-se estacionado o veículo automóvel Mitsubishi com a matricula SL (45º); <br>
O A. parou, como se refere na resposta ao quesito 8º, voltado para Vila Franca de Xira (48º e 49º); <br>
Quando o veículo AM se encontrava a cerca de um metro do A., este iniciou a travessia da EN 10 (50º); <br>
O A. colocou o seu corpo na trajectória do veículo (52º);<br>
O B travou o veículo que conduzia, de imediato (53ª);<br>
Mas já não conseguiu evitar o embate (54º); <br>
O AM embateu no A. com a parte dianteira direita (55º).<br>
<br>
Perante este quadro factual e a problemática colocada no conclusório da revista, que dizer?<br>
Antes de mais, vejamos a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso, colocada na contra-minuta recursória com base no nº. 6 do artº. 712º do CPC, segundo o qual das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.<br>
Essa questão prévia improcede por a acção ter sido proposta em 23.2.1995, e, de acordo com o artº. 8º, nº. 2 do DL nº. 375-A/99, de 20/9, o nº. 6 do artº. 712º, aditado por esse mesmo diploma legal, não ser aplicável às acções pendentes.<br>
Urge pois conhecer do objecto do recurso, delimitado pela problemática colocada nas conclusões da peça alegatória.<br>
<br>
Ora, examinando essas conclusões, constata-se que o recorrente se insurge - como já havia feito no recurso para a Relação - contra a matéria de facto atinente ao modo como eclodiu o acidente, que diz conter pontos de facto contraditórios, a reclamar a repetição do julgamento, nos termos do artº. 712º, nº. 4 do CPC.<br>
Deflui deste preceito que se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº. 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.<br>
Todavia, a faculdade de anulação aí prevista pertence exclusivamente à Relação, e no caso sub judice esta não fez uso dela, apesar de tal ter sido pedido na apelação.<br>
Não podendo o STJ - a não ser quando se verifique alguma das excepções referidas no segmento final do artº. 722º, nº. 2 do CPC - alterar os factos provados pela Relação, ainda que se alegue erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, tal acarreta que não possa censurar o referido não uso, pela Relação, do poder de anulação do julgamento da matéria de facto (neste sentido, entre muitos outros, o aresto do STJ, de 23.3.94, tirado no processo nº. 84.909, em que foi relator o Conselheiro Fernando Fabião).<br>
O que o STJ poderia censurar seria o mau uso que a Relação porventura tivesse feito do poder de anular a decisão da matéria de facto, por ter exorbitado dos limites fixados pelo nº. 4 do artº. 712º, por em tal hipótese se registar uma violação da lei, e isso constituir matéria de direito, do conhecimento oficioso do STJ (cfr. v. g. acórdão do STJ, de 23.3.94, no processo nº. 84.987, em que foi relator o Conselheiro Pereira Cardigos).<br>
Mas, repete-se, o STJ, como tribunal de revista, que não de mais uma instância, não tem competência para dar ou não razão à parte que vem repetir o pedido de anulação da decisão da matéria de facto ao abrigo do nº. 4 do artº. 712º do CPC, pois só à 2ª instância cumpre apreciar e decidir se as respostas aos quesitos são deficientes, obscuras ou contraditórias, e anular o julgamento, em caso afirmativo.<br>
Isto sem embargo de o nº. 3 do artº. 729º do CPC, após a reforma adjectiva operada pelos DL nºs. 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9, prever expressamente a possibilidade de o STJ sindicar a ocorrência de contradições na decisão sobre a matéria de facto (ou a sua insuficiência).<br>
É que tal sindicância só poderá ocorrer quando, ao apreciar a causa de direito, o STJ chega à conclusão de que, mercê de contradição entre pontos de facto essenciais para a sorte da demanda, se encontra inviabilizada a solução jurídica do pleito, ou então de que se revela imprescindível alargar a matéria de facto, para o efeito.<br>
O artº. 729º, nº. 3 é por conseguinte aplicável quando o STJ, legalmente vocacionado para julgar de direito, oficiosamente conclui que não está em condições de cumprir a sua específica tarefa de controlar o aspecto jurídico das decisões das instâncias, por haver contradição essencial na matéria de facto, ou esta carecer de ser ampliada.<br>
Como refere Lopes do Rego nos Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 497, os poderes conferidos ao STJ pelo artº. 729º, nº. 3 do CPC estão funcionalmente orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito, conhecendo das insuficiências, inconcludências ou contradições da decisão proferida acerca da matéria de facto se e enquanto tais vícios afectarem ou impossibilitarem a correcta decisão jurídica da acção.<br>
<br>
Ora, tendo a Relação, como tribunal de instância, decidido que não existem as contradições na matéria de facto apontadas pelo recorrente, e não tendo portanto anulado o julgamento nos termos do artº. 712º, nº. 4 do CPC, tal é insindicável pelo STJ, que é um tribunal de revista, e não mais um tribunal de instância.<br>
E, na apreciação jurídica da causa, não se divisa que o desenho da matéria de facto dada como cimentada pelas instâncias careça de ser ampliado, nem que não permita a solução jurídica do pleito, não sendo por consequência necessário lançar mão, ex officio judicis, dos poderes conferidos pelo artº. 729º, nº. 3 do CPC.<br>
Com efeito, o AM circulava na EN 10, com largura não inferior a 6 mts, pela metade direita da faixa de rodagem, a cerca de 40 km/hora, com os médios acesos, não existindo no local passadeira de peões, e o autor, parado junto da berma da estrada e voltado para Vila Franca de Xira, iniciou a travessia da EN 10, da direita para a esquerda, colocando o seu corpo na trajectória daquele veículo quando este se encontrava a cerca de um metro de distância.<br>
O acidente ocorreu, destarte, na EN 10, como apuraram as instâncias em sede de decisão de facto, onde o STJ se não deve imiscuir.<br>
O condutor do automóvel travou de imediato, deixando no pavimento um rasto de travagem de 7,70 mts, enviesado da sua esquerda para a direita, mas não conseguiu evitar o acidente, ficando parado a 5,06 mts da berma do seu lado direito e a 6,80 mts da seu lado esquerdo, atento ainda o sentido de marcha Porto-Alto - Vila Franca de Xira, medições que não devem causar qualquer espécie por essa paragem se ter verificado na porção de terreno de forma triangular existente na confluência da EN 10 com a EN 110-5, e por o veículo automóvel ter seguido na travagem uma trajectória enviesada, da esquerda para a direita. <br>
Os factos permitem a imputação de culpa exclusiva ao próprio autor, como bem ajuizaram as instâncias, não havendo assim condições para resolver o litígio quer com base na culpa presumida do condutor do AM, quer com base na responsabilidade objectiva ou pelo risco.<br>
<br>
Termos em que acordam em não conceder a revista, condenando o recorrente nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário que em devido tempo lhe foi concedido.<br>
<br>
Lisboa, 16 de Março de 2003<br>
Faria Antunes<br>
Moreira Alves<br>
Alves Velho</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GzLWu4YBgYBz1XKvxUiK | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" propôs acção contra B - Empreendimentos Imobiliários, Lª., a fim de, por incumprimento culposo do contrato-promessa de compra e venda com a ré celebrado em 96.01.08, ser declarada a sua resolução e se a condenar a lhe restituir, em dobro, o sinal entregue de 7.000.000$00 e ainda a quantia de 67.775$00, valor que sobra da remessa que de 300.000$00 que lhe efectuou para pagamento dos registos provisórios da aquisição e da hipoteca.</font><br>
<br>
<font>Contestando, a ré excepcionou a incompetência territorial do tribunal e a resolução do contrato por incumprimento culposo da autora, e impugnou.</font><br>
<font>Após réplica, foi proferido despacho a julgar procedente a excepção, tendo agravado a ré, sem êxito, por a Relação ter confirmado aquele.</font><br>
<font>Prosseguindo o processo, apresentou a autora articulado superveniente, não contestado pela ré.</font><br>
<font>A final, foi proferida sentença a julgar procedente a acção e a condenar como litigante de má fé a ré.</font><br>
<font>Recorrendo (da sentença apelou e da condenação por litigância de má fé agravou), a Relação negou procedência a ambos os recursos, reduzindo, todavia, a indemnização por má fé a € 7.000.</font><br>
<font>Pediu revista concluindo (convidado a apresentar conclusões, de novo alegou e o que teve por conclusões não o são em bom rigor técnico), em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<br>
<font>- celebrado um contrato-promessa no qual foi estipulado um prazo (até fim de Julho de 1966), diferido depois para 96.09.20,</font><br>
<font>- e tendo sido entregue à recorrida a chave do apartamento prometido vender, a qual não se prestou a assinar o contrato definitivo dentro do prazo acordado e a devolveu em 96.09.16,</font><br>
<font>- confessando por escrito, em 96.09.19, não estar interessada na aquisição e propondo a restituição do sinal;</font><br>
<font>- a recorrente contrapropôs solução que a recorrida aceitou,</font><br>
<font>- e no pressuposto da extinção do contrato em 96.09.20, a recorrente vendeu a terceiro o apartamento em 98.07.30;</font><br>
<font>- a presente acção foi proposta posteriormente (em 98.09.17) pedindo a resolução de um contrato que já se extinguira;</font><br>
<font>- dois os contrato-promessa celebrados - um, em 96.01.08; outro, resultante do acordo em que entre as partes foi aceite a contraproposta por si apresentada;</font><br>
<font>- nulo o acórdão ao não especificar os fundamentos de facto e de direito justificando as suas decisões e, tal insuficiência, em qualquer caso, está em oposição com estas decisões;</font><br>
<font>- a questão dos defeitos foi levantada pela primeira vez em 96.09.10 e foi confirmada pela autora nove dias depois no documento em que rescinde o contrato,</font><br>
<font>- seguindo-se negociações para arrumação dos interesses das partes;</font><br>
<font>- as testemunhas que depuseram em julgamento não demarcaram no tempo a data em que existiam os defeitos nem podiam saber o que se passou depois de 96.09.16 até ao julgamento;</font><br>
<font>- o elemento tempo não foi considerado pelas instâncias, o que era essencial para da má fé aquilatar;</font><br>
<font>- incorreu o acórdão nas nulidades previstas pelo art. 668-1 b), c) e d) CPC e</font><br>
<font>- violou o disposto nos arts. 137, 264, 663, 664 CPC e 405, 437, 801-2 e 913-1 CC.</font><br>
<font>Contraalegando, a autora pugnou pela confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Matéria de facto que as instâncias deram como provada -</font><br>
<font>a) - autora e ré subscreveram o escrito particular denominado contrato-promessa de compra e venda, datado 96.01.08, junto a fls. 24-25, a primeira, como promitente compradora, a segunda, como promitente vendedora;</font><br>
<font>b) - a fracção autónoma objecto do referido contrato é o terceiro andar direito, correspondente à fracção «J» do imóvel em regime de propriedade horizontal, sito na rua João Chagas, ...., da freguesia de Linda-a-Velha, do concelho de Oeiras, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n° 4443/280193;</font><br>
<font>c) - o preço acordado, livre de ónus, encargos ou responsabilidades, foi de 40.000.000$00, correndo todas as despesas de escritura, registos de transmissão e imposições fiscais, por conta da promitente compradora;</font><br>
<font>d) - como sinal e princípio de pagamento, a autora pagou à ré a quantia de 7.000.000$00;</font><br>
<font>e) - foi acordado celebrar a escritura pública de compra e venda em dia e hora a designar pela promitente vendedora, com a antecedência mínima de 15 dias, até ao :fim de Julho de 1996;</font><br>
<font>f) - em 95.03.31, foi emitido alvará de licença de utilização pelo imóvel referido na al. b);</font><br>
<font>g) - nos termos da carta datada de 96.01.17, junta a fls. 30, a autora, confirmando um telefonema com o sócio gerente da ré, C, solicita que a escritura seja marcada, se possível, entre os dias 5 e 15 de Setembro de 1996;</font><br>
<font>h) - o representante da ré deu a sua concordância ao adiamento da escritura;</font><br>
<font>i) - nos termos da carta datada de 96.07.08, junta a fls. 31, a autora solicita que a escritura seja marcada entre os dias 3 e 10 de Setembro de 1996;</font><br>
<font>j) - em 96.07.29, C solicitou à autora o envio de certidão do registo provisório de hipoteca a favor do Banco D, a fim de preparar os documentos para a escritura, pois os acabamentos da fracção estavam em fase terminal, e de 300.000$00 para despesas de registo;</font><br>
<font>k) - em 96.08.06, a autora enviou certidão do registo e a quantia de 300.000$00 por carta em que solicitava que a informasse da data da escritura;</font><br>
<font>l) - o registo provisório de aquisição a favor da autora teve o custo de 140.725$00 e o registo provisório de hipoteca a favor do Banco D teve o custo de 91.520$00;</font><br>
<font>m) - na carta datada de 96.08.27, junta a fls. 36, a autora indica vários defeitos da fracção, solicita que sejam reparados antes da escritura e comunica que só a fará depois de tudo reparado;</font><br>
<font>n) - na carta datada de 96.09.02, junta a fls. 57, a ré informa que se a escritura não for realizada até 20 de Setembro de 1996, irá reclamar juros pelos atrasos registados;</font><br>
<font>o) - nos termos da carta datada 96.09.19, junta de fls. 58-63, a autora mais uma vez informa não outorgar a escritura sem que os defeitos sejam reparados, a promitente vendedora dê os trabalhos por concluídos e a fracção inspeccionada por uma empresa de peritagens, sendo a inspecção e peritagem de conta da autora;</font><br>
<font>p) - a chave da fracção que a promitente vendedora tinha entregue à autora foi entregue a C em 96.09.16;</font><br>
<font>q) - em 96.12.09 não havia infiltrações no telhado;</font><br>
<font>r) - no escrito datado de 97.08.14, junto a fls.70, a ré declara que, dado ter havido problemas de infiltração na fracção, a escritura será outorgada, com marcação pelos vendedores, somente após terem sido resolvidos os problemas de humidade interior e exterior à fracção, a fachada e o tardoz de granito, na frente e na traseira do prédio, serem devidamente isolados de humidades e os restantes pormenores de acabamentos na fracção contemplados;</font><br>
<font>s) - declara ainda dar uma garantia de isolamento da humidade e de eventuais infiltrações na fracção pelo prazo de 10 anos a contar da escritura pública de compra e venda;</font><br>
<font>t) - na carta datada de 98.03.26, junta a fls. 71-75, a autora interpela a ré para, no prazo de 30 dias, apresentar a fracção livre de defeitos, nomear data para a peritagem e marcar a escritura nos 15 dias seguintes após a fracção ter sido aprovada, sob pena de resolução judicial;</font><br>
<font>u) - a ré é a construtora do imóvel;</font><br>
<font>v) - em 96.08.27, as pedras do mármore da mesa da cozinha estavam mal colocadas, com juntas mal feitas e com manchas, a porta do armário da máquina de lavar estava empenada e não fechava, os sifões do lava-louças e do esquentador vertiam água;</font><br>
<font>x) - na sala comum, o parquet estava descolado em vários pontos, o rodapé descolado e solto, com vestígios de humidade por detrás, a tampa metálica da ficha eléctrica fixada ao chão mal montada e sem ligação à terra, o muro da lareira com rachas na parte superior, as portas com vidros mal colocados e as portas e divisórias com visíveis maus acabamentos;</font><br>
<font>y) - na varanda, o tecto estava com rachas e manchado de humidade a parede lateral toda manchada e muito infiltrada de humidade e a junção entre o cimento e a janela com grandes espaços, permitindo a entrada de água e provocando infiltrações na parede;</font><br>
<font>w) - no quarto principal, havia manchas e vestígios de humidade no tecto, junto das canalizações de descarga dos apartamentos superiores, manchas escuras no soalho que dá para a casa de banho revelando infiltração de água, o parquet estava descolado e o rodapé descolado e solto;</font><br>
<font>z) - na casa de banho do quarto principal, havia azulejos lascados nas escadas que dão para a banheira, azulejos partidos e lascados nas paredes, com acabamentos grosseiros, o cabo eléctrico da alimentação da banheira estava solto pelo chão, a tomada eléctrica colocada num buraco grosseiro na parede, sem qualquer acabamento e isolamento, o tecto manchado de humidade, cheio de humidade por infiltração de águas e a pedra do lavatório era em material semi-rijo, sem a qualidade adequada para este tipo de utilização, dado ser permeável e sensível à humidade;</font><br>
<font>a-1) - na frente do prédio, o revestimento da fachada apresenta extensas manchas de humidade, devidas a infiltrações;</font><br>
<font>b-1) - nos tectos e paredes de algumas varandas, verificam-se rachas e extensas manchas de humidade, devidas a infiltrações;</font><br>
<font>c-1) - a tardoz do prédio e do lado exterior direito, verificam--se extensas manchas, ao longo da fachada central e das paredes, revelando humidade infiltrada;</font><br>
<font>d-1) - em meados de Setembro de 1996, a fracção apresentava os mesmos defeitos;</font><br>
<font>e-1) - em 96.12.09 continuavam a verificar-se quase todos os defeitos, embora alguns maus acabamentos tivessem sido disfarçados com nova pintura e colagens;</font><br>
<font>f-1) - em 96.12.09, C acordou com o genro da autora, C, que a fachada e o revestimento de granito, na frente e traseira do prédio, seriam desmontados e reconstruídos com isolamento total de humidades, de maneira a evitar novas infiltrações,</font><br>
<font>g-1) - e que as referidas obras só poderiam ser feitas no tempo próprio, pelo que se aguardava a chegada do tempo seco e que a escritura só se a faria depois de tudo arranjado, especialmente as fachadas frontal e traseira do prédio,</font><br>
<font>h-1) e que os pormenores restantes, no interior da fracção seriam todos resolvidos,</font><br>
<font>i-1) - e que a promitente vendedora garantia o isolamento das humidades no prédio pelo período de 10 anos, a contar da escritura de compra e venda;</font><br>
<font>j-1) - de 97.08.14 a 98.03.26, nada foi feito pela ré;</font><br>
<font>k-1) - a ré não deu qualquer resposta à carta da autora datada de 98.03.26;</font><br>
<font>l-1) - a autora esteve na posse das chaves do andar;</font><br>
<font>m-1) - em 98.07.30, foi celebrada escritura pública mediante a qual a ré declarou vender a E e este declarou comprar a fracção autónoma em apreço pelo preço de 40.000.000$00;</font><br>
<font>n-1) - encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Oeiras a aquisição a favor de E da fracção autónoma em apreço.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- Embora constitua já um lugar comum, frequente e constantemente repetido, que o Supremo Tribunal de Justiça é, por natureza e estrutura, um tribunal de revista é muito vulgar assistir-se, como no presente caso, a tomá-lo como uma 3ª instância e, por isso, serem produzidas alegações em sede de matéria de facto sem curarem de verificar quais os poderes que ao STJ cabem.</font><br>
<font>Por se não inserirem em alguma das hipóteses excepcionadas por lei relativamente ao conhecimento da decisão de facto pelo STJ, a conclusão da ré não pode ser objecto de apreciação.</font><br>
<br>
<font>2.- O contrato-promessa foi incumprido e não há já possibilidade de ser outorgado o contrato prometido (a ré vendeu a terceiro a fracção autónoma prometida).</font><br>
<font>Ambas as partes se atribuem reciprocamente as culpas na sua resolução, que, uma e outra, têm como assente embora por causa e em momento diversos.</font><br>
<br>
<font>3.- O prazo não surge como absolutamente fixo ou, se assim o fora convencionado, foi por ambas as partes relativizado, facto que não exige revestir-se da forma escrita, se bem que se a tenha inclusivamente provado (cfr., al. r)).</font><br>
<font>Nessa medida, não assiste razão à ré para ter como incumprido o contrato pelo exaurir do prazo inicialmente convencionado. O contrato manteve-se em vigor; o contrário ora defendido pela ré, se, porventura, tivesse juridicamente assento, representaria um venire contra factum proprium como o seu comportamento posterior e até ter alienado a terceiro a fracção autónoma manifestamente evidencia.</font><br>
<br>
<font>4.- A ré assumira a obrigação de celebrar o contrato de compra e venda o que, face à prova constante dos autos (sobre denúncia e exigência de eliminação dos defeitos e sua aceitação pela ré), pressupõe a venda do imóvel sem defeitos (já, de per si, o pressupunha - arts. 406-1 e 913-1 e 2 - nada a ré tendo alegado em contrário).</font><br>
<font>Apesar das prorrogações do prazo e de lhe ter sido fixado um prazo razoável, sob pena de resolução, para a eliminação dos defeitos (cfr., al. t)), não só não eliminou como vendeu a terceiro essa fracção (cfr., al. m-1)).</font><br>
<font>A relação de confiança, pelo menos a da autora para com a ré, estava deteriorada (por esta não eliminar os defeitos apesar de aceitar a sua existência e por não dar resposta a algumas das suas cartas) a ponto de condicionar a celebração do contrato prometido à verificação da obra por peritos.</font><br>
<font>Se a eliminação dos defeitos dentro do prazo concedido e passados quase dois anos sobre a data primitivamente convencionada para a celebração do contrato prometido permite concluir pela perda objectiva de interesse (CC-808,1), também a alienação dessa fracção autónoma a terceiro, tornando impossível a sua outorga, representa incumprimento do contrato (CC- 801,1).</font><br>
<font>Uma e outra causas legitimam a conclusão de incumprimento imputável à ré e assistir à autora direito à resolução do contrato-promessa (CC-801,2).</font><br>
<font>Assiste à autora direito à restituição, em dobro, do sinal que prestou (CC- 441,2).</font><br>
<font>A restituição da quantia de 67.775$00 não é indemnização mas apenas devolução do excesso do que pela autora adiantado fora para as despesas com os registos (da aquisição e da hipoteca) e que, conforme o convencionado, seria ela a suportar.</font><br>
<font>Apenas há que fazer a conversão em euros (certamente por lapso, não procederam a tal) - € 70.169,77.</font><br>
<br>
<font>5.- A condenação da ré por litigância de má fé não é merecedora de reparo algum, de bem fundamentada e equilibrada que se encontra pelas instâncias.</font><br>
<br>
<font>Termos em que </font><b><font>nega a revista</font></b><font>, embora se proceda à conversão da moeda conforme se a indica no ponto 4.</font><br>
<font>Custas pela ré.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 7 de Junho de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1DLpu4YBgYBz1XKv3Va1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font> - Por sentença de 13.7.01, o M.º Juiz de Alcobaça, julgando parcialmente procedente a acção sumária destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de viação, movida por AA contra a Empresa-A, SA, condenou a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos morais, a quantia de 500 mil escudos e juros legais desde a citação, absolvendo-a do pedido referente aos danos patrimoniais.</font><br>
<font>- Inconformadas com tal sentença, ambas as partes apelaram, da mesma; - No conhecimento desses recursos, no Tribunal da Relação de Coimbra, veio a ser proferido Acórdão no qual, se negou provimento aqueles, mantendo-se a sentença impugnada.</font><br>
<font>- Irresignado, ainda, de novo, interpôs recurso o Autor, o que constitui, o objecto da presente revista, para este Supremo; </font><br>
<font>- Alegando, para tal fim, formulou as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- 1 - A constituição de advogado é um direito indisponível para os Autores nas causas a que se refere o artigo 32º, n.º 1, do C.P.C; </font><br>
<font>- 2 - Nesses casos o que está em causa não é tanto o interesse particular do Autor mas sim interesses de ordem pública relacionados com a boa administração da justiça;</font><br>
<font>- 3 - É também um corolário irrenunciável do princípio da igualdade das partes constante do artigo 3.º-A do C.P.C.; </font><br>
<font>- 4 - A revogação de mandato por parte do Autor, numa causa em que é obrigatória a constituição de advogado significa apenas que o mandante não pretende continuar a ser representado por esse mandatário e não que pretenda continuar a lide sem mandatário;</font><br>
<font>- 5 - No caso doa autos o Autor ora recorrente realizou várias tentativas para constituir novo mandatário, como aliás, se encontra documentado nos autos, o que significa que não abdicou do direito a ser representado por advogado;</font><br>
<font>- 4 - Da revogação do mandato por parte do Autor, numa causa em que é obrigatória a constituição de advogado, não pode extrair-se um efeito não permitido por lei, ou seja, o de que o Autor abdica do direito de litigar na causa representada por advogado;</font><br>
<font>- 7 - De qualquer forma, sempre a renúncia ao mandato por parte do primitivo mandatário do Autor, deverá ser considerada materialmente anterior ao acto de revogação do mandato, apesar de ser comunicada ao Tribunal posteriormente:</font><br>
<font>- 8 - A renúncia ao mandato por parte do primitivo mandatário do Autor produziu efeitos práticos antes de ser comunicada ao Tribunal, uma vez que - foi devido a essa renúncia que o mandatário do Autor não comparece à audiência de julgamento.</font><br>
<font>- 9 - A declaração de revogação do mandato feita pelo Autor na audiência de julgamento revela nos itens próprios termos que o seu autor não tinha a mínima ideia das suas consequências jurídico - processuais; </font><br>
<font>- 10 - Tal revogação constitui um acto jurídico praticado no decurso de uma diligência na qual o Autor não podia intervir sem estar devidamente representado por mandatário;</font><br>
<font>- 11 - Por isso tal declaração é inválida e como tal deverá ser declarada, ordenando-se, consequentemente a suspensão da instância desde 12.2.01 com a anulação de todo o processado posteriormente;</font><br>
<font>- 12 - Qualificar determinado facto como sendo ou não notório para efeitos do artigo 514º, n.º 1, do C.P.C. é matéria de direito que cabe dentro das competências do Supremo Tribunal de Justiça; </font><br>
<font>- 13 - É de conhecimento geral, e como tal deve ser declarado como facto notório, para efeitos do artigo 514º, N.º 1, do C.P.C., que uma colisão entre dois veículos provoca estragos materiais esses veículos, sobretudo quando tal colisão, é suficientemente forte para causar a um dos condutores a factura do 7.º arco costal direito, bem como escoriações e equimoses múltiplas na cara, mãos e joelhos, lesões essas que determinaram uma incapacidade temporária profissional total de 30 dias e uma incapacidade temporária profissional parcial de 50% durante 60 dias; </font><br>
<font>- 14 - É do conhecimento geral, e como tal deve ser declarado como facto notório, para efeitos do artigo 514º, N.º 1, do C.P.C., que a colisão entre os veículos e as lesões físicas descritas nos pontos E), F), e G), da factualidade dada como provada na sentença, provocaram ao Autor angústias, sofrimento psicológico e perturbação da sua vida quotidiana, dignos de indemnização; </font><br>
<font>- 15 - Igualmente deve ser declarado como facto notório que a assistência recebida pelo Autor nos hospitais de Alcobaça, dos Capuchos e na clínica Unimed ( devido às lesões provocadas pela colisão dos veículos) teve de ser paga, e como tal constitui um dano, indemnizável;</font><br>
<font>- 16 - Em todos esses casos são notórios, para ao efeitos do artigo 514º, N.º 1 do C.P.C., os factos que consubstanciam danos patrimoniais e não patrimoniais, carecendo apenas de serem medidas, quantificados ou liquidados esses danos.</font><br>
<font>- 17 - Tal medição, quantificação ou liquidação deverá ser remetida para a fase de liquidação de sentença;</font><br>
<font>- 18 – Á quantia de 500.000$00 fixada na sentença e confirmada pelo Acórdão recorrido, é insuficiente para ressarcir o Autor, na proporção que legalmente é fixada, pelos danos não patrimoniais sofridos; </font><br>
<font>- 19 – Tendo em conta os critérios estabelecidos nos artigos 506º e 508º, N.º 1, do C.C., considera-se adequado a quantia de 2.000.000$00 ( dois milhões de escudos) para indemnizar o Autor pelos danos não patrimoniais resultantes da colisão.</font><br>
<font>- 20 – Ao confirmar a sentença do Tribunal de Alcobaça. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra violou as seguintes normas jurídicas do C.P.C.</font><br>
<font>- Artigos 3.º- A, 32º, n.º 1 a), 39º n.º 3, 514º, n.º 1 e 661º N.º 2.</font><br>
<font>- 21 – O Acórdão recorrido violou também as seguintes normas do C.C.;</font><br>
<font> - Artigos 70º, 496º, nº 1 e 508º, nº 1; </font><br>
<font>- 22 – Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que sem conhecer do mérito da causa, declare a suspensão da instância a partir de 12.2.01; - </font><br>
<font>- ou então e sem prescindir, que declare factos notórios os danos patrimoniais e não patrimoniais invocados nos pontos 13, 14 e 15 destas conclusões e remeta a sua liquidação para a fase de execução de sentença; </font><br>
<font>- ou então e ainda sem prescindir, condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; </font><br>
<font>- A recorrida Ré, não usou da factualidade de contra-alegação;</font><br>
<font>- Já neste Supremo e na sua vista, o Ilustre Procurador Geral da República, Adjunto, nada requereu; </font><br>
<font>- Foram, outrossim, recolhidos os vistos, dos Excelentíssimos Conselheiros, Adjuntos, </font><br>
<font>- Apreciando:</font><br>
<font>- como constitui entendimento genérico; uniforme e pacífico, são as conclusões das alegações dos recorrentes que delimitam, em princípio, o âmbito e o objecto dos recursos, com ressalva da matéria que por envolvente de conhecimento oficioso; </font><br>
<font>- Tal no quadro legal, advindo dos dispositivos inseridos nos artigos 684º, N.ºs 3 e 4 e 690º, N.º 1, do C.P.C.; </font><br>
<font>- Nesse sentido, também e designadamente os Acs. - deste S.T.J. de 18.10.86, B.M.J. 360º, 354 e da Relação de Lisboa de 12.4.89 Col. Jur, 2.º 143, entre outros; </font><br>
<font>- Assim como já e outrossim os Professores A.dos Reis, Anotado, V, 308, 309 e 363º e Castro Mendes, Direito Processo Civil, 3.º, 65, e ainda, o Dr. Rodrigues Bastos, Notas, III, 286 e 289.</font><br>
<font>- Todavia tal não significa e por não é impor que cumpra conhecer de todos os argumentos produzidos nas ditas alegações, mas apenas e somente, das questões essenciais, que forem suscitadas naquelas; - </font><br>
<font> - Nesse alcance e significado, também, o aludido em Rodrigues Bastos, na sua mencionada obra III , 147, assim como, entre outros, o Ac. deste S.T.J. de 15.9.89 B.M.J., 283º 496; </font><br>
<font>- Por sua vez, em termos fácticos nas Instâncias, foram dados como assentes os pontos, integrantes do relatório do Acórdão recorrido de fls. 260; verso e, de n.ºs 1 a 8; </font><br>
<font>- Os quais, aqui e agora, se têm por reproduzido e para onde se remete, portanto, nas fronteiras do artigo 713º N.º 6, do C.P.C. em virtude de não terem sido, em si, objecto de qualquer impugnação; </font><br>
<font>-Ponderando, ora, sobre a “ inteligibilidade”, do Aresto recorrido , e antes de mais, haverá logo, a destacar, que o presente recurso, teve apenas a iniciativa do Autor, e porque a Ré, recorrente para a Relação, não o fez já, para este Supremo;</font><br>
<font>- E, após a análise, devidamente atenta da sua explicitação, cumprirá afirmar, desde logo, agora e na sede da presente revista, que não cabe operar qualquer censura ou reparo, ao mesmo. - </font><br>
<font>- Na verdade, foram equacionadas, nele, todas as incidências das questões que já então, havido sido suscitadas e às quais, foram conferidas, as soluções correctas; </font><br>
<font>- Através de uma exposição, que sendo lógica e coerente se revestiu, ainda e também, do figurino legal, que é o adequado. – </font><br>
<font>- Donde que, neste Supremo, se pudesse, à partida e exclusivamente, optar, pelo recurso ao uso da faculdade de se remeter, para tal Aresto, nas fronteiras dos artigos 713º, n.º 5, e 726º do C.P.C. na redacção do D.L. N.º 429/A/95, de 12 de Dezembro, “ ex vi”, do artigo 25.º N.º 1, deste último diploma; - </font><br>
<font>- E cuja “legitimidade”, para além de referida envolvência legal, advém, outrossim, da jurisprudência, uniforme e pacífica, que se tem vindo a constituir, neste S.T.J., de que é exemplo, entre outros e inúmeros Acórdãos, o proferido na 1.ª Secção, em 19.Nov.02 no Processo N.º 3.466/02; - </font><br>
<font>- Nesta perspectiva, pois, e fazendo-o vai utilizar-se essa “ via”, prioritariamente sem embargo, ainda e porém, de se irem tecer alguns considerandos, de índole e natureza complementar, por se verem, estes, como oportunos e portanto, justificáveis;</font><br>
<font>- Assim e por um lado; é de todo, pertinente que “ in casu”, foi observada a integração do preceituado no artigo 39º, do C.P.C., no tocante à constituição, do mandatário do Autor; - E tal, na esteira, ainda, de ensinamento, dos professores A. dos Reis, Anotado, I, 112, Castro Mendes Recursos 137, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil declaratório II, 138, A.Varela, Manual, 190 e Teixeira de Sousa As Partes, 38 e seguintes; </font><br>
<font>- Nessa expressão e de ter sido cumprida a lei adjectiva, nesse ponto, também e entre outros, o Ac. deste S.T.J., de 10.5.94, B.M.J. 437º, 452, ao focar, que não … tanto a fixação de um prazo, como à suspensão da instância, e atenta a natureza, voluntária, da renúncia, por banda do Autor;</font><br>
<font>- Por outro é, outrossim, evidente, que na situação “sub-judice”, não ocorria, à “ notoriedade”, pretendida, para os “danos”; </font><br>
<font>- Com efeito, a caracterização, disciplinada no artigo 514º N.º 1, do C.P.C., pressuporia, sempre, o conhecimento pelo julgador, e como tal, colocado na posição de cidadão comum, regularmente informado, dessa notoriedade, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, portanto, nem a juízos presuntivos; </font><br>
<font>- Nesse prisma, o expendido, já, pelos Professores A. dos Reis, Anotado, 3.º, 259 e seguintes, Castro Mendes, do conceito de prova, 711 e seguintes, e, Vaz Serra Provas, B.M.J., 110º, 61 e seguintes;</font><br>
<font>- Assim como, entre outros, o Ac. deste S.T.J. de 5.3.96, Col. Jur. 1996, 1.º, 122; </font><br>
<font>- Ora, na situação “ sub-judice”, a “quantificação” pretendida pelo recorrente, não se inscreve nesses parâmetros; </font><br>
<font>- E daí, que também, se mostra prejudicada a possibilidade, de recurso ao instituto de liquidação, em sede, de execução de sentença prevista no artigo 661º, N.º 2, do C.P.C.; </font><br>
<font>- Na verdade, essa via, só seria legítima, no caso que não sucede, todavia, de já se verificar um apuramento abstracto, nesse campo danoso, e estando, apenas, por se conferir, o concretismo daquele. </font><br>
<font>- Nesse significado, também, o Professor A. dos Reis, Anotado, 3.º, 353 e seguintes, assim como, entre outros, o Ac. deste S.T.J., de 13.1.00, Sumários, 37º, 34;</font><br>
<font>- Por fim, e no concernente, à reparação fixada, a título de prejuízos morais, entende-se que o Tribunal, seguiu, aí o critério formulado, no artigo 496º N.º 3, do C.C., e compensação, atribuída de 500 contos, mostra-se, devidamente ponderada, na esteira, do expresso pelos Professores Vaz Serra, Rev. Leg. Jur. 104º, 16 e, A.Varela, Obrigações, 428, e na linha da “equidade”, que lhe deve estar, subjacente;</font><br>
<font>- E com o que, aliás, se integrou, também, o espírito, do jurisprudenciado, entre outras no Ac. deste S.T.J., de 6.7.00, Col. Jur. 2000 2º 144; </font><br>
<font>- Por todo o exposto e sem necessidade, até, de outros considerandos, a assunção decisória, havida já, nas Instâncias mostra-se ainda, ...; </font><br>
<font>- Assim, é evidente, a improcedência, genérica das conclusões alegativas do recorrente; </font><br>
<font>- E por inexistir, a violação normativa, pretendida é veiculada naquelas;</font><br>
<font>- Razão pela qual, se nega, a revista, em apreço, ora e só, a do Autor, confirmando-se, inteiramente, e aliás, douto Acórdão recorrido.</font><br>
<font>- Custas da revista, pelo Autor, recorrente; </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 17 de Dezembro de 2002</font><br>
<br>
<font>Lemos Triunfante (Relator)</font><br>
<font>Reis Figueira</font><br>
<font>Barros Caldeira.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MzLVu4YBgYBz1XKv30dN | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1. - "A" - Sociedade de Representações, L.da" intentou, no Tribunal Cível do Porto, acção declarativa contra "B", com sede em Nova Dehli - União Indiana, pedindo a condenação da Ré no pagamento de US$ 25.677 ( 5.725.971$00), quantia correspondente a comissões em dívida, indemnização por denúncia sem respeito pelo prazo de pré-aviso e indemnização de clientela, por ter posto termo ao contrato mediante o qual a A. detinha a agência exclusiva e representação da casa e produtos da R. em Portugal. </font><br>
<br>
<font>Ao que aqui interessa referir, a Ré arguiu a excepção da incompetência do Tribunal, por preterição do Tribunal Arbitral, em virtude de o contrato celebrado conter uma cláusula de arbitragem deferida à "Câmara Internacional de Comércio", em Paris.</font><br>
<br>
<font>Na procedência dessa excepção a R. foi absolvida da instância, decisão que a Relação manteve.</font><br>
<br>
<font>Agrava novamente a Autora, pedindo a revogação do acórdão ao abrigo das seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Na acção estão em causa a denúncia de um contrato de agência e o apuramento das consequências indemnizatórias que daí advêm, relevando o art. 38º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, que dispõe sobre o regime e cessação dos contratos que se desenvolveram exclusivamente em território português, como o "sub judice", norma que se reveste de natureza imperativa,</font><br>
<font>- E que tem reflexos na própria determinação do tribunal competente, o que significa que se os Contratantes optaram por uma Jurisdição estrangeira - no caso pela Câmara de Comércio de Paris - haveria que provar que este Tribunal Arbitral iria aplicar uma legislação mais vantajosa para o Agente do que a legislação portuguesa, prova que não se fez e que incumbia à Ré;</font><br>
<font>- Dada a sua qualidade de Agente, a R. tem um interesse objectivo e manifesto em que o pleito seja apreciado por um tribunal português e segundo a legislação nacional, o que deve ser respeitado, atento o falado Princípio do Melhor Tratamento, consagrado no referido art. 38º, tese que se mostra confirmada pelo comando do art. 19 g) do DL n.º 446/85, de 25/10 (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais), sendo de concluir que a jurisdição portuguesa é competente para julgar a acção.</font><br>
<br>
<font>A Recorrida não apresentou resposta.</font><br>
<br>
<font>2. - Tal como vem colocada no recurso, a questão a resolver consiste em saber se a norma do art. 38º do DL n.º 178/86, de 3/7 (regime do contrato de agência) determina a competência exclusiva dos tribunais portugueses para conhecer dos efeitos da denúncia do contrato que vigorou entre as Partes, com a inerente ineficácia da convenção de arbitragem.</font><br>
<br>
<font>3. - A factualidade relevante para o conhecimento do objecto do recurso é a seguinte:</font><br>
<br>
<font>- Em 1 de Junho de 1992, a Autora foi nomeada pela Ré sua agente exclusiva para Portugal, por períodos de um ano renováveis, mediante retribuição;</font><br>
<font>- A R. passou a obter, com o contrato em causa, um grande volume de negócios em Portugal;</font><br>
<font>- Por carta de 16 de Fevereiro de 1999, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 1999, a R. pôs termo imediato ao contrato celebrado;</font><br>
<font>- No contrato celebrado entre as Partes consta que "Para qualquer problema a "Câmara Internacional de Comércio", em Paris, será árbitro".</font><br>
<br>
<font>4. 1. - Autora e Ré clausularam, no contrato que reduziram a escrito, que qualquer "problema" referente ao contrato, que não se põe em dúvida ser um contrato de agência, seria árbitro a "Câmara Internacional de Comércio", em Paris.</font><br>
<br>
<font>Está-se perante uma convenção de arbitragem tendo por objecto eventuais litígios emergentes da execução e cessação da relação jurídica contratual constituída entre as Partes, designada cláusula compromissória (art. 1º-2 da Lei n.º 31/86, de 29/8 - LAV).</font><br>
<font>De uma tal convenção pode ser objecto qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis e que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária (art. 1º-1 LAV).</font><br>
<br>
<font>Para além destas limitações, que no caso não ocorrem, a lei atribui relevância à vontade das partes na determinação do tribunal competente para dirimir os seus litígios, respeitando os seus interesses e a autonomia da vontade nessa escolha. Trata-se de admitir a relevância e atribuir efeitos - que, a um tempo, retiram competência, internacional e interna, às jurisdições estaduais para o julgamento de determinada questão, atribuindo--a à arbitragem voluntária, ad hoc ou institucionalizada - a negócios com eficácia num processo pendente ou futuro, que se apresentam como "contratos processuais" (M. TEIXEIRA DE SOUSA, "A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns", 100).</font><br>
<br>
<font>Também não está em causa a validade e eficácia da convenção, enquanto pacto privativo da jurisdição portuguesa, desde logo por inquestionado o concurso dos requisitos de que a faz depender o conjunto das alíneas do n.º 3 do art. 99º CPC.</font><br>
<font>Quando referida a interesses do comércio internacional, como aqui acontece, a arbitragem designa-se por arbitragem internacional, podendo as partes escolher o direito a aplicar pelos árbitros, sendo que, na falta de escolha, o tribunal aplica o direito mais apropriado ao litígio - arts. 32º e 33º da LAV.</font><br>
<font>A arbitragem comercial internacional é, muito frequentemente, a via escolhida pelos operadores do comércio internacional para a resolução dos respectivos conflitos.</font><br>
<font> Se validamente convencionado o recurso à arbitragem, a determinação do direito aplicável à resolução do litígio "rege-se principalmente por regras e princípios próprios do Direito da Arbitragem Comercial Internacional", sendo permitido que as partes remetam para um Direito estadual, para o Direito internacional Público, para a lex mercatoria, para "princípios gerais" ou para a equidade. Não havendo designação expressa, "não há, em princípio, razão para as partes suporem que os árbitros decidirão o fundo da causa segundo o Direito em vigor no lugar da arbitragem". (L. LIMA PINHEIRO, "DIP - Parte Especial (Direito de Conflitos", 291). </font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 2. - A Recorrente põe em causa a eficácia da cláusula compromissória a pretexto de contrariar o imperativamente estipulado pelo art. 38º do DL n.º 178/86.</font><br>
<br>
<font>Aí se dispõe, efectivamente, que o regime da lei portuguesa sobre os contratos de agência que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só não será aplicável se outra legislação se revelar mais vantajosa para o agente.</font><br>
<font>Trata-se, claramente, de uma norma de conflitos sobre o regime substantivo aplicável ao contrato de agência. </font><br>
<br>
<font>Determinando-se a competência internacional dos tribunais portugueses também pela coincidência com a regras de competência territorial interna aplicáveis ao caso - princípio da coincidência (art. 65 n. 1 a) CPC) - , não pode pôr-se em dúvida que uma norma como a do citado art. 38º tem efectiva repercussão na determinação do tribunal internacionalmente competente.</font><br>
<font>E, perante ela, subscreve-se, sem reservas, a posição da Recorrente enquanto sustenta que se verificam todos os pressupostos de atribuição de competência aos tribunais portugueses, pois que, o lugar do cumprimento das obrigações ajuizadas é, face à disciplina da lei portuguesa, a do domicílio do credor (art. 774º C. Civil) .</font><br>
<font>De resto, acrescente-se, é a mesma a solução a que se chega por aplicação da Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e Representação, de 1978 (Dec.-Lei n.º 101/79, de 18/9), Convenção com carácter universal e, como tal, aplicável mesmo que a lei </font><br>
<font>designada como aplicável seja a de um Estado não contratante (art. 4º), na qual se estabelece que, na falta de lei designada pelas partes, as relações entre o "representado" e o "intermediário" são reguladas pela lei do Estado no qual este tenha o seu estabelecimento profissional - arts. 5º, 6º e 8º-e) e </font><br>
<font>f) -, designação que se mantém eficaz perante a, também de carácter universal, Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, como ressalvado pelo art. 21º desta última.</font><br>
<br>
<font>4. 3. - Ora, o que sucede é que o problema não é de competência do Tribunal judicial português em confronto com outros tribunais pertencentes a jurisdição estrangeira. Este seria, seguramente, resolvido a favor da competência internacional do primeiro.</font><br>
<br>
<font>Diferentemente, antes acontece que estamos perante uma convenção arbitral válida que, antes de mais, afasta a via judicial.</font><br>
<br>
<font>A arbitragem representa uma via alternativa de resolução dos litígios que, por isso, exclui que essa mesma resolução possa ter lugar na jurisdição comum em que se integram os tribunais judiciais.</font><br>
<font>A questão é, então, de competência convencional derivada de convenção arbitral e seus efeitos e não de competência jurisdicional, por aplicação ou não do princípio da coincidência.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A norma do art. 38º invocada, na sua função de norma de conflitos, resolve um problema de determinação do direito substantivo aplicável pelos tribunais como órgãos jurisdicionais estaduais, podendo, por essa via, determinar indirectamente o tribunal internacionalmente competente.</font><br>
<font>Porém, porque se trata de questão que precede tal determinação, carece de idoneidade para suprimir os efeitos do pacto processual validamente estabelecido entre as Partes de designação dum tribunal arbitral, cuja competência tem de haver-se como exclusiva, no exercício da autonomia de escolha da entidade que haveria de apreciar os eventuais litígios.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, contrariamente, ao que parece pressupor a Recorrente, nada permite supor que, embora a tal possa não estar vinculada, a Câmara Internacional de Comércio de Paris venha a aplicar lei diferente da portuguesa, tanto mais que, como referido, para ela apontam Convenções Internacionais de carácter universal.</font><br>
<br>
<font>De qualquer modo, e, agora, contrariamente ao que sustenta a Agravante caber-lhe-ia a si, e não à Ré, alegar e demonstrar eventuais factos susceptíveis de integrarem fundamentos de invalidade ou ineficácia do pacto compromissório, a que livre e voluntariamente se vinculou, como factos impeditivos do respectivo cumprimento, o que, manifestamente, não fez - art. 342 n. 2 C. Civil. </font><br>
<br>
<font>5. - Termos em que, na improcedência das conclusões do recurso, se </font><b><font>nega provimento</font></b><font> ao agravo e se condena a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 11 Outubro de 2005</font><br>
<font>Alves Velho,</font><br>
<font>Moreira Camilo, </font><br>
<font>Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vTLYu4YBgYBz1XKvdEm0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - "A" - Sociedade Comercial de Representações e Importações, Lda.", com sede em Lisboa, instaurou acção declarativa contra "B", com sede em Paris, alegando que mantinha com a Ré um contrato de distribuição exclusiva em Portugal dos perfumes "Pierre Cardin", contrato a que esta pôs termo de forma unilateral, por carta de 20/6/2000.</font><br>
<br>
<font>Por via da denúncia desse contrato de concessão comercial, reclama a A. uma indemnização de clientela, correspondente à média anual dos proveitos dos últimos cinco anos, acrescida do valor dos produtos que ficaram em stock à data da cessação do contrato, que a R. deveria adquirir ao preço de custo, "ex-factory", e não adquiriu nem fez adquirir.</font><br>
<br>
<font>A Ré não contestou e foi condenada no pedido.</font><br>
<br>
<font>Notificada da sentença, interpôs recurso de agravo, com fundamento na incompetência do tribunal português, mas a Relação negou-lhe provimento.</font><br>
<br>
<font>Agrava novamente a Ré, insistindo na incompetência dos tribunais portugueses, para o efeito concluindo:</font><br>
<br>
<font>- Em matéria contratual, "o requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante ... perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida ..." - Convenção de Bruxelas, art. 5 §1º 1ª parte;</font><br>
<br>
<font>- A obrigação que serve de fundamento ao pedido e determina a competência do tribunal onde deva ser cumprida é a obrigação de fornecimento de certos bens à Agravada, a cargo da Agravante, e que esta, por via da cessação, deixou de cumprir;</font><br>
<br>
<font>- Os produtos eram adquiridos pela ora Agravada "ex-factory" ou "ex-work";</font><br>
<br>
<font>- O lugar de cumprimento da obrigação de entrega das mercadorias por parte da Agravante era, assim, em França, à saída da fábrica.</font><br>
<br>
<font>A Autora ofereceu resposta.</font><br>
<br>
<font>2. - Os elementos de facto a considerar são apenas os que já constam do relatório desta peça para o qual se remete.</font><br>
<br>
<font>3. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>3. 1. - A Relação considerou que entre as Partes vigorou um contrato de concessão comercial em que a ora Recorrente era a concedente e a Recorrida a concessionária, qualificação sobre a qual não há qualquer divergência, contrato que foi denunciado pela Recorrente. Mais considerou que, sendo o pedido o pagamento das quantias respeitantes à indemnização de clientela e ao reembolso do produto dos valores em stock à data da cessação do contrato, se está no domínio do direito dos contratos e das obrigações pecuniárias, donde que, por via dos arts. 5 n. 1 da Convenção de Bruxelas e 774 do C. Civil português ou ainda da Convenção de Roma de 1980 e arts. 4 e 42 do mesmo C. Civil, o tribunal do domicílio do credor é competente.</font><br>
<br>
<font>A Recorrente sustenta, essencialmente, que o lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deve ser cumprida é o das suas instalações fabris, em França, pois que essa obrigação é a de entrega das mercadorias, que eram adquiridas pela Recorrida "ex factory", ou seja, quando colocadas à disposição do comprador no local de produção.</font><br>
<br>
<font>A Recorrida, por sua vez, apoia a sua tese na cláusula da conexão mais estreita do contrato com Portugal, o que implica a aplicação do art. 4 n. 1 da Convenção de Roma.</font><br>
<br>
<font>3. 2. - Vejamos, então.</font><br>
<br>
<font>3. 2. 1. - O contrato que está na origem do litígio é, como pacificamente aceite, um contrato de concessão comercial, que foi denunciado pela Recorrente.</font><br>
<br>
<font>As pretensões da Recorrida - causa de pedir e pedido formulado na acção -, que se traduzem na denominada indemnização de clientela e no reembolso dos valores das mercadorias que não pôde já vender por força da cessação do contrato no tocante aos seus direitos de distribuição, decorrem justamente da eficácia e dos efeitos produzidos por essa denúncia. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Trata-se, no caso da indemnização de clientela, de compensar o concessionário, após a cessação do contrato, por benefícios que continuam a reverter a favor do concedente em virtude da clientela angariada por este, sendo o direito que a tal indemnização não está dependente do tempo de vigência do contrato ou da sua duração e acresce a eventuais indemnizações devidas por violações do contrato (cfr. art. 33º do DL n. 178/86, de 3/7, preceito cuja aplicação a doutrina e a jurisprudência estendem, por analogia, ao contrato de comissão comercial - cfr., por todos, PINTO MONTEIRO, "Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial", RLJ 130 - 31 e ss.) </font><br>
<br>
<font>Quanto ao reembolso do valor das mercadorias, a pretensão apresenta-se ainda como uma consequência da cessação do contrato, como natural decorrência, fundada nos princípios da boa fé contratual, da obrigação para o concedente de readquirir as mercadorias não vendidas até ao termo do contrato, ao preço por que foram adquiridas, salvo as adquiridas pelo concessionário, por sua iniciativa, ou durante o prazo de pré-aviso (vd. HELENA BRITO, "O Contrato de Concessão Comercial", 241/2). </font><br>
<br>
<font>Num e noutro caso não estão em causa obrigações ou prestações das Partes relativas à execução ou cumprimento do contrato mas, antes, obrigações que entroncam nos efeitos da sua cessação, liquidadas em determinados montantes pecuniários. Precisando melhor, os direitos ora exercitados pela Recorrida não assentam na violação do cumprimento de qualquer obrigação integrada no sinalagma contratual, nomeadamente na falta de entrega de mercadorias pela concedente à concessionária para esta as colocar no mercado, nem sequer na ilicitude ou invalidade da denúncia contratual; diversamente, o fundamento dos pedidos supõe o cumprimento do programa contratual e a eficácia da denúncia como causa extintiva da relação contratual e efectiva extinção desta, e vai precisamente assentar, para além e independentemente das vicissitudes do contrato, nos efeitos da sua cessação.</font><br>
<br>
<font>Assim, pode concluir-se, a obrigação «que serve de fundamento ao pedido» não é a identificada pela Recorrente e, como tal, não é ela o elemento de conexão determinante da competência dos tribunais franceses por via do art. 5º-1 da Convenção de Bruxelas.</font><br>
<br>
<font>3. 2. 2. - As obrigações que servem de fundamento aos pedidos são, efectivamente, a nosso ver, obrigações pecuniárias cujo lugar de cumprimento a lei portuguesa - art. 774 cit. - prevê no domicílio do credor.</font><br>
<br>
<font>Importa, então, saber se essa norma do nosso direito interno assume relevância na determinação de competência dos tribunais, o que equivale a saber, previamente, se ao regime jurídico das obrigações que servem de fundamento ao pedido é aplicável o direito material português.</font><br>
<font>Depois, intervirão, então, as normas dos arts. 2º e 5º da Convenção de Bruxelas </font><br>
<br>
<font>3. 2. 3. - Em matéria de contratos de mediação e representação vigora a Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e Representação, de 1978 (Dec-Lei n. 101/79, de 18/9).</font><br>
<br>
<font>Trata-se de Convenção com carácter universal e, como tal, aplicável mesmo que a lei designada como aplicável seja a de um Estado não contratante - art. 4º -, cuja regulamentação, em sede de normas de conflitos, abrange o contrato de concessão comercial, como decorre do § 3º do seu art. 1º e que, como lei especial relativamente à Convenção de Roma (Convenção sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais), também de carácter universal (art. 2º), prevalecerá sobre esta em caso de contradição ou sobreposição de designações, já que nem uma nem outra afecta ou prejudica a recíproca aplicação, como expressamente ressalvado no art. 22º da Convenção de Haia e no art. 21º da Convenção de Roma (cfr. neste sentido, HELENA BRITO, ob. cit. , 213 e LUÍS LIMA PINHEIRO, "Direito Internacional Privado, Parte Especial", 1999, pg. 210).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, segundo a Convenção de Haia, na falta de designação de lei aplicável pelas partes, as relações entre o "representado" e o "intermediário" são reguladas pela lei do Estado no qual, no momento da formação da relação, o "intermediário" tenha o seu estabelecimento profissional, nomeadamente quanto às «consequências da inexecução e extinção de tais obrigações (...) em particular (...) à indemnização de clientela (e) às várias espécies de prejuízos que possam ser indemnizados»- - arts. 5º, 6º e 8º- e) e f). </font><br>
<font> </font><br>
<font>3. 3. - De qualquer modo, afigura-se-nos que a designação é compatível com o critério supletivo da "cláusula geral da conexão mais estreita" e respectiva presunção estabelecidos pelo art. 4º -1 e 2 da Convenção de Roma, pois que as prestações "características" do contrato de concessão - celebração pela Concessionária de sucessivos contratos de compra e venda para revenda dos artigos adquiridos à Concedente, na respectiva área de distribuição, em que avulta a angariação e fixação da clientela e, no caso, o direito à compensação pelas vantagens advenientes dessa angariação -, foram executadas por aquela exclusivamente em território português, cabendo à última vender-lhe os bens, em exclusividade, para revenda (vd., sobre o significado da cláusula, LIMA PINHEIRO, ob. cit., 181 e ss.).</font><br>
<br>
<font>No mesmo sentido aponta a norma de conflitos constante do art. 38º do DL n.º 178/86, sobre o regime substantivo aplicável à cessação do contrato de agência, ao dispor que o regime da lei portuguesa sobre os contratos de agência que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só não será aplicável se a outra legislação se revelar mais vantajosa para o agente, preceito que é compatível não só com o regime de conflitos da Convenção de Haia como também com o da Convenção de Roma, que expressamente ressalva a existência de normas de conflitos unilaterais imperativas do país do foro (art. 7 n. 2).</font><br>
<br>
<font>3. 4. - Do exposto resulta, em conclusão, que:</font><br>
<br>
<font>- A lei aplicável às relações jurídicas emergentes da cessação do contrato de concessão comercial deve procurar-se no regime de conflitos estabelecido na Convenção de Haia;</font><br>
<font>- Segundo esta - arts. 5º, 6º e 8º -, a lei aplicável é a portuguesa, por ser a da localização do estabelecimento profissional ou residência habitual da Concessionária (Recorrida);</font><br>
<br>
<font>- Consistindo a obrigação que serve de fundamento à acção na prestação de quantias em dinheiro pela cessação do contrato - como compensação ou indemnização de clientela ou como reembolso do preço de mercadorias -, o lugar de cumprimento é, face à lei portuguesa, o do domicílio do credor - art. 774 C. Civil;</font><br>
<br>
<font>- Consequentemente, por designação daquelas normas de conflitos, "o lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido deva ser cumprida", para que remete como elemento de conexão determinante da competência o art. 5º-1 da Convenção de Bruxelas, é o tribunal português da sede ou estabelecimento da Ré-recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>4. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>- Termos em que, embora por fundamentos não coincidentes com os da decisão impugnada, se nega provimento ao agravo e se condena a Recorrente nas respectivas custas.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005.</font><br>
<font>Alves Velho, </font><br>
<font>Moreira Camilo,</font><br>
<font>Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uzIWvIYBgYBz1XKvuY9e | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
1 - No 8. Juízo Cível da Comarca de Lisboa, A accionou A. B,<br>
Despachantes Oficiais Limitada e Miratir, Transportes Internacionais Limitada, atinente a obter a sua condenação no pagamento de 18452004 escudos, dado que sendo empresário e chefe da orquestra Eduard's Band viu rescindido o contrato que firmara com o Cosmopolitan<br>
Restaurant de Nicósia para actuação aí daquela orquestra, durante um ano, por as Rés não terem efectuado o transporte dos instrumentos musicais para Nicósia conforme combinaram.<br>
As Rés, devidamente citadas, contestaram separadamente.<br>
A Ré A. A reaccionou a sua ilegitimidade e impugnou.<br>
A Ré Miratir chamou à autoria a Sociedade Avandeu SPA; admitiu o chamamento, a chamada devidamente citada não deduziu qualquer oposição.<br>
A Ré, contestando defendeu-se por excepção e por impugnação.<br>
Excepcionando invocou a sua ilegitimidade e a prescrição do direito de accionar do Autor.<br>
No despacho saneador foram as Rés declaradas partes legitimas e relegado para sentença final o conhecimento da prescrição.<br>
As Rés foram condenadas em quantia que se vier a apurar em execução de sentença.<br>
Ambas apelaram, mas o douto Acórdão da Relação de<br>
Lisboa confirmou a decisão da 1 instância.<br>
Foi interposto, por ambas, recurso de Revista.<br>
A página 289 verso foi concedido à Ré Miratir apoio judiciário.<br>
2 - A) Nas suas alegações concluía a Ré Miratir: a) Estamos perante um transporte combinado (rodo-marítimo) em que a terceira e última "etapa", a efectuar entre o porto Cipriota de Famejusta e Nicósia<br>
(destino final) não chegou a ser realizada, tendo a caixa de instrumentos ficado retida naquele porto, o que levou o recorrido a determinar o reenvio da mesma para Portugal. b) Para a execução do transporte em causa, foi emitido um (único) documento CMR, no qual foi escrita a frase: mercadoria com destino a Nicósia/Chipre em trânsito por<br>
Génova. c) Parece líquido que à situação em apreço aplica-se, de acordo com o preceituado nos artigos 1 e 2, da convenção CMR (Decreto-Lei 46235, de 18 de Março de<br>
1965), pelo que é à luz deste diploma que devem ser analisadas as várias questões jurídicas que foram colocadas pela recorrente. d) Tendo em consideração o prazo de prescrição previsto no artigo 32 da convenção CMR, conclui-se no sentido de que, à data de propositura da acção (11 de Julho de<br>
1985) já se encontrava prescrito o direito do recorrido de interpôr a acção, devendo, por isso ser julgada precedente a excepção da prescrição deduzida. e) O recorrido, que interpôs a presente acção com base na afirmação de que por erro o carregamento foi enviado para Famejusta, não conseguiu fazer a prova de ter havido erro (culpa) da parte dos recorrentes, o que afasta a responsabilidade pelo facto de ter sido escolhido o porto de Famejusta para desembarque das mercadorias provenientes por via marítima de Génova. f) A prova de existência de erro por parte dos recorrentes era condição necessária e fundamental para a responsabilização destes pelos prejuízos alegadamente sofridos pelo recorrido. g) Ora, não tendo sido provado ter havido erro no desembarque das mercadorias em Famejusta não é legítimo concluir no sentido de que a escolha deste porto foi inadequada ou que deveria ter sido escolhido um outro porto ou trajecto, como parece resultar, quer da sentença 1 instância, quer do Acórdão recorrido. h) O facto de não ter havido erro por parte dos recorrentes no envio das mercadorias para Famejusta conjugado com o facto de ter havido encerramento da fronteira leva necessariamente à conclusão de que foi impossível efectuar o transporte das mesmas entre aquele porto e Nicósia, sendo certo que a distância a percorrer é de apenas escassos quilómetros. i) Ou seja, a não realização da última "etapa" do transporte entre o porto de Famejusta e Nicósia não foi devida a qualquer causa imputável à recorrente, pelo que se conclui não ter havido erro no desembarque das mercadorias em Famejusta, mas tão somente o facto de ter havido um encerramento da fronteira que separa as duas partes da ilha. j) Só a prova de que foi errada a escolha do porto de<br>
Famejusta para o trânsito de mercadorias provenientes de Génova e destinadas a Nicósia poderia levar à conclusão de que a obrigação não foi cumprida por causa imputável à recorrente. l) A ausência de erro conjugada com o encerramento da fronteira impõe uma conclusão necessariamente diferente, ou seja, de que o não cumprimento da obrigação de colocar a mercadoria em Nicósia foi devido a uma impossibilidade absoluta, ou seja não foi possível, face ao encerramento da fronteira, efectuar o percurso de pequena distância (escassos quilómetros) que existe entre o porto de Famejusta e o destino final. m) Não tendo havido erro nem incumprimento das intenções constantes do documento CMR, dado que<br>
Nicósia não é porto e havia necessidade de utilizar um porto cipriota, forçoso é concluir que se verificou, no caso em apreço, um caso de força maior, ou seja o encerramento da fronteira que separa as duas partes da ilha de Chipre. n) E, tendo em consideração o disposto no artigo 14 da convenção CMR, foi determinado pela recorrida, que se encontrava em Nicósia, reenviar as mercadorias de novo para Portugal, dado que o contrato que havia celebrado foi rescindido. o) Deve ser reconhecida a existência de um caso de força maior e, em consequência, ser o recorrente absolvido do pedido, revogando-se o Acórdão recorrido que violou, entre outras, as disposições constantes dos artigos 1, 2, 14 e 32 da convenção CMR e 799 do Código<br>
Civil.<br>
B) Por sua vez a Ré A. B nas suas alegações conclui: a) Contrariamente ao preconizado no douto Acórdão não houve pronúncia suficiente sobre a excepção de litispendência sobre os quesitos 25 e 26 mandados editar pelo Tribunal da Relação de Lisboa e sobre a caracterização das funções de despachante de transitário e de transportador. b) Caracteriza como contrato de transporte a intervenção do recorrente, quando a lei dispõe que ela se rege pelas normas do contrato de mandato. c) A intervenção do recorrente esgotou-se com a entrega da documentação ao transitório Miratir, sendo erradamente assimilado à de transportador. d) A mercadoria não chegou ao destino por factos a que o recorrente não deu causa. e) Ora, o Acórdão recorrido assinala o erro da sentença da 1 instância quando reconhece que a causa da inexecução de transporte é a agitação política em<br>
Chipre (força maior), nos contra lide a lógica imputa a responsabilidade ao despachante oficial.<br>
Por ter violado os artigos 461 e 462 Reforma Aduaneira, artigo 790 Código Civil, artigo 1 Decreto-Lei 43/83 e artigo 638 Código Processo Civil, o Acórdão recorrido deve ser revogado.<br>
O Autor contra-alegou.<br>
3 - Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - Dando ordem lógica e cronológica aos factos assentes pela Relação que foram os aceites na sentença, estilados num confuso questionário feito por remissão, está provado: a) O Autor é empresário e chefe da orquestra Eduard's<br>
Band, que actua normalmente fora de Portugal - alínea d) especificação. b) Nessa qualidade firmou com o Cosmopolitan Restaurant de Nicósia o acordo constante do documento folhas 4 - resp. que. 1 c) Tal acordo tinha a duração de 1 ano e traduzia-se num total de 91250 dólares americanos - resp. que. 2. d) A fim de poder cumprir esse contrato o Autor encarregou a primeira Ré de proceder ao despacho e transporte para Nicósia dos instrumentos musicais e demais material indispensável ao funcionamento da orquestra - resp. que. 3. e) A 1 Ré aceitou essa incumbência e passou os recibos, cujas fotocópias estão juntas aos autos - resp. que. 4. f) A Ré "A. B" aceitou a incumbência de proceder ao despacho aduaneiro de exportação para Chipre, via Génova, de uma caixa com o peso bruto de<br>
1500 quilogramas (Documento folha 26), contendo instrumentos musicais - resp que. 12. g) O que a Ré fez em 18 de Agosto de 1983 conforme as instruções recebidas - resp. que. 13. h) Com efeito daquela CMR - declaração de expedição internacional - consta expressa indicação feita pelo transitário, do destino da mercadoria "Nicósia - Chipre<br>
- em transit por Génova" - resp. que. 20. i) A primeira Ré encarregou a segunda Ré de efectuar (tal) transporte (documento folha 8) - resp. que. 5. j) O carregamento foi enviado para Famejusta - resp. que. 6. l) Os instrumentos foram descarregados em Famejusta e dada a situação política houve encerramento da fronteira entre as duas partes da ilha - resp. que. 24. m) Ficou (assim) o Autor impedido de cumprir o contrato com o Cosmopolitan Restaurant, que o rescindiu - resp. que. 7. n) O Autor ficou lesado em quantia indeterminado - resp. que. 8 o) O Autor dispendeu com bilhetes de avião dos componentes da orquestra, de regresso, a quantia de 70720 escudos - resp. que. 10.<br>
Para compreendermos uma visão conjunta da realidade há que assinalar que, de importante, não se provaram os quesitos 14, 19 e 23, ou seja,<br>
- O despacho aduaneiro constitui pois o objecto da única relação jurídica de que a Ré A. B é um dos sujeitos.<br>
- Realizada a verificação cessou a intervenção da Ré no processo (Ré A. B)<br>
- alteração do local de destino promovido pelo transitário italiano Avardero com manifesto desrespeito pelas instruções dadas pela segunda Ré ora contratante.<br>
E que o tribunal colectivo, na suas respostas - folha<br>
121, restringiu as respostas aos quesitos 6 e 8, eliminando daquele "por erro das RR " e deste "e unicamente".<br>
5 - O Doutor Cunha Gonçalves - comentário Código<br>
Comercial II, Página 394 - definia o contrato de transporte "como sendo o que se celebra entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as sua cousas de um lugar para o outro e aquele que, por um determinado preço, se encarregue dessa condução".<br>
No mesmo sentido Ameliano Strechet Riveira, Anotado volume II, Página 267.<br>
Comentando ainda afirmava:<br>
"O contrato de transporte de cousas pode ser havido como a fusão de três contratos distintos: a prestação de serviços, pois que há uma troca de trabalho e salário; a locação pois que o transportador se obriga a ceder o uso total ou parcial dos seus veículos; e o depósito, porque é um contrato pelo qual o transportador recebe coisas alheias, que se obriga a guardar durante o transporte e a restituir no mesmo estado".<br>
A doutrina italiana é a que mais se tem debruçado sobre este contrato.<br>
A mais actualizada definição de contrato de transporte é-nos dada por Tambenino, Manual, Roma, 1962, Página 452:<br>
"Il contrato di transporte di cose à comumente definito como qual contrato con il quale uno di sozzetti o obbliga verso l'altro sozzeto di transportare dentro conispettivo una o piu cose mobiliti de um luogo all'altro pendurado in consegue, custodendola durante il percurso e conseguandola al luogo di arrios".<br>
Paralelamente Acórdão da Relação do Porto 23 de Outubro de 1984, C.J.; 1984, Ano IX, tomo 4, Página 252.<br>
6 - A Ré "A. B - Despachantes oficiais,<br>
Limitada" é um despachante oficial.<br>
A Ré "Miratir, Transportes Internacionais, Limitada" é uma empresa transitária.<br>
Na operação de expedição de mercadorias do território aduaneiro nacional para o estrangeiro, normalmente quatro entidades dela se ocupam, o despachante oficial, o transitário, o transportador e a seguradora.<br>
Há sistemas onde o despachante, o transitário e o transportador podem ser um só.<br>
Não assim em Portugal.<br>
Pelo artigo 462 de Reforma Aduaneira só podem exercer nas alfândegas as funções que lhes estão marcadas naquela reforma, que se traduziam, artigo 426 - em complexas formalidades aduaneiras junto das autoridades alfandegárias visando a passagem de mercadorias, quer importadas, quer exportadas.<br>
Para além do que estava previsto na Reforma, o artigo<br>
461 dispunha que a profissão do despachante de alfândega regular-se-ia, pelas disposições da lei geral sobre o mandato e prestação de serviços do exercício das profissões liberais.<br>
Com a publicação do Decreto-Lei 43/83, de 25 de<br>
Janeiro, foram definidas as leis gerais do estatuto jurídico das empresas transitárias, com gastos económicos que se dedicam à prestação de especializados serviços a terceiros, "no âmbito da planificação, controle, coordenação e direcção de operações necessárias à execução das formalidades e tramites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens e mercadorias", artigo 1.<br>
A Portaria n. 561/83, de 11 de Maio, veio traçar um quadro de normas complementares ao regime jurídico do transitário, visando a desejável exequibilidade dos condicionamentos exigíveis para o exercício daquela actividade.<br>
Finalmente a actividade de transportador está definida, em regime de exclusividade em legislação nacional e<br>
Tratados e Convenções Internacionais sobre transportes marítimo, aéreo, rodoviário e ferroviário.<br>
No caso dos autos o transporte rodoviário só é permitido a empresas com alvará e com exigência de capital e capacidade profissional.<br>
7 - Só que este quadro legal não foi respeitado pelas<br>
Rés, na sua actuação, em face das respostas dadas pelo tribunal.<br>
Pretende ainda a Ré Miratir ver correr em seu benefício o estabelecido no artigo 32 n. 1 da Convenção Relativa ao contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada - CMR, concluída em Genebra em 18 de Maio de 1956, aprovado pelo Decreto-Lei 46235, onde se estatui:<br>
"As acções que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano. No entanto, a prescrição é de três anos no caso de dolo, ou de falha que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. O prazo de prescrição é contado...".<br>
O seu raciocínio é o seguinte: o douto acórdão recorrido considerou-a "transportadora" para a condenar em face da matéria de facto provada, mas já a considerou "transitário" para não a submeter àquela convenção e daí não lhe reconhecer o invocado direito à prescrição.<br>
O Direito não é só lógica.<br>
E o douto Acórdão Recorrido julgou bem, mas há que justificar.<br>
Este pedido formulado pela Ré traduz um exercício inadmissível de posição jurídica.<br>
Tem a doutrina apontado e estudado como situações típicas desse exercício inadmissível: a "exceptio doli"; o "venire contra factum proprium"; a "inelegabilidade de nulidades formais"; a "suppressio"; a "surrectio"; o "desiquilíbrio no exercício jurídico"; e o "tu quoque".<br>
Nesta figura se vai subsumir o comportamento da Ré.<br>
"A fórmula tu quoque traduz, com generalidade, o aflorar de uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído" - Professor M. Cordeiro, Boa Fé, Volume II, Página 837.<br>
"No Código Civil, a regra-mãe de tu quoque tem consagrações dispersas múltiplas, artigo ..."<br>
É certo que a doutrina tem estudado e trabalhado o tu quoque ao nível contratual, imputando-o a um dos seguintes princípios: à retaliação, à regra de integridade, à recusa de protecção jurídica, à compensação de culpas, ao recurso ao próprio não direito, aos comportamentos contraditórios, à renúncia a sanções e à proporcionalidade contratual.<br>
Mas o tu quoque funciona para além do campo contratual.<br>
"Impõe, aí, que quem tenha firmado um direito, formalmente correcto, numa situação jusmaterial que não corresponda à prevista pela ordem jurídica não possa, em consequência disso, exercer essa posição de modo incólume" - obra citada página 851.<br>
A Ré não é, nem pode ser transportadora.<br>
Mas, assumindo, como assumiu, na realidade, tal posição, não pode beneficiar de uma situação jurídica protectora, própria de quem é juridicamente transportador: há que impugnar esta posição jurídica indevidamente obtida.<br>
Improcede, desta forma, a invocada prescrição: hoje já não é o homem o produtor ou criador de lei, mas antes é a norma que gere o homem jurídico.<br>
8 - Em face das respostas dadas aos quesitos 3-4-12 e<br>
13 é ponto assente que entre o A. e a Ré A. B, estabeleceu-se um contrato de transporte.<br>
E pelas respostas aos quesitos 5-20-6 e 24 há que concluir que a Ré A. B encarregou a Ré Miratir do transporte.<br>
Contudo os instrumentos foram descarregados em Famejusta e dado que houve encerramento de fronteira entre as duas partes da ilha, dada a situação política - resp. que. 24 - ficou a A. impedida de cumprir o contrato com o Cosmopolitan Restaurant de Nicósia, que o rescindiu - resp. que. 7, 1 e 2 e alínea a) resp..<br>
Entendem as Rés recorrentes que o encerramento da fronteira foi a causa do incumprimento da obrigação de colocar as mercadorias em Nicósia - uma impossibilidade absoluta - "ou seja não foi possível, face ao encerramento da fronteira, efectuar o percurso de escassos quilómetros entre o porto de Famejusta e o destino final, Nicósia".<br>
Ambas apelidam esta impossibilidade de caso de força maior, mas divergem quanto ao seu entroncamento jurídico: a Ré B sob a alçada do artigo 790 e a Ré Miratir sob a do artigo 799, ambos do Código Civil.<br>
Mas as instâncias fizeram uma leitura diferente: o encerramento de fronteira entre as duas partes da ilha - resp. que. 24 - é facto que se não enquadra no conceito de força maior, por entenderem que dele não emerge que os instrumentos musicais não pudessem chegar ao seu destino, não obstante o encerramento da fronteira.<br>
Tal tem demonstração fácil face a qualquer atlas de geografia: de Famejusta para Nicósia, pela parte turca, podiam ir por terra, embora dessem mais voltas.<br>
Daí a conclusão de ser possível o cumprimento da obrigação, não obstante se tornar mais onerosa a prestação do transportador, uma vez que "só a impossibilidade absoluta é que integra o conceito de força maior - página 387/v do douto Acórdão recorrido.<br>
9 - O artigo 705 do Código Civil 1967 encerrava, pela positiva, os casos em que o devedor ficava exonerado de responsabilidade: impedido de cumprir por falta do credor, por força maior ou por caso fortuito.<br>
Para o Professor A. Costa, obra, I edição, página 773:<br>
"Segundo alguns autores, o caso fortuito representa o desenvolvimento de forças naturais a que se mantém estranha a acção do homem (inundação,incêndio...) e o caso de força maior consiste num facto de terceiro, pelo qual o devedor não é responsável (guerra, prisão, roubo ...).<br>
De acordo com critério mais difundido: o caso de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade: será todo o conhecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até presumido, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências. Ao passo que o conceito de caso fortuito assenta na ideia de imprevisibilidade: o facto não se pode prever, mas seria evitável se tivesse sido previsto".<br>
Mas já o Professor Guilherme Moreira, Instituições II<br>
Página 128 alertava" qualquer que seja o sentido em que a tomem as expressões caso fortuito e força maior, os seus efeitos jurídicos são os mesmos".<br>
E tinha razão: é isso que se passa na nossa actual legislação.<br>
Hoje o artigo 790 n. 1 - estipula que "a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor."<br>
Problema está em saber em que consiste a "impossibilidade que é a superveniente, desde que se fosse originário nem a obrigação se constituíra - artigo 401 n. 3 Código Civil e o 306 Código Civil<br>
Alemão.<br>
Entendendo-se como um conceito naturalístico, lógico e volitivo impossível identifica-se "quid non volit non potest - tese consagrada no código de 1804 e em Itália, Espanha, Portugal (maioritariamente) e Alemanha (minoritariamente).<br>
Contrapondo-se-lhe um entendimento filosófico - jurídico mais amplo, nascido na Alemanha, repassado pelo elemento correctivo da boa fé (X 242 CC Al) será impossível o que não possa de modo équo ser exigido ao devedor.<br>
"Uma prestação que só possa ser realizada sob um esforço externo e com aplicação de meios totalmente desproporcionados não deve mais ser tratada como possível pela ordem jurídica" - Misch.<br>
A aderência ao conceito naturalistico da impossibilidade é minoritariamente defendida na Alemanha - Larenz - através das ideias de certeza e segurança jurídica.<br>
E são estes os argumentos decisivos de uma doutrina largamente maioritária e fortíssima jurisprudência.<br>
O Professor Vaz Serra fiel ao seu projecto é a voz discordante - Revista de Legislação e Jurisprudência 104, Página 214.<br>
Interpretar o direito é um agere e não um facere: há criatividade na função judicial, na relação dialéctica, de algo entre o facto natural e a norma.<br>
Assim para interpretar a norma do artigo 790, dentro do sistema não se iria elaborar uma série de deduções dela extraídas, mas sim combinar normas e princípios - agir de boa fé - para dar a solução mais justa e correcta ao caso concreto submetido indutivamente ao artigo.<br>
É duplo o trabalho de jurisprudência: rotura de norma as suas determinantes e valoração e na análise indutiva de caso concreto que julga, vai compreendê-la completá-la, concretizá-la em conformidade com a consciência jurídica geral de momento.<br>
Em qualquer das duas noções de impossibilidade estaríamos sempre dentro da descrição do seu tipo inserto no artigo 790: é a posição assumida pelo douto Acórdão recorrido e aceite na visão restritiva pela Ré<br>
A. B.<br>
Existiria, assim, uma causa de justificação: é a impossibilidade que, extinguindo a obrigação, vai impedir que se coloque a questão da inexecução.<br>
Mas a impossibilidade pode deixar permanecer o vínculo, como viável, exequível, em abstracto, e permitir que se fale em incumprimento, tendo então que necessariamente de apreciar o comportamento do devedor, a nível de exigibilidade - artigo 798.<br>
E entramos numa causa de excepção - é a posição defendida pelo Professor Galvão Telles, obrg. 2 edição,<br>
1979, Página 333 e seguintes e 352 seguintes e indirectamente pela Ré Miratir.<br>
10 - A missão do julgador consiste na descoberta de uma decisão justa e justificada pela lei, segundo o direito em vigor.<br>
A certeza de direito e a segurança jurídica de valores superiores e traves mestras que pautam a realidade normativa geral e abstracta.<br>
O que as partes querem é a justiça ao seu caso concreto, o que não é coincidente com aqueles valores, necessariamente.<br>
Ali, no direito norma, apura-se o interesse tutelado a actio legis, aferidos os valores.<br>
Aqui no direito judiciário, na aplicação do direito do caso concreto, há que alargar o campo de sensibilização axiológica do direito ao facto concreto, com características naturalistas, históricas e sociológicas próprias, numa aproximação dialéctica de facto à norma, indutivamente.<br>
É, pois, diversa a nossa posição.<br>
Daí podermos partir para análise deste caso de noção de impossibilidade dada por Baptista Machado, Revista<br>
Legislativa de Jurisprudência, Página 206:<br>
"É aquela que resulta de uma perturbação de programa contratual que atinge directamente, ou a capacidade de prestar do devedor, ou o objecto da prestação em si mesmo ou o processo de prestação, isto é, a actividade ou conduta do devedor que permitiria satisfazer o interesse de credor e cumprir a obrigação."<br>
11 - "Só por coincidência a impossibilidade se verifica no preciso momento do cumprimento; tão pouco se pode dizer que no momento do cumprimento deve ser apreciada a aludida impossibilidade e no momento do cumprimento deve ser tomada nota da existência que qualquer facto extintivo da obrigação no qual naturalmente se incluirá a impossibilidade" - Professor M. Cordeiro - obrg., 1988, volume II, Página 170.<br>
Como vimos na declaração de expedição internacional consta - resp. que. 20 - a indicação do destino da mercadoria "Nicósia - Chipre - em transit por Génova".<br>
O carregamento foi enviado para Famejusta e aí descarregado - resp. que. 6 e 24.<br>
Mas que, dada a situação política houve encerramento da fronteira entre as duas partes da ilha - resp. que. 24.<br>
No quesito 24- reportando-se ao facto alegado no artigo<br>
17 de certificação folha 50 - perguntava-se se o não encaminhamento dos instrumentos de Famejusta para<br>
Nicósia resultara "apenas" da situação política que determinou o encerramento de fronteira.<br>
E na resposta o tribunal afastou a palavra "apenas", o que retira força à configuração da impossibilidade e afasta o pretendido nexo de causalidade.<br>
Além disso o processo responde com silêncio total sobre a situação temporal que rodeou o encerramento da fronteira.<br>
Desta forma, o facto inserido na resposta ao quesito 24 não tem a mínima virtualidade para ser subsumido ao conceito de impossibilidade.<br>
Por outro lado, é evidente que a palavra "erro" utilizada na p.i. tinha o significado de engano e lapso e nunca o sentido técnico-jurídico dos artigos 247 e 252 do Código Civil.<br>
12 - Termos em que, negando-se provimento aos recursos, confirma-se o douto Acórdão recorrido.<br>
Custas pelas Rés, tomando-se em consideração o apoio judiciário conferido à ré Miratir.<br>
Lisboa, 27 de Setembro de 1994.<br>
Torres Paulo;<br>
Cura Mariano;<br>
Martins da Fonseca.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NTLfu4YBgYBz1XKvxkzv | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
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"A" e mulher B propuseram acção contra C a fim de se o condenar a lhes restituir, por efeito da nulidade do contrato, o preço pago de 2.500.000$00, acrescido de juros de mora desde a sua celebração em 96.08.29 e de 50.400$00, valor pago relativamente a uma alteração no prédio urbano comprado.<br>
Contestando, o réu reconheceu a nulidade do contrato e a obrigação de restituição, impugnou e reconveio, pedindo a condenação dos autores no pagamento da indemnização 2.500.000$00, a compensar, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido reconvencional.<br>
Prosseguindo até final, procedeu parcialmente a acção e improcedeu a reconvenção por sentença que a Relação confirmou.<br>
Novamente inconformado, pediu revista o réu concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- a nulidade do contrato-promessa determina a restituição em espécie que, por não ser possível, obriga os autores a ressarcir o réu do valor correspondente à prestação que efectuou, equivalente ao gozo que não teve do imóvel prometido por o ter mantido indisponível;<br>
- a remoção do mobiliário ordenada pelo procurador dos autores, por violar o direito de propriedade do réu, foi conduta ilícita constituindo na obrigação de indemnizar quer esse procurador quer os autores na qualidade de comitentes;<br>
- constitui a remoção uma antecipação dos efeitos do contrato prometido e configura uma prestação efectuada pelo réu, pelo que deve ser compensado pelo valor do mobiliário, como efeito da declaração da nulidade do contrato;<br>
- nulo o acórdão por omissão de pronúncia sobre a suscitada questão da condenação em juros de mora desde a citação sobre o valor do sinal a restituir<br>
- os quais não são devidos por o réu poder recusar a restituição do sinal enquanto os autores o não compensarem pelo valor das prestações por si efectuadas ou até ver regulada em definitivo a sua pretensão;<br>
- violado o disposto nos arts. 289, 483, 466 e 804-1 CC e 660-2 CPC.<br>
Sem contraalegações.<br>
<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Nos termos do art. 713-6, ex vi do art. 726, ambos do CPC remete-se para o acórdão a descrição da matéria de facto.<br>
<br>
Decidindo:<br>
1.- As instâncias qualificaram o acordo de vontades firmado como contrato-promessa de compra e venda, o que veio (na petição inicial, os autores não o indicaram) a merecer a concordância das partes. Quer por esta razão quer por a vontade real provada (matéria de facto e, como tal, insindicável pelo STJ) é dessa realidade que temos de partir - não de um contrato de compra e venda nulo por falta de forma ou de uma promessa unilateral de venda.<br>
Decidida, com trânsito em julgado, a sua nulidade bem como a obrigação de restituir a quantia entregue de 2.500.000$00, que foi tida como sinal.<br>
<br>
2.- Nulidade por omissão de pronúncia.<br>
Ao negar a procedência da reconvenção (admitida que foi, discutir se o era ou se mera excepção de compensação deixou de ser possível), ficou prejudicada a pronúncia sobre a indemnização moratória a partir da citação (o réu não levou à apelação o último segmento da 5ª conclusão pelo que, a haver, será apenas erro de julgamento). Embora o acórdão o não diga isso é facilmente apreensível pelos técnicos do Direito e medianamente claro às restantes pessoas, pelo que a declaração de sua nulidade não revestiria qualquer efeito prático.<br>
<br>
3.- Condenação em juros de mora.<br>
Independentemente de o pedido reconvencional poder ou não proceder, a obrigação de restituição venceu-se com a citação do réu, pelo que, tendo sido pedida a indemnização moratória, apenas havia, reconhecida a nulidade do contrato, que aplicar a lei (CC- 289,1).<br>
Por esta causa, a restituição apenas é devida desde a declaração da nulidade o que não é contrariado pelo facto de esta ter efeito retroactivo (CC- 289,1).<br>
Por força do disposto no art. 289-3 CC são devidos juros não os que correspondem à indemnização nas obrigações pecuniárias, mas a título de frutos civis que o capital poderia ter produzido.<br>
Apesar do efeito retroactivo, só são devidos a partir do momento em que o devedor fica constituído, aqui com a citação (CPC- 481 a)) - há que considerar, como regra, estar de boa fé até à citação para a acção onde o pedido de restituição foi formulado (CC- 289,3, 212-2, 1.270 3 1.271), se bem que com base na validade do contrato-promessa tendo o tribunal declarado nulo o contrato.<br>
Dito de outro modo, depende da boa ou má fé poder ter que pagar juros.<br>
A obrigação de capital, que a de juros pressupõe, nasce aqui com a restituição que é ordenada como efeito da declaração de nulidade e não como cumprimento da prestação do promitente. <br>
<br>
4.- Pedido reconvencional de indemnização em função da indisponibilidade do imóvel prometido vender.<br>
Como se referiu a qualificação jurídica do contrato em causa está assente ser contrato-promessa de compra e venda. Embora deste muito pouco se conheça, temos uma realidade incontornável já - a sua declaração de nulidade. Este contrato não foi acompanhado da convenção de traditio.<br>
A primeira (declaração de nulidade) afasta a discussão sobre a falta de cumprimento e sua imputação. A segunda conduz à conclusão de os autores não terem estado no uso e fruição do prédio.<br>
Porque a indisponibilidade do imóvel pelo promitente vendedor é requerida em função da prestação de facto, em ordem ao seu cumprimento celebrando-se o contrato prometido, e não havendo que o questionar, o pedido de indemnização apenas poderia assentar na traditio mas, em ponto algum do processo, foi alegado ou da prova resulta que o réu tivesse feito entrega dele aos autores (incumbem ao réu os ónus de alegar e provar a factualidade que integre a causa de pedir de pedido reconvencional).<br>
5.- Indemnização pelo mobiliário removido.<br>
O alegado na contestação/reconvenção é insuficiente e configura-se contradição entre as conclusões na revista (à 3ª subjaz o consentimento do réu para a remoção, o que a 2ª recusa tal como já no seu articulado negava).<br>
Afigura-se que aos autores, através do seu procurador ou agindo este como seu gestor de negócios, não era lícito proceder à remoção do mobiliário que o réu tinha no imóvel prometido vender e que era seu (era do réu, tinham de obter o seu consentimento, não pô-lo perante «facto consumado»).<br>
Todavia, o direito à indemnização não depende só disto.<br>
Se a indemnização que se pede é relativa ao valor do mobiliário (e esse foi o pedido), o réu teria de alegar, fundamentando, que o mesmo deixara de lhe ser disponível ou de poder ser aplicado no prédio e para o fim em causa ou se deteriorara por completo; se a indemnização assenta no despendido ou com rendas pelo armazenamento ou em função de uma deterioração parcial, será o pedido que não tem correspondência na causa de pedir.<br>
Contrariamente ao defendido pelo réu, trata-se de matéria que integra a causa de pedir, que não excepção. Tinha, portanto, de ser por si alegada e provada.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelo réu.<br>
<br>
Lisboa, 8 de Junho de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kzLgu4YBgYBz1XKvH0wn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
<br>
<br>
"A", B e C propuseram contra "D - Companhia de Seguros, S.A.", acção a fim de se a condenar no pagamento da indemnização global de 29.338.913$00 (13.508.247$00 para o autor A e 7.915.333$00 para cada um destes), acrescida de juros de mora desde a citação, pelos danos causados em consequência do acidente de viação ocorrido em 98.11.27, cerca das 18 h 30m, ao km 111,8 da EN 323, em Cavernães, Viseu, do qual resultou a morte de E, cônjuge do primeiro e mãe dos outros autores, devido a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula HD, propriedade da segurada na ré.<br>
Contestando, a ré, aceitando a descrição do acidente e a culpa do condutor do HD, só questionou o direito à indemnização e a valoração da mesma.<br>
Prosseguindo até final, procedeu em parte a acção por sentença que a Relação alterou.<br>
Circunscrevendo o objecto do recurso à indemnização arbitrada a título de alimentos, pediram revista ré e autores, concluindo em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
A)- a ré -<br>
- a falecida trabalhava em casa, tratando da alimentação e vestuário dos recorridos;<br>
- a alteração da indemnização pela Relação baixando a atribuída em sentença ao autor A revela-se ainda excessiva, devendo ser atribuída a de 3.124,47€;<br>
- aos autores B e C não assiste direito a indemnização a este título nem se provou que deles necessitassem ou mesmo os recebessem da falecida, sua mãe;<br>
- violado o disposto nos arts. 495-3, 2.009, 2.013, 483, 494 e 562 CC;<br>
B)- os autores -<br>
- este dano patrimonial futuro dos autores deve ser quantificado em 54.841,16€, valor que se indicava na petição inicial, por ser o correspondente ao dano avaliado à data da entrada em juízo da presente acção e respeitar os critérios legais;<br>
- o direito a indemnização baseia-se, quanto ao autor A, no dever de assistência (CC -1.675,1 e 1.676-1) e, quanto aos autores B e C, no disposto nos arts. 1.874-2 e 2.003 CC (este em relação ao autor C).<br>
Contraalegou a ré para defender a improcedência da revista dos autores.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Nos termos do art. 713-6, ex vi do art. 726, ambos do CPC, remete-se para o acórdão a descrição da matéria de facto provada, apenas se destacando a pertinente ao conhecimento das revistas -<br>
a)- o acidente de que resultou a morte, no dia seguinte, da E ocorreu em 98.11.27;<br>
b)- a falecida tinha 50 anos e era casada com o autor A e mãe dos autores B e C;<br>
c)- o autor A voltou a casar em 01.04.28;<br>
d)- o autor B nasceu em 69.10.27, casou em 92.10.19 e identificou-se como divorciado e operário;<br>
e)- o autor C nasceu em 79.05.09 e identificou-se como solteiro e estudante;<br>
f)- a falecida trabalhava em casa, fazendo a lida doméstica e tratando da alimentação e do vestuário dos autores e<br>
g)- vivia com o marido e os filhos, num ambiente de amor e carinho recíprocos.<br>
<br>
Decidindo:<br>
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1.- A 1ª instância valorizou a indemnização por este dano relativamente ao autor A em 3.000.000$00 ao passo que a Relação, considerando o facto da al. c) não relevado por aquela, o fixou em 1.500.000$00.<br>
Contrapõe a ré a valoração de 3.124,47€. Os autores pretendem a alteração para que se lhes atribua em conjunto, o montante de 54.841,16€.<br>
Não nos oferece dúvida que o trabalho doméstico da lida caseira deve ser valorado.<br>
Tão pouco oferece dúvida que uma política social e familiar correcta devia, mormente se por essa pessoa não for exercido um remunerado, deveria ser retribuído.<br>
A dificuldade começa desde logo quando se questiona a que título e por quem.<br>
A lida caseira surge como um labor normal e constante na sociedade, desempenhado, se em família, por qualquer dos cônjuges e partilhado muitas vezes pelos filhos e por aqueles que vivem debaixo do mesmo tecto.<br>
Atendendo à realidade legal portuguesa apenas poderá ser considerado para efeitos indemnizatórios se se inseria num dever que deixou de poder ser prestado que, no caso do autor A, era o dever de assistência (CC- 1.675 e 1.676). Todavia, na medida em que este contraiu novo matrimónio, o dever de assistência passou a estabelecer-se na nova relação conjugal, cessando o dano que até aí a falta, a privação daquele constituía.<br>
Atenta quer a especificidade que, dentro da relação conjugal, a lida caseira representa quer a dificuldade na definição do título da retribuição (como salário ou vencimento não poderá, face ao nosso Direito, ser visto) não pode valer mais que uma mera referência o apelo ao salário mínimo nacional do qual as instâncias se socorreram. Porventura melhor enquadramento seria viável se a prova fornecesse o conhecimento de a falecida não desempenhar remuneradamente um ofício, da (des)necessidade de ser diário e a tempo inteiro o exercício dessa lida (v.g., se, tendo de haver substituição por assalariada, quanto despenderia em termos de tempo e de dinheiro), etc. Contudo, nada disso se conhece.<br>
Na carência de outros elementos e recorrendo apenas à equidade, tem-se por adequado e mais justo, atribuir ao autor A (cônjuge da falecida) a indemnização pelo dano resultante da privação do dever de assistência durante aqueles 3 anos, únicos que podem ser contemplados, 5.000€.<br>
Procede, neste ponto, parcialmente a revista da ré e improcede a dos autores.<br>
<br>
2.- Defende a ré que aos autores B e C não é devida indemnização alguma a título de alimentos, tese que as instâncias rejeitaram.<br>
Pelo que antes ficou expresso, apenas poderá ser concedida se filiada nalgum dever, o que a própria lei consagra (CC- 495,3).<br>
A matéria de facto provada revela que as situações dos autores B e C são, entre si, distintas. Por isso, têm de ser analisadas individualmente.<br>
A.- Autor B.<br>
Praticamente com 29 anos à data do acidente que vitimou sua mãe (faltava um mês), casado (segundo as instâncias) ou divorciado (segundo a sua identificação).<br>
Embora vivendo em casa dos pais estes não eram obrigados a prestar-lhes alimentos, a menos que deles carecesse e aqueles os pudessem prestar e tivessem de por eles ser prestados (CC- 1.877, 2.003-1 e 2.009-1 c)). Nada foi alegado e provado nesse sentido (o contrário se retira da sua identificação ...) e de obrigação natural da falecida para com ele não há que falar (reconhecendo-o implicitamente, este autor fundamentou juridicamente a sua pretensão em norma a si inaplicável - o art. 1.874-2 CC).<br>
O art. 495 CC indica quem se deve considerar terceiro com direito a indemnização em caso de morte ou de lesão corporal e o nº 3 define uma das categorias de terceiro a quem esse direito é reconhecido. Este autor não é um terceiro reflexa ou indirectamente prejudicado mas titular do interesse imediatamente lesado (neste sentido, ac. STJ de 97.11.11 in rec. 716/97) e, enquanto tal, foi considerado pelos danos que sofreu.<br>
Procede, neste ponto, a revista da ré e improcede a dos autores.<br>
B.- Autor C.<br>
Com 19 anos completos à data do acidente. Identificou-se como solteiro e estudante, o que não é questionado.<br>
Há lugar, a nosso ver, a indemnização se bem que por fundamento diverso, que não o do art. 495-3 CC (aplicável aqui o referido antes).<br>
Apesar de ser maior ainda não completara a sua formação pelo que lhe assiste direito a que os pais suportem, na medida em que seja razoável exigir-lhes e pelo tempo normalmente requerido pela, as despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação (CC- 1.880 e 1.879).<br>
A falecida contribuía para os encargos e as despesas domésticas com o seu labor, só esse é conhecido dos autos.<br>
Dentro do que é razoável e normal num caso como este as despesas são suportadas pelo cônjuge que aufere rendimentos do trabalho ou outros, caldeados sempre pela ‘ginástica económica’ que o outro consegue fazer e pela diminuição que para aquelas o labor deste representa.<br>
Tem assim fundamento atribuir uma indemnização pelo prejuízo constituído por esta privação.<br>
Embora se desconheça que estudos e o grau neles atingido por este autor afigura-se razoável tomar como referência a duração normal de um curso secundário seguido por um superior, o que permite ter em conta que este dano subsiste até completar 24/25 anos. Considere-se, pois, a duração de 6 anos até o autor atingir os 25 anos.<br>
Para as despesas contribuíam ambos os cônjuges. De novo e pelas razões apontadas já tem o tribunal de recorrer à equidade.<br>
As instâncias atribuíram ao autor C, a este título, 2.000.000$00 de indemnização o que se afigura ajustado e que, por arredondamento se fixa em 10.000€.<br>
Improcedem, neste ponto, ambas as revistas.<br>
<br>
Termos em que se:<br>
- concede em parte a revista da ré para, em relação a deste dano patrimonial futuro, se a absolver do pedido de indemnização quanto ao autor B, se alterar a indemnização devida ao autor A para 5.000€ e se arredondar a devida ao autor C para 10.000€,<br>
- e se nega, no mais a da ré e, totalmente, a dos autores.<br>
Custas - na revista dos autores, por estes e, na da ré, na proporção de ½ por aqueles e esta.<br>
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Lisboa, 13 de Maio de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro <br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kzLhu4YBgYBz1XKv2U6R | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: <br>
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I - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, em acção com processo ordinário intentada contra LABORATÓRIOS B, pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de NLG 100.000.00 (cem mil florins holandeses), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação.<br>
<br>
Para fundamentar a sua pretensão, invoca a recusa por parte da Ré do pagamento de comissões a que a Autora tem direito na sequência de um contrato de comissão entre ambas celebrado.<br>
<br>
Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção, com o fundamento de que o contrato não chegou a concretizar-se em virtude de a destinatária do produto não ter aceitado o preço proposto.<br>
<br>
A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada procedente, por provada, e, consequentemente, foi a Ré condenada a pagar à Autora a quantia equivalente a NLG 100.000 (cem mil florins holandeses), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, decisão que foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, após apelação da Ré.<br>
<br>
Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.<br>
<br>
A recorrente apresentou as suas alegações, formulando conclusões que podemos sintetizar da seguinte forma:<br>
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1ª - A recorrida vem, pela presente acção, pretender exercer o direito a uma comissão que diz ter existido, mas para a qual prova nenhuma apresenta.<br>
2ª - Quer a douta sentença da 1ª Instância, quer o douto acórdão recorrido, na sequência dessa sentença, não aplicaram o regime jurídico mais adequado ao caso concreto, para o Tribunal de 1ª Instância e para o Tribunal da Relação, um simples fax da recorrente a falar sobre comissão para determinada encomenda, a qual não produziu quaisquer efeitos relativos a essa encomenda, seria gerador de uma suposta comissão, considerando como válida a celebração de um contrato inominado de mediação.<br>
3ª - A conclusão do negócio, passivo de comissão, não chegou a efectivar-se, sendo certo que um dos requisitos do contrato de mediação é a conclusão do negócio, entre o vendedor e o comprador, como consequência da actividade do mediador; mais, o pagamento de comissão está sempre ligado à conclusão do negócio; a conclusão é sempre indispensável.<br>
4ª - Nos presentes autos, do documento (fax) não se pode extrair a celebração de um contrato de mediação inominado.<br>
5ª - O Tribunal da 1ª Instância e o Tribunal da Relação não tiveram em conta os direitos e deveres a que este tipo de contrato obriga os contraentes, a sujeitarem-se a rigorosa disciplina jurídica, tal contrato só seria formalizado se a Sociedade C confirmasse a encomenda por intermédio da recorrida e aceitasse os preços propostos, e nada disso aconteceu, foi o facto de se ter falado em comissão que originou a recusa da sociedade C a aceitar a primeira encomenda.<br>
6ª - O factor primordial nesta negociação foi a redução de preços praticados na encomenda fornecida à Sociedade C, livre de comissão.<br>
7ª - A verdade é que os autos fornecem elementos mais que suficientes para concluir que a recorrente não estava obrigada a qualquer comissão no fornecimento que fez à Sociedade C, negar esta verdade é negar factos notórios e evidentes e com tal negação não se realiza a justiça.<br>
8ª - Das respostas à matéria de facto que integrava os nove quesitos do questionário, a recorrida nada prova e a recorrente faz prova suficiente da não existência de qualquer contrato de mediação, conforme o testemunho do Sr. D.<br>
9ª - Das respostas aos quesitos não se pode tirar com segurança a existência de um contrato de mediação, mesmo inominado.<br>
10ª - Os autos fornecem elementos suficientes que permitem tirar uma referência conclusiva que permite esclarecer toda a verdade.<br>
11ª - É manifesto, pois, que o acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts. 1154º e segs. do Código Civil.<br>
<br>
Contra-alegou a recorrida, pedindo que se negue provimento ao recurso.<br>
<br>
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.<br>
<br>
II - Nas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos:<br>
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1. A Autora exerce o comércio de produtos para a indústria farmacêutica.<br>
2. A Ré fabrica produtos para a indústria farmacêutica e produtos farmacêuticos.<br>
3. Em 18.06.1991, a Autora pediu à Ré preços para 400.000 frascos de 100 ml de ampicilina 125 mg/5 ml, acrescentando a Autora que a cotação pedida se referia a uma encomenda para a C e sugere à Ré que a cotação deverá ser a seguinte: um florim holandês por frasco.<br>
4. A Ré aceitou pagar uma comissão de 0,05 florins por frasco para o fornecimento dos 400.000 frascos, desde que o preço fosse de um florim por frasco.<br>
5. A "C" recusou-se, por intermédio do sr. E, a confirmar a encomenda, em virtude do preço ser demasiado elevado.<br>
6. Em Agosto de 1991, a Ré vendeu à C 1.500.000 frascos de ampicilina - suspensão oral, com 125 mg/5 ml, em frascos de plástico de 100 ml, ao preço de DEM 0,85 (oitenta e cinco pfennings do marco alemão) por frasco.<br>
7. E ainda lhe vendeu 500.000 frascos de co-trimoxazol em pó seco para suspensão 40 mg + 8 mg/ml, ao preço de DEM 0,80 (oitenta pfennings do marco alemão) por frasco.<br>
8. A Autora enviou à Ré a comunicação de fls. 6 e 7, que se dá por reproduzida.<br>
9. A Ré enviou à Autora a comunicação de fls. 10 a 12, que se dá por reproduzida.<br>
10. A "C" enviou à Ré as comunicações de fls. 59, 77 e 78, que se dão por reproduzidas.<br>
11. A Ré enviou à C as comunicações de fls. 62, 68, 69, 72 e 73 e 82, que se dão por reproduzidas.<br>
<br>
III - 1. Na sentença proferida na 1ª instância - a que a Relação se limitou a aderir -, entendeu-se que resulta da matéria de facto provada que entre a Autora e a Ré foi celebrado, de forma válida, um contrato inominado de mediação.<br>
<br>
Para chegar a tal conclusão, o senhor Juiz, após proceder à definição do contrato de mediação, escreveu:<br>
<br>
"No caso vertente, provou-se que efectivamente foi celebrado entre autora e réu um acordo de mediação, nos termos do qual a autora conseguia interessado na aquisição de grandes quantidades de produtos comercializados pela ré, a troco de uma comissão fixada em função da quantidade transaccionada.<br>
A questão não é tão simples quanto possa aparentar. Efectivamente, provou-se que a destinatária do produto rejeitou o negócio por o preço ser demasiado elevado. Porém, pouco tempo depois, a ré veio a vender à mesma entidade elevadas quantidades de produto, sendo mesmo muito superior ao que fora indicado inicialmente pela autora.<br>
Reafirma-se aqui que o mediador apenas tem que aproximar as partes intervenientes no contrato final, sendo-lhe indiferente a forma como estes venham a concluir o contrato.<br>
Por outras palavras, o comitente não pode aproveitar a actividade do mediador, vindo a celebrar o negócio com o terceiro angariado por este, eventualmente por preço inferior, dizendo depois que se trata de negócio diferente, uma vez que o preço foi inferior. É que o preço é inferior precisamente por o comitente não ter de pagar a comissão ao mediador.<br>
Significa isto que o comitente fica para sempre impedido de negociar com o terceiro angariado pelo mediador? Afigura-se que sim, pelo menos nos termos da aproximação feita pelo mediador.<br>
E isto ainda que o negócio celebrado não seja exactamente como o que se visava inicialmente, uma vez que a actividade do mediador continua a apresentar-se como essencial para a sua conclusão. No caso vertente, aliás, o negócio foi até muito superior ao inicialmente proposto.<br>
Por outro lado, também não colhe o argumento da ré, segundo o qual a C recusou qualquer negócio com a mediação da autora, É que a ré é indiferente a qualquer litígio entre o mediador e o terceiro. A única coisa que releva é a actividade de mediação desenvolvida".<br>
<br>
2. Na sua petição inicial, a Autora limita-se a falar em comissões e direito a estas, sem aludir a quaisquer preceitos legais, ou seja, às razões de direito que servem de fundamento à acção - cfr. alínea d) do nº 1 do artigo 467º do Código de Processo Civil (CPC), correspondente à alínea c) aquando da propositura da acção - e sem falar sequer em qualquer contrato de mediação.<br>
<br>
De qualquer forma, cabe ao tribunal proceder à qualificação jurídica dos factos - cfr. artigo 664º do mesmo Código. <br>
<br>
A figura jurídica da comissão está contemplada nos artigos 266º e seguintes do Código Comercial.<br>
<br>
Assim, e segundo o citado artigo 266º, "Dá-se contrato de comissão quando o mandatário executa o mandato mercantil sem menção ou alusão alguma ao mandante, contratando por si e em seu nome, como principal e único contraente".<br>
<br>
A comissão assume-se, pois, como "mandato comercial não representativo", ficando o comissário directamente obrigado com as pessoas com quem contrata, como se o negócio fosse seu (cfr. artigo 268º deste diploma).<br>
<br>
A matéria de facto dada por provada afasta a possibilidade de se estar perante este tipo de contrato.<br>
<br>
3. Vejamos, então, a figura da mediação.<br>
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Como se diz no acórdão da Relação de Lisboa de 24.06.1993 (CJ, Ano XVIII-1993, Tomo III, pág. 139), o contrato de mediação pressupõe, essencialmente, a incumbência, a uma pessoa, de conseguir interessado para certo negócio, feita pelo mediador, entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio, entre estes, como consequência adequada da actividade do mediador.<br>
<br>
Refere o Prof. Pinto Monteiro, a fls. 85 e 86, nos seus Estudos sobre Contrato de Agência (Anteprojecto), constantes do BMJ 360, que "a obrigação fundamental do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente, conclui ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato, podendo a sua remuneração caber a ambos os contraentes, ou apenas àquele que recorreu aos seus serviços. A remuneração do mediador, por outro lado, é independente do cumprimento do contrato (diversamente do que sucede com a retribuição do agente, como veremos), podendo exigi-la logo que o mesmo seja celebrado.<br>
Ao contrário do agente, que actua por conta do principal - «representando-o» economicamente -, o mediador age com imparcialidade, no interesse de ambos os contraentes, sem estar ligado a qualquer deles por relações de colaboração, de dependência ou de representação.<br>
É que o mediador é uma pessoa independente, a quem qualquer outra pode recorrer, em determinado momento, cessando a relação contratual, em regra, logo que concluído o negócio. O mesmo não sucede com o agente, como vimos, ligado ao principal por relações de colaboração duradoura, sendo a estabilidade um elemento essencial da agência.<br>
Por último, e como decorre do exposto, o mediador intervém ocasionalmente, só quando solicitado para determinado acto concreto, enquanto o agente exerce uma actividade material contínua".<br>
<br>
A conclusão do negócio é condição essencial para que o mediador tenha direito à remuneração.<br>
<br>
Quanto ao devido entendimento do que seja conclusão, escreveu Manuel Salvador, "Contrato de Mediação", págs. 93 e 94, que uns entendem que o vocábulo deve ser entendido no sentido vulgar de acabamento, pelo que só se considera concluída a mediação quando o negócio visado se extingue pela execução, e "outra corrente, e quanto a nós sem dúvida a que se encontra no bom caminho, sustenta que o mediador tem direito à remuneração quando o negócio mediado se conclui, haja ou não execução posterior".<br>
<br>
Como diz o referido Manuel Salvador, a págs. 96 e 97, a matéria pertinente à causalidade ocupa, na teoria da mediação, um lugar de ímpar relevo, sendo que o problema da relação de causalidade, que deve intercorrer entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio, constitui um ponto decisivo na construção do instituto em exame, podendo considerar-se assente que o conceito de causalidade não implica que a actividade do mediador, para como tal se deva considerar, não possa conduzir a outro resultado senão a da feitura do negócio, não se tratando de aplicar a teoria da causalidade adequada.<br>
<br>
Mais adiante, a fls. 98 e 99, refere:<br>
<br>
"Nós pensamos que, se o preço fixado pelo mandante não foi considerado condição sine qua non da atribuição da percentagem ou remuneração ao mediador, é seguro que a conclusão do negócio por preço inferior não faz perder àquele o seu direito, pela razão de ser opinião comum que não é necessária perfeita coincidência entre o contrato desejado e o efectivamente realizado; o mediador conseguira já a adesão do terceiro à celebração do negócio (celebração esta só impedida pelo preço demasiado elevado proposto pelo mandante): daí a sua participação no nexo causal".<br>
<br>
4. Postos estes princípios, debrucemo-nos sobre a factualidade dada por provada.<br>
<br>
Mostra-se assente que, em 18 de Junho de 1991, a Autora pediu à Ré preços para 400.000 frascos de 100 ml de ampicilina 125 mg/5 ml, acrescentando a Autora que a cotação pedida se referia a uma encomenda para a C, e sugere à Ré que a cotação deverá ser a seguinte: um florim holandês por frasco, e que a Ré aceitou pagar uma comissão de 0,05 florins por frasco para o fornecimento dos 400.000 frascos, desde que o preço fosse de um florim por frasco.<br>
<br>
Daqui decorre ter havido um acordo de vontades no sentido da celebração de um contrato de mediação entre as partes, em que o mediador (a aqui Autora) teria direito à remuneração assinalada, no pressuposto de que o negócio viria a concretizar-se pelo indicado preço.<br>
<br>
Só que ficou demonstrado que a C se recusou, por intermédio do sr. E, a confirmar a encomenda, em virtude de o preço ser demasiado elevado.<br>
<br>
Logo, o negócio em vista ficou sem efeito, por desistência do terceiro, isto é, da entidade interessada na aquisição dos produtos, o que significa que, não tendo sido concluído o negócio, ficou revogado o acordo de mediação.<br>
<br>
É que o nexo de causalidade só tem de colocar-se perante um contrato ainda válido ou subsistente.<br>
<br>
É certo que, em Agosto de 1991, a Ré vendeu à C 1.500.000 frascos de ampicilina - suspensão oral, com 125 mg/5 ml, em frascos de plástico de 100 ml, ao preço de DEM 0,85 (oitenta e cinco pfennings do marco alemão), e ainda 500.000 frascos de co-trimoxaol em pó seco para suspensão 40 mg+8mg/ml, ao preço de DEM 0,80 (oitenta pfennings do marco alemão) por frasco.<br>
<br>
No entanto, trata-se de um novo negócio sem interferência do mediador, efectuado após a revogação do acordo de mediação, pelo que a aqui Autora não tem direito a qualquer remuneração, ou seja, não tem direito a qualquer comissão.<br>
O facto de os produtos que foram objecto do contrato de compra e venda terem sido transaccionados a um preço aproximado do anteriormente proposto deduzido das prometidas comissões (por consulta colhida pela Internet dos dados do Banco de Portugal, verificámos que as cotações médias, durante o mês de Agosto de 1991, para o marco alemão e para o florim holandês foram de, respectivamente, de Esc. 85,7501 e 76,0928) não tem aqui o menor relevo, pois que não se mostra minimamente demonstrado que a aqui Ré haja intencionalmente provocado uma situação de frustração do negócio a que o contrato de mediação dizia respeito, a fim de, posteriormente, concretizar idêntico negócio directamente com a entidade directamente interessada na aquisição dos produtos.<br>
<br>
5. Infere-se do exposto que colhem as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso, pelo que a decisão recorrida não poderá manter-se.<br>
<br>
IV - Podemos extrair as seguintes conclusões:<br>
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1ª - O contrato de mediação pressupõe, essencialmente, a incumbência, a uma pessoa, de conseguir interessado para certo negócio, feita pelo mediador, entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio, entre estes, como consequência adequada da actividade do mediador.<br>
<br>
2ª - A conclusão da mediação é, assim, condição essencial para que o mediador tenha direito à remuneração.<br>
<br>
3ª - Tendo a entidade interessada na aquisição dos produtos recusado confirmar a encomenda pelo facto de o preço ser demasiado elevado, ficou sem efeito o negócio em vista por desistência do terceiro, o que significa que, não tendo sido concluído o negócio, ficou revogado o acordo de mediação.<br>
<br>
4ª - Tendo posteriormente aquela entidade adquirido do anterior comitente esses mesmos (e outros) produtos por preço inferior, aproximado do preço anterior deduzido da prometida comissão, não tem o mediador direito a qualquer remuneração, pois que o nexo de causalidade só tem de colocar-se perante um contrato ainda válido ou subsistente e se trata de um novo negócio sem interferência do mediador, efectuado após a revogação do acordo de mediação. <br>
<br>
V - Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, em decidir julgar improcedente a acção, com a consequente absolvição da Ré do pedido.<br>
Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da Autora.<br>
<br>
Lisboa, 19 de Janeiro de 2004<br>
Moreira Camilo<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hzLWu4YBgYBz1XKvMEdy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" propôs contra B, S.A., acção a fim de por ela ser indemnizado dos danos sofridos culposamente causados pela condutora do veículo de mercadorias OT, propriedade do seu segurado, que, em 98.08.25, pelas 16h 55 m, na E.N. 125, ao km. 94,400, iniciou uma manobra de inversão de marcha, sem atentar ao trânsito, atravessou a E.N., indo embater no motociclo IM conduzido pelo autor e na hemi-faixa de rodagem deste, condenando-se--a no pagamento de 7.770.300$00, verba que não inclui os danos no IM, por já terem sido liquidados pela ré.</font><br>
<font>Contestando, a ré impugnou a extensão dos danos patrimoniais e morais e o quantum da indemnização peticionada.</font><br>
<font>Prosseguindo até final, procedeu em parte por sentença que a Relação, sob apelação do autor revogou aumentando o valor da compensação.</font><br>
<font>Inconformado ainda e restringindo o objecto do recurso ao valor da compensação, por entender dever ser o peticionado, pediu revista o autor.</font><br>
<font>Contraalegou a ré, para defender o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Ao abrigo do art. 713-6, ex vi do art. 726, ambos do CPC, remete-se para o acórdão a descrição da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<font>1.- Na petição inicial, o autor discriminou o valor global do pedido em - 7.500.000$00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais e 270.300$00 como indemnização dos danos patrimoniais.</font><br>
<font>Na sentença, a ré foi condenada no pagamento da quantia global de € 9.848,25 sendo de € 8.500,00 a compensação pelos danos não patrimoniais e de € 1.348,25 a indemnização pelos danos patrimoniais.</font><br>
<font>No acórdão, foi elevada para € 25.000 a compensação e mantida sentença no restante.</font><br>
<font>Recorrendo, o autor pretende se eleve a compensação para € 37.409,84, subtraído que seja o valor de € 8.500,00 entretanto liquidado pela recorrida (apelando, o autor formulara idêntico pedido e com idêntica indicação).</font><br>
<br>
<font>2.- Culpa exclusiva da condutora do OT e nem para a produção ou para o agravamento dos danos concorreu o autor. Pontos decididos definitivamente.</font><br>
<font>Objecto do recurso - apenas o quantum da compensação.</font><br>
<font>À data do acidente, o autor tinha 24 anos. Era sócio de C, Lª., e, antes do acidente, fazia pão, distribuía-o e angariava clientes.</font><br>
<font>As lesões e respectivo tratamento, durante ano e meio, implicando transferências de hospital, internamento durante 10 dias e intervenção cirúrgica, acarretaram encurtamento e arqueamento do membro superior esquerdo, diminuição da mobilidade do punho e do cotovelo, e a clavícula direita sair do seu encaixe frequentemente; ficou com uma placa que poderá ser retirada se quiser e clinicamente for considerado vantajoso.</font><br>
<font>Ficou com sequelas que consistem em vertigens, luxação da clavícula direita, recepção da cabeça do rádio esquerdo mantendo mobilidade do cotovelo, limitação dos movimentos de pronação e supinação do punho esquerdo e cicatriz com 4 por 4 cm atrófica da face interna do joelho esquerdo.</font><br>
<br>
<font>Sofre de muitas dores e tem muitas marcas no corpo que perdurarão por toda a vida e se agravarão com a idade, dores que não permitem sequer que, com regularidade, tome conta da sua empresa.</font><br>
<font>Ficou com uma IPP de 27,28%.</font><br>
<font>A compensação pelos danos não patrimoniais deve ser significativa e equilibrada, sem cair nos extremos - a sua expressão não deve nem pode ser meramente simbólica mas também não deve nem pode representar negócio; há-de traduzir o fim que através dela se pretende alcançar, quer se o veja apenas enquanto apenas reportado ao lesado quer para quem o defenda ainda também como sanção.</font><br>
<font>Além dos itens a que, com muita razão, se faz normalmente apelo e que preenchem, na prática, o valor da equidade (ponderação da evolução das realidades da vida e da justa medida das coisas, inflação, observação comparativa dos critérios jurisprudenciais mormente dos tribunais superiores, etc, etc), o julgador não pode alhear-se das circunstâncias concretas do caso cuja apreciação lhe é submetida.</font><br>
<br>
<font>De entre os danos não patrimoniais que, à evidência, ressaltam da descrição acima, há um aspecto que nos parece justo destacar.</font><br>
<font>In casu, as dores, quer as físicas quer as psíquicas, não se esgotaram sendo de notar que o tribunal deu como provado que a impossibilidade de o autor acompanhar com regularidade ‘a sua empresa’ (embora as instâncias não tenham fixado o real sentido em que empregaram esta expressão, não se afigura incorrecto que, com ela, queiram traduzir que o autor desempenhava, de facto ou de direito não se o diz, funções de gerência na sociedade de panificação) não advém da IPP mas das dores físicas de que padece.</font><br>
<font>Essas dores (físicas) ir-se-ão agravar com a idade, consequentemente, mais o afastarão do desempenho das funções dentro da sociedade de panificação, o que não deixará de se reflectir numa sensação de impotência e de inevitabilidade que o tolhe e tolherá, acompanhando-o pela vida fora.</font><br>
<font>É admissível supor que a expectativa do autor, em termos de realização profissional, face à juventude da sua idade passasse por um progressivo assumir de funções dentro da sociedade de panificação de que era sócio e que agora tome consciência de ela se ter gorado por força das sequelas, nomeadamente das dores que sempre o acompanharão e se agravarão.</font><br>
<font>Mas uma incógnita subsiste - tornando-se ciente da situação, a reconversão noutra actividade, evitando ou minorando o advir daquela sensação de impotência e de inevitabilidade, não se lhe apresente como viável e possível?</font><br>
<br>
<font>Certo que a empregabilidade é, de há uns tempos e actualmente, bem deficitária e não menos certo que as deficiências físicas que afectam o autor lhe condicionam o campo das possibilidades. A evolução da sociedade para de serviços e o avanço tecnológico poderão eventualmente ultrapassar esse condicionalismo. Todavia, desconhece-se qual o grau de preparação do autor para esse efeito. Competia - na medida em que tal se situa dentro do pressuposto ‘dano’ - ao autor ter produzido a pertinente alegação e, após, demonstrá-la.</font><br>
<font>Desconhecendo-se a sua aptidão, parece-nos desajustado elevar a compensação que a Relação atribuiu, o que se justificaria caso pudéssemos dar como seguro que a sensação de impotência e de inevitabilidade seria o que, sem entrar em futurologia, o autor, num grau de maior probabilidade, podia ter como mais certo.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista</font></b><font>.</font><br>
<font>Custas pelo autor.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 20 de Setembro de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kDLwu4YBgYBz1XKv010T | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
No 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa foi intentada por A contra B uma execução para pagamento de quantia certa em que lhe pede o pagamento de 12722532 escudos, acrescidos de 761532 escudos de juros de mora já vencidos e dos vincendos à taxa anual de 15% até pagamento integral.<br>
O executado embargou pedindo que fosse declarada extinta a execução.<br>
Foi proferido saneador sentença que julgou improcedentes os embargos.<br>
Apelou o executado, mas a Relação de Lisboa proferiu acórdão que julgou improcedente o recurso.<br>
Daqui trouxe o executado o presente recurso de revista em que pede a revogação do acórdão recorrido e em cujas conclusões defende o seguinte:<br>
1. Existe nulidade do registo da hipoteca por desconformidade entre o registo e o título que lhe serviu de base, gerando incerteza acerca do objecto da relação jurídica em causa - conclusões II a XI;<br>
2. Esta nulidade não é susceptível de rectificação, que nem foi feita oficiosamente nem foi judicialmente requerida - conclusões XII a XIV;<br>
3. Assim, a hipoteca não é título executivo, tendo sido indevidamente aplicados os arts. 18 e 121 do CRPredial e deixados de aplicar os arts. 16, al. c), 96 e 100, n. 2 do mesmo diploma - conclusões XV a XVII;<br>
4. O crédito de que a exequente é cessionária foi reconhecido pelo executado enquanto herdeiro, sendo um encargo da herança pelo qual apenas responde na proporção do que herdar, já que não assumiu a dívida - conclusões XVIII a XX;<br>
5. A cessão de crédito feita pela E à exequente respeita a crédito inexistente, pelo que é nula por indeterminação, ficando eventualmente sujeita a redução - conclusões XXI a XXIII e XXX e XXXI;<br>
6. A falta de alegação de que a cessão não foi comunicada ao devedor não deixa, ao contrário do que se fez na decisão recorrida, que se presuma que ela teve lugar nem que tal sucedeu antes de ser iniciada a execução - conclusões XXIV a XXVI e XXVIII;<br>
7. Não está determinado o "dies a quo" para a contagem de juros quanto ao crédito cedido - conclusão XXVII;<br>
8. Ao basearem-se num facto não alegado para presumirem o seu oposto as instâncias violaram o art. 664 e cometeram o vício do art. 668º, nº 1, al. d), 2ª parte, do CPC - conclusão XXIX.<br>
<br>
Houve resposta em que a recorrida defendeu a improcedência do recurso.<br>
Tendo-se afigurado ao relator deste recurso que as questões enunciadas nas conclusões XXIV a XXIX não devem ser apreciadas, foram as partes convidadas a sobre tal se pronunciarem; só o recorrente o fez, sufragando o cabimento das mesmas.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Foram dados como assentes os seguintes factos:<br>
1. Por documento particular datado de 16/2/96 C e A acordaram em que a segunda concedia ao primeiro a representação, em termos de exclusividade e para o território de S. Tomé, das marcas de vinhos ... e ...;<br>
2. O C e a A acordaram ainda em que a segunda poderia executar a garantia prestada pelo primeiro na escritura pública celebrada no 22º Cartório Notarial de Lisboa para garantir o pagamento de produtos por esta fornecidos ao primeiro, desde que existisse um atraso superior a 45 dias contados à devolução de qualquer cheque por falta de provisão;<br>
3. Por escritura pública lavrada em 8/2/96, no 22º Cartório Notarial de Lisboa, C, viúvo, e B, solteiro, declararam que lhes pertencia o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Loures sob o art. 741, encontrando-se registada a aquisição a seu favor conforme a inscrição G2, inscrito na matriz sob o art. 1315;<br>
4. No mesmo acto o C e o B declararam que pela dita escritura constituíam a favor de A hipoteca sobre o prédio já referido, destinando-se a mesma a garantir o fornecimento ao C de produtos comercializados pela A até ao montante de 14500000 escudos;<br>
5. Esta hipoteca encontra-se registada na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures;<br>
6. Como fundamento da hipoteca encontra-se aposta a menção "garantia de empréstimo";<br>
7. O C faleceu em 15/11/96 no estado de viúvo de D;<br>
8. O B nasceu em 16/9/62 e é filho do C e da D;<br>
9. O B subscreveu em 21/12/96 o documento junto à execução a fls. 25 no qual declara, na qualidade de herdeiro universal de C, que reconhece a dívida de 2669532 escudos à E;<br>
10. Esta dívida respeita ao preço do transporte que a E efectuou para o C;<br>
11. Por documento particular datado de 2/12/96 a E declarou ceder a A o crédito que detinha sobre o B no valor de 2169532 escudos;<br>
12. A assinatura do B mostra-se reconhecida no 22º Cartório Notarial de Lisboa;<br>
13. O C subscreveu os cheques juntos aos autos de execução a fls. 11 a 15, sacados sobre o Banco Espírito Santo e à ordem da embargada, cada um deles pelo valor de 2112000 escudos;<br>
14. Estes cheques têm os seguintes números e datas de saque: 3543313426, de 4/11/96, 6043313434, de 11/11/96, 8543313442, de 18/11/96, 1343313450, de 25/11/96, e 1043313418, de 2/12/96;<br>
15. Foram todos devolvidos por falta de provisão em 7/11/96, 14/11/96, 19/11/96, 26/11/96 e 23/12/96, respectivamente;<br>
16. A embargada emitiu duas facturas, com os ns. 001411 e 001412, no valor de 1458000 escudos, ambas datadas de 7/6/96 e endereçadas a S. Tomé e Príncipe.<br>
<br>
De acordo com o requerimento inicial da execução, o capital pedido tem duas origens diferentes.<br>
Parte dele, no montante de 10560000 escudos, respeitava aos cinco cheques atrás mencionados, sacados pelo C - cfr. factos nº 13 a 15. Conforme aí foi dito, estes cheques destinavam-se a pagar fornecimentos feitos pela embargada, para cuja garantia havia sido constituída a sobredita hipoteca.<br>
O restante diz respeito ao crédito referido em 9 a 12.<br>
<br>
Os embargos assentaram nas seguintes questões, sucessivamente tratadas na respectiva petição inicial:<br>
a) há desconformidade entre o registo da hipoteca e o seu título constitutivo quanto ao fundamento daquela, o que torna o registo nulo e faz desaparecer o título executivo;<br>
b) a execução por dívidas da herança deve correr contra esta, e não contra o embargante, simples herdeiro, que é parte ilegítima;<br>
c) pelo menos quanto ao primeiro dos cheques acima referidos está prescrita a obrigação dele constante;<br>
d) os fornecimentos feitos foram-no a pessoa diversa do C;<br>
e) não houve assunção de dívida quanto ao crédito cedido, pelo qual responde a herança;<br>
f) a cessão de crédito, feita quanto a um crédito detido pela E sobre o embargante, não tem objecto, sendo nula.<br>
<br>
A sentença, inteiramente confirmada pelo acórdão recorrido ao para ela remeter nos termos do art. 713º, nº 5 do CPC, assentou nas seguintes ideias mestras:<br>
- ao declarar, invocando a qualidade de herdeiro universal de seu pai, que reconhecia uma dívida deste, o embargante aceitou a herança;<br>
- a desconformidade entre o fundamento constante do título constitutivo da hipoteca e o fundamento constante do registo desta não envolve nulidade do registo nem da hipoteca, sendo rectificável nos termos do art. 121º do CRPredial;<br>
- o título executivo usado é a escritura de hipoteca, sendo a realização dos fornecimentos ao C aí previstos comprovada pelos cheques, cuja prescrição é indiferente;<br>
- quanto ao crédito cedido, o embargante é o seu devedor, e não a herança, por a ter aceite;<br>
- como o embargante não alegou que a cessão lhe não foi notificada, o que era matéria de excepção, é de presumir que o foi antes da propositura da execução.<br>
<br>
É neste quadro que se inserem as questões suscitadas pelo recorrente e que acima deixámos enunciadas, sendo desde logo evidente que elas significam uma restrição acentuada face ao âmbito inicial das teses do embargante, ora recorrente, na medida em que se não fala já na prescrição de um dos cheques e em os fornecimentos terem sido feitos a pessoa diferente do C - ou seja, foi abandonada a argumentação referida nas alíneas c) e d) do rol que acima esboçámos quanto ao teor da petição de embargos.<br>
<br>
Questões 1 a 3:<br>
O recorrente pretende que a inscrição da hipoteca no registo predial é nula e que esse vício, não rectificado nem sequer rectificável, invalida essa garantia por em relação a ela o registo ser constitutivo, assim desaparecendo o título executivo usado pela recorrida enquanto exequente.<br>
Trata-se de uma invocação que não reverte em seu favor.<br>
A discrepância entre a obrigação garantida pela hipoteca - uma obrigação de pagamento de preço de compra e venda - e o fundamento da mesma hipoteca aludido na respectiva inscrição registral - garantia de empréstimo - é um vício a qualificar, conforme o entendimento que se adoptar a partir dos arts. 16º, al. c) e 18º, nº 1 do CRPred, como uma nulidade do registo ou, diversamente, como uma sua inexactidão.<br>
Só a hipótese da nulidade serve os interesses do recorrente, visto que a inexactidão, susceptível de dar lugar a uma rectificação de acordo com os arts. 120º e segs. do mesmo diploma, não afecta a eficácia do registo e, por isso, não retira ao acto inscrito os efeitos próprios daquele.<br>
A nulidade do registo, pelo contrário, afectaria por completo a eficácia da hipoteca, dado o que consta do art. 687º do CC e, coerentemente, do art. 4º, nº 2 do CRPred, deixando ela de poder funcionar como título executivo.<br>
<br>
Mas não há que tomar posição sobre esta divergência de qualificação.<br>
Há, pelo contrário, que tirar do regime legal sobre vícios do registo as consequências que lhe são próprias.<br>
Além daquelas duas categorias de vícios, há ainda a inexistência - cfr. art. 14º do CRPred.<br>
Neste caso extremo de gravidade do vício registral, manifestamente não verificado aqui, consagra-se uma exclusão radical e automática da eficácia do registo, directamente invocável a todo o tempo por qualquer pessoa e sem necessidade de declaração judicial - cfr. o seu art. 15º, nº 1 e 2.<br>
No extremo oposto fica a inexactidão, cujo regime ficou já resumidamente delineado.<br>
Mas o regime, intermédio, da nulidade do registo é, no plano da produção dos resultados a que conduz, consideravelmente diferente de qualquer dos anteriores.<br>
Na verdade, não pode fundar uma declaração dirigida por uma das partes à outra, ao contrário do que pode suceder em caso de nulidade substantiva.<br>
E à sua invocação em processo judicial não é aplicável o disposto no art. 8º, nº 1 do CRPred, que, regendo para a impugnação de acto comprovado pelo registo e por isso abrangendo os casos em que essa impugnação assenta em nulidade substantiva, apenas manda que o cancelamento do registo aí seja pedido para que venha a ser decretado como consequência da procedência daquela impugnação dirigida contra o acto registado, e ao mesmo tempo que esta.<br>
Ou seja, nestes últimos casos discute-se a validade do acto e daí extraem-se consequências quanto à subsistência do registo.<br>
Mas a nulidade do registo configura uma hipótese diferente.<br>
Ela não resulta de qualquer vício do acto registado.<br>
Qualquer discussão sobre a validade do registo só pode ter lugar em acção proposta com esse objectivo específico; e a invocação da sua nulidade, com vista a obstar à produção dos efeitos próprios do registo, só tem cabimento depois de naquela acção ter sido declarada por decisão judicial transitada em julgado - cfr. art. 17º, nº 1 do mesmo diploma.<br>
Pode dizer-se que tal resulta da fé pública que o registo predial merece e garante, a qual leva a que o registo valha enquanto não for destruído e a que só depois da sua destruição se possa desconsiderar o que ele publicitava.<br>
Não pode, sem isso, pôr-se em causa o acto registado porque o problema não é do acto, mas do registo.<br>
Está, necessariamente, sujeita a este condicionalismo a repercussão que a nulidade do registo possa ter sobre a eficácia do acto registado - o que se aplica, designadamente, ao caso destes autos, onde se discute a força executiva da escritura de hipoteca, força essa que seria excluída pela nulidade do seu registo. <br>
No momento em que a execução foi proposta a nulidade do registo não obtivera ainda reconhecimento judicial definitivo, que ainda nem sequer tinha sido solicitado; não podia, por isso, fundar a alegação de perda de força executiva por parte daquela escritura.<br>
Essa alegação traduziu uma invocação, inviável por, então, ser ainda legalmente vedada, da nulidade do registo.<br>
Tal invocação em sede de embargos de executado só poderia ter lugar após o reconhecimento de tal nulidade pelo modo indicado.<br>
<br>
Daí a improcedência desta tese do recorrente.<br>
<br>
Questões 4 e 5: <br>
Defende o recorrente que a dívida correspondente ao crédito cedido à recorrida é um encargo da herança de seu pai pela qual só responde na proporção do que herdar.<br>
Não põe em causa ter havido, da sua parte, a aceitação tácita da herança que as instâncias deram como verificada.<br>
Nem põe em causa ter sido o único herdeiro de seu falecido pai.<br>
Só a herança jacente tem personalidade judiciária - art. 6º, nº 1, al. a) do CPC.<br>
Herança jacente é a que, tendo sido aberta, ainda não foi aceite nem declarada vaga para o Estado - art. 2046 do CC, do qual serão as normas que adiante se citarem sem outra menção de pertença.<br>
Assim, a instauração da demanda executiva contra o recorrente respeitou o disposto no art. 2091, n. 1, já que a herança, porque já aceite, não tinha personalidade judiciária e não havia mais herdeiros que devessem ser chamados à lide.<br>
Com a aceitação da herança o recorrente foi chamado à posição de devedor da obrigação que seu pai contraíra - arts. 2024 e 2050.<br>
E, não tendo havido aceitação a benefício de inventário, a sua responsabilidade por essa obrigação é integral na medida em que não prove que a herança não tinha bens suficientes para o seu pagamento - art. 2071, n. 2.<br>
<br>
De qualquer modo, tenha ou não a herança valores para suportar a totalidade da dívida, com aquela aceitação ficou o recorrente, herdeiro universal de seu pai, na posição de devedor da totalidade do crédito da E; saber se havia na herança bens suficientes para a sua satisfação nada tem que ver com a titularidade da obrigação - uma vez que esta se transmitiu por efeito do fenómeno da sucessão -, mas apenas com a efectivação da respectiva responsabilidade.<br>
Assim, não pode dizer-se que não teve objecto e que é nula a cessão que do mesmo crédito foi feita à recorrida.<br>
<br>
Soçobra, assim, o que o recorrente defende a este propósito.<br>
Questões 6 a 8:<br>
Debalde se buscará a correspondência destas questões com as levantadas na petição de embargos.<br>
Já Artur Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª edição, pg. 314, nota 2, disse que os embargos de executado são concebidos na lei como uma acção, e não como uma contestação. E na mesma obra, pg. 48, diz que a oposição à execução é "... uma contra-acção através da qual se pode pôr em causa a «execução» ..."<br>
Mais recentemente Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 3ª edição, pgs. 160 e 161, nota 50, retoma a este propósito a ideia de "contra-acção" que, quando "... veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal ..."; e acrescenta: "... no caso de oposição de mérito, a pretensão de acertamento negativo que lhe constitui o objecto é fundada na negação formulada ou na excepção concreta deduzida, que constitui a causa de pedir; o tribunal deve, nos embargos, conhecer oficiosamente das excepções (de conhecimento oficioso) respeitantes ao próprio processo de embargos, mas não de (outras) excepções, dilatórias ou peremptórias, respeitantes ao processo executivo."<br>
Ou seja: a petição de embargos define as questões dentro das quais a lide respectiva pode desenvolver-se, ficando com elas delimitado o âmbito da discussão.<br>
Para além delas, apenas poderão ser consideradas as que forem oficiosamente cognoscíveis.<br>
<br>
Centrando de novo a nossa atenção nas alíneas em que acima ficou condensado o conteúdo da petição de embargos, vemos que nela a cessão de créditos feita pela E à recorrida foi versada apenas na óptica do que ali figura na al. f) - nulidade dessa cessão por virtude de não existir o invocado crédito, que era seu objecto, da cedente sobre o recorrente.<br>
A tanto se limitou a discussão dos embargos sobre essa cessão.<br>
Tudo o mais que a respeito da cessão se discutiu nas instâncias - designadamente, a questão de saber se houve notificação dessa cessão ao devedor - e também a nova questão do "dies a quo" relevante para a contagem dos juros de mora relativos ao crédito cedido - só nesta revista levantada em alegações pelo recorrido - está fora do que foi pedido na petição de embargos e da causa de pedir nela exposta.<br>
Com tais questões, que não são de conhecimento oficioso, não quis o embargante obstacular à execução contra si instaurada.<br>
Não permite, por isso, o art. 661º do CPC que delas se conheça.<br>
A decisão da 1ª instância abordou, pois, indevidamente a questão da notificação da cessão ao devedor; houvesse ou não essa notificação tido lugar, de tal não dependia o prosseguimento da execução, visto que contra este prosseguimento não invocou o embargante não ter sido notificado da cessão.<br>
Assim, sendo essa questão irrelevante, é-o igualmente o que a seu respeito se decidiu e irrelevante continua a ser a discordância do embargante sobre essa decisão - embora possa dizer-se que, neste ponto, a sentença não terá seguido a orientação correcta, já que, face ao art. 583º, nº 1, a cessão só produz efeitos em relação ao devedor se lhe for notificada e que este regime faz dessa notificação, coerentemente, um condicionamento da sua eficácia, com o respectivo ónus de prova a cargo do credor cessionário, nos termos do art. 342º, nº 1 e 3.<br>
E também a dúvida sobre a data em que teve início a contagem dos juros a nada conduz porque não foi levantada na petição de embargos.<br>
<br>
Assim, estas questões não têm que ser apreciadas, nem podem sê-lo, porque são alheias ao objecto dos embargos.<br>
<br>
Nega-se a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 5 de Março de 2002<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzL8u4YBgYBz1XKvNmwM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A A instaurou a presente acção de posse judicial avulsa contra B e sua mulher C, entretanto substituída pelos seus habilitados herdeiros, todos com os sinais dos autos, pedindo se lhe confira a posse real e efectiva dos prédios que identifica e arrematou em hasta pública nos autos de execução ordinária que, com o nº 45432, da 2ª Secção do 3º Juízo Cível do Porto, o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL) moveu aos ora requeridos, tendo registado a aquisição a seu favor.<br>
Apesar de para tanto instados, os requeridos recusam-se a abandonar os referidos imóveis, pelo que a A. pede também a sua condenação na indemnização que se liquidar em execução de sentença.<br>
Juntou certidão das descrições e inscrições no registo predial, bem como certidão de teor dos artigos matriciais nºs 625º e 927º.<br>
Contestaram os requeridos, considerando a acção improcedente por não estar junto o título translativo de propriedade referente ao prédio inscrito na matriz predial sob o nº 927º e descrito no registo predial sob o nº 116/170288, o qual, embora implantado em parte do prédio rústico inscrito na matriz sob o nº 855º, dele se distingue e tem uso autónomo e diferenciado. Mais alegaram: que a A. não arrematou o referido prédio, mas sim os prédios inscritos na matriz sob os artigos 625º - urbano - e 855º - rústico - e destes nunca os RR se recusaram a fazer a entrega; que o prédio matriciado sob o nº 927º não foi dado de hipoteca ao BESCL, como consta da inscrição C2; tal prédio não foi, assim, penhorado nem vendido em hasta pública, não tendo sido adquirido pela ora A. que, portanto, dele não tem título aquisitivo.<br>
Respondeu a Caixa alegando que beneficia da presunção do registo, não carecendo de juntar título aquisitivo; que o contestado prédio descrito sob o nº 00116/100288 do Monte (com o nº 927º da matriz) foi desanexado do nº 49278, a fs. 31 do Livro B-127, prédio este sobre que recaíu a hipoteca a favor do BESCL, que acompanhou o prédio desanexado até à sua penhora e venda.<br>
Os RR. requereram, e foi-lhes concedido, o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e custas.<br>
Procedeu-se à inquirição de testemunhas, tendo, em 07.10.97, sido proferida sentença, onde, depois de ter sido declarado o erro na forma de processo relativamente ao pedido de indemnização civil, absolvendo os RR da instância quanto a tal pedido, foi a acção julgada procedente quanto ao primeiro pedido, investindo a A. na posse real e efectiva de ambos os prédios identificados na petição inicial.<br>
Inconformados, os RR. apelaram, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão 31 de Março de 1998, julgado improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.<br>
Ainda inconformados trazem os RR. a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br>
1ª - A posse judicial avulsa tem como condição e pressuposto básico, entre outros, a existência de título translativo de propriedade.<br>
2ª - E, para que possa fundamentar-se justamente o desapossamento, é também fundamental que o título seja inequívoco.<br>
3ª - No caso dos autos é patente que o título é equívoco, já que do mesmo não consta o prédio inscrito na matriz sob o artigo 927º, de que a Recorrida pretende lhe seja conferida a posse.<br>
4ª - Neste processo não há como nem que discutir ou argumentar com as regras do registo.<br>
5ª - O título translativo tem de, por si só, mostrar-se inequívoco ao e para que o Tribunal possa ordenar um desapossamento.<br>
6ª - Não é claramente o caso dos autos. O prédio inscrito na matriz sob o artigo 927º só "nasceu" muito depois da hipoteca dada a execução e que é a génese da arrematação.<br>
7ª - Muito embora edificado em parte do terreno hipotecado tal prédio é uma realidade física, fiscal e economicamente autónoma.<br>
8ª - Não é, pois, o mesmo que consta do título, não é benfeitoria, nem cabe em nenhum dos casos previstos no artigo 691º do Código Civil.<br>
Decidindo como decidiu, o acórdão recorrido teria violado o disposto nos artigos 204º, 216º, 691º, 824º e 1264º do Código Civil e 1044º do Código de Processo Civil.<br>
Contra-alegando, a recorrida pugna pela improcedência da revista.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
São os seguintes os factos considerados assentes pelo acórdão recorrido:<br>
<br>
1. Conforme escritura outorgada no Cartório Notarial de Ovar, em 8 de Setembro de 1983, rectificada em 20 de Janeiro de 1984, a requerimento dos interessados, B e esposa C (os aqui requeridos) deram de hipoteca ao D um prédio misto composto de casa de habitação, quintal e logradouro e terreno de cultura, inscrito na matriz predial urbana sob o nº 625 e na matriz predial rústica sob o nº 855, da feguesia do Monte, concelho da Murtosa, e descrito na Conservatória Predial de Estarreja sob o nº 49278, a folhas 31 do Livro B - 27 - cfr. fls. 48 a 54.<br>
2. Por Alvará de 22 de Novembro de 1987 a Câmara Municipal da Murtosa autorizou o loteamento urbano do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia do Monte sob os artigos 625 e 927, descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº 49278, do Livro B-127, a fs. 31.<br>
3. Através de tal alvará de loteamento foi autorizada a constituição de 2 lotes de terreno, numerados de A a B, com as áreas, respectivamente, de 815 m2 e 1355 m2 - cfr. fls. 64 e 65.<br>
4. Mostram-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Estarreja os seguintes prédios urbanos:<br>
A - Sob o nº 00115/170288 - Casa de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 216 m2 e logradouro e quintal com a área de 599 m2 - designado por lote A - Art. 625 - Desanexado do nº 49278, fs. 31 do B-127;<br>
B - Sob o nº 00116/170288 - Casa de rés-do-chão, 1º andar e sótão, com a área coberta de 210 m2 e logradouro, quintal e jardim, com 1145 m2 - designado por lote B - Art. 927 - Desanexado do nº 49278, fs. 31 do B-127 - cfr. fls. 5 a 9.<br>
5. Pela Ap. 07/190479 foi inscrita a aquisição de ambos os prédios a favor dos requeridos por partilha, a autorização de loteamento foi levada ao registo pela Ap. 02/170288, depois de registada uma hipoteca voluntária a favor do Crédito Predial Português em 11.05.79, outra a favor do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa em 11.08.83 e penhora a favor deste mesmo Banco em 7.01.88, sempre sobre ambos os prédios agora ditos em 4 - cfr. fls. 5, vs. a 8.<br>
6. A Caixa ora recorrida fez registar sobre estes dois prédios duas penhoras, uma em 14.02.92 e outra em 17.02.92, e pela Ap. 04/160295, foi inscrita a aquisição de ambos os prédios a seu favor por ARREMATAÇÃO em hasta pública, na sequência da execução movida pelo Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, contra Raúl da Silva Teixeira e mulher - cfr. fls. 5, vs. a 8.<br>
7. Com efeito, em 14 de Novembro de 1994, na execução hipotecária que, sob o nº 4532 e pela 2ª Secção do 3º Juízo cível do Porto o BESCL movia aos requeridos, a Caixa arrematou, pela quantia de 25000000 escudos, o seguinte prédio que logo lhe foi transmitido:<br>
Um prédio misto composto de casa de habitação, quintal e logradouro e terreno de cultura, sito no lugar e freguesia do Monte - inscrito na matriz predial urbana sob o nº 625 e na matriz predial rústica sob o nº 855, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 49278 a fs. 31 do Livro B-127 - cfr. fls. 102.<br>
1 - A questão central que se coloca no presente recurso consiste, pois, em saber se o título translativo da propriedade que a recorrida possui é suficiente para que possa socorrer-se do processo especial de posse judicial avulsa.<br>
Para a adequada abordagem da problemática em apreço, justifica-se que, com a brevidade requerida, se teçam algumas considerações acerca dos seguintes pontos fundamentais: (a) princípios básicos sobre o processo especial de posse judicial avulsa; (b) extensão e indivisibilidade da hipoteca. Aludir-se-á também, ainda que sucintamente, às presunções derivadas do registo e a alguns outros princípios de direito registral. Visará a enunciada digressão teórica permitir a aplicação dos princípios jurídicos pertinentes à situação de facto em presença, tendo como objectivo concluir se o prédio inscrito na matriz predial sob o nº 927º está ou não abrangido pelo título translativo da propriedade a favor da Caixa, ou seja, o título de arrematação.<br>
<font>2 - O artigo 1044º, na redacção anterior ao DL no 329-A/95, de 12 de Dezembro (</font> ) O Decreto-Lei nº 329-A/95 revogou os artigos 1033º a 1051º, correspondentes aos Capítulos VII (Dos meios possessórios) e VIII (Da posse e entrega judicial) do Título IV (Dos processos especiais).<font>), sob a epígrafe "Base da posse judicial avulsa", dispõe o seguinte:</font><br>
<br>
<font>Aquele que tenha a seu favor um título translativo de propriedade pode requerer que lhe seja conferida a posse ou a entrega judicial da coisa. Quando o acto seja susceptível de registo, juntar-se-á documento comprovativo de que o registo definitivo se acha feito ou em condições de o ser.</font><br>
<br>
<font>Os termos processuais da acção de posse judicial avulsa são muito abreviados, como resulta do prescrito nos artigos 1048º, 1049º e 1051º, justificando-se ter presente a previsão do artigo 1051º, que é a seguinte: A decisão proferida não impede que o vencido faça valer o seu direito pelas acções possessórias ou pelos outros meios competentes.</font><br>
<font>A par da sumariedade do conhecimento do litígio, e porque a acção se move no âmbito da presunção da titularidade do direito de propriedade e da posse jurídica, a decisão aí proferida não forma caso julgado material quer sobre a propriedade, quer sobre a posse, ficando salvaguardado o mais aprofundado conhecimento de tais questões noutro tipo de acções sem as limitações existentes na acção de posse judicial avulsa.</font><br>
<font>J. Alberto dos Reis, caracterizando, embora o processo de posse judicial avulsa como "um meio possessório" sublinha que "o vencido não fica inibido de, em acção possessória, fazer valer a sua posse ou em acção de processo comum fazer reconhecer o seu direito de propriedade". Daí que a decisão final proferida na acção de posse judicial avulsa, face á ausência da fase de discussão e às restrições e limitações profundas na fase de instrução "só deve valer como solução provisória, que, num processo normal, com ampla instrução e discussão, poderá ser invalidada" (</font> ) Cfr. "Processos Especiais", vol I, Coimbra Editora, 1955, págs. 475 e segs., maxime, pág. 477.<font>).</font><br>
<font>Também Manuel Júlio Gonçalves Salvador defende a natureza possessória da acção de posse judicial avulsa. Citando Simões Pereira, observa designadamente: "sempre se exclui a possibilidade de a posse judicial avulsa servir para mais do que tornar efectiva a transmissão da posse efectuada pelo título ou pelo registo" (</font> ) "Posse judicial avulsa", in "Revista dos Tribunais", Ano 76º - 1958, nº 1726, págs. 290 e segs.<font>).</font><br>
<font>A natureza possessória é, efectivamente, a que melhor quadra à acção em apreço. É que, em tal acção, não obstante a mesma ter por base a prova da existência de um título translativo de propriedade (e, sendo caso disso, a comprovação de que o registo definitivo está feito ou em condições de o ser), a indiscutível relevância desse título traduz-se no facto de o mesmo estabelecer a favor do autor a presunção de que lhe pertence o direito de propriedade e a posse jurídica da coisa que, em face daquele título, foi transmitida, tendo a acção a intencionalidade de transmitir àquele a posse material da coisa (</font> ) Cfr., neste sentido, o Acórdão deste STJ de 25.06.1996, Processo nº 342/96, da 1ª Secção.<font>).</font><br>
<font>É por assim ser que, como se viu, os termos da acção são muito abreviados e a decisão aí proferida não forma caso julgado material quer sobre a propriedade, quer sobre a própria posse - cfr. o artigo 1051º.</font><br>
<font>Corroborando as considerações expendidas, pode ler-se no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Fevereiro de 1997 (processo nº 424/96, da 2ª secção):</font><br>
<br>
<font>I - A acção de posse judicial avulsa é um meio rápido, mas por natureza provisório (artº 1049º, nº 1, do CPC) de resolver uma questão somente de posse, que "não impede o vencido de fazer valer o seu direito pelas acções possessórias ou pelos outros meios competentes" (artº 1051º do CPC). </font><br>
<font>II - (...)</font><br>
<font>III - A acção em que se pretende ver declarada a nulidade do título translativo de propriedade não pode ser considerada prejudicial da acção de posse.</font><br>
<font>IV - O que resulta do regime desta acção é que a lei pretende que, verificada pelo registo, a presunção da existência do direito e da sua titularidade, se sane o mais rapidamente possível a situação de (pelo menos, aparente) violação em que se encontre; depois, se for caso disso, se verá - por iniciativa do vencido - se aquela aparência tem correspondência com a realidade.</font><br>
<br>
3 - Revestindo particular importância na economia da presente revista, encontra-se a questão enunciada a propósito da indivisibilidade e extensão da hipoteca.<br>
Com efeito, a matéria de facto dada como assente permite visualizar o relevo nuclear que reveste a circunstância de o prédio urbano descrito no registo predial sob o nº 00116/170288 e com o artigo 927º da matriz ter sido desanexado do descrito sob o nº 49278, a fls. 31 do Livro B-127, ou seja, justamente, o prédio misto que, em 8 de Setembro de 1983, foi dado de hipoteca e que, em 14 de Novembro de 1994, foi arrematado pela Caixa de Crédito, ora recorrida.<br>
Procedamos, então, em primeiro lugar, à enunciação do direito aplicável no âmbito da temática ora em análise, para, em seguida, se fazer a subsunção da situação de facto ao quadro jurídico pertinente.<br>
3.1. O parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 23 de Novembro de 1967 ( ) O parecer em referência, relatado pelo Dr. Manuel Gonçalves Pereira, encontra-se publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 177, págs. 97 e seguintes.) procedeu ao estudo da questão de saber se as novas edificações ou construções urbanas, implantadas num prédio ou terreno posteriormente ao registo de hipoteca, serão ou não abrangidas por esta ipso jure ou somente quando uma cláusula nesse sentido tenha sido introduzida na respectiva escritura.<br>
Após aprofundada investigação, extraíu-se, naquele parecer, a seguinte conclusão (primeira): I - Quer em face do artigo 891º do Código Civil de 1867, quer perante o artigo 691º do Código vigente, a hipoteca, constituída sobre um terreno, estende-se ipso jure aos edifícios nele posteriormente incorporados.<br>
Tendo sempre presente a configuração do caso sub judice, e preocupando-nos apenas com o disposto pelo Código Civil vigente, acompanhemos, na medida do necessário, algumas considerações tidas como mais relevantes, constantes do referido estudo.<br>
Dispõe o nº 1 do artigo 691º do CC, diploma ao qual pertencerão os normativos que se indiquem sem manção da origem:<br>
A hipoteca abrange:<br>
a) As coisas imóveis referidas nas alíneas c) a e) do nº 1 do artigo 204 ( ) Atento o disposto pelo artigo 204º, são coisas imóveis: (...); "c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo; d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores; e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos".);<br>
b) As acessões naturais;<br>
c) As benfeitorias, salvo o dierito de terceiros.<br>
<br>
Ora, não resta dúvida de que a construção de edifício, com autonomia, num prédio rústico (edifício incorporado no solo, a que se refere o artigo 204º, nº 2), traduz o exercício de um direito de transformação por parte do respectivo proprietário - cfr. o artigo 1305º.<br>
Sendo tal direito de transformação de considerar como um direito inerente ao imóvel, não restaria dúvida de que, desde logo, por força da remissão da alínea a) do nº 1 do artigo 691º para a alínea d) do nº 1 do artigo 204º, a hipoteca se estenderia ao edifício incorporado no solo posteriormente à constituição da referida hipoteca.<br>
E bem se pode dizer que, ao hipotecar-se o solo, se inclui o direito de edificar, pois, de outro modo, se limitaria injustificadamente o objecto da hipoteca.<br>
Mas outra foi a via preferida, na argumentação do aludido parecer do Conselho Consultivo da PGR para se atingir a referida meta.<br>
Detendo-se particularmente em face da alínea c) do artigo 691º, ensaiou-se a interpretação do objecto e conteúdo do conceito de "benfeitoria", procurando atingir o verdadeiro espírito do preceito, de forma a apurar se nele está englobado o edifício incorporado no solo, após a constituição da hipoetca deste último.<br>
Para o efeito, rejeitou-se a utilização da analogia, em homenagem aos princípios hermenêuticos aplicáveis à interpretação de normas excepcionais, tendo-se admitido, no entanto, a simples interpretação extensiva.<br>
Partindo da definição de benfeitoria do artigo 216º, nº 1, entendeu-se ser de concluir que o legislador, ao empregar a palavra "benfeitoria" na alínea c) do artigo 691º, naõ quis limitar-se ao simples melhoramento de uma coisa já existente, mas pretendeu ir além disso, abrangendo a transformação de um prédio rústico em urbano.<br>
Discorrendo a esse propósito, pode ler-se o seguinte naquele parecer:<br>
Hipotecando um terreno de construção, faz-se a alienação virtual do terreno com todas as suas potencialidades, nomeadamente o direito de transformação do prédio rústico em urbano.<br>
Por outras palavras, pode dizer-se que o prédio hipotecado é considerado como uma entidade económica no seu desenvolvimento.<br>
(...)<br>
Além do mais, a constituição da hipoteca não tem a virtualidade de desintegrar o domínio, ou seja, o direitro de propriedade.<br>
Também milita no sentido de a hipoteca abranger as edificações o princípio da indivisibilidade (artigo 696º), já invocado por Guilherme Moreira em face do Código anterior.<br>
Daí que, no mencionado estudo, e na sequência do apelo a subsídios doutrinários de Autores como Vaz Serra ( ) Cfr. "A Hipoteca", in BMJ, nº 62.), Pires de Lima e Antunes Varela ( ) Cfr. "Código Civil Anotado", vol. I, pág. 131.), se conclua que o espírito da lei foi o de estender a hipoteca às obras novas, ainda mesmo que estas transformem o prédio rústico em urbano (edifícios incorporados no solo - artigo 204º, nº 2) ( ) Cfr. BMJ nº 177, já citado, págs. 106 a 109.). <br>
Esclarecendo melhor, na esteira do entendimento de Pires de Lima e de Antunes Varela, o que se pretende dizer, acrescenta-se o seguinte:<br>
<br>
O que há é uma fundamental diferença entre as adições resultantes de aquisição e as provenientes de construção ou obra nova.<br>
Com efeito, não são abrangidos pela hipoteca os terrenos ou os andares (primeiro, propriedade de outrem) adquiridos voluntariamente pelo hipotecador e acrescentados por ele ao prédio hipotecado, por se tratar de coisas que tinham existência independente e podiam ser objecto de direitos separados, que a extensão da hipoteca, constituída e registada sobre outra coisa, prejudicaria injustamente ( ) Cfr. BMJ citado, pág. 109.). <br>
<br>
Mas se, na lição de Pires de Lima/Antunes Varela, o proprietário de um terreno aí levantar um edifício, já a hipoteca deverá abrangê-lo, pois a autonomização da nova construção faria diminuir o valor que o terreno tinha anteriormente e prejudicaria, por conseguinte, o credor hipotecário ( ) Cfr. "Código Civil Anotado", volume I, 4ª edição, págs. 712 e 713, e ainda Vaz Serra, RLJ, Ano 101º, págs. 298 e segs.).<br>
O entendimento exposto é igualmente perfilhado por Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro no seu parecer a respeito da expurgação da hipoteca. Afirmaram, a propósito, os referidos Autores: Constituída, com observância dos respectivos requisitos, entre os quais o registo, uma hipoteca sobre um prédio, ela mantém-se, nos termos gerais, quando tal prédio seja edificado. A edificação implica, em rigor, uma modificação no objecto, numa situação a que os diversos direitos reais, pela natureza das coisas, se adaptam, de imediato. A hipoteca do terreno abarca, pois, o edifício ( ) Cfr. Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, Tomo V, 1986, págs. 35 a 46.).<br>
3.2. - Voltando ao caso sub judice, pode-se afirmar, à semelhança do acórdão recorrido, que, tendo a hipoteca onerado o prédio misto 49278, abrangeu todas as construções ou benfeitorias nele implantadas e estendeu-se a qualquer construção posteriormente nele efectuada, uma vez que nenhuma convenção existe em contrário - artigos 691º, nº1, al. c), e 696º.<br>
Assim, o prédio ora questionado, inscrito na matriz predial sob o artigo 927º, ficou onerado com a hipoteca dada à execução, nesta tendo sido penhorado e arrematado enquanto desanexado do originário 49278.<br>
Tudo isto consta do registo predial, não tempestivamente impugnado.<br>
Acresce que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define - artigo 7º do Código de Registo Predial.<br>
Ora, tal presunção não foi ilidida pela prova feita.<br>
É certo que o título de arrematação - título translativo da propriedade da Caixa Agrícola, ora recorrida - não faz referência expressa ao artigo da matriz 927º, descrevendo, do seguinte modo, o prédio arrematado: Um prédio misto composto de casa de habitação, quintal e logradouro e terreno de cultura, sito no lugar e freguesia do Monte - inscrito na matriz predial urbana sob o nº 625 e na matriz predial rústica sob o nº 855, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 49278 a fs. 31 do Livro B-127.<br>
Daí não resulta, no entanto, qualquer desconformidade substancial com as descrições e inscrições registrais. Com efeito, o conteúdo do título de arrematação deve ser integrado de harmonia com as vicissitudes ocorridas relativamente ao prédio descrito sob o nº 49278, a fls. 31 do Livro B-127, oportunamente objecto de registo a propósito dos segintes prédios urbanos:<br>
A - Sob o nº 00115/170288 - Casa de rés-do-chão e 1º andar, com a área coberta de 216 m2 e logradouro e quintal com a área de 599 m2 - designado por lote A - Art. 625 - Desanexado do nº 49278, fs. 31 do B-127;<br>
B - Sob o nº 00116/170288 - Casa de rés-do-chão, 1º andar e sótão, com a área coberta de 210 m2 e logradouro, quintal e jardim, com 1145 m2 - designado por lote B - Art. 927 - Desanexado do nº 49278, fs. 31 do B-127.<br>
Prédios estes que foram desanexados do nº 49278, fl. 31 do B 127, tendo-se estendido a hipoteca, nos termos expostos, ao prédio inscrito sob o artigo matricial 927º.<br>
<br>
Ora, como se diz no acórdão recorrido, o título de arrematação tem a virtualidade de transferir directamente do executado para o arrematante a propriedade da coisa arrematada - artigos 824º, nº 1, 408º, nº 1, e 879º, alínea a), do CC - desde a data da arrematação, tendo o arrematante registado a aquisição.<br>
Não se vê - nem os recorrentes indicam - qualquer nulidade dos actos de registo, a qual nunca foi declarada, sendo, por isso, aqui, ininvocável - artigo 17º do CRP.<br>
Conclui-se, pois, como no acórdão recorrido:<br>
Porque o prédio descrito sob o nº 00116/170288 e matriciado sob o nº 927º - aqui questionado - foi desanexado do antes descrito sob o nº 49278 e este dado de hipoteca -, foi ele penhorado e arrematado pela requerente Caixa, como também do registo consta - art. 691º CC - construído que tenha sido no terreno hipotecado, antes ou depois da hipoteca, com ou sem autonomia económica e ou fiscal. O título não é equívoco.<br>
Improcedem, pois, as conclusões da alegação do recurso, não havendo lugar a violação das normas indicadas.<br>
Termos em que é negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br>
Custas pelos recorrentes. <br>
Lisboa, 3 de Dezembro de 1998.<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Pinto Monteiro.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XzLWu4YBgYBz1XKvCEfn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>O Estado Português, representado pelo Ministério Público, propôs contra "A" - Construções, Lª., acção a fim de, por não ter sido realizada hasta pública (não dispensada) e com base no uso indevido e abusivo de poderes de representação, ser declarado nulo e ineficaz o contrato de compra e venda entre ambos celebrado, em 30.01.2001, por escritura pública lavrada no 3º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 41 do Lº 184-F e se ordenar o cancelamento da inscrição G1 de aquisição pela ré do imóvel descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa (ficha 2747/2001/0221).</font><br>
<font>Contestando, a ré excepcionou a incompetência do tribunal em razão da matéria (por a atribuir aos tribunais administrativos), impugnou e, alegando prejuízos causados pelo incumprimento do contrato-promessa de permuta pelo autor, reconveio pedindo se o condene a lhe pagar a indemnização de € 2.176.390,78.</font><br>
<font>Respondendo, o autor defendeu a competência do tribunal cível, excepcionou quer a inadmissibilidade da reconvenção quer a incompetência absoluta do tribunal cível para dela conhecer (por a atribuir ao foro administrativo) e impugnou.</font><br>
<font>Após tréplica, o autor requereu que se considerasse não escrita parte desse articulado, o que foi deferido.</font><br>
<font>Por saneador-sentença, foi o autor absolvido da instância reconvencional (por se a ter como inadmissível), improcedeu a excepção de incompetência absoluta do tribunal e procedeu a acção.</font><br>
<br>
<font>A Relação, sob apelação da ré, acompanhada de douto parecer, declarou materialmente incompetente o tribunal cível para conhecer da acção, atribuindo-a ao foro administrativo, e prejudicado o conhecimento da reconvenção.</font><br>
<font>Agravou o autor, tendo o Tribunal de Conflitos atribuído a jurisdição aos tribunais judiciais pelo que devolveu o processo à Relação.</font><br>
<font>Do acórdão desta a negar provimento à apelação, pediu revista a ré, pretendendo a sua revogação e, subsidiariamente a baixa do processo à 1ª instância, de novo fazendo acompanhar de douto parecer as suas alegações, nas quais, em suma e no essencial, concluiu -</font><br>
<font>- violados por erro de aplicação todos os actos habilitadores válidos e eficazes, que se iniciam com o despacho 1824/97-SETF (Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças) de 97.2.03, o contrato-promessa de permuta de 97.12.19, o despacho 136/2001-SETF de 00.12.18, e culmina com o despacho do Director-Geral do Património de 01.01.29, exarado sobre a informação 6/2001/DSAI, que concluiu pela admissibilidade da antecipação da permuta e designou a representante do Estado para outorgar a escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, de 01.01.30;</font><br>
<font>- a assim não se entender, devem os autos baixar à 1ª instância a fim de se os instruir, com a matéria de facto relevante para a decisão da causa, quanto quer à acção quer à reconvenção;</font><br>
<font>- violado, por erro de aplicação, o disposto nos arts. 294, 408 n. 1, 874, 875, 879, 940, 879 e 1185 CC; 3 A, 510 n. 1 b) e 660 n. 1 CPC; 13 e 204 ConstRP ao ser aplicado de forma inconstitucional o art. 274 CPC, o que constitui causa de nulidade - art. 668 c) e d) CPC.</font><br>
<font>Com as alegações juntou «cópia não oficial, cuja autenticidade não se pode garantir» de um documento da SETF, por o autor o não ter junto embora a ré lho tivesse solicitado quando apelou.</font><br>
<font>Contraalegando, não se pronunciou sobre a autenticidade nem sobre a conformidade desse documento e defendeu o autor a confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Nos termos dos arts. 713 n. 6 e 726 CPC, remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto, sem prejuízo do seu resumo a oportunamente fazer.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- Constitui lugar comum a todos os recursos ordinários, constantemente repetido, a exigência de sintonia entre as alegações (texto) e as conclusões.</font><br>
<font>Daí que não represente proposição sintética do alegado uma ‘conclusão’ que nada do alegado resuma ou que o faça de modo bem diverso. Não passará então de mero rótulo, não é conclusão.</font><br>
<font>Decorre do princípio dispositivo a disponibilidade da parte em não levar às conclusões toda a matéria que alegou. É soberana quanto a isso. E porque o problema não se reconduz a deficiência nem a ininteligibilidade, menos ainda, a falta (total) de conclusões, não tem o relator o dever de convidar o recorrente ao seu suprimento (CPC - 690, n. 4).</font><br>
<font>Constitui ainda lugar comum, constantemente repetido, que as conclusões balizam o objecto cognoscível do recurso, ressalvadas, claro, as questões de conhecimento oficioso.</font><br>
<font>Nessa medida, o recurso para um tribunal superior não pode ter um objecto mais vasto que o interposto anteriormente e de cuja decisão se recorre.</font><br>
<font>Se, porventura, esse tribunal a quo conheceu de matéria cuja apreciação lhe era vedada cometeu a nulidade por excesso de pronúncia mas, mais que isso, independentemente e para além da sua arguição, violou o princípio da preclusão e, por isso, impõe-se ao tribunal ad quem retomar o previamente decidido, ou seja, fazer respeitar o que o tribunal a quo não respeitara.</font><br>
<font>Com efeito, se de trânsito em julgado houvesse que falar, o respeito devido concernia à decisão transitada ou à prioritariamente transitada (CPC 675).</font><br>
<font>Conquanto não seja essa a figura mas sim a de preclusão, o princípio da prevalência é o mesmo (CPC 684,3 e 690 n. 1) o que impede ao tribunal de revista (aqui, o ad quem) pronunciar-se sobre aquilo que ao de apelação (aqui, o a quo) era vedado ter conhecido. Prevalecerá, então, a decisão de 1ª instância (a, nesse segmento, não recorrida aqui para o tribunal a quo). O afirmado por ‘excesso’ poderá, quando muito, ser entendido como um obiter dicta, não se lhe poderá conferir valor superior.</font><br>
<font>A indicação das normas jurídicas que o recorrente tenha por violadas (CPC 690, n. 2 a)) deve surgir na sequência dos fundamentos que alicerçam a sua discordância e razão de recorrer, constitui o enquadramento jurídico que tem por mais adequado e correcto. Se não for estabelecida essa sequência (v.g., por não haver conclusões que suportem a indicação feita) a enunciação fica desprovida de valor.</font><br>
<font>Expostos os princípios, vejamos da sua aplicação in casu.</font><br>
<br>
<font>2.- Apelando, a ré, no corpo das alegações, enunciou os pontos em que dela divergia e, após verberar o desrespeito pela «procedência lógica das questões» e a «desigualdade de posição», abriu, relativamente a cada um, um capítulo - I- «Da incompetência absoluta do tribunal para apreciar o pedido o autor»; II- «Da admissibilidade da reconvenção e omissão de pronúncia».</font><br>
<font>Após o respectivo desenvolvimento, formulou as seguintes conclusões - a excepção de incompetência absoluta do tribunal devia ter procedido (1ª, 3ª e 4ª); cometeu o tribunal nulidade ao julgar no saneador (2ª); o pedido reconvencional devia ter sido admitido (5ª); a apreciação do pedido do autor não se restringe a uma mera questão de direito privado (6ª); a sentença deve ser revogada absolvendo-se a ré da instância por incompetência absoluta do tribunal e, quanto ao pedido reconvencional, prosseguindo os autos «para apreciação e efectivação da responsabilidade civil contratual» do autor para com a ré (7ª); deve ser cancelado o registo da acção (8ª).</font><br>
<font>O Tribunal de Conflitos atribuiu o conhecimento da causa à jurisdição cível - no que se esgotou, com a consequente ordem de remessa do processo, a sua competência, pelo que a expressão «a fim de conhecer do recurso de apelação no que concerne ao mérito da causa e à admissibilidade da reconvenção» não pode ter a virtualidade de definir qual o objecto do recurso de apelação.</font><br>
<font>A Relação, no acórdão recorrido, ao definir o objecto da apelação indicou serem duas as questões a apreciar e decidir - admissibilidade do pedido reconvencional; formalidades da venda de bens imóveis integrados no domínio privado do Estado e consequências da sue eventual preterição.</font><br>
<font>Mal, já que este último ponto não constituía objecto do recurso nem a seu respeito formulara a ré qualquer pedido, ainda que subsidiário. Além do primeiro, apenas havia a conhecer do que a ré tinha como nulidade (julgamento no saneador), refutá-la e, embora enquadrando a questão como erro de julgamento, confrontá-la com o corpo das alegações da ré (verificando que tratou sempre ao nível de actos habilitadores e de execução do contrato promessa, daí retirando a conclusão de se estar face a acto administrativo que apenas poderia ter sido afectado de anulabilidade, a qual não fora arguida a tempo nem o autor elegera, para o seu conhecimento, o tribunal materialmente competente).</font><br>
<font>Decidida que estava em definitivo a excepção de incompetência absoluta do tribunal, o objecto cognoscível da apelação, face ao acima exposto e perante a expressa e bem clara limitação pela ré (CPC 684, n. 2 e 3) - admissibilidade do pedido reconvencional havendo que prosseguir a acção a fim de se a instruir para apreciação e efectivação da responsabilidade contratual do autor para com a ré - restringiu-se à mesma.</font><br>
<font>A revista não pode conhecer um âmbito superior, está por aquele circunscrito.</font><br>
<font>Adverte-se que qualquer referência que venha a ser feita e pudesse interessar ao mérito do pedido do autor tem de se tomar sempre na perspectiva da limitação antes definida, não como violação do princípio da preclusão (concordante ou não, o que constitui violação desse princípio é o simples facto de ter sido de novo conhecida e apreciada a questão).</font><br>
<br>
<font>3.- Em 97.12.03 o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças autorizou a permuta de terrenos do Estado pela construção, pela ré, de edifício para a Direcção-Geral do Património (despacho 1824/97).</font><br>
<font>Em 97.12.19 autor prometeu entregar à ré uma quota de terreno indiviso que recebera em legado, integrada num de que a ré era comproprietária, e dois outros ainda, e, em contrapartida, esta prometeu construir, numa parcela de terreno prometido entregar, um edifício destinado a instalar serviços públicos (contrato intitulado ‘contrato-promessa de permuta de bens imóveis’; após a identificação dos outorgantes, lê-se «nos termos do despacho nº. 1824/97, de 3 de Dezembro de 1997, ...).</font><br>
<font>Em 01.01.23, a Chefe de Divisão da Direcção-Geral do Património emitiu informação, que, a 29 desse mês e ano, recolheu pareceres favoráveis e despacho a nomeá-la como sua representante, no sentido de não existir qualquer impedimento para se celebrar o contrato prometido relativamente a um dos terrenos - a parcela onde seria construído o edifício previsto no contrato-promessa.</font><br>
<font>Em 01.01.30 autor e ré celebraram o contrato de compra e venda com hipoteca, cuja declaração de nulidade, por violação de normas imperativas (art. 1 n. 1 dec-lei 309/89, de 19.09; art. 3-2 e 3 da lei 30-C/00, de 29.12; despachos normativos 23-A/00, de 10.05 e 29/00, de 06.07; CC - 294), é pedida.</font><br>
<font>A venda não se processou em hasta pública nem esta foi dispensada.</font><br>
<br>
<font>4.- O autor propôs uma acção de simples apreciação a fim de ser declarada a nulidade do contrato celebrado em 01.01.30. Causa de pedir o não ter sido processada em hasta pública nem esta ter sido dispensada.</font><br>
<font>A reconvenção, porque se caracteriza como acção cruzada, exige do reconvinte não só a formulação de um pedido como ainda a colocação e definição da causa de pedir em que assenta.</font><br>
<font>Daí a necessidade, quer para efeitos da sua admissibilidade quer do seu conhecimento, se admitida tiver sido, de, em concreto, se proceder à análise do respectivo articulado onde é exposta.</font><br>
<font>A ré deduziu reconvenção procurando que o fosse à sombra do disposto no art. 274 n. 2 a) CPC.</font><br>
<font>Pedindo a ré que o autor, por ter incumprimento o contrato-promessa (cont - 44 a 46), a indemnize dos prejuízos que lhe causou (cont - 47 a 95 e 99 a 107), afastou, desde logo, o primeiro termo da alternativa exigida por aquela alínea a). O seu pedido não emerge da causa de pedir.</font><div></div><font>Porque só pelo segundo termo da alternativa poderá, in casu, a reconvenção assentar e assim ser admitida, cumpre conhecer do articulado da defesa, sendo que é neste que toda a defesa deve ser deduzida (CPC 489,1).</font><br>
<font>Contestando, alegou (art. 11) que «a escritura em apreço mais não é que a execução do contrato-promessa de permuta de bens imóveis», onde se invoca o despacho 1824/97 sendo «exactamente esta a via por que se dispensa a hasta pública» (art. 12); certo não ter sido realizada qualquer hasta pública mas não menos certo que a mesma não tinha de se realizar (art. 27).</font><br>
<font>O contrato-promessa é tão definitivo como o contrato prometido e cada qual tem a sua natureza e os seus efeitos próprios.</font><br>
<font>In casu, o confronto entre o estipulado no contrato-promessa e no contrato outorgado em 2001 permite afirmar, com nitidez e segurança, que este não foi o contrato prometido. São realidades distintas.</font><br>
<font>Nada impede que as partes, seja por que razão seja, resolvam acordar num clausulado diverso e esse venha a ser o efectivamente outorgado (CC 232). Quando tal suceda não se poderá dizer que o acordo se formou e firmou sobre o contrato-promessa ainda que deste possa recolher alguma(s) das suas cláusulas - quando muito, se a ou as alterações não forem substanciais, será possível concluir que, o contrato outorgado constitui uma modificação do contrato que fora prometido celebrar. Todavia, quando a alteração não for meramente acessória mas representar nova e diversa declaração de vontade em relação à que fora prometida emitir não há que falar em o contrato celebrado ser «execução» do contrato-promessa e é isso que no presente caso sucede - o contrato celebrado não foi o prometido, não se tratou de mera modificação mas sim de alteração substancial.</font><br>
<font>Aliás, isso mesmo resulta da desconformidade entre a informação emitida pela DGP e o teor do contrato celebrado (nomeadamente quanto ao clausulado essencial do acto previsto naquela e o outorgado) tal como, num outro aspecto embora - o da extensão predial, resultava já do confronto entre o contrato-promessa e o previsto na informação.</font><br>
<font>A ré, bem ou mal desinteressa aqui, aceitou o contrato efectivamente outorgado o qual, por não constituir execução do contrato-promessa, não é o contrato prometido.</font><br>
<font>Deslocado falar aqui em actos habilitadores bem ainda como pretender relacionar com o contrato outorgado em 2001 o despacho 1824/97 que, quer pelo seu conteúdo quer cronologicamente, facilmente se conclui ter por objecto o contrato-promessa que iria ser realizado e o foi dias depois.</font><br>
<br>
<font>5.- Inadmissibilidade ou improcedência?</font><br>
<font>A interrogativa tem a sua razão quando a reconvenção apenas possa emergir do facto jurídico que serve de fundamento à defesa e este, porque desprovido da possibilidade de ter efeito algum útil defensivo, for improcedente, maxime se manifestamente.</font><br>
<font>Na interpretação meramente literal daquela, a solução é admitir a reconvenção e julgá-la improcedente.</font><br>
<font>Solução que nos parece excessivamente formal.</font><br>
<font>A reconvenção é uma acção cruzada, é por natureza uma demanda que se dirige contra aquele que tomou a iniciativa da acção. Ainda quando subsidiariamente formulada não é defesa.</font><br>
<font>Porque acção, ao reconvir o seu autor (réu no processo) não está sujeito ao princípio da exaustão, o qual lhe vetaria a possibilidade de, contra o reconvindo, mais tarde, propor acção com essa mesma causa de pedir se, porventura, se afigurar à parte como a mais correcta.</font><br>
<font>Não sendo, face à lei processual portuguesa, obrigatória a dedução da reconvenção e devendo, ao reconvir, ser tratado como autor, mal se compreenderia que, nessa posição, se lhe estendesse o tratamento que enquanto réu lhe é conferido, nomeadamente, o princípio da preclusão.</font><br>
<font>Em bom rigor é possível, segundo se pensa, estabelecer um pensamento linear - se a defesa é improcedente o conhecimento do mérito da reconvenção naquela assente ficou prejudicado. Daí que, se ainda não foi admitida o não deva ser e, se já o tiver sido, deva o tribunal abster-se de a conhecer.</font><br>
<font>Afigura-se como a solução que, melhor possibilitando a realização da justiça material, é a que, colocando o réu reconvinte no mesmo patamar que o autor, melhor respeita o não ser obrigatória a sua dedução.</font><br>
<font>Transpondo para o caso sub judice tudo o antes exposto - nesta acção em que o autor, alegando violação de normas imperativas, pede a declaração de nulidade do contrato outorgado (o qual não é o contrato prometido), não cabe conhecer se o contrato-promessa foi incumprido (e, se incumprido, por quem e quais as consequências) nem se as partes lhe quiseram pôr e puseram termo ou não.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista</font></b><font>.</font><br>
<font>Custas pela ré.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 27 de Setembro de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EDLVu4YBgYBz1XKvwUcH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A", Lª., propôs contra B acção a fim de se a condenar a lhe pagar € 24.039,25 acrescidos de juros de mora, desde a propositura da acção, à taxa de 12% sobre € 18.929,77, por trabalhos extra realizados no contrato de empreitada que com a ré celebrou em 98.05.17 para renovação e ampliação duma casa de aldeia em Alvendre, Guarda.</font><br>
<br>
<font>Contestando, a ré impugnou e, em reconvenção, com base na existência de defeitos e em incumprimento do contrato, pediu que a autora reconheça ter-se comprometido a reconstruir para a ré a casa de modo a permitir a sua utilização para os fins do Turismo Rural, obra que à data deste articulado ainda não se encontra acabada, sofrendo defeitos que a desvalorizam e não permitem aquele uso, e onde efectuou, por sua iniciativa e contra a vontade da ré, alterações que só a depreciaram e seja condenada a acabar a obra, corrigindo os defeitos alegados em prazo não superior a 30 dias; subsidiariamente, pediu a redução do valor da empreitada em € 25.750 e a condenação da autora em indemnização, a liquidar em execução de sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais; ainda subsidiariamente, se a condenar em indemnização, a liquidar em execução de sentença, pela depreciação da obra e por danos patrimoniais e não patrimoniais.</font><br>
<font>Após réplica (em que, reconhecendo embora não estar a obra de acordo com o projecto aprovado, alegou tal resultar das alterações pela ré introduzidas) e tréplica, foi proferida, a final, sentença a julgar procedente a acção e, pelo pedido principal da ré, parcialmente procedente a reconvenção.</font><br>
<font>Sob apelação da ré, a Relação revogou a sentença absolvendo-a da condenação no pagamento de juros de mora sobre a quantia peticionada a qual apenas fica obrigada a pagar após a autora eliminar os defeitos especificados no acórdão, eliminação em que condenou a autora.</font><br>
<font>Irresignada agora a autora, pediu revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<br>
<font>- a Relação, sem o poder fazer, conheceu e decidiu questão - juros de mora - que a ré não suscitara na sua apelação;</font><br>
<font>- tendo interpelado a ré para pagar com a cominação da incorrer em mora, são devidos os juros de mora peticionados;</font><br>
<font>- não tendo a ré alegado, nem se o provando, que denunciou os defeitos que alegou na reconvenção, não impondo qualquer prazo para a sua eliminação, a autora não incorreu em mora;</font><br>
<font>- o projecto entregue à autora não previa a drenagem do chão do anexo, tendo sido esta que, por sua iniciativa, colocou drenos por baixo do piso, solução não plenamente eficaz por a ré impedir a demolição de um pilar em pedra situado ao meio;</font><br>
<font>- relativamente às janelas era à ré que competia provar que a autora agiu com culpa ou que desrespeitou o projecto e não, como decidiu a Relação, em contrário;</font><br>
<font>- relativamente às tijoleiras, a ré, a quem competia prová-lo, não o tendo logrado, que o defeito decorresse daquela ser de refugo ou má qualidade, mas de 3 possíveis causas;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 342-1 CPC e 690-1 e 4 CPC.</font><br>
<font>Contraalegando, a ré pugnou pela confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Ao abrigo dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: </font><br>
<br>
<font>1.- Não havia razão para expressamente suscitar a questão da indemnização moratória na medida em que a apelante suscitava o incumprimento do contrato pela apelada, o que a se reconhecer, comportava a conclusão de não ter incorrido em mora.</font><br>
<font>A Relação não conheceu de questão que lhe estava vedada.</font><br>
<font>Porque saber se estava ou não em mora depende do conhecimento do (in)cumprimento do contrato pela autora, relega-se a respectiva conclusão para final.</font><br>
<br>
<font>2.- Segundo a autora a ré não alegou, nem se o provou, que denunciou os defeitos que alegou na reconvenção, nem impôs qualquer prazo para a sua eliminação, pelo que não incorreu em mora (concl. 3ª).</font><br>
<font>Reconvindo, a ré alegou os defeitos cuja eliminação a Relação ordenou.</font><br>
<font>É a autora quem, na sua réplica, reconhece que a ré denunciou a existência de defeitos e, de seguida, alega que sempre atendeu às suas reclamações (arts. 10 e 11); em ponto algum excepcionou a caducidade do direito de denúncia.</font><br>
<font>Mais. Expressamente em relação àqueles em cuja eliminação foi condenada (e a outros ainda), a ré explicitamente reconhece que foi denunciada a sua existência (répl-71, conjugado com o art. 54 da contestação para onde remete e, por sua vez, este para os arts. 28, 35 e 44 do mesmo articulado).</font><br>
<font>A ré alegou que tais defeitos nunca foram corrigidos (cont-17), o que se provou quanto aos a eliminar.</font><br>
<font>Por isso, é irrelevante ter-se provado que a ré declarou no auto de recepção provisória da obra que ‘todos os trabalhos foram executados e não se encontram quaisquer deficiências resultantes das obrigações contratuais’ (al. f)).</font><br>
<font>Trata-se de defeitos construtivos (tomando este termo no sentido de se compreenderem dentro do que o concreto contrato de empreitada obrigava) - diversamente do entendimento que a autora deixa transparecer das suas alegações (fls. 458). Porque construtivos, competia-lhe eliminá-los, existirem significa que não foram respeitadas as regras da arte e ou as especificações técnicas, que o cumprimento foi defeituoso.</font><br>
<font>Há defeitos aparentes e ocultos, mas nem à distinção é necessário recorrer na medida em que a autora não excepcionou a caducidade do direito de denúncia.</font><br>
<font>Por outro lado, além de ser questão nova - e os recursos não se destinam a conhecer delas - é irrelevante, face ao referido antes, ter a ré imposto ou não qualquer prazo para a sua eliminação.</font><br>
<br>
<font>3.- No capítulo onde se regula sobre a responsabilidade contratual, estabelece o CC uma presunção de culpa e, de imediato, define como se deve apreciar a culpa (art. 799-1 e 2) - «incumbe ao devedor provar que a falta do cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua» e «a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil».</font><br>
<font>Contrato de empreitada.</font><br>
<font>Existindo defeitos, provando-se a sua existência, presume-se a culpa do empreiteiro, ainda que, na execução da obra, este tenha sido fiel ao projecto da obra ou ao caderno de encargos - é que além desse respeito se lhe exige a conformidade com as regras da arte e as normas técnicas exigidas em matéria de construção.</font><br>
<font>Porque técnico da arte, tem a obrigação de, como ensinavam A. Varela-P. de Lima (in CCAnot- II/707), de avisar o dono da obra dos defeitos que note no projecto ou no caderno de encargos, quer antes de iniciada a obra quer durante a sua execução, podendo, inclusívè, responder pelos defeitos que não descubra mas que lhe incumbisse descobrir e apontar. É o que decorre do art. 762-2 CC.</font><br>
<font>Embora o projecto da obra não previsse a drenagem do chão do anexo (resp. ao ques. 60), a autora sentiu a necessidade de o fazer, por lho imporem as regras da arte e as normas de segurança e salubridade públicas, pelo que, drenando-o, ia e estava a cumprir uma obrigação sua.</font><br>
<font>Não é, porém, isso que está em discussão nem é aí que reside a sua culpa (presuntiva) mas sim no modo como cumpriu essa sua obrigação.</font><br>
<font>Consta da materialidade fixada ter sido drenado o chão do anexo embora não da forma mais conveniente, pelo que existem fortes probabilidades de o revestimento em madeira do piso térreo vir a ser afectado pela humidade e, ainda, que o projecto da obra não previa a colocação de drenos por baixo do piso (resp. ao ques. 15). Nada mais, a respeito desta drenagem, consta.</font><br>
<font>A autora concluiu não ser a solução plenamente eficaz por a ré impedir a demolição de um pilar em pedra situado ao meio (concl. 4ª).</font><br>
<font>Replicando, reportou-se a uma parede irregular em pedra que é suporte da rua (esta em posição superior à casa), que devia ser demolida e construída outra em condições de impedir a subida da humidade do solo, sugestão recusada pela ré e pelo seu arquitecto, pelo que a autora lhe afirmou que, a ser executado tal trabalho como estava projectado não se responsabilizava por humidades e/ou infiltrações de água (arts. 21 a 24). A este respeito apenas se provou que o projecto da obra não previa a colocação de drenos por baixo do piso e que a autora colocou, por sua iniciativa, um dreno entre a parede que é suporte da rua (resp. aos ques. 60, 62 e 63). </font><br>
<font>Entre as alegações e a réplica há, prima facie, referência a materialidade diversa - pilar situado a meio (alegações) ou parede irregular em pedra que é suporte da rua (réplica). Se factos diversos não se pode conhecer quer em consequência da preclusão do direito em os alegar quer face à finalidade dos recursos e seu âmbito de cognição. Se dos mesmos factos, a conclusão da recorrente está prejudicada por ela não ter logrado provar o que na réplica articulara - ter a ré impedido de adoptar a solução que para a autora se apresentava como a mais conveniente (ainda assim, necessária seria a demonstração de que o era).</font><br>
<font>Provado ligeiro empenamento das janelas das marquises devido à dimensão dos vãos e à forte exposição a que estão sujeitas (resp. ao ques. 27).</font><br>
<font>Omitindo relevo à primeira parte do provado ter causado o empenamento, centra-se a autora no factor climático do local da obra (grandes amplitudes térmicas). O conhecimento deste e da sua conjugação com a dimensão dos vãos das janelas, impunha à autora o dever de avisar o dono da obra. A autora não alegou que o tivesse feito e que, apesar de tal, a execução tal como prevista, lhe fora imposta pela ré.</font><br>
<font>Provado que as tijoleiras aplicadas no chão apresentam desgaste e material descascado, que pode ser devido à sua fraca qualidade, à sua deficiente aplicação e conservação ou à sua inadequação para revestimento exterior (resp. ao ques. 41).</font><br>
<font>Na réplica, a autora opusera que quem a escolheu foi o arquitecto que acompanhava a obra por parte da ré e que, sendo toda igual (no chão do anexo e terraço), é de primeiríssima qualidade com marca escolhida e exigida por aquele (art. 67).</font><br>
<font>O que alegava em relação à escolha por quem pela ré acompanhava a obra não exclui, como fazem notar as instâncias, a responsabilidade da autora porquanto escolher a marca de um produto não é o mesmo que escolher a sua categoria (tipo e variedade) ou sua qualidade.</font><br>
<font>Ainda que fosse configurável e se pudesse concordar com a autora em se dever afastar a causa da inadequação para revestimento exterior (em relação ao terraço nada de defeito se ter provado, caso o tipo, variedade e qualidade de tijoleira aplicada se provasse serem precisamente os mesmos), não ficava afastada a segunda causa e, quanto a esta, a autora não afastava a presunção que sobre si impendia.</font><br>
<font>Provados os defeitos em cuja eliminação a autora foi condenada.</font><br>
<font>A autora não ilidiu a presunção de culpa.</font><br>
<font>Assiste à ré direito à sua eliminação (CC 1208 e 1221 n. 1).</font><br>
<br>
<font>4.- A recepção da obra foi provisória e, como é reconhecido por ambas as partes, nos seus articulados ainda não estava acabada à data (00.01.14) do respectivo auto.</font><br>
<font>Contrato de empreitada.</font><br>
<font>Face ao seu sinalagma, quer o na sua origem (o genético) quer o reflectido ao logo de toda a sua execução (o funcional) - como o referia A. Varela (in Dir. Obrig., 280), à autora, que cumpriu com defeitos em dimensão a se não poder considerar pequenos, não assistia direito a exigir o respectiva contraprestação enquanto não os corrigisse (CC 428,1).</font><br>
<font>Diversamente do que da conclusão 2ª consta, da materialidade fixada não resulta que a interpelação mencionasse qualquer cominação - por carta de 00.06.15 a autora solicitou à ré a liquidação da factura, emitida em 99.12.31 no montante de 3.795.078$00 (€ 18.929,77), correspondente à diferença entre o valor dos trabalhos a mais e o valor dos trabalhos a menos (als. i) e h) e resposta ao ques. 5).</font><br>
<font>Se nem de mora se podia falar tão pouco a carta da autora nela a podia colocar.</font><br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista</font></b><font>.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 25 de Outubro de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ZjLYu4YBgYBz1XKvH0mu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Na execução de sentença para pagamento de quantia certa movida a A por B - Comércio Geral e Administração de Imóveis do Espargal, Lª., foi, por venda judicial, adquirida por C e D a fracção autónoma designada pelas letras FX a que corresponde o 4º andar, esquerdo/frente, letra E do prédio sito na rua José Henriques Coelho - ..., em Paço de Arcos, comarca de Oeiras.</font><br>
<br>
<font>Não tendo conseguido entrar na posse do bem que lhes fora adjudicado, por ocupado por E e esta se recusar a o entregar, requereram, o prosseguimento da execução, o que foi ordenado.</font><br>
<br>
<font>Citada para proceder à entrega, deduziu a mesma embargos alegando ser, desde Abril de 1980, arrendatária dessa fracção autónoma cujo senhorio era o então proprietário, o executado Pestana dos Santos (invocou ainda doença mas não concluiu, ainda que subsidiariamente, pela suspensão).</font><br>
<br>
<font>Contestando, os embargados negaram que a embargante fosse arrendatária da fracção autónoma a qual, em Novembro de 1974, foi arrendada a F, concluindo pela improcedência da oposição e pela condenação daquela, em multa e indemnização, como litigante de má fé.</font><br>
<br>
<font>A réplica da ré foi apenas admitida onde responde à acusação de litigância de má fé.</font><br>
<br>
<font>Tendo prosseguido até final, improcederam os embargos por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<br>
<font>De novo inconformada, pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<br>
<font>- é arrendatária da fracção desde data anterior à da sua penhora e posterior venda;</font><br>
<br>
<font>- desde Abril de 1980 que a utiliza mediante o pagamento de uma retribuição mensal, como era do conhecimento do executado desde há mais de 10 anos;</font><br>
<br>
<font>- essa retribuição sempre foi depositada em conta bancária do executado ou à ordem do tribunal nas acções em que era executado;</font><br>
<br>
<font>- os factos provados só podem ser interpretados no sentido de que este reconheceu a embargante como beneficiária da posição jurídica do anterior inquilino, e com esse reconhecimento ficou investida na posição de locatária, mantendo-se o contrato de arrendamento outorgado com o cedente;</font><br>
<br>
<font>- os documentos relativos aos depósitos judicialmente ordenados têm os mesmos efeitos dos recibos de pagamento das rendas;</font><br>
<br>
<font>- a posição jurídica de arrendatária não caduca com a venda judicial do arrendado e é oponível aos embargados;</font><br>
<br>
<font>- violado o disposto nos arts. 334-2, 1.022, 1.031 b), 1.049 e 1.285 CC.</font><br>
<br>
<font>Contraalegando, os embargados pugnaram pela confirmação do acórdão.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Nos termos dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- Os embargos não só têm a estrutura de oposição com a sua natureza é de defesa.</font><br>
<br>
<font>Nessa medida, quem os deduz neles deve, sob pena de preclusão, deduzir toda a defesa, salvo se superveniente ou de conhecimento oficioso.</font><br>
<br>
<font>No seu requerimento de embargos, a recorrente apenas invocou como fundamento da sua defesa ser «desde Abril de 1980, inquilina da fracção arrematada» (art. 5º), nunca tendo alegado quer que antes tenha havido um arrendamento quer que lhe tenha sido cedida a posição contratual naquele e o executado a tenha, tacita ou expressamente, reconhecido.</font><br>
<br>
<font>Na sua resposta, os embargados opuseram-se por impugnação motivada a essa defesa pelo que só interessava levar à base instrutória o que, em sede de matéria de facto, alegado tivesse sido pela embargante em ordem ao fundamento jurídica da sua defesa.</font><br>
<br>
<font>A circunstância de ter sido também quesitada a matéria da impugnação motivada não autoriza a que a embargante viesse, em sede de recurso, a estruturar a sua defesa não no fundamento que invocou (mas não provou) mas em outros que daquela pretende (sem êxito, segundo as instâncias) retirar (reconhecimento da posição de arrendatária; cedência da posição contratual e seu reconhecimento pelo executado). </font><br>
<br>
<font>Acresce que a matéria da resposta dos embargados em nada legitimava, quer directa quer indirectamente esta outra e nova defesa.</font><br>
<br>
<font>Não só precludira o direito de defesa como os recursos não se destinam a conhecer de questões novas, salvo se de conhecimento oficioso (e esse não era o caso).</font><br>
<br>
<font>Se, porventura, entendesse que, na resposta, os embargados tinham excepcionado, assistia-lhe o direito de replicar. Tendo apresentado o articulado de réplica, não foi o mesmo admitido (ut despacho de fls. 55, escudado no disposto no art. 817-2 CPC). Não tendo reagido, restar-lhe-ia, dentro do entendimento que houvera excepções, a possibilidade de responder no início da audiência final, o que não sucedeu (vd., acta a fls. 199).</font><br>
<br>
<font>2.- Embora alegue ser arrendatária desde Abril 1980, a mera leitura do requerimento de embargos revela a total ausência de articulação de factos sobre um acordo de vontades (este, em si, nunca afirmado) e sobre a caracterização dos termos do arrendamento.</font><br>
<br>
<font>Apesar disso, foi quesitado se o executado «cedeu à embargante Silvina ..., mediante o pagamento de uma retribuição, a utilização da fracção ...» (ques. 1º), se « sempre pagou ao» (executado) «a retribuição conforme acordado entre ambos» (ques. 2º) «mediante o depósito da mesma retribuição na conta nº ... de que aquele ... é titular» (ques. 3º) - fls. 56.</font><br>
<br>
<font>A embargante não provou essa «cedência» (ques. 1º) nem o «acordo» (ques. 2º) - fls. 214 e, certamente, por isso, abandonou o único, conquanto insuficientemente alegado, fundamento dos embargos (a existência de contrato de arrendamento celebrado com o executado).</font><br>
<br>
<font>Em suma, falece de todo a possibilidade de se conhecer das conclusões da revista; a única possibilidade seria quanto à 1ª se acaso autorizasse ser interpretada como afirmando a realidade do fundamento dos embargos, a existência de um contrato de arrendamento celebrado entre a recorrente e o executado. Se sim, improcederia como se viu; porém, não foi esse o sentido que a embargante conferiu à 1ª conclusão, como o expressamente revela a 4ª.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se nega a revista.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 8 de Março de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gzL-u4YBgYBz1XKv53Cg | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: -</font></b><br>
<br>
<b><font>- "A - Comércio de Móveis e Artigos de Decoração, Lda", com sede na Rua da Misericórdia 31, em Lisboa, intentou no Tribunal de Círculo de Leiria, acção com processo ordinário, que foi distribuída com o n. 168/94, contra "B - Leilões e Avaliações, Lda", com sede na Rua Professor Portela, ..., em Leiria;</font></b><br>
<b><font>- Pedindo que seja declarada a anulação ou revogação do direito à exclusividade, por perda do respectivo direito à denominação social, "B - Leilões e Avaliações Lda", junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e, Conservatória do Registo Comercial de Leiria;</font></b><br>
<b><font>- Alegando, em resumo, que se constituiu por escritura de 16-01-26, e a ré por escritura pública de 14-01-93, operando com frequência no sector de móveis e decorações em avaliações e leilões, sendo a denominação social da ré uma flagrante imitação da sua, daí lhe advindo grandes prejuízos;</font></b><br>
<b><font>Contestou a ré, alegando que à data da sua constituição, a A, tinha a denominação social de "A Valorizadora - Comércio de Móveis e Artigos de Decoração, Lda", só posteriormente alterou a denominação para "A - Comércio de Móveis e Artigos para Decoração, Lda", e nunca praticou qualquer acto que tivesse em vista atrair a clientela da A, que é bem diferente do da Ré;</font></b><br>
<b><font>- Replicou a A,; </font></b><br>
<b><font>- Foi proferido despacho saneador e, elaborada especificação e questionário, sem reclamações;</font></b><br>
<b><font>- Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento;</font></b><br>
<b><font>- A matéria de facto, foi decidida, sem censura, pelo acórdão de fls. 113;</font></b><br>
<b><font>- Foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e, em consequência, anulou o direito de a Ré usar a denominação "Pórtico - Leilões e Avaliações, Lda", junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e, da Conservatória do Registo Comercial de Leiria;</font></b><br>
<b><font>- Inconformada, dela, apelou, a Ré;</font></b><br>
<b><font>- Conhecendo desse recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra, veio a julgar improcedente a apelação;</font></b><br>
<b><font>- De novo, recorreu a Ré, via essa admitida na forma da presente revista, para este S.T.J.; </font></b><br>
<b><font>- Alegando para o efeito, a Recorrente, formulou as seguintes conclusões:</font></b><br>
<b><font>- A - A constituição da recorrente observou todas as exigências legais, desde a obtenção do certificado de admissibilidade, passando pelo registo na competente Conservatória do Registo Comercial até à sua actividade de já alguns anos, sempre de boa fé, e no respeito dos elementares princípios de Direito;</font></b><br>
<b><font>- B -Tudo isto que se acaba de referir não pode ser colocado em causa, porque foi diligenciado junto de quem de direito e, portanto nenhum prejuízo pode daí advir à Recorrida;</font></b><br>
<b><font>- C - Ao Estado é que cabe a obrigação de garantir, entre outras, a segurança a certeza nas relações jurídicas, valores essenciais ao Direito, a quem como é óbvio, interessa a boa harmonia social;</font></b><br>
<b><font>- D - À Recorrente não lhe pode ser exigida o conhecimento de todas as denominações sociais existentes no momento da sua constituição, para isso e, conforme já foi referido existe Entidade própria;</font></b><br>
<b><font>- E- No entanto, e conforme também ficou provado nos autos, no momento em que a Recorrente se constituiu, 14-12-92, a Recorrida não tinha incluído na sua denominação social a palavra "Pórtico";</font></b><br>
<b><font>- F - Esta última, somente possuía o nome do estabelecimento Pórtico, completamente "desactivado", isto é, sem ligação à sua actividade que era e é a título principal, a de comércio de móveis a artigos de decoração, em tudo diferente da que é levada a cabo pela Recorrente - leiloar e avaliar;</font></b><br>
<b><font>- G - Só posteriormente, em 09-04-93, é que a Recorrida resolveu incluir no seu nome social tal palavra;</font></b><br>
<b><font>- H - Nunca existiu qualquer colisão no mercado entre as empresas aqui partes nestes autos;</font></b><br>
<b><font>- I - Apesar de serem ambos sinais distintivos do comércio, o nome do estabelecimento e, o nome da sociedade são diferentes o que implica tratamento igualmente distintivo e, a protecção de uns, não pode colocar a descoberto a protecção do outro;</font></b><br>
<b><font>- J - Em 14-12-92, quando a Recorrente adquiriu o seu nome social, não existia em todo o território nacional, nenhuma outra empresa com nome idêntico ou com outro susceptível de confusão no público;</font></b><br>
<b><font>- L - É, pois, neste contexto muito concreto que se deve interpretar e aplicar, o DL 42/89, de 03-02, nomeadamente os arts. 2 e 6, e o Código de Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 16/95, de 24-01;</font></b><br>
<b><font>- M - A eventual protecção ao nome do estabelecimento da Recorrente jamais pode colocar em causa toda a actividade e bom nome da Recorrente, e muito menos conduzir à insegurança e ao descalabro económico-social de outra empresa, como é o caso da Recorrente que, e importa repetir, desde o seu inicio sempre observou rigorosamente, tudo quanto por lei lhe foi exigido;</font></b><br>
<b><font>- N -As citações feitas no Acórdão recorrido, reportam-se a citações em tudo diferentes da que é aqui analisada;</font></b><br>
<b><font>- O - Deve, pois, a Recorrente poder continuar a utilizar, como o tem feito até aqui, a sua denominação social, com todas as consequências legais;</font></b><br>
<b><font>- P - Ao decidir ao invés, o Acórdão do Tribunal da Relação, violou o correcto entendimento dos supra indicados preceitos legais;</font></b><br>
<b><font>- Termina, no sentido de que deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar-se aquele Acórdão;</font></b><br>
<b><font>- Contra-alegou a Recorrida, acompanhando aquele Aresto, concluindo, no prisma de negar, assim, provimento ao recurso, em apreço, e se confirmar a decisão da Relação;</font></b><br>
<b><font>- Colhidos os vistos, dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir:</font></b><br>
<br>
<b><font>- É a seguinte a matéria de facto, dada como provada:</font></b><br>
<b><font>- 1. A Autora, foi constituída por escritura pública de 16-01-26;</font></b><br>
<b><font>- 2. A actividade principal da A, é o comércio de móveis e artigos de decoração;</font></b><br>
<b><font>- 3. A Autora dentro do sector de móveis e decorações, opera no âmbito das avaliações e respectivos leilões;</font></b><br>
<b><font>- 4. A Autora em 1954, sob o n. 9683, ainda, em, nome da sua ex-denominação "A Valorizadora - Comércio de Móveis e Artigos de Decoração, Lda", foi registar no Instituto Nacional de Propriedade Industrial o nome do estabelecimento "Pórtico";</font></b><br>
<b><font>- 5. A Ré, foi constituída por escritura de 14-12-92, publicada no DR. 118, III série de 21-05-93 e tem como objecto "leiloar e avaliar";</font></b><br>
<b><font>- 6. À data da constituição da Ré, a A, tinha a denominação social "A Valorizadora - Comércio de Móveis e Artigos de Decoração, Lda"; </font></b><br>
<b><font>- 7. Só em 09-04-93, a A, solicitou a mudança da sua firma, "Pórtico - Comércio de Móveis e Artigos de Decoração, Lda";</font></b><br>
<br>
<b><font>- Decidindo:</font></b><br>
<b><font>- Como se sabe é genericamente assente, que são as conclusões do Recorrente que delimitam, em princípio, o âmbito e o objecto do recurso, no quadro dos arts. 684, ns. 3 e 4, e 690, n. 1 do C.P.C.;</font></b><br>
<b><font>- Nesse sentido, nomeadamente os Acórdãos deste S.T.J. de 16-10-86, BMJ 360, 534, e da Relação de Lisboa de 20-04-89, col. jur. 1989, 2, 143, entre outros;</font></b><br>
<b><font>- Assim como, já e também, os Professores A. dos Reis, C.P.C. Anotado, 5, 308, 309 e 363 e Castro Mendes, Direito Processual Civil, 3, 65 e, ainda , o Dr. Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.C., 3, 286 e 289;</font></b><br>
<b><font>- Contudo, tal não implica, porém, que haja de apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões, mas somente, as questões;</font></b><br>
<b><font>- Nesse entendimento, por igual modo, se tendo pronunciado, o aludido Dr. Rodrigues Bastos na citada obra, 3, 247, assim como entre outros, o Ac. deste S.T.J., de 05-04-89, BMJ 386, 446;</font></b><br>
<b><font>- O fundamento da acção movida pela Autora à Ré, traduz-se na circunstância de aquela ainda em nome da sua anterior denominação, haver registado em 1954, sob o n. 9683 no Instituto Nacional da Propriedade Industrial o nome de estabelecimento "Pórtico", e posteriormente a Ré se ter constituído por escritura pública de 14-12-92 com a denominação social de "Pórtico, Leilões e Avaliações Lda";</font></b><br>
<b><font>- Entende a Autora, que tal registo a seu favor, implica o uso exclusivo do referido nome em todo o território nacional, mesmo em confronto com denominações sociais;</font></b><br>
<b><font>- E, operando ela também, dentro do sector de móveis e decorações, no campo das avaliações e leilões, a sua utilização pela Ré conduz mesmo a situações de concorrência desleal.</font></b><br>
<b><font>- Na decisão da 1ª instância, adoptou-se idêntico entendimento, e perfilha-se, ainda, que a permanência da dita palavra "Pórtico", na denominação da Ré, concorria, para se confundir o verdadeiro titular do estabelecimento "Pórtico";</font></b><br>
<b><font>- Por sua vez, as razões da discordância, por parte da Recorrente, estribam-se, essencialmente, nos seguintes pontos;</font></b><br>
<b><font>- O nome do estabelecimento e, o nome da sociedade, constituem realidades juridicamente diversas e, que têm um tratamento distinto;</font></b><br>
<b><font>- A sua denominação social foi admitida pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que emitiu o respectivo certificado de admissibilidade;</font></b><br>
<b><font>- Não existe qualquer possibilidade de confusão do público, uma vez que não existe colisão no mercado, pois que para além de operarem em mercados diferentes, a Autora só exerce a actividade de leilões e avaliações a titulo secundário;</font></b><br>
<b><font>- Apreciemos:</font></b><br>
<b><font>- Quanto ao nome do estabelecimento e firma:</font></b><br>
<b><font>- Ao lado da marca, que é a insígnia e logotipo do estabelecimento, existem outros sinais distintivos no comércio, como o nome do estabelecimento e a firma ou denominação social;</font></b><br>
<b><font>- E tais diversos sinais distintivos diferenciam-se pela função que cabe a cada um;</font></b><br>
<b><font>- Assim o nome do estabelecimento é um sinal de distinção objectiva, que identifica o estabelecimento enquanto unidade económica individualizada da actividade do comerciante;</font></b><br>
<b><font>- A firma, é o nome sob o qual o comerciante exerce o seu comércio e que o individualiza nas suas relações mercantis;</font></b><br>
<b><font>- Ao abrigo do art. 18 n. 1, do Código Comercial, todo o comerciante deve adoptar uma firma, quer seja comerciante em nome individual, quer se trate de uma sociedade mercantil;</font></b><br>
<b><font>- Nesse sentido, se tendo expressado o Professor Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, I, 274 a 282 e, 315 a 322, 1965;</font></b><br>
<b><font>- Através do registo, o interessado adquire o direito privativo da propriedade industrial, que é o direito ao nome do estabelecimento, no quadro do art. 232 do respectivo código, aprovado pelo DL 16/95, de 24-01;</font></b><br>
<b><font>- E que revogou o anterior diploma aprovado pelo DL 30679 de 24-08-40, o qual aprovava princípio idêntico no seu art. 146;</font></b><br>
<b><font>- E como se disse, a A, fez registar, em 1954, o nome do estabelecimento "Pórtico";</font></b><br>
<b><font>- Tal direito ao nome, traduz-se na possibilidade de utilização exclusiva desse sinal, o que implica a possibilidade de o réu titular se opor à sua usurpação por outrem, ainda que como elemento de outro sinal distintivo, como a marca ou firma;</font></b><br>
<b><font>- Assim, e conforme o art. 144 n. 1, do Código da Propriedade Industrial, anterior de 1940, não se permitia que fizesse parte do nome do estabelecimento, o nome individual, firma ou denominação social que não pertencesse ao dono do estabelecimento, a não ser, que se provasse a legitimidade do seu uso;</font></b><br>
<b><font>- Mas, nenhuma disposição legal, havia desse diploma que prevenisse o inverso, a possibilidade de uma firma ter como elemento característico o nome do estabelecimento alheio;</font></b><br>
<b><font>- Contudo, a doutrina e a jurisprudência apresentavam-se pacificas ao considerar que essa inclusão, quando se processasse no âmbito de actividades concorrentes e fosse susceptível de induzir o público em erro ou confusão, devia ser punida, como acto de concorrência desleal;</font></b><br>
<b><font>- Nesse sentido, nomeadamente, os Acórdãos deste S.T.J., entre outros de 30-10-84 é de 07-10-86, respectivamente, BMJ 340 338 e 360, 625;</font></b><br>
<b><font>- Porém, tal hipótese, veio já, a ser prevista no DL 42/89, de 03-02;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, e após de no seu art. 1 n. 1, se consagrar o princípio da novidade ou exclusividade, e considerado por igual modo nos ns. 2 e 3 do art. 10 do Código das Sociedade Comerciais - e, de no n. 2, estabelecer os critérios de aferição da confundibilidade ou erro, no seu art. 2 no n. 5, determina que, no juízo sobre a admissibilidade das firmas ou denominações, deve ser, ainda, considerada a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas, de tal forma semelhantes, que possam induzir a erro sobre a titularidade dos sinais distintivos em causa;</font></b><br>
<b><font>- Por outro lado, no n. 3 do art. 5 do C.P.I., consigna-se que o registo do nome do estabelecimento também constitui fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas, com elas confundíveis, e cujos pedidos de constituição sejam posteriores, ao respectivo pedido de registo;</font></b><br>
<b><font>- Ora, no caso em análise, a Ré - Recorrente, constituiu-se por escritura de 14-12-92, quando o dito registo efectuado pela Autora se verificou em 1954;</font></b><br>
<b><font>- Existe, portanto, e como se mencionou, já, no Acórdão recorrido uma "enfrentar" de protecções;</font></b><br>
<b><font>- E conforme, outrossim, o explanado, não pode ter aceitação, a tese da Recorrente, no sentido de que, sendo o nome do estabelecimento e a denominação social, realidades juridicas diversas, têm tais sinais tutelas jurídicas distintas, também;</font></b><br>
<b><font>- E no alcance, de se privilegiar a dita denominação, ao nome;</font></b><br>
<b><font>- Como bem se mencionou, no douto Acórdão recorrido e visando para o efeito, o ensinamento do Professor Orlando de Carvalho, na R.L.J., ano 113, a pág. 286, "Diz-nos a doutrina do estabelecimento mercantil que a tutela dos sinais distintivos de comércio é uma tutela descentralizada do estabelecimento como bem, pois, muito embora disfrute de uma especifica área de actuação, é em si mesma ininteligível sem esse sentido de referência Carnelutti chegou inclusive a compará-la com a dos chamados direitos de personalidade ...;</font></b><br>
<b><font>- Tal ideia de uma "tutela descentralizada" ... se em qualquer dos sinais tem indiscutíveis reflexos, em nenhum vem a ter a projecção mais autêntica do qual no caso do nome, e a insígnia, têm na nossa lei uma ligação muito mais intima com a organização mercantil";</font></b><br>
<b><font>- Neste contexto, e como outrossim, se expressa no Aresto em apreço, não pode admitir-se ou configurar-se, nem legalmente o está qualquer ou alguma prevalência, ou prioridade, do direito à firma ou denominação social, sobre o direito ao nome do estabelecimento;</font></b><br>
<b><font>- O que sucede, apenas, é a ocorrência de igual dignidade de sinais distintivos de comércio, que se distinguem pela sua função distinta, mas que têm e devem obedecer às regras atinentes à matéria;</font></b><br>
<b><font>- Quanto à confusão ou erro:</font></b><br>
<b><font>- Dos citados normativos - art. 2 n. 5, do DL 42/89 e 5 n. 3, do C.P.I.), deriva, portanto, que quanto a firmas ou denominações, a lei exige que entre elas e o nome do estabelecimento exista tal semelhança que possa induzir o público em erro sobre a titularidade dos sinais distintivos;</font></b><br>
<b><font>- Ou seja, a lei não autoriza, que os elementos caracterizadores da firma ou denominação sejam semelhantes aos de um nome do estabelecimento, quando entre a actividade a que aquela se destina e os produtos que se fabricam ou vendem no estabelecimento haja afinidade;</font></b><br>
<b><font>- Nesse sentido, se tendo pronunciado, já também o Dr. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Ed. Almedina, e págs. 98 e 99;</font></b><br>
<b><font>- Ora sabendo-se que a Autora desenvolve a sua actividade através de um estabelecimento cujo nome é caracterizado pela palavra "Pórtico" e, que a mesma existe desde 16-01-1926, dedicando-se também a avaliações e leilões, no sector de móveis e decorações, conforme o comprovado, é evidente e manifesto, e como já se entendeu no Acórdão recorrido também, que o aparecimento da denominação social da Recorrente "Pórtico - Leilões e Avaliações, Lda", pode com efeito fazer induzir o público em erro ou confusão;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, nesta denominação da Ré, o que constitui o elemento prevalecente, é a palavra "Pórtico", precisamente por ser o destinado a ser o mais facilmente apreendido e retido na memória do público;</font></b><br>
<b><font>- Isto é, é a chamada "palavra-vedeta", como a designou o Professor Ferrer Correia, citado para o efeito no Ac. deste S.T.J. de 28-05-92 no BMJ 447-652;</font></b><br>
<b><font>- Diga-se, outrossim, como se fez no Aresto sob censura, e ao invés do sustentado pela Recorrente que a palavra "Pórtico" como nome do estabelecimento da Autora tem vindo a ser utilizado, nomeadamente porque o documento de fls. 62 do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, comprova não só o registo desse nome, como também e até, a sua renovação em 01-04-85; </font></b><br>
<b><font>- Sabendo-se, outrossim, que constitui condição essencial para a aceitação desse registo, a apresentação de documento comprovativo, de que o requerente possui o estabelecimento indicado e, em causa, de modo efectivo, e não somente fictício;</font></b><br>
<b><font>- Ou seja, em concreto, e não apenas como organização abstracta;</font></b><br>
<b><font>- E tal, como deriva do comando, do art. 234, al. b), do Código da Propriedade Industrial;</font></b><br>
<b><font>- Em todo este contexto, pois, e sendo sempre de considerar, também, neste âmbito a "diligência normal do homem médio", para ser de concluir, inequivocamente, que se pode tornar e tomar o estabelecimento da Autora pela sociedade Ré, o que envolverá "confusão";</font></b><br>
<b><font>- E, do mesmo modo, que se pode considerar o primeiro como relacionado com a segunda, e depara-se, então com "erro";</font></b><br>
<b><font>- Situação toda essa, que surge e se impõe evitar, na exacta medida em que a Autora e a Ré têm uma área de actividades parcialmente coincidente, pelos menos;</font></b><br>
<b><font>- Como se viu, e de facto, essa coincidência traduz-se no sector de leilões e avaliações, de móveis e decorações;</font></b><br>
<b><font>- Aliás, sucedendo, frequentemente na prática, que a firma deixa de individualizar o seu estabelecimento;</font></b><br>
<b><font>- Aspecto esse, que foi focado, também, pelos Professores Pinto Coelho, Rev. Leg. prev. Ano 95, 110 e, Ferrer Correia, nas referidas Lições, 279;</font></b><br>
<b><font>- De resto, a preocupação de evitar "erro" e "confusão", deve, em qualquer circunstância, manter-se mesmo quando se equacionem, porventura, e até ramos de actividades diversas;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, e como também se expressa no Acórdão recorrido, tal perigo de confusão ou erro continua a subsistir e, é possível para outros agentes económicos, como os fornecedores e os bancos, por exemplo;</font></b><br>
<b><font>- Por todo o exposto é de manter o decidido na Relação, e no prisma de que a inserção da palavra "Pórtico", até pelo seu dito significado de "vedeta", no nome do estabelecimento da Autora, e na designação social da Ré é susceptível e pode conduzir e induzir em confusão e em erro;</font></b><br>
<b><font>- E não sendo, obviamente, o afastamento geográfico existente, que os inibe;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, e por um lado, tal distanciamento, não é muito relevante, pois a Autora tem a sede em Lisboa e a Ré em Marrazes, Leiria;</font></b><br>
<b><font>- E, por outro, e em conexão ainda, com a extensão relativa do País, o controle e concessão dos sinais identificadores, tem de revestir uma natureza unitária, e sectorial;</font></b><br>
<b><font>- Paralelamente, haverá, ainda, que colocar o caso "sub-judice" no campo da incidência da concorrência desleal, e como se sustentou, também na decisão em apreço;</font></b><br>
<b><font>- Na verdade, o confronto no processo, sempre se processará entre o nome do estabelecimento da Autora e, a denominação social da Ré, e não entre esta e, a denominação social da Autora, como parece a Recorrente dar a entender;</font></b><br>
<b><font>- No artigo 212, do C.P.I., cessante, o de 1940, referido, e que era o em vigor à data do registo da firma da Ré, definia-se como "concorrência desleal", todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica;</font></b><br>
<b><font>- Abordava-se, pois, neste dispositivo um conceito genérico, porém logo concretizado no seu n. 3, ao indicar-se quais os actos que se têm como dessa natureza;</font></b><br>
<b><font>- Traduzindo-se nesse n. 3 por tais actos "as inovações ou referências não autorizadas, feitas com o fim de beneficiar do crédito ou reputação de um nome, estabelecimento de marca alheios";</font></b><br>
<b><font>- Comandando-se, ainda, no n. 1 daquele dispositivo, que são expressamente proibidos "todos os actos susceptíveis de opinar confusão, com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado".</font></b><br>
<b><font>- Dispositivo esse, o que corresponde no aludido código vigente, o art. 260 e suas alíneas a) b) c);</font></b><br>
<b><font>- Ainda, nesse código de 1940 e, no seu art. 187, n. 4, admitia-se a possibilidade da concorrência desleal, independentemente da intenção de a fazer;</font></b><br>
<b><font>- E o direito ao uso exclusivo que deriva do registo do nome do estabelecimento estendia-se a todo o continente e ilhas adjacentes, no quadro do art. 147, desse diploma;</font></b><br>
<b><font>- Resulta, pois, destes dispositivos que, a lei não viabiliza a concorrência desleal;</font></b><br>
<b><font>- E daí que o registo da firma da Ré Recorrente, não possa, nem deva manter-se;</font></b><br>
<b><font>-Quanto ao aspecto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas:</font></b><br>
<b><font>- A Recorrente, insurge-se, também pelo facto de se anular o direito de usar uma denominação social, que foi admitida por aquele registo, o R.N.P.C. , a entidade competente para decidir sobre esse ponto, e o que comprovou com a junção dos autos do certificado de admissão da sua firma;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, no diploma DL 144/83, de 31-03, criou-se esse registo, com a destinação de identificar, e de inscrever, num registo central, as pessoas colectivas;</font></b><br>
<b><font>- E de fiscalizar, outrossim, os princípios da exclusividade verdade e unidade, próprios das firmas e denominações;</font></b><br>
<b><font>- Princípios, estes, que depois vieram a ser definidos e regulados no aludido DL 42/89, de 03-02;</font></b><br>
<b><font>- Diploma este, que distingue em preventivos e regressivos, os meios de protecção da firma.</font></b><br>
<b><font>- Inserindo-se entre os primeiros, a proibição de se proceder ao acto da constituição de qualquer sociedade, ou de mudança de firma, sem que seja exibido o certificado de admissibilidade da firma adoptada;</font></b><br>
<b><font>- Tal conforme o estatuído no art. 17 desse DL;</font></b><br>
<b><font>- Consigna-se, outrossim, nos arts. 65 e seguintes desse diploma que do despacho final que, admita ou indefira, firmas ou denominações cabe recurso hierárquico para o Director Geral dos Registos e Notariado, e das decisões deste, cabe, por sua vez, recurso para os Tribunais Judiciais;</font></b><br>
<b><font>- O que, de facto, não sucedeu, no caso "sub Judice";</font></b><br>
<b><font>- Todavia , e conforme o estatuído no art. 6, n. 2, desse DL 42/89, o certificado de admissibilidade da firma, ou denominação constitui mera presunção de exclusividade;</font></b><br>
<b><font>- Trata-se, assim, de uma mera presunção de natureza "tantun juris";</font></b><br>
<b><font>- E que como tal susceptível de ser ilidida por prova do contrário, nos termos gerais;</font></b><br>
<b><font>. Neste contexto, e como refere, o mencionado Dr. Calor Olavo, na referida sua obra, a pág. 135, nada obsta, ou impede que após a emissão desse certificado, os tribunais venham a entender e a decidir, portanto, que determinada firma, ou denominação social, não é dotada da necessária característica de "distinguibilidade", relativamente a outros sinais distintivos do comércio;</font></b><br>
<b><font>- Nessa sequência, pois, e conforme o estatuído no art. 6, n. 3, desse DL 42/89, estão aí previstos os meios repressivos para o efeito;</font></b><br>
<b><font>- E que são, precisamente, as acções judiciais da declaração de nulidade ou de anulação de uma firma;</font></b><br>
<b><font>- E o que constitui, concretamente, o presente veículo processual;</font></b><br>
<b><font>- Na verdade, dispõe-se naquele preceito, que o uso ilegal de uma firma ou denominação, confere aos interessados, o direito de exigir a sua proibição;</font></b><br>
<b><font>- E até, mesmo, indemnização pelos danos, porventura daí emergentes, sem prejuízo da correspondente, acção criminal se a ela houver lugar, no quadro do art. 16, desse mesmo DL;</font></b><br>
<b><font>- Acrescendo, ainda, e conforme o previsto no art. 79 desse diploma, que a atribuição do direito ao uso exclusivo da firma ou denominação efectuada pelo dito R.N.P.C. prevalece sobre a proferida por qualquer outra entidade, mas não sobre uma decisão judicial;</font></b><br>
<b><font>- Por todo o exposto, o pedido deduzido pela Autora, com a presente acção é, de facto, pertinente;</font></b><br>
<b><font>- E daí, a "inteligibilidade" do Acórdão recorrido, ao julgar improcedente, a primitiva apelação;</font></b><br>
<b><font>- Na verdade, do conjunto dos normativos enunciados podem-se extrair duas ilações;</font></b><br>
<b><font>- A de que não basta a obtenção do certificado de admissão da denominação emitido pelo R.N.P.C., uma vez que o mesmo constitui apenas e tão só, mera presunção de exclusividade, para se poder arrogar o direito ao uso da denominação que se adoptou;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, o lesado pode sempre lançar mão das acções judiciais que entenda, para salvaguarda e defesa dos seus direitos ameaçados ou ofendidos;</font></b><br>
<b><font>- Entendimento esse, já inserido, entre outros, no Ac. deste S.T.J., de 22-10-92, BMJ, 420, 608;</font></b><br>
<b><font>. Na verdade, foi dado como provado, que pelo menos parcialmente a Recorrente e a Recorrida exercem actividades concorrenciais;</font></b><br>
<b><font>- E daí a evidência de que existe "susceptibilidade" de confusão e de erro, entre o elemento caracterizador da denominação social da Recorrente, e o nome do estabelecimento da Recorrida, ambos "Pórtico";</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, o entendimento, predominante, na nossa doutrina e jurisprudência é, o de que a sociedade é comummente reconhecida pelo elemento marcante da respectiva denominação; </font></b><br>
<b><font>- O que reconduz a que sociedades comerciais, que tenham objectos sociais diferentes sejam facilmente confundidas, e ou associadas, razão pela qual, mesmo tendo objectos sociais distintos, não deverá ser admitida a sua coexistência no mercado;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, o chamado princípio da novidade, e da exclusividade, que impera em matéria de denominações sociais, predomina outrossim, no que concerne à matéria dos direitos da propriedade industrial, onde se incluem os chamados nomes de estabelecimentos;</font></b><br>
<b><font>- Assim, o nome do estabelecimento, destinando-se a assinalar o local, onde um determinado comerciante exerce o seu comércio, é quase sempre aquele que identifica o próprio comerciante;</font></b><br>
<b><font>- No caso dos autores, a Recorrida, não obstante só em 1993 ter alterado a sua denominação social, para nela passar a figurar a expressão "Pórtico", já utilizava contudo a mesma para identificar o seu estabelecimento, e que corresponde, também, ao local da sua sede social;</font></b><br>
<b><font>- Assim, e na prática, é sobretudo e, essencialmente, esse nome, que a tem identificado comercialmente;</font></b><br>
<b><font>- Situação, que como se viu, já existe há mais de 40 anos;</font></b><br>
<b><font>- Embora juridicamente, as funções do nome e da denominação sejam diferentes, na prática, tal, já, não sucede;</font></b><br>
<b><font>- Daí que, os referidos princípios da novidade e da exclusividade devam servir de medida de aferição na avaliação da aludida susceptibilidade de confusão e ou de indução em erro entre os referidos sinais;</font></b><br>
<b><font>- Já se disse, também, que a protecção do nome do estabelecimento é extensível a todo o território nacional e, deve ter eficácia não só no que concerne ao aparecimento eventual de sinais com finalidade idêntica, mas também no que respeita a quaisquer outros, nomeadamente denominações sociais;</font></b><br>
<b><font>- E tal porque a função destas é, outrossim, a de identificar comercialmente, uma determinada identidade;</font></b><br>
<b><font>- Em todo este contexto, pois, a denominação social da Recorrente, deverá ser anulada, na medida em que surgiu posteriormente no respectivo registo, no nome do estabelecimento da recorrida;</font></b><br>
<b><font>- E porque viola os princípios da novidade e da exclusividade;</font></b><br>
<b><font>- Perdendo, pois, a sua eficácia distintiva no comércio;</font></b><br>
<b><font>- À Recorrente, e se assim o entender é que lhe caberá, posteriormente, e porventura demandar o Estado, por não ter respeitado os princípios básicos do Direito comercial na certificação da sua denominação social;</font></b><br>
<b><font>- E na medida em que esta é, anulável, como se pôs em relevo, no âmbito dos arts. 2 do DL 42/89 de 03-02, e 232 do Código da Propriedade Industrial;</font></b><br>
<b><font>- Não merece, assim qualquer censura o Acórdão recorrido, o qual, aliás, se revela elaborado e explanado muito doutamente;</font></b><br>
<b><font>- Improcedem, portanto, e no dito contexto, todas as conclusões das alegações da Ré-Recorrente;</font></b><br>
<b><font>- Com efeito, inexistem as violações dos dispositivos legais indicados nas respectivas alegações;</font></b><br>
<br>
<b><font>- Nessa improcedência, pois, nega-se, a revista;</font></b><br>
<b><font>- Custas pela Recorrente.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 23 de Abril de 1998.</font></b><br>
<b><font>Lemos Triunfante,</font></b><br>
<b><font>Aragão Seia,</font></b><br>
<b><font>Torres Paulo.</font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |