id
stringlengths 20
20
| section
stringclasses 8
values | text
stringlengths 719
32.8k
| descriptors
stringlengths 17
1.89k
|
---|---|---|---|
UDKku4YBgYBz1XKvqSbc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<div><br>
</div><br>
<b><u><font>Relatório</font></u></b><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa,</font><br>
<b><font>AA,</font></b><br>
<font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br>
<b><u><font>C...P... Petróleos, SA</font></u></b><b><font>,</font></b><br>
<font>alegando muito resumidamente:</font><br>
<font>- A Ré, ao abrigo da Lei do Mecenato, promoveu concurso para selecção de equipa projectista para elaboração de projecto para a zona monumentalizada do Castelo de S. Jorge, de acordo com as intenções e propostas definidas no Programa Preliminar que faz parte do processo do concurso.</font><br>
<font>- A elaboração do referido projecto foi adjudicado pela Ré ao A., tendo sido celebrado entre ambos o contrato documentado a fls. 90 e seg.</font><br>
<font>Do programa do concurso e do caderno de encargos (docs. n°s 2 e 3, juntos com a p.i.) constava que o projecto ficava sujeito a aprovação de várias entidades entre as quais a Câmara Municipal de Lisboa (dona da obra).</font><br>
<font>O cumprimento do contrato, por banda do autor, implicava a colaboração de diversas entidades envolvidas no projecto, designadamente fornecendo os levantamentos das edificações existentes no interior da chamada zona monumentalizada do castelo.</font><br>
<font>- Sem dispor desses elementos, o autor, por carta de 10/10/1996, comunicou à ré a suspensão do contrato.</font><br>
<font>- A ré, porém, por carta de 23/10/1996, recebida pelo autor em 25/10/1996, rescindiu - sem fundamento - o contrato celebrado entre ambos.</font><br>
<font>- Em consequência daquela rescisão tem, o autor, direito a receber da ré:</font><br>
<font>a) A factura n° 5/95, de 9/9/96, vencida em 9/10/1996, relativa à entrega do anteprojecto no valor de Esc. 16.378.669$00;</font><br>
<font>b) Juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento daquela factura até integral pagamento;</font><br>
<font>c) Esc. 16.798.635$00, a título de indemnização sobre o valor total dos honorários (cláusula 16°, n°2, do contrato);</font><br>
<font>d) Juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia referida em b);</font><br>
<font>e) Indemnização, a fixar em liquidação de sentença, pelos prejuízos e lucros cessantes por ter ficado impedido de aceitar outros trabalhos, durante a vigência do contrato;</font><br>
<font>f) Indemnização, não inferior a Esc. 2.500.000$00, pelas despesas feitas com aquisição de material específico para a elaboração do projecto contratualizado, bem como com admissão de pessoal «ad hoc» para a sua concretização;</font><br>
<font>g) O montante a apurar em liquidação de sentença, correspondente a despesas resultantes da actuação contratual da ré, designadamente em custas e procuradoria.</font><div><font>*</font></div><font>2. A ré contestou alegando, em síntese, que, em 19/9/1996, o autor foi informado de que o anteprojecto que apresentara não tinha sido aprovado pelas entidades competentes.</font><br>
<font>Contudo, recusou proceder às alterações necessárias que pudessem conduzir à sua aprovação.</font><br>
<font>A falta de elementos referida na petição inicial nenhuma influência teve no trabalho a desenvolver pelo autor, pois só seriam necessários para a elaboração do projecto de execução, fase que não se chegou a iniciar.</font><br>
<font>Perante a recusa do autor em alterar o Estudo Prévio e o Anteprojecto nos termos do parecer vinculativo do IPPAR, de que lhe foi enviada cópia, a ré, por carta de fls. 359, resolveu o contrato de prestação de serviços que celebrara com o autor.</font><br>
<font>Deve, pois, ser absolvida do pedido.</font><div><font>*</font></div><u><font>Em reconvenção</font></u><font>, pediu a condenação do autor a pagar-lhe Esc. 16.378.669$00, acrescidos de juros, à taxa legal, vencidos desde 24/10/1996, até integral pagamento.</font><br>
<font>Como fundamento do pedido reconvencional alega, em síntese, que, no âmbito do contrato celebrado com o autor, já lhe pagou Esc. 16.378.669$00 quantia que, por força da resolução do contrato e do disposto na cláusula 15a, n° 3, do contrato, aquele é obrigado a restituir à ré, com juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da carta de fls. 359, até integral pagamento.</font><div><font>*</font></div><font>Deduziu ainda a intervenção acessória provocada passiva do "Município de Lisboa" e da "EBAHL - Equipamentos dos Bairros Históricos de Lisboa" (actualmente "EGEAC, Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, EM"), alegando que, em caso de procedência da presente acção, lhe assiste direito de regresso contra as chamadas.</font><div><font>*</font></div><font>3. Foi admitida a intervenção requerida (despachos de fls. 920 e 924).</font><div><font>*</font></div><font>4. As intervenientes apresentaram contestação (cf. fls. 928 e 999).</font><br>
<font>4.1. Na sua contestação, o Município de Lisboa, defendendo-se por excepção, invocou a ineptidão da petição inicial, a incompetência absoluta do Tribunal, a sua falta de personalidade judiciária e a ilegitimidade passiva; por impugnação, alegou que toda a documentação necessária para a elaboração das duas primeiras fases - Estudo Prévio e Anteprojecto - foram entregues ao autor. Este, porém, não procedeu em conformidade com o Programa Preliminar que se obrigara a respeitar, nos termos contratuais, pelo que o anteprojecto que elaborou obteve pareceres negativos de todas as entidades intervenientes, sendo o do IPPAR vinculativo.</font><div><font>*</font></div><font>4.2. A "EGEAC, Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, E.M." (ex-EBAHL) invocou a excepção de ilegitimidade passiva e, defendendo-se por impugnação, alegou que o autor não cumpriu os objectivos definidos no programa contratual pelo que, em qualquer caso, a acção deve improceder.</font><div><font>*</font></div><font>5. O autor replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional. Pediu ainda a condenação da ré, como litigante de má fé.</font><div><font>*</font></div><font>6. Foi apresentada tréplica. Por despacho de fls. 1025, ao abrigo do disposto no art. 503°, n° 1, do CPC, foi ordenado o seu desentranhamento, com o fundamento de que na réplica o autor não modificou o pedido nem a causa de pedir, nem se defendeu por excepção, no que respeita ao pedido reconvencional.</font><br>
<font>7. Inconformada com este despacho, a ré interpôs recurso de </font><u><font>agravo</font></u><font>, o qual foi admitido com subida diferida (tal recurso veio a ser julgado improcedente, não estando aqui em causa tal matéria). </font><div><font>*</font></div><font>8. Foi elaborado despacho saneador, julgando improcedentes as excepções invocadas (nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, incompetência absoluta do tribunal, falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva). Foi ainda fixada a matéria assente e organizada a base instrutória.</font><div><font>*</font></div><font>9. Foi realizado o julgamento.</font><div><font>*</font></div><font>10. No decurso de uma das sessões de julgamento, o autor requereu se procedesse à </font><u><font>acareação</font></u><font> das testemunhas BB e CC, por alegada contradição entre os seus depoimentos - cf. acta de audiência de fls. 1705 (Vol. IX).</font><br>
<font>11. Por despacho proferido em acta, foi indeferida a acareação.</font><br>
<font>12. Inconformado, </font><u><font>agrava</font></u><font> o autor, recurso que foi admitido com subida diferida (recurso julgado improcedente e que aqui não interessa considerar).</font><div><font>*</font></div><font>13. A final, foi proferida </font><u><font>sentença</font></u><font> (aclarada, posteriormente, por despacho de fls. 2102, vol XI) que:</font><br>
<font>- </font><u><font>Julgando improcedente</font></u><font> a acção, absolveu a ré do pedido;</font><br>
<font>- </font><u><font>Julgando procedente o pedido reconvencional</font></u><font>, condenou o autor a pagar à ré o montante de EUR 81.696,46 (correspondente a Esc. 16.378.669$00), acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 24/1/1996 até integral pagamento (sendo os vencidos até 31/10/2008, no valor de EUR 61.348,45). </font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>Inconformado, recorreu o A.</font><br>
<font>A Relação, conhecendo da apelação, julgou-a parcialmente procedente, condenando o A. a pagar à Ré 68.273,80 € (13.687.669$00) acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, confirmando, no mais a sentença recorrida.</font><div><font>*</font></div><font>Do acórdão da Relação, interpôs a Ré C... recurso de agravo e o A., recurso de revista.</font><br>
<font>Contra-alegaram o chamado Município e a Ré C....</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Oferecidas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusões do Agravo da Ré C...</font></u></b><div><font>*</font></div><font>A) O fundamento do presente recurso reside no facto de o Acórdão recorrido se ter pronunciado sobre questões que não foram postas à sua consideração, tendo havido assim um excesso de pronúncia por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, em violação do disposto no art. 668.°, n.° 1, al. d), do C.P.C.</font><br>
<font>B) Com efeito, no acórdão proferido por aquele Venerando Tribunal, foi o Autor-Recorrido absolvido do pagamento de juros de mora sobre o montante de €68.273,80, (correspondente ao valor de ESC. 13.687.669$00), relativamente ao período decorrido entre a data do envio da carta de 24 de Outubro de 1996 e a data da notificação ao Autor da contestação com reconvenção apresentada pela Ré-Recorrente, tendo sido igualmente absolvido da restituição da quantia de € 13.422,66 (correspondente ao valor de ESC. 2.691.000$00).</font><br>
<font>C) Sucede, contudo, que tais questões não foram abordadas pelo Autor-Recorrido nas suas alegações de recurso, nem foram por este peticionados os efeitos resultantes do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, limitando-se, o mesmo, a alegar a invalidade da resolução do contrato operada pela Ré-Recorrente.</font><br>
<font>D) Ora, nos termos dos preceitos do C.P.C, supracitados, são as alegações do Recorrente que fixam os limites do objecto do recurso, e quais as questões a serem reanalisadas pelo Tribunal ad quem.</font><br>
<font>E) Pelo que se verifica que o tribunal ad quem extravasou largamente o âmbito e o objecto do recurso interposto pelo Autor, o qual ficou delimitado pelas conclusões das alegações de recurso por si apresentadas, havendo, pois, um excesso de pronúncia por parte daquele Tribunal, nos termos do art. 668.°, n.° 1, ai. d) do C.P.C., sendo, pois, o acórdão proferido nulo.</font><br>
<font>F) E, em consequência, deve a matéria erradamente considerada pelo Tribunal ser considerada como transitada em julgado.</font><br>
<font>G) Por outro lado, o acórdão da Relação de Lisboa deve ser reformado, porquanto, constam do processo documentos que implicam decisão diversa da proferida, os quais, por lapso manifesto, não foram tomados em consideração pelo juiz.</font><br>
<font>H) Com efeito, no acórdão proferido pelo tribunal ad quem, este manteve a decisão de condenação do Autor-Recorrido a pagar à Ré-Recorrente juros de mora até integral pagamento, mas apenas desde a data da citação do pedido reconvencional apresentado pela segunda, e não desde a data de 24 de Outubro de 1996, conforme a sentença recorrida, e apenas relativamente à quantia de €68.273,80 (correspondente ao valor de ESC. 13.687.669$00), e já não relativamente à quantia de €13.422,66 (correspondente ao valor de ESC. 2.691.000$00).</font><br>
<font>I) Para tanto, considerou o Tribunal da Relação de Lisboa que não foi efectuada prova de que a Ré-Recorrente houvesse solicitado ao Autor-Recorrido a devolução das quantias em dívida.</font><br>
<font>J) Sucede, no entanto, que o Autor-Recorrente foi interpelado pela Ré-Recorrida para a restituição das quantias em dívida, não apenas aquando da notificação da contestação com pedido reconvencional, mas logo no dia 23 de Outubro de 1996, data em que a Ré-Recorrente procedeu à resolução do contrato celebrado com o Autor-Recorrido, através de carta enviada para este, na qual lhe comunicou ainda que este deveria, "de imediato, restituir as importâncias recebidas nos termos do mesmo ".</font><br>
<font>K) Ademais, tal como consta da matéria assente na sentença proferida em primeira instância, a carta referida na alínea anterior foi recebida pelo Autor-Reconvindo, conforme decorre do Ponto AJ) da Matéria de Facto, não contestado por aquele. </font><br>
<font>L) A não consideração da carta de resolução, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, deve ser considerada como um lapso manifesto, devendo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa ser reformado em conformidade, condenando-se o Autor-Reconvindo a pagar juros de mora desde a data em que foi interpelado pela Ré-Reconvinte C... para devolver as quantias que esta lhe havia pago no âmbito do contrato celebrado entre as duas partes.</font><br>
<font>M) No que ao pagamento da quantia de € 13.422,66 concerne, cuja devolução a Ré-Reconvinte C... peticionou nos artigos 211.° a 216.° do seu pedido reconvencional, o mesmo encontra-se igualmente documentado nos autos, através dos Docs. n.° 11 e 12 juntos com a contestação.</font><br>
<font>N) Mas mais: o pagamento daquele montante decorre expressamente do contrato para elaboração de estudo prévio, projecto base, projectos de arquitectura e respectiva assistência técnica às obras, e refere-se ao pagamento inicial a realizar no acto da assinatura do contrato, conforme consta expressamente da Cláusula 12ª , n.° 1, alínea do Contrato, através da qual devia ser realizado um pagamento de 10% do valor da adjudicação.</font><br>
<font>O) Ora, tendo a adjudicação o valor base de ESC. 23.000.000$00, o pagamento inicial com a assinatura do contrato foi de 2.300.000$00, acrescido de IVA à taxa legal, não tendo, em momento algum, sido posto em causa pelo Autor-Reconvindo o pagamento de tal quantia.</font><br>
<font>P) Todos os elementos ora mencionados têm o valor de documento e meio de prova plena, de acordo com o disposto no artigo 376.° do Código Civil, pelo que a sua desconsideração pelo Tribunal da Relação de Lisboa representa um lapso manifesto.</font><br>
<font>Q) Em face do exposto, considera-se que constam do processo documentos que implicam, necessariamente e por si só, uma decisão diversa da proferida no acórdão do Venerando Tribunal da Relação, motivo pelo qual deve ser reformado.</font><br>
<font>Termos em que se requer a V. Exas. se dignem determinar:</font><br>
<font>A) A nulidade do acórdão por violação do disposto na alínea d) do n.° 1 do art. 668° do C.P.C., mantendo-se relativamente ao Autor Reconvinte a decisão condenatória proferida em Primeira Instância;</font><br>
<font>B) A reforma do acórdão, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 669.° do CPC, aplicável ex vi n.° 1 do art. 716° do CPC, ordenando-se o pagamento de juros de mora, até integral e efectivo pagamento, desde a data da interpelação para pagamento, ou seja, desde 24.10.1996, bem como a condenação do Autor-Reconvindo no pagamento à R. da quantia de € 81.696,46, correspondente a €13.422,66 mais €68.273,80.</font><br>
<font>Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, farão Vossas Excelências, Senhores Juízes Conselheiros, o que é de inteira JUSTIÇA!</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusões da Revista do A.</font></u></b><div><font>*</font></div><font>A. O acórdão da Relação de Lisboa radica numa má interpretação e aplicação dos artigos 406.°, 432.°, 434.°, 762.° e 808.°, do Código Civil, razão pela qual entende ser a presente revista admissível.</font><br>
<font>B. De várias cláusulas do Contrato dos autos resulta que o mesmo é regulado, em alguns aspectos, por normas decalcadas do regime jurídico das empreitadas de obras públicas.</font><br>
<font>C. Por outro lado, ex vi cláusula 20ª do Contrato o Recorrente transmitiu, definitivamente, à Recorrida C..., todos os direitos de propriedade intelectual sobre as peças que criou e produziu, pelo que este aspecto deverá ser regulado pelo Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.</font><br>
<font>D. Atenta a faculdade de publicar as peças produzidas pelo Recorrente, trata-se de um contrato de edição, regulado pelos artigos 83° e seguintes do citado Código (dos quais consta um preceito especial para a resolução do contrato, artigo 106° desse Código).</font><br>
<font>E. Essa transmissão de direitos operou automática e imediatamente, nos termos da cláusula 20ª, n° 1, do Contrato.</font><br>
<font>F. Posto que o Recorrente entregou o Estudo Prévio e o Projecto Base, automática e imediatamente transmitiram-se os referidos direitos de autor a favor da Recorrida C....</font><br>
<font>G. Com fundamentos nos aspectos referidos, o Contrato dos autos deverá ser qualificado como um contrato misto, com elementos de um contrato de empreitada, de um contrato de prestação de serviços, de um contrato de transmissão de direitos de autor e de um contrato de edição, com uns laivos de obra pública.</font><br>
<font>H. Mal andou o Tribunal a quo, ao reconhecer que a Recorrida C..., ao abrigo da cláusula 15ª do Contrato, operou licitamente a resolução do Contrato, por motivo imputável ao Recorrente, e que este incorria na obrigação, prevista na cláusula 15ª, n°3, do Contrato, de devolver as verbas que recebera. </font><br>
<font>I. A Recorrida C... resolveu o Contrato ao abrigo do disposto no n°2 da cláusula 15ª do Contrato, alegando como fundamento, a não aprovação do Estudo Prévio e do Anteprojecto pelas entidades competentes, nos termos exigidos pelo ponto 5 do Programa de Concurso e pelo não acatamento do estabelecido no Programa Preliminar e das orientações da comissão de acompanhamento.</font><br>
<font>J. Nos termos da lei, designadamente do artigo 342.°, n.°l, do Código Civil, e da cláusula 15ª do Contrato, especialmente do seu n°l, cabe à Recorrida C... o ónus de provar a verificação dos fundamentos constitutivos do seu pretenso direito a resolver o Contrato, alegados na carta de resolução.</font><br>
<font>K. Nos termos da cláusula 15ª, n.° 2 do Contrato, os alegados incumprimentos que a Recorrida imputa ao Recorrente apenas são passíveis de se subsumir, em tese, na alínea c) da cláusula transcrita.</font><br>
<font>L. Na carta de resolução enviada pela Recorrida C... (de fls. 359 a 361), esta última erigiu como principal fundamento a violação do ponto 5 do Programa de Concurso, o qual, na versão da Recorrida C..., exigia que "todos os trabalhos a realizar por V. Ex.ª e sua equipa ficaram sujeitos à aprovação da Câmara Municipal de Lisboa e respectivas entidades competentes.". Só que essa afirmação, basilar para todo este processo, é falsa.</font><br>
<font>M. Efectivamente, os projectos de arquitectura e das especialidades, interiores e exteriores, estavam sujeitos à aprovação da Recorrida, Câmara Municipal de Lisboa e respectivas entidades competentes.</font><br>
<font>N. Contudo, o Estudo Prévio e o Anteprojecto não estavam, como resulta do confronto entre as alíneas do ponto 5 do Programa de Concurso que, ex vi cláusula 3ª, n° 6, do Contrato, faz parte integrante do mesmo.</font><br>
<font>O. Em segundo lugar, na mesma carta de resolução, alega ainda a Recorrida C... que o Recorrente não acatou, nem o estabelecido no Programa Preliminar, nem as orientações da comissão de acompanhamento, o que não ficou provado.</font><br>
<font>P. Os pareceres negativos, designadamente o do IPPAR que vieram mencionados na carta de resolução, continham críticas que não evidenciam nenhum incumprimento culposo das obrigações que impendiam sobre o Recorrente.</font><br>
<font>Q. Do exposto resulta, portanto, que os fundamentos alegados pela Recorrida C..., na sua carta de fls. 359 a 361, eram inexistentes, pelo que o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 432.° do Código Civil ao considerar que a resolução do contrato, operada pela Recorrida C..., foi lícita.</font><br>
<font>R. Ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo, não resulta provado que a Recorrida C... tenha, em algum momento, concedido ao Recorrente qualquer prazo adicional para o que quer que fosse.</font><br>
<font>S. O Tribunal a quo entendeu que a alegada incapacidade técnica de uma parte em observar as suas obrigações configura um acto voluntário do devedor, que se traduz na recusa do cumprimento das ditas obrigações, o que contraria a jurisprudência superior, que defende que "Só a recusa, absoluta e inequívoca, de cumprimento, através de declaração séria, categórica e definitiva, ou comportamento inequívoco evidenciador da vontade de não cumprir, configura hipótese de incumprimento definitivo que dispensa interpelação, notificação admonitória ou prova, pelo credor, da insubsistência do seu interesse no cumprimento." Da factualidade julgada provada, não nos é possível concluir que o Recorrente recusou cumprir as obrigações a que se vinculou, nos termos propugnados pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelo que se afigura incorrecta a argumentação utilizada pelo Tribunal a quo e, consequentemente, a aplicação do disposto no artigo 808.° do Código Civil.</font><br>
<font>T. Não resulta da cláusula 9ª do Contrato que a não observância desses prazos configure uma situação de incumprimento definitivo, pelo que também neste ponto carece o Tribunal a quo de razão, verificando-se, mais uma vez, que aplicou incorrectamente o disposto no artigo 808.° do Código Civil.</font><br>
<font>U. Ao contrário do propugnado pelo Tribunal a quo, nenhum dos factos dados como provados, designadamente os 23., 24., 26., 27., 28., 30., 31., 36. e 39, com base nos quais o Tribunal a quo suporta a sua argumentação, integra qualquer das alíneas da cláusula 15ª do Contrato.</font><br>
<font>V. A factualidade apurada não permite concluir que houve perda do interesse na prestação a ser executada pelo Recorrente, nos termos do artigo 808.° do Código Civil, pelo que o Tribunal a quo faz uma interpretação incorrecta do referido preceito. Senão vejamos.</font><br>
<font>W. O simples decurso do tempo, ainda que implique a violação de um prazo contratual, sem que as partes tivessem acordado, ab initio, que o incumprimento desse prazo determinava de imediato o incumprimento definitivo do contrato, não releva para efeitos da perda de interesse prevista no artigo 808.° do Código Civil.</font><br>
<font>X. Não resulta da factualidade julgada provada que o eventual desrespeito pelos prazos parcelares ou globais previstos no contrato, consubstanciavam uma situação de incumprimento definitivo por parte do Recorrente, tal como parece propugnar o Tribunal a quo.</font><br>
<font>Y. O Tribunal a quo não esclarece em que medida é que o negócio ficou destruído. Só assim seria, se os vários pareceres negativos emitidos pelas entidades identificadas nos presentes autos, fossem inultrapassáveis/derradeiros. Ora, tal não era o caso, pelo que a mora (nas palavras do Tribunal a quo: o retardamento), não pode configurar uma situação de incumprimento definitivo.</font><br>
<font>Z. A Recorrida C..., limitando-se a acolher a sugestão de resolver o Contrato, sem mais, violou a obrigação de envidar todos os esforços para o manter, a que estava vinculada nos termos da lei geral e do Contrato, mormente pelo disposto na cláusula 23ª. Nos termos da lei e do Contrato, estava vinculada a envidar todos os esforços para o manter. A Recorrida tinha de ter conversado com o Recorrente, expor-lhe a situação e as críticas de que era alvo o seu Anteprojecto e exigir-lhe, se necessário fosse, um novo projecto ou, no mínimo, a sua revisão.</font><br>
<font>AA. A Recorrida tinha, nos termos da cláusula 9ª, n°4, do Contrato, de solicitar rectificações no prazo de 15 dias, após a entrega do anteprojecto. Só que, em vez de adoptar esse comportamento de Boa Fé e transparência, informando e criticando construtivamente, a Recorrida C... deu o facto por consumado: informou e, no mesmo momento, anunciou a intenção de resolver o contrato, sem dar hipótese ao Recorrente para dialogar e tentar corrigir o que estivesse errado ou não servisse a finalidade pretendida.</font><br>
<font>BB. O conteúdo dos pareceres juntos não constituía um obstáculo definitivo e incontornável.</font><br>
<font>CC. As críticas contidas nos referidos pareceres aos trabalhos apresentados pelo Recorrente, não evidenciam nenhum incumprimento culposo das obrigações que sobre ele impendiam.</font><br>
<font>DD. Não resulta dos autos que a Recorrida C... tivesse realizado a interpelação admonitória exigida pelo artigo 808.° n.° 1 do Código Civil, pelo que, em momento algum, se poderia ter entendido que uma eventual mora no cumprimento das obrigações, por parte do Recorrente, que não se aceita, determinou o incumprimento definitivo do Contrato por parte do Recorrente. Pelo que se verifica que o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o artigo 808.° do Código Civil aos presentes autos, pelo que tem necessariamente de se concluir que a resolução do Contrato pretendida pela Recorrida C... era ilícita, bem como todas as consequências e efeitos subsequentes que pretendesse alcançar.</font><br>
<font>EE. Antes de a Recorrida poder resolver o contrato, por causa de questões relacionadas com projecto, teria, anteriormente, que observar uma série de procedimentos que, no caso concreto, não foram observados, o que implica que a resolução do Contrato em análise seja necessariamente ilícita.</font><br>
<font>FF. De acordo com o regime das empreitadas de obras públicas ou privadas, conjugados com a Cláusula 9º, n° 5, do Contrato, em relação às peças entregues pelo Recorrente, a Recorrida C... tinha 15 dias para solicitar rectificações. Caso nada solicitasse, dever-se-ia considerar aprovada a peça entregue. Ora, como nada disse, durante o período de 15 dias que sucedeu à entrega dos trabalhos, estes dever-se-ão considerar aprovados.</font><br>
<font>GG. À mesma conclusão se chegará, se se aplicarem as regras do mandato. Com efeito, o artigo 1163° do Código Civil estatui que, uma vez comunicada a execução do mandato, o silêncio, por tempo superior àquele em que teria de se pronunciar, segundo os usos, vale como aprovação. Posto que as partes acordaram 15 dias para a Recorrida C... solicitar rectificações às peças produzidas pelo Recorrente, se aquela nada dissesse durante esse prazo, os trabalhos entregues dever-se-iam considerar aprovados. Como a Recorrida nada disse, os trabalhos entregues foram aprovados.</font><br>
<font>HH. Se era necessária a aprovação pela Recorrida C... dessas peças para se passar às fases seguintes, como parece resultar do disposto na Cláusula 9ª, n.° 5, do Contrato, a verdade é que a Recorrida, devidamente informada, remeteu-se ao silêncio. E a parte no Contrato, sobre quem recaía tal ónus, era a Recorrida C... e não a Câmara Municipal de Lisboa, nem qualquer outra entidade. Pelo que, nos termos do Contrato e da lei, a consequência só pode ser a de esse silêncio valer como aprovação. E, a verdade é que se passou da fase do Estudo Prévio à da elaboração do Projecto Base, sem que a Recorrida se tenha manifestado em sentido contrário.</font><br>
<font>II. As partes pretenderam preservar a continuidade do Contrato, através de alterações ao trabalho executado. Na economia contratual, a extinção do contrato, designadamente através da respectiva resolução, seria o mecanismo derradeiro, depois de esgotadas as vias consensual ou unilateral de proceder às alterações ao trabalho produzido pelo Recorrente.</font><br>
<font>JJ. Nos termos da cláusula 12ª do Contrato, resulta que a execução e continuidade do Contrato não dependiam da aprovação dos trabalhos. Logo, a falta de aprovação não daria lugar à extinção do Contrato.</font><br>
<font>KK. Do n.° 3 da Cláusula 14ª ressalta, uma vez mais, que o pagamento dos honorários reporta-se a cada fase e que o direito a recebê-los, depende apenas da respectiva entrega e não da sua aprovação. Dispõe esta estipulação contratual, que a suspensão por mais de 90 dias em cada fase do projecto, conferia ao Recorrente, se essa suspensão não lhe tivesse sido imputável, o direito a receber os honorários das fases já entregues e da fase em elaboração. Daqui resulta o sinalagma estabelecido entre a entrega dos trabalhos respeitantes a cada fase, e o preço do contrato.</font><br>
<font>LL. No n.° 6 da mesma Cláusula, prevê-se que a Recorrida C... podia suspender o Contrato em caso de incumprimento das disposições do mesmo (n° 6, c)). Dado que a cláusula 15ª, n.° 2, alínea c), também prevê que a Recorrida C... tinha direito a resolver o Contrato em caso de incumprimento do mesmo, verifica-se que a mesma situação se subsume em duas estipulações diferentes, uma que prevê uma reacção provisória (a suspensão) e outra, mais radical, que prevê uma reacção definitiva (a extinção do contrato através de resolução).</font><br>
<font>MM. A Recorrida C... não podia, a seu bel-prazer, e de modo arbitrário, escolher, perante a mesma situação, entre uma reacção mais suave e uma mais violenta. A aplicação tem de obedecer a um critério justo, que trate com equilíbrio as situações em causa. Em face de um incumprimento, o credor terá de suspender e, apenas numa segunda fase, se a suspensão não for remédio suficiente, poderá lançar mão da resolução.</font><br>
<font>NN. Da análise da cláusula 18ª do Contrato, conclui-se que as partes pretendiam salvaguardar a continuidade do Contrato. Mesmo havendo erros graves no projecto, que pusessem em causa a finalidade a que se destinava, as partes ajustaram um mecanismo que permitisse, facilmente, obter as alterações necessárias. Ou acordavam nessas alterações ou, não sendo possível acordar, ou havendo falta de cumprimento do prazo na entrega das alterações, a Recorrida podia avocar a si essa faculdade, procedendo às necessárias alterações. Daqui resulta que as partes pretenderam dotar-se de instrumentos contratuais que evitassem a extinção do Contrato e que facilitassem as alterações ao Projecto.</font><br>
<font>OO. Se se enquadrar sistematicamente este mecanismo na economia contratual, a cláusula 23ª do contrato impunha às partes que envidassem todos os esforços para salvaguardar o contrato, em homenagem ao Princípio de Continuidade, obrigação que não foi observada pela Recorrida C....</font><br>
<font>PP. Na hipótese de incumprimento por parte da Recorrente, fosse qual fosse o tipo contratual a que se recorresse, a resolução operada não teria efeito retroactivo.</font><br>
<font>QQ. A prestação dos serviços em causa, que se reconduz à elaboração e fornecimento de documentos e prestação de assistência técnica, traduz, na senda do propugnado por Jacinto Rodrigues Bastos, a existência de "tantos contratos independentes quantas as respectivas prestações, e daí que a parte já cumprida se tenha como um contrato executado, e, portanto, não abrangido pela resolução".</font><br>
<font>RR. O Contrato dos autos é um contrato de execução continuada, pelo que, nos termos do artigo 434°, n.° 2, do Código Civil, a regra é a de que a resolução não tem efeito retroactivo.</font><br>
<font>SS. O Tribunal a quo interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 434.°, n.° 2, do Código Civil.</font><br>
<font>TT. Relativamente a cada uma das peças especificadas, à medida que o Recorrente as produzia e entregava, ocorria a transmissão das mesmas. Ora, os pagamentos efectuados remuneraram parcialmente essas transmissões, pelo que não podem ser devolvidos por efeito da resolução. O sinalagma deste Contrato estabeleceu-se entre as quantias pagas e a imediata transmissão dos direitos de autor sobre as peças do projecto produzidas e entregues: uns são a razão de ser recíproca dos outros.</font><br>
<font>UU. Logo, a obrigatoriedade de devolução dessas quantias, consignada na cláusula 15ª, n.° 3, em caso de resolução, viola a reciprocidade referida, tanto mais que, como no caso vertente, a Recorrida C... se locupletou com os direitos de autor que lhe foram imediatamente transmitidos.</font><br>
<font>VV. O Acórdão a quo violou, por tudo quanto acima se disse, as cláusulas do Contrato, especialmente as cláusulas 14ª, 15ª, 16ª e 23ª, e os artigos 236° e seguintes, 406.°, 434.°, n.°2, 762.° e seguintes, 1172.°, 1221.°, do Código Civil, e 170.°, 216.°, do Decreto Lei n.° 405/93, de 10 de Dezembro.</font><br>
<f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UDKpu4YBgYBz1XKv5Cr9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><br>
<br>
<font>AA e esposa, BB, propuseram a presente acção especial de divisão de coisa comum contra CC e marido, DD</font><b><font>,</font></b><font> pedindo que, na sua procedência, se ponha termo à compropriedade, efectuando-se a adjudicação ou a venda do imóvel, alegando, para o efeito, e, em resumo, que, por partilha deferida em inventário, por óbito de EE, os autores adquiriram 1/3 do prédio rústico, denominado “L................ ou B............... e, posteriormente, por compra, adquiriram, sucessivamente, mais 1/3 e 1/6 do mesmo prédio, sendo, actualmente, comproprietários de 5/6 deste prédio, pertencendo o restante 1/6, também, em regime de compropriedade, aos requeridos.</font><br>
<font>Porém, os autores não pretendem continuar a permanecer em compropriedade com os requeridos, mas não foi possível pôr termo à mesma situação, pela via extrajudicial, sendo certo que o prédio não é divisível em substância, em virtude de o fraccionamento não ser, legalmente, permitido.</font><br>
<font>Por morte do requerido</font><b><font> </font></b><font>DD, foram habilitados como seus herdeiros a requerida CC e ainda FF, GG e HH.</font><br>
<font>E, por morte do autor AA, foram</font><i><font> </font></i><font>habilitados como seus herdeiros a primitiva autora BB e ainda II e JJ.</font><br>
<font>Na contestação, a requerida CC concluiu pela improcedência do pedido formulado pelos autores, alegando, para tanto, e, em síntese, que, em 1979, adquiriu, juntamente com o falecido marido, 1/6 do prédio em referência, tendo, desde então, entrado na posse e fruição de parte determinada deste prédio, correspondente ao referido 1/6 que, em 1980, muraram, vindo a construção a ser licenciada, por alvará emitido em 1987. </font><br>
<font>Ao entrar na posse da referida parcela e ao murá-la, a requerida e o seu falecido marido fizeram-no, em nome próprio, tendo, desde essa data, mantido essa posse, pública e pacífica, e havendo adquirido, deste modo, o direito de propriedade sobre a mesma, por usucapião.</font><br>
<font>Ainda que assim se não entendesse, não seria de aplicar a proibição do fraccionamento, constante do disposto no artigo 1376º, do Código Civil, porquanto o prédio em causa não deve ser classificado como rústico, mas sim como urbano.</font><br>
<font>A sentença julgou “improcedente a excepção peremptória invocada e procedente a acção concluindo serem a A. e os habilitados no lugar do primitivo A. juntamente com a R. e os habilitados no lugar do primitivo R. comproprietários do prédio rústico objecto dos autos e ainda pela indivisibilidade material do mesmo prédio”.</font><br>
<font>Desta sentença, os requeridos interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a decisão impugnada.</font><br>
<font>Deste acórdão da Relação de Lisboa, os requeridos interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font><br>
<font>1ª - O acórdão da Relação de Lisboa radica numa má interpretação e aplicação dos artigos 1265°, 1377° e 1406° do Código Civil, razão pela qual entende ser a presente revista admissível.</font><br>
<font>2ª - Os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, partindo do disposto no artigo 1406° do Código Civil (doravante "CC"), concluem peremptoriamente que, podendo qualquer um dos comproprietários servir-se do bem, o seu uso exclusivo não é suficiente para inverter o título da posse, o que determina que interpretou incorrectamente o dito preceito.</font><br>
<font>3ª – Ficou provado que a requerida/recorrente construiu um muro divisório que não apenas delimitava a sua esfera de actuação como a esfera dos restantes comproprietários, impedindo-os, deste modo, de se servirem da parcela murada.</font><br>
<font>4ª - O comportamento da requerida/recorrente delimitou de forma directa e objectiva a esfera de actuação de todos comproprietários da coisa.</font><br>
<font>5ª - O conceito de posse exclusiva previsto no artigo 1406º do CC que derive exclusividade de uma imposição táctica determina a inversão do título da posse previsto no artigo 1265° do CC.</font><br>
<font>6ª - Nem o conceito de posse nem muito menos o conceito de inversão do título da posse dependem para o seu preenchimento de uma interpelação dos interessados. É suficiente a prática de actos materiais positivos publicamente cognoscíveis.</font><br>
<font>7ª - A requerida/recorrente construiu um muro de modo a impedir a utilização por parte dos outros comproprietários de uma parcela determinada. Ou seja, a área correspondente a 1/6 do prédio rústico dos autos, cuja usucapião se invoca, está delimitada por um muro e cultivada com produtos agrícolas em toda a sua extensão, pelo que a sua actuação não pode ser definida de outro modo que não como acto positivo e público cognoscível dos interessados.</font><br>
<font>8ª - Deve considerar-se que se verificou nos presentes autos a inversão do título, nos termos do artigo 1265° do CC.</font><br>
<font>9ª - Dito isto, nada impede, pelo contrário, a aplicação do instituto da usucapião a situações de compropriedade.</font><br>
<font>10ª - A inversão do título da posse não depende do reconhecimento por parte do proprietário do surgimento de um novo direito na esfera jurídica do detentor mas apenas que o detentor, neste caso o comproprietário, se comporte como único proprietário de parcela identificada, sendo este comportamento cognoscível pelos interessados.</font><br>
<font>11ª - Com a construção do muro delimitativo, a requerida inverteu o título da posse, passando a actuar como única proprietária de uma parcela concreta e identificada da propriedade.</font><br>
<font>12ª - O prazo para usucapião deverá começar a ser contado, pelo menos, desde o dia 31 de Outubro de 1987 em diante.</font><br>
<font>13ª - A requerida/recorrente está inegavelmente de boa fé, no que concerne ao exercício da posse da parcela de 1/6.</font><br>
<font>14ª - Por aplicação do regime acima descrito facilmente se conclui que a aquisição do direito de propriedade, a título individual, ocorre em inícios de Novembro de 2002.</font><br>
<font>15ª - Em face do exposto, deve concluir-se pela aquisição por usucapião da parcela de 1/6 do prédio dos autos.</font><br>
<font>16ª - Demonstrado que está o prazo necessário para a usucapião nada obsta, independentemente de legalmente a coisa poder ou não ser dividida, à sua efectiva divisão.</font><br>
<font>17ª - Concluindo-se pela aquisição por usucapião da fracção de 1/6, deixa de ser relevante o disposto nos artigos 1376° e 1377º do CC.</font><br>
<font>18ª - O prédio é divisível, no que respeita aos requisitos previstos no artigo 209° do Código Civil.</font><br>
<font>19ª - O terreno em análise está apto para cultura, porquanto, segundo o relatório pericial de Maio de 2008, está classificado como área florestal e silvo-pastoril, em que, de acordo, com o artigo 79°, n° 1 do Regulamento do PDM de Loures, o uso dominante é o florestal ou silvo-pastoril.</font><br>
<font>20ª - Trata-se de um tipo de terreno que acolhe outras utilizações, conforme decorre do n° 6 do artigo 79°, n° 1 do Regulamento do PDM de Loures, ao contrário das áreas agrícolas que não admitem construções (vd. artigo 80° do mesmo diploma), situação essa que foi manifestamente esquecida pelo Tribunal a quo.</font><br>
<font>21ª - O terreno dos autos é igualmente apto a receber construções, uma vez que o terreno está igualmente inserido num aglomerado urbano, pelo que o seu destino não tem que se reconduzir necessariamente à agricultura.</font><br>
<font>22ª - Resulta do artigo 1377° do Código Civil que a proibição do fraccionamento não é aplicável se o terreno constituir uma componente de um prédio urbano.</font><br>
<font>23ª - A parcela correspondente a 1/6 do terreno dos autos delimitada com um muro pelos recorrentes é contígua a um outro prédio no qual os recorrentes têm uma habitação, conforme também decorre da transcrição.</font><br>
<font>24ª - A proibição não é aplicável nos presentes autos, uma vez que o terreno é presentemente o logradouro de um outro prédio, pelo que apenas se pode concluir que o mesmo é divisível.</font><br>
<font>25ª - Se o terreno em causa vier a ser utilizado com outro fim que não tenha propriamente a ver com a cultura agrícola (cfr. al. a) do artigo 1377° do Código Civil), a proibição do fraccionamento não é igualmente admissível. O mesmo sucede se se pretender erguer alguma construção.</font><br>
<font>26ª - Resulta dos factos provados que foi erguido um muro que, segundo a opinião do Eng. KK, perito nos presentes autos, "origina dois prédios autónomos e distintos", pelo que pode concluir-se que a construção do muro no terreno em crise se subsume no disposto na al. c) do artigo 1377° do Código Civil, desta forma afastando a proibição do fraccionamento e, consequentemente, admitindo que o terreno dos autos é divisível.</font><br>
<font>27ª - O facto de o muro já estar construído não pode afastar a aplicabilidade do artigo 1377° do Código Civil. Com efeito, se não é pelo facto de ainda não se ter erguido a construção e o terreno continuar a ser apto para a cultura que se pode impedir o fraccionamento, muito menos será quando a construção já estiver terminada.</font><br>
<font>28ª - A construção do muro visa exactamente outro fim, designadamente delimitar uma parcela, de modo a que esta funcione como logradouro de um outro prédio pertencente aos recorrentes.</font><br>
<font>29ª - Atendendo a esta ideia que agora se explorou e o facto de, como se viu, o Regulamento do PDM de Loures permitir que o terreno possa ter uma outra utilização que vai para além da cultura agrícola, apenas podemos concluir que estão reunidos os pressupostos para que não se aplique a proibição do fraccionamento nos termos das alíneas a) e c) do artigo 1377° do Código Civil e, deste modo, se determine que o prédio rústico em crise é, em termos jurídicos, divisível.</font><br>
<font>30ª - Se foi pedida uma licença de construção e essa licença de construção foi emitida, é porque o seu requerente quer construir necessariamente alguma coisa no terreno em causa e, nessa medida, verifica-se que o terreno tem (ou pode ter) outros fins que não necessariamente agrícolas.</font><br>
<font>31ª - Deveria o Tribunal a quo ter considerado que o prédio em questão se trata de um terreno apto para construção, preenchendo assim o disposto nas alíneas a) e c) do artigo 1377° do Código Civil.</font><br>
<font>32ª - Pedida que foi a licença de construção, anos antes da presente acção começar, apenas se vislumbra um propósito com tal pedido, o de construir, legalmente. O facto de não se ter iniciado construção alguma, deveu-se, como é, aliás, do conhecimento do Tribunal a quo</font><i><font>, </font></i><font>ao facto de existir a presente acção a decorrer, por via da qual pretendem os recorridos despejar a recorrente, a fim de que possam erguer uma construção na totalidade do prédio rústico em crise, incluindo o 1/6 da recorrente.</font><br>
<font>33ª - O terreno em juízo deve ser considerado divisível por valorização diversa dos factos e do Direito que o Tribunal a quo</font><i><font> </font></i><font>fez.</font><br>
<font>34ª - O muro reconduziu-se a uma construção que visou a desintegração de terrenos, com o fim de delimitar duas áreas distintas de um mesmo terreno, designadamente a parcela de 1/6 da parcela de 5/6.</font><br>
<font>35ª - O Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no artigo 1377° do CC.</font><br>
<font>36ª - Deve o Tribunal ad quem</font><i><font> </font></i><font>revogar o acórdão e julgar procedente a contestação apresentada pela recorrente, no sentido de se considerar que o prédio é divisível, nos termos dos artigos 209° e</font><b><font> </font></b><font>1377° do Código Civil.</font><br>
<font>Os autores não apresentaram contra-alegações.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, um novo facto, com o nº 10, atento o preceituado pelos artigos 369º, nº 1, 371º, nº 1, do Código Civil (CC), 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font><br>
<font>1. Por partilha, judicialmente homologada, em inventário por óbito de EE, autuado sob o nº 31/79, e que correu termos na 1ª secção, do 3º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca Loures, de que os presentes autos são apenso, os aqui primitivos requerentes adquiriram 1/3 do prédio rústico, denominado “L................ ou B............... com a área de 2.966m2, composto de matos, e confrontando a Norte com LL, a Sul com Severino Duarte, a Nascente com MM e de Poente com caminho, prédio este descrito, sob a ficha nº 1688, da 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures, e inscrito na competente matriz predial, sob o artigo 53º, Secção A da freguesia de Lousa, aquisição essa registada a seu favor, mediante a inscrição G4 – Ap. 00000000.</font><br>
<font>2. Em virtude da supra referida partilha, os ora primitivos requeridos adquiriram, igualmente, 1/3 do identificado prédio, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G3 – Ap. 0000000000.</font><br>
<font>3. Tendo o restante 1/3 sido, pela mesma via, adquirido por NN, casada com OO, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G2 – Ap. 00000000.</font><br>
<font>4. Posteriormente, por compra, os primitivos requerentes adquiriram a NN e OO o 1/3 do prédio rústico, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G5 – Ap. 0000000.</font><br>
<font>5. Por último, adquiriam outro 1/6 aos aqui primitivos requeridos, aquisição essa registada, a seu favor, mediante a inscrição G6 – Ap. 00000000.</font><br>
<font>6. Os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do prédio supra referido, estando tal construção licenciada, pela Câmara Municipal de Loures, através do alvará de licença nº 621, emitido em 30 de Setembro de 1987.</font><br>
<font>7. Os requeridos cultivam a parcela de terreno que muraram.</font><br>
<font>8. Em 2 de Dezembro de 2003, a Câmara Municipal de Loures emitiu o alvará de licença de construção nº 0000000, relativo ao Proc. Nº 39.915/OCP/N, válido até 3 de Setembro de 2004, licenciando a construção de um imóvel no prédio em causa nos autos.</font><br>
<font>9. O prédio em causa nos autos situa-se num aglomerado urbano.</font><br>
<font>10. A presente acção deu entrada em juízo, no dia 20 de Fevereiro de 2003 – Documento de folhas 2.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da aquisição da fracção dos requeridos, por usucapião.</font><br>
<font>II – A questão da divisibilidade da fracção dos requeridos.</font><br>
<br>
<font> I. DA AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO DA FRACÇÃO </font><br>
<font> </font><br>
<font>Defendem os requeridos que deve concluir-se pela aquisição, por usucapião, a seu favor, da parcela de 1/6 do prédio dos autos.</font><br>
<font>A acção de divisão de coisa comum constitui uma forma de extinção especial da compropriedade, ou de cessação da comunhão, uma vez que o seu objecto pode ser indivisível (1), porquanto nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa, atento o estipulado pelos artigos 1412º e 1413º, nº 1, do CC.</font><br>
<font>E a propriedade em comum, ou compropriedade existe, quando duas ou mais pessoas são, simultaneamente, titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, conforme dispõe o artigo 1403º, nº 1, do CC, sendo certo que cada um dos proprietários tem direito a uma quota ideal ou intelectual do objecto da compropriedade (2).</font><br>
<font>Mas, como o direito de cada comproprietário à aludida quota ideal ou intelectual do objecto da compropriedade incide sobre a totalidade do imóvel, e não sobre uma parte específica deste, de acordo com a construção jurídica tradicional que melhor define a sua natureza (3), e que o legislador consagrou, o uso da coisa comum, por um dos comproprietários, não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior ao âmbito do seu quinhão, nos termos do disposto pelo artigo 1406º,nº 2, salvo se tiver havido inversão do título, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1265º, ambos do CC.</font><br>
<br>
<font>Efectivamente, o estado de facto criado pela divisão amigável efectuada pelos comproprietários, isto é, sem ter sido precedida de escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, através do instituto da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais, sendo certo que, por ser possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse.</font><br>
<font>Por seu turno, a inversão do título da posse pode dar-se, de acordo com o preceituado pelo artigo 1265º, do CC, “por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse”.</font><br>
<font>Na verdade, a inversão do título da posse tem subjacente a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, e destina-se a substituir uma situação sem relevo jurídico especial por uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais.</font><br>
<font>Ora, para que a inversão por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía aconteça, importa que o detentor torne, directamente, conhecida da pessoa em cujo nome possuía, quer judicial, quer extra-judicialmente, a sua intenção de actuar como titular do direito (4), sendo uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem, e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem (5).</font><br>
<font>Retornando à factualidade relevante que ficou demonstrada, com vista à sua subsunção ao Direito aplicável, importa reter que, em consequência de partilha judicial, os primitivos requerentes adquiriram 1/3 do prédio rústico, denominado “L................ ou B............... cuja aquisição registaram, a seu favor, enquanto que os primitivos requeridos adquiriram, igualmente, 1/3 do identificado prédio, aquisição essa, igualmente, registada a seu favor.</font><br>
<font>Por seu turno, os primitivos requerentes adquiriram o restante 1/3 do prédio, por compra a NN e OO, que registaram, a seu favor.</font><br>
<font>Finalmente, os mesmos primitivos requerentes adquiriam ainda 1/6 da terça parte dos primitivos requeridos, aquisição essa que, também, registaram a seu favor.</font><br>
<font>A isto acresce que os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do prédio, correspondente a 1/6 do mesmo, estando tal construção licenciada, pela Câmara Municipal de Loures, através do alvará de licença nº 621, emitido em 30 de Setembro de 1987, cultivando a parcela de terreno murada, e, em 2 de Dezembro de 2003, aquele Município emitiu o alvará de licença de construção nº 00000000, válido até 3 de Setembro de 2004, autorizando a construção de um imóvel, no prédio em causa, situado em aglomerado urbano.</font><br>
<font>Assim sendo, ao murarem a referida parcela de terreno de 1/6 do prédio, os requeridos exteriorizaram, perante os autores, a sua intenção de se comportarem como titulares do correspondente direito, de modo a considerar-se verificada a inversão do seu título de posse precária, nos termos do disposto pelo artigo 1265º, do CC.</font><br>
<font>Porém, a posse, originariamente, precária continua, indefinidamente, e, em princípio, com a mesma natureza, enquanto não houver inversão do título de posse, iniciando-se, então, a posse em nome próprio que, sendo portadora dos demais requisitos legais, é susceptível de viabilizar a aquisição do direito correspondente, pela via da usucapião, consagrada pelo artigo 1287º, do CC.</font><br>
<font>De todo o modo, a usucapião apenas começa a correr, a partir da inversão do título, o que só tem, evidentemente, interesse, no caso em apreço, para a hipótese da usucapião regulada pelo artigo 1296º, do CC, em que existe falta de registo do título e da mera posse, devendo ainda a posse ser pacífica, não tendo sido obtida com coacção física ou moral, exercida, publicamente, por forma a ser conhecida pelos interessados, e de boa fé, por se ignorar, ao adquiri-la, que se esteja a lesar o direito de outrem, atento o preceituado pelos artigos 1260º, nº s 1 e 2, 1261º, nºs 1 e 2 e 1262º, todos do CC. </font><br>
<font>E, presumindo-se a má fé na posse não titulada, sem que os requeridos tenham ilidido essa presunção, a aludida posse deve ser qualificada de má-fé, com base no estipulado pelos artigos 1260º, nº 2 e 342º, nº 2, do CC.</font><br>
<font>Assim sendo, tratando-se de posse não titulada e de má fé, a usucapião só poderia ter lugar, ao fim de vinte anos contínuos, após o seu início, atento o disposto pelo artigo 1296º, do CC.</font><br>
<font>Ora, tendo a posse dos primitivos requeridos, após a inversão do título, começado nunca antes de 30 de Setembro de 1987, data da emissão da licença de construção do muro divisório da parcela, embora não se tivesse demonstrado o momento da sua construção, e tendo a presente acção sido proposta, em 20 de Fevereiro de 2003, haviam apenas decorrido quinze anos sobre aquela data, prazo insusceptível de, nas circunstâncias do caso concreto, gerar a posse boa para a usucapião.</font><br>
<font>Deste modo, não se demonstrou ter ocorrido o decurso do prazo bastante para a usucapião da parcela de 1/6 do prédio que os primitivos requeridos ocupavam, em consequência de uma divisão material ou de facto nula, além do mais por não ter sido precedida de redução a escritura pública, que servisse como causa de cessação da compropriedade, e como tal determinante de um obstáculo legal originário ao prosseguimento da acção de divisão de coisa comum com vista à fase executiva.</font><br>
<br>
<font> II. DA DIVISIBILIDADE DA FRACÇÃO</font><br>
<br>
<font>Porém, existindo a compropriedade e, portanto, fundamento legal para a acção de divisão de coisa comum, será indivisível o seu objecto, como sustentam os autores, o que, no âmbito da acção, determinaria, então, a cessação da comunhão, não pela sua divisão em substância, mas antes pela adjudicação ou venda da coisa comum.</font><br>
<font>Efectivamente, estipula o artigo 1052º, nº 1, do CPC, que “todo aquele que pretenda por termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou a adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.</font><br>
<font>Sustentam os requeridos a natureza divisível do prédio, por estar classificado como área florestal e silvo-pastoril, e se encontrar, igualmente, apto a receber construções, uma vez que o terreno está, também, inserido num aglomerado urbano, não tendo, assim, o seu destino que se reconduzir, necessariamente, à agricultura.</font><br>
<font>Diversamente, os autores e as instâncias entendem que o prédio objecto da presente acção tem natureza rústica, sendo, materialmente, indivisível.</font><br>
<font>Diga-se, desde já, que a divisibilidade prevista pelo artigo 1052º, nº 1, do CPC, é aquela que permite inteirar em espécie todos os interessados, sem que tal importe o pagamento de tornas.</font><br>
<font>Dispõe o artigo 209º, do CC, que “são divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”.</font><br>
<font>Estas três circunstâncias convocadas pelo normativo transcrito, ou seja, a não alteração da substância, a não diminuição do valor e a não existência de prejuízo para o uso a que a coisa se destina, desde que verificadas, cumulativamente, permitem qualificar a coisa como divisível, mas, ao invés, a falta de qualquer delas significa a sua indivisibiliadade.</font><br>
<font>Para além deste critério, predominantemente, jurídico, e não naturalístico ou físico-material, existe ainda a indivisibilidade resultante de convenção e a indivisibilidade determinada por lei, como acontece, na hipótese do artigo 1376º, do CC, que agora imposta considerar.</font><br>
<font>Porém, o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que a mesma se encontra quando a divisão é requerida, atendendo-se ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser(6).</font><br>
<font>Por seu turno, preceitua o artigo 204º, nº 2, do CC, que, “entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”.</font><br>
<font>De acordo com a teoria da afectação económica, que está subjacente ao antecedente normativo legal, o prédio rústico é, assim, o terreno, ainda que com construções, desde que desprovidas de autonomia económica, e o prédio urbano um edifício com o logradouro, sendo indiferente o tipo de inscrição matricial, dada a especificidade dos critérios fiscais, bem como o tipo de descrição predial.</font><br>
<font>Por outro lado, o prédio rústico poderá ter uma afectação agrícola, isto é, tratar-se de terreno de regadio, arvense ou hortícola, ou de terreno de sequeiro (7), sendo certo que as construções que nele, eventualmente, existam não prejudicam essa qualificação global, desde que não tenham autonomia económica (8), servindo a agricultura.</font><br>
<font>E o prédio pode continuar ainda a ser rústico, mesmo que seja estéril, esteja abandonado ou se destine, simplesmente, à construção, aguardando ou não as competentes licenças (9).</font><br>
<font>Estipula o artigo 3º, nº 1, do Código do Imposto Municipal de Imóveis (10), que tem subjacente o critério fiscal, que adopta o conceito funcional de distinção entre prédio urbano e prédio rústico, que são prédios rústicos “os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do nº 3 do </font><u><font>artigo 6º</font></u><font>, desde que estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) [a]; ou, não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor [b].</font><br>
<font>Efectivamente, no âmbito da classificação dos prédios urbanos, contam-se, nomeadamente, atento o já citado artigo 6º, nº 3, do Código do Imposto Municipal de Imóveis, os terrenos para construção, como tal se considerando “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo…”.</font><br>
<font>Mas, são, também, prédios rústicos, segundo consta do correspondente nº 2, “os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação”. </font><br>
<font>Por seu turno, o artigo 4º, do Código do Imposto Municipal de Imóveis, diz que “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no </font><u><font>artigo seguinte</font></u><font>”, que se reporta aos prédios mistos que, para o efeito, não releva analisar.</font><br>
<font>Finalmente, a descrição predial tem por fim, em conformidade com o preceituado pelo artigo 79º, nº 1, do Código do Registo Predial, “…a identificação física, económica e fiscal dos prédios”.</font><br>
<font>Assim sendo o Registo Predial deve exprimir a natureza rústica ou urbana do prédio, sendo, por isso, contraditório com os seus objectivos e com os princípios básicos que justificam a sua existência, que um prédio rústico seja publicitado como urbano ou um prédio urbano publicitado como rústico.</font><br>
<font>Deste modo, o Registo Predial faz uma aproximação ao conceito fiscal, tendendo a consagrar a natureza urbana ou rústica dos prédios, em função do aludido critério, porquanto aquele artigo 79º, nº 1, do Código do Registo Predial, aponta como fim da descrição predial “…a identificação física, económica e fiscal dos prédios”, enquanto que o artigo 28º, deste mesmo diploma legal, consagra o princípio da harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de rectificação ou alteração desta.</font><br>
<font>Revertendo à matéria de facto que ficou consagrada, importa considerar, neste particular, que o prédio objecto da presente acção é um prédio rústico, denominado “L................ ou B............... como consta, sucessivamente, das inscrições prediais da sua aquisição, registadas em 17 de Fevereiro de 1998, 21 de Janeiro e 13 de Julho de 1999.</font><br>
<font>Por outro lado, os requeridos muraram uma parcela de terreno concreta do mesmo prédio, que cultivam, e que se situava num aglomerado urbano, sendo certo que, em 2 de Dezembro de 2003, a Câmara Municipal de Loures emitiu um alvará, válido até 3 de Setembro de 2004, licenciando a construção de um imóvel no prédio em causa.</font><br>
<font>Esta factualidade, com especial destaque par a ausência de construções, localização em aglomerado urbano, destino ao cultivo agrícola e licença de construção, cujo prazo de validade foi, largamente, excedido, de acordo com os critérios classificativos respeitantes à delimitação das fronteiras entre prédios rústicos e urbanos, permite catalogar o prédio em apreço como um prédio rústico, particularmente, com base no critério civilista da afectação económica da sua identificação fiscal, não obstante o critério fiscal, de natureza funcional, revestir fortes características da mesma natureza rústica.</font><br>
<font>E, na verdade, o prédio em análise encontra-se inserido, em área classificada como “Espaços Não Urbanizáveis – Florestais de Produção – Áreas Florestais e Silvo-Pastoris”, de acordo com o artigo 79º, nº 6 “(11)”., do Regulamento do Plano Director Municipal de Loures (12).</font><br>
<font>Assim sendo, tratando-se de um prédio rústico, importa, então, considerar a indivisibilidade resultante de imposição legal, a que se reporta o artigo 1376º, do CC.</font><br>
<font>Dispõe o artigo 1376º, nº 1, do CC, que “os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País;…”.</font><br>
<font>Ora, tendo o prédio objecto da presente acção a área de 2966 m2, portanto, largamente, inferior à unidade de cultura para os terrenos de natureza arvense em causa, que é de 2 hectares, atento o preceituado pela Portaria nº 202/70, de 21 de Abril, é insusceptível de divisão, em parcelas, por imperativo legal.</font><br>
<font>Com efeito, a limitação relativa ao fraccionamento dos prédios rústicos diz respeito, apenas, aos terrenos aptos para cultura, isto é, próprios para fins agrícolas, florestais ou pecuários | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5DKtu4YBgYBz1XKvMCzC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><br>
<br>
<font>AA e esposa, BB, propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra CC e esposa, DD, EE, e Herdeiros de FF e GG, ou seja, HH, casado com II residentes no concelho da Mealhada, JJ, casada com KK, LL, casada com MM, NN, casado com OO e PP estes últimos residentes em 1................., Luxemburgo, pedindo que, na sua procedência, os primeiros réus sejam condenados no pagamento aos autores da quantia de €15.072,00, acrescida dos juros que se vencerem, até integral pagamento [1], o segundo réu seja condenado no pagamento aos autores da quantia de €15.072,00, acrescida dos juros que se vencerem, até integral pagamento [2] e, finalmente, os terceiros réus sejam condenados, solidariamente, na qualidade de herdeiros de FF e GG, no pagamento aos autores da quantia de €15.072,00, acrescida dos juros que se vencerem, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<font>Para o fim pretendido, os autores alegam, em síntese, que, em 12 de Fevereiro de 1996, avalizaram uma livrança, conjuntamente com os primeiros e segundo réu, bem como com os falecidos PP e GG, pais dos terceiros réus, que se habilitaram à respectiva herança.</font><br>
<font> Porém, a incapacidade financeira da sociedade devedora, aliada ao facto dos restantes avalistas não terem património de relevo, fez com que a totalidade dos bens dos autores tivesse sido penhorada, à ordem dos autos de execução nº 297/99, do 1º Juízo da Comarca Anadia, ascendendo a quantia exequenda a 12.086.452$00. </font><br>
<font>Assim, como única forma de evitar a venda judicial do seu património, os autores pagaram à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada a quantia de €60.287,00, tendo, para tanto, celebrado com a sociedade “N....... e Gestão, Lda” um contrato de mútuo da totalidade da quantia exequenda, a qual negociou, junto da Caixa de Crédito Agrícola, o pagamento do respectivo débito.</font><br>
<font>Deste modo, face à verificada inconsistência patrimonial da principal devedora, os réus são responsáveis solidários pela quantia paga pelos autores, que ficam subrogados na posição, anteriormente, detida pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada, com direito a serem ressarcidos pela quota parte da responsabilidade que caberia aos réus, na qualidade de avalistas, no montante de €15.072,00.</font><br>
<font>Na sua contestação, o réu EE concluiu pela improcedência da acção com a subsequente absolvição no pedido, alegando que, no caso de os autores terem procedido ao pagamento da livrança, à aludida entidade bancária, gozariam, então, do direito de reclamar de cada um dos restantes co-avalistas, individualmente, uma quota-parte da dívida, correspondente a 1/7 do respectivo valor, no montante de €1726,64, sendo a responsabilidade de cada co-avalista, caso exista, conjunta e não solidária, para além de que o co-réu HH já pagou ou amortizou, parcialmente, a dívida reclamada pelos autores, impugnando, quanto ao mais, os factos articulados na petição.</font><br>
<font>Na réplica, os autores alegam que não se verificou qualquer cessão de créditos, mas antes um contrato de mútuo celebrado entre si e a referida sociedade, mantendo os mesmos, em consequência, o direito de fazer valer, judicialmente, o crédito que para eles resultou do pagamento das responsabilidades decorrentes do aval.</font><br>
<font>Quanto ao pagamento da dívida, por dação em cumprimento, sustentam que esta se mantém e que o réu HH nunca fez a entrega aos autores de qualquer imóvel, para o efeito, e que, na melhor das hipóteses, sempre lhes seria devida a diferença entre o valor do imóvel, nunca superior a €10.000,00, e o valor que reclamam na acção.</font><br>
<font> </font><font>No saneador, relegou-se o conhecimento da excepção peremptória extintiva do pagamento para a decisão final. </font><br>
<font>A sentença julgou a acção procedente e, em consequência, condenou os primeiros réus a pagar aos autores a quantia de €15.072,00, acrescida dos juros que se vencerem, até integral pagamento, o segundo réu, no pagamento aos autores da quantia de €15.072,00, acrescida dos juros que se vencerem, até integral pagamento, e os terceiros réus, na qualidade de herdeiros de FF e GG, no pagamento aos autores da quantia de €15.072,00, acrescida dos juros que se vencerem, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<font>Desta sentença, os réus CC e esposa, DD, EE e JJ interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto pelos apelantes CC e esposa, DD, JJ e outros e, consequentemente, manteve a sentença recorrida, neste particular, declarado suprida a nulidade da sentença recorrida, por violação da alínea d), do nº 1, do artigo 668º, do CPC, e, consequentemente, julgado a acção, procedente por provada, condenando o réu-apelante EE, no pagamento aos autores-apelados, da quantia de €15.072,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, no mais julgando improcedente o recurso de apelação interposto pelo réu-apelante EE, mantendo-se, por via desta razão, a sentença recorrida.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Coimbra, interpôs agora recurso de revista o réu EE terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – Os autores demandaram o recorrente na sua qualidade de co-avalista da firma "M..... Lda." subscritora da livrança por esta entregue à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mealhada, mas não se mostra provado nos autos que sejam eles os legítimos portadores de tal livrança.</font><br>
<font>2ª - Em concreto, o pedido formulado contra o apelante vem fundamentado no facto de os autores haverem procedido ao pagamento àquela CCAM da quantia de €60.287,00, que esta lhes exigiu em virtude de a "M.............., Lda." não haver cumprido as suas obrigações contratuais emergentes de um mútuo celebrado com aquela.</font><br>
<font>3ª - Porém, a única fonte de responsabilidade que os demandantes poderiam invocar contra o recorrente seria o aval que este deu na livrança a favor da respectiva subscritora, e não uma outra obrigação subjacente a um contrato de mútuo, ainda que conexionado com a emissão do título avalizado.</font><br>
<font>4ª - Constituindo o aval uma obrigação cartular, formal-abstracta, gerada por uma declaração de vontade exarada no próprio título, cuja existência e efeitos não podem separar-se deste,</font><br>
<font>5ª - Não podem os autores exigir do apelante as suas responsabilidades de co-avalista sem que simultaneamente façam prova de se haverem tornado donos e legítimos portadores da livrança em causa, ficando assim excluída a possibilidade de um terceiro portador reclamar ulteriormente o pagamento da mesma; aliás,</font><br>
<font>6ª - Mostra-se junta aos autos, pelos próprios autores, para prova dos quesitos 9º, 10º, 11º e 12º da base Instrutória, uma certidão judicial emanada dos autos de execução ordinária que, com o nº 0000000, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mealhada instaurou contra os autores e alguns avalistas, comprovativa de que:</font><br>
<font>a)— A firma N...... - Imobiliária e Gestão, Lda. se arroga ter adquirido daquela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo o crédito que esta detinha sobre os executados,</font><br>
<font>b)— Invocando para tanto a celebração de um contrato de cessão do crédito, que logo juntou aos autos,</font><br>
<font>c)— Em cujas cláusulas terceira, quarta e quinta se formaliza a transmissão do crédito da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo para a NIARICAR,</font><br>
<font>d)— Consignando na cláusula sexta que, com a cessão do seu crédito, a Caixa transmite à NIARICAR "todos os direitos inerentes, ao mesmo crédito e, nomeadamente, a sua posição como Exequente na acção executiva referida na cláusula quarta, com as garantias consubstanciadas nas penhoras já registadas".</font><br>
<font>7ª -</font><i><font> </font></i><font>Mas ainda que se mostrasse serem os autores legítimos portadores da livrança dada à execução, inexistiria o seu invocado direito de reclamar ao recorrente o reembolso de uma quota parte da quantia que pagaram à CCAM de Mealhada,</font><br>
<font>8ª - Uma vez que os co-avalistas de um mesmo obrigado cambiário não se acham vinculados entre si por obrigações de natureza cartular, como se extrai "a contrario sensu"</font><i><font> </font></i><font>do disposto nos arts. 77º in fine e 32º, III, da L.U.L.L.,</font><br>
<font>9ª - Sendo certo, por outro lado, que não é lícita a invocação analógica do regime da fiança, instituído no direito civil, pelo avalista pagador da livrança, a fim de repartir pelos demais co-avalistas a responsabilidade assumida,</font><br>
<font>10ª - Pois apenas lhes é possível reclamar dos restantes co-avalistas uma quota-parte da quantia que houver pago se porventura todos eles, garantes, houverem convencionado extracartularmente tal regime para regulação das suas relações internas, de forma expressa e formal,</font><br>
<font>11ª - O que não se verificou no caso dos autos, como é evidenciado pela total ausência de invocação de tal matéria nos articulados, quer pelos autores quer pelos réus,</font><br>
<font>12ª - Donde tudo se conclui não estarem reunidos os pressupostos factuais e jurídicos necessários à constituição do crédito reclamado pelos autores sobre o recorrente.</font><br>
<font>Mas ainda que assim não se entendesse:</font><br>
<font>13ª - Por força do disposto no artº 516º do Código Civil, os devedores solidários comparticipam em partes iguais na dívida, a menos que da relação jurídica entre eles estabelecida resulte serem diferentes as respectivas responsabilidades,</font><br>
<font>14ª - Sendo justamente esse o caso dos sete co-avalistas da livrança em questão, como resulta do disposto no artº 32º, III, da LULL "a contrario sensu",</font><i><font> </font></i><font>e no artº 650º nº 1 do Código Civil; assim,</font><br>
<font>15ª - Atento o disposto no artº 524º do Código Civil, os autores apenas teriam direito a reclamar do apelante 1/7 da quantia de €60.287,00 que pagaram à CCAM de Mealhada — ou seja, o montante máximo de €8.612,43 — por serem sete os obrigados ao pagamento da dívida.</font><br>
<font>Os autores não apresentaram contra-alegações.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. “M.........., Lda.”, sociedade comercial por quotas, com sede em Silva, Casal Comba, Mealhada, subscreveu e entregou à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mealhada uma livrança, emitida em 1996-02-12, com vencimento para 1999-07-06, no valor de 11.988.238$00, equivalente a €59.797,08 [A].</font><br>
<font>2. A referida livrança destinava-se a garantir um contrato de mútuo (financiamento nº 002701), celebrado entre a sociedade “M........, Lda.” e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada [B].</font><br>
<font>3. No verso da referida livrança e sob os dizeres manuscritos “dou o meu aval aos subscritores”, apuseram as respectivas assinaturas: o autor AA, a autora BB, o réu EE, o réu CC, a ré QQ, FF e GG [C].</font><br>
<font>4. Os autores apenas prestaram à referida livrança um aval de favor - [4º].</font><br>
<font>5. Por tal lhes ter sido peticionado pelos gerentes da sociedade – HH e II – com quem tinham boas relações pessoais – [5º].</font><br>
<font>6. FF e GG faleceram [D].</font><br>
<font>7. Por escrito, denominado “habilitação de herdeiros”, realizado no dia 1 de Março de 1999, no Cartório Notarial de Cantanhede, compareceram RR, SS e TT, que declararam que FF e GG faleceram, em 16-10-1997 e 07-10-1998, respectivamente, não tendo feito testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado como seus herdeiros legitimários, como única descendência sucessível, os cinco filhos, JJ, LL, HH, NN e UU [E].</font><br>
<font>8. A sociedade “M.........., Lda.” nada pagou à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada [1º]. </font><br>
<font>9. Nem mostrou qualquer interesse em fazê-lo, porque já não dispunha de património consistente [2º].</font><br>
<font>10. A situação de incapacidade financeira da sociedade devedora, aliada ao facto dos restantes avalistas não terem património de relevo ou, antevendo a ruína financeira da sociedade “M.........., Lda.”, terem tido o cuidado de o ocultar, fez com que a totalidade do património dos autores tivesse sido penhorado, à ordem dos autos de execução, referidos em H) [3º].</font><br>
<font>11. A sociedade “M.........., Lda.” não cumpriu as suas obrigações para com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada [F].</font><br>
<font>12. A situação, referida em F), fez com que os autores, os primeiros e o segundo réus tivessem sido executados pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada [G].</font><br>
<font>13. Tendo a execução corrido termos, no 1º Juízo do Tribunal da Comarca da Anadia, sob o processo n° 297/99 [H].</font><br>
<font>14. A quantia exequenda correspondia ao montante de 12.086.452$00 [I].</font><br>
<font>15. A referida execução foi intentada contra a sociedade “M.........., Lda.”, contra os autores e contra os primeiros e segundo réus [J].</font><br>
<font>16. Uma vez que, à data, os avalistas FF e GG já tinham falecido [K].</font><br>
<font>17. E a sociedade “M.........., Lda.”, por sentença judicial proferida pelo 1º juízo do Tribunal Judicial de Anadia, nos autos de falência nº 000000, tinha sido declarada falida [L].</font><br>
<font>18. Foram forçados a pagar a quantia em divida para com a Caixa Agrícola [6º].</font><br>
<font>19. Como única forma de evitar a venda judicial do seu património [7º].</font><br>
<font>20. Que já se encontrava penhorado [8º].</font><br>
<font>21. Os autores pagaram à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada a quantia de 12.086.452$00 (doze milhões, oitenta e seis mil e quatrocentos e cinquenta e dois escudos), equivalente a €60.287,00 (sessenta mil duzentos e oitenta e sete euros) [9º].</font><br>
<font>22. Encontra-se inscrito, na Repartição de Finanças de Cantanhede, o prédio rústico, denominado “pinhal e mato”, sito no B........., freguesia da Pocariça, concelho de Cantanhede, correspondente ao artigo matricial 1407, a confrontar do Norte com VV, do Nascente com XX e outro, do Sul com ZZ e outros e do Poente com AAA, em nome de “AA”, sendo seus anteriores titulares inscritos “BBB” e “CCC [M].</font><br>
<font>23. Encontra-se descrito, na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede, sob o nº 0000000000, a aquisição do prédio rústico “Bairrinho Vermelho”, pinhal e mato, com a área de 9.890 m2, a confrontar do Norte com VV do Sul com ZZ, do Nascente com DDD e do Poente com EEE, por AA, casado no regime de comunhão geral de bens com BB, por compra e venda a FFF viúva, GGG casada no regime de separação com HHH, III solteiro, JJJ solteiro, KKK, solteira, e LLL, divorciada (G1 -ap- 10/160501) [N].</font><br>
<font> Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da natureza jurídica dos co-avalistas de um mesmo obrigado cambiário.</font><br>
<font>II – A questão da legitimidade do co-avalista para accionar os demais.</font><br>
<font>III. A questão da quota-parte da responsabilidade dos co-avalistas entre si.</font><br>
<br>
<font>I. DA NATUREZA JURÍDICA DOS CO-AVALISTAS DE UM MESMO OBRIGADO CAMBIÁRIO</font><br>
<br>
<font>Sustenta o réu EE que inexiste o direito alegado pelos autores de reclamar o reembolso de uma quota parte da quantia que pagaram à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada, uma vez que os co-avalistas de um mesmo obrigado cambiário não se acham vinculados entre si por obrigações de natureza cartular, nem é lícita a invocação analógica do regime da fiança civil, a fim de repartir pelos demais co-avalistas a responsabilidade assumida, a menos que todos eles houvessem convencionado, extracartularmente, tal regime para regulação das suas relações internas.</font><br>
<font>Efectuando uma síntese do essencial da factualidade relevante que ficou consagrada, importa reter que a sociedade comercial “M.........., Lda.” subscreveu e entregou à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mealhada uma livrança, no valor equivalente a €59.797,08, destinada a garantir um financiamento de igual montante, objectivado através de um contrato de mútuo que esta concedeu aquela sociedade, sendo certo que, no verso do referido título, e sob os dizeres manuscritos “dou o meu aval aos subscritores”, os autores apuseram as respectivas assinaturas, conjuntamente com os réus EE, CC e esposa, DD, FF e GG, entretanto, habilitados pelos restantes réus.</font><br>
<font>Porém, os autores, que apenas prestaram à referida livrança um aval de favor, por tal lhes ter sido peticionado pelos gerentes da sociedade, os réus HH e esposa, II com quem tinham boas relações pessoais, como a referida sociedade nada pagou à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada, nem mostrou qualquer interesse em fazê-lo, porque já não dispunha de património consistente, aliás, viria a ser declarada falida, enquanto que os restantes avalistas não tinham património de relevo, viram penhorada, em execução proposta contra aqueles, os primeiros e segundo réus, pela aludida entidade bancária, no quantitativo de 12.086.452$00, a totalidade do seu património, acabando por ser forçados a pagar a quantia em divida, como única forma de evitar a venda judicial do seu património, satisfazendo à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada este montante, equivalente a €60.287,00.</font><br>
<font>Dispõe o artigo 30º, I e II, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), aplicável à livrança, por força do preceituado pelo respectivo artigo 77º, ultimo paragrafo, que “o pagamento de uma letra [livrança] pode ser no todo ou em parte garantido por aval”, sendo certo que “esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra [subscritor da livrança]”.</font><br>
<font>Assim, a função do aval, na livrança, consiste em garantir o seu pagamento, o direito de crédito cambiário com o seu valor patrimonial, por parte de um dos seus subscritores, na data do respectivo vencimento, em consequência da convenção estabelecida entre o mesmo e o avalista.</font><br>
<font>Trata-se, em geral, de um acto cambiário de mero favor, prestado por terceiro, não signatário da livrança, em que o avalista oferece uma garantia à obrigação cartular do avalizado, por cuja responsabilidade se mede a do avalista, embora, materialmente, autónoma da daquele, e não à obrigação subjacente</font><font> </font><font>(1)</font><br>
<font>Por outro lado, estipula ainda o artigo 32º, I e II, que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, e se “ paga(r) a letra [livrança], fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra [livrança] contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra [livrança]”, acrescentando o respectivo artigo 47º, I e II, ambos da LULL, que “os…avalistas de uma letra [livrança] são todos solidariamente responsáveis para com o portador”, sendo certo que “o portador ou qualquer dos signatários de uma letra [livrança] quando a tenha pago tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram”.</font><br>
<font>Porém, o aval em análise não foi dado a favor dos réus, nem estes estão obrigados a favor da pessoa em causa, porquanto apenas se encontram vinculados a favor do beneficiário da livrança, que é a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada, e não do subscritor da mesma, a sociedade “M.........., Lda”.</font><br>
<font>Com efeito, os autores, em consequência do pagamento da livrança ao Banco beneficiário, receberam o título por endosso, sendo, então, aqueles, embora endossados, conjuntamente com os ora réus, também, avalistas, responsáveis pelo pagamento da aludida livrança para com o beneficiário, não deixando, portanto, os autores de, apesar de endossados, ser, igualmente, avalistas.</font><br>
<font>Assim sendo, o direito de regresso dos autores, em relação aos réus, decorre não de uma relação cambiária, regulada pela Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, mas antes de uma relação de solidariedade entre devedores, disciplinada pelo Direito Civil.</font><br>
<font>Deste modo, as relações entre os avalistas, ou seja, entre autores e réus, não são de natureza cambiária, em conformidade com a consideração 75 do relatório da Conferência de Genebra, que aprovou a Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, ao estabelecer, em termos de constituir uma verdadeira interpretação autêntica do respectivo articulado, que “não havia entre co-avalistas relações cambiárias, mas somente de direito comum, que uma lei uniforme sobre letras não tinha de regular”.</font><br>
<font>Tratando-se de vários co-avalistas, como acontece na hipótese em apreço, o aval é colectivo, pelo que, pelo menos, à face da lei cambiária, nenhum direito de regresso cabe a um avalista de aceitante de letra ou de subscritor de livrança que pague o respectivo título, em relação a algum seu co-avalista.</font><br>
<font>Com efeito, se o avalista pagar a livrança, apenas fica sub-rogado nos direitos emergentes deste título contra o avalizado e contra os obrigados para com este, em virtude da livrança, razão pela qual não sendo os réus avalizados, mas avalistas da subscritora da livrança, nem sendo obrigados para com esta, não dispõem os autores do direito de regresso contra aqueles, em termos de acção cambiária, pois que só podem usufruir desta acção contra aquela subscritora, e não contra os demais co-avalistas, sendo certo que a LULL não prevê um nexo cambiário que faculte ao avalista que paga ao portador accionar, cambiariamente, os seus consócios no aval</font><font> (2)</font><font>.</font><br>
<font>Sendo o aval um verdadeiro acto cambiário, encontra-se, desde logo, sujeito ao regime jurídico cambiário, mas a que se aplicam os princípios fundamentais reguladores da fiança que o regime específico da lei cambiária não afaste, explicitamente.</font><br>
<font>De todo o modo, independentemente da caracterização sobre a natureza jurídica do aval, quer o mesmo se considere como uma fiança cambiária ou antes como uma obrigação autónoma, a LULL responsabiliza o avalista da mesma forma que a pessoa afiançada</font><font> (3)</font><font>.</font><br>
<font>Porém, não obstante a inexistência de relações cambiárias entre os diversos co-avalistas do mesmo subscritor, sendo a obrigação daqueles, perante o avalista que pagou, não uma obrigação cambiária, mas antes uma obrigação de direito comum, regulável pelas normas que disciplinam o instituto da fiança, por ser aquele com o qual apresenta maiores afinidades, e que possibilitam aquele que pague a letra ou a livrança accionar não, cambiariamente, os seus co-avalistas, para com eles dividir a parte não cobrada dos devedores principais</font><font> (4)</font><font>.</font><br>
<font>Ora, o co-avalista que pagou a livrança ao tomador é o portador legítimo do título, gozando de legitimidade para accionar os demais co-avalistas, reclamando destes, que a não satisfizeram, o pagamento do seu montante</font><font> (5). </font><font>, na qualidade de obrigados de regresso</font><font> (6)</font><font>.</font><br>
<font>Efectivamente, o avalista responsabiliza-se pelo pagamento da letra ou da livrança e, no caso de vir a satisfazer o seu montante, pode exigir a importância respectiva, tanto da pessoa a favor de quem prestou o aval, como de qualquer signatário para com esta obrigado, independentemente de ter de demandar, em primeiro lugar, o avalizado, para depois, e, só na recusa deste, exigir o pagamento a qualquer outro signatário.</font><br>
<font>E, tendo o portador da livrança exigido, judicialmente do co-avalista do subscritor, em acção comum não cambiária, o pagamento da totalidade do título, este goza do direito de regresso contra os demais co-avalistas</font><font> (7)</font><font>.</font><br>
<font>Na verdade, estipula o artigo 43º, da LULL, de igual modo, aplicável à livrança, por força do disposto no artigo 77º, do mesmo diploma legal, que “o portador da letra [livrança] pode exercer os seus direitos de acção contra os endossantes, sacador e outros co-obrigados”.</font><br>
<font>Tendo-se constituído entre o Banco financiador e a sociedade subscritora uma obrigação de mútuo, de que esta é o mutuário, o recorrente, gerente da ré, ao subscrever a carta proposta do aceite bancário, os autores e os réus, para além de se terem responsabilizado como avalistas da subscritora da livrança, responsabilizaram-se, também, por via de assunção cumulativa, como co-devedores solidários da obrigação de mútuo.</font><br>
<font>O pagamento de uma livrança, por algum dos seus co-avalistas, extingue a obrigação perante o portador do título, mas não desonera os condevedores solidários da responsabilidade pela sua parte da obrigação, no âmbito das relações internas, gozando o avalista que pagou a letra da faculdade de accionar, colectiva ou individualmente, o aceitante e outros avalistas, por serem devedores solidários, respondendo os herdeiros do avalista em bloco, colectivamente, e cada qual, em nome individual, por uma quota proporcional ao número dos herdeiros e à parte que, na herança, cada um tiver</font><font>(8).</font><font>.</font><br>
<br>
<font> II. DA LEGITIMIDADE DO CO-AVALISTA PARA ACCIONAR OS DEMAIS</font><br>
<br>
<font>Alega o réu, desde logo, que os autores não têm o direito de reclamar o reembolso da quantia paga, por não terem provado serem os legítimos portadores da livrança, porquanto o título não se encontra presente nos autos, e não haverem demonstrado serem os legítimos donos do mesmo, para além de que aqueles transmitiram o crédito à sociedade “Niaricar”.</font><br>
<font>Esta questão que, na ordem sequencial das alegações da revista do réu EE, foi suscitada, em primeiro lugar, é, contudo, objecto de apreciação, em segundo lugar, com o propósito manifesto de que a respectiva solução possa beneficiar da análise efectuada no ponto I, quanto à natureza jurídica dos co-avalistas de um mesmo obrigado cambiário.</font><br>
<font>A acção cambiária é a que emerge, directamente, e tem como base exclusiva um título cambiário, cuja assinatura constitui a sua causa de pedir, aquela em que se pede o seu valor, ou seja, o respectivo pagamento</font><font> </font><font>(9), podendo ser uma acção cambiária directa quando é dirigida pelo portador legítimo contra o devedor principal, ou uma acção cambiária de regresso quando é dirigida pelo portador legítimo contra os obrigados de regresso, como seja o avalista do subscritor da livrança.</font><br>
<font>Por outro lado, a acção causal, que é uma acção de direito comum, é aquela que resulta do negócio subjacente que determinou a obrigação cambiária.</font><br>
<font>Assim sendo, a presente acção, pela sua configuração, quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, em que os autores, na qualidade de avalistas da subscritora da livrança, tendo pago o seu montante, vêm reclamar dos demais co-avalistas a quota-parte da sua responsabilidade no aval, não pode ser qualificada como uma acção cambiária, quer directa, quer de regresso, mas antes como uma acção causal de direito comum.</font><br>
<font>Ora, sendo uma acção causal de direito comum, a posse da livrança não condiciona o exercício do respectivo direito, não se mostrando imprescindível à efectivação do crédito reclamado pelos autores.</font><br>
<font>Por outro lado, como já foi dito em I, os autores, em consequência do endosso realizado pelo Banco beneficiário, tornaram-se portadores legítimos da livrança, razão pela qual é despicienda a questão da existência física deste título nos autos ou a realização de uma cessão de créditos dos autores, a favor de uma entidade terceira, cuja factualidade, aliás, se não demonstrou. </font><br>
<br>
<font> III. DA QUOTA-PARTE DE RESPONSABILIDADE DOS CO-AVALISTAS</font><br>
<br>
<font>Finalmente, entende o réu recorrente que os autores apenas teriam direito a reclamar daquele 1/7 da quantia de €60.287,00, que pagaram à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada, ou seja, o montante máximo de €8.612,43, por serem sete os obrigados ao pagamento da dívida, com base no disposto pelos artigos 516º, 524º e 650º, nº 1, do Código Civil, e 32º, III, «a contrario», da LULL.</font><br>
<font>A LULL não regula as relações entre os co-avalistas, no caso de apenas um ou parte deles terem procedido ao pagamento da letra ou da livrança, mas estatui, no seu artigo 47º, I, que “os…avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador”.</font><br>
<font>Assim sendo, aplicando-se os princípios pertinentes do regime da solidariedade civil, independentemente das naturais diferenças existentes entre o regime da fiança e do aval, estipula o artigo 524º, do CC, que “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”, acrescentando o artigo 516º, que “nas relações entre si, presume-se que os devedores… solidários comparticipam em partes iguais na dívida…, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito, acrescentando o artigo 650º, no seu nº 1, também, do CC, que “havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores”, em consonância com a norma do artigo 32º, da LULL, que preceitua que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada” [I], e se “ paga(r) a letra [livrança], fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra [livrança] contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra [livrança]” [III].</font><br>
<font>Deste modo, o avalista que pagou, em quantia superior à que lhe competia, tem direito de reaver dos restantes avalistas a parte que a cada um destes compete, que se presume ser igual para todos.</font><br>
<font>Se o credor, neste caso, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Mealhada, tem direito, por força do regime da solidariedade passiva, no âmbito das relações externas, a exigir a totalidade da dívida de qualquer um dos devedores, o que aconteceu, em relação aos autores, já no domínio das relações internas, ou seja, entre os avalistas, o devedor solidário que satisfez o direito do credor, para além da parte que lhe competia no débito comum, goza do direito de regresso contra cada um dos condevedores pela quota respectiva</font><font> (10)</font><font>.</font><br>
<font>E, não tendo o réu recorrente alegado e provado que a responsabilidade dos co-avalistas, nas relações internas, era diversa, como lhe incumbia, nos termos do estipulado pelo artigo 342º, n.º 2, deverá aplicar-se o disposto no referido artigo 516º, ambos do CC, que prevê, na ausência de afastamento da presunção ilidível que ao caso compete, a igual responsabilidade, nas relações internas, entre os devedores solidários</font><font> </font><font>(11).</font><br>
<font>Ora, tratando-se, na hipótese em apreço, de uma situação de quatro linhas de avalistas, independentemente do estado civil de cada um deles, porquanto os avalistas casados preenchem idêntica fracção de um quarto dos avalistas não casados, considerando o montante da livrança pago pelos autores, no quantitativo de €60280,00, a quota-parte respectiva que compete a cada um deles e, naturalmente, ao réu EE, também, é de €15070,00.</font><br>
<font>Por isso, o réu recorrente responde por um quarto do valor da livrança, no total de €15070,00, por serem quatro os avalistas, tal como aconteceu, e não por um sétimo do mesmo, como | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5DKzu4YBgYBz1XKvrjIt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br>
<br>
<br>
<font>Por apenso ao processo de falência instaurado contra a massa falida de “Real AA, SA”, com sede em Pombal, correm os presentes autos de reclamação, verificação e graduação de créditos, em que são reclamantes BB, CC, DD, EE, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP/Centro Distrital de Leiria, FF, GG, HH e outros, todos, suficientemente, identificados, em relação aos quais não foi deduzida qualquer impugnação, pelo que, a final, foram verificados, reconhecidos e graduados, por sentença, os créditos reclamados, do seguinte modo:</font><br>
<font>Em primeiro lugar, os créditos laborais.</font><br>
<font>Em segundo lugar, os créditos de FF, GG e HH.</font><br>
<font> Em terceiro lugar, como comuns, os demais créditos reclamados.</font><br>
<font>Desta sentença, interpôs recurso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP/Centro Distrital de Leiria, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, revogou, na parte impugnada, a sentença apelada e, consequentemente, graduou, no tocante ao bem imóvel apreendido para a massa, o direito de crédito do recorrente, imediatamente, antes dos direitos de crédito resultantes da execução, violação e cessação dos contratos de trabalho.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Coimbra, interpuseram, por seu turno, recurso de revista os reclamantes BB, CC, DD e EE, a que deram expressa adesão II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR e SS, nos termos do disposto pelo artigo 683º, nºs 2, a), 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), terminando as alegações com o pedido da sua revogação, no que diz respeito à graduação dos créditos dos recorrentes, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – No dia 1 de Dezembro de 2003, entrou em vigor o novo Código do Trabalho, aprovado pela lei 99/2003 de 27 de Agosto, o qual, no seu artigo 377° preceitua que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, passam a gozar de privilégio imobiliário especial, quanto ao produto da venda do imóvel ou imóveis em que os trabalhadores tenham prestado a sua actividade. Pelo que,</font><br>
<font>2ª - Atento o disposto no artigo 751° do Código Civil, devem tais créditos ser pagos com preferência sobre o credor hipotecário, ainda que a hipoteca seja anterior. Ora:</font><br>
<font>3ª - Por força do disposto, no artigo 12° n° 2 2a parte do Código Civil, e na esteira do entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, o artigo 377° do Código do Trabalho, deve aplicar-se retroactivamente, abrangendo quer os créditos laborais constituídos e vencidos após a sua entrada em vigor, quer os créditos laborais constituídos e vencidos em data anterior a 1 de Dezembro de 2003. Por outro lado,</font><br>
<font>4ª - Tendo em atenção o disposto nos artigos 7° n° 2 e 3, e 9° do Código Civil, não pode deixar de se concluir que com a entrada em vigor do artigo 377° do Código do Trabalho deve considerar-se revogado o artigo 12° da Lei 17/86 de 14 de Junho, por ser inequívoco, não existir da parte do legislador qualquer intenção no sentido de desfavorecer os créditos constituídos ao abrigo da Lei 17/86 de 14 de Junho, relativamente aos demais créditos laborais. O artigo 377° do Código do Trabalho, deve pois aplicar-se a partir de 1 de Dezembro de 2003, a todos os créditos laborais, independentemente da sua origem, abrangendo quer os créditos laborais constituídos e vencidos após a sua entrada em vigor, quer os créditos laborais constituídos e vencidos em data anterior as 1 de Dezembro de 2003. Assim:</font><br>
<font>5ª - Os créditos laborais reclamados nos presentes autos gozam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel apreendido para a massa falida, nos termos do disposto no artigo 377° da Lei 99/2003 de 27 de Agosto. Pelo que,</font><br>
<font>6ª - Deveriam ter sido graduados, de acordo com a sua preferência, no que diz respeito ao produto da venda do bem imóvel da falida, em primeiro lugar, antes do crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP/Centro Distrital de Leiria, garantido por hipoteca legal.</font><br>
<font>7ª - O que não aconteceu. Assim:</font><br>
<font>8ª - Ao graduar os créditos como graduou, violou o douto acórdão recorrido a lei, e em especial, o citado artigo 377° do Código do Trabalho.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, que apenas o reclamante Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP/Centro Distrital de Leiria, apresentou, concluiu no sentido de que deve ser julgada improcedente a apelação e confirmado o acórdão recorrido.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, mas reproduz:</font><br>
<font>1. A falência de “Real AA, SA,” foi declarada por sentença de 15 de Julho de 1999, transitada em julgado.</font><br>
<font>2. A massa falida de “Real AA, SA,” compreende o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n° 1755, da freguesia de Mata Mourisca, matricialmente, inscrito sob o art° 3 487, e bens móveis.</font><br>
<font>3. Sobre o prédio, referido em 2., encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial de Pombal, desde 26 de Abril de 1989, afavor da Caixa Geral de Depósitos, hipoteca voluntária, para garantia do empréstimo, no valor de 110 000.00$00, juros até 17% ao ano, elevável até 4%, em caso de mora, despesas no valor de 4 400 000$00, até ao montante máximo de 183 700 000$00.</font><br>
<font>4. A cessão da hipoteca, referida em 2., a favor de , GG e HH, encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial de Pombal, desde 8 de Janeiro de 1997.</font><br>
<font>5. Sobre o prédio referido em 2., encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial de Pombal, desde 28 de Maio de 1998, afavor do Centro Regional de Segurança Social de Leira, hipoteca legal paragarantia do pagamento de contribuições e juros, relativos aos meses de Maio de 1995 a Novembro de 1996 e de Novembro de 1996 a Fevereiro de 1998, no valor de 78 201 447$00.</font><br>
<font>6. Os créditos julgados verificados, pela sentença apelada, sob os</font><br>
<font>n°s 2 a 68, emergem de retribuições, de subsídios de férias e de Natal em falta e, nalguns casos, de subsídios de refeição, e de indemnizações pela violação do contrato de trabalho.</font><br>
<font>7. A sentença que procedeu à verificação e graduação dos créditos foi proferida a 29 de Dezembro de 2003</font><br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, consiste em saber se com a entrada em vigor do novo Código do Trabalho, os créditos emergentes do contrato de trabalho passaram a gozar de privilégio imobiliário especial, quanto ao produto da venda do imóvel ou imóveis em que os trabalhadores tenham prestado a sua actividade, devendo ser pagos com preferência sobre o credor hipotecário, ainda que a hipoteca seja anterior, ou, dito de outro modo, se o artigo 377°, do Código do Trabalho, deve aplicar-se, retroactivamente, abrangendo, quer os créditos laborais constituídos e vencidos, após a sua entrada em vigor, quer os créditos laborais constituídos e vencidos, em data anterior a 1 de Dezembro de 2003. </font><br>
<br>
<font> DO CONFLITO ENTRE OS PRIVILÉGIOS IMOBILIÁRIOS ESPECIAIS DOS CRÉDITOS LABORAIS E AS HIPOTECAS LEGAIS</font><br>
<br>
<font>Dispõe o artigo 377º, nº 1, do Código do Trabalho, que “os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) privilégio mobiliário geral; b) privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”, prosseguindo o respectivo nº 2, ao estatuir que “a graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) o crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil; b) o crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social”.</font><br>
<font>Porém, estipula o artigo 3º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, que este diploma legal entra em vigor, no dia 1 de Dezembro de 2003, ficando sujeitos ao seu regime, ainda de acordo com o respectivo artigo 8º, nº 1, na parte que agora interessa considerar, “…os contratos de trabalho…celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente aquele momento”, por forma a excluir estas situações do novo regime instituído.</font><br>
<font>A isto acresce que o novo regime dos privilégios imobiliários que servem de garantia dos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores, previsto no artigo 377º, do Código do Trabalho, citado, só entrou em vigor, no dia 28 de Agosto de 2004, isto é, trinta dias depois da publicação da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, atento o teor das disposições conjugadas dos artigos 3º, 8º, nº 1, e 21º, nº 2, e) e t), deste último diploma legal.</font><br>
<font>E isto acontece, não obstante o princípio geral da aplicação imediata das leis que estatuem sobre privilégios creditórios (1) quer estabeleçam, quer suprimam os privilégios, anteriormente, existentes, por serem relativas aos efeitos do crédito no processo de distribuição do activo do devedor, em virtude de o concurso de credores não respeitar aos próprios direitos, mas, antes, à execução numa massa patrimonial existente num determinado momento (2)., a menos que a lei nova não venha acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela não valer uma norma transitória, que foi o que aconteceu com a norma respeitante à garantia do pagamento da retribuição e dos demais créditos emergentes da violação ou cessação do contrato de trabalho, que teve o seu início de vigência, no dia 28 de Agosto de 2004, como já se disse.</font><br>
<font>Por outro lado, o já citado artigo 8º, nº 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, não excluiu do seu novo âmbito de aplicação os contratos de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, ou seja, aqueles que se encontrem em execução e em vigor, com ressalva dos casos em que estejam em causa as condições de validade e os efeitos de factos ou situações totalmente passados, anteriormente, aquele momento, limitando-se a desenvolver, no domínio laboral, as regras gerais da aplicação das leis no tempo, que respeitam as situações jurídicas dos factos pretéritos (3)., mantendo, assim, a ultractividade da lei antiga que disciplinava a garantia dos direitos de crédito laborais, constituídos antes de 28 de Agosto de 2004, no contexto dos contratos de trabalho, preteritamente, extintos (4)</font><br>
<font>Assim sendo, o disposto no mencionado artigo 377º, do Código do Trabalho, é aplicável a todos os direitos de crédito dos trabalhadores constituídos, desde o dia 28 de Agosto de 2004, independentemente de derivarem de relações jurídicas laborais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados, conforme os casos, antes ou depois daquela data, com excepção, hipótese em que se deve aplicar o pertinente regime anterior, dos direitos de crédito laborais que se tenham constituído, antes de 28 de Agosto de 2004, no âmbito de contratos de trabalho que se extinguiram, anteriormente.</font><br>
<font>Com efeito, mediante a declaração de falência, são encerrados os livros e tornam-se, desde logo, exigíveis todas as obrigações do falido, nomeadamente, os direitos de crédito dos trabalhadores, procedendo-se à imediata apreensão de todos os bens que passam a integrar a massa falida, seguindo-se a reclamação de créditos, atento o disposto nos artigos 147º, 148º, 151º 175º e 188º, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril (CPEREF) (5), abrindo-se o subsequente concurso de credores, com o trânsito em julgado da sentença que decreta a falência, sendo esta a data atendível para, em termos de graduação, se definir a situação jurídica de cada um deles, no confronto com todos os demais, pois que, posteriormente à falência, os credores, sejam ou não trabalhadores da empresa, são somente aqueles que já o eram, à data em que aquela foi declarada.</font><br>
<font>Por outro lado, estabelece ainda o artigo 12º, nº 1, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho [Lei dos Salários em Atraso], na redacção introduzida pela Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, que “os créditos emergentes do contrato individual de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário geral”, acrescentando o respectivo nº.3 que “a graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte: a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737º do mesmo Código; b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuição devidas à Segurança Social”.</font><br>
<font>Revertendo ao caso em apreço, datando a sentença que decretou a falência de 15 de Julho de 1999, data a partir da qual os direitos dos trabalhadores se haviam tornado exigíveis, e, encontrando-se em vigor o artigo 377º, do Código do Trabalho, desde 28 de Agosto de 2004, os recorrentes, trabalhadores da falida, gozam de privilégio imobiliário geral, e não de privilégio imobiliário especial sobre o prédio apreendido, em conformidade com o disposto nos artigos 12º, nº 1, b), da Lei 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº1, b), da Lei 96/01, de 20 de Agosto.</font><br>
<font>Quer isto dizer que, considerando que os direitos de crédito reclamados pelos ora recorrentes estavam vencidos, e eram exigíveis, em razão da declaração de falência da respectiva entidade patronal, antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, resulta inaplicável ao concurso de credores em análise o disposto pelo respectivo artigo 377º do diploma legal em causa (6).</font><br>
<font>Sendo, ao contrário, aplicável, como se demonstrou, o regime de graduação de créditos definido pelo artigo 12º, nº 1, da Lei 17/86, de 14 de Junho, na redacção introduzida pela Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, resta, então, definir a respectiva ordem de graduação dos direitos de crédito dos recorrentes e demais reclamantes de créditos em confronto.</font><br>
<font>Efectivamente, no concurso de credores em apreço, não está em causa o direito dos trabalhadores à remuneração pelo seu trabalho, por conta de outrem, porquanto do que se trata é do confronto entre a garantia que a lei ordinária confere aos seus direitos de crédito laborais e a garantia de que beneficia o direito de crédito de outrem derivado do contrato de mútuo.</font><br>
<font>Na sentença, deve o juiz proceder à verificação e graduação dos créditos, sendo que esta é geral para os bens da massa falida e especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia, conforme disciplina o artigo 200º, nºs 1 e 2, do CPEREF.</font><br>
<font>A este propósito, importa registar que o artigo 733º, do Código Civil, estipula que o “privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros”.</font><br>
<font>O privilégio imobiliário geral incide sobre imóveis, mas</font><font> </font><font>não sobre bens certos e determinados, e constitui-se aquando do nascimento do direito de crédito a que se reporta, independentemente da data da prolação da falência, embora a sua eficácia esteja dependente e ocorra com o correspondente acto de penhora ou de apreensão para a massa falida, consoante os casos.</font><br>
<font>Tradicionalmente, integrada na categoria conceitual das garantias especiais das obrigações, os privilégios creditórios caracterizam-se, em primeiro lugar, pela sua fonte, porque derivam sempre da lei, e nunca de negócio jurídico, ao contrário do que acontece, normalmente, com as restantes garantias, em segundo lugar, em atenção à causa do crédito, e nisto se aproximam da hipoteca legal, que a lei confere a certos credores, e, finalmente, porque não estão sujeitos a registo, ainda quando recaiam sobre bens imóveis.</font><br>
<font>O carácter real dos privilégios creditórios, e não de um mero atributo ou qualidade do crédito a que respeita, revela-se, igualmente, na preferência concedida ao credor de ser pago com prevalência sobre os outros credores, mas, também, em certos casos, no direito de sequela conferido aos mesmos, podendo a garantia tornar-se efectiva, no património de terceiros, em conformidade com o disposto pelo artigo 751º, do Código Civil (7)..</font><br>
<font>Porém, o grande perigo dos privilégios creditórios contende com a segurança do comércio jurídico, por inexistir um mínimo de publicidade a assinalar a sua presença, proveniente do facto de valerem, em face de terceiros, independentemente de registo, formando uma parte substancial dos designados ónus ocultos, que escapam, normalmente, aos olhos dos credores comuns, mas com a susceptibilidade de poderem atingir, seriamente, os terceiros que contratam com o devedor, na ignorância da sua existência, com os inerentes reflexos sobre a garantia patrimonial que oferecem (8).</font><br>
<font>É que os privilégios creditórios colocam a dificuldade da sua graduação relativa e bem assim como, num escalão ainda mais complexo, a questão da sua concorrência com os direitos de terceiros.</font><br>
<font>Por sua vez, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, sendo certo que é a natureza imobiliária dos bens por ela abrangidos que justifica a solução excepcional de a sua eficácia depender de registo, mesmo em relação às partes, nos termos das disposições combinadas dos artigos 686º, nº 1 e 687º, do Código Civil, e 4º, nº 2, do Código do Registo Predial.</font><br>
<font>No que respeita às hipotecas legais, que resultam, directamente, da lei, sem dependência da vontade das partes, podendo constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança, em conformidade com o estipulado pelo artigo 704º, do Código Civil, é o acto de registo que representa o nascimento dessa garantia, visível para qualquer interessado diligente, porquanto a hipoteca não tem existência jurídica, anteriormente, ao mesmo, nele se especificando os bens onerados e a identidade, especialmente, o montante do crédito assegurado.</font><br>
<font>É, por isso, completamente, diverso, o regime jurídico da hipoteca legal, em relação ao regime jurídico dos privilégios creditórios que garantem os créditos das instituições de segurança social.</font><br>
<font>Os artigos 10º a 13º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, conferem aos créditos por contribuições em dívida às Caixas de Previdência, hoje integradas no regime geral da segurança social, atento o disposto pelo artigo 68º, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, as garantias constituídas pelo privilégio mobiliário geral e pela fiança, e, também, relativamente aos imóveis existentes no património das entidades patronais devedoras, pelo privilégio imobiliário geral e pela hipoteca legal, processando-se esta última garantia, nos termos vigentes para a contribuição predial, substituída pela contribuição autárquica, atento o preceituado pelo artigo 24º, do DL nº 442-C/88, de 30 de Outubro, e, mais, recentemente, pelo imposto municipal sobre imóveis, por força do disposto no artigo 122º, nº 1, do DL nº 287/03, de 12 de Novembro. </font><br>
<font>Por seu turno, as Leis nºs 17/86, de 14 de Junho, e 96/2001, de 20 de Agosto, que já se considerou serem as idóneas para definir o regime de graduação de créditos em apreço, não contêm normas reguladoras do conflito patente entre o privilégio imobiliário geral, garantia dos direitos de crédito a que se reporta, da titularidade dos trabalhadores, e a hipoteca, garantia dos direitos de crédito de outrem, sobre os mesmos bens.</font><br>
<font>Por isso, sendo certo que os privilégios imobiliários gerais não incidem sobre bens certos e determinados, importa relevar que lhes é inaplicável o direito de sequela, que constitui um atributo próprio dos direitos reais de garantia, antes se configurando como meras preferências legais de pagamento.</font><br>
<font>Ora, traduzindo-se os privilégios imobiliários gerais em meras preferências legais de pagamento, apenas são susceptíveis de prevalecer em relação aos titulares de créditos comuns, pois, não incidindo sobre bens certos e determinados, afastados do potencial da sequela, é-lhes aplicável o regime dos privilégios mobiliários gerais, a que se reporta o artigo 749º, do Código Civil, cedendo os direitos de crédito por eles garantidos perante os direitos de crédito preferenciais de terceiros, como a garantia da hipoteca, que lhes advêm da lei substantiva (9).</font><br>
<font>Tratar-se-ia, então, de uma lacuna de regulação do conflito entre o privilégio imobiliário geral e a hipoteca, a ser suprida, por via da aplicação, na espécie, do disposto no artigo 751º, do Código Civil, porque este normativo se reporta a privilégios imobiliários especiais, cuja estrutura é, essencialmente, diversa da dos privilégios imobiliários gerais, atendendo ao elemento negativo da</font><i><font> </font></i><font>ausência de sequela, e a similitude que se impõe ao intérprete situa-se antes entre privilégios imobiliários gerais e os privilégios mobiliários gerais, com base no estipulado pelo artigo 10º, n.º 2, do Código Civil.</font><br>
<font>E, assim sendo, deveria a mesma lacuna ser integrada, por via de uma regra equivalente à do artigo 749º, nº 1, do Código Civil, segundo a qual os direitos de crédito da titularidade de trabalhadores, garantidos por privilégios imobiliários gerais, constantes das Leis nºs 17/86, de 14 de Junho, e 96/2001, de 20 de Agosto, são preteridos pelos direitos de crédito de terceiros, garantidos por hipoteca, não assumindo qualquer relevo, para a resolução do conflito relativo sobre a graduação de direitos de crédito garantidos por hipoteca e de privilégios imobiliários sobre os mesmos imóveis, penhorados ou apreendidos, a circunstância de os artigos 12º, nº 3, b), da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº 1, b), da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, estabelecerem que os direitos de crédito a que se reportam são graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º, do CC, de direitos de crédito garantidos por hipoteca e de privilégios imobiliários sobre os mesmos imóveis, penhorados ou apreendidos (10)</font><br>
<font> .</font><br>
<font>Com efeito, o referencial de prevalência, no quadro da graduação de direitos de crédito a que se reportam os mencionados normativos, são créditos que já não existem, que eram de entidades públicas, situação, essencialmente, diversa da que envolve os direitos de crédito em geral, garantidos por hipoteca.</font><br>
<font>Aliás, verdadeiramente, não se está perante qualquer lacuna de regulamentação, a integrar, por analogia, porquanto, conferindo a hipoteca ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, atento o estipulado pelo artigo 686º, nº 1, do Código Civil, considerando que o privilégio creditório de que gozam os recorrentes-trabalhadores não está sujeito a registo, tendo, no caso em apreço, a natureza de privilégio imobiliário geral e não especial, como já se salientou, o respectivo crédito fica numa situação de sub-alternidade, em relação à hipoteca que, manifestamente, lhe prefere, porquanto só o «privilégio especial» e não o privilégio geral, qualidade de que comunga, face à legislação aplicável, é susceptível de afrontar a preferência que o citado normativo concede ao credor titular de hipoteca.</font><br>
<font>A interpretação da lei consiste na fixação do sentido e alcance com que o seu texto deve valer, sendo, pois, a letra, o seu enunciado linguístico, o ponto de partida de toda a actividade do jurista que vise esse objectivo, mas, também, o seu limite, porquanto, nos termos do preceituado pelo artigo 9º, nº 2, do Código Civil, não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (11), e, finalmente, uma garantia de razoabilidade da posição do legislador, por forma a conferir um mais forte apoio aquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas, razão pela qual o intérprete deve presumir, de acordo com o nº 3, daquele preceito legal, que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, em especial, quando usa terminologia de técnica jurídica.</font><br>
<font>Por isso, é que, ainda de acordo com o nº 3, do artigo 9º, do Código Civil, o interprete presumirá sempre o modelo do legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas, pois só quando, por manifestas razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, aquelas conduzam à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo o que deve ser acolhido, deve o interprete preteri-lo (12). .</font><br>
<font>Com efeito, não se torna legítima a aplicação analógica ou a indução por paridade, traduzida no entendimento de que o regime previsto no normativo legal em apreço é, também, aplicável às hipotecas legais, dado o seu carácter excepcional, como se de uma lacuna legislativa que importasse integrar estivesse a padecer o ordenamento jurídico (13).</font><br>
<font>Como assim, no âmbito da disciplina consagrada pelos artigos 12º, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº 1, b), da Lei n.° 96/2001, de 20 de Agosto, por aplicação do regime do artigo 686º, nº 1, e, subsidiariamente, do artigo 749º, com o consequente afastamento do regime do artigo 751º, todos do Código Civil, os créditos garantidos por hipoteca devem ser pagos com preferência sobre os créditos laborais, que, gozando embora de privilégio imobiliário geral, têm de ser graduados depois dos créditos hipotecários.</font><br>
<font>Certo é que, o legislador do Código do Trabalho de 2003, trilhando agora caminho diferente, optou, através do preceituado no artigo 377º, n 1º, b), em jeito de uma verdadeira interpretação autêntica, pela atribuição de privilégio imobiliário especial aos créditos emergentes de violação ou cessação do contrato de trabalho, relativamente aos bens do empregador, afastando-se, terminantemente, do entendimento, até agora, prevalecente, que se limitava a estabelecer a relação de prioridade entre os privilégios instituídos, sem, contudo, definir qualquer preferência sobre a hipoteca.</font><br>
<font>Contudo, na falta de disposição especial do antecedente quadro normativo, os créditos garantidos por hipoteca deveriam ser pagos, relativamente aos bens imóveis sobre que esta incide, com prioridade sobre os que apenas gozam de privilégio imobiliário geral, com base no disposto pelos artigos 12º, da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, 4º, nº 1, b), da Lei n.° 96/2001, de 20 de Agosto, e 686º, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font>Finalmente, o Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2º, da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11º, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º, do DL nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do estipulado pelo artigo 751º, do Código Civil (14)</font><br>
<font>.</font><br>
<font>Ora, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por infracção de norma constitucional posterior, produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, em conformidade com o disposto pelo artigo 282º, nº 2, da Constituição da República.</font><br>
<br>
<font>CONCLUSÕES:</font><br>
<br>
<font>I - Datando a sentença que decretou a falência de 15 de Julho de 1999, data a partir da qual os direitos de crédito dos trabalhadores da falida estavam vencidos e se haviam tornado exigíveis, e, encontrando-se em vigor o artigo 377º, do Código do Trabalho, desde 28 de Agosto de 2004, aqueles gozam de privilégio imobiliário geral, e não de privilégio imobiliário especial, sobre o prédio apreendido para a massa falida, sendo inaplicável ao concurso de credores o disposto naquele normativo legal, mas antes o preceituado pelos artigos 12º, nº 1, b), da Lei 17/86, de 14 de Junho, e 4º, nº1, b), da Lei 96/01, de 20 de Agosto.</font><br>
<font>II - Conferindo a hipoteca ao credor o direito de ser pago, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, considerando que o privilégio creditório de que gozam os trabalhadores tem, no caso em apreço, a natureza de privilégio imobiliário geral e não especial, fica o respectivo crédito numa situação de sub-alternidade, em relação à hipoteca que, manifestamente, lhe prefere.</font><br>
<font>III - Os créditos garantidos por hipoteca, ao abrigo da legislação anterior ao Código do Trabalho de 2003, devem ser pagos, relativamente aos bens imóveis sobre que esta incide, com preferência sobre os créditos laborais, que, gozando embora de privilégio imobiliário geral, têm de ser graduados depois dos créditos hipotecários.</font><br>
<br>
<font>DECISÃO:</font><br>
<br>
<font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<br>
<font>Custas, a cargo da massa falida, sendo certo que as custas desta revista estão compreendidas na fase da verificação do passivo, que faz parte do processo de falência, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 248º, nº 2 e 249º, nº 2, ambos do CPEREF.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>Notifique.</font><br>
<font>Lisboa, 16 de Junho de 2009</font><br>
<br>
<font> Helder Roque (Relator)</font><br>
<font> Sebastião Póvoas</font><br>
<font> Moreira Alves</font><br>
<br>
<font>______________________</font><br>
<br>
<font>(1) - O artigo 8º, nº 1, da Lei de Introdução ao Código Civil de 1966/67, já preceituava no sentido da aplicação imediata da lei nova relativa aos privilégios creditórios, de modo a constituir uma confirmação dos princípios do direito transitório material, constantes do artigo 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil.</font><br>
<font>(2) Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Coimbra, 1968, 27 e nota (23).</font><br>
<font>(3) Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, Coimbra, 2005, 272.</font><br>
<font>(4)STJ, de 1-4-2008, Pº nº 08A329; de 28-2-2008, Pº nº 07 A4423; de 11-10-2007, Pº nº 07B3427; de 30-11-2006, Pº nº 06B3699, e de 21-9-2006, Pº nº 06B2871, in www.dgsi.pt</font><br>
<font>(5) Aplicável ao caso «sub judice», atento o teor das disposições combinadas dos artigos 10º, nº 1, 12º, nºs 1 e 3, e 13º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL nº 53/04, de 18 de Março, que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2004.</font><br>
<font>(6) STJ, de 1-4-2008, Pº nº 08A329; de 28-2-2008, Pº nº 07A4423; de 11-10-2007, Pº nº 07B3 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
CjK1u4YBgYBz1XKvHzTP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<font> </font><b><font>1.</font></b><br>
<b><font> Relatório</font></b><br>
<font>UAB – C... C... e O... P... Lda. intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Sesimbra, acção ordinária contra </font><br>
<font>AA e BB, </font><br>
<font>pedindo a condenação do 1º R. no pagamento da quantia recebida em excesso para além do valor acordado para a construção da obra e o custo que esta suportou com a respectiva conclusão, no montante de 234.203,51 €, na restituição de 20.000,00 € que lhe emprestou para apoiar o bom andamento da obra, na restituição da quantia de 5.000 € que esta lhe emprestou para apoiar o bom andamento da obra, no pagamento da quantia de 2.239,77 €, relativa a despesas bancárias que suportou com a cobrança dos cheques e cobrança e desconto de letras não satisfeitas, no pagamento de juros calculados à taxa aplicável aos créditos da titularidade de empresas comerciais, actualmente de 12% ao ano, contados desde a citação, até integral pagamento e calculados sobre todas as quantias em dívida, e a condenação do 2º R., solidariamente com o 1º R., na restituição na supra referida quantia de 5.000 €, acrescida de juros. </font><br>
<br>
<font> Para o efeito, alegou ter o 1º R., enquanto empreiteiro, incumprido um contrato de empreitada com ele celebrado, relativo à construção de sete edifícios, acabando mesmo por abandonar a obra, apesar de lhe ter feito diversos adiantamentos, num total de 25.000 €, o que tudo lhe causou prejuízos.</font><br>
<br>
<font> Contestou apenas o 1º R. que arguiu, em primeiro lugar, a ilegitimidade do 2º R., e, depois, impugnou grande parte da factualidade vertida na petição, acabando por pedir a improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font> Após a apresentação da réplica, a acção seguiu a sua normal tramitação até julgamento, apenas com a interposição de um agravo por parte da A., ao qual foi fixada subida diferida, e, findo o mesmo, o juiz de Círculo de Almada proferiu sentença a julgar a acção totalmente procedente.</font><br>
<br>
<font> Inconformados apelaram os RR. para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 07 de Novembro de 2008, negou provimento ao agravo interposto pela A. e, por maioria, revogou o julgado na 1ª instância no segmento condenatório do 1º R. no pagamento da “quantia recebida em excesso para além do valor acordado para a construção da obra e o custo que esta suportou com a respectiva conclusão no montante de 224.203,51 €”, condenando-o apenas “a pagar a quantia apurada de 171.674,11 €, acrescida daquela que se vier a apurar em sede de liquidação”.</font><br>
<br>
<font> Com esta decisão não se conformaram A. e RR. e daí a razão de ser das presentes revistas.</font><br>
<font> Para o efeito, apresentaram as respectivas minutas que concluíram do seguinte modo:</font><br>
<br>
<font> 1º - Dos RR.:</font><br>
<font>- Decidiu mal o acórdão da Relação de Lisboa, ao desconsiderar a prova documental existente nos autos – e a confissão que lhe andou associada por parte da A. – a propósito da obrigação do pagamento inicial de 15 % do valor da obra, tendo preterido os ditames do chamado princípio da aquisição processual (artigo 515° do CP.C). Com tal avaliação decisiva, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 376° e 352° do Código Civil.</font><br>
<font>- Sem prejuízo de poder ser aplicável ao caso dos autos a norma invocada pelo acórdão recorrido (artigo 795°, nº 2, do Código Civil) foi objecto de errónea aplicação à matéria probatória vertida nos autos por não estar apurado o efectivo montante do benefício auferido que, em última instância, poderá ter valor positivo ou negativo. </font><br>
<font>- Ao dar como provado um benefício que contabilizou no montante de 171.674,11€ (cento e setenta e um mil seiscentos e setenta e quatro euros e onze cêntimos) – sem nenhuma prova pericial, ou documental inequívoca nesse sentido – o Tribunal deu um salto lógico (em rigor ilógico) que torna a decisão despida de fundamento factico-jurídico digno desse nome, com isso incorrendo no vício de falta de fundamentação da sentença (artigos 659, nº 2, e 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil).</font><br>
<font>- A par dos vícios de nulidade oportunamente invocados nas alegações – que integralmente foram mantidos no acórdão recorrido – deverá considerar-se inconstitucional o entendimento feito pelos Desembargadores, em sede de interpretação dos artigos 712º e 665º do Código de Processo Civil, em cujos termos não deverá haver lugar à remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para ampliação da matéria de facto, (não obstante a existência em sentido contrário ao que foi decidido quanto à questão dos 15%) apesar de considerar que o esclarecimento de tal questão era ou poderia ser decisivo para cabal esclarecimento da verdade material, por – alegadamente – ter havido insuficiência de alegação a propósito da obrigação do pagamento dos mencionados 15% no acto da assinatura do contrato e início da obra. </font><br>
<br>
<font>2º - Da A.:</font><br>
<b><font>- </font></b><font>O acórdão recorrido contém erro de subsunção dos factos provados ao direito – que impunha decisão diversa da recorrida – e viola as disposições legais que regulam o incumprimento dos contratos.</font><br>
<font>- Resulta provado que o 1º R., desde Fevereiro de 1999 e sobretudo a partir de Março de 2000, fez depender o andamento da obra da entrega de quantias pela A. a título de adiantamentos a levar em consideração no encerramento final da conta da obra. </font><br>
<font>- Resulta também provado que, a partir de Julho de 2002, o 1º R., por falta dos seus pagamentos, foi paralisando gradualmente as subempreitadas que se encontravam em curso, tendo estas ficado completamente paradas no final de Setembro do mesmo ano. </font><br>
<font>- Resulta ainda provado que, no mês de Outubro de 2002, o 1º R. deixou de vez de efectuar trabalhos na obra da A. sem ter terminado a construção dos sete edifícios. </font><br>
<font>- Da matéria provada resulta inequívoco que o 1º R. abandonou a obra sem a ter realizado integralmente. </font><br>
<font>- Resulta provado que o 1º R. abandonou a obra no mês de Outubro de 2002, sem a mesma estar terminada e sem motivo justificativo para o seu comportamento. </font><br>
<font>- Resulta provado que a recorrente cumpriu com todas as suas obrigações contratuais, nomeadamente, pagou pontual e atempadamente ao 1º R. os valores na forma acordada e para além disso pagou ainda adiantamentos ao 1º R. para este dar andamento à obra e evitar mais atrasos. </font><br>
<b><font>- </font></b><font>O abandono da obra pelo 1º R., atendendo às circunstâncias do tempo e ao modo como a mesma ocorreu bem demonstra a vontade firme e definitiva de o 1º R. não ter intenção de cumprir o contrato. Aliás, o 1º R. nunca alegou ter sido sua vontade terminar a obra e cumprir o contrato que celebrou com a recorrente. </font><br>
<b><font>- </font></b><font>A conduta do 1º R., pela repetição do incumprimento, pelo repetido e ostensivo desrespeito dos compromissos assumidos, pela falta de justificação aceitável da resposta aos adiantamentos que lhe foi concedendo com o fito da finalização da obra, fundamenta a resolução do contrato e não é razoável exigir à A. que continuasse a aceitar os contínuos incumprimentos por parte do 1º R. e a imputar-lhe a responsabilidade pelo incumprimento definitivo do contrato por este. </font><br>
<font>- Da matéria provada resulta que o 1º R. abandonou a obra, sem a ter terminado e sem motivo justificativo, incumprindo definitivamente o contrato de empreitada, considerando a recorrente resolvido o contrato. </font><br>
<font>- Resulta dos factos provados que o 1° R. não cumpriu a obrigação de realizar integralmente a obra, pelo que violou o disposto na primeira parte do nº 1 do artigo 406° e do nº 1 do artigo 762°, ambos do Código Civil. </font><br>
<font>- Resulta ainda dos factos provados que o 1º R. faltou culposamente ao cumprimento da sua obrigação, tornando-se assim responsável pelos prejuízos que causou à A., nos termos do artigo 798° do Código Civil. </font><br>
<font>- O acórdão recorrido ao julgar remeter para liquidação de sentença o apuramento do valor que o 1º R. teria de despender para a conclusão da obra por entender que não resultou provado que o 1º R. a tivesse abandonado e, em consequência, tivesse havido incumprimento definitivo do contrato pelo 1° R., violou as normas constantes dos artigos 406°, 762°, 798° e 801º/2, do Código Civil. </font><br>
<font>- Mas mesmo considerando como o fez o acórdão, que a conclusão das obras se tornou impossível por causa imputável à A. que se substituiu ao R., indevidamente, porque intempestivamente, o acórdão recorrido viola as normas referente à liquidação em execução da sentença constantes do nº 2, do artigo 661°, do Código Civil, por os autos disporem dos elementos necessários ao apuramento do valor que o 1º R. teria de gastar para concluir a obra. </font><br>
<font>- Resulta provado que a A. para a conclusão da obra recorreu aos subempreiteiros e fornecedores que estavam a trabalhar na obra por conta do 1º R., utilizando para o efeito os respectivos orçamentos antes aceites pelo 1º R.. </font><br>
<font>- Resulta ainda provado que, a partir de Julho de 2002, o 1º R., por falta dos seus pagamentos, foi paralisando gradualmente as subempreitadas que se encontravam em curso, de electricidade, cozinhas, alumínios, pinturas, canalizações, pedras e cantarias, pavimentos de madeira e pavimentos cerâmicos, tendo ficado completamente paralisadas em Setembro de 2002. </font><br>
<font>- Resulta ainda provado que a A. despendeu com a conclusão da obra a quantia de 52.529,40 €, correspondente a pagamentos que fez aos fornecedores e prestadores de serviços da obra. </font><br>
<font>- Resulta dos autos que, para além dos trabalhos compreendidos no orçamento inicial, o 1º R. executou também na obra outros, com o acordo da A., que lhe facturou e que esta lhe pagou, no valor total de 36.031,52 €. </font><br>
<font>- Da matéria provada resulta inequívoco que os trabalhos não compreendidos pelo orçamento inicial e que o 1º R. executou na obra, que correspondem a alterações introduzidas nas mesmas foram facturados pelo 1º R. e pagos pela A. e que esse valor não foi levado em consideração por esta, nem no apuramento do valor dispendido com a conclusão da obra nem no valor pago em excesso relativamente ao orçamento inicial. </font><br>
<font>- Da matéria provada resulta que os trabalhos correspondentes às alterações introduzidas na obra já estavam concluídos quando o 1º R. a abandonou, dado que os mesmos foram executados no período compreendido entre Abril de 1999 e Setembro de 2000 e o 1º R. abandonou a obra em Outubro de 2000. </font><br>
<font>- Da matéria provada resulta inequívoco que os valores pagos pela A. foram os que eram praticados à data, Novembro de 2002, nem poderia ser de outra forma dado que a obra foi concluída em 21.02.2003 e com recurso aos subempreiteiros e fornecedores do 1º R. e aos orçamentos antes aceites por este.</font><u><font> </font></u><br>
<font>- Da matéria provada resulta, ainda, inequívoco o estado em que a obra se encontrava, encontravam-se em curso as subempreitadas de electricidade, cozinhas, alumínios, pinturas, canalizações, pedras e cantarias, pavimentos de madeira e pavimentos cerâmicos. </font><br>
<font>- O valor que o 1º R. teria de despender para a conclusão da obra é de 52.529.40 €, que foi o valor efectivamente despendido pela A. para o efeito e este encontra-se apurado nos autos. </font><br>
<font>- Da matéria provada resulta que os autos dispõem de todos os elementos para apurar o valor do benefício do 1º R.: ao decidir em sentido contrário o acórdão violou as normas constantes dos artigos 659º/2, 713º/2 e 661º/2 do Código do Processo Civil. </font><br>
<br>
<font> A A., na veste de recorrida, contra-alegou, defendendo a total improcedência do recurso dos RR..</font><br>
<br>
<br>
<b><font>2. </font></b><br>
<b><font> As instâncias fixaram a seguinte factualidade:</font></b><br>
<font>1. A A. é empresa que se dedica à promoção de empreendimentos que faz construir em terrenos próprios e que vende em fracções junto do público. </font><br>
<font>2. O 1 ° R. é empresário de construção civil e é titular do alvará de construtor civil nº 2.558 I.C.C.. </font><br>
<font>3. Em 1998, a A. era dona e senhora de terreno sito na F..., Cotovia, concelho de Sesimbra, para o qual obteve o alvará de loteamento nº 13/97 da Câmara Municipal de Sesimbra, que o autorizou a nele constituir sete lotes de terreno destinados à construção urbana, com capacidade para construir um edifício em cada um dos lotes. </font><br>
<font>4. Em 1998, a A. planeou construir na sua "Urbanização da F..." sete edifícios para habitação, tendo requerido o licenciamento da respectiva construção à Câmara Municipal de Sesimbra. </font><br>
<font>5. Em Fevereiro de 1998, o 1º R. apresentou à gerente da A. orçamento para construir os sete edifícios projectados pela A. para a sua "Urbanização da F...", pelo preço unitário de 35.500.000$00 (correspondente a 177.073, €) e no valor total de 248.500.000$00 (correspondente a 1.239.512,77 €), acrescido de I.V.A., no qual consta a seguinte menção: “Na adjudicação da obra, pagamento de 15% do seu valor e no começo da mesma será combinado o restante”. </font><br>
<font>6. Em 14.03.1998, a A. e o 1º R., por escrito que denominaram de contrato de empreitada, acordaram na construção por este para aquela, em regime de empreitada, dos sete edifícios da "Urbanização da Faúlha", pelo preço total de 248.500.000$00 (correspondente a 1.239.512,70 €), acrescido de I.V.A., no prazo de quatro anos, contado da data da licença da construção a emitir pela Câmara Municipal de S... e no qual convencionaram que o pagamento da obra seria feito pela A. ao 1º R. em prestações mensais, à medida que as obras fossem sendo executadas. </font><br>
<font>7. O início da construção foi autorizado à A. pelo oficio da Câmara Municipal de S..., nº ...., de 27.03.1998, na zona do muro de suporte que constitui a traseira dos edifícios e a construção dos mesmos pelas licenças emitidas pela mesma entidade nas seguintes datas: </font>
<table>
<tbody><tr><td><font>Doc. </font></td><td><font>N°. Licença </font></td><td><font>Data </font></td><td><font>Lote </font></td></tr>
<tr><td><font>4 </font></td><td><font>129/99 </font></td><td><font>25-02-1999 </font></td><td><font>4 </font></td></tr>
<tr><td><font>5 </font></td><td><font>130/99 </font></td><td><font>25-02-1999 </font></td><td><font>5 </font></td></tr>
<tr><td><font>6 </font></td><td><font>349/99 </font></td><td><font>18-05-1999 </font></td><td><font>6 </font></td></tr>
<tr><td><font>7 </font></td><td><font>350/99 </font></td><td><font>18-05-1999 </font></td><td><font>7 </font></td></tr>
<tr><td><font>8 </font></td><td><font>309/00 </font></td><td><font>08-05-2000 </font></td><td><font>3 </font></td></tr>
<tr><td><font>9 </font></td><td><font>473/00 </font></td><td><font>30-06-2000 </font></td><td><font>2 </font></td></tr>
<tr><td><font>10 </font></td><td><font>663/00 </font></td><td><font>19-09-2000 </font></td><td><font>1 </font></td></tr>
</tbody></table>
<br>
<font>8. O 1º R. deu início aos trabalhos no fim de Março de 1998. </font><br>
<font>9. Mensalmente, o 1º R. apresentou à A., para pagamento, as suas facturas correspondentes aos trabalhos executados nesse período, que esta foi satisfazendo pontualmente. </font><br>
<font>10. Nas datas e montantes e com base nos documentos a seguir indicados, a A. pagou ao 1º R. as suas facturas de trabalhos executados em cada mês e constantes do orçamento inicial, totalizando o valor de 1.134.299,1 €, que acrescido de I.V.A. à taxa que em cada momento se encontrou em vigor, atingiu o total de 1.327.299,08 €: </font>
<table>
<tbody><tr><td><img></td><td><font>FACTURA </font></td><td><font>RECIBO </font></td><td><font>VALORSEMIVA </font></td><td><font>VALOR COM IVA </font></td></tr>
<tr><td><font>DOC. </font></td><td><img></td><td><img></td><td><img></td><td><img></td></tr>
<tr><td><img></td><td><font>Nº </font></td><td><font>Data </font></td><td><font>Nº </font></td><td><font>Data $ Euros $ Euros </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>17-Mar- </font></td><td><img></td><td><font>18-Mar- 3.000.000 3.510.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>13/14 </font></td><td><font>111 </font></td><td><font>98 </font></td><td><font>13 </font></td><td><font>98 Esc. 14.963,94 Esc. 17.507,81 </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>18-Jun- </font></td><td><img></td><td><font>30-Jun- 2.000.000,0 2.340.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>15/16 </font></td><td><font>114 </font></td><td><font>98 </font></td><td><font>17 </font></td><td><font>98 0 9.975,96 € Esc. 11.671,87 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>28-Mai- </font></td><td><img></td><td><font>30-Jun- 2.000.000,000 2.340.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>17 </font></td><td><font>116 </font></td><td><font>98 </font></td><td><font>17 </font></td><td><font>98 0 9.975,96 € Esc. 11.671,87 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>18-Jun- </font></td><td><img></td><td><font>30-Jun- 1.000.000,0 1.170.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>18 </font></td><td><font>118 </font></td><td><font>98 </font></td><td><font>17 </font></td><td><font>98 0 4.987,98 € Esc. 5.835,94 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Abr- </font></td><td><img></td><td><font>30-Abr- </font></td></tr>
<tr><td><font>19/20 </font></td><td><font>133 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>32 </font></td><td><font>99 342.485,00 1.708,31 € 400.707 Esc. 1.998,72 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Abr- </font></td><td><img></td><td><font>30-Abr- 6.000.000,0 7.020.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>21/22 </font></td><td><font>135 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>34 </font></td><td><font>99 0 29.927,87 € Esc. 35.015,61 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>19-Mai- </font></td><td><img></td><td><font>19-Mai- 3.000.000,0 3.510.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>23/24 </font></td><td><font>136 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>35 </font></td><td><font>99 0 14.963,94 € Esc. 17.507,81 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Mai- </font></td><td><img></td><td><font>30-Mai- 6.000.000,0 7.020.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>25/26 </font></td><td><font>138 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>37 </font></td><td><font>99 0 29.927,87 € Esc. 35.015,61 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>29-Jun- </font></td><td><img></td><td><font>29-Jun- 9.000.000,0 10.530.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>27/28 </font></td><td><font>140 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>39 </font></td><td><font>99 0 44.891,81 € Esc. 52.523,42 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>31-Jul- </font></td><td><img></td><td><font>10-Ago- 5.000.000,0 5.850.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>29/30 </font></td><td><font>141 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>40 </font></td><td><font>99 0 24.939,89 € Esc. 29.179,68 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>31-Ago- </font></td><td><img></td><td><font>06-Set- 5.000.000,0 5.850.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>31/32 </font></td><td><font>142 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>41 </font></td><td><font>99 0 24.939,89 € Esc. 29.179,68 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>15-Set- </font></td><td><img></td><td><font>15-Set- 4.000.000,0 4.680.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>33/34 </font></td><td><font>143 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>42 </font></td><td><font>99 0 19.951,92 € Esc. 23.343,74 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Set- </font></td><td><img></td><td><font>30-Set- 1.600.000,0 1.782.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>35/36 </font></td><td><font>144 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>43 </font></td><td><font>99 0 7.980,77 € Esc. 8.888,58 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>02-0ut- </font></td><td><img></td><td><font>02-0ut- 9.000.000,0 10.530.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>37/38 </font></td><td><font>145 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>44 </font></td><td><font>99 0 44.891,81 € Esc. 52.523,42 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-0ut- </font></td><td><img></td><td><font>30-0ut- 9.000.000,0 10.530.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>39/40 </font></td><td><font>146 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>45 </font></td><td><font>99 0 44.891,81 € Esc. 52.523,42 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Nov- </font></td><td><img></td><td><font>30-Nov- 7.000.000,0 8.190.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>41/42 </font></td><td><font>147 </font></td><td><font>99 </font></td><td><font>46 </font></td><td><font>99 0 34.915,85 € Esc. 40.851,55 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>31-Jan- </font></td><td><img></td><td><font>31-Jan- 9.000.000,0 10.530.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>43/44 </font></td><td><font>149 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>48 </font></td><td><font>00 0 44.891,81 € Esc. 52.523,42 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>18-Fev- </font></td><td><img></td><td><font>21-Fev- 6.000.000,0 7.020.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>45/46 </font></td><td><font>151 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>50 </font></td><td><font>00 0 29.927,87 € Esc. 35.015,61 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>15-Mar- </font></td><td><img></td><td><font>15-Mar- 8.000.000,0 9.360.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>47/48 </font></td><td><font>152 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>51 </font></td><td><font>00 0 39.903,83 € Esc. 46.687,48 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Mar- </font></td><td><img></td><td><font>30-Mar- 7.000.000,0 8.190.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>49/50 </font></td><td><font>153 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>52 </font></td><td><font>00 0 34.915,85 € Esc. 40.851,55 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Abr- </font></td><td><img></td><td><font>30-Abr- 1.425.000,0 1.667.250 </font></td></tr>
<tr><td><font>51/52 </font></td><td><font>155 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>54 </font></td><td><font>00 0 7.107,87 € Esc. 8.316,21 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>28-Mai- </font></td><td><img></td><td><font>28-Mai- 4.150.000,0 4.855.500 </font></td></tr>
<tr><td><font>53/54 </font></td><td><font>156 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>55 </font></td><td><font>00 0 20.700,11 € Esc. 24.219,13 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>02-Jun- </font></td><td><img></td><td><font>02-Jun- 7.600.000,0 8.892.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>55/56 </font></td><td><font>157 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>56 </font></td><td><font>00 0 37.908,64 € Esc. 44.353,11 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>14-Jun- </font></td><td><img></td><td><font>14-Jun- 3.000.000,0 3.510.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>57/58 </font></td><td><font>158 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>57 </font></td><td><font>00 0 14.963,94 € Esc. 17.507,81 € </font></td></tr>
<tr><td><font>59/60 </font></td><td><font>159 </font></td><td><font>01-Jul- </font></td><td><font>58 </font></td><td><font>01-Jul- 6.550.000,0 32.671,26 € 7.663.500 38.225,38 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>00 </font></td><td><img></td><td><font>00 0 Esc. </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>10-Jul- </font></td><td><img></td><td><font>10-Jul- 2.500.000,0 2.925.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>61162 </font></td><td><font>160 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>59 </font></td><td><font>00 0 12.469,95 € Esc. 14.589,84 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>01-Ago- </font></td><td><img></td><td><font>01-Ago- 11.250.000, 13.162.500 </font></td></tr>
<tr><td><font>63/64 </font></td><td><font>161 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>60 </font></td><td><font>00 00 56.114,76 € Esc. 65.654,27 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>11-Ago- </font></td><td><img></td><td><font>11-Ago- 5.000.000,0 5.850.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>65/66 </font></td><td><font>163 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>62 </font></td><td><font>00 O 24.939,89 € Esc. 29.179,68 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>01-0ut- </font></td><td><img></td><td><font>01-0ut- 5.600.000,0 6.552.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>67/68 </font></td><td><font>165 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>64 </font></td><td><font>00 0 27.932,68 € Esc. 32.681,24 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-0ut- </font></td><td><img></td><td><font>30-0ut- 4.000.000,0 4.680.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>69/70 </font></td><td><font>166 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>65 </font></td><td><font>00 0 19.951,92 € Esc. 23.343,74 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>15-Nov- </font></td><td><img></td><td><font>15-Nov- 5.000.000,0 5.850.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>71/72 </font></td><td><font>167 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>66 </font></td><td><font>00 0 24.939,89 € Esc. 29.179,68 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Dez- </font></td><td><img></td><td><font>30-Dez- 2.550.000,0 2.983.500 </font></td></tr>
<tr><td><font>73/74 </font></td><td><font>168 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>67 </font></td><td><font>00 0 12.719,35 € Esc. 14.881,64 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>15-Jan- </font></td><td><img></td><td><font>15-Jan- 4.044.000,0 4.731.480 </font></td></tr>
<tr><td><font>75/76 </font></td><td><font>169 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>68 </font></td><td><font>01 0 20.171,39 € Esc. 23.600,52 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>31-Dez- </font></td><td><img></td><td><font>31-Dez- 2.000.000,0 2.340.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>77/78 </font></td><td><font>170 </font></td><td><font>00 </font></td><td><font>69 </font></td><td><font>00 0 9.975,96 € Esc. 11.671,87 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>31-Jan- </font></td><td><img></td><td><font>31-Jan- 5.700.000,0 6.669.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>79/80 </font></td><td><font>171 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>70 </font></td><td><font>01 0 28.431,48 € Esc. 33.264,83 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>15-Fev- </font></td><td><img></td><td><font>15-Fev- 2.300.000,0 2.691.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>81182 </font></td><td><font>172 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>71 </font></td><td><font>01 0 11.472,35 € Esc. 13.422,65 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>28-Fev- </font></td><td><img></td><td><font>28-Fev- 3.000.000,0 3.510.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>83/84 </font></td><td><font>173 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>72 </font></td><td><font>01 0 14.963,94 € Esc. 17.507,81 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>14-Mar- </font></td><td><img></td><td><font>14-Mar- 1.450.000,0 1.696.500 </font></td></tr>
<tr><td><font>85/86 </font></td><td><font>174 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>73 </font></td><td><font>01 0 7.232,57 € Esc. 8.462,11 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>31-Mar- </font></td><td><img></td><td><font>31-Mar- 4.000.000,0 4.680.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>87/88 </font></td><td><font>175 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>74 </font></td><td><font>01 0 19.951,92 € Esc. 23.343,74 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>20-Jul- </font></td><td><img></td><td><font>20-Jul- 2.500.000,0 2.925.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>89/90 </font></td><td><font>181 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>76 </font></td><td><font>01 0 12.469,95 € Esc. 14.589,84 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>31-Ago- </font></td><td><img></td><td><font>30-Ago- 6.500.000,0 7.605.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>91/92 </font></td><td><font>183 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>78 </font></td><td><font>01 0 32.421,86 € Esc. 37.933,58 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Set- </font></td><td><img></td><td><font>30-Set- 4.150.000,0 4.855.500 </font></td></tr>
<tr><td><font>93/94 </font></td><td><font>184 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>79 </font></td><td><font>01 0 20.700,11 € Esc. 24.219,13 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Nov- </font></td><td><img></td><td><font>30-Nov- 5.000.000,0 5.850.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>95/96 </font></td><td><font>185 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>81 </font></td><td><font>01 0 24.939,89 € Esc. 29.179,68 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Nov- </font></td><td><img></td><td><font>30-Nov- 5.000.000,0 5.850.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>97 </font></td><td><font>187 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>81 </font></td><td><font>01 0 24.939,89 € Esc. 29.179,68 € </font></td></tr>
<tr><td><img></td><td><img></td><td><font>30-Dez- </font></td><td><img></td><td><font>30-Dez- 2.500.000,0 2.925.000 </font></td></tr>
<tr><td><font>98/99 </font></td><td><font>189 </font></td><td><font>01 </font></td><td><font>83 </font></td><td><font>01 0 12.469,95 € Esc. 14.589,84 € </font></td></tr>
<tr><td><font>100/1 </font></td><td><img></td><td><font>30-Jan- </font></td><td><img></td><td><font>30-Jan- </font></td></tr>
<tr><td><font>01 </font></td><td><font>191 </font></td><td><font>02 </font></td><td><font>85 </font></td><td><font>02 11.846,45 € 13.860,35 € </font></td></tr>
<tr><td><font>102/1 </font></td><td><img></td><td><font>28-Fev- </font></td><td><img></td><td><font>28-Fev- </font></td></tr>
<tr><td><font>03 </font></td><td><font>192 </font></td><td><font>02 </font></td><td><font>87 </font></td><td><font>02 12.469,95 € 14.589,84 € </font></td></tr>
<tr><td><font>104/1 </font></td><td><img></td><td><font>30-Mar- </font></td><td><img></td><td><font>30-Mar- </font></td></tr>
<tr><td><font>05 </font></td><td><font>194 </font></td><td><font>02 </font></td><td><font>88 </font></td><td><font>02 11.846,45 € 13.860,34 € </font></td></tr>
<tr><td><font>106/1 </font></td><td><img></td><td><font>30-Abr- </font></td><td><img></td><td><font>30-Abr- </font></td></tr>
<tr><td><font>07 </font></td><td><font>195 </font></td><td><font>02 </font></td><td><font>89 </font></td><td><font>02 11.846,45 € 13.860,34 € </font></td></tr>
<tr><td><font>108/1 </font></td><td><img></td><td><font>31-Mai- </font></td><td><img></td><td><font>31-Mai- </font></td></tr>
<tr><td><font>09 </font></td><td><font>197 </font></td><td><font>02 </font></td><td><font>90 </font></td><td><font>02 9.352,46 € 10.942,37 € </font></td></tr>
<tr><td><font>110/1 </font></td><td><img></td><td><font>30-Jun- </font></td><td><img></td><td><font>30-Jun- </font></td></tr>
<tr><td><font>11 </font></td><td><font>198 </font></td><td><font>02 </font></td><td><font>92 </font></td><td><font>02 9.975,95 € 11.871,38 € </font></td></tr>
<tr><td><font>112/1 </font></td><td><img></td><td><font>24-Jul- </font></td><td><img></td><td><font>24-Jul- </font></td></tr>
<tr><td><font>13 </font></td><td><font>200 </font></td><td><font>02 </font></td><td><font>94 </font></td><td><font>02 9.975,96 € 11.871,39 € </font></td></tr>
<tr><td><font>114/1 </font></td><td><img></td><td><font>30-Jan- </font></td><td><img></td><td><font>30-Jan- </font></td></tr>
<tr><td><font>15 </font></td><td><font>205 </font></td><td><font>03 </font></td><td><font>103 </font></td><td><font>03 10.000,00€ 11.900,00 € </font></td></tr>
<tr><td><font>116/1 </font></td><td><font>212 </font></td><td><font>28-Mar- </font></td><td><font>111 </font></td><td><font>28-Mar- 949,00 € 1.129,31 € </font></td></tr>
</tbody></table>
<font>TOTAL 1.134.299,15€ 1.327.299,08 € </font><br>
<br>
<font>11. Em 26.02.1999 e em 30.03.1999, a A. emitiu e entregou ao 1° R. os cheques nºs .... e ..., sacados sobre a conta | [0 1 0 ... 0 0 0] |
CjLPu4YBgYBz1XKvwUH_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<u><font>Relatório</font></u><font>.</font><br>
<br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Lanhoso.</font><br>
<font>AA, Intentar a presente acção declarativa sob a forma ordinária (acção pauliana), contra</font><br>
<font>- BB e</font><br>
<font>- Empresa-A alegando em resumo: </font><br>
<font>- Cedeu ao 1º R. BB, uma quota de que era titular na Empresa-B” pelo preço de 21.198.91 €, tendo recebido 2 cheques para pagamento desse preço, o segundo dos quais, no valor de 10.599.46, apresentado a pagamento não teve provisão.</font><br>
<font>- Por outro lado foi accionado um aval que o A. havia dado a uma livrança emitida pela dita sociedade Empresa-B, cuja quota cedeu, tendo o A. pago a quantia de 8.559.59€.</font><br>
<font>- Portanto, o 1º R. é devedor do A. pela importância global de 19.158.92 €.</font><br>
<font>- Para conseguir o pagamento de tal dívida o A. intentou acção executiva contra o 1º R., mas não foram localizados quaisquer bens em nome do executado ou no seu património.</font><br>
<font>- Ora, o 1º R, BB, vendeu à 2ª Ré, Empresa-A, um imóvel, que era o único bem conhecido do 1º R. pelo qual podia satisfazer a dívida para com o A., tendo por objectivo colocar-se numa situação de insolvente, prejudicando o A. e agindo em conjugação de esforços com a 2ª Ré, conhecedora de toda a situação.</font><br>
<font>Pede, por conseguinte que se declare ineficaz relativamente ao A. a alienação do referido imóvel, ordenando-se à 2ª Ré a sua restituição ao património do 1º R., de modo a que o A. se possa pagar à custa desse prédio e na medida do seu crédito.</font><br>
<br>
<font>Contestou a 2ª Ré, alegando resumidamente que, apesar da compra que o 1º R. havia feito do prédio em causa a um seu primo, o certo é que nunca chegou a estar na posse efectiva do prédio e, não tendo possibilidade de liquidar o preço, passou procuração a favor do próprio vendedor, e do advogado, que já tinha intervindo como seu gestor de negócios (procuração irrevogável). Foi assim o vendedor que usando essa procuração vendeu o prédio à 2ª Ré.</font><br>
<font>A 2ª Ré desconhecia a situação descrita pelo A. </font><br>
<br>
<font>Contestou igualmente o 1º R. impugnando em geral a matéria de facto alegada pelo A. </font><br>
<font>Quanto ao aval, defende que, tratando-se de uma garantia pessoal, não se transmite ao adquirente da quota.</font><br>
<font>Admite, porém, a dívida emergente do não pagamento do 2º cheque.</font><br>
<font>Alega que o A. conhece os contornos da venda do imóvel, bem sabendo que o 1º R. nunca tomou posse efectiva do prédio.</font><br>
<br>
<font>Houve réplica.</font><br>
<br>
<font>Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><br>
<br>
<font>Discutida a causa e lida a decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença final que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os RR. do pedido.</font><br>
<font>Inconformados, recorreram, quer o 1º R. (?) quer o A. tendo, porém, o 1º recurso sido julgado deserto.</font><br>
<br>
<font>Apreciada a apelação do A. a Relação de Guimarães negou-lhe o provimento, confirmando a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformada, volta a recorrer o A., agora de revista e para este S.T.J..</font><br>
<br>
<u><font>Conclusão</font></u><br>
<br>
<font>Apresentadas tempestivas conclusões, formulou o recorrente as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>EM CONCLUSÃO: </font><br>
<font>1 ° - Conforme resultou provado, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Póvoa de Lanhoso em 17.06.1996, CC declarou vender ao 1 ° Réu que, representado por procurador, declarou comprar-lhe o prédio sub judice; </font><br>
<font>2° - Reveste a natureza jurídica de documento autêntico a escritura pública celebrada por Notário, o que lhe confere força probatória plena dos factos praticados pelo oficial público e do contrato de compra e venda efectuado pelas partes e do que nele é atestado (art°3 71 ° do Código Civil); </font><br>
<font>3° - A força probatória plena do documento autêntico somente poderá ser afastada perante a arguição e prova da falsidade desse mesmo documento (art°372° do Código Civil); </font><br>
<font>4° - Assim, a escritura pública que formaliza contrato de compra e venda de imóvel mantém a força probatória plena dos factos nela narrados, que é o contrato de compra e venda; </font><br>
<font>5° - E, em conformidade com as regras do registo predial, presume-se que o imóvel nele descrito e inscrito definitivamente no registo predial pertence àquele titular, sendo este o seu proprietário (art. 7° do C.R.P.); </font><br>
<font>6° - Nos autos ocorreu erro de julgamento, uma vez que se consideraram provados factos, invocados pelos simuladores, de onde resulta que a venda celebrada por escritura pública foi um negócio simulado, socorrendo-se o Tribunal para tanto de prova testemunhal, em clara violação do disposto no art. 394°, nº 2 do Código Civil, o que pode ser objecto de apreciação pelo S.T.J. (art. 722°, n.02 do Código de Processo Civil); </font><br>
<font>7° - O facto de se ter dado como provado que o l° Réu nunca chegou a tomar posse efectiva do prédio sub judice e que nunca o visitou, continuando a ser o seu primo CC quem continuou a manter a posse do mesmo, para além de ter assentado em prova testemunhal, não pode, contrariamente ao decidido, ser relevante para fazer funcionar o instituto da usucapião, uma vez que esta é uma forma de aquisição da propriedade e não da sua "manutenção" (art. 1287° do Código Civil); </font><br>
<font>8° - Ainda que assim não fosse, importa não esquecer que o negócio simulado é nulo e que a nulidade pode ser arguida pelos simuladores entre si, mas não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé (art°243°, nº 2, Código Civil), não podendo também, em consequência, o tribunal declará-la oficiosamente; </font><br>
<font>9° - Não tendo resultado provado que o Autor conhecesse os contornos do negócio celebrado em 17.06.1996, tem de considerar-se de boa fé, sendo-lhe por isso inopinável a nulidade do negócio simulado, tendo a possibilidade de continuar a beneficiar do mesmo, como se ele fosse verdadeiro e válido; </font><br>
<font>10° - Para além dos factos elencados como provados, tem também de considerar-se como assente que o negócio celebrado entre o 1°Réu e a 2ª Ré em 19.09.2001 foi um negócio gratuito, uma vez que tal resultou de confissão feita pelo l° Réu em audiência de julgamento e ficou a constar da respectiva acta; </font><br>
<font>11º - Com efeito, tal como se refere no 10 parágrafo de fls. 19 do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães agora em crise, na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os factos que o tribunal deu como provados; </font><br>
<font>12° - Não é havido por contrato (sinalagmático) oneroso de compra e venda o negócio jurídico ao qual falte a obrigação de cumprimento da contra-prestação de um dos contraentes, designadamente a obrigação de pagamento de um preço (art°s 874° e 879° do Código Civil); </font><br>
<font>13° - O negócio jurídico de transmissão de um imóvel ao qual falte a estipulação da contra-prestação e obrigação de pagamento do preço é havido com uma liberalidade ou acto gratuito (art° 940° do Código Civil); </font><br>
<font>14° - Quando a transmissão efectuada pelo devedor reveste a natureza de liberalidade ou acto gratuito procede a impugnação pauliana, não tendo o autor de provar a existência de má fé nessa alienação (art° 612°, n.º l, do Código Civil); </font><br>
<font>15° - Não obsta à procedência da impugnação pauliana a nulidade de acto simulado anterior impugnado, caso a mesma não lhe seja oponível; </font><br>
<font>16° - Tendo o Autor provado a anterioridade do seu crédito sobre o 1º Réu e a impossibilidade. de satisfação integral do mesmo em virtude da transmissão da propriedade sobre o imóvel e do lº Réu não ter outros bens penhoráveis, terá a impugnação pauliana de proceder, em face do carácter gratuito daquele negócio; </font><br>
<font>17° - Ainda que assim não se entenda, declarado nulo o negócio jurídico de compra e venda de imóvel, deverá o imóvel ser restituído aos transmitente/devedor/alienante; </font><br>
<font>18° - Declarado nulo o contrato de compra e venda de imóvel, por não estipulação de qualquer contrapartida devida pelo adquirente, ainda o negócio poderá ser convertido em negócio gratuito, não obstando à procedência da impugnação pauliana; </font><br>
<font>19° - Se a transmissão efectuada pelo devedor revestir a natureza de negócio oneroso, ainda é de considerar que os intervenientes negociais celebraram o contrato actuando de má fé com consciência do prejuízo que o acto causa ao credor quando aqueles intervenientes se encontram ligados por laços de parentesco próximo e o acto impugnado é praticado imediatamente após a constituição da dívida e se alega como fundamento dessa transmissão uma ligação negocial não formalizada que dura há mais de seis anos, má fé que se deduz através das regras da experiência comum; </font><br>
<font>20° - Celebrada convenção através da qual um sócio cessionário assumiu perante o cedente a responsabilidade pelo pagamento de todas as responsabilidades que o cedente contraiu enquanto sócio da sociedade de que se aparta, cumprindo o cedente a obrigação de garantia prestada a terceiro, tem aquele sócio cessionário a obrigação de restituir ao cedente as quantias por este pagas em cumprimento da garantia prestada. </font><br>
<font>A douta decisão em crise violou, nomeadamente o disposto nos preceitos jurídicos: </font><br>
<font>- Código Civil: artigos 240º; 242º; 243º; 286º; 289º; 293º; 371º; 372º; 394º; 612º; 614º; 615º; 1287º; e 1316º; </font><br>
<font>- Código Processo Civil: artigos 514° e 659°, nºs 2 e 3; </font><br>
<font>- Código do Registo Predial: artigo 7° </font><br>
<br>
<font>NESTES TERMOS, </font><br>
<font>deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, revogada a douta sentença em crise, e, a final, considerando provada e procedente a acção no seu todo, farão VV Exas, Senhores CONSELHEIROS, a habitual JUSTIÇA! </font><br>
<br>
<font>Não foram oferecidas</font><br>
<font>Contra-alegações</font><br>
<br>
<u><font>OS FACTOS</font></u><br>
<br>
<font>Foram os seguintes os factos</font><br>
<font>Tidos por provados pelas instâncias:</font><br>
<br>
<font>- o Autor, por contrato escrito e formalizado por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Mafra, em 28 de Agosto de 2000, exarada a fls. 57 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas n° 287-F, cedeu ao 1.° Réu, pelo preço de 4.250.000$00, contra valor de €21.198,91, uma quota no valor nominal de 3.750.000$00 no capital da sociedade comercial por quotas "Empresa-B" com sede na Rua de ..., n.º ..., freguesia de Socorro, cidade de Lisboa, matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n° 52.279, mais ficou convencionado que o preço da cessão seria pago pelo 1.° Réu ao Autor em duas prestações, no montante de 2.125.000$00, com vencimento em 3 1/12/2000 e 3 1/12/2001 respectivamente, conforme consta daquele mencionado contrato escrito - escritura junta a fls. 10-13. </font><br>
<font>- Conforme convenção então estipulada, no acto da escritura de cessão de quota - 28/08/2000 - o 1.° Réu entregou ao Autor dois cheques, destinados a servir de meio de pagamento das prestações do preço acordado. </font><br>
<font>- Para pagamento da 2 prestação do preço da cessão, o 1° Réu entregou ao Autor o cheque n.º 8939038457, do balcão da Almirante Reis, em Lisboa, do Banco Empresa-C, naquele montante de PTE 2.125.000$00, sacado sobre a conta de que era titular. </font><br>
<font>- Aquele referido cheque foi apresentado pelo Autor a pagamento no dia 04.01.2002, balcão de Oeiras da ..., foi devolvido pelo Banco sacado -...- no Serviço de Compensação do Banco de Portugal, no dia 08.01.2002, com a indicação de "falta de provisão", conforme se alcança do teor daquele cheque cuja cópia está junta a fls. 14. </font><br>
<font>- Nunca o 1.° Réu pagou ao Autor a importância em dívida ou o valor incorporado no cheque, nem a despesa de 7.78€ que originou a sua devolução e debitada pela .. ao Autor (cf. documento de fls. 15). </font><br>
<font>- O Autor intentou em 04.02.2002 acção executiva para pagamento da quantia titulada no cheque n.º 8939038457 e juros de mora, conforme documentos de fls. 16 a 19, cujo teor se dá por reproduzido. </font><br>
<font>- Após diversas diligências efectuadas pelo Autor e Tribunal de Oeiras, no âmbito da citada acção executiva, apurou-se que o 1.° Réu não tem quaisquer bens em seu nome ou património, à excepção das quotas na sociedade "Empresa-B". </font><br>
<font>- Em 30 de Junho de 2000, o Autor, enquanto sócio da sociedade "Empresa-B" e nessa qualidade, juntamente com os demais sócios, constituíram-se garantes da sociedade pelo cumprimento do financiamento/mútuo que a sociedade contraiu junto do Banco Empresa-C, sob a forma de "contrato de abertura de crédito por conta corrente", conforme escrito particular de fls. 20-24, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, </font><br>
<font>- Prestando o seu aval na livrança emitida e subscrita pela sociedade. </font><br>
<font>- Após o vencimento da obrigação de pagamento do mútuo nem a sociedade mutuária pagou a quantia mutuada nem os sócios da mesma honraram a garantia prestada - aval. </font><br>
<font>- O Autor foi instado extrajudicialmente a cumprir o aval para com o Banco Empresa-C, ora incorporado por fusão no ...-Banco </font><br>
<font>Comercial, o que ocorreu em 28 de Janeiro de 2003, através do pagamento pessoal e por meio de cheque visado do Autor, da quantia de 8.59959€. </font><br>
<font>- Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Póvoa de Lanhoso, em 17/06/1996, CC declarou vender ao 1.° Réu que, representado por DD, declarou comprar o prédio misto, denominado Quinta de ..., composto de duas casas para habitação, sito no Lugar de ... e no Lugar de ..., inscrito na matriz predial sob os artigos 46. ° e 176.° urbanos e 259.° rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Lanhoso, sob o n.º 001 66-Geraz (conforme escritura de fls. 42 e seguintes, cujo se dá por reproduzido). </font><br>
<font>- No dia 20/06/96, o 1.° Réu passou uma procuração, com poderes para vender o mesmo prédio, a favor do vendedor CC e do Dr. DD, Advogado, conforme documentos de fls. 47 e 48, cujo teor se dá por reproduzido. </font><br>
<font>- O Dr. DD, tinha actuado como gestor de negócios do 1.° Réu na escritura de compra de 17/06/96, a pedido do vendedor CC. </font><br>
<font>- O 1.° Réu BB, nunca chegou a tomar posse efectiva e material do prédio. </font><br>
<font>- E nunca sequer o visitou, após a compra, até hoje. </font><br>
<font>- O C continuou sem interrupção a manter a posse do prédio, a explorá-lo à sua custa, nele fazendo vultuosas benfeitorias, procedendo à reconstrução da casa principal e à construção de um edifício para instalações agrícolas, só ele dando as ordens e tudo decidindo como verdadeiro dono, e pagando as respectivas contribuições e impostos. </font><br>
<font>- À vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, continuadamente, com a consciência de ser ele sempre o verdadeiro dono, por si e antecessores, há mais de vinte anos, qualidade que sempre foi reconhecida por toda a gente. </font><br>
<font> - Entretanto o mesmo CC resolveu servir-se da procuração para vender o prédio à sociedade 2. Ré para regularizar formalmente a situação. </font><br>
<font>Por escritura de compra e venda outorgada em 19 de Setembro de 2001, o 1. Réu declarou vender à 2 Ré, que declarou comprar, o prédio misto, composto de duas casas para habitação, com a superfície coberta de 326,60 m2, quintal, logradouro, eira e bouça de ..., com a área de 115,100 m2, denominado "Quinta de ...", sito no Lugar de ...., Freguesia de ..., concelho de Póvoa de Lanhoso, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 46.° e 176.° urbanos e 259.° rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Póvoa de Lanhoso, sob o n.º 00166¬Geraz, conforme o teor de documentos de fls. 26 e 27 que se dá por reproduzido. </font><br>
<font>- O principal accionista e administrador da 2ª Ré, CC, é parente próximo do 1.° Réu. </font><br>
<font>- Sabia o Autor que quando realizou a escritura de cedência de quotas existia um terceiro sócio na Sociedade. </font><br>
<font>- A sociedade "Empresa-B" já não possui qualquer actividade, não tem qualquer estabelecimento e não possui património. </font><br>
<font>- Aquele identificado imóvel, em 28 de Agosto de 2000, encontrava-se registado a favor do Réu BB. </font><br>
<br>
<u><font>Fundamentação</font></u><br>
<br>
<font>Como se alcança das complicadas conclusões, são várias as questões suscitadas na revista.</font><br>
<font>Porém, essencialmente, a ideia mestra é a de que, ao contrário do decidido pelo acórdão recorrido, o negócio de compra e venda do imóvel em causa em que figura como vendedor o aqui 1º R. e como compradora a aqui 2ª Ré, </font><u><font>não é uma compra e venda de coisa alheia e por isso nula, mas um verdadeiro negócio gratuito por via do qual o 1º R. transferiu para a 2ª Ré a propriedade do imóvel</font></u><font>.</font><br>
<font>Daí que não se torne necessária a prova de má fé para a procedência da acção pauliana.</font><br>
<br>
<font>Resumindo a matéria de facto disponível quanto ao que agora verdadeiramente interessa, sabemos que o A. é orador do 1º R. pelo valor de 2 125.000$00 correspondente a parte do preço de uma quota no capital social da sociedade comercial “Empresa-B” que o A. cedeu ao 1º R por escritura publica de 28/9/2000.</font><br>
<br>
<font>Mas, segundo alega o A. é ainda credor do 1º R. pelo valor de 8.599.99 €, porquanto, tendo o A avalizado uma livrança a favor da sociedade acima referida em 30/6/2000, e tendo sido chamada a satisfazer essa sua responsabilidade (pagou apenas 8.559.59 €) em 28/11/2003, portanto já depois da cessão da quota, está o 1º R cessionário obrigado a restituir-lhe aquilo que teve de pagar ao banco portador da livrança avalizada.</font><br>
<br>
<font>Ora, em 17/6/96, o 1º R. comprou ao seu primo, CC, o(s) prédio(s) identificados na escritura documentada nos autos a fls. 43/46, que posteriormente vendeu à 2ª Ré, em 19/9/2001.</font><br>
<font>Tal prédio era o único bem de que dispunha o 1º R. capaz de garantir a satisfação das referenciadas dívidas, visto que a quota que o 1º R. detém na Sociedade Empresa-B, não tem qualquer valor económico e nenhum outro bem lhe foi encontrado em seu nome ou no seu património.</font><br>
<font>Daí a presente acção pauliana.</font><br>
<br>
<font>Antes de mais e visto que a questão continua controvertida, há que fixar se ambas dívidas invocadas são relevantes para o efeito pretendido.</font><br>
<font>Entendem, quer a 1ª instância, que a Relação que </font><u><font>apenas a dívida emergente do não pagamento da parte do preço da cessão de quotas pode ser exigida ao 1º R</font></u><font> e, portanto, só ela pode fundamentar a impugnação pauliana.</font><br>
<font>É que, quanto ao pagamento do aval, sendo este de natureza pessoal, não pode ser exigida ao 1º R. a respectiva responsabilidade apesar da cessão. O Autor levanta outra vez a questão na conclusão 20ª. Todavia, nada diz a respeito desta matéria no corpo das alegações da revista.</font><br>
<br>
<font>Como ensina A. Reis (C.P.C. anotado - 5º vol.) as conclusões representam “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” . Daí que , se determinada matéria não foi impugnada e tratada no corpo das alegações, não possa vir a ser contemplada em sede de conclusões.</font><br>
<font>Como se diz no A. do S.T.J. de 21/10/93 – Col. J/S.T.J. – 1993 – 3º - 81 “… as conclusões são um mero resumo dos fundamentos ou da discordância com o decidido, sendo ilegal o alargamento do seu âmbito para além do que do corpo daquelas consta”.</font><br>
<font>Portanto, não tendo sido a questão impugnada no âmbito das alegações não tem sentido a conclusão 20º.</font><br>
<font>O decidido sobre esta questão, transitou em julgado.</font><br>
<font>De qualquer modo, não deixará de dizer-se que se concorda com o decidido pelas instâncias quanto a este particular.</font><br>
<font>O aval é, sem qualquer dúvida uma garantia de natureza pessoas pelo que não é afectada pela cessão da quota por parte do avalista.</font><br>
<font>De resto, o aval, sendo um verdadeiro acto cambiário origina uma obrigação autónoma, pois o dador do aval não se limita a responsabilizar-se pela pessoa por honra da qual presta o aval, já que assume, ele próprio, a responsabilidade abstracta e objectiva pelo pagamento da letra.</font><br>
<font>Por outras palavras, é responsável nos mesmos termos que a pessoa afiançada - Art. 32º de - (Cfr. P. Coelho).</font><br>
<font>E, se é certo que paga a letra ou a livrança (e no caso o A. apenas pagou a parte que, nas relações internas com os outros avalistas, lhe cabia) o avalista fica sub-rogado nos direitos emergentes do título contra a pessoa a favor da qual foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra (ou livrança), certo é também que o 1º R. não tem qualquer destas qualidades.</font><br>
<font>Assim, o A., em virtude do pagamento parcial do título avalizado, nenhum direito adquiriu contra o 1º R cessionário.</font><br>
<br>
<font>Vejamos agora, se assiste razão às instâncias quando, para além do mais, entenderam que o negócio de compra e venda de 17/6/96 (entre o aqui 1º Réu e o CC, que não é parte na acção) não produziu qualquer efeito na esfera patrimonial do 1º R.</font><br>
<font>Isto é, consideraram as instâncias que a propriedade não foi validamente transmitida ao 1º R, pelo que o imóvel em causa nunca constituiu património seu …, daí que segundo a sentença de 1ª instância, que o acórdão recorrido inteiramente perfilhou “venda impugnada será sempre nula por se tratar de venda de bens alheios” – Art. 892º do CC – </font><br>
<br>
<font>Para se chegar a esta conclusão, partiu-se da circunstância de se ter provado que “pese embora a formalizada transmissão de propriedade para o 1º R, nunca (o imóvel) deixou de estar na posse do transmitente …, que sempre agiu como dono, por mais de 20 anos, à vista de todos, sem oposição de ninguém, com consciência de ser ele sempre o verdadeiro dono, qualidade que sempre foi reconhecida por toda a gente conforme respostas aos quesitos 13ª, 29ª e 33ª”</font><br>
<br>
<font>Ora, salvo o devido respeito, não podiam as instâncias ter assim decidido, embora não pelas razões alegadas pelo recorrente constantes das conclusões 2ª, 3ª 4ª, 5ª e 6ª. (É sabido que a escritura pública apenas faz prova plena em relação àquilo que foi atestado pelo notário com base na sua percepção directa, sendo perfeitamente possível demonstrar que o que foi declarado pelos autorgantes, mas não percepcionado pelo notário, não corresponde à realidade, prova que pode fazer-se por qualquer meio admissível em direito e sem necessidade de arguir a falsidade da escritura).</font><br>
<br>
<font>O que acontece é que, como parece resultar claro da fundamentação das decisões, aquela conclusão a respeito da propriedade do imóvel acima referido emergiu de uma situação de usucapião que se inferiu da prova produzida.</font><br>
<font>Só que, não nos parece licito fundamentar a nulidade do negócio (por se tratar de venda de coisa alheia) na não transmissão da propriedade fundamentada esta não transmissão, por sua vez, na usucapião de que beneficiaria quem nem sequer é parte nesta acção.</font><br>
<font>De facto, segundo o art. 1292º do C.C. é aplicável à usucapião o preceituado entre outros, no Art. 303º do C.C..</font><br>
<font>Sendo certo que, conforme se dispõe neste preceito “o tribunal não pode suprir, de oficio, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante e ou, tratando-se de incapaz, pelo MºPº”.</font><br>
<font>É solução que vem já do “Código de Seabra que no seu Art. 515º dispunha que “os juízes não podem suprir de oficio, a prescrição, não sendo esta invocada pelas partes”.</font><br>
<font>Significa isto, pois, que o usucapião não produz efeito “ ipso jure”, antes necessita de ser invocada pelo titular do direito (isto é, pelo usucapiente), que igualmente deve manifestar a vontade de fazer valer o efeito aquisitivo, ainda que se possa aceitar que essa vontade se manifeste tacitamente, emergindo com toda a probabilidade da circunstância de terem sido alegados factos -------à usucapião pelo usucapiente.</font><br>
<font>(Cof. Prescrição Aquisitiva – Dias Marques, 222/231 e 220/308, bem como A. Varela – P. Lima - C.C. anotado – art. 1292º - ).</font><br>
<font>Por conseguinte, podendo a prescrição ser invocada por via de excepção, só tem legitimidade para o fazer o usucapiente “pois é ele quem, como beneficiário do efeito prescricional, tem a disponibilidade jurídica desse mesmo efeito” (Cof. Prescrição Aquisitiva – 323 - ) </font><br>
<br>
<font>Assim, não tinham os RR (qualquer deles) legitimidade para se defenderem chamado à colação o direito de propriedade de terceiro que não é parte na acção.</font><br>
<font>Consequentemente, a matéria alegada nesse sentido não podia, nem pode, ser considerada para a decisão desta acção.</font><br>
<br>
<font>O que consta dos autos é que o 1º R e o Senhor CC, em 17/6/96, celebraram um contrato de compra e venda do prédio em causa nos autos, contrato esse que se apresenta formal e substancialmente válido.</font><br>
<font>A referida aquisição está registada a favor do 1º R., pelo que, e aqui tem razão o recorrente, o que tem de presumir-se é a propriedade do 1º R. (Se, porventura existir controvérsia sobre a propriedade entre o adquirente, aqui 1º R e o alienante – o tal CC – ( que não é parte nesta acção) – é questão a decidir entre ambos, em acção autónoma).</font><br>
<font>Por outro lado, como é sabido, o contrato de compra e venda, no nosso direito, tem natureza real (“quoad efectum”), no sentido de que a transmissão da propriedade de coisa opera por mero efeito do contrato (o que não implica a transferência da posse), independentemente do pagamento do preço ou da entrega da coisa. Aliás, a produção de efeitos entre as partes nem sequer está dependente do registo de transmissão (cof. Art. 879º do C.C. e Art ------do C.Reg. Predial).</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, temos de concluir, perante a factualidade disponível que, no que respeita ao negócio de 17/6/96, celebrado entre o aqui 1º R e o referido CC, estamos perante um contrato de compra e venda, perfeitamente válido, independentemente de ter ou não sido pago a preço convencionado ou de ter sido ou não entregue a coisa.</font><br>
<font>Trata-se, consequentemente de um contrato oneroso.</font><br>
<br>
<font>Notar-se-á, no entanto, que o negócio impugnado pelo A. não é esta compra e venda, mas a compra e venda celebrada por escritura pública de 19/9/2001, entre o 1º e o 2º Réus, e, quanto a esta nunca se colocou no processo qualquer dúvida quanto à sua onerosidade (salvo a quase incompreensível argumentação do A. em sede de revista, que adiante melhor se analisará).</font><br>
<br>
<font>Quer dizer, o negócio impugnado é um negócio de compra e venda, o mesmo portanto em que foi vendedor o aqui 1º Réu e compradora a aqui 2ª Ré.</font><br>
<font>Consequentemente, a procedência da presente impugnação pauliana fica dependente da prova de que o devedor (aqui 1º R.) e o terceiro adquirente (aqui 2ª Ré) agiram de má-fé, considerando-se má-fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (aqui A.9 – cfr. art 612 do C.C..</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, como resulta muito claro das respostas negativas aos quesitos 14º, 15º 17º 18º e 19º (cfr. relação dos factos controvertidos organizada nos autos a fls. 224/229) não está provado minimamente que a 2ª Ré, adquirente, tivesse conhecimento ou consciência do prejuízo que o negócio em causa acarretava para o A. (credor), sendo que a prova desse conhecimento ou consciência estava a cargo do A.</font><br>
<br>
<u><font>Por conseguinte, na perspectiva agora encarada, e que é a que resulta dos elementos dos autos , nunca poderia proceder a impugnação. </font></u><br>
<br>
<font>E não tem qualquer cabimento a argumentação do A/ recorrente no sentido de que se deve inferir o conhecimento da dívida e do prejuízo causado ao A. com o negócio impugnado, por parte da 2ª Ré, do facto de o seu administrador ser parente próximo do 1º R e da data da transmissão (Cof. parte final das alegações e a conclusão 19º).</font><br>
<font>A matéria relacionada com o conhecimento da dívida e do dito prejuízo foi expressamente quesitada e obteve resposta negativa, pelo que nunca poderia retirar-se da prova existente a pretendida ilação de facto, como se nos afigura obvio.</font><br>
<br>
<font>Mas, partindo de outras perspectivas aborda o recorrente as mesmas questões de modo particularmente confuso, mas interligado, tornando difícil isolar cada um dos argumentos utilizados.</font><br>
<font>É assim que se refere a uma alegada confissão do 1º R, no sentido de que não houve nenhuma fixação de preço, sem se entender muito bem se se alude ao negócio de 17/6/96 ou do negócio impugnado nesta acção (que é, como se disse o contrato de compra e venda de 19/9/2001, celebrado entre o 1º e 2º RR), para, ao que parece, defender que este último não passou de um negócio gratuito.</font><br>
<font>Refere-se, de seguida, a simulação absoluta. Ao que parece, do negócio de 17/6/96, simulação que não lhe seria oponível, mas da qual se pretende aproveitar, invocando-a expressamente para conseguir, ao abrigo do disposto no art 615 nº 1 do C.C. a declaração de nulidade com a consequente restituição ao 1º R. do imóvel. …</font><br>
<br>
<font>Não obstante a dificuldade de enquadrar isoladamente cada um dos argumentos esgrimidos, tentarmos mostrar a sem razão do A.</font><br>
<br>
<font>Desde logo porque não poderá considerar-se com valor de confissão aquilo que terá dito o 1º R., no seu depoimento de parte e que, embora não conste da acta, como deveria, vem reproduzido na fundamentação das respostas (cof. fls. 306).</font><br>
<font>De facto em tal depoimento e a julgar pela dita fundamentação, o 1º R. terá caracterizado a compra e venda celebrada entre ele e o CC, como um puro negócio simulado (simulação absoluta).</font><br>
<font>Porém e em 1º lugar, só se pode confessar o que no processo foi alegado por alguma das partes. Ora, no caso, nem o A. nem qualquer dos RR. alegaram factualidade integradora da simulação do referido negócio de compra e venda.</font><br>
<font>Logo, não podia o 1º confessar um facto que não existe no processo.</font><br>
<font>Por outro lado, embora a simulação possa ser arguida entre os próprios simuladores (art. 242º nº 1 do C.C.) a verdade é que não é parte no processo o simulado vendedor, isto é, o falado CC, de onde resulta, desde logo, a irrelevância da “confissão”.</font><br>
<font>Acresce que a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiros de boa-fé (Art. 243º do C.C.) . No caso, o terceiro de boa – fé a considerar não é o A., mas sim o 2º R que adquiriu o prédio do simulado comprador (o 1º R.). Ora, não está provado que o 2º R. conhecesse a simulação (o que nem sequer foi alegado, uma vez que a simulação do negócio de 1996 nunca foi considerado nos autos), pelo que nunca poderia produzir efeitos em relação à Ré, a alegada “confissão”, sob pena de se estar a prejudicar o 3º adquirente contra o que dispõe a lei.</font><br>
<u><font>Diga-se ainda</font></u><font> que no caso dos autos existe uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pelo que a eventual confissão do 1º R não produzia quaisquer efeitos substantivos – Art. 298º nº 2 do C.P.C. –</font><br>
<font>Finalmente, salvo melhor opinião, nem sequer formalmente poderá ter-se o mencionado depoimento do 1º R. como constituindo uma verdadeira confissão.</font><br>
<font>Como diz o Art. 352º do C.C., a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável a favorecer a parte contrária.</font><br>
<font>Ora, é manifesto que, no contrato a admissão que o 1º R. fez de ter praticado um acto simulado, não só não o prejudica, como antes o ben | [0 0 0 ... 0 1 0] |
CjLRu4YBgYBz1XKvrkML | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<br>
<font>O Fundo de Garantia Automóvel, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, com sede na Avenida de Berna, n.°.., Lisboa, intentou acção, com processo especial, de consignação em depósito, contra AA, viúva, por si e na qualidade de representante legal de seus filhos menores, BB e CC; DD, viúva, por si e na qualidade de legal representante de seu filho menor EE; FF e mulher GG; HH; II, por si e como legal representante de suas filhas menores JJ e KK; Centro Nacional de Pensões e Hospital de S. Pedro Pescador, alegando, que no dia 31/03/1995, no I.C. 1, em Tougues, Vila do Conde, ocorreu um acidente de viação que consistiu no embate entre os veículos QS e CL/L-118181, alegadamente causado por um veículo desconhecido.</font><br>
<font>Em consequência desse acidente faleceram LL; MM; NN e OO, tendo sofrido ferimentos HH, ocorrendo elevados danos em ambos os veículos. </font><br>
<font>Os requeridos AA e DD intentaram já contra o Requerente, em Tribunal, uma acção que correu termos pelo 1° Juízo, deste Tribunal, com o n° 106/96, na qual foi este condenado a pagar-lhes, respectivamente, as importâncias de 19.172.600$00 e 17.660.600$00;</font><br>
<font>Os requeridos FF e mulher intentaram também acção contra o Requerente, que teve o n° 260/97 do 2° Juízo deste Tribunal, e na qual pedem a condenação do Requerente a pagar-lhes a importância de 18.215.000$00;</font><br>
<font>Também o requerido HH intentou contra o requerente uma acção sumária que tem o n°. 360/97, e que corre termos pelo 3° Juízo deste Tribunal, na qual pede a condenação deste a pagar-lhe a importância de 11.900.000$00.</font><br>
<font>Ainda com base no mesmo acidente de viação, os quintos requeridos (viúva e filhas de OO) intentaram também neste Tribunal acção sumária que correu pelo 1° Juízo sob o n° 24/98, em que pedem a condenação do ali R., ora requerente, a pagar-lhes a quantia de 54.676.600$00.</font><br>
<font>Na acção acabada de referir (24/98 do 1° Juízo) o sexto requerido, Centro Nacional de Pensões, deduziu intervenção pedindo o reembolso subsídios por morte e pensões de sobrevivência aos familiares da vítima OO, no valor de 1.171.330$00 que depois ampliou para 2.190.840$00.</font><br>
<font>As acções supra referidas (acção n° 260/97, acção n° 360/97 e acção n° 24/98), foram todas apensadas à acção n° 465/99 (anteriormente 248/96) do 1º Juízo, tendo-se procedido ao julgamento conjunto.</font><br>
<font>Na referida acção n° 465/99 do 1º Juízo foi já proferida sentença, que condenou o R., ora requerente, a pagar aos autores nos processos apensos as seguintes quantias:</font><br>
<font>PP e filhas - 36.176.600$00, reduzido para 32.246.424$00;</font><br>
<font>HH - 7.833.000$00, reduzido para 6.982.149$00; FF e mulher - 10.215.000$00, reduzido para 9.105.407$00;</font><br>
<font>Centro Nacional de Pensões (C.N.P.) - 1.869.040$00, reduzido para 1.666.017$00.</font><br>
<font>O sétimo requerido prestou assistência ao quarto requerido, pela qual reclama 11.880$00, que não se contesta.</font><br>
<font>Os danos apurados em consequência do acidente dos autos atingem o total de 92.938.720$00.</font><br>
<font>A data do sobredito acidente (31/3/95) a responsabilidade do requerente limitava-se à quantia de 35.000 contos por lesado e ao máximo global de 50.000 contos no caso de coexistência de vários lesados, montantes do seguro obrigatório então vigente, verificando-se que a soma dos danos apurados (que atinge 92.938.720$00) ultrapassa largamente o capital pelo qual pode responder o requerente (50.000.000$00, impondo-se o rateio desse capital pelos vários lesados (art. 16° do DL 522/85, de 31/12).</font><br>
<font>Na acção sumária que correu pelo 1° Juízo sob o n° 106/96, o requerente não tinha dados que lhe permitissem requerer a intervenção dos demais lesados e, por outro lado, quando foi citado para as restantes acções n° 260/97, n° 360/97 e n° 24/98, já na primeira acção (n.° 106/96), havia sido proferido despacho saneador (em 17/9/1996) e até já se tinha iniciado a produção de prova (em 10/3/1997), pelo que não era possível obter a apensação das acções referidas.</font><br>
<font>O direito dos lesados não foi apreciado num único processo por razões que não são da responsabilidade do requerente mas é agora possível e desejável que a junção de todos esses credores se faça na presente acção de consignação.</font><br>
<font>O requerente está impedido, por desacordo dos requeridos, de fazer esse rateio, pelo que se impõe o recurso à presente consignação em depósito.</font><br>
<font>O requerente entende que não está em mora, por ser evidente que se encontra numa situação de impossibilidade de cumprimento. Pretende o requerente consignar em depósito o montante do capital da sua responsabilidade, no total de 50.000.000$00, julgando-se, a final, subsistente o depósito e extinta obrigação (art. 1024° do Código de Processo Civil).</font><br>
<font>O ISSS, legal sucessor do Centro Nacional de Pensões, veio contestar, alegando que aceita receber o montante que o FGA se propõe pagar nesta consignação após rateio e recurso a uma regra três simples, e que perfaz a quantia de 1.000.522$00 (5.015,52 euros).</font><br>
<br>
<font>Contestaram, igualmente, os requeridos FF e esposa e HH, alegando a excepção de caso julgado, já que a presente acção tem a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, sendo as mesmas partes, da anterior acção de consignação em depósito instaurada pelo FGA, a qual foi julgada improcedente.</font><br>
<font>Por outro lado, o FGA não providenciou em tempo útil, a intervenção principal de todos os lesados, não requereu a apensação de todas as acções pendentes, nem suscitou nos autos a questão da limitação da responsabilidade.</font><br>
<font>Assim, a inadequada actuação processual por parte do FGA leva a que o mesmo tenha de pagar mais do que o proporcionalmente devido, já que não podem ser prejudicados os restantes lesados: o FGA terá assim de pagar aos lesados titulares da sentença já transitada em julgado, a quantia que lhes foi fixada judicialmente e, independentemente disso, terá de proceder ao rateio, pelos demais interessados da quantia de 50.000.000$00, acrescida dos juros que entretanto se venceram desde a citação até efectivo pagamento.</font><br>
<font>Contestaram, ainda, II, alagando que o FGA tinha conhecimento da existência de outros lesados e nada fez, nem suscitou a questão da limitação do capital, pelo que não estava de boa fé.</font><br>
<font>Por outro lado, alega que a dívida do FGA para com eles ainda não está judicialmente estabelecida, já que está em recurso no STJ, pelo que falta o requisito essencial para que se possa lançar mão deste tipo de acção.</font><br>
<font>Em reconvenção alega que é potencial credora da quantia de 32.246.424$00, acrescida dos respectivos juros de mora a contar desde a citação, no montante global de 42.474.282$00.</font><br>
<font>Termina pedindo a procedência da reconvenção e a improcedência da presente acção de consignação em depósito.</font><br>
<br>
<font>Vieram, ainda, contestar DD, AA, defendendo-se por excepção, invocando que </font><br>
<font>estamos perante uma situação de caso julgado que acarreta a absolvição da instância.</font><br>
<font>Alegam ainda que nada há que impeça que lhes satisfaça a sua indemnização, já que não se verificam os pressupostos referidos no art. 841° do Código Civil.</font><br>
<font>Em reconvenção alegam que aos montantes que lhes são devidos e foram fixados judicialmente, acrescem juros de mora, à taxa legal, sobre o respectivo capital até efectivo pagamento.</font><br>
<font>Termina pedindo a procedência do pedido reconvencional e a improcedência da presente acção de consignação em depósito.</font><br>
<font>Respondeu o FGA pugnado pela improcedência das excepções invocadas, bem como dos pedidos reconvencionais, concluindo como na petição.</font><br>
<br>
<font>Elaborou-se despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as arguidas excepções e, se procedeu à selecção dos factos considerados assentes e dos controvertidos, que passaram a integrar a base instrutória.</font><br>
<font>Foram interpostos recursos das decisões sobre as excepções invocadas. Apresentaram-se alegações.</font><br>
<font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se à matéria da base instrutória, o qual não foi objecto de qualquer reclamação.</font><br>
<font>Proferiu-se sentença em que se julgou a acção especial de consignação em depósito procedente e as reconvenções parcialmente procedentes.</font><br>
<br>
<font>Inconformados os Réus II, herdeiros de FF e outros e DD e outras interpuseram recursos de agravo e apelação para a Relação do Porto, não tendo sido dado provimento aos recursos de agravo e sendo, por sua vez, confirmada a sentença recorrida.</font><br>
<font>De novo, inconformados, vieram os Réus HH e outros, DD e AA e II e outras interpor recurso de revista para este S.T.J.</font><br>
<br>
<font>Concluíram os primeiros pela seguinte forma:</font><br>
<font>1. O conceito de boa-fé acolhido pelo art° 16° do DL 522/85 traduz a ideia de que assim actuará a Seguradora (ou FGA) que, investigando seriamente, e concluindo, que, com grande probabilidade, não há senão determinados lesados já conhecidos, lhes paga a totalidade do capital ou, pelo menos, parte substancial desse mesmo capital ;</font><br>
<font>2. Se, assim tendo agido, e se demonstrar que, para além de ter realizado uma investigação séria, agiu correctamente no plano judicial e processual, não lhe tendo sido possível " defender" o capital seguro, através do recurso, sucessivamente, às figuras da Intervenção principal de todos os lesados (conhecidos ou incertos), da apensação das acções ou da introdução de um Articulado superveniente, não pode ser-lhe exigido que pague senão o que faltar para o limite de capital, ou nada mesmo lhe poderá ser exigido se o mesmo capital se tiver esgotado .</font><br>
<font>3. Agindo assim, com efeito, in casu, o FGA teria actuado como o bonum pater famílias , porque, no momento em que pagou " a mais " (a um ou mais lesados), actuaria de boa fé, e no desconhecimento da existência de outros lesados, porque nada apontava para a sua existência no momento do pagamento.</font><br>
<font>4. Na hipótese dos autos, as Instâncias deram todo o relevo ao facto de o FGA não ter podido deduzir a Intervenção Principal dos demais lesados, após ter sido citado para a acção n° 106/96 , em virtude de, nessa altura (02 de Abril de 1996) desconhecer quer a sua existência quer a extensão integral dos danos (resposta aos Quesitos n° 1 e 2 ).</font><br>
<font>5. Porém, esses factos, em si, são, de todo em todo irrelevantes , já que se acha demonstrado , insofismavelmente, que o FGA poderia desde aquele momento ( 02 / 04 / 96 ) e até o inicio da audiência de discussão e julgamento do mesmo processo n° 106/96 , ocorrido em 06 de Novembro de 1997, ter suscitado a questão da limitação do capital.</font><br>
<font>6. Com efeito, depois de ter sido citado para diversas acções, entre a data da sua citação para acção sumária n° 106/96 (2 de Abril de 96 ) e antes do inicio da respectiva audiência, em 6/ 11/97 (cerca de um ano e meio ... ), o FGA poderia, como bondosamente ensina o douto Acórdão citado, ter requerido a apensação das diversas acções ou, na pior das hipóteses, ter requerido , em Articulado superveniente , até 06/11/96, que , fossem conhecidos como Factos novos, as proposituras das diversas acções, por forma a ver acautelado o capital.</font><br>
<font>7. Isto, desde logo, porque, só por manifesta negligencia ou incompetência dos seus serviços de pré-contencioso, o FGA terá deixado de associar toda aquela sucessão de pedidos (a atingirem, na totalidade, mais de 80.000 contos...) ao acidente que dera azo à primeira acção ( 106/96 ).</font><br>
<font>8. E depois porque, mesmo que de tal conexão se tivesse apercebido muito mais tarde, sempre estaria em tempo de, usando a diligencia, o conhecimento e a sagacidade do bonum pater famílias, ter agido, em sede processual, com a tempestividade e através dos meios idóneos, tendo em vista a necessidade de " repartir o mal pelas aldeias ".</font><br>
<font>9. Não o tendo feito - e podendo tê-lo feito - o FGA não agiu de boa fé, sendo, por conseguinte muito ( mas mesmo muito ) difícil de entender como é que a sua tão prolongada quão reiterada inépcia pôde acarretar , por um lado o claro atropelo ao principio do caso julgado formado no P° 106/96 ) e , por outro lado , um atirar das consequências de tal inépcia para as costas dos lesados, ao fim de 11 anos ...</font><br>
<font>10. As instâncias violaram os comandos dos art° 16° n° 1 do DL 522/85, o principio geral de boa fé (art° 762° n°2CCivil),oart°9°n°3e841°CCivil.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, os segundos concluíram a minuta de recurso, alegando, que:</font><br>
<br>
<font>1°- A consignação em depósito não era o meio para ultrapassar os erros processuais da responsabilidade do recorrido;</font><br>
<font>2°- A presente consignação em depósito devia ter sido rejeitada dada a obrigatoriedade do depósito da prestação dever ser integral e por conseguinte os juros de mora, até àquela data deverem ter sido prestados adicionalmente como capital efectivamente depositado;</font><br>
<font>3º- Não é verdade que nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação as aqui recorrentes não tenham posto em causa a prova produzida, sendo que os quesitos formulados e a respectiva resposta não são suficientes para decidir pela procedência da presente acção, muito pelo contrário, resulta na sua improcedência, sendo certo que, existem naquela documentação matéria suficiente para que as respostas, tivessem sido negativas;</font><br>
<font>4º- Os dois os processos transitaram em julgado, pelo que as aqui recorrentes têm o direito de receberem as quantias em que o recorrido foi condenado em acção própria, bem assim, os outros interessados na acção que resulta dos processos apensados e unificados;</font><br>
<font>5°- O artigo 16° n°2 do Dec. Lei n°522/85 de 31 de Dezembro, não exige que o recorrido tivesse tido conhecimento de todos os interessados ou da totalidade dos danos;</font><br>
<font>6°- A presente acção de consignação deveria ter sido apensa ao processo executivo e respectivos embargos que correm os seus termos com o n°384-A e B/99, pelo 1° Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde, pelo que se deverá suspender a presente instância até ao trânsito em julgado da decisão naquele processo de embargos;</font><br>
<font>7º- A sentença recorrida violou os artigos 7630 n°1, 841° e 846° do C.C. e 654°, 671°, 712° n°1 alínea b) e 1025° n°2 alínea b) do C.P.C. e art°16° n°2 do Dec. Lei n° 522/85 de 31 de Dezembro.</font><br>
<br>
<font>Finalmente, as terceiras concluíram o seu recurso, invocando, que:</font><br>
<br>
<font>1. A consignação em depósito deverá ser indeferida liminarmente, pois o depósito da prestação devida pelo FGA não foi integral, já que nenhum juro foi depositado, quando já eram devidos, pelo menos sobra a quantia dos cinquenta milhões de escudos, conhecendo o FGA a data das citações dos diversos processos, bem como as respectivas taxas legais de juro..</font><br>
<font>2. A presente consignação em depósito não pode sobrepor-se e violar desse modo o caso julgado referente ao processo n.° 465/99, 1.° Juízo, de Vila do Conde, tendo as Recorrentes direito a receber o montante que lhes foi fixado nesse acção, ou seja, 32.246.424$00, acrescido dos respectivos juros legais.</font><br>
<font>3. O Acórdão recorrido violou o previsto nos artigos 762°, 763°, n.° 1, 841 e 846°, todos do C. Civil, o comando do artigo 16°, n.° 2 do D.L. 522/85, de 31 de Dezembro.</font><br>
<br>
<font>Nas contra alegações, a recorrida defende a manutenção do julgado.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Decidindo.</font><br>
<br>
<font>2. Foi considerada provada, pelas Instâncias, a seguinte factualidade: </font><br>
<br>
<font>A. Em 31/03/95, no IC 1, em Tougues desta comarca, ocorreu um acidente de viação que consistiu no embate entre os veículos QS e CL/L118181, causado por um veículo desconhecido.</font><br>
<font>B. Em consequência desse acidente faleceram LL, MM, NN, e OO, os três primeiros passageiros do QS e o último condutor do mesmo veículo, tendo sofrido ferimentos HH, também passageiro do QS, ocorrendo elevados danos em ambos os veículos.</font><br>
<font>C. Em virtude do dito acidente de viação, os primeiros (viúva e filhos de LL) e segundos (viúva e filho de MM) requeridos, em coligação, deduziram contra o requerente, neste tribunal, acção sumária que correu pelo 1° Juízo sob o n° 106/96, em que pediam a condenação do ali Réu ora requerente, a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de 26.972.600$00 e de 22.660.000$00.</font><br>
<font>D. Na referida acção, foi já proferida sentença, transitada em julgado, que condenou o aqui requerente, a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de 19.172.600$00 e 17.660.600$00.</font><br>
<font>E. Também com base no mesmo acidente de viação, os terceiros requeridos (pais e únicos herdeiros de NN) intentaram neste tribunal acção sumária que correu pelo 2° Juízo sob o n° 260/97, em que pedem a condenação do ora requerente, a pagar-lhes a quantia de 18.215.000$00.</font><br>
<font>F. Igualmente com base no mesmo acidente de viação, o quarto requerido (passageiro do QS, ferido no acidente) intentou neste tribunal acção sumária que correu pelo 3° Juízo sob o n° 360/97, em que pede a condenação do ora requerente, a pagar-lhe a quantia de 11.900.000$00.</font><br>
<font>G. Ainda com base no mesmo acidente de viação, os quintos requeridos ( viúva e filhas de OO) intentaram neste tribunal acção sumária que correu pelo 1° Juízo sob o n° 24/98, em que pedem a condenação do ora requerente, a pagar-lhes a quantia de 54.676.600$00.</font><br>
<font>H. Na acção acabada de referir (24/98 do 1° Juízo) o sexto requerido, Centro Nacional de Pensões, deduziu intervenção pedindo o reembolso dos subsídios por morte e pensões de sobrevivência aos familiares da vitima Manuel Moreira Lopes, no valor de 1.171.330$00, que depois ampliou para 2.190.840$00.</font><br>
<font>I. As acções referidas em E), F), G) e H) foram todas apensadas à acção n° 465/99 (anteriormente 248/96) do 1 ° Juízo, entre Março e Maio de 1998, tendo-se procedido ao julgamento conjunto.</font><br>
<font>J. Na referida acção n° 465/99 do 1° Juízo foi já proferida sentença, transitada em julgado, que condenou o ora requerente a pagar aos Autores nos processos apensos as seguintes quantias: PP e filhas-36.176.600$00, reduzido para 32.246.424$00; HH 7.833.000$00, reduzido para 6.982.149$00; FF e mulher - 10.215.000$00, reduzido para 9.105.407$00; CNP 1.869.040$00, reduzido para 1.666.017$00.</font><br>
<font>L. O Hospital de S. Pedro Pescador na Póvoa de Varzim prestou assistência ao requerido HH, cujo custo ascende a 11.880$00.</font><br>
<font>M. Na acção referida em C) foi proferido despacho saneador, especificação e questionário em 17/09/96 e a respectiva produção de prova teve início em 10/03/97.</font><br>
<font>N. O ora requerente foi citado para a acção referida em E) em 1/07/97, para a acção referida em F) em 20/ 10/97 e para a acção referida em G) em 26/01/98 e notificado do pedido referido em H) em 26/06/98.</font><br>
<font>0. Na data em que o F.G.A foi citado para a acção referida em C) proposta pelos dois primeiros requeridos - 02.04.96 - não tinha conhecimento da identificação de todos os lesados e da extensão integral dos danos, sendo certo que o valor dessa acção era de 49.632.600$00.</font><br>
<font>P. O F.G.A não tinha dados que lhe permitissem requerer a intervenção dos demais lesados na acção referida em C).</font><br>
<br>
<font>3. - Análise do objecto das revistas - </font><br>
<br>
<font>A questão que, fundamentalmente se coloca nos presentes autos é, atenta a pluralidade de lesados e a limitação a 50.000.000$00 do capital disponível por parte do Fundo de Garantia Automóvel, ora recorrido, nos termos dos artigos 6º, 16º nº 1 e 23º do Dec. - Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, o primeiro artigo com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. - Lei nº 18/93, de 23 de Janeiro, em vigor ao tempo do sinistro a que se reportam os autos, e, na eventualidade constante no nº 2 do aludido art. 16º de a recorrida se encontrar de boa fé, resulta do nº 1 do mesmo preceito legal não dever a mesma recorrida pagar discricionariamente a algum ou alguns dos lesados até ao esgotamento do capital que garante. Tem de proceder a rateio e, assim, à regulação global da indemnização entre todos eles.</font><br>
<font>Assim, cumpre indagar se para atingir tal desiderato o meio processual ajustado será a acção especial de consignação de depósito e, sendo-o, em tese, se o recorrido, considerando o nº 2 do citado art. 16º do diploma legal acabado de citar, pode fazer uso de tal meio processual, nomeadamente por se encontrar de boa fé.</font><br>
<br>
<font>Quanto à primeira questão, e, tendo presente o disposto nos arts. 841º e segs. do C.Civil, constata-se que são duas as categorias que legitimam a consignação em depósito, na lição de Antunes Varela, (1) uma é a da mora do credor; outra, a da impossibilidade de o devedor, sem culpa sua, efectuar a prestação (ou efectuá-la com a necessária segurança) por qualquer outro motivo relativo à pessoa do credor.</font><br>
<font>Não figura entre os pressupostos da consignação a dúvida sobre a existência da obrigação.</font><br>
<font>Segundo o Ilustre Autor que vimos acompanhando e, tendo presente o que se preconiza no art. 1030º do C.P.C., o carácter duvidoso do direito a que aí se faz referência é o proveniente de motivos referentes à pessoa do credor, como expressamente se diz na al. a) do art. 841º do C.Civil, e não ligada á existência objectiva do direito.</font><br>
<font>Aquele preceito legal da lei adjectiva corresponde ao art. 760º do Código de Seabra, que estabelecia que, havendo vários credores, mas desconhecer-se, sem culpa do devedor, o respectivo direito, considerou-se, na linha do pensamento de Vaz Serra (2)não ser necessário prevê-lo especialmente no C.Civil de 1966, porquanto encontrava-se incluído na al. a) do nº 1 do art. 481º do C:Civil.</font><br>
<font>No entanto, a incerteza sobre a pessoa a quem a prestação pode ser efectuada só legitima o recurso á consignação, como resulta do texto e do espírito do art. 841º nº 1 al. a) do C.Civil, quando for objectiva e não depender da culpa (negligência ou inépcia) do devedor. (3)</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados, isto é, depois de concluir que, em abstracto, o meio processual empregue (da consignação em depósito) é o ajustado, atento os normativos constantes dos arts. 841º nº 1 al. a) do C.Civil e 1030º do C.P.C., é altura de indagar se o recorrido, considerando o nº 2 do citado art. 16º do Dec. - Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, pode fazer uso de tal meio processual, nomeadamente por se encontrar de boa fé.</font><br>
<font>Sobre esta questão já se pronunciou este S.T.J. no Acórdão, 13.12.2000, junto aos autos a fls. 161 e segs.</font><br>
<font>Transcreve-se:</font><br>
<font>"Rejeitada a imposição de litisconsórcio necessário activo em hipóteses como a vertente ou tal, pelo menos, ultrapassado neste caso, a pluralidade de lesados e de acções impede a fixação da indemnização devida a cada um por forma a assegurar que o montante garantido seja repartido por todos na devida proporção.</font><br>
<font>Para alcançar este objectivo, impõe-se conseguir a apensação dessas acções , quando consentida pelo art° 275° CPC, ou, então, lançar mão do incidente de intervenção principal provocada , previsto nos seus art°s 351° e 356°.</font><br>
<font>Assim não se procedendo, haverá, pelo menos, que referir nos articulados - mesmo a disso ser caso, em articulado superveniente, a existência de vários lesados ; que suscitar, nessa conformidade, a questão da limitação da garantia ( n° 2 art° 342° CC ) ; e que zelar, depois, pelo seu tratamento jurídico adequado.</font><br>
<br>
<font>Só assim assegurando o recorrente (no caso, o FGA) o seu proclamado direito e o seu reconhecido dever de impor o respeito pelo rateio previsto na lei (...) subsiste , quando de tal se não cuide, o risco de formação de caso julgado a sobrepor-se ao direito substantivo que impede responsabilidade superior ao capital garantido .</font><br>
<br>
<font>Em caso de menos feliz actuação processual - concretamente , em razão da falta de oportuna suscitação da questão da limitação do capital por que é responsável - e por força de caso julgado (...) , o recorrente ( no caso, o FGA ) pode (...) ter mesmo de pagar mais do que o proporcionalmente devido . O que (...) não pode é prejudicar por isso os restantes lesados.</font><br>
<font>Não existe, em boa verdade, o esgrimido risco de os restantes credores ficarem prejudicados com o cumprimento da sentença transitada: o que, realmente, subsiste é o de privilegiar um lesado, não em detrimento dos outros, mas com excesso do capital garantido que só a adequada actuação processual já descrita pode efectivamente prevenir. "</font><br>
<font>Na linha do Acórdão acabado de transcrever, na parte que interessa à economia da revista em apreço, constata-se, facilmente que foi formado caso julgado no Proc.106/96, a que se alude na matéria de facto dada como provada, pela razão de ter ocorrido flagrante falta de actuação do recorrido F.G.A., nomeadamente por não ter vindo aos autos dar notícia, designadamente em articulado superveniente ou requerimento avulso para o efeito admitido, da existência de mais lesados para além dos constantes na primeira acção interposta, porquanto o aludido recorrido foi citado para as outras subsequentes acções, anteriormente ao mencionado transito em julgado.</font><br>
<br>
<font>É que, conforme bem se salienta na alegação de recurso dos recorrentes HH e outros o facto de as Instâncias terem dado como provado:</font><br>
<font>- na data em que o FGA foi citado para a acção referida em c) ( 02/04/96) não tinha conhecimento da identificação de todos os lesados e da extensão integral dos danos</font><br>
<font>- e que o FGA não tinha dados que lhe permitissem requerer a intervenção dos demais lesados na acção referida em c) tais factos , ainda que verdadeiros, são de todo em todo irrelevantes.</font><br>
<font>Na verdade, a questão não está em saber se, em 2 de Abril de 1996, quando foi citado para os termos da acção n°106/96, o FGA tinha ou não conhecimento da existência de outros lesados e poderia, assim, ter requerido ou não, na contestação a intervenção de tais lesados.</font><br>
<font>O que importa saber é até que momento o FGA poderia ter obstado à formação de caso julgado, naquele processo (106/96), fornecendo ao Tribunal elementos que lhe permitissem ratear entre todos os lesados os 50.000 contos.</font><br>
<font>E, quanto a isto, o processo revela-nos que o FGA foi citado sucessivamente para as várias acções, referenciadas na factualidade dada por assente, tendo tomado, consequentemente conhecimento da possibilidade de vir a ser condenado em quantia superior aos tais 50.000 contos.</font><br>
<font>Nesse circunstancialismo, estranha-se que o F.G.A. não tenha reportado essas acções para que veio a ser, posteriormente citado, ao acidente que fora causa de pedir no Proc.106/96 e não tenha actuado processualmente por forma a que não viesse a ocorrer o caso julgado naquele primeiro processo, designadamente utilizando os mecanismos adjectivos a que já se fez referência.</font><br>
<br>
<font>Assim, a actuação do recorrido Fundo de Garantia Automóvel não se compagina com a afirmação produzida "supra" de que a incerteza sobre a pessoa a quem a prestação pode ser efectuada só legitima o recurso á consignação, como resulta do texto e do espírito do art. 841º nº 1 al. a) do C.Civil, quando for objectiva e não depender da culpa (negligência ou inépcia) do devedor.</font><br>
<font>O F.G.A. contribuiu, com a sua omissão, na actuação processual que (não) empreendeu, para que não ocorresse, com rigor e segurança, a identificação dos diversos lesados no sinistro e pelos quais o capital de 50.000.0000$00 seria rateado.</font><br>
<font>Assim sendo, para os fins contidos no nº 2 do art. 16º do Dec. - Lei nº 522/85 de 31 de Dezembro, não pode considerar-se, como não se considera, que a sua actuação tenha sido isenta de má fé, naquele preciso sentido de ter agido com negligência, um vulgo "deixar andar" que não se pode repercutir nos legítimos interesses dos lesados, ora recorrentes. </font><br>
<font>Com efeito, na lição de Meneses Cordeiro (4), consistindo a boa fé num princípio de actuação geral, poderá ser, nomeadamente no que concerne à problemática contratual, dividida em dois postulados essenciais: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.</font><br>
<font>Quanto a esta última, consiste em avaliar as condutas não apenas pela conformidade com os comandos jurídicos, mas também de acordo com as consequências materiais para efeitos de adequada tutela dos valores em jogo. Este princípio, segundo Luís Teles de Menezes Leitão (5), realiza-se de acordo com os seguintes vectores: a conformidade material das condutas, a idoneidade valorativa e o equilíbrio no exercício das posições.</font><br>
<font>A boa fé constitui, assim, na lição dos Ilustres Autores citados, um princípio geral de Direito cuja aplicação no Direito das Obrigações se reconduz à imposição de comportamentos às partes, em ordem a possibilitar o adequado funcionamento do vínculo obrigacional, em termos de pleno aproveitamento da prestação, e evitar a ocorrência de danos para as mesmas partes.</font><br>
<font>A actuação, assim, do F.G.A., na forma apontada, repercutiu-se, negativamente nos legítimos interesses dos lesados, sendo tal conduta passível, como se concluiu, de causar danos às partes.</font><br>
<font>Vai, assim, concedida a revista. </font><br>
<br>
<font>4. Nestes termos, acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em conceder a revista, revogando o Acórdão recorrido, pelo que se absolvem os Réus do pedido contra si deduzido na acção de consignação de depósito que lhes foi movida pelo Fundo de Garantia Automóvel.</font><br>
<font>Não são devidas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 12 de Setembro de 2006</font><br>
<font>Borges Soeiro</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>-------------------------------------------</font><br>
<font>(1) In, Das Obrigações em Geral", 7 ª ed., vol. II, pag. 189.</font><br>
<br>
<font>(2) In, "BMJ" 40/ 36-37 e 153.</font><br>
<br>
<font>(3) Antunes Varela, "ob. citada", pag. 190 e Pires de Lima e Antunes Varela, in "C.Civil, Anotado", 2ª ed. II vol., pag. 112.</font><br>
<br>
<font>(4) In "Boa Fé", pag. 1234 e segs.</font><br>
<br>
<font>(5) In, "Direito das Obrigações", Tomo I, 3 ª ed., pag. 59.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EDK4u4YBgYBz1XKvrDf8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div></div><b><u><font>Relatório</font></u></b><div></div><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Valongo,</font><br>
<font>AA e BB, intentaram o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra</font><br>
<b><u><font>CC – Empreendimentos Imobiliários Ld.ª</font></u></b><font>,</font><br>
<font>Alegando em resumo:</font><br>
<font>— Os requerentes são os proprietários do prédio rústico denominado “Bouça da Ribeira”, que se encontra descrito na Conservatória do Reg. Predial de Valongo sob o n.º 11282 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 734.</font><div><font>*</font></div><font>— A aquisição de tal prédio a favor das requerentes encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial sob a inscrição n.º 1558.</font><div><font>*</font></div><font>— O limite Sul do referido prédio, há mais de 50 anos, situa-se no esteio demarcado com o n.º 99.38, percorrendo o resto do terreno em linha recta, até à margem do Rio Balsinha.</font><div><font>*</font></div><font>— O prédio dos requerentes confronta a Sul com um outro prédio pertencente à requerida.</font><div><font>*</font></div><font>— A requerida está a proceder à construção de um empreendimento imobiliário no referido prédio, contíguo ao dos requerentes.</font><div><font>*</font></div><font>— Porém, sem o conhecimento ou autorização dos requerentes, a requerida procedeu à delimitação do seu prédio a partir do esteio 99.67, assinalado no projecto junto aos autos, aí construindo um muro que os requerentes só agora descobriram quando procederam à limpeza do seu terreno.</font><div><font>*</font></div><font>— Ora, esse muro encontra-se construído dentro do prédio dos requerentes, invadindo-o cerca de 4 ou 5 metros ao longo de toda a linha delimitadora (cerca de 70 metros).</font><div><font>*</font></div><font>— A requerida está a realizar obra de construção de um edifício para habitação ocupando a mencionada parte do prédio dos requerentes.</font><div><font>*</font></div><font>Pretendem, pois, os requerentes que se ordene a suspensão da obra em construção dentro dos limites do prédio dos requerentes.</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>Proferiu-se despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, porquanto “as requerentes não alegaram ... qualquer facto donde decorra a aquisição original e derivada do direito de propriedade sobre o mencionado prédio, incluindo a parcela de terreno alegadamente ocupada pela requerida, limitando-se a invocar, em seu benefício, a presunção registral consagrada no artigo 7 do Cod. do Reg. Predial” já que a dita presunção “não abrange nem as áreas nem as confrontações dos prédios objecto do direito registado”.</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>Inconformados recorreram os requerentes, mas sem êxito, visto que a Relação, conhecendo do agravo, lhe negou provimento, confirmando o despacho recorrido.</font><div><font>*</font></div><font>É deste acórdão que, novamente inconformados, recorrem os requerentes, agora para este S.T.J.</font><br>
<font>Como consta do despacho anterior, o agravo para o S.T.J. é admissível, dado a documentada oposição de acórdão (Arts. 387-A e 678 n.º 4 do C.P.C.).</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusão</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font><br>
<b><font>Conclusão do Agravo</font></b><br>
<font>*</font><br>
<font>*</font></div><font>Conclusões:</font><br>
<font>I.O presente recurso tem por base o facto de o Acórdão recorrido estar em contradição com outro acórdão, também da Relação do Porto (verificando-se os demais fundamentos estabelecidos no n° 4 do art. 678° do CPC, a saber: (i) não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada, e (ii) a orientação do acórdão recorrido não foi fixada anteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça). Assim</font><br>
<font>II. Tanto no acórdão-fundamento como no acórdão recorrido: os requerentes da providência cautelar de embargo de obra nova alegaram ser proprietários de determinado prédio, fundamentaram tal direito de propriedade em certidão de registo predial, mas o Tribunal de primeira instância indeferiu liminarmente a petição inicial, por considerar não terem sido alegados factos que indiquem a forma de aquisição originária do direito de propriedade.</font><br>
<font>III. O acórdão recorrido veio decidir que os Requerentes no procedimento cautelar de embargo de obra nova careciam de "alegar e provar" uma "forma de aquisição originária" do direito de propriedade, concluindo, assim, que por inexistência de causa de pedir, a petição inicial de embargo de obra nova sofria de ineptidão.</font><br>
<font>IV. No entanto, diferentemente do acórdão recorrido, o acórdão-fundamento concluiu não existir falta de causa de pedir geradora de ineptidão da petição inicial, acrescentando que "para prova da titularidade do direito de propriedade (...) basta um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade (...), sendo de todo em todo despropositado transpor para um procedimento cautelar com carácter instrumental e provisório a exigência da alegação e prova da aquisição originária do domínio própria da acção reivindicatória.".</font><br>
<font>V. No procedimento cautelar de embargo de obra nova é suficiente a prova de primeira aparência do direito de propriedade, e a prova que os Requerentes lograram produzir está bastante além da mera verosimilhança.</font><br>
<font> VI. Os Requerentes sustentaram a prova do seu direito de propriedade sobre o prédio dos autos em certidão do registo predial, na qual se encontra registada a propriedade dos Requerentes há mais de 18 anos o que, mais do que a mera aparência, constitui presunção legal da existência do direito.</font><br>
<font>VII. E da certidão do registo predial junta aos autos consta expressamente o modo pelo qual os Requerentes adquiriram o direito de propriedade (que neste caso até foi por aquisição derivada...).</font><br>
<font>VIII. Para além disso, os Requerentes alegaram vários factos relativos à identificação, confrontações e limites dos prédios (vide artigos 20° a 30° da petição inicial), juntando aos autos vários documentos (plantas, levantamentos topográficos e fotografias) e tendo ainda arrolado três testemunhas para sustentação do alegado na petição inicial.</font><br>
<font>IX. Por outro lado, a causa de pedir no embargo de obra nova é a ofensa do direito do Requerente, tendo os Requerentes, nos artigos 13° a 39° da petição inicial, alegado e provado os factos praticados pela Requerida que ofenderam o seu direito de propriedade.</font><br>
<font>X. Assim, também por este motivo não existe fundamento para o indeferimento liminar da petição inicial de embargo de obra nova, tal como decidiu o acórdão-fundamento.</font><br>
<font>XI. Os Requerentes alegaram e provaram mais do que sumariamente: i) quer o direito de propriedade de que são titulares; ii) quer a ofensa a esse direito, por obra realizada pela Requerida; iii) quer o prejuízo resultante da manutenção de tal obra.</font><br>
<font>XII. Pelo que não existe qualquer fundamento para o indeferimento liminar do embargo de obra nova por inexistência de causa de pedir.</font><br>
<font>Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente assim se fazendo a costumeira JUSTIÇA!</font><div></div><font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font><div></div><b><u><font>Os Factos</font></u></b><b><font>.</font></b><div></div><font>A factualidade a ter em consideração é apenas a descrita no antecedente relatório, bem como os documentos dos autos. (certidões registrais e projecto de obra – loteamento e levantamento topográfico).</font><div><br>
<br>
<br>
</div><br>
<b><u><font>Fundamentação</font></u></b><b><font>.</font></b><div></div><font>Como se vê dos autos, decidiu a 1ª instância pelo indeferimento liminar da providência cautelar de embargo de obra nova com o fundamento de que os requerentes não alegaram qualquer facto donde decorra a aquisição originária ou derivada do direito de propriedade sobre o prédio de que se dizem donos ou sobre a parcela desse prédio alegadamente ocupado pela requerida.</font><br>
<font>Assim faltaria, desde logo, a causa de pedir.</font><div></div><font>No mesmo sentido se pronunciou o acórdão recorrido, que confirmou o dito despacho.</font><div></div><font>É contra este entendimento que se insurgem os requerentes e, na nossa perspectiva com razão.</font><div></div><font>Vejamos melhor.</font><div></div><font>Estamos, antes de mais, perante uma providência cautelar nominada ou especial, regulada no art. 412 e seg. do C.P.C., à qual se aplicam subsidiariamente as regras que disciplinam o procedimento cautelar comum (Art. 392º do C.P.C.).</font><div></div><font>Segundo o que dispõe o Art. 412 “aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência da obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.</font><div></div><font>Para tal, com a petição “oferecerá o requerente prova sumária do direito ameaçado e justificará o receio da lesão” (Art. 384 n.º 1), sendo a providência decretada, “... desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” (Art. 387º n.º 1).</font><div></div><font>Vê-se assim da referida disciplina que se trata de uma acção que não constitui um fim em si mesma, no sentido de que não se “propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material” (cof. A. Reis – C.P.C. anotado – I – 623).</font><br>
<font>Apresenta, por isso mesmo, mero carácter provisório e encontra a sua razão de ser no chamado “periculum in mora” ou seja, no perigo de inutilização do direito ameaçado resultante da normal demora na formação da decisão definitiva. Daí o carácter provisório ou interino da decisão proferida no âmbito da acção cautelar, bem como a sua urgência.</font><div></div><font>Mas, para decidir de forma célere, de modo a evitar o periculum in mora, não pode exigir-se o mesmo tipo de ponderação, o mesmo rigor na apreciação das provas oferecidas ou oficiosamente produzidas, que é exigível para a obtenção da decisão final e definitiva da questão, a ser discutida na acção declarativa.</font><br>
<font>O próprio oferecimento da prova, não tem de ser exaustivo, </font><u><font>bastando prova sumária</font></u><font>.</font><div></div><font>É por isso que o decretamento da providência se contenta com a aparência do direito invocado ou afirmado e com o perigo da lesão desde que “suficientemente fundado”. </font><br>
<font>Isto é, bastará ao julgador formular, já não em juízo de certeza, mas em juízo de probabilidade ou verosimilhança, juízo este que deverá ser mais exigente quanto ao segundo requisito (perigo de lesão) como tradicionalmente se vem entendendo.</font><div></div><font>Ora, no caso concreto, alegaram os requerentes que a requerida está a construir um empreendimento urbanístico no âmbito do qual se prevê construções e plantações dentro dos limites materiais do prédio pertencente aos requerentes, isto porque a requerida, sem autorização ou consentimento dos requerentes, traçou uma linha divisória entre o seu prédio e o prédio contíguo destes, que vai abranger 4 ou 5 metros do prédio dos requerentes.</font><div></div><font>Portanto, os requerentes agravantes alegam factualidade, que a provar-se </font><u><font>sumariamente</font></u><font>, justifica e fundamenta o receio de lesão do direito de propriedade a que se arrogam.</font><div></div><font>E quanto a esse afirmado direito de propriedade, será que a factualidade é insuficiente para concretizar a causa de pedir, que, neste tipo de acção provisória, passa, também pelo direito de propriedade?</font><div></div><font>Como se disse, os requerentes afirmam serem os proprietários do prédio em causa e demonstram documentalmente a sua descrição predial e o registo da respectiva aquisição a seu favor.</font><br>
<font>Desse registo consta, até, o modo derivado porque o adquiriram (divisão com MA e AG).</font><br>
<font>Está igualmente certificado o registo da aquisição do prédio da requerida.</font><br>
<font>Está alegada a contiguidade dos dois prédios e tal contiguidade pode ser perfeitamente demonstrada através de prova testemunhal (já que o registo não prova, na verdade, que as confrontações, nem a área exacta dos prédios descritos, podendo, não obstante, ser um elemento de prova de tais elementos, a apreciar livremente pelo Tribunal).</font><br>
<font>Alegaram os requerentes a razão por que a obra ou trabalhos da requerida ameaça violar o seu direito. (Tal resultará da circunstância de a requerida, unilateralmente, ter delimitado o seu prédio em relação ao prédio contíguo dos agravantes, através de um muro que entrou no prédio destes 4 ou 5 metros).</font><br>
<font>Alegam qual a linha de demarcação dos dois prédios que, julgam ser a real e verdadeira, assim como identificam a linha de demarcação traçada pela requerida.</font><div></div><font>Parece-nos, assim, que tal factualidade é perfeitamente suficiente para concretizar a causa de pedir numa providência cautelar de embargos de obra nova, onde se não exige senão uma prova sumária, como acima se disse.</font><br>
<font>Não se vê que no âmbito de uma acção provisória e instrumental, onde é suficiente a mera probabilidade ou aparência do direito que a justifica, fosse de exigir a alegação de factualidade atinente à prova da aquisição originária do prédio ou da parcela em causa.</font><div></div><font>Aliás, em relação ao prédio em si, o registo da aquisição dispensa a alegação da usucapião.</font><div></div><font>No caso concreto haverá ainda a notar, que, sem prejuízo do que vier a constar da oposição da requerida, o que está verdadeiramente em causa, nem será a propriedade dos prédios confiantes dos requerentes e da requerida, mas apenas a linha divisória que os separa (vai neste sentido, todo o alegado).</font><br>
<font>Quer dizer, é provável que a questão aqui suscitada possa resolver-se definitivamente em sede de acção de demarcação, que não em acção de reivindicação.</font><div></div><font>E, a ser assim, não fica afastado a possibilidade de lesão do direito de propriedade dos requerentes, e portanto, a oportunidade desta prévia acção cautelar.</font><br>
<font>Na medida em que a requerida esteja a construir, em vias de o fazer ou a ocupar com trabalhos de construção em curso, uma parcela de terreno que excede os limites do seu próprio prédio, entrando no prédio dos requerentes, é claro que está ameaçado o direito de propriedade destes, ainda que não seja a propriedade dos prédios confinantes que esteja directamente em causa, mas a definição da linha divisória dos prédios contíguos.</font><br>
<font>De facto, mesmo nas acções de demarcação (hoje acção comum) haverá, por regra, uma parcela de terreno cuja propriedade está indirectamente em discussão.</font><div></div><font>Ora, em sede de demarcação, a linha divisória entre os prédios confinantes </font><u><font>pode ser fixada</font></u><font>, se os títulos não resolverem a controvérsia, como normalmente não resolvem e se não houver aquisição por usucapião, (que também regra geral não se prova, quando estão em causa os limites de prédios confinantes), </font><u><font>de acordo com o que resultar de outros meios de prova</font></u><font> (Art. 1354 n.º 1 do C.C.), portanto, podem servir para o efeito a </font><u><font>prova pericial</font></u><font>, </font><u><font>por presunções judiciais</font></u><font> ou </font><u><font>mesmo testemunhal</font></u><font>, </font><u><font>além da posse</font></u><font> (por tempo inferior ao necessário para usucapir).</font><div></div><font>Consequentemente, no caso dos autos, estando alegado a titularidade do direito de propriedade ameaçado, a contiguidade dos prédios, a linha divisória entre os prédios confinantes, os sinais materiais, que na óptica dos requerentes, justificam a linha divisória proposta, concretizada que também está a ameaça de lesão, pensamos estar invocada matéria de facto relevante e suficiente para integrar a causa de pedir neste tipo de acção cautelar.</font><div></div><font>Tendo os requerentes oferecido prova sumária, como determina a lei, resta produzi-la e, formada a necessária convicção, decidir em conformidade.</font><br>
<font>O que não havia era razão para indeferir liminarmente o requerimento inicial, como fizeram as instâncias.</font><div></div><font>Procede, pois, o agravo, devendo o processado seguir os seus termos normais (designadamente os previstos nos Art. 385 a 386 do C.P.C.) até decisão final.</font><div></div><b><u><font>Decisão</font></u></b><div></div><font>Termos em que acordam neste S.T.J. em dar provimento ao agravo.</font><br>
<font>Em consequência, revogam o acórdão recorrido e com ele a decisão da 1ª Instância que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, determinando que seja substituído por outro despacho que ordene o prosseguimento da providência, seguindo-se o seu normal processado até decisão final.</font><div></div><font>Sem custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 9 de Setembro de 2008.</font><br>
<br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
<font>Camilo Moreira Camilo</font></font> | [0 0 0 ... 0 1 1] |
EDKlu4YBgYBz1XKvqSfa | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - "AA & Filhos, Lda." intentou acção declarativa contra "BB Construções, Lda.", pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 74. 416, 70€, por serviços que lhe prestou, acrescida de juros de mora, contados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, vencidos e vincendos, até efectivo pagamento, importando os primeiros na quantia de €1.939,50. </font><br>
<br>
<font>A Ré contestou alegando que a contrapartida pecuniária globalmente ajustada com a A. ascendeu apenas a 52.888,40€, dos quais 40.000,00€ correspondiam a trabalhos "normais" e 12.888,40€ a trabalhos "extra", e que, tendo-lhe sido paga a quantia de 2.888,00€, a A. vem recusando a transferência da propriedade de um lote de terreno que aceitou receber em troca dos seus serviços, cujo valor saldaria os restantes 50.000,00€.</font><br>
<font> Reconvindo, pediu a condenação da A. a pagar-lhe o montante de 469,19€, correspondente aos impostos que teve de suportar por não ter sido operada a oportuna transferência da propriedade do lote, acrescido de juros de mora, contados à taxa legal, desde Março de 2005 até efectivo pagamento, bem como, por litigar de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, esta de montante não inferior a 2.000,00€. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Percorrida a normal tramitação do processo, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de 66. 578, 08€, acrescida de juros de mora, contados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde 13 de Março de 2010 no que concerne ao montante titulado pela factura inserta a fls. 12, deduzido dos 2.888,00€ entregues em Abril de 2006, e desde a data da citação, no que concerne ao remanescente, até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font> A Ré apelou.</font><br>
<font> Impugnou, com êxito, a decisão sobre a matéria de facto, em consequência do que viu a relação revogar a sentença e absolvê-la do pedido. </font><br>
<br>
<br>
<font> Agora é a Autora a pedir revista, visando a revogação do acórdão, para o que verte nas conclusões da alegação:</font><br>
<font>1 - Em 29 de Setembro de 2011 foi proferido douto Acórdão nos autos acima identificados, o qual julgou a apelação procedente e em consequência revogou a sentença recorrida e absolveu a apelante e ora recorrida do pedido. </font><br>
<font>2 - Com efeito, deu razão o Tribunal “a quo" à apelante ao proceder à alteração da matéria de facto, por entender que não foi feita pelo Tribunal de 1.ª Instância uma correcta apreciação da prova produzida, tendo como consequência errado no julgamento da matéria de facto controvertida. </font><br>
<font>3 - Pois bem, discorda a recorrente, em absoluto com a decisão proferida. A razão do dissenso prende-se com o modo como o Tribunal “a quo" usou dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712º do CPC quanto à modificabilidade da matéria de facto. </font><br>
<font>4 - Merece censura o "uso" feito pela Relação dos referidos poderes conferidos pela lei processual civil. </font><br>
<font>5 - De facto, verifica-se no caso "sub judice" uma clara desvalorização da sentença de 1.ª Instância por parte do Tribunal da Relação, ao considerar, sem fundamentar devidamente, que " os depoimentos oriundos da prova trazida pela autora carecem, manifestamente, de razoabilidade e sustentabilidade", e que " a prova testemunhal da ré foi desapaixonada, circunstanciada, plena porque sustentada em experiências próprias que se cruzaram aqui e ali, em episódios das partes relevantes para os autos". </font><br>
<font>6 - Fazendo deste modo "tábua rasa" da sentença da 1.ª Instância. O Tribunal da Relação deveria ter como ponto de partida a decisão recorrida, e verificar se o Tribunal de 1.ª Instância julgou bem a matéria em causa, o que não fez. </font><br>
<font>7 - Não se vislumbra na decisão ora recorrida qualquer fundamentação plausível para justificar que a decisão do Tribunal de 1.ª Instância é errada. É necessário demonstrar o erro! O que não foi feito, nem sequer fundamentado. </font><br>
<font>8 - Na verdade, é o Juiz do Tribunal de 1.ª Instância que está perante a pessoa que depõe, e portanto melhor se apercebe da forma como ela realiza o seu depoimento, da convicção com o que o presta, da espontaneidade que revela, das imprecisões que deixa escapar, enfim, tudo o que serve para fundamentar a impressão que o depoimento deixa no seu espírito e contribui com menor ou maior grau para formar a sua convicção. </font><br>
<font>9 - Os princípios da imediação e da oralidade devem prevalecer no julgamento da matéria de facto, na medida em que a verdade judicial resulta de uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade.</font><br>
<font>10 - Ora, o Tribunal "a quo" ao julgar como o fez, sem recorrer a uma fundamentação plausível para justificar a alteração da matéria de facto, violou tais princípios, e usou os poderes que lhe são conferidos pelo art. 712.º do CPC. em desconformidade com os critérios legais nele definidos, violando assim o disposto neste mesmo dispositivo legal. </font><br>
<font>11 - Em conformidade, pelas razões supra expostas, não deveria a Sentença recorrida ter revogado a sentença de 1.ª Instância e absolvido a ora recorrida do pedido. </font><br>
<br>
<font> A Recorrida respondeu em apoio do julgado.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> única colocada tem por objecto o arguido uso indevido pela Relação dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, por violação dos limites conferidos pelo art. 712º do CPC. </font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 3. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 3. 1. - A Recorrente acusa a Relação de, ao proceder, como procedeu, à alteração da matéria de facto, com clara desvalorização da sentença de 1.ª Instância, ao considerar, sem fundamentar devidamente, que "</font><i><font>os depoimentos oriundos da prova trazida pela Autora carecem, manifestamente, de razoabilidade e sustentabilidade</font></i><font>", e que a prova testemunhal da Ré é merecedora de maior credibilidade.</font><br>
<br>
<font> A Relação procedeu à alteração das respostas a vários pontos da base instrutória, em apreciação da pretensão nesse sentido formulada pela Apelante que, para o efeito, invocou a existência de prova documental e testemunhal gravada, cuja reapreciação pediu, nos termos previstos no art. 685º-B CPC.</font><br>
<font>Em consequência, procedeu à reformulação da decisão de facto em conformidade com o que, na sua perspectiva, resultara da apreciação da globalidade das provas, disponíveis no processo.</font><br>
<font> Fê-lo ao abrigo do disposto no art. 712º do referido diploma.</font><br>
<br>
<br>
<font>3. 2. - Como se pressupõe no recurso, quando tal suceda, isto é, quando a Relação tenha procedido a alteração da matéria de facto, o Supremo não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes nesse campo, pois que, como dito, em causa está averiguar se houve violação da lei, designadamente dos critérios legais fixados no art. 712.º-1 CPC e dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório. Trata-se, então, de "verificar da correcção do método discursivo de raciocínio" e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão estritamente do ponto de vista da legalidade, tudo aquém do campo da apreciação das questões de facto que os arts. 721º-2 e 722º-2 vedam ao recurso de revista (ac. de 12-9-2006, desta Secção e relator, no proc. 1994/06).</font><br>
<br>
<br>
<font>3. 3. - Como se escreveu no acórdão citado, face ao mencionado objecto do recurso, impunha-se à Relação </font><i><font>reapreciar</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>provas</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, procedendo à audição ou leitura dos depoimentos indicados pelas partes</font></i><font> (arts. 712º-2 e 685º-B-4).</font><br>
<br>
<font>Dada a amplitude com que a lei os prevê, os poderes de reapreciação contidos no preceito traduzem-se num verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição sobre a apreciação do conteúdo da prova produzida. À Relação impõe-se declarar se os pontos de facto impugnados foram bem ou mal julgados e, em conformidade com esse julgamento, manter ou alterar a decisão proferida sobre os mesmos.</font><br>
<font> Nessa medida, pode mesmo dizer-se que o tribunal de recurso actua como tribunal de substituição relativamente ao tribunal recorrido, regime que se revela aceitável como decorrência do concurso dos pressupostos a que alude o n.º 1 do art. 712º, a colocar a 2ª instância de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1ª.</font><br>
<br>
<font>Na 1ª instância ou na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.</font><br>
<font>Em ambos os casos vigoram para os julgadores de ambos os Tribunais as mesma regras e princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (por contraposição ao regime da prova legal), consagrado no art. 655º-1.</font><br>
<font>Quer isto dizer que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação. Deve, ela, ainda ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos disponíveis e atendíveis (art. 515º CPC).</font><br>
<br>
<font>Finalmente, no âmbito dessa valoração das provas no seu conjunto, poderão os julgadores lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais – art. 351º C. Civil.</font><br>
<br>
<font>Numa palavra, a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova.</font><br>
<br>
<br>
<font>3. 4. - Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação, deve o julgador indicar os fundamentos da sua convicção por forma a permitir o controlo da razoabilidade da decisão mediante a intervenção das mesmas regras da ciência, lógica e experiência, tudo tendente a dotá-la de força persuasiva e a convencer da bondade do acerto do decidido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Ora, como se viu, no acórdão impugnado alude-se expressamente à prova documental junta aos autos, à audição da prova que foi objecto de gravação áudio e às considerações tecidas pelas Partes quanto aos fundamentos da impugnação, como sustentáculos da modificação operada.</font><br>
<br>
<font> Depois, no tocante aos depoimentos – de parte e testemunhais – prestados e gravados, na reponderação que levou a cabo, a Relação não deixou de fazer, reportando-se mesmo a cada um deles, uma análise crítica, exteriorizando as razões conducentes à convicção própria e autónoma que se lhe impunha formular, coincidente ou não com a anteriormente extraída pelo Julgador da 1ª Instância.</font><br>
<br>
<font> Em suma, cumpriu o acórdão, ao menos em nosso entender, o dever de fundamentação que o sistema jurídico – Constituição da República (art. 208º-1) e lei ordinária – prevê. </font><br>
<br>
<br>
<font> 3. 5. - Resta, respondendo mais concretamente à objecção da Recorrente no sentido de que “os princípios da imediação e da oralidade devem prevalecer no julgamento da matéria de facto”, dizer, como no recente acórdão de 10-01-2011 (proc. n.º 1452/04.5TVPRT.P1.S1), em que o ora relator interveio como 1º adjunto, que “é fácil verificar que foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do DL. 39/95 e reafirmada no preâmbulo do DL 329-A/95, criar um verdadeiro duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto … desiderato (que) só pode ser completamente conseguido se a Relação, perante o exame e análise crítica das prova produzida a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção (coincidente ou não com a formada pelo julgador da 1ª instância), no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar, de modo algum, limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida. </font><br>
<font> (…) O que a Relação não deve é limitar-se a procurar determinar se a convicção (alheia) formada pelo julgador da 1ª instância tem suporte na gravação, ou limitar-se a apreciar, genericamente, à fundamentação da decisão de facto, para concluir, sem base suficiente, não existir erro grosseiro ou evidente, na apreciação da prova, tudo em homenagem ao princípio da imediação das provas, erigido em princípio absoluto (…). Uma tal prática impede o real controlo da prova pela 2ª instância, transformando a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto numa garantia puramente virtual, praticamente inútil”.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 3. 6. - No caso, estava, sem dúvida, a Relação, de posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1ª Instância para se poder substituir a esta e proceder à reapreciação completa da decisão da matéria de facto impugnada, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material, como permitido pelo art. 712º-1-a) e 2 CPC.</font><br>
<br>
<font> Por isso, e dentro desse alargado âmbito de actuação, colocada na mesma posição do julgador da 1ª Instância, nada podia impedir a Relação, também como tribunal de instância, de proceder às modificações a que levou a efeito ou mesmo de extrair ilações a partir dos factos provados, quer essas ilações assentassem em factos base já anteriormente provados, quer se viessem a apoiar em factos já resultantes da modificação de respostas em consequência de diferentes valorações da prova documental ou testemunhal.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Conclui-se, pois, que, no âmbito da reapreciação das provas em sede de modificação da matéria de facto em aplicação das normas do art. 712º-1-a) e 2 nenhum vício de ilegalidade se detecta.</font><br>
<br>
<font> A matéria de facto fixada pela Relação é, deste modo, intocável por este Tribunal.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>3. 7. - Mantida ela, manter-se-á também a decisão sobre o mérito da causa, como admite e pressupõe a Recorrente.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. – Respondendo, em síntese final, à questão colocada poderá concluir-se que:</font><br>
<font>No uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712º do CPC, a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font> - Negar a revista;</font><br>
<font> - Confirmar o acórdão impugnado; e,</font><br>
<font> - Condenar a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 14 de Fevereiro 2012.</font><br>
<br>
<br>
<font>Alves Velho (Relator)</font><br>
<br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<br>
<font>Garcia Calejo</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EDLRu4YBgYBz1XKvtEMa | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>O Ministério Público intentou, em 3 de Outubro de 2005, acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa requerida por </font><font>AA</font><br>
<br>
<font>Citada a requerente, não contestou nem apresentou outros documentos, para além dos já oferecidos no processo da Conservatória.</font><br>
<br>
<font>Tal acção veio a ser julgada improcedente por acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Fevereiro de 2006.</font><br>
<br>
<font>Inconformado, veio o M.º P.º interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>I. Não basta para instruir e deferir o pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, a vontade manifestada de adquirir essa nacionalidade, o casamento com um cidadão português, ter uma filha desse casamento e o marido ter adquirido por partilha bens imobiliários em Portugal e ter licença de obras de construção;</font><br>
<font>II. O tribunal desconhece, dada a omissão de prova, no caso em apreço, em concreto, as vivências, os conhecimentos e as experiências do modo de vida da Requerida em Portugal e com os portugueses, a fim de se poder apurar se existe, já consolidada, uma integração efectiva na comunidade nacional;</font><br>
<font>III. O tribunal desconhece, dada a omissão de prova, que tempo a Requerida viveu em Portugal para se poder concluir pelo enraizamento na cultura portuguesa, nos costumes, usos e tradições do povo português;</font><br>
<font>IV. O tribunal desconhece, por omissão de prova, quais as regiões e cidades que a Requerida conhece, quais as vivências que tem vivido em agremiações ou associações da comunidade portuguesa de modo a revelar uma ligação efectiva a Portugal e aos portugueses;</font><br>
<font>V, A Requerida sendo brasileira, tem vivido regular e habitualmente na Suiça, onde casou e onde nasceu a filha;</font><br>
<font>VI. No caso dos autos, por manifesta omissão de prova, a Requerida não comprovou, de modo suficiente e convincente, ter preenchido o requisito da inserção na comunidade nacional, como um dado adquirido, vivido e vivenciado com os portugueses, e não como uma mera intenção ou um desejo a realizar no futuro, como lhe competia nos termos do artigo 22.º,n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 322/82 de 12 de Agosto, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 253/94, de 10 de Outubro.</font><br>
<br>
<font>Pede o provimento do recurso com a consequente revogação do acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos. </font><br>
<br>
<font>Decidindo:</font><br>
<br>
<font>AA, de nacionalidade brasileira, natural de Escada, Estado de Pernambuco, Brasil, residente habitualmente em ...., Suiça, prestou, em 19 de Outubro de 2004, na chancelaria do Consulado-Geral de Portugal em Zurique, declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do art.º 3.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro com base no casamento que contraiu, em 21 de Março de 2001, na Suiça, com o nacional português BB, natural da freguesia de ...., concelho de Viseu.</font><br>
<br>
<font>No auto e para fins do disposto na alínea a) do art.º 9.º da Lei n.º 37/81 referida, a requerente declarou «que está efectivamente ligada à comunidade portuguesa: Tem uma filha do casal, CC cujo registo foi lavrado neste Consulado-Geral sob o n.º 518/2003; vai a Portugal todos os anos onde tem casa de habitação própria e onde pensam fixar residência dentro de pouco tempo».</font><br>
<br>
<font>Nos termos do art.º 22.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 253/94, de 20 de Outubro, compete aos interessados «comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional» sob pena de, não o fazendo, tal omissão constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade nos termos do artigo 9.º, alínea a), da Lei n.º 37/81, citada, na redacção introduzida pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto.</font><br>
<br>
<font>A Relação considerou como provados os seguintes factos: </font><br>
<br>
<font>1. Em 19 de Outubro de 2004, na Chancelaria do Consulado de Portugal, em Zurique, a R. prestou declaração para a aquisição da nacionalidade portuguesa, com base no casamento que contraiu, a 21 de Março de 2001, com o nacional português BB;</font><br>
<font>2. Com base em tal declaração foi instaurado, na Conservatória dos Registos Centrais, o processo n.º 00.000/00-000-0, onde se constatou a existência de facto impeditivo da pretensão da R., motivo pelo qual o registo em questão não chegou a ser lavrado;</font><br>
<font>3. No auto declarou “que está efectivamente ligada à comunidade portuguesa: tem uma filha do casal CC, cujo registo foi lavrado neste Consulado-Geral sob o n.º 518/2003; vai a Portugal todos os anos onde tem casa de habitação própria e onde pensam fixar residência dentro de pouco tempo”.</font><br>
<font>4. Instada a carrear ao processo demais prova, a R. juntou entre outros os seguintes documentos: fotocópias simples de descrições prediais de prédios adquiridos pelo marido por partilha e documento bancário, fotocópia do passaporte e documento relativo ao nascimento da filha do casal;</font><br>
<font>5. O casamento da R. ocorreu no Registo Civil de Opfikon, Suiça, a 21 de Março de 2001;</font><br>
<font>6. A filha CC nasceu a 1 de Junho de 2003 em ..., Suiça; </font><br>
<font>7. É nesse país que residem;</font><br>
<font>8. O marido da Ré é titular do alvará de construção – para moradia familiar – emitida pela Câmara Municipal de Viseu a 9 de Agosto de 2004;</font><br>
<font>9. Nos certificados de registo criminal da Ré nada consta;</font><br>
<font>10. A R. é titular de passaporte brasileiro, com alguns carimbos de aeroportos de Lisboa e Porto;</font><br>
<br>
<font>Serão tais elementos, conjugados com os demais que resultam do processo, suficientes para comprovar que a requerente tem ligação efectiva à comunidade nacional?</font><br>
<br>
<font>Previamente diga-se que para que a oposição à aquisição da nacionalidade venha a proceder não se exige a prova de que não há ligação efectiva à comunidade nacional, bastando a dúvida ou a falta de certeza sobre a sua verificação.</font><br>
<br>
<font>Ora, o casamento, facto que baseou o invocado direito, não pode ser havido, só por si, como elemento constitutivo de ligação da interessada à comunidade nacional, sob pena de ser inútil o preceito contido na alínea a), do art.º 9 da Lei n.º 37/81, cujo teor é o seguinte: </font><br>
<br>
<font>“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:</font><br>
<font>a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;</font><br>
<font>b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;</font><br>
<font>c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”</font><br>
<br>
<font>Se se entendesse de outro modo, ficaria neutralizado o direito do Estado Português de deduzir oposição à aquisição da nacionalidade por esta via.</font><br>
<br>
<font>Para prova da alegada ligação efectiva à comunidade portuguesa não juntou a requerente qualquer documento.</font><br>
<br>
<font>Instada a carrear ao processo a demais prova que reputasse com interesse e que seja demonstrativa da sua ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, juntou entre outros os seguintes documentos: fotocópias simples de descrições prediais de prédios adquiridos pelo marido por partilha e documento bancário, fotocópia do passaporte e documento relativo ao nascimento da filha do casal.</font><br>
<br>
<font>Merecerá algum relevo a existência de uma filha com nacionalidade portuguesa, nascida em Junho de 2003, na Suiça, onde actualmente residem, tendo em vista salvaguardar o princípio da unidade da nacionalidade familiar. No entanto, esse facto, desprovido de outras provas, não será meio suficiente para demonstrar a ligação efectiva da requerente à comunidade nacional.</font><br>
<br>
<font>Nem se vê que a não atribuição da nacionalidade portuguesa à requerente possa trazer graves problemas ao agregado familiar de que pai e filha gozam da referida nacionalidade. No contexto da emigração portuguesa é frequente a coexistência de diversas nacionalidades (muitas vezes o emigrante português casa com nacionais do país onde trabalha ou com emigrantes de outras nacionalidades que aí trabalham), sem que ocorra uma ligação forte do conjugue não português à comunidade do outro.</font><br>
<br>
<font>Igualmente irrelevante é o facto de a requerente falar português, uma vez que é a sua língua-mãe.</font><br>
<br>
<font>Do mesmo modo não há qualquer elemento de que a requerente planeie radicar-se em Portugal e o facto de o marido português estar a construir uma casa em terrenos de que é nu proprietário (mas sobre os quais incide usufruto a favor da mãe) não é indiciador de qualquer intenção desse jaez. São aos milhares as casas de emigrantes construídas principalmente como residências de férias. </font><br>
<br>
<font>Sem significado é também o facto de o passaporte da requerente possuir diversos carimbos de entrada e saída em aeroportos portugueses. Não há qualquer prova de que tais passagens originaram estadias curtas ou prolongadas em Portugal e não meras passagens ou estadias sem qualquer relevo.</font><br>
<br>
<font>Como é consabido, vem-se fixando jurisprudência no sentido de que a ligação à comunidade nacional terá por base o domicílio, a língua, os aspectos culturais, sociais, familiares, económico-profissionais, de amizade ou outros que traduzam a ideia de um sentimento de pertença a essa comunidade (ver a propósito, entre outros, os Acórdãos de 12/01/99 do S.T.J., no proc.7191/97-1.ª Secção, de 15.02.2000, no proc. n.º 68/00-6.ª Secção, de 01/10/02, no proc. n.º 4190/02-7.ª Secção, de 20/06/02 no proc. n.º 4416/02-6.ª Secção, de 2 de Julho de 2002, no proc. n.º 3404/02, 1.ª Secção, de 2 de Novembro de 2004, proc. n.º 3483/04- 6.ª Secção, de 13.1.2005, no proc. n.º 4534/04-7.ª Secção e de 19.1.2006, proc. n.º 3192/05-2.ª Secção)</font><br>
<br>
<font>Como se afirma no acórdão do STJ, de 7 de Junho de 2005,proferido no recurso nº 1550/05, da 6ª Secção, “a prova da ligação efectiva à comunidade nacional ancora--se num conjunto de circunstâncias objectivas, como a residência duradoura em Portugal, o conhecimento e vivência dos nossos costumes e tradições, da língua portuguesa, falada em família e entre amigos, a existência de relações de amizade e profissionais com portugueses, bem como os laços económicos com Portugal e, em geral, as que permitem constatar uma identificação com o modo de vida e de ser dos portugueses, sem olvidar a participação em realizações ou projectos que ultrapassando a vertente individual ou familiar, representem a comunhão de interesses, ideias ou objectivos de desenvolvimento e progresso da nossa comunidade”.</font><br>
<br>
<font>“A nacionalidade é resultante da conquista de um povo, que se organiza em Nação--Estado e alcança a sua identidade no percurso histórico desse mesmo povo. </font><br>
<font>Por isso, o estrangeiro que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa terá de demonstrar que conhece a história de Portugal e os valores da sua cultura, que neles se revê e com ele se identifica e que pretende participar positivamente no futuro deste país. </font><br>
<br>
<font>A nacionalidade portuguesa só deve ser concedida a quem tenha um sentimento de unidade com a comunidade nacional, em termos de comunhão da mesma consciência nacional, impondo a lei uma ligação efectiva, já existente, à comunidade nacional, e não se satisfazendo com uma simples intenção ou possibilidade de a constituir a prazo”. </font><br>
<br>
<font>A requerente desinteressou-se de apresentar provas para atestar a sua identificação com a comunidade portuguesa: participação em manifestações culturais da comunidade portuguesa na Suiça ou em Portugal, envolvimento social com portugueses e participação em associações de portugueses, demonstração de particular interesse pelo que é português, viagens frequentes a Portugal e gozo de férias em território português.</font><br>
<br>
<font>Cabendo-lhe essa prova e não estando demonstrada de uma forma considerada bastante a referida “ligação efectiva à comunidade nacional” é justificada a denegação da nacionalidade.</font><br>
<br>
<br>
<font>Termos em que se concede provimento ao recurso.</font><br>
<br>
<font>Sem custas.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa,12-09-2006</font><br>
<div></div><br>
<font>Paulo Sá (relator)</font><br>
<font>Borges Soeiro</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font></font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
DzK4u4YBgYBz1XKvqzf2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- No Tribunal Judicial de Santarém, </font><b><font>AA S.A.</font></b><font>, com sede em 5 Place de La ..., La Defense, 92800, Puteaux, França, propõe a presente acção declarativa de simples apreciação com processo ordinário contra </font><b><font>BB – Montagem de Adutores e Emissários, Ldª</font></b><font>, com sede no Cabeço ..., 2000-421, Santarém, </font><i><font>pedindo</font></i><font> que se declare nula, nos termos do nº 2 do art. 487º do Código das Sociedades Comerciais, a subscrição pela R. de uma quota no valor nominal de € 1.696.761,42 no capital social de </font><b><font>CC- Pré-fabricados de Betão de Santarém, Lda</font></b><font>, que, por sua vez, detém 95% do capital da R..</font><br>
<font> Alega, resumidamente, que detém no capital da CC seis quotas, no valor total de € 423.978,22, o que representa 8,25% daquele, que a R. adquiriu ilicitamente na mesma sociedade uma quota com o valor nominal de € 1.696.761,42, representando 33,01% do capital social, que se não fosse tal facto, a A. teria uma participação representativa de 12,31% e, consequentemente, os seus direitos sociais teriam uma medida diferente, sendo, nomeadamente, superior a sua participação nos lucros e ainda que tal aquisição foi efectuada com intuito de prejudicar os accionistas da CC, entre eles a A., pois que a R. pretendeu, por meio do seu gerente controlar a maioria na respectiva Assembleia Geral.</font><br>
<font> A R. contestou concluindo pela improcedência da acção e pedindo a condenação da A. como litigante de má fé, alegando, também em resumo, que era credora da CC por aquele valor de € 1.696.761,42 e que, tendo esta sido objecto de um processo de recuperação onde tal crédito foi reconhecido, deliberou a assembleia de credores aprovar, além do mais, uma proposta de reestruturação em que um dos meios para tanto previstos foi a conversão dos créditos reconhecidos em capital, o que nada tem a ver nem se confunde com a aquisição de quotas a que alude aquele preceito do C. das Sociedades Comerciais, sendo que nem a A. nem qualquer outro interessado impugnaram tal deliberação.</font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos com dispensa da audiência preliminar.</font><br>
<font> Entendendo-se que a questão a decidir era estritamente de direito, foi proferido saneador-sentença, onde se julgou a acção procedente e, em consequência, declarou-se nula a subscrição pela R. de uma quota no valor de 1.696.761,42 € no capital social da CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda. Absolveu-se ainda a A. do pedido de condenação como litigante de má fé.</font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 18-12-2007, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.</font><br>
<font> 1-2- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> </font><font>1ª- No entender da decisão recorrida, que segue neste ponto a doutrina do acórdão da RP de 5-7-1993, a subscrição de capital de uma sociedade dominante por uma sociedade dependente em processo de recuperação de empresa é inteiramente válida, não estando sujeita à proibição estabelecida no nº 1 do art. 487º do CS.C.</font><br>
<font> 2ª- Daí que, em consonância com este entendimento, se se concluir que os negócios jurídicos objecto dos autos foram praticados em cumprimento da decisão judicial que homologou a medida de recuperação aprovada, logo no âmbito do processo de recuperação de empresa da sociedade CC-Pré-fabricados de Betão de Santarém Lda, tanto a aquisição de crédito como a sua conversão em capital serão negócios jurídicos perfeitamente válidos e legais.</font>
<p><font> 3ª- A decisão recorrida identificou e qualificou a pessoa colectiva, “CC-Fabritubo Produtos de Betão, ACE”, anterior titular do crédito adquirido pela ora Recorrente, como uma Sociedade, quando na realidade se trata de um Agrupamento Complementar de Empresas.</font>
</p><p><font> 4ª- Sendo como é um Agrupamento Complementar de Empresas, ao mesmo está vedada participação em sociedades civis ou comerciais nos termos do disposto no art. 5° alínea b) do respectivo regulamento (DL 430/73 de 25 de Agosto).</font>
</p><p><font> 5ª- Prevenindo esta proibição, foi expressamente previsto na proposta do gestor judicial homologada por sentença transitada proferida no processo de recuperação, efectuar a compra do crédito por um terceiro seguindo-se a sua conversão em capital da empresa.</font>
</p><p><font> 6ª- Assim, os actos e negócios jurídicos objecto da presente acção, apesar de realizados em momento posterior à sentença homologatória, foram-no no âmbito do processo de recuperação e no estrito cumprimento do que fora aprovado na assembleia de credores e decidido na sentença homologatória, dele fazendo parte integrante, ao contrário do decidido no acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> 7ª- A proposta em referência do Gestor Judicial, foi oportunamente objecto de alegação pela R., ora Recorrente, tanto na contestação, como nas alegações da apelação, não merecendo a menor atenção por parte da decisão recorrida que, sobre tal matéria, se não pronunciou pura e simplesmente.</font>
</p><p><font> 8ª- Ora, a mesma era absolutamente determinante para se apreciar o contexto, a sequência, o objecto e a legalidade dos actos jurídicos praticados após a prolação da sentença homologatória mas no estrito cumprimento desta.</font>
</p><p><font> 9ª- O acórdão recorrido, para além de considerar erradamente o ACE como uma Sociedade, desvalorizou em absoluto actos jurídicos expressamente previstos pelo Gestor Judicial e propostos no seu Relatório, aprovado na Assembleia de Credores e homologado por sentença, ou seja, repete-se a possibilidade de aquisição por um terceiro do crédito do ACE e a sua posterior conversão em capital, face à incapacidade legal deste para deter participações sociais.</font>
</p><p><font> 10ª- Doutro passo, sustentando o entendimento de que o que teria sido adquirido pela ora Recorrente fora, não o crédito do ACE (como vem provado no ponto 4 de factos provados e corresponde de facto ao negócio realizado pelas partes) mas uma participação social e que tal aquisição e subsequente conversão em capital foram realizados fora do âmbito do processo de recuperação, o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento com manifesta influência na decisão do recurso.</font>
</p><p><font> 11ª- Entendeu ainda o acórdão recorrido não ter a sentença de 1ª instância desconsiderado e omitido, na base instrutória e/ou na relação de fados provados, matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, ao contrário do que a Requerente defendeu nas suas alegações e designadamente nas conclusões 7ª a 10 das mesmas.</font>
</p><p><font> 12ª- A sentença da 1ª instância não deu como provado que a participação da Recorrente no capital da CC resultou da conversão em capital do crédito que aquela detinha sobre esta - e não de uma qualquer aquisição de quota já existente - limitando-se, no ponto 2, de factos provados, a dar como assente que a R. detém uma quota no valor ali referido.</font>
</p><p><font> 13ª- Ora, as circunstâncias e o modo como tal quota veio à titularidade da R., são factos do maior interesse para o conhecimento e boa decisão da causa e foram expressamente alegados no art. 10° da Contestação.</font>
</p><p><font> 14ª- A subscrição de capital por conversão de crédito em capital e a efectivação da operação no âmbito e sob a égide de um processo de recuperação de empresa constam de documento não impugnado (cfr. pág. 63 do Relatório do Gestor Judicial) e são da maior importância para a apreciação da causa, porquanto são eles que permitem caracterizar e contextualizar as operações efectuadas de aquisição do crédito e subsequente conversão em capital, não como simples transacções comerciais traduzidas na aquisição de uma quota, mas como a contrapartida da extinção voluntária de uma dívida, no quadro de um acordo de credores para recuperação de uma empresa, medida devidamente homologada pelo tribunal.</font>
</p><p><font> 15ª- O acórdão recorrido, ao contrário do decidido deveria ter tido em conta tal matéria de facto e determinado a modificação da decisão de facto da 1ª instância, em conformidade, como previsto no art. 712° do CPC.</font>
</p><p><font> 16ª- O que sempre esse Supremo Tribunal poderá fazer, nos termos do disposto no art. 729° n°3 do CPC. (cfr. por todos, Ac do STJ de 5/3/91; AJ, 18°-21; Ac. do STJ de 24/4191; AJ 18°-8) ou tendo em conta a doutrina do Assento n°14/91 de 26.5.1994. com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência.</font>
</p><p><font> 17ª- Doutro passo, a proibição de aquisição de quotas estabelecida no art. 487° tem por finalidade assegurar a conservação do capital da sociedade participante e impedir a subversão - através da utilização instrumental de uma participada - do principio que limita ou restringe a aquisição de quotas ou acções próprias pela sociedade participante.</font>
</p><p><font> 18ª- Ora, como resulta da análise dos elementos de facto carreados para os autos não foi nenhuma destas finalidades que se pretenderam atingir com a conversão do crédito da BB em capital da CC, mas sim permitir a reestruturação financeira da CC através da diminuição do seu passivo.</font>
</p><p><font> 19ª- Objectivo que foi totalmente atingido porquanto a medida foi efectivamente implementada a partir de Janeiro de 2005 e tem-se revelado plenamente eficaz e adequada</font>
</p><p><font> 20ª- A natureza dos negócios jurídicos em causa não configura uma aquisição onerosa tal como prevista no art. 487° do CSC, mas sim uma diminuição do passivo da CC através da extinção da dívida convertida em capital no quadro e em execução de um acordo de credores.</font>
</p><p><font> 21ª- A conclusão do acórdão recorrido de que o decretamento da nulidade da aquisição da referida quota não põe em causa a reestruturação da CC-Pré-fabi1cados de Betão de Santarém Lda nem determinará a redução do seu capital social com o correspondente aumento de seu passivo, atenta a realidade dos factos provados e dos documentos constantes dos autos, é totalmente errónea e inconsistente.</font>
</p><p><font> 22ª- A anulação da subscrição de capital objecto do pedido, só poderia ter como efeito a recondução das partes à situação anterior, isto é à restituição do crédito à titularidade da Recorrente com a correspondente redução no capital social da CC.</font>
</p><p><font> 23ª- Nunca por nunca, a anulação poderia ter como efeito a restituição ao ACE CC- Fabritubo de uma quota que não foi objecto do negócio celebrado entre este e a ora Recorrente, que recorde-se foi uma cessão de créditos.</font>
</p><p><font> 24ª- A nulidade em causa, a proceder, teria, como consequência inevitável, uma radical alteração das condições e da implementação das medidas de recuperação aprovadas, com o mais que certo encerramento a prazo da CC, dadas as repercussões que tal teria, designadamente em credores, fornecedores e clientes.</font>
</p><p><font> 25ª- Decidindo como decidiu o acórdão recorrido violou, entre outros os arts. 33°, 40º, 265°, 456°,457°, 659º nºs 2 e 3, 660, n°2, 712° e 713° do CPC, a base 1 n°2 da Lei nº 4/73 de 4 de Junho, os arts. 5° alínea b) e 21° n°2 do DL n°430/73 de 25 de Agosto e art. 487ºdo CSC. </font>
</p><p><font> A parte contrária contra-alegou, sustentando a confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<font> 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3, ex vi do disposto no art. 726º do C.P.Civil).</font><br>
<font> Nesta conformidade serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se uma aquisição social em processo de recuperação de empresa não está sujeita à proibição estabelecida no nº 1 do art. 487º do C.S.Comerciais.</font><br>
<font> -Se no, caso vertente, a aquisição em causa foi realizada no âmbito do processo de recuperação de empresa da sociedade CC.</font><br>
<font> - Se existe fundamento para ampliar a matéria de facto.</font><br>
<font> - Se natureza do negócio que levou à aquisição pela R. do capital da CC, não configura uma aquisição onerosa, pelo que não está sujeito à proibição a que alude o referenciado art. 487º.</font><br>
<font> - Se a expressão «adquirir» inserta no art. 487º do C.S.Comercais abrange, ou não, a subscrição de capital através da conversão de créditos.</font><br>
<font> 2-2- Das instâncias vem dada como provada a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1- A R. é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 5.000,00.dividido em três quotas, a saber: uma quota pertencente à CC- Pré Fabricados de Betão de Santarém Ldª, no valor nominal de € 4.750,00, uma quota pertencente a José Massano André, no valor nominal de € 150,00 e uma quota pertencente a Agostinho Gaspar Marques, no valor nominal de € 100,00.</font><br>
<font> 2– A R. detém uma quota social no capital social da CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda. com o valor nominal de € 1.696,761,42.</font><br>
<font> 3– A A. é sócia da CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda, detendo no capital social desta quatro quotas com o valor nominal de € 62.349,74, uma quota com o valor nominal de € 124.699,47 e uma quota como valor nominal de € 49.879.79, num total de 423.978,22.</font><br>
<font> 4– A CC foi objecto de um processo de recuperação de empresa que correu termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santarém.</font><br>
<font> 5– Em 4 de Janeiro de 2005, no âmbito do processo supra referido, a Assembleia de Credores Definitiva deliberou aprovar a medida de recuperação financeira proposta pelo gestor judicial consistente na reestruturação financeira da CC, a qual passava, nomeadamente, pela conversão dos créditos reconhecidos em capital social de CC.</font><br>
<font> 6– A medida supra referida foi homologada por decisão judicial transitada em julgado em 14 de Janeiro de 2005.</font><br>
<font> 7– À data da aprovação da medida de recuperação supra referida, a R. não era credora da sociedade CC-Pré Fabricados de Betão de Santarém Lda.</font><br>
<font> 8– A R. adquiriu à CC- Fabritubo de Betão ACE o crédito que esta detinha sobre CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda, no valor de 1.696.761,42, crédito esse que foi reconhecido no âmbito do processo de recuperação supra mencionado.</font><br>
<font> Considera-se ainda provado, por acordo das partes e face ao documento de fls. 60 e segs (art. 659º nº 3 do C.P.Civil) que:</font><br>
<font> 9- Na medida reestruturação financeira da CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda, foi considerado o crédito da CC- Fabritubo de Betão ACE e que este foi convertido em capital da recuperanda, CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda. --------------------------------------------------</font><br>
<font> 2-1- Está em causa, nos presentes autos, a aquisição pela R., BB Ldª, de uma participação na CC Pré-Fabricados de Betão de Santarém, Lda. A A. pretende ver declarada nula esta aquisição por força da proibição de aquisições de participações a que alude o art. 487º do C.S.Comerciais (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem).</font><br>
<font> Provou-se que, na realidade, a R., BB, adquiriu à CC- Fabritubo de Betão ACE o crédito que esta detinha sobre CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda, no valor de 1.696.761,42, crédito esse que foi reconhecido no âmbito do processo de recuperação supra mencionado.</font><br>
<font> De sublinhar desde logo que a CC Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda e a CC- Fabritubo de Betão ACE, são entidades absolutamente autónomas, pese embora se aceite que esta constitui um agrupamento de empresas.</font><br>
<font> Foi desta sociedade que a R., BB, adquiriu a participação na CC Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda.</font><br>
<font> Provou-se, por outro lado, que a R. é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 5.000,00 dividido em três quotas, a saber: uma quota pertencente à CC- Pré Fabricados de Betão de Santarém, Lda, no valor nominal de € 4.750,00, uma quota pertencente a José Massano André, no valor nominal de € 150,00 e uma quota pertencente a Agostinho Gaspar Marques, no valor nominal de € 100,00. </font><br>
<font> Estabelece o art. 486º nº 1 que “</font><i><font>considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483º nº 2, sobre a outra, dita dependente, influência dominante</font></i><font>”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “</font><i><font>presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente, detém uma participação maioritária no capital (al. a)), dispõe de mais de metade dos votos (al. b)), tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização (al. c))</font></i><font>”.</font><br>
<font> Quer isto dizer que a CC- Pré Fabricados de Betão de Santarém, Lda possuindo uma quota maioritária da R., BB (95% do capital social desta), tem uma relação dominante sobre esta. </font><br>
<font> De harmonia com o disposto no art. 487º nº 1 “</font><i><font>é proibido a uma sociedade adquirir quotas ou acções das sociedades que, directamente ou por sociedades que preencham os requisitos indicados no art. 483º nº 2 a dominem, a não ser aquisições a título gratuito, por adjudicação em acção movida contra devedores ou em partilha de sociedades que seja sócia</font></i><font>”. Ou seja, perante esta disposição fica claro, excepto nos casos contemplados na disposição (sem aplicação ao caso vertente), não é possível a uma sociedade adquirir quotas ou acções de sociedades que a dominem. Caso o faça, estabelece o nº 2 da disposição, a nulidade dos actos de aquisição de quotas ou acções (excepto se forem compras em Bolsa, mas neste caso aplica-se a todas as acções assim adquiridas o disposto no art. 485º nº 3).</font><br>
<font> Assim sendo, de harmonia com o disposto no art. 487º nº 1 e não ocorrendo as situações excepcionais aí contempladas, a R., sendo uma sociedade dominada pela CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda, não poderia adquirir participações sociais desta última. Em caso de aquisição, nos termos do nº 2 da disposição, a mesma será nula.</font><br>
<font> Isto mesmo se referiu na sentença de 1ª instância, com confirmação no acórdão da Relação recorrido.</font><br>
<font> A R. entende ser incorrecta esta posição porque a subscrição de capital de uma sociedade dominante por uma sociedade dependente em processo de recuperação de empresa é inteiramente válida, não estando sujeita à proibição estabelecida no nº 1 do art. 487º. Assim, se se concluir que os negócios jurídicos objecto dos autos foram praticados em cumprimento da decisão judicial que homologou a medida de recuperação aprovada, logo no âmbito do processo de recuperação de empresa da sociedade CC-Pré-fabricados de Betão de Santarém Lda, tanto a aquisição de crédito como a sua conversão em capital serão negócios jurídicos perfeitamente válidos e legais.</font><br>
<font> É esta a primeira questão que nos é colocada para apreciação, que é a de saber se uma aquisição em processo de recuperação de empresa não está sujeita à proibição estabelecida no nº 1 do art. 487º e se no caso vertente a aquisição em causa foi realizada no âmbito do processo de recuperação de empresa da dita sociedade.</font><br>
<font> Sem dúvida apreciável, como decidiu o acórdão recorrido, somos em crer que a proibição do art. 487º nº 1 não deve ter aplicação aos casos de aquisição no âmbito de processo especial de recuperação de empresa. Isto porque com a proibição em causa tem-se em vista assegurar e conservar a sociedade participante, visando-se, designadamente, que a sociedade participada não contorne as disposições legais relativas à aquisição ou acções próprias e à sua amortização, utilizando uma sociedade sua participada para alcançar o que ela não pode conseguir. Ora evidentemente que estes objectivos estão ausentes de um processo especial de recuperação de empresa, em que o essencial objectivo é o de conciliar a manutenção da empresa, atendendo aos proventos sociais que daí decorrem, com o de acautelar os interesses dos credores.</font><br>
<font> Aliás sobre este aspecto a recorrente não levanta qualquer dúvida, visto que o próprio acórdão recorrido adoptou esta posição.</font><br>
<font> O problema surge porque a recorrente entende que a aquisição foi efectuada através do processo de recuperação de empresa da dita sociedade, posição não acolhida no aresto recorrido.</font><br>
<font> Como se demonstrou, na medida reestruturação financeira da CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém Lda, foi considerado o crédito da CC- Fabritubo de Betão ACE e este foi convertido em capital da recuperanda, CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém, Lda.. </font><br>
<font> Quer dizer, no âmbito do processo de recuperação de empresa em causa, o crédito que foi convertido em capital da recuperanda, foi o crédito da CC- Fabritubo de Betão ACE. De sublinhar a este propósito que, compulsando o documento de fls. 60 e segs. (junto pela própria R.), verifica-se que esta nem sequer fazia parte dos credores da recuperanda reclamantes (vide designadamente o documento de fls. 131 a 133), razão por que nunca poderia de beneficiar da medida ou de qualquer outra semelhante. De resto, a R,. ora recorrente, reconhece aquela situação. Porém, em abono da sua tese, sustenta que, em resultado da conversão em capital do crédito da CC- Fabritubo de Betão ACE, previu-se na proposta do gestor judicial aprovada em Assembleia de Credores e homologada por sentença, a possibilidade de tal crédito vir a ser adquirido por um terceiro, seguindo-se, após isso, a sua conversão em capital. Daí que a sequência de actos e negócios jurídicos, apesar de realizados em momento posterior à sentença homologatória, foram-no no âmbito e sob a égide do processo de recuperação e no estrito cumprimento do que fora aprovado na assembleia de credores e decidido na sentença homologatória.</font><br>
<font> Não podemos aceitar este entendimento. </font><br>
<font> Deveremos desde logo notar que o que foi homologado por sentença, como se infere do dito documento, foi a medida de reestruturação financeira, com conversão dos créditos em capital, tendo-se exarado no aresto o seguinte:</font><br>
<font> “</font><i><font>Tendo em atenção a votação concedida e acima documentada … homologo a medida votada pelos credores acima identificados e condeno as partes ao cumprimento da mesma</font></i><font>”.</font><br>
<font> Portanto, somos em crer que, face à decisão homologada, apenas resulta que o crédito da CC- Fabritubo de Betão ACE foi convertido em capital da recuperanda. Qualquer acto ou negócio jurídico feito pela CC- Fabritubo de Betão ACE em relação a tal conversão, foge notoriamente ao conteúdo da decisão.</font><br>
<font> É certo que no parecer do gestor judicial se refere, em relação ao crédito da CC- Fabritubo de Betão ACE, que no caso de impedimento legal, seria possível a compra do crédito por um terceiro seguindo-se a conversão em capital da empresa (fls. 123).</font><br>
<font> Em relação a este aspecto, entende-se que, para além de nada constar sobre isso na sentença homologatória, seria necessário, para que tal pudesse ter relevância, a assembleia de credores deliberar e decidir sobre o assunto, o que não sucedeu. Com efeito, em nenhum momento os credores da recuperanda CC foram chamados a pronunciar-se e a votar a medida de aquisição do crédito pela recorrente. Por isso, de forma alguma se poderá defender que os actos e negócios jurídicos realizados em momento posterior à sentença homologatória o foram no âmbito do processo de recuperação.</font><br>
<font> Mas mesmo que se pudesse aderir à tese de que a possibilidade de vender o crédito (CC- Fabritubo de Betão ACE) e convertê-lo em capital estava já previsto no plano, de forma alguma será aceitável pensar-se que na mente do administrador (e muito menos na mente dos intervenientes da Assembleia de Credores) estava a faculdade de estender essa conversão a sociedades detidas pela própria recuperanda, em violação do preceituado no art. 487º.</font><br>
<font> Por isto tudo se conclui que a aquisição do capital por banda da R., está fora do âmbito do processo de recuperação de empresa da CC Ldª e, consequentemente, nada obsta a que se aplique o regime de proibição do art. 487º já acima definido.</font><br>
<font> Sustenta, por outro lado, a recorrente que não é permitida a participação de ACE´s no capital de sociedades. Com esta argumentação defende a recorrente que não poderia ter sido convertido o crédito da CC- Fabritubo de Betão ACE em capital da recuperanda.</font><br>
<font> Como o recorrente deve aceitar, a questão foge ao âmbito deste processo. Seria assunto a submeter à Assembleia de Credores no aludido processo de recuperação e especialmente ao Juiz que homologou por sentença a medida de recuperação já referenciada. O que aqui poderemos ter como assente é que, face aos factos dados como provados e perante elementos juntos a estes autos, foi o crédito da credora reclamante, CC- Fabritubo de Betão ACE, que foi objecto de deliberação da Assembleia de Credores, que foi aprovado e que, nos termos da decisão judicial, foi convertido em capital. Nada mais.</font><br>
<font> Sustenta depois a recorrente que a matéria constante do art. 10º da contestação tem interesse para a decisão da causa e, por isso, deveria ser objecto de inserção na base instrutória.</font><br>
<font> Não se nega que este Supremo Tribunal, de harmonia com o disposto no art. 729º nº 3 do C.P.Civil, tem aptidão para remeter o processo ao tribunal recorrido com a finalidade de ampliar a matéria de facto necessária para a decisão de direito.</font><br>
<font> Porém, no caso vertente, a requerida ampliação não se justifica. Com efeito, a matéria constante do art. 10º da contestação, constitui uma componente conclusiva (concretizada pela expressão “</font><i><font>ocorreu, assim</font></i><font>”), não se alegando, de modo claro e inequívoco a forma como foi que aconteceu a participação da R. no capital da CC, ou como tal quota veio à titularidade da R..</font><br>
<font> Igualmente não foi dado como provado pelas instâncias, de modo correcto pelas razões já aduzidas, que a participação da R. no capital da CC foi efectuada no âmbito de processo de recuperação, conforme alega a ora recorrente no seu art. 11º da contestação. Os documentos juntos por ela própria (R.) desmentem esta realidade. Foi, deste modo, certa a opção tomada sobre os assuntos na 1ª instância.</font><br>
<font> Sustenta depois a recorrente que a natureza do negócio que levou à aquisição pela R. do capital da CC, não configura uma aquisição onerosa, pelo que não está sujeito à proibição a que alude o referenciado art. 487º. A proibição de aquisição de quotas estabelecida no art. 487° tem por finalidade assegurar a conservação do capital da sociedade participante e impedir a subversão - através da utilização instrumental de uma participada - do principio que limita ou restringe a aquisição de quotas ou acções próprias pela sociedade participante. Ora, como resulta da análise dos elementos de facto carreados para os autos não foi nenhuma destas finalidades que se pretenderam atingir com a conversão do crédito da BB em capital da CC, mas sim permitir a reestruturação financeira da CC através da diminuição do seu passivo. O objectivo que foi totalmente atingido porquanto a medida foi efectivamente implementada a partir de Janeiro de 2005 e tem-se revelado plenamente eficaz e adequada. A natureza dos negócios jurídicos em causa não configura uma aquisição onerosa tal como prevista no art. 487° do CSC, mas sim uma diminuição do passivo da CC através da extinção da dívida convertida em capital no quadro e em execução de um acordo de credores.</font>
</p><p><font> Aqui a recorrente parte de um pressuposto que não se pode ter como demonstrado. É o que o negócio jurídico em causa (mediante o qual a R. adquiriu o capital que a CC- Fabritubo de Betão ACE havia adquirido no processo de recuperação da CC Ldª) não configura uma aquisição onerosa, sendo antes uma diminuição do passivo da recuperanda. Salvo o devido respeito pela opinião contrária, o negócio realizado pela CC- Fabritubo de Betão ACE (e não pela R.), é que não configura uma aquisição onerosa, mas sim uma diminuição do passivo da CC através da extinção da dívida convertida em capital no quadro no dito processo de recuperação de empresa.</font>
</p><p><font> O negócio jurídico, mediante o qual a R. adquiriu a dita participação na CC Ldª, não se encontra completamente definido nos autos (à falta de alegação nesse sentido da R., ora recorrente). Apenas se provou sobre o assunto que “</font><i><font>a R. adquiriu à CC- Fabritubo de Betão ACE o crédito que esta detinha sobre CC-Pré-Fabricados de Betão de Santarém, Lda, no valor de 1.696.761,42</font></i><font>”, crédito que havia sido reconhecido no âmbito do processo de recuperação supra mencionado (facto 8º acima referenciado), não sendo, portanto, possível dos factos inferir que a aquisição foi de molde a permitir, somente, a diminuição do passivo da recuperanda.</font><br>
<font> Por conseguinte, não é possível à ora recorrente pôr-se a coberto da previsão do disposto no art. 487º. Sublinhe-se que a matéria factual que permitiria à R. beneficiar das situações excepcionais a que alude a disposição, deveria ser por ela alegada, como decorre do art. 342º nº 2 do C.Civil.</font><br>
<font> Por outro lado, como se sustenta na decisão de 1ª instância, pese embora não esteja provado que a aquisição em causa, por parte da R., se deu por subscrição de capital, também nós entendemos pelas razões ditas no aresto e que aqui nos dispensamos de repetir, que a expressão «adquirir» inserta no art. 487º abrange também a subscrição de capital através da conversão de créditos.</font><br>
<font> Sustenta, por fim, a recorrente que a conclusão do acórdão recorrido de que o decretamento da nulidade da aquisição da referida quota não põe em causa a reestruturação da CC-Pré-fabricados de Betão de Santarém Lda nem determinará a redução do seu capital social com o correspondente aumento de seu passivo, atenta a realidade dos factos provados e dos documentos constantes dos autos, é totalmente errónea e inconsistente.</font>
</p><p><font> Como a recorrente deve aceitar, esta questão é absolutamente alheia ao mérito desta acção, dizendo respeito à eventual recuperação da dita empresa. Diremos que a nulidade determinará o regresso à situação jurídica anterior, ficando o capital em causa na titularidade do credor que interveio na assembleia geral (e cujo crédito foi convertido em capital). Caso se entenda que a CC- Fabritubo de Betão ACE não pode deter qualquer participação social, então terá que ceder o que adquiriu na acção de recuperação de empresa a terceiros, mas obviamente, sem desrespeitar o disposto no art. 487º.</font>
</p><p><font> O recurso improcede </font><i><font>in totum.</font></i>
</p><p><font> </font><b><font>III- Decisão:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> Custas pela recorrente.</font>
</p><p><font>Lisboa, 09 de Setembro de 2008 </font>
</p></font><p><font><font>Garcia Calejo (Relator)</font><br>
<font>Mário Mendes</font><br>
<font>Sebastião Povoas</font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TK8u4YBgYBz1XKvjzkj | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><font>AA, residente na Rua .........., .....,... Parada de ........, Vila Real, intentou a presente acção declarativa de condenação contra </font><font>BB.................... Malhoa, Lisboa </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 349.158,52, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.</font><br>
<font> Alegou para tanto, em síntese, ter sido vítima de um acidente de viação do qual sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais de que se quer ver ressarcido.</font><br>
<font> 1-2- Contestou a R. Seguradora, também em síntese, impugnando os factos articulados pelo A. e lembrando que, em caso de condenação, devem ter-se em conta as quantias por si entregues ao A. no âmbito da providência cautelar apensa, as quais ascendem, até Maio de 2003, a € 8.633,83</font><br>
<font> 1-3- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu esta base e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar ao A., as quantias, de € 32.960,00 a título de danos patrimoniais e de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais.</font><br>
<font> Mais se condenou as partes a fazerem o acerto de contas relativamente ao já pago no âmbito da indemnização a título de danos patrimoniais.</font><br>
<font> 1-4- Não se conformando com esta sentença, dela recorreu o A. de apelação para o Tribunal da Relação de Porto que, por acórdão de 12-7-2007, julgou a apelação parcialmente procedente e alterando a sentença, fixou a indemnização por danos patrimoniais em noventa e cinco mil euros (€ 95.000,00), confirmando, no mais, o aresto recorrido.</font><br>
<font> 1-5- Inconformada com esta decisão recorreu o A. de revista para este Supremo Tribunal, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- A indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo A., porque excepcionalmente graves, conforme decorre quer da factualidade provada, quer dos critérios usados pela jurisprudência dominante, deverá ser fixada em montante não inferior a 149.639,36 €</font><br>
<font> 2ª- Sendo que a verba fixada no acórdão recorrido a título de danos não patrimoniais não reflecte nem a factualidade provada, nem o adequado consuetudinário jurídico-legal (art. 496º do C.Civil, entre outras disposições legais), antes reflectindo um miserabilismo indemnizatório há muito arredado dos nossos tribunais.</font><br>
<font> 3ª- Razão por que o acórdão deve ser revogado e substituído por outro em que se decida pela condenação da R. no pagamento ao A. da quantia 149.639,36 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.</font><br>
<font> 1-7- A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3 </font><i><font>ex vi </font></i><font>do art. 726º do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais peca por defeito, devendo ser arbitrada em 149.639,36 €.</font><br>
<font> 2-2- Com vista à decisão sobre a questão controvertida, as instâncias deram como assentes os seguintes factos:</font><br>
<font> a) Como consequência directa, necessária e adequada do relatado acidente, sofreu o A. traumatismo crânio-encefálico, fractura cominutiva do maciço facial, traumatismo do globo ocular direito, fractura do ramo esquio-público direito e traumatismo torácico com pneumotórax à direita) que o obrigaram a submeter-se a delicadas intervenções cirúrgicas quer no Hospital de Santo António no Porto, quer nos serviços clínicos da Ré (6.º)</font><br>
<font> b) Após um longo período de internamento hospitalar no HSA no Porto e no de S. Pedro de Vila Real, onde foi submetido a várias intervenções cirúrgicas (exploração cirúrgica do olho direito, traqueotomia, bloqueio inter maxilar com arcos de Erich com elásticos (7.º).</font><br>
<font> c) O A. passou a ser seguido pelos serviços clínicos da R., das especialidades de ortopedia, psiquiatria, neurocirurgia, cirurgia reconstrutiva e oftalmologia (8.º).</font><br>
<font> d) O A. submeteu-se a melindrosas intervenções cirúrgicas a nível do globo ocular direito, boca e nariz, cujo pós-operatório, para além de prolongado no tempo, se revelou extremamente doloroso (9.º).</font><br>
<font> e) O A. necessita no seu dia a dia de tomar medicamentos para minorar o seu sofrimento físico e psíquico (10.º).</font><br>
<font> f) O A. até à data do acidente era um jovem saudável, robusto e trabalhador (11.º).</font><br>
<font> g) O A. tem por vezes dificuldade em controlar os seus actos de vontade e sofre de lacunas a nível memorial (12.º).</font><br>
<font> h) Por vezes fecha-se no seu quarto alheando-se da vida daqueles que o rodeiam, como inopinadamente, se ausenta de casa e vagueia pelas redondezas (13.º).</font><br>
<font> i) Por vezes apresenta alguma dificuldade de se situar no espaço que o rodeia (14.º).</font><br>
<font> j) Em consequência do acidente, o A. tem desvio externo do globo ocular direito com referência a diplopia, tem deficiências a nível da dentição e gengivas e sente dores a nível da bacia sempre que caminha (15.º).</font><br>
<font> l) O A. apresenta graus de alteração de memória e do foro psiquiátrico com crises de ansiedade, depressão e apatia (16.º).</font><br>
<font> m) Lesões estas que o impedem de exercer a actividade profissional habitual, mas compatíveis com o exercício de outras actividades profissionais no âmbito da sua preparação técnico-profissional (17.º).</font><br>
<font> m) Em consequência do acidente o A. sente-se inferiorizado e diminuído para sempre (19.º).</font><br>
<font> n) Bem como sofre dores persistentes (20.º).</font><br>
<font> o) Sente ainda um grande desgosto com as lesões que sofre nível da visão, face e faculdades intelectuais (21.º).----------------------------------------------------</font><br>
<font> 2-3- O recorrente restringiu o recurso de revista à apreciação do montante arbitrado a título de danos não patrimoniais. Na 1ª instância fixou-se a indemnização, neste âmbito, em 30.000 €. Na Relação entendeu-se adequada esta verba, pelo que se manteve. O recorrente sustenta que a quantia ajustada para o indemnizar pelos danos não patrimoniais que sofreu, será de 149.639,36 €.</font><br>
<font> Vejamos:</font><br>
<font> A obrigação de indemnização neste campo decorre do disposto no art. 496º nº 1 que estabelece que “</font><i><font>na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela dos direitos</font></i><font> ”.</font><br>
<font> Não se concretiza na disposição legal os casos de danos não patrimoniais que justifiquem uma indemnização. Refere-se tão só que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Significa isto que cabe ao tribunal, no caso concreto, dizer se o dano merece ou a tutela do direito.</font><br>
<font> No caso vertente parece-nos que, pela sua gravidade, os danos sofridos pelo A. e que adiante identificaremos, merecem ser indemnizados.</font><br>
<font> No que toca ao </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório estabelece o art. 496º nº 3 que “</font><i><font>o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º </font></i><font>”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela “</font><i><font>o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida </font></i><font>” (C.Civil Anotado, volume 1º, pág.501, 4ª edição).</font><br>
<font> No caso dos autos, as consequências do acidente para a lesado, foram graves. Remete-se para os factos demonstrados acima mencionados. Os tratamentos médicos a que foi submetido e que os factos provados revelam, indiciam patentes transtornos, contrariedades e sofrimentos. Além disso, o A. sente um grande desgosto com as lesões que sofre a nível da visão, face e faculdades intelectuais. Ainda sofrimentos revela a circunstância de se tratar de uma pessoa jovem que antes do acidente era uma pessoa saudável, robusto e trabalhador, características que perdeu, passando a ser pessoa que por vezes tem dificuldade em controlar os seus actos de vontade e que sofre de lacunas a nível memorial, que se sente inferiorizado e diminuído para sempre. Dores espirituais e padecimentos revela, igualmente, o facto de se tratar de uma pessoa que, por vezes, se fecha no seu quarto alheando-se da vida daqueles que o rodeiam, se ausenta de casa e vagueia pelas redondezas, apresentando, por vezes, alguma dificuldade de se situar no espaço que o rodeia e também a circunstância de apresentar graus de alteração de memória e do foro psiquiátrico com crises de ansiedade, depressão e apatia. Uma grande frustração constituirá a circunstância de as lesões que sofreu o impedirem de exercer a actividade profissional habitual. Sintoma também dos sofrimentos que padeceu e padece ocorre o facto de o A. necessitar, no seu dia a dia, de tomar medicamentos para minorar as suas dores físicas e psíquicas.</font><br>
<font> Tudo isto serve para dizer que, sob o ponto de vista psicológico, a A. sofreu lesões de grau elevado.</font><br>
<font> Evidentemente que não desconhecemos a dificuldade que existe, neste campo, em concretizar em algo de material, aquilo que é imaterial ou espiritual, realidades tais como “dor”, “desgosto”, “sofrimento” “contrariedades” “preocupações”. Mas a lei impõe que assim seja devendo o juiz na fixação ou concretização de tais danos, como já se disse, usar de todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida.</font><br>
<font> Por outro lado, temos vindo a entender que o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar </font><i><font>realmente </font></i><font>o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, para assim se intentar compensar a lesão sofrida, proporcionando ao ofendido os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelos menos mitigar, o abalo moral suportado.</font><br>
<font> Ponderando em todos os elementos salientados e ainda no valor actual da moeda, na ausência de culpa no evento do lesado, na situação económica da R. Seguradora (necessariamente desafogada), somos em crer que uma indemnização de 60.000 € se revela adequada.</font><br>
<font> O acórdão recorrido deverá, por conseguinte, ser revogado, subindo-se a indemnização para esta importância.</font><br>
<font> Os juros moratórios serão contabilizados desde a data deste acórdão, já que a indemnização arbitrada é actualizada (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002 – DR 146 Série I-A de 27-6-2002 -).</font><br>
<font> </font><b><font>III- Decisão:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>Por tudo o exposto, dá-se provimento à revista, revogando-se, quanto à indemização por danos não patrimoniais, a decisão recorrida, fixando-se essa indemnização em 60.000 €, acrescida de juros desde esta decisão.</font><br>
<font> Custas pelo recorrente e recorrido na proporção do respectivo vencimento.</font><br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Janeiro de 2008</font><br>
<font>Garcia Calejo (Relator)</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Mário Mendes</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
1TKfu4YBgYBz1XKvxiOm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos,</font>
</p><p><b><u><font>AA</font></u></b><font> e esposa,</font>
</p><p><b><u><font>BB</font></u></b><font>, </font>
</p><p><font>intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra a </font>
</p><p><b><u><font>Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC</font></u></b><b><font>,</font></b><font> representada pelos seus herdeiros,</font>
</p><p><b><u><font>DD,</font></u></b>
</p><p><b><u><font>EE</font></u></b><font> e</font>
</p><p><b><u><font>FF</font></u></b><font>, </font>
</p><p><font>pedindo se declare extinta, por desnecessidade, uma servidão de passagem, constituída por usucapião, que onera o seu prédio em benefício do prédio da ré, visto que já não se justifica porque o prédio dominante passou a ter acesso directo à via pública.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ocorreu a intervenção espontânea da herdeira </font><b><u><font>DD</font></u></b><font>, que contestou, arguindo a ilegitimidade “ad causam” da ré herança, porquanto, existindo no local vários prédios, a herança não é proprietária exclusiva de dois deles, sendo a contestante proprietária de uma quinta parte de um e de metade do outro, além de ter impugnado parte da factualidade alegada pelos AA..</font>
<p><font>Deduziu reconvenção, pedindo se declare que a invocada servidão também se encontra constituída, por usucapião, a favor do prédio urbano da herança e da contestante, alegando, em síntese, que há mais de 40 anos, à vista de toda a gente, sem oposição e sem interrupção, o caminho é também usado para acesso à casa, para a ida à igreja e terrenos situados noutras freguesias.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Os AA. replicaram, pugnando pela legitimidade da ré herança e arguindo a ilegitimidade da interveniente para deduzir o pedido reconvencional, uma vez que, para esse efeito, a herança ré não se encontra representada por todos os herdeiros.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Veio, então, a interveniente DD requerer a intervenção principal provocada dos demais herdeiros, EE e FF, os quais, citados, não contestaram.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Sanado e instruído o processo, efectuou-se julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou procedente a acção e improcedente a reconvenção.</font>
<p><font>Em consequência, declarou extinta, por desnecessidade, a servidão em lide.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Entretanto, faleceu a interveniente DD, tendo sido habilitada em seu lugar </font><u><font>GG</font></u><font>.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Notificada da sentença final, veio dela recorrer a habilitada GG.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Admitida a apelação e conhecido o seu objecto, a Relação julgou procedente o recurso, revogou a sentença recorrida, julgando a acção improcedente.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>São agora os AA. que, inconformados, recorrem de revista para este S.T.J..</font>
<p><b><u><font>Conclusões</font></u></b>
</p><p><font>Oferecidas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font> </font></p></div><br>
<b><u><font>Conclusões da Revista dos AA.</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>«</font><i><font>1- O acórdão recorrido revogou a douta sentença proferida na 1ª instância com o fundamento de que os Autores, ora recorrentes, não alegaram nem provaram, como lhes competia, os factos demonstradores da desnecessidade da servidão de passagem que onera o seu prédio em benefício do prédio da Ré.</font></i>
<p><i><font>2- Ora, os Autores, ora recorrentes, conscientes de que esse ónus impendia sobre si, alegaram e provaram:</font></i>
</p><p><i><font>a)- Que o seu prédio misto, inscrito na matriz urbana sob o artigo 272 e na rústica sob o artigo 229 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n°…/… e inscrito a seu favor pela inscrição G-1, se encontra onerado por uma servidão de passagem, constituída por usucapião, a favor da parte do prédio da Ré que, por o lado nascente, confronta com o dos Autores (Factos assentes, alínea A) e B, H), I) e J).</font></i>
</p><p><i><font>b)- Pois essa porção de terreno, hoje da Ré, então pertencia a outrem e nessa altura era encravado (alínea F) e G)).</font></i>
</p><p><i><font>c)- Só que, entretanto, aquele terreno foi integrado no prédio descrito no item 2/ da petição inicial e que consta das alíneas D) e E) dos fatos assentes, formando actualmente um todo, constituído por casa de habitação, dois cobertos, logradouro, eirado de lavradio e terrenos [... ou ... identificado em D) b) e o ... do C... ou de L... identificado em D) c)] (itens 11/ e 13/ da petição inicial e n° l dos factos provados).</font></i>
</p><p><i><font>d)- O qual tem acesso directo à via pública -estrada- através de um portão existente no muro de vedação (item 9/ da petição inicial e n°2 dos factos provados).</font></i>
</p><p><i><font>e)- A Ré e a chamada passaram a aceder directamente da parte urbana [casa, cobertos e logradouro referidos em D) a)] do conjunto formado pelos prédios em D) e E) com carros, animais e tractores ao terreno [eirado de lavradio identificado em D/ a), ... ou ..., identificado em D) b) e ... do C... ou de L... identificado em D) c)], integrado nesse conjunto (itens 10/ da petição inicial e n°3 dos factos provados).</font></i>
</p><p><i><font>f)- O terreno cujo acesso inicialmente onerava o prédio dos Autores é trabalhado juntamente com o resto do terreno do prédio da Ré, constituindo um único prédio (item 13/ da petição inicial e n°4 dos factos provados).</font></i>
</p><p><i><font>g)- Aliás, presentemente, o descrito prédio da Ré tem dois acessos directos à mesma via pública (item 17/ da petição inicial e n°5 dos factos provados).</font></i>
</p><p><i><font>3- Dos factos alegados e provados decorre que o terreno dominante foi integrado num prédio misto, constituído por casa de habitação, dois cobertos, logradouro, eirado de lavradio e vários terrenos, isto é, os prédios aludidos em D) e E).</font></i>
</p><p><i><font>4- Pois, os prédios a que se alude em D) e E) confrontam a sul com o referido em A), isto é, com o prédio dos Autores, ora recorrentes (n°8 das respostas). Aliás, já resultava da alínea C) da matéria assente, que o prédio dos Autores confronta a norte com herdeiros de CC -a Ré e chamada.</font></i>
</p><p><i><font>5- E que a Ré e a chamada passaram a aceder directamente da casa de habitação, anexos e logradouro, com carros, animais e tractores para os aludidos terrenos e destes para a casa de habitação, anexos e logradouro. </font></i>
</p><p><i><font>6- Nem sequer da via pública se servem para aceder de e para aqueles terrenos.</font></i>
</p><p><i><font>7- No entanto, têm dois acessos à via pública -estrada-, sendo um servido pelo portão existente no muro de vedação da casa, anexos e logradouro- o prédio referido em d) a), os quais têm respectivamente 2,65 e 2,89 metros de largura, como se alcança da inspecção ao local de fls..</font></i>
</p><p><i><font>8- Tanto o eirado de lavradio como os demais terrenos dos prédios aludidos em D) e E) são trabalhados em conjunto.</font></i>
</p><p><i><font>9- Formando, por isso, uma unidade agrícola, na qual o terreno dominante se encontra integrado.</font></i>
</p><p><i><font>10- Segundo o que foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/03/2007, "se o titular do prédio dominante, adquire um prédio contíguo com acesso directo à via pública a servidão só se extingue por desnecessidade se os prédios representarem uma unidade de utilização e fruição". Ora no caso presente o prédio dominante passou a ser trabalhado em conjunto com os demais terrenos da Ré, aos quais acede directamente da casa de habitação, com carros, animais e tractores e dos terrenos para a casa, sem ter necessidade de se servir da via pública.</font></i>
</p><p><i><font>11- Por outro lado, o conjunto formado pela casa de habitação, anexos, logradouro e terrenos, constituindo o conjunto identificado nas alíneas D) e E) têm dois acessos à via pública -estrada.</font></i>
</p><p><i><font>12- Como se refere no Acórdão de S. T. J. de 16.03-2011, " a desnecessidade de uma servidão de passagem tem de ser aferida em função do prédio dominante" e "só deve ser declarada extinta por desnecessidade uma servidão que deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante".</font></i>
</p><p><i><font>13- Da matéria fáctica apurada em sede de lª instância e que não foi minimamente alterada pela 2ª instância, resulta, sem margens para qualquer dúvida, que presentemente o prédio dominante é fruído plenamente pelo seu titular sem utilizar a servidão de passagem que onera o prédio dos recorrentes, não tendo da mesma necessidade. </font></i>
</p><p><i><font>14- Como escreveram os saudosos Prof. Pires de Lima e Antunes Varela e vem referido no Acórdão do S. T. J. de 21-05-2003, " os encargos constituídos por usucapião são impostos pelos factos, uma vez desaparecidos ou ultrapassados a latere, os factos que lhe deram origem nenhuma reserva se levanta contra a extinção da servidão (Código Civil anotado, lª edição. Vol. III, pág.621).</font></i>
</p><p><i><font>15- Pois que, nos termos do disposto no art° 1569° n°2 do C. C "As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante".</font></i>
</p><p><i><font>16- Ora, os factos alegados pelos ora recorrentes e cabalmente provados em sede de julgamento, preenchem em absoluto os requisitos do citado dispositivo legal.</font></i>
</p><p><i><font>17- Pelo que deverá ser declarada extinta por desnecessidade a servidão de passagem, constituída por usucapião, a favor do prédio da Ré e que onera o mencionado prédio dos ora recorrentes.</font></i>
</p><p><i><font>18- Ao ter decidido como decidiu o acórdão recorrido violou o disposto nos arts° 1569° n°2 e 342° n° l e 346° do Código Civil e 516° do C. P. C.</font></i>
</p><p><i><font> Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o douto acórdão recorrido, e mantida a decisão proferida em Instância, decretando-se a extinção da servidão de passagem que onera o prédio dos ora recorrentes, como é de JUSTIÇA</font></i><font>».</font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Foi a seguinte a factualidade fixada pela Relação.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>«</font><i><font>a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.° …., da freguesia de ..., o prédio "Misto, ... - casa de r/c e andar - 74 m2; lavradio 2.000 m2; norte e sul - HH; nascente - II; poente - JJ (...). Arts° 272 urbano e 229 rústico" (alínea A) dos factos assentes);</font></i>
<p><i><font>b) O prédio a que se alude em a) confronta do norte com herdeiros de CC, do sul com HH, do nascente com KK e do poente com JJ (alínea C) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>c) O prédio a que se alude em a) encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos a favor dos autores, conforme inscrição G-l (alínea B) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>d) No processo de inventário que por óbito de CC corre termos pelo Io juízo cível deste tribunal com o n.° 3016/05.7TBBCL, foram relacionados os seguintes bens imóveis, aí referenciados como doados:</font></i>
</p><p><i><font>1."Quatro quintas partes indivisas da casa torre, dois cobertos e logradouro e junto eirado de lavradio, sito no Lugar de ..., freguesia de ... - Barcelos, a confrontar do norte com bens da herança, do sul com caminho, do nascente com bens da herança e do poente com bens da herança, com o artigo matricial urbano 21, descrito na Conservatória do Registo Predial no Livro … sob o n° ... (...)".</font></i>
</p><p><i><font>2."Metade indivisa do ... ou ..., sita no Lugar de ..., inscrito na matriz rústica sob os artigos 595 e 597 (...)."</font></i>
</p><p><i><font>3."... do C... ou de L..., sito no Lugar de ..., inscrito na matriz rústica sob os artigos 599, 727 e 728 (estes dois artigos que provieram do artigo rústico 605) (...)." (alínea D) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>e) Mediante escritura pública outorgada a 16.01.1968 na Secretaria Notarial de Barcelos, LL e marido declararam vender à chamada DD, a qual declarou aceitar a venda, uma quinta parte indivisa do prédio a que se alude em d), n° 1, e metade do prédio referido em d), n° 2 (alínea E) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>f)Tempos houve em que os prédios rústicos a que se alude em d), na parte em que confrontam com o referido em a), pertenciam a outrem que não a ré (alínea F) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>g)Nos tempos referidos em f), os prédios rústicos referidos em d) não tinham acesso directo à via pública (alínea G) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>h) Nos tempos referidos em f), o acesso aos prédios rústicos a que se alude em d), fazia-se através da extremidade norte do prédio referido em a) (alínea H) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>i) Nos tempos referidos em f), os donos dos prédios rústicos a que se alude em d), para os agricultarem e colherem os frutos aí produzidos, utilizavam o acesso referido em h), o que fizeram durante 20 e 30 anos, sem interrupção, à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém, designadamente dos autores (alínea I) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>j) Os prédios a que se alude em d) e e) formam actualmente um todo constituído por casa de habitação, dois cobertos, logradouro, eirado de lavradio e terrenos [o do ... ou ... identificado em d), n° 2, e o do ... do C... ou de L... identificado em d), n° 3] (resposta ao número 1 da base instrutória);</font></i>
</p><p><i><font>1) O terreno [eirado de lavradio referido em d), n° 1), ... ou ... referido em d), n° 2, e ... do C... ou de L... referido em d), n° 3] integrado no conjunto formado pelos prédios referidos em d) e e) é trabalhado em conjunto (resposta ao número 4 da base instrutória);</font></i>
</p><p><i><font>m) O conjunto formado pelos prédios referidos em d) e e) tem acesso directo à via pública -estrada -, através de um portão existente no muro de vedação do prédio referido em d), n° 1 (resposta ao número 2 da base instrutória);</font></i>
</p><p><i><font>n) Presentemente o conjunto formado pelos prédios referidos em d) e e) tem dois acessos directos à via pública (resposta ao número 5 da base instrutória);</font></i>
</p><p><i><font>o) A ré e a chamada passaram a aceder directamente da parte urbana [casa, cobertos, e logradouro referidos em d), n° 1] do conjunto formado pelos prédios referidos em d) e e) com carros, animais e tractores ao terreno [eirado de lavradio identificado em d), n° 1, ... ou ... identificado em d), n° 2), e ... do C... ou de L... identificado em d), n° 3] integrado nesse conjunto, o que vêm fazendo há mais de 20 anos (resposta aos números 3 e 9 a 14 da base instrutória);</font></i>
</p><p><i><font>p) O conjunto formado pelos prédios referidos em d) e e) confronta a sul com o referido em a) (resposta ao número 8 da base instrutória); -</font></i>
</p><p><i><font>q) A ré e a chamada utilizam o acesso a que se alude em h), de tractor, de motorizada e a pé, para se dirigirem dos prédios referidos em d) para a via pública e da via pública aos prédios a que se alude em d) (alínea J) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>r) O acesso a que se alude em h) é efectuado através do prédio referido em a), por uma faixa de terreno com leito em terra, com sensivelmente 2,10 metros de largura e 50 metros de comprimento (alínea L) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>s) A faixa de terreno encontra-se ladeada por paredes e esteios e coberta por ramada (alínea M) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>t) A referida faixa de terreno desenvolve-se em linha recta, no sentido poente - nascente (alínea N) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>u) Após sair do prédio a que se alude em a), a faixa de terreno inflecte para a direita, para sul, com a largura de 2,50 metros (alínea O) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>v) Em subida, à direita da faixa de terreno, existe o prédio referido em d), n° 3, e, à esquerda, o referido em D), n° 4 (alínea P) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>x) A seguir, faixa de terreno dá acesso ao eirado da casa referida em d), n° 1, e, depois, à própria casa, vacaria e anexos (alínea Q) dos factos assentes);</font></i>
</p><p><i><font>z) O leito dessa faixa de terreno encontra-se trilhado pela passagem de veículos, animais e pessoas (resposta ao número 15 da base instrutória);</font></i>
</p><p><i><font>aa) A passagem a que se alude em h) atravessa o logradouro da habitação referida em a) (resposta ao número 6 da base instrutória);</font></i>
</p><p><i><font>bb) No logradouro da habitação a que se alude em a) costumam brincar os netos da autora (resposta ao número 7 da base instrutória)</font></i><font>.» </font></p><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font></p></div><br>
<b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como se vê das conclusões da revista, a única questão a decidir é a de saber se da factualidade provada pode concluir-se ou não pela alegada desnecessidade da servidão da passagem que onera o prédio dos AA..</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Antes, porém, de entrarmos na análise da matéria de facto, convém alinhar algumas considerações sobre o enquadramento jurídico da questão.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como se sabe, a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente (Art.º 1543 CC). Existe, portanto, uma relação real entre dois prédios e não qualquer relação obrigacional entre os respectivos donos.</font>
<p><font>Assim sendo, quando se trate de extinguir uma servidão por desnecessidade, nos termos do Art.º 1569º n.º 2 do CC., deve atender-se, apenas, à desnecessidade objectiva, referente ao prédio dominante, em si mesmo considerado, o que significa que a extinção com o fundamento na desnecessidade da servidão, tem de resultar de alterações objectivas, típicas e exclusivas, verificadas no prédio dominante.</font>
</p><p><font>Por outro lado, temos entendido que a apreciação da utilidade ou desnecessidade da servidão deve ser objecto de um juízo de actualidade, no sentido que há-de ser apreciada pelo tribunal, atendendo à situação presente, ou seja, atendendo à situação que se verifica na data em que a acção é proposta.</font>
</p><p><font>Refira-se, ainda, que, constituindo a servidão um direito real que limita seriamente o direito de propriedade do dono do prédio serviente, e sendo tal limitação apenas justificada pela necessidade de obter para o prédio dominante, determinadas utilidades que não estariam disponíveis sem a servidão, resulta manifesto que o encargo deve desaparecer logo que se torne desnecessário (desde que a extinção seja requerida), ou seja, quando o prédio dominante possa alcançar, sem a servidão, as mesmas utilidades que, por meio dela conseguia.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Finalmente, dir-se-á que não existem quaisquer dúvidas de que compete a quem pretende ver extinta a servidão, o ónus de alegar e provar factualidade concreta, da qual resulta que a servidão perdeu, em relação ao prédio dominante, a utilidade que esteve na base da constituição da servidão.</font>
<p><font>Será, então, que a factualidade provada nos autos revela, suficientemente, a alegada desnecessidade?</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Resulta da prova que os prédios </font><u><font>rústicos</font></u><font> que agora pertencem à herança ré e em parte (quanto a um deles) também á interveniente DD, eram, anteriormente, propriedade de outros donos.</font>
<p><font>Nessa altura, não tinham acesso à via pública, razão porque os então proprietários, para os agricultar e colherem os frutos aí produzidos, utilizavam um caminho de acesso à via pública existente na extremidade Norte do prédio dos AA., o que fizeram durante 20 e 30 anos, sem interrupção, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, designadamente dos AA..</font>
</p><p><font>Está assim assente que, sobre o prédio dos AA. (identificado nos autos) se constituiu, por usucapião, uma servidão de passagem a favor dos prédios rústicos, acima aludidos, cuja utilidade era o acesso dos respectivos proprietários à via pública e desta para os prédios, a fim de os agricultar e colher os frutos aí produzidos. O referido caminho de servidão é constituído por uma faixa de terreno com leito em terra, trilhado pela passagem de veículos, animais e pessoas, com sensivelmente 2,10 metros de largura e 50 metros de comprimento, ladeado por paredes e esteios e coberto por ramada.</font>
</p><p><font>Tal caminho implantado em terreno dos AA., atravessa o logradouro da sua habitação, sítio onde costumam brincar os netos da A..</font>
</p><p><font>Os ditos prédios rústicos (dominantes), </font><u><font>formam actualmente, juntamente com o prédio urbano</font></u><font>, (também pertencente à ré herança e em parte à interveniente), </font><u><font>um todo constituído por casa de habitação, dois cobertos, logradouro, eirado de lavradio e terrenos</font></u><font> (os aludidos rústicos).</font>
</p><p><font>Esse conjunto predial é </font><u><font>trabalhado em conjunto</font></u><font>.</font>
</p><p><font>E tal conjunto predial tem </font><u><font>dois acessos directos à via pública</font></u><font> – estrada – sendo um deles através de um portão existente no muro de vedação da parte urbana.</font>
</p><p><u><font>A ré herança e a interveniente passaram a aceder, directamente, da parte urbana para os terrenos rústicos que constituem o conjunto predial em causa, com carros, animais e tractores, o que vêm fazendo há mais de 20 anos</font></u><font>.</font>
</p><p><font>A ré herança e a interveniente, continuam a utilizar a servidão que onera o prédio dos AA., de tractor, de motorizada e a pé, para se dirigirem do dito conjunto predial para a via pública e da via pública para os prédios.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É este, essencialmente, o circunstancialismo fáctico com interesse para a decisão, e não a factualidade alegada pela recorrente na apelação e que agora reproduz nas contra-alegações da revista, já que se trata de factos que não constam da matéria provada e que, aliás, nem foram alegadas nos articulados da acção.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim, analisando os factos acima descritos, logo se verifica que a razão de ser da constituição da servidão em causa se encontra na circunstância de os terrenos rústicos identificados no ponto d) n.º 2 e 3 da matéria de facto pertencerem, então, a outrem que não a ré, sendo que nessa altura, os ditos terrenos rústicos não tinham acesso directo à via pública. Por isso, para os explorar agricolamente, o(s) respectivo(s) proprietário(s), acediam aos terrenos através da extremidade Norte do prédio dos AA., assim se constituindo a servidão ora em lide.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Portanto, os prédios dominantes, que beneficiam da servidão que onera o prédio dos AA. (prédio serviente) são apenas os inscritos na matriz rústica sob os artigos 595º, 597º, 599º, 727º e 728º (referidos no ponto d) n.º 2 e 3 da matéria de facto).</font>
<p><font>O prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo 21, referido no ponto d) n.º 1 da matéria de facto, nunca foi prédio dominante, nem em relação a ele, posteriormente, se estabeleceu qualquer servidão pelo mesmo lugar da existente a favor dos prédios rústicos, como foi decidido na sentença de 1ª instância, com trânsito.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Daqui decorre, ao que nos parece, a irrelevância da argumentação da recorrente explicitada na apelação e nas contra-alegações da revista, mesmo que a matéria de facto aí referida pudesse ser considerada (e não pode, como acima se disse).</font>
<p><font>De todo o modo, sempre se dirá, que a servidão em causa, não tinha de proporcionar ao </font><u><font>prédio urbano</font></u><font> quaisquer utilidades, porque, como se disse, não foi constituída em seu benefício.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim, o que interessa analisar é se, em relação aos prédios rústicos dominantes se justifica a pretendida extinção de servidão, o que passa, evidentemente, por se averiguar se a factualidade provada revela ou não a sua desnecessidade.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Ora, como se vê da factualidade provada, os AA. lograram demonstrar que, desde o momento em que são os mesmos os donos do prédio urbano e dos prédios rústicos identificados em d) da matéria de facto, ainda que matricialmente autonomizados, todos passaram a formar um todo unitário, trabalhado em conjunto.</font>
<p><font>Quer dizer, criou-se uma unidade económica, utilizada e fruída ou explorada pelos mesmos proprietários, sendo certo que essa unidade passou a ter acesso directo à estrada, através de um portão existente no muro de vedação do prédio urbano (aliás, até existe um outro acesso directo à via pública, como se provou).</font>
</p><p><font>Por outro lado, provaram também os AA. que, formada a referida exploração unitária, a ré e a interveniente passaram a aceder directamente da parte urbana (casa, cobertos e logradouro) com carros, animais e tractores ao eirado de lavradio (incluído no artigo urbano), assim como aos prédios rústicos dominantes, o que vêm fazendo há mais de 20 anos.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Quer isto dizer, como é evidente, que passaram a poder explorar agricolamente os prédios rústicos dominantes a partir da parte urbana do conjunto, onde, além da casa de habitação, existe uma vacaria, cobertos e anexos, sem qualquer necessidade de, para a referida exploração, utilizarem o caminho de servidão aqui em causa. Na verdade, como dizem os AA., os réus nem sequer se servem da via pública, para aceder aos prédios dominantes.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim sendo, como é, pode afirmar-se, com segurança, como fez a sentença da 1ª instância que «</font><i><font>... os referidos prédios – os dois rústicos e o urbano – constituem uma unidade com uma idêntica situação de fruição e exploração pelo mesmo proprietário.</font></i>
<p><i><font>A esta conclusão não obsta a diferente natureza dos prédios – uns rústicos e o outro urbano.</font></i>
</p><p><i><font>É que o prédio urbano – onde existe, como vimos, além de cobertos, uma vacaria – está também ligado à exploração agrícola que é feita nos terrenos (o eirado de lavradio e os dois prédios rústicos) que integram a unidade, pois que é da parte urbana que saem os carros, os animais e os tractores para esses terrenos, representando, assim, a casa de habitação existente no prédio urbano a conjugação dos interesses habitacionais dos proprietários com os interesses económicos da exploração agrícola da unidade</font></i><font>».</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É fácil de ver, portanto, que a situação dos prédios dominantes se alterou radicalmente, com a referida exploração conjunta.</font>
<p><font>Antes da unificação, isto é, quando o prédio urbano e os rústicos pertenciam a donos diferentes, estes últimos não tinham acesso à via pública, de modo que, para a eles aceder, a fim de os explorar agricolamente, tinham os seus proprietários de passar pelo terreno dos AA. por via do caminho de servidão aqui em lide.</font>
</p><p><font>Porém, após a unificação dos prédios, nos termos acima referidos, a exploração dos rústicos dominantes, passou a fazer-se a partir da parte urbana do conjunto, visto que ela dá acesso directo aos aludidos prédios rústicos dominantes, e é dela que saem os carros, animais e tractores necessários à dita exploração, acrescendo que o conjunto predial assim constituído, tem acesso directo à via pública.</font>
</p><p><font>É, portanto, óbvio que a Ré e a interveniente (ou quem lhe sucedeu) não tem qualquer necessidade de passar pelo prédio dos AA. para aceder e explorar agricolamente os prédios rústicos dominantes (única finalidade da servidão).</font>
</p><p><font>Para o efeito, nem sequer necessitam de utilizar a via pública (embora a ela tenham acesso directo através da parte urbana do conjunto predial em causa), visto que acedem directamente aos prédios dominantes, também através da parte urbana do conjunto, como habitualmente fazem </font><u><font>há mais de 20 anos</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Tal prática reiterada, revela, por si só, que a parte urbana da exploração conjunta, garante uma acessibilidade normal e regular, aos terrenos agricultados, onde se incluem os prédios dominantes.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Entende-se assim que a factualidade provada, interpretada à luz da experiência comum, da normalidade e razoabilidade, é mais do que suficiente para revelar, com a necessária segurança, que a servidão em questão se tornou desnecessária para os prédios dominantes em consequência da exploração agrícola conjunta acima caracterizada, a qual proporciona, não só a comunicação directa do conjunto com a via pública, como essencialmente, a exploração agrícola dos prédios dominantes, sem qualquer restrição e sem necessidade de utilizar a servidão da passagem.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É certo que se provou que os réus continuam a utilizar a servidão, mas não é menos certo que, para se conseguir a sua extinção por desnecessidade, não tinham os AA. de provar o não uso.</font>
<p><font>A extinção das servidões por desnecessidade é situação diversa da sua extinção pelo não uso, situações, de resto, tratadas autonomamente pela lei.</font>
</p><p><font>Assim, nada impede que se declare extinta por desnecessidade uma servidão, que, todavia, está a ser usada pelo titular do prédio dominante.</font>
</p><p><font>Aliás, ao que resulta da alegação da recorrida (cof. alegações da apelação e contra-alegações da revista), o uso que se continua a fazer da servidão, tem a ver com a exploração </font><u><font>de outros</font></u><font> prédios agrícolas da recorrida, </font><u><font>que não com a exploração dos prédios dominantes</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Quanto a estes (e são os únicos que aqui interessa considerar), a sua exploração agrícola tem-se feito, há mais de 20 anos, através da parte urbana do conjunto, sem qualquer necessidade de os carros, animais ou tractores necessários para o efeito, de transitarem através da servidão.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Procede, assim, a revista.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Decisão</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Termos em que acordam neste S.T.J., em julgar procedente a revista dos AA. e, consequentemente, revogam o acórdão recorrido e julgam procedente a acção, declarando extinta por desnecessidade a servidão de passagem que onera o prédio dos AA., identificado nos autos.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<p><font>Lisboa, 11 de Dezembro de 2012</font>
</p><p><font>Moreira Alves (Relator)</font>
</p><p><font>Alves Velho</font>
</p></font><p><font><font>Paulo Sá</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
ETK-u4YBgYBz1XKvbTu7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<font>I – </font><br>
<font>Relatório</font><br>
<font>"AA" intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção ordinária contra</font><br>
<font>Instituto de Gestão de Crédito Público, Banco Empresa-A, S. A. e</font><br>
<font>BB, pedindo que</font><br>
<font>a) O 1º R. seja condenado a pagar-lhe 32.607.137$00 e juros até efectivo pagamento, ou, caso assim, se não entenda,</font><br>
<font>b) Seja a 2ª R. condenada a pagar-lhe a referida quantia com juros até efectivo pagamento, ou caso assim se não entenda,</font><br>
<font>c) Seja o 3º R. condenado a pagar-lhe a dita importância com juros até efectivo pagamento.</font><br>
<font>Em qualquer dos casos, pediu a condenação do 3º R. a entregar-lhe as suas jóias, cartão Multibanco e chaves do seu andar.</font><br>
<font>Em síntese, alegou ter subscrito certificados de aforro, série B, no montante de 17.218.500$00, correspondentes a 34.437 unidades e que tais certificados de aforro só podiam ser pagos a ela própria, ou a um seu representante com procuração; que não indicou ninguém como 2º titular que pudesse proceder à movimentação dos certificados, sendo que a 1ª R. pagou os mesmos ao 3º R..</font><br>
<font>Mais disse que este 3º R. se aproveitou da confiança que nele depositava para se apoderar do seu cartão de crédito bancário e do respectivo código pessoal e começar a efectuar levantamentos, apoderando-se outrossim das chaves do seu andar e das suas pratas e jóias.</font><br>
<font>Acrescentou, ainda, que as assinaturas de reembolso dos certificados não foram por si feitos, mas sim pelo 3º R. que, junto do balcão da Empresa-B da Graça, obteve a entrega do cheque do pagamento do resgate dos ditos certificados de aforro, convencendo a respectiva funcionária para o efeito que apenas conferiu a semelhança da assinatura do resgate com a constante do seu BI, sendo que o 3º R. utilizou o valor do resgate em proveito próprio.</font><br>
<br>
<font>Os Empresa-B, S. A. intervieram espontaneamente, pugnado pela improcedência da acção, arguindo, por um lado a prescrição do direito da A. e, por outro, impugnando parte da factualidade por esta alegada na petição.</font><br>
<br>
<font>O Instituto de Crédito Público também contestou, impugnando os factos vertidos na petição e pedindo a sua absolvição.</font><br>
<br>
<font>O BES, por sua vez, arguiu a ineptidão da petição inicial e impugnou os factos alegados pela A., pedindo, em consonância, a sua absolvição da instância ou do pedido.</font><br>
<br>
<font>Finalmente, o R. BB defendeu-se por excepção, arguindo não só a ineptidão da petição como a prescrição, e por impugnação.</font><br>
<br>
<font>A A. replicou, contrariando as defesas excepcionais apresentadas pelos RR..</font><br>
<font>Em sede de saneador, foram julgadas improcedentes as excepções arguidas.</font><br>
<font>Foram, de seguida, seleccionados os factos provados e a provar.</font><br>
<br>
<font>O BES e a Empresa-B agravaram do despacho que julgou improcedente as arguições da prescrição.</font><br>
<br>
<font>O processo seguiu para julgamento, findo o qual foi proferida sentença a julgar a acção procedente apenas quanto ao pedido de condenação do 3º R. na devolução à A. de um cordão de ouro, um colar de pérolas e um brinco de argola.</font><br>
<br>
<font>Antes de ser proferida tal decisão, o A. habilitado por mor da morte da dita AA, Centro de Solidariedade Cristã Maranatha, desistiu do pedido formulado contra a Empresa-A, desistência esta que foi formalmente homologado por decisão de fls. 1034 e 1034 vº.</font><br>
<br>
<font>Por despacho de fls. 1177 foi julgada extinta a instância no que tange ao agravo interposto pelos Empresa-B.</font><br>
<br>
<font>Mediante apelação do A., o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 16 de Novembro de 2006, revogou, com um voto de vencido, o julgado e condenou o Instituto de Gestão do Crédito Público a pagar à habilitada da A. a importância de 119.569,28 € e juros, não conhecendo do recurso relativamente ao 3º R. por, atenta a relação de subsidiariedade entre todos os pedidos, o mesmo ter ficado prejudicado.</font><br>
<br>
<font>Continuou o A. irresignado e, por isso, pediu revista do aresto da Relação de Lisboa, mas o mesmo foi rejeitado por decisão do relator.</font><br>
<br>
<font>O R. Instituto também não se conformou com a decisão da Relação de Lisboa e pediu, ora, revista do mesmo a coberto da seguinte síntese conclusiva:</font><br>
<font>- Na 1ª instância, o Tribunal ajuizou os factos provados e concluiu pela absolvição do Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP), ora recorrente, considerando que este agiu com o cuidado devido e razoável no cumprimento da sua obrigação quanto ao resgate dos certificados de aforro subscritos pela falecida escritora AA. </font><br>
<font>- Da sentença de 1ª instância, recorreu o herdeiro testamentário (universal) Centro de Solidariedade Cristã Maranatha, que no âmbito do litígio que mantém com o sobrinho da falecida escritora (3° R. nestes autos), insiste em pôr em causa tudo quanto aconteceu ainda em vida da escritora, muito em especial a actuação do referido 3° R., e que haja diminuído o acervo patrimonial hereditário que acabou a caber em exclusivo ao Centro de Solidariedade Cristã Maranatha. </font><br>
<font>- Os certificados de aforro em causa nos autos foram resgatados em Maio de 1996, no ano de 1997 a escritora revogou o seu anterior testamento (no qual o sobrinho era o principal beneficiário) e fez um novo testamento sendo o Centro... o único beneficiário e, já no ano de 2000, finalmente, é intentada a presente acção pondo em causa os termos do resgate dos certificados e pedindo-se que o IGCP pague (novamente) o valor dos mesmos. </font><br>
<font>- Foi e é de mau grado, mas de consciência tranquila, que o IGCP se viu demandado passados 4 anos do resgate dos títulos e envolvido nesta disputa sobre a herança da escritora AA. </font><br>
<font>- Certo da sua lisura e correcção de procedimentos e pela qualidade que enverga (Instituto Público responsável pela gestão de dinheiros públicos), o IGCP viu com naturalidade a sua absolvição pelo Tribunal de 1ª instância. </font><br>
<font>- Pela mesma ordem de razões e nos termos expostos nestas alegações, o IGCP insurge-se veemente contra o decidido pelo Tribunal da Relação que o obriga a si a pagar novamente aquilo que licitamente e de boa fé já cumpriu. </font><br>
<font>- Importa reafirmar a factualidade (provada) que envolveu o processo de resgate dos certificados de aforro: </font><br>
<font>- O 3° R. estava na posse dos originais dos certificados de aforro; </font><br>
<font>- O 3° R. entregou os impressos – cujo preenchimento e assinatura são exigidos para requer o resgate de certificados de aforro – à funcionária dos Empresa-B, que se encontravam devidamente preenchidos e assinados; a assinatura - conferida por semelhança – correspondia com a assinatura aposta no Bilhete de Identidade da aforrista exibido à funcionária da Empresa-B, quando esta o exigiu; </font><br>
<font>- O 3° R. estava na posse do original do Bilhete de Identidade da aforrista (que exibiu); </font><br>
<font>- O 3° R. entregou ainda o recibo de resgate devidamente assinado, e, uma vez mais, a assinatura – conferida por semelhança – correspondia com a assinatura aposta no Bilhete de Identidade da aforrista exibido.</font><br>
<font>- O cheque foi emitido à ordem da aforrista – AA. </font><br>
<font>- O recorrente não entregou ao 3º R. o valor do resgate em dinheiro, o recorrente (através dos Empresa-B) foi diligente, de boa fé efectuou o pagamento ao seu credor – cheque nominativo –, cumpriu a obrigação a que se vinculou, pelo que não pode ser punido pela ilicitude praticada por terceiros (arts. 762º, 769º, do CC). </font><br>
<font>- Endosso a restituir à herança o montante que com tal acto ilícito se apropriou ou, a ser verdadeiro o endosso, julgar a acção improcedente (foi este o sentido da decisão em 1ª instância).</font><br>
<font>- O que não pode ser feito, mas o Ac. do Tribunal da Relação fez, é condenar quem comprovadamente agiu com lisura e de boa fé, até porque o resultado que vem apodado de ilícito (apropriação da quantia por terceiro) só ocorre comprovadamente porque a ordem expressa do IGCP ao seu banco ou foi violada ou foi adulterada (tais ilicitudes, a existirem, têm os respectivos autores identificados). </font><br>
<font>- Quando hoje, como já então na década de noventa, é aceite por todos e afirmado pelo legislador que as relações jurídicas têm que caminhar no sentido da simplificação e desformalização, surpreende e muito uma decisão com o teor daquela que foi proferida pelo Tribunal da Relação (se a conduta do IGCP e da Empresa-B foi negligente e merecedora de punição, ao ponto do IGCP ter que pagar o que já pagou, enquanto se deixam impunes ou se desresponsabilizam aqueles que no fluxo próprio de uma relação social e contratual puseram em causa a fé pública e lisura de procedimentos, então esqueça-se qualquer hipótese de “Simplex” e voltemos em força à exigência de procurações e reconhecimentos notariais). </font><br>
<font>- Partilhando do sentimento de injustiça que resulta do Acórdão recorrido, conclui-se citando a conclusão do voto de vencido do Juiz Desembargador: </font><br>
<font>“O desenlace proposto é duplamente frustrante: obrigar a pagar quem pagou bem... e deixar incólume quem se apropriou do dinheiro.” </font><br>
<br>
<font>Respondeu a recorrida em defesa da manutenção do acórdão.</font><br>
<b><font>II</font></b><font> – </font><br>
<b><font>Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<br>
<font>1. A A. (AA) subscreveu junto do 1º R. os certificados de aforro, série B, N° .. e ..., com o valor de aquisição de 17.218.500$00, correspondentes a 34.437 unidades. </font><br>
<font>2. Tais certificados são títulos de dívida pública nominativos, como consta do verso do boletim de subscrição. </font><br>
<font>3. Empresa-B EC Graça emitiram o cheque N° ..., à ordem de AA, datado de 31/05/96, no valor de 23.971.490$00. </font><br>
<font>4. Cheque sacado sobre o Empresa-A CL conta nº .... </font><br>
<font>5. A A. não indicou mais ninguém que pudesse, como 2° titular, proceder à movimentação dos mesmos (certificados de aforro). </font><br>
<font>6. A funcionária da Empresa-B entregou o cheque referido em 3 e 4 supra, ao 3° R., BB. </font><br>
<font>7. A A. habitava no andar que tinha arrendado na Av. Columbano Bordalo Pinheiro, ... Esq., Lisboa. </font><br>
<font>8. No princípio do ano de 1996, a A. foi acometida por uma grande depressão nervosa, que a obrigou a tratamento médico e internamento no Hospital de Santa Maria, donde teve alta nos finais do mês de Maio. </font><br>
<font>9. O 3° R., sobrinho da falecida AA, é médico e foi buscá-la ao Hospital de Santa Maria e levou-a para a casa dela referida em 7 supra. </font><br>
<font>10. Fez contratar uma empregada, CC, para tratar da A. e lhe fazer companhia. </font><br>
<font>11. O 3° R. detém consigo um cordão de ouro, um colar de pérolas e um par de brincos de argolas, da falecida AA. </font><br>
<font>12. O cheque mencionado em 3 e 4 supra foi depositado na conta n° ..., do Banco ..., de DD, na altura menor, filho do 3° R. – BB. </font><br>
<font>13. O 3° R., BB, convenceu a funcionária da Empresa-B a entregar-lhe o cheque e dele recebeu os pedidos de amortização dos certificados de aforro, cuja assinatura conferiu pela exibição do bilhete de identidade da falecida AA, sem a presença dela. </font><br>
<font>14. Por regra, a Empresa-B apenas entregam títulos de pagamento de certificados de aforro, ao respectivo titular, ou movimentador, ou a quem os represente. </font><br>
<font>15. A funcionária da Empresa-B exigiu a exibição do bilhete de identidade da falecida AA, para conferir as assinaturas constantes dos pedidos de resgate dos certificados de aforro e nos recibos de resgate. </font><br>
<font>16. EE, amiga da falecida AA, pediu e solicitou ao 3° R. para que este resolvesse problema da sua tia AA, pois não estava em condições de ficar sozinha em casa após alta hospitalar. </font><br>
<font>17. O 3° R. era o familiar da falecida AA, com quem ela mais privava e convivia. </font><br>
<font>18. A empregada da falecida AA, auferia, numa fase inicial, uma remuneração mensal de 200.000$00, depois reduzida para 150.000$00 mensais, em virtude de reduções do seu horário de trabalho. </font><br>
<font>19. Foi entregue ao 3° R., BB, um cartão Multibanco. </font><br>
<font>20.A partir de data não apurada, o 3° R., BB, passou a pagar o vencimento à criada da falecida AA e a pagar despesas desta. </font><br>
<font>21. A D. EE elaborou os recibos referentes a pagamentos parciais efectuados à Srª D. CC por serviços de assistência prestados à A .. </font><br>
<font>22. O 3° R., BB, mandou proceder a diversas obras de restauro e recuperação da casa da Rua de Galé, Moledo do Minho. </font><br>
<font>23. Foi restaurado o telhado da identificada casa, com inerente substituição das telhas. </font><br>
<font>24. Foi substituída toda a instalação eléctrica da aludida casa. </font><br>
<font>25. Foram feitas e executadas pinturas interiores e exteriores das paredes dessa habitação. </font><br>
<font>26. Foi efectuada remodelação das casas de banho, com substituição de algumas canalizações e loiças. </font><br>
<font>27. Foram instalados convectores eléctricos em todos os compartimentos da casa. </font><br>
<font>28. O custo dessas obras terá sido de cerca de 7.250.000$00. </font><br>
<font>29. No ano de 1996, a A. fez transportar algumas mobílias da sua residência da Av. Columbano Bordalo Pinheiro, Lisboa, para a casa de Moledo do Minho. </font><br>
<font>30. Apenas no ano de 96 a falecida AA passou férias no Minho, durante cerca de um mês e meio, acompanhada pela empregada CC, na residência da qual permaneceu, passeando. </font><br>
<font>31. No final de 1996, o 3° R. foi afastado de prestar assistência à falecida AA, o mesmo acontecendo à empregada CC. </font><br>
<font>32. O cheque mencionado em 3 supra foi depositado, em 5/6/96, na conta nº ...., do BTA, pertencente a DD, filho do 3° R., conta essa que podia ser movimentada pelo 3° R. e por sua esposa. </font><br>
<font>33. No verso do cheque referido em 3 supra, consta manuscrito o nome AA. </font><br>
<font>34. Entre o Instituto de Gestão do Crédito Público e os Empresa-B foi celebrado, em 3/3/2000, um protocolo que permite aos Empresa-B procederem à subscrição, movimentação e resgate de certificados de aforro, da série B. </font><br>
<font>35. Desde 30/3/1961, pelo Decreto 43575, que os Empresa-B estavam autorizados a proceder à subscrição e amortização de certificados de aforro. </font><br>
<b><font>III</font></b><font> – </font><br>
<b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<font>Em causa está apenas saber se o recorrente pode, com base na factualidade apurada pelas instâncias, ser responsabilizado em termos de pagar à recorrida a importância peticionada.</font><br>
<font>Estamos, sem dúvida alguma, perante um caso de eventual responsabilidade contratual: saber se o recorrente violou os deveres decorrentes da obrigação que assumiu para com a falecida AA quando esta subscreveu os certificados de aforro. Neste ponto concreto estamos de pleno acordo com a orientação perfilhada no aresto recorrido.</font><br>
<font>Como assim, importa, desde já, saber se o recorrente conseguiu fazer prova bastante que permita concluir pelo afastamento do elemento culpa que sobre ele impende por força do disposto no art. 799º, nº 1 do CC.</font><br>
<font>Ou seja, cabe-nos saber se o comportamento do recorrente (através dos seus empregados enquanto seus comissários) foi de molde a afastar a aludida presunção.</font><br>
<font>E da análise que fizemos da matéria de facto não podemos tirar outra conclusão que não seja a de que a dita presunção de culpa está por demais ilidida, tal-qualmente acabou por concluir o Mº juiz da 1ª instância.</font><br>
<font>Com efeito, a culpa do devedor é apreciada nos termos gerais da responsabilidade civil, </font><i><font>ut</font></i><font> nº 2 do art. 799º do C. Civil, o que significa que vigoram para a responsabilidade contratual tanto os critérios de fixação de imputabilidade estabelecidos no art. 488º, como o princípio básico de que a culpa do devedor se mede em abstracto, tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família e não em concreto, de acordo com a diligência habitual do obrigado (</font><i><font>vide </font></i><font>Antunes Varela, </font><i><font>in</font></i><font> Direito das Obrigações, Vol. II – 6ª edição – pág. 98 e ss.).</font><br>
<font>De tudo isto decorre que o recorrente, com vista a afastar a sua responsabilidade, teria de fazer prova de que usou de toda a diligência que é exigida a uma pessoa normal, tendo como padrão a conduta de uma pessoa “medianamente cuidadosa, atendendo à especialidade das diversas situações”, sendo que “por homem médio” não se entende o puro cidadão comum, mas o modelo de homem que resulta do meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto, isto é, “o homem médio que interfere como critério da culpa é determinado a partir do círculo de relações em que está inserido o agente” (</font><i><font>vide</font></i><font> Almeida Costa, </font><i><font>in</font></i><font> Direito das Obrigações – 9ª edição -, pág. 535).</font><br>
<font>Posto isto, é altura de nos interrogarmos se, face ao material fáctico que provado, é de concluir ou não pelo afastamento do elemento “culpa”.</font><br>
<font>Com isto queremos apenas dizer que, se, porventura, concluirmos pela não culpa da recorrente, despiciendo se torna, como é óbvio, continuar a discussão para sobre os demais elementos constitutivos da obrigação de indemnizar.</font><br>
<font>Foi o 3º R., BB, quem se dirigiu aos Empresa-B na ânsia de obter o resgate dos certificados de aforro pertencentes à falecida AA, tendo o respectivo pedido de resgate sido subscrito por esta.</font><br>
<font>A funcionária dos Empresa-B, após se ter certificado da assinatura constante do pedido de resgate em confronto com a que constava do BI, emitiu à ordem da falecida AA o cheque titulando a importância total dos certificados de aforro.</font><br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>A haver responsabilidade civil do recorrente a mesma tem de ser encontrada neste preciso percurso: requerimento de resgate e passagem do cheque.</font><br>
<font>Afastada fica do nosso horizonte toda e qualquer preocupação em relação ao Banco no qual o cheque foi depositado posteriormente (já que o A. desistiu do pedido em relação a este R.) e bem assim a responsabilidade do 3º R., BB (na justa medida em que a Relação o absolveu, sendo certo contra ele apenas foi formulado pedido de condenação apenas para o caso de não condenação dos 1ºs RR., facto este motivador da rejeição da revista pretendida).</font><br>
<br>
<font>Como bem é salientado na sentença do Mº juiz da 16ª Vara Cível de Lisboa, o D.-L. 172-B/86, de 30 de Junho limita-se a dizer que qualquer pessoa pode requerer a constituição de certificados de aforro a seu favor ou a favor de outrem e que também pode requerer-se que os certificados de aforro sejam movimentados por outra pessoa para além do titular, não sendo necessário que essa pessoa seja o próprio requisitante (art. 4º, nºs 1 e 2), o que legitima a conclusão de que o pagamento dos resgates só é feito ao titular ou a movimentador autorizado.</font><br>
<font>Em consonância com tal exigência, a Instrução nº 3/2004 (2ª série) veio estabelecer no ponto nº 7, al. b) que “o resgate pode ser efectuado pelo titular, por um seu mandatário com poderes especiais para o efeito ou ainda pelo movimentador registado para essa subscrição nas condições indicadas no número anterior”.</font><br>
<font>Perante o pedido de resgate subscrito pela titular, a falecida AA, a funcionária dos Empresa-B verificou à vista desarmada a autenticidade da assinatura e, concluindo pela sua verificação efectiva, não teve dúvidas de passar em nome daquela o cheque correspondente ao montante certificados de aforro que estavam em nome da dita AA. E não teve dúvidas em o fazer tal depois de também ter verificado a autenticidade da assinatura dos recibos de resgate.</font><br>
<font>Nada mais era exigido, no que diz respeito a diligência que qualquer pessoa normal, colocada na situação da funcionária da Empresa-B, que não fosse o reconhecimento da autenticidade da assinatura da titular AA.</font><br>
<font>Perante tal reconhecimento, a dita funcionária não passou o cheque à ordem de qualquer outra pessoa (nem o podia fazer), mas sim à ordem daquela.</font><br>
<font>Se a pessoa a quem o cheque foi entregue não lhe deu o destino devido, por esta ou aquela razão que escapam à análise do presente recurso, é cousa que não pode ser considerada para efeitos de responsabilização da ora recorrente.</font><br>
<font>Como, logo </font><i><font>ab initio</font></i><font>, tivemos oportunidade de enfatizar, a responsabilidade do recorrente, a existir, tinha de ser encontrada no âmbito das relações com a cliente AA.</font><br>
<font>Está ou não afastada a culpa da recorrente?</font><br>
<font>Claro que está.</font><br>
<font>Isso é </font><i><font>de per</font></i><font> se suficiente para a mesma não poder responsabilizada em termos de pedido.</font><br>
<font>Por isso mesmo não podemos subscrever a tese vencedora da Relação de Lisboa. Antes, aderimos com total firmeza à declaração de voto de vencido nele exarado:</font><br>
<font>“…Não se pode falar em que quem paga mal paga duas vezes … É que os Empresa-B pagaram à AA, pois o cheque foi passado em nome dela…</font><br>
<font>A não se pôr a hipótese de uma censurável conduta da A., então, seguramente, a conduta mais intrigante (é o mínimo que se pode dizer) é a do 3º R. …</font><br>
<font>O desenlace proposto é duplamente frustrante: obrigar a pagar a quem pagou bem e deixou … incólume quem se apropriou do dinheiro.”</font><br>
<br>
<font>O nosso sentimento de realização de Justiça obriga-nos a acompanhar sem reservas as doutas considerações do Senhor Juiz Desembargador vencido.</font><br>
<br>
<font>A terminar será importante dizer que não olvidamos que também ficou provado que “em regra os Empresa-B apenas entregam títulos de pagamento de certificados de aforro ao respectivo titular, ou movimentador ou a quem os represente”.</font><br>
<font>Mas sobre este ponto limitamo-nos a concordar com a posição assumida pelo Mº juiz da 16ª Vara Cível de Lisboa:</font><br>
<font>Isso não significa nem justifica qualquer violação de qualquer norma impositiva de um determinado comportamento por parte dos funcionários dos Empresa-B que, de resto, não existe. “A única exigência que decorre da lei é que o pagamento seja feito ao seu titular ou ao movimentador”. Foi isso que, ao cabo e ao resto, aconteceu.</font><br>
<font>As exigências legais no que toca aos deveres de diligência por parte do recorrente foram devidamente cumpridas e, tanto assim, que, após dupla verificação do BI da falecida AA – no momento da apresentação do pedido de resgate e, posteriormente, no momento da entrega dos recibos de resgate – que o cheque só foi passado à ordem daquela (nominativo, portanto).</font><br>
<font>Assim sendo, como foi, quem é que o poderia receber se não ela?!</font><br>
<font>A resposta a esta pergunta escapa, como está bom de ver, às balizas do presente recurso.</font><br>
<font>Mas, uma cousa é certa: se o montante titulado pelos certificados de aforro não chegou às mãos da falecida A. AA, isso não se ficou a dever, com toda a certeza, à conduta da funcionária dos Empresa-B.</font><br>
<font>Daí que se imponha a revogação do aresto da Relação de Lisboa.</font><br>
<font>Como consequência, os autos terão de baixar à Relação para apreciação do pedido que a A., formulou contra o 3º R., BB.</font><br>
<b><font>IV</font></b><font> – </font><br>
<b><font>Decisão</font></b><br>
<font>Pelo exposto, concede-se a revista.</font><br>
<font>Custas pela recorrida.</font><br>
<font>Após trânsito, rematam-se aos autos para o Tribunal da Relação de Lisboa para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ser apreciado e decidido o pedido formulado contra o R. BB. </font><br>
<br>
<font>Lisboa, aos 13 de Novembro de 2007</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-jLNu4YBgYBz1XKvPz6n | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>1.</font></b><font> AA e mulher </font><font>BB intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra </font><b><font>Caixa Geral de Depósitos, S.A.</font></b><font>, pedindo que:</font><br>
<font>Seja proferida sentença que declare transmitido para o A. marido, o direito real de habitação periódica correspondente à 33ª semana do ano, com início às 16 horas de Sábado e termo à mesma hora de Sábado seguinte, ao qual foi atribuído o n°. 1305C, apartamento 209, tipo TO, localizado no piso 2, do empreendimento turístico instalado no prédio identificado no artigo 1° da p.i. e conhecido por Hotel Apartamento Villas de Sesimbra;</font><br>
<font>Seja proferida sentença que declare transmitido para a A. mulher, o direito real de habitação periódica correspondente à 32ª semana do ano, com início às 16 horas de sábado e termo à mesma hora de sábado seguinte, ao qual foi atribuído o n°. 1304C, apartamento 209, tipo TO, localizado no piso 2, do empreendimento turístico instalado no prédio identificado no artigo 1° da p.i. e conhecido por Hotel Apartamento Villas de Sesimbra;</font><br>
<font>Seja a R. condenada a pagar aos AA. a quantia anual de € 1.440,00, por cada período anual de férias, coincidente com as mencionadas 32a e 33ª semanas e nos anos durante os quais os AA. não poderão usar o empreendimento em causa, que se vencerem desde a data de citação da R. até à data da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos,</font><br>
<i><font>ou subsidiariamente. </font></i><font>aos pedidos formulados em a) e b), que seja declarada judicialmente a resolução dos contratos-promessa </font><i><font>sub judice e, </font></i><font>em consequência a R. condenada a:</font><br>
<br>
<font>1° - restituir aos AA. as verbas de Esc. 1.862.797$00 (€ 9.291,59) e de Esc. 2.216.868$00 (€ 11.057,69), pagas por aqueles a título de preço dos direitos reais prometidos vender;</font><br>
<font>2° - pagar aos AA., a título de indemnização a quantia correspondente aos juros de mora vencidos no valor de € 16.931,99 e os vincendos, calculados sobre as verbas mencionadas em 1°, até efectivo e integral pagamento;</font><br>
<font>3° - pagar aos AA., a título de indemnização, a quantia que se mostrar suficiente para estes adquirirem a terceiro, direitos reais de habitação periódica de características semelhantes aos objecto dos contratos-promessa, em valor a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font>Fundamentando a sua pretensão, os AA. alegam, em síntese, que:</font><br>
<font>Em 11/09/90 e em 26/12/90, o A. marido e a A. mulher, respectivamente, celebraram com a E..., Construções, Lda., contratos-promessa, nos termos do quais aquela sociedade prometeu vender e o A. marido e a A., mulher, respectivamente, prometeram comprar, o direito de habitação periódica, correspondente às 33a e 32a semanas do ano, referente ao apartamento 209, do empreendimento turístico instalado no prédio identificado no artigo 1° da p.i. denominado "Hotel Apartamento Villas de Sesimbra", mediante o pagamento pelo A. marido do preço de Esc. 1.750.000$00 e pela A. mulher do preço de 1.700.000$00, acrescidos de encargos financeiros decorrentes do pagamento diferido no tempo;</font><br>
<font>O A. marido pagou à E..., Lda. a quantia de Esc. 1.862.797$00 e a A. mulher pagou à mesma sociedade a quantia global de Esc. 2.216.868$00;</font><br>
<font>Nos termos contratualmente estipulados a E..., comprometeu-se a proceder à constituição do direito real de habitação periódica prometidos vender aos AA., bem como a entregar-lhes os correspondentes certificados prediais, com a específica declaração de transmissão a seu favor, no prazo que resultasse mais longo, entre o prazo de 6 meses após a construção física do imóvel ou 3 meses após o pagamento integral do preço, o que até à presente data, não foi cumprido;</font><br>
<br>
<font>Desde a outorga dos contratos promessa até ao final do ano de 2002, os AA. utilizaram as semanas que lhes correspondiam e têm procedido pontual e integralmente às despesas de utilização anuais previstas no contrato;</font><br>
<font>Por escritura outorgada em 06/11/96, a R. adquiriu à E..., por dação em cumprimento, o referido empreendimento turístico denominado "Hotel Apartamento Villas de Sesimbra";</font><br>
<font>Nessa escritura, a R. assumiu a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas de compra respeitantes aos direitos reais de habitação periódica celebrados pela E..., o que a R. não cumpriu, tendo, por cartas de 03/12/02, informado os AA. do encerramento do empreendimento em causa, com efeitos a partir de 15/11/02 e que já não poderiam utilizar as fracções afectas aos direitos de habitação periódica prometidos vender;</font><br>
<font>Em 29/04/03, a R. foi judicialmente notificada pelos AA., em primeira linha, para promover a celebração da escritura pública de constituição dos direitos reais de habitação periódica prometidos vender aos AA. e a respectiva inscrição no registo, bem como para entregar aos AA. os certificados prediais correspondentes, não tendo havido qualquer resposta da R. em relação às pretensões dos AA..</font><br>
<font>A R. contestou, alegando, em resumo, que à data em que foi celebrada a escritura pública de dação em cumprimento junta aos autos (05/11/96), apenas tinha conhecimento da existência de promessas unilaterais de compra respeitantes a direitos reais de habitação periódica e que só teve conhecimento da existência de contratos-promessa em 2000. Nega ter assumido os alegados direitos e obrigações resultantes dos contratos promessa que os AA. juntaram aos autos. Conclui pela improcedência dos pedidos e pela sua consequente absolvição dos mesmos.</font><br>
<font>Foi proferido despacho saneador, no qual se precedeu à selecção de matéria de facto assente e organização de base instrutória, sendo esta última objecto de reclamação por parte da R, a qual foi indeferida.</font><br>
<br>
<font>Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo, a final, o Ex.mo Juiz julgado a acção improcedente, por não provada.</font><br>
<font>Inconformados os Autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que viria a julgar a acção parcialmente procedente, condenando a Ré Caixa Geral de Depósitos a pagar aos Autores a quantia de € 20.349,28, acrescida de juros de mora, vencidos desde 21.10.2003, à taxa legal de 4% e juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral pagamento. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Inconformada a Ré veio interpor recurso de revista para este STJ, concluindo a sua alegação pela seguinte forma:</font><br>
<br>
<font>1a) A melhor doutrina nacional que se debruçou sobre o instituto jurídico do abuso de direito na sua modalidade de venire contra factum proprium estabelece a necessária convergência cumulativa de três requisitos consubstanciadores desta modalidade: A existência de uma situação objectiva de confiança, o investimento de confiança e a irreversibilidade desse investimento, e, por último, a convicção por parte do destinatário do factum proprium de que o autor deste se encontrava obrigado a adoptar a conduta prevista, se, ao formar tal convicção, tiver tomado todos os cuidados usuais no tráfico jurídico.</font><br>
<br>
<font> 2a) Na convicção da recorrente não só não se verifica no caso destes autos nenhum destes requisitos - nem existe facto contraditório - como ainda inexiste nexo causal entre qualquer alegado factum proprium praticado pela CGD e o alegado dano de confiança;</font><br>
<br>
<font>3a) Efectivamente, os AA. assinaram os respectivos contratos em 11.09.1990 e 26.12.1990, pagaram o respectivo preço em 30.12.1991 e 03.02.1994 sendo certo que, nos termos contratados, podiam volvidos 3 meses sobre os respectivos pagamentos interpelar a E... para a entrega dos certificados prediais respeitantes aos DRHPs, datas estas muito anteriores à da outorga da escritura de dação entre a E... e a CGD;</font><br>
<br>
<font>4a) Os AA., não obstante o decurso destes prazos, não interpelaram a E... nem exigiram judicialmente o cumprimento dos respectivos contratos, maxime a sua execução específica com registo da respectiva acção judicial, ou o pagamento do sinal em dobro, sendo objectivamente inquestionável que o incumprimento por parte da E... se verificou muito antes da escritura de dação;</font><br>
<br>
<font>5a) Esta atitude de total inércia por parte dos AA. permaneceu inalterada mesmo após a outorga da escritura de dação, não tendo os AA. interpelado a CGD para melhor se informarem e a informarem sobre a sua situação e para aquilatarem e esclarecerem quais as perspectivas que esta tinha relativamente ao empreendimento;</font><br>
<br>
<font>6a) Só após 03.12.2002, data do envio da carta da CGD que lhes comunicava o encerramento do empreendimento, sete anos depois da outorga da dação, é que, a reboque, (e mesmo assim 4 meses depois do envio das cartas), resolveram tomar a iniciativa de notificar judicialmente a CGD para que esta lhes entregasse os certificados prediais, como se a CGD por força da dação tivesse assumido por via de cessão da posição contratual da E... a posição desta nos contratos promessa assinados com os AA.;</font><br>
<br>
<font>7a) Ora qualquer normal declaratário, colocado na situação de destinatário dos direitos e obrigações estipulados na escritura de dação, concluiria que daquela não resultava qualquer cessão de posição contratual da E... para a CGD no que respeitava aos contratos promessa de constituição e de compra e venda dos DRHPs, sendo aliás certo que na sua cláusula 10a nem sequer se fazia qualquer referência a tais contratos promessa mas sim, ao invés, </font><u><font>a meras</font></u><font> </font><u><font>promessas unilaterais de compra;</font></u><br>
<br>
<font>8</font><b><font>a</font></b><font>) Aliás, a citada cláusula 10a da escritura apenas vinculava - criando direitos e as correspectivas obrigações - as partes subscritoras da mesma e não terceiros à dação, sendo evidente que no texto da mesma as partes subscritoras acordaram em apôr uma mera </font><u><font>cláusula</font></u><font> </font><u><font>de</font></u><font> </font><u><font>negociação</font></u><font> (desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições) por força da qual se obrigaram a negociar um acordo, mas não necessariamente a realizá-lo (cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, pág.a 241);</font><br>
<br>
<font>9a) </font><u><font>Desenvolver</font></u><font> </font><u><font>os melhores esforços</font></u><font> significa que a CGD se obrigou somente a isso, sendo igualmente certo que tal obrigação </font><u><font>foi assumida para com</font></u><font> </font><u><font>a</font></u><font> </font><u><font>E...</font></u><font> e não para com os AA., que dela se não podem prevalecer; Assim, em face desta cláusula jamais poderia alicerçar-se qualquer confiança objectiva digna de tutela atendendo a que a CGD por via dela não ficava obrigada a negociar com os AA. mas sim apenas a desenvolver os seus melhores esforços;</font><br>
<br>
<font>10a) Acresce ainda que o próprio texto da escritura de dação, v.g. condicionava a sua eficácia à verificação de condições em tudo estranhas à pessoa dos AA. - cfr. cláusula lla da escritura - e relativamente às quais estes não tinham qualquer possibilidade de controlo, situação esta que não pode existir para que se verifique o primeiro dos requisitos do venire contra factum proprium (situação objectiva de confiança); </font><br>
<br>
<font>10°) – repetido o nº 10º - Em suma: Quer a escritura de dação, quer nomeadamente a sua 10a claúsula, </font><u><font>não</font></u><font> </font><u><font>se revelavam aptas a criar</font></u><font> </font><u><font>na convicção</font></u><font> </font><u><font>dos AA. uma</font></u><font> </font><u><font>situação de legítima confiança objectiva</font></u><font> que lhes permitisse concluir que os seus direitos - relativamente aos quais nunca haviam manifestado </font><u><font>nada</font></u><font> face aos incumprimentos da E... - ficavam assegurados ou garantidos, não revestindo assim tal escritura a natureza de um factum proprium apto a desencadear no futuro um dano de legítima confiança; </font><br>
<br>
<font>11a) O que verdadeiramente originou e provocou danos aos AA. não foi a escritura de dação nem a sua 10a cláusula, mas sim o facto de estes se terem mantido em inexplicável inércia anos a fio perante o incumprimento da E..., não acautelando tempestivamente e com um mínimo de rigor os seus alegados direitos; pode dizer-se com rigor que a situação de confiança que deveria estar subjacente à assinatura dos contratos promessa </font><u><font>já</font></u><font> </font><u><font>havia</font></u><font> </font><u><font>cessado</font></u><font> </font><u><font>muito</font></u><font> </font><u><font>antes</font></u><font> </font><u><font>da</font></u><font> </font><u><font>escritura</font></u><font> </font><u><font>de dação, isto</font></u><font> </font><u><font>é,</font></u><font> </font><u><font>que já</font></u><font> </font><u><font>não havia</font></u><font> </font><u><font>confinça para tutelar, não</font></u><font> </font><u><font>tendo</font></u><font> </font><u><font>a dação constituído qualquer</font></u><font> </font><u><font>novum</font></u><font> </font><u><font>nesse</font></u><font> </font><u><font>sentido;</font></u><br>
<br>
<font>12a) Quer-se dizer: Os AA. nem de perto nem de longe tomaram as precauções e cuidados que o tráfico jurídico aconselha e disponibiliza para os negócios jurídicos desta envergadura (negociação amigável, interpelação para cumprimento e subsequente accionamento judicial), limitando-se a deixar passar em claro os incumprimentos da E..., e, após a outorga da dação, mantiveram inalterada durante mais sete anos esta sepulcral inércia não contactando ou interpelando a CGD para a informarem e para se informarem acerca da sua situação;</font><br>
<br>
<font>13a) Acresce que o facto de se ter efectuado a dação em pagamento do empreendimento Villas de Sesimbra </font><u><font>em</font></u><font> </font><u><font>nada impediu</font></u><font> </font><u><font>ou</font></u><font> </font><u><font>impede</font></u><font> </font><u><font>os</font></u><font> </font><u><font>AA.</font></u><font> </font><u><font>no</font></u><font> </font><u><font>presente,</font></u><font> </font><u><font>como</font></u><font> </font><u><font>no</font></u><font> </font><u><font>passado,</font></u><font> </font><u><font>de</font></u><font> </font><u><font>accionarem</font></u><font> </font><u><font>judicialmente</font></u><font> </font><u><font>a</font></u><font> </font><u><font>E...,</font></u><font> no intuito de obterem a reparação pelos danos que invocam, bem como nada impediu os AA. de terem atempadamente impugnado através da acção pauliana a transmissão de propriedade do prédio e do empreendimento, caso sentissem que a mesma lhes coarctava, por exemplo, o seu direito à execução específica dos contratos promessa ou de alguma forma defraudava os seus direitos; ora o abuso de direito seja em que modalidade for, </font><u><font>constitui um último recurso,</font></u><font> algo a que só se pode lançar a mão à falta de outro meio, quando todas as restantes vias estiverem fora de alcance; Isto é fica igualmente afastado o segundo dos requisitos do venire contra factum proprium;</font><br>
<br>
<font>14a) Por outro lado, ao concluir-se no douto Acórdão em crise que a dação em pagamento inviabilizava a concretização da compra dos DRHPs concluiu-se para além da prova constante dos autos; efectivamente, tanto se pode concluir isso como, com igual valia lógica, se pode também concluir que à altura em que a dação em pagamento se concretizou </font><u><font>os</font></u><font> </font><u><font>AA.</font></u><font> </font><u><font>estivessem</font></u><font> </font><u><font>já</font></u><font> </font><u><font>cientes que a</font></u><font> </font><u><font>situação económica da E... já não permitia a</font></u><font> </font><u><font>esta</font></u><font> </font><u><font>avançar</font></u><font> </font><u><font>com</font></u><font> </font><u><font>a</font></u><font> </font><u><font>emissão</font></u><font> </font><u><font>dos</font></u><font> </font><u><font>certificados prediais,</font></u><font> isto é, que tal possibilidade já estaria arredada das hipóteses possíveis de reacção judicial pela sua parte;</font><br>
<br>
<font>15a) Não deixa, aliás, de ser relevante que nem sequer os próprios AA. se lembraram de lançar mão do instituto jurídico do abuso de direito, </font><u><font>só o tendo feito já em segunda instância,</font></u><font> </font><u><font>e</font></u><font> </font><u><font>claramente a</font></u><font> </font><u><font>reboque da douta sentença de 1a instância,</font></u><font> o que de alguma forma é elucidativo acerca do verdadeiro sentir dos AA.;</font><br>
<br>
<font>16ª) Por outro lado o facto de os AA. terem usado as semanas e os apartamentos que lhes correspondiam no empreendimento Villas de Sesimbra em nada constitui violação de dever de coerência por parte da CGD, ou seja não constitui facto contraditório;</font><br>
<br>
<font>17ª) Efectivamente desde a data da outorga dos contratos promessa que os AA. usavam o empreendimento pagando as despesas referentes a esse uso primeiramente à E... e depois a uma empresa concessionária da exploração, sendo certo que a partir de pelo menos 30.03.1992, isto é 3 meses após o pagamento integral do preço pelo A. marido, era possível a este ter-se apercebido do incumprimento da E... e daí extrair as devidas consequências, não podendo igualmente ignorar, até porque constavam do registo de propriedade a existência de vultosas hipotecas constituidas para garantia de igualmente vultosos empréstimos bancários, nomeadamente no que concerne à CGD;</font><br>
<br>
<font>18ª) Assim os AA. não podiam ignorar que a sua utilização - </font><u><font>de si</font></u><font> </font><u><font>precária</font></u><font> </font><u><font>atenta</font></u><font> </font><u><font>a</font></u><font> </font><u><font>natureza</font></u><font> </font><u><font>do</font></u><font> </font><u><font>contrato que lhe estava</font></u><font> </font><u><font>subjacente,</font></u><font> - o direito de retenção que eventualmente lhe possa estar associado </font><u><font>garante</font></u><font> </font><u><font>um</font></u><font> </font><u><font>mero</font></u><font> </font><u><font>direito</font></u><font> </font><u><font>de</font></u><font> </font><u><font>crédito não</font></u><font> </font><u><font>garantindo qualquer</font></u><font> </font><u><font>direito</font></u><font> </font><u><font>de utilização futura da coisa</font></u><font> - se foi tornando com o passar do tempo cada vez mais e mais precária, e mesmo assim, aqueles optaram por não tomar qualquer iniciativa;</font><br>
<br>
<font>19ª) Acresce ainda que a utilização dos apartamentos não só não nasceu de iniciativa da CGD mas sim da E..., como ainda e também, </font><u><font>esta</font></u><font> </font><u><font>nem</font></u><font> </font><u><font>sequer tinha conhecimento</font></u><font> </font><u><font>da mesma pelos</font></u><font> </font><u><font>AA.,</font></u><font> </font><u><font>como</font></u><font> </font><u><font>aliás</font></u><font> </font><u><font>claramente</font></u><font> </font><u><font>escreveu</font></u><font> </font><u><font>e</font></u><font> </font><u><font>descreveu</font></u><font> </font><u><font>na</font></u><font> </font><u><font>sua</font></u><font> </font><u><font>contestação, não</font></u><font> </font><u><font>sendo</font></u><font> </font><u><font>assim</font></u><font> </font><u><font>legítimo</font></u><font> </font><u><font>concluir</font></u><font> </font><u><font>-</font></u><font> </font><u><font>como</font></u><font> </font><u><font>concluiu o TRL</font></u><font> </font><u><font>-</font></u><font> </font><u><font>que a</font></u><font> </font><u><font>CGD possibilitou</font></u><font> </font><u><font>aos</font></u><font> </font><u><font>AA.</font></u><font> </font><u><font>o</font></u><font> </font><u><font>uso</font></u><font> </font><u><font>dos</font></u><font> </font><u><font>apartamentos</font></u><font> ; </font><br>
<br>
<font>20a) Aquela douta conclusão do TRL está assim desprovida de qualquer base fáctica demonstrada nestes autos, e, por esta via agora se conclui também pela inexistência de nexo causal entre um qualquer factum proprium imputável à CGD (que igualmente se não verificou) e o dano da fides por parte dos AA.</font><br>
<font>Na verdade nunca se verificou entre os AA. e a CGD qualquer interacção comunicativa por forma a poder gerar-se na convicção dos AA. uma situação de confiança assente em algo de concreto, uma declaração, uma manifestação de vontade expressamente manifestada etc.;</font><br>
<br>
<font>21a) Acresce ainda que do facto de a CGD ter conhecimento à altura da outorga da dação de que havia pessoas que tinham negociado a constituição e a compra e venda de DRHPs com a E... é uma conclusão correcta mas que só por si não permite concluir nada relativamente à verificação in casu do venire contra factum proprium; aliás, a CGD tinha efectivamente conhecimento da lista de pessoas anexa à escritura de dação mas desconhecia os exactos contornos dos negócios efectuados entre a E... e estes, </font><u><font>o</font></u><font> </font><u><font>que</font></u><font> </font><u><font>facilmente se pode concluir da leitura</font></u><font> </font><u><font>da cláusula</font></u><font> </font><u><font>10a</font></u><font> </font><u><font>onde</font></u><font> </font><u><font>se</font></u><font> </font><u><font>não faz qualquer referência à existência de</font></u><font> </font><u><font>contratos</font></u><font> </font><u><font>promessa</font></u><font> </font><u><font>mas</font></u><font> </font><u><font>sim</font></u><font> </font><u><font>a</font></u><font> </font><u><font>meras</font></u><font> </font><u><font>promessas</font></u><font> </font><u><font>unilaterais de compra;</font></u><font> Acresce ainda, como já se referiu que os AA. nunca tomaram qualquer iniciativa no sentido de contactar a CGD informá-la e assim clarificar a sua situação, preferindo manter-se em inexplicável mutismo;</font><br>
<br>
<font>22a) Assim, e com todo o respeito que é devido, a CGD limitou-se a fazer uso do seu direito de propriedade dentro dos limites da boa fé, dos bons costumes e do fim social e económico deste direito em conformidade com o brocardo </font><u><font>qui jure suo utitur</font></u><font> </font><u><font>nemini facit injuriam,</font></u><font> não tendo em nada contribuído para gerar na esfera jurídica dos AA. qualquer situação de confiança objectiva merecedora da tutela do direito através do instituto do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium;</font><br>
<br>
<font>23a) Por mera cautela de patrocínio e sem embargo do que acima se expressou, mesmo que esse Venerando Tribunal decidisse no sentido de não dar provimento a este recurso o certo é que sempre se teria de concluir que o douto Acórdão do TRL não respeitou os princípios e pressupostos da responsabilidade civil atendendo a que ao condenar a CGD a pagar aos AA. a título de indemnização a mesma quantia que estes pagaram à E... </font><u><font>não</font></u><font> </font><u><font>está</font></u><font> </font><u><font>a</font></u><font> </font><u><font>considerar</font></u><font> </font><u><font>o</font></u><font> </font><u><font>tempo que estes</font></u><font> </font><u><font>fizeram</font></u><font> </font><u><font>uso do</font></u><font> </font><u><font>empreendimento</font></u><font> </font><u><font>e</font></u><font> </font><u><font>que</font></u><font> </font><u><font>assim</font></u><font> </font><u><font>resultaria inteiramente gratuito;</font></u><font> com efeito, os AA. passariam a dispôr da totalidade do capital empregue na aquisição e ainda teriam beneficiado da utilização - as taxas de uso pagas apenas se destinam a pagar os custos decorrentes da manutenção da higiene das fracções não se afigurando que o instituto do abuso de direito se possa adequar a tal situação.</font><br>
<br>
<font>Os Autores interpuseram recurso subordinado, concluindo por esta forma o alegado:</font><br>
<br>
<font>1. Ao interpretar a Cláusula 10a da escritura de dação em cumprimento no sentido de não vincular a R. ora Recorrida cumprimento dos contratos promessa em causa, não tendo existido cessão da posição contratual da promitente vendedora, que operasse a transmissão para a R. da obrigação de celebrar os contratos prometidos, o douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 236° do Código Civil;</font><br>
<font>2. Cabe apurar o sentido da declaração, nos termos do artigo 236° do Código Civil, para o que é indispensável a correspondente apreciação da prova produzida pelos AA. Recorrentes;</font><br>
<font>3. Da matéria dada como provada, resulta, sem sombra de dúvidas, que, pela referida escritura de dação em cumprimento, a R. ora Recorrida assumiu todos os direitos e obrigações resultantes dos contratos de promessa sub judice, adquirindo, por cessão da posição contratual, a qualidade de promitente vendedora perante os AA. ora Recorrentes, nos termos dos art.°s 412°, n.° 2 e 424° do Código Civil;</font><br>
<font>4. A própria R. ora Recorrida sempre agiu, desde Novembro de 1996 até Novembro de 2002, como verdadeira promitente vendedora dos direitos reais de habitação periódica prometidos vender aos AA. ora Recorrentes;</font><br>
<font>5. A entender-se haver impossibilidade da execução dos contratos de promessa sub judice por motivos imputáveis à R. ora Recorrida, tal não afasta a decorrente assunção das responsabilidades emergentes do seu incumprimento contratual, nos termos do disposto no art.° 801° do Código Civil;</font><br>
<font>6. A R. ora Recorrida ao manter o seu propósito de encerrar o empreendimento em causa, e resolver os contratos de promessa vigentes, sempre terá de pagar aos AA. ora Recorrentes, uma quantia suficiente que os habilite a adquirir a terceiros direitos de habitação periódica semelhantes, a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes do não cumprimento das obrigações contratuais a que se tinha obrigado, conforme estabelecem os artigos 562° e 566° do Código Civil;</font><br>
<font>7. Ao decidir diversamente, a douta decisão recorrida violou as disposições legais acima referidas.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font> Decidindo.</font><br>
<br>
<b><font>2. </font></b><font>Foi considerada como provada, pelas Instâncias, a seguinte matéria de facto:</font><br>
<br>
<font>a) Por escritura outorgada em 6 de Novembro de 1996, em Lisboa, junto do Cartório Privativo da R. esta adquiriu à E..., Construções, SA., por dação em cumprimento, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob a ficha nº 00499/141289, freguesia de Santiago, concelho de Sesimbra, bem como o empreendimento turístico nele instalado denominado "Hotel Apartamento Villas de Sesimbra", conforme escritura e documento complementar junto aos autos a fls. 56 a 68, e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido - al. A) dos factos assentes.</font><br>
<font>b) Pela referida escritura, a R. assumiu a responsabilidade de desenvolver os melhores esforços para negociar nas melhores condições a posição contratual decorrente das promessas unilaterais de compra respeitantes aos direitos reais de habitação periódica celebrados pela E... (cláusula 10ª da escritura referida em a)) - al. B) dos factos assentes.</font><br>
<font>c) O empreendimento turístico encontra-se registado a favor da R. desde 12.11.1996 - al. C) dos factos assentes.</font><br>
<font>d) As obras de construção do empreendimento estão concluídas pelo menos desde 1996 - ai. D) dos factos assentes.</font><br>
<font>e) Por cartas de 3.12.2002 a R. informou os AA. do encerramento do empreendimento em causa, com efeitos a partir de Novembro de 2002, juntas aos autos a fls. 69 a 72 e que aqui se dão por integralmente reproduzidas - al. E) dos factos assentes.</font><br>
<font>f) Nas mencionadas cartas a R. comunicou ainda aos AA. que já não poderiam utilizar as fracções autónomas afectas aos direitos de habitação periódica prometidos vender, declinando a assunção de qualquer compromisso na manutenção de quaisquer acordos/contratos de uso de semanas a título de direito real de habitação periódica ou a qualquer outro título al. F) dos factos assentes.</font><br>
<font>g) Em 29.04.2003 a R. foi judicialmente notificada para:</font><br>
<font>a) no prazo máximo de 15 dias, a contar da notificação, promover a celebração da escritura pública de constituição dos direitos reais de habitação periódica reportada ao prédio urbano melhor identificado 22° supra;</font><br>
<font>b) no prazo máximo de 10 dias, a contar da celebração da supra mencionada escritura, promover junto da competente Conservatória do Registo Predial de Sesimbra à sua respectiva inscrição registral;</font><br>
<font>c) no prazo máximo de 30 dias, a contar da data da notificação, entregar aos ali requerentes, os certificados prediais correspondentes aos direitos de habitação periódica prometidos vender, deles devendo constar a declaração de transmissão a favor dos ali requerentes, com assinatura notarialmente reconhecida dos seus legais representantes - ai. G) dos factos assentes.</font><br>
<font>h) Ou, subsidiariamente, a constatar-se a existência de título constitutivo dos direitos de habitação periódica reportados ao imóvel em causa, para:</font><br>
<font>a) no prazo de 10 dias a contar da notificação promover junto a competente Conservatória do Registo Predial de Sesimbra ao registo do título de constituição dos direitos de habitação periódica reportados ao imóvel em causa; e</font><br>
<font>b) no prazo de 20 dias, a contar da notificação, entregar aos requerentes, os certificados prediais correspondentes aos direitos de habitação periódicos prometidos vender, deles devendo constar declaração de transmissão a favor dos requerentes, com assinatura notarialmente reconhecida dos seus representantes legais - al. H) dos factos assentes.</font><br>
<font>i) Por documento particular, datado de 11.09.1990, o A. marido, na qualidade de promitente-comprador, celebrou com a sociedade E..., Construções, Lda., na qualidade de promitente vendedora, um contrato-promessa de constituição e de compra e venda do direito real de habitação periódica, reportado ao prédio urbano à data composto de lote de terreno para construção, designado por lote 50, sito no Altinho de S. João, freguesia de Santiago, concelho de Sesimbra - resposta ao ponto 1° da base instrutória.</font><br>
<font>j) Pelo referido contrato, a sociedade E..., prometeu vender e o A. marido prometeu comprar, o direito de habitação periódica, correspondente à 33a semana do ano, com início às 16 horas de sábado e termo à mesma hora do sábado seguinte, ao qual foi atribuído o n.° 1305C, apartamento 209 tipo TO, localizado no piso 2, do empreendimento turístico instalado no prédio acima identificado, denominado "Hotel Apartamento Villas de Sesimbra" - resposta ao ponto 2° da base instrutória.</font><br>
<font>k) Em contrapartida o ora A marido comprometeu-se a pagar o preço convencionado de Esc.: 1.750.000$00, acrescidos de encargos financeiros decorrentes do pagamento diferido no tempo, da forma e modalidade acordada na cláusula 5° do contrato mencionado em i) resposta ao ponto 3° da base instrutória.</font><br>
<font>l) Por documento particular datado de 26.12.1990, foi celebrado um contrato-promessa de constituição e de compra e venda do direito real de habitação periódica entre a ora A. mulher e a referida sociedade E..., Construções, Lda., referente ao prédio urbano identificado em i) - resposta ao ponto 4° da base instrutória,</font><br>
<font>m) Nos termos do qual a sociedade E... prometeu vender e a A. mulher prometeu comprar o direito de habitação periódica correspondente à 32ª semana do ano ao qual foi atribuído o nº 1304 C, apartamento 209, tipo TO, localizado no piso 2, do empreendimento turístico instalado no prédio identificado em i) denominado "Hotel Apartamento Villas de Sesimbra” - resposta ponto 5° da base instrutória.</font><br>
<font>n) O preço acordado entre a mulher e a promitente vendedora foi fixado em 1.700.000$00, acrescidos de encargos financeiros decorrentes do pagamento diferido no tempo - resposta ao ponto 6° da base instrutória.</font><br>
<font>o) Nos termos contratualmente estip | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-jLPu4YBgYBz1XKvskCe | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"Empresa-A" intentou acção, com processo ordinário, contra AA, BB, CC, DD e EE pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia de 98.317.746$00, a titulo de honorários, ou, pelo menos 48.584.000$00, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Alegou, nuclearmente, que os Réus a encarregaram de lhes prestar serviços que permitissem o aproveitamento e valorização de um seu terreno, comprometendo-se os Réus a pagarem os serviços prestados, despesas e honorários.</font><br>
<br>
<font>Os Réus contestaram dizendo, em síntese, ter havido cumprimento defeituoso e pedindo a condenação da Autora a pagar-lhes 90 000 000$00 e 5 000 000$00 para reparação dos danos que lhes causou e a sua condenação como litigante de má fé.</font><br>
<br>
<font>O Circulo Judicial de Santo Tirso julgou a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e condenou os Réus a pagarem à Autora 18333,33 euros, com juros deste a citação.</font><br>
<br>
<font>Apelaram Autora e Réus.</font><br>
<br>
<font>A Relação do Porto negou provimento ao recurso da Autora e deu parcial provimento à apelação dos Réus absolvendo-os da totalidade do pedido.</font><br>
<br>
<font>A Autora pede revista.</font><br>
<br>
<font>E conclui assim as suas alegações:</font><br>
<br>
<font>- Quanto ao acórdão recorrido peca ele por não retirar as adequadas ilações e conclusões de direito face à matéria dada como assente e à própria caracterização jurídica que faz da relação negocial sub júdice.</font><br>
<br>
<font>- A matéria dada como provada é bastante e necessária á procedência da acção.</font><br>
<br>
<font>- A matéria importante e relevante para a procedência da acção é a constante das alíneas a) e pp).</font><br>
<br>
<font>- A definição da prestação da Autora, que é pressuposto essencial da decisão propalada no acórdão recorrido, é errada e encontra-se viciada.</font><br>
<br>
<font>- Face á matéria dada como assente, surge claro que os RR solicitaram á A. a realização de um conjunto de trabalhos e serviços genéricos da sua especialidade - facto reconhecido até por confissão e constante nomeadamente da alínea v) dos factos provados.</font><br>
<br>
<font>- Onde estão descritos um conjunto de serviços que não se esgotam na figura do loteamento ou na sua aprovação, nomeadamente estudos de ocupação de solo, negociações com a Câmara da Maia e os seus serviços.</font><br>
<br>
<font>- Esta é uma realidade inequívoca face ainda à matéria dada como assente e abundantemente expressa nas alíneas h), i), j), v), x), z), dd), ee), ff), gg), hh) etc, dos factos assentes.</font><br>
<br>
<font>- Se está demonstrado que a intenção dos RR era obter, da CM da Maia, a permissão de uma área superior de construção para o seu terreno; que solicitaram á A. um conjunto de serviços da sua especialidade, análises previas, estudos de ocupação do solo, negociações com a edilidade, etc., é inequívoco que o objecto da prestação da A. não se confundia, nem se confundiu, com a elaboração de um mero projecto de loteamento.</font><br>
<br>
<font>- Basta ler-se o teor da alínea z) dos factos provados, em especial expressão "...nomeadamente..." para se poder concluir que o pedido de loteamento constante da alínea qq) é diferente de muitos outros serviços que o A. realizou para os RR.</font><br>
<br>
<font>- A A. não se obrigou nem se tinha de obrigar a realizar outros trabalhos específicos - isso ficaria ao seu livre critério e discriminação porque resulta da sua independência técnica.</font><br>
<br>
<font>- Estando-se em presença, como é o caso, de um contrato de prestação de serviços, no que concerne à prestação da A. o núcleo fáctico do referido contrato tem apenas dois elementos essenciais - a prestação de um trabalho intelectual ou manual e a obtenção de um resultado.</font><br>
<br>
<font>- O resultado era (e foi) a obtenção por parte da A., para o terreno dos RR, de autorização de uma área de construção superior á permitida inicialmente pela CM da Maia - 33.000m2.</font><br>
<br>
<font>- Este desiderato solicitado pelos RR foi integralmente cumprido pela A. que logrou aprovar uma área de 56.952m2 de construção para o referido terreno.</font><br>
<br>
<font>- De facto, antes da intervenção da A. a CM da Maia permitia apenas 33000m2 de construção, e depois aprovou com o parecer do Eng. HH uma área de 56.954m2.</font><br>
<br>
<font>- É evidente que o parecer do Sr. Eng. HH surge após o estudo de ocupação do terreno dos RR e a defesa teórica do índice de construção do mesmo proposto pela A. fixando a possibilidade do índice de construção em 56.952 m2 - e não é efeito automático do PDM.</font><br>
<br>
<font>- A matéria da alínea qq) deve entender-se como uma das partes de um todo, ou seja, deve entender-se que os RR incumbiram TAMBÉM a A. de elaborar um pedido de loteamento com vista a suportar a sua pretensão (aumento da capacidade construtivo do seu terreno).</font><br>
<br>
<font>- Não está dado como provado que a A. tivesse de realizar quaisquer outros trabalhos para os RR e portanto, em boa verdade, o que se passou a partir da aprovação camarária de 10/12/98 é matéria estranha ao pactuado entre as partes.</font><br>
<br>
<font>- Para mais, no caso dos autos em que a A. estava a prestar aos RR determinados serviços da sua especialidade, sem deles nada receber e muito especialmente a partir do momento em que se tornou inequívoco que os RR não pretendiam cumprir a sua contra prestação, nem tão pouco pagar à A. adequado preço.</font><br>
<br>
<font>- Sendo certo que está provado que os RR se comprometeram a pagar os serviços da A., ao preço justo e de mercado, conforme as tabelas, os usos e costumes do sector.</font><br>
<br>
<font>- A A. dispôs-se a, em substituição de tal preço, aceitar ser paga através da entrega dos projectos definitivos de arquitectura para o terreno dos RR.</font><br>
<br>
<font>- Tendo os RR aceite expressamente ou pelo menos tacitamente tal declaração inequívoca de vontade a qual nunca repudiaram, nem negaram nos termos expostos.</font><br>
<br>
<font>- Aliás, os RR ao longo de mais de 2 anos, face àquela declaração da A., com plena consciência, aceitaram o desenvolvimento dos trabalhos que esta lhes prestou, sem qualquer contrapartida, nada lhe pagando, nem a titulo de despesas, nem a titulo de honorários.</font><br>
<br>
<font>- Estes factos e comportamentos produzidos ao longo do tempo, de carácter afirmativo, representam verdadeira declaração negocial expressa dos RR de aceitação do ajuste de honorários proposta pela A.</font><br>
<br>
<font>- E tanto assim é que os RR, após 2 anos, vieram dizer que não se comprometiam entregar-lhe os projectos finais de arquitectura.</font><br>
<br>
<font>- Mas ainda que se entenda que tais actos e comportamentos dos RR não devem ser entendidos como declaração negocial expressa de aceitação, têm sempre de o ser como declaração negocial tácita.</font><br>
<br>
<font>- Com efeito, o comportamento dos RR só pode revelar inequívoco acordo ao ajuste de honorários proposto pela A.</font><br>
<br>
<font>- Aliás ressalvado o devido respeito, no caso, o puro silencio dos RR deve valer como declaração negocial de aceitação.</font><br>
<br>
<font>- De facto, num contrato de prestações de serviço - como o dos autos - se previamente, ou durante a execução do contrato, o prestador comunicar ao cliente a forma ou o montante da contraprestação deste, para assim obter prévio ajuste, se este com tal não concordar, deve declará-lo inequívoca e expressamente.</font><br>
<br>
<font>- Mesmo perante o incumprimento dos RR a A continuou a prestar-lhe os seus serviços.</font><br>
<br>
<font>- A A. face a este incumprimento contratual dos RR, não estaria obrigada sequer ao cumprimento da sua prestação (mesmo considerando que ainda não a havia cumprido - que havia), desde logo face à previsão legal da excepção de não cumprimento - artigos 428º e ss do CC.</font><br>
<br>
<font>- Mais ainda, nestas circunstancias, se outra protecção legal não tiver a posição da A. e se, porventura, assistisse aos RR o eventual direito de não pagarem a sua prestação, o seu exercício sempre cairia na alçada do abuso de direito.</font><br>
<br>
<font>- Por fim, e de outro modo e ainda subsidiariamente, se assim não fosse, o não pagamento da prestação a cargo dos RR, também estaria proibido por lei, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.</font><br>
<br>
<font>- Os RR não cumpriram a sua prestação no modo pactuado e não obstante a A. ter continuado os seus trabalhos, ainda assim, os RR recusaram-se a pagar-lhe o preço correcto de acordo com as tabelas e os usos e costumes do sector.</font><br>
<br>
<font>- No que diz respeito à quantificação dos serviços efectivamente prestados existem no caso tarifas profissionais ainda que de aplicação "oficiosa" ou por usos e costumes do sector, recomendadas de resto pela própria ordem dos arquitectos que tutela a actividade técnica da A.</font><br>
<br>
<font>- E quanto a esta matéria a prova essencial só poderá reconduzir-se ao laudo de honorário o qual faz um cálculos dos honorários perante o trabalho efectivamente executado pela A. tendo por base no entanto e também os cálculos de honorários para elaboração dos projectos de arquitectura definitivos.</font><br>
<br>
<font>- Perante o incumprimento dos RR, atento o pactuado entre as partes e o resultado obtido, deve a A. receber o valor integral que seria legitimo e adequado cobrar (a pagar pelos RR) pela realização dos projectos definitivos de arquitectura da construção para os 3 lotes do terreno dos RR.</font><br>
<br>
<font>- Valor esse constante do laudo de acordo com as tabelas utilizadas para "taxar" os projectos globais de arquitectura, em função da área de construção de acordo com as recomendações da Ordem dos Arquitectos, usos e costumes do sector.</font><br>
<br>
<font>- Ora, de acordo com o pactuado entre as partes estariam (estão) os RR obrigados a pagar à A. o valor global de honorários dos projectos finais de arquitectura num total de €526.012,92.</font><br>
<br>
<font>- Valor que deve ser reduzido ao montante de €490.406,85 por iniciativa do credor visto que este valor é que constituiu o 1º pedido da A. (e também face á proibição legal de condenação em valor superior ao do pedido - artigo 661º CPC...)</font><br>
<br>
<font>- Ainda que assim se não entenda, para a hipótese improvável do Tribunal poder considerar que, não obstante o que vai dito, o valor dos honorários a pagar pelos RR á A. devem ser determinados pura e simplesmente pela aplicação da regra dos artigos 1156º e 1158º do CC, nesta hipótese manda a lei que o valor a atribuir ao trabalho (no caso ao prestador de serviços) deve ser obtido em sede de equidade, sendo que a equidade visa essencialmente a procura da justiça material, sem o espartilho de específicos critérios legais.</font><br>
<br>
<font>- No caso a justiça material só pode ser adequadamente obtida desde que os RR sejam condenados a pagar à A todos os trabalhos por esta realizados, englobando todas as despesas e o justo e legitimo valor dos honorários.</font><br>
<br>
<font>- Para o efeito o elemento mais objectivo consta naturalmente do próprio laudo de honorários da Ordem dos Arquitectos.</font><br>
<br>
<font>- O qual, nos pressupostos já referidos, fixa um valor de €192.131,79 - ao qual acrescerá IVA à taxa legal.</font><br>
<br>
<font>- Haverá ainda que considerar outros trabalhos que não foram considerados no laudo de honorários tais como a análise prévia da minuta de protocolo, estudos e levantamentos topográficos, maquetes, várias reuniões com a CM de Maia, dezenas de reuniões com os clientes.</font><br>
<br>
<font>- Trabalhos esses que nunca poderão ser contabilizados num valor inferior a €25.000,00.</font><br>
<br>
<font>- Se nos socorremos dos juízos de equidade para a quantificação do valor dos honorários a pagar pelos RR à A. este valor nunca poderia ser inferior a €217.131,79.</font><br>
<br>
<font>- Pelas sucessivas ordens de razões a acção deve proceder devendo ser os RR condenados no primeiro pedido.</font><br>
<br>
<font>- Sem prescindir, ainda que assim se não entenda, deve então proceder o segundo pedido formulado pela A.</font><br>
<br>
<font>- Violou o acórdão recorrida por erro de interpretação os artigos 217º, 218º, 236º, 334º, 405º, 473º, 428º, 1154º, 1155º, 1156º e 1158º do CC e ainda os artigos 4º e 659º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Contra alegaram os Réus em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<font>A Relação deu por assentes os seguintes </font><font>factos:</font><br>
<br>
<font>a) A Autora, "Empresa-A" dedica-se e exerce a actividade de prestação de serviços de arquitectura, engenharia e outros serviços técnicos.</font><br>
<font>b) Encontrando-se o respectivo contrato de sociedade inscrito na Conservatória de Registo Comercial de S. Tirso, por apresentação de 19/7/93, conforme documento junto a fls. 48 a 51.</font><br>
<font>c) Relativamente a um terreno sito no Local-A, concelho da Maia, inscrito na matriz no artigo 125º rústico e descrito na CRP sob os nºs 2419 do Livro B-9 e 26479 do Livro B-81, mostra-se registada a sua aquisição em comum a favor dos Réus, por sucessão deferida em processo de partilha judicial, sendo na proporção de metade para a Ré AA e na proporção de 1/8 para cada um dos demais réus, conforme documento junto a fls. 52 a 58, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font><br>
<font>d) O prédio referido em c) tinha originalmente a área de 76.900m2.</font><br>
<font>e) Em 1976, o referido terreno, por intervenção da Câmara Municipal da Maia, foi reduzido para a área de 31.000m2 e dividido em várias parcelas, sendo que a maior delas, com a área de 29.900m2, confronta ao lado Norte para a Endereço-A e herdeiros de FF e a Sul com GG e Endereço-B.</font><br>
<br>
<font>f) Em Janeiro de 1991, a Câmara Municipal da Maia pretendeu subscrever com os Réus um protocolo de acordo que previa e consagrava para a parcela de terreno referida em e) uma área de construção de 33000m2.</font><br>
<font>g) Os Réus não concordaram com tal protocolo e o mesmo não foi assinado.</font><br>
<font>h) Vários anos volvidos, pretenderam os Réus tentar reactivar a questão com vista à reapreciação, pela CM da Maia, da capacidade construtiva do referido terreno, tendo em vista a sua eventual venda.</font><br>
<font>i) Nesta sequencia, em 1996, visto que o Arquitecto II era pessoa das relações de amizade e conhecido dos Réus, em especial do Réu CC, os Réus solicitaram à A. que esta fizesse uma análise prévia da minuta de protocolo referida em f).</font><br>
<font>j) Os Réus procuraram os serviços da autora porque sentiram chegado o momento de aproveitar a grande procura que então se vivia, julgando oportuna a venda do seu terreno, já que estavam a ser constantemente contactados por promotores imobiliários nesse sentido, pelo que pretendiam obter, em termos financeiros, melhores condições que as oferecidas pela Câmara no Protocolo referido em f).</font><br>
<font>l) Em reunião de 16/02/98, os Réus, na pessoa e representados pela Ré BB, manifestaram à Autora que não se comprometiam a entregar-lhe a realização e conclusão dos projectos de arquitectura definitivos das edificações previstas a implantar nos lotes de terreno referido em e).</font><br>
<font>m) Em Março de 1999, a Autora enviou aos Réus a proposta de contrato constante de fls. 441 a 443.</font><br>
<font>n) Em Maio de 1999, a Autora enviou aos Réus a proposta de contrato constante de fls. 249 a 263, para ser assinada por estes, não tendo os Réus aceite e assinado tal proposta.</font><br>
<font>o) Em 23/07/99, o Arquitecto II recebeu uma comunicação da Ré AA, junta a fls.242.</font><br>
<font>p) Em resposta à comunicação referida em o), a Autora enviou aos Réus a comunicação junta aos autos de fls. 243 a 248.</font><br>
<font>q) O Engenheiro HH, dos Serviços Técnicos da Câmara Municipal da Maia, emitiu o parecer datado de 9/4/1997 e junto a fls. 225 a 229.</font><br>
<font>r) Em 3 de Abril de 1998, a Autora entregou na CM da Maia o projecto de loteamento junto aos autos a fls. 236.</font><br>
<font>s) Perante tal entrega, a Câmara proferiu a resposta constante de fls. 433 a 439.</font><br>
<font>t) Em Maio de 2000, os Réus terminaram o acordo celebrado com a Autora.</font><br>
<font>u) Após o referido em i), a Autora pensou haver a possibilidade de convencer a CM da Maia a alterar a sua posição.</font><br>
<font>v) Em Março de 1996, os Réus, representados na pessoa do Réu CC, contactaram a Autora na pessoa do seu representante, arquitecto II, solicitando-lhe uma análise sobre a aptidão construtiva para a parcela referida em e), cuja capacidade edificanda havia sido substituída à indemnização pecuniária a prestar pela CM da Maia, pretendendo os Réus que a Autora desenvolvesse serviços da sua especialidade necessários e adequados a obter daquela Câmara, a entidade licenciadora, uma área de construção superior para o referido prédio, para, em função do resultado obtido, virem a alienar o terreno, tendo a Autora aceite tal incumbência.</font><br>
<font>x) A Autora, feita a análise da natureza e características físicas e urbanas do referido terreno, face ao protocolo proposto pela CM da Maia à 1ª Ré, entendeu ser defensável obter por parte da Autarquia um índice mais elevado de construção para o referido terreno.</font><br>
<font>z) Os serviços a que alude a alínea v) incluíam, nomeadamente, estudos que determinassem uma solução qualitativa e sustentável de ocupação do solo, relativamente à área de construção proposta, bem como negociações com a CM da Maia e respectivos serviços técnicos.</font><br>
<font>aa) Os Réus comprometeram-se a pagar à Autora os serviços referidos em v) e z).</font><br>
<font>bb) A Autora dizia aos Réus que não lhes cobraria qualquer remuneração pelos trabalhos necessários na fase de licenciamento do novo índice de construção se, porventura, lhe viessem a ser adjudicados os trabalhos finais de arquitectura respeitantes a todas as construções a realizar no referido prédio em e).</font><br>
<font>cc) A Autora prestou serviços aos Réus, com vista ao desiderato pretendido, a partir de Março de 1996 até 3/4/98.</font><br>
<font>dd) A Autora iniciou o estudo prévio sobre a solução urbanística para o terreno, junto da CM da Maia, com cujos serviços teve reuniões.</font><br>
<font>ee) Em 10/05/96 a Autora realizou a 1ª reunião com os Réus para os inteirar da análise que havia obtido sobre a proposta de protocolo existente e a possibilidade de desenvolvimento de uma nova estratégia para alcançar melhores resultados junto da entidade licenciadora.</font><br>
<font>ff) Os Réus imediatamente concordaram e solicitaram à Autora, sempre na pessoa do seu sócio gerente, Arquitecto II, a continuação dos trabalhos.</font><br>
<font>gg) A Autora elaborou uma primeira nova proposta de ocupação e volume de construção para o referido terreno, conforme documento junto a fls. 72 a 73, que sujeitou à apreciação da CM da Maia, com cujos serviços teve reuniões.</font><br>
<font>hh) Nestas reuniões a Autora analisou e discutiu as propostas que existiam entre a entidade autárquica e a 1ª Ré AA, tendo a CM da Maia reconhecido a possibilidade dos Réus apresentarem novos estudos justificativos do aumento da área de construção a negociar com a entidade Municipal.</font><br>
<font>ii) Em 28/02/97 a Autora apresentou na CM da Maia um estudo justificativo da área de construção a implementar no terreno dos Réus, com uma nova proposta de ocupação de solos.</font><br>
<font>jj) A Autora, na pessoa do Arq. II, teve várias reuniões na CM da Maia.</font><br>
<font>ll) Em reunião ordinária da CM da Maia de 10/12/98, o pedido de licenciamento da operação de loteamento entregue pela Autora foi deferido mas com sujeição ás condições resultantes dos pareceres de fls. 612 a 616, cujo cumprimento passaria pela apresentação de uma proposta, reformulando o projecto de loteamento elaborado pela Autora, com diminuição da capacidade construtiva e alteração, nomeadamente, da cércea e da implantação dos edifícios.</font><br>
<font>mm) Em tal loteamento foi aprovada uma área de 56.000m2 de construção.</font><br>
<font>nn) A Autora realizou vários estudos e serviços inerentes à especificidade da sua profissão, encontros de trabalho e a defesa da área de construção proposta.</font><br>
<font>oo) Tais trabalhos compreenderam, ainda, reuniões com os clientes, com a CM da Maia, elaboração de trabalhos de topografia e uma maquete na escala 1/500.</font><br>
<font>pp) A Autora estava convencida que os Réus lhe pagariam os serviços que prestasse.</font><br>
<font>qq) Os Réus encarregaram a Autora de, através da elaboração de um pedido de loteamento, suportar tecnicamente a sua pretensão em obter alvará em melhores condições que as propostas pela Câmara no âmbito do protocolo para construção das Escolas do Castelo da Maia, referido em f), permitindo-lhes ser ressarcidos do valor do terreno que cederam.</font><br>
<font>rr) A proposta de concessão de alvará de loteamento da Câmara, antes da intervenção da Autora no processo, era sem quaisquer encargos para os Réus, nomeadamente a execução das necessárias obras de urbanização, o pagamento da taxa de compensação e a prestação de quaisquer cauções.</font><br>
<font>ss) No referido protocolo, a Câmara, além de conceder alvará de loteamento para 33000m2 de capacidade construtiva, propunha-se conceder o seguinte: a completa isenção de taxas de compensação; a execução da rede de distribuição de água e respectiva adução; a execução da rede de saneamento e respectivo desembaraçamento; a execução de rede de drenagem de águas pluviais e respectivo desembaraçamento; a execução de rede de abastecimento de energia eléctrica e de iluminação pública; a execução de rede de abastecimento domiciliária de gás; a abertura e pavimentação de arruamentos; a construção das baías de estacionamento; a construção de passeios, placas e caminhos pedonais previstos; e a realização de jardins, placas ajardinadas e plantação de árvores.</font><br>
<font>tt) O projecto de licenciamento da edificabilidade de 56000m2 que a Autora elaborou não incluía as referidas obras.</font><br>
<font>uu) Ficando, nesse caso, todas as obras de urbanização e as taxas de compensação a cargo dos Réus.</font><br>
<font>vv) A Autora, já em 1997, antes da imposição das referidas condições pela Câmara da Maia, sabia que a proposta era inviável tecnicamente e teria de ser completamente reformulada.</font><br>
<font>xx) A autora não reformulou a proposta.</font><br>
<font>zz) Dizendo sempre aos Réus que a mesma era viável.</font><br>
<font>aaa) A capacidade máxima de edificabilidade foi determinada pela CM da Maia, em função do parecer elaborado pelo Eng. HH, na sequência da proposta apresentada pela Autora.</font><br>
<font>bbb) A autora transformou o estudo apresentado em pedido de loteamento sem resolver os problemas apontados no parecer dos Serviços Técnicos da Câmara.</font><br>
<font>ccc) Após a imposição formal dessas condições pela Câmara e pelo menos desde Dezembro de 1998, a Autora nada mais fez entrar na Câmara Municipal.</font><br>
<font>ddd) Abandonando completamente o projecto.</font><br>
<font>eee) A proposta apresentada pela Autora apontava no sentido da continuidade do projecto de construção sobre os terrenos vizinhos a norte e nascente, obrigando à anuência dos proprietários destes terrenos.</font><br>
<font>fff) Os Réus verificaram posteriormente que uma das condições impostas pela Câmara para vir a conceder alvará de loteamento era que se rectificasse os limites dos lotes L1 A com L1B e L3 A com L3B, ou seja, as confrontações com os terrenos vizinhos.</font><br>
<font>ggg) A Autora não informou os Réus das condições impostas pela Câmara.</font><br>
<font>hhh) A Autora, em finais de 1999, mandou alguns funcionários tirar fotografias a imóveis e preencher arbitrariamente os valores, com o objectivo de, perante os Réus, justificar honorários com trabalho a realizar aquilo a que chamou um "inquérito urbano" mas que não serviu de suporte ao pedido de loteamento.</font><br>
<font>iii) O arquitecto II não compareceu, nem voltou a contactar a Câmara para continuar o processo de licenciamento, facto que não comunicou aos Réus.</font><br>
<font>jjj) O valor praticado habitualmente no mercado para os serviços prestados por gabinetes técnicos de arquitectura para a obtenção de licenciamento de um loteamento como o em referencia é de cerca de €55.000.</font><br>
<font>lll) Após Maio de 2000, os Réus tiveram que começar o processo de novo, não podendo ser aproveitado o projecto da Autora.</font><br>
<font>mmm) A Autora informou os Réus que o pedido de loteamento tinha obtido parecer favorável e que as condições impostas eram meras alterações pontuais.</font><br>
<font>nnn) Os Réus confiaram que a Autora fizesse essas alterações.</font><br>
<font>ooo) Os Réus ficaram a saber do referido em ll) e vv) a eee) em Maio de 2000, quando contactaram a Câmara da Maia para averiguar o estado do processo e da possibilidade de o continuar com outro técnico.</font><br>
<font>ppp) O referido em t), aconteceu na sequência do referido em ooo).</font><br>
<font>qqq) Após os inícios de 2000, os Réus deixaram de ser tão constantemente contactados por promotores imobiliários no sentido de venderem o terreno em referência.</font><br>
<font>rrr) O processo de loteamento apresentado pela Autora caducou em Dezembro de 1999.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Prestação de serviço.</font><br>
<font>2- Cumprimento.</font><br>
<font>3- Pagamento.</font><br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Prestação de serviço.</font><br>
<br>
<font>Antes de tudo há que caracterizar a relação contratual acordada entre a Autora e os Réus para, uma vez nominada, encontrar o respectivo regime jurídico.</font><br>
<font>Na sequência do acervo dos factos assentes e se ordenados cronologicamente - para, na sequência temporal melhor apurar o propósito das partes - como, aliás, se fez no aresto recorrido, verifica-se que:</font><br>
<font>- Os Réus contactaram a Autora, em Março de 1996 para que procedessem á análise da aptidão construtiva da sua parcela de terreno;</font><br>
<font>- Tendo-se reunido a Autora deu-lhes conhecimento do seu parecer sobre uma proposta de protocolo que a Câmara Municipal apresentara aos Réus onde se previa para o terreno uma área de construção de 33000m2;</font><br>
<font>- A Autora submeteu, de seguida, ao Município uma proposta alternativa e, depois, em 1997 um estudo justificativo da área a edificar;</font><br>
<font>- Em Abril de 1997, à autarquia foi apresentado um parecer dos seus serviços técnicos onde se impunham certas condições para viabilização do estudo elaborado pela Autora;</font><br>
<font>- Em 1998 os Réus informaram a Autora que a realização desses estudos não significava que lhe adjudicassem os projectos de arquitectura definitivos;</font><br>
<font>- A Autora entregou na Câmara Municipal o projecto de loteamento do qual não constava a resolução das objecções apresentadas pelos serviços técnicos;</font><br>
<font>- O pedido foi diferido sob condição de serem removidos esses obstáculos (diminuição da área a construir, alteração das cérceas e da implantação dos edifícios);</font><br>
<font>- Como a Autora mais não fez em termos de alterar a proposta, o processo de loteamento caducou e os Réus deram por findo - em 2000 - o acordo com a Autora;</font><br>
<font>- Reiniciando todo o processo com outro técnico;</font><br>
<font>Perante estes factos parece claro não se estar perante um contrato de empreitada nem perante um contrato de mandato, como as partes insinuam, tratando-se sim, de um contrato de prestação de serviços.</font><br>
<br>
<font>1.1- No contrato de empreitada a "obra" a produzir tem de consistir em algo de corpóreo e material, nos termos do artigo 1207º do Código Civil.</font><br>
<font>É esta, também, a opinião do Prof. Antunes Varela - RLJ 121-183 ss - ao anotar o Acórdão do STJ de 3 de Novembro de 1983 - BMJ 331-489 - que faz o "distinguo" entre "coisa sobre a qual incide a obra" e "obra que recai sobre a coisa".</font><br>
<font>É que, "a obra que define a causa típica ou a função económico-social da empreitada, refere-se ao acto que o empreiteiro se obrigou a realizar (...) e não à coisa sobre a qual o objecto incide."</font><br>
<font>O regime jurídico da empreitada tem, assim, a ver com a realização de obras materiais. (cf., ainda, o Prof. Galvão Telles, in "Aspectos comuns a vários contratos" 76; Prof. Vaz Serra, "Empreitada", sep. BMJ 145 e 146-7; Prof. Calvão da Silva, ROA, 45, 129 ss, "inter alia").</font><br>
<font>Ora, "in casu" os Réus acordaram com os Autores a elaboração de um estudo de volumetria e área de construção para ser presente na Câmara Municipal em termos de lograr autorização para ocupação do seu terreno por edifícios.</font><br>
<font>Não existiu a entrega ou a criação de alguma coisa em sentido material, ou corpóreo, e o que de material existiu foram os textos, estudos, plantas e folhas de cálculos, que mais não são do que suporte à fixação ou comunicação do trabalho acordado.</font><br>
<font>Inexiste "obra" no sentido material e principal mas, apenas, e no limite, suporte acessório de um estudo técnico, ou trabalho intelectual, em sentido lato.</font><br>
<br>
<font>1.2- Outrossim, não se perfila um contrato de mandato puro.</font><br>
<font>Através do mandato, alguém fica vinculado para com outrem a, por conta deste, praticar um ou mais actos jurídicos - artigo 1157º do Código Civil.</font><br>
<font>O artigo 1318º do Código Civil de 1867 definia o contrato de mandato, ou "de procuradoria", como aquele em que alguém "se encarrega de prestar ou fazer alguma coisa por mandato e em nome de outrem."</font><br>
<br>
<font>Inicialmente, o mandato mais não era do que uma prestação de serviços feita pelo mandatário em nome próprio, tendo como característica a gratuitidade.</font><br>
<font>Mas na última fase - e como notou o Doutor Cunha Gonçalves (in "Tratado de Direito Civil", VII, 387) - "admitiu-se o mandato representativo e bem assim que o mandatário pudesse receber honorários, não a titulo de remuneração mas como prova de reconhecimento do mandante."</font><br>
<font>Hoje - e na esteira do artigo 1º da proposta do Prof. Galvão Telles ("Contratos Civis - Mandato", BMJ 83-258) que transitou para o Ante projecto do Código Civil - 1ª Revisão Ministerial (artigo 1157º) "o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra."</font><br>
<font>Então, acrescentava o Prof. Galvão Telles (ob. cit. 173) "o mandato tem de especifico em relação aos demais contratos de prestação de serviços a natureza do seu objecto que é a prática de actos jurídicos" (...) "Sempre que uma pessoa promete à outra a sua colaboração jurídica, pondo à disposição dela a sua capacidade de agir no mundo do direito, contratando com terceiros ou praticando outros actos jurídicos em face deles, constitui-se um vinculo de mandato." (cf., a propósito, Prof. Ferrer Correia - "A procuração na teoria da representação voluntária", BFCD, XXIV, 1948; Doutor M. J. Costa Gomes - "Contrato de mandato comercial - Questões de tipologia e regime", 1988 e "Em tema de revogação do mandato civil", 1989; Doutor Fernando Pessoa Jorge, "Mandato sem representação", 1961").</font><br>
<font>Já ensinava o Prof. Manuel de Andrade que as operações jurídicas "são os simples actos jurídicos que consistem na produção de um resultado material ou técnico, a que a ordem jurídica liga determinados efeitos de direito" - apud "Teoria Geral da Relação Jurídica" II, 1992, 9/10.</font><br>
<font>Não resultando que a Autora se tivesse obrigado a praticar actos jurídicos, já que o estudo e proposta a elaborar embora tivessem como escopo final um acto administrativo (deliberação camarária), têm, essencialmente, uma componente técnico-arquitectonica situada a montante da actividade técnico-juridica sendo meros elementos instrutores dos actos jurídicos em si.</font><br>
<br>
<font>Tipicamente jurídicos são actos de alienação, de aquisição, de outorga de contratos, de celebração de negócios jurídicos, (entre muitas outras situações que se podem perfilar) esses sim podendo ser objecto de mandato, independentemente da qualidade de jurista do mandatário.</font><br>
<br>
<font>1.3- Existiu sim, um contrato inominado de prestação de serviços (cf., em situação similar o Acórdão deste STJ de 9 de Fevereiro de 2006 - 05B4257).</font><br>
<font>Aqui ocorre - nos termos do artigo 1154 | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-jLSu4YBgYBz1XKvlUPJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<br>
<font>"AA" interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença transitada em julgado, do Tribunal de Celorico da Beira, proferida em acção que correu termos à sua revelia.</font><br>
<br>
<font>Alegou a nulidade da sua citação.</font><br>
<br>
<font>A recorrida opôs-se invocando a caducidade do direito de recorrer e a citação não ser nula.</font><br>
<br>
<font>Na 1ª instância o recurso foi indeferido por não estarem "preenchidos os requisitos" da alínea f) do artigo 771º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Recorreu a recorrente.</font><br>
<br>
<font>A Relação de Coimbra concedeu provimento ao recurso e determinou o prosseguimento do recurso para conhecimento da caducidade e da nulidade da citação edital.</font><br>
<br>
<font>Agravou a recorrida BB para concluir:</font><br>
<br>
<font>- O direito à interposição do recurso mostra-se caducado;</font><br>
<br>
<font>- A citação edital foi válida e eficaz;</font><br>
<br>
<font>- O Acórdão violou os artigos 772º nº2 c), 247º, 248º e 249º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>A Relação deu por assentes estes </font><font>factos:</font><br>
<br>
<font>- O AA foi condenado na acção declarativa nº1/2002 que correu termos no Tribunal Judicial de Celorico da Beira;</font><br>
<br>
<font>- Não teve qualquer intervenção nessa lide;</font><br>
<br>
<font>- Interveio na execução por custas que corre por apenso, deduzindo embargos de executado em 11 de Dezembro de 2003;</font><br>
<br>
<font>- Ainda não foi instaurada execução da sentença de condenação proferida na acção principal.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Âmbito do recurso.</font><br>
<font>2- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<font>Os recursos destinam-se à reapreciação, ou reexame, das questões decididas, que não ao conhecimento de matéria nova, salvo limitadíssimas excepções, "maxime" questões de conhecimento oficioso.</font><br>
<br>
<font>O Acórdão "sub judicio" não conheceu da caducidade da interposição do recurso de revisão nem da questão da nulidade da citação na acção onde foi proferida a sentença a rever.</font><br>
<br>
<font>Antes determinou que a 1ª instância o fizesse, já que, aí, essas excepções ao conhecimento do recurso de revisão não tinham, também, sido conhecidas.</font><br>
<br>
<font>A única questão decidida na 1ª instância, e reapreciada na Relação, foi saber se é exigível a execução ter sido instaurada para que possa ser pedida a revisão (tese da 1ª instância), ou se este recurso extraordinário pode ser requerido antes de instaurada a fase executiva e apenas com base na revelia ocorrida na acção (tese da Relação).</font><br>
<br>
<font>Porém, a aqui recorrente nada diz sobre este ponto, que não impugna, limitando-se a pôr em crise questões (caducidade e citação) ainda não decididas pelas instâncias.</font><br>
<br>
<font>Não foi, em consequência, impugnado o Acórdão da Relação de Coimbra pelo que o agravo não é de conhecer.</font><br>
<br>
<br>
<font>2- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>a) Os recursos destinam-se à reapreciação, ou reexame, das questões julgadas no juízo "a quo", que não ao conhecimento de matérias novas.</font><br>
<font>b) Se, em recurso extraordinário de revisão, quer a 1ª instância, quer a Relação, não conheceram ainda da caducidade do direito de recorrer ou da nulidade da citação - por a 1ª instância as ter considerado prejudicadas por outra questão - e agora a Relação mandaria o Tribunal da Comarca conhecê-las, não pode o STJ, em sede de agravo, apreciá-las.</font><br>
<font>c) Não deve conhecer-se o agravo em que o agravante não impugna o decidido pela Relação.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos </font><font>acordam não tomar conhecimento do agravo.</font><br>
<br>
<font>Custas pela agravante.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 8 de Junho de 2006</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
0DLUu4YBgYBz1XKvgEU5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1</font><font> -</font><br>
<font>"AA" e mulher, BB, intentaram, no tribunal judicial de Santiago do Cacém, acção sumária contra o Estado, pedindo a declaração de que o A. marido é proprietário do prédio urbano constituído por edifício de r/c e quintal, na freguesia de Ermidas-Sado, mediante o pagamento de 500.000$00.</font><br>
<font>Em suma, alegaram que o prédio reclamado lhes pertence por via de acessão industrial imobiliária ou por via contratual, mediante o pagamento da quantia referida.</font><br>
<font>O R. contestou, por impugnação e excepção, e, ainda, por via reconvencional, pedindo a condenação dos AA. no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o aludido prédio ou, em alternativa, a condenação dos mesmos no pagamento de uma indemnização de 2.000.000$00 .</font><br>
<br>
<font>O processo seguiu para julgamento, tendo a acção sido julgada improcedente e a reconvenção procedente.</font><br>
<br>
<font>Com tal decisão não se conformaram os AA. que apelaram para o Tribunal da Relação de Évora, mas sem êxito já que a decisão proferida por este tribunal foi confirmatória daquela.</font><br>
<br>
<font>Novamente irresignados, os AA. recorreram, ora de revista, para este Supremo Tribunal, pedindo a procedência da acção e a improcedência da reconvenção, tendo, para o efeito, apresentado as competentes alegações que remataram com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- Está em causa nos autos, a aquisição da propriedade sobre o prédio urbano identificado nos mesmos, por parte do apelante marido;</font><br>
<font>- Coloca-se, em primeiro lugar, a questão da titularidade do prédio rústico onde foi edificado o prédio urbano, tendo a decisão recorrida considerado que, após a publicação do edital, a que alude o art. 7º da matéria provada, citando os interessados incertos para no prazo de 60 dias após a publicação do segundo anúncio, ocorrida em 11/1/94, deduzirem os seus direitos sobre o prédio urbano em questão nos autos, nos termos do art. 3º do DL 34 565, os apelantes tinham o ónus da prova de ter efectuado a reclamação dentro do prazo e no local certo, o que não aconteceu;</font><br>
<font>- E mesmo que a reclamação tivesse sido tempestiva, o facto de não ter sido proposta contra o apelante marido a acção judicial a que alude o art. 3º do supra-referido D.-L., não permite concluir que o R. aceitou o direito reclamado, antes se afigurando como um indeferimento tácito;</font><br>
<font>- Como resulta dos autos, o R. no seu requerimento de 17/5/01, juntou como doc. 33, um documento no qual o Chefe da Repartição de Finanças de Santiago do Cacem, estatuía que, em 7/3/94, o apelante marido apresentou reclamação, de acordo com o art. 3 do DL 34 565, invocando o seu direito de propriedade sobre o prédio rústico onde foi edificado o prédio urbano, juntando documentação comprovativa desse seu direito;</font><br>
<font>- O que resulta também dos Doc. 20, 21 e 28 juntos pelo R. no seu requerimento, já referido, de 17/5/01, sendo, também, o Doc. 20 e 21 da autoria do R.;</font><br>
<font>- Assim, é o próprio R. que confirma, por escrito, a apresentação da reclamação nos moldes legais, o que traduz o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável e favorável aos recorrentes, o que corresponde a uma confissão extra-judicial em documento particular, o que, atendendo a que não foi posta em causa pelos A.A. a genuinidade dos does., acarreta a força probatória plena dos mesmos, arts. 352 e 358 n° 2 do C.Civil;</font><br>
<font>- Assim a decisão recorrida ao considerar que o ónus da prova cabia aos A.A. e que os mesmos não a lograram fazer, não obstante os elementos dos autos que apontam em sentido diverso, violou o disposto nos arts. 352 e 358 n° 2 do C.Civil;</font><br>
<font>- Aliás, não tendo sido colocada em causa a genuinidade dos documentos ou colocada em questão a letra e assinatura dos mesmos, considera-se verdadeira a sua letra e assinatura, fazendo prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos na medida em que forem contrários ao interesse do declarante, cabendo ao julgador apreciar se as notas marginais ou entrelinhas reduzem a força probatória do documento, nos termos dos arts. 374 n° 1, 376 n° 1, 2 e 3 do C.Civil, pelo que a decisão recorrida violou também estes dispositivos legais;</font><br>
<font>- Por outro lado, a falta de interposição de acção judicial contra o recorrente marido, deverá ser interpretada como um aceitação da reclamação apresentada pelo mesmo, dado que nos termos do art. 3º do D.-L. 34565, sendo apresentada reclamação sem vir acompanhada de documentos que imediatamente convençam, será proposta contra o reclamante a competente acção judicial, ou seja, a dedução de reclamação não aceite, " obriga" à interposição da competente acção judicial, não sendo admissível falar-se em indeferimento tácito, pelo que a decisão recorrida violou, a este propósito, o disposto no art. 3º do DL 34565;- Aliás, no caso concreto, tendo sido reclamado o direito de propriedade, deve considerar-se que tal foi aceite, também, por via do deferimento tácito, a que alude o art. 108 n° 1 e 2 do C.P.A.;</font><br>
<font>- Quanto à questão de, inclusivamente, o R. ter reconhecido que o A. marido era proprietário do prédio rústico onde foi edificado o urbano, reconhecendo também o direito do A. à aquisição do referido prédio, mediante a contrapartida de 500 contos - Doc. 3 junto à P. l. e arts. 10 e 11 dos factos provados;</font><br>
<font>- a decisão recorrida considerou que a mesma não passou de correspondência e feita no pressuposto de que o prédio urbano foi edificado no terreno do A., sendo que tal carta assinada por uma funcionária não vincula o R.;</font><br>
<font>- Porém, o R. não conseguiu provar, nem tal resulta da matéria provada, que tal carta tivesse sido escrita no erróneo pressuposto de que o prédio urbano houvesse sido edificado em prédio rústico do A., como resulta da resposta ao art. 3º da Base Instrutória, pelo que a decisão recorrida cometeu, quanto a este ponto, um erro de julgamento;</font><br>
<font>- Constituindo, tal documento, a que se alude em 11 dos factos provados uma verdadeira proposta, com indicação de preço, sendo a mesma aceite pelo A., art. 12 dos factos provados, a mesma tornou-se irrevogável, art. 230 n° 1 do C. Civil, tendo a decisão recorrida violado esta norma legal;</font><br>
<font>- Sendo certo que, a decisão recorrida ao afirmar que tal carta não vincula o R., por estar assinada por uma funcionária, vai contra o art. 11º dos factos dados como provados, em que se deu como provado que tal carta foi enviada pelo R.</font><br>
<br>
<font>O recorrido-Estado, em contra-alegações, pugnou pela manutenção do julgado.</font><br>
<br>
<font>2</font><font> - </font><br>
<font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>- O prédio denominado ..., sito na freguesia de Ermidas do Sado, concelho de Santiago do Cacém, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém sob o nº 14.796 a fls. 105 do Livro B-43 e ficha 198 de 23/3/1987, inscrito na matriz sob o art. 6, secção C, com a área de 36,500 ha, confrontando a Norte com "Mina do Bicho", a Sul com "Monte Silva", a Nascente com "Cartaxo" e Poente com "Mina do Bicho", desanexado do nº 5.304, a fls. 94, do Livro B 19, o qual confrontava a Norte com "Mina", Nascente com "Cartaxo", Sul com "Monte das Almas" e Poente com "Monte da Pedra e Monte da Vinha";</font><br>
<font>- A aquisição desse imóvel encontra-se inscrita a favor do A., sendo:</font><br>
<font>-1/12 por apresentação de 25/6/1965, por partilha de herança ;</font><br>
<font>-1/2 por apresentação de 6/8/1965, por doação ;</font><br>
<font>-1/6 por apresentação de 13/12/1973, por troca ;</font><br>
<font>-1/12 por apresentação de 13/12/1973, por compra ;</font><br>
<font>-1/6 por apresentação de 13/12/1973, por compra;</font><br>
<font>- O A. endereçou ao Director-Geral do Património do Estado a carta cuja cópia consta a fls. 58, que aí deu entrada em 17/11/1992, onde refere:</font><br>
<font>"Tenho um prédio rústico localizado na freguesia de Ermidas Sado, concelho de Santiago do Cacém. Foi destacado desse prédio rústico registado nas Finanças deste concelho com o artº 6, secção C, um pedaço de terreno (artigo 7, secção C) do prédio citado onde está construída uma casa de cantoneiros. Uma vez que esta casa está desabitada porque o cantoneiro faleceu e segundo informação da Junta Autónoma de Setúbal não está cantoneiro algum interessado em habitá-lo, pergunto qual a probabilidade de compra da mesma uma vez que não tenho habitação na herdade";</font><br>
<font>- Tal solicitação obteve a resposta que consta a fls. 59, onde se diz:</font><br>
<font>"Cumpre-me informar que o Estado não pode vender directamente os seus bens directamente a particulares, mas sim em hasta pública, pelo que, se aquele prédio for à praça, se informará de conformidade o Sr. AA";</font><br>
<font>- Em 18/10/1993, na Repartição de Finanças de Santiago do Cacém, foi lavrado o auto de devolução que consta a fls. 145, pelo qual a J.A.E. (Junta Autónoma das Estradas) devolveu ao Ministério das Finanças "o prédio urbano sito ao km 22,058 da E.N. 121 e terreno anexo, casa de cantoneiros nº 32, dupla, no lugar de Monte Silva, freguesia de Ermidas Sado, concelho de Santiago do Cacém, omissa na matriz mas apresentada hoje declaração modelo 129 para sua inscrição";</font><br>
<font>- No mesmo dia 18/10/1993, na Repartição de Finanças de Santiago do Cacém, deu entrada declaração modelo 129, para inscrição na matriz, em nome do Estado português, desse imóvel, com a área coberta de 90 m2 e descoberta de 840 m2, num total de 930 m2;</font><br>
<font>- Com data de 2/11/1993, pela Repartição de Finanças de Santiago do Cacém, correu edital no qual se citavam os interessados incertos para, no prazo de 60 dias a seguir do segundo anúncio, reclamarem os seus direitos sobre o "prédio urbano composto por casa de habitação de dois cantoneiros com dependências e terrenos anexos, com a superfície coberta de 90 m2 e descoberta de 840 m2, sito ao km 22,058 da E.N. 121, no lugar de Monte Silva, freguesia de Ermidas Sado, concelho de Santiago do Cacém, devolvida ao Ministério das Finanças em 18/10/1993, conforme auto de devolução lavrado nesta repartição, omisso na matriz, apresentada a competente declaração modelo 129 para a sua inscrição em 18 de Outubro de 1993 (...)", sendo os anúncios respectivos publicados no jornal "A Capital" em 10 e 11 de Janeiro de 1994;</font><br>
<font>- Em 6/5/1994, pela Repartição de Finanças de Santiago do Cacém, foi elaborada, por referência à casa em discussão nestes autos, a informação que consta a fls. 54, onde se refere que "a casa e o terreno que lhe serve de logradouro com a área total de 930 m2, encontra-se implantados no prédio rústico denominado "Monte Silva" inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia de Ermidas Sado, deste concelho de Santiago do Cacém, sob o artigo 6º da secção C.", documento que o A. anexou à reclamação que apresentou;</font><br>
<font>- Com data de 26/1/1996, o A. dirigiu à Repartição de Finanças de Santiago do Cacém, onde a mesma deu entrada em 30/1/1996, a carta que consta a fls. 128, onde refere "esclarecer que o prédio rústico artigo 7 da secção C da freguesia de Ermidas-Sado foi abusivamente ocupado e registado pela Junta Autónoma de Estradas. Por tal razão e por na Conservatória não ser possível fazer registos como o da situação descrita tudo ali se encontra omisso. A área total de 930 m2, que serve de assento ao prédio urbano, omisso na matriz, embora participado em 18/10/1993, é, de direito, pertença do requerente, o qual tem direito de adquirir a benfeitoria ali instalada contra a sua vontade (...)";</font><br>
<font>- Em 26/3/1998, o Ilustre Mandatário do A. enviou ao R., para a Direcção-Geral do Património, e esta recebeu-a, a carta que consta a fls. 12, onde por referência à "Casa de Cantoneiros nº 32 - Lugar de Monte Silva", menciona "(...) o meu cliente AA, proprietário do prédio rústico onde se encontra implantada a casa em cima referida, estaria disposto, não obstante considerar-se constituído no direito invocado na carta de 4/12/1996 enviada a V. Exª, a oferecer uma compensação de Esc: 350.000$00 (1.745,79 €), com o propósito de obter uma solução consensual";</font><br>
<font>- Por carta datada de 20/10/1998, respondeu o R., acusando recepção da carta referida em 10) e pedindo desculpa pelo atraso na resposta que " face à área construída a (e ?) ao estado de conservação do prédio, considerou o Senhor Sub director-geral do Património, por despacho de 13/10 p.p., que seria viável o recurso à figura de acessão imobiliária, mediante o pagamento de 500 contos, valor que se contrapõe ao apresentado por V. Exª. e que agradeço seja ponderado, por forma a concluir satisfatoriamente o processo em causa";</font><br>
<font>- Por carta datada de 27/10/1998, que o R. recebeu, respondeu o A., sempre através do seu Ilustre Mandatário, que "venho por este meio comunicar que o meu cliente, Sr. AA, estaria na disposição de proceder ao pagamento de 500 contos com o propósito de resolver a situação, de acordo com o solicitado por V. Exª. Assim agradeço que me informem qual o procedimento jurídico que pretendem adoptar para a efectivação do acordo, de molde a concluir-se o processo";</font><br>
<font>- Em 6/4/1999, e na sequência de esclarecimento solicitado pela Direcção-Geral do património em 16/11/1998, pela Repartição de Finanças de Santiago do Cacém foi elaborada informação dando sem efeito a referida em 8), e referindo que a casa de cantoneiros se encontra de facto implantada no prédio rústico inscrito na matriz predial respectiva sob o artº 7, da secção C, da freguesia de Ermidas Sado e que se encontra actualmente inscrita na matriz urbana da freguesia de Ermidas Sado sob o artº 1679, que tem a área coberta de 90 m2 e descoberta de 840 m2, mais referindo que a matriz rústica do artº 7 da secção C da mesma freguesia se encontra desactualizada ao referir uma habitação com 76 m2 em vez de 90 m2 e logradouro com 840 m2;</font><br>
<font>- Na ficha 858 de 24/5/1999 da Conservatória do Registo Predial de Santiago do Cacém, encontra-se descrito um edifício de rés-do-chão com quintal, S.C. de 90 m2, S.D. de 840 m2, com o artigo matricial 1.679, sito na E.N. 121, Km 22,058, confrontando a Norte, Nascente e Poente com "Monte Silva" e a Sul com E.N. 121, cuja aquisição a favor do Estado foi inscrita a favor do R., por apresentação 24 de 24/5/1999, por justificação administrativa;</font><br>
<font>- Tal edifício é uma casa de cantoneiros, construída pelo R., e actualmente designada como casa de cantoneiros nº 32 da Junta Autónoma de Estradas (J.A.E.); tal casa foi construída antes de 1931 e estava afecta à Direcção de Estradas do Distrito de Setúbal, conforme termo de entrega datado de 25/11/1946;</font><br>
<font>- A caderneta predial urbana relativa ao artº 1679 encontra-se datada de 8/2/1995, e na mesma consta, como titular do rendimento, o Estado Português e como localização e descrição: "E.N. 121, Km 22,058. Descrição: Prédio urbano destinado a habitação constituído por r/ch, construído com paredes de alvenaria, cobertura de telha cerâmica e pintura a tinta de água. Confronta do Norte com Monte Silva, do Sul com E.N. 121, do Nascente e Poente com Monte Silva (...) tem a área coberta de 90 m2 e descoberta de 840 m2";</font><br>
<font>- O artº 7, secção C, da freguesia de Ermidas Sado correspondia a habitação com 76 m2 e cultura arvense com 1.676 m2, num total de 1.750 m2, e consta, desde data anterior a 1973, como titular do rendimento, a Fazenda Nacional - Junta Autónoma das Estradas;</font><br>
<font>- A casa de cantoneiros número 32 encontra-se implantada em terreno a que correspondia o artigo 7, secção C, da matriz rústica de Ermidas-Sado, e que era propriedade do R.;</font><br>
<font>- Durante mais de sessenta anos, desde data anterior a 1931, e até finais dos anos 80 do Século XX, o R. utilizou todas as virtualidades da casa de cantoneiros nº 32 e quintal anexo, sem qualquer interrupção, aí instalando sucessivamente funcionários da J.A.E., mediante pagamento de renda, os quais aí residiram, nessa qualidade, guardando os seus haveres, as suas alfaias e apetrechos de função, mantendo e reparando a casa por conta da entidade patronal (J.A.E.) e cultivando o quintal;</font><br>
<font>- Toda essa utilização do prédio foi sempre feita à vista de todos, nomeadamente dos A.A., e dos que antes foram possuidores do prédio circundante, sem que nunca ninguém haja posto em causa que o prédio pertencia ao Estado;</font><br>
<font>- O Estado sempre se serviu do prédio como proprietário do mesmo, sem uso de qualquer forma de imposição ou atitude de força, e plenamente convencido de ser proprietário do mesmo;</font><br>
<font>- O valor da construção (casa de cantoneiros) é de 7.581,73 € (1.520.000$00).</font><br>
<br>
<font>3</font><font> - </font><br>
<font>Tendo em contas as conclusões dos recorrentes, concluímos que as questões que importa conhecer e decidir são as seguintes.</font><br>
<font>- é legítimo concluir que os AA. reclamaram junto da Repartição de Finanças de Santiago do Cacém os direitos de propriedade sobre o prédio aqui em causa no prazo de 60 dias a que alude o D.-L. 34565?</font><br>
<font>- o facto de o Estado não ter intentado contra qualquer interessado a competente acção a que alude o art. 3º do D-L. 34.565, de 02 de Fevereiro de 1945, permite concluir que foi por ele aceite o direito ora reclamado pelos AA.?</font><br>
<font>- a carta junta como doc. nº 3 com a petição inicial terá a virtualidade de servir como reconhecimento por parte do R.-Estado da qualidade de proprietário do A.?</font><br>
<font>- poder-se-á falar aqui de aquisição por acessão?</font><br>
<br>
<font>Vejamos.</font><br>
<br>
<font>Para melhor compreensão de toda a problemática aqui em jogo, entendemos por bem transcrever na íntegra o já referido art. 3º do D.-L. 34565.</font><br>
<font>Reza assim:</font><br>
<font>"Quando a Fazenda Nacional, por intermédio da Direcção geral da Fazenda Pública, precise de justificar o seu domínio, para efeito de registo, nos termos do artigo 180º do Código de Registo Predial, ou quando surjam dúvidas acerca do limite ou características de qualquer prédio a registar, e não haja interessado certo que deva ser demandado ou quando, havendo, seja desconhecido o seu paradeiro, fará a citação-edital de incertos, para, nos termos do Código de Processo Civil, com as alterações constantes deste diploma, para, no prazo de sessenta dias, a contar do último anúncio, virem apresentar a sua reclamação, devidamente documentada.</font><br>
<font>Se, decorrido o prazo, ninguém se tiver apresentado a reclamar, será lavrado o auto na repartição indicada nos editais para recebimento das reclamações, o qual constituirá título bastante para o registo.</font><br>
<font>Se dentro do prazo for apresentada alguma reclamação que não venha acompanhada de documentos que imediatamente convençam, será proposta contra o reclamante a competente acção judicial".</font><br>
<br>
<font>O Acórdão recorrido não pôs em causa que os AA. tivessem reclamado junto da Repartição de Finanças os direitos de propriedade em relação ao prédio aqui em causa.</font><br>
<font>O que o Acórdão da Relação de Évora diz - e bem - é que os AA. não fizeram a prova, como lhes competia (diga-se, por força do art. 342º, nº 1 do C. Civil), de terem apresentado a reclamação dentro do prazo de 60 dias.</font><br>
<font>É verdade que os AA. fizeram juntar com a minuta de recurso de apelação uma cópia de ofício da Repartição de Finanças, escrito à máquina, a reconhecer terem aqueles apresentado um requerimento, nos termos do art. 3º supra citado (cfr. fls. 292).</font><br>
<font>Analisando, porém, tal documento, fácil se conclui que está lá colocada uma data à mão e daí que o tribunal de 2ª instância tivesse concluído que a aposição de tal data nada poderia provar.</font><br>
<font>A decisão ora posta em crise não pode merecer qualquer censura na justa medida em que o nº 3 do art. 376º do C. Civil põe nas mãos do julgador fixar livremente a medida do relevo de tal entrelinha, podendo mesmo excluía-la, na linha do princípio geral consagrado no art. 366 do mesmo diploma.</font><br>
<font>A reforça esta ideia está, ainda, o facto de o documento de fls. 293, junto pelos próprios recorrentes - fotocópia de auto lavrado pela Repartição de Finanças de Santiago do Cacém -, expressar que, no prazo referido de 60 dias, não ter sido apresentada qualquer reclamação após a publicação dos anúncios. </font><br>
<font>Desta forma, a resposta à questão que foi colocada vai no sentido de que os AA. não fizeram, como lhes competia, a prova de terem apresentado junto da Repartição de Finanças, no prazo de 60 dias, qualquer requerimento a reclamar direitos sobre o prédio aqui em causa.</font><br>
<br>
<font>Daqui podemos partir, afoitamente, para a resposta à questão seguinte.</font><br>
<font>Na verdade, tendo em devida conta o preceito legal supra citado, dúvidas não pode haver de que o Estado, face à ausência de reclamações após a publicação dos anúncios, ficou com título bastante para poder inscrever no registo predial o prédio em seu nome, como, aliás, o fez.</font><br>
<font>Só se tivesse havido reclamação (reclamação em prazo, entenda-se) é que é que se tornava necessária a declaração do tribunal a titular a propriedade reivindicada por aquela via.</font><br>
<font>E tanto assim que o Estado acabou por registar a aquisição do prédio, como resulta da certidão de fls. 15.</font><br>
<font>A partir daqui, ou seja, da inscrição do registo, o Estado ficou sendo, ex vi art. 7º do C.R.P., o presumido proprietário do prédio em causa.</font><br>
<font>Para afastar tal conclusão, necessário seria que os AA. intentassem acção de reivindicação e no sentido de ilidirem a presunção em causa através da invocação de factos atinentes a uma causa originária de aquisição da propriedade, maxime por via de usucapião.</font><br>
<font>O facto de o Estado ter registado a aquisição do prédio por via administrativa, ao abrigo do preceito legal supra transcrito, é por demais evidenciadora de não aceitou os AA. como proprietários do prédio.</font><br>
<br>
<font>De qualquer forma, fica dito, no seguimento da orientação perfilhada pelo acórdão recorrido, que o facto de o Estado não ter intentado a dita acção só faz presumir o indeferimento tácito da pretensão do A.: na verdade, o art. 109º, nº 1 do C.P.A. prescreve que a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final dirigida a órgão da administração competente confere ao interessado, a faculdade de presumir indeferimento tácito.</font><font> (1) </font><br>
<font>Acresce que o simples facto de a omissão por parte do Estado consubstanciada na não instauração da dita acção nunca poderia ter a virtualidade de alterar o título de aquisição da propriedade da "Casa dos Cantoneiros" a favor dos RR.: nenhuma disposição legal existe a permitir aquisição da propriedade por tal via (cfr. art. 1316º do C. Civil).</font><br>
<font>Passemos à abordagem da 3ª questão colocada.</font><br>
<font>Mesmo que se aceite (e já veremos que não pode ser) como verdadeira proposta a carta junta a fls. 13, com assinatura ilegível e em substituição do Director-Geral do Património -, o certo é que daí, em termos de direito de propriedade, nada pode alterar o já referido.</font><br>
<font>Se com tal alegação os ora recorrentes pretendem fazer valer a ideia de que a propriedade lhes foi transferida por obra e graça de tal "proposta" é caso para perguntamos a razão pela qual não procuraram registar na respectiva Conservatória a aquisição.</font><br>
<font>Claro que isso nunca seria possível: desde logo, a compra e venda de imóveis está sujeita a escritura pública (cfr. art. 875º do C. Civil) e a sua omissão acarreta, naturalmente, nulidade (art. 220º do mesmo diploma).</font><br>
<br>
<font>Tal carta não pode ser configurada como uma verdadeira proposta.</font><br>
<font>Desde logo, independentemente de se saber se a pessoa que a subscreveu tinha ou não poderes de representação do Estado para vender, o certo é que do teor da mesma carta é apenas lícito concluir que a senhora directora de serviços transmitiu ao mandatário dos AA. a informação de que o senhor Sub director-geral do Património considerou viável o recurso à figura da acessão imobiliária, mediante o pagamento de 500 contos.</font><br>
<font>Mas, para além deste argumento formal, que é deveras importante in casu, um outro argumento, este de natureza substancial, se coloca a afastar a tese defendida pelos recorrentes de que a dita carta consubstancia uma verdadeira proposta. </font><br>
<font>Na verdade, a proposta deve ser completa, firme e formalmente suficiente, ou seja, deve revelar uma intenção inequívoca de contratar e revestir a forma requerida para o negócio em jogo.</font><br>
<font>"A proposta deve ser completa, no sentido de que deve incluir todas as matérias que devam ficar estipuladas no contrato".</font><br>
<font>"A proposta deve ser firme, no sentido de que deve exprimir uma vontade séria e inequívoca de contratar nos moldes nos moldes projectados na proposta. ...Não respeitam este requisito as declarações que reservem para o proponente alguma margem de liberdade na conclusão". </font><br>
<font>"A proposta deve revestir uma forma que satisfaça a exigência formal do contrato. ... Se o contrato proposto estiver, por lei ou convenção, sujeito a uma exigência de forma - por exemplo, a forma escrita - a proposta terá de ser formulada numa forma que seja, pelo menos, suficiente para satisfazer a forma exigida para o contrato. Se assim não fosse, a aceitação da proposta teria como consequência a conclusão de um contrato nulo por falta de forma".</font><font>(2) </font><br>
<font>"A proposta (...) deve possuir os elementos e requisitos de validade necessários para poder inserir-se no contrato, tal como foi emitida, sem necessidade de ulteriores modificações ou aperfeiçoamentos", "tem de ser completa no sentido de abranger todos os elementos futuros do contrato, sendo "necessário o propósito de fazer um contrato, como algo vinculativo"</font><font> (3)</font><br>
<br>
<font>Daqui resulta, sem margem para dúvidas, que o teor da carta enviada pela senhora directora de serviços de forma alguma pode ser considerada como uma proposta de venda.</font><br>
<font>Para ser considerada como uma verdadeira proposta tinha, desde logo, de obedecer à forma do contrato em vista, e, por outro lado, deveria conter todos os pormenores relativos ao contrato querido.</font><br>
<font>Ora, a dita carta não passa de uma mera informação, quiçá com vista à iniciação de negociações com vista à resolução por via extra-judicial do problema relativo à dominialidade do prédio urbano em causa.</font><br>
<br>
<font>Passemos, portanto, à última questão.</font><br>
<font>Como se sabe, a acessão é uma das formas de aquisição da propriedade (art. 1316º do C. Civil), e a mesma dá-se "quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora coisa que não lhe pertence" (art. 1326º do mesmo diploma).</font><br>
<font>Como bem realça o recorrido, pela pena do seu ilustre representante, na parte final da sua minuta, "ninguém pode adquirir por acessão uma coisa que é propriedade de alguém e está unida a outra que é do mesmo dono".</font><br>
<font>Ora, está definitivamente assente que o Estado registou, após a obtenção de título por via administrativa, a aquisição da propriedade do prédio urbano aqui em causa: o mesmo está descrito como sendo um edifício de r/c - com quintal - s.c. 90 m2 e s.d. 840 m2, com o artigo matricial 1679º, o qual confronta do norte, nascente e poente com Monte Silva (propriedade dos AA.) e do sul com estrada Nacional nº 121 (cfr. certidão junta a fls. 15 e al. N da especificação).</font><br>
<font>Ou seja, denominada "Casa dos Cantoneiros" está implantada em terreno do próprio Estado, razão pela qual está definitivamente afastada a hipótese de acessão.</font><br>
<font>Dir-se-á, no entanto, que para a declaração de tal figura jurídica a favor dos AA. necessário seria a alegação e prova de factos que permitissem concluir pela verificação da previsão do art. 1333º do C. Civil, o que decisivamente não aconteceu.</font><br>
<br>
<font>Em conclusão: nem por via contratual, nem por via do instituto da acessão imobiliária se conclui pela aquisição por parte dos AA. do prédio urbano aqui em causa.</font><br>
<br>
<font>Improcede, dest’arte, na íntegra, a tese dos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>4 - </font><br>
<font>Em conformidade com o exposto, decide-se negar a revista, condenando os recorrentes nas custas totais.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 14 de Fevereiro de 2006</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font><br>
<font>---------------------------------</font><br>
<font>(1) Como bem salientam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e Pacheco Amorim, "enquanto o indeferimento tácito é figura-regra em matéria de silêncio nos procedimentos públicos tendentes à aprovação ou autorização da prática de um acto administrativo e nos procedimentos particulares que têm por objecto o descondicionamento administrativo de um direito pré-existente, o indeferimento tácito é a regra geral em todos os outros casos de pretensões dirigidas aos órgãos administrativos para a prática de um qualquer acto da sua competência" - in Código de Procedimento Administrativo - 2ª edição -, pág. 490.</font><br>
<font>(2) Apud Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil - 2ª edição - pág. 304 e ss.. Vide, ainda, Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I - Parte Geral - Tomo I - 3ª edição - pág. 552 e ss. </font><br>
<font>(3)Apud Inocêncio Galvão Telles, in Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, pág. 247.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hTK0u4YBgYBz1XKvdzMs | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>AA, residente na Rua ....,...,..., Brejos de Azeitão, propôs a presente acção com processo declarativo, sob a forma ordinária, contra BB, residente na Praceta dos .......,.... andar, Setúbal, e “........ – Decorações, Lda.”, com sede na Avenida da ........, Felgueiras, pedindo que, na sua procedência, seja reconhecida a propriedade do imóvel da autora, com as inerentes consequências registrais, nomeadamente, o cancelamento do registo da penhora efectuada, no âmbito dos autos de execução apensa, invocando, para o efeito, e, em síntese, que a autora e o réu BB adquiriram o imóvel descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085, em 3 de Novembro de 1995, sendo certo que o mesmo, após a separação de pessoas e bens verificada entre ambos, que ocorreu em 30 de Outubro de 1998, foi adjudicado à autora, por decisão judicial, registada na respectiva Conservatória, pelo que a penhora efectuada naquele apenso é ineficaz, em relação à autora.</font><br>
<font>Na sua contestação, os réus impugnaram os factos alegados, por não serem do seu conhecimento.</font><br>
<font>Conhecendo do pedido, sob a forma de saneador-sentença, o Tribunal de 1ª instância julgou, parcialmente, procedente a acção e, em consequência, declarou a autora proprietária do imóvel descrito, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085.</font><br>
<font>Desta decisão, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando o saneador-sentença impugnado.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação de Guimarães, a mesma autora interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido de alteração da decisão e sua substituição por outra que ordene o cancelamento da penhora ou, caso, desde já, tal não se entenda, deve ser anulado o acórdão, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – O acórdão é nulo nos termos do artº. 668/1/d do CPC, por omissão de pronúncia sobre questões que deviam terem sido apreciadas por conseguinte, não cumpriu o objectivo de convencer a recorrente nem a comunidade jurídica em geral.</font><br>
<font>Sendo que delimitou o recurso apenas a uma questão, a de saber se um facto assente na sentença não levado a conhecimento ou contraditado nos autos geraria nulidade (" </font><i><font>Delimitado como está o recurso pelas conclusões da alegação - artigos 684°, n°3 e 690º do Código de Processo Civil — as questões que nos colocam consistem em determinar se o tribunal de 1a instancia deu como provado facto não alegado e, se assim foi, das consequências daí decorrentes.").</font></i><br>
<font>Falta de pronúncia sobre as questões seguintes:</font><br>
<font>A) Não sendo a recorrente executada nos autos que ordenaram a</font><br>
<font>penhora do seu imóvel tendo, portanto, a qualidade de terceira nos autos de</font><br>
<font>execução legitimando-a, assim, a reivindicar o imóvel nos termos do artº. 910º do</font><br>
<font>CPC, tendo, inclusivamente, obtido decisão judicial favorável sobre o pedido</font><br>
<font>de revindicação do imóvel penhorado, o não cancelamento do registo de</font><br>
<font>penhora é uma decisão contraditória e arbitrária de agressão à propriedade privada violando os arts. 62 da CR.Portuguesa e o artº. 17/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aliás bem estruturado por exemplo e para o caso que nos ocupa, nos arts. 821/1/2, 825/3 e 910 do CPCivil e arts. 1696/1, 1794 e 1789/3 do CC.</font><br>
<font>B) Ao contrário do decidido pelo Tribunal de 1a Instancia o principal efeito patrimonial do divórcio é a partilha dos bens do casal, nos</font><br>
<font>termos do regime de bens do casamento e esses efeitos patrimoniais do divórcio podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença do divórcio (art. 1789°/3 CC).</font><br>
<font>Assim, as regras do registo predial nesta matéria nunca poderão prevalecer sendo que, o registo da sentença de divórcio é elaborado nos termos do registo civil e não nos termos do registo predial.</font><br>
<font>Tendo o Tribunal a quo errado na subsunção dos factos à norma contida no art. 819 do CC e 5 do CRPredial sendo que, os efeitos da penhora do imóvel nunca podiam retroagir à data do registo do arresto sendo que, contrariamente (por obscuro silogismo) aquele Tribunal deu como factos assentes, a recorrente não é parte nos autos de execução apensos; que é proprietária do imóvel desde 1995 tendo este sido um bem comum até ao ano de 2000 à adjudicação no Inventário.»</font><br>
<font>C) Houve ainda erro na aplicação do art. 819 do CC, pois esta norma na sua estatuição prevê que actos de disposição são inoponíveis à execução apenas e, tão só, quando não violem as regras do registo: "Sem prejuízo das regras do registo...".</font><br>
<font>Assim, não sendo a recorrente executada (matéria assente) a penhora aí decretada não impede o pleno exercício do direito de propriedade adquirido no ano 1995, e também do direito advindo do registo do divórcio em 1998 datas estas, que antecedem o registo de (arresto e) penhora (2000 ou 2001).</font><br>
<font>Alias, só assim, se poderá entender o art. 5 do CRPredial "Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos depois da data do respectivo registo..." encontrando-se esta norma em consonância com o art. 3º do CRCivil - "...os factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados".</font><br>
<font>Todas estas normas estão em plena harmonia com o disposto nos arts. 819 e 1789/3 do CC e no art. 825/3 do CPC, e, em conformidade com a prevalência do direito advindo do facto anteriormente registado (registo predial em 1995 e registo civil em 1998), isto é, com as regras do registo (art. 5 do CRP e artº 3º do CRCivil).</font><br>
<font>Tendo, por fim, a recorrente lançado mão do protesto pela reivindicação (art. 910 do CPC) e tendo obtido decisão favorável quanto à propriedade do bem para os efeitos do art. 909/1/d do CPC, só por erro é que o registo da penhora não é cancelado.</font><br>
<font>É que uma acção de reivindicação antecedida de protesto tem o exclusivo propósito de algum terceiro invocar direito próprio incompatível com a transmissão e apenas por essa razão é que o Tribunal da Comarca de Felgueiras era territorialmente competente posto que, caso assim não fosse, seria o Tribunal da Comarca de Setúbal o competente para a acção de reivindicação, por ser o foro da situação do bem (art. 73 do CPC)».</font><br>
<font>2 - Por conseguinte, ao ter posicionado e delimitado o recurso nestes moldes, subsistem violadas as normas - substantivas, processuais, constitucionais e internacionais - que a recorrente oportunamente apontou ao TRG e que supra transcreveu continuando, nestes termos, a recorrente a insurgir-se, para todos os efeitos legais, contra essas violações.</font><br>
<font>3</font><i><font> </font></i><font>- Acrescendo que o acórdão ainda viola do art. 205/1 da CRP posto que, a Constituição impõe que as decisões dos Tribunais sejam transparentes na abordagem de todas as razões de facto e de direito, isto é, fundamentadas na forma prevista na lei ordinária. Com a presente omissão de pronúncia o Tribunal a quo</font><i><font> </font></i><font>violou os artigos 20 da CRP, 8 do CC, sendo a decisão proferida nula, nos termos do disposto no artigo 668/l/d do CPC. Encontrando-se ainda violado o art. 8 da D.D.H pois, «Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.»</font><i><font> </font></i><font>Pois, impunha-se, justamente, uma particular ponderação, quando a recorrente põe em causa a violação de direitos fundamentais não só previstos na Constituição como na Declaração Universal dos Direitos do Homem como in caso:</font><br>
<font>«...a recorrente é terceira na acção executiva pois salta desmedidamente à vista que a recorrente não é executada. Por conseguinte, a conversão do registo de arresto em penhora, esta agressão judicial ao património, não abarca os direitos patrimoniais e adquiridos antes (1995) do arresto e da penhora. A agressão ao direito patrimonial alheio é inconstitucional nos termos do art. 62 da CRP e viola ainda o art. 17/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.</font><br>
<font>A decisão do TRG viola várias normas jurídicas:</font><br>
<font>4 - Ao se ter dado como assente um facto não trazido a juízo, a sentença estava ferida de nulidade pois, o Tribunal ao proferir uma sentença não pode conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento tal como refere o art. 668/d in fine do</font><i><font> </font></i><font>CPC, que tal gera a nulidade da sentença. Por conseguinte, está em causa uma norma que declara uma nulidade fazendo-se errada aplicação do art. 201 do CPC.</font><br>
<font>5 - O acórdão devia ter feito uma concreta aplicação do art. 910 e 909/1/d do CPC, sem demais delongas dado à congruência da procedência da acção de</font><br>
<font>reivindicação no âmbito desta norma. Sendo que, a decisão do Tribunal de 1a Instancia relativamente ao fim útil da acção prevista no art. 910 do CPC, intentada pela ora recorrente foi-lhe favorável posto que, a decisão foi a seguinte: </font><i><font>«Pelo exposto, julgo procedente a acção e, em consequência, decido declarar a autora proprietária do imóvel descrito da 1a Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n°183/151085» </font></i><font>É que, fora do âmbito do processo de execução, como resulta do disposto no artigo 909/1/d, do CPC, quando a coisa vendida não pertença ao executado, nem a quem deva responder pela dívida exequenda, apenas se pode reagir por meio de acção de reivindicação que, procedendo, determinará a anulação da venda com levantamento da penhora. Violando-se ainda o art. 1311/2 do CC.</font><br>
<font>6-Oacórdão em questão afirmou que: «Dispunha o art. 819 do C.C. "sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados''...obsta a que tais actos de disposição ou alienação sejam eficazes em relação ao penhorante...e só assim não é se o registo da aquisição ou oneração dos bens penhorados for anterior ao registo da penhora, caso em que tais actos de alienação ou aquisição são eficazes, restando ao exequente nomear outros bens à execução...» Ora, só por manifesto lapso é que se verifica erro de interpretação na aplicação desta norma (819 do CC) sendo que, está assente os factos:</font><br>
<font>Que a recorrente não é executada e;</font><br>
<font>Que adquiriu o imóvel (ano 1995) antes do registo da penhora (penhora 2001).</font><br>
<font>Que se encontra separada de pessoas e bens havendo registo desse facto também anterior à penhora (1998).</font><br>
<font>7 - Por conseguinte, existem regras do registo a acatar nos termos do art. art. 819 do CC. "Sem prejuízo das regras do registo...». Em consonância com os arts. 5 do CRPredial e 3 do CRCivil.</font><br>
<font>8 - Logo, não poderia proceder a aferição feita pelo Tribunal de 2a Instância </font><i><font>«a penhora não incidiu sobre o seu direito à meação do executado dos bens comuns do casal, mas sobre um bem determinado que dele fazia parte pelo que, com ou sem a intervenção do executado </font></i><font>(leia-se exequente), </font><i><font>sempre o acto de disposição da partilha seria ineficaz, a penhora manter-se-ia e os fins da execução não seriam afectados.» </font></i><font>Posto que, sendo a dívida da exclusiva responsabilidade do executado, tendo estes bens comuns com a recorrente à data da penhora, a forma como se exerce a disposição contida no art. 1696 CC é aquela que vem consagrada no art. 825 (na redacção anterior ao DL 58/2003 de 8 de Março).</font><br>
<font>9 - Além de que, desvirtuaria todos os princípios que norteiam o direito de propriedade, a recorrente na qualidade de terceira reivindicou a propriedade do imóvel, imóvel que à data da penhora era comum, não pertencendo, nestes termos, ao executado. Assim, não assiste coerência em afirmar-se que o acto de partilha, na sequência de uma separação e pessoas e bens, que visa pôr termo à existência de bens comuns é ineficaz, e que se mantém uma penhora registada, posteriormente, ao registo (civil) da separação de pessoas e bens e ao registo (predial) de aquisição.</font><br>
<font>10 - Penhora esta que agride o direito de propriedade da ora recorrente que não tem o dever de responder com o seu património por uma divida exequenda que não é sua e muito menos executada. Afirmar tal alarvidade é violar, efectivamente, o pleno gozo do direito de disposição subjacente ao direito de propriedade é ainda permitir e ilegalmente a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade tudo consagrado nos arts. 1305 e 1306/1 do CC.</font><br>
<font>11 - Violando-se a disposição contida no art. 821 do CPC, sendo que não se permite a penhora de bens que não respondem pela dívida exequenda.</font><br>
<font>12 - É violar a norma contida no art. 825/3 do CPC, (na redacção anterior ao DL 38/2003 de 8 de Março) por não autorizar a produção de efeitos de uma partilha judicial de um bem comum e por obstruir os efeitos da adjudicação de um bem que não coube ao executado no âmbito dessa partilha.</font><br>
<font>13 - Por conseguinte, é violar a produção dos efeitos patrimoniais da sentença que decretou a separação judicial nos termos do art. 1770 do CC.</font><br>
<font>14 - É violar a norma do art. 1696/1 que permite a abrangência de uma penhora sobre um bem comum e não somente sobre a menção nos bens comuns quando esta abrangência apenas é permitida quando se cumpra a citação do cônjuge nos termos do art. 825</font><i><font> </font></i><font>(na redacção anterior ao DL 38/2003 de 8 de Março). Todavia, a recorrente nunca foi citada (legitimando-a, assim, para os efeitos do art. 910 do CPC) pese embora, não se encontrar divorciada do executado apenas separada judicialmente de pessoas e bens não se encontrando, assim, dissolvido o vínculo conjugal, importando, ainda, que o imóvel penhorado se tratar de um bem comum.</font><br>
<font>15 - Nunca a execução, poderia prosseguir sobre o bem penhorado e continuar a porfiar por tal é violar a norma do art. 1696/1 CC e o art. 825 do CPC, (na redacção anterior ao DL 38/2003 de 8 de Março).</font><br>
<font>16 - Além de que se encontra violado o art. 1789/3 aplicável ex vi pelo art. 1794 e em harmonia com o art. 1795-A e art. 1770, todos do CC atendendo a que um dos efeitos patrimoniais do divórcio (com excepção do regime da separação de bens) advém da partilha dos bens comuns. Ora os efeitos da partilha nesta conjuntura jurídica é efectivamente por termo à propriedade comum de certos bens por conseguinte, deixa de haver bens comuns em virtude da divisão deste património. Este efeito patrimonial de divisão de bens comuns é oponível a terceiros a partir da data do registo da sentença que decretou a separação judicial de pessoas e bens de harmonia com o art. 1789/3 do CC. Ora o registo da sentença que decretou a separação judicial da ora recorrente é anterior (ano 1998) ao registo da penhora (efeitos no ano 2000 em virtude do arresto) como se pode verificar pelos factos dados como assentes.</font><br>
<font>17 - Pelo exposto as violações às normas jurídicas ora identificadas nos termos e fundamentos ora traduzidos ditam que a decisão da 2a Instância ao não ordenar o cancelamento da penhora é contraditória e arbitrária por agressão à propriedade privada violando os arts. 62 da CRP e 17/2 da DUDH.</font><br>
<font>18 - Além de que, a recorrente nunca foi</font><b><font> </font></b><font>condenada judicialmente pela divida que serviu de título executivo, assistindo por isso uma total justeza nas dissidências da recorrente e só assim, se pode compreender os factos dados como assentes e da errónea extensão dos efeitos da penhora sendo tal elemento de conhecimento oficioso por constar, além do mais, no requerimento executivo e nos presentes autos.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, o Exº Procurador-Geral Adjunto na Relação de Guimarães conclui no sentido de que o douto acórdão recorrido não omitiu pronúncia, tendo abordado todas as questões que lhe foram colocadas nas conclusões alegativas, que não houve erro na delimitação do recurso, nem violação de lei substantiva, bem assim como de quaisquer comandos constitucionais ou supranacionais.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação declarou demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça tem como aceites, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, novos factos suplementares, sob as alíneas M) a S), inclusive, que resultam do teor dos documentos existentes nos autos e respectivos apensos, com base no preceituado pelos artigos 369º, nºs 1 e 2 e 371º, nº 1, do Código Civil (CC), 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font><br>
<font>Nos autos de execução apensa, é exequente a ora ré “........, Lda.”, e executado BB – A).</font><br>
<font>A autora e o réu BB contraíram matrimónio, entre si, sem convenção antenupcial, no dia 22 de Maio de 1992 – B).</font><br>
<font>Por sentença proferida, em 19 de Outubro de 1998, foi decretada a separação de pessoas e bens, sujo trânsito ocorreu, em 30 de Outubro de 1998 – C).</font><br>
<font>O prédio descrito, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085, foi registado, em nome da autora e do réu BB, no dia 3 de Novembro de 1995 – D).</font><br>
<font>Por sentença proferida nos autos de inventário, que correu seus termos por apenso ao processo de separação de pessoas e bens, no 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Setúbal, transitada em julgado, em 1 de Março de 2004, o imóvel descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085, referido em D), foi adjudicado à autora – E).</font><br>
<font>A ora ré e exequente, nos autos apensos, “........, Lda.”, não teve intervenção nesse processo de inventário para partilha de bens – F).</font><br>
<font>A adjudicação desse prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085, a favor da autora, foi registada, no dia 8 de Março de 2004 – G).</font><br>
<font>Por decisão proferida, em 20 de Junho de 1996, nos autos de procedimento cautelar apensos, foi decretado o arresto do imóvel descrito, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085, requerido pela ora ré “........, Lda.”, para garantir o pagamento do crédito exequendo – H).</font><br>
<font>Esse arresto foi registado, na Conservatória do Registo Predial, no dia 23 de Agosto de 2000 – I).</font><br>
<font>Por decisão proferida, em 9 de Janeiro de 2001, nos autos de execução, foi decidido converter esse arresto do imóvel em penhora – J).</font><br>
<font>Em 23 de Março de 2001, foi registada a conversão desse arresto em penhora, na descrição predial do imóvel descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085 – L). </font><br>
<font>A presente acção deu entrada em juízo, no dia 4 de Outubro de 2005 – Documento de folhas 2 – M).</font><br>
<font>O inventário para partilha de bens e separação de meações, referido em E), tem o nº 50-D/98 – Documento de folhas 250 a 256 da execução sumária apensa com o nº 269-C/1996 - N).</font><br>
<font>A exequente, ora ré, “........, Lda.”, não teve intervenção no inventário para partilha de bens e separação de meações - Documento de folhas 268 e 269 da execução sumária apensa com o nº 269-C/1996 - O). </font><br>
<font>O inventário para partilha de bens e separação de meações não foi instaurado na sequência da citação a que alude o artigo 825º, do Código de Processo Civil, surgindo antes, previamente, e por iniciativa dos cônjuges - Documento de folhas 268 e 269 da execução sumária apensa com o nº 269-C/1996 - P). </font><br>
<font>A execução sumária foi instaurada, no dia 8 de Janeiro de 2001 - Documento de folhas 2 da execução sumária apensa com o nº 269-C/1996 - Q).</font><br>
<font>A execução, mencionada em N), tem por base uma sentença homologatória de transacção, datada de 4 de Julho de 2000, em que o executado BB foi condenado a pagar à exequente “........, Ldª” a quantia de 10000000$00 - Documento de folhas 2 e seguintes da execução sumária apensa com o nº 269-C/1996 - R).</font><br>
<font>Nos autos de embargos de terceiro com o nº 269-F/1996, apensos, movidos pela autora AA contra “........ – Decorações, Lda.” e BB, com fundamento no direito de propriedade, foi indeferida, liminarmente, a respectiva petição inicial, por decisão transitada em julgado, em 20 de Fevereiro de 2006 - Autos de embargos de terceiro citados e documentos de folhas 2 a 10. </font><br>
<br>
<font> *</font><br>
<br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – Da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.</font><br>
<font>II – Das consequências da penhora de imóvel pertencente ao património comum de cônjuges separados, judicialmente, de pessoas e bens, posteriormente, adjudicado ao cônjuge executado.</font><br>
<br>
<font> I. DA NILIDADE DO ACÓRDÃO </font><br>
<br>
<font>Entende a autora que o acórdão é nulo, por omissão de pronúncia sobre questões de que deveria conhecer.</font><br>
<font>Porém, do que se trata é de profundas divergências com o decidido pelo acórdão, onde as questões, que são matérias, juridicamente, relevantes, pontos essenciais, de facto ou de direito, em que as partes fundamentam as suas pretensões, não se confundem com os argumentos ou razões apresentadas para concluir sobre as mesmas, e que serão objecto de conhecimento, no ponto seguinte deste acórdão.</font><br>
<font>Por outro lado, relativamente à invocada nulidade decorrente de o Tribunal ter dado como assente um facto não trazido a juízo, ou seja, por ter introduzido, no ponto sob o nº 6, a factualidade segundo a qual “a ora ré e exequente nos autos apensos, “........, Lda.”, não teve intervenção nesse processo de inventário para partilha de bens”, por se traduzir numa nulidade, por excesso de pronúncia, a mesma pode ser suprida, por este Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 731º, nº 1 e 668º, nº 1, d), 2ª parte, como, aliás, já aconteceu, ao aditar-se a alínea N), à materialidade consagrada, oriunda dos autos de execução sumária apensa, com o nº 269-C/1996, por se tratar de factualidade que o Tribunal tem conhecimento, por virtude do exercício das suas funções, em conformidade com o preceituado pelo artigo 514º, nº 2, todos do CPC.</font><br>
<font>Deste modo, inexistem as apontadas nulidades de decisão, ou, por, entretanto, terem sido supridas, no caso da nulidade, por excesso de pronúncia, ou, quanto às demais, por configurarem alegados erros de interpretação e aplicação das normas legais, com o consequente desacerto do julgamento da causa.</font><br>
<br>
<font>II. DAS CONSEQUÊNCIAS DA PENHORA DE IMÓVEL PERTENCENTE AO PATRIMÓNIO COMUM DE CÔNJUGES SEPARADOS, JUDICIALMENTE, DE PESSOAS E BENS, POSTERIORMENTE, ADJUDICADO AO CÔNJUGE EXECUTADO</font><br>
<br>
<font>II. 1. Efectuando, em seguida, uma síntese do essencial da factualidade relevante, para a apreciação e decisão do objecto da revista, importa reter que, na execução apensa, movida pela ré “........, Lda.” contra o réu BB, foi decidido converter em penhora o arresto do imóvel, decretado nos autos de procedimento cautelar apensos, e que fora registado, no dia 23 de Agosto de 2000.</font><br>
<font>Esse prédio fora adjudicado à autora, sendo o respectivo registo efectuado, a 8 de Março de 2004, em consequência de sentença, transitada em julgado, em 1 de Março de 2004, proferida nos autos de inventário para separação de meações, onde a ora ré e exequente “........, Lda.” não teve intervenção.</font><br>
<font>Aliás, o mesmo imóvel tinha sido registado, em nome da autora e do réu BB, no dia 3 de Novembro de 1995, na constância do seu matrimónio, em relação ao qual, por sentença proferida, em 19 de Outubro de 1998, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens, cujo trânsito ocorreu, em 30 de Outubro de 1998.</font><br>
<font>Assim sendo, e, agora, num quadro cronológico mais sincopado, o casamento entre a autora e o réu ocorreu, em 1992, em 1995, o imóvel é inscrito, no registo predial, em nome de ambos, em 1996, foi ordenado o arresto do mesmo, em 1998, decretada a separação judicial de pessoas e bens entre aqueles, em 2000, registado o arresto, em 2001, convertido e registada a conversão do arresto em penhora, e, finalmente, em 2004, foi adjudicada à autora o imóvel, no processo de inventário para separação de meações, e efectuado o respectivo registo.</font><br>
<font>A acção é proposta, em Outubro de 2005, decorrendo a sua tramitação, à revelia de ambos os réus, tendo o Ministério Público assumido a respectiva defesa, em sua representação.</font><br>
<br>
<font>II. 2. O pedido formulado pela autora, na presente acção, consiste no reconhecimento da propriedade do imóvel, com as inerentes consequências registrais, nomeadamente, o cancelamento do registo da penhora efectuada, no âmbito dos autos de execução apensa.</font><br>
<font>A decisão proferida, em 1ª instância, na parcial procedência da acção, declarou a autora proprietária do imóvel descrito, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º 183/151085.</font><br>
<font>Porém, a autora, com a presente revista, pretende ainda que se ordene o cancelamento da penhora incidente sobre o imóvel em discussão, a fim de lograr a integral procedência da acção.</font><br>
<br>
<font>II. 3. A autora e o réu BB casaram entre si, sem precedência de convenção antenupcial, no dia 22 de Maio de 1992, tendo sido decretada a separação judicial de pessoas e bens, por sentença datada de 19 de Outubro de 1998, transitada em julgado.</font><br>
<font>A separação judicial de pessoas e bens interrompe o vínculo conjugal, e, relativamente aos bens, produz os mesmos efeitos a que conduziria a dissolução do casamento, ou seja, faz cessar as relações patrimoniais entre os cônjuges, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1795º-A, 1789º, nº 1 e 1688º, do Código Civil (CC).</font><br>
<font>E, tendo o casamento sido celebrado, segundo o regime supletivo da comunhão de adquiridos, o património dos cônjuges separados, judicialmente, de pessoas e bens, é constituído por todos os bens por si adquiridos, na constância do matrimónio, não exceptuados por lei, em conformidade com o preceituado pelos artigos 1721º e 1724º, b), do CC.</font><br>
<font>Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, casados segundo o regime da comunhão de adquiridos, estes recebem a sua meação no património comum, participando por metade no activo e no passivo da comunhão, e conferindo, cada um deles, o que dever a esse património, de acordo com as disposições combinadas dos artigos 1689º, nº 1 e 1730º, nº 1, ambos do CC.</font><br>
<font>Assim sendo, o prédio controvertido nos autos faria parte do património comum indiviso do casal, enquanto a autora e o réu não decidissem proceder à sua partilha, quer por escritura pública, quer por inventário judicial para separação de meações, nos termos das disposições combinadas dos artigos 2101º, 2102º, nº 1, do CC, e 1404º, nº 1, do CPC. </font><br>
<font>Cessando a comunhão conjugal, em consequência da separação judicial de pessoas e bens, tal como acontece no divórcio, transita-se de uma situação de comunhão de mão comum ou de património colectivo</font><font> (1).</font><font> para uma situação de compropriedade, em que os actos de disposição de toda a coisa ou de parte especificada da coisa comum exigem o consentimento da unanimidade dos consortes ou comproprietários, em conformidade com o preceituado pelo artigo 1408, nº 1, do CC.</font><br>
<font>Ora, foi na aludida situação de comunhão conjugal, ainda em 1996, que a exequente e ora ré, “........, Lda.”, promoveu o arresto daquele imóvel contra o réu BB , o qual, embora ordenado, em 1996, só foi registado, em 2000, já depois do trânsito em julgado da sentença que decretou a separação judicial de pessoas e bens, mas ainda antes, como é óbvio, de ter findado a situação de indivisão do património comum do casal.</font><br>
<font>Portanto, na ocasião em que ocorreu o registo do arresto, posteriormente, convertido em penhora, nos termos do estipulado pelo artigo 846º, do CPC, registo este que a autora pretende ver cancelado, ainda o aludido prédio não lhe havia sido adjudicado, mantendo-se a situação de compropriedade quanto ao mesmo, que só viria a dissolver-se, em 2004, aquando da respectiva adjudicação, produzida na sequência do trânsito em julgado da sentença proferida no inventário para separação de meações.</font><br>
<font>Porém, não obstante pela cessação da comunhão conjugal, em consequência da separação judicial de pessoas e bens, se transitar de uma situação de comunhão de mão comum ou de património colectivo</font><font> (2).</font><font> para uma situação de compropriedade</font><font> </font><font>(3)</font><font>, como já se disse, considerando que a obrigação exequenda é anterior à interrupção da sociedade conjugal, é-lhe aplicável, consequentemente, a regulamentação legal das dívidas dos cônjuges, contida, designadamente, nos artigos 1688º, 1689º, 1789º e 1794º, todos do CC, mantendo os bens comuns essa qualidade, até à sua divisão e partilha, porquanto a separação judicial de pessoas e bens não faz operar, automaticamente, a alteração do respectivo regime matrimonial de bens. </font><br>
<br>
<font>II. 4. A penhora pode ser, objectivamente, ilegal, porque recai sobre bens do executado que, por diversas razões, são insusceptíveis de apreensão, ou, subjectivamente, ilegal, quando afecta os direitos ou a disponibilidade empírica que certa pessoa, que não está a ser executada, pode fazer valer relativamente aos bens penhorados</font><font> (4)</font><font>.</font><br>
<font>Com efeito, verificam-se situações de indevida apreensão de bens comuns, quando não tenha sido requerida a citação do cônjuge do executado, em conformidade com o estipulado pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, excepto se a penhora tiver incidido sobre os bens aludidos no nº 2, do artigo 1696º, do CC, quando, não tendo sido citado o cônjuge do executado, no património próprio deste ainda existam bens penhoráveis que não foram objecto de apreensão, e, finalmente, quando o cônjuge, único executado, nomear, voluntariamente, à penhora, sem o consentimento do outro, bens comuns cuja oneração careça do consentimento de ambos.</font><br>
<font>No caso «sub judice», o exequente não promoveu a execução contra o cônjuge do executado que, por outro lado, não se mostra obrigado pelo título exequendo.</font><br>
<font>A nova redacção que foi dada ao nº 1, do artigo 825º, do CPC, por força do DL nº 38/03, de 8 de Março, segundo a qual, “quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida”, aplicável, «ex vi» do disposto nos artigos 21º, nº 1 e 23º, daquele DL nº 38/03, de 8 de Março, conjugadamente com o texto actual do nº 1, do artigo 1696º, do CC, em conformidade com o qual, “pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns”, consubstanciou, como já acontecia com a redacção que aqueles normativos foi introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a eliminação da moratória, tornando válida a penhora de bens comuns do casal, realizada em execução instaurada contra um só dos cônjuges, para cobrança de dívidas por que só ele é responsáve | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XzK9u4YBgYBz1XKvWzog | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<font> </font><font>I</font><font> – </font><font>Relatório</font><br>
<font>CC e mulher, BB, e CC e mulher, DD, intentaram, no Tribunal Judicial de Santo Tirso, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra EE e mulher, FF, pedindo que estes:</font><br>
<font>a) Sejam solidariamente, por ter sido aceite a substituição dos avales por parte dele R., condenados no pagamento da quantia de 46.919,87€, acrescida dos juros vencidos e vincendos, à taxa de 7% ao ano, prevista na execução melhor identificada em 16º e ss. da petição inicial (Caja de Ahorros de Salamanca Y Soria (Caja Duero), Sucursal Operativa);</font><br>
<font> b) Sejam solidariamente, por ter sido aceite a substituição dos avales por parte dele R. nas supra citadas livranças, condenados no pagamento da quantia de 87.498, 46 € acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa de 7% ao ano, prevista na execução melhor identificada em 16º e ss. da petição inicial sob o número 50575 (BANCO NN, S.A.);</font><br>
<font> c) Sejam solidariamente, por ter sido aceite a substituição dos avales por parte dele R., condenados no pagamento da quantia de 15.968,14€, acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa anual de 4%, prevista na execução melhor identificada em 16º e ss. da petição inicial (MC Leasing – Sociedade de Locação Financeira, S.A., agora Banco SS, Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A.);</font><br>
<font> d) Sejam solidariamente condenados a pagar aos primeiros AA. a quantia de 375.000€ por danos não patrimoniais causados;</font><br>
<font> e) Sejam solidariamente condenados a pagar aos segundos AA. a quantia de 125.000 € por danos não patrimoniais causados.</font><br>
<br>
<font> Contestaram os RR., pugnando pela improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font> Na réplica, os AA. contrariaram a defesa excepcional dos RR. e aproveitaram para alterar o pedido nos pontos a), b) e c) da petição de molde a estes serem condenados na seguinte forma:</font><br>
<font>a) Condenação no pagamento solidário daquilo que os AA. já pagaram resultante dos avales, ou seja, até à presente data o montante de 27.845€;</font><br>
<font>b) Condenação a substituir os avales prestados pelos AA. às seguintes instituições financeiras: MC Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A. (Santander); BANCO NN, S.A., e Caja Duero, Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya, inerente a obrigações contraídas junto dessas instituições por AC, Lda.;</font><br>
<font>c) Condenação a pagar aos AA. as quantias que a estes forem exigidas por aqueles bancos em razão dos avales prestados pelos AA. às seguintes instituições financeiras MC Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A. (Santander); BPN, BANCO NN, S.A., e Caja Duero, Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya, a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font> Manterem, no entanto, tudo o mais inicialmente peticionado.</font><br>
<font> Concomitantemente, requereram a intervenção de MC Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A. (Santander), BANCO NN, S.A. e Caja Duero – Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya, mas este pedido acabou por ser indeferido.</font><br>
<font> No saneador, foi julgada improcedente a arguida excepção de ilegitimidade, tendo o processo, após selecção de factos provados e controvertidos, seguido para julgamento, findo o qual foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.</font><br>
<font> Irresignados, os AA. apelaram, sem êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.</font><br>
<font> Face à decisão confirmatória deste Tribunal, os AA. pedem, ora, revista (incorrectamente intitularam-se agravantes no intróito da sua minuta!!!), a coberto de conclusões extensas, confusas, prolixas, desconexas, impertinentes até algumas delas, em total desrespeito pela estatuição do disposto no art. 690º, nº 1 do CPC (“o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão”) e do princípio da cooperação de todo nosso sistema processual civil (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 266º do diploma legal acabado de citar), que se seguem (num breve parêntesis, diremos que não olvidamos, o relator certamente não olvidou, o disposto no nº 4 do mesmo preceito legal, mas pretendeu afirmar o princípio da celeridade processual, entendidas as questões subjacentes ao recurso).</font><br>
<font> São as seguintes:</font><br>
<font>1) O acórdão recorrido não conheceu de um recurso que, salvo o devido respeito, merecia provimento pois recusou o direito à indemnização e créditos dos ali apelantes, estes derivados do incumprimento do contrato de promessa, por entender que os mesmos não têm, </font><i><font>in casu</font></i><font>, aplicação. </font><br>
<font>2) O acórdão ao remeter para a sentença de 1ª instância comete o mesmo erro e contradiz-se ao assumir que o negócio de cessão de quotas tornou-se impossível por esvaziamento do objecto e por essa via não admitir a assunção dos avais por serem adjacentes ao negócio e depois refere que ambas as questões são autónomas não dependendo uma da outra, ou melhor “... A assunção de dívidas não tem como pressuposto de vigência que o R. marido pode vir a ser sócio dessa sociedade”. </font><br>
<font>3) Há independência no negócio de assunção das dívidas originadas pelos avais prestados pelos recorrentes e a cedência das quotas, uma não depende da outra e são ambas autónomas. </font><br>
<font>4) Essa autonomia é tão clara que foram os próprios recorrentes a terem de pagar as dívidas que tiveram origem nos avais por eles prestados ainda que depois da sociedade ter sido declarada falida. </font><br>
<font>5) Em concreto estamos em sede de relações autónomas próprias do aval o que poderia até admitir-se a diferenciação caso fosse uma assunção derivada de uma fiança. </font><br>
<font>6) Ainda que no contrato referisse que estes avais derivam das quotas e lhes são inerentes os mesmos gozam de autonomia face a relação que lhe subjaz e por essa via a negociação da assunção derivada dos mesmos goza dessa mesma autonomia. </font><br>
<font>7) Ora, pressuposto dessa autonomia devia o recorrido ter assumido essa obrigação, ou melhor, cumprido a mesma. </font><br>
<font>8) É manifesto que o recorrido incumpriu o contrato de promessa. </font><br>
<font>9) Esse incumprimento se deu aquando da sua não comparência para outorga da escritura de cessão quotas, não assumiu o que havia prometido assumir. </font><br>
<font>10) Podia e devia ter o recorrido analisado todos os pressupostos contratuais antes de subscrever o contrato de promessa de cessão de quotas e sua adenda onde refere a assunção das obrigações de substituição dos avais prestados pelos recorrentes em obrigações derivadas dos empréstimos que a sociedade contraíra e os quais ele recorrido tinha o perfeito conhecimento e não se coibiu de assinar os contratos (adendas). </font><br>
<font>11) O recorrido ao outorgar em 17/8/2000 os aditamentos sabia que os recorrentes haviam autorizado as instituições melhor referidas a folhas 550 da sentença de primeira instância e reproduzida pelo acórdão aqui em causa, a preencher as livranças avalizadas por aqueles. Não podia por essa via ignorar a que estava sujeito caso o negócio se deteriorasse. </font><br>
<font>12) Mesmo depois de algum tempo de assinado o “contrato de promessa”, assinou os seus aditamentos e, nesse momento, caso houvesse dúvida no negócio poderia ter-se recusado a assiná-los justificadamente. </font><br>
<font>13) O recorrido poderia ter lançado mão da recusa da assinatura do contrato com base na falta das condições que se previam na altura da promessa, ao abrigo dessa falta de condições sempre haveria fundada recusa na outorga da escritura de cessão de quotas, ainda que a assunção da posição de avalista não dependa, em nosso entender e salvo melhor opinião, da cessão de quotas. </font><br>
<font>14) Dispõe o art. 272° do CC que “aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte” </font><br>
<font>15) O recorrente CC procedeu com a notificação judicial avulsa antes da sociedade ter sido declarada falida, antes mesmo do pedido da falência da mesma, o acórdão (por remeter-se à sentença) não poderia divagar que a sociedade já não existia de facto e pelos ditames da boa-fé dar razão ao recorrido. </font><br>
<font>16) A sociedade à data da assinatura dos contratos estava em plena laboração e não tinha nenhuma dívida vencida e não paga. </font><br>
<font>17) O recorrido deveria ter cumprido com a promessa que havia feito e outorgado a escritura de cessão de quotas na data marcada. </font><br>
<font>18) Deveria, ainda que de forma autónoma, assumir os avales prestados pelos aqui recorrentes. </font><br>
<font>19) Ao não cumprir tal obrigação ele recorrido incumpriu directamente o art. 397° do C.C. que acabou o acórdão por aceitar tal incumprimento, ao nosso ver mal, ainda que respaldado, também mal, na dita boa-fé. </font><br>
<font>20) Os recorridos remeteram-se ao silêncio, nunca justificaram o motivo da recusa da outorga da escritura. </font><br>
<font>21) Nunca, seja de que forma for, invocaram a nulidade do contrato para justificar a sua não outorga. </font><br>
<font>22) Agiu assim o recorrido com má-fé, limitando-se ao silêncio para justificar o incumprimento do contrato de promessa. </font><br>
<font>23) Não se compreende, porque a violação clara do previsto no número 1 do artigo 406° do Código Civil "O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei” logrou na impunidade para os recorridos. </font><br>
<font>24) Não houve extinção do contrato por mútuo consentimento das partes. </font><br>
<font>25) Não existe previsão legal, para o presente caso, para que o mesmo se extinga. </font><br>
<font>26) Temos de ver que não existiam motivos de extinção do mesmo à data da marcação da escritura de cessão de quotas. </font><br>
<font>27) </font><i><font>Pacta sunt servanta</font></i><font>. </font><br>
<font>28) Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, </font><i><font>in</font></i><font> Cód.Civil Anot., Vol. I, 4ª ed., pág.258, “apenas se consideram nulos os negócios jurídicos de objecto indeterminável, mas não os de objecto indeterminado. São de objecto indeterminado, por exemplo, as obrigações genéricas ou alternativas”. </font><br>
<font>29) Sempre se diz o mesmo no que toca o negócio da assunção das obrigações derivadas da assunção dos avais, trata-se de forma pura a assunção de uma obrigação e como tal deveria ter sido cumprida. </font><br>
<font>30) São coisas autónomas como acima referido, a cessão de quotas e assunção das obrigações derivadas dos avais. </font><br>
<font>31) As adendas aos contratos de promessa de cessão de quotas devem retroagir à data da assinatura dos mesmos. Logo, ainda que fizesse parte do preço pago deveria ter produzido eficácia imediata e não, tempos depois, ter-se verificado o incumprimento por motivos que inexistiam à época da assinatura dos contratos. </font><br>
<font>32) Veja-se neste sentido, e de forma ainda que análoga, o Acórdão nº 0325209 do TRP, de 31/03/2004, disponível na base de dados da DGSI, Internet, </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>. segundo o qual: </font><br>
<font>"I - Em alguns contratos-promessa é de admitir que cláusulas do mesmo assumam autonomia e se mantenham mesmo após a celebração do contrato definitivo, mesmo que para este tenham passado. II – É o caso de cláusulas em que os compradores se comprometem ao pagamento dos impostos devidos pelos vendedores ao fisco e que não constam da escritura pública do contrato definitivo”. </font><br>
<font>33) No entender do Prof. Menezes Cordeiro </font><i><font>in</font></i><font> Obrigações, AAFDL, pág. "... o contrato-promessa é já vinculante nas suas disposições, cujo definitivo se limita a reproduzir por decalque e cuja formalização de uma vontade de vinculação é susceptível de criar obrigações específicas e autónomas, que dispensarão repetição no contrato definitivo para efeitos de vinculação” ... com acolhimento quer da doutrina, quer da jurisprudência mais recentes, a figura do contrato-promessa, reflectindo a preocupação de dar resposta jurídica eficaz a exigências sociais cada vez mais complexas, tende a perder, em muitos casos, a sua tipicidade. </font><br>
<font>De tal forma que se torna muito mais importante e premente, para as partes contratantes, a execução e o cumprimento das cláusulas do contrato-promessa, cláusulas essas que frequentemente, assumem autonomia própria de uma ou mais contratos, conviventes com o contrato de promessa e que, algumas vezes, até lhe sobrevivem”. </font><br>
<font>34) É o que pleiteiam os recorrentes: que os recorridos cumpram o contrato prometido, pelo menos na parte referente a assunção dos avais prestados pelos recorrentes, em última referência pelo pagamento pelos danos causados pelo não cumprimento de tal obrigação. </font><br>
<font>35) Indemnizando os recorridos em montante igual aos que os recorrentes pagaram e têm de pagar. </font><br>
<font>36) Efectivamente, a decisão deixou impune e sem consequências os recorridos pelo total incumprimento contratual dele recorrido. </font><br>
<font>37) É manifesta a inadimplência do recorrido pelo incumprimento contratual, pelo incumprimento do prometido, razão pela qual deverá ser condenado, bastando a condenação dos recorridos em melhor aresto, devendo o acórdão proferido ser revogado. </font><br>
<font>Sem prescindir. </font><br>
<font>38) É manifesto, por provado que foi, que os recorrentes pagaram as dívidas que tiveram origem nas livranças subscritas, logo o recuo do pagamento deveria ir até a data da assinatura da adenda. </font><br>
<font>39) “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” Isso é o que dita o artigo 798.º do Código Civil. </font><br>
<font>40) “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Isso vem vertido no número 1 do artigo 799.º do mesmo diploma. </font><br>
<font>41) O recorrido não logrou provar que o não cumprimento do contrato não foi por sua culpa. Aliás, sequer foi alegado qualquer facto que fosse excludente de culpabilidade por parte do recorrido, pois a ele vigorou sempre o silêncio. </font><br>
<font>42) Então o não cumprimento foi por culpa exclusiva do recorrido e impõe-se que este responda por esses danos, como foi o que os recorrentes pediram. </font><br>
<font>43) O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> fez uma interpretação demasiado ampla da lei que retira da boa-fé ou falta desta a explicação para todo o restante, com vista a dar azo a justificativa na recusa na prestação do cumprimento contratual na parte que era e é possível. </font><br>
<font>44) É este o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 29/01/2004 (Proc. n° 03B4187) e disponível na página da DGSI na internet </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>. que, na sequência das demais já anteriormente referidas, refere explicitamente que: </font><br>
<font>I “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segunda as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte – art. 227º do C. Civil. Tudo pois ainda na fase pré-contratual, ou pré-negocial no sentido de responsabilizar quem ilícita e culposamente cause danos à outra parte. </font><br>
<font>II. A responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, em ordem a colocar esta na situação em que esta última se encontraria se o negócio não houvesse sido efectuado. </font><br>
<font>III. A celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia, não afastam a estatuição/previsão do art. 227º, a qual é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações como no de o contrato chegar mesmo a consumar-se. </font><br>
<font>IV. Impendem pois sobre as partes, entre outros, os deveres de comunicação, informação e esclarecimento que abrangem não só a viabilidade da celebração do contrato e os obstáculos a ela reversíveis, como os elementos negociais e a própria viabilidade jurídica do contrato projectado. </font><br>
<font> V. Em decorrência desse dever de boa-fé, de lealdade e de lisura contratual impõe-se que a parte, que conheça ou saiba – ou deva saber com a normal diligência – que algum risco ameaça o sucesso do processo negocial, o comunique à contraparte, advertindo-a, em particular, da necessidade de adequada prudência na realização de gastos. </font><br>
<font>VI. É, contudo, necessário para que ocorra responsabilidade civil do faltoso que tal conduta ilícita e culposa haja provocado danos à contra parte, entendidos estes como todos os prejuízos sofridos por esta última”. </font><br>
<font>45) Impõe-se, por conseguinte, a revogação do acórdão em crise e a sua substituição por outro que julgue e condene os recorridos a assumirem os avais prestados pelos recorrentes nos termos do peticionado, ou, sem prescindir, substituído por outro que reconheça o direito à indemnização por parte dos recorrentes pela violação contratual do recorrido. </font><br>
<br>
<font> Responderam os recorridos em defesa do aresto impugnado.</font><br>
<br>
<font> II – As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:</font><br>
<br>
<font>- Os AA. foram titulares de duas quotas de 120.000 esc. e 40.000 esc., respectivamente, na sociedade AC, Limitada, com sede na Rua ...., 000, r/c, freguesia de Oliveira do Douro, concelho de Vila Nova de Gaia.</font><br>
<font>- Através da celebração de dois contratos celebrados em 9/11/1999 entre os AA. e R. marido, que as partes denominaram de “Contrato Promessa de cessão de quotas”, aqueles prometeram ceder ao R. marido as quotas.</font><br>
<font>- Preço das quotas que o R. marido pagou integralmente a cada um dos AA.. </font><br>
<font>- No dia 17/8/2000, os AA. e R. marido subscreveram o documento junto aos autos a fls. 15 que denominaram de “Adenda aos contratos promessa de cessão de quotas da sociedade AC, Lda.”, o qual tem o seguinte teor: “Que esta cessão será feita com todos os correspondentes direitos e inerentes obrigações das quotas cedidas, nomeadamente a obrigação por parte do segundo outorgante EE, de substituir os primeiros outorgantes CC e CC em todos os avales por eles prestados à sociedade “AC Lda.” junto do Banco Totta & Açores, S.A., Banco Comercial Português, S.A., Banco Espírito Santo, SA, Caja Salamanca Y Soria, Banco BANCO NN, S.A., BPN Leasing, MC Leasing e BESCL Leasing”.</font><br>
<font>- O R. foi notificado judicialmente pelos segundos AA. em 7/5/2001 para comparecer no 2° Cartório Notarial de Santo Tirso no dia 25/5/2001, pelas 9,30 horas, a fim de se proceder à outorga de escritura de cessão de quotas. </font><br>
<font>- Os RR. no dia e hora designados não compareceram para outorgar a escritura pública.</font><br>
<font>- Apenas os quatro AA. prestaram avales em livrança no valor de 46.920,81€ em benefício da Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero), noutra livrança no valor de 15.678,70 € em benefício do Banco BANCO NN, Sociedade Anónima, noutra livrança no valor de 71.819,76 € em benefício do Banco BANCO NN, Sociedade Anónima, noutra livrança no valor de 15.968,14 € em benefício do agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, sendo em todas as livranças subscritora AC, Limitada.</font><br>
<font>- Todas as livranças referidas já foram objecto de execução, correndo seus termos respectivamente no Tribunal de Lisboa, 7ª Vara, 1ª Secção; 6ª Vara, 2ª Secção do Tribunal Cível do Porto e 16ª Vara, 2ª Secção do Tribunal Cível de Lisboa, sob os números 41/01, 82/2001 (reporta-se às livranças em que é beneficiário o BPN) e 8168/03.8TVLSB.</font><br>
<font>- O A. AA é economista.</font><br>
<font>- O A. CC é contabilista.</font><br>
<font>- Os AA. viram os seus nomes lançados no Banco de Portugal como maus pagadores.</font><br>
<font>- A AC, Lda. foi declarada falida em 24/2/2002 e não tinha actividade económica corrente desde Março de 2001, ou seja antes da notificação de Maio de 2001.</font><br>
<font>- Ao celebrar os dois contratos promessa, o R. tinha a perspectiva de ir participar no capital de uma sociedade titular de uma indústria de calçado moderna, em plena laboração, com cerca de 200 trabalhadores, exportando a totalidade da sua exportação.</font><br>
<font>- O R. tinha a perspectiva de participar num projecto empresarial sério.</font><br>
<font>- A falência da “AC” foi requerida por um credor em 9/7/2001.</font><br>
<font>- Nessa altura a “AC” tinha as suas instalações encerradas há 3 ou 4 meses, já tinha cessado a maior parte dos pagamentos desde Dezembro de 2000 e cessou todos os pagamentos no dia em que encerrou as instalações.</font><br>
<font>- A livrança que titula 46.920,81€ em benefício da Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero) foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 22/10/1999, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que a beneficiária inscrevesse o montante de 46.920,81€ na livrança; a livrança no valor de 15.678,70 € em benefício do BANCO NN, Sociedade Anónima, foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 21/5/1999, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que o beneficiário inscrevesse o montante de 15.678,70€ na livrança; a livrança no valor de 71.819,76 € em benefício do BANCO NN, Sociedade Anónima, foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 26/6/2000, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que o beneficiário inscrevesse o montante de 71.819,76€ na livrança; a livrança no valor de 15.968,14 € em benefício do agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, foi subscrita no local do aval pelos quatro AA. em 22/4/1999, aceitando os AA., subscritora e outros avalistas que o beneficiário inscrevesse o montante de 15.968,14 € na livrança.</font><br>
<font>- Ao outorgar em 17/8/2000 o aditamento aos dois contratos promessa referido, o R. sabia que os quatro AA., subscritora e outros avalistas tinham autorizado a Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero) a inscrever numa livrança o montante de 46.920,81 €, o BANCO NN, Sociedade Anónima, a inscrever o montante de 15.678,70 € numa livrança, o mesmo Banco BANCO NN, Sociedade Anónima, a inscrever o montante de 71.819,76 € noutra livrança e o agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, a inscrever o montante de 15.968,14€ numa livrança.</font><br>
<font>- A livrança subscrita ao MC Leasing foi avalizada pelos AA. em 22/4/1999, com pacto de preenchimento, sendo preenchida pela instituição financeira em 14/2/2003.</font><br>
<font>- As livranças subscritas ao BPN, Banco BANCO NN, S.A., foram avalizadas em 21/5/1999 e 26/6/2000, respectivamente, com pacto de preenchimento, sendo preenchidas em 15/6/2001 e 6/7/2001.</font><br>
<font>- A livrança subscrita a Caja Duero, Caja de Ahorros de Salamanca e Sorya foi avalizada em 22/10/1999, com pacto de preenchimento, sendo preenchida pela instituição financeira em 26/10/1999.</font><br>
<font>- O A. AA e mulher e o A. CC e mulher pagaram em cumprimento do aval na livrança que titula 46.920,81 € à Caja de Ahorros de Salamanca y Soria (Caja Duero), respectivamente, 15.000€, em 31/3/2004, e 12.845€, em 28/4/2004, sanando perante essa beneficiária todas as responsabilidades que lhe poderiam advir do referido aval e os quatro AA., em conjunto e em data que se compreende entre 12/9/2003 e 29/3/2006, pagaram em cumprimento do aval na livrança que titula 15.968,14 € ao agora denominado SS Leasing, Sociedade de Locação Financeira, Sociedade Anónima, a quantia de 7.112 €, sanando perante esse beneficiário todas as responsabilidades que lhe poderiam advir do referido aval. </font><br>
<br>
<font> </font><font>III</font><font> – </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br>
<font> O que está verdadeiramente em causa é saber se o R.-recorrido incumpriu o contrato-promessa que celebrou (em 09/11/99) com os AA. maridos relativo à cessão de quotas da sociedade AC Lª, concretamente a sua adenda através da qual ficou estabelecido que a cessão de quotas era acompanhada, além do mais, com a obrigação de o cessionário (o R.-recorrido) substituir os cedentes em todos os avales por eles prestados a favor da firma.</font><br>
<font> Esta, tempos depois da outorga do contrato-promessa, faliu (foi declarada falida em 24/02/02).</font><br>
<font> Antes desta data o R. foi convocado para comparecer no tabelião a fim de ser outorgado o contrato definitivo e não apareceu.</font><br>
<font> A não comparência por parte do R., em si, não significa automaticamente incumprimento do contrato: tal comportamento (omissivo) apenas e só dá ou pode dar origem a uma situação de mora, a menos que haja uma perda de interesse, objectivamente comprovada, na celebração definitiva do contrato prometido: é o que claramente resulta do art. 808º do CC. Outrossim, que tal atitude pudesse ser interpretada como vontade inequívoca de não querer jamais celebrar o contrato prometido.</font><br>
<font> Temos, assim, que o R. não deixou de cumprir o contrato-promessa em resultado da sua ausência no Cartório Notarial, afastada que está, por falta de qualquer alegação nesse sentido, perda de interesse. Igualmente não foi alegado (e, portanto, nem sequer passou pelo crivo da prova) que tal comportamento traduzisse uma forma (tácita embora) de vontade no incumprimento.</font><br>
<font> O que aconteceu, como já ficou referido, é que, logo de seguida, a firma foi declarada falida, facto que, tendo em devida conta o preceituado no art. 164º-A do CPEREF (D.-L. nº 315/98, de 20 de Outubro), determinou automaticamente a extinção do dito contrato-promessa.</font><br>
<font> A partir de então, tornou-se impossível, de parte a parte, o cumprimento do invocado contrato-promessa.</font><br>
<font> Como salienta Baptista Machado, se uma qualquer circunstância obsta à produção do resultado, pode dizer-se que se verifica uma «impossibilidade de cumprimento». </font><br>
<font> E acrescenta, ainda:</font><br>
<font> “A prestação tem de ser considerada no contexto do programa obrigacional e em função deste. Se este programa não pode ser implantado, a prestação torna-se impossível: impossível como prestação capaz de implementar tal programa, de proporcionar certo resultado ao credor. Uma prestação feita abstraindo deste contexto, como simples ritual que «não cumpre ou implementa um dado programa obrigacional, já não será a prestação devida, mas sim um </font><i><font>aliud</font></i><font>…</font><br>
<font> A implementação de um programa obrigacional (cumprimento) enquanto </font><i><font>resultado</font></i><font> não depende apenas daquilo que o devedor deve e pode fazer (e por que responde): depende também de circunstâncias alheias ao poder do devedor” (</font><i><font>in</font></i><font> Obra Dispersa, Vol. I, A Resolução Por Incumprimento e a Indemnização, pág. 264 e ss.).</font><br>
<font> Daí que Ana Prata, na linha argumentativa explanada, venha defender que “prometida a venda de certo bem imóvel para proceder o promitente-comprador à sua desocupação e demolição, a ulterior publicação de um diploma legal que suspenda o direito de demolição constitui facto impeditivo da realização do fim contratual pretendido e, por isso, impossibilitador do cumprimento” (</font><i><font>in</font></i><font> O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil - Reimpressão -, pág. 666). </font><br>
<font> Por via da injunção legal referida, o contrato-promessa extinguiu-se e isso arrastou, a impossibilidade de cumprimento das obrigações assumidas pelo R. (só as dele é que, como é evidente, que estão em apreciação), em bloco.</font><br>
<font> Pretendem, agora, os recorrentes autonomizar a adenda do mais estipulado no contrato-promessa.</font><br>
<font> Sem qualquer razão, como mui bem decidiram as instâncias.</font><br>
<font> O que consta da adenda faz parte integrante do contrato-promessa a partir do momento em que a mesma foi alcançada pelas partes –“que esta cessão será feita com todos os correspondentes direitos e obrigações das quotas cedidas, nomeadamente a obrigação por parte do segundo outorgante EE de substituir os primeiros outorgantes CC e CC em todos os avales…”.</font><br>
<font> A razão que determinou a impossibilidade de cumprimento de uma parte do contrato – sublinhe-se, mais uma vez, que à data da declaração de falência, o contrato não tinha sido incumprido pelo R. – é precisamente a mesma que não permite que o mais seja exigido.</font><br>
<font> Deixando de existir a razão pela qual o contrato-promessa não pôde ser cumprido – sua extinção </font><i><font>ope legis</font></i><font> – por que bulas ficaria o R. com a obrigação de pagar os montantes que foram exigidos nas diversas execuções aos AA. por virtude de terem avalizados os títulos? </font><br>
<font>Qual a causa de tal hipotética obrigação? </font><br>
<font>Avalizaria ele os títulos que serviram de base às diversas execuções, independentemente de qualquer contrapartida?</font><br>
<font>Claro que não.</font><br>
<font>Ele só se comprometeu a “atravessar a sua assinatura”, passando a avalizar as dívidas da firma de cujas quotas foi um promitente-comprador, prevendo que o negócio acabaria por ser celebrado: este é o sentido – diremos mesmo único – que se pode tirar do contexto da adenda referida.</font><br>
<font>Já vimos que o negócio se tornou impossível: desequilibrado ficaria o prato da balança contratual se, sem qualquer obrigação, assumisse o R. as ditas dívidas, a não ser que se admitisse como certo o enriquecimento sem causa dos AA..</font><br>
<font>Definitivamente, ao contrário do que os AA. vieram a juízo dizer, não há nenhuma autonomia entre a adenda e o demais contratualizado entre os AA. maridos e o R. atinente à promessa de cessão de quotas da firma AC Lª.</font><br>
<font>A dita adenda, depois de elaborada, passou a fazer parte integrante do contrato e este passou a ser visto como um todo.</font><br>
<font>Extinto, por força de lei, o contrato-promessa no seu todo, acabaram-se as obrigações de parte a parte, quaisquer que elas fossem.</font><br>
<font>Adiante, pois.</font><br>
<font>É um facto que a Lei e a Justiça impõem o respeito pelos contratos firmados – </font><i><font>pacta sunt servanta</font></i><font>. O art. 406º do CC determina mesmo que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, mas daí não se tira – não se pode tirar – que independentemente do que aconteceu, o R. seja obrigado a cumprir, entregando aos AA. os montantes correspondentes aos avales por estes prestados à firma, sendo certo que nenhuma contrapartida pode tirar.</font><br>
<i><font>Est modus in rebus</font></i><font>: esquecem-se os AA. da solução legal (equilibrada) dada ao caso da existência de contrato-promessa (interessa-nos apenas aqui os meramente obrigacionais) à data da declaração de falência e está tudo dito.</font><br>
<font>Perante a impossibilidade legal de o contrato-promessa ser cumprido, as obrigações sinalagmáticas derivadas do contrato-promessa extinguiram-se, não mais sendo exigível a cada um das partes o cumprimento da respectiva obrigação (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 790º, nº 1 do CC).</font><br>
<font>O que os AA.-recorrentes podiam ter em devida conta era até o preceituado no art. 795º do CC na medida em que, por virtude da extinção do contrato-promessa, sempre seriam obrigados a restituir ao R. o que dele receberam. Isso, porém, é algo estranho ao processo e só é aqui salientado para cimentar a ideia da total extinção, com todas as suas consequência, do contrato-promessa em causa, tido o mesmo na sua globalidade.</font><br>
<font>Como é possível defender que, perante a declaração de falência da firma, que arrastou consigo a extinção do contrato-promessa na sua totalidade (a adenda logo que elaborada passou a fazer parte integrante do mesmo), deixasse de haver obrigações dos AA., enquanto promitentes-cedentes, e só se responsabilizasse o R. pelo cumprimento dessa adenda, que já não da parte nobre do que foi entre eles clausulado.</font><br>
<font>Não | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XzKmu4YBgYBz1XKvFCdl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os executados AA, BB, CC e DD, residentes no Bairro de S. D..., Guarda, deduziram as presentes oposições à execução, constantes dos apensos A e B, contra a exequente “Caja de Ahorros de S... Y S... – Sucursal Operativa”, com domicílio na Av. ... de O..., ... D, Lisboa, solicitando que, na sua procedência, seja declarada a sua absolvição do pedido executivo formulado nos autos principais.</font>
</p><p><font>Com vista a alcançar o fim pretendido, alegam todos os executados, em suma, que a exequente não tem legitimidade para a execução, por não ser a entidade beneficiária que consta da livrança, nem haver justificado a posse do título, por qualquer série de endossos.</font>
</p><p><font> Por outro lado, os executados assinaram a livrança em branco, presumindo-se que o seu preenchimento pela exequente tenha sido em consonância com o contrato de crédito que lhe serve de causa subjacente, sendo certo, contudo, que as cláusulas desse contrato não foram objecto de prévia negociação com os executados, que se limitaram a aceitá-las e subscrevê-las, sem que as mesmas lhes tivessem sido explicadas, assim como não receberam cópia do contrato, com a consequente nulidade das respectivas cláusulas contratuais.</font>
</p><p><font>Na sua contestação, a exequente conclui pela improcedência das oposições à execução, afirmando não existir qualquer ilegitimidade da sua parte, e ainda que irreleva a defesa apresentada pelos executados, sobretudo, quanto à validade do contrato subjacente, impugnando, também, motivadamente, a generalidade da matéria alegada pelos mesmos.</font>
</p><p><font>No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade da exequente.</font>
</p><p><font>A sentença julgou a oposição à execução, referente ao apenso A, totalmente, procedente, e a oposição à execução, relativa ao apenso B, parcialmente, procedente e, em consequência, determinou a extinção dos autos principais de execução quanto aos executados AA, BB e DD, ordenando, porém, o seu prosseguimento, apenas, contra o restante executado, CC.</font>
</p><p><font>Desta sentença, a exequente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, em função do que revogou a decisão impugnada, na parte em que determinou a extinção da execução quanto aos executados AA, BB e DD, podendo a mesma prosseguir contra todos os executados.</font>
</p><p><font>Deste acórdão da Relação de Coimbra, os executados AA, BB e DD interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que acolha as razões por si invocadas, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – A</font><b><font> </font></b><font>aqui recorrente DD (como bem resulta dos factos dados como provados e dos documentos constantes dos presentes autos) interveio como mutuária no acordo designado por "contrato de abertura de crédito conta-corrente (pessoas singulares)";</font>
</p><p><font>2ª - Não se encontra dado como provado que as cláusulas que fazem parte de tal contrato tenham sido explicadas à aqui recorrente DD (mutuária de tal contrato de abertura de crédito, percute-se);</font>
</p><p><font>3ª - Por isso que, aceitando os próprios ensinamentos do Acórdão aqui em apreço («tal explicação tinha que ser dada ao beneficiário do contrato de abertura de crédito e não a eles na qualidade de avalistas, que eram estranhos ao contrato de abertura de crédito»)</font><i><font>, </font></i><font>parecer ser lógico concluir que, pelo menos quanto à recorrente DD não pode a execução prosseguir,</font>
</p><p><font>4ª - Isto porquanto sendo esta mutuária do contrato com base no qual foi preenchida a livrança dada à execução, e não resultando provado que lhe hajam sido explicadas as cláusulas constantes de tal contrato, não podiam tais cláusulas servir já de legitimação para o preenchimento da livrança dada à execução;</font>
</p><p><font>5ª - Podem definir-se cláusulas contratuais gerais como estipulações predispostas ou predefinidas, em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco - sem negociação individualizada capaz de influir na modelação do respectivo conteúdo - ou possibilidade de alterações singulares - pré-formulação, generalidade e imodificabilidade são, pois, as suas características essenciais;</font>
</p><p><font>6ª - Daí que não seja difícil concluir que, in casu,</font><i><font> </font></i><font>estamos perante um nítido contrato de adesão: celebrado com base em cláusulas gerais previamente redigidas (pela apelante), a que a contraparte (os apelados) se limita a aderir, sem qualquer possibilidade de as alterar;</font>
</p><p><font>7ª - Ora, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista dum contrato devam considerar-se parte integrante dele é necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial;</font>
</p><p><font>8ª - Nesta conformidade a generalidade da doutrina e da jurisprudência entendem que o dever de comunicação não se cumpre pela mera comunicação para que as condições gerais se consideram incluídas no contrato singular,</font>
</p><p><font>9ª - Sendo, outrossim, necessário para que esta inclusão se verifique e aquele dever se concretize, que, antes da conclusão do contrato, a comunicação se efective e seja de molde a proporcionar à contraparte a possibilidade e um conhecimento completo e real do conteúdo do clausulado;</font>
</p><p><font>10ª - No caso dos autos as cláusulas do contrato de abertura de crédito (com base nas quais foi preenchida a livrança dada à execução) não foram explicadas à aqui recorrente DD (que interveio como mutuária no dito contrato de abertura de crédito);</font>
</p><p><font>11ª - Tais cláusulas (di-lo expressamente o Acórdão revidendo) deviam ser explicadas aos beneficiários do contrato de abertura de crédito;</font>
</p><p><font>12ª - Por isso, se o não foram relativamente a um dos beneficiários/avalizados, são as ditas cláusulas contratuais nulas;</font>
</p><p><font>13ª - E, sendo nulas tais cláusulas contratuais, não podiam as mesmas servir de base legitimamente para o preenchimento da livrança dada à execução;</font>
</p><p><font>14ª - O Acórdão revidendo violou, entre outras, as normas dos arts. 5</font><sup><font>o</font></sup><font>, 6</font><sup><font>o</font></sup><font> e 8°, do DL n° 446/85, de 25 de Outubro.</font>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. No dia 22 de Dezembro de 2006, os executados CC e DD apuseram a sua assinatura como “mutuários” e os executados AA e BB apuseram a sua assinatura como “avalistas”, todos no acordo designado por “contrato de abertura de crédito – conta corrente (pessoas singulares)”, em que a entidade mutuante é “Caja de Ahorros de S... Y S... (Caja Duero)”, tudo conforme consta de folhas 21 a 27, que se deram por, integralmente, reproduzidas – A).</font>
</p><p><font>2. Os executados CC e DD apuseram a sua assinatura como subscritores da livrança dada à execução nos autos principais, que apresenta o valor de €62.788,75 e data de vencimento de 16 de Outubro de 2009 - B).</font>
</p><p><font>3. E, no verso da mesma livrança, os executados AA e BB apuseram a sua assinatura, declarando dar o seu aval aos aludidos subscritores CC e DD - C).</font>
</p><p><font>4. A livrança, mencionada em B) e C), foi assinada por todos os executados, CC, DD, AA e BB, sem que dela constasse ainda o respectivo local e data de emissão, o valor, a importância ou a data de vencimento, tendo estes elementos sido apostos, posteriormente, pela exequente - D).</font>
</p><p><font>5. Tais assinaturas dos executados foram, assim, efectuadas, em cumprimento da cláusula 11, als. a) e b) do acordo, referido em A), segundo as quais, “Para garantia do bom pagamento de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato, os mutuários entregam à Caja uma livrança em branco por si subscrita, avalizada pelas restantes pessoas atrás identificadas”, e “em caso de falta de cumprimento do presente contrato, fica a Caja desde já autorizada a preencher e descontar a referida livrança, pelo valor que lhe for devido, conforme o preceituado neste contrato, a fixar as datas de emissão e de vencimento, a designar o local de pagamento, bem como a proceder ao débito na conta de depósitos à ordem dos mutuários pelo valor devido a título de imposto de selo.” - E).</font>
</p><p><font>6. As cláusulas constantes do acordo, referido em A), foram elaboradas e minutadas, exclusivamente, pela exequente, sem que tivessem sido objecto de prévia negociação com os executados, tendo-se estes últimos limitado a aceitá-las e subscrevê-las - F).</font>
</p><p><font>7. As cláusulas do acordo, mencionado em A), foram, previamente, explicadas pela exequente ao executado CC – 1º.</font>
</p><p><font>8. Consta, igualmente, do verso da livrança exequenda a assinatura de cada um dos executados, CC e DD, precedidas da menção “Dou o meu aval aos subscritores” – Documentos de folhas 106 e 107.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, consiste em saber se ocorre a situação de falta de legitimidade da exequente para o preenchimento da livrança exequenda, devido à nulidade das cláusulas contratuais, por não terem ser explicadas à mutuária DD, beneficiária do contrato de abertura de crédito, e nesta qualidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> DA NULDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CONSEQUÊNCIAS</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. O núcleo central do objecto do recurso de revista contende com a alegada nulidade das cláusulas contratuais, por não terem sido explicadas à mutuária DD, beneficiária do contrato de abertura de crédito, e nessa qualidade, com a consequente falta de legitimidade da exequente para o preenchimento da livrança exequenda.</font>
</p><p><font>Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, impõe-se reter que os executados CC e DD apuseram as suas assinaturas como mutuários e os executados AA e BB como avalistas, respectivamente, em relação a um designado contrato de abertura de crédito em conta corrente de pessoas singulares, em que figurou como mutuante a exequente “Caja de Ahorros de S... Y S... (Caja Duero)”, tendo aqueles executados mutuários, CC e DD, aposto ainda a sua assinatura como subscritores da mencionada livrança, no valor de €62.788,75, com data de vencimento de 16 de Outubro de 2009, no verso da qual os executados AA e BB colocaram a sua assinatura, declarando dar o seu aval aos aludidos subscritores, CC e DD.</font>
</p><p><font>Esta livrança foi assinada por todos os executados, sem que, nessa ocasião, dela ainda constasse o respectivo local e data de emissão, o valor, a importância ou a data de vencimento, tendo estes elementos sido apostos, posteriormente, pela exequente, de acordo com o clausulado no contrato.</font>
</p><p><font>Porém, os termos constantes do denominado contrato de abertura de crédito em conta corrente de pessoas singulares foram elaborados e minutados, exclusivamente, pela exequente, sem que tivessem sido objecto de prévia negociação com os executados, tendo-se estes últimos limitado a aceitá-los e a subscrevê-los, sem embargo de haverem sido, previamente, explicados pela exequente, tão-só, ao executado CC.</font>
</p><p><font>Constam, igualmente, do verso da livrança exequenda as assinaturas de cada um dos executados, CC e DD, precedidas da menção “dou o meu aval aos subscritores”.</font>
</p><p><font>2. Assim sendo, os executados CC e DD subscreveram, mas estes e os demais executados, AA e BB, avalizaram a aludida livrança, que continha as respectivas assinaturas, apostas num título com a designação expressa de «livrança», efectuadas com intenção de contrair uma obrigação cambiária, mas a que lhe faltavam alguns dos outros requisitos, a que se reporta o artigo 75º, nºs 3, 4, 5 e 6, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL), ou seja, o respectivo local e data de emissão, o valor, a importância e a data de vencimento, tendo todos estes elementos sido apostos, posteriormente, pela exequente, de acordo com o clausulado pelas partes.</font>
</p><p><font>A livrança em branco é aquela a que falta algum dos requisitos indicados pelos artigos 1º e 77º, da LULL, mas que incorpora, pelo menos, uma assinatura efectuada com a intenção de contrair uma obrigação cambiária.</font>
</p><p><font>A livrança, assim passada, deve ser entregue pelo subscritor ao credor, constituindo, então, ainda uma livrança incompleta, que só se transforma numa livrança em branco quando o subscritor confere ao credor autorização para o seu preenchimento</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, podendo, então, conjuntamente com a assinatura e a sua entrega pretéritas, ser lançada em circulação</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Com efeito, os executados, para garantia do débito resultante do contrato de abertura de crédito em conta corrente, entregaram ao Banco exequente uma livrança, previamente, subscrita pelos executados CC e DD, autorizando-o a proceder ao seu completo preenchimento, em obediência às condições ajustadas pelas partes, ou seja, fixando o seu vencimento e apresentando-a a desconto ou a pagamento, pelo valor total das importâncias em dívida, até ao limite do crédito aberto, a qual foi, também, antecipadamente, avalizada por todos os executados.</font>
</p><p><font>Assim sendo, tendo a livrança sido, posteriormente, preenchida pela exequente, nos termos acordados, em conformidade com o estipulado pelo artigo 75º, da LULL, passou a produzir todos os efeitos que lhe são próprios, não sendo necessário que contenha já a totalidade dos seus requisitos constitutivos, no momento de ser passada.</font>
</p><p><font>Ora, quem emite uma livrança em branco atribui aquele a quem a entrega o direito de a completar, em certos e determinados termos, pelo que o preenchimento da mesma só é abusivo se for efectuado com desrespeito pelo contrato de preenchimento.</font>
</p><p><font>Embora a eficácia da livrança fique dependente do seu preenchimento, a obrigação cambiária por ela titulada considera-se constituída, desde o momento da sua assinatura e entrega.</font>
</p><p><font>3. Assim sendo, os executados CC e DD subscreveram e todos os quatro executados avalizaram uma livrança em branco, relativamente à qual não deduziram a excepção do seu preenchimento abusivo, por parte da exequente, muito embora lhe imputem a falta de legitimidade para o seu preenchimento, devido à nulidade das cláusulas contratuais contidas no negócio subjacente, por não terem sido explicadas à mutuária DD, enquanto beneficiária do contrato de abertura de crédito.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o aval de livrança consiste numa garantia dada por um terceiro ou por um signatário da mesma, isto é, por quem já seja obrigado cambiário, quanto ao seu pagamento pelo subscritor, ou seja, o avalizado, atento o estipulado pelos artigos 30º, nº 2, 32º, nº 4 e 77º, nº 3, da LULL.</font>
</p><p><font>Assim, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele avalizada, ficando o avalista na situação do devedor cambiário perante aqueles subscritores em face dos quais o avalizado é responsável e, na mesma medida em que este o seja, respondendo, solidariamente, com os demais subscritores, em virtude do disposto pelos artigos 32º, nº 1, 47º, nº 1 e 77º, nº 3, todos da LULL.</font>
</p><p><font>Porém, o aval dado pelo subscritor da livrança, tal como acontece com o aceitante de letra, não tem valor, porquanto este é o principal obrigado da relação cambiária, responsável perante todos os demais signatários, sendo certo que o aval só pode ter utilidade pratica de for dado a um signatário cuja responsabilidade seja mais onerosa</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>4. 1. Na verdade, ficou provado, como já se disse, que as cláusulas do contrato de abertura de crédito foram, previamente, explicadas pela exequente, apenas, ao executado CC.</font>
</p><p><font>A relação subjacente à obrigação cambiária consiste num contrato de mútuo bancário oneroso, na modalidade de contrato de abertura de crédito ou financiamento ao consumo, regulado pelos artigos 2º, nº 1, a), b) e c), e 3º, «a contrario sensu», do DL nº 359/91, de 21 de Setembro, vigente à data da sua celebração, que teve lugar ao abrigo do princípio da liberdade contratual.</font>
</p><p><font>A liberdade contratual vem definida, no artigo 405º, nºs1 e 2, do Código Civil (CC), como sendo a faculdade que as partes têm de fixar, livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, e bem assim como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente, regulados na lei.</font>
</p><p><font>Embora o principio da autonomia da vontade encontre a sua máxima expressão, nas figuras do contrato de tipo clássico, existem hoje novas categorias contratuais, que se individualizam pelas particularidades do seu modo formativo e pela maior ou menor debilitação do aspecto voluntarista, como acontece, entre outros, com os contratos bancários, que se incluem nos denominados contratos de adesão, em que a liberdade dos contraentes quase se elimina, tornando-se problemática a inclusão de tais hipóteses no conceito de contrato, em que os consumidores são indeterminados, limitando-se a aceitar ou a rejeitar o contrato proposto e o respectivo clausulado constante de modelo impresso, prévia e unilateralmente, redigido para todos, que não têm hipótese de o discutir</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Com vista a combater estes desvios ao principio da liberdade contratual, na tentativa de conciliar o legitimo interesse das empresas na racionalização dos seus negócios e na adequação dos regimes dos contratos à crescente especialização da actividade comercial, com as exigências da justiça comutativa e da protecção devida à parte económica ou, socialmente, mais fraca, surgiu, na legislação portuguesa, o DL nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 220/95, de 31 de Agosto, que consagrou o regime das «cláusulas contratuais gerais», sujeitando-as a uma disciplina tendente à defesa dos aderentes a contratos onde figurassem cláusulas desse tipo.</font>
</p><p><font>Tratou-se de uma resposta normativa à instauração, por iniciativa privada, de uma ordem contratual, significativamente, divergente dos critérios legais de uma equilibrada composição de interesses, em prejuízo de um amplo círculo de contraentes</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Com efeito, quando as pessoas estão dotadas de capacidade negocial, de modo a poderem participar no tráfico jurídico, devem respeitar, não obstante, na conformação das suas relações jurídicas privadas, os limites legais impostos quanto aos respectivos negócios jurídicos em que intervenham, porquanto a autonomia privada, a que se reporta o artigo 405º, nº 1, do CC, apenas pode ser exercida «dentro dos limites da lei».</font>
</p><p><font>Dispõe, neste particular, o artigo 6º, nº 1, do já aludido DL nº 446/85, de 25 de Outubro, que “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”, acrescentando o respectivo nº 2 que “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.</font>
</p><p><font>4. 2. Por outro lado, o contrato de crédito em que a entidade bancária não cumpra a obrigação de entregar ao consumidor um exemplar escrito do mesmo, no momento da respectiva assinatura, está ferido de nulidade, presumindo-se imputável ao credor a inobservância daquele requisito, sendo certo que a respectiva invalidade só pode ser invocada pelo consumidor [invalidade mista], atento o disposto pelo artigo 7º, nºs 1 e 4, do DL nº 359/91, de 21 de Setembro.</font><br>
<font>E o artigo 294º, do CC, estatui que “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.</font><br>
<font>O princípio geral da nulidade dos negócios jurídicos celebrados contra a lei não é absoluto, porquanto é o próprio normativo acabado de transcrever que exceptua deste regime-regra aquelas hipóteses em que outra solução resulte da lei, devidamente interpretada, como é o caso, mesmo sem texto que assim o declare, em que dos termos da norma ou de quaisquer outros factores atendíveis na sua interpretação, se possa concluir, com suficiente grau de probabilidade, resultar pouco adequada a sanção da nulidade, atendendo aos interesses em presença e ao fim prosseguido pelo legislador, como reacção, em determinada situação, à violação de uma norma injuntiva.</font><br>
<font>É que o negócio nulo não produz, «ad initio», por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, as consequências a que tendia, porquanto o regime e os efeitos mais severos da nulidade encontram o seu fundamento teleológico, em motivos de interesse público predominante, ao passo que as anulabilidades se fundam na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses, primacialmente, particulares</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Porém, existem outras situações em que à nulidade textual cominada na lei se justifica a atribuição de um regime misto de nulidade e de anulabilidade, um regime de invalidade mista mais adequado aos interesses que constituem a matéria da respectiva regulamentação e às exigências da justiça, designadamente, nas hipóteses consagradas pelos artigos 410º, nº 3 [regime aplicável às formalidades da promessa de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele], 877º [venda a filhos ou netos], 892º e 895º [nulidade da venda com convalidação do contrato] e 1939º, nºs 1 e 2 [nulidade dos actos praticados pelo tutor]</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>A este propósito, importa, desde já, reter dois princípios fundamentais na matéria, quais sejam, em primeiro lugar, que as formalidades legais de qualquer declaração são, por via de regra, formalidades «ad substantiam», e, em segundo lugar, que a inobservância de forma legal da declaração negocial só origina a nulidade, quando outra não seja a sanção, especialmente, prevista na lei, de harmonia com o preceituado pelo artigo 220º, do CC</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Efectivamente, impõe-se ainda distinguir a «forma» das «formalidades», pois que aquela é o corpo de uma certa exteriorização da vontade ou a própria exteriorização em si mesma, enquanto que as formalidades não exprimem a vontade negocial em si, antes se exigindo para o surgimento válido de certos negócios jurídicos</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Prevendo a lei, expressamente, a sanção da nulidade para «os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo», como decorre do disposto no já citado artigo 294º, do CC, o legislador reservou a aplicação desse regime mais rigoroso para determinadas situações, sendo, por isso, difícil encontrar hipóteses em que se possa falar de mero erro do legislador na qualificação estabelecida</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>No caso em apreço, como já se disse, é a própria lei que comina para a falta de entrega de um exemplar do contrato de crédito ao consumidor, no momento da respectiva assinatura, a sanção da invalidade mista e, portanto, não a sanção da nulidade típica ou absoluta e, como tal, insanável.</font><br>
<font>A isto acresce, como já se disse, que o artigo 6º, nº 1, do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, preceitua que “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”, acrescentando o respectivo nº 2 que “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.</font><br>
<font>Ora, não se provou, porque, desde logo, tal não foi alegado pelos executados, quais os aspectos compreendidos nas aludidas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava, nem quais tenham sido os esclarecimentos razoáveis por eles solicitados e que a exequente não haja satisfeito.</font><br>
<font>Assim, tendo ficado demonstrado que as cláusulas do contrato foram, previamente, explicadas pela exequente, apenas, ao executado CC, e não à executada DD, também, beneficiária do mútuo, face a tudo o que acabado ficou de dizer, não ocorre a nulidade, por omissão dessa formalidade, que vicie o contrato ou qualquer uma das suas cláusulas, em relação à executada DD.</font><br>
<font>5. Relativamente aos executados AA e BB, avalistas do executado CC, a quem foram explicadas as respectivas cláusulas contratuais, não sendo aqueles sujeitos das relações jurídicas existentes entre o portador e o subscritor da livrança, mas, tão-só, sujeitos da relação cambiária do aval, não poderão os mesmos invocar as excepções do avalizado perante o portador, com ressalva do que ao aval, directamente, diga respeito, a menos que tenham assumido intervenção no pacto de preenchimento, desde que se trate de um título cambiário que se encontre no âmbito das relações imediatas.</font><br>
<font>E o contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes acordam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação dos juros, etc</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Ora, considerando que todos os executados intervieram no contrato de abertura de crédito, na qualidade de avalistas dos subscritores, encontrando-se a situação no domínio das relações imediatas, poderiam os avalistas opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções que ao avalizado CC seria lícito invocar, nomeadamente, a excepção do preenchimento abusivo, ou a excepção decorrente da celebração do contrato subjacente à relação cambiária, como seja a falta de explicação das cláusulas do contrato de abertura de crédito.</font><br>
<font>Porém, tendo as cláusulas contratuais sido, previamente, explicadas pela exequente ao subscritor CC, não obstante o não terem sido aos avalistas, não podem estes prevalecer-se dessa eventual nulidade, incluindo a executada DD, por não se ter verficado, sendo, assim, todos responsáveis, em forma solidária, para com a exequente, pelo cumprimento da obrigação exequenda, nos termos do estipulado pelos artigos 47º, nº 1 e 77º, nºs 1 e 3, da LULL. </font><br>
<font>6. Por seu turno, relativamente aos executados AA e BB, preceitua o artigo 32º, nº 1, da LULL, que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada”, continuando o respectivo nº 2 a preceituar que “a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma”.</font><br>
<font>De facto, não é possível conceber, quanto à obrigação do subscritor, uma nulidade por vício de forma que não comprometa, ao mesmo tempo, a própria existência da livrança, como acontece com a falta de assinatura do subscritor, porque se trata de menções essenciais da declaração de vontade da pessoa que cria ou emite a livrança, de requisitos essenciais desta, condições de que depende a sua existência.</font><br>
<font>Assim sendo, não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente à executada subscritora DD, por parte da exequente, nem a falta de entrega de uma cópia do contrato à mesma com a respectiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade, por vício de forma, compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Deste modo, a livrança subscrita em branco e com aval incompleto, para garantia das responsabilidades decorrentes do contrato de mútuo bancário para crédito ao consumo que lhe estava subjacente, constitui titulo executivo válido, em conformidade com o disposto pelos artigos 10º e 77º, da LULL, e 46º do CPC, relativamente a todos os executados.</font>
</p><p><font>Não colhem, assim, as conclusões constantes das alegações da revista dos executados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>CONCLUSÕES:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I - O aval dado pelo subscritor da livrança, tal como acontece com o aceitante de letra, não tem valor, porquanto este é o principal obrigado da relação cambiária, responsável perante todos os demais signatários, sendo certo que o aval só pode ter utilidade pratica se for dado a um signatário cuja responsabilidade seja mais onerosa.</font><br>
<font>II – Não se provando quais os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava, nem quais tenham sido os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo executado, alegadamente, afectado com elas e que o proponente não haja satisfeito, antes tendo ficado demonstrado que as cláusulas do contrato foram, previamente, explicadas por este a um outro beneficiário do mútuo oriundo de um contrato de abertura de crédito, também, executado, não ocorre a nulidade, por omissão dessa formalidade, que vicie o contrato ou qualquer uma das suas cláusulas, em relação ao executado a quem não foi concedida a explicação.</font><br>
<font>III - Intervindo todos os executados como avalistas dos subscritores, no domínio das relações imediatas, poderiam opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções que aos avalizados subscritores seria lícito invocar.</font><br>
<font>IV - Não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente ao subscritor de uma livrança, nem a falta da entrega de uma cópia do contrato ao mesmo com a respectiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade por vício de forma compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título.</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>DECISÃO</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o douto acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> &n | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XzKzu4YBgYBz1XKvEDJh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>I.</font></b><br>
<font>AA-Comércio de Automóveis Lª intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, acção ordinária, contra BB -Comércio de Automóveis, S. A., pedindo a sua condenação no pagamento de 85.102,62 €, a título de indemnização de clientela, e 11.995,30 €, relativamente ao custo que suportou de materiais adquiridos, bem como 4.165,26 €, de custos de obras efectuadas, tudo tendo em conta o contrato que ambas celebraram, e que, posteriormente, foi denunciado por esta.</font><br>
<font>A R. defendeu-se, pedindo a sua absolvição, impugnando, para tanto, parte da factualidade vertida na petição e alegando que a denúncia ocorreu por virtude da nova legislação comunitária.</font><br>
<font>Seguiu-se a réplica e toda a demais tramitação normal até julgamento, e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, a condenar a R. no pagamento à A. de 21.275,65 € e juros, a título de indemnização de clientela.</font><br>
<br>
<font>Ambas as partes manifestaram desacordo com o julgado e daí que tivessem apelado para o Tribunal da Relação do Porto, com vista a fazer vingar pretensões diametralmente opostas: a A. pretendendo obter ganho total de causa; a R., batendo-se pela absolvição pura e simples ou, no caso de condenação por virtude do reconhecimento do direito à indemnização de clientela, que esta seja fixada noutros moldes, com alteração de parte da factualidade dada como provada.</font><br>
<br>
<font>A Relação do Porto negou provimento à apelação da A. e deu parcial razão à R., absolvendo-a do pedido de indemnização a que havia sido condenada.</font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, eis que a A. pede revista a coberto das conclusões seguintes:</font><br>
<font>- O contrato celebrado entre A. e R. qualifica-se como um contrato atípico de sub-concessão comercial, ao qual se aplicam, por analogia, as regras do contrato de agência, previstas no Decreto-Lei nº 178/86, de 03.07, desde logo, as regras respeitantes à indemnização de clientela e ao respectivo cálculo, constantes dos artigos 33° e 34° do mencionado diploma. </font><br>
<font>- O acórdão recorrido considerou, e bem, que a R. beneficiou da clientela que a A. fidelizou e angariou, a quem revende, após a cessação do contrato de sub-concessão, veículos adquiridos ao Importador, com o qual, aliás, a R. outorgou novo contrato de concessão. </font><br>
<font>- Ocorreu, nesse contexto, após a cessação do contrato de sub-concessão, uma transferência da clientela da R. para a A., nas circunstâncias supra referidas, pelo que se encontra preenchido o requisito da angariação de novos clientes para a R., a que alude a primeira parte da alínea a) do nº 1 do artigo 33° do Decreto-Lei nº 178/86, de 03.07. </font><br>
<font>- O acórdão recorrido considerou igualmente, e bem, que se mostra preenchido o requisito negativo a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 33° do mencionado diploma, na medida em que, após o termo do contrato, não existiu qualquer acordo entre a A. e a R. no sentido desta continuar a pagar àquela uma certa quantia pelas operações negociais que levasse a efeito com os clientes angariados pela A.. </font><br>
<font>- A consagração legal da indemnização de clientela exprime fundamentalmente uma preocupação de justiça, dirigida à protecção do interesse ou posição do agente, enquanto intermediário ou auxiliar no circuito de distribuição de bens ou serviços, em face de um resultado típico valorado pelo ordenamento como desvalioso. </font><br>
<font>- Esse resultado desvalioso consiste na privação, suscitada pelo termo do contrato, da possibilidade de o agente continuar a participar no aproveitamento do excedente produtivo gerado pelo fluxo de trocas com a clientela angariada e desenvolvida à custa do risco económico que suportou e através de uma actividade fortemente condicionada pela contraparte. </font><br>
<font>- Esta indemnização visa compensar o agente da actividade por si desenvolvida e de que o principal veio a beneficiar; é o ressarcimento de uma mais valia acrescida colocada ao serviço do principal, criada ou incrementada pelo esforço do agente. </font><br>
<font>- No que respeita aos benefícios a auferir pelo principal, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 33° do Decreto-Lei nº 198/86, de 03.07, não se mostra necessário que eles tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma </font><i><font>chance</font></i><font> para o principal. </font><br>
<font>- A recorrente não tinha qualquer possibilidade de diferenciar “os negócios eventualmente celebrados ou perspectivados celebrar de forma a ser possível a emissão de um juízo de prognose conducente à verificação ou não do requisito em análise”, como exigido pelo acórdão recorrido, uma vez que tais factos respeitam à actividade comercial da recorrida e a recorrente não tem conhecimento dos mesmos. </font><br>
<font>- Será, por isso, adequado fazer intervir aqui a presunção (natural ou judicial, na medida em que corresponde às máximas da experiência do mundo dos negócios) de que um aumento, reputado considerável, da procura dirigida à empresa se virá a traduzir em benefícios, também consideráveis, para o empresário. </font><br>
<font>- A recorrente logrou provar que em virtude do mérito com que exercia a sua actividade, conseguiu fidelizar, à marca Toyota e ao seu estabelecimento, diversos clientes com os quais sabia poder contar no futuro. </font><br>
<font>- Ficou igualmente provado que, ao longo de dezassete anos de duração do contrato de sub-concessão comercial estipulado entre a A. e a R., a A., com enorme esforço e de forma ininterrupta, angariou e fidelizou diversos clientes, a quem, desde 1 de Outubro de 2003, a R. revende veículos automóveis que continua a adquirir ao Importador; </font><br>
<font>- Nestas específicas circunstâncias, é inequívoco que, depois da cessação do contrato, a recorrente deixou uma clientela para os veículos automóveis que a recorrida vende, continuando a recorrida a beneficiar da actividade angariadora e fidelizadora da recorrente. </font><br>
<font>- Nessas mesmas específicas circunstâncias, os benefícios da recorrida com a actividade da recorrente de angariação e fidelização de clientela são necessariamente consideráveis, uma vez que todos os diversos clientes angariados e fidelizados pela recorrente, ao longo de 17 anos de duração do contrato de sub-concessão, passaram a comprar, desde 1 de Outubro de 2003, veículos automóveis "Toyota" à recorrente nos seus estabelecimentos em Oliveira do Douro e em Espinho, sendo certo que, em 1995, a clientela da A. foi directamente disputada pelo próprio Importador à recorrente. </font><br>
<font>- É de presumir que o fluxo de trocas que deu origem à margem média de lucro bruta de € 85.102,62, auferida pela recorrente nos últimos cinco anos de vigência da sub-concessão, se manterá, mas agora apenas no âmbito da actividade de concessionária da recorrida, na medida em que esta, a partir de 1 de Outubro de 2003, passou a revender aos clientes angariados e fidelizados pela recorrente os veículos automóveis que continua a adquirir ao Importador. </font><br>
<font>- Uma vez que a margem de lucro do concessionário é forçosamente superior à do subconcessionário, pode-se admitir com segurança que a actividade desenvolvida pela recorrente traz benefícios consideráveis à recorrida, na medida em que, após o termo da sub-concessão, a recorrida passou a contar com um acréscimo na sua margem de lucro bruta equivalente a um valor médio anual superior a € 85.102,62. </font><br>
<font>- Um acréscimo de valor superior a € 85.102,62 na margem lucro bruta anual da recorrida é, para esta, um benefício considerável, pelo que se encontra igualmente preenchido o requisito previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 33° do Decreto-Lei nº 178/86, de 03.07. </font><br>
<font>- Estão reunidos todos os requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 33° do supra mencionado diploma, para que, por via de aplicação analógica de tal norma ao caso dos autos, seja reconhecido à recorrente o direito ao pagamento de uma indemnização de clientela por parte da recorrida.</font><br>
<font>- Para efeitos de aplicação da norma sobre o cálculo da indemnização de clientela, prevista no artigo 34° do mencionado diploma, importa ter presente que o concessionário não é remunerado, pelo que a indemnização terá de ser calculada em função do rendimento médio anual auferido pelo concessionário durante os últimos cinco anos. </font><br>
<font>- O valor médio dos rendimentos anuais da recorrente, respeitantes aos últimos cinco anos de vigência da sub-concessão, identificados no elenco dos factos provados constante do acórdão recorrido corresponde a € 85.102, 62, pelo que é esse o valor que a recorrida deverá ser condenada a pagar à recorrente a título de indemnização de clientela, à luz do disposto no artigo 34° do diploma legal supra mencionado, acrescido dos juros moratórios legais vencidos e vincendos, a contar da citação. </font><br>
<font>- Com fundamento no disposto no artigo 762°, nº 2, do Código Civil, o princípio da boa fé impõe ao concedente que proceda ao reembolso dos valores dispendidos pelo concessionário, na execução do contrato ou, pelo menos, na reaquisição dos materiais comprados, uma vez que os mesmos deixam de ter qualquer utilidade para o concessionário, após o termo da concessão comercial. </font><br>
<font>- O exercício do direito de denúncia contratual, efectuado pela recorrida, revela-se abusivo, à luz do disposto no artigo 334° do Código Civil, excedendo manifestamente o fim económico e social desse direito, se não for acompanhado da obrigação de satisfazer simultaneamente o equilíbrio das prestações, reembolsando o concessionário das despesas em que incorreu para cumprimento das obrigações contratuais. </font><br>
<font>- Assim, deve igualmente a recorrida ser condenada a pagar à recorrente o valor de € 3.172,36, a título de indemnização pela realização de obras e compra de materiais diversos à recorrida, que deixaram de ter qualquer utilidade para a recorrente uma vez finda a concessão, valor esse que deverá ser acrescido de juros moratórios legais vencidos e vincendos, a contar da citação. </font><br>
<font>- O acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 33°, nº 1, e 34°, ambos do Decreto-Lei nº 178/86,de 03.07, e nos artigos 334° e 762°, nº 2, ambos do Código Civil. </font><br>
<font>- As normas constantes dos artigos 33°, nº 1, e 34°, ambos do Decreto-Lei nº 178/86, de 03.07, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido do reconhecimento do direito da recorrente ao pagamento, pela recorrida, de indemnização de clientela no valor de € 85.102,62. </font><br>
<br>
<font>A recorrida contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão impugnado, sem deixar de alertar para o cometimento de nulidade, por omissão de pronúncia, por parte da Relação do Porto, na medida em que não emitiu qualquer juízo sobre o seu pedido de apreciação do julgamento da matéria de facto constante dos quesitos 14º a 19º, o que fez ao abrigo do disposto no artigo 684º-A, nº 2, do Código de Processo Civil, pedindo, desse modo, a ampliação do objecto do presente recurso.</font><br>
<br>
<font>A recorrente não respondeu a esta pretensão da recorrida.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><br>
<font>Foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1 - A A. é uma empresa que se dedica ao comércio de automóveis.</font><br>
<font>2 - Por escrito denominado "CONTRATO", celebrado em 01 de Agosto de 1989, e assinado pelo representante da sociedade comercial TT, S.A., e a A., foi acordado o seguinte “ (...):</font><br>
<font>ARTIGO 1º</font><br>
<font>A TT, S.A., na qualidade de Concessionário de venda de veículos TOYOTA para o Distrito do Porto, nomeia seu Sub-Agente de vendas de viaturas TOYOTA a Firma AA-COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, Lda., a qual se compromete a ter Stand aberto, situado na Aguda, Concelho de Vila Nova de Gaia, podendo o Sub-Agente vender viaturas para todo o Distrito do Porto.</font><br>
<font>ARTIGO 2°</font><br>
<font>O presente contrato é válido pelo período de UM ANO, com início em 01 de Agosto de 1989, considerando-se automaticamente renovado por período igual ao inicial, se não for denunciado, por qualquer das partes, por carta registada, com antecedência de três meses.</font><br>
<font>ARTIGO 3°</font><br>
<font>O Sub-Agente não poderá estabelecer sem autorização da TT, S.A., contratos oficiais ou particulares com terceiros, pelos quais transfira parte ou a totalidade dos direitos neste contrato referidos, mesmo que limitados à parte da sua área contratual.</font><br>
<font>ARTIGO 4°</font><br>
<font>O Sub-Agente não pode fazer prospecção fora da sua área de vendas, podendo contudo vender para todo o País, desde que os Clientes vão directamente ao Stand, conforme estipula a LEI DA CONCORRÊNCIA. Qualquer infracção neste ponto, e desde que haja reclamação de outro Concessionário, o presente contrato será dado nulo e de nenhum efeito.</font><br>
<font>ARTIGO 5°</font><br>
<font>O Sub-Agente submete-se a todas as normas em vigor na TT, S.A., devendo abrir fichas de todos os clientes, ficando sujeito ao Regulamento do Ficheiro em vigor bem como às cláusulas do contrato de concessão entre a TT, S.A., e o Importador de que tomou conhecimento.</font><br>
<font>ARTIGO 6°</font><br>
<font>O Sub-Agente obriga-se a ter expostas, no seu Stand, sempre viaturas de modelos diversificados, as quais serão fornecidas pela TT, S.A., na medida das suas disponibilidades de stock.</font><br>
<font>ARTIGO 7°</font><br>
<font>Todas as viaturas serão pagas pelo Sub-Agente à TT, S.A., a dinheiro, ou seja, no acto de levantamento e pelo preço que vigorar na altura.</font><br>
<font>ARTIGO 8°</font><br>
<font>O Sub-Agente compromete-se a ter os seus Stands decorados de acordo com as normas do Importador, de que tomou conhecimento.</font><br>
<font>ARTIGO 9°</font><br>
<font>Toda a publicidade exterior de qualquer tipo que o Sub-Agente pretenda fazer tem de ter sempre a aprovação da TT, S.A., ficando o Sub-Agente obrigado a comparticipar na publicidade que a TT, S. A. faça e que seja em proveito do Sub-Agente.</font><br>
<font>ARTIGO 10°</font><br>
<font>As viaturas serão levantadas em Ovar, na Linha de Montagem de BB-I.M.V.T., S.A. ou nas instalações da TT, S.A. e preparadas para vender pelo Sub-Agente, segundo as normas em vigor, ficando a seu cargo qualquer reclamação por má preparação para entrega aos Clientes.</font><br>
<font>ARTIGO 11°</font><br>
<font>A TT, S.A. dará todo o apoio necessário, fornecerá catálogos e material publicitário suficiente ao exercício da actividade do Sub-Agente.</font><br>
<font>ARTIGO 12°</font><br>
<font>A TT, S.A., sempre que achar necessário fixará cotas de viaturas mensais que, obrigatoriamente, o Sub-Agente terá de comprar.</font><br>
<font>ARTIGO 13°</font><br>
<font>O Sub-Agente compromete-se a não vender viaturas da marca, recebidas de outras proveniências que não seja a TT, S. A., desde que para o efeito não tenha obtido prévia autorização.</font><br>
<font>ARTIGO 14°</font><br>
<font>A TT, S.A. poderá sempre que entender exercer fiscalização no Sub-Agente, quer no aspecto de Stand, descontos, política de vendas, etc., obrigando-se o Sub-Agente sempre que chamado à atenção, a cumprir as directrizes impostas pela TT, S.A..ARTIGO 15°</font><br>
<font>Fica vedado ao Sub-Agente vender viaturas novas a outros comerciantes ou a estabelecer canais de vendas fora dos estipulados, conforme já referido no artigo 3°.</font><br>
<font>ARTIGO 16°</font><br>
<font>O Sub-Agente aceita, desde já, qualquer alteração ou aditamento do presente contrato determinado pelas obrigações resultantes daquele que vigorará ou vier a vigorar entre a TT, S.A., e BB-I.M.V.T., S.A. (...).</font><br>
<font>3 - A referida TT, S.A., alterou a sua denominação social para BB-Comércio de Automóveis (Porto), S.A., que foi incorporada, por fusão, na R., R. que faz parte do Grupo BB e os seu presidente do conselho de administração e vogais são, respectivamente, vice-presidente e vogais do conselho de administração da BB, IMTV, S.A..</font><br>
<font>4 - A R., na sua qualidade de concessionária, comprava ao Importador- BB IMVT-S.A. - veículos automóveis de marca Toyota, que depois revendia ao público nos seus estabelecimentos.</font><br>
<font>5 - A BB IMVT, S.A. abriu, em Março de 1990, um estabelecimento na sede, na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, com a designação de DVCI, isto é, Divisão de Veículos Comerciais do Importador, stand com aproximadamente 250 m2, distando cerca de 12 km do stand da A..</font><br>
<font>6 - A partir de Abril de 1995, o Importador passou a comercializar, isto é, a vender directamente ao público, para além de veículos comerciais, veículos ligeiros de passageiros.</font><br>
<font>7 - Em 1995, a BB IMVT, S.A. adquiriu também as instalações da Lagor (a qual era concessionária da Toyota para Espinho, São João da Madeira, Santa Maria da Feira e Vale de Cambra), em Espinho, a cerca de 5 km do stand da ora A..</font><br>
<font>8 - A BB IMVT, S.A., prestava assistência pós venda e tinha os melhores prazos de entrega das viaturas.</font><br>
<font>9 - Pela comunicação de serviço 13/95, de 14/03/1995, a ora R. solicitou à A. que lhe remetesse uma lista de clientes de viaturas ligeiras, para que ficasse vedado ao Importador vender aos clientes nela identificados.</font><br>
<font>10 - A A. entregou, por carta de 16.03.1995 a referida lista de clientes à R. que, por sua vez, a entregou ao Importador.</font><br>
<font>11 - Em 01 de Janeiro de 2001, o Importador estabeleceu o designado PDN-Plano de Desenvolvimento de Negócio, aplicável a todos os intervenientes da cadeia de distribuição, sem qualquer negociação prévia com a A., destinado a melhorar os objectivos de vendas dos veículos Toyota, baseando-se na atribuição, por concessão, de um valor pecuniário directamente relacionado com a organização dos concessionários e sub-concessionários, condições de trabalho dos colaboradores, aparência global das instalações, qualidade e eficácia de atendimento e uniformização da imagem identificativa da empresa (sinalética exterior e interior, papel de carta, cartões de negócios).</font><br>
<font>12 - Os sub-concessionários passaram a ser avaliados pelo importador quatro vezes por ano, em todas vertentes do PDN, mediante protocolo anual, elaborado pelo importador, sem qualquer negociação prévia, celebrado aquando da elaboração do orçamento de vendas de viaturas e peças.</font><br>
<font>13 - Caso o sub-concessionário fosse elegível, trinta dias após o termo de cada período de avaliação era emitida – no caso da A., pela R. – uma nota de crédito, correspondente ao valor do prémio atribuído, acrescido do valor de juros relativos a metade do período de imobilização (2 meses) do valor do prémio capitalizado, calculados à taxa Lisbor deduzida de 0,25%.</font><br>
<font>14 - Segundo o PDN, as instalações deviam ser dimensionadas para responder eficientemente ao mercado, recomendando o PDN dimensões mínimas recomendadas para a exposição de viaturas e prestação de serviços.</font><br>
<font>15 - O PDN indicava também as cores e revestimentos das paredes das áreas de peças e oficinas, bem como a sinalética, documentação, vestuário, crachás, mobiliário e expositores que cada concessionário devia possuir.</font><br>
<font>16 – Definia, igualmente, o número de pessoas recomendada para o atendimento ao público, fazendo o importador – no caso da A., a R. – um inquérito aos clientes, sendo que, para esse efeito, a A. estava obrigada a remeter à R., em cinco dias, um talão de registo (previsto no PDN) com os elementos identificativos do cliente final – o que a A. fez até ao termo do contrato (de resto, era a R. que legalizava os veículos automóveis vendidos pela A, pelo que sempre teve total conhecimento dos seus clientes).</font><br>
<font>17 - Por carta datada de 25 de Setembro de 2002 e recebida pela A., a R. declarou-lhe o seguinte: “ (…) Em 01 de Agosto de 1989, subscrevemos um contrato do qual a V/empresa foi por nós nomeada “Agente” de produtos TOYOTA. Tal contrato foi possível de celebrar dado que a n/ empresa, por sua vez, outorgou c/ a BB-Indústrias Metalúrgicas e Veículos de Transporte, S.A. (doravante BB) um outro, nos termos do qual foi nomeada concessionária dos mesmos produtos TOYOTA e, para além disso, permitiu-nos a subscrição do referido contrato c/ V. Exas.. Sucede, porém, que, por força da publicação do Regulamento (CE) nº 1400/2002 da Comissão, de 31 de Julho de 2002, que veio substituir o Regulamento (CE) n°1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, a BB comunicou-nos, em resumo, o seguinte:”Por razões de ordem legal, as quais, embora alheias, todos temos de cumprir, a partir de 01 de Outubro de 2003, inclusive, o contrato de concessão que com ela celebramos não pode manter-se, isto porque, naquela data, unicamente podem estar em vigor, e, por isso, apenas serão legais, os contratos que obedeçam ao novo Regulamento (CE) nº 1400/20002, o qual veio alterar de forma significativa as regras aplicáveis ao sector automóvel.</font><br>
<font>Na referida data somos deparados com um novo e diferente regime jurídico a que temos de obedecer, sendo que a isso acrescem as exigências da TOYOTA, também novas e diferentes, a que se obriga a BB a ter de proceder à reorganização total da s/ rede de distribuição TOYOTA, ou seja, da s/ rede de concessionários, entre os quais se inclui a n/ empresa.</font><br>
<font>Daí que a BB nos tenha notificado de que denunciava o contrato de concessão que connosco celebrou, pelo que o mesmo deixará de produzir quaisquer efeitos a partir de 01 de Outubro de 2003, inclusive.</font><br>
<font>A nomeação da V/ empresa como “Agente” de produtos TOYOTA apenas foi possível e decorreu da existência do mencionado contrato de concessão que subscrevemos c/ a BB.</font><br>
<font>Ora, a cessação deste n/ contrato de concessão, determina obrigatória e consequentemente, a cessação do contrato de “Agente” que firmamos c/ a V/ empresa.</font><br>
<font>Assim, pela presente notificamos V. Exas. que, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 2°, vimos denunciar o contrato de “Agente” que, em 01 de Agosto de 1989, subscrevemos c/ a V/ empresa, pelo que o mesmo deixará de produzir quaisquer efeitos a partir do dia 01 de Outubro de 2003, inclusive (...)”.</font><br>
<font>18 - A A. declarou à R., por carta datada de 1 de Setembro de 2004, recepcionada em 03 de Setembro de 2004, pretender receber da R., em virtude da cessação do contrato, uma indemnização de clientela, sendo que, por comunicação remetida à R. em 30/09/2004, considerou a que a mesma devia ser na importância de € 85.102,62.</font><br>
<font>19 - Na sequência de contrato de idêntico conteúdo celebrado em 1985 entre a R. e JA, foi a A. constituída, posteriormente, tendo em 1986, representada pelo referido JA, a A. e a R. acordado na alteração nominal no contrato, tendo-se a A. obrigado a comprar à R. e esta a fornecer-lhe veículos automóveis da marca Toyota, da qual era concessionária, para que a A. os revendesse ao público no seu estabelecimento, em seu nome e por conta própria.</font><br>
<font>20 - Posteriormente, em 1989, a R. apresentou à ora A., para que esta o assinasse, o contrato referido em 2.</font><br>
<font>21 - Nessa altura, já a A. dependia economicamente da sua relação comercial com a ora R., pelo que o referido contrato foi elaborado pelos serviços da R., sem prévia negociação entre as partes, sendo que a A. não pôde influenciar o conteúdo do mesmo, limitando a sua actuação à aposição da respectiva assinatura.</font><br>
<font>22 - Os factos referidos em 6 e 7 implicaram uma redução significativa das vendas da ora A. e resultaram de uma estratégia concertada da R. e do Importador, do Grupo BB.</font><br>
<font>23 - Os vendedores ao serviço do Importador utilizavam como argumentos de venda que “pertenciam à casa mãe”, que a A. "não prestava assistência pós-venda" e que tinham os melhores prazos de entrega das viaturas”.</font><br>
<font>24 - Essa quebra na facturação sofreu um agravamento quando o Importador abriu as suas instalações de Espinho, no antigo espaço comercial da Lagor, agudizando-se ainda mais a partir do momento em que este começou também a comercializar ligeiros de passageiros.</font><br>
<font>25 - A BB IMVT, S.A., dirigiu-se directamente, por telefone e por carta, aos clientes constantes da lista referida em 10, aliciando-os a adquirem os veículos automóveis directamente a si.</font><br>
<font>26 - A R., desde meados de 1999 e meados de 1995, respectivamente, e até à presente data, utiliza aqueles estabelecimentos para revender ao público, em seu nome e por conta própria, os veículos automóveis de marca Toyota que compra ao Importador.</font><br>
<font>27 - A A. montou e desenvolveu toda a sua estrutura empresarial por forma a poder dedicar-se, em exclusivo, como fez sempre até 30 de Setembro de 2003, às actividades contratualmente assumidas com a R..</font><br>
<font>28 - Também em virtude do mérito com que exercia a sua actividade, a A. conseguiu fidelizar, à marca Toyota e ao seu estabelecimento, diversos clientes, com os quais sabia poder contar no futuro.</font><br>
<font>29 - A margem de lucro bruta obtida no último trimestre de 1998, consubstanciada nas vendas e nas comissões de </font><i><font>leasings</font></i><font>, ALD, SFAC, campanhas, Frotas, PIV e PDN, ascendeu a 8.292.044$00.</font><br>
<font>30 - No ano de 1999, consubstanciada nas vendas e nas comissões de leasings, ALD, SFAC, campanhas, Frotas, PIV e PDN, ascendeu a 28.979.986$00.</font><br>
<font>31 - No ano de 2000, consubstanciada nas vendas e nas comissões de leasings, ALD, SFAC, campanhas, Frotas, PIV e PDN, ascendeu a 23.112.416$00.</font><br>
<font>32 - No ano de 2001, consubstanciada nas vendas e nas comissões de leasings, ALD, SFAC, campanhas, Frotas, PIV e PDN, ascendeu a 10.996.108$00.</font><br>
<font>33 - No ano de 2002, consubstanciada nas vendas e nas comissões de leasings, ALD, SFAC, campanhas, Frotas, PIV e PDN, ascendeu a € 48.265,35.</font><br>
<font>34 - E, de Janeiro a Setembro de 2003, consubstanciada nas vendas e nas comissões de </font><i><font>leasings</font></i><font>, ALD, SFAC, campanhas, Frotas, PIV e PDN, ascendeu a € 21.203,03.</font><br>
<font>35 - Na sequência de uma inspecção efectuada pelo Importador ao estabelecimento da A., em 15 de Abril de 1999, a A. foi mesmo obrigada a pintar o stand de branco ou cinza claro, as paredes do salão de exposição de viaturas, e pintar e limpar o pórtico Toyota, a adquirir equipamento padrão Toyota, designadamente, suportes de preçários, caixilhos para posters, placas identificadoras dos modelos Toyota, a substituir as portas do stand, e a pavimentar o stand com tijoleira preta.</font><br>
<font>36 - Após visita em 2000, a A. teve que substituir o pavimento por tijoleira Amarona grés, de cor preto baço e substituir as duas portas envidraçadas da entrada por vidro rochedo sem caixilharia e rasgar as montras até ao pavimento.</font><br>
<font>37 - Após outra visita, em 21 de Setembro de 2001, foi a A. advertida de que, na decoração do espaço de exposição, o material teria de estar de acordo com o estabelecido no PDN até finais de 2001, bem como que deveria ser colocado material publicitário da Toyota.</font><br>
<font>38 - A A. viu-se obrigada a fazer obras, adquirir catálogos, expositores, </font><i><font>posters</font></i><font>, sinalética, suportes e acessórios diversos no valor de, pelo menos, € 3.172,36.</font><br>
<font>39 - A denúncia aludida foi efectuada no âmbito de uma estratégia concertada entre as duas empresas.</font><br>
<font>40 - Quando no Grupo BB se tomou a opção estratégica de denunciar o contrato de concessão entre o Importador e a R., havia já sido decidido outorgar outro entre ambas, como veio a suceder.</font><br>
<font>41 - A R., após a denúncia do contrato, continuou a adquirir ao Importador, e a este fornecer-lhe, ao abrigo de um contrato de concessão, veículos automóveis de marca Toyota, para esta os revender ao público nos seus estabelecimentos.</font><br>
<font>42 - Em finais de 2002, já a maior parte dos clientes da A. – apenas por si angariados – sabiam, através dos vendedores da R., que a AA em breve deixaria de vender veículos automóveis de marca Toyota, pelo que, a partir desse momento, os clientes da A. começaram a ser “desviados” pela R. para lhe adquirir a si veículos automóveis de marca Toyota.</font><br>
<font>43 - Esse movimento, de resto, tornou-se contínuo, tendo a R., especialmente após a denúncia do contrato, beneficiado da clientela, angariada e fidelizada pela A., com enorme esforço e de forma ininterrupta, desde 1986. </font><br>
<font>44 - É também a esses clientes que, desde 01 de Outubro de 2003, através dos seus estabelecimentos em Oliveira do Douro e em Espinho, a R. revende os veículos automóveis Toyota que continua a adquirir ao Importador. </font><br>
<font>45 - A A. montou e desenvolveu toda a sua estrutura empresarial por forma a poder dedicar-se, em exclusivo, como fez até 30 de Setembro de 2003, às actividades contratualmente assumidas com a R.. </font><br>
<font>46 - Nunca a A. suscitou junto da R. a sua intenção de não aceitar determinada cláusula contratual ou de propor outra redacção ou de aditar qualquer outra cláusula ao referido contrato. </font><br>
<font>47 - A A. vendia outro tipo de viaturas de outras marcas que adquiria, por retoma, aos compradores dos veículos Toyota. </font><br>
<font>48 - Foram vários os incentivos, apoios e ajudas que a R. lhe proporcionou, que passaram pelo fornecimento de viaturas de exposição sem encargos, descontos especiais e viaturas de demonstração. </font><br>
<font>49 - A A. comparticipava em despesas com catálogos, chapas de designação de modelo, 19 posters, tapetes e alguns autocolantes. </font><br>
<font>50 - Findo o contrato em apreço, foi a A. convidada pela R. – atendendo à relação entre as partes – a desenvolver a actividade de venda de viaturas semi-novas, para o que lhe disponibilizou viaturas de exposição para que os espaços da A., sem qualquer encargo para esta, proposta que aquela aceitou, tendo o acordo cessado consensualmente alguns meses depois.</font><br>
<font>51 - Foi a A. convidada pela R., o que aceitou, a manter a ligação com os seus clientes de viaturas novas, sendo que para esse efeito comissionada pela R. (de acordo com uma tabela que lhe foi fornecida) por cada venda realizada com os clientes que a A. lhe indicasse, tendo o acordo cessado consensualmente alguns meses depois.</font><br>
<br>
<b><font>III.</font></b><br>
<font>Da análise das conclusões com que a recorrente fechou a sua minuta de recurso, somos confrontados com as seguintes questões:</font><br>
<font>– A matéria de facto apurada permite concluir pela verificação do requisito da alínea b) do nº 1 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 178/86, de 03 de Julho (único dos três requisitos positivos que a Relação desconsiderou para fundamentar o não reconhecimento da ambicionada indemnização de clientela)?</font><br>
<font>- Para tanto, torna-se necessária a prova efectiva de que o benefício a favor do principal (concedente) se tornou uma realidade, por força da clientela angariada pelo agente (concessionário) ou, pelo contrário, apenas se deve exigir que, através de um juízo de prognose, se conclua pela verificação de que a clientela angariada pelo agente (concessionário) constitua, em si mesma, uma </font><i><font>chance</font></i><font> para o principal (concedente)?</font><br>
<font>- No caso de se reconhecer pela verificação deste requisito, através da matéria de facto que se apurou, como deve, afinal, ser calculada a indemnização devida, em concreto, à luz dos critérios estabelecidos no artigo 34º do diploma legal citado?</font><br>
<font>- Deve a recorrente ser indemnizada pelos gastos a que foi obrigada a fazer no âmbito do contrato que firmou com a R. (despesas com a compra de materiais e com realização de obras)?</font><br>
<font>- A desconsideração, em termos indemnizatórios, de tais despesas, pode-se considerar como violadora do princípio da boa fé que deve presidir à elaboração e execução de todos os contratos?</font><br>
<font>- O exercício do direito de denúncia contratual por parte da R.-recorrida revela-se abusivo, à luz do artigo 334º do Código Civil, caso não seja obrigada a r | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XjK7u4YBgYBz1XKv0DkK | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- No Tribunal Judicial do Funchal, </font><b><font>AA – Sociedade de Empreitadas e Obras Públicas, Ldª</font></b><font>, com sede na rua dos Ferreiros, 260, Funchal, propôs contra </font><b><font>BB, Ldª</font></b><font>, com sede na rua das .........., ..., .., sala ...., Funchal um processo de injunção solicitando a notificação desta no pagamento da quantia de 151.907,33 €, sendo 147.150,33 € de capital e de 3.778,00 € de juros.</font><br>
<font> 1-2- A requerida contestou negando a dívida e requerendo a distribuição do requerimento de injunção como acção ordinária, o que se efectivou.</font><br>
<font> 1-3- Apresentou, então, a A. petição articulada pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de 315.313,00 € acrescida de juros no valor de 15.641,00 € vencidos e dos vincendos à taxa de 5% ao ano.</font><br>
<font> Fundamenta, em síntese, este pedido na prestação de serviços e na venda de bens à R., no exercício da sua actividade de construção civil, serviços e mercadoria que esta lhe não pagou. </font><br>
<font> 1-4- A R. contestou alegando que o valor líquido das facturas que indica já havia sido pago à A., faltando apenas pagar as importâncias correspondentes a 10% dessas facturas, mas que essas importâncias ainda não eram devidas, porque haviam acordado ambas que a R. procederia à retenção desses 10% do valor de cada factura, pelo prazo de 5 anos, em garantia das responsabilidades da A. pela eliminação de eventuais defeitos. Acrescentou que as outras facturas que referencia não lhe foram enviadas e que os trabalhos nelas referidos não foram por si recebidos. A A. abandonou as obras, por se recusar a eliminar defeitos encontrados. Por esta razão teve que incumbir outras empresas de proceder à eliminação de tais defeitos, pagando pelos trabalhos as importâncias de 14.450,73 € a uma empresa e de 38.716,92 € a outra.</font><br>
<font> Deduz, por esta circunstância, reconvenção, pedindo a condenação da A. no pagamento de 53.167,65 €.</font><br>
<font> 1-5- Foi proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se procedeu à audiência de discussão e julgamento, se respondeu à matéria de facto controvertida e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> 1-6- Nesta condenou-se a R. a pagar à A. as seguintes quantias:</font><br>
<font> a) € 34.153,74 e de € 38.685,23, correspondentes à totalidade das facturas 063 e 064, com juros sobre 90% dos referidos valores, à taxa legal, desde 23.04.2006;</font><br>
<font> b) 10% de todas as facturas, com excepção das nºs 063 e 064 (em a) que antecede estão contabilizadas na totalidade). </font><br>
<font> Mais se condenou a A. a pagar à R. as seguintes quantias:</font><br>
<font> a) as quantias inscritas nas facturas nºs 169 (fls. 112), 175 (fls. 113), 176 (fls. 114) e, bem assim, os seguintes itens da factura nº 181 (fls. 115): 1 escova de aço para ramona, 15 kg de estuque mastica, 80 metros de rede fibatape, 10 kg de estuque megafino, 3 folhas de lixa e 1 litro de subcapa - obra “Quintas I”, no Garajau; e </font><br>
<font> b) a quantia inscrita na factura nº 8 (fls. 117) - obra “Madeira Park”.</font><br>
<font> Considerou-se compensados os ditos créditos, entendendo-se extintos os que reciprocamente se compensarem.</font><br>
<font> Mais se considerou não são devidos juros sobre as quantias constantes de 1º b) e 2 a) e b), porque só se tornam líquidas após a compensação (806º, nº 3, do Código Civil).</font><br>
<font> Sobre o remanescente não compensado, determinou-se que deve a R. pagar à A. juros de mora, à taxa legal anual, desde o trânsito da presente sentença até integral pagamento, bem como, juros à taxa anual de 5%, a título de sanção pecuniária compulsória.</font><br>
<font> 1-7- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 12-7-2007, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença apelada.</font><br>
<font> 1-8- Não se conformando com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> 1-9- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- A recorrente acordou com a recorrida na retenção de 10% sobre o valor facturado, em garantia das responsabilidades desta recorrida pela eliminação de eventuais defeitos.</font><br>
<font> 2ª- A responsabilidade do subempreiteiro perante o empreiteiro quanto à eliminação de defeitos perdura cinco anos, a contar da entrega da obra.</font><br>
<font> 3ª- Em conformidade com o acordo entre ambos estabelecido, a recorrente deveria reter as importâncias correspondentes a 10% dos valores facturados pela recorrida, até conclusão do prazo de 5 anos, a contar de entrega da obra correspondente. </font><br>
<font> 4ª- Não tendo decorrido ainda o prazo de 5 anos relativamente e nenhuma das facturas, ainda não é devido o valor das respectivas retenções.</font><br>
<font> 5ª- As custas são pagas pela parte que a elas der causa.</font><br>
<font> 6ª- As custas são calculadas pelo valor do pedido inicial.</font><br>
<font> 7ª- O valor da causa para efeitos de custas, havendo reconvenção, é o que resulta da soma do valor inicial dado pelo A., com o valor do pedido reconvencional.</font><br>
<font> 8ª- Tendo ambas as partes ficado vencidas, as custas deverão ser pagas por ambas, na proporção do decaimento.</font><br>
<font> 9ª- A recorrida deverá suportar ¾ das custas e a recorrente de ¼.</font><br>
<font> 10ª- A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 406º, 1211º nº 2, 1225º e 1226º do C.Civil, 306º, 308º e 446º do C.P.Civil e 5º do C.C.Judiciais.</font><br>
<font> 1-10- Não houve contra-alegações.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<font> 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3, ex vi do disposto no art. 726º do C.P.Civil).</font><br>
<font> Nesta conformidade serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> -Se o recorrente apenas deve ser condenado a pagar os valores correspondentes às retenções de 10% dos valores facturados, após o decurso de cinco anos em relação a cada uma das facturas.</font><br>
<font> - Se deverá ser alterada a condenação em custas.</font><br>
<font> 2-2- Com vista à decisão, foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
<font> 1- A A. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil, obras públicas e afins – Alínea A).</font><br>
<font> 2- A A. prestou à R. o serviços constantes das facturas nºs 004, de 31 de Maio de 2003, no valor de € 14.938,34, 015, de 30 de Junho de 2003, no valor de € 21.536,47, 019, de 31 de Julho de 2003, no valor de € 32.245,15, 026, de 9 de Setembro de 2003, no valor de € 42.855,26, 027, de 1 de Outubro de 2003, no valor de € 21.009,97, 032, de 10 de Novembro de 2003, no valor de € 14.565,14, 034, de 10 de Novembro de 2003, no valor de €19.285,01, 036, de 10 de Novembro de 2003, no valor de € 14.101,42, 037, de 30 de Novembro de 2003, no valor de € 23.085,23, 040, de 16 de Janeiro de 2004, no valor de € 15.328,01, 044, de 22 de Janeiro de 2004, no valor de € 10.605,23 e 047, de 10 de Fevereiro de 2004, no valor de € 12.919,34 – Alínea B).</font><br>
<font> 3- Estas facturas venceram-se na data da sua emissão – Alínea C).</font><br>
<font> 4- A R. pagou 90% do valor das facturas antes referenciadas – Alínea D).</font><br>
<font> 5- A A. era subempreiteira da R. – Alínea E).</font><br>
<font> 6- A R. acordou com a A. a retenção de 10% sobre o valor facturado, em garantia das responsabilidades da A. pela eliminação de eventuais defeitos – Resposta ao facto 1º da base instrutória.</font><br>
<font> 7- A A. prestou à R. os serviços constantes das facturas nºs 063, de 19 de Abril de 2004, no valor de € 34.153,74 e 064, de 19 de Abril de 2004, no valor de € 38.685,23 – Resposta ao facto 2º da base instrutória.</font><br>
<font> 8- Os trabalhos da A. apresentaram defeitos – Resposta ao facto 5º da base instrutória.</font><br>
<font> 9- As facturas nºs 063 e 064 foram enviadas à R. a 23 de Abril de 2004 – Resposta ao facto 7º da base instrutória.</font><br>
<font> 10- A R. pagou a CC – Unipessoal, Ldª, as quantias correspondentes às facturas nºs 169 (fls. 112), 175 (fls. 113), 176 (fls. 114) e, bem assim, os seguintes itens da factura nº 181 (fls. 115): 1 escova de aço para ramona, 15 kg de estuque mastica, 80 metros de rede fibatape, 10 kg de estuque megafino, 3 folhas de lixa e 1 litro de subcapa; tudo isto para proceder à rectificação do estuque em paredes e tectos, mal executados pela A., na obra “Quintas I”, no Garajau – Resposta ao facto 8º da base instrutória.</font><br>
<font> 11- A R. pagou à sociedade DD Construções, Unipessoal, Ldª, a quantia correspondente à factura nº 8 (fls. 117), para proceder à rectificação e acabamentos dos trabalhos de estuque que a A. havia deixado mal executados na obra “Madeira Park” – Resposta ao facto 9º da base instrutória.-------------------</font><br>
<font> 2-3- A primeira questão que a recorrente coloca para apreciação deste tribunal diz respeito a saber-se se as importâncias correspondentes a 10% retidas pela R. (recorrente) sobre o valor facturado, em garantia das responsabilidades da A. (recorrida), são devidas desde já ou se devem ser pagas, apenas, cinco anos depois de terem sido emitidas cada uma das facturas.</font><br>
<font> Sobre a questão provou-se que a R. (empreiteira) acordou com a A. (subempreiteira), a retenção de 10% sobre o valor facturado, em garantia das responsabilidades da A. pela eliminação de eventuais defeitos.</font><br>
<font> Não se provou que tal retenção tivesse sido acordada pelo prazo de 5 anos, conforme a R. havia alegado (vide resposta ao facto 1º da base instrutória). </font><br>
<font> Em virtude desta circunstância as instâncias entenderam que, não ficando provado esse prazo de 5 anos, sendo à R. (recorrente) que incumbia a prova da combinação de tal prazo, não se justifica a retenção desses 10% relativamente às facturas referenciadas. A este propósito disse-se no acórdão da Relação que “</font><i><font>uma coisa é – caso se tivesse provado – o prazo de retenção de 10% sobre o valor facturado, em garantia das responsabilidades da autora pela eliminação de eventuais defeitos e outra, bem distinta é, a autora encontrar-se, de qualquer forma vinculada à eliminação de eventuais defeitos das obras por si realizadas, caso a apelante os denuncie nos prazos referidos no art. 1225º do C.C., dado que aquela é obrigada a executar a obra sem defeitos – art. 1208º do C.C.. Portanto aquela garantia estabelecida pelas partes de retenção de 10% do valor de cada factura, sem se ter provado o prazo em que a mesma deveria vigorar é completamente inócua, ao passo que o prazo estabelecido na lei de 5 anos, vigorará sempre independentemente de existir ou não retenção de algum valor sobre o montante facturado</font></i><font>”.</font><br>
<font> Não existem dúvidas que o contrato celebrado pelas partes, A. e R., é um contrato de subempreitada. O art. 1213º nº 1 do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) define tal contrato como aquele em que “</font><i><font>um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela</font></i><font>”. O nº 2 da disposição diz que é aplicável à subempreitada, o disposto no art. 264º, com as necessárias adaptações.</font><br>
<font> A subempreitada é, pois, um contrato dependente da empreitada e com ela conexo. No contrato de subempreitada não existe nenhum vínculo directo entre o dono da obra e o subempreiteiro. Daí que o dono da obra só do empreiteiro possa exigir o cumprimento cabal e correcto do contrato de empreitada</font><font>(1). O subempreiteiro vincula-se e responde perante o empreiteiro. É este quem poderá exigir dele o cumprimento integral e perfeito do contrato de subempreitada a que se vinculou.</font><br>
<font> Por outro lado, decorre do disposto no art. 405º nº 1 que “</font><i><font>dentro dos limites da lei, as partes podem fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver</font></i><font>). Vigora, portanto, neste âmbito, plena liberdade contratual. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º). O advérbio «pontualmente» utilizado na disposição, deve ser entendido, não apenas no sentido de que os contratos devem ser cumpridos tempestivamente, mas sim plenamente, ou seja, ponto por ponto (neste sentido, entre outros, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela no C.Civil Anotado, 4ª edição, Volume I, pág. 373).</font><br>
<font> Revertendo estas regras para o caso dos autos, concluímos, como subempreiteira, a A., vinculou-se a responder perante a empreiteira, a R., pela execução do contrato. Esta, como empreiteira pode exigir, dela o cumprimento integral e perfeito desse contrato (de subempreitada) a que se vinculou. Foi, como é bom de ver, em razão desta possibilidade de exigir a execução cabal dos termos do contrato, que a cláusula em causa (da retenção de 10% sobre o valor facturado) foi estabelecida. Dos próprios termos da cláusula resulta que ela foi inserida no contrato, com vista </font><u><font>a garantir as responsabilidades da subempreiteira</font></u><font> perante a empreiteira, pela eliminação de eventuais defeitos, decorrentes da subempreitada. A cláusula deriva da liberdade contratual de que gozam as partes.</font><br>
<font> A R. não logrou provar que o prazo de vigência da cláusula fosse 5 anos. Mas seria necessário a prova desta circunstância para que a sua posição sobre o direito a reter os 10% sobre o valor facturado lograsse vencimento?</font><br>
<font> A nosso ver, não. Com efeito, a interpretação</font><font>(2).</font><font> que fazemos da cláusula leva-nos a concluir que a A. (empreiteira) tem o direito a reter 10% do valor facturado, para assegurar a responsabilidade da A. pela eliminação de eventuais defeitos da obra.</font><br>
<font> E até quando? A resposta racional e criteriosa a dar a esta pergunta, será a de que tal direito (de retenção) </font><u><font>perdurará até ao momento em que o dono da obra possa exigir da empreiteira a eliminação de defeitos da construção</font></u><font>. Se estes recaírem sobre os trabalhos subempreitados, então a empreiteira poderá exigir da subempreiteira a realização da pertinente reparação, funcionando os montantes retidos como garantia dessa responsabilidade. Só com este contorno é que se compreende a vinculação da A. (de ver retidos 10% do montante de cada factura), decorrente da cláusula em questão.</font><br>
<font> O art. 1221º nº 1 permite ao dono da obra, face à realização desta com defeitos, o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação. </font><br>
<font> Nos termos do art. 1225º nº 1 e porque se trata, no caso, da execução de obras de construção civil em edifícios, o empreiteiro é responsável pelos eventuais prejuízos causados ao dono da obra, resultantes de defeitos detectados </font><u><font>no decurso de cinco anos</font></u><font> a contar da entrega. O nº 2 da disposição estabelece que a denúncia dos defeitos, deve ser feita dentro do prazo de um ano, sendo que este prazo deve ser aplicado ao direito de eliminação de defeitos previstos no art.1221º. Isto é, o art. 1225º estabelece prazos mais latos (que os estabelecidos para as outras obras)</font><font>(3).</font><font> para a denúncia de defeitos ao empreiteiro, quando estejam em causa imperfeições em imóveis destinados a longa duração. Os defeitos na execução de obras de construção civil em edifícios beneficiam, assim, do regime especial do art. 1225º e, consequentemente, podem ser invocados no prazo de cinco anos a contar da entrega da obra</font><font>(4).</font><br>
<font>, devendo, porém, ser denunciados no prazo de um ano após a sua descoberta.</font><br>
<font> Revertendo estas regras para o caso vertente, concluímos que beneficiando a dona da obra em causa do prazo de invocação de defeitos de cinco anos perante o empreiteiro a contar da entrega da obra, a garantia fornecida pelo subempreiteiro a favor do empreiteiro em relação a defeitos que a subempreitada possa vir a padecer, deve subsistir durante esse mesmo lapso de tempo. Assim sendo, a R., ora recorrente, só terá que pagar 90% das importâncias das facturas 063 e 064, no montante global de 65.555,08 € (90% de 72.838,97 €). Poderia manter em seu poder, até 5 anos após a entrega da obra, os 10% retidos das facturas referenciadas no nº 2 dos factos provados e os 10% referentes as estas facturas 063 e 064. Desconhece-se a data da entrega da obra ao dono. Todavia, como a R. empreiteira apenas pretende e defende a retenção da percentagem de 10% pelo prazo de 5 anos a contar da data da emissão das facturas (vide estas alegações e a sua contestação/reconvenção, designadamente a fls. 102) e porque esta data é necessariamente anterior à da entrega da obra e, portanto, a detenção pedida será por um período inferior, iremos deferir essa pretensão e declarar que a retenção dos 10% perdurará no decurso de cinco anos a contar da data de cada uma das facturas. A declarar-se a detenção da dita percentagem pelo período de 5 anos a partir da entrega da obra (como juridicamente seria permitido), resultaria isso numa condenação </font><i><font>ultra petitum</font></i><font>, em violação do disposto no art. 661º nº 1 do C.P.Civil.</font><br>
<font> Nesta parte a revista procederá. No resto, as doutas decisões das instâncias manter-se-ão.</font><br>
<font> Quanto às custas, a regra essencial a observar será a de que as suportará a parte que a elas der causa, sendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (arts. 446º nº1 e nº 2 do C.P.Civil).</font><br>
<font> Tendo-se alterado a decisão, as custas a suportar pelas partes precisarão, igualmente, de ser modificadas. Assim sendo e porque existiu vencimento das duas partes, as custas devem ser suportadas por ambas, na proporção do respectivo vencimento.</font><br>
<font> </font><b><font>III- Decisão:</font></b><br>
<font> Por tudo o exposto, dá-se provimento à revista, declarando-se que a R., recorrente deverá pagar à A., 90% das importâncias das facturas 063 e 064, no montante global de 65.555,08 €, podendo manter em seu poder, até 5 anos a contar da data de cada uma das facturas, os 10% retidos das facturas referenciadas no nº 2 dos factos provados, bem como os 10% referentes às facturas 063 e 064.</font><br>
<font> No mais mantêm-se as decisões das instâncias.</font><br>
<font> As custas serão suportadas pelas partes na proporção do respectivo vencimento.</font><br>
<font> As custas da revista devem ser suportadas pela recorrida.</font><br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Fevereiro de 2008</font><br>
<font>Garcia Calejo (Relator)</font><br>
<font>Mário Mendes</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>_____________________________</font><br>
<font>(1) -</font><font> </font><font>Sem prejuízo de poder fazer uso da sub-rogação do credor ao devedor para exigir o cumprimento da empreitada, nos termos do art. 601º nºs 1 e 2 do C.Civil (vide a este propósito o C.Civil Anotado dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, 3ª edição, Volume II, pág. 805).</font><br>
<font>(2)- </font><font>2 </font><font>A interpretação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial, constitui matéria de direito e, por isso, é possível a este Supremo Tribunal fixar o seu alcance de harmonia com o disposto no art. 236º do C.Civil (art. 721º do C.P.Civil).</font><br>
<font>(3)-</font><font> </font><font>O art. 1224º nº 1 estabelece que o direito à eliminação dos defeitos (para as obras efectuadas sem ser em imóveis destinados a longa duração) caduca se não for exercido dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no art. 1220º (que estabelece a obrigatoriedade de denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro de 30 dias seguintes ao seu descobrimento).</font><br>
<font>(4)- </font><font>A data da entrega da obra, como refere o Cons. João Cura Mariano (</font><i><font>in </font></i><font>Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 2ª edição, pág. 157) não corresponde ao momento da aceitação, ocorrendo na altura em que o empreiteiro a coloca à disposição do seu dono para exame, desde que ela fique na sua inteira disponibilidade.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XjK9u4YBgYBz1XKvWjoJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> </font><font>I </font><font>– </font><font>Relatório</font><br>
<br>
<font> AA intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, acção contra BB Seguros, pedindo a sua condenação no pagamento de 3.000.000$00 e juros.</font><br>
<font> Em suma, alegou que preencheu uma proposta da R. para um seguro de vida e invalidez, através de um mediador de seguros que actuava em nome e no interesse desta, o qual lhe entregava recibos provisórios, com o seu timbre e assinados por um seu funcionário para quitação imediata dos montantes que recebia dos clientes que angariava. Que entregou a este mediador a quantia de 3.000.000$00 como prestação de um contrato de seguro, tendo-lhe este entregue o recibo provisório referente àquele montante, vindo, posteriormente, a saber que ele se ausentou e que a R. não recebeu a dita importância, não se encontrando em vigor qualquer contrato.</font><br>
<br>
<font> Contestou a R., pedindo a improcedência da acção, argumentando para tanto que o dito mediador nunca foi seu representante ou colaborador, que o mesmo exerce a actividade de mediador junto de outras seguradoras e não em exclusivo para si, que nunca recebeu a importância ora reclamada e que a proposta junta aos autos nada mais é do que uma proposta de seguro de capitalização financeira a prazo através da qual o segurado entrega à seguradora um único prémio, findo o qual lhe é restituído acrescido de participação anual nos resultados.</font><br>
<br>
<font> O A. contrariou a defesa de excepção no articulado réplica.</font><br>
<br>
<font> Saneado, instruído e julgado o processo terminou com sentença proferida pelo Mº juiz da 15º Vara Cível de Lisboa a julgar a acção improcedente.</font><br>
<br>
<font> Apelou, em vão, o A. para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Continuou irresignado e, por isso, pede ora revista do aresto proferido, tendo para o efeito apresentado as competentes alegações que rematou com a seguinte conclusão:</font><br>
<font> “Face aos factos apurados, a acção deveria ter sido julgada procedente – por aplicação do art. 500º do C. Civil e sempre por observância do nº 1 do art. 23º do DL 178/86 e dos princípios da boa fé e da tutela da confiança e da protecção de terceiros –, condenando-se a seguradora recorrida no pedido.</font><br>
<font> Respondeu a recorrida em defesa da manutenção do acórdão censurado.</font><br>
<br>
<font> </font><font>II</font><font> – </font><font>As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:</font><br>
<font>- A R. dedica-se à actividade comercial seguradora. </font><br>
<font>- Entre meados de 1995 e meados de 1998, CC exercia a profissão de mediador de seguros, designadamente na região de Mira. </font><br>
<font>- A R. celebrou alguns contratos de seguro em que agiu como mediador o referido CC. </font><br>
<font>- Enquanto procedimento normal, na altura da entrega da proposta e do valor do prémio, era dado ao proponente (ou ao mediador para entregar ao proponente) um recibo provisório. </font><br>
<font>- Nas contestações que a ora R. apresentou respectivamente nas acções ordinárias nºs 126/00 e 48/2001, pendentes, respectivamente, na 2a Secção da 13a Vara Cível de Lisboa e na 1a Secção da 11a Vara Cível de Lisboa, a R. articulou os seguintes factos: </font><br>
<i><font>"Em Julho de </font></i><font>1997 </font><i><font>a Ré entregou ao Sr. CC vários impressos relativos às propostas com os nºs 83990 a 84000. " </font></i><br>
<i><font>"Não sabe ... sequer a Ré como veio tal posse (do recibo provisório n" </font></i><font>83998) </font><i><font>à mão do A. já que o Sr. CC, que o havia recebido, declarou à Ré em tempo oportuno que o mesmo se extraviara. " </font></i><br>
<font>- O CC era colaborador habitual da R. usando os impressos timbrados que a mesma lhe fornecia e cobrando dela uma comissão dos contratos que angariava. </font><br>
<font>- O CC angariava seguros de vida para a R.. </font><br>
<font>- A R. entregava ao CC recibos provisórios, com o seu timbre e assinados por um seu funcionário, para quitação imediata dos dinheiros que o CC para ela recebia dos clientes por si angariados – no desenvolvimento da actividade seguradora a que ele e a R. se dedicavam. </font><br>
<font>- Em meados de Janeiro de 1998, abordado para o efeito pelo mesmo CC, o A. aceitou preencher uma proposta para um seguro de vida e invalidez na R., assinando um impresso, em papel timbrado da "Alico", que o Lança forneceu e preencheu. </font><br>
<font>- A esse propósito, o CC recebeu do A. 3.000.000$00 como sua prestação para o referido contrato, o que consta expressamente da aludida proposta. </font><br>
<font>- Subsequentemente, o CC entregou-lhe o recibo provisório da R., referente àquele montante, que ele próprio assinou na qualidade de “O Colaborador”. </font><br>
<font>- Nesse recibo, destaca-se a seguinte advertência: “O Recibo só será válido se rubricado pelo nosso colaborador”. </font><br>
<font>- Em 1998, o CC ausentou-se do seu escritório e da sua residência que eram em Mira, para parte incerta. </font><br>
<font>- Contactada a R., foi por esta informado de que o CC não teria entregue nessa Companhia a mencionada verba para o previsto seguro, que declaravam não se encontrar vigente. </font><br>
<font>- O CC actuou com total autonomia e liberdade de acção, sem qualquer tipo de subordinação ou dependência da R.. </font><br>
<font>- O CC não é um mediador que trabalhe em exclusivo para a R., estando o mesmo inscrito no Instituto de Seguros de Portugal como mediador de seguros, nos ramos de seguros “Não Vida” e “Vida” com o nº de mediador 147547073 desde Abril de 1984 até à presente data. </font><br>
<br>
<font> </font><font>III </font><font>– </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br>
<br>
<font> </font><font>Tendo presente a súmula conclusiva do recorrente, eis-nos confrontados com as seguintes questões:</font><br>
<font>1ª – Há aqui lugar à aplicação do art. 500º do CC?</font><br>
<font>2ª – Deve ser observado aqui o estatuído no nº 1 do art. 23º do D.-L. 178/86?</font><br>
<font>3ª – O respeito pelos princípios da boa fé, da confiança e da protecção de terceiros deve conduzir à procedência do pedido?</font><br>
<br>
<font> Vejamos.</font><br>
<font> 1ª Questão – </font><br>
<font> Para que, com legitimidade, se pudesse defender a aplicação ao caso presente do art. 500º do CC, necessário seria, antes de tudo o mais, que entre a R. e o mediador de seguros CC houvesse uma relação de comissão.</font><br>
<font> Como se sabe, a relação de comissão pressupõe uma dependência entre o comitente e o comissário que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este.</font><br>
<font> “Só esta possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro (comitente) pelos actos do segundo (comissário), sublinham Pires de Lima e Antunes Varela, </font><i><font>in</font></i><font> Código Civil Anotado, Volume I – 4ª edição –, pág. 508.</font><br>
<font> Tendo as instâncias dado como provado que “o CC actuou com total autonomia e liberdade de acção, sem qualquer tipo de subordinação ou dependência da Ré”, arredada está qualquer possibilidade de aplicação ao caso do regime previsto no preceito legal citado.</font><br>
<br>
<font> 2ª – Questão</font><br>
<font> Para que se pudesse aplicar aqui o estatuído no nº 1 do art. 23º do D.-L. nº 178/86, de 3 de Junho, necessário seria que estivéssemos perante um caso lacunar a merecer tratamento de acordo com os cânones do art. 10º do CC.</font><br>
<font> Com efeito, de acordo com o nº 1 deste preceito legal, os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.</font><br>
<font>E o nº 2 do mesmo artigo preceitua que “há analogia sempre que no caso omisso procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.”</font><br>
<font> Para o caso de falta de caso análogo, o nº 3 prescreve o recurso à norma que o próprio legislador criaria se houvesse legislado dentro do sistema.</font><br>
<font> Temos, pois, que o 1º passo a dar será o de averiguar se o caso-foro</font><i><font> </font></i><font>partilha da </font><i><font>eadem ratio</font></i><font> do caso-norma.</font><br>
<font> A analogia mede-se em função das razões justificativas da solução fixada na lei, e não por obediência à mera semelhança formal das situações (Pires de Lima e Antunes Varela, </font><i><font>in</font></i><font> Código Civil Anotado, Volume I – 4ª edição -, pág. 59).</font><br>
<font> Segundo Francesco Ferrara, o procedimento por analogia radica no conceito de que os factos de igual natureza devem ter igual regulamentação, e se um dos tais factos encontra já no sistema a sua disciplina, esta forma o tipo do qual se deve inferir a disciplina jurídica geral que há-de governar os casos afins.</font><br>
<font> Para que se possa recorrer à analogia é necessário que:</font><br>
<font>- Falte uma precisa disposição da lei para o caso a decidir, que portanto a questão não se encontre já regulada por uma norma de direito e não apenas segundo a letra da lei, mas também segundo a sentido lógico dessa norma; daí que se uma questão se pode resolver com recurso à interpretação extensiva não tem lugar a analogia;</font><br>
<font>- Haja igualdade jurídica, na essência, entre o caso a regular e o caso regulado (</font><i><font>in</font></i><font> Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de Manuel de Andrade, colecções </font><i><font>Stvdium</font></i><font> – 3ª edição – pág. 154 e ss.).</font><br>
<font> Ainda neste sentido nos orienta Karl Larenz quando entende por analogia a transposição de uma regra, dada pela lei para a hipótese legal, numa outra hipótese, não regulada na lei, semelhante àquela.</font><br>
<font> E acrescenta:</font><br>
<font> “As duas situações de facto serem «semelhantes» entre si significa que concordam em alguns aspectos, mas não noutros. Se concordam em absoluto em todos os aspectos que hão-de ser tomados em consideração, então seriam iguais. Por essa razão as previsões legais podem não ser absolutamente iguais nem desiguais entre si; mas têm de concordar precisamente nos aspectos decisivos para a valoração jurídica” (</font><i><font>in</font></i><font> Metodologia da Ciência do Direito – 2ª edição -, pág. 451).</font><br>
<font> Para Castanheira Neves, são dois os momentos que convergem num adequado critério de analogia jurídica em função judicativa – “um desses momentos tem a ver com a determinação da analogia dos casos relevantes ou com a determinação desses casos como casos análogos (momento que o nº 2 do art. 10º não considera expressamente); o outro momento tem a ver com a analogia judicativa ou analogia da solução desses casos (momento em que aquele mesmo artigo já considera e aparentemente só considera) e para o qual o primeiro momento oferece uma base necessária, mas só insuficiente”.</font><br>
<font> Assim, “os casos relevantes (…) serão juridicamente análogos quando os seus respectivos e concretos sentidos problemático-jurídicos – … – se puderem pensar numa conexão justificada pela intenção fundamental de juridicidade que os constitui na sua especificidade jurídica. Quando as suas constitutivas intenções de juridicidade forem no fundo as mesmas ou afins: a diferença dos seus concretos sentidos problemático-jurídicos resultará, nestas circunstâncias, mais das diversidades das respectivas relevâncias objectivas e menos da intencionalidade jurídica que lhes correspondem” (</font><i><font>in</font></i><font> Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, pág. 261). </font><br>
<font> Baptista Machado, na mesma linha argumentativa, defende que o julgador deverá, nos termos do nº 1 do art. 10º do CC, aplicar por analogia aos casos omissos as normas que directamente contemplem casos análogos, considerando-se como “análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante – de modo a que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro”.</font><br>
<font> Para este A. o recurso à analogia como meio de preenchimento de lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa, tradutora do princípio da igualdade (casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante) (</font><i><font>in</font></i><font> Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 202).</font><br>
<font> Esta preocupação de igualdade no tratamento de situações em tudo semelhantes está também no espírito de Manuel de Andrade:</font><font> </font><font>“analogia é harmónica igualdade, proporção e paralelismo entre situações semelhantes” (</font><i><font>in</font></i><font> Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis - Interpretação e Aplicação das Leis, pág. 158).</font><br>
<br>
<font>À luz destes ensinamentos, cumpre-nos, portanto, dizer se existe analogia entre a situação do mediador de seguros do nosso caso e a do agente que tem a sua actividade regulada no diploma legal referido.</font><br>
<font> Ora bem.</font><br>
<font> Os regimes de mediação de seguros e de agência tratam situações jurídicas bem diferentes: o mediador de seguros exerce uma actividade tendente à realização de contratos de seguro, dando assistência à celebração dos mesmos, o agente actua por conta de outrem (do principal).</font><br>
<font>Isto, por si só, seria o suficiente para afastarmos a pretendida aplicação analógica: não estamos perante casos semelhantes, antes, pelo contrário, perante situações totalmente distintas.</font><br>
<font>Mas, descendo mais ao pormenor, mais claro se nos afigura esta conclusão.</font><br>
<font>Prescreve o mencionado art. 23º no seu nº 1:</font><br>
<font> “O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimação do agente, desde que o principal tenha contribuído para fundar a confiança no terceiro”.</font><br>
<font> O problema que este preceito procura “resolver consiste, fundamentalmente, em saber que atitude tomar quando o agente, sem representação ou de cobrança de créditos, actua, no entanto, como se os tivesse, criando no cliente a aparência de estar a contratar ou a pagar a um agente munidos dos respectivos poderes” (</font><i><font>apud</font></i><font> Pinto Monteiro, Contrato de Agência – 4ª edição -, pág. 91).</font><br>
<font> Dúvidas poderiam surgir, no plano da teorização, sobre a possibilidade de aplicação analógica entre do regime do contrato de agência ao regime do contrato de medição de seguros, mas as mesmas depressa se teriam de dissipar.</font><br>
<font> É que o mediador actua com inteira independência e imparcialidade e no interesse de ambos os contraentes; diferentemente, o agente actua por conta do principal, representando-o economicamente.</font><br>
<font> Ora, o que acontece com a chamada procuração aparente é que alguém se arroga representante de outrem, sem conhecimento do “representado”, sendo que se este tivesse “usado do cuidado exigível, designadamente na vigilância dos seus subordinados, poderia (e deveria) prevenir a situação. Teríamos, assim, como elemento objectivo, a aparência da representação e, como elemento subjectivo, a negligência do “representado” (</font><i><font>vide</font></i><font> Menezes Cordeiro, </font><i><font>in</font></i><font> Tratado de Direito Civil Português – I – Parte Geral, Tomo IV, pág. 103). </font><br>
<font> Está, deste modo, clara a dificuldade por nós apontada de aplicar aqui, no regime de mediação de seguros, onde o mediador é independente da seguradora, o regime consagrado para o contrato de agência.</font><br>
<font> Mas, pondo de lado a tese geral e descendo à casuística, mais evidente se torna a conclusão já apontada. </font><br>
<font> A este nível e com vista a analisar a bondade da argumentação das instâncias, importa a analisar a matéria de facto apurada a este respeito.</font><br>
<font> É o que passaremos a fazer.</font><br>
<font> Perante uma hipótese de representação aparente, a aplicação deste preceito legal está dependente da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:</font><br>
<font>- Que o agente, sem representação, tenha contratado em nome do principal;</font><br>
<font>- Que o terceiro tenha confiado, estando, pois, de boa fé, que o agente tinha poderes bastantes para a celebração do negócio;</font><br>
<font>- Que essa confiança seja objectivamente fundada; e, finalmente,</font><br>
<font>- Que o principal haja contribuído para fundar essa confiança.</font><br>
<font> Descendo ao patamar da casuística e lendo a matéria de facto dada como provada, não temos a mínima dúvida em afastar aqui a aplicação, por via analógica, do artigo supra citado.</font><br>
<font> Desde logo, não chegou a haver contrato em nome da R..</font><br>
<font> Acresce que nada ficou provado àcerca da boa fé do A.-recorrente nos poderes de representação do mediador.</font><br>
<font> Mais ainda: que tal confiança do A. estivesse objectivamente fundada, tendo, para isso, contribuído a R.-recorrida.</font><br>
<font> Ou seja: mesmo que se admitisse que, em tese, se podia aplicar ao caso o dispositivo legal em análise (e já ficou demonstrado que não é), o certo é que nada foi alegado (e, portanto, nada foi provado) que permita dizer que, </font><i><font>in casu</font></i><font>, se verificam exactamente as circunstâncias nele previstas.</font><br>
<font> Irremediavelmente afastada, pois, a possibilidade de aplicação do dito preceito ao caso presente por recurso à via analógica.</font><br>
<font> Na consolidação da ideia avançada, importa fazer alusão ao seguinte:</font><br>
<font> O art. 4º, nº 1 do diploma que regula a actividade de mediação de seguros estipula que “o mediador não pode, salvo no caso previsto no número seguinte, dar como celebrado um contrato em nome da seguradora, sem prévia aprovação desta”.</font><br>
<font> E a ressalva expressa no nº seguinte é esta:</font><br>
<font> “É facultada a celebração de acordos entre um mediador e uma seguradora, no sentido de aquele poder, salvo no que respeita a fundos de pensões, celebrar contratos em nome e por conta desta, desde que a inerente responsabilidade civil profissional seja garantida através do adequado seguro”.</font><br>
<font> Nada tendo sido dito a respeito de uma relação entre mediador e R. de acordo com a previsão acabada de referir, cai por terra toda a pretensão de obter uma indemnização por via da seguradora R. com base em factos (ilícitos) praticados pelo mediador.</font><br>
<font> À luz das ideias assinaladas e perante os argumentos aqui expostos, dívidas não pode haver sobre a inaplicabilidade ao caso presente do preceituado no nº 1 do art. 23º do D.-L. nº 178/86, de 03 de Julho.</font><br>
<br>
<font> Não aceitando, nem plano da teoria geral, nem no plano do caso concreto, a aplicação analógica das regras do contrato de agência a um caso de mediação de seguros, não podemos fazer, nem fazemos, tábua rasa sobre o valor que este último preceito legal consagra, o da tutela da confiança.</font><br>
<font> </font><br>
<font> É sobre este ponto que nos iremos debruçar a seguir.</font><br>
<br>
<font> 3ª Questão.</font><br>
<br>
<font> “O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Assim tem de ser, pois, …, poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e de cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica)” – é o que nos ensina Baptista Machado, </font><i><font>in</font></i><font> Tutela da Confiança e “Venire Contra Factum Proprium”, pág. 352).</font><br>
<font> Acontece que no caso que nos preocupa, nada foi praticado ou omitido pela R. que pudesse fazer crer que a actuação do mediador CC era nada mais, nada menos do que a tradução de actos de representação, ainda que aparente.</font><br>
<font> Arredada a participação da R. na responsabilização dos actos praticados pelo mediador com quem o A. entabulou negociações, prejudicado fica qualquer comentário a respeito do seu comportamento em eventual transgressão à </font><i><font>bona fides.</font></i><br>
<font> Salienta Baptista Machado que “toda a «perlocução, toda a subordinação do acto comunicativo a uma estratégia astuciosa, todo o </font><i><font>dolose agere</font></i><font>, é já uma desvirtuação da função originária da linguagem»”, que “o acto de comunicação não deve ser «instrumentalizado» (</font><i><font>in</font></i><font> obra citada, pág. 350).</font><br>
<font> Sendo a R. completamente estranha ao que se passou entre o A. e o dito mediador (“nunca deu entrada na R. qualquer proposta de seguro em nome de AA”; “nunca foi entregue à R. quer pelo dito CC quer por terceiro, a verba de 3.000.000$00, ou qualquer outra, para o referido seguro”), e não podendo ela ser responsabilizada perante a pretensão do A. (pelo menos nos termos em que este desenhou a sua pretensão), afastada fica, </font><i><font>naturaliter</font></i><font>, qualquer ideia de não respeito pela </font><i><font>bona fides</font></i><font>, o mesmo é dizer da ideia protectora da boa fé com particular reflexo na confiança de terceiros.</font><br>
<font> A ter havido transgressão dessa ideia basilar do Direito, seguramente que não foi da parte da R.-recorrida.</font><br>
<font>Cai, dest’arte, por terra a tese que o recorrente propôs fazer valer perante este STJ: nenhuma censura merece, por isso, o sentenciado nas instâncias.</font><br>
<br>
<font> </font><font>IV</font><font> – </font><font>Decisão</font><br>
<br>
<font> Pelo exposto, nega-se a revista e condena-se o recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br>
<br>
<br>
<font> </font><font>Lisboa</font><font>, aos 18 de Dezembro de 2007</font><br>
<font> Urbano Dias</font><br>
<font> Paulo Sá</font><br>
<font> Mário Cruz</font><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XjKzu4YBgYBz1XKvDzKh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<font> </font><b><font>1.</font></b><br>
<font> AA e BB instauraram, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção ordinária tendente a obterem a condenação solidária de CC-Gestão Hoteleira Lª e de D.C.G.-Direcção, Controlo e Gestão Lª, no pagamento das seguintes importâncias:</font><br>
<b><font>- </font></b><font>11.320,00 €, por conta da contrapartida da cessão de exploração relativa ao período de 01.05.2004 a 01.05.2005, acrescida dos juros de mora vencidos no valor de 415,01 € e vincendos, computados à taxa legal, desde 02.04.2006 até efectivo e integral pagamento;</font><br>
<b><font>- </font></b><font>11.320,00 €, por conta da contrapartida da cessão de exploração relativa ao período de 01.05.2005 a 01.05.2006, acrescida dos juros de mora vincendos, computados à taxa legal, desde 02.05.2006 até efectivo e integral pagamento;</font><b><font> </font></b><br>
<b><font>- </font></b><font>3.315,00 €,</font><b><font> </font></b><font>correspondente ao valor do prejuízo que lhes provocou o facto de não terem gozado 51 dias de férias nos anos de 2004 e 2005; </font><br>
<b><font>- </font></b><font>7.500,00 €,</font><b><font> </font></b><font>a título de indemnização pelos danos morais decorrentes da celebração dos contratos-promessa de cessão de exploração e respectivo incumprimento por parte da R. CC.</font><br>
<font> Subsidiariamente, para o caso de não proceder o pedido anterior, pediram a condenação da R. “CC Resort” no pagamento de todas as referidas quantias.</font><br>
<font> Em qualquer caso, a condenação da R. “D.C.G.” no pagamento de uma indemnização pelo valor que vier a ser apurado, em sede de execução de sentença, pela desvalorização dos dois apartamentos, decorrente da falta de classificação do empreendimento e da falta de emissão da licença de utilização turística que, provisoriamente, fixaram no montante global de 20.000,00 €, sendo 10.000,00 € por cada apartamento, e no pagamento de uma sanção pecuniária, a ser fixada pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 829º-A do Código de Processo Civil, por cada dia de atraso até à conclusão do empreendimento e início da exploração turística do mesmo, em virtude do incumprimento de obrigações decorrentes dos contratos que firmaram com as duas firmas, que tiveram por objecto as fracções de que são proprietários, sitas no lugar de ..., Carvoeiro, concelho de Lagoa.</font><br>
<br>
<font> As RR. contestaram, pugnando ambas pela absolvição, tendo a R. “CC” deduzido, inclusive, pedido reconvencional contra os AA., a pedir a sua condenação no pagamento da quantia de 4.245 €, correspondente ao montante de rendas que teria auferido se lhes tivessem cedido as ditas fracções na data acordada (1 de Maio de 2004), o que, em termos de compensação, a obrigaria apenas ao pagamento de 7.765 €.</font><br>
<br>
<font> Seguiram-se os demais articulados até ao saneador, altura em que foi decidido não admitir o pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<font> Seleccionada a matéria de facto, provada e controvertida, a acção seguiu para julgamento e, findo este, foi proferida sentença a condenar apenas a R. D.C.G.-Direcção, Controle e Gestão, Lda. no pagamento de 11.320,00 €, acrescida dos juros de mora vencidos, no valor de 415,01 € e dos juros de mora vincendos, computados à taxa legal de 4%, desde 02.04.2006 até efectivo e integral pagamento, salvo se outra taxa, entretanto, entrar em vigor, acrescida da quantia de 11.320,00 €, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, computados à taxa legal de 4%, desde 02.05.2006 até efectivo e integral pagamento, salvo se outra taxa, entretanto, entrar em vigor, mais 3.315 €, a título de indemnização pela privação do uso, e de 20.000 €, como compensação dos danos morais sofridos. </font><br>
<br>
<font> Mediante apelação da R., o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou por inteiro o julgado.</font><br>
<br>
<font> Continuando irresignada, pede, ora, revista, a coberto das seguintes conclusões, com que fechou a respectiva minuta:</font><br>
<font>- A ora alegante prometeu vender e os AA. prometeram comprar as fracções autónomas em causa. </font><br>
<font>- Em lugar algum do contrato-promessa de compra e compra e da subsequente escritura, se alcança dos respectivos teores que competia à ora alegante obter a licença para Exploração Turística das fracções em causa. </font><br>
<font>- Aliás, a escritura só se poderia realizar com a obtenção da licença de habitação, e a licença para exploração turística só seria possível de ser requerida depois de obtida a licença de habitação. </font><br>
<font>- Dos próprios termos do contrato-promessa de compra e venda se pode, facilmente, concluir que não seria exequível a R., ora alegante, celebrar a escritura no mês seguinte à obtenção da licença de habitação, conforme previa o contrato- promessa e simultaneamente poder apresentar a licença para exploração turística das mesmas fracções. </font><br>
<font>- Em qualquer caso, jamais se poderá falar em mora da R.. </font><br>
<font>- O contrato-promessa de compra e venda previa, e diga-se e repita-se era uma previsão, a escritura de compra e venda teria lugar no mês seguinte à obtenção da licença de habitação. </font><br>
<font>- E efectivamente foi isso que assim que se procedeu. </font><br>
<font>- De facto previa-se que tal licença fosse obtida num determinado momento, sendo certo que tal prazo foi ultrapassado. </font><br>
<font>- Mas o que efectivamente marcava a data para a escritura era a obtenção da licença de habitação e tal cumpriu-se. </font><br>
<font>- Também é verdade que se a escritura teve lugar em data posterior ao previsto, também é verdade que os AA. apenas pagaram a parte final do preço, mais de 36% do valor total em prazo também alargado, tendo, por outro lado, a ora alegante prejuízos financeiros, motivados por tal situação. </font><br>
<font>- Não há mora, haverá errada interpretação dos artigos 804° e 805° do Código Civil, bem como do artigo 879° do mesmo Código. </font><br>
<br>
<font>Os recorridos pugnaram pela manutenção do aresto censurado, apresentando contra-alegações que fecharam com as seguintes conclusões: </font><br>
<font>- O negócio acordado entre as partes não se esgotava na mera celebração das escrituras de compra e venda das fracções. </font><br>
<font>- Ao lado da obrigação principal, havia um conjunto de obrigações complementares, laterais ou acessórias, de cujo cumprimento os apelados fizeram depender a celebração do negócio e que passavam pela construção, aprovação e licenciamento do empreendimento turístico onde as fracções negociadas se integrariam, a sua conclusão em termos de permitir aos adquirentes das fracções a sua exploração turística, a edificação de um clube, de uma piscina, de jardins, em suma, o cumprimento de múltiplas obrigações que concorriam para a perfeição do negócio e que competia à apelante promover e executar para bem cumprir as obrigações a que se vinculara, não defraudando as expectativas dos apelados.</font><br>
<font>- Tendo promovido e patrocinado a celebração de contratos de prestação de serviço e de manutenção e de contratos-promessa de exploração das fracções na mesma altura em que promoveu a celebração dos contratos-promessa de compra e venda, assumindo a responsabilidade pela conclusão das obras e do empreendimento turístico até Abril de 2004, a apelante não se podia limitar a celebrar as escrituras de compra e venda, um ano após a data prevista para a conclusão da obra, sem cumprir nenhuma das obrigações acessórias a que estava vinculada. </font><br>
<font>- A apelante, celebrando a escritura muito tempo depois da data prevista para a conclusão e não cumprindo as suas obrigações complementares acessórias, deixando o empreendimento turístico inacabado, por licenciar, sem piscina, sem jardins, sem clube social, com montes de areia e tapumes e sem condições para a sua exploração turística por parte dos adquirentes, falhou o cumprimento integral das suas obrigações, constituiu-se em mora, tornou-se responsável pelos prejuízos causados aos apelados e, por isso mesmo, obrigada a indemnizá-los. </font><br>
<font>- Não ocorreu qualquer erro de interpretação ou aplicação dos artigos 804°, 805° ou 879° do Código Civil.</font><br>
<br>
<b><font>2.</font></b><br>
<font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>- A aquisição do direito real de propriedade sobre as fracções autónomas designadas pelas letras A e B, correspondentes ao rés-do-chão e ao primeiro andar do prédio urbano designado por lote nove, situado em ..., Freguesia do Carvoeiro, Concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve), sob o número 1.234, encontra-se inscrita nessa mesma Conservatória na titularidade dos AA. (inscrição G-l Ap.l1/280405).</font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, D.C.G.-Direcção, Controle e Gestão, Lda., como primeiro outorgante, e AA, como segundo, declararam ajustar entre si o acordo de fls. 44 (doc. 4), por meio do qual declararam: a primeira declarou prometer vender ao segundo e este declarou prometer comprar-lhe a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão da moradia em banda a edificar no lote 9, na Urbanização CC Club Carvoeiro, sito no ..., Freguesia do Carvoeiro, Concelho de Lagoa, pelo preço de € 118.500,00.</font><br>
<font>- Foi então acordado que a escritura de compra e venda será outorgada no mês seguinte à obtenção da licença de habitabilidade que se prevê para o 1º trimestre de 2004. </font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, D.C.G.-Direcção, Controle e Gestão, Lda., como primeiro outorgante, e AA, como segundo, declararam ajustar entre si o acordo de fls. 50 (doc.5), por meio do qual declararam: a primeira declarou prometer vender ao segundo e este declarou prometer comprar-lhe a fracção autónoma correspondente ao primeiro andar da moradia em banda a edificar no lote 9, na Urbanização CC Club Carvoeiro, sito no ..., Freguesia do Carvoeiro, Concelho de Lagoa, pelo preço de € 134.500,00.</font><br>
<font>- Foi então acordado que a escritura de compra e venda será outorgada no mês seguinte à obtenção da licença de habitabilidade que se prevê para o 1º trimestre de 2004. </font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, CC – Gestão Hoteleira, Lda., como primeiro outorgante, e AA, como segundo, declararam ajustar entre si o acordo de fls. 51 (doc. 6), sujeito, entre outras, às seguintes cláusulas: </font><br>
<b><font>Cláusula Primeira</font></b><font>: </font><br>
<font>O segundo contratante celebrou nesta data um contrato-promessa de compra e venda respeitante à fracção autónoma correspondente ao R/C da moradia em banda a edificar no lote 9, na Urbanização CC Clube Carvoeiro.</font><br>
<b><font>Cláusula Segunda: </font></b><br>
<font>O presente contrato terá início no dia da escritura de compra e venda da fracção autónoma referida na cláusula anterior. </font><br>
<b><font>Cláusula Terceira: </font></b><br>
<font>1- A primeira outorgante compromete-se a prestar a expensas do Segundo Outorgante, e em relação à fracção autónoma referida na Cláusula anterior, e à urbanização em que a mesma está inserida, os seguintes serviços: </font><br>
<font>- Limpeza das ruas da urbanização. </font><br>
<font>- Limpeza e conservação dos espaços exteriores e jardins da urbanização. </font><br>
<font>- Recolha do lixo. </font><br>
<font>- Vigilância. </font><br>
<font>- Limpeza e conservação das piscinas da urbanização. </font><br>
<font>- Limpeza e conservação das instalações do Clube (lotes 58 e 59). </font><br>
<font>- Pintura exterior do apartamento de quatro em quatro anos a contar da data do início do presente contrato. </font><br>
<font>- Serviço de recepção e de gestão. </font><br>
<font>2 - Ao Segundo Outorgante é facultado o acesso e a utilização das zonas comuns do empreendimento – jardins e arruamentos – e ainda às instalações do Clube. </font><br>
<b><font>Cláusula Quarta: </font></b><br>
<font>1- O preço anual da prestação de serviços previstos na cláusula anterior é de € 1.000, 00 e deverá ser liquidado até ao dia 31 de Janeiro de cada ano. </font><br>
<font>2 - (...); </font><br>
<font>- À data da escritura de compra e venda da moradia (fracção autónoma) objecto do presente contrato o Segundo Contratante liquidará o valor devido relativo ao ano em curso. Para este efeito, será considerado o valor mensal de € 83,33, multiplicado pelo número de meses que decorrerão do dia 1 do mês seguinte até ao final do ano. </font><br>
<b><font>Cláusula Quinta</font></b><font>: </font><br>
<font>1- A Primeira Contratante é livre de ceder os direitos e obrigações emergentes deste contrato a outra entidade (…) </font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, D.C.G. – Direcção, Controle e Gestão, Lda., como primeira outorgante, e AA, como segundo outorgante, celebraram entre si uma adenda ao acordo referido em 40, constante de fls. 52, sujeita às seguintes cláusulas: </font><br>
<b><font>Cláusula Primeira: </font></b><br>
<font>A Primeira Outorgante vai levar a efeito a construção das instalações do Clube – Lotes 58 e 59 – da Urbanização acima identificada. </font><br>
<font>A data prevista para a conclusão das obras é o mês de Abril de 2004. </font><br>
<b><font>Cláusula Segunda: </font></b><br>
<font>A partir da data da entrada em vigor do Contrato de Prestação de Serviços e Manutenção, do qual a presente Adenda faz parte integrante, e até à data de conclusão das instalações mencionadas na Cláusula anterior, a Primeira Outorgante assume as obrigações do Segundo Outorgante constantes da Cláusula Quarta do mesmo contrato. </font><br>
<font>A CC – Gestão Hoteleira Lª aceita o ora estabelecido entre os outorgantes. </font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, CC-Gestão Hoteleira, Lª, como primeiro outorgante, e AA, como segundo, declararam ajustar entre si o acordo de fls. 60 (doc.9), sujeito, entre outras, às seguintes cláusulas: </font><br>
<b><font>Cláusula Primeira: </font></b><br>
<font>O segundo contratante celebrou nesta data um contrato-promessa de compra e venda respeitante à Fracção autónoma correspondente ao 1º andar da moradia em banda a edificar no lote nº 9, na Urbanização CC Club Carvoeiro, sito no ..., freguesia de Carvoeiro, concelho de Lagoa (…); </font><br>
<b><font>Cláusula Segunda: </font></b><br>
<font>O presente contrato terá início no dia da escritura de compra e venda da fracção autónoma referida na Cláusula anterior. </font><br>
<b><font>Cláusula Terceira: </font></b><br>
<font>1- A primeira outorgante compromete-se a prestar a expensas do Segundo Outorgante, e em relação à fracção autónoma referida na Cláusula anterior, e à urbanização em que a mesma está inserida, os seguintes serviços: </font><br>
<font>- Limpeza das ruas da urbanização. </font><br>
<font>- Limpeza e conservação dos espaços exteriores e jardins da urbanização. </font><br>
<font>- Recolha do lixo. </font><br>
<font>- Vigilância. </font><br>
<font>- Limpeza e conservação das piscinas da urbanização. </font><br>
<font>- Limpeza e conservação das instalações do Clube (lotes 58 e 59). </font><br>
<font>- Pintura exterior do apartamento de quatro em quatro anos a contar da data do início do presente contrato. </font><br>
<font>- Serviço de recepção e de gestão. </font><br>
<font>2 - Ao Segundo Outorgante é facultado o acesso e a utilização das zonas comuns do empreendimento – jardins e arruamentos – e ainda às instalações do Clube. </font><br>
<b><font>Cláusula Quarta: </font></b><br>
<font>1 - O preço anual da prestação de serviços previstos na cláusula anterior é de € 1.000,00 e deverá ser liquidado até ao dia 31 de Janeiro de cada ano. </font><br>
<font>2 - (…) </font><br>
<font>3 - À data da escritura de compra e venda da moradia (fracção autónoma) objecto do presente contrato o Segundo Contratante liquidará o valor devido relativo ao ano em curso. Para este efeito, será considerado o valor mensal de 83,33 €, multiplicado pelo número de meses que decorrerão do dia 1 do mês seguinte até ao final do ano. </font><br>
<b><font>Cláusula Quinta: </font></b><br>
<font>- A Primeira Contratante é livre de ceder os direitos e obrigações emergentes deste contrato a outra entidade (...). </font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, D.C.G. – Direcção, Controle e Gestão, Lda., como primeira outorgante, e AA, como segundo outorgante, celebraram entre si uma adenda ao acordo referido em 6°, constante de fls. 61, sujeita às seguintes cláusulas: </font><br>
<b><font>Cláusula Primeira: </font></b><br>
<font>A Primeira Outorgante vai levar a efeito a construção das instalações do Clube – Lotes 58 e 59 – da Urbanização acima identificada. </font><br>
<font>A data prevista para a conclusão das obras é o mês de Abril de 2004. </font><br>
<b><font>Cláusula Segunda: </font></b><br>
<font>A partir da data da entrada em vigor do Contrato de Prestação de Serviços e Manutenção, do qual a presente Adenda faz parte integrante, e até à data de conclusão das instalações mencionadas na Cláusula anterior, a Primeira Outorgante assume as obrigações do Segundo Outorgante constantes da Cláusula Quarta do mesmo contrato. </font><br>
<font>A CC-Gestão Hoteleira Lª aceita o ora estabelecido entre os outorgantes.</font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, AA, como Primeiro Contratante, e CC-Gestão Hoteleira Lda., como Segunda, declararam ajustar entre si o acordo de fls. 53 (doc. 7) e sujeito, entre outras, às seguintes cláusulas: </font><br>
<b><font>Cláusula Primeira: </font></b><br>
<font>O Primeiro Contratante é promitente-comprador da fracção autónoma identificada no ponto 2 da Divisão 1 do presente contrato (fracção autónoma correspondente ao R/C da moradia em banda a edificar no lote 9, na Urbanização CC Clube Carvoeiro). </font><br>
<b><font>Cláusula Segunda: </font></b><br>
<font>Pelo presente contrato, o Primeiro Contratante promete ceder a exploração à Segunda Contratante, que promete aceitá-la, da fracção autónoma identificada no ponto 2 da Divisão 1 do presente contrato, nas condições constantes das cláusulas seguintes. </font><br>
<b><font>Cláusula Terceira: </font></b><br>
<font>O apartamento destina-se à exploração hoteleira ou de alojamento turístico. </font><br>
<b><font>Cláusula Quarta: </font></b><br>
<font>O prazo da cessão é de um ano, com início no dia 1 de Maio de 2004. </font><br>
<b><font>Cláusula Quinta: </font></b><br>
<font>1- O preço anual é o que consta do ponto 3.1 da Divisão 1 deste contrato e será pago conforme definido no ponto 3.2 da mesma Divisão 1 (Divisão 1- 3. Preço e condições de pagamento. 3.1 - Preço: € 5.140,00;3.2 - Condições de pagamento: o preço de cessão é pago anualmente sendo o pagamento devido um ano após o início da cessão). </font><br>
<font>2 - Quando a qualquer uma das Contratantes não convenha a continuação da sessão para além do prazo em curso, deverá avisar a outra, por carta registada, com, pelo menos, 6 (seis) meses de antecedência. </font><br>
<b><font>Cláusula Sexta: </font></b><br>
<font>1- (…) </font><br>
<font>2 - Para além dos descontos previstos no ponto anterior, o Primeiro Contratante poderá ocupar o apartamento objecto do presente contrato sem qualquer encargo: </font><br>
<font>- 14 Dias em época média ou baixa. </font><br>
<font>- A ocupação hoteleira do Primeiro Contratante, nos termos dos números 1 e 2 da presente Cláusula, beneficia de todos os serviços hoteleiros – limpeza, mudanças de roupa e apoio de serviços de manutenção e recepção – habitualmente fornecidos pela Segunda Contratante a todos os seus clientes e está sujeita a reserva e confirmação da mesma pela Segunda contratante em função da disponibilidade hoteleira. </font><br>
<b><font>Cláusula Sétima: </font></b><br>
<font>Enquanto durar a cessão ora contratada, serão da responsabilidade da Segunda Contratante as despesas comuns da urbanização definidas no Contrato de Prestação de Serviços e de Manutenção anexo ao presente contrato. </font><br>
<b><font>Cláusula Décima Primeira: </font></b><br>
<font>O local cedido é mobilado, constando o respectivo inventário de documento anexo a este contrato e que do mesmo faz parte integrante.</font><br>
<font>- Em 21 de Agosto de 2002, AA, como Primeiro Contratante, e CC-Gestão Hoteleira Lda., como Segunda, declararam ajustar entre si o acordo de fls. 56 (doc.8), sujeito, entre outras, às seguintes cláusulas: </font><br>
<b><font>Cláusula Primeira: </font></b><br>
<font>O Primeiro Contratante é promitente-comprador da fracção autónoma identificada no ponto 2 da Divisão 1 do presente contrato (fracção autónoma correspondente ao 1º andar da moradia em banda a edificar no lote 9, na Urbanização CC Clube Carvoeiro). </font><br>
<b><font>Cláusula Segunda: </font></b><br>
<font>Pelo presente contrato, o Primeiro Contratante promete ceder a exploração à Segunda Contratante, que promete aceitá-la, da fracção autónoma identificada no ponto 2 da Divisão 1 do presente contrato, nas condições constantes das cláusulas seguintes. </font><br>
<b><font>Cláusula Terceira: </font></b><br>
<font>O apartamento destina-se à exploração hoteleira ou de alojamento turístico. </font><br>
<b><font>Cláusula Quarta: </font></b><br>
<font>O prazo da cessão é de um ano, com início no dia 1 de Maio de 2004. </font><br>
<b><font>Cláusula Quinta: </font></b><br>
<font>1- O preço anual é o que consta do ponto 3.1 da Divisão 1 deste contrato e será pago conforme definido no ponto 3.2 da mesma Divisão 1 (Divisão 1-3. Preço e condições de pagamento. </font><br>
<font>3.1 - Preço: 6.180,00 €, 3.2 Condições de pagamento: o preço de cessão é pago anualmente sendo o pagamento devido um ano após o início da cessão). </font><br>
<font>2 - Quando a qualquer uma das Contratantes não convenha a continuação da sessão para além do prazo em curso, deverá avisar a outra, por carta registada, com, pelo menos, 6 (seis) meses de antecedência. </font><br>
<b><font>Cláusula Sexta: </font></b><br>
<font>1- (...); </font><br>
<font>Para além dos descontos previstos no ponto anterior, o Primeiro Contratante poderá ocupar o apartamento objecto do presente contrato sem qualquer encargo: </font><br>
<font>- 14 Dias em época média ou baixa. </font><br>
<font>- A ocupação hoteleira do Primeiro Contratante, nos termos dos números 1 e 2 da presente Cláusula, beneficia de todos os serviços hoteleiros – limpeza, mudanças de roupa e apoio de serviços de manutenção e recepção – habitualmente fornecidos pela Segunda Contratante a todos os seus clientes e está sujeita a reserva e confirmação da mesma pela Segunda contratante em função da disponibilidade hoteleira. </font><br>
<b><font>Cláusula Sétima: </font></b><br>
<font>Enquanto durar a cessão ora contratada, serão da responsabilidade da Segunda Contratante as despesas comuns da urbanização definidas no Contrato de Prestação de Serviços e de Manutenção anexo ao presente contrato. </font><br>
<b><font>Cláusula Décima Primeira: </font></b><br>
<font>O local cedido é mobilado, constando o respectivo inventário de documento anexo a este contrato e que do mesmo faz parte integrante (alínea J) da matéria assente); </font><br>
<font>- Em Setembro de 2002, deu entrada na Direcção-Geral do Turismo, enviado pela Câmara Municipal de Lagoa, um pedido de informação prévia sobre a alteração do Conjunto Turístico nº 15188, sito em ...-Carvoeiro, tendo aquela Direcção comunicado que, sob o ponto de vista turístico, nada tinha a opor à proposta de alteração do alvará de loteamento.</font><br>
<font>- Por referência a 18 de Abril de 2006, o “CC”, sito em ..., Freguesia do Carvoeiro, Concelho de Lagoa, não se encontrava classificado como empreendimento turístico.</font><br>
<font>- Os AA. não ocuparam os apartamentos aludidos.</font><br>
<font>- Os AA. não receberam quaisquer quantias pela exploração dos apartamentos.</font><br>
<font>- O A. expediu para a 2ª R., que a recebeu, a comunicação de fls. 83 (doc. 13), datada de 16.07.2004.</font><br>
<font>- O A. expediu para a 2ª R., que a recebeu, a comunicação de fls. 84 e seguintes (doe. 14), datada de 06.12.2005.</font><br>
<font>- Em 22 de Outubro de 2005, o A. recebeu uma comunicação da R. com o teor constante de fls. 87 (doc. 15).</font><br>
<font>- O ilustre advogado do A. enviou para a 1ª R., em 12.01.2006, a carta de fls. 88 e seguintes (doc. 16), que foi devolvida ao remetente com menção de desconhecido (doc. 17).</font><br>
<font>- O ilustre advogado do A. enviou para a 1ª R., em 25.01.2006, que a recebeu (doc. 19), a carta de fls. 94 (doc. 18).</font><br>
<font>- Em Março de 2006, o empreendimento “CC Clube Carvoeiro” tem a piscina e o Clube por construir, com os jardins inacabados e com montes de terra e tapumes.</font><br>
<font>- Em 5 de Abril de 2006, a 1ª R. enviou à A. a comunicação, com anexo, de fls. 111 e seguintes (doc. 33).</font><br>
<font>- A 1ª R. disponibilizou por dois dias, o seu empreendimento de Cabanas, para utilização de um familiar dos AA.. </font><br>
<font>26° A 1ª R. disponibilizou os seus apartamentos aos AA., entre 30 de Dezembro e 2 de Janeiro de 2005, sem serventia e apoio hoteleiro.</font><br>
<font>- A tabela de preços 2005/2006 praticada pela 2ª R. é a constante de fls. 114 (doc. 34).</font><br>
<font>- Os AA. entregaram, em 2003, à 1ª R. o valor relativo ao mobiliário dos apartamentos.</font><br>
<font>- A segunda R. propôs ao A. que na mesma data em que fossem consigo celebrados os contratos-promessa de compra e venda, fossem também assinados dois contratos de prestação de serviços e de manutenção para cada uma das fracções prometidas adquirir e dois contratos-promessa de cessão de exploração, incidentes sobre as mesmas fracções. </font><br>
<font>- Todos os instrumentos aludidos foram preparados pelas RR. e dados a assinar ao A.. </font><br>
<font>- Os acordos aludidos foram celebrados com o patrocínio da 2ª R.. </font><br>
<font>- A 2ª R. comprometeu-se a ter o empreendimento turístico concluído, em Abril de 2004. </font><br>
<font>- A 1 1ª R. comprometeu-se a iniciar a exploração turística das fracções aludidas, em 1 de Maio de 2004. </font><br>
<font>- As partes acordaram que os acordos de prestação de serviços e de manutenção apenas teriam início no dia das escrituras de compra e venda das fracções autónomas. </font><br>
<font>- Sendo estipulado nos acordos de prestação de serviços que os mesmos teriam início aquando da celebração da escritura pública, nos acordos promessa de cessão de exploração contratual ficou estipulado que teriam início a 1 de Maio de 2004.</font><br>
<font>- A construção das fracções foi conclusa em Setembro de 2004.</font><br>
<font>- Os apartamentos referidos foram cedidos à 1ª R., em Março de 2005.</font><br>
<font>- A falta de classificação do empreendimento por parte da Direcção Geral do Turismo e a não atribuição de Licença de Utilização Turística provocam uma desvalorização de € 10.000,00 em cada um dos apartamentos.</font><br>
<font>- A situação provocada pelas RR., a sua falta de cooperação, o desinteresse que revelam, a impossibilidade de utilização dos apartamentos por parte dos AA., a falta de pagamento das quantias a que têm direito e a perspectiva de passarem mais três verões (2006 a 2008) sem poderem usufruir os apartamentos foi e é causa de imensas angústias e sofrimento dos AA., pela incerteza e desconforto que tal estado de coisas lhes provoca.</font><br>
<font>- Os apartamentos foram adquiridos com o produto de anos de trabalho, a maior parte passados longe de Portugal, como emigrantes.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>3.</font></b><br>
<font> </font><i><font>Quid iuris? </font></i><br>
<font> O que está em causa é apenas saber se a R. “D.C.G.” entrou em mora relativamente a obrigações assumidas para com os AA., sendo, por isso mesmo, responsável pelos prejuízos alegados e dados como provados.</font><br>
<br>
<font> A 1ª instância, em longa dissertação sobre a natureza jurídica dos contratos firmados entre AA. e R.-recorrente, acabou por concluir que as fracções que foram objecto dos contratos-promessa celebrados “fariam parte integrante de um empreendimento turístico”. E, daqui, partiu, apoiada em várias tiradas doutrinais, para a conclusão de que a R.-recorrente não cumpriu a obrigação acessória de obter o licenciamento, que permitisse aos AA. a exploração turística dos apartamentos comprados (“extrai-se, assim, a conclusão de que a ré D.C.G. se vinculou, também, à prestação acessória da obrigação principal, que era relevante na economia dos contratos, de tal forma que o seu incumprimento não pode deixar de ser visto como incumprimento dos próprios contratos-promessa de compra e venda das fracções”), chegando, mesmo, a invocar, em abono da sua posição, o preâmbulo do Decreto-Lei nº 167/97, de 04 de Julho, onde é afirmado que o objectivo do diploma é “tornar o promotor o primeiro responsável pelo cumprimento das regras respeitantes aos empreendimentos”. Foi, pois, esta via a encontrada para a responsabilização da R.-recorrente.</font><br>
<br>
<font> E, apesar de esta, na apelação, ter feito notar que a sua responsabilidade apenas deveria ser “medida” em função do que está contratualizado – obrigações de vendas de fracções aos AA., o que foi concretizado –, não podendo, portanto, ser responsabilizada nos termos em que o foi, o certo é, como dito, a Relação não ouviu as suas explicações, e acabou por concluir que “a recorrente comprometeu-se a vender as fracções dos autos em condições de serem exploradas na actividade turística em benefício dos recorridos. Aquela cumpriu a venda, mas não a prestação complementar de licenciamento que permitia a exploração contratualmente assumida”.</font><br>
<br>
<font> Ora bem.</font><br>
<font> O problema, o grande problema, que temos de resolver é, precisamente, o de saber em que medida a R.-recorrente pode ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pelos AA., decorrentes da não exploração turística dos apartamentos que compraram àquela. Dito de outra forma, saber se a R. se comprometeu, perante os AA. a obter o licenciamento turístico das fracções que vendeu.</font><br>
<font> Torna-se claro que se a resposta a esta questão vier a ser positiva, o caminho a trilhar está deveras facilitado, pois é certo que os AA. não têm, ainda hoje, em seu poder a dita licença e que, por via disso, sofreram prejuízos.</font><br>
<br>
<font> A obtenção da resposta exacta passa, natural e compreensivelmente, pela análise do que foi contratado entre as Partes.</font><br>
<font> Da análise dos contratos firmados entre AA. e a R.-recorrente nada mais decorre que esta se obrigou a vender duas fracções, logo que fosse obtida a respectiva licença de habitabilidade. Esta obrigação foi cumprida, pois os AA. são hoje os proprietários das fracções que foram objecto daqueles contratos-promessa, como se alcança das inscrições feitas no Registo Predial (</font><i><font>cfr</font></i><font>. fls. 29 e 30).</font><br>
<font> É bem certo que os AA. se obrigaram a respeitar o Regulamento da Urbanização e se comprometerem a celebrar contratos de prestação de serviços e de manutenção, os quais acabaram por ser feitos com a outra R., a “CC”.</font><br>
<font> É, ainda, verdade que na cláusula 3ª dos contratos-promessa que os AA. celebraram com a R. “CC” consta que os apartamentos se destinam à exploração hoteleira ou alojamento turístico.</font><br>
<font> Mas não se nos afigura correcto, do ponto de vista da hermenêutica, tirar a conclusão de que a R.-recorrente se comprometeu para com os AA. a obter a licença de exploração turística dos ditos apartamentos: é que nos contratos-promessa que celebraram estas Partes nada consta a este respeito.</font><br>
<font> Do facto de constar nos contratos-promessa e exploração celebrados entre AA. e a R. “CC” que os apartamentos se destinam àqueles fins específicos não permite, como é evidente, a conclusão de que a R.-recorrente se obrigou perante aqueles a obter a licença, junto das entidades competentes, que permitiria a sua utilização nos apontados termos.</font><br>
<font> Poder-se-á dizer que a R./recorrente se comprometeu a ter o empreendimento turístico concluído até Abril de 2004, certo que o “CC Resort”, em Abril de 2006, ainda não se encontrava classificado como empreendimento turístico.</font><br>
<font> Mas as perguntas (pertinentes) a fazer são estas: comprometeu-se perante quem? E como?</font><br>
<font> Não sabemos. </font><br>
<font>E não sabemos pela simples razão de que nada há nos autos que permita concluir que a R.-recorrente se comprometeu para com os AA. a obter as licenças que permitiriam a utilização dos apartamentos para os fins consignados … nos contratos de exploração que estes firmaram com a R. “CC”.</font><br>
<font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XjLNu4YBgYBz1XKvmj96 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I - </font><br>
<br>
<font>Relatório</font><br>
<br>
<font>"AA" intentou, no Tribunal Judicial de Santarém, acção ordinária contra BB, pedindo que se declare nula e de nenhum efeito a escritura pública exarada no dia 06/10/97, no Cartório Notarial de Coruche, na qual ela figura como mutuária e o R. como mutuante e, ainda, nulos e de nenhum efeito os contratos de mútuo de hipoteca aí consignados, ordenando-se o cancelamento do registo de hipoteca caso ele exista.</font><br>
<font>Em suma, alegou que:</font><br>
<font>- Celebrou com o R. a dita escritura pública, na qual consta que este lhe emprestou a quantia de 66.907.500$00;</font><br>
<font>- Antes, em 28 de Setembro de 1983, celebrou com o R. um contrato de mútuo, através do qual este lhe emprestou 640.000$00, dos quais apenas lhe entregou 480.000$00, deduzindo o restante em pagamento de juros à cabeça;</font><br>
<font>- Passado mais algum tempo, o R. entregou-lhe mais 40.000$00;</font><br>
<font>- Não cumpriu o contrato de mútuo, o que motivou o R. a exigir-lhe letras e cheques alegando tratar-se de juros, os quais se multiplicavam sucessivamente e sem qualquer critério;</font><br>
<font>- O R., invocando não lhe ter pago as importâncias em dívida, ameaçou-a com a instauração de uma acção, o que motivou a celebração da escritura supra referida.</font><br>
<br>
<font>O R. contestou, defendendo serem verdadeiras as declarações constantes da escritura, acabando por pedir a sua absolvição.</font><br>
<br>
<font>Houve réplica.</font><br>
<br>
<font>Seguiu-se a elaboração do saneador, a selecção dos factos provados e a provar e, finalmente, o julgamento, após o que foi proferida sentença a julgar a acção procedente.</font><br>
<br>
<font>Mediante recurso de apelação do R., a Relação de Évora confirmou o julgado.</font><br>
<br>
<font>Ainda irresignado, o R. pede ora revista, tendo concluído a sua alegação com as seguintes conclusões:</font>
<p><font>- Foi dado como provado que nem na data em que a A. e R. celebraram a escritura pública de mútuo com hipoteca no Cartório Notarial de Coruche, em 6/10/1997, nem posteriormente à mesma, o R. entregou à A., a titulo de empréstimo e esta recebeu daquele a quantia de 66.907.500$00.</font>
</p><p><font>- Na escritura pública foi declarado que o R. emprestou à A. uma determinada quantia que esta declarou já ter recebido. </font>
</p><p><font>- O que é declarado é que foi recebida uma quantia por empréstimo, sendo possível que esse recebimento não tenha sido efectuado fisicamente, mas sim apenas por conversão de dívidas anteriores.</font>
</p><p><font> - Também ficou provado em resposta aos pontos 5° e 6° da B.I. que a A. foi entregando ao R. letras e cheques referentes a quantias monetárias não apuradas. Logo, está provada a existência de títulos de crédito emitidos pela A. a favor do R., cujo pagamento não foi concretizado até à data da celebração da escritura pública de mútuo. </font>
</p><p><font>- Está finalmente provado que a A. declarou ter recebido do R. a referida quantia e declarou que constituía hipoteca de prédio a favor do R.. </font>
</p><p><font>- Deste modo, julgamos que, apesar do negócio que foi celebrado, a que foi chamado mútuo, as partes quiseram celebrar outro negócio. </font>
</p><p><font>- Reconhecimento de dívida. </font>
</p><p><font>- Apesar de terem chamado ao negócio um mútuo, o que resulta da prova produzida é que na verdade as partes quiseram efectuar um negócio bilateral de reconhecimento de determinada quantia que era devida em que as partes acordaram o valor em dívida por parte da A. e a forma de pagamento por parte do R.</font>
</p><p><font>- No fundo o que se pretendeu com a escritura foi obter um reconhecimento de dívida e uma garantia para o seu pagamento.</font>
</p><p><font>- Nos termos dos arts. 292º e 293º, ambos do C. Civil, a nulidade do negócio não determina todo o negócio, podendo converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e forma, quando o fim prosseguido pelas partes permitam supor que elas o teriam querido.</font>
</p><p><font>- Assim, o mútuo em causa deveria ter sido convertido num outro negócio, o supra referido reconhecimento de dívida.</font>
</p><p><font>- Ora estando provado que houve entregas de títulos de crédito por parte da A. ao R. referentes a quantias monetárias, parece óbvio que o negócio que as partes quiseram celebrar não seria o contrato de mútuo, mas sim um reconhecimento de dívida, através da confissão da mesma.</font>
</p><p><font>- Houve assim uma errada determinação do negócio por parte da A. e R., pois como atrás se referiu, o que se pretendeu foi obter um reconhecimento de existência de dívida, de forma bilateral e onde ficou determinado o seu montante e prazo de pagamento.</font>
</p><p><font>- Não deveria pois ter sido declarado nulo e de nenhum efeito o mútuo em causa, mas sim declarada a conversão do mútuo noutro negócio - reconhecimento de dívida.</font><br>
<font>- Não houve simulação, pois não houve intenção de enganar terceiros e estes, no presente caso, não podem ser o Estado.</font>
</p><p><font>- Não foram alegados quaisquer factos relativos a esta questão, por um lado, e, por outro, de todos os factos provados, nenhum faz referência a qualquer intenção de lesar terceiros, e muito menos o fisco.</font>
</p><p><font>- Contudo e à cautela, e caso assim não seja entendido, ou seja, caso seja entendido que há simulação, a solução jurídica não pode ser a declaração de nenhum efeito do contrato de mútuo. </font>
</p><p><font>- Na verdade, dispõe o art. 241º do Código Civil, que quando sobre o negócio jurídico exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. </font>
</p><p><font>- Por detrás do negócio de mútuo, existiu um outro, que consistiu no reconhecimento por parte da A. de uma dívida para com o R.. </font>
</p><p><font>- Apesar de terem chamado ao negócio um mútuo, o que resulta da prova produzida é que na verdade as partes quiseram efectuar um negócio bilateral de reconhecimento de determinada quantia que era devida - em que as partes acordaram o valor em dívida por parte da A. e a forma de pagamento por parte do R.. </font>
</p></font><p><font><font>- O que se pretendeu com a escritura foi obter um reconhecimento de dívida e uma garantia para o seu pagamento.</font><br>
<font>- Houve assim outro negócio que as partes quiseram realizar, concretizado na obtenção de um reconhecimento de existência de dívida, de forma bilateral e onde ficou determinado o seu montante e prazo de pagamento. </font><br>
<font>- Não deveria pois ter sido declarado nulo e de nenhum efeito o mútuo em causa, mas sim declarado outro regime jurídico aplicável ao negócio dissimulado.</font><br>
<font>- Viola assim o acórdão recorrido, entre outros, o disposto nos arts. 236º, 240º, 241º, 246º, 292º, 293º e 393º, todos do C. Civil.</font><br>
<br>
<font>A recorrida contra-alegou em defesa da manutenção do aresto impugnado.</font><br>
<br>
<font>II - </font><br>
<br>
<font>As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:</font><br>
<br>
<font>- No dia 06.10.1997, no Cartório Notarial de Coruche, foi exarada a escritura pública, figurando como mutuante o R. e como mutuária a A.; </font><br>
<font>- Por essa escritura, o R. declarou emprestar à A. a quantia de 66.907.500$00, sem juros, vencendo-se aquele montante no dia 06.10.2002;</font><br>
<font>- Por sua vez, a A. declarou ter recebido do R. a referida quantia e declarou em garantia do bom pagamento da mesma e das despesas extrajudiciais, que constituía a favor do R. hipoteca sobre o seu prédio rústico, denominado Vale da .., sito em ..., freguesia de . ...., concelho de Coruche, com a área de dezoito hectares e sete mil e duzentos centiares, composto de pinhal, cultura arvense, sobreiros, horta e laranjeiras, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o art. 64º da Secção M e descrito na C.R.P. de Coruche sob o nº. 68.1803.87; </font><br>
<font>- Declararam, ainda, A. e R. que as despesas com o registo desta escritura correm por conta da segunda outorgante que se compromete também a pagar os encargos fiscais por este acto se os mesmos forem devidos; </font><br>
<font>- A A. e o R. celebraram um contrato de mútuo em 28.09.1983 no montante de 640.000$00;</font><br>
<font>- Nem na data em que a A. e R. celebraram o contrato referido nos nºs. 1 a 4 destes factos assentes nem posteriormente o R. entregou à A. a título de empréstimo e a A. recebeu do R. a quantia aí mencionada de 66.907.500$00; </font><br>
<font>- A A. nunca recebeu do R. a quantia de 66.907.500$00; </font><br>
<font>- Por motivos que não foi possível concretamente apurar ao longo dos anos a A. foi entregando ao R. letras e cheques referentes a quantias monetárias que igualmente não foi possível determinar, assim como a A. chegou a pagar ao R. quantias que também não se lograram determinar;</font><br>
<font>- O R., invocando não se encontrar pago, referiu à A. que propunha contra ela acção judicial e na sequência disto vieram a celebrar a escritura acima aludida. </font><br>
<font>III - </font><br>
<br>
<font>Quid iuris?</font><br>
<br>
<font>Previamente, importa delimitar o campo de apreciação das questões colocadas pelo recorrente ao tribunal ad quem.</font><br>
<font>Sabemos todos que, no nosso sistema processual, os recursos são meios para obter o reexame das questões já debatidas nos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, a menos que se esteja perante questões de conhecimento oficioso.</font><br>
<font>Esta ideia tem tradução prática no art. 678º, nº 1 do CPC: "as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos".</font><br>
<font>Dito isto, salta à vista que o recorrente ao suscitar a questão da conversão do negócio nulo (aqui finalmente reconhece isso mesmo, ou seja, a nulidade do negócio celebrado no Cartório Notarial de Coruche) o faz pela primeira vez, criando, desta forma, uma questão nova que, como tal, é avessa à apreciação do tribunal de recurso.</font><br>
<font>Ademais, sempre faltaria o material fáctico a permitir a conversão almejada (de mútuo para reconhecimento de dívida), como resulta de uma leitura, ligeira que seja, do art. 293º do CC.</font><br>
<font>Queremos apenas dizer que para haver a consagração prática do favor negotii necessário de torna apurar a vontade conjectural ou hipotética das partes.</font><br>
<font>Ora, nada, mas nada, permite concluir que as partes, perante a situação irremediável de o negócio ser nulo, pudessem eventualmente aceitar que o mesmo fosse convertido num outro.</font><br>
<font>Ademais, a conversão do negócio não é uma questão "oficiosa", pelo que, não tendo sido suscitada em sede própria, como não o foi, nunca encontraria a mesma aqui lugar para a sua apreciação.</font><br>
<font>Sobeja, desta forma, razão à recorrida quando alerta o Tribunal para a invocação por parte do recorrente de "questões novas".</font><br>
<br>
<font>Dito isto, pouco mais há a dizer sobre o mérito do recurso interposto pelo R..</font><br>
<font>Mas há, ainda, alguma coisa.</font><br>
<font>Diz ela respeito ao instituto que as instâncias se socorreram com vista a dar guarida à pretensão da A..</font><br>
<font>Ora, a verdade manda que se diga que o material fáctico apurado (e, para sermos mais rigorosos, o alegado na petição) não permite que se chame à colação o instituto da simulação absoluta.</font><br>
<font>Com efeito, resulta claramente do art. 240º, nº 1 do CC que "se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade do declarante, o negócio diz-se simulado".</font><br>
<font>Dos factos provados apenas resulta que a A. não percebeu a importância referida na escritura outorgada no Cartório Notarial de Coruche (cfr. respostas aos quesitos 1º e 2º da base instrutória).</font><br>
<font>Ou seja, provou-se que as partes declararam perante o notário uma coisa que não teve correspondência prática.</font><br>
<font>Isto não permite - de forma alguma - concluir pela verificação da simulação.</font><br>
<font>O que aconteceu foi o seguinte: houve uma escritura pública de mútuo (a forma era exigível atento o montante em causa - cfr. art. 1142º do CC. na redacção dada pelo D.-L. 163/95, de 13 de Julho, aplicável ao caso atenta a temporalidade dos factos), mas não houve a entrega da coisa, ou seja, do dinheiro.</font><br>
<font>Sendo o contrato de mútuo um contrato real quod constitutionem (vide definição constante do art. 1142º do CC), isto é, um contrato que só se completa com a entrega da coisa, e não tendo havido qualquer entrega, então tal "contrato" é nulo por falta de objecto, nos termos do art. 280º do CC.</font><br>
<font>A "este contrato" falta, pois, o quid sem o qual não pode haver contrato de mútuo, o seja, o objecto mediato ou stricto sensu.</font><br>
<font>Esta é, aliás, a observação pertinente que a recorrida também deixou expressa na sua alegação. E - teremos de o dizer - com todo o acerto.</font><br>
<font>Com efeito, o pedido não foi formulado na base de uma qualquer simulação, antes o fez na base de um negócio inexistente (cfr. art. 33º da petição inicial).</font><br>
<br>
<font>Postos perante estas considerações, ressalvadas, pois, as considerações jurídicas consagradas pelas instâncias a respeito do "mal" do "contrato" ajuizado, apenas temos de concluir pela total improcedência do recurso do R..</font><br>
<br>
<font>IV - </font><br>
<br>
<font>Decisão</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, nega-se a revista.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 13 de Fevereiro de 2007</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XjLRu4YBgYBz1XKvC0KD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>A Empresa-A instaurou acção ordinária contra AA, pedindo a condenação deste a paga-lhe a quantia de 30.223,71 € acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Na 1ª instância foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.</font><br>
<br>
<font>A autora apelou para a Relação de Évora, que confirmou a sentença.</font><br>
<br>
<font>Recorre agora a autora de revista, concluindo, em síntese:</font><br>
<font>1º - O acórdão uniformizador de jurisprudência não possui eficácia vinculativa fora do caso concreto a que se reporta;</font><br>
<font>2º - O artº 19º, c) do DL 522/85 estabelece que a Seguradora tem direito de regresso contra o condutor que tiver agido sob a influência do álcool e a definição de condução sob a influência do álcool deve ser encontrada no artº 81º, nº 2 do Cód. Estrada que esclarece que se considera sob influência do álcool o condutor que apresente uma taxa superior a 0,50 g/l;</font><br>
<font>3º - O legislador estabeleceu aí uma presunção </font><font>jure et de jure</font><font> de que a partir daquele limite mínimo o álcool influencia o condutor na condução, afectando a capacidade de percepção, os reflexos, a capacidade motora, a destreza de movimentos, a visão e a atenção, o que, não sendo aferível por prova testemunhal, é um facto notório não carecido de alegação e prova, e um dado científico que se traduz em prescrição legal;</font><br>
<font>4º - Coerentemente, o artº 160º do Cód. Estrada impõe a notificação ao condutor que possua uma taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 g/l de que fica impedido de conduzir pelo período de 12 horas e, nos termos do artº 147º, i) do mesmo diploma, a condução sob a influência do álcool com uma taxa entre 0,8 e 1,2 g/l consubstancia contra-ordenação muito grave;</font><br>
<font>5º - O condutor dos autos circulava com uma taxa de alcoolémia de 1,193 g/l, o que constitui ilícito criminal, sendo inaceitável concluir que isso em nada interferiu na capacidade de conduzir e na ocorrência do acidente;</font><br>
<font>6º - A culpa dele sempre será de presumir na medida em que a condução sob a influência do álcool, exponenciando os riscos próprios da condução automóvel, consubstancia actividade perigosa nos termos do nº 2 do artº 493º do Cód. Civil, invertendo-se pois o ónus da prova;</font><br>
<font>7º - Para o exercício do direito de regresso previsto no artº 19º, c) do DL 522/85 não se exige a prova do nexo de causalidade, bastando a alegação e prova (i) de uma condução com taxa de alcoolémia superior à permitida por lei - 0,5 g/l (ii) da culpa exclusiva do condutor alcoolizado na produção do acidente;</font><br>
<font>8º - A prova do nexo de causalidade entre o álcool e o acidente terá de ser aferida da conjugação dos diversos elementos juntos aos autos, designadamente as características do local, a dinâmica do acidente, o grau de alcoolémia registado, os elementos científicos irrefutáveis, as regras de experiência e a teleologia do legislador subjacente às normas;</font><br>
<font>9º - No caso dos autos, o réu conduzia com uma taxa de alcoolémia de 1,19 g/l, o local do acidente é uma faixa de boa visibilidade com uma curva à esquerda, o réu ao conduzir o veículo despistou-se e caiu numa ravina;</font><br>
<font>10º - Dada a configuração da via, só o grau de álcool no sangue, muito superior ao permitido por lei, determinou a falta de sensibilidade e reflexos que o levaram o réu a não adequar a velocidade às características do local e a não conseguir travar o veículo no espaço livre e visível à sua frente;</font><br>
<font>11º - Conjugando a taxa de alcoolémia registada com a dinâmica do acidente sempre o Tribunal poderia concluir, à luz das regras da experiência, sobre a existência de nexo de causalidade;</font><br>
<font>12º - Em todo o caso, utilizando as presunções que os artºs 349º, 350º e 351º admitem, O Tribunal sempre teria matéria para deduzir dos factos provados, a influência do álcool na condução do réu e na dinâmica do acidente;</font><br>
<font>13º - Foram violados os artºs 19º, c) do DL 522/85, e 349º, 350º e 351º do Cód. Civil.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegou o recorrido, em apoio do decidido.</font><br>
<br>
<font>Corridos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Decidindo.</font><br>
<font>A Relação deu como provado o seguinte quadro factual:</font><br>
<font>A autora, no exercício da sua actividade comercial de seguradora, celebrou com BB um contrato de seguro para cobertura da responsabilidade civil do veículo ligeiro de passageiros de matrícula LU, titulado pela apólice nº 8443902;</font><br>
<font>No dia 21 de Julho de 2001, pelas 5h25, ocorreu um acidente de viação em que interveio o veículo de matrícula LU, conduzido pelo réu;</font><br>
<font>O acidente ocorreu na Estrada Municipal, no sentido Vale Fuzeiros/Barragem de Silves, em Sesmarias - São Bartolomeu de Messines;</font><br>
<font>O local do acidente configura uma curva e a estrada tem dois sentidos de trânsito;</font><br>
<font>Era de noite e o tempo estava bom;</font><br>
<font>O veículo conduzido pelo réu saiu da faixa de rodagem por onde circulava, capotou e foi imobilizar-se a 50 metros do local de travagem inicial e a 34 metros do local onde saiu da faixa de rodagem, tendo deixado impresso no pavimento um rasto de travagem de 16 metros;</font><br>
<font>Após o acidente o réu foi submetido ao teste de detecção de álcool no ar expirado tendo acusado uma TAS de 1,19 g/L;</font><br>
<font>Na sequência do acidente, CC, ocupante do veículo LU, sofreu várias lacerações traumáticas cranianas e encefálicas, que lhe determinaram a morte;</font><br>
<font>A largura da faixa de rodagem no local onde ocorreu o acidente é de 3,90 metros;</font><br>
<font>O piso nesse local encontrava-se em bom estrada;</font><br>
<font>A estrada em questão é sinuosa, estreita e sem bermas;</font><br>
<font>Não existia qualquer sinal de trânsito nessa estrada;</font><br>
<font>No local do acidente e no sentido de marcha do réu, a estrada é recta, em descida acentuada, com uma curva de cerca de 110º à esquerda;</font><br>
<font>O veículo conduzido pelo réu não conseguiu descrever a curva que se apresentava à esquerda, atento o seu sentido de marcha, entrando em despiste;</font><br>
<font>Ao aproximar-se da curva à esquerda, o réu travou o veículo LU mas este seguiu em linha recta e caiu na ravina;</font><br>
<font>CC foi projectado para fora do veículo LU;</font><br>
<font>O réu já tinha percorrido 5 Km naquela estrada antes de chegar ao local do acidente;</font><br>
<font>A autora despendeu a quantia de € 295,84 com a assistência hospitalar de CC;</font><br>
<font>E a título de indemnização pelo dano morte, pela perda do direito á vida e pelos danos morais e sofrimento, a autora indemnizou os pais de CC, DD e EE, com o montante global de € 29.927,82.</font><br>
<br>
<font>Por se inverificarem as excepções indicadas no segmento final do nº 2 do artº 722º do CPC bem como qualquer das situações referidas no nº 3 do artº 729º, do mesmo diploma, tem o STJ de aceitar os factos acima descritos como definitivamente adquiridos, aplicando-lhes o direito (artº 729º, nº 1, </font><font>ibidem</font><font>).</font><br>
<br>
<font>Resulta do artº 19º, c) do DL 522/85, de 31/12, que satisfeita a indemnização, a seguradora tem direito de regresso contra o condutor se este tiver agido sob influência do álcool.</font><br>
<font>No acórdão uniformizador de jurisprudência nº 6/2002, de 28/5 (DR I-A Série de 18.7.2002) decidiu-se que a citada al. c) exige, para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool, o </font><font>ónus da prova pela seguradora do </font><font>nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito de álcool e o acidente</font><font>.</font><br>
<font>Sustenta a recorrente que o acórdão uniformizador em referência não possui eficácia vinculativa fora do caso concreto a que se reportou.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>O Código Civil previa no artº 2º que nos casos declarados por lei, podiam os tribunais fixar, por meio de assento, doutrina com força obrigatória geral.</font><br>
<font>O instituto dos assentos como fonte de direito e o seu carácter obrigatório, como instrumento que satisfazia a necessidade sentida de conciliar o princípio da liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos (A. Reis, CPC Anotado, VI, 234) foi substituído pela figura dos acórdãos para uniformização de jurisprudência (artºs 4º, nº 2 e 17º, nº 2 do DL nº 329-A/95, de 12/12, e 732º-A e 732-B do CPC), que, não tendo já força obrigatória geral, devem no entanto exercer na generalidade dos aplicadores da lei (a começar pelos próprios juízes conselheiros do Supremo) um efeito persuasivo que, digamos assim, só deve ser quebrado caso novos e decisivos argumentos, razões ou circunstâncias, não abordados no acórdão uniformizador, venham abrir espaço a uma outra diferente solução. </font><br>
<font>As supra referidas conclusões recursórias não têm porém esse condão. </font><br>
<font>E só pelo reconhecimento da mencionada força persuasiva, através de uma atitude de respeito que perfilhe a tese vencedora no acórdão uniformizador, será possível assegurar valores muito caros ao direito, como os da segurança, equidade, certeza e eficácia. </font><br>
<font>Temos como certo que a autora/recorrente para poder fazer vingar o seu proclamado direito de regresso, teria de provar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito de álcool e o acidente.</font><br>
<font>O Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que, segundo a doutrina da causalidade adequada, consignada no artº 563º do Código Civil, para que um facto seja causa adequada de um dano, é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo, sendo que se o nexo de causalidade, no plano naturalístico, constitui matéria de facto, não sindicável pelo Supremo, já o mesmo vem a constituir, no plano geral ou abstracto, matéria de direito, por respeitar à interpretação e aplicação do artº 563º do Código Civil, e por isso, sindicável em recurso de revista (cfr., v. g., o ac. de 2.3.95, no BMJ 445, pág. 445 e segs.).</font><br>
<font>Ora, o que de substancial se apurou nos autos foi tão-só que o réu, conduzindo numa descida acentuada, não conseguiu descrever a curva com cerca de 110º que se apresentava à esquerda atento o seu sentido de marcha, entrando em despiste, tendo ao aproximar-se da curva travado o LU que porém seguiu em linha recta e caiu na ravina, deixando no pavimento rastos de travagem de 16 metros.</font><br>
<font>A autora/recorrente apresentou uma razão para o sucedido, mas não a logrou comprová-la.</font><br>
<font>Na verdade, não provou que o veículo conduzido pelo réu circulava na altura do acidente a velocidade superior a 120 Km/hora, que foi por isso que tal veículo não conseguiu descrever a curva, e que foi o grau de álcool no sangue que o réu apresentava que determinou a falta de sensibilidade e reflexos que o levaram a imprimir aquela velocidade (respostas negativas aos quesitos 9º e 11º e restritiva ao quesito 10º).</font><br>
<font>Não é pois líquido que foi o grau de alcoolémia que determinou o eclodir do sinistro fatal para a infeliz vítima mortal, e apesar de o réu ser portador do referido grau de alcoolémia na altura do acidente não está excluído que este não possa ter ocorrido exclusivamente por outra causa que não o excesso de álcool, por exemplo por imperícia do condutor que consubstancia também uma forma de culpa.</font><br>
<font>O concreto grau de alcoolémia pode não ter constituído em si mesmo causa ou concausa adequada do acidente (note-se que apesar de a estrada ser sinuosa, estreita e sem bermas, o réu já conduzira há 5 km, sem acidente).</font><br>
<font>No caso </font><font>sub judice</font><font> o nexo naturalístico não foi dado como provado pelas instâncias, o que, por se tratar de matéria de facto, não pode ser objecto da revista, sendo por conseguinte definitiva a não comprovação do pressuposto do nexo de causalidade a cargo da autora /recorrente.</font><br>
<font>Não demonstrado o nexo causal entre o acidente </font><font>(relativamente ao qual a seguradora pagou a assistência hospitalar da vítima e ressarciu os pais desta) </font><font>e o grau de alcoolémia detectado ao réu/condutor, não se justifica legalmente o direito de regresso.</font><br>
<font>A obrigação da autora/seguradora indemnizar os pais do infausto Cláudio Lino e pagar a assistência hospitalar derivou da celebração do contrato de seguro e não, ou não também, do excesso de álcool no sangue do condutor, situação esta que, a ter-se provado, justificaria então o direito de regresso, por não estar coberta pelo contrato de seguro, não cobertura essa que se afigura estar subjacente à atribuição daquele direito.</font><br>
<font>Termos em que acordam em </font><font>negar a revista</font><font>, condenando a recorrente nas custas. </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 3 de Outubro de 2006</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font></font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
YDLMu4YBgYBz1XKvqD6m | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<p><font>AA </font><i><font>(cuja posição processual é agora ocupada pelos herdeiros habilitados, consoante sentença transitada, certificada a fls 173 e seg.) </font></i><font>deduziu embargos de executada por apenso à execução contra ela e BB movida pela CAIXA ECONOMICA MONTEPIO GERAL, tendo os embargos sido recebidos. </font>
</p><p><font>Porém, a embargada veio contestar arguindo a extemporaneidade da apresentação dos embargos porque, citada a embargante em 16/4/96, só em 6/12/96 os veio deduzir, muito para além dos 10 dias legais.</font>
</p><p><font>O Mmº Juiz proferiu despacho que rejeitou os embargos por terem sido tardiamente deduzidos, atentos os seguintes factos que deu como provados:</font>
</p><p><i><font>a) A Caixa Económica Montepio Geral moveu execução contra a embargante e o BB;</font></i>
</p><p><i><font>b) A embargante foi citada na execução apensa em 16/4/96;</font></i>
</p><p><i><font>c) Só em 6/12/96 apresentou a petição de embargos de executada;</font></i>
</p><p><i><font>d) O BB foi citado editalmente em 1998.</font></i><font> </font>
</p><p><font>Desse despacho interpôs a embargante recurso de agravo para a Relação de Lisboa, que, mantendo o elenco dos factos provados, negou provimento ao agravo.</font>
</p><p><font>Recorre agora a embargante de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:</font>
</p><p><font>a) A actual redacção do artº 816º, nº 3 do CPC não tinha paralelo no direito processual anterior à vigência do DL nº 329-A/95, contendo matéria nova; </font>
</p><p><font>b) O art. 801º do CPC, na redacção anterior ao citado diploma legal, prescrevia a aplicabilidade subsidiária ao processo executivo das disposições que regulam o processo de declaração;</font>
</p><p><font>c) Daí que, no seu domínio, o art. 486º, nº 2 se aplique, "ex vi" artº 801º do CPC, ao caso de embargos, havendo pluralidade de executados; </font>
</p><p><font>d) Ao entender diversamente, o acórdão violou, designadamente, os artºs. 486º, nº 2, 801º e 816º CPC, pelo que deve ser substituído por outro que, recebendo os embargos, ordene o prosseguimento dos autos.</font>
</p><p><font>A agravante pediu ainda a uniformização da jurisprudência, mas o Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu que o julgamento tenha lugar sem a intervenção do plenário das secções cíveis.</font>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><font>Com os vistos, cabe agora apreciar e decidir.</font>
</p><p><font>Os embargos de executada deram entrada em Juízo em 6.12.1996, antes da entrada em vigor da reforma adjectiva operada pelos DL nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9.</font>
</p><p><font>Dizia então o artº 801º do CPC que </font><i><font>«são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução as disposições que regulam o processo de declaração».</font></i>
</p><p><font>E textuava o artº 486º, nº 2, </font><i><font>ibidem</font></i><font>, que </font><i><font>«Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar…».</font></i>
</p><p><font>Com a entrada em vigor da reforma adjectiva, em 1/1/1997 (artº 16º do DL nº 329-A/95), a regra do artº 801º transitou, mas de forma não totalmente coincidente, para o nº 1 do artº 466º, segundo o qual </font><i><font>«São subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva», </font></i><font>e o artº 816º, nº 3 veio determinar que não é aplicável à dedução de embargos o disposto no nº 2 do artº 486º, segundo o qual </font><i><font>«Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar».</font></i>
</p><p><font>Feito este prévio percurso legislativo, vejamos.</font>
</p><p><font>A questão posta consiste em saber se é aplicável </font><i><font>in casu</font></i><font> o disposto no artº 486º, nº 2 </font><i><font>ex vi </font></i><font>artº 801º do CPC </font><i><font>(nas redacções anteriores à alteração da lei adjectiva de 1995/96).</font></i>
</p><p><font>A resposta a esta questão será negativa, não merecendo censura a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>O artº 486º reportava-se (e reporta-se) ao prazo para a contestação no processo declaratório, e, como referia Anselmo de Castro </font><i><font>(Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, pág. 311 e seg.)</font></i><font>, não só a oposição à execução não é uma oposição-contestação, mas uma oposição-acção, como também, e sobretudo, há que ver que o prazo é comum aos restantes efeitos, designadamente para o início dos actos executivos </font><i><font>(a penhora)</font></i><font>, de maneira nenhuma parecendo conforme com as exigências da acção executiva ter de se esperar, para esse fim, pelo decurso do último dos prazos, sendo suficientemente significativa a diferença dos interesses em jogo na acção declaratória e numa acção executiva para que se propenda para a inaplicabilidade aos embargos de executado do nº 2 daquele dispositivo legal, em caso de pluralidade de executados.</font>
</p><p><font>No mesmo sentido de que os embargos não podiam ser deduzidos, se os prazos para cada um dos executados acabassem em datas diferentes, até ao último deles, por aplicação do artº 486º, nº 2 por força do artº 801º, diz Lebre de Freitas (A Acção Executiva, 2ª Edição, À Luz do Código Revisto, 1997, pág. 165): «</font><i><font>Sendo vários os executados, pôs-se, na vigência do código anterior à revisão, o problema de saber se tem aplicação o artº 486-2… À primeira vista, dir-se-ia que sim, dada a remissão genérica do antigo artº 801… para as disposições reguladoras do processo de declaração. Mas os embargos de executado não constituem uma contestação e a norma do artº 486º-2 é excepcional em face da norma geral do artº 145-3 (extinção da faculdade de praticar o acto no termo do prazo peremptório), aparecendo ligada ao estabelecimento do efeito cominatório decorrente da falta de contestação, que… a omissão de embargar não tem. Ora a aplicação do artº 486-2 ao prazo para embargar implicaria que os actos executivos, </font></i><i><font>maxime </font></i><i><font>a penhora, tivessem de aguardar o termo do prazo para embargar do executado citado em último lugar, em detrimento do exequente e em contradição com o carácter individualizado das providências executivas…».</font></i>
</p><p><font>No Parecer publicado na Col. Jurisprudência, 1989, III, pág. 43 e segs., concluiu também Lebre de Freitas: </font>
</p><p><i><font>I- Não há no direito português… uma norma geral que, em situações de parte plural, determine o aproveitamento para todos os litisconsortes dos prazos processuais ainda em curso para um deles, mas tão-só uma norma (o artº 486º, nº 2 do CPC) que… se contém na regulamentação específica do prazo para contestar em acção declarativa com processo ordinário e cuja aplicação ao prazo para contestar acções declarativas com outra forma de processo tem lugar subsidiariamente, sempre que não haja preceito expresso em contrário, o que acontece em alguns processos especiais.</font></i>
</p><p><i><font>II- A norma do artº 486º, nº 2 surge num tipo de processo em que, em caso de pluralidade de réus, a contestação de um dos réus aproveita a todos, mediante o afastamento dum efeito cominatório semi-pleno e, considerado todo o âmbito da sua aplicação subsidiária, aparece, nos processos de jurisdição contenciosa, sempre ligada ao estabelecimento em geral dum efeito cominatório… por falta de apresentação de contestação dentro do respectivo prazo.</font></i>
</p><p><i><font>III- A norma em causa ao mesmo tempo que aumenta a possibilidade duma contestação conjunta, tem, no âmbito da jurisdição contenciosa, a finalidade de prorrogar o momento em que o interesse do réu em se defender é sacrificado pelo jogo das cominações legais resultantes da inobservância do ónus de contestar, sem prejuízo de, no âmbito da jurisdição voluntária, ter por finalidade a prorrogação do momento em que se verifica a não contribuição do contestante para a satisfação do interesse que está em jogo no processo.</font></i>
</p><p><i><font>IV- Dentro do âmbito da contestação em jurisdição contenciosa, houve necessidade de expressamente se estatuir a aplicação do artº 486º, nº 2 no caso de pluralidade de chamados num incidente em que o efeito cominatório da contestação não é automático (chamamento à demanda) e “a contrario” afastou-se a aplicação da norma no caso de pluralidade de chamados num incidente em que não joga qualquer efeito cominatório (chamamento à intervenção principal passiva) – o que confirma a ligação entre a estatuição em causa e a produção, em princípio automática, duma cominação.</font></i>
</p><p><i><font>V- Fora do âmbito da contestação e precisamente por se tratar de processos especiais em que não há lugar a contestação, houve necessidade de expressamente estatuir uma norma semelhante à do artº 486º, nº 2 no processo – de jurisdição voluntária – de atribuição de bens de pessoa colectiva extinta e afastou-se essa norma no processo – não cominatório – de inventário.</font></i>
</p><p><i><font>VI- A norma do artº 486º, nº 2 é excepcional em face da do artº 147º e por isso insusceptível de aplicação analógica, circunscrevendo assim a sua previsão, salvo preceito em contrário, aos processos em que haja lugar a contestação, pelo que não é abrangida pela remissão geral do artº 801º. </font></i>
</p><p><i><font>VII- Efectivamente, na acção executiva, que visa a realização – e não a declaração – do direito, não há contestação, constituindo os embargos de executado uma contra-acção, destinada a destruir a eficácia do título executivo, com tramitação autónoma e natureza declarativa e introduzida por uma petição inicial, o que afasta a aplicação directa do artº 486º, nº 2.</font></i>
</p><p><i><font>VIII- A omissão de embargar não tem qualquer efeito cominatório, mas apenas o de preclusão das excepções porventura existentes contra o direito material do exequente, o que não constitui este numa situação de desvantagem, mas tão-só na perda da possibilidade de se colocar num situação de vantagem circunscrita ao processo executivo, afastando qualquer razão para uma aplicação analógica, mesmo que esta fosse possível, do artº 486º-2.</font></i>
</p><p><i><font>IX- A sentença proferida nos embargos de executado circunscreve os seu efeitos directos às partes (embargante e exequente), dela não podendo aproveitar, senão reflexamente como terceiros, outros executados que não tenham embargado ou não tenham sido chamados ao processo nos termos do artº 269º do CPC, em regime diferente do da acção declarativa – o que confirma a falta de base para a aplicação analógica do artº 486º-2.</font></i>
</p><p><i><font>X- Nem o efeito cominatório decorrente da falta de nomeação de bens à penhora nem o decorrente da falta de contestação da liquidação da obrigação exequenda implica a prorrogação do prazo para embargar de executado, já porque apenas o segundo é prorrogável nos termos do artº 486º-2, já porque não se vê razão para que esta prorrogação impeça o termo do prazo para a prática de qualquer dos outros dois actos, mantendo-se assim inabalável a conclusão VIII.</font></i>
</p><p><i><font>XI- A aplicação do artº 486º-2 ao prazo para a dedução de embargos de executado implicaria que a efectivação da penhora tivesse de aguardar o termo do prazo para embargar do executado citado em último lugar, com as consequências ainda de atrasar o pagamento forçado e, sendo prestada caução, toda a tramitação executiva suspensa – tudo em detrimento do exequente, não obstante a pré-definição do direito deste e em contradição com o carácter individualizado que, em contraste com o que se pode passar na acção declarativa, têm a providências executivas.</font></i>
</p><p><font> A fundamentação assim desfibrada pelos referidos Professores é realmente convincente.</font>
</p><p><font>Impressiona o prejuízo que do entendimento contrário ao preconizado poderia advir para o exequente, que – note-se – dispõe já de um título executivo.</font>
</p><p><font>Sendo decisivo, a nosso ver, o facto de os embargos deduzidos separadamente por cada um dos embargantes serem processos independentes entre si. Como diz Amâncio Ferreira no Curso de Processo de Execução, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 141, o processo de oposição à execução configura-se como uma verdadeira acção declarativa enxertada na executiva, implicando a constituição de uma nova relação processual autónoma, não reconduzível a uma fase da relação processual executiva, por poder apresentar pressupostos próprios e se delinear como uma relação processual de cognição, com a estrutura do processo normal de declaração, enquanto a relação executória jamais conduz a um provimento decisório.</font>
</p><p><font>A tese da inaplicabilidade do antigo artº 486º, nº 2 por força do antigo artº 801º do CPC apresenta-se assim e desde logo como a mais consentânea.</font>
</p><p><font>Acresce que a nova redacção do artº 816º, nº 3 veio estatuir expressamente a inaplicabilidade do nº 2 do artº 486º à dedução de embargos, tratando-se de uma norma interpretativa, por ter vindo resolver o conflito jurisprudencial reinante antes da reforma adjectiva de 95/96.</font>
</p><p><font>Com efeito, antes dessa reforma havia decisões judiciais díspares, umas no sentido da aplicabilidade aos embargos de executado do artº 486º, nº 2 do CPC </font><i><font>(v.g. acs. do STJ de 27.7.1945, no Boletim Oficial do Ministério da Justiça, V, pág. 330, e da Rel. Lisboa, de 28.11.1991, no BMJ 411, pág. 643), </font></i><font>e outras em sentido contrário </font><i><font>(ac. da Relação de Lisboa, de 10.11.1994, na CJ 1994, V, pág. 95).</font></i>
</p><p><font>Sendo que, na doutrina, outras vozes igualmente autorizadas também defendiam – ao invés daqueloutras já mencionadas – a aplicabilidade do artº 486º, nº 2 aos embargos de executado, </font><i><font>ex vi </font></i><font>artº 801º </font><i><font>(cfr. Alberto dos Reis Processo de Execução, Vol. 2º, Reimpressão, 1982, pág. 46, e Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª Edição Actualizada, 1964, pág. 295).</font></i>
</p><p><font>Ora, o artº 13º do Código Civil diz que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, pelo que, como escreveu Baptista Machado </font><i><font>(citado no aresto deste Supremo, de 27.5.1999, no BMJ 487, pág. 271, que vimos seguindo de perto e que sustenta maioritariamente a tese de que o nº 3 do artº 816º é uma norma interpretativa) «</font></i><font>em princípio, não há que aplicar em relação a estas leis o princípio da não retroactividade consignado no artigo 12º, mas, antes, se procederá como se a lei interpretada, no momento da verificação dos factos passados, tivesse já o alcance que lhe fixa a disposição interpretativa da lei nova». </font>
</p><p><font> Se dúvidas houvesse ainda quanto à inaplicabilidade do artº 486º, nº 2 (antiga redacção) aos embargos de executado (por força do artº 801º na anterior redacção) desvanecer-se-iam, destarte, perante a norma interpretativa do actual artº 816º, nº 3 do CPC.</font>
</p><p><font>No caso que nos prende os embargos não foram deduzidos no prazo indicado no artº 816º do CPC, e esse é peremptório, não podia ser prorrogado nos termos da norma excepcional do artº 486º, nº 2 do CPC.</font>
</p><p><font>Nada há pois a alterar.</font>
</p><p><font>Termos em que acordam em </font><b><font>negar provimento ao agravo</font></b><font>, condenando os agravantes nas custas. </font>
</p><p><font>Lisboa, 27 de Março de 2007</font>
</p><p><font>Faria Antunes (relator)</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas</font>
</p></font><p><font><font>Moreira Alves</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nDKzu4YBgYBz1XKvVjJ5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<div><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br>
<br>
<font>SPA – Sociedade P... de A..., cooperativa de responsabilidade limitada, veio instaurar a presente acção condenatória com processo ordinário contra T... – P... de E... e R..., Lda., em que pede a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 3.088.355$00, acrescida de 671.053$00 de juros de mora vencidos e dos vincendos até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<font>Alega, em síntese e de interesse, caber-lhe a defesa dos direitos de autor dos seus associados.</font><br>
<font>A R promoveu em Portugal diversos espectáculos musicais, em que foram executadas diversas obras de autores seus associados, sem que lhe tenha requerido prévia autorização.</font><br>
<font>A R não pagou o montante das facturas emitidas pela A para cobrança dos respectivos direitos de Autor.</font><br>
<font>A R contestou validamente, arguindo a excepção da ilegitimidade da A, uma vez que não provou representar a maioria dos titulares dos direitos de Autor das obras executadas, e impugnou a obrigação de pagar direitos de Autor, dado que das 127 obras executadas apenas 5 não pertenciam aos respectivos executantes.</font><br>
<font>A excepção da ilegitimidade da A foi julgada improcedente no despacho saneador.</font><br>
<font>Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente, condenando a R a pagar à A a quantia de 3.088.355$00, acrescida de 671.053$00 de juros de mora vencidos até 24.02.95 e nos vincendos, às taxas legais.</font><br>
<font>Inconformada, a R recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão a julgar a apelação improcedente e a confirmar a sentença.</font><br>
<font>De novo inconformada, a R veio recorrer para este STJ, alegando com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª. A quase totalidade das obras foi interpretada pelos próprios autores.</font><br>
<font>2ª. O CDADC nada prevê para situações como esta, devendo entender-se que, ao remunerar-se o artista pela sua interpretação, tal remuneração já engloba o que lhe é devido como autor da obra interpretada, solução consentânea com o princípio ínsito no artº. 237º do CC.</font><br>
<font>3ª. O Autor da obra que aceita executá-la num espectáculo está necessariamente a autorizar a si próprio a respectiva utilização.</font><br>
<font>4ª. No que respeita às escassas obras de terceiros interpretadas pelos artistas contratados pela R, a obrigação de pagar os direitos de Autor deve onerar estes, sobre quem recai igualmente a obrigação de pedir a autorização, na medida em que são eles que aproveitam economicamente da respectiva utilização.</font><br>
<font>5ª. Este é o entendimento expresso nos Acs. do STJ de 01.07.2008 e 16.10.2008, bem como no parecer do Prof. Oliveira Ascensão, junto aos autos.</font><br>
<font>6ª. O método de cálculo usado pela recorrida, 4,4 ou 5% da lotação esgotada dos respectivos recintos, é incorrecto, pois cabia-lhe provar o montante da receita do espectáculo, fazendo incidir sobre este valor aquela percentagem.</font><br>
<font>7ª. Não tendo feito aquela prova, a R deve ser absolvida.</font><br>
<br>
<font>A recorrida contra alegou, pugnando pela negação da revista e confirmação do acórdão.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>De acordo com o preceituado pelo artº. 713º nº 6 do CPC remete-se para o julgamento de facto feito pelas instâncias, que se dá por reproduzido.</font><br>
<br>
<font>FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA</font><br>
<br>
<font>As composições musicais, com ou sem palavras, são consideradas exteriorizações da criação intelectual do domínio artístico e, como tal, protegidas pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC – como daqui em diante o passaremos a designar) – artºs. 1º, 2º al. e), 9º 11ºe 12º.</font><br>
<font>O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário (artº. 11º do CDADC).</font><br>
<font>A transmissão total e definitiva do conteúdo patrimonial do direito de autor só pode ser efectuada por escritura pública, com identificação da obra e indicação do preço respectivo, sob pena de nulidade (artº. 44º do CDADC).</font><br>
<font>A A apresenta-se na presente acção como mera representante dos autores das músicas executadas nos vários concertos promovidos pela R, dedicando-se à cobrança, em nome e representação destes, de todos e quaisquer direitos devidos pela utilização e exploração das suas obras (artºs. 72º e 73º do CDADC).</font><br>
<font>A A, como ela própria afirma, age como mandatária daqueles autores.</font><br>
<font>Os autores das obras executadas nos concertos promovidos pela R., ora representados pela A, continuam a ser os titulares do conteúdo patrimonial do respectivo direito de autor, pois não ficou demonstrado que o tenham cedido a esta ou a qualquer entidade por si representada.</font><br>
<font>O titular do conteúdo patrimonial do direito de autor pode autorizar a utilização da obra por terceiro, a qual só pode ser concedida por escrito, presumindo-se a sua onerosidade (artºs. 40º al. a) e 41º nº 2 do CDADC).</font><br>
<font>É perfeitamente impensável imaginar que o autor da música precise de conceder a si próprio autorização para a interpretar.</font><br>
<font>Efectivamente, o autor da obra tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei (artº. 67º nºs 1 e 2 do CDADC).</font><br>
<font>Assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar a sua execução em público (artº. 68º nº 2 al. b) do CDADC). </font><br>
<font>Entendemos, pois, desnecessária a autorização para que os autores das músicas as interpretem em público sempre que o entendam conveniente.</font><br>
<font>Mesmo que, por absurdo, se concluísse pela necessidade da autorização, a mesma teria sido concedida por escrito, com a assinatura dos contratos em que os autores das músicas se obrigaram perante a R a interpretá-las nos concertos por esta promovidos.</font><br>
<font>A R vem acusada pela A de não ter afixado previamente no local o respectivo programa e de não lho ter fornecido (artº. 122º do CDADC).</font><br>
<font>Nada ficou provado neste domínio.</font><br>
<font>A A fundamentou a acção e o respectivo pedido na violação pela R dos direitos de autor dos seus representados, decorrente da falta de autorização destes para serem interpretadas as músicas de que são autores nos concertos promovidos pela última, e no prejuízo económico consequente.</font><br>
<font>Trata-se de responsabilidade civil por facto ilícito imputado à R (artº. 483ª do CC, 195º nº 1, 203º e 211º, do CDADC).</font><br>
<font>Cabia, pois, à A fazer a prova da ilicitude dos factos praticados pela R e da respectiva culpa.</font><br>
<font>Não sendo necessária autorização para que os criadores das músicas as interpretem em público, só haverá comportamento ilícito da R relativamente às músicas, interpretadas pelos conjuntos e artistas contratados, de que não são autores.</font><br>
<font>Cabia à A fazer a prova de que nos concertos em causa os grupos “Pogues”, “Braindead”, “Faith no More”, os cantores “Bob Dylan”, “Sérgio Godinho” e “Laurie Anderson” interpretaram músicas de que não eram autores e quais.</font><br>
<font>Nesta matéria apenas ficou provado que todas as músicas interpretadas nos vários concertos eram da autoria de representados da A e que todas as interpretadas pela cantora “Laurie Anderson” eram da sua autoria.</font><br>
<font>A própria R confessa na sua contestação que cinco das 127 músicas interpretadas não eram da autoria de quem as interpretou.</font><br>
<font>Esta confissão não foi aceite pela A, pelo que nem este facto foi dado como provado.</font><br>
<font>De qualquer modo, tendo a R contratado para os concertos que promoveu grupos e cantores consagrados, com repertórios criados pelos próprios e não sendo uso estes informarem previamente o promotor das músicas a interpretar, não é possível imputar à R culpa pela falta do pedido de autorização à A para a execução de uma ou outra obra, cuja autoria não pertencesse aos grupos ou cantores contratados.</font><br>
<font>A R naturalmente desconhecia, antes da realização dos concertos, se ia ser interpretada alguma música que não fosse da autoria dos próprios grupos e cantores e qual o respectivo autor.</font><br>
<font>Não se verifica nenhum dos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito, designadamente a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.</font><br>
<font>Relativamente às músicas interpretadas pelos respectivos autores é manifesta a ausência do dano, na medida em que foram os próprios a fixarem livremente o preço a pagar pela R, sabendo do tempo de duração da respectiva actuação, do número de músicas que tinham que interpretar e que a R os contratava pelo preço negociado face à aceitação que tinham no público como intérpretes e autores.</font><br>
<font>Qualquer declaratário normal, colocado no lugar da R, ficaria convencido que o preço estabelecido pelos profissionais contratados englobava os direitos de autor e a própria interpretação.</font><br>
<font>Não se provou que fosse outra a vontade dos referidos profissionais, nem que a R a conhecesse.</font><br>
<font>Assim, as declarações de vontade expressas nos contratos referidos devem valer com o sentido que um declaratário normal delas deduziria, o preço acordado engloba os direitos de autor e a interpretação das obras (artº. 236º do CC).</font><br>
<font>Se a R, para os seus concertos, tivesse contratado profissionais pouco conhecidos, sem repertório próprio ou insuficiente, a diligência impunha-lhe que se informasse das músicas de terceiros que iriam ser interpretadas e pedisse a necessária autorização aos respectivos autores ou a quem os representasse (artº. 123º nº 1 do CDADC).</font><br>
<font>Aliás, a lei (nº 2 do citado artº. 123º do CDADC) iliba de responsabilidade ou ónus o promotor dos espectáculos, sempre que os artistas, por solicitação insistente do público, executem qualquer obra não programada e sem autorização do respectivo autor.</font><br>
<font>Esta disposição parece consagrar o princípio de que a execução de obra não autorizada, com reduzido peso relativo no todo do espectáculo, sem culpa do promotor e do artista, não implica responsabilidade ou ónus para o primeiro.</font><br>
<font>O acórdão deste STJ, de 01.07.2008, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, defende não serem devidos direitos de autor, sempre que o intérprete coincide com o autor da música, para além do valor fixado no contrato, que já os engloba.</font><br>
<font>Está, porém, provado que a R reconhece dever à A a importância de 89.050$50 (€ 444,71).</font><br>
<font>Na procedência das conclusões da recorrente, decide-se conceder a revista e condenar a R a pagar à A a quantia que confessou dever-lhe, no montante de € 444,71, absolvendo-a do restante que vem peticionado.</font><br>
<font>Custas da acção e dos recursos pela A.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 30 de Junho de 2009</font><br>
<br>
<font>Salreta Pereira (Relator)</font><br>
<font>João Camilo</font><br>
<font>Fonseca Ramos</font><br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
nDLNu4YBgYBz1XKv4T-X | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I - </font><br>
<br>
<font>"AA", requereu, no Tribunal Judicial de Guimarães, a executoriedade da sentença e despacho proferidos pelo Tribunal Estadual de Münster e da sentença do Tribunal Superior de Hamm contra </font><br>
<font>Empresa-A., </font><br>
<font>ao abrigo do disposto nos arts. 32º a 37º e 39º a 42º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22-12-2000.</font><br>
<br>
<font>Tal pretensão foi deferida, tendo o Mº juiz do Tribunal Judicial de Guimarães declarado a executoriedade da sentença do Tribunal Estadual de Münster, de 22 de Dezembro de 2004, da sentença do Tribunal Superior de Hamm de 20 de Setembro de 2005 e do despacho de fixação de custas e despesas do processo de 2 de Novembro de 2005.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não se conformou a requerida, que apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães, mas sem êxito na justa medida em que este se limitou a confirmar o julgado impugnado.</font><br>
<br>
<font>Pede, ora, a requerida revista, pondo o acento tónico da sua discordância nos seguintes pontos:</font><br>
<font>1º - Efeito do recurso;</font><br>
<font>2º - Nulidades do acórdão;</font><br>
<font>3º - As decisões proferidas nos tribunais alemães não podem ter força executiva não só porque não obedecem aos requisitos formais do Regulamento 44/2001, como também porque contrariam a ordem pública.</font><br>
<br>
<font>Em contra-alegações, a recorrida defendeu a manutenção do aresto impugnado.</font><br>
<br>
<font>II</font><font> - </font><br>
<br>
<font>A requerente instruiu o seu pedido de </font><font>exequatur</font><font> com os seguintes documentos:</font><br>
<font>- Cópia da sentença do Tribunal Estadual de Munster proferida a 22/12/2004, com respectivas traduções e certidão segundo o formulário do anexo V;</font><br>
<font>- Certidão segundo o formulário do anexo V;</font><br>
<font>- Cópia do acórdão de 20/08/2005 do Tribunal Superior de Haam, com traduções e segundo o formulário do anexo V;</font><br>
<font>- Cópia do despacho de 02/11/2005 do Tribunal de Munster, respectivas traduções e certidão segundo o formulário do anexo V.</font><br>
<br>
<font>III</font><font> - </font><br>
<br>
<font>O 1º ponto supra referido foi já objecto de apreciação e decisão do Relator, estando, por isso mesmo, arredado, ora, o seu conhecimento.</font><br>
<br>
<font>Passemos, pois, a apreciar o mérito da crítica dirigida ao acórdão impugnado, começando, naturalmente, pelas arguidas nulidades.</font><br>
<br>
<font>Em 1º lugar, a recorrente defende que houve por parte da Relação de Guimarães omissão de pronúncia, concretamente quanto à omissão da certidão da sentença proferida pelo Tribunal Superior Alemão emitida segundo o formulário uniforme constante do anexo V e, ainda, sobre a desconformidade da decisão com a ordem pública.</font><br>
<br>
<font>Será que a razão lhe assiste?</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<br>
<font>De acordo com a 1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC, há omissão de pronúncia quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.</font><br>
<font>Esta sanção decorre da violação da regra contida no nº 2 do art. 660º do mesmo diploma: "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenha submetido à sua apreciação".</font><br>
<font>Não é fácil decidir sobre quais as verdadeiras questões que o juiz deve conhecer sob pena de cometer nulidade. A questão coloca-se, com dificuldade acrescida ao nível da 1ª instância, mas surge-nos muito mais simples em sede de recurso já que o legislador delimita com precisão o seu objecto, ou seja, o tribunal </font><font>ad quem</font><font> só pode e deve emitir pronuncia sobre todas as questões que foram elencadas nas conclusões (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).</font><br>
<font>Problema curioso que se pode colocar é o de saber se, não obstante a nulidade, o tribunal de recurso concluindo pela inutilidade da sua apreciação, pode revogar o julgado posto em crise.</font><br>
<font>Mais difícil se nos afigura a hipótese de possível confirmação da decisão impugnada, malgrado a nulidade invocada.</font><br>
<font>Para estes casos, pensamos que, em regra, é possível, decidir </font><font>de meritis</font><font>, não obstante a verificação da arguida nulidade de decisão.</font><br>
<font>A nossa tarefa está, no entanto, deveras facilitada atento o disposto no nº 2 do art. 731º do CPC.</font><br>
<font>Neste caso, a lei impõe a baixa do processo ao tribunal inferior a fim de a nulidade ser sanada.</font><br>
<font>Postas as coisas nestes precisos termos, as questões que se nos colocam são tão-somente estas: </font><br>
<font>- Terá o Tribunal da Relação de Guimarães omitido pronúncia sobre alguma questão que a ora recorrente lhe colocou em sede de recurso de apelação?</font><br>
<font>- A acontecer isso, o remédio será ordenar a baixa do processo àquele Tribunal?</font><br>
<br>
<font>Ora, ao lançarmos os olhos sobre as questões que a ora recorrente colocou à consideração daquele Tribunal, deparamos que foram por ela suscitadas as seguintes:</font><br>
<font>1ª - Relativas a incumprimento de requisitos formais, quais sejam o de omissão da certidão da sentença proferida pelo Tribunal Superior Alemão de acordo com o formulário uniforme constante do anexo V, da provisoriedade e falta de notificação à recorrente do despacho que fixou as custas e falta de notificação das decisões;</font><br>
<font>2ª - Contrariedade da decisão com os princípios de ordem pública, na vertente de falta de respeito pelo contraditório e de acesso ao direito e, ainda, com fundamento em alegado vício das decisões dos tribunais alemães com base em falta de fundamentação das mesmas.</font><br>
<font>À primeira vista parece que a recorrente está com razão neste capítulo da nulidade por omissão de pronúncia já que, como ela salienta na sua minuta, o Tribunal de Guimarães apenas emitiu pronuncia sobre a omissão de certidão da sentença e a desconformidade com a ordem pública.</font><br>
<font>Mas o caso não passa da aparência.</font><br>
<font>Na verdade, o nº 1 do art. 45º do Regulamento 44/2001 prescreve de forma taxativa o seguinte:</font><br>
<font>" O tribunal onde foi interposto recurso ao abrigo dos artigos 43º ou 44º apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34º e 35º".</font><br>
<font>Ou seja, é o próprio Regulamento que (de)limita o objecto do recurso.</font><br>
<font>Sobre este ponto concreto, o Tribunal da Relação de Guimarães disse o seguinte:</font><br>
<font>"O art. 35º, atentas as remissões nele feitas, reporta-se a competência em razão de determinadas matérias, sobre a qual nenhuma questão vem suscitada no recurso.</font><br>
<font>Os nºs 2, 3 e 4 do art. 34º do Regulamento respeitam a requerido revel no processo em que foi proferida a decisão exequenda e a decisão exequenda inconciliável com outra respeitantes às mesmas partes proferida no Estado-Membro requerido, ou noutro Estado-Membro ou em terceiro Estado, não se suscitando no recurso qualquer questão subsumível".</font><br>
<font>E, logo de seguida, emitiu pronúncia sobre a alegada ofensa à ordem pública, concluindo pela sua não verificação.</font><br>
<br>
<font>Com tudo isto, podemos, ora concluir que, atento os apertados limites de cognição impostos pelo Regulamento 44/2001, nada mais podia o Tribunal da Relação fazer do que emitir pronúncia apenas e só sobre as questões colocadas pela recorrente e que estivessem contempladas nas previsões dos normativos supra citados.</font><br>
<font>Se, à partida, o tribunal está limitado </font><font>ex vi legis</font><font> a emitir pronúncia sobre certos e determinados pontos, não podemos, sob pena de consagração e validação de actos inúteis (e, como tais, proibidos - art. 137º do CPC) criticá-lo pelo facto de não se ter pronunciado sobre questões não abrangidas pelo regime de recurso.</font><br>
<br>
<font>Explanadas e explicadas as razões que levaram o Tribunal da Relação de Guimarães a agir em conformidade com as disposições específicas do Regulamento 44/2001, forçoso é concluir que, no caso concreto, malgrado não ter havido pronúncia sobre todas as questões colocadas em sede de conclusões, não se pode falar em omissão de pronúncia pela simples razão da limitação cognitiva a que o tribunal </font><font>a quo</font><font> estava sujeito.</font><br>
<font>Descabido, dest’arte, falar aqui em nulidade de decisão, tal como está contemplada na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Em matéria de arguição de nulidades, a recorrente não se quedou por aqui e invocou a prevista na al. b) do nº 1 do já citado art. 668º.</font><br>
<font>Apontou mesmo que a decisão da Relação é omissa na sua fundamentação.</font><br>
<font>Pelo que já deixamos dito, podemos afoitamente classificar esta crítica como injusta.</font><br>
<font>Na verdade, a lei só comina a decisão com a sanção da nulidade se houver total e absoluta falta de motivação, mas já não a justificação insuficiente ou medíocre.</font><br>
<font>Ora, como já tivemos oportunidade de dizer, a Relação de Guimarães justificou a razão pela qual limitava o seu conhecimento aos pontos que a lei permite (aqui Regulamento, para sermos mais precisos), fundamentando a razão da não adesão à alegação da recorrente.</font><br>
<font>No caso concreto, lendo e relendo a decisão impugnada, só podemos dizer que está minimamente fundamentada, o que afasta radicalmente a imputação que a recorrente lhe faz. </font><br>
<br>
<font>Resta-nos, pois, apreciar se assiste razão à recorrente quando invoca violação da ordem pública, a verdadeira e única razão de mérito deste recurso.</font><br>
<font>A este respeito prescreve o nº 1 do art. 34º do Regulamento em causa que "uma decisão não será reconhecida se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido".</font><br>
<font>Colocada esta questão da ofensa à ordem pública portuguesa no reconhecimento das decisões proferidas pelos tribunais alemães, reflectiu a Relação de Guimarães do seguinte modo:</font><br>
<font>"No caso em apreço, as decisões a reconhecer e a declarar exequíveis em Portugal respeitam a condenações da Recorrente no pagamento de determinadas quantias por incumprimento culposo de um contrato misto de empreitada e venda e custas e despesas do processo.</font><br>
<font>Ora o pagamento coercivo em Portugal destas quantias, mediante a competente acção executiva, harmoniza-se com a ordem pública portuguesa".</font><br>
<font>Cremos que nada mais é necessário dizer para tornar evidente a sem razão da recorrente a este respeito.</font><br>
<font>"A Ordem Pública é o complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política, económica e social da Sociedade e que são, por isso e como tal, tidos como imanentes ao respectivo ordenamento jurídico" (Pedro Pais de Vasconcelos, </font><font>in</font><font> Teoria Geral do Direito Civil - 2ª edição -, pág. 427).</font><br>
<font>Para este civilista, "quando insanavelmente contrária à Moral, a Ordem Pública é imoral e, como tal, antijurídica e não vinculante".</font><br>
<font>Segundo Manuel de Andrade, um negócio pode ser contrário à ordem jurídica porque a própria lei o proíbe ou porque remete para as prescrições da moral, nelas como que delegando tal proibição (</font><font>in</font><font> Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 331).</font><br>
<font>Mota Pinto, depois de nos chamar a atenção para o facto de não podermos fixar um </font><font>numerus clausus</font><font> nesta matéria, aponta para exemplos acolhidos na jurisprudência francesa, como, por exemplo, convenções sobre tráfico de votos e convenções através das quais alguém se obrigue a expor o seu corpo ou de outrem a danos voluntários e não justificados (</font><font>in</font><font> Teoria Geral do Direito Civil, pág. 434).</font><br>
<font>Postos perante estas considerações doutrinais, mais se acentua a bondade da decisão impugnada no que diz respeito à questão que a ora recorrente lhe colocou como sendo ofensivas as sentenças alemães em face da ordem jurídica portuguesa: nada há nesta que proíba que se recorra a juízo com vista à satisfação de dívidas.</font><br>
<font>Pelo contrário, a nossa Ordem Jurídica, como, aliás, todas as Ordens Jurídicas, permitem o recurso à via executiva quando o devedor não cumpre voluntariamente as obrigações a que, por lei ou por decisão judicial, está adstrito.</font><br>
<br>
<font>Com estas considerações, ainda que breves, temos por finalizada a apreciação do recurso interposto e no sentido da sua improcedência.</font><br>
<font>Apenas nos resta, com a devida vénia, repetir aqui o que já ficou dito pela Relação: "todas as demais questões suscitadas extravasam o âmbito deste recurso".</font><br>
<br>
<font>IV</font><font> - </font><br>
<br>
<font>Decisão</font><br>
<br>
<font>Nega-se a revista.</font><br>
<font>Sem custas, </font><font>ut</font><font> art. 52º do Regulamento.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 31 de Janeiro de 2007</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nDLQu4YBgYBz1XKvPkFI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> I – Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, AA a presente acção com processo ordinário contra:</font><br>
<font> 1 – a)BB e mulher CC;</font><br>
<font> b) DD e mulher EE.</font><br>
<font> 2 – a) FF e mulher GG;</font><br>
<font> b) HH e mulher II;</font><br>
<font> c)JJ e mulher KK (face ao óbito de seu marido, foi esta habilitada como sua sucessora);</font><br>
<font> d) LL e mulher MM.</font><br>
<br>
<font> Alegou, em síntese, o seguinte:</font><br>
<br>
<font> Por contrato de arrendamento datado de 18.03.1974, foi dado de arrendamento a NN o 2º andar direito do prédio urbano sito na Travessa da ........, nº 17, pela renda mensal de 2.500$00 e com início em 01.05.1974 (por mero lapso, a Autora escreveu 01.09.1974).</font><br>
<font> Tendo falecido o NN no dia 07.12.2002, o arrendamento foi transferido para a Autora.</font><br>
<font> O prédio dos autos foi vendido aos 1ºs Réus pelos 2ºs Réus.</font><br>
<font> Por escritura de compra e venda datada de 29.06.2001, lavrada a fls. 66 e seguintes do Livro ...-L, do 5º Cartório Notarial de Lisboa, e por escritura de 15.04.2002, lavrada a fls. 80 e seguintes do Livro ....C, do 5º Cartório Notarial de Lisboa, foi vendido o prédio urbano, sito em S. Mamede, Travessa da Fábrica dos Pentes, nº ... e ...., composto de rés-</font><br>
<font>do-chão, 3 andares e logradouro, com a área coberta de 140 m2 e descoberta de 90 m2, inscrito na matriz sob o artº ..., Freguesia de S. Mamede, com o valor patrimonial de € 46.556,01, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ...., Livro B-.., e inscrito a favor dos 2ºs Réus pela inscrição G-.., pelo preço total de 32.500.000$00 e € 92.277,61, respectivamente, “ou seja (€162.109,31+€92.277,61=€254.386,92)”.</font><br>
<font> A Autora já era rendeira nos prédios dos autos há mais de 1 ano à data da transmissão.</font><br>
<font> Os 1ºs Réus, quando compraram o prédio dos autos, não eram rendeiros nem comproprietários.</font><br>
<font> Por isso, a Autora tem direito de preferência na venda do mesmo, por força do disposto no artigo 47º da Lei (?) 321-B/90, de 15/10.</font><br>
<font> Não obstante, os 2ºs Réus, ou quem quer que fosse, não comunicaram à Autora as condições em que o iriam vender.</font><br>
<font> Não comunicaram qual era o preço do negócio, qual era a sua forma de pagamento, a identificação do comprador, qual o local e prazo para celebrar a respectiva escritura, nem quaisquer outras condições de cuja observância dependesse a realização do negócio.</font><br>
<font> A Autora apenas teve conhecimento das condições em que o negócio foi efectuado nos dias 25.08.2003 e 20.10.2003, quando adquiriu as cópias das escrituras, ou seja, há menos de seis meses.</font><br>
<font> Os 1ºs Réus pagaram pela compra do prédio, segundo consta nas escrituras, a quantia de € 254.386,92, pagando a sisa de € 25.438,60.</font><br>
<font> Daí que os 1ºs Réus tenham despendido a quantia de € 279.825,61 para adquirir o referido prédio, quantia esta que a Autora vai desde já depositar, pelo que assiste à Autora o direito de propor esta acção e de preferir na venda do prédio transmitido pelos 2ºs Réus aos 1ºs Réus.</font><br>
<font> Termina pedindo que, com a procedência da acção, sejam os Réus condenados:</font><br>
<font> “1 – A reconhecer que a Autora tem direito de preferência no prédio urbano.</font><br>
<font> 2 – Devendo a acção julgada procedente e declarando-se que a Autora tem direito a haver para si o prédio que os 1ºs Réus compraram aos 2ºs Réus que se encontra descrito no artigo 5 desta P.I., mediante o pagamento de 279.825,61, procedendo-se à substituição daqueles pela Autora no lugar de comprador das escrituras referidas no artigo 5 deste mesmo articulado.</font><br>
<br>
<font> 3 – Tal substituição deverá ainda ser ordenada relativamente a quaisquer actos de registo que tenham sido requeridos com base nessa escritura nomeadamente as inscrições G-..., de 2002/04/12 e G-... de 2003/01/27”.</font><br>
<br>
<font> Na sua contestação, os Réus HH e mulher II, LL e mulher MM e KK pugnaram pela improcedência da acção, alegando, no essencial, tratar-se de vendas de um direito ou quota sobre um prédio e não da venda do prédio, o que é substancialmente distinto, pelo que não é aqui aplicável o artigo 47º do RAU, sendo que apenas os Réus compradores, enquanto comproprietários, teriam direito de preferência numa hipotética venda a terceiros da quota dos ora contestantes, ao abrigo do disposto no artigo 1409º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> Em contestação autónoma, os BB e mulher CC e DD e mulher EE também defenderam a improcedência da acção, em princípio logo no despacho saneador, para o que invocam igualmente que, no caso de venda parcial do direito de compropriedade (ou de uma quota parte) sobre um imóvel, os inquilinos desse imóvel não têm direito de preferência na venda, que as duas compras e vendas foram dois negócios jurídicos distintos, celebrados em alturas distintas, com sujeitos passivos distintos e com preços distintos, pelo que é falso e incorrecto afirmar-se, como o faz a Autora, que os ora contestantes compraram o prédio aos demais Réus, que o montante indicado de € 254.386,92 não é o preço de compra e venda do prédio, antes correspondendo apenas à soma aritmética dos preços das duas distintas compras e vendas realizadas, o que não é a mesma coisa, sendo que, quando os ora contestantes adquiriram o direito a (ou quota de) seis/dezoito avos indivisos do prédio já eram comproprietários do mesmo.</font><br>
<font> Acrescentam ainda, além do mais, que, logo em Julho de 2001, houve troca de correspondência sobre o assunto (a compra dos doze/dezoito avos indivisos em escritura de 29.06.2001) entre o Sr. OO aparentemente filho da Autora, e os ora contestantes e, em Outubro ou Novembro de 2001, houve nova troca de correspondência sobre o mesmo assunto com os ora contestantes, então por parte da própria Autora e do seu marido, por intermédio de advogado, na qual foi expressamente mencionado que a Autora e seu marido se encontravam já na posse de uma cópia da respectiva escritura pública, ficando, nessa altura, completamente esclarecida a situação.</font><br>
<br>
<font> A Autora apresentou um novo articulado a que denominou “resposta”, onde refere que os Réus compradores fizeram um só negócio – a compra do prédio na totalidade – e outorgarem duas escrituras, em vez de uma, é um puro abuso de direito, pois tinham o direito de comprar o prédio, mas não fraccionando-o, para quase de imediato juntarem as duas “quotas”.</font><br>
<br>
<font> Os Réus vieram arguir a nulidade da apresentação deste último articulado (resposta à contestação), vindo depois, a fls. 169 a 173, os contestantes BB e outros (os compradores) “exercer o seu direito ao contraditório”, com carácter subsidiário.</font><br>
<font> Foi proferido, a fls. 180 a 182, despacho a julgar legalmente inadmissível este “articulado” de fls. 169 a 173.</font><br>
<br>
<font> Igualmente foi proferido o despacho de fls. 182 a 185, segundo o qual se julgou legalmente inadmissível o articulado da Autora (resposta à contestação), no que se refere aos artigos 4º e 8º, considerando-se como não escrita a matéria deles constante.</font><br>
<br>
<font> Foi depois proferido despacho saneador, no qual se julgou a acção procedente e, em consequência, se decidiu:</font><br>
<font>I) “Declaro que à autora AA assiste o direito de preferir relativamente aos negócios celebrados, respectivamente, em 29/06/2001 e em 15/04/2002, e a que se referem as escrituras públicas, outorgadas nessas datas, ambas no 5º Cartório Notarial de Lisboa e de que constam certidões de fls. 12 e 22 dos autos estando, a primeira – que foi outorgada entre os réus FF, GG, BB e DD –, lavrada a fls. 66 e seguintes do Livro 493-L e, a segunda – que foi outorgada entre os réus HH, II, JJ, LL, MM, BB e DD –, lavrada a fls. 80 e seguintes do Livro ...-C e relativos ao prédio urbano, sito em S. Mamede, Travessa da Fábrica dos Pentes, nº... e .... – A, composto de rés-do-chão, 3 andares e logradouro, com a área coberta de 140 m2 e descoberta de 90 m2, inscrito na matriz sob o artº 453 da Freguesia de S. Mamede, com o Valor Patrimonial de € 46 556,01, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ...., Livro B-27; e, consequentemente, ---</font><br>
<font>II) Declaro que a autora AA tem o direito a haver para si o prédio referido em I), procedendo-se à substituição dos compradores outorgantes das escrituras públicas aí mencionadas, BB e DD, pela autora, mediante o pagamento a estes do valor correspondente ao do preço de tal aquisição – já depositados nos autos – e demais despesas suportadas por aqueles, substituição que, igualmente, se determina relativamente a quaisquer actos de registo que tenham sido requeridos com base nas referidas escrituras , designadamente, as inscrições ..-2, de 2002/04/12 (Ap. 5) e ...G-3, de 2003/01/27 (Ap. 1)”.</font><br>
<br>
<font>Os Réus BB e outros (compradores) agravaram dos dois primeiros despachos acima referidos e apelaram do despacho saneador-sentença.</font><br>
<br>
<font>No Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferido acórdão, segundo o qual se decidiu dar provimento aos agravos, com a revogação dos despachos recorridos, declarando-se processualmente inadmissível o articulado de resposta à contestação apresentado pela Autora, junto a fls. 156 e 157, e ficando nos autos o requerimento de resposta apresentado pelos ora agravantes, junto a fls. 169 a 173, e julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Ainda inconformados, os mesmos Réus interpuseram o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os recorrentes apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª - Como se verifica pelo teor da douta petição inicial, a recorrida formulou o pedido de reconhecimento de UM ÚNICO DIREITO DE PREFERÊNCIA na venda DO PRÉDIO DOS AUTOS COMO UM TODO, considerando para tal a existência de UM ÚNICO NEGÓCIO.</font><br>
<font>2ª - Tanto assim que, para o efeito, a recorrida invocou apenas a sua qualidade de rendeira quando, de outra forma, invocaria a sua qualidade de rendeira em relação ao primeiro negócio e a sua qualidade de comproprietária a propósito do segundo negócio. Acontece que</font><br>
<font>3ª - O Meritíssimo Juiz de 1ª Instância decidiu que assiste à recorrida o direito de preferir relativamente aos dois negócios celebrados, relativamente, em 29/06/2001 e em 15/04/2002.</font><br>
<font>4ª - O pedido e a condenação referem-se, assim, a duas realidades distintas, quer do ponto de vista qualitativo, quer do ponto de vista quantitativo, o que viola o disposto no nº 1 do artº 661º do CPC, gerador de nulidade da respectiva sentença (cfr. a al. d) do nº 1 do artº 668º, conjugado com o nº 3 do artº 666, ambos do CPC, em decorrência da violação do disposto na segunda parte do nº 2 do artº 660º e do nº 1 do artº 661º, também ambos do CPC). Contudo,</font><br>
<font>5ª - O douto Acórdão recorrido manteve a decisão de 1ª Instância, considerando não ter sido violado o nº 1 do artº 661º do CPC, pois, segundo o seu entendimento, a petição inicial comporta a perspectiva da douta sentença.</font><br>
<font>6ª - Este entendimento da petição inicial é matéria nova, tendo sido agora pela primeira vez assumido e reconhecido pelas instâncias, não obstante a referência já feita à matéria pelos ora recorrentes nas suas alegações no recurso de apelação. Contudo,</font><br>
<font>7ª - Este entendimento é inaceitável e ilegal, pois não tem o mínimo de correspondência com a letra e com o espírito da petição inicial, violando, dessa forma, o disposto nos artºs 217º e 238º do CC. Mas,</font><br>
<font>8ª - Ainda que esse entendimento fosse admissível, ele exigiria necessariamente o convite para aperfeiçoamento da petição inicial, com a subsequente notificação dos ora recorrentes, a fim de estes, de acordo com os ditames dos nºs 3 e 4 do artº 508º do CPC, exercerem então o seu direito ao contraditório, o que não aconteceu. Nesse caso,</font><br>
<font>9ª - Os ora recorrentes teriam invocado a caducidade do exercício do direito de preferência relativamente ao primeiro negócio, pois a recorrida conheceu as respectivas condições há muito mais de seis meses antes da propositura da acção, situação que, contudo, já não se verificava relativamente ao negócio como um todo.</font><br>
<font>10ª - Admitir esse entendimento, com o qual os ora recorrentes não podiam razoavelmente contar, sem qualquer implicação de ordem processual, nomeadamente na atribuição subsequente do efectivo direito ao contraditório, viola declaradamente o princípio constitucional ínsito no nº 4 do artº 20º da CRP (participação num processo equitativo), pelo que não pode ser aceite. Em qualquer caso,</font><br>
<font>11ª - Quanto ao mérito da acção, os ora recorrentes devem sempre ser absolvidos do pedido efectivamente formulado pela recorrida (de reconhecimento do seu direito de preferência relativamente à venda do prédio “sub judice” como um todo).</font><br>
<font>12ª - Se se entender que esse pedido deve ser apreciado por referência aos dois negócios (de venda dos direitos a quota-parte indivisa do prédio), no que não se concede por tal não ter sido alegado, então não deve der reconhecido à recorrida direito de preferência nessa venda, por isso não decorrer nem da letra do artº 47º do RAU nem do seu espírito (nesse caso não se atingiria nunca o fim da unificação da propriedade na titularidade do arrendatário). Finalmente,</font><br>
<font>13ª - O pedido de reconhecimento do direito de preferência em relação aos dois negócios, tendo sido, nesse caso, colocados num mesmo plano, inclusive em termos temporais, teria sempre como consequência a improcedência desse pedido relativamente ao segundo negócio, pois, nessa altura, os ora recorrentes eram comproprietários do prédio, prevalecendo o seu direito de preferência sobre o da recorrida/rendeira, nos termos do disposto no nº 1 do artº 1409º do CC.</font><br>
<font>14ª - O que tudo leva à improcedência do pedido formulado pela recorrida, o que se requer que seja declarado por esse Supremo Tribunal, com as legais consequências, nomeadamente a revogação do douto Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Contra-alegou a recorrida, defendendo a improcedência do recurso.</font><br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II – Nas instâncias, foram considerados assentes os seguintes factos:</font><br>
<font>1.Por contrato de arrendamento datado de 18.03.1974, foi dado de arrendamento a NN, casado, residente na Travessa da Fábrica dos Pentes, nº ..., Cave, o 2º andar direito do prédio urbano sito na Travessa da Fábrica dos Pentes, nº .., pela renda mensal de 2.500$00 e com início em 01.05.1974, nos termos e com as condições constantes do documento cuja cópia se encontra a fls. 9 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br>
<font>2. NN faleceu no dia 07.12.2002, tendo o arrendamento referido em 1. sido transferido para a ora Autora.</font><br>
<font>3. Por escritura de compra e venda, datada de 29.06.2001, lavrada a fls. 66 e seguintes do Livro ...-L, do 5º Cartório Notarial de Lisboa, da qual consta certidão junta a fls. 12 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os Réus FF e GG venderam aos Réus BB – casado com CC – e DD – casado com a Ré EE – «(...) pelo preço de trinta e dois milhões e quinhentos mil escudos, DOZE/DEZOITO avos indivisos, do prédio urbano, sito na Travessa da Fábrica dos Pentes, nºs ... e ....-A, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número quatrocentos e vinte e três, da dita freguesia, onde a aquisição se encontra registada (...), pela inscrição G, apresentação dois, de catorze de Maio de mil novecentos e sessenta e quatro, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo 453, com o valor patrimonial de 9.333.641$00, correspondendo à parte transmitida o valor de 6.222.427$00 (...)».</font><br>
<font>4. Datada de 15.04.2002, lavrada a fls. 80 e seguintes do Livro ... C, do 5º Cartório Notarial de Lisboa, e da qual consta certidão junta a fls. 17 a 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi outorgada escritura de compra e venda, da qual consta, designadamente, o seguinte:</font><br>
<font>«(...) compareceram como outorgantes:</font><br>
<font>PRIMEIRO:</font><br>
<font>a) HH, CF 132802414, devidamente autorizado por sua mulher, II (...), que outorga por si e ainda na qualidade de procurador e em representação de JJ, CF 147700868, e mulher KK (...);</font><br>
<font>b) LL, CF 136880703, devidamente autorizado por sua mulher, MM (...);</font><br>
<font>SEGUNDO:</font><br>
<font>a) BB, CF 169198162, casado com CC (...);</font><br>
<font>b) DD, CF 139169571, casado com EE (...);</font><br>
<font>DISSERAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES:</font><br>
<font>Que, na qualidade em que outorgam, pela presente escritura e pelo preço global de (...), vendem aos segundos outorgantes (...) o seguinte:</font><br>
<font>I - Pelo preço de noventa e dois mil duzentos e setenta e sete euros e sessenta e um cêntimos, SEIS/DEZOITO avos indivisos, do prédio urbano, sito na Travessa da Fábrica dos Pentes, nºs ... e ....-A, freguesia de São Mamede, concelho de Lisboa, descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número quatrocentos e vinte e três, da dita freguesia, onde a aquisição se encontra registada (...), pela inscrição G, apresentação dois, de catorze de Maio de mil novecentos e sessenta e quatro, e um, de vinte e seis de Fevereiro do corrente ano, inscrito na respectiva matriz, sob o artº 453, com o valor patrimonial de 46.556,01 euros, correspondendo à parte transmitida o valor de 15.518,70 euros (...).</font><br>
<font>DISSERAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES:</font><br>
<font>Que aceitam esta venda nos termos exarados».</font><br>
<font>5. À data das transmissões referidas em 3. e 4., a Autora já era inquilina no prédio aí referido há mais de um ano.</font><br>
<font>6. Os Réus FF e GG não comunicaram à Autora qual era o preço do negócio referido em 3., qual era a sua forma de pagamento, a identificação do comprador, qual o local e prazo para celebrar a respectiva escritura, nem quaisquer outras condições de cuja observância dependesse a realização do negócio.</font><br>
<font>7. Os Réus HH, II, KK, LL, CC, bem como JJ, não comunicaram à Autora qual era o preço do negócio referido em 4., qual era a sua forma de pagamento, a identificação do comprador, qual o local e prazo para celebrar a respectiva escritura, nem quaisquer outras condições de cuja observância dependesse a realização do negócio.</font><br>
<font>8. Os Réus BB e DD pagaram pela aquisição referida em 3. as quantias de € 2.194,71 e € 24,94, a título de imposto de selo devido pela aquisição e pela escritura, respectivamente.</font><br>
<font>9. Os Réus BB e DD pagaram pela aquisição referida em 4. as quantias de € 1.256,97 e de € 25,00, a título de imposto de selo devido pela aquisição e pela escritura, respectivamente.</font><br>
<font>10. Os Réus BB e DD pagaram, a título de imposto de sisa, relativamente aos negócios mencionados em 3. e 4., a quantia global de € 25.438,69.</font><br>
<font> 11. A Autora procedeu ao depósito, à ordem dos presentes autos, da quantia de € 279.825,61, nos termos do documento de fls. 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>III – 1. Segundo o nº 1 do artigo 729º do Código de Processo Civil (CPC), “Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado”.</font><br>
<br>
<font>“A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artigo 722” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br>
<br>
<font>O citado nº 2 do artigo 722º prescreve que “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.</font><br>
<br>
<font>Apesar de não ter sido questionada a matéria de facto, a verdade é que, compulsando o elenco de factos descritos no despacho saneador-sentença e no acórdão da Relação, constatamos existir uma contradição.</font><br>
<br>
<font>Efectivamente, a Autora alegou, na sua petição inicial, a existência de um contrato de arrendamento para habitação datado de 18.03.1974, que teve por objecto o “segundo andar direito do prédio da Travessa da Fábrica dos Pentes, .... freguesia de S. Mamede, Lisboa”, no qual era arrendatário NN (embora a Autora o não refira, resulta dos autos, designadamente da certidão de óbito de fls. 10, que este NN era seu marido), e que este faleceu no dia 07.12.2002 (citado documento), “tendo o arrendamento sido transferido para a ora Autora” (cfr. nºs 1º, 2º e 3º do referido articulado).</font><br>
<br>
<font>Daqui decorre inequivocamente que, na citada data, ocorreu a transmissão por morte do arrendamento para a viúva do arrendatário, a aqui Autora, ao abrigo do disposto no artigo 85º, nº 1, a), do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro.</font><br>
<br>
<font>Sendo assim, a Autora é arrendatária desde 17.02.2002.</font><br>
<br>
<font>Contudo, no nº 7º da petição inicial, a Autora alega: “Acontece, porém, que a Autora já era rendeira nos prédios dos Autos há mais de 1 ano à (incrivelmente, escreveu-se “há”) data da transmissão”.</font><br>
<br>
<font>Ora, tendo as transmissões referenciadas nos autos tido lugar em 29.06.2001 e 15.04.2002, teremos de concluir que, à data das transmissões, a Autora não era ainda arrendatária.</font><br>
<br>
<font>Aliás, também não se compreende que a Autora fale em prédios (plural), se bem que, de qualquer forma, na enunciação dos factos tidos por assentes no saneador-sentença, o Senhor Juiz haja escrito, no nº 4), que “à data das transmissões referidas em 3) e 4), a autora já era inquilina no prédio aí referido há mais de um ano”, o mesmo sucedendo no acórdão ora recorrido.</font><br>
<br>
<font>Estamos, portanto, aqui perante uma contradição.</font><br>
<br>
<font>De acordo com o nº 3 do indicado artigo 729º do CPC, “O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.</font><br>
<br>
<font>Assim, poderia dizer-se que os autos deverão baixar à Relação para suprimir a apontada contradição, tendo este STJ em conta o preceituado no artigo 730º do mesmo diploma.</font><br>
<font>Só que, verdadeiramente, não há uma contradição entre elementos de facto.</font><br>
<font>O que existe – isso sim – é uma errada conclusão extraída de outros factos.</font><br>
<br>
<font>Na verdade, o ser-se “inquilina” desde determinada data constitui uma ilação a tirar de outros elementos de facto.</font><br>
<br>
<font>No caso concreto, é a própria Autora que, no início da sua petição inicial, invoca materialidade suficiente para demonstrar que é arrendatária do 2º andar direito do prédio desde 07.12.2002, data do falecimento de seu marido – o arrendatário – e da transmissão do arrendamento para a sua titularidade.</font><br>
<br>
<font>Logo, a afirmação erradamente levada ao nº 5) dos factos assentes, quer pela 1ª instância, quer pela Relação, terá de ser eliminada, não só por ser matéria conclusiva (cfr. artigo 646º, nº 4, do CPC), como também por não ser verdadeira e colidir com a factualidade vertida nos nºs 1) e 2) dos factos assentes.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, não se verifica o circunstancialismo previsto na parte final do citado nº 3 do artigo 729º do CPC, pelo que não se ordenará a baixa dos autos à 2ª instância.</font><br>
<br>
<font>2. Com a eliminação do constante do nº 5 dos factos enunciados em II- supra, e tendo em conta que a Autora só é arrendatária desde 07.12.2002, não pode ela exercer qualquer direito de preferência no tocante às transmissões efectuadas anteriormente à obtenção dessa qualidade de arrendatária (cfr. artigo 47º do RAU).</font><br>
<br>
<font>Poderia admitir-se que a Autora, ao pretender exercer o direito de preferência nessas transmissões, o faz como sucessora de seu falecido marido, face à transmissão do arrendamento.</font><br>
<br>
<font>Só que, lendo a petição inicial, se constata que não é essa a sua intenção.</font><br>
<br>
<font>Na verdade, nos nºs 10º a 16º, a Autora alega que nada </font><u><font>lhe</font></u><font> foi comunicado quanto aos elementos essenciais dos negócios e que só teve conhecimento das condições em que o negócio (foram dois negócios e não um) foi efectuado nos dias 25.08.2003 e 20.10.2003, quando adquiriu as cópias das escrituras, ou seja, há menos de seis meses.</font><br>
<br>
<font>A haver qualquer comunicação a fazer para o exercício do direito de preferência relativamente a cada uma das alienações, teria de ser ao arrendatário – o falecido NN – e não à aqui Autora, seu cônjuge.</font><br>
<br>
<font>Ora, a Autora nada alega quanto à existência ou não de comunicações a seu marido.</font><br>
<br>
<font>3. Infere-se, assim, do exposto que, não tendo a Autora a qualidade de arrendatária aquando das transmissões dos autos, não pode a acção proceder.</font><br>
<br>
<font>Fica, em consequência, prejudicado o conhecimento das questões suscitadas na presente revista, devendo dar-se provimento a esta, embora com fundamentos diversos dos expostos pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>IV – Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogando-se o acórdão recorrido, que confirmou a decisão da 1ª instância, decide-se julgar a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos Réus do pedido.</font><br>
<br>
<font>Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da Autora, aqui recorrida.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, 31 de Outubro de 2006</font><br>
<font> </font><br>
<font> RELATOR: Camilo Moreira Camilo</font><br>
<font> ADJUNTOS: Cons. Urbano Dias</font><br>
<font> Cons. Paulo Sá </font><br>
<br>
<br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UDK2u4YBgYBz1XKvsTWI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, </font><b><font>AA e mulher BB, </font></b><font>residentes na Urbanização das Covas, Lote 24, Guarda Gare, propõem a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>CC e mulher DD, </font></b><font>residentes na Rua ..., Pinhel e</font><b><font> EE e mulher FF,</font></b><font> residentes Na Av. ..., nº 51, Guarda, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação solidária destes a demolirem e reconstruírem a sua moradia a partir da primeira laje, de acordo com o projecto e memória descritiva aprovados e existentes na Câmara Municipal com os pilares e vigas em falta, num período de seis meses, sendo que na reconstrução deverão ser aplicadas as benfeitorias incorporadas pelos AA., ou seja a feitura dos quartos e casa de banho no sótão; a colocação de aquecimento central em todo o imóvel; de janelas e portas de varanda duplas, e de três portas com vidro lapidados e a pagarem-lhes o valor que estes tiverem que despender com mudanças e nova habitação, enquanto as obras não forem concluídas, em cerca de Esc. 100.000$00/mês, a partir da citação e outros prejuízos que advierem com a mudança, valor a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font> Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que, sendo o primeiro R. construtor civil, construiu e vendeu aos AA. um prédio urbano, em 1996, e depois da venda efectuou obras no mencionado prédio, a pedido dos AA.. Em Dezembro de 2000, devido a um Inverno rigoroso, o imóvel apresentou infiltrações de águas pluviais no telhado, clarabóia, ombreiras da janelas e portas, levantamento do pavimento de madeira de uma divisão e condensação em todas as divisões do primeiro piso, do que deram conhecimento aos primeiros RR., sendo que o R. marido vistoriou a casa, e prontificou-se a fazer a reparações indicadas pelo Eng. técnico que as descreveu e a substituir as telhas do telhado, o que nunca fez. Ainda nesse mês a casa apresentou fissuras nas paredes, pelo que pediram de novo a intervenção do Eng. técnico, que emitiu um parecer, em 5/1/2001, de onde consta que no 1º piso há falta de pilares e vigas centrais, estando as cargas resultantes da placa do tecto do andar, como as da cobertura, a descarregar na laje do tecto do rés-do-chão, quando, de acordo com o projecto as cargas deveriam estar repartidas na estrutura do rés-do-chão, estrutura do tecto do andar e estrutura da cobertura. Alegaram ainda que o imóvel não foi construído de acordo com o projecto, não tendo sido aplicados os materiais devidos, e faltando 17 pilares entre a primeira e segunda laje, do primeiro piso, bem como as vigas V1 a V7, do projecto e 3 vigas na cobertura, o que determina falta de consistência e segurança no edifício, que poderá ruir a qualquer momento. Mais alegaram que comunicaram tais factos aos RR, em 21/1/01, sendo o 2º R. quem elaborou o projecto, quem assumiu a responsabilidade técnica da sua construção e o encarregado da fiscalização da obra e elaborou o parecer entregue à Câmara Municipal, declarando a conformidade desta com o projecto, o que fez com que essa entidade não vistoriasse convenientemente a construção. Invocaram dolo dos RR., pois conheciam os defeitos da obra, e que se destinava a habitação de longa duração, e bem assim que o imóvel, à data, tinha uma valor de mais de 40.000.000$00, sendo de estimar a demolição e reconstrução a partir da primeira laje num custo de 20.000.000$00. Alegaram ainda que as RR. vivem dos rendimentos auferidos pelos RR., seus respectivos maridos, quer da construção, quer da elaboração de projectos e fiscalização de obras.</font><br>
<font> Os RR. CC e mulher contestaram, invocando a caducidade do direito dos AA., nos termos dos art. 1220º nº 1, 1224º e 1225º do CC, referindo que não se aplica o regime da empreitada mas da compra e venda, e invocando caducidade, também nos termos do art. 916º do CC e impugnando especificadamente a factualidade aduzida. Alegaram que o R. respeitou o tipo de estrutura previsto no projecto – estrutura porticada – até ao 1º andar, e daí para cima optou por paredes resistentes, fazendo três lajes em vez de duas nesse andar, e distribuindo as cargas pelas paredes exteriores e internas do prédio, cintando as paredes eternas e dotando-as de armaduras e betão armado, e enchendo com betão a placa do tecto desse piso. Alegaram ainda que esta era a solução tecnicamente mais correcta, aceite pelo R.G.E.U., e que sempre foi usado pelo R., em 45 anos de actividade. Reconheceram que faltam dois pilares e uma viga de cobertura (conforme articulado na primeira p.i. apresentada), e que, sendo a casa dos AA. geminada com a do seu vizinho, reparou as rachas e fissuras que esta apresentava, o que os AA. não aceitaram. Referiram que a casa não apresenta defeitos graves nem perigo de ruína.</font><br>
<font> Os RR. EE, e mulher, contestaram, invocando caducidade do direito dos AA., nos termos do art. 1220º e 1225 do CC, a ilegitimidade da R. mulher por ser alheia ao projecto e, para o caso de assim não se entender, invocaram a prescrição do direito dos AA. nos termos do art. 483º do CC e impugnaram os fundamentos da acção. </font><br>
<font> Os AA. apresentaram réplica, pugnando pela aplicação do prazo de prescrição referido no art. 1225º do CC. e do prazo geral de 20 anos e defendendo que as paredes não foram construídas com os materiais e dimensões exigidas pelo R.G.E.U., e que não há a distribuição de cargas e estabilidade a que os primeiros RR. aludiram.</font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos com a elaboração do despacho saneador, onde foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória.</font><br>
<font> Foram habilitados os herdeiros da primitiva R., DD, entretanto falecida.</font><br>
<font> Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu à matéria de facto controvertida e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> Nesta foram absolvidos dos pedidos os RR. EE e mulher, FF.</font><br>
<font> Condenou-se, porém, os RR. CC e herdeiros habilitados da primitiva R. DD, a demolirem e reconstruírem a moradia dos AA. a partir da primeira laje, de acordo com o projecto e memória descritiva, aprovados e existentes na Câmara Municipal com os pilares e vigas em falta, num período de seis meses, sendo que na reconstrução deverão ser aplicadas as benfeitorias incorporadas pelos AA. e resultam provadas em AA) dos factos provados, as quais, na medida em que tiverem de ser retiradas por força da obra a realizar, deverão ser repostas; e a pagarem aos AA. o valor que estes tiverem que despender com a nova habitação, enquanto as obras não forem concluídas, em cerca de 100.000$00/mês (equivalente em euros), bem como nos prejuízos que advierem com a mudança de residência, em valor a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. CC de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 17-6-2008, julgado parcialmente procedente ao recurso, mantendo a decisão recorrida, com a excepção de que as benfeitorias a refazer que serão aquelas a que se reporta a alínea D) dos factos provados e não as constantes da alínea AA). </font><br>
<font> 1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o R. CC para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> O recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> </font><font>1ª- Em 1993/1994/1995 o Réu construiu duas vivendas geminadas num único lote, urna das quais vendeu aos A.A. em 15.1.1996 pelo preço de 11.000.000$00 -A) da sentença.</font>
<p><font> 2ª- Os A.A. no artigo 36º da p.i. - em 2001 - logo dizem que a reparação custará pelo menos 20.000.000$00.</font>
</p><p><font> 3ª- Alegaram a inexistência de 2 pilares da base para a 1ª laje, 17 pilares entre a 1ª e a 2ª e as vigas V1 a V8 e 3 vigas da cobertura.</font>
</p><p><font> 4ª- Os R.R. aceitaram a resolução do contrato, mas defenderam a opção por sistema de paredes resistentes em vez de estrutura porticada.</font>
</p><p><font> 5ª- Para prova técnica existem nos autos o Parecer Técnico de 5/12/2000, o Relatório Técnico de 5/1/2001, uma 1ª perícia e uma 2ª Perícia que (infelizmente) não coincidem.</font>
</p><p><font> 6ª- Das Actas de Audiência verifica-se que os AA.- fls. 661 a 686- aceitam que afinal estavam lá na obra os pilares que nem a 2ª peritagem havia visto (porque não estavam no “sitio” do projecto)</font>
</p><p><font> 7ª- Porém, em 17.11.2006 - fls. 631 - foi acordado elaborar um projecto para solucionar a questão –eliminar os defeitos, tendo sido junto a fls. 636 a 638 o preliminar e a fls. 661 a 686 o Projecto definitivo.</font>
</p><p><font> 8ª- O Tribunal de 1ª instância considera os docs. de fls. 636 a 639 “meritória operação processual” e os AA. vieram aceitar que a 2ª peritagem não havia visto os pilares que existiam - fls. 683.</font>
</p><p><font> 9ª- Incrivelmente o Tribunal de 1ª instância deu por provados os quesitos 8º, 9º e 12º da B.I., sendo que das perícias e da própria inspecção ao local resultava o contrário.</font>
</p><p><font> 10ª- E o Acórdão recorrido absteve-se de sindicar a decisão de 1ª instância para o que bastava ler as Actas das sessões e os relatórios e pareceres, não tendo reapreciado criticamente as provas.</font>
</p><p><font> 11ª- Impunha-se, pois, na Relação a alteração das respostas aos quesitos 8°, 9° e l2 da BI, por estarem contra as perícias e o reconhecimento dos A.A. em Acta de fls.681 e 682, o que teria levado à absolvição dos RR..</font>
</p><p><font> 12ª- Os R.R. – Réu - sempre aceitou ter construído de forma diferente da do projecto optando por estrutura de parece resistente em vez de porticada, pelo que assumiu não ter construído a viga V8 e respectivos pilares de suporte, logo se colocando na posição de poder ter que eliminar o defeito.</font>
</p><p><font> 13ª- Entendeu o Tribunal de 1ª instância e o Acórdão recorrido que “o defeito está encontrado e a solução também — destruição da casa e reconstrução.</font>
</p><p><font> 14ª- E não encontrou nos autos “demonstração” da desproporção das despesas com os proveitos.</font>
</p><p><font> 15ª- As despesas, à data da p.i. -2001- segundo os próprios A.A. seria de 20.000.000$00, sendo que o custo da casa fora de 11. 000. 000$00.</font>
</p><p><font> 16ª- Bastaria esta “confissão” para ser inexigível a demolição e reconstrução, restando aos A.A. o direito à resolução ou redução do preço - 1222°- 1 do C.C.</font>
</p><p><font> 17ª- Acresce que esta provado nos autos que a casa dos AA. é geminada com a do vizinho e a destruição de uma implica a do outro, acrescendo ainda as despesas com a demolição e a destruição lógica do r/chão.</font>
</p><p><font> 18ª- Segundo as Tabelas o I.N.H. a preços controlados — habitações a preços controlados – habitações humildes - só para cumprir a sentença seria preciso gastar mais de 150.000,00 €, sem contar com o R/Chão que ficará desfeito e a casa do lado – geminada podendo tudo chegar a 300.000,0 €</font>
</p><p><font> 19ª- Os autos continham e contêm prova absoluta da desproporção entre despesas e proveito.</font>
</p><p><font> 20ª- O Acórdão recorrido enferma do vício de nulidade, nos termos a alínea d) do nº 1 do Artigo 668° do C.P.C. na medida em que não se pronuncia sobre as questões levantadas na apelação.</font>
</p><p><font> 21ª- Nos termos do nº 2 do Artigo 1221° do CC. é inexigível tal obra de demolição.</font>
</p><p><font> 22ª- Mal interpretou o Venerando Tribunal recorrido o Instituto da Responsabilidade contratual do Empreiteiro pelos defeitos de obra - 1221° e segs. do C.C.</font>
</p><p><font> Nestes termos, deve proceder a presente Revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido e absolvendo-se o Réu.</font>
</p><p><font> Deve ser ordenada a baixa do processo à Relação para, anulado o julgamento de 1ª instância, decida que o processo baixe à comarca para nova audiência.</font>
</p><p><font> Por fim e porque há prova nos autos, sejam apenas condenados os RR. a reparar os defeitos de acordo com o projecto de estrutura que o Tribunal de 1ª instância solicitou.</font><br>
<font> Em contra-alegações os AA. sustentam que deve ser negada a revista.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<font> 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3, ex vi do disposto no art. 726º do C.P.Civil).</font><br>
<font> Nesta conformidade serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se as respostas aos factos 8°, 9° e l2 da BI devem ser alteradas.</font><br>
<font> - Se existe uma desproporção entre as despesas e o proveito.</font><br>
<font> - Se o acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos a alínea d) do nº 1 do Artigo 668° do C.P.C., por não se ter pronunciado sobre as questões levantadas na apelação.</font>
</p><p><font> - Se nos termos do nº 2 do Artigo 1221° do CC., é inexigível a demolição da obra.</font>
</p><p><font> 2-2- Das instâncias, vem fixada a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> A) Por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 15 de Janeiro de 1996, no Cartório Notarial da Guarda, CCe mulher, DD, declaram que vendiam a AA e mulher, BB, que declararam comprar, pelo preço de Esc. 11.000.000$, o prédio urbano que se compõe de rés-do-chão, 1º andar e sótão, com logradouro, com a área coberta de 175 m2 e com a área descoberta de 230 m2, designado por Lote n.º 24, sito na Quinta ..., freguesia de S. Miguel, concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o n.º 577 – cf. doc. de fls. 119 a 129.</font><br>
<font> B) A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio referido em A) encontra-se inscrita em nome dos autores, na Conservatória do Registo Predial da Guarda, através da ap. n.º 4 de 4/12/1995 – cf. doc. de fls. 130 a 134.</font><br>
<font> C) O prédio referido em A) foi construído pelo 1º réu (vendedor), no exercício da sua actividade industrial de construtor civil.</font><br>
<font> D) Após a data referida em A), os 1ºs réus procederam a alguns acabamentos, nomeadamente a pavimentação da garagem, ligação as esgotos, exaustão de fumos e cheiros da cozinha e divisão do sótão, onde foram feitos 4 quartos e uma casa de banho.</font><br>
<font> E) Por carta datada de 12 de Dezembro de 2000, os autores, através do seu advogado, contactaram o 1º réu, informando-o dos defeitos constatados no imóvel e da solução proposta para resolução dos mesmos, sob pena de instauração de acção judicial para o efeito – cf. doc. de fls. 11 e 12, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido.</font><br>
<font> F) Por carta datada de 12 de Janeiro de 2001, os autores, através do seu advogado, contactaram o 1º réu, informando-o de que, após consulta do projecto de arquitectura e do caderno de encargos, constataram que a construção do edifício não estava em conformidade com os mesmos – cfr. doc. de fls. 13 e 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br>
<font> G) Por carta datada do mesmo dia, os autores, através do seu mandatário, deram conhecimento do teor da mesma carta ao réuEE, imputando-lhe responsabilidade solidária na resolução do caso - cf.. doc. de fls. 15 e 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br>
<font> H) Os AA fizeram a mudança para a casa no período da Páscoa de 1996. </font><br>
<font> I) Em Novembro de 2000 a casa começou a apresentar infiltrações de águas pluviais pelo telhado e pela clarabóia, com telhas de fraca qualidade, tendo provocado o levantamento de pavimento de madeira de uma das divisões. </font><br>
<font> J) O reboco exterior se apresenta fissurado, tendo a tinta levado uma ou duas demãos.</font><br>
<font> K) Após o facto referido em E), o telhado foi substituído pelo 1.º réu.</font><br>
<font> L) Após 5 de Janeiro de 2001, os AA tiveram conhecimento do teor da carta de fls. 10.</font><br>
<font> M) Não foi executada a viga V8.</font><br>
<font> N) A distribuição das cargas, em conformidade com o projecto, devia ter sido repartida em três partes, isto é, a estrutura do tecto do rés-do-chão, estrutura do tecto do 1º andar e estrutura da cobertura.</font><br>
<font> O) As cargas estão apenas a ser suportadas pela estrutura do tecto do rés-do-chão.</font><br>
<font> P) O imóvel, em conformidade com o projecto aprovado, devia ter e não tem dois pilares da base para a primeira laje do rés-do-chão e não tem, quando devia ter, nenhum pilar nem viga a partir da primeira laje do rés-do-chão para suportar a laje do primeiro piso e da cobertura.</font><br>
<font> Q) O 1º réu fez as paredes divisórias do primeiro piso e sobre elas assentou a segunda laje e cobertura com quatro divisões e casa de banho, com paredes divisórias de 7 cm e 11 cm, com área bruta de 150 m2.</font><br>
<font> R) O 1.º réu, intencionalmente, não executou a obra em conformidade com o projecto da mesma.</font><br>
<font> S) A desconformidade da construção com o projecto coloca em causa a consistência e segurança do edifício. </font><br>
<font> T) A desconformidade referida em 12 dos factos provados da base instrutória provocou fissuras.</font><br>
<font> U) O réu EE é o autor do projecto de construção, tendo assumido a responsabilidade técnica da obra, tendo preenchido o livro da obra nas diversas fases da construção, aí referindo que a construção estava a ser feita segundo o projecto, tendo preenchido, assinado e entregue o termo de responsabilidade junto da Câmara Municipal.</font><br>
<font> V) Os RR reconheceram defeitos de construção.</font><br>
<font> W) Além do provado em 1, 2 e 3 dos factos provados da base instrutória, os autores têm conhecimento de defeitos do edifício desde Novembro de 2000.</font><br>
<font> X) O réu EE procedeu a uma vistoria do imóvel em 28/11/1993, tendo sido informado pelo 1º réu que a obra estaria suspensa até Maio de 1994, tendo, então, a 15/5/1994 efectuado uma nova vistoria à obra e constatado que a mesma estava já com a laje de esteira (do sótão), cobertura e respectivas paredes divisórias concluídas e chapiscadas, não se tendo apercebido, por essa razão, da falta dos referidos pilares, pois os mesmos já deviam encontrar-se inseridos nas respectivas paredes.</font><br>
<font> Y) A divisão referida em D) não estava prevista no projecto.</font><br>
<font> Z) As janelas duplas não estavam previstas no projecto.</font><br>
<font> AA) Os AA fizeram uma churrasqueira exterior à habitação, colocaram janelas duplas, introduziram aquecimento central, substituíram duas portas interiores por portas com vidro lapidados, colocaram uma porta com vidros lapidados na escadaria de acesso ao primeiro andar, procederam à pavimentação do logradouro, gastando um total de Esc. 4.200.000$00.</font><br>
<font> BB) O arrendamento de uma casa semelhante à dos AA custa no mercado € 500,00/mês.--------------------------------------------------------------</font><br>
<font> 2-3- Depois de fazer algumas considerações sobre a posição das partes no presente pleito e incidências processuais e de prova dos autos, de útil para o presente recurso, o recorrente manifesta o seu inconformismo sobre a forma como o tribunal de 1ª instância respondeu à matéria dos pontos 8º, 9º e 12º da Base Instrutória (BI) e sobre a posição que em relação ao assunto assumiu o acórdão recorrido. Mais concretamente o recorrente não aceita que a Relação não tenha procedido à alteração das respostas àqueles pontos, como havia solicitado na apelação.</font><br>
<font> Como ponto prévio haverá que esclarecer que os poderes do S.T.J. em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Assim, o Supremo só poderá proceder a essa análise/modificação nas limitadas hipóteses contidas nos arts. 722º nº 2, 729º nºs 2 e 3 do C.P.Civil, isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Por outras palavras, o S.T.J. só poderá conhecer do juízo da prova sobre a matéria de facto formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou de origem externa. Em relação a este entendimento parece não existirem quaisquer dúvidas, constituindo tal jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal (entre outros, vide Acórdão do STJ 18-9-2003, Proc 03 B2227ITIJ/Net). Para além disso, o S.T.J. só poderá ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos referidos, ou anular a decisão relativa à matéria de facto por contradição. De resto, como decorre do disposto no art. 712º nº 6 do C.P.Civil, das decisões da Relação sobre a matéria de facto, não é, em regra, admissível o recurso para o S.T.J. Trata-se, no essencial, de consagrar o princípio de que a competência jurisdicional do Supremo Tribunal, se limita à apreciação da matéria de direito, como decorre do art. 26º da Lei 3/99 de 13/1 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) segundo o qual “</font><i><font>fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito</font></i><font>”.</font><br>
<font> Neste mesmo sentido refere Amâncio Ferreira (</font><i><font>in </font></i><font>Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 233) que “</font><i><font>presentemente, também o STJ não pode, a solicitação da parte interessada, exercer censura sobre o uso dos poderes por parte da Relação no que concerne ao julgamento da matéria de facto do tribunal de 1ª instância</font></i><font>.</font><i><font> E isto por a decisão da Relação que implemente tais poderes ser hoje insusceptível de recurso (nº 6 do art. 712º, aditado pelo DL nº 375-A/99 de 20 de Setembro)</font></i><font>”.</font><br>
<font> Posto isto e observando o caso vertente, diremos que a alteração pedida pelos recorrentes não é, patentemente, admissível, visto que não diz respeito a casos em que a modificação é válida (prova vinculada). A Relação foi chamada a pronunciar-se, na apelação, sobre a alteração dos ditos factos, tendo decidido não haver razões para proceder a qualquer modificação, rebatendo os argumentos aduzidos pelo recorrente e formando a sua convicção sobre eles. Sabendo-se, como já se salientou, que o STJ não pode hoje exercer censura sobre o uso dos poderes por parte da Relação no que toca ao julgamento da matéria de facto, a posição do recorrente de querer que este Supremo Tribunal modifique a matéria de facto que indicou, é infundada.</font><br>
<font> Sustenta depois o recorrente que entendeu o Tribunal de 1ª instância e o acórdão recorrido que, o defeito está encontrado e a solução também, destruição da casa e reconstrução. E não encontrou o acórdão recorrido nos autos “demonstração” da desproporção das despesas com os proveitos. As despesas, à data da p.i. -2001- segundo os próprios A.A. seria de 20.000.000$00, sendo que o custo da casa fora de 11.000.000$00. Bastaria esta “confissão” para ser inexigível a demolição e reconstrução, restando aos A.A. o direito à resolução ou redução do preço - 1222°- 1 do C.C.. Acresce que esta provado nos autos que a casa dos AA. é geminada com a do vizinho e a destruição de uma implica a do outro, acrescendo ainda as despesas com a demolição e a destruição lógica do r/chão. Segundo as Tabelas o I.N.H. a preços controlados — habitações a preços controlados – habitações humildes - só para cumprir a sentença seria preciso gastar mais de 150.000,00 €, sem contar com o R/Chão que ficará desfeito e a casa do lado – geminada podendo tudo chegar a 300.000,0 €. Termina concluindo que os autos continham e contêm prova absoluta da desproporção entre despesas e proveito.</font><br>
<font> Sobre a questão referiu-se na sentença de 1ª instância que a obra em causa nos presentes autos padece de defeitos graves, tão gravosos que colocam em causa a consistência e segurança do edifício, sendo que ficou também provado que o 1º R., intencionalmente, não executou a obra em conformidade com o projecto, o que, por si só, permite desde logo saber da razão maior para a existência dos próprios defeitos, precisamente a desconformidade da obra em relação ao projecto. Acrescentou-se, no que toca à desproporcionalidade da nova obra e o proveito que da mesma resulta para os AA., que da factualidade provada não se retira qualquer elemento que permita aferir essa desproporcionalidade, razão por que se entendeu que o pedido formulado pelos AA. tem todo o cabimento.</font>
</p><p><font> Na Relação também sobre o mesmo assunto referiu-se que “</font><i><font>quanto ao requisito da proporcionalidade, vem o recorrente colocá-la em termos de custos da reparação e valor comercial da casa. Esta não é a perspectiva adequada por dois motivos: em primeiro lugar aquilo, que a propósito, alega, em sede de recurso, é matéria nova face ao que fez constar da sua contestação, e portanto inatendível nesta sede; em segundo lugar, a questão coloca-se unicamente entre despesas e proveito. Ora, se um prédio destinado a habitação permanente foi construído, dolosamente, sem respeito pelo projecto técnico, e de tal modo que corre o risco de ruir, não há, manifestamente, desproporção entre o proveito emergente da dotação de segurança à estrutura, e as despesas da reconstrução, para eliminação de defeitos dolosamente praticados</font></i><font>”. Por isso, se indeferiu a pretensão do recorrente.</font>
</p><p><font> Vejamos:</font>
</p><p><font> Não se afigura qualquer dúvida que os AA. e os RR., em relação à casa em questão, celebraram um contrato de compra e venda (art. 874º do C.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem).</font><br>
<font> Não existe também qualquer controvérsia (pois os factos provados assim o demonstram) em relação ao facto de o R. recorrente ter agido na qualidade de construtor/vendedor do imóvel. </font><br>
<font> Nesta conformidade e de harmonia com o disposto no art. 1225º nº 4 aplica-se ao vendedor o disposto nos nºs anteriores. Assim, sem prejuízo do disposto no art. 1219º e seguintes, se no decurso do prazo de cinco anos ou do da garantia convencionada, por vício de solo, ou da construção, modificação ou reparação ou por erro na execução de trabalhos, o imóvel apresentar defeitos, o vendedor será responsável pelo prejuízo causado ao comprador. A denúncia dos defeitos deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. Estes prazos são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos previstos no art. 1221º (nºs 1, 2 e 3 da disposição).</font><br>
<font> Comparando o regime (especial) aplicável à empreitada incidente sobre imóveis de longa duração (aplicável, como se viu, ao vendedor que tenha construído o bem) com a regulamentação das outras empreitadas, verifica-se que, de essencial, existiu um aumento dos prazos de denúncia dos defeitos e do exercício dos respectivos direitos do dono da obra (cfr. arts. 1220º e 1224º). Este prolongamento de prazos teve a ver com a ponderação de que, neste tipo de obras, a percepção dos defeitos se alonga temporalmente, pelo que se entendeu como adequado permitir ao dono da obra denunciar os diversos efeitos que ao longo do tempo vai conhecendo. </font><br>
<font> A questão dos prazos é, porém, irrelevante para o caso vertente, visto que a discussão que se desenvolveu e se desenvolve, é alheia a essa circunstância.</font><br>
<font> Como se viu, o regime especial do art. 1225º </font><u><font>ressalva a aplicação do disposto nos arts. 1219º e segs</font></u><font> (nº 1 da disposição). Pode, assim, o dono da obra, nas circunstâncias previstas nesses artigos, exigir a eliminação dos defeitos, a reconstrução da obra, a redução do preço ou a resolução do contrato. Poderá ainda, enquanto não se esgotarem os prazos fixados no art. 1225º nº 1, obter a indemnização pelo prejuízo que tenha sofrido (neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela – Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, pág. 826, Vaz Serra – BMJ 146, págs. 108, 112 e João Cura Mariano – Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2ª edição págs. 180 e 181).</font><br>
<font> Para o que aqui interessa, estabelece o art. 1221º e no que diz respeito à eliminação dos defeitos de uma obra que “</font><i><font>se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem direito a exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção</font></i><font>”.</font><br>
<font> Sem dúvida de maior, face aos factos dados como provados, concluiu-se que os defeitos que a obra apresenta são graves e estruturais, contendem com a segurança do prédio, razão por que as instâncias, de modo correcto, decidiram que esses defeitos eram insusceptíveis de serem eliminados, requerendo uma nova construção (veja-se os factos mencionados nas als. M), N), O), P) que provocaram os defeitos referidos em J) e T), imperfeições que colocam em causa a consistência e segurança do edifício – al. S)-).</font><br>
<font> Veio o recorrente, primeiro na Relação e agora nesta instância, ao abrigo do nº 2 do art. 1221º, sustentar existir uma desproporção entre as despesas a efectuar e o proveito que obteve. </font><br>
<font> Para tal defende, como já se disse, que as despesas, à data da p.i. -2001, segundo os próprios A.A., seria de 20.000.000$00, sendo que o custo da casa fora de 11.000.000$00. Acresce que está provado nos autos que a casa dos AA. é geminada com a do vizinho e a destruição de uma implica a do outro, acrescendo ainda as despesas com a demolição e a destruição lógica do r/chão, sendo que só para cumprir a sentença seria preciso gastar mais de 150.000,00 €, sem contar com o R/Chão que ficará desfeito e a casa do lado, geminada podendo tudo chegar a 300.000,0 €.</font><br>
<font> O nº 2 do referido art. 1221º estipula que “</font><i><font>cessam os direitos conferidos no número anterior se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito</font></i><font>”. </font><br>
<font> Sucede que os factos em que o recorrente sustenta a sua argumentação, não fazem parte da factualidade dada como assente. Mais, compulsando os articulados, especialmente a contestação, verifica-se que em relação a tal matéria o demandado nada alegou, não tendo estribado a sua defesa no dispositivo que agora invoca. Como o próprio acórdão recorrido salientou esta sua defesa é matéria nova, motivo já de si suficiente para se considerar a sua posição impertinente. É que, como se sabe, os recursos visam a reapreciação de questões já submetidas a apreciação no tribunal recorrido e não criar decisões sobre matéria nova (neste sentido vai a jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal – entre outros, Ac. do STJ de 3-2-2004 </font><i><font>in </font></i><font>www</font><i><font>.</font></i><font>djsi.pt/jstj.nsf). Nesta conformidade não é lícito, no âmbito do recurso, invocar questões que não tenham sido suscitadas no tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> e que, por isso, não tenham sido objecto da decisão recorrida. Ao tribunal de recurso, só cabe, pois, apreciar as questões decididas pelo tribunal hierarquicamente inferior. Só assim não será relativamente às questões de conhecimento oficioso, para o conhecimento das quais, o tribunal de recurso tem competência. Além de ser questão nova, a matéria em causa não constitui, obviamente, matéria do conhecimento oficioso, razão por que não poderia o Tribunal pronunciar-se sobre ela.</font><br>
<font> Confirma-se, assim, a posição assumida na Relação sobre o assunto.</font><br>
<font> Mas mesmo que assim não fosse, acrescentaremos que competia ao R. a prova, como ex | [0 0 0 ... 0 1 0] |
UDKnu4YBgYBz1XKvVyhm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - “Sociedade AA, Lda.” intentou, em 31.03.2009, acção declarativa ordinária contra “BB – Investimentos Imobiliários, Lda.” e CC, pedindo que fosse reconhecida a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré, declarando-se o mesmo como não escrito e de nenhum efeito e que seja cancelada a inscrição da aquisição da propriedade dos prédios objecto de compra e venda a favor da 1ª Ré.</font><br>
<font>Alegou, em resumo, que em 13.03.2009 foi outorgada escritura pública de compra e venda entre a Autora, que figura nesse acto como representada pelo Réu CC, outorgando na qualidade de gerente, e a Ré, nos termos da qual esta comprou àquela sete prédios. Porém, o Réu CC não era gerente da A. nem detinha poderes de representação da mesma, sendo que a invocada qualidade teve por base um substabelecimento sem reserva, por parte de DD, dos poderes de representação que a este haviam sido conferidos pela sociedade “T......I...... B.V.”, titular de 100% das participações sociais na Autora, apesar de a procuração não conferir poderes ao mandatário para representar a mandante nas assembleias gerais das suas participadas, nem poderes para se nomear gerente da A., nem para substabelecer.</font><br>
<br>
<font> Após ter sido apresentada contestação pela Ré “BB”, foi apresentado requerimento, em nome da Autora, subscrito por mandatária judicial, instruído com procuração forense emitida em nome da Autora e assinada pelo Réu CC, em 29/12/2009, outorgando na qualidade de “gerente com poderes para o acto” e conferindo poderes especiais para desistir dos pedidos formulados na acção.</font><br>
<br>
<font> Na sequência do requerido, foi proferida sentença, por via da qual foi julgada válida a desistência do pedido.</font><br>
<br>
<font>A Autora, impugnou a decisão, mediante recurso de apelação, que obteve procedência, em consequência do que foi revogada a sentença e determinado o prosseguimento do processo.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A Ré “BB, Lda.” interpõe agora recurso de revista para pedir a revogação do acórdão, reconhecendo-se como plenamente válido o substabelecimento em favor do Réu e como válida a desistência do pedido, ou, subsidiariamente, que se sustenha a decisão sobre esta questão até à decisão de fundo que há-de vir a ser tomada pelo Tribunal da Relação de Évora.</font><br>
<br>
<font> Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação que apresentou:</font><br>
<font>I – A questão essencial e a que subjazem todas as demais é a do controlo da sociedade T......I...... B.V. na medida em que:</font><br>
<font>a. esta entidade de direito holandês era a única acionista da G......, SGPS, S. A., que por sua vez controlava integralmente a autora; </font><br>
<font>b. se discute se devem prevalecer os poderes conferidos por essa sociedade T......I...... B. V. ao seu acionista ultra-maioritário (o Sr. DD, titular de 90% do seu capital social), ou os poderes exercidos em nome daqueIa contra este (incluindo a revogação daqueIes poderes, em 17 de março de 2009) por parte de um seu auto-denominado Conselho de Administração. </font><br>
<font>II - Os documentos juntos aos autos, e designadamente o Doc. 4 mencionado peIa autora a fls. 150 e 163 (Conclusão 23), comprovam que, até 12 de novembro de 2009, o Sr. DD era detentor de 90% das ações da T......I...... B. V. </font><br>
<font>I I I - O que foi igualmente admitido peIa autora, que foi quem juntou ao processo o referido documento, comprovativo dessa transação (o que é reIevante, caso a autora pretenda - através do incumprimento do compromisso de tradução assumido - evitar que o tribunal tenha em conta esse documento em língua estrangeira). </font><br>
<font>IV - A procuração que a sociedade controlada pelo Sr. DD lhe conferiu em 24 de junho de 2008 não podia, portanto, ter sido revogada em 17 de março de 2009 contra o seu consentimento, uma vez que era passada no seu interesse (art. 265°, n.º 3 CC). </font><br>
<font>IV - E o seu sub-estabelecimento cor respondeu à sua vontade e interesse, ta I como resuItante do conteúdo da reIação jurídica subjacente (art. 264°, n° 1 CC, in fine). </font><br>
<font>V - o deferimento de uma providência cauteIar (por insuficiência de representação do réu CC) apenas impede que este fique transitoriamente impedido de Invocar a sua condição de gerente da sociedade. De modo aIgum se repercute no exercício de poderes que não pressupõem esse estatuto de gerência. </font><br>
<font>VI - Tendo em conta que o fundamento essencial da decisão recorrida foi a revogação da procuração conferida ao Sr. DD, e que esta não podia ter ocorrido (por ter sido passada também no seu interesse, atento o seu comprovado controlo da T......I......, B. V.), e que, atenta a natureza da reIação subjacente, era juridicamente admissível o subestabeIecimento, a decisão recorrida assentou num défice de informação que importa corrigir, </font><br>
<font>VII Não deixa de ser significativo que, muito embora tenha anteriormente clamado contra a intervenção processual do réu no sentido de pôr termo à demanda (instruindo a autora para desistir da ação), a procuração forense que a autora finaImente juntou aos autos tenha uma data posterior à alienação da participação de controle do Sr. DD na T......I......, B. V. </font><br>
<font>VIII - Só que, pelo facto de se ter obtido a total idade do capital da T......I...... B. V. em novembro de 2009, não se pode evidentemente - pôr em causa as alienações de património feitas por uma sua controlada em março de 2009.</font><br>
<br>
<br>
<font> A Recorrida respondeu em apoio do julgado e pediu a condenação da Recorrente por litigância de má fé.</font><br>
<br>
<font>2. - Em causa neste recurso, como começa por reconhecer a Recorrente, está a </font><b><font>questão</font></b><font> única de saber se aquando da apresentação da desistência do pedido, CC, também Réu na acção, tinha ou não poderes de representação da Autora.</font><br>
<br>
<font>3. - A Relação considerou assente a </font><b><font>factualidade</font></b><font> que segue, resultante de prova documental junta aos autos:</font><br>
<br>
<font> 1) O réu CC foi nomeado gerente da autora na assembleia geral desta que teve lugar em 02.03.2009, nomeação essa que foi objecto de registo, pela (acta de fls. 49 a 51 e certidões de fls. 114 e sgs e de fls. 228 e sgs);</font><br>
<font> 2) Nessa assembleia foram destituídos da gerência os então gerentes EE, FF e JJ (documentos já referidos); </font><br>
<font> 3) A sociedade G...... - SGPS, S.A. é detentora da totalidade das quotas da autora (referida certidão); </font><br>
<font> 4) A G...... intentou, em 20.03.2009, contra a ora autora, no 4º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa (procº. nº. 436/09.1TYLSB-A) procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais tomadas na dita assembleia geral de 02.03.2009 (certidões já referidas); </font><br>
<font> 5) Por decisão de 26.03.2010, ali proferida, foi determinada a suspensão da execução das deliberações tomadas nessa assembleia, decisão essa que foi igualmente objecto de registo (certidão de fls. 228 e sgs);</font><br>
<font> 6) Entretanto a G...... intentou acção contra a sociedade autora, acção essa igualmente objecto de registo, que se encontra pendente, e na qual a ali autora pede que sejam declaradas nulas as deliberações tomadas na dita assembleia geral; </font><br>
<font> 7) A presente acção deu entrada em 31.03.2009 (fls. 30); </font><br>
<font> 8) O requerimento de desistência dos pedidos deu entrada em 30.12.2009 (fls. 134).</font><br>
<font> 9) O réu CC, conforme se alcança da respectiva acta, interveio na referida assembleia geral da autora de 02.03.2009 (vide fls. 49 e sgs), sendo (por ele) nomeado gerente, invocando “poderes legais para o acto de representação da única sócia G...... SGPS, S.A.”;</font><br>
<font> 10) Tal representação teve por base o substabelecimento a que se refere o documento de fls. 65 e seguintes, com base na procuração a que alude o documento de fls. 59 e seguintes;</font><br>
<font> 11) Com efeito, por procuração de 24.06.2008, a T..... I......... BV nomeou seu mandatário DD, conferindo-lhe poderes, para além do mais, para a representar em qualquer assembleia geral de accionistas das sociedades G...... SGPS, SA. </font><br>
<font> 12) E, por substabelecimento de 18.02.2009, o referido DD substabeleceu, sem reservas, no réu CC todos os poderes que lhe foram conferidos por T......I...... BV.</font><br>
<font> 13) Por deliberação do Conselho de Administração da T......I...... BV de 17 de Março de 2009, foi revogada a dita procuração de 24 de Junho de 2008, referida em 11) supra, na qual DD havia sido designado como representante legal da sociedade, assim como os substabelecimentos por ele outorgados, “nomeadamente o dito substabelecimento de 18.02.2009, referido no número anterior, onde os poderes de representação foram delegados a CC”.</font><br>
<br>
<font>4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font>4. 1. - A Recorrente apresenta-se a defender, em primeiro lugar, que a procuração conferida a DD, ao abrigo da qual, mediante substabelecimento, agiu o (Réu) CC, invocando representação da Autora, não podia ter sido revogada, em Março de 1999, contra o seu consentimento, uma vez que era passada no seu interesse (do Mandatário DD), então detentor de 90% das acções da Mandante.</font><br>
<font>Depois, rebatendo o segundo fundamento invocado pela Relação, sustenta que o deferimento do procedimento cautelar que suspendeu a deliberação pela qual CC foi nomeado gerente da Autora não se repercute no exercício de poderes que não pressupõem esse estatuto de gerência.</font><br>
<br>
<font>Na decisão impugnada considerou-se que</font><font> “conforme se alcança da factualidade enunciada, (…), </font><b><font>os poderes de representação da sociedade autora, por parte do réu CC</font></b><font>, com base nos quais interveio na assembleia geral da autora de 02.03.2009 (independentemente de tais poderes serem bastantes para a destituição da anterior gerência e para a sua nomeação como gerente único – questão essa que, conforme atrás referido, tem a ver com o mérito da causa) </font><b><font>tiveram por base o substabelecimento (em 18.02.2009), por parte de DD, dos poderes de representação a este conferidos pela T......I...... BV, em 24 de Junho de 2008. </font></b><br>
<font>Todavia o certo é que </font><b><font>tais poderes de representação (relativos quer à procuração, quer ao substabelecimento) vieram a ser revogados pelo Conselho de Administração da T......I...... BV de 17 de Março de 2009.</font></b><br>
<font>Tal significa que, a partir dessa data, o réu CC, deixou de ter poderes de representação da autora.</font><br>
<font>Assim e porque o requerimento de desistência dos pedidos deu entrada em juízo em data posterior (30.12.2009) a outra conclusão se não poderá chegar que não seja a de considerar que </font><b><font>o réu CC, quando em 29 de Dezembro de 2009 emitiu procuração a favor da Exma Dra. (…) com base na qual foi apresentado o requerimento (fls. 134) de desistência dos pedidos, </font></b><b><u><font>já não tinha poderes de representação da autora.</font></u></b><br>
<font>E assim sendo, face a tal falta de poderes de representação, </font><b><font>não podia tal requerimento de desistência dos pedidos ser tido, para os devidos efeitos, como válido e eficaz.</font></b><font>”</font><br>
<br>
<br>
<font> </font><font>4. 2. - A Recorrente invoca, como referido, a irrevogabilidade da procuração, porque passada no interesse do procurador.</font><br>
<br>
<font> Trata-se de questão não colocada e, consequentemente, não apreciada na decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font> Apesar disso, perante a natureza e desenvolvimentos, de facto e de direito, verificados no recurso e respectivo objecto, em que tudo surge, no essencial, tratado </font><i><font>ex novo</font></i><font> pela Relação, apreciar-se-á o problema proposto, tanto mais que se está perante a averiguação dos termos em que deve valer a procuração à volta da qual giram as questões de direito processual e substantivo suscitadas nos autos. </font><br>
<br>
<font> Como estabelece o art. 265º-2 C. Civil, a procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação. Porém, se tiver sido conferida também no interesse do mandatário ou de terceiro, a procuração não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa – n.º 3 do mesmo artigo. </font><br>
<font> </font><br>
<font>A procuração junta aos autos, a que aludem os pontos de facto 10) a 12) consta de um escrito particular emitida pelo administrador único da “T......I...... B.V.”, nomeando seu Mandatário DD “para, individualmente, representar a Mandante” nos actos que enuncia, dela constando ser “válida por um ano de calendário a contar da data da emissão, ou em data anterior, caso o presente documento seja revogado pela sociedade”.</font><br>
<br>
<font>Ora, antes de mais, deve notar-se que as procurações conferidas também no interesse do procurador devem ser lavradas por instrumento público, do mesmo passo que as que confiram poderes gerais de administração civil ou de gerência comercial, para fins que envolvam confissão, desistência ou transacção em pleitos judiciais, ou representação em actos que devam realizar-se por escritura pública ou para cuja prova seja necessário documento autêntico, devem ser conferidas, no mínimo, por documento autenticado por notário, estando os respectivos substabelecimento sujeitos à mesma forma – art. 116º C. Notariado.</font><br>
<br>
<font>O requisito de forma,</font><font> </font><font>exigido pelo n.º 3 desse art. 116º para as procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro, nada refere ou esclarece sobre a necessidade de constar do instrumento público a declaração relativa ao interesse do procurador.</font><br>
<br>
<font> </font><font>Assim, tem-se entendido que a existência ou não do interesse do mandatário ou de terceiro, que deva ter-se por relevante para efeitos da irrevogabilidade do mandato, não decorre pura e simplesmente de uma tal declaração constar ou não da procuração, antes havendo que apreciar, designadamente por via interpretativa, se concreta e efectivamente ela foi conferida no interesse do mandatário (ou de terceiro), pois que “a concessão da representação voluntária tem de ter um fundamento, uma relação que lhe subjaz, mas com ele não se confunde. Seja ele uma relação de mandato (a representação não é essencial ao mandato) seja outra relação, nem a representação é este fundamento nem este é aquela” (Ac. STJ, de 3/6/1997, </font><i><font>BMJ</font></i><font>- 468º-361).</font><br>
<font> </font><br>
<font>No caso sob apreciação, seja pelo conteúdo dos poderes conferidos, seja para efeito da ora pretendida irrevogabilidade, a procuração estava submetida por lei a determinada forma.</font><br>
<font>Trata-se de formalidade não destinada apenas a fazer prova da declaração, antes pretende garantir a ponderação, além de colaborar na formação da vontade do representado, devendo, por isso, considerar-se o cumprimento do preceituado no art.º 116º do C. N. uma formalidade </font><i><font>ad</font></i><font> </font><i><font>substantiam</font></i><font> (cfr. CALVÃO DA SILVA, “Procuração”, in ROA – 2007-II-731/753).</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, porque desrespeitada a forma legal exigida para o negócio jurídico unilateral que é a procuração, a mesma é inválida, designadamente para efeitos de se poder buscar nela, por interpretação, nos termos dos arts. 236º e 238º C. Civil, o interesse do mandatário, pela óbvia razão de válidas não serem as declarações de vontade constantes do escrito particular – art. 220º C. Civil. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acresce que, mesmo que assim não fosse, isto é, ainda que não se revelassem contrariadas as razões da forma especial exigida, não se vislumbra no texto do documento a mínima expressão, ainda que imperfeita, no sentido de a vontade do declarante ir no sentido daquele interesse, tutelado com a irrevogabilidade unilateral.</font><br>
<font>Bem pelo contrário, do texto do documento constam, como descrito expressões a apontar em sentido diferente do defendido pela Recorrente como a alusão a poderes conferidos «individualmente», à fixação de um prazo preciso de validade da procuração e ainda (sobretudo) à expressa previsão de poder ser «revogado pela sociedade», ou seja, unilateralmente, antes de decorrido o prazo de caducidade de um ano.</font><br>
<br>
<font>Nada autoriza, assim, que se qualifique a procuração como outorgada no interesse do procurador ou mandatário, pelo que, valendo a regra geral da liberdade de revogação prevista no art.º 265 nº2 do C. Civil, não há fundamento para retirar eficácia à revogação quer da procuração quer do substabelecimento dos poderes nela contidos, como considerado no acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font> Nesta conformidade, nada mais resta que reiterar a conclusão da Relação no sentido de que com a revogação dos poderes conferidos pela procuração, em 17 de Março de 2009, deixou CC de ter poderes de representação da autora, ausência de poderes que se mantinha quando, em 29 de Dezembro de 2009, emitiu a procuração forense com base na qual foi apresentado o requerimento de desistência dos pedidos, e que decorria também de ter decorrido o prazo de caducidade da procuração nela própria fixado.</font><br>
<br>
<font>4. 3. - Reportando-nos, agora, especificamente ao caso da desistência do pedido na acção, haverá que convocar a norma do art. 297º CPC, a estabelecer que os representantes das pessoas colectivas só podem desistir nos precisos limites das suas atribuições ou precedendo autorização especial. </font><br>
<font>A desistência do pedido tem como efeito, de resto declarado na decisão da 1ª Instância, a extinção do direito que se pretendia fazer valer, ou seja, a relação de direito material em litígio (art. 295º CPC).</font><br>
<br>
<font>Ora, através da acção a A. pretende recuperar bens imóveis que foram alienados em seu nome, alegadamente sem poderes de representação.</font><br>
<font>A desistência de tais pedidos implica, como consequência directa e necessária, a perda definitiva dos prédios a favor do comprador, a Ré, vale dizer, a disposição do respectivo direito de propriedade.</font><br>
<br>
<font>Daí as cautelas acolhidas no citado art. 297º, a remeter para o regime substantivo regulador da representação, no caso, a norma do n.º 2 do art. 246º do CSC, a atribuir aos sócios, que não apenas à gerência, a competência para deliberar sobre a alienação ou oneração de imóveis, salvo diversa disposição do pacto social.</font><br>
<br>
<font>Assim, nada dispondo em especial sobre a matéria os “Estatutos” da Autora, juntos com a petição inicial, torna-se incontornável concluir que, dada a natureza dos direitos em lide e seus efeitos patrimoniais sobre a Sociedade Autora, jamais poderia CC, mediante simples invocação da qualidade de gerente, reclamar poderes de representação social sem demonstrar estar autorizado pela assembleia geral da A. para, mediante desistência, dispor do direito cujo reconhecimento fora peticionado (cfr., neste sentido, LEBRE DE FREITAS, “</font><i><font>CPC, Anotado</font></i><font>”, vol. 1º, 527). </font><br>
<br>
<br>
<font>Não poderia, por isso, o requerimento de desistência do pedido ser tido, como foi, “pela qualidade do interveniente”, julgada válida, não merecendo censura a decisão que revogou tal decisão.</font><br>
<br>
<font> 4. 4. - A solução encontrada dispensa a apreciação do segundo fundamento, ou sub-questão, relativo às consequências da providência cautelar sobre os poderes do (Réu) CC, pronúncia que se tem por prejudicada, nos termos do n.º 2 do art. 660º CPC.</font><br>
<br>
<font>4. 5. – A Recorrida pede a condenação da Recorrente como litigante de má fé, por fazer afirmações de conteúdo não verdadeiro, não sendo o recurso mais que uma manobra dilatória</font><font>.</font><br>
<br>
<font>As afirmações de factos que a Recorrida qualifica de inverdades, sem pudor e risíveis dizem respeito a questões cuja apreciação não cabe no âmbito deste recurso e cuja veracidade ou falsidade, no confronto com a matéria de facto disponível - que este Tribunal não pode alterar -, não se conhece.</font><br>
<font> </font><br>
<font>No mais, ao menos em face da solução adoptada para a questão colocada no recurso, estar-se-á perante erros de natureza puramente técnico-jurídica que, enquanto tais, também não permitem imputar à Parte as condutas tipificadas no n.º 2 do art. 456º CPC, designadamente por preenchimento da previsão das suas alíneas a) e b), a título de dolo ou negligência grave.</font><br>
<br>
<font> De desatender, portanto, a pretensão manifestada.</font><br>
<br>
<font> 5. - Respondendo, em síntese final, à questão colocada poderá concluir-se:</font><br>
<br>
<font>- A procuração conferida também no interesse do procurador deve ser lavrada por instrumento público.</font><br>
<font>- Trata-se de exigência ou requisito de forma que deve considerar-se uma formalidade </font><i><font>ad</font></i><font> </font><i><font>substantiam.</font></i><font> </font><br>
<font>- Se desrespeitada a forma legal exigida para o negócio jurídico unilateral que é a procuração, a mesma é inválida para efeitos de se poder buscar nela, por interpretação, o interesse do mandatário, por válidas não serem as declarações de vontade constantes do escrito particular. </font><br>
<font> - Não qualificada a procuração como outorgada no interesse do procurador ou mandatário, vale a regra geral da liberdade de revogação, quer da procuração quer do substabelecimento dos poderes nela contidos.</font><br>
<font> - Nada dispondo em especial sobre a matéria os “Estatutos” de uma sociedade comercial por quotas, não pode uma pessoa, mediante simples invocação da qualidade de gerente na procuração forense, desistir validamente do pedido em que a sociedade pretende ver declarada a ineficácia da alienação de imóveis do seu património, reclamando poderes de representação social sem demonstrar estar autorizado pela assembleia geral da sociedade para, mediante desistência, dispor do direito cujo reconhecimento fora peticionado.</font><br>
<br>
<font>6. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>Nesta conformidade, acorda-se em:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Manter, embora com fundamentos não totalmente coincidentes com os do acórdão recorrido, a decisão impugnada; e,</font><br>
<font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 25 Outubro de 2011 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Garcia Calejo</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UDKuu4YBgYBz1XKvry73 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div></div><u><font>Relatório</font></u><br>
<div><br>
</div><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria,</font><br>
<u><font>M... </font></u><font>– </font><u><font>Sociedade de Abate,</font></u><font> </font><u><font>Comercialização</font></u><font> e </font><u><font>Transformação de Carnes e Subprodutos, S.A,</font></u><br>
<font>Instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra </font><br>
<u><font>M...-B.C.P</font></u><font> – </font><u><font>Banco Comercial Português, S.A,</font></u><br>
<font>Alegando em resumo:</font><br>
<font>- No exercício da sua actividade a A. vendeu à sociedade Salsicharia S...V... Lda., diversos produtos, remetendo-lhe, depois as respectivas facturas;</font><br>
<font>-Para pagamento das facturas ... a Ré emitiu o cheque nº ..., no valor de 7.873.00€, datado de 2006/11/10;</font><br>
<font>-Para pagamento da factura ... e ..., emitiu o cheque nº ... no valor de 7.102.00€, datado de 2006/11/17;</font><br>
<font>-Para pagamento das facturas ..., ... e ..., emitiu o cheque nº ..., datado de 2006/11/28;</font><br>
<font>-Os referidos cheques foram apresentados a pagamento no prazo legal de 8 dias, ou seja, respectivamente em 15/11/2006, 21/11/2006 e 29/11/2006, mas foram devolvidas em 16/11/2006, 22/11/2006 e 30/11/2006, sem pagamento e com a seguinte certificação:</font><br>
<font>- cheque ... “ Falta ou vício na formação da vontade”;</font><br>
<font>-cheque ... – “Coacção moral”;</font><br>
<font>- cheque ... – “Coacção moral.”</font><br>
<font>- Contactada a Ré sobre a razão da recusa de pagamento, pela mesma foi dito que a devolução resultou de instruções expressas do titular da conta, através de revogação efectuada em tempo útil, junto dos seus serviços.</font><br>
<font>-Ora, tendo a Ré recusado o pagamento dos cheques com fundamento em revogação efectuada pelo titular da conta dentro do período de apresentação a pagamento, tal recusa foi ilícita nos termos do Art.º 32 da L.U.C.H., já que, segundo tal preceito “a revogação do cheque só produz efeitos depois de findo o prazo de apresentação...” que, no caso, era de 8 dias.</font><br>
<font>- Em consequência desse acto ilícito a A. viu-se privada dos valores titulados pelos cheques, desde o momento da apresentação a pagamento, ficando, assim, e nessa medida prejudicada, prejuízo que à data da acção computa em 25.709.59€ (já incluindo os juros vencidos).</font><br>
<font>Pede, por isso, a condenação da Ré a pagar-lhe a referida quantia de 25.709.59, acrescida dos juros que entretanto se venceram.</font><div></div><font>Contestou a Ré.</font><br>
<font>Alegou resumidamente:</font><br>
<font>- O sacador dos cheques ordenou ao banco expressamente, por escrito, que não pagasse os cheques dos autos, por falta, ou vício na formação da vontade, como consta dos documentos juntos aos autos;</font><br>
<font>O que significa que ordenou a revogação dos cheques por justa causa, situação que não tem a ver com o Art.º 32 da L.U.CH, que se refere à ordem pura e simples (não justificada) de não pagamento dos cheques;</font><br>
<font>- Existindo situações que obstem ao pagamento do cheque, como sejam a falsificação, o furto, o extravio, a coacção moral ou outros vícios na formação da vontade, o sacador pode e deve ordenar ao sacado que não pague o cheque, invocando justamente o motivo da proibição.</font><br>
<font>- Tendo ocorrido tal situação, o sacado não pode deixar de cumprir a ordem de proibição de pagamento recebida do sacador, sendo nesse sentido a instrução do Banco de Portugal nº 125/96.</font><br>
<font>- Portanto, a Ré não pode ser responsabilizada pelo portador dos cheques pelo seu não pagamento;</font><br>
<font>- E se porventura a informação do sacador, apresentada como justificação para o não pagamento do cheque for falsa, a responsabilidade é integralmente dele, sacador, que incorrerá no crime previsto na alínea b) do nº1 do Art.º 11 do D.L. 454/91 de 29/12.</font><div><font>e</font></div><font>Replicou a A., mas tal articulado foi tido por inadmissível, por despacho transitado.</font><div></div><font>Foi então proferido saneador-sentença, que, conhecendo do mérito, julgou a acção improcedente, essencialmente por entender que o banco agiu dentro do regime vigente, uma vez que a proibição do pagamento foi justificada pelo sacador por escrito, com um dos fundamentos constantes das instruções do Banco de Portugal.</font><div></div><font>Inconformada recorre a A. para a Relação de Coimbra e com êxito, visto que, conhecendo da apelaçã, o a Relação julgou a acção procedente, revogando a sentença recorrida, fundamentando-se essencialmente na jurisprudência uniformizada pelo recente acórdão deste Supremo Tribunal de 28/2/2008 (Ac. nº4/2008, publicado em 4/4/2008).</font><br>
<font>É agora a Ré, que, inconformada recorre de revista para este S.T.J.</font><div></div><u><font>Conclusões</font></u><div></div><font>Oferecidas tempestivas alegações, formulou a Ré recorrente as seguintes conclusões:</font><br>
<div><u><font>Conclusões </font></u><font>da </font><u><font>Revista </font></u><font>da </font><u><font>Ré</font></u><br>
</div><br>
<br>
<font>1-A douta decisão recorrida é juridicamente inaceitável, por contrária ao direito constituído e por alheia à orientação jurisprudencial uniformizadora vertida pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font>2-A Veneranda Relação de Coimbra distanciou-se a passos largos de qualquer motivação legal atendível, tendo interpretado de forma sui generis o conceito de revogação por justa causa e verificação dos seus pressupostos legais de aplicação.</font><br>
<font>3-Duas questões são colocadas à apreciação do Supremo Tribunal de justiça: primo, se o Banco Recorrente, dentro do período da respectiva apresentação, podia recusar o pagamento dos cheques dos autos, com base numa ordem de revogação dada pelo sacador do cheque, por invocação de coacção moral ou de outro vício na formação da vontade e se ao ter recusado tal pagamento praticou um acto ilícito; secundo, se o Banco Recorrente agiu com culpa, mesmo quando actuou em conformidade, com o Regulamento do Sistema " ' de Compensação Interbancária, que prevê sua revogação de cheques, dentro do seu prazo de apresentação, com base em justa causa. </font><br>
<font>4-No apuramento da existência de responsabilidade civil extracontratual por revogação de cheques operada dentro do prazo legal de apresentação, há que distinguir a revogação pura e simples da revogação justificada, nomeadamente por vicio na formação da vontade.</font><br>
<font>5-É unânime na jurisprudência que se um Banco se recusar a pagar um cheque, no período da respectiva apresentarão, com base numa ordem de revogação pura e simples, feita pelo sacador, tal recusa é ilícita por violadora do artigo 32° da LUCH, podendo o Banco recusante vir a ser responsabilizado civilmente pelos danos gerados pela referida recusa, assim estejam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (artigo 483°).</font><br>
<font>6-É perfeitamente claro e liquido na melhor jurisprudência que, se tal recusa estiver fundada numa ordem de revogação por motivo de vicio na formação da vontade, invocado expressamente pelo sacador, dentro do prazo legal de apresentação, tal não consubstancia nenhum acto ilícito e por isso tal recusa não é geradora de responsabilidade civil extracontratual (vide acórdão uniformizador da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça publicado em 29 de Abril de 2008).</font><br>
<font>7-Os casos de revogação por invocação de vicio na formação da vontade exorbitam a previsão do artigo 32° da LUCH, não decorrendo deste normativo qualquer obstáculo à recusa do pagamento de cheques pelo banco sacado, com base em justa causa.</font><br>
<font>8-Dos autos resulta que estamos perante uma ordem de revogação por justa causa, e que foi no estrito cumprimento dessa ordem expressa dada pelo sacador dos cheques dos autos que o Banco Recorrente recusou o seu pagamento.</font><br>
<font>9-0 Banco Recorrente não tinha nem o direito nem o dever de se opor à ordem de revogação conferida pelo sacador, antes pelo contrário, ao Banco cabia o dever de cumprir a ordem de revogação, desde que aquela estivesse de acordo com as instruções e boas práticas bancárias.</font><br>
<font>10- O Banco Recorrente cumpriu expressamente a instrução n. ° 25/2003 - n.° 20.1 constante do regulamento do Banco de Portugal, - isto é, verificou que a ordem de revogação dada pelo sacador do cheque o foi de forma expressa, concreta e motivada, mediante declaração escrita, dentro do prazo legal de apresentação, pelo que os cheques dos autos tomaram no seu verso a indicação do motivo invocado.</font><br>
<font>11- O Banco Recorrente verificou que estavam reunidos material e formalmente todos os requisitos para que pudesse considerar tal ordem de revogação válida e eficaz.</font><br>
<font>12-A recusa do pagamento dos cheques por banda do Recorrente fez-se à luz da lei, das boas práticas bancárias e de forma totalmente consentânea com o Regulamento do Banco de Portugal.</font><br>
<font>13- A revogação operada nos autos não tem previsão no escopo do artigo 32° da LUCH, pelo que não é passível à luz de tal normativo a recusa do pagamento dos cheques operada pelo Banco Recorrente ser considerada ilícita.</font><br>
<font>14- Foi em prol e na estrita aplicação dos normativos e instruções vigentes, mormente no cumprimento de um dever que lhe é imposto, legal e contratualmente, que o Banco recusou o pagamento dos cheques dos autos.</font><br>
<font>15- O Banco ao ter cumprido a ordem de revogação dos cheques dada pelo sacador dos mesmos, dentro do prazo de apresentação, teve um comportamento lícito e adequado.</font><br>
<font>16- O douto acórdão recorrido mostra-se ferido de ilegalidade, por violação do artigo 32° da LUCH e dos artigos 483° e 1170o" do código Civil, quando a Veneranda Relação de Coimbra subsumiu o caso sub judice à previsão do artigo 32° LUCH e concluiu que o Banco Recorrente praticou acto ilícito ao recusar o pagamento dos cheques.</font><br>
<font>17-Mesmo que assim se . não entendesse, a responsabilidade extracontratual do Banco Recorrente não se chegou a verificar por falta do requisito culpa.</font><br>
<font>18-0 Recorrente ao ter devolvido os cheques dos autos com a menção " coacção moral" e "falta ou vicio na formação da vontade" motivado nas instruções expressas pelo titular da conta e mediante declaração escrita de revogação por falta ou vício na formação da vontade, agiu no estrito cumprimento e em total conformidade com o sistema de Compensação Interbancária (SICOI), mormente de acordo com a instrução n.° 25/2003.</font><br>
<font>19- A formação da decisão de revogação por parte do Banco está isenta de culpa, e não o sujeita a qualquer juízo de censura ou reprovação, em virtude de o seu comportamento ter sido praticado no estrito cumprimento do Regulamento do Banco de Portugal, que está obrigado a cumprir.</font><br>
<font>20-Aliás, foi este o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça in Acórdão Uniformizador de Jurisprudência publicado em 29 de Abril de 2008.</font><br>
<font>21-Andou mal a Veneranda Relação de Coimbra quando, tendo concluído que o Banco não agiu com a diligência de uma pessoa normal, decidiu pela existência de culpa do Banco.</font><br>
<font>22-Tratando-se de responsabilidade civil extracontratual, não há presunção de culpa, pelo que caberia à Autora, portadora dos cheques, a prova da actuação culposa do Banco, o que não fez, não curando de, face à justa causa invocada, alegar e provar a inexistência desta e, consequentemente, a sua qualidade de portadora legítima dos cheques.</font><br>
<font>23-Mesmo entendendo que se mantém em vigor o artigo 14°, 2a parte, do D. 13004, sempre caberia à Autora, que não ao Banco, o ónus de provar a inexistência da justa causa invocada e da sua consequente legitimidade enquanto portadora dos cheques.</font><br>
<font>24-A existir culpa pelo não pagamento dos cheques, teria a mesma de ser apreciada não no tocante ao Banco mas ao sacador dos cheques, o que a própria Autora inviabilizou ao propor a presente acção apenas contra o Banco sacado e não também contra o sacador, não fazendo sequer intervir sacador na acção.</font><br>
<font> 25-0 douto acórdão violou, entre outros, o artigo 32° da LUCH, os artigos 483a e 487° do Código Civil, bem assim o artigo 1170.° do mesmo Código.</font><br>
<br>
<font>Nestes termos deve ser concedido provimento ao presente recurso de Revista e consequentemente ser revogado o douto acórdão recorrido,</font><br>
<font>Só assim se fazendo a costumada</font><br>
<font>JUSTIÇA!</font><div><br>
<font>Não foram oferecidas contra-alegações:</font><br>
</div><br>
<font> </font><u><font>Os FACTOS</font></u><div><br>
<font>Factos que as instâncias tiveram por provados</font><br>
</div><br>
<font>2.1. Factos.</font><br>
<br>
<font>2 .1.1 AA sacou sobre a conta n° ... que é titular no Banco Comercial Português, S.A. e à ordem da Autora M..., os cheques com os n°s ..., ... e ..., respectivamente nos montantes de € 7 873 00, e 7 102,00 e € 9.139,71 e datados de 10-11-2006, 17-11-2006 e 28-11-2006.</font><br>
<font>2.1.2. Tais cheques foram apresentados a pagamento, respectivamente, em 15-11-2006, 21-.1.1-2006 e 29-11-2.006 e devolvidos pelo Réu, respectivamente, nas datas de 16-11-2006, 22-11-2006 e 30-11-2006:</font><br>
<font>- O cheque n° ... com a menção "Falta ou vício na formação da vontade";</font><br>
<font>- O cheque n° ... com a menção '"-Coacção moral" ;</font><br>
<font>- O cheque n° ... com a menção "Coacção moral" ;</font><br>
<font>2.1-3. O Réu não procedeu ao pagamento dos referidos cheques por instruções expressas do titular da conta e mediante declaração de revogação por falta ou vício na formação da vontade.</font><br>
<br>
<u><font>Fundamentação.</font></u><div></div><br>
<font>Como se vê das conclusões, coloca a recorrente duas questões:</font><br>
<u><font>A 1ª</font></u><font> consistirá em saber se a Ré podia recusar o pagamento dos cheques em causa, apresentados dentro do prazo legal de 8 dias, com base numa ordem de revogação dada pelo sacador dos cheques fundada na invocação de “</font><u><font>falta ou vício na formação da vontade”</font></u><font>, e se ao recusar tal pagamento cometeu ou não qualquer acto ilícito.</font><br>
<u><font>A 2ª</font></u><font>, traduz-se em saber se, agindo de acordo com o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancário (que prevê e aceita a revogação do cheque, dentro do prazo de apresentação, com base em justa causa) tal actuação exclui a eventual culpa, a considerar-se ilícita a recusa do pagamento com o dito fundamento.</font><div></div><font>Está provado que AA, emitiu a favor da A. os três cheques acima identificados nos valores respectivamente de 7.873.00€, 7102.00€ e 9.139.71 €.</font><br>
<font>Tais cheques foram apresentados a pagamento no banco sacado, dentro do prazo legal para o efeito (8 dias-Art.º 29 da LUCH) mas foram todos desenvolvidos sem pagamento com a certificação, quanto ao primeiro de “</font><u><font>Falta ou vício na formação da vontade</font></u><font>”, e quanto aos outros dois, por “</font><u><font>Coacção Moral</font></u><font>”, sendo certo que a Ré não procedeu ao pagamento dos ditos cheques por instruções expressas do titular da conta e mediante declaração de revogação por “</font><u><font>falta ou vício na formação da vontade</font></u><font>”, como aliás consta dos doc. de fls. 45, 46 e 47, juntos pela Ré.</font><div></div><font>A A. entende que, pura e simplesmente, se aplica ao caso o Art.º 32 da LUCH, segundo o qual “A revogação do cheque só produz efeitos depois de findo o prazo de apresentação.</font><br>
<font>Se o cheque não tiver sido revogado, o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo”.</font><br>
<font>Assim, apesar da revogação fundada em “Falta ou vício na formação da vontade” o banco sacado estava obrigado a pagar os cheques porque apresentados a pagamento dentro do prazo legal.</font><br>
<font>Ao não fazê-lo, incorreu em responsabilidade para com a A, portadora dos cheques, nos termos do Art.º 483º do C.C. e do Art.º 14 do Dec. 13004.</font><br>
<font>O acórdão recorrido seguiu a doutrina do Ac. deste S.T.J.- Ac. nº4/2008, que uniformizou jurisprudência no sentido seguinte:</font><br>
<font>“Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de um cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no Art.29º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32 do mesmo Diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos Art.ºs 14, segunda parte, do Decreto nº 13004 e 483 nº1 do Código Civil”.</font><br>
<font>No entanto, acrescentou ainda o acórdão recorrido que “Tal recusa só seria legítima na hipótese comprovada de furto, roubo, extravio, coacção moral ou outros situações viciadoras da vontade. Mas, muito embora estejam referidos os vícios de coacção moral e na formação da vontade, como subjacentes á emissão dos cheques, o certo é que estamos perante simples menção de conclusões sem que se aduzam quaisquer factos de onde aqueles se possam inferir”.</font><div></div><font>Ora, embora estas últimas considerações do acórdão recorrido não façam parte do segmento uniformizador do Ac. nº4/2008 o certo é que não há dúvida, perante a sua simples leitura, que nele se distinguiu nitidamente entre a revogação pura e simples do cheque durante o período de apresentação a pagamento e as situações de “revogação” por justa causa, que claramente admitiu, explicitando concretamente que estas últimas situações, “ embora muitas vezes referenciadas como justificando a respectiva revogação, exorbitam do âmbito da previsão do Art.º 32 da LUCH, não decorrendo desta mesma norma qualquer obstáculo à recusa do pagamento de tais cheques pelo sacado” na verdade, nessas situações de justa causa, não se coloca a questão de revogação, havendo antes uma proibição legítima do pagamento do cheque, que não pode ser negada.</font><br>
<font>Convém salientar que as situações ditas de revogação com justa causa, embora tratados no corpo do acórdão uniformizados, não fizeram parte do dispositivo uniformizador porquanto se teve por provado na 1ª instância que “não obstante a justificação escrita no verso dos cheques se referir a revogação com justa causa, nenhum facto foi alegado e muito menos provado que a conseguisse fundamentar. </font><u><font>Ao contrário </font></u><font>o </font><u><font>réu admite que houve uma mera ordem de revogação”.</font></u><br>
<font>Por isso mesmo, o acórdão partiu do pressuposto, que teve por provado: “</font><u><font>o que na verdade se verificou foram meras ordens de revogação o que o sacado deu cumprimento, recusando o pagamento com violação do disposto no Art.º 32º da L.UCH”</font></u><br>
<font>Foi nesta base que se uniformizou jurisprudência no sentido referido, e por isso, não se curou de discutir em profundidade o que deve considerar-se, na vertente de facto, justa causa, que autoriza o sacado a recusar o pagamento sem incorrer em qualquer responsabilidade para com o portador.</font><br>
<font>Postas estas prévias considerações entremos na análise das questões a decidir.</font><div></div><font>Resulta do que já se disse que podem verificar-se duas situações perfeitamente distintas.</font><br>
<font>Uma que se traduz na revogação pura e simples (sem qualquer justificação) do cheque, durante o prazo legal para o pagamento, situação que o Art.º 32 da L.U.CH, sem e proibir, comina com a ineficácia, pelo que, não produzindo efeitos a revogação do sacador, o banco sacado não pode recusar o pagamento durante esse período.</font><br>
<font>Se o fizer está a conferir efeitos a um acto que a lei expressamente diz não os produzir.</font><br>
<font>Quer dizer, nestas situações, a recusa do sacado em pagar o cheque ao portador contraria lei expressa, sendo, pois ilegal.</font><div><font>Outra, em que, verificando-se certas situações concretas como o furto do cheque, o seu extravio ou falsificação ou mesmo qualquer outra situação que afecte a vontade da emissão ou entrega do cheque ao portador, justifica ou legitima à proibição do pagamento transmitida ao banco sacado pelo sacador, e que o banco tem de cumprir, mesmo que a ordem de proibição surja durante o período de pagamento.</font><br>
</div><br>
<font>A primeira foi o alvo essencial da uniformização pelo Ac. nº4/2008.</font><br>
<font>A segunda embora aí referida na fundamentação e diferenciada da primeira, não foi o escopo da uniformização pelas razões que já se deixaram referidas.</font><div></div><font>No caso dos autos, </font><u><font>só aparentemente</font></u><font> estaremos perante uma situação do segundo tipo e, por isso mesmo, concordamos com o acórdão recorrido quer na sua fundamentação quer quanto à decisão a que chegou no caso concreto e, como seria de esperar, aderimos inteiramente à orientação uniformizadora do Ac. nº 4/2008, até porque a subscrevemos inteiramente. </font><br>
<font>Não vamos, pois, aqui repetir argumentos.</font><br>
<font>Todavia, porque algumas questões voltam aqui a ser ventiladas e sobretudo porque é a segunda questão que interessa analisar (revogação com justa causa), impõe-se algumas considerações, ou meramente complementares ou aprofundando mais a questão, tendo em conta o caso concreto.</font><div></div><u><font>Vejamos</font></u><div></div><u><font>Revogação ou não revogação da 2ª parte do Art.º 14 do Decreto 13.004.</font></u><br>
<font>Apesar da controvérsia, que se mantém sobre o assunto, continuamos a pensar que o referido preceito se mantém em vigor, não tendo sido revogado pelo Art.º 32 da LUCH., uma vez que a segunda parte do preceito não contraria de modo algum a disciplina do cheque consagrada na lei internacional, como é perfeitamente conciliável com ela, designadamente com o Art.º 32.</font><br>
<font>Diz-se: mas Portugal não fez qualquer reserva sobre o referido Art.º 32 pelo que não podia manter em vigor a segunda parte do Art.º 14 do D. que regulava, no plano interno, a disciplina jurídica do cheque.</font><br>
<font>Não tem de ser assim.</font><div></div><font>É verdade que ficou consagrado no Art.º 16 a) do Anexo II que “Qualquer das Altas Partes Contratantes, por derrogação do artigo 32 da lei uniforme, reserva-se a faculdade de, no que respeita aos cheques pagáveis no seu território:</font><br>
<font>a) Admitir a revogação do cheque mesmo antes de expirado o prazo de apresentação”</font><br>
<font>......</font><br>
<font>Ora, segundo a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, como, de resto, a doutrina corrente, definem </font><u><font>RESERVA</font></u><font> como sendo “a declaração unilateral, qualquer que seja e sua redacção ou denominação, feita por um Estado ao assinar, ratificar ou aceitar um tratado, ou a ele aderir, </font><u><font>com o objectivo de excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado”.</font></u><br>
<font>Consequentemente, não tendo o Estado Português feito qualquer reserva ao disposto no Art.º 32, é claro que este entrou em vigor no país sem qualquer reserva.</font><br>
<font>Acontece que a 2ª parte do Art.º 14, limita-se a dispor que o sacado não pode recusar o pagamento durante o prazo de apresentação com base na revogação do cheque pelo sacador, revogação à qual, na 1ª parte do preceito, se negava eficácia em termos semelhantes ao que agora se diz no Art.º 32 (1ª parte) da L.UCH.</font><br>
<font>Isto significa que a 2ª parte do Art.º14 não estabelece qualquer regra ou regime que contrarie o Art.º 32 da lei internacional (recebida na ordem interna), antes o complementa já que ambos pretendem proteger o interesse do portador e garantir a credibilização do próprio cheque como meio de pagamento, e fora esse mesmo interesse que esteve na origem do Art.º 32 da L.H., como resulta claro dos respectivos trabalhos preparatórios.</font><br>
<font>Mas então, se a 2ª parte do Art.º 14, não derroga, na ordem interna o regime do Art.º 32, não era necessário que Portugal fizesse qualquer reserva que, não teria, sequer, sentido.</font><br>
<font>A falta de reserva, não impede, portanto, que se mantenha em vigora a 2ª parte do dispositivo, que aliás, como se refere no Assento nº4/2000, contém uma norma materialmente de direito comum – responsabilidade civil extracontratual – e sobre a qual a Convenção se absteve de tratar, para a deixar sob o império exclusivo do direito comum.</font><div></div><font>No sentido da não revogação da aludida 2ª parte do Art.º 14, cof. Adelino da Palma Carlos, Paulo Cunha, Cancela de Abreu, Carlos Pereira e Vasco de Almeida e Silva, designadamente porque “uma lei que contém preceitos conciliáveis com as leis posteriores não pode considerar-se tacitamente revogada por estas”, e porque, tratando-se de uma lei internacional “só se deve considerar revogada por ela a lei interna nos pontos em que haja incompatibilidade entre ambos”.</font><div></div><font>Mas, mesmo a ter-se por revogada a referida 2ª parte do Art.º 14º, não passaria a ser lícito a revogação pura e simples do cheque durante o período da apresentação e julgamento.</font><br>
<font>Durante esse período, a ineficácia da revogação manter-se-ia conforme determina o Art.º 32º da L.H. de modo que o acatamento pelo sacado de uma tal ordem de revogação, e consequente recusa de pagamento continuaria a constituir um acto ilícito por violação directa do Art.º 32 da L.U.</font><br>
<font>Daí a sua responsabilidade extracontratual nos termos gerais de direito comum (Art.ºs 483, 487 do C.C.).</font><div></div><font>Outra solução original proposta por Paulo Olavo Cunha (Cheque e Convenção de cheque), para quem a LUCH revogou a 2ª parte do aludido Art.º 14, parte da ideia central de “que a subscrição cambiária inerente ao cheque se sobrepõe ao acordo que a viabiliza: a convenção estabelecida entre o banqueiro e o seu cliente”.</font><br>
<font>Tal diferenciação de planos, entre o acto e o contrato justificaria os efeitos associados ao incumprimento, designadamente, no que aqui interessa, a responsabilidade do banco perante o beneficiário do cheque, caso se recuse injustificadamente a pagar o cheque.</font><br>
<font>Considera, portanto, o sacado como “</font><u><font>um verdadeiro obrigado cartular ............ , </font></u><font>ainda que a sua situação jurídica passiva esteja condicionada à disponibilidade de fundos que lhe devem ser assegurados pelo sacador.</font><br>
<font>Na realidade, cremos que a solução emergente do Art.º 40 da Lei Uniforme – de que o sacado não se obriga perante o tomador (beneficiário) – é consequência da proibição do aceite (art.º 4º) decorrendo da natureza e credibilidade do próprio sacado.</font><br>
<font>Decisivo nesta questão é o contexto jurídico-legal e factual em que se enquadra sistematicamente o cheque, no qual está omnipresente a tutela da confiança associada à ideia geral de circulação do crédito e, mais concretamente da confiança num meio de pagamento de uso generalizado”.</font><br>
<font>Assim, apesar de o banco sacado não ser co-obrigado cambiário, no sentido de que interveio na relação cartular, nem assinou o cheque, não impede que seja considerado um obrigado cambiário “não carecendo de qualificação expressa como tal, uma vez que, por natureza, não se pode furtar ao pagamento do cheque se dispuser de fundos, não fazendo sentido ser accionável em via de regresso, já que só não paga (i. e., só não é obrigado a pagar) se não existir provisão para o efeito”.</font><br>
<font>Portanto “o banco, não sendo obrigado a pagar à custa dos seus próprios fundos, não deverá voltar a ser interpelado. E tal não resulta do facto de o banco não ser obrigado cambiário, que o é... integrando a cadeia cambiária e sendo sujeito fundamental da mesma, mas essencialmente por ser um obrigado especial, profissional e vinculado a uma provisão que nele (ou junto dele) é constituída precisamente para lhe permitir pagar os cheques que forem sacados por referência à conta bancária que ela consubstancia. Enquanto a provisão subsistir, o banco tem de proceder ao pagamento... não se podendo recusar a pagar, sob pena de responsabilidade civil contratual e extracontratual....... A obrigação cambiária de pagamento que o banco cumpre em função do disposto na Lei Uniforme, é essencial, porque se não o fosse teria de se aceitar que a relação contratual existente com o seu cliente interferisse no cumprimento da obrigação de pagamento decorrente da lei cambiária – Sem essa obrigação legal (e cambiária), o cheque não desempenharia adequadamente a sua função de meio de pagamento...”</font><br>
<font>“O Banco é... um sujeito cambiário neutro, no sentido de que não se poderá afirmar que ele possa interferir valorativamente no pagamento do cheque.</font><br>
<font>Não estando em causa uma questão de vontade, mas de falta de disponibilidades, não faz sentido voltar a confrontar o sacado com a obrigação de pagar algo que não deve”</font><br>
<font>(cof. Obra citada e também, do mesmo autor o parecer publicado nos Cadernos de Direito Privado em comentário ao acórdão uniformizados nº4/2008 de 28/2/2008 – Nº25 – pag. 3 e seguintes).</font><div></div><font>Vai longa a citação mas mostra-se justificada pela novidade da posição assumida pelo autor e para que possa ser minimamente apreendida no essencial do seu sentido.</font><br>
<font>E, embora deva ser submetida a escrutínio da doutrina e da jurisprudência, trata-se de uma tese bem definida e fundamentada na estrutura lógica da LU.CH, em princípio aceitável e sempre de considerar.</font><br>
<font>Portanto e resumindo, </font><u><font>a recusa do sacado em pagar o cheque injustificadamente revogado antes determinar o prazo de apresentação a pagamento, gera responsabilidade extracontratual para o sacado nos termos do disposto no Art.º 483 nº1 do C.C.</font></u><font> e </font><u><font>da 2ª parte do Art.º 14 do D. 13004 </font></u><font>(</font><u><font>para quem entenda que tal preceito está em vigor)</font></u><font> e </font><u><font>também por se tratar do incumprimento pelo sacado do Art.º 32 da L.UCH</font></u><font>, </font><u><font>incumprimento que se traduzirá no incumprimento de uma obrigação cambiária,</font></u><font> </font><u><font>se se aderir à tese acima referida.</font></u><div></div><font>Postas estas prévias considerações há agora que aprofundar a questão de saber quando </font><u><font>deve ter-se por justificada a recusa do pagamento do cheque por parte do sacado, durante o prazo de apresentação a pagamento.</font></u><br>
<font>É, aliás, a questão central colocada na revista.</font><div></div><font>Como se refere no acórdão uniformizados a que temos vindo a aludir e no próprio acórdão recorrido, não haverá dúvidas que o sacado pode recusar o pagamento do cheque ao portador se houver para tal motivo justificado (que ele pode detectar ou dele ser avisado pelo sacador).</font><div></div><font>Ora, tem-se entendido, em geral, que haverá motivo justificado se o cheque foi roubado ou furtado, se se extravia, se foi falsificado ou, em geral, se se encontra na posse de terceiro em consequência de facto fraudulento ou apropriação ilegítima (cof. § único do Art.º 14 do Decreto 13.004 – outra disposição cuja vigência também não é pacífica – e o Art.º 8 nº3 do D.L. 454/91, alterado pelo D.L. 316/97).</font><br>
<font>Mais abrangente, aparece o Reg. do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) – Instrução nº 125/96, que aceita como motivo justificado para a recusa de pagamento do cheque, </font><u><font>além das situações referidas</font></u><font>, </font><u><font>também a coacção moral</font></u><font>, </font><u><font>incapacidade acidental</font></u><font> ou </font><u><font>qualquer situação em que se manifeste falta ou vício na formação da vontade </font></u><font>, exigindo, porém, que o motivo do não pagamento seja indicado pelo sacado no verso do cheque.</font><div></div><font>Quando assim seja, deve o sacador avisar expressamente o sacado para não pagar o cheque, mesmo que apresentado dentro do prazo legal dos 8 dias.</font><br>
<font>Serão estes casos de proibição justificada de pagamento a que muitas vezes se denomina </font><u><font>de revogação por justa causa</font></u><font>, que o sacado deve aceitar sem incorrer em qualquer tipo de responsabilidade.</font><div></div><font>Simplesmente, enquanto algumas dessas situações são controláveis pelo sacado, como acontece, por exemplo, com a falsificação grosseira do título ou da assinatura do sacador, outras só serão do seu conh | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XzLRu4YBgYBz1XKvDEJL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I ─ Por apenso à execução ordinária n.º .../99, a correr termos pela ....ª Secção da ....ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa AA veio instaurar embargos de executado contra BB.</font><br>
<font>Tais embargos foram julgados improcedentes, deles se absolvendo a embargada, prosseguindo a execução principal os seus termos e condenando-se em custas a embargante.</font><br>
<br>
<font>Inconformada, apelou a embargante, pugnando pela alteração e ampliação da matéria de facto e pela nulidade da deliberação a dar de garantia o prédio descrito no contrato hipotecário de fls. 14 a 30. </font><br>
<br>
<font>A recorrida apresentou contralegações, abonando-se no princípio da tutela da confiança e da segurança do comércio jurídico para defender a improcedência da apelação.</font><br>
<br>
<font>A Relação de Lisboa veio a proferir acórdão a eliminar o artigo 2.º da base instrutória, a aditar ao elenco dos factos provados dois novos n.os (o 6 e o 7), a manter tudo o mais provado e a decisão de improcedência dos embargos.</font><br>
<br>
<font>Ainda irresignada veio a embargante interpor recurso de revista, recurso que foi admitido. </font><br>
<br>
<font>A recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: </font><br>
<br>
<font>A) A matéria de facto ampliada sob o n.º 6 está contida nos factos dados como provados pela 1.ª instância sob o n.º 5. A matéria dada como provada pelo referido n.º 5 não foi objecto de recurso como se pode ver pelas conclusões das alegações.</font><br>
<font>Assim, tal matéria transitou em julgado não podendo ser objecto de modificação ou ampliação (art. 684.º, 690.º, n.º 1, C.P.C.)</font><br>
<font>B) A matéria de facto dada como provada no n.º 4 tem por fundamento a escritura de hipoteca arquivada de fls. 12 a 18.</font><br>
<font>Dessa escritura retiraram-se os factos seguintes:</font><br>
<font>A escritura foi celebrada em 17.01.1997;</font><br>
<font>Foi assinada pelo próprio administrador único CC;</font><br>
<font>Da escritura não consta que tenha sido arquivada qualquer acta donde conste a deliberação da recorrente no sentido de autorizar a constituição da hipoteca;</font><br>
<font>A referida hipoteca foi celebrada para garantir um financiamento no valor de 378.668.250$00 à DD.</font><br>
<font>C) Da matéria dada como provada com o n.º 3 consta, ainda, que o administrador único da embargante (recorrente) deliberou, no dia 18.12.1996, na sede da embargante (recorrente), dando de garantia o prédio urbano descrito em 1.</font><br>
<font>Esta matéria resulta do documento que se encontra arquivado a fls. 71 e que é, nem mais nem menos, a acta número 7, a que se refere a procuração arquivada a fls. 66 a 69.</font><br>
<font>D) Não se encontra provado na matéria de facto que a recorrente tivesse algum interesse objectivo ou subjectivo no crédito que a recorrida concedeu à DD., e nem se encontra provado que entre a recorrente e a DD. existisse alguma relação de grupo ou domínio.</font><br>
<font>E) Assim, tendo em conta a matéria de facto dado como provada devemos aplicar os respectivos princípios legais.</font><br>
<font>Assim, dado o disposto no art. 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, o administrador único praticou, ao celebrar a escritura de hipoteca, um acto contrário ao fim da sociedade proibido, pelo preceito já referenciado, pelo que estamos em presença de um acto nulo.</font><br>
<font>F) A recorrida é uma entidade bancária, cuja actividade principal é exactamente conceder financiamentos, possui nos seus quadros, técnicos altamente especializados que conhecem e têm obrigação de conhecer o art. 6.º, n.º 3 do C.S.C.</font><br>
<font>G) Assim, deveriam ter obrigado o administrador CC a apresentar a acta da assembleia-geral da recorrente onde constasse a autorização para hipotecar o prédio identificado.</font><br>
<font>H) A recorrida procedeu com negligência ao não obrigar a recorrente a apresentar a referida deliberação e com todo o respeito que é devido, a 1.ª instância e o douto acórdão recorrido tentam suprir tal negligência, trazendo à colação a distribuição do capital social da recorrente e DD. e procuração de fls. 66 a 69.</font><br>
<font>I) Todavia, tais argumentos não têm o mínimo de sustentabilidade.</font><br>
<font>Na verdade, o n.º 7 da matéria ampliada pelo douto acórdão recorrido indica o capital social da recorrente em 13.11.1987 e 02.09.1994 tendo esta, ainda, o estatuto de sociedade por quotas e a escritura de hipoteca foi celebrada em 17.01.1997, já com estatuto de sociedade anónima.</font><br>
<font>É abusivo retirar ilações destes factos para chegar aos referidos interesses comunicativos entre a recorrente e a DD, dada a distância temporal entre os factos referidos da retenção do capital social, à escritura de hipoteca e às transformações societárias tendo, ainda, em consideração os documentos juntos de fls. 424 a 434.</font><br>
<font>Não pode ser confundido o interesse da administração ou de alguns dos seus accionistas ou sócios com o interesse societário, como vem sendo feito no acórdão recorrido.</font><br>
<font>J) É, também, inaceitável, sob o ponto de vista jurídico e mesmo lógico ver na procuração de fls. 66 a 69 mais do que o notário público assinalou quando o administrador CC assinou a escritura de hipoteca.</font><br>
<font>Os poderes constantes da referida procuração são os mesmos.</font><br>
<font>Resta acrescentar que esta procuração não desempenhou qualquer papel activo no caso em análise.</font><br>
<font>K) Da referida procuração ressalva-se a referência na al.ª b) à acta n.º 7 que é referida como sendo da assembleia-geral da recorrente.</font><br>
<font>A acta n.º 7 mencionada na procuração encontra-se arquivada a fls. 71, é uma acta do conselho de administração e, serviu de suporte ao facto dado como provado no n.º 3 dos factos dados como provados na 1.ª Instância.</font><br>
<font>L) Assim, a resolução desta questão controvertida, suportada com a referida argumentação não tem o mínimo de suporte legal.</font><br>
<font>M) A recorrente não se sente de forma alguma afectada pela condenação do, então, administrador CC como litigante de má fé.</font><br>
<font>Todavia, levantamos a seguinte questão:</font><br>
<font>O artigo 3.º e outros do C.P.C. e no mesmo sentido a doutrina, consideram o contraditório um dos princípios fundamentais do processo civil.</font><br>
<font>Assim sendo, como se condena o referido CC nestes autos, onde, não é parte, nem foi chamado aos autos e nem foi ouvido?</font><br>
<br>
<font>Pede a recorrente o provimento do recurso, revogando o acórdão recorrido, produzindo-se nova decisão que dê acolhimento aos presentes embargos.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cabe apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II.1. – São as seguintes as questões em reapreciação, delimitadoras dos recursos:</font><br>
<font>a) alteração da matéria de facto pela Relação, com violação do comando do artigo 712.º do Código de Processo Civil;</font><br>
<font>b) nulidade da deliberação e negligência da entidade bancária;</font><br>
<font>c) condenação por litigância de má fé.</font><br>
<font> </font><br>
<font>II.2. – É a seguinte a matéria de facto fixada pelas instâncias:</font><br>
<br>
<font>1 – Foi constituída através de escritura pública lavrada em 17 de Janeiro de 1997, registada pela inscrição C-3, hipoteca sobre o prédio urbano sito na Rua ..., nº 24, freguesia de Sacavém, concelho de Loures, sob o nº 184, prédio que se encontra registado a favor da AA, pela inscrição G-4 – al. A) da matéria de facto assente;</font><br>
<font>2 – Aquela hipoteca encontra-se registada a favor da exequente/embargada, pelo montante máximo de Esc.: 378.668.250$00 – al. B) da matéria de facto assente;</font><br>
<font>3 – CC, Administrador Único da Embargante, nessa qualidade, deliberou no dia 18.12.1996, na seda da Embargante, “... dar de Garantia...” o prédio urbano descrito em 1. – resposta ao art. 1.º da base instrutória;</font><br>
<font>4 – (eliminado)</font><br>
<font>5 – Provado que a Administração da Embargante entregou à Embargada, pelo menos, certidão comercial relativa à Embargante e a Procuração que constitui fls. 65 a 69 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido – resposta aos artigos 3.º, 4.º e 5.º da base instrutória.</font><br>
<font>6 – No documento de fls. 65 a 69, intitulado procuração, está escrito, entre outros dizeres, o seguinte: “No dia vinte e seis de Dezembro de 1996, no Décimo Nono Cartório Notarial de Lisboa, perante mim, … Primeira Ajudante deste Cartório, compareceu como outorgante o Dr. CC, … que intervém em representação, na qualidade de administrador único da sociedade comercial anónima, com a firma “EE” … intervindo o outorgante com poderes para este acto, qualidade e suficiência de poderes que verifiquei pelos seguintes documentos, que me foram exibidos:</font><br>
<font>a) Fotocópia (certidão) emanada aos 11 de Abril último, da Conservatória do Registo Comercial;</font><br>
<font>b) Fotocópia de acta número SETE da reunião da Assembleia-geral da mesma sociedade, realizada em 18 de Dezembro em curso …</font><br>
<font>PELO OUTORGANTE FOI DITO:</font><br>
<font> – Que constitui procuradora da sociedade sua representada a “BB” … a quem confere poderes especiais para, nos termos e para os efeitos do artigo duzentos e sessenta e um, do Código Civil e em garantia de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir, pela sociedade “DD” … perante a BB … até ao montante de TREZENTOS MILHÕES DE ESCUDOS, respectivos juros remuneratórios … e acrescidos em caso de mora da sobretaxa … HIPOTECAR a expensas da identificada sociedade “EE” e a favor da própria BB, o prédio urbano sito na Rua ..., n.º 24, freguesia de Sacavém, concelho de Loures …”, </font><br>
<font>7.– Em 13 de Novembro de 1987,CC detinha Esc. 450.000$00 dos Esc.: 500.000$00 do capital social da embargante e em 2.9.1994 detinha Esc.: 19.900.000$00 dos Esc.: 20.000.000$00 do capital social da mesma empresa. </font><br>
<br>
<font>II.3. – De direito</font><br>
<br>
<font>Quanto à matéria de facto o tribunal recorrido entendeu dar por não escrita a resposta ao artigo 2.º da base instrutória pela sua natureza conclusiva, facto que não desperta a censura do recorrente. </font><br>
<br>
<font>Porém, considerou-se que o teor do documento (procuração) referido nessa resposta é relevante e deverá integrar os factos provados.</font><br>
<br>
<font>Foi igualmente decidido aditar novos elementos à matéria de facto fixada na 1.ª instância, por se ter entendido que, apesar de não particularmente interessantes para a discussão, a sua inclusão poderia ser esclarecedora e, por isso, útil.</font><br>
<br>
<font>A discordância da recorrente no que concerne à matéria de facto radica no teor do actual n.o 6 da matéria de facto, que, na sua perspectiva, representa uma ampliação da matéria de facto sem qualquer fundamento, uma vez que nessa parte (n.º 5 da matéria de facto) a matéria de facto estava transitada.</font><br>
<br>
<font>Não tem a recorrente razão. No seu recurso impugnou em diversos pontos a decisão quanto à matéria de facto. É certo que não o fez relativamente ao facto contido no actual n.º 6. Porém, este mais não é que matéria contida no n.º 5, traduzindo-se em melhor explicitação desse n.º.</font><br>
<br>
<font>Assim o n.º 6 é idêntico em termos de matéria de facto a “procuração que constitui fls. 66 a 69 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido”. </font><br>
<br>
<font>Não se trata de qualquer ampliação da matéria de facto, nem sequer de qualquer alteração relevante, uma vez que a sua eliminação não implicaria qualquer redução da matéria de facto. Pode dizer-se, também aqui, que “quod abundat non nocet”.</font><br>
<br>
<font>Tão pouco se pode falar em violação dos comandos dos artigos 684.º e 690.º do Código de Processo Civil. </font><br>
<br>
<font>O acórdão não exorbita do âmbito do recurso. Limita-se a, consonantemente como a eliminação da resposta ao quesito 2.º, transpor para a matéria de facto o que era matéria provada documentalmente.</font><br>
<br>
<font>De qualquer modo, esta matéria nem sequer pode ser apreciada no recurso de revista. Na verdade, não se verifica qualquer das hipóteses previstas no art.º 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil nem existe violação dos comandos do artigo 712.º do Código de Processo Civil, a permitir a censura por parte deste tribunal.</font><br>
<br>
<font>Como é entendimento uniforme da nossa jurisprudência, o que se extrai dos dois acórdãos cujo sumário abaixo se transcreve:</font><br>
<br>
<font>“Cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria fáctica necessária para a solução do litígio, cabe à Relação a última palavra. Só à Relação compete censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida na 1ª instância, através do exercício dos poderes conferidos pelos n.os 1 e 4 do art.º 712.º” (www.dgsi.pt, Ac. STJ 17.3.2005, n.º doc SJ200602020026827).</font><br>
<br>
<font>“O STJ, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.” (www.dgsi.pt, Ac. STJ 18.4.2006, n.º doc SJ200604180008711).</font><br>
<br>
<font>Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado. Excepcionalmente, no recurso de revista, pode o STJ apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (art.º 722.º n.º 2 e 729.º nº 2 do Código de Processo Civil). </font><br>
<br>
<font>Assim, o STJ só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação quando esta deu como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos, o que não sucedeu.</font><br>
<br>
<br>
<font>Ora, o aditamento da matéria constante no ponto 6 (reprodução dos termos da procuração de fls. 65 a 69 cuja certidão notarial se encontra junta aos autos) não viola qualquer disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (art.º 722.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).</font><br>
<br>
<font>Muito pelo contrário, nos termos dos artigos 659.º, n.º 3 e 655.º, n.º 2 do mesmo código e nos termos do art.º 371.º do Código Civil, é a lei que exige que tal matéria seja dada como provada.</font><br>
<br>
<font>Quanto à segunda questão dir-se-á que dispõe o art. 6.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) o seguinte:</font><br>
<br>
<font>“1. A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.</font><br>
<font>2. As liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.</font><br>
<font>3. Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.</font><br>
<font>4. As cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objecto ou proíbam a prática de certos actos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objecto ou de não praticarem esses actos.</font><br>
<font>5. A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos comissários.”</font><br>
<br>
<font>No n.º 1 deste preceito está consagrado o princípio da especialidade do fim, igualmente vertido no artigo 160.º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>A propósito da capacidade das pessoas colectivas existem duas teorias, a denominada </font><i><font>ultra vires</font></i><font> e a da ilimitação.</font><br>
<br>
<font>A teoria </font><i><font>ultra vires</font></i><font> limita a capacidade das sociedades e outras pessoas colectivas ao que é necessário ou conveniente ao cumprimento das suas finalidades e objectos.</font><br>
<br>
<font>A teoria da ilimitação isenta as pessoas colectivas de semelhantes restrições, equiparando-as, no essencial, às pessoas físicas, no plano jurídico-patrimonial.</font><br>
<br>
<font>Para a 1.ª teoria, a pessoa colectiva só pode querer e agir de modo juridicamente eficaz dentro da esfera que lhe é assinalada pelo direito, para defesa da tutela dos sócios, da protecção dos credores e defesa do interesse público. </font><br>
<br>
<font> Daí decorreria que todo aquele que contratasse com uma pessoa colectiva estaria obrigado a consultar, previamente, o seu pacto social, os seus estatutos, para determinar da capacidade dela de se obrigar, o que prejudicava a segurança e a celeridade do tráfico jurídico. </font><br>
<br>
<font>Por isso, se passou a advogar que os agentes económicos deviam ser dispensados de tais ónus de consulta do pacto social das pessoas jurídicas com quem contratavam e a desconformidade do acto negocial aos fins sociais desta não teria efeitos ao nível da sua eficácia, pelo menos se o terceiro está de boa fé, sem prejuízo da responsabilidade dos gerentes ou administradores quando desrespeitassem os estatutos.</font><br>
<br>
<font>Com vista a harmonizar as legislações do Estados Membros a respeito destas duas teorias, o Conselho da Comunidade Europeia incluiu na 1.ª Directiva 68/151/CEC, de 9 de Março de 1968, preceito (o art. 9.º) que afastou a teoria </font><i><font>ultra vires</font></i><font>, na sua versão mais rigorosa mas sem adoptar na totalidade a teoria da ilimitação.</font><br>
<br>
<font>Os Estados Membros mantêm a liberdade de continuar a restringir a capacidade das sociedades à prossecução do seu objecto social e cuja prática não seja vedada por outras disposições dos estatutos, mas a incapacidade que deriva dessa limitação de capacidade não pode ser invocada contra terceiros, exceptuados os de má fé.</font><br>
<br>
<font>O legislador português adoptou ao nosso direito essa directiva, com a redacção que deu ao citado n.º 4 do art. 6.º do CSC.</font><br>
<br>
<font>Assim, os órgãos da sociedade têm o dever de não praticar actos proibidos ou que estejam para lá do seu objecto, mas isso não tira que tais actos estejam compreendidos na capacidade da sociedade.</font><br>
<br>
<font>Por sua vez, estatui o art. 409.º do CSC:</font><br>
<br>
<font>“1. Os actos praticados pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato de sociedade ou resultantes de deliberações dos accionistas, mesmo que tais limitações estejam publicados.</font><br>
<font>2. A sociedade pode, no entanto, opor a terceiros as limitações de poderes resultantes do seu objecto social, se provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por deliberação expressa ou tácita dos accionistas.</font><br>
<font>3. O conhecimento referido no número anterior não pode ser provado apenas pela publicidade dada ao contrato de sociedade.</font><br>
<font>4. Os administradores obrigam a sociedade, apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade.”</font><br>
<br>
<font>Decorre do n.º 1 deste artigo que a sociedade anónima fica vinculada perante terceiros por actos praticados por administradores em nome da sociedade e no âmbito dos seus poderes legais, apesar de tais actos excederem as limitações a esses poderes constantes do contrato de sociedade ou de deliberação dos sócios, a não ser que a sociedade prove que o terceiro sabia, ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto desrespeitava as limitações resultantes do objecto social e os accionistas não tenham deliberado, expressa ou tacitamente, assumir o acto.</font><br>
<br>
<font>Nos termos do art. 409.º do CSC, para a sociedade fique vinculada perante terceiros por actos dos administradores, é necessário e suficiente:</font><br>
<font>a) Que os actos sejam praticados por gerentes, administradores ou directores;</font><br>
<font>b) Em nome da sociedade;</font><br>
<font>c) Dentro dos poderes que a lei lhes confere;</font><br>
<font>d) Salvo se a sociedade provar que o terceiro sabia, ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto praticado não respeita a cláusula contratual limitativa e desde que a a sociedade não tenha assumido o acto por deliberação dos accionistas.</font><br>
<br>
<font>Os dois primeiros requisitos (qualidade de administrador e prática do acto em nome da sociedade) não suscitam dificuldades especiais.</font><br>
<br>
<font>Tal qualidade pode ser facilmente verificada por consulta ao registo comercial, em que a respectiva designação deve ser inscrita (al. m) do art. 3.º e art. 15.º, n.º 1, do Código de Registo Comercial).</font><br>
<br>
<font>A prática do acto em nome da sociedade exige apenas a referência inequívoca à representação da sociedade. Relativamente a actos não sujeitos a forma especial, tanto pode ser expressa, como resultar das circunstâncias do acto, nos termos gerais do regime de representação.</font><br>
<br>
<font>Quanto a actos escritos, é necessário que seja aposta a assinatura do administrador com indicação dessa qualidade (cit. n.º 4 do art. 409.º).</font><br>
<br>
<font>Relativamente aos poderes legais do administrador, o que se verifica é que tais poderes, sendo de representação, são muito amplos.</font><br>
<br>
<font>Quanto às sociedades anónimas, já vimos que são «plenos» e, quanto aos administradores, são mesmo «exclusivos» (art. 405.º, n.º 2, do CSC).</font><br>
<br>
<font>A sociedade não pode sequer opor as limitações resultantes do objecto social, a não ser ao terceiro que as conheça ou as possa ignorar, atentas as circunstâncias.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, os poderes dos administradores incluem a pratica de quaisquer actos para que a sociedade tenha capacidade negocial de exercício. Isto é, incluem todos os actos relativos a direitos e obrigações «necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular» (cit. n.º 1 do art. 6.º do CSC).</font><br>
<br>
<font>Incluem mesmo os relativos a liberalidades usuais (cit. n.º 2 do art. 6.º). </font><br>
<br>
<font>Apenas não incluem «a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo (cit. n.º 3 do art. 6.º).</font><br>
<br>
<font>Ora, decorre da certidão de teor da matrícula e de todas as inscrições em vigor relativamente à embargante, emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Loures, que a administração, no caso, o administrador único nomeado, pode onerar bens.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, há que atentar no teor da procuração cuja certidão se encontra a fls. 65 a 69.</font><br>
<br>
<font>Através dessa procuração,CC, em representação e na qualidade de administrador único da embargante, constituiu a ora embargada procuradora da sociedade sua representada, a quem conferiu poderes especiais para, em garantia de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações, assumidas ou a assumir pela sociedade “DD até ao montante de trezentos milhões de escudos, hipotecar a expensas da embargante, o prédio identificado no art. 1.º da fundamentação de facto.</font><br>
<br>
<font>Mais declarou o referido CC nessa procuração, em representação e na qualidade de administrador único da embargante que a referida procuração era também conferida no interesse desta.</font><br>
<br>
<font>Assim, por acto voluntário, livre e consciente, perante a 1.ª Ajudante do 9.º Cartório Notarial de Lisboa, em 26 de Dezembro de 1996, a própria embargante, representada pelo seu administrador único,CC, declarou que a procuração pela qual concedeu poderes à embargada para constituir hipoteca sobre o prédio de sua pertença acima identificado, era conferida no seu próprio interesse.</font><br>
<br>
<font>Recorrendo aos critérios de interpretação dos negócios jurídicos, consagrados nos arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil, conclui-se que a embargante pretendeu declarar naquela procuração que era do seu próprio interesse a constituição da hipoteca a favor da embargada, para garantia de responsabilidades ou obrigações da DD.</font><br>
<br>
<font>É, contudo, duvidoso que se possa considerar demonstrada a excepção prevista no artigo 6.º, n.º 3 do CSC (o justificado interesse da sociedade garante ou a relação de domínio ou grupo). Se é certo que na procuração se invoca o interesse da sociedade garante, não está demonstrado o “justificado” interesse. E a pertença da sociedade ao mesmo grupo da entidade beneficiária ou integrada em relação de domínio não é facto alegado ou controvertido, pelo que não foi levado à factualidade provada ou a provar. Daí que não se nos afigure legítimo inferir tal prova do teor da decisão de fls. 60 a 64.</font><br>
<br>
<font>De resto, este entendimento também decorre directamente das normas dos artigos 486.º, 487.º e 488.º a 508.º do CSC.</font><br>
<br>
<font>Daqui não se pode inferir, sem mais, a incorrecção da decisão.</font><br>
<br>
<font>Parece ser claro que CC agiu na qualidade de administrador da recorrente e com suficiência de poderes, o que foi verificado pela ajudante do cartório notarial pelos documentos que lhe foram exibidos (fotocópias da certidão do Registo Comercial e da acta n.º 7 da reunião da Assembleia- -geral da sociedade de 18 de Dezembro de 1996.</font><br>
<br>
<font>O acto notarial não foi atacado pela embargante, pelo que nenhuma razão existe para que se deva discutir a boa fé da embargada, face ao conteúdo da procuração irrevogável que lhe foi entregue.</font><br>
<br>
<font>A posição maioritária do administrador da embargante ou o facto de aquele e a sua mulher serem os únicos sócios da beneficiária da garantia não permite tirar, a ninguém e à embargada em particular, qualquer ilação de que fora desrespeitada qualquer cláusula limitativa e o interesse dos associados.</font><br>
<br>
<font>Quanto à questão da litigância de má fé, dela não se conhece, por carecer a recorrente, quanto a ela de legitimidade. </font><br>
<br>
<font>III. – Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso de revista.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Outubro de 2006</font><br>
<br>
<font>Paulo Sá (relator)</font><br>
<font>Borges Soeiro</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YDK3u4YBgYBz1XKv5zbD | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<u><font>Relatório</font></u><br>
<div><br>
</div><br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca do Porto.,</font><br>
<u><font>AA,</font></u><br>
<u><font>intentou a presente acção de reivindicação, com processo ordinário, contra, BB;</font></u><br>
<font>Alegando resumidamente:</font><br>
<font>- O A. é dono e legítimo possuidor de um conjunto de bens móveis (mobiliário e objectos de decoração) que descrimina.</font><br>
<font>Tais bens foram legados ao A. por morte do seu anterior proprietário, ou foram pelo A. adquiridos na Alemanha, constituindo o recheio da habitação que possuía em Munique;</font><br>
<font>- Em meados de 1990, o A. deixou de residir na Alemanha e fixou-se em Portugal, num apartamento situado na Rua ....– Porto;</font><br>
<font>- Até meados de 1993 os referidos bens do A. estiveram guardados nas instalações pertencentes a uma sociedade da família;</font><br>
<font>- Em finais de 1993, a referida sociedade foi trespassada e os móveis foram retirados das suas instalações.</font><br>
<font>- Nessa altura o irmão do A., CC (entretanto falecido) e a esposa deste, ora Ré, prontificaram-se a guardar temporariamente os referidos bens do A.</font><br>
<font>- Então o A. entregou-os ao seu mencionado irmão e cunhada para que estes os guardassem.</font><br>
<font>- Entretanto, já após o falecimento do irmão do A., este solicitou à Ré a restituição dos móveis, recusando-se esta a fazê-lo.</font><div></div><font>Formula então os seguintes pedidos:</font><br>
<font>- a) deve a Ré ser condenada a reconhecer o A. como dono e legítimo possuidor dos bens identificados no artigo 1º da p. inicial;</font><br>
<font>-b) a restituir ao A. os referidos bens e </font><br>
<font>-c) a pagar ao A., a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 20€, contados desde a citação, por cada dia de atraso na restituição dos bens móveis em causa até à sua integral devolução ao A.</font><div></div><font>Contestou a Ré, alegando resumidamente que o A. doou ao falecido irmão e a ela própria todos os bens que se encontram em seu poder, e que se tal título não existisse, sempre os teria adquirido por usucapião (alegou a factualidade pertinente).</font><div></div><font>Replicou o A., precisando que …”emprestou os bens à Ré e ao irmão CC para seu uso na casa de Canelas ou noutra, até que os reclamasse de volta ou aqueles não pretendessem guardá-los mais”.</font><div></div><font>Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><div></div><font>Instruídos os autos realizou-se a audiência de discussão e julgamento, findo a qual se publicitou a decisão sobre a matéria de facto.</font><div></div><font>Proferiu-se, de seguida, sentença final que julgou a acção improcedente, tendo absolvido a Ré dos pedidos.</font><div></div><font>Inconformado recorreu o A. e com êxito, visto que a Relação, apreciando a apelação a julgou procedente, e consequentemente, revogou a sentença recorrida, julgando a acção parcialmente procedente, declarando ser o A. o proprietário dos bens em causa e condenando a Ré a restituí-las ao A.</font><br>
<font>Quanto ao demais (sanção pecuniária) julgou a acção improcedente.</font><div></div><font>É agora a Ré quem, inconformada, recorre do acórdão da Relação, recurso que foi admitido como de revista.</font><div><font> </font></div><u><font>Conclusões</font></u><div></div><font>Oferecidas tempestivas Alegações, formulou a</font><br>
<font>recorrente as seguintes conclusões:</font><br>
<div><br>
<u><font>Conclusões da Revista</font></u><br>
</div><br>
<font>1ª.— Tem o </font><u><font>corpus</font></u><font> da posse aquele que, sem violência, recebeu do anterior proprietário certos bens móveis, que passou a utilizar diariamente (por si, seus familiares, amigos e visitas da casa, neles incluindo o próprio Autor), à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja (Autor, incluído), cuidando deles e procedendo à sua limpeza;</font><br>
<font>2ª —Tem, também, o </font><u><font>animus rem sibi possidendi</font></u><font>, se ficou provado que exerceu esses poderes de uso e de fruição, "assumindo-os como coisa própria" (nomeadamente, perante outras pessoas, nelas si incluindo o próprio Autor).</font><br>
<font>3ª —Tal posse deve ser caracterizada com verdadeira posse, no sentido de posse em nome próprio e,</font><br>
<font>4ª— Se exercida durante doze anos ininterruptos, pelo menos, a propriedade dos bens assim possuídos foi adquirida por usucapião.</font><br>
<font>Por outro lado:</font><br>
<font>4ª — Presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto (art. 1252°., n°. 2), ou seja, presume-se o animus naquele que exerce o corpus.</font><br>
<font>5ª. —Aquele que exerce o corpus está dispensado de provar que também tem o animus (art. 350°., n° 1°.), recaindo sobre o Autor/reivindicante o ónus da respectiva contraprova (arts.342°.; 346°.; e3478.).</font><br>
<font>6ª — Se, verificada a base daquela presunção legal, o reivindicante não a lograr ilidir, os factos materiais que a integram são considerados provados contra ele,</font><br>
<font>7ª — Com a inelutável consequência juridico-processual (cfr. art. 346°., in fine e a contrario) de os bens reivindicados serem considerados na posse legítima da demandada.</font><br>
<font>Por último:</font><br>
<font>8ª. — Se a Ré não conseguiu fazer prova de ter recebido os bens reivindicados por um alegado contrato de doação, nem por isso o Autor se devia considerar dispensado da prova de lhos ter transmitido por virtude de um também alegado contrato de empréstimo ou de depósito, que obrigasse à sua futura restituição, por ser esse um facto constitutivo do direito que este se arrogou.</font><br>
<font>9ª — Só assim não seria se a situação configurasse um "caso especial" (art. 343o.) ou de inversão do ónus da prova (art. 344°.), o que, seguramente, aqui não acontece.</font><br>
<font>10ª — Por aquelas três razões (usucapião, falta de contraprova e incumprimento do ónus da prova), tem-se por demonstrada a legitimidade da posse exercida pela Ré, pelo que a presente acção de reivindicação só pode improceder.</font><br>
<font>11ª. — Ao decidir que a posse exercida pela Ré não era em nome próprio (e, portanto, não podia conduzir à usucapião) e que era ilegítima (porque não conseguiu provar a alegada doação), O Acórdão recorrido violou as disposições dos artigos 342°.; 344°.; 346°.; 347°.; 349°.; 350°., n°. 1°:; 1252°., n° 2º.; 1253°:, 1257°.; 1263°.; 1265°.; 1267°., n° 1º., alíneas c) e d) e n° 2°.; 1287°.; e 1299°., todos do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Por isso,</font><br>
<font>12ª — Deve ser revogado e substituído por outro que reponha a decisão proferida na 1ª Instância.</font><div></div><font>Contra-alegou o A. pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.</font><div></div><u><font>Os Factos</font></u><font>.</font><br>
<font> São os seguintes os factos que as instâncias tiveram por provados:</font><div><br>
</div><br>
<font>a) Encontram-se em poder da Ré os seguintes bens:</font><br>
<font>I - Uma mesa de jantar dinamarquesa, em madeira castanha, de forma rectangular, com duas abas compridas, as quais, quando fechadas, ficam próximo do chão. A mesa tem cerca de 1,6 metros de comprimento e 80 cm de largura.</font><br>
<font>II - Uma mesa redonda, em madeira escura, com duas abas e duas gavetas, com cerca de 1,4 metros de diâmetro.</font><br>
<font>III - Dois candeeiros de velas em metal dourado de pendurar na parede.</font><br>
<font>IV - Duas cadeiras tipo safari em lona verde e madeira, desdobráveis.</font><br>
<font>V - Uma mesa quadrada com pés em madeira castanha e tampo de vidro, de um metro de comprimento e largura.</font><br>
<font>VI - Dois maples pequenos em tecido branco com pernas e madeira.</font><br>
<font>VII - Um cadeirão de orelhas em couro e madeira. Cfr. fotografia junta aos autos como Does. n. 5 e 6 - publicadas nas revistas "Schõner Wohnen", edição Março/78, pág. 7, e "Maison Française", edição Agosto/80, página 33, bem como fotografia junta aos autos como Doc.. n° 7.</font><br>
<font>VII - Um tapete chinês, preto com franjas brancas e flores pretas em relevo, com 3,5m de comprimento e 2,5m de largura - Cfr. fotocópia junta aos autos como Doe. n° 7.</font><br>
<font>IX - Uma cómoda da Baviera em madeira pintada, com flores em cores beije, verde e vermelho, com gavetas, abaulada.</font><br>
<font>X - Dois candeeiros, tipo castiçal, em latão dourado com abajur amarelo - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n. 8, publicada na revista "Wohndecor", n° 3/79, pág. 63.</font><br>
<font>XI - Uma escrivaninha em madeira de carvalho com gavetas e tampo.</font><br>
<font>XII - Uma mesa em madeira de carvalho com uma gaveta (mesa tipo empire), com um metro de comprimento e 40 em de largura - Cfr. fotografia com a letra B da folha de fotografias junta aos autos sob o n.° 3 e fotografia publicada na revista architektur whonen, n.° 3, pág. 38 junta aos autos como Doc.. n.° 9.</font><br>
<font>XIII- Um candeeiro feito de um frasco grande com um abajur branco - Cfr. Doe. n° 9 junto aos autos.</font><br>
<font>XTV - Um maple em xadrez castanho e beije, marca cassina.</font><br>
<font>XV- Uma cama de solteiro da marca "Treca" - Cfr. fotografia com a letra F junta como doe. n.° 3.</font><br>
<font>XVI - Uma cadeira em madeira castanha. Cfr. fotografia junta como doe. n.°</font><br>
<font>10.</font><br>
<font>XVII - Duas mesas em meia lua com três pés, que formam juntas uma mesa redonda com um diâmetro de aproximadamente um metro - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n.° 10.</font><br>
<font>XVIII - Uma cama larga em forrada a xadrez azul, da marca Treca - Cfr.</font><br>
<font>fotografia junta aos autos como Doe. n.° 11 e fotografia com a letra D junta aos autos como Doc.. n.° 3.</font><br>
<font>XIX - Um maple em xadrez azul - Cfr. fotografia junta aos autos como Doc. n.°ll.</font><br>
<font>XX- Uma mesinha de cabeceira em madeira castanha - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n° 12.</font><br>
<font>XXI - Um candeeiro com pé em madeira tipo tripé com abat-jour em xadrez azul e branco - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n.° 11.</font><br>
<font>XXII - Um armário da Baviera em madeira pinho nórdico (Fichte), trabalhado, de duas portas - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n.° 11 e fotografia junta como Doe. n.° 4 publicada na revista "madame", n. 3, pág. 190.</font><br>
<font>XXIII - Uma mesa comprida em madeira de convento, com 2 metros de</font><br>
<font>comprimento e 50 cm de largura - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n.° 13.</font><br>
<font>XXIV - Dois bancos de convento 2 metros de comprimento - (Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n° 13.</font><br>
<font>XXV - Um conjunto de móveis em palhinha verde, composto por um sofá de três lugares, dois maples, uma cadeira, um banco e uma mesa octogonal com tampo em vidro - Cfr. fotografias juntas aos autos como Does. n. 14 e 15 e fotografia junta como Doe. n.° 16 publicada na revista "Architektur & Wohnen", página 41.</font><br>
<font>XXVI - Um armário da Baviera em madeira pinho nórdico (Fichte), de duas portas, com 1,2 m de largura e 1,9 m de altura - Cfr. fotografia com a letra F do Doe. n. 3 junto aos autos.</font><br>
<font>XXVII - Cinco chocalhos (sino de vacas) com cinto de couro e fivela, em vários tamanhos - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n° 17 e fotografia junta como - Doe. n° 4 publicada na revista "madame11, n° 3, pág. 190.</font><br>
<font>XXVIII - Uma mesa com tampo em acrílico com pés metálicos cromados, com 2 metros de comprimento e 70 em de largura - Cfr. fotografia junta aos autos como n.º 18.</font><br>
<font>XXIX - Um tapete persa vermelho, azul e beije com 2,5 metros de comprimento e 2 metros de largura.</font><br>
<font>XXXI - Uma mesa em madeira rectangular, castanha com 80 cm de altura, um metro de comprimento e 40 cm de largura - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n°19 "Besser Wohnen", n°. 2/80, pág. 31 e Doe. junto como n°. 8.</font><br>
<font>XXXII - Uma mesa em madeira castanha, quadrada, castanha, baixa - Cfr. Doc. nº 8 e fotografia junta aos autos como Doe. n° 19.</font><br>
<font>XXXIII - Um cavalo em madeira - Cfr. fotografia junta aos autos como Doe. n° 20.</font><br>
<font>b) O Autor terá herdado os referidos móveis de um seu amigo chamado DD, cidadão alemão residente em Munique, que faleceu em 1985.</font><br>
<font>c) Em meados de 1990, o Autor deixou de residir na Alemanha e fixou-se em Portugal, habitando um apartamento situado na Rua do ..., n°. 000, 6o. Dtº.- frente, no Porto.</font><br>
<font>d) O irmão do Autor, CC, faleceu em 16 de Outubro de 2000.</font><br>
<font>e) Entre finais de 1990 e 1993, o Autor entregou os bens em causa ao seu irmão CC e à sua mulher, ora Ré.</font><br>
<font>f) O Autor solicitou à Ré os bens em causa em 2005.</font><br>
<font>g) Os bens em causa foram ininterruptamente usados pelo falecido CC e pela Ré (bem como pelos seus familiares - o Autor inclusive -, amigos e demais visitantes da casa daqueles), desde a data em que tais bens lhes foram entregues.</font><br>
<font>h) Assumindo-os como coisa própria.</font><br>
<font>i) O que sempre aconteceu à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de quem quer que fosse (e, nomeadamente, do Autor).</font><br>
<font>j) A Ré e o seu falecido marido (CC) sempre cuidaram e procederam à limpeza dos bens em causa, desde a data em que os mesmos lhes foram entregues.</font><div></div><u><font>Fundamentação</font></u><div></div><font>Estamos perante uma acção de reivindicação em que não foi posta em causa a aquisição da propriedade do A. sobre os móveis em lide, os quais terá herdado de um amigo seu já falecido.</font><br>
<font>Portanto, até ao momento em que o A. entregou os bens ao seu falecido irmão e à Ré, está aceite que o A. era o dono e legítimo proprietário dos ditos bens.</font><br>
<font>A controvérsia só surge com a dita entrega, já que o A. alega que simplesmente emprestou o mobiliário em causa ao irmão e sua esposa, a ora Ré, para que os usassem temporariamente e restituíssem quando ele lhos solicitasse, enquanto a Ré alega que em 1990 o A. fez doação desses bens móveis ao falecido irmão e à Ré, sua esposa, pelo que os vem possuindo, com base em tal título. Porém, se título não pudesse invocar, sempre os teria adquirido por usucapião, que expressamente invoca, razão porque não os tem de entregar ao A.</font><div></div><font>Porém, realizado o julgamento, verifica-se que, nem o A. provou o alegado empréstimo, nem a Ré a alegada doação.</font><div></div><font>Provou-se apenas que “entre finais de 1990 e 1993 o A. entregou os bens móveis em causa ao seu irmão CC e à sua esposa, a ora Ré” (cof. Resposta aos quesitos 2º e 4º).</font><br>
<font>Deu-se, no entanto, por provado que os referidos bens, que se encontram em poder da Ré, foram ininterruptamente usados pelo falecido CC e pela Ré, desde a data em que lhes foram entregues, sendo que a Ré e o seu falecido marido (CC) sempre cuidaram e procederam à sua limpeza desde a data em que os mesmos lhes foram entregues, assumindo-os como coisa própria, o que fizeram sempre à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de quem quer que fosse (e nomeadamente, do A.).</font><div></div><font>Ora, perante este quadro factual, decidiu a 1ª instância julgar a acção improcedente, porquanto, tendo a Ré e o marido exercido sobre os bens em causa posse em nome próprio, pelo tempo suficiente, os haviam adquirido por usucapião.</font><div></div><font>Sob recurso do A., a Relação revogou a sentença recorrida, julgando a acção procedente.</font><div></div><font>Argumentou que, não tendo a Ré provado a invocada doação e estando assente ser o A. proprietário dos bens quando deles fez entrega ao irmão CC e à Ré, estes não podiam senão ser tidos como meros detentores ou possuidores precários dos aludidos bens móveis.</font><br>
<font>Portanto, como decorre do disposto no art.º 1290 do C.C. , a Ré e o falecido marido não podiam adquirir para si, por usucapião, o direito possuído a menos que tivessem adquirido posse por inversão do título.</font><br>
<font>Porém, a inversão do título da posse só ocorreria, no caso, se tivesse havido oposição dos detentores do direito contra aquele em cujo nome possuíam, sendo certo que tal oposição tem de traduzir-se num comportamento exterior do detentor que signifique inequivocamente essa alteração do título, isso é, a oposição tem de ser categórica e ser praticada na presença do titular ou levada ao seu conhecimento directo, não bastando uma mudança de animus de índole subjectiva.</font><br>
<font>Tal mudança de animus tem de ser exteriorizada de modo a poder ser conhecida pelo titular do direito possuído.</font><div></div><font>Ora a Ré não provou qualquer comportamento expresso de oposição ao titular, pelo que não pode ter-se por provada a inversão do título.</font><br>
<font>Consequentemente a sua detenção, porque não transformada em posse em nome próprio, não pode levar à aquisição da propriedade por usucapião.</font><div></div><font>Salvo melhor opinião, não decidiu bem a Relação.</font><div></div><u><font>Vejamos</font></u><font>.</font><div></div><font>É certo que estamos perante uma acção de reivindicação daí que, provando o A. ser o legítimo dono dos bens móveis em questão, a restituição só pode ser negada se a Ré demonstrar que os detinha por título válido, oponível ao proprietário, ou que os bens lhe pertencem a ela própria.</font><br>
<font>E também é verdade que o A. pelo facto de não ter provado o alegado empréstimo não perdeu, por isso, automaticamente, a propriedade dos bens que entregou ao irmão e à cunhada, nem estes as adquiriram por doação, visto que também este negócio ficou por provar. </font><div></div><font>No entanto, provou-se que a Ré e o falecido marido exerceram directamente sobre os bens em causa, actos materiais reiterados, correspondentes ao direito de propriedade (não necessitavam, para caracterizar a posse, de exercer todos os actos – poderes – que integram o conteúdo do direito de propriedade) e fizeram-no na convicção de exercerem um direito próprio, como reconhece a Relação, publicamente, à vista de todos e sem qualquer oposição de quem quer que seja, designadamente do A.</font><div></div><font>Mas será que tal materialidade (que sem dúvida, pode caracterizar o corpus da posse) uma vez exercida com animus domini, não pode ser tida como posse verdadeira, em nome próprio, mas como simples detenção precária, em nome do A., como pretende a Relação?</font><br>
<font>Será necessária a inversão do título?</font><br>
<font>O que parece estar na base da decisão da Relação é alguma confusão entre a posse e a propriedade, que, no entanto são realidades distintas, nem sempre coincidentes. </font><div></div><font>A relação material com a coisa (isto é o corpus da posse), em si mesma, não chega para caracterizar a posse, visto que é idêntica na posse e na detenção, daí que seja o elemento subjectivo (o animus) que fará a diferença, caracterizando a situação de facto como posse em nome próprio ou como detenção, consoante a intenção com que o detentor exerce o poder de facto sobre a coisa.</font><br>
<font>Como ensinava Manuel Rodrigues, “O que eleva a detenção a posse é a intenção de exercer um determinado poder no próprio interesse – é o animus sibi habendi.</font><br>
<font>Sem ele, a relação material é pura detenção que não pode invocar-se para justificar qualquer efeito possessório” (cof. A Posse - Estudo de Direito Civil Português – revisto e anotado por F. Luso Soares-).</font><div></div><u><font>Havendo título</font></u><font>, é por ele que se determina a natureza do animus e, portanto, se caracteriza a relação material com a coisa.</font><br>
<font>Pode falar-se em </font><u><font>animus domini</font></u><br>
<font>- intenção de exercer o direito de propriedade – </font><u><font>animus possidendi</font></u><br>
<font>- intenção de exercer um direito real sobre coisa alheia, ou mesmo de um </font><u><font>animus de exercer sobre a coisa um direito pessoal.</font></u><div></div><font>Faltando o título, como acontece na </font><u><font>aquisição unilateral,</font></u><font> </font><u><font>situação em que não existe qualquer colaboração do anterior possuidor na constituição da nova posse</font></u><font> (cof. Art.º 1263ª) do C.C.), é a própria lei que, em caso de dúvida, presume que o possuidor possui em nome próprio, ou, como se diz no Art.º 1252 nº2 do C.C. “… presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto…”</font><div></div><font>Ora, no caso concreto, não tendo o A. provado o empréstimo dos bens ao irmão e à Ré, nem esta tendo provado a alegada doação desses bens, é claro que </font><u><font>não há título</font></u><font> </font><u><font>a justificar a referida entrega dos bens e a caracterizar a detenção deles pela Ré e marido.</font></u><br>
<font>Quer dizer, a relação material com as coisas não se funda em qualquer título que defina e caracterize essa relação, daí que não possa dizer-se que a Ré e marido detinham os bens em nome do A.</font><br>
<font>Diferentemente, a Ré e o marido adquiriram a posse dos bens unilateralmente, agindo directamente sobre as coisas com animus domini (que se provou, mas que podia presumir-se).</font><br>
<font>Verifica-se aqui uma aquisição originária e unilateral da posse (Art.º 1263 a), não tendo por isso, qualquer sentido trazer à colação a figura da inversão do título, que é outro meio de adquirir a posse (Art.º 1263 d), mas que, em situações como a dos autos, exige uma prévia detenção em nome de 3º, fundada naturalmente em determinado título.</font><div></div><font>No caso, como se viu, não se provou qualquer título que houvesse de inverter para adquirir a posse.</font><div></div><font>Portanto, a Ré e marido, adquiriram a posse dos bens que lhes foram entregues, unilateralmente, pela prática reiterada, pacífica e pública dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade – Art.º 1263 a) do C.C. – </font><br>
<font>E, também se podia concluir que o A., se posse tivesse (já se disse que posse e direito de propriedade são realidades diferentes) e tal não se provou (cof. resposta ao quesito 1º), a teria perdido pela posse da Ré e marido, mesmo contra a sua vontade, visto que a nova posse se prolongou por muito mais de um ano (Art.º 1267 d)).</font><div></div><font>O direito de propriedade do A. sobre os bens entregues, não impedia a posse em nome próprio da Ré e falecido marido.</font><br>
<font>O que aconteceu, até, foi que a duração da posse pelo tempo necessário ao funcionamento da usucapião levou à aquisição da propriedade dos bens pelos possuidores, assim se destruindo a propriedade do A. sobre esses bens.</font><div></div><font>Concluindo, não havendo lugar à inversão do título e atenta a prova disponível, não pode negar-se que a Ré e falecido marido são verdadeiros possuidores (em nome próprio, portanto) dos bens em questão.</font><br>
<font>Como bem se refere na sentença de 1ª instância, tal posse não é titulada, devendo presumir-se de má-fé.</font><br>
<font>É, porém pacífica e pública.</font><br>
<font>Foi mantida pelo período de tempo suficiente (no caso 6 anos) para levar à aquisição da propriedade dos bens por usucapião (Art.º 1299 do C.C.)</font><div></div><font>Por conseguinte, não obstante o A. ser proprietário dos bens à data em que os entregou, a verdade é que veio a perder esse direito nas condições referidas nos autos.</font><br>
<font>Quer dizer, a Ré demonstrou ter adquirido, juntamente com o falecido marido, a propriedade dos móveis em causa, por meio de usucapião.</font><br>
<font>Logo, provou a excepção arguida, pelo que, provado o seu direito, não podem os bens ser restituídos ao A. o que implica a improcedência da acção, tal como decidiu a 1ª instância.</font><div></div><font>Nas contra-alegações diz o A. que, face à lei alemã é herdeiro do falecido irmão, pelo que, nessa qualidade, é também dono e legítimo possuidor em comum e sem determinação de parte ou direito dos bens aqui em questão, o que lhe deve ser reconhecido.</font><div></div><font>Tal questão é matéria nova que o A. não suscitou nos articulados da acção, pelo que nunca aqui teria de ser conhecida.</font><br>
<font>Além disso, atender a uma tal situação implicaria alterar a causa de pedir, o que não pode ser feito em sede de recurso, e, em qualquer caso, implicaria considerar matéria nova, não alegada, para fundamentar a decisão, a que é processualmente inadmissível.</font><br>
<font>Acresce que a apreciação de tal questão implicaria a aplicação de legislação alemã, que se desconhece e o A. não disponibilizou, além de que, não é esta a fase própria para fazer uma tal apreciação, que até suporia a produção de prova face ao que, a respeito, se alegou nas contra-alegações oferecidas pela Ré na apelação.</font><div><font> </font><br>
</div><br>
<u><font>Decisão</font></u><div></div><font>Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista e, consequentemente:</font><br>
<font>- revogam o acórdão recorrido, e</font><br>
<font>- julgam a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.</font><div></div><font>Custas pelo A/ recorrente (também nas instâncias).</font><div><br>
<font>Lisboa, 16 de Outubro de 2008</font></div><font> </font><br>
<br>
<font>Moreira Alves (relator)</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<div></div><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YDK9u4YBgYBz1XKvXDof | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> I – Relatório</font><br>
<br>
<font> AA – Sociedade Comercial de Automóveis, Lª, intentou, no Tribunal Judicial de Aveiro, acção ordinária contra Sport BB pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 30.710,88 €, relativa ao valor da liquidação da conta corrente existente entre ambos, até Julho de 2002, no valor de 27.868,64 € e juros vencidos até 05/06/2003, no valor de 2.832,24 €, bem como os juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento, à taxa de 12%, sobre o capital em dívida.</font><br>
<font>Subsidiariamente, e para o caso de se entender não existir um contrato de conta corrente entre A. e R., pediu a condenação deste no pagamento de 30.710,88 €, relativa ao valor daqueles bens e serviços não pagos no valor de 27.878,64 € e juros vencidos até 05/06/2003, no valor de 2.832,24 €, bem como os que se vencerem até integral e efectivo reembolso, sobre o capital, à taxa de 12%.</font><br>
<font>Em suma, fundamentou a sua pretensão na existência de uma conta corrente entre ambas as partes, apresentando esta um saldo favorável para si de 27.878,64 €, que o R. não pagou apesar de instado para o efeito.</font><br>
<font>O R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, tendo, para o efeito, alegado nada dever à A., invocando a seu favor o regime previsto no art. 317º, al. b) do CC.</font><br>
<font>Replicou a A., contrariando a defesa excepcional arguida pelo R..</font><br>
<font>Após saneamento e instrução, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.</font><br>
<font>Mediante apelação interposta pela A., o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou o julgado pela 1ª instância.</font><br>
<font>Continuando irresignada, a A. pede, ora, revista, a coberto da seguinte síntese conclusiva:</font><br>
<font>“- </font><u><font>Uma prescrição presuntiva nunca pode ser invocada, tem que ser invocado aquilo que ela presume, seja, o cumprimento</font></u><font>. </font><br>
<font>- Decorrido um certo lapso de tempo, no caso dos autos, dois anos – art. 317º al. b) do C.C., presume-se cumprida a obrigação, o que quer significar que não prescreveu, como a decisão ora em crise parece pretender.</font><br>
<font>- Tendo o demandado alegado o pagamento e subsequentemente a prescrição, praticou em juízo um acto incompatível com o seu direito, porquanto, admitiu que não cumpriu, mas sim que a sua obrigação deixou de ser civil para passar a ser natural.</font><br>
<font>- As prescrições presuntivas fundam-se na presunção do cumprimento, como dispõe expressamente o art. 312º do Código Civil, tal significando que o decurso do prazo não confere ao devedor, como na prescrição ordinária, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do Direito alegadamente prescrito.</font><br>
<font>- O instituto em causa apenas faz presumir o cumprimento pelo decurso do prazo – não são tratadas,</font><u><font> como prescrições, mas como simples presunções de pagamento</font></u><font>.</font><br>
<font>- Escapamos ao âmbito do art. 303º do Código Civil, no sentido de que, não podemos invocar a prescrição, mas sim, o decurso do tempo e o cumprimento.</font><br>
<u><font>- Assim, como se disse, a prescrição presuntiva, menos do que directamente extintiva da eficácia do Vínculo Obrigacional, é liberatória do ónus de prova do cumprimento, limitando-se o prazo prescricional a balizar o termo a partir do qual o réu fica dispensado desse encargo probatório.</font></u><font> Ao contrário do que sucede na prescrição ordinária, em que o </font><u><font>réu pode negar a dívida e invocar a prescrição, sobre o devedor recai o ónus de alegar que pagou</font></u><font>. Limitando-se a invocar a prescrição, a acção triunfa.</font><br>
<font>- Com efeito, tendo o demandado invocado o pagamento e expressamente que prescreveu nos termos da al. b) do Art. 317º, pratica em juízo um acto incompatível com a presunção do pagamento, pelo que, confessa tacitamente a dívida”.</font><br>
<font>Em defesa da manutenção do aresto impugnado, respondeu o recorrido.</font>
</font><p><font><font>II – As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:</font><br>
<br>
<font>- A AA Sociedade Comercial de Automóveis, Lª, dedica-se à actividade comercial de compra e venda de veículos automóveis e à reparação automóvel.</font><br>
<font>- O R. Sport BB é uma associação desportiva, cultural e recreativa e uma instituição de utilidade pública.</font><br>
<font>- No exercício do seu comércio, a A. forneceu ao R., no período de entre 27 de Janeiro de 1988 e 27 de Novembro de 1997, materiais e componentes para veículos automóveis deste. </font><br>
<font>- E prestou aos veículos automóveis do R. serviços de assistência técnica e mecânica.</font><br>
<font>- A 14 de Setembro de 2001, a A. vendeu ao R. um veículo usado pelo preço de € 11.222,95, que o R. pagou.</font><br>
<font>- A 30 de Agosto de 2001, a A. fez remeter ao R. carta do teor de fls. 28 a pedir-lhe a regularização, o mais breve possível, do saldo favorável de 5.589.166$50, “há já bastante tempo vencido”.</font><br>
<font>- Em resposta, a A. recebeu a carta de fls. 29, em papel timbrado do R. e subscrita sobre o selo a óleo deste, na qual: </font><br>
<font>a) Se manifesta admiração e estranheza “pelo valor indicado, uma vez que, na contabilidade deste clube, não existe qualquer movimento contabilístico com essa distinta Empresa que provoque o valor indicado; </font><br>
<font>b) Se solicita o favor de serem enviados exemplares de todas a facturas que provocarão o saldo em causa para serem analisadas”. </font><br>
<br>
<font> III – </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br>
<font> A única questão que nos é colocada pela recorrente (a mesma, aliás, que foi colocada ao Tribunal da Relação de Coimbra a coberto das mesmas conclusões) é tão-somente esta: saber se se deve, ou não, ter-se por verificada a excepção de prescrição presuntiva referida pelo R. na sua peça contestatória.</font><br>
<font> Para a recorrente, as instâncias, ao absolverem o R.-recorrido, violaram o que está preceituado nos arts. 312º a 317º do CC.</font><br>
<font> A argumentação da recorrente assenta no facto de, no seu modo de ver, o recorrido ter confessado a dívida, facto que é incompatível com a presunção prescritiva.</font><br>
<font> E o R.-recorrido terá confessado a dívida porque, depois de ter alegado o pagamento da mesma, acabou por dizer que a mesma está prescrita.</font><br>
<font> Ou seja, para a recorrente o simples facto de o R., depois de ter alegado o pagamento, ter invocado a prescrição, é motivo suficiente para reconhecimento da mesma, sendo que esta invocação lhe surge como um acto incompatível com a presunção de cumprimento.</font><br>
<font> Ao cabo e ao resto, a verdadeira violação por parte do Tribunal da Relação de Coimbra, dando cobertura à decisão do Tribunal de 1ª instância, estaria na violação do art. 314º do CC.</font><br>
<font> Nada mais se discute do que isso – nem o decurso do prazo de dois anos estabelecido no art. 317º referido nem tão-pouco a qualidade (de não comerciante) do R.-recorrido.</font><br>
<font> Ora bem.</font><br>
<font>Terá o R. alegado o cumprimento da dívida e concomitantemente invocado a prescrição?</font><br>
<font> Se o tivesse feito, não teríamos dúvidas em afirmar que o R. se tinha defendido de uma forma enviesada, contraditória mesmo.</font><br>
<font> Com efeito, as presunções prescritivas “explicam-se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, em via de regra, quitação, ou, pelo menos, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado” – faz notar Almeida Costa, </font><i><font>in</font></i><font> Direito das Obrigações – 9ª edição –, págs. 1051 e 1052.</font><br>
<font>Manuel de Andrade justifica o regime destas presunções, dizendo sabiamente:</font><br>
<font> “Ela (a lei) estabeleceu prazos para a prescrição de créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador, etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, paga as suas dívidas dentro de prazo curto, porque são dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes. Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira, acabaria por não ter quem o servisse. Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando paga e se exige recibo não o conserva muito tempo” (</font><i><font>in </font></i><font>Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 452).</font><br>
<font> Também Rodrigues Bastos nos alerta para esta realidade, dizendo que “as chamadas prescrições presuntivas são prescrições de curto prazo, que têm esta característica especial: o decurso do termo estabelecido por lei não produz, como nas outras prescrições (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 304º) a extinção do direito, dando lugar apenas a uma presunção de cumprimento, que pode ser ilidida, embora só pelo meio previsto no art. 313º” (</font><i><font>in</font></i><font> Das Relações Jurídicas, IV, pág. 142).</font><br>
<font> Mais claro se tornaria a situação se o R. tivesse negado a dívida ou invocado a compensação e, ao mesmo tempo, invocação a prescrição (</font><i><font>vide</font></i><font>, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, </font><i><font>in</font></i><font> Código Civil Anotado, Volume I, pág. 283).</font><br>
<font>Reconhecemos que a alegação concomitante de pagamento e de prescrição comporta uma defesa que é incompatível porque contraditória. Disso mesmo nos dá conta Sousa Ribeiro: </font><br>
<font>“Constituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e, simultaneamente, pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois, ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou” (</font><i><font>in</font></i><font> Revista de Direito e Economia, Ano V, Nº 2, pág. 393).</font><br>
<font>Antes de darmos uma resposta cabal à questão que nos preocupa, importante é, ainda, dizer que as presunções prescritivas, constituindo verdadeiras presunções de cumprimento, produzem a inversão do ónus da prova, ficando, por via das mesmas, o devedor liberto desse encargo, sem embargo de o credor elidir a presunção em causa, provando o não cumprimento.</font><br>
<font>Simplesmente – e aqui reside o ponto curioso – o credor só poderá almejar tal objectivo mediante um acto confessório do próprio devedor, como resulta claro do art. 313º do CC.</font><br>
<font>Acrescente-se, ainda, que essa atitude confessória do devedor pode ser surpreendida não só judicialmente, como também extrajudicialmente.</font><br>
<font>Interessa-nos aqui em particular a chamada confissão judicial tácita, admitida na 2ª parte do art. 314º do CC (prática de actos em juízo incompatíveis com a presunção do cumprimento).</font><br>
<font>A resposta à pergunta inicialmente formulada passa necessariamente pela análise do teor global da defesa do R. vertida na contestação.</font><br>
<font>Ora, lendo tal articulado, pode ver-se que o R. disse nada ter ficado a dever à A. (art. 9º), que todos os valores constantes das facturas juntas foram liquidados (art. 10º), que nada deve à A. (art. 11º), que pagou à A. os serviços prestados (art. 15º), que a própria A. teve conhecimento de que a dívida está paga (art. 39º), que ela própria não nega a existência originária da dívida nem do seu montante, mas afirma que a mesma está paga (arts. 42º e 43º).</font><br>
<font>Daqui só é possível tirar a conclusão de que o R., reconhecendo a existência original da dívida reclamada pela A., acabou por dizer que a mesma estava extinta pelo pagamento.</font><br>
<font>É certo que ao longo do articulado contestatório foi referindo que a sua situação estava contemplada pelo art. 317º, al. c, do CC (</font><i><font>cfr</font></i><font>. arts. 13º, 20º e 25º), mas isso em nada colide com a posição de defesa clara que assumiu, de ter cumprido e, portanto, de ter extinto, pelo pagamento, a dívida invocada pela A..</font><br>
<font>Parece-nos perfeitamente desnecessário fazer aqui apelo às regras interpretativas, tal qual estão consagradas nos arts. 236º e ss. do CC, para tirar a limpo a verdadeira atitude do R. perante a investida da A..</font><br>
<font>De qualquer maneira sempre se dirá, em reforço da posição defendida, que qualquer declaratário normal, posto perante a peça contestatória, lendo a seu teor na globalidade, acabaria, necessariamente, por chegar à conclusão já referida: que o que ele quis efectivamente dizer foi que a dívida existiu, que a pagou e que, atentas as circunstancias temporais em causa e a sua qualidade de não comerciante, até beneficiava do regime do art. 317º, al. b) do CC.</font><br>
<font>Onde está a incongruência, a contradição da Defesa?</font><br>
<font>Sinceramente, não a vemos.</font><br>
<font>Improcede, portanto, a tese da recorrente, não sendo merecida a crítica que dirigiu ao aresto impugnado.</font><br>
<br>
<font> IV – Decisão</font><br>
<font> Pelo exposto, nega-se a revista e condena-se a recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Lisboa, aos 18 de Dezembro de 2007</font><br>
<font> Urbano Dias</font><br>
<font> Paulo Sá</font><br>
<font> Mário Cruz</font><br>
<br>
</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bDK9u4YBgYBz1XKvbTqp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<font>AAe BB</font><br>
<font>intentaram </font><b><i><u><font>contra </font></u></i></b><br>
<font>CC, SA </font><br>
<font>e DD, SA, </font><br>
<font>acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário </font><br>
<b><i><u><font> pedindo:</font></u></i></b><br>
<font>a) que sejam as RR. condenadas a efectuarem as obras necessárias de condução e derivação das águas de forma a evitar inundações e enxurradas nos prédios dos AA.</font><br>
<font>b) a pagarem aos AA. a indemnização já liquidada de Esc: 15.508.011$00, acrescida dos juros moratórios que se vencerem desde a citação dos RR. até integral pagamento à taxa legal e anual de 10%;</font><br>
<font>c) a pagarem solidariamente aos AA. a indemnização a liquidar em execução de sentença, e referente:</font><br>
<font>c/1 – a despesas que os AA. tiverem de suportar com a aquisição de novas videiras e seu plantio, incluindo-se o custo das mesmas, dos fertilizantes necessários e o pagamento dos trabalhadores agrícolas para a realização dessa tarefa;</font><br>
<font>c/2 – às perdas decorrentes da diminuição de produção agrícola dos prédios dos AA. (que identificaram), quanto à produção hortícola, produção do vinho, batatas e milho desde a presente data até ao momento em que o terreno seja reposto na situação anterior de forma a ser novamente agricultado e até à efectiva produção e colheita daquelas culturas;</font><br>
<font>c/3 – a gastos suportados pelos AA. com a abertura dos caminhos nos seus identificados prédios;</font><br>
<font>c/4 - à diferença do quantitativo constante no orçamento junto para a quantia efectivamente paga pelos AA., já que neste momento não se sabe a data do início da sua execução.</font><br>
<br>
<font>Para o efeito, alegaram em síntese, que:</font><br>
<font> A Ré CC é responsável pela construção da A4 Porto - Amarante e do sub-lanço Penafiel-Amarante, tendo esta celebrado com a Ré DD, SA um contrato de empreitada para a construção da obra geral e das obras de arte (PS e PI) dos lotes Penafiel/Castelões e Castelões/Amarante, da A4. </font><br>
<font>Os AA. são donos de duas propriedades rústicas que formam um conjunto agrícola, estando ligados.</font><br>
<font>Os aludidos prédios encontravam-se agricultados.</font><br>
<font>Os Autores exploram água do subsolo dos aludidos prédios.</font><br>
<font>Os RR. fizeram várias obras, não cuidando de efectuar as mesmas de forma evitar as enxurradas, desmoronamentos e as inundações dos terrenos inferiores, destruindo as culturas, socalcos, poças e minas dos AA.</font><br>
<font>Estando o seu solo carregado de detritos saibrosos, areia e pedras. </font><br>
<font>Para repor os terrenos no estado em que anteriormente se encontravam os Autores necessitarão de adquirir terra.</font><br>
<font>É ainda necessário proceder à construção de tanques em substituição dos poços existentes e que ficaram destruídos.</font><br>
<font>É igualmente necessário proceder à construção de onze muros de suporte de terras em betão.</font><br>
<font> Assim, tiveram prejuízos já liquidados de esc. 15.508.011$00, bem como outros a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font> Concluem, pois, pela procedência da acção.</font><br>
<br>
<font> Na contestação a R. CC, </font><u><font>deduziu o incidente de intervenção acessória da Companhia de EE,</font></u><font> invocou a ilegitimidade, por ter celebrado um contrato de empreitada com a R. DD, SA e impugnou os factos.</font><br>
<font>Concluiu pela improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font> A R. DD, SA deduziu o incidente de intervenção acessória da Companhia de EE e impugnou os factos.</font><br>
<font> Concluiu pela improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font> A interveniente Companhia de EE, SA impugnou os factos.</font><br>
<font> Conclui pela improcedência da acção.</font><br>
<font> </font><br>
<font> ***</font><br>
<font> Saneado, condensado e instruído o processo, seguiu ele para julgamento, vindo a ser dados como provados os factos seguintes:</font><br>
<br>
<i><font>“1) A Ré CC é uma empresa de capitais mistos concessionária, com exclusividade em Portugal, da construção, manutenção e exploração de auto-estradas. </font></i><br>
<i><font>2) A mesma é responsável pela construção da A4 Porto - Amarante e do sub-lanço Penafiel-Amarante. </font></i><br>
<i><font>3) A Ré DD, SA é uma sociedade que se dedica à construção civil, nomeadamente, obras públicas. </font></i><br>
<i><font>4) Em 6 de Dezembro de 1993, a Ré CC celebrou com a Ré DD, SA um contrato de empreitada para a construção da obra geral e das obras de arte (PS e PI) dos lotes Penafiel/Castelões e Castelões/Amarante, da A4, conforme documento junto aos autos a fls. 115 a 149. </font></i><br>
<i><font>5) Na Conservatória do Registo Predial de Amarante encontra-se descrito sob a ficha n° ......../.........., da freguesia de Fregim, Amarante, um prédio rústico, denominado "Leiras......”, com a área de 15.500 m2, composto de pastagem, videiras em cordão, pinhal e mato, a confrontar de norte com caminho, FF e outro, de nascente com GG, de sul com caminho-de-ferro e de poente com HH, tendo o mesmo inscrita aquisição a favor de AA casado com BB, por compra. </font></i><br>
<i><font>6) Tal prédio encontra-se inscrito na matriz rústica da freguesia de Fregim no artigo 272°.</font></i><br>
<i><font>7) Na Conservatória do Registo Predial de Amarante encontra-se descrito sob a ficha n° ...../......, da freguesia de Fregim, um prédio rústico denominado " Quinta do ......", com a área de 31.200 m2, composto de cultura, pastagem, videiras em cordão, pinhal e mato, a confrontar de norte com caminho-de-ferro, de nascente com II e outro, de sul com rio Tâmega e de poente com JJ, tendo o mesmo inscrita aquisição a favor de AA casado com BB, por compra a KK. </font></i><br>
<i><font>8) Tal prédio encontra-se inscrito na matriz rústica da freguesia de Fregim sob o artigo 253°. </font></i><br>
<i><font>9) A Ré DD SA, celebrou com a Companhia de EE um contrato de seguro titulado pela apólice n° ..-.....10 com o objecto e condições constantes do documento junto aos autos a fls. 150 a 184. </font></i><br>
<i><font>10) Os prédios aludidos em 5) e 7) formam um conjunto agrícola, estando ligados.</font></i><br>
<i><font>11) No prédio aludido em 7) os Autores construíram uma casa de habitação, composta de cave e rés-do-chão.</font></i><br>
<i><font>12) Há mais de 30 anos os Autores, por si e antepossuidores, vêm fruindo de todas as utilidades dos prédios identificados em 5) e 7), administrando-os como coisa sua, designadamente plantando, semeando, colhendo produtos agrícolas, construindo a casa de habitação e aí residindo. </font></i><br>
<i><font>13) O que sempre fizeram de forma contínua e ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse.</font></i><br>
<i><font>14) E na convicção de que ao assim agirem não lesavam direitos de terceiros e exerciam um direito próprio.</font></i><br>
<i><font>15) Até ao início da construção aludida em 3) os prédios identificados em 5) e 7) apresentavam-se agricultados, com videiras e fruteiras.</font></i><br>
<i><font>16) Sendo aí semeado, na época própria, milho e planta da batata.</font></i><br>
<i><font>17) Os Autores procediam à fertilização do solo e à sua irrigação, limpando-o de ervas daninhas e cavando o espaço circundante às videiras e demais fruteiras.</font></i><br>
<i><font>18) Os Autores exploram água do subsolo dos prédios identificados em 5) e 7), tendo para o efeito construído poços e galerias de mina para um melhor aproveitamento da água.</font></i><br>
<i><font>19) Nos prédios aludidos em 5) e 7) existiam várias poças para onde a água era conduzida e partir das quais se distribuía para irrigar toda a parte de lavradio. </font></i><br>
<i><font>20) A exploração da água foi feita predominantemente através da abertura de dois poços e construção de duas minas, que se situam no prédio denominado "Leiras ......", no limite sudoeste do terreno de lavradio com o terreno de monte.</font></i><br>
<i><font>21) Os prédios descritos em 5) e 7) estendem-se desde o Rio Tâmega, a sul, depois são atravessados pelo caminho-de-ferro e terminam a norte numa encosta sobranceira ao dito caminho-de-ferro. </font></i><br>
<i><font>22) Existindo um acentuado desnível entre a parte situada a norte e a situada nas margens do rio Tâmega, ficando esta num plano inferior àquela, cujo declive é não inferior a 50 metros.</font></i><br>
<i><font>23) Entre o local por onde passa a A4 e os prédios identificados em 5) e 7) existe um desnível aproximado de 100 metros.</font></i><br>
<i><font>24) Nesse local existe alguma água.</font></i><br>
<i><font>25) A noroeste da auto-estrada os Réus fizeram várias cortes, movimentações de terras e arranjos das vias complementares à auto-estrada, designadamente na estrada que liga Amarante a ....... e na via que entronca nesta em direcção à Igreja de Fregim.</font></i><br>
<i><font>26) Para a protecção da construção da auto-estrada e devido às águas superficiais, os Réus construíram uma rede de escoamento dessas águas.</font></i><br>
<i><font>27) Tal construção foi efectuada na parte noroeste e sobranceira à auto-estrada.</font></i><br>
<i><font>28) Os Réus construíram vários aquedutos em cimento com o formato de meia cana que atingem "caixas de cimento" com a forma quadrada e com dimensões de aproximadamente 1m2. </font></i><br>
<i><font>29) Conduzindo as referidas águas sob a auto-estrada por um canal de cimento, até à margem nascente da mesma, as quais convergem para um único aqueduto.</font></i><br>
<i><font>30) Nesse local, os Réus fizeram desembocar aquele canal, com diâmetro de aproximadamente 1m, numa caixa aberta. </font></i><br>
<i><font>31) Antes das obras efectuadas pelos Réus as águas escorriam naturalmente, em diversas linhas de água, através dos terrenos que se situavam em plano inferior.</font></i><br>
<i><font>32) Sendo desviadas em diversos aquedutos, em pedra, antes de atingirem a linha do caminho-de-ferro e depois o rio.</font></i><br>
<i><font>33) Esses aquedutos existiam também para protegerem a linha de caminho de ferro de eventuais derrocadas de um muro de suporte paralelo e sobranceiro à mesma.</font></i><br>
<i><font>34) Os Réus não cuidaram de efectuar as obras necessárias de forma evitar as enxurradas, desmoronamentos e as inundações dos terrenos inferiores. </font></i><br>
<i><font>35) Tendo antes desviado todas as águas para um ponto único, de onde correm livremente inundando e destruindo os terrenos por onde passam.</font></i><br>
<i><font>36) Devido ao grande desnível do terreno desde o local onde as águas afluem e os prédios identificados em 5) e 7), é fortíssima a corrente de água que se forma, destruindo árvores e culturas e transportando, lenhas, pedras, entulho, lixo e areia, que aí ficam depositados.</font></i><br>
<i><font>37) Tais águas aliadas à descida acentuada do terreno cavaram nos prédios identificados em 5) e 7) fendas com mais de 3m de profundidade. </font></i><br>
<i><font>38) O prédio identificado em 5) era constituído por leiras em socalco, totalmente avinhadas.</font></i><br>
<i><font>39) No limite noroeste dessas leiras com o terreno de monte localizavam-se as aludidas poças e minas.</font></i><br>
<i><font>40) Em virtude das obras efectuadas pelos Réus a corrente de água invadiu aquele prédio e destruiu totalmente as leiras expostas em socalcos, bem como as culturas aí existentes e as videiras.</font></i><br>
<i><font>41) E destruiu também as poças e as minas.</font></i><br>
<i><font>42) Os terrenos situados a sul da linha de caminho-de-ferro estão parcialmente destruídos.</font></i><br>
<i><font>43) Estando o seu solo carregado de detritos saibrosos, areia e pedras. </font></i><br>
<i><font>44) Os muros de suporte das terras foram destruídos em alguns locais.</font></i><br>
<i><font>45) E muita da terra foi levada pela corrente.</font></i><br>
<i><font>46) Os Autores colhiam com a exploração agrícola dos supra descritos prédios, uma média anual de 18 pipas de vinho.</font></i><br>
<i><font>47) E cerca de 2 carros de milho, no total de 1.280Kgs.</font></i><br>
<i><font>48) E pelo menos 1 carro de batatas, no total de 800Kgs.</font></i><br>
<i><font>49) Os Autores dedicavam-se à horticultura, vendendo no mercado e a particulares, feijão, hortaliças, vagens, tomates, alfaces, pepinos, couve-flor, etc..</font></i><br>
<i><font>50) Com a horticultura os Autores auferiam anualmente a quantia líquida de 600.000$00.</font></i><br>
<i><font>51) O preço corrente do kg de milho em 1996 e 1997 cifrou-se em 40$00.</font></i><br>
<i><font> 52) Os Autores vendiam cada pipa de vinho, em média, a 180.000$00.</font></i><br>
<i><font>53) Nos prédios aludidos em 5) e 7) foram arrancados pelo menos 100 pés de videiras, plantadas em bardo, as quais produziam na sua maioria uvas tintas.</font></i><br>
<i><font>54) Um pé de videira produz anualmente cerca de 9 litros de vinho.</font></i><br>
<i><font>55) A produção de uvas brancas representava cerca de 30% do total da produção dos Autores.</font></i><br>
<i><font>56) O preço na região do vinho branco é de cerca de 300$00/litro (com referência à data da entrada da acção).</font></i><br>
<i><font>57) Sendo o preço do vinho tinto ainda mais elevado.</font></i><br>
<i><font>58) As videiras destruídas encontravam-se em plena produtividade.</font></i><br>
<i><font>59) Para a plantação de novas videiras os Autores terão que adquirir bacelos, fazer a abertura das covas para a colocação das novas videiras, fertilizar os terrenos, mediante o corte de mato e adubação das covas.</font></i><br>
<i><font>60) E terão ainda que pagar a trabalhadores agrícolas para efectuar tais tarefas.</font></i><br>
<i><font>61) É necessário o decurso de cinco anos após a plantação para que as videiras atinjam uma normal produtividade.</font></i><br>
<i><font>62) Em virtude do estado em que se encontram os prédios verificou-se uma diminuição da produção das restantes videiras e demais culturas.</font></i><br>
<i><font>63) Para repor os terrenos no estado em que anteriormente se encontravam os Autores necessitarão de adquirir terra, cuja quantidade exacta não foi possível apurar.</font></i><br>
<i><font>64) Ascendendo o preço da mesma a €15,00m3, incluindo já o transporte e colocação da terra.</font></i><br>
<i><font>65) É ainda necessário proceder à construção de dois tanques em substituição dos poços existentes e que ficaram destruídos.</font></i><br>
<i><font>66) A construção desses tanques, reconstrução e limpezas das minas ascende a uma quantia cujo montante exacto não foi possível apurar.</font></i><br>
<i><font>67) É igualmente necessário proceder à construção de onze muros de suporte de terras em betão, com as seguintes dimensões e pelos seguintes valores, sem IVA: </font></i><br>
<i><font>a) 3,00x1,50x0,45 2,03 m3 19.200$00 38.976$00. </font></i><br>
<i><font>b) 4,50x2,20x0,50 4,95 m3 19.200$00 95.040$00. </font></i><br>
<i><font>c) 7,50x2,00x0,50 7,50 m3 19.200$00 144.000$00.</font></i><br>
<i><font>d) 5,50x4,00x0,75 16,50 m3 19.200$00 316.800$00.</font></i><br>
<i><font>e) 7,00x2,50x0,60 10,50 m3 19.200$00 201.600$00. </font></i><br>
<i><font>f) 1,50x5,00x0,75 6,63 m3 19.200$00 127.296$00. </font></i><br>
<i><font>g) 2,00x1,50x0,75 1,35 m3 19.200$00 25.920$00.</font></i><br>
<i><font>h) 10,00x3,00x0,75 22,50 m3 19.200$00 432.000$00. </font></i><br>
<i><font>i) 4,00x3,00x0,75 9,00 m3 19.200$00 172.800$00.</font></i><br>
<i><font>j) 10,00x2,50x0,60 15,00m3 19.200$00 288.000$00.</font></i><br>
<i><font>l) 6,00x1,50x0,60 5,40 m3 19.200$00 103.680$00</font></i><br>
<i><font>68) Os caminhos dos aludidos terrenos encontram-se intransitáveis em alguns locais.</font></i><br>
<i><font>69) Sendo necessário proceder à sua abertura com o auxílio de máquinas e com o trabalho de operários.</font></i><br>
<i><font>70) Os Autores sentiram grande desgosto ao verem os aludidos prédios destruídos e sem produtividade.</font></i><br>
<i><font>71) Tendo vivido momentos de angústia e preocupação.</font></i><br>
<i><font>72) E contactaram a Ré CC por diversas vezes, que se mostrou indiferente aos factos por si relatados.</font></i><br>
<i><font>73) Todas as obras foram executadas exclusivamente pela Ré DD, SA..</font></i><br>
<i><font>74) Ao efectuar as obras na A4 a Ré DD, SA seguiu o Projecto de Execução fornecido pela Ré CC.”</font></i><br>
<font> </font><br>
<font>Perante essa factualidade </font><b><font>veio a </font></b><b><u><font>Sentença</font></u></b><b><font> a julgar parcialmente procedente a acção, especificando, respectivamente, a cada um dos pedidos formulados:</font></b><br>
<br>
<i><font>a) Condenar solidariamente as RR. a efectuarem as obras necessárias de condução e derivação das águas de forma a evitar inundações e enxurradas nos prédios dos AA.</font></i><br>
<i><font>b) Condenar as RR. a pagarem solidariamente aos AA. a quantia já liquidada de € 27.773,23 (vinte e sete mil setecentos e setenta e três euros e vinte e três cêntimos), sendo € 4.000,00 de danos não patrimoniais e o restante de danos patrimoniais, acrescida dos juros moratórios legais civis que se vencerem desde a citação dos RR. até integral pagamento.;</font></i><br>
<i><font>c) Julgar parcialmente improcedente o pedido liquidado da quantia de € 36.083,04 (200.000$00 + 464.000$00 + 1.980.000$00 + 2.160.000$00 + 2.430.000$00) e dele se absolvendo as RR..</font></i><br>
<i><font>d) Condenar solidariamente as RR. a pagarem aos AA. a quantia que se liquidar em execução de sentença, não superior a esc. 1.726.540$00, para aquisição de terra para reposição</font></i><br>
<i><font>e) Condenar as RR. a pagarem aos AA. a quantia que se liquidar em execução de sentença, não superior a esc. 650.520$00, para construção de tanques e limpeza das minas.</font></i><br>
<i><font>f) Condenar solidariamente as RR., a pagarem aos AA. a indemnização a liquidar em execução de sentença, e referente:</font></i><br>
<i><font>- despesas que os AA. tiverem de suportar com a aquisição de novas videiras e seu plantio, incluindo-se o custo das mesmas, dos fertilizantes necessários e o pagamento dos trabalhadores agrícolas para a realização dessa tarefa;</font></i><br>
<i><font>- (danos decorrentes da) diminuição de produção agrícola dos identificados prédios dos AA., referente à produção hortícola, produção do vinho, batatas e milho desde a presente data até ao momento em que o terreno seja reposto na situação anterior de forma a ser novamente agricultado e até à efectiva produção e colheita daquelas culturas;</font></i><br>
<i><font>- gastos suportados pelos AA. com a abertura dos caminhos nos seus identificados prédios;</font></i><br>
<i><font>g) Julgar improcedente o pedido de pagamento da diferença do quantitativo constante no orçamento junto para a quantia efectivamente paga pelos AA., já que neste momento não se sabe a data do início da sua execução.</font></i><br>
<br>
<i><font>Custas da acção pelos AA. e RR. na proporção do vencimento e decaimento, considerando-se o decaimento da parte liquidada de €36.083,04 e, quanto ao pedido ilíquido as custas serão afixadas a final.”</font></i><br>
<br>
<font>Inconformados com a Sentença </font><b><font>vieram a apelar tanto os AA. como cada um dos RR., apresentando as respectivas alegações.</font></b><br>
<br>
<b><font>A Relação julgou:</font></b><br>
<b><font>a) procedente a apelação dos AA. no que respeita ao estabelecimento na sentença recorrida de montantes máximos na liquidação em execução de sentença, das quantias necessárias à aquisição de terra para reposição dos terrenos dos AA. e para a construção de tanques e limpeza de minas</font></b><br>
<b><font>b) procedente a apelação da Ré DD</font></b><br>
<b><font>c) improcedente a apelação da Ré CC, </font></b><br>
<b><font>e assim,</font></b><br>
<b><font>- revogou a sentença recorrida na parte em que, juntamente com a CC, fora condenada solidariamente a Ré DD a pagar as indemnizações aos AA. </font></b><font>(confirmando, logicamente, no demais, a Sentença)</font><br>
<br>
<font>A Ré CC recorreu para este Tribunal, interpondo revista e apresentando alegações.</font><br>
<font>Os AA. fizeram o mesmo.</font><br>
<br>
<font>Houve contra-alegações da Ré DD ao recurso dos AA, . e dos AA. ao recurso da Ré CC.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>II. Âmbito dos recursos</font></b><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, vamos transcrever as conclusões das alegações de cada um dos recorrentes, pois é de acordo com elas que o âmbito do recurso fica delimitado:</font><br>
<br>
<b><font>II-A) Âmbito do recurso dos AA.:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font>Os AA. nas suas alegações na Revista, apresentaram as conclusões seguintes:</font><br>
<i><font>“1- A presente acção deu entrada em juízo em 1998.02.19 e as condições que justificaram a existência de danos não patrimoniais e sua indemnização, mantêm-se nesta data e não se pode prever quando cessarão as suas causas. </font></i><br>
<i><font>2- Decorridos estes anos, e porque nada foi feito para minorar a situação criada pela actuação e omissão das rés, mantém-se toda a situação de facto apurada na sentença: a produção agrícola mantém-se abaixo dos níveis médios anteriores, a propriedade está atravessada por valas com cerca de 3 metros de profundidade, os caminhos encontram-se destruídos em parte, impedindo a circulação entre as várias parcelas, as minas e as poças de água continuam destruídas. </font></i><br>
<i><font>3- A destruição parcial da propriedade dos autores ficou-se a dever apenas a culpa exclusiva das rés, que não tomaram as devidas cautelas no encaminhamento das águas conduzidas por uma rede de drenagem construída para proteger a auto estrada das águas pluviais, que desaguam livremente em terrenos de forte declive, por onde correm em direcção ao rio. </font></i><br>
<i><font>4- Os autores em nada concorreram para a produção ou o agravamento dos danos. </font></i><br>
<i><font>5- Os autores sofreram grande desgosto por verem os seus prédios destruídos e sem produtividade; têm vivido momentos de angústia e preocupação; a ré CC, por eles contactada, por várias vezes, mostrou-se indiferente aos factos relatados. </font></i><br>
<i><font>6- Tudo o que se verificava em 1998, verifica -se neste momento, sem que se possa vislumbrar o seu termo, tendo em conta a necessidade de liquidação e ainda de execução prévia de trabalhos pela CC; </font></i><br>
<i><font>7- Não se pode afirmar que a angústia e o desgosto se diluem no tempo, atendendo que desde a produção dos eventos danosos até agora nada mudou. </font></i><br>
<i><font>8- Ponderada esta factualidade entendemos desajustada a fixação da indemnização de 4.000 euros, pelos danos não patrimoniais, quando, em 1998, os autores peticionavam 1.000.000$00. </font></i><br>
<i><font>9- Considera-se adequada a quantia de 15.000 euros, para ambos os autores. </font></i><br>
<i><font>10- Não estando o Tribunal impedido de fixar valores parcelares superiores aos peticionados, desde que o total da condenação não ultrapasse o valor do pedido inicial. </font></i><br>
<i><font>11- Mantendo o decidido nesta questão, o acórdão recorrido fez errada aplicação do disposto nos arts. 483, 496, n.º1 e 566, n.º2 do C. Civil. </font></i><br>
<i><font>12- Dos factos que fundamentam a condenação solidária das rés, ressalta que: </font></i><br>
<i><font>a) Antes das obras efectuadas pelas rés as águas escorriam naturalmente, em diversas linhas de água, através dos terrenos que se situavam em plano inferior - (n.º 31); </font></i><br>
<i><font>b) Sendo desviadas em aquedutos em pedra antes de atingirem a linha do caminho de ferro e depois o rio – n.º 32; </font></i><br>
<i><font>c) As rés não cuidaram de efectuar as obras necessárias de forma a evitar as enxurradas, desmoronamentos e as inundações dos terrenos inferiores – n.º 34; </font></i><br>
<i><font>d) Tendo desviado todas as águas para um único ponto de onde correm livremente inundando e destruindo os terrenos por onde passam - ponto 35. </font></i><br>
<i><font>13- A sentença deu como assente que os trabalhos executados pelas rés CC e DD deram causa aos danos verificados nos prédios dos autores; </font></i><br>
<i><font>14-Apesar de a ré BPC ter alegado que o projecto de drenagem da CC apresentava deficiências, não explicitou em que consistiam tais deficiências; nem descreveu em que consistia exactamente tal projecto;</font></i><br>
<i><font>15- Nomeadamente não alegou nem provou que o desvio das águas, que até à altura das obras corriam naturalmente em diversas linhas de água, para um só ponto fosse o resultado de uma imposição do projecto. </font></i><br>
<i><font>16- Está assente que, dessa concentração das águas num só ponto e porque não foram executadas obras destinadas a evitar as enxurradas, desmoronamentos e inundações dos terreno inferiores, resultaram os danos descritos no prédio dos autores. </font></i><br>
<i><font>17- Por outro lado, foram negativas as respostas aos pontos 73, 75 e 76 da Base Instrutória. </font></i><br>
<i><font>18- Tratando-se de matéria de facto necessária a ilidir a responsabilidade daDD, competia-lhe alegá-la e prová-la, o que não aconteceu. </font></i><br>
<i><font>19- Assim, tendo em conta a matéria de facto provada e a ausência de qualquer facto que exclua a sua responsabilidade, nomeadamente as referidas "deficiências" do projecto, bem andou a sentença de 1.ª instância em condenar solidariamente as duas rés. </font></i><br>
<i><font>20- O Acórdão da Relação não levou em conta que, nos autos, não existe qualquer factualidade relativa às tais deficiências do projecto, invocadas pela ré DD; </font></i><br>
<i><font>21- Por outro lado a responsabilidade desta Ré não resulta da sua posição de empreiteiro, ou do respectivo contrato, e por isso de qualquer relação de comissão, mas sim do facto de ter executado obras que eram aptas a causar prejuízos e causaram os danos sofridos pelos autores. </font></i><br>
<i><font>22- Por isso não tem aplicação ao caso concreto, a alegação de que não existe responsabilidade da empreiteira, por não existir relação de comissão. </font></i><br>
<i><font>23- Salvo o devido respeito não tendo em a factualidade assente e omissão de factualidade </font></i><font>(sic)</font><i><font> que preencha as invocadas deficiências do projecto, o Tribunal da Relação fez errada aplicação dos pressupostos da responsabilidade civil, violando o disposto nos arts.483, 486 e 497 do C. Civil. </font></i><br>
<i><font>Termos em que </font></i><br>
<i><font>Devem ser julgadas procedentes as conclusões e concedido provimento ao presente recurso de revista.”</font></i><font> </font><br>
<br>
<font>Da leitura destas conclusões vemos que </font><u><font>as questões</font></u><font> que nos estão colocadas são as seguintes:</font><br>
<font>a) Apreciação da culpa e responsabilidade solidária da Ré DD, SA. </font><br>
<font>b) Indemnização pelos danos;</font><br>
<br>
<b><font>II-B) Âmbito de recurso da Ré CC:</font></b><br>
<br>
<font>Esta Ré terminou as suas alegações de recurso, lavrando nelas as conclusões seguintes:</font><br>
<br>
<i><font>1 – Todas as obras foram executadas exclusivamente pelo Empreiteiro DD, S.A.;</font></i><br>
<i><font>2 - Ao efectuar as obras na A4 a DD, S.A. seguiu o Projecto de Execução fornecido pela CC. </font></i><br>
<i><font>3 - As testemunhas dos AA., LL, MM, NN, afirmaram sempre nos seus depoimentos “no dia da enxurrada”, “consoante as tempestades” e, finalmente, “chuvas torrenciais”, respectivamente;</font></i><br>
<i><font>4 - As obras para a construção da A4 foram terminadas em 1995, e o dia da enxurrada/tempestades/chuvas torrenciais os terrenos dos AA. foram parcialmente destruídos, como estabeleceram temporalmente os AA., no ano de 1996, e não noutro ano qualquer;</font></i><br>
<i><font>5 – Nesse Ano de 1996 choveu torrencialmente, e em dias consecutivos, no Norte do País;</font></i><br>
<i><font>6 - A inundação do prédio dos autores e sua parcial destruição não foi provocada pelas obras da construção da auto-estrada, sua deficiência ou erro de construção;</font></i><br>
<i><font>7 - Mais Invernos passaram e os AA. não vieram aos presentes autos reclamarem outros e posteriores prejuízos, pelo que só assim, se compreende que não foi a construção da auto-estrada, sua deficiência ou erro de construção que provocaram os danos no prédio dos AA.,</font></i><br>
<i><font>8 - mas condições climatéricas adversas, fortes chuvadas, chuvas torrenciais.</font></i><br>
<i><font>9 - As suas testemunhas da Ré CC,OO e PP, corroboraram o que as testemunhas referidas dos AA. tinham dito, que nesse ano tinha chovido muito, </font></i><br>
<i><font>10 –Não se estabeleceu que tal projecto é ou foi deficientemente construído; Por outro lado,</font></i><br>
<i><font>11 - As testemunhas, ainda da Ré CC,PP e RR, salientaram que o Projecto de Drenagem das Águas respeitou as linhas de água para o escoamento das mesmas.</font></i><br>
<i><font>12 - Aos AA., até e durante a audiência de julgamento, é-lhes dada a faculdade para a actualização monetária do seu pedido, pelo que não será o Tribunal “a quo” que deve substituir um impulso que caberia aos mesmos, condenando para além do pedido, considerando que um orçamento “(….) é uma estimativa dos trabalhos necessários à reparação dos danos sofridos pelos AA..” e “(….) a realizar, em 26 de Janeiro de 1998.”</font></i><br>
<i><font>13 - Pouco importando os anos que tenham decorrido desde a propositura da acção, se os AA. não fizeram a respectiva actualização, como lhes competia.</font></i><br>
<i><font>14 - O montante formulado/pedido pelos AA. é, e daí bem a sentença da 1.ª instância, o montante máximo/limite que ficou relegado para execução de sentença.</font></i><br>
<i><font>15 - Lendo-se as Bases anexas ao Decreto-Lei nº 294/97 de 24 de Outubro, fácil é concluir que a responsabilidade da R. CC será civil extra-contratual subjectiva por facto ilícito;</font></i><br>
<i><font>15 - Esta regula-se unicamente pelo princípio geral contido no artº. 483º do Código Civil, que estatui que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito doutrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação;</font></i><br>
<i><font>16 - O mecanismo da responsabilidade civil em geral opera sempre da mesma forma; o facto (quer ilícito, quer proveniente duma actividade lícita) há-de ligar-se ao agente por um nexo de imputação (de natureza subjectiva ou objectiva, respectivamente) e o dano ou prejuízo que por seu turno há-de ligar-se ao facto por um nexo de causalidade (v. Dário Martins de Almeida, "Manual de Acidentes de Viação", 3ª edição, 1987, pág. 50);</font></i><br>
<i><font>17 - Só a verificação dos pressupostos anteriormente referidos faz marcar a obrigação de indemnizar, sendo aplicável o disposto no nº1 do artigo 487º do Código Civil - que dispõe incumbir ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa;</font></i><br>
<i><font>18 - Os AA. deveriam ter alegado e provado, o que não o fizeram, o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, bem como a culpa da CC, para que se pudesse condenar a Ré CC.</font></i><br>
<i><font>19 - A CC nunca poderá ser condenada através da responsabilidade objectiva ou pelo risco, conforme refere douto aresto a fls. 1139 verso. </font></i><br>
<i><font>20 – (A) ora recorrente assinou contrato de empreitada com a outra Ré, a DD, tendo neste sido repercutida a obrigação de indemnizar, caso os AA. a isso tivessem direito, conforme vem estabelecido no nº 2 da Base XLIX anexa ao Decreto-Lei supra mencionado;</font></i><br>
<i><font>21 - As obras estiveram a ser levadas a cabo pelo Empreiteiro DD, no âmbito do contrato de empreitada, não sendo possível responsabilizar objectiva ou subjectivamente o dono da obra, a CC, por um acto, eventualmente, culposo do empreiteiro, isto é,</font></i><br>
<i><font>22 – Nos presentes autos, apenas se provou que houve danos no imóvel dos AA.; </font></i><br>
<i><font>23 - Mas os mesmos AA. não provaram que a conduta da CC tinha sido culposa e ilícita;</font></i><br>
<i><font>24 - Não conseguiram provar o essencial para que a sua pretensão indemnizatória pudesse proceder: que as obras em causa tivessem tido causa directa nos danos provocados; ou</font></i><br>
<i><font>25 - como entende o douto aresto ora recorrido, substituindo-se mais uma vez os AA., que os mesmos tiveram pr | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bDKmu4YBgYBz1XKvKiel | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Recorrentes:</font></b><font> AA e BB</font><br>
<p><b><font>Recorridos:</font></b><font> CC – Companhia de Seguros, S.A. e Banco DD, S.A</font><i><font>.</font></i>
</p><p>
</p><p><b><font>I – RELATÓRIO.</font></b>
</p><p><font>Irresignado com a decisão prolatada no Tribunal da Relação do Porto, que na improcedência da apelação interposta pelos Autores, confirmou a decisão da primeira instância que havia absolvido os Réus, “CC – Companhia de Seguros, S.A.” e Banco DD, do pedido que contra eles tinha endereçado, recorre, de revista, o Autor, AA e mulher BB, havendo a considerar para a economia do recurso interposto, os sequentes, </font>
</p><p><b><font>I.1. – ANTECEDENTES PROCESSUAIS.</font></b>
</p><p><font>AA e mulher, BB, intentaram acção declarativa condenatória, sob a forma de processo comum ordinário, contra CC – Companhia de Seguros, S.A. e Banco DD, S.A</font><b><i><font>.</font></i></b><font>, formulando os seguintes pedidos:</font>
</p><p><font>A título principal, e após alteração do pedido, a </font><i><font>condenação da 1.ª ré a pagar ao 2.º réu a quantia de €124. 699,47, acrescida de todos os juros legais que venham a ser condenados a pagar, em consequência da entrada em mora devido ao incumprimento do contrato de mútuo, pelo consequente incumprimento por esta do contrato de seguro de vida risco habitação crédito, de todas as demais despesas judiciais, honorários a mandatário judicial e outras despesas que possam ser condenados a pagar ao 2.º Réu na acção executiva que este instaurou contra aqueles, e que corre termos no 1.º Juízo Cível deste Tribunal, sob o n.º 3259/05.3TBGDM, relegando-se para execução de sentença o seu apuramento e a quantia de €2.500,00, a título de danos morais; e </font></i><font>subsidiariamente, na improcedência do antecedente pedido, a </font><i><font>condenação do 2.º réu a pagar-lhes a quantia de €124.699,47, acrescida de todos os juros legais que venham a ser condenados a pagar, em consequência da entrada em mora devido ao incumprimento do contrato de mútuo, de todas as demais despesas judiciais, honorários a mandatário judicial e outras despesas que possam ser condenados a pagar a este na acção executiva que este instaurou contra aqueles, e que corre termos no 1.º Juízo Cível deste Tribunal, sob o n.º 3259/05.3TBGDM, relegando-se para execução de sentença o seu apuramento e a quantia de €2.500,00, a título de danos morais.</font></i>
</p><p><font>Na substanciação factual dos pedidos formulados, alegaram, em síntese, que em 11/08/2000, celebraram com o réu DD um contrato de mútuo, através do qual este lhes emprestou a quantia de 25.000.000$00 e que, por imposição deste, celebraram com a ré seguradora um seguro de vida risco habitação, o qual cobre, para além do risco morte, o risco de invalidez total e permanente superior a 66%.</font>
</p><p><font>Em 07/07/2002, sobreveio ao autor doença coronária que lhe determinou não poder exercer a 100% o seu trabalho, tendo sido fixada uma incapacidade para o trabalho de 75%, determinativa da sua reforma por invalidez.</font>
</p><p><font>A ré seguradora declinou o cumprimento do contrato de seguro, não liquidando ao réu DD o montante do capital em dívida (€124.699,47), por entender que a invalidez do autor não era total e absoluta.</font>
</p><p><font>Entretanto, o réu DD, a quem também foi dado conhecimento do estado clínico do autor, intentou contra os autores uma acção executiva nela invocando o incumprimento do referido contrato de mútuo, o que lhes causou danos patrimoniais, que peticionam, quantificando alguns e relegando outros para posterior liquidação.</font>
</p><p><font>Na contestação, o réu, Banco DD, incoa por suscitar a excepção relativa de incompetência do tribunal de Gondomar, indicando, pela pluralidade de réus, a comarca de Lisboa como sendo a que cumpre os requisitos de jurisdição, territorialmente, competente, tendo, de seguida, apontado o vicio de ininteligibilidade da petição inicial e manifesta e insanável contradição entre a causa de pedir e os pedidos, por não se lograr descortinar, em quem os Autores pretendem radicar ou imputar a responsabilidade do incumprimento do contrato de mútuo celebrado com o 2.º Réu. Na impugnação a que procede começa por afrontar os factos em que os autores fundeiam a sua pretensão, nomeadamente, a não comunicação da doença de que o autor diz padecer – só dela vindo a ter conhecimento no decurso da acção executiva que intentou contra os autores – e só agora lhe tendo vindo ao conhecimento a recusa da 1.ª ré em pagar o capital de seguro que tinha contratualizado com os autores, sendo o banco terceiro em relação à relação contratual estabelecida entre o autor e a demandada seguradora. Acresce que o seguro de vida não funciona automaticamente e nem sequer como assumpção de divida, pelo que nada inviabiliza a acção executiva proposta pelo contestante contra os aqui autores. </font>
</p><p><font>Termina pedindo – cfr. fls. 153 e 154 – que sejam julgadas procedentes as excepções opostas ou quando tal se não entender, a improcedência da acção.</font>
</p><p><font>A ré seguradora (ao tempo Companhia Seguros EE) – cfr. fls. 120 a 122 – depois de confirmar a existência de um contrato de seguro de vida, celebrado entre si e o então Banco FF Imobiliário, S.A., reafirma ser este o beneficiário do seguro, pelo que nunca poderia ser condenada a pagar a quantia estipulada na referida apólice. O contrato de seguro teve o seu início em 1 de Janeiro de 1998, tendo o autor marido aderido ao seguro, em 4 de Maio de 2000. Em face da adesão, a Companhia de II S.A., emitiu condições particulares da apólice, em 11 de Agosto de 2000, data de início da vigência do contrato, tendo ficado segura, como cobertura base, a morte e, como cobertura complementar, a invalidez absoluta e definitiva. Ficou convencionado ser tomador do seguro o mencionado Banco FF Imobiliário, hoje Banco DD, S. A.. O capital seguro era de 12.780.000$00 a que correspondem € 124.699,47 e o contrato em que o seguro foi estabelecido não corresponde à apólice que foi junta com a petição inicial – esta foi emitida pela “CC – Companhia de Seguros, S.A.”, já depois da fusão das duas companhias seguradoras – sendo que as condições gerais constantes da mencionada apólice não são as mesmas que constam do contrato inicialmente celebrado.</font>
</p><p><font>Adentrando-se na explicitação da situação clínica do autor refere que a doença de que padece não é incapacitante, de forma total e definitiva, não estando comprovado que necessite da ajuda de terceiras pessoas para realização de actos da sua vida quotidiana.</font>
</p><p><font>Na réplica, os autores alteraram o primeiro pedido – cfr. fls. 165 – no sentido de que deveria </font><i><font>“[a] 1.ª Ré ser condenada a pagar ao 2.º Réu (…), em consequência da entrada em mora devido ao incumprimento do contrato de mútuo, pelo consequente incumprimento por esta do contrato de seguro risco habitação crédito, de todas as demais despesas judiciais, honorários a mandatário judicial e outras despesas que possam ser condenados a pagar ao 2.º Réu na acção executiva que este instaurou contra aqueles e que corre termos no 1.º Juízo Cível deste tribunal (…) relegando-se para execução de sentença o seu apuramento e da € 2.500, 00. a título de danos morais”</font></i><font> </font>
</p><p><font>No mais repontaram os factos que serviam de fundamento à contestação, nomeadamente, os termos em que o contrato de seguro foi celebrado, a respectiva seguradora, tendo reafirmado o que quanto a incapacidade havia alegado na petição inicial.</font>
</p><p><font>O Réu banco apresentou réplica, onde reafirmou o que já tinha asseverado na contestação. </font>
</p><p><font>Saneado o processo, onde foi admitida a alteração do pedido supra referido, julgado o tribunal de Gondomar territorialmente competente e considerado não revestir a petição inicial do vício de ineptidão, foram seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, após o que devidamente instruído o processo foi realizada audiência de julgamento e respondida a matéria de facto controvertida – cfr. fls. 502 a 508. </font>
</p><p><font>O réu DD havia, entretanto, interposto </font><u><font>agravo</font></u><font>, ao qual foi fixada subida diferida, da parte do despacho saneador em que foi julgada improcedente a excepção de nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial. Decididas as reclamações e indicados os meios de prova, foi elaborada perícia médico-legal, de cujo relatório reclamou a ré seguradora. </font>
</p><p><font>Do despacho que indeferiu essa reclamação, foi interposto </font><u><font>agravo</font></u><font>, também com subida diferida.</font>
</p><p><font>Na decisão proferida – cfr. fls. 516 a 544 – foi decidido absolver as demandadas do pedido e na apelação interposta foram objecto de apreciação: a nulidade da sentença, por invocada contradição entre a matéria de facto assente e a resposta fornecida ao quesito 1.º; e reapreciação da decisão de facto. </font>
</p><p><font>Da decisão que julgou a apelação improcedente vem interposto o presente recurso, de revista, para o que os Autores/recorrentes alinham o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito. </font>
</p><p><b><font>I.2. – QUADRO CONCLUSIVO.</font></b>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Como se disse já o presente recurso é de Revista, nos termos conjugados do disposto nos artigos 721.º e 722.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. </font></i>
</p><p><i><font>A recorrente, em síntese, coloca as seguintes questões: </font></i>
</p><p><i><font>2. Erro de julgamento da matéria de facto, por ter sido indevidamente interpretada e valorada a prova pericial produzida; </font></i>
</p><p><i><font>3. Inconstitucionalidade da interpretação dada pelas instâncias aos artigos 389.º e 591.º do Código de Processo Civil, por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais que o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição impõe. </font></i>
</p><p><i><font>4. Começando pela questão colocada em primeiro lugar, há que relembrar que resulta do disposto no n.º 2 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, como se sabe, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar a decisão do tribunal recorrido relativamente à matéria de facto, excepto no "caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º" do mesmo Código. Isto significa que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido "uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova" para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer "erro na apreciação das provas" ou na "fixação dos factos materiais da causa" (cfr., por exemplo, o acórdão deste Tribunal de 2 de Novembro de 2006, disponível com o n.º 06B2641 em </font></i><i><u><font>www.dqsi.pt</font></u></i><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>5. Ora, vejamos, primeiro foi dado como provado que, </font></i><i><u><font>uma das condições</font></u></i><i><font> para que o Banco FF Imobiliário, SA, concedesse aquele aos Autores foi que estes celebrassem um seguro de vida risco habitação crédito com uma companhia de seguros; </font></i>
</p><p><i><font>6. Segundo, </font></i><i><u><font>deu-se como provado que as testemunhas relataram os normais procedimentos do banco em situação análogas à dos autos, aliás, diga-se que doutra forma não podia ocorrer, já que ouvidos os depoimentos das testemunhas GG e HH, empregados do Réu DD / gravados em CD na sala 4, pelo programa Habilius Média Studio (art. 690-A n.º 2 do C.P.C versão da revisão de 2003, visto a data de entrada do presente processo), verifica-se que estes referem que em relação caso concreto nada se recordam como ocorreram os factos</font></u></i><i><font>, como, aliás, bem refere o douto Acórdão de que se recorre - “Nenhuma prova foi feita de que aquilo que afirmaram não foi o que aconteceu no caso concreto” </font></i>
</p><p><i><font>Pelo que, </font></i>
</p><p><i><font>7. </font></i><i><u><font>Novamente a Relação profere uma decisão claramente contraditória</font></u></i><i><font>, já que por um lado, refere que “Nenhuma prova foi feita de que aquilo que afirmaram não foi o que aconteceu no caso concreto", por outro lado, refere que em relação ao depoimento das testemunhas GG e HH: " Destes depoimentos extraí-se, com suficiente segurança, que foi este o procedimento seguido no caso, uma vez que nada indicia que tenham ocorrido circunstâncias que excluam a negociação da rotina seguida pela instituição bancária, E , </font></i>
</p><p><i><font>8. Mesmo assim, os Senhores Desembargadores entendem que "Por conseguinte, a formação do julgador formou-se de forma consentânea com a prova, pelo que a resposta dada não merece qualquer censura, nem na parte em que deu como provado que o Banco réu apenas sugeriu a realização de seguro em causa, nem relativamente ao teor explicativo da mesma,", isto quando se verifica que estas testemunhas não tiveram conhecimento directo do que ocorreu no caso em apreço. Pelo que, </font></i>
</p><p><i><font>9. Da prova produzida, designadamente do depoimento das testemunhas GG e HH, empregados do Réu DD, gravados conforme Acta do dia 15 de Dezembro de 2009 em CD na sala 4, pelo programa Habilius Média Studio (art., 690-A n.º 2 do C.P,C. versão da revisão de 2003 , visto a data de entrada do presente processo) </font></i><i><u><font>impunha que a resposta ao ponto 8 da matéria de facto da douta Sentença fosse diferente, isto é , onde é mencionado " ... foi-lhes sugerido "deve constar " foi-lhes imposto " , bem como , a resposta ao item 1 da base instrutória deveria ser provado. </font></u></i>
</p><p><i><font>10. Pois, o que os Recorrentes sustentam é que é difícil de aceitar que os tribunais se possam afastar das conclusões apresentadas pela prova pericial, pelo menos sem uma justificação convincente. </font></i>
</p><p><i><font>11. Todos sabemos que, em regra, se recorre à prova pericial justamente porque está em causa a prova de factos para cuja percepção e apreciação se exigem conhecimentos especiais, técnicos, científicos ou de outra natureza, que não é de esperar que os juízes tenham (veja-se a noção de prova pericial, constante do artigo 388.º do Código Civil). </font></i>
</p><p><i><font>12. No entanto, todos sabemos igualmente que, na falta de regra especial que condicione por alguma forma o poder decisório do juiz a prova pericial é, apenas, um meio de prova, cabendo ao tribunal considerá-la no conjunto das demais provas produzidas e decidir de acordo com a convicção a que chegar. </font></i>
</p><p><i><font>13. Todavia, atente-se que não é ao acaso que a lei é exigente quanto à fundamentação dos laudos periciais, ou que permite expressamente às partes – que peçam esclarecimentos adicionais aos peritos, bem como possibilita que o tribunal, se o achar conveniente ou as partes o requeiram, determine a sua comparência na audiência de julgamento para prestarem esclarecimentos. </font></i>
</p><p><i><font>14. O objectivo é, além do mais, proporcionar ao tribunal uma fundamentação racionalmente controlável das conclusões apresentadas (cfr. artigos 586.º, 587.º ou 588.º do Código de Processo Civil), </font></i>
</p><p><i><font>15. Nem outra solução seria possível num sistema que admite perícias colegiais e que permite que todos os peritos apresentem conclusões diferentes quanto aos mesmos factos (cfr. artigos 569.ºe 586.º,n.º 2 do C.P.C.) </font></i>
</p><p><i><font>16. Por outro lado, argumentam ainda os Recorrentes que é consabido que, ainda, que, divergindo das conclusões da prova pericial, nomeadamente quando colegial e unânime nas apreciações que faz dos factos a provar, o tribunal tem o dever de fundamentar por que se afasta dos laudos. </font></i>
</p><p><i><font>17. A verdade, todavia, é que a lei impõe ao tribunal o dever de fundamentar a decisão da matéria de facto (artigo 653.º do Código de Processo Civil), e não só quando houve prova pericial. </font></i>
</p><p><i><font>18. Aliás, prescreve o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, que impõe que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei': </font></i>
</p><p><i><font>19. Atente-se que este artigo 205.º da CRP, veio substituir o anterior art. 208.º, pelo que, verifica-se que a Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas ''nos termos previstos na lei" para o serem ''na forma prevista na lei': </font></i>
</p><p><i><font>20. Porquanto, a alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação. "Ora, </font></i>
</p><p><i><font>21. Remetendo-nos ao caso em apreço, verifica-se que quer a 1.ª Instância, como o Acórdão ora recorrido não fundamentam devidamente na Lei, porque a prova testemunhal foi valorada mais do que o Relatório pericial, elaborado por Técnicos habilitados e isentos. Pelo que, </font></i>
</p><p><i><font>22. Da conjugação do teor do Relatório Pericial de fls. 339 a 345 dos autos com o depoimento do Dr. Cascarejo gravado conforme Acta do dia 12 de Novembro de 2009 em CD na sala 4, pelo programa Habilius Média Studio (art. 690-A n.º 2 do C.P.C versão da revisão de 2003, visto a data de entrada do presente processo) dever-se-á concluir que a resposta ao item 3 da base instrutória peca em muito por defeito, além de que tais meios de prova impunham outra decisão nos autos. Pois, </font></i>
</p><p><i><font>23. Razão pela qual, entendemos que estão preenchidos os pressupostos legais para em consequência do contrato de seguro referido nos pontos 6, 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada ser a Ré Companhia de Seguros condenada, não o tendo sido foi violado o art. 562.º do Cód. Civil. </font></i>
</p><p><i><font>24. Pelo exposto, foram violados os arts. 389.º, 591.º e 562.º todos do Cód. Civil, bem como o art. 205.º da C.R.P.” </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p>
</p><p><b><font>1.3. - QUESTÕES A SER OBJETO DE APRECIAÇÃO.</font></b>
</p><p><font>Os recorrentes identificam as seguintes questões para serem objecto de apreciação na presente revista (sic):</font>
</p><p><b><font>- Erro de julgamento da matéria de facto, por ter sido indevidamente interpretada e valorada a prova pericial produzida; </font></b>
</p><p><b><font>- Inconstitucionalidade da interpretação dada pelas instâncias aos artigos 389° e 591° do Código de Processo Civil, por violação do dever de fundamentação das decisões judiciais que o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição impõe.</font></b>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO.</font></b>
</p><p><font>Após reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação vem definitivamente adquirida a matéria de facto que a seguir queda extractada.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1 - Por escritura lavrada no dia 11 de Agosto de 2000, a fls. 141 a 143 do livro número ... – D, do Cartório Notarial de Gondomar, e documento complementar anexo que dela faz parte integrante, o Banco FF Imobiliário, SA, concedeu aos aqui Autores um empréstimo no montante de € 124 699,47, cf. documento de fls. 51 a 64, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea A) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>2 -Empréstimo esse que foi depositado em várias tranches na conta de depósitos à ordem, aberta naquele Banco em nome dos Autores, e que estes utilizaram para os fins que entenderam, os quais eram do conhecimento do Banco FF Imobiliário, SA (alínea B) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>3 - Para garantia do bom e pontual pagamento do empréstimo, no montante de €124.699,47, dos juros à taxa de 6,037%, acrescida em caso de mora de 4% ao ano, e das despesas, fixadas para efeitos de registo em €4.987,98, os aqui Autores constituíram a favor do Banco FF Imobiliário, SA, na supra mencionada escritura, hipoteca sobre o imóvel denominado terreno para construção com a área de 354 m2, lote 19, sito no lugar de Covilhã, freguesia de S. Pedro da Cova, concelho de Gondomar, inscrito na respectiva matriz sob o art. ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º 00... daquela freguesia e S. Pedro da Cova, cf. documento de fls. 51 a 64, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea C) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>4 - A hipoteca constituída encontra-se definitivamente registada a favor do Banco FF Imobiliário, SA, cf. documento de fls. 66 – 67, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea D) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>5 - Aquando da celebração da supra mencionada escritura de mútuo com hipoteca, uma das condições para que o Banco FF Imobiliário, SA, concedesse aquele aos Autores foi que estes celebrassem um seguro de vida risco habitação crédito com uma companhia de seguros, cf. documento de fls. 57 a 64, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea E) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>6 - Por escrito datado de 20 de Janeiro de 1999, entre o Banco FF Imobiliário, SA, na qualidade de tomador, e a Companhia de II SA, na qualidade de seguradora, foi celebrado um contrato denominado de seguro de grupo, titulado pela apólice n.º ... – ..., “nos termos e condições seguintes:</font></i>
</p><p><i><font>Art. 1.º Condições conferidas</font></i>
</p><p><i><font>A presente apólice garante: </font></i>
</p><p><i><font>O pagamento de um capital, definido no art. 3.º, em caso de morte da pessoa segura, em consequência de doença ou acidente – antes da ocorrência de qualquer dos factos que impliquem a extinção da garantia.</font></i>
</p><p><i><font>O pagamento de um capital, definido no art. 3.º, em caso de invalidez absoluta e definitiva que, em consequência de doença ou acidente, afecte a pessoa segura antes da ocorrência de qualquer dos factos que impliquem a extinção da garantia.</font></i>
</p><p><i><font>Art. 2.º Pessoas Seguras:</font></i>
</p><p><i><font>São considerados candidatos a pessoas seguras todos os clientes do Banco FF, ou eventuais fiadores dos clientes, com a idade máxima de 69 anos à data de início da adesão e que tenham obtido um empréstimo de crédito para habitação (…)</font></i>
</p><p><i><font>Art. 3.º Capital seguro:</font></i>
</p><p><i><font>O capital seguro corresponde ao montante do crédito concedido pela entidade credora, à data de adesão da pessoa segura, actualizado em 1 de Janeiro de cada ano.</font></i>
</p><p><i><font>Art. 4.º Beneficiários:</font></i>
</p><p><i><font>O beneficiário das garantias conferidas por esta apólice é o Tomador de Seguro, pelo valor em dívida (…)</font></i>
</p><p><i><font>Art. 5.º Liquidação do capital seguro:</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i>
</p><p><i><font>Para liquidação do capital em caso de invalidez, é necessário cumprir o especificado nas respectivas condições especiais.</font></i>
</p><p><i><font>§ Único – Define-se data do sinistro para efeitos desta apólice: (…) b) em caso de invalidez por doença, nas condições indemnizáveis, a data da constatação médica”, cf. documento de fls. 123 a 125, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font></i>
</p><p><i><font>7 - As condições especiais da cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva da referida apólice são do seguinte teor:</font></i>
</p><p><i><font>“Art. 1.º Objecto da garantia</font></i>
</p><p><i><font>A seguradora garante o pagamento do capital seguro em caso de invalidez absoluta e definitiva da pessoa segura, clinicamente constatada e sobrevinda no decurso de dois anos a contar da data do acidente ou doença.</font></i>
</p><p><i><font>Art. 2.º Âmbito de cobertura</font></i>
</p><p><i><font>Considera-se invalidez absoluta e definitiva aquela que incapacitar total e definitivamente a pessoa segura para a prática de toda e qualquer profissão e determinar a necessidade de assistência de terceira pessoa para a realização dos actos ordinário da sua vida”, cf. documento de fls. 133 -134, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font></i>
</p><p><i><font>8 - No momento em que aos Autores foi comunicado o referido em 5, foi-lhes sugerido, pelo funcionário do Banco que tratou do processo de concessão do crédito à habitação, que assinassem os boletins de adesão ao contrato de seguro do ramo vida celebrado entre o Banco FF Imobiliário, SA, e a Companhia de II SA (resposta ao n.º 1 da base instrutória).</font></i>
</p><p><i><font>9 - Os Autores preencheram e assinaram, em 4 de Maio de 2000, os boletins de adesão ao contrato de seguro de vida celebrado entre o Banco FF Imobiliário, SA, e a Companhia de II SA, titulado pela apólice n.º ... – ... (resposta ao n.º 18 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>10 -As propostas de adesão referidas no ponto anterior foram aceites pela Companhia de II SA, no dia 9 de Junho de 2000, até ao limite de capital de 12 780 000$00, cf. documentos de fls. 135 – 136, 137 – 138 e 139, cujo conteúdo aqui damos por integralmente reproduzido. </font></i>
</p><p><i><font>11 - Em 4 de Fevereiro de 2002, o montante do capital seguro passou a ser de €124.699,47, cf. documento de fls. 140, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. </font></i>
</p><p><i><font>12 - Em 22.12.00 foi registada, na Conservatória do Registo Comercial, a fusão do Banco FF Imobiliário SA, com a transferência global do seu património para o Banco DD, SA. </font></i>
</p><p><i><font>13 - A Ré CC – Companhia de Seguros, SA, foi constituída através da fusão, em 30 de Dezembro de 2000, da Companhia de II SA, da Companhia de Seguros EE, SA, e da EE Vida - Companhia de Seguros, SA. </font></i>
</p><p><i><font>14 - O Autor é portador de cardiopatia isquémica grave (resposta ao n.º 2 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>15 - Em 7 de Julho de 2002, sofreu enfarte agudo do miocárdio (EAM), com compromisso severo da fracção de injecção do ventrículo esquerdo, de que resultou insuficiência cardíaca congestiva classe III, de acordo com a classificação da New York Heart Association (NyHA) (resposta ao n.º 2 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>16 - Foi submetido a cirurgia cardíaca, bypass coronário, destinada a aumentar o tempo de vida e a melhorar a qualidade dela (menos angor) (resposta ao n.º 2 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>17 - Devido ao enfarte agudo do miocárdio, o Autor, não consegue caminhar mais de 10 minutos seguidos sem ter que parar, uma vez que se sente cansado (resposta ao n.º 3 da base instrutória).</font></i><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><i><font>18 - Não se pode baixar, pois esse movimento provoca-lhe dispneia (resposta ao n.º 3 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>19 - Em caso de esforço súbito e violento, pode sofrer edema agudo pulmonar (resposta ao n.º 3 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>20 - O Autor trabalhava como encarregado da construção civil (resposta ao n.º 4 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>21 - O referido quadro clínico determina-lhe uma incapacidade permanente geral de 85 pontos e impede-o de exercer actividades que exijam esforço físico ou que sejam causadoras de stress (resposta ao n.º 4 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>22 - O Autor foi submetido a Junta Médica, na Sub-Região de Saúde do Porto, tendo sido deliberado que apresenta deficiência (capítulo VI, número 1.3, grau III) que, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL n.º 341/93, de 30.09, lhe conferem uma incapacidade permanente global de 75% (documento de fls. 75 – 764).</font></i>
</p><p><i><font>23 - Depois de lhe ter sido comunicada a atribuição da pensão por invalidez, o Autor apresentou a documentação à Ré CC, para que esta pagasse ao Réu DD o montante em dívida nos termos da alínea 1 dos factos assentes (resposta ao n.º 7 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>24 - No dia 6 de Junho de 2003, a 1.ª Ré, através da carta de fls. 80, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, informou o Autor que, após apreciação pelo director clínico, em função do relatório médico, não podia o Autor ser considerado na situação de invalidez absoluta definitiva (alínea F) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>25 - Ao que o Autor respondeu com a carta de fls. 81 – 825, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea G) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>26 - No dia 30 de Junho de 2003, a 1.ª Ré, através da carta de fls. 83, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, manteve a posição já assumida em 6 de Junho (alínea H) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>27 - O 2.º Réu instaurou uma acção executiva contra os aqui Autores, por falta de pagamento das prestações referentes ao empréstimo que lhes concedeu, a qual corre termos no 1.º Juízo cível deste Tribunal, sob o n.º 3259/05.3TBGDM e para a qual foram os aqui Autores citados em 2 de Novembro de 2005 (alínea I) dos factos assentes). </font></i>
</p><p><i><font>28 - Ao tomarem conhecimento da acção executiva referida em 27), os Autores ficaram apreensivos, com receio de perderem a sua casa de habitação (resposta ao n.º 15 da base instrutória). </font></i>
</p><p><i><font>29 - Por não ter meios para pagar o empréstimo ao Réu DD, o Autor passa noites sem conseguir dormir (resposta ao n.º 17 da base instrutória).”</font></i>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO.</font></b>
</p><p><b><font>II.B.1. – Erro de julgamento da matéria de facto, por ter sido indevidamente interpretada e valorada a prova pericial produzida.</font></b>
</p><p><font>Na dissensão que assumem das decisões prolatadas, os AA. incoam por pretender que este tribunal reaprecie a prova testemunhal em que as instâncias se cevaram para fundamentar a resposta fornecida e, em segundo plano, que não foi fornecida fundamentação estreme que desabonasse da prova pericial aportada para o processo, antes tendo as instâncias valorado de forma superlativa os depoimentos das testemunhas em detrimento da predita prova pericial.</font>
</p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça julga, de acordo com a lei de atribuição de competências orgânica e funcional dos tribunais – cfr. artigo 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro -, matéria de direito. “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” – n.º 2 do artigo 722.º do Código Processo Civil (na versão anterior á entrada em vigor do DL n.º 303/2007, de 24.08, que nesta se transitou para o n.º 3).</font>
</p><p><font>Nos termos do n.º 3 do citado preceito (artigo 722.º), se o recorrente pretendesse impugnar a decisão apenas com fundamento nas nulidades dos artigos 668.º e 716.º deve interpor agravo. </font>
</p><p><font>O recorrente, encima o pórtico do seu viático alegatório, com a imputação de erro na apreciação da prova, tanto testemunhal como pericial, o que procura demonstrar ao longo do corpo das alegações e das conclusões expostas supra, por, segundo explicita, as instâncias não terem conferido relevo ao depoimento do perito médico, mermando-o e desvalorizando-o no cotejo com a prova testemunhal.</font>
</p><p><font>O erro na apreciação das provas está vedado, como resulta do normativo supra citado, à cognoscibilidade deste Supremo Tribunal de Justiça, com excepção das situações previstas no n.º 3 (actual n.º 2) do artigo 722.º do Código Processo Civil. [</font><font> Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de Ac. do STJ de 19-12-2006 (Salvador da Costa): “1. O erro na apreciação das provas livremente feita pelo julgador, a que se reporta o artigo 655º, n.º 1, do Código de Processo Civil, excede o âmbito do recurso de revista. 2. A omissão de apreciação no recurso de apelação da prova em que o recorrente baseou a impugnação da matéria de facto não integra a nulidade geral dos actos processuais a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil. 3. A escassez ou insuficiência ou a mediocridade da fundamentação não integra a nulidade do acórdão prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil. 4. Não ocorre a menciona | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bDLAu4YBgYBz1XKvJzxc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br>
<br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<b><font>AA LDA</font></b><font>, intentou </font><br>
<b><i><u><font>contra </font></u></i></b><br>
<b><font>BB SA</font></b><font>, </font><br>
<font>e </font><b><font>CC SA</font></b><font>, acção sob a forma ordinária, </font><br>
<b><i><u><font>pedindo</font></u></i></b><font>: </font><br>
<font>a condenação da l.ª R. a pagar à A., a quantia de € 24.644,64 a título de indemnização por danos sofridos;</font><br>
<font> caso se decida </font><font>Rec. Revista n.º 2649/07-1.ª secção</font><br>
<font>pela legitimidade passiva da 2.ª R., deve a mesma ser condenada no exacto montante e extensão em que foi peticionado em relação à l.ª R.;</font><br>
<font> a isso deverão ser acrescidos juros à taxa legal, desce a citação.</font><br>
<br>
<font> Como fundamento da sua pretensão, alegou o cumprimento defeituoso, por parte da 1.ª Ré, do contrato de transporte marítimo de carnes para a Madeira, - e que esta se obrigara a executar em moldes de as mesmas carnes lá chegarem no mesmo estado sanitário perfeito em que se encontravam no momento do embarque.</font><br>
<font> O pedido de condenação dirigido à 2.ª Ré deve-se ao facto de lhe ter sido comunicado que a 2.ª Ré havia entretanto incorporado a 1.ª, por fusão, situação que a A não pudera ainda confirmar se é ou não verdadeira.</font><br>
<br>
<font>Na contestação (fls. 29), depois de ter sido confirmada a fusão por incorporação da 1.ª Ré na 2.ª, foi deduzida a excepção peremptória da caducidade da acção e impugnada parte substancial da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Replicou a autora, onde respondeu à excepção da caducidade da acção, alegando factos que supostamente impedem esse exercício, por abuso de direito (fls. 52).</font><br>
<br>
<font> </font><b><u><font>Foi proferida sentença (fls. 166), em que, com fundamento na proibição do “venire contra factum proprium” se julgou não poder a Ré invocar a caducidade, e se condenou a R. “CC - Navegação SA” a pagar à A. o montante peticionado.</font></u></b><br>
<br>
<font> Inconformada recorreu a R. (fol. 185), sustentando no seu recurso que não se verificava in casu os pressupostos para aplicação do instituto do abuso de direito no tocante à alegada caducidade do direito de acção, pelo que deveria esta operar, e assim ser a acção julgada improcedente, por haver já sido ultrapassado o prazo de um ano que a Convenção de Bruxelas estipula para a propositura da acção a contar da prestação de serviços e por não haver da sua parte comportamento contraditório. </font><br>
<b><u><font>A Relação, no entanto, confirmou a Sentença</font></u></b><font>, entendendo que esta havia sido lavrada de forma irrepreensível, referindo que a 1.ª instância havia interpretado e aplicado correctamente o Direito.</font><br>
<br>
<font>A R. CC interpôs então recurso para este Tribunal e apresentou alegações.</font><br>
<font>A A. contra-alegou.</font><br>
<br>
<font> </font><b><font>II. Âmbito do recurso </font></b><br>
<br>
<font>Lendo as alegações de recurso da Ré CC, incluindo designadamente as suas conclusões, verificamos que começa por colocar como questão prévia o facto de a Relação de Lisboa haver decidido o recurso de apelação “(...)sem sequer se ter pronunciado sobre os fundamentos do recurso (...) limitando-se a transcrever umas quantas noções de boa fé e a decidir o caso com base num duplo equívoco, incompreensível para quem opera no comércio marítimo, a saber:</font><br>
<font>1) por um lado, que a solicitação de documentos pela recorrente à recorrida possa significar a assunção de qualquer tipo de responsabilidade por aquela;</font><br>
<font>2) por outro lado, que a seguradora (que na realidade é uma Protection & Indemnity Club), - um terceiro entre Recorrente e Recorrida e que nem sequer é parte na acção - , estivesse a agir em representação da Recorrente, quando não foi isso que ficou provado na 1.ª instância (v. ponto 26) da douta Sentença) (...)”- sic.</font><br>
<font> Suscita depois a questão da inaplicabilidade do instituto do abuso de direito, por inexistência dos indispensáveis pressupostos na utilização deste instituto.</font><br>
<br>
<b><font> </font></b><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<br>
<b><font>III-A) Os factos</font></b><br>
<br>
<font>Foram considerados provados nas instâncias os factos seguintes:</font><br>
<br>
<font>1 </font><font>- </font><font>A AA, LDA. </font><font>– </font><font> é uma empresa que se dedica à comercialização de produtos alimentares, nomeadamente carnes (A).</font><br>
<font>2 - A R. CC - NAVEGAÇÃO, SA. é armadora do navio "</font><font>........." </font><font>(B)</font><br>
<font> 3 - Em 11 de Dezembro de 2002, por referência a determinadas carnes vendidas pela A. a um seu cliente sediado na Madeira, a sociedade BB, S.A. acordou com a A. que lhe prestaria os serviços cuja discriminação e condições constam da proposta que se encontra titulada pelo fax cuja cópia simples consta a fls. 12 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui ntegralmente reproduzido 1 (C)</font><i><font> (1)</font></i><font>.</font><br>
<font>4 </font><font>- </font><font>As mercadorias discriminadas na factura n° 23/011225 </font><font>- </font><font>cuja cópia simples consta a fls. 14 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><i><font> (2)".</font></i><font> </font><font>– </font><font>foram consolidadas pela A. no interior do contentor frigorífico CRXU, 57288/0 fornecido para o efeito pela sociedade BB (E)</font><font> </font><br>
<font>5 - O contentor encontrava-se em óptimas condições e regulado para a temperatura de 0° C quando foi entregue à A. para nele ser estivada a carne (Q10).</font><br>
<font>6 - O contentor foi fechado e selado pela própria A. (F). </font><br>
<font>7 - O contentor foi assim transportado, por via rodoviária, entre as instalações da A. e o terminal de contentores do porto de Lisboa (G). </font><br>
<font>8 </font><font>- </font><font>O contentor foi assim embarcado no navio "............" no dia 13 de Dezembro de 2002 (H). </font><br>
<font>9 - As mercadorias (carnes) foram embarcadas em perfeito estado (Q 1).</font><br>
<font>10 </font><font>- </font><font>O contentor foi assim transportado a bordo do navio ".............." entre os portos de Lisboa e Funchal (I).</font><br>
<font> 11 - As mercadorias (carnes) foram transportadas pela R. CC entre os</font><br>
<font>portos de Lisboa e Funchal (Q 9).</font><br>
<font> </font><font>12 - A viagem desenrolou-se entre os dias 13 e 16 de Dezembro de 2002 (J).</font><br>
<font>13 - A propósito do transporte marítimo dos autos, foi emitido o conhecimento de embarque cuja cópia simples consta a fls. 15 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><font> </font><i><font>(3).(...)".</font></i><font> (D). </font><br>
<font> 14 - As mercadorias (carnes) chegaram ao porto do Funchal apresentando alterações de cheiro e cor que as tornavam totalmente impróprias para consumo (Q 3).</font><br>
<font> 15 - Esta avaria foi causada pelas variações de temperatura registadas no interior do contentor durante o transporte marítimo, em especial pela exposição das carnes a uma temperatura muito superior à acordada e recomendada para o transporte em questão (Q 4).</font><br>
<font>16 - A mercadoria avariada foi destruída, em 18 de Dezembro de 2002, na Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra, por determinação da Direcção de Serviços de Protecção Veterinária (Q 6).</font><br>
<font>17 - O valor global das mercadorias avariadas ascende a € 24.644,64 (Q 7).</font><br>
<font>18 - Em virtude da referida avaria, a A. emitiu uma nota de crédito no valor de € 24.644,64 destinada ao cliente a quem tinha vendido a mercadoria (Q 8).</font><br>
<font>19 - No dia 27 de Março de 2003, foi outorgada escritura pública no 1.º Cartório</font><br>
<font>Notarial de Competência Especializada de Matosinhos mediante a qual a sociedade BB; S.A. foi incorporada, por fusão, na R. CC </font><font>- </font><font>NAVEGAÇÃO, S.A. (S).</font><br>
<font> 20 </font><font>- </font><font>A A. remeteu à sociedade BB a carta datada de 6 de Maio de 2003 cuja cópia consta a fls. 19 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><i><font> </font></i><i><font> BB é a (4). (...)".</font></i><font> (K).</font><br>
<font>21 - Por referência à referida carta, a R. CC remeteu à A. a carta datada de 16 de Maio de 2003 cuja cópia consta a fls. 65 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzidos</font><i><font> (5)".</font></i><font> (L)</font><font>. </font><br>
<font> 22 - A A. remeteu à sociedade BB a carta datada de 22 de Maio de 2003 cuja</font><br>
<font>cópia consta a fls. 67 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><i><font> </font></i><i><font>(6).</font></i><font> (M).</font><br>
<font>23 - Em 26 de Agosto de 2003, a A recebeu o fax enviado pela R. CC, cuja cópia consta a fls. 68 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><i><font> </font></i><i><font>(7)".</font></i><font>.(N).</font><font> </font><font> </font><br>
<font>24 - Em 24 de Setembro de 2003, a A recebeu o fax enviado pela R. CC cuja cópia consta a fls. 66 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><i><font> </font></i><i><font>(8)"</font></i><font>. </font><font>(O).</font><br>
<font>25 - A A. remeteu à R. CC a carta datada de 25 de Setembro de 2003 cuja cópia consta a fls. 20 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><i><font> </font></i><i><font>(9).</font></i><font> (P).</font><font> </font><br>
<font>26 - Em 10 de Outubro de 2003, a A. recebeu o fax enviado pela STEAMSHIP INSURANCE MANAGEMENT SERVICES LIMITED cuja cópia consta a fls. 21 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><i><font> </font></i><i><font>(10).</font></i><font> </font><font>(Q) </font><br>
<font>27 </font><font>- </font><font>Em 23 de Dezembro de 2003, a A. recebeu o fax enviado pela STEAMSHIP INSURANCE MANAGEMENT SERVICES LIMITED cuja cópia consta a fIs. 69 e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido</font><font> </font><i><font>(11)”</font></i><font> (R) </font><br>
<font>28 - A presente acção foi proposta no dia 22 de Abril de 2004 (T).</font><br>
<br>
<b><font>III-B) O Direito.</font></b><br>
<br>
<font>Está fora de questão que tendo Portugal aderido em 1932 à Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924 relativa ao transporte de mercadorias por mar ao abrigo de conhecimento de carga, e uma vez que com a entrada em vigor do DL n.º 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950 o disposto nos arts. 1.º a 8.º passou a ser aplicável a todos os conhecimentos de carga emitidos em território português qualquer que seja a nacionalidade dos contratantes, a relação jurídica configurada na lide terá de reger-se em primeiro lugar pelos normativos constantes da dita Convenção, e só depois, subsidiariamente, pela Lei nacional </font><font> (12)</font><font> </font><br>
<font>De acordo com o art. 3.º, n.º 6 da citada Convenção, a acção judicial deve ser proposta </font><u><font>no prazo de um ano a contar da entrega da mercadoria, sob pena de</font></u><font> </font><u><font>caducidade do direito de acção</font></u><font>.</font><br>
<br>
<font>Analisando a matéria de facto vemos que as mercadorias foram entregues no Funchal em 2002.12.16 e que a acção só foi proposta em 2004.04.13, </font><u><font>portanto mais de quatro meses após o decurso do referido prazo de um ano após a recepção da mercadoria, </font></u><font>e, assim sendo, poderia efectivamente a Ré invocar, em condições normais, a caducidade do direito da A. em peticionar judicialmente a indemnização pelo cumprimento defeituoso da prestação.</font><br>
<font>Entende no entanto a A. que a invocação da caducidade por parte da Ré constitui abuso de direito, na medida em que, face à actuação que esta assumiu entre a ocorrência dos factos e a invocação da caducidade do direito, esta actuação constitui um “venire contra factum propriam”, uma das formas pelas quais o abuso de direito se manifesta.</font><br>
<font>Explicita a A. que a Ré, com a sua actuação no decurso do prazo da caducidade, a levara a acreditar que lhe pagaria os danos, sem necessidade de recurso aos tribunais, entretendo-a habilidosamente com promessas de resolução amigável, e pedindo-lhe um pouco mais de paciência para o pagamento da indemnização, promessas em que a A. sempre acreditou, esgotando-se entretanto, por via disso, esse prazo de um ano, sem que no entanto algo tivesse recebido, e assumindo depois desse prazo um comportamento contraditório ao que tivera, procurando desta feita eximir-se ao pagamento, invocando a extinção do direito de accionar, por não ter sido exercido atempadamente. </font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<br>
<font>Um dos estudos mais bem conseguidos na doutrina a respeito do abuso de direito é-nos dado por Menezes Cordeiro na obra</font><font> </font><i><font>"Da boa fé no Direito Civil",</font></i><i><font> </font></i><font>de que não resistimos a fazer aqui uma breve síntese, e que esse Ilustre Professor nos perdoará, pois nunca dispensará o seu estudo completo:</font><br>
<font>Refere-nos este Il. Professor, na obra em causa</font><font> "</font><font>(13), que a boa fé exprime os valores basilares da ordem jurídica, vocacionados para intervir em cada caso concreto considerado. E, a respeito dos comportamentos abusivos, enuncia um universo informe de comportamentos inadmissíveis e que se podem referenciar em seis grupos distintos</font><font> </font><i><font>(14)"</font></i><font>:</font><br>
<b><u><font>Um primeiro tipo de atitudes abusivas</font></u></b><font> estaria genericamente incluído na fórmula denominada de </font><i><font>" exceptio doli", </font></i><font>que foi entendida aquando do seu aparecimento como expressão da proibição de atentar contra os bons costumes, mas cedo foi conectada com a boa fé. A sua justificação assentaria no facto de repugnar à consciência jurídica que se permita que, de modo fraudulento ou ardiloso, alguém se aproveitasse desses artifícios assentes em deliberados actos de vontade, para conseguir obter e manter intocável a titularidade do direito contra aquele que foi vítima desse artifício.</font><br>
<b><u><font>Um segundo tipo de actos abusivos</font></u></b><u><font> </font></u><font>é dado pela proibição de </font><i><font>"venire contra factum proprium"</font></i><font> que é sem dúvida impressivo pelos juizos de desvalor que, de imediato, concita. A este respeito, refere que a doutrina tem chamado a atenção para a necessidade de não generalizar a proibição de comportamentos contraditórios (pelo perigo que arrastaria, de imediato, à impossibilidade de serem revistas as atitudes que primeiro se assumissem), pelo que só devem enquadrar-se nestes parâmetros aqueles casos que atinjam proporções juridicamente intoleráveis, por contrárias à boa fé (ob.cit. 2.°, 742 e ss.)</font><br>
<font>Fala-nos depois de </font><b><u><font>uma terceira categoria de actos inadmissíveis por abuso</font></u></b><u><font>, </font></u><font>que que consistiriam nas chamadas </font><i><font>"inalegabilidades formais", </font></i><font>ou seja, o de que, em determinadas condições, seria contrário à boa fé e, como tal abusivo, alegar vícios de forma nos negócios jurídicos. Refere-nos este insigne Mestre, que a </font><u><font>inalegabilidade </font></u><font>de nulidades formais, por imposição da boa fé tem, à partida, um ambiente bastante favorável. Desde o antigo Direito romano, todo o progresso jurídico tem operado contra o formalismo na busca da materialidade das soluções, e é hoje reconhecido que as normas que prescrevem certas formas para os negócios jurídicos não correspondem já às necessidades efectivas, exemplificando que um negócio sobre móveis de valor incalculável, seria válido numa base consensual, enquanto um contrato sobre um imóvel, ainda que de valor insignificante, requereria forma autêntica.</font><br>
<font>A este respeito, ensina Menezes Cordeiro que</font><font> </font><i><font>"é de repugnância o sentimento ético-jurídico que sempre inspira a atitude da pessoa que, tendo assumido voluntariamente certa adstrição se venha depois a furtar a ela, alegando meros aspectos de forma."</font></i><i><font> (ob.cit.,2º vol., </font></i><font>772 </font><i><font>e </font></i><font>ss.)</font><font> </font><br>
<b><u><font>Como quarta categoria de actos abusivos</font></u></b><u><font> </font></u><font>aponta a dupla formada pela </font><i><u><font>"supressio"</font></u></i><u><font> </font></u><font>e pela </font><i><u><font>"surrectio"</font></u></i><u><font> </font></u><font>.</font><br>
<u><font>- Há </font></u><i><u><font>"supressio"</font></u></i><u><font> quando </font></u><font>uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais possa sê-lo por, de outra forma, se atentar contra a boa fé; ocorreria uma supressão de certas faculdades jurídicas, pela conjugação do tempo com a boa fé. </font><br>
<u><font>- Há </font></u><i><u><font>"surrectio",</font></u></i><u><font> quando </font></u><font>uma pessoa, por força da boa fé alheia, vê surgir na sua esfera uma possibilidade que, de outro modo não lhe assistiria.</font><br>
<font>A justificação explicativa destes fenómenos radica-se nos seguintes comportamentos: </font><br>
<font>Num deles, tudo estaria na doutrina da confiança: a não actuação de certas posições jurídicas levaria a crer na sua inexistência; uma actuação conveniente seria a contrária à boa fé. No outro, residiria na necessidade de complementar as regras relativas à repercussão do tempo nas situações jurídicas.</font><br>
<b><u><font>Como quinta categoria dos actos abusivos</font></u></b><font> aponta os casos que se podem considerar abrangidos pela dimensão da expressão </font><i><u><font>"tu quoque", </font></u></i><font>em que a ideia básica radica no brocardo latino "turpitudinem suam allegans non auditur", ou seja no princípio de que aquele que viole uma norma jurídica não pode exigir a outrem o acatamento do mesmo preceito ou as consequências que dele derivem, citando o caso contemplado no Ac da Relação do Porto de 81.02.03, C.J., 1, 146, segundo o qual haveria abuso de direito quando o senhorio, não fazendo obras no arrendado, faz com que o inquilino dele se retire, e, depois, venha com base no encerramento do locado, pedir a cessação do contrato e respectivo despejo por o inquilino nele não habitar. </font><br>
<font>Por último aponta uma </font><b><u><font>sexta categoria de comportamentos abusivos</font></u></b><font>, constituída pelo </font><u><font>desequilíbrio no exercício de posições jurídicas</font></u><font>, distinguindo aí três sub-categorias:</font><br>
<u><font>- </font></u><b><i><font>O </font></i></b><b><i><u><font>exercício danoso inútil</font></u></i></b><b><u><font>,</font></u></b><u><font> </font></u><font>que é contrário à boa fé, e, como tal, abusivo, servindo de exemplificação o caso já clássico da chaminé falsa de Colmar, Tribunal de Apelação de Colmar, de 2 de Maio de 1855, construída expressamente por um proprietário para vedar a luz a uma janela de um vizinho (acto puramente emulativo); </font><br>
<u><font>- </font></u><b><i><u><font>a actuação de quem exige um comportamento ou prestação para imediatamente considerar inválida/anulada/ a prestação, ou o de exigir uma prestação que depois se deva restituir</font></u></i></b><font> </font><i><font>"dolo agit qui petit quod statim redditurus est"; </font></i><br>
<u><font>- </font></u><b><i><u><font>a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem.</font></u></i></b><font> É que, tal desproporcionalidade, ultrapassados certos limites, torna-se repugnantemente abusiva, defrontando a boa fé.</font><font> </font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<font>O que o A. imputa à Ré para inviabilizar a operatividade da caducidade é ter esta assumido por si e/ou sua representada um comportamento contraditório àquele que lhe levara a fazer crer que lhe pagaria a indemnização sem recurso ao meio judicial.</font><br>
<font>Estaríamos assim, supostamente, perante a hipótese contemplada no segundo grupo apontado pelo Prof. Menezes Cordeiro, ou seja entre aqueles que se inserem no “venire contra factum proprium”, mas a que não seria alheia uma certa expressividade de “surrectio”.</font><br>
<br>
<font>Mas terá havido mesmo abuso de direito em invocar a Ré a caducidade do direito de accionar?</font><br>
<br>
<font>É isso que iremos analisar, trazendo á colação os comportamentos assumidos pela Ré no decurso do tempo que mediou entre a recepção da mercadoria no Funchal e o momento em que a presente acção foi instaurada e as expectativas criadas à A. a respeito da assumpção da obrigação de pagamento dos danos sem recurso aos Tribunais:</font><br>
<font>a) Em primeiro lugar convém reter que a mercadoria chegou ao Funchal em 2002.12.16. </font><br>
<font>b) Por carta de 2003.05.06 a A. exigiu à BB o pagamento da indemnização decorrente da perda da mercadoria, por factos imputáveis a esta, conforme veio a ficar provado.</font><br>
<font>c) Nesta altura já a BB estava integrada na CC</font><br>
<font>d) Por carta de 2003.05.16 informava a CC que o seu departamento de seguros e avarias estava a proceder a diligências juntamente com outras partes envolvidas no sentido de analisar a ocorrência e apurar responsabilidades, pretendendo-se saber, designadamente, se a A havia efectuado seguro de transporte de mercadoria, conforme recomendação da sua proposta de serviços, e em caso afirmativo, qual a decisão da seguradora.</font><br>
<font>e) Por carta de 2003.05.22 a A. enviou à BB uma carta onde referia ter sido informada pela sua seguradora de que os riscos atinentes à diferença de temperatura no contentor estavam excluídos das garantias do seguro por ela efectuado, cabendo por isso à Ré a responsabilidade de responder directamente pela mercadoria transportada.</font><br>
<font>f) Em 2003.08.26 a A. recebeu um fax enviado pela CC dando conta que o seu departamento de seguros e avarias tem estado em contacto com a sua seguradora quanto à forma de se encontrar uma solução para a reclamação, dizendo que se esperava essa resposta para breve e, uma vez obtida seria comunicada à A. </font><br>
<font>g) Em 2003.09.24 a A. recebeu um novo fax da CC em que esta alegava que a sua seguradora pretendia um documento comprovativo em como o destinatário da mercadoria não havia pago à A. a mercadoria avariada, transportada no contentor em causa.</font><br>
<font>h) Em 2003.10.10 a A. recebeu um fax enviado pela STEAMSHIP INSURANCE MANAGEMENT SERVICES LIMITED dizendo ser representantes de Managers of the P & I Club ... e que desejavam resolver de forma amigável a reclamação, fora da barra dos Tribunais.</font><br>
<font>i) Em 2003.12.23, (já após um ano sobre a descarga do contentor no Funchal) a STEAMSHIP rejeita qualquer responsabilidade pelo pagamento, alegando que as Carnes .......r não têm legitimidade para demandar judicialmente a armadora, devendo antes fazê-lo contra a BB, entidade com quem contratou o Serviço. </font><br>
<br>
<font>Do contexto enunciado vem a resultar que a Ré CC interveio directamente em três momentos, e que indirectamente provocou dois outros momentos interventivos por parte de uma terceira entidade seguradora :</font><br>
<font>Num primeiro momento (2003.05.16), disse que iria analisar a ocorrência e apurar se a A. havia efectuado o seguro, conforme recomendara na proposta de serviços, e, em caso afirmativo, qual a seguradora em causa;</font><br>
<font>Num segundo momento (2003.08.26), ( três meses após de ter sido informada pela A. que havia sido feito seguro mas que a seguradora excluíra do âmbito do seguro as avarias de mercadoria imputáveis às variações de temperatura durante o transporte), veio a comunicar á A. que estava em contacto com a sua seguradora em ordem a encontrar uma solução para o caso;</font><br>
<font>Num terceiro momento (2003.09.24) referiu que a sua seguradora lhe exigiu uma certificação de que não havia a A. obtido pagamento da mercadoria avariada por parte do cliente que a encomendara.</font><br>
<br>
<font>Estes procedimentos, salvo o devido respeito, não são suficientes para, só por si, poderem considerar-se como anormais, tanto mais que no caso de transportes marítimos – como é o caso - nos encontramos perante factos que exigem investigações complexas, como é o do apuramento de responsabilidades, e onde estão ou podem estar envolvidos vários agentes (transitários, transportadores, seguradoras, entidades portuárias, locais de depósito e as próprias partes interessadas ).</font><br>
<font>Assim, a primeira observação a fazer é a de que a Ré, embora não assumindo a sua desresponsabilização, e manifestando implicitamente que pretendia ver o assunto amigavelmente resolvido com o concurso das seguradoras, não deu qualquer garantia à A. de que, viesse a pagar voluntariamente a indemnização se não houvesse acordo, nem alguma vez referiu ou deu a entender que abdicaria do direito de invocar a caducidade da acção caso houvesse recurso à via contenciosa e essa circunstância se viesse a verificar.</font><br>
<font>A segunda observação leva-nos a considerar como juízo temerário a conclusão de que esse seu procedimento tivesse objectivos dilatórios, demonstrativos da sua má fé:</font><br>
<font>Na verdade, não há factos concretos em que possamos alicerçar essa conclusão.</font><br>
<font>Poder-se-á dizer que a comunicação da STEAMSHIP INSURANCE MANAGEMENT SERVICES LIMITED, ao primeiro referir que estava interessada em resolver o assunto fora da barra dos Tribunais para depois rejeitar qualquer responsabilidade, criou na A. a convicção de que o assunto iria ser resolvido amigavelmemte e que por isso seria desnecessário recorrer a Tribunal.. </font><br>
<font>No entanto, a STEAMSHIP INSURANCE MANAGEMENT SERVICES LIMITED não é parte na acção, e também não ficou provado que representasse a Ré ou actuasse em nome dela, pelo que não pode imputar-se à Ré a actuação daquela, em ordem à criação do convencimento sério da não invocação da caducidade.</font><br>
<font>E também não pode dizer-se, por falta de provas, que a intervenção da STEAMSHIP tivesse sido ardilosamente provocada pela Ré para, em seu benefício, colher as vantagens de o tempo funcionar em seu favor, e assim poder vir a invocar a caducidade, eximindo-se ao pagamento de eventual indemnização. </font><br>
<font>Assim, mesmo estando envolvida a actuação da STEAMSHIP como elemento determinante para o convencimento da A. de que o problema se resolveria sem recurso aos Tribunais, não pode concluir-se que a intervenção e actuação daquela tivesse sido provocado pela Ré com um propósito perverso de inviabilizar à A. a actuação tempestiva por via judicial , ou, mesmo sem esse propósito, para se aproveitar agora da intervenção desse terceiro, pois não está provado que alguma vez a Ré tivesse referido que a via judicial se mostrava excluída para a resolução do problema.</font><br>
<font>Assim, não há elementos suficientes que possam conduzir à integração dos comportamentos nas categorias do </font><i><font>“venire contra factum proprium”</font></i><font> ou até numa forma limite da </font><i><font>“surrectio”,</font></i><font> únicas hipoteticamente susceptíveis de aplicação ao caso em presença.</font><br>
<font>Entendemos por isso que não estão verificados os indispensáveis pressupostos para poder dar-se como provado o abuso de direito. </font><font>(15).</font><br>
<br>
<br>
<font>Em face do exposto, terá de ser concedida a revista.</font><br>
<br>
<font> ................................</font><br>
<b><font>IV. Deliberação</font></b><br>
<br>
<b><i><font>Na concessão da revista, revoga-se o não obstante douto Acórdão recorrido confirmativo da sentença, julgando-se improcedente a acção e assim se decretando a absolvição da actual Ré no pedido.</font></i></b><br>
<i><font>Custas pela A., na acção e nos recursos.</font></i><font> </font><br>
<font> Lisb</font><font>oa, 18 de Setembro de 2007</font><br>
<font>Relator: Mário Cruz</font><br>
<font>Adjuntos: Faria Antunes</font><br>
<font> Moreira Alves</font><br>
<br>
<font>__________________</font><br>
<br>
<font>(1)-</font><font> </font><font>Com o seguinte teor:</font><i><font> "(...) A) TIPO DE SERVIÇO Coordenação do embarque e transporte marítimo na modalidade de contentor completo de 20' RF (0°) com carne pendurada ou carne embalada em vácuo desde as instalações da Campican em Porto Salvo até Funchal (cais), utilizando como armador a BOX LINES, c/saída de Lisboa à 3a feira e chegada prevista ao Funchal à 5.ª Feira. Entrega a combinar com o recebedor. B) VALOR DO SERVIÇO: Frete (€ 1.156,00); Camionagem (€ 146,15+IVA); Despesas portuárias no Funchal (€ 147,60); N/intervenção 10,97+NA) (...) E) RESTANTES CONDIÇÕES As das condições gerais de prestação de serviços pelas empresas transitárias (...)".</font></i><br>
<font>(2)- </font><font> Com o seguinte teor: </font><i><font>"(...) QUANTIDADE - UN - DESCRIÇÃO - 1999,500 kg perna York; 2579,000 kg entremeada de barriga; 861,850 kg pá c/osso s/couro; 597,000 kg pá c/osso s/couro; 2359,600 vaos (...)".</font></i><br>
<font>(3)- com o seguinte teor:</font><i><font> </font></i><i><font>"(...) Carregador: STAR TRANSPORTES INTERNACIONAIS, SA.; Recebedor: STAR - TRANSPORTES INTERNACIONAIS MADEIRA, SA.; Endereço a notificar: ESTEVÃO NEVES - HIPERMERCADOS MADEIRA, S.A.; Navio: ILHA DA MADEIRA; Porto de carga: LISBOA; Porto de descarga: FUNCHAL (...)" </font></i><br>
<font>(4)- Com o seguinte teor: </font><i><font>"(...) a Star é a entidade responsável pelos serviços de transporte negociados, os quais, como se verifica, não foram prestados nas condições previstas no mesmo, vimos solicitar a V. Exas. a correspondente indemnização, que no caso é de € 24.644,64 (...)".</font></i><br>
<i><font>(5)- </font></i><font>Com o seguinte teor:</font><i><font> "(...) O n/ departamento de seguros e avarias está a proceder a diligências juntamente c/ outras partes envolvidas no sentido de analisar a ocorrência e apurar responsabilidades. Nesse âmbito pretende-se saber se as Carnes Primor efectuaram seguro de transporte da mercadoria </font></i><i><font>- </font></i><i><font>conforme recomendação da n/ proposta de serviços, </font></i><i><font> </font></i><i><font>e, em caso </font></i><i><font>afirmativo, qual a decisão da seguradora (...)".</font></i><br>
<i><font>(6)- </font></i><font>Com o seguinte teor:</font><i><font> "(...) Posta a questão à n/seguradora sobre os riscos garantidos nos referidos seguros, formos informados que os danos sofridos pela mercadoria, no que concerne especificamente a diferenças de temperatura no contentor, estão excluídas das referidas garantias, pelo que essa responsabilidade não é transferível para a Seguradora (...) cabendo a V. Exas. a responsabilidade de responder directamente pela mercadoria transportada (...)".</font></i><br>
<i><font>(7)- </font></i><font>Com o seguinte teor</font><i><font>: "(...) O n/ departamento de seguros e avarias tem estao em contacto c/ a n/companhia de seguros de forma a encontrar-se uma solução para a reclamação por V. apresentada que </font></i><i><font>logo que seja encontrada (que esperamos seja em breve) vos será comunicada(...)".</font></i><br>
<i><font> </font></i><font>(8)-Com o seguinte teor:</font><i><font> "(...) solicita-nos a n/ seguradora um documento comprovativo em como a empresa Est. Neves Hipermercados da Madeira não vos pagou a mercadoria </font></i><i><font>transportada no contentor acima indicado(...)"</font></i><i><font>. </font></i><br>
<font>(9)- Com o seguinte teor:</font><i><font> "(...) vimos pela presente enviar cópia da n/ nota de crédito enviada ao n/ cliente para anulação da totalidade do valor da factura correspondente à mercadoria avariada por deficiência do v/ contentor, a qual comprova a não recepção integral do valor em causa (...)".</font></i><br>
<i><font> </font></i><font>(10)-Com o seguinte teor</font><i><font>: "(...) we are the London representatives of the Managers of the P & I Club of the Owners of the captioned vessel, m/s Box Lines Navegação. Owners have informed us of your claim for alleged loss of the cargo shipped under the above captioned B/L and your recent demand for the matter to be settled otherwise the matter wilI be</font></i><i><font> </font></i><i><font>referred to the Courts. Please note that we wish to deaI with the matter on an | [0 0 0 ... 0 0 0] |
bDLMu4YBgYBz1XKvtD7K | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Nestes autos com processo ordinário instaurados em 16/9/02, em que são, autor, AA, e réus, BB e mulher, CC, DD, EE, “FF – Comércio de Automóveis, L.da”, e “GG – Imobiliária, L.da”, veio aquele pedir que:</font><br>
<font> a) Os 1ºs, 2º, 3º e 4º réus sejam condenados a restituir ao autor a quantia de 69.831,71 euros e a pagarem a quantia de 16.064,44 euros, ambas acrescidas de juros vincendos à taxa legal, desde a citação até efectiva restituição e pagamento;</font><br>
<font> b) Os mesmos réus sejam condenados a pagarem ao autor a quantia que o “Banco ...” lhe vier a cobrar referente ao financiamento de 14.000.000$00 que lhe fez e a que se alude sob os art.ºs 10º a 17º da p.i., a liquidar em execução de sentença;</font><br>
<font> c) Seja declarada ineficaz a venda efectuada pelos 1ºs réus à 5ª ré do prédio rústico sito no lugar de Vaqueiro, que confronta do norte com ..., de nascente com loteamento dos Outeiros, de sul com ... e poente com caminho, da freguesia de Souto de Santa Maria, Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo 205º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 00360/18052000 (id. no art.º 42º da p.i.), e a 5ª ré condenada a restituir aos 1ºs réus tal prédio e, ainda, reconhecido ao autor o direito de executar este prédio na medida exacta e necessária à satisfação integral do crédito de 85.896,15 euros e juros peticionados.</font><br>
<font>Em síntese, alega para tanto que:</font><br>
<font>- Emprestou aos 1º, 2º, 3º e 4º réus a quantia de 14.000.000$00;</font><br>
<font>- Como não dispunha dessa quantia, solicitou um empréstimo a uma instituição bancária, obrigando-se os sobreditos réus a pagarem-lhe os encargos assumidos com tal financiamento (imposto de selo, despesas e juros), que neste momento ascendem já a 16.064,44 euros; </font><br>
<font>- Para garantia do pagamento desse empréstimo foi-lhe entregue um cheque pelo 1º réu, no montante de 79.011,39 euros, cujo pagamento foi recusado porquanto o 1º réu deu instruções ao banco sacado para não efectuar o pagamento;</font><br>
<font>- Até hoje os réus nada pagaram ao autor, apesar de interpelados para o efeito;</font><br>
<font>- Mais são alegados factos donde se conclui que os 1ºs a 4º réus vêm praticando actos de esvaziamento do património da 4ª ré, por forma a que a mesma não tenha bens que respondam pelas suas dívidas, sendo certo que aos ditos réus não são conhecidos bens livres e suficientes para garantir o pagamento do crédito do autor;</font><br>
<font>- Também os 1ºs réus vêm praticando actos de esvaziamento do seu património, designadamente através da celebração de negócios simulados, mormente o da suposta venda à 5.ª ré do prédio acima mencionado, por forma a impedir que os seus bens sejam judicialmente apreendidos;</font><br>
<font>- A dívida contraída pelos 1º a 4º réus foi-o na constância do matrimónio dos 1ºs réus, com consentimento da ré mulher e em proveito comum do casal.</font><br>
<font>Contestaram apenas os réus BB e esposa e a ré “GG” a fls. 58 e ss., deduzindo, no essencial, defesa por impugnação, invocando, designadamente, que o empréstimo alegado na p.i. foi efectuado pelo autor à 4.ª ré e que não é verdade que qualquer negócio celebrado pelos réus tenha tido por finalidade subtrair o seu património ao cumprimento das suas responsabilidades; que a 4.ª ré só assumiu a obrigação de pagamento dos juros e não de quaisquer encargos; e que foi violado o pacto de preenchimento do cheque referido nos autos.</font><br>
<font>Pugnam, por isso, pela improcedência da acção, com as legais consequências.</font><br>
<font>Foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração da matéria de facto desde logo dada por assente e a elaboração da base instrutória, a qual não mereceu qualquer reclamação das partes.</font><br>
<font>Procedeu-se oportunamente à realização da audiência de discussão e julgamento, encontrando-se a matéria de facto controvertida respondida a fls. 505 a 518.</font><br>
<font>A fls. 548 a 551 os 1ºs e 5º réus (réus contestantes) apresentaram as suas alegações escritas.</font><br>
<br>
<font>Foi depois proferida sentença, a fls. 552 a 568, que, considerando totalmente procedente impugnação pauliana, julgou a acção parcialmente procedente e,</font><br>
<font>- absolvendo a 1ª ré mulher dos pedidos acima indicados sob as als. a) e b), e a 5ª ré do pedido de condenação na restituição efectiva ao património dos 1.ºs réus do prédio indicado na al. c), </font><br>
<font>- </font><font>condenou os 1º, 2º, 3º e 4º réus a restituírem ao autor a quantia de 69.831,71 euros e a pagarem-lhe a quantia de 16.064,44 euros, ambas acrescidas de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação até efectiva restituição e pagamento,</font><br>
<font>- </font><font>condenou os mesmos réus a pagarem ao autor a quantia que o Banco ... lhe vier a cobrar referente ao financiamento de 14.000.000$00 que lhe fez e a que se alude nos art.ºs 10º a 17º da petição inicial, a liquidar em decisão ulterior,</font><br>
<font>- </font><font>declarou ineficaz a venda efectuada pelos 1.ºs réus à 5ª ré do prédio rústico indicado naquela al. c), e</font><br>
<font>- </font><font>reconheceu ao autor o direito de executar esse prédio na medida exacta e necessária à satisfação integral do crédito de 85.896,15 euros e juros peticionados.</font><br>
<br>
<font>Apelaram apenas os réus BB e GG (fls. 572), tendo por seu lado o autor requerido reforma daquela sentença no sentido de ser declarado o seu direito a ser pago do seu crédito pelo valor da caução prestada pela 5ª ré em substituição de arresto previamente decretado sobre o aludido prédio, requerimento este que deu origem à decisão complementar de fls. 618-619, que, mantendo as referidas decisões de absolvição, de condenação, e de declaração de ineficácia, reformou a mesma sentença declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de reconhecimento do direito do autor a executar o mencionado prédio, já que lhe era reconhecido o direito de, em sua substituição, obter o pagamento do seu crédito pelo valor da caução prestada no apenso D.</font><br>
<font>Os réus apelantes (ou seja, apenas o primeiro réu marido e a quinta ré) renovaram de seguida, a fls. 622, o seu requerimento de interposição de recurso, só eles também tendo apresentado alegações na apelação (fls. 637 e segs.).</font><br>
<font>A Relação proferiu acórdão em que concedeu parcial provimento à apelação e revogou parcialmente aquela sentença, julgando a acção improcedente quanto à ré CC e, quanto ao recorrente Gomes, procedente apenas no tocante à sua meação no bem objecto do negócio, com a consequente redução a metade do valor da caução por cujas forças o recorrido haveria de ser pago, libertando-se a metade restante, e mantendo a decisão recorrida quanto ao demais.</font><br>
<font>Desse acórdão interpôs, somente o autor, a presente revista, formulando em alegações as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª - A Relação não alterou a matéria de facto dada por provada em 1ª instância;</font><br>
<font>2ª - O 1º réu marido é comerciante e faz do comércio a sua profissão, pelo que, pese embora a ré ter sido absolvida, a dívida de seu marido é-lhe comunicável;</font><br>
<font>3ª - O acórdão recorrido viola o disposto nos art.ºs 610º, 612º, 1.682º, 1.767º e 1.769º do Cód. Civil;</font><br>
<font>4ª - A alienação de bens imóveis carece do consentimento de ambos os cônjuges. Tendo-se provado que essa alienação foi simulada, com o único intuito de tirar do património dos 1.ºs réus o bem imóvel em causa, tornou-se assim a ré mulher também responsável pelo crédito do autor;</font><br>
<font>5ª - Só em sede de execução de sentença se colocaria a questão da penhora do imóvel ou da penhora da meação, pelo que é um direito do autor a receber a totalidade do seu crédito pela totalidade da caução.</font><br>
<font>Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a confirmação da decisão da 1ª instância.</font><br>
<br>
<font>Em contra alegações, os réus BB e mulher, intitulando-se também recorrentes por via subordinada, pugnaram pela recusa da revista do autor, e formularam alegações e conclusões no seu intitulado recurso subordinado, que concluíram da seguinte forma:</font><br>
<font>1ª - Não pode concluir-se do facto de o réu Gomes e outros terem sido parceiros em actividade do comércio automóvel que ele é comerciante;</font><br>
<font>2ª - Igualmente tal se não pode concluir por ter sido gerente de sociedade de construção civil.</font><br>
<font>3ª - Provar-se que alguém se dedica à construção civil – um trolha dedica-se à construção civil – não é o mesmo que provar-se que ele seja industrial desse ramo, pois que este é conceito de direito que há-de ser suportado por factos alegados, e provados, reveladores do exercício comercial, ou seja, com intuito lucrativo, daquela actividade.</font><br>
<font>4ª - Não existem, pois, nos autos, factos provados de que possa concluir-se que o José Gomes, aqui alegante, alguma vez foi comerciante.</font><br>
<font>5ª - Também não pode concluir-se que o A. fosse comerciante pelo facto de ter sido gerente de uma empresa de transportes.</font><br>
<font>6ª - Aliás, a prova do exercício, por alguém, da gerência de uma qualquer empresa, não permite, por si só, a presunção judicial de que essa pessoa seja comerciante.</font><br>
<font>7ª - Nenhum outro facto, de entre os provados, releva para, conjugadamente com o provado exercício da gerência pelo A. e pelo R. Gomes, alicerçar qualquer presunção de algum deles ser ou ter sido comerciante.</font><br>
<font>8ª - Além disso, nenhum facto se mostra provado que permita a conclusão de que A. e R., ou qualquer deles, ainda que alguma vez comerciante tivesse sido, o fosse ao tempo do ajuizado mútuo.</font><br>
<font>9ª - Provado ficou, sim, que A. e R. jamais tiveram qualquer relacionamento de natureza comercial.</font><br>
<font>10ª - Nada se disse, e por isso nada se provou, quanto a o mútuo ter sido celebrado pelo A. e pelo Gomes no exercício das actividades comerciais que se entendeu serem as deles.</font><br>
<font>11ª - Pelo contrário, deu-se como provado que a quantia mutuada se destinou a solver compromissos com credores da FF, mas não se provou, sendo necessário que se provasse, que tais compromissos fossem de natureza comercial, certo sendo que bem poderiam não o ser (p. ex. salários, honorários de consultadoria, ou honorários clínicos).</font><br>
<font>12ª - Se apenas se provaram relações de natureza pessoal, e não comercial, entre A. e R., provado ficou o contrário da eventual comercialidade do negócio que celebraram.</font><br>
<font>13ª - Quando, apesar do que se deixa dito, na douta decisão recorrida se confirma a conclusão de que o A. e o Gomes eram comerciantes, e que o eram ao tempo do ajuizado mútuo, que por isso tem natureza comercial, sai violado o disposto nos artigos 2º, 13º, n.º 1, e 394º do C.Com., e nos artigos 511º, n.º 1, e 659º, 3, estes do C.P.Civ.</font><br>
<font>14ª - Ainda que A., ou R. aqui alegante, fosse comerciante ao tempo do mútuo, para que este pudesse provar-se por qualquer meio necessária seria a prova de que não só esse, mas também o outro participante no negócio, o era, conforme determina o art. 396º do C.Com.</font><br>
<font>15ª - Não havendo nos autos factos que tal sustentem, o mútuo teria de ter-se julgado nulo por falta de forma, e, ao confirmar o diferentemente decidido em 1ª Instância, o douto Acórdão recorrido violou o artigo 1143º do C.Civ, além do citado art. 394º do C.Com.</font><br>
<font>16ª - Podendo a nulidade ser arguida a qualquer tempo e devendo ser conhecida, também a qualquer tempo, oficiosamente, deve, salvo o devido respeito, ser o mútuo dos autos julgado nulo por falta de forma.</font><br>
<font>17ª - Sendo nulo o mútuo, não gera ele a obrigação de restituição, a qual nasce, não em virtude das obrigações decorrentes dele, mas apenas a partir do momento em que a nulidade é declarada e a restituição ordenada.</font><br>
<font>18ª - Deste modo, o peticionado crédito do A. apenas nasce com a condenação à restituição, pelo que o negócio impugnado é futuro relativamente à data do crédito.</font><br>
<b><font>SEM PRESCINDIR,</font></b><br>
<font>19ª - Mesmo que assim não fosse, a data mais recente que poderia ter-se como provada para vencimento da obrigação de restituir o recebido é o dia 11 de Março de 2002 </font><font>(data do cheque a que alude o douto Quesito 12º),</font><br>
<font>20ª - por isso posteriormente à do negócio cuja impugnação procedeu, que foi celebrado aos 05 de Fevereiro daquele ano.</font><br>
<b><font>ASSIM SENDO,</font></b><br>
<font>21ª - para a procedência de tal impugnação, seria sempre necessária, não apenas a prova dos factos relativos à má-fé dos outorgantes no negócio, mas a prova dos que ao dolo respeitam.</font><br>
<font>22ª - Não foi provado que o R. Gomes e a sua mulher, ou qualquer deles, tivesse agido com dolo, pelo que, ainda que o mútuo pudesse julgar-se mercantil, mesmo assim a impugnação pauliana não poderia proceder.</font><br>
<font>23ª - Esta questão, levantada por via da Apelação, não mereceu pronúncia, o que constitui a nulidade prevista no artigo 668º, 1, d), do C.P.Civ., </font><i><font>ex vi </font></i><font>do art. 716º do mesmo diploma,</font><br>
<font>24ª - e, indirectamente, violação do disposto no artigo 610º, b), do C.Civ.</font><br>
<font>25ª - nulidade a ser suprida no sentido da improcedência da impugnação que, em 1ª Instância, procedeu, improcedência aquela por falta da indispensável prova de factos constitutivos de dolo por parte dos outorgantes no negócio, assim se cumprindo o disposto no último dos citados preceitos legais.</font><br>
<br>
<font>Sobre estas alegações e conclusões o autor, delas notificado, não se pronunciou.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os seguintes:</font><br>
<font> 1. O autor é sócio e gerente da sociedade “Transibe – Transitários, L.da”, a qual tem por objecto a actividade de transitário (cfr. doc. de fls. 8 a 10 dos autos de procedimento cautelar apensos);</font><br>
<font> 2. Os 1º, 2º e 3º réus foram sócios e gerentes da 4ª ré até 09.01.2002, data a partir da qual é seu único sócio o 3º réu, Augusto Martins (cfr. doc. de fls. 12 a 19 dos autos de procedimento cautelar apensos); </font><br>
<font> 3. O 1º réu, BB, dedica-se à indústria de construção civil e, até 11.04.2002, era sócio-gerente da sociedade “HH – Sociedade de Construção Civil, L.da” (cfr. doc. de fls. 21 a 24 dos autos de procedimento cautelar apensos);</font><br>
<font> 4. Por escritura pública celebrada em 27 de Março de 2002, no 1º Cartório Notarial de Guimarães, os 1ºs réus, BB e mulher, declararam ceder, pelo preço nominal das mesmas já recebido e com todos os seus direitos e obrigações, as quotas que o 1º possuía naquela sociedade “HH”, a JS e a RS, tendo estes declarado aceitar tais cessões de quotas e tendo então aquele primeiro réu renunciado à gerência; à semelhança do outro sócio-gerente daquela sociedade, que igualmente declarou ceder, naquele acto, as suas quotas a estes JS e RS, que aceitaram tal cedência (cfr. doc. de fls. 107 a 112);</font><br>
<font> 5. A ré “FF – Comércio de Automóveis, L.da”, enquanto proprietária de um pavilhão industrial, sito no lugar de ..., Lote0ºA, na freguesia de Briteiros Stº Estevão, Guimarães, prometeu vendê-lo, por escrito de 12.07.2001, pelo preço de 100.000.000$00 (498.797,90 euros), vindo a concretizar o respectivo negócio definitivo (cfr. doc. de fls. 41 a 43 dos autos de procedimento cautelar apensos);</font><br>
<font> 6. Em pagamento de parte deste preço, o respectivo comprador emitiu e entregou à 4ª ré “FF” 19 cheques pós-datados de 9.726,56 euros cada, com vencimentos mensais, sucessivamente até 20.11.2006;</font><br>
<font> 7. Aos 1ºs réus eram conhecidos como imóveis a si pertencentes a loja comercial n.º 9, correspondente à fracção “I”, do prédio sito no lugar da Boavista, freguesia de Ponte, Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 01524/091296 – Ponte; e terreno com a área de 12.100 m2, sito no lugar de ..., freguesia de Souto Santa Maria, Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 00360/18052000 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 205 (cfr. docs. de fls. 52 a 61 dos autos de procedimento cautelar apensos);</font><br>
<font> 8. Nesse terreno os 1ºs réus construíram uma moradia destinada a habitação e que constitui a sua residência e da sua família;</font><br>
<font> 9. Por escritura pública, celebrada em 05.02.2002 no Cartório Notarial da Póvoa de Lanhoso, os 1ºs réus, BB e CC, declararam vender à 5ª ré, “Preyponte”, pelo preço já recebido de 4.987,98 euros, o identificado prédio rústico, sito no lugar de Vaqueiro, freguesia de Souto Santa Maria, concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 00360 – Souto Santa Maria, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 205º, venda essa que declaradamente o legal representante da 5ª ré aceitou (cfr. doc. de fls. 114 a 117);</font><br>
<font> 10. Pela inscrição G2 – Ap. 08/07022002, encontra-se definitivamente registada na Conservatória do Registo Predial de Guimarães e a favor da ré “GG” a aquisição do prédio rústico identificado no ponto 7, por compra (cfr. doc. de fls. 59 a 61 dos autos de arresto);</font><br>
<font> 11. Pela inscrição C2 – Ap. 08/140502, encontra-se definitivamente registada a favor de “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Guimarães”, uma hipoteca voluntária incidente sobre a loja identificada no ponto 7, destinada a garantir uma abertura de crédito deste Banco à ré “GG”, num montante máximo de 73.000,00 euros (cfr. doc. de fls. 54 a 56 dos autos de arresto);</font><br>
<font> 12. A 5ª ré “GG – Imobiliária, L.da”, foi constituída em Janeiro de 2002 entre os 1ºs réus e o seu filho ..; e, em Março de 2002, os 1ºs réus transmitiram aos seus filhos ... e ... (este menor) as quotas que detinham na ré “GG” (cfr. docs. de fls. 63 a 65 dos autos de arresto apensos);</font><br>
<font> 13. Os 1ºs réus, BB e CC, contraíram entre si casamento civil, sem precedência de convenção antenupcial, no dia 16 de Janeiro de 1976 (cfr. doc. de fls. 17 e 18 dos autos de embargos de terceiro apensos);</font><br>
<font> 14. Os 1º, 2º e 3º réus foram parceiros na actividade de comércio de automóveis, sendo certo que os 2º e 3º réus foram parceiros na actividade de exploração de uma estação de serviço;</font><br>
<font> 15. Estabeleceram-se relações pessoais de conhecimento entre o autor e os 1º a 3º réus;</font><br>
<font> 16. Em Julho de 2001, os 1º, 2º e 3º réus, invocando dificuldades em satisfazer pagamentos aos credores da ré “FF”, solicitaram ao autor que lhes emprestasse a quantia de 14.000.000$00 (69.831,71 euros), dizendo-lhe que lha restituíam dois ou três meses depois;</font><br>
<font> 17. Como o autor não dispunha de tal quantia, através da referida “Transibe” pediu ao “Banco ...” o empréstimo dessa quantia para lhes emprestar;</font><br>
<font> 18. Tal financiamento foi-lhe concedido e o autor emprestou aos 1º a 4º réus a quantia de 7.000.000$00 (34.915,85 euros), em 20.07.2001, e 7.000.000$00 (34.915,85 euros) em 26.07.2001;</font><br>
<font> 19. Obrigaram-se estes a pagar também ao autor os juros, despesas e imposto de selo que o “Banco ...” cobrasse por esse financiamento;</font><br>
<font> 20. Tais empréstimos não foram reduzidos a escrito;</font><br>
<font> 21. Quanto à 1ª entrega, aqueles réus solicitaram que o autor transferisse a quantia de 7.000.000$00 (34.915,85 euros) para a conta bancária da 4ª ré, o que o autor fez;</font><br>
<font> 22. Quanto à 2ª entrega, solicitaram-lhe que emitisse cheque do mesmo valor em nome do 1º réu, o que o autor também fez;</font><br>
<font> 23. Resultante desse empréstimo e dos juros e demais encargos cobrados pelo “Banco ...” e que os 1º a 4º réus se obrigaram a pagar, o crédito do autor ascende ao montante global de 85.896,15 euros;</font><br>
<font> 24. Os referidos réus até hoje nada restituíram ao autor, não obstante este lhes ter solicitado tal pagamento;</font><br>
<font> 25. Para a restituição do crédito ao autor, o 1º réu marido e o 3º réu assinaram e entregaram ao autor, em branco, o cheque junto a fls. 247 dos autos, tendo o seu pagamento sido recusado pelo Banco por “falta ou vício na formação da vontade”;</font><br>
<font> 26. Alguns dos cheques mencionados no ponto 6 foram endossados a terceiros;</font><br>
<font> 27. O comércio da 4ª ré é a compra e venda de automóveis e esta não registava nem averbava em seu nome os automóveis que negociava;</font><br>
<font> 28. Para além da venda referida no ponto 4 dos factos provados, foi vendido tudo o que pertencia à 4ª ré;</font><br>
<font> 28. A qual mudou de nome comercial, funcionando agora no mesmo local, mas sob o nome “SPORTCAR”;</font><br>
<font> 29. Aos 1º a 4º réus não são conhecidos quaisquer bens livres e suficientes para garantia do crédito do autor;</font><br>
<font> 30. A sociedade “HH” está inactiva e tem elevado passivo;</font><br>
<font> 31. Durante os dois primeiros meses da sua existência, a 5ª ré “GG” e a referida “HH” mantiveram a sua respectiva sede no mesmo local – Rua da .., 742, Ponte, Guimarães;</font><br>
<font> 32. Não obstante as declarações prestadas pelos respectivos outorgantes na escritura pública referida no ponto 9 nem os 1ºs réus quiseram vender nem a 5ª ré quis comprar o terreno identificado em tal escritura;</font><br>
<font> 33. Nem aquela 5ª ré “compradora” pagou o preço declarado, nem os 1ºs réus “vendedores” o receberam daquela 5ª ré;</font><br>
<font> 34. Os 1ºs e 5ª réus mancomunaram-se entre si de molde a retirar do património dos 1ºs réus o terreno e a casa nele implantada, referidos nos pontos 32 e 37 dos factos provados, a fim de evitarem a apreensão judicial dos mesmos;</font><br>
<font> 35. A loja acima referida não tem valor comercial superior a 8.000 contos;</font><br>
<font> 36. A dívida resultante do empréstimo referido nos pontos 16 a 25 dos factos provados foi contraída na constância do casamento dos 1ºs réus;</font><br>
<font> 37. O 1º réu marido ofereceu a venda dessa loja e desse terreno com a casa que nele está implantada, pedindo o preço de 498,797 euros (cerca de 100.000.000$00) por estes imóveis;</font><br>
<font> 38. O identificado cheque emitido pelo réu foi sacado sobre uma conta do 1º réu marido e dos restantes réus pessoas singulares, conta também usada para transacções respeitantes à actividade da “FF”, e daí constarem no mesmo cheque duas assinaturas, pois só assim podia a conta ser movimentada;</font><br>
<font> 39. O autor preencheu o cheque com a quantia nele constante, que corresponde à totalidade do empréstimo, juros e encargos à data nele aposta.</font><br>
<br>
<font>A sentença da 1ª instância entendeu, com base nos factos provados, que o primeiro réu marido era comerciante e a dívida dele ao autor comercial, mas entendeu também que a dívida que ele contraíra para com o autor não se comunicou à primeira ré sua mulher por ter ficado assente a inexistência de proveito comum. Não obstante, considerando totalmente procedente a impugnação pauliana, declarou ineficaz a venda efectuada pelos primeiros réus à quinta ré do prédio identificado, e, reformada tal sentença, declarou o direito do autor a fazer-se pagar do seu crédito sobre o primeiro réu pelo montante da caução que a quinta ré prestara em substituição do arresto do mesmo prédio, que por sua vez prometera vender, como acabou por fazer, a terceiro.</font><br>
<font>O acórdão recorrido, porém, confirmando embora a qualidade de comerciante do primeiro réu e a natureza comercial da sua dívida para com o autor, mas reconhecendo que tal dívida não se comunicara à primeira ré, mulher daquele, entendeu que a impugnação pauliana não podia proceder senão quanto à meação do primeiro réu nos bens comuns do seu casal, pelo que julgou a acção improcedente quanto à primeira ré mulher também quanto ao pedido correspondente à impugnação, e, consequentemente, reduziu a metade o valor da caução pelo qual o autor haveria de ser pago.</font><br>
<font>A questão a decidir no recurso ora interposto pelo autor consiste precisamente em saber se este se pode fazer pagar do seu crédito sobre o primeiro réu marido até, se necessário para pagamento integral, à totalidade do montante da indicada caução, ou se só se pode fazer pagar parcialmente, até se atingir metade desse montante, por à primeira ré mulher não se ter comunicado a dívida do marido.</font><br>
<font>Ora, o acórdão recorrido não podia ter julgado improcedente a impugnação pauliana quanto à primeira ré mulher.</font><br>
<font>Isto porque, como se referiu, a apelação foi interposta apenas pelo primeiro réu marido e pela quinta ré, não já pela primeira ré mulher, que, por isso, só podia aproveitar do recurso interposto pelos seus compartes, nos termos do art.º 683º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, por com eles se encontrar em situação de litisconsórcio necessário, visto terem sido os três partes na compra e venda impugnada.</font><br>
<font>Significa isto que a primeira ré mulher, não apelando e não apresentando por isso fundamentos de índole pessoal em que se pudesse basear, como poderia ser, porventura, a falta de comunicação a ela da dívida do primeiro réu marido ao autor, só poderia deixar de ser condenada no acórdão recorrido na medida em que, em primeira linha, os seus compartes também deixassem de o ser, uma vez que nunca, na apelação, assumiu a posição de recorrente principal (n.º 3 do mesmo art.º 683º), pelo que o resultado desse recurso, quanto a ela, dependia do resultado do mesmo quanto aos demais.</font><br>
<font>Isto é, o recurso de apelação interposto pelos compartes só lhe aproveitaria, - para além de impedir o imediato trânsito em julgado da sentença da 1ª instância quanto a ela -, na medida em que a respectiva decisão desse razão, em primeira linha, aos recorrentes principais, revogando a sentença da 1ª instância no tocante a eles, dependendo em consequência o provimento desse recurso, quanto à primeira ré mulher, com a sua consequente absolvição do pedido, do provimento do mesmo recurso em relação àqueles apelantes. O mesmo é dizer que, não tendo ela apelado, a impugnação pauliana, procedente quanto a todos na sentença da 1ª instância, só poderia deixar de proceder em relação a ela se, em primeira via, passasse a ser improcedente em relação aos apelantes principais, pois só assim lhe poderia o recurso de apelação aproveitar.</font><br>
<font>Ora, o recurso de apelação não obteve provimento quanto ao primeiro réu marido, e, no tocante à quinta ré, igualmente não lhe reconheceu razão no tocante ao decidido no que se refere à impugnação pauliana, pelo que não podia também ter obtido provimento quanto à primeira ré mulher, que só do provimento em relação ao marido e à quinta ré poderia aproveitar. E, quanto à quinta ré, GG, obteve provimento apenas no sentido de ficar reduzido a metade o valor da caução por ela prestada e pelo qual o autor haveria de ser pago, redução essa que, porém, não foi proferida em primeira linha, antes resultando, ela própria, da decisão de improcedência da acção quanto à primeira ré mulher, decisão esta que, pelo que se referiu, não podia ser proferida.</font><br>
<font>Nessas condições, não podia o acórdão recorrido, como se disse, revogar parcialmente a sentença da 1ª instância quanto à primeira ré mulher, precisamente por não o ter feito quanto ao primeiro réu marido, nem, em consequência, proferir decisão de improcedência da acção isoladamente quanto à primeira ré mulher; e como os réus não interpuseram recurso - nem mesmo, como adiante se referirá, subordinado - do acórdão da Relação, subsiste de forma definitiva a condenação dos mesmos proferida em 1ª instância e declarada no acórdão recorrido quanto ao primeiro réu marido. </font><br>
<font>Poderia acontecer, porém, que o recurso de apelação interposto pela quinta ré, GG, produzisse efeitos à luz do disposto no art.º 680º, n.º 2, do mesmo diploma, segundo o qual as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.</font><br>
<font>Mas, sendo certo que a GG baseou a sua apelação exclusivamente no interesse que tinha na improcedência da impugnação pauliana quanto à ré mulher, para que se verificasse a hipótese prevista nesse dispositivo seria necessário que a mesma quinta ré, logo no seu requerimento de interposição da apelação, tivesse invocado o necessário prejuízo directo e efectivo resultante da decisão. Mas não o fez, nem então, nem nas alegações que apresentou, em que se limitou a invocar ter evidente interesse na improcedência da impugnação quanto à primeira ré mulher.</font><br>
<font>Não é apenas o interesse, nem sequer concretizado e por mais evidente que seja, que a lei exige, para que um terceiro, parte ou não na causa, possa recorrer de uma decisão desfavorável para outrem. O que é legalmente necessário é que da decisão resulte de forma directa um prejuízo efectivo para esse terceiro.</font><br>
<font>E tal, para além de não ter sido invocado, não se mostra que resulte dos factos assentes, tanto mais que, como se deu por provado, a compra do prédio em causa pela quinta ré não foi querida, quer pelos vendedores (os primeiros réus) quer pela compradora, tendo apenas tido por objectivo, por conluio das partes respectivas, a retirada desse bem do património daqueles a fim de impedir a sua apreensão judicial, não tendo a quinta ré, por isso, pago qualquer quantia como preço do mesmo prédio.</font><br>
<font>Daí que, vendendo-o posteriormente a terceiros sem nada ter pago como preço pela denominada compra que dele anteriormente fizera, só poderia ser prejudicada pela decisão da 1ª instância, - uma vez que metade do montante da caução sempre teria de ser destinado ao pagamento da dívida -, se o preço por ela cobrado tivesse sido de montante inferior ao da parte da quantia devida pelo primeiro réu marido ao autor que excedesse essa metade da caução prestada, coisa que em parte alguma a quinta ré invoca, pelo que não se pode entender ter ela sofrido qualquer prejuízo efectivo directamente provocado pela dita sentença da 1ª instância.</font><br>
<font>Por isso, e tendo em consequência de ser mantida a decisão de ineficácia da venda também em relação à primeira ré mulher, tal determina a revogação do acórdão recorrido e a confirmação do decidido na 1ª instância.</font><br>
<font>Quanto às questões suscitadas pelos recorridos nas suas alegações de resposta apresentadas na presente revista, na parte em que as intitula de recurso subordinado, não podem ser conhecidas, por inexistência de recurso subordinado algum. Como é sabido, o recurso subordinado tinha de ser interposto no prazo de dez dias a contar da notificação do despacho de admissão do recurso independente (art.º 682º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil); mas não o foi, nem nesse prazo nem posteriormente, como se vê de fls. 685 e segs. dos autos.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista interposta pelo autor e em revogar o acórdão recorrido, ficando a valer o decidido na sentença da 1ª instância.</font><br>
<font>Custas pelos recorridos.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, 22 de Março de 2007</font><br>
<font> </font><br>
<font>Silva Salazar (relator)</font><br>
<font>Afonso Correia</font><br>
<font>Ribeiro de Almeida</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jKou4YBgYBz1XKvIyh0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> </font>
</p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Imobiliária AA, Ld.</font><sup><font>a</font></sup><font> propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, sob forma ordinária, contra a Câmara Municipal de Fafe, pedindo que, na sua procedência, se declare que é proprietária de um prédio misto que descreve e se condene a ré a restituir-lhe parte desse mesmo prédio misto que esta vem ocupando.</font>
</p><p><font>Alega, para tanto, em suma, que, no ano de 1992, a ré ocupou uma parte do prédio misto da autora, correspondente à área de 10.818 m2, ocupação essa que foi consentido pelos, então, proprietários do mesmo, no pressuposto da celebração de um contrato de permuta.</font>
</p><p><font>Porém, desde a data da ocupação que a ré não atribui à autora e seus antecessores qualquer contrapartida adequada para que estes formalizem a transmissão da propriedade para o domínio público, sendo certo que vem ocupando tal parcela e privando a autora da sua utilização.</font><br>
<font>Perante o impasse criado, pretende a autora a restituição da parte do prédio que lhe pertence.</font>
</p><p><font>Na contestação, a ré alega, em síntese, que acordou, em 25 de Junho de 1989, com BB e esposa uma permuta de terrenos, com vista a viabilizar a construção do Parque Municipal de Desportos, tendo esse acordo sido minutado, mas não chegou a ser assinado pelas partes contratantes.</font>
</p><p><font>Posteriormente, vieram a ser negociadas entre as partes sucessivas alterações a este acordo que, uma vez aceites pela ré, acabaram por não ser subscritas por BB, que, sucessivamente, se veio escusando a outorgar a competente escritura pública, formalizando o contrato de permuta.</font><br>
<font>No entanto, desde a data da entrega do prédio à ré, que esta dele se apropriou, em termos efectivos e definitivos, afectando-a ao uso público da população do concelho, com o consentimento da autora e seus anteproprietários.</font><br>
<font>Por outro lado, ao vir agora reivindicar tal parcela de terreno, após a ré nela ter realizado investimentos públicos de vulto, a autora actua com abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium".</font><br>
<font>Na réplica, a autora manteve a posição expressa na petição inicial e alegou que, na concreta relação negocial, a ré actuou sempre despida do seu "ius imperium",</font><i><font> </font></i><font>como um qualquer particular.</font>
</p><p><font>A sentença julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu a ré dos pedidos.</font>
</p><p><font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação improcedente e, em consequência, confirmou, embora com diferente fundamentação factual, a decisão impugnada.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação de Guimarães, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue a acção procedente, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª - O tribunal "a quo", da matéria dada como assente na primeira instância, alterou o seguinte:</font>
</p><p><font>1 - O ponto 4 supra passou a ter a seguinte redacção: BB conhece o que consta desse documento, e aceitou-o, com exclusão da cláusula 3</font><sup><font>ª</font></sup><font>.</font>
</p><p><font> 2 - Eliminou o ponto 8.</font>
</p><p><font>3 - O ponto 7 passou a ter a seguinte redacção: Entretanto, BB e esposa CC, primeiro, e a autora, depois, propuseram alterações à cláusula 3</font><sup><font>ª</font></sup><font> do documento referido em 4.</font>
</p><p><font>4 - A autora tem-se recusado a aceitar o acordo projectado no documento de fls. 12 e 13.</font>
</p><p><font>2ª - É verdade e está dado como assente que BB e esposa, acordaram com a ré uma troca de terrenos com vista a viabilizar a construção do Parque Municipal de Desportos.</font>
</p><p><font>3ª - A posse de tais parcelas ocorre desde 1992, vide ponto 6., dos factos assentes.</font>
</p><p><font>4ª - Em face desse facto, o tribunal "a quo", afastou a aquisição de tal parcela de terreno objecto da acção de reivindicação, por força do instituto do usucapião.</font>
</p><p><font>5ª - Diz e muito bem o tribunal "a quo", que a ré não usucapiu.</font>
</p><p><font>6ª - Diz também a douta decisão recorrida que na sequência de tal acordo foi elaborado o documento de fls. 27 e 28 e que BB conhece e aceitou o que consta desse documento, (pontos 3 e 4 dos factos assentes); posteriormente aquele documento foi alterado e culminou na elaboração do documento de fls. 12 e 13, sendo que ficou provado que BB nunca aceitou a cláusula 3</font><sup><font>ª</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>7ª - Não existe nenhum facto assente que demonstre que a ré/recorrida tenha em momento algum notificado, por qualquer meio, a autora/recorrente, para outorgar escritura, ou mesmo para assinar o documento de fls. 12 e 13, que esta nunca assinou.</font>
</p><p><font>8ª - É pois insuficiente a matéria de facto dada como assente, no que tange à recusa da autora, para celebrar o projectado acordo de fls. 12 e 13.</font>
</p><p><font>9ª - Tal prova teria necessariamente que ser documental e não existe nenhum documento alusivo a isso, e que demonstre que a autora/recorrente, se recusou a assinar o documento de fls. 12 e 13, ou a outorgar escritura pública.</font>
</p><p><font>10ª - Não existe nenhum documento de notificação da autora, por parte da ré, para que aquela interviesse em escritura de formalização do dito acordo.</font>
</p><p><font>11ª - O quesito em causa, tinha necessariamente que ser sustentado documentalmente e não o foi.</font>
</p><p><font>12ª - A asserção de que a autora se recusou a aceitar o projectado acordo constante do documento de fls. 12 e 13, é uma mera especulação do tribunal "a quo".</font>
</p><p><font>13ª - Mas mais, se se trata de um acordo, porque razão não foi aceite? Então é acordo, ou não é?</font>
</p><p><font>14ª - É que se é acordo, é porque o mesmo foi aceite.</font>
</p><p><font>15ª - In casu</font><i><font>, </font></i><font>o que resulta da prova produzida e ínsita nos factos assentes é que quem propôs o acordo foi a recorrida.</font>
</p><p><font>16ª - E dizer-se que o acordo foi aceite por BB, mais uma vez carece de ser demonstrado documentalmente, tanto mais que é dito que a cláusula 3</font><sup><font>ª</font></sup><font> nunca foi aceite.</font>
</p><p><font>17ª - E não existe nenhum documento assinado por BB e muito menos pela autora, do qual resulte a aceitação pura e simples do proposto pela ré.</font>
</p><p><font>18ª - Existe, por isso, uma contradição insanável dos factos dados como provados, o que necessariamente origina uma nulidade, a qual obriga ``a realização de um novo julgamento.</font>
</p><p><font>19ª - Por outro lado, estando nós, perante uma acção de reivindicação, necessário se torna verificar se quem detém a posse do prédio (neste caso da parcela de terreno reivindicada), possui título para o efeito.</font>
</p><p><font>20ª - Resulta da decisão recorrida e dos factos assentes que a recorrida, não detém nem título aquisitivo por via derivada e nem usucapiu, atento o facto de não ter decorrido o prazo para a aquisição originária.</font>
</p><p><font>21ª - Resulta ainda dos factos assentes que a recorrida, não pagou qualquer contraprestação, pelo que se mantém na posse da parcela de terreno reivindicada, sem ter pago qualquer contraprestação pela mesma.</font>
</p><p><font>22ª - E face às posições de BB e esposa, primeiro, e depois da recorrente, competia à ré, diligenciar para que a permuta se consumasse, o que não demonstrou nos presentes autos.</font>
</p><p><font>23ª - Em consequência, não é admissível falar-se em abuso de direito.</font>
</p><p><font>24ª - Logo no ponto dois dos factos assentes, resulta provado que foi acordada entre as partes, uma troca de terrenos.</font>
</p><p><font>25ª - Porém, não foi dado como provado que a autora, ou BB e esposa, tenham recebido da recorrente quaisquer terrenos, ou quaisquer outras contrapartidas, pela cedência da parcela de terreno de 10.818 m2.</font>
</p><p><font>26ª - Não se entende, por isso, que se queira concluir que a recorrente actua com abuso de direito, ao reivindicar a parcela de terreno sua propriedade, e cuja ocupação autorizou à recorrida, mediante uma contraprestação, que até hoje a recorrida nem prestou e nem demonstrou ter querido prestar.</font>
</p><p><font>27ª - Decorre dos autos que a recorrida nem sequer tem condições para cumprir o constante do documento de fls. 12 e 13, uma vez que prometeu ceder terrenos a BB e esposa, primeiro, e depois à autora, que nem sequer lhe pertencem.</font>
</p><p><font>28ª - A autora desde o primeiro momento afirmou, e continua a afirmar que está pronta a celebrar o dito "projectado acordo de fls. 12 e 13".</font>
</p><p><font>29ª - Não se entende, é a razão pela qual o tribunal fez tábua rasa da posição da autora e avançou de forma "cega" para o abuso de direito.</font>
</p><p><font>30ª - Abuso de direito complementado ou, desconhece-se, sustentado, pelo instituto jurídico inconstitucional do "dicatio ad patrium".</font>
</p><p><font>31ª - Afinal de contas, a autora nem sabe em bom rigor, a fundamentação jurídica para a improcedência da acção, uma vez que o tribunal de primeira instância sustenta a sua posição, na usucapião, na "dicatio ad patrium" e no abuso de poder.</font>
</p><p><font>32ª - Por seu turno, o tribunal "a quo" afasta a usucapião, mas não é claro quanto ao "dicatio ad patrium", sendo mais claro quanto ao abuso de direito.</font>
</p><p><font>33ª - E é curioso que diz que a autora não atacou a decisão quanto ao abuso de direito, esquecendo-se que a matéria de facto ainda não estava totalmente decidida, pois foi objecto do recurso.</font>
</p><p><font>34ª - É pois incoerente e está mal sustentado o douto acórdão recorrido, que aponta para o abuso de direito, sem contudo demonstrar que a autora recebeu contrapartidas pela cedência da parcela de terreno reivindicada.</font>
</p><p><font>35ª - E se está dado como provado, que BB e esposa permitiram que a recorrida entrasse na posse da parcela de terreno reivindicada e onde a recorrida executou um conjunto de infra-estruturas, a verdade é que também está dado como assente que tal cedência pressupunha uma contrapartida da recorrida, a qual não foi prestada até à data de hoje.</font>
</p><p><font>36ª - Não tem pois fundamento a posição do tribunal de que a recorrente actuou com abuso de direito.</font>
</p><p><font>37ª - A verdade é que a recorrente até hoje apenas cedeu e nunca recebeu nada em troca, como inicialmente combinado.</font>
</p><p><font>38ª - Em face da inércia e displicência da recorrida é justo e natural e de direito, que a autora reivindique a restituição da parcela de terreno que cedeu, pois falharam as contrapartidas, que nunca foram prestadas. Nem uma única.</font>
</p><p><font>39ª - Neste contexto, não actuou a recorrente com abuso de direito.</font>
</p><p><font>40ª - Quanto à questão da aplicabilidade ou não do "dicatio ad patrium" é obvio, que se tal fosse aplicável, brigaria com o disposto no artigo 62</font><sup><font>º</font></sup><font> da Constituição da República Portuguesa, e constituiria mesmo um confisco de bens, o qual está constitucionalmente proibido.</font>
</p><p><font>41ª - Pelo que tem que ser afastado no caso dos presentes autos.</font>
</p><p><font>42ª - Sustentou a recorrente a omissão de pronuncia da sentença proferida em primeira instância, porque nada disse quanto aos documentos por si juntos, no final da produção de prova (actas e outros documentos municipais), e dos quais resulta evidente que a recorrida vai deslocalizar o Parque Municipal dos Desportos para outro local, igualmente na cidade de Fafe, e posteriormente vai proceder à venda dos terrenos onde actualmente o referido parque dos desportos se encontra instalado, terrenos esses onde está integrada a parcela de terreno propriedade da autora e com a área de 10.818 m2, pelo que se não se fizer justiça, a recorrida vai obter elevadíssimas mais-valias à custa dos terrenos propriedade da recorrente, o que constitui um verdadeiro escândalo.</font>
</p><p><font>43ª - A recorrida nada pagou pelos terrenos propriedade da recorrente, e nem nada deu em troca, apesar de invocar a permuta, no entanto pretende vender tais terrenos e efectuar um encaixe financeiro de alguns milhões de euros, à custa da recorrente.</font>
</p><p><font>44ª - O Tribunal de primeira instância não se pronunciou sobre tais questões, e o tribunal "a quo", sindicou tal posição.</font>
</p><p><font>45ª - A recorrente entende que o tribunal tinha que se pronunciar sobre tais questões, decorrentes dos referidos documentos, sob pena de omissão de pronúncia, a qual implica a nulidade da sentença, como in casu</font><i><font>, </font></i><font>sucedeu.</font>
</p><p><font>46ª - Ainda, se a questão dos autos deixa de ser analisada sob o ponto de vista do direito civil, e passa a ser analisada no âmbito do direito administrativo, então estamos perante uma incompetência absoluta do tribunal.</font>
</p><p><font>47ª - Quis com isto a recorrente afirmar e agora reafirma, que a admitir-se a aplicabilidade do instituto jurídico do "dicatio ad patrium", teria o mesmo de ocorrer no âmbito de uma acção interposta nos tribunais administrativos e não civis.</font>
</p><p><font>48ª - No âmbito civil, a aquisição da propriedade ou ocorre por via originária, ou por via derivada e no caso dos autos, demonstrado fica, que nem por uma via e nem por outra a recorrida adquiriu a propriedade da parcela cuja restituição a recorrente reivindica.</font>
</p><p><font>49ª - A esse nível pois, teria que ser a recorrida a interpor no tribunal administrativo competente acção a invocar a aquisição da propriedade por via de tão "abstruso" e inconstitucional (diga-se!) instituto jurídico, o que não fez.</font>
</p><p><font>50ª - Em face do exposto, a única base de sustentação, quer da sentença proferida em primeira instância, quer do douto acórdão recorrido, reside unicamente no abuso de direito, que se demonstrou não ser aplicável ao caso dos autos, atenta a falta de matéria dada como provada, que demonstre que a recorrida cumpriu a sua parte, isto é, que prestou a sua contraprestação, por ter tomado posse da parcela de terreno reivindicada, com a obrigação de dar outros terrenos em troca.</font>
</p><p><font>51ª - E de forma alguma se pode dizer que, pelo facto de a recorrida ter efectuado investimentos de vulto na parcela propriedade da recorrente e de que se apossou mediante a obrigação de dar como contrapartida outros terrenos a esta, que, não tendo recebido qualquer contraprestação até ao momento da interposição da acção, e nem sequer até ao momento presente, tenha que actuar de forma diversa, que não seja, por via da acção de reivindicação.</font>
</p><p><font>52ª - Tem pois que proceder o presente recurso, com as legais consequências.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser julgado improcedente o presente recurso, confirmando-se o douto acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-se, porém, um facto suplementar, sob o nº 19, com base no disposto pelos artigos 369º, nº 1 e 371º, nº 1, do Código Civil (CC), 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC:</font>
</p><p><font>1. Na Conservatória do Registo Predial de Fafe, mostra-se inscrita, a favor da autora, desde 21 de Dezembro de 1995, e sob o n° 01754, a aquisição, por compra a BB, do seguinte prédio:</font>
</p><p><font>- prédio composto por uma parte rústica, denominada Campo da Veiga de Baixo, com a área de 13.626m2, inscrito na respectiva matriz predial, sob o art.</font><sup><font>º</font></sup><font> 404, e por uma parte urbana, composta por dois pavilhões, destinados a armazém, um com a área coberta de 1.162m2 e outro com a área coberta de 360 m2, inscrita na respectiva matriz predial, sob os art.°s 5.022 e 3.793, a confrontar do Norte com BB, do Sul com DD, do Nascente com caminho de consortes e do Poente com EE.</font>
</p><p><font>2. A ré, por um lado, e BB e esposa, CC, por outro, acordaram entre si, a 25 de Julho de 1989, uma troca de terrenos com vista a viabilizar a construção do Parque Municipal de Desportos.</font>
</p><p><font>3. Na sequência de tal acordo, foi elaborado o documento de fls. 27 e 28, cujo teor aqui se dá por reproduzido.</font>
</p><p><font>4. BB conhece o que consta desse documento, e aceitou-o, com exclusão da cláusula 3ª.</font>
</p><p><font>5. A ré ocupa uma parcela de terreno do prédio a que se alude em A [1.], com a área de 10.818 m2.</font>
</p><p><font>6. Tal parcela foi destinada pela ré à construção de recintos desportivos, afectos ao Parque Municipal de Desportos, após a realização do acordo, referido na resposta ao artigo 2., mas só no ano de 1992 a ré efectuou na parcela a construção de equipamentos desportivos.</font>
</p><p><font>7. Entretanto, BB e esposa, CC, primeiro, e a autora, depois, propuseram alterações à cláusula 3ª do documento, referido em 4.</font>
</p><p><font>8. (Eliminado na Relação).</font>
</p><p><font>9. Na parcela de terreno, construiu a ré arruamentos, passeios e baías de estacionamento, todos pavimentados, um campo de futebol, em terra batida, e balneários e parte de outro campo de futebol, em terra batida, e um outro campo de futebol relvado.</font>
</p><p><font>10. Na parcela de terreno, construiu a ré, também, a rede de águas pluviais, a rede de iluminação pública e muros de vedação e de suporte.</font>
</p><p><font>11. Os campos de futebol têm sido usados para treinos e jogos particulares e oficiais e para torneios de equipas de futebol amador, profissional e popular das equipas do concelho.</font>
</p><p><font>12. O descrito em 5., 6., 9. e 10. foi consentido por BB e mulher, CC, e pela autora.</font>
</p><p><font>13. A autora tem-se recusado a aceitar o acordo projectado no documento de folhas 12 e 13.</font>
</p><p><font>17. A autora, com a construção dos arruamentos, referidos em 9., passou a dispor de melhor acesso para a parte do prédio, referido em 1., que não se encontra sob ocupação da ré, e para os pavilhões aí implantados.</font>
</p><p><font>18. A autora continuou a beneficiar da água dos poços existentes no Parque Municipal de Desportos.</font>
</p><p><font>19. A presente acção deu entrada em juízo, no dia 7 de Julho de 2004 – Documento de folhas 2.</font>
</p><p><font> Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes: </font>
</p><p><font>I – A questão da nulidade decorrente da omissão de pronúncia e da contradição insanável dos factos provados.</font>
</p><p><font>II – A questão da incompetência absoluta, em razão da matéria, atenta a aplicabilidade do instituto da “dicatio ad patrium”.</font>
</p><p><font>III – A questão da constitucionalidade do instituto da “dicatio ad patrium”.</font>
</p><p><font>IV – A questão do abuso de direito.</font>
</p><p><font> I. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO</font>
</p><p><font> I. 1. A autora invoca a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, relativamente à questão que suscitou na apelação sobre a falta de tomada de posição, pelo Tribunal de 1ª instância, quanto à junção dos documentos apresentados, no final da produção de prova (actas e outros documentos municipais), de que resultaria evidente que a ré vai deslocalizar o Parque Municipal dos Desportos e, posteriormente, proceder à venda dos terrenos onde, actualmente, o referido complexo desportivo se encontra instalado, nos quais se integra a parcela reivindicada. </font>
</p><p><font>Os documentos podem consistir num escrito ou numa reprodução mecânica, constituindo objectos elaborados pelo homem com o fim de representar ou reproduzir um facto, de acordo com a noção contida no artigo 362º, do CC.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, em conformidade com o preceituado pelo artigo 660º, nº 2, do CPC.</font>
</p><p><font>E as questões que as partes submetem ao juiz para julgamento constituem o pedido, não se confundindo com os motivos, as razões, os argumentos ou os meios de que as mesmas se socorrem para fazer valer a causa de pedir</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Devendo o Tribunal declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando, criticamente, as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para formar a convicção do julgador, atento o disposto pelo artigo 653º, nº 2, do CPC, deve ainda indicar, em relação a cada ponto da base instrutória, quais os meios concretos de prova em que se fundou a sua convicção, nomeadamente, os depoimentos individualizados das testemunhas e os documentos, expressamente, designados.</font>
</p><p><font>Assim sendo, as questões decidendas não se confundem com os documentos que servem de fundamento ao pedido, em relação aos quais o juiz não tem, necessariamente, de se pronunciar, autonomamente, sem prejuízo de os dever elencar como meios de prova, quando lhes for reconhecida essa dignidade, sendo certo que não tem de enfatizar as situações em que os mesmos não relevam para formar a convicção do Tribunal.</font>
</p><p><font>Deste modo, o Tribunal, em sede de despacho de fundamentação das respostas dadas à base instrutória, apenas deve discriminar, positivamente, os meios de prova, incluindo, naturalmente, os documentos em que se estribou a sua convicção, mas não, obrigatoriamente, proceder à discriminação negativa daqueles que se mostram anódinos para esse fim.</font>
</p><p><font>Efectivamente, da mera admissão da junção de documentos aos autos não decorre, necessariamente, que todos eles venham, a final, a ser objecto de relevância positiva e decisiva na factualidade a demonstrar, razão pela qual, em consequência, não tem o Tribunal de, fatalmente, sobre eles emitir pronúncia, como se de questões decidendas se tratasse.</font>
</p><p><font>É que o Tribunal não tem que motivar a eventual rejeição dos meios de prova indiferentes para o destino das pretensões formuladas pelas partes, que nos factos que integram a causa de pedir se baseiam.</font>
</p><p><font>I. 2. Alega ainda a autora a nulidade que decorre da contradição insanável existente entre os factos dados como provados, e que sejam susceptíveis de se poder afirmar que deles resultou a aceitação de um acordo, por parte de BB e, muito menos, da autora, proposto pela ré, mas, na verdade, inexistente.</font>
</p><p><font>Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3, e 722º, nº 2, do CPC.</font>
</p><p><font>Ora, as contradições na decisão sobre a matéria de facto inviabilizam, como já se disse, a decisão jurídica do pleito.</font>
</p><p><font>Regressando à matéria de facto, com vista a despistar a apontada contradição existente na mesma, impõe-se registar que, em 25 de Julho de 1989, a ré, BB e esposa, CC, antepossuidores do prédio da autora, que o adquiriu, por compra e venda, a estes últimos, acordaram entre si uma troca de terrenos, com vista a viabilizar a construção do Parque Municipal de Desportos de Fafe, tendo, para o efeito, elaborado o documento de folhas 27 e 28, que era do conhecimento do aludido BB, que o aceitou, mas com exclusão da respectiva cláusula 3ª.</font>
</p><p><font>Inicialmente, BB e esposa, CC, e, em seguida, a autora, propuseram alterações ao texto da mencionada cláusula 3ª do documento de folhas 27 e 28, tendo-se esta última recusado a aceitar o acordo projectado no documento de folhas 12 e 13.</font>
</p><p><font>Assim sendo, o que se encontra, inequivocamente, provado é que o referido BB aceitou o acordo proposto, com exclusão da respectiva cláusula 3ª, enquanto que a autora, sua sucessora legal na titularidade do prédio, se recusou a fazê-lo.</font>
</p><p><font>Inexiste, pois, qualquer contradição na decisão proferida sobre a matéria de facto que inviabilize a decisão jurídica do pleito.</font>
</p><p><font>. II. DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO MATÉRIA</font>
</p><p><font> II. 1. Sustenta ainda a autora que o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer do mérito da acção, a admitir-se a aplicabilidade do instituto jurídico inconstitucional da "dicatio ad patrium", é o tribunal administrativo, e não o tribunal comum.</font>
</p><p><font>Para que o tribunal possa decidir sobre a procedência ou o mérito de um pedido, é, desde logo, indispensável que a acção seja proposta perante o tribunal competente para a sua apreciação, o que significa que a competência é um pressuposto processual que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Com efeito, os pressupostos processuais constituem as condições mínimas de que depende o exercício da função jurisdicional e, no caso da competência, visam assegurar a justiça da decisão, a garantia de que a mesma é dimanada do tribunal mais idóneo</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o tribunal, a competência afere-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que, mais tarde, será o “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por outro lado, a competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, segundo os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por isso, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 66º, do CPC, e 18º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), quando estabelecem que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.</font>
</p><p><font>Por seu turno, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais de competência especializada cível aqueles que possuem competência residual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 34º, 57º e 94º, da LOFTJ, resultando do texto deste último normativo legal a concretização acabada do mesmo princípio, ao preceituar que "aos juízos de competência especializada cível compete a preparação e o julgamento dos processos de natureza cível não atribuídos a outros tribunais".</font>
</p><p><font>Ora, aos tribunais de competência genérica, que são todos os tribunais de primeira instância, cujos poderes não se encontrem espartilhados em áreas de competência especializada ou de competência específica, «in casu», o Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, caberia, segundo a autora, no momento da propositura da acção, ao contrário do passou a sustentar, a partir da apresentação do recurso de apelação, a competência material para o conhecimento do pleito.</font>
</p><p><font>Por seu turno, “compete aos tribunais administrativos…o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas,,,”, nos termos do estipulado pelo artigo 212º, nº 3, da Constituição da República (CRP), que o artigo 1º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, reproduz, e que o respectivo artigo 4º, nº 1, g), concretiza, nomeadamente, no que respeita à apreciação de litígios que tenham por objecto “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público”.</font>
</p><p><font>II. 2. É através da aludida cláusula geral, relativa aos “litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”, que o artigo 1º, nº 1, do ETAF, faz uma primeira delimitação substantiva do âmbito da justiça administrativa, que, a seguir, concretiza, através de uma enumeração especificada, positiva e negativa, no respectivo artigo 4º, ao contrário do que acontecia, anteriormente, em que a cláusula geral era acompanhada de uma especificação, meramente negativa, deixando, assim, a justiça administrativa de poder agora ser concebida, em termos puramente residuais</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Com base na tríade dogmática da doutrina tradicional, o direito público apresentava-se como tendo subjacente a prossecução de interesses públicos [teoria dos interesses], mediante o estabelecimento de relações jurídicas de subordinação [teoria da subordinação], em que uma das partes gozava de prerrogativas de autoridade pública [teoria dos sujeitos]</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Em contraponto, o direito privado visava a tutela de interesses, estritamente, privados, mediante o estabelecimento de relações jurídicas paritárias entre sujeitos dotados de autonomia privada.</font>
</p><p><font>A consagração de um critério substantivo de relação jurídica administrativa, como resposta à doutrina clássica, permite considerar como tais as relações interpessoais e interadministrativas, em que de um dos lados da relação se encontre uma entidade pública, ou uma entidade privada dotada de prerrogativas de autoridade pública, tendo como objecto a prossecução do interesse público, de acordo com norm | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jKpu4YBgYBz1XKvZCnn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br>
</div><br>
<b><font> I – RELATÓRIO</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font>AA, </font></b><font>solteiro, residente na Rua ......., Lugar da ..............., Oliveira de Azeméis, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra a ré </font><b><font>BB Companhia de Seguros, S.A., </font></b><font>com sede na Rua ........, ..., em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 93.774,93€, acrescida de juros de mora a partir da citação até efectivo pagamento, correspondente a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais devida por acidente de viação ocorrido em 8/05/03, em Calvário, Mosteiro, Santa Maria da Feira, que descreve como imputável a culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-00, cuja responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação havia sido transferida para a ré, em consequência do qual o autor sofreu danos no seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-00 e lesões corporais que lhe determinaram internamento hospitalar e incapacidade permanente para o trabalho.</font><br>
<br>
<font>Regularmente citada, a ré contestou imputando ao autor a responsabilidade pelo acidente, em nada tendo contribuído para a sua ocorrência o condutor do veículo seu segurado.</font><br>
<font>O Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro deduziu pedido de reembolso de prestações sociais pagas ao autor, pedindo a condenação da ré, nos termos do art. 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22/2, no pagamento da quantia de 3.867,99€, acrescida de juros legais de mora desde a citação, que a ré contestou com idênticos fundamentos, assacando o acidente a culpa exclusiva do autor.</font><br>
<font>Saneado e condensado o processo, veio a acção a ser julgada parcialmente procedente, sendo a ré BB Companhia de Seguros, SA condenada a pagar:</font><br>
<font>1) Ao autor:</font><br>
<font>- o montante de 8.715,37€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais;</font><br>
<font>- o montante de 31.500,00€, a título de indemnização do dano corporal (IPG);</font><br>
<font>- o montante de 25.000,00€, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.</font><br>
<font>2) Ao Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, integrado no Instituto de Segurança Social, I.P., a quantia de 3.867,99€, acrescida de juros legais de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento.</font><br>
<font>Inconformada com esta decisão, apelou a ré com parcial êxito uma vez que a Relação, por unanimidade, reduziu para 20.000,00€ o montante fixado pela 1ª instância a título de indemnização pelos danos não patrimoniais. </font><br>
<font>No mais, confirmou a sentença recorrida. </font><br>
<br>
<font> Não obstante, a ré manteve-se irresignada, pediu revista do acórdão proferido e nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões: </font><br>
<font>1ª - O fundamento do presente recurso reside na discordância da recorrente quanto ao montante da indemnização fixada por via da I.P.G. com que o A. se encontra afectado.</font><br>
<font>2ª - O A. ficou afectado, por via do sinistro, de uma Incapacidade Permanente Geral de 15 %, acrescida de mais 5 % a título de dano futuro. Mas trata-se unicamente de dano biológico.</font><br>
<font>3ª - No douto acórdão recorrido vêm calculadas "prestações mensais perdidas" que perfazem, ao fim de 44 anos de vida activa, Eur. 47 124, 00. De seguida, vem apresentada uma correcção deste montante, por via do benefício da antecipação do capital, acabando por se manter a verba de Eur. 31 500, 00 fixada em primeira instância. Este não é, contudo, um caso de perdas salariais efectivas.</font><br>
<font>4ª - Não ficou provado que o A. tenha sofrido perdas salariais efectivas. Esta é a questão.</font><br>
<font>5ª - O dano em causa merece um ressarcimento autónomo (ainda que possa ser entendido como complementar do dano moral). Porém, não ficou provada uma perda efectiva de rendimento na ordem dos 15 % ou mesmo 20 %.</font><br>
<font>6ª - E assim, a concessão de EUR. 31 500, 00 a título de indemnização pela I.P.G. com que o Autor se encontra afectado, configura uma verba desajustada, por elevada, se olharmos ao tipo e grau de incapacidade, e ainda aos rendimentos do Autor.</font><br>
<font>7ª - A Jurisprudência, de modo corrente, considera que uma incapacidade geral, mesmo que não afecte a capacidade de ganho e que não determine, necessariamente, uma perda de rendimento, constitui um prejuízo ressarcível.</font><br>
<font>8ª - De todo o modo, não pode deixar de ser considerada uma situação diferente daquela em que existam e se provem perdas salariais efectivas.</font><br>
<font>9ª - No caso presente deverá ter aplicação a doutrina do Acórdão do S.T.J. de 12 de Maio de 1994, in C.J. 1994, Tomo II, Pág., 98, onde se decidiu que a desvalorização permanente quando apenas avaliada em função de percentagem, sem ter caracterizado devidamente em que termos a actividade do lesado foi atingida, deverá ser considerada no âmbito da actividade não profissional.</font><br>
<font>10ª - Deve ser de admitir, face aos factos provados, que o lesado tenha algum incómodo ou esforço acrescido na realização das suas tarefas. É este esforço acrescido que merece indemnização.</font><br>
<font>11ª - Porém, isso já é diferente do lesado ter perdas efectivas na proporção de 20 % dos seus rendimentos. Se assim fosse, já seria de admitir como justa e adequada a verba fixada pelas instâncias.</font><br>
<font>12ª - Ora, o montante de Eur. 31 500, 00 fixado pelas instâncias tem como pressuposto óbvio, evidente e insofismável uma quebra de rendimento na ordem dos 20 % no património do lesado, quebra essa que não se verifica como é evidente.</font><br>
<font>13ª - A grande questão é que as duas situações (1)</font><br>
<font> têm de merecer um tratamento diferente, porque diferentes são, no fim de contas, os danos a liquidar.</font><br>
<font>14ª - O critério legal para a fixação do montante indemnizatório é o recurso a juízos de equidade (art° 566° n° 3 do Código Civil).</font><br>
<font>15ª - Sendo a equidade a "justiça do caso concreto", terão de relevar, na situação "sub judice", as seguintes circunstâncias:</font><br>
<font>1) a I.P.P. que afecta o Autor não importa efectiva diminuição de salário,</font><br>
<font>2) a desvalorização em causa não impede o Autor de exercer a sua profissão.</font><br>
<font>3) A I.P.P. com que se encontra afectado não lhe provoca uma efectiva perda da</font><br>
<font>capacidade de ganho (ainda que lhe provoque esforço acrescido na realização de tarefas, mesmo as do dia a dia).</font><br>
<font>16ª - A indemnização a conceder ao Autor deve ter como ponto de partida os Eur. 26 775, 00 fixados na douta sentença de primeira instância, como primeiro cálculo, e por recurso a juízos de equidade, tal verba deverá ser reduzida em 25 %, ou seja, a verba a conceder ao Autor deverá ser fixada em Eur. 20 000, 00 (vinte mil euros).</font><br>
<font>17ª - A recorrente não se pretende valer dos critérios da Portaria n° 377/2008, de 26 de Maio, porque não se trata de um diploma legal. Mas o recurso a juízos de equidade impõe, precisamente, que se opere uma diferenciação entre incapacidade com efectiva quebra salarial, e uma incapacidade geral, que se traduz, no fim de contas em mero dano biológico.</font><br>
<font>18ª - Vide, pela sua douta fundamentação, os Acórdãos do S.T.J. de 10-2-98 e 25-6-02, in, respectivamente, CJ, ano VI, I, p. 66, e Ano X, II, p. 128. E ainda os Acórdãos do S.T.J. de 5-7-2007 e de 9-9-2008, in Proc. 1734/07 e 1921/08, da 6a Secção.</font><br>
<font>19ª - Encontrando-se em causa, no essencial, uma compensação pela realização de esforços acrescidos, e tendo sempre em conta que não se verificam quebras efectivas de salário ou rendimento, a verba líquida de Eur. 20 000, 00 constitui, por recurso a juízos de equidade, uma forma justa de ressarcir o autor sem onerar de modo injusto a ré.</font><br>
<font>20ª - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos art°s 342° n° 1, 483°, 564° e 566° n° 3 do Código Civil, 586° n° 1, 659° n°s 2 e 3 e 660° n° 2 do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>O autor não contra-alegou.</font><br>
<font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font><div></div><br>
<font>As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil(2)) – consubstanciam uma única questão: determinar o montante indemnizatório pelo dano biológico.</font><br>
<font> </font><div><b><font>II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font>DE FACTO</font></b><br>
<br>
<font>As instâncias assentaram na seguinte matéria de facto:</font><br>
<font>A) No dia 08 de Maio de 2003, pelas 11 h 40 m, na E.N. 109-4, em Calvário, Mosteiro, Santa Maria da Feira, na estrada que liga o Calvário a Mosteiro, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes:</font><br>
<font>- o veículo ligeiro de passageiros de matrícula "00-00-00", propriedade do autor e por ele conduzido; e</font><br>
<font>- o veículo ligeiro de passageiros de matrícula "00-00-00", propriedade de CC e por ele conduzido.</font><br>
<font>B) Trata-se de uma curva com visibilidade reduzida e a faixa de rodagem, em asfalto, tem 10 metros.</font><br>
<font>C) Na altura o tempo estava bom e o piso encontrava-se seco.</font><br>
<font>D) O condutor do "00" circulava com o seu veículo no sentido Mosteirô/Feira.</font><br>
<font>E) O condutor "00" circulava com o seu veículo no sentido Feira/Mosteirô.</font><br>
<font>F) Em consequência do embate entre os dois veículos, o "00", cujo valor à data ascendia ao montante de € 1.429,00, ficou totalmente destruído.</font><br>
<font>G) À data do sinistro, a responsabilidade civil emergente da circulação do "00" encontrava-se transferida para a Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.° 0000000.</font><br>
<font>H) O autor é beneficiário do Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, com o n.º 000000000.</font><br>
<font>I) O Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, Serviço integrado no Instituto de Segurança Social, I.P., pagou ao autor a quantia de € 3.867,99, relativo a subsídio de doença, referente ao período de 08/5/03 a 25/10/04.</font><br>
<font>J) O "00" circulava pela faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha.</font><br>
<font>K) O condutor do "00" circulava a uma velocidade de, pelo menos, 70 km/hora.</font><br>
<font>L) Acabava uma manobra de ultrapassagem, em local imediatamente anterior à curva, a outro veículo de marca "Opel Corsa".</font><br>
<font>M) Não conseguiu controlar o veículo, entrando em despiste, invadindo, súbita e bruscamente, a faixa de rodagem contrária, por onde o "00" circulava.</font><br>
<font>N) Indo, consequentemente, embater, com a frente esquerda do "00", na frente esquerda do "00", que nada pôde fazer para evitar o embate.</font><br>
<font>O) No local a via descreve uma recta com inclinação ascendente, que desemboca na curva aludida em B).</font><br>
<font>P) Curva essa que é pronunciada e apresenta-se à direita, atento o sentido de marcha do "00".</font><br>
<font>Q) O autor, por força do embate, sofreu enorme susto, passando por momentos de aflição, terror, dor e pânico.</font><br>
<font>R) Ficou encarcerado dentro do seu veículo, ali permanecendo por largos minutos.</font><br>
<font>S) Por via disso, sofreu várias fracturas nos membros inferiores, designadamente fractura exposta dos ossos da perna esquerda.</font><br>
<font>T) E fractura do côndilo femural interno à direita.</font><br>
<font>U) Dado o melindre do estado clínico, nesse dia, recebeu tratamento de urgência no Hospital de Santa Maria da Feira, onde lhe foram prestados os primeiros socorros.</font><br>
<font>V) E, após, foi aí submetido a intervenção cirúrgica à perna esquerda para encavilhamento endomedular com vareta aparafusada.</font><br>
<font>W) E, foi transferido para o Hospital de S. João da Madeira.</font><br>
<font>X) No dia seguinte, foi-lhe diagnosticado por radiografia fissura do côndilo femoral interno direito, tendo-lhe sido aplicada tala gessada.</font><br>
<font>Y) Ali permaneceu internado até 23 de Maio de 2003.</font><br>
<font>Z) O autor foi submetido a tratamento de fisioterapia desde Agosto de 2003 a Junho de 2004.</font><br>
<font>AA) O esforço físico de reabilitação provocou-lhe o aparecimento de duas hérnias inguinais.</font><br>
<font>AB) Pois consistia em exercícios de flexibilidade, movimentos de rotação e força, com fortes queixas ao nível das zonas lesionadas, e com dificuldade de movimentação.</font><br>
<font>AC) Tratamentos que duravam cerca de duas horas cada e que, por particularmente dolorosos, deixavam o autor completamente prostrado.</font><br>
<font>AD) Em 31 de Março de 2004, foi submetido a intervenção cirúrgica, na qual foram corrigidas as referidas hérnias inguinais e extraída a cavilha.</font><br>
<font>AE) O pós operatório decorreu com vários transtornos e complicações, pois dias depois sofreu derrame pleural bilateral, edemas generalizados, edemas nos membros inferiores, dispneia e angioedema na face.</font><br>
<font>AF) Pelo que mais uma vez, de 26 de Abril a 3 de Maio de 2004, sofreu internamento hospitalar.</font><br>
<font>AG) Apesar dos tratamentos realizados, o autor continuou a sofrer dores na perna esquerda.</font><br>
<font>AH) O autor, após o acidente e em consequência deste, passou a sofrer de dores nas pernas.</font><br>
<font>Al) Sofrendo dores intensas e sensações subjectivas nos membros inferiores.</font><br>
<font>AJ) Que lhe causam falta de forças nos membros inferiores, que se acentuam ao longo do dia e agravam ao subir escadas ou declives.</font><br>
<font>AK) O autor sofreu imensas dores físicas e morais no momento do acidente e durante os tratamentos a que esteve sujeito.</font><br>
<font>AL) Que lhe causaram grande angústia, inibição, sensação de diminuição física e um enorme sofrimento.</font><br>
<font>AM) Ficou em pânico face à incerteza da sua completa e definitiva cura e sofreu transtornos psicológicos.</font><br>
<font>AN) O que fez com que o autor tivesse amargurado a existência e alterado o modo de se relacionar com as pessoas que o rodeavam, tal como ainda hoje acontece, dado que o sofrimento actualmente subsiste.</font><br>
<font>AO) O autor tinha, à data do acidente, 36 anos de idade e era solteiro.</font><br>
<font>AP) E tem uma filha.</font><br>
<font>AQ) À data do embate, o autor gozava de boa saúde.</font><br>
<font>AR) Tinha uma grande alegria de viver e constante boa disposição.</font><br>
<font>AS) Em consequência do sinistro, o autor apresenta ainda dor ao nível da perna esquerda, com alguma dificuldade em subir e descer escadas, e dor ao nível do joelho direito, com episódios frequentes de bloqueio.</font><br>
<font>AT) Sequelas de dismorfía da vertente anterior da rótula e do côndilo femoral medial, em resultado de fractura cominutiva e subcondral, respectivamente, e fissuração do rebordo articular livre do corno posterior do menisco medial.</font><br>
<font>AU) E as descritas lesões determinaram ao autor uma incapacidade permanente geral (IPG) de 15%, acrescida de 5% a título de dano futuro.</font><br>
<font>AV) À data do sinistro, o autor era funcionário da sociedade "Trecar - Tecidos e Revestimentos, SA", auferindo um salário mensal líquido de cerca de € 510,00.</font><br>
<font>AW) Em consequência do acidente, o autor ficou impedido de desenvolver a sua actividade profissional até 25 de Outubro de 2004, data em que teve alta médica.</font><br>
<font>AX) Durante o período de tempo em que esteve de baixa, o autor deixou de auferir os respectivos vencimentos relativos àquele período, sofrendo um prejuízo de montante não concretamente apurado.</font><br>
<font>AY) Para além disto, o autor efectivou ainda despesas com taxas moderadoras, consultas, realização de tratamentos, realização de exames médicos e deslocações para esse efeito, que totalizam o montante de € 708,53.</font><br>
<font>AZ) Tendo o autor despendido com o serviço de reboque do "XM" a quantia de € 50,00.</font><br>
<br>
<b><font> DE DIREITO</font></b><br>
<br>
<b><font> </font></b><font>Como acima anunciámos, o objecto da revista confina-se à questão da reparação do “dano biológico” sofrido pelo lesado, mais rigorosamente à sua quantificação.</font><br>
<font>Tal questão vem sendo de há algum tempo amplamente tratada na jurisprudência e doutrina, quer na vertente do respectivo enquadramento jurídico quer na da sua ressarcibilidade.</font><br>
<font>Ponderou-se a-propósito no acórdão recorrido:</font><br>
<font>“…tal indemnização tem plena autonomia relativamente à compensação pelos danos não patrimoniais sofridos e visa reparar a perda de capacidade de trabalho e de ganho, tal que, conforme prescreve o art.º 562.º do CCivil, se reconstitua a situação patrimonial que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. A circunstância de não ter demonstrado que, no imediato, o A. tivesse sofrido qualquer redução salarial também não exclui ou faz esvaziar o seu direito à reparação, que o é de um dano futuro, que vai projectar-se ao longo de toda uma vida activa de produtividade limitada.”.</font><br>
<font>A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem acolhido de modo relevante a noção de “dano biológico”, excogitando em simultâneo em qual das clássicas categorias de dano patrimonial ou moral o integrar. A questão foi tratada de modo proficiente no Acórdão de 27/10/2009, Pº nº 560/09.0 YFLSB (3), relatado pelo ora 2º Adjunto, daí que o evoquemos com a seguinte transcrição:</font><br>
<font>““…</font><i><font>o dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.”</font></i><br>
<i><font>Certo que se trata de um dano (que na definição do Prof. A. Varela “é perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses [materiais, espirituais ou morais] que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar.” – in “Das Obrigações em Geral”, I, 591, 7.ª ed.)</font></i><font>.</font><br>
<font> </font><i><font>Mas há que proceder à integração do dano biológico, ou na categoria do dano patrimonial – como “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.” – Prof. A. Varela, ob. cit.) abrangendo não só o dano emergente, como perda patrimonial, como o lucro frustrado, ou cessante –, ou na classe dos danos não patrimoniais (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestigio ou de reputação e que atingem bens como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, o bom nome, que não integram o património do lesado).</font></i><br>
<i><font>A maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (cf., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).</font></i><br>
<i><font>Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado - por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta - pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.</font></i><br>
<i><font>Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.</font></i><br>
<i><font>Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso como decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.</font></i><br>
<i><font>E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.</font></i><br>
<i><font>Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessáriamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.</font></i><br>
<i><font>Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.</font></i><br>
<i><font>A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.</font></i><font>”.</font><br>
<font>Ao caso vertente nem releva indagação do seu enquadramento ou qualificação jurídica, se na categoria do dano patrimonial ou do dano moral, ou eventualmente como “</font><i><font>tertium genus</font></i><font>” como se afirma no Ac. do STJ de 20/5/2010, Pº 103/2002.L1.S1, dado que a recorrente aceita o seu ressarcimento autónomo independentemente da definição do seu enquadramento “(4) e, qualquer que ele seja, há unanimismo que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui um dano ressarcível.</font><br>
<font>Unicamente, a ré/recorrente considera excessivo o “</font><i><font>quantum</font></i><font>” atribuído, insistindo particularmente num determinado ponto, ou seja, não ter ficado provado que o autor tenha sofrido perdas salariais efectivas, o que no seu entender não pode deixar de ser considerada uma situação diferente daquela em que existam e se provem tais perdas.</font><br>
<font>A nosso ver, esta concepção da recorrente assenta numa nublosa perspectiva do que é a essência do dano biológico.</font><br>
<font>Como dano de natureza autónoma e específica por envolver prioritariamente uma afectação da saúde e plena integridade física do lesado, a sua compensação, como se afirma, por exemplo, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 11/11/2010, Pº 270/04.5 TBOFR.C1.S1 (5) ““</font><i><font> (…) tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.</font></i><br>
<i><font>Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais</font></i><font>.”(6). </font><br>
<font>Por conseguinte, o dano biológico tem valoração autónoma em relação aos restantes danos, e casuisticamente o seu cariz poderá oscilar entre dano patrimonial ou dano moral. Sofrendo o lesado em simultâneo perdas salariais efectivas as mesmas integrarão o dano emergente, como perda patrimonial directa e imediata consequente da perda de capacidade de ganho, calculada em função das remunerações percebidas à data do acidente, e nunca deverão influir no juízo de equidade. </font><br>
<font>Tendo o lesado uma actividade profissional efectiva não há lugar à destrinça procurada pelo recorrente. </font><br>
<font>Entendemos, tal como as instâncias, que deve ser contabilizado como dano biológico a maior penosidade e esforço no exercício da actividade diária corrente e profissional por parte do autor/recorrido, bem como o condicionamento a que ficou sujeito para efeitos de valorização do seu estatuto no emprego, condicionamento que o penalizará, ainda, se quiser, ou vier a ser obrigado, a encontrar outra actividade profissional.</font><br>
<font>As instâncias valoraram tal dano em 31.500€, a recorrente defende a sua redução para 20.000€ por o considerar desajustado, por elevado, olhando ao tipo e grau de incapacidade, e ainda aos rendimentos do autor. Aceita que a indemnização a conceder tenha como ponto de partida os 26.775,00€ encontrados na sentença da 1ª instância como primeiro cálculo, que, todavia, deverão ser reduzidos em 25 %, para 20.000,00€, por recurso a juízos de equidade (cfr.16ª conclusão).</font><br>
<font>Argumenta que deverá ter aplicação a doutrina do Acórdão do STJ de 12/05/94, in C.J. 1994, Tomo II, pág., 98, onde se decidiu que a desvalorização permanente quando apenas avaliada em função de percentagem, sem ter caracterizado devidamente em que termos a actividade do lesado foi atingida, deverá ser considerada no âmbito da actividade não profissional.</font><br>
<font>Que dizer?</font><br>
<font>A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil).</font><br>
<font>A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).</font><br>
<font>A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho (7)</font><br>
<font>Pois bem, para evitar o reinado de total subjectivismo vem sendo aceite com alguma unanimidade que o montante indemnizatório deva começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, nomeadamente através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo da sua vida activa, lhe proporcione o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou o compense pelo maior grau de esforço desenvolvido. </font><br>
<font>As referidas fórmulas não se conformam, porém, com a própria realidade das coisas, com a dinâmica da vida avessa a operações matemáticas, pelo que devem ser entendidas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta (8) (9)., e o valor com elas alcançado sempre se traduzirá num “</font><i><font>minus</font></i><font>”</font><i><font> </font></i><font>indemnizatório.</font><br>
<font> Terá por isso de ser temperado através do recurso à equidade, que com a ponderação de variantes dinâmicas que escapam ao referido cálculo objectivo (ex. evolução provável na situação profissional do lesado, melhoria expectável das condições de vida e do rendimento disponível, inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização, o aumento da vida activa para se atingir a reforma), em parte mitigadas pelo benefício decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos ao longo de muitos anos, naturalmente desempenha um papel corrector e de ajustamento do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso.</font><br>
<font>Importa, então, recordar que: </font><br>
<font>- a culpa na eclosão do acidente é exclusiva do segurado da ré;</font><br>
<font>- nos termos do ponto AU) da matéria de facto dada por provada, “ </font><i><font>as descritas lesões determinaram ao autor uma incapacidade permanente geral (IPG) de 15%, acrescida de 5% a título de dano futuro</font></i><font>”;</font><br>
<font>- </font><i><font>o autor tinha, à data do acidente, 36 anos de idade</font></i><font> (AO)); </font><br>
<font>- </font><i><font>à data do sinistro, o autor era funcionário da sociedade "Trecar - Tecidos e Revestimentos, SA", auferindo um salário mensal líquido de cerca de € 510,00</font></i><font> (AV) ).</font><br>
<font>A Exma Juiza na 1ª instância, partindo do rendimento anual de 7.140,00€ a uma taxa de juro de 4% (10), obteve o rendimento anual perdido de 178.000,00€, a que corresponde, considerando a desvalorização sofrida pelo autor de 20%, o capital de 35.700,00€.</font><br>
<font>Fez-lhe incidir uma redução de ¼, em ordem a evitar uma situação de injustificado enriquecimento, e alcançou o montante de 26.775,00€.</font><br>
<font>A recorrente aceita este valor assim obtido, pretende é que de seguida seja reduzido em 25% por juízos de equidade. </font><br>
<font>De facto, o juízo de equidade que a decisora fez intervir seguiu outra direcção. Tomando em conta a idade do autor e o limite temporal de vida activa de 70 anos de idade, que o rendimento anual encontrado não contempla previsíveis aumentos salariais e progressão na carreira, e a política de taxas de juro baixas, considerou como equitativa a quantia final de 31.500,00€.</font><br>
<font>Por sua vez, no acórdão recorrido, partindo de idêntica matriz indiciária, o critério adoptado pelo Conselheiro Sousa Dinis, no local já citado, considerou-se o mesmo rendimento anual de 7.140,00€.</font><br>
<font>A totalidade das prestações mensais perdidas pelo autor em consequência do coeficiente de IPP geral de 20%, ao fim de 33 anos de vida activa residual, perfazem 47.124,00€.</font><br>
<font>Atendendo á taxa de juro de remuneração das aplicações financeiras a prazo corrente à época de cerca de 2%, e não de 4% como a sentença da 1ª instância considerou, a taxa final de capitalização seria de 92,223%, sendo a taxa média de 35,933%. Procedendo à dedução a tal valor de 47.124,00€ da taxa média de capitalização (€47.124 X 100%: 135,933%), obteve-se um valor de 34.667,15€, desde logo superior aos 31.500,00€ finais fixados na sentença recorrida. Por isso se manteve o valor de 31.500,00€.</font><br>
<font>Sem esquecer que o recurso a estas fórmulas é meramente indiciário e adjuvante, e que o julgador deve considerar o critério do nº 3 do art. 566º do Código Civil a apelar para o recurso à equidade, o valor base de 26.775,00€ aceite pela recorrente a merecer correcção não poderia ser no sentido redutor por ela pretendido, pois como acima referimos o mesmo se traduz num “</font><i><font>minus</font></i><font>”</font><i><font> </font></i><font>indemnizatório e não num “</font><i><font>magis</font></i><font>”. </font><br>
<font>Ponderando ainda que o lesado não contribuiu para o acidente de que foi vítima, temos o montante de indemnização atribuído por um valor equilibrado, e que não foge aos padrões que têm vindo a ser utilizados em recente jurisprudência deste Tribunal para situações semelhantes (11). Nem se nos afigura que a recorrente, depois de compreender que a quantia base que aceita deve ser tida como um “</font><i><font>minus</font></i><font>” indemnizatório, ainda tenha por excessivo um acrescento de 4.725,00€ em sede de equidade tendo em conta a jovem idade do autor, o seu rendimento profissional, e a IPP que o acompanhará o resto da sua vida, não só na sua profissão como no lar e lazer.</font><br>
<font>Concluindo, o valor indemnizatório alcançado pelas instâncias não se mostra inadequado e merecedor de censura.</font><br>
<font>Improcede o recurso.</font><div><br>
<b><font>III – DECISÃO</font></b></div><br>
<font>Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><div><br>
</div><br>
| [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jKru4YBgYBz1XKv4SsX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><font>AA, residente no sítio ..., propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB, </font></b><font>residente no sítio ..., </font><i><font>pedindo</font></i><font> se declare resolvido o contrato de empreitada identificado, celebrado entre o A. e o R. em 20/02/2005, por incumprimento definitivo da parte deste, se condene o R. a pagar ao A. a quantia de € 8.094,00 (oito mil e noventa e quatro Euros), correspondente à restituição da diferença existente entre o valor pago e os trabalhos não executados, bem como os respectivos juros de mora à taxa legal em vigor, actualmente de 4% ao ano, contados a partir da citação e até efectivo pagamento e ainda a quantia de € 7000,00 (sete mil Euros) correspondente ao ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos por este, bem como os respectivos juros de mora à taxa legal em vigor, contados a partir da citação e até efectivo pagamento. </font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou o contrato de empreitada que identifica com o R., sendo que este o incumpriu, não executou algum dos trabalhos contratados e causou-lhe prejuízos.</font><br>
<font> O R. contestou negando o incumprimento do contrato e deduzindo </font><u><font>reconvenção</font></u><font> em que pediu:</font><br>
<font> 1º Declarar-se que o A. desistiu do contrato de empreitada nos termos previsto no art. 1229º do C.C. e, simultaneamente, condenar-se o mesmo a reconhecer que o seu comportamento contratual corresponde à desistência injustificada do contrato de empreitada sub judice;</font><br>
<font> 2º Em decorrência, deve condenar-se o A. e Reconvindo no pagamento ao R. e reconvinte de uma indemnização global não inferior a 108.000,00 Euros correspondentes às perdas dos lucros cessantes e expectativas contratuais, tudo acrescido de juros contados à taxa legal a partir da data da notificação.</font><br>
<font> 3º Em cúmulo condenar-se o A. e reconvindo no pagamento ao R. e reconvinte de uma compensação no valor de 12.500,00 Euros pela perda dos materiais, máquinas e utensílios e ferramentas de construção civil, tudo acrescido de juros contados à taxa legal a partir da data da notificação.</font><br>
<font> 4º E, sempre e em qualquer caso de modo subsidiário e a título de enriquecimento sem causa, o que não se aceita por princípio, deverá sempre condenar-se o A. e reconvindo a pagar ao R. e reconvinte a quantia de 30.500 Euros acrescida de juros contados à taxa legal a partir da data da notificação, a título do pagamento das obras, trabalhos, materiais, e serviços efectivamente especificados, misturados e executados na moradia “sub-judice” nos termos alegados e não pagos;</font><br>
<font> 5º E sempre em cúmulo condenar-se o A. e reconvindo no pagamento ao R. e reconvinte de uma compensação no valor de 12.500 Euros pela perda dos materiais máquinas e utensílios e ferramentas de construção civil, tudo acrescido de juros contados à taxa legal a partir da data da notificação. </font><br>
<font> </font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> Nesta julgou-se a acção improcedente absolvendo o R. de todos os pedidos contra ele deduzidos.</font><br>
<font> Julgou-se, porém, parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenou-se o A. a pagar ao R. o valor de treze mil euros (13.000,00 euros), acrescido de juros de mora contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento, relativamente aos trabalhos a mais realizados pelo R., referidos nas alíneas CC) e DD) dos factos provados, o valor dos trabalhos referidos na alínea M) dos factos provados, devendo a sua determinação ser liquidada em execução de sentença, sendo que sobre o valor assim determinado deverão acrescer juros de mora contados desde a data do trânsito em julgado desse incidente de liquidação até efectivo pagamento, o valor do lucro que o R. deixou auferir com a realização da obra no seu todo, em consequência da desistência por parte do A. da empreitada, sem prejuízo do lucro que o mesmo já auferiu com os pagamentos entretanto efectuados, referidos nas alíneas E) a H) dos factos provados correspondentes às alíneas a) a c) da cláusula 3ª do contrato, devendo a sua determinação ser liquidada em execução de sentença, sendo que, sobre o valor assim determinado deverão acrescer juros de mora contados desde a data do trânsito em julgado desse incidente de liquidação até efectivo pagamento. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí julgado parcialmente procedente o recurso</font><b><font>, </font></b><font>revogando-se a decisão recorrida na parte em que decidiu: </font><i><font>“ - condeno o Autor a pagar ao Réu o valor de treze mil euros (13 000, 00 euros), acrescido de juros de mora contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento, relativamente aos trabalhos a mais realizados pelo Réu, referidos nas alíneas CC) e DD) dos factos provados”</font></i><font> e em sua substituição relegou-se para execução de sentença, a determinação do valor de tais trabalhos sendo que, sobre o valor assim determinado deverão acrescer juros de mora contados desde a data do trânsito em julgado desse incidente de liquidação até efectivo pagamento (art. 805º nº 3 do CPC). No mais confirmou-se a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font> 1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª- Num contrato de empreitada não sujeito por lei a forma escrita, mas tendo esta sido adoptada, as estipulações posteriores estão também sujeitas a esta forma, posto que, tendo as partes estipulado uma forma especial para a declaração, se presume, nesse caso, que se não querem vincular senão pela forma especial convencionada (cfr. art. 223° nº 1. do CC).</font><br>
<font> 2ª- Por outro lado, a existência de um alegado novo contrato oral autónomo em relação ao contrato de empreitada, conforme entende o Tribunal a </font><i><font>quo, </font></i><font>não foi invocada pelo Réu na reconvenção, sendo certo que a ele cabia alegar e provar os factos que integram a causa de pedir e o tribunal só pode servir-se dos factos articulados pelas partes </font><i><font>(cfr. </font></i><font>arts. 264° e 664°, </font><i><font>in fine, </font></i><font>do CPC. 342°, nº 1, do CC. e Ac. do TRL, proc. nº 9674/06-1).</font><br>
<font> 3ª- Acresce que, para além de tal alegado novo contrato carecer de forma escrita, e de este não ter sido invocado pelo Réu na reconvenção, sendo esse o momento próprio para o fazer, a admitir-se a existência de tal novo contrato, no que não se concede, tal implicaria uma alteração da causa de pedir, a qual também não foi invocada pelo Réu, sendo, por isso, encerrada que está a audiência de discussão e julgamento, e na ausência de acordo do Autor, tal alteração da causa de pedir legalmente inadmissível </font><i><font>(cfr. </font></i><font>art. 273° do CPC).</font><br>
<font> 4ª- Salvo o devido respeito, ao contrário do decidido pelo Tribunal a </font><i><font>quo, </font></i><font>estão aqui precisamente em causa convenções adicionais ao contrato de empreitada escrito outorgado pelas partes, ou convenções acessórias posteriores, traduzidas nos referidos trabalhos a mais, para cuja prova não é admitida prova testemunhal (cfr. Acs. do TRP. 2 secção de 18/06/2008. proc. nº 2223/08, e do STA, de 04/05/1993, proc. n°082248).</font><br>
<font> 5ª- Neste entendimento, e conforme alegado pelo Recorrente em sede de apelação, no que toca à realização pelo Réu de trabalhos a mais a pedido do Autor, logo traduzindo um alegado acordo tácito entre ambos a esse respeito, porque consubstanciam alteração aos termos do acordo escrito, reconhecido e aceite pelas partes, tais trabalhos não podiam ser objecto de prova testemunhal, como o foram, sob pena de violação do disposto no art. 394° nº 1 do CC, devendo, como tal, tais factos ser dados como não escritos, nos termos do disposto no artigo 646°, n°4, do CPC.</font><br>
<font> 6ª- Mais entendeu o Tribunal a </font><i><font>quo, </font></i><font>que, no caso vertente, embora fixado o respectivo objecto, atenta a natureza dos trabalhos efectuados e a necessidade, altamente provável, de um relatório pericial para o efeito, não foi possível quantificar tais trabalhos realizados pelo Réu, os quais carecem de avaliação pecuniária, sendo que o M° Juiz do Tribunal de 1ª instância não o podia fazer e daí a faculdade de remeter para execução de sentença. </font><br>
<font> 7ª- Sucede que a falta de quantificação do valor</font><b><font> </font></b><font>dos alegados trabalhos efectuados, fixado que se mostrava o respectivo objecto, como aliás bem diz o Tribunal a quo</font><b><i><font>, </font></i></b><font>era da exclusiva responsabilidade do Réu, a quem competia, para a fixação da respectiva quantidade, a alegação e a prova de tal, podendo então ter-se socorrido para o efeito de um relatório pericial, o que não fez, pelo que não poderá fazê-lo agora.</font><br>
<font> 8ª- Com efeito, conforme alegado pelo Recorrente em sede de Recurso de Apelação, da alínea M) dos factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª instância consta que o Réu deixou a obra numa fase em que se encontrava colocada a cobertura e executado todo o reboco dos exteriores da moradia, alínea esta que se relaciona com a alínea d) do contrato em causa, a qual, por sua vez estipula que o Autor</font><b><font> </font></b><font>pagará ao Réu a quantia de € 35.000.00, após a colocação da cobertura e revestimentos interiores e exteriores da moradia, sendo que dessa alínea, conjugada com a alínea N) dos factos dados como provados, resulta que, no caso, o Réu não executou o reboco e revestimentos interiores da moradia.</font><br>
<font> 9ª- Assim, constando tais factos da acção, constata-se que, aquando da Contestação, já eram perfeitamente conhecidas as designadas “unidades componentes da universalidade” em questão, sendo por isso perfeitamente possível quantificá-las com exactidão, bastando para tal deduzir à quantia em causa o valor do reboco e revestimentos interiores da moradia não executado pelo Réu.</font><br>
<font> 10ª- E o mesmo se verificando relativamente ao lucro que o Réu terá alegadamente deixado de auferir com a realização da obra no seu todo, sem prejuízo do lucro que o mesmo já auferiu com os pagamentos entretanto efectuados pelo Autor, referidos nas alíneas E) a H) dos factos provados e correspondentes às alíneas a) a c) da cláusula 3ª do contrato em causa, o qual já era perfeitamente fixável aquando da contestação, porque não alteradas as consequências do alegado acto ilícito motivador de tal indemnização.</font><br>
<font> 11ª- Ora, tendo-se, no momento da formulação do pedido, e consequentemente no momento da prolação da Sentença pelo Tribunal de 1ª instância, já verificado todos os elementos de facto constitutivos do direito, e logo já todos os elementos relativos não só ao objecto mas também à quantidade em causa eram determináveis ou, por outras</font><b><font> </font></b><font>palavras, os factos já eram todos conhecidos e não estavam em evolução, não era legalmente possível remeter tal liquidação para sede de execução de sentença como fez aquele Tribunal e se mostra confirmado pelo Tribunal a quo.</font><br>
<b><i><font> </font></i></b><font>12ª- Em rigor, a necessidade de remissão para sede de liquidação de sentença não resulta da falta de elementos bastantes para fixar, no caso, a quantidade da indemnização, mas sim da inexistência de factos alegados pelo Réu para sustentar tal obrigação de indemnizar, cuja alegação e prova a ele competia, facto este que obsta à utilização de tal mecanismo de remissão para execução de sentença (cfr. arts. </font><i><font>342° </font></i><font>nº 1 do CC, 661° nº 2 do CPC e Ac. do S.T.J. de 17/01/1995).</font><br>
<font> 13ª- Importa recordar que, em processo civil, o Tribunal está limitado pelos pedidos das partes, não podendo extravasá-los, uma vez que não se pode pronunciar sobre mais do que o que lhe foi pedido, dado que o objecto da Sentença (ou do Acórdão) tem que coincidir com o objecto do processo, sob pena de violação dos princípios do pedido e do dispositivo, situação esta tanto mais grave no caso vertente quanto se verifica que o Tribunal de 1ª instância nem sequer estabeleceu qualquer limite à respectiva decisão de condenação nos montantes a liquidar em sede de execução de sentença.</font><br>
<font> 14ª- Assim, e conforme alegado pelo Recorrente em sede de Apelação, ao decidir como decidiu o Tribunal de 1ª instância conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, condenou em quantidade superior ou objecto diverso do pedido, ultrapassando os limites da condenação e remeteu tal liquidação para execução de sentença quando o eventual crédito do Réu não era indeterminável, com o que violou o disposto nos artigos 3°</font><i><font> </font></i><font>n° 1, 264°, 661° nºs 1 e 2, e 668° n° 1 alínea d), do CPC, normativos estes que, ao confirmar nesta parte tal Decisão, foram igualmente violados pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo</font><i><font>.</font></i><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> O recorrido não contra-alegou.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Violação do disposto no art. 394º nº 1 do C.Civil.</font><br>
<font> - Liquidação ulterior dos prejuízos sofridos pelo R. reconvinte.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> A) O Réu é empreiteiro de obras e dedica-se à actividade de construção civil (al. A) dos factos assentes).</font><br>
<font> B) Tendo em vista a construção de uma moradia num prédio do Autor, que para tanto solicitou e obteve licença camarária, ao sítio da Vera Cruz, freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, que se encontra inscrito na matriz sob os artigos rústicos 98º e 99º, da secção “JJ”, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob os nºs 01522 e 01429 da referida freguesia, Autor e Réu celebraram, em 20/02/2005, um contrato escrito, que denominaram de “contrato de empreitada” (doc. 1) (al. B) dos factos assentes).</font><br>
<font> C) No qual consta o Autor como primeiro outorgante e o Réu como segundo outorgante, os quais, nessas qualidades, reciprocamente se obrigaram, nos termos das seguintes cláusulas:</font><br>
<font>PRIMEIRA – O primeiro outorgante é proprietário dum prédio localizado no Sítio da Vera Cruz, freguesia da Quinta Grande, concelho de Câmara de Lobos, no qual se pretende construir uma moradia, em conformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos;</font><br>
<font>SEGUNDA – Pelo presente contrato e mediante o preço de € 190.000,00, o segundo outorgante obriga-se a executar os trabalhos acordados na proposta já apresentada e também em conformidade com o respectivo projecto aprovado;</font><br>
<font>TERCEIRA – Os pagamentos serão efectuados do seguinte modo:</font><br>
<font>a) no acto de aceitação da empreitada o primeiro outorgante entrega ao segundo outorgante a quantia de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros), cuja verba se destina à compra de equipamentos e materiais;</font><br>
<font>b) a quantia de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros), será liquidada pelo primeiro outorgante ao segundo, logo após a colocação da primeira laje (tecto da garagem);</font><br>
<font>c) a quantia de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros), será liquidada pelo primeiro outorgante ao segundo, logo após a colocação da segunda laje (tecto do rés-do-chão);</font><br>
<font>d) a quantia de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros), será liquidada pelo primeiro ao segundo outorgante, após a colocação da cobertura e revestimentos interiores e exteriores da moradia;</font><br>
<font>e) a quantia de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros), será liquidada após a obra se encontrar pronta a receber as pinturas;</font><br>
<font>f) a parte restante, cuja quantia é de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros), será paga na conclusão de todos os trabalhos executados em conformidade com o projecto aprovado.</font><br>
<font>QUARTA – O prazo acordado para a conclusão da obra é de seis meses;</font><br>
<font>QUINTA – Os arredores serão executados de acordo com o projecto, sendo fornecido pelo proprietário 4 carros de blocos de 20 (cerca de mil) (al. C) dos factos assentes).</font><br>
<font> D) O assim designado “contrato de empreitada” encontra-se devidamente assinado por ambos os outorgantes, Autor e Réu, que ali mais declararam aceitá-lo nos precisos termos em que o mesmo se acha exarado (al. D) dos factos assentes).</font><br>
<font> E) Nesta sequência, nos termos do acordado, por meio de cheque, com data de 29/04/2005, o Autor entregou ao Réu a quantia de € 25.000,00 (doc. 2), tendo o Réu, em Maio de 2005, dado início aos trabalhos de construção da referida moradia (al. E) dos factos assentes).</font><br>
<font> F) Com data de 03/06/2005, o Autor entregou ao Réu cheque no valor de € 35 000, 00 (doc. 3) (al. F) dos factos assentes).</font><br>
<font> G) Com data de 15/06/2005, o Autor entregou ao Réu cheque no valor de € 10 000, 00 (doc. 4) (al. G) dos factos assentes).</font><br>
<font> H) E com data de 19/07/2005, o Autor entregou ao Réu cheque no valor de € 25 000, 00 (doc. 5) (al. H) dos factos assentes).</font><br>
<font> I) Em finais de Novembro de 2005, o Réu retirou todos os seus trabalhadores da obra (resposta ao artigo 1º da base instrutória).</font><br>
<font> J) O Réu retirou todos os seus materiais e equipamentos, à excepção dos referidos em HH) (anterior artigo 41º da base instrutória) (resposta ao artigo 2º da base instrutória).</font><br>
<font> L) A partir daí, a obra foi exclusivamente guardada pelo Autor, sendo unicamente acedida por este ou com a sua autorização (resposta ao artigo 4º da base instrutória).</font><br>
<font> M) O Réu deixou a obra numa fase em que se encontrava colocada a cobertura e executado todo o reboco dos exteriores da moradia (resposta ao artigo 5º da base instrutória).</font><br>
<font> N) Dos trabalhos previstos até à alínea d) da cláusula terceira do contrato, o Réu não executou o reboco e revestimentos interiores da moradia (resposta ao artigo 6º da base instrutória).</font><br>
<font> O) O Réu, para além de não ter executado os trabalhos referidos em N) (anterior artigo 6º da base instrutória), não executou também os trabalhos referidos na al. e), do contrato, tendo os mesmos sido terminados por terceiros contratados pelo Autor para o efeito (resposta ao artigo 8º da base instrutória).</font><br>
<font> P) A obra, em 31/01/2006, ao nível da cave, após ampliação de área, assim como diversas alterações estruturais, sugeridas pelo Autor, apresentava-se da seguinte forma:</font><br>
<font>a) o muro de betão armado (MCI) foi substituído por muro betão ciclópico;</font><br>
<font>b) a laje do tecto da cave foi ampliada, havendo vigas periféricas que estavam simplesmente apoiadas sobre as alvenarias, sem nenhum pilar de sustentação;</font><br>
<font>c) pilares com as armaduras visíveis e que não foram betonados (resposta ao artigo 10º da base instrutória).</font><br>
<font> Q) O prazo de seis meses, contratualmente acordado para a conclusão das obras da moradia, foi ultrapassado (resposta ao artigo 14º da base instrutória).</font><br>
<font> R) O Réu não terminou os trabalhos contratados, nem no prazo estabelecido, nem depois de esgotado este (resposta ao artigo 15º da base instrutória).</font><br>
<font> S) Aquando do referido em I) e J) (anteriores artigos 1º e 2º da base instrutória) encontrava-se por executar os rebocos e revestimentos interiores e os trabalhos referidos na al. e), da cláusula terceira do contrato referido em C) (resposta ao artigo 16º da base instrutória).</font><br>
<font> T) Apesar dos pagamentos referidos em E) a H), até à data, o Réu não entregou ao Autor qualquer factura ou recibo (resposta ao artigo 17º da base instrutória).</font><br>
<font> U) O atraso na conclusão da obra obstou à utilização e fruição plenas da moradia pelo Autor (resposta ao artigo 18º da base instrutória).</font><br>
<font> V) O Autor recorreu à contratação de terceiros para terminar a obra (resposta ao artigo 19º da base instrutória).</font><br>
<font> X) Desde o pagamento referido em H), o Réu executou os trabalhos de cobertura do prédio e rebocos exteriores e nada mais recebeu do Autor (resposta ao artigo 23º da base instrutória).</font><br>
<font> Z) Os pagamentos feitos de 25 000, 00 euros, 35 000, 00 euros, 10.000,00 euros e 25 000, 00 euros, perfazendo a verba de 95.000,00 euros, correspondem exactamente ao previsto nas alíneas a), b) e c) da cláusula 3ª, do Contrato de Empreitada inter-partes celebrado (resposta ao artigo 24º da base instrutória).</font><br>
<font> AA) (...) sendo que, até o último pagamento de 25 000, 00 euros, o Réu já tinha concluído os trabalhos previstos contratualmente nas alíneas a), b) e c) da cláusula 3ª do Contrato de Empreitada (resposta ao artigo 25º da base instrutória).</font><br>
<font> BB) Desde meados de Julho de 2005, altura do último pagamento, previsto na cláusula 3ª, alínea c), do Contrato de Empreitada “sub-judice”, até ao fim do mês de Novembro de 2005, o Réu esteve sempre a trabalhar para o Autor na obra aqui em questão (resposta ao artigo 26º da base instrutória).</font><br>
<font> CC) A pedido do Autor, o Réu executou na moradia trabalhos a mais, que consistiram na ampliação do espaço da garagem e cave, para uma dimensão e superfície superior ao constante no projecto e ao inicialmente contratado, com correspondentes aumentos de paredes, tectos, vigas, vigotas, ferro e betão armado; fornecimento e colocação de blocos a mãos nas paredes dos arredores da moradia; a mudança da qualidade da telha para telha de “cor branca” (resposta ao artigo 29º da base instrutória).</font><br>
<font> DD) O momento em que o Réu deixou de trabalhar na construção da moradia do Autor foi (sucedeu) no fim de Novembro de 2005 (alteração efectuada na Relação).</font><br>
<font> EE) O Autor ainda não tinha pago os trabalhos e os materiais referidos em CC) (anterior artigo 29º da base instrutória) (resposta ao artigo 32º da base instrutória).</font><br>
<font> FF) O Réu pediu ao Engº CC para mediar o conflito entre ele e o Autor (resposta ao artigo 28º da base instrutória).</font><br>
<font> GG) Autor ainda não pagou as obras e materiais referidos em CC) (anterior artigo 29º da base instrutória) (resposta ao artigo 39º da base instrutória).</font><br>
<font> HH) Aquando da suspensão da obra pelo Réu, este deixou na obra, na posse do Autor o seguinte:</font><br>
<font>- 2 betoneiras;</font><br>
<font>- 1 grua/gancho;</font><br>
<font>- docas de madeira para cofragem;</font><br>
<font>- chapas de cofragem 2.5*1.25 e de 0.50*2.00;</font><br>
<font>- puntões;</font><br>
<font>- diversas ferramentas dos trabalhadores ;</font><br>
<font>tudo no valor aproximado de 12.500, 00 euros (resposta ao artigo 41º da base instrutória – Alteração introduzida na Relação -).</font><br>
<font> II) O Réu deixou na obra os equipamentos, que, apesar de devidamente notificado pelo Autor para os levantar, nos termos da carta enviada a 01/03/2006, até à data ainda não o fez (resposta ao artigo 23º da base instrutória).</font><br>
<font> JJ) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 27/02/2006 e enviada a 01/03/06, representado pelo respectivo mandatário judicial, comunicou ao Réu a resolução do “contrato de empreitada”, nos seguintes termos, que a aqui para todos os efeitos se transcreve (doc. 7):</font><br>
<font>“(…) Resolução do Contrato de Empreitada celebrado com o m/cliente, AA, em 20/02/2005, referente à construção da moradia sita no Sítio da Vera Cruz, Quinta Grande, Câmara de Lobos.</font><br>
<font>1. Os trabalhos acordados e objecto do contrato de empreitada supra identificado, apesar das diversas solicitações e insistências da parte do m/cliente, e apesar de há muito ultrapassado o prazo contratualmente estabelecido, não estão, até hoje, completamente realizados, verificando-se pelo contrário ter V. Exª. abandonado a obra;</font><br>
<font>2. Concretamente, a moradia em causa está em bruto, mostrando-se, no entanto, ainda por executar alguns elementos estruturais, designadamente pilares, bem como o reboco interior da moradia;</font><br>
<font>3. Mais precisamente ainda, e de acordo com relatório elaborado por técnico devidamente habilitado para o efeito, verifica-se que a percentagem de execução efectuada por V. Exª. foi apenas de 45,74% da totalidade da empreitada;</font><br>
<font>4. Percentagem esta que, em função do valor contratado para esta última, €190.000,00, corresponde ao valor total de trabalhos efectivamente executados de € 86 896, 50;</font><br>
<font>5. Pese embora o facto de, em conformidade com o plano de pagamentos estipulado na cláusula terceira do contrato, o m/ cliente já ter pago, ao todo, por meio de cheques diversos, € 95 000, 00, quantia esta referente às prestações ali previstas sob as alíneas a) a c), e da qual não foi, até hoje, entregue ao m/ cliente um único recibo.</font><br>
<font>Em função da presente resolução, efectuada sem prejuízo do ressarcimento pelos danos em consequência do v/ incumprimento, da restituição do excesso pago e dos recibos devidos, deverá V. Exª. proceder ao levantamento dos equipamentos deixados na obra, no prazo máximo de 10 dias úteis, contados a partir da data da recepção da presente carta.</font><br>
<font>Para esse efeito, deverá V. Exª. contactar previamente o m/ cliente a fim de este lhe permitir o acesso à obra. (…)” (al. I) dos factos assentes).</font><br>
<font> LL) O Autor enviou ao Réu a carta referida em JJ) (anterior al. I) dos factos assentes) (resposta ao artigo 13º da base instrutória).</font><br>
<font> MM) O Réu contactou o Autor, também por intermédio do respectivo mandatário forense, por carta datada de 22/02/06, enviada a 23/02/06, e recebida a 27/02/06, nos seguintes termos (doc. 8):</font><br>
<font>“(…) Em nome e no interesse do meu cliente, BB, a quem o senhor deve cerca de € 125 000, 00 (cento e vinte e cinco mil euros) de obras feitas, convido-o a reunir-se no meu escritório no próximo dia 2 de Março de 2006, pelas 18horas.</font><br>
<font>Entretanto, advirto-o que a obra da sua moradia, sita à Vera Cruz, Quinta Grande, Câmara de Lobos, fica retida pelo empreiteiro até posterior discussão judicial. (…)” (al. J) dos factos assentes).------------------------------------------------</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-3- O recorrente começa por sustentar, na presente revista, que num contrato de empreitada não sujeito por lei a forma escrita, mas tendo esta sido adoptada, as estipulações posteriores estão também sujeitas a esta forma, posto que, tendo as partes estipulado uma forma especial para a declaração, se presume, nesse caso, que se não querem vincular senão pela forma especial convencionada (cfr. art. 223° nº 1 do CC). Por outro lado, a existência de um alegado novo contrato oral autónomo em relação ao contrato de empreitada, conforme entende o Tribunal a </font><i><font>quo, </font></i><font>não foi invocada pelo R. na reconvenção, sendo certo que a ele cabia alegar e provar os factos que integram a causa de pedir e o tribunal só pode servir-se dos factos articulados pelas partes. Acresce que, para além de tal alegado novo contrato carecer de forma escrita, e de este não ter sido invocado pelo R. na reconvenção, sendo esse o momento próprio para o fazer, a admitir-se a existência de tal novo contrato, no que não se concede, tal implicaria uma alteração da causa de pedir, a qual também não foi invocada pelo R., sendo, por isso, encerrada que está a audiência de discussão e julgamento, e na ausência de acordo do A., tal alteração da causa de pedir legalmente inadmissível (art. 273° do CPC). Ao contrário do decidido pelo Tribunal a </font><i><font>quo, </font></i><font>estão aqui precisamente em causa convenções adicionais ao contrato de empreitada escrito outorgado pelas partes, ou convenções acessórias posteriores, traduzidas nos referidos trabalhos a mais, para cuja prova não é admitida prova testemunhal. Neste entendimento e conforme alegado pelo recorrente em sede de apelação, no que toca à realização pelo R. de trabalhos a mais a pedido do A., traduzindo um alegado acordo tácito entre ambos a esse respeito, porque consubstanciam alteração aos termos do acordo escrito, reconhecido e aceite pelas partes, tais trabalhos não podiam ser objecto de prova testemunhal, como o foram, sob pena de violação do disposto no art. 394° nº 1 do CC, devendo, como tal, tais factos ser dados como não escritos, nos termos do disposto no artigo 646° n°4 do CPC.</font><br>
<font> Esta questão havia sido colocada pelo recorrente na Relação a propósito dos factos dados como assentes em P) e CC) da base instrutória. Nestes factos exarou-se que “</font><i><font>a obra, em 31/01/2006, ao nível da cave, após ampliação de área, assim como diversas alterações estruturais, sugeridas pelo A., apresentava-se da seguinte forma: a) o muro de betão armado (MCI) foi substituído por muro betão ciclópico; b) a laje do tecto da cave foi ampliada, havendo vigas periféricas que estavam simplesmente apoiadas sobre as alvenarias, sem nenhum pilar de sustentação; c) pilares com as armaduras visíveis e que não foram betonados</font></i><font>” (P) e “</font><i><font>a pedido do A., o R. executou na moradia trabalhos a mais, que consistiram na ampliação do espaço da garagem e cave, para uma dimensão e superfície superior ao constante no projecto e ao inicialmente contratado, com correspondentes aumentos de paredes, tectos, vigas, vigotas, ferro e betão armado; fornecimento e colocação de blocos a mãos nas paredes dos arredores da moradia; a mudança da qualidade da telha para telha de “cor branca</font></i><font>” (CC).</font><br>
<font> Pelas razões que indicou, o recorrente entende que esses factos não poderiam ser dados como assentes.</font><br>
<font> Sobre a questão, no douto acórdão recorrido, considerou-se não estar em causa o disposto no art. 394º nº 1 do C.Civil, pois não se trata de convenções contrárias ou adicionais ao contrato de empreitada escrito outorgado pelas partes (contrato que em sede geral não tem obrigatoriamente de ser reduzido a escrito), mas antes um novo contrato relativo a trabalhos a mais, extra o contrato de empreitada outorgado, pelo que existe uma clara autonomia dos contratos em causa. De um lado um contrato de empreitada reduzido a escrito. E, do outro um contrato de empreitada sob a forma oral e que teve por objecto trabalhos a mais a realizar na zona da cave da moradia do apelante. Por isso, concluiu-se que falece o argumento do recorrente de que não podia o Mº Juiz socorrer-se da prova testemunhal para dar como provada a realização de trabalhos a mais que aliás o apelante admite ter solicitado ao R. (vide, por exemplo, art. 12º da Réplica).</font><br>
<font> Pese embora este Supremo Tribunal não conheça, em regra, de matéria factual, terá competência para conhecer da questão suscitada pelo recorrente, visto que o art. 722º nº 2 do C.P.Civil expressamente admite o conhecimento pelo Supremo nos casos de “</font><i><font>ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para existência do facto</font></i><font>”, situação invocada aqui e agora.</font><i><font> </font></i><font>Ou seja, o STJ poderá conhecer do juízo da prova sobre a matéria de facto formado pela | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jKyu4YBgYBz1XKvhDE3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><b><font>AA e </font></b><font>BB, residentes na rua Dr. Carlos Bacelar, nº ..., freguesia de Esmeriz, concelho de V.N. de Famalicão, propuseram a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>F... S.A., </font></b><font>com sede social na Rua Júlio Dinis, ..., apartado 4573, 4050 – 323 Porto, </font><font>CC, casado, residente na Rua Nossa Senhora da Conceição, ..., r/c frt, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia, </font><font>DD, casada, residente na Rua Nossa Senhora da Conceição, ..., r/c frt, Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia e </font><b><font>A...F...R...U..., Lda</font></b><font>., Sociedade U... por Quotas, com sede na rua Caetano Melo, ..., Oliveira do Douro, Vila Nova de Gaia, </font><i><font>pedindo</font></i><font> que, seja declarada a anulação dos penhores celebrados em 20/10/2001, 04/12/2002 e 28/10/2003 entre os AA. e os RR., além da própria extinção do penhor celebrado em 20/10/2001, uma vez que a obrigação/divida que tal penhor garante já foi paga, seja anulada a execução do penhor efectuada pelo R. F..., em 28/01/2005, (celebrado em 4/12/2002) sobre a conta de depósitos a prazo nº ..., titulada pelos AA., e do penhor executado em 26/1/2005 (celebrado em 20/10/2001) sobre a conta de depósitos a prazo dos AA. e seja o R. F... condenado no pagamento de uma indemnização de danos morais e patrimoniais aos AA. no montante nunca inferior de 8.000,00 €.</font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em 20-10-2001, 4-12-2002 e 28-10-2003, assinaram um documento mediante o qual declaram constituir “penhor voluntário” sobre a totalidade dos saldos da Conta de Depósitos a Prazo que possuíam no Banco R., pelos montantes e para garantia do cumprimento das obrigações assumidas pelos 2ºs RR. (os dois primeiros penhores) e pela sociedade R. (o último dos penhores) junto do R. F..., sendo que desconheciam o objectivo das suas assinaturas em tais documentos e tendo a convicção de que estavam a fazer apenas um favor aos beneficiários desses penhores, já que os 2ºs RR. se limitaram a dizer que se tratava de um documento para os auxiliar nos seus negócios e que não tinha interferência nenhuma no seu património, anuindo a tal solicitação dos 2ºs RR. dadas as relações de confiança e amizade então existentes entre eles, AA., e os 2ºs RR.. Nunca pretenderam dar o penhor das suas contas bancárias, sendo que o gerente do banco R. adoptou, sobre o assunto, uma postura complacente e negligente, permitindo e incentivando ardilosamente que os 2ºs RR. obtivessem a sua colaboração, em benefício para o banco e em seu claro prejuízo e sem cuidar de previamente assegurar se a sua vontade estava convenientemente esclarecida, devendo, por isso, ser anulados os ditos penhores. Acresce que a execução do penhor celebrado em 4-12-2002 e a execução de penhor celebrado a 20-10-2001, foram efectuadas ilegalmente, porquanto, a 3-9-2004, mediante um cheque de 97.740,48 €, os 2ºs RR. procederam ao pagamento das dívidas que tinham para com o R. F.... Este R. procedeu arbitrariamente, em 4-9-2004, ao débito na conta dos 2ºs RR. do exacto valor do cheque anteriormente depositado e creditado, alegando que o mesmo havia sido falsificado, depois do mesmo cheque ter passado pela Câmara de Compensação e de terem sido respeitados os prazos convencionados na lei, o que levou a um “descoberto” autorizado” da conta dos 2ºs RR. e, de seguida, à execução do dito penhor, acabando por causar, com a sua conduta, danos patrimoniais e não patrimoniais de que se querem ver ressarcidos.</font><br>
<font> O R. F... contestou alegando, em resumo, que os AA. bem sabiam e tinham consciência plena do conteúdo dos documentos por si assinados, justificando-se, legalmente, as operações que efectuou, sendo que o cheque de 97.740,48 € creditado na conta dos 2ºs RR. havia sido falsificado, pelo que acabou por ser devolvido (de França de onde era originário) com essa menção.</font><br>
<font> Terminou </font><i><font>pedindo </font></i><font>a improcedência da acção.</font><br>
<font> Os AA. replicaram, contrariando a defesa apresentada pelo R., pugnando pela procedência da acção..</font><br>
<font> </font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu a esta base e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por provada, anulando-se a execução efectuada pelo R. F... em 28-1-2005, pelo penhor celebrado em 4-12-2002, no valor de 25.000,00 €. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. F... de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 3-3-2009, julgado procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a acção.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões, que se resumem:</font><br>
<font> 1ª- Subsume-se a questão decidenda apurar-se se o 1º R. provou se houve, ou não, culpa sua na falta de cumprimento ou no cumprimento defeituoso do contrato (art. 799º nº 1 do CC).</font><br>
<font> 2ª- Presumindo-se no caso a culpa do R..</font><br>
<font> 3ª- O risco de integridade do depósito recaiu sobre o banco depositário, não logrando provar que agiu sem culpa e tendo havido incumprimento defeituoso do contrato, que o mesmo se deveu a causa imputável ao depositante.</font><br>
<font> 4ª- O descoberto em conta insere-se numa modalidade de “contrato de abertura de crédito”, o que se traduz num acordo pelo qual o banco se obrigou a conceder à outra parte (os 2ºs RR.) crédito até certo limite, em determinadas condições, cabendo aos 2ºs RR. decidir quando e em que termos o iriam utilizar o benefício posto à sua disposição.</font><br>
<font> 5ª- O contrato de abertura de crédito, tem de se considerar como sendo um depósito bancário.</font><br>
<font> 6ª- Bem andou o tribunal de 1ª instância ao considerar que o substrato contratual (depósito de abertura de crédito) existente entre 1º e 2ºs RR., enquanto contrato de depósito bancário, se encaixa, por essa via, no mútuo.</font><br>
<font> 7ª- Passaram os 2ºs RR., em virtude daquele descoberto de conta, a serem mutuários, impendendo sobre eles a obrigação de restituir ao 1º R. o que dele previamente receber (art. 1142º do C.C.).</font><br>
<font> 8ª- Os 2ºs RR. nada receberam do 1º R., pelo que nada tinham de restituir. </font><br>
<font> 9ª- Os RR. procederam ao depósito em conta do valor de um cheque sacado sobre um banco de praça estrangeira.</font><br>
<font> 10ª- O 1º R. após confirmação da regularidade do saque (que demorou mais de um mês) e da provisão da conta sacada creditou em 1-1-2004 a conta dos 2ºs RR. pelo valor do cheque, 97.740,48 €, passando então a conta à ordem dos 2ºs RR. a apresentar um saldo positivo.</font><br>
<font> 11ª- A partir do momento que o cheque passou a estar disponibilizado na conta dos 2ºs RR., o 1º R., por força do contrato de depósito bancário celebrado, o depositário obrigou-se a restituir “outro tanto do mesmo género e qualidade” (art. 1142º do C.C), o que no caso obrigava a restituir numerário em qualitativo igual ao depositado.</font><br>
<font> 12ª- Não existia nenhum fundamento legal ou regulamentar para o 1º R. lançar o montante do cheque à ordem dos 2ºs RR., fazendo que daquele passasse a apresentar um “descoberto” e, assim, permitisse executar o penhor subscrito pelos AA..</font><br>
<font> 13ª- Nada permitia ao 1º R. lançar a débito na conta dos 2ºs RR. o montante de 97.775,48 inscrito no cheque e nada permitia ao 1º R. executar o penhor constituído pelos AA.</font><br>
<font> 14ª- Face ao provado, incumbia ao 1º R. alegar e provar, o que não fez, que o pagamento e crédito do valor do cheque na conta dos 2ºs RR., só se deveu pelo comportamento culposo destes.</font><br>
<font> 15ª- O 1º R. não provou que agiu sem culpa, não tendo provado que o incumprimento defeituoso do contrato se deveu a causa imputável aos depositantes, os 2ºs RR., pelo que o risco de integridade do depósito cai sobre o banco depositário.</font><br>
<font> 16ª- Após o momento do crédito em conta de tal quantia, estamos no domínio do contrato de depósito a que se aplica as regras do mútuo, nada permitindo ao 1º R., sem qualquer aviso, prova ou ordem judicial, debitar tal quantia na conta dos 2ºs RR. e executar o penhor constituído pelos AA.</font><br>
<font> 17ª- Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido não fez correcta apreciação da factualidade que resulta dos autos, como não interpretou correctamente os arts. 799º, 1205º, 1206º e 1142º do C.Civil</font><br>
<font> </font><br>
<font> O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Se houve falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato por parte do Banco R.</font><br>
<font> - Se, em caso afirmativo, o Banco R. agiu com culpa ao proceder ao lançamento do débito na conta dos 2ºs RR. do montante do cheque antes creditado.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1- No dia 20 de Outubro de 2001, os AA. assinaram um documento intitulado “Instrumento de Penhor Voluntário”, de acordo com o qual declararam constituir penhor voluntário sobre a totalidade dos saldos da Conta de Depósitos a Prazo que possuíam no F..., S.A., até ao montante de € 19.951,92, para garantia do bom cumprimento de todas as obrigações assumidas pelos RR. perante o R. F..., S.A., decorrentes de financiamento sob a forma de Crédito Pessoal concedido por aquele Banco aos RR. CC e A...F...R...da S..., na conta n.º ..., pelo montante de Esc. 4.000.000$00 (€ 19.951,92) (cfr. doc. de fls. 6 e 7, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (A e 5º);</font><br>
<font> 2- No dia 4 de Dezembro de 2002, os AA. assinaram um documento intitulado “Penhor de Depósito a Prazo”, de acordo com o qual declararam constituir penhor voluntário sobre o saldo da Conta de Depósitos a Prazo n.º ..., constituída no F..., S.A., sucursal de Cayman, até ao montante de € 25.000,00, para garantia do bom pontual cumprimento de quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o F..., S.A, pelos referidos RR. CC e DD, nomeadamente as operações bancárias aí descritas, até ao limite máximo de € 25.000,00 (cfr. doc. de fls. 8, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (B e 7º);</font><br>
<font> 3- No dia 28 de Outubro de 2003, em anexo ao contrato de mútuo celebrado em 28.10.2003 entre o F..., S.A. e a sociedade “A...F...R..., U..., Lda”, os AA. assinaram um documento intitulado “Penhor de Depósito a Prazo”, de acordo com o qual declararam constituir penhor voluntário sobre o saldo da Conta de Depósitos a Prazo n.º ..., constituída no F..., S.A., sucursal de Cayman, até ao montante de € 25.000,00, para garantia do bom pontual cumprimento de quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas perante o F..., S.A, decorrentes de financiamento sob a forma de Contrato de Mútuo, concedido àquela sociedade “A...R...S..., U...l, Lda”, na conta n.º ..., pelo montante de € 25.000,00 (cfr. doc. de fls. 9, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (C e 7º);</font><br>
<font> 4- Por carta datada de 24 de Janeiro de 2005, enviada para o domicílio indicado dos AA. e recebida pela A. AA, o R. F... comunicou àqueles AA. que, em face do incumprimento por parte dos RR. CC e DD do referido Crédito Pessoal celebrado em 20.10.2001, avalizado pelos AA., procedera, naquela data, à execução das garantias oferecidas pelos AA. pelo montante de € 6.755,73, correspondente a capital, juros e imposto de selo (cfr. docs. de fls. 47 a 61), sendo que o respectivo lançamento a débito na conta dos AA. ocorreu a 26.01.2005 (cfr. doc. de fls. 17) (D e 18º);</font><br>
<font> 5- Por carta datada de 28 de Janeiro de 2005, recebida pela A., tendo como assunto “Execução de Penhor”, o R. F..., S.A. comunicou então àquela A. que, na qualidade de titular da Conta de Depósito a Prazo n.º ..., junto do F..., S.A., sobre a qual foi constituído um instrumento de penhor em 04 de Dezembro de 2002, pelo montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), para garantia das responsabilidades dos senhores CC e A...F...R...da S..., face ao incumprimento destes e decorrentes de um “descoberto”, no valor global de € 77.157,40, procedera naquela data (28.01.2005), à execução do instrumento de penhor supra referido, pelo valor integral do mesmo, para liquidação parcial das responsabilidades supra mencionadas (cfr. doc. de fls. 10, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (E);</font><br>
<font> 6- Em 06 de Agosto de 2004, o R. CC, fez entrega no balcão de Pedroso do R. F..., para depósito na sua Conta de Depósitos à Ordem nº ..., que detinha naquele R. F..., agência de Vila Nova de Gaia, de um cheque sacado sobre o “Banque Populaire”, sedeado em França, no montante de € 97.740,48 Euros, emitido em 21 de Julho de 2004 (cfr. doc. de fls. 63) (F);</font><br>
<font> 7- No dia 09 de Agosto de 2004, o R. F... enviou o referido cheque para cobrança através do Banco francês correspondente, ao caso o “Credit Commercial de France” (G);</font><br>
<font> 8- Após confirmação da regularidade do saque e da provisão da conta sacada, o R. F... creditou, em 01.09.2004, a referida conta do R. CC e DD, pelo montante do referido cheque, ou seja, € 97.740,48 (cfr. doc. de fls. 14) (H);</font><br>
<font> 9- Os RR. CC e DD utilizaram então parte do montante creditado, procedendo a diversos levantamentos, transferências, saques de cheques, liquidaram uma livrança vencida no montante de € 4.650,00 e um crédito pessoal de € 7.862,62 (cfr. docs. de fls. 14 a 16) (I);</font><br>
<font> 10- Com referência ao mesmo cheque, em 14.09.2004, e sob o item “CH22659/04 – Devol. cheque”, foi lançado a débito o montante de € 97.775,48, na referida Conta de Depósitos à Ordem dos RR. CC e DD, passando aquela conta a apresentar um “descoberto” de € 97.426,66 (cfr. doc. de fls. 16) (J);</font><br>
<font> 11- Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 2001, que entre os AA. e os RR. CC e A...F...R...da S... existiam relações de amizade e de confiança mútuas (1º, 2º e 3º);</font><br>
<font> 12- Os documentos aludidos em 1. 2. e 3. foram elaborados e assinados nas instalações do R. F... e sob a supervisão do Sr. António Araújo, à data, gerente daquele Banco, no balcão de Pedroso – Carvalhos (14º e 15º);</font><br>
<font> 13- Em face do saldo a “descoberto” que resultou da operação a débito referida em 10., o R. F... procedeu à execução do instrumento de penhor celebrado com os AA. em 04.12.2002 (cfr. n.º 5.) (17º);</font><br>
<font> 14- Por carta datada de 09.09.2004, o R. F... foi informado pelo seu Banco correspondente em França (Credit Commercial de France) que o cheque em causa havia sido devolvido por motivo de “cheque irregular: falsificação”; sendo que, em 21.09.2004, o R. F... recebeu uma mensagem criptada (SWIFT), emanada pelo mesmo Banco francês, na qual lhe era esclarecido que o cheque havia sido devolvido por motivo de falsificação do nome do beneficiário, solicitando-lhe ainda que, para dar satisfação a um pedido judicial, lhe fosse transmitido o nome a morada exacta dos titulares da conta creditada e bem assim do número dessa mesma conta (cfr. docs. de fls. 70 e 71 e 74 e 75) (20º, 21º e 22º).-------------------------</font><br>
<br>
<font> 2-3- Como se decidiu na douta sentença de 1ª instância, soçobrou a pretensão dos AA. quanto à pretendida anulação, por falta ou vício de vontade, dos identificados penhores por si prestados. Igualmente no mesmo aresto, quanto à extinção, subsidiariamente, pretendida pelos AA. do penhor celebrado em 20.10.2001, ou anulação da execução desse mesmo penhor, efectuada pelo Banco sobre a conta de depósito a prazo n.º ..., titulada pelos AA., com o fundamento do pagamento da obrigação pelos 2ºs RR., considerou-se que os AA. não lograram provar que no momento da execução do dito penhor por parte do Banco R. (26.01.2005), essa obrigação/dívida que o mesmo garantia já se encontrava paga (veja-se resposta negativa ao art. 19º da base instrutória), razão por que se considerou improcedente essa pretensão. No que respeita à solicitação dos AA. em relação à anulação da execução do penhor, no valor de € 25.000,00, efectuada pelo R. F... a 28.01.2005 (penhor celebrado em 04.12.2002) sobre a identificada conta de Depósitos a Prazo titulada pelos AA., referiu-se nesse aresto que os AA. centram a sua pretensão, essencialmente, no facto da execução de tal penhor, celebrado a 04.12.2002, ter sido realizada pelo F... mercê do indevido lançamento a débito efectuado, em 14.09.2004, na conta dos 2ºs RR. do exacto valor do cheque anteriormente depositado e creditado na mesma conta destes RR., alegando que o mesmo havia sido falsificado, depois já do mesmo cheque ter passado pela câmara de compensação e de terem sido respeitados os prazos convencionados na lei, originando deste modo na conta dos 2ºs RR. um “descoberto autorizado” que, subsequentemente, levou o R. F... a proceder à execução de tal penhor. Sobre esta questão referiu-se na mesma sentença que o “</font><i><font>saldo devedor assim gerado na conta bancária dos 2ºs réus emergiu somente do débito que, de modo próprio, o réu F... realizou a 14.09.2004, no valor global de € 97.775,48 e que deu assim origem a um descoberto em conta ou saldo devedor num total de € 97.426,66. Por conseguinte, não fora aquela operação a débito do valor do cheque efectuado pelo Banco réu, a conta bancária dos 2ºs réus permaneceria, naquela data (14.09.2004), com saldo credor de € 348,82 (cfr. doc. de fls. 16). Neste âmbito cumpre ainda dizer que, como atrás já salientámos, estamos perante a celebração entre as partes de um contrato de depósito bancário, o qual, para além do primeiro efeito prático supra referido de obrigação de restituição, pelo Banco, do equivalente em género e qualidade, comporta ainda um outro efeito prático que se traduz na transferência da propriedade do dinheiro para o depositário, bem como, consequentemente, do risco pelo destino da coisa depositada, que passa a recair sobre o Banco depositário, nos termos do disposto nos arts. 1144º e 796º, n.º 1, do C. Civil, salvo se for devido a causa imputável ao depositante. Daqui resulta que o risco que recai sobre o Banco depositário na integridade do depósito só não subsistirá quando houver culpa relevante do depositante que se sobreponha ou anule a responsabilidade do Banco. Tendo havido incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, ao Banco incumbe provar que agiu sem culpa e que o mesmo se deveu a causa imputável ao depositante. Em bom rigor, face à presunção de culpa que recai sobre o Banco depositário, incumbe a este alegar e provar, atento o disposto no art. 799º, n.º 1, do C. Civil, que não teve culpa e que o pagamento foi devido ao comportamento culposo do depositante. Sendo assim, no caso sub judice, dando de barato, como alega o réu F..., que o cheque em causa havia sido falsificado no nome do beneficiário e que assim fora indevidamente pago, incumbia ao Banco réu alegar e provar que o pagamento e crédito do valor de tal cheque na conta bancária dos 2ºs réus só se deveu por causa (ou comportamento culposo) imputável a estes mesmos réus. Ora, da realidade fáctica apurada nos autos nada resulta nesse sentido, ou seja, apenas temos como assente que, após confirmação da regularidade do saque e da provisão da conta sacada, o réu F... creditou, em 01.09.2004, a referida conta do réu CC e DD, pelo montante do referido cheque, ou seja, € 97.740,48, passando então a referida conta de Depósitos à Ordem dos 2ºs RR. a apresentar um saldo positivo no valor de € 97.847,20, sem que, contudo, tenha resultado apurado que esse mesmo depósito foi indevido e/ou ocorreu por manifesta culpa dos 2ºs réus, que se sobrepõe àquela presunção de culpa do Banco réu; sendo certo ainda que nem sequer temos como suficientemente demonstrado que o cheque em causa havia sido falsificado. Nesta medida, torna-se ingente concluir que ao réu F... não assistia qualquer legitimidade na realização da configurada operação a débito no valor do identificado cheque, cuja regularidade de saque, aliás, havia sido previamente assegurada e só passou a estar na disponibilidade dos 2ºs réus após a confirmação da mesma</font></i><font>”. Concluiu-se, assim que “</font><i><font>não poderia o Banco réu executar – como o fez em 28.01.2005 –, o penhor celebrado com os autores em 04.12.2002, pelo valor de € 25.000,00, tanto mais que, não fora o lançamento a débito do valor do dito cheque, não existia qualquer incumprimento por parte dos 2ºs réus no que se refere às operações bancárias garantidas por aquele penhor, apresentando, aliás, no momento do débito daquele cheque, a conta bancária respectiva um saldo credor. Nestes termos, e tendo como assente que o que originou a execução do penhor celebrado a 04.12.2002 foi o saldo a “descoberto” que resultou da dita operação a débito realizada pelo réu F... a 14.09.2004, no valor global de € 97.775,48, assiste razão aos autores ao pretenderem que, por falta de fundamento legal e contratual, seja anulada a execução levada a cabo pelo Banco réu do penhor celebrado em 04.12.2002, no valor de € 25.000,00</font></i><font>”. </font><br>
<font> Isto é, segundo o aresto, pelas razões indicadas, não tinha o banco R. legitimidade para efectuar a operação de débito no valor do aludido cheque, sendo que essa operação que deu origem ao descoberto da conta que, por sua vez, originou a que o banco tenha executado a garantia de penhor do depósito.</font><br>
<font> Por isso, julgou-se parcialmente procedente a acção, anulando-se a execução efectuada pelo 1º R. F... pelo indicado penhor.</font><br>
<font> Foi sobre este entendimento que o R. F... recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo obtido, diga-se desde já, vencimento na sua pretensão.</font><br>
<font> No aresto de 1ª instância igualmente se considerou a improcedência da peticionada indemnização, porquanto “</font><i><font>nenhuma factualidade foi alegada e, concomitantemente, demonstrada pelos autores no sentido de se poder inferir pela verificação de tais danos na esfera jurídica dos autores</font></i><font>”.</font><br>
<font> As questões decididas pela sentença de 1ª instância, excepto o tema que levou o R. F... a recorrer para o Tribunal da Relação do Porto, não foram impugnadas através de recurso pelas partes, razão por que não teremos, aqui e agora, de nos pronunciar sobre elas, constituindo matéria definitivamente julgada. Resta-nos a apreciação da questão objecto de recurso para o Tribunal da Relação, impugnada, agora, através da presente revista pelos AA..</font><br>
<font> Sobre a matéria de controvérsia indicada, o douto acórdão recorrido, entendeu que haverá que distinguir, como sustentam os autores que indica</font><font> (1) </font><font>, entre o contrato de cheque e a relação de provisão, podendo resultar esta de diversos contratos (depósitos, aberturas de crédito, empréstimos) funcionando segundo as regras de escrituração da conta corrente e aquele contrato de cheque inclui o direito do sacador a dispor de fundos provisionados e do correlativo dever do banco de os pagar, abrangendo também outros direitos. Acrescentou-se que, no caso vertente, para além de o descoberto de conta existir antes do depósito do cheque em questão, a factualidade apurada permite afastar a culpa do banco na realização do depósito do cheque e da creditação da conta dos 2ºs RR.. Isto porque, em síntese, o cheque em questão não foi emitido no âmbito da convenção de cheque em que o banco tenha intervindo. Os meios que o banco dispunha para certificar a validade do cheque e assim poder creditar a conta do seu cliente não eram os mesmos que se encontravam ao seu alcance relativamente aos cheques sacados sobre contas sedeadas em balcões próprios. Tinha, assim, o banco de socorrer-se de informações junto de instituições de crédito estrangeiras, como fez, tendo obtido informação sobre a regularidade do saque e aprovisionamento da conta sacada. Porém, já depois de efectuado o crédito, teve o banco conhecimento da falsificação do nome do beneficiário, sendo que não tinha meios para apurar que existiu adulteração desse nome, nem lhe sendo exigível que detectasse a irregularidade aquando do depósito. Trata-se de uma situação anómala, não existindo qualquer omissão censurável pelo direito. A presunção de culpa a que alude o art. 799º nº 1 do C.Civil, foi ilidida pelo banco. Terminou-se dizendo que “</font><i><font>não podendo imputar-se qualquer culpa, dolosa ou negligente, do apelante que a conta do R. CC tivesse passado a apresentar descoberto, como já anteriormente ao depósito do referido cheque apresentava, não se encontravam extintas as obrigações garantidas pelo penhor de depósito constituído pelos apelados, não podendo dar-se por extinto o penhor constituído pelos apelados</font></i><font>”. Em conformidade decidiu-se pela não anulação da execução do penhor constituído pelos AA. em 4-12-2002 no valor de 25.000 €.</font><br>
<font> Na presente revista os recorrentes, de essencial, sustentam que os 2ºs RR. procederam ao depósito em conta do valor de um cheque sacado sobre um banco de praça estrangeira. O R. F... após confirmação da regularidade do saque (que demorou mais de um mês) e da provisão da conta sacada creditou em 1-1-2004 a conta dos 2ºs RR. pelo valor do cheque, 97.740,48 €, passando então a conta à ordem dos 2ºs RR. a apresentar um saldo positivo. A partir do momento que o cheque passou a estar disponibilizado na conta dos 2ºs RR., o 1º R., por força do contrato de depósito bancário celebrado, o depositário obrigou-se a restituir “outro tanto do mesmo género e qualidade” (art. 1142º do C.C), o que no caso obrigava a restituir numerário em qualitativo igual ao depositado. Não existia nenhum fundamento legal ou regulamentar para o 1º R. lançar o montante do cheque à ordem dos 2ºs RR., fazendo que daquele passasse a apresentar um “descoberto” e, assim, permitisse executar o penhor subscrito pelos AA.. Nada permitia ao 1º R. lançar a débito na conta dos 2ºs RR. o montante de 97.775,48 inscrito no cheque e nada permitia ao 1º R. executar o penhor constituído pelos AA. Face ao provado, incumbia ao 1º R. alegar e provar, o que não fez, que o pagamento e crédito do valor do cheque na conta dos 2ºs RR., só se deveu pelo comportamento culposo destes. O 1º R. não provou que agiu sem culpa, não tendo provado que o incumprimento defeituoso do contrato se deveu a causa imputável aos depositantes, os 2ºs RR., pelo que o risco de integridade do depósito cai sobre o banco depositário. Após o momento do crédito em conta de tal quantia, estamos no domínio do contrato de depósito a que se aplica as regras do mútuo, nada permitindo ao 1º R., sem qualquer aviso, prova ou ordem judicial, debitar tal quantia na conta dos 2ºs RR. e executar o penhor constituído pelos AA.</font><br>
<font> Vejamos:</font><br>
<font> Estabelece o art. 3º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque que “</font><i><font>o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com convenção expressa ou tácita, segundo o qual o sacador tem o direito de dispor desse fundos por meio de cheque…</font></i><font>”.</font><br>
<font> Perante esta norma, vem sendo entendido pela doutrina</font><font> (2) </font><font> e jurisprudência</font><font> (3) que na base da emissão de um cheque, ocorrem duas distintas relações jurídicas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque (4) </font><font>. A emissão de cheques pressupõe a existência no banco sacado de fundos (provisão) (5) de que o sacador ou emitente aí disponha. Para além da existência de fundos no banco sacado, a possibilidade de emissão de cheque, depende ainda da realização do acordo de contrato ou convenção de cheque, mediante a qual é concedido ao titular da provisão, pelo banco, o direito de dispor de numerário através da emissão de cheques. Mediante este contrato (ou convenção), o banco assume a obrigação de efectuar o pagamento do numerário inscrito no cheque, desde que, evidentemente, o sacador possua na sua conta bancária, os necessários fundos.</font><br>
<font> A conta bancária estabelece-se, como diz Pinto Furtado</font><font> (6) </font><font> em “</font><i><font>sistema contabilístico de conta corrente, com créditos dos depósitos realizados que, como tal, poderão depois ser levantados pelo depositante, levando-se-lhes a débito</font></i><font>…”. Ou seja, os depósitos (e demais fundos positivos) são lançados como créditos e os levantamentos feitos (através de cheques ou através de outra forma de movimentação monetária convencionada) como débitos. Evidentemente que só atingirão a atributo de créditos, os capitais efectivamente realizados. Por isso é que, como é sabido, um depósito de um cheque numa conta bancária é desde logo assumido como saldo contabilístico mas não como saldo disponível, só passando a ter esta índole após boa cobrança.</font><br>
<font> No que respeita a esta questão (que é o cerne do tema debatido), refere-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de 21-5-1998 “</font><i><font>no caso de o depósito ser efectuado através de cheque entregue ao banco, é uso bancário o de lançar a quantia do cheque a crédito do cliente/depositante, lançamento que, contudo é provisório e dependente de “boa cobrança”. Assim a quantia titulada pelo cheque só passa a ficar disponível na conta do depositante após essa “boa cobrança”. Antes disso, tal quantia, não entra no saldo disponível mas apenas no cálculo contabilístico …</font></i><font>” (</font><i><font>in </font></i><font>www.dgsi.pt/jstj.nsf). Ou seja, segundo prática bancária usual, o crédito resultante de depósito de um cheque numa conta bancária é provisório, ficando dependente da “boa cobrança” do título. Só após a “boa cobrança” é que o montante respectivo fica disponível para ser utilizado na conta bancária. </font><br>
<font> Claro que estas referências respeitam à relação de provisão que se estabelece com a abertura de uma conta bancária e não já à convenção ou contrato de cheque, como melhor iremos ver à frente.</font><br>
<font> No caso vertente provou-se, em relação ao agora em discussão, que em 06 de Agosto de 2004, o R. CC, fez entrega no balcão de Pedroso do R. F..., para depósito na sua Conta de Depósitos à Ordem nº ..., que detinha naquele R. F..., agência de Vila Nova de Gaia, de um cheque sacado sobre o “Banque Populaire”, sedeado em França, no montante de € 97.740,48 Euros, emitido em 21 de Julho de 2004. No dia 09 de Agosto de 2004, o R. F... enviou o referido cheque para cobrança através do Banco francês seu correspondente, no caso o “Credit Commercial de France”. Após confirmação da regularidade do saque e da provisão da conta sacada, o R. F... creditou, em 01.09.2004, a referida conta do R. CC e DD, pelo montante do referido cheque, ou seja, € 97.740,48.. Os RR. CC e DD utilizaram então parte do montante creditado, procedendo a diversos levantamentos, transferências, saques de cheques, liquidaram uma livrança vencida no montante de € 4.650,00 e um crédito pessoal de € 7.862,62. Com referência ao mesmo cheque, em 14.09.2004, e sob o item “CH22659/04 – Devol. cheque”, foi lançado a débito o montante de € 97.775,48, na referida Conta de Depósitos à Ordem dos RR. CC e DD, passando aquela conta a apresentar um “descoberto” de € 97.426,66. Em face do saldo a “descoberto” que resultou da operação a débito referida em 10., o R. F... procedeu à execuçã | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jLNu4YBgYBz1XKvLz74 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Na Comarca de Braga, AA, intentou acção, com processo ordinário, contra “BB – Companhia de Seguros, SA”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 25899,72 euros, com juros desde a citação por danos sofridos em acidente de viação, acrescido do que vier a ser liquidado em execução de sentença relativo aos danos patrimoniais e não patrimoniais de intervenção cirúrgica a que terá de se submeter.</font><br>
<br>
<font>A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora 15899,22 euros, acrescida da quantia que se liquidar em execução de sentença relativa a danos patrimoniais e morais, com juros, à taxa de 7%, desde a citação até 30 de Abril de 2003, e à taxa de 4%, desde 1 de Maio de 2003, até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font>Apelou a ré mas a Relação de Guimarães manteve o julgado.</font><br>
<br>
<font>Pede, agora, revista para concluir:</font><br>
<br>
<font>- A indemnização por danos morais não deve exceder 5000,00 euros;</font><br>
<br>
<font>- A indemnização da IPP de 10% também não deve exceder os 5000,00 euros;</font><br>
<br>
<font>- Cada um dos veículos intervenientes contribuiu de igual modo para o evento;</font><br>
<br>
<font>- Há que fixar as proporções não sendo de aplicar o nº1 do artigo 497º CC porque a acção só foi intentada contra a recorrente;</font><br>
<br>
<font>- Foram violados os artigos 496º, 1ª parte do nº3 do 497º e 506º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>A recorrida pede a manutenção do julgado e a condenação da recorrente por litigar de má fé.</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram por assentes os seguintes </font><font>factos:</font><br>
<br>
<font>1- No dia 12/11/2000, pelas 21.40 horas, na Estrada ..nº 000, ..., ..., Vila Verde, ocorreu um embate no qual foram intervenientes o veiculo ligeiro de passageiros de matricula 00-00-AF, propriedade de CC e por ele conduzido e o veiculo ligeiro de passageiros, marca Renault 9, matricula ND-00-00, propriedade e conduzido por DD, onde seguia a autora.</font><br>
<font>2- O veículo ND circulava no sentido Godinhaços/Pedregais.</font><br>
<font>3- O veículo AF circulava no sentido Pedregais/Godinhaços.</font><br>
<font>4- O veículo ND circulava à velocidade de cerca de 40km/h.</font><br>
<font>5- O veículo ND descrevia curva para a direita, atento o seu sentido de marcha (Godinhaços/Pedregais), circulando o veículo AF em sentido contrário (descrevendo este a curva para a esquerda, atento o seu sentido de marcha).</font><br>
<font>6- O embate ocorreu a 2.90 metros da berma do lado direito, atento o sentido de marcha do ND.</font><br>
<font>7- A estrada municipal nº 532, no local onde ocorreu o embate, tem cerca de 8,80 metros de largura.</font><br>
<font>8- O embate ocorreu entre as frentes dos veículos.</font><br>
<font>9- Em consequência do embate a autora sofreu lesões em diversas partes do corpo, designadamente traumatismo craniano, com feridas frontais e ferida incisa no 2º dedo da mão direita.</font><br>
<font>10- Tais lesões determinaram imediata assistência à autora nos serviços de urgência do Hospital de S. Marcos, Braga, onde despendeu, para pagamento da taxa moderadora, que corresponde aos meios complementares de diagnóstico (exames radiológicos) a quantia de 350$00.</font><br>
<font>11- Em consequência do embate a autora passou a ter constantes crises de ansiedade, dores de cabeça e cefaleias, alterações de memória, falta de concentração, tonturas e insónias.</font><br>
<font>12- À autora foram diagnosticadas feridas incisas na pálpebra superior direita e na região supra ciliar e no 2º dedo da mão direita.</font><br>
<font>13- O mau estar causado pelas dores levou a autora a recorrer a serviços médicos especialistas, tendo sido sujeita a tratamentos, tendo suportado o respectivo custo, designadamente consulta de oftalmologia, em clínica oftálmica em Vila Verde, onde despendeu a quantia de 7000$00.</font><br>
<font>14- Em consequência da consulta efectuada ao oftalmologista a autora comprou óculos com lentes progressivas, despendendo a quantia de 91.000$00.</font><br>
<font>15- Os óculos que a autora trazia consigo ficaram partidos em consequência do embate discutido nos autos.</font><br>
<font>16- A autora foi aconselhada por especialista no ramo da oftalmologia a realizar intervenção cirúrgica devido à existência de corpos estranhos na espessura da pálpebra superior do olho direito.</font><br>
<font>17- Na consulta referida no anterior numero a autora despendeu a quantia de 10000$00.</font><br>
<font>18- A autora submeteu-se a TAC crânio encefálico, em virtude das dores de cabeça e cefaleias frequentes, tendo despendido o montante de 25.000$00.</font><br>
<font>19- Foi-lhe diagnosticado no tecido celular subcutâneo, na região frontal, áreas espontaneamente hipertensas sugestivas de corpos estranhos.</font><br>
<font>20- A autora recorreu ao auxílio de medicamentos para atenuar as dores que sentia, despendendo a quantia de 767$00.</font><br>
<font>21- A autora consultou médico neurologista pelo facto de as dores que sentia serem cada vez mais difíceis de suportar, tendo despendido em duas consultas o montante de 30.000$00.</font><br>
<font>22- A autora efectuou um RX no Hospital da Misericórdia de Vila Verde no que despendeu a quantia de 1.700$00.</font><br>
<font>23- Para se deslocar aos médicos e efectuar os exames necessários a autora deslocou-se em transportes públicos, tendo despendido o montante de 72,13 euros.</font><br>
<font>24- Em consequência do embate a autora sofre de dores de cabeça, cefaleias e tonturas frequentes, alterações de memória, falta de concentração e insónias e dores ao nível da região dorsal do 2º dedo da mão direita.</font><br>
<font>25- Em consequência do embate a autora sofreu um traumatismo craniano, apresentando, ainda hoje, síndrome subjectivo traumatizado do crânio.</font><br>
<font>26- Estas sequelas permanentes determinam para a autora, atenta a sua profissão, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 10%.</font><br>
<font>27- A autora nasceu no dia 18/06/52.</font><br>
<font>28- À data do embate a autora era fisicamente robusta e saudável.</font><br>
<font>29- A autora trabalha na agricultura e cultiva alimentos, quer para venda no mercado, quer para consumo próprio do seu agregado familiar.</font><br>
<font>30- Auferia, à data do embate, com o seu trabalho, rendimento mensal líquido de cerca de 60.000$00.</font><br>
<font>31- A autora, em consequência das sequelas resultantes do embate, tem dificuldade compatível com a incapacidade parcial permanente para o trabalho de que ficou a padecer.</font><br>
<font>32- Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 002130088, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo 00-00-AF encontrava-se transferida para a ré.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Evento e culpa.</font><br>
<font>2- Danos e indemnização.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Evento e culpa.</font><br>
<br>
<font>O elenco dos factos provados permite visualizar a dinâmica do evento nos termos seguintes:</font><br>
<font>Cerca das 21 horas e 40 minutos do dia 12 de Novembro de 2000,circulavam pela EM nº 000, no lugar de ..., Godinhaças no Município de Vila Verde, os veículos automóveis ligeiros de passageiros, de matriculas 00-00-AF e ND-00-00.</font><br>
<font>A via tem 8.80 metros de largura e os veículos seguiam em sentidos opostos.</font><br>
<font>O ND circulava a cerca de 40 km/hora e fazia uma curva para a direita, ponderando o seu sentido de marcha.</font><br>
<font> Embateram, então, um no outro – frente com frente – a 2.90 metros da berma direita do sentido de marcha do ND.</font><br>
<font>A autora era transportada neste veículo, sendo que ambos eram tripulados pelos donos.</font><br>
<font>Apenas com base nestes factos – e outros quedaram improvados – as instancias disseram não ser possível imputar o embate a qualquer dos condutores.</font><br>
<font>Como se refere na decisão da 1ª instância: “apesar de se ter apurado que o embate ocorreu a 2.90 metros da berma do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo ND (o veiculo onde a autora seguia como passageira), não resultaram já apuradas qualquer uma das completas versões do embate trazidas aos autos pelas partes: não se apurou que o veiculo seguro tenha invadido a faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de transito, obrigando o condutor do veiculo onde seguia a autora a guinar para a esquerda (versão trazida aos autos pela autora), nem se apurou que tenha sido o condutor do veiculo em que a autora era transportada a invadir a faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de transito e que tal manobra tenha determinado o condutor do veiculo seguro a guinar para a esquerda para evitar a colisão.</font><br>
<font>A matéria assim singelamente apurada não permite, na verdade, dirigir a qualquer um dos dois condutores um juízo de censura, pois que se não pode afirmar que qualquer um deles tenha omitido os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que lhes teriam permitido evitar o embate (sendo certo que a culpa, como resulta do artigo 487º, não se presume e no caso dos autos nenhuma presunção legal de culpa existe).</font><br>
<font>Quanto ao condutor do veículo onde seguia a autora, não se pode concluir sequer que ele tenha invadido a faixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha.</font><br>
<font>Por seu lado, quanto ao condutor do veiculo seguro, apesar de o local do embate permitir concluir tal invasão, o certo é que, atentas as versões do embate trazidas aos autos pelas partes e a matéria que resultou provada, não pode o tribunal concluir que tal invasão se tenha ficado a dever a qualquer omissão de dever de cuidado que sobre si impendesse (vejam-se aliás as respostas negativas aos factos 5º, 6º e 9º e respostas restritivas aos factos 2º, 3º e 4º da base instrutória)”.</font><br>
<font>A culpa não vem questionada em sede de recurso onde, e apenas, se questiona a repartição do risco.</font><br>
<font>Daí que não se conheça desse nexo de imputação até para evitar possível “reformatio in pejus”,caso se concluísse pela culpa do segurado da recorrente.</font><br>
<font>Sem culpa de qualquer dos condutores, e sendo ambos os proprietários, com efectiva direcção do veiculo, respondem a titulo de risco, nos termos do nº 1 do artigo 503º do Código Civil, já que os utilizavam no seu próprio interesse.</font><br>
<font>Apelando agora para o artigo 506º da lei substantiva e, inapurada que ficou a culpa de qualquer dos condutores, sendo que se trata de dois veículos ligeiros com presuntiva igual contribuição para os danos, há que lançar mão do nº2 e considerar igual (50% cada) a contribuição de cada um.</font><br>
<font>A responsabilidade não é solidária, “ex vi” do nº 1 do artigo 479º do Código Civil, já que surge, desde logo, perfeitamente delimitada, por repartida.</font><br>
<font>Essa solidariedade é afastada, como refere a recorrente, sendo que a acção foi apenas intentada contra uma das seguradoras.</font><br>
<font>E podia tê-lo sido contra ambas.</font><br>
<font>É que, embora transportada gratuitamente no veiculo conduzido pelo proprietário, a seguradora deste teria de a indemnizar ao abrigo do artigo 7º nº1 do DL nº 522/85 de 31 de Dezembro, na alteração introduzida pelo DL nº 130/94, de 19 de Maio, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990 (cf. o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 30 de Julho de 2005 – CJ/STJ, 2005, II, 7), sem prejuízo do nº2 alínea d) quanto a “lesões materiais”.</font><br>
<font> Afasta-se assim o entendimento do Prof. A. Varela (“Das Obrigações em Geral”, I, 558) constante da decisão recorrida por defendido antes da alteração do nº 2 do artigo 504º CC – hoje nº 3 – DL nº 14/96, de 6/3 – quanto ao transporte gratuito e das novas regras de seguro obrigatório introduzidas pelo citado DL 130/94.</font><br>
<font>Tratando-se de responsabilidade individual, a recorrente é condenada no pagamento de 50% do total, correspondente à responsabilidade do seu segurado.</font><br>
<br>
<font>2- Danos e indemnização.</font><br>
<br>
<font>A autora sofreu as lesões físicas acima descritas (traumatismo craniano, feridas frontais e ferida incisa no 2º dedo da mão direita) passando ainda por lesões oftalmológicas, tudo com sequelas geradoras de sofrimento moral (dores, cefaleias, tonturas, perda de concentração, insónias, alterações de memória), causais de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 10%.</font><br>
<font>Despendeu em tratamentos, consultas médicas, deslocações e prótese ocular, um total de 165.817$00 e 72,13 euros, o que perfaz 899,22 euros.</font><br>
<font>Era robusta e saudável, auferindo o rendimento mensal liquido de 60.000$00.</font><br>
<font>Tinha 48 anos de idade.</font><br>
<font>A titulo de dano patrimonial imediato o “quantum” indemnizatório será de 902,13 euros.</font><br>
<font>O dano moral – sofrimento, incómodos e dor física – foi ressarcido, com equilíbrio e razoabilidade, com os 7500 euros encontrados pelas instâncias.</font><br>
<font>A conjugação dos nºs 1 e 3 do artigo 496º com os critérios do artigo 494º do Código Civil, o desgosto, o sofrimento físico e moral consequência das lesões, tratamentos e sequelas afigura-se adequado.</font><br>
<font>Tenha-se em vista que o fim deste segmento indemnizatório é proporcionar ao lesado meios para tentar esquecer a sua dor, buscando momentos de lazer, de vilegiatura recreativa que possam contribuir para, de algum modo, minorar o sofrimento.</font><br>
<font>Quanto ao dano patrimonial mediato, e como julgou o Acórdão deste STJ de 7 de Fevereiro de 2002 – Pº 3985/01-2ª – “na incapacidade funcional ou fisiológica vulgarmente designada por handicap, a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade.”</font><br>
<font>Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante na diminuição da capacidade para os angariar.</font><br>
<font>Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado.</font><br>
<font>Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido.</font><br>
<font>É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um “quantum” total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos.</font><br>
<font>Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo.</font><br>
<font>A indemnização não deve representar mais do que um capital que se extinga ao fim da vida do lesado e susceptível de garantir prestações periódicas durante esta.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O apelo a critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais deve constituir uma mera base de raciocínio, ponto de partida conducente a uma medida que traduza uma situação de equilíbrio patrimonial do lesado.</font><br>
<font>A Relação ponderou esses critérios, que não são de censurar aqui, pelo que se mantém a indemnização deste segmento, e no mais ilíquido, constante do Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Não se verifica má fé.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) A seguradora é responsável pela indemnização dos danos sofridos pelo passageiro transportado gratuitamente no veiculo segurado, ainda que a titulo de responsabilidade objectiva, por força, e com os limites do artigo 7º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 522/85 de 31 de Dezembro, na redacção do DL nº 130/94 de 19 de Maio.</font><br>
<font>b) A responsabilidade objectiva, encontrada nos termos do nº 2 do artigo 506º CC, das seguradoras dos veículos que colidiram com igual medida de contribuição para o embate é limitada à sua quota de responsabilidade, mesmo que o lesado seja transportado gratuitamente num dos veículos.</font><br>
<font>c) A indemnização pelo dano patrimonial mediato – perda ou diminuição da capacidade de angariar rendimentos – deve ser calculada na ponderação de critérios financeiros, fórmulas matemáticas ou fiscais, mas apenas como elementos de mera orientação geral, sempre tendo em conta que deve representar um capital que se extinga no fim da vida (activa) do lesado e susceptível de, durante esta, garantir prestações periódicas.</font><br>
<font>d) Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais há que, recorrendo à equidade e atendendo aos critérios do artigo 494º do Código Civil, encontrar um “quantum” que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>concedem parcialmente revista </font><font>condenando a recorrente a indemnizar a recorrida em metade dos danos acima quantificados.</font><br>
<br>
<font>Custas a cargo da recorrente e recorrida na proporção do vencido, sem prejuízo do apoio judiciário da recorrida.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 06-03-2007</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas (relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6zK0u4YBgYBz1XKv9zPE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA intentou acção declarativa contra “BB – Construções, Lda.” em que pediu a anulação de deliberações sociais tomadas pela Ré.</font><br>
<font>Contestada a acção, após a audiência preliminar, foi declarada a irregularidade do mandato conferido pela Ré e, perante a falta de regularização, acabou por ser proferido despacho a considerar sem efeito todos os actos praticados pelo Mandatário da Ré.</font><br>
<font>Desse despacho foi interposto recurso de agravo.</font><br>
<font>Seguidamente, foi proferido saneador-sentença julgando a acção procedente.</font><br>
<font>A Relação negou provimento ao agravo e não tomou conhecimento da apelação.</font><br>
<font>Apresentou-se, então, a Ré a arguir nulidades processuais, ocorridas no Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> e a pedir a anulação dos termos processuais posteriores ao despacho da 1ª Instância para suprir a irregularidade do mandato e ratificar o processado, por não lhe ter sido notificado mas, apenas, à Ilustre Advogada, tal como o despacho que declarou sem efeito os actos praticados pela Mandatária e a sentença.</font><br>
<font>O Exmo. Relator indeferiu o requerido, decisão que a Conferência manteve.</font><br>
<font>Mediante agravo da Ré, este Supremo Tribunal, revogando a decisão, determinou que a Relação conhecesse, se considerar tempestiva a arguição das nulidades, do mérito da pretensão.</font><br>
<font>Seguiu-se acórdão em que se deliberou “indeferir a arguição de nulidades de fls. 1186/1224”.</font><br>
<br>
<br>
<font>Daí este agravo da Ré, visando a anulação dos actos praticados após a omissão da notificação da irregularidade do mandato judicial à Parte.</font><br>
<br>
<font>Do que, a terminar as alegações da recorrente, vem denominado de “conclusões”, extrai-se, em função do objecto do recurso, a seguinte síntese útil:</font><br>
<font>a. - A questão essencial consiste em saber se o Douto Acórdão recorrido, ao considerar que o Despacho que determina o suprimento de irregularidades de mandato forense e a ratificação do processado pode ser notificado apenas ao mandatário judicial e não já à própria parte, incorreu em violação e errada aplicação de normas processuais, nomeadamente dos arts. 40°, 201°, 205°, 253°, nº 2 e 265°-A, todos do C.P.C; </font><br>
<font>b. - Apreciando o teor dos actos cuja nulidade se invoca, considerou Tribunal da Relação que o despacho que ordenou o suprimento de irregularidade do mandato e a ratificação do processado </font><i><font>“(...) não implica a prática de acto pessoal para o qual a parte deva ser convocada, podendo ser feito através de mandatário judicial, por isso cremos que a notificação podia ser validamente feita na pessoa da Exma. Advogada, como foi</font></i><font>”. </font><br>
<font>c. - Ao contrário do decidido, tal despacho tinha obrigatoriamente que ser notificado não apenas à Ilustre Advogada, mas também, à ora Recorrente, pois, se era à Ilustre Advogada a quem competia diligenciar pela regularização da situação, era, à ora Recorrente quem, pessoalmente tinha capacidade de proceder à referida regularização e que praticar os actos necessários – arts. 40º e 253º-2 CPC; </font><br>
<font>d. - No caso dos autos, é absolutamente inequívoco que a falta de notificação da Recorrente do despacho de fls. 732 a 735 foi, absolutamente determinante do resultado final da causa, uma vez que nessa sequência foram, dados sem efeito todos os actos praticados pela Senhora Dra. ...., até 22 de Setembro de 2000, nomeadamente a Contestação apresentada, o que implicou que todos os factos alegados pelo Recorrido foram dados como provados na sentença que veio a ser proferida, tendo sido julgada procedente a acção; </font><br>
<font>e. - No caso em apreço, tinha e tem forçosamente que se aplicar o nº 2, do art. 201° do CPC; Perante a omissão ocorrida, tem que se anular tudo o que é subsequente ao despacho de fls. 732 a 735. Nenhum dos termos subsequentes a esse despacho é dele independente.</font><br>
<font>f. O que está em causa não é, como pretende o acórdão, uma conduta omissiva por parte da recorrente, ou dos seus gerentes, nem qualquer conduta negligente por parte da Ilustre advogada, mas um incumprimento grave e reiterado das normas processuais por parte do tribunal, não fazendo qualquer sentido o apelo ao abuso de direito na modalida de de </font><i><font>venire contra facto próprio</font></i><font>.</font><br>
<br>
<font>O Agravado respondeu, pronunciando-se no sentido do não provimento do recurso.</font><br>
<br>
<font>2. - A </font><font>questão</font><font> essencial do objecto do recurso encontra-se reduzida, como a enuncia a Agravante, a saber se a regularidade do acto notificação do despacho que determina o suprimento de vício do mandato forense e a ratificação do processado supõe a notificação ao mandatário e à parte, constituindo a omissão da notificação a esta última nulidade secundária, com os efeitos previstos no n.º 2 do art. 205º CPC, se verificados os demais requisitos exigidos no n.º 1 do mesmo preceito.</font><br>
<br>
<font>3. - Os </font><font>elementos de facto </font><font>a considerar, já vertidos no acórdão deste STJ de 24/4/007, são os seguintes:</font><br>
<br>
<font>- A Ré foi citada na pessoa do seu sócio-gerente CC;</font><br>
<font>- Foi apresentada contestação subscrita pela Advogada Dr.ª ..;</font><br>
<font>- Na Audiência Preliminar, foi suscitada pelo Mandatário do Autor a irregularidade do mandato da Dr.ª ...;</font><br>
<font>- Pronunciando-se sobre tal questão, o Tribunal decidiu: “ (…) </font><i><font>Ora, verificando-se que à data da outorga dos poderes forenses à Ilustre Advogada, já tinha sido requerida a suspensão da deliberação que nomeou mandatário da Ré o Sr.DD, tal situação constitui irregularidade do mandato da mesma conferido, nos termos do nº1 do artigo 40º do CPC.</font></i><br>
<i><font>Por essa razão, enquanto a referida irregularidade não se mostrar suprida, a situação cai na previsão da parte final do nº 2 do artigo 40º do mesmo Código. Assim notifique-se a ré “BB, Lda.” para, em 10 dias, suprir a irregularidade apontada e ratificar o processado, com a cominação prevista no referido artigo 40º nº 2, parte final, do CPC. Notifique</font></i><font>.”</font><br>
<font>- Na cota de fls. 735, lê-se: “</font><i><font>Notificação 20/06/00, por carta registada aos mandatários das partes, do despacho que antecede, tendo enviado à da ré cópia de fls. 698 a 731.</font></i><font>”;</font><br>
<font>- O despacho de fls. 732 a 735 foi notificado à Dr.ª ...;</font><br>
<font>- Em 22 de Setembro de 2000, o Juiz “</font><i><font>a quo</font></i><font>” proferiu o seguinte despacho, a fls. 736: “</font><i><font>Tendo em consideração o teor do despacho de fls. 732 e seguintes, e uma vez que não foi regularizado todo o processado, dou sem efeito todos os actos praticados pela ilustre mandatária subscritora das respectivas peças processuais – artigo 40º nº 2, 2ª parte, do CPC. Custas pela mandatária</font></i><font>.”</font><br>
<i><font>Atendendo a que, pelo menos a partir do conhecimento do despacho do Sr. Conservador de Vila do Bispo, de 28/8/99, e do parecer do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e do Notariado, de 28/01/2000, no tocante à sua representação, a requerida agiu com culpa, é licito concluir que a prática dos actos processuais a que deu causa, constituem má fé processual.</font></i><br>
<i><font>Tal facto, nos termos do citado artigo 40º, acarreta para a mesma a condenação na indemnização dos prejuízos a que der causa.</font></i><br>
<i><font>Assim notifiquem-se as partes deste despacho, sendo o requerente para, em 10 dias, indicar e justificar os prejuízos sofridos e fornecer quaisquer outros elementos para a fixação da indemnização – artigo 457º nºs 1 e 2 do CPC</font></i><font>.”;</font><br>
<font>- Na cota de fls. 736, lê-se: “</font><i><font>Notificação: 00.09.25 (23 e 24 Sábado e Domingo) por carta registada aos mandatários das partes do despacho que antecede</font></i><font>”;</font><br>
<font>- O despacho de fls. 736 foi à Dr.ª ...;</font><br>
<font>- Na sentença (fls. 760-781) disse-se, designadamente: </font><br>
<font>“</font><i><font>Foi designada audiência preliminar, tendo nela sido suscitada pelo autor a falta de procuração outorgada em nome da Senhora Advogada,</font></i><font> </font><i><font>....</font></i><br>
<i><font>A fls. 732 e seguintes, no seguimento desta questão, foi decidido que existia irregularidade no mandato e, em consequência, ordenado que fosse suprida a apontada irregularidade e ratificado o processado.</font></i><br>
<i><font>Nada tendo sido feito a este propósito, a fls. 736 foram dados sem efeito todos os actos processuais praticados pela mandatária subscritora das respectivas peças processuais.” (fls. 761).</font></i><br>
<i><font>“Face à irregularidade do mandato, ficou sem efeito a defesa da requerida, importando tal confissão dos factos alegado pelo Autor (cf., nesse sentido, Palma Carlos, Código de Processo Civil Anotado, pág. 162)” (fls. 762).</font></i><br>
<i><font>“Pelo exposto, julgo procedente por provada a acção e, em consequência, declaro anuladas as deliberações tomadas nas Assembleias de 23 de Abril de 1999 e de 20 de Agosto de 1999.</font></i><br>
<i><font>De acordo com o disposto nos artigos 456º e 457º do CPC, condeno a Ré, BB-Construções, Lda., como litigante de má fé, na multa de 10 UC e em indemnização, a favor do autor em 650.000$00, a suportar pelos sócios CC e Marques dos Reis – artigo 458º do CPC</font></i><font>.”;</font><br>
<font>- Na cota de fls. 783, lê-se: “</font><i><font>Notificação: 01.04.17, por carta registada aos mandatários das partes, da sentença que antecede, tendo ainda enviado ao mandatário do autor cópia de fls. 738 e á mandatária da ré cópias de fls. 739 a 758.</font></i><font>”;</font><br>
<font>- A sentença proferida nos autos foi notificada à Dr.ª ....</font><br>
<font>- Em 13 de Maio de 2002 foram expedidas cartas aos Mandatários das Partes, notificando-os do acórdão da Relação;</font><br>
<font>- Em 23 do mesmo ano, a Ré, representada por novo Mandatário forense, apresentou-se a arguir nulidades decorrentes da omissão de notificação à própria Parte das aludidas decisões.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - A decisão de indeferimento da arguição das nulidades surge apoiada em três fundamentos, que se transcrevem, a saber:</font><br>
<font> </font><br>
<font>I. - “</font><i><font>Suprir irregularidades de mandato forense e ratificar o processado não implica a prática de acto pessoal para o qual a parte deva ser convocada, podendo ser feito através de mandatário judicial, por isso cremos que a notificação podia ser validamente feita na pessoa da Exma. Advogada, como foi.</font></i><font>”;</font><i><font> </font></i><br>
<br>
<font>II. - “</font><i><font>Não é crível que a Exma. Advogada não tenha contactado com os representantes da Ré que lhe haviam conferido o mandato, CC e DD (cf. procuração a fls. 428), em ordem a cumprir a determinação do Exmo. Juiz de Direito - regularizar o mandato e ratificar o processado. </font></i><br>
<i><font>Se estes não actuaram no sentido de o fazer, terá sido porque o não quiseram ou porque o não puderam. </font></i><br>
<i><font>Por outras palavras, a ausência de regularização do mandato forense e de ratificação do processado deveu-se directamente e exclusivamente à omissão dos gerentes que tinham conferido o mandato à Exma. Advogada notificada. </font></i><br>
<i><font>Nessas circunstâncias entendemos que está precludido o direito de a Ré vir mais tarde, pela mão desses dois gerentes, invocar a falta de notificação pessoal com vista à anulação de processado que bem conhecia - abuso de direito na modalidade do venire contra facto próprio, que, como é sabido, é considerado ilegítimo na nossa lei (art° 334º do Código Civil).</font></i><font>”;</font><br>
<i><font> </font></i><br>
<font>III. - “</font><i><font>Na procuração agora junta, de novo se verifica a existência da assinatura de apenas um dos aludidos gerentes. </font></i><br>
<i><font>Repete-se pois na procuração de fls. 1204 o vício que já se havia verificado na procuração de fls. 428, onde se conferiu mandato à Exma. Advogada Dra. ..., que subscreveu a contestação. </font></i><br>
<i><font>Foi exactamente por causa desse vício que o Exmo. Juiz da Primeira instância decidiu que a Ré estava irregularmente representada, daí que tenha determinado a regularização do mandato e a ratificação do processado</font></i><font>”.</font><br>
<br>
<br>
<font>4. 2. - Como já se deixou referido, a propósito da enunciação da questão decidenda, o que estava em causa na reclamação de arguição de nulidades, constituindo o respectivo objecto, era, como bem definido ficou no acórdão que revogou a anterior decisão da Relação, apreciar a tempestividade da arguição e, de seguida, conhecendo do mérito, se o art. 40º CPC impõe a notificação pessoal do mandante ou se se basta com a notificação ao mandatário e, sendo a conclusão naquele sentido, se o vício teve influência na decisão das causa.</font><br>
<br>
<font>Daí decorre, desde logo, a irrelevância do último dos indicados fundamentos para a apreciação e decisão da questão tal como se propôs fazê-lo o Tribunal da Relação.</font><br>
<font>Com efeito, aceitando ser o </font><i><font>thema decidendum</font></i><font> a necessidade ou desnecessidade da notificação do despacho que declarou e determinou a irregularidade do mandato e a ratificação do processado, à Relação colocavam-se duas hipóteses: - ou, liminarmente, como questão prévia, suscitava a irregularidade do novo mandato e determinava a sanação do vício, sob a legal cominação (art.40º), ou então, não se pronunciando, nesses termos, sobre o pressuposto processual, havendo tacitamente como regular o mandato forense conferido ao Sr. Advogado da Reclamante e apreciava, como apreciou, o mérito da arguição.</font><br>
<br>
<font>O que parece já não ter cabimento é convocar esse eventualmente repetido vício como razão de improcedência de um outro - alegadamente praticado a coberto de outra procuração e em outra fase processual, depois de já ter afastado a comissão da nulidade com base em outros argumentos -, porquanto a repetida insuficiência ou irregularidade do mandato, se verificada e não regularizada, haveria, obviamente, se apresentar como impedimento a qualquer decisão de mérito.</font><br>
<br>
<font>4. 3. - O segundo dos fundamentos convocados suscita um problema que, surgindo deslocado, acaba por situar-se ao nível da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Na verdade, depois de se elencar como única matéria de facto provada que o despacho de fls. 732/735 foi notificado aos Mandatários das partes e que “nada consta que ateste a notificação da própria Ré “ BB, Lda.” do mesmo despacho”, já em sede de fundamentação de direito surge a afirmação de que “a ausência de regularização do mandato e ratificação do processado deveu-se directa e exclusivamente à omissão dos gerentes que tinham conferido mandato à Exma. Advogada notificada”, pois que “não é crível que (esta) não tenha contactado com os representantes da Ré que lhe haviam conferido o mandato (…) em ordem a cumprir a determinação do Sr. Juiz de Direito”, sendo que “outra interpretação dos factos pressuporia (…) uma atitude de grave negligência profissional por parte da Exma. Advogada, que à partida não podemos aceitar”.</font><br>
<br>
<font>Estamos perante uma dupla ilação que culmina na atribuição “directa e exclusiva” da responsabilidade pela omissão aos gerentes mandantes.</font><br>
<br>
<font>Ora, apesar de ser, em princípio, da exclusiva competência da Relação a fixação da matéria de facto relevante, estando consequentemente subtraída à censura do Supremo, enquanto tribunal de revista, já da competência deste não está excluído apreciar, sob o aspecto da estrita legalidade e no âmbito da pura análise de cumprimento das normas de direito probatório, se os factos e/ou juízos de valor sobre factos, afirmados por ilação ou presunção judicial assentam em pré-demonstrados (conhecidos) factos-base que os comportem e ocultem, de sorte que não podem deixar de ser sua consequência lógica, e cuja existência é sempre seu pressuposto legal – arts. 755º-2, 722º-2, ambos do CPC e 349º C. Civil</font><br>
<font>Quando tal não suceda, isto é, quando não existam factos conhecidos, no caso, a própria informação da Sra. Advogada à Parte, que suportem a imputação da omissão do acto (facto desconhecido) a esta última (na pessoa dos gerentes), não se revela razão alguma para ser considerado que a falta de regularização do processo se lhe ficou a dever, sob pena de manifesta violação da norma de direito probatório contida no citado art. 349º. </font><br>
<i><font> </font></i><br>
<font> Por via disso, ou seja, falhado esse pressuposto de natureza factual, cai também o fundamento para se sustentar o – implicitamente considerado – suprimento da omissão da notificação pelo Tribunal e decorrente paralisação/preclusão do direito de arguição da nulidade pela Ré, por incursa em abuso de direito (art. 334º CPC, na modalidade do </font><i><font>venire contra factum proprium)</font></i><font>.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 4. 4. - Resta apreciar o primeiro dos fundamentos do indeferimento, núcleo essencial do objecto do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 4. 1. - Entendeu-se, no acórdão impugnado, que a notificação para suprir irregularidades do mandato forense e ratificar o processado podia ser validamente feita na pessoa da Mandatária.</font><br>
<br>
<font> Não está em causa a discussão da decisão que declarou a irregularidade do mandato, que não foi impugnada, nem o facto de a notificação para suprimento do vício ter sido efectuada apenas à Sra. Advogada irregularmente mandatada.</font><br>
<font> Também se não suscitou qualquer problema relativo à tempestividade da reclamação. </font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 4. 2. - A questão é, assim, de interpretação da norma do art. 40º-2 do CPC, no tocante à determinação dos sujeitos que devem ser notificados do despacho judicial que fixa o prazo para suprimento do vício de irregularidade do mandato e ratificação do processado.</font><br>
<br>
<font> Ora, a tal respeito, pensa-se que sendo a parte a detentora do poder de praticar os actos de suprimento do vício do mandato e de ratificação do processado, o efeito útil da notificação só é alcançável se lhe for comunicada a decisão de declaração da irregularidade e o prazo para a sanar, tal como se entende que a notificação deve ser cumulativamente efectuada ao mandatário, interessado em evitar as sanções cominadas na norma (pagamento das custas e, em tendo agido com culpa, indemnização).</font><br>
<font> Com efeito, perante o vício, o mandante, ou o corrige, juntando ao processo procuração regular e ratificando o processado, ou, revelando não pretender aproveitar os actos praticados pelo mandatário, responsabilizando-o, assim o declara ou se remete à inércia.</font><br>
<font> Para tanto, como escreve A. RIBEIRO MENDES no douto Parecer junto, conquanto a propósito da espécie de notificação (pessoal ou postal), a efectuar “o que importa é assegurar, em qualquer caso, que a própria parte tem conhecimento da insuficiência ou irregularidade da procuração que passou ou até da falta da procuração invocada e que tem o ónus de ratificar o processado, se suprir a irregularidade”. </font><br>
<font> Seria até contraditório, parece-nos, defender-se ser de tomar por válida e eficaz uma notificação para a prática de actos em representação e por conta da parte a mandatário judicial sem mandato da mesma ou com mandato já declarado insuficiente ou irregular.</font><br>
<font> Na doutrina, pronunciam-se expressamente no sentido proposto, isto é, da imposição da notificação à parte e ao mandatário aparente, LEBRE DE FREITAS, CASTRO MENDES e A. VARELA/M. BEZERRA/SAMPAIO E NORA, </font><i><font>in</font></i><font>, respectivamente, </font><i><font>Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º</font></i><font>, pg. 81; </font><i><font>Direito Processual Civil, II, pg. 83; e, Manual de Processo Civil, 2ª ed., </font></i><font>pg.194.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 4. 3. - Omitida a notificação à Ré, foi preterida uma formalidade prescrita na lei destinada a assegurar o concurso da regularidade do patrocínio judiciário, como pressuposto processual, cuja falta, seguidamente verificada, veio a determinar a ineficácia da defesa oferecida.</font><br>
<font> Esta situação de indefesa, que foi determinante da confissão ficta dos factos da petição inicial, não pode deixar de haver-se como susceptível de influir na decisão da causa e no seu exame. </font><br>
<br>
<font> Em conclusão, a omissão da notificação da Recorrente integra nulidade, verificados que estão os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do art. 201º CPC.</font><br>
<br>
<font> Verificada a nulidade, e não questionada a tempestividade da sua arguição, haverá que, suprindo a falta, praticar o acto omitido, mediante a notificação à Recorrente do despacho que declarou a irregularidade do mandato e determinou a ratificação do processado, anulando-se, por dele dependentes e porque afectados pelo acto em falta, todos os termos posteriores do processo – art. 201º-2 CPC.</font><br>
<br>
<br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> Pelo exposto, decide-se:</font><br>
<font> - Conceder provimento ao agravo.</font><br>
<font> - Declarar nulos todos os actos e termos do processo subsequentes ao despacho de fls. 732 a 735 e determinar que na 1ª Instância se ordene a notificação da Ré do conteúdo de tal despacho;</font><br>
<font> - Condenar o Recorrido nas custas.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> Lisboa, 19 Março 2009 </font><br>
<font> </font><br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zDFju4YBgYBz1XKvzf8W | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font> </font></b><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br>
<br>
<font> </font><br>
<p><font> </font><br>
</p><p><b><font>I. RELATÓRIO</font></b><br>
</p><p><br>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> (entretanto falecido e representado pelas herdeiras habilitadas </font><b><font>BB</font></b><font> e </font><b><font>CC</font></b><font>) intentou acção declarativa com processo ordinário contra:</font><br>
</p><p><b><font>1º</font></b><font> </font><b><font>DD</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>2º</font></b><font> </font><b><font>EE</font></b><font>, </font><br>
</p><p><b><font>3º</font></b><font> </font><b><font>FF</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>4º</font></b><font> </font><b><font>GG</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>5º</font></b><font> </font><b><font>HH</font></b><font> (entretanto falecido, representado pelos herdeiros habilitados II, JJ, LL, MM, NN e OO).</font><br>
</p><p><b><font>6º</font></b><font> </font><b><font>PP</font></b><font>, </font><br>
</p><p><b><font>7º</font></b><font> </font><b><font>QQ</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>8º</font></b><font> </font><b><font>RR</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>9º</font></b><font> </font><b><font>SS</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>10º</font></b><font> </font><b><font>TT</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>11º</font></b><font> </font><b><font>UU</font></b><font> (entretanto falecido e representado pelos herdeiros habilitados VV e XX),</font><br>
</p><p><b><font>12º</font></b><font> </font><b><font>ZZ</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>13º</font></b><font> AAA (relativamente ao qual o autor apresentou desistência da instância, homologada por sentença),</font><br>
</p><p><b><font>14º</font></b><font> </font><b><font>BBB</font></b><font>, </font><br>
</p><p><b><font>15º</font></b><font> </font><b><font>CCC</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>16º</font></b><font> </font><b><font>DDD</font></b><font>, </font><br>
</p><p><b><font>17º</font></b><font> </font><b><font>EEE</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>18º</font></b><font> </font><b><font>TSF Cooperativa de Profissionais da Rádio, CRL</font></b><font>, </font><br>
</p><p><b><font>19º</font></b><font> </font><b><font>Santander Gestão de Ativos – S.G.F.I. M., S.A.</font></b><font>, </font><br>
</p><p><b><font>20º</font></b><font> </font><b><font>FFF</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>21º</font></b><font> </font><b><font>GGG </font></b><font>e </font><b><font>HHH</font></b><font> (entretanto falecido e representado pelos herdeiros habilitados III e JJJ).</font><br>
</p><p><b><font>22º</font></b><font> </font><b><font>LLL</font></b><font>, </font><br>
</p><p><b><font>23º</font></b><font> </font><b><font>Georgia Enterprises Limited – EDITAL</font></b><font>,</font><br>
</p><p><b><font>24º</font></b><font> </font><b><font>Global Noticias – Média Group, S.A.</font></b><font> (antes Global Notícias Publicações, SA),</font><br>
</p><p><font> </font><b><font>25º</font></b><font> </font><b><font>Controlinvest Media, SGPS, S.A.</font></b><font> (antes Lusomundo Media SGPS, SA),</font><br>
</p><p><b><font>26º</font></b><font> </font><b><font>Rádio Noticias – Produções e Publicidade, S.A</font></b><font>. </font><br>
</p><p><font>alegando, em síntese, que o autor é sócio fundador da 18ª ré, </font><b><font>Cooperativa TSF</font></b><font>, que foi constituída em 6/3/81, existindo desde 1988 um conflito que opõe os cooperadores desta ré e que se prende com a legalidade da eleição dos seus órgãos sociais e de quem a representa, sendo o autor o seu presidente, apesar de essa qualidade ser questionada por alguns dos réus, tendo todos os 1º a 17º réus sido cooperadores da TSF, pelo menos durante um determinado período, tendo os 14º, 15º 16º e 17º réus pedido a sua demissão respectivamente em 6/7/88, 12/2/90, 11/10/94 e 29/1/86, sucedendo que, por acórdão do TRL de 24/11/94, transitado em julgado e que confirmou a sentença da 1ª instância, foram declaradas nulas as deliberações sociais das AG da TSF de 4/12/89 e de 29/8/91, o que criou um vazio que deixou a TSF sem órgãos sociais, pois, da última eleição de órgãos sociais não impugnada, de 15/4/85, já se haviam demitido de cooperadores o presidente e vice presidente da mesa da AG e o presidente e o vogal do conselho fiscal, havendo dúvidas sobre quem poderia convocar a AG, tendo então o 14º réu convocado AG para o dia 5/1/95, para eleição dos corpos sociais para 1995/97, apesar de já não ser cooperador por se ter demitido em 6/7/88, pelo que não tinha legitimidade para efectuar tal convocatória e, reunindo-se a referida AG de 5/1/95, foi eleito para presidente da direcção o 17º réu, quando este réu se havia demitido de cooperador em 29/1/86, sendo que em 14/6/95 foi proferida decisão judicial em providência cautelar que suspendeu a execução das deliberações da AG de 5/1/95 e, neste contexto, o 11º réu, eleito para a mesa da assembleia geral na última eleição não impugnada de 1985, convocou AG para 22/2/96, onde foram eleitos os corpos sociais para o triénio de 1996/98, sendo o autor o presidente da direcção e sendo esta a que se mantém em vigor, considerando a nulidade da AG de 5/1/95 e das outras que se seguiram, já que teve lugar AG em 12/3/96 sem que o autor e outros cooperadores fossem convocados, onde foram destituídos os órgãos sociais eleitos na AG de 22/2/96 e eleitos novos corpos sociais, com o 17º réu como presidente da direcção, o 1º réu como tesoureiro e a 10ª ré como secretária, a que se seguiram as AG de 16/5/96 e de 7/1/97, convocadas por quem não tinha competência legal para o fazer, nas quais foi deliberado renovar as deliberações de 12/3/96, deliberando-se ainda em 7/1/97 a expulsão do autor e de outros cooperadores e a eleição de novos corpos sociais, mantendo-se a mesma direcção e sendo nulas todas as referidas AG de 5/1/95, 12/3/96, 16/5/96 e 7/1/97.</font><br>
</p><p><font>Mais alegou que a Cooperativa TSF é dona de 432.374 acções do réu Rádio Notícias, das quais os 1º, 10º e 17º réus, alegando constituírem a direcção da TSF, se apropriaram e venderam aos 19ª e 20ª réus, ficando com o dinheiro respectivo, tendo o 20º réu transmitido acções aos 21º e 22º réus, que depois as venderam ao 23º réu, que também adquiriu acções do 19º réu, sendo nulas todas estas transmissões, pois os 1º, 10º e 17º réus não tinham legitimidade para vender, o que era do conhecimento de todos os compradores.</font><br>
</p><p><font>Alegou ainda que a Cooperativa TSF celebrou vários acordos, designadamente um acordo parassocial, com os outros accionistas da Rádio Notícias, as sociedades antecessoras das 24ª e 25ª rés, que vieram pôr em causa a validade desses acordos por a TSF ter vendido as acções que tinha na Rádio Notícias, não reconhecendo a legitimidade da direcção da TSF eleita em .../2/96, nem o autor como seu presidente, apesar de conhecerem os factos relativos à falta de legitimidade dos 1º, 10º e 17º réus para representarem a TSF.</font><br>
</p><p><font>Esclareceu que a presente acção tem como objectivos resolver, de uma vez por todas, a questão da legalidade da eleição dos órgãos sociais da TSF, e de quem a representa, definindo, num processo em que estejam presentes todos os interessados, quais são os órgãos legítimos da TSF e quem são os seus cooperadores, resolver a questão da titularidade do único acervo patrimonialmente relevante de que a TSF é dona, que corresponde às acções relativas à sua participação no réu Rádio Notícias, que é a entidade que explora comercialmente o produto radiofónico que é conhecido por TSF e resolver a validade dos acordos celebrados pela TSF com os outros accionistas da Rádio Notícias, que por eles foi posta em causa, bem como com o reconhecimento da Rádio Notícias acerca de quem representa o accionista TSF. Esclareceu ainda o autor que foi intentada acção idêntica a esta em 19 de Setembro de 2000 no Tribunal de Comércio de Lisboa que terminou com a absolvição dos réus da instância por incompetência material do tribunal e que transitou em julgado em Julho de 2005 por acórdão do STJ que julgou definitivamente que a matéria destes autos é da competência do tribunal cível.</font><br>
</p><p><font>Concluiu pedindo:</font><br>
</p><p><font>a) Que sejam declaradas nulas as deliberações tomadas nas Assembleias Gerais de 05/01/1995, 12/03/1996, 16/05/1996 e 07/01/1997, bem como todos os actos praticados com base nessas deliberações, designadamente os actos praticados por órgãos sociais eleitos em qualquer dessas Assembleias, sendo ainda decretado o cancelamento das inscrições na Conservatória do Registo Comercial que assentaram em tais deliberações;</font><br>
</p><p><font>b) Que seja declarado nulo o cancelamento da inscrição da eleição dos órgãos sociais que foram objecto da deliberação tomada na Assembleia Geral de 22/02/1996;</font><br>
</p><p><font>c) Que seja declarada a validade da eleição dos órgãos sociais escolhidos nessa Assembleia Geral de 22/02/1996;</font><br>
</p><p><font>d) Que seja declarado que os RR. BBB, CCC, EEE e DDD deixaram de ser cooperadores da TSF a partir das datas supra referidas em que apresentaram os seus pedidos de demissão, situação que se mantinha aquando da convocatória e da realização das Assembleias de 05/01/1995 e das outras que se referem nas alíneas precedentes;</font><br>
</p><p><font>e) Que seja declarado que cooperadores efectivos da TSF são o A. e os 1º a 17º RR., com excepção dos indicados na alínea precedente, ou, caso assim se não entenda, quais são, entre os sujeitos processuais desta acção, cooperadores efectivos da TSF;</font><br>
</p><p><font>f) Caso se entenda, o que só por cautela vem admitido, que não foram válidas as deliberações tomadas na Assembleia de 22/02/1996, não havendo quem possa convocar legitimamente uma Assembleia Geral da TSF, que seja convocada pelo Tribunal tal Assembleia Geral, tendo por ordem de trabalhos a eleição dos órgãos sociais da TSF e sendo cooperadores da mesma o A. e os RR. que vierem a ser declarados cooperadores nos termos da alínea precedente.</font><br>
</p><p><font>g) Que seja declarada nula a transmissão das acções efectuadas a favor dos 19° a 23° RR.. bem como quaisquer outras que posteriormente tenham ocorrido;</font><br>
</p><p><font>h) Que seja declarado que as acções em apreço são da titularidade da TSF, que é legítima dona e possuidora das mesmas;</font><br>
</p><p><font>i) Que os 1°, 10° e 17° RR. sejam condenados a depositar à ordem do tribunal ou da Direcção da 18° R. que o tribunal venha a reconhecer como legítima a quantia ou as quantias que receberam por força da aludida transmissão de acções, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que as receberam.</font><br>
</p><p><font>j) Que seja reconhecida a qualidade da TSF enquanto accionista da Rádio Notícias; </font><br>
</p><p><font>k) Que seja reconhecida a validade do acordo parassocial celebrado relativamente à Rádio Notícias;</font><br>
</p><p><font>l) Que os 19º a 27º RR. sejam condenados a abster-se de aceitar os 1º, 10º e 17º RR. como representantes da TSF.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O réu Santander SGFIM contestou alegando, em síntese, que a anterior sociedade que veio a ser incorporada na contestante comprou à TSF em 4/6/96 15.000 acções da Sociedade Rádio Notícias, que vieram a ser vendidas em 31/3/98, como operação financeira entre muitas outras realizadas no âmbito de investimentos em valores mobiliários ditada exclusivamente por critérios de gestão de activos, pressupondo e aceitando a capacidade legal da entidade transmitente e a legitimidade representativa dos seus órgãos, desconhecendo a existência ou inexistência de litígios entre os cooperadores da vendedora.</font><br>
</p><p><font>Concluiu pedindo a improcedência da acção.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Os réus GGG e HHH arguiram a ilegitimidade passiva da contestante por não ter celebrado qualquer contrato de compra e venda das acções em causa, o qual só foi celebrado pelo contestante, seu marido e arguiram também a ilegitimidade passiva por violação do litisconsórcio obrigatório, em virtude de não estarem na acção os actuais titulares das acções, entretanto vendidas; por impugnação alegaram, em síntese que o negócio de aquisição de 141 187 acções da Rádio Notícias é válido e teve lugar através de uma sociedade de gestão de património, não conhecendo os contestantes o 20º réu que as vendeu, nem a entidade que depois as veio a adquirir e desconhecendo igualmente qualquer vício relativo à ilegitimidade da venda.</font><br>
</p><p><font>Concluíram pedindo a procedência das excepções de ilegitimidade com a absolvição da instância e, se assim não se entender, a improcedência da acção com a absolvição do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> O réu LLL arguiu a ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio obrigatório em virtude de não estarem na acção os actuais titulares das acções entretanto vendidas; por impugnação, alegou, em síntese, que o negócio de aquisição de 141.187 acções ao 20º réu é válido e teve lugar através de uma sociedade gestora de património, não conhecendo o contestante este réu que as vendeu, nem a entidade que as veio a comprar, desconhecendo igualmente qualquer vício relativo à legitimidade da venda.</font><br>
</p><p><font>Concluiu pedindo a procedência da excepção de ilegitimidade passiva com a absolvição da instância e, se assim não se entender, a improcedência da acção com a absolvição do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O réu DD contestou invocando a inutilidade superveniente da lide porque todos os pedidos formulados pelo autor pressupõem que a 18ª ré, TSF – Cooperativa de Profissionais de Rádio, CRL ainda existe como pessoa colectiva, acontecendo que esta ré foi dissolvida administrativamente e encerrada a sua liquidação em 2009, não sendo aplicável o artigo 162º, nº 1 do CSC, face às relações jurídicas controvertidas configuradas na petição inicial, invocando a excepção do caso julgado relativamente aos pedidos das alíneas a) a d) da petição inicial, por as questões em causa nestes pedidos já terem sido julgadas por decisões transitadas em julgado e arguindo a ilegitimidade do autor que, à data da propositura da acção, já não era cooperador da ré TSF por lhe ter sido imposta sanção disciplinar de expulsão na AG de 7/1/97 que o autor nunca impugnou; por impugnação alegou, em síntese, que as AG de 5/1/95, 13//96 e 7/1/97 foram regularmente convocadas, sendo válidas as respectivas deliberações, o que já foi reconhecido judicialmente quanto à primeira enquanto, ao contrário, a AG de 22/2/96 foi convocada por quem não tinha poderes para o fazer, o que também já foi reconhecido judicialmente, sendo a venda das acções da TSF na rádio Notícias válida por ter sido efectuada pela direcção legítima da cooperativa, com o acordo da maioria dos cooperadores, sendo vendidas ao 20º réu, desconhecendo o contestante os negócios posteriores feitos com as mesmas acções, pelo que não poderia continuar a vigorar em relação à ré TSF o acordo celebrado com os accionistas da Rádio Notícias e tendo as quantias recebidas com a venda sido depositadas e geridas pela ré TSF.</font><br>
</p><p><font>Concluiu pedindo a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ou ser julgada procedente a excepção de caso julgado com a absolvição dos respectivos pedidos e dos outros cuja procedência depende da procedência dos mesmos, ser julgada a procedência de ilegitimidade do autor ou ainda ser julgada a acção improcedente com a absolvição dos pedidos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> As rés Global Notícias Publicações, SA, Controlinveste Media SGPS, SA (anteriormente denominada Lusomundo Media SGPS, SA), Rádio Notícias – Produções e Publicidade, SA e ainda a sociedade Controlinveste Media II SGPS, SA (anteriormente denominada Lusomundo Serviços SGPS, SA) contestaram invocando a inutilidade superveniente da lide por a ré Cooperativa TSF ter sido dissolvida e encerrada a sua liquidação em 2009, não sendo aplicável ao caso o artigo 162º do CSC e invocando a ilegitimidade passiva das contestantes Global Notícias, que já não é accionista da Rádio Notícias e Controlinveste Media II que nunca foi accionista da mesma sociedade; por impugnação alegaram, em síntese, que a Controlinveste detém acções da Rádio Notícias mas nenhuma delas era propriedade da ré TSF e, tendo esta deixado de ser accionista da Rádio Notícias, o acordo parassocial extinguiu-se, não podendo a ré TSF reclamar qualquer direitos sociais relativos à Rádio Notícias. Concluíram pedindo a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ou, sem conceder, a procedência da excepção de ilegitimidade passiva das referidas réu com a sua absolvição da instância e, ainda sem conceder, a improcedência da acção e as contestantes absolvidas dos pedidos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O autor replicou opondo-se às excepções arguidas nas contestações e veio ainda alterar a causa de pedir e o pedido da acção, alegando que, em 2009, por acção de actos praticados pelos 1º, 10º e 17º RR., entre eles ou conluiados com terceiros, foram praticados actos que levaram à dissolução e liquidação da Cooperativa TSF, sendo tais actos nulos, porque foram praticados com base em supostas legitimidades provenientes de deliberações nulas, praticadas em assembleias gerais que são objecto do pedido de declaração de nulidade que consta da alínea a) do pedido formulado na p.i. e, mesmo que assim não fosse, os cooperadores da TSF podem substituir-se à TSF em tudo aquilo que releve para os efeitos da presente acção. </font><br>
</p><p><font>Concluiu ampliando os pedidos formulados na p.i., acrescentando os seguintes:</font><br>
</p><p><font>a) Que sejam declaradas nulas as deliberações e demais actos pelos quais foi declarada a dissolução e liquidação da TSF Cooperativa;</font><br>
</p><p><font>b) Que seja decretado o cancelamento das inscrições registrais que se reportam à dissolução e liquidação da TSF Cooperativa, declarando-se nulas tais inscrições;</font><br>
</p><p><font>c) Que, caso se entenda que é irreversível – ou não é reversível no âmbito desta acção – a dissolução e liquidação da TSF Cooperativa, seja declarado que os seus direitos – ora em causa nesta acção – passem para a titularidade de todos os seus cooperadores, particularmente o A. e os 1º a 17º RR., bem como outros a quem nesta acção venha a ser reconhecida essa qualidade;</font><br>
</p><p><font>d) Que, em particular, seja declarado que as acções que pertenciam à TSF Cooperativa – ora em causa nesta acção – passem a ser detidas pelo conjunto dos seus cooperadores.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Os réus GGG e LLL treplicaram, mantendo o já alegado na contestação. </font><br>
</p><p><font>As rés Global Notícias Publicações, S.A., Controlinveste Media SGPS, S.A. (anteriormente denominada Lusomundo Media SGPS, S.A.), Rádio Notícias – Produções e Publicidade, S.A. e a sociedade Controlinveste Media II SGPS, S.A. (anteriormente denominada Lusomundo Serviços SGPS, S.A.), treplicaram alegando que a dissolução e liquidação da cooperativa TSF resultaram de processo oficioso de dissolução, iniciado nos termos do disposto no artigo 5º do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, pelo que não foi a dissolução precedida de qualquer deliberação ou acto da direcção da TSF ou de algum dos seus cooperadores, inexistindo assim os supostos actos cuja declaração de nulidade ora é peticionada pelo Autor, devendo improceder os pedidos formulados em sede de ampliação do pedido.</font><br>
</p><p><font>O réu DD treplicou alegando, quanto aos pedidos a) e b), que a dissolução e liquidação da TSF e respectivo registo foram operadas por acto administrativo, devido à sua inactividade por vários anos, não tendo resultado de actos praticados pelos 1º, 10º e 17º RR e tratando-se assim de matéria insusceptível de ser apreciada nos presentes autos, por incompetência do Tribunal e, quanto aos pedidos constantes das alíneas c) e d), devem os mesmos ser julgados improcedentes, não só pelo que já se disse em sede de contestação, mas ainda porque não é possível nesta acção apurar quem sejam ou quem fossem (à data da propositura da acção) os cooperadores da TSF, não indicando o autor, para além dos 1º a 17º RR, quaisquer nomes de outras pessoas que pudessem ser cooperadores.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Foi então proferido despacho convidando o autor para concretizar os pedidos genéricos da alínea g) da petição inicial e da alínea a) da ampliação do pedido, (…) “indicando quais as concretas outras transmissões de acções ocorridas subsequentemente à transmissão das mesmas para a 23º Ré que pretende ver anuladas, bem como as concretas deliberações e actos que levaram alegadamente à dissolução e liquidação da TSF Cooperativa que igualmente pretende ver anuladas. Caso tenham ocorrido aquelas subsequentes transmissões de acções, convido o Autor, dentro daquele prazo de dez dias, a fazer intervir nos autos o(s) adquirente(s) daquelas acções, lançando mão do competente incidente de intervenção principal provocada. Caso aquelas transmissões não tenham ocorrido, convido o Autor, dentro daquele prazo de dez dias, a alterar a redacção daquele pedido, cingindo-o às transmissões que pretende ver anuladas.”</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Na sequência deste despacho, o autor, veio responder, quanto ao pedido formulado na alínea g) da P.I., que não está em condições de saber se houve transmissão subsequente àquelas que ocorreram a favor do 23.º R., pelo que elimina do pedido a expressão “bem como quaisquer outras que posteriormente tenham ocorrido”, mas, para acautelar a eventualidade das acções terem sido entretanto transmitidas e como os 24.º a 27.º RR. terão seguramente conhecimento dessa situação – uma vez que a TSF continua a ser apresentada como detida pelo referido grupo –, requereu que tais RR. sejam notificados para virem informar aos autos se tais acções continuam ou não a ser detidas pelo 23.º R. (que não apresentou contestação) e, não sendo por este detidas, a identificação dos respectivos transmissários até ao actual detentor; quanto ao pedido aditado na alínea a) da ampliação do pedido da réplica, esclareceu que se pretende que seja declarado nulo “o ato que consubstanciou a dissolução e liquidação da TSF – Cooperativa de Profissionais de Rádio, dando lugar à apresentação n.º 236 de 10/12/2009, nos termos da respectiva certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Notificada para vir prestar informação sobre eventuais e subsequentes transmissões das acções em causa nos autos, Rádio Notícias – Produções e Publicidade, S.A. veio informar que as acções foram amortizadas por deliberação da Assembleia Geral da ré de 31 de Dezembro de 2012, deliberação essa que foi objecto da devida publicidade.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Em resposta a esta informação, vieram os AA concretizar o pedido nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>“g) Que seja declarada nula a transmissão das acções efectuadas a favor das 19.ª a 23.ª RR., bem como que seja declarada a nulidade da deliberação da Assembleia Geral da 29.ª R., de 31/12/2012, através da qual foram amortizadas as acções detidas pela 23.ª R., mediante a extinção de 432.374 acções ordinárias nominativas.”.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> Notificadas, vieram responder os RR. Global Notícias – Media Group, S.A., Controlinveste Media SGPS, S.A. e Rádio Notícias – Produções e Publicidade, SA., alegando que não existe qualquer facto alegado nos autos que permita fundar uma declaração de nulidade da amortização operada, nada tendo sido dito a respeito de quaisquer vícios da mesma, nem a nulidade dessa amortização decorre como consequência da nulidade da transmissão a favor da 23ª Ré, não existindo, pois, causa de pedir nos autos que suporte a alteração do pedido formulado, nem o mesmo constitui desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, sendo certo que não se encontram reunidos os pressupostos legais da alteração da causa de pedir ou do pedido., para além da incompetência deste Tribunal para apreciar pedidos de declaração de nulidade de deliberações sociais relativas a sociedades anónimas, como seria o caso (cfr. artigo 128º, nº 1 al. d) da Lei da Organização do Sistema Judiciário).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Tendo sido dado notícia de que a sociedade Controlinveste Media II, SGPS, SA foi extinta, requereu o autor que os autos prosseguissem contra a sua sócia única, a sociedade Olivedesportos – Publicidade, Televisão e Media, SA, ao que as rés Global Notícias Media Group, SA, Controlinveste Media SGPS, SA e Rádio Notícias – Produções e publicidade, SA se opuseram.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>15.</font></b><font> Teve lugar a audiência prévia, onde foi indeferida a requerida ampliação do pedido e causa de pedir, foi fixada a factualidade já assente nos autos, e relevante para a decisão das excepções arguidas pelas partes, foi dado conhecimento às partes de que o tribunal entendia estar em condições de conhecer as excepções arguidas pelas partes, bem como da extinção da instância quanto à ré Controlinvest II, sendo ainda exposto o entendimento do tribunal quanto a excepção não arguida e que poderá determinar o insucesso da causa: a excepção de autoridade do caso julgado, bem como da procedência da arguida inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos formulados em e), f), j), k) e l).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>16.</font></b><font> Atento o facto de a solução de direito proposta não decorrer de matéria já debatida nos autos, ao abrigo do princípio do contraditório foi dada às partes a possibilidade de se pronunciarem, por escrito, o que estas usaram.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>17.</font></b><font> Conclusos os autos, foi proferido despacho saneador sentença, que declarou extinta a instância relativamente a Controlinveste II, julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva da ré GGG, de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário e de ilegitimidade activa e entendeu verificar-se a excepção de autoridade de caso julgado relativamente a parte dos pedidos e inutilidade superveniente relativamente a outros e ainda a inutilidade superveniente da lide face à extinção da ré Cooperativa TSF, decidindo então no dispositivo: “</font><i><font>Termos</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>conclui</font></i><font> </font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>verificação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>excepção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>autoridade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>caso</font></i><font> </font><i><font>julgado,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>qual</font></i><font> </font><i><font>obsta</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>apreciação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>mérito</font></i><font> </font><i><font>desta</font></i><font> </font><i><font>causa,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>concerne</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>pedidos</font></i><font> </font><i><font>formulados</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>a),</font></i><font> </font><i><font>b),</font></i><font> </font><i><font>c)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>d)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>determina</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>absolvição</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>instância</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>mesmos,</font></i><font> </font><i><font>(art.º</font></i><font> </font><i><font>278º</font></i><font> </font><i><font>nº 1</font></i><font> </font><i><font>al.</font></i><font> </font><i><font>e),</font></i><font> </font><i><font>art.º</font></i><font> </font><i><font>576º</font></i><font> </font><i><font>nº 2,</font></i><font> </font><i><font>art.º</font></i><font> </font><i><font>577º</font></i><font> </font><i><font>al.</font></i><font> </font><i><font>i),</font></i><font> </font><i><font>art.º</font></i><font> </font><i><font>580º,</font></i><font> </font><i><font>art.º</font></i><font> </font><i><font>581º,</font></i><font> </font><i><font>todos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Código</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Processo</font></i><font> </font><i><font>Civil).</font></i><font> </font><i><font>Mais</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>conclui,</font></i><font> </font><i><font>relativamente</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>pedidos</font></i><font> </font><i><font>formulados</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>e),</font></i><font> </font><i><font>f),</font></i><font> </font><i><font>g),</font></i><font> </font><i><font>h),</font></i><font> </font><i><font>i),</font></i><font> </font><i><font>j),</font></i><font> </font><i><font>k)</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>l),</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>respectiva</font></i><font> </font><i><font>inutilidade</font></i><font> </font><i><font>superveniente</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>lide,</font></i><font> </font><i><font>determinando-se</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>extinção</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>instância</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>mesmos</font></i><font>”. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>18.</font></b><font> Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o tribunal entendido que as questões a versar eram (i) O caso julgado, incluindo a autoridade de caso julgado e suas consequências; (ii) Ampliação do pedido e (iii) Extinção da instância relativamente à ré Controlinveste II. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>19.</font></b><font> O TR confirmou a sentença proferida com acórdão de 2021-03-25.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>20.</font></b><font> O A. não se conformou como acórdão pelo que apresentou recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):</font>
</p><p><i><font>A. O acórdão ora recorrido julgou improcedente a apelação – quer relativamente aos pedidos formulados na PI, quer em relação às subsequentes ampliações de pedido, os quais haviam sido apreciados ou na audiência prévia de 9/11/2018, ou no saneador- sentença de 25/07/2019 –, com fundamento, antes de mais, na existência de caso julgado ou autoridade de caso julgado.</font></i>
</p><p><i><font>B. A questão do caso julgado foi colocada em relação ao pedido formulado de declaração de nulidade das deliberações da Assembleia de 5/01/1995 – a que se reporta a primeira parte do pedido formulado na PI sob a alínea a) –, relativamente à qual o acórdão recorrido decidiu que “não há como considerar verificada a excepção de caso julgado relativamente a este pedido de declaração de nulidade das deliberações da Assembleia de 5/01/1995”. As Recorrentes conformam-se com esse segmento do acórdão recorrido.</font></i>
</p><p><i><font>C. No mais, a tese do acórdão recorrido funda-se em três argumentos:</f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8TJyu4YBgYBz1XKvJQl8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>Processo n.º 1041/07.2TBSCR.L1.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)</font><a><u><font>[1]</font></u></a>
</p><p></p><div><br>
<b><font>*</font></b></div><br>
<b><font> </font></b>
<p>
</p><p><font>Acordam no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: </font></p><div><br>
<b><font> </font></b></div><font>I – RELATÓRIO</font>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> intentou acção declarativa com processo ordinário contra </font><b><font>BB</font></b><font>, </font><b><font>CC</font></b><font>, entretanto falecida e representada pelos seus sucessores habilitados </font><b><font>DD</font></b><font>, </font><b><font>EE</font></b><font>, </font><b><font>FF</font></b><font> e </font><b><font>GG</font></b><font>- estes dois últimos menores, representados por sua mãe </font><b><font>HH</font></b><font>-, e contra </font><b><font>II </font></b><font>e mulher </font><b><font>JJ</font></b><font>, pedindo que:</font>
</p><p><font>- os Réus sejam condenados a reconhecer que a porção de benfeitorias rústicas, com a área de 540 m2, inscrita na matriz cadastral sob o artigo 41/21 da Secção AM, localizada no sítio do ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar a norte com KK e outros, sul com a ..., nascente com a Vereda e do Poente com LL e outros, implantadas sobre o respectivo terreno que é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ..., é propriedade do Autor por as ter adquirido por usucapião;</font>
</p><p><font>- ao Autor seja reconhecido o direito de preferência que invoca, isto é, que tem o direito de haver para si a parcela de terreno (41/21 da secção AM), com a mesma área e confrontações das benfeitorias identificadas acima, parte a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ..., substituindo-se aos réus compradores II e mulher JJ na escritura pública de compra e venda exarada no Cartório Notarial do Dr. MM, a fls. 51 a 53, do livro 12-A, na parte em que se refere àquela porção de terreno, mediante o depósito do respectivo preço proporcionalmente considerado - € 2 953,80 -, acrescido das despesas de escritura e registos no montante de € 1 030.78 ou outro que se vier a apurar a final;</font>
</p><p><font>- os réus II e mulher sejam condenados a entregar ao Autor a parcela de terreno objecto da presente acção.</font>
</p><p><font>Alegou, para tanto, em síntese, que: </font>
</p><p><font>Adquiriu as benfeitorias já identificadas, feitas em terreno das rés BB e CC, mediante doação verbal efectuada pelos seus pais NN e OO, que já as haviam adquirido, por compra verbal, ao titular inscrito PP;</font>
</p><p><font>Tal parcela sempre foi cultivada pelos ascendentes do Autor e depois por este, tendo para o efeito construído muros de pedra arrumada, limpo o terreno e mantido os regos de condução de água, sem oposição de ninguém, desde há mais de vinte anos;</font>
</p><p><font>No dia 22-11-2005, mediante escritura pública, as Rés BB e CC venderam aos Réus II e JJ um prédio rústico colonizado - abrangendo a sobredita parcela -, com a área global de 12 240 m2, localizado no sítio do ..., freguesia e concelho de ..., pelo preço de 67 046,10 €, com isenção de IMT, pelo que o preço da parcela será de 2 953,80 €;</font>
</p><p><font>As Rés deviam ter comunicado ao Autor o projecto de venda para que pudesse exercer o direito de preferência, o que não fizeram, vindo este a tomar conhecimento da venda a 13-06-2007;</font>
</p><p><font>Procedeu ao depósito do preço e do valor referente a despesas notariais e registais, no valor de 3 984,58 €.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Apenas contestaram os Réus II e JJ alegando, em resumo, que:</font>
</p><p><font>O Autor não é proprietário de nada, por terem sido extintos os contratos de colonia existentes na Região Autónoma da Madeira pela Lei 77/77, de 29/9, sendo que a mencionada parcela 41/21 não pode ser autonomizada do prédio-mãe;</font>
</p><p><font>O Autor tomou conhecimento da escritura de compra e venda há cerca de dois anos quando se propuseram comprar a parcela em questão, pelo que o prazo para intentar a presente acção já estava ultrapassado;</font>
</p><p><font>As benfeitorias continuam inscritas em nome de PP, quando o levantamento cadastral foi efectuado entre 1955 e 1965, época em que, de acordo com o A., os seus pais já as haviam adquirido;</font>
</p><p><font>A parcela em causa não é cultivada há mais de vinte e cinco anos e, tendo acesso directo ao caminho existente, vale actualmente pelo menos 48 600,00 €;</font>
</p><p><font>Os colonos tiveram sucessivas possibilidades de remir os terrenos colonizados, o que o Autor não fez, não sendo de admitir como intenção do legislador conferir-lhes ainda o direito de preferência, que não está expresso em qualquer norma legal;</font>
</p><p><font>As Rés só venderam o terreno por o Réu II se ter disposto a comprar uma área de 12 240 m2, pelo que nunca venderiam ao Autor apenas a parcela correspondente ao artigo 41/21 da Secção AM.</font>
</p><p><font>Por fim, deduziram pedido reconvencional, no sentido de, para o caso de se entender que o Autor foi colono da parcela de terreno em causa, ser declarado extinto o contrato de colonia que tenha existido, declarando-se eles, Réus contestantes, seus únicos e plenos proprietários, devendo o Autor ser condenado a reconhecê-los como tal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Autor replicou sustentando que, após a extinção dos contratos de colonia, estes passaram a reger-se pelas disposições respeitantes ao arrendamento rural, sendo conferido aos colonos o direito de remição, verdadeiro direito real de aquisição; na pendência do prazo para a remição e após o seu termo sem que esta tenha ocorrido, mantém-se uma situação de colonia que só por lei pode ser extinta; essas situações mantêm-se apenas com vista à consolidação da propriedade; o direito de preferência invocado baseia-se no art.º 28.º e seguintes da Lei n.º 385/88, de 25/10, sendo aplicáveis as normas dos art.ºs 416.º a 418.º e 1410.º do C. Civil; quanto ao objecto da preferência trata-se de uma parcela com autonomia física e fiscal que pode ser alienada separadamente, não resultando qualquer prejuízo para o prédio-mãe dado que a parcela se situa na extremidade da partilha.</font>
</p><p><font>Pugna, ainda, pela improcedência do pedido reconvencional por os direitos do Autor subsistirem após a extinção da colonia com vista à consolidação da propriedade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os Réus contestantes treplicaram, referindo que, se a intenção do Autor é preferir enquanto arrendatário, há que ter em conta que nunca pagou qualquer renda, nem o terreno foi mantido limpo, o que equivale a incumprimento do contrato.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os autos seguiram os seus trâmites e, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença, </font></b><font>em</font><b><font> </font></b><u><font>21/10/2011</font></u><font>, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, terminando com o seguinte dispositivo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>a. condeno os réus BB, CC, II e JJ, a reconhecer que o A AA é titular da propriedade incidente sobre uma porção de benfeitorias rústicas, com a área de 540 m2, inscrita na matriz cadastral sob o artigo 41/21 da Secção AM, localizada ao Sítio do ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar a Norte com KK e outros, Sul com a ..., Nascente com a Vereda e do Poente com LL e outros, implantadas sobre o respectivo terreno que é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ...;</font></i>
</p><p><i><font>b. absolver os réus dos demais pedidos formulados pelo A;</font></i>
</p><p><i><font>c. absolver o A do pedido reconvencional; </font></i>
</p><p><i><font>d. declarar parcialmente nulo o contrato de compra e venda a que alude o ponto 3. dos factos provados na parte referente à parcela de terra inscrita na matriz cadastral sob o artigo 41/21 da Secção AM, localizada ao Sítio do ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar a Norte com KK e outros, Sul com a ..., Nascente com a Vereda e do Poente com LL e outros, implantadas sobre o respectivo terreno que é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ....</font></i>
</p><p><i><font>Custas da acção a cargo de AA. e réus, na proporção de metade.</font></i>
</p><p><i><font>Custas da reconvenção a cargo dos réus.</font></i>
</p><p><i><font>Registe e notifique.” </font></i><font>(sic).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada com essa sentença, HH, em representação dos seus filhos menores, interpôs recurso de apelação, o qual foi apreciado e decidido por </font><b><font>acórdão</font></b><font> de </font><u><font>19/6/2018</font></u><font> do Tribunal da Relação de Lisboa que deliberou:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>a) declara-se que a sentença recorrida não é nula, e</font></i>
</p><p><i><font>b) revoga-se o segmento recorrido da sentença apelada e em sua substituição:</font></i>
</p><p><i><font>- declara-se extinta a situação de colonia na parcela de terreno identificada no presente processo, e</font></i>
</p><p><i><font>- declara-se integralmente válido o contrato de compra e venda do prédio rústico identificado no ponto 3.3. desta decisão do relator, celebrado dia 22/11/2005 por escritura pública outorgada no Cartório Notarial do Dr. MM, exarada de fls. 51 a 53, do livro 12-A, entre BB e CC, como vendedoras, e II e JJ, como compradores.</font></i>
</p><p><i><font>Custas pelo apelado AA</font></i><font>.” (sic) </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformado, desta feita, o Autor interpôs recurso de revista, que este Supremo Tribunal apreciou, por </font><b><u><font>acórdão</font></u></b><u><font> de 28/3/2019</font></u><font>, negando a mesma e confirmando o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ainda irresignado com esse acórdão, o Autor veio interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos dos art.ºs 688.º e seguintes do Código de Processo Civil, invocando, como fundamento, a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão deste Tribunal proferido no processo n.º 96B157, datado de 4 de Julho de 1996, tendo formulado as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><i><font>“1) Conforme decorre do Acórdão do STJ de 04.07.1996 - processo n.º 96B157, o artigo 1º/1 do D.L. n.º 47 937, de 15.09, ao proibir, para o futuro, a celebração de contratos de colonia, não só reconheceu a existência de tal instituto jurídico, como aceitou a validade dos contratos celebrados até à sua entrada, contratos que ficavam subordinados ao direito costumeiro e aos usos locais, sendo que a extinção do direito não produz efeitos de forma automática, pelo que quer na pendência dos respectivos prazos para o exercício da remição, quer após o decurso dos mesmos sem que aquela tenha sido exercida, ocorre, necessariamente e não obstante a sua abolição, uma situação de permanência de colonia a que só se poderá pôr termo por via legislativa.</font></i>
</p><p><i><font>2) Razão pela qual, dentro deste contexto, entendeu aquele aresto ser contrário à lei qualquer acto tendente à transmissão isolada aos referidos direitos reais mediante negócio jurídico inter vivos pois que, tal como se encontra salientado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, esses direitos, após a extinção de colonia, apenas subsistem com vista à prossecução da consolidação da propriedade, sendo que as situações preexistentes ficaram cristalizadas com este propósito, não existindo contudo, qualquer obstáculo legal a que os direitos do solo e do colono se transmitam por via hereditária (cfr. Ac. da RL, 31.10.2006, processo n.º 60/97/2006 – 7, </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>).</font></i>
</p><p><i><font>3) Ao Autor/Recorrente foi confirmada uma posse proveniente dos ascendentes numa relação de colonia, cujo início ocorreu no final da década de 60, pelo que o decidido em primeira instância não configura a criação e uma nova relação de colonia após a sua proibição para o futuro, mas apenas a confirmação de um contrato de colonia pré-existente.</font></i>
</p><p><i><font>4) São os próprios Réus que reconhecem a existência dos direitos do Apelado/Autor, e demais colonos, uma que adquirem e registam a aquisição do prédio rústico a seu favor como sendo colonizado, sendo que com a transmissão do solo onde se encontram estas benfeitorias a terceiras pessoas, como é o caso dos Recorridos/Réus identificados em 3) da P.I., ou seja, que não são colonos das benfeitorias implantadas naquela parcela, acaba-se por perpetuar a situação de colonia consistente na cisão da propriedade, quando o que o legislador pretende é exatamente o oposto – a consolidação da propriedade numa mesma pessoa (colono ou senhorio).</font></i>
</p><p><i><font>5) O que os Réus/Senhorios fizeram foi alienar, com recurso a uma escritura de compra e venda normal, todo o prédio rústico colonizado, ou seja, na prática, fizeram foi um negócio inter vivos em 22/11/2015, de um dos direitos emergente da colonia de forma isolada, operando uma mudança de senhorio, perpetuando desta forma o regime de colonia existente, situação proibida nos termos e com os fundamentos acima mencionados, o que levou o tribunal de primeira instância a declarar oficiosamente a nulidade parcial da escritura.</font></i>
</p><p><i><font>6) Por outro lado, o Acórdão recorrido, mais não fez que contrariar ostensivamente o decidido no Acórdão do STJ supracitado, invocando inclusive um acórdão do STJ de 24/06/2010, proferido no processo 592/03.2TCFUN.S1 – 7.ª Secção – Relator – Orlando Afonso, para fundar a sua tese, quando esta último até cita e preconiza o defendido naquele primeiro Acórdão.</font></i>
</p><p><i><font>7) O Acórdão recorrido ao declarar válida a escritura de compra e venda outorgada pelos Réus e declarar automaticamente extinto o contrato de colonia existente, violou o artigo 1º/1 do D.L. n.º 47 937, de 15.09, da Lei n.º 77/77, de 29.09 (Bases Gerais da Reforma Agrária) – cfr. artigo 55º/1, do Decreto Regional 13/77, de 18.10 (cfr. artigos 1º e 25º), incorrendo em erro de interpretação, aplicação e determinação da norma jurídica aplicável, e violou ainda os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.</font></i>
</p><p><i><font>8) Contrariam este último Acórdão recorrido as normas atinentes ao reconhecimento, regulação e extinção do Regime da Colonia na Madeira, uma vez que decorre das mesmas a intenção clara do legislador em proteger o Colono/Caseiro, em detrimento do senhorio.</font></i>
</p><p><i><font>9) A não assim seria de todo incompreensível que para efetuar Remição de Colonia por ambas as partes interessadas (Senhorio – Colono/Caseiro), tivesse sido conferido para o exercício de tal direito um prazo ao Colono em primeiro lugar, resultando daqui que o legislador deu primazia aos direitos do Colono.</font></i>
</p><p><i><font>10) A questão que dos autos decorre, bem como do Acórdão fundamento, é a de saber o que fazer nos casos em que nem o Caseiro (explorador direto da terra), nem o Senhorio (que muitas vezes não conhece sequer os imóveis em questão), não tenham exercido, no prazo legal concedido, o correspondente direito de Remição de Colonia???</font></i>
</p><p><i><font>11) A posição do Acórdão fundamento deste STJ de 1996, é, no ver do recorrente, perfeitamente equilibrada e conhecedora de todas as implicâncias que tal solução acarretava, sendo esta uma posição contendente com as normas legais atinentes à Colonia e não fere minimamente quaisquer ditames constitucionais, designadamente o apontado princípio da proporcionalidade.</font></i>
</p><p><i><font>12) Ao entender-se que nenhum dos direitos preexistentes se extinguiu, conforme decorre do Acórdão do STJ de 04.07.1996 - processo n.º 96B157, não está a admitir novos contratos de colonia para o futuro, mas está a proteger ambas as partes, sendo respeitador do Princípio da Igualdade, até porque se o Colono ou o senhorio não exerceram a remição de colonia no prazo concedido, não se compreende que se extinga, de forma automática, o direito do colono e não o direito do senhorio que não explora a terra diretamente???</font></i>
</p><p><i><font>13) Acresce que é sintomático o fato do legislador prever também um prazo para Remição da Colonia para o Senhorio, demonstrativo que não pretendia que se extinguisse automaticamente o contrato preexistente, e nem que o Senhorio ficasse dono da totalidade dos direitos existente, até porque se assim fosse entendido, bastava apenas prever um prazo para o Colono e depois nada dizer quanto ao Senhorio, que ficaria automaticamente dono da nua propriedade e das benfeitorias!!!</font></i>
</p><p><i><font>14) Não obstante a extinção legal da colonia, ainda subsistem na ilha da Madeira centenas de situações pendentes de Colonia, sendo em algumas delas são ainda outorgadas escrituras de remição Colonia (também designadas de escrituras de Remissão ou de compra e venda (nua propriedade) com justificação (das benfeitorias) entre os Senhorios e os Caseiros/Colonos, isto por forma e concretizar-se a extinção de colonia por via voluntária entre as partes interessadas.</font></i>
</p><p><i><font>15) Tal existência é atestada pelo fato de ainda permanecem nos diversos Serviços de Finanças da RAM os dois direitos (colono e senhorio) inscritos como colonizados, sendo que as diversas barras/colonias estão vulgarmente inscritas como ½ em nome do Senhorio e ½ em nome dos respetivos colonos, ou suas heranças, e desde os anos oitenta, até aos dias de hoje sujeita ao pagamento da contribuição autárquica, agora IMI, e pelo fato de nas Conservatórias do Registo Predial da RAM manterem constantes das respetivas descrições prediais os prédios rústicos sujeitos ao regime da Colonia como prédios rústicos colonizados.</font></i>
</p><p><i><font>16) Por último, temos ainda situações em que os direitos dos Colonos e Senhorios, até são pagos pelo Governo Regional, e pelas Câmaras Municipais, de forma separada/autónoma aquando das Expropriações efetuadas e, em regra, na proporção de metade do valor para cada, havendo até vários casos em que os Colonos recebem mais do que o Senhorio por via do grande valor das benfeitorias existentes.</font></i>
</p><p><i><font>17) O instituto da Colonia, apesar de ter sido extinto por via legislativa continua a existir ainda no tráfico jurídico, sendo inclusive objeto de inventários, ações de divisão de coisa comum, e tem grande relevo e impato na economia regional, e é expetável que seja novamente aprovada legislação que venha a resolver todos os casos ainda pendentes.</font></i>
</p><p><i><font>18) Reportando-se concretamente ao citado Decreto-Lei n.º 47 937, refere que a proibição, no seu artigo 1.º, n.º 1, de celebração de contratos de colonia, para o futuro, nada tira ao afirmado antes serve para reforçar a ideia de que o costume foi fonte de direitos reais – representa até um reconhecimento expresso por parte da lei.</font></i>
</p><p><i><font>19) Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 99., ilustram o que vimos a sustentar: – “Também o n.º 1 do artigo 1º do Decreto Lei n.º 47 937, de 15 de Setembro de 1967, declara “ficam proibidos, para o futuro, no arquipélago da Madeira, os contratos de colonia; os que se realizarem com este nome serão tidos como arrendamentos”. Ainda neste caso, arrendamento não representa a conversão do direito constituído em vínculo obrigacional. A colonia com o seu domínio não pode reconduzir-se a uma obrigação; é preciso que a lei intervenha a dizer como”.</font></i>
</p><p><i><font>20) A existência secular dessa figura e a conveniência de não afetar situações existentes nem os direitos adquiridos pelos interessados aconselham a manutenção e a eficácia, nos termos do direito vigente, dos contratos celebrados até esta data.</font></i>
</p><p><i><font>21) Resulta à saciedade que ambos os Acórdãos contemplam perspectivas diametralmente diferentes sobre o enquadramento do atual regime da Colonia.</font></i>
</p><p><i><font>22) O Acórdão fundamento é partidário de uma solução harmoniosa, e que vem sendo até defendida noutros Acórdãos do STJ (Acórdão do STJ supracitado, invocando inclusive um acórdão do STJ de 24/06/2010, proferido no processo 592/03.2TCFUN.S1 – 7.ª Secção – Relator – Orlando Afonso, e que até é citado no Acórdão recorrido), que contempla claramente ambos o interesses em discussão, não dando primazia a nenhum deles, não extinguindo automaticamente nenhum deles, e interpretando a legislação atinente à colonia (artigo 1º/1 do D.L. n.º 47 937, de 15.09, da Lei n.º 77/77, de 29.09 (Bases Gerais da Reforma Agrária) – cfr. artigo 55º/1, do Decreto Regional 13/77, de 18.10 (cfr. artigos 1º e 25º), e sendo conformes princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade.</font></i>
</p><p><i><font>23) O Acórdão recorrido, à semelhança do Acórdão da Relação, ao considerar a extinção automática do direito preexistente dos Autores/Colonos, ora recorrentes, sobre a parcela colonizada, viola frontalmente a legislação atinente à colonia acima mencionada, bem como o espírito que lhe está subjacente, pois que, sem qualquer explicação, extingue um direito de uma parte (colono – explorador direto da terra) em benefício de outra (Senhorio), que acaba por perdê-lo, sem o pagamento de qualquer quantia, em detrimento do senhorio, a quem foi conferido pelo Acórdão recorrido a plenitude do direito de propriedade sobre uma parcela de terreno que o mesmo não remiu no prazo legal ao Colono e, assim, por esta via, veio a conseguir uma remição “contra legem”, sem nada ter que pagar, violando-se deste modo os princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade.</font></i>
</p><p><i><font>24) Pelo que considera o Recorrente que deverá ser Uniformizada Jurisprudência que vá no exato sentido propugnado no Acórdão fundamento do STJ de 04.07.1996 - processo n.º 96B157, por esta ser a solução mais adequada à legislação da Colonia até então aprovada, e respeitar à realidade efetivamente vivida na RAM onde a Colonia ainda se encontra em vigor, sendo importante instituto na economia da RAM, com reflexos sobre a forma de exploração de grande parte dos terrenos da Ilha.</font></i>
</p><p><i><font>Nestes termos requer-se a Uniformização de Jurisprudência condizente com a orientação perfilhada no Acórdão do STJ de 04.07.1996 - processo n.º 96B157, devendo consequentemente, ser revogado o Acórdão recorrido nos termos do artigo 695º/2 do CPC, como é de perfeita,</font></i>
</p><p><i><font>JUSTIÇA!”</font></i>
</p><p><font>A recorrida </font><b><font>HH</font></b><font>, na qualidade de legal representante dos Réus </font><u><font>FF</font></u><font> e </font><u><font>GG</font></u><font>, apresentou resposta, concluindo no sentido de o recurso dever ser rejeitado por não existir a oposição que lhe serve de fundamento, ou, caso assim não se entenda, dever a jurisprudência uniformizadora ir no sentido do Acórdão recorrido, por ser o que melhor se compagina com os preceitos constitucionais e legais, os valores "justiça" e "segurança jurídica" e a jurisprudência mais recente, aduzindo, para o efeito, as seguintes </font><u><font>conclusões</font></u><font>:</font>
</p><p><i><font>«1) Nos termos do disposto no nº 1 artigo 688º do Código de processo Civil, “As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”;</font></i>
</p><p><i><font>2) O acórdão recorrido e os citados pelo recorrente não se movem no domínio da mesma legislação, nem versam sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo a respeito claramente sintomático que, ao contrário dos acórdãos alegadamente contrariados, o acórdão recorrido tenha selecionado contextos jurídicos que não contêm qualquer referência à legislação da colonia;</font></i>
</p><p><i><font>3) Efetivamente, os contextos normativos selecionados pelo acórdão recorrido, no domínio do Direito Civil, versam sobre RELAÇÕES JURÍDICAS/FACTOS JURÍDICOS / OBJECTO NEGOCIAL, NEGÓCIOS USUÁRIOS / REQUISITOS DO OBJECTO NEGOCIAL, e no plano constitucional sobre DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / FORÇA JURÍDICA / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS/DIREITO DE PROPRIEDADE PRIVADA”;</font></i>
</p><p><i><font>4) Coerentemente, pouco ou nada de relevante se encontra no sumário do acórdão recorrido que respeite à legislação da colonia, extinção da colonia e dos contratos de colonia, porque que na situação sub judice é outra a questão jurídica em causa, regulada por normas de Direito Civil sobre relações jurídicas, objeto negocial, requisitos do objeto negocial, e constitucionais, relativas aos direitos e deveres fundamentais, direito de propriedade privada e restrições a este direito;</font></i>
</p><p><i><font>5) O que verdadeiramente está em causa é o direito constitucional de propriedade, a sua transmissão em vida ou por morte e o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º da CRP que envolveria a restrição à sua transmissibilidade temporalmente ilimitada.</font></i>
</p><p><i><font>6) O acórdão citado pelo recorrente, proferido há 22 anos, como outros arestos jurisprudenciais atinentes à extinção da colonia, respeita a situações muito diversas da decidida pelo acórdão recorrido, pois que em todas elas se tratou de o benfeitor alienar as benfeitorias após a supressão legal do instituto da colonia e a extinção dos contratos de colonia existentes;</font></i>
</p><p><i><font>7) O acerto dessas decisões é inquestionável, pois extinta a natureza real do direito de colonia, não pode o benfeitor alienar o que a lei suprimiu, não se tratando de não poder dispor do que é seu, mas de não poder dispor do que não existe enquanto tal, sob pena de celebrar um negócio nulo, por impossibilidade legal do seu objeto (art. 280º do C. Civil);</font></i>
</p><p><i><font>8) Não pode ignorar-se que no contrato de colonia o direito do senhorio nunca foi igual ao do colono, já que aquele sempre foi e nunca deixou de ser um direito real, como tal, na disposição do seu titular, ao contrário do direito do colono, que perdeu a natureza real;</font></i>
</p><p><i><font>9) Na situação decidida pelo douto acórdão recorrido, está em causa a alienação de um direito real – o direito de propriedade - por parte de quem é titular deste direito, inexistindo norma constitucional ou legal que permita comprimi-lo;</font></i>
</p><p><i><font>10) Uma das faculdades fundamentais compreendidas no direito de propriedade é a de dispor da coisa sobre que recai, afigurando-se, como decidiu o acórdão recorrido, desproporcional, como tal violadora do princípio contido no artigo 18º CRP, a imposição da sua intransmissibilidade potencialmente ad eterno;</font></i>
</p><p><i><font>10) Ao contrário do pugnado pelo recorrente, o douto acórdão recorrido não viola qualquer norma atinente à colonia - que expressamente previu a extinção do instituto e dos contratos, assim como a sujeição das situações persistentes ao regime do arrendamento rural -, antes respeitando a lei e pautando-se razões de justiça segurança jurídica e desse modo os valores fundamentais do Direito;</font></i>
</p><p><i><font>11) Muito menos o douto aresto violou o princípio da igualdade em prejuízo do recorrido, não correspondendo à verdade que o benfeitor fique sem nada e a outra parte com tudo, pois que, para além de ter o direito de ser indemnizado pelas benfeitorias que haja realizado de boa fé, é o recorrente que há anos detém o domínio útil do prédio que dele retira todos os proveitos, enquanto os recorridos, que de nada dispõem, vão pagando os respetivos impostos;</font></i>
</p><p><i><font>12) A CRP e a lei já extinguiram o instituto da colonia e os contratos de colonia há mais de quatro décadas, o prazo concedido aos rendeiros para remir, após várias prorrogações já se esgotou há mais de 30 anos, e não é mesmo o equilíbrio das forças económicas que existia em 1977, altura em que o colono era considerado parte manifestamente mais fraca, devendo ter-se em conta o critério do artigo 9º, nº 1 do C. Civil, segundo o qual a interpretação deve ter em conta “as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”;</font></i>
</p><p><i><font>13) O contrato de compra e venda a que se referem os autos em nada contribuiu para perpetuar a colonia, sendo iguais as possibilidades de remição, antes e depois dele;</font></i>
</p><p><i><font>14) Não ocorre, assim, qualquer contradição entre o douto recorrido, jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, ou do Supremo Tribunal de Justiça, já que os acórdãos em causa versam sobre questões diversas, reguladas por legislação diversa;</font></i>
</p><p><i><font>15) Caso se entenda haver a alegada oposição – o que só por mera hipótese se admite -, a jurisprudência uniformizadora deverá ir no sentido do acórdão recorrido, por ser a solução que melhor se compagina com os preceitos constitucionais e legais e com os valores fundamentais do Direito – a justiça e a segurança jurídica.</font></i>
</p><p><i><font>16) Solução que também vai ao encontro de jurisprudência recente, versando sobre a alienação a quem não foi colono de terrenos que foram sujeitos ao regime de colonia, como é o caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 Dez. 2016, proferido no âmbito do Processo 343/14 (Jusnet, 8568/2016, também consultável em </font></i><i><font>www.dgsi.pt/jtrl.nsf/</font></i><i><font>), expressamente se consignou que “À data em que foi celebrado o contrato de compra e venda, nada impedia a senhoria de vender a terceiro o solo que havia estado em regime de colonia na Ilha da Madeira (…)”, podendo ainda ler-se o seguinte no respetivo sumário:“ (…) III – Seria perfeitamente ilógico, infundado e insensato que, numa decisão judicial proferida no ano de 2016, extinta que se encontra há muito – por imperativo constitucional - a anacrónica figura da colonia e a possibilidade de recurso aos meios processuais colocados nessa especial conjuntura à disposição dos interessados, vir declarar agora a invalidade da aquisição do imóvel, através de escritura pública, com o subsequente registo do direito de propriedade assim adquirido (…)”.</font></i>
</p><p><i><font>Termos em que deve o recurso ser rejeitado por não existir a oposição que lhe serve de fundamento, ou, caso assim se não entenda, deverá a jurisprudência uniformizadora ir no sentido do douto acórdão recorrido, por ser o que melhor se compagina com os preceitos constitucionais e legais, os valores “justiça” e “segurança jurídica” e a jurisprudência mais recente.</font></i>
</p><p><i><font>Com o que V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA!</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi admitido, liminarmente, por decisão proferida de fls. 101 a 123, por se reconhecer que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento indicado foram proferidos no domínio da mesma legislação e se entender que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito.</font>
</p><p><font>Consignou-se a propósito, depois de fazer uma transcrição das conclusões do recorrente, acima já transcritas, e uma referência à posição dos recorridos, também já referenciada, bem como aos vectores fundamentais da admissibilidade do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, decorrente do art.º 688.º do CPC, que também transcreveu, e, ainda, à situação decidida no acórdão recorrido, a que se aludiu supra, o seguinte:</font>
</p><p><font>«...</font>
</p><p><font>4.2.2. Fazendo agora incidir a nossa atenção sobre a acção e respectivos trâmites culminados com a prolação do Acórdão-fundamento, surge de referir, antes de mais, que, na mesma, os seus AA. reivindicaram dos RR. um prédio rústico sito em ..., Comarca do …, pedindo a condenação destes a pagar-lhes indemnização de montante a liquidar em execução de sentença. Posteriormente, os AA. ampliaram estes pedidos com o de condenação dos RR. a desfazerem as benfeitorias abusivas e de má fé introduzidas no terreno, à custa deles réus com restituição do terreno ao seu primitivo estado.</font>
</p><p><font>Os RR., por seu turno, contestaram e d | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jKCu4YBgYBz1XKvdBO- | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font> </font></b><br>
<font>1)</font><b><font> AA Lda </font></b><font>intentou a presente acção contra </font><b><font>BB - Distribuição de Energia, SA </font></b><font>e</font><b><font> CC </font></b><font>(chamado como</font><b><font> </font></b><font>interveniente principal), pedindo que que a R BB seja condenada a pagar-lhe o montante de € 300.000 (actualizado à data da decisão final, de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação), como indemnização pela afectação exclusiva de 2 lugares de estacionamento do parque que construiu ao abrigo do direito de superfície na ..., e pelo exercício da servidão da passagem para serviço e acesso à Subestação Eléctrica da concessão da R. Subsidiariamente, pediu a condenação do Município a pagar-lhe, na parte proporcional, a indemnização formulada contra a R BB pela redução do rendimento desse parque, resultante da diminuição da área que ficou impedida de explorar e demais prejuízos, caso se provasse que foi o chamado que promoveu e decidiu, em exclusivo ou em comparticipação, constituir servidão de acesso à subestação eléctrica da R BB, através do edifício da A, com ocupação permanente de uma parte deste.</font><br>
<font>Para tanto, a A alegou, em síntese:</font><br>
<font>- É dona de um parque subterrâneo que explora e por si construído horizontalmente em terreno do Município mediante acordo celebrado com este, tendo em vista 499 lugares de estacionamento; </font><br>
<font>- Tal construção contornou horizontalmente uma subestação eléctrica (SE) da R BB, lá instalada e afecta ao serviço público de distribuição de energia eléctrica, que foi salvaguardada pelo projecto de obra aprovado pela CC;</font><br>
<font>- No contrato de constituição do direito de superfície não constava que a obra da A ficasse onerada por qualquer servidão de passagem ou de estacionamento de veículos ou pessoas em benefício dessa SE e no projecto aprovado pela CC mantinha-se o acesso à mesma por vãos existentes na laje de cobertura, tipo alçapão; </font><br>
<font>- Na fase final da obra da A, a R BB submeteu a aprovação um projecto de alteração para abertura de acesso à SE através da cave -2, criando um novo acesso lateral, ao nível e através do piso -2, dotado de uma antecâmara, que implicava a anulação de um lugar de estacionamento; </font><br>
<font>- A A manifestou a sua concordância a essa alteração, condicionando-a ao ressarcimento pela ocupação do lugar de estacionamento, não tendo a R BB negado a legitimidade dessa sua pretensão; </font><br>
<font>- Para acesso e passagem para a SE a R BB acabou por afectar ao seu uso exclusivo dois lugares de estacionamento, por imposição das entidades que aprovaram a alteração; </font><br>
<font>- A R BB nunca comunicou a sua rejeição ou reserva à pretensão indemnizatória da A e, iniciada por esta a exploração do parque em 1-10-2001, a A interpelou a R para proceder ao pagamento da compensação monetária constante da proposta de protoloco de acordo, cujo pagamento a R recusou; </font><br>
<font>- Na sequência, a A propôs no Tribunal de ... a acção judicial nº 637/03.6TBBRG, reclamando da R o pagamento da referida compensação, a qual foi definitivamente julgada improcedente por não se ter provado que a R se tivesse obrigado a pagá-la, apesar de conhecer a intenção da A de que houvesse lugar a tal retribuição;</font><br>
<font>- A A intentou, então, acção de reivindicação (nº 1922/04.5TVLSB) contra a R BB, pedindo que esta fosse condenada a reconhecer o seu direito de propriedade dos 2 lugares de estacionamento por ela ocupados, com a consequente condenação a restituir-lhe os 2 lugares de estacionamento e a pagar-lhe a indemnização pelo dano resultante da ocupação, bem como a reconhecer que a sua edificação não se encontrava onerada por qualquer servidão de passagem em favor da subestação da R.</font>
<p><font>- A A invocou, ainda, na sua PI o acórdão deste STJ de 4-05-2010 [proferido no âmbito do referido processo 1922/04 (com cópia a fls. 86-101)], mediante o qual foi decidido julgar improcedentes os pedidos de restituição, de indemnização e de reconhecimento da inexistência de servidão de passagem, que a A aí formulara contra a R BB, ao abrigo do seu direito de superfície. </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>2) As RR contestaram, alegando que o novo acesso se tornou necessário naqueles moldes e foi construído antes do parque terminado e de iniciada a sua exploração, pelo que os 2 lugares nunca chegaram a existir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3) Depois de algumas tergiversações, a Sra. Juíza veio a proferir no saneador decisão sobre o mérito da causa, julgando esta acção improcedente e absolvendo as RR dos pedidos nela formulados pela A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4) A A interpôs apelação dessa sentença, que foi confirmada pela Relação de Lisboa por acórdão de que a A veio interpor recurso de revista, com fundamento em ofensa do caso julgado [art. 629º nº 2 a) do CPC </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>] e contradição com acórdão do STJ já transitado (art. 672º nº 1 c)].</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5) O Sr. Desembargador Relator, considerando verificada a dupla conformidade entre as decisões de ambas as instâncias, admitiu a revista excepcional. Porém, a Formação deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do art. 672º entendeu não ser relevante a questão da dupla conforme para o sistema especial de filtragem previsto no citado art. 629º nº 2 a), a hipótese dos autos, e que este prevalece sobre o sistema geral contido naquele art. 672º, pelo que decidiu não admitir a revista excepcional e determinar que os autos fossem distribuídos como recurso de revista normal. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6) Este Tribunal, mediante acórdão de 27-04-2017 (fls. 848-864), depois de considerar que a Relação confirmara, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão de 1ª instância, decidiu não tomar conhecimento do recurso de revista por não estar demonstrado o primeiro dos fundamentos em que a recorrente assentava a sua pretendida admissibilidade, a ofensa do caso julgado [art. 629º nº 2 a)], quanto à violação, quer da autoridade do caso julgado formado na revista nº 1922/04.5TVLSB, quer do alegado caso julgado formal advindo dos despachos de 8-05-2014 – complementado com o de 14/5 subsequente – e de 12-11-2014.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7) Na sequência, a recorrente veio requerer (fls. 871-880) a apreciação preliminar sumária da verificação do segundo pressuposto invocado (art. 672º) para o conhecimento do objecto do recurso, como revista excepcional. Deferida tal apreciação à Formação prevista no nº 3 do art. 672º, esta acolheu a pretensão formulada e decidiu admitir o recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672º nº 2 c), por entender haver contradição entre o acórdão da Relação recorrido e o acórdão do STJ, já transitado, de 5-05-2005 (p. 05B691). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8) A recorrente delimitou o objecto do recurso de revista com conclusões em que, para além da questão da violação do caso julgado, já definitivamente defrontada no antecedente acórdão de 27-04-2017, suscita as questões de saber se o acórdão recorrido sofre de nulidades por: </font>
</p><p><font>- Omissão de pronúncia sobre a questão de os factos julgados provados nas ações 637/03.6TBBRG e 1922/04.5TVLSB terem sido tidos por assentes nesta acção, com violação dos princípios que regulam a prova e sem julgamento ou qualquer análise crítica justificativa;</font>
</p><p><font>- Conhecimento de questão de que nele não se podia tomar conhecimento (considerando, em aditamento aos fundamentos da sentença, que a A, por transação, renunciara a ser indemnizada pelo Município).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Cumpre decidir.</font><br>
<font>Como é sabido e é entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, o âmbito do recurso, para além dos eventuais casos julgados formados nas instâncias, é confinado pelo objecto (pedido e causa de pedir) da acção, pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao impugnante e pela restrição feita pelo próprio recorrente, quer no requerimento de interposição, quer nas conclusões da alegação (art. 635º). Portanto, é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação da recorrente que se determinam as concretas questões controversas que importa resolver </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font><br>
<font>Nos termos do art. 615º, nº 1, d), a decisão é nula quando «</font><i><font>o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento</font></i><font>», ou seja, quando tenha incorrido, respectivamente, em omissão ou em excesso de pronúncia </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, sendo estes os vícios que a recorrente imputa ao acórdão da Relação.</font><br>
<font>As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.</font><br>
<font>Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. </font><br>
<font>Em suma, a previsão da citada al. d) prende-se com o incumprimento do dever (prescrito no art. 608º, nº 2) de resolver todas e apenas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font>
<p><font> </font>
</p><p><font>1. </font><u><font>A omissão de pronúncia</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Alega a recorrente que o acórdão recorrido sofre de nulidade por omissão de pronúncia porque, apesar de já em requerimento de 7-06-2014 ter prevenido que seria ilegal assentar o julgamento de direito desta ação nos factos julgados nas acções anteriores e de na apelação ter, por isso mesmo, impugnado a sentença (conclusões 13ª, 21ª e 22ª), o acórdão ora impugnado não conheceu dessa questão, manteve os factos julgados provados nas acções 637/03.6TBBRG e 1922104.5TVLSB e, baseando-se neles, reputou-os de fundamento para qualificar como “mera mudança de servidão” a abertura do novo acesso à SE da R BB no seu parque de estacionamento, quando, na ação 1922/04.5TVLSB, esses mesmos factos tinham levado o STJ a admitir (“em tese”) a abertura do novo acesso, o exercício do acesso à SE através do parque da A e a ocupação de 2 lugares de estacionamento como sendo a constituição de uma servidão administrativa, que passou a onerar a propriedade da edificação já então da A.</font>
</p><p><font>Uma vez que se considere não coberta pelo caso julgado essa ponderação sobre a qualificação da abertura do dito acesso como constituição de servidão administrativa – e, efectivamente, assim se decidiu no acórdão proferido nestes autos em 27-04-2017 –, pretende a recorrente que </font><u><font>os autos prossigam para instrução e julgamento da matéria de facto alegada</font></u><font> nos articulados nos artigos 5º a 8º, 10º a 26º e 79º a 87º da PI, 14º, 15º, 19º, 21º, 26º e 29º da contestação do Município e 45º a 49º da réplica à contestação da R, que importam ao reconhecimento de que a serventia realizada pela R corresponde à constituição de uma servidão administrativa, por expropriação de facto. </font>
</p><p><font>Com tais parâmetros, com que se apresentou nos autos a pretensão recursiva ora concretizada, constata-se que o acórdão da Relação, realmente, omitiu a pronúncia sobre a questão – logo suscitada na oposição deduzida pela recorrente (requerimento de 7-14-2014) – da selecção dos factos tidos por assentes nas precedentes acções (637/03.6TBBRG e 1922104.5TVLSB): no acórdão recorrido foi mantida a matéria de facto que se considerara provada em 1ª instância e com ela se concluiu que «</font><i><font>a mudança da servidão, por imposição da construção do parque de estacionamento subterrâneo e das obras de requalificação da Praça da Figueira</font></i><font>», não confere à A o direito à pretendida indemnização.</font>
</p><p><font>Essa questão fora ressuscitada na apelação (conclusões 11ª, 13ª, 21ª e 22ª), invocando a apelante, em relação a parte de tais factos, inexactidão e contradições com alguns dos alegados nesta acção </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font> e rejeitando a autoridade do caso julgado sobre os factos. E, se no acórdão recorrido nada consta, explicitamente, sobre essa questão, também não é possível concluir que a mesma tenha sido implicitamente ponderada e decidida.</font>
</p><p><font>Com efeito, por um lado, não tendo havido, em qualquer das instâncias, julgamento sobre a matéria de facto, não poderia uma putativa decisão implícita ser encarada como tendo sido fundamentada na eficácia extraprocessual das provas produzidas nos anteriores processos, ao abrigo do princípio consagrado no art. 421º, nº 1, com a interpretação que lhe ofereceu o acórdão deste Tribunal de 5-05-2005 </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, em que a Formação prevista no nº 3 do art. 672º se estribou para admitir o recurso de revista excepcional, por entender haver contradição entre o mesmo e o acórdão recorrido. De todo o modo, ainda que se pudesse configurar ter havido uma pronúncia implícita com tal alcance, subsistiria a omissão de pronúncia da Relação sobre a questão da invocada violação dos princípios que regulam a prova, em que teria incorrido a decisão de 1ª instância – e, por consequência, também a da Relação –, dado não ter havido julgamento ou qualquer análise crítica justificativa dessa opção.</font>
</p><p><font>Por outro lado, também não é concebível uma decisão, também necessariamente meramente implícita, fundamentada na autoridade do caso julgado, com que se pretendesse evitar a contradição de julgados, perante a existência de anteriores decisões, em concreto, potencialmente incompatíveis, o que pressuporia a decisão (transitada) de determinadas questões que já não poderiam agora voltar a ser discutidas.</font>
</p><p><font>É certo que, como já exposto no anterior acórdão de 27-04-2017, entendemos que os considerandos decisórios conducentes ao dispositivo de decisão proferida numa anterior acção poderão estar, ou não, abrangidos pelo caso julgado material, consoante o sentido e o alcance que a interpretação de tal decisão lhes fixe, a qual aferirá da eficácia do caso julgado, dela excluindo os julgamentos sobre questões de facto e de direito por ela não abarcados, ainda que integrem os fundamentos de tal decisão. </font>
</p><p><font>Como então se disse, a força de “</font><i><font>res judicata”</font></i><font> é conferida ao conteúdo da decisão sobre as questões ou pretensões suscitadas e às respectivas premissas, se absolutamente determinantes, o que significa que o tribunal está vinculado na acção subsequente a tudo o que esteja coberto pela autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na causa anterior. A força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. Assim, os fundamentos da anterior decisão podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado,</font><font> </font><font>em prol da economia processual, do prestígio dos tribunais e da estabilidade e certeza das relações jurídicas, sendo entendido sistematicamente pela jurisprudência que, uma vez assente a identidade subjectiva e sendo o objecto do processo anterior parcialmente idêntico ou conexo com o do posterior, a força obrigatória do caso julgado naquele formado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>E por assim ser, à luz dos enunciados considerandos, sempre faltaria ao acórdão recorrido – e, afinal, também ao decidido em 1ª instância – a explícita justificação da transposição para esta acção dos factos julgados provados nas ações anteriormente julgadas, designadamente em detrimento dos aqui alegados, precedida de uma análise crítica sobre cada um de tais fundamentos, sem a qual ficou, pois, sem se saber se os mesmos teriam sido reputados de antecedentes lógicos, indispensáveis à emissão da parte dispositiva dos anteriores julgados.</font>
</p><p><font>Por fim, contrariamente ao afirmado na parte final do acórdão recorrido, não pode ter-se por prejudicado o conhecimento explícito da questão, suscitada pela apelante, da violação dos princípios que regulam a prova resultante da transposição dos factos tidos por provados nas anteriores acções porque assentou, justamente, nessa factualidade a pronúncia da Relação com que concluiu que «</font><i><font>a mudança da servidão</font></i><font>» não conferiria à A o direito à pretendida indemnização.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Porém, apesar de proceder a nulidade arguida pela ora recorrente, designadamente em relação à decisão de 1ª instância, os autos terão de ser devolvidos à Relação porque só esse Tribunal poderá conhecer do objecto da apelação na parte correspondente, em observância ao disposto nos artigos 665º nº 1, e este Tribunal não pode fazê-lo quanto ao acórdão recorrido, perante a ressalva cominada pelo art. 679º.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. </font><u><font>Excesso de pronúncia</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Entende a recorrente que a Relação teria conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, ao considerar, em aditamento aos fundamentos da sentença, que a A, por transação, renunciara a ser indemnizada pelo Município, quando a questão do pagamento da obra “da saída de emergência” não é objecto desta ação.</font>
</p><p><font>Neste ponto a recorrente não tem razão. </font>
</p><p><font>Não releva para o efeito do vício formal em apreciação se, como se disse, o argumento utilizado pela Relação e ora visado no recurso é fruto do erro de julgamento, que recorrente também lhe assaca. Posto isto, o certo é que, perscrutado o raciocínio lógico da decisão recorrida, imediatamente se constata que o mesmo não importaria uma efectiva vinculação das partes, pois apenas emerge nessa retórica para a completar, em jeito de </font><i><font>obiter dictum</font></i><font>, não desempenhando um papel verdadeiramente fundamental na formação do julgado, antes acompanhando, acessoriamente, a </font><i><font>ratio decidendi</font></i><font>, pelo que, neste caso, a supressão de tal excerto – aliás, meramente argumentativo – não prejudicaria o comando da decisão, mantendo-a inabalada, se outras razões não ocorressem.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos estritos termos expendidos, procede o recurso.</font></p><div><font>*</font></div><u><font>Síntese conclusiva</font></u><font>.</font>
<p><font>1. Na medida em que a decisão da Relação sobre o (não) reconhecimento à A do direito à pretendida indemnização assentou na factualidade resultante da transposição dos factos tidos por provados em duas anteriores acções, não pode ter-se por prejudicado o conhecimento explícito da questão, suscitada pela apelante, da violação dos princípios que regulam a prova, concretizada nessa transposição, porque, sem que tenha havido, em qualquer das instâncias, julgamento sobre a matéria de facto, não poderia uma putativa decisão implícita ser encarada como tendo sido fundamentada na eficácia extraprocessual das provas produzidas nos anteriores processos, ao abrigo do princípio consagrado no art. 421º, nº 1, do CPC.</font>
</p><p><font>2. E também não é concebível uma decisão, também meramente implícita, fundamentada na autoridade do caso julgado, porque a mesma dependeria da, necessariamente explícita, análise crítica sobre cada um de tais fundamentos da decisão, de que emergisse a justificação da transposição dos que fossem reputados de antecedentes lógicos, indispensáveis à emissão da parte dispositiva dos anteriores julgados.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<u><font>Decisão</font></u><br>
<font>Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, por consequência, decide-se anular o acórdão recorrido e determinar a devolução dos autos ao Tribunal da Relação para que, nos termos acima indicados, conheça do objecto da apelação na parte correspondente à arguida omissão de pronúncia quanto à questão de o julgamento de direito assentar nos factos julgados nas acções anteriormente julgadas (637/03.6TBBRG e 1922104.5TVLSB).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas deste recurso pela parte vencida a final. </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
<p><font>Lisboa, 17/10/2017</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alexandre Reis</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lima Gonçalves</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas (com declaração de voto) *</font><br>
<b><font>--------------</font></b>
</p><p><a><u><font>[1]</font></u></a><sup><font> </font></sup><font>Código a que pertencem todas as normas que se citarem sem indicação da respectiva fonte.</font><br>
<a><font>[2]</font></a><font> Por outro lado, os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso.</font><br>
<a><font>[3]</font></a><font> Esta nulidade, em directa conexão com o comando ínsito no art. 608º, só se verifica quando o tribunal não se ocupa das questões suscitadas ou se ocupa de questões cuja apreciação não lhe foi colocada. A expressão «questões», que se prende, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, de modo algum se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.</font>
</p><p><a><font>[4]</font></a><font> Como escreve Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 220 e s), está em causa «o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (artº 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões».</font>
</p><p><a><font>[5]</font></a><font> Segundo alega a recorrente, além de se verificar alguma contradição entre os factos de cada uma das ações, a CC não foi parte na ação de 2003 e na presente ação adotou uma posição contraditória com a dos factos mais relevantes para a qualificação da servidão constituída (exemplo dos artºs 14º, 15º e 21º da sua Contestação e Doc. 2 junto à mesma (o novo acesso não foi determinado pela A nem pela CC, antes foi determinado e promovido pela R e a Câmara não se responsabilizou nem assumido resolver com a A eventuais alterações consequentes da oneração do parque com o novo acesso).</font><br>
<a><font>[6]</font></a><font> P. 05B691 - Araújo Barros.</font><br>
<a><font>[7]</font></a><font> Realmente, a título de mero exemplo, se uma acção de reivindicação for julgada improcedente por nela se ter provado uma factualidade que permita concluir ter sido cedido o gozo da coisa reivindicada mediante o pagamento de uma renda, não faria sentido que, entre as mesmas partes, numa posterior acção, por hipótese de despejo, se possa ter como controversa tal factualidade. </font><br>
<a><font>[8]</font></a><font> Entendimento que a própria recorrente parece subscrever nesta revista (cf., nomeadamente, conclusão 24ª).<br>
</font><br>
<font>--------------------</font><br>
</p><div><b><u><font>*</font></u></b>
<p><b><u><font> Declaração de voto</font></u></b></p></div><br>
<font>Os autos foram distribuídos/remetidos ao Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, na sequência do despacho do M.º Desembargador relator na Apelação (fls. 812).</font>
<p><font>Este Magistrado reafirmou a competência do STJ (… última palavra…” – fls. 816) ao indeferir uma arguição de nulidades.</font>
</p><p><font>O Colégio do n.º 3 do artigo 672.º, ao qual </font><u><font>compete tão somente</font></u><font>, admitir ou não a revista excepcional, se colocado perante uma situação de dupla conformidade – pressuposto da sua competência – se verificar qualquer dos pressupostos elencados no n.º 1 daquele preceito.</font>
</p><p><font>Aqui, e em sede do seu julgamento (fls. 836-838) concluiu: “não admitir a revista excepcional; determinar a distribuição dos autos como revista normal”.</font>
</p><p><font>Cumprindo tal deliberação os autos </font><u><font>foram distribuídos e julgados como revista-regra</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Tendo o respectivo Acórdão (fls. 848-864) julgado a revista esgotaram-se os poderes jurisdicionais deste Colectivo, nos termos, e salvo as excepções, do artigo 613.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Daí que, não tendo sido arguidas nulidades nem pedida a rectificação de erros materiais pu a reforma da deliberação, a revista ficasse </font><u><font>definitivamente julgada</font></u><font>.</font>
</p><p><font>E o aresto final só poderia ser posto em causa naqueles termos, ou pela via dos recursos dos artigos 688.º ss, 696.º ss CPC ou para o Tribunal Constitucional, se verificados os respectivos requisitos.</font>
</p><p><font>O que não se pode é fazer voltar o processo ao Colectivo/Formação para determinar a prolação de novo Acórdão, para “redistribuição do recurso como revista excepcional”, nuclearmente porque:</font>
</p><p><font>— A intervenção do conclave do n.º 3 do artigo 672.º só é possível no início do processo e a respectiva deliberação equivale a despacho liminar de admissão do recurso, o qual só não seria admissível pelo escolho do n.º 3 do artigo 671.º CPC;</font>
</p><p><font>— Se aquele Colectivo já declarou “não admitir a revista excepcional” e determinou “a distribuição dos autos como revista normal”, esgotou o seu poder jurisdicional e fixou-se esse juízo como caso julgado formal, nos termos do n.º 1 do artigo 620.º CPC;</font>
</p><p><font>— Mostrando-se julgada a revista-regra não podem vir invocar-se requisitos da revista excepcional, já que esta só releva se aquela não é, desde logo, admissível.</font>
</p><p><font>— A assim não ser, estaríamos perante uma “never ending story” com sucessivos Acórdãos voltando os autos à Formação, após a prolação de cada Acórdão a julgar a revista, com o fundamento na não apreciação por aquele órgão de um dos requisitos.</font>
</p><p><font>— Ademais, no seu primeiro Acórdão (fls. 836-838) a Formação declinou a sua competência para julgar (“… De qualquer modo, por não se por a questão da revista excepcional, é uma questão que está fora da competência da Formação. Assim, a apreciação da admissibilidade do recurso pertence apenas ao Exm.º Relator.”)</font>
</p><p><font>— Ora se entendia não ser competente, como é possível vir depois, nos mesmos autos e com os mesmos elementos assumir o julgamento?!</font>
</p><p><font>— Não se olvide – o que parece ter aqui acontecido – a precedência do cumprimento de decisões contraditórias, constante do artigo 625.º CPC.</font>
</p><p><font>— Uma vez admitida a revista-regra, não há que referir, ou considerar a revista excepcional, pois o que com esta se pretende é que o STJ julgue o recurso nos termos, e limites, das conclusões da alegação.</font>
</p><p><font>Em consequência, fico vencido, devendo subsistir, tal e qual, o Acórdão deste Colectivo.</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas</font>
</p></font><p><font><font>---------------------------------</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PzLPu4YBgYBz1XKv70Hb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, Banco AA, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra BB e CC, pediu que, com a procedência da acção, sejam os Réus condenados, solidariamente entre si, a pagar ao Autor a importância de € 16.952,80, acrescida de € 897,39 de juros vencidos até ao presente – 29 de Novembro de 2002 – e de € 35,90 de imposto de selo sobre estes juros e, ainda, os juros que, sobre a dita quantia de € 16.952,80, se vencerem, à taxa anual de 17,89%, desde 30 de Novembro de 2002 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.</font><br>
<br>
<font> Para fundamentar a sua pretensão, invoca um contrato de mútuo que celebrou com o Réu, a fiança prestada pela Ré e o não pagamento das prestações a que estavam vinculados.</font><br>
<br>
<font> Contestou apenas o Réu, defendendo a invalidade do contrato de mútuo em causa nos autos e que se condene o Réu a restituir ao Autor apenas a importância de € 5.055,06, ou, caso assim não se entenda, que seja tido por improcedente o pedido do Autor na parte em que considera vencidas todas as prestações contratuais, não distinguindo a parte de capital da parte de juros.</font><br>
<br>
<font> Houve réplica. </font><br>
<br>
<font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada procedente e provada, condenando-se os Réus a pagar solidariamente ao Autor a quantia de € 16.952,80, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 18,87 % sobre este montante até integral pagamento, que, em 29.11.2002, ascendiam a € 897,39, além do imposto de selo, que for devido à data do pagamento, sobre o montante dos juros.</font><br>
<br>
<font>Após recurso do Réu, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão a julgar improcedente a apelação e, em consequência, a confirmar a sentença impugnada.</font><br>
<br>
<font> Interposto pelo Réu recurso de revista para este STJ e apresentadas alegações, onde o recorrente arguiu a nulidade do acórdão, foi proferido o acórdão de fls. 334 a 336, onde se decidiu, atento o disposto nos artigos 668º, nºs 1, a), 3 e 4, e 744º do CPC, anular o acórdão proferido com vista ao conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, após o que veio a ser proferido o novo acórdão de fls. 346 a 356, no mesmo sentido do anterior.</font><br>
<br>
<font> Novamente recorreu o Réu, tendo a revista sido admitida.</font><br>
<br>
<font> O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões que podemos sintetizar da seguinte forma:</font><br>
<font> 1ª - Deverão ser consideradas excluídas do contrato de crédito </font><i><font>sub judice</font></i><font> as cláusulas denominadas “condições gerais”, porquanto as mesmas têm inserção física no verso do contrato, sendo que as assinaturas das partes constam da respectiva frente e nesta não existe qualquer remissão ou indicação clara da existência de outras cláusulas para além daquelas que estão sobre as ditas assinaturas.</font><br>
<font> 2ª - Ao serem consideradas excluídas do contrato de crédito as referidas “condições gerais”, o contrato deverá ser considerado nulo por omitir: 1) as condições de reembolso do crédito; 2) a possibilidade de exercício do direito de cumprimento antecipado do contrato e o método de cálculo da correspondente redução do custo do crédito; e 3) o período de reflexão dentro do qual o consumidor pode revogar a declaração negocial relativa à celebração do contrato de crédito.</font><br>
<font> 3ª- Pelos mesmos motivos expostos nas conclusões anteriores, deverá ser considerada excluída do contrato de crédito a “condição geral” identificada como cláusula penal.</font><br>
<font> 4ª- O contrato deverá igualmente ser considerado nulo por omitir as condições em que a TAEG pode ser alterada.</font><br>
<font> 5ª- Deverá ser considerado como não provado que ao Recorrente foi enviado algum formulário ou minuta de declaração de revogação do contrato de crédito, previsto no art. 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, contrariamente ao constante da matéria de facto dada como provada.</font><br>
<font> 6ª- A consequência da manifesta não prova do envio de anexo contendo formulário para revogação é a anulabilidade do contrato de crédito, por identidade de razão com o disposto no art. 7º, nº 2, por remissão para a alínea f) do nº 2 do art. 6º, ambos do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro.</font><br>
<font> 7ª - Para o caso de improceder tudo quanto foi exposto – e se considerarem válidas as cláusulas contratuais, mesmas as constantes do verso –, deverá ser considerado não fundamentado e ilegal o valor da dívida apurada na sentença objecto de recurso, porquanto o Recorrido, a ser tida como boa essa decisão judicial, ficaria com as vantagens decorrentes do (a) vencimento imediato do capital, mais (b) o vencimento de todos os juros remuneratórios como se fossem valores fraccionados de uma prestação de capital e ainda vai obter ganho que resulta da aplicação sobre este montante (a+b) de juros moratórios à contratualmente definida; ou seja, ficaria duplamente beneficiado: não só receberia imediatamente o capital e os juros remuneratórios que fossem devidos, como podia ainda aplicar desde logo o capital auferindo mais juros.</font><br>
<font> 8ª - Um declarante comum nunca interpretaria uma cláusula que determina que “a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes” como, em caso de incumprimento, seriam devidas as prestações com o montante de juros incluído.</font><br>
<font> 9ª - No que respeita aos juros remuneratórios, não se aplica o disposto no art. 781º do Código Civil, pois o caso não é de uma obrigação de prestação fraccionada, mas uma obrigação duradoura, cuja nota característica é a de o tempo exercer influência no seu montante, ou seja, o juro varia em função do tempo de pagamento do capital.</font><br>
<font> 10ª - Assim, os juros a que o Recorrido tem direito são os juros correspondentes ao período de tempo do capital que eles se destinam a amortizar, não são os juros destinados a amortizar as outras prestações de capital que apenas se venceram antecipadamente por não ter sido paga uma das anteriores prestações fraccionadas do capital mutuado.</font><br>
<font> 11ª - No que concerne à capitalização dos juros, esta não é permitida se o período de tempo a que os juros respeitam for de um mês, pois, assim procedendo, o Recorrido desrespeita o disposto no nº 6 do art. 5º do Decreto-Lei nº 344/78, na sua redacção actual.</font><br>
<font> 12ª - Não há, neste momento, nos autos elementos suficientes que permitam determinar com rigor e exactidão qual o montante efectivamente em dívida (no caso de validade do contrato de crédito), pelo que o respectivo apuramento apenas poderá ser efectuado em sede de liquidação de sentença.</font><br>
<font> Contra-alegou o recorrido, pugnando pela confirmação do acórdão impugnado. </font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font>II – Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1. O Autor, no exercício da sua actividade comercial, com destino, segundo informação então prestada pelo Réu, à aquisição de um veículo automóvel da marca Citroen, modelo Xsara Picasso 1.6, com a matrícula 00-00-PL, por contrato constante de escrito denominado “Contrato de Mútuo”, datado de 30.04.2001, emprestou ao dito Réu a quantia de 3.750.000$00 (€ 18.704,92).</font><br>
<font>2. Nos termos do contrato assim celebrado entre o Autor e o Réu, aquele emprestou a este a dita importância de 3.750.000$00 com juros à taxa nominal anual de 13,89 %, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como o prémio do seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 72 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento da 1ª em 30.05.2001 e as seguintes no dia 30 dos meses subsequentes.</font><br>
<font>3. De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada prestação deveria ser paga, conforme ordem irrevogável, logo dada pelo Réu ao seu banco, mediante transferências bancárias a efectuar aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pelo Autor.</font><br>
<font>4. Das Condições Gerais do Contrato, que se encontram no verso do mesmo, consta da alínea b) da cláusula 8ª que “A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”.</font><br>
<font>5. Da alínea c) da mesma cláusula 8ª consta: “Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora”.</font><br>
<font>6. O Autor é uma instituição de crédito.</font><br>
<font>7. O Réu, das prestações referidas, não pagou a 10ª e as seguintes (exceptuada a 13ª), vencida a primeira em 28.02.2002.</font><br>
<font>8. O Réu não providenciou pelas transferências bancárias referidas, que não foram feitas, para pagamento das ditas prestações, nem o Réu, ou quem quer que fosse por ele, as pagou ao Autor.</font><br>
<font>9. O valor de cada prestação era de 79.425$00 (ao presente, € 396,17).</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>10. Instado pelo Autor para pagar a importância assim em débito e juros respectivos, bem como o imposto de selo incidente sobre esses juros, o Réu fez entrega ao Autor do dito veículo automóvel 00-00-PL, para que o Autor diligenciasse proceder à respectiva venda, creditasse o valor que por essa venda obtivesse por conta do que o Réu lhe devesse e ficando este Réu de pagar ao Autor o saldo que se viesse a verificar, então, em débito.</font><br>
<font>11. Em 13.08.2002, o Réu, por intermédio do Autor, procedeu à venda do veículo referido, pelo preço de € 9.688,16, tendo o Autor, conforme o acordado com o Réu, ficado para si com a dita quantia de € 9.688,16, por conta das importâncias que o Réu então lhe devia.</font><br>
<font>12. Apesar de instado a pagar ao Autor o que este dizia ser-lhe devido, o Réu não efectuou qualquer pagamento, após o acima descrito (recebimento de € 9.688,16 da venda do veículo).</font><br>
<font>13. A Ré CC assumiu, por termo de fiança, também datado de 30.04.2001, perante o Autor, a responsabilidade de fiadora solidária, ou seja, fiadora e principal pagadora, por todas as obrigações assumidas no contrato referido pelo Réu BB para com o Autor.</font><br>
<font>14. A T.A.E.G. – taxa anual de encargos efectiva global – encontra-se indicada expressamente no contrato de mútuo dos autos, mais precisa e concretamente, nas condições de financiamento ínsitas nas condições específicas desse mesmo contrato, sob a designação TAEG .... 15,97%.</font><br>
<font>15. O constante da alínea b) do artigo 5º das Condições Gerais do Contrato – “Os juros serão contados dia a dia sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida”.</font><br>
<font>16. O constante da cláusula 4ª das Condições Gerais do Contrato – “Reembolsos e Pagamentos”: “a) O empréstimo será reembolsado em prestações mensais, iguais e sucessivas, cujo número, valor e datas de vencimento se encontram estabelecidas nas Condições Específicas. b) A menos que o Banco AA opte por outro meio, todos os pagamentos previstos neste contrato a realizar pelo Mutuário serão efectuados por transferência de uma conta aberta por este, junto de uma instituição de crédito, para outra conta de que o Banco AA seja titular, junto da mesma ou de outra instituição de crédito. O Mutuário, em documento contratual autónomo que identifica as contas acima referidas, instruirá a instituição de crédito junto da qual manterá a dita conta para transferir para a conta do Banco AA os montantes previstos neste contrato nas datas nele previstas. c) No valor das prestações, além do capital, estão incluídos os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguros a que se refere a cláusula 15 destas Condições Gerais”.</font><br>
<font>17. O constante da cláusula 7ª das Condições Gerais do Contrato – “Cumprimento Antecipado”: “a) O Mutuário poderá cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o presente contrato, sendo-lhe, em tal caso, calculado o valor do pagamento antecipado do montante em dívida com base numa taxa de actualização que corresponderá à percentagem de 90% da taxa de juro contratual. b) Caso o Mutuário cumpra antecipadamente o presente contrato durante a primeira quarta parte do prazo inicialmente previsto, pagar ao Banco AA juros e outros encargos contados à taxa de juro contratual e correspondentes à primeira quarta parte do prazo inicialmente previsto. c) Querendo o Mutuário efectuar o cumprimento antecipado, deverá do facto, mediante carta registada expedida com aviso de recepção, avisar o Banco AA com, pelo menos, quinze dias de antecedência”.</font><br>
<font>18. O constante da cláusula 10ª das Condições Gerais do Contrato – “Período de Reflexão”: “a) O presente contrato só se torna eficaz se o Mutuário não o revogar no prazo de sete dias úteis a contar da data da sua assinatura. b) Para efeitos da revogação referida na alínea anterior o Mutuário deverá enviar, no prazo referido, ao Banco AA, sob registo e com aviso de recepção, uma declaração conforme a minuta que, nos termos legais, se anexa, ou no mesmo prazo fazer notificar o Banco AA, por qualquer outro meio, de declaração idêntica. c) Caso o Mutuário tenha já recebido o bem mencionado nas Condições Específicas, poderá, nos termos da lei, renunciar ao período de reflexão”.</font><br>
<font>19. O Réu, quando assinou o contrato denominado Contrato de Mútuo, de que se encontra fotocópia a fls. 10 e 10vº dos autos, já este continha todas as palavras impressas que hoje apresenta, nomeadamente as expressões “É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e Gerais seguintes”, encontrando-se as “Condições Específicas” no rosto do contrato e as “Condições Gerais” no verso, sendo nestas que, sob o nº 8, está incluída a “Cláusula Penal”, encontrando-se a assinatura do Réu na última linha do rosto.</font><br>
<font>20. O Autor, após ter aposto a sua assinatura de representante seu no contrato que lhe foi enviado pelo fornecedor, já devidamente assinado pelo Réu, enviou ao Réu uma cópia, ou exemplar, completa do referido contrato de mútuo e, também, o formulário ou minuta de declaração de revogação.</font><br>
<font>21. Aquando da assinatura pelo Réu do contrato de mútuo dos autos, já o mesmo se encontrava integralmente impresso, tendo havido acordo prévio entre o Réu e o fornecedor quanto ao contrato de compra e venda do veículo e obtenção de financiamento para o pagamento do preço através do contrato de mútuo dos autos.</font><br>
<font>22. O Autor estava à disposição do Réu para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que este reputasse necessários, quer anteriormente a este subscrever o contrato referido nos autos, quer posteriormente.</font><br>
<font>23. O Réu não solicitou ao Autor que este lhe prestasse qualquer informação ou esclarecimento suplementar anteriormente à aposição da sua assinatura no contrato dos autos, ou sequer posteriormente. </font><br>
<font> </font><br>
<font> III – 1. Uma das questões suscitadas pelo recorrente prende-se com a matéria de facto.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Insiste ele em impugnar tal matéria, pretendendo que se considere que não foi provado que lhe foi enviado formulário ou minuta de declaração de revogação do contrato de crédito.</font><br>
<br>
<font> A Relação já demonstrou, no acórdão ora recorrido, que lhe não assiste razão, pelo que deverá manter-se que lhe foi remetido tal formulário ou minuta.</font><br>
<br>
<font> Segundo o nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil (CPC), “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.</font><br>
<br>
<font> “Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado” e “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artigo 722º” – nºs 1 e 2 do artigo 729º do mesmo diploma.</font><br>
<br>
<font> Não se invocando – e, aliás, não ocorrendo – aqui qualquer das situações excepcionais referidas na parte final do citado nº 2 do artigo 722º, não pode este STJ pronunciar-se sobre esta questão, a qual não se inclui nos seus poderes de cognição, como até decorre do disposto no nº 6 do artigo 712º do mesmo Código, onde se estabelece que “Das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.</font><br>
<font> Considera-se, assim, definitivamente assente a matéria de facto acima enunciada.</font><br>
<br>
<font>2. As demais questões suscitadas na presente revista foram já colocadas aquando da apelação interposta da decisão proferida na 1ª instância.</font><br>
<font> Contudo, o acórdão recorrido limitou-se a remeter para tal decisão, nos termos do nº 5 do artigo 713º do CPC.</font><br>
<br>
<font> Vejamos, então, o que consta da sentença oportunamente proferida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>No tocante à problemática da validade ou nulidade do contrato de mútuo aqui em causa, escreveu o Senhor Juiz, depois de referir que a T.A.E.G. consta expressamente do contrato de mútuo, no que às Condições Específicas diz respeito, o seguinte:</font><br>
<font>“E, sendo esta calculada no momento da celebração do contrato, não há que proceder à sua alteração, do que resulta a desnecessidade das condições da sua alteração, o que implica a não aplicabilidade do disposto no artigo 6º, 2, c), do D. L. nº 359/91, de 21-9.</font><br>
<font>Do contrato constam as condições de reembolso do crédito e de cumprimento antecipado por parte do R. e método de cálculo da correspondente redução do custo.</font><br>
<font>Não houve omissão quanto à indicação do período de reflexão dentro do qual o R. tinha a possibilidade de revogar a sua declaração negocial relativa à celebração do contrato de mútuo, sendo-lhe fornecido o respectivo formulário.</font><br>
<font>Não se verifica, assim, qualquer das situações invocadas pelo R. como previstas no mencionado D. L. nº 359/91.</font><br>
<font>No que concerne à previsão aludida pelo R. e constante do artigo 8º. d), do D. L. nº 446/85, de 25-10, começarei por referir que foi dado como provado quanto ao artigo 22º da Contestação – “o R., quando assinou o contrato denominado Contrato de Mútuo, de que se encontra fotocópia a fls. 10 e 10vº dos autos, já este continha todas as palavras impressas que hoje apresenta, nomeadamente as expressões “É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições específicas e Gerais seguintes:”, encontrando-se as “Condições Específicas” no rosto do contrato e as “Condições Gerais” no verso, sendo nestas que, sob o nº 8 está incluída a “Cláusula Penal”, encontrando-se a assinatura do R. na última linha do rosto”.</font><br>
<font>Daqui resulta, de forma inequívoca, que as cláusulas gerais têm de ser consideradas como integradas no contrato, antes da assinatura do R., por a elas ser feita referência e haver a declaração de aceitação antes da própria assinatura do R., não podendo, além do mais, passar despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contraente real – ver artigo 8º do D. L. nº 446/85, de 25-10. Houve o mútuo consenso das partes sobre o conteúdo das cláusulas”.</font><br>
<br>
<font> 3. Assim é, efectivamente.</font><br>
<br>
<font> Estamos perante um contrato de mútuo (oneroso) – artigo 1142º do Código Civil.</font><br>
<font> Trata-se de um contrato de crédito ao consumo – artigo 2º do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro.</font><br>
<font> Deve ainda o contrato ser qualificado como um contrato de adesão, com inclusão de cláusulas contratuais gerais – artigo 1º do citado DL 446/85.</font><br>
<font> Trata-se igualmente de uma operação de crédito, realizada por uma instituição de crédito ou parabancária – artigo 1º do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro.</font><br>
<br>
<font> Estamos, pois, aqui no âmbito das denominadas “cláusulas contratuais gerais”, regidas pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho, e pelo artigo 24º do Anexo ao Decreto-Lei nº 323/2001, de 17 de Dezembro.</font><br>
<br>
<font> Assim, a falta de negociação prévia sobre a matéria versada em cláusulas desta natureza faz nascer o risco de o contraente que a elas se submete sem ter participado na sua elaboração o fazer de modo pouco esclarecido e consciente, assim chamando a si obrigações cujo alcance e medida não ponderou devidamente, em clara postergação do princípio da liberdade negocial.</font><br>
<br>
<font>Quis, por isso, o legislador acautelar a sua posição, para tanto impondo a observação de certas práticas na celebração dos contratos e limitando a margem de arbítrio das partes na definição do conteúdo concreto do acordo celebrado (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 21.01.2003, in CJ, Ano XXVII-2003, Tomo I, pág. 70).</font><br>
<br>
<font> Há, pois, que saber se as “Condições Gerais” impressas no verso do documento formalizador do contrato, assinado pelos outorgantes no verso (ou seja, no rosto do documento), devem ou não ser excluídas do contrato.</font><br>
<br>
<font>Nos artigos 5º e 6º do citado DL 446/85, é imposto à parte que utilize cláusulas gerais contratuais pré-formuladas para uma pluralidade de contratos, independentemente das pessoas que as venham a subscrever, para serem aceites no seu todo – cláusulas contratuais gerais –, o dever de comunicação e de informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.</font><br>
<br>
<font> Bem se compreende isto, pois que, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista de um contrato devam considerar-se parte integrante dele é necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode suceder se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial.</font><br>
<font>A não ser assim, não pode falar-se de uma livre, consciente e correcta formação de vontade, nomeadamente isenta de vícios, como os referidos nos artigos 246º, 247º e 251º do Código Civil.</font><br>
<font>Estabelece a lei o princípio de que a comunicação deve ter em consideração a importância do contrato e a extensão, bem como a complexidade, das respectivas cláusulas, de forma a que o aderente, usando da diligência própria do cidadão médio, normal ou comum, possa aceder a um conhecimento completo e efectivo.</font><br>
<font>Não bastando a simples informação da existência de cláusulas contratuais gerais, exige-se “que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões. Que o contraente venha a ter, na prática, tal conhecimento, isso já não é exigido, pois bem pode suceder que a sua conduta não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto (...): aquilo a que o utilizador está vinculado é tão-só proporcionar à contraparte a </font><i><font>razoável possibilidade</font></i><font> de delas tomar conhecimento” (ALMENO SÁ, “Cláusulas Contratuais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, págs. 190 e 191).</font><br>
<br>
<font>O utilizador das cláusulas pré-elaboradas deve ainda esclarecer o aderente sobre o respectivo conteúdo, significado e consequências, sempre que a sua complexidade, extensão, carácter técnico ou outras circunstâncias o justifiquem do ponto de vista das necessidades ou dificuldades de um aderente normal, perante o concreto bloco de cláusulas. É uma emanação do princípio da boa fé – artigo 227º, nº 1, do Código Civil (cfr. ALMEIDA COSTA/MENRZES CORDEIRO, “Cláusulas Contratuais Gerais”, anotação ao artigo 6º).</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. Perante isto, vejamos o que consta do rosto do “Contrato de Mútuo” aqui em causa.</font><br>
<br>
<font> Depois da identificação dos outorgantes, diz-se: “É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e Gerais seguintes:”</font><br>
<font> A seguir, nas “Condições Específicas”, vêm referidas, além dos dados sobre “Veículo Financiado e identificação do Fornecedor”, as “Condições do Financiamento”, onde se alude ao montante do crédito, ao valor total das prestações e seus número e valor, às datas do respectivo vencimento, à taxa de juro e à TAEG.</font><br>
<font> Mais adiante, consignou-se o seguinte:</font><br>
<font> “Declaro estar de boa saúde, não sujeito a controlo médico regular por doença ou acidente, ocorrido nos últimos 12 meses. Tendo aderido à protecção total Banco AA declaro ainda ter tomado conhecimento das condições de cobertura, garantias e exclusões associadas àquele seguro, todas descritas em documento autónomo”.</font><br>
<br>
<font> Antes da data e das assinaturas, consta o seguinte:</font><br>
<font> “Feito em duplicado, ficando um exemplar em poder do mutuário, que declara que o recebeu, e outro em poder do Banco AA”.</font><br>
<br>
<font> Para além disto, mostra-se provado que o Autor, após ter aposto a sua assinatura de representante seu no contrato que lhe foi enviado pelo fornecedor, já devidamente assinado pelo Réu, enviou a este uma cópia ou exemplar completa do referido contrato de mútuo e, também, o formulário ou minuta de declaração de revogação, e que, aquando da assinatura pelo Réu do contrato de mútuo, já o mesmo se encontrava integralmente impresso, tendo havido acordo prévio entre o Réu e o fornecedor quanto ao contrato de compra e venda do veículo e obtenção de financiamento para o pagamento do preço através do contrato de mútuo dos autos.</font><br>
<font> Mais se provou que o Autor estava à disposição do Réu para lhe poder prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que este reputasse necessários, quer anteriormente a este subscrever o contrato referido nos autos, quer posteriormente, e que o Réu não solicitou ao Autor que este lhe prestasse qualquer informação ou esclarecimento suplementar </font><br>
<font>anteriormente à aposição da sua assinatura no contrato dos autos, ou sequer posteriormente.</font><br>
<br>
<font> Sendo assim, é manifesto que, sendo o Réu conhecedor, ou, pelo menos, tendo-lhe sido dadas todas as possibilidades de o ser, de todas as cláusulas do contrato de mútuo, quer as específicas (no rosto do documento), quer as gerais (no verso do mesmo), o contrato não padece de qualquer vício que conduza à sua nulidade, sendo certo também que não tinha de consignar as condições em que a TAEG podia ser alterada.</font><br>
<font> </font><br>
<font>5. Assente que o contrato é válido, apreciemos as demais questões suscitadas, relacionadas com a inclusão de juros remuneratórios nas prestações que não chegaram a ser liquidadas, por se terem considerado vencidas, face ao incumprimento do contrato por parte do ora recorrente, todas as futuras prestações.</font><br>
<br>
<font>Entende o recorrido, nas muitas acções que tem intentado, que a falta de pagamento de uma prestação importa o vencimento das restantes prestações, incluindo o capital e os juros remuneratórios, alegando que se encontram vencidas todas as prestações de juros remuneratórios que seriam devidos até ao termo do contrato.</font><br>
<br>
<font>Aqui, as instâncias perfilharam esta sua tese.</font><br>
<br>
<font>Escreveu-se na sentença:</font><br>
<font>“Vejamos, agora, se colhe a alegação de que o A. pretende obter um lucro injustificado com a antecipação.</font><br>
<font>Entendo que não.</font><br>
<font>O acréscimo de 4% é o resultado de cláusula penal livremente acordada.</font><br>
<font>O vencimento antecipado resulta, como acima escrito, de dispositivo legal que o prevê.</font><br>
<font>Por outro lado, apesar das prestações antecipadas no vencimento, conterem os juros do préstimo, que delas passaram a fazer parte integrante, nenhum motivo legal há para as alterar como consequência da falta de cumprimento pontual por parte do R., além de, como já dito, o seu pagamento satisfazer o interesse contratual do A., indemnizando-o”.</font><br>
<font>6. Não somos da mesma opinião (cfr. acórdão de 02.11.2004, proferido na Revista nº 2982/04, desta Secção, in Sumários de Acórdãos do STJ, Novembro de 2004, pág. 13, em que foi relator o aqui relator).</font><br>
<br>
<font>Juro é uma quantidade de coisas fungíveis que pode exigir-se como rendimento de uma obrigação de capital, em proporção do valor do capital e do tempo durante o qual se está privado da utilização dele (cfr., nomeadamente, VAZ SERRA, Obrigações de Juros, BMJ 55º-159 a 170, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, Coimbra, 1991, págs. 867 a 873, e CORREIA DAS NEVES, Manual dos Juros, Coimbra, 1969).</font><br>
<font>O juro é, assim, um rendimento do capital em função do tempo, não podendo considerar-se juros os suplementos que o devedor deve pagar ao restituir ao capital, se não forem calculados em proporção do tempo decorrido.</font><br>
<br>
<font>Os juros remuneratórios têm carácter retributivo, sinalagmático, constituindo a contraprestação onerosa pela cedência do capital ao longo do tempo.</font><br>
<font>O crédito de juros não nasce num só momento; vai nascendo à medida que o tempo decorre.</font><br>
<font>O crédito de juros pode vencer-se em data diferente daquela em que nasce. Os juros (voluntários) podem vencer-se depois de decorrido o período considerado ou podem vencer-se antes do decurso do período considerado (pagamento antecipado de juros). Neste último caso, se o crédito principal se extinguir antes que decorra o período de juros, existe direito de repetição dos juros (cfr. VAZ SERRA, citado BMJ, pág. 162).</font><br>
<font>Assim, os juros podem vencer-se findo o período de contabilização ou podem vencer-se antecipadamente, mas, em ambos os casos, apenas existe o crédito aos juros se o período de tempo de contabilização tiver, efectivamente, decorrido.</font><br>
<font>Sem decurso do tempo, não existem juros, não existe remuneração do capital.</font><br>
<font>Deste modo, analisados o conceito e a génese da obrigação de juros, ter-se-á de concluir que a pretensão do aqui recorrente terá de ser atendida.</font><br>
<font>O recorrido pretende cobrar juros que não correspondem a um tempo de contabilização efectivamente gasto. Não são devidos juros remuneratórios numa situação em que não existe decurso do tempo.</font><br>
<font>Não são devidas prestações de juros que nunca nascerão.</font><br>
<font>Segundo o artigo 781º do Código Civil, “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.</font><br>
<font>Este normativo legal determina a perda do benefício do prazo por falta de cumprimento de uma prestação nas dívidas pagáveis em prestações.</font><br>
<font>A sua justificação reside na quebra da confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo.</font><br>
<font>Esta norma aplica-se ao contrato de mútuo, quando existe amortização (em prestações).</font><br>
<font>Assim, a falta de pagamento de uma prestação de capital pode implicar o vencimento das restantes prestações de capital.</font><br>
<font>Contudo, o referido preceito legal não tem aplicação à falta de pagamento de uma prestação de juros.</font><br>
<font>Nascendo as prestações de juros com o decurso do tempo, não é concebível a perda do benefício do prazo se não existem um prazo e uma inerente obrigação constituída.</font><br>
<font>Não é possível o vencimento antecipado de prestações que nunca terão a sua génese, que nunca serão constituídas.</font><br>
<font>Poderemos acrescentar que consta dos próprios trabalhos preparatórios do Código Civil que o artigo 781º não se aplica a prestações que não sejam fracções de dívida, </font><i><font>verbi gratia</font></i><font>, a prestações de juros (cfr. VAZ SERRA, Tempo de Prestação. Denúncia, BMJ 50º-49 a 211, </font><i><font>maxime</font></i><font> 54).</font><br>
<font>É forçoso, assim, concluir que o artigo 781º não de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wzK3u4YBgYBz1XKvNTVP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> I – Nas Varas de Competência Mista de Sintra, AA, em acção com processo ordinário, intentada contra sua ex-mulher BB, pediu que, com a procedência da acção, se decida:</font><br>
<font> “I) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 19.500.000$00 (dezanove milhões e quinhentos mil escudos), como sua dívida ao A. relativa ao uso do prédio comum, sito à Rua da ...., lote ..., Algueirão, Mem-Martins, equivalente a 50% do valor global das rendas vencidas desde Outubro de 1988 a Outubro de 2001, acrescida de juros legais, contados desde a data da citação até integral pagamento.</font><br>
<font> II) Ser, ainda, a R. condenada a pagar mensalmente ao A. a quantia de 125.000$00 (cento e vinte e cinco mil escudos), como retribuição pelo uso do referido prédio, seja ou não a título de arrendamento, desde Novembro de 2001 até à efectivação da partilha.</font><br>
<font> III) Se assim se não considerar, deve a R. ser condenada ao pagamento do valor global das rendas vencidas, desde Outubro de 1988 até Outubro de 2001, relativa ao uso do citado bem imóvel, e vincendas à razão mensal de 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos), devidas ao património comum indiviso”.</font><br>
<br>
<font>Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, o seguinte:</font><br>
<font> O Autor e a Ré casaram um com o outro, sem convenção antenupcial, no dia 25 de Maio de 1974.</font><br>
<font> Por sentença proferida em 30 de Setembro de 1999, transitada em julgado no dia 21 de Outubro de 1999, foi decretado o divórcio de ambos, tendo-se decidido que os efeitos patrimoniais do divórcio se retrotraíam ao dia 5 de Outubro de 1988, data em que cessara a coabitação entre os cônjuges.</font><br>
<font> Do dissolvido casal existem diversos bens a partilhar, objecto de acção de inventário para partilha consequente a divórcio, apensa à respectiva acção de divórcio.</font><br>
<font> A casa de morada de família era no prédio urbano sito à Rua da ..., lote 14, inscrito na matriz sob o artigo 6129, da freguesia de Algueirão – Mem Martins, prédio esse integrado no património comum do casal.</font><br>
<font> O Autor suportou exclusivamente com bens próprios diversos encargos com o património indiviso, nomeadamente, com o imóvel já indicado e outro prédio urbano que identifica.</font><br>
<font> O Autor não usufrui de nenhum dos prédios do património comum.</font><br>
<font> O valor mensal do arrendamento do prédio da Rua da ..... é, no mínimo, de 250.000$00.</font><br>
<font> A quota de 50% a que o Autor tem direito, enquanto comproprietário, está, pois, prejudicada à razão de 125.000$00 por mês.</font><br>
<font> Desde 5 de Outubro de 1988, decorreram já 156 meses, o que perfaz um total de 39.000.000$00 de rendas vencidas, das quais 19.500.000$00 devidos ao Autor.</font><br>
<font> Quanto às rendas vincendas, deve a Ré pagar mensalmente ao Autor a quantia de 125.000$00 pelo uso do referido imóvel, use ou não a faculdade que lhe é conferida pelo nº 1 do artigo 1793º do Código Civil.</font><br>
<font> Os referidos montantes devem ser considerados dívidas da Ré ao Autor.</font><br>
<font> Não se tratando de “dívidas do casal”, são estas exigíveis desde já, não operando a moratória de acerto em partilha, são, pois, dívidas apenas da responsabilidade da Ré.</font><br>
<font> Ainda que assim se não considerasse, tendo sido decidido que os efeitos patrimoniais do divórcio se retrotraíriam ao dia 5 de Outubro de 1988, sempre seria inegável a separação patrimonial entre Autor e Ré na data da contracção das referidas dívidas.</font><br>
<font> Assim, nesta data, vigorava entre estes o regime de separação de bens, o que sempre se subsumiria na previsão da parte final do nº 1 do artigo 1697º do Código Civil, tornando, assim, desde logo exigíveis estas dívidas.</font><br>
<font> Se não se considerarem as referidas rendas frutos do bem compropriedade de Autor e Ré, sempre se dirá que estas rendas só podem ser consideradas frutos do património comum indiviso.</font><br>
<br>
<font> Contestou a Ré, limitando-se a arguir a ineptidão da petição inicial, pedindo a sua absolvição da instância.</font><br>
<br>
<font> Houve réplica.</font><br>
<br>
<font> Foi proferida decisão, que declarou não ocorrer a excepção dilatória da nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, e que, por considerar que a acção adequada à pretensão do Autor seria a acção de prestação de contas, entendeu, com base em erro na forma processual utilizada pelo Autor, ser de anular todo o processo, tendo absolvido a Ré da instância, decisão que foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, após recurso de agravo do Autor.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Voltando os autos à 1ª instância, foi proferido despacho saneador-sentença, onde se julgou a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do respectivo pedido.</font><br>
<br>
<font> Após apelação do Autor, foi, na referida Relação, proferido acórdão, segundo o qual se julgou improcedente o recurso, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Tendo o Autor requerido uma aclaração do acórdão, foi, em conferência, indeferida tal pretensão.</font><br>
<br>
<font> Ainda inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font> O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª – Para que se possa considerar que houve uma privação efectiva do uso do imóvel, não é necessário que a recorrida tivesse manifestado de uma forma concludente a sua oposição a uma qualquer solução de utilização ou rendibilização do imóvel que lhe tivesse sido apresentada pelo recorrente.</font><br>
<font> 2ª – O facto de a recorrida, mesmo após o decretamento do divórcio, ter continuado a residir na casa de morada de família como se, de facto, fosse plena proprietária do bem em causa, por si só, é facto suficiente para se poder concluir pela impossibilidade de o ora recorrente poder também ele us ufruir de todas as vantagens económicas facultadas pelo citado imóvel.</font><br>
<font> 3ª – À cautela e sem conceder, pelo menos desde a data em que a Ré foi citada para os termos da presente acção, não mais pode alegar o desconhecimento de que o recorrente se opunha à utilização exclusiva que a mesma vinha fazendo do citado imóvel.</font><br>
<font> 4ª – O intentar da presente acção é manifestação notória da pretensão do Autor, ora recorrente, de fazer afectar ao seu património as vantagens proporcionadas pelo imóvel em causa.</font><br>
<font>5ª – É, inequivocamente, esse o significado do segundo pedido formulado a final da petição inicial, quando aí foi peticionada a condenação da Ré ao pagamento mensal da quantia de PTE 125.000$00, actualmente EUR 623,50, como retribuição pelo uso do referido prédio, seja ou não a título de arrendamento, desde Novembro de 2001 até à efectivação da partilha.</font><br>
<font> 6ª – Pelo que, mesmo que se considere que não está provado nos autos que a recorrida se tenha oposto a qualquer solução a adoptar entre os dois comproprietários quanto à utilização ou rentabilização do imóvel em causa, ainda assim sempre se deverá considerar como data relevante para o início da privação do uso do imóvel por parte do recorrente, a data em que a recorrida foi citada para a presente acção, isto porque desde essa data que a recorrida sabia inequivocamente estar a privar o outro consorte do uso ou fruição do citado imóvel e que o recorrente se opunha a tal situação.</font><br>
<font> 7ª – O Tribunal recorrido não fez, assim, uma correcta interpretação e aplicação do art. 1406º, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font> 8ª – O ora recorrente discorda igualmente do entendimento perfilhado no acórdão recorrido, segundo o qual não houve qualquer alteração de causa de pedir em sede de réplica por supostamente o ora recorrente não ter alegado factos concretos e objectivos que preenchessem todos os requisitos do enriquecimento sem causa.</font><br>
<font> 9ª – Contrariamente ao que é dito pelo Venerando Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, o ora recorrente, quer na sua petição inicial, quer na sua réplica, alegou factos concretos relativamente a todos os requisitos do regime do enriquecimento sem causa, os quais se encontram previstos no artigo 473º do Código Civil.</font><br>
<font> 10ª – No caso dos autos, houve uma deslocação patrimonial, sendo que a vantagem patrimonial da recorrida consistiu em nada ter pago ao recorrido pelo uso exclusivo (e sem o acordo do recorrente), de um bem que não lhe pertencia na totalidade, mas apenas em parte.</font><br>
<font> 11ª – Sendo a recorrida comproprietária de apenas 50% do imóvel sito na Rua da ....., da qual teve o uso exclusivo desde 1988, e não pagando qualquer quantia por esse uso, a recorrida enriqueceu, no período compreendido entre 5 de Outubro de 1988 e 29 de Novembro de 2004, em metade do seu valor locatício, causando um igual e correspondente empobrecimento do recorrente.</font><br>
<font> 12ª – Não existe tão-pouco causa para o enriquecimento da recorrida, porquanto não existiu qualquer causa para a deslocação patrimonial, dado que o enriquecimento não teve qualquer justificação legal ou contratual.</font><br>
<font> 13ª – Se alguma dúvida houvesse quanto a ausência de acordo, ou existência de condescendência por parte do ora recorrente, quanto ao uso e fruição exclusiva do imóvel por parte da recorrida, tal dúvida não é razoável a partir do momento em que a recorrida foi citada para a presente acção, na qual o Autor, ora recorrente, manifestou de forma incontroversa e notória a pretensão de fazer afectar ao seu património as vantagens proporcionadas pelo imóvel em causa.</font><br>
<font> 14ª – O enriquecimento da recorrida foi suportado pelo correspondente empobrecimento do Autor, que sendo comproprietário em 50% da casa se viu privado quer do uso, quer da percepção de qualquer lucro pelo facto do uso pertencer exclusivamente a outrem.</font><br>
<font> 15ª – O acórdão recorrido não fez uma correcta interpretação e aplicação do artigo 273º do C.P.C. e, consequentemente, ao não ter conhecido da questão do enriquecimento sem causa, por ter entendido que se tratava de uma questão nova, violou o artigo 660º, nº 2, do C.P.C., porquanto, como vimos atrás, esta questão não foi suscitada pelo recorrente apenas no seu recurso de apelação, mas já antes em sede de réplica.</font><br>
<font> 16ª – Em todo o caso, contrariamente ao entendimento que parece resultar da leitura do acórdão recorrido, </font><i><font>in casu</font></i><font> quer a petição inicial, quer a réplica apresentada pelo recorrente, continham todos os factos necessários à aplicação da figura do enriquecimento sem causa, nos termos atrás expostos, estando, assim, reunidos todos os requisitos para a aplicação do enriquecimento sem causa.</font><br>
<br>
<font> A recorrida não contra-alegou.</font><br>
<br>
<font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font> II – Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1. Por sentença de 30.09.1999, transitada em julgado em 21.10.1999, foi decretado o divórcio entre o Autor e a Ré.</font><br>
<font> 2. Os mesmos casaram em 25.05.1974.</font><br>
<font> 3. Teve-se por provado na sentença referida em 1. que o Autor deixou o lar conjugal em 05.10.1988 e que, desde a separação, a Ré habita na casa de morada de família, sita na Rua da ....., lote ..., no Algueirão, e o Autor na moradia sita na Rua de ......, ..../..., em Mem Martins.</font><br>
<font> 4. O divórcio foi decretado com base na separação de facto dos cônjuges por seis anos consecutivos e inexistência de propósito de ambos de voltar a coabitar, sem elementos para declarar a culpa de qualquer deles.</font><br>
<font> 5. Na mesma sentença, foi julgada cessada a coabitação entre os cônjuges a partir do dia 05.10.1988, a essa data retrotraindo os efeitos patrimoniais do divórcio.</font><br>
<font> 6. Na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o nº 35123, encontra-se descrito um prédio urbano sito na Rua de ....., nºs ..../..., da freguesia de Algueirão-Mem Martins.</font><br>
<font> 7. Por apresentação de 19.06.1979, foi inscrita a aquisição deste prédio, por compra, a favor de AA, casado no regime de comunhão de adquiridos com BB (ora Autor e Ré).</font><br>
<font> 8. Na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob a ficha nº 465, da freguesia de Algueirão-Mem Martins, encontra-se descrito um prédio urbano sito na Rua da ...., a que corresponde o lote 14.</font><br>
<font> 9. Por apresentação de 02.12.1987, foi inscrita a aquisição deste prédio, por compra, a favor de AA, casado com BB, no regime de comunhão de adquiridos (ora Autor e Ré, respectivamente).</font><br>
<font> 10. A casa de morada de família do dissolvido casal era no prédio mencionado em 8., que a Ré ocupa.</font><br>
<font> 11. O valor mensal no mercado de arrendamento do prédio mencionado em 8. é de 250.000$00.</font><br>
<br>
<font> III – 1. A questão essencial aqui a dirimir consiste em saber se a Ré – que, após a saída do Autor, seu marido, do lar conjugal, se manteve a habitar a casa de morada de família, que era bem comum do casal – terá de compensar aquele pela ocupação da casa, em termos de valor locativo do imóvel, desde a data do termo da vida em comum, tendo em conta que, aquando do divórcio entre ambos, se declarou essa data como a da cessação da coabitação entre os cônjuges também para efeitos patrimoniais.</font><br>
<br>
<font> As instâncias deram resposta negativa a tal questão.</font><br>
<br>
<font>Na sentença proferida na 1ª instância, depois de se referir que o prédio sito na Rua da ....., lote 14, é bem comum do casal, pode ler-se:</font><br>
<font> “A respectiva administração ordinária cabe a qualquer dos cônjuges (art. 1678º, nº 3 do Cód. Civil), não prejudicando este entendimento o facto de os efeitos patrimoniais do divórcio que foi decretado, em 30/9/1999, terem retrotraído a 5/10/1988.</font><br>
<font> Tal imóvel constitui a casa de morada de família e nela a Ré passou ou ficou a habitar após a separação do casal.</font><br>
<font> Sem prejuízo de a administração do património comum do dissolvido casal não se confundir com a situação de compropriedade, as regras desta são aplicáveis à comunhão de outros direitos, conforme dispõe o art. 1404º do Cód. Civil, neste se incluindo os decorrentes da “comunhão que se estabelece entre os cônjuges, após a dissolução da sociedade conjugal e enquanto se não faz a partilha”, conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2ª Ed., vol. III, pág. 350.</font><br>
<font> Deste entendimento decorre a inexistência da obrigação de indemnizar por parte do administrador do bem que integra o património comum, face aos demais contitulares do direito, atento o disposto no art. 1406º do Código Civil, sendo certo que no caso nem tão pouco foi alegado que a Ré tenha privado o Autor de exercer o uso ou posse do mesmo imóvel, o que ele também não alegou que tivesse querido fazer, o que se reconduz à improcedência da acção.</font><br>
<font> Um diferente entendimento, designadamente o que foi perfilhado pelo Acórdão do S.T.J. de 25/3/2004, in CJSTJ, 2004, T. 1º, pág. 145, de que o ex-cônjuge que detenha a administração de bens comuns do casal está obrigado a prestar contas ao outro ex-cônjuge, dissolvido que seja o casamento, considerando-se como receita o valor da utilização do bem comum, desde que daí resultem vantagens económicas para o utilizador, está-nos, naturalmente, vedado, face ao teor do Acórdão que foi proferido no presente processo, na medida em que tal importaria uma diferente forma de processo”.</font><br>
<br>
<font> Para se chegar à mesma solução, escreveu-se, a dado passo, no acórdão ora recorrido:</font><br>
<font> “Portanto, a partir dessa data cessou a comunhão conjugal e surgiu o regime da compropriedade entre as partes nesta acção, nos termos do art.º 1404º do C. Civ., até à efectivação da partilha dos bens. Os direitos dos comproprietários sobre os bens comuns são qualitativamente iguais, mesmo que quantitativamente possam ser diferentes (art.º 1403º, nº 2, do C. Civ.). </font><br>
<font> No tocante ao uso da coisa comum, na falta de acordo, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, desde que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito (art.º 1406º, nº 1, do C. Civ.).</font><br>
<font> No caso dos autos, o Autor, ora recorrente, alega que pretende ser ressarcido pela privação do uso de um imóvel integrado no património comum do casal dissolvido. Todavia, não se prova que alguém, concretamente a Ré, o tenha privado de usar também o imóvel em causa ou o tenha obrigado a deixar o lar conjugal (cf. facto nº 3). Sendo tal imóvel comum, sujeito ao regime jurídico da compropriedade, como se viu, os seus donos exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular e participam separadamente nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas (art.º 1405º, nº 1, do C. Civ.).</font><br>
<font> Por sua vez a administração da coisa também é conjunta, como nas sociedades civis, nos termos dos art.s 985º e 1407º do C. Civ.. No caso vertente, à falta de convenção em contrário, a administração pertenceria portanto a ambos os comproprietários, tal como durante o casamento em relação aos bens comuns (art.º 1678º, nº 3, do C. Civ.). Porém, tendo a Ré continuado na casa, que foi a de morada de família, se ela exercia a administração sozinha, então administrava bens próprios e bens alheios, constituindo estes a quota do A., e estava por isso obrigada a prestar contas dessa administração ao ora Recorrente. Mas não esta providência que o A. aqui vem pedir.</font><br>
<font> Ora, no caso presente, não estando alegados, e muito menos provados, factos demonstrativos de o comproprietário ter pretendido exercer os seus direitos sobre o prédio e disso ter sido ilicitamente impedido pela Ré, não pode o mesmo vir agora exigir o respectivo equivalente pecuniário a título de indemnização. O simples facto de a Ré residir no prédio, só por si, não pode ser considerado automaticamente impeditivo de o A. usufruir do citado imóvel. Embora o Recorrente não pode ser obrigado a voltar a coabitar com a Recorrida, também não está demonstrado que esta se tenha oposto a qualquer solução a adoptar entre os dois comproprietários no sentido da utilização ou da rendibilização do imóvel, de modo a que o A. pudesse dele usufruir também.</font><br>
<font> (...).</font><br>
<font> O Recorrente, nas suas conclusões recursórias, tenta socorrer-se do enriquecimento sem causa para, subsidiariamente, salvar o seu pedido. Todavia, na petição inicial, o A. não fundou a sua pretensão em tal instituto, sendo certo que tinha o ónus de alegar e provar os factos integradores de todos os requisitos do enriquecimento sem causa (art.ºs 342º, nº 1, e 473º do C. Civ.) e, desde logo, o da ausência de causa justificativa (cf. Pires de Lima – A. Varela, </font><i><font>C. Civ. Anot</font></i><font>., 1º vol., 2ª ed., p. 401). O ora Recorrente apenas se referiu a esta fonte de obrigações na réplica, não podendo ignorar que tal articulado serve unicamente para o A. responder à matéria da excepção deduzida pela Ré na contestação (art.º 502º, nº 1, do CPC).</font><br>
<font> Trata-se portanto de uma questão nova que não foi, nem tinha de ser, apreciada em primeira instância, e por isso não pode este Tribunal de recurso dela se ocupar (art.s 676º, nº 1, e 690º, nº 1, do CPC). São novas todas as questões que não tenham sido primeiro suscitadas, apreciadas e decididas no tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> ou aquelas que tenham sido excluídas do âmbito do recurso por delimitação expressa ou por omissão de recurso principal ou subordinado. Na verdade, os recursos destinam-se a corrigir erros (</font><i><font>in judicando</font></i><font> ou </font><i><font>in procedendo</font></i><font>) da decisão impugnada e não a decidir novidades ou questões-surpresa apresentadas nas alegações, sob pena de supressão de um grau de jurisdição (...)”.</font><br>
<br>
<font>2. Desde já – e se bem que não possa relevar para a solução da presente acção –, diremos que a declaração feita no processo de divórcio pelo Senhor Juiz de que os efeitos do divórcio para efeitos patrimoniais se retrotraíam à data da cessação da coabitação entre os cônjuges, ou seja, a 05.10.1988, é completamente despropositada.</font><br>
<br>
<font> Na verdade, e segundo o nº 1 do artigo 1789º do Código Civil, “Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”.</font><br>
<font> “Se a falta de coabitação entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio se retrotraiam à data, que a sentença fixará, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br>
<font> “Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença” – seu nº 3.</font><br>
<br>
<font> Temos, assim, que esta retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da cessação da coabitação só pode ser declarada havendo culpa no divórcio, podendo constituir um benefício para o cônjuge que não é culpado ou é menor culpado na cessação da coabitação dos cônjuges.</font><br>
<font> Uma tal pretensão, deduzida pelo cônjuge culpado ou principal culpado, terá de ser desatendida.</font><br>
<br>
<font> Tendo o divórcio entre os aqui Autor e Ré (com a mesma qualidade processual na acção de divórcio) sido decretado sem culpas, não podia fazer-se retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio à data da cessação da coabitação, comprovada nos autos.</font><br>
<br>
<font> 3. Vejamos agora qual o significado de a lei estabelecer uma determinada data para os efeitos patrimoniais do divórcio.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Em relação ao nº 1 do artigo 1789º, refere RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código Civil, vol. VI, 1998, pág. 227) que “esta regra tem especialmente em vista evitar que qualquer dos cônjuges, na pendência do processo, tome medidas pecuniárias susceptíveis de prejudicar o outro cônjuge, qualquer que seja o regime de bens do casamento”.</font><br>
<br>
<font> No mesmo sentido, apontam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. IV, 1987, pág. 561), quando dizem que “a manifesta intenção da lei, quanto a este primeiro aspecto, é a de evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a proposição da acção, sobre valores do património comum” (cfr., no mesmo sentido, Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, pág. 47).</font><br>
<br>
<font> Temos, assim, que o escopo do nº 1 do artigo 1789º é não permitir que, durante o processo de divórcio, qualquer dos cônjuges pratique actos com reflexo negativo no património comum que prejudiquem o outro.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Daqui se pode inferir que a fixação de uma data para a produção dos efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, visa essencialmente as relações dos cônjuges, ou de qualquer deles, com terceiros, nomeadamente, evitar que um cônjuge possa vir a ser também responsabilizado por dívidas contraídas pelo outro (registe-se que são dívidas comuns do casal, da responsabilidade de ambos os cônjuges, as dívidas contraídas, perante terceiros, durante a vigência do casamento, na proporção de metade para cada um deles – artigos 1691º, a), e 1730º, nº 1, do Código Civil), bem como permitir que aos bens adquiridos ou rendimentos auferidos por cada um dos cônjuges não se aplique o regime da comunicabilidade (regimes da comunhão de adquiridos e da comunhão de bens – cfr. artigos 1724º e 1732º do Código Civil), não ficando a fazer parte do património comum.</font><br>
<br>
<font> Logo, qualquer negócio que um dos cônjuges faça após a data tida como a do início da produção dos efeitos patrimoniais do divórcio só a ele responsabiliza, nada tendo o outro a ver com isso (por exemplo, se se tratar da aquisição de um bem, este será um bem próprio do adquirente, independentemente do regime de bens do casamento).</font><br>
<font> De qualquer forma, os bens que ambos conjuntamente possuíam mantêm a natureza de bens comuns até à partilha, a fazer por acordo extrajudicial ou por inventário judicial, requerido ao abrigo do artigo 1404º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font> Não perdem essa qualidade, passando, como se diz no acórdão recorrido e defende o recorrente – em nossa opinião, mal – a ser considerados como bens em regime de compropriedade.</font><br>
<br>
<font> Efectivamente, na comunhão conjugal existe um património colectivo, ou seja, um património com dois sujeitos que do mesmo são titulares e que globalmente lhes pertence, sendo um dos traços característicos de tal património autónomo o facto de cada um dos seus membros não poder pedir a sua divisão enquanto não cessar a causa determinante da sua constituição.</font><br>
<font> Essa massa patrimonial não se reparte entre os cônjuges como na compropriedade ou comunhão do tipo romano: antes, como na antiga comunhão de tipo germânico, pertence-lhes em bloco e só em bloco.</font><br>
<font> Os bens comuns constituem uma massa patrimonial, à qual a lei, tendo em vista a sua especial afectação, concede um certo grau de autonomia, e pertence aos dois cônjuges, podendo dizer-se que ambos são titulares de um único direito.</font><br>
<font> Marido e mulher não têm qualquer fracção de direito que lhes corresponda individualmente e de que, como tal, possam dispor, como, de forma individual, não podem dispor em face do património comum por acto </font><i><font>inter vivos</font></i><font>.</font><br>
<font> Trata-se de um património que pertence em comum a duas pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas determinadas, como na compropriedade: enquanto esta é uma comunhão por quotas, aquele é uma comunhão sem quotas.</font><br>
<font> Um património autónomo pertence em bloco ao correspondente conjunto das pessoas: individualmente nenhum dos sujeitos tem direito a qualquer quota ou fracção; o direito sobre a massa patrimonial em causa cabe ao grupo no seu conjunto. Daí que nenhum dos membros da colectividade, titular do património colectivo, possa alienar uma quota desse património ou possa requerer a divisão, enquanto não terminar a causa geradora do surgimento do património colectivo (sobre este ponto concreto, cfr., por exemplo, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, págs. 224 a 226, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, págs. 235 e seguintes, e Heinrich Ewald Hordster, A Parte Geral do Código Civil Português, págs. 190 a 199).</font><br>
<font> Este património comum pressupõe o vínculo conjugal, o qual tem as suas próprias formas de extinção.</font><br>
<font> Dissolvido o vínculo conjugal, o património comum converte-se em comunhão ou compropriedade do tipo romano, podendo, então, qualquer dos consortes dispor da sua quota ideal ou requerer a divisão da massa patrimonial através da partilha.</font><br>
<font> É uma situação semelhante à sucessão </font><i><font>mortis causa</font></i><font>, ou seja, a uma herança, e é entendimento pacífico que esta, antes da partilha, constitui uma </font><i><font>universitas juris</font></i><font>, um património autónomo, com conteúdo próprio. Até à partilha, os direitos dos herdeiros recaem sobre o conjunto da herança; cada herdeiro apenas tem direito a uma parte ideal da herança e não a bens certos e determinados (cfr. acórdão deste STJ de 17.04.1980, in BMJ 296º-298).</font><br>
<font> Como escreveu Rabindranath Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, pág. 185), citado no referido acórdão, “nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a realização da partilha, uma vez que até aí a herança indivisa constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota-parte do património hereditário”.</font><br>
<font> O mesmo é o pensamento do Prof. Pereira Coelho (Direito das Sucessões, 2ª ed., 1966-1967), também aí citado, quando esclarece que “não se trata de uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens certos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si considerada”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A partilha assume, assim, a característica de um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma situação anterior.</font><br>
<font> Cada um dos ex-cônjuges, e voltando à situação do divórcio, já tinha direito a uma quota ideal do património do casal: com a partilha, esse direito vai concretizar-se em bens certos e determinados.</font><br>
<font> No fundo, esse direito a bens determinados que existe depois de efectuada a partilha é o mesmo direito indeterminado que antes existia, apenas modificado no seu objecto.</font><br>
<font> Daí que a partilha não tenha efeito translativo ou constitutivo, revestindo-se antes de um carácter declarativo.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 4. Decorrendo de todo o exposto que, com a cessação da coabitação e tendo em conta a errada declaração do Senhor Juiz de que os efeitos patrimoniais do divórcio se retrotraíam a essa data, os bens então existentes mantiveram a sua qualidade de bens comuns, não passando a ser considerados bens em compropriedade (aliás, poderá mesmo dizer-se que, se Autor e Ré passaram a ser comproprietários dos bens – quanto a imóveis, resulta dos autos que, além da casa de morada de família, existe um outro prédio urbano –, na proporção de 50% cada um, a partir de então, não se vislumbraria a necessidade de correr um inventário para partilha desses bens).</font><br>
<br>
<font> Como vimos, o prédio urbano aqui em causa era a casa de morada de família do casal.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O legislador teve um particular cuidado com este “bem”.</font><br>
<font> Daí que, no caso de divórcio por mútuo consentimento, haja necessidade de apresentar um acordo sobre o destino da casa de morada de família (cfr. artigo 1775º, nº 2, do Código Civil e 1419º, nº 1, f), do Código de Processo Civil/CPC).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Com a saída do Autor do lar, ali ficou a viver a Ré.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Segundo o nº 1 do artigo 1673º do Código Civil, “Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família, atendendo, nomeadamente às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar”.</font><br>
<br>
<font> Refere Salter Cid (A Protecção da Casa de Morada da Família no Direito Português, Almedina, Coimbra-1996, págs. 153 e 154) o seguinte:</font><br>
<font> “A separação de facto – entendida como manifestação de ruptura da comunhão de vida que o casamento deve visar, e que constitui a sua essência –, em si mesma, não tem por efeito o de desqualificar uma habitação como </font><i><font>residência da família</font></i><font> (e, consequentemente, como </font><i><font>casa de morada da família</font></i><font>). Para tanto, é necessário que, a par dessa separação, exista (tenha existido) um acordo entre os cônjuges no sentido daquela desqualificação, ou que a própria separação traduza a existência de um tal acordo (cfr. art. 217º, nº 1). Ora, se o importante, neste aspecto, é – como parece ser – assegurar que um dos cônjuges não possa, por si só – sem o acordo do outro ou decisão judicial –, desqualificar a residência em causa, provado que seja terem ambos perdido o interesse nessa qualificação, desaparece – deve desaparecer – a garantia legal da sua subsistência.</font><br>
<font> No fundo, e em resumo, o </font><i><font>interesse atendível</font></i><font> de, pelo menos, um dos cônjuges na </font><i><font>qualificação</font></i><font> ou na </font><i><font>não desqualificação</font></i><font> de uma habitação como </font><i><font>residência da família </font></i><font>funciona como </font><i><font>pressuposto subjectivo</font></i><font> duma e doutra”.</font><b | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XzJMvIYBgYBz1XKvvPOx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam, em Tribunal Pleno, os Juizes deste Supremo Tribunal de Justiça:<br>
</font><br>
<font>I - A e outros recorrem para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do acordão deste Tribunal, de 26 de Maio de 1964, alegando que a sua doutrina quanto a mesma questão fundamental de direito, e oposta a declarada no acordão deste mesmo Tribunal de 5 de Janeiro de 1960, transitado em julgado, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 93, pagina 309, e ambos proferidos no dominio da mesma legislação.<br>
O acordão da Secção, de 19 de Fevereiro de 1965, de folhas<br>
30 a 33 verso, decidiu, por maioria, existir oposição, pois que "o acordão recorrido decidiu, em contrario do oferecido que os contratos formais (na hipotese de promessa de compra e venda de imoveis) podem completar-se por provas extrinsecas (na hipotese a testemunhal)".<br>
II - O acordão recorrido de 26 de Maio de 1964, de agravo, fotocopiado de folhas 7 a 12, recaiu na acção ordinaria, que correu pela 5 Vara da comarca de Lisboa, na qual o o autor, promitente-comprador, considerando-se desobrigado, em virtude de ter contratado na convicção de que o predio tinha o rendimento, que os promitentes-vendedores lhe informaram, pede a condenação destes a restituir-lhe a importancia do sinal, em dobro "porque se negam a cumprir o contrato tal como foi estabelecido" promessa titulada de venda assinada apenas pelos promitentes-vendedores.<br>
Os reus pretendiam que a acção fosse logo julgada no saneador, por ser inutil qualquer produção de prova, ja que a formalidade escrita indispensavel dos contratos de promessa de compra e venda exige que todas as clausulas dele constem, não sendo possivel contrariar ou aditar sequer o escrito.<br>
A tese dos reus não vingou e o acordão recorrido, nos termos do artigo 704 do Codigo Civil e artigo 617 do Codigo de Processo Civil, que não reputou violado, permitiu a produção de prova no sentido de interpratar convenientemente o contrato, para se poder saber se houve ou não a discutida violação.<br>
O acordão oferecido em oposição deste Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Janeiro de 1960, proferido num processo de aresto, decidiu: Como contrato formal, a promessa de compra e venda de imobiliarios vale, quanto ao objecto, na medida em que ele conste do escrito, não podendo este ser completado por prova que não provenha de outro escrito.<br>
Dai flui a impossibilidade de demonstrar por via testemunhal qualquer condicionalismo essencial que o escrito não consigne. Estribou esta doutrina nos artigos 686 e paragrafo unico do artigo 1548 do Codigo Civil.<br>
O facto de o promitente-comprador haver contratado na convicção de que era maior a area dos predios constitui nulidade do contrato, nos termos do artigo 661 do Codigo Civil, que não pode fundamentar um arresto.<br>
III - Os recorrentes concluem as suas alegações de folhas 38 a 45 afirmando: a) Entre os acordãos existe oposição sobre a mesma questão fundamental de direito; b) Deve, por isso, e em solução do conflito de jurisprudencia suscitado proferir-se um assento pelo qual se declare em relação a escritos tidos como verdadeiros que titulam contratos-promessa de compra e venda de bens imobiliarios, por quaisquer clausulas ou estipulações não escritas, cuja infracção possa fundamentar o incumprimento do contrato, não poderão ser objecto de prova testemunhal nos termos, entre outros, dos artigos 1548, paragrafo unico, e 672 do Codigo Civil e 617 do Codigo de Processo Civil.<br>
Por sua vez, ex adverso, o recorrido persiste na inexistencia de oposição aduzindo na contra-alegação as conclusões seguintes:<br>
1 - Não ha oposição em termos de permitir recurso para o Tribunal Pleno;<br>
2 - O caso em apreço resolve-se num problema de interpretação de vontade negocial, que pode ser captada atraves de testemunhos, mesmo em relação aos contratos formais, por força do disposto no artigo 684 do Codigo Civil;<br>
3 - Alias a interdição consignada no artigo 617, n. 1, do Codigo de Processo Civil so e valida quanto as declarações documentadas provenientes de ambas as partes e no caso vertente ha uma declaração documentada produzida apenas pelos promitentes-vendedores;<br>
4 - Por outro lado tambem e admissivel a prova testemunhal para integração dos contratos, ainda que formais, como resulta do artigo 704 do Codigo Civil, e no caso sujeito, não havendo lugar a interpretação, ha seguramente lugar a integração;<br>
5 - A especie ajuizada não tem relação com o problema do erro sobre o consentimento, relevante nos termos do artigo 661 do Codigo Civil, sendo certo que, de resto, nem sequer era possivel a anulação da promessa questionada, com fundamento em erro, pois a anulação desse negocio juridico pressupõe a sua existencia e quando o autor demandou os reus ja se tinha apurado a resolução do contrato sub judice.<br>
A tese apresentada no douto parecer do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal de Justiça, funcionando nas secções civeis, pode resumir-se nas conclusões seguintes:<br>
1 - Afasta que a questão em causa seja de interpretação ou integração de contratos. Antes<br>
2 - Ela se enquadra numa suposta clausula adicional, omitida nos contratos escritos de promessa de venda de imobiliarios atraves da qual as partes tenham tornado dependente a eficacia dos contratos de uma certa rentabilidade ou de uma certa area dos predios; quer num, quer noutro caso, a convenção segundo a qual o promitente-vendedor teria garantido ao promitente-comprador um certo rendimento ou uma certa area;<br>
3 - O acordão de 1960 cita os artigos 686 e paragrafo unico do 1548 do Codigo Civil, que se referem a forma do contrato e não refere o artigo 617 do Codigo de Processo Civil actual, concerne a prova;<br>
4 - A falta de referencia do artigo 617 do Codigo de Processo Civil conduz a inexistencia de oposição entre os acordãos visados, dado que para haver oposição relativamente a mesma questão de direito e necessario que a mesma disposição legal tenham sido dadas interpretações ou aplicações opostas (Professor Alberto dos Reis, Codigo de Processo Civil Anotado, volume VI, pagina 246);<br>
5 - So considerando implicita a referencia ao artigo 617 do Codigo de Processo Civil no acordão de 1960, atraves da tese juridica que propugna, e possivel admitir a existencia de oposição, pressuposto do recurso para Tribunal Pleno;<br>
6 - Admitindo-se existir oposição relevante opina que o recurso não merece provimento, e que devera formular-se assento nos moldes seguintes:<br>
"Nos termos do artigo 617 do Codigo de Processo Civil, e licito provar por testemunhas uma clausula verbal acesssoria atraves da qual as partes hajam feito depender a eficacia de um contrato-promessa de compra e venda de imobiliarios, titulado por escrito particular nos termos do paragrafo unico do artigo 1548 do Codigo Civil".<br>
IV - Cumpre decidir.<br>
O acordão que reconheceu a existencia da oposição não impede que o Tribunal Pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario (n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil).<br>
O postulado neste preceito permite que se conheça, desde ja, em questão preliminar, da existencia ou inexistencia de oposição entre os arestos visados, alem de que a não oposição voltou a ser levantada.<br>
O pressuposto essencial, que determina o Tribunal Pleno a resolver o conflito de jurisprudencia, recai no facto de dois acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou da mesma Relação ou de relações diferentes, terem dado a mesma questão fundamental de direito soluções opostas e proferidas no dominio da mesma legislação (artigo 763 e 764 do Codigo de Processo Civil).<br>
Os acordãos consideram-se proferidos no dominio da mesma legislação sempre que durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer modificação legislativa que interfira directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida, como nos diz o n. 2 do artigo 763 do Codigo de Processo Civil.<br>
O que importa a uniformização de jurisprudencia, alvo da proclamação do assento e que surja o conflito de decisões diversas sobre a mesma questão fundamental de direito, na tese do Codigo de Processo de 1961, porquanto na do Codigo de 1939 bastava que o conflito incidisse sobre a mesma questão de direito.<br>
A captação da oposição de julgados emerge da doutrina contraria formulada nos acordãos apontados em conflito, dando interpretações ou aplicações opostas as mesmas disposições legais que decidiram a mesma questão fundamental de direito.<br>
O acordão opositor negou o aresto por considerar não constituir fundamento ao seu decretamento o facto alegado pelo requerente dele, de ter agido no pressuposto que referiu quanto ao contrato-promessa de compra dos imoveis.<br>
Mas se se admitir que o acordão tambem desatendeu o aresto com fundamento de não permitir prova testemunhal para provar qualquer condicionalismo essencial que o escrito promessa de compra não consigne, então, este fundamento tem igualmente vestes de questão fundamental de direito e surge oposição com o acordão recorrido no tocante a mesma questão fundamental de direito.<br>
E irrelevante ao objectivo da viabilidade do assento a circunstancia dos promitentes-compradores alegarem situações diferentes do convencimento em que foram induzidos pelos promitentes-vendedores: no acordão recorrido: o maior rendimento; no acordão de 1960: a menor area dos predios.<br>
Depreende-se que ambos os promitentes-compradores foram vitimas de erro-vicio por parte dos promitentes-vendedores, segundo o que afirmam, erro que pode alicerçar o pedido de anulação dos contratos, nos termos do artigo 661 do Codigo Civil, problema este alheio, neste momento a apreciação do Tribunal.<br>
As decisões dos acordãos em causa apoiaram-se na exigencia legal de escrito para a validade dos contratos de promessa de venda, consideram-se formais, nos termos dos artigos 686 e paragrafo unico do 1548 do Codigo Civil.<br>
O acordão recorrido ainda utilizou o comando do artigo 704 do Codigo Civil em abono de reputar licita a produção de prova testemunhal em ordem ao apuro da veracidade do rendimento do predio de cujo erro foi vitima o promitente comprador; e tambem declarou que não foi violado o artigo 617 do Código de Processo Civil </font><br>
<font>em resposta a arguição feita pelos recorrentes.<br>
E certo que o artigo 617 do actual Codigo de Processo não foi citado no acordão de 1960 que so poderia ser o correspondente do Codigo de Processo de 1939, então em vigor, o artigo 621, que preceituava doutrina igual a contida naquele artigo 617.<br>
Este facto não afecta o reconhecimento da oposição dos julgados, porquanto e de conceber que no acordão de 1960, na decisão, se tivesse tido implicitamente em conta o artigo 621 do Codigo de Processo de 1939, o que implica terem sido proferidos na mesma legislação.<br>
Reconhece-se, assim a existencia da oposição entre os ditos acordãos.<br>
V - O recorrido neste recurso defende que a questão em causa se confina na interpretação ou na integração do contrato-promessa de venda.<br>
Essas figuras, porem, são repelidas pois que os termos do contrato são claros e inequivocos, não havendo lugar a interpretação e as declarações negociaveis não oferecem lacunas que careçam de suprimento de integração.<br>
O que esta em causa, como atras ja se destacou e precisou e uma clausula ou estipulação verbal (sobre certo rendimento ou sobre certa area de predios) omissa no contexto do titulo do contrato-promessa de venda assinado pelos promitentes-vendedores.<br>
E esta em discussão se sobre a existencia de tal clausula e licita a produção de prova testemunhal.<br>
O contrato-promessa de compra e venda de bens imobiliarios e formal, carece de ser reduzido a escrito para conseguir relevancia juridica como impõe o paragrafo unico do artigo 1548, foge a regra do artigo 686, ambos do Codigo Civil, que determina que a validade dos contratos não depende de formalidade alguma externa.<br>
O documento substancial ou ad substantiam actus, e modo indispensavel da manifestação da vontade, sem ele não ha contrato valido.<br>
Para documentar a promessa reciproca de compra e venda de imobiliarios e escrito suficiente o assinado so pelo promitente-vendedor, em que este declara ter recebido certa importancia a titulo de sinal da prometida venda, com designação da pessoa a quem prometeu vender, determinação do preço e especificação da coisa (assento de 15 de Novembro de 1963).<br>
Alem destes elementos essenciais a existencia legal do contrato-promessa de compra e venda de bens imobiliarios os contraentes podem ajuntar as condições ou clausulas, que bem lhes parecerem que passam a formar parte integrante dos mesmos contratos, e governam-se pelas mesmas regras, excepto nos casos em que a lei ordenar o contrario (artigo 672 do Codigo Civil).<br>
O documento, ex vi do assento de 15 de Novembro de 1963, e bastante para vincular o promitente-comprador, embora este o não assine, o qual lhe e entregue em troca da importancia do sinal dado ao promitente-vendedor.<br>
Os documentos que titularam os contratos-promessas de venda visados nos dois acordãos foram assinados pelos promitentes-vendedores e são, por isso, documentos particulares nos termos respectivamente dos artigos 537 e 533 do Codigo de Processo Civil de 1939 e 1961.<br>
Tais documentos particulares foram entregues aos promitentes-compradores e foram tidos como verdadeiros, nos termos dos artigos 542 e 538 dos Codigos de Processo Civil citados, pelo que provam que os promitentes-vendedores fizeram as declarações que neles lhes são atribuidas e ainda que os factos neles insertos consideram-se exactos, na medida em que sejam contrarios aos interesses dos referidos promitentes-vendedores.<br>
Os declarantes, portanto, constituiram-se em obrigação para com os promitentes-compradores, vincularam-se ao cumprimento das obrigações, venda de seus predios, e, por sua vez os promitentes-compradores a compra-los.<br>
Os documentos valem como titulos constitutivos da obrigação, não vão mais longe, não curam da eficacia da obrigação, dos vicios que possam inquinar o acto ou facto neles contido.<br>
No dominio das vinculações derivadas das declarações dos promitentes-vendedores, os documentos tem força probatoria plena salvo se fossem arguidas de falsidade, arguição esta que respeitaria aos documentos, ex vi do determinado respectivamente nos artigos 617 e 621 dos Codigos de Processo Civil de 1939 e 1961.<br>
Essa força probatoria plena obsta a admissibilidade da prova testemunhal em contrario (contra scripturam) ou alem do conteudo (praeter scripturam) dos documentos particulares em apreço, não impedindo, contudo, que as declarações documentadas sejam impugnadas com fundamento em qualquer divergencia relevante entre a vontade e a declaração ou em qualquer vicio de consentimento.<br>
Daqui resulta que fora da esfera da eficacia probatoria material plena de tais documentos e inteiramente livre o uso da prova testemunhal, por isso se admite esta prova para efeitos interpretativos (juxta scripturam).<br>
Quer a simulação, quer os vicios de consentimento podem constituir fundamento de causa de pedir de anulação do negocio juridico ou de oposição por parte do reu, porque são factos estranhos ao conteudo do documento e não se enquadram em convenções ou clausulas contrarias ou adicionais ao conteudo dos documentos.<br>
A convicção alegada pelo promitente-comprador no acordão recorrido de que o predio que se comprometia comprar tinha o rendimento que os promitentes-vendedores lhe informaram, e bem assim a convicção invocada pelo promitente-comprador no acordão em oposição de que era maior a area dos predios, são situações que a ajustam em principio, as figuras de erro ou dolo, consoante os factos, e não são clausulas ou convenções estipuladas entre os promitentes-compradores e vendedores.<br>
As convicções citadas dos promitentes-compradores integram o motivo ou causa que intervem na formação ou determinação da vontade que os levou as prometidas compras dos predios, e, se elas foram afectadas por erro ou dolo por parte dos promitentes-vendedores, o meio idoneo atinente a faze-los vingar com projecção a anulação dos negocios juridicos, seria a respectiva acção judicial, quando ocorressem os pressupostos legais.<br>
Nos contratos formais, como são os em causa, e geralmente aceite o principio que neles devem ser insertos não so todo o conteudo do respectivo negocio juridico, como as estipulações ou clausulas essenciais, tipicas ou atipicas.<br>
Se certo rendimento e certa area dos predios actuavam no preço das compras esses elementos eram essenciais, tinham cunho de decisivos a celebração dos contratos, e, por isso deviam ter sido incluidos nos contratos escritos de promessa, como clausulas voluntarias imprescindiveis para a sua existencia material e validade juridica.<br>
O principal objectivo da lei ao impor a forma ao negocio juridico reside na melhor certeza e segurança do contrato quanto as obrigações que derivam para as partes contra os perigos da prova testemunhal bastante precaria, coagindo-as a uma maior e melhor reflexão e ponderação.<br>
Não se concebe a lei impor forma ao contrato, para melhor segurança e garantia das relações sociais, e ao mesmo tempo prejudicar esse objectivo, ao permitir a existencia de clausulas essenciais verbais e, sobre elas, autorizar prova testemunhal.<br>
Logo o requisito legal de forma abrange tambem todas as partes integrantes da declaração da vontade, as clausulas essenciais e ate as acessorias com valor relevante para as partes, donde resulta a nulidade dessas clausulas, por falta de forma, quando não integrados nos titulos escritos.<br>
Num sector da jurisprudencia e da doutrina defende-se a opinião, que se aceita, que as alterações dos contratos sujeitos a forma legal não estão subordinadas a esta forma se não forem abrangidas pela razão da exigencia dela.<br>
As invocadas clausulas verbais dos promitentes-compradores alargam o conteudo dos titulos quanto a factos essenciais: certa rentabilidade e certa area dos predios, por isso, ainda que as clausulas não fossem nulas, por omissas nos respectivos contratos, elas não podiam ser provadas por prova testemunhal repelida pelos citados artigos 617 e 621 dos Codigos de Processo de 1939 e 1961.<br>
E certo que o artigo 196 do projecto do Codigo Civil,<br>
Livro I, Parte Geral, Primeira Revisão Ministerial, consigna principios um pouco diferentes porque preceitua:<br>
"A forma legalmente exigida para a declaração negocial não estão sujeitas as estipulações acessorias anteriores ou contemporaneas da formação do documento, que não estejam em contradição com este, quando as circunstancias do caso as tornem verosimeis".<br>
Porem, como e incontroverso, o caso em debate tem de ser apreciado a luz do direito vigente.<br>
Os contratos obrigam tanto ao que e neles expresso, como as suas consequencias usuais e legais, como se afirma no acordão recorrido e e o que se estipula no artigo 704 do Codigo Civil.<br>
As clausulas usuais a que se refere o artigo 704 são as derivadas de usos de facto, que os sujeitos dos negocios juridicos habitualmente praticam, são regras gerais utilizadas e conhecidas, por isso, não são especificadas no contrato, por desnecessarias.<br>
Sobre tais clausulas não se produz prova porque se conhecem.<br>
A sombra do preceito do artigo 704 do Codigo Civil não e permitida prova testemunhal sobre materia consentida, ao que parece, no acordão recorrido, em virtude de a mesma prova ser alheia a esfera daquele preceito quando se se entenda que no ambito dele a prova testemunhal seja de captar.<br>
Desta sorte revogam o acordão recorrido com custas a cargo dos recorridos e formulam o assento seguinte:<br>
"Sobre a promessa de compra e venda de imobiliarios e inadmissivel outra prova alem do escrito do contrato, relativamente a determinação do preço e especificação da coisa, incluindo as qualidades desta".</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 4 de Março de 1966</font><br>
<font><br>
Torres Paulo (Relator) (Vencido por entender que não havia oposição pelos fundamentos constantes do meu voto de vencido no acordão da Secção) - Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Lopes Cardoso - Fernando Bernardes de Miranda - Gonçalves Pereira (Vencido quanto a oposição; votei o assento) - Oliveira Carvalho -<br>
A. Vera Jardim - Alberto Toscano (Vencido por entender que e admissivel a produção de prova para demonstração de estipulações verbais acessorias pelas quais as partes hajam feito depender a eficacia de um contrato-promessa de compra e venda de imobiliarios, titulado por escrito particular, nos termos do paragrafo unico do artigo 1 548 do Codigo Civil) - Albuquerque Rocha. Votei o assento depois de vencido quanto a revogação do acordão recorrido que confirmaria - Francisco Soares (Vencido pelas razões indicadas no voto do excelentissimo Conselheiro Alberto Toscano) - S. Carvalho Junior (Vencido pelos fundamentos do voto do excelentissimo Conselheiro Alberto Toscano).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hzJJvIYBgYBz1XKvYewB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
</font><br>
<font>A, B e a "Sociedade Portuguesa de Seguros" recorreram para o tribunal pleno do acordão deste Supremo Tribunal, tirado em reunião conjunta das suas secções, de 8 de Maio de 1974, no processo n. 64651, por o acharem em contradição sobre as mesmas questões de direito com o acordão, tambem deste Supremo Tribunal e tirado em reunião conjunta das suas secções, de 29 de Outubro de 1971, publicado no Boletim, n. 210, pagina 131.<br>
No acordão a que alude o artigo 766 do Codigo de Processo Civil, sobre a questão preliminar, considerou este Supremo Tribunal haver identidade nas situações de facto apreciadas nos dois arestos e caracterizada como segue: o condutor e simultaneamente proprietario do veiculo conduzido foi condenado na acção penal em indemnização, não houve pedido civel conjuntamente formulado nessa acção e consequentemente a Seguradora não foi nela havida como parte. E, entrando na apreciação dos dois julgados, concluiu serem contraditorios e tirados no dominio da mesma jurisdição: a) Porque num - o de 29 de Outubro de 1971 - se decidiu ser o tribunal civel incompetente em razão da materia para conhecer do pedido formulado contra o condutor e proprietario do veiculo causador do acidente, enquanto que no outro - o recorrido - se decidiu que o Tribunal civel e competente em razão da materia para conhecer, em acção autonoma, do pedido formulado contra o condutor e proprietario do veiculo causador do acidente; b) Porque no primeiro se decidiu que a sentença penal constituiu caso julgado entre o lesado e aquele reu, enquanto que no segundo se decidiu que a sentença penal não constitui, quanto a indemnização nela arbitrada, caso julgado entre os dois; e c) Porque no primeiro se decidiu que a Seguradora não pode ser condenada em indemnização de montante diferente daquele em que foi condenado o seu segurado, e portanto superior, devendo esse montante considerar-se fixado desde que, pelo menos, a Seguradora aceite paga-lo, ao passo que no segundo se decidiu que tambem a Seguradora pode vir a ser condenada na acção civel em montante diverso daquele que foi fixado na acção penal, aquele montante em que nessa acção vier a ser condenado o seu segurado.<br>
Apreciado o pedido de aclaração do acordão tirado sobre a questão preliminar, formulado pela recorrida, e produzidas alegações pelas partes, teve vista o Ministerio Publico.<br>
Pronunciou-se o Excelentissimo Senhor Procurador da Republica nos seguintes termos: a) Que se verifica efectivamente contradição de julgados quanto aos dois primeiros pontos: - o de saber se, arbitrada ao ofendido no processo penal determinada quantia como "reparação de perdas e danos", por virtude do crime resultante de acidente de viação, se verifica a incompetencia em razão da materia do tribunal civil para conhecer da acção de indemnização posteriormente intentada contra o condutor do veiculo causador, agora na qualidade de seu proprietario, e - segundo - o de determinar se a condenação definitiva proferida na acção penal constitui caso julgado quanto a "reparação" arbitrada, para o condutor do veiculo, ainda que ele seja demandado na acção de indemnização como seu proprietario; e b) Que não existe identica contradição quanto a ultima questão, pois, se e certo que o acordão de 8 de Maio de 1974 declarou expressamente não constituir a condenação do condutor caso julgado para a Companhia de Seguros sobre o montante da indemnização, o acordão de 29 de Outubro de 1971 não tomou posição no problema, baseando, sim, a condenação da Seguradora na natureza do contrato que a liga ao segurado-proprietario.<br>
Quanto aos pontos de divergencia, pronunciou-se tambem o Excelentissimo Procurador da Republica, em termos que serão apreciados na discussão.<br>
Cumpre apreciar e decidir:<br>
I - Nos termos do disposto no n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, o acordão que reconheça a existencia da oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.<br>
Importa, portanto, começar por analisar de novo a questão preliminar.<br>
Não pode constituir motivo de fundada duvida a existencia de contradição dos julgados quanto aos dois primeiros pontos, decididos no dominio da mesma legislação.<br>
Com efeito, o acordão de 29 de Outubro de 1971 decidiu ser o tribunal civel incompetente em razão da materia para conhecer do pedido formulado contra o condutor e proprietario do veiculo causador do acidente, enquanto que o acordão recorrido decidiu, pelo contrario, que o tribunal civel e competente em razão da materia para, em acção autonoma, conhecer do pedido formulado contra o condutor e proprietario do veiculo causador do acidente; e decidiu o acordão de 29 Outubro 71 que a decisão penal, quanto a indemnização arbitrada, constitui caso julgado entre o lesado e aquele reu, enquanto que o acordão recorrido decidiu que a sentença penal não constitui caso julgado entre o lesado e aquele mesmo reu.<br>
Menos liquida e a questão relativamente ao terceiro ponto.<br>
Quanto a atribuir a decisão penal eficacia de caso julgado contra a Seguradora, o acordão de 29 de Outubro de 1971 não tomou aberta posição. Escreveu-se nele que, "embora, contra o entendimento da Revista dos Tribunais (ano 74, pag. 27), se possa entender que tal condenação não constitui caso julgado para a seguradora, o certo e que esta, por virtude do contrato de seguro... não pode ser condenada em montante diferente, e, portanto, superior ao fixado para aquele".<br>
No acordão recorrido tambem se aceita que a responsabilidade da Seguradora se mede pela do segurado:<br>
"o segurador e demandado pelo pagamento da quantia coberta pela apolice para indemnização ao lesado, sendo o acto do segurado e o consequente prejuizo o risco que ele assumiu".<br>
A diferença esta em que no acordão de 29 de Outubro de 1971, pressupondo o caso julgado formado pela decisão penal entre o segurado e o lesado, se entendeu que não poderia discutir-se novamente, em acção civel, a responsabilidade da Seguradora, pelo menos quando esta aceite tal responsabilidade, e no acordão recorrido, pressupondo, diversamente, que a decisão penal não constitui caso julgado entre o segurado (condutor e proprietario do veiculo causador do acidente) e o lesado, entendeu-se que a responsabilidade da Seguradora pode ser livremente discutida na acção civel autonoma.<br>
Assim, a divergencia entre os dois arestos, no que concerne a este terceiro ponto, não estara no decidido, mas em certo pressuposto. E o pressuposto em causa - que e o de saber se a sentença penal constitui caso julgado entre o segurado (condutor e proprietario do veiculo causador do acidente) e o lesado - constitui o tema do segundo ponto em que a contradição dos arestos se verifica.<br>
Resumindo e concluindo, decide-se que os acordãos de 29 de Outubro de 1971 e recorrido decidiram, no dominio da mesma legislação, opostamente apenas os seguintes pontos:<br>
1 - Se o tribunal civel e competente em razão da materia para, em acção civel autonoma, conhecer do pedido formulado contra o condutor e proprietario do veiculo causador do acidente, no caso de haver ou ter havido contra este acção penal;<br>
2 - Se, quanto a indemnização arbitrada, a sentença penal constitui caso julgado entre o condutor, simultaneamente proprietario do veiculo, e o lesado.<br>
2. Nos termos do artigo 29 do Codigo de Processo Penal, o pedido de indemnização por perdas e danos resultantes de um facto punivel, por que sejam responsaveis os seus agentes, deve fazer-se no processo em que correr a acção penal e so podera ser feito separadamente em acção intentada nos tribunais civis nos casos previstos neste codigo.<br>
Estes casos são os do paragrafo 2 do artigo 30 - processo penal por infracção que dependa de participação ou acusação particular sem andamento por seis meses ou mais, sem culpa da parte acusadora, ou processo penal que tenha sido arquivado ou em que o reu tenha sido absolvido - e do artigo 33, que respeita a extinção da acção penal antes do julgamento.<br>
E pelos artigos 29 a 34 do Codigo de Processo Penal que o artigo 67 do Codigo da Estrada manda regular o exercicio da acção civel em conjunto com a acção penal, o que dissipa qualquer possivel duvida sobre a actualidade daqueles preceitos.<br>
Ora, Luis Osorio (Codigo de Processo Penal, volume I, pagina 323) considerou que a regra do artigo 29 tinha o precedente do artigo 10 do Decreto de 18 de Novembro de 1910. E acrescentou: "Desde que o juiz penal no processo crime devia sempre arbitrar ao ofendido a indemnização por perdas e danos, so excepcionalmente ao lesado devia ser permitido recorrer a acção civil".<br>
Noutro passo (a pagina 329) escreveu o mesmo autor: " os casos em que se pode recorrer ao processo civil são determinados neste Codigo, e o presente artigo e muito claro com o emprego do adverbio "so", não sendo possivel ampliar as excepções".<br>
Pode não se subscrever o absolutismo desta afirmação.<br>
Certos casos, como os referidos no parecer do Ministerio Publico, apesar de não contemplados nas excepções consignadas no Codigo de Processo Penal, deverão ter-se por subtraidos ao rigor da regra legal, pois, na verdade, não se poderia compreender que a decisão penal esgotasse a reparação dos danos se estes ainda não existiam ou não eram conhecidos na oportunidade da acusação ou do julgamento penal.<br>
Mas, com reconhecer que alguns desvios são de admitir ao absolutismo da regra do artigo 29 do Codigo de Processo Penal, para alem dos admitidos no proprio texto da lei, não fica justificado obnubilar o comando que deste preceito resulta e ter como dele subtraidos casos em que os pressupostos coincidem com os que enformam aquele mesmo comando.<br>
Consagrou-se no artigo 29 o principio da interdependencia ou adesão das acções penal e civil, mas com vincada dependencia da acção civil a penal.<br>
Importa, para se respeitar minimamente o sentido expresso na lei, ter presente que a regra e a da competencia do foro criminal para a reparação civil emergente de facto criminoso, como projecção do principio da suficiencia do processo penal, expresso no artigo 2 do mesmo Codigo. No foro criminal se arbitrara ao lesado indemnização, conforme o disposto nos artigos 34 e 450, n. 5, assegurando-se aos ofendidos a alternativa de requererem que a indemnização se liquide em execução de sentença, nos termos do paragrafo 3 do referido artigo 34, e outro termo de alternativa estara no exercicio de acção civil conjunta, permitida pelo artigo 67 do Codigo da Estrada.</font><br>
<font>Ora, nem no caso do acordão de 29 de Outubro de 1971, nem no caso do acordão recorrido, se verificam pressupostos que justifiquem, excepcionalmente, subtrai-los ao comando do artigo 29 do Codigo de Processo Penal, nomeadamente a inexistencia, na altura, de danos, ou o seu desconhecimento.<br>
O que sucedeu, como na maioria das hipoteses afins, foi que os lesados negligenciaram, nos dois casos, a defesa adequada das suas pretensões no foro criminal, o que não justifica a derrogação da regra de competencia tão vincadamente expressa no artigo 29 do Codigo de Processo Penal.<br>
O acordão recorrido, abonando-se com a autoridade do Professor Figueiredo Dias (conforme estudo publicado no Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, ano XVI, pagina 105) admitiu, para contrariar o anterior assento, que a indemnização arbitrada como consequencia de um facto criminoso constitui efeito penal da condenação, não tendo que coincidir, por isso, com a indemnização civil.<br>
Mas, com o devido respeito, não se reconhece que no nosso direito tenha bom cabimento a distinção.<br>
O artigo 34 do Codigo de Processo Penal alude expressamente a atribuição de uma quantia "como reparação de perdas e danos", o artigo 450, n. 5, do mesmo diploma refere igualmente a "indemnização por perdas e danos", e o artigo 75 do Codigo Penal, tratando dos efeitos não penais da condenação, alude, no n. 3, a obrigação<br>
"de indemnizar o ofendido do dano causado".<br>
Não se afigura, portanto, fundado atribuir a indemnização fixada na sentença penal, com tal objectivo, uma natureza ou uma finalidade diversas das que caracterizam a indemnização atribuida pela sentença civel para, nos termos do artigo 483 do Codigo Civil, indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação do seu direito.<br>
Alias, a terem tais indemnizações diferente natureza deveria logicamente concluir-se que a indemnização fixada na sentença penal e independente e autonoma relativamente a indemnização atribuida na sentença civel, quando na realidade, sem qualquer duvida, o juiz penal não atribuira indemnização quando houver pedido formulado em acção civel, e se houver indemnização paga por força da sentença penal descontar-se-ia certamente na quantia que fosse atribuida no foro civel, se esta tivesse maior montante.<br>
No sentido proposto e a doutrina nacional mais expressiva, so ultimamente contrariada pelos Professores Figueiredo Dias e Castanheira Neves (conferi, por necessidade de abreviar, as anotações do artigo 34 do Codigo de Processo Penal do Dr. Maia Gonçalves).<br>
Não pode constituir argumento adjuvante que o reu condutor e simultaneamente proprietario do veiculo causador dos danos tenha no processo penal a qualidade de infractor e tenha no processo civil a qualidade de proprietario responsavel pelo risco. A demonstração esta convincentemente feita no parecer do Ministerio Publico, e sera objecto de discussão a proposito da questão do caso julgado.<br>
Todavia, no mesmo bem elaborado parecer sustenta-se que o recurso ao tribunal civil não estara vedado, mas por outras razões:<br>
1 - Porque o artigo 32, paragrafo 3, do Codigo de Processo Penal manda que as provas relativas a indemnização sejam oferecidas nos mesmos prazos em que o devam ser na acção penal, e pode acontecer que o lesado não disponha dessas provas quando o Ministerio Publico deduza acusação, e ate que não tenha conhecimento da dedução da acusação;<br>
2 - Porque enquanto o direito de indemnização não prescreva não deve coarctar-se ao lesado a possibilidade de formular contra o responsavel o respectivo pedido, e para este não pode deixar de considerar-se competente o tribunal civil.<br>
Cre-se que estas razões podem eventualmente ter valia para o direito a constituir, mas que não são eficazes em face do direito de que se dispõe.<br>
Efectivamente, como antes se referiu, a nossa lei adoptou uma vincada expressão de dependencia da acção civil em relação a acção penal. A regulamentação estabelecida não se compadece com as considerações de mera razoabilidade que enformam os discutidos argumentos.<br>
Alias, a questão da disponibilidade das provas põe-se igualmente para a acção penal e para a acção civil, em ambas sendo igualmente interessado o lesado, no caso de culpa do reu (se numa se apurara o dano, na outra apurar-se-a o facto causal).<br>
Por outro lado, a lei que estabelece o prazo prescricional fixa o tempo maximo abstracto em que o direito pode ser exercido, e esse prazo cedera se alguma circunstancia o impuser: para ser indemnizado no caso de danos fundados em factos que são objecto da acção penal, exige-se do lesado um dever de diligencia que pode indirectamente sacrificar o prazo de prescrição, e talvez por isso se imponha ao juiz que fixe indemnização ainda que o lesado a não tenha requerido.<br>
Para a validade do argumento seria essencial demonstrar<br>
- e nem sequer se tentou - que o decurso do prazo prescricional tem para o criterio legal maior importancia do que a dependencia da acção civil em relação a penal ou do que o ressarcimento do lesado na acção penal.<br>
Finalmente, dir-se-ia que não parece ter bom fundamento supor criterios divergentes para atribuir indemnização na acção penal e na acção civil.<br>
O objectivo da indemnização e ressarcir danos e tem que estar presente, em termos identicos, ao juiz penal e ao juiz civil.<br>
De resto, o paragrafo 2 do artigo 34 do Codigo de Processo Penal manda observar prudente arbitrio e atender a gravidade da infracção, ao dano moral e material por ela causado, a situação economica e a condição social do ofendido e do infractor, identicos sendo os factores a que a lei civil, nos artigos 483 e seguintes, manda atender.<br>
Não se reconhece que deva haver, em materia de indemnização, um criterio penal e um criterio civil, distintos porque o primeiro deve considerar em primeira linha a gravidade da infracção. A circunstancia de a gravidade da infracção figurar em primeiro lugar na enumeração feita no paragrafo 2 do artigo 34 do Codigo de Processo Penal não assume significado especial que do texto possa inferir-se, e bem pode tomar-se como alusão ao grau de culpa, tambem atendivel no direito civil, e aos danos produzidos.<br>
Em tais termos, entende-se que, havendo acção penal, o tribunal civel e absolutamente incompetente para conhecer do pedido de indemnização formulado contra o condutor que seja simultaneamente proprietario do veiculo causador do acidente.<br>
3 - O caso julgado constituido pela sentença penal que fixou indemnização ao lesado não foi reconhecido no acordão recorrido, essencialmente porque a indemnização teria sido fixada no processo criminal em função do ilicito penal ou da culpa e sera fixada no processo civel em função do risco pelo condutor na sua qualidade de proprietario, e assim porque "os interesses causais em apreciação são diferentes nas duas hipoteses e a interpretação não pode deixar de dar satisfação a todos esses interesses que determinaram concretamente o comando juridico a observar".<br>
Ora, afigura-se que a distinção entre o condutor-infractor e o condutor-proprietario não tem bom fundamento.<br>
Ja no acordão de 29 de Outubro de 1971 se exarou, com toda a objectividade, que "tal alegação e inconsistente pois que a distinção, para efeito de responsabilidade, entre as duas qualidades - que a Revista dos Tribunais (ano 77, pagina 251) classificou de subtileza, por a qualidade juridica do condutor e do dono do automovel ser a mesma nos dois processos, visto em ambos lhe ser imputada a responsabilidade pelo acidente, assim coincidindo a identidade fisica com a juridica - não tem apoio na lei. Com efeito, no caso de culpa do condutor, que e o vertente, embora a lei estabeleça a responsabilidade dele e do proprietario pelo pagamento da indemnização devida ao lesado, tambem confere ao proprietario o direito de regresso pelo total dos danos contra aquele, o que significa ser subsidiaria ou de garantia a responsabilidade solidaria do proprietario, cujo fim e assegurar ao lesado a efectivação do seu direito de indemnização, visto o condutor poder não ter uma situação patrimonial que permita tal efectivação (Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 94, pagina 313)".<br>
Justificadamente, tambem o excelentissimo representante do Ministerio Publico neste Supremo Tribunal repudiou a tese do acordão recorrido, observando que, sendo o condutor do veiculo e o seu proprietario uma e a mesma pessoa, "a responsabilidade do proprietario - precisamente porque ele e simultaneamente o condutor - e uma responsabilidade por facto ilicito e não uma responsabilidade pelo risco. E, porque os elementos a atender na fixação da indemnização são então coincidentes (Codigo Civil, artigos 494 e 496), não se ve que a mesma pessoa possa ser condenada em indemnizações diferentes".<br>
Na verdade, infundado e admitir conclusão diversa, com base em especulação juridica que obnubila as realidades. E esquecendo tambem que a causa de pedir nas acções por acidente de viação e o complexo constituido pelo dano e pelos factos constitutivos da responsabilidade, sejam a culpa ou o risco (confere Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2. edição, volume I, pagina 562,<br>
Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 103, pagina 511, e os acordãos deste Supremo Tribunal, de 14 de Maio de 1971, no Boletim, n. 207, pagina 155, e de 15 de Outubro de 1971, no Boletim n. 210, pagina 116).<br>
Para o Excelentissimo Senhor Procurador da Republica havera ou não caso julgado constituido pela sentença penal consoante tenha ou não sido formulado na acção penal o pedido de indemnização. Se não foi formulado um pedido, não havera a repetição de causas requerida pelo artigo<br>
497 do Codigo de Processo Civil.<br>
Não parece, todavia, que a tese esteja de acordo com os principios enformadores do nosso Codigo de Processo Penal, nos preceitos interpretandos.<br>
Com efeito, seguramente por influencia da escola positiva, pressupõe-se que a reparação do dano causado ao lesado importa tambem, a sociedade, importa ao Estado, como meio de defesa social e de reposição do seu equilibrio. E dai que, estabelecido o principio da suficiencia do processo penal, conforme o disposto no artigo 2 daquele Codigo, se pretenda esgotar em tal processo a questão da reparação ao lesado - com a colaboração deste, se for diligente, ou por acção publica (atente-se, a proposito, na vincada expressão conferida ao artigo 29 pelo adverbio "so"). Muitas são, alias, as razões que militam para a preferencia quase absoluta dada ao foro criminal " alem de serem as que sempre influiram no criterio do nosso legislador" (conforme o artigo 2 373 do Codigo Civil de 1867 e o Comentario de Cunha Gonçalves, volume XII, paginas 644 e seguintes).</font><br>
<font>A formulação de um pedido pelo lesado não constitui, assim, pressuposto indispensavel de caracterização da repetição de causas. Bem podera ate entender-se que a formulação da acusação em processo penal, constituindo pedido de condenação do infractor, leva implicito o pedido de indemnização para o lesado, ja que a lei sempre a esta impõe em consequencia daquela.<br>
De todo o modo, o que a excepção do caso julgado tem por fim e "evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior", como dispõe o artigo 497, n. 2, do Codigo de Processo Civil. E este e que constituira o escopo ou criterio que permitira a resolução das duvidas, como dispunha o paragrafo unico do artigo 501 do Codigo de Processo Civil de 1939 e tera de continuar a entender-se.<br>
Ora, desde que o tribunal penal tem o dever de atribuir indemnização que repare os danos sofridos pelo lesado, necessariamente lhe compete investigar a extensão desses danos, discuti-los e fixar a reparação segundo os criterios legais.<br>
A coincidencia, no fundamental, destes criterios (em processo penal e em processo civil), ja antes apontada, e bem assim da causa de pedir e do pedido não pode deixar de traduzir-se, para a acção civel, numa repetição da investigação, da discussão e da decisão, com a consequencia de repetir ou de contradizer a decisão proferida na acção penal.<br>
Havera então uma verdadeira repetição de causas.<br>
Nesta ordem de ideias se pronuncia tambem o Dr. Pinheiro Farinha (Codigo de Processo Penal, 2. edição, pagina 60) ao definir o regime legal nos seguintes termos: a indemnização devida pelo condutor ha-de ser fixada no processo crime quando ai for condenado. Tal indemnização e inalteravel quanto a ele em qualquer causa posterior, a que não pode ser chamado como parte.<br>
Conclui-se, pelo exposto, que a sentença penal constitui caso julgado, quanto ao montante da indemnização, contra o lesado, tenha ou não formulado pedido civel, e contra o condutor, ainda que ele seja tambem proprietario do veiculo causador do acidente.<br>
4 - Considerando o disposto nos artigos 660 e 288 do Codigo de Processo Civil, poderia concluir-se que, optando pela tese da incompetencia absoluta do tribunal civel, não haveria ja lugar a conhecer da excepção peremptoria do caso julgado.<br>
Porem, o artigo 768, n. 3, do mesmo Codigo impõe a decisão do conflito de jurisprudencia " ainda que a resolução do conflito não tenha utilidade alguma para o caso concreto em litigio", o que se entende como prevalencia do objectivo de por termo ao conflito de jurisprudencia sobre o da resolução do caso concreto.<br>
Acresce ser de certo modo fundado no caso julgado constituido pela sentença penal que se conclui pela incompetencia absoluta do tribunal civel, ou e tambem por esse fundamento que assim se conclui.<br>
São estas as razões determinantes da discussão e da resolução dos dois temas.<br>
5 - Nestes termos, revogando, em parte, o acordão recorrido, julgam o tribunal comum incompetente em razão da materia, absolvem o reu A da instancia e tiram o seguinte "assento":<br>
"O tribunal civel e incompetente em razão da materia para a acção de indemnização proposta contra o condutor, e simultaneamente proprietario do veiculo, por danos resultantes de acidente de viação, quando na acção penal contra ele movida tenha sido proferida condenação a indemnizar.<br>
A decisão penal constitui caso julgado, quanto a indemnização arbitrada, entre o condutor, ainda que simultaneamente proprietario do veiculo, e o lesado".<br>
Custas pelos recorrentes, 1/3, e pela recorrida 2/3.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 28 de Janeiro de 1976</font><br>
<br>
<font>Eduardo Arala Chaves (Relator) - Daniel Ferreira - Jose Garcia da Fonseca - Jose Montenegro - Amadeu de Carvalho<br>
- Eduardo Correia Guedes - Jose Antonio Fernandes - João Moura - Ferreira da Costa - Miguel Caeiro - Avelino Costa Ferreira Junior - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos (Vencido. Votei que se firmasse assento no sentido em que decidiu o acordão de 8 de Maio de 1974 (Boletim, n. 237, pagina 201). Entendo que e diferente a qualidade juridica em que e chamada a mesma pessoa, como autor de um ilicito penal ou como criadora do risco da circulação de um veiculo automovel, sendo diferentes as fontes de que emergem o direito as respectivas indemnizações (culpa e risco); afiguram-se-me, tambem, diversos os objectos da acção penal e o da acção civel, finalmente, creio que a solução que defendemos asseguraria melhor o interesse dos lesados e evitaria a grave duvida que a doutrina agora imposta deixa em aberto, relativamente a exigencia do montante da indemnização a companhia seguradora, contra a qual não se ve possibilidade, nestes casos, de executar a sentença penal).<br>
Oliveira Carvalho (Vencido pelas razões constantes do voto que antecede).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ijIOvIYBgYBz1XKvR4QO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Por apenso à execução com processo ordinário para pagamento de quantia certa que A, Limitada, move a B, Limitada, e a C, veio a viúva deste, D, deduzir embargos de terceiro pedindo o levantamento da penhora que incidiu sobre a sua propriedade de 1/3 de quatro prédios urbanos que identifica.<br>
Em resumo articulou que foi casada com o já falecido executado C, segundo o regime de bens da comunhão de adquiridos; a execução tem, como títulos executivos, letras aceites por B, Limitada, com aval do C; no processo apenso, igualmente de embargos de terceiro, deduzidos, também, pela ora embargante e, ainda, por sua mãe E, a exequente nomeou à penhora a propriedade plena de 1/3 desses mesmos prédios urbanos; procedentes esses embargos, foi então que a exequente veio a nomear à penhora a sua propriedade de 1/3 de tais prédios; prédios que pertenceram, em propriedade plena, à dita E que, por escritura de 4 de Junho de 1959, os doou, na proporção de 1/3 para cada uma às suas filhas D, F e G, com reserva para si do usufruto vitalício; face ao regime de bens convencionado, os imóveis penhorados não constituem bens comuns do casal; a embargante não teve intervenção nas letras; a dívida de seu falecido marido adveio do aval que prestou por puro favor e sem proveito algum para o casal; seu marido não era comerciante mas administrador de empresas; e a decretada penhora ofende a posse da embargante nos ditos imóveis, que, por si e antepossuídores, exerce há mais de 40 anos.<br>
A exequente contestou. O C era sócio e gerente de B, Limitada, e era da sua actividade comercial e industrial que vivia o casal. O aval foi essencial para o crédito concedido pela exequente à sociedade também executada, sendo o C comerciante e como tal figurando na convenção antenupcial. Esta, porém, não foi levada ao registo comercial. Para além disso, à morte de um dos cônjuges, de harmonia com tal convenção, o regime da comunhão de adquiridos passava ao regime da comunhão geral, pelo que sempre a penhora foi bem ordenada.<br>
Na resposta, a embargante manteve que seu marido nunca exerceu a actividade de comerciante, não era aplicável ao caso o disposto no artigo 10 do Código Comercial e concluiu como na petição inicial.<br>
Por despacho de folhas 30 verso e seguintes foi ordenada a notificação da embargada para juntar certidões sobre a convenção antenupcial celebrada entre a embargante e o marido tinha sido levada ao registo comercial e se à data do casamento e da aposição do aval o marido detinha registada a qualidade de comerciante. Ambas as certidões, negativas, estão juntas a folhas 36 e 37.<br>
Foi proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, julgou os embargos procedentes, ordenando o levantamento da penhora e o cancelamento dos respectivos registos.<br>
Apelou sem êxito a embargada pelo que, neste recurso de revista que interpôs, pretendendo a improcedência dos embargos ou o seu prosseguimento através de produção de prova, posteriormente até já surgida com a sentença de habilitação de herdeiros, concluiu assim as alegações:<br>
O executado e a embargante casaram em 21 de Maio de 1947 com precedência de convenção antenupcial, ou seja no domínio do Código Civil de 1867, cujo regime supletivo, era o da comunhão geral, nos termos do artigo 1098, porém tal convenção só era oponível a terceiros, quando um dos outorgantes fosse comerciante, desde que levada ao registo respectivo - o que não aconteceu - nos termos do artigo 57 do Código Comercial e do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de<br>
Dezembro de 1942, versando um caso idêntico ao dos autos;<br>
Ora ao tempo o executado era comerciante, como ele próprio reconheceu na dia convenção antenupcial - o que constituía já na altura prova plena nos termos dos artigos 2425 do Código Civil de 1867 e 530 do Código de Processo Civil de 1939, ambos estão em vigor;<br>
A publicidade do registo destina-se essencialmente a prevenir os credores como é sobejamente sabido e resultava já do artigo 1 do Código de Registo Comercial, portanto foram bens penhorados os bens doados à embargante por sua mãe por escritura de 4 de Junho de 1959;<br>
Acresce que sempre o regime de bens seria o da comunhão geral, pois que foi convencionado entre os nubentes que esse regime passaria a existir relativamente a bens imobiliários desde que um deles ao falecer deixasse filhos;<br>
Ora uma das condições (o falecimento do executado) já estava provada e assente, e a outra (a existência de filhos) pode ser provada até ao encerramento da discussão em primeira instância - o que ainda não ocorreu, visto os embargos terem sido julgados no despacho saneador (n. 2 do artigo 523 do Código de Processo Civil); e tal despacho só podia ser proferido nos termos em que o foi (conhecimento directo do pedido) se o processo contivesse todos os elementos para uma decisão conscienciosa, nos termos do n. 1 alínea c) do artigo 510 do Código de Processo Civil - o que não era o caso; com efeito a embargada tinha afirmado que o executado deixara filhos (afirmação aliás não desmentida pela embargante) pelo que, como se fizera para a prova do registo daquele como comerciante, só se devia ter proferido tal despacho depois de esgotadas as diligências para a prova dessa afirmação (existência de filhos), necessariamente morosa e difícil para quem vive longe de um aglomerado urbano como é o do Porto, populoso e servido por diversas Conservatórias do Registo Civil.<br>
Com as alegações juntou a recorrente certidão da referida sentença de habilitação de herdeiros.<br>
Respondeu a embargante sustentando a decisão e pronunciando-se pelo desentranhamento do documento junto pela embargada com as alegações.<br>
Nada requereu o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal.<br>
São os seguintes os factos tidos como provados:<br>
O executado C deu à aceitante das letras exequendas o seu aval (documentos de folhas 4, 5, 8, 12, 16 e 19 da execução apensa); a embargante contraiu casamento católico com o C em 21 de Maio de 1947 (documento de folhas 6 e 7 do apenso A); por convenção antenupcial celebrada em 14 de Maio de 1947 foi acordado o seguinte regime de bens:<br>
1) o casamento é com separação de bens;<br>
2) a separação abrange tanto os bens que eles, esposados, actualmente possuem e levam para o casal como os que durante o casamento lhe advierem por sucessão ou por qualquer título gratuito ou por direito próprio anterior;<br>
3) os bens a que se refere o número anterior ficam a ser considerados a todo o tempo próprios do cônjuge a quem pertencerem ou por cuja cabeça advierem;<br>
4) entre eles futuros cônjuges só haverá comunhão nos bens imobiliários adquiridos por título oneroso;<br>
5) não entrarão, porém, na comunhão os bens advindos por troca ou subrogação dos bens próprios de qualquer deles futuros cônjuges, pois esses ficarão no lugar dos alheados;<br>
6) Se à data do falecimento de qualquer dos cônjuges houver filhos, todos os bens imobiliários adquiridos durante a constância do matrimónio, seja qual for a forma da sua proveniência e seja qual for o cônjuge que os tenha adquirido, serão divididos em duas perfeitas meações, uma que pertencerá ao cônjuge sobrevivo e a outra que será subdividida pelos representantes do falecido (documento de folhas 8 a 11 do apenso A); por escritura de 4 de Junho de 1959, à embargante e suas irmãs F e G foram doados, por sua mãe E, em comum e em partes iguais, os bens penhorados a folha 64 verso - 1/3 da raiz dos prédios urbanos identificados a folha 60 e verso da execução apensa, reservando a doadora para si, enquanto for viva, o usufruto desses prédios (escritura de folhas 12 a 22 do apenso A); o executado C, marido da embargante, faleceu em 3 de Julho de 1988, a referida convenção antenupcial não foi registada, nem consta que, na qualidade de comerciante, o executado C estivesse registado (documentos de folhas 36 e 37).<br>
Antes de mais há que tomar posição sobre o documento que a recorrente juntou com as alegações. Trata-se da sentença de habilitação de herdeiros, proferida no respectivo apenso à execução de que o presente processo de embargos também é apenso. De tal sentença, datada de<br>
6 de Fevereiro de 1995 e que transitou em julgado, consta que herdeiros do executado C foram sua viúva e os filhos do casal H e I, ambos de apelidos .....<br>
Porém a I faleceu em 1990 no estado de solteira, sem descendentes e testamento. Pelo que, para a execução prosseguir seus termos, foram declarados habilitados como únicos herdeiros do executado C a sua viúva e o filho H. <br>
Tendo o acórdão recorrido sido proferido em 5 de Dezembro de 1994, não há dúvida de que a mencionada sentença de habilitação lhe é posterior.<br>
E tanto basta para que o documento tenha de ser admitido, uma vez que o artigo 727 do Código de Processo Civil estabelece que com as alegações se pode juntar documentos supervenientes, embora sem prejuízo do disposto no n. 2 do artigo 722 e no n. 2 do artigo 729 do mesmo Código.<br>
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente, esta afirma que o executado C era comerciante, a convenção antenupcial que celebrou com a embargante não foi levada ao registo comercial e, atenta a data do seu casamento, na vigência do Código Civil de 1867 o regime de bens supletivo era o da comunhão geral.<br>
Efectivamente da certidão do registo de casamento do executado C com a embargante, que se encontra a folhas 6 e 7 do processo apenso dos embargos de terceiro proposto pela aqui embargante e por sua mãe, consta que o casamento foi celebrado "em regime de separação de bens, conforme escritura antenupcial lavrada nas notas do Notário Doutor J, da cidade do Porto, cujo extracto se encontra arquivado junto ao respectivo processo preliminar, na referida Conservatória (2. Conservatória do Registo Civil do Porto).<br>
Nessa certidão indica-se ter o C a profissão de comerciante o que também consta da identificação do mesmo na convenção antenupcial.<br>
É certo que já o artigo 49 n. 2 do Código Comercial determinava que ficavam sujeitas ao registo comercial as escrituras antenupciais dos comerciantes - situação que se mantém face ao artigo 2 alínea b) do vigente Código de Registo Comercial - e tal convenção não foi levada a esse registo.<br>
Mas é de ter em conta que, conforme a primeira parte do artigo 47 do Código Comercial, a matrícula dos comerciantes em nome individual era facultativa e, de harmonia com disposto no artigo 48 do mesmo Código, os comerciantes em nome individual não matriculados não podiam fazer inscrever acto algum no registo comercial.<br>
E encontra-se provado - certidão a folha 36 verso - que o executado C não esteve matriculado como comerciante.<br>
Estipula o artigo 13 n. 1 do Código Comercial que são comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão.<br>
Daí que não chegue para o executado C ser considerado comerciante, que venha assim identificado na certidão do registo do seu casamento e na escritura de convenção antenupcial.<br>
Isto porque, conforme a primeira parte do artigo 530 do Código de Processo Civil de 1939, os documentos autênticos oficiais e extra-oficiais faziam prova plena apenas quanto à verdade dos factos praticados pela autoridade e funcionário público respectivo e quanto à verdade dos factos que se passaram na sua presença ou de que ele se certificou e podia certificar-se. O que não é o caso relativamente à profissão de comerciante do C, pois podia demonstrar-se, por qualquer meio, que não correspondia à verdade - segunda parte do dito artigo 530.<br>
Ao fim e ao cabo tal artigo 530 corresponde ao que estabelece o n. 1 do artigo 371 do Código Civil vigente.<br>
Acresce que a qualidade de comerciante será conclusão a extrair da matéria de facto alegada e provada. Ora nesse aspecto apenas há a afirmação da embargada de que o executado era comerciante e assim figura como identificado na convenção antenupcial. O que, manifestamente, não chega para se apurar que praticava actos de comércio objectivos, em actividade regular e sistemática, por forma a poder dizer-se que fazia disso profissão.<br>
Pelo que não existe matéria de facto para qualificar como comerciante o executado C - neste sentido o Conselheiro Pedro Macedo, Manual de Direito das Falências, vol. I, página 116 e acórdão deste Tribunal de 12 de Junho de 1986 no Bol. 358, Página 558.<br>
É certo que a recorrente ainda afirma que o referido executado era sócio gerente da também executada B, Limitada. Mas essa qualidade de sócio gerente não lhe confere o título de comerciante - neste sentido, entre outros, os professores Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, vol. I, página 171, e Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial,<br>
1973, páginas 142 e seguintes, e os acórdãos deste Tribunal de 20 de Março de 1970 e de 19 de Novembro de 1987, respectivamente no Bol. 195, página 241, e 371, página 473, e de 29 de Março de 1993, na Col. (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça) ano I, tomo III, página 43.<br>
Face ao que se deixou exposto, é irrelevante a invocação do Assento deste Tribunal, de 28 de Dezembro de 1942, segundo o qual a escritura antenupcial, em que apenas um dos cônjuges é comerciante, só produz efeitos para com terceiros desde a data do seu registo comercial, já que não vem demonstrado que o executado C fosse comerciante.<br>
Apreciando, agora, o regime de bens do casamento da embargante com o falecido executado.<br>
A convenção antenupcial foi celebrada em 14 de Maio de 1947, na vigência do Código Civil de 1867, que dispunha, no artigo 1096, ser lícito aos esposos estipular, antes da celebração do casamento, e dentro dos limites da lei, tudo o que lhes aprouvesse relativamente aos seus bens. E das suas cláusulas constata-se que pretenderam casar-se com simples comunhão de adquiridos - artigo 1130 do dito Código Civil - uma vez que só seriam bens comuns os imobiliários adquiridos por título oneroso.<br>
Com base, porém, na cláusula inserta na convenção antenupcial acima transcrita sob o n. 6 entre os factos assentes, defende a embargada que passou a existir o regime da comunhão geral de bens quanto aos imóveis, uma vez que à morte do executado havia filhos do casal.<br>
É certo que a existência de filhos se encontra agora provada em harmonia com a certidão de sentença de habilitação de herdeiros que a recorrente juntou com as alegações.<br>
Mas, com o devido respeito, isso não significa que entre os cônjuges tivesse vigorado o regime de bens da comunhão geral.<br>
Entre eles foi estipulada, apenas, uma cláusula para a partilha de bens imóveis, para o caso de dissolução do casamento por morte, havendo filhos do casal - ver Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Cod. Civ.<br>
Anot., volume IV, 2. edição, página 414. Cláusula que se encontra expressamente admitida no artigo 1719 n. 1 do Código Civil vigente. E que não era proibida pelo citado artigo 1096 do Código Civil de 1867, mesmo porque não alterava a ordem legal da sucessão dos herdeiros legitimários - artigo 1103 deste referido Código. E à qual se referiu o Professor Braga da Cruz, em Problemas Relativos aos Regimes de Bens do Casamento...; no Novo Código Civil, no Bol. 52, páginas 341 e seguintes, nomeadamente a páginas 350 e 351.<br>
Daí que, face à convenção antenupcial, os bens penhorados, apesar de terem sido próprios da embargante, deverão, com os demais imóveis do casal que eventualmente existam, ser partilhados como se o casamento tivesse sido realizado sob o regime de bens da comunhão geral.<br>
No entanto isso não autoriza a penhora nos bens tal como foi ordenada.<br>
Como se viu, o executado C faleceu em 3 de Julho de 1988.<br>
A penhora foi decretada, como se refere nos autos - artigos 4 da petição e 12 da contestação - depois da procedência dos anteriores embargos de terceiro, portanto já após o falecimento do executado.<br>
Ora as relações patrimoniais entre os cônjuges cessaram pela dissolução do casamento, pelo que cabe à embargante receber a sua meação no património comum de harmonia com o clausulado na convenção antenupcial, sendo a herança do executado para os respectivos herdeiros, no caso a embargante e o filho, também de nome C - artigos 1688 e 1689 do Código Civil.<br>
Não consta que tenha havido partilha.<br>
Por isso a tal caso se aplicam as regras da compropriedade, atento o disposto no artigo 1404 do Código Civil - acórdão deste Tribunal, de 16 de Julho de 1971,, no Bol. 209, página 160, favoravelmente anotado pelo Professor Vaz Serra na R.L.J., ano 105, página 160.<br>
A execução foi intentada contra B, Limitada, e contra o falecido C, prosseguindo agora, em representação deste, contra a embargante e o filho do casal, mas como herdeiros daquele. A embargante, por si, não é executada.<br>
Não é aqui aplicável o disposto no n. 2 do artigo 825 do Código de Processo Civil, uma vez que o casamento se dissolveu com o óbito do executado.<br>
Há que atender, antes, à norma do artigo 824 do dito Código de Processo Civil, mas estando os bens indivisos e não sendo a embargante, por si, também demandada na execução, não é possível penhorar os próprios bens que se incluem no conjunto da sua meação e da herança do seu marido.<br>
Termos em que se decide negar a revista com custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 5 de Dezembro de 1995.<br>
César Marques,<br>
Pais de Sousa,<br>
Fernando Fabião,<br>
Fernandes de Magalhães,<br>
Martins da Costa. (vencido, conforme declaração que junto).<br>
Declaração de voto de vencido, no processo n. 87312.<br>
Salvo o devido respeito, parece-me que seria de conceder a revista, julgando-se os embargos improcedentes, pelas seguintes e sumárias razões:<br>
Falecido o executado e devendo ser partilhados todos os bens como bens comuns do casal, a penhora de alguns deles não ofende já a posse da embargante, por motivo de tais bens se integrarem numa universalidade indivisa de que são contitulares a embargante, como meeira e herdeira, e um filho do executado, como herdeiro, e até porque os embargos se baseavam num fundamento (a titularidade da embargante sobre os bens penhorados) que se não verifica (artigo 1037 do Código de Processo Civil).<br>
Estando a embargante e o filho habilitados como únicos herdeiros do executado, a execução prossegue contra eles, o que permite a penhora de bens daquela universalidade (artigos 824 do dito Código e 2017 do Código Civil).<br>
É certo que a embargante e o filho poderão proceder à partilha dessa universalidade para integração da meação e dos quinhões com determinados bens, bem como poderá porventura surgir a hipótese de o valor da meação que caberia ao executado ser inferior ao dos bens penhorados ou ao da quantia exequenda, o que poderá vir refletir-se na própria execução, mas essas são questões que não cabe apreciar nestes embargos.<br>
José Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
lzJMvIYBgYBz1XKv2_Nc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font><br>
"A, Limitada", já identificada, recorreu, para Tribunal Pleno do acórdão proferido nestes autos e publicado no Boletim, n. 110, a páginas 447, que decidiu ser válida a cláusula incluida na alínea b) do artigo 2 da apólice que titulou o contrato de seguro que fez com a Companhia de Seguros "B", ora também recorrida.<br>
Alegou os seguintes fundamentos:<br>
Na alínea b) da referida cláusula, estipulou-se que "a garantia consignada no artigo anterior e seu parágrafo não compreende, em caso algum, a responsabilidade por prejuízos ou danos causados aos empregados, assalariados ou mandatários, em serviço do segurado".<br>
No acórdão recorrido, decidiu-se que esta disposição tem de considerar-se válida e a produzir todos os efeitos legais, por não ofender qualquer das normas reguladoras dos contratos de seguro.<br>
No acórdão de 24 de Maio de 1957 - Boletim, n. 67, a páginas 474 - decidiu-se que são nulas, por contrárias a princípios de interesse e ordem pública, as cláusulas das apólices de seguro da responsabilidade por acidente de viação limitativas do risco, dele excluido o sofrido pelos empregados ao serviço do segurado.<br>
Ambos os acórdãos foram proferidos no domínio do Código da Estrada, aprovado por Decreto-Lei de 30 de Maio de 1930, e ambos se referem a contratos de seguro da responsabilidade por acidentes de viação.<br>
Daí, ter de concluir-se que se verifica a oposição exigida como condição de admissão do presente recurso.<br>
Quanto ao seu merecimento alegou:<br>
Na alínea d) do artigo 138 do Código da Estrada, vigente à data do acidente, dispunha-se que "as pessoas ou entidades civilmente responsáveis pela indemnização a que este Código se refere poderão transferir a sua responsabilidade para quaisquer companhias de seguros devidamente autorizadas".<br>
Na base deste recurso, está o problema de decidir o que significa "transferir a responsabilidade".<br>
Transferir é transmitir um direito ou uma obrigação de que se é sujeito, isto é, colocar outrem na posição jurídica que se ocupa.<br>
Com a transferência, investe-se uma pessoa na qualidade jurídica de outrem.<br>
Este conceito de transferência preside aos contratos de seguro, como se vê do artigo 1 das condições gerais da apólice de seguro automóvel, onde se diz que:<br>
"A Companhia garante por esta apólice a responsabilidade civil pelas indemnizações que possam ser exigidas ao segurado, por prejuízos ou danos causados a terceiros...".<br>
Certo, que o artigo 2 das mesmas condições gerais, na sua alínea b) exclui os acidentes causados aos empregados, assalariados ou mandatarios em serviço de segurado.<br>
E isto - diz-se - porque eles estão ao abrigo das disposições da Lei n. 1942, de 27 de Julho de 1936, e não são terceiros, em virtude de estarem ligados à entidade patronal por uma relação jurídica de trabalho.<br>
E ainda porem o legislador quis evitar o absurdo de estar mais protegido o assalariado vítima do acidente de viação do que o que fosse vítima do acidente de trabalho.<br>
No acórdão de 24 de Maio de 1957, decidiu-se que os empregados ao serviço do segurado não deixam de ser terceiros, para o efeito de terem direito à indemnização.<br>
No recorrido, seguiu-se opinião contrária e afirmou-se que a cláusula mencionada não limita o risco, nem contraria a finalidade do contrato de seguro, limitando unicamente o seu campo de aplicação.<br>
Mas não parece que seja correcta a decisão.<br>
O risco é o próprio seguro e o campo do seguro é o quantitativo deste, os factos ou probabilidades que se encaram, o periodo de tempo, o local, etc...<br>
Quer isto dizer que, no seguro da responsabilidade civil, se pode limitar o quantitativo da indemnização, excluir os danos produzidos por condutores embriagados ou não habilitados, os acidentes fora da via pública, etc..<br>
O que significa que se circunscreve o âmbito do recurso, que é o do risco, excluindo os factos ilícitos que socialmente repugnam ao seu fim.<br>
Mas isto faz-se porque a lei reconhece aquelas circunstâncias definidoras do risco.<br>
Em resumo: Permitindo a alínea d) do artigo 138, já citado, a transparência da responsabilidade civil do dano causado por viatura automóvel por meio de seguro, fica o segurador a ocupar a posição de segurado.<br>
Definido na lei o risco - responsabilidade civil por prejuízos causados a qualquer pessoa - tem de concluir-se que esta expressão "qualquer pessoa" foi substituida pela de "terceiros", no contrato de seguro.<br>
E entender-se que, quando na apólice se diz que o segurador assume a responsabilidade civil que possa ser exigida ao segurado por danos causados a terceiros, se quis dizer danos causados a qualquer pessoa.<br>
Excluindo os assalariados, o risco legalmente transferido foi limitado o que torna nula a dita cláusula.<br>
Por outro lado, o contrato de seguro baseia-se na boa fé.<br>
Desde que o segurador se obrigou até ao quantitativo das respectivas apolices, assegurou a tranquilidade do segurado até àqueles limites.<br>
Por isso, em face de disposição passível de duas interpretações - como resulta dos dois acórdãos em confronto - deve ser seguida aquela que melhor corresponde ao resultado que se pretendeu obter.<br>
Deve, consequentemente, revogar-se o acordão recorrido e julgar-se nula a cláusula referida.<br>
Os recorridos sustentam que o recurso não merece provimento.<br>
Os contraentes podem ajuntar aos seus contratos as condições ou cláusulas que bem lhes parecerem - artigo 672 do Código Civil.<br>
Nos contratos de seguro, também o artigo 427 do Código Comercial estabelece igual permissão.<br>
A cláusula referida não contraria qualquer principio de interesse e ordem pública.<br>
No citado artigo 138, o fim visado foi o de que o lesado tivesse direito a exigir uma indemnização.<br>
E a dita cláusula não lhe tolhe esse direito, pois pode exigir a indemnização de responsável.<br>
Considerar nula a cláusula seria impor ao segurador uma responsabilidade sem contrapartida do respectivo prémio.<br>
No douto parecer do ilustre magistrado do Ministério Público, sustenta-se a validade da cláusula em questão:<br>
O problema em debate situa-se no campo dos elementos acidentais dos contratos.<br>
Relativamente a estes elementos, o artigo 672 do Código Civil permite que aos contraentes podem ajuntar aos seus contratos as condições ou clausulas que bem lhes parecerem".<br>
Estas cláusulas são largamente usadas nos contratos de seguro e, por esta razão, o legislador do Código Comercial dispôs no seu artigo 427 que "O contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da referida apólice não proibidas pela lei".<br>
Esta expressão "não proibidas pela lei",deve entender-se como equivalente a "não contrárias à lei" usada nos artigos 671, n. 4, 672 e 1743 do Código Civil.<br>
Serão assim proibidas não só as cláusulas contra disposições legais expressas, mas também as que contrariem princípios de interesse e ordem pública ou qualquer preceito legal.<br>
Inversamente,são válidas não só as cláusulas expressamente permitidas, mas também as não proibidas por lei.<br>
Deste modo, o problema em debate resume-se em averiguar se a cláusula que exclui os empregados do segurado contraria ou não qualquer preceito legal.<br>
O acórdão de 24 de Maio de 1957 contem doutrina perfeitamente certa para os seguros obrigatórios; já assim se não pode porem entender no caso de seguros facultativos.<br>
Nestes, o responsável pode transferir ou não a sua responsabilidade e, no caso afirmativo, transferi-la total ou parcialmente.<br>
A proposito desta exclusão - do consignado na alínea b) do artigo 2 da apólice - informa a Inspecção Geral de Seguros que não só a aprove mas até exige a sua inclusão nas apólices respectivas.<br>
Isto para dar maior relevância ao regime condicionado de seguros por acidentes de trabalho e para evitar que as mesmas responsabilidades sejam cobertas por mais de uma apólice, com a consequente acumulação de indemnizações.<br>
De tudo decorre que deve adoptar-se a solução da validade das ditas cláusulas, dando ao contrato bilateral de seguro um conteúdo mais harmónico com o princípio de autonomia da vontade das partes.<br>
E deve negar-se provimento ao recurso e formular-se assento com a doutrina seguinte:<br>
"São válidas as cláusulas de seguros facultativos que excluem as garantias, os danos e prejuízos causados a empregados, assalariados ou mandatarios em serviço do segurado".<br>
Tudo visto:<br>
Os acordãos recorrido e o invocado em oposição, ao resolverem a mesma questão fundamental de direito -<br>
- validade das cláusulas que, nos contratos de seguro da responsabilidade por acidentes rodoviários excluem os empregados, assalariados ou mandatários em serviço do segurado - assentaram em soluções opostas.<br>
No acórdão recorrido, decidiu-se que tais cláusulas eram válidas, por não ofenderem qualquer preceito legal; no invocado em oposição, decidiu-se que eram nulas, por irem de encontro a princípios de interesse de ordem pública.<br>
Ambos os acordãos foram proferidos no domínio da mesma legislação e se destinaram a interpretar a amplitude da tranferência permitida pelo artigo 138 do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n. 18406, de 31 de Maio de 1930.<br>
Presume-se transitado o acórdão invocado em oposição, que foi proferido em processo diferente do agora submetido a julgamento.<br>
Verificam-se assim todas as condições da admissão do recurso para o Tribunal Pleno, como foi decidido no douto acordão da secção.<br>
As cláusulas, cuja validade se discute são elementos acidentais do contrato de seguro realizado entre a recorrente e a recorrida "B".<br>
Estes elementos acidentais, normalmente chamados cláusulas acessórias, são estranhos ao conteúdo necessário dos contratos e servem para os contraentes os ajustarem melhor às suas necessidades.<br>
Nem porem todos os contratos admitem a inclusão de cláusulas acessórias.<br>
São os contratos de conteúdo fixo - o casamento, por exemplo - em que a autonomia da vontade dos contraentes se circunscreve a possibilidade de contratar, mas não à possibilidade de contratar desta ou daquela maneira.<br>
Tem portanto, e em primeiro lugar, de se averiguar se o contrato de seguro é ou não um contrato de conteúdo fixo, isto é, se admite ou não a possibilidade de os contraentes lhe ajuntarem cláusulas acessárias.<br>
O contrato de seguro vem definido no artigo 1538 do Código Civil, como sendo o contrato aleatório em que uma das partes se obriga a uma prestação certa e a outra a prestar ou fazer alguma coisa em retribuição, dado um determinado evento incerto.<br>
Desta definição logo resulta que hão-de ser as partes que têm de especificar o evento que há-de produzir a obrigação de prestar ou fazer.<br>
E especificar o evento é individualiza-lo em função de circunstâncias a fixar pelos contraentes.<br>
São ainda os contraentes que hão-de determinar o conteúdo da prestação ou a coisa que uma das partes tem de fazer em retribuição.<br>
A lei diz "a fazer alguma coisa"; não diz a coisa que se há-de fazer, que por isso tem de ser estipulada pelas partes.<br>
Não se trata, portanto, de contrato de conteúdo fixo, estabelecido na lei, mas antes de contrato cujo conteúdo<br>
é regulado pelas partes.<br>
Estas, além de poderem ou não contratar, podem ainda contratar desta ou daquela maneira.<br>
Esta conclusão torna-se ainda evidente, em face do disposto no artigo 427 do Código Comercial.<br>
Na definição do regime regulador destes contratos -<br>
- quando eles são comerciais - , dispõe este artigo que eles se regulam pelas disposições das respectivas apólices.<br>
E só na falta ou insuficiência dessas disposições é que se regularão pelo disposto naquele Código.<br>
De este regime legalmente estabelecido resulta também que o contrato de seguro não é do tipo dos do conteúdo fixo e que portanto, os contraentes, além de poderem contratar ou não, podem ainda contratar desta ou daquela maneira, desde que as estipulações não sejam proibidas por lei.<br>
A recorrente baseada na disposição do artigo 128 do Código da Estrada de 1930, onde se estabelece que as pessoas ou entidades civilmente responsáveis pela indemnização a que o Código se refere, poderão transferir a sua responsabilidade para quaisquer companhias de seguros, sustenta que não é licita a inclusão da referida cláusula.<br>
E assim, porque transferir significa colocar outrem na posição de transferente - aqui do responsável - e este não podia limitar o risco que o Código lhe impõe.<br>
O que significa que a recorrente entende que os responsáveis podem ou não transferir a responsabilidade -<br>
- celebrar o contrato de seguro - mas que transferindo-a, não podem ajuntar ao contrato cláusulas limitativas, ou pelo menos, senão as condições limitativas previstas na lei.<br>
Não tem porem razão.<br>
A lei diz que os mencionados responsáveis "poderão transferir" a sua responsabilidade.<br>
Nesta expressão "poderão transferir" não está incluída a ordem de transferir, mas sòmente a possibilidade de o fazer.<br>
E se os ditos responsáveis podem não transferir nenhuma das responsabilidades que lhes advem em virtude de acidentes causados por automóvel, é manifesto que podem sòmente transferir alguma ou algumas.<br>
Pelas que não transferem, continuam a ser responsáveis nos termos que o mesmo Código estabelece.<br>
Na base da argumentação da recorrente, parece estar a confusão entre a noção da limitação do risco e a exclusão de certos acidentes do contrato de seguro.<br>
Limitação do risco havia, se os responsáveis afastassem a sua responsabilidade em algum dos casos em que a lei lha impõe.<br>
Isso é evidente que o não podiam fazer.<br>
Mas excluir certos acidentes do âmbito do contrato de seguro, não é afastar a responsabilidade dos responsáveis;<br>
é, simplesmente, não a tranferir.<br>
Admitido que aos contratos de seguro da responsabilidade por acidentes causados por veículo automóvel, se podem ajuntar cláusulas acessórias, tem de apurar-se se a cláusula agora debatida se podia ou não ajuntar.<br>
O artigo 672 do Código Civil permite que se ajuntem as cláusulas que aos contraentes bem lhes parecerem.<br>
E dispõe que estas cláusulas fazem parte integrante dos contratos e se regulam pelas mesmas disposições legais.<br>
Por isso, artigo 671, n. 4, não podem ser contrárias às obrigações impostas por lei.<br>
No artigo 427 do Código Comercial, fala-se em estipulações "não proibidas por lei".<br>
Como salienta o douto magistrado do Ministério Público, estas duas expressões são de valor igual.<br>
Não é necessário, para a proibição, que haja lei expressa a determina-la;<br>
Basta, para o efeito, que as cláusulas contrariem a lei, ou qualquer princípio de interesse e ordem pública Teria a debatida cláusula contrariado algum princípio de interesse e ordem pública ou alguma obrigação imposta por lei?<br>
No entender do douto acórdão em oposição e na da recorrente, violou o princípio de interesse e ordem pública, consistente na segurança e tranquilidade da circulação rodoviária, em virtude da obrigação de a todos ser paga a indemnização devida pelos danos sofridos.<br>
Mas e salvo o respeito, não deve entender-se assim.<br>
Os princípios de interesse e ordem pública são os inscritos na lei, em benefício directo da comunidade, embora indirectamente também beneficiem os individuos considerados individualmente.<br>
Ora, basta considerar que o contrato de seguro não é efectuado em benefício dos sinistrados, para logo se concluir que ele se não destina a estabelecer aquela indicada segurança de circulação.<br>
Na verdade, com o contrato de seguro apenas se transfere - na medida em que foi transferida - do segurado para o segurador, a obrigação de pagar a indemnização.<br>
O sinistrado fica exactamente na mesma situação, haja ou não seguro.<br>
Se o seguro existe, pode exigir a indemnização do segurador; se não existe, exige-a do responsável.<br>
O principio que no Código da Estrada se definiu foi o da responsabilidade objectiva, mas essa não é ofendida com a dita cláusula.<br>
Poderá dizer-se, em objecção, que o responsável nem sempre estará em condições económicas de pagar a indemnização.<br>
Mas isto é argumento de direito a constituir.<br>
O legislador, se assim o entender, decretará o seguro obrigatório.<br>
Não se conhece, nem a recorrente especifica qualquer disposição legal que expressamente proiba a cláusula em questão.<br>
Igualmente se não encontra disposição de lei que a mesma cláusula contrarie.<br>
Nos termos expostos, negam provimento ao recurso e condenam a recorrente nas custas.<br>
E formulam o seguinte assento:<br>
"Nos contratos de seguro facultativo da responsabilidade por acidentes causados por veículo automóvel, são válidas as cláusulas que excluem do seu âmbito os empregados, assalariados ou mandatarios em serviço do segurado".<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 20 de Fevereiro de 1963</font><br>
<font><br>
Arlindo Martins (Relator) - José Osório - Gonçalves Pereira - Cura Mariano - Alberto Toscano - José Meneses - Ricardo Lopes - Lopes Cardoso - F. Toscano Pessoa - Fragoso de Almeida - Abreu Lobo - Barbosa Viana - Amorim Girão - Eduardo Coimbra (Vencido, pelas razões constantes do acórdão invocado em oposição, de que fui relator, a que acrescentarei que se a lei definindo o risco, o faz consistir na responsabilidade civil por prejuízos a qualquer pessoa, desde que se exclui do seguro um empregado ou assalariado em serviço do segurado, limita-se evidentemente o risco, legalmente transferido e assumido pelo segurador.<br>
A cláusula é, assim, limitativa do risco, e não apenas limitativa do seguro, uma vez que o risco é o facto contra o qual se segura; e, em última análise, o próprio seguro, como deriva do artigo 1538 do Código Civil. Do âmbito do seguro, que é o do risco, só podem excluir-se aqueles factos ilícitos que socialmente repugnam ao fim do seguro. Mas as cláusulas das apólices de seguro não podem conter matéria que torne ineficaz o fim do seguro e contrarie os principios legais da responsabilidade objectiva; consagrada no Código da Estrada e no assento deste Supremo Tribunal, de 4 de Abril de 1935. E é esse que o segurador assume em consequência do seguro. Pelo facto de o lesado conservar sempre direito à indemnização contra o segurado, não se segue que esse direito não seja afectado, pois a solvabilidade deste pode ser precária.<br>
O seguro não é, por isso, uma simples conveniência do segurado, mas também uma garantia para terceiros, levados com o acidente, os quais ficam prejudicados com a falta dessa garantia. O princípio da autonomia da vontade, vigente no campo obrigacional, em matéria de seguro cede perante preceitos que o sobrelevam, determinados por razões de ordem social).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jTJJvIYBgYBz1XKv4O01 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,em Tribunal Pleno:<br>
</font><br>
<font>Por reputarem o acordão deste Supremo Tribunal, de 20 de Março de 1973, certificado a folhas 17 e seguintes, em oposição com outro ja transitado em julgado, tambem deste mesmo Tribunal, com a data de 30 de Junho de 1972, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 218, pagina 244, os prejudicados com o primeiro dos citados arestos - os menores A, B, C, D e E, todos Strlzwicz Portal, devidamente representados por seu pai F - interpuseram o presente recurso, alegando que a oposição incide sobre a mesma questão fundamental de direito, pois, enquanto que no acordão recorrido se decidiu que o artigo 753 do Codigo de Processo Civil e aplicavel quando o agravo e interposto para a Relação de despacho que não põe termo ao processo, no acordão invocado em oposição, contrariamente, ficou decidido que a aplicação da citada disposição legal, portanto o conhecimento do pedido pelo referido Tribunal, so pode ser tomado, em recurso de agravo, quando a decisão recorrida tiver acabado com a lide, assim sendo uma decisão final.<br>
Os recorridos G e marido rebateram a tese da existencia da invocada oposição, mas esta foi reconhecida por acordão da Secção - folhas 49 -, que ordenou a sequencia dos ulteriores termos do recurso.<br>
E, efectivamente, verifica-se tal oposição, isto e, ha conflito sobre a questão fundamental de direito decidida pelos dois acordãos, os quais foram proferidos no dominio da mesma legislação, e tendo o anterior transitado em julgado. E que, proferidos eles sobre agravo de despachos que não puseram termo a causa, e, portanto, não traduziam decisão final, enquanto que o acordão anterior decidiu que não se pode, exactamente por não se tratar de decisão final, aplicar o preceito excepcional do artigo 753 do Codigo de Processo Civil a despacho que mande prosseguir o processo, o acordão recorrido, reconhecendo que o saneador não conheceu da viabilidade da acção, e assim, não constituia decisão final, resolveu que era de conhecer dessa inviabilidade, como vinha pedido nos articulados e no recurso, e, por isso, confirmou o acordão da Relação que conheceu do merito da causa, absolvendo os reus do pedido, argumentando que "ate por analogia" com o mencionado artigo 753, era licito a Relação conhecer da alegada inviabilidade.<br>
A oposição e, pois, evidente, motivo por que ha que decidir se o citado artigo 753 so e aplicavel, quando o recurso e interposto do despacho saneador que põe termo ao processo, ou se e sempre aplicavel, isto e, mesmo que a decisão decretada no saneador não seja uma decisão final.<br>
E, portanto, posta em causa não so a interpretação da citada disposição legal, mas tambem e no caso de se concluir que a mesma so abrange o recurso de decisões finais, se a sua aplicação analogica sera legitima as decisões que não ponham termo ao processo.<br>
A interpretação da lei tem de respeitar em obdiencia as regras prevenidas no artigo 9 do Codigo Civil e so a elas, as quais se limitam a reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema juridico, as circunstancias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que e aplicada. Todavia, para se poder considerar na interpretação o pensamento legislativo tem o mesmo de ter um minimo de correspondencia verbal com a letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso. Quer dizer, o pensamento legislativo, que não tenha um minimo de correspondencia verbal no texto, não deve ser considerado para efeitos de interpretação, e, porque o citado artigo 753 claramente preceitua "sendo o agravo interposto de decisão final", não teria aquele minimo de correspondencia, antes lhe era absolutamente contrario, o resultado da interpretação que conduzisse a aplicar a mesma disposição a agravos interpostos de decisões não finais. Não ha, portanto, e para o sobredito fim, que fazer, neste caso, a indagação do pensamento legislativo, pois, fosse qual fosse, nunca poderia conduzir ao resultado de contrariar o que esta claramente expresso no artigo 753 do Codigo de Processo Civil, ou seja, de que a mesma disposição abrange apenas as decisões finais.<br>
Fixando-se, como se fixa, desta forma o sentido da lei, não se contraria o elemento do n. 3 do artigo 9 do Codigo Civil; quer dizer, com este sentido presume-se que o legislador consagrou a solução mais acertada. Com efeito, a devolução do julgamento a segunda instancia implica, como e evidente, a abolição dum grau de jurisdição, o que nunca deve ir alem dos casos que a lei consente, isto porque a finalidade do recurso de agravo, traduzida no rapido exame das decisões interlocutorias, não e compativel, por principio geral, com a apreciação e julgamento das questões que põem fim ao processo, com que tal julgamento houvesse sido efectuado no Tribunal de que se recorre, e sem mesmo que as partes tivessem possibilidade de alegar, expondo as razões do direito que dizem existir-lhe. Por isso, a abolição do duplo grau de jurisdição, não deve ir alem dos casos que a lei consente. E, pois, mais acertada a solução que limita a devolução so ao agravo das decisões finais, cujo objectivo e o da celeridade e economia processual, assim evitando que o processo baixe a primeira instancia, quando a Relação encontre no processo os elementos necessarios a decisão de fundo.<br>
Todavia, tal objectivo, que sem duvida diminui as garantias processuais, tem de ser considerado como excepcional, pois que o principio geral e o da existencia de dois graus de jurisdição que melhor garante os direitos dos litigantes.<br>
Ora, tanto basta para concluir que a disposição do artigo 753 do Codigo de Processo Civil e excepcional e que, portanto, nos termos do artigo 11 do Codigo Civil, não pode ser aplicada por analogia.<br>
Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, revogam o acordão recorrido e determinam que a primeira instancia conheça do pedido formulado na acção.<br>
E, em consequencia, tiram o seguinte assento:<br>
"O artigo 753 do Codigo de Processo Civil não e aplivavel, quando o agravo tenha sido interposto do despacho saneador que não pos termo ao processo".<br>
Custas pelos recorridos.<br>
</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 de Fevereiro de 1975.<br>
</font><br>
<br>
<font>João Moura (Relator) - Eduardo Arala Chaves - Bruto da Costa - Rodrigues Bastos - Abel de Campos - Manuel Arelo Ferreira Manso - Jose Garcia da Fonseca - Jose Montenegro-<br>
- Albuquerque Bettencourt - Almeida Borges - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - Jose Antonio Fernandes -<br>
- Eduardo Correia Guedes (Vencido por considerar aplicavel por analogia o artigo 753 do Codigo de Processo Civil, visto que se tratava dum caso em que a Relação para suprir a circunstancia do Senhor Juiz da primeira instancia não se ter referido a inviabilidade ou viabilidade da acção para julgar em harmonia com o requerido pelos reus, tinha de apreciar uma questão, e para decidir tinha de dizer porque, que e como quem diz, tinha de declarar o direito aplicavel, e seria perfeitamente curial que desde logo o aplicasse, tal como no caso do artigo 753 citado sucede).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YzIIvIYBgYBz1XKv930M | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A e mulher B, e C e mulher D, com os sinais dos autos, interpuseram recurso para o Tribunal Pleno do acórdão deste Supremo proferido em 1 de Fevereiro de 1995, no processo 84550 - 1. Secção - que movem a E e mulher F, Companhia de Seguros G, E.P., e Região Autónoma da Madeira, por o terem como lavrado em oposição com o acórdão deste Supremo proferido em 9 de Dezembro de 1993, publicado na CJSTJ I/3/174 e segs.<br>
Por seu acórdão de 5 de Dezembro de 1995, verificou este Supremo a oposição de decisões e definiu a questão fundamental - "o disposto no artigo 661 n. 1 do CPC proibe ou não uma condenação por dívida de valor em montante superior ao pedido, quando esse excesso resulte da sua actualização?"<br>
Pontos de partida comuns a ambos os acórdãos em oposição<br>
- a actualização oficiosa da dívida de indemnização e sua qualificação como de valor.<br>
Alegando, defendem os recorrentes a revogação do acórdão recorrido (considerando que o artigo 661 n. 1 do CPC constitui uma regra de proibição absoluta, não admitiu uma actualização que excedesse o montante do pedido - a ressalva a fazer impõe-se àquela regra), resolvendo-se o conflito no sentido do acórdão fundamento (este admitiu-a).<br>
Por seu turno, os recorridos pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.<br>
Em seu douto parecer, pronunciou-se o Ministério Público naquele sentido - "não viola o disposto no artigo 661 n. 1 do Código de Processo Civil uma condenação por dívida de valor em montante superior ao pedido, quando esse excesso resulte da actualização monetária".<br>
Colhidos os vistos.<br>
Decidindo:<br>
1 - Mantêm-se os pressupostos requeridos no artigo 763 do CPC, cuja ultravigência já foi reconhecida por este Alto Tribunal para os recursos pendentes à entrada em vigor do artigo 17 do diploma que aprovou a nova redacção do CPC, Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro - distribuído em 3 de Janeiro de 1996 (acórdão de 9 de Janeiro de 1996, processo 88196, 1. Secção), como é o caso dos autos.<br>
2 - Uma das traves mestras do nosso processo civil declaratório é o princípio dispositivo pelo qual as partes dispõem do processo, como da relação jurídica material (Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, p. 347).<br>
Corolários deste princípio são, entre outros, a necessidade de impulso processual (CPC - artigo 264, n. 1), quer o inicial quer o subsequente, e a correspondência entre o requerido e o pronunciado, expressão de Calamandrei, ut M. de Andrade (op. cit., p. 348), sem esquecer a necessária relação entre a causa de pedir e o pedido (Vaz Serra in RLJ 109/314) exigida pelo disposto nos artigos 193 n. 2 alineas a) e b) e 498 n. 4 do CPC.<br>
O princípio do pedido, como se pronunciou este Supremo Tribunal (vd. ac. de 3 de Junho de 1993 in B. 428/562), é um princípio axial que atravessa todo o processo civil e se manifesta em diversos preceitos do CPC (designadamente os artigos 3 n. 1, 193 n. 2 alínea a), 467 n. 1 alínea d), e 661 n. 1) e se impõe a todos os tribunais independentemente do seu grau hierárquico.<br>
O artigo 661 n. 1 do CPC, ao dispor que "a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir", consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium.<br>
Desta disposição apenas interessa aqui o limite estabelecido no aspecto quantitativo.<br>
Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum pedido se possa decompor.<br>
Ambos os acórdãos tiveram a dívida de indemnização como dívida de valor e, como tal, subtraída ao princípio nominalista do artigo 550 do CC mas passível de correcção monetária (artigo 551 do CC), e decidiram a sua actualização, conquanto não pedida, ex officio pois.<br>
Enquanto no acórdão fundamento essa actualização ultrapassou quantitativamente o pedido, no acórdão recorrido negou-se essa possibilidade - embora, por força da intangibilidade do acórdão da Relação (os réus dele não interpuseram revista quanto ao segmento que naquele os condenava em montante superior - 23860000 escudos - ao pedido - 17460270 escudos), tivesse de aceitar um certo "excesso", revogou, no restante, o acórdão da Relação a fixar o valor de 28000000 escudos.<br>
Pedido é a pretensão do autor (artigo 467, n. 1 alínea d) do CPC), "é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar", "o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela<br>
(a providência judiciária requerida)" - aut. e op. cit., p. 107.<br>
O autor, ao concluir a sua petição (isto sem prejuízo da sua posterior modificabilidade, em sentido amplo, onde e quando for admitida), deve formular o pedido, "dizer com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção" (A. Varela in Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1).<br>
A este se refere expressamente o artigo 498 n. 3 do CPC.<br>
Sem pedido não existe requisição da tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada, como escreveu M. Teixeira de Sousa citando Schonge-Schroeder-Niese (in BMJ 325/105).<br>
3 - Decorre daqui que, em princípio, não pode o tribunal ultrapassar quantitativamente o pedido.<br>
Mas o tribunal conheceu oficiosamente de um facto (flutuações do valor da moeda).<br>
"Em eventualidades estritas, o tribunal pode apreciar oficiosamente matéria de facto. Os factos reconduzíveis a esta situação são os factos de conhecimento notório, aqueles que são conhecidos de uma opinião pública que os toma por indiscutíveis, e os factos de conhecimento judicial, aqueles que são conhecidos do tribunal pelo exercício da sua actividade jurisdicional" (M.T. de Sousa in BMJ 325/71).<br>
Uma tal situação, em que o tribunal se socorre do disposto no artigo 514 do CPC, autorizará uma excepção àquela regra contida no artigo 661 n. 1 do CPC (aqui, repete-se, apenas há que cuidar quanto ao limite quantitativo) e que mais não é que um mero corolário do princípio dispositivo?<br>
A. Varela afirma estar-se "numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contenciosa, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes" (op. cit., p. 675).<br>
Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É um direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação - total ou parcial - contra si reverte.<br>
No aspecto quantitativo - e apenas a este nos termos que reportar, o credor de uma dívida de valor não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos (569 do CC; cfr. Vaz Serra in RLJ 108/235).<br>
A actualização não corresponde a um dano no sentido em que o toma a lei civil (dano, cujo objecto é concretamente, um bem jurídico, é essencialmente, a frustração de um ou mais fins - Gomes da Silva in "O dever de prestar e o dever de indemnizar", p. 123; o dano é um mal causado a um homem através dum bem que lhe seria útil - Castro Mendes in "Do conceito jurídico de prejuízo", p. 24; dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, é a lesão causada no interesse juridicamente tutelado - A.<br>
Varela in Das Obrigações em Geral, I/558). É antes um desenvolvimento inerente à natureza da dívida e, como tal, o pedido formulado pode ser modificado na própria audiência de discussão e julgamento (artigo 273, ns. 2 e 3 do CPC).<br>
As partes dispõem do processo, como da relação jurídica material; ao tribunal incumbe dirimir conflitos reais, não é nem pode ser instrumento de tutela de nenhum dos litigantes.<br>
Contém a nossa lei o princípio da estabilidade da instância (artigo 268 do CPC), pelo que, citado o réu, a instância se deve manter a mesma quanto ao pedido, ressalvadas as possibilidades de modificação previstas na lei.<br>
Considerando-se a desvalorização da moeda um facto notório, é dispensada a alegação e prova da mesma (artigo 514, n. 1 do CPC), devendo o tribunal extrair a consequência lógica resultante do facto de atender a um facto notório. Todavia, isso apenas dispensa a formulação do correspondente pedido até à concorrência do limite global do pedido efectivamente formulado. Doutro modo, estaria o tribunal a completar ou a alterar o pedido do autor.<br>
Isto não é invalidado quer pelo disposto no artigo 663 n. 1 do CPC (este só se refere à situação de facto - cfr. Vaz Serra in RLJ 112/327, e respeita-se ao ser considerada a existência de um facto notório) quer no artigo 566 n. 2 do CC (atende-se à teoria da diferença até onde o autor, que é quem pode dispor, o permite).<br>
Gozando o autor, não só em teoria mas no concreto, do princípio dispositivo e não o tendo querido atempadamente exercitar (não o tendo feito, apenas à sua inércia pode atribuir o ter ou o poder ter de suportar na totalidade, os efeitos da desvalorização) em toda a sua virtualidade não pode, mais tarde, pedir ao tribunal - nem este o pode oficiosamente fazer - que supra a sua omissão. Enquanto este se situa dentro do limite global do pedido não o extravasa mas se sponte sua ultrapassa esse limite global está a ir além do pedido formulado e, suprindo assim a omissão do autor, a ferir de nulidade a sentença (artigo 668, n. 1 alínea e) do CPC e cit. ac. STJ).<br>
4 - A certeza e a segurança do direito que se pretendem afirmar não contendem com o princípio da liberdade e da autonomia da vontade das partes nem com o da auto- -responsabilidade das mesmas. Por impressivas, de novo as palavras de M. de Andrade - "as partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz.<br>
É patente a conexão deste princípio com o dispositivo" (op. cit., p. 352).<br>
Essa decisão não pode ser uma decisão surpresa pois que essa fere inequivocamente o princípio do contraditório que com aqueles outros está conexionado, eles também violados (ainda recentemente, H. Mesquita, retomando a lição dos processualistas, afirmou que a proibição contida no artigo 661 n. 1 do CPC foi tida "em rigorosa conformidade com o princípio do dispositivo e também para que não resulte violado o princípio do contraditório - in RLJ 128/251).<br>
Tendo o processo uma estrutura dialéctica ou polémica, não se a respeita se o juiz, por sua iniciativa, suprir o que é ou resulta de negligência ou inépcia do autor.<br>
Tem-se, pois, como rigorosa e juridicamente correcta a asserção que se lê no acórdão recorrido - a proibição de condenação em quantidade superior à do pedido é "justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objecto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à sua vontade, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor".<br>
Prevendo a lei processual a possibilidade de o autor modificar, até ao encerramento da discussão em 1. instância, o pedido formulado de modo quantitativamente preciso se (artigo 273, n. 2 do CPC) a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, atendendo, por outro lado, à noção de pedido e vigorando entre nós, como traves mestras do processo civil, os princípios antes indicados, temos que se não pode considerar que "o pedido de condenação de uma dívida de valor coenvolve o da sua actualização em caso de desvalorização da moeda" (sublinhado nosso).<br>
Com efeito, há que distinguir os aspectos substantivos dos processuais.<br>
Porque o seu objecto não é "directamente uma quantia em dinheiro, mas uma prestação de outra natureza ou a atribuição de certo poder aquisitivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou meio necessário de liquidação da prestação" (ac. RP de 15 de Março de 1993 in Bol 425/623), quer-se a dívida de valor, por natureza, actualizada tomando-se como medida a correcção monetária, razão porque admite que o tribunal proceda à actualização.<br>
Estes aspectos substantivos não colidem nem são prejudicados com os processuais - não impedem que o tribunal proceda oficiosamente (como se referiu) nem que o mesmo deva continuar a respeitar os princípios dispositivo e do contraditório.<br>
O conhecimento oficioso não pressupõe que o tribunal tenha de proceder à actualização no seu limite mas apenas que pode ir até ele se o autor na defesa do seu direito assim o requerer, se o pedido for nesse sentido (e, claro, se a correcção dever ser nessa medida).<br>
A parte contrária não é colhida de surpresa pois que, à partida, conhece o duplo aspecto substantivo (actualização e seu limite) e o processual da oficiosidade, para os quais está preparada, e sempre será ouvida (pronunciando- -se, caso o queira fazer, no sentido que entende melhor defender os seus interesses) em relação ao pedido, ainda que a ampliação seja pedida apenas antes de encerrada a discussão em 1. instância (artigos 273 ns. 2 e 3, 3 e 663 n. 1 do CPC; este momento não tem de necessariamente se situar dentro de uma audiência de discussão e julgamento<br>
- há processos que não a admitem e outros há em que se não atinge essa fase; todavia, nem por isso deixa de haver discussão, sendo até ao seu encerramento em 1. instância que o pedido pode ser ampliado).<br>
Permite a lei que, não havendo elementos para fixar a quantidade, o tribunal condene no que se liquidar em execução de sentença (artigo 661, n. 2 do CPC). Nesse processo, não pode o exequente, autor na acção declarativa<br>
(ou o reconvinte), formular um pedido de liquidação em quantidade superior - está delimitado pelos termos da condenação proferida, e a sentença apenas pode condenar no que se liquidar na sua execução dentro dos limites do pedido formulado (portanto, esta argumentação, embora reconduza o intérprete ao essencial da anterior, reforça-a). Não pode o executado ser surpreendido (surpresa face ao título, muito embora lhe venha a ser dada oportunidade, na execução, para se lhe opor, e, a razão fundamental para tanto, seria o excesso em relação ao título, pressuposto da liquidação) com uma liquidação da dívida (aqui, de valor), que foi condenado a satisfazer, em quantia superior ao que legítima e licitamente poderia esperar (artigo 45 n. 1 do CPC).<br>
Se não houvesse que considerar o pedido como uma manifestação da vontade do autor (recorde-se que a petição inicial é um negócio jurídico - Vaz Serra in RLJ 109/313) ou a entender-se que esta poderia ser modificada por terceiro (ainda que esse seja o tribunal), à margem e independentemente dessa declaração de vontade, com base em considerações de justiça material (que o próprio não pretendeu nessa extensão), não subsistiria motivo para essa mesma razão não dever ser invocada, oficiosamente ou não, numa liquidação em execução da sentença, o que contrariaria o suporte da prória liquidação e iria colidir com o disposto nos artigos 45 n. 1 e 46 alínea a) do CPC<br>
(o título executivo forma-se na acção declarativa, sendo a sua sentença condenatória complementada pela de liquidação, sentença que constitui o limite da execução e da liquidação).<br>
O pedido, indicando qual a medida de tutela que o autor pretende (seja por ter como a adequada in casu seja por diferente causa - altruísta, apenas para evidenciar a sem razão do réu, ou outra) para a defesa do seu interesse - e não se lhe pode impor uma vontade de pedir mais nem é legítimo pressupor que essa vontade era no sentido de alcançar um montante superior do que efectivamente pediu quando até ao momento final (artigo 273, n. 2 do CPC) poderia ter pedido outro e superior montante, é ele quem define essa medida -, funciona assim como o limite máximo da condenação (o limite possível, pois) dentro do limite (substantivo, pois) da actualização.<br>
Não sendo injuntiva a norma sobre a actualização da dívida de valor é lícito ao autor não só renunciar à mesma como a parte da totalidade da extensão que a mesma pode conhecer.<br>
Admitir-se a inexistência de limite processual violaria o contraditório (vd., in BMJ 427/11-14, o cuidado que a coordenação dos princípios dispositivo e do contraditório requereu quando da discussão e redacção do artigo 264 n. 3 do CPC - elucidativas as redacções propostas por Cardona Ferreira e A. Varela para a parte final do então artigo 9 n. 2) e, por vezes, sem que o réu se lhe pudesse vir a opor-se (este não se esgota no simples ouvir a parte contrária; pense-se, v.g., em condenação em montante irrecorrível - será inócua uma arguição da nulidade do artigo 668 n. 1 alínea e) do CPC se o tribunal que àquela procedeu mantiver o seu entendimento anterior de poder ir além do efectivamente pedido).<br>
5 - Um dos princípios informadores do processo civil, e com consagração em todo o mundo civilizado, é o da igualdade das partes (princípio que os processualistas reconheciam mas entenderam dever ficar expresso na lei processual - artigo 3 alínea a) do CPC95). Este princípio permanece válido ao longo de todo o processo, não se esgota neste ou naquele momento, antes subsiste.<br>
Daí que uma eventual interpretação que pudesse autorizar, ainda que indirectamente, uma situação de desigualdade de armas seja de afastar.<br>
A defesa do réu pode processar-se por excepção. Imagine-se que o réu opôs a um pedido do autor, para que se o condene no cumprimento de uma dívida pecuniária, a compensação com base numa dívida de valor e que, na sua formulação, é preciso (excepcione ou reconvenha, há um pedido; embora na primeira hipótese não tenha aplicação o disposto no artigo 273 n. 2 do CPC o certo é que, também ali, procederia a ideia que preside à justificação da possibilidade de ir além do pedido - a justiça material, mas como se verá, ideia que, todavia, aqui não é posta de lado).<br>
Excepcionando, formula o réu um pedido (Castro Mendes - DPC II/362) - em regra de sinal oposto, total ou parcialmente, mas que, inclusivamente, pela sua natureza, se pode não opor directamente à pretensão material do autor (v.g., pedido de absolvição da instância por haver lugar a litisconsórcio) - e este constitui um limite à cognição do tribunal, inultrapassável mesmo que na preocupação de uma justiça material se queira dela excluir<br>
- rectius, ultrapassá-la - a vontade do real interessado.<br>
Ao réu não é lícito converter nem pretender que oficiosamente se converta a excepção de compensação em reconvenção se vier a concluir, a partir de certo momento, que o valor do seu contracrédito, por força da actualização, passou a ultrapassar o valor do crédito do autor.<br>
Muito embora o termo "pedido" constante do artigo 661 n. 1 do CPC se reporte apenas ao do autor, prevaleceria para o do réu excipiente a mesma razão pelo que não se justificaria uma desigualdade de tratamentos a menos que outras razões se lhe opusessem. Todavia, ver-se-ia limitado, face à sua posição dentro do processo, não podendo ver procedente a actualização em toda a sua extensão (prima facie, uma norma que, na sua previsão, considerasse como o n. 3 do artigo 264 do CPC - vd. discussão sobre o artigo 9 n. 2 in BMJ 427/13-14 - "pretensão formulada pelo autor ou da excepção ou reconvenção deduzidas pelo réu", seria susceptível de anular essa limitação).<br>
Por outro lado, excepcionada a compensação, fica o autor a saber, se aquela proceder, se nada receberá ou se ainda virá a receber algo. Seria surpreendido, vendo prejudicado os seus interesses, se, esperando receber, o tribunal tiver por totalmente extinto o seu direito pela realização do contracrédito do réu.<br>
6 - Resta, por fim, analisar a questão sob a perspectiva da teoria da pressuposição (não da vontade conjectural ou hipotética porquanto esta apenas poderia ser questionada se acaso aqui se devesse falar de negócio nulo ou anulado;<br>
A. Varela, reconduz a pressuposição, em última instância, a esta pois que a chamada vontade verdadeira ou pura no fundo desta não passa).<br>
Poder-se-á falar aqui em "vontade não explicitada" (a condição não desenvolvida a que se referia Windscheid) geradora in casu não de uma ineficácia mas de uma modificação do negócio jurídico?<br>
Como declaração de vontade, que não de ciência, à interpretação da petição inicial são aplicáveis as normas contidas no CC67.<br>
Se um autor recorre a juízo e pede a condenação do réu na satisfação de uma dívida de valor, quando formula o pedido, contempla já na sua quantificação (esta, a quantificação, não é o pedido nem tem de necessariamente o integrar; porém, quando o pedido a tem como seu componente, cumpre à parte a sua indicação - ainda por força dos princípios dispositivo e do contraditório) a actualização reportada ao momento da propositura da acção.<br>
Um dos princípios informadores do processo civil é o da celeridade processual e pode-se ter como dado adquirido que quem recorre a juízo pressupõe tal no seu espírito.<br>
Parafraseando M. de Andrade (in Teoria Geral da Rel. Jur. - II/405), do seu espírito está, pelo menos, arredada a "ausência de qualquer dúvida" sobre a celeridade processual.<br>
E, adaptando os ensinamentos deste Mestre (op. cit., a p. 406-407), é seguro afirmar que tal pressuposição era conhecida ou cognoscível da parte contrária, a partir da sua citação, e que aquela está de harmonia com a própria finalidade (ou, pelo menos, com uma das finalidades) por si procurada ao recorrer à via judicial. Seguro também que esta modificação corresponde ao interesse do pressuponente (o autor), que não envolve injusto sacrifício para a contraparte (o réu) e que não viola o princípio da boa fé.<br>
A aceitação desta modificação (tome-se-a como resultante de desenvolvimento ou como consequência do pedido primitivo) por parte dos tribunais está ínsita, a par da consideração sobre a natureza da dívida de valor, na justificação do conhecimento oficioso da sua actualização relativa ao lapso de tempo decorrido após a propositura da acção.<br>
De outro lado, a lei processual, que consagra o princípio da estabilidade da instância, não deixa desacautelada a parte, pondo à sua disposição, no que adjectiva a lei civil, a possibilidade de corrigir os efeitos de eventuais atrasos quando pelos mecanismos da organização judiciária e/ou da administração da justiça e respectivos condicionamentos não for possível dar uma resposta rápida e segura a quem recorre à justiça.<br>
Cabe perfeitamente na previsão da 2. parte do n. 2 do artigo 273 do CPC, a par de outras, a hipótese da demora na administração da justiça quando acompanhada do fenómeno inflacionário.<br>
Tal como resulta claro da lição daquele Mestre (op. cit., p. 407-408) o acolhimento da teoria da pressuposição não prescinde de uma concreta manifestação da vontade real - o pressuponente tem de, pretendendo a modificação do negócio jurídico, definir o seu interesse e de indicar a contraprestação que tem como aquela que restaura o equilíbrio económico por si visado.<br>
Tais definição e indicação não cabem aos tribunais, que não são parte nem podem ser instrumentos de tutela de nenhum dos litigantes (cfr. red. para os artigos 264 n. 1, 664 e 3 alínea a); do juiz requer-se "a atitude de ser e parecer imparcial", na expressão de Cardona Ferreira in BMJ 427/12). Cabe aos tribunais "a confirmação ou a não confirmação da pretensão determinada, ou pedido, que o autor lhes dirija, e não (em princípio) a descoberta de formas diversas da composição do litígio" (ac. STJ de 19 de Fevereiro de 1991 in ROA 51/525).<br>
Uma interpretação actualista do artigo 661 n. 1 do CPC na base da teoria da pressuposição não é de acolher nem conduziria à solução oposta.<br>
Não é de acolher - trata-se de doutrina bem anterior àquele normativo e bem conhecida do legislador, quer civil quer processual civil, que a consagrou onde e quando a teve como relevante - o que não sucedeu aqui - sempre sem ser como figura autónoma e sem carácter geral (para o CCSeabra, vd. M. de Andrade - op. cit, p. 408-409 e para o CC67, vd., A. Varela in RLJ 128/237; em relação ao que se disporá com a nova red. do CPC a conclusão é idêntica - esta diverge do discutido na Comissão de Revisão, BMJ 427/11, além de que "manifesto lapso" e "pressuposição" não são sinónimos e têm campo de aplicação diversos; se não inova quanto a factos instrumentais - vd. A. Varela in Manual, 416-417, quanto aos essenciais "que sejam complemento ou concretização de outros... alegado(s) e resultem..." o disposto no artigo 264 n. 3 afasta aquela teoria da pressuposição).<br>
Não conduziria à solução oposta - não prescinde de uma concreta, e posterior à petição inicial, manifestação da vontade real na qual o autor defina o seu interesse e indique em que medida tem como restaurado o equilíbrio económico por si visado (mesmo com a redacção dada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, e que a nova versão - Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, no que ora interessa deixou intocada - continua a exigir-se a manifestação da vontade - artigos 264 n. 3, 273 ns. 2, 3 e 5, 508 ns. 3 e 4, 661 n. 1, 663 n. 1 e 664).<br>
7 - Se se percorrer o CPC, "pedido", ao longo das várias disposições que se lhe referem, comporta sempre uma manifestação da vontade real, pressupõe-na e têm-na como expressão quer definidora quer limitativa do efeito jurídico possível a decretar pelo tribunal. Raras são as excepções mas aí intervem o legislador - v.g., artigos 500 e 1033 n. 2 do CPC, artigo 286 2. parte do CC.<br>
A solução não é encontrada através da mera literalidade<br>
(é "errada a concepção do direito como "texto", em termos apenas linguísticos, e não menos o seu pensamento metodológico segundo uma simples análise interpretativa de textos ou enunciados linguísticos, já que em ambos há que considerar um essencial "mais" constitutivo e problemático-intencional" ... "nem as "leis", em sentido jurídico, são simples "textos" no sentido e termos estritamente linguísticos nem a interpretação jurídica uma mera interpretação ou análise linguística ... e antes,..., um acto normativo" - Castanheira Neves in RLJ 128/231 e nota 803), embora esta a confirme ainda quando se proceda a uma sua interpretação actualista (artigo 9 do CC), mas antes por razões de fundo.<br>
Tão pouco representa uma prevalência da justiça formal sobre a justiça material - é o autor quem define o limite da sua pretensão, podendo-o ampliar mais tarde, e o tribunal, ao não o ultrapassar, respeita essa sua vontade.<br>
Na formulação da pretensão, quer da material quer da processual, há uma componente volitiva - o autor manifesta a sua vontade de que seja juridicamente tutelado o seu interesse e que essa tutela envolva a satisfação do seu pedido e na medida da sua formulação. O tribunal não pode conceder uma tutela não pretendida por aquele que a podia ter pedido mas o não fez, não lha pode impor em matéria onde pontifica a disponibilidade das partes.<br>
8 - Uma nota final se justifica face à referência ao prazo razoável na redacção do artigo 2 n. 1 do CPC dada pelo Decreto-Lei 329-A/95 e mantida pela do Decreto-Lei 180/96.<br>
Não se a tem como inovadora - aplicável já no direito interno através do recurso ao disposto no artigo 6 da C.E.<br>
D.H. (encontra-se um dos relfexos de tal na adaptação, mesmo assim tímida, da redacção do n. 3 do artigo 486 do CPC, pelo Decreto-Lei 242/85, de 9 de Julho, face à recusa que uma certa jurisprudência começava a opor às prorrogações do prazo da defesa quando esta era assumida pelo Ministério Público, os particulares já, por vezes, fundamentavam a chamada do Estado à responsabilidade no desrespeito que a morosidade judicial traduzia quanto a essa norma).<br>
Essa referência, ainda quando transporta para o CPC, não autoriza, tal como antes o não autorizava, a transferência da responsabilização do Estado para os particulares, onerando-os com uma morosidade judicial que lhes não é imputável.<br>
Justiça tardia não é Justiça, diz o povo - e com razão, mas porque a questão se não coloca, em nosso entender como de jurisprudência de interesses (sê-lo-ia se o problema fosse entre as partes e no respectivo equilíbrio, o que não sucede - é entre uma das partes e quem o não é - o Estado), não se pode onerar com isso quem por tal não é responsável.<br>
Resumindo:<br>
- pedido, na lei processual, não prescinde, antes pressupõe tendo-a como sua definidora e limitativa, a vontade real de quem pede;<br>
- a actualização da dívida de valor tem como limites - a vontade real de quem pede e o momento do encerramento da discussão em 1. instância;<br>
- a vontade real do autor a considerar é a manifestada na petição inicial se, entretanto, outra não tiver sido expressa;<br>
- o acórdão recorrido é de manter.<br>
Termos e que se acorda em:<br>
- confirmar o acórdão recorrido e<br>
- em uniformizar a jurisprudência no sentido de<br>
"O tribunal, não pode, nos termos do artigo 661 n. 1 do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor".<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
<br>
Lisboa, 15 de Outubro de 1996.<br>
<br>
Lopes Pinto.<br>
Correia de Sousa (com a declaração de que o tribunal sempre pode proceder à actualização mediante requerimento da parte).<br>
Almeida e Silva.<br>
Figueiredo de Sousa.<br>
Roger Lopes.<br>
César Marques.<br>
Sá Couto.<br>
Aragão Seia.<br>
Costa Soares.<br>
Machado Soares.<br>
Pais de Sousa.<br>
Mário Cancela.<br>
Sampaio da Nóvoa.<br>
Martins da Costa.<br>
Costa Marques.<br>
Miranda Gusmão (junto declaração de voto).<br>
Sousa Inês (junto declaração de voto).<br>
Cardona Ferreira (vencido, nos termos da declaração que junto).<br>
Herculano Lima (vencido nos termos da declaração que junto).<br>
Nascimento Costa (vencido - subscrevo a daclaração de voto do Exmo. Conselheiro Cardona Ferreira).<br>
Henriques de Matos (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Miranda Gusmão).<br>
Metello de Nápoles (com a declaração de que entendo que fica sempre ressalvado à parte o direito de pedir em qualquer momento a actualização do valor do pedido, sem qualquer limitação).<br>
Fernandes Magalhães (vencido - subscrevo as declarações de voto do Exmo. Conselheiro Cardona Ferreira e Herculano Lima).<br>
Ramiro Vidigal (vencido pois subscrevo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Miranda Gusmão).<br>
DECLARAÇÃO DE VOTO<br>
Como é sabido e ocioso repetir, as normas de processo civil, constituindo direito adjectivo, tem natureza instrumental, visando garantir aos cidadãos a tutela jurisdicional dos seus direitos subjectivos.<br>
Sendo, assim, inquestionável que o direito processual não pode deixar de ter por objectivo a reintegração mais eficaz e ponderada do direito ofendido, não deve a aplicação de uma das suas normas pôr em causa a realização efectiva desse direito, nomeadamente se inexiste negligência ou inépcia do respectivo titular.<br>
Nesta perspectiva, o princípio enunciado mostra-se objectivamente correcto, mas, pela sua rigidez, pode conduzir a situações de flagrante injustiça.<br>
Vejamos.<br>
Como se diz, e bem, no acórdão "a actualização da dívida de valor tem como limites - a vontade real de quem pede e o momento do encerramento da discussão em 1. instância".<br>
Podem, porém, surgir circunstâncias excepcionais e imprevisíveis que impedem o autor de manifestar correctamente a sua vontade real.<br>
É o caso bem conhecido da extrema morosidade de alguns processos, que, devendo durar um ano, dois no máximo, conseguem atingir uma duração de cinco, dez e mais anos, independentemente de negligência ou inépcia do autor, que, por isso, não deve sofrer o respectivo gravame.<br>
A excessiva morosidade processual pode colocar o autor numa situação de não poder fixar o valor, sequer aproximado, do seu pedido.<br>
Precisamente por isso, defendemos a seguinte redacção:<br>
"O Tribunal, não pode, nos termos do artigo 661 n. 1 do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor, salvo a ocorrência de circunstâncias excepcionais e imprevisíveis, tal como a excessiva morosidade do processo, que tenham impedido o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wzJMvIYBgYBz1XKv9vNW | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:</font><br>
<font><br>
Pelo acordão de folhas 75 e seguintes, a Relação de Lisboa confirmou a decisão de folhas 20, pela qual, nos termos do disposto no artigo 54 do Decreto n. 12 008, de 29 de Julho de 1926, foi aplicada ao notificado A, a multa de 500 escudos, com suspensão do jornal .... pelo prazo de dois meses, com o fundamento de que a lei exige esclarecimento terminante, quer dizer, decisivo, por forma a não permitir equivocos que envolvam difamação ou injuria para quem quer que seja, e o esclarecimento prestado pelo notificado não obedece a estes requisitos.<br>
Porque este acordão se encontra em manifesta oposição com o proferido pela Relação de Coimbra, de 6 de Janeiro de 1937, publicado na Gazeta da Relação de Lisboa, ano 47, a paginas 286, quanto a interpretação do artigo 54 e seus paragrafos do citado Decreto n. 12 008, o digno Procurador da Republica junto da Relação de Lisboa, a requerimento do arguido e em obediencia ao disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, interpos este recurso extraordinario para o Supremo Tribunal de Justiça, a fim de se fixar jurisprudencia.<br>
Verificada a oposição e que os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação, foi mandado seguir o recurso, que, de facto, seguiu os seus termos regulares, cumprindo agora decidir.<br>
Nenhuma duvida se levanta, com efeito, quanto a terem sido os dois acordãos proferidos no dominio da mesma legislação e quanto a existencia da oposição.<br>
Quanto ao fundo da questão.<br>
No acordão da Relação de Coimbra foi decidido que a lei prescreve unicamente que a declaração se faça no mesmo lugar em que foi feita a publicação ofensiva e que, se o esclarecimento não satisfaz o requerente, se continua a considerar-se ofendido, tem de lançar mão da acção criminal ou civil para se desafrontar ou indemnizar.<br>
E no acordão de folhas 75 se decidiu que o requerido so podia ser isento de pena se houvesse declarado de maneira inequivoca que as frases apontadas pelo requerente não diziam respeito a este nem tinham o proposito de injuriar ou difamar.<br>
Enquanto o acordão da Relação de Coimbra da ao paragrafo 2 do artigo 54 do decreto citado um significado meramente formal, isto e, no sentido de que basta a declaração ser publicada no mesmo local em que forem publicadas as frases equivocas para que o requerido seja isento da pena, no acordão de folhas 75 a forma da declaração exigida no paragrafo 2 respeita ao proprio conteudo dela.<br>
Assim, a questão a resolver resume-se em decidir qual a interpretação a dar ao paragrafo 2 do artigo 54 do Decreto n. 12 008, tendo em vista o corpo do mesmo artigo.<br>
Vejamos.<br>
Dispõe-se no artigo 54 que, "quando em algum periodico houver referencias, alusões ou frases equivocas que possam implicar difamação ou injuria para alguem, podera quem nelas se julgar compreendido notificar, nos termos dos artigos 645 e 649 do Codigo de Processo Penal, o autor do escrito, se for conhecido, e, na sua falta, o editor da publicação ou o director do periodico, para que declare terminantemente por escrito, no prazo de cinco dias, se essas referencias, alusões ou frases equivocas dizem ou não respeito ao requerente, as esclareça e de publicidade pela imprensa a mesma declaração e esclarecimento.<br>
Tratando-se de imprensa periodica sera feito no mesmo lugar em que foi feita a publicação".<br>
E no paragrafo 2 estatui-se: "se o notificado deixou de fazer a declaração ou não a fizer pela forma indicada neste artigo, incorrera na multa de 500 escudos, que lhe sera imediatamente imposta pelo juiz, o periodico sera suspenso por dois meses e o queixoso tera direito a acção criminal e civil".<br>
Destas disposições legais ha que inferir-se, numa justa interpretação, que a notificação a que elas se referem tem as seguintes finalidades: a) Apurar se as referencias, alusões ou frases equivocas dizem ou não respeito ao requerente da notificação; b) Esclarecer essas alusões e frases equivocas por forma a compreender-se claramente o que elas quiseram significar ou atingir; c) Publicar-se pela imprensa a declaração e o esclarecimento feito.<br>
E isto o que resulta claramente do corpo do artigo 54 citado.<br>
A simples publicação de qualquer declaração, sem se atender ao seu conteudo, de nada serviria e ate podia agravar mais a situação, por se fazerem novas declarações ambiguas. Seria um absurdo que não podia estar no pensamento do legislador.<br>
O esclarecimento a que se refere o artigo 54 citado tem de ser aceitavel pelo juiz, que e quem tem de impor ou não a penalidade do paragrafo 2 do mesmo artigo.<br>
A expressão "pela forma indicada neste artigo", do paragrafo 2 referido, compreende não so a forma, restritamente considerada, mas ainda a satisfação das demais exigencias feitas no corpo do artigo. Como assim, não pode aceitar-se a doutrina do acordão da Relação de Coimbra. Mas tambem não e inteiramente de aceitar-se a doutrina do acordão da Relação de Lisboa que pretende que so podia o requerido ser isento de pena se houvesse declarado de maneira inequivoca que as frases não diziam respeito ao requerente nem tinham o proposito de o injuriar ou difamar.<br>
A notificação a que se refere o artigo 54 so pode ter lugar quando as referencias, alusões ou frases são equivocas, pois, se são claras, ainda que ofensivas, o caminho a seguir não e o da notificação, mas a competente acção civel e penal.<br>
Feita a notificação, no caso de serem equivocas as frases publicadas, tres casos se podem dar:<br>
1 - O notificado declara por escrito e publica que as referencias, alusões ou frases não dizem respeito ao requerente nem contem qualquer proposito de injuria ou difamação. Neste caso, a questão morre, ficando o notificante inibido de propor as acções penal e civel (paragrafo 1 do artigo 54);<br>
2 - O notificado não faz a declaração. Neste caso, incorre na sanção prevista na 1 parte do paragrafo 2 do artigo 54;<br>
3 - O notificado não faz a declaração pela forma indicada no corpo do artigo, isto e, pelo modo e nos termos indicados no artigo. Incorre na mesma sanção em que incorre no 2 caso.<br>
Mas, e aqui reside o fulcro da questão, em que consistem essa forma, esses modos ou esses termos?<br>
Em face de uma publicação ou de um escrito equivoco, não se sabendo bem a quem ele respeita nem, ao certo, o que se queria dizer com ele, a notificação tem por fim forçar o notificado a declarar se tinha ou não querido visar o requerente e o que, com toda a clareza (terminantemente), queria dizer e ainda a publicar a declaração que faça e o devido esclarecimento. E o que a lei exige, e nada mais.<br>
Cumprida a notificação nestes termos, ja o requerente ficara tendo base, que ate então não tinha, para a competente acção civil ou penal.<br>
A notificação visa a desfazer o equivoco num caso que pode importar difamação ou injuria para o requerente.<br>
Feita a declaração e dados os esclarecimentos, o requerente ficara colocado na mesma situação em que estaria se do escrito tivesse logo e directamente resultado, com a maior clareza, se ele se referia ou não ao requerente e se, pelo seu conteudo, continha ou não, elementos seguros para se poder no meio competente debater e decidir se houve ou não injuria ou difamação.<br>
A lei não exige que na declaração o notificado se retracte. A notificação tem por fim, como se disse: verificar por declaração terminante do requerido se ele se referia ao requerente e ainda a obrigar o requerido a esclarecer o que escreveu, para se apreender claramente o que ele quis dizer e atingir com o escrito.<br>
A lei não quis forçar o requerido a declarar - e muitas vezes o faria descabidamente - que as suas frases não tinham proposito de difamar ou injuriar.<br>
Como justamente notou o excelentissimo Procurador-Geral da Republica, a notificação não foi nem podia ser ordenada para conseguir o perfeito esclarecimento de um escrito equivoco e que, na sua forma equivoca, podia originar ou implicar, como diz a lei, difamação ou injuria. Conseguido o esclarecimento bastante, se o requerente da notificação entender que e caso de difamação ou injuria ou para pedir indemnização, fa-lo-a pelos meios competentes, com a base que por virtude da notificação ficou ao seu dispor.<br>
Na decisão deste recurso não e forçoso seguir a doutrina de um ou de outro dos acordãos em oposição.<br>
O que ha e que fixar a doutrina a seguir, fixando-se a justa interpretação do paragrafo 2 do artigo 54 da Lei de Imprensa (Decreto n. 12 008). E, embora o recurso fosse interposto a requerimento do arguido, a verdade e que visa apenas a fixar doutrina para o futuro, e não a alterar o acordão recorrido.<br>
Se visasse tambem a altera-lo, a lei permitiria que o recurso pudesse ser interposto pelo interessado, e não o permite. Apenas lhe confere o direito de requerer ao Ministerio Publico que recorra para fixar-se jurisprudencia.<br>
Assim se entendeu no assento de 17 de Maio de 1950, publicado no Boletim Oficial, n. 19, a folhas 187.<br>
Assim, pelos fundamentos expostos e para o fim unico de se fixar jurisprudencia, nos precisos termos do disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, tira-se o seguinte assento:<br>
"A sanção do paragrafo 2 do artigo 54 do Decreto n. 12 008, de 29 de Julho de 1926, e aplicavel quando o notificado não faça a declaração, esclarecimento e publicação previstos no corpo do artigo".<br>
Sem imposto.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Março de 1953</font><br>
<font><br>
Roberto Martins (Relator) - Rocha Ferreira - Campelo de Andrade - Jaime de Almeida Ribeiro - Raul Duque - Beça de Aragão - Lencastre da Veiga (Votei o assento, mas não acompanhei o tribunal quanto a não remessa do processo a Relação, para cumprimento da mesma providencia. No acordão de 17 de Maio de 1950 (Boletim do Ministerio da Justiça, ano 19, pagina 187), donde, tambem, saiu assento, entendeu-se que apenas havia a considerar a fixação da jurisprudencia; a revisão do assunto, ao longo do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, mostra, porem, que não ha somente que atender a essa uniformização da jurisprudencia, mas tambem ao efeito do recurso quanto a decisão recorrida, que não transitou. Para isto, bastara ponderar que o mesmo recurso, embora extraordinario deve ser apresentado no prazo que a lei assinala e que o Procurador da Republica pode interpo-lo oficiosamente, como o deve interpor desde que lho requeira a parte a qual a decisão da Relação desfavoreceu - assistente ou reu.</font><br>
<font>E o paragrafo unico do mesmo artigo 669, reportando-se, expressamente, não so ao artigo 669, mas, igualmente, ao seu paragrafo, e mais uma confirmação do criterio referido.<br>
Recurso para o tribunal pleno, para obter decisão restrita ao conflito de jurisprudencia, com abstracção do caso concreto, e unicamente o do artigo 770 do Codigo de Processo Civil, o qual, por isso, pode ser interposto depois do transito em julgado do acordão de que se recorre) - Piedade Rebelo (Vencido em parte, tendo votado que o processo baixasse a Relação, a fim de ser aplicada a doutrina do assento, com o fundamento de o presente recurso ter sido autorizado não so no interesse geral, mas tambem das partes, so assim se explicando que tanto o acusador particular como o acusado possam solicitar a interposição do recurso, que esta so possa ter lugar antes do transito em julgado da decisão recorrida e que o recurso suba, como sempre se tem feito, nos proprios autos e, portanto, no efeito suspensivo) - Julio M. de Lemos (Vencido, pelos mesmos fundamentos do voto precedente) - A. Cruz Alvura (Vencido relativamente ao esclarecimento e a subsistencia da decisão recorrida.<br>
O artigo 54 trata da equivocidade quanto ao visado e quanto ao significado do escrito, mas distingue a declaração relativa ao visado do esclarecimento acerca das expressões e os seus paragrafos so se referem aquela declaração. A distinção e manifesta, pela referencia aos dois actos e por o "terminantemente" so reger o "declare". A falta ou insuficiencia do esclarecmento deixam o requerente da notificação em relação a ambiguidade e as acções penal e civil nas mesmas condições que a falta de declaração, mas o que não podem e determinar a cominação do paragrafo 2, pois são estranhas aos pressupostos desta. Como declarei quanto ao assento de 17 de Maio de 1950, votei que, embora o artigo 669 do Codigo de Processo Penal não tenha dado as partes legitimidade para o recurso, reconheceu-lhes interesse para o provocarem.<br>
Esse reconhecimento e a falta nesse artigo de disposição semelhante a do artigo 770 do Codigo de Processo Civil levam a revogar a decisão pendente, não transitada, e que se julga contraria ao direito de quem legalmente provocou o recurso) - Jaime Tome (Vencido, nas mesmas condições do voto imediatamente anterior) - Bordalo e Sa (Vencido quanto ao assento tirado, pelas razões, na parte respectiva, do voto do Excelentissimo Conselheiro Alvura, mas votei que o assento não se aplicava ao acordão dos autos, que, assim, não ficou revogado) - Jose de Abreu Coutinho (Vencido, nos termos constantes do voto que antecede, do excelentissimo Conselheiro Bordalo e Sa).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
oDJMvIYBgYBz1XKv4fOa | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>A sociedade comercial por quotas, de responsabilidade limitada, "A, Limitada" tem o capital social de 60000 escudos, dividido em tres quotas: uma, de 40000 escudos, pertence a B; outra, de 10000 escudos, pertence a C; a terceira, tambem de 10000 escudos, e pertença de D e de seus dois filhos menores E e F, por ele representados.</font><br>
<font><br>
O respectivo pacto social constava de escrituras publicas celebradas em 29 de Março de 1944 e 6 de Outubro de 1954, e nele se achava consignado que os lucros, depois de feitas determinadas deduções, seriam divididos pelos socios em partes iguais.</font><br>
<font><br>
Mas, em assembleia geral de 6 de Maio de 1957, foi deliberada a alteração de alguns artigos do pacto, entre eles o referente a distribuição dos lucros, sendo a alteração deste artigo no sentido de os lucros, depois de feitas as deduções, serem distribuidos pelos socios na proporção das suas quotas. A deliberação foi votada pelos socios B e C.</font><br>
<font><br>
O socio D não chegou a tomar parte na votação, porque se retirou depois de ler e deixar uma declaração em que dizia discordar das alterações que se pretendia fazer ao estatuto social.</font><br>
<font><br>
No dia 10 do mesmo mes, foi reduzida a escritura publica aquela deliberação.<br>
O socio D intentou depois, pela 4 Vara Civel da comarca de Lisboa, contra os socios B e C e contra a sociedade "A, Limitada", esta acção de processo ordinario, em que pediu a declaração de nulidade da deliberação tomada na assembleia de 6 de Maio de 1957 e da alteração ao pacto social constante da escritura de 10 do mesmo mes.</font><br>
<font><br>
Os reus, em contestação, defenderam a legalidade desses actos.<br>
A acção foi julgada improcedente no despacho saneador, que conheceu do merito e assim ficou com o valor de sentença.</font><br>
<font><br>
Em apelação, a segunda instancia confirmou o que assim se decidiu, e o respectivo acordão foi por sua vez mantido por este Supremo Tribunal em decisão de recurso de revista.</font><br>
<font><br>
Do acordão de folhas 259, datado de 29 de Abril de 1960, que negou a revista e se acha publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 96, pagina 374, traz o Do presente recurso para Tribunal Pleno, com respeito a duas questões juridicas nele resolvidas, por estar em oposição com o que o Supremo Tribunal decidiu anteriormente, noutros processos.</font><br>
<font><br>
Consiste a primeira dessas questões em saber que interpretação se deve dar ao artigo 41 da Lei de 11 de Abril de 1901, reguladora das sociedades por quotas, de responsabilidade limitada. Como ai se preceitua que toda a deliberação sobre alteração do pacto social deve obter tres quartas partes dos votos correspondentes ao capital da sociedade, bem como satisfazer as demais condições exigidas pelo contrato, levanta-se a duvida de essa maioria de votos bastar mesmo no caso de a alteração do pacto respeitar a direitos ou vantagens especiais neste concedidos a algum ou a alguns socios, e não ter o assentimento destes, ou de, pelo contrario, em tal hipotese ser necessaria a concordancia dos socios beneficiados, pelo principio estabelecido no artigo 702 do Codigo Civil. No acordão recorrido adoptou-se a primeira solução, ao passo que em acordão de 13 de Dezembro de 1932, publicado na Gazeta da Relação de Lisboa, ano 49, a paginas 170, se seguiu a segunda.</font><br>
<font><br>
A outra questão esta ligada ao verdadeiro sentido do paragrafo 3 do artigo 39 da referida Lei. Mais precisamente: trata-se de averiguar se naquela alteração do contrato social, quanto a direitos ou vantagens especiais que nele hajam sido concedidos a algum ou alguns socios, podem votar os outros socios, que com a alteração venham a lucrar. Pronunciou-se pela afirmativa o acordão recorrido: em sentido oposto julgou o acordão de 8 de Maio de 1934, publicado na mencionada revista de direito, ano 49, a paginas 172.</font><br>
<font><br>
O recurso foi mandado prosseguir pelo acordão de folhas 293, da respectiva secção, por se ter entendido, contra a opinião dos recorridos, que estavam verificados os pressupostos legais.</font><br>
<font><br>
Alegaram as partes: o recorrente, a sustentar a doutrina seguida nos acordãos de 13 de Dezembro de 1932 e 8 de Maio de 1934; os recorridos, a insistirem em que o recurso não e admissivel por serem diversas as situações de facto contempladas nesses acordãos, por um lado, e por outro lado, as contempladas no acordão recorrido, e ainda, para o caso de assim não ser entendido, a defenderam o criterio adoptado no acordão de que se recorreu.<br>
Tambem o excelentissimo magistrado do Ministerio Publico deu o seu douto parecer. Considerando haver fundamento legal para o recurso, pronunciou-se, relativamente a primeira questão, a favor da doutrina do acordão de 13 de Dezembro de 1932, e quanto a segunda, a favor da doutrina do acordão recorrido.</font><br>
<font><br>
Tudo visto e ponderado:</font><br>
<font><br>
A simples diversidade das situações de facto existentes nos processos em que hajam sido proferidos acordãos reputados opostos, não e obice ao recurso para Tribunal Pleno. A despeito dessa diversidade (que rarissimas vezes deixara de se verificar), o recurso e de admitir desde que a divergencia das decisões incida sobre "a mesma questão de direito", como se diz no artigo 763 do Codigo de Processo Civil.</font><br>
<font><br>
No caso vertente, o acordão recorrido esta realmente em oposição com os outros, atras referidos, sobre as mesmas questões de direito. Por isso, e porque tambem se verificam os demais requisitos legais (dominio da mesma legislação - artigos 702 do Codigo Civil e 41 e 39, paragrafo 3, da Lei de 11 de Abril de 1901; transito em julgado, presumido, dos acordãos de 1932 e 1934), ha que conhecer do recurso.</font><br>
<font><br>
Vejamos a primeira questão suscitada.</font><br>
<font><br>
No presente processo, trata-se duma sociedade por quotas em cujo pacto social se convencionou que os lucros seriam divididos igualmente pelos socios, não obstante serem desiguais as respectivas quotas (o que dava vantagens especiais aos socios com quotas menores). Nada se estipulou a respeito de alteração do pacto.</font><br>
<font><br>
Posteriormente, em assembleia geral, foi deliberado pela maioria de tres quartas partes dos votos correspondentes ao capital social, mas contra a vontade de um dos socios que tinha aquelas vantagens especiais, alterar o pacto de maneira a que os lucros passassem a ser divididos pelos socios na proporção das suas quotas.</font><br>
<font><br>
Foi valida essa deliberação?</font><br>
<font><br>
O artigo 702 do Codigo Civil contem a regra de que os contratos legalmente celebrados devem ser particularmente cumpridos e so podem ser revogados ou alterados por mutuo consentimento dos contraentes. Por sua vez, o artigo 41 da Lei de 11 de Abril de 1901 diz que toda a deliberação sobre alteração do pacto social deve obter tres quartas partes dos votos correspondentes ao capital da sociedade, bem como satisfazer as demais condições exigidas pelo contrato.</font><br>
<font><br>
A primeira parte deste ultimo texto representa, por certo, um desvio ao principio da contratualidade expresso no artigo 702, mas a segunda parte, mandando observar as "demais condições exigidas pelo contrato", mostra claramente que não quis afasta-lo em absoluto. E seria realmente atentatorio de elementares principios, não so da segurança dos contratos, como tambem da moral e da justiça, o permitir que clausulas essenciais do estatuto social, convencionadas em proveito de um ou de mais socios, sem as quais, porventura, não teria sido constituida a sociedade ou não teriam entrado para ela esses socios, pudessem ser alteradas, pouco depois, por simples votação maioritaria, contra a vontade desses mesmos socios.<br>
Compreende-se que, no proposito de dar maior facilidade a vida das sociedades por quotas, o artigo 41 tenha por suficiente a maioria de tres quartos dos votos para deliberações tendentes a alterar condições do pacto social que não envolvam direitos especificos dalguns socios, vantagens a estes concedidas com exclusividade. Mas ja se não compreenderia que aquele proposito fosse levado ao ponto de, atraves do meio facil e perigoso da votação maioritaria, colocar sem garantia a estabilidade de tais direitos e vantagens.<br>
E esta diversidade de situações que o corpo do artigo 41 contempla, não obstante a sua pouca nitidez na primeira parte, considera suficiente a maioria de tres quartos dos votos para as deliberações destinadas a alterar, duma maneira geral, o pacto social; mas, na segunda parte, ressalva, a fim de que quanto a ela subsiste a regra do artigo 702 do Codigo Civil, a alteração das condições estatutarias que envolvam direitos especiais dos socios discordantes, direitos de que os socios não possam ser privados contra vontade sua, sem grave ofensa da ordem juridica.<br>
Diversamente do que sucede na lei alemã (artigo 35 do Codigo Comercial), não se encontra na lei portuguesa um texto explicito que proiba a lesão dos direitos especiais de um socio sem o seu consentimento. Mas este principio, harmonico com a estrutura juridica do nosso pais, esta abrangido pelo outro principio mais generico a que se fez referencia - o do artigo 702 do Codigo Civil -, corroborado pela segunda parte do corpo do artigo 41 da Lei de 1901.</font><br>
<font><br>
Neste sentido se tem orientado, com predominancia, a doutrina.<br>
No caso dos autos, o recorrente tinha direito, pelo estatuto da sociedade, as vantagens especiais na distribuição dos lucros. Esse direito so podia ser-lhe retirado com a sua anuencia. Como esta não se deu, a deliberação que lho retirou e nula, por contraria a lei (artigo 10 do Codigo Civil).<br>
Agora quanto a segunda questão.</font><br>
<font><br>
Dispõe o paragrafo 3 do artigo 39 da mencionada Lei de 1901 que nenhum socio, por si ou como mandatario, pode votar sobre assuntos que lhe digam directamente respeito.</font><br>
<font><br>
Sob pena de se paralisar a vida das sociedades por quotas, pela impossibilidade pratica de se tomarem deliberações, não pode dar-se a esta disposição legal a interpretação ampla que o recorrente pretende.<br>
Cada socio tem sempre um interesse ligado a vida da sociedade, e consequentemente a toda e qualquer das deliberações nela tomadas. Seja qual for o assunto sobre que recaia uma deliberação, sempre ele, porque respeita a sociedade, tambem interessa ao socio, como tal. O socio não pode deixar de ser admitido a votar, porque so assim se forma a vontade social. O seu interesse identifica-se com o da sociedade.</font><br>
<font>E possivel, porem, que determinado assunto, pela sua especial natureza, importe tambem para o socio um interesse meramente pessoal, individual, a sobrelevar o que ele tem na qualidade de socio; interesse oposto, portanto, ao da sociedade. Colocado nessa duplice posição, o socio não esta em condições de ajudar a formar a verdadeira e correcta vontade social. Na realidade, o seu voto não representaria a vontade do socio propriamente dito, do componente da sociedade, mas sim, e exclusivamente, a do particular, do individuo. So formalmente ele expressaria a vontade do socio. Em tal caso não deve ser admitido a votar.<br>
E para esta ultima situação que a lei prove com a restrição contida no paragrafo 3, do artigo 39. A proibição de votar refere-se aos assuntos que directamente digam respeito ao socio. Esses assuntos são unicamente aqueles que envolvem um interesse directo, imediato, do socio considerado como pessoa particular, como simples individuo, e so mediatamente interessam ao socio, propria e rigorosamente nesta qualidade. São assuntos que, desse modo, provocam um interesse do socio oposto ao da sociedade.<br>
Mas não estão nessas condições os problemas em que o socio, votando, actua caracterizadamente nessa qualidade de socio, para criar a real vontade social - ainda que da deliberação possa vir a resultar para ele, de modo mediato, algum proveito pessoal. Não havendo divergencia entre o interesse da sociedade e o do socio, o assunto respeita imediata e directamente a sociedade, so mediata e indirectamente ao socio.<br>
Aplicando estes principios ao caso concreto do recorrente e dos recorridos, logo se ve que não havia impedimento legal a que o socio B interviesse na votação sobre a alteração da clausula social relativa a distribuição dos lucros. Não havia oposição de interesses entre ele e a sociedade; a oposição era so entre ele e os outros socios. Alias, se ele não pudesse votar, tambem o não podiam fazer os demais socios, pois que ao interesse do B em obter maior proporção nos lucros contrapunha-se o interesse dos consocios em não verem diminuida a proporção que tinham. Chegar-se-ia assim a absurda situação de não poder ser modificada uma condição do contrato, pelo motivo de nenhum dos socios ter o direito de votar sobre a materia.<br>
Por todos estes fundamentos, da-se provimento parcial ao recurso, revoga-se o acordão recorrido na parte referente a primeira das questões atras apreciadas e determina-se que os autos baixem a secção a fim de, em novo acordão, ser observada a doutrina do primeiro dos assentos que a seguir se formulam:<br>
1 - "Para a alteração dos direitos especiais de um socio, concedidos no pacto de uma sociedade por quotas, não basta a maioria referida no artigo 41 da Lei de 11 de Abril de 1901, sendo ainda indispensavel o consentimento do respectivo socio".<br>
2 - "Nos termos do paragrafo 3 do artigo 39 da Lei de 11 de Abril de 1901, o socio so esta impedido de votar sobre os assuntos em que tenha um interesse imediatamente pessoal, individual, oposto ao da sociedade".<br>
As custas deste recurso são da responsabilidade do recorrente e dos recorridos, metade por estes e metade por aquele.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 26 de Maio de 1961</font><br>
<font><br>
Sousa Monteiro (Relator) Vencido quanto ao primeiro assento, pelas razões que passo a expor:<br>
O artigo 702 do Codigo Civil, depois de estabelecer a regra a que no presente acordão se fez referencia, acrescenta: "salvas as excepções especificadas na lei".<br>
Uma destas excepções assim ressalvadas expressamente e a estabelecida no artigo 41 da Lei de 1901, para as deliberações que alterem o pacto social das sociedades por quotas.<br>
Com efeito, ai se declara que toda a deliberação sobre alteração do pacto social deve obter tres quartas partes dos votos correspondentes ao capital da sociedade. No intuito de facilitar a vida daquelas sociedades, de tornar mais pronta a formação da vontade social, a Lei de 1901, que no artigo 39 ja tem por suficiente, para a validade das deliberações em geral, a simples pluralidade de votos, ate mesmo para as deliberações que importem alteração do estatuto social se contenta (citado artigo 41) com a maioria de tres quartos dos votos, afastando assim claramente a unanimidade exigida, para os contratos em geral, pela regra do artigo 702. E para vincar bem essa maioria basta, seja qual for a alteração ao pacto, o artigo diz: "Toda a deliberação sobre alteração do pacto social..." as palavras "toda a deliberação" são nitidas: não admitem restrições.<br>
Assim, e sem quebra do respeito que me merece a opinião que fez vencimento, tenha por destituido de base legal o intento de fazer destrinça entre alteração do pacto social em geral e alteração das clausulas desse pacto que concedam a algum ou alguns socios direitos ou vantagens especiais - para aplicar o artigo 41 so a primeira dessas alterações e manter a regra do artigo 702 para a segunda.<br>
Nada autoriza a destrinça; pelo contrario, as palavras terminantes do artigo 41 impedem, de modo seguro, que ela se faça.<br>
Nem e de admitir que o legislador não tenha pensado na possibilidade de no contrato social haver vantagens especiais concedidas a algum socio e essas vantagens virem a desaparecer por uma votação maioritaria. Essa previsão, da parte dele, era certa, porque a lei tambem preve de forma expressa as referidas vantagens especiais (artigo 114, n. 6, do Codigo Comercial).<br>
Acresce, por um lado, que não se ve razão para permitir a alteração dalgumas clausulas contratuais por maioria de votos e exigir a unanimidade destes para a doutras; e por outro lado, que em determinados casos se tornara puramente arbitrario classificar certas clausulas na primeira categoria ou classifica-las na segunda.<br>
O que venho dizendo tem pressuposta a inexistencia no contrato social dalguma estipulação expressa sobre a unanimidade ou mais elevada maioria de votos (do que a prescrita no artigo 41) para ser deliberada a alteração do contrato, no seu todo e em relação a determinada materia.<br>
Se houver essa estipulação expressa, ela tem de ser observada. Na verdade, o falado artigo 41, depois de declarar que toda a deliberação sobre alteração do pacto social deve obter tres quartas partes dos votos, ainda, diz: "bem como satisfazer as demais condições exigidas pelo contrato".Isto significa que a maioria de tres quartos dos votos e o requisito minimo para se deliberar a alteração do pacto, mas que se no contrato ainda tiverem sido estabelecidas outras condições para a deliberação (tais como uma mais elevada maioria ou mesmo a totalidade dos votos), essas outras condições tambem terão de ser satisfeitas. Os socios, ao constituirem a sociedade, podem fazer inserir no estatuto clausulas com maiores exigencias para as deliberações tendentes a modifica-lo.<br>
Se o não fizerem, a unica exigencia a ter em conta e a da maioria estabelecida no artigo 41. E uma situação paralela a regulada no paragrafo 1 do artigo 42, para a dissolução da sociedade.<br>
O entendimento assim dado ao artigo 41 e o que melhor se adapta a sua letra e ao espirito, e afasta muito do caracter de violencia ou de injustiça que a essa disposição legal tem sido atribuido. Alias, se e certo que, dum modo geral, parece injusta a alteração, sem consentimento do interessado, de direitos especiais dados na escritura social a algum socio, tambem não e dificil figurar hipoteses em que, por terem cessado as razões motivadoras desses direitos especiais, se apresenta como injusta a manutenção deles, resultante de o interessado não se dispor a abandona-los.<br>
Por ultimo, direi que, a meu ver, não ha que ter em conta a legislação estrangeira estruturada como e em moldes diversos do da nossa. Mas, quando a ela se devesse atender, seria principalmente ao paragrafo 53 da lei alemã sobre sociedades de responsabilidade limitada, fonte da nossa Lei de 11 de Abril de 1901.<br>
Diz-se nesse paragrafo 53:<br>
"A alteração do pacto social so pode fazer-se por deliberação dos socios.<br>
A deliberação deve ser provada judiciaria ou notarialmente e carece de uma maioria de tres quartos dos votos manifestados. Os estatutos podem estipular ainda outras exigencias.<br>
Um aumento das prestações, impostas aos socios pelos estatutos, so pode ser resolvido com o acordão de todos os socios interessados".<br>
Este texto da lei alemã, mais claro do que o nosso artigo<br>
41, mostra a razão do meu parecer. Salvo o caso de os estatutos conterem maior exigencia do que a de tres quartos dos votos, so na hipotese de aumento de prestações e que e obrigatorio o acordo de todos os socios).</font><br>
<br>
<font>F. Toscano Pessoa - Barbosa Viana - Da Mesquita - Amorim Girão - Alfredo Jose da Fonseca - Eduardo Coimbra - Mario Cardoso - Pinto de Vasconcelos (Vencido pelas razões do voto do excelentissimo relator) - Amilcar Ribeiro (Vencido quanto ao primeiro assento, pelos fundamentos do excelentissimo relator) - Carlos de Miranda (Vencido quanto ao primeiro assento pelas razões apresentadas pelo excelentissimo Conselheiro relator) - Jose Moreira (Vencido quanto ao primeiro assento pelas razões expostas pelo excelentissimo Conselheiro relator) - João de Barros Morais Cabral (Vencido pelas razões expendidas pelo excelentissimo relator).<br>
Tem voto de conformidade, quanto aos dois assentos, do excelentissimo Conselheiro Bravo Serra, que não assina por não estar presente. Sousa Monteiro.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
MTIyvIYBgYBz1XKvXr7X | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font><br>
A e mulher, interpuseram recurso para o tribunal pleno, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do Acordão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 1985, proferido no recurso de revista em que eram recorrentes e recorridos B, e mulher, C, D, E, e F e marido,, por ter decidido que e nulo o contrato-promessa de compra e venda de terrenos compreendidos em loteamento celebrado na vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, sem ter sido obtida a licença do loteamento exigida pelo artigo 10, n. 1, desse diploma, o que esta em manifesta oposição com o Acordão deste mesmo Supremo de 31 de Março de 1981, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 305, a pagina 288, que julgou valido tal contrato.</font><br>
<font><br>
A secção, consoante o acordão de folhas 25 a folhas 26, reconheceu a existencia da oposição e mandou prosseguir o recurso.</font><br>
<font><br>
Os recorrentes encerraram a sua alegação com as seguintes conclusões:<br>
1 - Os recorrentes celebraram um contrato-promessa por escritura particular a 23 de Abril de 1969 sobre dois lotes de terreno a destacar de uma propriedade sita na Lomba do Chão do Bispo, em Coimbra;<br>
2 - Este contrato-promessa fora outorgado em plena vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, o qual foi revogado pelo Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho;</font><br>
<font>3 - Este ultimo decreto-lei veio consagrar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda sobre quaisquer fraccionamentos relativos a terrenos compreendidos em loteamento, desde que não se indiquem o numero e a data do alvara que aprovar o loteamento;</font><br>
<font>4 - Logo, ate pelo que se afirma no exordio do mesmo decreto-lei, se conclui, de suma evidencia, que a lei, ate entrar em vigor não era tão severa, por, alem do mais, não ferir da nulidade os actos de fraccionamento a que faltarem aqueles pressupostos;</font><br>
<font>5 - Assim, a lei anterior aplicava uma multa, vindo a lei nova ferir de nulidade, sem se aplicar aos contratos anteriores;</font><br>
<font>6 - Portanto, ao ter-se considerado o referido contrato nulo e de nenhum efeito, violaram-se os comandos insitos naquele Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965.</font><br>
<font><br>
Os recorridos contra-alegaram, sustentando, em sintese e conclusivamente: a) Não existir oposição entre os acordãos em apreço, devendo, por isso, considerar-se findo o recurso; b) Se assim não se entender, deve lavrar-se assento em que se decida que o contrato-promessa de compra e venda de terrenos compreendidos no processo de loteamento antes de obtida a respectiva licença ou alvara, celebrado na vigencia do artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, e nulo, independentemente da natureza do titulo que integra o respectivo negocio juridico.<br>
O Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto deste Supremo emitiu douto parecer no sentido da revogação do acordão recorrido e da prolação de assento nos moldes seguintes:</font><br>
<font><br>
Na vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, são validos os negocios juridicos de compra e venda, bem como a promessa de terrenos compreendidos em loteamento sem alvara, excepto quando no momento da celebração do contrato houvesse impossibilidade de obtenção de alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua missão.</font><br>
<font>Com os vistos cumpre decidir.</font><br>
<font><br>
Nos termos do n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, o tribunal pleno não esta impedido de decidir em sentido contrario ao acordão da secção que reconheceu a existencia da oposição que serve de fundamento ao recurso.</font><br>
<font><br>
Assim, ha que reexaminar a questão preliminar, tanto mais que os recorridos, na sua contra-alegação, defendem não existir oposição entre os julgados em confronto, dado que no acordão recorrido se esta perante um contrato-promessa de compra e venda de terrenos em loteamento clandestino, ao passo que no acordão-fundamento se tratava de identico contrato relativo, porem, a uma moradia num conjunto turistico legalmente aprovado.<br>
Não assiste razão aos recorridos.</font><br>
<font>Efectivamente, preceituando o n. 1 do artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, que "qualquer forma de anuncio de venda e a venda ou promessa de venda de terrenos, com ou sem construção, compreendidos em loteamento so poderão efectuar-se depois de obtida a licença a que se referem os artigos antecedentes e de terem sido observados os condicionamentos nela estabelecidos", a questão fundamental de direito que se debate nestes autos e a de saber se são validos os contratos-promessa de compra e venda de terrenos que, no dominio do citado decreto-lei, hajam sido celebrados antes de obtida a respectiva licença de loteamento.</font><br>
<font>Ora, quer no caso do acordão recorrido, quer no Acordão de 31 de Março de 1981, ambos proferidos sob a egide do mencionado Decreto-Lei n. 46673, não existia em qualquer das situações concretas neles tratadas licença de loteamento. A unica diferença que se verifica entre os dois acordãos e que, no caso do acordão-fundamento, estava aprovado pela camara municipal respectiva e pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização o conjunto turistico onde se situava a moradia em causa e que, alem disso, fora requerida a licença de loteamento. Estas circunstancias não descaracterizam, porem, a oposição que, na verdade, existe entre esses acordãos e que e bem patente.</font><br>
<font>Com efeito, faltando a licença de loteamento nos contratos-promessa de compra e venda, que nesses acordãos estavam em apreciação, o acordão recorrido entendeu que essa falta determinava a nulidade do contrato e assim julgou, enquanto o acordão-fundamento entendeu que a referida falta não afectava o contrato-promessa, julgando-o, por isso, valido.<br>
Nesta conformidade, existe a invocada oposição dos acordãos em analise, proferidos no dominio da mesma legislação, no tocante a questão fundamental de direito atras enunciada, motivo por que se passa a conhecer do objecto do recurso.</font><br>
<font>E, assim:</font><br>
<font>Na pendencia dos presentes autos este Supremo Tribunal proferiu o assento de 21 de Julho de 1987, que esta publicado no Diario da Republica, 1 serie, de 30 de Outubro de 1987, e que e do seguinte teor:</font><br>
<font><br>
No dominio da vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos, com ou sem construção, compreendida em loteamento.</font><br>
<font><br>
Com a força obrigatoria geral que lhe advem do artigo 2 do Codigo Civil, reporta-se esse assento, na sua letra, apenas aos contratos de compra e venda nele referidos, mas, apesar disso, podera pensar-se que o mesmo abrange tambem os respectivos contratos-promessa e que,</font><br>
<font>consequentemente, o caso sub judice devera subsumir-se, pura e simplesmente, a doutrina do dito assento, como alias ja se decidiu, em caso igual, no Acordão deste Supremo de 22 de Outubro de 1987, proferido nos autos de revista n. 74994 da 2 Secção (v. Boletim do Ministerio da Justiça, n. 370, pagina 536), ficando, desta sorte, prejudicada a prolação do assento a que visa o presente recurso para o tribunal pleno.</font><br>
<font>So que esta solução, perfeitamente aceitavel em sede de revista, não e, so por si, de subscrever no especifico contexto deste processo, cujo fim ultimo - reconhecida a oposição dos acordãos em confronto - e, como impõe o n. 3 do artigo 768 do Codigo de Processo Civil, a formulação de assento que resolva o conflito jurisprudencial existente.</font><br>
<font><br>
Com efeito, a adopção da referida solução, sem que se tirasse assento, levaria a revogação do acordão recorrido, mas tal decisão, por carecida da força obrigatoria geral dos assentos e vinculativa apenas entre as partes, não evitaria que, no futuro, pudessem surgir novos recursos para o tribunal pleno com o mesmo objecto do presente, pois nada impediria que, a proposito dos contratos-promessa como o dos autos, continuem a ser proferidas decisões contraditorias: umas, considerando validos esses contratos, como a do supracitado acordão e a que viesse aqui a ser proferida no mesmo sentido, mas sem assento; outras, decretando a nulidade de tais contratos, como a do acordão recorrido.<br>
Seria, em suma, o renascer da mesmissima questão fundamental de direito que agora e posta a consideração do tribunal pleno, e dai que, não contemplando o assento de 21 de Julho de 1987, directa e frontalmente, o caso do contrato-promessa e existindo, como ficou dito, a oposição entre o acordão recorrido e o acordão-fundamento, seja necessario proferir assento para resolver o conflito em causa. Vejamos pois:<br>
O artigo 10, n. 1, do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, prescreve, em pe de igualdade, as exigencias nele expressas, quer para a venda, quer para a promessa de venda de terrenos compreendidos em loteamento.<br>
Por seu turno, as razões justificativas do assento de 21 de Julho de 1987, em cuja formulação se alude somente aos contratos de compra e venda dos terrenos nele mencionados</font><br>
<font>- razões essas que são, em sintese, a de a nulidade se mostrar pouco adequada e ate repelida por aquele decreto-lei -, colhem inteiramente para o simples contrato-promessa e, portanto, injusto seria que o caso dos autos, em que se discute um contrato-promessa, não tivesse o mesmo tratamento que o dito assento preconiza para o contrato prometido.</font><br>
<font><br>
Reforça este entendimento, de resto, esse proprio assento, que, no seu discorrer e fundamentação, trata, para o efeito sem preocupações de distinção e antes da mesma forma, o contrato de compra e venda e o contrato-promessa, ao aludir indiferentemente a um e a outro, sendo curiosamente de notar que os acordãos em oposição que levaram a prolação do referido assento versavam justamente casos de contratos de compra e venda (acordão recorrido) e de simples promessa de venda (acordão-fundamento), o que mais acentua o espirito do mesmo assento no sentido de abranger as suas modalidades contratuais.</font><br>
<font>Assim, dado relevarem no caso vertente as mesmas razões justificativas do assento de 21 de Julho de 1987, na medida em que se ajustam perfeitamente aos contratos-promessa de compra e venda dos terrenos a que se refere o artigo 10, n. 1, do Decreto-Lei n. 46673, conclui-se não ser nulo o contrato-promessa de compra e venda em causa, celebrado entre recorrentes e recorridos no dia 23 de Abril de 1969.<br>
Nestes termos, concede-se provimento ao recurso e, em consequencia, revoga-se o acordão recorrido, bem como as decisões das instancias, na parte em que julgaram nulo o referido contrato-promessa, determinando-se que a 1 instancia conheça e decida as restantes questões que estão suscitadas pelas partes no respectivo processo.<br>
E, em conformidade com o disposto no n. 3 do artigo 768 do Codigo de Processo Civil, formula-se o seguinte assento:<br>
No dominio da vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos-promessa de compra e venda de terrenos, com ou sem construção, compreendidos no loteamento.<br>
Custas pelo recorridos.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 3 de Outubro de 1989</font><br>
<br>
<font>Jose Domingues - Manso Preto - Gama Prazeres - Gama Vieira<br>
- Alcides de Almeida - Salviano de Sousa - Rodrigues Gonçalves - Cesario Dias Alves - Jose Saraiva - Jose Calejo - Eliseu Figueira - Barbosa de Almeida - Mendes Pinto - Mario Afonso - Vasco Tinoco - Villa Nova - Almeida Ribeiro - Licinio Caseiro - Pinto Ferreira - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Lopes de Melo - Ferreira da Silva - Baltazar Coelho - Sousa Macedo - Ferreira Vidigal - Brochado Brandão - Maia Gonçalves - Ferreira Dias - Castro Mendes - Meneres Pimentel (vencido, porque o assento de 21 de Julho de 1987 retirou a possibilidade legal de nova interpretação; com efeito, aquele assento ja resolvia a presente situação juridica) - Soares Tome (votei nos termos do voto do Excelentissimo Senhor Conselheiro Doutor Meneres Pimentel) - Cura Mariano (vencido, nos termos do voto do Excelentissimo Conselheiro Meneres Pimentel) - Fernandes Fugas (vencido, pelas mesmas razões por que votei vencido no Acordão deste Supremo Tribunal de 21 de Julho de 1987, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 369, a paginas 199 e seguintes, de que emergiu o assento da referida data, razões essas para que aqui se remete) - Solano Viana (vencido, por identicas razões as aduzidas no voto dado no assento de 21 de Julho de 1987, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 369, a paginas 199).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YjJMvIYBgYBz1XKvvvNV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font><br>
Vem este recurso interposto por A do acordão de 28 de Abril de 1964 com fundamento de que nele se firmou a doutrina de a presunção constante da 4 alinea do artigo 31 da Lei Uniforme relativa a letras não admitir prova em contrario, quer no dominio das relações mediatas quer no dominio das relações imediatas, doutrina esta que e oposta a consignada no acordão deste Tribunal, de 14 de Outubro de 1960, no qual se estabeleceu a de que, no dominio das relações imediatas a presunção de ser dado a favor do sacador o aval oposto na letra não obsta a que o sacador e portador dela prove, em contrario, que o aval fora dado a favor do aceitante.<br>
E esta a questão fundamental de direito posta no objecto do recurso.<br>
Não sofre duvida terem sido proferidas as duas decisões no dominio da mesma legislação.<br>
O acordão de folhas 21 julgou existir oposição de doutrina nas duas decisões em confronto.<br>
Tem-se como transitado em julgado o referido acordão, de 1960.<br>
Mantem-se como existente a oposição dos julgados sobre esta questão.<br>
Conhecendo:<br>
Esta em apreciação o enunciado na segunda parte da 4 alinea do artigo 31 da Lei Uniforme sobre Letras, que e do seguinte teor: "O aval deve indicar a pessoa por quem se da. Na falta de indicação, entender-se-a pelo sacador".<br>
O aval representa a garantia do pagamento de uma letra, quanto a totalidade ou a parte do seu montante, por terceiro ou pelo proprio interveniente, com a expressa declaração de "bom para aval" ou outra forma equivalente, seguida da respectiva assinatura, - quando no verso do titulo.<br>
Nos termos do preceito que regimenta a constituição do aval o dador deve indicar a pessoa por quem e dado; tem de referir expressamente, qual ou quais, de entre os obrigados ao pagamento da letra, ficam por ele avalizados.<br>
A lei, porem, dispensa-o de fazer essa declaração quando o avalizado seja o sacador. Assim acontecendo, por disposição legal, como avalizado se tem de considerar o sacador.<br>
Na falta de manifestação expressa de vontade do dador, o aval implica, juridicamente, a sua relacionação a exclusiva pessoa do sacador.<br>
Conformes com o lucido parecer do ilustre Procurador da Republica, dizemos que o "legislador se preocupou em criar para o aval uma certa estrutura formal simples, segura e pratica a determinar a pessoa avalizada. Tal pessoa e aquela que o dador indica; na falta de indicação a pessoa do sacador - e so essa".<br>
Daqui deriva que não nos encontramos em face da figura juridica das presunções - consequencias ou ilações que a lei ou o julgador deduz de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigo 2 516 do Codigo Civil.<br>
E certo ter-se sustentado e julgado que a disposição da alinea 4 do artigo 31 da Lei Uniforme constitui uma presunção, ilidivel por prova em contrario, admitindo-se que se venha a demonstrar que o aval foi prestado a favor de outro interessado.<br>
Este entendimento esta em oposição com o principio da literalidade da letra, segundo o qual, os direitos emergentes deste titulo de credito valem pelos seus proprios termos.<br>
O respeito a literalidade do titulo, que essencialmente importa a fixação e definição do seu conteudo e modalidade nele incorporado conduz a afirmação da generalidade de que o titulo vale pelos seus dizeres, exactamente pela incorporação do direito no proprio documento.<br>
A mobilização constante e rapida dos direitos que se incorporam nos titulos de credito implica ser decisivo o seu contexto para a pronta definição desses direitos, cuja certeza se deve impor a geral confiança.<br>
Estas razões justificam o dominante principio de que o preceito legal em apreço não contem nenhuma presunção.<br>
Esse preceito contem uma disposição supletiva, integradora da vontade das partes.<br>
Nos termos expostos, confirma-se o acordão recorrido e lavra-se o seguinte assento:<br>
"Mesmo no dominio das relações imediatas o aval que não indique o avalizado e sempre prestado a favor do sacador".<br>
Custas pelo recorrente.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 1 de Fevereiro de 1966</font><br>
<br>
<font>Alberto Toscano (Relator) - Lopes Cardoso - Albuquerque Rocha - Torres Paulo - Antonio Laranja - Joaquim de Melo -<br>
- H. Dias Freire - Francisco Soares - Fernando Toscano Pessoa - A. Vera Jardim - J. Santos Junior - Ludovico da Costa (Vencido.Penso que a doutrina da presunção juris tantum, limitada ao dominio das relações imediatas, e a que, embora tecnicamente menos sugestiva, melhor satisfaz a realização do suum cuique tribuere (v.g., Boletim, ns. 107, pagina 582, e 117, pagina 623). Pois, em tais relações e consoante o principio informador do assento de 27 de Novembro de 1964 (Boletim, n. 141, pagina 171), mais concretamente traduzido no recente acordão deste Supremo, de 14 de Dezembro de 1965 (revista n. 60890), em tais relações, dizia, não esta em causa a estrutura da letra -<br>
- titulo destinado a generalidade - mas simplesmente os interesses dos sujeitos da relação fundamental, os quais, so por si, não justificariam um especial regime juridico, como o e o dos titulos de credito, dado que as caracteristicas destes, nomeadamente a literalidade e a abstracção, visam apenas assegurar a circulação dos mesmos e proteger a boa fe de terceiros portadores.<br>
Em uma palavra: a literalidade e o concernente caracter supletivo do preceito em causa pressupõem que se transpõs a fronteira das relações imediatas, que a letra entrou em circulação; pois, so então pode funcionar o condicionalismo juridico de tais titulos. Ate la, tudo se passa como no regime comum das obrigações.<br>
Votei, por isso, pelo provimento do recurso e consequente solução do conflito segundo a doutrina do acordão invocado em oposição).<br>
Gonçalves pereira (vencido pelos mesmos fundamentos).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
lzJAvIYBgYBz1XKvedrN | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
</font><br>
<font>A..., comerciante em exercicio da sua actividade comercial, recorreu para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do acordão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Novembro de 1980, proferido no processo n. 68796 - 1 Secção, que, com a concessão da revista pedida pelos requerentes da declaração da sua falencia e a revogação da decisão das instancias a julgar caduco o respectivo direito daqueles seus credores, a declarou com fundamento na cessação de pagamentos ocorrida ha mais de dois anos, a data da requerida declaração, invocando-se o disposto no artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil.<br>
Fundamentou o recurso na oposição que afirma verificar-se entre o acordão recorrido e o tambem deste Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Abril de 1955, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 48, pagina 574, relativamente a questão, em ambos versada sobre a aplicação do prazo de caducidade estabelecido naquele artigo 1175, n. 1, decidindo-a, um, no sentido da aplicação desse preceito apenas nos casos de falecimento do comerciante ou cessação da sua actividade comercial, e, outro, nesses e em todos os demais casos de declaração de falencia previstos na lei.<br>
Julgada verificada a invocada oposição, por acordão de fls. 53 e seguintes da 2 Secção Civel deste Supremo Tribunal de Justiça, prosseguiu o processo, e, na sua alegação, pretende, o recorrente, a revogação do acordão recorrido com fundamento na caducidade do direito dos requerentes pediram a declaração da sua falencia e um assento em que "se estatua que o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil se aplica a todas as situações de falencia previstas no artigo 1174 do mesmo diploma, contando-se o mesmo prazo, sempre, da verificação dos factos ai referidos".<br>
Concluiu, em resumo, que o aresto recorrido se baseia na premissa errada de que e possivel ao comerciante continuar no exercicio profissional do comercio pelo periodo de dois anos ou mais, nos casos referidos no artigo 1174 do Codigo de Processo Civil, impossibilidade que diz a lei pressupor, sem distinguir, ao estabelecer o prazo de caducidade de dois anos para o exercicio da acção falimentar, entre falidos ainda comerciantes e falidos ja não comerciantes, como resulta das expressões iniciadas pelas locuções "não obstante" e "ainda que".<br>
Acaba por dizer violado, no acordão recorrido, o preceito do artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil que, em seu entender, não admite interpretação restritiva.<br>
Os recorridos, por sua vez, na alegação que apresentaram, concluiram pedindo um assento concebido nos seguintes termos:<br>
"Passado o prazo de dois anos a que se refere o artigo 1175 do Codigo de Processo Civil, não pode ser requerida a declaração de falencia, se o comerciante tiver deixado de exercer o comercio ou tiver falecido; mas pode-o ser fora dessas circunstancias".<br>
Ambas as partes juntaram pareceres de Professores das Faculdades de Direito das Universidades de Coimbra e de Lisboa que avalizam as respectivas pretensões.<br>
O Excelentissimo Procurador-Geral da Republica Adjunto, pronunciou-se no sentido de ter feito, o acordão recorrido correcta aplicação da lei, entende dever solucionar-se o conflito de jurisprudencia com um assento para que propõe, em alternativa, a seguinte formulação:<br>
"A - Mantendo-se o devedor comerciante durante mais de dois anos no exercicio da actividade comercial e em situação de cessação de pagamentos, continua a ser possivel propor contra ele processo de falencia, porque se não aplica o prazo estabelecido no n. 1 do artigo 1175 do Codigo de Processo Civil.<br>
B - O prazo de dois anos estatuido no n. 1 do artigo 1175 do Codigo de Processo Civil so e aplicavel no caso de falecimento do comerciante ou de cessação da actividade comercial".<br>
Foram colhidos os vistos de todos os juizes do Tribunal e cumpre, agora, reapreciar, como a lei prescreve, a questão preliminar da oposição dos acordãos invocada, novamente se verificando que estes constam de processos diferentes, que so o mais antigo transitou em julgado e que defenderam, perante factos identicos, teses juridicas diferentes, adoptando soluções opostas relativamente a mesma questão fundamental de direito.<br>
Enquanto que no acordão recorrido se decidiu não se encontrar caduco o direito dos credores de pedirem a declaração de falencia do devedor que cessara pagamentos ha mais de dois anos contados da data do pedido dessa declaração e que continuou no exercicio da actividade comercial, no acordão indicado em oposição, pelo contrario julgou-se caduco esse direito, em caso semelhante.<br>
E não obstante se ter invocado no acordão recorrido o preceito do artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil actual e, no outro, o do artigo 1137 do Codigo de Processo Civil de 1939, não podera deixar de convir-se que as duas decisões foram proferidas no dominio da mesma legislação, por ambos aqueles artigos consagrarem a mesma regra de direito sobre a extinção por caducidade do direito dos credores requererem a declaração da falencia do devedor comerciante que cessou pagamentos.<br>
Não ha, assim, razão para alteração do decidido a folhas<br>
53 e seguintes, que o foi, de resto, em conformidade com o parecer junto a folhas 5 e seguintes, de meridiana clareza e fundamentada em poderosos argumentos inteiramente convincentes, da autoria do Professor Catedratico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Doutor Inocencio Galvão Teles.<br>
Cumpre, por isso, apreciar o merito do recurso e decidir o conflito de jurisprudencia suscitada.<br>
O problema a resolver esta posto pelas partes, e, na sua singeleza, consiste em averiguar e decidir se o prazo de caducidade de dois anos do direito de requerer a falencia estabelecido no artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil, e para qualquer caso de falencia ou apenas para os de o comerciante falido ter falecido ou ter deixado de exercer o comercio. Ambas essas teses se mostram defendidas e apoiadas em poderosas razões aduzidas nas alegações das partes e nos pareceres do Excelentissimo Procurador-Geral da Republica Adjunto e dos Professores Catedraticos de Coimbra, Doutor Vasco da Gama Lobo Xavier, e de Lisboa, Doutor Fernando Olavo.<br>
Ha, assim, que encontrar a solução adequada para a questão concreta posta no recurso e definir por assento a interpretação a adoptar relativamente ao preceito do Codigo de Processo Civil em causa, assim redigido:<br>
"A declaração de falencia pode ser requerida no prazo de dois anos, a contar da verificação de qualquer dos factos previstos no artigo anterior, ainda que o comerciante tenha deixado de exercer o comercio ou tenha falecido".<br>
Encontra-se definitivamente decidido em materia de facto que o recorrente, antes da data do pedido da declaração da sua falencia, ja, ha mais de dois anos que havia cessado pagamentos e que, apesar disso, não cessou o exercicio do comercio; e, perante esses factos, adiantaremos, desde ja, que nos inclinamos para a solução do acordão indicado em oposição ao acordão recorrido, proferido na ja relativamente longinqua data de 1 de Abril de 1955, cuja jurisprudencia, ate então, e posteriormente se manteve sem discrepancia, segundo pensamos, ate a data do acordão recorrido.<br>
De resto, essa jurisprudencia acompanhou a doutrina apenas contrariada pelo Doutor Cunha Gonçalves, que defendia a tese do acordão recorrido, sem embargo das criticas a lei vigente de alguns inconformados juristas, nomeadamente do Doutor Jose Gualberto de Sa Carneiro que, na Revista dos Tribunais, se batia pela necessidade de modificação da lei, sem, contudo, deixar de reconhecer que, "de jure condito" a solução não podia ser outra que não a da jurisprudencia tradicional.<br>
Ora, como se reconhece no acordão recorrido, "o sentido literal do texto legal (aquele artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil e todos os outros preceitos sobre a materia que o precederam em diplomas anteriores), sobretudo a partir do passo ainda que o comerciante tenha deixado de exercer o comercio ou tenha falecido, autoriza o entendimento de que esse preceito legal abrange não so o comerciante que se manteve no exercicio da sua actividade comercial, como o que tenha deixado de exercer o comercio ou tenha falecido".<br>
E e esse o resultado, que se nos afigura unico, a que não pode deixar de conduzir a interpretação meramente declarativa do preceito, sem se vislumbrar qualquer falta de correspondencia da clara letra da lei ao seu espirito, aquela formulada nos mais amplos termos, com exclusão expressa do sentido restrito que o acordão recorrido pretende atribuir-lhe.<br>
A concessiva "ainda que", não pode significar outra coisa e a expressão "ainda que o comerciante tenha deixado de exercer o comercio, ou tenha falecido" alem de não poder traduzir a ideia de aplicação do preceito apenas as situações nela consideradas, significa, pelo contrario, que, para alem das da proposição anterior, ha a considerar tambem estas outras, ate que se não entenda que ja o estavam naquela.<br>
A letra da lei exprime, portanto, com a maior clareza o seu espirito, afigurando-se-nos, mesmo, abusivo o recurso a interpretação restritiva neste caso em que não pode dizer-se que o pretendido "pensamento legislativo tenha na letra da lei um minimo de correspondencia verbal, ainda que imperfeitamente expresso" (artigo 9, n. 2, do Codigo Civil), uma vez que a ideia ali expressa parece ser, e e, precisamente a contraria.<br>
O sentido amplo e o unico que se ajusta ao texto legal: a concessiva "ainda que" (tal como nas leis anteriores, desde 1888, a conjunção "não obstante") implica a ideia de alargamento e, se houvesse o intuito de fazer caducar a acção so nos casos de o comerciante deixar de o ser, inclusive por falecimento, o legislador não deixaria de usar a adequada particula restritiva (por exemplo "no caso de", "quando", "se porventura") para ligar as duas proposições do preceito em causa.<br>
Alias, se os dois anos estivessem apenas correlacionados com o obito do requerido ou cessação da sua actividade mercantil, seria a partir destes factos e não daqueles outros que o prazo se contaria. E o que sucede nas legislações estrangeiras apontadas pelo Ministerio Publico e o que resultaria dos principios. Com efeito, seria um absurdo iniciar a contagem, por exemplo, com uma fuga do comerciante, sem se saber se ele vira a deixar o comercio ou a falecer, condições, na tese do acordão recorrido, da propria caducidade. Poderia muito bem suceder que qualquer delas ocorresse ja depois de esgotados os dois anos.</font><br>
<font>Afinal a historia e, portanto, o significado da 2 parte do n. 1 do artigo 1175 e bem simples: começou com o artigo 1126 do Codigo Comercial de 1883, quando ainda não existia qualquer prazo de caducidade, logo não se relacionando com ela: o legislador quis tão-somente afastar a doutrina então em voga de que apenas o comerciante em exercicio podia ser declarado falido.<br>
Dai dizer esse preceito que aquela podia ser requerida,<br>
"mesmo no caso de o devedor ter morrido" ("não obstante ter entretanto falecido ou deixado de exercer o comercio", disseram as leis posteriores ate a actual).<br>
E e ainda a historia, agora a volta do artigo 693 do Codigo Comercial de 1888, que nos leva a aplicação generica do prazo de caducidade. Introduzido ele, entre nos, pela primeira vez por aquele preceito, e defendido na Camara dos Pares com a mencionada amplitude: "não se deve permitir - disse-se ai, - que um ou mais credores so tardiamente se lembrem de vir abrir a falencia"; "ha necessidade de não ter suspensa sobre o comerciante indefinidamente, ou, ainda pior, sobre os seus herdeiros, a ameaça" (Apendice ao Codigo Comercial Portugues, paginas 449 e 542). Ja aqui se ensaia tambem por que ha-de a caducidade beneficiar tanto o comerciante que cessou a sua actividade, como aquele que nela se mantem.<br>
Por definição, nem um nem outro se apresentou a falencia (artigos 1140 e 1176, n. 1, do Codigo de Processo Civil); a gravidade da causa de pedir e, por hipotese, igual; se o ex-comerciante não deve ter sempre a espada de Damocles sobre a sua cabeça, pior sorte não merece aquele que, a partir de certa altura, endireitou a sua vida; o interesse publico do comercio pode, mesmo, favorecer este ultimo.<br>
A evolução historica do preceito, a que se apela no acordão recorrido, pois, longe de confimar a sua tese, parece abonar a contraria.<br>
E certo que a prescrição de um prazo de caducidade a limitar o direito dos credores pedirem a declaração de falencia do comerciante, seu devedor, so surgiu apos a definição de mais essas duas situações de falencia (falecimento e cessação do exercicio do comercio); mas essa circunstancia não autoriza a que se conclua que "so em razão da natureza peculiar dessas novas situações" se tenha estabelecido aquela limitação.<br>
O problema posto, aquando da alteração da lei para o alargamento das situações de falencia, foi sempre e apenas o da determinação exacta dos casos em que a falencia podia ser requerida; porque, quanto ao estabelecimento da limitação dessa possibilidade por caducidade, depois de se ter consagrado na lei e para o efeito essa figura juridica, não sofreu mais a letra da lei qualquer alteração substancial de redacção. E não a sofreu, apesar de nos trabalhos preparatorios dos sucessivos diplomas sobre a materia ter sido levantada a questão, sem, todavia, haver sido considerada a pretensão daqueles que defenderem, sem exito, precisamente a tese que veio a ser adoptada no acordão recorrido, o que demonstra o pensamento legislativo do estabelecimento do prazo de caducidade do direito de pedir a declaração de falencia em todos os casos considerados na lei e não apenas nos de cessação do exercicio do comercio ou do falecimento do requerido.<br>
E que não foi so em atenção a estes dois casos que se estabeleceu esse prazo, mostra-o o facto de inicialmente se ter adoptado a redacção que ainda hoje se mantem, apesar das numerosas oportunidades para a modificar, se o pensamento legislativo não estivesse correctamente expresso.<br>
Demais, a necessidade de se consolidar, de se esclarecer determinada situação juridica, em nome das razões de objectividade de segurança juridica, que fundamentam o instituto da caducidade, tanto se verifica nos dois discutidos casos, como em todos os outros que a lei considera.<br>
Em qualquer deles, como ja se referiu, se mostraria injusto o prolongamento indefinido da situação de insegurança e de incerteza do falido que não deve ficar a aguardar, tambem indefinidamente, a declaração de uma falencia que o poderia deixar em situação irremediavel de nunca mais poder refazer a sua vida.<br>
E isto, ainda, independentemente da possibilidade, ou não, de se conceder a coexistencia da cessação de pagamentos e do exercicio do comercio.<br>
E claro que, se se entendesse, contra a realidade das coisas, que deixa automaticamente de ser comerciante aquele que cessa pagamentos (com o sentido legal deste conceito), o que o recorrente sustenta, o problema que estamos a discutir seria um falso problema - nesse caso so haveria ex-comerciantes - e ficaria sem sentido discutir se quanto aos outros tambem caducava a acção falimentar.<br>
Finalmente sera de observar, ainda, que o entendimento alargado do artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil não suscita inconvenientes de novo; so estende aos comerciantes aqueles que a caducidade como instituto de segurança e não de justiça, trazia aos que ja o não fossem.<br>
Estamos, assim, com o Doutor Jose Gualberto de Sa Carneiro que, perante o direito constituido, não via outra solução que não fosse a do acordão de 1955 e so admitia a possibilidade de discussão do problema "de lege ferenda".<br>
So nestes termos se poderia dar razão ao Excelentissimo Procurador-Geral da Republica Adjunto, cujo notavel parecer bem podera ser aproveitado para uma possivel modificação do pensamento legislativo, mas não para a determinação exacta desse pensamento, claramente expresso no texto legal e que não e o que propõe.<br>
Nem se objecte, como no acordão recorrido, que a mencionada caducidade cria para o que se mantenha comerciante uma especie de carta de alforria, imunizando-o do mal de falencia, ali se apelidando essa situação de absurda, situação que se nos afigura mais aparente do que real.<br>
Na verdade, o comerciante so podera ser declarado falido por aquela cessação de pagamentos, aquela fuga, aquela ausencia sem representação, aquele extravio de bens; mas pode-lo-a ser por outro desses procedimentos, a pedido dos credores que, para o caso, tenham legitimidade.<br>
A causa de pedir e um facto concreto (artigo 498, n. 4, do Cod Civ) e, precludido um, outro pode surgir. Nomeadamente não estarão impedidos de requerer a declaração da falencia os titulares de creditos entretanto vencidos e não pagos e que antes apenas podia acorrer ao concurso por força do artigo 1196. A esta nova falencia ate os antigos credores poderão acorrer.<br>
O instituto da caducidade pressupõe a inercia dos credores, por negligencia, conveniencia ou perdão, tudo se passando, quando não exerçam o direito de pedir a declaração de falencia do comerciante, seu devedor, no prazo de caducidade estabelecido, como se a cessação de pagamentos inicial se não estivesse verificado; mas isso não impede que depois outras cessações de pagamentos surjam a permitir, com base nelas, um pedido oportuno de declaração de falencia.<br>
Pelo exposto, se acorda em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acordão recorrido para prevalecer a decisão das instancias, e em formular o seguinte assento:<br>
"O prazo de caducidade estabelecido no artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil e de observar em todas as situações de falencia previstas no artigo anterior, quer o requerido se mantenha no exercicio do comercio, quer tenha deixado de o exercer, ou tenha falecido".<br>
Custas deste recurso e do de revista pelos recorridos.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 30 de Junho de 1984</font><br>
<br>
<font>Manuel Santos Carvalho - Dias da Fonseca - Santos Silveira - Silvino Villa Nova - Lopes Neves - Pereira Leitão - Licurgo dos Santos - Flamino Martins - Magalhães Baião - Leite de Campos - Almeida Ribeiro<br>
- Licinio Caseiro - Abel de Campos - Alves Cortes<br>
- Miguel Caeiro - Costa Ferreira - Octavio Garcia<br>
- Corte-Real - Moreira da Silva - Melo Franco - Quesada Pastor - Joaquim Figueiredo - Vasconcelos Carvalho - Campos Costa - Amaral Aguiar - Solano Viana (Vencido, visto entender que se devia confirmar o acordão recorrido, e formular-se assento no sentido de que o prazo de caducidade de dois anos estabelecido no artigo 1175, n. 1, do Codigo de Processo Civil e apenas de observar nos casos de falecimento de comerciante ou cessação da sua actividade comercial; este entendimento fundamenta-se nas razões constantes do acordão recorrido de que fui signatario como adjunto).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hjJMvIYBgYBz1XKvUfJX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
</font><br>
<font>A Camara Municipal de Anadia recorreu para o Tribunal Pleno do acordão de 7 de Março de 1967, por estar em oposição com o de 11 de Junho de 1965, ambos deste Supremo Tribunal, sobre a mesma questão fundamental de direito relativa as condições de aplicabilidade da mais-valia a que se referem o artigo 11 da Lei n. 2030, de 22 de Junho de 1948 e o artigo 44 do Decreto n. 43587, de 8 de Abril de 1961.<br>
O acordão recorrido decidiu que a mais-valia e devida sobre todo o terreno expropriado, haja ou não parcelas sobrantes; e o acordão invocado decidiu que so ha lugar a mais-valia quando na area expropriada se incluem zonas sobrantes a revender com lucro para a entidade expropriante.<br>
Ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação e em processos diferentes, tendo o anterior transitado em julgado.<br>
Com base nesses pressupostos, a Secção julgou existir a oposição e mandou seguir o recurso.<br>
Nas suas doutas alegações, a recorrente defende a doutrina do acordão invocado em oposição e os recorridos sustentam a legalidade do acordão sob recurso.<br>
Por sua vez, o ilustre magistrado do Ministerio Publico, em seu proficiente parecer, entende que a mais-valia so tem lugar quando o plano de expropriações relativo a obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação abrange predios rusticos destinados a construções, não sendo, porem, indispensavel que eles se destinem a revenda com lucro.<br>
Corridos os vistos, cumpre apreciar o recurso.<br>
Embora a Secção ja tenha julgado haver oposição entre os acordãos em confronto, não dispensa o tribunal pleno de examinar de novo a questão, como se infere do artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil.<br>
Mas e manifesto, em face dos pressupostos ja apontados, que a oposição existe e se verificam as demais condições de admissibilidade do recurso exigidas pelo artigo 763, ns. 1 a 4, do citado Codigo.<br>
Na verdade, os dois acordãos foram proferidos por este Supremo Tribunal em processos diferentes e versaram a mesma questão basica de direito, tendo interpretado e aplicado as mesmas normas legais, diferentemente, a hipoteses juridicas identicas.<br>
Ha, pois, um conflito de jurisprudencia que se passa a resolver.<br>
Preceitua o artigo 11, n. 1, da Lei n. 2030:<br>
"No caso de expropriação de predios rsuticos, destinada a obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação, o disposto no artigo anterior tera as modificações seguintes, mas so quanto ao valor do terreno":<br>
Alinea a) "A indemnização tera por base o valor real, aumentado de 20 por cento de mais-valia resultante do novo destino permitido pelas obras ou melhoramentos projectados";<br>
Numero 2 - "Não ficam sujeitos ao regime deste artigo, mas ao do artigo anterior, os predios rusticos que, pela sua situação em local ja completa ou parcialmente urbanizado e proximidade de vias publicas existentes, tenham, independentemente da previsão de novas obras, valor como terrenos para construção".<br>
Resulta da sua leitura que são tres os requisitos essenciais da mais-valia em causa: que os predios expropriados sejam rusticos, não tenham ja valor como terrenos para construção e se destinem a obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação.<br>
Por isso, verificados eles - e outros não exige a lei -, e devido o adicional de 20 por cento.<br>
O seu montante calcula-se nos termos da alinea c) do n. 1 do referido artigo 11, que dispõe:<br>
"A mais-valia sera calculada em relação ao conjunto dos terrenos expropriados, quer se destinem a propria obra, quer se destinem a construções adjacentes".<br>
Este preceito e concludente no sentido de que a mais-valia incide sobre todo o terreno expropriado, sem distinção da parte que sera afectada a obras publicas e da que ha-de ser alienada para construções particulares.<br>
A lei não distingue e não ha razão para distinguir.<br>
A atribuição da mais-valia aos expropriados funda-se numa razão de justiça e seria injusto que so incidisse sobre o terreno absorvido pelas obras quando houvesse parcelas sobrantes.<br>
E não menos chocante seria que, não havendo parcelas sobrantes, os donos dos terrenos expropriados nada recebessem de mais-valia e os donos dos terrenos são expropriados valorizados com as obras beneficiassem, desde logo, de 50 por cento dessa valorização e so pagassem os restantes 50 por cento a expropriante, quando resolvessem construir - artigo 17, ns. 1, 4 e 6, da Lei n. 2030.<br>
No mesmo sentido foi o parecer da Camara Corporativa sobre a proposta que originou a Lei n. 2030, ao salientar que,<br>
"diferentemente do que sucedia no regime da Lei de 1912, os beneficiados com a percentagem da maior valia não são apenas os proprietarios cujos terrenos venham a ser objecto de venda para construção, mas tambem aqueles cujos predios são aproveitados na propria obra ou em algum fim de interesse publico. Todos serão contemplados com a parte que lhes couber na valorização" - Diario das Sessões,<br>
1947-1948, pagina 408-(16).<br>
Tambem nos trabalhos preparatorios do Decreto n. 43587 se reconhece que todo o terreno expropriado beneficia da mais-valia.<br>
Com efeito, deles consta que, tendo os Serviços de Urbanização suscitado a conveniencia de se esclarecer a alinea c) do artigo 11 da Lei n. 2030, sobre o assunto observou-se.<br>
"Ha duas especies de terrenos que beneficiam da mais-valia: os que se destinam a obra publica de Urbanização, em si mesma, e os que se destinam a construções adjacentes nos termos do artigo 5 da Lei n. 2030.<br>
Pela Lei de 1912 - artigo 6 - so beneficiavam da mais-valia os donos dos predios que fossem objecto de venda para construção; pela Lei n. 2030 tambem são contemplados os predios utilizados na propria obra ou em algum fim de interesse publico.<br>
Como se disse no respectivo parecer da Camara Corporativa, todos serão contemplados com a parte que lhes couber na valorização".<br>
Apos reconhecer ser esse o entendimento que emerge da alinea c) do artigo 11 da Lei n. 2030 e que a mais-valia tera, portanto, de ser calculada sobre todo o terreno expropriado, sem qualquer restrição, atendendo-se a simples diferença entre o valor do terreno como rustico e o valor em função do seu novo destino, mais consta desses trabalhos:<br>
"Pareceu-nos que a consagração de tal doutrina, emergente da lei, se obteria adoptando a nova redacção que se propos para o n. 3 do artigo 43 do Projecto".<br>
Ora a redacção proposta corresponde, com pequenas modificações formais, a do n. 3 do artigo 44 do Decreto n. 43587, o qual estatui:<br>
"A mais-valia e sempre computada na simples diferença existente entre o valor do terreno como predio rustico e aquele que lhe corresponde em função do seu novo destino economico como terreno de urbanização, devendo os peritos fazer alusão a estes valores limites".<br>
Deve, pois, esta disposição ser interpretada de harmonia com o entendimento dado a alinea c) do n. 1 do artigo 11 da Lei n. 2030, nem seria licito atribuir-lhe outro alcance, porque os decretos regulamentares limitam-se a dar boa execução as leis e não podem alterar as bases gerais dos regimes juridicos nelas formulados - artigos<br>
92 e 109 da Constituição Politica.<br>
Assim, por força da letra e do espirito da lei, a mais-valia em causa não depende de haver parcelas sobrantes, nem da sua venda lucrativa.<br>
A alinea d) do n. 1 do mesmo artigo 11, ao estabelecer que a mais-valia sera ulteriormente corrigida pelos resultados medios pela venda em praça de terrenos abrangidos na area a expropriar, visa apenas corrigir, para mais ou menos, a avaliação previa da mais-valia quando haja venda de parcelas sobrantes e não subordinar a atribuição da mais-valia a existencia dessas parcelas a vender com lucro para o expropriante.<br>
A percentagem da mais-valia atribuida aos expropriados não e uma participação nos lucros do expropriante, mas uma comparticipação na valorização dos predios rusticos expropriados em função do seu novo destino economico como terrenos de urbanização, quer se destinem as proprias obras, quer se destinem a construções adjacentes.<br>
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirma-se o acordão recorrido, sem custas por as não dever a recorrente, e lavra-se o assento seguinte:<br>
Os predios rusticos expropriados para obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação beneficiam da mais-valia a que se referem o artigo 11 da Lei n. 2030 e artigo 44 do Decreto n. 43587, mesmo que sejam totalmente absorvidos pelas obras ou melhoramentos projectados.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 19 de Março de 1968</font><br>
<br>
<font>Antonio Teixeira de Andrade (Relator) - Jose Cabral Ribeiro de Almeida - Lopes Cardoso - Torres Paulo<br>
- Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - J. S. Carvalho Junior - Eduardo Correia Guedes - Gonçalves Pereira (Vencido. O artigo 44 do Decreto n. 43587 não institui a mais-valia como principio absoluto; faz depender essa aplicação duma sobrevalorização do predio rustico expropriado resultante de novo destino pelas obras ou melhoramentos projectados.<br>
O fundamento moral e juridico do instituto de mais-valia esta no facto de se reputar injusto a entidade expropriante apropriar-se de terrenos transformados, merce de obras de urbanização, em terrenos de construção e depois ir revender parte desses terrenos com grandes lucros. Sobre esses lucros, os expropriantes pagam 20 por cento aos expropriados).<br>
Albuquerque Rocha (Vencido. Salvo o devido respeito a decisão que fez vencimento, inutilizou a alinea c) do n. 1 do artigo 11 da Lei n. 2030, atento o sentido atribuido ao texto desse numero conjugado com a da sua alinea a).<br>
Todavia, por isso, o projecto de assento sugerido pelo Ministerio Publico).<br>
Oliveira Carvalho (Vencido pelas razões constantes do voto do excelentissimo Colega Gonçalves Pereira).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LjK7u4YBgYBz1XKvfDlV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i><br>
<br>
<font>A aqui recorrente intentou contra “I... Gest, SGPS, SA” acção declarativa de condenação com processo ordinário pedindo a condenação da R no pagamento de uma indemnização de € 15000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, vindo, posteriormente, requerer a intervenção principal provocada de AA, na qualidade de proprietário da revista “N...G...”, a qual foi admitida.</font><br>
<br>
<font>Alega para tanto que na capa da mencionada revista (edição de 17 de Julho de 2002) foi referida a existência de uma relação amorosa entre ela (A) e um individuo que identifica, facto esse que sendo falso, abalou o seu prestigio e bom nome pessoal e profissional.</font><br>
<br>
<font>Contestaram a R I... e o interveniente AA deduzindo, ambos, excepção da sua ilegitimidade e impugnando os factos alegados pela A; acrescentam que ao assinalar-se uma relação amorosa entre duas pessoas não se representa a imputação de facto ofensivo ou que abale o crédito e bom-nome dessas pessoas.</font><br>
<br>
<font>Findos os articulados foi proferido despacho saneador considerando a instancia regular procedendo-se, de seguida, à selecção da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Realizado julgamento com observância do formalismo legal foi, em sua sequência, proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo-se a R I... do pedido e condenando-se o interveniente AA a pagar à A a quantia de € 4000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais.</font><br>
<br>
<font>Inconformado recorreu o interveniente tendo o Tribunal da Relação de Lisboa dado provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo-o do pedido.</font><br>
<br>
<font>Do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa interpôs a A o presente recurso de revista.</font><br>
<br>
<font>Nas conclusões da sua alegação diz, em síntese, a recorrente que:</font><br>
<font>a) O Acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 70º, 26º, 483º e 496º nº 1 CCv;</font><br>
<font>b) Face á matéria de facto provada estão preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 483º supracitado;</font><br>
<font>c) Resultando, igualmente, a existência de danos patrimoniais graves e, consequentemente, merecedores de tutela jurídica;</font><br>
<font>d) Ao restringir-se a aplicação do artigo 496º CCv o Acórdão viola o preceituado os artigos 25º nº 1 e 26º da CRP, sendo inconstitucional a interpretação perfilhada.</font><br>
<br>
<br>
<font>Contra-alegou o interveniente/recorrido argumentando pela improcedência do recurso.</font><br>
<br>
<font>É a seguinte a matéria de facto provada:</font><br>
<br>
<font>a) A R (I... Gest) tem por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas;</font><br>
<br>
<font>b) Na edição nº 1348, de 17 a 23 de Julho de 2002, a revista “N...G...” apresentava na sua capa uma fotografia da A e de BB, com o seguinte título aposto: </font><i><font>“Um ano depois de se conhecerem CC e Icas ASSUMEM RELAÇÃO!”</font></i><font>;</font><br>
<br>
<font>c) No interior da revista referida em b), cuja cópia consta de fls.14 e seguintes dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, encontra-se o seguinte texto: </font><i><font>“uma amizade assumida. CC e BB. Um ano depois falam sobre a sua relação. Conheceram-se por razões profissionais há um ano e hoje são grandes amigos. Actualmente com profissões bem distintas: ela actriz e ele finalista do curso de história, viajaram até ao Egipto para, sob os intensos 47 graus do deserto, nos revelarem todos os pormenores de uma amizade e cumplicidade comuns…”.</font></i><br>
<br>
<font>d) O Instituto da Comunicação Social emitiu, com data de 15 de Julho de 2004, a certidão de fls. 74 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, </font><i><font>“… a publicação periódica semanal “N...G...”, se encontra registada neste serviço desde 8 de Setembro de 1976, sob o nº ..., é propriedade de AA …”;</font></i><br>
<br>
<font>e) A A foi apresentadora de um programa de televisão;</font><br>
<br>
<font>f) e trabalha num órgão de comunicação social;</font><br>
<br>
<font>g) em data que não foi possível apurar de Junho de 2002, a autora recebeu um telefonema de DD, seu amigo e jornalista, no qual este lhe perguntou qual a sua disponibilidade para se deslocar ao Egipto convidada pela revista N...G...;</font><br>
<br>
<font>g) Tendo afirmado que a referida viagem teria como objectivo a realização de uma entrevista à revista “N...G...” juntamente com BB (Icas), vencedor do segundo “Big Brother” a amigo da A;</font><br>
<br>
<font>h) Que teria como tema central a amizade entre a A e BB;</font><br>
<br>
<font>i) e o facto de tal amizade ter tido início numa relação de trabalho, aquando da realização de diversas reportagens realizadas pela A relacionadas com o programa “Big Brother”;</font><br>
<br>
<font>j) e que a ida ao Egipto permitiria ilustrar com imagens a referida entrevista;</font><br>
<br>
<font>l) em data não apurada de Junho de 2002 a autora recebeu novo contacto do DD, através do qual este confirmou o convite por parte da revista “N...G...”;</font><br>
<font>…</font><br>
<font>m) A autora recebeu por parte daquela revista a confirmação da sua partida com destino ao Cairo no dia 27 de Junho;</font><br>
<br>
<font>n) No dia 27 de Junho a autora deslocou-se para o Aeroporto de Lisboa onde se deveria encontrar com os seus companheiros de viagem – BB, DD e EE;</font><br>
<br>
<font>o) DD e EE acompanharam a A ao Egipto em representação da revista “N...G...” na qualidade, respectivamente, de repórter e repórter fotográfico;</font><br>
<font>…</font><br>
<font>p) Durante a estada no Egipto, e conforme o combinado, a A e o BB (Icas) tiraram várias fotografias juntos com o objectivo de ilustrar a entrevista;</font><br>
<br>
<font>q) Ao posar para essas fotografias a A e o BB tiveram sempre cuidado para que se percebesse bem a relação de amizade existente entre ambos;</font><br>
<br>
<font>r) O dia 3 de Julho de 2002 foi reservado para terminar a entrevista para a “N...G...”;</font><br>
<br>
<font>s) A entrevista centrou-se, conforme combinado, na estada da A e do BB no Egipto e na amizade entre ambos;</font><br>
<font>…</font><br>
<font>t) No dia 4 de Julho de 2002 a A deixou o Cairo tendo chegado a Lisboa nessa mesma tarde;</font><br>
<br>
<font>u) No dia 17 de Julho a A, ao ouvir as mensagens no seu telemóvel, foi confrontada com uma mensagem, de FF, em que era questionada s obre o que se passava e se esta e o BB realmente namoravam;</font><br>
<br>
<font>v) A autora foi confrontada ao longo de todo esse dia com telefonemas em que lhe falavam da capa da revista “N...G...” …;</font><br>
<br>
<font>w) Com intuito de tentar perceber o que se passava decidiu comprar a revista;</font><br>
<br>
<font>x) Foi diversas vezes abordada na rua por pessoas que procuravam saber a veracidade da notícia;</font><br>
<br>
<font>y) A autora ficou espantada quando viu o título da capa da revista “N...G...” nº 1348;</font><br>
<br>
<font>z) Desde o dia da publicação dessa revista, e durante o período de cerca de duas semanas, a A recebeu telefonemas em que era interrogada sobre a veracidade da relação amorosa entre ela e o “Icas”;</font><br>
<br>
<font>aa) A mãe, filho e amigos da autora foram abordados por pessoas que pretendiam saber a veracidade da relação amorosa entre a A e o Icas;</font><br>
<br>
<font>bb) A autora foi abordada por alguns jornalistas que pretendiam saber a veracidade dessa relação;</font><br>
<br>
<font>cc) Em consequência directa da capa e reportagem referidas foi motivo de chacota na rubrica “</font><i><font>pilita</font></i><font>” do programa Herman SIC de domingo, 21 de Julho;</font><br>
<br>
<font>dd) o que incomodou a A;</font><br>
<br>
<font>ee) A autora, embora trabalhe num órgão de comunicação social e o seu trabalho seja publico, tem preocupação de preservar a sua intimidade e a dos familiares e amigos;</font><br>
<br>
<font>ff) o que é do conhecimento da R;</font><br>
<br>
<font>gg) Em consequência da referida publicação, a autora viu-se obrigada a ter de se justificar perante os seus familiares e amigos;</font><br>
<br>
<font>hh) e, publicamente, através de desmentidos publicados em diversos jornais;</font><br>
<br>
<font>ii) e ficou sujeita a comentários públicos;</font><br>
<br>
<font>jj) Com toda a situação descrita a autora ficou triste;</font><br>
<br>
<font>ll) e sentiu mal estar perante familiares, amigos e colegas de trabalho;</font><br>
<br>
<font>mm) O teor do texto e fotos publicados na referida revista, relativos à autora e ao BB eram do prévio conhecimento de ambos;</font><br>
<br>
<font>nn) Incluindo a foto da capa da revista.</font><br>
<br>
<br>
<font>Tendo em conta as conclusões da alegação e o demais tido por relevante, nomeadamente as decisões das Instâncias e as contra-alegações do recorrido, são as seguintes as questões que se colocam:</font><br>
<br>
<font>1º) Estão ou não preenchidos todos os pressupostos determinantes da obrigação de indemnizar?</font><br>
<br>
<font>2º) Perante o circunstancialismo concreto apurado tem o dano não patrimonial gravidade merecedora de tutela jurídica? </font><br>
<br>
<font>3º) É inconstitucional a interpretação perfilhada no Acórdão recorrido?</font><br>
<br>
<font>As decisões das instâncias são concordantes relativamente ao facto de estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por violação do direito (de personalidade) ao bom-nome, reputação e imagem da A (recorrente) – artigos 70º e 484º CCv – em consequência da publicação na capa da revista “N...G...” do título </font><i><font>“Um ano depois de se conhecerem CC e Icas ASSUMEM RELAÇÃO”.</font></i><br>
<font>Fica assim respondida a 1ª questão.</font><br>
<br>
<font>A divergência entre as decisões resulta do facto de na 1ª instância se ter valorado para efeitos indemnizatórios a gravidade do dano não patrimonial daí resultante enquanto a 2ª instância (em decisão tomada por maioria) desvalorizou esse mesmo dano colocando-o, por irrelevância, fora da tutela do direito (artigo 496º nº 1 CCv); é, precisamente, esta a questão nuclear no presente recurso.</font><br>
<font>O preceito legal supracitado (nº 1 do artigo 496º) impõe que o julgador, para efeitos de concessão de indemnização patrimonial destinada a ressarcir danos morais, avalie a gravidade desse dano de forma a considerá-lo merecedor ou não de tutela jurídica; a ponderação da gravidade do dano deve ser efectuada através de um padrão objectivo, necessariamente temperado com juízos subjectivos resultantes das circunstâncias concretas em que a ofensa se verificou</font><font> Neste sentido Antunes Varela, Obrigações, vol. I, página 428 e Acórdão do STJ, de 3/12/92, in BMJ 422/365.</font><font>.</font><br>
<font>No caso concreto, o título que foi inserido na capa da revista em causa</font><font> Trata-se de uma publicação que integra a chamada “imprensa cor-de-rosa” ou “imprensa social” que a nossa jurisprudência vem entendendo desligada da chamada “função pública” da imprensa.</font><font> insinua publicamente (ainda que de forma ambígua ou dúbia) uma relação (amorosa) entre a A e o tal Icas e destinar-se-ia (conclusão nossa!), porque parcialmente</font><font> Dizemos parcialmente porque a alusão a uma “relação” é feita de forma ambígua.</font><font> desinserido do texto da reportagem constante no seu interior</font><font> Texto esse do conhecimento prévio da A e onde se fala de uma relação de amizade. </font><font>, a um maior impacto apelativo junto do consumidor desse tipo de publicações.</font><br>
<font>Independentemente da veracidade ou não da imputação feita (e no caso tudo aponta para a falta de veracidade) e da existência ou não de intenção ofensiva a inserção absolutamente injustificada (por desnecessária) desse título na capa da revista o facto é, em si, potencialmente lesivo do direito à honra e bom nome da A e consequentemente susceptível, ainda que em abstracto, de gerar obrigação de indemnizar nos termos do artigo 484º CCv; na verdade existe uma insinuação culposa de um facto efectuada em condições qualificáveis como desleais e deformadoras, uma vez que não suportada pelo teor da reportagem efectuada.</font><br>
<font>Apreciando, agora, as circunstâncias em que tudo ocorreu, os factos que estão a montante do que foi publicado, e elas importam, como já referimos, para efeitos de ponderação da gravidade do dano, temos, em primeiro lugar, que considerar que a A, ainda que com preocupação pela salvaguarda da esfera da sua vida privada, se assumiu, no caso concreto e ao aceitar a viagem ao Egipto e a consequente reportagem, como “figura publica”</font><font> Aqui usada no sentido de uma pessoa cujos factos da vida pessoal e (ou) afectiva interessam a certos sectores da sociedade.</font><font> sendo nessa condição que aceitou participar; para essa reportagem, e em acordo com a revista “N...G...” ou, pelo menos, com colaboradores desta, concedeu autorização para uma invasão (ainda que limitada aos objectivos que lhe foram indicados) da sua esfera privada.</font><br>
<font>Serve isto para dizer que não estamos perante uma reportagem não autorizada (“modelo paparazzi”) mas uma reportagem previamente autorizada por ambos os intervenientes</font><font> Ambos, ela como apresentadora e ele como concorrente, participaram num programa de televisão; Big Brother, cujo tema resultava numa exposição publica da vida privada dos concorrentes, sendo o tema da reportagem, realizada na Grécia a relação de amizade sedimentada nesse programa.</font><font>, por certo ponderada por eles relativamente aos riscos que a interpretação subjectiva dos leitores da revista comportaria, independentemente do título dado à mesma.</font><br>
<font>O texto da reportagem contém-se dentro dos limites acordados ou consentidos e, tanto assim é, que foi objecto do prévio conhecimento (anterior à publicação) e consentimento da A e do referido Icas, já que, pelo menos tacitamente, nenhum deles reagiu ao seu conteúdo.</font><br>
<font>Por outro lado, e conforme decorre, também, dos factos provados, as consequências da publicação do dito título para a A traduzem-se apenas no facto de ela e familiares próximos terem sido abordados por amigos e outras pessoas que pretendiam saber da veracidade da noticia, ter sido objecto de comentários (não determinados) e na circunstância de a situação ter sido objecto de “chacota” num programa humorístico de televisão (neste caso, porque não concretizado em que consistiu a “chacota” poderá colocar-se a questão de isso poder resultar do título inserido na capa ou da própria reportagem??) .</font><br>
<font>Não se nos afigura que, neste circunstancialismo, e como se decidiu no Tribunal da Relação de Lisboa, tenham resultado, para ela A, mais do que incómodos ou arrelias cuja gravidade não é merecedora de tutela jurídica não se justificando, consequentemente, que se arbitre indemnização por danos não patrimoniais.</font><br>
<br>
<font>Não merece, pois, censura o Acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Afirma, ainda e por outro lado, a recorrente ser esta interpretação (do Acórdão recorrido e também nossa) inconstitucional porque violadora dos artigos 25º nº 1 e 26º da Constituição da Republica.</font><br>
<font>É certo que o conceito jurídico fundamental de dignidade da pessoa humana, em que cabem os direitos constitucionais ao bom-nome e à reserva da vida privada, integra uma decisão de valor válida para toda a ordem jurídica; sucede porém que, apesar de nessa conformidade serem ilícitos todos os actos de entidades privadas (é o que está em causa!) lesivos de direitos fundamentais (aliás em conformidade com o nosso entendimento deixado expresso), a concretização dos efeitos dessa violação, nomeadamente para reparação de danos, se efectua junto dos meios comuns de justiça cível (ou criminal, por recurso aos preceitos da lei comum aplicáveis (no caso os artigos 70º, 484º e 496º CCv.</font><br>
<font>No apuramento da gravidade do dano e na sua, consequente, concretização para efeitos indemnizatórios tem o julgador que interpretar e decidir à luz dos preceitos da lei civil.</font><br>
<br>
<font>Não há, pois, qualquer inconstitucionalidade na interpretação efectuada do disposto no artigo 496º CCv.</font><br>
<br>
<font>Nestes termos, acorda-se em negar a revista.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 13 de Março de 2008</font><br>
<br>
<font>Mário Mendes (Relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Sebastião Póvoas (Concederia a revista por entender ter sido violado o direito de personalidade-intimidade privada, «right to be alone»)</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
azJDvIYBgYBz1XKva-Cb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, funcionando em plenario:<br>
</font><br>
<font>O acordão deste tribunal, de 10 de Janeiro de 1980, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 293, a paginas 387 e seguintes, decidiu competir ao Ministerio Publico propor, em representação de menor, acção de impugnação da sua paternidade, ainda que não a requerimento de quem se declarar pai do filho.<br>
Mais tarde, em acção intentada pelo Ministerio Publico, como representante dos menores A e B, contra C e D, o Supremo julgou, diversamente, que a competencia, a legitimidade do Ministerio Publico para a propositura da acção de impugnação de paternidade, "depende do pedido de quem pretendesse ser o verdadeiro pai e do reconhecimento judicial da viabilidade desse pedido"- Acordão de 22 de Maio de 1980, proferido no processo n. 68816, da 2 Secção.<br>
Alegando que, relativamente a mesma questão fundamental de direito, os 2 acordãos assentam sobre soluções opostas, o Ministerio Publico recorreu para o tribunal pleno do de 22 de Maio.<br>
A 1 Secção declarou existir a oposição que serve de fundamento ao recurso.<br>
O Ministerio Publico apresentou depois a sua alegação sobre o objecto do recurso, na qual pede que se anulem as decisões das instancias, "para que na 1 se profira novo despacho a ordenar a notificação dos reus, nos termos e para os efeitos do artigo 475, n. 4, do Codigo de Processo Civil", e se lavre assento no sentido de que ao Ministerio Publico cabe, em representação dos menores, propor acção de impugnação da sua paternidade, sugerindo para o assento a seguinte formula:<br>
O Ministerio Publico, independentemente da situação prevista no n. 1 do artigo 1841 do Codigo Civil, tem competencia para, em representação de menor, propor acção de impugnação da paternidade deste.<br>
A parte contraria não alegou.<br>
Corridos, como foram, os vistos de todos os juizes do Tribunal e uma vez que, conforme se escreveu a folhas 15, "e manifesto que os acordãos em referencia consagram no dominio da mesma legislação teses juridicas opostas", ha que julgar o conflito.<br>
O artigo 1839, n. 1, do Codigo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, veio consentir que a paternidade do filho seja impugnada pelo marido da mãe, por esta, pelo filho ou, nos termos do artigo 1841, pelo Ministerio Publico. Este ultimo artigo dispõe que a acção de impugnação de paternidade pode ser proposta pelo Ministerio Publico a requerimento de quem se declarar pai do filho, se for reconhecida pelo tribunal a viabilidade do pedido. Na acção, devem ser demandados a mãe, o filho e o presumido pai, quando nela não figurem como autores (artigo 1846, n. 1).<br>
Enquanto vigorou o Estatuto Judiciario de 1962, não era licito duvidar-se de que o Ministerio Publico tinha competencia para, em representação de filho menor, propor acção de impugnação de paternidade.<br>
E que, nos termos do seu artigo 181, n. 1, alinea e), o Ministerio Publico intervinha nos processos como parte principal quando entendesse dever assumir a representação judiciaria dos incapazes e o declarasse no processo.<br>
A duvida passou a ter cabimento com a entrada em vigor da Lei Organica do Ministerio Publico (Lei n. 39/78, de 5 de Julho), que não inseria disposição identica a daquele alinea e). No tocante a incapazes, o artigo<br>
5 desta lei apenas estabelecia que o Ministerio Publico tem intervenção principal nos processos quando os representa por não ter sido deduzida oposição em nome deles [n. 1, alinea d)] e intervem acessoriamente quando, não se verificando nenhum dos casos do numero anterior, os incapazes sejam interessados na causa [n. 2, alinea a)].<br>
A partir dai, formaram-se no Supremo Tribunal de Justiça 2 correntes jurisprudenciais, de peso sensivelmente igual, acerca da competencia do Ministerio Publico, para, em representação de menores, impugnar a paternidade destes. Os Acordãos de 10 de Janeiro e 22 de Maio de 1980 são exemplos dessas correntes.<br>
Aconteceu que, ja depois de apresentada a douta alegação do Excelentissimo magistrado do Ministerio Publico, foi, pelo artigo 3 do Decreto-Lei n. 264-c/81, de 3 de Setembro, dada a nova redacção ao artigo 5 da Lei n. 39/78. Estipula-se agora, no n. 1, alinea e), desse artigo que o Ministerio Publico tem intervenção principal nos processos quando representa incapazes, sem se acrescentar, como na alinea d) do texto anterior, "por não ter sido deduzida oposição em nome deles". Como e bem de ver, regressou-se ao regime adoptado pelo Estatuto Judiciario. Com uma diferença: no caso de o Ministerio Publico ter assumido a representação judiciaria de incapazes, a sua atitude prevalecia, se houvesse divergencia com a do representante legal deles (citado artigo 185, n. 1, alinea e), 2 parte, do Estatuto); enquanto, actualmente, a intervenção principal do Ministerio Publico cessa se o representante legal dos incapazes a ela se opuser por requerimento no processo (n. 2 do artigo 5 da Lei n. 39/78, na sua nova redacção).<br>
Voltou, assim, a eliminar-se a duvida de que falamos atras: se o Ministerio Publico tem intervenção principal nos processos (ou, o que significa o mesmo, intervem neles como parte principal) qundo representa incapazes, independentemente da circunstancia de estes serem autores ou reus na acção, e seguro que não carece de competencia para, em representação de menor, propor acção de impugnação da sua paternidade.<br>
Suscita-se, por isso, a questão de saber se a nova alinea e) do artigo 5, n. 1, da Lei n. 39/78 tem caracter inovador ou meramente interpretativo. Claro que, nesta ultima hipotese, a norma tem eficacia rectroactiva - artigo 13, n. 1, do Codigo Civil.<br>
Nem sempre e facil apurar se certa disposição legal se reveste de uma ou de outra natureza. Segundo Paul Roubier, citado pelos autores que mais adiante aludiremos, ha que distinguir duas categorias de leis interpretativos: as que o são por determinação do legislador; as que o são pela sua propria natureza. "E de sua natureza interpretativa a lei que, sobre um ponto em que a regra de direito e incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudencia, por si so, poderia ter adoptado".<br>
Entre nos, a formula de Roubier foi aceite por Alberto dos Reis (parecer publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 2, ns. 1 e 2, paginas 49 e seguintes) e pelo Professor Baptista Machado (Sobre a aplicação no tempo do novo Codigo Civil, pagina 286). Tambem de algum modo parece admiti-la o Professor Pereira Coelho, quando, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 114, pagina 114, pagina 184, diz afigurar-se-lhe que o n. 2 do artigo 1787 do Codigo Civil, na redacção do Decreto-Lei n. 496/77, "não reveste caracter inovador, mas meramente interpretativo, limitando-se, como se limita, a fixar uma orientação ja estabelecida na jurisprudencia anterior" (Sublinhado nosso).<br>
Alberto dos Reis (loc. cit., pagina 57) entende mesmo que lei interpretativa por natureza (ou por função, como a designa) "e a que exerce um papel semelhante ao que exercem os assentos do Supremo Tribunal de Justiça, quer dizer, e a lei que se destina a por termo a um conflito de jurisprudencia". No acordão deste Tribunal, de 5 de Maio de 1972 (Boletim, n. 217, pagina 113), da-se acolhimento a definição do eminente processualista.<br>
Não sera necessario, para que a lei se considere interpretativa, que se tenha aberto um conflito de jurisprudencia; indispensavel e apenas que, sobre o ponto em que a norma e incerta, a jurisprudencia pudesse ter chegado a solução que a lei nova vem consagrar. Se a norma, alem de incerta, e ja controvertida, então a lei nova so pode qualificar-se de interpretativa se resolve o problema dentro dos parametros da controversia a tal respeito gerada, perfilhando uma forte corrente jurisprudencial anterior.<br>
Observa-se que "a atribuição de natureza interpretativa a uma norma legal pode ser melindrosa, visto forçar os tribunais a decidir questões surgidas no dominio da lei anterior no sentido fixado pela lei interpretativa, sentido esse que pode não ser o melhor em face da lei interpretada, iludindo, assim, legitimas expectativas criadas ao abrigo desta" (Professor Vaz Serra, na mesma Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 106, pagina 144). A isso opõe, com razão, o Professor Baptista Machado (ob. e loc. cits.) que a retroacção das leis interpretativas se justifica, alem do mais,<br>
"por não envolver uma violação de quaisquer expectativas seguras e legitimas dos interessados. Estes podiam contar que a solução fixada pela lei nova interpretativa, visto ela corresponder a um dos varios sentidos atribuidos ja pela doutrina e pela jurisprudencia a lei nova". Ponto e que a lei nova consagre, "se não a corrente dominante, pelo menos uma corrente forte de interpretação relativa ao direito anterior".<br>
Ora e precisamente esse o caso de que nos estamos a ocupar. Como se escreveu atras, formaram-se neste tribunal (e não so), acerca do ponto em exame, duas correntes de peso sensivelmente igual. Na sua nova redacção, o artigo 5, n. 1, alinea e), da Lei n. 39/78 consagra uma de tais correntes - aquela segundo a qual o Ministerio Publico tem competencia para, em representação de menor, propor acção de impugnação de paternidade. A norma e, por conseguinte, de sua natureza interpretativa.<br>
Levanta-se agora um novo problema: desde que a questão posta nos acordãos em conflito se considere resolvida por via legislativa ha que lavrar assento?<br>
Com o aplauso de Alberto dos Reis (Processos Especiais, vol I, pagina 222), decidiu-se que não no acordão de 12 de Janeiro de 1954, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 86, pagina 329.<br>
A Revista dos Tribunais (ano 83, pagina 37) não e tão peremptoria:<br>
"Se as disposições fossem realmente interpretativas, não haveria que tirar assento ou o mesmo tinha de ser tirado em conformidade com a interpretação autentica da lei".<br>
Dois dos juizes que assinaram vencidos o referido acordão, os Conselheiros Lencastre da Veiga e Beça de Aragão, declararam, a proposito desse ponto, que "havia que apurar do fundo, sem embargo, evidentemente, da norma interpretativa, a qual deve haver-se como insita na interpretada; e teria de sair assento para resolver o conflito ou oposição entre os dois arestos (artigo 768 do Codigo de Processo Civil), sucedendo que, em boa forma, so quando não existe essa oposição e que o recurso deve considerar-se findo, consoante o artigo 767 do mesmo Codigo".</font><br>
<font>Tambem entendemos que, na hipotese considerada, não ha motivo para deixar de dar-se integral cumprimento ao preceituado no n. 3 do citado artigo 768. So o assento, que não o teor do acordão proferido sobre o recurso para o tribunal pleno, os seus fundamentos, tem eficacia decisoria para o caso concreto em litigio; se o recurso se considera findo, sem se chegar a lavrar assento (julgar o conflito), não e possivel confirmar-se ou revorgar-se o acordão recorrido, o qual, assim, transitara em julgado.<br>
No caso de a lei interpretativa consagrar a solução oposta a desse acordão, o resultado seria, manifestamente, intoleravel.<br>
Resta acrescentar que a questão suscitada não e de legitimidade do Ministerio Publico para propor acção de impugnação de paternidade, mas de competencia do orgão. Legitimidade para demandar tem-na sempre o menor, seja quem for que o represente; a duvida e sobre se pode representa-lo o Ministerio Publico.<br>
E obvio.<br>
Nestes termos, revogam-se o acordão recorrido e, com ele, as decisões das instancias, para que na 1 se profira despacho a ordenar a notificação a que se refere o artigo 475, n. 4, do Codigo de Processo Civil, e lavra-se o seguinte assento:<br>
Na vigencia do artigo 5 da Lei n. 39/78, de 5 de Julho, na sua redacção inicial, o Ministerio Publico tinha competencia para, em representação de menor, propor acção de impugnação de paternidade.<br>
Custas pelos reus, se a final ficarem vencidos.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 16 de Abril de 1982</font><br>
<br>
<font>Joaquim Figueiredo (Relator) - Alves Peixoto - Vasconcelos de Carvalho - Arelo Manso - Costa Ferreira - Jose Luis Pereira - Quesada Pastor - Afonso Liberal - Abel de Campos - Santos Vitor - Melo Franco - MIguel Caeiro -<br>
- Dias da Fonseca - Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Vitor Coelho - Mario de Brito - Santos Silveira - Lima Cluny - Anibal Aquilino Ribeiro - Furtado dos Santos - Henriques Simões - Moreira da Silva - Lopes Neves -<br>
- Antero Pereira Leitão - Campos Costa (Vencido, votei que se tirasse assento em sentido contrario ao que triunfou, pelas razões que fiz constar do acordão da Relação de Lisboa, de 22 de Abril de 1980 (Colectanea de Jurisprudencia, 1980, tomo 2, pagina 223), sendo certo que a nova redacção dada pelo Decreto-Lei n. 264-C/81 não tem caracter interpretativo, ja que se inspirou numa filosofia totalmente oposta a que esteve na base do primitivo texto da Lei n. 39/78) - Rodrigues Bastos (vencido. Entendo que a nova redacção dada ao artigo 5 da Lei n. 39/78, de 5 de Junho, e irrelevante para a hipotese sub judice, por não ser uma norma atribuitiva de legitimidade ao Ministerio Publico. Dai, e porque a lei preve expressamente que a incapacidade judiciaria do menor sera suprida por curador especial (Codigo Civil, artigo 1881, n. 2), entendo que o Ministerio Publico so pode propor a acção de impugnação de paternidade a requerimento de quem se declarar pai do filho, nos termos dos artigos 1839, n. 1, e 1841 do Codigo Civil) - Solano Viana (Vencido pelas razões indicadas no voto do Excelentissimo Conselheiro Rodrigues Bastos).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PTIzvIYBgYBz1XKv1sE5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal Pleno:<br>
</font><br>
<font>Por escritura publica de 25 de Setembro de 1978, constituiu-se a sociedade por quotas ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos, Limitada, estatuindo-se no artigo 3 do pacto social (folhas 81 e seguintes):<br>
Constitui seu objecto a prestação de serviços de caracter juridico, nomeadamente de consultadoria juridica e fiscal, podendo, por simples deliberação da assembleia geral, dedicar-se ao exercicio de qualquer outra actividade exceptuada por lei</font><br>
<font>.<br>
Em assembleia extraordinaria geral de uns dias depois - 11 de Outubro de 1978 - deliberou-se que tal disposição do pacto social englobasse tambem a prestação de serviços administrativos e burocraticos de apoio a advogados.<br>
A ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos, Limitada, interpos recurso para o tribunal pleno (folhas 15), nos autos de revista n. 71 377/1 Secção, em que foi recorrente e recorrida a INTER-HOTEL - Sociedade Internacional de Hoteis, S. A. R. L., por não se ter conformado com o acordão ai proferido, porquanto o mesmo, que tem a data de 19 de Junho de 1984, esta em manifesta oposição, no dominio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito, com um anterior acordão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 19 de Janeiro de 1984, no processo n. 70 980/2 Secção.</font><br>
<font><br>
Admitido o recurso (em 6 de Dezembro de 1984), os autos correram os vistos para julgamento da questão preliminar, apresentada a alegação legal.<br>
Por decisão unanime, foi decidido que o processo - ora com o n. 72 664 - prosseguisse seus termos, por se verificar a oposição a que se refere o artigo 763, n. 1, do Codigo de Processo Civil.</font><br>
<font><br>
Ai se disse:</font><br>
<font><br>
I - Duvida não ha que os dois invocados acordãos do Supremo Tribunal de Justiça foram proferidos no dominio da mesma legislação e que tomaram, relativamente a mesma questão fundamental de direito, face as regras aplicaveis da lei das sociedades por quotas, Estatuto Judiciario e Codigos Civil e Comercial, soluções opostas.</font><br>
<font><br>
II - Assim:</font><br>
<font><br>
A) No Acordão de 19 de Janeiro de 1984, em que a ADJURIS demandou a EDEC - Edificações Economicas, S.A.R.L., pedindo a condenação desta a pagar-lhe serviços prestados, discutido e apreciado o pacto social da demandante, foi decidido ser "so parcialmente nula a clausula 3 do pacto na parte especificada", consultadoria juridica e fiscal, assegurando-lhe, consequentemente, personalidade juridica e judiciaria;</font><br>
<font><br>
B) No Acordão de 19 de Junho de 1984, em que a mesma ADJURIS demandou a INTER-HOTEL - Sociedade Internacional de Hoteis, S.A.R.L., para pagamento de serviços prestados, veio a julgar-se ser nulo o mesmo e referido pacto social da demandante, não gozando ela de personalidade juridica, nem, consequentemente, dotada de personalidade judiciaria.<br>
O recorrente apresentou a sua alegação sobre o objecto do recurso, concluindo que deva lavrar-se assento em que se fixe: a) O pacto social da requerente esta ferido de mera nulidade parcial, pois o seu objecto social, alias diversificado, e so parcialmente nulo; b) Sendo assim, como e, a recorrente tem personalidade juridica e judiciaria pelos seguintes fundamentos:<br>
I - A sociedade recorrente tem um objecto social vago, amplo e diversificado, que pode abarcar a pratica de varias actividades e varios actos juridicos;</font><br>
<font><br>
II - No seu objecto social compreende-se, ate pela sua amplitude, a realização de actividades legais, que não são reprovadas por normas imperativas;<br>
III - E o que sucede, nomeadamente, com o objecto do contrato celebrado com a recorrida, não estando, nessa parte, o pacto social da recorrente ferido de nulidade, a luz do disposto nos artigos 280 do Codigo Civil e 61 da lei das sociedades por quotas;</font><br>
<font><br>
IV - O objecto social da recorrente so e nulo na parte que se refere a consultadoria juridica e fiscal;</font><br>
<font><br>
V - Tal nulidade, meramente parcial, não afecta todo o pacto social e a propria recorrente, nomeadamente por força do disposto no artigo 292 do Codigo Civil;</font><br>
<font><br>
VI - Em face das anteriores conclusões e do disposto nos artigos 2, 44 e 61, paragrafo 4, da Lei das Sociedades por Quotas, 108 e 193 do Codigo Comercial, 2, alinea b), do Decreto-Lei n. 42 644, de 14 de Novembro de 1959, 157 e 158 do Codigo Civil e 5, n. 2, do Codigo de Processo Civil, a sociedade recorrente tem personalidade juridica e judiciaria;</font><br>
<font><br>
VII - Se das diversas actividades previstas em objecto social multiplo ou diversificado somente uma delas e ilegal, não lhe e aplicavel o disposto no artigo 61 da Lei das Sociedades por Quotas em termos de implicação da nulidade total do contrato social;</font><br>
<font><br>
VIII - O acordão proferido violou não so as normas juridicas na conclusão 6, como tambem, e fundamentalmente, o disposto nos artigos 280 e 292 do Codigo Civil e 61 da Lei das Sociedades por Quotas.</font><br>
<font><br>
O Senhor Pocurador-Geral-Adjunto, no seu bem elaborado parecer a folhas 64 e seguintes, entende que deve confirmar-se a decisão recorrida, lavrando-se assento cujos termos podem ser, aproximadamente, os seguintes:<br>
E nulo o pacto social de sociedade por quotas constituida antes da vigencia do Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, cujo objectivo inclui, alem do mais, actividade propria de advogado, nulidade que não pode beneficiar da redução prevista no artigo 292 do Codigo Civil.<br>
Os autos correram os vistos legais.</font><br>
<font><br>
Nos termos do n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, o acordão que reconheça a existencia de oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.</font><br>
<font><br>
Não e esse o caso. A oposição existe realmente, como se salientou.<br>
Cumpre, pois, decidir.</font><br>
<font><br>
Diz, em conformidade com o decidido, o douto parecer do ilustre magistrado do Ministerio Publico junto deste Tribunal que o acordão recorrido se estribou fundamentalmente nos artigos 280, 286 e 289 do Codigo Civil, 61, n. 4, da Lei das Sociedades por Quotas e 114, n. 3, do Codigo Comercial. O acordão fundamento teve por base primordial o artigo 292 do Codigo Civil.</font><br>
<font><br>
Não se deve tambem esquecer que aquando dos factos narrados nos dois acordãos ainda não estava em vigor o Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que institucionalizou as sociedades civis de advogados.<br>
Estavam, sim, em vigor ao tempo da constituição da ADJURIS o Estatuto dos Judiciario de 1962 e o Estatuto dos Solicitadores (Decreto-Lei n. 483/76, de 19 de Junho).</font><br>
<font><br>
Afigura-se-nos importante iniciar a nossa "digressão" pelo artigo 280, n. 2, do Codigo Civil (tambem aplicavel aos actos juridicos, ex vi do artigo 295 do mesmo Codigo), o qual nos diz que "e nulo o negocio (juridico) contrario a ordem publica ou ofensivo dos bons costumes".</font><br>
<font><br>
Sendo certo que negocios juridicos e actos juridicos contrarios aos bons costumes são tambem contrarios a ordem publica (Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 74, pagina 198), vamos tentar definir a dita "ordem publica". Tambem o juiz não deve inspirar-se somente nas suas proprias ideias: deve antes pautar-se pelo que a generalidade das pessoas correctas, sãs e de boa fe entendem (loc. cit., pagina 191) (v. ainda Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Juridica - Lições ao 2 Ano Juridico, 1953, pagina 98).<br>
Muito se tem escrito sobre ordem publica. Seria fastidioso, por repetitivo, mencionarmos, um a um, os trabalhos consultados: J.A. Reis, Processos Especiais, II, paginas 174 e seguintes; Cunha Gonçalves, Tratado,<br>
I, pagina 410; RDES, n. 27, pagina 135; Revista da Ordem dos Advogados, n. 43-1, pagina 122; Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Juridica, Coimbra Editora, 1976, pagina 434; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 3 edição, pagina 473; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3, pagina 473; P. Lima e A. Varela, Codigo Civil Anotado,1, pagina 189; Revista de Legislação e de Jurisprudencia, anos 99, pagina 343, 103, pagina 316, 104, pagina 8, 108, pagina 293, 108, pagina 191, 111, pagina 110, e 120, pagina 62; Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3, pagina 106; Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 74 (estudo sobre o objecto das obrigações, prestações, suas especies, conteudo e requisitos), paginas 15-284, e Cabral Moncada, Lições de Direito Civil, II, 1932, pagina 352.</font><br>
<font><br>
Limitar-nos-emos a ligeiras transcrições daqueles que nos parecem mais clarificadores.<br>
Mota Pinto diz-nos que a ordem publica e o conjunto de principios fundamentais, subjacentes ao sistema juridico que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que devem valer sobre as convenções privadas.<br>
Tais principios não são susceptiveis de uma catalogação exaustiva, ate porque a noção de ordem publica e variavel com os tempos.<br>
A mesma conclusão chegam Galvão Teles e Almeida Costa nos trabalhos acima mencionados.</font><br>
<font><br>
Vaz Serra, Boletim do Ministerio da Justiça, n. 74 (Março de 1958), no qual faz tres exaustivos e extraordinarios estudos, no primeiro dos quais (paginas 15-284) versa o objecto das obrigações, prestações, suas especies, conteudo e requisitos, fala-nos da ordem publica, como acima ja referimos.<br>
A folhas 137 diz-nos que e dificil dizer o que e ordem publica, quais são, em concreto, as suas regras, a que, por isso, não podem os particulares subtrair-se pelas suas convenções. Ela varia com os tempos.<br>
Mas adianta que a distinção repousa na existencia ou não de um interesse tão forte que deva prevalecer sobre as convenções privadas.<br>
Quando o legislador - como dizem Planiol e Ripert - não teve o cuidado de proibir as derrogações a certas regras, ha que determinar, para cada lei ou regra particular, se ela salvaguarda um interesse geral bastante poderoso para prevalecer sobre a liberdade das convenções (loc. cit., pagina 137).<br>
A certo passo da exemplificação que faz, Vaz Serra refere as leis que regulam o exercicio de certas profissões com o fim de garantir o publico contra a idoneidade de quem as exerce (alinea g), a pagina 142).<br>
São nulos os contratos que proporcionam ou favorecem o exercicio delas com violação dessas leis (no mesmo sentido, o Acordão do Supremo Tribunal de justiça de 5 de Novembro de 1974 in BMJ n. 241 pag. 265).</font><br>
<font>Dissertando sobre a jurisprudencia francesa, Vaz Serra acha justificada a associação de dois profissionais qualificados "que entra nos usos sem grande inconveniente" (profissionais do mesmo metier).<br>
Entende, porem, que "uma sociedade para o exercicio da profissão entre um diplomado e não diplomados deve ter-se como proibida".<br>
O mesmo se dira de uma sociedade entre duas pessoas que exercem profissões regulamentadas diferentemente, quando a pratica de uma permite procurar clientes a outra (por exemplo, um advogado e um agente de negocios).<br>
Reafirma Vaz Serra (pagina 145) que as soluções parecem aceitaveis por inspiradas no cuidado de defender o publico e no bem entendido interesse das profissões.<br>
Diz ainda que, achando-se entre nos as profissões largamente regulamentadas, cabe, em grande parte, a legislação respectiva dizer se e permitida a associação entre profissionais qualificados.<br>
Batista Machado (na citada Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 120, pagina 62) diz-nos que por ordem publica deve entender-se o conjunto de principios fundamentais imanentes ao ordenamento juridico e formando as traves mestras em que se alicerça a ordem economica e social.<br>
Como tais, estes principios são inderrogaveis pela vontade contratual. A ordem publica representa, assim, o proprio quadro do funcionamento normal das instituições e rege tudo o que o direito entende não dever abandonar a vontade dos individuos. A sua função caracteriza-se como limitadora da vontade contratual.<br>
Entendida a ordem publica nos termos acabados de expor, vejamos o que nos diz a sociedade por quotas constituida no 12 Cartorio Notarial de Lisboa em 25 de Setembro de 1978 (folhas 81 e seguintes), devidamente registada: a) Foi ela constituida por quatro identificados advogados e por um quinto outorgante, A, sem qualquer profissão declarada; b) Adoptou a denominação ADJURIS - Associação de Juristas, limitada; c) Constitui seu objecto a prestação de serviços juridicos, nomeadamente de consultadoria juridica e fiscal. Em aditamento - por assembleia geral extraordinaria de<br>
11 de Outubro de 1978 - foi deliberado que esta disposição do pacto social englobasse tambem a prestação de serviços administrativos e burocraticos de apoio a advogados.<br>
Na epoca a que se reporta a constituição da sociedade e da alteração do pacto social, do contrato com a INTER-HOTEL e do que teve lugar com a EDEC, estavam em vigor o Estatuto Judiciario de 1962, a Lei das Sociedades por Quotas, o Codigo Civil hoje vigente e o Estatuto dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n. 483/76, de 19 de Junho. [Ainda não tinha sido aprovado o Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que estruturou o regime juridico das sociedades de advogados, nem o Estatuto da Ordem dos Advogados (Decreto-Lei n. 84/84, de 16 de Março)].<br>
Ha que analisar, para ja, o Estatuto Judiciario de 1962.<br>
Este diploma, no seu titulo V (artigo 535), dizia que o mandato judicial estava restrito a advogados, candidatos a advocacia, inscritos na Ordem e solicitadores. Na sequencia, o artigo 536 limitava, com clareza, as procurações e substabelecimentos.<br>
A disposição que se lhe seguia (artigo 537) imperativamente proibia o funcionamento de escritorios de procuradoria judicial ou similares (note-se bem: ou similares), ainda que sob a direcção de advogados ou solicitadores.<br>
E evidente que não se quis proibir a advogados e solicitadores que estes montassem os seus escritorios: teve-se apenas em vista escritorios de procuradoria que, mesmo no caso de serem dirigidos por aqueles profissionais do foro, a eles não pertencessem (parecer aprovado pelo Conselho da Ordem de 27 de Maio de 1946, Revista da Ordem dos Advogados, VI, pagina 451, salientado no acordão recorrido).<br>
De tudo isto se infere a inequivoca determinação do legislador em não autorizar a intervenção nos mesmos de individuos sem qualificação, para defender, obviamente, a nobreza das profissões de advogado e solicitador.<br>
Conclusivamente se dira que, existindo a norma proibitiva dos escritorios (artigo 537), nos termos acima explicitados, tambem estavam proibidos os demais actos, fossem ou não praticados no escritorio, ex vi dos artigos<br>
549 e 700 do Estatuto Judiciario, fortemente penalizadores, como se salienta tambem no acordão recorrido.<br>
Que dizer do Estatuto dos Solicitadores?<br>
Nasceu em 1976 e com regras claras e rigorosas.<br>
O diploma que o institucionalizou (artigo 25) admitiu a possibilidade de constituição entre solicitadores, e (ou) com outros mandatarios judiciais, de sociedades perfeitamente delimitadas no artigo 61.<br>
Posteriormente, as sociedades civis de advogados (Decreto-Lei n. 513-Q/79, ja mencionado) são constituidas so por advogados (como decorre do preambulo e do texto do diploma), os quais participam da industria e poderão, no todo ou em parte, participar no capital (artigo 8).<br>
Assim, tambem, regras claras e rigorosas.<br>
Num e noutro caso, as sociedades a constituir são pautadas por regras bem claras, na sequencia da legislação anterior.<br>
Quer dizer do acordão fundamento?<br>
E evidente que nos merece o mesmo respeito que o acordão recorrido, dado o brilho emprestado a sua fundamentação. Escusado seria enaltece-lo.<br>
Certo que no objecto social se compreende, atenta a sua amplitude, a realização de actos que não poderão integrar-se na esfera da advocacia e solicitadoria, sendo evidente que a prestação de serviços administrativos e burocraticos e de apoio a advogados não pode enquadrar-se nas funções proprias de advogado e solicitador e muito menos actos de indole mercantil permitidos pela ja mencionada deliberação da assembleia geral de 11 de Outubro de 1978.<br>
Quanto a esta primeira parte, não esquecer que o douto acordão fundamento refere que a sociedade "pode exercer qualquer outra actividade não exceptuada por lei", o que e assaz vago.<br>
O mesmo acordão fundamento refere que o ter-se mencionado<br>
"a prestação de serviço de caracter juridico, nomeadamente os de consultadoria juridica e fiscal", se reveste de certa delicadeza.<br>
Mas ultrapassa-se o problema, ja que no contrato com a EDEC (em causa nesses autos) se diz que, "sempre que nos referidos serviços se incluam os de procuradoria forense ou solicitadoria, os mesmos serão exclusivamente prestados individual ou conjuntamente pelos advogados socios da ADJURIS. Não houve, assim, intenção de compreender o mandato ou procuradoria judicial, ja que a clasula 3 termina por excluir qualquer outra actividade que a lei afaste ou vede e o mandato ou procuradoria judicial so pode ser exercido por advogado, candidato a advocacia ou solicitador (artigo 536 do Estatuto Judiciario então em vigor e acima referenciado).<br>
Pelo que se refere aos serviços de caracter juridico extrajudicial, argumenta-se com o preceituado nos artigos 542, ns. 4 e 3, do Estatuto (consultores ou equivalentes e professores de Direito), 574, n. 2, alineas d) e o), 580, alinea d), e 537, n. 5, todos do mesmo Estatuto, nos quais existem referencias a actividades que se inserem no exercicio do mandato judicial, de agir relacionado com causa ou demanda pendente.<br>
Interessando, nesta parte, aquilo que não ocorre no exercicio do patrocinio judicial, chama-se a atenção para a circunstancia (vindo a liça o Acordão de 21 de Abril de 1960 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados e o Professor Palma Carlos, em parecer aprovado em 29 de Maio de 1947 pelo Conselho Geral da Ordem) de que extrajudicialmente as funções de advocacia se consubstanciam no campo juridico em dar consultas e pareceres, exercer mandato ou procuradoria, aconselhar, elaborar minutas de convenções, a estabelecer por titulo particular ou notarialmente, e praticar actos necessarios a defesa dos direitos dos constituintes.<br>
Chama-se tambem a atenção para o parecer da Procuradoria Geral da Republica de 30 de Junho de 1947 (Boletim, n. 4, paginas 66 - 69), em que se emite a opinião de que o artigo 515 do Estatuto Judiciario não proibe o funcionamento em associação de classe e semelhantes, de secções de contencioso dirigidas por advogados e destinadas a facilitar a defesa, mesmo judicial, dos interesses legitimos dos associados.<br>
Diz-se ainda que a largueza que foi dada ao artigo 3 do pacto social pode abranger actos ou actividades que nada se relacionam com os "actos proprios" de advocacia e solicitadoria, pelo que em relação a eles não se pode colocar a questão de nulidade da clausula 3 referida e de todo o pacto.<br>
Conclui o acordão fundamento, dada a filosofia subjacente a sua construção que so esta ferida de nulidade a clausula 3 do pacto no referente "a consultadoria juridica e fiscal", por se tratar de actos proprios de advocacia, não se atingindo, pois, toda a clausula nem o objecto social, globalmente considerado. Deve assim, em seu entender, atender-se ao preceituado no artigo 292 do Codigo Civil, pese embora, na sua optica, a lei não ter balizado com clareza a esfera da profissão de advogado e de solicitador e tambem achar necessario que a pessoa que exerce a procuradoria judicial inspire confiança nas pessoas que dela careçam, merce da dignidade e competencia profissional ou tecnico-juridica que o mandato impõe.<br>
Que dizer de tudo isto?<br>
Explicitadas as disposições do artigo 280, n. 2, do Codigo Civil e as do Estatuto Judiciario de 1962, vigentes na epoca, falta-nos referir o artigo 61 da Lei das Sociedades por Quotas, que, no seu n. 4, diz que e nulo o contrato social quando for nula, nos termos gerais, qualquer das estipulações a que se referem os ns. 2 e 3 desse artigo, entre os quais se conta, dada a remissão feita pelo artigo 114, n. 3, do Codigo Comercial, a relativa ao objecto da sociedade.<br>
Inclinou-se o acordão fundamento para a nulidade parcial da clausula, pelo que, nos termos do artigo 292 do Codigo Civil, essa nulidade não determina a invalidade de todo o negocio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluido sem a parte viciada.</font><br>
<font>Assim seria, vigiando a sua tese, ja que, como dizem Mota Pinto, Teoria Geral, 1967, pagina 370, e Castro Mendes, Teoria Geral, 1967, 3, pagina 106, "o contraente que pretender a declaração de invalidade total tem o onus de provar que a vontade hipotetica das partes, no momento do negocio, era neste sentido, isto e, que as partes teriam preferido não realizar negocio algum se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade.<br>
Não se fazendo essa prova, ou em caso de duvida, a invalidade parcial não determina a total".<br>
Cremos, porem, e salvo o devido respeito pelo acordão fundamento, que a sua solução não pode vingar, face aos argumentos contra ela expendidos e tambem aos decorrentes do acordão recorrido.<br>
Esqueceu-se fundamentalmente a ordem publica, contra cujos principios vai o pacto, na sua globalidade, todo ele inquinado, enganoso do publico, a começar na propria designação, Associação de Juristas Reunidos, misturado nos quais aparece um individuo com profissão totalmente desconhecida, e a acabar no seu objecto vago e impreciso, a coberto dos ditos juristas reunidos. Estranha simbiose em que cinco socios, dos quais quatro são advogados, fazem contratos de prestação (com caracter de permanencia e regularidade) de serviços administrativos e burocraticos, do ambito da sua secção de contencioso e de apoio aos seus advogados.<br>
Onde "a bondade" do exercicio de uma actividade (tão imprecisa), a respeitar os principios fundamentais imanentes ao ordenamento juridico, de forte acuidade e esclarecendo sobre a idoneidade de quem a exerce? Temos assim, para nos, que a constituição da sociedade por quotas ADJURIS - Associação de Juristas Reunidos,<br>
Limitada, se baseia num pacto nulo, por contrario a ordem publica, não gozando, consequentemente, a dita sociedade nem de personalidade juridica nem judiciaria (artigo 5 do Codigo de Processo Civil.)<br>
Os casos (ou situações) referidos nos serviços de caracter juridico extrajudicial pelo acordão fundamento não invalidam o que vem de dizer-se, ja que, em nosso entender, não colidem com a ordem publica.<br>
Pelo exposto, negamos provimento ao recurso e formulamos o seguinte Assento:<br>
Não e susceptivel de beneficiar da redução do negocio juridico previsto no artigo 292 do Codigo Civil o pacto social de uma sociedade constituida entre advogados e não advogados cujo objecto inclua actividade propria de advogado.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
</font><br>
<font>Lisboa, 9 de Março de 1989</font><br>
<br>
<font>Jose Calejo - Jose Domingues - Brochado Brandão - Eliseu Figueira - Barbosa de Almeida - Abel Delgado - Mendes Pinto - Vasco Tinoco - Castro Mendes - Mario Afonso - Baltazar Coelho - Sousa Macedo - Pinto Ferreira - Ferreira da Silva - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Lopes de Melo - Ferreira Vidigal - Solano Viana - Villa Nova - Licinio Caseiro - Julio Santos - Manso Preto - Gama Prazeres - Gama Vieira - Alcides de Almeida - Meneres Pimentel - Soares Tome - Salviano de Sousa - Joaquim Gonçalves - Cura Mariano - Fernandes Fugas - Jose Saraiva - Tinoco de Almeida (com a declaração de que da redacção do assento devia constar a sua aplicabilidade somente as sociedades constituidas antes da vigencia do Decreto-Lei n. 513-Q/79, de 26 de Dezembro, uma vez que so essas sociedades estavam em causa nos acordãos em conflito)<br>
- Lima Cluny (vencido. Com o devido respeito, não encontro na fundamentação do presente acordão qualquer argumento que me convença da impossibilidade de aplicar a situação discutida a redução prevista no artigo 292 do Codigo Civil. Pelo contrario, abrangida , em sede de nulidade parcial, a parte do pacto social relacionada com actividades proprias da profissão de advogados, a parte que subsistiria do mesmo não seria, de qualquer modo, ofensiva dos principios de ordem publica. Por tal motivo, teria preferido a doutrina do acordão fundamento, que alias, subscrevi).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vTIGvIYBgYBz1XKvgHua | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam em Plenário das Secções Cíveis no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
</font><br>
<font>O A requereu a expropriação por utilidade pública do direito ao arrendamento: do 1. andar, traseiras, destinado à habitação, sendo expropriados B e mulher C; e do 1. andar, frente, destinado a salão de cabeleireiro, sendo expropriada D; do seu prédio sito na Rua ..., na freguesia de Paranhos, da cidade do Porto.</font><br>
<font><br>
Em consequência de recursos interpostos por expropriante e expropriados foram fixadas por sentença as seguintes indemnizações: ao Domingos e mulher, 300 contos, sendo 150 pelas despesas com a sua transferência para outro local e 150 pela reconstrução de um pombal; e à D 390 contos pela paralização temporária da sua actividade e 150 contos pelas despesas com a sua transferência.</font><br>
<font><br>
Da sentença recorreram para a Relação os expropriados a título principal e a expropriante subordinadamente.</font><br>
<font><br>
E a Relação, por acórdão de 14 de Julho de 1992, certificado a fls. 6 e seguintes, no tocante ao recurso dos expropriados, considerou: que o laudo pericial estava insuficientemente fundamentado; e que (por não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 1099 n. 1 do Código Civil) não foi nele considerada a impossibilidade notória de os expropriados conseguirem nova habitação por renda idêntica à anterior, o que lhes dá o direito a (empregando já a expressão do novo Código das Expropriações) que seja considerada "a relação entre as rendas pagas e as praticadas no mercado".<br>
Quanto ao recurso da expropriante ficava por isso prejudicado o seu conhecimento.<br>
Em consequência anulou o acto dos peritos e os termos subsequentes, determinando a sua repetição para os indicados fins, tendo ainda em conta que os valores indicados datavam de há dois anos e que a justa indemnização devia atender a valores actuais, pois era agora que os expropriados os iam receber.</font><br>
<font><br>
Desse acórdão interpôs a expropriante recurso para o Tribunal Pleno deste Supremo Tribunal e já aqui foi convidada pelo Ilustre Relator - que já não faz parte deste Tribunal - a escolher um dos vários acórdãos mencionados em oposição ao recorrido, sob pena de se não conhecer do recurso.<br>
Veio então a expropriante esclarecer o seu requerimento de interposição do recurso, dizendo: que quanto à questão que consiste em saber se as rendas relativas a novo arrendamento, são ou não atendíveis na indemnização aos arrendatários para comércio e indústria cujos contratos de arrendamento caducaram por expropriação por utilidade pública, apontava o acórdão da Relação do Porto de 15 de Outubro de 1987, publicado na Col. Ano XII, Tomo IV, pág. 238; para a questão de saber se à indemnização prevista para o inquilino habitacional, em caso de expropriação por utilidade pública do prédio locado, é ou não aplicável o disposto no artigo 1099 n. 1 do Código Civil, por força do preceituado no artigo 36 n. 2 do Código das Expropriações constante do Decreto 845/76, de 11 de Dezembro, já indicara apenas o acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Maio de 1979, sumariado no Bol. 293, pág. 420; e para saber se a determinação do montante da indemnização se reporta à data da expropriação ou, mais precisamente, à da arbitragem ou à data do acto dos peritos, também já só mencionara em oposição o acórdão da Relação de Évora de 29 de Março de 1979, publicado na Col. Ano IV, Tomo II, pág. 385.<br>
Foram juntas certidões desses três acórdãos indicados em oposição.<br>
A expropriante apresentou alegações sem que os expropriados respondessem</font><br>
<font>.<br>
E por acórdão da Secção, a fls. 80 e segs., foi decidido não haver oposição relativamente à primeira das questões, considerando a ordem aqui utilizada, prosseguindo os autos quanto às duas restantes.</font><br>
<font><br>
Alegou a expropriante e concluiu que deviam ser emitidos assentos com o teor que segue:</font><br>
<font><br>
Na vigência do Cód. das Expropriações - Dec. 845/76, de 11 de Dezembro - à indemnização do inquilino habitacional, em caso de expropriação por utilidade pública, era aplicável o artigo 1099 n. 1 do Cód. Civil, por força do artigo 36 n. 2 daquele Código e, depois, o artigo 72 n. 1 do R.A.U., aprovado pelo Dec. 321-B/90, de 15 de Outubro, para o qual passou o preceituado no artigo 1099 n. 1 do Cód. Civil e para o qual tem de entender-se feita a remissão do citado artigo 36, n. 2; e a indemnização, em caso de expropriação por utilidade pública, deve determinar-se com referência à altura da arbitragem e da adjudicação da coisa expropriada à expropriante no processo de expropriação.</font><br>
<font><br>
Apenas respondeu a expropriada D para quem o momento do cálculo da indemnização devida por expropriação por utilidade pública se deve reportar à data da avaliação, na ausência de elementos atendíveis supervenientes a esta.</font><br>
<font><br>
E o Exmo. Magistrado do Ministério Público, no parecer de fls. 99 e segs., defendeu, no que respeita à oposição entre o acórdão recorrido e o da Relação de Évora de 29 de Março de 1979, que não haviam sido proferidos, no domínio da mesma legislação. E para decidir a oposição entre o acórdão recorrido e o da Relação de Lisboa de 29 de Maio de 1979 propôs a emissão do seguinte assento:</font><br>
<font><br>
Na vigência do Cód. das Expropriações aprovado pelo Dec. 845/76, de 11 de Dezembro, o inquilino habitacional obrigado a desocupar o fogo em consequência de caducidade do arrendamento resultante de expropriação, não podendo ou não querendo optar por uma habitação que o expropriante ponha à sua disposição, nos termos da lei, tem direito a receber uma indemnização, a fixar nos termos do n. 1 do artigo 1099 do Cód. Civil.<br>
Redistribuido o processo por jubilação do primitivo Relator e corridos os vistos legais passa-se à decisão.</font><br>
<font><br>
Posteriormente à interposição do recurso para o Tribunal Pleno - 22 de Março de 1993 - foi publicado o Dec. 329-A/95, de 12 de Dezembro, que no seu artigo 3 revogou, além de outros, os artigos 763 a 770 que no Código de Processo Civil regulavam a tramitação do referido recurso, revogação que o artigo 17 n. 1 do mencionado Decreto-Lei tornou imediatamente aplicável. E, atento o estabelecido no n. 3 desse artigo 17, o objecto do presente recurso circunscreve-se à resolução em concreto do conflito e à uniformização da jurisprudência.</font><br>
<font><br>
E porque o Exmo. Magistrado do Ministério Público levantou o problema de inexistência de oposição entre o acórdão recorrido e o invocado acórdão-fundamento de 29 de Março de 1979 da Relação de Évora, por não terem sido proferidos no domínio da mesma legislação, cumpre reexaminar tal questão como, de resto se previa expressamente no n. 3 do artigo 766 do Cód. Proc. Civil.</font><br>
<font><br>
O acórdão-fundamento de 29 de Março de 1979 da Relação de Évora foi proferido em processo de expropriação por utilidade pública, iniciado pelo Gabinete da Área de Sines em Março de 1976, ao abrigo do disposto na sua lei orgânica constante do Dec. 270/71, de 19 de Junho, tendo o processo segundo a tramitação prevista no Dec. 71/76, de</font><br>
<font><br>
27 de Janeiro, então em vigor.</font><br>
<font><br>
Estavam em causa duas parcelas de terreno sitas na freguesia de Sines. E no referido acórdão-fundamento escreveu-se expressamente (ver fls.7/v.):<br>
"Deverá também esclarecer-se desde já... que a determinação do montante da indemnização se reporta à data da expropriação (o preâmbulo do Decreto-Lei 71/76 referia, antes, a data da declaração da utilidade pública da expropriação) ou, mais concretamente, como esta Relação tem vindo a julgar, à data da arbitragem".</font><br>
<font><br>
Por sua vez, no acórdão recorrido, embora reportando-se ao Cód. das Expropriações constante do Dec. 845/76, já citado, decidiu-se que "No laudo dos peritos deve, por outro lado, atender-se a que os valores que foram indicados anteriormente datam de há dois anos e que a "justa indemnização" deve atender a valores actuais, pois é agora que os expropriados os vão receber".</font><br>
<font><br>
Ou seja, no acórdão recorrido reporta-se a determinação do montante da indemnização pelo menos à data da avaliação.</font><br>
<font><br>
A oposição entre dois acórdãos é nesse aspecto patente. E é também certo que no dito acórdão-fundamento se fez aplicação das regras do Cód. das Expropriações constante do Dec. 71/76 e no acórdão recorrido se atendeu ao Cód. das Expropriações publicado pelo DL 845/76.</font><br>
<font><br>
Para efeito de oposição de soluções é irrelevante tratar-se de Códigos que se sucederam no tempo, desde que as regras legais em concreto aplicáveis não tenham, no caso, sofrido alteração - artigo 763 n. 2 do Cód. Proc. Civil.<br>
O acórdão de fls. 80 e segs., ao decidir esta questão preliminar, considerou logo existente a oposição, sem analisar em pormenor o facto de terem sido aplicados nos acórdãos em confronto diferentes diplomas legais.<br>
Ora no n. 2, segundo período, última parte do preâmbulo do Dec. 71/76, vinha expressamente referido que "o montante da indemnização se reporta à data da declaração da utilidade pública da expropriação". Com esta base e na sua interpretação decidiu o acórdão-fundamento.</font><br>
<font><br>
Porém o DL 71/76 teve curta vigência, pois foi expressamente revogado pelo artigo 128 n. 1 do Dec. 845/76, dispondo o artigo 132 n. 1 deste último diploma que os seus Título IV e Capítulo I do Título VI só eram aplicáveis às expropriações cuja utilidade pública tivesse resultado de acto praticado e publicado depois da sua entrada em vigor. Ora o Título IV ocupa-se precisamente da indemnização e o Capítulo I do Título VI do pagamento </font><br>
<font>das indemnizações.</font><br>
<font><br>
Ainda, na vigência do DL 71/76 foi publicado o DL. 794/76, de 5 de Novembro, que aprovou a política de solos e que, no dizer do preâmbulo do Dec. 845/76, "tornou caducas e revogou tacitamente diversas disposições do Decreto-Lei 71/76".</font><br>
<font><br>
Acresce que o Dec. 845/76 não dispõe sobre a data à qual se deve reportar a determinação do montante da indemnização. E do seu preâmbulo também nada consta sobre isso, ao contrário do que sucedia no Dec. 71/76.<br>
De notar que o actual Cód. das Expropriações, aprovado pelo Dec. 438/91, de 9 de Novembro, que revogou o Dec. </font><br>
<font>845/76, determina no artigo 23 n. 1 que o montante da indemnização se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.<br>
E como escreve o Dr. Luis Perestrelo de Oliveira, em anotação a esse artigo 23 no Código das Expropriações,<br>
Almedina, 1992, a pág. 86, nota 1, "Antes da vigência do presente Código das Expropriações, a lei portuguesa não referia o momento relevante para o cálculo da indemnização, manifestando-se a doutrina e a jurisprudência mais recentes no sentido de que esse momento devia ser o que ficasse mais próximo do pagamento da indemnização, isto é, o momento da avaliação do bem, e não, como anteriormente se entendia, o da declaração de utilidade pública".<br>
Assim, tendo a solução dada à questão no acórdão- -fundamento atendido ao constante do preâmbulo do Dec. 71/76 e a dada no acórdão recorrido ao Código das Expropriações publicado pelo Dec. 845/76; referindo aquele, no seu preâmbulo, o momento a que se reportava o montante da indemnização, o que o último omitiu levando a que a jurisprudência reportasse esse momento ora à data da arbitragem - acórdão da Rel. do Porto de 18 de Fevereiro de 1986, na Col. Ano XI, Tomo I, pág. 187 - outras vezes à data da avaliação - ac. da Rel. do Porto de 22 de Maio de 1986, na Col. Ano XI, Tomo III, pág. 189 - e, ainda, à data da decisão - ac. da Rel. do Porto de 1 de Abril de 1986, na Col. Ano XI, Tomo II, pág. 184; de modo algum se pode entender que os acórdãos fundamento e recorrido, nessa parte em que assentam sobre soluções opostas, foram proferidos no domínio da mesma legislação.<br>
Pelo que é de concluir que entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento de 29 de Março de 1979, proferido pela Rel. de Évora, não existe oposição relevante para efeitos de recurso para o Tribunal Pleno, considerando-se quanto a essa questão findo o recurso - artigo 767 n. 1 do Cód. de Processo Civil.<br>
No que respeita à oposição entre o acórdão recorrido e o invocado acórdão-fundamento proferido pela Rel. de Lisboa em 29 de Maio de 1979, certificado a fls. 25 e segs., é evidente a sua existência.<br>
Com efeito neste último decidiu-se que a indemnização correspondente à rescisão do arrendamento, declarada de utilidade pública, era a estabelecida no artigo 1099 n. 1 do Código Civil por força do preceituado no artigo 36 n. 2 do Cód. das Expropriações.<br>
E no acórdão recorrido entendeu-se que o dito artigo 1099 n. 1 não era aplicável, por ser norma com campo de aplicação específico, referente à denúncia pelo senhorio do contrato de arrendamento para sua habitação; e que, embora no caso concreto fosse o senhorio a provocar a extinção do contrato, não o fazia por necessitar do prédio para sua habitação e era para esse único caso que existia a citada norma do artigo 1099 n. 1, hoje substituída pelo artigo 72 n. 1 do R.A.U., aprovado pelo Dec. 321-B/90, de<br>
15 de Outubro.<br>
E acrescentou-se, ainda, no acórdão recorrido, que se tinha o artigo 29 do Cód. das Expropriações agora vigente como interpretativo do direito anterior, confirmativo do princípio geral de que o expropriado tem direito à justa indemnização.<br>
Analisando a decisão do acórdão recorrido, verifica-se que o Código das Expropriações constante do Dec. 845/76, no n. 2 do artigo 27, dispunha que a indemnização seria fixada com base no valor real dos bens expropriados e calculada em relação à propriedade perfeita, saindo deste valor o que devia corresponder a quaisquer ónus ou encargos salvo no que se referia à caducidade do arrendamento, nos termos do artigo 36. E este último artigo, depois de dizer no n. 1 que o arrendamento para habitação, além de outros, era considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante, estipulava no seu n. 2, que o inquilino habitacional obrigado a desocupar o fogo, em consequência de caducidade do arrendamento resultante de expropriação, podia optar entre uma habitação que o expropriante ponha à sua disposição, nos termos da lei, e receber uma indemnização, a fixar nos termos do n. 1 do artigo 1099 do Cód. Civil.<br>
Face à remissão para esta norma, é devida ao expropriado uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data da desocupação do prédio. Montante de indemnização que foi mantido, como se vê das disposições conjugadas dos artigos 67 e 72 n. 1 do R.A.U., sendo certo que tendo o artigo 1099 do Cód. Civil sido revogado pelo artigo 3 n. 1 alínea a) do Dec. 321-B/90, o artigo 4 deste diploma estabeleceu que as remissões feitas para os preceitos revogados consideram-se efectuadas para as correspondentes normas do R.A.U..<br>
Daí que o disposto no artigo 1099 n. 1 do Cód. Civil, depois no artigo 72 n. 1 do R.A.U., seja aplicável à determinação da indemnização devida ao locatário habitacional cujo contrato de arrendamento caducou em consequência de expropriação por utilidade pública.<br>
Haverá, no entanto, que ter em conta um outro aspecto da questão.<br>
Conforme o artigo 207 da Constituição da República Portuguesa, nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.<br>
Nas conclusões da sua alegação no recurso interposto para a Relação, os expropriados B e mulher apontaram para a inconstitucionalidade da norma do artigo 30 n. 2 do Código das Expropriações ao remeter para o n. 1 do artigo 1099 do Cód. Civil, "na medida em que viola os princípios da igualdade e da justa indemnização, bem como os artigos 27, 28 e 36 n. 1 definem princípios e os critérios a acolher quanto á justa indemnização que não é a do artigo 1099 do Cód. Civil".<br>
E o acórdão recorrido faz a isso alusão quando refere o artigo 29 do vigente Cód. das Expropriações como interpretativo do direito anterior ao mencionar os elementos a atender para se alcançar justa indemnização.<br>
Efectivamente o artigo 62 n. 2 da C.R.P. estabelece, além do mais, que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.<br>
Por indemnização justa deve entender-se a que corresponde a uma indemnização integral do dano sofrido pelos expropriados, no caso que os compense dos prejuízos sofridos com a caducidade do contrato de arrendamento.<br>
Ora algumas das normas do Título IV do Código das Expropriações constante do Dec. 845/76, que se ocupava da indemnização, foram pelo Tribunal Constitucional declaradas inconstitucionais, em alguns casos até com força obrigatória geral. Assim: quanto ao artigo 30 n. 1 - ac. 131/88, de 8 de Junho, no D.R. I Série de 29 de Junho de 1988; quanto ao artigo 30 n. 2 - ac. 52/90, de 7 de Março, no D.R. I Série de 30 de Março de 1990; em relação ao artigo 33 n. 1 - ac. 210/93, de 16 de Março, no D.R. II Série de 28 de Maio de 1993 e ac. 264/93, de 30 de Março, no D.R. II Série de 5 de Agosto de 1993.<br>
Ainda foram declaradas inconstitucionais, enquanto estabeleciam limites à fixação da indemnização, as seguintes normas: artigo 10 n. 2 da Lei 2030, de 22 de Junho de 1948 - ac. 37/91, de 14 de Fevereiro, no D.R. II Série, de 26 de Junho de 1991; artigo 9 n. 1 do Dec. 576/70, de 24 de Novembro - ac.<br>
184/92, de 20 de Maio, no D.R. II Série, de 18 de Setembro de 1992.<br>
E deve servir de critério para determinação da justa indemnização devida ao inquilino habitacional o que se dispõe no artigo 29 n. 3 do vigente Código das Expropriações, que manda atender ao valor do fogo, ao valor das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e à relação entre as rendas pagas por este e as praticadas no mercado.<br>
De resto, o próprio artigo 36 do anterior Código das Expropriações já continha uma disposição que deixava antever que o seu n. 2 podia não satisfazer integralmente os danos suportados pelo expropriado, pois no n. 5 mandava aplicar o estabelecido no n. 2 do artigo 28 e, segundo este, quando os expropriados fiquem, em consequência da expropriação, comprovadamente impossibilitados de obter meios de subsistência equivalentes aos que lhes proporcionavam os bens expropriados, terão direito a uma prestação periódica de natureza assistencial, nos termos que vierem a ser regulamentados.<br>
Assim a indemnização a atribuir ao locatário habitacional, prevista então no artigo 1099 n. 1 do Código Civil e posteriormente no artigo 72 n. 1 do R.A.U., em caso de expropriação por utilidade pública, pode vir a revelar-se insuficiente, não se integrando no conceito de justa indemnização referido no artigo 62 n. 2 da C.R.P. sendo desse modo aquela disposição legal, enquanto estabelece limite à indemnização, materialmente inconstitucional.<br>
E aparenta-se ser isso o que se verifica no caso dos expropriados Domingos e mulher, pois consta do acórdão recorrido que a importância correspondente a 30 vezes a renda mensal é de 70410 escudos - ver fls. 8v. - tudo indicando que, devido à caducidade do arrendamento, sofreram prejuízos que ultrapassam esta quantia.<br>
Consigna-se que o Tribunal Constitucional, pelo ac. 306/94 de 24 de Março, no D.R. II Série, de 29 de Agosto de 1994, declarou inconstitucional a norma do n. 2 do artigo 24 da Lei 76/77, de 29 de Setembro, na parte em que, por remissão para o artigo 26 da mesma Lei, fixa a indemnização devida ao arrendatário rural, no caso de caducidade do arrendamento por expropriação por utilidade pública, em montante nunca superior ao equivalente a um ano de renda.<br>
Termos em que se decide: julgar findo o recurso por inexistência de oposição no domínio da mesma legislação relativamente à mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento da Relação de Évora, de 29 de Março de 1979.<br>
E alterar o acórdão recorrido no sentido de que a indemnização aos expropriados B e mulher se rege pelas disposições conjugadas do disposto nos artigos 36 n. 2 do Cód. das Expropriações constante do Dec. 845/76 e 1099 n. 1 do Cód. Civil, então aplicável, que, no entanto, se julgam materialmente inconstitucionais enquanto estabelecem limite à indemnização.</font><br>
<font>E uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos:<br>
Na vigência do Código das Expropriações constante do Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, à indemnização devida ao locatário habitacional cujo contrato caducou em consequência de expropriação por utilidade pública, é aplicável o disposto nas normas conjugadas dos artigos 36 n. 2 daquele Código e 1099 n. 1 do Código Civil - posteriormente artigo 72 n. 1 do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro - excepto na parte em que limitam a indemnização em montante nunca superior ao equivalente a dois anos e meio de renda à data da desocupação por se considerarem materialmente inconstitucionais.<br>
Sem custas por isenção da recorrente.<br>
</font><br>
<font>4 de Dezembro de 1996.</font><br>
<font><br>
César Marques.<br>
Roger Lopes.<br>
Ramiro Vidigal.<br>
Martins da Costa.<br>
Pais de Sousa.<br>
Mário Cancela.<br>
Sampaio da Nóvoa.<br>
Costa Marques.<br>
Sousa Inês.<br>
Costa Soares.<br>
Herculano Lima.<br>
Metello da Nápoles.<br>
Aragão Seia.<br>
Henriques de Matos.<br>
Miranda Gusmão.<br>
Nascimento Costa.<br>
Pereira da Graça.<br>
Almeida e Silva.<br>
Torres Paulo.<br>
Fernando Fabião.<br>
Tomé de Carvalho.<br>
Ribeiro Coelho.<br>
Silva Paixão.<br>
Lopes Pinto.<br>
Fernandes Magalhães.<br>
Cardona Ferreira.<br>
Voto de vencido -1 - Aceitando a remissão para o disposto no artigo 1099 n. 1 do Código Civil, não o temos por violador do conceito e princípio da "justa indemnização" no segmento que se reporta ao elemento temporal nele inserto (a indemnização devida é relativa à cessação forçada do arrendamento e não pela perda da titularidade do direito de propriedade, que o não tem).<br>
Outro tanto não sucede no relativo ao montante da renda afigurando-se dever ser integrada a lacuna (Código Civil - artigo 10, n. 1) pela referência à corrente no mercado à data da desocupação.<br>
2 - Uniformizando a jurisprudência no sentido supra, alteraria o acórdão recorrido ficando a expropriante condenada a pagar aos expropriados B e mulher a indemnização equivalente a 30 meses de renda correspondente à corrente no mercado à data da desocupação (resultante de avaliação a ter lugar na própria expropriação).<br>
Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KDKSu4YBgYBz1XKvpx12 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><b><font>I. – Relatório.</font></b>
</p><p><font>“AA – Construções, Lda.”, intentou, em 27.11.2012, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, residente em Ílhavo, pedindo que se declare judicialmente e se condene a ré a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não é razoável, sendo apenas razoável um prazo não inferior a 150 dias. </font>
</p><p><font>Articulou, em suma, que se encontra a construir um prédio destinado ao comércio e à habitação. A 30.12.2011, a A. e a R. celebraram um contrato através do qual aquela prometeu vender à Ré, e esta comprar-lhe, um apartamento no referido prédio. Ficou consignado no contrato que a escritura pública de compra e venda seria realizada no mês de Setembro de 2012. Por carta datada de 10.10.2012, a R. comunicou à A. que lhe concedia um prazo suplementar de 61 dias, a contar da referida data, para a obtenção de documentos, marcação e outorga da data da escritura prometida, e que, caso a escritura não fosse realizada até 10.12.2012, iria considerar que o atraso se converteria em incumprimento definitivo, pelo que consideraria o contrato resolvido. O prazo convencionado no contrato-promessa correspondia, na data da assinatura deste, ao período de tempo que se previa fosse suficiente para concluir a construção, e nunca foi entendido pelas partes como mais do que uma mera expectativa. Nunca foi falado ou referido, nas negociações que levaram à assinatura do contrato-promessa, que o prazo pudesse ser visto como um prazo definitivo para qualquer das partes. O prazo de 61 dias é impossível, pelo atraso da obra, de ser cumprido pela A., tendo o atraso da obra resultado, em muito, do atraso dos fornecedores na entrega dos materiais e por devolução de outros por falta de qualidade. </font>
</p><p><font>A R. contestou, dizendo que a A. sabia que aquela estava, após o divórcio, a fazer partilhas com o ex-marido, que iria ficar sem casa e que necessitava da prometida fracção para habitar. Foi esta urgência que levou a fixar a data da escritura de compra e venda em Setembro de 2012, e que levou à exigência, pela A., da entrega de 132.500 €, metade do preço contratado da fracção. Mais, que a A. lhe disse que a partir de Junho de 2012 já poderia começar a utilizar a garagem para guardar os seus pertences e assim facilitar a mudança, em Setembro seguinte. Que numa visita que fez à obra, em Setembro de 2012, um encarregado da A. lhe disse que a conclusão da obra levaria cerca de 2 meses. Se a R. tivesse a convicção de que o prazo consignado no contrato-promessa não era para levar a sério, nunca aceitaria nem pagar logo metade do preço real, nem mesmo comprar o apartamento na medida em que necessitava de local para morar. E deduziu pedido reconvencional requerendo que, por a A. não ter concluído a obra e celebrado a escritura de compra e venda até 10.12.2012, se declare a resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo da A., condenando-se esta a pagar à Ré a quantia de 265.000 €, a título de sinal em dobro. </font>
</p><p><font>A A., na réplica, contestou o pedido reconvencional, e manteve a versão dos factos que consta da petição inicial. </font>
</p><p><font>A A. veio, em 10.4.2013, ampliar, nos termos do n.º 2 do art. 273.º do CPC, o pedido, por forma a que seja considerado razoável apenas um prazo não inferior a 195 dias. </font>
</p><p><font>A R. deduziu oposição, em 22.4.2013, por assentar em causa de pedir diferente - as chuvas inesperadas - da invocada na petição inicial, e por à data da apresentação do requerimento estar esgotado o prazo de 150 dias pedido na acção, o qual se iniciara a 10.10.2012 e terminara a 10.3.2013. Mais, o novo prazo termina em 24.4.2013, e está por concluir a fracção prometida vender. Também a a R. ampliou o pedido reconvencional, no sentido de ser declarado resolvido o contrato-promessa por ultrapassagem de todos os prazos pedidos, quer pela R., quer pela A., condenando-se esta a pagar àquela a quantia de 265.000 €.</font>
</p><p><font>A A. respondeu, opondo-se à ampliação do pedido da R., e caso seja admitida se declare a nulidade da reconvenção, e em qualquer caso, julgar-se a sua pretensão não provada, com fundamento em abuso de direito e violação dos arts. 811º e 812º do CPC. </font>
</p><p><font>O tribunal admitiu a reconvenção e a ampliação dos pedidos da acção e da reconvenção. </font>
</p><p><font>A final foi proferida sentença que julgou: “</font><i><font>a) a acção, parcialmente, procedente e decidiu que o prazo da interpelação admonitória de 61 dias não é razoável nem adequado para dentro dele a A. cumprir. Em resultado disso, a mora não foi convertida em incumprimento definitivo; b) que o pedido de fixação do prazo de 150 dias em substituição do de 61 dias improcede; c) a reconvenção improcedente e absolveu a A. deste pedido.</font></i><font>” </font>
</p><p><font>Na apelação que impulsou desta decisão, veio o tribunal de apelação a decidir – embora com fundamentação essencialmente distinta – manter a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Do julgado prolatado na decisão do tribunal de apelação, propulsionou a demandada recurso de revista, para o que dessumiu o epítome conclusivo, que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><b><font>I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.</font></b>
</p><p><font>“(...) </font><i><font>tendo a Recorrente em 10/10/2012 feito uma interpelação admonitória à Recorrida (que se encontrava em mora desde 30/9/2012) para que outorgasse uma escritura de compra e venda em 61 dias (que terminavam em 10/12/2012), sob pena de se considerar resolvido o contrato-promessa que as vinculava, </font></i>
</p><p><i><font>9 - Esta, no dia 27/11/2012, a cerca de 2 semanas do termo desse prazo, deu entrada de uma acção declarativa de condenação na qual pedia o seguinte: Nestes termos, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, declarando-se judicialmente e condenando-se a Ré a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não é razoável, sendo apenas razoável um prazo não inferior a 150 dias, julgando-se ainda aquele substituído por este, com as demais consequências legais. </font></i>
</p><p><i><font>10 - O prazo que consta de uma interpelação admonitória, nomeadamente daquela feita pela R., é um prazo absoluto (diferente questão, é a de saber se a duração desse prazo é razoável ou não). </font></i>
</p><p><i><font>11 - A recorrida pediu expressamente que o prazo dos 61 dias fosse </font></i><i><u><font>substituído</font></u></i><i><font> pelo prazo de 150 dias, "com as demais consequências legais". </font></i>
</p><p><i><font>12 - Por isso, sendo o prazo admonitório absoluto, igualmente absoluto é o prazo de 150 dias que a Recorrida pediu que se colocasse no seu lugar. </font></i>
</p><p><i><font>13 - O Tribunal da Relação de Coimbra, resolvendo a questão da nulidade da sentença da 1.ª Instância que não se pronunciou sobre o pedido de substituição dos 61 dias por 150 dias, nem sobre as consequências da ultrapassagem dos prazos de 150 e de 195 dias (cfr. fls. 13 e 14 do d. Acórdão), considerou que o não respeito deste prazo dos 150 dias (posteriormente ampliados para 195 dias) pedidos pela Recorrida não configurava um cenário de incumprimento definitivo, mas antes de mora. </font></i>
</p><p><i><font>14 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Esta interpretação do Tribunal da Relação baseou-se no facto de considerar que o prazo substituto de 150 dias não é um prazo absoluto, mas antes relativo. </font></i>
</p><p><i><font>15 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Porém, além do facto de a própria Recorrida ter pedido a substituição ou troca do prazo com a semântica e o sentido jurídico que isso implica, a Recorrente considera ainda que, precisamente por se estar no âmbito e contexto de uma interpelação admonitória e, por isso, de prazos absolutos, </font></i>
</p><p><i><font>16 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>A ultrapassagem do prazo (absoluto) que a própria Recorrida pediu que substituísse o que constava da interpelação admonitória, terá que ser entendida como uma falta definitiva de cumprimento, razão pela qual o contrato se deveria considerar resolvido. </font></i>
</p><p><i><font>17 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Por isso, e ao contrário do que entendeu o Tribunal da Relação, não estando a Recorrida em mora, mas antes e efectivamente em incumprimento definitivo, não tinha a Recorrente que a interpelar novamente e de forma admonitória, intimando-a, uma vez mais, para cumprir dentro de certo prazo, sob pena de se considerar resolvido o contrato. </font></i>
</p><p><i><font>18 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Aliás, a Recorrida aceitou a interpelação admonitória e não pôs em causa as consequências da ultrapassagem do prazo, nomeadamente a resolução do contrato e a devolução do sinal de 132.500 € em dobro. </font></i>
</p><p><i><font>19 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Com a acção, a Recorrida quis e pediu simplesmente que lhe fosse permitido cumprir num lapso de tempo mais alargado (inicialmente de 150 dias, e posteriormente de 195 dias), pretendendo, assim, evitar as consequências da resolução ao fim de (61 dias, mas já não ao fim de 150 dias (ou, mais tarde, de 195 dias). </font></i>
</p><p><i><font>20 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Aliás, o próprio Tribunal da Relação de Coimbra considera que o objecto da acção pretendido pela A./Recorrida não é só a apreciação da razoabilidade do prazo de 61 dias, mas também a declaração judicial e condenação da R./Recorrente a reconhecer que um prazo não inferior a 150 dias (posteriormente ampliado para 195 dias) era o razoável para a celebração da escritura (cfr. 4.º e 5.º parágrafos de fls. 11</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>e 4.º de fls. 12 do d. Acórdão). </font></i>
</p><p><i><font>21 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Ademais, posteriormente à entrada da acção em tribunal, no dia 10 de Abril de 2013, a Recorrida, quando ultrapassara há já 30 dias o prazo de 150 dias (esgotado em 10 de Março de 2013), que pedira inicialmente que substituísse o prazo absoluto de 61 dias, veio ainda pedir mais 45 dias a somar aos iniciais 150, voltando a dizer, na altura da ampliação do seu pedido, que os 195 dias que terminavam em 24 de Abril de 2013) deveriam substituir os 61 dias da interpelação admonitória. </font></i>
</p><p><i><font>22 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Assim, com a ampliação do pedido para 195 dias, que o tribunal da 1.ª Instância aceitou, a Recorrida pretendeu, sem margem para quaisquer dúvidas, que o prazo-substituto de 150 dias fosse, ele mesmo, substituído por (ou alongado para) um prazo de 195 dias, que passaria a substituir o de 61 dias fixado admonitoriamente pela Recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>23 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Ora, ao fazer isto, isto é, ao falhar os 150 dias e ao pedir mais 45 dias, num total de 195 dias que deveriam substituir os 61 dias da interpelação admonitória, a Recorrida estava bem consciente de que estava a faltar à sua obrigação, razão pela qual pretendia evitar as "legais consequências" do incumprimento. </font></i>
</p><p><i><font>24 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Acresce que, a Recorrente, no seu articulado de resposta à ampliação do pedido formulado pela Recorrida, também amplia o seu pedido reconvencional, contendo essa peça (da Recorrente) todos os elementos necessários para valer como interpelação admonitória em relação, pelo menos, ao prazo de 195 dias. </font></i>
</p><p><i><font>25 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Com efeito, a Recorrente diz aí (arts. 27.º a 29.º) desse seu articulado, bem com do ponto 3 do pedido ampliado que aí formula) que, caso a Recorrida falhe o prazo de 195 dias, que ela mesma pediu que substituísse o de 150 dias que se destinava a substituir o de 61 dias, então deverá a sua obrigação contratual considerar-se definitivamente incumprida e, por isso, ser condenada a pagar-lhe 265.000 €. </font></i>
</p><p><i><font>26</font></i><b><i><font> - </font></i></b><i><font>Assim, e ao contrário do que consta do d. Acórdão da Relação de Coimbra (4.º parágrafo de fls. 15 dessa decisão), no decurso e contexto da acção, a Recorrente advertiu a Recorrida de que se o prazo de 195 dias que esta pedira (e que reputara, mais uma vez, razoável) fosse ultrapassado, esse facto deveria ter como consequência o considerar-se definitivamente incumprido o contrato-promessa e, por isso, ser a A/Recorrida condenada a devolver-lhe o sinal em dobro. </font></i>
</p><p><i><font>27 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Entretanto, os 195 dias reputados de razoáveis pela Recorrida para cumprir, e pedidos por si em substituição (ou alongamento) dos 61 dias (e dos 150 dias), esgotaram-se em 24 de Abril de 2013 sem que esta tenha outorgado a escritura de compra e venda. </font></i>
</p><p><i><font>28 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Ora, neste cenário de sistemático incumprimento de prazos absolutos, 2 dos quais (o de 150 e o de 195 dias) foram assumidos pela Recorrida como os razoáveis para substituir os 61 dias (igualmente absolutos) fixados inicialmente pela Recorrente, não se pode aceitar nem defender que aquela tenha entrado simplesmente em mora e que, por isso, esta ainda tinha que lhe fixar um novo prazo (absoluto) por via de interpelação admonitória. </font></i>
</p><p><i><font>29</font></i><b><i><font> - </font></i></b><i><font>Efectivamente, se no contexto de uma interpelação admonitória a Recorrente fixou um prazo absoluto de 61 dias, e se a Recorrida, sem pôr em causa essa notificação e as suas consequências, se limitou a pedir a substituição desse prazo (ou o seu alongamento) por um outro de 150 dias (mais tarde ampliado em 45 dias) que reputa como razoável para cumprir, </font></i>
</p><p><i><font>30 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>É excessivo e juridicamente ilógico que se entenda que, ultrapassados todos esses prazos- substitutos, o contrato-promessa deva subsistir e que a Recorrente, ainda por cima, tivesse, ela mesma, que voltar a interpelar admonitoriamente a Recorrida, fixando-lhe um novo prazo absoluto para a outorga da escritura e advertindo-a, uma vez mais, das consequências do incumprimento. </font></i>
</p><p><i><font>31</font></i><b><i><font> - </font></i></b><i><font>Na verdade, a ser assim, mais pareceria que Recorrida teria tanta mais razão quanto mais vezes falhasse os prazos que fosse pedindo e quanto mais atrasada estivesse. </font></i>
</p><p><i><font>32</font></i><b><i><font> - </font></i></b><i><font>Com efeito, convém não esquecer, é a própria Recorrida, consciente de que está no contexto de uma interpelação admonitória na qual lhe foi fixado um prazo absoluto, (luem vai pedindo prazos mais longos (ou o alongamento do prazo absoluto inicialmente fixado) para cumprir, a fim de evitar as consequências advenientes do incumprimento definitivo. </font></i>
</p><p><i><font>33 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Por isso, e não se esquecendo a ampliação do pedido reconvencional que acaba por ser também ela uma interpelação admonitória, não se pode impor à Recorrente o ónus de voltar a fazer novas interpelações admonitórias, por se entender que a Recorrida entrara simplesmente em mora ao falhar os prazos absolutos (ou os alongamentos do prazo absoluto) que ela mesma pediu clue substituíssem o de 61 dias inicialmente fixado pela Recorrente. </font></i>
</p><p><i><font>34 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Assim, quer seja por se entender que a Recorrida logrou operar a substituição (ou () alongamento) do prazo absoluto de 61 dias fixado na interpelação admonitória, </font></i>
</p><p><i><font>35 -</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Quer seja por se considerar que a Recorrida se auto-responsabilizou e vinculou improrrogavelmente ao cumprimento de prazos absolutos de 150 ou 195 dias que reclamou como razoáveis para cumprir, </font></i>
</p><p><i><font>36 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Quer seja por se considerar que a resolução operou por dia da reconvenção, inicial ou ampliada, deverá ter-se como assente e decidir-se que a Recorrida, por não ter outorgado a escritura nesses lapsos de tempo, faltou definitivamente à sua obrigação contratual, não sendo exigível a manutenção do contrato-promessa, nem que que a Recorrente a tivesse que voltar a interpelar admonitoriamente. </font></i>
</p><p><i><font>37 </font></i><b><i><font>- </font></i></b><i><font>Ao decidir como decidiu, errou a Relação de Coimbra na aplicação do direito, em concreto ao: </font></i><br>
<i><font>a) entender que teria lugar a aplicação do art. 808.º, n.º1 do Cód. Civil (fazer-se nova interpelação admonitória); </font></i><br>
<i><font>b) não aplicar o art. 436.º do Cód. Civil (não se aceitar a resolução do contrato com base no incumprimento definitivo); </font></i><br>
<font>c)</font><i><font> não aplicar o art. 442.º, n.º 2 do Cód. Civil (não se condenar a Recorrida a entregar o dobro do que recebeu de sinal).”</font></i><font> </font>
</p><p><font>Para contraminar a pretensão recursiva, aduziu as razões constantes da peça processual de fls. 426 a 441, donde dessumiu o quadro conclusivo que a seguir queda transcrito. </font>
</p><p><i><font>“A ser admitido apenas poderá haver revista da parte da decisão proferida no Acórdão da Relação que considerou haver nulidade de parte da sentença em 1.ª instância, procedendo-se à sanação dessa nulidade e decidindo como foi decidido em 1.ª instância, julgando improcedente o recurso da Ré - não se verificou o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da Autora. </font></i>
</p><p><i><font>U - Não assiste razão à Ré quando alega que o Acórdão da Relação deveria ter decidido que a mesma não precisava de interpelar novamente a Autora mas antes deveria ter-se decidido pelo incumprimento definitivo do contrato com consequente restituição do sinal em dobro. </font></i>
</p><p><i><font>V - O objecto do litígio na presente acção não era a fixação de um prazo, qualquer que ele fosse ou para o fim que tivesse, mas sim apreciar da razoabilidade do prazo de 61 dias para a Autora cumprir, fixado pela Ré e que foi decidido não ser razoável, sem impugnação recursiva. </font></i>
</p><p><i><font>W - A Ré nunca poderia pretender que numa acção de simples apreciação da razoabilidade do prazo, se fixasse um novo prazo, para que a própria Autora cumprisse o contrato promessa - esse prazo já tinha sido fixado pela Ré quando por carta procedeu à interpelação admonitória. </font></i>
</p><p><i><font>X - Servindo a presente acção para auferir da razoabilidade do prazo que a Ré fixou, não pode agora ela pretender, por ver e aceitar que o primeiro prazo que fixou não era razoável que fosse a própria Autora a "auto" fixar um prazo para cumprir, aproveitando-se a Ré de um prazo que a Autora indicou que fosse, pelo menos, razoável. </font></i>
</p><p><i><font>Y - A interpelação admonitória serve para o credor fixar um prazo razoável para o devedor em mora cumprir a obrigação e não o contrário, nem poderia assim ser, até porque como poderia o devedor, por exemplo, saber se esse "auto prazo" interessava ao credor? Como considerar e perceber nestes casos a perda do interesse objectivamente considerada do credor se se aceitar ser o próprio devedor que se "auto vincula"? </font></i>
</p><p><i><font>z - No entender do Acórdão a quo não houve qualquer incumprimento definitivo do contrato por parte da A. porque: «não se constata nos autos, que haja alguma situação de impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa não imputável ou imputável à Autora; não se vê que o prazo ampliado seja um termo subjectivo essencial absoluto ou termo fixo; não se mostrou que a Autora tenha declarado antecipadamente não querer cumprir, nem se evidenciou em nenhum momento a perda de interesse objectivamente considerada por banda da Ré - tudo situações que poderiam levar ao incumprimento definitivo». </font></i>
</p><p><i><font>AA - Estando a Autora em mora e para operar o incumprimento definitivo, a Ré/recorrente teria de cumprir o mecanismo legal previsto no art. 808.º n.º 1 e n.º 2 do Código Civil, cumprindo os requisitos nele previsto, ou seja, intimando a Autora ao cumprimento do contrato, fixando-lhe um termo peremptório para o mesmo, advertindo-a de que caso esse prazo não fosse cumprido a Ré consideraria não cumprida a obrigação, com consequente incumprimento definitivo do contrato promessa. </font></i>
</p><p><i><font>AB - A Ré podia ter feito ela própria uma nova interpelação admonitória, mas não o fez, mesmo que diga nas suas alegações que o fez nos autos, o que não é verdade. </font></i>
</p><p><i><font>AC - Não pode agora a Ré pretender "arrepiar caminho" e querer ver fixado um novo prazo, ou seja, </font></i><b><i><font>dois </font></i></b><i><font>prazos, </font></i><b><i><font>duas </font></i></b><i><font>interpelações admonitórias alheias ao próprio credor (!) quando afinal vem reconhecer que o que fixou em primeiro lugar não era razoável e quando nunca na acção pediu isso. </font></i>
</p><p><i><font>AD - O que a Ré fez na peça processual em que deduziu oposição à ampliação do pedido formulado pela Autora não foi uma nova interpelação admonitória, o que fez foi pedir que o Tribunal considerasse ter sido feita a interpelação admonitória pela própria devedora, a Autora, o que é muito diferente e não tem qualquer fundamento legal no art. 808.º do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>AE - O que a Ré tinha de fazer, ao menos processualmente, aquando da oposição à ampliação do prazo pedido pela Autora era pedir que caso esse prazo ampliado pela Autora fosse deferido então a Ré declarava desde já à Autora que, e pedia que o Tribunal assim o considerasse, que ultrapassado o prazo de 150 dias - ou os alongados 195 (caso se considerasse serem a final estes os razoáveis), ficava intimada a cumprir num determinado prazo a obrigação contratual de proceder à celebração da escritura sob pena de considerar definitivamente não cumprido o contrato com consequente resolução e pedido de devolução do sinal em dobro - só assim se cumpria o art. 808.º do Código Civil. </font></i>
</p><p><i><font>AF - Nada disto foi feito, pelo que não pode agora, mais uma vez, a Ré pretender que seja a Autora a fazer essa "auto" interpelação e ver o tribunal julga-la existente e não cumprida e ainda considerar definitivamente incumprido o contrato promessa. </font></i>
</p><p><i><font>AG - Deverá assim decidir-se como se decidiu no Acórdão da Relação porque o mesmo não errou na aplicação do direito, julgando improcedente o presente recurso de revista, mantendo-se a decisão recorrida.” </font></i>
</p><p><b><font>I.B. – QUESTÕES A MERECEREM APRECIAÇÃO NA REVISTA.</font></b>
</p><p><font>Em face da fundamentação expressa nas conclusões, retira-se como única questão a decidir, saber se a demandada tinha necessidade de operar uma interpelação admonitória para lograr obter a resolução do contrato, por incumprimento definitivo, e a pagar-lhe o correspondente ao dobro do sinal entregue (€ 265.000,00). </font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO.</font></b>
</p><p><font>“1 </font><i><font>- A A. encontra-se, actualmente (com referência à data da propositura da acção e, mesmo, dos pedidos de ampliação), a construir um prédio destinado ao comércio e à habitação, no gaveto existente entre as Avenidas ... e …, em Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, freguesia da ..., sob o n.º … (anteriores n.ºs … e …) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º … (anteriores artigos … e …), com Alvará n.º … (A). </font></i>
</p><p><i><font>2 - A 30/12/2011, a A. e a Ré celebraram o “Contrato Promessa de Compra e Venda” de fls. 12/15, com as seguintes cláusulas (ao que interessa): </font></i>
</p><p><i><font>a) - a AA (ora A.), como dona e legítima possuidora do prédio identificado em A), promete vender, nesse prédio, livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, a BB (ora Ré), que prometeu comprar, o apartamento T2, no 1.º andar, com terraço, com cerca de 70,85 m2, duas garagens e arrumo na cave; </font></i>
</p><p><i><font>b) – o preço global convencionado da venda é de € 200.000,00, que será pago: </font></i>
</p><p><i><font>1.º - a título de pagamento parcial, a Odete entrega à AA € 50.000,00, de que esta dá quitação com a assinatura do contrato-promessa; </font></i>
</p><p><i><font>2.º - o restante valor de € 150.000,00 será pago, na totalidade, na data da outorga da escritura de compra e venda; </font></i>
</p><p><i><font>c) – a outorga da escritura da compra e venda terá lugar no mês de Setembro de 2012, sendo a respectiva marcação efectuada pela AA, que se obriga a comunicar, por carta registada com A/R, à BB, com antecedência de 10 dias, a data, hora e local para a realização da mesma; </font></i>
</p><p><i><font>d) – fica expressamente acordado que a estipulação de pagamento do sinal não preclude a faculdade de qualquer das partes requerer a execução específica do ora contratado, em conformidade com o preceituado no art. 830.º do C. Civil (B). </font></i>
</p><p><i><font>3 - A 16/01/2012, as partes do contrato referido antes fizeram a este o aditamento de fls. 61, no qual acrescentam duas cláusulas (Nona e Décima) a: </font></i>
</p><p><i><font>a) - alterar o preço global da fracção prometida vender/comprar para € 265.000,00; </font></i>
</p><p><i><font>b) – consignar a entrega, para além do pagamento parcial já realizado na data da assinatura do contrato-promessa, pela BB, do montante de € 82.500,00, de que a AA dá quitação com a assinatura da adenda (C). </font></i>
</p><p><i><font>4 - A ora Ré enviou, sob registo e com A/R, à ora A., a carta de fls. 16/17, datada de 10/10/2012, com referência ao contrato-promessa identificado em B), da qual consta, além do mais: </font></i>
</p><p><i><font>1.º - ter entregue à AA, a título de sinal, € 132.500,00, metade do preço do negócio; </font></i>
</p><p><i><font>2.º - tendo sido estipulado, no contrato-promessa, que a escritura se realizaria durante o mês de Setembro de 2012, orientou a vida em função desse facto, perspectivando poder contar como imóvel a partir dessa data; </font></i>
</p><p><i><font>3.º - estando a AA “em mora” e não pretendendo eu permanecer nesta indefinição, venho pela presente via interpelá-los e adverti-los do seguinte: </font></i>
</p><p><i><font>a) faculto-vos o prazo suplementar de mais 61 dias contados da presente data para a obtenção dos documentos, marcação e outorga da escritura prometida; </font></i>
</p><p><i><font>b) findos os quais, considerarei que o v/ atraso se converteu em incumprimento definitivo; </font></i>
</p><p><i><font>c) – pelo que considerarei o contrato resolvido a partir do dia 10 de Dezembro de 2012, caso até esse dia a escritura não se realize” (D). </font></i>
</p><p><i><font>5 - A esta carta respondeu a A. com a carta de fls. 18/19, da qual, ao que interessa, consta: a) aceita existir algum atraso na obra em relação à data prevista para sua conclusão e justifica o atraso com a falta de cumprimento dos seus fornecedores de caixilharia e outros; b) pede a designação de data para escolha por ela (ora Ré) dos materiais de revestimento (E). </font></i>
</p><p><i><font>6 - A esta carta respondeu a ora Ré com a de fls. 21/22, datada de 29/12/2012, na qual, ao que interessa, mantém o prazo da interpelação (61 dias) e afasta a insinuação da carta a que responde de que a fracção adquirida seria destinada por ela a revenda (F). </font></i>
</p><p><i><font>7 - A esta carta respondeu a ora A. com a de fls. 62/63, datada de 05/11/2012, na qual consigna, além do mais que não interessa, que: a) afasta a culpa na falta de fixação de data para a escolha dos materiais; b) está a envidar todos os esforços para ultimar a obra (G). </font></i>
</p><p><i><font>8 - A minuta do contrato-promessa foi redigida pela então mandatária que acompanhava e representava a Ré (H). </font></i>
</p><p><i><font>9 - O prazo da Cláusula Quinta do contrato-promessa (Setembro de 2012) correspondia, na data da assinatura deste, ao período de tempo que se previa fosse suficiente para concluir a construção. </font></i>
</p><p><i><font>10 - Foi da iniciativa da Ré a marcação da outorga da escritura de compra e venda da fracção para tal data. </font></i>
</p><p><i><font>11 – Na altura, a A. estava convicta de que, a manterem-se as condições de mercado e de execução da obra, a poderia concluir e celebrar a escritura até Setembro de 2012. </font></i>
</p><p><i><font>12 - Nunca foi falado ou referido, nas negociações que levaram à assinatura do contrato-promessa, que o prazo pudesse ser visto como um prazo definitivo para qualquer das partes. </font></i>
</p><p><i><font>13 – A Ré nunca se queixou ou fez qualquer reparo a propósito do estado e andamento da obra. </font></i>
</p><p><i><font>14 - O prazo de 61 dias era impossível, pelo atraso da obra, de ser cumprido pela A.. </font></i>
</p><p><i><font>15 - O atraso da obra resultou, em muito, do atraso dos fornecedores na entrega dos materiais e por devolução de outros por falta de qualidade. </font></i>
</p><p><i><font>16 - Na altura da propositura da acção, faltavam executar na obra os seguintes trabalhos: </font></i>
</p><p><i><font>a) - Estanhar paredes e estucar tectos; </font></i>
</p><p><i><font>b) – Remover os andaimes posteriores e a grua para executar a zona das lajes da cave, r/c e 1.º andar correspondentes ao buraco da grua; </font></i>
</p><p><i><font>c) – Fazer os revestimentos cerâmicos finais de paredes, pisos e escadas; </font></i>
</p><p><i><font>d) – Pinturas de paredes e dos tectos em pladur; </font></i>
</p><p><i><font>e) – Tectos falsos em pladur; </font></i>
</p><p><i><font>f) – Obra de carpintaria e pavimentos em madeira; </font></i>
</p><p><i><font>g) – Louças sanitárias e torneiras; </font></i>
</p><p><i><font>h) – Móveis de cozinha e quartos de banho; </font></i>
</p><p><i><font>i) – Montagem dos elevadores; </font></i>
</p><p><i><font>j) – Montagem dos painéis solares e restante equipamento complementar; </font></i>
</p><p><i><font>k) – Montagem dos equipamentos de ventilação; </font></i>
</p><p><i><font>l) – Montagens de aparelhos e equipamentos de instalação eléctrica, ited e incêndio; </font></i>
</p><p><i><font>m) – Arranjos exteriores. </font></i>
</p><p><i><font>17 - A A. apenas tem esta obra em curso. </font></i>
</p><p><i><font>18 – A A. tem alguns operários qualificados ao seu serviço. </font></i>
</p><p><i><font>19 - Para realização dos trabalhos de conclusão da obra e marcação da escritura da compra e venda prometida era indispensável um prazo não inferior a 150 dias. </font></i>
</p><p><i><font>20 - O mês de Março de 2013 foi o 7º Março mais chuvoso em Portugal continental desde 1931. </font></i>
</p><p><i><font>21 - A A. não terminou, segundo era sua previsão e vontade, a obra nos estimados 150 dias. </font></i>
</p><p><i><font>22 - Quando, a 26 de Setembro de 2012, a Ré se deslocou à obra a fim de ver o andamento dos trabalhos, perguntou a um senhor que andava a trabalhar nas escadas quando é que o prédio estaria pronto e este respondeu que ainda demorava mais dois meses. </font></i>
</p><p><i><font>23 - Na data da celebração do contrato-promessa de compra e venda, a obra estava alvorada, todas as placas estavam executadas, o telhado estava colocado, todas as paredes divisórias interiores e as escadas estavam construídas. </font></i>
</p><p><i><font>24 – A entrega dos € 132.500,00 foi efectuada pela Ré para obter melhor preço final e para conseguir uma garagem fechada a mais. </font></i>
</p><p><i><font>25 - Cerca de três meses após a assinatura do contrato-promessa, a Ré apresentou-se no escritório da A., acompanhada do ex-marido, dizendo que já não queria o apartamento e que o pretendia vender sem o ocupar. </font></i>
</p><p><i><font>Provou-se, ainda, que: </font></i>
</p><p><i><font>26 – O casamento da ora Ré foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 14/01/2011, transitada a 14/01/2011 - fls. 269/270. </font></i>
</p><p><i><font>27 – Na conferência de interessados que decorreu, a 21/12/2011, no processo de inventário nº 465/10.2T6AVR-A, em que é Requerente BB e Requerido CC, as partes acordaram (além do mais que não interessa transcrever) que: a) a verba nº 8 da relação adicional de fls. 39/40 é adjudicada ao Requerid | [0 0 0 ... 0 0 0] |
2DJNvIYBgYBz1XKvBPMl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal em secções reunidas:</font><br>
<font><br>
Na comarca do Porto, intentaram A e esposa, esta acção com processo ordinario contra a "Sociedade B, Lda" e C e esposa, todos identificados nestes autos, pedindo que, julgada procedente e provada a acção, se julgasse nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda e respectiva escritura de 18 de Dezembro de 1939 celebrada entre os autores como vendedores e a primeira re como compradora do predio referido no artigo 1 da petição inicial; que se julgasse nulo e de nenhum efeito o contrato e escritura de 6 de Novembro de 1940, consequencia daquela escritura; e que se ordenasse o cancelamento, na respectiva conservatoria do registo da simulada compra constante da escritura de 18 de Dezembro de 1939, assim como o registo feito com base na escritura de 6 de Novembro de 1940 e todos e quaisquer registos que porventura tivessem sido feitos posteriormente.</font><br>
<font><br>
O fundamento da acção e que, no contrato titulado pela escritura de 18 de Dezembro de 1939, houve divergencia intencional entre a vontade real e a declarada, por acordo entre as partes - simulação inocente - e que tal contrato tem de ser havido como simulado e deve ser anulado e rescindido (Codigo Civil, artigo 1031 e seu paragrafo unico); e que os segundos reus são terceiros de ma-fe pois quando celebraram a escritura de 6 de Novembro de 1940 conheciam perfeitamente todos os factos referidos na petição inicial, não ignorando que a primeira re era mera adquirente ficticia do predio referido na escritura de 1939; que, assim, a escritura de<br>
6 de Novembro de 1940 e nula e deve ser rescindida.</font><br>
<font><br>
Contestando a acção a re "Sociedade B, Lda" deduziu a excepção dilatoria da ilegitimidade dos autores porque os autores são os proprios simuladores e porque, como confessam, nunca foram verdadeiros donos do terreno vendido mas sim seu filho e enteado D.</font><br>
<font><br>
Os reus C e mulher tambem excepcionaram alegando a ilegitimidade dos autores.<br>
Seguindo o processo seus termos regulares com replica e treplica, foi proferido o despacho saneador de folhas 86 que rejeitou as excepções deduzidas. Dele agravaram os reus.</font><br>
<font><br>
A Relação do Porto, pelo seu acordão de folhas 206, confirmou inteiramente o despacho recorrido.</font><br>
<font><br>
Em recurso de agravo, interposto para este Supremo Tribunal, foi o acordão da Relação inteiramente confirmado com o fundamento, alem do mais que, por agora, não interessa relatar, de que se tratava de uma simulação inocente e era jurisprudencia corrente que o simulador ainda que fraudulento pode intentar a acção de simulação; e com maioria de razão o pode desde que esteja demonstrado, como estava, que e simulador inocente porque então não se podem invocar o disposto no artigo 692 e outros do Codigo Civil.</font><br>
<font><br>
Deste acordão proferido a folhas 297 e seguintes recorreu para o Tribunal Pleno a sociedade re por haver entre ele e o acordão de 9 de Fevereiro de 1915, publicado na Colecção Oficial, ano 14, a paginas 92, oposição sobre o mesmo ponto de direito, tendo sido ambos proferidos no dominio da mesma legislação.<br>
Foi o recurso admitido e mandado seguir pelo acordão de folhas 327, porque o acordão recorrido resolveu que a simulação pode ser invocada pelo proprio simulador quer se trate de simulação inocente quer de simulador fraudulento, não tendo aplicação do artigo 692 do Codigo Civil e no acordão de 9 de Fevereiro resolveu-se que na simulação de um contrato não pode ser ouvido o contratante que nele interveio porque seria invocar a seu favor a propria torpeza, o que o direito não permite e expressamente o dispõe o artigo 692 do Codigo Civil, sendo assim manisfesta a contradição da doutrina entre esses dois acordãos.</font><br>
<font><br>
A sociedade recorrente concluiu a sua alegação afirmando:</font><br>
<font><br>
1 - Que a suposta simulação do contrato de compra e venda celebrado em 18 de Dezembro de 1939 e alegada por quem concorreu para a sua pratica e pelo direito positivo portugues não pode o simulador valer-se da propria simulação quando fraudulenta, em obediencia a velha regra de que nemo auditur turpitudinem propriam alegans, maxima esta consignada no artigo 692 do Codigo Civil que e de aplicação directa nos contratos simulados;<br>
2 - Que ainda que, por absurdo, se não aceitasse tal conclusão, a verdade e que o artigo 692 representaria, pelo menos, a revelação de uma regra geral em que se inspira e baseia o sistema da nossa lei e da qual a 2 parte do artigo 695 e o n. 1 do artigo 1542 do Codigo Civil, bem como os artigos 564 e 778 e seguintes do Codigo de Processo Civil são outras tantas aplicações; que esta doutrina e sustentada pelos Professores Jose Tavares nos Principios Fundamentais do Direito Civil, volume 2, e Barbosa de Magalhães na Gazeta da Relação de Lisboa, ano 49, pagina 228 e Revista da Ordem dos Advogados, ano 3, pagina 60.</font><br>
<font><br>
3 - Que esta e a doutrina consagrada nos acordãos deste Supremo Tribunal que invocou como opostos ao recorrido e a unica legal.</font><br>
<font><br>
E, assim, diz, a simulação do contrato de 1939, se existisse, estaria abrangida na regra geral anunciada visto que, segundo resulta dos factos alegados, pelos autores e indubitavelmente fraudulenta tanto pela sua intima dependencia da simulação fraudulenta de 1938 cujo expediente aquela teria vindo assegurar e completar, como a propria simulação do contrato de 1939 (segundo a versão dos autores alias inocente, porque tal contrato não e simulado) visou a iludir o direito que a irmã do Floriano era reconhecido pelo artigo 1565 do Codigo Civil, cujo exercicio por esse meio se havia intentado e conseguido prejudicar.</font><br>
<font><br>
Nestes termos, dizem, não podiam os autores demandar como fizeram, a re, sua suposta conivente, com fundamento em haverem todos praticado a mesma fraude, de onde resulta que os autores carecem de acção contra a re. E isto, significa que não tem interesse, juridicamente relevante, em demanda-la, o que provoca a sua ilegitimidade. E, assim, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o acordão recorrido, julgando-se parte ilegitima os autores e tirando-se Assento com a doutrina sustentada na alegação.</font><br>
<font><br>
Os recorridos sustentam a doutrina do acordão recorrido e pedem que se tire Assento por forma a permitir que o simulador possa invocar a propria simulação.<br>
O digno Representante do Ministerio Publico na sua douta alegação ou resposta a folhas 355, sustentando a doutrina do acordão recorrido, afirma que se deve tirar Assento no sentido de que mesmo na simulação fraudulenta e permitido as proprias partes arguir o vicio da simulação. Tendo o processo corrido os vistos legais cumpre decidir.<br>
A questão sub judice, visto ser a parte em que o acordão recorrido e o acordão invocado pelos recorrentes estão em oposição, consiste em se decidir se sim ou não os proprios simuladores podem invocar a simulação quer ela seja inocente quer seja fraudulenta.</font><br>
<font><br>
A questão tem sido muito debatida.</font><br>
<font><br>
Enquanto por um lado professores ilustres, como Jose Tavares e Barbosa de Magalhães, sustentam a tese negativa outros não menos ilustres, como Guilherme Moreira, Paulo Cunha, Beleza dos Santos, Galvão Teles e Pinto Coelho, sustentam que os proprios simuladores podem arguir em juizo a nulidade do acto simulado.</font><br>
<font><br>
Divergente tem sido tambem a jurisprudencia dos Tribunais.<br>
No entanto, pode afirmar-se que nos ultimos tempos e maior a corrente dos que sustentam a segunda tese.</font><br>
<font><br>
Julgamos ser de fixar-se a doutrina de que os proprios simuladores, mesmo na simulação fraudulenta podem ser admitidos a arguir o vicio da simulação.<br>
Vejamos.<br>
Dispõe-se no artigo 692 do Codigo Civil que se o contrato tiver por causa ou fim algum facto criminoso ou reprovado em que ambos os contraentes sejam coniventes, nenhum deles sera ouvido em juizo acerca de tal contrato.<br>
Com base neste preceito, que e, de facto, a consagração legal da maxima nemo auditur turpitudinem propriam alegans, pretende-se concluir, cingindo-se a sua letra, que proibe que os simuladores possam invocar em juizo a simulação.</font><br>
<font><br>
Não e assim.</font><br>
<font><br>
Para a boa interpretação do artigo 692, não basta, como escreve Cunha Gonçalves, ler somente esta primeira parte; e preciso ler tambem a segunda e o seu paragrafo unico de cujos textos se depreende que o legislador somente não consente que um dos contratantes de uma convenção criminosa ou reprovavel venha a juizo exigir ao outro quer a remuneração que este prometeu, quer a restituição do que ao outro dera, invocando, para isso, a propria torpeza.</font><br>
<font><br>
No caso de rescisão do acto reputado simulado, não se exige o cumprimento do contrato ficticio, nem se pede a restituição do que se deu como remuneração.</font><br>
<font><br>
O que se pretende e, unicamente, destruir a convenção.<br>
Que se considere imoral ou reprovavel o pretender-se, em juizo, tirar proveito do acto simulado, compreende-se.</font><br>
<font><br>
Mas a verdade e que, quando um simulador quase sempre arrependido e sem espirito de tirar qualquer lucro, pretende ver anular o acto simulado, não vemos que haja nisso qualquer imoralidade ou acto que a lei proiba ou deva proibir.</font><br>
<font><br>
Na simulação não ha, de facto, um contrato real, mas simples aparencia.<br>
Ora, como justamente doutrinam Beleza dos Santos e Cunha Gonçalves - o artigo 692 pressupõe a existencia de um contrato real.<br>
Se o artigo 692 fosse aplicavel a simulação mal se compreenderia a sua segunda parte, por isso mesmo que, na simulação, ha sempre a ma-fe de ambas as partes, visto como a simulação pressupõe o concluio dos pactuantes para a celebração de um acto ficticio.</font><br>
<font><br>
O não admitir-se o proprio simulador a alegar a nulidade do acto simulado, podia levar a permitir-se que um dos simuladores se locupletasse a custa do outro, como judiciosamente foca o Professor Paulo Cunha no seu douto estudo publicado no Direito, ano 76-77, a paginas 293.</font><br>
<font><br>
O mesmo sustenta o Professor Beleza dos Santos quando escreve na Simulação, a paginas 378, que quando se adoptasse doutrina diversa para não ser ouvido em juizo o simulador, que quis praticar uma fraude, permitir-se-ia que em certos casos se cometesse uma fraude maior. E, assim, numa alienação aparente se a Lei não permitisse que o simulador alienante fizesse declarar a nulidade dessa alienação, tolerava que o ficticio adquirente cometesse a dupla torpeza de se associar a simulação e de ficar com o que lhe não pertencia, protegendo uma situação indigna de protecção legal.</font><br>
<font>Este simples exemplo mostra bem ao que podia levar a doutrina dos que sustentam que o simulador não pode em juizo requerer a rescisão do acto simulado.<br>
Baseiam-se ainda os recorrentes no disposto no n. 1 do artigo 1542 do Codigo Civil, mas a verdade e que esse artigo não diz nada que possa justificar a conclusão de que os simuladores não podem arguir em juizo a simulação.<br>
Regula apenas o caso especialissimo das dividas em jogo.<br>
Tambem não tem a relevancia que lhe emprestam os recorrentes o argumento tirado do disposto no artigo 778 do Codigo de Processo Civil.<br>
E que o facto de se dispor no artigo 778 que quando as partes se tenham servido do processo para praticar um acto simulado e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 665, por se não ter apercebido da fraude, pode a sentença ser impugnada mediante o recurso de oposição de terceiro, se tiver sido proferido em prejuizo do recorrente, não implica por si so, a conclusão de que as proprias partes ficam inibidas de arguir a simulação.<br>
Nada na lei obsta, como foca o mui digno representante do Ministerio Publico, a folhas 358, que as proprias partes ataquem a simulação numa acção declaratoria de simulação seguida de acção de revisão de sentença, solução esta sustentada como rigorosamente juridica pelo Professor Paulo Cunha no seu livro Simulação Processual e Anulação de Caso Julgado, a paginas 297.<br>
Tambem não colhe o argumento invocado e que se funda no disposto no artigo 564 do Codigo de Processo Civil.<br>
E que, como tambem foca o Ministerio Publico, a folhas 358, o depoimento da parte constitui um meio de prova e são coisas bem diversas a intervenção no processo como agentes de prova ou como autor ou reu, não sendo licito o confronto entre as duas situações juridicas.<br>
Compreende-se, com efeito, que as partes não sejam forçadas a confessarem em juizo actos criminosos ou indignos.<br>
Mas daqui se não deve nem pode concluir que, por esse facto, fiquem tambem inibidas de virem a juizo arguir a simulação de um contrato, em que intervieram como simuladores, para o ver anulado.<br>
Pelo exposto, negam provimento ao recurso e confirmam o acordão recorrido, nas custas condenando o recorrente.<br>
E em obediencia a lei tiram o seguinte Assento:<br>
Os proprios simuladores podem invocar em juizo, um contra o outro, a simulação embora fraudulenta.</font><br>
<br>
<font>Lisboa 10 de Maio de 1950</font><br>
<font><br>
Roberto Martins (Relator) - Mario de Vasconcelos - Artur A. Ribeiro - Pedro de Albuquerque - Rocha Ferreira - Raul Duque - A. Cruz Alvura - Campelo de Andrade - A. Bartolo -<br>
- Alvaro Ponces - Jose de Abreu Coutinho - Bordalo e Sa. (Vencido, porque:<br>
1 - O artigo 692 do Codigo Civil so pode ter a interpretação que ressalta das suas palavras; a doutrina do acordão corresponde a revogação daquela clara e terminante disposição legal.<br>
De harmonia com ela esta, alem de outros, o artigo 1031 do citado Codigo, que admitindo apenas os terceiros lesados a pedir a anulação, nem essa disposição nem qualquer outra, admitem os proprios simuladores a faze-lo;<br>
2 - E imoral que alguem alegue em juizo a propria torpeza para dai tirar proveito;<br>
3 - O Codigo de Processo Civil (artigo 778) so a terceiros prejudicados faculta o recurso de oposição, quando se alegue e prove que as partes se serviram do processo para praticarem um acto simulado, e nada dispõe o Codigo, que autorize os proprios simuladores a conseguirem a anulação de um acto simulado.<br>
4 - A simulação fraudulenta e um acto criminoso e, por isso, nos termos do artigo 564 do Codigo de Processo Civil, não e admissivel o depoimento dos proprios simuladores.<br>
E, assim, por maioria de razão, não pode aceitar-se que estes sejam admitidos como autores a invocar o crime que praticaram.<br>
5 - Se os simuladores podem invocar a simulação fraudulenta por eles praticada por maioria de razão passara a ser letra morta o que se dispõe, alias tão expressa, como claramente, no artigo 696 do Codigo Civil.<br>
6 - O Assento, agora tirado, passara, salvo o devido respeito, a constituir um convite a simulação, mesmo a fraudulenta, embora a lei penal a considere um crime!).<br>
Lencastre da Veiga (Vencido, principalmente em vista do que dispõem os artigos 671, n. 4, e 692 do Codigo Civil, sucedendo que o texto dos artigos 1030 e 1031 do mesmo diploma somente abrange terceiros a requerer a acção por simulação. A regra nemo auditur tem, pois, a nosso ver, consagração expressa na lei portuguesa; a recusa da acção em juizo com fundamento na propria indignidade ou torpeza).<br>
Tem voto de conformidade dos Excelentissimos Juizes Conselheiros Jaime de Almeida Ribeiro e Antonio de Magalhães Barros que não assinam por não estarem presentes. Roberto Martins.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
YTKnu4YBgYBz1XKvbCjp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><br>
<font>I. </font><br>
<font>L..., concessionária para a Travessia do Tejo, S.A., remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa relativo à parcela n° 103 com área total de 406.194 m2, correspondente à totalidade dos prédios denominados:</font><br>
<font>"Raposeira Nova", descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a actual ficha n° 01769, inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art° nº 1930, com a área de 63.586 m2;</font><br>
<font>"Raposeira Velha", descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a ficha n° 01769 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art° n° 1931, com a área de 57.888m2;</font><br>
<font>“Pinheirinhos” e “Pinheirinhos-Casa”, prédio constituído por um edifício com 4 compartimentos, com a área de 100m2 e por uma marinha de sal, com a área de 114.720m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a actual ficha n° 01767, e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob os arts. n°s 899 e 1932.</font><br>
<font>“Do canto”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete, sob a ficha n° 01763 e inscrito na matriz urbana da freguesia de Alcochete sob o art.° n.° 1933, com a área de 17.000m2. </font><br>
<font>Alegou que na qualidade de concessionária da obra pública “Nova Travessia Rodoviária sobre o Tejo em Lisboa” e ao abrigo do disposto na cláusula 73ª do Segundo Contrato de Concessão, foi investida na qualidade de entidade expropriante de todos os imóveis integrados na área das Salinas do S.... A parcela a expropriar pertence à Sociedade ... Lda e faz parte integrante de um conjunto de prédios relativamente aos quais a expropriada formulou pedido de expropriação total, na sequência do despacho MOPTC 6-XII/95 que declarou a utilidade pública de expropriação das parcelas do troço do “Viaduto Sul” aí identificadas. O pedido de expropriação total foi aceite e o processo de expropriação da parcela nº 103 seguiu os termos legais até à emissão da competente arbitragem.</font><br>
<font> Por despacho SEOP nº 2928-A/97 foi autorizada a posse administrativa da aludida parcela. A expropriante procedeu ao depósito do montante indemnizatório fixado no acórdão arbitral.</font><br>
<font>Concluiu pedindo que fosse ordenada a adjudicação da propriedade da referida parcela, a fim de integrar o domínio público do Estado e bem assim a decisão arbitral fosse notificada à expropriante e à expropriada, seguindo-se os ulteriores termos até final.</font><br>
<font>Em 15.5.2000 foi proferido despacho que adjudicou a propriedade da aludida parcela ao Estado Português (após rectificação, por despacho de 06.04.2001, de lapso inicial, que adjudicava a aludida propriedade à expropriante L...).</font><br>
<font>A expropriada agravou do despacho de adjudicação, recurso esse que foi recebido com subida diferida.</font><br>
<font>Tanto a expropriante como a expropriada recorreram da decisão arbitral.</font><br>
<font>Produziu-se prova pericial, tendo a expropriada apresentado reclamação dos relatórios juntos, ao que se seguiu a prestação de esclarecimentos por parte dos Senhores peritos. A expropriada, alegando a “não clareza” dos mesmos juntou novos documentos, os quais foram mandados desentranhar por despacho de fls. 1076-1077.</font><br>
<font> A expropriada agravou deste despacho, o qual foi admitido com subida diferida.</font><br>
<font>Foi proferida sentença que fixou a indemnização devida à expropriada em € 557 922,16, sujeito a actualização até à decisão final.</font><br>
<font>Desta sentença apelaram a expropriante e a expropriada.</font><br>
<font>Por despacho de fls. 1488, determinou-se o desentranhamento dum articulado então apresentado pela expropriada, tendo esta, recorrido de agravo do mesmo, o qual veio a ser recibo nessa espécie e com subida diferida.</font><br>
<font>Em contra-alegação, relativa à apelação, a expropriada requereu a ampliação do objecto do recurso e juntou dois documentos.</font><br>
<font>A Relação de Lisboa, por acórdão, deu provimento ao primeiro dos agravos acima referidos e, nessa conformidade, revogou o despacho de adjudicação da propriedade da parcela em apreço e, extinguindo a instância, julgou prejudicado o conhecimento dos demais recursos pendentes.</font><br>
<br>
<font>Inconformada, de tal acórdão agravou a Expropriante, concluindo a sua alegação nos termos seguintes:</font><br>
<i><font>1.ª A decisão recorrida ao entender que inexiste no caso dos autos um pedido de expropriação total capaz de fazer dispensar uma DUP e, ao mesmo tempo, dar como provado que «Por carta remetida à L... em 20.7.1995, a Sociedade ... (SPS) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas "Salinas do S..."» (cfr. ponto 2 da fundamentação de facto do Acórdão recorrido)», enferma da nulidade prevista no artigo 668°, n.° 1, alínea c) do CPC, uma vez que decisão se encontra assim em manifesta oposição com o facto provado atrás transcrito.</font></i><br>
<i><font>2.ª O que importa para efeitos de apreciação da legalidade do pedido de expropriação total formulado nos autos é, antes de mais, a verificação de que, no caso concreto, se está perante uma perda de benefícios do expropriado, em virtude de a expropriação da parte necessária ao fim da declaração de utilidade pública se tornar mais gravosa que a expropriação total — isto é, o que releva é que num determinado caso se verifiquem os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 3.°, aos quais está implícita a perda de benefícios do expropriado e não a circunstância de tais requisitos se verificarem na parte restante do prédio expropriado ou em prédios adjacentes.</font></i><br>
<i><font>3ª. É manifesto que no caso dos autos foi a perda do interesse económico relevante que motivou o pedido de expropriação total formulado pela expropriada e que por isso foi aceite pela expropriante, conforme se deixou demonstrado.</font></i><br>
<i><font>4ª. Até porque, a expropriação parcelar contida no Despacho MOPTC 6-XII/95, afectou a actividade económica que à data da expropriação era exercida em diversos terrenos da expropriada, a qual, como se referiu atrás tinha como requisito inerente à sua prossecução a sua indivisibilidade.</font></i><br>
<i><font>5ª. Daí a legalidade da presente expropriação total e sua conformidade com o disposto no artigo 3º, n. °2, alínea b), do CE91, e consequente dispensa do acto declarativo de utilidade pública da expropriação.</font></i><br>
<i><font>6ª. Ao contrário do que pretende a decisão recorrida, o caso dos autos não é adequadamente tutelado pelo disposto no artigo 30° do CE91.</font></i><br>
<i><font>7ª. O que a norma do artigo 30.° do CE91 vem permitir é uma indemnização pela interrupção duma actividade, que será transferida para outro local ou paralisada temporariamente, e não, como sucede no caso dos autos, uma indemnização pela cessação definitiva duma actividade, em virtude de terem sido retiradas de tal actividade os prédios fundamentais ao exercício da mesma, que no caso dos autos, foram aqueles que foram expropriados pela DUP contida no Despacho MOPTC 6-XII/95.</font></i><br>
<i><font>8ª O argumento centrado no artigo 30.° do CE/91 não só não permite fundar a pretensão indemnizatória de um expropriado que veja definitivamente cessar a actividade exercida em vários prédios, quando só um ou outros distintos tenham sido objecto de expropriação, como permite ainda demonstrar, pelo contrário, que em tais casos só uma expropriação total dos vários prédios em que é exercida tal actividade permite ressarcir a cessação da mesma.</font></i><br>
<i><font>9ª. O que acaba de ser dito pode ainda ser confirmado com base na evolução legislativa nesta matéria, pois o artigo 31.° do CE/99, sob a mesma epígrafe do artigo 30.° do anterior CE, isto é, «Indemnização pela interrupção da actividade comercial, industrial, liberal ou agrícola», veio expressamente acrescentar à previsão correspondente do artigo 30.° do código anterior, a indemnização correspondente à cessação inevitável da actividade em causa.</font></i><br>
<i><font>10ª. Não existindo semelhante previsão no regime vigente à data dos factos, a tutela adequada da posição da expropriada num caso como o dos autos apenas pode ser obtida através do regime da expropriação total previsto no artigo 3º, n.° 2 do CE91.</font></i><br>
<i><font>11ª. Tendo a recorrida, formulado pedido de expropriação total, como ficou provado nos presentes autos, e adoptando agora conduta incompatível com o mesmo resulta claro o seu carácter abusivo em manifesta violação do artigo 334° do Código Civil.</font></i><br>
<i><font>12ª. Aliás, que tendo a expropriação total a natureza de uma cessão amigável de bens, como sustenta a melhor doutrina, a conduta da expropriada é, por essa mesma razão, especialmente censurável, sendo certo que as considerações expendidas na decisão recorrida quanto à expropriada não estar obrigada a «manter-se impávida e serena» apenas teriam razão de ser se estivéssemos perante uma conduta unilateral da expropriante, mas não, como foi o caso, quando nos deparamos com uma conduta de base consensual.</font></i><br>
<i><font>13ª. A simples enunciação dos factos é demonstrativa do absurdo da conduta da expropriada que verdadeiramente consubstancia um venire contra factum proprium, traduzindo o exercício de uma posição jurídica em gritante contradição com a conduta anteriormente adoptada pela recorrente.</font></i><br>
<i><font>14ª. As normas dos artigos 3.°, n.° 2, e 30.° do CE 91 interpretadas e aplicadas, tal como fez a decisão recorrida, no sentido de que a primeira se reporta apenas, e só, parte restante do prédio a expropriar e não a prédios diferentes, sendo necessário em tal caso uma específica DUP da respectiva expropriação, independentemente de ter sido formulado e aceite um pedido de expropriação total da expropriada, e sem que a lei preveja um mecanismo de ressarcimento do expropriado pela cessação definitiva da sua actividade em virtude da expropriação, violam frontalmente o disposto nos artigos 13.° e 62.° da Constituição.</font></i><br>
<font>Contra-alegando, a Expropriada sustentou que o agravo não devia ser recebido e caso assim não fosse entendido, argumentou de modo a confirmar-se a decisão recorrida. </font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos legais.</font><br>
<font>Cumpre apreciar, remontando ao objecto do recurso cuja temática incide, pontualmente, sobre:</font><br>
<font>a nulidade do acórdão recorrido por oposição de fundamentos (artº668º,1, al c) do CPC);</font><br>
<font>a necessidade da DUP no contexto da expropriação total pedida pela Recorrida;</font><br>
<font>o abuso de direito por banda desta última, na modalidade de “venire contra factum proprium”;</font><br>
<font>e, finalmente, a inconstitucionalidade da norma contida no artº3º do CE91 na interpretação adoptada no acórdão recorrido por violação dos artº13º e 62º da CRP.</font><br>
<br>
<font>II.</font><br>
<font>A - Antes de dar sequência à abordagem de tais temas, enuncia-se, ao abrigo do disposto nos artº722º,2 e 729º,2 do CPC, a matéria de facto que a Relação, sem sombra de impugnação pelos sujeitos processuais, entendeu dar por demonstrada:</font><br>
<font>A.</font><br>
<font>1. Por despacho MOPTC 6-XII/95 publicado no D.R. II série, nº 68, de 21.3.1995, foi declarada a utilidade pública da expropriação das parcelas relativas à “nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa”, “viaduto sul”, identificadas pelos nºs 11.1, 11.2, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2..</font><br>
<font>2. Por carta remetida à L... em 20.7.1995 a Sociedade ... (S.P.S.) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas “Salinas do S...” (fls 10 a 41 destes autos).</font><br>
<font>3. A L... aceitou tal pedido de expropriação total, o que comunicou à S.P.S. através de carta datada de 29.9.1995 (fls. 42 dos autos).</font><br>
<font>4. Entre os prédios cuja expropriação foi requerida pela S.P.S. constam os que constituem o que a L... denominou de “Parcela nº 103”, com a área total de 406.194 m2, supra identificados no Relatório.</font><br>
<font>5. Em 14.5.1997 a L... requereu ao Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território autorização para tomar posse administrativa daqueles (referidos em 2 e 4) e de outros prédios (fls. 95 a 97 dos autos).</font><br>
<font>6. Por despacho SEOP nº 2928-A/97, de 27.6.1997, publicado no D.R., II série, nº 148, de 30.6.1997, a L... foi autorizada a tomar posse administrativa daqueles e de outros prédios (fls. 99-100 dos autos).</font><br>
<font>7. Em 07.10.1997 foi elaborado auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam da aludida parcela nº 103 (fls. 69 a 77 do processo).</font><br>
<font>8. A S.P.S. fez-se representar na vistoria ad perpetuam rei memoriam, no âmbito da qual apresentou quesitos.</font><br>
<font>9. Em 23.10.1997 a L... tomou posse administrativa da aludida parcela nº 103 (fls. 78 do processo).</font><br>
<font>10. Em 09.7.1998 foi lavrado o acórdão de arbitragem para fixação da indemnização devida à S.P.S. pela expropriação da aludida parcela (fls. 79 a 83 dos autos).</font><br>
<font>11. Em 12.5.1999 a L... depositou na C.G.D., à ordem do Juiz de Direito da comarca do Montijo, a quantia de Esc. 97.094.400$00, correspondente à referida indemnização arbitrada a favor da S.P.S..</font><br>
<font>12. Em 21.05.1999 a L... remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa relativo à referida parcela n° 103.</font><br>
<br>
<font>Vejamos então:</font><br>
<font>B - A NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO</font><br>
<font>Arguiu a Recorrente a nulidade do acórdão sob apreciação, em virtude de, ao entender que inexiste no caso dos autos um pedido de expropriação total capaz de fazer dispensar uma DUP e, ao mesmo tempo, dar como provado que «por carta remetida à L... em 20.7.1995, a Sociedade ... (SPS) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas "Salinas do S...”, nos termos do artigo 668°, n.°1, alínea c) do CPC, se revela manifesta oposição da decisão com o facto provado atrás transcrito.</font><br>
<font>Entende-se em regra que no vício acusado estão abrangidos os casos que contendem com a lógica interna da sentença, manifestando-se a oposição quando a decisão segue caminho diverso daquele que os respectivos fundamentos apontavam.</font><br>
<font>Não é o caso do acórdão recorrido que, reproduzindo a argumentação do acórdão de 14.05.2009 deste Supremo Tribunal, proferido no Pº08A4000, mantém que, mesmo dando de barato que a Expropriada requereu a expropriação total, a situação que os autos configura não se enquadra nesse instituto, concluindo, assim, que não ocorria fundamento para que os prédios objecto deste processo expropriativo fossem dispensados da respectiva declaração de utilidade pública (DUP).</font><br>
<font>Não se verifica, pois, qualquer vício que afecte o raciocínio lógico exposto ou esboroe a lógica interna do chamado silogismo judiciário. Antes pelo contrário, o que se traduz na sua explanação é um entendimento diverso quanto à aplicação da lei no tocante ao propalado instituto ou, mais propriamente, diversa opção quanto à sua subsunção legal.</font><br>
<font>Temos, assim que na arguição em apreço se confundiu aparente desconformidade lógica entre a decisão e um dos seus fundamentos com erro de julgamento pelo que só resta como solução, o seu indeferimento.</font><br>
<br>
<font>C – A DISPENSA DA DUP RELATIVAMENTE AOS PRÉDIOS OBJECTO DE PEDIDO DE EXPROPRIAÇÃO TOTAL</font><br>
<font>A construção da “nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa” (vulgo, Ponte Vasco da Gama) implicou a expropriação das parcelas do chamado “viaduto sul”, envolvendo Expropriante e Expropriada em divergências e litígios diversos que, como é natural, chegaram a este Tribunal.</font><br>
<font>Exemplo acabado é o que envolve o tema enunciado cujas questões acessórias, como se dá conta no acórdão recorrido, deram </font><br>
<i><font>“ origem a decisões de índole contrária, sustentando umas a improcedência do recurso, dado entenderem não ser essencial a prévia declaração de utilidade pública da parcela alvo da expropriação em discussão - “se os prédios em relação aos quais se pretende a expropriação se integram, com o prédio inicialmente expropriado, numa unidade económica que sem a expropriação total perderia a viabilidade económica, e se isso é reconhecido pela expropriante, e a concordância com tal pedido não exorbita os seus poderes de entidade expropriante enquanto concessionária, não carece a expropriante de obter uma nova DUP para legitimar a «aquisição» desses prédios”</font></i><font> (Ac. do STJ de 02/10/2007, proc.º n.º 1709/2007, disponível em </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>) - </font><i><font>enquanto que outras sustentam que “o tribunal não deve adjudicar a propriedade se não existir o acto de declaração de utilidade pública da expropriação”, sendo que “a possibilidade de o expropriado requerer a expropriação total do prédio quando apenas parte tenha sido expropriada reporta-se não a qualquer outro prédio com maior ou menor grau de proximidade ou relação com o prédio objecto da DUP, mas necessariamente ao mesmo prédio. Neste caso, é desnecessária nova DUP da expropriação do prédio, pois já foi declarada a utilidade pública da expropriação do prédio, limitada, é certo, a uma parte do mesmo. “Em caso de existência de prédios completamente distintos dos que foram abrangidos pela DUP presente (ainda que pertencentes ao mesmo dono), será necessária nova DUP, não se podendo aqui falar de uma «expropriação total», mas sim de nova expropriação.”</font></i><font> ( Ac. do STJ de 14/05/2009, desta secção, também, disponível em </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>). </font><br>
<font>Ao passo que no acórdão recorrido se optou por esta última orientação, a Expropriante/Recorrente manifesta o entendimento contrário e - em síntese breve - sustentando que se verificam os requisitos exigidos, mormente no artº3º,2, al b) do CE91, da expropriação total quanto à parcela dos autos, tanto basta para se dispensar a emissão da respectiva declaração de utilidade pública.</font><br>
<br>
<font>Sabe-se que é a utilidade pública que legitima uma concreta expropriação, corporizando-se no acto formal de declaração de utilidade pública emanado da autoridade administrativa competente. </font><br>
<font>Tem essa declaração o sentido e alcance de indicar qual o fim concreto que com ela se pretende atingir e adequá-lo com a determinação dos bens necessários à sua prossecução. O fim de utilidade pública que deve acompanhar toda a expropriação demarca, pois, o seu âmbito, impondo-lhe limites de proporcionalidade e adequação, limitando-a, territorialmente, apenas ao que for necessário para atingir o seu fim e optando pelo meio de intervenção que menos dano cause – cfr Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, 193 e ss.</font><br>
<font>O artº3º do CE91 que está na base da solução do caso em análise constitui um bom exemplo de manifestação destes princípios: fixa, por um lado, a expropriação nos limites do que é necessário à realização do fim (actual) de utilidade pública que lhe preside, mas, por outro lado, não deixa de envolver nesse mesmo fim, a protecção do interesse do particular expropriado que, prejudicado por eventual fragmentação derivada da expropriação parcelar, lhe confere o direito de requerer a expropriação total. </font><br>
<font>Importa começar por deixar claro que, muito embora a Expropriada pareça pretender o contrário, ficou expressamente assente nos factos provados que, acima, se enunciaram:</font><br>
<font>“</font><i><font>por carta remetida à L... em 20.7.1995 a Sociedade ... (S.P.S.) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas “Salinas do S...”…A L... aceitou tal pedido de expropriação total, o que comunicou à S.P.S. através de carta datada de 29.9.1995…Entre os prédios cuja expropriação foi requerida pela S.P.S. constam os que constituem o que a L... denominou de “Parcela nº 103…”</font></i><font>, aqui, envolvidos. </font><br>
<font>Incontroverso e irrefutável esse pedido de expropriação total pela Expropriada, (aliás, tal como nos casos similares abordados nos acórdãos acima reportados ou outros - cfr vg os Acórdãos de 27.05.2008, pºJSTJ000 e de 5.05.2011, pº150/1999.L1.S1) o que se revela é que os fundamentos a que recorreu para justificar a expropriação total dos restantes prédios que não haviam sido objecto da DUP, acentuavam, além do interesse público do projecto e da obra na salvaguarda das Salinas do S..., sobretudo, a indivisibilidade de todos esses imóveis porque, na perspectiva da sua exploração, constituíam uma unidade económica cuja desintegração lhe acarretaria graves prejuízos, só evitáveis mediante a aludida expropriação total.</font><br>
<font>O entendimento subjacente a tal pedido está conforme a letra e o espírito do citado artº3º que previne a necessidade de expropriação parcial de um ou vários prédios e na medida em que implique a sua fragmentação “ corta a unidade da sua exploração, é susceptível de afectar negativamente o direito patrimonial do expropriado no que concerne ao resultado da respectiva exploração económica” (Salvador da Costa, a anotação ao artº3º no Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, pág 28). </font><br>
<font>Assim, o que ressalta do inequívoco pedido de expropriação total da Expropriada seria a salvaguarda do complexo produtivo no qual procedia à indústria extractiva do sal e à piscicultura, já amputado das parcelas que haviam sido objecto de DUP ou dito de outra forma, o que nela devia sobrelevar, seria o critério da sua exploração económica o qual não só determinaria os limites da intervenção expropriativa, mas também constituiria o factor unificador das parcelas imobiliárias nela abrangidas.</font><br>
<font>Como se escreveu no citado acórdão deste Tribunal de 5.05.2011, desta secção “ </font><i><font>a unidade económica que está subjacente à procedência do requerimento de expropriação total contende, não propriamente, com a unidade predial e matricial, mas antes com a unidade produtiva em que a parcela física se interliga com outras pertencentes ao mesmo proprietário, no âmbito da unidade produtiva em que todas se inserem, com vista à prossecução da finalidade económica que só o conjunto, muitas vezes, permite alcançar, sob pena de se dar guarida a um simples critério, de índole fiscal e matricial, em detrimento de um critério de racionalidade económica”</font></i><font>. </font><br>
<font>Acresce que, como se viu, a concessionária Expropriante reconheceu esses fundamentos e aceitou aquele pedido, não havendo razão para recusar a verificação objectiva dos requisitos de que o artº3, nº2, al b) do CE91 faz depender a expropriação total o que vale para reconhecer que, por essa via, se obteve a solução que menos dano causa à Expropriada, independentemente, de discordância que, entre elas, até possa subsistir quanto à quantificação da indemnização correspondente.</font><br>
<font>Assim contextualizada, não faz sentido a exigência da DUP, relativamente às parcelas envolvidas na expropriação total e muito menos fará, expô-las a novo processo expropriativo.</font><br>
<font>Na verdade, não é só a consensualidade obtida por Expropriante e Expropriada no âmbito do incidente da expropriação total que dispensa a DUP por natureza reservada para as transmissões prediais coactivas; também ela se tornaria inútil por lhe não estar subjacente qualquer interesse público da entidade expropriante ou fundamento para que esta pudesse provocar essa mesma DUP- cfr o citado acórdão deste Tribunal de 27.05.2008.</font><br>
<font>De resto, o procedimento do incidente, conforme resulta do artº53º do citado CE, chegado ao seu termo com a respectiva procedência, não obriga a emissão de nova DUP relativamente aos imóveis que a ela não foram sujeitos o que mais reforça a ideia de que faz todo o sentido que, sendo o desenvolvimento da expropriação total, consequência da DUP da expropriação parcelar inicial, esta veja seu alcance e efeitos estenderem-se, por consenso das partes e satisfazendo o interesse do particular, à residual área predial que foi objecto daquela extensão amigável da expropriação.</font><br>
<font>Concluindo: com o devido respeito pela posição contrária, assumida com brilho no acórdão recorrido, não se vislumbra cabimento na solução encontrada de extinguir a instância nos presentes autos por falta de DUP relativamente às parcelas que foram objecto da expropriação total. </font><br>
<font>Solução que, convenhamos, objectivamente, beneficiaria o infractor pois premiaria a conduta contraditória da Expropriada que a sua oposição traduz, uma vez que foi ela a iniciar e a implementar a referida expropriação total e ora, com o litígio no fim, pretende repudiá-la, desse modo, ludibriando a confiança da Expropriante e excedendo os limites que o artº334º do CC impõe ao seu direito, em salvaguarda da boa fé, dos bons costumes e do seu fim económico e social.</font><br>
<font>Prejudicadas, pois, as restantes questões suscitadas pela Recorrente (artº660º,2 do CPC), os autos baixarão ao Tribunal da Relação a fim de serem conhecidos os demais recursos pendentes.</font><br>
<br>
<font>Sumariando:</font><br>
<font>A aparente desconformidade lógica entre a decisão e um dos seus fundamentos como causa de nulidade de sentença não inclui nem se confunde com eventual erro de julgamento que nela possa ter ocorrido;</font><br>
<font>Na expropriação total de complexo produtivo no qual se procedia à indústria extractiva do sal e à piscicultura que fora amputado das parcelas que haviam sido objecto de DUP deve sobrelevar o critério da sua exploração económica a qual não só determinará os limites da intervenção expropriativa, mas também constituirá o factor unificador das parcelas imobiliárias nela abrangidas, tenham elas sido objecto de DUP ou não e integrando ou não todas elas a mesma unidade predial;</font><br>
<font>Não faz sentido a exigência da DUP, relativamente às parcelas envolvidas na expropriação total daquele complexo que dela não foram objecto e muito menos fará, expô-las a novo processo expropriativo: a consensualidade obtida por Expropriante e Expropriada quanto a essa expropriação tornam-na dispensável, uma vez que, por natureza, aquela DUP se reserva para as transmissões prediais coactivas; e, por outro lado, a sua inutilidade será manifesta, porque lhe não subjaz qualquer interesse público da entidade expropriante ou fundamento para que esta a possa provocar, dado o seu assentimento a essa mesma expropriação;</font><br>
<font>Extinguir o processo expropriativo, beneficiaria o infractor pois premiaria a conduta contraditória da Expropriada que a sua oposição traduz, uma vez que foi ela a iniciar e a implementar a referida expropriação total e ora, com o litígio no fim, e por razões que lhe são estranhas, pretende repudiá-la, desse modo, ludibriando a confiança da Expropriante e excedendo os limites que o artº334º do CC impõe ao seu direito, em salvaguarda da boa fé, dos bons costumes e do seu fim económico e social.</font><br>
<font>III.</font><br>
<font>Face a todo o exposto, concede-se provimento ao agravo e, revogando-se o acórdão recorrido, ordena-se que os autos baixem ao Tribunal de Relação de Lisboa a fim de, pelo mesmo colectivo de Juízes Desembargadores, serem apreciados os demais recursos pendentes.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas a cargo da Expropriada.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 20 de Outubro de 2011 </font><br>
<br>
<font>Martins de Sousa (Relator)</font><br>
<br>
<font>Gabriel Catarino</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas (com voto de vencido) </font><br>
<br>
<br>
<p><b><font>Declaração de Voto</font></b>
</p><p><font>Fiquei vencido pelas razões que, nuclearmente, passo a expor:</font><br>
<font>1. Como questão prévia, aliás suscitada pela expropriada e à qual o Acórdão não responde, propendo para a inadmissibilidade do recurso.</font><br>
<font>1.1 Como julgou este Tribunal (Acórdão de 8 de Fevereiro de 2011 – 153/04.9TBTMC.P1.S1 – de meu relato): “ (…) o n.º 5 do artigo 66.º do Código de Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, consagra a inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização. E no âmbito dessa impossibilidade incluem-se todas as questões prévias incidentais ou outras que serviram de fundamento à fixação da indemnização, sob pena de se criar um tecto recursório mais alto para o acessório do que para o escopo primeiro da lide (indemnização justa e equitativa). A razão de ser da norma está em impedir um 4.º grau de recurso, sabido como é que as partes já dispuseram do acórdão arbitral, do Tribunal da Comarca e da Relação e que, no fundo, o que se pretende pôr em causa é o “quantum” indemnizatório. A regra só é excepcionada se verificada qualquer das situações elencadas no artigo 678.º do Código de Processo Civil.” (cfr., também, e na mesma linha, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 – 2158/06. 6TBOVR.P1.S1 – igualmente por mim relatado).</font>
</p><p><font>No caso vertente, e considerando a data da declaração de utilidade pública constitutiva da relação jurídica de expropriação, é aplicável o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, mas apenas quanto às questões substantivas (cfr. quanto aos recursos, na vigência deste diploma, o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 1995 – BMJ 447-51- a consagrar a mesma regra do diploma de 1999 para o de 1991).</font>
</p><p><font> De todo o modo, sempre se aplica, na parte recursória, o citado artigo 66.º do Código das Expropriações de 1999.</font><br>
<font>1.2 Mas ainda que assim não fosse entendido “in casu” por se considerar que o fim primeiro do recurso é o âmbito do expropriado (área a expropriar e sua conformidade com a declaração de utilidade pública, como acto constitutivo da relação jurídica da expropriação) teria de ponderar-se o seguinte:</font>
</p><p><font>Considerando a data de instauração da lide são aplicáveis as normas adjectivas anteriores ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.</font>
</p><p><font>O recurso foi admitido como agravo e assim mantido.</font>
</p><p><font>Trata-se, portanto, de agravo interposto na 2.ª Instância, nos termos dos artigos754.º e ss. do Código de Processo Civil, na redacção aqui aplicável.</font>
</p><p><font>Ora, tendo o Acórdão recorrido sido proferido “sobre decisão da primeira instância”, o recurso só seria admissível se invocada a contradição de julgados; se tivesse por fundamento a violação das regras de competência absoluta; a ofensa de caso julgado; tivesse sido questionado o valor da causa; ou se tratasse de decisão a pôr termo ao processo (n.ºs 2 e 3 do artigo 754.º, conjugado com os n.ºs 2 e 3 do artigo 678.º e alínea a) do artigo 734.º, todos do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Inverificada qualquer dessas situações, o agravo não devia ser admitido.</font><br>
<font>2. Mas, acolhendo, sem conceder, que o recurso podia ser conhecido, não subscrevo a tese que fez vencimento.</font>
</p><p><font>Muito brevemente verifica-se que a “pulcra quaestio” consiste em saber se no caso de o expropriado requerer a expropriação total do prédio é ou não necessária uma nova declaração de utilidade pública.</font><br>
<font>2.1 São curiais, sintéticas, considerações sobre a dogmática da declaração de utilidade pública.</font>
</p><p><font>Como acima se acenou, trata-se do facto constitutivo da relação de expropriação, ou, como ensinava o Prof. Marcello Caetano do “o acto administrativo pelo qual se reconhecer que determinados bens são necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante do que os fins a que estão afectados.” (in “Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., II, 1024). (cfr., ainda, o Prof. Freitas do Amaral referindo “o acto administrativo pelo qual a Administração Pública decide, com base na lei, extinguir um direito subjectivo, sobre um bem imóvel privado, com fundamento na necessidade para a realização de um fim de interesse público” – Direito do Urbanismo, 90).</font>
</p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FDKBu4YBgYBz1XKvGhOl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b></p><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font>1 – Relatório.</font></b>
</p><p><font>AA e BB intentaram, em 20.06.2015, contra CC S.A.., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, formulando os seguintes pedidos:</font>
</p><p><b><i><font>a) </font></i></b><font>Seja condenado o Réu CC S.A. a pagar aos Autores o montante de 270.882,03 euros (duzentos e setenta mil, oitocentos e oitenta e dois euros, e três cêntimos), correspondente a valor de obrigações, identificado como papel comercial do DD, produto do EE, vendido pela sua área de retalho, aos seus balcões, e devidamente assumido pelo EE, e posteriormente pelo Réu CC S.A., como de sua responsabilidade;</font>
</p><p><b><i><font>b) </font></i></b><font>Seja o Réu CC condenado a pagar o montante correspondente a juros de mora desde a citação da presente acção e até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Para o efeito, alegam que:</font><br>
<font>1. Os Autores são casados, e há muitos anos clientes do Banco ..., agora CC.</font><br>
<font>2. Em 15 de Outubro de 2012 e 26 de Novembro de 2013 os Autores foram interpelados para transferir valor de sua conta para o que denominavam ser uma oferta de poupança, a celebrar com o Banco ..., agora CC.</font><br>
<font>3. Os Autores viram-se confrontados com a pressão, sem qualquer explicação, por parte dos interlocutores no então BES, agora CC.</font><br>
<font>4. Aliás tal foi demonstrado em sede de uma célebre Comissão de Inquérito da Assembleia da República, onde o responsável pelo Departamento de Risco da entidade bancária foi claro quando afirmou que existia um Departamento que sempre tratava de oferta de poupança, sendo que o departamento de Marketing comunicava então às áreas comerciais ofertas, com colocação nos clientes, em alternativa a quaisquer outras poupanças.</font><br>
<font>5. Sendo que até era reconhecido que a colocação de tais ofertas faziam parte dos objectivos dos diferentes trabalhadores.</font><br>
<font>6. E aí os Autores foram confrontados pelo seu gestor de conta, com um contrato de aquisição de produtos colocados no mercado por aquela instituição bancária ..., agora CC.</font><br>
<font>7. A verdade é que na data de 15 de Outubro de 2012 vieram a ver um valor do seu depósito bancário transferido para obrigações no montante de 85.316,02 euros em nome do Autor AA, e o valor de 85.316,01 euros em nome da Autora BB.</font><br>
<font>8. Posteriormente vieram os Autores a serem confrontados com uma nova oferta de produto ..., agora CC, na data de 29 de Novembro de 2013, no montante de 100.250,00 euros, constando o nome da Autora BB.</font><br>
<font>9. Não tiveram os Requerentes qualquer outra informação, para além de que se tratavam de “Produtos ...”, sendo que nem mesmo em todos eles constavam a assinatura das partes ou de alguma delas.</font><br>
<font>10. Nos próprios formulários juntos ao presente articulado, contém o seguinte texto, citando: «Os elementos aqui solicitados terão tratamento autonomizado e destinam-se a integrar uma base de dados de clientes para uso exclusivo do Banco ... S.A., de outras instituições de crédito e sociedades financeiras integradas no âmbito da supervisão em base consolidada a que está sujeito o Banco ..., que fazem parte do denominado Grupo Banco ..., com o fim de adequação do fornecimento de produtos de crédito a cada cliente…»</font><br>
<font>11. Este foi o texto disponível aos clientes como os aqui Autores, sendo que identifica claramente de que se estava perante produtos do EE, agora CC, bem como constava dos produtos dirigidos aos clientes do Banco, nada mais sendo comunicado aos Autores.</font><br>
<font>12. Assim sendo, as obrigações contratadas foram sempre assim entendidas como produto ..., com a garantia ..., e por isso agora garantia CC.</font><br>
<font>13. Os Requerentes não receberam qualquer informação adicional do seu gestor de conta, pelo que estavam assim a adquirir produto ... (agora CC), sendo que até recentemente, no respectivo sítio do Banco, eram identificados tais fundos de investimento como seus produtos, ali mesmo constando a seguinte informação «O ... criou uma gama completa de Fundos de Investimento que vai ao encontro das suas necessidades».</font><br>
<font>14. Posteriormente, após a denominada crise ..., vieram os Autores a descobrir que estariam a comprar alguma coisa diferente do que lhe foi comunicado e apresentado. </font><br>
<font>15. Ainda antes da alteração da estrutura do EE e a constituição do agora denominado CC, que o substituiu em termos de direitos e deveres societários, vieram os Autores a escrever ao Presidente da Comissão Executiva do então Banco ..., em carta datada de 25 de Julho de 2014, onde mostravam a vontade de resgatar os montantes em causa.</font><br>
<font>16. A verdade é que após a assunção pela entidade CC dos deveres e direitos até então atribuídos ao EE, veio já o Réu CC a enviar carta aos Autores, na pessoa do Autor AA.</font><br>
<font>17. Nessa carta vem o CC assumir perante os Autores o seguinte, e cita-se: «O CC S.A., continua determinado em apresentar propostas comerciais aos clientes que detenham certo tipo de obrigações próprias e instrumentos de dívida emitidos por entidades do Grupo .... . . Lamentamos os inconvenientes que esta situação está a provocar nos nossos clientes e reafirmamos todo o nosso empenho na rápida disponibilização de soluções, que desejamos que suceda num curto prazo.»</font><br>
<font>18. Aliás tal informação personalizada mais não foi do que o reflexo de comunicado do CC, aqui Réu, e não de qualquer outra entidade, comunicado esse que foi datado de 14 de Agosto de 2014, afirmando o seguinte, no que diz respeito à compra de papel comercial subscrito na rede de retalho do ... até 14 de Fevereiro de 2014: «O CC está determinado em comprar aos clientes de retalho do CC o papel comercial . . . Este proceder sofreu algum atraso, face ao que era desejado pelo CC, atendendo à necessidade de acerto de algumas questões técnicas com o Banco de Portugal, nomeadamente salvaguarda de obrigações prudenciais e de outras obrigações que resultaram do próprio processo de resolução. O CC conta ter todas essas questões resolvidas, com o Banco de Portugal, num curto prazo, para apresentar aos clientes propostas comerciais de compra do referido papel comercial.»</font><br>
<font>19. Assim sendo só podiam, e só podem, os Autores ver as aplicações efectuadas entendidas claramente como produtos a serem tratados pelo CC, e de sua única e inteira responsabilidade, assumida no texto citado da carta dirigida aos Autores, na qualidade de clientes, e bem assim no comunicado oficial dirigido a todos os clientes CC.</font><br>
<font>20. Face ao acontecido, e até tendo em conta a falta de resolução da situação, vieram os Autores a proceder a Notificação Avulsa do CC S.A., na qual se confirma a situação, e o claro entendimento da responsabilidade do Réu CC, bem como notificando-o de que os Autores pretendem ver o montante total de 270.882,03 euros ser resgatado, e pago aos Autores, devendo tal ter sido concretizado no prazo de trinta dias.</font><br>
<font>21. A mencionada Notificação Avulsa foi recebida devidamente pelo Réu CC, como o atesta documento elaborado pela senhora Solicitadora nomeada para o efeito, onde se junta o conteúdo da mencionada Notificação.</font><br>
<font>22. A propósito da vontade expressa na mencionada Notificação Avulsa, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários veio concluir o que se extrai de comunicado datado de 20 de Fevereiro de 2015, e do qual se extrai, entre outras conclusões, a seguinte: «A CMVM sempre acompanhou as determinações do Banco de Portugal no sentido da constituição de provisões para eventuais encargos do BES com o reembolso do papel comercial em caso de incumprimento dos emitentes; A CMVM sempre esteve também de acordo com a posição assumida pelo Conselho de Administração do CC, publicada em comunicado de 14 de agosto de 214, na sequência de deliberação do Banco de Portugal do mesmo dia, bem como nas “Perguntas e Respostas mais Frequentes” patentes no sítio do CC até 15 de janeiro de 2015, no sentido de ser assegurado o reembolso do capital investido pelos seus clientes não institucionais; No quadro descrito nos dois pontos anteriores, a solução do problema dos clientes de retalho do ... que subscreveram papel comercial não oferece dúvidas; A CMVM reitera que, face ao teor da informação divulgada, entende que foram criadas expectativas jurídicas aos subscritores destes produtos, quanto à restituição do capital investido, susceptíveis de determinar ou de interferir com decisões quanto à manutenção ou não dos investimentos; Tendo em conta o referido nos pontos anteriores, a CMVM entende – e já o transmitiu nos fora e pelos meios próprios – que deverá haver a adoção pelo CC de soluções de compensação dos investidores não qualificados vítimas das más práticas de comercialização de papel comercial ... vendido aos balcões do Banco ...» </font><br>
<font>23. Ora como facilmente se conclui, é manifesto que a Autoridade Reguladora do mercado de valores mobiliários, entende, e bem, de que o CC S.A., aqui Réu, é responsável por encontrar a solução para que os Autores possam ser ressarcidos.</font><br>
<font>24. Tal só pode acontecer não apenas pelas expectativas jurídicas criadas, como também, e não menos importante, por terem sido transferidas para o Réu CC S.A., as respectivas garantias e provisões para as identificadas obrigações, como é público, entre outras a Companhia de Seguros ..., avaliada então em perto de setecentos milhões de euros.</font><br>
<font>25. Ora não pode o Réu CC S.A. receber no seu balanço tais garantias, e depois alguém, com uma ideia peregrina, e de uma forma arbitrária, vem entender que as responsabilidades relacionadas não seriam de sua responsabilidade, sendo que tal proceder violaria o princípio constitucional mais elementar da confiança e igualdade, e bem assim toda a legislação comercial que regula a transferência de activos e passivo de uma entidade a outra entidade.</font><br>
<font>26. Aliás, comprovando-se o entendimento, o anterior Presidente da Comissão Executiva do CC assumiu publicamente de que o Réu reembolsaria o capital investido aos balcões do EE, conforme o mencionado comunicado, sendo que afinal até à presente data nada aconteceu.</font><br>
<font>27. Veja-se ainda a este propósito, e como objecto de prova do já invocado, notícia pública publicada no “Correio da Manhã” de 20 de Julho de 2014 (antes de criação do CC) que sob o título “Bento garante pagamento”, vem mencionar o seguinte: «O ... garante que “tem assegurado o reembolso” no prazo “do capital investido pelos clientes não institucionais” aos balcões do banco de “todas as emissões de papel comercial” … Recorde-se que, em março, o Banco de Portugal tinha já dado instruções ao ... para que registasse nas contas uma provisão de 700 milhões de euros para garantir o pagamento do papel comercial subscrito por investidores não qualificados aos balcões do banco» </font><br>
<font>28. Ora a dita provisão era garantida pela seguradora ..., activo que foi transferido para o Réu CC.</font><br>
<font>29. Há que trazer à colação parte reduzida do Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do ... e do ..., por ser a que abrange a matéria dos “clientes ...”, sendo que entre outras conclusões destacam-se: «De acordo com o relatado por alguns clientes e as entidades que os representam: </font><br>
<font>• Esta comercialização foi promovida de forma especialmente agressiva por diferentes gestores de conta do ..., junto de diversos tipos de clientes, mesmo quando estes apresentavam um perfil conservador ou muito conservado. </font><br>
<font>• A CMVM identificou indícios de intervenção personalizada e individualmente dirigida a clientes do ... na colocação destes produtos, além da existência de documentos que podem induzir em erro quanto às responsabilidades assumidas de reembolso dos valores investidos, entre outros elementos indiciadores de vícios na comercialização. </font><br>
<font>• Após adopção da medida de resolução do ..., tem havido diversas alterações na informação que é transmitida aos detentores de papel comercial de empresas do ..., tanto da parte do Banco de Portugal como do CC, sem que tenha sido até ao momento identificada qualquer via de solução concreta para estas situações. </font><br>
<font>• Foram assim geradas expectativas junto destes clientes, nomeadamente através de informação veiculada pelo Banco de Portugal, ao informar que a provisão teria transitado para o CC, pelo ..., ao garantir o pagamento dos clientes de retalho (CE do BES, 18 de Julho de 2014) e pelo CC, através de comunicado de 14 de Agosto de 2014 onde se assumem posições de princípio sobre esta matéria, que salvaguardam as posições dos clientes não institucionais que adquiriram papel comercial nas redes comerciais do DD, ou na rede de retalho do BES até 14 de Fevereiro de 2014».</font><br>
<font>30. Assim sendo também esta documentação atesta toda a matéria invocada no presente articulado, bem como se comprovam as expectativas criadas, e finalmente que claramente cabe à entidade para quem foram transferidas as provisões e as garantias, a saber o Réu CC, a reembolsar os Autores, nos precisos termos do pedido.</font><br>
<font>31. Os Autores compraram produtos ..., com garantias e provisões em balanço por parte da entidade bancária, sendo que consideram violadas as normas reguladas pelo Decreto-Lei n.º 181/92 de 22 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 26/2000 de 3 de Março.</font>
</p><p><b><font>O réu</font></b><font> </font><b><font>contestou</font></b><font>, arguindo a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade, tendo, ainda, impugnado os factos alegados pelos autores. Formulou também os pedidos de intervenção provocada de Massa Falida da FF, S.A., Banco ..., S.A. e Banco de Portugal.</font>
</p><p><font> Após </font><b><font>resposta dos autores</font></b><font> à contestação, foi proferido o seguinte </font><b><font>despacho</font></b><font>:</font>
</p><p><i><font>«Os Autores vêm requerer a condenação do CC, SA a pagar-lhe o montante de € 270.882,03 correspondente a valor de obrigações, identificado como papel comercial do DD, produto do EE, vendido pela sua área de retalho, aos seus balcões e devidamente assumido pelo EE e, posteriormente pelo Réu como de sua responsabilidade.</font></i>
</p><p><i><font>Para tanto alegaram, em síntese, que:</font></i>
</p><p><i><font>- «Em 15 de Outubro de 2012 e 26 de Novembro de 2013, os Autores foram interpelados para transferir da sua conta o que denominavam ser uma oferta de poupança a celebrar com o Banco ..., agora CC.» (art. 1.º da PI).</font></i>
</p><p><i><font>- «(…) os Autores foram confrontados pelo seu gestor de conta, com um contrato de aquisição de produtos colocados no mercado por aquela instituição bancária ..., agora CC.» (art. 6.º da PI) </font></i>
</p><p><i><font>- «(…) na data de 15 de Outubro de 2012 vieram a ver um valor do seu depósito bancário transferido para obrigações no montante de 85.316,02 em nome do Autor AA, e o valor de 85.316,02 euros em nome da Autora BB (…)» (cfr. art. 7.º da PI)</font></i>
</p><p><i><font>- «Posteriormente vieram os Autores a serem confrontados com uma nova oferta de produto ..., agora CC, na data de 29 de Setembro de 2013, no montante de 100.250,00 euros, constando o nome da Autora (…)» (vd. art. 8.º da PI)</font></i>
</p><p><i><font>- «(…) as obrigações contratadas foram sempre assim entendidas como produto ..., com a garantia..., (…)» (art. 12.º da PI)</font></i>
</p><p><i><font>- «Os Requerentes (…) estavam assim a adquirir produto ... (agora CC), sendo que até recentemente, no respectivo sítio do banco, eram identificados tais fundos de investimento como seus produtos, (ali mesmo constando a seguinte informação «O ... criou uma gama completa de Fundos de Investimento que vai ao encontro das suas necessidades.» (cfr. art. 13.º da PI) </font></i>
</p><p><i><font>- «Posteriormente, após a denominada crise ..., vieram os Autores a descobrir que estariam a comprar alguma coisa diferente do que lhe foi comunicado e apresentado.» (cfr. art. 14.º da PI)</font></i>
</p><p><i><font>- «Os Autores compraram produtos ..., com garantias e provisões em balanço por parte da entidade bancária, (…)» (art. 31.º da PI)</font></i>
</p><p><i><font>Em suma, e concluindo, os Autores reclamam o pagamento do valor do(s) produto(s) que subscreveram junto do ... sem que em nenhuma parte do seu articulado identifiquem devidamente qual foi o produto subscrito, referindo-se apenas e genericamente a «obrigações» e a «papel comercial», não identificando a respectiva denominação, qual a data de vencimento/maturidade das referidas obrigações e quem foi a entidade emitente das mesmas.</font></i>
</p><p><i><font>Ora, estando em causa nos autos uma alegada responsabilidade contratual do Réu pelo reembolso do capital investido pelos Autores, há que concretizar em que produto(s) concretos foi investido esse capital, qual a data de vencimento dos mesmos e entidade emitente, antes mesmo de o Tribunal se pronunciar sobre o incidente de intervenção de terceiros suscitado pelo Réu.</font></i>
</p><p><i><font>Em face do exposto, e ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 6.º, n.º 1, 547.º e 590.º, n.º 2, al. b) e n.º 4, todos do Código de Processo Civil, </font></i><b><i><font>convida-se os Autores a aperfeiçoar a sua Petição Inicial</font></i></b><i><font> tendo em atenção o exposto supra».</font></i>
</p><p><b><font>Os autores complementaram e aperfeiçoaram a petição inicial</font></b><font>, nos seguintes termos:</font>
</p><p><b><i><font> 1. </font></i></b><i><font>Os Autores, na qualidade de clientes do EE, subscreveram obrigações, que sempre entenderam serem produtos ..., tanto mais que lhes foi referido como aquisição de papel e produto ....</font></i>
</p><p><b><i><font> 2. </font></i></b><i><font>Os Autores sabiam que estavam a adquirir obrigações, que entendiam ser “papel” ..., e não de qualquer outra entidade.</font></i>
</p><p><b><i><font> 3. </font></i></b><i><font>Sempre foi proposto aos Autores que o produto era ..., e por isso seguro.</font></i>
</p><p><b><i><font> 4. </font></i></b><i><font>Mais lhes sendo dito de que o produto em questão, sendo um produto do Banco em causa, e tendo o Banco mais de 150 anos, era também o maior banco privado de Portugal, e por isso confiável, nada se informando sobre a posição de mercado, ou condição financeira de qualquer outra entidade.</font></i>
</p><p><b><i><font> 5. </font></i></b><i><font>Pelo que para os Autores nada significava a identificação do valor mobiliário como sendo «ESFG 6,875 %», pois tal mais não era do que a denominação do produto do EE, à data, agora CC, aqui Réu.</font></i>
</p><p><b><i><font> 6. </font></i></b><i><font>As obrigações foram subscritas nas datas e montantes seguintes:</font></i>
</p><p><font>• </font><i><font>15/10/2012, em nome do Autor AA, no montante de 85.316,02 euros.</font></i>
</p><p><font>• </font><i><font>15/10/2012, em nome da Autora BB, no montante de 85.316,01 euros.</font></i>
</p><p><font>• </font><i><font>29/11/2013, em nome da Autora BB, no montante de 100.250,00 euros.</font></i>
</p><p><b><i><font> 7. </font></i></b><i><font>As operações indicadas, nas mencionadas datas e valores, são comprovadas pelos documentos já nos autos.</font></i>
</p><p><b><i><font> 8. </font></i></b><i><font>Sabiam os Autores que o vencimento das obrigações identificadas, seria na data 21 de Outubro de 2019.</font></i>
</p><p><b><i><font> 9. </font></i></b><i><font>Todavia a verdade é que os Autores viram-se confrontados com outra realidade, e entendem terem sido induzidos em erro, tendo sido o proceder enganoso perpetrado nos balcões do ..., agora CC S.A., aqui Réu, pelo que só podem querer, e manifestamente terem esse direito, a receber do Réu o valor correspondente ao investimento efectuado, comprovadamente por erro manifesto no negócio e na vontade das partes.</font></i>
</p><p><b><i><font> 10. </font></i></b><i><font>Sendo que quanto ao mais se mantém integralmente o conteúdo da Petição Inicial que aqui se aperfeiçoa, em complemento, incluindo-se também a fundamentação de direito aí então invocada».</font></i>
</p><p><font>Foi proferido </font><b><font>despacho indeferindo o pedido de intervenção principal</font></b><font> da Massa Insolvente da FF, SA, do Banco ..., SA e do Banco de Portugal.</font>
</p><p><font> </font><b><font>O réu apresentou requerimento</font></b><font>, no qual juntou aos autos dois documentos consistentes na “Deliberação Perímetro” e na “Deliberação Contingências” do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 29/12/15, </font><b><font>pedindo</font></b><font>:</font>
</p><p><font>1) A sua absolvição do pedido, por ser parte ilegítima;</font>
</p><p><font>2) Subsidiariamente, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide (por força das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, documento que juntou).</font>
</p><p><font> Sobre tal requerimento, recaiu </font><b><font>despacho</font></b><font>, que admitiu a junção aos autos dos aludidos documentos e </font><b><font>indeferiu a pretendida extinção da instância</font></b><font>.</font>
</p><p><font> Foi proferido o </font><b><font>despacho saneador</font></b><font>, julgando improcedentes, quer a excepção de ineptidão da petição inicial, quer a ilegitimidade passiva invocadas pelo réu. </font>
</p><p><b><font>Nesse despacho</font></b><font>, entendeu-se que o processo já dispunha de todos os elementos que permitiam conhecer do </font><b><font>mérito da acção</font></b><font>, pelo que foi proferida, desde logo, decisão, onde se concluiu:</font>
</p><p><i><font>«Em face do exposto, o Tribunal julga improcedente a presente acção, absolvendo o Réu CC, SA do pedido».</font></i>
</p><p><font>Inconformados, os autores interpuseram </font><b><font>recurso de apelação</font></b><font> daquela sentença.</font>
</p><p><font>Foi, então, proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a sentença apelada.</font>
</p><p><font>De novo inconformados, os autores interpuseram </font><b><font>recurso de</font></b><font> </font><b><font>revista</font></b><font> excepcional, que foi admitido como tal pela formação a que alude o art.672º, nº3, do CPC.</font>
</p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b>
</p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b><br>
<b><i><font> </font></i></b><br>
<b><i><font> 1. </font></i></b><font>O CC é uma instituição de crédito que tem por objecto social a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco ..., SA para o CC S.A., e o desenvolvimento das actividades transferidas, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.º- A do RGICSF, e com o objectivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito, conforme certidão permanente com o código de acesso n.º ...; </font><br>
<b><i><font> 2. </font></i></b><font>O CC, SA foi constituído por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014;</font><br>
<b><i><font> 3. </font></i></b><font>O âmbito das transferências do ... para o CC, SA foi definido pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal através das Deliberações de 3 e 11 de Agosto de 2014, anexas à Contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<b><i><font> 4. </font></i></b><font>Os Autores são clientes do Banco ... há muitos anos;</font><br>
<b><i><font> 5. </font></i></b><font>Em 15 de Outubro de 2012, do depósito bancário existente em nome dos Autores no Banco ..., SA foi transferido o montante de € 85.316,02 para obrigações «ESFG 6,875%», em nome do Autor AA, e o valor de € 85.316,02 para obrigações «ESFG 6,875%», em nome da Autora BB;</font><br>
<b><i><font> 6. </font></i></b><font>Na data de 29 de Novembro de 2013, foram subscritas obrigações «ESFG 6,875%», no valor de € 100.250,00, em nome da Autora;</font><br>
<b><i><font> 7. </font></i></b><font>Os Autores escreveram ao presidente da Comissão Executiva do então Banco ..., uma carta datada de 25 de Julho de 2014, anexa à Petição Inicial como documento n.º 4 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<b><i><font> 8. </font></i></b><font>O CC, SA enviou aos Autores a carta anexa à Petição Inicial como documento n.º 5 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<b><i><font> 9. </font></i></b><font>O CC, SA emitiu o Comunicado datado de 14 de Agosto de 2014, anexo à Petição Inicial como documento n.º 6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<b><i><font> 10. </font></i></b><font>Os Autores procederam à notificação judicial avulsa do CC, SA, com o teor que consta do documento n.º 7 anexo à Petição Inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual foi recebida pelo Réu;</font><br>
<b><i><font> 11. </font></i></b><font>A data de vencimento das obrigações subscritas pelos Autores é 21 de Outubro de 2019;</font><br>
<b><i><font> 12. </font></i></b><font>O Conselho de Administração do Banco de Portugal emitiu uma deliberação de 13 de Maio de 2015, anexa à Contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<b><i><font> 13. </font></i></b><font>O Conselho de Administração do Banco de Portugal emitiu uma deliberação em 29 de Dezembro de 2015, anexa ao requerimento apresentado pelo Réu em 02.02.2016 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><b><font>2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:</font></b>
</p><p><font>1ª – Os Recorrentes não podem aceitar a douta decisão expressa no Acórdão de que recorre, por manifesta falta de fundamento, e não corresponder à devida aplicação do direito, salvo o devido respeito que é muito.</font>
</p><p><font>2ª - O Tribunal a quo parece contradizer-se, afinal por não o poder negar, quando conclui e o expressa no seu sumário, de que o banco de transição deve ser considerado como sucessor nos direitos e obrigações o que depois afasta, por Deliberação do Banco de Portugal nunca alegada pelas partes, tomada posteriormente à interposição da presente acção, e feita por medida, mencionando os presentes autos no seu anexo I.</font>
</p><p><font>3ª - Num Estado de Direito há regras, e não pode valer tudo.</font>
</p><p><font>4ª - O RGICSF que rege a actuação do Banco de Portugal nesta matéria, estabelece a transferência de activos e passivos para o banco de transição, aqui CC S.A. e Recorrido, não podendo manejar tal como se fosse uma coutada, salvo o devido respeito, "transferindo" ao contrário, por retirar o que havia sido transferido quando da resolução.</font>
</p><p><font>5ª - Assim se viola claramente o princípio constitucional da confiança, e contrário ao estabelecido nos artigos 145°-G, I e H do RGICSF, não se vislumbra a actuação do Recorrido, afinal com suporte não fundamentado do Banco de Portugal.</font>
</p><p><font>6ª - O douto Acórdão de que se recorre, reconhece desde logo a invocação do engano e aliciamento dos Autores, aqui Recorrentes, careciam da prova a produzir em julgamento, o que nunca lhe foi consentido, contrário claramente a norma processual.</font>
</p><p><font>7ª - Assim é o Acórdão de que se recorre que reconhece que afinal não foi dada oportunidade aos aqui Recorrentes para demonstrarem a sua razão em sede de audiência de julgamento.</font>
</p><p><font>8ª - Com a Deliberação do Banco de Portugal datada de 3 de Agosto de 2014, que procedeu à constituição do banco de transição, CC S.A., estabeleceu, por documento de empresa de auditoria, os activos e passivos, entre eles as responsabilidades perante terceiros, reafirmado na Deliberação complementar datada de 11 de Agosto de 2014.</font>
</p><p><font>9ª - As Deliberações em causa nunca foram anuladas, extinguidos os seus efeitos, ou mesmo alteradas nos seus conteúdos, incluindo os mapas de activos e passivos transferidos.</font>
</p><p><font>10ª - Pelo que qualquer decisão que não as tomem em conta viola claramente as já mencionadas normas do RGICSF.</font>
</p><p><font>11ª - Dos activos e passivos transferidos contavam-se as acções da Companhia de Seguros Tranquilidade SA, activo que garantia, por ter sido dado como penhor, para os créditos referentes à sociedade FF do Grupo ....</font>
</p><p><font>12ª - A verdade é que o Recorrido CC S.A. decidiu, sem mais, vender a dita Seguradora que lhe foi transferida para garantir 700 milhões de euros, por 45 milhões (conforme noticiado e aceite), sendo isso algo que não diz respeito aos Recorrentes, antes o Recorrido teria sempre de responder por tal penhor de que se desfez.</font>
</p><p><font>13ª - Aliás quer o Tribunal de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, quer o Acórdão de que se recorre, fizeram tábua rasa desse facto, facto afinal comprovado e demonstrado no Balanço Inicial do Recorrido CC S.A..</font>
</p><p><font>14ª - Não pode o Tribunal a quo, por não aceitável, tomar um mero esclarecimento datado de 29 de Dezembro de 2015, quase dois anos depois, e após desaparecer a empresa garantia (Tranquilidade), estribar toda a sua douta decisão nesse conteúdo, esquecendo que não extingue as Deliberações com a resolução, constituição do CC S.A., e transferência de activos e passivos auditados e contabilizados, mais violando com isso o conteúdo do já mencionado artigo 145°-H do RGICSF.</font>
</p><p><font>15ª - Mesmo assim tal Deliberação nunca foi objecto de alegação das partes, nem considerado em sede de fundamentação de douta sentença de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, para além de se verificar uma decisão por medida, ao mencionar, para afastar, os números dos processos em curso, onde demonstra se encontrar este, no respectivo anexo I.</font>
</p><p><font>16ª - Tal viola o princípio da não retroactividade da lei, excepto se o dissesse como excepção, o que não é verificado, e muito menos que tenha sido colocado em causa os efeitos das Deliberações com a resolução e constituição do banco de transição, o aqui CC S.A..</font>
</p><p><font>17ª - É manifesta a má aplicação, e assim a violação dos artigos 145°-G, I e H do RGICSF.</font>
</p><p><font>18ª - Foi o CC S.A., e não outro, que utilizou (ou inutilizou) as garantias e as provisões que haviam sido transferidas, e afinal pelas quais tem que responder perante os credores, no caso concreto da sociedade ESFG, procedendo ao pagamento dos valores a que os terceiros, como os Recorrentes, foram induzidos em engano, e assim o Recorrido só deverá assumir as responsabilidades positivas e negativas que lhe foram transmitidas, como se extrai do Balanço Inicial.</font>
</p><p><font>19ª - Mais entendem os Recorrentes de que o Acórdão de que se recorre, ao tomar em conta, apenas e só Deliberação datada de 29 de Dezembro de 2015, com aplicação retroactiva aos processos em curso, como o presente, atacando-os simplesmente, e cerceando o direito invocado pelas partes prejudicadas, como aqui os Recorrentes, se encontram violados os artigos 13°, n.° 2; 18°, n.° 1; 60°, n.° 1, e bem assim o artigo 2</font><sup><font>o</font></sup><font>, todos da CRP.</font>
</p><p><font>20ª - Também há que trazer à colação a contradição entre o presente douto Acórdão de que se recorre, e o também douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de Novembro de 2015 (processo 1111/14.0TBBCL-A.G1), cuja cópia se junta com o original das presentes Alegações, para além de se considerarem reproduzidas as citações que aqui foram incluídas.</font>
</p><p | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjKcu4YBgYBz1XKvHiLZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA e BB, ambos residentes nas ..., ..., São ..., propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária contra CC, residente na Avenida ..., em ..., e DD, residente na ..., Ílhavo, inicialmente, menor, representado pela mãe, a ré CC, pedindo que, na sua procedência, se decrete a anulação da perfilhação do réu DD, efectuada por EE, e do averbamento da paternidade ao seu assento de nascimento, invocando, para o efeito, e, em síntese, que são viúva e filho do falecido EE, respectivamente, tendo, na sequência da abertura do seu inventário, tomado conhecimento de que este havia perfilhado o réu DD, sendo certo que esta perfilhação, de que, também, agora, tomaram conhecimento, foi realizada “sob a ameaça”, feita pela ré CC, de informar, caso o falecido EE não perfilhasse o réu DD, a aqui autora da relação comercial traduzida numa casa de diversão nocturna, em ..., que aquele mantinha com a ré CC, e bem assim como da existência de relações íntimas entre ambos, ameaça que produziu no falecido EE justificado receio de que a sua estabilidade familiar fosse desfeita e a sua honra, gravemente, atingida, a ponto de, para evitar a sua concretização, ter feito a perfilhação, que nunca revelou à família e amigos. </font>
</p><p><font>Na contestação, os réus negam, rotundamente, que a perfilhação haja sido precedida de qualquer ameaça, dizendo que foi um acto livre do falecido EE, que sempre aceitou o réu DD como seu filho biológico, como, efectivamente, é, acrescentando que a única ameaça verificada foi efectuada pelo falecido, no sentido de evitar que a ré CC revelasse o relacionamento com ele e a existência do réu DD, a fim de não desestabilizar as relações familiares com os autores, sendo que, mesmo assim, muitas pessoas de S. ... tinham conhecimento da perfilhação deste réu.</font>
</p><p><font>Na réplica, os autores mantêm o alegado na petição inicial.</font>
</p><p><font>Encontrando-se já iniciada a audiência de discussão e julgamento, o Exmo. Juiz determinou, oficiosamente,</font><i><font> “a realização pelo INML de exames genéticos aos AA e aos RR, com vista a apurar se o R. DD é filho do falecido EE</font></i><font>”, tendo-se concluído, no respectivo exame pericial, que “</font><i><font>o pai biológico de BB é excluído da paternidade de DD</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Os autores apresentaram, então, articulado superveniente, em que invocam que ficaram a perceber, pelo resultado do exame, que o réu DD não é filho biológico do falecido EE, o que alegaram para ser tomado em conta na causa.</font>
</p><p><font>Os réus deduziram oposição à admissibilidade do articulado superveniente.</font>
</p><p><font>O Exmo. Juiz proferiu, em seguida, despacho que aditou à base instrutória o facto “novo”, admitindo, “implicitamente”, o articulado superveniente.</font>
</p><p><font>A sentença julgou a acção procedente, declarando impugnada a perfilhação do réu DD, por EE, ordenando o cancelamento do averbamento da paternidade deste ao assento de nascimento daquele (assento de nascimento n.º …, de 2008, do Arquivo Central do Porto), por efeito da referida perfilhação.</font>
</p><p><font>Desta sentença, ambos os réus interpuseram, separadamente, recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação e, em consequência, confirmou a decisão impugnada.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, o réu DD interpôs agora recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido pela Formação de Juízes, a que alude o artigo 712º-A, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), como revista excepcional, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, julgando-se como não provado o quesito nº 21 da base instrutória, com a consequente absolvição do recorrente do pedido [1] e, subsidiariamente, assim não se decidindo, que seja julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogado o douto acórdão recorrido, julgando-se como não provado o quesito n° 21 da base instrutória e devolvido o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para que aí seja determinada a realização de perícia médico legal, para comparação dos dados biológicos e genéticos entre recorrente e impugnada e o seu pretenso pai, decidindo-se, depois, em conformidade e à luz do respectivo resultado pericial [2], formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – O direito à paternidade, à definição e certeza (possível) da linha de ascendência de qualquer pessoa humana integra o âmbito básico dos seus direitos fundamentais e constitui um elemento de relevo da sua identidade pessoal e da sua personalidade.</font>
</p><p><font>2ª - Constituindo o conjunto das pessoas humanas a comunidade, é essencial à boa convivência e paz social a estabilidade no âmbito dos seus direitos de personalidade e presunções legais que a formam, designadamente a de paternidade decorrente de acto de perfilhação.</font>
</p><p><font>3ª - Sem a estabilidade e certeza próprias da presunção de paternidade decorrente de acto de perfilhação, toda a teia de relacionamento social e afectivo próprias de uma comunidade ficarão fragilizadas, pelo que tal presunção apenas deve ser afastada se sustentada pelo melhor meio de prova (o mais fiável) que cientificamente sustente a desconformidade entre a presunção e a verdade biológica presumida, justificando-se que seja admitido recurso de revista excepcional ao abrigo da norma do art. 721</font><sup><font>º</font></sup><font>-A, n</font><sup><font>º</font></sup><font> 1, b) do Código do Processo Civil. </font>
</p><p><font>4ª - Sustentando o Tribunal decisão de impugnação de acto e perfilhação com cerca de 18 anos de duração, em perícia médico-legal que oficiosamente determinou para comparação dos dados biológicos e genéticos entre os dois putativos irmãos com ascendência paterna comum, sem que resulte do autos a impossibilidade de tal perícia ser feita por comparação entre o filho cuja paternidade é impugnada e o pretenso pai, não foi utilizado o meio de prova cientificamente mais fiável e possível. </font>
</p><p><font>5ª - Nestas condições, é arbitrária a apreciação do resultado daquele meio de prova, que conclui pela exclusão da mesma linha biológica de descendência paterna entre os dois putativos irmãos, feita à luz do contexto familiar de ambos tal como resultante da fundamentação do douto acórdão recorrido, que à luz desse contexto determina decisão de que um dos irmãos não é filho biológico do putativo pai comum. </font>
</p><p><font>6ª - Discutindo-se na acção direito de personalidade fundamental do impugnado, ao afastar a presunção de paternidade assente em acto de perfilhação que perdurava há mais de 18 anos, o Tribunal extravasou os limites da liberdade de apreciação da prova prevista na norma do art. 655</font><sup><font>º</font></sup><font>, nº 1 do Código do Processo Civil, resvalando para a arbitrariedade em tal apreciação, dando, pois, má aplicação ao Direito e decidindo ilegalmente pela prova do quesito 21</font><sup><font>º</font></sup><font> da base instrutória, </font>
</p><p><font>7ª - Que assim deveria ter sido julgado como não provado. </font>
</p><p><font>8ª - A protecção do direito fundamental de personalidade da pessoa humana, na sua componente de identidade pessoal pela identificação e estabilidade da sua ascendência, impunha que tal decisão tivesse por meio de prova pericial médico legal para comparação dos dados biológicos e genéticos entre o filho cuja paternidade é impugnada e o seu pretenso pai, salvo se este meio não fosse possível de obter (o que não resulta do processo). </font>
</p><p><font>9ª - Perícia cujo resultado, não sendo possível de obter com certeza científica absoluta, então - aí sim - deveria ser interpretado à luz do contexto familiar em que nasceu o impugnado, apenas desta forma se dando boa aplicação à norma do art. 655</font><sup><font>º</font></sup><font> nº 1 do Código do Processo Civil e à norma do art. 341</font><sup><font>º</font></sup><font>, n° 1 do Código Civil. </font>
</p><p><font>10ª - A supressão do direito à identidade e estabilidade da ascendência paterna do recorrente pelo douto acórdão recorrido, assente na apreciação que é feita aos meios de prova que foram relevados para tal decisão - perícia médico legal e sua interpretação à luz do contexto familiar dos dois filhos do mesmo putativo pai - viola o direito de personalidade do recorrente e a norma do art. 26° n° 1 da Constituição da República Portuguesa. </font>
</p><p><font>11ª - O douto aresto em crise dá má aplicação à norma do art. 18°, n° 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, limitando e comprimindo de forma desproporcional o direito constitucional de personalidade do recorrente, ao interpretar a norma do art. 655°, n° 1 do Código do Processo Civil no sentido de que a liberdade de apreciação dos meios de prova pelo julgador, obtidos oficiosamente, permitem a supressão do direito à identidade e estabilidade de ascendência de uma pessoa, sem providenciar (também naquela sua indicativa oficiosa) pelo meio de prova que cientificamente adequado e o melhor para sustentar tal decisão, como o seria, no caso, a perícia médico legal para comparação dos dados biológicos e genéticos entre o filho cuja paternidade é impugnada e o seu pretenso pai.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, os autores sustentam a improcedência do recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. EE faleceu, no dia … de … de 20…, na freguesia de Santa Maria ..., concelho ..., no estado de casado com AA, tendo a sua última residência habitual, no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de S. ... [cfr. doc. de fls. 104 e 105, cujo teor se deu por reproduzido] - [A]. </font>
</p><p><font> 2. EE contraiu casamento católico, no dia … de … de 19…, com AA, sem escritura antenupcial [cfr. doc. de fls. 106 a 108, cujo teor se deu por, integralmente, reproduzido] - [B]. </font>
</p><p><font> 3. O autor BB nasceu, no dia … de … de 19…, constando como filho de AA e de EE [cfr. doc. de fls. 109 e 110, cujo teor se reproduziu] - [C]. </font>
</p><p><font> 4. DD nasceu, no dia … de … de 19…, constando como filho de CC e de EE [cfr. doc. de fls. 111 e 113, cujo teor se reproduziu] - [D].</font>
</p><p><font> 5. No dia 06.12.1993, CC compareceu, na Conservatória do Registo Civil de ..., e declarou: «Que é mãe de DD, nascido em 0… de … de 19…, natural da freguesia de ..., concelho do Porto e com registo de nascimento lavrado sob o n.º … da 2ª Conservatória do Porto. Que o mesmo foi reconhecido por EE, como consta do termo de perfilhação, averbado ao respectivo assento de nascimento. Que como consequência deste reconhecimento vem requerer (…) que ao nome daquele seu filho seja adicionado o apelido “M...”, do pai, para que ele possa usar o nome completo de “DD”. A aquiescência do pai ao uso do seu apelido, pelo filho, consta já do referido termo de perfilhação». [cfr. doc. de fls. 32 a 38, cujo teor se deu por produzido] - [E].</font>
</p><p><font> 6. Do documento, aludido em E), a fls. 35, consta o seguinte: «Tribunal Judicial de ..., Serviços do Ministério Público (…) CC (…) declarou: Que o pai do menor DD é EE, casado, residente na Rua ..., …, B, .... Não tem testemunhas a apresentar, pois o pai admite perfilhar o filho» (…) - [F].</font>
</p><p><font> 7. Do documento, aludido em E), a fls. 32, consta o seguinte: «Tribunal Judicial de ..., Serviços do Ministério Público, Termo de perfilhação. (…) Aos … de … de mil novecentos e …, nesta Delegação da Procuradoria da República, onde se encontrava presente o(a) Sr.(a) Dr.(a) F..., Digno(a) Delegado(a) do Procurador da República, comigo A..., Técnica Auxiliar Eventual, compareceu EE, filho de FF e de GG, natural da freguesia de F..., concelho de V..., onde nasceu em …/…/19…, estado civil casado, residente Rua ..., …, ..., (…), o qual confirmou ser o pai biológico do(a) menor DD, nascido em …/…/19…, (…) concelho do Porto, o(a) qual é também filho(a) de CC, estado civil solteira, o que faz para todos os efeitos legais. E assim como o declarou lhe foi tomado o presente termo de perfilhação (…). O presente auto, depois de lido, revisto e achado conforme, vai ser devidamente assinado pelo perfilhante, pelo(a) Magistrado do Ministério Público e por mim que o subscrevi. (…) Pelo perfilhante foi dito que desejava que o seu filho tivesse o nome de M..., passando a chamar-se DD.»(…) - [G].</font>
</p><p><font> 8. Pelo Tribunal Judicial de São ..., sob o n.º 355/07.6TBSTS, correm termos uns autos de inventário, instaurados por óbito de EE, sendo requerente CC e cabeça de casal BB [cfr. doc. de fls. 115, cujo teor se deu por reproduzido] - [H]. </font>
</p><p><font> 9. A presente acção judicial foi intentada, no dia 23 de Maio de 2008, via fax, tendo os réus sido citados, no dia 28 de Maio do mesmo ano - [I].</font>
</p><p><font> 10. EE M... e a ré CC exploraram ambos uma casa nocturna, em ... - [1].</font>
</p><p><font> 11. De cuja existência a autora AA nunca teve conhecimento - [2].</font>
</p><p><font> 12. O EE M... manteve a declaração de perfilhação, em completo segredo da autora e do filho de ambos - [12].</font>
</p><p><font> 13. A autora AA e o falecido EE M... residiram, desde 15.03.1064, data do casamento, até ao óbito de EE M..., no Lugar de ..., aludido em A) - [13].</font>
</p><p><font> 14. Os autores tiveram conhecimento que o EE de M... havia perfilhado o réu DD M..., por meio do processo de inventário, aludido em I) - [14].</font>
</p><p><font> 15. O EE M... aceitou perfilhar o réu EE e, ao longo de anos, proporcionou-lhe alimentos e sustento.</font>
</p><p><font> 16. O falecido EE M... não é o pai biológico do réu DD. [21].</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da legitimidade para a propositura da acção.</font>
</p><p><font>I – A questão da idoneidade do meio de prova adoptado pelo Tribunal.</font>
</p><p><font>2 – A questão da liberdade da apreciação da prova com reflexos no ponto 31º da base instrutória.</font>
</p><p><font>4 – A questão da constitucionalidade do meio de prova adoptado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> I – DA LEGITIMIDADE ACTIVA </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I. 1. Dizem os réus que não foi utilizado o meio de prova, cientificamente, mais fiável e possível para a comparação dos dados biológicos e genéticos entre os dois putativos irmãos com ascendência paterna comum, sem que resulte dos autos a impossibilidade de tal perícia ser feita por comparação entre o filho, cuja paternidade é impugnada, e o pretenso pai.</font>
</p><p><font>Os autores sustentam o pedido de anulação da perfilhação do réu DD, por parte do falecido EE, com o fundamento de que a mesma foi efectuada, “sob a ameaça” da ré CC informar a autora, caso este último não perfilhasse aquele réu, da relação comercial consubstanciada numa casa de diversão nocturna, em ..., que mantinha com a aludida ré, e bem assim como da existência de relações íntimas entre ambos, ameaça essa que produziu no falecido EE justificado receio de que a sua estabilidade familiar fosse desfeita e a sua honra, gravemente, atingida, a ponto de, para evitar a sua concretização, haver efectuado a perfilhação, que nunca revelou à família e amigos.</font>
</p><p><font>No início da audiência de discussão e julgamento, à revelia da causa de pedir em que se baseia a acção, o Tribunal, oficiosamente, ordenou a realização de exames genéticos aos autores e aos réus, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, com vista a apurar se o réu DD é filho do falecido EE, tendo-se dos mesmos concluído que “o pai biológico do [autor] BB [o falecido EE] é excluído da paternidade do [réu] DD M...”.</font>
</p><p><font>Então, em articulado superveniente, os autores alegaram que “da realização da dita perícia resultou a exclusão do falecido EE da paternidade do réu DD, facto do qual os autores apenas tomaram conhecimento através do referido relatório” [4º], “o falecido EE não é, pois, pai do réu DD. Assim sendo,” [5º] “a perfilhação efectuada pelo falecido EE em relação ao réu DD não corresponde à verdade” [6º], “também por este motivo, nos termos do disposto no nº 1 do art. 1859º do Código Civil, deverá a perfilhação do réu DD ser anulada” [7º].</font>
</p><p><font>O Tribunal, não obstante a oposição dos réus à sua admissibilidade, considerando “que a presente acção tem por objecto a anulação da perfilhação com fundamento em coacção e que os autores apenas tiveram conhecimento do facto que agora alegam com a notificação do relatório pericial, uma vez que, na petição inicial, optaram por impugnar o termo de perfilhação com fundamento em coacção em vez de terem questionado directamente a paternidade biológica”, determinou que se aditasse à base instrutória o facto “novo”, aceitando, “implicitamente”, o articulado superveniente, através de decisão que transitou em julgado.</font>
</p><p><font>I. 2. Dispõe o artigo 1847º, do Código Civil (CC), que “o reconhecimento do filho nascido ou concebido fora do matrimónio efectua-se por perfilhação ou decisão judicial em acção de investigação”.</font>
</p><p><font>A perfilhação é acto pessoal e livre [artigo 1849º], que pode fazer-se por termo lavrado em juízo [artigo 1853º, d)], mas que é anulável, judicialmente, a requerimento do perfilhante, quando viciada por erro ou coacção moral [artigo 1860º, nº 1], todos do CC. </font>
</p><p><font>A acção de anulação da perfilhação, quando esta se mostre viciada por coacção moral, tal como foi a causa de pedir, originariamente, apresentada pelos autores, visa o acto declarativo do perfilhante, na medida em que, embora não constitua uma declaração de vontade, não dispensa a vontade livre e esclarecida da declaração, sendo instaurada, a requerimento do perfilhante, e caduca, no prazo de um ano, a contar do momento em que cessou a coacção, salvo se ele for menor não emancipado ou interdito por anomalia psíquica, pois, neste caso, a acção não caduca sem ter decorrido um ano sobre a maioridade, emancipação ou levantamento da interdição, nos termos do disposto pelo artigo 1860º, nºs 1 e 3, do CC.</font>
</p><p><font>Por outro lado, “se o perfilhante falecer sem haver intentado a acção de anulação…, têm legitimidade para a intentar no ano seguinte à sua morte, ou nela prosseguir, os descendentes ou ascendentes do perfilhante e todos os que mostrem ter sido prejudicados nos seus direitos sucessórios por efeito da perfilhação, em conformidade com o preceituado pelo artigo 1862º, do CC.</font>
</p><p><font>Efectivamente, tendo a perfilhação do réu DD, por parte de EE, ocorrido a … de … de 19…, e este último falecido, no dia … de … de 20…, e a presente acção judicial sido intentada, no dia 23 de Maio de 2008, decorreu muito mais de um ano entre aquela primeira data e esta última, o que já acontecia, igualmente, aquando do óbito do EE .</font>
</p><p><font>Assim sendo, ocorre a excepção peremptória da caducidade da acção e, desde logo, na data em que a mesma foi instaurada, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, independentemente de arguição pelos réus, atento o estipulado pelos artigos 333º, nº 1, do CC, e 496º, do CPC, mas que não teve lugar no momento processual próprio, a que se reporta o artigo 510º, nº 1, b), do CPC, ainda antes de o Tribunal ter admitido, embora com a oposição dos réus, a alteração do pedido e da causa de pedir, por decisão que, em virtude de falta de impugnação recursória, transitou em julgado.</font>
</p><p><font>I. 3. Deste modo, é agora sobre o pedido de impugnação da perfilhação, por falta da sua correspondência à verdade, que se desenvolve e prossegue a sobrevivência da acção.</font>
</p><p><font>Com efeito, a impugnação da perfilhação ou antes a impugnação da paternidade estabelecida por via da perfilhação, que não corresponda à realidade biológica da concepção, por não ser o perfilhante quem teve a relação de cópula fecundante com a pessoa da qual o perfilhado nasceu, contende com os defeitos intrínsecos da declaração, revestindo manifesto interesse público, na área da filiação fora do casamento, face à regra matricial da coincidência da filiação com a realidade biológica da procriação, vigente no ordenamento jurídico nacional.</font>
</p><p><font>A acção de impugnação da perfilhação é, pois, o meio processual idóneo a obter a declaração da sua anulação, destinando-se e tendo como fundamento a demonstração de que a declaração constante do registo de perfilhação não corresponde à verdade, a falta de conformidade entre a paternidade declarada e a paternidade biológica, não sendo, portanto, a perfilhação a exteriorização de uma verdadeira paternidade, que só o respectivo gerador pode atribuir-lhe, faltando-lhe, portanto, o correspondente substrato biologista</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>A fisionomia deste meio contestatório depende da natureza jurídica da perfilhação, pois que se esta for concebida como negócio jurídico, a impugnação significa a anulação da perfilhação, uma vez que o vício genético que compromete o negócio é a falsidade, enquanto que se a perfilhação for encarada como quase-negócio jurídico, e facto operativo de uma presunção legal de paternidade, a impugnação da perfilhação significa a impugnação da paternidade destinada a provar o contrário do facto presumido resultante do acto de perfilhação, que convoca uma declaração de ciência sobre o facto da perfilhação, recaindo sobre esta manifestação de convicção do perfilhante uma presunção de paternidade, assente numa regra de experiência, segundo a qual quem exterioriza, de modo solene, a sua convicção de paternidade é, provavelmente, o progenitor</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>E se a perfilhação não é mas do que o facto operativo sobre o qual assenta uma presunção legal destinada a fixar a paternidade biológica e se, por outro lado, a contestação prevista pelo artigo 1859º, do CC, é, afinal, uma impugnação da paternidade fixada, então, impugnar significa, nesta doutrina do quase-negócio jurídico, a que se adere, provar o contrário do facto, legalmente, presumido, e, uma vez feita esta demonstração, o acto do perfilhante perde a sua razão instrumental e caduca por inutilidade</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>I. 4. Tendo ocorrido a caducidade da presente acção de anulação da perfilhação, com base em coacção moral, aliás, julgada improcedente, por não se haverem demonstrado os respectivos elementos constitutivos de suporte do pedido, que naquela causa de pedir apenas se fundamentava, os autores limitaram-se a formular, já na audiência de discussão e julgamento, o novo pedido de anulação da perfilhação, por falta de correspondência à verdade, nos termos do disposto pelo artigo 1859º, nº 1, do CC, sem invocação dos factos justificativos do seu interesse, moral ou patrimonial, e nem sequer alegando este interesse, moral ou patrimonial.</font>
</p><p><font>A acção de impugnação da perfilhação “pode ser intentada, a todo o tempo, pelo perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência ou pelo Ministério Público”, de acordo com o estipulado pelo artigo 1859º, nº 2, do CC.</font>
</p><p><font>Assim sendo, o dispositivo legal, acabado de transcrever, atribuiu, igualmente, legitimidade activa para a acção de impugnação da perfilhação a “qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência”.</font>
</p><p><font>Em matéria de legitimidade activa para a propositura da acção de impugnação da perfilhação, a lei distingue a legitimidade activa específica do perfilhante, do perfilhado e do Ministério Público, da legitimidade activa genérica de qualquer pessoa que tenha interesse, moral ou patrimonial, na sua procedência.</font>
</p><p><font>O artigo 1859º, nº 2, resultante da alteração introduzida pelo DL nº 496/77, de 25 de Novembro, tal como já o fazia o artigo 1836º, nº 2, na versão original do Código Civil, em vez da fórmula genérica «</font><i><font>todos aqueles que nisso tiverem interesse», </font></i><font>usada no artigo 128°, do Código Civil de 1867, e, depois reproduzida, no artigo 30º, do Decreto n° 2, de 25 de Dezembro de 1910, fórmula essa que foi extraída, aliás como todo o texto do artigo 128°, do artigo 335°, do Código Civil francês, individualiza três categorias de pessoas que, só por disporem das respectivas qualidades, têm, necessariamente, legitimidade activa para a impugnação da perfilhação, isto é, o perfilhante, o perfilhado e o Ministério Público, os primeiros porque, impondo-se como sujeitos da relação da perfilhação, o seu interesse é evidente, e o último porque, no exercício das suas funções, só visa interesses legítimos.</font>
</p><p><font>Qualquer dessas três categorias de pessoas, sem necessidade de invocar interesse, moral ou patrimonial, pode</font><i><font> </font></i><font>instaurar a acção, mas não assim outras pessoas, designadamente, os parentes ou o cônjuge.</font>
</p><p><font>Este interesse, moral ou patrimonial, presume-se, por parte do perfilhante, do perfilhado e do Ministério Público, mas não já, pelo contrário, em qualquer outra pessoa, que terá, consequentemente, de alegar e provar um interesse digno de tutela jurídica em que se declare, judicialmente, que a perfilhação não corresponde à verdade.</font>
</p><p><font>É que se a lei quisesse atribuir aos parentes do perfilhante, como tais, legitimidade para a propositura da acção, utilizaria uma formulação diversa, isto é, diria que esta pode ser proposta «pelo perfilhante, pelo perfilhado, pelos </font><i><font>parentes do perfilhante, </font></i><font>por qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência, ou pelo Ministério Público»</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Aliás, ao contrário do que se verifica na acção de impugnação de perfilhação, em que o facto de se ser ou não parente do perfilhante não releva, necessariamente, para efeitos de legitimidade activa, diversamente, neste particular, dispõe o artigo 141°, nº 1, que “a interdição pode ser requerida…por </font><i><font>qualquer parente sucessível…”,</font></i><font> o artigo 1639°, n° 1, que a acção de anulação fundada em impedimento dirimente pode ser intentada por “</font><i><font>qualquer parente dos cônjuges na linha recta ou até no quarto grau da linha colateral”, </font></i><font>e o artigo 1818°, todos do CC, que “o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou os </font><i><font>descendentes do filho podem</font></i><font> prosseguir na acção [investigação de maternidade] se este falecer na pendência da causa”.</font>
</p><p><font>Efectivamente, se o nº 2, do artigo 1859º, do CC, não autonomizou a situação dos “parentes” ou do “cônjuge” do conjunto dos legitimados para a impugnação, foi, certamente, porque o pensamento legislativo visou colocá-los na mesma posição de qualquer outra pessoa,</font><i><font> </font></i><font>com interesse patrimonial ou moral na procedência da acção, não devendo o intérprete, atenta a presunção do legislador razoável e o princípio da unidade do sistema jurídico, consagrado pelo artigo 9º, do CC, por em causa a correcção e sentido de justiça que resulta da visão global do ordenamento jurídico.</font>
</p><p><font>I. 5. As pessoas com interesse patrimonial na procedência da acção de impugnação da perfilhação são aquelas que ficariam prejudicadas nos seus direitos sucessórios com o chamamento do perfilhado à herança do perfilhante, que queiram excluir desta o concurso daquele</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>, enquanto que as pessoas com mero interesse moral na acção são, designadamente, aquelas que têm um justificado interesse em expulsar da família comum todo o elemento a ela estranho, onde se incluem, por via de regra, os parentes do perfilhante, que não sejam os seus mais próximos sucessíveis</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Trata-se de um interesse moral relevante para impugnar, como acontece com a mãe que queira exercer, em exclusivo, as responsabilidades parentais, e o suposto pai real se quiser, depois, cumprir o dever de reconhecimento, ou de interesse patrimonial relevante, no caso dos herdeiros do perfilhante que tenham perdido a prioridade na escala dos sucessíveis, por causa da chegada do perfilhado, e, também, do senhorio de uma casa arrendada para habitação que queira evitar a transmissão do arrendamento para o perfilhado, no caso de morte do inquilino-perfilhante</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Efectivamente, os autores do pedido terão de provar que têm interesse, moral ou patrimonial, sendo certo que o facto de ser parente do perfilhante, por si só, não releva em nada, pois que o interesse invocado e provado, além de legítimo, deve ser, também, concreto, actual e existente e não, meramente eventual, e pessoal</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>O filho e a esposa do perfilhante falecido não gozam, por si só, de legitimidade para impugnar a perfilhação, devendo antes propor a acção como "qualquer outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência", sendo certo que este interesse tem de ser concreto, legitimo e actual, devendo ser invocado e integrado com factos pertinentes, dado tratar-se de um conceito normativo, carecido de preenchimento valorativo</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>, que, posteriormente, devem ser provados.</font>
</p><p><font>É que se acção de impugnação da perfilhação pode ser intentada, a todo o tempo, por qualquer outra pessoa, para além do perfilhante e do perfilhado, que tenha interesse, moral ou patrimonial, na sua procedência, de acordo com o estipulado pelo artigo 1859º, nº 2, do CC, os autores não invocaram esse interesse, moral ou patrimonial, nem os respectivos factos constitutivos.</font>
</p><p><font>Na verdade, os autores não alegaram a lesão dos seus direitos, por força da perf | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fjLUu4YBgYBz1XKvLkWd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<br>
<font>1 -</font><br>
<font>Empresa-A instaurou, no tribunal cível da comarca de Lisboa, acção ordinária contra Empresa-B pedindo a declaração de resolução do contrato em 30-06-99 celebrado entre ela e R. por culpa desta e a condenação desta no pagamento de 16.000.000$00 de indemnização, a título de cláusula penal pelo incumprimento, acrescida de juros de mora à taxa legal máxima em cada momento permitida, liquidando-se os juros vencidos até à data da propositura da acção em 480.000$00.</font><br>
<br>
<font>A R. contestou, excepcionando, por um lado, a incompetência em razão do território, e, por outro, defendendo a improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font>A A. deduziu réplica. </font><br>
<br>
<font>A competência do tribunal fixou-se no Tribunal Cível de Lisboa, após decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, transitada em julgado.</font><br>
<br>
<font>Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar à A. a importância de 30.627,48 € e juros comerciais desde a notificação da mesma até integral pagamento. </font><br>
<font>Com esta decisão não se conformaram as partes e dela apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a apelação da R., mas procedente a da A. e, como consequência, fixou a indemnização a pagar por aquela a esta em 12.000.000$00 (correspondente a 59.855,75 €) e juros.</font><br>
<br>
<font>A R. também não se conformou com esta decisão e dela recorreu para este Supremo Tribunal, pedindo revista e, como consequência, a sua absolvição do pedido.</font><br>
<font>Para o efeito, apresentou as devidas alegações que rematou com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>-A cláusula penal estabelecida no contrato sub judice e que a Recorrente foi condenada a pagar não foi fixada para o incumprimento que a Recorrida alegou nos autos -cfr. art. 9º da p.i. -verificar-se e que o Tribunal julgou proceder, isto é, a alegada aquisição "até àquela data, de somente 79.039 litros dos 340.000 litros estipulados no contrato.", a que alude a cláusula 6ªdeste;</font><br>
<font>-Não alega a Recorrente -tal como antes não o alegou -que não pudesse ser resolvido o contrato com tal fundamento, desde que fosse cumprido o formalismo contratualmente estabelecido. O que a Recorrente alega é que tal resolução assim concretamente fundada nessa especifica violação do contrato não conferia à Recorrida, nos termos estabelecidos no mesmo contrato, o direito ao recebimento da quantia fixada, ou parte dela a título de cláusula penal, diversamente do julgado no Acórdão recorrido;</font><br>
<font>-Face ao expressamente estabelecido nas cláusulas 5ª nº 1, 4ª nº 1, 1ª nº 1, 2ª al. a) e 2ª al. b) não se inclui nas cláusulas cuja violação conferiria direito ao recebimento do montante da cláusula penal (em consequência da resolução do contrato) o incumprimento do constante da cláusula 6ª do mesmo contrato;</font><br>
<font>-Assim, não existia fundamento para a invocada resolução do contrato nos termos do nº 1 da cláusula 4ª do mesmo -mas somente nos termos do nº 2 da mesma cláusula mas sem a referida consequência indemnizatória -e, muito menos, direito ao recebimento da quantia peticionada, ou de qualquer outra, a titulo daquela cláusula penal e que a Recorrente foi condenada a pagar, uma vez que nem a Recorrida alegou nem, evidentemente, se provou qualquer violação contratual subsumível ao disposto nas citadas clausulas 1ª, nº 1, e 2ª alíneas a) e b), únicas obrigações que conferiam direito ao recebimento de tal indemnização;</font><br>
<font>-Consequentemente, peticiona-se que na procedência da presente Revista, seja revogado o Acórdão recorrido -e a Sentença nessa parte confirmada -na parte em que condenou a R. a pagar à A. determinada quantia a título de cláusula penal fixada no contrato, por existir manifesta violação do estabelecido na cláusula 5ª nº 1 do contrato celebrado entre as partes.</font><br>
<font>-Atenta a causa de pedir invocada e as regras do ónus da prova era à Recorrida incumbia alegar e provar que tal sanção -fixada a título de cláusula penal -havia sido estabelecida para aquele concreto incumprimento invocado nos autos que legitimava a resolução do contrato; isto é, incumbia-lhe a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, logo a prova de que o montante fixado a título de cláusula penal lhe era devido no caso de o consumo do produto em causa ser inferior ao estabelecido contratualmente, o que a Recorrida não fez -cfr. a factualidade julgada provada;</font><br>
<font>-"Pelo contrário", a situação de facto alegada -que a Recorrente não consumiu a quantidade de produto a que se havia obrigado -não é subsumível à cláusula invocada como fundamento para o pagamento pela Recorrente à Recorrida do montante estabelecido a título de cláusula penal, porque esta não se encontrava contratualmente fixada para aquele facto;</font><br>
<font>-Não o tendo a Recorrida provado -que para a hipótese do incumprimento que imputou à Recorrente havia sido estabelecida contratualmente aquela cláusula penal - obviamente que a acção deveria ter sido julgada improcedente, motivo pelo qual ora se peticiona a revogação do Acórdão recorrido;</font><br>
<font>-De resto a interpretação das declarações vertidas no contrato em causa nos autos -maxime da cl. 5ª nº 1 -à luz dos preceitos legais pertinentes -art.ºs 236º e 238º do Cód. Civil -não comporta a interpretação de ter sido conferido à Recorrida o direito de resolver o contrato e receber da Recorrente o montante fixado ali fixado a título de cláusula penal na hipótese -alegada como causa de pedir nos autos -de esta não comprar àquela no prazo de três anos 340.000 litros de cerveja, desde logo porque não tem absolutamente nenhuma correspondência com o texto do contrato, devendo, por isso, o Acórdão recorrido ser revogado;</font><br>
<font>-Aliás, na carta remetida pela Recorrida à Recorrente através da qual resolveu o contrato -cfr. al. I da Factualidade Assente e fls. 15 a 17 -aquela invocou como fundamento para tal resolução, que esta "de um total de 340.000 apenas foram consumidos 79.039 litros das indicadas bebidas" o que constituiria violação do estabelecido no nº 1 da cláusula 1º do contrato;</font><br>
<font>-Tendo a A.-Recorrida declarado expressamente a resolução do contrato promessa através dessa carta, estribada num, alegado, concreto e ali precisamente determinado incumprimento da Recorrente importa considerar a existência, ou não, de fundamento jurídico para tal declaração de resolução, atentos os factos invocados e, bem assim, da eventual verificação das respectivas excepções invocadas,</font><br>
<font>-Pois que atenta a natureza jurídica -de direito potestativo -e irretratável do direito de resolução exercido pela A. nos precisos termos em que o foi -atento o disposto nos citados arts. 236º e 238º do C. Civil- é legalmente inadmissível qualquer decisão que reconheça a resolução do contrato por factos diversos dos que expressamente foram invocados na missiva em causa;</font><br>
<font>-Ora, a obrigação de adquirir 340.000 litros de cerveja estava prevista na cláusula 6ª e não na cláusula 1ª do contrato, diversamente, pois, do invocado pela A.-Recorrida para a estribar a resolução do contrato, sendo que a clausula 4ª nº 1 apenas conferia o direito de "resolver de imediato o contrato" na violação "das obrigações assumidas por força do nº 1 da C. 1ª e das al. a) e b) da cla. 2ª" e não conferia, pois, tal direito no caso de violação do estabelecido na cláusula 6ª;</font><br>
<font>-Para a eventual violação da cláusula 6ª vigorava o nº 2 da cláusula 4ª que obrigava a A. a conceder à Ré.-Recorrente prazo para o cumprimento da obrigação em causa, o que in casu não se verificou, pelo que A. não efectuou a resolução nos termos contratualmente estabelecidos, pelo que não foi a mesma efectuada -ao contrário do referido no Acórdão recorrido -, de forma valida e eficaz;</font><br>
<font>-Assim, não tendo a A.-Recorrida logrado fazer prova de um facto constitutivo do seu, alegado, direito de resolver o contrato em causa e tendo presente o supra referido a propósito das regras do ónus da prova e do silogismo judiciário, é manifesto que não podia proceder a pretensão da A. de que fosse declarado "resolvido em 30.06.99 o contrato sub judice" -sendo que, aliás, isso também não foi declarado nem na Sentença nem no Acórdão recorridos -e, consequentemente não podia proceder a condenação da Recorrente a pagar à A. qualquer quantia a título da cláusula penal prevista na cláusula 5ª, nº 1, do Contrato pois que a exigibilidade desta dependia da resolução -válida, obviamente -do contrato promessa;</font><br>
<font>-De todo o modo, e sem prescindir, não era obrigação contratual da Recorrente consumir 340.000 litros de cerveja em três anos, como resulta da cláusula 6ª do contrato, interpretada à luz do disposto nos art.s 236º e 238º do C. Civil, a qual não comporta a interpretação de que a Recorrente estivesse contratualmente obrigada a consumir 340.000 LTS DE CERVEJA no prazo de três anos a contar da data da sua assinatura.";</font><br>
<font>-Assim, conclui-se que não só a R. não estava contratualmente obrigada a consumir 340.000 litros de cerveja no prazo de três anos, como, de todo o modo, não foi contratualmente estabelecido que tal "violação" do contrato conferisse à Recorrida o direito a resolver o contrato -cfr. cláusula 4ª nº 1 do contrato -e, consequentemente, lhe conferisse o direito a receber qualquer quantia a título de cláusula penal -cfr. cláusula 5ª do contrato -, pelo que deveria a Recorrente ter sido absolvida do pedido;</font><br>
<font>-Atenta a resposta do Tribunal ao ponto 6º da base instrutória e, bem assim, o teor das alíneas P), Q), O) e I) da factualidade Assente, o pretendido exercício do "direito" de resolução do contrato e o "direito" ao recebimento de qualquer quantia a título de cláusula penal constitui manifesto abuso de direito -cfr. art. 334° do C. Civil -, aliás, já invocado na Revista (certamente que a recorrente se queria referir a apelação) mas que a Relação não conheceu;</font><br>
<font>-Daquela factualidade resulta que através do seu representante AA, em Março de 1998, abordou a A. no sentido de ceder a exploração do Batata’s Club a BB que já era cliente da mesma por ter tido grandes prejuízos com o encerramento de outro bar por ele explorado, tendo a Recorrida, em 25/05/1998 celebrado com aquele um "contrato de compra exclusiva com empréstimo sem juros" tendo por objecto, também, fornecimentos para o "Socionimo-A" nova denominação do "Socionimo-B"; </font><br>
<font>-Com tais actos a Recorrida criou na Recorrente a convicção que, coerentemente, no futuro não invocaria o -pretenso -incumprimento do contrato que com esta havia celebrado e, bem assim, tendo aquela celebrado com o BB o referido contrato tendo, também, por objecto o fornecimento de bebidas para o "Batata’s", criou na Recorrente a convicção de que podia, legitima e confiadamente, celebrar um contrato de cessão de exploração com aquele terceiro;</font><br>
<font>-E tanto assim que só depois da celebração de tal contrato entre a A.-Recorrida e aquele BB é que a Recorrente, em 3/9/1998, lhe cedeu a exploração do Bar; </font><br>
<font>-Constituiu, pois, manifesto abuso de direito que, não obstante os citados factos e apenas muito tempo depois, em 24.06.99, a mesma A. tivesse resolvido o contrato em causa nos autos, quando mais de um ano antes não só havia proposto à R. a cedência do Bar a um terceiro, como também havia celebrado com este um contrato de fornecimento de bebidas para tal Bar, só após o que a Recorrente celebrou, confiadamente, a respectiva escritura pública de cessão;</font><br>
<font>-Conclui-se, pois, do exposto que mesmo que a Recorrida fosse titular do direito de resolver o contrato e tal resolução lhe conferisse, nos termos contratuais, -e não confere -o direito ao recebimento de qualquer montante a título de cláusula penal, a respectiva exigência à Recorrente constitui um manifesto abuso de direito, pelo que deverá o Acórdão recorrido, e a Sentença, ser revogado, absolvendo-se a Recorrente;</font><br>
<font>-Para a questão da redução da cláusula penal releva não apenas o disposto no nº 1 do art.º 812º do C. Civil mas também o estabelecido no nº 2 do mesmo preceito -"É admitida a redução nas mesmas circunstâncias se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.", como -sem prescindir do supra vertido -sempre se teria verificado e não foi devidamente, salvo o devido respeito, considerado;</font><br>
<font>-"Perante um incumprimento parcial, a intervenção moderadora justifica-se mesmo sem a verificação do requisito da excessividade manifesta;</font><br>
<font>-Isso mesmo resulta da sistematização do artigo 812º, prevendo a redução, no nº 1, quando o montante for manifestamente excessivo e, no nº 2, quando a obrigação tiver sido parcialmente cumprida, nas mesmas circunstâncias, ou seja, com recurso à equidade e já não à proporcionalidade, referindo Antunes Varela que "neste caso, a iniquidade pode ainda revelar-se mais intensamente";</font><br>
<font>-Isto é, "a cláusula penal é, por via de regra, estabelecida em vista da inexecução integral. Portanto, em caso de inexecução meramente parcial, não pode ser aplicada na íntegra: tem de sofrer redução;</font><br>
<font>-In casu, resulta abundantemente da factualidade julgada provada que, mesmo que houvesse -e não houve -incumprimento e se o mesmo fosse -e não foi -susceptível de legitimar a resolução do contrato por parte da Recorrente e determinar a obrigação da Recorrida de pagar qualquer montante a título de cláusula penal, a Recorrida cumpriu todas as múltiplas obrigações contratuais durante três anos;</font><br>
<font>-Acresce que não obstante a Recorrida não tenha consumido 340.000 litros de cerveja naquele período de três anos, o Tribunal julgou provado que "o dispêndio de 340.000 litros de cerveja, em apenas três anos no estabelecimento da Ré é praticamente impossível.", o mesmo é dizer -sempre no quadro hipotético de ter havido incumprimento da Recorrida -que era praticamente impossível o cumprimento do contrato por parte da Recorrida;</font><br>
<font>-Acrescem, ainda, com pertinência outros factos julgados provados, relevantes e determinantes da necessária redução da cláusula penal nos termos do citado preceito, designadamente as resposta aos pontos 6º da base instrutória e as alíneas P), Q), O) e I) da factualidade assente;</font><br>
<font>-Dessa factualidade resulta que foi a Recorrente quem através do seu representante AA, Março de 1998, abordou a Recorrida no sentido de ceder a exploração do Socionimo-B a BB que já era cliente da mesma por este ter tido grandes prejuízos com o encerramento de outro bar que explorava, na sequência do que a Recorrida veio, efectivamente, a celebrar, em 17/4/1998, com aquele BB um contrato promessa de cessão de exploração do Socionimo-B;</font><br>
<font>-Logo depois, em, 25/05/1998 a Recorrente celebrou com BB um "contrato de compra exclusiva com empréstimo sem juros" tendo por objecto, também, fornecimentos para o "Socionimo-A" nova denominação do "Socionimo-B" e só depois disso é que a Recorrida, 3/9/1998, celebrou a respectiva escritura pública de cessão de exploração do "Socionimo-B" para o mesmo BB;</font><br>
<font>-Tendo a Recorrente celebrado anteriormente com um terceiro um contrato que tinha por objecto o fornecimento de bebidas para o "Batata’s", determinou a impossibilidade de cumprimento por parte da Recorrida -se se entendesse que o contrato ainda se encontrava em vigor;</font><br>
<font>-Não dando um critério preciso de redução, a lei remete o tribunal para juízos de equidade, o que equivale a impor-lhe a feitura concreta da justiça do caso, com lato recurso aos factores de ponderação de que disponha, respeitando a proporcionalidade da sanção ao valor do negócio, preservando equilibradamente o respectivo valor sancionatório para a parte faltosa e a devida expectativa de reparação da parte credora;</font><br>
<font>-Atenta a referida factualidade e cumpridas que foram integralmente pela Recorrida todas as obrigações contratuais com excepção de uma delas que era de cumprimento praticamente impossível, é razoável a redução da cláusula penal pelo menos para o valor fixado na Sentença recorrida, e sem que se prescinda de que tal redução deveria -e deverá -ser ainda maior, correspondendo a uma pequena fracção do montante que a Recorrente foi, nos termos do Acórdão recorrido, condenado a pagar à Recorrida, motivo pelo qual se peticiona a sua revogação.</font><br>
<br>
<font>A recorrida, por sua vez, defendeu, em contra-alegações a manutenção do julgado, salientando que o que está em causa é a cláusula 1ª do contrato por força da qual a recorrente se obrigava a comprar em exclusivo os seus produtos e a anão adquirir ou revender produtos similares a empresas suas concorrentes, sendo que a resolução se baseou no facto de a recorrente ter deixado pura e simplesmente de adquirir os produtos previstos no contrato, e, ainda, que a situação dos autos não configura abuso de direito, não existindo razão para mais reduções da cláusula penal para além da que foi introduzida pelo Tribunal da Relação.</font><br>
<font> </font><br>
<font>2 -</font><br>
<font>As instâncias fixaram a seguinte base factual:</font><br>
<font>-A A. é uma sociedade comercial, tendo como objecto próprio a indústria de cervejas e refrigerantes e a comercialização, quer dos produtos que fabrica, quer dos produtos de outras empresas designadamente da sociedade de Empresa-C.;</font><br>
<font>-A R., pelo menos desde o início de Novembro de 1994, é titular do estabelecimento comercial designado Batata 's Club sito na Rua da Restauração 130-Porto;</font><br>
<font>-No exercício da sua actividade a A. celebrou com a R. o contrato de fls. 8 a 13 que entrou em vigor, em 11 de Novembro de 1994;</font><br>
<font>-Nos termos do contrato a R. obrigou-se designadamente:</font><br>
<font>comprar, qualquer que seja o respectivo fornecedor, para revenda, no estabelecimento referido no 2° supra, os produtos constantes do anexo I do contrato (cfr. cláusula 1°, n°1)</font><br>
<font>não fazer publicidade, nem vender no estabelecimento já identificado e durante a vigência do contrato, produtos similares aos constantes do anexo I ao contrato, nem permitir que terceiros o façam (cláusula 2°).</font><br>
<font>Em caso de transmissão do estabelecimento, ou da sua exploração por qualquer forma, a transmitir para o adquirente os direitos e obrigações decorrentes do contrato (cfr. cláusula 2). </font><br>
<font>-A A. comprometeu-se, nos termos do referido contrato, a</font><br>
<font>Fornecer aos R. os produtos que fabrica ou comercializa, objecto do anexo I ao contrato;</font><br>
<font>Como contrapartida da celebração do presente contrato, apoiar a comercialização dos produtos mediante a entrega à R. da quantia de 8.000.000$00, acrescida de IVA, à taxa de 17%. </font><br>
<font>-A importância total de 9.280.000$00 foi paga pela A. ao R. através do cheque n° 1556730772, do BESCL, datado de 18/11/94, que a recebeu e da qual deu a respectiva quitação (cláusula 3 do contrato);</font><br>
<font>-Na cláusula 6ª do contrato celebrado, lê-se que este seria válido até à compra, pela R., de 340.000 litros de cerveja que se estimou consumir em 3 anos a contar da data da sua assinatura;</font><br>
<font>-Em 24.06.99, a A., mediante carta registada com aviso de recepção, recebido pelo R., em 29/06/99, procedeu à resolução do contrato, com efeitos imediatos a contar da recepção da carta.</font><br>
<font>-Nessa mesma carta a A interpelou o R. para proceder ao pagamento da indemnização prevista, contratualmente, a título de cláusula penal, no valor de 16.000.000$00 e, no prazo de 10 dias, a contar da data da recepção da carta; </font><br>
<font>-Nos termos do n°1 da cláusula 4° do contrato, a violação, por parte da R. das obrigações assumidas por força da cláusula 1° conferia à A. a faculdade de mediante comunicação escrita à R. resolver de imediato o contrato;</font><br>
<font>-Nos termos do n°1 da Clausula 5° do contrato, a resolução confere à A. o direito de exigir do réu uma indemnização que, a título de cláusula penal, as partes fixaram no dobro da quantia indicada na cláusula 3° do contrato;</font><br>
<font>-Em 18/12/1997, a R. enviou à A. o escrito de que se mostra junta cópia a fIs. 34 em que, assinaladamente, se lê «queria neste momento em que termina o contrato de apoio à exploração do nosso bar agradecer encarecidamente toda a tenção (...) recebida da Autora e que seria com imenso prazer, devido à forte ligação que nos une podermos contar com o vosso apoio no próximo triénio que já se iniciou. Caso estejam interessados em manter esta ligação, muito gratos ficaríamos se com a máxima urgência marcassem uma reunião para discutirmos a base de um novo contrato.»;</font><br>
<font>-Em 3/09/98, teve lugar a escritura pública de cessão de exploração do Batata 's Club sendo cedente a R. e cessionário BB;</font><br>
<font>-A A., no dia 25.05.98, celebrou com BB o «contrato de compra exclusiva com empréstimo sem juros»;</font><br>
<font>-Nos termos da cláusula 3° do contrato celebrado entre a A. e BB que respeita a fornecimentos para o Socionimo-A (nova denominação de Batata 's Club, e para o restaurante «BB» o contrato vigorará até o revendedor compre 220.000 litros de produtos, pelo prazo de 5 anos, a contar da data da assinatura do contrato, consoante o que primeiro ocorrer;</font><br>
<font>-A. e R. outorgaram o contrato na presença de CC e AA;</font><br>
<font>-O dispêndio de 340.000 litros de cerveja, em apenas três anos, no estabelecimento da R. é praticamente impossível;</font><br>
<font>-Após o envio da carta junta aos autos a fls. 34 realizaram-se várias reuniões entre a A. e a R.;</font><br>
<font>-Em Março de 1998, AA abordou a A. no sentido de ceder a exploração do Batata 's Club ao Sr° BB que já era cliente da A., oferecendo os seus bons ofícios e os da A., uma vez que esta tinha tido grandes prejuízos com o encerramento do bar Cerveja Viva explorado pelo referido Sr° Macedo e a R. celebrou com BB um contrato-promessa de cessão de exploração do Batatas Club no dia 17/4/1998;</font><br>
<font>-Tendo adquirido até aquela data somente 79.039 litros, dos 340.000 litros, estipulados no contrato;</font><br>
<font>-A. através de empregados seus, instou por várias vezes a Ré a cumprir, o que esta não fez.</font><br>
<br>
<font>3 -</font><br>
<font>Aqui chegados, importa enunciar as questões que a recorrente nos colocou, tendo em devida consideração as conclusões propostas na sua minuta.</font><br>
<font>Assim, desde logo, há que averiguar se houve violação do contrato por parte da R. e de molde a poder funcionar a cláusula penal.</font><br>
<font>No caso de se responder pela positiva, um outro problema nos é colocado e tem a ver com a possibilidade de abuso de direito por parte da recorrida.</font><br>
<font>Finalmente, prevendo que a resposta a esta questão possa ser negativa, coloca-se a problemática relativa à pretendida redução da cláusula, para além do que as instâncias consagraram.</font><br>
<br>
<font>Analisemos, pois, as questões referidas à luz da factualidade dada como provada pelas instâncias e das normas jurídicas atinentes ao caso.</font><br>
<br>
<font>Da leitura global do contrato firmado pelas partes, resulta que a ora recorrente se obrigou a adquirir em regime de exclusividade os produtos fabricados ou comercializados pela recorrida (cláusula 1ª) e que o contrato seria válido até que aquela comprasse 340.000 litros de cerveja, tendo-se estimado o prazo de três anos para o consumo de tal quantidade.</font><br>
<font>Claro que este contrato envolveu direitos e obrigações para ambas as partes.</font><br>
<font>Desde logo, ficou também estipulado que a violação por parte da ora recorrente da obrigação de compra e em regime de exclusividade importaria a resolução imediata do contrato (cláusula 4ª), mediante a indemnização fixada a título de cláusula penal correspondente ao dobro da importância entregue pela ora recorrida a título de contrapartida (cfr. cláusulas 3ª e 5ª, nº 1).</font><br>
<font>Ficou, ainda, clausulado que, para os casos de trespasse ou cessão, a ora recorrente se obrigava a inserir no respectivo contrato uma cláusula que obrigasse o trespassário ou cessionário a permanecer vinculado ao contrato sem qualquer reserva.</font><br>
<br>
<font>Ora, foi precisamente o facto de a R. ter deixado de comprar mercadorias à A. que levou esta a declarar a resolução do contrato e a pedir a indemnização resultante da aplicação da dita cláusula penal.</font><br>
<font>A petição inicial é, a este respeito, perfeitamente clara:</font><br>
<font>"A e R. acordaram que o contrato vigoraria até à compra pelo R. de 340.000 litros de cerveja que se estimou ser consumido no prazo de 3 anos a contar da data da assinatura" (art. 7º); e</font><br>
<font>"...desde Março de 1998, o R. deixou de adquirir os produtos que, nos termos da cláusula 1ª do contrato, se tinha obrigado" (art. 8º) (repare-se que a acção foi intentada a 06 de Novembro de 1999).</font><br>
<font>De acordo com a doutrina da impressão do destinatário consagrada na nossa lei, a declaração negocial vale com o sentido que um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.</font><br>
<font>Mas, mais: nos negócios formais, ou seja, naqueles que não sejam meramente verbais, a lei exige que para se atribuir a uma declaração um determinado sentido haja um mínimo de correspondência no texto ainda que imperfeitamente expresso.</font><br>
<font>Isto mesmo resulta da simples interpretação dos arts. 236º e 238º do C. Civil.</font><br>
<font>Tendo por base a declaração de vontade espelhada na petição inicial por parte da A., aqui recorrida, outra interpretação não é permitida que não seja aquela pela qual batalhou ab initio e até às contra-alegações deste recurso (cfr. pontos nºs 2 e 3 de II, a fls. 462 a 465), ou seja, que o motivo do pedido está na violação da obrigação de comprar por parte da R. (ou, dito de outra forma: no facto de a R. ter deixado de comprar os produtos da A.) sendo naturalmente certo que o contrato ainda estava em pleno vigor já que não tinha sido atingido o limite de 350.000 litros de consumo de cerveja.</font><br>
<font>A matéria respeitante à alegação da A. e constitutiva da violação alegada não foi inicialmente incluída na base instrutória, mas só depois mediante reclamação daquela e acabou por ficar provada como resulta das respostas aos quesitos 12º ("provado que desde Março de 1998 deixou de adquirir produtos") e 13º ("tendo adquirido, até àquela data, somente 79.039 litros dos 340.000 estipulados no contrato").</font><br>
<font>Ou seja, estando o contrato em perfeito vigor -ainda longe de se atingirem os ditos 340.000 litros de consumo de cerveja -, a R. pura e simplesmente deixou de comprar mercadorias à A. em violação perfeita do que ficara clausulado no contrato em apreciação.</font><br>
<font>Ora, perante este comportamento omissivo da parte da R., tradutor de não ter honrado o que se comprometera, a A. nada mais fez do que, tendo por base o que ficou estipulado na cláusula 4ª, nº 1, resolver o contrato e pedir, como consequência, a indemnização pré-fixada por cláusula penal.</font><br>
<font>E nada há a objectar a tais pretensões por parte da A., pois encontra perfeito enquadramento no nº 1 do art. 801º do C. Civil.</font><br>
<font>Simplesmente, a indemnização a que tem direito estava fixada ab initio e no respeito pela previsão do art. 810º do mesmo diploma legal.</font><br>
<br>
<font>Sob o ponto de vista do direito à resolução e à consequente indemnização em resultado da cláusula penal, as instâncias não andaram muito divergentes.</font><br>
<font>Mas, cumpre dizer que a 1ª instância não acolheu na íntegra a interpretação devida dada ao contrato, na medida em que entendeu que os 340.000 litros de cerveja deveriam ser consumidos em três anos, altura em que este atingia o seu termo.</font><br>
<font>Não, com todo o devido respeito, não foi esse o sentido que as partes deram ao texto do contrato que firmaram, mas sim que o contrato seria válido enquanto não fossem consumidos os litros de cerveja acima referidos, tendo-se estimado (previsto) que tal ocorreria no prazo de 3 anos.</font><br>
<font>Mas já a Relação fez, a este respeito, uma correcta análise ao dizer que "... a R. desde Março de 1998 deixou de adquirir produtos, tendo adquirido até àquela data somente 79.039 litros, dos 340.000 litros estipulados no contrato", sendo que "tais factos motivam e fundamentam a resolução do contrato, pelo que tem de considerar-se lícita e legal, tanto mais que no momento em que tais factos ocorreram o contrato estava em vigor, era válido, uma vez que ainda não se tinha esgotado o consumo da litragem prevista, sendo irrelevante a circunstância de agora se comprovar que «o dispêndio de 340.000 litros de cerveja, em apenas três anos, no estabelecimento da R. é praticamente impossível» uma vez que tal pressuposto deveria revelar para a concretização (ou não) do contrato e não propriamente para se exonerar das suas consequências na hipótese de incumprimento".</font><br>
<br>
<font>Resta-nos apurar se houve por parte da A. abuso de direito.</font><br>
<font>A recorrente defende que a actuação daquela traduziu-se num abuso de direito pois da factualidade resulta que um representante a abordou no sentido de ceder a exploração do seu estabelecimento a um tal BB com que veio a celebrar um contrato denominado "contrato de compra exclusiva com empréstimo sem juros", tendo por objecto o estabelecimento "Socionimo-A", nova designação do "Batata´s Club", facto que lhe terá gerado a convicção de que o incumprimento do contrato ajuizado não seria invocado.</font><br>
<font>É verdade que a A. celebrou com o referido BB o dito contrato em 25 de Setembro de 1998 (está especificado sob a al. Q), sendo certo que do mesmo consta que já então desenvolvia a sua actividade no denominado estabelecimento Socionimo-A (cfr. fls. 35)</font><br>
<font>Ficou também provado que a R. celebrou, em 01 de Abril de 1998, um contrato-promessa com BB com vista à cessão da exploração do Socionimo-Be" (cfr. resposta ao quesito7º), contrato esse que veio a ser cumprido através de escritura lavrada no 7º Cartório Notarial do Porto, em 03 de Setembro de 1998 (cfr. fls. 51).</font><br>
<font>Não sabemos a que título é que BB explorava o estabelecimento comercial da R. à data em que ele celebrou com a A. "o contrato de compra exclusiva com empréstimo sem juros", mas certamente que o fazia por algo estranho à vontade da A. na medida em que esta não era dona do mesmo estabelecimento, nem detentora a qualquer título, antes apenas e só a R. é que podia dispor dele, transferindo-o para a esfera jurídica de outrem, fosse a título de comodato, cessão, trespasse, doação, etc..</font><br>
<font>Cumpre, ainda, dizer que, ao contrário do que defendeu a R. (cfr. conclusão R), não ficou provado que a A. através do seu representante, AA, tivesse abordado a A. no sentido de ceder a exploração do "Batata’s" Club a BB (nem isso faria sentido -a A. abordava-se a ela própria? -claro que não), mas apenas que aquele AA abordou a A. no sentido de ceder a exploração do dito clube a BB, como resulta da resposta ao quesito 6º, formulado na sequência do alegado pela R. no art. 32º da contestação) (esta última asserção carece, a nosso ver, de sentido, já que dona do estabelecimento era e continuou a ser a R., não se compreendendo como é que a A. pudesse vir a ceder o que não lhe pertencia).</font><br>
<font> </font><br>
<font>E com isto partimos para repudiar a ideia de abuso de direito.</font><br>
<font>Com efeito, o art. 334º do C. Civil prescreve que "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".</font><br>
<font>Não sendo a A. dona do estabelecimento, não se percebe a alegação de que terá abusado do seu direito só pelo facto de ter reclamado a efectivação do direito à indemnização que lhe assistia por virtude de a R. ter violado o contrato que livremente firmara e de a A. ter, entretanto, celebrado um contrato de fornecimento com outro explorador do mesmo estabelecimento.</font><br>
<font>Note-se que, apesar do contrato de cessão entre a R. e BB, aquela continuou a ser a verdadeira dona do estabelecimento, sendo certo que ela, em contravenção com o que ficou estipulado com | [0 0 0 ... 0 0 0] |
pTK0u4YBgYBz1XKvnTNU | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<br>
<b><font> 1.</font></b><br>
<b><font> Relatório</font></b><br>
<font>AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, JJ, LL e MM intentam, no Tribunal Cível da Comarca do Porto, acção ordinária contra</font><br>
<font> NN e marido OO, </font><br>
<font>pretendendo obter a declaração de nulidade dos negócios referidos nos artigos 16º, 22º e 26º da petição inicial, por simulação, a declaração de nulidade das vendas referidas nos artigos 46º e 47º da mesma peça processual, por em causa estar a venda de bens alheios, e a declaração de anulabilidade do Protocolo assinado entre as partes, por as declarações nele vertidas terem sido obtidas por coacção moral, e, a condenação dos RR. a restituírem-lhes a quantia de 282.698,70 € e juros desde 12 de Junho de 2003 até efectivo pagamento e, ainda, a pagarem-lhes a quantia de 300.000 €, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com a venda da Quinta ....</font><br>
<br>
<font> Em síntese, alegaram que os pais, falecido Engenheiro PP e sua mulher, QQ, venderam simuladamente certos prédios aos RR., tendo em vista que a R., filha daqueles, era e é casada com um cidadão espanhol, facto que lhes permitira usufruir de determinadas vantagens junto de entidades bancárias, muito embora os prédios que foram objecto de tais negócios tivessem continuado para todos os efeitos a ser considerados como sendo da propriedade dos pais.</font><br>
<font> O pai, entretanto, faleceu e alguns desses prédios acabaram por ser vendidos pelos RR. que embolsaram o respectivo preço, tendo estes imposto condições para que a venda de outros bens se concretizasse, o que, a seu ver, configura uma forma de coacção moral.</font><br>
<br>
<font> A acção foi contestada pelos RR..</font><br>
<br>
<font> Foram apresentados vários outros articulados até à fase de saneamento e condensação.</font><br>
<br>
<font> De referir, com vista a uma melhor compreensão do desenvolvimento da lide, que, no articulado réplica, os AA. desistiram do pedido formulado contra a R. MM, tendo mesmo requerido que, por via do incidente de intervenção, assumisse a qualidade de A., com vista a assegurar a legitimidade activa, o que, na verdade, acabou por acontecer, tendo a mesma feitos seus os articulados dos outros AA..</font><br>
<br>
<font>Continuou a acção a sua normal tramitação até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, por via disso, os RR. foram condenados a restituírem o preço que haviam recebido da venda do prédio das “Quinteiras”, correspondente a 67,337,72 €, bem como a quantia que vier a ser liquidada e que não foi usada para pagar as despesas da responsabilidade de todos os herdeiros, entre as quais se incluem aquelas que respeitam ao Fundo de Turismo, a Bancos e a comissão devida pela compra e venda.</font><br>
<br>
<font> Mediante apelação dos AA., o Tribunal da Relação do Porto, alterou o julgado e declarou a anulabilidade do Protocolo de fls. 160 a 162, condenando os RR. na restituição das quantias que, em consequência desse Protocolo, indevidamente receberam, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data em que foram indevidamente recebidas até integral e efectiva restituição.</font><br>
<br>
<font> Foi a vez de os RR. se mostrarem inconformados e pedirem revista a coberto do que indevidamente denominaram conclusões e que são as seguintes:</font><br>
<font>1 - A resposta dada ao quesito 13° dada pela 2ª instância, no acórdão recorrido, tem de se considerar não escrita, por se tratar de matéria conclusiva – questão de direito – face ao disposto no nº 4 do artigo 646° do Código de Processo Civil que, consequentemente, foi violado nesse aresto.</font><br>
<font>2 - Sem esta resposta a decisão da 1ª instância é inatacável, pelo que deve ser mantida.</font><br>
<font>3 - Essa inatacabilidade resulta também da circunstância de toda a decisão proferida na 2ª instância, no acórdão recorrido, se fundamentar nessa alteração, pelo que sem ela se pressupõe que nada seria alterado, como é óbvio.</font><br>
<font>4 - Sem prescindir, mesmo a considerar-se válida a referida resposta ao quesito 13° pela 2ª instância, no acórdão recorrido, não estão preenchidos todos os requisitos da coacção moral que validem a decisão proferida nesse aresto.</font><br>
<font>5 - Conforme decorre do artigo 255° do Código Civil são requisitos da eficácia anulatória da coacção moral: 1. a ameaça; 2. a ilicitude da ameaça; 3. a causalidade e essencialidade da ameaça; 4. a finalidade de extorquir a declaração negocial, ou intencionalidade da ameaça.</font><br>
<font>6 - Com ou sem a resposta dada ao quesito 13° pela 2ª instância, no conjunto dos factos dados por assentes, não resulta verificado, daqueles requisitos, o da essencialidade.</font><br>
<font>7- A nossa doutrina fala, quanto ao requisito da causalidade, de dupla causalidade tal como no caso do dolo. A pessoa ameaçada pode ser mais ou menos corajosa, pode ser mais ou menos temerária, e a própria ameaça pode ser mais ou menos grave e mais ou menos assustadora. Tudo depende das pessoas e das circunstâncias. A ameaça só terá relevância anulatória se for efectivamente causal do acto ou do comportamento negocial viciado.</font><br>
<font>8 - Fala-se, assim, de dupla causalidade, porque é necessário que cause medo e que esse medo, por sua vez, seja determinante do negócio ou do acto viciado. Se a pessoa ameaçada não se amedrontar, ou se, ainda que amedrontada, se concluir que teria praticado o acto mesmo sem a ameaça, não haverá causalidade, a ameaça não será verdadeiramente causal do acto ou do negócio. Se a coacção não for causal do acto, este não ficará viciado.</font><br>
<font>9 - No caso da coacção pode distinguir-se com justeza entre causalidade e essencialidade. E necessário que a ameaça tenha sido causal, para provocar o medo; e é necessário que o medo tenha sido essencial para levar o agente a contratar. Se este teria contratado de qualquer maneira, houvesse ou não medo, houve causalidade, mas não essencialidade da ameaça. Se houve medo, mas resultante de outra causa, e não da ameaça, pode ter sido essencial, mas a ameaça não foi causal.</font><br>
<font>10 - Com efeito, dos factos assentes como, aliás e bem, é ressaltado na sentença da 1ª instância e na fundamentação da prévia decisão sobre a matéria de facto resulta claramente que o Protocolo em causa, não foi assinado, no essencial, pela pressão exercida pelos ora recorrentes mas pela necessidade dos ora recorridos.</font><br>
<font>11- Quanto a esta matéria da essencialidade, passamos a reproduzir os seguintes excertos daquelas peças processuais da 1ª instância.</font><br>
<font>12 - Da sentença:</font><br>
<font>12.1- “Da factualidade apurada é legítimo retirar-se os seguintes conclusões:</font><br>
<font>Os Autores é que decidiram vender os prédios que integravam a Quinta ..., dois dos quais estavam na titularidade formal dos Réus e quiseram também vender o prédio referido no </font><i><font>item</font></i><font> 7º da matéria assente, o qual estava em nome dos herdeiros do falecido Eng. PP e que fazia parte da Quinta ...”.</font><br>
<font>12.2 -“Os Réus exigiram determinadas condições para emitirem a procuração que possibilitasse a venda dos prédios que estavam registados em seu nome e do outro prédio que integrava a Quinta ... e que estava em nome do falecido marido da chamada e desta”.</font><br>
<font>12.3 -“Os Autores aceitaram as exigências plasmadas no dito Protocolo porquanto recearam que os Réus não emitissem qualquer procuração e não outorgassem a escritura de compra e venda – respostas quesitos 6º, 7º, 10°, 11°, 12°, 13”.</font><br>
<font>12.4 -“Autores, Chamada e Réus acordaram quanto à distribuição dos preços das vendas dos três prédios que integravam a Quinta ..., dois formalmente na titularidade dos Réus, sendo que todos acordaram em vender esses prédios a terceiro”.</font><br>
<font>12.5 - “Efectivamente não ficou provado que os Autores perante as exigências dos Réus não tenham tido outra alternativa senão aceder às exigências colocadas pelos Réus”.</font><br>
<font>12.6 -“E, por outro lado, perante a matéria de facto apurada, não resulta de modo inequívoco que as exigências dos Réus correspondam a um extorsão, enquanto constrangimento de outra pessoa, por meio de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete para ela ou para outrem, prejuízo, nem resulta dos factos provados que os Réus negaram alguma vez que a Quinta ... pertencia à Autora QQ e à herança do seu falecido marido”.</font><br>
<font>12.7 -“Não pode o tribunal ignorar os motivos que levaram as partes a transferir para a Ré e seu marido determinados imóveis, como não se pode ignorar que os empréstimos contraídos em nome dos Réus junto das instituições bancárias e Fundo de Turismo eram pagos com atrasos, que as dívidas perante estas instituições estavam a agravarem-se, que foram instaurados contra os RR. processos fiscais em número não determinado – respostas aos quesitos 2°, 23°, 24º”.</font><br>
<font>12.8 - “Também não se pode ignorar que «ao assinarem o dito Protocolo os Autores MM, AA, BB, CC, DD, EE FF, GG, HH, como primeiros outorgantes, estavam cientes que os RR. impunham como condição da sua adesão à venda da Quinta ... o recebimento de € 265.700,00 e que os Autores MM, AA, BB, CC, DD, EE FF, GG, HH, tiveram conhecimento do teor do Protocolo e assinaram tal documento – respostas aos quesitos 36° e 37º”.</font><br>
<font>12.9 - “E há que atentar que, conforme resulta das cláusulas 4°, 6ª e 7ª do Protocolo, Autores e Réus acordaram que ao preço da prometida compra e venda, (um milhão e duzentos mil euros), caberá aos segundos outorgantes (ora Réus) a quantia de 265.700,00 euros, por conta da sua quota na herança do falecido PP relativamente aos imóveis da denominada Quinta ...”.</font><br>
<font>12.10 - “Em face das considerações expostas este tribunal entende que a matéria provada não permite concluir que foi a ameaça dos Réus traduzida na não emissão de qualquer procuração e não outorga da escritura de compra e venda que foi determinante para os Autores emitirem as respectivas declarações vertidas no dito Protocolo”.</font><br>
<font>12.11 - “Em face da matéria provada entende o tribunal que os Autores não lograram provar a essencialidade da ameaça, isto é, não lograram provar que foi a ameaça dos Réus que determinou o núcleo da declarações por eles emitidas no Protocolo, nomeadamente as cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª do dito Protocolo”.</font><br>
<font>12.12 - “Perante a matéria de facto apurada, em conjugação com as considerações vertidas na fundamentação da decisão sobre a questão-de-facto, não se pode afirmar que os Autores tenham sido vítimas de uma efectiva acção destinada a extorquir-lhes a declaração."</font><br>
<font>12.13 - “Assim, a ameaça dos Réus de recusa de emissão de procuração e de recusa de outorga da escritura pública não integra qualquer comportamento ilícito”.</font><br>
<font>12.14 - “O circunstancialismo que antecedeu a concretização da venda dos três prédios que integram a Quinta ... revela que a iniciativa de vender a Quinta partiu dos Autores, tal como resulta da fundamentação da decisão da questão-de-facto. Tal como aí se refere «havia muita pressa em vender a Quinta ... por forma a obter liquidez» e por isso a iniciativa do negócio partiu dos Autores que lograram obter um interessado, sendo certo que os Autores assinaram o Protocolo, vinculando-se a determinadas obrigações, quando, é certo, que nada nos autos indicia que não estavam em condições de se recusarem a assinar o Protocolo."</font><br>
<font>12.15 - “Aliás, este entendimento está conforme com as considerações vertidas na fundamentação da decisão de facto e que passamos a reproduzir. “Logo, é manifesto que perante as exigências impostas pela 1ª Ré para passar a dita procuração existia um caminho diferente daquele que foi seguido pelos Autores. Bastava apenas que os Autores tivessem em momento oportuno instaurado uma acção similar a esta e pela qual arguíssem a simulação das vendas efectuadas, paralisando, assim, as exigências dos RR.”.</font><br>
<font>12.16 - “E cabe dizer que o prédio identificado no </font><i><font>item</font></i><font> 7 da matéria assente que também foi vendido alegadamente sob ameaça, tal prédio fazia parte efectiva da herança deixada pelo falecido AA e não havia sido transferido para a Ré. Logo, a forma de ultrapassar a recusa da Ré em dar consentimento para a sua venda seria instaurar o competente inventário e proceder à partilha”.</font><br>
<font>12.17 - “E resulta da análise global da prova que a razão determinante que levou os Autores a assinarem o dito Protocolo foi o facto de os Autores, nomeadamente o Autor HH, não estar disposto a suportar por mais tempo os elevados encargos decorrentes da manutenção da Quinta e o interesse dos autores em realizarem liquidez para pagar as dívidas que haviam sido contraídas, acabando com «uma situação de incerteza (nas palavras da testemunha GB) que se arrastava há anos desde o momento que a associada QQ e o falecido marido decidiram vender de forma simulada e com os fins atrás assinalados alguns imóveis a uma das filhas».</font><br>
<font>12.18 - “Por último, para reforçar o entendimento atrás exposto diremos que o tribunal não pode ignorar que os Autores beneficiaram das vantagens económicas e financeiras decorrentes das transferência para os Réus da titularidade de bens imóveis, efectuadas nos anos de 1984 e 1985— ver Factos Provados – sendo que essa situação perdurou até ao ano de 2003 com as inerentes vantagens económicas atrás referidas”.</font><br>
<font>12.19 - “E não obstante não terem sido alegados e provados os valores concretos desses benefícios é inelutável que a contribuição dos Réus foi essencial para a obtenção dos mesmos”.</font><br>
<font>13 - Da fundamentação das respostas à matéria de facto:</font><br>
<font>13.1- A juíza, na sua fundamentação das respostas à matéria de facto defende que “ (...) A testemunha GB relatou ao tribunal o circunstancialismo que antecedeu a concretização das vendas dos 3 prédios que integravam a Quinta ...”. E pese embora ser casado com a autora FF, o seu depoimento foi credível, porque revelou ter conhecimento directo dos factos já que acompanhou os problemas relacionados com a Quinta ... e participou activamente na resolução desses problemas, participou em reuniões da família relacionadas com a venda da Quinta .... Relatou que foi decidido vender os prédios que integravam a Quinta ..., referiu que havia urgência em vender a Quinta ... e que a sogra e algumas filhos queriam vender depressa a Quinta, não queriam perder o interessado que tinha aparecido, referiu que numa reunião o autor HH pediu aos irmãos ajuda que não foi dada, que havia dívidas da herança para com o HH, relatou as circunstâncias que determinaram a elaboração do Protocolo (...)”.</font><br>
<font>13.2 - “ (...) Todavia, nesta parte, e no que concerne as razões determinantes da assinatura do Protocolo o tribunal ponderou que também esta testemunha realçou que “havia por parte dos Autores uma grande pressa em vender para acabar com uma situação de incerteza”.</font><br>
<font>13.3 -“Mais. O tribunal também logrou convencer-se em face dos depoimentos de GB e DD que, por vários motivos, os Autores tinham muita pressa em vender a Quinta ... por forma a obter liquidez e por isso a iniciativa do negócio partiu dos Autores que lograram obter um interessado. Os RR. impuseram condições para passarem procuração pela qual dariam seu consentimento para a celebração da projectada venda”.</font><br>
<font>13.4 - “E os Autores pese embora não entendessem que as exigências dos RR. feitas no Protocolo não eram justas nem devidas, assinaram este documento porque essencialmente tinham pressa em vender a Quinta ... para realizar dinheiro, sabendo que ao assinar o Protocolo estavam a vincularem-se ao cumprimento de determinada obrigações que assumiram através da assinatura daquele Protocolo”.</font><br>
<font>13.5 - “O Tribunal registou que o Autor DD a certa altura do seu depoimento referiu “Havia outras possibilidades de resolver a questão. Os RR não tinham direito àquela quantia e não a justificaram. Eu não me senti coagido a assinar, mas essa quantia não era devida. Havia dívidas ao BPA, havia dívidas ao HH. O HH disse-me que era necessário assinar o Protocolo. O Protocolo tinha de ser entregue ao Dr. JP. Eu tomei o Protocolo como o necessário e o melhor para todos”.</font><br>
<font>14 - Na verdade, o que determinou a assinatura do Protocolo em análise por parte dos AA. foi a conjugação das suas vontades no sentido de procederem à venda do imóvel em causa o mais brevemente possível, dado que, como escreve a juíza da 1ª instância, “os Autores, nomeadamente o Autor HH, não estarem dispostos a suportar por mais tempo os elevados encargos decorrentes da manutenção da Quinta e o interesse dos autores em realizarem liquidez para pagar as dívidas que haviam sido contraídas, acabando com «uma situação de incerteza (nas palavras da testemunha GB) que se arrastava há anos desde o momento que a associada QQ e o falecido marido decidiram vender de forma simulada e com os fins atrás assinalados alguns imóveis a uma das filhas”.</font><br>
<font>15 - Na verdade, entendemos que a pressão exercida pelos RR. sobre os AA. no caso dos autos não assume a natureza de coacção moral por, desde logo, não se verificar o requisito da essencialidade exigida pelo citado artigo 255° do Código Civil.</font><br>
<font>16 - A mesma decisão veio a ser proferida na referida acção de honorários (acção umbilicalmente ligada à presente demanda e que analisou a questão da alegada coacção sobre os ora aqui AA com vista à celebração do Protocolo aqui analisado) que correu os seus termos na 3° Secção da 8ª Vara Cível do Porto, sob o nº 5699/03.3 TVPRT, através de acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a 13 de Maio 2008 (que pode ser consultado em www.jusnet.com, sob o nº 2436/2008) e em que se decidiu pela inexistência de tal vício da vontade.</font><br>
<font>17- Assim sendo, o acórdão recorrido, nesta parte, violou o disposto nos artigos 255° e 256° do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> Os recorridos responderam em defesa da manutenção do aresto impugnado.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><br>
<b><font> Das instâncias vieram fixados os seguintes factos:</font></b><br>
<font>1- Os 1º, 2ª, 3ª, 5ª, 6ª, 7º e 8º AA. e a R. mulher são todos filhos da co-A. QQ.</font><br>
<font>2 - O 4º A., DD, foi casado com outra filha da co-A. MM, já falecida, JJ.</font><br>
<font>3 - O pai dos referidos AA. e da R., Eng. PP , faleceu no dia 30 de Outubro de 1990, no estado de casado com QQ, sob o regime da comunhão geral de bens, sem deixar testamento ou disposição de última vontade.</font><br>
<font>4 - Sucederam-lhe, assim, como herdeiros legitimários, sua mulher e os nove filhos do casal referidos nos </font><i><font>itens</font></i><font> 1º e 2º, sendo que a filha JJ faleceu depois da morte do pai.</font><br>
<font>5 - Tendo deixado o cônjuge, 4º A., e cinco filhas: três já maiores, que são a 9ª, 10ª e 11ª AA., e duas ainda menores, MTA e MFA, aqui representadas por seu pai, o A. JM.</font><br>
<font>6 - Com o decesso do Eng. PP, os bens pertencentes ao casal passaram a integrar o acervo hereditário, cabendo a meação a QQ.</font><br>
<font>7- Entre outros bens, da herança, ainda ilíquida e indivisa, fazia parte o prédio rústico, constituído por terreno de cultura, com a área de 3.406 m2, sito na freguesia de V..., concelho de Caminha, inscrito na matriz sob o artigo rústico 1.336º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº 00004/141184, o qual se achava inscrito a favor dos AA. e RR. em comum e sem determinação de parte ou direito pela inscrição G2 (Ap. 10/221093).</font><br>
<font>8 - Além dos bens móveis e imóveis indicados na relação de bens apresentada na Repartição de Finanças competente, para efeitos de instrução do processo de imposto sucessório, faziam ainda parte da herança outros prédios.</font><br>
<font>9 - Com efeito, por conveniência do falecido Eng. PP e de sua mulher, QQ, esta, com a anuência da filha NN e do marido desta, RR., aqueles, por escrituras de venda de 2 de Abril de 1984, 16 de Outubro de 1984, 5 de Dezembro de 1984 e 3 de Janeiro de 1985, transferiram para o nome da R. determinados prédios que lhes pertenciam, entre os quais um no concelho do Porto e três no concelho de Caminha.</font><br>
<font>10 - A razão de tal atitude surgiu da conhecida facilidade de obtenção de crédito por parte de emigrantes, ao abrigo do empréstimo chamado “poupança-crédito”, instituído pelo Decreto-Lei nº 540/76, de 9 de Julho, visando a realização de obras nos ditos prédios, para depois se proceder à sua venda ou à exploração da actividade de Turismo de Habitação. </font><br>
<font>11 - A R. NN era e é casada com um espanhol e residente em Espanha, beneficiando, assim, do estatuto de emigrante, o que lhe permitia aceder ao crédito bancário em condições mais vantajosas. </font><br>
<font>12 - Unicamente para alcançar esse objectivo de financiamento bancário, acordaram pais e filha em transferir a propriedade de determinados bens imóveis para a R. NN.</font><br>
<font>13 - Assim, os RR., NN e marido, emitiram, em 25 de Outubro de 1983, na Chancelaria do Consulado de Portugal em Valência, Espanha, a favor do 1º A., seu irmão e cunhado, AA, procuração para compra de quaisquer prédios urbanos ou rústicos sitos em Portugal e, ainda, para “contrair em seu nome empréstimos bancários para aquisição dos ditos prédios, efectivação de obras, e empréstimo para qualquer urbanização que se leve a efeito, assinar escrituras de compra e venda, registo de hipoteca, obter certidões na Repartição de Finanças, e toda a documentação necessária à obtenção dos referidos registos quer nas Conservatórias, quer nas Repartições de Finanças, incluindo também contratos de promessa de compra e venda de prédios, e movimentar fundos depositados ou contraídos em qualquer instituição bancária em Portugal”.</font><br>
<font>14 - E, em 27 de Agosto de 1984, emitiram nova procuração a favor do mesmo 1º A., de idêntico conteúdo, mas agora especificadamente para compra do prédio urbano sito no Lugar ..., concelho de Caminha, inscrito na matriz sob o art.º 123º e descrito na Conservatória sob o nº 150, a fls. 76 do Livro B – 1, e para contrair empréstimos junto do Banco Pinto & Sotto Mayor, ao abrigo do referido sistema de Poupança-Crédito.</font><br>
<font>15 - Neste contexto, por escritura de 2 de Abril de 1984, exarada no Cartório Notarial de Vila Nova de Cerveira, a A. QQ e seu hoje finado marido declararam “vender à 2ª R. sua filha o prédio misto composto por uma casa de habitação de um pavimento, terreno de lavradio e mato, sito em Quinteiras, Lugar ..., nos limites da freguesia de V... e Caminha, concelho de Caminha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº 20.541, a fls. 39 verso do Livro B – 53 e inscrito na matriz urbana da freguesia de V... sob o artigo 125º, na matriz rústica da mesma freguesia, sob o artigo 18.302º e na matriz rústica da freguesia de Caminha sob os artigos 723º e 724º. </font><br>
<font>16 - Nessa escritura declararam as partes que o preço da venda foi de quatro milhões e quinhentos mil escudos.</font><br>
<font>17 - Mais declarando os 2ºs RR., NN e marido, que “são emigrantes portugueses e o preço foi pago em parte com o produto de transferências de divisas por eles efectuadas para o País, no montante de um milhão e quinhentos mil escudos, e a parte restante com o produto de um empréstimo a seguir titulado, concedido pelo Banco Totta & Açores, tudo ao abrigo do sistema de Poupança-Crédito, instituído pelo Decreto-Lei número quinhentos e quarenta barra setenta e seis, de nove de Julho, e demais legislação complementar em vigor”.</font><br>
<font>18 - Por escritura de compra e venda, outorgada no dia 16 de Outubro de 1984, no Terceiro Cartório Notarial do Porto, a A. QQ e seu marido (em conjunto com suas irmãs), “venderam” à 2ª R. o prédio urbano composto por uma morada de casas de cave, rés-do-chão e dois andares, quintal e mais pertenças, sito na Rua ..., nºs 001 a 009, da freguesia de Lordelo do Ouro, cidade do Porto, inscrito na matriz sob o artigo 1.901º, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o nº 3.098 do Livro B-9 e inscrito a favor dos vendedores pelas inscrições nºs 15.787 e 1908.</font><br>
<font>19 - O preço declarado pelas partes foi de seis milhões de escudos.</font><br>
<font>20 - O Banco que concedeu o empréstimo para essa aquisição foi o Banco Totta & Açores, ao abrigo do aludido sistema de crédito, constando da escritura que a 2ª R. “é emigrante portuguesa e o preço desta compra foi pago, em parte com o produto de transferência de divisas por ela efectuadas para o País, no montante de três mil contos, e na parte restante com o produto de um empréstimo, a seguir titulado, concedido pelo Banco Totta & Açores, tudo ao abrigo do sistema de “Poupança-Crédito”, instituído pelo Decreto-Lei número quinhentos e quarenta barra setenta e seis, de nove de Julho, e demais legislação complementar em vigor”.</font><br>
<font> 21 - Também por escritura de compra e venda, outorgada no dia 5 de Dezembro de 1984, na Agência do Banco Pinto & Sotto Mayor de Caminha e perante o Notário do Cartório de Caminha, QQ e seu marido transferiram para a 2ª R., sua filha NN, a propriedade de uma casa de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 239 m2 e logradouro com a área de 500 m2, na Quinta ..., freguesia de V..., Concelho de Caminha, descrita na Conservatória do Registo Predial de Caminha, sob o nº 00005/141184 e inscrita na matriz sob o artigo urbano 123º.</font><br>
<font>22 - Foi pelas partes declarado que o preço da venda foi, igualmente, de seis milhões de escudos.</font><br>
<font>23 - Nesta escritura é também referido “que o Banco concede aos mutuários, ao abrigo do Decreto-Lei número quinhentos e quarenta/setenta e seis, de nove de Julho e demais legislação complementar em vigor, um empréstimo do montante de três milhões de escudos, destinado à aquisição do imóvel...”.</font><br>
<font>24 - Relativamente a esta venda, os AA. prestaram o seu consentimento, em documentos escritos, como consta da certidão da escritura.</font><br>
<font>25 - Finalmente, por escritura de compra e venda de 3 de Janeiro de 1985, celebrada na Secretaria Notarial de Viana do Castelo, a A. QQ e seu hoje finado marido alienaram à 2ª R. um prédio urbano que se compõe de uma casa de habitação de rés-do-chão, com a superfície coberta de 84 m2 e logradouro com a área de 1.210 m2, sito no lugar ..., freguesia de V..., do concelho de Caminha, descrita na Conservatória do Registo Predial de Caminha, sob o nº 00895/l 50399 e inscrita na matriz sob o artigo 323º.</font><br>
<font>26 - O preço indicado pelas partes, para esta venda, foi de seis milhões de escudos.</font><br>
<font>27 - Também desta escritura consta que os RR. “são emigrante portugueses e o preço desta compra foi pago, em parte com o produto de transferências de divisas por eles efectuadas para o País, no montante de três milhões e seiscentos mil escudos, e a parte restante com o produto de um empréstimo, a seguir titulado, concedido pelo Banco Totta & Açores, tudo ao abrigo do sistema de Poupança- Crédito, instituído pelo Decreto-Lei número quinhentos e quarenta/setenta e seis, de nove de Julho, e demais legislação complementar em vigor”.</font><br>
<font>28 - Em todas as referenciadas escrituras, foram os RR. representados pelo 1º A., de acordo com as procurações emitidas para esse efeito.</font><br>
<font>29 - O montante da “transferência de divisas”, necessário para cada uma das compras, foi entregue pelos pais à R., NN, tendo aqueles pago ainda o preço de todas as escrituras e registos (provisório e definitivo) de hipoteca e de aquisição, bem como o valor da Sisa e demais impostos.</font><br>
<font>30 - Simultaneamente com as compras e vendas atrás referidas foram outorgados contratos de mútuo com hipoteca dos prédios a favor dos Bancos que concederam os empréstimos: o Banco Totta & Açores e o Banco Pinto & Sotto Mayor.</font><br>
<font>31 - Os prédios identificados nos </font><i><font>itens</font></i><font> 22º e 26º da matéria assente integram a denominada “Quinta ...”.</font><br>
<font>32 - Desta Quinta fazia ainda parte um terceiro prédio, que nunca foi “transmitido” para a NN, precisamente por se tratar de um logradouro junto aos outros dois prédios, no qual não existia qualquer construção, pelo que nele não havia necessidade de fazer obras.</font><br>
<font>33 - Trata-se do prédio rústico, identificado no</font><i><font> item</font></i><font> 1 da matéria assente, inscrito na matriz sob o artigo rústico 1.336º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº 00004/141184.</font><br>
<font>34 - Relativamente aos prédios que lhe foram transmitidos pelas referidas escrituras de compra e venda, os RR. procederam ao registo das aquisições a seu favor.</font><br>
<font>35 - Todavia, nem os vendedores tiveram, em tempo algum, intenção de vender, nem a compradora a intenção de comprar qualquer dos imóveis em causa.</font><br>
<font>36 - Motivo pelo qual tais vendas ocorreram sem pagamento de qualquer preço, apesar de o mesmo ter sido (obrigatoriamente) indicado nas escrituras em causa,</font><br>
<font>37 - Sendo os negócios celebrados apenas com o intuito de enganar terceiros, no caso o Banco Totta & Açores e o Banco Pinto & Sotto Mayor, instituições de crédito que concederam os pretendidos financiamentos (ao abrigo do aludido regime “Poupança-Crédito”) e que do facto não tiveram conhecimento.</font><br>
<font>38 - Depois de realizada a primeira escritura de compra e venda, os RR. outorgaram, em 8 de Outubro de 1984, na Chancelaria do Consulado de Portugal em Valência, Espanha, procuração a favor do 1º A., Diogo, a quem conferiram plenos poderes para compra, venda e hipoteca.</font><br>
<font>39 - No uso dessa procuração, o 1º A. vendeu a Maria Teresa ... o prédio sito na Rua ..., no Porto, cuja propriedade havia sido simuladamente transferida para a 2ª R., tendo a compradora efectuado o registo da aquisição a seu favor.</font><br>
<font>40 - Mercê de um desentendimento havido entre a R. e o 1º A., aquela comunicou a este, em Agosto de 1986, que tinha revogado a procuração emitida.</font><br>
<font>41 - Por conseguinte, no dia 22 de Agosto de 1986, os RR. emitiram nova procuração, desta vez a favor do seu pai, o referido Eng. PP, através da qual lhe conferiram poderes para “comprar e vender quaisquer prédios urbanos ou rústicos, sitos em Portugal continental, contrair em seu nome empréstimos bancários para aquisição dos ditos prédios, efectivação de obras e empréstimos para qualquer urbanização que se leve a efeito, assinar escrituras de compra, registo de hipoteca, obter certidões na repartição de finanças e toda a documentação necessária à obtenção dos referidos registos, quer nas Conservatórias do Registo Predial, quer nas Repartições de Finanças, incluindo também contratos de promessa de compra e venda de prédios, e movimentar fundos depositados ou contraídos em qualquer instituição bancária, requerendo, praticando e assinando tudo e todos os documentos que para o completo desempenho dos poderes conferidos nesta procuração se tornem necessários”. </font><br>
<font>42 - Sucede que PP faleceu em 30 de Outubro de 1990, antes de terem sido vendidos os prédios que estavam na titularidade dos RR. e que integram a “Quinta ...”.</font><br>
<font>43 - E, por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Caminha no dia 12 de Julho de 1991, os RR., NN e marido, procederam à venda do prédio misto sito em Quinteiras, acima identificado, a “Ciura – Imobiliária Agrícola e Urbana, S.A.”.</font><br>
<font>44 - Nesse prédio não chegaram a ser feitas obras, por se ter verificado que a construção aí existente era uma ruína de difícil aproveitamento, mas o dinheiro recebido a título de empréstimo bancário foi utilizado na elaboração e aprovação de um projecto na Câmara Municipal, tendo o prédio sido vendido com projecto de construção aprovado.</font><br>
<font>45 - Esta venda, que foi feita pelo preço de 13.500.000$00, teve lugar para realização de capital, que se mostrava necessário ao pagamento de dívidas entretanto vencidas ao Fundo de Turismo e aos Bancos e que estavam em nome dos RR..</font><br>
<font>46 - Essas dívidas prendiam-se também com outras | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mzJMvIYBgYBz1XKv3vMp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font><br>
A... recorre para o Tribunal Pleno do acordão que lhe negou revista doutro da Relação, pelo qual foi julgado improcedente a acção que propos contra B..., C... e marido, D..., E..., F..., incertos e, mais tarde, tambem contra F..., para ser judicialmente reconhecida como filha ilegitima do falecido G...<br>
Alega que o acordão recorrido deu a dois problemas de direito solução oposta a que a tais problemas atribuiram os acordãos de 22 de Outubro de 1957 e 29 de Abril de 1960, publicados no Boletim do Ministerio da Justiça, respectivamente, n. 70, pagina 413, e n. 96, pagina 353. Assim:<br>
O acordão de 1957 decidiu que, para procedencia da acção de paternidade ilegitima, bastava a prova dalgum dos factos enumerados no artigo 34 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910, enquanto o acordão recorrido julgou que, alem da prova dum desses factos era indispensavel prova da paternidade biologica.</font><br>
<font><br>
O acordão de 1960 entendeu que, provada a posse de estado, a acção que nela se fundara tinha de ser julgada procedente, a não ser que os reus provassem factos capazes de ilidir a presunção de paternidade resultante da aludida posse, enquanto o acordão actual decidiu que, embora provada a posse de estado, tinha a autora que provar ainda a paternidade biologica, cabendo-lhe a ela o onus dessa prova e não ao reu o onus de ilidir a presunção.<br>
A secção reconheceu haver a invocada oposição com os dois acordãos e, em seguida, alegaram as partes e o Ministerio Publico.</font><br>
<font><br>
A recorrente pede se formule assento no sentido de que os factos do falado artigo 34 constituem presunções de paternidade e, consequentemente, levam a procedencia da acção sempre que o reu, por seu turno, não prove factos que ilidam a presunção.<br>
A recorrida F... principia por contestar a legitimidade da recorrente, negando-lhe interesse no recurso. Seja qual for a solução do conflito de jurisprudencia, diz, nunca a recorrente podera obter o seu reconhecimento como filha ilegitima, pois, mesmo no caso de se vir a assentar como ela pretende, a presunção de paternidade estara ilidida pela exceptio plurium, cuja existencia o acordão recorrido teve por verificada.<br>
Pela mesma razão, dizem tambem os outros recorridos que o assento a lavrar, qualquer que seja, não podera conduzir a procedencia da acção.<br>
Negam, todavia, que haja conflito de jurisprudencia, porquanto o verdadeiro fundamento do acordão recorrido foi ter-se provado a exceptio plurium, que nenhum dos acordãos pretensamente opostos exclui como motivo de improcedencia.<br>
No que respeita ao fundo, todos os recorridos sustentam que o assento a lavrar deve ser diametralmente contrario ao que a recorrente pretende.<br>
Em sentido igual opina o Ministerio Publico, propondo se assente em que os factos enumerados no citado artigo 34 "constituem meras presunções de facto, incumbindo ao autor a prova de qualquer deles e bem assim da paternidade natural".</font><br>
<font><br>
Tudo visto e ponderado.</font><br>
<font><br>
A legitimidade da recorrente tem de aferir-se pelas disposições do artigo 680 do Codigo de Processo Civil, cujo n. 1 consente o recurso a quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.<br>
Vencida ficou a recorrente pelo acordão recorrido.<br>
Saber se ela pode tirar alguma utilidade do recurso implicaria averiguar, desde ja, qual a sorte da acção, no caso de se vir a assentar como a recorrente deseja; implicaria considerar devolvido ao Tribunal Pleno o conhecimento da causa.</font><br>
<font><br>
Ora, o recurso para o Tribunal Pleno não tem esse efeito devolutivo.<br>
Basta ver que o artigo 768, n. 3, do citado Codigo manda resolver o conflito de jurisprudencia, mesmo que o assento a lavrar "não tenha utilidade alguma para o caso concreto em litigio".</font><br>
<font><br>
A outra questão previa suscitada - inexistencia de conflito de jurisprudencia - e que pode obstar a que o assento seja proferido.</font><br>
<font><br>
Importa, pois, verificar se ha ou não conflito, tal como o define o artigo 763, n. 1, do Codigo de Processo Civil, ou seja, se, no dominio da mesma legislação, foram proferidos acordãos que, "relativamente a mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas".</font><br>
<font><br>
Que os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação não se pos, nem podia ser posto em duvida.</font><br>
<font><br>
As bases de facto da questão fundamental, objecto do acordão recorrido, ficaram resumidas nas seguintes passagens textuais desse acordão:<br>
"A favor da autora mostram-se os requisitos da posse de estado".<br>
"A mãe da autora teve relações sexuais com mais de um homem, desde 1915".<br>
Não ficou provado que durante os quinzes anos que perduraram as relações sexuais entre ela e o pretenso pai, com qualquer outro homem não tivesse tido tambem relações identicas.</font><br>
<font><br>
O comportamento da mãe da autora foi, assim, desde data muito anterior ao periodo legal da concepção, irregular, desonesto.</font><br>
<font><br>
Não esta provado que, com outro ou com outros (mais de um homem), ela copulasse no periodo legal da concepção, mas, tal como aconteceu em relação ao pretenso pai, pode admitir-se que isso se tivesse dado, pois a autora nasceu em 1918, e desde 1915 ela se entregava a mais de um.<br>
Nada ha, portanto, a afirmar a fidelidade da mãe durante o mencionado periodo".<br>
Aplicando o direito a estes factos, o acordão afirmou:<br>
A posse de estado "não e suficiente para a procedencia da acção".<br>
"As condições de admissibilidade referidas no artigo 34 do Decreto n. 2, uma vez verificadas, não levam, so por si, aquela procedencia.<br>
Elas permitem a investigação, como a propria lei declara.<br>
Funcionam como começo de prova; abrem o campo da investigação; tem o valor de meras presunções de facto.</font><br>
<font><br>
Alguma coisa mais e precisa: a prova da paternidade".</font><br>
<font><br>
Adiante, transcreveu as seguintes palavras do Professor Pires de Lima:<br>
"A prova da paternidade cabe ao autor. Este pode invocar a presunção de facto que resulta de algum dos pressupostos da acção, mas essa presunção não tem valor decisivo se não e acompanhada doutras circunstancias que afastem as duvidas e conduzam a convicção da paternidade".<br>
Concluiu finalmente:</font><br>
<font><br>
"Não estando provada a paternidade biologica, a acção soçobra.<br>
As condições de admissibilidade ficam desacompanhadas e, elas so, não impõem a declaração judicial da paternidade" (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 107, pagina 565).</font><br>
<font><br>
Ora, os acordãos invocados em oposição integram-se numa corrente doutrinal profundamente divergente.</font><br>
<font><br>
Para eles a presunção resultante de qualquer dos factos enumerados no artigo 34 do Decreto n. 2 e suficiente para o reconhecimento judicial, salvo se for ilidida por factos reveladores de impossibilidade da paternidade presumida ou, pelo menos, de serias duvidas sobre a sua possibilidade.<br>
No acordão de 1957 escreveu-se:"A lei exige a prova desses factos como minimo da revelação juridica da paternidade, tornando inadmissivel a acção quando se não demostrem, mas não formula exigencia maior para a presunção dessa paternidade, constituindo, pois, tais factos base para a procedencia da acção, ao contrario do que opinam os recorrentes. Todo o facto, alem deles, denunciador da co-habitação no periodo da concepção não e tido pela lei como indispensavel a procedencia da acção".<br>
"Uma vez feita a demonstração dos factos do artigo<br>
34 do Decreto, não necessita o investigante de provar por outros meios que no periodo legal da concepção houve co-habitação de sua mãe com o investigado.<br>
Essa co-habitação emerge, como presunção legal, desses proprios factos, e tal presunção funciona se não foi ilidida pelo reu".</font><br>
<font><br>
Ambas as orientações aceitam, como se ve, que aqueles factos constituem quando provados, presunções de paternidade.</font><br>
<font><br>
Divergem, porem, na qualificação dessas presunções.<br>
O acordão recorrido considera-as presunções de facto.</font><br>
<font><br>
O acordão de 1957 eleva-as a categoria de presunções legais, embora ilidiveis, e o acordão de 1960 pressupõe o mesmo entendimento.<br>
E evidente, pois, o conflito de jurisprudencia.</font><br>
<font><br>
Daquela diversidade de qualificação resultam as divergencias de soluções que no recurso se apontam.</font><br>
<font><br>
As presunções de facto não tem por natureza, valor probatorio definido. Ilações de factos concretos, dependem do prudente arbitrio do julgador (artigo 2518 do Codigo Civil), conforme as circunstancias desses factos. Não pode afirmar-se de antemão a sua suficiencia para prova do facto a apurar.<br>
As presunções de direito, pelo contrario, tem o valor de provas legais. Quem as tiver a seu favor escusa de provar o facto que nelas se funda (artigo 2517 do Codigo Civil).</font><br>
<font><br>
Por outro lado e consequentemente, as presunções de facto não influem sobre o onus da prova: a duvida que, apesar delas fique subsistindo, resolve-se contra a parte que tinha de provar o facto duvidoso - neste caso o autor.</font><br>
<font><br>
Inversamente na presunção legal, a afirmação do facto presumido considera-se verdadeira ate prova em contrario.</font><br>
<font><br>
Qualquer duvida que possa existir sobre a realidade desse facto não prejudica a parte que tenha de o provar.</font><br>
<font><br>
E, portanto, sobre aquela questão fundamental de qualificação que importa tomar posição.</font><br>
<font><br>
O artigo 2516 do Codigo Civil define as chamadas presunções legais como "as consequencias que a lei deduz dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido".</font><br>
<font><br>
No caso em analise, os factos conhecidos seriam os descritos nos varios numeros do artigo 34 do Decreto n. 2.</font><br>
<font><br>
Não esta, porem, indicado qualquer facto desconhecido que a lei deduza como consequencia daqueles.</font><br>
<font><br>
O preceito estabelece apenas que, naqueles casos, "e permitida a acção de investigação de paternidade ilegitima".</font><br>
<font><br>
A expressão e impropria para traduzir uma presunção legal: se a paternidade se presumisse, seria descabido permitir a acção para a investigar.<br>
Por outro lado, a presunção, permitindo provar o facto desconhecido atraves de outro facto, so tem sentido como meio de facilitar a prova.<br>
Nunca ninguem pos em duvida, porem, que o espirito do artigo 34 do Decreto de 1910 e restringir e não facilitar a prova da paternidade.</font><br>
<font>A qualificação dos factos ali enumerados como presunções legais, desconhece e contraria o espirito da norma.<br>
E a presunção seria, em rigor, intoleravel.<br>
E do regime das presunções desta especie, ser necessaria para as ilidir, prova principal do contrario, isto e, prova que crie a convicção de que o facto presumido não e real.<br>
Ora, se e dificil a prova positiva da paternidade, e normalmente impossivel, ainda hoje, a prova negativa, desde que tenha havido relações sexuais no periodo da concepção.<br>
Como com razão observou o Professor Pires de Lima, mesmo a prova de relações da mãe com varios homens nesse periodo, não exclui a paternidade de nenhum deles.<br>
A qualificação dos casos do artigo 34 como presunções legais de paternidade teria de forçar, portanto, não so a letra e o espirito da lei, mas tambem o regime proprio dessas presunções.<br>
Estas razões seriam so por si decisivas, tanto mais que as presunções legais, estabelecendo desvios aos principios gerais sobre repartição do onus material da prova e sobre o livre conhecimento do julgador, são por natureza excepcionais.<br>
Mas pode-se ir mais longe. A simples leitura atenta do artigo 34 evidencia que os seus varios numeros não foram redigidos com o proposito de definir bases suficientes para uma aceitavel declaração de paternidade ilegitima.<br>
Dois deles podem preencher-se com manifestações de um mero intuito de adopção. Outros apenas asseguram a existencia de relações sexuais do investigado com a mãe do investigante, dentro do periodo de quatro meses em que a concepção, presumivelmente, teve lugar.<br>
Facilmente se imagina que, em concreto, a situação se apresente, em face da prova daquelas circunstancias, por forma a tornar, não apenas duvidosa, mas repugnante e clamorosa a declaração de paternidade.<br>
A lei não atendeu somente ao valor presuntivo dos factos que previu e enumerou. Sabe-se por exemplo, que, nos de indole criminal, teve influencia tambem a desqualificação do seu autor, a ideia de lhe impor<br>
"a pena mais natural, se pode chamar-se assim o cumprimento dos deveres de pai", como dizia Bigot Priameneu.<br>
De serem indispensaveis a procedencia da acção não pode concluir-se que sejam os unicos atendiveis e, menos ainda que, so por si e em todos os casos, sejam suficientes para a fundamentar.<br>
Confiar na alegação e prova da defesa e, em muitos casos, correr ao encontro dos maiores desacertos, e fazer tabua rasa do caracter indisponivel da relação.<br>
Avisadamente ponderou Boulay, em oposição a Treilhard, na discussão do projecto do Code Civil, quanto seria perigoso tornar obrigatoria a declaração de paternidade, em face so da prova da coincidencia do rapto (unico caso então admitido) com o periodo da concepção (apud Aubry e Rau, Cours de Droit Civil Français, 4 edição, volume 6, pagina 192).<br>
E a mesma ideia voltou a afirmar-se pela boca do Ministro da Justiça, na discussão da lei francesa de 1912, em cujo projecto o nosso Decreto de 1910 se inspirou: "Não ha razão para receios: mesmo nesses casos, por muito precisos, rigorosos e decisivos que sejam, a realidade da paternidade não se impõe ao juiz" (apud Planiol, Ripert e Rouast, Traite Pratique de Droit Civil Français, 1 edição, volume 2, pagina 753, nota).<br>
Sempre entre nos tambem essa orientação de prudencia predominou nos tribunais, como, se bem pensamos, na doutrina. E a solução e consagrada expressamente nos projectos para o novo Codigo Civil, tanto do Professor Pires de Lima - artigo 49 (Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, ano 20, pagina 546), como do Professor Gomes da Silva - artigo 71 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 88, pagina 129).<br>
Mesmo os autores que mais decididamente a repeliram<br>
- Cunha Gonçalves e Simões Correia - não deixam de lhe fazer concessões. O primeiro admite, num caso, que o juiz tome em consideração, para julgar a acção improcedente, a exceptio plurium, a ma conduta da mãe ou a impossibilidade da progenitura, mesmo que não alegada pelo reu, com a razão, não muito convicente, de que então se destroi o proprio fundamento da acção (Tratado de Direito Civil, volume 2, pagina 314). E o segundo salienta a importancia de certos meios tecnicos para a "formação ou consolidação da prova da paternidade", parecendo não confiar inteiramente no mecanismo da presunção (Da investigação da Paternidade Ilegitima, paginas 152, 157, 166).<br>
A insistencia e a vivacidade com que ultimamente se tem impugnado aquela orientação, constitui reacção contra uma corrente que, sobrepondo a prova livre da paternidade a escrupulosa verificação das exigencias do artigo 34, implicava o desprezo dos interesses que nesse preceito se protegem e, portanto, a violação do que nele ha de mais significativo.<br>
Reacção salutar e oportuna, teve o merito de vincar que os casos do artigo 34 não são limitações, mais ou menos arbitrarias, da acção, dispensaveis quando por outros meios se considera alcançada a segurança ali visada, mas indicios imprescindiveis para prova da paternidade.<br>
Realmente, encoberta e de certo modo absorvida pelo condicionamento da permissão da acção, esta ali estabelecida tambem, sem duvida, uma modalidade especial de prova dirigida ou legal.<br>
O preceito expressamente formulado e o de que, nos casos indicados, a acção e permitida. Desse modo, do mesmo passo que se limita o efeito positivo da verificação de alguns desses casos, a uma conclusão formal de admissibilidade, logicamente anterior a questão da procedencia, limita-se tambem o alcance do julgado negativo acerca deles, não precludindo a investigação com fundamento diferente.<br>
Mas, subjacente ao preceito expresso, esta implicita a regra de que os indicios contidos naqueles casos, são legalmente indispensaveis para prova da paternidade.<br>
Não se impõe o resultado probatorio. Continua-se a confia-lo a livre apreciação do julgador. Mas com um limite: o resultado probatorio não vale se não concorrer certo meio ou fundamento de prova, se não for observado certo iter probatorium. Por isso se fala então numa exigencia "formal-negativa" ou em prova necessaria, mas não suficiente legalmente (Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pagina 413; Hedemann,<br>
Las Presunciones en el Derecho, pagina 68, nota).<br>
E tem especial interesse por em destaque esse conteudo da disposição, num sistema processual, como o nosso em que a livre apreciação da prova se exerce antes de apuradas juridicamente as condições legais que permitem dar-lhe valor.<br>
Sejam quais forem as outras provas apreciadas, seja qual for a convicção que o julgador em face delas tenha formado, nunca pode considerar-se provada a paternidade se faltarem aqueles requisitos que a lei exige para a sua prova (artigo 655, n. 2, do Codigo de Processo Civil).<br>
Esta consideração supera, rigorosa e adequadamente, a aparente e estranha dualidade e antinomia de regimes de admissão e de procedencia, em que a jurisprudencia, por vezes, se tem enredado e a critica fundava os seus ataques mais contundentes.<br>
Isto, porem, nada tem que ver com a existencia duma presunção legal. O caracter da prova necessaria e estranho ao conceito de presunção dessa especie.<br>
Sobre ser infundada e inconveniente, como se mostrou, a doutrina que a sustenta e, portanto, tambem desnecessaria na economia do sistema legal.<br>
Satisfeitas as exigencias da lei, vale a prova da paternidade livremente apreciada pelo julgador e as duvidas que acerca dela fiquem subsistindo serão resolvidas contra o autor a quem o onus dessa prova incumbia, nos termos gerais.<br>
E a doutrina do acordão recorrido.<br>
Nega-se, pois, provimento ao recurso e firma-se o seguinte assento:<br>
Os factos enumerados no artigo 34 do Decreto n. 2, de<br>
25 de Dezembro de 1910, não são presunções legais; constituem meras presunções de facto, incumbindo ao autor a prova da filiação.<br>
Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 21 de Dezembro de 1962</font><br>
<font><br>
Jose Osorio (Relator) - Arlindo Martins - Ricardo Lopes -<br>
- Eduardo Coimbra - Amorim Girão - Abreu Lobo - Barbosa Viana (Vencido: concordando com a doutrina que iluminou o assento considero, todavia, desacertada a referencia que no mesmo se faz a "presunções", dado que estas, nos casos concretos, costumam redundar em pretextos de inumeraveis diatribes, em nada proveitosas para a resolução da hipotese sub judice. Por isso, sem postergar a necessaria concisão, redigiria, nestes termos, o assento: "A prova da procriação, que o investigante tera sempre de fazer, so podera produzir-se em juizo atraves dos factos qualificados no artigo 34 do Decreto n. 2, de 25 de Dezembro de 1910".<br>
Lopes Cardoso (Vencido. Votei que as presunções que o assento diz serem meramente de facto serão presunções de direito, precisamente por estarem inscritas na lei.<br>
O assento não diz atraves de que outras conjecturas se pode provar a paternidade.<br>
Ja no nosso direito arcaico se entendia que ela so conjecturalmente podia provar-se e os praxistas indicavam numerosas conjecturas, se bem que a todas se não atribuisse força igual as das actuais presunções legais.<br>
O Codigo Civil limitou o numero dessas conjecturas e duas das que manteve ja no direito tinham força de prova da paternidade, quando não ilididas por conjecturas em contrario.<br>
Para mim, o artigo 34 so permite provar a paternidade atraves das presunções que enumera.<br>
Estas são tantum juris: podem ser ilididas pela prova de factos que tornem fortemente duvidosa a paternidade presumida).<br>
Jose Meneses (Vencido pelas mesma razões). - Tem voto de conformidade os excelentissimos Conselheiros Gonçalves Pereira, Cura Mariano, Alberto Toscano, Toscano Pessoa,<br>
Bravo Serra e Fragoso de Almeida que não assinam por não estarem presentes. - Jose Osorio.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nDJzu4YBgYBz1XKvJQpw | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> Processo n.º 4136/18.3T8MTS.P1.S1</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
<p><font> </font>
</p><p>
</p><p><b><font> I - Relatório</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> 1. AA</font></b><font>, intentou ação especial de divórcio e separação sem consentimento do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nos artigos 931.° e ss. CPC, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo que fosse decretado o divórcio nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 1773.°, n.° 3, alínea </font><i><font>a)</font></i><font>, 1782.°, n.°1, e 1785.°, n.°1, do Código Civil, bem como a regulação provisórias das responsabilidades parentais e da atribuição da casa de morada de família, nos termos dos artigos 1793.° , 1906.° do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font><font>Em ... 2018 faleceu o Réu.</font>
</p><p><font> </font><b><font>CC, </font></b><font>filha de Autora e Réu, representada pela curadora especial nomeada nos autos, </font><b><font>DD</font></b><font>, requereu habilitação de herdeiros para permitir a continuação dos autos de divórcio, ao abrigo do artigo 1785.°, n.° 3, para que a Autora, a final, perdesse a qualidade de herdeira legitimária do Réu, e a requerente passasse a </font><i><font>ser </font></i><font>a única e universal herdeira de seu pai.</font>
</p><p><font> </font><font>Por decisão de … 2019, CC e a Autora foram habilitadas para com elas se prosseguir a ação de divórcio.</font>
</p><p><font> </font><font>Em … 2019, teve lugar a tentativa de conciliação.</font>
</p><p><font> </font><font>A Autora declarou que pretendia desistir do pedido formulado, ao que se opôs CC, representada pela curadora especial nomeada.</font>
</p><p><font> Sobre essa pretensão recaiu o seguinte despacho:</font>
</p><p><font>«Em face da desistência do pedido, e por se considerar que legalmente é admissível, à luz do disposto nos art. 285°, n°, 289°, n° 2 e 290° todos do Cód. P. Civil, homologo a desistência do pedido, extinguindo-se o direito que se pretendia fazer valer».</font>
</p><p><font> </font><b><font>2.</font></b><font> </font><font>Inconformada, apelou CC, representada pela curadora especial nomeada.</font>
</p><p><font> Pela Relatora, no Tribunal da Relação, foi proferido o seguinte despacho:</font><br>
<font>«Foi interposto recurso da decisão que homologou a desistência do pedido de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais formulado pela apelante, na sequência de óbito do apelado.</font><br>
<font>Nos termos do artigo 269.°, n.° 3, CPC, a morte de alguma das partes não dá lugar à suspensão, mas a extinção da instância, quando se torne impossível ou inútil a continuação da lide.</font><br>
<font>Por outro lado, afigura-se não ter a apelante legitimidade para prosseguir com a acção, nos termos do artigo 1785.°, n.° 3, CC, por o primitivo R. não ter deduzido pedido reconvencional.</font><br>
<font>Pelo exposto, entende-se que a causa da extinção da instância não é a desistência do pedido, cuja homologação é questionada, mas a impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.°, alínea e), CPC, sem possibilidade de continuação do processo.</font><br>
<font>Por se tratar de enquadramento sobre o qual as partes não tiveram possibilidade de se pronunciar, notifique-as nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.°, n.°3, CPC».</font><br>
<font> </font>
</p><p><font> As partes exerceram o contraditório, pronunciando-se a recorrente no sentido de não decorrer do artigo 1785.º, n.º 3, do CPC que o prosseguimento do processo contra os herdeiros do réu esteja dependente da dedução de pedido reconvencional e a autora concordando com a solução da extinção por impossibilidade superveniente da lide.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Após as partes se terem pronunciado sobre a questão suscitada pela Relatora, o Tribunal da Relação do Porto decidiu, por acórdão, julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida, ainda que com fundamento distinto.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>3.</font></b><font> Novamente inconformada, CC, filha de Autora e Réu, representada pela curadora especial nomeada nos autos, interpõe recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: </font><br>
<font>«1. A aqui Recorrente nas conclusões de recurso que apresentou junto do Tribunal da Relação do Porto pretendia colocar em causa o despacho de 2 de Julho de 2019 proferido pelo Tribunal da 1ª Instância que considerou legalmente admissível a desistência do pedido formulado pela Autora AA.</font><br>
<font>2. Ora o Tribunal da Relação em vez de se pronunciar sobre o objecto do recurso, que como sabemos está delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º nº 1 e 639 nº do CPC) pronunciou-se sobre questão diferente: entendeu que tendo falecido o Réu a acção de divórcio não pode prosseguir.</font><br>
<font>3. E tem o entendimento de que a disposição do artigo 1785º nº 3 do Código Civil ( </font><a></a><font>“ O direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, se o autor falecer na pendência da causa; para os mesmos efeitos, pode a acção prosseguir contra os herdeiros do réu”) “apenas é reconhecida ao autor ou seus sucessores, o que bem se compreende, pois só o autor deduziu pedidos contra o réu. O Réu só gozará de idêntica faculdade se tiver deduzido pedido reconvencional, o que não sucedeu no caso dos autos”.</font><br>
<font>4. Ora, desde logo e salvo melhor opinião, entende a aqui recorrente que o acórdão é nulo por violação do vertido no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC : “ É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.</font><br>
<font>5. E no caso concreto é claro a existência desta nulidade pois o referido normativo processual, quando se refere a “questões” está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções suscitadas, o que significa que o juiz só cometerá a indicada nulidade de excesso de pronúncia se conhecer de causa de pedir não invocada, o que é precisamente o caso !</font><br>
<font>6. Tanto mais que o Tribunal da 1ª Instância quando proferiu o despacho de 2 de Julho de 2019 já se tinha precisamente pronunciado sobre a questão da admissibilidade ou não do prosseguimento dos autos atento o falecimento do Réu!</font><br>
<font>7. E o Tribunal da 1ª Instância considerou que apesar do falecimento do Réu os autos podiam prosseguir conforme </font><a></a><font>sentença proferida no incidente de habilitação de herdeiros, no apenso B, notificada a 03-04-2019 (ref.: ..., quanto à notificação e ref.: ..., quanto à sentença, com data de conclusão 02-04-2019)!</font><br>
<font>8. E esta decisão não foi objecto de recurso da apelada! Tendo por isso a mesma transitada em julgado! Não pode agora em sede de apreciação do recurso da aqui apelante vir o tribunal superior repristinar uma questão da qual já existe transito em julgado formal.</font><br>
<font>9. Ao pronunciar -se novamente sobre esta questão, de que não podia conhecer, além de violar o artigo 618º nº 1, </font><i><font>d)</font></i><font> do CPC o acórdão violou o caso julgado formal ( artigo 620 º do CPC) pois não pode o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico pronunciar-se neste acórdão em sentido contrário a uma questão já decidida em sede de primeira instância e que não foi objecto de recurso.</font><br>
<font>10. Entende assim a apelante que o acórdão recorrido é nulo por manifesta violação dos artigos 620 º e 618º nº 1 alínea d) do CPC.</font><br>
<font>11. Procedendo assim esta nulidade deve ser apreciada a questão suscitada pela apelante, quanto à possibilidade de a Autora desistir do pedido após despacho de prosseguimento dos autos para efeitos patrimoniais.</font><br>
<font>12. Ora, entende a aqui Recorrente que a sentença recorrida faz uma errónea aplicação do direito.</font><br>
<font>13. O direito ao divórcio para além de ser um direito profundamente pessoal, é intransmissível </font><i><font>inter vivos et post mortem</font></i><font> e só consente a exceção do prosseguimento da instância pelos herdeiros do A. ou contra os sucessores do R., se falecido na pendência da causa, e unicamente para efeitos patrimoniais, pois que o casamento acha-se dissolvido desde o momento da morte, que a ação visava atingir (ut artigos 1785º e 1788º, ambos do C.C.)</font><br>
<font>14. Tais efeitos respeitam – enquanto a herança estiver jacente - nomeadamente, à partilha dos bens dos cônjuges (arts. 1790º e 1791º) e à eventual indemnização pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento (art. 1792º); ou a exclusão do cônjuge sobrevivo da classe dos sucessíveis do seu ex-cônjuge (art. 2133º-nº 3).</font><br>
<font>15. A morte de um dos cônjuges dissolve o vínculo conjugal e, assim, o desiderato visado pelo divórcio é alcançado de imediato, seguindo a ação apenas para os referidos efeitos patrimoniais, desaparecendo o direito potestativo da A., no que ao pedido de divórcio diz respeito (ou, consequentemente, à desistência do mesmo), o qual, por esse motivo, deixa de depender da sua vontade e do seu livre arbítrio.</font><br>
<font>16. Ao referir a lei que o direito ao divórcio não se transmite por morte, permitir a desistência do pedido, quanto ao divórcio, implica admitir que esse direito ainda existe e continua a estar na titularidade e na disponibilidade da A., mesmo após a dissolução do casamento que ocorreu no momento do decesso.</font><br>
<font>17. No despacho de que se recorre, é referido “homologo a desistência do pedido, extinguindo-se o direito que se pretendia fazer valer”. Ora, o direito que a Autora “pretendia fazer valer” deixou de existir com o mencionado óbito. Ao homologar a desistência do pedido, o tribunal viola o disposto no art. 1785º do Código Civil.</font><br>
<font>18. Convém efectuar o contexto do presente processo. A Autora AA intentou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra o seu então marido BB. Sucede que o referido Réu faleceu em 06/12/2018 (suicidou-se). Sucederam lhe assim como herdeiros o seu cônjuge, AA e a filha (menor) CC.</font><br>
<font> 19. A aqui Recorrente foi nomeada curadora especial de CC tendo a mesma requerido o prosseguimento da acção nos termos do artigo 1785º nº 3 do Código Civil.</font><br>
<font>20. Ou seja, não existem dúvidas de que a acção de divórcio pode prosseguir após a morte de um dos cônjuges, no caso, prosseguindo contra os herdeiros do réu. A questão que se coloca é se a Autora que intentou a acção de divórcio pode após o falecimento do réu, e tendo os herdeiros do Réu requerido que a acção prosseguisse para efeitos patrimoniais, desistir do pedido.</font><br>
<font>21. Entendemos que não, pois tal desistência viola os mais elementares princípios do direito e a própria </font><i><font>ratio legis</font></i><font> do disposto no artigo 1785º nº 3 do Código Civil.</font><br>
<font>22. Na verdade, com este artigo pretende-se que apesar da morte de um dos cônjuges o processo possa prosseguir para efeitos patrimoniais, nomeadamente que o cônjuge sobrevivo fique excluído da classe dos sucessíveis do seu ex-cônjuge (art.º 2133º nº 3 do Código Civil).</font><br>
<font>23. Ora no caso concreto a aqui Autora é que avançou com a acção de divórcio. Pretendeu assim a mesma que cessassem quer as relações pessoais quer as relações patrimoniais entre os cônjuges.</font><br>
<font>24. E caso o Réu tivesse falecido após a marcação da tentativa de conciliação (em que o divórcio iria ser convertido para mútuo consentimento) ou após a sentença que decretasse o divórcio a aqui Autora não seria herdeira daquele!</font><br>
<font>25. Ao desistir do pedido a Autora está objectivamente a prejudicar a filha menor do casal que seria a única e universal herdeira de BB.</font><br>
<font>26. Mas a Autora caso o Réu fosse vivo não iria desistir do pedido! Pois pretendia o divórcio! Ou seja, com o falecimento do Réu a Autora ao desistir do pedido conseguiu um efeito patrimonial que não obteria caso o mesmo apenas falecesse após o divórcio!</font><br>
<font>27. Entendemos assim que a aqui Autora ao desistir do pedido apenas após o pedido de prosseguimento do processo para efeitos patrimoniais está a abusar de um direito nos termos estatuídos no artigo 334º do Código Civil.</font><br>
<font>28. Citando António Menezes Cordeiro, Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, Revista Ordem dos Advogados, Ano 65, Setembro 2005, Volume II: </font><i><font>“I. Perante a presença efectiva do abuso do direito nas decisões dos nossos tribunais, viramo-nos para a previsão legal: o artigo 334.º. Recordemos, ponto por ponto, o texto em causa, base da subsequente exegese: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O preceito começa pela estatuição: é ilegítimo o exercício (…). A ilegitimidade tem no Direito civil, um sentido técnico (7): exprime, no sujeito exercente, a falta de uma específica qualidade que o habilite a agir no âmbito de certo direito. No presente caso, isso obrigaria a perguntar se o sujeito em causa, uma vez autorizado ou, a qualquer outro título, “legitimado”, já poderia exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito em causa. A resposta é, obviamente, negativa: nem ele, nem ninguém. “Ilegítimo” não está, pois, usado em sentido técnico. O legislador pretendeu dizer “é ilícito” ou “não é permitido”. Todavia, para não tomar posição quanto ao dilema (hoje ultrapassado) de saber se, no abuso, ainda há direito, optou pela fórmula ambígua da ilegitimidade.</font></i><br>
<i><font>II. De seguida, o preceito exige que o titular exceda manifestamente certos limites. A expressão (8) liga-se aos superlativos usados por alguma doutrina, anterior ao Código Civil (9). Na época, lidava-se com uma construção sem base legal, de fundamentação doutrinária insegura e ainda desconhecida na jurisprudência. O uso de uma linguagem empolada visava captar o intérprete-aplicador, apresentando-se, além disso, como uma criptojustificação da proibição do abuso. Perante institutos modernos, a adjectivação enérgica não faz sentido. Além desse aspecto, temos outras dificuldades exegéticas. “Manifestamente” contrapõe-se a “ocultamente” ou “implicitamente”. Não parece defendível que se possa atentar contra a boa fé ou os bons costumes, desde que às ocultas. E também os fins económico e social do direito em jogo poderão não ser alcançados perante desvios não manifestos. Em suma: “manifestamente” deixa-nos um apelo a uma realidade de nível superior, mas que a Ciência do Direito terá de localizar, em termos objectivos.</font></i><br>
<i><font>III. Os “limites impostos pela boa fé” têm em vista a boa fé objectiva. Aparentemente, lidamos com a mesma realidade presente noutros preceitos, com relevo para os artigos 227.º/1, 239.º, 437.º/1 e 762.º/2 (10). Teríamos, então, um apelo aos dados básicos do sistema, concretizados através de princípios mediantes: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente. Trata-se de um dado a reter, mas que não poderemos deixar de confirmar.</font></i><br>
<i><font>IV. Os “limites impostos pelos bons costumes” remetem-nos para as regras da moral social. Também aqui é de presumir uma certa coerência sistemática: os bons costumes prefigurados no artigo 334.º equivalerão aos mesmos “bons costumes” presentes no artigo 280.º/1(11): regras de conduta sexual e familiar e códigos deontológicos. Mas assim sendo — e assim é — não se entende o porquê da especialização representada pelo artigo 334.º.</font></i><br>
<i><font>O artigo 280.º/1 parifica, para efeitos de nulidade do negócio, a violação da lei, dos bons costumes e da ordem pública; porque não entender que o próprio exercício dos direitos subjectivos se deve conter dentro das margens desses três factores? Introduzir, a tal propósito, o abuso do direito vem duplicar, sem necessidade, óbvias soluções já alcançadas.</font></i><br>
<i><font>V. Finalmente: o fim social ou económico do direito invoca uma determinada construção historicamente situada, a examinar de modo mais detido (12). Adiantamos que, no fundo, ela apenas apela a uma interpretação melhorada das normas, que dê valor à dimensão teleológica. Não exige a ideia de “abuso”.</font></i><br>
<i><font>VI. Fica-nos, ainda, um ponto: o da presença de um direito subjectivo. Sublinhamos, todavia, que a locução “direito” surge, aqui, numa acepção muito ampla, de modo a abranger o exercício de quaisquer posições jurídicas, incluindo as passivas: abusa do “direito” o devedor que, invocando o artigo 777.º/1, in fine, se apresenta a cumprir, na residência do credor, às quatro da manhã.”</font></i><br>
<font>29. No caso é manifesto que o abuso de direito da Autora verifica-se em torno da locução </font><i><font>“venire contra factum proprium</font></i><font>”. Voltando a citar Menezes Cordeiro na referida obra: </font><i><font>“Estruturalmente, o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si, mas diferidas no tempo. Só que a primeira — o factum proprium — é contraditada pela segunda — o venire. O óbice que justificaria a intervenção do sistema residiria na relação de oposição que, entre ambas, se possa verificar. Há diversas sub-hipóteses. O venire é positivo quando se traduza numa acção contrária ao que o factum proprium deixaria esperar; será negativo caso redunde numa omissão contrária no mesmo factum. Sendo positivo, o venire pode implicar o exercício de direitos potestativos, de direitos comuns ou de liberdades gerais.” </font></i><br>
<font>30. E o principio basilar em que se alicerça a fundamentação do abuso de direito é o principio da confiança, ou seja, protege-se um lado ético das relações humanas, em que cada um deve ser coerente, não mudando arbitrariamente de condutas, com isso prejudicando o seu semelhante.</font><br>
<font>31. É manifesto assim o abuso de direito por parte da aqui Autora/Recorrida. E Citando acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2013 no Processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1 in www.dgsi.pt: </font><i><font>“O abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (artigo 334.º do CC). E como já tivemos oportunidade de dizer em acórdão desta conferência de 11/6/07 [1], a proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra, justamente, na proibição do abuso do direito, nessa medida sendo de conhecimento oficioso. No entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório, ou, dito de outro modo, “uma regra geral de coerência do comportamento dos sujeitos jurídico-privados, juridicamente exigível” [2]. Assim, o indivíduo é livre de mudar de opinião e de conduta fora dos casos em que assumiu compromissos negociais. Daí que, em princípio, o mecanismo disponibilizado pela ordem jurídica para possibilitar a formação da confiança na palavra dada e, consequentemente, na conduta futura dos contraentes seja só o negócio jurídico. Sabido, porém, que uma das funções essenciais do direito é a tutela das expectativas das pessoas, facilmente se intui que por si só o negócio jurídico, sob pena de cometimento de flagrantes injustiças em muitas situações concretas, não pode constituir o único modo de protecção das expectativas dos sujeitos na não contradição da conduta da contraparte; casos há em que, ainda antes do limiar da vinculação contratual, o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que actue de forma correspondente à confiança que despertou; casos, isto é, em que não pode venire contra factum proprium. A delimitação de tais casos obrigou a doutrina e a jurisprudência a terem que precisar com o máximo de rigor possível os pressupostos da proibição desta modalidade do abuso, desde logo por se ter a noção de que este instituto, construído, todo ele, a partir da cláusula geral da boa fé, apenas deve funcionar em situações limite, como verdadeira válvula de segurança e de escape do sistema, e não como uma tal ou qual panaceia de que se lança mão sempre que a aplicação das regras de direito estrito pareça ser insuficiente para assegurar a solução justa do caso. Importa evitar a todo o custo, como escreveu o autor atrás citado, “a utilização da boa fé como um “nevoeiro” que serve para tudo” [3].</font></i><br>
<i><font>Assim, há desde logo um primeiro e fundamental pressuposto a considerar: a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança. Em segundo lugar exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a actual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente. Em terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo acto anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente. Em quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma actividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa actividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente [4]. Por último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva objectivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano. Os pressupostos enumerados não podem em caso algum ser aplicados automaticamente pois, como observa o autor que vimos a acompanhar, o venire contra factum proprium é, em última análise, “uma técnica....que não dispensa, e antes pressupõe, um controlo da adequação material da solução, com uma valoração global de todos os elementos à luz do ponto de vista da tutela da confiança legítima” [5]; por isso, todos aqueles pressupostos “deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo”[6]. Dentro desta mesma linha de pensamento, escreveu-se no acórdão do STJ de 12.2.09 (Revª 4069/08) que “no âmbito da fórmula “manifesto excesso” cabe a figura da conduta contraditória (venire contra factum proprium), que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte em função do modo como antes actuara”. Assim tem de ser, acrescentamos nós, justamente porque o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; ele está presente, desde logo, na norma do artº 334º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.”</font></i><br>
<font>32. É assim manifesto que a sentença recorrida violou o vertido nos artigos 1785° n° 3 e 334° do Código Civil.</font><br>
<font> </font><br>
<font> TERMOS em que deve revogar-se a sentença recorrida por tal ser de JUSTIÇA».</font><br>
<font> </font><br>
<b><font> 4. </font></b><font>Apesar de estarmos perante um acórdão que confirma, sem voto de vencido, a sentença de 1.ª instância, o recurso de revista foi admitido, em virtude de não estar verificado o requisito negativo da dupla conformidade (artigo 671.º, n.º 3, do CPC), pela circunstância de a fundamentação das decisões das instâncias ser essencialmente diferente e por se tratar de um caso em que o recurso seria sempre admissível, por ter sido invocada a ofensa de caso julgado (artigo 629.º, n.º 2, al. </font><i><font>a)</font></i><font>, do Código de Processo Civil (CPC).</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> 5.</font></b><font> Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:</font><br>
<b><font> </font></b><font>a) </font><i><font>Nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC)</font></i><br>
<font> b) </font><i><font>Nulidade do acórdão recorrido por violação do caso julgado formal (artigo 620.º do CPC)</font></i><br>
<font> c) </font><i><font>Desistência do pedido, pela autora, e violação do artigo 1785.º, n.º 3, do Código Civil. </font></i><br>
<font> c) </font><i><font>Abuso do direito</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II - Fundamentação </font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>1.</font></b><font> Em causa está uma ação de divórcio, sem consentimento do outro cônjuge,</font><b><font> </font></b><font>instaurada por AA contra BB, com fundamento em rutura definitiva do casamento ao abrigo do disposto no artigo 1781.º, al. </font><i><font>d),</font></i><font> do CC, na qual, para além disso, vem pedida a fixação de um regime provisório quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, CC.</font>
</p><p><font>O réu foi citado para a tentativa de conciliação a que alude o artigo 931.º, n.º 1, do CPC, sem que tal diligência se tenha chegado a realizar por, entretanto, face ao óbito do réu, ter sido declarada a suspensão da instância nos termos do artigo 270.º, n.º 1, do CPC (cf. despacho de 07-01-2019).</font>
</p><p><font>Por despacho de 23-05-2019, foi declarada cessada a suspensão da instância e designada nova data para realização da tentativa de conciliação.</font>
</p><p><font>À tentativa de conciliação compareceram a autora e DD (a curadora da filha menor da autora e do réu), a qual – fazendo fé no teor da ata e bem assim nos demais elementos que constam do processo –, terá sido declarada habilitada para prosseguir os autos no lugar que era ocupado pelo réu, na qualidade de curadora especial da filha menor daquele, para efeitos patrimoniais, em concreto, com vista a que a autora deixasse de ter a qualidade de herdeira do réu e a recorrente passasse a ser a única e universal herdeira do seu pai.</font>
</p><p><font>Nessa diligência, a autora declarou desistir do pedido, pretensão à qual a habilitada se opôs.</font>
</p><p><font>Porém, o tribunal de 1.ª instância, considerando tal desistência legalmente admissível, homologou-a por sentença, declarando extinto o direito que se pretendia fazer valer, nos termos dos artigos 285.º, 289.º, n.º 2, e 290.º do CPC.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação proferiu acórdão, confirmando a sentença de 1.ª instância, mas com um outro fundamento, pois entendeu que a ação se extinguiu não por desistência, aqui completamente inócua, mas por impossibilidade superveniente da lide, nos termos conjugados do disposto nos artigos 1785.º, n.º 3, 2132.º e 2133.º, todos do CC, e do artigo 277.°, alínea </font><i><font>e),</font></i><font> do CPC), com fundamento na circunstância de o réu não ter deduzido pedido reconvencional e de, como tal, a instância não poder prosseguir.</font>
</p><p><font>O fundamento do acórdão recorrido, conforme se transcreve, foi o seguinte:</font>
</p><p><font>«A morte dissolve o vínculo matrimonial, tornando impossível a continuação da lide para efeitos pessoais.</font>
</p><p><font>De acordo com o artigo 1785.°, n.º 3, CC, o direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, se o autor falecer na pendência da causa; para os mesmos efeitos, pode a acção prosseguir contra os herdeiros do réu.</font>
</p><p><font>Segundo a apelante, com o artigo 1785.°, n.° 3, CC, pretende-se que, apesar da morte de um dos cônjuges, o processo possa prosseguir para efeitos patrimoniais, nomeadamente que o cônjuge sobrevivo fique excluído da classe dos sucessíveis do seu ex-cônjuge (artigo 2133.°, n,° 3, CC).</font>
</p><p><font>É nesse pressuposto que a apelante, sucessora do réu, pretende o prosseguimento da acção para excluir a apelada herança do ex-cônjuge.</font>
</p><p><font>Sem razão, porém.</font>
</p><p><font>A legitimidade para o prosseguimento da acção para efeitos patrimoniais apenas é reconhecida ao autor ou seus sucessores, o que bem se compreende, pois só o autor deduziu pedidos contra o réu.</font>
</p><p><font>O réu só gozará de idêntica faculdade se tiver deduzido pedido reconvencional, o que não sucedeu no caso dos autos.</font>
</p><p><font>Assim sendo, falecido o réu, a acção apenas poderia prosseguir contra os seus herdeiros, por impulso da apelada.</font>
</p><p><font>Não se pode, pois, acompanhar a apelante quando afirma que, ao desistir do pedido, a apelada estaria objectivamente a prejudicar a filha menor do casal — ora apelante, representada pela sua avó paterna — que seria a única e universal herdeira de BB,</font>
</p><p><font>Nem quando diz que, ao desistir do pedido, a apelada conseguiu um efeito patrimonial que não obteria caso o mesmo apenas falecesse após o divórcio.</font>
</p><p><font>Com o óbito do réu, dissolveu-se o casamento e a apelada adquiriu </font><i><font>ipso facto</font></i><font> a qualidade de herdeira (cf r. artigo 2132.° CC).</font>
</p><p><font>E, de acordo com o n.° 3 do artigo 2133.° CC, o cônjuge apenas não é chamado à herança se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou sep | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sjFau4YBgYBz1XKvm_mp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font>AA, residente na Rua ... ..., intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra </font><a></a><font>Ribapão - Sociedade Panificadora, Lda., com sede na Av. do Emigrante n.º 143, 4770-060 BENTE e Companhia de Seguros Lusitânia, S.A., com sede na Rua S. Domingos à Lapa, n.º 35, 1249 – 130 Lisboa, pedindo a condenação da Ré seguradora pagar-lhe a quantia global de 98.443,83 € sendo 38.000,00 € de danos não patrimoniais e 60.443,83 € de danos patrimoniais.</font><br>
<p><font>Alegou, para tanto e em síntese, que ocorreu um acidente de viação, em que foi interveniente o veículo que conduzia ao serviço da Ribapão - Sociedade Panificadora, Lda, sua entidade patronal, e o veículo seguro na Ré, que o abalroou e determinou que ele embatesse num outro veículo imobilizado na berma em serviço de limpeza para a Brisa. Desse embate resultaram lesões, referindo sequelas que correspondem a défice permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos; sofreu dores, dano estético e durante o período de tratamento ficou com limitação das suas atividades diárias e sociais.</font><br>
</p><p><font>A Autora Ribapão - Sociedade Panificadora, Lda., no processo que foi apensado aos presentes autos, pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 12.000,00 €, acrescida de juros legais contados desde a data da citação até integral pagamento, descrevendo o embate de forma semelhante e requerendo o valor do veículo, que se perdeu, bem com despesas com a sua recolha e transtornos que a sua falta causou.</font><br>
</p><p><font>A Ré contestou, contrapondo que a condutora do veículo seguro circulava na autoestrada na faixa mais à direita a cerca de 100 km/h e que, quando passava em ... ao km 25,150, sem que nada o fizesse prever, o Autor acionou bruscamente o sistema de travagem e reduziu muito drasticamente a velocidade, provocando o embate.</font><br>
</p><p><font>Os autos foram saneados e realizou-se audiência final, proferindo-se sentença que julgou ambas as acções improcedentes, absolvendo a Ré dos pedidos formulados por ambos os Autores.</font><br>
</p><p><font>Desta decisão os autores interpuseram recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença e se proferisse decisão que julgasse a acção totalmente procedente por provada, condenando a R./apelada nos pedidos da acção principal e apenso, e, subsidiariamente, requereram o reenvio do processo à 1ª Instância, para melhor apuramento dos factos e fixação do valor indemnizatório, a atribuir aos A.A./apelantes.</font><br>
</p><p><font>Porém, a Relação decidiu da seguinte maneira:</font><br>
</p><p><font>“Por todo o exposto, apesar de se alterar a matéria de facto provada nos termos supra apontados, não se conhece da ampliação do recurso e julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.</font><br>
</p><p><font>Custas do recurso pelos Recorrentes.”</font><br>
</p><p><font>Não se conformou a ré que interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>“1ª- Vem o presente recurso interposto, pelo facto dos recorrentes, não se conformarem, nem se poderem conformar, de forma alguma, com o aliás, douto acórdão, proferido no Proc. N.º 2515/17.2T8BRG.G1, com 97 páginas, identificados e numerados no seu canto superior direito, como integrantes do mesmo e que no final (pág. 97), como decisão final, “julga-se a apelação improcedente e em consequência mantem-se a decisão recorrida, o que aqui se dá por integralmente reproduzido” (negrito nosso), do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, recurso interposto pelos recorrentes, do douto acórdão proferido em 1ª Instância, que manteve o decidido nessa sede.</font><br>
</p><p><font>2ª- Refere, a notificação feita ao mandatário, o seguinte: “Fica V.ª Ex.ª notificado, …, relativamente ao processo supra identificado, do acórdão de que se junta cópia.”, sendo que, a cópia são as questionadas 97 páginas, e cujo teor, pese embora, englobar a matéria questionada pelos recorrentes, não se pronuncia sobre toda a matéria das suas 115 conclusões, altera em parte a matéria de facto e pronuncia-se sobre outra matéria, como integrando, o mesmo Proc. N.º 2515/17.2T8BRG-G1.</font><br>
</p><p><font>3ª- São as seguintes questões a debater no presente processo: nulidade do acórdão (exame da decisão recorrida face ao disposto no art.º 674º, n.º 1, al. c), “ex vi”, do art.º 615º, n.º 1, al.d), do C.P.Civil; nulidade e ilegalidade do acórdão (à luz do disposto no art.º 674º, n.º 1, al. a), “ex vi” do art.º 615º, n.º 1, al.s b) e c), do C.P.Civil); necessidade, pela sua relevância jurídica, da questão, para melhor aplicação do direito, o que prevalece e como prevalece, com vista a apurar a culpabilidade, o disposto e estatuído, pelo art.º 18º, n.s 1 e 2, do C.Estrada (distância que o condutor do veículo, deve manter do veículo que vai à sua frente e culpabilidade, em caso de embater na sua traseira – em confronto com o estatuído pelos art.s 24º, n.º 1 e 25º, n.º 1, al. j), do C.Estrada); análise aos dispositivos legais atinentes à matéria e aplicação ao caso “sub judice”.</font><br>
</p><p><font>4ª- Deste modo, no que se refere aos fundamentos do presente recurso, diremos que o facto objectivo que ficou claro e provado, é que a condutora do veículo seguro na R./recorrida, circulando na autoestrada, atrás do recorrente, não teve em atenção, guardar, em todo o seu percurso, a distância mínima necessária para poder travar em caso de abrandamento ou travagem do veículo que ia à sua frente, violando, desta forma, flagrantemente, as regras estradais (cfr. art.º 18º, n.s 1 e 2, do C.Estrada), assim provocando tão sinistro acidente, com consequências tão graves para o A./recorrente.</font><br>
</p><p><font>5ª- Refere-se, antes de tudo o mais, que o douto acórdão recorrido, admitindo-se que, anuindo em, celeremente, “arrumar”, via “dupla conforme”, mais um processo distribuído, não se pronuncia sobre as concretas questões suscitadas em sede de recurso judicial interposto pelos recorrentes, perante o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, isto é, não analisa, nem critica, toda a matéria que estes levaram à sua apreciação nas 115 conclusões – era seu dever analisá-las e criticá-las, o que não fez – pronunciando-se, antes e, anomalamente, a partir de fls. 67, daquele douto acórdão, aqui recorrido, sobre uma questão relacionado com uma tal “P..., Lda”, em que a Ré/apelante era a MEO, concluindo e considerando, como decisão final, a fls. 97, daquele douto acórdão, na sua globalidade e “in tottum”, pela “improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida” (sic).</font><br>
</p><p><font>6ª- Na verdade, nada tendo a ver, com os recorrentes, a matéria vertida a partir de fls. 67 até fls.97 (integrando todas o Proc. N.º 2515/17.2T8BRG.G1) e onde a Sr. Juiz Desembargadora, ..., escreve: “segue acórdão que sintetizo da seguinte forma…”, reportando-se, antes, a uma “P...”, em litígio com o “MEO”, e cuja decisão final, a fls. 97, é a mesmíssima “apelação improcedente e em consequência mantem-se a decisão recorrida” (mais uma “dupla conforme”), atenta a falta de exigência em apreciar, criticamente, e com efectiva objectividade, todas as questões suscitadas, misturando e pronunciando-se, no mesmo recurso, sobre matérias e questões diferentes, nele não suscitadas, são claramente demonstradoras de alguma “ligeireza”, falta de responsabilidade e objectividade do julgador, como sucede “in casu”, com o acórdão tão “obtuso”, de que se recorre, descredibilizando os tribunais, minando a sua imagem e bem assim a confiança do cidadão comum e daqueles que se vêm obrigados a recorrer aos tribunais, como órgãos de soberania.</font><br>
</p><p><font>7ª- Deste modo e, naturalmente, atenta a extensão do douto acórdão, identificado e epigrafado em papel timbrado da Relação de Guimarães, ao longo de 97 páginas, “Proc. N.º 2515/17.2T8BRG.G1 (integradores do mesmo, como um todo) – está vedado ao julgador trazer ao processo matéria alheia doutros processos – ali se pronunciando e conhecendo no mesmo acórdão, questões alheias ao acidente de viação em causa, e que não podia conhecer, dentro do mesmo acórdão, incorreu no vício a que alude o art.º 615º, n.º 1 al. d), do C.P.Civil, assim padecendo, o douto acórdão de nulidade, nos termos do preceituado no art.º 674º, n.º 1, al. c), “ex vi”, do art.º 615º, n.º 1, al. d), ambos do C.P.Civil, e que aqui, expressamente se argui para os legais efeitos.</font><br>
</p><p><font>8ª- Entendem os recorrentes que o douto acórdão padece de nulidade, à luz do preceituado no art.º 674º, n.º 1, als. a) e c), “in se”, mesmo considerados e, ainda, “ex vi”, das alíneas b), c) e d), do n.º 1, do art.º 615º, todos do C.P.Civil.</font><br>
</p><p><font>SEM PRESCINDIR E À CAUTELA:</font><br>
</p><p><font>9ª- A sentença do Tribunal de 1ª Instância, é completamente arbitrária, nada objectiva, nem condizente com a verdade material dos factos, com o argumento falacioso de que terá que dar credibilidade ao autor da participação do acidente (falsa), subscrita e assinada pelo Sarg. BB, aliás, impugnada, “ab initio”, por falsidade, porque é um agente da autoridade, quando é certo que, aquele participante não fez parte da patrulha da G.N.R., que se deslocou ao local do acidente, para tomar conta da ocorrência, não contactou, nem identificou, no local, qualquer dos intervenientes, bem como a testemunha ocular, CC, e designadamente, o A./recorrente, gravemente ferido.</font><br>
</p><p><font>10ª- Seria lógico, que o autor da participação, o Sargento da G.N.R., caso estivesse no local, visse e presenciasse tão aparatoso e sinistro acidente (e que não estava), às 09h30, em que se deu (facto provado 1º), e não às 10h00, como falsamente, o subscritor e assinante da participação descreve (cfr. fls. 65 dos autos), teria de imediato, registando essa data/hora, chamado o socorro e a patrulha da G.N.R., ali tendo que aguardar.</font><br>
</p><p><font>11ª- Resulta da experiência comum, que se ali tivesse estado, o Sarg. BB, teria prestado o necessário auxílio às vítimas, designadamente, ao condutor do veículo, que foi embatido na sua traseira e teria visto que ficou gravemente ferido, sem poder sair do habitáculo, só o conseguindo com o auxílio da testemunha ocular, CC – e que não do Sargento – teria escrito, que estava gravemente ferido, teria falado com os intervenientes e testemunhas, identificando-as.</font><br>
</p><p><font>12ª- O participante, a ali ter estado, teria aguardado a patrulha que tomou conta do sinistro, tirou medidas ao local do acidente e viaturas envolvidas, sendo suposto ser um dos agentes que tomou conta do acidente, a elaborar a participação, indicando toda a prova, que foi possível obter, o que não sucedeu “in casu”.</font><br>
</p><p><font>13ª- Face a tanta discrepância, incongruência, contradições, inverdades, inverosimilhança e, ainda, “partes gagas”, vertidas na questionada “participação”, inquinada de vício indiscutível de falsidade, prestando-se, o seu autor, em sede de julgamento, a manter, para não incorrer no crime de falsidade de depoimento e tentar dar alguma consistência, manteve, “tout court”, a versão que verteu na questionada participação, análise crítica essa, objectiva e equidistante das partes, que o Tribunal de recurso, teria que fazer e que não fez daquela participação, inquinado de falsidade, como impugnado foi, o depoimento do seu autor e subscritor, prestado em julgamento.</font><br>
</p><p><font>14ª- O Tribunal de 1ª instância optou, infundamentadamente, por desresponsabilizar, ilógica e arbitrariamente, toda a restante prova, como sejam as fotografias, a sinalização existente na autoestrada, limitadores de velocidade, dando, inclusive, interpretação errática e destorcida ao art.º 18º, do C.Estrada, sendo que, ainda que se admita a tese estruturada pela recorrida, estribada na questionada participação, caso a condutora da R./recorrida, que circulava a 120 Km/h, circulasse com atenção e guardasse a tal “distância suficiente” – que não guardava –, dúvidas não restam de que teria evitado ir embater no veículo conduzido pelo A./recorrente.</font><br>
</p><p><font>15ª- Tudo isto para dizer que, tendo a condutora do veículo seguro na recorrida, ao conduzir, com a óbvia desatenção e não guardar a distância suficiente, que a separava do veículo que ia à sua frente, infringido o disposto no aludido art.º 18º, n.s 1 e 2, do Código da Estrada, o que levou a que fosse bater na traseira do veículo do A./recorrente, de cuja presença, como ela afirma, só se apercebeu quando está em cima dele e lhe bate, devendo, por conseguinte, e, consequentemente, ser-lhe imputada a responsabilidade pelo acidente e suas consequências.</font><br>
</p><p><font>16ª- Não obstante todas aquelas incongruências, contradições, inverdades e mesmo falsidade, vertidas naquela questionada participação, a Meritíssima Juiz, julgou a acção não provada e improcedente, absolvendo a recorrida, dos pedidos formulados.</font><br>
</p><p><font>17ª- A sentença descredibilizou as provas efectivas e reais, distorcendo e interpretando erradamente, o art.º 18º, do C.Estrada, para tão gritantemente e clamorosamente, credibilizar o testemunho, do Sarg. BB, autor da participação, o qual, não presenciou, nem viu, a par de tal depoimento estar em discordância com o normal acontecer, com as regras seguidas na G.N.R. e que presidiram à elaboração do auto de participação e, inclusive, com as “regras de experiência comum”.</font><br>
</p><p><font>18ª- Os recorrentes, depois de terem feito um estudo e análise crítica, dissecando toda a prova, documental, fotográfica, constante das 115 conclusões, clarificadoras, onde se demonstrou, passo a passo, dando cumprimento escrupuloso ao disposto no art.º 640º, do C.P.C., daquela má, errada, injusta e infundamentada e incongruente sentença, cuja revogação se impunha.</font><br>
</p><p><font>19ª- Numa atitude de melhor acuidade, rectidão, transparência e isenção, que se exige ao julgador, bastava que o Tribunal “a quo” – o mesmo acontece com o douto acórdão – atentasse na forma estranha, anómala e fora do que é normal acontecer, como aquele Senhor Sargento participante, elabora a participação, cuja preocupação, segundo ele, era saber se os funcionários da BRISA, de que era amigo, tinham sido atingidos, despreocupando-se, contudo, do que era mais importante, isto é, do condutor sinistrado,etc.</font><br>
</p><p><font>20ª- E, bastaria atentar e saber com que intenção e a que propósito se autoelogia, dizendo: “posso de forma isenta e coerente relatar…”, para condicionar o Tribunal – como condicionou – logo aí julgando o acidente – o que é ilegal e inconstitucional – aí fazendo o seu pré-juízo, colocando-se na posição de julgador e atribui a culpa ao condutor que ia à frente da condutora do veículo seguro na R./recorrida, autoproclamando-se, duma forma inusitada e esquisita, como pessoa isenta, que o não foi, escrevendo, de novo: “…de forma totalmente isenta, posso afirmar que o acidente só aconteceu da forma como acima referido pela inicial acção do condutor do veículo 2” (cfr. participação, a fls. 65).</font><br>
</p><p><font>21ª- É fantástico, estranho e anómalo, que um Sargento da G.N.R., se tenha permitido elaborar, naqueles termos, um dia depois do acidente, na secretaria, tão insipiente e inócua participação, na qual, com segundas intenções e interessadamente, fazendo um pré-juízo de condenação do A./recorrente, e sem que a defesa tivesse feito qualquer outra prova, de apoio àquela tese peregrina, com que, ambos os Tribunais “a quo”, assentaram as suas decisões, em tais “patranhas”, as quais, sendo de fácil percepção ao homem médio, também não podia passar despercebida, ao Tribunal da Relação, ao qual se exige outra acuidade, ponderação e aplicação correcta do direito.</font><br>
</p><p><font>22ª- Os recorrentes, estupefactos com a sentença que consideram totalmente errada, infundamentada, contraditória e ao arrepio, clamoroso, da verdade material e, ainda violadora da lei, ao dela ter interposto o competente recurso para o T.R.Guimarães, tiveram o cuidado de cumprir com o disposto no art.º 640º, n.s 1 e 2, e 639º, n.s 1, 2 e 3, ambos do C.P.Civil, assim o tendo entendido o douto acórdão, de que, agora, se recorre (cfr. fls. 39, do acórdão).</font><br>
</p><p><font>23ª- E, sendo como é, nos termos do disposto nos art.s 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1, o recurso limitado pelas conclusões, é sobre a matéria de cada uma dessas 115 conclusões, que aquele douto acórdão, se teria que debruçar, através duma análise crítica, ponderada, com adequada acuidade, em especial, na “parte dispositiva da sentença desfavorável ao recorrente”, só assim podendo concluir pela procedência ou não de cada uma das conclusões, sob pena de não o fazendo, como não fez, incorrer no vício a que alude o art.º 615º, n.º 1, al. d), do C.P.Civil, acarretando a sua nulidade (art.s 674º, n.º 1, al. c), do C.P.Civil), em que incorreu.</font><br>
</p><p><font>24ª- Sendo como é, tão clamorosa e tão gritantemente inverosímil e inacreditável, que se profira uma tal sentença e um tal acórdão, altamente descredibilizadores, para a Justiça e que lesam, tão gravemente, os recorrentes, será mister trazer à colação, resumidamente, o que, no essencial, contrariando e infirmando aquelas decisões, o que se concluiu nas conclusões de recurso, relativamente às quais, o Tribunal “a quo”, no seu douto acórdão, não se pronunciou, nem a elas fez referência:</font><br>
</p><p><font>25ª- Os recorrentes, “ab initio”, impugnaram a participação do acidente (fls. 63 v. a 65 v. dos autos), certamente elaborado com interesses “inconfessados”, pelo que, desde logo, o Tribunal, a quem se pede verdade e justiça, oficiar, antes de mais, à G.N.R. para informar:</font><br>
</p><p><font>- relativamente ao Sargento que assinou tal participação, para se saber, em concreto, sendo ele Comandante do Posto da ..., à hora que ocorreu o acidente, isto é, “em 21 de maio de 2014, cercas das 09h30” (facto 1, dado por provado), onde se encontrava, no referido dia, das 09h30 às 11h00, e que tarefas desempenhava, uma vez que na participação escreveu 10h00;</font><br>
</p><p><font>- qual a patrulha que tomou conta do acidente e quem a chefiou, quais os elementos que a constituíram, quando foram chamados ao local e a que horas ali chegaram;</font><br>
</p><p><font>- o que viram, o que contactaram e quais as pessoas que ali ainda se encontravam;</font><br>
</p><p><font>- se chegaram antes ou depois da ambulância e qual o estado do sinistrado e se os identificaram;</font><br>
</p><p><font>- se a patrulha – e que não o Sargento Comandante do Posto – fizeram alguma participação;</font><br>
</p><p><font>- porque é que, não tendo o Sarg. BB, Comandante do Posto, feito parte da patrulha que tomou conta da ocorrência, é ele a assinar a participação de fls. 63 a 65 v. (cuja cópia deveria ser enviada ao Comando da G.N.R.);</font><br>
</p><p><font>- não obstante ter sido uma patrulha da G.N.R. – que não chefiada pelo Comandante do posto – que foi chamada ao local e tomou conta do sinistro, é normal e regulamentar que o Comandante do Posto, conhecedor dos elementos que a patrulha recolhei no local, não tendo ele feito parte da patrulha, faça ele próprio, “ex sponte sua”, a participação e assine, só ele;</font><br>
</p><p><font>- frise-se, só no dia seguinte ao acidente, é feito o auto, sem que nenhum dos elementos da patrulha a assine, ou como participantes, ou como testemunhas e, sem sequer identificar nenhuma das testemunhas, presentes no local do acidente;</font><br>
</p><p><font>- finalmente, e porque aquele comandante do posto, afirmou, laconicamente, mas não provou, ter feito parte da patrulha, que tomou conta do acidente, que ocorreu no mesmo dia, na A3, em sentido contrário, encontrando-se já só um veículo, capotado na berma, remeter aos autos, cópia daquela outra participação.</font><br>
</p><p><font>26ª- Caso o Tribunal cumprisse com esse dever, que não fez, logo se aperceberia da falsidade do participante e do depoimento do seu autor, aquando do seu depoimento (consta da gravação e foi transcrito, no essencial), falsidades, incongruências e inverosimilhanças essas, demonstradas de forma crítica e escalpelizante, como se alcança das conclusões 19ª a 19.6ª.</font><br>
</p><p><font>27ª- Nelas se demonstra, à saciedade, aquela falsidade de documento e depoimento, pelo que, nada mais restava ao julgador, senão julgar a acção provada e procedente, condenando a Ré, ora recorrida, Companhia de Seguros, nos pedidos, e não como, infundada, incompreensível, clamorosamente e contra a verdade material dos factos, foi entendido tão arbitrária e subjectivamente, pelo Tribunal de 1ª Instância, bem como pelo Tribunal de recurso.</font><br>
</p><p><font>28ª- Já no que concerne, à tese da R./recorrida e face ao disposto no art.º 662º, n.s 1 e 2, alíneas a), b), c) e d), do C.P.Civil, impunha-se, ao Tribunal “a quo”, que o douto acórdão, confrontado com tantas dúvidas, contradições, incongruências e “partes gagas”, inquestionavelmente demonstradas na apelação dos A.A./recorrentes, não aceitá-las e “anular a decisão proferida na 1ª Instância”, ordenar, quando muito, a produção de novos meios de prova, designadamente, aqueles que os recorrentes, “cum data venia”, sugeriram na conclusão 25, destas alegações, só assim podendo dissipar a questão da falsidade de documento e subsequente depoimento do seu autor material.</font><br>
</p><p><font>29ª- Porém, Venerandos Conselheiros, o douto acórdão recorrido, optou por simplisticamente – denotando desconsideração, pelo insano estudo e trabalho do mandatário dos A.A./recorrentes – não curando e ignorando a análise crítica feita à sentença, escalpelizadora dos elementos de prova, com recurso à indicação dos “trechos/partes dos depoimentos”, constantes da gravação e trazidos às alegações/conclusões, os quais, impunham a condenação da R./recorrida, apenas se assentou no depoimento do questionado Sarg. BB, dando-lhe credibilidade só porque é um agente da G.N.R. …”. Francamente…!</font><br>
</p><p><font>30ª- Tendo ocorrido o acidente às 09h30, do dia 21/05/2014, e sendo elaborada a questionada participação, só um dia depois, 22/05/2014, pelo Sarg. BB, Comandante do Posto da ..., o qual, não integrou a patrulha que tomou conta do acidente, a condutora do veículo seguro na R./recorrida, presumivelmente, já “ensaiada”, esta só em 11/06/2014, depois daquela participação, de fls. 63 a 65 v., é que presta a sua declaração à “...”, empresa externa que procedeu à averiguação do acidente, com a lição já estudada, diz: “circulando a cerca de 120Km/h, quando o veículo que circulava à minha frente trava, inesperadamente, eu apercebo-me, travei, mas não consegui evitar o choque.” (cfr. doc.3, junto pela R./recorrida, a fls. 66 v. dos autos).</font><br>
</p><p><font>31ª- Analisando aquela participação, fácil é de ver, que respira falsidade, dizendo, desde logo, ser estranho, ilegal e contrário às normas e práticas da G.N.R., que o Sarg. Ajudante, Comandante do Posto da ..., participasse o acidente, sem que tivesse ouvido em declarações nenhum dos intervenientes, nem tampouco as testemunhas presenciais, que havia ali, designadamente, o CC, que prestou auxílio ao A./recorrente, politraumatizado e preso dentro do veículo acidentado, retirando-o para fora, mesmo antes de chegar o INEM e a própria patrulha da G.N.R., da qual o Sarg. BB, não fazia parte, sendo que o mesmo, o que é deveras gravíssimo – a ser verdade que ali estivesse, e que não é, além de não ter prestado o auxílio à vítima, diz na participação que só havia um ferido (o recorrente), com o qual não contactou, como também não contactou com a outra condutora, DD, que bateu na retaguarda do veículo do A./recorrente, e bem assim, com a testemunha ocular, CC, que estava a prestar assistência ao A./recorrente, sendo que todas, mas todas estas pessoas, afirmaram, peremptoriamente, que não viram, no local do acidente, aquele participante, nem os contactou em momento algum.</font><br>
</p><p><font>32ª- É, por conseguinte, estranho e inverosímil, aos olhos do homem médio, e do “bonus pater familiae”, que o participante, Sargento da G.N.R., ali estivesse e não cumprisse aqueles elementares deveres de auxílio às vítimas, não contactasse ou ouvisse os condutores, as testemunhas presenciais e não recolhesse a demais prova no terreno, sendo certo ter, o mesmo, iniciado a descrição da participação dizendo “posso de forma isenta e coerente relatar o seguinte”.</font><br>
</p><p><font>33ª- Acontece que, bem sabendo da valoração que os Tribunais atribuem às participações das autoridades, teve necessidade de, na própria participação, se autoelogiar e justificar a “falsa participação”, antecipadamente e à cautela, qualificando-se de “isento, coerente e com enorme experiência de AE”, forma esta, estranha do participante relatar os acidentes, logo afirmando ter sido o A., ora recorrente, o causador do acidente, por ter reduzido subitamente a velocidade.</font><br>
</p><p><font>34ª- Aliás, escreveu, ainda, gratuitamente, e sem qualquer prova, sobre a sua presença no local, que viu o acidente, sem que, no entanto, fizesse qualquer referência a quem ali se encontrava, designadamente, patrulha da G.N.R., INEM, pessoal da BRISA, que ali estava a fazer limpeza e às demais pessoas a que aludimos, permitindo-se, com total desplante dizer “passo de forma isenta e coerente a relatar”, concluindo, de seguida, e sem a menor objectividade, apelando à sua enorme experiência em AE “posso afirmar que o culpado do acidente, foi o condutor do veículo 2”.</font><br>
</p><p><font>35ª- É, por demais evidente e incontestável, atentos os depoimentos, conjugados do A./recorrente/sinistrado, da testemunha ocular, EE, da DD, condutora do NC, seguro na R./apelada, afirmando, peremptoriamente, “eu nem me recordo daquele senhor”, referindo-se ao participante, Sarg. Aj. da G.N.R. e “estavam ali a trabalhar os funcionários da BRISA”; declarações de parte do A./apelante, AA, afirmando todos, peremptoriamente, que até chegar o INEM e a patrulha da G.N.R., que tomou conta da ocorrência, não viram no local do acidente, aquele Sargento, afirmando o A./recorrente, “não, eu não vi ninguém e se eu visse alguém tentava entregar o dinheiro ao agente…”, “…se eu visse o tal agente eu ia confiar nessa pessoa”.</font><br>
</p><p><font>36ª- De facto, dizendo todas aquelas pessoas – até a própria condutora do NC, que ali não viu o participante, a Sr.ª Juíza, também não a podia ter dúvidas – de que aquele Sargento, ali não esteve, aquando da produção do acidente, impondo-se, por isso, com toda a transparência e isenção, que descredibilizam todo o seu depoimento e bem assim, da falsidade da participação, com o que faria a sã justiça.</font><br>
</p><p><font>37ª- Ao verificar, pois, o que era patente, isto é, que a tese e estratégia de defesa, montada pela Ré, estribada naquela participação, é falaciosa, teria o Tribunal “a quo”, que julgar a acção procedente, condenando, consequentemente, a recorrida, nos pedidos.</font><br>
</p><p><font>38ª- É, igualmente, de estranhar que o Sargento participante, com tantos anos de serviços, elabora tão insuficientemente aquela participação, com falhas e deficiências anómalas e imperdoáveis, nela fazendo logo, um pré-juízo, ilegal de culpa, ao condutor do veículo que foi embatido na sua traseira – é o objectivo “inconfessado” que, “clamorosamente”, resulta do teor daquela participação e são apreensíveis pelo seu próprio texto, sem recurso a quaisquer outros elementos, como sejam, depoimentos, impeditivos do “bem decidir” – dúvidas não pode haver, de que a falta dos elementos de identificação do participante (apenas uma rúbrica ilegível), a falta de identificação das testemunhas, etc., etc. – está vedado por lei, ao agente policial, imputar a culpa e julgar, como de julgador fosse, a qualquer dos intervenientes no acidente.</font><br>
</p><p><font>39ª- Todas aquelas falhas, incongruências, abuso do poder, etc. são reveladoras, como é óbvio, de quem não viu, nem esteve presente no local do sinistro.</font><br>
</p><p><font>40ª- E, foi desta forma, que o Tribunal de 1ª Instância, incompreensivelmente, se deixou influenciar pela dita participação, proferindo, tão anacronicamente, tão errada e injusta sentença.</font><br>
</p><p><font>41ª- E, de igual forma, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, incorre no mesmo logro e erro, pois caso se tivesse debruçado, com a acuidade que o assunto exigia e que os recorrentes merecem, não se tendo pronunciado, verdadeiramente, sobre toda a matéria vertidas nas conclusões, viola o disposto na al. c), n.º 1, do art.º 674º, “ex vi”, do art.º 615º, n.º 1, al. d), do C.P.C..</font><br>
</p><p><font>42ª- Quanto à dinâmica do acidente, não podia o Tribunal “a quo”, misturando “motu proprio”, optou por um raciocínio, adulterar, arbitrariamente, a realidade dos factos, desvirtuando e descredibilizando, previamente – e na medida em que demonstravam, a falsidade de participação que foi impugnada e infirmaram o depoimento do seu autor – o depoimento do A./recorrente e suas testemunhas, extrapolando e valorizando, ao invés, o depoimento do autor da questionada participação e bem assim o da própria condutora da R./recorrida, que bateu na traseira do veículo do A./recorrido.</font><br>
</p><p><font>43ª- Era dever do Tribunal “a quo”, tratando-se dum acidente em AE, em que circulando dois veículos, no mesmo sentido, um atrás do outro, apurar se o que seguia atrás, isto é, o veículo conduzido pela DD, seguro na recorrida, guardou ou não a “distância suficiente”, a que alude o art.º 18º, n.º 1, do C.Estrada, para evitar embater-lhe, caso aquele abrandasse a marcha ou, mesmo travasse.</font><br>
</p><p><font>44ª- Daí que, o Tribunal “a quo”, quando, de forma arbitrária, afirma que “além da presunção de culpa que impendia sobre o Autor … provou-se a culpa do Autor … devido à sua curiosidade relativa ao que se passava com o acidente ocorrido, na via do sentido B...-G...”, refugiando-se no depoimento comprometido, titubeante, inseguro, completamente infundamentado e atrozmente ilógico, também ele contrário às normas, regras estradais e da experiência comum, denota alguma ligeireza de raciocínio, e notória irresponsabilidade, no que ao dever da descoberta da verdade material e aplicação de uma justiça sã, concerne, afirmando, gratuitamente, e só porque foi essa a tentativa de defesa da R./recorrida (não justificada, nem provada), que “… foi a curiosidade relativa ao que se passava com o acidente ocorrido na via do sentido B...-G...”, sendo que, não foi feita qualquer prova quanto a esse facto, nem quanto à presença da testemunha naquele outro acidente, nem quanto à hora em que ocorreu e seus intervenientes assentando, deste modo, aquela sentença, em meras especulações, fabulações e presunções, só porque o subscritor da participação “referiu”, gratuitamente, isso mesmo.</font><br>
</p><p><font>45ª- Não fique por dizer, que o Tribunal “a quo”, mesmo não tendo apurado, qual a distância que o veículo da Ré, mantinha entre si e o veículo do A./recorrente, que circulava à sua frente, deu como provado que, sempre seria inferior a 100 metros, e que no piso não ficaram vestígios da existência das pretensas travagens, quer do veículo que circulava à frente, quer do veículo NC, da R./recorrida (cfr. croquis do acidente, a fls. 66 v), pois, mesmo a chover ou com chuva miudinha, caso a condutora do veículo ..-CC-.., tivesse travado a fundo e a condutora do ..-NC-.., também tivesse travado, sempre existiria algum vestígio.</font><br>
</p><p><font>46ª- Como é possível, que a sentença e o douto acórdão recorrido, para iludir a verdade dos factos e “justificar o injustificável”, absurdo e contrariando as mais elementares regras da experiência comum, perante a total ausência de prova que pudesse sustentar a versão da defesa e impugnado que foi o teor da participação dos acidentes, “falsidade” e seu depoimento, para desculpar, escandalosamente, a R./recorrida, dão como assente ter o condutor do ..-CC-.., “movido de curiosidade” – espante-se o comum dos mortais – e travou a fundo, factos estes “travagem”, cuja prova só seria possível se do croquis do acidente, constasse qualquer indício disso mesmo, o mostrando-se, também, nesta parte, o douto acórdão ininteligível e como tal, inquinado de nulidade, nos termos do disposto na al. c), do n.º 1, do at. | [0 0 0 ... 0 0 0] |
HzFiu4YBgYBz1XKvvP9c | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<font>***</font><br>
<p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></p></div><br>
<br>
<br>
<p><b><font>I - Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>1.</font><b><font> </font></b><u><font>O autor</font></u><font>, </font><b><font>AA</font></b><font>, ..., instaurou (em 08/09/2010), </font><u><font>contra os réus</font></u><font>, </font><b><font>HPP – Norte, SA.</font></b><font> (</font><u><font>atualmente com a designação de Lusíadas, SA.)</font></u><font>, </font><b><font>BB</font></b><font>, médico</font><i><font>, </font></i><b><i><font>Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA.</font></i></b><i><font>”, e </font></i><b><font>CC,</font></b><i><font> </font></i><font>médico, todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa condenatória (então sob a forma de processo ordinário), pedindo, na sua essência, no final a:</font><br>
</p><p><i><font>a</font></i><font>) Condenação dos réus no pagamento de compensação por danos patrimoniais correspondente à incapacidade pelo autor sofrida em resultado da conduta dos réus, a liquidar em decisão ulterior;</font><br>
</p><p><font>b) Condenação dos réus no pagamento de compensação pelos danos não patrimoniais pelo autor sofridos em resultado da conduta dos réus, a liquidar em decisão ulterior;</font><br>
</p><p><font>c) Condenação dos réus HPP – Norte, SA, e BB na devolução da quantia pelo autor paga pela intervenção realizada nas instalações do primeiro, bem como dos valores aí despendidos em consultas e exames (no total de € 1.087,93);</font><br>
</p><p><font>d) Condenação dos réus Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA, e CC na devolução da quantia pelo autor paga pelas intervenções realizadas nas instalações da primeira, bem como dos valores despendidos em consultas e exames (no total de € 1.301,00);</font><br>
</p><p><font>e) Condenação dos réus na publicação da sentença a proferir nos autos, em jornal nacional de referência durante 4 domingos, de forma evitar que potenciais candidatos a realizar intervenção com recurso à técnica “Lasik” possam ser operados sem qualquer informação;</font><br>
</p><p><font>f) Condenação dos réus no pagamento de todas as despesas a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos (incluindo deslocação e estadia) que, futuramente, com o avanço da ciência, possam ser executados para minimizar a incapacidade visual de que o autor ficou afetado.</font><br>
</p><p><font>Para o efeito, e em síntese, alegou:</font><br>
</p><p><font>Que desde os 6 anos de idade sofre de miopia e tem necessidade de usar óculos de forma permanente, o que se agravou com a idade, razão pela qual, em 2004 – e quando então já exercia a profissão de ... - em consulta oftalmológica no “Hospital dos Clérigos”, então pertença da ré HPP, registou 9 dioptrias no olho direito e 8,50 dioptrias no olho esquerdo. </font><br>
</p><p><font>Numa unidade da ré HPP teve acesso a brochura relativa a uma técnica de correção cirúrgica da miopia denominada “Lasik”, que lhe traria a solução para os seus problemas diários relacionados com o uso de óculos ou lentes de contacto, sem efeitos secundários, o que era confirmado em newsletter distribuída pela mesma ré em outubro de 2006. </font><br>
</p><p><font>Em dezembro de 2004 agendou consulta com o réu BB, que era o responsável pela execução do tratamento com recurso a tal tecnologia na ré HPP, para aferir da possibilidade de corrigir cirurgicamente a miopia que o afetava, visando cessar em absoluto a utilização de óculos ou lentes de contacto. </font><br>
</p><p><font>Na sequência dessa consulta, realizou os exames que o referido réu entendeu serem necessários para avaliar a situação, tendo dele recebido também algumas indicações pré-operatórias, bem como a informação de que a recuperação seria quase imediata e sem dores, tendo ainda sido alertado para a eventual necessidade de posteriormente, cerca de 3 meses após a primeira intervenção, se corrigir o que não ficasse perfeito na primeira intervenção. O réu transmitiu-lhe ainda que ele iria abandonar de forma definitiva o uso de auxiliares de visão, mas nada lhe disse sobre os riscos e possíveis efeitos secundários da intervenção. </font><br>
</p><p><font>Foi assim que na data agendada (.../05/2005) foi submetido (ao olho direito) à intervenção programada, no final da qual lhe foi dito que tudo se processara normalmente, devendo regressar no dia seguinte para acompanhamento da evolução da intervenção, o que fez, tenho-lhe novamente lhe sido transmitido que tudo estava a decorrer dentro da normalidade.</font><br>
</p><p><font>Em .../05/2005, o A. comunicou ao réu BB que sentia enevoada a visão do olho direito intervencionado, tendo o réu indicado que deveria submeter-se à intervenção ao olho esquerdo, momento em que ele procederia à correção ao olho direito que se revelasse necessária, como inicialmente fora programado. Porém, autor opôs-se a tal, informando que não permitiria a intervenção ao olho esquerdo enquanto a visão do olho direito não se mostrasse perfeita. </font><br>
</p><p><font>Em .../06/2005 foi novamente observado pelo réu BB, transmitindo-lhe que a visão no olho intervencionado não registara melhoras, tendo o réu insistido na realização da intervenção ao olho esquerdo e do retoque ao olho direito, acabando por reconhecer não saber se a recuperação estava a decorrer com normalidade por não ter realizado a operação de forma unilateral (ou seja, aos dois olhos na mesma altura, como propusera inicialmente ao A. e que este não aceitou).</font><br>
</p><p><font>Depois disso, e por perda de confiança no R. BB, em junho de 2005, o autor recorreu aos serviços da ré Clínica Oftalmológica, onde foi atendido pelo réu CC, a quem explicou o que havia sucedido com o réu BB, tendo sido informado por aquele, após realização de exames, ser apenas necessária a realização de retoque no olho inicialmente intervencionado, garantindo-lhe então que obteria visão a 100%, sem que, contudo, lhe tenha sido também dada qualquer informação sobre possíveis efeitos secundários da tecnologia “Lasik” ou da possibilidade de não ser atingido uma visão bilateral a 100%. </font><br>
</p><p><font>Contratou então com o réu CC e com a ré Clínica Oftalmológica a realização de intervenção laser aos 2 olhos, de forma unilateral, embora ao olho direito devendo ser efetuado apenas um “retoque”.</font><br>
</p><p><font>Em .../09/2005 foi submetido à intervenção cirúrgica ao olho direito, mas poucas melhoras registou após tal, permanecendo enevoada a visão desse olho. Posteriormente, e após ter sido informado pelo réu CC da necessidade de realizar um novo “retoque”, em 19 de janeiro de 2006 foi submetido a terceira intervenção ao olho direito, mas novamente sem obter o resultado que pretendia, sendo certo que a sucessão de intervenções ao olho direito piorou de forma considerável a qualidade da visão deste.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, os réus BB e CC não mandaram fazer os exames que eram necessários, os quais lhe permitiriam ter apurado que as características do autor não o tornavam bom candidato à submissão a intervenção com recurso a tal técnica.</font><br>
</p><p><font>Assim, em resultado da realização das intervenções por eles realizadas, o autor ficou afetado de danos permanentes na sua visão que não teriam ocorrido face ao estado da ciência médica e aos meios disponíveis</font><b><font>.</font></b><br>
</p><p><font>Acresce ainda, que os referidos réus médicos não lhe revelaram adequadamente todas as informações sobre os efeitos secundários resultantes da cirurgia realizada. É que o autor só aceitou submeter-se às diversas intervenções porque não foi informado dos efeitos colaterais irreversíveis e não corrigíveis do “Lasik”, pois se conhecesse todos os efeitos secundários dessa técnica operatória, especialmente a falta de estudos a longo prazo e a possibilidade de danos irreversíveis e não corrigíveis, nunca teria se se teria submetido à referida operação.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2. </font><u><font>Todos os réus contestaram</font></u><font>.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.1 </font><b><font>A ré HPP</font></b><font>, defendeu-se por impugnação, alegando, na sua essência, desconhecer a generalidade dos factos alegados pelo A. remetendo a esse propósito para a explicações que, a tal propósito, viessem a ser dadas pelo R. BB na contestação por ele a apresentar, acabando por pedir a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.</font><br>
</p><p><font>De qualquer modo, no final requereu a intervenção principal da </font><b><font>Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA</font></b><font>., com o alegado fundamento de, na sequência de contrato de seguro com ela celebrado, ter transferido a sua responsabilidade civil por factos similares aos invocados pelo autor.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.2 </font><b><font>Os réus Clínica Oftalmológica e CC </font></b><font>apresentaram contestação conjunta, defendendo-se por exceção e por impugnação.</font><br>
</p><p><font>No que concerne à 1ª. defesa, invocaram a ineptidão da petição inicial.</font><br>
</p><p><font>No que concerne à 2ª. defesa contraditaram, no essencial, a versão factual aduzida pelo A., negando qualquer atuação contra a “legis artis”, e afirmando terem sido prestados ao A. todos os esclarecimentos e informação que se impunham, nomeadamente através do R. BB.</font><br>
</p><p><font>E particularmente referiram ainda que autor não tinha especificidades nos olhos que desaconselhassem a utilização da técnica “Lasik”; que foram cumpridas todas as boas práticas médicas na data exigíveis; os exames foram os necessários e adequados; o programa terapêutico proposto ao autor e expressamente aceite por ele foi cumprido até ao momento em que o autor deixou de comparecer perante os réus; que a miopia residual integra o processo terapêutico, motivo por que o «retoque» é prática corrente e que anisometropia invocada pelo autor decorre apenas da circunstância de não ter sido operado ao olho esquerdo, sendo solucionado com o uso de lente de contacto ou a realização de cirurgia.</font><br>
</p><p><font>Pelo que pediram no final a procedência daquela invocada exceção ou então a improcedência da ação com a sua absolvição do pedido.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>2.3 Por sua vez, </font><b><font>o réu BB,</font></b><font> na sua contestação, defendendo-se também por exceção e por impugnação.</font><br>
</p><p><font>No que concerne à 1ª. defesa, invocou a ineptidão da petição inicial.</font><br>
</p><p><font>No que concerne à 2ª. defesa contraditou, no essencial, a versão factual aduzida pelo A., negando qualquer atuação contra a “legis artis”, e afirmando terem sido prestado ao A. todos os esclarecimentos e informação que se impunham. </font><br>
</p><p><font>E particularmente referiu ainda quando em novembro de 2004 o autor foi a uma consulta de oftalmologia num estabelecimento hospitalar, inquiriu a médica que o assistiu da possibilidade de efetuar correção da miopia que o afetava através de técnica com recurso a laser, tendo recebido dessa médica informação quanto à natureza, vantagens, inconvenientes e possíveis efeitos secundários associados, ao que autor acabou por declarar estar ciente de tudo. </font><br>
</p><p><font>Na sequência disso, o autor, na consulta que teve lugar a ... de dezembro de 2004, evidenciou alto grau de conhecimento sobre a técnica em causa, a taxa de sucesso, os efeitos secundários e possibilidade de não obtenção do resultado almejado. </font><br>
</p><p><font>Foram, entretanto, realizados diversos exames ao autor para avaliar se o mesmo era bom candidato à realização da intervenção com utilização da técnica “Lasik, tendo-se apurado não existirem contra-indicações à realização da cirurgia ao olho direito do autor. </font><br>
</p><p><font>Em ... de junho de 2005, o réu concluiu pela necessidade de realizar o “retoque” para cuja possibilidade o autor havia sido advertido e que aceitou, propondo data para realização de novos exames e agendamento da nova intervenção, aos quais, porém, o autor faltou, não mais tendo tido contacto com ele, desconhecendo, assim, o seu atual estado clínico.</font><br>
</p><p><font>Pelo que terminou pedindo a improcedência da ação contra si e contra a ré Clínica Oftalmológica, com a absolvição do pedido.</font><br>
</p><p><font>Todavia, no final, requereu a intervenção acessória </font><i><font>passiva</font></i><font> das sociedades </font><b><u><font>AMA – Agrupacion Mutual Aseguradora</font></u></b><u><font> (</font></u><b><u><font>Mútua de Seguros dos Profissionais de Saúde)</font></u></b><u><font>, e </font></u><b><u><font>Axa Portugal – Companhia de Seguros, S.A</font></u></b><b><font>.,</font></b><font> por terem sido subscritos contratos de seguros através dos quais estas entidades assumiram a responsabilidade de indemnizar terceiros por danos da natureza dos invocados pelo autor.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>3.</font><b><font> </font></b><b><u><font>Por despacho judicial de 27/01/2011</font></u></b><u><font>,</font></u><font> foram admitidas as sobreditas intervenções requeridas perla ré </font><b><font>HP (</font></b><u><font>atualmente, como vimos, designada Lusíadas, SA</font></u><font>.) e pelo</font><u><font> R. BB, </font></u><font>no que concerne às instituições por eles identificadas para o efeito, as quais, após terem sido citadas para o efeito, vieram apresentar as respetivas contestações, defendendo-se ali por exceção e por impugnação, nos termos que aqui se dão por reproduzidos.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>4. No despacho saneador (proferido em 03/09/2012) julgaram-se improcedentes as invocadas nulidades decorrentes da alegada ineptidão da petição inicial e bem como as exceções de ilegitimidade, concluindo-se pela legitimidade processual, quer dos RR., quer das entidades intervenientes que foram chamadas.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>5. Realizada a audiência de julgamento (que decorreu ao longo de várias sessões), foi proferida </font><b><font>sentença </font></b><u><font>que, no final, decidiu</font></u><font> julgar improcedente a ação, absolvendo-se, em consequência, os RR. dos pedidos </font><font>contra si formulados pelo A. .</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>6. Inconformado com tal sentença, </font><u><font>dela apelou A.,</font></u><font> vindo </font><b><font>o Tribunal da Relação do Porto</font></b><font> (</font><u><font>doravante também TRP</font></u><font>), na apreciação desse recurso, </font><b><font>a proferir, sem voto de vencido, acórdão (de 13/05/2021) no qual, julgando parcialmente procedente o recurso e bem como a ação, </font></b><b><u><font>se decidiu nos seguintes termos:</font></u></b><br>
</p><p><font>« (…) </font><i><font>condenar “os réus BB e CC a pagar ao autor (</font></i><font>por manifesto lapso de escrita escreveu-se “aos autores</font><i><font>”), cada um, a indemnização de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora a contar da presente data até integral pagamento.</font></i><br>
</p><p><i><font>Custas da ação e do recurso pelo autor na proporção de 97% e pelos réus condenados na proporção de 3</font></i><font>%. »</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><font>7. Inconformados com esse acórdão do TRP, </font><b><font>dele interpuseram recurso</font></b><font> </font><b><font>de revista (normal) </font></b><font>o A. (</font><u><font>a título principal ou independente</font></u><font>) e o R. BB (</font><u><font>a título subordinado</font></u><font>). </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>8.</font><b><font> Nas correspondentes alegações de recurso (i</font></b><b><u><font>ndependente</font></u></b><b><font>) que apresentou, o A. concluiu as mesmas nos seguintes termos:</font></b><br>
</p><p><font>« </font><i><font>1 - O recurso é interposto do Acórdão proferido pela 1ª Secção do TRP, que deu parcialmente provimento ao peticionado pelo A, nomeadamente que decretando a responsabilidade civil dos RR. pelos danos morais sofridos pelo A. originados nos danos na sua visão, com base na inexistência do seu consentimento informado.</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - No presente recurso, o recorrente com base no reconhecimento pelo Tribunal “a quo” da inexistência do consentimento informado pretende a:</font></i><br>
</p><p><i><font>a) condenação do réu BB na devolução/pagamento da quantia paga pela intervenção por si realizada, bem como dos valores despendidos em consultas e exames (no total de € 1.087,93) e a condenação do réu CC na devolução/pagamento da quantia pelo autor paga pela intervenção por si realizadas, bem como dos valores despendidos em consultas e exames (no total de € 1.301,00);</font></i><br>
</p><p><i><font>b) condenação dos réus médicos no pagamento de compensações por danos não patrimoniais sofridos pelo A. em função da sua conduta ilícita, a liquidar em decisão ulterior, não se conformando com o valor arbitrado oficiosamente, sem qualquer pedido, pelo tribunal “a quo”.</font></i><br>
</p><p><i><font>c) condenação dos réus no pagamento de todas as despesas a suportar com tratamentos médicos e cirúrgicos (incluindo deslocação e estadia) que, futuramente, com o avanço da ciência, possam ser executados para minimizar a incapacidade visual de que o autor ficou afectado.</font></i><br>
</p><p><i><font>3 - Quanto à condenação dos médicos na devolução/pagamento das quantias pagas pelo A. com os tratamentos e exames e intervenção lasik, o TRP não condenou neste segmento, por razões que o A./recorrente tem que discordar frontal e respeitosamente.</font></i><br>
</p><p><i><font>4 - São 1.087,93 € do Réu BB e 1.301,00 € para o Réu CC, a que devem acrescer os juros de mora, pelo menos desde a citação.</font></i><br>
</p><p><i><font>5 - Os serviços foram erradamente prestados com violação do consentimento informado é os médicos que os devem suportar, nunca o A..</font></i><br>
</p><p><i><font>6 - Na teoria da decisão sub judicio existiu responsabilidade civil que origina o pagamento de danos morais, mas não o pagamento dos serviços médicos prestados com manifesta deficiência, por violação do consentimento informado.</font></i><br>
</p><p><i><font>7 - Não pode manter-se este segmento do Acórdão, ora em crise, que deverá ser</font></i><br>
</p><p><i><font>revogado ordenando-se a pagamento ao A. das quantias pagas pela alegada prestação dos serviços médicos.</font></i><br>
</p><p><i><font>8 - Os RR. foram condenados, cada um, no pagamento ao A. de uma indemnização por danos morais de 3.500,00 €.</font></i><br>
</p><p><i><font>9 - Embora não seja bitola para a fixação da compensação que seja devida, o A.</font></i><br>
</p><p><i><font>quer deixar registado que em custas de parte tem mais de 10.000,00 € para pagar, não esquecendo os milhares de euros que gastou com exames e perícias médicas.</font></i><br>
</p><p><i><font>10 – A lide não pode ser para o A. uma mão cheia de nada e para os RR. uma</font></i><i><font> absolvição encapotada, com o máximo respeito por todos os envolvidos.</font></i><br>
</p><p><i><font>11 - Pois bem, o pedido de danos morais na P.I. não foi liquidado com o argumento (formalmente transitado em julgado) de não ser possível na data de entrada da acção, fixar o seu quantum, que se estava ainda a avolumar e não era ainda definido.</font></i><br>
</p><p><i><font>12 – Assim, o recorrente relegou para liquidação em execução de sentença a quantificação dos mesmos, nem sequer alegando factos na sua plenitude no articulado inicial, apenas fazendo menção genérica à sua existência.</font></i><br>
</p><p><i><font>13 - Nessa senda foi surpreendido com o Acórdão “a quo”, que fixou um quantum indemnizatório, sem que tenha existido pedido concreto, nem a total alegação da amplitude dos factos.</font></i><br>
</p><p><i><font>14 - Entendendo o A. que o princípio dispositivo é ainda prevalente no processo civil e cabendo às partes definir o objecto do litígio (através da dedução das suas pretensões) e alegar os factos que integrem a causa de pedir ou que sirvam de fundamento à dedução de eventuais excepções, sendo que juiz só pode fundar a decisão nestes, sem prejuízo dos factos instrumentais e de os poder utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa, não compreende o A., salvo o devido respeito, a fixação dos 3.500 € de indemnização.</font></i><br>
</p><p><i><font>15 - Nestes termos, entende o recorrente que o nosso Supremo Tribunal deve ordenar a revogação do Acórdão do TRP e remeter o processo à primeira instância pata liquidação dos danos morais sofridos pelo A..</font></i><br>
</p><p><i><font>16 – Sem prescindir, escreveram os Senhores Desembargadores o seguinte para justificar o raquítico valor dos danos morais arbitrados ao recorrente:</font></i><br>
</p><p><i><font>“Com efeito, resultou provado que o autor abandonou o acompanhamento que vinha sendo feito pelo réu BB após a realização da cirurgia e o aparecimento da visão enevoada, não permitindo, alegadamente por perda de confiança, que este réu realizasse qualquer intervenção no sentido de concluir a cirurgia programada e/ou corrigir ou eliminar aquela consequência, desconhecendo-se se a mesma era possível e que resultados produziria, sendo certo que o autor havia sido informado por aquele médico da possibilidade de ser necessária uma correcção do trabalho realizado.”</font></i><br>
</p><p><i><font>17 - Pergunta o A., com humildade, que mais deveria ter feito?!</font></i><br>
</p><p><i><font>18 – Em primeiro lugar o A, pretendia com o lasik abandonar em absoluto o uso de óculos e lentes de contacto:</font></i><br>
</p><p><i><font>31- Na sequência, o autor agendou para ... de Dezembro de 2004, no "Hospital Privado ...", consulta com o réu BB, com vista a aferir da possibilidade de corrigir cirurgicamente a miopia, tendo o autor em vista abandonar em absoluto o uso de óculos ou lentes de contacto.</font></i><br>
</p><p><i><font>19 - Em segundo lugar, o médico BB pôde fazer todos os exames prévios que pretendeu e entendeu necessários, o A. e o médico não tinha limitações nesse particular:</font></i><br>
</p><p><i><font>33- Na sequência, o réu BB teve a oportunidade de realizar todos os exames que entendeu necessários à avaliação das características do autor (designadamente a topografia corneana, paquimetria, pupilometria, tonometria, a avaliação da acuidade visual e determinação da refracção do doente, mas não a aberrometria e a avaliação lacrimal), por forma a decidir da conveniência da realização da cirurgia refractiva.</font></i><br>
</p><p><i><font>20 - Em terceiro lugar, a única coisa que o BB informou o A. era a eventual necessidade de um retoque, ou seja, acertar a correcção da visão que que não ficasse perfeita primeira intervenção:</font></i><br>
</p><p><i><font>36- Quanto às possíveis complicações resultantes da intervenção, o réu BB transmitiu ao autor, pelo menos, a eventualidade de ser necessário levar a cabo um "retoque", ou seja, em fase posterior novamente utilizar o laser para correcção de algo que não ficasse perfeito na primeira intervenção.</font></i><br>
</p><p><i><font>21 - Em quarto lugar, o médico em referência não comunicou ao A. técnicas alternativas que existiam(em) e com muito menos risco:</font></i><br>
</p><p><i><font>38- O BB não transmitiu ao autor qualquer informação quanto a técnicas de tratamento alternativas ao "Lasik", designadamente o "Lasik personalizado" ou a implantação de lente intra-ocular.</font></i><br>
</p><p><i><font>22 - Em quinto lugar, o A. (não podia ser de outra forma) confiou os seus olhos no médico especialista em oftalmologia no HPP, então propriedade da Caixa Geral de Depósitos, agora Hospital Lusíadas:</font></i><br>
</p><p><i><font>39- O autor confiou integralmente e sem reservas na capacidade profissional do réu BB (especialista em oftalmologia), e no prestígio do réu "HPP - Norte, SA", como instituição de referência na prestação de cuidados de saúde.</font></i><br>
</p><p><i><font>23 - Em sexto lugar, o A. queixou-se de ter a visão enovoada, não era defeito na correcção (refractivo) que fosse resolvido com o retoque, que se destinava apenas a corrigir um sub correcção da miopia:</font></i><br>
</p><p><i><font>47- A 30 de Maio de 2005, regressado ao estabelecimento hospitalar explorado pelo réu "HPP - Norte, SA", o autor queixou-se ao réu BB que a sua visão no olho já intervencionado (o direito) apresentava-se ainda bastante enevoada.</font></i><br>
</p><p><i><font>24 - Em sétimo lugar, as pregas que originavam a névoa e que foram registadas pelo médico, não estavam nos planos do tratamento:</font></i><br>
</p><p><i><font>48- Na sequência, após examinar o olho direito do autor, o réu BB verificou existirem pregas no "flap" (como se disse em 9-, a parte de tecido da córnea que é cortada e levantada para aplicação do laser).</font></i><br>
</p><p><i><font>25 - Em oitavo lugar, o médico propôs-se (num perigoso salto para a frente/no escuro) realizar a cirurgia ao olho esquerdo </font></i><br>
</p><p><i><font>49- O réu BB transmitiu ao autor que as pregas referidas em 48 não possuíam relevância, e propôs realizar, como agendado, pelo menos, a intervenção ao olho esquerdo …</font></i><br>
</p><p><i><font>26 - Em nono lugar, as regras da experiência comum “gritavam esbracejando” que o paciente deveria resolver primeiro o problema, para depois avançar para o tratamento do olho esquerdo, sendo que ao paciente, ora signatário, no meio de um turbilhão de sentimentos perturbadores, pareceu-lhe evidente essa actuação.</font></i><br>
</p><p><i><font>27 - Então tinha um olho enevoado e repleto de pregas e a solução era operar o outro olho?! Não pode ser!</font></i><br>
</p><p><i><font>28 - Em décimo lugar, o que fez o A. e bem, como comprova o resto da estória, opôs-se e transmitiu esse facto ao médico:</font></i><br>
</p><p><i><font>50-... Ao que o autor se opôs …</font></i><br>
</p><p><i><font>51-... Transmitindo ao réu BB que não permitiria a intervenção ao olho esquerdo enquanto a visão do olho direito não se apresentasse perfeita.</font></i><br>
</p><p><i><font>29 - Em décimo-primeiro lugar, o que fez o médico, sedimentando a decisão do A. agarrado aos “clamores” que ouvia das regras da experiência comum: aceitou a posição do A. e marcou nova observação (não cirurgia) para ... de Julho de 2005:</font></i><br>
</p><p><i><font>52- O réu BB aceitou a posição do autor, agendando o dia ... de Junho de 2005 para nova observação ao autor.</font></i><br>
</p><p><i><font>30 - O A. é apenas ... e subjugou a vontade e plano terapêutico do médico, num ápice?! Então ele o dito especialista não podia estar completamente seguro do que estava a fazer.</font></i><br>
</p><p><i><font>31 - Em décimo-segundo lugar, o A. manteve a visão enevoada e com pior qualidade:</font></i><br>
</p><p><i><font>53 - A ... de Junho de 2005, o autor queixou-se ao réu BB que continuava a apresentar a visão enevoada no olho direito, e sentia que piorara a sua visão nesse olho.</font></i><br>
</p><p><i><font>32 - Em décimo-terceiro lugar, o médico continuou a agendar novas observações, sem nada fazer, era esperar o tempo passar e “rezar” (nota que o recorrente é católico praticante) para que ficasse melhor:</font></i><br>
</p><p><i><font>54- Na consulta referida em 53- o réu BB agendou para daí apelo menos semanas nova data para observar o autor.</font></i><br>
</p><p><i><font>33 - Depois de tudo isto o que sucedeu ao A.:</font></i><br>
</p><p><i><font>55 - No dia 06 de Junho de 2005 o autor saiu bastante perturbado das instalações do réu "HPP - Norte, SA", preocupado com a situação do seu olho direito, apresentando diferença da acuidade visual entre os olhos de tal forma elevada que prejudicava a sua visão bilateral …</font></i><br>
</p><p><i><font>56-... O que causou perturbação do descanso e da vida profissional e pessoal do autor.</font></i><br>
</p><p><i><font>34 - O que faria um homem médio colocado nesta situação: continuava a aguardar algo que o médico claramente não controlava? Que não sabia o que fazer? Continuava a rezar?</font></i><br>
</p><p><i><font>35 - O A. teve medo, muito medo: olhos são apenas dois e não são substituíveis sendo a visão o mais sagrado dos nossos 5 sentidos, foi uma verdade de La Palice (ou lapalissada) que assaltou completa e brutalmente o espírito do signatário.</font></i><br>
</p><p><i><font>36 - O que fez? Pediu esclarecimentos por escrito sobre a sua situação: causas e procedimentos a seguir:</font></i><br>
</p><p><i><font>57- Já em Julho de 2005, através de diversos telefaxes, o autor solicitou ao réu esclarecimentos escritos sobre a situação, nomeadamente se iria recuperar a integral visão do olho direito, quais as razões para a visão enevoada do olho tratado, e sobre os procedimentos que iriam ser seguidos, ao que aquele réu jamais respondeu por escrito.</font></i><br>
</p><p><i><font>37 - Resposta do médico e do Hospital: O SILÊNCIO! (desculpem V. Exas as maiúsculas)</font></i><br>
</p><p><i><font>38 - Concluindo, o TRP entende que foi o A, quem abandonou os tratamentos?!</font></i><br>
</p><p><i><font>39 - Se tudo estava controlado porque não responderam ao A., por escrito, com a explicação do que se passava e com o plano terapêutico a seguir?!</font></i><br>
</p><p><i><font>40 - O pavor tornou-se pânico na mente do A., tal como aconteceria a qualquer bom pai de família.</font></i><br>
</p><p><i><font>41 - Não podia ser exigível ao A. outra coisa que não fosse procurar um outro oftalmologista reputado e contactou o CC, conceituado na cidade do ... e entre os seus pares, especialmente na área da cirurgia refractiva, onde tinha realizado centenas de intervenções.</font></i><br>
</p><p><i><font>42 – Com o CC são os seguintes os factos provados, muito similaresaos do especialista em visão BB:</font></i><br>
</p><p><i><font>62- Em Julho de 2005 o autor agendou consulta nas instalações da ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", na altura situadas na rua Gonçalo Sampaio, nº 271, visando informar-se sobre o actual estado clínico do seu olho direito e sobre as possibilidades de eventual correcção dos problemas que apresentava, com vista a alcançar a aptidão da sua visão sem recurso a óculos ou lentes de contacto ...</font></i><br>
</p><p><i><font>63-... Sendo a ... de Julho de 2005 atendido pelo réu CC.</font></i><br>
</p><p><i><font>64 - Antes do referido em 62- e 63- o autor jamais tinha tido contacto com os réus "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", e CC, que até então desconheciam o historial clínico do autor.</font></i><br>
</p><p><i><font>65 - Na consulta referida em 62- e 63- o autor descreveu ao réu CC a sua versão quanto ao tratamento a que havia sido submetido pelo réu BB, e expressou as queixas quanto ao que sentia.</font></i><br>
</p><p><i><font>66 - O réu CC, depois de efectuar os exames (designadamente a aberrometria, a tonometria, a caratometria e a medição da graduação, mas não o teste de lágrimas e a análise à sensibilidade de contraste) que entendeu necessários (tendo o autor pago o respectivo custo), transmitiu ao autor que não tinha de se preocupar, embora entendendo necessária a realização de "retoque" ao olho intervencionado.</font></i><br>
</p><p><i><font>67 - A forma descontraída, confiante e segura com que o réu CC falou como autor transmitiu a este segurança que tudo correria pelo melhor e os problemas que sentia tinham solução breve e simples.</font></i><br>
</p><p><i><font>68 - O réu CC não transmitiu ao autor qualquer outra informação quanto a possíveis efeitos secundários permanentes da intervenção com recurso à técnica "Lasik", ou quanto à possibilidade de o autor não alcançar em toda a sua extensão a aptidão da sua visão sem recurso a óculos ou lentes de contacto …</font></i><br>
</p><p><i><font>69 - ... Nem transmitiu ao autor qualquer informação quanto a técnicas de tratamento alternativas ao "Lasik", designadamente o "Lasik personalizado" ou a implantação de lente intra-ocular.</font></i><br>
</p><p><i><font>70 - O autor confiou nas capacidades do réu CC enquanto médico especialista em oftalmologia, e na reputação que este e a ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro- Barraquer, SA", possuíam.</font></i><br>
</p><p><i><font>71 - A 14 de Setembro de 2005, nas instalações da ré "Clínica Oftalmológica Ribeiro-Barraquer, SA", o autor foi submetido a nova intervenção cirúrgica ao seu olho direito com utilização da técnica "Lasik", levada a cabo pelo réu CC, te | [0 0 0 ... 0 1 0] |
jzLZu4YBgYBz1XKvSEpL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1 - A Companhia A, SA intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 21.220.174$00 e juros.</font><br>
<font>Alegou que tem direito de regresso contra o réu, seu segurado, relativamente à importância peticionada.</font><br>
<font>Contestando, o réu sustentou que a autora não tem direito de regresso e, mesmo que assim não fosse, nunca o seria pela importância pedida.</font><br>
<font>O processo prosseguiu termos, vindo a ser proferido saneador sentença que julgou a acção improcedente.</font><br>
<font>Apelou a autora.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação revogou a sentença e condenou o réu no pedido.</font><br>
<font>Inconformado, recorre o réu para este Tribunal.</font><br>
<font>Formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- O abandono de sinistrado não gera, por si só, a produção de um dano;</font><br>
<font>- Face à natureza do vínculo contratual de responsabilidade automóvel estabelecido entre o segurado e a seguradora só se entende que esta seja titular de direito de regresso se o abandono produziu ou, agravou os danos causados pelo acidente;</font><br>
<font>- Assim, o nexo causal entre o abandono e os danos constitui elemento constitutivo do direito de regresso da seguradora;</font><br>
<font>- Nos termos do artigo 342° dó C. Civil compete-lhe alegar e provar que a omissão de auxílio contribuiu ou agravou os danos causados pelo acidente;</font><br>
<font>- Se assim não for, o condutor que viola aquele principio de solidariedade sofreu duas punições pelo mesmo facto: a criminal e a patrimonial;</font><br>
<font>- A decisão, tal como é configurada no acórdão recorrido, viola o princípio da igualdade entre dois condutores causadores de danos em consequência do acidente, onde um deles prestou auxílio e outro não o fez, quando tal auxílio se revelou indiferente para o resultado produzido pelo acidente;</font><br>
<font>- Tendo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 6/2002 doutrinado que na alínea c) do DL n.° 522/85, de 31.12, no caso de condução sob influência de álcool, a seguradora carece de alegar e provar esse nexo causal, tal situação também terá de estender-se aos casos de abandono de sinistrado;</font><br>
<font>- Verificam-se, assim, os requisitos no artigo 732°A do Código de Processo Civil para a uniformização de jurisprudência quanto a esta questão;</font><br>
<font>- Mas mesmo que se entenda que à seguradora basta provar o abandono e o pagamento, ainda assim o recorrente tem direito a discutir as circunstâncias concretas do abandono e a relação entre o abandono e a morte da vítima já que alegou, subsidiariamente, que a morte da vítima foi imediata, que esta foi prontamente socorrida pelos vizinhos e que tal auxílio foi estranho ao resultado uma vez que este sempre se verificaria, tivesse havido abandono ou não;</font><br>
<br>
<font>- Decidindo como decidiu, violou o Tribunal a quo o comando do artigo 19°, alínea c). do DL n.° 522/85, de 31.12; artigo 342° do C. Civil e artigo 13° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
<font>Em contra-alegações a autora pede a manutenção do decidido.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>II - Vem dado como provado:</font><br>
<font>No âmbito da sua actividade a autora celebrou com o réu um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.° 5455274, pelo qual o réu transferia a sua responsabilidade civil emergente da condução do veículo automóvel QX para a autora;</font><br>
<font>Ao abrigo desse contrato foi participado à autora um acidente de viação ocorrido no dia 15.02.96, pelas 22h 45m em Matas do Carriço, Pombal;</font><br>
<font>Tal acidente deu origem ao processo n.° 23/97, que correu termos pelo 2° Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, em que o ora réu foi constituído arguido e a ora autora demandada civilmente;</font><br>
<font>Na sentença proferida nesse processo foi o ora réu condenado como autor de um crime de omissão de auxílio;</font><br>
<font>Submetido o caso a julgamento e obtida decisão em 1ª instância, foi o processo objecto de recurso conforme acórdão de fls. 22 e seguintes;</font><br>
<font>Em virtude do referido acórdão a autora pagou a quantia de 21.220.174$00 aos demandantes naquele processo n.° 23/97;</font><br>
<font>Apesar de convidado a reembolsar a autora desta quantia o réu até hoje não o fez.</font><br>
<br>
<font>III - A autora, em virtude de contrato de seguro celebrado com o réu, pagou uma indemnização à família da vítima de acidente de viação causado pelo segurado, ora recorrente.</font><br>
<font>Tendo o réu sido condenado pelo crime de omissão de auxílio, a autora, invocando o direito de regresso, pede que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia que despendeu.</font><br>
<font>O acórdão recorrido (revogando a decisão da 1ª instância), com um voto de vencido, condenou o réu.</font><br>
<font>Daí o recurso.</font><br>
<font>A questão a resolver consiste, em primeira linha, em saber se a autora goza ou não do direito de regresso.</font><br>
<font>A problemática não é nova, tem sido discutida e não tem tido resposta uniforme.</font><br>
<font>Diga-se, desde já, como nota prévia, que, sob pena de uma grande fluidez de conceitos, incerteza de interpretação e diversidade de decisões, tem que se ter em conta o Ac. Uniformizador n.° 6/02, DR Iª -A, de 18.07.2002, onde, aliás, tiveram intervenção o relator e adjuntos do presente processo.</font><br>
<font>Aí se decidiu que "a alínea c) do artigo 19° do DL n.° 522/85, de 31.12 exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito de álcool e o acidente".</font><br>
<font>Está aqui em análise, é certo, um caso de abandono do sinistrado e não um caso de condução sob a influência do álcool, mas ambas as situações apresentam, indubitavelmente, pontos de contacto, impondo-se o mesmo enquadramento jurídico.</font><br>
<font>No que respeita ao direito de regresso da seguradora e no que ora interessa, determina o artigo 19°, alínea c) do Dec-Lei n.° 522/85 que satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado.</font><br>
<br>
<font>A lei não distingue entre as várias hipóteses, nem se vê que o intérprete o possa fazer, O direito de regresso, como direito ex novo que nasce com a extinção da obrigação para com o lesado, só abrange os prejuízos que a seguradora suportou devido ao abandono. Terá assim que provar que os danos que indemnizou resultaram em concreto do abandono.</font><br>
<font>Demonstrado que seja o nexo causal entre o facto e o dano, a seguradora goza do direito de regresso. Tal direito não existe relativamente aos danos que sempre se produziriam, independentemente do abandono.</font><br>
<font>Nem se diga que no caso, o direito de regresso tem uma função também preventiva e sancionatória, já que nenhum fundamento existe que leve a dar tratamento jurídico diferente à condenação sob o efeito do álcool (ou outras drogas ou produtos tóxicos) e à situação de abandono do sinistrado.</font><br>
<font>Sob pena de completa desvalorização do Acórdão Uniformizador referido e com ela a consequente desvalorização do instituto de tal Uniformização, impõe-se a este Supremo aceitar o decidido.</font><br>
<br>
<font>Não se provando, nem sequer se alegando qualquer nexo de causalidade entre os danos, e o abandono, a decisão tem, necessariamente, que ser a da 1ª instância, revogando-se por isso o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, concede-se a revista.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 9 de Dezembro de 2004</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font><br>
<font>Barros Caldeira</font><br>
<font>Faria Antunes (com a declaração de que embora tenha votado vencido no acórdão uniformizador nº 6/02, subscrevo o presente acórdão por entender que aquele acórdão uniformizador deve ser respeitado, dada a sua natural força persuasiva, até que encontre novos e decisivos fundamentos que levem a possibilitar a alteração da posição que nele obteve vencimento).</font><br>
<br>
<font>Reis Figueira (vencido, conforme declaração que junto)</font><br>
<font>Votei vencido, "mutatis mutandis" pelas mesmas razões por que votei vencido no acórdão uniformizador de jurisprudência n° 6/2002, publicado no DR, I-A, n°164, de 18 de Julho de 2002.</font><br>
<font>Aderi então, e continuo a aderir, aos fundamentos dos votos de vencido dos Exmos. Conselheiros Araújo de Barros, Quirino Duarte Soares e Ferreira de Almeida, a que muitos outros aderiram (o acórdão uniformizador em referência foi tirado com maioria de 18 votos contra 14...), aqui aplicáveis com as necessárias adaptações, pois que não se trata de taxa excessiva de álcool no sangue, mas de abandono de sinistrado. Entre as razões naqueles votos de vencido alinhadas, nomeadamente no que toca ao ónus da prova, avulta ainda a consideração de que, a partir do momento em que a seguradora paga, fica realizado o fim social do seguro obrigatório; bem como que, na consagração do direito de regresso da seguradora que paga (art. 19º do DL 522/85), existe também uma ideia e intenção preventiva e sancionatória (sanção civil), tão premente no nosso País.</font><br>
<font>Ora, no presente caso, a seguradora pagou por virtude de uma decisão judicial que condenou o seu segurado pelos crimes de homicídio negligente e omissão de auxílio; e que a condenou a ela na indemnização cível aos lesados (viúva e filho). Ora, entendo que a seguradora que pagou, tanto mais que em consequência de uma decisão judicial, não tem, ao exercer o direito de regresso, que alegar e que provar que os danos resultaram ou foram agravados pelo abandono do sinistrado. Basta alegar e provar que pagou o que lhe foi determinado e que houve abandono de sinistrado, cabendo então ao segurado alegar e provar que os danos não resultaram do abandono ou não foram por ele agravados.</font><br>
<font>Remetendo para os referidos fundamentos dos votos de vencido, que dou por reproduzidos, confirmaria o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Sem embargo do maior respeito por opinião diferente.</font><br>
<font>Lisboa, 09 de Dezembro 2004</font><br>
<font>(Reis Figueira).</font></font> | [0 0 1 ... 0 0 0] |
iTLsu4YBgYBz1XKvd1k6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<p><font>I - "A, Lda", por apenso aos autos de execução ordinária que lhe movem B e mulher, deduziu embargos de executado.</font>
</p><p><font>Alegou que os exequentes não dispõem de título executivo bastante para obter a entrega pretendida.</font>
</p><p><font>Contestando, os embargados sustentaram que a sentença que julgou válida a transacção onde se estipulava a perda por parte da embargante de todos os direitos resultantes do contrato promessa, contém implicitamente a condenação na obrigação de entrega dos bens apreendidos.</font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo em saneador-sentença sido os embargos julgados procedentes.</font>
</p><p><font>Apelaram os embargados.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação confirmou o decidido.</font>
</p><p><font>Inconformados recorrem os embargados para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Formulam as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- O acórdão recorrido não se pronuncia sobre as conclusões formuladas sob os nºs. 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 das suas alegações de apelação ocorrendo assim nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º nº 1, alínea d) do CPC;</font><br>
<font>- Devendo o processo ser entendido como um todo, não podiam as decisões recorridas ignorar factos consubstanciados em peças processuais dos apensos ao apenso dos embargos de executado, peças essas que contudo os recorrentes, por força do regime de subida dos embargos de executado juntaram com as suas alegações de apelação;</font><br>
<font>- Como quer que seja, se se entender que o Tribunal recorrido se pronunciou sobre todas as questões colocadas no recurso de apelação, os recorrentes não se conformam;</font><br>
<font>- Sob pena de violação do disposto nos artigos 771º, alínea e), 497º e 498º do CP Civil, tendo já transitado em julgado decisão que julgou improcedente o recurso extraordinário de revisão interposto pela recorrida e que visava a declaração de nulidade da transacção por falta de poderes de representação do gerente C que interveio naquele negócio, não pode este Tribunal vir a conhecer a requerimento ou oficiosamente de tal questão nestes autos, devendo considerar-se a mesma já definitivamente julgada naquele processo, verificando-se a excepção de caso julgado;</font><br>
<font>- Não podia o Mmº Juiz de 1ª instância e logo o Tribunal recorrido, oficiosamente ou até a requerimento da recorrida opor a nulidade da transacção quanto à qualidade de gerente naquele negócio interveniente e dos seus poderes de vinculação da recorrida, pois neste ponto está limitado pela sentença homologatória;</font><br>
<font>- Julgada válida a transacção quanto à qualidade dos intervenientes e tendo ainda a respectiva sentença homologatória transitado em julgado, não pode discutir-se na execução/embargos se as partes podiam ou não celebrar aquela transacção;</font><br>
<font>- Existindo divergências entre o texto do pacto social e o da matrícula da sociedade na Conservatória do Registo Comercial relativamente à forma de obrigar a sociedade recorrida, o Mmº Juiz a quo e o acórdão recorrido, só poderiam ter atendido ao texto desta última - artigos 5º e 168º do CSC e 14º do CR Comercial;</font><br>
<font>- O significado da expressão "ambos" é "tanto um como outro", pelo que segundo o texto da matrícula da Conservatória do Registo Comercial, a sociedade recorrida fica vinculada pela intervenção de um dos gerentes;</font><br>
<font>- A decisão recorrida é assim nula, porque os fundamentos estão em oposição com a decisão - artigo 668º, alínea c) do CP Civil;</font><br>
<font>- Decorre da 1ª Directiva e do artigo 260º do CSC que qualquer regulamentação ao modo de exercício do poder de representação em geral é um limite à extensão desse mesmo poder;</font><br>
<font>- A cláusula estatutária que refere bastar a assinatura de um dos gerentes para obrigar a sociedade/recorrida em actos de mero expediente é uma verdadeira limitação aos poderes dos gerentes e por isso a recorrida na transacção não deixou de ficar vinculada, só porque nela interveio em sua representação unicamente o gerente C, quando para actos da natureza da transacção, contratualmente seria necessária a intervenção dos dois gerentes;</font><br>
<font>- Entre o interesse da sociedade em não se vincular para além de determinados limites e o interesse de terceiros de boa fé, confiantes na eficácia do acto, deve prevalecer este mesmo;</font><br>
<font>- Os artigos 252º, 259º e 260º do CSC e na sequência da 1ª Directiva Comunitária quiseram efectivamente criar um regime em que os terceiros pudessem estar seguros de que a sociedade fica obrigada pelos actos de quem se apresenta credenciado como gerente e actue no âmbito dos seus poderes legais, dispensando quanto possível a consulta do registo comercial;</font><br>
<font>- A sociedade não pode assim opor a terceiros a falta de poderes representativos dos gerentes, quando for desrespeitada a regra legal ou contratual da representação conjunta, já que a questão da vinculação da sociedade não se centra na validade ou invalidade do acto praticado pelo gerente, mas sim na inoponibilidade da invalidade a terceiros que contratem com o gerente em representação da sociedade;</font><br>
<font>- A sociedade fica vinculada, apenas por um dos gerentes, não obstante o pacto social exigir a assinatura dos dois, salvo se a outra parte sabia, ou não podia ignorar que a assinatura de um só, não vincula a sociedade;</font><br>
<font>- Desta forma, a recorrida pela intervenção isolada do gerente C na transacção vinculou-se efectivamente perante os recorrentes;</font><br>
<font>- O tipo de contrato existente entre os sócios-gerentes e as respectivas Sociedades Comerciais por quotas, no caso concreto entre o sócio-gerente C e a recorrida "A, Lda" é um contrato de mandato;</font><br>
<font>- O sócio-gerente C na execução do mandato que lhe foi conferido pela recorrida celebrou a transacção de fls. 73 e ss. com os recorrentes no dia 14.03.1996, depois homologada por sentença em 19.03.1996;</font><br>
<font>- O despacho homologatório de transacção foi notificado à recorrida em 11.04.96 do qual esta não interpôs recurso ordinário, tendo por isso transitado em julgado;</font><br>
<font>- A recorrida perante tal comunicação remeteu-se ao silêncio e só quase um ano depois em 06.02.1997 veio interpor recurso extraordinário de revisão, opondo-se àquela transacção;</font><br>
<font>- A natureza da transacção, designadamente o seu conteúdo negocial, o interesse na celeridade comercial e os montantes envolvidos no negócio, impunham que a recorrida não esperasse quase um ano para tomar posição perante um acto de um gerente, caso entendesse que ele havia excedido os limites do seu mandato ou desrespeitado as suas instruções;</font><br>
<font>- Assim, o silêncio da recorrida não pode deixar de valer como aprovação tácita da transacção de fls. 73 e ss. celebrada pelo sócio-gerente C;</font><br>
<font>- Violou assim a decisão recorrida o disposto no artigo 1163º do C. Civil;</font><br>
<font>- Atendendo a que o artigo 261º nº 1 do CSC não é uma norma imperativa, que permite inclusive a ratificação de um negócio jurídico celebrado por uma minoria de gerentes, a sua violação determinaria não a nulidade do negócio, mas sim a sua anulabilidade;</font><br>
<font>- A eventual anulabilidade da transacção a fls. 73 e ss. dos autos não poderia ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal recorrido e tão pouco poderia este declarar os efeitos da declaração desta anulabilidade;</font><br>
<font>- No caso concreto dos autos, como a recorrida não interpôs recurso ordinário da sentença homologatória de transacção, que transitou em julgado, remetendo-se ao silêncio quase durante um ano (entre 14.03.96 até 06.02.97) pode inferir-se com toda a probabilidade que optou pela confirmação tácita (artigo 288º nº 3 do C. Civil) da transacção de fls. 73 e ss. dos autos, pelo que esta é perfeitamente válida;</font><br>
<font>- Na sua contestação de embargos, os recorrentes alegaram factos, donde se poderia extrair a conclusão de ter havido abuso de direito por parte da recorrida na dedução de embargos de executado;</font><br>
<font>- O Mmº Juiz de 1ª instância não se pronunciou sobre esses factos, ocorrendo assim nulidade por omissão, nos termos do artigo 668º nº 1, alínea d) do CPC, não podendo tal nulidade considerar-se sanada pela decisão do Tribunal da Relação;</font><br>
<font>- Tais factos constam a maior parte deles de documentos juntos aos autos e seus apensos, e sendo o processo uma só unidade, não pode o Mmº Juiz no julgamento deixar de atender a todos os apensos e respectivos factos aí insertos de que se compõe o processo;</font><br>
<font>- Tendo os recorrentes instruído o seu recurso de apelação com todas as peças processuais que, no seu entender, sustentavam a existência de abuso de direito por parte da recorrida, não poderia o Tribunal recorrido sentenciar a inexistência de factos donde se pudesse extrair a conclusão conducente ao referido abuso de direito, e bem pelo contrário, se entendia ser escassa a matéria de facto deveria, novamente, remeter a questão para a 1ª instância, nos termos do artigo 712º nº 4 do CPC, sendo jurisprudência assente que o Supremo Tribunal de Justiça pode censurar o uso ou não uso pelo Tribunal da Relação deste mecanismo legal;</font><br>
<font>- Este Tribunal de recurso, por se tratar de matéria de direito, pode fixar o sentido das declarações constantes de tais documentos e peças processuais juntas e incorporadas em apensos a este processo;</font><br>
<font>- Quer no desenvolvimento da relação contratual com os recorrentes (note-se que ao ser dada como provada a transacção a qual remete no seu texto para o contrato promessa celebrado entre recorrentes e recorrida no dia 7 de Outubro de 1992, indirectamente tem que se dar como provado este contrato promessa pelos recorrentes junto aos autos) quer em diversos outros actos e contratos com terceiros, com conhecimento e consentimento da recorrida sempre esta se vinculou pela assinatura isolada do gerente C;</font><br>
<font>- Dispõe o artigo 334º do C. Civil que é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé;</font><br>
<font>- No âmbito do instituto do abuso de direito enquadra-se o princípio do "venire contra factum proprium" segundo o qual é ilegítimo o exercício de um direito em contradição com comportamentos assumidos anteriormente pelo exercente, por ser contrário aos princípios impostos pela boa fé;</font><br>
<font>- A recorrida Sociedade não pode deixar de ser responsabilizada pela aparência e pela confiança que deixou criar, permitindo culposamente que o gerente C ao longo de muito tempo e em múltiplos actos e contratos isoladamente a vinculasse, bastando para tal, verificar que o contrato promessa de venda e permuta que esteve na origem da transacção outorgado em 7 de Outubro de 1992 foi por si exclusivamente assinado como representante da recorrida e com base nele foram realizadas todas as obras a que se alude na transacção desde 7 de Outubro de 1992 a 14 de Março de 1996;</font><br>
<font>- Sob pena de violação do princípio da proibição do "venire contra factum propium" não pode agora a recorrida vir invocar a nulidade da transacção por na mesma só ter intervido a vinculá-la o gerente C;</font><br>
<font>- Até pelo princípio da equiparação entre o contrato promessa e o contrato prometido previsto no artigo 410º do CC e consubstanciando a transacção o verdadeiro contrato prometido relativamente ao contrato promessa que serviu de causa de pedir ao processo principal, tendo-se vinculado a recorrida através da assinatura exclusiva do gerente C naquele contrato promessa, não poderia deixar também de ficar vinculado na transacção, unicamente com a assinatura daquele gerente;</font><br>
<font>- Pode este Tribunal de recurso fixar o sentido normativo ou juridicamente relevante da declaração negocial dos declarantes na transacção;</font><br>
<font>- De todo o condicionalismo anterior e contemporâneo à transacção, não pode deixar de concluir-se, do ponto de vista de um declaratário normal, que estivesse colocado no lugar dos recorrentes, que estes teriam entendido que o C, estava a agir em nome da Sociedade recorrida e dentro dos poderes que a lei lhe confere;</font><br>
<font>- Tendo os recorrentes celebrado no dia 7 de Outubro de 1992 com a recorrida, representada exclusivamente pelo gerente C, contrato promessa de venda e permuta, no âmbito do qual a recorrida construiu em diversos lotes dos recorrentes, edifícios em propriedade horizontal até 14.03.96, contrato promessa esse que por não ter sido devidamente cumprido, justificou a acção judicial que deu origem à transacção, jamais poderiam os recorrentes supor que o C não estivesse a agir em nome da recorrida sociedade, e dentro dos poderes que a lei lhe confere;</font><br>
<font>- A decisão recorrida violou por isso o disposto no artigo 236º nº 1 do CC e 260º do CSC.</font>
</p><p><font>Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>Na transacção realizada na acção principal - acção ordinária nº 204/95 - que correu termos no Tribunal de Círculo de Paredes, a qual foi homologada por sentença, interveio em representação da aqui embargante "A, Lda", C, que ali se refere fazê-lo "na qualidade de representante legal da ré";</font>
</p><p><font>Nos termos do § 1º do artigo 6º do pacto social da sociedade ora embargante "para obrigar a sociedade são necessárias as assinaturas dos dois sócios gerentes, bastando a assinatura de um só deles para os actos de mero expediente";</font>
</p><p><font>O mesmo artigo 6º do pacto social dispõe que "a gerência da sociedade fica a cargo de ambos os sócios, desde já nomeados gerentes";</font>
</p><p><font>Os sócios gerentes são, nos termos do artigo 5º do contrato de constituição de sociedade, C e D;</font>
</p><p><font>Os artigos 5º e 6º do pacto social, no que respeita à gerência e à forma de obrigar a sociedade, constam do registo relativo à sociedade.</font>
</p><p><font>III - Em acção intentada pelos ora recorrentes contra a recorrida foi celebrada transacção judicial, homologada por sentença, que pôs fim ao processo.</font>
</p><p><font>Veio a ser instaurada execução com base nessa transacção, deduzindo então os executados os presentes embargos, que as instâncias julgaram procedentes.</font>
</p><p><font>Daí o recurso dos embargados.</font>
</p><p><font>São várias as questões suscitadas:</font>
</p><p><font>Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre algumas das conclusões formuladas e ainda por os fundamentos estarem em oposição com a decisão;</font>
</p><p><font>Caso julgado;</font>
</p><p><font>Vinculação da recorrida à transacção independentemente da intervenção de um só gerente;</font>
</p><p><font>Não admissibilidade do conhecimento oficioso sobre a eventual anulabilidade da transacção;</font>
</p><p><font>Confirmação tácita da transacção;</font>
</p><p><font>Existência de abuso de direito, designadamente na modalidade de "veniere contra factum proprium".</font>
</p><p><font>A recorrida, por sua vez, pede que sejam apreciadas questões por si levantadas e não consideradas na decisão em causa.</font>
</p><p><font>Sustentam os recorrentes que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre as conclusões formuladas sobre os números 2, 3, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 das suas alegações. Existe assim, dizem, nulidade por omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font>A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 668º d) do C.Processo Civil.</font>
</p><p><font>Estipulação que é de articular com o artº 660º do mesmo Código, onde se determina, além do mais, que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.</font>
</p><p><font>É jurisprudência firme que só a falta de apreciação das questões está abrangida pela referida nulidade. Não há omissão de pronúncia se o juiz não analisar as considerações, os fundamentos, os argumentos, as razões, os juízos de valor ou opiniões doutrinárias formuladas pelas partes.</font>
</p><p><font>A considerar também que não ocorre a mencionada nulidade quando não se conheça de questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.</font>
</p><p><font>O dever imposto pelo nº 2 do artº 660º significa, no que toca à omissão de pronúncia, que é forçoso apreciar os dados essencialmente relevantes para encontrar a justa solução para os problemas relevantes.</font>
</p><p><font>Escreveu, a propósito, o Prof. Alberto Reis Código Processo Civil Anotado, V, pág. 143, que "o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas (partes) se apoiam para sustentar a sua pretensão".</font>
</p><p><font>Ora, em concreto, as verdadeiras questões que os recorrentes colocaram nas conclusões das alegações - são estas, como é sabido, que delimitam o âmbito do recurso - foram analisadas no acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Os recorrentes, em síntese, defenderam que é válida a transacção celebrada, não podendo discutir-se na execução/embargos a sua validade.</font>
</p><p><font>Para tal invocam vários argumentos: a qualidade dos intervenientes foi decidida na sentença homologatória da transacção; a sociedade recorrida não deixou de ficar vinculada na transacção pelo facto de só ter tido intervenção um gerente; é preciso ter em conta o interesse de terceiros de boa fé; o despacho homologatório da transacção transitou em julgado; o silêncio da recorrida vale como aprovação tácita ou confirmação; a eventual anulabilidade da transacção não pode ser oficiosamente conhecida.</font>
</p><p><font>A questão de fundo foi apreciada na decisão recorrida, como o foram na essência os argumentos deduzidos.</font>
</p><p><font>Nem sequer têm razão os recorrentes quando invocam omissões existentes na decisão da 1ª Instância. Na sentença avaliou-se a problemática suscitada, não se tendo omitido aquilo que era fundamental. Acresce que no acórdão recorrido, que é o que está em causa, se reapreciaram os argumentos invocados pelos recorrentes e se equacionaram todas as questões relevantes.</font>
</p><p><font>É evidente que tendo-se concluído na decisão da Relação que a transacção efectuada era nula, confirmando-se o saneador-sentença, os embargos tinham que ser julgados procedentes.</font>
</p><p><font>Não há assim, seja qual for a perspectiva, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem qualquer vício lógico que afecte o decidido. A invocação do artº 668º nº1, c) do C.P.Civil carece pois de fundamento.</font>
</p><p><font>Afastada a discussão processual-formal, vejamos o fundo da questão. O cerne da problemática consiste em saber se é ou não válida a transacção efectuada e se tal validade pode ou não ser discutida nos embargos de executado pela forma como o foi.</font>
</p><p><font>Os embargos em causa foram deduzidos em execução de sentença homologatória de transacção. Tal sentença é título executivo, aferindo-se pelo termo da transacção os limites da acção executiva.</font>
</p><p><font>Neste caso, na oposição podem alegar-se quaisquer das causas que determinaram a nulidade ou anulabilidade do acto.</font>
</p><p><font>O executado pode opor-se por embargos e, tratando-se de transacção judicial, não existe a limitação do artigo 813º do C. Processo Civil.</font>
</p><p><font>Expressamente se determina no nº 2 do artigo 815º do referido diploma que a homologação, por sentença judicial, da conciliação, confissão ou transacção das partes, em que a execução se funda, não impede que na oposição se alegue qualquer das causas que determinam a nulidade ou anulabilidade desses actos.</font>
</p><p><font>No direito substantivo a transacção é definida (artigo 1248º do C. Civil) como o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, podendo estas envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.</font>
</p><p><font>A transacção judicial (não importando aqui a extrajudicial) pode ser realizada por termo no processo, por documento ou em acta quando resulta de conciliação obtida pelo Juiz (artigo 300º do C. Processo Civil).</font>
</p><p><font>A sentença homologatória confere eficácia processual à transacção, mas não impede, obviamente, que se invoquem e analisem eventuais vícios.</font>
</p><p><font>Sendo a transacção judicial um contrato bilateral realizado pelas partes no âmbito de processo instaurado, pode esse contrato estar afectado dos vícios comuns aos demais negócios jurídicos, o que pode levar à sua nulidade, anulabilidade ou ineficácia.</font>
</p><p><font>A sentença homologatória, transitada em julgado, confere validade e eficácia ao negócio jurídico processual em causa, mas não exclui a possibilidade da existência de motivos de anulação da transacção - Em sentido próximo o Ac. STJ de 11.10.92, BMJ nº 420, pág. 431.</font>
</p><p><font>Não tem assim razão de ser a invocação do caso julgado.</font>
</p><p><font>Podendo serem apreciados os possíveis vícios da transacção, importa concluir se esta é válida como sustentam os recorrentes ou nula como foi decidido.</font>
</p><p><font>Segundo a factualidade considerada provada, o § 1º do artigo 6º do pacto social da sociedade em causa estipula que para obrigar a sociedade são necessárias as assinaturas dos dois sócios gerentes, bastando a assinatura de um só deles para os actos de mero expediente.</font>
</p><p><font>No artigo 6º dispõe-se ainda que a gerência da sociedade fica a cargo de ambos os sócios, desde já nomeados gerentes.</font>
</p><p><font>Os artigos que respeitam à gerência e à forma de obrigar a sociedade constam do registo relativo a esta.</font>
</p><p><font>É evidente que os actos aqui em discussão não são de mero expediente.</font>
</p><p><font>Qualquer interpretação, feita de harmonia com os critérios legais, leva o intérprete à conclusão óbvia de que para obrigar a sociedade numa transacção era necessária a intervenção dos dois gerentes. Tendo intervindo um só, a transacção não vincula a sociedade.</font>
</p><p><font>As instâncias consideraram que o artigo 261º do C. Sociedades Comerciais contém normas imperativas, pelo que é aplicável o artigo 294º do C. Civil, de harmonia com o qual são nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.</font>
</p><p><font>A transacção foi por isso considerada nula.</font>
</p><p><font>Defende o recorrente que se está perante simples anulabilidade e que, como tal, não é do conhecimento oficioso.</font>
</p><p><font>Tratando-se de normas de interesse e ordem pública a sua violação acarreta a nulidade que, além do mais, pode ser declarada oficiosamente (artigo 286º do C. Civil).</font>
</p><p><font>Estando-se perante a violação de normas sem carácter imperativo, que não tutelam em primeira linha interesses da comunidade como tal, haverá lugar à anulabilidade. Esta só pode ser invocada pela pessoa no interesse da qual a lei estabelece a sanção da anulabilidade (artigo 287º do CC).</font>
</p><p><font>O artigo 261º do C. Sociedades Comerciais, cuja redacção tem em conta a 1ª Directiva, contém, afigura-se-nos, normas imperativas. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre o Juiz poderia conhecer da anulação da transacção, uma vez que, como correctamente se decidiu, o pedido de anulação está contido no pedido feito nos embargos.</font>
</p><p><font>A circunstância de a parte só passados meses ter vindo a invocar a não vinculação da sociedade à transacção efectuada por um dos gerentes, não significa a aprovação tácita ou a confirmação do negócio jurídico.</font>
</p><p><font>Por um lado a arguição da nulidade foi tempestiva e por outro o silêncio não vale como declaração negocial, a não ser que esse valor lhe seja atribuído por lei, convenção ou uso (artigo 218º do CC).</font>
</p><p><font>Como escreveu o Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil" 2ª ed., pág. 425: "o silêncio é, em si mesmo, insignificativo e quem cala pode comportar-se desse modo pelas mais diversas causas, pelo que deve considerar-se irrelevante - se querem dizer sim, nem não - um comportamento omissivo".</font>
</p><p><font>Colocam os recorrentes o problema de saber se existe uma situação de abuso de direito sob a forma de venire contra factum proprium.</font>
</p><p><font>O artigo 334º do C. Civil diz que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.</font>
</p><p><font>Aceita o legislador a concepção objectivista.</font>
</p><p><font>Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que o acto se mostre contrário, exigindo-se, contudo, que o titular do direito tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício - Prof. Almeida Costa - "Obrigações", pág. 52 e seguintes.</font>
</p><p><font>A figura do abuso de direito surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida. Por um lado, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico, por outro evitando que observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se exceda manifestamente os limites que se devem observar, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.</font>
</p><p><font>A jurisprudência tem exigido que o exercício do direito tenha sido feito em termos clamorosamente ofensivos da justiça - Por todos o Ac. STJ de 08.11.94, BMJ nº 341, pág. 418.</font>
</p><p><font>O abuso do direito equivalerá à falta de direito, obtendo-se os efeitos que se produziam se alguém praticasse um acto que não pode realizar. </font>
</p><p><font>O referido artigo 334º contempla ainda a base legal do venire contra factum proprium, designadamente na boa fé aí enunciada, e que se traduz no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente.</font>
</p><p><font>Ninguém pode fazer valer um poder em contradição com o seu comportamento anterior, quando este comportamento, à luz da lei, dos bons costumes ou da boa fé se deve entender como "renuncia concomitante ao poder ou quando o exercício posterior do poder contenda com a lei, os bons costumes ou a boa fé". Há venire contra factum proprium quando uma pessoa, em termos que especificamente não a vinculam, manifesta a intenção de não ir praticar determinado acto e depois, o pratique, ainda quando o acto em causa seja permitido por integrar o conteúdo de um direito subjectivo. Pode acontecer quando o titular exercente manifesta a intenção de não exercer um direito potestativo, mas exerce-o e também quando o titular exercente indicie não ir exercer um direito subjectivo comum, mas exerce-o - Prof. Menezes Cordeiro - "Da Boa Fé no Direito Civil" 1984, II, pág. 742/770; "Obrigações" I, pág. 49; "Teoria Geral do Direito Civil" 1987, pág. 373.</font>
</p><p><font>Não existe no nosso direito uma proibição genérica de contradição, nem é vedado assumir comportamentos contraditórios com comportamentos anteriores.</font>
</p><p><font>Haverá, por isso, que analisar o caso concreto para concluir se ocorre o circunstancionalismo especial que justifica a aplicação do venire contra factum proprium.</font>
</p><p><font>Como escreve o Prof. Menezes Cordeiro: "Fica em aberto a oportunidade da sua aplicação em cada caso concreto".</font>
</p><p><font>Um dos critérios possíveis é o de ninguém poder exercer um direito em contradição com o comportamento anterior quando este justifique a conclusão de que o iria fazer e por via disso tenha despertado na outra parte uma determinada confiança, juridicamente tutelável.</font>
</p><p><font>Assentando a tese dos recorrentes neste entendimento, a verdade é que a factualidade trazida até este Tribunal não permite concluir pela ocorrência da figura.</font>
</p><p><font>A recorrida limitou-se a exercer um direito que e lei lhe concede, dentro dos limites dessa mesma lei.</font>
</p><p><font>Do comportamento da recorrida não é possível concluir que esta tenha exercido um direito em contradição com a conduta anterior e que esta justifique a conclusão de que não o iria fazer, tendo, por isso, criado nos recorrentes um estado de confiança susceptível de tutela jurídica.</font>
</p><p><font>É que uma coisa é a eventual actuação de um gerente (pessoa singular) outra o comportamento da pessoa colectiva em si.</font>
</p><p><font>Como é sabido, as pessoas colectivas constituem centros autónomos de relações jurídicas, autónomos mesmo em relação aos seus membros ou às pessoas que actuam como seus orgãos.</font>
</p><p><font>A doutrina tende a considerar que o abuso do instituto da personalidade colectiva é uma situação de abuso de direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da actuação do visado, através duma pessoa colectiva.</font>
</p><p><font>Quando a personalidade colectiva seja usada de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, é possível proceder ao levantamento da personalidade colectiva - Prof. Menezes Cordeiro - "O Levantamento da Personalidade Colectiva", Almedina, 2000, pág. 122 e segs.; Pedro Cordeiro - "A Desconsideração da Personalidade Jurídica de Sociedades Comerciais", 1989, designadamente, pág. 77.</font>
</p><p><font>Certo é que não tem este Supremo elementos, factos, documentos que apontem para tal solução.</font>
</p><p><font>A pessoa colectiva em si não está vinculada como tal, nem lhe é imputável uma censura por ter agido com abuso de direito.</font>
</p><p><font>Diga-se para finalizar que da factualidade apurada pelas instâncias não resulta a existência de prejuízos para terceiros, como os recorrentes alegam e é sabido que este Supremo, como Tribunal de revista, só decide, em princípio, de direito.</font>
</p><p><font>A decisão é assim de manter.</font>
</p><p><font>Pelo exposto, nega-se a revista.</font>
</p><p><font>Custas pelos recorrentes.</font>
</p><p><font>Lisboa, 15 de Outubro de 2002.</font>
</p></font><p><font><br>
<font>Pinto Monteiro (Relator)</font><br>
<br>
<font>Lemos Triunfante</font><br>
<br>
<font>Reis Figueira (vencido nos termos da declaração de voto junta)</font><br>
<br>
<font>DECLARAÇÃO DE VOTO</font><br>
<font>Não obstante a delicadeza da questão, e por isso a sua discutibilidade, considero a revista pela razão seguinte:</font><br>
<font>- Os exequentes-embargados são terceiros (e ao que se sabe, de boa fé) em relação ao conteúdo do pacto social da sociedade executado-exequente, que eles não são obrigados a conhecer por transaccionarem com ele: artº. 252 - nº. 1 e 260 - nº. 1, 2 e 3 do CSC.</font><br>
<font>Reis Figueira</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vzKlu4YBgYBz1XKvOya2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Recorrentes</font></b><font>: </font><b><font>AA e mulher BB</font></b>
<p><b><font>Recorridos</font></b><font>: </font><b><font>CC e mulher DD; EE; e FF e mulher GG</font></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. - RELATÓRIO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Irresignados com o julgamento da apelação que havia sido interposta pelos demandantes, CC e mulher DD; EE; e FF e mulher GG, da decisão de 1.ª instância que havia julgado os pedidos formulados pelos AA. contra os demandados, AA e mulher BB, totalmente improcedentes, e do mesmo passo julgado improcedente o pedido reconvencional que estes haviam deduzido contra aqueles, recorrem estes de revista, havendo que considerar para a decisão a proferir os sequentes:</font>
</p><p><b><font>I.1. - ANTECEDENTES PROCESSUAIS</font></b><font>.</font>
</p><p><font>CC e mulher, DD, EE, FF e mulher, GG, instauraram em 15-10-2009, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, contra AA e mulher BB, a presente acção declarativa de condenação, sob forma de processo ordinário, pedindo (a titulo principal): a) - a resolução do contrato que celebraram com os Réus por incumprimento culposo destes fixando-se a data de incumprimento em 03/05/2002; b) - a condenação dos Réus a pagar € 960.445,60 correspondentes € 723.256,95 ao valor do estabelecimento, deduzido da parte do preço ainda não recebido e € 237.188,65 a juros; e (de forma subsidiária): a) - a condenação dos Réus na devolução do sinal prestado em dobro ou em singelo; b) - a condenação dos Réus a pagar € 200.000 pelas benfeitorias realizadas no estabelecimento e juros. </font>
</p><p><font>Para os pedidos que formulam alegaram que, por força de cessões de posição contratual, são os Autores os promitentes cessionários de um contrato promessa de cessão de quotas de um estabelecimento de restauração em que os Réus são promitentes cedentes além de proprietários das respectivas quotas.</font>
</p><p><font>Foi estipulado o valor de € 299.278,74 (60.000.000$00) para a cessão, sendo que, no dia da celebração do contrato (31/05/00) foram entregues pelos Autores €199.519,16, sendo que o restante seria a pagar na escritura; </font>
</p><p><font>Ficou ainda acordado que a escritura realizar-se-ia quinze dias após a obtenção da licença de ocupação do estabelecimento pelos Réus; </font>
</p><p><font>Até hoje os Réus não obtiveram o referido licenciamento, não obstante diversas vezes interpelados pelos Autores para esse efeito; </font>
</p><p><font>Os Autores desde logo passaram a utilizar o estabelecimento de restauração para o que fizeram obras que avaliam em € 200.000; </font>
</p><p><font>Entretanto em 22-05-2001 os Autores, contactados por terceiros interessados, prometeram ceder as quotas do referido estabelecimento de restauração a esses terceiros, contrato esse que veio a ser judicialmente resolvido nos termos do acórdão do STJ transitado e junto a fls. 210 e segs. destes autos; </font>
</p><p><font>O imóvel em causa tinha, à data do incumprimento pelos Réus (03/05/02), o valor que fixam em 798.076,64 Euros. </font>
</p><p><font>Os Réus contestaram, defendo-se por impugnação, invocando nomeadamente que:</font>
</p><p><font>- os Autores sabiam da inexistência de licenciamento e, apesar disso, celebraram com os Réus o contrato promessa em causa e ainda um outro de arrendamento; </font>
</p><p><font>- nesse contrato de arrendamento estabeleceram uma cláusula onde reconheciam que por causa da falta desse licenciamento não podiam exigir qualquer indemnização; </font>
</p><p><font>- nunca os Réus criaram junto dos Autores falsas expectativas quanto ao negócio, sendo que, se estava perante uma obrigação sem prazo, pois não se fixou um prazo para a obtenção de alvará, não havendo assim mora ou incumprimento pelos Réus; </font>
</p><p><font>- a obtenção de alvará estava dependente de facto de terceiro;</font>
</p><p><font>- a existir resolução, a mesma tem de se considerar como tendo ocorrido em 09/06/09, data em que os Autores enviaram carta a declarar a resolução do contrato, o que demonstra a sua falta de vontade em cumpri-lo. </font>
</p><p><font>Terminam pedindo a sua absolvição e, em reconvenção, pedem:</font>
</p><p><font>- a resolução do contrato por incumprimento dos Autores e declaração de perda de sinal por estes prestado de 225.459,05 €.</font>
</p><p><font>Replicaram os Autores mantendo a sua versão dos factos. </font>
</p><p><font>A fls. 343 foi, pelos demandantes, introduzido articulado superveniente em que pediram a ampliação do pedido, o que viria a ser admitido, na sessão de audiência e julgamento, constante de fls. 417 a 420 </font>
</p><p><font>Realizou-se audiência de julgamento, deram-se as respostas nos termos do despacho de fls. 448 a 457, tendo sido proferida sentença – cfr. fls. 458 a 473 - que julgou totalmente improcedente a acção e a reconvenção, em consequência, absolveu, respectivamente, os Réus dos pedidos contra si formulados, por via de acção, e os demandantes-reconvindos, do pedido reconvencional </font><b><font> </font></b>
</p><p><font>Interposto recurso de apelação da decisão proferida veio a mesma, em audiência realizada, no Tribunal da Relação do Porto, em 24-11-2011, e em que mereceram apreciação as seguintes questões: </font>
</p><p><i><font>- impugnação da matéria de facto;</font></i>
</p><p><i><font>- decisão jurídica </font></i><font>que se pode circunscrever, à questão de saber se pode haver mora, independentemente da existência de prazo certo, pelo mero curso do tempo e nas circunstâncias apuradas nos autos, objectivada na perda do interesse do credor; </font>
</p><p><font>vindo a final a “[julgar] a apelação parcialmente procedente, declarando-se validamente resolvido o contrato promessa celebrado com os recorridos, condenando-se estes, solidariamente, a restituírem aos recorrentes a quantia global de 224.459,05 Euros (duzentos e vinte e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos) recebida a título de sinal (199.519,16€) e adiantamento do preço (24.939,89€), acrescida de juros de mora às taxas civis aplicadas, desde a data da resolução do contrato (12-06-2009) até integral pagamento.”</font><i><font> </font></i>
</p><p><font>E da decisão acabada de destacar que vem interposta a presente revista para a que há a considerar o sequente;</font>
</p><p><b><font>I.2. - QUADRO CONCLUSIVO.</font></b>
</p><p><font>Para a revista que pedem dessumem os demandados/recorrentes, o epítome conclusivo que queda sumariado. </font>
</p><p><font>“A. Os aqui Recorrentes não podem conformar-se com a decisão sob recurso pois que, entendem os aqui Recorrentes que, salvo entendimento diverso, o douto Acórdão sob recurso não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, feito uma equivocada interpretação e incorrendo em errada subsunção dos factos ao direito. </font>
</p><p><font>B. Pelo que, impõe-se a anulação da decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção improcedente, por não provada absolvendo-se os Recorrentes dos pedidos contra si formulados. </font>
</p><p><font>C. Com efeito, o presente recurso versará sobre três conceitos: prazo absoluto e mora, interpelação admonitória e, incumprimento culposo de contrato promessa de compra e venda. É que, ao contrário do decidido pela 1.ª Instância, veio o Tribunal da Relação do Porto a entender que </font><u><font>por ter ocorrido mora</font></u><font> na celebração da escritura pública por parte dos aqui Recorrentes assiste aos Autores o direito de resolução contratual. </font>
</p><p><font>D. Ora, assim não se pode conceder! É que, analisando o pedido dos Autores face aos factos provados, temos claro que: no contrato promessa assinado pelas partes </font><u><font>não foi indicada a data para a realização da escritura pública que formalizasse a prometida cessão de quotas,</font></u><font> pois o prazo que aí foi fixado determina que «a escritura de cessão de quotas se realizará 15 dias após a obtenção de licença de ocupação e respectivo alvará sanitário», licença essa que, sem se prever qualquer data para a sua emissão, até à presente data ainda não foi obtida. </font>
</p><p><font>E. Ora, quer a possibilidade de o promitente vendedor fazer seu o sinal entregue quer a faculdade de o promitente comprador exigir o dobro do que tiver prestado a título de sinal, pressupõem, o incumprimento culposo da parte contrária, conforme decorre do teor do n.º 2 do art. 442.º, que menciona expressamente o "não cumprimento do contrato". Mas o incumprimento não se confunde com a mora, conforme decorre do teor do n.º 1 do art.. 808.º do C. c.. </font>
</p><p><font>F. Na hipótese em causa nos autos não temos qualquer estipulação de prazo concreto para a celebração do contrato definitivo pois este só seria celebrado após a obtenção de licenciamento do estabelecimento, </font><u><font>para o que não foi fixado um prazo. </font></u>
</p><p><font>G. Assim, inexistindo prazo absoluto (situação, conforme vimos, ocorrida nos autos), a mora apenas se converte em incumprimento em três situações: 1) se, em consequência da mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; 2) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e aquele não realizar a prestação em falta; 3) Se o devedor declarar inequivocamente ao credor que não cumprirá o contrato (neste sentido: Ac. do ST], de 12-01-2010, Proc. 628/09.3YFLSB, disponível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt)</font></u><font>.</font></a>
</p><p><font>H. Ora, nos presentes autos, alegam os aqui Apelantes que perderam interesse na celebração do contrato de cessão de quotas em virtude da mora, que se converteu em incumprimento, isto é, pela 1.ª situação supra mencionada. No entanto, importa desde logo sublinhar que, conforme considerado pelo Digno Tribunal de 1.ª Instância, de forma que não nos levanta censura, pelo facto dos Réus, aqui Recorrentes, não se encontrarem em mora no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, </font><u><font>a sua anunciada perda de interesse, consequência de uma alegada mora, na conclusão do contrato, não justifica uma recusa definitiva da sua celebração</font></u><font> e, por isso, considera-se que não se verificou incumprimento definitivo por parte dos Réus. </font>
</p><p><font>I. Até porque, salvo melhor opinião, é nosso entendimento que o factualismo provado não permite concluir, de forma alguma, por qualquer mora ou culpa dos promitentes-vendedores, aqui Recorrentes. Com efeito, não era de todo exigível aos promitentes vendedores que providenciassem pela marcação de data para a realização da escritura, sem que tivessem sido obtidos os documentos necessários, junto da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, pois era este facto a condição "sine qua non" para aquela marcação. E só depois de obtida aquela documentação é que decorreria o prazo fixado pelas partes para a celebração da respectiva escritura, seja, sem que se tenha verificado este facto, condição prévia à realização da mencionada escritura pública, nunca decorreu ou se esgotou o prazo fixado para o vencimento da obrigação dos aqui Réus. </font>
</p><p><font>J. No caso concreto, e pegando no próprio entendimento perfilhado pelo Tribunal de 1.ª Instância, cuja douta sapiência se aplaude, «o tribunal não tem factos para concluir que exista mora por parte dos Réus na celebração do contrato já que o contrato não tinha prazo para a celebração do contrato definitivo nem se fixou judicialmente o mesmo.» </font>
</p><p><font>K. Acresce que, «Os Autores também não interpelaram os Réus para cumprirem em determinado prazo sob pena de se considerar incumprida a sua obrigação (interpelação admonitória) prevista no artigo 808.</font><sup><font>0</font></sup><font>, n.º 1, do CC.</font>
</p><p><font>L. Assim sendo, colhendo sustentação nos fundamentos supra enunciados, e salvo o devido respeito, sempre se entende que mal andou o Venerando Tribunal da Relação do Porto, antes, ao invés, humildemente, estamos certos de que a única decisão acertada seria no sentido de não ter sido validamente declarada a resolução do contrato-promessa dos autos, por falta de fundamento para o incumprimento definitivo, por mora aliada à perda de interesse (pois, não existindo mora, também não pode haver resolução por falta de interesse). </font>
</p><p><font>M. Donde, por toda esta situação fáctica, só se poderia ter concluído que os aqui Recorrentes não incumpriram com a obrigação que sobre si impendia, pois que a mesma não tinha prazo certo, não revelando, para o efeito, qualquer perda de interesse invocada pelos Autores. </font>
</p><p><font>N. Pelo que, ao contrário do entendimento plasmado no douto Acórdão ora recorrido, deveria a Veneranda Relação do Porto, ter concluído que a declaração de resolução nos termos em que foi formulada pelos Autores o foi sem suporte legal e sem o mínimo de fundamento objectivo. </font>
</p><p><font>O. Já que, na resolução da promessa e as sanções da perda do sinal ou da sua restituição em dobro, só têm lugar no caso de inadimplemento definitivo da promessa" (João Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, 4.ª Edc., revista e aumentada - 1995). Mais que, «a interpelação constitui um acto jurídico que deve ser explícito quanto ao modo e momento em que o cumprimento deve ser efectuado (designadamente através da indicação de dia, hora e cartório onde a escritura será celebrada) </font><u><font>não se compadecendo com uma mera indicação vaga do promitente de que pretende que o contrato prometido seja celebrado.</font></u><font> (…) </font><u><font>O incumprimento definitivo da obrigação apenas pode decorrer da superveniência de um facto que o torne impossível (incumprimento naturalístico) ou resultar da conversão da mora em incumprimento nos termos do art. 808.º do C.C. (incumprimento normativo) através da perda do interesse do credor ou do facto de o devedor não cumprir após interpelação admonitória em que o credor lhe fixou um prazo razoável para o cumprimento.</font></u><font> A interpelação admonitória consiste numa intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida. </font><u><font>Não basta que o credor afirme, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa para que se considere que perdeu o interesse na prestação:</font></u><font> há que ver, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas artigo 808.</font><sup><font>0</font></sup><font>, n.º 2).» Vide Ac. ST] de 05.05.2005 – Proc. n.º 05B724: </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font>.</font></a><u><font> E, ainda, Galvão Telles, Obrigações, 3.</font></u><u><sup><font>a</font></sup></u><u><font>-253. (sublinhado nosso). </font></u>
</p><p><font>P. Assim, reitera-se, inversamente ao defendido no douto Acórdão recorrido, não pode admitir-se terem-se constituído os aqui Recorrentes em incumprimento definitivo, uma vez que, a escritura definitiva não tinha data certa para a sua realização, nem os aqui Autores interpelaram os Réus para que procedessem à marcação da mesma num prazo certo, sob pena de assim virem a perder, então, o interesse na resolução, limitando-se, tão só, os aqui Autores a alegar, na sua missiva de 09-06-2009, que «não temos o menor interesse no cumprimento da sua promessa, na qual aliás, já não acreditamos. Face ao exposto, vimos comunicar a V. EX.a que, por absoluta perda de interesse no eventual cumprimento do contrato-promessa de cessão de quotas da sociedade "HH - Restaurante e Churrasqueira, Lda. ", celebrado com V. EXa. e sua Senhora, em 31/05/2000, o consideramos resolvido, com efeitos imediatos. Por efeito desta resolução, totalmente imputável ao incumprimento de v: EXas .... », sem que, objectivamente, porque os Réus não incorreram em qualquer mora, se possa julgar justificada uma qualquer perda de interesse. </font>
</p><p><font>Q. Concluído «que o contrato foi celebrado sem prazo, pois que, a obtenção de toda a documentação necessária ficou, no contrato, sem qualquer definição temporal certa ou determinada», outra solução não restava aos aqui Autores que não fosse a estipulação se um prazo certo para tal efeito. </font>
</p><p><font>R. Não se pode colher da factualidade provada elementos que permitam concluir pela mora dos aqui Recorrentes quando, na verdade e de facto, não foi estipulado qualquer prazo, nem à data da celebração do contrato promessa nem posteriormente! O facto dos Réus, ao longo do decorrer dos tempos, terem afirmado que "as mesmas estavam por dias" em nada altera a inexistência de um prazo certo e/ou absoluto para a obtenção daquelas licenças! Se a vontade determinante das partes em causa tivesse ido nesse sentido poderiam mesmo ter celebrado um aditamento ao contrato promessa, tal qual o fizeram, ainda que, por outras razões. </font>
</p><p><font>S. É, pois, certo que os aqui Autores em nenhuma das interpelações feitas aos aqui Recorrentes fixaram um prazo peremptório para que a obrigação se cumprisse, sob pena de incorrem os mesmos em mora. Não há nos autos qualquer fixação de prazo ou interpelação admonitória. Donde, nada resultando nos autos relativamente à impossibilidade de obter aquela documentação, sendo ainda perfeitamente possível a realização da escritura e o cumprimento do contrato definitivo, sendo certo que, os aqui Recorrentes tudo fizeram, no que estava ao seu alcance, diligenciando sempre no sentido de realizar a escritura pública, do contrato prometido, actuando sempre na sua boa fé de que o negócio se realizaria. Certo é que, a perda objectiva de interesse dos aqui Autores não se pode bastar com a simples premissa de que «atento o tempo entretanto decorrido sem uma resposta efectiva da contra-parte na marcação da escritura» se cumprem os requisitos do art. 808.º do C. Civil. </font>
</p><p><font>T. Estipula claramente o art. 808.º, n.º 1 do C. Civil que «Se o credor, </font><u><font>em consequência da mora, perder o interesse</font></u><font> que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do </font><u><font>prazo que razoavelmente for fixado</font></u><font> pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação». Seja, das duas uma, ou há um prazo estipulado e aí verifica-se a mora, na sequência da qual, terá que ser apreciada objectivamente a perda de interesse do credor ou, por outro lado, não havendo prazo estipulado (tal qual a situação dos autos) esse prazo terá que vir a ser </font><u><font>fixado,</font></u><font> o que nunca sucedeu! </font>
</p><p><font>U. Neste sentido veja-se o seguinte Aresto: «Celebrado entre as partes um contrato-promessa de compra e venda, sem convenção quanto ao prazo para a efectivação da escritura, pode qualquer das partes promover a sua marcação, em termos de razoabilidade e boa fé negocia I, transformando a obrigação pura em obrigação com termo certo. Nesse caso, é legitimo que o credor, do mesmo passo que fixa ao devedor o prazo para cumprir, o advirta da essencialidade do termo que fixa, para o caso de incumprimento, com a expressa advertência de que, perante o incumprimento, poderá resolver o contrato.» (in RE, 7-2-2002: CJ, 2002, 3.°-24). </font>
</p><p><font>V. Como bem ponderou o Dign.o Tribunal da 1.ª Instância «não está fixado um prazo concreto para a celebração do contrato definitivo pois este só seria celebrado após a obtenção de licenciamento do estabelecimento ao qual não foi fixado um prazo. A única menção que se pode estabelecer para a celebração do contrato definitivo são as afirmações do Réu marido de que a licença estaria para breve (factos 15.</font><sup><font>0</font></sup><font> e 16.º) que, não sendo inócuas, não têm a força suficiente para se entenderem como uma fixação de prazo. Não havendo um prazo fixado contratualmente, estando a celebração do contrato definitivo dependente da existência de um facto incerto e futuro (emissão de licenciamento do estabelecimento), haveria que recorrer ao processo especial de fixação judicial de prazo (artigo 1456.º, do C. P. C. e 772.º, do C. C.). E aí, nesse procedimento, certamente se teria de atender ao desenvolvimento do respectivo processo camarário para se poder fixar judicialmente um prazo razoável para que se marcasse e realizasse a escritura definitiva.» </font>
</p><p><font>W. Afastada a situação de mora dos Réus (entendida como o atraso, demora ou dilação no cumprimento de uma obrigação que, desde logo, não havendo prazo, não pode, juridicamente, considerar-se atraso), o que importa reter é que os Autores resolvem o contrato </font><u><font>alegando</font></u><font> perda de interesse </font><u><font>por causa</font></u><font> da mora; não existindo esta, também não pode haver resolução por falta de interesse. </font>
</p><p><font>Aqui chegados, apraz, com o devido e merecido respeito, salientar que não se trata de analisar a situação dos autos "numa perspectiva formalista", trata-se, sim, de aplicação da lei, da não verificação "in casu" dos pressupostos do art. 808.º do C. Civil. </font>
</p><p><font>X. Donde, no modesto entender dos aqui Recorrentes, e salvo melhor opinião, conclui-se que o Venerando Tribunal da Relação do Porto não ponderou, em termos de direito substantivo, devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, feito uma equivocada interpretação e incorrendo em errada subsunção dos factos ao direito, em violação do disposto nos art. 804.º, 805.º e 808.º, todos do C.P.C.. </font>
</p><p><font>Z. A perda do interessa na prestação, sendo consequência da mora, como sustentam os Autores no seu pedido, não se poderá ter como provada nos autos, porquanto, desde logo, não havendo prazo certo a cumprir também não há a verificação da sua inobservância (a dita "mora"). </font>
</p><p><font>AA. Pelo que, impõe-se a anulação da decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção improcedente, por não provada, absolvendo os aqui Recorrentes dos pedidos contra si formulados.” </font>
</p><p><font>Em contra-alegação concluíram os demandantes/recorridos, com o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><font>“1 - Os recorrentes, seguramente à míngua de argumentos, quase nem referem a interpretação e mesmo a doutrina que fez vencimento no acórdão recorrido, antes optando por uma abordagem perfeitamente lateral, ignorando o conteúdo da decisão que pretensamente pretendem contrariar, limitando-se a voltar à decisão de primeira instância, que pretendem repetir, repisando os argumentos nela contidos e preenchendo-a de conceitos de direito desinseridos da realidade do caso concreto sub Júdice, quase todos, aliás, perfeitamente cooptáveis para sustentáculo da decisão recorrida. </font>
</p><p><font>2 - Idêntica inconsequência se revela, salvo o devido respeito, na impudente selecção dos factos que se dizem "importantes" para a decisão, onde se procede a uma radical amputação dos facto dados por provados, desprezando-se, sem contudo sequer se ensaiar uma justificação para tal desprezo, aqueles que expressamente fundaram a decisão recorrida e que têm a ver, principalmente, com o facto de "( ... ) os Recorridos, sucessivamente interpelados para obterem a documentação e marcarem a escritura, deixam decorrer nove anos, durante os quais reiteram, insistem e repetem aos Recorrentes que a documentação está por dias, sucessivamente os inibindo de uma atitude mais peremptória, mas simultaneamente frustrando a expectativa de realização do negócio, ( ... )". </font>
</p><p><font>3 - A decisão vigente é a que, preservando uma saudável expressão de unidade e coerência das decisões judiciais, melhor serve o seu fim último, a realização da justiça, pois, através das consequências do seu postulado, se alcança um resultado justo e equilibrado, de acordo com as culpas das partes envolvidas no litígio.” </font>
</p><p><b><font>I.3. - QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.</font></b>
</p><p><font>Em face do quadro conclusivo dessumido pelos recorrentes temos como pertinentes para a decisão a proferir, na presente revista, as sequentes questões:</font>
</p><p><font>- Contrato promessa; Incumprimento; Mora – por perda de interesse na prestação; Resolução; Prazo absoluto – Prazo relativo; Interpelação Admonitória.</font>
</p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO.</font></b>
</p><p><u><font>“Factos que vêm fixados pela 1ª Instância, a que o tribunal da Relação aditou o nº 25, no uso da prerrogativa estabelecida no art. 712º nº 1 al. a) do CPC</font></u><b><i><u><font>:</font></u></i></b>
</p><p><font>1) No dia 31/05/00 foi celebrado um contrato que os intervenientes denominaram de </font><u><font>«contrato promessa de cessão de quotas, divisão, unificação e recibo</font></u><font>» em que intervieram AA e mulher, BB (ora Réus e 1ºs. outorgantes), CC (ora 1.º Autor e 2.º outorgante), EE (ora 2.º Autor e 3.º outorgante), II (4.º outorgante), JJ (5.º outorgante), FF (ora 3.º Autor e 6.º outorgante) através do qual, em síntese, se exarou que: </font>
</p><p><font>- os 1ºs. (AA e mulher) eram donos, respectivamente, de uma quota no valor de € 1.795,67 (Esc. 360.000$00) e € 199,52 (Esc. 40.000$00) correspondente à totalidade do capital social da empresa «HH-Restaurante e Churrasqueria, Lda.»; </font>
</p><p><font>- AA declara dividir a sua referida quota em cinco quotas, quatro no valor de € 399,04 e outra no valor de € 199,52, declarando prometer ceder a CC, EE, II, JJ as quotas de € 399,04 e a JJ (no que em rigor será a FF atento o teor do que se segue) a quota de € 199,52;</font>
</p><p><font>- BB declara ceder a sua quota de € 199,52 a FF o qual unifica esta quota com a que recebe de AA ficando com uma quota de € 399,04; </font>
</p><p><font>- o valor total da cessão de quotas é de € 299.278,74 (Esc. 60.000.000$00) a pagar € 199.519,16 (Esc. 40.000.000$00) em 31/05/00 e o restante </font><u><font>no acto da escritura, a celebrar em 15 dias após a obtenção de licença de ocupação e respectivo alvará sanitário, competindo aos aqui Réus a sua marcação;</font></u>
</p><p><font>- ficou exarado ainda que representa incumprimento definitivo do contrato a não outorga por qualquer dos outorgantes da escritura no dia designado, tudo conforme fls. 55 a 58 cujo teor se dá por reproduzido (A). </font>
</p><p><font>2) No dia 22/05/01 foi celebrado um contrato que os intervenientes denominaram de «contrato promessa de cessação de “</font><b><font>cotas”</font></b><font>, divisão, unificação e recibo» no qual foram outorgantes CC casado com DD (ora Autores e 1ºs. outorgantes), EE casado com KK (ora Autor e 2ºs. outorgantes), JJ (3.º outorgante), II (4.º outorgante), FF (ora Autor e 5.º outorgante), todos indicados como vendedores, e como compradores, LL e MM (1.ºs compradores), tendo sido exarado que: </font>
</p><p><font>- CC e DD são os únicos titulares de «</font><b><font>cotas</font></b><font>» representativas do capital social de empresa «HH-Restaurante e Churrascaria, Lda.» e que os mesmos declaram prometer vender a EE ou a quem eles indicarem as quotas por € 798.076,64 (Esc. 160.000.000$00), a pagar € 199.519,16 (Esc. 40.000.000$00) no dia 22/05/01, € 99.759,58 em 01/07/01 e 01/08/01 o restante em quarenta mensalidade de € 9.975,96 (Esc. 2.000.000$0) com vencimento a 1ª em 30/09/01 e sucessivamente até ao final; </font>
</p><p><font>- é da responsabilidade dos vendedores pagarem € 99.759,58 no acto da escritura, a marcar pelos 1ºs. outorgantes, a outorgar quando toda a documentação estiver em ordem tais como alvará sanitário, licença de ocupação e todos os demais documentos necessários para o devido fim; </font>
</p><p><font>- a venda é realizada com todos os bens que se encontrem no local e uma viatura automóvel, tudo conforme fls. 65 a 67 cujo teor se dá por reproduzido (B). </font>
</p><p><font>3) Em 04/09/01 foi outorgado um documento denominado de </font><b><font>«declaração de aditamento ao contrato de promessa de cessão de quotas, divisão, unificação de recibo»</font></b><font> no qual se declara que em virtude de os promitentes cedentes AA BB (ora Réus) necessitarem de efectuar pagamentos para obterem as licenças dos estabelecimentos em causa, CC vai entregar € 24.939,89 (Esc. 5.000.000$00) ficando a cl. B, alínea 4.ª do contrato de 31/05/00 a restar €74.819,68 (Esc. 15.000.000$00) a pagar no acto da escritura, assinado por AA e BB, tudo conforme fls. 68 cujo teor se dá por reproduzido (C), quantia que os Autores pagaram (12.º). </font>
</p><p><font>4) No dia 31/05/00 foi celebrado um contrato denominado de «contrato de arrendamento» em que foram intervenientes AA e BB (ora Réus e 1ºs. outorgantes), «HH-Restaurante e Churrasqueria, Lda.» (2.ª), como fiadores CC (ora Autor e 3.º outorgante), EE (ora Autor e 3.º outorgante), II (3.º outorgante), JJ (3.º outorgante), FF (ora Autor e 3.º outorgante) tendo sido exarado que: </font>
</p><p><font>- AA e mulher, como donos, dão de arrendamento a «HH…» o dito estabelecimento comercial com início em 01/06/00, por um ano, com prorrogações, pela renda mensal de € 1.246,99 (Esc. 50.000$00), para o exercício de restaurante e churrasqueira; </font>
</p><p><font>- «HH…» e todos os 3ºs. outorgantes reconhecem ter sido informados por AA e mulher que inexistiam licenças e alvarás pelo que não podiam exigir qualquer indemnização fosse a que título fosse, 3ºs. outorgantes constituem-se fiadores e principais pagadores da arrendatária, tudo conforme consta de fls. 62 a 64 cujo teor se dá por reproduzido (D).</font>
</p><p><font>5) O Autor CC enviou ao Réu AA carta datada de 02/04/02 onde lhe refere que recebeu carta de LL e MM e mencionando que a responsabilidade na entrega dos documentos para a legalização do estabelecimento em causa cabia a tal Réu, registada e recebida pelo mesmo Réu em 03/04/02, tudo conforme fls. 128 a 132 cujo teor se dá por reproduzido (E). </font>
</p><p><font>6) Dá-se por reproduzido o teor da decisão do Acórdão do S. T. J. de fls. 209 a 223 (F). </font>
</p><p><font>7) Dá-se por reproduzido o teor de fls. 230 a 234 (cartas datadas de 09/06/09 enviadas pelos Autores CC e EE aos Réus, por si recebidas, onde comunicam a perda de interesse no cumprimento do contrato referido em 1) e consideram resolvido tal contrato pedindo a devolução de € 224.459,05 já entregues, em dobro, ou seja, € 448.918,11, acrescida de € 200.000 a título de benfeitorias) – al. G; </font>
</p><p><font>8) O Réu AA respondeu ao Autor EE nos termos constantes de fls. 235 e 236 cujo teor se dá por reproduzido (carta datada de 22/06/09 onde negam a existência de motivo para a resolução, recebida pelo Autor) – al. H; </font>
</p><p><font>9) Os Réus receberam dos aqui Autores a quantia de € 224.459,05 por conta do contrato referido em 1) – al. I;. </font>
</p><p><font>10) Até Março de 2002 os Autores receberam de LL e MM, por conta do contrato referido em 2), a quantia de € 459.623,70 (Esc. 92.146.280$00) – al. J-. </font>
</p><p><font>11) Os Autores celebraram com II e JJ o acordo constante de fls. 60 e 61 (1.º). </font>
</p><p><font>12). O Autor EE celebrou com KK o acordo constante de fls. 59 (2.º). </font>
</p><p><font>13). Os Autores, em 31/05/00, não tinham habilitações literárias em cursos de índole jurídica (3.º). </font>
</p><p><font>14). Os Autores realizaram obras no estabelecimento onde funcionou «HH…» e adquiriram bens, após 01/06/00 até data indeterminada mas não após Setembro de 2000, que incluíram cortinados, gerador, ar condicionado, uma tenda, mobiliário, máquinas, churrasqueira e exaustão na cozinha, pintura geral, em valor não apurado (4.º, 5.º). </font>
</p><p><font>15) O Réu AA disse aos Autores, antes de 22/05/01, que a legalização referida na cláusula 5.ª do contrato mencionado em A) iria ocorrer rapidamente, num prazo de dias (6.º). </font>
</p><p><font>16). Foi fixado o prazo de 90 dias no contrato mencionado em B) tendo também por base a actuação do Réu AA que referia que a licença estaria para breve (7.º).</font>
</p><p><font>17). Os Autores antes e depois de 22/05/01, insistiram junto dos Réus no sentido de obterem as licenças em falta (8.º). </font>
</p><p><font>18). Os Réus sabiam que os Autores tinham celebrado um contrato promessa do estabelecimento em questão e que para a celebração do respectivo contrato definitivo seria necessária a obtenção da legalização do mesmo (9.º). </font>
</p><p><font>19). Os Autores deram conhecimento aos Réus em 03/04/02 de que LL e MM os estavam a interpelar para cumprimento do contrato referido em 2) (facto 14.º). </font>
</p><p><font>20). O | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vzKuu4YBgYBz1XKvFy2t | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><b><font>I.</font></b><br>
<b><font> Relatório.</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>AA intentou, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção ordinária contra BB – Investimento Imobiliário, S. A.,</font><br>
<font>pedindo a sua condenação no pagamento de 290.171,70 €, correspondente ao dobro do sinal prestado, relativamente ao contrato-promessa de compra e venda, por esta incumprido, o que motivou a sua resolução.</font><br>
<font> A R. contestou, impugnando o alegado incumprimento definitivo, e em consonância, pediu a sua absolvição.</font><br>
<font> O A. replicou.</font><br>
<font> Seguiu, depois, o processo a sua normal tramitação até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.</font><br>
<font> Inconformado, o A. apelou, com êxito, para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<font> É, agora, a vez de a R. mostrar o seu inconformismo, pedindo revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a coberto da seguinte síntese conclusiva: </font><br>
<font>– A R., ora Recorrente, recorre da decisão do Tribunal da Relação que revogou a decisão de absolvição da R..</font><br>
<font>– Considerou o Tribunal da Relação que houve incumprimento definitivo, por parte da R., da obrigação de celebrar o contrato prometido, assistindo, assim, ao A. o direito de resolver o contrato-promessa.</font><br>
<font>– Para chegar a esta conclusão, o Tribunal recorrido fez uma interpretação da cláusula sexta, nº 5 e nº 6, do contrato-promessa, segundo a qual assiste ao promitente-comprador o direito de resolver o contrato, sem necessidade de prévia interpelação admonitória da contraparte, no caso de não ter sido celebrado o contrato prometido dentro do prazo estipulado, que considera ser um prazo essencial.</font><br>
<font>– Ou seja, não exige a necessidade de interpelação admonitória, por parte do A., para que se considere verificado o incumprimento definitivo da R..</font><br>
<font>– Este entendimento não é correcto, uma vez que o A. sempre teria que interpelar a R., nos termos do artigo 808º, nº 1, do Código Civil, para verificação de incumprimento definitivo.</font><br>
<font>– Contudo, o referido Tribunal, no acórdão recorrido, interpretou o prazo estabelecido na cláusula 6ª, nº 6, do contrato-promessa como sendo um prazo absoluto e limite, cujo decurso conferiria ao A. o direito de resolver o contrato-promessa, sem necessidade de qualquer interpelação para o cumprimento.</font><br>
<font>– Da letra do contrato não existe qualquer elemento susceptível de sustentar tal interpretação, no sentido de que as partes pretenderam derrogar o regime legal, pelo que o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 236°, do Código Civil.</font><br>
<font>– Deste modo, uma vez que o A. não interpelou a R., em qualquer momento, para marcar a escritura, concluímos que não podia o A. resolver o contrato-promessa.</font><br>
<font>– Acresce que, é pressuposto da verificação de incumprimento definitivo para efeitos de aplicação da cláusula 6ª, que tal facto resulte de causa exclusivamente imputável à R..</font><br>
<font>– Ora, como já foi mencionado, a não celebração da escritura pública de compra e venda resultou de factos imputáveis a terceiros, </font><i><font>in casu</font></i><font>, à Câmara Municipal de Palmela e aos empreiteiros.</font><br>
<font>– Ora, o Tribunal da Relação defendeu que é exclusivamente imputável à R. o alegado incumprimento do contrato-promessa, procedendo a uma interpretação do artigo 800° do Código Civil que permite a aplicação desta norma à relação entre o R. e o empreiteiro encarregue da construção da moradia prometida vender, fazendo com que a R. seja responsabilizada pelas condutas do empreiteiro.</font><br>
<font>– Tal entendimento não pode merecer a nossa concordância.</font><br>
<font>– Desde logo, não se pode considerar que o empreiteiro seja um auxiliar da R. no cumprimento da sua prestação no âmbito do contrato-promessa de compra e venda.</font><br>
<font>– O alegado auxiliar deve ser utilizado para o cumprimento da prestação do devedor no âmbito da sua relação obrigacional com o credor.</font><br>
<font>– Ora, no contrato-promessa as prestações que dele decorrem são a emissão de declarações negociais abstractamente idóneas para a celebração do negócio prometido.</font><br>
<font>– Pelo que, só se poderá considerar, neste âmbito, como auxiliar, um terceiro à relação contratual que o credor utilize para exteriorizar a sua declaração negocial.</font><br>
<font>– Porém, o empreiteiro A..B.../PoliAF, S. A. não foi utilizado para tal, mas apenas para a construção da moradia em causa.</font><br>
<font>– No contrato-promessa a construção do objecto da promessa não constitui a prestação principal, mas apenas uma condição objectiva para a sua realização.</font><br>
<font> – Assim, é de afastar a responsabilidade da R. pelos actos do empreiteiro e da Câmara Municipal de Palmela, pois nem um nem outro se enquadram na noção de auxiliar a que faz referência o artigo 800°, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font>– Assim, excluindo-se a responsabilidade da R. pelos actos dos empreiteiros e uma vez que foram os atrasos por parte da Câmara Municipal de Palmela e dos empreiteiros que estiveram na origem da não celebração da escritura pública do contrato-promessa, e tendo tais factos sido alegados pela R., em sede própria, conclui-se, contrariamente ao que foi entendido pelo Tribunal da Relação, que a R. ilidiu a presunção prevista no artigo 799° do Código Civil.</font><br>
<font>– Assim, a resolução do contrato-promessa, operada pelo A., não é legalmente admissível, nem nos termos gerais, nem nos termos previstos nas cláusulas do contrato-promessa.</font><br>
<font>– Por fim, o referido Tribunal defendeu não existir motivo legal para se proceder, no caso em apreço, à redução equitativa do sinal em dobro.</font><br>
<font> – Como já foi supra exposto, o atraso no cumprimento da prestação por parte da R. ficou a dever-se a causas não a si imputáveis, antes resultando dos problemas com os empreiteiros, dos atrasos na emissão das licenças e nos problemas registais.</font><br>
<font>– Assim, a existir culpa da R. na não celebração da escritura pública terá de ser leve, pois R. tentou sempre que a empresa construtora cumprisse com as suas obrigações contratuais e que a Câmara Municipal de Palmela emitisse atempadamente a licença de utilização.</font><br>
<font>– Pelo que, caso, incorrectamente, se considere que a R., ora Recorrente, incumpriu definitivamente o contrato-promessa de compra e venda, no que não se concede e só por dever de patrocínio se equaciona, deve o montante do sinal ser reduzido equitativamente.</font><br>
<font>– Segue-se aqui, analogicamente, o regime da redução equitativa da cláusula penal, constante do artigo 812°, nº 1, do Código Civil.</font><br>
<font>Em defesa da manutenção do aresto censurado, respondeu o A./Recorrido.</font><br>
<b><font>II.</font></b><br>
<b><font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<br>
<font>1 – Em 18 de Outubro de 2001, a R., na qualidade de promitente-vendedora, e CC, na qualidade de promitente-comprador, celebraram o contrato-promessa de compra e venda de fls. 77 a 85, do qual constam, além do mais, as seguintes cláusulas:</font><br>
<font>“1.ª – A promitente-vendedora é dona e legítima possuidora do lote de terreno para construção de uma moradia, designada por “Lote nº ..-..”, com a área de 487,30 m2, sito na Quinta ......, freguesia da Quinta do ... concelho de Palmela, que integra o processo de loteamento nº ........, aprovado pela Câmara Municipal de Palmela, correspondente ao empreendimento turístico denominado “Palmela ..............”.</font><br>
<font>2.ª – Pelo presente contrato a promitente-vendedora promete vender ao promitente-comprador e este promete comprar, pelo preço total de 48.478.500$00 (…), a que corresponde o preço de € 241 809,74 (…), livres de ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos e totalmente acabada, o lote com a moradia correspondente ao projecto do tipo J2, conforme planta anexa (Anexo I ao presente contrato), com os acabamentos e equipamentos constantes do Anexo II ao presente contrato, anexos estes que serão rubricados e farão parte integrante do presente contrato. (…).</font><br>
<font>4.ª – A escritura pública de compra e venda será celebrada em dia, hora e Cartório Notarial a designar pela promitente-vendedora, até ao termo do prazo de 30 (trinta) meses após a assinatura do presente contrato-promessa de compra e venda, obrigando-se esta a avisar o promitente-comprador, por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de oito dias da data marcada.</font><br>
<font>5.ª – Caso a escritura pública de compra e venda, objecto do presente contrato, não seja outorgada no prazo previsto neste contrato, terá o promitente-comprador a faculdade de interpelar a promitente-vendedora, para proceder à marcação da respectiva escritura e, caso tal não seja efectuado no prazo de 180 (…) dias, poderá então resolver este contrato, devendo então a promitente-vendedora devolver-lhe as quantias recebidas ao abrigo do mesmo, a título de sinal e</font><i><font> </font></i><font>princípio de pagamento, acrescidas de juros calculados à taxa euribor a 6 meses, mais 2 p.p. (dois pontos percentuais), pelo período compreendido entre a (s) data(s) da(s) suas respectivas entregas e a data da sua efectiva restituição.</font><br>
<font>6.ª (…) 5. O incumprimento definitivo pela promitente-vendedora, traduzido na não tradição de pleno direito da fracção ora prometida comprar e vender a favor do promitente-comprador, confere a este último o direito de resolver o presente contrato e exigir da promitente-vendedora a restituição em dobro de todas as importâncias entregues ao abrigo do mesmo, nomeadamente às a título de sinal e sucessivos reforços de sinal.</font><br>
<font>6. Considera-se incumprimento para o efeito do número anterior, a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à promitente-vendedora, no prazo de 45 (…) meses a contar da data da assinatura</font><i><font> </font></i><font>do presente contrato-promessa de compra e venda (…)”.</font><br>
<font>2 – Em 21 de Novembro de 2002, a R., na qualidade de promitente-vendedora, CC, casado com DD, na qualidade de cedente, e o A., na qualidade de cessionário, celebraram o contrato de cessão de posição contratual em contrato-promessa de compra e venda, junto a fls. 74 a 76, do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:</font><br>
<font>“ (…) 2.ª Pelo presente contrato e pelo preço de € 60 452,43 (…), que recebe e dá quitação, o cedente cede ao cessionário a sua posição contratual, nos direitos e obrigações, emergentes do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a primeira outorgante e o cedente, em 18/10/2001.</font><br>
<font>3.ª 1. Em virtude da presente cessão, transmitem-se para o cessionário todos os direitos e obrigações até esta data pertencentes ao cedente, o qual, no entanto, se mantém solidariamente responsável com o cessionário até ao efectivo e integral cumprimento do acima referido contrato-promessa de compra e venda. </font><br>
<font>2. O cessionário aceita expressamente a presente cessão (…).</font><br>
<font>4.ª A primeira outorgante declara desde já que aceita também a presente cessão (…)”.</font><br>
<font>3 – EE subscreveu a carta registada com aviso de recepção, datada de 31 de Janeiro de 2006, de fls. 27, que foi enviada à R., que a recebeu, e da qual consta, além do mais, o seguinte: “Assunto: Empreendimento Turístico “Palmela ............” – Lote ..-.., moradia tipo J2. (…). Diante da ausência de acordo quanto à adopção de uma solução alternativa à resolução do contrato – promessa de compra e venda do imóvel referido (…), venho, em nome e representação do meu cliente, Sr. AA, comunicar, nos termos e para os efeitos dos n.º s 5 e 6 da cláusula 6.ª do referido contrato, a perda definitiva do interesse na celebração do contrato prometido e exigir a restituição em dobro, no prazo de 48 horas, de todas as importâncias pagas a título de sinal e reforços, considerando-se resolvido, para todos os efeitos, o contrato-promessa. (…)”.</font><br>
<font>4 – A 18 de Abril de 2006, o A. assinou o documento de fls. 60, do qual consta, além do mais, “que, pelo presente, nos termos e para os efeitos previstos nos nºs 1 e 2, do artigo 268º do Código Civil, ratifica, em todos os seus termos, o acto de resolução de referido contrato-promessa praticado por Dr.EE”.</font><br>
<font>5 – A R. não notificou o A., até à presente data, para a celebração do contrato de compra e venda prometido.</font><br>
<font>6 – O A. pagou, a título de sinal e sucessivos reforços, a quantia de € 145.085,85.</font><br>
<font>7 – As assinaturas apostas no documento de fls. 90 e 91, onde consta o nome de CC e DD, foram feitas pelos próprios punhos de CC e de DD.</font><br>
<font>8 – A assinatura aposta no mesmo documento, onde consta o nome de AA, foi feita pelo próprio punho do A..</font><br>
<font> </font><b><font>III.</font></b><br>
<b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br>
<b><i><font> </font></i></b><font>Facilmente se retira da leitura das conclusões apresentadas que a Recorrente não aceita a ideia de ter incumprido definitivamente o contrato-promessa: defende, por um lado, que o prazo de 45 meses, nele estabelecido, não é um prazo absolutamente fixo, e, por outro, que, para tanto, necessário seria que a causa lhe fosse, em exclusivo, imputável.</font><br>
<font> De qualquer forma, numa atitude de cautela, prevendo não lograr vencimento a tese apresentada, pugna pela redução do sinal, por aplicação analógica do estatuído no artigo 812º do Código Civil, no que tange à redução equitativa da cláusula penal.</font><br>
<font> Que dizer desta argumentação?</font><br>
<font> Comecemos pelo incumprimento.</font><br>
<font> Será que, no caso, se pode considerar, tal como o fez a Relação de Lisboa, o prazo de 45 meses, previsto na cláusula 6ª, como um prazo absolutamente fixo, a pontos de dispensar, por completo, a chamada interpelação admonitória?</font><br>
<font> A resposta, a nosso ver, não pode deixar de ser positiva.</font><br>
<font> Com efeito, em perfeita liberdade (artigo 405º, nº 1, do Código Civil), as Partes estabeleceram, na cláusula 6ª do contrato ajuizado, que “considera-se incumprimento, para efeito do número anterior, a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa exclusivamente imputável à promitente-vendedora, no prazo de 45 (…) meses a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda (…)”.</font><br>
<font>Flui, com toda a clareza, da matéria de facto dada como provada, que o dito prazo de 45 meses não foi respeitado pela R./Recorrente, o que constitui “incumprimento” tal como as Partes, livremente, o estipularam.</font><br>
<font>Desta forma, perante o ultrapassar do prazo, absolutamente fixo, que, como dito, as Partes, de livre vontade, houveram por bem fixar, atribuindo expressamente ao seu desrespeito o significado de incumprimento, caídos estamos perante uma situação de resolução perfeitamente enquadrada na previsão do artigo 801º do Código Civil.</font><br>
<font>Isto significa que, perante o incumprimento definitivo, tal-qualmente as Partes o definiram no próprio clausulado, desnecessário se torna(va) qualquer interpelação admonitória, da Parte fiel à incumpridora, no sentido de cumprir, num prazo razoável, sob pena de resolução do contrato. </font><br>
<font>Em boa verdade, a concretizar-se tal interpelação, traduzir-se-ia num acto puramente inútil.</font><br>
<font>Este o sentido que, ainda recentemente, esta mesma Conferência, acolheu na interpretação de cláusula idêntica, aposta num outro contrato-promessa celebrado pela aqui Recorrente (acórdão de 09 de Fevereiro de 2010, proferido no processo nº 2265/06.5TVSLB.L1.S1), cujo sumário, publicado na página do Supremo Tribunal de Justiça, reza assim:</font><br>
<font>“I – O prazo de 45 meses aposto num contrato-promessa de compra e venda como sendo o prazo limite para o promitente-vendedor outorgar a escritura pública de compra e venda, sob pena de incumprimento, não pode deixar de ser considerado como sendo um prazo absolutamente fixo. Estamos, pois, perante um «prazo fatal», cuja inobservância gera impossibilidade definitiva de cumprimento e a consequente resolução.</font><br>
<font>II – Como assim, o ultrapassar desse prazo coloca o promitente-vendedor, automaticamente, numa situação de incumprimento, dando azo à resolução por parte do promitente-comprador, sem necessidade de, previamente, haver interpelação admonitória.</font><br>
<font>III – A regra da interpelação admonitória só vale, para efeitos constitutivos do direito de resolução contratual, caso o prazo peremptório para o cumprimento não tenha sido fixado no momento constitutivo da obrigação.</font><br>
<font>IV – Nesta conformidade, ultrapassado o prazo limite que ambas as Partes, livremente, fixaram para o cumprimento, e em relação ao qual configuraram o seu desrespeito como causa de incumprimento, tem o obrigado fiel direito a declarar a resolução do contrato firmado, com todas as consequências daí advindas, nomeadamente, no caso, a de perceber o sinal em dobro”.</font><br>
<font> Batalha, contudo, a Recorrente na defesa de que só se poderia falar, com propriedade, em incumprimento, atento o teor da mencionada cláusula 6ª, se se tivesse provado que a causa do mesmo lhe era imputável, em exclusivo, o que não aconteceu já que os atrasos se verificaram por causa do empreiteiro e da Câmara Municipal.</font><br>
<font> Sem razão, porém.</font><br>
<font> É um facto que, de acordo com a previsão da aludida cláusula 6ª, o incumprimento, para se verificar, obrigava, por um lado, à confirmação do desrespeito do prazo de 45 meses, por parte da promitente-vendedora, e, por outro, que o mesmo fosse exclusivamente imputável a esta.</font><br>
<font> Olvida, no entanto, a R./Recorrente o preceituado no artigo 799º, nº 1, do Código Civil, que estabelece, para a responsabilidade contratual, um presunção de culpa do devedor, no caso de incumprimento.</font><br>
<font> Assim sendo, como, na realidade, é, cumpria-lhe ilidir tal presunção, alegando, para tanto, a factualidade necessária para, em sede própria, a provar, a fim de se exonerar de qualquer responsabilidade para com o A./Recorrido.</font><br>
<font> Ora, em relação a este ponto concreto, o que resulta da matéria de facto dada como provada?</font><br>
<font> Nada, absolutamente nada, ficou provado que, eventualmente, pudesse ser considerado como factor de exclusão, total ou parcial, da culpa da R./Recorrente no incumprimento do contrato-promessa que, oportunamente, outorgou com o cedente da posição que veio a ser tomada pelo A., por obra e graça do contrato de cessão da posição contratual, referido no ponto nº 2 dos factos provados.</font><br>
<font> Deste jeito, a única conclusão a tirar, assente que está que o prazo-limite de 45 meses foi ultrapassado, é que houve, efectivamente, incumprimento definitivo, por parte da R./Recorrente, a legitimar, plenamente, a resolução do contrato-promessa firmado.</font><br>
<font> Inteiramente justificado, portanto, o pedido de condenação desta no pagamento do dobro do sinal, em conformidade com o que está estatuído no artigo 442º, nº 2, do Código Civil. </font><br>
<font> Resta dizer, algo (pouco) sobre a pretensão de redução do sinal, à imagem e semelhança do que pode acontecer com a cláusula penal.</font><br>
<font> O mesmo é dizer se o regime consagrado no artigo 812º do Código Civil é aplicável ao sinal.</font><br>
<font> Questão controversa que, como sabido, tem arautos a favor (António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, páginas 195 a 224) e contra (João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, página 371, R.L.J., Ano 119º, páginas 346 a 348, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01 de Fevereiro de 1983, João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, páginas 303 a 309), a par de outros que parecem suscitar reservas (José Carlos Brandão Proença, Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, páginas 128 a 137, aponta para a possibilidade de redução de montantes exorbitantes, sob pena de a retractação deixar de funcionar na prática; Ana Prata, por sua vez, ciente de que o principal fundamento para a aplicabilidade do instituto da redução judicial da pena convencional ao sinal é a afinidade funcional de ambos, afasta tal posição quando o sinal for penitencial, </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil</font></i><font>, página 794, nota 1845).</font><br>
<font> A este respeito, cumpre dizer que não só não formulou a R./Recorrente qualquer pedido, na fase própria, que é a dos articulados, como, mesmo que o tivesse feito, estaríamos, irremediavelmente, impedidos de fazer qualquer juízo valorativo, atenta a falta total de factos que o permitissem.</font><br>
<font> Na verdade, só na contra-minuta de alegação da apelação é que a R. se lembrou de, prevendo a hipótese de sucesso do recurso, por banda do apelante, de peticionar a redução equitativa do sinal.</font><br>
<font> Não o tendo feito nas condições temporais indicadas, perdeu, definitivamente, o direito de peticionar o que quer que fosse, concretamente a redução do sinal, por analogia com o estatuído no artigo 812º, do Código Civil para a cláusula penal.</font><br>
<font> Significa isto que a invocação de tal pedido nunca poderia ter sido acolhida, já que o artigo 684º-A, do Código de Processo Civil, prevendo a possibilidade de ampliação do âmbito do recurso a requerimento da parte recorrida, não contempla esta situação.</font><br>
<font> Tudo isto a converter a questão levantada, no recurso de apelação, em “questão nova” que, como tal, atenta a natureza dos recursos consagrada no nosso ordenamento (artigo 676º, nº 1, do Código de Processo Civil: “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso”, o que vale por dizer que os recursos tem por finalidade última a apreciação das decisões dos tribunais inferiores e nunca a decisão de questões colocadas </font><i><font>ex novo</font></i><font>), automaticamente, a deveria ter afastado de qualquer consideração, por parte da Relação. </font><br>
<font> E “questão nova” na justa medida em que, admitindo que o regime do artigo 812º do Código Civil é aplicável ao sinal (problema que teria de ser devidamente ponderado), sempre teria o mesmo de ter sido objecto de pedido concreto por parte da R./Recorrente, na justa medida em que, como sabido, a operação de redução não opera </font><i><font>ex officio</font></i><font> (Pinto Monteiro, obra citada, página 734, João Calvão da Silva, obra citada, página 275, nota 501, </font><i><font>in fine</font></i><font>).</font><br>
<font>Eis, pois, como se nos antolha perfeitamente falida a tese que a R./Recorrente nos apresentou. O mesmo é dizer que as críticas dirigidas ao acórdão recorrido não fazem, a nossos olhos, qualquer sentido.</font><br>
<font> </font><b><font>IV.</font></b><br>
<b><font> Decisão:</font></b><br>
<font> Nega-se a revista e coloca-se o pagamento das custas devidas a cargo da R./Recorrente, aqui e nas instâncias.</font><br>
<br>
<b><font>S.T.J.</font></b><font>, aos 20 de Maio de 2010</font><br>
<font>Urbano Dias (Relator)</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Mário Cruz</font><br>
<br>
<font>.</font><br>
<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vzLSu4YBgYBz1XKvXUMf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"AA", residente em Vale de Cambra, intentou acção com processo ordinário contra "Empresa-A", "Empresa-B", ambas com sede em Lisboa e "Empresa-C", com sede em Penacova.</font><br>
<br>
<font>Pediu a condenação das Rés a pagarem-lhe a quantia de 43 000 000$00 acrescida de juros à taxa legal, desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Ulteriormente, veio deduzir pedido subsidiário contra BB, por si chamado, caso improcedesse o pedido formulado contra a 1ª Ré.</font><br>
<br>
<font>A Ré "Empresa-B" pediu a intervenção principal da "Empresa-D".</font><br>
<br>
<font>A sentença da 14ª Vara Cível de Lisboa condenou a Ré "Empresa-A" a pagar ao Autor 149.639,37 euros, com juros desde a citação, absolvendo os outros Réus e intervenientes do pedido.</font><br>
<br>
<font>Por inconformada, apelou a Ré mas a Relação de Lisboa confirmou a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Pede, agora, revista para concluir:</font><br>
<br>
<font>- Quer a sentença, quer o Acórdão recorrido enfermam da nulidade da alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC, por condenarem em objecto diverso do pedido;</font><br>
<br>
<font>- O Autor pediu a reparação do evento perda total da viatura e a condenação surge por não ter sido celebrado contrato de seguro;</font><br>
<br>
<font>- A delimitação do objecto do pedido feita pelo Autor condicionou o contraditório, pelo que a recorrente se absteve de suscitar factos relevantes para determinar a extensão da responsabilidade na omissão da contratação do seguro;</font><br>
<br>
<font>- Caso não se opte pela nulidade, sempre o Autor não alegou nem provou nexo de causalidade entre os danos e a omissão da Ré;</font><br>
<br>
<font>- A não celebração do contrato de seguro será mero incumprimento contratual mas só o furto da viatura é o evento a indemnizar;</font><br>
<br>
<font>- Não se logrou apurar o valor do veículo;</font><br>
<br>
<font>- Existiu um contrato de mandato entre o Autor e a 1ª Ré que desencadeou um segundo contrato entre esta e a 2ª Ré;</font><br>
<br>
<font>- O que implica ser esta a obrigada a indemnizar;</font><br>
<br>
<font>- Os factos geradores do dano são exclusivamente imputáveis à 2ª Ré;</font><br>
<br>
<font>- Que não contratou o seguro, devendo fazê-lo; que só avisou o Autor após a saída do transporte; que controlava o transporte;</font><br>
<br>
<font>- A recorrente transmitiu à 2ª Ré todas as instruções do Autor, não tendo violado qualquer cláusula contratual;</font><br>
<br>
<font>- O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 661º nº1 do Código de Processo Civil e 342º, 562º, 563º, 564º, 798º e 799 do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Contra alegou o Autor para defender a manutenção do Acórdão em crise.</font><br>
<br>
<font>A Relação, em novo aresto, decidiu pela improcedência da nulidade.</font><br>
<br>
<font>Ficaram assentes os seguintes </font><font>factos:</font><br>
<br>
<font>- A Ré "Empresa-A"e "Empresa-E", exercem a actividade de importação, representação e comercialização de veículos automóveis ligeiros fazendo parte do grupo de Empresa-F;</font><br>
<br>
<font>- A 1ª Ré representa em Portugal a marca SEAT;</font><br>
<br>
<font>- A "Empresa-E" representa em Portugal a marca Lamborghini;</font><br>
<br>
<font>- A Ré "Empresa-B" exerce diversas actividades ligadas ao transporte de mercadorias sendo uma transportadora reconhecida internacionalmente;</font><br>
<br>
<font>- A Ré "Empresa-C" exerce a actividade de transportadora;</font><br>
<br>
<font>- A Ré "Empresa-B" celebrou com a "Empresa-D" um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice nº 206603380, junta a fl.41;</font><br>
<br>
<font>- Exerce a actividade transitária, quer como operador, quer como transportador;</font><br>
<br>
<font>- Celebrou, também com a Empresa-D, contrato de seguro de responsabilidade civil da sua actividade, titulada pela apólice nº 20660381, junta a fl. 56;</font><br>
<br>
<font>- Onde se refere ficarem "excluídos os danos que devam ser garantidos através de seguro obrigatório da CMR ou de seguro obrigatório de responsabilidade civil de operador transitário";</font><br>
<br>
<font>- Em Janeiro de 1997, o Autor adquiriu a CC, o veiculo automóvel, de marca Lamborghini, modelo Diablo, com a matrícula ...-WR-..., sendo seu proprietário;</font><br>
<br>
<font>- Legalizou-o, sendo-lhe atribuída a matrícula ....;</font><br>
<br>
<font>- Em 15 de Fevereiro de 1997 detectou uma avaria que lhe pareceu devida à potência do motor não estar a ser devidamente gerida pela electrónica;</font><br>
<br>
<font>- No dia seguinte o motor não respondeu quando tentou ligá-lo;</font><br>
<br>
<font>- No dia 17 de Fevereiro de 1997, contactou a 1ª Ré, na pessoa do Eng. BB, a quem expôs os factos;</font><br>
<br>
<font>- Foi-lhe comunicado que, apesar da "Empresa-E" ser o representante oficial da marca e as suas instalações se situarem no Porto, a oficina do grupo apta a proceder a essas reparações ("Torcar") tinha instalações em Lisboa;</font><br>
<br>
<font>- O Autor encarregou a 1ª Ré do diagnóstico da avaria e contratou o reboque do ACP para transporte do veículo da sua residência (Vale de Cambra) à "Torcar" (Lisboa) o que ocorreu no dia 18 seguinte;</font><br>
<br>
<font>- Em 25 de Fevereiro de 1997 a 1ª Ré comunicou ao Autor que a avaria não era detectável e que a única forma de resolver o problema seria enviar o veículo para o fabricante em Itália;</font><br>
<br>
<font>- O que foi aceite pelo Autor;</font><br>
<br>
<font>- Mandatando expressamente a 1ª Ré para tratar do transporte do veiculo de Lisboa para a Itália e do respectivo seguro que garantisse, entre outros riscos, o furto e o roubo;</font><br>
<br>
<font>- No dia 26 a 1ª Ré comunicou ao Autor que um camião ia a Itália para carroçar e podia levar o seu veículo;</font><br>
<br>
<font>- Mas ficou de tentar alternativas em data mais próxima;</font><br>
<br>
<font>- No dia 3 de Março, comunicou que havia transporte para o dia seguinte, às 11 horas, com o preço de 130 000$00;</font><br>
<br>
<font>- O Autor perguntou se o preço incluía o seguro tendo a 1ª Ré respondido negativamente;</font><br>
<br>
<font>- O Autor recordou que queria que fosse feito o seguro;</font><br>
<br>
<font>- Nesse mesmo dia foi-lhe transmitido pela 1ª Ré que o seguro custaria 40000$00 e iria ser emitida a apólice;</font><br>
<br>
<font>- Por lhe ter sido dada a garantia de emissão da apólice, o Autor autorizou o transporte do Lamborghini para Itália, solicitando ao ACP a sua entrega nas instalações da 1ª Ré;</font><br>
<br>
<font>- O que aconteceu na manhã de 4 de Março de 1997;</font><br>
<br>
<font>- Nessa tarde, a 1ª Ré comunicou-lhe que a viagem se iniciara sem problemas e que a chegada estava prevista para a manhã de 7 de Março;</font><br>
<br>
<font>- E o Eng. BB, em papel timbrado da "Empresa-E" comunicou o envio do veículo à "Empresa-G", por fax;</font><br>
<br>
<font>- No dia 7 de Março, a 1ª Ré comunicou ao Autor que o camião que transportava o Lamborghini tinha sido furtado na noite anterior, com toda a sua carga;</font><br>
<br>
<font>- Tendo, por fax, e nos mesmos termos, sido comunicado à "Empresa-G";</font><br>
<br>
<font>- Pela primeira vez a 1ª Ré disse ao Autor que tinha submandatado o transporte na 2ª Ré e que estava a aguardar que esta lhe transmitisse, com precisão, o ocorrido na Itália;</font><br>
<br>
<font>- E que não tinha sido emitida a apólice de seguro;</font><br>
<br>
<font>- Mas que a 2ª Ré tinha sido encarregada do transporte e da emissão da apólice;</font><br>
<br>
<font>- Logo o Autor lhe fez notar a sua indignação e repúdio por não ter acatado as suas instruções expressas;</font><br>
<br>
<font>- A 1ª Ré disse não assumir qualquer responsabilidade pelo seu prejuízo;</font><br>
<br>
<font>- No dia 18 de Março, e por sugestão do Autor, decorreu uma reunião com a 1ª e 2ª Rés, na qual esta lhe disse ter contratado a 3ª Ré para o transporte;</font><br>
<br>
<font>- Não assumindo, quer a 1ª, quer a 2ª Ré qualquer responsabilidade pela não emissão da apólice;</font><br>
<br>
<font>- O Lamborghini foi fabricado em 1991 e adquirido novo por CC, anterior proprietário, em 1992;</font><br>
<br>
<font>- Tinha cerca de 6000 km;</font><br>
<br>
<font>- Quando a 2ª Ré contactou a seguradora "Empresa-H", foi-lhe dito que para fazer o seguro e emitir a apólice seria necessária uma peritagem ao veículo;</font><br>
<br>
<font>- Mas nessa altura já o transporte tinha sido iniciado;</font><br>
<br>
<font>- A impossibilidade foi comunicada no dia seguinte, à 1ª Ré;</font><br>
<br>
<font>- O veículo foi carregado nas instalações da 1ª Ré, no camião da 3ª Ré, que fora subcontratada pela 2ª Ré;</font><br>
<br>
<font>- A factura do transporte foi emitida em nome da 1ª Ré porque a 2ª Ré desconhecia o nome do proprietário do veículo;</font><br>
<br>
<font>- Após o desaparecimento do veículo (na 2ª feira seguinte) teve lugar uma reunião nas instalações da 2ª Ré entre esta e a 1ª Ré;</font><br>
<br>
<font>- O furto ocorreu quando os dois motoristas deixaram o camião para, alegadamente, comprarem pão;</font><br>
<br>
<font>- A 2ª Ré informou não ter efectuado o seguro que lhe fora solicitado;</font><br>
<br>
<font>- No dia 12 de Março de 1997, a 2ª Ré enviou à 1ª a factura relativa ao serviço prestado e o aviso de expedição do automóvel datado de 4 de Março onde, no verso, constam as "condições gerais de prestação de serviços pelas empresas transitárias.";</font><br>
<br>
<font>- Porque estava na intenção das partes celebrar um contrato de seguro que garantisse o seguro obrigatório de CMR, previu-se nesse contrato que ele funcionaria como cobertura complementar desse seguro CMR;</font><br>
<br>
<font>- Excepcionalmente, pelo acto adicional (fl. 57) comunicou-se que transitoriamente, e entre 2 de Maio e 30 de Junho de 1996, a apólice em causa garantiria os danos causados às mercadorias confiadas ao segurado para armazenamento, transporte, carga e outros trabalhos;</font><br>
<br>
<font>- Cobertura que estava limitada a 15 000 000$00, tinha franquia de 250000$00 e termina em 30 de Junho de 1996;</font><br>
<br>
<font>- O Autor tinha pleno conhecimento que não era a 1ª Ré que iria fazer o transporte do veículo para a Itália;</font><br>
<br>
<font>Dão-se por reproduzidos os demais factos considerados provados pelas instâncias, designadamente:</font><br>
<br>
<font>- Quando o Eng. BB perguntou ao Autor por quanto queria segurar o veículo, o Autor respondeu que queria o seguro por 30000000$00;</font><br>
<br>
<font>- Ficando o Eng. BB de saber quanto seria o prémio do seguro para o referido valor;</font><br>
<br>
<font>- Quando obteve esta informação, o Eng. BB telefonou ao Autor informando o custo do seguro;</font><br>
<br>
<font>- O Eng. BB trabalha para 1ª Ré como director técnico.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>A conhecer, </font><br>
<br>
<font>1- Nulidade do Acórdão.</font><br>
<font>2- Subcontrato e auxilio.</font><br>
<font>3- Responsabilidade contratual.</font><br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Nulidade do Acórdão.</font><br>
<br>
<font>Na perspectiva da recorrente o Acórdão é nulo, nos termos da alínea e) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil por condenação em objecto diverso do pedido.</font><br>
<br>
<font>Isto porque o Autor pediu a reparação do evento (perda total do veiculo) quando a sentença condena pelo outro evento (não celebração do contrato de seguro).</font><br>
<br>
<font>Esta questão já fora suscitada na apelação e o Tribunal " a quo" decidiu no sentido de que a perda total do veiculo representa o dano, em si mesmo, e "não pode ser visto como evento danoso". </font><br>
<font>E decidiu bem.</font><br>
<br>
<font>O Autor veio efectivar a responsabilidade contratual.</font><br>
<br>
<font>Invocou o incumprimento do contrato, como "causa pretendi", isto é o facto jurídico de que procede a pretensão material que deduziu.</font><br>
<br>
<font>E concretizou-a com factos e circunstâncias, que individualizou descrevendo-os (v.g. a 1ª Ré não diligenciou pelo seguro, mau grado as insistências do Autor, sendo que essa era uma das condições do contrato).</font><br>
<br>
<font>Tratando-se de uma acção obrigacional e causa de pedir é o facto constitutivo da obrigação.</font><br>
<br>
<font>Foi formulado o pedido, consistente na pretensão material, de pagamento de uma quantia, equivalente ao valor comercial do veículo.</font><br>
<br>
<font>A 1ª instância e a Relação deram por assente a responsabilidade contratual da 1ª Ré e consideraram que o dano era computado como o do valor pelo qual o veiculo teria sido seguro (30 000 000$00, aliás menor do que o valor que, na versão do Autor, o automóvel teria - 43 000 000$00), pois esse seria o que o Autor devia receber, não fosse o incumprimento contratual da recorrente.</font><br>
<br>
<font>Não há, assim, condenação "ultra petitum" ou "extra petita partium", inexistindo violação dos limites a que se refere o artigo 661º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Os dois elementos delimitadores do objecto do processo - causa de pedir e pedido - foram ponderados na decisão "sub judicio" não tendo sido modificados no Acórdão.</font><br>
<br>
<font>2- Subcontrato e auxilio.</font><br>
<br>
<font>A recorrente afirma, nuclearmente, a sua irresponsabilidade, a qual, no seu ponto de vista, cabe à segunda Ré, com a qual celebrou um segundo contrato. Refere, ainda, não estar provado o nexo causal entre o dano e a omissão do seguro e que nunca foi apurado o valor do veiculo desaparecido.</font><br>
<br>
<font>Vejamos, "pari passu", </font><br>
<br>
<font>2.1- O Autor contratou com a recorrente o envio do seu veículo automóvel para "Empresa-G", na Itália. Disse-lhe - e reiterou-o - expressamente que pretendia um seguro de transporte para, além de outros, cobrir os riscos de furto e roubo.</font><br>
<font>Só depois do veículo ter sido furtado, no trajecto Portugal-Itália, é que a recorrente comunicou ao Autor ter subcontratado o transporte com a 2ª Ré.</font><br>
<font>Foi celebrado um contrato de transporte, definido pelo Doutor DD como o celebrado "entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as suas cousas de um lugar para outro e aquele que, por determinado preço se encarrega dessa condução." (in "Comentário ao Código Comercial Português", III, 394); este Supremo Tribunal considerou-o como "a convenção pela qual alguém se obriga perante outrem, mediante um preço, a realizar por si ou por terceiro, a mudança de pessoas ou coisas de uma para outra localidade" - cf. Acórdão de 28 de Janeiro de 1997, Pº 878/66-1ª).</font><br>
<font>O expedidor, encarrega o transportador - que pode recorrer a terceiro para cumprir as suas obrigações (artigo 367º do Código Comercial) -de fazer chegar a coisa ao destinatário.</font><br>
<br>
<font>Aqui o Autor encarregou a 1ª Ré que contactou o destinatário avisando-o do transporte e da data da chegada.</font><br>
<br>
<font>A intervenção de terceiro ocorre, com mais frequência, no âmbito de um subcontrato ("negócio jurídico bilateral pelo qual um dos sujeitos, parte em outro contrato, sem deste se desvincular e com base na posição jurídica que daí lhe advêm, estipula com terceiro, quer a utilização total ou parcial das vantagens de que é titular, quer a execução total ou parcial das prestações a que está adstrito" (apud Prof. Romano Martinez "O Subcontrato", 1989, 188; cf. ainda Prof. Almeida Costa in "Direito das Obrigações", 572 e Prof. Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", II, 126).</font><br>
<br>
<font>Mas o recurso a terceiro pode também ocorrer no âmbito da utilização de auxilio no cumprimento das obrigações, sendo que, e como se julgou no Acórdão do STJ de 16 de Março de 2004 (04 A077), o transportador continua "em qualquer dos casos, obrigado ao cumprimento, pois, tanto numa como noutra das situações, é ele o sujeito da relação contratual de transporte que estabeleceu com o expedidor".</font><br>
<br>
<font>Isto porque, em geral, quer o subcontrato, quer o auxílio, podem incluir-se na previsão do nº1 do artigo 800º do Código Civil (cf. Dr.ª Ana Prata, in "Clausulas de Execução e Limitação da Responsabilidade Contratual", 723).</font><br>
<br>
<font>2.2- "In casu", a recorrente encarregou a Ré "Empresa-B" de efectuar o transporte. </font><br>
<font>Esta, que é uma empresa transitária, confiou a execução à Ré "Empresa-C".</font><br>
<br>
<font>À data do contrato vigorava o Decreto-Lei nº 43/83, de 25 de Janeiro, como regulador da actividade transitária (hoje o Decreto-Lei nº 255/99, de 7 de Julho) que não impedia os transitários de celebrarem contratos de transporte, com execução directa ou recurso a terceiros (cf. v.g. os Acórdãos do STJ de 20 de Maio de 1997, C.J/STJ 1997, II, 84 e de 8 de Julho de 2003 - 03 A1832).</font><br>
<br>
<font>Como é sabido, este tipo negocial - contrato de transporte internacional - está regulado pela Convenção de Genebra de 19 de Maio de 1936, aprovada para adesão pelo Decreto-Lei nº 46235 de 18 de Março de 1965, modificada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Julho de 1978, aprovado para adesão pelo Decreto nº 28/86, de 6 de Setembro (Convenção CMR), e o já citado artigo 367º do Código Comercial autoriza o transportador a efectuá-lo directamente ou através de pessoa diversa.</font><br>
<br>
<font>E pode fazê-lo independentemente de dar conhecimento ao expedidor.</font><br>
<br>
<font>2.3- Mas não se estabelecendo uma relação jurídica entre o primeiro contraente e os subcontratados, ou auxiliares, não há - salvo em situações muito especiais que aqui irrelevam - acção directa pois os subcontratados são terceiros (cf. vg. Dr. Orlando Gomes, "Contratos", 7ª ed., 102 e Prof. Dias Marques, "Teoria Geral do Direito Civil", I, 350); refere o Prof. Romano Martinez - ob.cit. 155 §s e 162 - que do facto da acção directa ser admissível em certos casos não se pode "extrair a existência de um principio geral."</font><br>
<br>
<font>Se, contudo, se verificarem os pressupostos da responsabilidade aquiliana já poderá aceitar-se a acção directa contra o subcontratado. (cf. vg. Acórdão STJ 15/7/93, CJ/STJ, 1993, III, 88).</font><br>
<br>
<font>Não havendo substituição autorizada pelo credor, ou existindo uma mera relação de auxilio, o devedor continua obrigado perante o credor pelo cumprimento da obrigação.</font><br>
<br>
<font>Havendo substituição autorizada - o que não foi o caso - o devedor originário também responde perante o credor inicial se foi negligente quer na escolha do substituto, quer nas instruções com que o municiou.</font><br>
<br>
<font>Na linha do exposto, resulta evidente que, no âmbito desta lide, só a recorrente é responsável perante o Autor.</font><br>
<br>
<font>3- Responsabilidade Contratual.</font><br>
<br>
<font>Movemo-nos no âmbito da responsabilidade contratual.</font><br>
<br>
<font>A 1ª Ré não logrou ilidir a presunção de culpa no incumprimento da obrigação, nos termos do nº1 do artigo 799º do Código Civil.</font><br>
<font>Incumpriu o acordado com o Autor não segurando o veículo.</font><br>
<br>
<font>Desse incumprimento resultou um dano para o Autor, já que perante o furto (perda) do veículo, o mesmo seria ressarcido pelo valor do seguro.</font><br>
<br>
<font>O seguro fazia parte integrante do contrato de transporte (modalidade de prestação de serviços) como prestação acessória mas cuja essencialidade o Autor sempre enfatizou perante a recorrente.</font><br>
<br>
<font>A responsabilidade da recorrente resulta do artigo 798º do Código Civil, sendo a não celebração do seguro causal do dano (artigo 563º do CC), reparável com o montante acordado para segurar (artigo 562º), que não o valor do veiculo, pois o mesmo pode não coincidir com o negociado na apólice.</font><br>
<br>
<font>Ademais, e como antes se acenou, a causa de pedir é a responsabilidade contratual - incumprimento do contrato - da 1ª Ré e esse incumprimento não foi causal do furto do veiculo, foi sim causal do Autor não ter sido ressarcido desse dano - perda do automóvel.</font><br>
<br>
<font>É o ressarcimento pela seguradora que o Autor teria direito, por força do contrato de seguro, que a recorrente inviabilizou com a sua conduta, sendo, precisamente esse, o dano que lhe cumpre reparar.</font><br>
<br>
<font>Improcedem, em consequência, todas as conclusões, mantendo-se, embora com diversa qualificação jurídica, o Acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) A condenação deve conter-se no objecto do processo considerando os seus dois elementos delimitadores: o pedido e a causa de pedir, sob pena de decisão "ultra petitum" ou "extra petita partium".</font><br>
<br>
<font>b) O incumprimento do contrato é o facto jurídico de que procede o pedido (na vertente de pretensão material) destinado a efectivar a responsabilidade contratual.</font><br>
<font>c) O contrato pelo qual alguém se obriga, mediante um preço, a realizar, por si ou por terceiro, a mudança de pessoas ou coisas de um lugar para outro é contrato de transporte - modalidade de prestação de serviços.</font><br>
<font>d) A intervenção do terceiro, ou ocorre no âmbito de um subcontrato, ou da figura de auxilio no cumprimento das obrigações.</font><br>
<font>e) Quer o subcontrato, quer o auxilio podem incluir-se na previsão do nº1 do artigo 800º do Código Civil, salvo havendo substituição autorizada.</font><br>
<font>f) Mas neste caso se o devedor originário tiver sido negligente nas instruções dadas ou na escolha do substituto, responde perante o credor inicial.</font><br>
<font>g) Pode sempre aceitar-se a acção directa contra o subcontratado se se verificarem os pressupostos da responsabilidade aquiliana.</font><br>
<font>h) Não havendo substituição autorizada, ou existindo uma mera relação de auxilio, a regra é o devedor continuar obrigado perante o credor pelo cumprimento da obrigação.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar a revista.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 27 de Junho de 2006</font><br>
<font>Sebastião Povoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wDKlu4YBgYBz1XKvPSZ4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>Recorrentes</font></b><font>: AA e mulher, BB, CC e marido, DD, EE, FF e marido, GG, HH e II (AA./Reconvindos); e “JJ, Lda.” (Ré/Reconvinte). </font>
</p><p><b><font>Recorridos</font></b><font>: “JJ, Lda.”; e AA e mulher, BB, CC e marido, DD, EE, FF e marido, GG, HH e II.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. - RELATÓRIO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Em dissensão com o julgado prolatado no acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Setembro de 2011, que, na improcedência das apelações interpostas por AA./Reconvindos e Ré/Reconvinte, “JJ, Lda.”, confirmou a decisão proferida na 1.ª instância, recorrem, os mesmos sujeitos processuais, havendo a considerar os sequentes,</font>
</p><p><b><font>I.1. - ANTECEDENTES PROCESSUAIS</font></b><font>.</font>
</p><p><font>AA e mulher, BB, CC e marido, DD, EE, FF e marido, GG, HH e II (AA., Reconvindos e Apelantes), demandaram as sociedades JJ, Lda. (1ª R., Reconvinte e Apelante) e KK, Lda. (2ª R.) invocando a propriedade de um prédio, sito em Tondela, cujo R/C foi dado de arrendamento, em 01/03/1980, à 1ª R., por uma fiduciária (LL), a quem esse prédio havia sido deixado por testamento elaborado em 1963 e concretizado no seu conteúdo em 1967, pedindo que:</font>
</p><p><font>“</font><font>a) Declarar-se que os AA., após 14/07/2006, são co-titulares (co-herdeiros) da herança aberta por óbito de MM […] que ainda se encontra indivisa; e, consequentemente: </font>
</p><p><font>b) - Condenarem-se as RR. a assim o reconhecerem; c) - Declarar-se que o prédio identificado no […] artigo 8º é um dos bens que constituem o acervo da mesma herança; d) - a assim o reconhecerem; e) - Declarar-se a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre a fiduciária LL e a 1ª R. e seus efeitos, por caducidade ocorrida em 14/07/2006; f) - Condenarem-se os RR. a restituir à mesma herança a parte do dito prédio que ocupam, melhor identificada no […] artigo 13º, livre e devoluta de pessoas e bens; g) - Condenar-se a 1ª R. a pagar à herança, a título de indemnização pela privação da fruição integral do prédio identificado no artigo 8º, o quantitativo de €1.000,00 por mês desde 15/07/2006 à entrega efectiva; ou, quando assim se não entender, h) - Condenar-se a 1ª R. a pagar à herança €1.568,04 a título de indemnização correspondente ao valor das rendas desde 15/07/2006 até 15/01/2007, e de €522,67 por cada mês em mora na restituição após 15/01/2007 e até ao momento da restituição efectiva da parte do prédio à herança; ou outra que se julgue mais equitativa</font><font>.” </font>
</p><p><font>Para os pedidos que formulam, pontuaram os AA. o sequente quadro factológico: </font>
</p><p><font>A testadora, MM, falecida em 27-11-1967, instituiu, mediante testamento público, lavrado em 28-11-1963, sua herdeira a indicada fiduciária (LL), estabelecendo uma substituição fideicomissária [artigo 2286º do Código Civil (CC)] em favor dos sobrinhos dela (testadora), os ora AA. (fideicomissários). Entretanto, tendo falecido a fiduciária em 14/07/2006, operou-se a devolução dos bens integrantes da herança aos fideicomissários (aos AA.)</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, designadamente do sobredito prédio, sendo que o indicado arrendamento sobre o mesmo incidente – o qual foi abrangido, entretanto, por uma cessão de exploração efectuada à 2ª R. – caducou nos termos do artigo 1051º, alínea </font><i><font>c</font></i><font>) do CC.</font>
</p><p><font>Contestaram em conjunto as duas RR. (fls. 52/70), deduzindo, concomitantemente, reconvenção. Reconhecendo a caducidade do arrendamento, invocou a 1ª delas (R. JJ, Lda.) estar a exercer, com a recusa de entrega do locado aos herdeiros, o direito de retenção que invoca, enquanto garantia do pagamento da indemnização por benfeitorias por ela introduzidas no locado, tendo dessumido com a sequente impetração:</font>
</p><p><font>[D]evem os pedidos das alíneas f), g), h) e i) da petição ser julgados não provados e improcedentes; </font>
</p><p><font>Deve, porém, julgar-se provada e procedente a reconvenção da R. JJ, Lda. e os AA. Reconvindos condenados:</font>
</p><p><font>“</font><font>a) A reconhecer que a R. JJ, Lda. realizou licitamente e de boa fé no local reivindicado as benfeitorias discriminadas nos artigos 27º a 50º deste articulado; b) Que as mesmas benfeitorias eram necessárias à prossecução do fim do arrendamento </font><i><font>sub judice</font></i><font>; c) A pagar à R. o valor no montante de €107.995,00, ou outro [que] se vier a apurar, deduzindo-se no mesmo:</font>
</p><p><font>1. o valor das rendas no montante de 3.000$00 mensais (€14,96) desde 15 de Julho de 2006;</font>
</p><p><font>2. o valor do preço da cessão de exploração recebido e que venha a receber até à entrega do local.</font>
</p><p><font>d)] Deve também ser provada e procedente a reconvenção da [2ª] R. KK, Lda. e os AA. Reconvindos condenados a pagar a indemnização de €26.817,08</font><font>.[</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Na réplica (cfr. fls. 80/87), em vista do pedido reconvencional formulado pelas RR., invocaram os AA. a nulidade das cláusulas 4ª e 5ª do contrato de arrendamento celebrado pela fiduciária com a 1ª R.</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, atribuindo a estas disposições contratuais a virtualidade de implicarem uma oneração não autorizada do bem objecto do fideicomisso (artigos 2290º e 2291º e 294º do CC).</font>
</p><p><font> A culminar a fase de julgamento foi proferida a sentença de fls. 343/362 por cujo pronunciamento decisório (já corrigido em função do despacho de fls. 446/447</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>) foi decidido: </font>
</p><p><font>Julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência:</font>
</p><p><font>“1</font><font>. Declarar os AA. co-titulares da herança aberta por óbito de MM, condenando as RR. a assim o reconhecerem.</font>
</p><p><font>2. Declarar que o prédio urbano, sito à Rua dos ......., n.º ...., e Largo Dr. ........., n.º ..., em Tondela, inscrito na matriz sob o artigo 2778, constituiu o acervo da referida herança, condenando as RR. a assim o reconhecerem.</font>
</p><p><font>3. Declarar cessado o contrato de arrendamento celebrado entre a fiduciária LL e a 1ª R. «JJ, Lda.», por caducidade ocorrida em 14/7/2006.</font>
</p><p><font>4. Condenar a R. «JJ, Lda.» a restituir à herança a parte do dito prédio que ocupa, livre e devoluta de pessoas e bens, conquanto esteja satisfeita a indemnização pelas benfeitorias ali realizadas.</font>
</p><p><font>5. Condenar a R. «KK, Lda.» a restituir à herança a parte do dito prédio que ocupa, livre e devoluta de pessoas e bens.</font>
</p><p><font>6. Absolver as RR. dos demais pedidos formulados.</font>
</p><p><font>Quanto ao pedido reconvencional, foi decidido: </font>
</p><p><font>Julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida pela R/Reconvinte «JJ, Lda.» e, em consequência:</font>
</p><p><font>1. Declarar que a R. «JJ, Lda.» realizou licitamente e de boa fé no local reivindicado benfeitorias, as quais eram necessárias à prossecução do fim do arrendamento, condenando os AA./Reconvindos a assim o reconhecerem.</font>
</p><p><font>2. Condenar os AA./Reconvindos a pagar à R./Reconvinte «JJ, Lda.» a quantia de €22.685,24, a título de indemnização pelas benfeitorias ali realizadas, deduzindo-se ainda quaisquer valores ou frutos que esta venha a receber até à efectiva entrega do local.”</font>
</p><p><font>Inconformados, interpuseram tanto os AA., como a 1ª R., recursos de apelação e que tendo o relator estimado deverem ser objecto do recurso as sequentes questões (</font><font>sic</font><font>):</font>
</p><p><font>- </font><u><font>como primeira questão</font></u><font> suscitada (a), a da legitimidade processual dos próprios AA. para serem reconvencionalmente demandados a respeito das benfeitorias introduzidas no locado (conclusões 1. a 3.). </font>
</p><p><u><font>Como segunda questão</font></u><font> (b), parecem suscitar os AA., através da imputação à decisão de diversos desvalores e no que respeita à questão das benfeitorias, a referenciação a eles (AA.), enquanto fideicomissários, das cláusulas 4ª e 5ª do contrato de arrendamento celebrado em 1980 pela fiduciária. Constrói-se este segundo fundamento em torno da imputação à decisão, como desvalores processuais da Sentença, de um alegado vício de ausência de fundamentação e de oposição entre os fundamentos e o decidido (nulidades do artigo 668º, nº 1, alíneas </font><i><font>b</font></i><font>) e </font><i><font>c</font></i><font>) do CPC) e, enquanto desvalor substantivo, da responsabilização dos AA. pela actuação de cláusulas de um contrato ao qual são estranhos (valeria a tal respeito o artigo 406º, nº 2 do CC) e que consideram (as ditas cláusulas), em função do efeito diacrónico que induziram, serem nulas, por traduzirem uma oneração, de elevado significado patrimonial, de um bem sujeito a fideicomisso (artigos 2290º, 2291º e 1446º do CC) – corresponde este fundamento, nas suas diversas vertentes, às conclusões 5. a 28. </font>
</p><p><u><font>Como terceira questão</font></u><font> (c) suscitada no recurso dos AA. aparece-nos a crítica à decisão de incluir na indemnização pelas benfeitorias o valor do IVA, o que traduziria – dizem estes Apelantes – a nulidade da Sentença (por condenação além do pedido) prevista na alínea </font><i><font>e</font></i><font>) do nº 1 do artigo 668º do CPC (conclusões 29. a 31.). </font>
</p><p><font>Finalmente, </font><u><font>como quarto fundamento</font></u><font> deste recurso (d), criticam os AA. a repartição do encargo das custas (70% para eles) fixado na Sentença (conclusões 32. a 34.).</font>
</p><p><font>No que respeita à outra apelação aqui em causa, ao </font><u><font>recurso da 1ª R.,JJ, Lda.</font></u><font>, assenta esta num único fundamento (e): na crítica ao desconto no valor da indemnização respeitante às benfeitorias dos valores atribuídos a esta R. (pela 2ª R.), durante o respectivo exercício do direito de retenção, como contrapartida da cessão de exploração do estabelecimento à 2ª R. – tratar-se-ia com esse desconto, di-lo esta Apelante, de uma responsabilização dela (da 1ª R.), contra a propugnada alocação aos AA. do ónus da prova respeitante a um pagamento que não se apurou que tenha sido efectuado (ocorreria, assim, a indemonstração do que constituía a tese da R., devendo suportar esta a consequência dessa indemonstração).</font>
</p><p><font>É desta decisão que vêm interpostos os presentes recursos de revista, interpostos, pelos mesmos recorrentes, devendo ser assumidos para a apreciação dos recursos, o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><font>I</font><b><font>.2. - QUADRO CONCLUSIVO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Do recurso da demandada “JJ, Lda.”.</font><br>
<font>1.</font><font>“As decisões das instancias inferiores ao fixarem a dedução de 18 575€ ao valor das benfeitorias a pagar à recorrente violaram o disposto no artigo 342.º n..º 1 do CC.; </font><br>
<font>2.</font><font>Uma vez que aquele crédito aproveitava aos AA., a eles cabia fazer a prova do seu recebimento pela R.JJ, Lda., tendo meios para tal corno o depoimento de parte desta e da cessionária KK, Lda., e a apresentação dos recibos do pagamento do preço. </font><br>
<font>3.</font><font>A dificuldade da prova não é critério legal para atribuir o ónus da mesma a uma ou outra parte. </font>
</p><p><font>4. – Dever-se-ia condenar os AA. a pagarem à recorrente somente a indemnização por benfeitorias nos autos, sem «dedução daquela quantia de € 18.575,00. </font>
</p><p><font>Para o recurso que interpuseram, dessumiram os AA./reconvindos o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. </font><font> </font>
</p><p><font>1. - Ao reconhecer, em virtude de terem sido demandados em Reconvenção desacompanhados do co-herdeiro NN, mas considerar como "não operante" a questão da ilegitimidade passiva dos aqui recorrentes, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 2091.º, n.º 1 e 2097.º do CC e o disposto nos artigos 28.º, n.º 1 e 2; 288.º, n.º 1 d); 494.º e); e 495.º do CPC e ainda princípios constitucionais, designadamente o da igualdade e o da proporcionalidade. </font>
</p><p><font>2. - A ilegitimidade é uma excepção dilatória (alínea e) do artigo 494.º do CPC, de conhecimento oficioso, que </font><u><font>obsta</font></u><font> a que o Tribunal conheça do mérito da causa (artigo 289° do CPC). </font>
</p><p><font>3. - Os Recorrentes não tinham obrigação de invocar na réplica questão que o Tribunal conhece oficiosamente. </font>
</p><p><font>4. - Já a Recorrida tinha obrigação de suscitar a intervenção provocada do herdeiro NN beneficiado no testamento a par dos recorrentes, para assegurar a legitimidade passiva da Reconvenção que deduziu, nos termos do artigo 274.º°, n.º 4 do CPC. </font>
</p><p><font>5. - A legitimidade das partes é um pressuposto processual de </font><u><font>conhecimento oficioso</font></u><font> (artigos 288.º, n.º 1 d); 494.º e); e 495.º) que, não sendo sanado, </font><u><font>determina sempre a absolvição da instância,</font></u><font> salvo uma única excepção contida no n.º 3 do artigo 288.º do CPC, que não ocorreu, porque a decisão não foi integralmente favorável aos Recorrentes. </font>
</p><p><font>6. - A decisão recorrida ao condenar só seis de sete reconhecidos herdeiros a pagar indemnização por obras efectuadas em prédio da herança, onera aqueles em benefício deste, ao arrepio do litisconsórcio necessário (artigo 28.º do CPC), </font>
</p><p><font>7. - Uma vez que substantivamente a presença de todos os contitulares da herança em juízo é imposta pelo artigo 2091.º, n.º 1 do CC. </font>
</p><p><font>8. - Só a presença dos herdeiros em bloco como demandados na Reconvenção assegura o seu efeito útil normal, sob pena de o herdeiro não demandado e que a decisão não vincula a poder negar. </font>
</p><p><font>9. - Nos termos das cláusulas quarta e quinta do contrato de arrendamento referido no ponto 4 dos factos provados na decisão de primeira instância, a fiduciária permitiu que a locatária, aqui Recorrida, realizasse obras no prédio sujeito a fideicomisso, incluindo as que alterassem a estrutura interna e externa do mesmo, e conferiu, findo o contrato de arrendamento, direito a indemnização pelas benfeitorias úteis e necessárias que possam ser levantadas. </font>
</p><p><font>10. - A formulação pela positiva, ao contrário da formulação pela negativa da matéria regulada no artigo 1273.º do CC., só pode ter o sentido de que as partes pretenderam afastar a previsão legal (supletiva), </font>
</p><p><font>11. - O que até se entende, porquanto conhecendo as partes contratantes o testamento (ponto 5 dos factos provados), no seguimento de autorização para obras tão amplas, cumpria acautelar os direitos dos sucessores da propriedade temporária. </font>
</p><p><font>12. -Contratualmente à locatária, aqui Recorrida, só caberia indemnização por obras que pudessem ser levantadas, por ser essa a declaração que tem o mínimo de correspondência com o texto do documento (artigo 238.º do CC) e porque o citado artigo 1273.º tem natureza supletiva. </font>
</p><p><font>13. - Da matéria provada não consta outro sentido para o documento, </font>
</p><p><font>14. - Nem os elementos essenciais ao empobrecimento que justifica o instituto do enriquecimento sem causa. </font>
</p><p><font>15. - O objectivo da obrigação de indemnizar que fundou a decisão recorrida exige uma correlação ente o empobrecimento de uma parte e o enriquecimento de outra como deslocação patrimonial, de tal forma que só o valor do empobrecimento seja objecto de restituição. </font>
</p><p><font>16. - A avaliação a preços actuais das obras, que decorreu do pedido reconvencional alicerçado nas cláusulas contratuais, é desajustada a efectivo empobrecimento e viola as regras do enriquecimento sem causa estabelecidas nos artigos 473.º 479.º do CC.</font>
</p><p><font>17. - Além disso, tendo o fiduciário o dever de usar, fruir e administrar o bem sujeito a fideicomisso como o faria um bom pai de família, não podia permitir a realização, por terceiros, de obras que alterassem a estrutura interna e externa do bem, de forma a afectar os interesses dos fideicomissários. </font>
</p><p><font>18. - A decisão de primeira instância, amparada na decisão recorrida, tratou normativamente os poderes do fiduciário nesse sentido, aludindo mesmo à sujeição desses acto a condição resolutiva por morte do fiduciário, mas casuisticamente tomou rumo inverso, abrindo a possibilidade de esvaziar o conteúdo da substituição fideicomissária, em violação do disposto nos artigos 2290.º e 2291.º do CC. </font>
</p><p><font>19. - Caso não se entenda que as cláusulas quarta e quinta do contrato de arrendamento têm o sentido de afastar a regra do artigo 1273.º do CC, só contemplando indemnização para as benfeitorias que possam ser levantadas, a amplitude de obras de alteração das estruturas viola direito substantivo de jaez proibitiva (citados artigos 2290.º e 2291.º) e não pode ser oponível aos Recorrentes, por extravasar os poderes do fiduciário. </font>
</p><p><font>20. - Por outro lado, se na dinâmica da Reconvenção as obras se destinaram a possibilitar arrendar o espaço e </font><i><font>"foram necessárias </font></i><font>ao </font><i><font>fim do contrato de arrendamento", </font></i><font>então não estamos em presença de despesas feitas para conservar e melhorar a coisa, mas de investimentos para o exercício de comércio, ou indústria, da recorrida. </font>
</p><p><font>21. - As obras não se destinaram à coisa e não podem ser consideradas benfeitorias (artigo 216.º do CC), mas investimentos que foram sendo recuperados nas sucessivas concessões de exploração que resultaram provadas nos pontos 7 e 22 da decisão primeira instância. </font>
</p><p><font>22. - Assim, a decisão recorrida também violou o disposto nos artigos 238.º, 473.º, 479.º, 2290.º, 2291.º, 1446.º, 2290.º e 216.º do CC. </font>
</p><p><b><font>I.3. - QUESTÕES A APRECIAR</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Na assumpção das questões condensadas nas conclusões extractadas, temos como pertinentes para a cabal cognoscibilidade dos recursos:</font>
</p><p><font>- Da Ré/reconvinte: Distribuição/repartição do ónus da prova;</font>
</p><p><font>- Dos AA./reconvindos: a) – Ilegitimidade passiva (relativamente ao pedido reconvencional); b) – Fideicomisso – Poderes de administração; Excesso; Nulidade/Ilegalidade das cláusulas 4.ª e 5.ª inseridas no contrato de arrendamento celebrado entre a fiduciária e a 1.ª Ré; Benfeitorias; Indemnização – enriquecimento sem causa. </font>
</p><p><b><font>II. - FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO.</font></b>
</p><p><font>1. MM, que também usava MM, faleceu no dia 27/11/1967, deixando testamento público, lavrado em 28/11/1963 no Cartório Notarial de Viseu, no qual declarou instituir sua herdeira LL, com a obrigação de, por seu falecimento, os bens que constituem a herança passarem aos seguintes sobrinhos da testadora, que entre si os repartirão, OO, AA, filhos da sua cunhada PP, e CC, NN EE, FF, HH, QQ e II, filhos de II (documentos de fls. 12 a 21, ora dados por integralmente reproduzidos), não se tendo ainda procedido à partilha da herança aberta pelo óbito de MM. – </font><u><font>A)</font></u>
</p><p><font>2. A herança aberta pelo óbito de MM integra um prédio urbano sito à Rua dos ......., n.º...., e Largo Dr. ........., Tondela, composto de uma casa com três pisos, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2778, que foi habitado, melhorado e fruído por MM, durante mais de 30 anos, à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de utilizar coisa própria e de não prejudicar outrem, sendo que o valor patrimonial da cave desse prédio foi, em 2006, calculado pela Direcção-Geral dos Impostos em €78.400,00 (documento de fls. 8 a 10, dado por reproduzido na íntegra). – </font><u><font>C)</font></u>
</p><p><font>3. Por escritura lavrada em 11 de Fevereiro de 1980 no Cartório Notarial de Santa Comba Dão, intitulada «Arrendamento», LL declarou dar de arrendamento à 1.ª R. «JJ, Lda.», cujos representantes declaram aceitar, todo o rés-do-chão do prédio referido em 2., cozinha, copa, lojas, garagem, pátio, jardim e quintal, pelo prazo de um ano, prorrogável por iguais períodos, com início em I de Março de 1980, pela renda anual de 36.000$00, paga em duodécimos de 3.000$00, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, em casa da senhoria, em Tondela ou na de quem legalmente a represente nessa localidade (documento de fls. 22 a 25, ora dado por reproduzido na íntegra), sendo que nesse espaço foi instalado o restaurante e snack-bar «O ..........». – </font><u><font>D)</font></u>
</p><p><font>4. Do documento aludido em 3., consta que «O local arrendado destina-se ao comércio e indústria de hotelaria, designadamente café, restaurante e snackbar e a qualquer outra actividade que a locatário resolva explorar» e que «A locatária poderá realizar no local arrendado todas as obras e benfeitorias necessárias ao exercício de qualquer das suas actividades, podendo mesmo modificar a estrutura interna e externa do prédio», bem como que «No caso de cessação do contrato a locatária terá direito a ser indemnizada do valor que resultar da avaliação das benfeitorias úteis e necessárias que possam ser levantadas e a sua senhoria compensada pelo valor das deteriorações eventuais de culpa da locatária». – </font><u><font>E)</font></u>
</p><p><font>5. Os sócios da 1.ª R. tinham conhecimento do teor do testamento aludido em 1. – </font><u><font>24º</font></u>
</p><p><font>6. Antes da data aludida em 3., o prédio referido em 2. era constituído por um corpo principal formado por um andar chamado de rés-do-chão, sobrelevado cerca de um metro acima do nível do terreno circundante, por outro andar acima deste e por loja inferior àquele primeiro andar, sendo que ao lado do corpo principal e à direita da sua fachada principal e recuado, havia um segundo corpo, formado por piso destinado a cozinha e uma loja inferior, e que o piso do rés-do-chão do corpo principal ligava ao piso da cozinha e as lojas de um e outro ao mesmo nível entre si, tendo as lojas como tecto barrotes e o sobrado que aí assentava do piso imediatamente superior. – </font><u><font>F)</font></u>
</p><p><font>7. A 1.ª R. «JJ, Lda.» cedeu a exploração do estabelecimento referido em 3., em 1983, a Agostinho Dias de Barros e mulher, e, em 1996, declarou conceder a sua exploração, mediante a escritura pública outorgada em 22/7/1996 no Cartório Notarial de Tondela, cuja certidão está junta de fls. 26 a 32 (dada igualmente por integralmente reproduzida), intitulada «Concessão de exploração» à 2.ª R. «KK, Lda.», pelo preço total 24.206.230$00, com início em 1/6/1996 e fim em 1/6/2006. – </font><u><font>H)</font></u>
</p><p><font>8. Do documento mencionado em 7., consta que «As obras necessárias são da responsabilidade: a) Da cedente: parte exterior do prédio, pintura de muros, pintura da casa, rebocar armazém e colocar portas novas, nivelar a esplanada, fazer tampas novas para as caixas dos esgotos exteriores assim como reparar o telheiro da churrasqueira. b) Da cessionária: obras de adaptação e decoração do interior do estabelecimento desde que não afectem a estrutura do prédio; na parte exterior, casas de banho para o pessoal, construção de fomos e montagem de uma câmara frigorífica», sendo que «As obras e benfeitorias referidas, excepto a câmara frigorífica ficam a fazer parte do estabelecimento sem direito a qualquer indemnização» e «As obras futuras que a cessionária achar necessárias dependerão sempre de autorização por escrito da cedente». – </font><u><font>I)</font></u>
</p><p><font>9. Antes da data mencionada em 3., as lojas do prédio descrito em 2. tinham de pé direito cerca de 2,60 a 2,70 metros, tendo a 1ª ré desaterrado todo o espaço das lojas, cavando a terra à enxada e picareta e retirando a terra, afundando também o espaço adjacente à cozinha para alargamento do espaço destinado à nova cozinha e efectuando um desaterro na profundidade média de 0,70 metros para se conseguir um pé direito de 3 metros, altura necessária para a laboração da indústria de hotelaria. – </font><u><font>2º a 4º</font></u>
</p><p><font>10. Tendo a 1.ª ré rebaixado o tecto das lojas, fazendo um enrocamento de areia, brita e cimento para sobre ele instalar o pavimento do chão. – </font><u><font>5º</font></u>
</p><p><font>11. As paredes, que se encontravam aterradas, foram todas aprumadas, conforme o seu nível superior, abrindo-se 4 portais e melhorando-se um outro pré-existente na ligação das paredes de granito, que levaram contrafortes de betão e ferro para sua segurança. – </font><u><font>6º</font></u>
</p><p><font>12. Sendo que as paredes, até aí ligadas por barro, foram todas limpas deste material e depois de lavadas as suas juntas, foram preenchidas com juntas de cimento à vista e protegidas com verniz próprio. – </font><u><font>7º</font></u>
</p><p><font>13. Do velho corpo da cozinha aproveitaram-se duas paredes e o seu espaço foi alargado para mais do dobro, tendo sido, por debaixo, construídas duas casas de banho e um espaço para lavar mãos. – </font><u><font>8º</font></u>
</p><p><font>14. Tendo sido construída pela 1.ª R. uma escada de acesso do sítio da loja ao piso superior alargado da cozinha, que levou duas placas de betão, uma de piso e outra de tecto. – </font><u><font>9º</font></u>
</p><p><font>15. Todo o pavimento do espaço mencionado em 3. foi revestido a mosaico, sendo que, na cozinha, a generalidade das paredes foi revestida a azulejo. – </font><u><font>10º</font></u>
</p><p><font>16. Os tectos da sala de jantar e do bar foram reforçados com vigotas de madeira e forrados com placas de cimento/estilha e posteriormente rebocados e pintados. – </font><u><font>11º</font></u>
</p><p><font>17. Sendo que todas as superfícies que não foram revestidas por material cerâmico foram pintadas pela 1.ª R., que fez por completo as instalações de luz, água, gás e esgotos. – </font><u><font>12º</font></u>
</p><p><font>18. Bem como todos os revestimentos e adereços de carpintaria – portas e janelas, corrimões, balaustrada e tecto falso de madeira – que se encontram no local descrito em 3., construindo também uma lareira para aquecimento na sala de jantar. – </font><u><font>13º</font></u>
</p><p><font>19. A 1.ª R. construiu, para acesso ao restaurante, duas escadarias de granito e implantou-lhe grades de segurança, instalando, por cima acesso, um telheiro com estrutura de madeira. – </font><u><font>14º</font></u>
</p><p><font>20. Custeando, para a esplanada, os tijolos de cimento, e, no pátio, entre a casa e o edifício do cinema, ampliou o rés-do-chão da garagem e construiu um piso superior, pavimentando, com argamassa de brita, areia e cimento, todo o pátio livre e não coberto. – </font><u><font>15º</font></u>
</p><p><font>21. As obras referidas de 9. a 20. têm os seguintes valores: </font>
</p><p><font>− valor em novo de €50.000,00 mais IVA; e</font>
</p><p><font>− valor no seu estado actual de €35.000,00 mais IVA. – </font><u><font>16º</font></u><font> </font>
</p><p><font>22. Em 1 de Junho de 2006, a 1.ª e a 2.ª RR. acordaram em conceder à 2.ª R., até 1 de Junho de 2008, a exploração do restaurante mencionado em 3., pelo preço total de €28.200,00, assinando o documento cuja cópia está junta de fls. 71 a 73 (também dado por integralmente reproduzido). – </font><u><font>17º</font></u>
</p><p><font>23. LL faleceu em 14 de Julho de 2006, sendo que OO e QQ, mencionados em 1., faleceram numa data anterior. – B)</font>
</p><p><font>24. A 1.ª ré não entregou qualquer quantia à herança aberta pelo óbito de MM a partir da data referida em 23., não tendo as RR. também procedido à entrega do espaço mencionado em 3. aos AA.. – </font><u><font>G)</font></u>
</p><p><font>25. AA enviou, «na qualidade de cabeça de casal da herança de MM», à 1.ª R. e à «Gerência do Restaurante..........», que as receberam, as cartas juntas a fls. 33 e 37 (também dadas por reproduzidas), ambas datadas de 31/10/2006, em que, na primeira, se refere «cessou por caducidade no passado dia 14/7/2006 [o contrato de arrendamento celebrado no dia 11/02/1980], data do óbito da mesma fiduciária» e «a restituição do locado é exigível no prazo de seis meses sobre a verificação no prazo de seis meses sobre a verificação do facto que determinou a caducidade (…) aguardamos a desocupação do locado e a sua entrega, nos termos e pela forma legalmente prevista, no dia 15 de Janeiro de 2007», e, na segunda «cumpre dar conhecimento a VV. Exas. da carta que endereçamos à sociedade «JJ, Limitada» e do dever de entrega do bem locado». – </font><u><font>J)</font></u>
</p><p><font>26. O espaço referido em 3. poderia ser arrendado, em 2007, por uma renda mensal de € 1.000,00. – </font><u><font>1º</font></u>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Recurso da recorrente “JJ, Lda.”</font></b>
</p><p><b><font>II.B.1.a). – Distribuição/repartição do ónus da prova</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Insurge-se a demandada “JJ, Lda.” contra o facto de o tribunal ter posto a seu cargo o ónus de provar o enunciado fáctico proposto sob o número 18.º da base instrutória, dado que</font><font> </font><font>“[uma] vez que aquele crédito aproveitava aos AA., a eles cabia fazer a prova do seu recebimento pela R.JJ, Lda., tendo meios para tal corno o depoimento de parte desta e da cessionária “KK, Lda.”, e a apresentação dos recibos do pagamento do preço. A dificuldade da prova não é critério legal para atribuir o ónus da mesma a uma ou outra parte.” </font>
</p><p><font> Vem sendo reiterado </font><font>ad nauseam </font><font>em sucessivos arestos deste Supremo Tribunal que, no âmbito da competência material-funcional que a lei de organização judiciária lhe confere como tribunal de revista, apenas lhe está cometido conhecer, em via de recurso, questões que atinem com matéria de direito – cfr. n.º 3 do artigo 722.º e n.º 2 do artigo 729.º, ambos do Código Processo Civil. </font>
</p><p><font>As excepções a esta regra colhem guarida na 2.ª parte do n.º 3 do artigo 722.º do Código Processo Civil, e vêm expressas em dois momentos: a) - ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto; b) disposição expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova. Vale por dizer que a fiscalização/sindicância do Supremo se cinge ou confina às situações em que as instâncias se apartaram ou refractaram de vinculações ou normas imperativas que obrigam a que na comprovação de determinado enunciado fáctico se use um meio de prova cominado ou estabelecido pela normação, substantiva ou adjectiva. Escapa ao controlo deste Supremo Tribunal o exercício de indagação, pelas instâncias, da verdade histórico-processual que dependa da livre apreciação do julgador e para a qual não esteja estabelecida uma vinculação legal a um determinado meio de prova. </font>
</p><p><font>Para a revista fica arredada qualquer possibilidade de este Tribunal sindicar o modo ou a forma como as instâncias obtiveram o valor a descontar no montante relativo às benfeitorias realizadas no imóvel, podendo apenas, e tão só, sindicar a forma como o tribunal fez aplicação e ideou o principio de distribuição ou repartição da carga de prova e se o afeiçoou aos ditames das regras e critérios estatuídos por lei.</font>
</p><p><font>A problemática da repartição ou distribuição da carga ou ónus de prova [</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>] não atina, como parece ressaltar do “</font><font>desabafo</font><font>” do Senhor Relator “[</font><font>não] cremos que se deva carregar o ónus da prova desse facto – que, aliás, foi invocado pela 1ª R. na sua contestação – aos AA., expressando tal facto uma realidade que lhes é (a eles AA.) exterior e de prova muito difícil muito difícil para eles”, [</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>] </font><font>da maior ou menor dificuldade que as partes devam enfrentar ao tempo de demonstrar perante o tribunal a verosimilhança entre um facto alegado e a realidade similar ou veracidade histórica que esse facto tem que exibir perante o tribunal para que este ganhe convencimento da sua correspondência com a verdade histórico-processual ou de uma elevada probabilidade - “</font><font>máxima probabilidade</font><font>”, na opção semântica de RR, ou “beyond a reasonable doubt”, da common law [</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>] - de esse facto ter acontecido e adqui | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wDLQu4YBgYBz1XKvY0Ee | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>Por apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa que Empresa-A moveu contra Empresa-B, veio esta deduzir embargos de executado, pedindo que se declare nula a subscrição, por ela, da livrança dada à execução, e, consequentemente, nula a pretensa obrigação cambiária, extinguindo-se a execução quanto a ela.</font><br>
<font>Os embargos procederam na 1ª instância, julgando-se a execução extinta no que à embargante diz respeito.</font><br>
<font>A Relação do Porto, para onde o embargado apelou da sentença, confirmou o decidido.</font><br>
<font>Novamente inconformado, recorre agora o embargado de revista, fechando a minuta recursória com as seguintes</font><br>
<font>Conclusões:</font><br>
<font>1ª- O acórdão julgou improcedente a apelação por considerar, em síntese, que </font><font>"Não vincula uma sociedade comercial a assinatura de um sócio, aposta numa livrança, como gerente (quando no registo não lhe está reconhecida essa qualidade), mesmo que tenha sido apresentada uma acta daquela sociedade na qual constava que lhe tinha sido atribuída a gerência, se essa acta não está assinada pelo outro sócio a quem, pelo registo, estava reconhecida a gerência."</font><font>;</font><br>
<font>2ª- A embargante é uma sociedade comercial por quotas cujo capital social é detido conjuntamente pelo executado AA e por BB, facto esse que se encontra vertido na respectiva certidão da Conservatória do Registo Comercial e que era do conhecimento do Banco embargado;</font><br>
<font>3ª- No normal exercício da sua actividade e com a diligência exigível foi o embargado confrontado com a apresentação de uma acta da Assembleia Geral da embargante e na qual se encontra vertida uma deliberação social de nomeação do executado AA como seu gerente a par da renúncia do seu anterior gerente BB e ainda da promessa de venda da quota do BB a favor do AA ou a favor de quem este indicasse;</font><br>
<font>4ª- Encontra-se assente que o embargado concedeu um financiamento à embargante, pese embora não se encontrar provado que esta utilizou o bem como produto próprio e que tal financiamento apenas foi concedido após exibição da articulada acta;</font><br>
<font>5ª- Por se tratar de sociedade comercial com a qual o embargado mantinha relações creditícias pelo menos deste 1997 e porque o financiamento concedido se destinava a regularizar as responsabilidades emergentes de contratos anteriormente celebrados, nenhuma dúvida teve o embargado em considerar como boa a acta apresentada e, em consequência, nenhuma dúvida teve em desapossar-se do montante titulado pela livrança </font><font>sub judice</font><font>;</font><br>
<font>6ª- É, assim, manifesto que o embargado agiu sempre conforme os ditames da boa-fé sendo um terceiro alheio à contenda entre a embargante e o seu sócio e co-executado AA e como tal merecedor de protecção jurídica;</font><br>
<font>7ª- E, ao invocar agora, por conveniência do não pagamento, que à data daquela subscrição o co-executado AA não era gerente constitui um abuso de direito sob a forma de "</font><font>venire contra factum proprium";</font><br>
<font>8ª- Da resposta ao quesito 5º, depreende-se que a quantia financiada o foi à embargante após exibição da supra referida acta: </font><font>"Provado apenas que a embargada Empresa-A teve conhecimento do teor da deliberação aludida em K), porque a respectiva acta lhe foi exibida e entregue pelo co-executado AA, antes da concessão do financiamento que está na origem da emissão da livrança referida em D)."</font><font>;</font><br>
<font>9ª- Donde inequivocamente se concluir que o montante do financiamento que está na origem da emissão da livrança foi efectivamente entregue pela embargada à subscritora dessa mesma livrança;</font><br>
<font>10ª- E sem prejuízo de se considerar a nulidade </font><font>ad substantium</font><font> da articulada livrança, o que apenas por mera hipótese académica se concede, o certo é que o financiamento (titulado ou não por livrança) foi concedido à embargante;</font><br>
<font>11ª- Admitir que tal vício substancial acarreta a inexigibilidade da dívida, mais não é que proteger o devedor relapso, sancionando impugnações reveladoras do afrontamento à boa fé;</font><br>
<font>12ª- Violou assim o acórdão recorrido o disposto nos artigos 260º e 36º do Código das Sociedades Comerciais e ainda o disposto no artigo 334º do Código Civil, devendo ser revogado e substituído por outro que julgue os embargos improcedentes.</font><br>
<font>Contra-alegou a embargante/recorrida, pugnando pela manutenção do decidido.</font><br>
<font>Corridos os vistos, é chegada a hora de decidir.</font><br>
<font>A Relação deu como provada a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font>1 - O embargado foi constituído por escritura pública outorgada em 28 de Junho de 2001, lavrada a fls. 2 a fls. 5 verso do livro 49-E do Cartório Notarial de Vale de Cambra;</font><br>
<font>2 - E encontra-se matriculado na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o nº 10.487 - doc. de fls. 9 a 12 dos autos de execução, cujo teor se dá por reproduzido;</font><br>
<font>3 - Na escritura aludida em 1 ficou consagrado o recebimento pelo embargado de todo o activo, passivo, garantias reais e pessoais que acompanhavam os créditos concedidos e demais elementos integrantes do negócio bancário que faziam parte do estabelecimento bancário denominado "Empresa-A", pessoa colectiva n° 502.090.243, matriculado na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n° 45.635 - cfr. documento junto a fls. 16 a 23 dos autos de execução, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<font>4 - O embargado é portador de uma livrança no valor de Esc.: 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) emitida em 28 de Fevereiro de 2001 e com data de vencimento inscrita de 28 de Março de 2001 - cfr. documento junto a fls. 24 dos autos de execução, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<font>5 - No local destinado à subscrição da livrança executada, para além da assinatura aí aposta de AA, na qualidade de gerente da Embargante, encontram-se ainda os seguintes dizeres: "..., cont. ... ... ..., ..., Frechas, Mirandela, - A Gerência";</font><br>
<font>6 - Figura como tomador nesse mesmo título "Empresa-A", pessoa colectiva n° 502.090.243;</font><br>
<font>7 - A livrança não foi paga por nenhum dos executados;</font><br>
<font>8 - A embargante é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, com intuito lucrativo à refinação de óleos de bagaço, azeitona, girassol, gérmen de trigo, graínha de uva e outros óleos alimentares - cfr. documento de fls. 75 a 81, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<font>9 - Os únicos sócios da embargante são BB e o segundo executado AA;</font><br>
<font>10 - Encontra-se registado na ficha relativa à embargante da Conservatória do Registo Comercial de Mirandela, sob o ap. nº 14/070995, que em 7 de Setembro de 1995, foi atribuída a gerência ao sócio BB e que a respectiva assinatura basta para vincular a mesma em todos os seus actos e contratos - cfr. documento de fls. 75 a 81;</font><br>
<font>11 - Na acta da Assembleia Geral da embargante de 15 de Julho 1999, consta a deliberação de que o executado AA seria sócio gerente desta - cfr. documento junto a fls. 45, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;</font><br>
<font>12 - O embargado teve conhecimento do teor da deliberação aludida em 11 porque a respectiva acta lhe foi exibida e entregue pelo co-executado AA, antes da concessão do financiamento que está na origem da emissão da livrança referida em 4;</font><br>
<font>13 - Na mesma altura, o co-executado AA disse à embargada Empresa-A. que a alteração referida em 11 iria ser objecto de registo;</font><br>
<font>14 - A assinatura que consta de tal documento não foi realizada pelo punho de BB.</font><br>
<font>Tendo a causa emergido com a factualidade descrita, a subsumir juridicamente, afigura-se que a Relação decidiu e fundamentou correctamente, em sentido negativo, as duas questões essenciais colocadas no conclusório da apelação, a saber:</font><br>
<font>Vincula uma sociedade comercial a assinatura de um sócio, aposta numa livrança, como gerente (quando no registo não lhe está reconhecida essa qualidade), se foi apresentada uma acta daquela sociedade na qual constava que lhe tinha sido atribuída a gerência, não obstante essa acta não estar assinada pelo outro sócio a quem, pelo registo, estava reconhecida a gerência?</font><br>
<font>Ocorre abuso de direito por parte da embargante (na modalidade de </font><font>venire contra factum proprium</font><font>) em invocar que à data daquela subscrição o AA não era gerente?</font><br>
<font>Dada a plena concordância com o acórdão recorrido, poder-se-ia sem mais negar desde já a revista, com remissão para a fundamentação explanada pela Relação, nos termos do artº 713º, nº 5, </font><font>ex vi </font><font>artº 726º do CPC</font><font>, </font><font>mais não sendo, por isso, as considerações que se seguem, do mero reforço do bem fundado do decidido.</font><br>
<font>A embargante pediu que se declare nula a subscrição da livrança exequenda e consequentemente nula a obrigação cambiária, decretando-se, relativamente a ela, embargante, a extinção da execução, alegando para tanto que aquele título executivo foi subscrito pelo seu sócio AA que não era gerente nem tinha poderes para o acto pois é constituída ainda pelo sócio BB, seu único gerente e cuja assinatura é suficiente, mas necessária, para a vincular.</font><br>
<font>E na verdade resulta da matéria de facto provada que o gerente da embargante era o BB, sendo suficiente (mas necessária) a sua assinatura para a vincular. É isso que mostra o registo comercial, que se não demonstrou não corresponder à realidade, tendo mesmo ficado provado que não foi o BB que assinou pelo seu próprio punho a acta exibida e entregue ao embargado/recorrente antes da subscrição da livrança e da concessão do financiamento.</font><br>
<font>As sociedades por quotas são representadas, perante terceiros, pelos gerentes (artº 192º, nº 1 do CSC), e não pelos sócios não gerentes (a menos que devidamente mandatados para tal).</font><br>
<font>Como resulta do artº 260º, nº 1 do CSC, são os actos praticados pelos gerentes das sociedades por quotas, em nome destas e ao abrigo dos poderes conferidos por lei que as vinculam perante terceiros, independentemente das limitações constantes do contrato social ou que resultem de deliberações dos sócios.</font><br>
<font>A assinatura constante do local destinado ao subscritor da livrança foi lavrada pelo sócio AA, mas este não era gerente (nem dispunha de poderes de representação), pelo que, observados embora na livrança os requisitos de validade extrínseca da obrigação cartular, praticou um vício substancial ou de fundo, ferindo de invalidade intrínseca ou material a própria obrigação, a qual não produz por isso efeito na esfera jurídica da embargante.</font><br>
<font>Falece por conseguinte razão ao embargado/recorrente.</font><br>
<font>Concluiu este, porém, que nenhuma dúvida teve em considerar como boa a acta exibida e entregue pelo AA, e em desapossar-se do montante titulado pela livrança, e que agiu conforme os ditames da boa fé atento o conteúdo da acta e a circunstância de manter relações creditícias com a embargante pelo menos desde 1997 e de o financiamento concedido se ter destinado a regularizar as responsabilidades emergentes de contratos anteriormente celebrados. Entende assim ser merecedor de protecção jurídica, defendendo que a embargante age com abuso de direito, na modalidade de </font><font>venire contra factum proprium, </font><font>ao tentar esquivar-se ao pagamento invocando que à data da subscrição da livrança o sócio AA não era seu gerente. E acrescenta que da resposta ao quesito 5º se depreende que a quantia foi financiada e entregue à embargante/recorrida, pelo que admitir que a existência de vício substancial do título executivo acarreta a inexigibilidade da dívida </font><font>"mais não é que proteger o devedor relapso, sancionando impugnações reveladoras do afrontamento à boa fé».</font><br>
<font>Não tem uma vez mais razão.</font><br>
<font>É certo que a embargante/recorrida não logrou provar que </font><font>«O embargado, na data em que foi outorgada a livrança, tinha conhecimento de que o sócio BB era o gerente da embargante e a única pessoa com poderes para assinar livranças e para vincular a sociedade» </font><font>(resposta negativa ao quesito 1º).</font><br>
<font>É certo também que, antes da concessão do financiamento que está na origem da emissão da livrança exequenda, o sócio AA: (i) se apresentou perante o embargado/recorrente como sendo gerente da embargante, exibindo-lhe e entregando-lhe a acta de 15.7.1999, onde se lê, </font><font>ut </font><font> fls. 45 dos autos </font><font>«...foi deliberado por unanimidade que o sócio BB... deixa-se a gerência da firma, passando o sócio AA ... a ser sócio gerente remunerado...o sócio BB... promete ceder a curto prazo ao sócio AA... ou a quem este indicar a sua cota, que detém na firma "Empresa-B...» (sic)</font><font>; (ii) disse ao embargado que a alteração constante dessa acta iria ser objecto de registo; (iii) e assinou no local destinado à subscrição da livrança o seu nome, na qualidade de gerente da embargante, figurando ainda no mesmo local os dizeres "...., cont. ....., ...., Frechas, Mirandela, A Gerência".</font><br>
<font>Todavia, o gerente da embargante era o BB, e não se provou a circunstância acima referida, aduzida pelo recorrente, de que mantinha relações creditícias com a embargante pelo menos desde 1997 e de que o financiamento concedido se destinou a regularizar as responsabilidades emergentes de contratos anteriormente celebrados.</font><br>
<font>Não se pode perder de vista que se não provou que:</font><br>
<font>-- A referida livrança emerge de um financiamento concedido sob a forma de desconto bancário, tendo a mesma resultado de sucessivas reformas de livranças no valor de € 22.445,91 e de € 21.947,11, que o embargado descontou, respectivamente, em 30 de Maio de 2000 e 28 de Dezembro de 2000 </font><font>(resposta negativa ao quesito 3º);</font><br>
<font>-- As referidas propostas de descontos e livranças encontram-se subscritas pela embargante e assinadas pelo co-executado AA na qualidade de gerente </font><font>(resposta negativa ao quesito 4º);</font><br>
<font>-- Sempre que foram efectuadas as reformas dos títulos o embargado questionou se se mantinha a referida alteração, tendo-lhe sido sempre respondido que a gerência pertencia ao sócio AA (</font><font>resposta negativa ao quesito 7º</font><font>);</font><br>
<font>Não tendo ficado provados os factos que se indagavam nesses quesitos, afigura-se que a secura dos factos provados </font><font>(em que se não divisam antecedentes de intervenção do AA na veste de representante da embargante) </font><font>não permitia à Relação concluir que o embargado tinha razões suficientemente fortes para crer na veracidade do que o AA lhe transmitiu oralmente e exibiu e entregou antes da subscrição da livrança dada à execução.</font><br>
<font>E tão-pouco se provou que </font><font>«</font><font>A embargante utilizou o montante pecuniário inscrito na livrança, depositado na conta de depósitos à ordem, em seu benefício exclusivo» </font><font>(resposta negativa ao quesito 9º), </font><font>quedando-se assim improvado que a embargante se tenha aproveitado do dinheiro mutuado, o que a ter acontecido poderia ser encarado como reconhecimento da validade da subscrição feita pelo AA em nome da sociedade, impedindo, por contrariar tal comportamento, a posterior dedução dos presentes embargos de executada, dedução essa que poderia ser entendida como um </font><font>venire contra factum proprium</font><font>.</font><br>
<font>Não se vislumbra, destarte, razão ao recorrente ao sustentar que a embargante actua com abuso de direito na modalidade de </font><font>venire contra factum proprium</font><font>, que a decisão recorrida protege um «devedor relapso, sancionando impugnações reveladoras de afrontamento à </font><font>boa fé</font><font>».</font><br>
<font>A verdade nua e crua é que a subscrição da livrança não foi realizada pelo gerente da embargante mas pelo sócio que indevidamente se apresentou como sendo o gerente, sem para tal ter os necessários poderes de representação, e por forma que, dada a carência de antecedentes, não devia sem mais ter ganho desde logo a confiança do embargado dada a escassez de factos que com toda a probabilidade revelassem que o AA era gerente da embargante, até porque, como se vê de fls 45, as assinaturas da acta não se encontram reconhecidas notarialmente.</font><br>
<font>Não se tendo provado que a recorrida, ela própria, tenha tido algum comportamento que levasse o recorrente a convencer-se, justificadamente, de que o AA era o gerente, nem se tendo provado que a recorrida se aproveitou de algum modo do dinheiro mutuado pelo recorrente, não pode seguramente sustentar-se que a embargante/recorrida actua com abuso de direito.</font><br>
<font>Razão tem a Relação ao concluir que não vincula uma sociedade comercial a assinatura de um sócio, aposta numa livrança, como gerente (quando no registo não lhe está reconhecida essa qualidade), mesmo que tenha sido apresentada uma acta daquela sociedade na qual constava que lhe tinha sido atribuída a gerência, se essa acta não está assinada pelo outro sócio a quem, pelo registo, estava reconhecida a gerência, bem como ao concluir que o facto de a assinatura constante do local destinado ao subscritor ter sido efectuada por quem não dispunha de poderes não constitui um vício de forma mas sim um vício de substância, um vício de fundo que tem a ver com a validade material da própria obrigação, e ainda ao concluir pela não litigância com abuso de direito por banda da embargante/recorrida.</font><br>
<font>Termos em que, com as breves notas que antecedem e remetendo para a fundamentação do acórdão recorrido ao abrigo dos artºs 713º, nº 5 e 726º do CPC, acordam em </font><font>negar a revista</font><font>, condenando o embargado/recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Outubro de 2006</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uzK5u4YBgYBz1XKvbzdq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><font> </font><br>
<br>
<br>
<font> I – No Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, AA, BB e CC, em acção com processo ordinário, emergente de acidente de viação, para efectivação da responsabilidade civil, intentada contra Companhia de Seguros FF, S.A., pediram a condenação da Ré a pagar:</font><br>
<font> 1. – à demandante AE a quantia de € 259.857</font><br>
<font> 2. – ao demandante BB a quantia de € 45.000</font><br>
<font> 3. – ao demandante CC a quantia de € 45.000</font><br>
<font> todas acrescidas de juros legais a contar da citação, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência de um acidente de viação ocorrido no dia 5 de Janeiro de 2001 (por lapso, escreveram 2000), cerca das 14 horas, na freguesia de Árvore, do concelho de Vila do Conde, em que foram intervenientes os veículos automóveis ligeiros de matrícula 00-00-HJ, conduzido pelo marido e pai dos demandantes, AM, seu proprietário, e 00-00-GC, conduzido pelo seu proprietário, PM, e segurado na Ré, de que resultou a morte de ambos os condutores, imputando os Autores a culpa na produção do acidente ao condutor da segunda viatura.</font><br>
<br>
<font> O Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS) veio deduzir contra a Ré um pedido de reembolso de prestações da Segurança Social no montante de € 20.023,37, com juros de mora desde a citação até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font> Na sua contestação, a Ré pugnou pela improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font> Opondo-se ao pedido do ISSS, a Ré veio defender que não há lugar ao reembolso do subsídio de morte, por se tratar de pura prestação social devida pela simples morte do beneficiário, independentemente da sua causa, e que, quanto às pensões de sobrevivência, a haver lugar ao seu reembolso, terão elas de ser abatidas na indemnização que, por danos patrimoniais, porventura for devida.</font><br>
<br>
<font> Houve réplica. </font><br>
<br>
<font> Na audiência de discussão e julgamento da causa, o ISSS ampliou o pedido para € 35.640,21, tendo em conta novas prestações pagas.</font><br>
<br>
<font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, se decidiu condenar a Ré a pagar: </font><br>
<font> “a) À autora AE a quantia global de 80.833,33 Euros – oitenta mil oitocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados a partir da notificação desta decisão até efectivo pagamento, atentando-se no que acima ficou dito quanto à não cumulação de indemnizações;</font><br>
<font> b) Aos autores BB e CC a quantia global de 15.833,33 Euros – quinze mil oitocentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos, por cada um deles, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados a partir da notificação desta decisão até efectivo pagamento;</font><br>
<font> c) Condenar a ré a reembolsar o Instituto de Solidariedade e Segurança Social da quantia de 17.820,10 euros, acrescida de 50% das pensões que se vencerem e forem pagas e de juros de mora à taxa de 4%, a contar da citação”. </font><br>
<br>
<font> Decidiu-se ainda absolver a Ré do demais pedido.</font><br>
<br>
<font> Após recurso da Ré, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão a julgar improcedente a apelação e a confirmar a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font> Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br>
<br>
<font> A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª – Para efeitos de indemnização por facto ilícito, há que distinguir duas situações: a indemnização à vítima do acidente e a indemnização a terceiros.</font><br>
<font> 2ª – A indemnização por danos patrimoniais futuros à vítima do acidente, decorrentes de incapacidade (IPP), deve traduzir-se num capital produtor do rendimento perdido pelo lesado em virtude da perda da sua capacidade de ganho.</font><br>
<font> 3ª – A indemnização a terceiros tem carácter excepcional, pois só existe nos casos previstos na lei, em especial pela perda dos alimentos recebidos da vítima (nº 3 do artº 495º do Ccivil).</font><br>
<font> 4ª – Essa indemnização é devida por direito próprio (que não a título sucessório) e tem como limite o limite dos alimentos perdidos, não sendo devida qualquer outra indemnização por quaisquer outros danos, nomeadamente pela perda da expectativa de aforro e do eventual enriquecimento do património hereditário (como se diz no acórdão recorrido, antecipando desde já a parte dos autores!!!).</font><br>
<font> 5ª – É que ninguém tem direito à pessoa e à capacidade de ganho de outrem – seja cônjuge seja pai – ou aos rendimentos que essa pessoa poderia produzir ou aforrar no futuro com o seu trabalho.</font><br>
<font> 6ª – Sendo a responsabilidade e o dano repartidos na base de 50% dos dois veículos intervenientes, sendo o marido e pai dos autores sócio gerente de uma sociedade com problemas financeiros (artº 57º da petição) e sendo a petição inicial omissa quanto ao valor da sua contribuição para os alimentos dos autores, não se justifica indemnização superior a 60.000€.</font><br>
<font> 7ª – À qual devem ser abatidas as indemnizações recebidas da ZURICH a título de acidente de trabalho e 50% das pensões de sobrevivência recebidas do ISS até à data do pagamento.</font><br>
<font> 8ª – Deve reconhecer-se que o ISS só tem direito ao reembolso de 50% das pensões de sobrevivência desembolsadas e que não tem direito ao reembolso do subsídio por morte, por se tratar de uma prestação eminentemente social, que sempre seria devida, independentemente da causa da morte. Doutro modo, teria de reconhecer-se que só tem direito ao reembolso de 50% do subsídio pago.</font><br>
<font> 9ª – O douto acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, fez errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, nomeadamente do nº 3 do artº 495º e 562º do Ccivil, e artºs 4º e 5º do DL 322/90, de 18/10.</font><br>
<br>
<font> Contra-alegaram os recorridos, defendendo a confirmação do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<font> II – Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>1. No dia 5 de Janeiro de 2001, cerca das 14 horas, ocorreu um acidente de viação na Rua ...., Lugar de Areia, Árvore.</font><br>
<font> 2. No acidente referido em 1., foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula 00-00-HJ, conduzido e propriedade de AM, marido e pai dos Autores, e o de matrícula 00-00-GC, conduzido e propriedade de PM.</font><br>
<font> 3. No local do acidente, a estrada tem a largura de 7,25 metros, o piso em paralelo e, devido ao tempo chuvoso e manchas de óleo, o piso encontrava-se molhado e escorregadio.</font><br>
<font> 4. No acidente, faleceram ambos os condutores.</font><br>
<font> 5. Considerando o sentido Mindelo-Árvore, a cerca de 150 metros do local onde se deu o acidente, desenha-se uma curva para a direita seguida de contra curva para a esquerda.</font><br>
<font> 6. Os vidros e plásticos partidos dos veículos ficaram espalhados pela via, ficando alguns vidros próximos do veículo HJ.</font><br>
<font> 7. Após a colisão, o HJ ficou imobilizado junto a um pinheiro e o GC ficou imobilizado a 34,70 metros de distância.</font><br>
<font> 8. Ficando com a parte da frente enfiada numa bouça existente no lado direito da estrada, atento o sentido Árvore-Mindelo.</font><br>
<font> 9. E a traseira voltada para a faixa de rodagem.</font><br>
<font> 10. Em consequência do acidente, o marido e pai dos Autores sofreu as lesões referidas no artigo 30º da petição, que aqui se dá como reproduzido, e que foram causa da morte.</font><br>
<font> 11. Na altura do acidente, o marido e pai dos Autores circulava ao serviço da empresa A...M... & Filho, Limitada, da qual era sócio gerente.</font><br>
<font> 12. O marido e pai dos Autores tinha, à data do acidente, 51 anos de idade.</font><br>
<font> 13. AM era saudável, bem constituído, trabalhador jovial, com feitio sociável, expansivo e alegre.</font><br>
<font> 14. A Autora e o marido estiveram casados 24 anos.</font><br>
<font> 15. Os Autores e o falecido constituíam uma família harmoniosa e feliz.</font><br>
<font> 16. Os Autores sentiram a morte do pai e marido.</font><br>
<font> 17. O marido e pai dos Autores era sócio gerente de uma sociedade comercial que se dedicava ao transporte de mercadorias, no regime de aluguer, e de terraplanagem de terrenos.</font><br>
<font> 18. A AE não foi capaz de dar continuação ao trabalho do marido.</font><br>
<font> 19. E, perante a perda de clientela, a AE requereu falência em Novembro de 2001.</font><br>
<font> 20. O falecido AM tinha um rendimento mensal de cerca de 1.000,00 Euros, pagos 12 vezes ao ano.</font><br>
<font> 21. E apenas gastava consigo 250 Euros mensais.</font><br>
<font> 22. No auto de conciliação por acidente de trabalho (o mesmo acidente dos autos) que correu termos no Tribunal de Matosinhos, a Autora AA passou a receber a pensão anual e vitalícia de 3.561,42 Euros.</font><br>
<font> 23. E recebeu o subsídio por morte de 4.010,35 Euros, acrescido da quantia de 2.673,56 Euros, a título de subsídio de funeral.</font><br>
<font> 24. E o Paulo a pensão mensal anual de 2.373,56 Euros, e ambas as pensões referidas com início em 16.01.2001.</font><br>
<font> 25. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social continua a pagar as pensões de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo e ao filho, com inclusão dos 13º e 14º meses, pensões que, actualmente, são dos montantes mensais de 309,39 Euros para a viúva e de 102,13 Euros para o filho.</font><br>
<font> 26. O proprietário do veículo 00-00-GC, na altura do acidente, tinha a sua responsabilidade civil, por acidentes de viação, transferida para a Ré Seguradora pela apólice 6.619,043.</font><br>
<br>
<font> III – 1. As questões suscitadas no presente recurso consistem em saber:</font><br>
<font> - se a indemnização atribuída aos Autores por via da perda total da capacidade de ganho da vítima depende dos alimentos que esta prestava ou seria obrigada a prestar, se continuasse viva, devendo a acção improceder nesta parte, ou ser fixada indemnização não superior a € 60.000;</font><br>
<font> - se ao ISSS apenas é devido o reembolso de metade das pensões de sobrevivência pagas, não sendo devido o reembolso de metade do subsídio por morte.</font><br>
<br>
<font> O acórdão recorrido, posto perante tais questões, não deu razão à recorrente.</font><br>
<br>
<font> Quid iuris?</font><br>
<br>
<font> 2. Vejamos a 1ª questão enunciada.</font><br>
<br>
<font> Segundo o nº 3 do artigo 495º do Código Civil, no caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.</font><br>
<br>
<font> Não podendo apurar-se o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites do que tiver por provado – artigo 566º, nº 3, do mesmo diploma.</font><br>
<br>
<font> Segundo os acórdãos deste STJ proferidos nas Revistas nºs 1052/99 e 1030/99, da 6ª Secção, em 11.01.2000 (Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição Anual – 2000, páginas 17 e 18, respectivamente), a lei reconhece, nos casos de morte, excepcionalmente o direito à indemnização de danos patrimoniais </font><i><font>iure proprio</font></i><font> às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Também o acórdão de 22.05.2001 do mesmo Tribunal, proferido na Revista nº 25/01, da mesma Secção (Sumários …, Edição Anual – 2001, pág. 166), refere que, para exercitar o direito de indemnização a alimentos do artigo 495º, nº 3, do Código Civil, não é necessário provar que se recebia alimentos, basta demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 564º, nº 3, do mesmo Código.</font><br>
<br>
<font> Algo diferente é a posição assumida no acórdão de 07.06.2001, proferido na Revista nº 634/01, da 2ª Secção (citada Edição, pág. 217).</font><br>
<br>
<font> Aí se diz que o nº 3 do artigo 495º do Código Civil, como norma excepcional, é, em princípio, insusceptível de aplicação analógica.</font><br>
<font> Mais refere que não basta, por isso, a simples invocação da qualidade ou </font><i><font>status</font></i><font> de cônjuge sobrevivo para, de pronto e de modo automático, ser atribuída ao invocante uma indemnização a esse título: esta só pode ser exigida por danos efectivos – que não pelos meramente potenciais – da cessação da prestação de alimentos, podendo, porém, o tribunal atender aos danos futuros que sejam previsíveis, atribuindo, desde logo, um determinado </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório se já dispuser de elementos factuais que, com razoável dose de verosimilhança, lhe permitam determinar que tais danos são, desde já, previsíveis.</font><br>
<br>
<font> Posto isto, diremos que o facto de a Autora poder exigir alimentos do marido, em cumprimento do dever de assistência (cfr. artigos 1672º, 1675º e 1676º do Código Civil), leva-nos à conclusão de que, efectivamente, e face à morte de seu marido, ela tem direito a indemnização, ao abrigo do disposto no citado artigo 495º, nº 3 (neste sentido, cfr. acórdão deste STJ de 08.07.2003, Revista nº 1360/03 – CJ/STJ, Ano XI, Tomo II-2003, pág. 141 –, de que foi relator o aqui relator).</font><br>
<br>
<font> Só que – e como bem se refere nos dois primeiros acórdãos citados –, o cálculo da perda de alimentos é sempre uma operação delicada, de solução difícil, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de alicerçar-se em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável de vida activa da mesma, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários e a taxa de juro, a própria idade dos beneficiários de alimentos.</font><br>
<br>
<font> Compreendendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e podendo, na respectiva fixação, o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis, temos que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – artigos 564º e 566º, nº 3, do Código Civil.</font><br>
<br>
<font> O que agora aqui está em causa é, precisamente, um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte.</font><br>
<font> Por isso, há-de, em consequência, fazer-se apelo a critérios de probabilidade a projectar em termos de normalidade da vida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Como critério de determinação dos danos futuros correspondentes à perda da capacidade de ganho, designadamente em casos como este, em que tal perda foi motivada por falecimento, sempre com as correcções que as circunstâncias do caso equitativamente aconselham, tem-se por adequado, instrumentalmente, lançar mão da conjugação das regras respeitantes à determinação de uma indemnização fixada em renda (seguros de vida) com as que regem a determinação do valor das pensões sociais (a partir do nível dos rendimentos do trabalho), conjugando quanto se estabelece nos artigos 567º do Código Civil, 17º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31.12, e 26º da Lei nº 28/84, de 14.08 (cfr. acórdão deste STJ de 28.10. 1992, in BMJ nº 420, pág. 544).</font><br>
<font> Daí que, neste caso, as atribuídas pensões se tomem como referência a considerar.</font><br>
<br>
<font> De qualquer forma, o que importa é encontrar um capital susceptível de produzir rendimento equivalente ao perdido pelos lesados, sem que se traduza no seu enriquecimento.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Para tanto, lança-se, por vezes, mão de tabelas financeiras, as quais constituem sempre instrumentos úteis à formulação do juízo de equidade a que alude a lei e à uniformização de critérios.</font><br>
<font> </font><br>
<font>No entanto, já o acórdão deste Tribunal de 28.09.1995 (CJ/STJ, Ano III, Tomo III-1995, pág. 36) afasta o recurso a quaisquer tabelas ou fórmulas, confiando preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade, solução que também se nos afigura mais adequada, sem embargo de se reconhecer o papel adjuvante que o recurso a tabelas ou fórmulas possa ter.</font><br>
<br>
<font> No caso em apreço, há que partir dos seguintes dados:</font><br>
<font> </font><br>
<font>- O marido e pai dos Autores era sócio gerente de uma sociedade comercial que se dedicava ao transporte de mercadorias, no regime de aluguer, e de terraplanagem de terrenos;</font><br>
<font> - A AE não foi capaz de dar continuação ao trabalho do marido e, perante a perda de clientela, requereu a falência em Novembro de 2001;</font><br>
<font> - O falecido AM tinha um rendimento mensal de cerca de 1.000 Euros, pagos 12 vezes por ano;</font><br>
<font> - E apenas gastava consigo 250 Euros mensais;</font><br>
<font> - A Autora e o marido estiveram casados 24 anos;</font><br>
<font> - O marido e pai dos Autores tinha, à data do acidente, 51 anos de idade.</font><br>
<br>
<font> Perante esta factualidade, entendemos que a verba de € 130.000,00 (reduzida aqui a 50%) encontrada pelas instâncias é muito exagerada.</font><br>
<font> </font><br>
<font> É que, quanto aos filhos, a obrigação de alimentos só existe enquanto os mesmos forem menores, salvo os casos excepcionais contemplados no artigo 1880º do Código Civil, sendo certo que os autos não fornecem elementos (idade, frequência de cursos universitários ou outros) que nos permita concluir que os filhos tinham ainda de receber alimentos de seu pai.</font><br>
<br>
<font> Assim sendo, e tendo em conta também a idade da própria viúva (sabe-se que, aquando da morte do marido, estavam casados há 24 anos), entendemos como perfeitamente equilibrada a verba de € 60.000,00 (aqui reduzida a metade, ou seja, a € 30.000,00) como indemnização pela perda da capacidade de ganho da vítima, em vez do montante de € 130.000,00 (reduzido a 50%) arbitrado nas instâncias.</font><br>
<br>
<font> 3. Passemos à questão do reembolso da prestação paga a título de subsídio por morte.</font><br>
<br>
<font> Refere a recorrente que, por se tratar de uma prestação eminentemente social, que sempre seria devida, independentemente da causa da morte, não há lugar ao reembolso.</font><br>
<br>
<font> Não lhe assiste razão.</font><br>
<br>
<font> Nos termos do artigo 2º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto (Lei de Bases da Segurança Social), a segurança social protege os trabalhadores e suas famílias, na situação de falta ou diminuição de capacidade para o trabalho, de desemprego involuntário e de morte, garantindo a compensação de encargos sociais e as pessoas que se encontrem em situação de falta ou diminuição de meios de subsistência.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Está aqui em causa a aplicação do disposto no artigo 16º da referida Lei nº 28/84, o qual prescreve: “No caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.</font><br>
<br>
<font> O preâmbulo do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro, esclareceu que a Segurança Social “assegura, provisoriamente, a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos”.</font><br>
<br>
<font> Concordamos com o acórdão deste STJ de 03.03.2005, proferido na Revista nº 19/95, desta 1ª Secção (aliás, de acordo com a tendência que se vem verificando na jurisprudência portuguesa), quando diz que não há que esgrimir com a circunstância de a morte ter sempre de ocorrer mais cedo ou mais tarde, constituindo, por isso, um encargo certo e inevitável, para daí concluir que o CNP apenas antecipou o pagamento do subsídio por morte, não tendo essa antecipação relevância para a atribuição do direito de sub-rogação.</font><br>
<br>
<font> Na verdade, já o acórdão deste STJ de 05.01.1995 (CJ/STJ, Ano III, Tomo I-1995, pág. 163) refere que o Centro Nacional de Pensões deve ser tido como “lesado” em relação aos subsídios e pensões pagos em consequência de acidente de viação.</font><br>
<br>
<font> Infere-se, assim, que a obrigação de pagamento pelas instituições de segurança social do subsídio por morte e de pensões de sobrevivência a familiares do beneficiário falecido, nos casos em que há terceiros responsáveis pela morte, apenas representa um adiantamento “em lugar do devedor” (neste sentido, cfr. acórdão deste STJ de 11.07.2006, proferido na Revista nº 1969/06, desta Secção, subscrito, na mesma qualidade, pelos mesmos Juízes do presente acórdão).</font><br>
<font> </font><br>
<font> Tem, pois, o ISSS direito também ao reembolso da prestação paga a título de subsídio por morte, embora reduzida a 50%, dada a proporção da responsabilidade da aqui recorrente.</font><br>
<br>
<font> 4. Resulta, pois, do exposto que colhem parcialmente as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso, pelo que o acórdão recorrido terá de ser alterado.</font><br>
<br>
<font> IV – Podemos, assim, extrair as seguintes conclusões:</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1ª – Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção do acidente de viação está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais resultantes da perda de remunerações do trabalho.</font><br>
<font> 2ª – Excepcionalmente, em casos de morte, a lei reconhece o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros </font><i><font>iure proprio</font></i><font> às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo ou àquelas pessoas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural – artigo 495º, nº 3, do C.C..</font><br>
<font> 3ª – Nesta situação se encontra o cônjuge de uma vítima mortal, tendo em conta o dever de assistência resultante do casamento (artigos 1672º, 1675º e 1676º do C.C.)</font><br>
<font> 4ª – Para exercitar tal direito, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 564º, nº 3, do C.C..</font><br>
<font> 5ª – O cálculo da perda de alimentos, a fazer com recurso à equidade (artigo 566º, nº 3, do C.C.), constitui uma operação delicada, de difícil solução, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de se alicerçar em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável da sua vida activa, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários, a taxa de juro e a própria idade do beneficiário dos alimentos.</font><br>
<font> 6ª – A obrigação de pagamento pelas instituições de segurança social do subsídio por morte e de pensões de sobrevivência a familiares do beneficiário falecido, nos casos em que há terceiros responsáveis pela morte, apenas representa um adiantamento “em lugar do devedor”.</font><br>
<font> 7ª – Assim, assegurando o ISSS, nesses casos, provisoriamente, a protecção desses familiares, cabe-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos, incluindo-se aqui o subsídio por morte.</font><br>
<br>
<font> V – Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, decide-se alterar de € 65.000,00 para € 30.000,00 (valores já reduzidos a 50%) o montante atribuído aos Autores a título de perda total da capacidade de ganho da vítima, mantendo-se, no demais, a decisão recorrida.</font><br>
<br>
<font> Custas pela Ré/recorrente e pelos Autores/recorridos, na proporção de, respectivamente, 1/10 e 9/10, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido a estes últimos.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 17 de Junho de 2008</font><br>
<br>
<font>Moreira Camilo (Relator)</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uzKyu4YBgYBz1XKvVDHS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - Declarada a insolvência de “E... - C... de M... de C..., L.da”, em 29.11.2006, por sentença transitada em julgado, foram, entre outros, reclamados créditos pela ora Recorrente “C... E... M... G...”, com garantia hipotecária, e por trabalhadores da Insolvente.</font><br>
<br>
<font> Os créditos reconhecidos vieram a ser graduados para efeito de pagamento pelo produto da venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob a ficha n° ... da freguesia de Águeda pela ordem seguinte: </font><br>
<font>1 ° - Créditos emergentes dos contratos de trabalho, referidos em 3., 7., 8., 12.,21.,23.,33., e 35.,· </font><br>
<font>2° - Crédito da C... E... M... G..., até ao montante máximo de € 410.541,84 (Esc. 82.306.250$00),· </font><br>
<font>3° - Crédito do I... da S... S..., IP até ao montante de € 38.875,95; </font><br>
<font>4° - demais créditos (incluindo o do I... da S... S..., IP, no segmento em que exceda os € 38.875,95), em pé de igualdade e em rateio, se necessário.</font><br>
<br>
<font> A Reclamante “M...” impugnou a ordem de graduação sentenciada, mas a Relação manteve o julgado.</font><br>
<br>
<br>
<font>A mesma Credora pede ainda revista para insistir na graduação do seu crédito hipotecário com preferência sobre os créditos reclamados pelos trabalhadores da falida que hajam de ser pagos pelo produto do mesmo imóvel.</font><br>
<font> Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação:</font><br>
<font>a) Os privilégios imobiliários gerais, como são os créditos emergentes de contratos individuais de trabalho, não estão sujeitos a registo e são, por isso, um ónus oculto; </font><br>
<font>b) No caso </font><i><font>sub</font></i><font>-</font><i><font>judice</font></i><font>, na data da constituição da hipoteca, inexistiam os aludidos créditos laborais; </font><br>
<font>c) Os privilégios imobiliários gerais não são autênticas garantias reais das obrigações, constituindo apenas meros direitos de prioridade que prevalecem contra os credores comuns, devendo dar-se prevalência ao crédito hipotecário de que a recorrente é titular, em detrimento dos créditos dos trabalhadores que se mostram verificados; </font><br>
<font>d) Daí que, contrariamente ao defendido pela decisão recorrida, não se aceita que seja aplicável à situação dos presentes autos o disposto no artigo 377.° n.º 1 alínea b) do Código do Trabalho, sob pena de se fazer tábua rasa da constituição da hipoteca em data muito anterior à data do trânsito em julgado da sentença que decretou tal insolvência; </font><br>
<font>e) Ademais, não se aceita que a aplicação de tal regime legal por parte do Tribunal "a quo" assente numa mera presunção segundo a qual este terá concluído, que, estando um único prédio urbano apreendido nos autos, seria naquele prédio que os trabalhadores da insolvente desenvolviam a sua actividade; </font><br>
<font>f) Outrossim, devem aplicar-se os arts. 686.° e 749.°, ambos do Código Civil, ficando os créditos garantidos por hipoteca graduados em 1.° lugar antes dos créditos laborais; </font><br>
<font>g) É inelutável que, à certeza do Direito enquanto princípio geral e estruturante do mesmo, repugna, que a interpretação de uma norma possa permitir que se atendam a privilégios ocultos afectando a segurança do comércio jurídico; </font><br>
<font>h) A hipoteca registada a favor da ora recorrente pela inscrição C-3, Ap. 23/191199 e incidente sobre o prédio identificado a fls. 41 e ss. do Apenso A, confere-lhe o direito de o seu crédito ser graduado em 1.° lugar pelo produto da venda do mesmo; </font><br>
<font>i) Os créditos correspondentes a salários e indemnizações por despedimento de trabalhadores da empresa insolvente - e que configuram um ónus oculto - devem ser graduados em 2.° lugar; </font><br>
<font>j) Na decisão recorrida foram violadas, entre outras, as disposições contidas nos arts 686.° nº 1, 735.° n.º 3 e 749.º, todos do Código Civil, art. 12.° n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 17/86, de 14/6, art. 174.º n.º 1 e 175.° n.º 1, ambos do CIRE, art.º 200.° n.º 3 do CPEREF e art.º 377.°, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho; </font><br>
<br>
<font> Não foi apresentada qualquer resposta. </font><br>
<br>
<br>
<font>2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> que se coloca é, no essencial, como a define a Recorrente, a de saber se o privilégio imobiliário (geral ou especial) de que gozam os trabalhadores da falida prevalece sobre hipoteca voluntária constituída e registada anteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho (art. 377º, agora 333º). </font><br>
<br>
<br>
<font>3. - Com interesse para a decisão do presente recurso importa considerar, de entre a matéria que vem provada, os seguintes </font><b><font>factos</font></b><font>:</font><br>
<font> </font><br>
<font> a) - Na decisão recorrida julgaram-se verificados, entre outros que aqui irrelevam, os créditos reclamados por: </font><br>
<font>(…) </font><br>
<font>3. AA, no montante de € 6.501,89;</font><br>
<font>(…) </font><br>
<font>6. C... E... M... G..., de € 319.837,02; </font><br>
<font>7. BB, de € 3.508,44; </font><br>
<font>8. CC, de € 6.316,74; </font><br>
<font>(…) </font><br>
<font>12. DD, de € 18.345,71; </font><br>
<font>(…) </font><br>
<font>21. EE, de € 6.188,56; </font><br>
<font>(…) </font><br>
<font>23. FF, no montante de € 26.000,00;</font><br>
<font>(…) </font><br>
<font>33. GG, de € 3.149,92; </font><br>
<font>(…)</font><br>
<font>35. HH, de € 13.153,48. </font><br>
<font> b) - Os créditos referidos em 3, 7, 8, 12, 21, 23, 33 e 35 são emergentes de contratos de trabalho. </font><br>
<font> c) - Foi apreendido para a massa insolvente o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob a ficha nº ... da freguesia de Águeda. </font><br>
<font> d) - Sobre o prédio apreendido encontram-se registadas: </font><br>
<font>1) pela ap. ..., uma hipoteca voluntária a favor da C... E... M... G..., para garantia do pagamento de toda e qualquer letra, livrança, cheque ou extracto de factura por si aceites subscritos ou sacados de que a C... E... seja portadora e do pagamento de toda e qualquer quantia que a referida caixa lhe tenha emprestado ou venha a emprestar, quer seja proveniente de mútuo abertura de crédito saques para aceites bancários saldos devedores ou descoberto em conta de depósito e ainda, do reembolso das quantias que a mesma C... tenha despendido ou venha a despender em seu nome, até ao montante de valor capital: Esc. 65.000.000$00, juro anual: 4,8750%, acrescido de 4%, em caso de mora a titulo de cláusula penal, montante máximo: Esc. 82.306.250$00; </font><br>
<font>2) pela ap. ..., uma hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de € 110.457,40 por dívidas de Contribuições e Impostos, no período de 2002, Junho a Setembro, Novembro e Dezembro de 2003, Fevereiro a Junho de 2004, juros de mora vencidos: € 11.127,79 custas processuais: € 870.83; montante máximo: € 122.456,02. </font><br>
<font> c) - Era no prédio urbano aprendido para a massa insolvente e referido em c) que os trabalhadores da Insolvente desenvolviam a sua actividade</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 4. 1. – Matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Antes de mais, apesar da ordem das conclusões da Recorrente, impõe-se referência ao contido na conclusão e), ou seja, a não aceitação da aplicação do regime da al. b) do n.º 1 do art. 377º por o facto, pressuposto dessa aplicação, de os trabalhadores da Insolvente desenvolverem a sua actividade no prédio hipotecado assentar numa mera presunção.</font><br>
<br>
<font> A 1ª Instância teve por adquirido o ponto em causa, concluindo “quanto mais não seja por presunção judicial, que era naquele prédio urbano que os trabalhadores da insolvente desenvolviam a sua actividade”, por ter a insolvente ali a sua sede, ser o único imóvel apreendido, situar-se na zona industrial e não se destinar a fruição pessoal.</font><br>
<font> No recurso de apelação, a Recorrente não pôs em causa a existência do facto assim dado como provado.</font><br>
<font> A Relação teve-o como definitivamente adquirido e fixado, arrolou-o entre os factos provados e, na qualificação do privilégio, considerou que “tendo sido considerado como facto assente que os trabalhadores prestavam a sua actividade no imóvel apreendido, é forçoso concluir que …”.</font><br>
<br>
<br>
<font> A questão levantada situa-se claramente no âmbito da apreciação das provas e fixação da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font> De notar, antes de mais, que, não tendo havido impugnação da matéria de facto no recurso para a Relação, este Tribunal não teria, em princípio, fundamento para proceder à sua alteração, limitados, como estavam, os seus poderes às situações contempladas no art. 712º CPC.</font><br>
<font> É, de resto, consensual, na doutrina e na jurisprudência, que a Relação não pode alterar as presunções judiciais utilizadas pela 1ª Instância, nem alterar os factos que lhes serviram de base (factos-base), salvo quando se verificar alguma das hipóteses que, ao abrigo do dito art. 712º imponham a modificação da decisão e facto (cfr., por todos, ac. STJ, de 20/5/2003, Proc. 02A1236).</font><br>
<br>
<font>Não se está, de qualquer modo, perante qualquer alteração da matéria de facto pela Relação e, consequente de (ab)uso dos seus poderes.</font><br>
<br>
<br>
<font>Sendo o presente recurso de revista</font><font>,</font><font> a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, aplicando definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado – arts 26º da LOFTJ e 729º- 1 do Cód de Proc. Civil.</font><br>
<font>Só excepcionalmente o S. T. J. pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação. É o que acontece, mas apenas pode acontecer, se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova, como decorre do regime dos arts. 722º- 2 e 729º- 2, do mesmo CPC.</font><br>
<font>Em qualquer caso, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova formado pela Relação sobre a matéria de facto quando esteja em causa a violação de normas de direito probatório material.</font><br>
<font>Assim, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos que sejam livremente apreciáveis pelo julgador, excede o âmbito do recurso de revista.</font><br>
<br>
<br>
<font>As presunções judiciais, obtidas com recurso às regras de experiência, a juízos correntes de probabilidade e a princípios da lógica, a retirar do conjunto fáctico já provado, são meio de prova de uso exclusivo das instâncias, no âmbito da regra da livre apreciação das provas, como resulta da proibição do respectivo uso para além dos casos e dos termos em que é admitida a prova testemunhal, vale dizer, só é lícita a prova por presunção judicial quando não haja prova vinculada – arts. 349º, 351º, 396º C.C. e 655º CPC.</font><br>
<br>
<font>Em consequência, não cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça sindicar a matéria de facto aceite pela Relação, no seguimento do acervo factual considerado pela 1ª Instância, tudo no âmbito da competência privativa desses Tribunais de instância.</font><br>
<br>
<font>O facto que preenche a hipótese da norma da al. b) do n.º 1 do art. 377º do C. Trabalho não pode, pois, ser eliminado ou alterado.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>4. 2. – Qualificação dos privilégios imobiliários e sua graduação.</font><br>
<br>
<font>Quer a decisão impugnada por via deste recurso quer a sentença que aquele acórdão confirmou decidiram que os reclamados e verificados créditos dos trabalhadores gozam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel aprendido para a massa, sobre o qual incide a garantia hipotecária do crédito da Recorrente, nos termos previstos no art. 377º-1-b) do Código do Trabalho (agora art. 333º-1-b)), por ser nele que os trabalhadores prestavam a sua actividade.</font><br>
<br>
<font> A Recorrente, que jamais pôs em causa a aplicabilidade ao regime jurídico da garantia dos créditos emergentes do contrato de trabalho e sua cessação o art. 377º do Código do Trabalho, de resto em vigor havia mais de dois anos à data da declaração de insolvência, desenvolve toda a fundamentação do recurso a partir do conceito e regime dos privilégios imobiliários </font><i><font>gerais</font></i><font>, enquanto ónus oculto, partindo, ao que parece, do pressuposto de os créditos laborais reclamados terem sido qualificados como garantidos por privilégio imobiliário geral, com previsão no art. 12º-1-b) do DL n.º 17/86, de 14/6, e desprezando a qualificação efectivamente acolhida e seus efeitos – privilégio imobiliário </font><i><font>especial</font></i><font> e arts. 377º-1-b) e 2-b) do C. Trabalho e 751º do C. Civil. </font><br>
<font> Do corpo das alegações acaba por resultar, sem margem para dúvidas, que a Recorrente faz entroncar toda a sua argumentação no enquadramento da situação na previsão do inaplicável, por então já revogado pelo C. Trabalho, DL n.º 17/86 e do privilégio imobiliário geral constante do seu citado art. 12º-1-b), fundamentos que o aresto recorrido não convocou para decidir como decidiu.</font><br>
<br>
<br>
<font> Ora, assim colocada a questão, o recurso carece de objecto, pois que a censura da Recorrente se encontra dirigida a decisão não proferida e a fundamentos não utilizados no acórdão impugnado.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Com efeito, o que importa, em termos de qualificação jurídica, é saber se a factualidade provada integra, como vem decidido, a previsão da al. b) do dito art. 377º-1, ponto que não pode deixar de merecer resposta afirmativa, demonstrado como vem que os créditos emergem de contratos de trabalho com a Insolvente e que os trabalhadores prestavam a sua actividade laboral no imóvel hipotecado apreendido para a massa insolvente.</font><br>
<font> E, assim sendo, aí está o art. 751º C. Civil a fazer prevalecer o privilégio de que gozam esses créditos laborais sobre a hipoteca, ainda que anteriormente constituída e registada.</font><br>
<br>
<font>De notar que estes privilégios, os especiais, porque munidos de sequela, constituem garantias reais de cumprimento de obrigações, enquanto os gerais se quedam por meras preferências de pagamento.</font><br>
<font>Assim, diferentemente dos primeiros, estes não valem contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas por ele abrangidas, sejam oponíveis ao exequente (artigo 749º, nº 1 e 751º C.C.).</font><br>
<font>Consequentemente, relativamente aos privilégios imobiliários especiais, porque a lei lhes concede preferência sobre a hipoteca anterior, não faz sentido invocar a data da sentença que decretou a insolvência para afastar a aplicação do art. 377º-1-b) C.T., no confronto com a anterioridade da hipoteca, se o crédito é de constituição posterior ao início da vigência da lei que criou o privilégio, o C. Trabalho de 2003.</font><br>
<br>
<font> Por outro lado, a Recorrente não invoca qualquer razão para a inaplicabilidade da norma do C. Trabalho, designadamente por vício de inconstitucionalidade, de resto já objecto de específica apreciação e pronúncia, com juízo de conformidade formulado em acórdão do Tribunal Constitucional (ac. nº 335/08, de 19/6/2008).</font><br>
<font> </font><br>
<font> A qualificação do privilégio e os efeitos dele retirados em sede de graduação não merecem a censura que lhes vem dirigida.</font><br>
<br>
<br>
<font>5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Confirmar a decisão impugnada; e, </font><br>
<font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 20 Outubro 2009 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias (declaração de voto)</font><br>
<br>
<br>
<b><font>Declaração de voto:</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<br>
<b><font>Concordo com a decisão.</font></b><br>
<b><font>Mas manifesto a minha discordância em relação ao que vem defendido a respeito da competência própria e exclusiva das instâncias para tirarem presunções judiciais.</font></b><br>
<br>
<b><font>Pela minha parte, salvaguardado o muito – que é todo – respeito que tenho pelos subscritores da posição que fez vencimento, continuo a entender que tal tarefa, sendo das instâncias, não pode ser estranha à cognição do Supremo Tribunal de Justiça.</font></b><br>
<b><font>Esta é, aliás, a posição que tenho vindo a defender em várias e sucessivas declarações de voto, apostas a vários acórdãos desta mesma Conferência, e cujas razões estão vertidas, entre outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Fevereiro de 2009, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XVII, Tomo I, páginas 90 a 96).</font></b><br>
<b><font>Continuando a considerar válidos os argumentos que aí estão vazados, como continuo, não posso deixar de manter aqui a posição até aqui perfilhada.</font></b><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uzLQu4YBgYBz1XKvXkEZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>A recorrida "Empresa-A, Limitada", invocando o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 669º do Código de Processo Civil, requer a reforma do Acórdão alegando, nuclearmente, não ter sido ponderada a matéria de facto que, na sua óptica, conduziria a diversa solução e ter havido lapso de julgamento por a ilicitude e a culpa não estarem devidamente preenchidas.</font><br>
<br>
<font>Foram dispensados os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Reforma do mérito.</font><br>
<font>2- "In casu".</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Reforma de mérito.</font><br>
<br>
<font>O nº2 do artigo 669º do CPC (na redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro e na esteira do DL nº 329/A/95, de 12 de Dezembro) consagra a figura da reforma de mérito, traduzida na reapreciação do julgado pelo tribunal que proferiu a decisão.</font><br>
<font>Sendo a regra o esgotamento do poder jurisdicional do julgador, uma vez proferida a decisão (nº1 do artigo 666º), aquele juízo de reforma é limitado a três situações precisas: lapso manifesto na determinação da norma aplicável; lapso manifesto na qualificação jurídica dos factos; preterição, por manifesto lapso, de elementos probatórios (documentos, ou outros) constantes dos autos e bastantes para, se tomados em consideração, conduzirem a decisão diversa.</font><br>
<br>
<font>Dizendo buscar maior economia processual, no evitar a interposição de recursos, ou suprir a impossibilidade legal de recorrer, o legislador conferiu ao juízo "a quo" a possibilidade de corrigir uma situação de erro notório e, assim, repor a legalidade.</font><br>
<font>Refere-se no relatório preambular do citado DL nº 329/A/95 que esta solução "será mais útil à paz social e ao prestigio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um erro juridicamente insustentável (...) embora em termos necessariamente circunscritos e com garantia do contraditório."</font><br>
<font>Mas, como nota, e bem, o Cons. Amâncio Ferreira tratou-se de instituir mais um recurso, "sob a capa de uma reforma". "Não se pode aceitar no nosso ordenamento jurídico este recurso esdrúxulo e espera-se que o legislador na melhor oportunidade o elimine." (apud "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ª ed., 62).</font><br>
<font>È necessária a demonstração de lapso manifesto o que, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, tem a ver com uma totalmente errada interpretação dos preceitos legais, não por adesão a esta ou outra corrente doutrinária ou jurisprudencial (que até as há opostas) mas a um erro gritante que pode ser resultado de "lapsus scribendi", ou outro, obviamente perceptível (mas a não confundir com mero erro ou lapso material do artº 667º), senão, e no limite, um desconhecimento ("ignorantia facti et juris") da matéria tratada na decisão, gerador de erro essencial na decisão.</font><br>
<font>Isto nas hipóteses da alínea a).</font><br>
<font>A situação da alínea b) - olvidar ostensivo de elemento constante dos autos - será reveladora de menor zelo no estudo do processo ou de falta de cuidado na preparação da decisão, perfilando-se, embora, como possível, ainda assim, surge com menor grau de probabilidade.</font><br>
<font>Este incidente não tem a ver com a mera discordância da decisão, com o inconformismo perante a solução jurídica encontrada, ou com a decepção face ao sentenciado "quo tale".</font><br>
<font>Aqui, trata-se de considerar a existência de "error in judicando", o que só pode ser motivador dos recursos.</font><br>
<font>Já no incidente em apreço o erro é, tão-somente, resultado de lapso grosseiro e patente, ou de "aberratio legis", por desconhecimento ou flagrante má compreensão do regime legal.</font><br>
<font>Não é abundante a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre o "thema decidendum", embora "una voce sine discrepante" alinhe neste sentido (v.g os Acórdãos de 9 de Junho de 2005 - 05B1422 - decidiu que "a reforma da sentença (ou acórdão) a que alude o nº2 do artigo 669º do CPC não abrange qualquer erro de julgamento, mas apenas aquele que foi resultante de lapso do julgador na fixação dos factos ou na interpretação e aplicação da lei."; de 11 de Fevereiro de 2004 - 03S1784 - julgando que "a reforma da sentença (...) tem como desiderato suprir os lapsos ou erros manifestos assinalados naquelas alíneas a) e b), não se destina a corrigir eventuais erros de julgamento."; cf., ainda,"inter alia" os Acórdãos de 18 de Setembro de 2003 - 03B1855 - e de 3 de Fevereiro de 1999 - 98B789).</font><br>
<br>
<font>2- "In casu".</font><br>
<br>
<font>A recorrida limita-se a manifestar o seu desacordo sobre a existência de responsabilidade extra contratual, tecendo longas considerações sobre os respectivos pressupostos para concluir em sentido oposto ao do Acórdão reformando.</font><br>
<font>Mas não aponta - até porque não existe, uma vez que o Acórdão examinou todos os argumentos das partes e ponderou a que considerou melhor doutrina e jurisprudência - qualquer lapso, manifesto na qualificação jurídica, na aplicação da norma ou na desconsideração de elementos dos autos.</font><br>
<font>Ademais, (e agora apenas na perspectiva da alínea b) do nº2 do artigo 669º do CPC) o Acórdão em crise fez a ponderação - e até transcreveu "ipsis verbis" - o acervo de facto que as instâncias deram por assente, sendo que só esses relevam na decisão de um juízo de revista.</font><br>
<font>Vir agora, como, certamente por lapso, faz a recorrida - já que não se admite que um Ilustre mandatário pudesse, sem "extrema ratio", invocar, nesta fase, prova já exaurida na livre convicção do julgador de facto - referir depoimentos ou outros elementos que não conduziram à fixação dos factos materiais é, no mínimo, inoportuno.</font><br>
<font>Trata-se, enfim, de mera discordância (com aceno de uma visão securitária da sociedade, com total menosprezo pelos direitos de personalidade) que não de reconhecimento de qualquer das situações do nº2 do artigo 669º da lei adjectiva.</font><br>
<font>A seguir na linha da recorrida, todas as decisões passariam a ser alvo de pedido de reforma pois, e sempre, a parte vencida, em desacordo com o decidido, viria dizer que o julgador se enganou.</font><br>
<br>
<font>E assim protelaria o trânsito de uma decisão judicial (note-se, aliás, que esta lide está pendente desde Março de 2000 !!!), dilatando no tempo o cumprimento de obrigações, a indefinição da situação jurídica e o desgaste do lesado.</font><br>
<font>O perfil substancial do pedido de reforma corresponde à interposição de recurso, mas tratando-se de uma faculdade excepcional deve conter-se nos apertados limites definidos pela expressão "manifesto lapso", que não em termos de exercitar mero desacordo sobre a bondade do julgado.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Conclui-se, então, que:</font><br>
<br>
<font>a) A reforma do mérito prevista no nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil, tem o perfil substancial do recurso, já que se traduz na reapreciação do julgado, ainda pelo tribunal que proferiu a decisão.</font><br>
<font>b) Mas como faculdade excepcional que é, deve conter-se nos apertados limites definidos pela expressão "manifesto lapso", reportada à determinação da norma aplicável, à qualificação jurídica dos factos ou à desconsideração de elementos de prova conducentes a solução diversa.</font><br>
<font>c) O lapso manifesto (que não se confunde com erro ou lapso material) tem a ver com uma flagrantemente errada interpretação de preceitos legais (não por opção por discutível corrente doutrinária ou jurisprudencial) podendo, no limite, ter na base o desconhecimento.</font><br>
<font>d) O incidente de reforma não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar "error in judicando" ( que é fundamento de recurso) mas apenas perante erro grosseiro e patente, ou "aberratio legis", causado por desconhecimento, ou má compreensão, do regime legal.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam indeferir o pedido de reforma.</font><br>
<br>
<font>Custas pela requerente com 8 UC s de taxa de justiça.</font><br>
<br>
<font>Nesta altura não é ainda nítido (embora muito se aproxime) estar-se perante situação permissiva de aplicar o nº2 do artigo 720º do Código de Processo Civil.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Outubro de 2006</font><br>
<br>
<font>Sebastião Povoas (Relator)</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wDLSu4YBgYBz1XKvXUPy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>A "Empresa-A", intentou, na 17ª Vara Cível de Lisboa, acção com processo ordinário, contra a "Empresa-B", hoje ".....".</font><br>
<br>
<font>Pediu a sua condenação a pagar-lhe 30 000 000$00, acrescidos de juros, à taxa de 15%, desde 21 de Junho de 1995, encontrando-se vencidos, até 20 de Janeiro de 1998, no montante de 11 453 418$00.</font><br>
<br>
<font>Alegou, em síntese, que em finais de Fevereiro de 1990 concedeu um crédito de 30 000 000$00, em conta corrente, à sociedade "Empresa-C"; que esta tinha celebrado com a Ré um seguro-caução (nele figurando a Autora como beneficiária) para cumprimento das obrigações emergentes do movimento da conta caucionada, tendo como limite máximo aquele montante; que quando a conta deixou de apresentar saldo bastante para o pagamento dos juros e o saldo devedor totalizava os 30 000 000$00 solicitou o pagamento à Ré, que o recusou.</font><br>
<br>
<font>A Ré contestou alegando, nuclearmente, que a sociedade "Empresa-C" tinha uma relação promíscua com os seus sócios; que o dinheiro não foi utilizado de acordo com as condições gerais da apólice; que as declarações inexactas e as reticências sobre factos, geram a nulidade do contrato; que foi negociado novo acordo entre a Autora e a "Empresa-C", cujo incumprimento ocorreu depois de caducada a apólice.</font><br>
<br>
<font>Concluiu pela absolvição do pedido.</font><br>
<br>
<font>E, assim, julgaram a 1ª Instância e a Relação de Lisboa.</font><br>
<br>
<font>Não se conformando, a Autora pede revista concluindo:</font><br>
<br>
<font>- Os factos constitutivos do seu direito foram dados como provados: a concessão do crédito e a existência do seguro caução afecto ao mesmo;</font><br>
<br>
<font>- A tempestividade da reclamação do seguro de caução foi confessada pela recorrida;</font><br>
<br>
<font>- A própria utilização do crédito está provada e consta do facto assente na alínea k);</font><br>
<br>
<font>- Tratando-se de accionar um seguro caução, a responsabilidade da Ré mede-se pela da devedora principal, pelo que outro entendimento viola o disposto no Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio;</font><br>
<br>
<font>- Exigir que cumpra à recorrente a prova negativa dos factos extintivos do direito alegado pela recorrida viola as regras do nº2 do artigo 342º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Contra alegou a Ré para defender a manutenção do Acórdão da Relação de Lisboa.</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:</font><br>
<br>
<font>- A Autora, em finais de Fevereiro de 1990, aceitou conceder um crédito em conta corrente à sociedade "Empresa-C", no montante de 30 000 000$00 (trinta milhões de escudos) (alínea a));</font><br>
<br>
<font>- A sociedade "Empresa-C," celebrou com a Ré um contrato de seguro caução, titulado pela apólice nº 8803237/009, emitida em 26/2/90, com inicio a 26/2/90 e com termo em 25/02/91, nela figurando como beneficiária a Autora, e, como objecto de garantia "o bom cumprimento das obrigações emergentes com o movimento da conta caucionada e que se destina à exploração do objecto social da firma "Empresa-C," Como montante máximo garantindo o valor de 30 000 000$00, conforme apólice cuja cópia se encontra junta a fls. 12 e demais condições constantes do documento de fls. 51 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos (alínea b));</font><br>
<br>
<font>- Nos termos do artigo 2º, nº1, alínea c) das Condições Gerais da Apólice:"São expressamente excluídas das garantias concedidas por este contrato conivência ou conluio entre o segurado e o tomador do seguro ou entre este e quaisquer pessoas a quem o segurado tenha cometido a fiscalização dos factos ou actos cobertos por esta apólice e ainda os resultados de comprovada negligência do próprio segurado e/ou seus mandatários". - (alínea c));</font><br>
<br>
<font>- Nos termos do artigo 6º nº4 das CGA:"Se nas condições particulares for estipulado prazo certo para a duração do seguro, esse prazo não poderá ser prorrogado em caso algum e caducará às 24 horas da data termo fixada, independentemente de qualquer aviso." (alínea O));</font><br>
<br>
<font>- Nos termos do artigo 7º nº1, alíneas a) e b) das CGA: "São condições de nulidade do presente contrato as declarações inexactas ou as reticências de factos ou circunstâncias conhecidas pelo tomador do seguro e/ou segurado, que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, em conformidade com o disposto no artigo 429º do Código Comercial, sendo o segurado avisado do facto, pela seguradora. Se tiver havido má-fé, a seguradora terá direito ao prémio. A prática de actos e de omissões, por parte do segurado e/ou tomador do seguro, que conduzam ao agravamento do risco ou possam vir a prejudicar a recuperação do valor a que a seguradora tiver direito". (alínea e));</font><br>
<br>
<font>- Nos termos do artigo 10º nº5 das CGA: "Ocorrendo o direito à indemnização, o segurado tem o direito de ser devidamente indemnizado pela seguradora, no prazo de 45 dias, a contar da data de reclamação". (alínea f));</font><br>
<br>
<font>- As Condições Gerais da Apólice fazem parte integrante do contrato de seguro e acompanham, sempre, as condições particulares, que são entregues ao tomador do seguro e ao segurado ou beneficiário na data da celebração do contrato. (alínea g));</font><br>
<br>
<font>- A conta caucionada tinha o nº 1/000215/01.00 14 e foi aberta em nome da sociedade "Empresa-C" (alínea L-l));</font><br>
<br>
<font>- A Autora enviou à Ré uma carta datada de 25/02/91, que esta recebeu, do seguinte teor: "Após esta instituição ter efectuado todas as necessárias e possíveis diligencias no sentido da regularização do saldo a n/favor de 49 716 517$00 evidenciado na conta caucionada que é objecto da apólice em referência, somos forçados a solicitar que procedam de imediato ao cumprimento das responsabilidades inerentes ao seguro caução já referido de 30 000 000$00 cujo beneficiário é esta instituição (...)", conforme documento de fls.35, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea l));</font><br>
<br>
<font>- A Autora e a sociedade Empresa-C, em 05/06/92 celebraram um acordo de liquidação de divida, do qual faria necessariamente parte as quantias concedidas ao abrigo do contrato de abertura de crédito referido na alínea l), conforme documento de fls. 36 e 37, que aqui se dá por reproduzido. (alínea j));</font><br>
<br>
<font>- Nos termos do referido acordo, a Empresa-C, reconhece ser devedora da Autora pela importância de 39 764 440$00 (alínea k));</font><br>
<br>
<font>- Nos termos do acordo, para garantia das obrigações principais e acessórias emergentes do plano financeiro de amortizações a sociedade Empresa-C, entregou naquela data as seguintes garantias: 24 cheques emitidos pela sociedade Empresa-C, bem como 20 letras aceites pela Empresa-C, e avalizadas pelos seus sócios (alínea L));</font><br>
<br>
<font>- A Ré enviou à Autora uma carta datada de 15/06/92, que esta recebeu, do seguinte teor: "Temos presente carta da Empresa-C, de 92/06/09, através da qual tomamos conhecimento de que uma divida no valor de 65 865 531$50, terá sido negociada e acordado um novo valor, agora de 39 764 440$00. (...)</font><br>
<font>Face ao acima exposto e com vista à resolução do assunto, solicitamos que nos remetam carta compromisso com as seguintes informações:</font><br>
<br>
<font>1- Comprovativos do montante total das dividas da Empresa-C, e da Empresa-D. (extracto de conta respectivos); </font><br>
<font>2- Confirmação do acordo sobre redução de divida da Empresa-C, de 65 865 531$00 para 39 764 440$00; </font><br>
<font>3- Compromisso de libertação da apólice em que é beneficiária (ap. 8803237) contra o pagamento dos 39 764 440$00 pelo tomador do seguro.", conforme documento de fls.40 (alínea m));</font><br>
<br>
<font>- A sociedade Empresa-C, enviou à Autora a carta datada de 25/05/95, recebida por esta a 12/06/95, do seguinte teor: "Por dificuldades de tesouraria não nos tem sido possível cumprir o PLANO FINANCEIRO DA AMORTIZAÇÃO DA DIVIDA DE AA, assinado em 5 de Junho de 1992, pelo que devolvemos a V.Exas. todos os direitos relativos à apólice nº 8803237/009, da companhia de seguros Empresa-B, a fim de a mesma ser executada. Assim, com a entrega que fazemos de cheques no montante de 2 441 110$00, para pagamento da prestação de 31 de Agosto de 1992, ficará, após boa cobrança, a divida reduzida a 30 000 000$00, valor igual ao da apólice acima referida.", conforme documento de fls. 43 (alínea n));</font><br>
<br>
<font>- A Autora, mediante carta datada de 19/06/95, solicitou junto da Ré o pagamento da quantia titulada pela apólice conforme documento de fls. 44 e 45, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea o));</font><br>
<br>
<font>- À qual a Ré respondeu mediante carta datada de 29/06/95 e junta a fls. 47, que aqui se dá por integralmente reproduzida. (alínea p));</font><br>
<br>
<font>- Perante tal carta a Autora haveria de responder mediante a sua carta datada de 26/07/95 e cuja cópia se encontra junto a fls. 48 e 49, que aqui se dá por inteiramente reproduzida. (alínea q));</font><br>
<br>
<font>- A Ré envia à Autora uma carta datada de 02/10/95 do seguinte teor:" Na sequência da anterior correspondência trocada com V. Exas. acerca do assunto em referência cumpre-nos transmitir que, após apreciação da reclamação formulada, consideramos o crédito reclamado não coberto pela Apólice em causa. Assim, formalmente declinamos junto de V. Exas. qualquer responsabilidade pelo seu pagamento.", conforme documento de fls. 50. (alínea r));</font><br>
<br>
<font>- Recebida a carta referida de 25/2/91, a Ré interpelou imediatamente a sociedade Empresa-C, por carta de 27/2/91 do seguinte teor: "Acabámos de ser contactados pela Empresa-A, na sua qualidade de beneficiária da apólice em epigrafe, sobre o não cumprimento por parte de V. Exas. das obrigações emergentes da conta caucionada (objecto da garantia concedida pela referida apólice). Assim sendo e afim de que esta seguradora possa actuar em conformidade com as garantias da apólice, solicitamos que, com a maior urgência nos informem o que, sobre o assunto, entenderem por conveniente (...)", conforme documento de fls. 68 (alínea s));</font><br>
<br>
<font>- Por carta datada de 28/05/91, a sociedade Empresa-C, responde à Ré nos seguintes termos: " (...) A apólice em referência a favor da beneficiária Empresa-A, temos mais uma vez a comunicar a V. Exas. que a mesma nunca foi utilizada nem por conta D.O (depósitos à ordem) nem por exportações; nada chegou a ser concretizado, o que realmente lamentamos a beneficiária vir pedir o que não tem direito a receber da firma Empresa-C, ou Empresa-B", conforme documento de fls. 70 (alínea t));</font><br>
<br>
<font>- Paralelamente, a Ré escreveu em 20/03/91 uma carta à Autora, na pessoa do seu mandatário, Dr. BB, advogado, que antes a interpelara para pagar o valor da caução, onde lhe pedia o envio dos documentos originais que titulavam a divida relativa à apólice 8803237, </font><br>
<font>carta que foi confirmada pela carta dirigida ao mesmo causídico em 29/05/91 e onde se dava já conta da resposta da Empresa-C, conforme documentos de fls. 71 e 72, que aqui se dão por reproduzidos. (alínea u));</font><br>
<br>
<font>- Paralelamente à conta caucionada em nome da sociedade Empresa-C, uma conta à ordem em nome pessoal de AA, referida sociedade, para onde eram transferidas as verbas descontadas caucionada." (alínea v));</font><br>
<br>
<font>- Em 05/06/92 a Autora emitiu a declaração constante da fls. 73 que aqui se dá por integralmente reproduzida. (alínea w));</font><br>
<br>
<font>- A Autora envia à sociedade Empresa-C, uma carta datada de 05/06/92 do seguinte teor: "Relativamente à apólice nº 8803237/009, no valor de 30 000 000$00, destinada a caucionar a conta de depósitos à ordem que V. Exas. mantêm nesta instituição, informamos que, em virtude do acordo de pagamento hoje celebrado, desistimos da execução da mesma, pelo que a partir desta data devolvemos a V. Exas. todos os direitos relativos à citada apólice.", conforme documento de fls. 74. (alínea x)).</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo,</font><br>
<br>
<font>1- Seguro de créditos.</font><br>
<font>2- Ónus da prova.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Seguro de créditos.</font><br>
<br>
<font>Todo o devedor deve manter o seu património solvente em termos de os seus bens poderem garantir o cumprimento das suas obrigações.</font><br>
<br>
<font>Para além do património, existem garantias reais - que, aqui, irrelevam - e garantias pessoais (fiança, aval e mandato de crédito) sempre acessórias da obrigação principal.</font><br>
<br>
<font>A liberdade contratual introduziu figuras negociadas de garantias pessoais autónomas, em relação à obrigação garantida "na medida em que, através dela, o garante assegura ao credor determinado resultado, assumindo o risco da não verificação do mesmo, qualquer que seja em principio a sua causa." (Prof. Pinto Monteiro, in "Cláusula Pessoal e Indemnização", 1990, 265).</font><br>
<br>
<font>A disciplina do seguro de risco de crédito consta do Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio, com as alterações do DL nº 127/91, de 12 de Março, DL nº 29/96, de 11 de Abril, DL nº 102/94 (artigo 114º nº5) de 20 de Abril e DL nº 214/99, de 15 de Junho.</font><br>
<font>(Ponderando a data do contrato de seguro, cuja apólice foi junta, o primeiro diploma é o, aqui, aplicável.)</font><br>
<br>
<font>O contrato de seguro de crédito rege-se, aqui, pelo citado DL nº 183/88, e subsidiariamente, pelas normas, não incompatíveis, dos seguros em geral, designadamente as constantes no Código Comercial e as estipulações da apólice não ilegais (artigo 427º do Código Comercial).</font><br>
<br>
<font>O seguro de riscos de crédito é o "genus" que tem como espécies o seguro caução - directo ou indirecto - o seguro fiança e o seguro aval (artigo 1º nºs 1 e 4), estes seguros de "crédito" em sentido estrito.</font><br>
<br>
<font>E, enquanto o seguro de crédito é celebrado com o credor da obrigação segura, o seguro caução é celebrado com o devedor (ou seu contragarante) a favor do respectivo credor.</font><br>
<br>
<font>É um dos casos em que, segundo o Prof. Almeida Costa, o contrato de seguro assume "a feição típica de um contrato a favor de terceiro" (RLJ 119º, 121).</font><br>
<br>
<font>De facto, atribui um benefício a um terceiro a ele estranho "que adquire um direito próprio a essa vantagem". (Prof. Leite de Campos, in "Contrato a favor de terceiro", 1980, 13), direito nominado e de natureza obrigacional.</font><br>
<br>
<font>No seguro caução directo coexistem três relações contratuais: uma entre o promissário (tomador do seguro) e o promitente (seguradora) - relação de cobertura ou de provisão; a segunda entre o promitente (seguradora) e o terceiro (credor beneficiário), que se traduz no direito de crédito deste em relação àquele - relação de prestação; finalmente entre o tomador do seguro (devedor) e o beneficiário (credor) - relação de voluta.</font><br>
<br>
<font>O seguro caução cobre "o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval" (artigo 6º nº1 do Decreto-Lei nº 183/88).</font><br>
<br>
<font>O sinistro consiste, em consequência, na frustração da expectativa de pagamento.</font><br>
<br>
<font>A natureza de cripto fiança (ou fidejussória) parece, numa primeira análise, atribuir-lhe natureza acessória - artigos 641º, 644º do Código Civil e 441º do Código Comercial; Prof. Galvão da Silva, RLJ 132º-382 e Prof. Menezes Cordeiro, in "Manual de Direito Bancário", 1998, 611.</font><br>
<br>
<font>Mas podendo a seguradora, com inteira autonomia, clausular na apólice condições de eficácia do seguro e de estabelecer prazos constitutivos de sinistro (nº 2 do artigo 8º, DL 183/88) é patente a sua autonomia. (cf., neste sentido, os Acórdãos do STJ de 16 de Dezembro de 1999 - 99 A883 - e de 20 de Janeiro de 2000 - 99 B777,onde se escreve: "O seguro caução é, na verdade, uma garantia autónoma, permitida pelo principio da liberdade contratual, que não está condicionada pelo destino da obrigação garantida.").</font><br>
<br>
<font>O garante pode opor ao beneficiário as excepções respeitantes a relação principal se não for clausulado o pagamento à primeira interpelação ou solicitação ("at first demand" ou "auf erstes Anfordern").</font><br>
<br>
<font>Os Profs. Almeida Costa e Pinto Monteiro (apud "O contrato de garantia à primeira solicitação" - Parecer na CJ, XI, V, 15 ss) referem que: "enquanto a fiança é prejudicada na sua eficácia, pela característica da acessoriedade, o contrato de garantia, em virtude da autonomia que, por definição o individualiza, torna inoponíveis ao beneficiário as excepções fundadas na relação principal."</font><br>
<br>
<font>Na mesma linha, escreve o Prof. Ferrer Correia (in "Notas para o estudo do contrato de garantia bancária", RDE, 1982, Separata, 247) que uma certa autonomia em relação à obrigação constitui o "traço específico" da diferença entre "garantia" e "fiança".</font><br>
<br>
<font>Só que a referida inoponibilidade absoluta das excepções ao beneficiário, decorrentes da relação principal, só acontece tratando-se de garantia de pagamento à primeira solicitação. Apenas neste caso vale o principio "paga-se primeiro e discute-se depois" (Profs. A. Costa e P. Monteiro, ob. cit., 19).</font><br>
<br>
<font>Não sendo garantia automática ("guarantee upon first demand", "garantie à premiére demande", "garantievertrag") - que o Prof. Galvão Telles considera ter como pressuposto o promitente não "poder invocar em seu beneficio quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato" - (apud "Garantia Bancária Autónoma", "O Direito", 120, III-IV, 283) - mas autónoma simples, ou de boa execução, a seguradora pode exigir ao beneficiário a demonstração de estarem verificados os pressupostos que condicionaram a assunção da sua responsabilidade.</font><br>
<br>
<font>Feita esta breve exegese, e considerando a matéria de facto assente e o teor da apólice, é certo tratar-se de seguro-caução, na modalidade directa, e apresentando-se como garantia autónoma simples, de boa execução.</font><br>
<br>
<font>Isto porque as garantias acessórias- não autónomas- como acontece com a fiança, revelam uma íntima relação entre a obrigação principal e o pacto de garantia, sendo que todos os vícios daquela se comunicam a este, o que permite ao garante por ao beneficiário todas as excepções que lhe poderiam ser opostas enquanto devedor (cfr os artigos 632º, 637º e 652º do Código Civil, quanto à fiança).</font><br>
<br>
<font>Já as garantias pessoais autónomas, á primeira solicitação, implicam a obrigação de o garante pagar logo que solicitado pelo beneficiário, sem que possa invocar qualquer excepção baseada na relação fundamental.</font><br>
<br>
<font>O "tertium genus"- garantias pessoais simples- não se basta com a mera solicitação do pagamento, antes podendo o garante exigir ao beneficiário que comprove estarem verificadas certas condições pré estabelecidas no contrato de garantia.</font><br>
<font>É uma figura com elementos das garantias pessoais acessórias, mas muito próxima das garantias autónomas, sendo de buscar a sua caracterização ao clausulado na apólice.</font><br>
<br>
<font>"In casu",e como acima se disse, as cláusulas referidas convencem tratar-se de garantia autónoma simples de boa execução. </font><br>
<br>
<font>A esta conclusão chegaram, embora sem especificarem a subespécie, as instâncias, pelo que a qualificação jurídica é incensurável. </font><br>
<br>
<font>2- Ónus da prova.</font><br>
<br>
<font>De acordo com as condições gerais da apólice, a "conivência ou conluio entre o segurado e o tomador do seguro ou entre este e quaisquer pessoas a quem o segurado tenha cometido a fiscalização dos factos", a negligência do segurado e (ou) seus mandatários, "as declarações inexactas ou as reticências de factos ou circunstâncias conhecidas pelo tomador e (ou) segurado", a prática de actos que conduzam ao agravamento do risco, excluem as garantias do seguro ou originam a nulidade do contrato (CGA - artigo 2º, nº1, c) e artigo 7º, nº1, a) e b)).</font><br>
<br>
<font>A Ré, embora não tenha posto em causa a concessão do crédito, questionou a sua utilização pela "Empresa-C" e invocou situações de conluio e promiscuidades no relacionamento comercial.</font><br>
<br>
<font>A 1ª Instância referiu que a Autora não logrou provar factos essenciais (pontos 1 a 6 da B.I.) por entender ser seu o ónus da prova.</font><br>
<br>
<font>A Relação concluiu no mesmo sentido dizendo caber à Autora provar "o facto constitutivo do seu direito, traduzido em ter entregue os montantes acordados pelo contrato de crédito em conta corrente e a efectiva utilização destes pela "Empresa-C", para os fins de exploração do seu objecto social", sendo certo que alegou tais factos por os entender constitutivos do seu direito.</font><br>
<br>
<font>Como regra, os contratos de seguro caução contêm aquele tipo de cláusulas, excluindo da garantia a recusa do tomador do seguro de cumprir as suas obrigações, o incumprimento por factos imputáveis ao beneficiário, por conivência ou conluio entre o beneficiário e o tomador ou resultante da própria negligência do beneficiário.</font><br>
<br>
<font>O direito de indemnização pela seguradora depende da prévia verificação de recusa de pagamento pelo tomador do seguro.</font><br>
<br>
<font>A Autora alegou esses factos nos artigos 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, e 11º da petição inicial, sendo que os mesmos deram origem aos quesitos 1º a 6º da base instrutória.</font><br>
<font>Aí perguntou-se:</font><br>
<font>1. No desenvolvimento do seu objecto social, a sociedade Empresa-C. Foi movimentando a conta referida na al. H), traduzindo-se tais movimentos, em resultado das instruções dadas por aquela sociedade, nas seguintes operações bancárias: (segue-se a seriação das várias autorizações de débito)?</font><br>
<font>2. Em resultado dos descritos movimentos a conta caucionada apresentava no dia 11/06/96 o saldo de Esc. 0$00, considerando que a quantia garantida pela apólice havia sido lançada a crédito?</font><br>
<font>3. Sobre os montantes levados a débito,na conta caucionada, eram devidos trimestralmente, juros à taxa de 26%?</font><br>
<font>4. O pagamento dos referidos juros era efectuado por débito na conta DO nº 1/000109/01.0014, a qual, a sociedade Empresa-C. Se comprometeu a ter suficientemente provida para o efeito?</font><br>
<font>5. Em caso de incumprimento por parte da sociedade Empresa-C, qualquer das obrigações assumidas por esta no contrato de abertura de crédito em conta corrente, poderia a A. Considerar imediatamente vencido e exigível o saldo devedor da conta caucionada?</font><br>
<font>6. A 20/06/90, a conta 1/000109/01.0014 não apresentava saldo suficiente para pagamento dos juros, pelo que o saldo devedor da conta caucionada, que à data totalizava a quantia de Esc. 30.000.000$00, encontrava-se vencido? </font><br>
<font>Estes quesitos, tal como os que integrariam a matéria do conluio alegada pela Ré, foram dados por"não provados" (fls.182).</font><br>
<br>
<font>Vê-se assim que a Autora nem sequer logrou provar o vencimento do crédito que concedeu à tomadora do seguro e o seu não pagamento por aquela.</font><br>
<font>São estes factos constitutivos do direito da beneficiária, cujo "ónus probandi" lhe cumpre, "ex vi" do nº1 do artigo 342º do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Pretende agora que o assente na alínea K) bastaria para provar a utilização do crédito pela Empresa-C.</font><br>
<br>
<font>Mas sem razão.</font><br>
<br>
<font>É que, por um lado, a declaração da Empresa-C, não pode valer como declaração confessória já que esta não é parte na acção; por outro lado sempre aquele documento foi impugnado pela Ré aplicando-se, em consequência, a regra do nº2 do artigo 374 do Código Civil.</font><br>
<br>
<font>Note-se, aliás, que a Empresa-C fez duas declarações contraditórias sobre a utilização do crédito, consoante se dirigia à Autora ou à Ré (cfr. Alíneas N) e T).</font><br>
<br>
<font>Já a demonstração da existência de conivência ou conluio entre o beneficiário e o tomador ou entre este e terceiros, as declarações inexactas, reticências de factos ou circunstâncias ou actos e omissões que conduzam ao agravamento do risco, devem ser alegadas e provadas pela seguradora, de acordo com o nº 2 do artigo 342º,o que também não logrou.</font><br>
<br>
<font>Em caso de dúvida, os factos serão considerados como constitutivos, (e assim sendo, "actore non probante, réus est absolvendus") embora este princípio deva ser ponderado casuisticamente pelo julgador na consideração de cada facto a provar e no seu cotejo com o direito peticionado.</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados, e como acima se disse, topamos com as respostas negativas ao perguntado na base instrutória sobre a verificação do saldo negativo na conta caucionada e a utilização de montantes no objecto social da tomadora.</font><br>
<br>
<font>Depara-se, apenas, com o facto da alínea k) dos factos assentes onde se diz que, nos termos do acordo entre a Autora e a "Empresa-C" (contrato de abertura de crédito) esta "reconhece ser devedora da Autora pela importância de 39 764 440$00", mas irrelevando mas não se trata de declaração confessória bastante para prova plena, tendo sido, ainda assim,o documento impugnado pela Ré.</font><br>
<br>
<font>A Autora não só não logrou a prova deste facto (incluído na B.I.) como a própria "Empresa-C" - que se pretende ser credível no primeiro facto (alínea k)) referiu à seguradora precisamente o contrário (alínea t)).</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) O contrato de seguro de crédito rege-se pelo Decreto-Lei nº 183/88 (com as alterações do DL nº 127/91, DL nº 29/96, DL nº 102/94 (artigo 114º nº5) e DL nº 214/99 e, subsidiariamente, pelas normas não incompatíveis dos seguros em geral e estipulações da apólice não ilegais.</font><br>
<font>b) O seguro de riscos de crédito é o "genus", que tem como espécies o seguro caução directo, o seguro caução indirecto, o seguro fiança e o seguro aval.</font><br>
<font>c) No âmbito do seguro caução directo há que atentar na relação de cobertura, ou de provisão, na relação de prestação e na relação de valuta .</font><br>
<br>
<font>d) O seguro caução directo é uma garantia autónoma que pode ser simples ou automática. Neste caso ("guarantee upon first demand") são inoponíveis ao beneficiário pela seguradora as excepções fundadas na relação principal.</font><br>
<font>e) De acordo com o clausulado na apólice, cumpre ao beneficiário alegar e provar a recusa de pagamento pelo tomador do seguro. A existência de conluios, conivências, declarações inexactas e omissões conducentes ao agravamento do risco devem ser provadas pela seguradora.</font><br>
<br>
<font>Perante o exposto, acordam negar a revista.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 27 de Junho de 2006</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho (Com a declaração, embora irrelevante por o objecto do recurso, que não acompanho a justificação do seguro-caução como uma garantia autónoma ou modalidade deste figura jurídica.)</font></font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
wDLnu4YBgYBz1XKvKVMT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"A, Lda." apresentou recurso judicial da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que recusou o registo de marca nacional nº 232.424, "JOANITA", para assinalar "licor de café", com fundamento na existência de anterior registo da marca nacional nº 163.462, "TIJUANA", destinada a assinalar "licores", detida pela sociedade "D, SA", sendo que a 1ª instância revogou o despacho recorrido e concedeu o registo da mencionada marca nacional nº 232.424 "JOANITA".</font><br>
<font>Inconformada, "D, SA" interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde foi proferido acórdão, que confirmou a sentença da 1ª instância.</font><br>
<font>Foram dados como provados pela 1ª instância os factos seguintes:</font><br>
<font>1. A recorrente requereu, em 14.11.1985, o registo da marca nacional "JOANITA" para assinalar "licor de café".</font><br>
<font>2. Tal pretensão veio a ser recusada pelo despacho ora recorrido com data de 3.4.1996, publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº 4-1996 de 31.7.1996, constante de fls. 11 e 12.</font><br>
<font>3. A recusa do registo baseou-se na existência anterior do registo da marca nº 163.462 "TIJUANA", como se depreende de fls. 11 e 12.</font><br>
<font>4. A marca nacional nº 163.462 "TIJUANA" caracteriza-se pela expressão "TIJUANA" e destina-se a assinalar "licores", como se vê de fls. 13.</font><br>
<font>5. Contra o pedido de registo da marca nacional nº 232.424 "JOANITA", foi apresentada reclamação em nome de "D, SA" , com fundamento em ser titular das marcas nacionais nºs 163.462 e 176.637.</font><br>
<font>6. O Exmº Técnico da Divisão de Marcas Nacionais do Instituto Nacional da Propriedade Industrial considerou que a marca nº 232.424 "JOANITA" "compreende um risco de associação, por parte do consumidor, com a marca anteriormente registada", segundo resulta de fls. 14.</font><br>
<font>Perante esta factualidade o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o acórdão acima mencionado, que nos não merece qualquer censura, e se passa parcialmente a transcrever, justamente na parte que importa:</font><br>
<font>"A fundamentação do despacho proferido, em 96/04/03, na Divisão de Marcas do INPI assenta nos seguintes argumentos: "... Ambas (as marcas) se destinam a assinalar produtos idênticos ou manifestamente afins ... (e) a marca registanda compreende um risco de associação, por parte do consumidor, com a marca anteriormente registada ... (a qual) tem prioridade" (fls. 14 dos autos - sic)</font><br>
<font>Por sua vez, o Meritíssimo Juiz a quo entende que "...as numas em confronto ... (constituem) dois diminutivos onomásticos ... (e nenhuma) afinidade patenteiam a não ser a sua categoria abstracta adentro do SISTEMA LINGUÍSTICO. São bem diferentes na sua estrutura. Não são fónica, gráfica e semanticamente próximos ... Uma e outra - "TIJUANA" e "JOANITA" - assumem DISTINTIVIDADE, permitindo a LEAL CONCORRÊNCIA, sem induzir em erro o consumidor, ultima "ratio" Instituto da PROPRIEDADE INDUSTRIAL" (fls. 52 vº e 53).</font><br>
<font>E tem razão.</font><br>
<font>Na verdade e ao contrário do alegado pela apelante, na marca registanda não existe qualquer tronco comum, nomeadamente porque o conjunto de letras que a compõem não forma a palavra JOANA mas apenas JOAN e nem sequer JUAN ou JUANA, facto que não é irrelevante, assumindo, ao invés, uma assinalável importância na decisão do pleito.</font><br>
<font>De facto, para os falantes de português, a palavra escrita JOANITA não tem qualquer traço comum sequer com JOANA, muito menos com a sua correspondente em castelhano ou espanhol - ou ainda com o masculino desta última (JUAN).</font><br>
<font>E em termos fonéticos, até em portunhol, passe a expressão (sendo certo que o pouco rigor científico da palavra é compensado pelo amplo reconhecimento do seu significado ideológico junto de todos os membros da comunidade nacional portuguesa - e até das comunidades do Reino de Espanha), as diferenças são abissais, tendo em conta a pronúncia da letra J nas duas línguas (português e castelhano). Metaforicamente ou não, as conclusões são, incontornavelmente, as mesmas.</font><br>
<font>Acresce que, constitui apenas um intenso e inventivo esforço intelectual (mas não algo de assente em qualquer concreta realidade material ou em razões expostas pelos linguistas) argumentar que, neste caso ou em qualquer outro, ITA constitua uma inversão de TI; pois nem sequer o número de letras é o mesmo!!</font><br>
<font>Finalmente, a sonoridade essencial - a acentuação - da palavra "JOANITA" é encontrada em JO e em "TIJUANA" em TI, o que confirma a radical dissemelhança entre essas duas expressões.</font><br>
<font>Em conclusão, nem o mais distraído dos consumidores, em Portugal ou no Estrangeiro, conseguirá confundir "JOANITA" com "TIJUANA", sendo, por isso, irrelevante que as duas marcas se destinem, como se destinam, a proteger produtos da mesma classe (33ª - licores).</font><br>
<font>São, portanto, improcedentes as conclusões a) a p), s) e t) das alegações de recurso apresentadas pela apelante "D, SA", não merecendo a sentença recorrida qualquer censura, havendo, pelo contrário, motivos para aqui a sufragar e manter...".</font><br>
<font>Continuando inconformada, vieram as "D, SA" interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que concluiu pela forma seguinte:</font><br>
<font>a) Penitencia-se a apelante do erro de escrita quanto à marca "JOANITA" que foi objecto de censura; </font><br>
<font>b) A Marca "TIJUANA" goza de prioridade registral;</font><br>
<font>c) As marcas "JOANITA" e "TIJUANA" são destinadas a iguais produtos;</font><br>
<font>d) A marca "TIJUANA" é uma marca notória (fls. 53 dos autos);</font><br>
<font>e) As marcas "JOANITA" e "TIJUANA" são gráfica e foneticamente distintas como também vem assente;</font><br>
<font>f) O fim superior das leis da Propriedade Industrial é o de garantir a lealdade da concorrência;</font><br>
<font>g) Vem assente pela doutrina e jurisprudência que a concorrência desleal constitui instituto autónomo independentemente de existir ou não imitação de marca;</font><br>
<font>h) Tal autonomia está consagrada na alª d) do art. 25º do Código da Propriedade Industrial;</font><br>
<font>i) Quanto à concorrência desleal fundamenta-se em douta sentença:</font><br>
<font>"Para tal não é necessário que do acto da concorrência resulte um efectivo desvio de clientela, sendo suficiente o potencialidade para atingir tal objectivo"</font><br>
<font>(Sentença do 3º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa de 02.02.2002 (BPI Nº 4/01 - pgs. 1600)</font><br>
<font>j) O risco de concorrência desleal que as marcas "TIJUANA" e "JOANITA" que competem no mesmo mercado pela associação dos produtos iguais têm a virtualidade do desvio de clientela;</font><br>
<font>k) Como escreve Dr. Carlos Olavo (Propriedade Industrial 1997 - pgs. 59):</font><br>
<font>"O público não deixará assim de atribuir o mesmo origem de produtos iguais ou afim habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos".</font><br>
<font>l) É manifesto que na mente do público se gere confusão pelo risco de associação;</font><br>
<font>m) Sendo "TIJUANA" e "JOANITA" diminutivos onomásticos como vem assente, ou sejam nomes de índole familiar e de parentesco envolvem um conteúdo ideológico traduzindo uma semelhança que se afasta da semelhança gráfica e fonética;</font><br>
<font>n) A semelhança ideológica pode conter-se assim na directiva sobre direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o comércio sob os auspícios da "GATT" publicado pelo Decreto Presidencial Nº 82-B/94 de 27.12 - D.R. 1-A, nº 298/94 que estabelece:</font><br>
<font>"O titular duma marca registada disporá do direito exclusivo de impedir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento utilize no âmbito de operações comerciais sinais idênticos ou semelhantes àqueles relativamente aos quais a marca foi registado caso essa utilização posso dor lugar a confusão".</font><br>
<font>o) Tal permite afirmar que existe uma identidade de conteúdo ideológico e consequentemente mais um elemento de eventual confusão - conteúdo que o âmbito generalizado do adjectivo "semelhantes" faz caber.</font><br>
<font>p) A marca "TIJUANA" para licores é titulada desde 1972 está em vigor por uso pacífico e continuo há mais de trinta anos. </font><br>
<font>q) A propósito de notoriedade diz Dr. Carlos Olavo:</font><br>
<font>"Marca notória é marca que adquiriu total nome, digo, um tal nome que se tornou geralmente conhecido por todos aqueles produtores, comerciantes ou eventuais consumidores que estão em contacto com o produto e como tal reconhecido.</font><br>
<font>A notoriedade agrava o risco de confusão uma vez que uma marca notória deixa na memória do público uma lembrança certa persistente"</font><br>
<font>r) Relativamente à notoriedade como adjuvante do risco de associação pede-se vénia para transcrever certo passo de um mui lúcido acórdão deste Supremo Tribunal no seguintes termos:</font><br>
<font>"Cremos, assim, que em 1994 a directiva na parte em que dizia que a possibilidade de associação era motivo de recusa do registo, era vinculativa na ordem jurídica portuguesa.</font><br>
<font>Como dissemos, os duas marcas não eram susceptíveis de confusão, no sentido de que um consumidor médio, sem necessidade de exame atento dos marcas, os podia distinguir. O consumidor médio perante os produtos marcados com as ditas marcas facilmente se apercebia que eram de origem diferente.</font><br>
<font>Poderemos dizer que, apesar das diferenças, há o risco de o consumidor médio se decidir pela marca recorrida por pensar que a recorrente tinha uma qualquer ligação à recorrida, em termos de lhe assegurar que os produtos marcados tinham os atributos que o fizeram optar pelo marca recorrente.</font><br>
<font>Este risco é tanto maior quanto maior for o prestigio do marca prioritariamente registada"</font><br>
<font>(Proc. Nº 1250/01-6ª secção Cível de 2001-10-04).</font><br>
<font>s) A notoriedade que goza a marca "C" conduz-nos a não se poder considerar casual a escolha do nome "JOANITA" cujos produtos concorrem directamente com a marca "TIJUANA";</font><br>
<font>t) A proliferação de sinais próximos redundam numa maior dificuldade por parte do consumidor em separá--los e identificá-los quanto à origem;</font><br>
<font>u) Tudo quanto vem exposto avaliza de modo muito singular a licitude do douto despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial ao recusar o registo da marca "JOANITA" Nº 232424;</font><br>
<font>v) Para o consumidor é inequívoca a susceptibilidade de associação entre as marcas da qual pode resultar um dano e possível desvio de clientela para o titular da marca "TIJUANA".</font><br>
<font>w) O douto acórdão recorrido violou as disposições dos artºs 25º, Nº 1, al. d), art. 190º, art. 193º, al. c) na parte em que a marca registanda compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada e art. 260º, al. a), todos do Código da Propriedade Industrial.</font><br>
<font>Foram apresentadas contra-alegações, onde se defendeu a bondade e manutenção do Julgado.</font><br>
<font>Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.</font><br>
<font>Decidindo:</font><br>
<font>Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).</font><br>
<font>Tal como supra já se deixou dito, pese embora as bem elaboradas alegações de recurso que se acabaram de transcrever e que evidenciam a discordância da recorrente, o acórdão recorrido não nos merece qualquer censura.</font><br>
<font>Teceremos, no entanto, algumas considerações sobre a questão de fundo, tentando, por essa forma, um melhor convencimento da recorrente.</font><br>
<font>É consabido que a marca constitui um sinal distintivo do comércio que tem por função distinguir produtos ou serviços de um comerciante, em relação aos demais (1).</font><br>
<font>Prescreve o artigo 165º nº 1 do Código da Propriedade Industrial que "a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto, ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas".</font><br>
<font>Decorre deste preceito que é possível fazer uma distinção entre marcas nominativas, figurativas ou mistas, simples ou complexas (2).</font><br>
<font>Importante se torna que precisemos que, tendo em vista a protecção do direito à marca, o que verdadeiramente está em causa, não será propriamente a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas antes a que possa ocorrer entre sinais distintivos. Ou seja haverá risco de erro ou confusão sempre que a semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro.</font><br>
<font>Como ensina Ferrer Correia "a imitação de uma marca por outra existirá quando, postas em confronto, elas se confundam. Mas existirá ainda quando, tendo em vista a marca a constituir, se deva concluir que é susceptível de ser tomada por outra de que se tenha conhecimento" (3).</font><br>
<font>Em termos de composição das marcas, é consabido que vigora o denominado princípio da liberdade ainda que limitado.</font><br>
<font>E limitado por duas ordens de razões: </font><br>
<font>a) uma respeitante aos sinais em si mesmo considerados e à susceptibilidade que tenham de constituir uma marca (limites intrínsecos); </font><br>
<font>b) outra, diz respeito aos sinais confrontados com situações anteriores, caso de existência de marcas anteriormente registadas para produtos ou serviços afins (limites extrínsecos).</font><br>
<font>Quanto a este último aspecto, relativamente à existência de direitos anteriores, prescreve o artigo 189º nº 1, alínea m) do Código da Propriedade Industrial que a marca não pode conter, em todos ou alguns dos seus elementos, "reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor".</font><br>
<font>De igual modo o artigo 193º nº 1 do mesmo diploma determina que "a marca registada se considera imitada ou usurpada , no todo ou em parte, por outra quando, cumulativamente: </font><br>
<font>(a) A marca registada tiver prioridade; </font><br>
<font>(b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta; </font><br>
<font>(c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda o risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto".</font><br>
<font>Tal constitui, indubitavelmente, a consagração expressa dos chamados princípios da novidade e especialidade da marca, seja, para excluir a novidade da marca exige-se que os sinais em confronto sejam idênticos ou por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão o consumidor médio (4) mas também que se reportem aos mesmos (ou a semelhantes) produtos ou serviços.</font><br>
<font>Mas mais.</font><br>
<font>Na aferição da novidade, importa não esquecer que a comparação que define a semelhança se verifica entre um sinal e a memória que o consumidor possa ter de outro.</font><br>
<font>Com efeito:</font><br>
<font>"O consumidor quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro, que já conhecia, não tem à vista (em regra) as duas marcas, para fazer delas um exame comparativo. Compra o produto por se ter convencido, pela marca que o assinala, que é aquele que retinha na memória" (5).</font><br>
<font>Por assim ser, "é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas", já que "o que importa ter em conta é a impressão global, de conjunto, própria do público consumidor, que, desvalorizando pormenores, se concentra nos elementos fundamentais dotados de maior eficácia distintiva (6).</font><br>
<font>Ou seja:</font><br>
<font>"A imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca, e não pelas diferenças que poderiam resultar dos diversos pormenores considerados isolados e separadamente" (7).</font><br>
<font>Daí que, como refere Carlos Olavo, ob. citada, 52, quanto às marcas nominativas a semelhança fonética adquira particular importância, pois os fonemas são retidos pela memória mais rapidamente que a grafia (8).</font><br>
<font>Outro aspecto que assume significativa relevância prende-se com a força distintiva dos sinais em causa, uma vez que os sinais fortes tendem a perdurar especialmente na memória do consumidor.</font><br>
<font>In casu, a recorrente é proprietária da marca "TIJUANA", adquirida através de registo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.</font><br>
<font>Como é sabido e face ao prescrito no artigo 207º do Código da Propriedade Industrial, vigora entre nós o sistema do registo constitutivo, em que o direito apenas existe se estiver registado a favor do respectivo titular (9).</font><br>
<font>Todavia, se o registo é condição necessária para que exista o direito à marca, não é condição suficiente, porquanto o registo da marca implica mera presunção jurídica de novidade ou distinção de outra anteriormente registada (cfr. artigo 204º do Código da Propriedade Industrial).</font><br>
<font>Vejamos, então, no caso em apreciação, se procedem as razões da recorrente.</font><br>
<font>Como vimos, nos termos do artigo 193º do Código da Propriedade Industrial, são três os requisitos da imitação:</font><br>
<font>1º A prioridade da marca "imitada"</font><br>
<font>2º A identidade ou a afinidade manifesta dos produtos ou serviços;</font><br>
<font>3º A semelhança gráfica, figurativa ou fonética da marca posterior que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor, ou crie um risco de associação entre as marcas.</font><br>
<font>Em face do registo, a marca da recorrente é prioritária, no seu confronto com a marca registanda, (provem de 1972).</font><br>
<font>Para a apreciação do segundo requisito, relativo à afinidade dos produtos importa ter presente que o que se tem em vista não é encontrar a afinidade entre os produtos, considerados isoladamente, mas antes, encontrar a afinidade entre produtos no âmbito do direito de marcas, isto é, não desligados da finalidade essencial da marca, que é a finalidade distintiva (10).</font><br>
<font>Ora, sabe-se que os produtos em causa têm idêntica natureza, de licores se trata em ambos os casos (classe 33ª), assim satisfazendo o mesmo tipo de necessidades, desse modo percorrendo os mesmos circuitos de comercialização, sendo que se destinam ao mesmo grupo de utilizadores.</font><br>
<font>Assim sendo, dever-se-á concluir pela verificação de afinidade entre eles, na medida em que, eventualmente, se poderá dar o caso de indução em erro ou confusão por parte do consumidor.</font><br>
<font>Porém, como se deixou dito, para que haja imitação ou usurpação de marca, nos termos do citado artigo 193º nº 1, necessário se torna que, cumulativamente, sejam preenchidos os indicados três elementos ou requisitos (correspondentes às três alíneas do preceito).</font><br>
<font>Porém, o terceiro não se verifica.</font><br>
<font>Confrontando as respectivas marcas constata-se que se trata de marcas nominativas simples, isto é, compostas por um único elemento e integrando apenas sinais nominativos ("TIJUANA" e "JOANITA").</font><br>
<font>A este respeito, cremos poder dizer que inexiste o mais pequeno risco de confusão entre as duas marcas.</font><br>
<font>Efectivamente não se detecta qualquer semelhança gráfica, fonética ou semântica entre ambas, uma vez que elas são bem distintas.</font><br>
<font>As duas primeiras sílabas "TI" e "JO" têm uma radical dissemelhança, sendo que a fonoridade que delas emana é claramente distinta. Por outro lado, ao contrário do que é defendido nas alegações da recorrente (cfr. al. m)) não constituem ambas um diminutivo.</font><br>
<font>Pelo contrário. Se "JOANITA" poderá assim ser entendido, o mesmo se não passa com "TIJUANA" que não é senão o resultado da contracção de duas palavras distintas, seja, "Tia" e ("JOANA", no caso, até "JUANA").</font><br>
<font>E, enquanto "JOANITA" dá ideia de jovialidade, "C", antes dará de antiguidade, já com certa cariz de expressão popular.</font><br>
<font>Remetendo ainda para os fundamentos do acórdão recorrido, concluímos que o terceiro dos enumerados requisitos se não encontra preenchido.</font><br>
<font>Por outro lado, a marca "TIJUANA", é bastante antiga, encontrando-se já, de tal forma implantada e divulgada no público consumidor, sendo notoriamente conhecida, designadamente com referência aos licores que se destina a proteger, que é insusceptível de ser confundida com a marca objecto do presente recurso. </font><br>
<font>Aflora ainda a recorrente a possibilidade de haver concorrência desleal.</font><br>
<font>Assim não o entendemos.</font><br>
<font>Como questão prévia referiremos que constitui hoje entendimento, doutrinal e jurisprudencialmente pacífico, considerar-se o instituto da concorrência desleal como um instituto autónomo, tanto quanto é certo ter a protecção contra os actos de concorrência desleal, entre nós, um tratamento jurídico distinto da protecção dispensada aos direitos privativos da propriedade industrial (11), sem prejuízo de existirem claros pontos de encontro entre o direito industrial e a concorrência desleal (12).</font><br>
<font>A regulamentação do funcionamento do mercado concretiza-se, de um lado, na atribuição de um certo conjunto de direitos (os direitos privativos de propriedade industrial), que se traduzem na possibilidade de utilização exclusiva de bens imateriais - a marca, o modelo, o nome ou insígnia -, que o Código da Propriedade Industrial reconhece e tutela, e de outro, na fixação de uma série de deveres destinados a assegurar a lealdade da concorrência, que, quando violados, dão lugar à denominada concorrência desleal.</font><br>
<font>Sintetizando, diremos serem realidades distintas, a defesa dos vários sinais distintivos do comércio, que constitui uma protecção específica, mas limitada às violações da exclusividade do uso daqueles sinais, conferida ao respectivo titular, e a proibição da concorrência desleal, que por ser dotada de uma maior amplitude, desempenha uma função de protecção complementar daquela (13), e cujas normas têm por escopo a tutela da empresa do industrial ou do comerciante (14), ou se preferirmos, da actividade empresarial, que se traduz no exercício da empresa (15).</font><br>
<font>Em última análise, a concorrência desleal é um "um acto exterior ao exercício da empresa, tendente a outorgar uma posição de vantagem no mercado" (16), contrário às normas e usos honestos, de qualquer ramo de actividade económica, ou seja, aquele acto assume a natureza de desleal quando seja dotado de virtualidades que lhe permitam operar uma subtracção, efectiva ou potencial, da clientela de outra pessoa, podendo definir-se a concorrência desleal como o acto ou omissão, não conforme aos princípios da honestidade, susceptível de causar prejuízo à empresa de um concorrente, pela usurpação total ou parcial da sua clientela (17) (18).</font><br>
<font>Ora, plasmando este instituto na nossa lei, preceitua o artigo 260º do Código da Propriedade Industrial que " quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrária às normas ou usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente: a) os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado...".</font><br>
<font>E mais; estatui o nº 1, al. d) do artigo 25º do mesmo diploma que é fundamento de recusa do registo da marca o reconhecimento de que o requerente pretenda fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível independentemente da sua intenção - art. 25º, nº 1, al. d), do CPI.</font><br>
<font>Tem-se, pois, em vista o tipo de actuação que provoca, ou pode provocar, no espírito do público consumidor a confusão com outro empresário, seu estabelecimento, produtos, serviços ou crédito - confusão aferida pelo critério da reacção normal do consumidor médio a que a concorrência se dirige (19).</font><br>
<font>Ademais, o conceito de concorrência desleal supõe, fundamentalmente, a oferta de idênticos bens ou serviços no mesmo mercado e que tal acto tenha virtualidades, ou potencialidades, para captação ou desvio de clientela alheia, não sendo essencial para a qualificação de uma acção como de concorrência desleal, que da sua prática tenha resultado um efectivo desvio ou captação de clientela alheia, e nem mesmo que o agente tenha actuado com o intuito de atingir tal desiderato.</font><br>
<font>Ora, no caso sub judice, parece-nos seguro que inexiste, pelas razões acima referidas, qualquer possibilidade de se vir a verificar a invocada concorrência desleal.</font><br>
<font>É certo que o público que a lei protege com registo da lei das marcas é o público em geral e não o público especializado, visto ser aquele que facilmente pode ser vítima de confusão, até por reserva mental ou intermediários da venda.</font><br>
<font>"É preciso considerar que o público geralmente não está a pensar na existência ou não da imitação. Liga um produto, que lhe agradou, a certa marca, de que conserva uma ideia mais ou menos precisa. Deve evitar-se que outro comerciante adopte uma marca que ao olhar distraído do público possa apresentar-se, como sendo a que ele busca" (vide Pinto Coelho, in "Lições de Direito Comercial", 1957, vol. I, pág. 427 e Ferrer Correia, in "Lições de Direito Comercial", 1 965, vol I, pág. 347).</font><br>
<font>Mas mesmo assim, mesmo considerando todas estas cautelas a serem tomadas, temos como certo que o risco de associação entre as duas citadas marcas não será de considerar, face à sua indiscutível dissemelhança.</font><br>
<font>Termos em que ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, em consequência, decidem confirmar o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas pela Recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 18 de Março de 2003</font><br>
<font>Ponce de Leão</font><br>
<font>Afonso de Melo</font><br>
<font>Afonso Correia</font><br>
<font>______________</font><br>
<font>(1) Sobre As funções da marca, Carlos Olavo, Propriedade Industrial, CJ, XII, 2º, 21; Pedro Sousa e Silva, "O Principio da Especialidade das Marcas", ROA, Janeiro 1998, 381 e Couto Gonçalves, "Função Distintiva da Marca", 1999, 25 e ss</font><br>
<font>(2) Marcas nominativas serão aquelas que integram um sinal ou conjunto de sinais nominativos, estando essencialmente em causa um fonema; marcas figurativas serão aquelas em que se usa uma dada figura ou emblema, encontrando-se fundamentalmente em jogo um desenho; marcas mistas integram simultaneamente elementos nominativos e elementos figurativos - Propriedade Industrial, Carlos Olavo, 38.</font><br>
<font>(3) Cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 329.</font><br>
<font>(4) Sobre o consumidor enquanto homem comum, cfr. a doutrina citada no Boletim do Ministério da Justiça nº 299º-348.</font><br>
<font>(5) Cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, pág. 329. </font><br>
<font>(6) Cfr. Acs. do S.T.J. de 14.6.95 in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, Tomo II, Pg. 130 e de 26.4.01 in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 2001, Tomo II, Pg. 37. </font><br>
<font>(7) Cfr. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, pág. 52 e Pinto Coelho in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 93º, Pág. 71. </font><br>
<font>(8) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.7.76 in Boletim do Ministério da Justiça nº 259º-239.</font><br>
<font>(9) ("O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais foi registado, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços crie, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.")</font><br>
<font>(10) Cfr. Luís Couto Gonçalves, Direito das Marcas, pág. 133.</font><br>
<font>(11) Sobe este ponto veja-se a exposição pormenorizada de Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, 1994, páginas 31-41.</font><br>
<font>(12) Ibidem, página 39.</font><br>
<font>(13) J. Patrício Paúl, Concorrência Desleal, página 79.</font><br>
<font>(14) Ferrer Correia, Estudos Jurídicos II - Direito Civil e Comercial, Direito Criminal. Coimbra, 1969, página 245.</font><br>
<font>(15) Oliveira Ascensão, obra citada, página 89, que entende mesmo que a concorrência desleal deve ser integrada no Direito da Empresa (página 55).</font><br>
<font>(16) Oliveira Ascensão, obra citada, página 91.</font><br>
<font>(17) Ferrer Correia, in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano 6º, página 139.</font><br>
<font>(18) Pronunciam-se no sentido de o prejuízo fazer parte do conceito de concorrência desleal Carlos Olavo, Propriedade Industrial - Noções Fundamentais, Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 4, páginas 13-14 e J. Patrício Paúl, obra e página citadas, sustentando Oliveira Ascensão, que o prejuízo, mesmo abstracto, não é elemento deste instituto - obra citada, página 80.</font><br>
<font>(19) Sobre os critérios de apreciação da confundibilidade veja-se Oliveira Ascensão, obra citada, páginas 119 e seguintes.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wTK3u4YBgYBz1XKvMzWO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i><br>
<br>
<font>I. Relatório</font><br>
<br>
<font>No já remoto ano de 1998, </font><font>AA, na qualidade de tutor do menor </font><font>BB, propôs acção declarativa sob a forma ordinária </font><br>
<i><u><font>contra </font></u></i><br>
<font>1) Caixa Geral de Depósitos, S.A., </font><br>
<font>2) Companhia de Seguros Fidelidade, S.A </font><br>
<font>e</font><br>
<font>3) U... - Urbanizações e Construções Civis, Lda.</font><font>, </font><br>
<i><u><font>pedindo </font></u></i><br>
<font>que estas sejam condenadas a pagar, a título de ressarcimento por danos patrimoniais no montante global de 2.039.539$00 verificados até então, (sendo de 39.539$00 os patrimoniais por danos emergentes e 2.000.000$00 os não patrimoniais entretanto já sofridos), </font><br>
<font>acrescida tal importância da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, decorrente de danos não patrimoniais que eventualmente venham a ser apurados.</font><br>
<font>Para tal, alegou a ocorrência de um acidente sofrido pelo menor BB no interior da dependência da Caixa Geral de Depósitos, agência da Amora, que se encontrava em obras, mas aberta ao público, e motivada pelo facto de seu neto, de dois anos, ter tocado inadvertidamente em lajes e materiais de construção deficientemente arrumados, encostados à parede, o que provocou que houvesse lajes que se desmoronaram e lhe esmagassem o pé direito.</font><br>
<font>Sofreu com isso violentas dores físicas e psicológicas, limitou-lhe a mobilidade, impede-o de praticar desporto, passou a ser hipersensível e a sofrer de dano estético com encurtamento permanente da 2.ª falange no primeiro dedo do pé e cicatrizes diversas e no 2.º dedo, além de cicatrizes ficou com absoluta ausência de unha, o que no futuro, pode ser para o mesmo uma situação física e psicologicamente dolorosa.</font><br>
<font> O A. tentou obter extra-judicalmente o respectivo ressarcimento junto da 1.ª Ré (CGD), mas esta remeteu-o para a 2.ª ( Seguradora Fidelidade), que, por sua o endossou para a 3.ª Ré.(U...)</font><br>
<br>
<font>Contestaram todos os RR:</font><br>
<font>- A 1.ª Ré, alegando que era apenas dona da obra, não tendo por isso que responder pelos actos de incúria do empreiteiro, dada a inexistência da relação de subordinação;</font><br>
<font>- A 2.ª Ré, alegando que o contrato de seguro não abrangia os danos decorrentes de obras no prédio;</font><br>
<font>- A 3.ª Ré, alegando que o acidente ocorreu fora das horas em que realizava trabalhos, sendo a CGD a responsável pelas instalações fora desse período; que deixava os materiais sempre devidamente arrumados e que não pode ser responsabilizada pelo facto de alguém os poder desarrumado de tal forma que ficassem em situação instável; invoca ainda a falta de diligência do encarregado do menor na vigilância do mesmo. </font><br>
<font>Todas as RR. concluem pela inexistência da sua própria responsabilidade. </font><br>
<br>
<font>Houve réplica.</font><br>
<br>
<font>Saneado e condensado o processo, houve lugar à instrução durante cerca de oito intermináveis anos, com exames hospitalares e no IML, tendo ocorrido, ainda por fim, o óbito do tutor do menor.</font><br>
<br>
<font>Realizada audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida Sentença, julgando a acção parcialmente procedente por só parcialmente provada, e assim:</font><br>
<font>a) absolveu do pedido a 2.ª Ré;</font><br>
<font>b) condenou solidariamente a 1.ª e 3.ª RR. a pagar ao A. a quantia de € 10.047,58 referente aos danos patrimoniais com cuidados de enfermagem e tratamentos (€ 47,58) e não patrimoniais suportados pelo Autor (€ 10.000,00)</font><br>
<font>c) E ainda no que se liquidar em execução de sentença relativamente ao valor das despesas que teve que suportar em deslocações ao Hospital </font><br>
<font>d) absolveu as 1.º e 3.ª RR. do demais peticionado.</font><br>
<br>
<font>Inconformadas com a Sentença recorreram a 1.ª e 3.ª RR.</font><br>
<br>
<font>A Relação alterou a resposta a um dos quesitos (quesito 5.º da base instrutória), vindo no entanto a julgar improcedentes os recursos, e assim confirmar a Sentença, embora com a rectificação sobre o nome do A. quando a Sentença se lhe refere, pois A. é o menor BB. </font><br>
<br>
<font>A 3.ª Ré, no entanto, continuou inconformada, voltando por isso a recorrer.</font><br>
<font>O recurso foi admitido e aceite neste Tribunal dada a existência de alçada face ao ano em que a acção foi instaurada. </font><br>
<font> Correram os vistos legais.</font><br>
<br>
<font> ………………………</font><br>
<br>
<font>II. Âmbito do recurso</font><br>
<br>
<font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC vamos começar por transcrever as conclusões alegacionais apresentadas pela Recorrente-Ré, pois através delas que podemos ver a delimitação que pretende fazer das questões a analisar:</font><br>
<font>Assim:</font><br>
<i><font>“CONCLUSÕES: </font></i><br>
<i><font>1.ª - Neste aresto, que embora tenha reconhecido à luz da matéria fáctica assente e provada e determinado tratar-se de culpa efectiva que atribuiu à R. Caixa Geral de Depósitos, e não culpa presumida, ainda assim confirmou nos mesmos termos a sentença proferida em e instância. </font></i><br>
<i><font>2.ª - Com o devido respeito que é muito, afigura-se à ora Recorrente U..., que o Douto Acórdão não poderá assim manter-se em relação a si. </font></i><br>
<i><font>3.ª - Entre a Recorrente U... e a R. Caixa Geral de Depósitos foi celebrado um contrato de empreitada, o qual, como a generalidade dos contratos, tem eficácia inter partes. </font></i><br>
<i><font>4.ª - A actividade da ora Recorrente, desenvolvia-se fora do horário de abertura ao público da Agência da Caixa Geral de Depósitos, e à hora em que ocorreu o acidente não havia qualquer actividade da Recorrente U..., nem sequer detinha qualquer domínio sobre o local da obra, a não ser durante o período que medeava entre as 16h00, hora de fecho da Agência, e as 21h00 ou 22h00. </font></i><br>
<i><font>5.ª - Não é, pois, defensável que a ora Recorrente, possa ser responsabilizada por um facto ocorrido num momento em que não tinha, nem poderia ter, qualquer domínio sobre o local das obras, uma vez que o acidente ocorreu durante o horário de abertura ao público da Agência da R. Caixa Geral de Depósitos. </font></i><br>
<i><font>6.ª - Não havendo domínio do facto por parte da Recorrente U..., em virtude de o acidente ter ocorrido fora do período da sua actividade, não se pode encontrar qualquer nexo de causalidade entre a conduta da ora Recorrente, e o dano. </font></i><br>
<i><font>7.ª - O domínio e responsabilidade totais do facto no momento da ocorrência do acidente, era da R. Caixa Geral de Depósitos, uma vez que era ela que mantinha a Agência aberta ao público. </font></i><br>
<i><font>8.ª - A R. Caixa Geral de Depósitos responde a título de culpa efectiva e provada, para efeitos do art. 483.° do CC, ao passo que a Recorrente U... responde a título de culpa presumida, para efeitos do art. 493.°, n.º 2, do CC. </font></i><br>
<i><font>9.ª - Trata-se de dois tipos de culpa distintos, os quais não devem, pois, merecer o mesmo tratamento. </font></i><br>
<i><font>10.ª - A culpa efectiva apurada da CGD, por força do princípio que emana do n° 2 do art. 570° do C. Civil, afasta ou exclui a responsabilidade da U..., baseada numa mera culpa presumida. </font></i><br>
<i><font>11.ª - A causa do acidente foi a verificada conduta da CGD. Não fora a conduta da CGD e o acidente não tinha ocorrido. Não pode presumir-se que o acidente terá decorrido de eventual conduta culposa da U..., quando se provou positivamente a culpa de CGD. </font></i><br>
<i><font>12.ª - Ao decidir-se como se decidiu, no Tribunal "o quo" foram violados o disposto nos artigos 570° n.º 2; 483° e 493°; todos preceitos do CC.. </font></i><br>
<i><font>Nestes termos e nos mais de direito deverá ser concedida a Revista, como é de JUSTIÇA.”</font></i><br>
<br>
<font>Em face do exposto, vemos que </font><font>as questões suscitadas</font><font> pela Recorrente U... são as seguintes:</font><br>
<font>a) saber se pode ela ser responsabilizada pelo acidente, e a que título;</font><br>
<font>b) em caso afirmativo à primeira questão colocada, e estando provado que a Caixa Geral de Depósitos responde a título de culpa efectiva, determinar se pode a U..., mesmo assim, ser responsabilizada civilmente.</font><br>
<br>
<font>III. - Fundamentação</font><br>
<br>
<font>III- A) Os factos</font><br>
<br>
<i><font>“a) Por sentença de 9 de Janeiro de 1997 dos autos de instituição de tutela, que correu termos no 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial do Seixal, com o n.º 643/96, AA foi nomeado tutor do seu neto, BB. - (al. A)dos factos assentes); </font></i><br>
<i><font>b) BB nasceu no dia 23 de Dezembro de 1993 - (al. B) dos factos assentes); </font></i><br>
<i><font>c) A Caixa Geral de Depósitos, S.A. havia transferido para a Companhia de Seguros Fidelidade, S.A. a sua responsabilidade civil pelo risco de sinistro de danos materiais em estabelecimentos de que era proprietária, em Portugal continental ou regiões Autónomas, nos termos das condições gerais e especiais da apólice n". 87/29.710 - (al. C) dos factos assentes); </font></i><br>
<i><font>d) No dia 28 de Junho de 1996, a dependência da Caixa Geral de Depósitos da Amora encontrava-se aberta ao público, apesar de se encontrar em obras de reparação do pavimento - (resposta ao ponto 1.º ° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>e) Essas obras eram realizadas pela Ré U... - (resposta ao ponto 2° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>f) Existiam no interior da dependência mencionada em d) diversos materiais de construção, entre os quais lajes encostadas à parede, algumas delas de forma dispersa e não empilhadas, com o esclarecimento de que, cada uma dessas lajes tinha um peso não concretamente apurado, mas que se situava entre os 22 kg e os 28 kg - (resposta ao ponto 3° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>g) Não existia no local qualquer sinalização de prevenção, de modo a proteger a integridade física dos utentes das instalações da 1.a Ré - (resposta ao ponto 4° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>h) Quando o menor BB se deslocava no interior dessas instalações, tocou numa das lajes que por ali se encontravam, tendo-a derrubado, com o esclarecimento de que o menor BB se encontrava acompanhado pelos seus avós - (resposta ao ponto 5.º da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>i) Em consequência da queda da laje, BB sofreu:</font></i><br>
<i><font>- esfacelo do primeiro dedo do pé com retalhos cutâneos mal irrigados,</font></i><br>
<i><font>- avulsão parcial da fanera distal e fractura da segunda falange do primeiro dedo (hallux) do pé direito, </font></i><br>
<i><font>- e ferida inciso-contusa da falange distal do segundo dedo do mesmo pé - (resposta ao ponto 6° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>j) No hospital o menor BB recebeu pronta assistência médica, que implicou a contenção adesiva, com reconstrução cutânea e recobrimento ósseo dos dois dedos do pé - (resposta ao ponto 7° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>k) BB sofreu dores, sendo assistido pelos avós - (resposta aos pontos 8° e 9° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>1) Actualmente, o menor BB é portador das seguintes sequelas: </font></i><br>
<i><font>- ligeiro encurtamento da falange distal do primeiro dedo do pé direito, com distrofia da extremidade livre (aumento do volume da extremidade livre e compromisso da fanera ungueal); </font></i><br>
<i><font>- status pós-fractura da segunda falange, consolidada sem desvio nem calo ósseo exuberante; </font></i><br>
<i><font>- distrofia do leito e fanera ungueal do segundo dedo do mesmo pé, condicionando queixas dolorosas episódicas, sendo de admitir que o prejuízo anátomo-funcional tenha uma ligeira repercussão sobre exercícios físicos que exijam marcha prolongada ou esforços particularmente intensos os específicos - (resposta aos pontos 11°,12°, 13°, 14° e 15° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>m) Em consequência do acidente, e com medicamentos e material de enfermagem, foram gastos Esc. 9 539$50, para além de valor não apurado despendido em viagens ao hospital- (resposta ao ponto 16° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>n) A Ré U... executava sempre as obras a partir da hora de fecho ao público da dependência da Caixa Geral de Depósitos da Amora, ou seja, depois das 16h00m, terminando os trabalhos às 21h00m ou 22h00m (resposta ao ponto 18° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>o) À hora em que ocorreu o acidente não havia qualquer actividade da Ré U... - (resposta ao ponto 19° da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>p) Alguns ladrilhos encontravam-se resguardados por vasos de plantas, apesar de serem visíveis a qualquer pessoa que ali entrasse - (resposta ao ponto 21.º da base instrutória); </font></i><br>
<i><font>q) Das condições especiais da apólice na. 87/29.710 consta</font></i><i><font>: "Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares, esta garantia não abrange também: danos resultantes de qualquer alteração, reparação ou ampliação do prédio ou fracção, bem como dos elevadores ou monta-cargas"- (resposta ao ponto 22.º da base instrutória).” </font></i><br>
<br>
<font>…………………………</font><br>
<br>
<font>III.- B) O Direito</font><br>
<br>
<font>As partes aceitam o enquadramento jurídico feito no Acórdão relativamente à existência de um contrato de empreitada entre os RR. Caixa Geral de Depósitos, como dona da obra, e a Ré U..., como empreiteira.</font><br>
<font>Nos contratos de empreitada não existe uma relação de comissão. O empreiteiro actua em nome próprio, sem relação de subordinação, assistindo embora ao A. o direito de fiscalizar a obra.- art. 1209.º do CC.</font><br>
<br>
<font>Analisando a matéria factual considerada provada verificamos que:</font><br>
<font>- O acidente ocorreu em virtude de o A., menor de dois anos e meio, ter tocado numa das lajes com peso entre os 22 e os 28 kgs, que estavam a ser utilizada para repavimentação da agência bancária da Ré CGD, as quais se encontravam encostadas à parede, umas dispersas e outras não empilhadas, e, fazendo com que uma delas tivesse caído em cima de um dos seus pés, quando este lhes tocou,</font><br>
<font>- não havendo no local qualquer sinalização de prevenção de modo a proteger a integridade física dos utentes das instalações da Ré Caixa, estando apenas resguardados alguns ladrilhos por vasos de plantas, apesar de serem visíveis a qualquer pessoa que ali entrasse.</font><br>
<font>- Ocorreu durante o período de abertura ao público das instalações da Caixa Geral de Depósitos, quando no local não estava a laborar qualquer trabalhador da Ré U..., e que lá só operava após o encerramento.</font><br>
<br>
<font>O Acórdão da Relação, na linha do sustentado já na Sentença, entendeu que, a par da responsabilidade civil a título de culpa efectiva da Caixa Geral de Depósitos (art. 483.º do CC.), a Ré U... tinha também de ser responsabilizada, embora a título de culpa presumida, não ilidida.(art. 493.º do CC.)</font><br>
<font>Para a responsabilização da Ré U... foi tomado em conta e entendido o seguinte:</font><br>
<font>- A actividade da Ré (construtora-empreiteira) na situação concreta (construção civil em local aberto e de acesso ao público) constitui uma </font><i><font>actividade perigosa</font></i><font>.</font><br>
<font> Não logrou provar ter </font><i><font>sinalizado o local</font></i><font> onde estava a ser desenvolvida a acção de reparação do pavimento;</font><br>
<font>- Não fez prova quanto a ter </font><i><font>isolado o local</font></i><font>, por exemplo, com uma rede ou um painel que impedisse o acesso do público utente da CGD por forma a impedir que alguma das lajes caísse, como caiu, e atingisse pessoas ou bens alheios.</font><br>
<font>- O facto de o acidente ter ocorrido fora do horário em que lá estava a colocar o pavimento não foi considerado como relevante , porque sendo essa actividade perigosa, incidia desde logo sobre ela a presunção de culpa por qualquer dano decorrente dessa sua actividade (art. 493.º do CC.).</font><br>
<i><font>- Não houve ilisão da culpa por parte da Ré U...</font></i><font>, demonstrando que tivesse actuado com a diligência e zelo de um bom pai de família, pois era da mais elementar cuidado a observância das regras construtivas, designadamente a sinalização e a criação de efectivas barreiras ao local onde estavam armazenados os materiais e decorriam obras, mesmo que naquela concreta hora não estivesse a laborar no local.</font><br>
<font> - Se a Ré tivesse actuado dessa maneira, sinalizando e isolando o local de forma efectiva, o acidente teria sido evitado, independentemente do horário em que o mesmo veio a acontecer.</font><br>
<br>
<font>Pois bem:</font><br>
<font>Para além dos factos atrás relatados, impressiona o facto de as lajes – cada uma das quais com peso entre 24 e 28 kgs - estarem de tal maneira colocadas, de forma dispersas ou (mal) empilhadas, em situação instável junto à parede, que bastou uma criança de dois anos e meio ter tocado numa delas para a mesma lhe cair em cima de um dos pés e lhe causar os danos que causou.</font><br>
<font>E o facto de abrir ao público as instalações da agência sem que tivesse havido o indispensável cuidado face ao perigo que, estava bem à vista, poderia vir a acontecer, como aconteceu.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Contesta no entanto a Ré U... que não pode ser responsabilizada pelo acidente por uma outra razão adicional:</font><br>
<font>Tendo ficado provada a culpa efectiva da Caixa Geral de Depósitos em que assentou o Acórdão recorrido (art. 483.º do CC.), ficaria automaticamente excluída a sua culpa presumida, assente no desenvolvimento de actividade perigosa (art. 493.º do CC.) </font><br>
<font>Há aqui um enorme equívoco:</font><br>
<font>A culpa presumida corresponde a um juízo de primeira aparência, e que se torna culpa efectiva se não for ilidida a presunção que a suporta. Se for ilidida a presunção, fica a culpa excluída.</font><br>
<font>Assim, não havendo ilisão da presunção estabelecida, ela comportar-se-á como culpa efectiva. Havendo ilisão, deixa o presumível culposo de responder pelo resultado danoso.</font><br>
<font>Como se pode ler no CC. Anotado de Pires de Lima/Antunes Varela,</font><font> Pires de Lima/Antunes Varela, CC Anotado, 2.ª ed. revista e aumentada com a colaboração de M. Henrique Mesquita, nota 4 ao art. 493.º</font><font> “Quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as diligências exigidas pelas circunstâncias para os evitar. Afasta-se indirecta, mas concludentemente, a posibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa (causa virtual), mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências.”</font><br>
<font>Desta forma, pode acontecer que, na responsabilidade civil extracontratual, para o mesmo resultado danoso venham a concorrer culpas de vários agentes, umas das quais a título de culpa efectiva ( cuja prova incumbe ao lesado) e outra a título de culpa presumida (cujo ónus probatório fica a cargo do presumível culpado) se a ilisão da presunção não for feita pelo presumível culpado.</font><br>
<br>
<font>Invoca no entanto a Ré U... que o art. 570.º do CC. não permite a concorrência de culpas quando uma delas se funde numa presunção de culpa e outra a título de culpa efectiva.</font><br>
<font>É outro equívoco:</font><br>
<font>O que o art. 570.º estabelece é que se para a produção de um dano tiver concorrido a culpa efectiva </font><i><u><font>de lesado</font></u></i><font> e a responsabilidade do lesante decorrer de presunção de culpa, na falta de disposição em contrário, fica excluída a obrigação de indemnizar.</font><br>
<font>Ora no caso, o que está em equação é a concorrência de culpas entre lesantes, o que coloca fora de aplicação o dispositivo citado. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Assim sendo, quando se constate que por diversas formas, várias pessoas venham a causar ilicitamente (por acção ou por omissão), danos a terceiros, sendo uns e outros a título de culpa (quer seja efectiva quer seja presumida mas não ilidida), todos eles vêm a responder por esses danos, ficando obrigados à sua reparação.</font><br>
<font>Pelo que o concurso para a responsabilização dos resultados decorre no mesmo patamar (culpa efectiva), independentemente do ónus probatório em que assentou.</font><br>
<font>Essa responsabilidade é solidária, e, à falta de melhor critério, presumem-se iguais as culpas das pessoas responsáveis. - art. 497.º do CC.</font><br>
<br>
<font>Assim, nenhuma censura temos a fazer ao Acórdão da Relação que julgou as RR. Caixa Geral de Depósitos e U... como solidariamente responsáveis pelo pagamento ao A. das indemnizações fixadas, cujo valor não é objecto de discussão no presente recurso.</font><br>
<font>A Revista terá de ser negada</font><br>
<font> …………………..</font><br>
<br>
<font>IV. Decisão</font><br>
<br>
<i><font>Na negação da Revista, confirma-se o Acórdão recorrido.</font></i><br>
<br>
<i><font>Lisboa, 18 de Novembro de 2008</font></i><br>
<i><font> </font></i><br>
<font> Mário Cruz (Relator)</font><br>
<font> Garcia Calejo</font><br>
<font> Sebastião Póvoas</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wTKuu4YBgYBz1XKvGS2o | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b></div><br>
<font>O “Banco ..., SA, Sociedade Aberta”, intentou execução para pagamento de quantia certa, contra AA.</font>
<p><font>É titulo executivo uma livrança.</font>
</p><p><font>O executado deduziu oposição pedindo que a execução fosse extinta pois a livrança fora objecto de um acordo de preenchimento com o limite de 55.000.000$00 – agora 274.338,84 euros – tendo o exequente violado aquele acordo já que a preencheu por 278.681,35 euros, o que lhe retirou a validade, e eficácia, como título cambiário.</font>
</p><p><font>Na 1.ª Instância, e logo no despacho saneador, a oposição foi julgada parcialmente procedente, determinando-se a extinção da execução quanto ao montante de 4.342,51 euros e correspondentes juros liquidados no requerimento executivo.</font>
</p><p><font>O executado apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado.</font>
</p><p><font>Pede, agora, revista, culminando a sua alegação com o seguinte acervo conclusivo:</font><br>
<i><font>- Apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa considerar ter havido preenchimento abusivo da Livrança exequenda, decidiu confirmar a decisão recorrida e considerar extinta a execução apenas quanto ao montante de € 4. 342,51 (montante excedente ao máximo autorizado ou convencionado de €274.338,84), bem como quanto aos juros correspondentes liquidados no requerimento executivo;</font></i><br>
<i><font>- O preenchimento abusivo da Livrança concretizou-se no preenchimento do título exequendo por montante superior ao convencionado no concreto pacto de preenchimento; </font></i><br>
<i><font>- A decisão revidenda está inquinada de grave de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação das normas jurídicas e de errada determinação na norma aplicável, estando a respectiva fundamentação inquinada. </font></i><br>
<i><font>- Não podia o Tribunal Recorrido defender em violação clara ao estipulado no art. 10° da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (por força do art. 77° do mesmo diploma) que o preenchimento da livrança por valor superior ao convencionado, quando verificado, e por estar no âmbito das relações imediatas, não determina a inutilização do título, mas antes a redução da obrigação cambiária em conformidade, nos termos do art. 292° do Código Civil. </font></i><br>
<i><font>- Entendeu a decisão revidenda, erradamente, que «No domínio das relações imediatas tendo o beneficiário «respeitado qualitativamente o acordo de preenchimento, não é a circunstância de ter sido inscrito na livrança um montante superior ao devido à data do preenchimento que a inutiliza enquanto título executivo». </font></i><br>
<i><font>- A excepção do preenchimento abusivo da Livrança fundada na relação jurídica extracartular, ao contrário do entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, invalida e torna ineficaz, o título cambiário exequendo. </font></i><br>
<i><font>- É totalmente admissível e legal a invocação da excepção do preenchimento abusivo nas relações imediatas (vd. a melhor Doutrina e a Jurisprudência indicada nas alegações). </font></i><br>
<i><font>- Tendo sido o próprio Recorrido, primeiro adquirente, quem preencheu a livrança exequenda e quem reclamou o pagamento ao subscritor Recorrente, pode ser por este último oposta a excepção de preenchimento abusivo porque a Livrança não entrou em circulação e está/estava no domínio das relações imediatas. </font></i><br>
<i><font>- A má fé (constante do art. 10.º da L.U.L.L.), para efeito da conclusão anterior, consiste no conhecimento ou na ignorância indesculpável (negligente) do preenchimento abusivo do título de crédito pelo Recorrido. </font></i><br>
<i><font>- Logo, o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no art. 10° da L.U.L.L. (por força do art. 77° do mesmo diploma) e os Princípios que enformam os títulos cambiários (literalidade e abstracção). </font></i><br>
<i><font>- A fundamentação do Tribunal a quo é ilegal quando refere que ‘a extinção da execução quanto ao montante excedente a € 274.338,84 inscrito na livrança, a extinção da execução quanto ao montante de € 4.342,51, bem como aos juros correspondentes, não infringe o disposto nos artigos 10.º e 77.º da L. UL.L., nem os princípios da literalidade e abstracção’. </font></i><br>
<i><font>- O Tribunal Recorrido usou de vício da fundamentação de Direito (e da sua justificação), por errónea interpretação e aplicação do regime geral das obrigações ao regime cartular; </font></i><br>
<i><font>- Nas relações imediatas a obrigação cartular não está sujeita ao regime comum das obrigações, o que a quo foi desconsiderado; </font></i><br>
<i><font>- Nos termos do art. 292° do CC, a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada, o que a quo foi desconsiderado. </font></i><br>
<i><font>- Sendo a livrança um título de crédito rigorosamente formal, enquanto título cambiário que é, a violação do convencionado para o preenchimento da Livrança acarreta a respectiva inutilidade e ineficácia e a própria consequente falta de título dado à execução. </font></i><br>
<i><font>- O Tribunal recorrido não podia recorrer in casu à aplicação do regime comum das obrigações (do art. 292° do código Civil), o que só era in limine admitido se o Recorrido tivesse dado à execução a ‘livrança’, não como tal, mas como mero documento particular com virtualidade executiva, o que não fez; </font></i><br>
<i><font>- Não podia a quo ter-se aplicado ao caso concreto o art. 292° do Código Civil e nos termos gerais das obrigações, porque a redução do negócio jurídico aí prevista e estatuída se baseia numa presunção inequívoca de que as partes acordaram e aceitaram essa solução, o que não sucedeu nos autos; </font></i><br>
<i><font>- Para a aplicação concreta do regime jurídico da redução dos negócios jurídicos era requisito e pressuposto necessário que as partes tivessem alegado factos nesse sentido, o que não sucedeu e o que não é comportável em embargos ou oposição a execução. </font></i><br>
<i><font>- Não tendo sido manifestada a vontade presumível pelas partes no sentido da redução o preenchimento abusivo da livrança por parte do Recorrido (constatado e dado como provado) constitui irregularidade grave determinante da própria ineficácia do título dado à execução. </font></i><br>
<i><font>- In limine, a redução in casu não tem lugar porque se comprovou a quo, mais do que uma vontade hipotética ou conjectural das partes que a ela se opunha, uma vontade expressa das mesmas partes de que tal não sucedesse; </font></i><br>
<i><font>- A conclusão anterior retira-se do próprio conteúdo do pacto de preenchimento violado pelo recorrido (expressão das partes contrária à conservação/redução em causa). </font></i><br>
<i><font>- O Recorrido não podia fazer valer o direito que se arroga na acção executiva sustentada na livrança, título absolutamente formal, como o fez. </font></i><br>
<i><font>- Não podia o Acórdão recorrido fundamentar que «Não se pode afirmar-se que a extinção da execução quanto ao montante excedente a € 274.338,84 inscrito na Livrança, releva de um regime jurídico que contraria o regime jurídico internacional das livranças constitucionalmente aceite, nem contraria «Constituição da República Portuguesa e a hierarquia das normas nela prevista e estatuída, nomeadamente, os artigos 8°, 112° e 204° da Constituição da República Portuguesa’.’ </font></i><br>
<i><font>- Em contrário, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, enferma de grave erro de julgamento por violação das normas do regime jurídico internacional das Livranças e da própria Constituição da República Portuguesa, para além, claro, da errada determinação de norma aplicável (art. 292° do C.C.), o que expressamente o Recorrente aqui invoca; </font></i><br>
<i><font>- Com efeito, as letras e livranças estão reguladas na lei uniforme que resulta das Convenções de Genebra de 7 de Junho de 1930 e que foram aprovadas pelo Decreto n°. 23.721, de 29 de Março de 1934, estando em vigor no direito interno português, conforme decorre do Decreto n°. 26.556, de 30 de Abril de 1936, o que a quo foi ignorado. </font></i><br>
<i><font>- O regime geral das obrigações a quo invocado na decisão revidenda, viola as Convenções ou Tratados Internacionais referidos, pois não se lhes pode sobrepor ou derrogá-los. </font></i><br>
<i><font>- A aplicação do regime geral das obrigações nas relações cambiárias, tendo em conta que o título cambiário é absolutamente formal e abstracto, viola, in limine, a Constituição da República Portuguesa e a hierarquia das normas nela prevista e estatuída, nomeadamente, os art.°s 8°, 112° e 204° da Constituição da República Portuguesa. </font></i><br>
<i><font>- Não é admissível, nem legalmente sustentável, que os tribunais possam dar interpretações, integrar ou modificar, ou mesmo ainda, aplicações de regime diferentes do convencionado, quando a Lei especial, no caso concreto a Lei Uniforme emanada de Convenção Internacional, assim não o prevê, o que a quo foi ignorado, substantivamente e em alcance; </font></i><br>
<i><font>- As letras e livranças estão reguladas por Lei Uniforme, com o intuito de salvaguardar em todos países Participantes uma uniformização de legislação, de tratamento e de aplicação das relações cambiárias, o que o tribunal a quo não relevou. </font></i><br>
<i><font>- Não existe na Lei Uniforme e seus ANEXOS (que prevêem situações em que o País Participante pode legislar ou aplicar a sua lei nacional a certas situações), qualquer disposição que preveja a aplicação subsidiária do regime geral das obrigações de cada País participante, nem muito menos, o regime geral civilista da redução do negócio jurídico. </font></i><br>
<i><font>- Assim, a falta de previsão expressa da figura da redução dos negócios jurídicos na Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, e/ou a aplicação subsidiária do regime geral das obrigações (excepto os casos específicos em que o legislador da Lei Uniforme previu serem legislados ou completados pela Lei nacional da cada país Participante) não é caso de lacuna da Lei, pelo que decidiu ilegalmente a Relação de Lisboa. </font></i><br>
<i><font>- O Legislador, na preservação dos direitos e obrigações constantes do título cambiário e na Uniformização das disposições legais entre os Países Participantes da Convenção de Genebra, não foi omisso em tal disposição; </font></i><br>
<i><font>- Antes pelo contrário, foi vontade real e histórica dos legisladores que a aplicação da redução dos negócios jurídicos e a aplicação subsidiária do regime do Direito Civil não vigorassem na Lei Uniforme. </font></i><br>
<i><font>- Assim, e in limine, a excepção do preenchimento abusivo não comporta excepções quanto à sua aplicação, como determina o art. 10.º da L.U.L.L., a Lei Uniforme e seus princípios (literalidade, abstracção) não prevêem preenchimento abusivo parcial ou limitado, não se admitindo virtualidades extensivas quanto ao valor nele preenchido, o que a quo não foi respeitado. </font></i><br>
<i><font>- Ao contrário do douto Acórdão recorrido, havendo preenchimento abusivo de um título de crédito, automaticamente pode ser invocada a sua inutilidade ou ineficácia, pois tal excepção constitui facto impeditivo do direito invocado pelo seu portador e primeiro adquirente. </font></i><br>
<i><font>- Assim, a decisão recorrida, ao ter conhecido da excepção do preenchimento abusivo da Livrança, deveria ter decidido pela absolvição de toda a imputada responsabilidade cambiária ao Recorrente. </font></i><br>
<i><font>- Demonstrada a invalidade do titulo cambiário dado à execução, o Acórdão recorrido violou, ainda, o disposto nos arts.45° e 46° do Código de Processo Civil, pois decidiu que a execução se mantinha mesmo sem título executivo válido, pelo montante reduzido ao limite máximo da autorização de preenchimento de €274.338,84.</font></i><br>
<i><font>- Sendo o título cambiário inválido, falta em absoluto de título executivo a lide, pois o Recorrido não intentou a presente execução fundada em documento particular exequendo, mas antes especificamente fundada em título de crédito ‘livrança’ e com base numa relação cambiária. </font></i><br>
<i><font>- De acordo com o exposto e com os sinais dos autos, está comprovado o preenchimento abusivo da Livrança dada à execução (facto provado em 1.ª instância e transitado em julgado); </font></i><br>
<i><font>- A decisão recorrida deve ser revogada por ter cometido grave erro de julgamento, por ter feito errada interpretação e aplicação das normas jurídicas e por ter cometido erro manifesto na determinação de norma aplicável infra explicitados.</font></i><br>
</p><p><font>O exequente (ora recorrido) contra alegou em defesa do julgado.</font>
</p><p><font>As instâncias consideraram assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br>
<i><font>1- O Banco ..., S.A. apresentou, na execução de que os presentes autos são apenso, livrança subscrita pelo opoente AA e pelo coexecutado BB, preenchida, além do mais, pela importância de € 278.681,35, com data de emissão 17/12/1997 e data de vencimento 20/10/2006; </font></i><br>
<i><font>2- A livrança foi entregue ao exequente pelos executados, em branco, para garantia do cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato para regularização de responsabilidades vencidas; </font></i><br>
<i><font>3- A forma de regularização das referidas responsabilidades foi expressa em carta contrato (subscrita pelo exequente e pelos executados, datada de 17/12/97, da qual ficou a constar, além do mais a cláusula 6 com o seguinte teor: “Para garantia e segurança do cumprimento das obrigações decorrentes da operação, objecto desta carta contrato, e até ao montante de 55.000.000$00 (cinquenta e cinco milhões de escudos) à data do seu vencimento e ou das suas prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros remuneratórios e de mora, V. Exas. entregam a este banco, e a seu. favor, uma livrança com montante e vencimento em branco, por vós subscrita, ficando desde já, o Banco autorizado a completar o preenchimento do título, quando considerar oportuno, fixando o seu vencimento para a data que entender e a proceder ao seu desconto, se nisso tiver interesse”; </font></i><br>
<i><font>4- O oponente AA, recebeu uma carta do exequente, datada de 11/10/06, na qual foi informado de que o contrato fora denunciado e de que, ao abrigo do clausulado contratual, tinha sido efectuado o preenchimento da livrança de caução pelo montante de € 278.681,35, e lhe foi exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato. </font></i>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font>Conhecendo,</font><br>
<font>1- Pacto de preenchimento.</font><br>
<font>2- Hierarquia das leis.</font><br>
<font>3- Violação do pacto de preenchimento.</font><br>
<font>4- Redução do negócio jurídico.</font><br>
<font>5- Conclusões.</font><br>
<b><font>1. Pacto de preenchimento</font></b>
</p><p><font>“Pulcra quaestio” é saber se o incumprimento do pacto de preenchimento de uma livrança a torna inválida como cartular não podendo, em consequência, valer como título executivo.</font>
</p><p><font>É este o argumento nuclear do recorrente que afirma ser inaplicável a estes casos a teoria geral da redução do negócio jurídico.</font>
</p><p><font>Com tal fundamento opôs-se à execução e impugnou o aresto recorrido.</font>
</p><p><font>São curiais algumas considerações prévias sobre o pacto de preenchimento, e sua violação, não se afigurando, contudo, necessário abordar as respectivas consequências quando o título já entrou em circulação, encontrando-se, portanto, fora das relações imediatas ( por não ser o caso).</font><br>
<font>1.1.Estamos perante uma livrança, subscrita pelo recorrente e entregue ao banco recorrido sem estar completamente preenchido, sendo que se provou ter sido acordado que o seria pelo credor (ora recorrido) “até ao montante de 55.000.000$00 (cinquenta e cinco milhões de escudos (…) compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros remuneratórios e de mora.”</font>
</p><p><font>Mas o exequente preencheu o título por 278.681,35 euros, o que, considerando a taxa de conversão das moedas que se sucederam, equivale a mais 4.342,51 euros.</font>
</p><p><font>Ao preenchimento da livrança em branco aplicam-se as regras da letra, por força do disposto no artigo 77.º, que ressalva o artigo 10.º, ambos da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças.</font>
</p><p><font>Quando o título é entregue incompleto o portador deve preenchê-lo, em conformidade com o(s) acordo(s) realizado(s) sendo que, salvo os casos de aquisição de má fé ou com comissão de “falta grave”, ao portador não podem ser apostas essas violações do pactuado.</font>
</p><p><font> Mas note-se, e como acima de insinuou, que esta ressalva, constante do artigo 10.º da LULL, só vale se o título já tiver entrado em circulação.</font>
</p><p><font>Assim, no âmbito das relações mediatas – e considerando que a relação cambiária se pode constituir mesmo antes do completo preenchimento da livrança, como defendia o Prof. Mário de Figueiredo – RLJ 55-242 – ou, no limite, aquando do preenchimento (Prof. J.G. Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial”, II, 1943, 31) – o fundamento da lide executiva é o próprio titulo preenchido, a sua natureza é cambiária, irrelevando as relações extra cartulares.</font>
</p><p><font>Porém, se no âmbito das relações imediatas, o executado pode opor ao exequente o incumprimento do acordo de preenchimento (cf. v.g. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006 – 06 A2589 – com este Relator e 1.º Adjunto).</font>
</p><p><font>Ora, como acima ficou claro, o recorrente (executado) alegou e provou o preenchimento abusivo, o que lhe cumpria como excepção de direito material que tal integra (cf., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Julho de 1992 – BMJ 219 – 235; de 6 de Abril de 2000 – P.º 4800, 2.ª; o acima citado, e [embora reportado ao cheque mas nada impedindo que a sua doutrina se estenda às letras e às livranças] o Uniformizador de Jurisprudência de 14 de Maio de 1996 – Diário da República de 11 de Julho de 1996; cf. ainda os Profs. Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, 1994, 484 e Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 111, 4.ª ed., 421).</font>
</p><p><font>O pacto de preenchimento mais não é do que “o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc.” – cf. a definição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2005 – 05 A1086.</font>
</p><p><font>Como na obrigação cartular valem, tão-somente, os critérios da incorporação, literalidade, autonomia e abstracção, que não a causa do débito, basta-se para a execução a não demonstração pelo demandado de ter sido incumprido o pacto de preenchimento e que o título ainda não se encontra em circulação.</font>
</p><p><font>1.2 O recorrente demonstrou, como acima se disse, o preenchimento abusivo por violar o pacto expresso que foi transcrito aquando da seriação da matéria de facto.</font>
</p><p><font>Preenchimento que, em consequência, foi arbitrário (ilícito) por não respeitar a vontade real do subscritor.</font>
</p><p><font>A demonstração foi feita em sede embargatória própria (oposição à execução) fase homóloga à contestação no processo declarativo, nos termos dos artigos 813.º e seguintes do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Passemos agora às consequências.</font>
</p><p><b><font>2- Hierarquia das leis</font></b>
</p><p><font>Na óptica do recorrente, o abuso do credor, em sede do acordo de preenchimento, implicou a violação dos princípios atinentes ao direito cambiário e da hierarquia das normas constante da Constituição da República no tocante às Convenções Internacionais que Portugal ratificou.</font>
</p><p><font>Outrossim, teria sido violado o artigo 10.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças pois que, ao ser verificada a excepção do preenchimento abusivo, ocorreu a inutilização e ineficácia do cambiário dado à execução como título executivo.</font>
</p><p><font>Finalmente, e ainda na visão do recorrente, não pode ser aplicada aos títulos cambiários a teoria da redução do negócio jurídico, constante do artigo 292.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>2.1 Analisaremos, tranquilamente, e “pari passu”, a douta argumentação do impetrante.</font>
</p><p><font>Certo que a Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças é um instrumento de Direito Internacional, ratificado por Portugal integrando o nosso direito interno por recepção (artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República, sendo, porém, que esta Lei Fundamental não hierarquiza, rigorosamente, as normas do direito internacional no seu confronto com aquele direito (cf., Prof. G. Canotilho e V. Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2007, I, 251 ss).</font>
</p><p><font>Mas, o que não pode ser feito – por o Estado Português se ter vinculado internacionalmente, e enquanto assim se mantiver, _ é a criação de normas que lhes sejam contrárias, quer por revogação unilateral, quer por restrições ou ampliações injustificadas e, como tal, violadoras do seu espírito.</font>
</p><p><font>Portugal só pode subverter ou revogar essas normas se delas se desvincular externamente.</font>
</p><p><font>Tanto assim é que o artigo 70.º, n.º 1, alínea i) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro) diz caber recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais “que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional…”</font>
</p><p><font>E não vemos razão para interpretar restritivamente este preceito, como o fazem os Profs. G. Canotilho e V. Moreira (ob. e vol. cit,) e, na sua esteira, o Conselheiro Lopes do Rego ( in “Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, 210, 154 ss ) no sentido de este recurso se limitar à questão de natureza jurídico-constitucional, como, e por exemplo, verificar se a norma convencional ainda é vigente ou se deixou de vincular o Estado Português pela ocorrência da cláusula “rebus sic stantibus”.</font>
</p><p><font>E, com o merecido respeito, não se adere ao defendido por este Autor na afirmação de que “no actual panorama jurídico constitucional, o Tribunal Constitucional não tem poderes para ao abrigo do disposto na alínea b) fiscalizar uma eventual ‘inconstitucionalidade indirecta’ (por violação do artigo 8.º da Constituição) de uma norma de direito ordinário, com fundamento na sua contrariedade ao direito convencional.”</font>
</p><p><font>Parece-nos claro que quando o Estado Português se vincula internacionalmente perante outro(s) Estado(s) com quem acorda o exercício, conjunto ou partilhado de um dos seus poderes soberanos (o de legislar) e acolhe esse instrumento no seu direito interno, cria uma norma que passa a integrar um núcleo fundamental normativo de natureza qualificada, nos termos, e para os efeitos, da sua inserção no elenco hierárquico das fontes de direito (artigo 119.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República).</font>
</p><p><font>Nesta mesma linha, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de Julho de 1985 – ACT00000288 – assim julgou: “O artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República consagra uma regra de recepção automática do direito internacional convencional, condicionada apenas ao facto de a eficácia interna depender da sua publicação no Diário da República. Como os requisitos constitucionais de ratificação ou aprovação são requisitos da validade do Tratado, pode dizer-se que a ideia do legislador constituinte foi a de aceitar a vigência das normas internacionais como tais, pelo que essas normas não podem ser alterados por actos internos, deixando de vigorar na ordem interna (apenas) quando o tratado, por qualquer motivo, deixar de vincular o Estado Português.”</font>
</p><p><font>Conclui de seguida pela “plena afirmação da superioridade do direito internacional convencional sobre a lei ordinária, apresentando-se, assim, as normas de direito convencional com uma eficácia supra legal, detendo primazia na escala hierárquica sobre o direito interno anterior e posterior.”</font>
</p><p><font>Do exposto resulta a competência do Tribunal Constitucional – com as inevitáveis consequências – para conhecer de todos os recursos do artigo 70.º da L.O.F.P.T.C que tenham por objecto a violação de norma – seu segmento ou interpretação – constante de uma convenção internacional vinculativa do Estado Português, por se tratar de lei com valor reforçado cujo incumprimento configura uma inconstitucionalidade.</font>
</p><p><b><font>3- Violação do pacto de preenchimento</font></b>
</p><p><font>Aqui chegados poderia suscitar-se se a interpretação do artigo 10.º da LULL dada pelo aresto recorrido ofende o princípio constitucional acenado.</font>
</p><p><font>Porém, tal não acontece.</font>
</p><p><font> O aresto recorrido decidiu não ser aplicável aquele preceito quando a livrança ainda não entrou em circulação, por se encontrar no âmbito das relações imediatas.</font>
</p><p><font>Ora o que a Lei Uniforme quis foi apenas garantir a terceiros, não intervenientes na relação cartular, a validade do título no âmbito da sua literalidade e abstracção que constituem a sua essência.</font>
</p><p><font>Pretendeu salvaguardar o respeito pela legítima convicção do portador e facilitar a circulação da livrança (cf. os artigos 77.º e 16.º da L.U, e, v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2008 – 07 A4686, onde o ora Relator foi 2.º adjunto).</font>
</p><p><font>Não foi seu escopo impedir que a excepção (no caso de preenchimento abusivo pelo primeiro adquirente a quem o subscritor entregou a livrança) pudesse ser aposta àquele.</font>
</p><p><font>Apenas vedou que um terceiro, de boa fé, e sem culpa grave, que recebe o título (por endosso) já preenchido, se visse confrontado com a excepção de preenchimento abusivo. </font>
</p><p><font>Só esta hipótese é que foi prevista no artigo 10.º da Lei Uniforme.</font>
</p><p><font>Daí que, e mau grado tenha razão na douta argumentação desenvolvida sobre a hierarquia das normas, o recorrente não a tem quando pretende se estenda o âmbito do citado artigo 10.º a uma livrança que ainda não circulou.</font>
</p><p><font>Lícito, pois, que nestes casos, a excepção possa ser aposta pelo subscritor, valendo, como consequência, as regras gerais do negócio jurídico.</font>
</p><p><b><font>4- Redução do negócio jurídico</font></b>
</p><p><font>O Acórdão recorrido resolveu o litígio por apelo ao disposto no artigo 292.º do Código Civil.</font>
</p><p><font>Este preceito pressupõe um negócio jurídico parcialmente nulo ou anulável, permitindo-se, então, o aproveitamento da parte não viciada desde que demonstrado que, sem ela, teria sido concluído.</font>
</p><p><font>O problema da redução só se coloca quando existe um motivo de nulidade, ou anulabilidade, que, por parciais, não invalidam todo o negócio.</font>
</p><p><font>Então, e na opinião do Prof. Manuel de Andrade (in “Sobre as cláusulas de liquidação de partes sociais pelo último balanço”, 1955, 64, nota 3, e 65, nota 1) busca-se a vontade real, ou, por vezes, a hipotética ou conjectural (“… o que os pactuantes teriam querido, provavelmente, se soubessem que ele teria de ser nulo, quanto a uma parte do seu conteúdo – pelo menos – e não pudessem realizá-lo em termos de ser válido na sua integridade”).</font>
</p><p><font>O instituto justifica-se face aos princípios da conservação dos negócios jurídicos, da proporcionalidade e do “utile per inutile non vitiatur”. (cf., a propósito, e “inter alia”, o Prof. Galvão Telles – “Redução do negócio jurídico”, apud “Revista dos Tribunais”, n.º 1666, 1953 e o Prof. Rui de Alarcão – “Invalidade dos negócios jurídicos”, sep. BMJ, n.º 89, 1959).</font>
</p><p><font>No fundo o que a lei estabelece é uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio sob o ponto de vista da vontade das partes, sendo que, para o Prof. Mota Pinto há que, verificada a invalidade parcial – conforme à boa fé – proceder a uma apreciação actual conducente a que o restante conteúdo do negócio se mantenha (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª ed., 637).</font>
</p><p><font>Neste ponto, verifiquemos que o preenchimento abusivo (por contrário ao pacto firmado) não torna a livrança nula, já que o que foi afectado pelo incumprimento foi apenas o montante inscrito e, como acima se referiu, o título incompleto não é nulo já que a Lei Uniforme o admite.</font>
</p><p><font> Será apenas anulável – invalidade menor – por embora lhe faltar um elemento formativo, não colidir com disposição legal de carácter imperativo.</font>
</p><p><font>Daí que, se verificados os requisitos acima expostos, o negócio possa ser reduzido.</font>
</p><p><font>É, aliás, em caso idênticos, esta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cf., v.g., os Acórdãos de 12 de Fevereiro de 2009 – 08B039 – de 24 de Maio de 2005 – 05 A1347 [“ (…) no domínio das relações imediatas o preenchimento duma livrança feita pelo tomador por valor superior ao resultante do contrato de preenchimento não torna a livrança nula; esta mantém a sua validade relativamente ao montante resultante do mesmo contrato, quer quanto ao tomador, quer quanto ao subscritor e respectivo avalista. A excepção de preenchimento abusivo, por conseguinte, não interfere na totalidade da dívida, confinando-se aos limites desse preenchimento. Por isso, se o subscritor inicial entregou a livrança em branco de quantia e o detentor imediato a preencher por quantia superior ao convencionado, a livrança vale segundo a quantia inferior, aproveitando-se os actos jurídicos praticados. Isto porque, no âmbito das relações imediatas, a obrigação cartular está sujeita ao regime comum das obrigações e, nos termos do art.° 292° do CC, a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.”] e de 11 de Fevereiro de 2010 – 1213-A/2001. L1.S.1 [“… Preenchida a livrança com violação do pacto, no tocante ao montante acordado, deve a responsabilidade do embargante limitar-se à assumida no respectivo acordo, confinando-se a dívida aos limites de tal pacto.”] e de 23 de Setembro de 2003 – P.º 1709/03 – 1.ª).</font>
</p><p><font>Tudo aponta para concluir, como se conclui, que a obrigação cartular enquanto no domínio das relações imediatas se sujeita ao regime geral e comum, posição que tem o apoio do Prof. Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, 433 ss.</font>
</p><p><font>Do que foi exposto e na ponderação da matéria de facto provada, resulta a sem razão do recorrente sendo de manter o Acórdão recorrido, já que se perfilam todos os pressupostos para a redução do negócio, nos termos em que foi julgado.</font><br>
<b><font>5 - Conclusões</font></b>
</p><p><font>Pode concluir-se que:</font><br>
<font>a) No âmbito das relações mediatas (em que o título já entrou em circulação) irrelevam as relações extra cartulares, não sendo a violação do pacto de preenchimento oponível ao portador salvo se provado que adquiriu a livrança de má fé ou ter cometido falta grave.</font><br>
<font>b) Se a livrança se encontra no âmbito das relações imediatas o executado pode opor ao exequente o incumprimento (violação) do pacto de preenchimento, sendo a obrigação cartular sujeita ao regime comum dos negócios jurídicos.</font><br>
<font>c) Por se tratar de excepção de direito material, o preenchimento abusivo deve ser alegado e provado pelo oponente (embargante) a quem cumpre demonstrar que o montante foi inscrito ao arrepio do acordado.</font><br>
<font>d) Para o exequente basta a não demonstração pelo demandado de que o pacto de preenchimento foi incumprido, que o título ainda não se encontra em circulação, valendo-lhe, no mais, os critérios de incorporação, literalidade, autonomia e abstracção.</font><br>
<font>e) A Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças integra um instrumento de Direito Internacional, ratificado por Portugal e integrando, por recepção, o nosso direito interno (artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República).</font><br>
<font>f) Quando o Estado Português se vincula internacionalmente e incorpora essas normas na sua ordem jurídica, não pode criar normas contrárias, quer por r | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wTLRu4YBgYBz1XKvbkLM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font>A. e sua mulher M., residentes em S. João da Madeira, intentaram acção, com processo ordinário contra a “Companhia de Seguros .........”, com sede em Lisboa, pedindo a declaração de nulidade da denúncia do contrato de arrendamento outorgado por ambas as partes e a condenação da Ré a pagar-lhes as rendas vencidas referentes aos meses de Março a Outubro de 2004 (no montante de 1185,20 euros cada) com indemnização do artigo 1041º do Código Civil e rendas vincendas até Dezembro de 2004, com indemnização, totalizando 17.778,00 euros.</font><br>
<font>O Circulo Judicial de Oliveira de Azeméis julgou a acção parcialmente procedente considerando válida a denúncia do contrato de arrendamento para o termo da renovação, que ocorreu em 31 de Dezembro de 2004, condenando a Ré a pagar aos Autores 16000,20 euros, absolvendo-a do mais pedido.</font><br>
<font>A Relação do Porto confirmou o julgado.</font><br>
<font>A Ré pede revista concluindo:</font><br>
<font>- O nº 1 do artigo 1041º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a indemnização só é devida quando o arrendatário, estando em mora com rendas vencidas e não pagas, pretende manter o arrendamento;</font><br>
<font>- Não é devida quando o arrendatário tenha manifestado interesse em não manter o contrato;</font><br>
<font>- A recorrente manifestou esse interesse pelo que não há mora mas incumprimento definitivo;</font><br>
<font>- Os recorridos receberam o locado em situação que corresponde a um “distrate bilateral” nenhuma obrigação advindo para a recorrente;</font><br>
<font>- Os recorridos renunciaram a eventual direito a rendas para além de Julho de 2004, como resulta da sua carta de 12 de Fevereiro de 2004;</font><br>
<font>- Foram violados os artigos 1041º nº1, 217º nº2, 406º nº1 e 224º do Código Civil.</font><br>
<font>Não foram oferecidas contra alegações.</font><br>
<font>Vêm provados os seguintes </font><font>factos:</font><br>
<font>- Por sentença de 7 de Junho de 2005, proferida na acção que os recorridos intentaram contra a recorrente foi considerado válida a denúncia do contrato de arrendamento, nos termos acima citados;</font><br>
<font>- Os Autores são donos de uma fracção autónoma, designada por letra A) correspondente ao rés-do-chão, direito, do prédio urbano, situado no nº ..... da......., em S. João da Madeira, descrito na CRP sob o nº....... e inscrito na matriz sob o artigo nº.......;</font><br>
<font>- Por escritura pública de 12 de Março de 1981, B., C., D. e E. deram de arrendamento aquela fracção, pelo prazo de um ano, a “......., Limitada”, com inicio em 1 de Janeiro de 1981, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo;</font><br>
<font>- Sendo a renda paga no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito;</font><br>
<font>- Por escritura de divisão, outorgada em 29 de Junho de 1981 a fracção foi adjudicada a C. e B. e, por escritura de permuta de 14 de Agosto de 1981, cedida aos Autores;</font><br>
<font>- Em 15 de Maio de 1991 a sociedade “.......Limitada” adquiriu, por trespasse, titulado por escritura pública, o arrendamento da fracção;</font><br>
<font>- Que, por escritura pública de 15 de Maio de 1987 cedeu a posição de arrendatária à “Companhia de Seguros.......”, antecessora da Ré, com o consentimento dos Autores;</font><br>
<font>- A fracção destinar-se-ia ao exercício da actividade seguradora e bancária e a renda foi fixada em 200 000$00 mensais, a partir de 1 de Junho de 1997;</font><br>
<font>- Por carta de 16 de Janeiro de 2004, a Ré comunicou aos Autores a denúncia do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 29 de Fevereiro de 2004;</font><br>
<font>- Por escrito datado de 12 de Fevereiro de 2004, o Autor comunicou à Ré a recepção da carta e acrescentou: “…o contrato de arrendamento dura há mais de seis anos, pelo que o prazo de pré-aviso devia ter sido de 6 meses.</font><br>
<font>Assim, caso V.exas pretendam permanecer no local arrendado até ao final daquele prazo podem fazê-lo, caso persistam na intenção de entregar o locado em 29 de Fevereiro de 2004, informo desde já V.Exª que não prescindindo do pagamento do prazo do pré-aviso em falta, ou seja de mais cinco meses.”;</font><br>
<font>- Em 29 de Fevereiro de 2004, a Ré entregou ao Autor a chave e o locado, devidamente desocupado, tendo-o ele recebido sem qualquer objecção ou reclamação;</font><br>
<font>- A renda foi sendo sucessivamente actualizada sendo, em Janeiro de 2004, de 1185,20 euros;</font><br>
<font>- Por escritura de divisão, outorgada em 29 de Junho de 1981 a fracção foi adjudicada a C. e B. e, por escritura de permuta de 14 de Agosto de 1981, cedida aos Autores;</font><br>
<font>- Em 15 de Maio de 1991 a sociedade “........Limitada” adquiriu, por trespasse, titulado por escritura pública, o arrendamento da fracção;</font><br>
<font>- Que, por escritura pública de 15 de Maio de 1987 cedeu a posição de arrendatária à “Companhia de Seguros......”, antecessora da Ré, com o consentimento dos Autores;</font><br>
<font>- A fracção destinar-se-ia ao exercício da actividade seguradora e bancária e a renda foi fixada em 200 000$00 mensais, a partir de 1 de Junho de 1997;</font><br>
<font>- Por carta de 16 de Janeiro de 2004, a Ré comunicou aos </font><font>Autores a denúncia do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 29 de Fevereiro de 2004;</font><br>
<font>- Por escrito datado de 12 de Fevereiro de 2004, o Autor comunicou à Ré a recepção da carta e acrescentou: “…o contrato de arrendamento dura há mais de seis anos, pelo que o prazo de pré-aviso devia ter sido de 6 meses.</font><br>
<font>Assim, caso V.exas pretendam permanecer no local arrendado até ao final daquele prazo podem fazê-lo, caso persistam na intenção de entregar o locado em 29 de Fevereiro de 2004, informo desde já V.Exª que não prescindindo do pagamento do prazo do pré-aviso em </font><font>falta, ou seja de mais cinco meses.”;</font><br>
<font>- Em 29 de Fevereiro de 2004, a Ré entregou ao Autor a chave e o locado, devidamente desocupado, tendo-o ele recebido sem qualquer objecção ou reclamação;</font><br>
<font>- A renda foi sendo sucessivamente actualizada sendo, em Janeiro de 2004, de 1185,20 euros;</font><br>
<font>- A Ré para evitar o litígio pagou, em 2 de Fevereiro de 2004, a renda relativa a Março de 2004.</font><br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<font>Conhecendo,</font><br>
<font>1- Revogação bilateral.</font><br>
<font>2- Indemnização (nº1 artigo 1041º CC).</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Revogação bilateral.</font><br>
<font>A recorrente suscita, apenas, duas questões: a exigibilidade da indemnização a que se refere o nº1 do artigo 1041º do Código Civil e se ocorreu, ou não, o “distrate bilateral” do contrato de arrendamento.</font><br>
<font>Sobre este ponto, a matéria de facto provada não permite tal conclusão.</font><br>
<font>O distrate bilateral – mútuo dissenso, revogação bilateral – previsto nos artigos 50º e 62º nº1 do RAU (de 1990) representa a cessação do arrendamento por acordo das partes.</font><br>
<font>Trata-se de um negócio consensual pelo qual os outorgantes revogam, com ou sem eficácia retroactiva, um contrato anterior.</font><br>
<font>Se não contém quaisquer cláusulas e é cumprido de imediato – revogação real – com entrega, ou abandono imediato do local pelo locatário, não há exigência de forma, ainda que o arrendamento seja formal. (cf. Cons. Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano”, 7ª ed, 403 e Acórdão do STJ de 9 de Maio de 2006 – 06 A1001).</font><br>
<font>Como a revogação real assenta num acordo, entre senhorio e arrendatário, seguido de execução imediata, incumbe à Ré, que alegou tal forma de extinção, a prova dos factos concludentes.</font><br>
<font>Ora, “in casu”, apenas se provou que a Ré comunicou aos Autores o propósito de denunciar o arrendamento e que estes, chamando-lhe a atenção para a intempestividade da denúncia, exigiram o pagamento das rendas pelo período em falta, ressalvando poder a Ré, querendo, continuar a ocupar o locado durante esse período.</font><br>
<font>Não tendo optado por essa extensão, a Ré entregou a fracção desocupada e as respectivas chaves.</font><br>
<font>Só que essa entrega não pode, sem mais (e considerando a anterior comunicação dos Autores) ser conclusiva da existência de consenso gerador de revogação real.</font><br>
<font>Como se escreveu no Acórdão citado (de 9 de Maio de 2006) do mesmo Relator “o facto tal como resulta provado – simples entrega das chaves – só poderia, eventualmente, conduzir a uma conclusão da existência de consenso pela via da presunção judicial. O «id quod plerumque accidit» resultante da experiência comum (…). Acontece, porém, que este Supremo Tribunal não pode extrair aquele tipo de ilações por se tratar de pura matéria de facto e, em consequência, da exclusiva competência das instâncias (vide, neste sentido, os Acórdãos do STJ de 7 de Dezembro de 2005 – 05B3853; de 6 de Janeiro de 2006 – 05 A3517; de 26 de Janeiro de 2006 – 05B4252, entre muitos outros; artigos 26º da LOFTJ – Lei 3/99, de 13 de Janeiro e 729º nº2 e 722º nº2 do Código de Processo Civil)”.</font><br>
<font>Mas mesmo que se duvidasse da bondade deste entendimento, certo é que o termo do arrendamento nunca foi perspectivado nos autos, pela Ré, como tratando-se de revogação bilateral, mútuo dissenso, acordo revogatório ou distrate.</font><br>
<font>A Ré não invocou na primeira Instância – que, por isso, não abordou a existência desse negócio consensual – nem a Relação (que, até, usou a faculdade do nº5 do artigo 713º do CPC) de tal conheceu.</font><br>
<font>E os recursos não se destinam a criar novas decisões, mas, tão somente, à reapreciação do antes julgado.</font><br>
<font>Só demos um aceno à questão por – e por mera cautela – poder relevar como qualificação jurídica do termo do arrendamento, já que vinha posta em causa “ab initio” a validade do acto extintivo.</font><br>
<br>
<font>2- Indemnização (nº1 artigo 1041º CC).</font><br>
<font>Julgado foi, que a denúncia do contrato de arrendamento pela Ré locatária, não foi comunicado aos locadores com a antecedência mínima de sessenta dias, de acordo com a alínea b) do artigo 1055º do Código Civil.</font><br>
<font>Assente também ficou serem, por isso, devidas as rendas até ao fim do período da renovação do contrato – 31 de Dezembro de 2004 – num total de 10 666,80 euros.</font><br>
<font>Porém as instâncias condenaram, ainda, a Ré no pagamento da indemnização a que se refere o nº1 do artigo 1041º do Código Civil.</font><br>
<font>Vejamos, se bem.</font><br>
<font>O “quantum” indemnizatório foi pedido pelos Autores.</font><br>
<font>Segundo o preceito em apreço, “constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.”</font><br>
<font>O contrato extinguiu-se por denúncia do arrendatário, sendo que o mesmo se constituiu em mora quanto às rendas devidas até ao fim do período de renovação, po</font><font>r não ter realizado a denúncia com a antecedência legal.</font><br>
<font>Segundo os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, “o estabelecimento de uma antecedência mínima para a realização da denúncia justifica-se pela necessidade de proteger tanto os interesses do locatário, eventualmente necessitado de locar outra coisa para satisfação das suas necessidades, como o locador, para que possa tirar da coisa, sem grande perda de tempo, os rendimentos ou o uso que ela é capaz de lhe proporcionar.” (in “Código Civil Anotado”, II, 321).</font><br>
<font>Da leitura do nº1 do artigo 1041º acima transcrito não resulta que o pagamento da indemnização só seja obrigatório quando o locatário mantém o arrendamento.</font><br>
<font>O que acontece é que o senhorio pode – se quiser exercitar imediatamente o seu direito de resolver o contrato por falta de pagamento das rendas – ver o arrendatário fazer-lhe caducar esse direito depositando aquela indemnização (artigo 1048º do Código Civil).</font><br>
<font>O direito à indemnização pela mora está sim sujeito à condição (resolutiva) de o senhorio não obter a resolução efectiva do contrato por falta de pagamento de renda.</font><br>
<font>Não ocorrendo a resolução com esse fundamento, o locatário fica onerado por essa indemnização de 50% seja para fazer caducar o direito à resolução (com aquele fundamento) – mantendo-se no locado – seja por ressarcir o senhorio pela sua mora.</font><br>
<font>Assim vem decidindo este Supremo Tribunal em vários arestos (v.g. os Acórdãos de 22 de Junho de 1999 – BMJ 488-345 – “O direito à indemnização do artigo 1041º nº1 do Código Civil, existe sempre que haja situação de mora no pagamento de rendas, salvo quando o senhorio opte pela resolução do contrato com base nessa causa e o contrato for resolvido com base em tal fundamento.”; de 3 de Julho de 1997 – 96B933 – “A falta de pagamento das rendas, se não servir para resolver o contrato é sancionada com o nº1 do artigo 1041º (do Código Civil) ou seja, com o dever de indemnização de 50% à qual não acrescerão juros de mora.”; de 11 de Outubro de 2005 – 04B4383 – “não deriva, de resto, da lei que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador se não extingue se o locatário, voluntariamente, ainda que na pendência da acção de despejo, abandonar ou entregar o locado.”).</font><br>
<font>Não vemos razão para deixar de sufragar esta jurisprudência.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<font>De concluir que:</font><br>
<font>a) A revogação bilateral (acordo revogatório, distrate ou mútuo dissenso) assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário cuja prova tem de resultar de factos alegados por quem invoca essa forma de extinção.</font><br>
<font>b) A indemnização do nº1 do artigo 1041º do Código Civil é consequência da mora no pagamento das rendas e só não é devida se o contrato for resolvido com esse fundamento, mantendo-se, porém, quando a resolução do contrato resulta de denúncia por iniciativa do locatário.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar a revista.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 Setembro de 2006.</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wTLSu4YBgYBz1XKvXkPd | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I</font><font> - </font><br>
<br>
<font>"AA" deduziu embargos à execução que lhe foi movida por Empresa-A</font><br>
<font>Alegou, em suma:</font><br>
<font>- Nunca ter sido devedor daquela e que a letra dada à execução apenas foi por si aceite em resultado de negócio que lhe foi proposto por BB, sócio-gerente da exequente e Presidente da Associação Naval 1º de Maio, para que ele pudesse receber parte da verba que a associação desportiva lhe devia por ter sido treinador da sua equipa de futebol, na quantia de 4.200.000$00.</font><br>
<font>- Que aquele descontaria junto de um banco, pagando o respectivo montante ao embargante e, enquanto presidente daquela agremiação desportiva, garantindo que seria esta responsável por inteiro da letra junto da citada entidade bancária.</font><br>
<font>- Que a actuação da embargada foi consciente e em seu detrimento, sendo-lhe, por isso, oponíveis as excepções fundadas nas suas relações pessoais com o sacador, peticionando a procedência dos presentes embargos e a consequente extinção da execução, bem como a condenação da embargada como litigante de má-fé.</font><br>
<br>
<font>A exequente-embargada contestou, pedindo a improcedência dos embargos, alegando a existência de um empréstimo efectuado por BB ao executado-embargante, em face das dificuldades económicas da Associação Naval 1º de Maio em pagar a este, tendo entretanto a letra sofrido algumas reformas, que alega terem sido pagas por BB, e ter recebido a referida letra por endosso deste, concluindo estar de boa-fé e não ter agido com a consciência de prejudicar o embargante, não lhe sendo oponíveis as excepções fundadas nas relações pessoais com o sacador.</font><br>
<br>
<font>O processo seguiu para julgamento, vindo, afinal a ser julgados improcedentes os embargos deduzidos.</font><br>
<br>
<font>Com esta decisão não se conformou o embargante que apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo esta proferido decisão revogando a da 1ª Instância e julgando, pois, os embargos procedentes.</font><br>
<br>
<font>Foi a vez da exequente-embargada recorrer para este STJ, pedindo revista do acórdão proferido, tendo, para o efeito, apresentado as respectivas alegações que concluiu do seguinte modo:</font>
<p><font>- A sentença proferida em 1ª Instância deve ser integralmente confirmada, decidindo-se pela improcedência dos embargos de executado.</font>
</p><p><font>- A letra é um título cambiário que obedece aos princípios da literalidade, abstracção e autonomia, sendo inoponíveis ao portador mediato as excepções decorrentes das relações pessoais entre o devedor aceitante e o sacador ou anteriores portadores, cf. decorre do art. 17° da LULL.</font>
</p><p><font>- A matéria de facto foi assente em 1ª Instância e dela não podem conhecer as instâncias superiores.</font>
</p><p><font>- Desde logo, o devedor não logrou provar a inexistência de um direito cartular subjacente ao próprio título, pelo que ele existe tal e qual como está conformado no título, não provando o embargante executado que foi «forçado» a aceitar a letra.</font>
</p><p><font>- Ainda que assim se não entendesse ao embargante executado competiria provar os pressupostos constitutivos do seu direito e </font><font>in casu</font><font> os pressupostos do preenchimento da excepção à inoponibilidade prevista no artigo 17°</font>
</p><p><font>- O embargante não provou que a recorrente, portadora mediata e exequente, tenha procedido, ao adquirir a letra, conscientemente em detrimento do devedor. Ficando-se por uma mera conclusão de que pretenderia obviar à utilização dos seus meios de defesa face ao sacador, não alicerçada em quaisquer factos, </font><font>maxime</font><font> na inexistência de um direito de crédito da Recorrente sobre o BB.</font>
</p><p><font> - O acórdão recorrido violou, assim, o art. 17° da LULL.</font>
</p><p><font>- O acórdão recorrido não respeitou a separação entre a pessoa jurídica da recorrente e o seu sócio gerente BB, fazendo um quase levantamento da personalidade jurídica daquela primeira, sem qualquer fundamentação.</font>
</p><p>
</p></font><p><font><font>O recorrido, em contra-alegações, defendeu a manutenção do acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font>II</font><font> - </font><br>
<br>
<font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<br>
<font>1</font><font> - Na letra junta aos autos principais consta, nomeadamente, como local e data de emissão, Figueira da Foz, 04/06/1999, vencimento, 04/09/1999, importância, 4.500.000$00, e no local do sacador está o nome BB e assinatura do mesmo, e no local do aceite está a assinatura de AA, o ora embargante.</font><br>
<font>2</font><font> - No verso de tal documento antecedido da assinatura de BB, consta o carimbo da gerência da ora embargada Empresa-A, seguido de uma assinatura.</font><br>
<font>3</font><font> - "BB" é o Presidente da Associação Naval 1º de Maio.</font><br>
<font>4</font><font> - "BB" é sócio gerente da Empresa-A, ora embargada.</font><br>
<font>5</font><font> - O embargante foi treinador da associação desportiva Associação Naval 1º de Maio entre sensivelmente a segunda quinzena de Março e Agosto de 1999.</font><br>
<font>6</font><font> - Conforme a cláusula VII do acordo escrito subscrito pelo ora embargante e a Associação Naval 1º de Maio, junto a fls. 8 a 11, intitulado "contrato de trabalho", o ora embargante, na qualidade de treinador da equipa de futebol sénior da Associação Naval 1º de Maio, teria a receber desta, no mês de Junho de 1999, a quantia de 4.200.000$00, a acrescer ao seu vencimento.</font><br>
<font>7</font><font> - Em Junho de 1999, a Associação Naval 1º de Maio, pela pessoa de seu presidente, BB, comunicou ao ora embargante que não tinha disponibilidade financeira para lhe pagar directamente a referida quantia de 4.200.000$00.</font><br>
<font>8</font><font> - Mais lhe comunicou que para que o ora embargante pudesse receber a referida quantia monetária, teria que subscrever, como aceitante, uma letra de câmbio sacada por BB.</font><br>
<font>9</font><font> - Tendo, assim, vindo o ora embargante e o BB a subscrever o documento - letra de câmbio - referido supra.</font><br>
<font>10</font><font> - Tal letra veio depois a ser apresentada a pagamento junto de uma instituição bancária, e recebido desta o correspondente valor, o BB, entregou ao ora embargante a quantia de 4.250.000$00.</font><br>
<font>11</font><font> - Na data de vencimento da letra aludida supra, o ora embargante subscreveu como aceitante uma outra letra de montante inferior, a fim de proceder à substituição daquela primeira, tendo-se essa operação repetido por diversas vezes.</font><br>
<font>12</font><font> - Nunca foram entregues ao ora embargante os originais da letra aludida supra, nem das letras subscritas para substituir aquela.</font><br>
<font>13</font><font> - Em 27 de Outubro de 1999, o ora embargante intentou no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, acção declarativa de processo comum ordinário, contra a "Associação Naval 1º de Maio" para cobrança de créditos que lhe eram devidos em virtude da supra aludida relação de trabalho, tendo a mesma terminado por transacção, celebrada em data anterior à da entrada em juízo da execução a que os presentes embargos se encontram apensos, sendo que na cláusula 3ª dessa transacção, pelas aí partes foi consignado que "se encontra paga a totalidade da letra referida nos artigos 13º e 14º da petição inicial".</font><br>
<font>14</font><font> - A letra referenciada nessa transacção é a referida supra.</font><br>
<font>15</font><font> - O BB não recebeu qualquer quantia monetária da "Associação Naval 1º de Maio", referente à letra aludida supra.</font><br>
<br>
<font>III</font><font> - </font><br>
<font>Quid iuris?</font><br>
<br>
<font>Cumpre-nos apreciar o mérito do recurso, limitado o conhecimento do mesmo pelas respectivas conclusões, tal como preceituam os arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC.</font><br>
<font>As conclusões indicam, de forma sintética, as razões de discordância do recorrente em relação à decisão impugnada.</font><br>
<font>A esta luz, teremos de dizer que as 2ª e 3ª "conclusões"apresentadas pela recorrente não manifestam nenhuma discordância em relação ao aresto da Relação de Coimbra aqui em apreciação.</font><br>
<font>De facto, sabe-se que a letra é um título cambiário e que, enquanto tal, goza das características da literalidade, da abstracção e da autonomia.</font><br>
<font>Isso não foi posto em causa, nem podia ter sido, pelo Tribunal recorrido.</font><br>
<font>Na linha do já explanado na decisão da 1ª Instância a respeito do enquadramento teórico dos regimes dos títulos de crédito </font><font>(cfr</font><font>. fls. 128 a 131), o Tribunal da Relação não deixou de sublinhar, antes de se debruçar sobre a factualidade dada colmo provada, sobre tais características (</font><font>cfr</font><font>. fls. 197).</font><br>
<font>Não há, assim, que discutir, nesta sede de recurso, as características da letra de câmbio.</font><br>
<br>
<font>De igual modo, ninguém pôs em crise a matéria de facto apurada e nem a Relação considerou a mesma como passível de censura no âmbito dos seus poderes de apreciação consignados na 1ª parte da al. a), da al. b), do nº 1 e dos nºs 2 e 4 do art. 712º do CPC.</font><br>
<font>Tão-pouco se nos antolha, à partida, que, atenta a excepcionalidade da circunstância prevista no nº 2 do art. 729º do mesmo diploma adjectivo, seja o caso dos presentes autos sujeito a alteração de matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Ou seja, em relação às 2º e 3ª "conclusões" da recorrente nada há a dizer pela singela razão de que, a respeito do seu conteúdo, nada foi posto em crise.</font><br>
<br>
<font>Já no que toca à 1ª conclusão, saber se a decisão proferida deve ser integralmente confirmada, teremos de dizer que esse é o cerne do problema que nos ocupa.</font><br>
<font>Se, eventualmente, chegarmos à conclusão que o acórdão da Relação de Coimbra deve ser censurado, naturalmente que se nos coloca a questão de saber se aquela decisão será, ao cabo e ao resto, para subsistir.</font><br>
<br>
<font>A ver vamos...</font><br>
<font>Passemos, pois, à abordagem das questões postas à nossa consideração pela recorrente, a saber:</font><br>
<br>
<font>1ª - Saber se o devedor não logrou provar a inexistência de um direito cartular subjacente ao próprio título.</font><br>
<font>2ª - Da obrigação do embargante de provar os pressupostos constitutivos do seu direito e </font><font>in casu</font><font> os pressupostos do preenchimento da excepção à inoponibilidade prevista no art. 17º da L.U.</font><br>
<font>3ª - Da não prova de ter a exequente procedido, ao adquirir a letra, conscientemente em detrimento de devedor.</font><br>
<font>4ª - Do desrespeito pelo princípio da separação entre a personalidade jurídica da recorrente e de seu sócio gerente BB.</font><br>
<br>
<font>Ora bem.</font><br>
<font>Prescreve o art. 17º da L.U.:</font><br>
<font>"As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor."</font><br>
<br>
<font>Daqui surge a normal conclusão de que no domínio das relações mediatas - como é o caso dos presentes autos, em que a exequente é titular da letra ajuizada por virtude de endosso e o executado é o aceitante -, só é possível à pessoa accionada opor excepções desde que o portador tenha ao adquirir a letra procedido conscientemente em detrimento do devedor.</font><br>
<br>
<font>Lógico, assim, que nos preocupe, desde já, saber se ficou apurado pelas instâncias matéria de facto suficiente que nos permita concluir pela verificação deste requisito.</font><br>
<br>
<font>Sendo certo que é ao embargante que cabe a prova dos factos impeditivos do direito reclamado pelo exequente, temos, deste modo, que saber se aquele alegou e provou a factualidade relativa a tal matéria excepcional.</font><br>
<br>
<font>Mas, antes de procurarmos responder à pergunta que nos angustia, é bom sabermos o que é que o legislador pretende significar ao falar em "tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor".</font><br>
<br>
<font>Debruçando-se concretamente sobre este ponto, Ferrer Correia deixou dito que "proceder conscientemente em detrimento" não é simplesmente ter agido de má fé, antes se exige, "além do simples conhecimento, que o portador tenha agido, ao adquiri-la, com a consciência de causar um prejuízo ao devedor".</font><br>
<font>E, interrogando-se sobre quando se verifica a consciência de causar este prejuízo, respondeu, com a dúvida dos Mestres: "Ao que parece, quando o portador «tenha tido conhecimento da existência e legitimidade das excepções que o devedor poderia opor ao endossante" (</font><font>in</font><font> Lições de Direito Comercial - Vol. 3, Letra de Câmbio -, pág. 68 e 69).</font><br>
<br>
<font>Paulo Sendin, a respeito de se saber quando é que um transmitente pode sofrer detrimento com a aquisição da letra por ulterior adquirente mediato, explica-se do seguinte modo:</font><br>
<font>"O transmitente é </font><font>mediato</font><font> face ao adquirente com a consciência de o prejudicar. Ora, o adquirente recebe a letra do seu endossante e é a ele que realiza o seu valor patrimonial actual com a aquisição, sendo destinatário directo, também, do valor patrimonial formado pelo </font><font>transmitente anterior</font><font>, </font><font>mediato</font><font>.</font><br>
<font>Quando o endossado, ao adquirir o título, sabe que o seu endossante, a quem satisfez o valor patrimonial actual, só lho pode transmitir porque o endosso pelo qual, por sua vez, adquiriu a letra </font><font>ainda não anulada</font><font> - não só tem, assim, esse transmitente direito a anulá-lo, como sem dúvida o faria se ele entretanto </font><font>não adquirisse</font><font> a letra -, então, ao adquiri-la, procede conscientemente em detrimento desse mediato transmitente" (</font><font>in</font><font> Letra de Câmbio, Vol. II, pág. 710).</font><br>
<br>
<font>Aqui chegados, há que perguntar, desde já, se o embargante alegou e provou factos que permitam concluir que a exequente tinha conhecimento, no momento de aquisição da letra, da possibilidade de o executado opor ao endossante excepções fundadas sobre as relações pessoais.</font><br>
<br>
<font>Em relação ao elemento que estamos a apreciar, o embargante alegou apenas o seguinte:</font><br>
<font>"A Empresa-A sempre soube, por intermédio daquele seu sócio gerente, que a letra em causa não titulava qualquer verdadeiro e real débito do ora embargante para com o sacador da letra, BB"; e</font><br>
<font>"O mesmo é dizer que quer o endossante (BB) quer a endossada (aqui embargada) tinham conhecimento que não existia qualquer relação causal (ou negócio) relativamente a tal letra".</font><br>
<font>Foi com base nestes dois factos que o embargante acabou por concluir que "..., ao adquirir a letra e ao tentar com ela cobrar créditos que sabia não existirem, a embargada procedeu conscientemente em detrimento do ora embargante" - </font><font>cfr</font><font>. art. 36º da petição de embargos.</font><br>
<font>Esta matéria foi considerada impugnada (a embargada limitou-se a dizer que estava de boa fé, e "não agindo com a consciência de prejudicar o embargante" - </font><font>cfr</font><font>. art. 21º da contestação) e daí que tivesse merecido acolhimento na base instrutória, mas foi dada como não provada.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Independentemente de se poder discutir se a matéria referida era, de </font><font>per se</font><font>, suficiente para caracterizar a hipótese legal, o certo é que a mesma não ficou provada. </font><br>
<font>Ou seja, não conseguiu o embargante fazer a prova dos factos por si alegados com vista a alcançar a conclusão de que a exequente procedeu em seu detrimento.</font><br>
<font>Obtida resposta para a 3ª questão elencada, poderíamos dizer que nada mais era necessário para justificar o naufrágio da tese avançada pela Relação de Coimbra, repondo, desta forma, o julgado em 1ª Instância.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Só que, o Mº juiz do Tribunal judicial da Figueira da Foz seguiu metodologia diferente para chegar ao mesmo resultado: começou por apreciar as excepções arguidas pelo embargante, julgando-as improcedentes para, em face de tal consideração, considerar prejudicado o conhecimento desta questão do "detrimento".</font><br>
<br>
<font>Por isso mesmo, não olvidando o disposto no nº 2 do art. 660º do CPC, que obriga o juiz a resolver todas as questões que tenha sido submetidos à sua apreciação, </font><font>excepção feita àquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras</font><font>, entendemos dever apreciar, malgrado o já exposto e decisivo para a sorte da lide, as restantes questões colocadas à nossa apreciação de modo a ficar, de vez, tudo esclarecido.</font><br>
<br>
<font>O embargante alegou, em defesa da sua tese, toda uma série de relações negociais entre si, a Naval 1º de Maio e entre esta e a exequente (</font><font>cfr</font><font>. arts. 8º a 16º da petição de embargos), concluindo ter sido forçado por força das circunstâncias alegadas a subscrever a letra dada à execução e, ainda, pela inexistência de qualquer débito entre ele e o sacador da letra (sócio gerente da exequente e presidente da Naval 1º de Maio).</font><br>
<font>Parte desses factos, porque impugnados, foram levados à base instrutória (</font><font>cfr</font><font>. quesitos 1º a 6º), mas todos eles receberam respostas negativas (</font><font>cfr</font><font>. fls. 54 e 55).</font><br>
<font>Por isso mesmo, o julgador da 1ª Instância considerou - e bem - como não provada a matéria integrada das excepções invocadas:</font><br>
<font>"...não se provou, designadamente, que o embargante foi forçado a subscrever como aceitante a letra de câmbio para receber tal quantia...nada se provou quanto aos vícios alegados relativamente à convenção executiva, causa próxima do negócio cambiário".</font><br>
<font>E, em relação ao negócio causal, disse o seguinte:</font><br>
<font>"... a causa remota do negócio cambiário, ficou apenas provado o incumprimento pela Associação Naval 1º de Maio das quantias referentes ao contrato laboral desportivo de que o embargante era credor, o que não pode considerar-se, atenta a factualidade provada, como um verdadeiro negócio causal da emissão da letra, atento o teor da convenção executiva expressa na letra, porquanto naquele o embargante assume a veste de credor e na letra por si subscrita assume a veste de devedor".</font><br>
<font>E, por força destes considerandos, concluiu pela inexistência de </font><font>causa debendi</font><font>.</font><br>
<br>
<font>O embargante, na ânsia de provar a todo o custo a sua tese, veio mesmo dizer que "o que queria era receber o que lhe era devido; se com isso tinha que «assinar» uma letra, pouco lhe importava que essa assinatura figurasse como sacador ou aceitante (aliás, o cidadão comum, não habituado a este tipo de transacções, não faz a menor ideia de quais sejam as diferentes consequências entre figurar como sacador ou como aceitante)".</font><br>
<font>Com todo o devido respeito - e é todo - não podemos aceitar esta argumentação.</font><br>
<font>Desde logo porque, nos dias que correm o vulgar cidadão, infelizmente, sabe perfeitamente o que é uma letra e o que representa ser aceitante, sacador, sacado ou até avalista.</font><br>
<font>E, depois, porque, todos o sabemos, não é indiferente figurar no título como sacador ou como aceitante: ali é credor, aqui surge como devedor.</font><br>
<br>
<font>Mais disse que "olhados os factos provados, nenhuma relação jurídica se encontra em que em que o recorrido (aceitante da letra) seja devedor, nenhum facto há que aponte para existência de qualquer débito ou obrigação por parte do recorrido".</font><br>
<font>Sendo certo que era a ele - enquanto embargante - que competia provar tal asserção (vertida, aliás, no art. 34º da petição de embargos), a verdade é que não conseguiu fazer tal prova, como resulta da resposta negativa dada ao quesito 6º.</font><br>
<br>
<font>E, na linha argumentativa já apresentada ao Tribunal da Relação de Coimbra, insistiu na ideia de que o que os factos constantes dos pontos 7, 8 e 9 supra mencionados são suficientes para permitir a conclusão que " a relação subjacente (ou causa remota) da emissão da letra é o contrato de trabalho desportivo celebrado entre a Associação Naval 1º de Maio e o aqui recorrido e a daí decorrente obrigação daquela em pagar a este os falados 4.200.000$00".</font><br>
<font>Mas, pelo que já ficou dito, forçoso é concluir pela irrelevância de tais factos para a decisão do pleito: é, aliás, de todo incompreensível que alguém julgando-se credor de uma determinada importância, afirme solenemente que é devedor.</font><br>
<font>Que algo se deve ter passado entre a pessoa do sacador da letra, a Naval 1º de Maio, a exequente (sendo certo que o 1º é sócio gerente da 2ª e presidente da 3ª) e o executado, não será difícil de perscrutar.</font><br>
<font>Mas, aos tribunais só compete a apreciação e o julgamento dos factos que as partes ponham à sua consideração (</font><font>cfr</font><font>. art. 264º, nºs 1 e 2 do CPC) ...</font><br>
<font>Em suma, a decisão proferida pelo Mº juiz da Concelho-A não sofre de qualquer erro na apreciação das questões que as partes puseram à sua consideração.</font><br>
<br>
<font>Não merecia, pois, a revogação do Tribunal da Relação de Coimbra.</font><br>
<br>
<font>Desta forma, pelo que já ficou referido, não podemos aceitar como boa tal decisão.</font><br>
<font>Desde logo, a Relação de Coimbra assentou numa conclusão, a nosso ver errada, como resulta:</font><br>
<font>"...temos de concluir que se encontra provado que o embargante, ao aceitar a letra, fê-lo para poder receber a quantia de 4.200.000$00 que lhe era devida pela «Associação Naval 1º de Maio», de que o sacador BB era presidente. E, nessa qualidade, comunicou ao ora embargante que aquela Associação não tinha disponibilidade financeira para lhe pagar directamente (...) a quantia monetária e que, para o ora embargante poder receber a aludida quantia teria de subscrever uma letra de câmbio sacada pelo BB.</font><br>
<font>Verifica-se, assim, com toda a evidência, que na base da subscrição da letra de câmbio está apenas o crédito laboral detido pelo ora embargante sobre a sua entidade patronal «Associação Naval 1º de Maio», e que o BB não era credor do embargante, visto não ter sido celebrado entre eles qualquer negócio que justificasse o aceite, pelo embargante, da referida letra de câmbio".</font><br>
<br>
<font>Ou seja, para o Tribunal da Relação de Coimbra é de todo indiferente que uma pessoa subscreva uma letra como aceitante (devedor) ou como sacador (credor): não pode ser!</font><br>
<font>Acresce que a última afirmação - não prova de qualquer negócio a justificar o aceite - não foi feita, como resulta cristalinamente da resposta ao já referido quesito 6º.</font><br>
<br>
<font>Da má análise das excepções, partiu a Relação para exame do requisito exigido pela parte final do art. 17º para que o portador mediato possa invocar aquelas, o "detrimento".</font><br>
<font>E, a este propósito, disse o seguinte:</font><br>
<font>"No presente caso, tendo em consideração que o endossante BB é sócio-gerente da endossada «Empresa-A», tem de se concluir que esta tinha conhecimento de que não existia qualquer obrigação causal e que, ao adquirir a letra, tinha consciência de estar a prejudicar o devedor, ora embargante, mais não pretendendo, como invoca este na sua alegação do recurso, obviar à possibilidade de defesa por parte do mesmo embargante, mediante a invocação das supra referidas excepções.</font><br>
<font>A corroborar tal entendimento está o factualismo constante das als. N e O dos factos assentes, segundo o qual, em 27/10/1999, o ora embargante intentou no Tribunal de Trabalho da Figueira da Foz uma acção contra a «Associação Naval 1º de Maio» para cobrança de créditos laborais que lhe eram devidos por essa mesma Associação, tendo a acção terminado por transacção, celebrada em data anterior à da entrada em juízo da execução a que os presentes embargos se encontram apensos, tendo as partes consignado, na cláusula 3ª dessa transacção, que «se encontrava paga a totalidade da letra referida nos arts. 13ºe 14º da petição inicial (que é a letra em causa nos presentes autos)".</font><br>
<br>
<font>Para além destas considerações nada terem a ver com o que se exige para, à luz dos ensinamentos doutrinais que colhemos, a verificação do tal "detrimento", o certo é que o Tribunal da Relação de Coimbra fez tábua rasa de tudo o que se apurou, melhor, não se apurou no julgamento da matéria de facto.</font><br>
<font>Mas, mais: acabou por confundir a personalidade jurídica do sacador com a da exequente e até com a da Associação 1º de Maio.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, como sabemos, as pessoas colectivas são juridicamente autónomas em relação às pessoas dos seus membros; como assim, os actos e situações jurídicas imputadas a uma ou outra pessoa jurídicas não podem ser imputadas aos seus membros: é o que resulta do princípio da separação sempre coenvolvido pela personalidade colectiva.</font><br>
<font>É claro que, como sublinha Pedro Pais de Vasconcelos, "a autonomia pessoal e patrimonial das pessoas colectivas é susceptível de ser abusada", sendo que o Direito está atento, como não podia deixar de estar, à realidade hodierna de uma determinada pessoa "criar" uma determinada sociedade ou outra pessoa jurídica de carácter colectivo, para alcançar determinados fins.</font><br>
<font>Quando tal acontece - e todos sabemos que acontece - estamos perante a chamada desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva (ela "ocorra quando, não obstante a separação entre as esferas jurídicas da pessoa colectiva e dos respectivos sócios, inerente à personalidade colectiva, o Direito imputa ao sócio a autoria ou a responsabilidade de actos da pessoa colectiva, ou vice-versa, como se no caso concreto, personalidade colectiva não houvesse, sem que por isso, a existência e a personalidade da pessoa colectiva seja denegadas").</font><br>
<font>A desconsideração terá, pois, de ser sempre pensada no quadro da fraude à lei, como acaba por reconhecer o A. citado: "quando se verifiquem os pressupostos da fraude à lei, nas suas modalidades subjectiva e objectiva, poderá ser desconsiderada a personalidade colectiva" (</font><font>vide</font><font>, Teoria Geral do Direito Civil - 2ª edição -, pág. 180 e ss.).</font><br>
<font>Mas estas considerações a propósito da desconsideração da personalidade colectiva servem apenas para demonstrar a da confusão que a Relação de Coimbra fez entre o sacador da letra, a portadora e o invocador credor do executado, Associação Naval 1º de Maio.</font><br>
<font>Que se saiba, o sacador não é o sócio-gerente, nem a Naval o seu presidente: injustificadas, a todos títulos, as razões invocadas no acórdão recorrido para justificar a conclusão da verificação do "detrimento", o mesmo é dizer, para legitimar a invocação de excepções.</font><br>
<br>
<font>Em conclusão:</font><br>
<font>Não ficou provado que o embargante tivesse provado que o endossante da letra ajuizada tivesse procedido conscientemente em seu detrimento, razão de sobra para, desde logo, os embargos serem julgados improcedentes.</font><br>
<font>Outrossim, não ficaram provadas também as alegadas excepções que eventualmente pudessem responsabilizar a portadora legítima do título.</font><br>
<br>
<font>Como assim, teremos de, mais uma vez, dizer que a decisão da 1ª Instância está certa e que não era merecedora da censura que o Tribunal da Relação de Coimbra lhe fez.</font><br>
<br>
<font>IV</font><font> - </font><br>
<br>
<font>Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, concede-se a revista e mantém-se a decisão da 1ª Instância.</font><br>
<font>Custas pelo recorrido.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 27 de Junho de 2006</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VDKUu4YBgYBz1XKvsx4O | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I - Relatório </font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA</font></b><font> intentou e fez seguir contra </font><b><font>BB, Lda</font></b><font> a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e se: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>a) Declare válida a resolução do contrato de financiamento para aquisição a crédito do veículo automóvel de marca M..., modelo M... Sport com a matrícula …-FH-…; </font>
</p><p><font>b) Condene a ré a reconhecer que o referido veículo pertence à autora; </font>
</p><p><font>c) Condene a ré na entrega definitiva à autora do veículo automóvel de marca M..., modelo M... Sport com a matrícula …-FH-… e respectivos documentos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto, e em síntese, alegou ter financiado a ré, no exercício da sua actividade de financiamento para aquisição a crédito de veículos automóveis, na aquisição do veículo M... Sport, vendido pela M... … de Portugal Lda. </font>
</p><p><font>Para garantia do reembolso do montante financiado de € 49.692,00 foi constituída uma reserva de propriedade a favor da vendedora registada, a M... … de Portugal, Lda, tendo esta lhe cedido, com o consentimento da ré, a titularidade da referida reserva de propriedade, registada na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, a favor da autora. </font>
</p><p><font>Mais alegou que, embora a ré tenha assumido a obrigação de pagar-lhe uma prestação mensal no montante de € 828,20 por um período de 60 meses, não lhe pagou a 2.ª prestação, nem efectuou mais qualquer outro pagamento. </font>
</p><p><font>Adiantou ter interpelado a ré para pôr termo à mora e, posteriormente, devido ao silêncio desta, notificou-a por carta registada com aviso de recepção da resolução do contrato de financiamento. </font>
</p><p><font>Finalmente, alegou que, não obstante a apreensão do veículo no âmbito duma providência cautelar, o mesmo não se passou com toda a documentação de molde a permitir a sua posterior venda. </font>
</p><p><font>A ré foi citada editalmente, tendo o M. P., em sua representação por ausente em parte incerta, contestado a acção, pugnando pela improcedência desta e consequente absolvição. </font>
</p><p><font>Em síntese, sustentou que o contrato celebrado nos presentes autos não foi um contrato de compra e venda a prestações, de alienação, mas antes um contrato de crédito. Não se justificando, assim, a condenação da ré a restituir à autora o dito veículo automóvel, nem existindo fundamento para que seja reconhecido o invocado direito de propriedade do mesmo veículo. </font>
</p><p><font>Finalmente sustentou que a reserva de propriedade só é admissível em benefício do alienante, pois só este é que pode reservar para si o que já possui, ou seja, a propriedade da coisa. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A autora replicou defendendo a improcedência da excepção deduzida e a condenação da ré conforme peticionado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Findos os articulados, o Mm.º Juiz </font><i><font>a quo</font></i><font> proferiu saneador-sentença cuja parte decisória é do seguinte teor: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«Julga-se a acção parcialmente procedente, julgando o contrato celebrado entre as partes validamente resolvido pelo autor. No mais absolvo a ré dos restantes pedidos».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada com tal decisão, a autora interpôs recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão onde ficou exarada a seguinte decisão:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência: </font>
</p><p><font>- Revoga-se a decisão recorrida na parte em que absolveu a ré dos restantes pedidos (condenação da ré a reconhecer que o referido veículo pertence à autora e condenação da ré na entrega definitiva à autora do veículo automóvel de marca M..., modelo M... Sport com a matrícula …-FH-… e respectivos documentos); </font>
</p><p><font>- Condena-se a ré a reconhecer que o referido veículo, financiado pela autora, pertence a esta e ainda a proceder à entrega definitiva à autora do veículo automóvel de marca M..., modelo M... Sport com a matrícula …-FH-… e respectivos documentos. </font>
</p><p><font>- Mantendo-se, no mais, o decidido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas a cargo da ré, em ambas as instâncias».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada, interpõe recurso de revista a Magistrada do Ministério Público, em representação da Ré ausente, apresentando na sua alegação de recurso as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«1. A Autora é uma instituição de crédito e foi financiadora da Ré para a aquisição de um veículo de Marca M..., matrícula …-FH-….</font>
</p><p><font>2. A Autora celebrou com a Ré um contrato de mútuo (art. 1142.º do C.C.), para financia a aquisição do referido veículo.</font>
</p><p><font>3. A Autora inscreveu a seu favor a reserva de propriedade da viatura.</font>
</p><p><font>4. Nos termos legais, a reserva de propriedade só pode ser estipulada, no âmbito do contrato de compra e venda, a favor e em benefício do alienante, operando como condição suspensiva do efeito translativo do contrato.</font>
</p><p><font>5. Como forma de salvaguarda do vendedor, proprietário da coisa, e a favor do qual se constitui a reserva de propriedade, só se transferindo a mesma, em regra depois de pago integralmente o preço.</font>
</p><p><font>6. A Autora é terceira relativamente ao contrato de compra e venda do veículo.</font>
</p><p><font>7. Nunca tendo sido dona da viatura, não podia reservar para si a propriedade da mesma.</font>
</p><p><font>8. Já que a constituição da reserva a favor de um sujeito jurídico pressupõe a titularidade por este da propriedade da coisa, titularidade que o alienante mantém em reserva, durante a execução do contrato, sendo o comprador titular de um direito real de aquisição.</font>
</p><p><font>9. A reserva de propriedade constituída a favor do alienante não incide sobre a essência do contrato de compra e venda, apenas operando sobre o efeito translativo do mesmo, ou seja, sobre a transferência da propriedade do vendedor para o comprador, sendo a transmissão da propriedade diferida para momento posterior.</font>
</p><p><font>10. Pelo que a cedência pela vendedora M... da reserva de propriedade de que era titular à Autora, não tem como corolário que a Autora adquira a propriedade da coisa.</font>
</p><p><font>11. O acórdão recorrido sufraga o entendimento de que a reserva em causa é permitida, atento o princípio da liberdade contratual.</font>
</p><p><font>12. Mas o princípio da liberdade contratual, sendo muito amplo entre nós, está balizado por limites, precisamente aqueles que a lei lhe impõe, nos termos do art. 405.º, n.º 1 do CC.</font>
</p><p><font>13. Assim sendo, a reserva de propriedade inscrita a favor da Autora/financiadora é injustificável e foi feita à revelia da lei, sendo nula.</font>
</p><p><font>14. Face ao exposto, julgando válida a reserva da propriedade do veículo M..., com matrícula …-FH-…, a favor da financiadora da aquisição, e tendo condenado a Ré a entregar tal veículo e os respectivos documentos à Autora e a reconhecer que o mesmo lhe pertence, o douto Acórdão recorrido efectuou incorrecta interpretação dos normativos legais aplicáveis, e designadamente, dos arts 15.º, 18.º, n.º1, 19.º e 21.º do DL 54/75, e dos arts 405.º, n.º 1, 408.º e 409.º do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Termos em que deverá ser revogado, repristinando-se a sentença proferida na primeira instância, e absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados pela Autora nas alíneas b) e c) da petição inicial, assim se concedendo a revista.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA PLC </font></b><font>apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>A. </font></b><font>Contrariamente ao alegado pela Apelante, a reserva de propriedade foi constituída no âmbito de um contrato de alienação, nomeadamente no âmbito do contrato de compra e venda do veículo, celebrado entre a M... Portugal (vendedora) e a ora Apelante (compradora), conforme resulta claro do contrato junto domo Doc. 1 na Petição Inicial e da Certidão Narrativa junta sob. Doc. 2 no mesmo articulado.</font>
</p><p><font>B. Dispõe o n.º 1 do art. 409.º do Código Civil: </font><i><font>"Nos contratos de alienação é licito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento".</font></i>
</p><p><font>C. A redacção do referido artigo é clara e inequívoca: a reserva de propriedade pode ser condicionada ao cumprimento das obrigações da outra parte (normalmente o pagamento do preço por parte do comprador) ou até à verificação de qualquer outro evento.</font>
</p><p><font>D. Eventuais limitações como a alegada pela Apelante – que a reserva de propriedade apenas pode ser constituída em benefício do alienante – não resultam nem da Lei, nem, no presente caso, da vontade das partes.</font>
</p><p><font>E. O conceito de "qualquer outro evento" permite abarcar realidades como sejam a satisfação de crédito de terceiro que não o reservatário originário, nada impedindo, por isso, a constituição, tal como foi efectuada, de uma reserva de propriedade a favor da entidade que financiou a aquisição do veículo automóvel, pela reservatária originária do mesmo.</font>
</p><p><font>F.</font><b><font> </font></b><font>Tal conceito permitirá inegavelmente enquadrar</font><b><font> </font></b><i><font>“as obrigações emergentes de um contrato de financiamento em que o próprio vendedor tenha outorgado, ou de cujo clausulado resulte para ele um interesse relevante”</font></i><font> (Acórdão da Relação de Lisboa n.º 7622/00 de 26 de Julho de 2000 - não publicado).</font>
</p><p><font>G. O interesse relevante no presente caso resulta claro do esquema de aquisição descrito nos autos que permite observar que a vendedora e a mutuante são entidades que, embora distintas, se encontram comercialmente associadas, e que a comercialização de veículos quando não é feita a pronto pagamento, apenas é possível existindo o financiamento do capital necessário pela ora Apelada, tendo, consequentemente, a vendedora do veículo todo o interesse no cumprimento integral pela Apelante do contrato de financiamento celebrado com a Apelada. </font>
</p><p><font>H. É também este o entendimento constante do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 06.05.2010, onde é relatora a Exma. Desembargadora Carla Mendes, disponível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>: </font><i><font>"É na relação pagamento integral do preço da coisa vendida/transferência da sua propriedade que o pactum reservati dominii encontra a sua razão de ser e daí que é perfeitamente admissível a constituição de reserva de propriedade com vista a garantir os direitos de crédito emergentes de um contrato de mútuo cuja finalidade última é a de assegurar o pagamento da coisa ao seu alienante, o que, de resto, sempre acolheria protecção na própria lei, que permite como condicionante à transferência de propriedade, qualquer outro evento futuro que não apenas o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de compra e venda"</font></i><font> - cfr. Ac. Rlx de 5.5.2005, relator Carlos Valverde, de 20.10.2005, relatora Fátima Galante, de 26.4.3007, relatora Manuela Gomes e de 6.3.2007, relatora Graça Amaral, in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>I. </font><i><font>"Estamos em presença de dois contratos autónomos - um contrato de compra e venda e um contrato de mútuo - com ligação funcional entre ambos sendo certo que se encontra registada a favor da financiadora a reserva de propriedade. Os dois contratos coexistem/conexos, mantendo cada um deles a sua autonomia estrutural e formal. Estamos perante uma "relação jurídica triangular" - vendedor (vendeu o veículo em causa), ré (compradora do veículo) e a autora/financiadora (mutuante do preço devido à ré para a aquisição do veículo) - vd. Voto de vencido in Ac. </font></i><i><u><font>STJ in </font></u></i><i><u><font>www.dgsi.pt/jstj.nsf/954</font></u></i><i><font>. A nossa lei consagra o princípio da liberdade contratual em que as partes podem fixar livremente o conteúdo dos contratos. Tendo as partes celebrado o contrato nestes termos, constituído a favor da financiadora a cláusula de reserva de propriedade, a conclusão é a de que as partes, no âmbito da liberdade contratual (art. 405.° c.c.) visaram a tutela directa do direito de crédito da financiadora, configurado como se o pagamento do preço relativo ao contrato de compra e venda do veículo fosse fraccionada no tempo, e não já no interesse da vendedora, porquanto esta já recebeu o preço devido pela venda".</font></i><font> </font>
</p><p><font>J. Assim sendo, nos termos previstos no artigo 409.° C.C., conjugado com o princípio da liberdade contratual plasmado no artigo 405.° c.c., a reserva de propriedade ora em análise é absolutamente válida. </font>
</p><p><font>K. Na pendência da venda com reserva de propriedade o vendedor pode dispor do direito de propriedade da coisa vendida, nomeadamente através da cessão da posição contratual. </font>
</p><p><font>L. Deste modo, e ao abrigo da liberdade contratual prevista no artigo 495.° n.º 1 do Código Civil, explanada na Cláusula A das Condições Gerais do Contrato de Financiamento, e à luz dos artigos 588.° e 591.° daquele diploma, a reserva de propriedade foi cedida pela vendedora do veículo, a M... de Portugal, Ld.a, à Apelada, ficando esta sub-rogada nos direitos da vendedora com consentimento da aqui Apelante. </font>
</p><p><font>M. Cumpridos que se encontra todos os pressupostos exigidos para a validade e eficácia da sub-rogação prevista no n.º 2 do art. 591.º do CC (conforme resulta dos autos e do próprio Acórdão em análise) e de acordo com tudo o que subjaz aos contornos da liberdade contratual, a Apelada adquiriu a propriedade do veículo pela cessão da reserva de propriedade e sub-rogação dos direitos que a reservatária originária detinha.</font>
</p><p><font>N. A este propósito, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2008, republicado a 26 de Novembro de 2008, em Diário da Republica, I Série, N.º 230, página 8489 e seguintes, nos termos do qual </font><i><font>“Não se desconhece que tem vindo a ser aceite a possibilidade de ocorrer sub-rogação voluntária, seja do credor seja do devedor, a favor do devedor, a favor do financiador, em situações como a dos presentes autos (artigos 589.° e 591.0 do C.C.), como acontece no parecer publicado no Boletim dos Registos e do Notariado n.º …, de Maio de 2001, citado no acórdão de 12 de Julho de 2007 deste Tribunal, que abaixo se transcreve: 1) O financiamento por uma instituição de crédito da aquisição de um veículo automóvel, contratado sob condição de reserva de propriedade, poderá dar origem a uma situação que se reconduz à figura legal da sub-rogação voluntária, nas modalidades de sub-rogação pelo credor (artigo 589.º do Código Civil) ou de sub-rogação pelo devedor, em consequência de empréstimo que lhe tenha sido efectuado (art. 591.º do mesmo Código).”</font></i>
</p><p><font>O. </font><i><font>“Assim, a lei civil permite que, por actos celebrados simultaneamente, com intervenção de todos os interessados: 1.º O vendedor aliene o veículo ao comprador, estipulando-se a reserva de propriedade a favor do primeiro até integral pagamento do preço; 2.º O comprador celebre um contrato de mútuo com uma instituição de crédito, para financiamento do preço de aquisição, procedendo aquela à liquidação do preço junto do vendedor ou, em alternativa, sendo tal pagamento efectuado directamente pela instituição de crédito junto do vendedor, substituindo-se ao comprador; 3.° Em consequência, o devedor sub-rogue expressamente a instituição de crédito nos direitos do vendedor, com o assentimento e a declaração de transmissão da propriedade reservada a favor daquela, por parte do vendedor (na 1.ª hipótese referida no número anterior), ou o vendedor sub-rogue expressamente a entidade financiadora nos seus direitos, transmitindo-lhe a propriedade reservada com conhecimento simultâneo do facto por parte do comprador (na 2.ª hipótese referida no mesmo número)”. </font></i>
</p><p><font>P. tendo a Apelada legitimamente passado a ser a titular do direito de propriedade - ainda que sob reserva – por transmissão efectuada pelo vendedor e autorizada pelo comprador (ora Apelante), inexistindo qualquer nulidade da reserva de propriedade constituída, e provando-se (como já se encontra provado) o incumprimento do contrato (e correspondente validade da respectiva solução) que esteve na origem da constituição da reserva, a A., ora Apelada, é a única e exclusiva proprietária do veículo automóvel de marca M..., com a matrícula ….FH-...</font>
</p><p><font>Q. Consequentemente, não merece qualquer alteração ou reparo o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, devendo o mesmo manter-se nos seus exactos termos, não se concedendo provimento ao recurso interposto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nestes termos, indeferindo o presente recurso e mantendo o Acórdão recorrido, fareis Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, o que é de inteira </font><b><font>Justiça</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Sabido que, de acordo com o disposto no artigo 635.º, 637.º e 639.º do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a conhecer são as seguintes:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1) Da validade ou invalidade da constituição de reserva de propriedade a favor do financiador;</font>
</p><p><font>2) Da sub-rogação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II - Fundamentação de facto</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>O quadro factual dado como assente, pelas instâncias, é do seguinte teor: </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>1. A autora dedica-se ao financiamento para aquisição a crédito de veículos automóveis. </font>
</p><p><font>2. No exercício da sua actividade, a autora financiou a ré na aquisição do veículo automóvel de marca M..., modelo M... Sport, com a matrícula …-FH-…, vendido pela M... … de Portugal, Lda, nos termos do Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito n.º …, cuja cópia consta de fls. 9 a 11 e que aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>3. Para garantia do reembolso do montante financiado, foi constituída uma reserva de propriedade a favor da vendedora registada, a M... … de Portugal, Lda (cfr. cláusulas 2.ª a 11.ª das condições particulares e cláusula A das condições gerais de fls. 10). </font>
</p><p><font>4. A M... … de Portugal, Lda. cedeu à autora, com o consentimento da ré, a titularidade da referida reserva de propriedade, nos termos da cláusula 11.ª das condições particulares e da cláusula A das condições gerais do contrato. </font>
</p><p><font>5. A reserva de propriedade encontra-se registada na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, a favor da autora, conforme cópia certificada de fls. 12 a 22. </font>
</p><p><font>6. O preço total da viatura foi de € 37.000,00, não tendo a ré efectuado qualquer desembolso inicial (cfr. cláusulas 4 e 5 das Condições Particulares do aludido Contrato). </font>
</p><p><font>7. A ré não desembolsando o valor da aquisição, recorreu ao financiamento para aquisição a crédito, o que a autora se dispôs a fazer-lhe, tendo-lhe financiado a quantia de € 37.000,00 (cfr. cláusula 6.a das Condições Particulares do Contrato referido). </font>
</p><p><font>8. O Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito celebrado entre a autora e a ré estipulou na cláusula 8 das suas Condições Particulares que o valor total a reembolsar ao financiamento era de € 49.692,00 (cfr. cláusulas 6.3, 7 e 8 das Condições Particulares do Contrato e plano de amortização do mesmo). </font>
</p><p><font>9. Na cláusula 9 das Condições Particulares do mencionado contrato o prazo do reembolso foi fixado pelas partes em 60 meses, mediante 60 prestações mensais no valor de € 828,20 cada. </font>
</p><p><font>10. O contrato em questão foi assinado em 27.02.2008 e entrou em vigor nesse mesmo dia. </font>
</p><p><font>11. Sucede que a ré deixou de cumprir o contrato em 02.05.2008, correspondente à 2.ª prestação, não tendo efectuado mais qualquer pagamento. </font>
</p><p><font>12. Por ser assim, a autora endereçou uma carta registada com aviso de recepção à ré, com data de 17.09.2008, através da qual lhe dirigiu uma interpelação para pôr termo à mora, conforme documento de fls. 23 que aqui se dá por integralmente reproduzido. </font>
</p><p><font>13. Uma vez que a ré não liquidou os montantes em questão, a autora notificou-a, por carta registada com aviso de recepção, datada de 04.10.2008, da resolução do Contrato de Financiamento (cfr. documento de fls. 27 que aqui se dá por integralmente reproduzido). </font>
</p><p><font>14. Até à presente data, não obstante a recuperação do veículo por via da providência cautelar que corre por apenso, não foi recuperado com todos os documentos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III – Fundamentação de direito</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><i><font>As teses em confronto</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A tese do recorrente, Ministério Público, baseia-se principalmente no texto da lei ou no argumento literal de interpretação. De acordo com esta posição, o artigo 409.º do Código Civil</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font> circunscreve a aplicação da cláusula de reserva de propriedade aos contratos de alienação e, não sendo o contrato de mútuo um contrato de alienação, o texto da lei não comporta a possibilidade de o alienante transferir a cláusula de reserva de propriedade para o financiador, nem sequer ao abrigo do princípio da liberdade contratual, pois tendo as partes poder de fixação do conteúdo dos contratos que celebram, devem sempre respeitar os limites da lei (art. 405.º, n.º 1 do CC), aqui claramente ultrapassados, na óptica da recorrente.</font>
</p><p><font>Acresce que, segundo esta corrente jurisprudencial, o financiador nunca foi proprietário da coisa, ou seja, nunca a adquiriu para a revender e nunca a alienou. Só o vendedor, titular do direito de propriedade sobre uma coisa, pode manter na sua esfera jurídica, por determinado lapso de tempo, a propriedade da coisa que vendeu, sendo juridicamente impossível que alguém reserve para si a propriedade de uma coisa que não tem.</font>
</p><p><font> Esta tese tem sido defendida, na doutrina, por Gravato Morais, para quem só nos contratos de alienação,</font><i><font> maxime</font></i><font> nos contratos de compra e venda, é lícita a estipulação de reserva de propriedade, entendendo que «a finalidade do legislador, ainda que interpretada actualisticamente, não terá sido a de permitir a quem não aliena um bem, mas tão-só o financia, a constituição a seu favor de uma reserva de domínio sobre um objecto – que não produziu nem forneceu — apenas em razão do fraccionamento das prestações»</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por outro lado, alega-se, também, que os interesses do financiador sempre poderiam ser satisfeitos de outra forma, como entendeu a sentença do tribunal de 1.ª instância, invocando que o mutuante (autor da acção) poderia ter celebrado com a ré, para defender os seus interesses, um contrato de locação financeira ou um contrato de aluguer de longa duração.</font>
</p><p><font>O recorrente Ministério Público, em representação da ré ausente, propugna que os mutuantes, neste tipo de relações jurídicas, recorram a uma hipoteca do automóvel como garantia do seu crédito. </font>
</p><p><font>No mesmo sentido, Gravato Morais entende que o financiador tem ao seu dispor um vasto conjunto de opções para assegurar o cumprimento do contrato pelo consumidor e para obstar à alienação da coisa, designadamente as garantias pessoais (fiança ou aval) e as garantias reais (hipoteca), bem como a possibilidade de celebração de outros negócios (a locação financeira ou o aluguer de longa duração) em vez do mútuo</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Esta orientação foi adoptada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-07-2011, relatado pelo Conselheiro Garcia Calejo, que decidiu que “a cláusula em que o financiador reserva para si a propriedade de uma coisa vendida pelo fornecedor é, pois, contrária a uma norma de natureza imperativa, e, por isso, nula por força do artigo 294º do Código Civil, não produzindo, em consequência, o efeito da transferência da propriedade do bem da vendedora para o financiador</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A tese defendida pelo AA, e adoptada no acórdão recorrido, defende que o art. 409.º, n.º1, referindo-se não apenas ao cumprimento da obrigação do pagamento do preço, mas a “</font><i><font>qualquer outro evento</font></i><font>”, admite a transmissão da propriedade reservada do vendedor para o mutuante, como garantia do crédito concedido ao comprador, fundamentando esta solução no princípio da liberdade contratual, que confere aos agentes económicos uma vasta margem de actuação na fixação do conteúdo dos contratos, desde que sejam respeitados os limites legais (art. 405.º, n.º 1 do CC).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Uma parte substancial da jurisprudência dos Tribunais da Relação defende a tese da validade da cláusula, fazendo apelo a uma interpretação actualista da norma do art. 409.º do Código Civil, e entendendo que a expressão “</font><i><font>qualquer outro evento</font></i><font>” permite abarcar a satisfação do crédito de terceiro que não o reservatário originário, bem como invocando a interligação dos contratos em causa e o princípio da liberdade contratual. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na doutrina, a tese da validade foi defendida, de forma aprofundada, por Isabel Menéres Campos, na sua tese de doutoramento, onde propugna que, com base numa interpretação actualista e de acordo com o princípio da equiparação, se adopte a mesma solução prevista na lei para a compra e venda com reserva de propriedade celebrada entre dois sujeitos, comprador e vendedor, e para aquela outra da compra e venda financiada por uma terceira entidade, em que existem três sujeitos da relação contratual: comprador, vendedor e financiador</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>2.</font></b><font> </font><i><font>Os factos do caso</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso concreto, está em causa uma relação jurídica triangular entre a M... …, Lda (vendedora), a empresa BB, Lda (compradora), que celebraram entre si um contrato de compra e venda de um automóvel com reserva de propriedade a favor da vendedora, conforme o art. 409.º do Código Civil. Esta relação jurídica está ligada a outra que corresponde a um contrato de mútuo celebrado entre a BB (mutuária) e um terceiro (mutuante), que celebraram um contrato de mútuo para financiamento da aquisição do automóvel (cf. Contrato de Financiamento para Aquisição a Crédito n.º …, cuja cópia consta de fls. 9 a 11). </font>
</p><p><font>Neste contrato de financiamento celebrado entre a mutuante AA e a compradora, BB, estipulou-se o seguinte, na cláusula 11.ª das Condições Particulares:</font>
</p><p><font>«Reserva de Propriedade: O presente Contrato é celebrado com reserva de propriedade do veículo a favor do VENDEDOR REGISTADO, nos termos das Cláusulas Gerais constantes destes Contrato. O Vendedor Registado cedeu ou cederá à BB a titularidade de tal reserva de propriedade, e o Comprador desde já presta o seu consentimento a tal cessão».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Da cláusula A das condições gerais do contrato de financiamento constava o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«A. Reserva de Propriedade</font>
</p><p><font>Nos termos do disposto no artigo 409.º do Código Civil, e até à data em que todas as prestações referidas no número 9 das Condições Particulares hajam sido pagas pelo Comprador à BB, a propriedade do veículo é inicialmente reservada para o Vendedor Registado, que cedeu ou cederá à BB a titularidade de tal reserva de propriedade. O Comprador presta o seu consentimento a tal cessão. Nos termos do disposto no artigo 591.º do Código Civil o Comprador sub-roga a BB nos direitos de Vendedor registado, decorrentes da reserva de propriedade. As despesas inerentes à constituição, registo e cancelamento da reserva de propriedade são da exclusiva responsabilidade do Comprador».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A M..., vendedora do automóvel, a favor de quem foi estipulado no contrato de compra e venda a reserva de propriedade sobre o bem alienado, cedeu a BB (mutuante), com o consentimento da BB (compradora), a titularidade da referida reserva de propriedade (facto provado n.º 4). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No documento a fls. 10, intitulado «Declaração», consta o seguinte:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>«M... de Portugal, Lda, Pessoa Colectiva n.º …, com sede na Rua … n.º ….º, em … Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º …, com o capital social de €1.995.191.59, declara, para os devidos efeitos e legais efeitos que, pela presente, cede definitivamente à BB Plc, com sede em …, …, …Cm… …AR, Inglaterra, registada no “…” de Cardiff sob o n.º … com Sucursal em Portugal, com sede na Av. …, …º, …-… Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o único de matrícula e de identificação fiscal …, a reserva de propriedade que detém sobre o veículo automóvel da marca M..., modelo 6, com a matrícula -FH-, que esta declara aceitar».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A reserva de propriedade encontra-se registada na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, a favor de BB (facto provado n.º 5).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3. Apreciação</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3.1.</font></b><font> A resposta à questão da validade ou invalidade da cláusula de transmissão da reserva de propriedade do vendedor para o financiador depende da construção dogmática que fizermos a propósito da natureza jurídica da reserva de propriedade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A reserva de propriedade é um instituto previsto na lei e que, ao abrigo da liberdade contratual, tem assumido, na prática comercial, uma função de garantia do crédito, resultante do pagamento diferido do preço por parte do comprador e de um objectivo geral de facilitar aos consumidores a aquisição de bens a crédito, funcionando como um complemento do quadro tradicional de garantias reais. </font>
</p><p><font>Trata-se de uma figura atípica, de natureza mista, com elementos obrigacionais e reais, a qual, apesar da designação de “propriedade”, não confere ao titular o poder de uso, fruição ou disposição de um verdadeiro proprietário, visando antes assegurar ao vendedor o pagamento do preço. O direito em causa não é, assim, um verdadeiro direito de propriedade com o conteúdo do art. 1305.º e sujeito às regras rígidas dos direitos reais, mas | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_jJpu4YBgYBz1XKvdQPy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<font>***</font></div><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça no pleno das Secções Cíveis – art. 688 do CPC.</font><br>
<p><b><font>1 </font></b><font>- Na sequência da sentença que declarou a Sociedade SANTOS & PEREIRA DA SILVA - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA em estado de insolvência, sentença que transitou em julgado, veio a Sra. Administradora da Insolvência apresentar a lista dos créditos a que se refere o artigo 129, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), tendo sido apresentadas várias impugnações, nomeadamente a do ora recorrente AA e da sua mulher BB.</font><br>
</p><p><b><font>2 </font></b><font>- Após efetivação da audiência de julgamento em 1ª Instância, foi proferida sentença (em 04.05.2018) decidindo, no que ao presente recurso releva:</font><br>
</p><p><font>“- </font><i><font>Declaro verificado o crédito de AA e BB no montante de 10.000 € e qualifico-o como garantido</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>A mesma sentença procedeu à graduação dos créditos e, no que ao presente recurso releva, decidiu:</font><br>
</p><p><font>“- </font><i><font>Procedo à graduação dos créditos verificados, nos seguintes termos (por referência ao auto de apreensão a fls. 21-29 do apenso A): </font></i><br>
</p><p><i><font>i) - Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº13…2/200l1 009-A (verba nº 9):</font></i><br>
</p><p><i><font>2°) - O crédito garantido (por direito de retenção) de AA e BB</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><b><font>3 </font></b><font>- Desta decisão recorreram AA e BB impugnando a matéria de facto fixada, tendo o Tribunal da Relação … (por acórdão de 07-06- 2018) julgado procedente a apelação, alterando a matéria de facto [dando como provada a matéria da alínea a) referente à factualidade não provada, do seguinte teor: “</font><i><font>Os impugnados AA e BB entregaram à Insolvente outras quantias para além da indicada em 6), </font></i><a></a><i><font>como reforço do sinal, no total de 52.900,00€</font></i><font>”], alterando parcialmente a sentença (na parte em que decidiu “</font><i><font>declaro verificado o crédito de AA e BB no montante de 10.000 € e qualifico-o como garantido</font></i><font>”), declarando “</font><i><font>verificado o crédito de AA e BB no montante de 125.800,00€</font></i><font>” e qualificando-o como garantido.</font><br>
</p><p><b><font>4 </font></b><font>- Inconformada recorreu de revista a credora CONSULTEAM- CONSULTORES DE GESTÃO, LDA, sendo proferido o Acórdão recorrido, com a seguinte decisão:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista parcialmente procedente, alterando o acórdão recorrido apenas quanto ao montante do crédito a reconhecer aos Recorridos AA e BB, que se fixa no valor de 62.900,00€ (sessenta e dois mil e novecentos euros)</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><b><font>5 </font></b><font>- Irresignado com a decisão do Acórdão, </font><b><font>o credor AA veio interpor o presente recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça com vista à uniformização de jurisprudência</font></b><font>, nos termos do art. 688 e seguintes do Código de Processo Civil, invocando como fundamento a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 09-07-2014, proferido no Processo nº 1206/11.2TBLSD-H.P1.S1 (que a fls. 7 identifica de forma incorreta).</font><br>
</p><p><b><font>6 </font></b><font>- Apresentou as seguintes conclusões:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>I -</font></i><font> </font><i><font>Embora os Tribunais sejam livres de seguirem a Jurisprudência que julguem mais adequada, deve seguir-se a filosofia do Acórdão Uniformizador acolhido com o n.º 4/2014, salvo se forem aduzidos novos argumentos, não considerados na decisão que fixou a Jurisprudência ou que, considerando a legislação no seu todo a Jurisprudência já se encontra ultrapassada. </font></i><br>
</p><p><i><font>II - O não acatamento da Jurisprudência fixada em A.U.J. e argumentação jurídica que lhe serve de base, representa uma quebra injustificada do valor da Segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados e causa danos na celeridade processual e eficácia dos Tribunais. </font></i><br>
</p><p><i><font>III - O promitente comprador do imóvel para sua habitação é um consumidor que tem proteção Constitucional- arts. 60 e 65. </font></i><br>
</p><p><i><font>IV - O artigo 106 n.º 2 do CIRE apenas tem aplicação aos contratos promessa com eficácia obrigacional, mas sem tradição da coisa ao promitente comprador. </font></i><br>
</p><p><i><font>V - No caso dum contrato promessa, sem eficácia real mas com tradição da coisa, em que o promitente comprador é um consumidor, a recusa do A.I. em cumprir esse contrato, confere-lhe o direito ao sinal em dobro. </font></i><br>
</p><p><i><font>VI - Devendo ser proferido, na esteira do A.UJ. n.º 4/2014, Acórdão Uniformizador no sentido que: </font></i><br>
</p><p><i><font>No âmbito duma insolvência não tendo sido cumprido um contrato promessa de compra e venda de imóvel destinado a habitação por recusa do Administrador de insolvência, em que o promitente comprador é um consumidor que tinha prestado um sinal e ocorrera a "traditio" da coisa, goza do direito de retenção e tem direito ao sinal em dobro, nos termos do n." 2 do art. 442 do C.C .. </font></i><br>
</p><p><i><font>Termos em que, por erro de interpretação e aplicação do disposto no Acórdão Uniformizador n.º 4/2014, artigos 60 e 65 da C.R.P., n.º 2 do art. 106 e 104 n.º 1 do CIRE, art. 755 n.º 1 al. f), 799 n.º 1 e 442 n.º 2 todos do C.C. deve o Acórdão ser revogado e substituído pelo Acórdão Uniformizador que reconheça ao Recorrente o valor do sinal em dobro”</font></i><font>.</font><br>
</p><p><b><font>7 </font></b><font>- Contra-alegou a credora CONSULTEAM- CONSULTORES DE GESTÃO, LDA, concluindo nos seguintes termos:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Ficou definitivamente assente pelo Acórdão proferido no âmbito do recurso de Revista que que contrato promessa em causa nos presentes autos se mantinha em vigor à data de declaração de insolvência da promitente vendedora, subsistindo todos os seus efeitos jurídicos, não tendo ocorrido incumprimento definitivo. </font></i><br>
</p><p><i><font>2. Assim sendo, os promitentes compradores terão que fazer valer os seus direitos no quadro do instituto dos "Efeitos sobre os negócios em curso", nos termos previstos no art. 102 n.º 3 do CIRE, aplicável ex-vi do art. 106 n.º 2 e 104 n.º 5 do CIRE, e não nos termos previstos no art. 442 do Código Civil, como seria norma. </font></i><br>
</p><p><i><font>3. Ao administrador de insolvência foi conferido um direito de escolha ou de opção - o direito de dar ou recusar cumprimento aos contratos - que aquele deve exercer sempre em função dos interesses da massa insolvente e que se enquadra perfeitamente no quadro das suas funções típicas do administrador de insolvência, sendo um direito potestativo. </font></i><br>
</p><p><i><font>4. Ainda que se admita que houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, a favor dos promitentes compradores, ao contrato promessa não foi atribuída eficácia real, ficando afastada a aplicabilidade da norma do n.º 1 do art. 106 do CIRE. </font></i><br>
</p><p><i><font>5. A Administradora de Insolvência optou pelo não cumprimento do contrato promessa, tendo procedido à apreensão da fração objeto do contrato promessa a favor da massa insolvente e, posteriormente, à sua venda em sede de liquidação do ativo. </font></i><br>
</p><p><i><font>6. Sendo tal recusa lícita, legítima e adequada aos fins do processo de insolvência, face ao disposto no artigo 106 do CIRE, ao direito potestativo de recusa de cumprimento dos negócios em curso. </font></i><br>
</p><p><i><font>7. Será de aplicar o disposto no n.º 2 do art. 106 do CIRE que, ainda que indiretamente, remete para as regras gerais quanto aos efeitos da recusa de cumprimento do contrato pelo administrador de insolvência (cfr. art. 104 n.º 5 e 102 n.º 3 do CIRE). </font></i><br>
</p><p><i><font>8. Os promitentes compradores não têm direito à indemnização correspondente ao sinal em dobro, por falharem os pressupostos da ilicitude e da culpa, plasmados no art. 442 n.º 2 do Código Civil; têm apenas um direito de crédito, qualificado como crédito sobre a insolvência, calculado com base na diferença de valor entre as prestações. </font></i><br>
</p><p><i><font>9. O Acórdão fundamento foi inexoravelmente condicionado pela doutrina perfilhada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014 de 20.03.2014. </font></i><br>
</p><p><i><font>10. É inaceitável que seja conferida força vinculativa às alegadas premissas da decisão de uniformização tendo em consideração que nem os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência gozam de força vinculativa quanto á questão, a não ser no âmbito do processo em que são proferidos (art. 4, nº 1, da LOSJ). </font></i><br>
</p><p><i><font>11. Até porque na situação em que recaiu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2014 não estava em causa saber se o credor tinha direito ao sinal em singelo ou em dobro. </font></i><br>
</p><p><i><font>12. Do confronto do nº 1 com o nº 2 do artigo 106 do CIRE resulta, que o legislador quis tão só distinguir os casos em que a recusa do Administrador da Insolvência em cumprir o contrato é ilegítima (contratos-promessa com eficácia real, acompanhados da tradição da coisa) das situações em que tal recusa é legitima (contratos-promessa com eficácia real sem haver tradição da coisa e todos os contratos-promessa com eficácia obrigacional, com ou sem traditio). </font></i><br>
</p><p><i><font>13. O elemento histórico reforça esta ideia, na medida em que o CIRE veio alterar o paradigma anterior do CPEREF, no que respeita aos efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso. </font></i><br>
</p><p><i><font>14. O legislador de 2004 afastou o regime previsto no artigo 164-A nº 1 do CPEREF, segundo o qual o contrato-promessa sem eficácia real que se encontrasse por cumprir à data da declaração de falência extinguia-se com esta e, sendo o falido o promitente-vendedor, dava lugar à restituição em dobro do sinal recebido, como dívida da massa falida. </font></i><br>
</p><p><i><font>15. Assim, as consequências da recusa, legitima, do Administrador da Insolvência em cumprir o contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional são as que resultam da conjugação do artigo 119 nºs 1 e 2, com o artigo 106 n° 2, o qual remete para o artigo 104 nº 5, que, por seu turno, remete para o artigo 102 nº 3 al. c), do CIRE. </font></i><br>
</p><p><i><font>16. Por todo o exposto, o Acórdão proferido no âmbito do recurso de Revista fez uma correta aplicação do direito, ao apoiar a decisão nos artigos 119 n.ºs 1 e 2 com o artigo 106 n.º 2, o qual remete para o artigo 104 n.º 5, que por sua vez remete para o artigo 102º n.º 3 al. c) do CIRE. </font></i><br>
</p><p><i><font>Termos em que deve ser proferido Acórdão Uniformizador no sentido que: </font></i><br>
</p><p><i><font>No âmbito de uma insolvência, não tendo ocorrido incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda de imóvel á data da declaração de insolvência, os direitos do promitente comprador perante a recusa de cumprimento pelo Administrador de Insolvência são os que resultam das disposições conjugadas dos artigos 106, nº 2, 104, nº 5 e 102, nº 3 c) do CIRE</font></i><font>.</font><br>
</p><p><b><font>8 </font></b><font>- O Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi liminarmente admitido por despacho de fls. 73 a 81, no mesmo se referindo:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Confrontando as referidas decisões evidencia-se: </font></i><br>
</p><p><i><font>1. ambas tiveram por objeto apreciar o montante do crédito do promitente- comprador (em ação de reclamação de créditos apensa ao processo de insolvência da promitente-vendedora) por referência ao sinal prestado, não tendo ocorrido incumprimento definitivo do contrato-promessa antes da declaração de insolvência da sociedade promitente-vendedora; </font></i><br>
</p><p><i><font>2. ambas tiveram por realidade fáctica a subsumir juridicamente a recusa do administrador da insolvência em cumprir os respetivos contratos-promessa de imóvel, sem eficácia real e em que ocorreu entrega do imóvel ao promitente-comprador: </font></i><br>
</p><p><i><font>3. ambas reconduziram a solução da questão das consequências do não cumprimento do contrato-promessa ao quadro legal composto pelas seguintes normas: artigos 442. n.º 2, do Código Civil, 102 e 106, n.ºs 1 e 2, do CIRE; </font></i><br>
</p><p><i><font>4. o acórdão recorrido concluiu que os direitos do credor promitente-comprador perante a recusa (lícita) por parte do administrador da insolvência em não cumprir o contrato não podem ser encontrados por aplicação do regime do n.º 2 do artigo 442 do Código Civil, mas no âmbito do CIRE, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 106, n.º 2, 104, n.º 5 e 102, n.º 3, alínea c); consequentemente fixou o montante do crédito no valor do sinal prestado; </font></i><br>
</p><p><i><font>5. o acórdão fundamento concluiu que os direitos do credor promitente-comprador perante a recusa por parte do administrador da insolvência em não cumprir o contrato não podiam ser encontrados nos termos das disposições conjugadas dos artigos 106, n.º 2, 104, n.º 5 e 102, n.º 3. alínea c), do CIRE, mas no regime do n.º 2 do artigo 442 do Código Civil, pelo que determinou o montante do crédito no valor do dobro do sinal prestado. </font></i><br>
</p><p><i><font>Evidencia-se pois que perante identidade substancial do núcleo da factualidade a subsumir juridicamente (recusa por parte do administrador da insolvência de cumprimento do contrato promessa de compra e venda de imóvel, sem eficácia real e com traditio) os acórdãos em confronto, assentando numa mesma base normativa, enveredaram por soluções jurídicas opostas (quanto à aplicabilidade/inaplicabilidade do regime do artigo 442, n.º 2, do Código Civil, e do regime previsto nos artigos 106, n.º 2 e 102, n.º 3, alínea c), do CIRE) na resposta a dar à questão essencial para a solução dos respetivos casos a apreciar - extensão do direito de crédito do promitente-comprador em função do sinal prestado em consequência do não cumprimento, pelo administrador da insolvência, do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, sem eficácia real em que tenha ocorrido entrega da coisa - uma vez que interpretaram de forma divergente o mesmo regime normativo (O acórdão-fundamento afasta a aplicação do regime do artigo 106 n.º 2, do CIRE, ao contrato-promessa sem eficácia real com tradição, entendendo que o mesmo apenas assume cabimento nos casos de contrato-promessa com efeito obrigacional e sem tradição, tendo subjacente que quando ocorra tradição da coisa objeto do contrato, a recusa de cumprimento por parte do administrador da insolvência envolve um incumprimento culposo, caindo por isso na previsão do n.º l do artigo 106 do CIRE, e consequentemente, no regime do artigo 442, n.º 2, do Código Civil. </font></i><br>
</p><p><i><font>Ao invés. o acórdão recorrido, na interpretação que faz do citado artigo 106 n.º 2, do CIRE, não encontra distinção entre contrato-promessa obrigacional com e sem tradição, porquanto em ambas as situações (não ocorrendo incumprimento definitivo do contrato antes da declaração da insolvência) a recusa de cumprimento pelo administrador da insolvência consubstancia uma opção lícita conferida por lei, pelo que os direitos do credor promitente-comprador não podem ser aferidos por aplicação do regime do n.º 2 do artigo 442 do Código Civil, que tem subjacente o dever de cumprimento)</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>(…)”.</font><br>
</p><p><b><font>9 </font></b><font>- Enunciando a questão a resolver, a mesma consiste em saber se num processo de insolvência em que o Administrador recusa o cumprimento de um contrato promessa de compra e venda, com efeito obrigacional, um credor com a qualidade de promitente comprador, que entregou um sinal e obteve a tradição da coisa objeto do negócio, tem direito ao sinal prestado em dobro ou, em singelo, isto é, se tem direito a ser ressarcido, apenas, pelo valor que resultar da aplicação das normas dos artigos 106, nº 2, 104, nº 5 e 102, nº 3, do CIRE aprovado pelo Decreto Lei n.º 53/2004, de 18 de março, ou se há lugar à aplicação da norma geral do nº 2 do art. 442 do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>Saber se a recusa de cumprimento do contrato-promessa por parte do Administrador da Insolvência envolve um incumprimento culposo, sendo aplicável o regime do artigo 442, n.º 2, do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>Ou se a recusa de cumprimento por parte Administrador da insolvência corresponde a uma opção legal e as consequências se extraem exclusivamente das normas do CIRE.</font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font>Confirmação da contradição jurisprudencial:</font><br>
<p><font>O art.º 688 do Código de Processo Civil estabelece, no seu n.º 1, como fundamento do Recurso para Uniformização de Jurisprudência que: </font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>Como refere o AUJ n.º 6/2019, de 19/9/2019, in D.R. n.º 211/2019, Série I de 2019-11-04, “</font><i><font>Encerra, assim, como pressuposto substancial de admissibilidade deste recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a enunciada contradição dos julgados não implica que os mesmos se revelem frontalmente opostos, mas antes que as soluções aí adotadas sejam diferentes entre si, ou seja, que não sejam as mesmas [neste sentido, Pinto Furtado, in, Recursos em Processo Civil (de acordo com o Código de Processo Civil de 2013), Quid Juris, página 141], importando, pois, que as decisões, e não os respetivos fundamentos, sejam atinentes à mesma questão de direito, e que haja sido objeto de tratamento e decisão, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, e, em todo o caso, que essa oposição seja afirmada e não subentendida, ou puramente implícita.</font></i><br>
</p><p><i><font>Outrossim, é necessário que a questão de direito apreciada se revele decisiva para as soluções perfilhadas num e noutro acórdão, desconsiderando-se argumentos ou razões que não encerrem uma relevância determinante.</font></i><br>
</p><p><i><font>Por outro lado, exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal, ou seja, exige-se que se verifique a “identidade de disposição legal, ainda que de diplomas diferentes, e desde que, com a mudança de diploma, a disposição não tenha sofrido, com a sua integração no novo sistema, um alcance diferente, do que antes tinha” (neste sentido Pinto Furtado, ob. cit., página 142)</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>Importa averiguar da contradição de julgados, entre o acórdão recorrido (proferido no processo de que este é apenso - 872/10.0TYVNG-B.P1.S1) e o acórdão fundamento (proferido no proc. 1206/11.2TBLSD-H.P1.S1). Isto porque o despacho do relator que admite o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência e determina a remessa dos autos à distribuição não vincula o Pleno das Secções Cíveis, conforme art. 692, n.ºs 3 e 4, do CPC, pois o Pleno pode propender em sentido contrário ao acórdão da conferência que decida positivamente sobre a verificação dos pressupostos materiais e formais de que depende a admissão deste recurso extraordinário, então, por maioria de razão, está também o Pleno habilitado a divergir do entendimento professado pelo Relator no despacho a que alude o n.º 1 do mesmo preceito.</font><br>
</p><p><font>Analisados os acórdãos em confronto, afigura-se-nos verificarem-se os pressupostos da solicitada uniformização com base na apontada contradição.</font><br>
</p><p><font>A matéria de facto relevante é semelhante no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, conforme enquadramento consignado na decisão liminar e a essa idêntica facticidade os acórdãos julgaram aplicar-se normas distintas, em clara oposição, entendendo o acórdão recorrido que devem ser aplicadas as normas do CIRE e o acórdão fundamento que deve ser aplicada a norma do Código Civil, donde resultaram decisões díspares: a daquele a reconhecer ao credor o direito somente ao prestado – a quantia a título de sinal, conforme art. 442 nº 1 do Código Civil (“</font><i><font>quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida</font></i><font>”); e a deste a reconhecer ao credor o direito ao dobro do prestado (“</font><i><font>o dobro do que prestou</font></i><font>”, conforme redação do nº 2 do art. 442 do CC).</font><br>
</p><p><font>O acórdão recorrido e o acórdão fundamento decidiram a mesma questão solvenda de modo divergente, mostrando-se, por isso, verificada a essencialidade da contradição.</font><br>
</p><p><font>Pelo que se conclui, na esteira da decisão liminar, que se encontram verificados os pressupostos substanciais para a admissibilidade do Recurso de Uniformização da Jurisprudência.</font><br>
</p><p><font>Pelo que há que dilucidar a questão já enunciada e que é:</font><br>
</p><p><font>Saber se a recusa de cumprimento do contrato-promessa por parte do Administrador da insolvência envolve um incumprimento culposo, sendo aplicável o regime do artigo 442, n.º 2, do Código Civil.</font><br>
</p><p><font>Ou se a recusa de cumprimento por parte Administrador da insolvência corresponde a uma opção legal e as consequências se extraem exclusivamente das normas do CIRE. </font><br>
</p><p><b><font>10 </font></b><font>- Após cumprimento do disposto no nº 1 do art. 687, ex vi art. 695, ambos do Código de Processo Civil, a Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que “</font><i><font>Em caso de recusa por parte do administrador de insolvência do cumprimento do contrato de promessa de compra e venda de um imóvel, sem eficácia real, e com traditio, (não existindo incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda do imóvel por parte da parte vendedora antes da declaração da insolvência), o promitente comprador tem direito a um crédito no valor do sinal prestado, nos termos dos artigos 106.º n.º1, 104.º n.º 5, 102.º n.º 3 alínea c), do CIRE</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>Para tanto indica:</font><br>
</p><p><font>- Sobre as competências do Administrador da Insolvência: “</font><i><font>Entre as suas funções incumbe-lhe também decidir o destino dos negócios jurídicos celebrados pelo insolvente, designadamente o cumprimento ou a recusa de cumprimento dos contratos, atuando vinculado aos superiores interesses da massa insolvente, visando a sua maximização, para ser maximizado também o produto a distribuir aos credores</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>Neste âmbito, consagra-se no art. 102 do CIRE, um principio geral do qual resulta que, estando em causa contratos bilaterais ainda não cumpridos, o respetivo cumprimento fica suspenso, conferindo-se ao Administrador de insolvência o encargo de, agindo de forma criteriosa, optar pela recusa ou pelo cumprimento do contrato, em função daquela que seja no caso concreto a melhor solução para a prossecução dos interesses da massa insolvente e para a satisfação dos créditos sobre a insolvência (E o n.º 3 deste artigo vem regular as consequências da opção pelo não cumprimento por parte do Administrador)</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>No caso vertente, tendo em conta que a questão que se coloca se prende com a resolução de um contrato promessa, importa ter em consideração o disposto nos arts. 106.º, 104.º n.º 5 e 102.º, todos do CIRE</font></i><font>”. </font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>No caso que nos ocupa, o administrador da insolvência recusou cumprir um contrato-promessa bilateral de compra e venda, de um imóvel, com traditio antes da celebração do contrato prometido. O referido contrato não tinha eficácia real, sendo, pois, um contrato de eficácia meramente obrigacional e, ao tempo da declaração de insolvência era um negócio em curso, porque ainda não estava cumprido, nem definitivamente incumprido</font></i><font>. </font><br>
</p><p><i><font>A questão que se coloca prende-se com saber quais os efeitos que a recusa de cumprimento, por parte do administrador da insolvência do promitente-vendedor, produz no contrato-promessa, obrigacional sinalizado, com entrega de coisa ao promitente-comprador e, mais concretamente, com saber se o promitente comprador tem direito, a um crédito no valor do sinal prestado, nos termos dos artigos 106.º n.º1, 104.º n.º 5, 102.º n.º 3 alínea c) do CIRE, ou a um crédito no valor em dobro do sinal prestado, nos termos do artigo 442.º do Código Civil”</font></i><font>. </font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>Da leitura dos arts. 106 n.º1, 104 n.º 5, e 102 n.º 3 alínea c) do CIRE, transcritos supra resulta que, no âmbito do CIRE, não existe qualquer disposição legal que remeta, ou da qual se possa inferir remissão, para a aplicação do regime do sinal previsto no art.º 442º CC, o que nos leva a concluir que o legislador, intencionalmente, afastou a aplicação desse regime ao regime da insolvência, optando por consagrar as normas específicas, constantes dos referidos normativos, para resolver esta questão</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>Afigura-se-nos ainda que não é de aplicar o regime previsto no artigo 442.º n.º 2 do CC no caso sub judice, uma vez que os requisitos de aplicação de tal norma não se verificam. Com efeito, o regime estabelecido no art.º 442.º n.º 2 do CC está ligada ao incumprimento, seja do promitente-vendedor (caso em que deve restituir o sinal em dobro), seja do promitente-comprador (caso em que, sendo-lhe imputável o incumprimento, perde a favor do promitente-vendedor o sinal prestado) e pressupõe: - que o promitente devedor não cumpra o contrato promessa; que o não cumprimento do contrato promessa seja ilícito e, por último, que o não cumprimento ilícito do contrato promessa seja imputável ao devedor. Isto é, o regime estabelecido no n.º 2 do artigo 442º CC pressupõe um incumprimento devido a causa imputável a um dos contraentes, resultando expressamente da letra da lei que a indemnização prevista nesse normativo apenas será devida em caso de incumprimento contratual culposo do inadimplente</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>No caso em análise, desde logo não estamos perante uma situação de incumprimento do promitente vendedor, já que o contrato promessa se mantinha em vigor à data da declaração de insolvência</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font> - “</font><i><font>O administrador de insolvência toma tal decisão [de não cumprimento do contrato promessa] no âmbito das atribuições e competências legalmente atribuídas pela lei insolvencial”.</font></i><br>
</p><p><i><font>- </font></i><font>“</font><i><font>Esta tese é, aliás, reforçada face à redação do art.º 119.º do CIRE</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>Face a redação deste normativo duvidas não existem que o disposto nos artigos 102 a 118.º do CIRE é imperativo o que, desde logo, exclui a aplicação do disposto no art.º 442.º do CC. De outra forma, seria incompreensível afirmar que as pretensões indemnizatórias das contrapartes, quando o administrador de insolvência recusa cumprir o contrato, não podem exceder o regime do CIRE</font></i><font>”. </font><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>Do que acaba de se expor, podemos assim concluir que está afastada a atuação do regime do sinal conforme vem disciplinado no art. 442º do CCivil, justamente porque não é compatível com o regime específico fixado no processo de insolvência”.</font></i><br>
</p><p><font>- “</font><i><font>Acresce ainda referir que a solução que defendemos não é contrariada pela jurisprudência fixada no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2014. É que no referido AUJ, o que estava em causa era (unicamente) saber se havia lugar ao direito de retenção para garantia do crédito resultante do não cumprimento da promessa por parte do administrador da insolvência, e foi sobre isto que se pronunciou decisoriamente o AUJ</font></i><font>”.</font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<p><font>Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<b><font>Resulta provada nos autos a seguinte matéria de facto </font></b><font>(relevante):</font><br>
<p><font>3. Por escrito particular de 13.11.2008, denominado «contrato de promessa de compra e venda», CC, na qualidade de gerente de Santos & Pereira da Silva, Lda., declarou prometer vender e os impugnados AA e BB declararam prometer comprar, pelo preço de 150.000 €, a moradia sita na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho da …, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº 13…2/091001 -cf. doc. de fls. 234-238) cujo teor se dá por integralmente reproduzido. </font><br>
</p><p><font>4. Do escrito particular referido em 3) consta, sob a Cláusula Terceira: "a-] Como sinal e princípio de pagamento, o(s) segundo(s) entrega(m) ao(s) primeiro(s) a quantia de € 10.000,00 ( ... ), de que se dá quitação"; b-) Reforço de sinal com o valor de € 42.500,00 ( ... ); c-] O restante pagamento no valor de € 97.500,00 ( ... ), serão liquidados no ato da escritura de compra e venda" - cf. doc. de fls. 234-238, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. </font><br>
</p><p><font>5. Do escrito particular referido em 3) consta, sob a Cláusula Quinta: "A Escritura pública de Compra e Venda da moradia prometida vender será efetuada logo que toda a documentação se encontre pronta para o efeito em Hora e Cartório a indicar pelo PRIMEIRO OUTORGANTE" - cf. doc. de fls. 234-238, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. </font><br>
</p><p><font>6. Relativamente ao preço indicado em 3), os impugnados AA e BB pagaram à Insolvente a quantia de 10.000 €. </font><br>
</p><p><font>7. Em 2009, a Insolvente entregou as chaves da moradia referida em 3) aos impugnados AA e BB. </font><br>
</p><p><font>8. Desde Setembro de 2009, os impugnados AA e BB tomam as suas refeições, pernoitam e recebem amigos na moradia referida em 3). </font><br>
</p><p><font>9. No Processo nº 4464/09.9…, do .. Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, proposta pelos impugnados AA e BB contra Santos & Pereira da Silva - Sociedade de Construções, Lda., foi proferida sentença em 18.11.2009, fixando-se à ré o prazo de 60 dias, contado do respetivo trânsito em julgado, para a realização da escritura mencionada em 5) - cf. doc. de fls. 239-241, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. </font><br>
</p><p><font>10. Vazio Vertical, Lda. requereu a declaração de insolvência de Santos & Pereira da Silva - Sociedade de Construções, Lda., mediante petição inicial entrada em 4.11.2010, no Tribunal do Comércio de … - cf. Fls. 2-33 dos autos principais.</font><br>
</p><p><font>11. Por sentença proferida em 14.01.2011 e transitada em julgado em 24.02.2011, foi declarada a insolvência de Santos & Pereira da Silva - Sociedade de Construções, Lda. - cf. Fls. 55-63 dos autos principais. </font><br>
</p><p><font>12. A Sra. Administradora da Insolvência optou pelo não cumprimento do acordo referido em 3). </font><br>
</p><p><font>13. Foram apreendidos para a massa insolvente 48 imóveis da Insolvente - cf. auto de arrolamento e apreensão a fls. 21-29 do apenso A, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. </font><br>
</p><p><font>FACTO ADITADO - Os impugnados AA e BB entregaram à Insolvente outras quantias para além da indicada em 6), como reforço do sinal, no total de 52.900,00€.</font><br>
</p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<br>
<b><font>Direito a ap | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8DLOu4YBgYBz1XKvbj-_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<b><font>1.</font></b><font> AA, BB</font><b><font> </font></b><font>e</font><b><font> </font></b><font>CC intentaram a presente acção cível, emergente de acidente de viação, contra Companhia de Seguros ..., S.A., pedindo que fosse condenada a ressarcir tais A.A., pelos respectivos danos patrimoniais e não patrimoniais, nos seguintes termos: - à 1ª. A., a importância global de € 73.640,00; à 2ª., idem de € 17.600,00; e ao A. a importância, também global, de € 120.500,00.</font><br>
<font> Alegaram que, sendo transportados gratuitamente em veículo automóvel pertencente ao 3º. A., seguro na Ré, mas tripulado pela mulher daquele, sofreram um acidente de viação, do qual resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais que fundamentou os correspondentes pedidos. </font><br>
<font> Na sua contestação, a Ré alegou estarem excluídos da garantia do seguro os danos decorrentes das lesões materiais causadas aos A.A., atentas as relações de parentesco que ligou as A.A. ao A. e à condutora do veículo, ao que acrescia que o 3º. A. era o próprio tomador do seguro. Quanto ao mais – incluindo a demais petição do próprio tomador do seguro de ser indemnizado pelos seus danos pessoais próprios sofridos – escuda-se no desconhecimento das circunstâncias em que ocorreu o acidente, bem como dos danos emergentes.</font><br>
<font> Nenhum outro articulado tendo havido, foi proferido despacho saneador que concedeu provimento àquela única excepção deduzida, pelo que absolveu logo a Ré dos pedidos indemnizatórios peticionados pelo A.A. relativamente às respectivas lesões materiais.</font><br>
<font> Tendo transitado em julgado tal despacho, veio a realizar-se, posteriormente a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, a qual, tendo julgado a acção parcialmente procedente, condenou a Ré aos seguintes pagamentos:</font><br>
<font> a)- à AA, € 50.750,00, acrescida de juros legais, contados de 3/XII/2002 e até integral pagamento sobre a quantia de € 5.750,00; e da data da mesma sentença, até integral pagamento, sobre os restantes € 45.000,00;</font><br>
<font> b) – à BB, € 12.500.00, acrescidos de juros legais, a contar da mesma decisão e até integral pagamento;</font><br>
<font>c) – finalmente, ao A. CC a quantia de € 75.000,00, acrescida também de juros legais contados nos mesmos anteriores termos.</font><br>
<font>De tal decisão, interpôs a Ré apelação, bem como, posteriormente, os AA. por via subordinada, tendo a Relação de Coimbra julgado improcedentes todos os recursos interpostos, confirmando o decidido em 1ª Instância.</font><br>
<font>Foi interposto, de seguida, recurso de revista para este STJ que viria anular o Acórdão mencionada, determinando que a Relação se pronunciasse relativamente à excepção peremptória deduzida pela recorrente Seguradora atinente ao contrato de seguro discutido em juízo.</font><br>
<font>Assim se procedeu, tendo, de novo, a Relação de Coimbra decidido pela mesma forma, confirmando o julgado em 1ª Instância.</font><br>
<font>Vem, desta feita, a Ré Seguradora interpor recurso de revista para este STJ, concluindo a sua alegação pela seguinte forma:</font><br>
<br>
<font>I. O montante de € 30.000,00 (trinta mil euros) arbitrado à 1.a Autora, AA, a título de indemnização pela Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de que ficou a padecer em resultado do acidente é manifestamente excessivo.</font><br>
<font>II. </font><font>Em face da matéria de facto provada, relevante a este título - a 1.a Autora ficou a padecer de uma IPP de 20%, 56 anos à data da alta e com a sua actividade de dona de casa e costureira obtinha uma poupança mensal de € 250,00 – o valor adequado para indemnizar esse dano é de € 5.000,00 (cinco mil euros).</font><br>
<font>III. O douto Acórdão recorrido deverá, por este motivo, ser parcialmente revogado e substituído por outro que, dando provimento às alegações produzidas, fixe neste último montante o valor adequado para indemnizar aquele dano da 1.a Autora.</font><br>
<font>IV. O douto Acórdão recorrido viola, entre outras, as disposições dos artigos 562.°, 564.° e 566.°, todos do Código Civil.</font><br>
<font>V. A ora Recorrente entende que o Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>faz uma incorrecta aplicação do direito – mais concretamente do regime do seguro de responsabilidade civil automóvel - aos factos dados como provados, o que motivou a excepção arguida no recurso de Apelação.</font><br>
<font>VI. O 3.° Autor, CC. na qualidade de tomador do contrato de seguro (alínea E) da matéria de facto assente), celebrado com a ora Recorrente, válido à data do acidente, referente à viatura com a matrícula 00-00-00, titulado pela apólice n.° 00000 (junta aos autos) está excluído da garantia do contrato de seguro, pelo que a ora Recorrente não pode ser condenada a indemnizar os danos sofridos pelo mesmo em consequência do acidente em causa nos autos, indemnização essa a que o 3.° Autor, manifestamente, não tem direito nos termos da lei.</font><br>
<font>VII. O 3.° Autor não pode, ao mesmo tempo, ser beneficiário da garantia (responsável) e beneficiário da indemnização (terceiro).</font><br>
<font>VIII.Este mesmo foi o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no Acórdão de 26.03.1 998. </font><i><font>in </font></i><u><font>www.dgsi.pt.</font></u><font> n.° convencional JST.1000 34679, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Silva Paixão.</font><br>
<font>IX. Em face disso, resulta claro que o douto acórdão recorrido deve ser parcialmente revogado e substituído por outro que absolva a ora Recorrente do pagamento da indemnização peticionada pelo 3.° Autor, CC e, consequentemente, que a absolva do pagamento da quantia de € 75.000,00 arbitrada a esse título pelo Tribunal </font><i><font>a quo. </font></i><br>
<font>X. O douto acórdão recorrido viola, entre outras normas, o disposto nos artigos 2.°, 7.° e 8.° do DL 522/85, de 31 de Dezembro.</font><br>
<br>
<font>Nas contra alegações, os recorridos de fendem a manutenção do julgado.</font><br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<font>Decidindo.</font><br>
<br>
<b><font>2. </font></b><font>Por não impugnada dá-se por reproduzida a factualidade considerada como provada pelas Instâncias, atento o disposto no art. 713º nº 6 do C.P.C..</font><br>
<br>
<b><font>3. — Análise do objecto da revista — </font></b><br>
<br>
<font>São duas as questões trazidas à decisão deste Tribunal, a saber:</font><br>
<font>a) ser, na perspectiva da recorrente, a indemnização arbitrada à recorrida AA, a título de Incapacidade Parcial Permanente (IPP), a qual segundo também a recorrente não deveria ser superior a €5.000,00;</font><br>
<font>b) os danos físicos sofridos pelo recorrido CCestariam excluídos da garantia do seguro, já que ele é o tomador do contrato.</font><br>
<br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>Relativamente à primeira questão, importa salientar que vem sendo, uniformemente decidido por este STJ que a indemnização por danos futuros, decorrentes de incapacidades permanentes, tem natureza patrimonial.</font><br>
<font>Com efeito, exarou-se na Revista n°4470/04-2, reproduzido no Ac. também deste STJ de 22.6.2005</font><font>(1) </font><font> cuja argumentação iremos passar a reproduzir:</font><br>
<font>«Este Supremo Tribunal tem vindo a entender, persistentemente, que a Incapacidade Parcial Permanente (IPP) «constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho da vítima»</font><font> (2) </font><font>.</font><br>
<font>Nesta linha pode, também seguir-se o raciocínio do Ac. deste mesmo STJ de 6.7.2004</font><font> </font><font>(3) </font><font>, onde se exarou:</font><br>
<font>“ </font><font>I - Se o lesado ficou a padecer, até ao fim da vida, de incapacidades funcionais várias, ao nível das actividades que exigem esforço e boa mobilidade dos membros inferiores, o que tudo consubstancia o denominado «dano corporal» ou «dano biológico», justifica-se a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais futuros, ainda que tais lesões não acarretem diminuição da respectiva capacidade geral de ganho.</font><br>
<font>II - Na chamada incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por «handicap», a repercussão negativa da respectiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade.</font><br>
<font>III - Trata-se de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 - integridade psicossomática plena --, e não qualquer perda efectiva de rendimento ou de concreta privação de angariação de réditos”.</font><br>
<font>Na esteira do entendimento predominante do Supremo</font><font>(4)</font><font>, os lesados em acidente de viação para quem resultaram incapacidades permanentes totais ou parciais, sofrem, a par dos danos não patrimoniais, traduzíveis em dores e desgostos, danos patrimoniais por verem reduzidas a sua capacidade de trabalho e a sua autonomia vivencial.</font><br>
<font>Trata-se de realidades distintas, com critérios de avaliação também distintos, mesmo no que concerne ao elemento comum a ambos — o juízo de equidade.</font><br>
<font>Na verdade, enquanto na avaliação dos danos não patrimoniais e conforme decorre do n°3 do artigo 496 do Código Civil é a equidade que funciona como primeiro critério, embora condicionada aos parâmetros estabelecidos no artigo 494 do mesmo Código, na avaliação dos danos patrimoniais, a equidade funciona residualmente para o caso, como textualmente se lê no n°3 do artigo 566 do C. Civil, de não ter sido possível averiguar o valor exacto dos danos.</font><br>
<font>E não será, seguramente, pelo facto</font><font> (5)</font><font> de não se poder averiguar exactamente os danos que os danos futuros resultantes de uma incapacidade física e permanente do lesado deixarão de ser avaliados como danos patrimoniais.</font><br>
<font>Com efeito, a lei não nos dá outra orientação que não seja a que deriva dos artigos 564, n°2 - atendibilidade dos danos futuros previsíveis - e 566, n°s 2 e 3 - teoria da diferença --, ambos do Código Civil, a conjugar com a equidade, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos.</font><br>
<font>A equidade funciona, assim neste caso e como já foi dito, como elemento corrector do resultado a que se chegar depois de utilizados os cálculos aritméticos e as tabelas financeiras habitualmente usados, os quais, constituindo embora adjuvantes importantes, não devem ser arvorados em critérios de avaliação únicos e infalíveis.</font><br>
<font>E, consoante jurisprudência constante, a indemnização do dano futuro decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida. Só assim se logra, na verdade, «reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (artigo 562°).</font><br>
<font>É no cálculo de semelhante capital que a equidade intervém necessariamente, na medida em que há que assentar no tempo provável de vida da vítima, na diferença que, em cada época futura, existirá entre o rendimento auferido e o que auferiria se não tivesse sido a lesão e, por fim, na evolução da unidade monetária em que a indemnização se irá exprimir</font><font>(6) Ac. do STJ, de 25/6/2002,in “CJ/STJ”, ano X, II-132.</font><font>.</font><br>
<font>Face ao exposto, para alcançarmos o justo valor indemnizatório e antes da intervenção do juízo corrector da equidade, há que atentar na factualidade apurada, como determina, aliás, a parte final do n°3 do artigo 566 do Código Civil.</font><br>
<font>E aqui é que funciona o tal juízo de equidade, tomando-se em conta o demais circunstancialismo apurado, por forma a que se encontre a indemnização que melhor se ajuste ao caso concreto.</font><br>
<font>Mas, se é verdade que os elementos adjuvantes do cálculo indemnizatório (cálculos matemáticos e tabelas financeiras) funcionam com algum rigor objectivo para os casos de perda efectiva e imediata de rendimentos, já o mesmo não sucede quando esta perda não se verifica, interessando apenas indemnizar o dano corporal a se, como é, em parte, o caso que nos ocupa, por a recorrida AA ser, para além de costureira, doméstica.</font><br>
<font>Assim, para além de se atentar à perda efectiva de ganhos (deixou de auferir ou poupar cerca de € 250,00 mensais), ter-se-á de ter presente, ainda, que a indemnização tem que tomar em conta a previsível capacidade da lesada em continuar, durante alguns anos (tanto mais, obviamente, quanto menos avançada for a sua idade), a poder fazer a sua vida activa normal, sem qualquer afectação negativa, decorrente das lesões corporais provocadas pelo acidente, que lhe provocaram uma IPP de 20%.</font><br>
<font>Nos casos como o dos autos terá de ser, assim, a equidade a assumir o papel preponderante no cálculo, tal como no arbitramento de indemnização por danos não patrimoniais.</font><br>
<font>Claro que, para atenuar o inevitável subjectivismo desta fonte de justiça concreta, como é a equidade, deverão ser consideradas todas as circunstâncias do caso, bem como a prática jurisprudencial em situações semelhantes</font><font> (7) </font><font>.</font><br>
<font>E acrescentamos, desde já, que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, quer no âmbito dos princípios acima expostos, quer no âmbito da sua concretização prática, pois que fixou em 30.000 euros a indemnização pelos danos futuros — um montante equitativo e, por isso, justo, atento todo o circunstancialismo concreto apurado, como indemnização a que a autora tem indiscutivelmente direito por um dano patrimonial que, sempre e previsivelmente, não deixará de afectá-la no futuro, pelo esforço acrescido que terá de desenvolver no exercício da sua actividade doméstica ainda por mais uns vinte e cinco anos, considerando a média estatística da esperança de vida (quase nos 80 anos) para as mulheres portuguesas.</font><br>
<font>Improcede, pois, nesta parte, a revista. </font><br>
<br>
<font>No que se refere, agora, à segunda questão, estarem os danos físicos sofridos pelo recorrido CC excluídos da garantia do seguro, já que ele é o tomador do contrato, acompanhamos o decidido no Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Com efeito, muito embora tenha de se convir que o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tenha a natureza jurídica de “seguro de responsabilidade”, o certo é que a sua moderna especificidade – com acolhimento no chamado “3.ª Directiva Automóvel” (Directiva do Conselho de 14 de Maio de 1990 (90/232/CEE), publicada no Jornal Oficial, L 129, de 19 de Maio do mesmo ano, (a pgs. 33 e seguintes) e transposição para a nossa ordem jurídica interna através do Dec. Lei nº 130/94, de 19 de Maio, que entrou em vigor a partir de 31 de Dezembro de 1995 – reside no primado da protecção das vítimas corporais, ressarcindo todos quanto não sejam o próprio condutor (o responsável pelo respectivo ilícito) relativamente aos danos corporais de que forem vítimas, por acidente rodoviário não por si próprios causado.</font><br>
<font>Na verdade, esse é o resultado interpretativo que se deve fazer do artº 7º. (nº.s 1º e 2º, al. a)), do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo aludido Dec Lei nº 130/94(8).</font><br>
<font>Contrariamente ao entendimento anterior, hoje, “terceiro”, em matéria de acidente de viação, é todo aquele que possa imputar a </font><u><font>responsabilidade do evento </font></u><font>a outrem - e, não, como anteriormente, aquele que não era o tomador do seguro .</font><br>
<font>No entanto tal princípio sofre das excepções ou exclusões contidas no aludido art. 7º do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Dec Lei nº 130/94, donde resulta “ex vi” do nº 1 que, no que se refere às “lesões corporais”, somente se encontram excluídos da garantia do seguro as sofridas </font><i><u><font>pelo condutor do veículo seguro.</font></u></i><br>
<font>Assim, o 3º. A. e, ora recorrido, uma vez que apenas se coloca na lide como vítima da não condenação de outrem, tem plena legitimidade para peticionar, como peticionou, o ressarcimento dos seus danos corporais.</font><br>
<font>Na verdade, o proprietário e tomador do seguro que é transportado como passageiro no seu próprio veículo, sendo outrem o respectivo condutor, está devidamente coberto pela responsabilidade civil automóvel quanto aos danos decorrentes de </font><i><u><font>lesões corporais</font></u></i><font> que lhe advenham em virtude do acidente.</font><br>
<font>Na situação em análise, o recorrido CC não deixa, para os efeitos que vêm de ser referidos, de ser um </font><i><u><font>terceiro</font></u></i><font> em termos de responsabilidade pela ocorrência do sinistro e a quem é devida a competente indemnização, no entanto circunscrita aos danos emergentes das lesões corporais que lhe advieram em virtude do acidente.</font><br>
<font>Refira-se, neste conspecto, que o Ac. do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 30.7.2005</font><font> (9) .</font><font> decidiu que a segunda Directiva 84/5/CEE e a terceira Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil sobre circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado a indemnização com fundamento na contribuição de um passageiro para o dano por si sofrido.</font><br>
<font>E, incisivamente, decidiu que o facto de o passageiro ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é </font><i><u><font>irrelevante</font></u></i><font>.</font><br>
<font>É, exactamente esta a situação dos autos.</font><br>
<font>Improcede, pois, também, nesta parte, a revista.</font><br>
<br>
<b><font>4. </font></b><font>Nestes termos, acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido. </font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 16 de Janeiro de 2007.</font><br>
<font>Borges Soeiro (relator)</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Sebastião Povoas, vencido de harmonia com a declaração de voto junta.</font><br>
<font>Declaração de voto</font><br>
<font>Fui vencido quanto ao segmento do Acórdão que condena a recorrente a indemnizar o recorrido CC.</font><br>
<br>
<font>Vejamos,</font><br>
<br>
<font>1- Este é o proprietário do veículo e titular do contrato de seguro de responsabilidade civil.</font><br>
<font>Era transportado no veículo do qual tinha a direcção efectiva e utilizava no seu próprio interesse, por intermédio de comissário – sua mulher – que o conduzia.</font><br>
<font>Daí que, e nos termos do n°1 do artigo 503° do Código Civil ( por indemonstrada qualquer das situações do artigo 505°) seja solidariamente responsável com o seu comissário – sobre o qual recai uma presunção de culpa – e com a seguradora (esta a responder até ao limite do montante da apólice) – artigo 507°.</font><br>
<font>Foi precisamente esta sua responsabilidade civil que transferiu para a companhia de seguros.</font><br>
<font>Não faz qualquer sentido, e antes surge ao arrepio de toda a dogmática jurídica da responsabilidade aquiliana, dos acidentes causados por veículos, e do seguro de responsabilidade civil, que o lesante seja simultaneamente lesado.</font><br>
<font>Ademais, o seguro em apreço destina-se a garantir os danos causados a terceiros, não se tratando de seguro de danos próprios.</font><br>
<font>A transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n° 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, pelo DL n° 130/94, de 19 de Maio – que alterou o DL n° 522/85 de 31 de Dezembro, já alterado pelo DL n° 122-A/86, de 30 de Maio – não pode conduzir, sem mais, à subversão do nosso sistema jurídico e antes deve ser interpretada em conformidade.</font><br>
<font>Daí que o n°1 do artigo 7° da nova redacção deva ser lido no sentido de a exclusão do condutor do veículo seguro significar necessariamente a exclusão do seu comitente, já que a condução é feita "por conta" (ou seja, em nome, em representação) deste.</font><br>
<br>
<font>Assim é que se justifica a vigente disciplina do citado artigo 503° do diploma substantivo.</font><br>
<font>E a presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem, pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele, como lesante, e o titular do direito à indemnização.</font><br>
<font>O Prof. A. Varela justifica esta ficção legal por não ser semelhante a posição do condutor-proprietário e do condutor comissário. (cf. parecer no Boletim da Ordem dos Advogados – Janeiro de 1984). Nesta linha, o Acórdão do STJ de 2 de Junho de 1997 – BMJ 428-540 – assim ponderou.</font><br>
<font>"O condutor do "próprio veiculo", para alem da responsabilidade subjectiva imposta a todo o causador culposo de danos, está onerado com a responsabilidade objectiva, que garante à vitima o direito à indemnização, mesmo que o condutor prove a sua falta de culpa – desde que o acidente resulte de risco próprio do veiculo.</font><br>
<font>O condutor por conta de outrem, por seu turno, não conduzindo o veiculo no seu próprio interesse não está sujeito ao regime de responsabilidade objectiva. Está sujeito, sim a uma presunção de culpa, presunção que foi estabelecida por razoes bem fundamentadas. (...) O mero condutor será na generalidade dos casos, um motorista profissional, cuja condução se reveste de especiais características e a tomam particularmente perigosa. Por não ser executada sobre coisa própria é, em regra, mais descuidada; pela habitualidade com que é exercida é muito mais atreita a atitudes de facilidade e à rotina de correr maiores riscos; porque feita por quem deve ter obrigação de especial perícia é susceptível de legitimar que se lhes exija (aos condutores por conta de outrem, em termos mais onerosos, a obrigação de identificar e provar a causa de qualquer eventual acidente, caso ela lhes não seja imputável. Os condutores por conta de outrem, (...) são, na maioria dos casos, motoristas profissionais, que conhecem, ou tem obrigação de conhecer, as regras de condução, os segredos da viatura e o perfil das estradas. Se eles, apesar da sua experiência e sabedoria não convencem o tribunal da falta da sua culpabilidade, nada repugna aceitar, em principio, a conclusão da sua culpa. Ao mesmo tempo, (...) a presunção de culpa do condutor por conta de outrem é, em certa medida, uma forma de estimular o cumprimento do dever de vigilância, sobre o veiculo e de combater os perigos decorrentes da fadiga, da embriaguez, da distracção ou do espírito de competição na condução do veiculo. (...)</font><br>
<font>Temos de concluir, pois, que o "condutor comissário" e o "condutor proprietário" não se encontram numa situação igual, enquanto intervenientes no fenómeno da condução de um veiculo automóvel, a ponto de reclamar ou impor ao legislador ordinário a obrigação de os tratar de forma igual."</font><br>
<font>Ainda o Prof. A. Varela (Obrigações em Geral 1, 674 — 2° ed) convence da bondade de interpretação do Assento de 14 de Abril de 1983 ao referir:</font><br>
<br>
<font>"Há na condução por conta de outrem um perigo sério de afrouxamento na vigilância do veículo que a lei não pode subestimar: o dono do veículo (muitas vezes, uma empresa cuja personalidade se dilui pelos gestores) não sente as deficiências dele, porque o não conduz; o condutor nem sempre se apresta a repará-las com a diligência requerida, porque o carro não é seu, porque outros trabalham com ele e o podem fazer, porque não quer perder dias de trabalho ou por qualquer outra de várias razões possíveis."</font><br>
<font>Estabelecida a culpa presumida o lesado não tem que demonstrar os factos que a ela conduzem — artigo 350° n° 1 CC — cumprindo aos lesantes ilidi-los.</font><br>
<font>O comitente responde, então, como se referiu, solidariamente com o comissário por todos os danos causados no acidente, e não nos termos do n°l do artigo 503° daquele código por não estarem em causa apenas danos resultantes do risco próprio do veiculo, mas sim de danos causados por culpa (embora presumida) do condutor.</font><br>
<font>E este agravamento da situação do comitente também se destina a incitá-lo aos maiores cuidados na escolha do seu comissário, já que a indemnização é, em regra, suportada por ele.</font><br>
<br>
<font>2- O Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 30 de Julho de 2005 — CJ/STJ, 2005, II, 7 — vale como mera jurisprudência, desconsiderando, aliás, as especificidades das leis nacionais.</font><br>
<font>Talvez por isso certos Estados membros da EU, com regimes internos semelhantes ao nosso (v.g. a Alemanha) não o acataram. A transposição das Directivas para o direito interno, tal corno a ratificação de instrumentos de direito internacional, deve ser feita em termos de não conflituar com a unidade do sistema jurídico, buscando-se soluções (ou, em fase ulterior, interpretações) que com ele se coadunem e não o desvirtuem.</font><br>
<font>Com todo o respeito, defender ser "terceiro" aquele que, também, é responsável pelo evento lesivo é uma contradição nos termos.</font><br>
<font>O legislador não pode ter querido esta solução, pois não teria deixado de garantir a acenada unidade do sistema jurídico que, como escreveu o Prof. A. Varela (RLJ 3803-42) "só pode construir-se sobre todas as pedras fundamentais em que assentam realmente as regras gerais do direito constituído, iluminadas pelo espírito que as anima."</font><br>
<font>O n°l do artigo 9° do Código Civil manda ter em conta essa unidade, para além das circunstâncias em que a lei foi elaborada, como as condições específicas do tempo em que é aplicada.</font><br>
<font>E as chamadas presunções epistemológicas do n°3 deste preceito devem estar sempre presentes na actividade do intérprete (cf. Prof. A. Varela, in "Do Projecto ao Código Civil", Lisboa, 1966, 22 ss). E da conjugação dos princípios expostos e na não busca de reconstituição do pensamento do legislador, na esteira da velha escola subjectiva, mas apelando para o que não pode deixar de ser o pensamento legislativo, que se encontra a interpretação acima referida.</font><br>
<font>Eis porque concederia parcialmente a revista e absolveria a Ré seguradora do pedido de indemnização formulado pelo proprietário do veículo.</font><br>
<br>
<font>________________________</font><br>
<br>
<font>(1) In,”www. dgsi. pt.”(net), Proc. 05B1597 (Relator Cons. Ferreira Girão), que vamos seguir de perto.</font><br>
<font>(2) Ac. deste STJ</font><font> de 8/1/2004, Revista 4083/03-7ª Secção, Sumários, n°77, página 8.</font><font>.</font><br>
<font>(3) In, Revista </font><font>n°2084/04-2ª Secção, “Sumário” n°83, página25.</font><br>
<font>(4) </font><font>cfr. a exaustiva recensão, levada a cabo pelo Gabinete de Juízes Assessores de sumários de acórdãos proferidos entre 1996 e Fevereiro de 2003 sobre Danos Não Patrimoniais.</font><br>
<font>(5)Como se salientou no supracitado Ac. deste STJ de 22.6.2005, que estamos seguindo.</font><br>
<font>(6) Ac. do STJ, de 25/6/2002,in “CJ/STJ”, ano X, II-132.</font><font>.</font><br>
<font>(7) Vide, a este propósito o cotejo feito no Ac. deste STJ de 17.11.2005, in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font> ( Net), Proc. 05B3167 (Relator Cons. Moitinho de Almeida).</font><font>.</font><br>
<font>(8) Note-se que no preâmbulo do aludido Dec-lei se aponta como razão fulcral para se legislar nessa oportunidade a necessidade da transposição da directiva do conselho de 14 de Maio de 1990 (90/232/CEE) para a ordem jurídica portuguesa.</font><br>
<font>(9) In, “C.J./S.T.J.”, 2005, II, pag.7.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rzKAu4YBgYBz1XKvexKq | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
<p><font> </font><br>
<font>AA,</font><b><font> BB </font></b><font>e</font><b><font> </font></b><font>CC intentaram acção contra “</font><b><font>Banco DD SA</font></b><font>”</font><b><font>, </font></b><font>“</font><b><font>GG SA</font></b><font>”</font><b><font>, e </font></b><font>“</font><b><font>Fundo de Resolução</font></b><font>”, pedindo a condenação destes a pagar-lhes, solidariamente, as quantias de € 500.000, acrescida de juros, de € 20.000, a título de danos não patrimoniais, e, ainda, a de € 11.202,54 ao A marido, a título de danos patrimoniais. </font><br>
<font>Alegaram, para tanto, em suma: </font><br>
<font>- em 21/02/2014, o EE, por intermédio dum seu funcionário e gestor da conta bancaria dos AA, deslocou-se ao local de trabalho dos AA marido e filho, e convenceu-os a aplicarem € 500.000 em papel comercial emitido pela “FF SA”, sem lhes prestar as informações necessárias sobre tal produto e assegurando-lhes a ausência de risco e o retorno absoluto do capital investido, bem como uma taxa de juro anual nominal de 4.15% (uma rentabilidade superior à que vinham usufruindo), por um período de 9 meses, com data de reembolso em Novembro seguinte;</font><br>
<font>- Os AA, que não são investidores nem têm qualquer experiência relacionada com subscrição de instrumentos financeiros e desconheciam a FF, acreditaram na informação prestada pelo EE, pela confiança que detinham nele – induzidos pela “grandeza do EE”, transmitida publicamente, da publicidade do aumento de capital social – e no seu funcionário, bem como nas explicações dadas sobre o balanço e nos resultados das demonstrações da capacidade financeira e da solidez daquela empresa, constantes da ficha técnica e da nota informativa (de 16/01/2014), apresentando de capitais próprios de valores de 3 mil milhões de euros; </font><br>
<font>- No dia 25/02/2014, os AA entregaram ao funcionário do EE a quantia de 500.000, para depósito na sua conta à ordem e no dia </font><u><font>27/02/2014</font></u><font> o EE emitiu o documento de operação subscrição do dito papel comercial, no referido valor total de € 500.000;</font><br>
<font> - Mais tarde, através das notícias veiculadas pela comunicação social, os AA tomaram conhecimento de que o EE regista um prejuízo económico estrondoso e que as demonstrações sobre a situação económica e financeira da FF apresentada na nota informativa não correspondiam à realidade da empresa, tendo sido “forjadas” de forma a convencer a subscrição do papel comercial; </font><br>
<font>- O que levou os AA a entrar de imediato em contacto com o R GG, através do gestor de conta, de forma a serem elucidados sobre o estado em que se encontrava o seu depósito de € 500.000;</font><br>
<font> - O EE, o GG e o funcionário do EE e posteriormente do GG, todos, mantiveram a posição de garantir aos AA o retorno absoluto do capital investido e a taxa de juro anual nominal de 4.15%, e de que era nulo o risco do investimento que lhes fora proposto;</font><br>
<font>- Mais tarde, mais uma vez através das notícias veiculadas pela comunicação social, os AA tomaram conhecimento de várias decisões tomadas pelo BdP, como sejam: (1) a determinação, em </font><u><font>14/2/2014</font></u><font>, da proibição ao EE de comercialização de instrumentos de dívida do grupo GES, entre as quais a FF SA; (2) em Março de 2014, a determinação ao EE da criação da provisão de 700ME para assegurar o reembolso do papel comercial e a apresentação de uma garantia do seu pagamento, tendo o EE dado como tal a companhia de seguros Tranquilidade; (3) em Julho de 2014, o BdP e o EE afirmaram que foi criada uma provisão que assegurava o pagamento integral do papel comercial e o BdP, através do seu Governador, afirmou que, em caso de falência do EE, os investidores de papel comercial estavam salvaguardados e assumiu a dificuldade dos clientes distinguirem DPs de papel comercial; (4) em 3/8/2014, a medida de resolução do EE e a transferência da generalidade da atividade deste para o (banco de transição) GG, criado especialmente para o efeito; (5) e a utilização, para apoio à medida de resolução, do Fundo de Resolução, com domínio total sobre o GG, enquanto detentor único do respectivo capital social;</font><br>
<font>- Deste modo, os AA foram aliciados pelo EE, no dia </font><u><font>21/02/2014</font></u><font>, ao depósito na sua conta à ordem de € 500.000 para a subscrição de papel comercial daquela FF, quando este bem sabia que já se encontrava proibido de o fazer e que as contas que apresentou da FF não correspondiam à realidade, sendo que os AA desconheciam ambos esses factos;</font><br>
<font>- Aquando da resolução do EE, o GG informou os seus clientes de que a garantia e provisão passaram para si (banco de transição) e que mantinha a intenção de pagar;</font><br>
<font>- Nada foi reembolsado aos AA na data estipulada (25/11/2014), nem posteriormente;</font><br>
<font>- O gestor da conta pertencente aos AA onde foi depositado o montante supra identificado (€ 500.000) transitou para o GG, continuando a ser gestor até à presente data da mesma conta, que se mantém activa no GG;</font><br>
<font>- No ano de 2015, o GG deu conhecimento aos AA de que a sociedade emitente do papel comercial (FF), pertencente ao grupo do EE (GES), se encontrava em processo de insolvência;</font><br>
<font>- Esse processo de insolvência foi interposto pela própria FF, que fixou a data de </font><u><font>22/01/2014</font></u><font> como sendo a que a mesma começou a ser incapaz de cumprir as suas responsabilidades, realidade que o EE já conhecia em Janeiro de 2014.</font><br>
<font>Com tais fundamentos, os AA concluíram que o EE os conduziu de forma ilícita e fraudulenta à dita subscrição do papel comercial, agindo deliberada e conscientemente com o propósito de os enganar e de os fazer perder o montante de € 500.000, fruto das poupanças que fizeram durante as suas vidas de trabalho.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Os RR contestaram. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Em sede de saneador, foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao R Banco DD, entretanto declarado insolvente, e o Sr. Juiz, por entender que os autos continham já todos os elementos necessários para uma decisão de mérito sem necessidade de prova adicional, proferiu logo decisão, absolvendo os demais RR dos pedidos formulados pelos AA.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Relação julgou improcedente a apelação que os AA haviam interposto dessa decisão, a qual acabou por confirmar (excepto quanto a custas), mas afirmando que importava declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide quanto ao R GG, em conformidade com o disposto no artigo 277º e) do CPC, e concluindo que, consequentemente, o R Fundo de Resolução também não poderia ser responsabilizado, uma vez que, mesmo na perspectiva defendida pelos AA, este só seria responsável se aquele (NB) também o fosse. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Desse acórdão da Relação, os AA interpuseram recurso de </font><b><font>revista</font></b><font>, cujo objecto delimitaram com a questão de saber se inexiste inutilidade superveniente no que respeita ao R </font><u><font>GG</font></u><font>, suscitada nas seguintes conclusões (sic):</font><br>
<font>1. Salvo o devido respeito, que é muito, o mui douto Acórdão Recorrido, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide do prosseguimento dos autos quanto ao GG, não fez uma correta aplicação da lei substantiva e da lei processual, violando o disposto no artº 277º alínea e) do Código de Processo Civil, uma vez que os Recorrentes não se podem conformar com a fundamentação e decisão.</font><br>
<font>2. O presente recurso submetido à apreciação dos Venerandos Conselheiros, vem interposto do Acórdão da Relação que julgou a apelação parcialmente improcedente e em consequência decidiu pela extinção da instância por inutilidade da lide, no que respeita ao GG.</font><br>
<font>3. Os fundamentos do Acórdão recorrido em síntese defendem que por via das deliberações adotadas pelo Banco de Portugal (BdP), existiu, uma retransmissão com efeitos retroativos da medida de resolução, para o EE, radicando sempre na esfera jurídica do EE e não na esfera do Banco de transição (NB), para tanto fundamentaram o Acórdão da seguinte forma:</font><br>
<font>4. O Tribunal da Relação fundamentou-se nas deliberações da medida de resolução, nas clarificações e ajuste do perímetro, em concreto na sub alínea (vii) da alínea b) do anexo 2, e que se transcrevem do texto do Acórdão: </font><i><font>de </font></i><b><i><font>03 de agosto de 2014</font></i></b><i><font>: ... «O Banco de Portugal integrou na categoria de “Passivos Excluídos” – responsabilidade do EE perante terceiro que constitua passivos ou elementos extra patrimoniais do EE que se mantiveram na sua esfera jurídica, não tendo sido transferidos para o GG – “quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude, ou da violação de disposições ou determinações, regulatórias, penais ou contraordenacionais”; de </font></i><b><i><font>11 de agosto de 2014</font></i></b><i><font> “quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais”; </font></i><b><i><font>29 de dezembro de 2015</font></i></b><i><font>: “quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo contratação e distribuição de instrumentos: financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores designadamente as sub alíneas (iii) e (v) que fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade de vinculação contratual do EE e cuja existência se posso comprovar documentalmente nos arquivos do EE, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas</font></i><font>”.</font><br>
<font>5. Foi com base nesta exposição (subalínea vii) que o Tribunal da Relação entendeu e concluiu que não houve transferência para o NB da responsabilidade na comercialização financeira do produto Financeiro comercializado aos Recorrentes ipelo SES;</font><br>
<font>6. Com o qual discordamos, por varias razões: (1) não existiu uma decisão judicial que apreciasse, a situação em concreto dos factos carreados para os autos. Ou seja, desconhecemos qual a decisão e o enquadramento dos factos ocorridos na data da aplicação financeira, tendo em mente que nessa data existia um impedimento à venda da aplicação, imposto pelo BdP ao EE; por desconhecer o enquadramento jurídico atribuído à aplicação à data de 3 agosto de 2014, data da resolução. Existiu dolo, a fraude, violação das disposições regulamentares e penais, contraordenacionais, aplicáveis no que diz respeita ao momento (27/02/2014), momento em que foi vendida a aplicação financeira descrita nos autos e consta dos factos apurados?; (2) por o BdP nos termos em que procede às varias clarificações, na verdade não excluiu esta concreta aplicação financeira da responsabilidade do NB; (3) por na data da resolução, quer na data em que se realizou a venda (posterior à data da proibição de venda imposta pelo BdP), o respetivo prazo de vencimento do crédito, ainda não se encontrava vencido, o qual só se venceu em Novembro de 2014; (4) por os presentes autos não se encontrarem descritos na decisão do BdP;</font><br>
<font>7. Perante a inexistência quer de uma decisão judicial que enquadre juridicamente os factos carreados para os autos, sobre a proibição da venda pelo BdP ao EE, quer da inexistência de exclusão pelo BdP do crédito dos Recorrentes, quer o não vencimento do crédito na data de resolução, não se descortina do douto Acórdão, em qual alínea da resolução, da retransmissão, enquadra o Tribunal da Relação, os factos carreados para os autos pelos Recorrentes. Pergunta-se existiu dolo? Fraude? O que é que existiu? Não sabemos.</font><br>
<font>8. A discordância com o Acórdão prende-se com a decisão proferida no ponto B), em que conclui o seguinte: “(…) </font><i><font>B) Em particular clarificar não terem sido transferidos do EE para o NB, inter alia:</font></i><br>
<font>9. (…) </font><i><font>qualquer responsabilidade que seja objeto dos processos em anexo entre os quais o BdP incluiu expressamente os presentes autos</font></i><font>;”</font><br>
<font>10. Discorda-se em absoluto com a conclusão do Tribunal da Relação, em virtude de que nem o presente processo está descrito em anexo à deliberação, (aliás a deliberação é datada de 29 de dezembro de 2015 e os presentes autos deram entrada no ano de 2016), nem se encontra este auto expressamente incluído nessas deliberações tomadas pelo</font><br>
<font>correta aplicação do direito, violando o disposto nos artº, 118º nº 1 al.a), o artº, 122º nº 2, os artº, 501º a 504º todos do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por força do 145º nº 10, violou o disposto no artº. 145º D nº 1 al. c), 145º H todos do RGICSF, uma vez, que independentemente das deliberações tomadas pelo BdP, as mesmas não podem estar acima das normas jurídicas aplicáveis às Sociedades Comerciais, no presente caso, das sociedades anónimas, da cisão, da irretroatividade das leis (artº. 12º do CC), cuja violação colocaria em causa o principio basilar da Segurança Jurídica, o que no presente caso permitia uma decisão diferente, no sentido de serem os Recorridos responsáveis solidários (do EE na reclamação de créditos pendente no processo nº 18588/16.2T8LSB), pelo reembolso das quantias investidas em papel comercial pelos Recorrentes, em data posterior à data da proibição de venda e com vencimento em data posterior à data de resolução,</font><br>
<font>12. Mais considerou o Douto Acórdão, que qualquer responsabilidade decorrente da violação dos deveres por parte do EE da comercialização e intermediação financeira, designadamente o dever de informação, em data anterior a 03/08/2014 por via das deliberações tomadas pelo BdP ficariam excluídas.</font><br>
<font>13. Assim atendendo aos factos apurados, sobre a data de comercialização e liquidação a debito que remontam à data de 25/02/2014 (ponto 2 dos factos apurados), ou seja, em data anterior a 03/08/2014, entendeu o Tribunal da Relação excluir a responsabilização do GG, concluindo pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto a este R. GG;</font><br>
<font>14. Contrariamente ao decidido, entendem os Recorrentes que a responsabilidade dos Recorridos, vai muito além das medidas tomadas pelo BdP em termos de transmissão, medida de resolução, retransmissão tomada pelo BdP, mas sim advém de apesar de à data da comercialização existir uma proibição pelo BdP de venda de papel comercial, o EE vendeu aos AAA o papel comercial.</font><br>
<font>15. Entendem os Recorrentes que sobre esta questão em concreto não se pronunciou o Tribunal e não a enquadrou nas medidas tomadas pelo BdP. </font><br>
<font>16. O GG responde pelo valor depositado na conta do EE, por aplicação das normas comerciais vigentes na ordem jurídica interna, do primado da segurança jurídica, dos deveres da CMVM e do Banco de Portugal em fiscalizar e supervisionar as entidades financeiras, para que situações como a ora submetida a apreciação deste douto tribunal inexistissem, sem nunca nos esquecermos da separação de poderes essencial à segurança jurídica.</font><br>
<font>17. Ao contrário do decidido, os Recorrentes não têm dúvidas de que o GG é responsável pelo reembolso e como tal o Tribunal da Relação não poderia ter decidido pela extinção da instância.</font><br>
<font>18. Por ultimo e apenas por mera cautela, sem se conceder, entendem os recorrentes que a enquadrar a comercialização como válida, então as manifestações publicitadas pelo BdP, pelo GG e pela CMVM, sobre a constituição de uma provisão imposta pelo BdP ao EE, a transferência dessa provisão para o GG constituem manifestações claras e vinculativas de assunção da obrigação por parte do GG do reembolso do capital investido pelos Recorrentes.</font><br>
<font>19. Pode-se afirmar porque público e notório que o BdP impôs ao EE a criação de uma provisão patrimonial com a intenção clara e especifica de reembolsar os clientes que investiram em papel comercial do grupo EE e que essa provisão transitou para o GG.</font><br>
<font>20. Ora, relativamente à responsabilidade do GG, tal como supra já referido é fundamento da mesma, a assunção pelo próprio GG da obrigação do pagamento dos montantes investidos em papel comercial e, caso assim não se entenda, da garantia do seu pagamento, já após a aplicação da medida de resolução, para além e fora do âmbito desta.</font><br>
<font>21. Além de que, a própria responsabilidade assumida pelo EE de reembolso do papel comercial ESI e FF transferiu-se para o GG, S.A., nos termos da própria deliberação adotada pelo BdP e do perímetro de transferência por este definido em 04 de Agosto de 2014, pois que o EE registou nas suas contas uma provisão precisamente para fazer face ao reembolso da dívida GES subscrita por clientes, no valor de € 588,6 milhões, dos quais 446 milhões visavam fazer face ao reembolso da dívida emitida pela ESI e FF.</font><br>
<font>22. Com efeito, a constituição de uma provisão constitui reconhecimento da sua responsabilidade nos termos do direito comercial;</font><br>
<font>23. E a verdade é que do Balanço Previsional do GG à data da Deliberação de 03 de Agosto de 2014 consta essa provisão, o que significa que a responsabilidade para a qual foi constituída também foi transmitida ao GG.</font><br>
<font>24. Além de que, para a constituição do capital do GG, foi tido em consideração a dita provisão e a respetiva responsabilidade, pois que aquela provisão corresponde a uma rúbrica do balanço que concorreu para aferir daquele valor.</font><br>
<font>25. Acresce ainda que, a clarificação do BdP no que se refere à não transmissão para o GG de “</font><i><font>quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do EE que (…) fossem contingentes ou desconhecidos</font></i><font>”, convém ter presente que o passivo referente à obrigação de reembolso do papel comercial ESI e FF não era – e não é – contingente, nem era desconhecido, foi sim vendido aos Recorrentes em incumprimento pelo EE da decisão de proibição emanada pelo BdP, e a data de reembolso aos AAA ora recorrentes dos valores investidos, ocorreu a 22 de Novembro de 2014, ou seja, em data posterior à constituição do GG e por conseguinte deveria ser o NB responsável pelo reembolso.</font><br>
<font>26. Da decisão tomada pelo BdP decorre a constituição do GG SA e o assumir da transferência para o GG de ativos, passivos, e elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do EE, e como tal inexiste inutilidade superveniente no que respeita ao GG SA, o que se requer ao Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font> </font></p><div><font>*</font></div><font>Importa apreciar e decidir a enunciada questão, para o que releva o antecedentemente relatado e a seguinte matéria de facto tida por assente pela 2ª instância:</font><br>
<font>1 - Em 25/2/2014 os AA entregaram a um funcionário do EE a quantia de € 500.000,00 para aquisição de papel comercial emitido pelo FF</font><br>
<font>2-Após a entrega destes cheques, no dia 27/2/2014 o EE emitiu um documento com o seguinte teor” Aviso nº 1010647 de 27/02/2014, origem DEO/Serviços de títulos, Tipo de Movimento: Liquidação a Débito, moeda EUR, Dossier de títulos nr 000141469965, tipo de operações Compra/ Subscrição em OTC ; Nr de ordem 21/02/2014 1012134, espécie FF 40ª EM código ISIN PTR34AJM1196, natureza do valor e forma de Apresentação L-PAPEL COMERCIAL M-ESCRT (NOMIM). Data da liquidação 27/02/2014, data valor 27/02/2014, contraparte EEI–Banco DD de Investimento, Valor nominal 50.000.00 .Montante Nominal 500.000,00 .Preço unitário 100.000000000% .Valor líquido de 500.00,00€ .Total liquidado € 500.000.</font><br>
<font> </font><br>
<font>RELATIVAMENTE AO RÉU BANCO DD, SA, EM LIQUIDAÇÃO:</font><br>
<font>1º - Por deliberação do Banco Central Europeu, de 13/07/16, foi revogada a autorização do Banco DD, S.A. (“EE”) para o exercício da actividade de instituição de crédito.</font><br>
<font>2º - Desta deliberação não foi interposto recurso para o Tribunal Geral da União Europeia.</font><br>
<font>3º - Na sequência da comunicação de revogação, acima referida, o Banco de Portugal requereu a liquidação do Banco DD, tendo este requerimento sido distribuído à 1ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa, J1, com o nº 18588/16.2T8LSB.</font><br>
<font>4º - Em 21/07 foi proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, fixando-se o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.</font><br>
<font>5º - Os AA reclamaram o seu crédito na liquidação com o nº 18588/16.2T8LSB.</font><br>
<font> </font><br>
<font>RELATIVAMENTE AO RÉU GG, SA.</font><br>
<font>1º-No dia 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal proferiu a seguinte deliberação: </font><br>
<font>Ponto Um: Constituição do GG, SA </font><br>
<font>É constituído o GG, SA, ao abrigo do nº 5 do artigo 145º - G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.</font><br>
<font> Ponto Dois: Transferência para o GG, SA, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco DD, SA.</font><br>
<font> São transferidos para o GG, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 145º - H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, conjugado com o artigo 17º - A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco DD, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação. </font><br>
<font>Ponto Três: Designação de uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos para o GG, SA.</font><br>
<font>Considerando o disposto no n.º 4 do artigo 145.º-H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade ... & Associados - Sociedade de Revisores de Contas, Lda (PwC SROC), para, no prazo de 120 dias, proceder à avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos para o GG, SA.” </font><br>
<font>4º -Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi rectificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, considerando excluídos os seguintes:</font><br>
<font>“(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais; </font><br>
<font>(vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do EE relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o EE;</font><br>
<font> (vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo DD, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do EE, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas”.</font><br>
<font>5º - No dia 29 de Dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, (…) foi adoptada a seguinte deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redacção que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”:</font><br>
<font> DELIBERAÇÃO </font><br>
<font>Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados. </font><br>
<font>Enquadramento</font><br>
<font> 1. A deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20:00 horas), com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11 de agosto de 2014 (17:00 horas) - doravante a “Deliberação de 3 de agosto”, para efeitos dos considerandos seguintes - que determinou a constituição do GG, S.A. (“GG”), determinou igualmente a transferência de um conjunto de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco DD, S.A. (“Banco DD” ou “EE”) para o GG, descritos no Anexo 2 da mesma Deliberação de 3 de agosto.</font><br>
<font>2. O RGICSF estabelece, em conformidade com a legislação europeia na matéria, que os accionistas e credores da instituição objecto de resolução devem assumir os prejuízos da referida instituição.</font><br>
<font>3. Um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir directamente os prejuízos da instituição de crédito objecto de resolução. </font><br>
<font>4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do EE para o exercício da actividade ou da venda do GG, para determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o GG e o EE (o “Poder de Retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (Resolução) do Título VIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto. </font><br>
<font>Fundamentos para a clarificação e para o exercício do Poder de Retransmissão.</font><br>
<font>5. A versão original da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 3 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do EE perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o GG SA, com excepção das seguintes (Passivos Excluídos) … (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude e violação de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.” </font><br>
<font>6. A versão alterada da Deliberação de 3 de agosto, publicada em 11 de agosto de 2014, dispunha o seguinte na alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2: “As responsabilidades do EE perante terceiros, que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais, serão integralmente transferidas para o GG SA, com excepção das seguintes (Passivos Excluídos) …</font><br>
<font>(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.”</font><br>
<font>7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do EE (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do EE nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo GG e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo EE. </font><br>
<font>8. A legitimidade processual do EE tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o GG das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o EE era réu a 3 de Agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao EE e por efeito da aplicação desta. </font><br>
<font>9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do EE (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do EE, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o GG.</font><br>
<font>10. Alguns tribunais solicitaram ao Banco de Portugal que este lhes comunicasse o seu entendimento, enquanto entidade de resolução, sobre a não transferência de responsabilidades e contingências do EE para o GG, ao abrigo das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto. </font><br>
<font>11. Esses pedidos não foram efectuados na maior parte dos processos pendentes em tribunal, que se relacionam com responsabilidades ou contingências não transferidas para o GG. </font><br>
<font>12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do EE para o GG (decisão sobre o «perímetro de transferência»), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao EE, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência. </font><br>
<font>13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o GG, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição. </font><br>
<font>14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do GG responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o GG seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado. </font><br>
<font>15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável. </font><br>
<font>16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sobre o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145.º-AR do RGICSF (correspondente ao artigo 145.º-N do RGICSF, em vigor à | [0 0 0 ... 0 0 0] |
DzJNvIYBgYBz1XKvI_R4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam em sessão plenaria os do Conselho do Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A intentou na extinta 1 vara comercial da comarca de Lisboa, com o fundamento de falta de pagamento da renda de Fevereiro de 1926 e subsequentes, acção de despejo contra a Associação Humanitaria Recreativa Cascaense, arrendataria do predio onde, em Cascais, se acha instalado o Teatro Gil Vicente.</font><br>
<font><br>
Esta alegou em relação as rendas vencidas apos a notificação que lhe fora feita, o seu pagamento pelos competentes depositos, e, quanto as anteriores que tambem elas, por o autor as não ter querido receber, e quase sempre estar ausente, em nome deste haviam sido depositadas.</font><br>
<font><br>
Ainda a isto ele contraveio, alegando que como insubsistentes se deviam haver os efectuados depositos, por o haverem sido em nome de B, a quem unicamente assiste competencia para os levantar.</font><br>
<font><br>
Desde que, pela notificação que lhe fora feita, a re ficou ciente de quem era o verdadeiro senhorio, desde esse momento lhe corria a indeclinavel obrigação de, por sua vez, o notificar dos depositos.</font><br>
<font><br>
Na impugnação foi solicitada a suspenção da acção, solicitação cuja apreciação o juiz diferiu para a sentença por despacho de que a re interpos agravo, mandando subir com a apelação, se a houvesse.</font><br>
<font><br>
A sentença, que julgou a acção improcedente, foi revogada na 2 instancia, que, desatendendo o agravo, a julgou procedente e provada, ordenando o despejo, por acordão a cujo recurso este Supremo Tribunal de Justiça, sancionando a conduta da Relação em denegar provimento ao mesmo agravo, negou a revista.</font><br>
<font><br>
A re, não se conformando ainda com esta decisão, recorreu para o Tribunal Pleno, invocando como contraditorios com o recorrido o acordão, outrossim proferido em sessão plenaria, de 14 de Novembro de 1929, o de 14 de Maio do mesmo ano e, finalmente, o de 2 de Dezembro de 1910.<br>
O que tudo assim visto, relatado e devidamente ponderado e discutido:<br>
Vão ser apreciados os tres pontos versados no recurso, fazendo-se a apreciação pela ordem por que ficam enunciados os arestos postos em confronto com o recorrido. Quanto ao primeiro:</font><br>
<font><br>
Sem se pretender discutir se, para os efeitos do artigo 1176 do Codigo do Processo Civil, um acordão pode ser confrontado com um assento, desde ja se pondera que este Alto Tribunal nenhuma antinomia encontra entre os dois, pois, ao mesmo passo que no assento se consagra a doutrina de que, não sendo impugnada a validade do deposito, e, independentemente de notificação, suficiente a prova deste para determinar a suspenção, no acordão recorrido ficou julgado que, uma vez que a subsistencia dos depositos foi impugnada, por não terem sido efectuados em nome do senhorio, não podia ser decretada a suspenção.</font><br>
<font><br>
Quanto ao 2, que consiste em no acordão recorrido se não haver avocado o conhecimento da excepção de incompetencia do juizo em razão da materia, com o fundamento de na impugnação não ter sido deduzida, nesta parte assiste razão a recorrente.</font><br>
<font><br>
O preceito consignado no artigo 73 do Decreto n. 5411, que de um modo geral fixa a conjuntura em que a defesa do impugnante tem de ser deduzida, não exclue o que vem estabelecido no paragrafo 2 do artigo 3 do Codigo do Processo Civil, que, por uma verdadeira razão de interesse publico, e como na jurisprudencia e incontroverso, comete aos tribunais a obrigação de, logo que descubram a existencia da predita excepção, posto que não invocada, se declarem incompetentes.</font><br>
<font><br>
Mas como, por outro lado, nenhuma vantagem concorreria em fazer descer o feito a 1 instancia, onde, pela fusão das suas jurisdições e estabelecimento do principio de validade, ele deveria ser discutido e julgado com as formalidades primitivamente guardadas, a questão, despida de efeitos e consequencias praticas, toma a feição de meramente especulativa.<br>
Em vista do exposto, nenhuma anulação nem consequentemente baixa doa autos por virtude da consagração dos principios que ficam expendidos se decretam.<br>
Enquanto finalmente ao 3, e que constitui a essencia do pleito: consiste em se ter julgado que, pelo facto da transmissão do predio, concomitantemente se transmitiu para o novo senhorio a clausula que havia estabelecido domicilio especial para pagamento da renda em casa do representante da anterior senhoria.</font><br>
<font><br>
E bem decidiu o acordão:</font><br>
<font><br>
Efectivamente, como do verso de folha... se ve, a renda devia ser paga em casa do representante legal da primitiva senhoria, o que o mesmo e declarar que por explicita convenção dos contaentes ficou determinado o lugar do pagamento e que portanto tal clausula devia ser cumprida (artigo<br>
739 do Codigo Civil).</font><br>
<font><br>
Mas sucede que por venda passou o predio para outro senhorio, o recorrido, que sem deixar de, como lhe incumbia em face da terminante disposição do artigo 1 da Lei n. 1662, de 4 de Setembro de 1924, respeitar o arrendamento exercitou o direito que a dita convenção lhe assegurava de escolher o seu procurador para receber as rendas, e do nome deste e da sua (do representante) morada fez judicialmente notificar a (usando da propria expressão do contrato) Associação rendeira.</font><br>
<font><br>
Nada mais legal, acrescendo que, mesmo enquanto do predio foi dona a B, mais de uma vez, por virtude da mencionada clausula, podia ter mudado o local da residencia do seu procurador; e por isso sempre a re deve ter presente que - sem quebra ou diminuição alguma (palavras da escritura) - ela podia ter sido compelida a suportar os incomodos que da deslocação lhe pudesssem proceder.</font><br>
<font><br>
Por todos estes fundamentos e mais razões de direito aplicaveis, denegam provimento ao recurso, condenam a recorrente nas custas, com ressalva das respeitantes ao incidente de folha..., que ja pelo acordão de folha... ficaram a exclusivo cargo do requerente recorrido, e, respectivamente, quanto ao 2 e 3 pontos, assentam no seguinte:</font><br>
<font><br>
Posto que em tal sentido nenhuma defesa haja sido formulada, continua vigente o preceito consignado na 2 parte do paragrafo 2 do artigo 3 do Codigo do Processo Civil, que comete aos tribunais a obrigação de averiguarem a sua competencia em razão da materia.</font><br>
<font><br>
Da subsistencia do arrendamento de predios urbanos transmitidos, reconhecida pelo artigo 1 da Lei n. 1662, de 4 de Setembro de 1924, e concomitante a da clausula em que se convencionou serem a casa do senhorio ou a do seu legal representante o lugar do pagamento das rendas.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 23 de Julho 1935</font><br>
<font><br>
Alexandre de Aragão - Ponces de Carvalho - B.<br>
Veiga - J. Soares. - Carlos Alves - J. Cipriano -<br>
- Pires Soares - E. Santos - Silva Monteiro -<br>
- A. Campos (vencido). Conhecendo da incompetencia em razão da materia, votei a anulação do processado desde o julgamento, e daria provimento ao agravo, votando a suspenção da acção por os depositos se mostrarem feitos em tempo. Julgaria a acção improcedente por não haver falta de pagamento de rendas, desde que estas se mostram pagas com os depositos feitos, por se não ter transmitido para a re a obrigação de paga-las no domicilio do novo adquirente do predio - Amaral Pereira (vencido pelos mesmos motivos aduzidos pelo Exmo. colega que me precede). - Arez (vencido pelos motivos indicados). - A. Osorio de Castro (vencido, pois votava a suspenção da acção por estarem pagas as rendas em tempo pelo deposito). Crispiniano (vencido pelos mesmos fundamentos). Mendes Arnaut (vencido pelos mesmos fundamentos concisos).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |