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Vícios e virtudes penais
O governo Michel Temer (PMDB) pretende enviar ao Congresso ainda neste ano uma proposta de endurecimento do sistema penal. A ideia, ainda em discussão, é alterar a Lei de Execuções Penais de modo a dificultar a passagem do regime fechado (em estabelecimento de segurança máxima ou média) para o semiaberto (em colônia agrícola, industrial ou similar). Pelas regras atuais, o preso precisa cumprir ao menos um sexto da pena antes de ter direito a progredir para um regime menos rigoroso. O governo quer que esse período mínimo seja elevado para metade da pena. A norma valeria somente para os condenados por corrupção e por crimes praticados com emprego de violência ou grave ameaça. Debate-se, ademais, a possibilidade de facilitar a aplicação de sanções alternativas (como prestação de serviço comunitário) a quem tenha cometido delitos não violentos. Embora tenha o mérito de enfrentar distorções do arcabouço punitivo, a proposta sofre, ela própria, com a falta de harmonia. Como esta Folha sustenta há muito tempo, faz todo o sentido que, com o amadurecimento legislativo, a pena de prisão seja reservada apenas aos criminosos violentos ou que recorram a graves ameaças na consecução de seus delitos. Ao menos num plano ideal, só bandidos desse jaez deveriam ser afastados do convívio social, a fim de que deixassem de representar risco ao conjunto de cidadãos. Em relação a outros delinquentes, todas as funções teóricas da pena —punir, prevenir e ressocializar— poderiam em tese ser alcançadas mediante sanções alternativas (desde que rigorosas), muito mais baratas e não raro mais eficientes. De um ponto de vista prático, enquanto esse modelo penal permanece distante da realidade, a solução aventada pelo governo Temer vai na direção correta. É decerto frustrante ver um criminoso perigoso ser solto após ter cumprido menos de 20% da sentença, enquanto bandidos de menor potencial ofensivo com frequência permanecem atrás das grandes por um tempo total semelhante. Pelo que se noticia, porém, o governo não utilizou um critério objetivo para o endurecimento. Como explicar a corrupção ao lado de práticas que envolvam violência ou grave ameaça, a não ser pelo óbvio apoio que a medida possa conquistar? Por que apenas corrupção, e não outros crimes contra a administração pública? Além disso, parece não haver justificativa para exigir o cumprimento de metade da pena se a Lei dos Crimes Hediondos fixa esse prazo em dois quintos. Há tempo para aprimorar a proposta, felizmente. Por ora, ela contém algumas doses de incoerência e populismo —dois velhos vícios de nosso sistema penal. [email protected]
2016-10-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822624-vicios-e-virtudes-penais.shtml
Bifes, bytes e o vaso sanitário
Imagino como seria a expressão dos companheiros (Lula? Rui Falcão? Vaccari?) diante de um PowerPoint com dados de duas pesquisas em andamento. Depois de navegar todos os oceanos do planeta, recolher diferentes tipos de algas e realizar seu sequenciamento genômico, o cientista norte-americano Craig Venter divulgou estar próximo de desenvolver em laboratório o petróleo sintético. Por mil demônios venusianos! A Fundação Bill & Melinda Gates distribuiu a oito universidades alguns milhões de dólares, em 2014, para que façam do vaso sanitário -sim, a velha privada- um misto de bateria e processador de detritos. A ideia é que esse objeto de alta tecnologia possa prescindir de canos embaixo da terra e faça ali mesmo o serviço completo: as fezes se transformariam em energia (um joule diário, capaz de carregar celulares), e a urina, também esterilizada, viraria desde sal de mesa a fertilizantes. A invenção ajudaria a resolver alguns impasses atávicos : a falta de saneamento básico é ainda uma das causas principais de mortalidade infantil e, apenas nos Estados Unidos, a descarga das atuais privadas (um artefato inventado ali pelo século 19) representa cerca de 31% do consumo de água. Sem falar no desperdício dos vazamentos. Aos personagens das pesquisas: Bill Gates é um dos criadores da Microsoft e rico de dar dó. Seu incentivo à pesquisa se dá pela intenção em debelar males enfrentados pela humanidade, como a vizinha escassez de água. Não me parece que seja alguém ingênuo. Se alcançar seu intento, por certo sua fundação terá royalties para toda a eternidade. Craig Venter, um dos meus heróis, cientista-empresário de alto quilate, pilotou o sequenciamento do genoma humano, cerca de dez anos atrás, dentro do projeto Celera. Enquanto o governo americano gastou ao menos US$ 10 bilhões na pesquisa, seu instituto chegou às mesmas descobertas com 20% dessa quantia. A produção de petróleo por meio da biotecnologia nos dará a possibilidade de uma energia limpa e sem muitas agressões à natureza. E então, companheiros? E o que falar do carro autônomo, sem motorista? Já existem ralis com 200 km de percurso nessa categoria. Sim, automóveis não pilotados disputam nos Estados Unidos uma corrida em pista íngreme, sinuosa e inóspita. Nossa indústria pátria (de capital estrangeiro, mas protegida pelos sindicatos de trabalhadores, veja só cara professora Chaui) mal consegue nos oferecer uma embreagem que chegue aos 50 mil km sem troca de peças. Tudo, afinal, se resume a opções e escolhas. Nosso ouro financiou a alavancagem da Revolução Industrial, enquanto o governo de sua majestade, em conluio com os cafeicultores, insistiu na mão de obra escrava e na monocultura. Pouca coisa mudou: agora estamos perdendo a revolução digital e exportando minério bruto. Os conceitos e as análises do partido deposto, após 13 anos no poder, resultaram numa mistificação econômica (damos o Bolsa Família, mas limpamos a Petrobras), na defesa de matrizes de fôlego curto (subsídio à indústria automobilística em detrimento de uma cadeia mais moderna, como a de energias alternativas) e na histeria de um Estado proprietário de estradas e aeroportos. Melhor do que discurso, só os substantivos. O renascimento japonês deu ao mundo a Sony; a Coreia do Sul ofereceu a Samsung e a LG. A modernidade do PT brindou ao planeta a Friboi. Sim, um açougue multinacional. MIGUEL DE ALMEIDA é editor e escritor. Dirigiu, com Luiz R. Cabral, o documentário "Não Estávamos Ali para Fazer Amigos", sobre a atuação do caderno "Ilustrada", da Folha, no fim da década de 1980 PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-10-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822315-bifes-bytes-e-o-vaso-sanitario.shtml
Recuar e não acelerar
No dia seguinte à eleição, o vencedor na cidade de São Paulo, João Doria, afirmou que elevará a velocidade máxima permitida nas marginais dos rios Tietê e Pinheiros assim que iniciar sua gestão. A proposta, constante de seu programa de governo e reiterada durante toda a campanha, é passar o limite de 70 km/h para 90 km/h na pista expressa, de 60 km/h para 70 km/h na central e de 50 km/h para 60 km/h na local. Para a maior parte dos especialistas em trânsito, porém, promover essas alterações representará grave retrocesso. Mesmo órgãos ligados ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB) pretendem levar Doria a rever sua decisão. Espera-se que o prefeito eleito dê ouvidos a esses conselhos. As evidências favoráveis à velocidade reduzida são suficientes para sensibilizar em tese qualquer político —e jamais poderiam ser ignoradas por quem se intitula "gestor". Determinada pelo prefeito Fernando Haddad (PT) na metade do ano passado, a diminuição das máximas nas marginais constituiu um marco para sua política de combate à carnificina no trânsito paulistano. De julho de 2014 a junho de 2015, registraram-se 64 acidentes com mortes nas vias que ladeiam os rios Tietê e Pinheiros (e 64 no período anterior). De julho de 2015 a junho de 2016, a cifra despencou para 31, uma redução de 52% nas ocorrências fatais nos primeiros 12 meses de vigência da regra. Além disso, os atropelamentos letais quase zeraram, passando de 24 a 1. Não há de ser coincidência. A gravidade dos acidentes obviamente diminui com velocidades menores; no caso de pedestres, estudos indicam que uma colisão a 32 km/h tem 5% de chance de provocar morte, contra 85% a 64 km/h. Em circunstâncias normais, não convém a um político eleito abandonar um de seus carros-chefes (passe o trocadilho). Doria, cujo programa terminou endossado por 53% dos votantes, tem razão de apegar-se a sua promessa. Terá mais razão, todavia, se abandoná-la. Pesquisa Datafolha antes do primeiro turno constatou que, de uma série de oito propostas, o aumento da velocidade nas marginais foi considerada a menos importante, e apenas 1% dos entrevistados disseram que tal iniciativa seria decisiva para o voto. Em contrapartida, medida relacionada a melhorias no sistema de saúde foi apontada como decisiva para o voto de 66% dos eleitores. João Doria precisa compreender que a diminuição de velocidade nas marginais, no fundo, é uma questão de saúde —sem dúvida a maioria de seus apoiadores saberá perdoá-lo por ceder ao imperativo de salvar vidas. [email protected]
2016-10-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822310-recuar-e-nao-acelerar.shtml
PEC 241 é veneno, não remédio
O debate sobre a falsa assertiva de quem tem ou não responsabilidade fiscal voltou fortalecido com a proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que limita os gastos públicos à correção da inflação por um período de 20 anos. De maneira simplória e manipuladora, defensores da PEC dizem que quem critica a medida é contra o controle dos gastos, a responsabilidade fiscal e até mesmo contra o Brasil. Querem que a população acredite que basta cortar gastos para solucionarmos todos os problemas da economia, recuperar o desenvolvimento e o emprego. A crise fiscal, contudo, não decorre apenas do crescimento das despesas primárias, mas principalmente da queda acentuada das receitas e do crescimento explosivo da conta de juros. Ao concentrar todo o ajuste apenas na redução contínua das despesas primárias, a PEC acirra o conflito dentro do Orçamento e não ataca os três problemas essenciais: o baixo crescimento do PIB, a consequente queda na arrecadação e a conta de juros. Além de ter o foco errado, a proposta é uma medida de ajuste fiscal permanente e constitucionalizado, sem as chamadas válvulas de escape para enfrentar situações como crescimento populacional e queda de demanda privada. Não há paralelo no mundo de algo tão rígido assim. Seus efeitos serão recessivos, desmontando o Estado de bem-estar social mínimo definido na Constituição de 1988. Ao proibir a correção dos gastos pelo desempenho real do PIB, a proposta do governo impedirá a sociedade de se beneficiar do crescimento econômico -que passará a ser todo destinado ao pagamento de juros, a maior despesa do Orçamento, fora de qualquer controle. A medida também desmontará a capacidade distributiva da política fiscal. Estudos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) mostram que a desigualdade da renda antes da atuação da política fiscal não é muito diferente entre o Brasil e os países da Europa. A estrutura igualitária da sociedade europeia é decorrente de tributação progressiva e de Estado de bem-estar consolidado, não do sistema produtivo, que é concentrador. Na América Latina, o Brasil foi o país que mais conseguiu reduzir a desigualdade com a política fiscal. O aumento das despesas, de 2003 a 2014, criticado pelo atual governo, foi fruto de transferências às famílias, à infraestrutura, à educação e à saúde. Os grandes cortes se concentrarão nesses pontos. A perversidade da PEC é que o impacto será sentido aos poucos. Até 2018 ainda haverá crescimento real, pois a inflação cairá e serão gastos até R$ 180 bilhões, referentes a restos a pagar de 2015, fora do limite. A estabilidade fiscal é essencial para qualquer país. Os governos do PT tiveram esse compromisso. Mesmo ampliando investimentos e gastos sociais, houve superavit primário por anos consecutivos e redução da relação dívida/PIB. O primeiro deficit surge apenas em 2014, consequência do cenário externo e de questões internas, como a seca, que impactaram o PIB e as receitas. A PEC 241 desmontará os gastos sociais sem conseguir equacionar a situação fiscal. Para atingir a estabilidade, sem abrir mão de promover a igualdade, precisamos adotar uma regra fiscal anticíclica de verdade, aumentar a progressividade da nossa estrutura tributária -quem ganha mais, paga mais-, reduzir a taxa de juros e ampliar os investimentos públicos, distribuindo a renda. A PEC não trata de qualquer um desses pontos. Os mais pobres pagarão a conta, em benefício do andar de cima. GLEISI HOFFMANN é senadora (PT-PR) e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi ministra da Casa Civil (governo Dilma) ESTHER DWECK é é professora do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Foi secretária de Orçamento Federal, vinculada ao Ministério do Planejamento (governo Dilma) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-10-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822313-pec-241-e-veneno-nao-remedio.shtml
Divisível e imperfeito
Organizações sociais e membros do Ministério Público aproveitaram o dia 10/10 para deflagrar campanha a favor do projeto de lei de iniciativa popular conhecido como "dez medidas contra a corrupção. Não há dúvida de que merecem especial atenção propostas destinadas a incrementar os mecanismos de combate a desvios de recursos públicos no Brasil. Amparado em mais de 2 milhões de assinaturas, o projeto 4.850/16 reúne inúmeras sugestões interessantes com esse objetivo —outras tantas, porém, restringem em demasia o direito de defesa e ampliam para além do razoável os poderes dos investigadores. Entre as medidas oportunas destacam-se dispositivos que visam a racionalizar recursos e evitar aqueles que tenham caráter meramente protelatório —com frequência o réu reclama só para ganhar tempo. Um exemplo nesse campo é a sugestão de que os recursos especial e extraordinário tramitem de forma paralela no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, respectivamente. Como regra, embora as cortes cuidem de matérias diferentes, a ação é enviada ao STF só depois de passar pelo STJ. Eliminar essa espera desnecessária equivale a uma economia significativa de tempo. Também é bem-vinda a fixação de um prazo de cinco sessões para devolução dos autos após pedido de vistas. Como inexistem normas rigorosas quanto a isso, juízes distorcem a ferramenta, que em tese deveria ser empregada quando necessitam de mais tempo para estudar o caso —um ministro do STF chegou a manter um agravo sob suas vistas por mais de 19 anos. Talvez falte ao projeto, contudo, uma punição efetiva a magistrados que não cumprirem o prazo de cinco sessões. Por outro lado, o pacote inclui diversas alterações que, se adotadas, poderão resultar em verdadeira punição ao investigado. Por exemplo, não parece haver nenhuma necessidade real de aumentar as hipóteses de prisão preventiva ou limitar o alcance do habeas corpus. Também preocupa a tentativa de reduzir drasticamente a possibilidade de anular provas. Se hoje as oportunidades para isso são abundantes, não se pode aceitar que provas ilícitas sejam admitidas, desde que colhidas "de boa-fé" pela autoridade. Vale lembrar que o pacote não deve ser tratado como monólito indivisível e perfeito. Cabe aos parlamentares resistir ao efeito rolo compressor que alguns setores tentam acoplar ao projeto e tratá-lo tecnicamente, acatando as boas iniciativas e rechaçando os exageros. [email protected]
2016-12-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822054-divisivel-e-imperfeito.shtml
O avanço do teto
Se era o primeiro grande teste de Michel Temer (PMDB) no Congresso, o presidente passou com folga. Embora tenha seu governo considerado ótimo ou bom por apenas 14% dos brasileiros, segundo pesquisa do Ibope no final de setembro, Temer encontra na Câmara dos Deputados um percentual bem mais elevado de apoiadores. Pelo expressivo placar de 366 a 111, os deputados aprovaram em primeira rodada a proposta de emenda à Constituição que limita a expansão das despesas públicas. Foram 58 votos a mais que o mínimo (308) necessário —e em plena segunda-feira (10), dia em que o Legislativo costuma ficar às moscas. Para os planos do presidente, era crucial exibir uma base ampla. Primeiro, a fim de impressionar os parlamentares e prevenir reveses nas próximas votações da PEC, que ainda precisará passar pelo plenário da Câmara mais uma vez —em sessão marcada para o dia 24— antes de seguir para apreciação do Senado, também em dois turnos. Depois, mas não menos importante, para demonstrar força ao mercado, de cuja confiança depende a retomada da economia. Se o teto de gastos mostra-se fundamental para o país sair da crise, ele será viável apenas se vier acompanhado de uma reforma da Previdência, iniciativa que demanda quórum igualmente elevado. Acrescente-se ainda um terceiro aspecto: o Comitê de Política Monetária do Banco Central, que se reúne na próxima semana, havia deixado claro que o compromisso do governo com o equilíbrio das contas públicas seria decisivo para eventual redução da Selic, a taxa básica de juros da economia. Daí por que o Planalto usou o pacote completo, com afagos, ameaças e fisiologia. Convocou um jantar para mais de 200 deputados no domingo, exonerou três ministros para que reassumissem temporariamente seus mandatos na Câmara, acompanhou as manobras regimentais perpetradas por aliados e negociou cargos em troca de apoio. Não se imagine, entretanto, que a tramitação da PEC se dará sem turbulências. A despeito da estabilidade econômica que se projeta como consequência do teto, a medida, caso vigore intacta por 20 anos, implicará uma redução agressiva do tamanho do Estado. São naturais as manifestações de quem pretende defender direitos a duras penas conquistados nos campos da saúde e da educação. O verdadeiro debate, contudo, não deveria se dar em torno da aprovação de um limite para os gastos públicos, proposta de resto necessária dada a trajetória explosiva da dívida. O que se precisa discutir é o melhor emprego de recursos finitos —e esta é uma disputa que está apenas começando. [email protected]
2016-12-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822055-o-avanco-do-teto.shtml
Por que desestatizar
Uma pergunta tem sido frequente nas dezenas de entrevistas que concedi desde o dia 2, quando mais de 3 milhões de eleitores me confiaram a missão de administrar a cidade de São Paulo pelos próximos quatro anos. A pergunta diz respeito ao programa de desestatização que me comprometi a conduzir à frente da prefeitura. O tema é delicado e, obviamente, gera curiosidades e desperta uma série de dúvidas. Justamente por isso, não há razão para me esquivar da discussão. Pretendo, sim, colocar à venda o complexo do Anhembi e o autódromo de Interlagos. Também pretendo entregar à iniciativa privada, em regime de concessão, o direito de explorar o estádio do Pacaembu pelo período de dez anos a 15 anos. A modelagem dessas ações ainda não foi totalmente concluída e dependerá, é claro, de estudos e discussões. Mas tenho a convicção de que a desestatização será aprovada e gerará vantagens imediatas. A primeira delas será uma economia de R$ 600 milhões em quatro anos. Esse é o valor que a prefeitura gasta ao longo de um mandato para manter, ainda que de forma precária, o estádio, o autódromo, o centro de convenções, o pavilhão de exposições e o sambódromo municipais. E mais: o dinheiro antes destinado a essa finalidade será incorporado ao orçamento municipal e utilizado no investimento ou no custeio de serviços de mobilidade urbana, segurança, recapeamento de ruas e reforma de calçadas. A outra vantagem são os R$ 7 bilhões que deverão ser obtidos com a venda do Anhembi e de Interlagos. Esse valor, centavo por centavo, irá para saúde e educação. Vou insistir nesse ponto a fim de que não restem dúvidas: todo o valor obtido com as privatizações será investido na construção de hospitais, escolas, CEUs e outros centros de serviço. Resultará em benefícios mais diretos e imediatos para a população. A prefeitura ganha duas vezes. A primeira, ao deixar de gastar com a manutenção dos espaços. A segunda, ao vender suas propriedades. Ao mesmo tempo, poderemos manter, sem ônus para o contribuinte, atividades esportivas, culturais e de entretenimento no Anhembi, no Pacaembu e em Interlagos. Tudo será feito com critério e com a atenção sempre voltada aos interesses do município. O Pacaembu, tombado pelo patrimônio público, continuará a receber apenas partidas de futebol -nada de shows ou encontros religiosos. Em troca do direito de explorar as placas de publicidade no gramado, de gerenciar os bares e os restaurantes e o estacionamento do estádio, a empresa que obtiver a concessão se obrigará a reformar os banheiros, a instalar rampas de acesso para pessoas com deficiência, geradores de energia e outros equipamentos que garantirão o bom funcionamento do estádio. O mesmo acontecerá com Interlagos e Anhembi -conservarão suas finalidades originais, receberão manutenção mais adequada, ampliarão o leque de ofertas à população e não pesarão no bolso do contribuinte. Agindo dessa maneira, poderemos nos concentrar naqueles que são os papéis reais de uma administração pública moderna e eficiente: cuidar da saúde, da educação e da mobilidade urbana. Acolher a população mais carente e gerar oportunidades. Investir em segurança e em zeladoria. E, acima de tudo, fazer de São Paulo uma cidade mais justa, mais humana e mais feliz. JOÃO DORIA, 58, jornalista e empresário, é prefeito eleito de São Paulo pelo PSDB PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-12-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822056-por-que-desestatizar.shtml
A importância das regras para o comércio
A saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, aponta para lições sobre a estabilidade de regras para o comércio e investimentos. Não é possível desenvolver cadeias globais de valor num cenário de regras instáveis ou mesmo inexistentes. Pense em uma empresa que decidiu investir no Reino Unido como base para penetração no mercado europeu. Quais as preocupações? Há pelo menos cinco: a) a manutenção de uma área de livre comércio entre a União Europeia e o Reino Unido; b) a ausência de restrições aos investimentos; c) o mínimo de restrições de acesso à força de trabalho e, em especial, a preservação do status dos já empregados de origem estrangeira; d) padrões técnicos e fitossanitários que evitem a duplicação de adaptações; e) regras de transações financeiras que não gerem custos à operação. Para muitas empresas estrangeiras, o elemento determinante da decisão de localizar-se no Reino Unido foi a combinação da qualidade do ambiente de negócios com o acesso a um mercado ampliado. Tudo o que afetar a capacidade de integração a cadeias regionais ou globais de valor desvaloriza os investimentos realizados. Imaginemos uma empresa hipotética com uma rede de conexões comerciais, de investimentos, de pessoas e de conhecimento na região. Ela compra insumos da Alemanha, contrata executivos franceses e espanhóis, adota padrões europeus para produtos químicos (Reach), utiliza padrões europeus de saúde e segurança do trabalho, centraliza os serviços de informática na Irlanda, protege as suas patentes e marcas segundo regras europeias, utiliza regras fitossanitárias de padrão comunitário e talvez ainda se beneficie de acesso a recursos de fundos europeus. Essas normas e padrões uniformizam as regras do jogo e, muitas vezes, concorrem para a redução dos custos de transações nas empresas e nas operações entre firmas. São igualmente fundamentais para garantir a capacidade de as firmas operarem em regime de just in time (produção integrada sem estoque). Todas as dúvidas em relação a essas questões geram receio e temor para o investidor. No caso do Brexit, esses temores são, em parte, minorados pela força das instituições do Reino Unido e por sua tradição de liderança na agenda de comércio internacional. O mais provável é que o Reino Unido tenha capacidade de fazer uma negociação que reproduza boa parte das atuais condições. Independentemente do que venha a ocorrer, ficam lições sobre a importância das regras do comércio e de investimentos para países que desejam capturar parcelas de investimentos com capacidade de integrar-se a cadeias globais de valor. A operação das empresas sempre exigirá normas sobre tarifas, funcionamento de aduanas, mobilidade de pessoas, fluxo de serviços, propriedade intelectual, padrões e modelos técnicos. Em um mundo de cadeias globais de valor, é reduzida a capacidade de os países adotarem procedimentos autônomos. Regras seguras e adequadas são fundamentais para o comércio global e para o próprio potencial de um país, como o Brasil, atrair investimentos. JOSÉ AUGUSTO COELHO FERNANDES é diretor de políticas e estratégia da CNI (Confederação Nacional da Indústria) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-12-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1822083-a-importancia-das-regras-para-o-comercio.shtml
Pobre Haiti
O novo desastre que se abateu sobre o Haiti com o furacão Matthew expõe todo o desamparo de uma nação arruinada há quase sete anos pelo terremoto que ceifou 220 mil vidas. A contagem de mortos já supera o milhar e deverá subir. O extremo oeste do país mais pobre das Américas foi devastado por ventos de mais de 230 km/h. Estima-se que 1,4 milhão de pessoas, ou 13% da população, estejam necessitando de socorros imediatos. Os mortos são sepultados em valas comuns, às dezenas. O cólera se torna a maior ameaça, dado que as dificuldades adicionais de acesso a água potável decerto agravarão os surtos da doença que já estavam em curso (26 mil casos neste ano, 9.000 mortes desde 2010). Cerca de 600 militares brasileiros engajados na Minustah (missão da ONU no Haiti) se deslocaram para a área afetada e isolada pela tempestade. Vão auxiliar na assistência e na escolta de comboios humanitários. A emergência conta ainda com três centenas de fuzileiros navais americanos e organizações como Cruz Vermelha, Unicef e Médicos sem Fronteira. O governo haitiano não tinha recursos próprios nem capacidade institucional para agir de forma preventiva –e não os tem para reagir depois da tormenta. O contraste com os EUA é chocante. Da Flórida à Carolina do Norte, a costa sudeste foi castigada com enchentes e ventos de mais de 120 km/h, que deixaram 2 milhões de casas e prédios sem luz. Centenas de milhares de norte-americanos foram evacuados para abrigos. Apesar dos enormes danos materiais, o número de mortos, pelo menos 20, é pequeno em comparação com o do Haiti. Difícil dizer quanto da reação eficaz se deve à riqueza dos EUA (PIB per capita de US$ 55 mil em 2015, contra US$ 820 no Haiti) e quanto decorre do duro aprendizado com o furacão Katrina, em 2005 –cerca de 1.800 pessoas morreram à época na região de Nova Orleans, quando falhou o sistema de barragens. Verifica-se o mesmo contraste entre países como Filipinas e Japão, igualmente afligidos por tufões. Estudos anteriores mostram que a probabilidade de alguém morrer no primeiro é 17 vezes maior. A lição é evidente: como nações mais pobres tendem a ser desproporcionalmente prejudicadas por desastres naturais, precisam contar com ajuda internacional para enfrentá-los –questão premente dada a perspectiva de que fenômenos climáticos extremos se tornem mais frequentes ou mais fortes com o aquecimento global. [email protected]
2016-11-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821766-pobre-haiti.shtml
Novas normas contábeis do setor público e os direitos da cidadania
A convergência do Brasil às Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (IPSAS, International Public Sector Accouting Standards), que está em curso, é absolutamente sinérgica aos anseios crescentes da sociedade quanto à lisura e à transparência. Com esse avanço, nosso país alinha-se a 25 nações que já adotaram o novo modelo, dentre as quais se incluem Nova Zelândia, França, Portugal, Espanha, Chile e Peru. Nosso processo de transição iniciou-se em 2015 e, conforme a Portaria 548/2015, da Secretaria do Tesouro Nacional, estende-se até 2024 o cronograma para a implantação de todos os procedimentos relacionados à migração para o regime de competência. Será uma revolução na forma como é feita a contabilidade do setor público. As mudanças são bastante expressivas e positivas. Hoje, União, Estados e municípios não têm registrado todos os seus ativos e passivos. Rodovias, parques, terrenos, bens de infraestrutura e dívidas podem não estar registrados no balanço patrimonial. As novas normas estabelecerão mais solidez e transparência à contabilidade pública, conferindo mais transparência sobre o patrimônio público, que, a rigor, pertence à população. A contabilidade será uma ferramenta de apoio ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. A adoção do regime de competência permitirá aos organismos públicos e seus stakeholders (cidadãos, investidores, e administradores, dentre outros) terem visibilidade clara da real situação econômica e financeira, podendo, assim, tomar decisões melhores. Trata-se de procedimento que poderia ter contribuído para mitigar numerosos problemas ocorridos no país. As normas internacionais possibilitarão, ainda, comparar a saúde financeira dos entes da Federação com órgãos públicos de outros países. Propiciarão, principalmente, a transparência sobre a gestão financeira da coisa pública. Transcendendo a prestação de contas de governos, elevarão a contabilidade pública à devida dimensão do Estado, em sua função precípua e constitucional de servir à sociedade. Dada a relevância do tema, o Brasil tem um membro e um assessor técnico no órgão que edita, revisa e publica as normas, o IPSAS Board, vinculado à Federação Internacional dos Contadores (IFAC). É importante essa participação de nosso país, que, signatário do órgão, contribui para a evolução das normas e disseminação do conceito de mais compliance a elas agregado. Vai chegando ao fim a falta de visibilidade. O novo regime de competência permitirá que as demonstrações contábeis do setor público reflitam de modo mais consistente a execução orçamentária, o patrimônio e o impacto econômico das decisões políticas. Os brasileiros passarão a ter mais consciência sobre a gestão dos órgãos públicos e a saúde fiscal do Estado. Sem dúvida, trata-se de uma prática que responde aos preceitos da democracia e aos direitos inerentes à cidadania. *IDÉSIO COELHO * é o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-11-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821720-novas-normas-contabeis-do-setor-publico-e-os-direitos-da-cidadania.shtml
Desvendando Moro
O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel. Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública. Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento. Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento. Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano. É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido". Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB. A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT. Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença. Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes. Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não. ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE *, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha* PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-11-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821713-desvendando-moro.shtml
PEC 241 ou morte!
O governo está prestes a colocar em votação a proposta de emenda constitucional que limita o crescimento do gasto público no país. Que fique claro o que está em jogo: sem essa Proposta de Emenda Constitucional (PEC 241), perderemos nossa independência. Voltaremos à condição de servos do dragão inflacionário, ressurgido das cinzas para lançar-nos ao caos econômico. O que nossos estamentos insistiram em ignorar por muito tempo é que, em economia, infelizmente, não há mágicas. Há restrições orçamentárias que precisam ser respeitadas. Quando uma família gasta mais do que tem, por exemplo, endivida-se para cobrir a diferença. Aí, no mês seguinte, se não gastar menos, a dívida cresce, como a proverbial bola de neve de potencial esmagador. Invariavelmente, a coisa termina em desastre. O CPF fica sujo, a Justiça bate à porta. Se a dívida é com amigos, "tchau, tchau, amizade". E se é com a família? O endividado cai no ostracismo, vira ovelha negra. No trabalho, as coisas pioram. Uma pessoa atolada em dívidas se torna menos produtiva. O desemprego pode chegar, piorando uma situação já ruim. E nada de crédito adicional, o que significa que o ajuste vem de qualquer maneira, só que muito mais dolorosamente. os governos têm uma opção extra, emitir moeda para abater parte da dívida. Mas há um custo sinistro: a sociedade se torna serva da inflação. Velha conhecida nossa, a inflação tupiniquim foi domada só quando tampamos a panela do deficit público, há cerca de 20 anos. No caso, com aumento incessante da carga tributária e uso de receitas extraordinárias (não recorrentes). Foi como uma família em que o casal arruma dois empregos e, ao mesmo tempo, recebe da tia falecida uma herança que chega na hora certa: a conta passou a fechar sem cortes de gastos. Mas esse alívio é temporário. Se os gastos continuam crescendo, o que fazer? Três empregos é algo inviável e a tia rica só morre uma vez. A carga tributária no Brasil parou de crescer já faz algum tempo. Começou a cair, recentemente, por causa da recessão. Mas, do outro lado da balança (ou do balanço), os gastos cresceram como sempre, como se não existisse amanhã. Num primeiro momento, o descompasso foi absorvido com elevação de dívida. Porém, como no exemplo da família endividada, a dívida, sem estancarmos os gastos, só pode terminar em bola de neve. Escrevendo agora, em outubro de 2016, estamos certos: não há mais coelhos para tirar da cartola. Dificilmente a sociedade aceitará mais impostos enfiados pela goela. E os financiadores já vão ficando desconfiados com o tamanho da conta. Que o leitor não se iluda: o ajuste vai acontecer de qualquer modo. Resta-nos escolher como. A PEC 241 sugere uma saída suave. Limita o crescimento dos gastos totais pela inflação do ano anterior e garante, assim, uma redução gradual do enorme endividamento. Fará isso respeitando limites mínimos constitucionais de gastos com saúde e educação e devolvendo ao Congresso a tarefa de escolher em que lugar alocar recursos arrecadados da sociedade -o que fortalece o processo democrático e ajuda a limitar as barganhas entre Executivo e Legislativo. Há duas opções à PEC 241: o calote explícito da dívida, que nos levaria ao caos econômico, ou o uso do recurso inflacionário, que nos levaria exatamente ao mesmo lugar. O país chegou à encruzilhada. Ou fazemos o ajuste fiscal ou descemos ao desagradável reino de Hades -sem poeta para nos guiar. CARLOS EDUARDO GONÇALVES é professor e doutor em economia pela USP MAURO RODRIGUES é é professor de economia da USP IRINEU DE CARVALHO FILHO é doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-10-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821133-pec-241-ou-morte.shtml
Menos impunidade
A decisão não teve nada de consensual. Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a possibilidade de que pessoas condenadas em segunda instância sejam presas, considerando desnecessário esperar até que se esgotem todos os recursos à disposição. Estavam em jogo, na sessão de quarta-feira (5), princípios constitucionais básicos em qualquer democracia: ninguém deve ser conduzido à prisão sem culpa e ninguém deve ser considerado culpado antes do devido processo legal. Com frequência, mesmo os mais claros fundamentos jurídicos se abrem a interpretações diversas, e estas permeiam-se das tendências do momento e das lições trazidas pela experiência concreta. Na prática, o sistema penal brasileiro tem-se caracterizado por flagrante impunidade seletiva. Réus que disponham de alta condição financeira valem-se de excelentes advogados para realizar incontáveis manobras protelatórias nos tribunais, adiando a execução da pena. Estão no direito de fazê-lo. A situação tem criado, entretanto, inúmeros exemplos de injustiça. Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso citou alguns. Condenado por desviar mais de meio bilhão de reais (em valores atualizados), num crime que remonta a 1992, o ex-senador Luiz Estevão foi condenado em 2006, mas terminou preso só em 2016, após apresentar 34 recursos judiciais. Muitas vezes, quando finalmente esgotados todos os meios de defesa, a pena prevista para o crime cometido encontra-se prescrita. Como considerar que alguém já sentenciado em dois tribunais ainda possa ter sua inocência presumida pelo Estado? Tal complacência é recusada em qualquer país do mundo, mas está inscrita na nossa Constituição e tinha sido avalizada pelo STF em julgamento de 2009. Em fevereiro deste ano, contudo, os ministros trouxeram novo entendimento. Dada a controvérsia suscitada, fizeram bem em voltar agora à discussão; a reafirmação do que se decidira meses atrás fortalece a posição do tribunal. Há alguns anos, esta Folha chegou a defender a necessidade de uma palavra do Superior Tribunal de Justiça antes de se proceder à execução da pena. Cabe reconhecer, no entanto, que a convicção do STF mostra-se mais pertinente. O clima de impunidade que vigorava até agora tem o efeito perverso de induzir a criação de leis cada vez mais severas —ou até estimular respostas como linchamentos e esquadrões da morte. Desde que não se retire dos acusados o direito a eventuais revisões processuais, a maior efetividade criminal corrige em parte essa situação —em que, escarnecida a Justiça e impotente o Estado, a sedução da barbárie acompanha, como uma sombra, um excesso de garantias à disposição de quem pode financiar a própria impunidade. [email protected]
2016-09-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821171-menos-impunidade.shtml
Oportunidade para voltar a crescer
Desde 2011, o Brasil vem experimentando uma taxa de crescimento econômico de 1% ao ano, abaixo da média mundial (3,5% ao ano) e até mesmo abaixo da dos países latino-americanos (2,8% ao ano). Considero esse desempenho no mínimo constrangedor para um país com nosso potencial. Nos últimos anos, essa baixa performance se acentuou como consequência dos impactos negativos da deterioração das contas públicas. Entre 2013 e 2016, saímos de um superavit para um deficit primário crescente e estrutural. A dívida pública acelerou e ultrapassou 70% do PIB, acima da média de 50% de outros países emergentes. A desconfiança quanto à sustentabilidade fiscal brasileira trouxe consequências muito ruins para a sociedade: a inflação e o desemprego voltaram ao patamar de dois dígitos e o PIB recuou 7%, afetando dramaticamente o bem-estar das famílias brasileiras. Nesse mesmo período, os demais países do mundo cresceram em média 2,5% ao ano, demonstrando claramente que cometemos erros na condução das políticas macroeconômicas, independentemente dos problemas da economia global. O pior de tudo, a meu ver, foi constatar que a renda per capita do brasileiro atingiu o menor nível desde 2007. Acredito que boa parte desse baixo crescimento econômico nesses seis anos -e a acentuada piora nos últimos três- seja consequência da tendência ininterrupta de extraordinário aumento do gasto público, que nos últimos 20 anos cresceu a uma taxa média de 6% ao ano, acima da inflação. Evidentemente, essa é uma trajetória insustentável, pois é uma evolução muito acima daquela que tivemos na atividade econômica no mesmo período. Para manter um frágil equilíbrio fiscal, o aumento dos gastos teve como contrapartida semelhante crescimento na arrecadação de impostos, comprimindo excessivamente a capacidade de investimento do setor privado. Enfim, essa política mostra-se claramente esgotada, incapaz de reestabelecer o crescimento econômico. O governo propõe, através da PEC 241, o controle da expansão dos gastos públicos como forma de restabelecer o equilíbrio fiscal, condição necessária, a meu ver, para atingir esse objetivo. A história econômica mostra que países que efetuaram ajustes fiscais pelo controle de despesas voltaram a crescer mais rapidamente do que aqueles que optaram por fazê-lo através do aumento de impostos. Dessa forma, é importante observar que a proposta não inventa nada, não é uma nova "jabuticaba", já foi testada e funcionou com sucesso em diversos países. Se aprovada a PEC, retomaremos no Brasil a capacidade de planejar e de prever cenários e haverá, portanto, menos incertezas para decidir investimentos. Adicionalmente, reduziremos o prêmio de risco, hoje muito alto no Brasil. Deixaremos de sofrer com a instabilidade financeira, em que câmbio e juros variam excessivamente em prazos curtos, o que torna muito difícil a administração de empresas, particularmente a das pequenas e médias. Acredito ainda que, com a aprovação da PEC 241, finalmente estaremos criando as condições necessárias para termos inflação e juros reais baixos e, muito importante, de forma sustentável. Ainda, se aprovada a PEC, o Congresso, representando a sociedade, retomará seu papel de decidir a melhor forma de alocar recursos públicos através do Orçamento da União, em linha com as melhores práticas da governança democrática. Em suma, considero que o controle dos gastos proposto pelo governo é uma reforma-chave para o reequilíbrio das contas públicas e para a retomada do crescimento econômico. A proposta limita o aumento dos gastos à inflação e reduz gradualmente o descompasso entre receitas e despesas. É um ajuste suave, que se dará ao longo do tempo e com um resultado previsível. Reconheço, porém, que, para que tudo isso aconteça, outras reformas terão de seguir, sendo a mais óbvia a da Previdência. Mas há outras, como a política, a trabalhista, a do Judiciário, a tributária e ainda uma reforma do sistema financeiro. Entendo que precisamos tornar o sistema financeiro mais eficiente, reduzindo o custo da intermediação financeira. Para isso, precisamos reduzir o direcionamento, hoje excessivo, de recursos para fins específicos. A retomada do crescimento sustentável em níveis superiores à média mundial deve ser nosso objetivo, e teremos uma longa jornada para chegar lá. O primeiro passo é a aprovação da PEC 241. Qual a alternativa a ela? Aceitando que precisamos recuperar o equilíbrio fiscal (pois fora disso caminhamos para o caos, no estilo Venezuela), a única opção seria aumentar impostos. Entretanto essa é uma solução com resultados piores, como demonstra a experiência internacional. Aprovada a PEC, não será necessário aumentar tributos nos próximos anos. Neste momento, estamos claramente diante de uma decisão que pode mudar o destino do nosso país. A aprovação da PEC 241 propiciará, a meu ver, a retomada de um crescimento sustentável, que terá como consequência uma melhoria extraordinária das condições de vida da população brasileira. Não podemos perder essa oportunidade! ROBERTO SETUBAL é diretor-presidente do Itaú Unibanco Holding S.A. PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-09-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821129-oportunidade-para-voltar-a-crescer.shtml
Politicagem e violência
Com quase 60 mil homicídios ao ano, o Brasil é o país com o maior número absoluto desse crime no mundo. Apesar desse recorde aviltante, sucessivas administrações federais têm-se mostrado pouco empenhadas em coordenar uma estratégia nacional a fim de reverter a escalada da violência. O governo de Michel Temer (PMDB) mal começou e já parece se enquadrar na regra do descaso. Em julho, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Ministério da Justiça apresentasse em 60 dias um plano de ação para implantar o Programa Nacional de Redução de Homicídios. O prazo terminou, mas nada se fez. Elaborada no ano passado na forma de um pacto, a proposta evocada pelo TCU contou com a participação de especialistas e previa a colaboração dos governos estaduais, legalmente responsáveis diretos pela segurança pública. Entre as iniciativas estavam ações preventivas voltadas a jovens negros (maiores vítimas de homicídio), melhoria de estatísticas e aprimoramento da investigação. As medidas não saíram do papel, mas ao menos tinham sido gestadas. No afã de se distanciar da gestão anterior, porém, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que a proposta não diz respeito ao atual governo e prometeu um novo plano, ainda sem data. Diante dessa rotina de descontinuidade, são oportunas as observações dos sociólogos Ignácio Cano e Renato Sérgio de Lima em artigo publicado nesta Folha. Os especialistas criticam o eterno e ineficaz recomeço das políticas públicas de segurança —um mal infelizmente não restrito a essa área– e argumentam que o combate à violência não deveria se ver preso a picuinhas partidárias. Diante da inação, ganham força no Congresso propostas com o intuito de desfigurar o Estatuto do Desarmamento. Estudo recente do Instituto Sou da Paz mostra que, no ano passado, foram apresentados 36 projetos com esse foco. Trata-se de perigoso sintoma do fracasso do Estado. Em lugar de políticas públicas eficazes, vendem-se falsas soluções simplificadoras que, se aprovadas, contribuirão mais para aumentar do que para diminuir o número de assassinatos. É muito fácil encontrar governos que anunciem a prevenção dos homicídios como sua prioridade; difícil é demonstrar que tal objetivo prevalece sobre a politicagem. [email protected]
2016-08-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821040-politicagem-e-violencia.shtml
Nova gestão da Prefeitura de São Paulo deve aumentar velocidade das marginais? SIM
REDUÇÃO OPORTUNISTA E SEM CRITÉRIO A redução das velocidades nas marginais Pinheiros e Tietê foi decidida sem qualquer estudo técnico da CET (Companhia de Engenharia de Trafego). Foi basicamente amparada em uma suposta tendência adotada em outros países. Todavia, nenhum gestor de qualquer lugar do mundo adotou a redução como única prática para diminuir acidentes. A única exceção foi São Paulo, e os motoristas daqui percebem que as velocidades estipuladas são incompatíveis com a via. Fora isso, estão justificadamente estressados, pois são multados por qualquer pequeno descuido. Tradicionalmente, as análises dos acidentes devem considerar aspectos relacionados aos fatores humanos (condutor do veículo ou pedestre), ambientais (via e arredores) e as condições dos veículos envolvidos nos acidentes. Certamente a educação no trânsito é imprescindível, mas sempre associada a uma boa engenharia de tráfego. Nas marginais passou-se ao largo das modernas técnicas disponíveis para o controle de acidentes. Constata-se o fenômeno da diminuição de acidentes de trânsito em inúmeras cidades brasileiras. Como exemplo, as rodovias estaduais que chegam ao município de São Paulo registraram queda superior a 28 % entre 2014 e 2015, sem que houvesse qualquer mudança significativa na velocidade ou na fiscalização. A explicação mais plausível está associada à crise econômica que acarretou a redução da mobilidade urbana -consequentemente, as pessoas se deslocaram menos e ficaram menos expostas aos riscos. O roteiro oportunista parece clara: o prefeito Fernando Haddad foi informado de que no primeiro semestre de 2015 o número de acidentes estava diminuindo, ao contrário do que ocorria em 2014, e, junto com o seu secretário de Transportes, Jilmar Tatto, decidiu associar esse "fato novo" à política de redução da velocidade. Era uma maneira de tirar proveito de resultados positivos alheios a sua gestão e justificar os contratos de mais de R$ 550 milhões na aquisição de radares. O dinheiro vem da receita das multas que, no primeiro trimestre de 2016, triplicaram em relação ao mesmo período do ano anterior -de 171 mil para 544 mil. Até então Haddad não havia se preocupado com as mortes no trânsito -inclusive abandonou o Programa de Redução de Atropelamentos herdado da gestão anterior. O que foi feito para proteger os motociclistas e pedestres? Nada. Os primeiros continuam caindo nos buracos e colidindo com barreiras físicas, enquanto os segundos atravessam indevidamente as marginais. São pessoas que vivem sob as pontes, vendedores ambulantes, andarilhos viciados em álcool e drogas. A vulnerabilidade social aumenta a propensão aos acidentes. Em 2015, motociclistas e pedestres somaram 71% dos mortos nas marginais. O futuro prefeito estará numa sinuca de bico. O aumento da atividade econômica poderá reverter essa tendência de queda, alavancando o número de acidentes. Se diminuir a fiscalização eletrônica e aumentar as velocidades, o novo prefeito desagradará setores da sociedade. Mesmo que não mude nada, os acidentes podem aumentar. A solução é elaborar e executar um bom plano de segurança no trânsito, com especial atenção em relação aos motociclistas e pedestres, principais vítimas de acidentes fatais. Retomar as velocidades anteriores nas marginais e adotar as medidas corretas para conquistar e consolidar a segurança é o que, de fato, a população paulistana merece. FLAMÍNIO FICHMANN, arquiteto e urbanista, é consultor de trânsito e transporte PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-08-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1821122-nova-gestao-da-prefeitura-de-sao-paulo-deve-aumentar-velocidade-das-marginais-sim.shtml
Novidade na ONU
Um organismo internacional paquidérmico como as Nações Unidas raramente surpreende em suas ações, em geral pautadas pelo consenso anódino que se pode lograr entre seus 193 membros. A provável escolha do português António Guterres para secretário-geral representará uma exceção bem-vinda. A expectativa era que a ONU fizesse deferência ao politicamente correto e consagrasse uma mulher para suceder o sul-coreano Ban Ki-moon. Uma das cotadas era a búlgara Irina Bokova, chefe da Unesco. O processo de escolha do secretário-geral, no entanto, seguiu um procedimento inédito em sete décadas. O Conselho de Segurança (CS) anunciou uma lista com 13 postulantes ao cargo, o que permitiu que fossem sabatinados pelos meios de comunicação do mundo todo. Nesse processo, Guterres provou-se o mais palatável para os 15 integrantes do conselho, que o indicou para o cargo (escolha que ainda necessita passar pelo crivo da Assembleia Geral). Sua habilidade parece ter sido decisiva para angariar o apoio sobretudo dos cinco membros permanentes do CS, que têm direito a veto (China, França, Estados Unidos, Reino Unido e Rússia). O engenheiro português acumula longa experiência em funções de relevo. Ex-primeiro ministro de Portugal (1995-2002), foi também alto comissário da agência da ONU para refugiados (Acnur). Sua virtual escolha pode ser interpretada como sinal de que a ONU, ou pelo menos seu CS, atribui maior relevância à crise dos refugiados do que à tensão criada pela Rússia na Ucrânia, por exemplo, que em princípio favoreceria uma candidatura do Leste Europeu. Refugiados, cabe assinalar, surgem em quantidades crescentes em todas as regiões, sob conflito ou grave crise econômica e social. Afetam de modo agudo Oriente Médio e Europa, mas é forte a pressão para que mais países se engajem em dar-lhes abrigo e alternativas. Por suas atitudes e declarações, Guterres não se acomoda no figurino do diplomata discreto em demasia, como Ban Ki-moon. O português já reconheceu como problema a enorme burocracia da ONU, defendeu que sua Europa não deveria se fechar para a imigração e, do ponto de vista do Brasil, pronunciou-se favoravelmente a que o país-irmão se torne membro permanente do CS. Confirmado como secretário-geral, espera-se que Guterres faça uso pleno de sua estatura política para imprimir novo e mais vibrante ritmo à atuação da ONU no mundo.
2016-07-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1820647-novidade-na-onu.shtml
A limitação da internet banda larga
A delimitação de tráfego de dados nos serviços de banda larga fixa, além de escapar às balizas legais que versam sobre as condições para a efetivação de alterações contratuais, ameaça o exercício da cidadania. A internet é considerada, atualmente, um serviço essencial para a coletividade, sobretudo por ser a principal ferramenta para o exercício de determinadas profissões, para a aquisição de educação e de cultura, além de contribuir para uma maior inclusão social e prática de lazer. Não por outro motivo, os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil estão previstos na Lei do Marco Civil, no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na própria Constituição Federal, de forma que sua sub-reptícia limitação vulneraria diretamente tais diretrizes normativas. A pretensa cobrança por franquia de dados na banda larga fixa evidencia abuso do poder econômico, com clara tentativa de majoração do lucro de forma ilegal, porquanto maximizará o retorno financeiro para as empresas em detrimento do padrão habitual de consumo de dados na internet. Os consumidores serão obrigados a comprar pacotes adicionais para usufruir dos serviços quando esgotada a franquia contratual, em flagrante afronta aos princípios constitucionais da ordem econômica. A respeito da alteração do padrão habitual de consumo, as novas regras de franquia configuram práticas abusivas descritas no CDC, visto que exigem do consumidor vantagem manifestamente excessiva, ao considerar que a manutenção do preço do contrato antigo corresponderá a um acesso limitado a determinada franquia, gerando uma redução ou a suspensão do serviço prestado, sem lhe trazer benefícios econômicos. Há, ainda, o desrespeito ao princípio da preservação e garantia da neutralidade de rede estabelecido na Lei do Marco Civil, que proíbe qualquer tratamento diferenciado entre os usuários, ou seja, preconiza que todas as informações que trafegam na rede merecem tratamento igualitário. A neutralidade de redes está adstrita ao princípio da dignidade da pessoa humana e à liberdade de expressão dos usuários que, no caso, consiste na remoção de impedimentos que possam embaraçar a plena realização dos projetos de vida e das relações interpessoais. Nesse cenário, a suspensão do fornecimento de internet banda larga caracteriza ato ilícito com significativos prejuízos relacionados às atividades executadas pelos consumidores, potencializando a configuração de dano existencial, já que a limitação pode afetar diretamente o projeto de vida de uma pessoa. Com efeito, se a nova modalidade de franquia for implementada, milhares de usuários serão prejudicados e, em muitos casos, obrigados a comprar planos mais caros, pacotes adicionais de dados, ou até mesmo abandonar seus projetos. Inegavelmente, se implementada, a nova sistemática de franquia de dados de internet proposta pelas empresas fornecedoras do serviço trará consequências graves à coletividade em inúmeros aspectos, entre os quais se destacam a inibição do potencial criativo dos brasileiros, discriminação entre os consumidores e inaceitável retrocesso social quanto ao exercício da cidadania. CÍNTIA ROBERTA FERNANDES, 34, é advogada no Escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados ANNA BEATRIZ PARLATO DE LIMA, 26, é advogada no Escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-07-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1820679-a-limitacao-da-internet-banda-larga.shtml
A chave mágica para tudo o que nos rodeia
Na noite de 29 de maio de 1832, Évariste Galois não pregou o olho. O idealista republicano francês, de 20 anos, estava numa grande encrenca: acabara de ser desafiado para um duelo à pistola. Assunto de saias, a honra não permitia a recusa. Temendo ser morto, como aconteceu, o que faz o jovem em sua última noite? Passa as horas escrevendo seus trabalhos matemáticos numa carta e pede ao amigo que não deixe suas ideias caírem no esquecimento. Galois foi um fora de série, e o trabalho que deixou à posteridade é uma das mais belas realizações do pensamento. Como pode o bicho-papão das salas de aula, temor de tantos, despertar tal paixão? Diriam que ele era um gênio. Mas o que dizer dos milhares de jovens brasileiros que participam da Olimpíada de Matemática, com o mesmo brilho no olhar que podemos adivinhar em Galois? E como explicar o contraste com alunos cujo desprazer pela disciplina põe o Brasil no fundo da tabela das avaliações internacionais? Num sistema educacional carente, a matemática é convertida numa série de regras arbitrárias, desligadas da realidade. Os resultados em testes internacionais e no Ideb são a consequência. A maioria de nós nasce com gosto pela matemática, como pelo futebol. Poucos serão um Galois, ou um Pelé. Mas o país precisa de craques, de futebolistas talentosos e até de amadores esforçados. E mais ainda de pesquisadores, engenheiros e comerciários com conhecimento matemático para a profissão e o exercício da cidadania. Vi um vídeo de uma vendedora de farinha. Um pacote era R$ 3; dois por R$ 5. Questionada se faria três por R$ 10 (R$ 3,33 cada), respondeu: "Ah, não, não tem jeito não!". Matemática é cidadania. Um estudo concluiu que a pesquisa científica matemática contribuía para a economia do Reino Unido com 2,8 milhões de empregos (10% do total) e 208 bilhões de libras (16% do PIB) em 2010. O mau ensino é péssimo negócio. Organizada pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas -a maior do mundo, com 18 milhões de participantes- revela histórias emocionantes. Como a do improvável multimedalhista Ricardo Oliveira, de Várzea Alegre (CE), que tem amiotrofia espinhal e era levado à escola em carrinho de mão. Aos 27 anos, Ricardo está concluindo o curso de tecnologia em mecatrônica industrial. Um professor faz enorme diferença. Com dedicação e vocação, Antonio do Amaral fez da rural Cocal dos Alves (PI) uma campeã de medalhas. É um paradoxo que, apesar de nossas mazelas, o Brasil tenha sido capaz de desenvolver uma matemática do mais alto padrão internacional e de produzir um vencedor da Medalha Fields: é motivo de orgulho Artur Avila ser o primeiro laureado que teve toda a sua educação num país em desenvolvimento. Em 2017 e 2018, o Brasil receberá a Olimpíada Internacional de Matemática e o Congresso Internacional de Matemáticos, os principais eventos da área. Sob a égide do Congresso Nacional, a comunidade matemática lança uma iniciativa ambiciosa, o Biênio da Matemática 2017-2018. Queremos aproximar a disciplina da sociedade e apresentá-la como aquilo que realmente é: a chave mágica para compreendermos tudo o que nos rodeia. A matemática está ao alcance de todos e, bem ensinada, é um barato! O republicano Galois concordaria. MARCELO VIANA é diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Foi membro do conselho deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-07-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1820651-a-chave-magica-para-tudo-o-que-nos-rodeia.shtml
Nota perversa
Já não se veem alunos jogando cadeiras escada abaixo, relata uma estudante da Escola Estadual Nair Olegário Cajueiro (zona sul de São Paulo), mas o ano letivo começou sem que houvesse docentes para pelo menos três disciplinas e continuou com menos de 40% dos professores especializados nos temas que ministram. Inexistindo rampas de acesso e estando o elevador quebrado, uma jovem cadeirante depende do auxílio de colegas para chegar ao segundo andar, onde tem aulas. Numa cena de realismo fantástico, a quadra esportiva ficou boa parte do tempo inutilizada devido ao acúmulo de fezes de pombos. Pior média no Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) de 2015 entre as escolas paulistanas, a Cajueiro reúne problemas estruturais que compõem o quadro da rede pública de ensino e produzem óbvios reflexos na qualidade da educação. O vergonhoso descompasso da educação no Brasil se evidenciou, mais uma vez, com os números divulgados na terça-feira (4). Nada menos que 91% das unidades públicas ficaram abaixo da média nacional no Enem; no sistema privado, esse índice cai para 17%. A média geral é calculada a partir das notas das quatro provas objetivas: linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza. Entre as 100 escolas que se saíram melhor no país, apenas 3 são públicas; entre as 1.000, só 49 —na edição de 2014, eram 93. Trata-se de cenário desolador, sobretudo porque há indícios de que a situação seja ainda pior. Como somente se divulgam os dados de escolas em que ao menos metade dos alunos participou do Enem, 60% das escolas públicas não figuram na lista —e é razoável supor que nelas se encontram os jovens mais desestimulados, pois a maioria nem procura essa porta de acesso às universidades. A escola pública deveria favorecer a igualdade de oportunidades. Como regra, no entanto, alimenta o círculo de exclusão em que o aluno pobre vive desde o berço. A análise das unidades com as melhores notas atesta a importância da renda no resultado. Das 200 primeiras instituições da lista, 180 possuem alunos com nível socioeconômico alto e muito alto (a classificação leva em conta a escolaridade dos pais, renda e bens da família, entre outro fatores). É mais que oportuno, portanto, o debate sobre a reforma do ensino médio, ora em análise no Congresso, e a confecção da base nacional comum curricular. Ampliar a carga horária das escolas, delimitar o conteúdo obrigatório e dar mais autonomia ao aluno na escolha das disciplinas são passos positivos para renovar um sistema hoje condenado ao fracasso. [email protected]
2016-06-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1820301-nota-perversa.shtml
O falso deficit previdenciário
O Brasil precisa fazer uma reforma previdenciária, é claro. Estamos de acordo. Mas a nossa prioridade não é a mesma dos ministros do presidente Michel Temer. Eles anunciam, com certo ar de provocação, que o sistema só se salvará com a implantação de uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos. Nós defendemos que o único caminho viável é o governo apresentar um orçamento de seguridade social, como determina a Constituição de 1988. E ser transparente, o que é sempre imprescindível. Que fique bem claro, os trabalhadores não são responsáveis pelos desacertos da Previdência Social. Não podem pagar a conta, portanto, como quer o governo. Se a idade mínima for implantada, isso significará, por exemplo, que no Estado de Alagoas, em que a média de vida é de 66,8, a maior parte das pessoas não vai se aposentar. Terá que morrer trabalhando. Situação quase idêntica, com algumas pequenas diferenças, pode também ocorrer no Maranhão (67,6), no Piauí (68,9) e na Paraíba (69). É importante destacar que a inserção no mercado do trabalho na França, por exemplo, começa em média aos 24,5 anos -depois, portanto, de concluída a faculdade e escolhida a profissão. Aqui no Brasil, um país pobre e de grande desigualdade social, as pessoas já trabalham desde os 16 anos, muito cedo e sem tempo para estudar. Todo mundo sabe que somos um país muito mal administrado. A Previdência Social é uma prova disso. Dizem que é deficitária, mas não é verdade. Os números da seguridade social são positivos. Acumularam, de 2007 até 2015, um saldo de R$ 439,503 bilhões. E seriam ainda maiores, é bom que se diga, se fossem consideradas as desonerações e renúncias fiscais que, no mesmo período, chegaram a R$ 735,920 bilhões. A coisa não para por aí: a Receita Federal projeta, para este ano, R$ 143,182 bilhões de desonerações do orçamento da seguridade social. É dinheiro que não entrará nos cofres da Previdência. A Constituição de 1988 determina que a receita e as despesas da seguridade social devem formar um orçamento próprio, separado, portanto, do orçamento fiscal do governo. Como a lei não é obedecida, embaralha-se tudo. Fica fácil montar uma gigantesca farsa contábil. Segundo se divulga, o deficit da Previdência é crescente há mais de 20 anos. Ano passado, estaria em R$ 85 bilhões. Atingiria, agora em 2016, algo próximo a R$ 150 bilhões. Pois bem, só com a dívida que a Previdência tem a receber, R$ 236 bilhões, já seria possível cobrir o rombo. Outro grande ralo é a falta de fiscalização para aperfeiçoar a gestão, além do controle dos bens da Previdência, como imóveis e outros tipos de propriedades. Uma das principais ações para sanar as contas da seguridade social, e as do próprio governo, seria a criação de dois fundos: o do Regime Geral da Previdência Social e o do Conselho de Gestão Fiscal, com a participação de trabalhadores e empresários. Não resta dúvida de que as mudanças demográficas precisam ser acompanhadas com muito cuidado. Essa janela, segundo estudos que temos em mãos, só começa a se fechar, no Brasil, entre 2025 e 2030. A nossa população de idosos, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), é da ordem de 13%. Nos países mais desenvolvidos, esse percentual chega a 30%. Portanto, ainda não é a transição demográfica que está criando o atual deficit da Previdência. Antes de estabelecermos uma idade mínima, temos que melhorar o sistema de gestão previdenciário. RICARDO PATAH, 62, pós-graduado em administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é presidente nacional da UGT - União Geral dos Trabalhadores PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-06-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1820284-o-falso-deficit-previdenciario.shtml
Inovações saudáveis
Durante anos o Poder Judiciário contribuiu para desorganizar o já precário setor de saúde pública com onerosas decisões de juízes bem-intencionados, mas alheios à repercussão sistêmica de seus atos. A judicialização da saúde tornou-se um fardo para o SUS. A despesa federal com determinações da Justiça para pagar tratamentos não oferecidos no sistema único saltou de R$ 120 milhões, em 2010, para R$ 1,1 bilhão em 2015 e estimados R$ 1,6 bilhão neste ano —sem contar gastos de Estados e municípios. Custear o remédio milionário e fora da lista oficial para um contribuinte, por desesperadora que seja sua situação individual, prejudica a atenção dispensada aos demais. Os recursos do SUS, desnecessário dizer, são finitos. O dinheiro que a Justiça manda direcionar a uma única pessoa deixa de chegar a centenas de outras. Reconhecendo essa realidade, o juiz federal Paulo Marcos Rodrigues, de Guarulhos, tomou um caminho diferente. Determinou que a União use verbas da publicidade oficial, e não do SUS, no montante aproximado de R$ 1 milhão ao ano, para fornecer medicamento importado a uma jovem com doença rara. A União recorreu, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, manteve a decisão. Embora criativa, a solução decerto não tem o poder de afastar o problema. Afinal, as verbas de publicidade também são finitas; mais dia, menos dia, a questão da equidade voltará a se impor. Não é outra a razão por que se aguarda a retomada do julgamento sobre a judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF). Três ministros já se pronunciaram em favor de adotar critérios rígidos para dar acesso a drogas e terapias solicitadas por meio da Justiça. Um dos votos nesse sentido partiu do ministro Luís Roberto Barroso. Ele admite exceções ao que estiver fora da lista do SUS, desde que o paciente comprove a impossibilidade de arcar com os custos, e o sistema público não tenha apresentado "expressa recusa" a incluir o remédio na sua relação. No caso de terapias sem registro na Anvisa, Barroso condiciona o acesso excepcional a que tenham eficácia comprovada em testes e licença já requerida, mas sem decisão da agência por prazo não razoável (um ano ou mais). Não há maneira simples de equilibrar os direitos em disputa. O Judiciário deve criar balizas a fim de conciliar o princípio da impessoalidade com a justiça compassiva de cada decisão concreta, mas sem substituir as autoridades eleitas na tarefa de elaborar políticas públicas para o conjunto da população. [email protected]
2016-06-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1820300-inovacoes-saudaveis.shtml
Homicídios e retórica política
Um em cada quatro homicídios no planeta ocorre em quatro países: Venezuela, Colômbia, México e Brasil. A América Latina experimenta um aumento significativo da violência letal nos últimos anos. Pesquisa sobre programas de redução de homicídio na região, realizada pelo Laboratório de Análise da Violência, mostra um quadro paradoxal. As iniciativas de prevenção na região são, por um lado, ainda escassas e incipientes. Por outro, os projetos existentes, embora infrequentes, destacam-se pela variedade e diversidade dos atores envolvidos. Entre as ações identificadas, há aquelas que envolvem controle de fatores de risco (como álcool e armas de fogo), campanhas para promover a cultura de paz, proteção a grupos, intervenções em áreas conflagradas, melhora nas investigações criminais, redução da letalidade policial, reinserção social dos autores de violência, mediação ou negociação entre grupos armados e estratégias integradas para redução da violência letal. Quase todos são programas de prevenção terciária, isto é, dirigidos a vítimas e autores da violência para evitar a reincidência e a revitimização, o que é mais uma evidência da necessidade de uma maior focalização. Infelizmente, sabemos pouco sobre a eficácia dessas ações. Apenas uma de cada cinco foi submetida a avaliações de impacto. Outro problema -há grande dificuldade para se dispor de repositórios confiáveis e transparentes de dados sobre homicídio e sua prevenção. Como resultado, a pressão por ações efetivas de redução da violência é traduzida em políticas de prevenção generalistas e sem foco. Novos recursos humanos, financeiros e materiais são alocados pelos dirigentes políticos em função daquilo que é entendido como eleitoralmente prioritário, em detrimento de políticas públicas comprovadamente eficazes. Em meio às recorrentes crises, o Brasil é um dos principais palcos dessa tragédia e concentra mais de 11% dos homicídios do mundo. Para mudar essa realidade, diagnósticos foram feitos ao longo de 2015 para elaborar um Pacto Nacional de Redução de Homicídios. Os esforços resultaram em um conjunto de sete medidas emergenciais que podem ser adotadas imediatamente (www.forumseguranca.org.br) -mais importante, elas dependem mais de vontade política que de recursos. Na contramão desta mobilização, o Ministério da Justiça divulgou que suas prioridades não contemplam a adoção de um programa construído na gestão anterior. Pretende partir do zero, no eterno e ineficaz recomeço que marca a área de segurança no país. A prevenção de homicídios é uma política de Estado, não deve ficar refém de embates partidários. Mudanças profundas podem depender de uma ampla coalização de esforços e atores. Todavia, no curtíssimo prazo, o governo federal precisa dizer à sociedade o que pretende fazer para responder às mais de 60 mil mortes anuais no país. IGNÁCIO CANO, doutor em sociologia pela Universidad Complutense (Madri), é coordenador do Laboratório de Análise da Violência RENATO SÉRGIO DE LIMA, doutor em sociologia pela USP, é diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-05-10
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1819932-homicidios-e-retorica-politica.shtml
Reorientação externa
Se há um fator que diferencia a crise atual de outras na nossa história é a relativa solidez das contas externas. A combinação de reservas internacionais elevadas e câmbio flutuante permitiu que o Brasil lidasse com os graves problemas domésticos sem ameaça de insolvência nos pagamentos em dólares, com acontecia no passado. Desde 2014, o deficit nas transações correntes (o balanço no comércio de bens e serviços com o restante do mundo) caiu de US$ 104 bilhões para US$ 18 bilhões esperados para este ano. Embora se trate de notícia positiva do ponto de vista da solvência externa, ela decorre em boa parte de fatores conjunturais, e não de um desejável reposicionamento do Brasil no comércio mundial. A queda no deficit se explica sobretudo pela contração do PIB, que chega a 8% no período, aliada à desvalorização do real em cerca de 50%. A recessão tem grande peso, na medida em que a demanda por importações diminui. O colapso da atividade industrial e dos investimentos causou retração de 24% nas compras internacionais de janeiro a setembro, em relação ao mesmo período de 2015. As exportações também recuaram, mas bem menos: 4,6% na mesma base de comparação, principalmente por causa de preços menores de produtos básicos, como minério e itens agropecuários. Com isso, o deficit de US$ 4 bilhões na balança comercial de 2014 se tornou saldo positivo de US$ 45,6 bilhões nos últimos 12 meses. A influência da desvalorização do real é menor. Mais de dois anos após expressiva mudança na cotação da moeda, as exportações de manufaturados, embora mais baratos em dólar, continuam a patinar. Houve, sem dúvida, retração da demanda internacional, mas o principal fator é a baixa aptidão das empresas brasileiras para vendas externas. Depois de anos de isolamento crescente, o país não consegue utilizar o mercado internacional como ferramenta de incorporação de tecnologia e aumento de escala produtiva. Passou da hora de haver reorientação com vistas a maior abertura para o comércio e integração com as cadeias produtivas mundiais. Tal iniciativa exige ajustes internos, que levem a uma convergência para padrões mundiais de tributação e custos, bem como novos acordos comerciais —e até o redesenho do Mercosul como plataforma de competitividade, em vez de mero espaço protecionista. [email protected]
2016-05-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1819922-reorientacao-externa.shtml
A indigestão da política
O mote da antipolítica trabalhado pelo marketing de campanha de João Doria -"não sou político, sou gestor", dizia o candidato do PSDB à frente de uma coligação de 13 partidos- deu fruto no pleito deste ano, contribuindo para uma vitória eleitoral ainda no primeiro turno, inédita em disputas paulistanas. Não foi nesta eleição, contudo, que tal estratégia -supostamente enterrada desde que Fernando Collor dela se valeu para se eleger presidente- ressuscitou. Em São Paulo, na disputa de 2012 pela prefeitura, Celso Russomanno resistiu na liderança ao longo de quase todo o primeiro turno justamente com um discurso em que tratava de transmitir como virtude o que, a princípio, era debilidade -seu pequeno PRB e a ausência de alianças com partidos maiores. Apresentava-se como um candidato independente, "sem conchavos político-partidários", cuja garantia de uma boa gestão assentava-se nas promessas de uma administração enxuta, ocupada por especialistas (não por políticos apadrinhados), e de uma relação direta com os cidadãos-consumidores (dos quais, afinal, era defensor de longa data), sem mediação partidária. À época, o contexto institucional já favorecia a emergência de uma candidatura "independente", pois, dos 12 nomes apresentados, quatro mostraram-se competitivos (José Serra, Fernando Haddad, Russomanno e Gabriel Chalita somaram 94,9% dos votos válidos), distanciando o pleito de uma disputa bipolarizada entre situação e oposição, ou entre esquerda e direita. Mas como se viu, em 2012 Russomanno acabou não chegando ao segundo turno, atropelado pela dinâmica da disputa entre as candidaturas das então duas principais forças partidárias: o PT, com Haddad, e o PSDB, com Serra. O que mudou de 2012 para 2016, facilitando a contundente vitória de João Doria -que, naturalmente não podendo se vender como "independente", construiu sua imagem em chave assemelhada, como não político? Que leituras admite esse processo sobre o desenvolvimento de nossa cultura política? Em 2016, a competitividade na eleição paulistana foi semelhante à de 2012: quatro em dez candidaturas mostraram-se competitivas (Doria, Haddad, Russomanno e Marta somaram 93,6% dos votos), também sinalizando uma disputa não bipolarizada. No entanto, o grau de volatilidade (dado pelo somatório das diferenças de voto das principais siglas em relação ao desempenho delas mesmas na eleição anterior) medido em uma escala de zero (em que ninguém teria mudado de legenda) a cem (em que todo o eleitorado teria mudado de partido) passou de 14,4, na relação 2008-2012, para 22,5, entre 2012-2016. Maior volatilidade expressa menor vínculo entre eleitores e partidos, aumentando a chance de vitória de outsiders -ou de candidatos que assim pareçam ser. Ora, os indicadores sobre preferência e rejeição partidárias foram claros sobre a mudança da imagem na opinião pública, à luz de respostas consideradas insuficientes às demandas das manifestações de junho de 2013. Depois, sobre a mudança da imagem do PT, responsabilizado integralmente pela crise econômica e marcado pela focalização e espetacularização de ações da Lava Jato em torno de suas lideranças, contribuindo para lhe impor a pecha de fundador da corrupção no Brasil. Tais eventos construíram a maioria pró-impeachment de Dilma Rousseff -dividindo a opinião pública em 2/3 que consideraram justo afastá-la como se destitui um primeiro-ministro com desempenho ruim e 1/3 que considerou a cassação um golpe parlamentar. A eles se junta o próprio impeachment para explicar, em boa medida, o mau desempenho eleitoral da esquerda em geral neste ano -e do PT em particular-, que terá a partir de 2017 apenas pouco mais de 1/3 do número de prefeituras, em comparação ao que conquistou em 2012. O feito inédito da vitória de Doria no primeiro turno reflete o desequilíbrio instaurado no jogo político-eleitoral entre PT e PSDB. Mas, diferente do que pode aparentar, a opção por esconder a política (como se não houvesse fundamentos políticos-ideológicos e interesses de classe que sustentam a concepção de Estado e sociedade expressa em suas propostas), aliada ao sucesso eleitoral dessa escolha, indica o longo caminho a percorrer para o amadurecimento da nossa democracia. GUSTAVO VENTURI, 58, é professor de sociologia da USP. Ex-diretor do Instituto Datafolha (1992-1996), é coautor do artigo "Russomanno e Ratinho Jr.: discurso de 'independentes' em ondas despolitizantes", publicado no livro "A Lógica das Eleições Municipais" (FGV Editora) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-04-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1819556-a-indigestao-da-politica.shtml
A derrocada do PT
Seja devido ao impacto devastador que a Operação Lava Jato tem provocado em figuras proeminentes do petismo —a começar do ex-presidente Lula—, seja por causa do desastroso governo Dilma Rousseff, nada marcou mais as eleições municipais deste ano do que a derrota acachapante do PT. Partido mais sufragado em 2012, com 17,3 milhões de votos para prefeito, o PT caiu para a quinta posição nesse quesito, com 6,8 milhões, atrás de PSDB, PMDB, PSB e PSD. Generalizada, a perda de apoio se traduziu em expressiva redução no número de cidades lideradas por petistas. Se a legenda saíra do ciclo de 2012 com 644 prefeituras, atrás apenas de PMDB e PSDB, agora despencou para 256, desempenho pior que o de nove siglas. Com isso, o eleitorado governado pelo PT na esfera municipal encolheu de 27,6 milhões para 4,4 milhões. Nem se imagine que o segundo turno modificará substancialmente esse quadro. Embora a agremiação esteja em 7 das 55 disputas em aberto, seu candidato mal tem chances na principal, Recife. Para completar a derrocada, pela primeira vez o partido ficou de fora do segundo turno na eleição paulistana. E mais: com os 16,7% do prefeito Fernando Haddad, o PT teve seu pior resultado ao disputar o comando de São Paulo —até então a marca pertencia a Eduardo Suplicy, com 19,7% em 1985. Se na maior cidade do país registrou-se o fracasso mais eloquente do PT, aqui também se deu o maior êxito de seu rival. A vitória surpreendente de João Doria Jr, com 53,3% dos votos, simbolizou o sucesso do PSDB na disputa de 2016. O fortalecimento tucano, contudo, foi muito além do quintal do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sem dúvida o nome que ganhou maior projeção nacional. Nenhuma legenda conquistou mais votos para prefeito do que o PSDB. Foram 17,6 milhões de sufrágios (ante 13,9 milhões em 2012), com boa margem sobre os 14,9 milhões do segundo colocado nesse quesito, o PMDB (que tivera 16,7 milhões há quatro anos). O número de municípios comandados pelo PSDB também cresceu, passando de 701 para 793 e podendo chegar a 812. Embora nesse ponto a liderança do PMDB permaneça inconteste, com 1.029 prefeituras (1.017 em 2012), o partido do presidente Michel Temer pouco aproveitou o vácuo deixado pelo PT. Não apenas isso, a agremiação fracassou em São Paulo e Rio de Janeiro, o que indica os limites do Planalto. Num cenário de descrédito dos políticos em geral, não surpreendem nem as altas taxas de abstenção verificadas em algumas localidades nem o avanço das siglas nanicas. Pelo que o desfecho das disputas municipais projeta para 2018, quase todos os partidos tradicionais têm bons motivos para rever práticas e costumes. Nenhum, porém, tem mais motivos do que o PT, justamente aquele que mais se recusa a fazer verdadeira autocrítica —e aquele que, como mostrou a população, mais continuará definhando se não mudar. [email protected]
2016-04-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1819546-a-derrocada-do-pt.shtml
Entre hesitação e firmeza
O presidente Michel Temer (PMDB) abandonou as meias palavras a que em geral recorre e, na semana passada, jogou a culpa pela crise na gestão petista e afirmou não ser passivo seu a irresponsabilidade que trouxe o país à recessão. Às vésperas de seu teste de fogo —a votação da proposta que limita o crescimento dos gastos à inflação—, Temer busca angariar apoio na sociedade para o ajuste duro que será preciso implementar. O deficit nas contas públicas, afinal, chegou a R$ 170,5 bilhões. O presidente deixa de lado uma parte fundamental, porém, ao não completar o balanço com um mea-culpa. Membro fundamental da coalizão que sustentou as duas gestões de Dilma Rousseff (PT), nada disse sobre o que acontecia. Alertas não faltaram; provenientes dos mais variados setores, ganhavam volume na mesma proporção dos desmandos federais. O PMDB, contudo, engrossou o coro apenas quando Dilma já agonizava. Se é correto dizer que o PT detinha o comando da política econômica desastrosa, também o é que o PMDB foi seu sócio minoritário e silencioso, beneficiando-se tanto da maquiagem contábil como do assalto aos cofres públicos. Feito o balanço completo, reconheça-se que o país precisa sair do atoleiro em que se encontra. A esse respeito, as propostas do governo Temer apontam na direção correta. O teto para os gastos públicos é condição necessária e primeiro passo para recuperar a confiança na solvência do Estado. Se aprovado, como se espera, o ritmo de crescimento das despesas se dará de forma controlada. A imposição de um limite também forçará um bem-vindo debate democrático sobre as prioridades do Orçamento. Temer também se comprometeu a enviar ao Congresso uma sugestão de reforma da Previdência, sem a qual o teto se inviabilizará. Para que prospere, porém, a proposta deve ser bem explicada e primar pela equidade. Ou seja, além de levar em conta a evolução da demografia, precisa equiparar os privilégios de aposentadorias especiais no serviço público às regras do INSS. Quanto às mudanças na legislação trabalhista, após tropeços de comunicação, o governo dá sinais de que prefere aguardar respostas advindas da própria sociedade. A agenda básica da administração Temer parece delineada. A hesitação e os recuos que têm caracterizado o governo, contudo, deixam dúvidas quanto à firmeza de propósitos do presidente —algo especialmente necessário dado o pendor do PMDB para práticas arcaicas e patrimonialistas.
2016-03-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1819231-entre-hesitacao-e-firmeza.shtml
Premiando os rejeitados
Há dois paradoxos nas eleições municipais. O primeiro é a perpetuação no poder de atuais ocupantes de cargos eletivos em um quadro em que suas taxas de rejeição são inéditas. A mudança nas regras de financiamento e no formato das campanhas fortaleceu os atuais mandatários, criando uma inédita assimetria pró-incumbente. Ela resulta do amplo controle da máquina, maior potencial de "reconhecimento do nome", maior capacidade de criar fatos midiáticos etc. O viés pró status quo acaba prevalecendo sobre a rejeição porque pode levar à anulação do voto. E também a rejeição tem direção certa: o PT, pelo impacto da Lava Jato. Prefeitos da antiga oposição são pouco afetados -veja-se os casos de Salvador ou Recife. O PT foi punido eleitoralmente, o que mostra a vitalidade da democracia brasileira. Por outro lado, o viés pró status significa que o sistema político está menos competitivo: regressamos à República Velha. Os custos das eleições se reduziram, mas a assimetria pró-titular do cargo aumentou. O saldo líquido é que as barreiras à entrada podem ter aumentado. Quem está dentro, fica. O segundo paradoxo é que os campeões das eleições -o PSDB e o conjunto de forças que sustentam o governo Temer- possuem pés de barro. A fraqueza dos vitoriosos tem origem sistêmica: deriva da fragmentação do sistema partidário. A fragmentação vem de longe. Os três maiores partidos em 1996 (PSDB, PMDB e PFL) detinham 61% das prefeituras (3.150). Em 2012, os três principais (PMDB, PSDB, PT) caíram para 42% (2.339). Para os cinco maiores (os já citados mais PSD e PP), dados apontam para uma redução de 82% para 60% no mesmo período. Enquanto escrevo este artigo, no domingo (2), os dados de 2016 ainda não estão disponíveis, mas certamente a fragmentação terá se acentuado. A identidade das agremiações mudou pouco no período. O número efetivo de partidos políticos (NEPP) -índice que pondera o número de siglas pelo tamanho das bancadas- alcançou 13,4%, um recorde mundial, em 2014. A fragmentação alcançou o maior valor, matematicamente, em sete Estados: todos os seus deputados federais proveem de partidos diferentes. Inteiramente previsível, a debacle espetacular do PT significa que o partido está reduzido ao seu núcleo duro de militantes com forte identidade partidária e programática (no jargão da área, ao seu "core voters"). Composto de setores sindicais, movimentos sociais e classes médias ligadas ao setor público, o partido com maior bancada eleita em 2014 (68 deputados federais) voltará a ter porte médio. Já partidos nanicos,como o PRB, tornam-se partidos médios. Em modelos estatísticos, as eleições municipais são o melhor preditor das bancadas federais que se formarão em eleições subsequentes. A vitória é importante para o governo Temer, uma vez que sinaliza a fraqueza da oposição. Os ganhos para o PSDB, que corre o risco de tornar-se partido médio, também são evidentes. Mas são vitoriosos em um sistema à beira do colapso. A derrocada do PT é apenas parcialmente resultado da debandada dos eleitores voláteis ("swing voters"), sem identidade partidária. Esse grupo, que inclui amplos setores de baixa renda, abandonou o barco pela reversão de expectativas produzida pela crise. Mas o PT está sendo punido também por ter deixado de ser governo. Por isso, e não apenas pelo fato de que a Lava Jato colocou seus doadores na prisão, sofreu enorme redução no financiamento de campanha. Em um quadro em que o Estado brasileiro é fonte de privilégios, importa estar do lado de quem o controla. Qualquer que seja o governo. MARCUS ANDRÉ MELO é professor titular de ciência política da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco. É coautor do livro "Brazil in Transition" (Princeton University Press) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-03-10
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1819187-premiando-os-rejeitados.shtml
Não quero uma democracia que rime com hipocrisia, diz leitor
DEMOCRACIA Não quero uma democracia que rime com hipocrisia. Que democracia é essa em que aqueles que conquistam mais votos não são necessariamente os eleitos? Que liberdade de escolha é essa em que o programa eleitoral é obrigatório? Que estrutura política é essa em que os partidos se aliam pelos mais diferentes motivos, menos os ideológicos? Já passou da hora de o gigante adormecido não apenas sonhar, mas exigir o mínimo de ordem e obter o máximo de progresso. MAURO WAINSTOCK (Rio de Janeiro, RJ) - OPERAÇÃO LAVA JATO Cirúrgico e exemplar o texto de Mario Sergio Conti ("Quero ser John Malkovich", "Poder", 30/9) sobre o desastrado ocupante do Ministério da Justiça. Possivelmente tal senhor desconsiderou sua necessária postura republicana. Talvez tenha sentido saudade dos dias em que era advogado do dono de outro poder da República, recentemente cassado em seu mandato. Carente da antiga glória, o senhor Ministro optou por protagonizar uma performance à la Yul Brynner, como destaca o colunista. Resultado: irritou até seu chefe imediato. JONAS NILSON DA MATTA (São Paulo, SP) * Ainda que não tenha sido previamente informado sobre a Operação Omertà, da Polícia Federal, Alexandre de Moraes merece demissão sumária e os rigores da lei. Ele se utilizou de um cargo público para fazer campanha. Em comício de um candidato que apoia, Moraes tentou fazer crer aos potenciais eleitores que uma nova ação da Lava Jato se deveria a um ato voluntário seu, e não, como é o correto, a um ato de ofício da Polícia Federal, que chefia. KLEBER PONZI (Belém, PA) - TRANSPORTE Leão Serva cinge-se apenas ao aspecto econômico, considerando o carro como um investimento financeiro e esquecendo-se de que a maioria das pessoas adquire um veículo por necessidade, para usá-lo a seu serviço. Entendo que o carro deve ser observado sob a ótica do custo-benefício, e, principalmente, sob a ótica do conforto, uma vez que, como é sabido, os meios de transporte de São Paulo não são os mais confortáveis ("Carro, o pior investimento do mundo", "Cotidiano", 26/9). PAULO FRANCISCO DE CARVALHO, advogado (São Pedro do Turvo, SP) - GREVE DOS BANCÁRIOS Insensíveis aos problemas que vêm causando à população, banqueiros e bancários sentam-se à mesa para discutir a finalização da greve. No entanto, nada mais fazem do que trocar farpas —e vão levando "no tapa" a resolução de assunto mais que crucial. DOUGLAS JORGE (São Paulo, SP) - MICHEL TEMER Curioso ver o presidente Temer afirmar não ter culpa pelos 12 milhões de desempregados como se ele não tivesse sido vice-presidente do país nos últimos seis anos e seu partido um dos maiores integrantes da base dos dois governos da ex-presidente Dilma. CARLOS CARMELO BALARÓ (São Paulo, SP) - IMPEACHMENT Pablo Holmes argumenta que, numa ditadura, as leis emanam do ditador e que sua legitimação, mesmo pela suprema corte, seria questionável ("Impeachment sem legitimação", Tendências/Debates, 26/9). Apesar de concordar com a afirmação, discordo dela como argumento para o artigo. Diferentemente do que afirma, as regras do impeachment não foram criadas sob ditadura, mas pela Constituição. Discordo também que o reconhecimento da legitimidade pelos derrotados seja condição necessária para assegurá-la, o que não quer dizer que não percam o direito de fazê-lo. LUIZ DANIEL DE CAMPOS (São Paulo, SP) - ESPORTE Sempre que leio o caderno "Esporte", tenho a impressão de que os que produzem esse material não gostam de esportes e detestam, particularmente, o futebol. Por mais que —imagino— considerem futebol uma atividade menor, que aliena, não podem ignorar que é o principal esporte nacional e merece ser tratado com o devido respeito. SIMON WIDMAN (São Paulo, SP) - REFORMA NA EDUCAÇÃO Enviem a matéria do Drauzio Varella ("A vida sedentária", "Ilustrada", 1º/10) para a equipe do Michel Temer. Precisamos não somente da educação física obrigatória, como o seu conteúdo precisa ser atualizado e os professores preparados para educarem seus alunos para uma vida saudável. HENRIQUE ROZENFELD (São Carlos, SP) - ANDRÉ SINGER Pela coluna de André Singer ("Cenários", Opinião, 1º/10), eterno porta-voz do petismo, percebe-se o esboço do discurso da derrota. Resta saber se, com os resultados que as pesquisas indicam, irão, surpresos, declarar que os eleitores brasileiros são todos coxinhas golpistas. LUÍS ROBERTO NUNES FERREIRA (Guarujá, SP) - NATUZA NERY Não entendi, sempre achei a jornalista Natuza Nery tão esperta. Dizer que não entende que em São Paulo está indo ao segundo turno direita x direita e chamar o João Doria de "almofadinha" só por ser educado? Fala sem ódio? Respeita os outros? Estou cheio de criadores de ódio, autoritárias, leis irritantes, deboche. Espero que desta vez a direita volte e traga paz. A esquerda destruiu a gentileza, a alegria. ROBERTO MOREIRA DA SILVA (São Paulo, SP) - PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para [email protected]
2016-02-10
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/10/1818792-nao-quero-uma-democracia-que-rime-com-hipocrisia-diz-leitor.shtml
Por que discutir a reforma do ensino médio?
Estudos e pesquisas sobre o ensino médio e juventude apontam, de forma recorrente, a falta de interesse dos estudantes pela escola, a defasagem entre o ensino escolar e a realidade cotidiana dos jovens, o excesso de disciplinas e a baixa qualidade da educação demonstrada pelos indicadores educacionais. Todos esses fatores indicam a necessidade de mudanças profundas nessa etapa da educação básica. A ampla repercussão do anúncio do Ministério da Educação sobre a reforma do ensino médio na mídia, com manchetes nos principais jornais do país e noticiários da TV, parece sinalizar que há um consenso na sociedade sobre a importância da educação para o futuro do país. Ao mesmo tempo, o fato de a reforma ter sido lançada por meio de medida provisória denota a distância entre o tempo da política e o tempo necessário para que a sociedade conheça, discuta e se aproprie das mudanças na educação. As manifestações de rua e nas redes sociais revelam um anseio por participação e protagonismo por parte dos diferentes setores da sociedade, especialmente os jovens. Teorias de mudanças enfatizam a importância de se construir uma visão compartilhada entre os envolvidos a partir do engajamento de todos, das secretarias de educação às escolas. políticas públicas, o maior tempo para partida pode significar, na maioria das vezes, maior efetividade e eficácia na implementação e no alcance de resultados. Embora muitos desejem ter uma bala de prata que resolva os problemas e garanta melhores resultados, há sempre diferentes dimensões a serem consideradas na educação. A flexibilização do currículo, com opção para diferentes percursos formativos, precisa considerar aspectos fundamentais na sua implantação, sob o risco de aumentarmos as já enormes desigualdades educacionais. Estratégias para o enfrentamento dessa questão não foram apontadas na medida provisória. Outra dimensão ausente na proposta diz respeito ao apoio federal para que as redes de ensino melhorem a infraestrutura das escolas, com instalação de bibliotecas, laboratórios, computadores com internet e wi-fi, quadras esportivas. No âmbito pedagógico não há medidas para enfrentar a baixa qualidade do ensino noturno, que atende a 23,6% dos alunos brasileiros, conforme Censo Escolar de 2015. Como viabilizar percursos formativos para esse turno? A Base Nacional Comum Curricular ainda demanda uma discussão ampla e profunda com a participação dos diferentes segmentos da educação, incluindo os estudantes, e da sociedade, para que possamos ter mais clareza sobre as disciplinas obrigatórias e as opcionais das quatro áreas do conhecimento. Finalmente, vale aprofundar a discussão sobre recursos. Sem dúvida, as escolas que implantaram educação integral têm alcançado bons resultados. No entanto, fica a questão: por que o MEC optará por destinar mais recursos apenas para as escolas que ampliarem a jornada escolar? A flexibilidade do currículo, assim como a diversificação das ofertas dentro de uma mesma rede, pode ser promissora, desde que se garanta um patamar básico de qualidade para todas as escolas. Secretários de Estados que enfrentam graves dificuldades financeiras já anunciaram que não terão condições de implementar a reforma. Obviamente, não se trata apenas de mais recursos mas também de uma gestão, tanto das secretarias como das escolas, mais responsável e comprometida na busca por resultados, com a melhoria da infraestrutura e a formação de seus professores. MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014 PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-01-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1818732-por-que-discutir-a-reforma-do-ensino-medio.shtml
Transformar São Paulo
Os candidatos que pretendem ocupar a Prefeitura de São Paulo pelos próximos quatro anos prometem ampliar ou melhorar os serviços oferecidos aos cidadãos sem deles exigir como contrapartida maior pagamento de impostos. Com melhor gestão e mais vontade, prossegue o lugar-comum, haverá ônibus mais rápidos e menos congestionamento, mais creches para as crianças e menos filas na saúde, mais casas populares e menos lixo nas ruas. Raramente a discussão se demora em programas que talvez nem requeiram despesas adicionais, embora demandem inovações regulatórias. Na campanha, os recursos não são escassos e o aspirante a alcaide não elege prioridades. No entanto, a inércia dos valores destinados às grandes prioridades do Orçamento e o lento progresso dos indicadores de desempenho desmoralizam voluntarismos de curto prazo. Faz quase uma década que o dispêndio com educação orbita em torno de 21,5% do total. Com saúde, de 18,5%. Do mesmo modo com outras rubricas. As flutuações muitas vezes se devem a fatores fora do alcance das autoridades municipais: variações de receita tributária ou de repasses federais. O valor dos investimentos, por sua vez, muito dependeu de renegociações de dívidas com a União. Na mais recente, o total caiu de cerca de R$ 82 bilhões, há quatro anos, para R$ 36 bilhões agora (em termos reais); os encargos anuais caíram de aproximadamente R$ 4,5 bilhões para R$ 3,2 bilhões. Não que a administração da cidade seja decorativa e dependente de decisões passadas. A ordem de grandeza das possibilidades, porém, passa longe do debate. Uma gestão promete reduzir em 20% o deficit de 230 mil moradias, numa estimativa conservadora; cumpre talvez um terço disso. Mesmo que, num surto de competência, dobrasse o resultado, o problema permaneceria enorme. Quais as políticas de longo prazo para essa questão? Leis de uso de imóveis e incentivos tributários: impostos maiores para unidades ociosas, por exemplo, ou menores em localidades estratégicas, estimulando a oferta de moradia e o desenvolvimento econômico. Na área da saúde, faltam informações cruciais. São imprecisos, para dizer o mínimo, dados relativos a despesas com serviços e salários. Pouco se sabe a respeito dos custos envolvidos na atividade das organizações sociais do setor. Candidatos prometem novas unidades, mas sua construção, sempre com uma sigla diferente da utilizada pela gestão anterior, apenas aumenta a confusão do sistema. Por outro lado, como não envolve nenhuma inauguração, fica intocada uma ideia básica: na saúde, haverá relativamente mais recursos para tratamentos se houver mais prevenção. Quais são as metas de redução de hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo e acidentes de trânsito, causas de pesado gasto hospitalar? Lógica semelhante se aplica à limpeza urbana, que demandará menos verbas se a cidade produzir menos lixo. Contudo, não há metas e incentivos para conter a produção de resíduos sólidos. Em outro campo central para os paulistanos, muito se fala e pouco se propõe de prático a respeito de subsídios, lucros demasiados e ineficiências do serviço de ônibus. A redução do custo depende de cortes de pessoal (caso de cobradores) e de menos gasto com combustível, que não sobrevirá sem que se alcance sensível aumento da velocidade dos coletivos. Não será possível incrementá-la, porém, sem mudança decisiva, ainda que paulatina, na ocupação das ruas. Isto é, metas para reduzir o espaço para automóveis, o que deve ser implementado pela combinação de tributos regulatórios (caso do pedágio urbano, cuja adoção gradual se daria em áreas específicas) e expansão de corredores de ônibus (e não simples faixas). Como serão financiados os subsídios crescentes às passagens, ora de um terço do preço? Quanto desse dispêndio, na casa de R$ 2 bilhões anuais, compete com desembolsos necessários para oferecer creches a 100 mil crianças ou reduzir as filas para exames médicos, dois problemas emergenciais? Na conta fantasiosa das campanhas, tudo é possível. Na realidade de curto prazo, o benefício simultâneo de menos filas, mais creches e passagens subsidiadas depende de mais impostos. E o que dizer da crise previdenciária no horizonte, a respeito da qual os candidatos silenciam? A despesa com pessoal tomou cerca de 40% do total de R$ 46 bilhões gastos pela prefeitura em 2015. Ao final da próxima gestão, o deficit previdenciário dos servidores deve crescer para R$ 4,6 bilhões, alta de R$ 1,6 bilhão (equivalente a quase metade do dispêndio com o magistério municipal). Alguns problemas da cidade, em suma, dependem de melhorias imediatas de gestão, a começar pela publicação de dados claros e confiáveis de eficiência. Outros, entretanto, reclamam mudanças profundas de métodos e de políticas de regulação, a fim de evitar o surgimento de despesas ao mesmo tempo em que se incrementa a qualidade da vida. Mudanças que previnam doenças, diminuam o uso do carro, reduzam a produção de lixo, organizem a gestão da saúde, contenham a desigualdade e o desperdício no aproveitamento dos imóveis. Tais inovações dificilmente caberiam num rótulo fácil de propaganda política —mas delas depende a transformação de São Paulo. [email protected]
2016-01-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1818804-transformar-sao-paulo.shtml
Tiros na democracia
A violência foi bem mais que retórica na política brasileira nos últimos meses. Desde junho, ao menos 45 aspirantes a cargos eletivos foram alvos de ataques a tiros. Nada menos que 28 morreram, 15 dos quais em plena campanha. Num dos casos mais recentes, o postulante a vereador Marcos Vieira de Souza (PP), o Falcon, foi assassinado dentro de seu comitê, em Madureira, zona norte do Rio. Na mesma segunda-feira (26), em Serrinha dos Pintos (RN), o vereador Clementino do Carmo (PMDB), que tentava se reeleger, morreu baleado durante evento político. Dois dias depois, José Gomes da Rocha (PTB), o Zé Gomes, candidato à Prefeitura de Itumbiara (GO), foi assassinado enquanto fazia carreata na cidade. O vice-governador do Estado, José Eliton (PSDB), saiu ferido. Diante desse cenário alarmante, o governo federal decidiu reforçar a segurança nas eleições deste domingo (2). Pelo menos 25 mil homens das Forças Armadas serão encaminhados a 408 cidades, entre as quais Itumbiara. Sem dúvida necessária, a medida é tomada com lamentável atraso, tendo em vista a frequência dos homicídios nos últimos três meses. A situação já seria inquietante se apenas escancarasse as falhas grosseiras da segurança pública no país. Mais que isso, contudo, parece indicar uma distorção gravíssima do processo eleitoral. Dos 45 ataques registrados a candidatos, 12 ocorreram no Estado do Rio de Janeiro, onde as milícias exercem influência venenosa. Em bairros da zona oeste da capital e em municípios da região metropolitana, esses grupos extorquem até R$ 120 mil para autorizar campanhas. Uma das explicações para o atual ciclo de violência —ainda que não existam estatísticas comparativas com pleitos anteriores— está nas regras eleitorais em vigor. Como se tornaram mais escassos os recursos disponíveis para os candidatos, devido ao veto às doações empresariais, é razoável supor que ganharam peso as fontes explicitamente ilegais de financiamento –caso do crime organizado. Sobretudo candidatos ao Legislativo municipal —com poucas verbas, menos tempo de TV e num ambiente de intensa competição— seriam dependentes desses grupos. É imperativo que, passado o pleito deste domingo, não se arrefeça o esforço para esclarecer essas mortes e punir seus responsáveis. Na última quinta-feira (29), o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), manifestou preocupação com os episódios : "A última coisa que podemos desejar é a presença do crime organizado no sistema político". Tem toda a razão. [email protected]
2016-01-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1818629-tiros-na-democracia.shtml
Saldo de nova lei eleitoral foi positivo? SIM
REGRAS ATENDEM AOS ANSEIOS DA SOCIEDADE A respeito da minirreforma eleitoral, que entrou em vigor no ano passado, há que se destacar alguns aspectos positivos, conquanto nem todos mereçam homenagens. Penso que o estabelecimento de limite máximo para gastos com as campanhas seja proveitoso. Sabe-se que, nestas eleições, não se poderá dispor de mais de 70% do maior gasto do pleito passado (municipal), regra que vale para os vereadores e os municípios sem segundo turno. Nas disputas majoritárias em cidades que tenham segundo turno, há uma diferenciação -no primeiro, não se poderá utilizar mais da metade do maior gasto das eleições passadas; no segundo, o limite será de 30% do valor do primeiro. A vedação de financiamento de pessoa jurídica tem o mérito de contribuir para afastar as relações, nem sempre republicanas, entre candidatos e sociedades empresariais. Da mesma forma, a diminuição no tempo de propaganda eleitoral (caiu pela metade), não obstante ajude quem já está no mandato eletivo ou esteja em evidência por algum motivo (como apresentadores de TV, por exemplo), buscou baratear o custo das campanhas. As novas regras também eliminaram efeitos especiais, trucagens e distorções da realidade nos vídeos exibidos na TV, o que me parece altamente positivo. A necessidade de atender à cota por gênero (mínimo 30% e máximo 70%), que já existia, foi aperfeiçoada, uma vez que houve alteração nos recursos do fundo partidário com o propósito de incentivar a participação feminina na política. Isso vem ao encontro dos anseios da sociedade contemporânea e é digno de aplausos. A proibição de propaganda em bens públicos enseja elogios. Vale ser lembrado que, para fins eleitorais, o conceito de bem público não é coincidente com o conceito do direito civil. Dessa maneira, cinemas, shoppings, clubes, templos e etc. se enquadram nessa categoria e, portanto, neles a lei não tolera propaganda eleitoral. Observo que a prestação simplificada de contas -que inclusive devem ser apresentadas parcialmente, antes do pleito- e a necessidade de se dar maior transparência às campanhas são medidas que buscam a modernização do sistema. Até 72 horas após a contagem dos votos, partidos, candidatos e coligações têm a obrigação legal de prestar contas de tudo aquilo que foi recebido (doações em dinheiro e/ou estimáveis em dinheiro) e tudo o que foi gasto, dando-se ampla publicidade para que o conjunto da sociedade possa acompanhar toda a movimentação financeira. A eliminação do comitê e a criação da conta bancária específica são elogiáveis, pois facilitam a transparência do processo. O aumento do período de pré-campanha, por seu turno, trouxe a possibilidade de contato do pré-candidato com os eleitores, o que lhe garante, sem que haja pedido explícito de voto, oportunidade de demonstrar projetos e ideias. Os mecanismos que permitem a aferição, a qualquer momento, da origem dos recursos que irrigam as campanhas são outra inovação que deve ser celebrada. Não se pode deixar de registrar a Lei Brasileira de Inclusão, que estabelece exigências que alcançam o campo eleitoral, como a necessidade de linguagem de sinais, legendas e audiodescrição nos vídeos, para que todos sejam destinatários da propaganda eleitoral. JOSÉ CARLOS MASCARI BONILHA, professor da Escola Superior do Ministério Público, é promotor de Justiça Eleitoral PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-01-10
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/10/1818728-saldo-de-nova-lei-eleitoral-foi-positivo-sim.shtml
Números, pra que vos quero
Comparar a audiência da TV Câmara com a de outras emissoras por meio de rankings que misturam alhos com bugalhos demonstra equívoco ou irresponsabilidade. As principais pesquisas divulgadas pela imprensa consideram o alcance dos canais de TV abertos e pagos. Ocorre que a TV Câmara ainda só chega em sinal aberto (digital) a uma parte das cidades incluídas nas medições. Nas outras, está disponível só por cabo ou parabólica, o que a impede de figurar no ranking. Gera grave distorção comparar sua audiência com a de emissoras cujo sinal aberto alcance todo o território nacional. Desde 2014, por contenção de gastos, a Câmara dos Deputados não contrata serviço de medição de audiência. No primeiro semestre daquele ano, a última pesquisa mostrou a TV Câmara na 27ª posição no ranking exclusivo dos canais por assinatura, com alcance acumulado de 24,7 milhões de espectadores e rating de 18.610 por minuto -este último superior ao obtido por canais como Sony e GNT. No entanto, não podemos nos render à mediocridade de debater a importância das emissoras de televisão do Legislativo à luz dos placares de audiência. A medição mais rigorosa do ponto de vista estatístico jamais vai contabilizar as horas de retransmissão feitas por emissoras como Globo, Band e Record, ligadas diretamente à TV Câmara por fibra ótica; nenhum ranking vai levar em conta as 2.400 emissoras que reproduzem a programação da Rádio Câmara em todo o país; nem o mais honesto dos jornais vai sempre lembrar-se de mencionar que usou informações em tempo real da Agência Câmara na internet. Se você assistiu ao vivo à votação do impeachment da presidente da República ou à cassação do presidente da Câmara, é porque os profissionais da TV Câmara trabalharam diuturnamente para que nenhum detalhe ficasse perdido nas transmissões. Se consegue saber o passo a passo da tramitação dos projetos de lei em mais de 20 comissões, é porque há repórteres da Câmara apurando tudo com rigor. A audiência dos veículos de comunicação da Câmara vai muito além do alcance que podem acumular individualmente. Qualquer ranking de medição desvirtua a dimensão de sua importância como fonte primária de informação. A transparência da atividade parlamentar é a razão de ser da comunicação no Legislativo. Segundo o Regimento Interno da Câmara, cabe à Secretaria de Comunicação Social "zelar pela divulgação dos trabalhos parlamentares" e "implementar ações que facilitem o alcance dos veículos de comunicação da Câmara dos Deputados no território nacional". Também está na justificação do PRC 158/97, que criou a TV Câmara: "O Legislativo é poder concedente, sendo-lhe inerente dispor de canal próprio para informar a sociedade, com transmissões ao vivo, debates e entrevistas, sobre os assuntos de interesse público e coletivo". Questionar os custos dessa transparência é questionar o custo da democracia. Se nem todo mundo se interessa pelo que faz um parlamentar, certamente a culpa não é da TV Câmara. Podemos debater a reforma do ensino médio? GISELE AZEVEDO RODRIGUES, jornalista, é diretora-executiva da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-09-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1818236-numeros-pra-que-vos-quero.shtml
Sanear projetos e gestão
Assim como ocorre com a má qualidade do ensino público no Brasil, é consensual o imperativo de eliminar o intolerável atraso do país no saneamento básico. Do consenso à consequência subsiste um largo caminho, entretanto, que o Estado tem enorme dificuldade em transpor. A radiografia do fracasso vai delineada com clareza no último relatório "De Olho no PAC" (2009-2015), que o Instituto Trata Brasil vem de publicar. Sob a mira do levantamento estavam 340 obras listadas nas duas fase do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC-1 (2007-2010) e PAC-2 (2011-2015). O destaque conferido ao saneamento básico (redes de água e coleta e tratamento de esgotos) no PAC despertou a expectativa de que os governos federal, estaduais e municipais se dedicariam a zerar o atraso. Segundo o Trata Brasil, ainda temos 35 milhões de pessoas sem acesso à rede de água, mais de 100 milhões sem coleta de esgotos e meros 40% dos dejetos tratados. A expectativa se ancorava, em grande medida, em vultoso montante de recursos. As 340 obras representam investimento total de R$ 22 bilhões. A maior parte disso viria de financiamentos da Caixa Econômica Federal (55%), cabendo o restante à União (25%) e ao BNDES (20%). O levantamento revela, porém, que apenas 36% das obras estavam concluídas em 2015. Outros 39% ainda se encontravam em andamento (não raro com atraso). Pior: 11% nem mesmo haviam sido iniciadas e 14% se achavam paralisadas. Recursos ociosos, que naquela altura somavam R$ 5,7 bilhões. Quase metade (45%) do planejado ainda no PAC-1 se achava paralisado ou em execução. Na região Norte, que exibe os piores índices de saneamento, 38% das obras de água nem sequer estavam em andamento em 2015, mesma situação de 25% daquelas relativas a esgotos. De qualquer ângulo que se considere, ao desastre sanitário se sobrepõe o administrativo. Em contato com os tomadores dos recursos, os autores do estudo pediram que se indicassem os motivos do atraso, e as falhas de gestão emergem em meio à turbidez geral. Entre as razões alegadas se destacam demora na liberação de recursos pelo Ministério das Cidades, inadequação de projetos, tropeços no licenciamento ambiental, renegociação e rescisão de contratos. O de sempre, em resumo. Para tirar o Brasil dessa insalubridade ao estilo do século 19, será preciso depurar a burocracia estagnada e sanear os projetos de engenharia. [email protected]
2016-09-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1818212-sanear-projetos-e-gestao.shtml
Voto indiferente
Entre anônimos, caciques, lideranças de movimentos comunitários, aventureiros, celebridades, políticos veteranos, nanicos, sindicalistas, religiosos ou representantes de variadas categorias profissionais, 1.315 candidatos disputam as 55 vagas de vereador na Câmara Municipal de São Paulo. Coincidindo com a eleição para o Executivo —particularmente acirrada neste ano—, é rotineiro que a renovação do Legislativo municipal ganhe pouco destaque. Mesmo entre os eleitores que já têm clara sua preferência para o posto de prefeito, ou que manifestam simpatia por algum partido específico, é sem dúvida fácil encontrar quem se sinta às escuras no momento de declarar seu voto para vereador. Sem a vigência de um sistema distrital, puro ou misto, é difícil evitar essa hesitação. Uma amplitude extrema das opções disponíveis termina equivalendo, na prática, a uma perigosa indiferenciação. Por mais completa que aspire a ser, a cobertura jornalística das eleições não tem como dar conta de tão vasta variedade de candidatos a vereador. Promovendo debates entre alguns deles, esta Folha procurou selecionar nomes representativos de diversos partidos, de modo a pelo menos apresentar uma amostragem de pontos de vista divergentes em questões essenciais para o futuro da cidade. Manter ou não os atuais limites de velocidade para os automóveis? Que soluções apresentar para a dívida do município? Qual a atitude do poder público com relação à disputa entre taxistas e defensores do Uber? Está correta a estratégia da prefeitura face ao problema da cracolândia? Temas como esses não são da alçada exclusiva do Executivo. De forma especialmente aguda no que tange a impostos, a prioridades orçamentárias e à saúde das contas municipais, a Câmara possui poderes capazes de inviabilizar, ou não, as pretensões de um prefeito. A importância de uma escolha pensada e cuidadosa no voto para vereador não precisaria ser enfatizada —não a vitimasse, na vida real, uma inegável negligência em parcelas significativas da população. É auspicioso, de todo modo, que novos mecanismos de informação, de seleção e de cobrança venham surgindo. Criam-se, por exemplo, plataformas digitais em que, após responder a um questionário, o eleitor pode encontrar candidatos comprometidos com seu perfil ideológico. O "Mapa da Direita" e o "Me Representa" são exemplos, em campos distintos, de um movimento no sentido de prover maior legibilidade e transparência à disputa política. Nada mais oportuno, num sistema marcado pelo fisiologismo, pela indisciplina partidária e pelo desregramento. [email protected]
2016-09-30
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1818213-voto-indiferente.shtml
O caminho de Paris passa pelos trópicos
Qual é o potencial do Brasil para liderar os países tropicais no caminho de redução de emissões pós-Acordo de Paris? Os compromissos acordados na COP21 (conferência do clima da ONU) são insuficientes para manter o aquecimento global abaixo de 2°C e estão ainda distantes da marca de 1,5°C, defendida por muitos cientistas. De toda forma, são metas necessárias, se desejarmos minimizar os enormes riscos das mudanças climáticas. Dada a alta probabilidade de diminuir a capacidade de oceanos e ecossistemas terrestres absorverem parte do excesso de gás carbônico (CO2) à medida que o aquecimento global se acentua, torna-se essencial que as emissões líquidas globais sejam zeradas até 2050. A descarbonização da economia global implica um desafio gigantesco. Para fazer a conta fechar, boa parte das reservas de petróleo e quase todas as reservas de carvão do mundo permanecerão inexploradas. Além de implementação maciça e urgente de sistemas de energia renovável, substituindo energia fóssil, e de novos sistemas para atender à demanda crescente, trajetórias desejáveis de redução de emissões passam necessariamente por reflorestamentos em grande escala e restauração de ecossistemas. Há ainda o desafio maior de gerar eletricidade em termelétricas e capturar e armazenar o CO2 emitido em poços profundos. A bioenergia, já quase neutra em carbono (o CO2 emitido na queima é, em grande parte, recapturado pelas plantas na fotossíntese), passaria a ter emissões negativas. A maior parte dos cenários compatíveis com a estabilização do aquecimento abaixo de 2°C envolve o uso de emissões negativas. Países tropicais podem desempenhar papel fundamental para essas metas, implementando agricultura sustentável em larga escala. Emissões diretas da agropecuária e desmatamento respondem por um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa. Enquanto as emissões brutas advindas de desmatamento caíram 62% nos últimos dez anos, as emissões diretas da agricultura e do setor de energia brasileiros vêm aumentando -responderam por quase 70% do total em 2014. As emissões líquidas per capita do país já somam 7,5 toneladas de CO2 por ano. No entanto, a quantidade emitida por real no PIB agrícola vem diminuindo: cresceu 4,3% entre 2010 e 2014, enquanto o PIB da agricultura subiu 12%. Por outro lado, a crise hídrica de 2014/15 exigiu o acionamento de termelétricas de energia fóssil, resultando em retrocesso na intensidade de carbono do setor de energia: emissões cresceram 26,6% entre 2010 e 2014, enquanto o PIB nacional cresceu cerca de 10% no período. Para manter sua liderança na transição para a economia verde, o Brasil terá que desenvolver uma agricultura sustentável e neutra em carbono -uma meta difícil a ser atingida até 2030, com a condição indispensável de zerar o desmatamento, restaurar ecossistemas em grande escala e aumentar, até 2015, fontes renováveis de energia em até 80%. Observando o aumento de emissões de agricultura e energia e avaliando as condições para reflorestar e restaurar, parecem metas irrealistas. Todavia, podem ser realizadas, desde que se acelere o ciclo de transferência de conhecimento para implementação de políticas públicas e de tecnologias, com o auxílio de mecanismos inovadores de financiamento. CARLOS A. NOBRE, climatologista, doutor em meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é membro da Academia Brasileira de Ciências e membro estrangeiro da Academia de Ciências dos Estados Unidos MERCEDES BUSTAMANTE, bióloga, doutora em geobotânica pela Universitat Trier (Alemanha), é professora do departamento de ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da UnB - Universidade de Brasília PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-09-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1818232-o-caminho-de-paris-passa-pelos-tropicos.shtml
O Estatuto da Cidade e as eleições
Em 2016, o Estatuto da Cidade (lei nº 10.257/2001) completou 15 anos de vigência, mas tem poucos motivos para comemorar. Concebido para enfrentar o duplo e simultâneo desafio de lidar com o acumulado histórico de irregularidade (olhar para trás) e viabilizar o planejamento das cidades brasileiras (olhar para frente), ainda não saiu totalmente do papel. Predomina a desinformação. O conteúdo não foi assimilado pelo Poder Público, para quem a ideia de planejar ainda é nova, e tampouco pela sociedade civil. Com isso, seus dispositivos ficam restritos aos sofisticados, e por vezes inócuos, debates acadêmicos. O Estatuto da Cidade regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, no capítulo dedicado à política urbana. Trouxe, com isso, uma série de instrumentos indispensáveis à ordenação do território. Tudo sob a égide de uma diretriz estruturante, que é a gestão democrática das cidades. Inequívoco o alcance de tais instrumentos. Natural, nesse sentido, que o Estatuto da Cidade fosse tema frequente nos debates das eleições para prefeito e vereador em 2016. Ledo engano. Trata-se de um ilustre desconhecido. E esse diagnóstico é um eloquente sinal do quão distante está o debate político (e público) de soluções disponíveis na lei desde 2001. Quais candidatos, por exemplo, propõem medidas para viabilizar os Planos Diretores das cidades? Obrigatório nos municípios com mais de 20 mil habitantes, o plano diretor é a lei que define o instrumento básico da política urbana. É ele que informa o conteúdo da função social da propriedade urbana e desenha como e para onde a cidade deve crescer. Teríamos um enorme avanço se os candidatos se comprometessem a cumprir as metas do Plano Diretor. Afinal, ele representa uma política de Estado, mais importante que programas de governo, que mudam a cada quatro anos. O que os candidatos pensam a respeito da contribuição de melhoria? Tributo baseado na valorização imobiliária resultado de obras públicas, é um mecanismo poderoso de arrecadação e financiamento de políticas públicas. As grandes cidades do mundo estão discutindo medidas semelhantes. Avançam, inclusive, na produção de indicadores mais precisos para apurar a valorização. Por aqui, nada. E sobre a regularização fundiária, que se aplica às áreas ocupadas por população vulnerável? Alguma linha no discurso? Para além de definir normas especiais de uso e ocupação do solo, é preciso cuidar da sua urbanização, para garantia do direito à moradia e mitigação de riscos e danos ambientais. E as operações urbanas consorciadas? Eis um ótimo exemplo de instrumento da cidade que pode dar certo: o poder público identifica área que necessita de transformações urbanísticas estruturais e melhorias sociais. Pactua as regras do jogo com o mercado privado e com a sociedade civil e monitora a sua execução. Precisamos introduzir no debate a relevância do estatuto. A cidade é um espaço cheio de contradições. Estado, mercado e sociedade civil, agentes da transformação do território, podem encontrar aí uma arena para construir os consensos possíveis. Afinal, não há incompatibilidade absoluta entre interesse público, lucro e qualidade de vida. À política cabe, ou caberia, deflagrar esse debate. A sociedade merece saber o que seus candidatos pensam sobre ele e deve, também, ser convidada a integrar essa discussão e a refletir a seu respeito. MARINA ROMUCHGE, 28, é advogada e procuradora do município de Santana de Parnaíba (SP) WILSON LEVY, 30, advogado e doutorando em direito urbanístico pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é professor do programa de mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-09-29
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1817853-o-estatuto-da-cidade-e-as-eleicoes.shtml
Massacre, sim
O Judiciário deu mostras, na terça-feira (27), de inabalável inapetência por cumprir sua razão de ser quando o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), de uma penada, anulou todos os júris que se ocuparam do massacre do Carandiru, praticado 24 anos atrás. A matança de 111 presos ocorreu em 2 de outubro de 1992. Só em 2001 viria a primeira condenação: o comandante da investida, coronel Ubiratan Guimarães, viu-se sentenciado a 632 anos. Em 2006, contudo, a decisão foi revertida pelo TJ-SP (meses depois, o coronel seria encontrado morto, em circunstâncias mal esclarecidas). Seus superiores, o então governador Luiz Antonio Fleury Filho (PMDB) e o secretário da Segurança, Pedro de Campos, jamais tiveram sua responsabilidade escrutinada por uma corte judicial. De abril de 2013 a dezembro de 2014 realizaram-se quatro júris sobre a conduta de policiais envolvidos no morticínio; 74 deles saíram condenados, com penas de 48 a 624 anos de detenção. Os agentes nunca foram encarcerados. Esperaram em liberdade, quase um quarto de século depois das cenas dantescas em que se envolveram, enquanto a Justiça paulista conduzia o processo como quem não quer desfecho algum. Ainda faltam os votos de dois desembargadores, mas os três já proferidos asseguram a anulação dos julgamentos realizados. Sabe-se lá se e quando serão refeitos. Como se não fosse descaso suficiente diante de tamanha barbárie, existe a possibilidade de que os desembargadores tornem a situação ainda mais impensável e acompanhem o relator, Ivan Sartori, que vitimou a Constituição e a legislação penal ao ignorar a soberania do Tribunal do Júri e votar pela absolvição dos 74 PMs. "Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legítima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal", sustentou o ex-presidente do TJ-SP. As circunstâncias eram sem dúvida complexas. Reconheça-se que os policiais não poderiam saber se os presos detinham armas de fogo; que a iluminação fora cortada, escorria água pelas escadas, barricadas bloqueavam a passagem, havia fogo nos corredores. Pode-se imaginar que os policiais agiram sob elevadíssima tensão. Afirmar que não houve massacre ou qualificar como legítima defesa o assassinato indiscriminado de pessoas sob custódia do Estado, porém, é uma enormidade. Basta dizer que nenhum PM saiu baleado, ao passo que, em um dos pavimentos, 90% dos mortos receberam tiros na cabeça. Com sua decisão, os desembargadores confirmam que, no Judiciário, ainda resiste a noção bárbara de que certas vidas nada valem, podendo a polícia delas dispor como bem quiser —e depois contar com assegurada impunidade. [email protected]
2016-09-29
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1817850-massacre-sim.shtml
Haddad revoluciona os usos da cidade
O Brasil precisa que o PT tenha oposições qualificadas à esquerda, como a do PSOL. Ao mesmo tempo, é inacreditável que, logo após sofrer um escandaloso golpe parlamentar, os partidos de esquerda no país não consigam se unir minimamente e que a candidatura de Fernando Haddad -a mais progressista que tivemos nas últimas décadas - sofra as consequências disso. Refiro-me tanto à digna oposição de Luiza Erundina (PSOL), por um lado, quanto ao factoide Marta Suplicy (PMDB), por outro. Muito longe da esquerda, como se sabe, Marta pessoaliza o capital simbólico dos CEUs (Centros Educacionais Unificados) na periferia, ao mesmo tempo em que defende os privilégios das mansões dos Jardins e prega o aumento da velocidade dos carros. Sua estratégia é cínica e oportunista: esconde o êxito objetivo da política de Haddad, que diminuiu o trânsito e reduziu expressivamente os acidentes na cidade, lançando o falso bordão da "indústria da multa", que se aproveita do clima de acusações de corrupção contra o PT. Ocorre que Haddad, ao contrário, é o prefeito que combateu fortemente a corrupção, criando a Controladoria Geral do Município, que desmontou a máfia do ISS, recuperando mais de R$ 600 milhões desviados, e conseguiu renegociar a dívida (reduzida em R$ 25 bilhões), colocando em ordem as finanças. Por que isso parece não ser avaliado corretamente? É difícil dizer. Vivemos um momento de pouca clareza política em geral, no qual Donald Trump se afirma como o sincero que diz verdades e João Doria (PSDB) posa de trabalhador braçal. O poder de convencimento só depende do dinheiro disponível. Mas eis aí uma questão crucial. Haddad mudou profundamente a cidade dando as costas àquilo que normalmente se considera "trabalho". Assim, está no polo oposto de uma vasta tradição de políticos como Paulo Maluf (PP) mas também Lula e Dilma Rousseff (ambos do PT), para quem progresso significa obras. Advogado, Haddad produziu ações que não manipulam betoneiras, e sim leis, atuando sobre as formas de uso da cidade. Trata-se de um político de outro tipo, com uma visão urbana estratégica e cirúrgica. Com poucos recursos, criou não apenas faixas exclusivas de ônibus e de bicicletas -abriu avenidas ao uso dos pedestres, criou 150 linhas de ônibus noturnos e 120 praças com wi-fi livre. Significativamente, barrou o suspeitíssimo túnel da av. Roberto Marinho, o que, infelizmente, levou as empreiteiras envolvidas a suspender importantes obras na área de habitação social. Ainda assim, duplicou o número de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) na cidade, por meio do Plano Diretor (notem que eu me concentro aqui em sua política urbana). É fato que Haddad não se pautou por medidas eleitoreiras, muito ao contrário, e talvez pague o preço político disso. Mas, para além ou para aquém da cegueira ideológica do momento, produziu uma cidade com novos valores, orientada pelos interesses coletivos e pela ética do compartilhamento. Uma cidade com secretarias de Direitos Humanos e de Igualdade Racial, em cujo ambiente mais franco e generoso frutificou um belo e improvável Carnaval de rua. Vivemos, nos últimos anos, significativos progressos com as novas pressões e práticas cidadãs de apropriação do espaço público no Brasil. No cenário nacional, a Prefeitura de São Paulo é a que melhor está conectada a essas vozes. Deixaremos essa experiência radical se esvair? Será que a divisão da esquerda, que caminha perigosamente para a atomização, afastando-se cada vez mais do governo, é um caminho inteligente a seguir? GUILHERME WISNIK, 44, é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e colunista da Folha. Foi curador-geral da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2013 PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]
2016-09-28
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1817474-haddad-revoluciona-os-usos-da-cidade.shtml
Universalidade do SUS e escassez de recursos
Quatro da tarde de uma terça-feira em Salvador. Um médico experiente, 59 anos de idade, 25 deles dedicados à medicina de emergência, está no Hospital Estadual Roberto Santos diante da seguinte situação: dois pacientes em estado crítico, um de 80 anos e um de 34, e somente um leito de UTI. A difícil decisão foi racional: "Dei a vaga para o mais jovem, por ter maior expectativa de vida. O idoso acabou morrendo horas depois na espera", conta o médico, em relato publicado pelo jornal "Correio da Bahia". "Decisões de abreviar ou, ao menos, de não prolongar a vida de pacientes são tomadas todos os dias em UTIs e salas de emergência do planeta. E é preciso que seja assim, ou o sistema não funcionaria", escreveu o colunista da Folha Hélio Schwartsman. Não se trata, apenas, de um dilema ético, como pode parecer à primeira vista, mas sobretudo financeiro e orçamentário. Em um Estado de roupagem social democrática, que assume a missão de garantir, a todos, diversos direitos sociais imediatos, a escassez de recursos torna-se um problema, parcialmente equacionado pela elaboração de políticas públicas contempladas nas peças orçamentárias. As políticas públicas de saúde trabalham com a chamada medicina de evidências, baseada em estudos que contemplam o melhor tratamento para o caso levando em consideração a eficácia, a efetividade e o custo. São elaboradas rotinas de trabalho, procedimentos padrão e listas de medicamentos, que sistematizam um programa integrado de atenção à saúde. O SUS (Sistema Único de Saúde), obra do constituinte de 1988, tem por traço fundamental a universalidade. Uma vaga de UTI ocupada por paciente terminal, não raras vezes, compromete a vida de um doente que não recebe os cuidados que poderiam salvá-lo. E isso é resultado do confronto incessante entre a universalidade da cobertura do SUS, de um lado, e as limitações orçamentárias do Estado, de outro. Quando o Judiciário, alheio à política instituída pelo governo, impõe aos entes federados o custeio de tratamentos de alto custo com eficácia ainda não comprovada, acaba, ainda que involuntariamente, por desorganizar a lógica de universalidade do sistema. O benefício individual advindo da decisão, por seu poder multiplicador, tem aptidão para pôr o sistema em risco real de colapso. A judicialização da saúde deve observar duas diretrizes: restringir-se aos casos excepcionais, sob pena de violação à cláusula de separação dos poderes, e dedicar-se a uma abordagem não individualista, preferencialmente por meio de ações coletivas, dotadas de eficácia geral e com menor potencial lesivo aos princípios que norteiam o SUS. Ao decidir, o juiz deverá: (i) aferir se é, ou não, comprovada a eficácia do tratamento, devendo excluir os experimentais e alternativos; (ii) optar por procedimentos disponíveis no Brasil; (iii) indicar a adoção do procedimento menos custoso, dentre os disponíveis; (iv) considerar se o tratamento é indispensável para a manutenção da vida. A questão está em julgamento no STF, com repercussão geral. Até o momento, a jurisprudência tem sinalizado, de forma tímida, que pretende racionalizar a judicialização da saúde, coibindo abusos, e garantindo o direito à vida, sem comprometimento à universalização do direito à saúde. Enquanto os médicos deste país não puderem atender a todos os que necessitem da assistência do Estado, enquanto houver menos UTI´s do que internados em estado crítico, é razoável, e até esperada, a atuação do Judiciário na fixação de parâmetros, mais ou menos estáveis, com aptidão para garantir o direito à vida sem destruir o sistema de políticas públicas voltadas à saúde em nosso país. MARCOS MEIRA é advogado, procurador do Estado de Pernambuco, mestre em direito processual civil pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. O Judiciário, todavia, deve se concentrar em papel tanto mais relevante quanto necessário, que é o de coibir os excessos.
2016-09-28
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1817482-universalidade-do-sus-e-escassez-de-recursos.shtml
Congresso perdulário
Parece bagatela despesa de R$ 103 milhões anuais numa instituição cujo orçamento prevê consumir R$ 9,17 bilhões do contribuinte em 2016. Não é —em especial porque tal cifra escoa pelo ralo de uma estrutura ociosa de comunicação. O valor, que não representa nem metade da despesa com esse setor no Congresso Nacional, daria para custear o benefício máximo do programa Bolsa Família (R$ 336) para 25.500 lares de brasileiros. Cuidar dos recursos públicos é o mínimo que se espera dos políticos —pouco importa se as cifras montam a bilhões ou milhões. Entre concursados, comissionados e terceirizados, as secretarias de comunicação da Câmara e do Senado somam 1.212 funcionários. Para comparação: o jornal "The New York Times", com 1,8 milhão de assinantes, emprega cerca de 1.300 jornalistas. Os R$ 103 milhões abarcam só os pagamentos a terceirizados, não os salários dos 470 servidores públicos (as duas Casas parlamentares não discriminam gastos com pessoal por setor). Como seus proventos variam de R$ 14.300 a R$ 27.400, é fácil perceber que o dinheiro despejado na área vai bem além. E tudo isso para quê? Nada, ou muito pouco. Integrantes da classe política, no Legislativo e no Executivo, sempre alegam que precisam prestar contas do que fazem ao público, porém há muito se sabe que estão mais preocupados com autopromoção e com multiplicar cabides de emprego. A conclusão pela superfluidade de tamanha máquina de comunicação decorre de que, precisamente, ela comunica muito pouco. Em abril, mês no qual a Câmara autorizou o processo de impeachment contra Dilma Rousseff (PT) e com isso atraiu as atenções Brasil afora, sua emissora de televisão ainda assim ficou relegada à 49ª posição no ranking de audiência. Marcou 0,07 ponto na escala Ibope, o que corresponde a 1.680 domicílios nas 15 principais regiões metropolitanas do país. Parece fantasia, diante desse número, estimar em 50 milhões de pessoas o público potencial da TV Câmara e da TV Senado, como fazem seus dirigentes. Na prática, essas emissoras, ao lado de publicações impressas e noticiário eletrônico próprio, se limitam a uma cobertura parlamentar chapa-branca, à qual pouquíssimos recorrem. Dar acesso público aos atos, leis e, vá lá, discursos de deputados e senadores é algo que se pode fazer com uma equipe mínima, de perfil técnico. O Congresso, no entanto, como de hábito se inclina mais a malbaratar do que a poupar o dinheiro do contribuinte.
2016-09-27
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1817120-congresso-perdulario.shtml
A velha democracia
A crise política que vivemos é em parte tipicamente brasileira (ou latino-americana), com suas velhas elites sempre dispostas ao golpe contra a vontade política das maiorias, mas é também reflexo da crise global da democracia representativa. A discussão sobre os limites da legalidade democrática e o estado de exceção está na ordem do dia. O uso do termo "estado de exceção" -inspirado no livro homônimo do filósofo Giorgio Agamben- para caracterizar a ordem de prisão decretada pelo juiz Sergio Moro contra o ex-ministro Guido Mantega causou celeuma entre alguns acadêmicos. Como de hábito, não faltou quem lembrasse que a comoção com a prisão sem motivos claros, em um hospital em que ele acompanhava a mulher doente, seria exagerada. Pareceria sugerir que se inaugurava algo novo na Justiça brasileira, quando a prática seria de fato corriqueira nas periferias. A afirmação é verdadeira e coloca em foco um limite fundamental da experiência democrática brasileira. Mas é também problemática, pois, levada às últimas consequências do ponto de vista lógico, acaba por tornar indistintas as fronteiras entre estado de exceção e Estado de Direito. No limite, torna possível afirmar, por exemplo, não ter havido propriamente um golpe contra o regime democrático brasileiro em 1964, simplesmente porque não tínhamos um regime democrático na ocasião. Afinal, como poderia existir democracia de fato em um país em que os analfabetos não votavam e o Partido Comunista estava cassado? Continuando com o mesmo raciocínio, também o Estado Novo não teria sido um golpe à ordem democrática, pois sob as Constituições de 1824, 1891 e 1934 havia fraude eleitoral, práticas de tortura, inúmeras rupturas políticas e restrições aos direitos de voto. Uma baixa adesão aos valores democráticos é um pré-requisito contextual para qualquer golpe contra a democracia. As experiências democráticas concretas têm zonas de exceção mais ou menos amplas, delimitadas por fronteiras culturais e hierarquias socioeconômicas. No Brasil, tais espaços de exceção continuam especialmente amplos e fortemente marcados pelo racismo. O Estado democrático de Direito é formado, entretanto, pela presunção da ilegalidade de tais práticas. Desvalorizar as fronteiras formais entre Estado de Direito e estado de exceção deslegitima a defesa dos direitos democráticos efetivamente existentes. A democracia dos Estados Unidos conviveu com a legalidade da escravidão, seguida da segregação racial e depois do encarceramento negro em massa. Os Estados liberais europeus não têm história muito mais edificante. Isso não retira a importância dos valores democráticos na história dessas sociedades. Como bem sinalizou a presidente eleita Dilma Rousseff, a divulgação ilegal de conversas da Presidência da República rompeu a fronteira entre Estado de Direito e estado de exceção, construindo as condições para o golpe parlamentar que a tirou do poder. A seletividade política crescente de membros do Judiciário brasileiro é mais um passo em direção ao abismo. A tentativa de aprovação de uma reforma educacional profunda por medida provisória, também. A prisão de Mantega, abortada pela reação da opinião pública, era parte do processo. Ou damos os nomes aos bois agora ou em breve não poderemos mais gritar para saber onde está o Amarildo. HEBE MATTOS é professora titular de história do Brasil da Universidade Federal Fluminense. Foi professora visitante da Universidade Columbia (EUA) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-27
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1817129-a-velha-democracia.shtml
Impeachment sem legitimação
Em artigo publicado nesta Folha, o professor João Maurício Adeodato procura justificar juridicamente o processo de impeachment de Dilma Rousseff. O autor parece se inspirar na teoria dos sistemas do sociólogo alemão Niklas Luhmann, mas nesse intento comete equívocos teóricos graves. Primeiramente, o autor não observa que a legitimação procedimental, no Estado democrático, depende de um "apoio generalizado" ao procedimento. Para haver isso, também os derrotados têm que aceitar e reconhecer o processo como legítimo, embora insatisfeitos com o conteúdo final da decisão. Se este é amplamente contestado, pode ocorrer carência de legitimação e, em casos limite, até mesmo desobediência civil. Outro grave equívoco consiste na simplificação do conceito de legitimação como resultado de puro formalismo, mesclando-o estranhamente com uma situação em que autoridades podem decidir quase como queiram. Em democracias não há valores morais absolutos, todavia as regras materiais do jogo político precisam ser respeitadas, caso não se queira produzir igualmente conflitos generalizados, ilegitimidade crônica ou transitar para formas ditatoriais. Imaginemos, por exemplo, que um líder carismático fizesse aprovar pelo Congresso emenda constitucional que abolisse a propriedade privada ou o direito de voto de afrodescendentes. "Autoridade competente" e "rito de elaboração" não seriam capazes de "legitimar" tal emenda, pois ela violaria várias cláusulas pétreas. Se o Judiciário viesse a chancelá-la, seria difícil não admitir violados os direitos fundamentais e a segurança jurídica. Nesse novo regime, os donos do poder poderiam impor sua vontade de modo autoritário, servindo-se do direito como bem entendessem. Não se poderia mais falar em "legitimação pelo procedimento", muito menos em "democracia", apenas em ditadura com apoio popular. No caso do impeachment da presidenta, o "procedimento" foi amplamente contestado, no Brasil e no exterior, por ser considerado um mero ritual imposto por maioria política eventual. Faltou "apoio generalizado" em vários momentos do processo, com acusações de que se teriam violado os direitos da acusada, sobretudo porque vários julgadores votaram pela condenação, mas admitiram explicitamente não haver crime de responsabilidade. Os protestos políticos se seguiram também à decisão, questionando o respeito a regras formais e materiais do procedimento. Enfim, na sua tentativa de mesclar "formalismo" jurídico com "decisionismo" político, Adeodato propõe uma legitimação procedimental "sui generis". Por trás dela, encontra-se não o modelo democrático, mas o "decisionismo" do filósofo e jurista alemão Carl Schmitt. Na década de 1930, afirmava que a legitimidade de qualquer decisão de Hitler advinha do fato de ele ser detentor do poder. "Dominantes e decisivas não são as visões e concepções em termos gerais, mas as visões de seres humanos de determinado tipo. No Estado alemão do presente, o movimento nacional-socialista tem a liderança. Portanto, a partir dos princípios deste, deve ser determinado o que são bons costumes, boa-fé, exigências razoáveis, segurança e ordem pública etc." PABLO HOLMES, doutor em sociologia pela Universidade de Flensburg (Alemanha), é professor de teoria política na Universidade de Brasília PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-26
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816816-impeachment-sem-legitimacao.shtml
De dentro e de fora
A Lava Jato nunca viveu sob tanto risco quanto agora. Sofre ameaças externas, como seria de esperar, mas também internas, o que provoca consternação e surpresa. No campo da política, a manobra vergonhosa quase levada a cabo na segunda-feira (19) atesta quão longe os congressistas se dispõem a ir no intuito de esterilizar as investigações. Por muito pouco não terminou aprovado um projeto cujo objetivo era simplesmente anistiar caixa dois praticado até agora. A despeito da repercussão negativa do episódio, o ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) se sentiu à vontade para defender o perdão. "Esse debate tem que ser feito sem medo, sem preconceito, sem patrulha e sem histeria", afirmou ao jornal "O Globo" o articulador político da administração Michel Temer (PMDB). Com a mesma sem-cerimônia, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), voltou a propugnar por medidas que protejam as garantias individuais dos investigados e, numa referência à apresentação midiática da denúncia contra Lula feita pelo Ministério Público Federal, criticou o exibicionismo da força-tarefa da Lava Jato. Não é difícil imaginar os verdadeiros propósitos de Renan, ele próprio às voltas com a Justiça. Igualmente difícil, todavia, é tirar-lhe razão nesse caso específico. Houve evidente exagero no constrangimento que os procuradores impuseram ao ex-presidente. Na última quinta-feira (22), outro petista viu-se alvo de medida exagerada e desnecessária. Trata-se do ex-ministro Guido Mantega (Fazenda), preso enquanto sua mulher passava por cirurgia no hospital -e solto cinco horas depois. Acusa-se Mantega de, em 2012, ter pedido R$ 5 milhões a Eike Batista. Segundo o empresário relatou, o dinheiro se destinaria a quitar dívidas de campanha do PT e foi transferido por meio de contrato fraudulento. Suspeita-se que o pagamento fosse compensação por negócios de Eike com a Petrobras. A trama soa coerente com tudo o que se sabe acerca do escândalo do petrolão. O ex-ministro deve ser investigado e, se condenado, arcar com as sanções previstas em lei. Nada parecia justificar, contudo, sua prisão provisória -e a própria soltura confirma a tese. Resvalando perigosamente no arbítrio, excessos desse tipo interessam sobretudo aos detratores da Lava Jato. Causam danos à imagem da investigação, ajudam os que se fingem de vítimas e facilitam a ofensiva dos políticos. As autoridades envolvidas com a operação têm demonstrado grande dificuldade em reconhecer os erros que cometem. Se tiverem raciocínio estratégico, porém, perceberão que a estrita observância da lei é a melhor defesa da Lava Jato contra os que pretendem enterrá-la. [email protected]
2016-09-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816571-de-dentro-e-de-fora.shtml
Vícios arcaicos
É espantosa a resistência de certos vícios brasileiros. Tome-se, por exemplo, a indistinção entre o público e o privado, a partir da qual Sérgio Buarque de Holanda erigiu sua notória interpretação do país. O hábito daninho, originário do período colonial, perpassou séculos e adaptou-se a distintas configurações, cedendo pouco. Levantamento desta Folha detectou provas desse arcaísmo político na campanha eleitoral de alguns Estados, nos quais candidatos a prefeito e vereador que são parentes de caciques partidários foram beneficiados por fatias bem generosas do Fundo Partidário. Em Salvador, a campanha de Taisa Gama para a Câmara Municipal recebeu R$ 200 mil do PTB, mais que a soma destinada aos candidatos da sigla a prefeito em Porto Velho (RO) e Teresina (PI). Taisa disputa seu primeiro pleito, mas traz um trunfo do berço: é filha do deputado federal Benito Gama, vice-presidente nacional do PTB. Em outro caso, atribui-se à influência do ministro da Saúde, o paranaense Ricardo Barros (PP), o vultoso aporte de recursos aos candidatos do Paraná (R$ 2,2 milhões), à frente de outros Estados pelos quais a sigla elegeu número maior de congressistas. A filha do ministro, Maria Victória, concorre à Prefeitura de Curitiba; o irmão, Silvio Barros, à de Maringá. A prática sem dúvida não se restringe a esses dois Estados, citados apenas a título ilustrativo. O veto às doações empresariais, com efeito, fez do Fundo Partidário a principal fonte de financiamento dos candidatos. Nos últimos três anos, em meio a uma das piores recessões do país, a dotação da União aos partidos saltou de R$ 308 milhões para R$ 868 milhões. Num cenário de escassez de verbas e de regras morais maleáveis ao sabor da ocasião, pode-se imaginar a volúpia com que muitos se valem do fundo em proveito próprio, de familiares ou amigos. Aos correligionários sem pedigree, em casos extremos, o sepultamento da candidatura será inevitável. Decerto os partidos devem ter autonomia para priorizar as candidaturas que mais lhes convêm, mas o mínimo que se espera é a existência de limites mais rígidos e transparentes para o emprego do Fundo Partidário. Não se trata somente de questionar a ausência de mecanismos democráticos nessas siglas. Apropriando de verbas públicas, os caciques perpetuam não apenas seus clãs, mas também um conjunto de práticas antirrepublicanas das quais há muito o país quer se livrar. [email protected]
2016-09-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816574-vicios-arcaicos.shtml
Uma resposta global aos refugiados
Nenhuma outra questão da agenda global é mais suscetível à manipulação por parte dos demagogos do que a dos refugiados e migrantes. "Nós" contra "eles" é um unificador irresponsável e atemporal, usado ao longo da história para obscurecer nossa humanidade comum. A diferença agora é que, mais do que nunca, as pessoas estão em movimento, numa época em que narrativas se espalham com velocidade viral, e vemos uma crescente xenofobia -muitas vezes irrompendo em violência. A Cúpula da ONU para Refugiados e Migrantes, realizada na semana passada em Nova York, representa um avanço em um ponto de ruptura. Com tantas vozes estridentes dominando o debate, governos de todo o mundo respondem em tons balanceados que podem produzir resultados reais, se as promessas forem cumpridas. A cúpula marcou a primeira reunião de líderes para discutir esse importante tema. Adotou um acordo histórico de consenso, a Declaração de Nova York, que define uma abordagem pragmática e baseada em princípios para enfrentar os desafios de pessoas em movimento. Há 244 milhões de migrantes no mundo; mais de 65 milhões de pessoas estão deslocadas à força. Metade delas são crianças. Refugiados enfrentam graves perigos em suas jornadas por segurança. Quando chegam a outros países, muitos sofrem discriminação -alguns são até presos. As vias legais são escassas, enquanto contrabandistas sem escrúpulos se aproveitam da situação, cobrando taxas exorbitantes por uma chance arriscada de escapar. As guerras se tornaram mais duradouras, e os refugiados encontram dificuldades de voltar para casa. O tempo de deslocamento se estende, em alguns casos, por gerações. Ao contrário do que em geral se pensa, a grande maioria dos refugiados não está em países ricos: 86% se deslocaram para regiões em desenvolvimento. Esses países, por sua vez, raramente possuem condições de atendê-los de maneira adequada. No ano passado, apelos humanitários das Nações Unidas receberam pouco mais de metade dos recursos solicitados. Os desafios são enormes, mas não devemos esquecer os benefícios. Com a abordagem certa, refugiados e migrantes podem trazer ganhos para ambas as sociedades, a de recepção e a de origem. É central, nesse processo, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, nosso plano global de paz e prosperidade em um planeta saudável. A cúpula em Nova York contou com depoimentos de pessoas diretamente afetadas. Uma delas foi a síria Yusra Mardini, que competiu nos Jogos Olímpicos do Rio pela nova equipe de refugiados estabelecida para os atletas que, como outros milhões, foram forçados a sair de suas terras natais. Antes de nadar em competições, Yusra foi posta à prova para salvar vidas. No ano passado, deixou a Síria em um barco superlotado. Quando o motor parou, ela e sua irmã, junto a outros do grupo, mergulharam no mar Egeu e, por longas três horas, empurraram o barco até a costa. Chegaram exaustas, mas provaram o poder da solidariedade humana para nos levar à segurança. A humanidade está junta em um só barco. Promover o medo, culpar o outro ou tornar as minorias bodes expiatórios apenas aumentará os perigos para todos. Líderes sábios entendem que devemos, em vez de nos esforçar para salvar todos, otimizar as contribuições de cada um, orientando nosso barco comum para um destino compartilhado: um futuro de oportunidades e dignidade para todos. BAN KI-MOON, 71, é secretário-geral da ONU - Organização das Nações Unidas. Foi diplomata e ministro das Relações Exteriores e do Comércio da Coreia do Sul PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-25
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816587-uma-resposta-global-aos-refugiados.shtml
Um detalhe danoso
A Lei de Responsabilidade das Estatais, sancionada em junho, prevê vários instrumentos para aperfeiçoar a governança nas empresas públicas e sociedades de economia mista. Há regras de transparência e compliance, imposição de requisitos para a ocupação de cargos diretivos, formas de fiscalização das estatais pelo Estado e pela sociedade e a criação de procedimentos diferenciados para licitações e contratos. No entanto, um detalhe da lei pode vir a ser extremamente danoso à repressão de atos de corrupção, com possível impacto sobre penalidades já impostas a empresas. Nos anos 1990, foi criada uma sanção administrativa capaz de tirar o sono dos empresários que dependem significativamente de contratos com o governo. Trata-se da declaração de inidoneidade prevista na Lei de Licitações e Contratos (nº 8.666/1993). Ao ser declarada inidônea por qualquer ente público, a empresa fica impedida de fazer contratos com União, Estados, Distrito Federal, municípios e respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. A proibição perdura por um período indeterminado, nunca inferior a dois anos, após o qual a empresa poderá pleitear sua reabilitação, desde que tenha reparado o dano causado. É uma sanção com forte caráter repressivo a condutas irregulares adotadas por empresas que fazem negócio com o Estado, certamente mais severa que as penas previstas na própria Lei Anticorrupção (nº 12.846/2013). Ao tratar do tema nos artigos 83 e 84, a Lei das Estatais não prevê a declaração de inidoneidade como sanção administrativa. A empresa penalizada só ficará impedida de participar de licitação da própria estatal que aplicou a sanção, num prazo não superior a dois anos. Durante esse período, a empresa estará livre para negociar com qualquer outro ente público. Interessante é que o texto original da lei previa a inidoneidade com efeitos para toda a administração pública. A supressão da redação ocorreu durante a votação da matéria no Senado. Uma vez que a Lei das Estatais tem o mesmo grau hierárquico da de licitações e que, pelas regras de interpretação, privilegia-se a lei específica em detrimento da geral, deve-se aplicá-la nos processos de responsabilização de pessoas jurídicas por atos praticados contra as empresas públicas e sociedades de economia mista. Outra questão a ser avaliada são as sanções já impostas. Pelo princípio da retroatividade da norma punitiva mais benéfica, as inidoneidades já declaradas poderão ter seu alcance reduzido à nova realidade legal. Em sentido similar, propostas de acordo de leniência também podem ser repensadas, uma vez que a pena a ser atenuada pode deixar de ser relevante para a empresa. Naturalmente, a gravidade da pena é significativamente menor se a proibição de contratar não se estender a outros entes públicos com os quais as empresas punidas possam continuar vislumbrando novos negócios. Portanto, é certo que os benefícios da Lei das Estatais poderão ser reclamados desde já nos casos pretéritos e futuros relativos a atos lesivos praticados contra empresas públicas. Resta saber qual será o impacto dessa mudança nos processos de responsabilização dos grupos envolvidos na Lava Jato. VALDIR MOYSÉS SIMÃO, auditor fiscal aposentado, foi ministro do Planejamento e da Controladoria-Geral da União (governo Dilma) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-23
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816030-um-detalhe-danoso.shtml
Sem refúgio
Pela primeira vez a Assembleia Geral da ONU convocou uma cúpula com chefes de Estado para discutir a difícil situação dos refugiados e dos migrantes. Realizado na segunda-feira (19), o evento esteve longe de alcançar unanimidade. Enquanto as Nações Unidas definiram o encontro como oportunidade histórica, organizações humanitárias descreveram-no como um fiasco: para a Anistia Internacional, a reunião estava fadada ao fracasso; para a Human Rights Watch, seria uma chance desperdiçada. A avaliação das ONGs parece mais realista. Ainda que a cúpula cumpra o objetivo proposto pelos anfitriões —persuadir 50 países a receber 360 mil refugiados no próximo ano—, será pouco diante de 21,3 milhões de pessoas consideradas nessa situação. Mesmo essa cifra empalidece diante dos outros 44 milhões de indivíduos que tiveram de abandonar seus lares por causa de guerras, perseguições ou fome, mas não chegaram a solicitar refúgio. Esses números, vale lembrar, não incluem o universo ainda maior de gente que se desloca porque as perspectivas em suas nações de origem são ruins –caso dos haitianos que vieram para o Brasil, indevidamente incluídos pelo presidente Michel Temer (PMDB) entre os refugiados recebidos pelo país. Se as ONGs exibem realismo matemático diante da gravidade da diáspora, elas revelam certa cegueira política ao pedir que os líderes mundiais se comprometam a encontrar um novo lar para 10% dos refugiados a cada ano. Os eleitores dos países ricos não se mostram dispostos a aceitar estrangeiros. Os sinais se multiplicam. Angela Merkel constitui exemplo raro de dirigente empenhada com a questão dos refugiados; seu partido acaba de ser severamente punido nas eleições regionais da Alemanha —e a sigla que mais cresceu rejeita imigrantes. O medo dos estrangeiros foi decisivo para o Reino Unido decidir sair da União Europeia. Nos EUA, parte do apelo de Donald Trump decorre de propostas como expulsar muçulmanos do país e construir um muro na fronteira com o México. Para piorar, os países que mais abrigam pessoas deslocadas, que são vizinhos às nações em conflito, não têm recebido muita ajuda financeira e já cogitam fechar as portas a imigrantes ou desmantelar campos de refugiados. Por uma triste ironia, a chegada de imigrantes poderia representar uma solução para o sério problema demográfico da Europa. Mas, aparentemente, vieses irracionais como a xenofobia são mais poderosos do que o cálculo econômico. [email protected]
2016-09-23
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816023-sem-refugio.shtml
Pesada e regressiva
Em meio a uma das maiores recessões da história nacional, provoca inevitável exasperação a notícia de que aumentou a carga tributária no Brasil. O total pago em impostos chegou a R$ 1,93 trilhão em 2015, ou 32,66% do PIB; no ano anterior, a arrecadação fora de R$ 1,84 trilhão, 32,42% do PIB. Não se trata de crescimento expressivo; a alta foi apenas suficiente para reverter a redução observada um ano antes. Tampouco se deve concluir que exista nova tendência de expansão. O peso dos impostos, ao contrário, tem permanecido razoavelmente estável —se bem que num patamar elevado, como sabe o contribuinte. Seja por resistência de uma sociedade cansada de transferir recursos a governos que nunca buscam empregá-los de forma eficiente, seja por limites da estrutura tributária, parece se esgotar a capacidade do Estado de arrecadar mais e mais. Fundamental, portanto, rediscutir os gastos públicos. A proposta de limitar o crescimento das despesas à inflação constitui passo importante. Para sua eficácia, o teto deverá ser complementado por medidas como mudanças nos repasses obrigatórios (como saúde e educação), austeridade com salários do funcionalismo e reforma da Previdência. Será preciso, ademais, rever subsídios e desonerações, que montaram a quase R$ 100 bilhões nos últimos 12 meses, embora as contrapartidas e os benefícios sociais sejam impalpáveis em muitos casos. A médio prazo, o desafio está em modificar a estrutura de impostos. Mais que o tamanho da carga tributária, a maior anomalia é sua composição altamente regressiva, que penaliza os mais pobres. Grosso modo, a média dos países da OCDE (clube das nações desenvolvidas) tem quase a metade das receitas oriunda de impostos sobre a renda do capital e do trabalho. Somente um quarto advém de tributos sobre produtos e serviços —que, em termos proporcionais, oneram mais quem ganha menos. Dá-se o oposto no Brasil. A tributação indireta (produtos e serviços) coleta quase a metade do total; impostos sobre renda e propriedade respondem por um quarto. Não bastasse isso, as regras são complexas (especialmente nos casos de PIS/Cofins e do ICMS), gerando grandes custos para as empresas e prejudicando a competitividade. Essa característica explica em parte os preços sempre altos no Brasil, na comparação com similares estrangeiros. O país não tem alternativa a não ser dar ao debate feições mais maduras: trata-se de aumentar a produtividade do setor público, de fazê-lo caber dentro do Orçamento e de melhorar tanto a justiça quanto a eficiência tributária. [email protected]
2016-09-23
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816022-pesada-e-regressiva.shtml
Por um controle democrático
As investigações promovidas por instituições brasileiras, especialmente nos casos do mensalão e do petrolão, com fundamentadas condenações judiciais após amplo direito de defesa, revelaram corrupção sistêmica em importantes setores estatais. Empresas controladas pelo poder público foram transformadas, sorrateiramente, em nichos de superfaturamento de contratos, desvios, fraudes, atuação cartelizada e fonte de propinas, dentre outros crimes. Apenas na maior delas, a perícia realizada na Operação Lava Jato indica prejuízo superior a R$ 40 bilhões, conta que já vem sendo paga pelo cidadão quando abastece seu veículo e troca o botijão de gás a preços áureos. A nefasta dominação por organizações criminosas causa sangria capaz de levar à inanição o organismo governamental, combalido pelo parasitismo a corroer suas entranhas. Trata-se de verdadeiro golpe contra a República, pela ilícita apropriação privada de bens públicos, e de violação da democracia, pois contamina o processo eleitoral com dinheiro sujo, utilizado para a compra de apoio político em detrimento da representatividade popular. Daí a justa indignação das pacíficas e numerosas idas às ruas. Responsabilizar os culpados pelos graves e reiterados crimes perpetrados -que não são meros malfeitos nem podem ser justificados pela tentativa de sua banalização- é decorrência necessária da quadra histórica contemporânea, em que vigora o Estado democrático de Direito, no qual todos estão sujeitos à legalidade e aos demais princípios constitucionais. Não é aceitável a impunidade própria de um passado longínquo e superado, associado às trevas, em que a figura despótica governante almejava blindagem absoluta e abissal distância da plebe, para gerir segundo seus inconfessáveis interesses, nas sombras e nos meandros dos palácios, o dinheiro de todos recolhido. A ordem normativa tem avançado, felizmente, com a Constituição de 1988 e as leis de improbidade administrativa, responsabilidade fiscal, transparência, acesso à informação, antitruste e anticorrupção, dentre outras. O mais recente estatuto protetivo da probidade é a Lei de Responsabilidade das Estatais (lei nº 13.303/2016), que estipula requisitos para a investidura em órgãos diretivos, prevê planos de metas e resultados, código de conduta e integridade, divulgação de informações relevantes, análise de riscos e outros procedimentos de boa governança corporativa, a fim de valorizar a adoção de mecanismos institucionais hígidos. Assim, o controle democrático, inclusive das companhias sob tutela governamental, não é apenas uma possibilidade a ser almejada mas um imperativo jurídico a clamar por concretização, para a prevalência da transparência e da eficiência. Esses valores, infelizmente, ainda estão distantes das práticas de algumas gigantes estatais brasileiras, que não publicam seus exagerados salários, escondem muitos de seus vultosos contratos, sujeitam-se a perniciosos cartéis privados e hesitam em estruturar um efetivo controle interno, em tardio descompasso com a caminhada de fortalecimento da cidadania apregoada pelo direito. GUSTAVO UNGARO, bacharel e mestre em direito pela USP, é ouvidor-geral do Estado de São Paulo e membro titular do Conselho Nacional de Controle Interno. Escreveu "Responsabilidade do Estado e Direitos Humanos" (Saraiva, 2012) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-23
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1816032-por-um-controle-democratico.shtml
Lula réu, de novo
Em uma decisão cuidadosa, dada a dimensão política do acusado, o juiz federal Sergio Moro aceitou a denúncia apresentada na semana passada pelo Ministério Público Federal e transformou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em réu num processo criminal. É a segunda vez que o petista adquire esse incômodo status. No primeiro caso, na Justiça Federal do Distrito Federal, Lula terá de se haver com a suspeita de participação numa trama destinada a comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. Agora, em Curitiba, o ex-presidente responderá a acusações de lavagem de dinheiro e corrupção. Esses crimes corresponderiam a uma pequena fração dentro de um grande esquema de desvios, do qual teriam participado executivos de empreiteiras, diretores da Petrobras, doleiros e políticos. Considerando apenas contratos referentes a duas refinarias da estatal, o MPF estima que a construtora OAS tenha distribuído R$ 87,6 milhões em propina, dos quais R$ 3,7 milhões direcionados a Lula. A parte do ex-presidente, de acordo com a denúncia, se consubstanciou num apartamento em Guarujá e no armazenamento de bens. Moro considerou que as provas apresentadas nesta fase inicial são suficientes para dar andamento à ação penal. Destacou, contudo, que daí não decorre nenhum juízo definitivo sobre a responsabilidade criminal do ex-presidente –ou seja, existe um caminho a ser trilhado até a eventual condenação. "Tais ressalvas são oportunas", escreveu Moro, pois a presença de Lula entre os réus pode "dar azo a celeumas de toda a espécie". Com razão, continuou: "Tais celeumas, porém, ocorrem fora do processo. Dentro, o que se espera é observância estrita do devido processo legal, independentemente do cargo outrora ocupado pelo acusado". O aparte do magistrado vem bem a calhar, e não só pela atenção que o julgamento do líder petista tende a atrair. Assim como integrantes do MPF abusaram da retórica quando do oferecimento da denúncia, Lula mostra-se disposto a se defender na arena em que se sai melhor: a dos discursos políticos. É seu direito, obviamente, disputar a opinião pública. Caso tenha pretensões eleitorais nos próximos anos, o ex-presidente precisa dar à militância uma bandeira para agitar —mesmo que feita com a puída fantasia de vítima. A estratégia, todavia, resultará inútil se, até 2018, o petista vier a ser condenado em duas instâncias da Justiça, hipótese em que se verá enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Se quiser provar sua inocência, portanto, Lula deve fazê-lo nos autos —mas talvez nessa arena sua defesa já não soe convincente. [email protected]
2016-09-22
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1815625-lula-reu-de-novo.shtml
Vítimas violadas
Há algo de acabrunhante na constatação, em pleno ano 2016, de que 30% dos brasileiros ainda concordam com a ideia de que mulheres adeptas de roupas provocantes não podem reclamar quando são estupradas. Mais ainda, na descoberta de que tal proporção vale também para as próprias mulheres entrevistadas pelo Datafolha. O mesmo levantamento, encomendado ao instituto pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revela que 65% da população declara ter medo de sofrer alguma violência sexual. Neste caso, porém, ocorre notável divergência no predomínio de temor entre mulheres (85%) e homens (46%). O contraste dos percentuais relativos ao contingente feminino dá uma ideia de como permanece arraigada a "cultura do estupro", como se convencionou dizer. Até parcela das mulheres que receiam ser vítimas desse crime vil parecem acreditar que possa haver algo de justificável nele, ou pelo menos que a responsabilidade não caiba exclusivamente a quem o comete. É uma violação dupla: como se, além de sofrer a agressão sexual, a mulher devesse sentir-se culpada. Decerto essa noção —ainda muito disseminada— tem algo a ver com a prevalência escandalosa do delito no país. Foram 47.646 estupros notificados em 2014, segundo o último anuário (2015) do FBSP. Para piorar as coisas, a cifra corresponde a uma fatia diminuta da violência sexual efetivamente ocorrida. As estimativas de subnotificação variam, mas se calcula que meros 10% a 35% dos casos terminem de fato reportados (com certeza o despreparo da polícia para lidar com as vítimas, apontando por metade dos entrevistados, não incentiva mulheres a denunciar os ataques recebidos). Na melhor hipótese, ocorreriam pelo menos 131 mil estupros por ano no Brasil. São 15 por hora, ou um a cada quatro minutos. Verdade que se registrou pequena diminuição (6,7%) nas ocorrências de 2013 para 2014, de acordo com o mesmo anuário. Não é o caso, contudo, de atribuir muito significado a esse suposto recuo, pois muitos fatores desconhecidos podem influenciar a taxa de subnotificação de ano para ano. Há outro tipo de informação positiva na pesquisa Datafolha, ademais. A adesão à frase que imputa culpa à vítima é bem mais baixa que 30% entre os jovens de 16 a 24 anos (23%) e entre as pessoas com diploma de nível superior (16%). Esses dados indicam que decresce nas novas gerações a tolerância com a violência sexual e que a educação continua a ter papel chave nesse processo civilizador. [email protected]
2016-09-22
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1815623-vitimas-violadas.shtml
É preciso falar a verdade
A maior manifestação popular de cunho político da história do Brasil, uma das maiores do planeta, ocorreu em 13 de março deste ano. Na avenida Paulista, de maneira absolutamente pacífica, sem um único incidente violento, cerca de 1,5 milhão de pessoas, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado, manifestaram indignação contra um governo que saqueava o país e o mergulhava na ruína econômica. Muitos líderes dos saqueadores, aliás, já estavam presos em Curitiba naquele dia. Provavelmente é inútil lembrar essas verdades a Guilherme Boulos e ao senador Lindbergh Farias (PT/RJ), autores de um artigo mistificador publicado nesta Folha, "É preciso barrar a escalada repressiva". É importante, no entanto, lembrá-las aos leitores. No final de agosto, antes mesmo de decretado o impeachment de Dilma Rousseff, outro tipo de manifestação mostrou de novo sua face mais perversa. Liderada por Boulos, a tropa de choque do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) incendiou pneus para interditar a marginal Tietê e outras avenidas paulistanas. Pela força, impediram o deslocamento de milhões de cidadãos. Afrontaram diretamente o artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal: "É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". Aquela foi só a primeira de uma série de manifestações violentas capitaneadas por organizações dependentes financeiramente do petismo, como a CUT, a UNE e o próprio MTST, que receberam dos governos Lula e Dilma muitos milhões dos impostos pagos pelos contribuintes. Desde então, em manifestações de protesto contra o governo legítimo que emergiu do impeachment, símbolos da democracia e do Estado de Direito têm sido atacados. Fascistas inclusive tentaram invadir a Folha, pois não aceitam o trabalho da imprensa livre. Os agressores apedrejaram policiais, depredaram uma viatura, destruíram comércios e agências bancárias. Há muito tempo o PT e seus associados usam a tática popularmente chamada de "pega ladrão" para tentar transformar os outros naquilo que eles próprios são. Agem como um bandido que, ao furtar a carteira de alguém, grita "pega ladrão" para que os outros pensem que o criminoso é a vítima. Tentam agora envolver a Polícia Militar de São Paulo nesse tipo de engodo. Boulos, enquanto promove vandalismo, violência, fecha vias e impõe sua truculência à população, sobretudo a mais humilde, que diz representar, grita "pega a polícia". A corporação está presente em todos os atos para garantir o direito constitucional da livre manifestação e a segurança da população, inclusive dos próprios manifestantes. Trabalha com correção e firmeza contra aqueles que se negam a aceitar a realidade decidida de maneira soberana pelas instituições democráticas. Os que protestam contra o novo governo têm o direito constitucional de continuar nesse propósito, desde que o façam pacificamente, como o fez a maioria que pensava de maneira oposta. Boulos não tem freios na hora de fazer ameaças: chegou a dizer que "o Brasil seria incendiado" caso Dilma sofresse impeachment. Continua se esmerando para cumprir o papel que se atribuiu, de arauto do apocalipse da profecia bolivariana. Para sua contrariedade, no Brasil a polícia não prende a oposição selvagemente, como ocorre na Venezuela. Quanto à"descollorida" figura de Lindbergh Farias: não surpreende que o integrante de um partido com tantos filiados na cadeia, ou em vias de irem para lá, tenha problemas com a Justiça.​​ CAUÊ MACRIS é deputado estadual (PSDB) e líder do governo na Assembleia Legislativa de São Paulo PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-22
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1815673-e-preciso-falar-a-verdade.shtml
Manobra vergonhosa
Em surdina, ao cair da noite, deputados federais mancomunaram-se na segunda-feira (19) com o propósito de blindar, em pelo menos um ponto, políticos acossados pela Operação Lava Jato. Denunciada a tempo, graças à vigilância de alguns poucos congressistas de partidos alheios ao festim —como Rede e PSOL—, a proposta foi retirada da pauta. Como se sabe, as autoridades da Lava Jato têm entendido que doações ocultas nada mais constituíram, no escândalo do petrolão, do que formas de lavar recursos obtidos por meio de um verdadeiro assalto aos cofres públicos. Uma sorrateira emenda então se articula na Câmara, com o assentimento dos que se juram eternos inocentes, dos que incendeiam a tribuna apenas contra a corrupção do vizinho e dos muitos que se fazem de desentendidos quando mudam de governo em busca de vantagens inconfessáveis. Pretendia-se passar a impressão de apoio a um dos itens das chamadas dez medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal: o caixa dois seria crime passível de punição específica. Sem que se tenha revelado o teor do projeto, entretanto, o acordo entre os falsos campeões da moralidade abria a possibilidade de que todos os envolvidos nesse tipo de atividade viessem a ser anistiados pelo que tenham feito até aqui. Defensor da criminalização do caixa dois, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) afirma que era zero a chance de haver anistia. A pressa na aprovação do projeto se justificaria para que a lei vigorasse já nas disputas municipais deste ano. Fosse assim, por que tanto sigilo? Por que incluir subitamente na pauta da Câmara mudança legislativa em assunto tão sensível para a opinião pública e de especial interesse para a propinocracia da maioria dos partidos? Fossem nobres as intenções, por que ninguém se prontificou a assumir a paternidade da medida? Apontam-se os dedos para o PSDB e para o PP, repletos de nomes implicados na Lava Jato. Mais tarde menciona-se a participação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e do líder do governo Michel Temer (PMDB) na Câmara, André Moura (PSC-SE). Não, não havia nobreza nas atitudes de segunda-feira. O contexto é claro: os novos ocupantes do poder, aliados aos que o aproveitavam desde antes, cansaram-se de falar contra a corrupção. Querem seus proveitos, querem a impunidade. Querem, num momento de distração da sociedade, atirar por terra a máscara da moralidade de que se serviram e trocá-la por outra —talvez a das clássicas caricaturas do criminoso armado— que lhes caiba melhor.
2016-09-21
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1815271-manobra-vergonhosa.shtml
Ensino médio, entre o passado e o futuro
Segunda metade dos anos 1950. As garotas precisavam escolher o que fazer no colegial. Muitas cursavam o normal, outras, o secretariado. Entre o científico e o clássico, algumas iam quase automaticamente para o segundo. Nos liceus masculinos, ofereciam-se opções como química industrial e contabilidade. Os garotos saíam do então colegial com um diploma técnico, aptos a atuar em setores com forte apelo à época -quando vigorava a chamada "Reforma Capanema", instituída pelo Ministério da Educação varguista, em 1942. Nos anos 1970, os alunos passaram a optar entre humanas, exatas e biológicas, e os exames vestibulares também foram segmentados por área de concentração. O recuo histórico faz-se necessário. O governo federal apresentou sua intenção de alterar mais uma vez a organização curricular do ensino médio no Brasil. As justificativas baseiam-se em números que impressionam: metade dos alunos brasileiros abandona a escola durante essa fase, e 15% dos jovens de 15 a 19 anos nem sequer estão matriculados. Para combater a situação, a proposta oferece "um museu de grandes novidades". Ela determina a organização do currículo a partir de quatro áreas -linguagens, ciências humanas, ciências da natureza e matemática. Nas duas últimas séries do ensino médio, os alunos deverão decidir por concentrar seus estudos em uma delas ou numa quinta opção (profissionalizante). Eles também poderão permanecer um ano a mais e cursar outra área. Já os exames vestibulares realizarão provas diferentes, de acordo com a percurso formativo. A distância entre as disciplinas oferecidas e os "desejos" do jovem é a explicação dada pelas autoridades para a evasão e os péssimos resultados em exames como o Saeb. A reforma aproximaria estrutura curricular e o mundo do trabalho. Percebe-se que existe uma leitura intencional das aspirações juvenis. Para o Ministério da Educação, o estudante deve tornar-se rapidamente um técnico disponível para o mercado, e o segmento médio, um agente formador de mão de obra. Afinal, tudo o que o jovem, especialmente o mais pobre, quer e precisa é trabalhar, ainda que não haja empregos ou oportunidades razoáveis para os recém-formados. Em semelhante contexto, a formação cultural mais ampla e a oferta de disciplinas eletivas, que aumentem a visão de mundo e ofereçam um leque de oportunidades em outras esferas, como a arte ou a ação social, ficam em segundo plano. Além disso, cabe ressaltar: poucos são aqueles que, aos 15 anos, sabem distinguir com clareza o que almejam para seu futuro, ou mesmo quais áreas de saber devem ser priorizadas para uma profissão. Outros questionamentos rondam as intenções do governo. O montante de investimentos necessários para adaptar o ensino público à nova carga horária e à instalação de cursos profissionalizantes em todas as escolas não é desprezível, ainda mais numa época em que se discute um ajuste fiscal severo. Espera-se que todos os atores sociais comprometidos com a educação contribuam para o debate. FLORA BENDER GARCIA é doutora em teoria literária e literatura comparada pela USP JOSÉ RUY LOZANO é autor de livros didáticos e professor de produção textual do Instituto Sidarta PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-21
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1815276-ensino-medio-entre-o-passado-e-o-futuro.shtml
A lição da Paraolimpíada
Aos sete anos, Tao Zheng sofreu um choque elétrico e perdeu os dois braços. Nascido em Kunming, na China, passou 13 anos sem saber ler e escrever, pois foi proibido de frequentar as escolas da província. Começou a nadar na adolescência como um escape à exclusão. Hoje, aos 25, é recordista mundial e conquistou o ouro na Paraolimpíada do Rio ao nadar os 100m costas. Zheng provoca a todos nós. A cada pernada, o chinês desconstrói pensamentos preconcebidos ou qualquer impressão que possa ser criada sobre suas aparentes desvantagens. Escancarar ao mundo a potência de qualquer atleta com deficiência tem um efeito quase subversivo. Suprime nossa arrogância de acreditar que somos capazes de mensurar a capacidade do outro, provocando um pensamento para além do espectro esportivo. Amplia nosso olhar para possibilidades -as nossas, inclusive. Durante duas semanas de Paraolimpíada, nosso país teve a honra de conhecer pessoas que superaram a deficiência, a pobreza, o preconceito e o medo do fracasso. Elas chegaram ao Rio e conquistaram pódios, encheram ginásios, emocionaram. Movimentaram as redes sociais sobre a falta de transmissão do evento em TV aberta. Passamos a acreditar, naquela espécie de ilha inclusiva que era a Vila Paraolímpica, que outros lugares deveriam ser acessíveis, que a convivência com a diversidade é enriquecedora quando extrapola a margem da sociedade. Entendemos na prática que barreiras só existem porque as cidades, elas sim, são deficientes. Aliás, desde a década de 1990, a capital fluminense não passava por uma intervenção urbanística de grande porte, com padronização de calçadas, rampas e piso tátil. Uma inspiração para que as capitais brasileiras adotem o desenho universal, conceito aplicado a espaços e serviços a serem utilizados por qualquer pessoa. Algo que há décadas ocorre no Japão e em Londres, por exemplo. Em 1997, após voltar de um processo de reabilitação nos EUA, sem mexer braços e pernas, passei a encarar um Brasil sem acessos. Decidi fundar uma ONG para apoiar atletas com deficiência que passavam o dia todo a treinar em locais que garantissem a eles um prato de comida. Hoje o Projeto Próximo Passo do Instituto Mara Gabrilli apoia 31 esportistas que colecionam vitórias. Alguns deles, você, leitor, teve a oportunidade de conhecer nesta Paraolimpíada do Rio. Quantas crianças com deficiência não serão inspiradas por esses atletas? Quantas não poderiam nadar como um Daniel Dias ou correr como um Odair Santos? Não restam dúvidas de que o esporte é uma das maiores ferramentas de inclusão que uma nação pode oferecer. As outras são educação, cultura e trabalho. Temos a chance de tirar do ciclo de invisibilidade mais de 45 milhões de brasileiros com deficiência que vivem à margem de uma das piores políticas de reabilitação do mundo, sem acesso a escolas ou a equipamentos culturais adequados. Temos a oportunidade de formar uma nova mentalidade, mais humana, inovadora. Nesta quarta (21), Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, proponho tal reflexão inspirada em nossos para-atletas. O que você aprendeu com esta Paraolimpíada? Por que não podemos acreditar que alguém sem os braços é capaz de nadar tão rápido? *MARA GABRILLI * é deputada federal (PSDB/SP). Tetraplégica, fundou em 1997 o Instituto Mara Gabrilli, que apoia projetos sociais, pesquisas cientificas e atletas com deficiência PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-21
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1815274-a-licao-da-paraolimpiada.shtml
Crédito turbinado
Ainda que o atual cenário político brasileiro não seja animador, os produtores rurais receberam neste mês a boa notícia de que estão disponíveis novas fontes de financiamento da produção. Entrou em vigor a lei nº 13.331/16, que moderniza a norma dos títulos do agronegócio e insere quatro dispositivos inéditos capazes de turbinar o crédito no campo. A nova lei, apresentada em forma de medida provisória quando estávamos à frente do Ministério da Agricultura, atende à demanda crescente do setor agropecuário por crédito. Entre os novos dispositivos, destaco a permissão para que os Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) sejam indexados a moedas estrangeiras. Nos diversos países em que estive, vi que é enorme o interesse de investidores estrangeiros em financiar nosso agronegócio. Não para menos: é o único setor do país que une expansão de produção, ganhos de produtividade e crescente inserção internacional. Com as modificações na Lei dos Títulos do Agronegócio, os investidores internacionais agora fornecerão crédito sem correr riscos cambiais. Isso é bom para eles e é bom para a nossa agropecuária, já integrada aos mercados globais e, por isso, protegida de flutuações no câmbio. É um ganha-ganha. Conforme a nova legislação, os bancos cooperativos poderão, finalmente, aumentar seu apoio ao setor emitindo Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs). Essas instituições são grandes financiadoras dos agricultores: captam recursos e repassam às suas cooperativas singulares, as quais financiam cooperativas de produção e produtores. Para ter uma ideia, na safra 2015/16 foram emprestados, via LCAs, por todos os bancos, cerca de R$ 13,5 bilhões (8,2% do total de empréstimos do Sistema Nacional de Crédito Rural), comprovando a importância dessas letras como fonte de captação de crédito. O CDCA, títulos emitidos por cooperativas de produção e empresas do ramo com o objetivo de financiar o produtor, terá duas novas modalidades. A primeira permite que investidores não residentes no Brasil emitam esses certificados indexados a moedas estrangeiras. A segunda define quais títulos adquiridos por instituições financeiras serão considerados créditos rurais. Isso dará aos bancos comerciais autonomia para lançar outros títulos de crédito, tais como LCAs, lastreados em CDCAs. Hoje há cerca de R$ 1,5 bilhão captado dessa maneira. O CRA recebeu autorização semelhante, o que libera sua emissão indexada a moedas estrangeiras. Trata-se de título mais flexível, pois qualquer empresa que atue no agronegócio pode lançar mão dele, ao passo que o CDCA é direcionado a cooperativas e empresas de comercialização ou processamento. Por essa razão, o CRA ganhou mais amplitude e se transformou no maior instrumento de captação de recursos via mercado de capitais. Atualmente há cerca de R$ 12 bilhões registrados nesses certificados. O Ministério da Agricultura teve papel central no trabalho técnico e na articulação política dessa grande conquista. Colhemos à época as demandas do setor produtivo por diversificação de fontes de financiamento, elaboramos as minutas com o Banco Central e o Ministério da Fazenda, negociamos com a Frente Parlamentar da Agricultura e enviamos a medida provisória ao Congresso Nacional, que a promulgou sem alterações. Esperamos que a emissão de CDCAs e CRAs cresça exponencialmente diante dessas novas medidas. KÁTIA ABREU, 54, agropecuarista, é senadora (PMDB/TO) e presidente licenciada da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Foi ministra da Agricultura (governo Dilma) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-20
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814960-credito-turbinado.shtml
Medalha de prata
O encerramento da Paraolimpíada fecha o ciclo de grandes competições esportivas organizadas no Brasil, a partir da Copa do Mundo de 2014. Cercados de compreensíveis apreensões, os eventos, com seus erros e acertos, estiveram à altura dos padrões internacionais. Presidente do Comitê Paraolímpico Internacional, o britânico Philip Craven, por exemplo, declarou-se particularmente orgulhoso com os Jogos do Rio, que tiveram 2,1 milhões de ingressos vendidos, atrás somente de Londres-2012. Considerando o grande interesse do público e o sucesso da organização, Craven afirmou também que a competição deixará um legado favorável no que tange ao aumento da consciência no país acerca da inclusão de pessoas com deficiência. Espera-se que esteja certo. Não há dúvida de que essa palavra tão repetida —o legado— indica o principal aspecto a avaliar nessa sequência de festivais esportivos. Somados, os eventos custaram cerca de R$ 66 bilhões, dos quais mais da metade (aproximadamente R$ 40 bilhões) teve origem em entes públicos, seja no financiamento, seja no investimento. Embora tentadoras, avaliações sobre a maior conveniência de aplicar tais recursos em outras áreas esbarram na constatação de que eles dificilmente seriam reunidos sem os compromissos assumidos para a Copa e a Olimpíada. Seja como for, muito do que se prometeu não se cumpriu. No Mundial futebolístico, cidades deixaram de fazer o que estava previsto em termos de infraestrutura; houve evidências de irregularidades em obras; desperdiçou-se dinheiro em arenas que jamais superariam a vocação de elefante branco. Quanto à Olimpíada, a promessa de despoluição da baía de Guanabara foi o fracasso mais retumbante. Perdeu-se oportunidade de ouro de dar um salto na qualidade ambiental de um dos cartões postais do país e de mostrar ao mundo capacidade de levar a cabo projetos que realmente façam a diferença. Do lado positivo, são patentes as melhorias urbanas que o Rio obteve, da renovação da zona portuária à construção de novas plataformas de transporte público. Vantagens palpáveis que se acrescentam às aparentemente mais etéreas, como os ganhos no incremento do turismo e a divulgação da imagem do Brasil no exterior. De acordo com pesquisa do Ministério do Turismo, 87,7% dos estrangeiros que vieram acompanhar os Jogos manifestaram interesse em voltar ao país. Além disso, apesar de não ter atingido a meta na classificação geral, o Brasil conquistou recorde de medalhas tanto na Olimpíada (19) quanto na Paraolimpíada (72). É de lamentar que Copa e Jogos tenham transcorrido num ambiente de grave crise econômica e política. Não era este o cenário que se descortinava quando o país conquistou o direito de tornar-se sede desses eventos. Faz parte do jogo. [email protected]
2016-09-20
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814954-medalha-de-prata.shtml
Estado calamitoso
A trama em torno da negociação das dívidas e da crise fiscal dos Estados vai-se tornando cada vez mais complexa. O novo capítulo começou com a ameaça de governadores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste de decretar estado de calamidade pública caso não consigam do governo federal até R$ 14 bilhões, entre dinheiro novo e autorizações para novos empréstimos. A demanda decorre da insatisfação com o desfecho da renegociação de dívidas realizada em junho. Pelo acordo, o prazo dos débitos foi estendido em 20 anos. A União deixará de receber R$ 50 bilhões nesse período, valor que será incorporado aos vencimentos mais adiante. O desconto beneficiou os Estados mais endividados, especialmente no Sudeste. Daí a pressão. Verdade que o próprio governo Michel Temer (PMDB) deu espaço a esse tipo de iniciativa quando aceitou tratativas individualizadas, como no caso do Rio de Janeiro. Decretos de calamidade, contudo, terão pouca serventia para aliviar a penúria nos serviços públicos se não resultarem em recursos —e os governadores sabem que, na atual conjuntura, dificilmente conseguirão dinheiro federal. O levante, assim, tem um componente de autoproteção: trata-se de reduzir riscos de sanções legais a gestores que não consigam manter pagamentos em dia. O imbróglio, seja como for, pode adquirir caráter pedagógico. Há muito o país precisa encarar com seriedade a raiz dos problemas financeiros estaduais: a prodigalidade nos anos de bonança. Não é por outra razão que a folha de pagamentos, cuja expansão desenfreada se permitiu alegremente, consome mais de 80% das receitas em vários Estados (se contabilizados todos os itens). Por trás do inchaço estão insistentes lobbies corporativos, escorados na estabilidade quase incondicional de emprego —o que, diga-se, conduz à ineficiência. A dívida sem dúvida é assunto grave, mas consome uma fração do que é gasto com folha e inativos. Não se pode, por outro lado, fechar os olhos nessa situação crítica. A queda das receitas resultante da recessão agrava a indigência dos cofres públicos e afeta sobretudo a população carente, que depende de serviços gratuitos. Aliviar o caixa estadual com a ajuda da União parece inescapável. A negociação, porém, precisa ser estratégica, com exigência de contrapartidas que permitam almejar melhorias estruturais. Entre elas reformas que limitem o crescimento da folha e possibilitem investimentos, além da conclusão de acordos que ponham fim à guerra fiscal —o que simplificará o ICMS e trará ganhos de produtividade para o setor privado. [email protected]
2016-09-19
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814573-estado-calamitoso.shtml
Letargia incompreensível
Está praticamente afastada, segundo se noticia, a possibilidade de que o Tribunal Superior Eleitoral julgue ainda neste ano a ação em que se questionam as contas de campanha da chapa Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) na disputa presidencial de 2014. Como informou o presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, novos documentos e testemunhos terão de ser levados em consideração, com o que uma decisão definitiva viria apenas em 2017. Se confirmado, esse atraso será tudo menos compreensível. Não surgiram ontem as suspeitas de irregularidades envolvendo doações eleitorais. Tampouco são recentes as acusações dirigidas à campanha da chapa vencedora no último pleito nacional. Há muito, como se sabe, PT e PMDB têm sido citados como beneficiários de dinheiro desviado no escândalo investigado pela Lava Jato. Como se tais circunstâncias já não fossem suficientes para suscitar máximo empenho por parte das autoridades do TSE, a elas se soma uma determinação constitucional da maior importância. Pela Carta de 1988, se por qualquer motivo ficarem vagos os cargos de presidente e vice antes do prazo, haverá eleição direta para escolha do sucessor apenas se eles não tiverem passado da metade do mandato. Caso a dupla vacância ocorra nos dois últimos anos de governo, a votação será indireta, realizada só pelos parlamentares. Não se sabe, naturalmente, qual será o resultado do julgamento pelo TSE. É possível que os ministros dessa corte considerem insuficientes as provas reunidas no processo e decidam pela absolvição. O caso ainda se complica pelo impeachment de Dilma. Abrem-se insólitas polêmicas jurídicas, havendo quem questione se as supostas irregularidades nas contas do PT podem ser invocadas também contra o agora presidente Temer. Na hipótese, porém, de o TSE concluir pela cassação do mandato, cabe perguntar: o país aceitará reviver eleição indireta? Os ministros da corte eleitoral conseguirão dissociar seu julgamento jurídico da perspectiva de turbulência social? Sendo lícito responder negativamente às duas questões, a elas se acrescenta outra, apenas retórica: a quem interessa deixar para 2017 o julgamento no TSE? A ação estendeu-se por tempo demais. Seu desfecho, que meses atrás talvez guardasse a melhor solução para a crise política, a esta altura pode surgir como novo complicador; ainda assim, é imperioso que venha logo. [email protected]
2016-09-19
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814574-letargia-incompreensivel.shtml
Freio de arrumação
O presidente Michel Temer (PMDB) ensaia um rearranjo de seu governo, tanto nas aparências quanto nas prioridades. Embora outra vez reativo, procura definir providências de interesse imediato, criar condições para sua implementação e conter a balbúrdia causada por ministros inábeis. Parte dessas manobras táticas ficou evidente nos últimos dias. O Planalto relegou para o futuro, talvez ano que vem, o debate sobre mudanças na legislação trabalhista. Divulgada em fatias e sem a devida fundamentação, a reforma tornou ainda mais tenso o ambiente político e deu oportunidade à propagação de boatos pérfidos. O Executivo passou também a se opor ao reajuste da cúpula do Judiciário. Temer vetou parte dos aumentos dos defensores públicos federais. Embora em julho tenha sancionado o grosso das despesas de reposição salarial do funcionalismo, o presidente agora mudou de posição, dada a péssima repercussão desse gasto adicional. Após semanas de anúncios contraproducentes ou impróprios de seus ministros, Temer anunciou a centralização da comunicação em um porta-voz e, lamentável, mas previsível, a contratação de campanhas de propaganda. O presidente agora concentra-se no essencial, ou pelo menos declara tal intenção: aprovar no Congresso as duras medidas que devem preparar a recuperação econômica. Dará prioridade ao congelamento das despesas federais e à reforma previdenciária. Trata-se de decisão correta. O desassossego político, social e econômico, porém, não cede. Como reagirá o governo? Temer recuara na renegociação da dívida dos Estados. Surge uma nova onda de reivindicações dos governadores, que ameaçam decretar calamidade caso não recebam recursos —um dinheiro de que o Planalto não dispõe. Não se sabe quanto há de blefe nesse movimento nem quanto tal frente, caso insatisfeita, pode afetar a votação das medidas fundamentais no Congresso. Ainda assim, é preciso demonstrar de modo público e convincente que o país tem outra prioridade no momento. Cedendo a pressões por aumentos de gastos ou iniciando de modo desastrado debates sobre reformas controversas, o governo federal recebia críticas de partidos aliados e da sociedade e se desviava da tarefa crucial de restabelecer alguma ordem econômica. O governo de Michel Temer enfim deu a entender que notou os equívocos. Dado seu histórico, ainda que breve, de ceder a pressões e abrir demasiadas frentes de batalha, não é possível julgar se a mudança de rumo vai perdurar —mas não deixa de ser um bom sinal. [email protected]
2016-09-18
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814317-freio-de-arrumacao.shtml
Menos distorção
Avança no Senado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que ataca dois importantes problemas do sistema político brasileiro: a excessiva fragmentação partidária e as coligações nas disputas para deputado e vereador. De autoria de Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e com relatoria de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), a PEC foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e logo será apreciada pelo plenário da Casa. Propõe-se que o Brasil adote, a partir de 2018, uma bem-vinda cláusula de desempenho eleitoral. O pleno direito a funcionamento parlamentar, a participação no fundo partidário e o acesso gratuito a rádio e TV estariam reservados às legendas que atingissem, na disputa para a Câmara dos Deputados, no mínimo 2% de todos os votos válidos, distribuídos em pelo menos 14 unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas. A partir de 2022, seriam necessários pelo menos 3% dos votos válidos registrados nacionalmente. Políticos filiados a agremiações que não atinjam esse patamar preservarão seus mandatos e, se quiserem, poderão migrar para uma sigla com melhor desempenho, sem risco de terminarem enquadrados nas regras de fidelidade partidária. Ademais, a PEC proíbe, a partir de 2020, coligações nos pleitos proporcionais. Pelo sistema em vigor, quem vota no vereador, deputado estadual ou deputado federal de uma legenda quase sempre ajuda a eleger um nome de outra sigla —alguém que, com frequência, não tem afinidade ideológica com o candidato de fato escolhido. A fim de preservar alianças programáticas, a proposta autoriza a criação de federações de partidos —na legislatura, seus membros deverão se comportar quase como se integrassem a mesma agremiação. Com essas normas, será inevitável diminuir o número de partidos políticos no Brasil. Estima-se que, passadas duas disputas, o total caia de 35 -28 dos quais com representação no Congresso- para perto de dez. Seria um grande avanço, e não apenas por diminuir o grau de engano a que se submete o eleitor. O modelo atual estimula a criação de siglas nanicas, interessadas em abocanhar nacos do fundo partidário e negociar tempo de TV. Além disso, a fragmentação excessiva, quando não impede, dificulta ou torna muito custosa a racionalização do Legislativo. A boa notícia é que a maioria dos senadores parece sensível a tais argumentos; a má é que não será fácil convencer os deputados, que também precisarão dar seu aval à PEC. [email protected]
2016-09-18
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814313-menos-distorcao.shtml
Mudanças no pré-sal são boas para o Brasil
A COP21, conferência do clima da ONU em Paris, deu uma sinalização inequívoca da transição do planeta para uma economia de baixo carbono. Os países participantes decidiram reduzir emissões de gases de efeito estufa para combater as mudanças climáticas. O esforço terá efeito profundo na indústria global de energia por restringir o horizonte de tempo dos combustíveis fósseis. Neste cenário, o Brasil não pode mais perder tempo e desperdiçar a chance de aproveitar ao máximo os benefícios da extraordinária província petrolífera do pré-sal. No caminho do desenvolvimento dessa imensa riqueza que jaz nas profundezas do subsolo marinho brasileiro existe um entrave: a exigência de que a Petrobras seja obrigatoriamente a operadora com participação mínima de 30% nos investimentos. O plenário da Câmara dos Deputados deverá votar em breve o projeto de lei 131/2015, que libera a estatal dessa obrigação e oferece a ela uma opção preferencial. A mudança é boa para a Petrobras, que poderá escolher os projetos em que queira participar, sem o dever de acompanhar ofertas feitas com base em avaliações com que não concorde ou premissas estratégicas e comerciais diferentes das suas. Uma opção será sempre melhor que uma obrigação. A mudança é boa para o Brasil, pois poderá decidir, de forma soberana, sobre o ritmo de desenvolvimento do pré-sal que melhor atenda aos interesses do país, sem depender, e ter de aguardar, da recuperação da capacidade financeira de sua estatal. A mudança é boa para a indústria nacional. Um operador único se torna cliente único, o que aumenta o risco das empresas fornecedoras locais -como sabem, dolorosamente, os milhares de desempregados pela crise que hoje enfrenta a Petrobras- e limita o desenvolvimento tecnológico e as oportunidades de internacionalização que um ambiente de maior diversidade de operadores propiciaria. A mudança é boa para a saúde e a educação. Embora o projeto não trate da distribuição dos recursos oriundos do pré-sal, que continuam com o mesmo destino definido por lei, a aceleração dos investimentos trará um aumento significativo na arrecadação de impostos. De acordo com estudos e projeções da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a obrigatoriedade do operador único a arrecadação do setor será de R$ 21,3 bilhões em 2030. Removendo essa restrição, passaria a R$ 205 bilhões. A mudança é boa para a economia brasileira. Por subordinar-se a uma commodity internacional, o setor do petróleo é menos dependente da retomada do crescimento econômico do país, podendo, inclusive, dar considerável impulso a ele, pela dimensão de investimentos, empregos e tributos que é capaz de gerar. Como sabemos, mudanças são as únicas certezas na vida. O Brasil fez no passado escolhas hoje vencidas pela força da realidade. Não mudaram, porém, os fundamentos do sucesso de nossa indústria de petróleo -o potencial geológico brasileiro e a capacidade tecnológica local. A mudança na legislação do pré-sal é boa para a indústria de petróleo brasileira por torná-la ainda mais diversificada, competitiva e saudável. Até a realização da Rio Oil & Gás, maior evento do setor, entre 24 e 27 de outubro, aguardamos o anúncio de outras medidas importantes para destravar investimentos. JORGE M. T. CAMARGO, 62, mestre em geofísica pela Universidade do Texas (EUA), é presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-18
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814279-mudancas-no-pre-sal-sao-boas-para-o-brasil.shtml
Foi correta a decisão do STF de diminuir poder do Tribunal de Contas na aplicação da Ficha Limpa? SIM
ESCOLHA CONSTITUCIONAL A Constituição Federal de 1988 prevê que a fiscalização das contas dos municípios será exercida pela Câmara Municipal, com o auxílio dos tribunais de contas, cujo parecer só pode ser derrubado por 2/3 dos vereadores (artigo 31). Apesar da clareza com que a norma constitucional está redigida, elegendo as Câmaras de Vereadores como o espaço para julgamento das contas, um intenso litígio se instaurou na Justiça por prefeitos cujos gastos foram reprovados pelos tribunais de contas e, por isso, foram automaticamente considerados inelegíveis, com base na Lei da Ficha Limpa. Haveria, portanto, um conflito entre a lei e a Constituição Federal? Foi essa pergunta que motivou a atuação do Supremo Tribunal Federal em dois casos sobre desaprovação de contas municipais. Num deles, a maioria dos ministros entendeu que a Ficha Limpa, ao prever a inelegibilidade daqueles que tiverem as contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente, não está em conflito com a Constituição, desde que se entenda que órgão competente é a Câmara Municipal. Uma vez afirmada essa competência, uma outra questão foi colocada ao Supremo: o que aconteceria na hipótese de haver um parecer negativo do Tribunal de Contas e uma omissão dos vereadores em analisar o documento? Deveria, nesse caso, prevalecer a posição do tribunal? O Supremo, em outro caso, decidiu por maioria que, mesmo havendo a omissão da Câmara de Vereadores, não é possível fazer um julgamento a partir do parecer dos tribunais de contas, instrumentos de caráter apenas opinativo. Pelo conjunto das decisões do STF, ficaria pendente o julgamento das contas em casos de omissão da Câmara. Isso impõe aos demais atores institucionais envolvidos na fiscalização dos gastos, especialmente o Ministério Público e o Judiciário, uma responsabilidade maior na proposição e julgamento de ações de improbidade, capazes de gerar a inelegibilidade e hábeis a promover a recuperação de recursos malversados. Por outro lado, não exime os tribunais de contas de desempenhar um papel relevante na fiscalização dos municípios, afinal apenas uma maioria qualificada de 2/3 dos vereadores pode contrariar seu parecer técnico. O julgamento de contas que acarreta a inelegibilidade é feito, portanto, pelo Legislativo municipal, não por vontade do Supremo, mas da Constituição. Essa posição já estava, há muito, sedimentada no Tribunal Superior Eleitoral, que invariavelmente derrubava a decisão de inelegibilidade de prefeitos baseada apenas em pareceres de tribunais de contas. Também no Supremo os precedentes apontam para o caráter auxiliar dos tribunais. É evidente que a hipótese de a Câmara simplesmente não julgar as contas dos prefeitos, independentemente dos pareceres favoráveis ou contrários dos tribunais, promoveria um tipo de irresponsabilidade fiscal ou até mesmo uma chantagem eleitoral. Prefeitos poderiam sair impunes, da mesma forma que nada impede que as contas sejam oportunisticamente julgadas. Nesses casos, apenas o voto terá efeito. Tudo isso, aliado à desconfiança estrutural que se tem do Legislativo, gera um incômodo generalizado. Ainda assim, é de se perguntar se o STF poderia ou deveria ter deliberado de forma distinta. Afinal, a decisão reflete nada mais do que uma escolha constitucional. ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA doutora em direito pela USP, é professora de direitos fundamentais na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-17
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1814276-escolha-constitucional.shtml
Novo tom do Mercosul
Sob a pertinaz liderança do Itamaraty, os quatro países fundadores do Mercosul completaram nesta semana expressiva mudança de atitude em relação à Venezuela. Abandona-se a indulgência quase servil praticada durante boa parte dos anos petistas, passa-se a um rigor quase hostil neste começo de governo Michel Temer (PMDB). Na terça-feira (13), Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai decidiram não só impedir a Venezuela de assumir a presidência rotativa do bloco mas também dirigir-lhe um ultimato: se não se adequar às normas do Mercosul até o dia 1º de dezembro, o que parece impossível, o país terminará suspenso. Do ponto de vista formal, a justificativa reside no fim do prazo de quatro anos, encerrado mês passado, para que a Venezuela implementasse os compromissos assumidos ao assinar o ato de adesão. O comunicado conjunto cita pontos importantes, como o protocolo de proteção aos direitos humanos. É difícil crer, no entanto, que essa seja a explicação verdadeira. Num período relativamente curto, Caracas implantou 953 das 1.224 regras vigentes; de resto, a história do Mercosul registra episódios de descumprimento do acervo normativo por parte de seus integrantes. A punição escolhida, além disso, nem se encontra nas regras do bloco, mas na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Causa estranheza que o Itamaraty tenha ido tão longe. Para endurecer com o governo Nicolás Maduro, iniciativa há muito necessária, era bem mais fácil recorrer ao Protocolo de Montevidéu, sede da notória cláusula democrática do Mercosul. Foi por meio desse mecanismo que se suspendeu o Paraguai, em 2012, após impeachment do então presidente Fernando Lugo. A Venezuela claramente fere tal acordo. O regime autoritário de Maduro mantém presos políticos, dobra as instituições à sua vontade e, nos últimos meses, manobra para adiar um referendo revogatório previsto na Constituição –que, uma vez realizado, deve levar à interrupção de seu governo desastroso. O ministro José Serra (Relações Exteriores), contudo, preferiu o motivo mais frágil para levar adiante o que parece ser sua prioridade regional: isolar a Venezuela. Tanto assim que sua pressão para o Uruguai retirar o apoio a Caracas no Mercosul (era preciso haver consenso entre os fundadores) chegou a estremecer as boas relações entre Brasília e Montevidéu. São evidentes os sinais de cálculo eleitoral nessa diplomacia inflexível de Serra, em tudo distante da condescendência característica dos governos antecessores. Nesse intuito, o chanceler ameaça os bem-vindos, embora tardios, esforços do Itamaraty para facilitar o diálogo entre governo e oposição na Venezuela. Mais relevante, põe em risco a longa tradição da política externa brasileira, discreta, conciliadora e não intervencionista. Sempre se cobrou, neste espaço, que o Itamaraty fosse conduzido sem ideologia. A cobrança persiste. [email protected]
2016-09-16
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1813770-novo-tom-do-mercosul.shtml
Ciência de resultados
O físico José Goldemberg, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), muito tem contribuído para a ciência brasileira, tanto por sua produção especializada quanto pela franqueza de seus diagnósticos sobre o setor. Nos anos 1980, quando foi reitor da USP, deu curso a processos de avaliação hoje corriqueiros, mas que na época enfrentavam resistência —como no episódio da publicação, por esta Folha, da célebre "lista dos improdutivos", em 1988. Consolidou-se, então, a noção de que o financiamento da pesquisa com recursos públicos deve guiar-se por parâmetros de mérito e desempenho. A Fapesp, nesse processo, ocupou uma posição exemplar. Hoje na presidência da fundação, Goldemberg mostra preocupação com o estado da pesquisa. Em entrevista à Folha publicada na quarta-feira (14), o físico atenta para a necessidade de tornar mais rígidos os critérios de avaliação. Um de seus alvos são as teses de doutorado. O dirigente considera excessivo o prazo de quatro anos das bolsas correspondentes, pois não há incentivo para completar o trabalho em menos tempo. Ademais, a existência em instituições como a USP de apenas dois conceitos —aprovado ou reprovado— e de relações pessoais entre avaliadores e avaliados na banca examinadora tende à chancela de todas as pesquisas, mesmo das que não são merecedoras. Não espanta, assim, que a produção científica brasileira tenha baixo impacto internacional. Os 639,5 mil estudos nacionais publicados em periódicos de renome de 1996 a 2015 angariaram em média 8,96 citações por artigo (contra as 21,66 de uma potência como os EUA, com seus 8,45 milhões de trabalhos no período). O Brasil tem relativamente poucos pesquisadores, 698 por milhão de habitantes —nos EUA são 4.018 por milhão. Investe, contudo, 1,2% de seu PIB em pesquisa. É o maior percentual na América Latina, cifra igual à da Espanha, com suas 14,16 citações por artigo, e o triplo do que despende o Chile (0,4%), que consegue média de 11,82 menções por trabalho. A ciência brasileira não faz má figura no panorama internacional, mas deveria entregar resultado mais condizente com a parcela da riqueza que consome. [email protected]
2016-09-16
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1813769-ciencia-de-resultados.shtml
Cinema brasileiro não é só "Aquarius"
Na tarde desta segunda (12), comissão do Ministério da Cultura escolheu o drama "Pequeno Segredo", de David Schurmann, para ser o representante brasileiro na disputa por uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Considerado o favorito da disputa, "Aquarius" saiu derrotado. Nos minutos seguintes ao anúncio, os ânimos já estavam inflamados nas redes sociais. Não chegou a ser surpresa, visto que qualquer passo do cinema nacional que envolva "Aquarius" é interpretado politicamente. O constrangimento criado em torno da escolha da comissão pode levar o cidadão desavisado ao erro. Por isso, compartilho aqui algumas informações. A presença internacional do cinema brasileiro nunca foi tão grande e diversificada. No último ano (de agosto de 2015 a julho de 2016), conquistamos algo inédito no país: filmes selecionados e premiados, em sequência, nos três principais festivais do mundo. Nosso cinema se destacou em Veneza ("Boi Neon" venceu prêmio especial do júri da seção Horizontes), em Berlim ("Mãe só Há Uma" recebeu o Teddy, honraria do público LGBT da mostra) e Cannes (festival recebeu "Aquarius" com entusiasmo e concedeu a "Cinema Novo" o título de melhor documentário). Ou seja, o Brasil completou o "grand slam" dos festivais internacionais de cinema. Surpreende-me, portanto, o mal-estar criado em torno da escolha do filme brasileiro que tentará uma indicação ao Oscar. "Aquarius", sem dúvida, conquistou algo grandioso em sua trajetória até aqui, visto que foi selecionado para a mostra oficial de Cannes, em maio. No festival, a equipe do longa protestou contra o governo, então interino, de Michel Temer. A partir de tal manifestação, o filme passou a ser avaliado, sobretudo, pela ótica política: quem é contra o atual governo tende a elogiar o longa, e vice-versa. Diante dos intensos debates dos últimos dias, questiono: por que "Aquarius" seria o único representante possível do país no Oscar? Num rápido levantamento dos 50 indicados dos últimos dez anos, apurei que 21 filmes possuem temática histórica, 12 se passam em locais exóticos, seis têm personagens com algum tipo de distúrbio e superação e 12 são dramas urbanos. Os filmes brasileiros acima citados, e outros de destacada qualidade, poderiam ser relacionados em categorias semelhantes. Após a manifestação em Cannes, "Aquarius" recebeu do Ministério da Justiça a classificação indicativa de 18 anos. Muitos bradaram que o longa era alvo de represália. Contestada pelos produtores, a indicação foi alterada para 16 anos, conforme solicitada inicialmente pela equipe. Há 25 anos lanço filmes no Brasil. Já tive longas ingênuos classificados como 18 anos e outros, mais picantes, como 16. A classificação indicativa no Brasil é cheia de surpresas. De toda forma, após reclamação, o problema foi resolvido. Vale esclarecer também que a comissão que escolheu "Pequeno Segredo" foi formada por nove integrantes. Todos profissionais conhecidos na atividade cultural, cineastas, produtores e gestores. Um deles é um jornalista que publicamente criticou o diretor de "Aquarius", Kleber Mendonça Filho, pela manifestação em Cannes. Pergunto: pela posição de um único integrante podemos concluir, como se fez nas redes sociais, que toda a comissão fez parte de um suposto complô contra "Aquarius"? Sei que ao menos dois integrantes participaram ativamente de campanhas de candidatos do PT há dois anos. Pelo barulho político que fez em Cannes, "Aquarius" deveria ser o candidato "natural" a representar o Brasil no Oscar? Se acharmos que sim, seria o mesmo que dizer que todos os mais de cem filmes brasileiros lançados nos últimos 12 meses são medíocres. A tarefa da comissão do MinC não era escolher o melhor filme brasileiro do ano, título para o qual "Aquarius" é fortíssimo candidato. A missão era selecionar o filme com mais chances de figurar entre os cinco finalistas do Oscar. "Pequeno Segredo" pode ou não ser um bom filme. Não é justo que se promova um massacre sem tê-lo visto. Liberdade é, antes de tudo, o direito de o outro pensar diferente de você. ANDRÉ STURM, cineasta, é diretor do programa Cinema do Brasil e presidente do Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-15
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1813463-cinema-brasileiro-nao-e-so-aquarius.shtml
Não confie em quem esconde o rosto
A cena começa mais ou menos assim: fim de tarde, noite ameaçando, pais e mães voltam para suas casas depois de um dia de trabalho. Nessa hora, quando meu dia, seu dia, vai terminando, uns certos garotos vestidos de preto tomam as ruas, o seu caminho, interrompem a sua passagem. Foi assim comigo em fevereiro de 2014, época em que o Rio de Janeiro vivia um de seus auges em protestos. O telefone toca, corro para o hospital, entregam-me roupas sujas de sangue. Naquela hora, eu tive certeza, meu pai morreu. Bancos quebrados, pontos de ônibus destruídos, lixeiras que perdem sua função. Pânico, medo, tensão. Assim agem os "black blocs"; dois deles, inclusive, carregam também o título de assassinos. Mataram Santiago Andrade, o cinegrafista, o trabalhador, o homem honesto, meu pai. Mataram um ideal, mataram a vontade de nós, cidadãos de bem, nos posicionarmos contra ou a favor. Sabe por quê? Porque para esse grupo, que veste preto e usa máscara, não existe direito, não existe diálogo. Aliás, você já parou para pensar que eles usam máscaras e camisas pretas nos rostos para evitar uma conversa olho no olho? As coisas mudam depois que você bate de frente com um "black bloc", eu sei. Se você não chegou até eles, não se preocupe, eles chegarão até você. E será naquele momento em que você estará no seu direito legítimo de se manifestar, contra ou a favor, não importa. Isso não fará diferença na hora de arremessarem um rojão. Em quem atingir, o estrago será feito. Reze para que a vítima não seja você, alguém que você ama, ou melhor, que não seja ninguém. Foi assim, por sinal, que eles se referiram a Santiago na ocasião -um ninguém que estava no lugar errado na hora errada. Um Andrade passava na hora errada, o rojão encostou na perna e subiu, atingiu a cabeça em cheio. Eu mesma vi, todos viram, havia uma câmera, a mesma arma que Santiago usava, filmando. Por que ele não se defendeu? Uma vez ouvi isso de uma iniciante "black bloc". Já ouvi também que Santiago morreu porque quis, mas essa conclusão não entendi. Santiago morreu por uma causa que não tinha mais causa, por mostrar ao mundo a voz de um povo. Santiago era isso, povo, usava a câmera para revelar as injustiças, cobrar as impunidades, contava as histórias que ninguém via, ouvia, sonhava. Já os "black blocs", ah, deles posso falar com propriedade, de certa forma também sou vítima. É gente que não tem festa e aproveita para comer o bolo alheio. Esconde a cara porque possui vergonha do que se tornou. É minoria que não sabe escolher um lado, mas sabe escolher a vítima. O que não é difícil, vamos combinar, pois todos somos vítimas desse grupo. Ser "black bloc" é ser do contra -acredite, ele sempre será contra você, é da natureza dele. Tenho pena dos pais desses garotos. Devem ser bravos trabalhadores como você e eu. Como Santiago, como os pais dos assassinos de Santiago. Tenho um conselho: não confie em alguém que não confia a você o próprio rosto. Portanto, antes de ir à rua, tenha a certeza de estar segurando as mãos e olhando bem nos olhos de seus verdadeiros companheiros de luta. Os que carregaram pedras e rojões, ou aqueles que escondem os olhos por trás de máscaras duvidosas, também carregam um pouco do sangue da roupa de Santiago Andrade. Aquele que se acabou no chão feito um pacote flácido, agonizou no meio do passeio público e morreu na contramão atrapalhando o tráfego. VANESSA ANDRADE, 31, jornalista, é filha de Santiago Andrade, cinegrafista morto em fevereiro de 2014 após ser atingido na cabeça por um rojão enquanto cobria manifestação no Rio PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-14
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1813079-nao-confie-em-quem-esconde-o-rosto.shtml
O verdadeiro sistema de justiça criminal brasileiro
Em tempos de Operação Lava Jato, a população brasileira viu-se diante de acontecimentos inusuais neste país: importantes agentes públicos, empresários e banqueiros sendo envolvidos em procedimentos criminais. O noticiário, dada a relevância política e econômica das questões, acompanha diariamente o desenrolar da trama, ora com coberturas corretas e objetivas, ora mais ufanistas. Não se pode negar a importância destas investigações, as quais, desde que mantidas nos extremos rigores da legalidade, podem significar um avanço ao sistema de justiça brasileiro. Aliás, a própria produção acadêmica também vem se debruçando, sem alarde e com atenção, sobre todos estes fatores. Ocorre que é preciso destacar que este cenário recentemente desvelado, nem de longe, reflete o nosso verdadeiro sistema de justiça criminal. O direito penal no Brasil, dadas as estatísticas disponíveis, reflete muito mais e largamente uma "criminalidade de massas" ao invés desta "criminalidade dos poderosos", em que pese a falha intuição, eventualmente, conduzir à conclusão contrária. Nos últimos 15 anos, a população carcerária brasileira triplicou. De acordo com os últimos dados de dezembro de 2014, foi atingido o número aproximado de 600 mil presos. Outros índices apontam para mais de 700 mil. Desnecessário dizer o perfil dos presos e ocorrências policiais que conduzem ao cárcere. Furtos, roubos, delitos patrimoniais em geral, além do tráfico de drogas, representam cerca de 80% a 85% deste total. O perfil dos conduzidos à prisão são os jovens pobres, em sua maioria negros e advindos da periferia geográfica e social. O nível de escolaridade é baixíssimo. Cuida-se de um sistema criminal gestor da miséria. As unidades prisionais espelham uma sociedade desigual, na qual a história brasileira é sintetizada na imagem daqueles que cumprem penas ou estão cautelarmente presos. Sobre isso, muito oportuna a reportagem desta Folha. Sob o título "Um menor é apreendido em flagrante a cada 3h em SP", o jornal desnudou um quadro desalentador. O Sistema Penal Juvenil, componente do sistema de justiça criminal como um todo, corrobora este protagonismo da "criminalidade de massas". Os menores são apreendidos fundamentalmente em áreas carentes. As mães destes jovens relatam desespero e desencanto. No ambiente de exclusão e pobreza, as famílias perdem os seus filhos para o tráfico de drogas e pelo desejo dos jovens de acesso a bens que, em face da situação de miserabilidade, apenas é possível por meio de subtrações. Ao mesmo tempo, a juventude é vítima das reações policiais desproporcionais e violentas. Pode-se afirmar que é esta mesma juventude a protagonista de um sistema de justiça que reage de modo excessivo e punitivista contra um tipo de criminalidade que a própria sociedade, em última instância, é responsável pela produção. É necessário problematizar esta situação. Relevantes são as iniciativas do Departamento Penitenciário Nacional no implemento das penas substitutivas. Igualmente, aplausos merece o Conselho Nacional de Justiça nos esforços de viabilização da audiência de custódia. No tema das drogas e dos delitos patrimoniais é preciso buscar soluções alternativas, na qual a repressão não seja o instrumento principal. A sociedade brasileira, que hoje tanto debate a "criminalidade dos poderosos", deveria aproveitar este momento para refletir sobre os nossos "criminosos de sempre". Talvez tenha chegado o momento de um profundo repensar sobre nossa estrutura social, nosso sistema de ensino e educação, sobre as oportunidades que precisam ser oferecidas a todo cidadão. Devemos olhar a cadeia de hoje para percebermos o quanto é importante a construção da escola do amanhã. ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO, 36, é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1812702-o-verdadeiro-sistema-de-justica-criminal-brasileiro.shtml
O governo somos nós
"We, the people, tell the government what to do, it doesn't tell us", disse Ronald Reagan, que presidiu os EUA entre 1981 e 1989, em alguns de seus pronunciamentos ao Congresso do tradicional "State of the Union", uma prestação de contas sobre as atividades do governo. Serve para nos lembrar de que somos nós, o povo, que impomos limites ao governo, e não o contrário. Passado o impeachment, a prioridade inadiável será levar adiante as reformas estruturais de que o país tanto precisa, começando pela chamada PEC do Teto, que limita o crescimento dos gastos da União à inflação do ano anterior, e pela reforma da Previdência. A recessão em curso já deixou 12 milhões de desempregados. É resultado não apenas das decisões equivocadas de Dilma Rousseff, que certamente aceleraram e acentuaram a deterioração da economia, mas decorre, essencialmente, da trajetória explosiva de crescimento do gasto público por duas décadas. O descontrole fiscal se explica tanto pela irresponsabilidade dos governantes na concessão de reajustes salariais ao funcionalismo quanto pelas "conquistas" consagradas na Constituição de 1988 -regras benevolentes de aposentadoria, escandalosos regimes especiais de categorias de servidores, indexações e vinculações da receita. Não há mágicas. É preciso fazer escolhas. O orçamento de um país é feito de escolhas. E nós devemos dizer onde tais recursos, sempre escassos, devem ser aplicados. Queremos ter cidadãos de primeira, segunda e terceira classe? Até quando vamos aceitar as benesses injustificáveis de algumas corporações, como o recesso de 30 dias e férias de 60 dias por ano? Discutimos a necessidade de um ajuste fiscal rigoroso, enquanto o Judiciário pressiona o Senado para aprovar reajustes salariais, com efeito cascata para os Estados e impactos bilionários. A cada bilhão de reais adicional destinado às categorias mais bem aquinhoadas, já remuneradas bem acima do salário médio, será um bilhão a menos em saúde, educação e segurança pública. Ou, então, um bilhão a mais em impostos. E, como produzimos deficit, será um bilhão a mais em dívidas. Muitos Estados comprometem quase a totalidade de suas receitas com salários e aposentadorias. Quando soma-se o pagamento das dívidas, a capacidade de investimentos é nula ou negativa. Essa conta já não fecha hoje e a tendência é de colapso no futuro breve. Avançamos sobre uma linha tênue entre a crise fiscal e a desordem social. A escalada da violência em cidades como Porto Alegre, por exemplo, é agora a faceta mais visível dessa situação. É por isso que as reformas são imperiosas. Sem elas, o caminho único será a insolvência do país. Não se trata de figura retórica, é a realidade brutal dos fatos. Os poucos que usufruem os benefícios da estabilidade no emprego e da aposentadoria integral e precoce têm alta capacidade de mobilização e poder de pressão. Some-se a isso o fato de que a discussão sobre reformas é, por si só, um tema complexo, com ganhos difusos pouco compreendidos pela sociedade, que só serão visíveis no futuro, e o estrago está feito. Sem reformas, estaremos hipotecando o futuro do Brasil. Mas somos nós que fazemos essas escolhas, ainda que indiretamente. Somos nós que podemos impor limites ao governo e às corporações. O Brasil será fruto dessas escolhas. Ou será fruto de nossas omissões. MATEUS BANDEIRA é presidente da consultoria de gestão Falconi. Foi presidente do Banrisul e secretário de Planejamento e Gestão do Rio Grande do Sul (governo Yeda Crusius) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-13
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1812030-o-governo-somos-nos.shtml
Das coisas que sei e não sei
Cheguei ao Congresso Nacional no começo do ano passado, quando me deparei com um processo eleitoral em que um deputado se propunha a enfrentar a oposição e o governo para se tornar presidente da Câmara. Pregando a independência do Congresso e a necessidade de colocar em votação temas polêmicos, que há anos dormiam nas mais diversas gavetas, Eduardo Cunha (PMDB/RJ) derrotou no primeiro turno Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Júlio Delgado (PSB/ MG). O resultado foi uma revolução. Nunca se votou tanto. O governo não mandava mais na Câmara. CPIs foram instaladas. Temas polêmicos, como a redução da maioridade penal, a terceirização e o aumento da remuneração do FGTS, foram aprovados e hoje estão adormecidos nos corredores do Senado. Tudo isso provocou grande desagrado. Um presidente da Câmara independente ou até oposicionista? "Não pode", gritou o governo. Um presidente da Câmara que valoriza a família tradicional? É homofobia, gritaram muitos. Um presidente da Câmara que defende o direito de o cidadão possuir uma arma em sua residência ou propriedade rural? É "genocídio", bradaram os defensores dos direitos humanos". E por aí vai. Assim se chegou a um acordão. Eduardo Cunha seria transformado, perante a opinião pública, no chefe do petrolão, o "boi de piranha" que deveria ser lançado ao rio para que o restante da boiada seguisse o seu caminho rumo à riqueza, ao poder, à paz e à tranquilidade. Não sei se Eduardo Cunha é culpado ou inocente. Não o conheço a tempo suficiente para botar a mão no fogo por ele, e por isso não a ponho. Todavia, muitas outras coisas eu sei. Eu sei que Cunha jamais deveria ser o primeiro político a ser julgado no petrolão, pois isso seria uma evidente inversão de pauta que serviria aos interesses do governo deposto. Eu sei que um parlamentar jamais poderia ser cassado com base em denúncia do Ministério Público ainda não julgada e com base na existência de uma conta cujo número nem sequer consta na representação contra ele. Eu sei que a liderança de Cunha foi imprescindível para que o desgoverno de Dilma Rousseff fosse deposto e o Brasil pudesse vislumbrar hoje uma janela de esperança. Eu sei que o último presidente da Câmara que realmente se opôs ao governo federal foi Ibsen Pinheiro (1991-1993). Acabou por ser vítima de uma das maiores injustiças já sofridas por um homem público -teve seu mandato de deputado federal cassado em 1994. Eu sei que não há no processo em tramitação na Câmara elementos suficientes para alicerçar a cassação de Cunha. Trust não é conta. Nem mesmo o acusador relator ousa fazer tal afirmação. Não houve mentira no depoimento de Cunha à CPI da Petrobras. O que aconteceu foi uma omissão. Ao contrário do que muitos afirmam, ninguém defende uma anistia ao deputado Eduardo Cunha. Estamos propondo a grave pena de suspensão de seu mandato, para que ele continue sendo julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), onde, ao final, poderá ser cassado ou até privado de sua liberdade. Cunha fez muito pelo país ao nos livrar do governo corrupto e incompetente que nos escravizava. Merece um julgamento justo, livre dos anseios de vingança que movem muitos dos que querem cassá-lo. Tal julgamento só pode acontecer no STF. CARLOS MARUN, é deputado federal (PMDB/MS). Foi vereador de Campo Grande (MS) e deputado estadual pelo Mato Grosso do Sul PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-12-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1812245-das-coisas-que-sei-e-nao-sei.shtml
Inteligência e segurança, o legado da Olimpíada
Embora pontuada por episódicas tragédias pessoais que ameaçaram retirar o brilho do evento, a Olimpíada do Rio transcorreu sem incidentes de maior envergadura do ponto de vista da segurança. Não obstante improvisos injustificáveis, evidentes falhas de planejamento, de organização e de formação de profissionais, ficou demonstrado que o Brasil possui condições de lidar de forma mais efetiva com a questão da segurança pública, defesa e inteligência se houver interesse das autoridades em conferir ao tema a devida atenção. O momento é propício para a discussão dessas questões, particularmente em relação à inteligência, tema considerado "maldito" no país, mas imprescindível na orientação da política nacional e na formulação e consecução de uma grande estratégia de política externa. Tal tema, entretanto, tem permanecido à margem do eixo principal da agenda nacional. De fato, os sucessivos governos desde a redemocratização têm sido incapazes de compreender a necessidade de articular uma doutrina de inteligência adequada aos novos tempos. Ainda recaem sobre as corporações estatais de inteligência, por vergonha ou revanchismo, o mantra da perseguição e a renitente desconfiança da era do regime militar. De forma equivocada, a simbiose que tomou conta do pensamento político nacional e da sociedade civil retroalimentava a visão de que a consolidação do Estado democrático deveria passar, inexoravelmente, pelo enfraquecimento da inteligência, tratando-a como um corpo estranho ao arcabouço institucional ou, na melhor das hipóteses, um apêndice irrelevante da estrutura estatal do país. De Sarney a Dilma, o Brasil não soube como instrumentalizar um projeto de modernização e de reestruturação das funções, do papel estatal, das missões e da agenda estratégica da inteligência, retirando-a do limbo político-institucional a que foi relegada e dando-lhe um perfil democrático condimentado por um corte desenvolvimentista integrado ao planejamento socioeconômico do país. Nesse sentido, Henry Kissinger, ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos, sempre enfatizava que o papel da comunidade de inteligência, como linha de assessoramento imediata ao presidente da República, era central não apenas para proporcionar um processo de tomada de decisões mais informado e contextualizado mas também contribuir decisivamente para o processo de formulação e execução de uma grande estratégia de desenvolvimento nacional. Tal constatação é ainda mais verdadeira em um cenário internacional caracterizado por mudanças aceleradas, crescentes complexidades e incertezas e acirrada competição, no qual instituições e agentes responsáveis por proporcionar informação e conhecimento aos "decision-makers" têm sido desafiadas por ameaças aos interesses e segurança nacional - incluindo grupos terroristas e criminosos transnacionais - mais diversas, interconectadas e dinâmicas do que em qualquer outro período. A fim de não permitir que os investimentos realizados e os ganhos qualitativos obtidos com a Olimpíada se percam, cabe agora ao governo brasileiro definir com precisão o mandato institucional e o formato de atuação de seu serviço de inteligência, tendo a clara percepção de que essa importante atividade de Estado, de caráter técnico-científico, não se confunde e não se mistura com a inteligência policial, de caráter investigatório. Talvez o governo ainda não tenha claro que se trata de duas dimensões diferentes, embora complementares. Inteligência de Estado não é e não pode ser usada como instituição policial. Como dizia o ex-presidente americano Harry Truman, o desempenho do um governo é tão efetivo quanto a informação que se tem e a que sua inteligência proporciona. Sem um serviço de inteligência eficaz, respeitado, com um mandado institucional claro - e submetido a um sólido mecanismo legislativo de controle -, avaliar políticas públicas e externas, antecipar ameaças, prospectar oportunidades, desenhar cenários e possíveis cursos de ação se tornam uma tarefas assustadoras. MARCOS DEGAUT, , 46, é doutor em Segurança Internacional, professor na University of Central Florida (EUA) e co-presidente do Instituto Kalout-Degaut de Política e Estratégia PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-12-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1812034-inteligencia-e-seguranca-o-legado-da-olimpiada.shtml
Ressuscitar as estatais
Interrompida a marcha de insensatez que caracterizou a gestão das empresas estatais nos últimos anos, parece iniciar-se uma restauração. Será um longo caminho, em vista do colosso de prejuízos nas duas principais empresas, Petrobras e Eletrobras. A Petrobras é a mais vistosa, não só pela rapinagem trazida à luz pela Operação Lava Jato, mas pela deterioração dos processos decisórios, que passaram a responder apenas a ditames políticos, não a orçamentos e custos. Em conjunto, as decisões erradas e os danos decorrentes de corrupção já levaram a petroleira a reconhecer prejuízos próximos de R$ 100 bilhões. Nessa estimativa entram desde propinas da ordem de R$ 6 bilhões até reavaliações de projetos que estouraram os orçamentos, como a refinaria de Abreu e Lima e o complexo petroquímico do Rio de Janeiro. Há alguns meses, porém, a Petrobras vem obtendo progressos. O principal objetivo de curto prazo é afrouxar o torniquete financeiro. A empresa conseguiu voltar ao mercado internacional e estender prazos de sua dívida em títulos. A geração de caixa chegou a R$ 10 bilhões no segundo trimestre, e o plano de investimentos tem sido ajustado para se concentrar na produção em campos capazes de gerar resultados em prazos curtos. O plano de desmobilizar ativos não estratégicos de US$ 15 bilhões parece factível. No cômputo geral, a empresa está hoje em posição mais favorável, sem pressa para se desfazer de mais patrimônio. Da mesma forma, a Eletrobras padeceu sob o ímpeto intervencionista de Dilma Rousseff (PT), que desarticulou todo o setor elétrico. Foi forçada a investimentos perdulários e a reduções insustentáveis de tarifas. Suas subsidiárias operacionais, onde se concentra o dinheiro, sempre foram alvo da cobiça de políticos em grau de cupidez ainda por estabelecer. O resultado foi um prejuízo de R$ 30 bilhões nos últimos quatro anos. Enquanto isso, o país ficou para trás nos notáveis avanços tecnológicos que prometem uma revolução na geração e na distribuição de energia. Agora a Eletrobras busca se reerguer. A nova gestão reavaliará o plano de investimentos de R$ 50 bilhões, a estrutura de custos e onde vale a pena vender participações. A lição, óbvia, mas infelizmente ainda longe de ser absorvida por setores à esquerda, é que a gestão das estatais e das empresas de economia mista (como a Petrobras) não pode ficar sujeita a desmandos do governo de plantão. Tal como no setor privado, devem cumprir sua função social por meio de gestão profissional e pautada por critérios de rentabilidade e eficiência.
2016-11-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1812086-ressuscitar-as-estatais.shtml
Paroquiais e clientelistas
A julgar pelo modo com que parte dos vereadores de São Paulo utiliza o tempo e as verbas à sua disposição, um observador desavisado poderia imaginar que a maior cidade do país não possui mais problemas de monta para resolver nas área de transporte, saúde e educação, por exemplo. Este, sabe-se, está longe de ser o caso. Apesar disso, como têm mostrado reportagens desta Folha, muitos edis paulistanos dedicam parcela expressiva de seus mandatos a atividades de cunho paroquial e clientelista, voltadas antes à própria sobrevivência política que a trazer melhores condições de vida à população. Sinal disso pode ser encontrado na alocação de recursos por meio de emendas parlamentares. De 2013 a 2015, vereadores destinaram R$ 44 milhões somente para a reforma de campos de futebol, como a colocação de grama sintética e a construção de alambrados. O montante é maior do que o total reservado para as áreas da saúde (R$ 35 milhões) e educação (R$ 3 milhões), fontes constantes de queixas dos paulistanos, e representa 15% dos R$ 291 milhões em emendas nesses três anos. Tanto empenho futebolístico não se dá à toa. Os gramados costumam ser inaugurados com festa e na presença dos vereadores, convertendo-se em verdadeiros eventos de campanha fora de época. Quando se trata de elaborar e votar propostas legislativas, uma de suas principais atribuições, a Câmara paulistana não se sai melhor no quesito interesse da população. Dos cerca dos 1.300 projetos aprovados pelos vereadores na atual legislatura, nada menos que 470, ou um terço, se referem a homenagens, como denominação de ruas, títulos de cidadão e outras láureas. Uma demonstração flagrante de paroquialismo político. Como se não bastasse, alguns edis em busca da reeleição ainda estabelecem ligações duvidosas com servidores públicos a eles subordinados. Levantamento feito por este jornal mostrou que sete vereadores, entre eles o presidente da Câmara, Antonio Donato (PT), receberam doações de funcionários para suas campanhas. As contribuições, na maioria dos casos, excedem os salários dos servidores, levantando suspeitas de lavagem de dinheiro e uso de terceiros para camuflar doações. Melhorar o nível geral de atuação da Câmara Municipal é urgente. Isso, contudo, dificilmente ocorrerá sem que a população fique mais atenta à ação dos vereadores, seja para votar de forma mais esclarecida, seja para cobrar aquilo de que a cidade realmente precisa.
2016-11-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1812084-paroquiais-e-clientelistas.shtml
Lei do Impeachment deve ser modificada? NÃO
NORMA EFICAZ PARA MOMENTOS CRÍTICOS A despeito das críticas, a longeva lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, tem se mostrado eficaz nas ocasiões em que foi empregada. A norma elenca os crimes de responsabilidade pelos quais podem ser destituídos de seus cargos presidentes da República, ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, procuradores-gerais da República, entre outros. Além disso, propicia melhor defesa ao presidente acusado, pois não é totalitária, como seria o caso de um plebiscito, por exemplo. Permite recursos no transcorrer do processo, caso haja evidente erro na proposta de destituição do mandatário. Todo o processo de Dilma Rousseff possibilitou um amplo debate sobre essa lei, de forma a assegurar a manutenção do pacto constitucional enquanto esteio da Justiça e, pois, da paz na vida social. O enunciado das faltas que ensejam o impeachment atenta a princípios constitucionais maiores e especifica a gama de outras espécies de infrações que podem levar os mandatários à perda de seus mandatos, para que se preserve o ordenamento jurídico nacional. A Constituição é luz de fé, quase dogmática, que não se pode apagar em qualquer Estado, sob pena da ruptura de todos os seus alicerces. Assim sendo, a Lei do Impeachment foi interpretada adequadamente pelo STF (Supremo Tribunal Federal) à luz da Carta Magna de 1988. Ficou claro que o impeachment é instrumento de legítima defesa da cidadania contra quem a queira desconstituir, adulterando a letra de seus mandamentos. É, assim, a pena principal, pois a inabilitação política é acessória, consequente do processo administrativo de forma judicial, em que atuam todos os poderes da República em defesa da constitucionalidade rompida pelo governante irresponsável. Na exata medida em que tudo isto somente se materializa e se consubstancia por força do devido processo legal, que é um valor constitucional vetorial de Justiça, a norma deve ser fundamentada e convincente. Os críticos da lei nº 1.079 a interpretam com base no direito penal e sua tipologia fechada, quando deveriam fazê-lo à luz dos crimes de natureza política, mais abertos. Os dois processos de impeachment no Brasil, os de Fernando Collor e Dilma, são exemplos efetivos de que nada há a ser mudado na legislação. Cada estágio desses processos fluiu atendendo os parâmetros da defesa lícita e justa, adequada aos pactos internacionais de direitos jurídicos e humanos, como são os de San José da Costa Rica e outros da Organização das Nações Unidas, aos quais o direito brasileiro se filia. Como afirmou o eminente jurista Goffredo Telles Junior, referindo-se a Spencer Vampré, antigo professor da Faculdade de Direito da USP, norte de todas as gerações do Brasil: "Não procuremos os princípios do direito ao sabor de nossas conveniências políticas. Ergamos os olhos para os princípios da Justiça que aí encontraremos o que é soberanamente útil. Cumpre não esquecer que Justiça e utilidade são aspectos do mesmo conceito (...). Onde estiver a solução racionalmente justa e humana, aí está, certamente, o maior interesse nacional". LUIZ ANTONIO SAMPAIO GOUVEIA, advogado, é mestre em direito constitucional pela PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-10-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1812021-lei-do-impeachment-deve-ser-modificada-nao.shtml
Trump, versão cordeiro
Para preocupação dos que veem em Donald Trump uma grave ameaça mundial, pesquisas de opinião recentes mostram que o candidato republicano ganhou terreno nas últimas semanas e agora aparece em empate técnico com a democrata Hillary Clinton. A recuperação do magnata ocorre após um esforço em parecer mais moderado, incluindo visitas ao México e a uma igreja afro-americana, em Detroit. Trump tenta, assim, minimizar um longo rastro de declarações xenófobas e arrogantes. Trump tem chances mínimas de progredir em meio aos eleitorados latino e negro. A mudança de tom, contudo, teve eco favorável entre independentes de tendência conservadora e republicanos moderados. Mas muitos em seu partido seguem envergonhados com o candidato despreparado. Buscando recompor a base partidária, Trump vem diminuindo as trocas de farpas com líderes republicanos, embora alguns já tenham dito que não votarão nele, como ex-governador da Flórida Jeb Bush, derrotado nas primárias. Está claro, porém, que Trump não cabe bem no figurino de cordeiro. Na quarta-feira (7), o empresário voltou a elogiar o regime autoritário de Vladimir Putin, em desacordo com o seu partido. Paul Ryan, principal nome republicano no Congresso, reagiu chamando o russo de "agressor". Hillary, por seu lado, continua com amplo apoio entre mulheres, minorias e eleitores escolarizados, mas a alta rejeição, vinculada à imagem de desonestidade, foi recentemente reforçada por novidades na investigação sobre o uso para trabalho da conta de e-mail pessoal quando era secretária de Estado. Consistente ou não, ressalve-se que a ascensão de Trump nas pesquisas de opinião precisa ser relativizada. Por causa do sistema norte-americano, em que a eleição se dá indiretamente via Colégio Eleitoral, os chamados Estados-pêndulo têm um peso decisivo. Hillary se mantém em vantagem na maioria desses Estados, como Flórida e Pensilvânia, o que lhe assegura favoritismo sobre Trump no pleito de 8 de novembro. A pouco menos de dois meses da decisão, a campanha se aproxima da reta final, que inclui os esperados debates entre os candidatos. Estas últimas semanas demonstraram, porém, que os adversários de Trump não foram ainda capazes de afastar o pesadelo de um populista inconsequente assumir o cargo mais poderoso do planeta. [email protected]
2016-10-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1811972-trump-versao-cordeiro.shtml
Soma zero
Resultados desalentadores ou deprimentes das provas nacionais de avaliação dos estudantes, como o recuo no aprendizado de matemática detectado nos exames do Saeb, provocam debate vívido, mas vazio, sobre descumprimento de metas oficiais de desempenho. Não há dúvida de que as notas dos exames são ruins, ainda que exista controvérsia sobre a qualidade dos indicadores. Qual o sentido, porém, de haver metas sem que se defina um roteiro preciso de providências para atingi-las? Tal roteiro nacional inexiste. Nem mesmo está definido um plano de solução para os problemas sobre os quais há mais consenso entre especialistas. Os currículos são extensos, desiguais e descumpridos. Os professores não são formados para as tarefas práticas elementares, técnicas de ensino e procedimentos em sala de aula. Profissionais sem formação específica na disciplina ocupam mais de 50% dos postos. Os cursos superiores até formam profissionais licenciados em número suficiente para as escolas. No entanto, a carreira não é atrativa. Deficiências de formação no ensino básico são amplificadas quando um estudante mal formado em leitura e operações matemáticas básicas é confrontado com 13 disciplinas no ensino médio. O desempenho em matemática no nível secundário é especialmente desastroso; regrediu progressivamente ao ponto em que estava em 2005. Além do reduzido número de centros de excelência e da falta de professores especializados, não há explicação geral e convincente além da baixa qualidade dos programas de matemática. Cerca de 51% dos docentes não têm formação na área; em português, o problema é também considerável: 42% sem treinamento específico. Sem prejuízo do aperfeiçoamento de currículos e professores de matemática, o efeito combinado do elenco de problemas gerais do ensino contribui para dificultar ainda mais o ensino das disciplinas que são pilares do aprendizado. Como é de costume, o mau resultado dos exames levou autoridades federais a proclamarem uma campanha pela aprovação de uma lei de reforma do ensino médio. Em seus pontos principais, prevê a universalização do ensino em tempo integral no ciclo em 20 anos (e para metade das matrículas, em dez anos), além de permitir certa flexibilização dos currículos. Terá escasso efeito prático no médio prazo, por ser vaga e limitada. De resto, não está à vista a melhora da formação dos professores. Leis podem criar esteios para a ação, mas não suscitam providências nem planos para envolver da União às prefeituras num programa paulatino de mudanças, com aumentos incrementais de meios para que se atinjam metas. Em termos de reforma do ensino o país ainda não aprendeu nem o elementar. [email protected]
2016-10-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1811974-soma-zero.shtml
O tabu do suicídio
No dia 10 de janeiro de 2005, acordei com um susto. Do outro lado da linha, minha irmã mal conseguia falar. Chorava muito, mas não demorei para decifrar suas palavras engasgadas: nosso pai havia tirado a própria vida horas antes, e a família, como é natural, estava em choque. Naquele dia, dei início, sem saber, a um caminho sem volta, o de combater o tabu que acompanha a morte voluntária. Um silêncio que destrói porque cerceia a reflexão, sufoca a dor e, pior, impede a prevenção. Dizer que fomos surpreendidos não seria verdade. Meses antes, eu o havia procurado, preocupada, pois achava que estava deprimido. Mas meu pai era do tipo durão, e admitir fragilidade era difícil para ele. Mesmo assim, procurou um psiquiatra, recebeu diagnóstico de depressão e foi medicado, mas nunca seguiu o tratamento como deveria. Mais de 90% dos suicídios estão associados a um transtorno mental identificado, embora sem acompanhamento correto. Muitos de nós temos a ilusão de que o tema é algo distante de nossa realidade. Não é. A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 800 mil pessoas morram dessa forma anualmente. O suicídio já é a segunda causa de morte em jovens com idade entre 15 e 29 anos. O problema é que esse assunto é doloroso, indigesto. Quem precisa de ajuda não a procura, quem vivencia o luto não tem com quem conversar. Na família, cada um de nós reagiu a seu modo. Pairavam sobre todos as perguntas que perseguem quem já passou por uma perda dessa: Por que comigo? Por que ele desistiu? Como não enxerguei os sinais? O que poderia ter feito para evitar? Outro ponto comum são as fases do luto. De início, vem o choque. Depois, e não necessariamente nessa ordem, dor, vergonha, raiva e culpa. Minha busca pessoal foi pelo conhecimento. Eu queria, acima de tudo, entender o que leva um ser humano a desistir da vida. Logo aprendi que essa ideia é um equívoco. A pessoa não quer morrer, e sim sair de uma situação de extrema dor. No Brasil, vivenciamos um caso recente no Rio de Janeiro, quando um pai, supostamente, matou sua mulher e pulou da varanda com os filhos. Especula-se que o tenha feito porque estava com dificuldades financeiras. Nunca é tão simples. As estatísticas mostram que o suicídio é consequência de um quadro complexo que pode incluir vários fatores de risco, entre eles o uso de substâncias químicas (incluindo o álcool), eventos traumáticos e transtornos mentais não tratados. O que pode fazer toda a diferença na prevenção é identificar os sinais. Alguns são característicos de quem pensa em tirar a própria vida e servem como alerta máximo. A pessoa se desfaz de objetos, organiza as finanças, ameaça verbalmente que irá se matar, para de fazer planos e se despede dos mais próximos. Um dia antes de sua morte, papai foi à casa de minha irmã e ela sentiu que se tratava de uma despedida. Ele estava pensativo, os lábios tremiam, não queria ir embora. Quando saiu de lá, ela me ligou, tinha medo do que poderia acontecer. Mas não deu tempo de evitar o pior. Sábado, dia 10, será o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Convido você a enfrentar o medo e o estigma que cerca o assunto. Se achar que existe alguém vulnerável próximo a você, faça duas perguntas simples: Onde dói? O que posso fazer para ajudá-lo? De coração aberto, sem preconceitos. Nunca julguei meu pai. A dor dele era imensa e só a ele pertencia. PAULA FONTENELLE, jornalista, é autora do livro "Suicídio: o Futuro Interrompido" (Geração Editorial) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1811564-o-tabu-do-suicidio.shtml
Campanhas e balas
Relacionar atividade política com criminalidade tem sido inevitável na atual conjuntura de escândalos. Ainda assim, causa espanto que também casos de homicídio, e não apenas de corrupção, conheçam essa indesejável vizinhança num país em que as rixas de sangue do coronelismo já pareciam fazer parte do passado. Desde novembro do ano passado, 13 ex-vereadores, vereadores ou candidatos fluminenses foram vítimas de assassinatos em cidades como Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Magé ou Nilópolis. Os eventos não se dissociam da criminalidade endêmica nesses municípios. Paradoxalmente, a fama de associação com o crime organizado e a violência, que cerca toda a região, vinha convivendo com uma gradual melhoria nos registros estatísticos. De um pico de 70,4 casos de letalidade violenta por 100 mil habitantes, atingido em 2003, a Baixada Fluminense conheceu um processo de decréscimo nos 12 anos seguintes, baixando a 45,4/100 mil no ano passado. "Letalidade violenta", no conceito da Secretaria da Segurança do Rio de Janeiro, engloba homicídios, latrocínios e mortes por policiais. O fenômeno acompanhou a redução dessas ocorrências no Estado do Rio de Janeiro como um todo. Do auge de 64,8/100 mil habitantes alcançado em 1994, o Estado viu a cifra baixar para 30,3/100 mil (a taxa média nacional era de 28,8/100 mil em 2014). Todavia, a Baixada Fluminense volta a produzir dados alarmantes. Em julho, segundo o Instituto de Segurança Pública do governo estadual, os homicídios cresceram 30%, em comparação com o mesmo mês do ano passado. Em 2 de julho, homens com máscaras e luvas, armados de fuzil e pistolas, mataram um candidato a vereador pelo PSL em Duque de Caxias com dezenas de tiros. O "modus operandi" dos assassinos parece dar razão à principal hipótese das autoridades com relação a vários dos crimes vitimando políticos da Baixada. Acredita-se que por trás dos acontecimentos —possivelmente em 11 deles— estejam disputas entre milícias armadas ou a disputas entre traficantes. Não é o caso, evidentemente, de incriminar a priori qualquer das vítimas pela violência que sofreram. O prestígio político de esquadrões da morte e de chefes do tráfico é no entanto notório nas grandes regiões urbanas. Para além dos crimes de colarinho branco, preocupa que a política brasileira passe a conviver também com delinquentes de outro tipo, inimigos políticos sanguinários. É inaceitável que a disputa por votos, nesses casos, seja substituída pela simples troca de balas. [email protected]
2016-09-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1811531-campanhas-e-balas.shtml
O impeachment no Estado democrático
Numa definição simples e realista, o Estado democrático de Direito se qualifica a partir da independência do jurídico em relação ao político. O jurídico é o que se chama, tecnicamente, de procedimento. O procedimento democrático se caracteriza por tornar secundário o "resultado", o que efetivamente se decide, privilegiando quem decide (o que os juristas denominam "autoridade competente") e como se decide (o "rito de elaboração"). Consequentemente, argumentos sobre o resultado -não importa o que adversários e defensores achem de sua justiça moral, política, religiosa etc.- são ignorados pelo direito. Dentre esses argumentos frágeis, quero ressaltar três, muito utilizados nos recentes eventos. 1) "O impeachment foi um golpe de Estado." Esse argumento se tornou mais obsoleto ainda na medida em que a própria ex-presidente, seus assessores e os políticos que a apoiavam participaram do procedimento. Os defensores da tese alegam que "não houve" o alegado "crime de responsabilidade fiscal" e o Tribunal de Contas da União "mudou seu entendimento" sobre o caso, dentre vários outros similares. Ora, o sistema jurídico diz, simplesmente, que quem determina a ocorrência dos fundamentos são as autoridades designadas: a Câmara dos Deputados, o Senado e o Supremo Tribunal Federal. Como essas autoridades divergem, o sistema jurídico também prevê a sequência, o prazo, o quórum e demais partes dos ritos para que essas autoridades se pronunciem. Eventuais falhas passadas ou modificações futuras do procedimento podem ser questionadas e decididas, também por meio de autoridades competentes e ritos de elaboração. Eu, por exemplo, em que pesem os descalabros do antigo governo e meu desprezo pessoal pela imensa maioria das autoridades da República nos três Poderes, sempre me pronunciei contra o impeachment. Infelizmente, a Constituição não me colocou como parte do procedimento. 2) "Os políticos que julgaram a presidente são menos honestos do que ela. Réus, corruptos, dilapidam a nação." Sem dúvida, esses argumentos de conteúdo ético são procedentes e verdadeiros: talvez nenhum país no mundo contemporâneo, fora da periferia abaixo da linha da miséria, tenha um corpo político de tão baixa qualidade quanto o Brasil. Há, contudo, uma falha nesse raciocínio: a qualidade moral ou técnica das autoridades competentes não fazem parte do procedimento. Ao contrário, essas autoridades competentes foram designadas por outros procedimentos constitucionais legítimos para determinar o impeachment. São os representantes do "povo". Essa segunda linha de frágil argumentação defende a "vontade do povo" como fonte de legitimidade em um momento (elegeu Dilma Rousseff) e a ignora em outro (elegeu deputados e senadores que decidiram, por esmagadora maioria, pelo impeachment). Mais uma vez: o "povo" é uma ficção jurídica cuja "vontade" se realiza (deixa de ser ficção para se tornar realidade) no procedimento. 3) "O impeachment contraria a vontade popular que elegeu a presidente." Essa é a linha mais fraca, se é possível compará-las, a que mais demonstra ignorância jurídica. O impeachment, em sentido geral, foi criado, precisamente, para se sobrepor ao procedimento da vontade popular que elegeu o Executivo. Ou seja, em qualquer Constituição que o abrigue, ele existe somente para destituir eleitos. Isso é o direito no presidencialismo democrático. A civilização ocidental criou a democracia e seu procedimento justamente por causa das divergências inconciliáveis de opinião na sociedade. Regimes não democráticos se caracterizam por não respeitar o procedimento, por colocar perspectivas de justiça deste ou daquele grupo social acima das autoridades e ritos constituídos. Não há democracia acima do procedimento. Uma solução a longo prazo é melhorar a qualidade das pessoas concretas (educação), para assim melhorar a qualidade do "povo" e de seus políticos. E, por que não, modificar os procedimentos. Que o Brasil melhore com essa crise. JOÃO MAURÍCIO ADEODATO, 60, doutor em filosofia do direito pela USP, é professor da Faculdade de Direito de Vitória (ES). Foi professor visitante da Universität Heidelberg (Alemanha) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-09-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1811563-o-impeachment-no-estado-democratico.shtml
Urgência e cautela
Contrariando aliados que preferem não fustigar o humor da população antes das eleições de outubro, o presidente Michel Temer (PMDB) anuncia que entregará ao Congresso seu projeto de reforma da Previdência ainda neste mês. Parece um sinal da determinação de levar a reforma adiante a todo custo, o que seria desejável. O presidente ainda não marcou data para apresentar seu projeto. Pela promessa, poderá fazê-lo até o último dia de setembro, quando faltarão dois dias para o primeiro turno e ninguém estará prestando muita atenção nisso. Temer e sua coalizão estão preocupados com o debate da reforma porque sabem que ela enfrentará enorme resistência de sindicatos, funcionários públicos e seus representantes no Parlamento. Para um presidente alvo de protestos abertos nas ruas e cuja força no Congresso sempre comporta alguma dúvida, não vai ser fácil aprová-la. O ideal seria que Temer apresentasse seu projeto o quanto antes. Demonstraria assim firmeza de propósitos e eliminaria desconfianças dos investidores quanto a suas intenções. Seria também uma maneira de dar tempo ao país para debater as mudanças como se deve. O objetivo da reforma da Previdência é conter a expansão de despesas com benefícios, que consomem fatia crescente dos recursos do governo e se tornaram o principal fator de desequilíbrio nas contas públicas. Pelo que se conhece dos planos de Temer, as mudanças visam corrigir distorções e privilégios e impedir que trabalhadores do setor privado continuem a se aposentar precocemente. Além disso, em julho o governo enviou ao Congresso proposta de emenda constitucional que impõe um teto aos gastos públicos, proibindo que a partir do próximo ano eles cresçam mais que a inflação. Integrantes dos partidos que apoiam Temer já apresentaram várias emendas para modificá-la. É certo que ambas as propostas do governo serão alteradas pelo Congresso, onde o debate sobre a Previdência tende a se prolongar até meados do próximo ano. Dessa maneira, ainda é cedo para estimar os efeitos que eventuais mudanças introduzidas pelos parlamentares trarão para o governo e as finanças do país. Uma diluição das propostas de Temer certamente tornará o processo de ajuste das contas públicas mais demorado, com prejuízo para a recuperação da combalida economia do país. O presidente sabe que terá de negociar para ver seus planos avançarem e já anunciou a disposição de se envolver pessoalmente nas conversas com os líderes partidários. Deveria fazê-lo com a urgência que o estado da economia requer. [email protected]
2016-08-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1811151-urgencia-e-cautela.shtml
Maduro encurralado
No Brasil, a crise resultou em contração do PIB de 3,8% em 2015, e se espera queda de 3,5% neste ano. Isso contribuiu para remover Dilma Rousseff (PT) do poder, na forma da lei e de modo relativamente pacífico. Já a Venezuela não deve seguir o mesmo roteiro, embora os protestos dos últimos dias tenham ocorrido sem distúrbios. Ali, a economia encolheu 10% em 2015 e deve diminuir mais 8% neste 2016, mas não há sinais de que o presidente Nicolás Maduro esteja prestes a perder o cargo. A inflação deve bater em 720% neste ano, e o deficit fiscal, em 20%. Mais que abstrações, esses números se traduzem em pobreza crescente e desabastecimento generalizado, que se fizeram acompanhar do aumento na violência. Só no ano passado, os salários reais caíram em torno de 35%. A redução da miséria, uma das principais bandeiras do chavismo, virou história. Estima-se que 76% da população esteja abaixo da linha da pobreza hoje, contra 55% em 1998, antes de o socialismo bolivariano entrar em cena. Além de itens básicos de higiene e alimentação, já não se encontram remédios no comércio. Água e eletricidade também são um problema, o que obrigou o governo a encurtar a semana do funcionalismo público para dois dias. Boa parte das companhias aéreas deixou de operar no país, pela dificuldade de comprar combustível. É verdade que a queda do preço do petróleo contribuiu para o colapso, mas o maior responsável por ele foi o populismo econômico. Nos anos de bonança, Chávez distribuiu riqueza dentro e fora da Venezuela, mas nada fez para tornar a economia menos dependente da commodity. Para piorar, o aparelhamento da PDVSA, estatal de petróleo, a transformou num poço de ineficiência. Como a resposta do governo à inflação que disparava foi controlar preços e taxa de câmbio, chegou uma hora em que empresas não conseguiam mais produzir —daí mais desabastecimento e inflação. Maduro aferra-se a um discurso delirante que atribui o descalabro à "guerra econômica" por empresários desleais e potências estrangeiras. A população deu à oposição eloquente vitória no pleito parlamentar de dezembro. O mandato de Maduro vai até 2019, e o chavismo foi hábil em aparelhar estruturas de Estado. O presidente vem conseguindo frustrar as iniciativas legais da oposição para reduzir-lhe o poder e o mandato, como um referendo popular. Maduro não parece disposto a ceder, e não se podem descartar desfechos violentos para a crise. [email protected]
2016-08-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1811150-maduro-encurralado.shtml
O legado da inclusão
Lembro-me bem de quando, finalmente, conheci um professor de educação física que entendeu meu filho. Ele elogiou o desempenho do Tomás (sempre um bom começo para qualquer pai ou mãe), explicou como havia adaptado ligeiramente a aula -e como os outros alunos tinham se adaptado também- e o encorajou a continuar fazendo exercícios, por ser uma necessidade de qualquer pessoa. Em nenhum momento ele abordou o fato de que o Tomás está dentro do espectro autista. Falou do Tomás como ele é: um ser humano. Neste contexto, gosto de refletir sobre o fato de que a Paraolimpíada, da mesma forma que a Olimpíada, é uma demonstração do que as pessoas são capazes de fazer, e não do que são incapazes. O termo "incapacitado", até a década de 1960, era utilizado para designar pessoas com deficiência. Claro, cada um tem suas limitações, mas, como disse uma vez a atleta paraolímpica brasileira Verônica Hipólito, "só eu digo o que é impossível para mim". Ano a ano, mais pessoas são encorajadas por esse pensamento. A Paraolimpíada de Londres, em 2012, registrou a maior participação de atletas da história, com 4.200 competidores representando 165 nações. Os Jogos Paraolímpicos do Rio, que começam nesta quarta (7), prometem ser ainda maiores. Isso tem um significado muito importante, além do crescimento numérico em si: a inspiração vinda do estímulo ao esporte. É aí que começa a herança mais importante dos Jogos: o legado da inclusão. O primeiro impacto é a mudança de mentalidade daqueles que têm uma deficiência. Mais de 220 mil deles começaram a praticar esporte desde que Londres foi nomeada sede dos Jogos. As Paraolimpíadas se expandiram de maneira extraordinária desde 1948, quando foram criadas na Inglaterra, superando todas as expectativas. Tornaram-se o maior evento esportivo do mundo para atletas com deficiência. Depois, vem a transformação da sociedade como um todo. No Reino Unido, onde cerca de 18% da população tem algum tipo de deficiência, somos educados desde pequenos para a diversidade. Ainda assim, houve espaço para um desenvolvimento significativo. Depois da Paraolimpíada em Londres, sete em dez crianças disseram mudar a forma como enxergam as pessoas com deficiência. Um em cada três adultos alterou sua atitude perante elas. Por último, vem a criatividade e a inovação no desenvolvimento de soluções para permitir uma melhor qualidade de vida. A tecnologia está transformando a vida de todos nós. Acompanho fascinado, por exemplo, a maneira com que avanços na Fórmula 1 são adaptados para a construção de cadeiras de rodas mais leves, com fibra de carbono, ou como os esforços conjuntos de governo, universidades e setor privado podem colaborar para o desenvolvimento de cidades mais acessíveis a todos. As Paraolimpíadas representam uma perspectiva nova e positiva sobre o significado de impactos permanentes. A mudança na forma como a sociedade interpreta pessoas com deficiência passa a refletir o entendimento de que inclusão não é caridade para alguns, mas uma necessidade para todos nós. Que Rio 2016 represente mais um passo nesse avanço. E que mais pessoas assumam a atitude do professor de educação física de Tomás. ALEX ELLIS, 49, é embaixador do Reino Unido no Brasil. Foi diretor de estratégia do Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido (2010 a 2013) e embaixador britânico em Lisboa (2007 a 2010) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-07-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1810893-o-legado-da-inclusao.shtml
Fundos e fraudes
Ninguém, para ser rigoroso, pode alegar surpresa diante da Operação Greenfield deflagrada pela Polícia Federal para apurar desvios nos fundos de pensão de empresas estatais. Há muito se conhecem a baixa qualidade e os indícios de corrupção nas decisões de investimento dessas entidades capturadas por interesses políticos. O terreno para fraudes, cobiçado em decorrência dos recursos bilionários dos maiores fundos de pensão, vicejou sob a tradição brasileira de misturar interesses públicos e privados num capitalismo de compadrio revoltante para os que lutam no cotidiano da economia para manter negócios e empregos. A investigação tem como alvos Funcef (fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal), Previ (Banco do Brasil), Postalis (Correios) e Petros (Petrobras), além de dezenas de empresas e pessoas físicas. Na mira se acham investimentos fraudulentos em troca de propina, com prejuízos estimados em R$ 8 bilhões, de início. Ao aportar recursos em projetos com valores superestimados, o esquema na prática seria a reprodução do superfaturamento de contratos e serviços identificados pela Operação Lava Jato na Petrobras, não por acaso aplicações em energia, petróleo e infraestrutura. O caso traz à luz o que nunca se deixou de suspeitar. Fundos de pensão de estatais sempre foram usados como alavanca do capitalismo nacional, participando de grandes projetos na companhia de segmentos escolhidos da elite empresarial. Nesse ambiente promíscuo, é enorme o espaço para tráfico de influência com os recursos dos beneficiários dos fundos —e, em última instância, do contribuinte, uma vez que o erário também lhes faz generosos aportes. A tendência em ocasiões assim é pedir regras mais duras. Tramita na Câmara dos Deputados, por exemplo, projeto para modernizar a gestão dos fundos, exigindo-se experiência de dirigentes e proibindo-lhes vinculação partidária. Não faltam regras, contudo, para que decisões de investimento sejam prudentes e isentas. O problema é que não são respeitadas. Os fundos são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários e pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar. É o caso de perguntar onde ambas estavam, nos últimos anos, enquanto os fundos estatais acumularam rombos da ordem de R$ 50 bilhões. Urge separar por completo os interesses dos participantes dos fundos de pensão daqueles dos políticos e das empresas que recebem recursos. O escrutínio policial é bem-vindo, mas cabe ir mais longe e incluir nele também os fundos que gerenciam recursos de servidores públicos estaduais e municipais. [email protected]
2016-07-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1810899-fundos-e-fraudes.shtml
O alto custo do encarceramento em massa
O Brasil figura, atualmente, na quarta posição mundial em número de pessoas presas: são 615 mil detentos. Estudos apontam que há um deficit de cerca de 250 mil vagas no sistema prisional brasileiro, número praticamente equivalente ao de presos provisórios que ainda aguardam julgamento, geralmente por meses, algumas vezes por anos. Não é necessário maior conhecimento na área para perceber que o excesso de encarceramento observado na última década não tem provocado, por si só, a diminuição da incidência de crimes ou a melhoria da sensação de segurança. Apenas em São Paulo há mais de 230 mil pessoas no sistema prisional, número que cresce em proporção impossível de ser acompanhada pela construção de novos presídios. Muitos são réus primários, presos por delitos que não envolviam violência física ou grave ameaça, situação que não justificaria a privação de liberdade como opção mais adequada. Há ainda muito por fazer em todo o país, da produção sistematizada de dados sobre a gestão do sistema ao aprimoramento do trâmite de processos judiciais, em especial na área de execução penal. Parte significativa desse avanço deve vir das defensorias públicas, a serem devidamente estruturadas, pois a imensa maioria das pessoas presas -em geral, pobres, negras e sem escolaridade- não tem condições de contratar advogados privados, dependendo de uma efetiva assistência jurídica gratuita. No Estado de São Paulo, a defensoria inovou ao promover a primeira política permanente de atendimento a presos provisórios, após parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária do Governo do Estado. Desde 2014, defensores paulistas se deslocam aos centros de detenção da capital para entrevistas reservadas, possibilitando a coleta de dados para realização da defesa processual, além de informações pessoais que podem viabilizar pedidos de liberdade, contato familiar e até mesmo fornecimento de tratamento médico. Em meados de 2015, essa política permanente foi ampliada para estabelecimentos da região metropolitana e interior. Atualmente, 32 centros de detenção do Estado contam com esse atendimento, feito por 190 defensores. No ano passado, foram 7.596 atendimentos a presos provisórios. Monitoramento da defensoria apontou que 18,48% das prisões foram revogadas em um período inferior a 3 meses. Em agosto deste ano, teve início também uma força-tarefa de defensores públicos para análise de benefícios a pessoas condenadas pelo chamado tráfico privilegiado, designação que alcança casos de acusados primários, com pequena quantidade de entorpecentes. Boa parte desses processos envolve pessoas que comercializavam substâncias para manter o próprio vício, em situação na qual os papéis de vítima e acusado se confundem. Busca-se com esse projeto dar efetividade à decisão recente do STF que reconheceu não ser hedionda essa modalidade de delito. Há cerca de 5.000 pessoas com esse perfil presas no Estado, a maior parte em regime semiaberto, que já cumpriram quantidade de pena necessária à obtenção de indulto. Outra parceria com a administração penitenciária prevê o monitoramento de casos de gestantes ou de mães de crianças pequenas, de modo a garantir a aplicação de prisão domiciliar em casos previstos por lei, resguardando e fortalecendo os vínculos familiares ou a regularização das guardas das crianças. A defensoria pretende ter esse olhar global e multidisciplinar que transcende a pessoa do preso e alcança suas relações sociais e familiares, com a compreensão de que a simples construção de presídios não é solução para a criminalidade. O custo humano do encarceramento em massa é enorme. É pago não apenas pelas pessoas presas mas por seus pais, irmãos e filhos. O custo social é altíssimo. O custo econômico é igualmente insustentável. A sociedade deve a si a busca de soluções melhores, mais inteligentes e humanas. Davi Depiné, 43, mestre em direito processual penal pela USP, é defensor público-geral do Estado de São Paulo PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-06-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1810547-o-alto-custo-do-encarceramento-em-massa.shtml
Basta de confronto
Mais uma vez terminou de forma violenta uma manifestação contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e o governo de Michel Temer (PMDB). Urge pôr fim a esse roteiro deplorável, e a Polícia Militar paulista necessita preparar-se melhor para lidar com esses confrontos –a começar pela obrigação óbvia de não iniciá-los. A polícia precisa tomar conhecimento, evidentemente, de horário, local e eventual trajeto de protestos que se desloquem pela cidade, como foi o caso neste domingo (4). É sua função garantir a segurança dos manifestantes e de quem mais se encontrar por ali. Os organizadores seguiram essa regra e aceitaram atrasar o início da manifestação, de maneira a não atrapalhar a passagem da tocha paraolímpica pela avenida Paulista, que já estava prevista. Esvaziou-se, assim, a pretensão anterior da PM de proibir o ato naquele lugar. O art. 5º da Constituição é cristalino ao vedar tal possibilidade: "Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Não têm faltado provocadores em vários desses protestos, por certo, que a eles comparecem com o claro propósito de praticar atos de vandalismo e depredação. Cabe aos policiais militares, nesses casos, e só nesses casos, agir de modo firme para impedir os atos violentos e providenciar para que seus autores sejam processados. A atuação profissional da PM em situações como essas implica lançar mão de meios adequados e proporcionais à violência que tem por dever reprimir. Vários relatos de pessoas presentes à última manifestação paulistana —manifestantes, transeuntes, jornalistas—, contudo, indicam que os policiais exorbitaram tais limites no domingo, se é que não atuaram como os reais desencadeadores do conflito. Aos agentes da lei compete trabalhar para neutralizar os provocadores, garantir o direito de livre manifestação e, no geral, desarmar os espíritos. Se não receberam ainda do governador Geraldo Alckmin (PSDB) um comando claro nesse sentido, é a hora de fazê-lo. [email protected]
2016-06-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1810527-basta-de-confronto.shtml
Desafio trabalhista
A julgar pelo primeiro pronunciamento do presidente Michel Temer (PMDB), o governo se empenhará em aprovar mudanças na legislação trabalhista com vistas a flexibilizar as regras da CLT e fortalecer a negociação coletiva. Insinua que também patrocinará a regulamentação da terceirização. Não há dúvida que é preciso reformar as arcaicas regras brasileiras, que impõem pesado custo de contratação e demissão e resultam em elevado nível de insegurança jurídica. O Brasil é campeão mundial em ações trabalhistas, contadas aos milhões por ano. A insegurança e o custo redundam em menos empregos de qualidade. É preciso cautela, porém, no processo de reforma. O paternalismo da lei parte do princípio da fragilidade do empregado frente ao empregador, algo difícil de refutar num país com tamanha desigualdade de renda e instrução. Por isso, quando se considera reforçar a negociação em relação às garantias da lei, algo que não afronta os preceitos da Organização Internacional do Trabalho, cabe indagar em que condições tais negociações ocorreriam. Por exemplo, a desigualdade de poder entre empregado e empregador é menor nos segmentos modernos do mercado. Não faz sentido travar ou disciplinar em excesso as tratativas entre iguais, ou quase iguais, que devem ser livres para contratar do modo que melhor entenderem. Da mesma forma, o crescente setor de serviços exige contratos de trabalho simples e flexíveis. Não se devem tolher novas formas de organização com uma legislação talhada para um capitalismo industrial em boa medida superado. Presume-se que funcionário representado por um sindicato na negociação coletiva esteja bem protegido, o que recomenda que esta prevaleça sobre o legislado, desde que preservadas garantias constitucionais, com 13º salário e férias. Outra questão fundamental a ser enfrentada é como conciliar a liberdade de negociação com a estrutura sindical presente, monopolista, sustentada por imposto obrigatório e, muitas vezes, comandada por castas corrompidas que se perpetuam na defesa de seus próprios interesses, mais que os de seus representados. Para que a autonomia coletiva se consolide sobre a tutela estatal, é necessário caminhar para maior liberdade sindical, algo outrora defendido pela CUT, antes de se acomodar na vizinhança do poder. O assunto, já se vê, é complexo. Precisa ser debatido sem o recurso fácil de rotular qualquer mudança como perda de direitos.
2016-05-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1810238-desafio-trabalhista.shtml
Roteiro pronto
Numa conjuntura marcada pela profunda desmoralização das práticas políticas, seria de esperar que os candidatos à prefeitura tentassem reciclar seus modelos de campanha e de contato com o eleitor. Talvez leve tempo; talvez nada mude nunca —de tal modo o profissionalismo do "marketing" se sobrepõe ao debate autêntico e à apresentação direta de cada postulante a um cargo público, no que tenha de diferenciador, de próprio, de divisivo que seja. Ao contrário, torna-se esperado, e quase natural, que todo candidato invista sobretudo num consenso abstrato e pasteurizado em seus programas. É o que se viu, até agora, no horário eleitoral gratuito. Desse modo, quatro anos depois de uma campanha em que o apoio de Lula lhe foi indispensável, o atual prefeito Fernando Haddad omite na propaganda, salvo por uma tímida estrelinha, a identificação de seu partido; a sigla do PT não foi considerada informação relevante para o eleitor paulistano. Nenhum candidato, de resto, parece estar em condição de beneficiar-se dos padrinhos que possa ter. Segundo pesquisa do Datafolha, é grande a rejeição do eleitor não apenas a um candidato de quem se soubesse ser sustentado por Lula (73%), mas também a Marta Suplicy, do PMDB, e a João Doria Jr., do PSDB, apoiados por Michel Temer (65%) e Geraldo Alckmin (51%), respectivamente. Para essa evidente crise de credibilidade política, providenciam-se os antídotos de sempre. Entram em cena os artifícios das paisagens urbanas maquiadas, da iluminação favorável a obras e rostos de candidatos, dos jingles que, conforme o dia, variam do rap ao repente, do sertanejo à marcha triunfal. Por cima de tudo, melosos arpejos de piano e suavidades meditativas nas cordas adornam o "lado pessoal" do aspirante –álbuns de família, sorrisos em câmera lenta, a estudada franqueza com que se "olha nos olhos" do eleitor. Não há quem não reconheça, desde os primeiros segundos da emissão, a falsidade açucarada dos textos, a delirante pletora de números a respeito de obras feitas ou ainda a fazer, a facilidade automática das denúncias sobre carências que não serão resolvidas, a estridência das promessas sem lastro. Mesmo assim, é como se as convenções da linguagem fossem mais fortes do que a própria consciência de que nada ali é para valer. Sim, cabe em toda propaganda o "momento da autocrítica". Marta Suplicy fala dos "erros" de sua gestão anterior, esconjurando novas taxas; Haddad "reconhece" que não divulgou seus feitos. Pouco importa: o eleito, daqui a quatro anos, já tem pronto o roteiro de suas sinceridades –ou patranhas.
2016-05-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1810239-roteiro-pronto.shtml
Vilipêndio à razão
Escrevo este artigo em 1º de setembro. É um dia simbólico para os dois processos de impeachment vividos pelo país e separados por quase 25 anos. A data é o único ponto em comum entre eles. Em 1992, nesse dia, duas entidades entraram com uma representação contra mim. Em 1º de setembro de 2015, renomados juristas apresentaram denúncia (aditada em outubro) contra a ex-presidente por crime de responsabilidade. Aqui acaba a semelhança e aqui começam as disparidades, desde os primeiros aos últimos atos de duas peças que beiram a ficção. O cotejamento entre os números dos dois processos mostra que, sob a mesma Constituição, sob a mesma lei e sob o mesmo rito, adotaram-se dois pesos, duas medidas. Basta verificar: o processo da ex-presidente dispôs do triplo do tempo gasto em 1992 -um ano versus quatro meses. A apresentação da denúncia e seu acolhimento pelo presidente da Câmara, naquele ano, deram-se no mesmo dia, 1º de setembro. Dois dias depois, a comissão especial foi instalada. Em 2015, entre a denúncia inicial (1º/9), o seu acolhimento (2/12) e a instalação da comissão especial (17/3/16) passaram-se 198 dias. Para o meu afastamento provisório (2/10) bastaram 31 dias. No recente processo, isso se deu em 12/5/16, ou seja, 254 dias após a denúncia inicial. Na fase de admissibilidade no Senado, não houve qualquer participação de minha defesa na comissão. Em 2016, só nessa fase, foram sete participações, incluindo advogado, juristas e ministros de Estado. Em 1992, o parecer de admissibilidade continha 17 linhas, em meia página, e foi discutido e votado, simbolicamente, em três minutos no Plenário do Senado. Em 2016, o parecer de 128 páginas demandou 20 horas de sessão, foi votado nominalmente e com a participação da defesa. A sessão de meu julgamento, incluída a suspensão dos trabalhos em função da renúncia e para a posse do vice-presidente, deu-se no dia 29/12 e na madrugada do dia 30. Em 2016, foram cinco dias úteis de intenso trabalho que adentraram madrugadas. O processo de 1992 foi todo ele reunido em quatro volumes de documentos. O de agora já conta com 72 volumes. A maior abstração, contudo, foi o ato final das peças. Em 1992, minha renúncia separou as penas de destituição (perda do cargo) da inabilitação para função pública (perda dos direitos políticos). A resolução do Senado nº 101/92, resultante do processo, é clara: o impeachment ficou prejudicado pela renúncia, mas não a inabilitação por oito anos. Ou seja, o Senado agregou a penalidade, mesmo com a renúncia prévia que extinguiu o objeto do julgamento. Em 2016, deu-se o inverso. O parágrafo único do artigo 52 da Constituição traz a penalização literalmente conjugada ("perda do cargo com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública"). No entanto, mesmo sem renúncia, o Senado fatiou a pena e transformou o "com" em "e/ou". O mesmo dispositivo diz: "a condenação", e não "as condenações". Até a questão que respondemos na votação, prevista na lei e reproduzida no painel eletrônico, referia-se textualmente à inabilitação como "consequência" da perda do mandato. O trecho, inconstitucionalmente destacado, não era uma pergunta, era uma assertiva. Decisões amparadas na subjetividade política precisam de limites da objetividade jurídica. Ontem e hoje, o desacerto prevaleceu. Ao comparar os dois processos, cabe repetir: o rito era o mesmo; o ritmo, o rigor e, agora, o remate, não. O Senado atentou contra o vernáculo, reescreveu a Constituição. Criou insegurança jurídica e, praticamente, decretou a inexistência da lei no Brasil. Foi um vilipêndio ao bom senso e à razão. FERNANDO COLLOR, 67, senador por Alagoas (PTC), foi presidente da República PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-04-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809958-vilipendio-a-razao.shtml
O vandalismo dos outros
Hoje, domingo, 4 de setembro, é a data marcada para a passagem da tocha paraolímpica em São Paulo, ritual que celebra diversidade e superação. É dia também de outra manifestação popular que contesta a legitimidade do mandato do novo presidente da República e de seu anunciado pacote de reformas. A Secretaria de Segurança Pública do governo do Estado de São Paulo publicou, dias atrás, nota que proibia essa manifestação. Mesmo que, mais tarde, tenha entrado em acordo para viabilizar ambos os eventos em horários diversos, esse episódio é apenas mais um exemplo do quanto o direito ao protesto está mergulhado em incerteza jurídica e arbitrariedade. Temos urgência em estabilizar certos padrões formais e substantivos de ação que nos protejam no exercício desse direito. Qual juízo se pode fazer desse conflito, sob o ponto de vista jurídico? Em primeiro lugar, o direito de reunião, que inclui o direito de protesto pacífico, não requer autorização para seu exercício. A posição prematura do governo paulista era desprovida de fundamento jurídico. O dever de comunicação às autoridades não serve para que elas avaliem a oportunidade e conveniência do protesto, mas para que garantam a segurança dos manifestantes, dos transeuntes e de seu entorno. Serve para que acomodem, ressalvados os casos de absoluta impossibilidade, dois atos parcialmente simultâneos. Há dever de compatibilizar, não prerrogativa discricionária de proibir. Governos democráticos conhecem a diferença. Em segundo lugar, cabe a toda cadeia de comando estatal o dever de absoluta neutralidade: não podem decidir sua maneira de atuar em razão da coloração política dos protestantes. Isso se dá quando, por exemplo, algumas manifestações recebem regalias de passe-livre e outras são constrangidas a certo percurso, o que é ilegal. O trajeto do protesto pode ser parte daquilo que se quer expressar. Passar pela sede de um partido ou por uma repartição pública pertence à esfera de autonomia dos cidadãos. Governos democráticos celebram o pleno direito ao protesto. Cabe à polícia contribuir para uma manifestação segura. Deve proteger manifestantes pacíficos daqueles que apelam à violência. Deve reprimir indivíduos violentos e conduzi-los com segurança à autoridade adequada, para que suas responsabilidades sejam apuradas, na forma da lei. Policiais, supõe-se, não se deixam exaltar diante de provocações verbais. Se há atos de vandalismo, o uso da força policial deve ser cirúrgico e proporcional. Polícias democráticas manejam suas armas com apuro técnico, não por instinto. Não cabe à polícia dissolver o protesto em razão de atos violentos isolados. Não pode, por meio do uso de bombas de gás ou balas de borracha, dispersar uma multidão indistinta, pondo qualquer transeunte em risco por causa da violência de alguns. Tal estratégia impede o exercício regular de direito constitucional de todos os demais. Aos manifestantes, por óbvio, cabe o dever de não violência e de não frustrar outro evento anteriormente convocado. Não parece ser o caso deste domingo. A postura proibitiva inicialmente adotada pelo governo paulista não respeita a Constituição, nem na sua letra nem no seu espírito. A solução para nossos impasses, num momento em que a integridade do Estado democrático de Direito está em jogo, não se dará pela limitação das liberdades públicas. Ao governo, federal ou estadual, não é dado usar da força bruta para calar e ferir quem o contesta nas ruas. O plano de salvar a democracia do futuro limitando a do presente já foi posto em prática em outras oportunidades no Brasil. Falhou miseravelmente em todas elas. O vandalismo de alguns protestantes não se responde com vandalismo policial. A Constituição se aplica a todos. CONRADO HÜBNER MENDES é professor doutor de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo RAFAEL MAFEI RABELO QUEIROZ é professor doutor de teoria do direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-04-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809960-o-vandalismo-dos-outros.shtml
O paradoxo do STJ
O STJ (Superior Tribunal de Justiça), cuja presidência tive a honra de assumir no dia 1º de setembro, é uma imponente estrutura administrativa, com quase 5.000 colaboradores (entre servidores, comissionados, estagiários e terceirizados) e orçamento de R$ 1,164 bilhão para 2016. Nada, entretanto, parece excessivo ante as colossais dimensões que suas tarefas adquiriram nos últimos anos. Para se ter uma ideia, de janeiro a dezembro de 2015 chegaram 327.841 novos casos ao tribunal. No primeiro semestre deste ano, o número de processos recebidos já havia superado em 20% o do mesmo período do ano passado. Frente a tal volume de trabalho, o STJ tem apelado para a criatividade e a tecnologia. Novas ferramentas de triagem vêm sendo utilizadas, com grande êxito, para permitir o julgamento sumário de feitos com vícios processuais ou para dar à parte a oportunidade de corrigir tais vícios, quando sanáveis, ainda antes da distribuição. Por mais exitosos que se mostrem os esforços do tribunal ao lidar com os desafios impostos pela demanda, e por mais necessários que eles sejam, o fato é que vivemos um paradoxo: quanto mais julgamos, mais nos distanciamos daquilo que é, essencialmente, a nossa missão constitucional. O STJ foi criado em 1988 para equalizar a interpretação do direito federal infraconstitucional, assegurando, por meio do julgamento do recurso especial, a aplicação uniforme das leis em todo o país. Entretanto, a crescente judicialização, a ampliação do acesso à Justiça, a consciência cada vez maior dos cidadãos acerca de seus direitos, a própria existência de novos direitos e a multiplicação de conflitos numa sociedade mais complexa -tudo aliado a um sistema recursal ainda bastante permissivo- tendem a transformar os tribunais em usinas de processamento de feitos, e os magistrados, em gerentes dessa linha de produção. É preciso julgar menos, mais rápido e com qualidade. No caso específico do STJ, o recurso especial tem sido utilizado para todo e qualquer questionamento quanto à aplicação de lei federal, mesmo quando a solução da controvérsia não repercuta senão para as partes diretamente envolvidas. Enquanto isso, questões realmente importantes do ponto de vista jurídico, político, social ou econômico, com reflexos para todo o país, ficam na fila, aguardando a atenção dos ministros. A Proposta de Emenda Constitucional 209/2012, que condiciona a admissão do recurso especial ao reconhecimento da relevância da questão federal discutida, representa uma esperança de que o STJ retome o caminho que lhe foi traçado pelo constituinte. A matéria aguarda o pronunciamento do plenário da Câmara dos Deputados, após o que terá de passar pelo Senado. É urgente que o Congresso Nacional aprove a PEC 209 para corrigir o desvirtuamento da função institucional do STJ, hoje mais ocupado em resolver casos individuais do que em definir teses jurídicas relevantes para a sociedade. Como a construção de uma jurisprudência sólida, abrangente e uniforme favorece a prestação jurisdicional em todas as instâncias, esta será também uma importante contribuição para resolver o crônico problema da morosidade, o maior dos pecados da nossa Justiça. LAURITA VAZ, é presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Foi promotora de Justiça do Ministério Público de Goiás e do procuradora da República do Ministério Público Federal PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-04-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809959-o-paradoxo-do-stj.shtml
Foi correta a decisão de fatiar a votação do impeachment de Dilma? SIM
PROCEDIMENTO RESPEITOU DIREITO DE DEFESA No processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, decidiu-se separar a votação da perda do mandato da votação da inabilitação política. Ela teve o mandato cassado, mas preservou o direito a exercer funções públicas. A partir disso, uma celeuma nacional foi instalada quanto à conduta do Senado Federal em permitir e realizar esse modo de votação. Com efeito, ao meu entender, assim como o processo de impeachment não foi golpe, o referido modo de votação e o respectivo resultado não foram inconstitucionais. É certo que a Constituição Federal prevê o processo de impeachment do presidente da República por crime de responsabilidade, com as consequências da perda de mandato e da respectiva inabilitação política. Todavia, não é menos certo que, embora tribunal leigo, o Senado, no processo penal de crime de responsabilidade de presidente da República, é a corte criminal competente para conhecer, julgar a acusação e, em caso de condenação, ditar a respectiva sanção. As penas para o crime de responsabilidade de presidente da República não são corporais, restritivas de liberdade, mas sim restritivas de direitos -a perda de mandato e a inabilitação política. Assim sendo, como colégio de juízes da causa, cabe ao conjunto dos senadores, com o quórum estabelecido na Constituição Federal, decretar a pena devida na sua dosimetria. Os tratados internacionais de direitos humanos garantem a todo acusado um tribunal competente operando de acordo com o devido processo legal. No caso de Dilma, a pena imposta foi a resposta jurisdicional, na exata medida, tanto em desfavor dela, pois foi condenada e perdeu o mandato presidencial, como em seu favor, pois se defendeu e logrou reduzir a pena ao afastar a inabilitação de seus direitos políticos. O julgamento deixou evidente: sim, Dilma cometeu crime de responsabilidade com as pedaladas; por outro lado, o dinheiro relacionado àquela conduta delituosa não foi desviado em proveito próprio, para o enriquecimento ilícito dela, e sim destinado ao custeio dos programas sociais do governo federal. Desvio é ilícito, é claro, mas, no caso de Dilma, não foi infamante. Tal circunstância deve ser levada em consideração, como de fato foi, a título de atenuante, na dosimetria da pena imposta. O artigo 66, do Código Penal, estabelece uma atenuante inominada de pena, correspondente a qualquer circunstância relevante, anterior ou posterior à prática criminosa, ainda que não prevista em lei. Parece ter sido isso o que, até intuitivamente, aplicaram, com justiça, os senadores. Formaram um tribunal criminal leigo, mas irretocável. Respeitar a razoabilidade e a proporcionalidade na dosimetria da pena, reconhecendo a circunstância atenuante existente, é sinal de respeito aos direitos de Dilma e, principalmente, ao mandamento constitucional de concretização da dignidade da pessoa humana. Pena cruel não é a pena dura, mas sim a desproporcional. No caso em questão, seria aquela que não viesse a considerar a aludida atenuante. Convenhamos, a perda do mandato presidencial foi uma pena muito mais dura do que seria a inabilitação dos direitos políticos. Em caso contrário, ou seja, se não fosse considerada a atenuante em seu favor, Dilma poderia, com razão, recorrer ao Supremo Tribunal. Portanto, permito-me afirmar que foi legítima a decisão no processo de impeachment de separar a votação da perda do mandato da votação da respectiva inabilitação política. RICARDO SAYEG, advogado, é presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-03-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809956-foi-correta-a-decisao-de-fatiar-a-votacao-do-impeachment-de-dilma-sim.shtml
Dívida antiga e vencida
Constitui um símbolo flagrante de atraso que o Brasil ostente uma das piores taxas de analfabetismo da América Latina: 8,3% de sua população com mais de 15 anos é incapaz de ler e escrever - um contingente de 13 milhões de pessoas. Embora programas para erradicar esse deficit civilizacional se sucedam desde a década de 1940, o insucesso generalizado sugere que seguidos governos andaram mais preocupados em mostrar que agiam do que realmente empenhados em solucionar o problema. O país, com efeito, nunca chegou a definir e implementar uma verdadeira política pública para a questão, com objetivos de longo prazo e constante avaliação dos resultados e das estratégias adotadas. Vigora atualmente o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), criado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A iniciativa, que já vinha em desidratação —passou de 1 milhão de alunos em 2013 para 170 mil neste ano—, corre agora risco de descontinuidade. Como mostrou reportagem desta Folha, desde junho não são abertas novas turmas. A administração do presidente Michel Temer (PMDB), no entanto, afirma que o PBA está mantido e que será retomado em novembro. Dado o número vergonhoso de analfabetos no Brasil, o país não pode prescindir de programas para enfrentar a questão de uma vez por todas. Os maus resultados do PBA, porém, obrigam o governo —sobretudo num contexto de grave crise econômica— a avaliar o que vem sendo feito e implementar melhorias palpáveis. Apontam-se como a principais fragilidades do programa a alta evasão e o baixo encaminhamento de egressos para seguir estudando na EJA (Educação de Jovens e Adultos, antigo supletivo). Menos da metade conclui o curso de alfabetização; destes, nem 50% persistem nos estudos, e com a falta de continuidade o estudante tende a recair no analfabetismo. As bolsas de R$ 400 oferecidas a educadores atraem em geral professores iniciantes e leigos. A baixa qualificação não é sanada pelos cursos de formação, considerados insuficientes –para nada dizer do desvio clientelista em muitos municípios, com prefeitos empregando parentes e cabos eleitorais. Tudo isso afasta o país de cumprir metas internacionais que adotou. E, pior, condena parcela expressiva da população à ignorância e à alienação. Toca agora a Michel Temer saldar a dívida antiga. Não se imagina que possa liquidá-la em seu curto mandato, mas que a enfrente com menos propaganda e mais eficácia. [email protected]
2016-03-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809869-divida-antiga-e-vencida.shtml
O grande divórcio
A segunda-feira ainda não acabou. A torcida do time derrotado continua sob efeito do placar de 61 a 20. Há abulia, depressão, raiva, violência, gente depredando o estádio etc. Só que, mais dia, menos dia, a terça-feira chega, e o torcedor mais transtornado descobre que suas economias não sumiram, sua mulher não o abandonou nem sua casa pegou fogo. A derrota simbólica foi terrível, mas foi simbólica. Não há setor da sociedade ao qual essa comparação se aplique melhor do que à intelectualidade, cuja adesão ao partido recém-demitido foi quase unânime. O que se vê nos universos real e virtual é intelectual histérico, apocalíptico e/ou em pânico a nos ameaçar com um amanhã tão sombrio quanto o prometido por seus pares britânicos aos compatriotas caso o Brexit triunfasse. No entanto, praticamente nenhum intelectual aqui perdeu ou perderá dinheiro, poder, influência por causa do impeachment. Seus lugares em universidades, jornais, editoras, shows e naquela rede de TV seguirão inalterados. Nem por isso a intelectualidade está segura. Não é que seus membros corram o risco de os camisas-negras do novo presidente ou a polícia secreta da República de Curitiba sequestrá-los no meio da noite e despachá-los para Guantánamo. Não. É que nesses 13 anos consumou-se um divórcio inédito entre eles e a maioria dos brasileiros, algo que se patenteou durante as recentes megamanifestações. Artistas, cantores, autores e jornalistas, como os que encabeçaram ou inspiraram as Diretas Já, foram para um lado chamando a população, que, sem qualquer grande personalidade, dirigiu-se majoritariamente para o sentido oposto. Nossa elite intelectual influencia cada vez menos as escolhas políticas dos concidadãos, para boa parte dos quais anda granjeando fama de áulica e servil. Será que ela ignora que um dos grandes tabus tácitos do país é não bajular o chefe, pelo menos não abertamente, em público? Por mais maravilhoso que um governo seja, ainda é um governo, e não cai bem intelectual elogiá-lo anos a fio, sem parar. Pode ser convicção 100% honesta, mas soa como bajulação. Além disso, nem mesmo o interesse pelo trabalho específico da casta em questão está em alta. É claro que a intelectualidade não precisa estar afinada com a população. Houve épocas em que muitos escritores e artistas se orgulhavam do contrário, de serem aristocratas do espírito, distantes da "turba rude". Acontece que, hoje, dez em dez intelectuais querem ou creem encarnar o papel de tribuno da plebe e até de psicanalista das massas. Aí, tal descompasso se torna preocupante. Vale a pena também perguntar quem ainda quer o apoio político do grupo. Afinal, muito do crescente insucesso do partido de partida resulta de ter se aproximado demais da intelectualidade, pois quanto mais esta o defende em público, menos eleitores ele atrai, já que o intelectual típico quer sempre ganhar integralmente toda e qualquer discussão, é insistente, nunca muda de assunto, não dá trégua e tem certeza de que fala em nome da história e dos anjos. Nada disso seduz um público que ou não é religioso ou sabe separar sua religião de sua política. E já que a pauta é como hostilizar eleitores e se livrar de seus votos, cabe observar que, não bastasse o governo demitido ter inundado cidades como São Paulo com o maior (e menos comentado) tsunami já visto de moradores de rua, seus defensores saem agora dia e noite perpetrando atos de depredação, vandalismo e até mesmo tirando desses sem-teto a última "zona de conforto"que lhes restava. Eis aí uma forma muito peculiar, especialmente numa democracia, de fazer amigos e influenciar pessoas. NELSON ASCHER, 58, é poeta e tradutor. Editou a "Revista USP", coordenou a Coleção Leste da Editora 34 e foi colunista da "Ilustrada" e editor do caderno "Folhetim", ambos da Folha PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-02-09
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809419-o-grande-divorcio.shtml
Fascistas à solta
Toda democracia digna desse nome assegura a mais ampla liberdade de manifestação, desde que pacífica. Atos de violência são reprimidos —e seus autores detidos e processados pelas autoridades. Essa distinção essencial entre o legítimo e o intolerável em protestos de rua vem-se perdendo no Brasil. Desde as jornadas de junho de 2013, agentes provocadores caracterizados como "black blocs" praticam depredações e outras formas de vandalismo e continuam impunes. Alegam ser adeptos de uma ideologia anarcoide que utiliza a "violência simbólica" como suposta tática política. Os extremos do espectro político se confundem de tal modo que o comportamento desses milicianos, dispostos a impor seu ponto de vista pela truculência e pela intimidação, merece antes o epíteto de fascista. Não foi nada "simbólica", aliás, a violência empregada contra o cinegrafista Santiago Andrade, assassinado por dois "black blocs" numa manifestação no Rio em fevereiro de 2014, sem que os criminosos tenham ido a julgamento até hoje. O roteiro é conhecido. Esses soldados da arruaça se infiltram em protestos de esquerda, cujas lideranças têm medo de repudiá-los. Além de danificar propriedade pública e privada, agridem a polícia com o objetivo de provocar retaliação. A polícia revela-se pouco preparada para manter a ordem e garantir que apenas os manifestantes violentos sejam coibidos. Não faltaram episódios em que policiais cruzaram os braços em face da baderna ou exorbitaram na repressão, atingindo inocentes. Desaparecidos de cena, os delinquentes voltaram a agir em meio aos protestos contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) nas noites de quarta-feira (31) e quinta-feira (1º) em São Paulo, atacando prédios no centro da cidade, entre eles a sede deste jornal. Grupelhos extremistas costumam atrair psicóticos, simplórios e agentes duplos, mas quem manipula os cordéis? O que pretendem tais pescadores de águas turvas? Quem financia e treina essas patrulhas fascistoides? Está mais do que na hora de as autoridades agirem de modo sistemático a fim de desbaratá-las e submeter os responsáveis ao rigor da lei. Democracias incapazes de reprimir os fanáticos da violência são candidatas a repetir a malfadada República de Weimar, na Alemanha dos anos 1930, tragada pela violência de rua até dar lugar à pior ditadura que jamais houve.
2016-02-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809423-fascistas-a-solta.shtml
Orçamento otimista
Entregue ao Congresso poucas horas após a conclusão do impeachment de Dilma Rousseff (PT), a proposta orçamentária do governo Michel Temer (PMDB) para 2017 foi apresentada como peça realista, feita sob medida para marcar o fim da era das pedaladas. A proposta prevê que as despesas do governo federal diminuirão como proporção do PIB, algo que aconteceu pela última vez há cinco anos. Segundo os dados oficiais, elas consumirão quase um quinto da riqueza produzida no país, sem contar os juros da dívida pública. O governo deve acumular neste ano deficit de R$ 170,5 bilhões, resultado de uma recessão econômica que já dura dois anos e dos excessos cometidos pelas administrações petistas. A meta de Temer para o próximo ano é reduzir o rombo para R$ 139 bilhões. Em julho, quando esse objetivo foi anunciado pela sua equipe econômica, faltavam R$ 55 bilhões para fechar a conta e evitar um deficit ainda maior. Passados dois meses, essa diferença evaporou. O governo reviu suas projeções para a economia e passou a contar com receitas maiores do que as calculadas anteriormente. A previsão de crescimento do PIB no ano que vem, que era de 1,2%, foi elevada para 1,6%, permitindo que as receitas estimadas pelo governo aumentassem em R$ 26 bilhões, quase metade da diferença apontada em julho. A pesquisa semanal feita pelo Banco Central com economistas do mercado financeiro aponta taxa mais modesta para o próximo ano, de 1,2%. Graças às novas projeções, Temer pôde encaminhar sua proposta orçamentária ao Congresso sem precisar propor um aumento de impostos para fechar a conta. O presidente e sua equipe sabem que seria difícil obter aprovação para isso num momento em que a economia patina e os políticos se preocupam com eleições municipais. Esse artifício tornou a credibilidade do governo dependente de uma recuperação da atividade econômica mais vigorosa do que a prevista pela maioria dos analistas. Como mostram dados divulgados pelo IBGE na terça-feira (30), o país dificilmente sairá da recessão antes do fim do ano e vai levar tempo para voltar a crescer com força. Ao apresentar a proposta de Orçamento, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que o governo vai segurar despesas dos ministérios se suas previsões otimistas se frustrarem. Ou seja, Temer promete fazer de tudo para manter o compromisso assumido durante a interinidade, quando disse que não subiria impostos. Na administração do cobertor curto do Orçamento, quase todo consumido com a Previdência e outros gastos obrigatórios, o mais difícil para Temer será satisfazer o apetite de seus aliados e ministros. [email protected]
2016-02-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809424-orcamento-otimista.shtml
Fresta de oportunidade
Quis o acaso que o afastamento definitivo de Dilma Rousseff (PT) da Presidência pelo Senado coincidisse com a divulgação de uma estatística que resume seu fracasso no governo: o sexto trimestre seguido de retração do PIB, algo sem registro na história do país. Desde que a recessão atual se iniciou, no começo de 2014, a economia encolheu 7,9%, pior desempenho entre as principais economias do mundo. A retração de 0,6% observada no segundo trimestre (em comparação com o anterior), porém, indica que pode estar em curso uma estabilização. Depois de amargar um colapso de 26% ao longo de dez trimestres consecutivos, os investimentos avançaram, ainda que modesto 0,4%. A produção industrial já mostrara alta de 1,2%. É um sinal importante, e vem acompanhado de rápida recuperação dos indicadores de confiança na indústria, no comércio, nos serviços e até na construção civil. Mas permanecem vários obstáculos estruturais para uma retomada consistente. Na terça-feira (30) divulgou-se novo aumento do desemprego, de 11,3% para 11,6%. São agora 11,8 milhões de brasileiros sem trabalho. Entre os empregados, a renda apresentou perda de 3,1% (valor ajustado pela inflação) entre julho de 2015 e julho de 2016. Não por acaso, verificou-se, nos dados do PIB, retração no consumo. A retomada ainda depende de reformas que reduzam o risco de insolvência do Estado, como a imposição de um teto para os gastos públicos e uma revisão das normas da Previdência. O teto demandará esforço especial de convencimento quanto às despesas com saúde e educação. Não será mais possível ampliá-los na proporção do crescimento da receita, e caberá mostrar ao país que não serão esmagadas pela expansão contínua de outras rubricas. Para pedir sacrifícios da sociedade, o governo precisará conter salários e benefícios dos estratos superiores do funcionalismo, assunto em que o presidente Michel Temer (PMDB) até agora tergiversou. Subsídios a grandes empresas também devem ser reduzidos. Se Temer falhar em convencer o país de que é capaz de combinar equilíbrio orçamentário com justiça social, sua gestão e sua legitimidade serão rapidamente erodidas. [email protected]
2016-01-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809058-fresta-de-oportunidade.shtml
Necessidades do pós-impeachment
A cassação do mandato presidencial de Dilma Rousseff ocupa lugar de destaque na lista dos fatos tristes da história do Brasil. É lamentável que uma líder eleita para guiar a nação tenha cometido crimes de responsabilidade e, por isso, tenha sido condenada a perder o cargo, de acordo com o que estipula a Constituição. Neste momento, cabe observar que estão expostas contradições da ainda jovem democracia brasileira. Sob alguns aspectos, existe alto nível de maturidade. Sob outros, ainda há carência de aprimoramentos urgentes. O fato de a lei ter sido respeitada e aplicada de forma rigorosa é benéfico para a superação da crise moral e ética sem precedentes que abate a nação. A legislação é clara ao afirmar que o impeachment é a punição correta para os crimes de responsabilidade cometidos pela chefe do Executivo. Todo o processo foi conduzido de forma legal, inclusive sob a égide de regras definidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Não existe, portanto, golpe de Estado no Brasil. Deficiências e vulnerabilidades escancaradas neste momento lamentável devem ser absorvidas de modo a produzir um futuro melhor e não a reproduzir os erros recorrentes na história recente. Após o grande avanço introduzido pela Lei da Ficha Limpa e pela proibição da doação empresarial a partidos e candidatos, por exemplo, é preciso aprovar logo uma lei que tipifique o crime de caixa dois. É absurdo que essa prática ainda não seja criminalizada, mesmo após tantos escândalos derivados dela. A sociedade deve fazer sua parte e cobrar dos políticos, eleitos para defender os interesses do povo e não de um ou outro grupo econômico, que aprovem as leis necessárias para aprimorar a democracia e reprovem os projetos que agridam o Estado democrático de Direito e os direitos individuais. Os cidadãos, além disso, não podem esquecer de sua grande responsabilidade na construção de um país melhor. Para superar a crise e ajudar a elevar a autoestima nacional, todos precisam exercer ativamente os deveres da cidadania. As formas mais básicas de cumprir essa obrigação são, antes da eleição, estudar a fundo a vida dos candidatos e, depois, fiscalizar o trabalho dos eleitos de maneira constante, não apenas quando as crises chegam ao auge, como ocorreu nos dois casos que resultaram em impeachment em um período curtíssimo -o de Fernando Collor, em 1992, e o de Dilma Rousseff, agora em 2016. Os integrantes do novo governo não poderão se eximir da responsabilidade maior que aceitaram ao ascender ao poder. Deve-se abandonar, com urgência, práticas ultrapassadas e já reprovadas pela sociedade, como a nomeação de pessoas sob investigação e a adoção de medidas prejudiciais aos serviços públicos básicos. A crise não é só econômica -é também ética, moral e política. Por isso, medidas estritamente tecnocráticas não resolverão o problema. Saúde, educação, segurança pública e acesso à Justiça são serviços fundamentais e precisam receber mais investimentos para melhorar radicalmente no curto prazo. Por outro lado, um bom primeiro passo para o ajuste econômico é cortar privilégios de autoridades e reduzir o número de cargos de confiança na máquina pública. Esforço de união será necessário para que a oportunidade de melhora seja bem aproveitada. O revanchismo não contribui para atenuar os problemas estruturais, como desigualdade e corrupção, que afligem o país. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) estará vigilante para que sejam respeitados a Constituição e direitos e garantias dos cidadãos. CLAUDIO LAMACHIA, especialista em direito empresarial, é presidente nacional da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-01-09
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809066-necessidades-do-pos-impeachment.shtml
Governo novo
Consumou-se, enfim, o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Por 75% dos votos, o Senado tornou definitivo o afastamento da presidente determinado em 17 de abril pela Câmara, na qual 71% dos deputados haviam votado por suspender a mandatária e levá-la a julgamento –ambas maiorias superiores aos dois terços exigidos em lei. O processo decorreu em estrita obediência à Constituição, assegurado amplo direito de defesa e sob supervisão de suprema corte insuspeita. As acusações de fraude orçamentária, porém, embora pertinentes enquanto motivo para impeachment, nunca se mostraram irrefutáveis e soaram, para a maioria leiga, como tecnicalidade obscura –e, para uma minoria expressiva, como pretexto de um "golpe parlamentar". Esta Folha teria preferido, como manifestou diversas vezes, que a extrema gravidade da crise e o inconformismo da sociedade houvessem conduzido à renúncia da chapa eleita em 2014 ou a sua impugnação, caso confirmados na Justiça os indícios de crime eleitoral. Isso levaria à realização de eleições diretas, única forma de conferir legitimidade inconteste ao novo governo. Raramente, no entanto, cenários ideais se concretizam em política. Michel Temer (PMDB) é o sucessor legal da ex-presidente Dilma Rousseff e está investido, até prova em contrário, da legitimidade formal para governar o país até dezembro de 2018. A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal e do julgamento, Ricardo Lewandowski, de dissociar a perda do mandato e a inabilitação para exercer cargo público deu ao Senado ensejo para poupar a ex-presidente desta última sanção, quando, em segundo escrutínio, não se alcançou a maioria de dois terços. Essa conduta pode traduzir falta de convicção condenatória ou desejo de desarmar espíritos, mas viola o parágrafo único do artigo 52 da Constituição, que prescreve a inabilitação como consequência automática da perda do mandato. O destino de Dilma Rousseff, entretanto, é agora assunto privado, conforme seu governo, um dos piores da história nacional, desaparece de vez para ser recolhido aos livros de história. A prioridade máxima da administração agora confirmada é a recuperação de uma economia em frangalhos. Para tanto, é preciso abandonar as hesitações da interinidade e adotar, como sugeriu o próprio Temer em suas primeiras falas como governante efetivo, atitude mais corajosa e firme. É mandatório que o presidente emita sinais convincentes de que não será candidato a ficar no cargo em 2018. É, sobretudo, imperativo aprovar no Congresso os projetos de reforma econômica —teto para o gasto público e revisão nas regras da Previdência— que se configuram como alavancas sem as quais o Brasil não emergirá da recessão calamitosa em que atolou há dois anos. [email protected]
2016-01-09
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Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1809059-governo-novo.shtml