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Racismo policial
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Na onda de otimismo provocada pela eleição de Barack Obama, em 2008, houve quem acreditasse que a chegada do primeiro presidente negro à Casa Branca marcaria o início da era pós-racial no país. A mais recente onda de protestos contra casos de racismo policial, no final do seu segundo mandato, mostra que esse futuro róseo não passava de ilusão. As marchas foram motivadas pelos bárbaros e injustificáveis assassinatos de dois negros por policiais brancos em incidentes separados nos Estados de Louisiana e Minnesota, na semana passada –ambos registrados em vídeos amplamente divulgados. Num dos protestos, em Dallas, no Texas, uma passeata pacífica se transformou em tragédia, após um atirador negro, agindo sozinho, matar cinco policiais na quinta (7) —quatro brancos e um latino. O recrudescimento da tensão racial ocorre um ano e meio após a morte de Michael Brown, um adolescente negro desarmado, por policiais brancos da cidade de Ferguson. Os protestos ali reacenderam o debate sobre a violência policial contra negros, chaga de longo histórico nos Estados Unidos. Se é fato que a almejada sociedade pós-racial ainda hoje constitui uma quimera nos EUA, seria exagerado afirmar que não houve progressos nas últimas décadas. Barack Obama certamente não teria se tornado presidente sem as conquistas dos movimentos pelos direitos civis dos anos 1960, como o fim das barreiras para participação política e maiores oportunidades educacionais. Mesmo com respeito à ação da polícia verificam-se progressos. Ironicamente, Dallas é um dos exemplos. Desde que o chefe de polícia negro David Brown assumiu o cargo, em 2010, as reclamações por abuso de força caíram 64%, em meio à implantação de um bem-sucedido programa de aproximação com a comunidade. É inegável, porém, que problemas estruturais persistem. Basta dizer que, embora representem cerca de 6% da população, homens negros formam 38% do contingente carcerário. Como mostram estudos, eles recebem penas mais duras que os brancos pelo mesmo crime. Tais discrepâncias não são exclusividade dos norte-americanos. No Brasil, os negros também sofrem com a violência policial —recordem-se os cinco jovens desarmados mortos por policiais no Rio de Janeiro em dezembro, após serem confundidos com ladrões. Cabe ao poder público, em ambos os países, impedir que episódios como esses fiquem impunes, sob o risco de perpetuar as injustiças de duas sociedades forjadas no sistema escravista. [email protected]
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2016-07-13
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1791107-racismo-policial.shtml
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Voo privatista
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Iniciado há quatro anos, o processo de privatização dos principais aeroportos do país já legou melhoras visíveis aos usuários, mas deixou por resolver deficiências estruturais do setor. Daí que suscite dúvidas a intenção de tirar do poder público a gestão de Congonhas, em São Paulo, e do Santos Dumont, no Rio de Janeiro, manifestada pelo presidente interino, Michel Temer (PMDB), em entrevista a esta Folha. Em tempos de flagelo orçamentário, a providência renderia um reforço mais que bem-vindo aos cofres do Tesouro Nacional. No momento, as concessões oficialmente programadas limitam-se aos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Florianópolis e Fortaleza, com receita esperada em torno de modestos R$ 4 bilhões. É de esperar que as autoridades tenham aprendido com os equívocos anteriores. Em 2012, quando foram leiloados os terminais de Guarulhos, Brasília e Campinas, editais pouco exigentes tornaram vitoriosos grupos empresariais de porte médio e escassa experiência no ramo. O problema foi sanado no ano seguinte, mas as privatizações do Galeão (RJ) e de Confins (MG) reincidiram no modelo que mantinha a estatal Infraero como sócia obrigatória dos consórcios vencedores, com participação de 49% no negócio. Os efeitos colaterais são perceptíveis hoje. Com resultados comprometidos pela recessão, os concessionários mal conseguem honrar os pagamentos anuais devidos ao Tesouro, e o ingresso de pouco mais de R$ 2 bilhões deverá ser adiado deste mês para dezembro. Deficitária, a Infraero tampouco tem condições de fazer aportes aos empreendimentos. A estatal, desenvolvida pelos militares, padece dos males de uma estrutura arcaica e inchada, na qual grassa o corporativismo —basta dizer que assumiu os custos com os funcionários não aproveitados nos aeroportos desestatizados. É justamente na rentabilidade dos dois terminais da ponte aérea Rio-São Paulo que a empresa se ampara agora. O passo sugerido por Temer, portanto, terá consequências para a sustentação financeira de toda a rede restante. Nesses casos, a sofreguidão por receitas pode ser má conselheira, como mostram vícios das privatizações que não dedicaram o devido cuidado à regulação dos setores afetados —entre os exemplos, formação de oligopólios, carência de investimentos e empresas dependentes do socorro federal. O deficit no Orçamento é uma mazela conjuntural; eliminar ineficiências públicas e privadas deve ser um objetivo permanente. [email protected]
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2016-12-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790757-voo-privatista.shtml
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A mediação na Justiça do trabalho
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A Justiça do Trabalho sempre foi pioneira na formulação de um direito especial, visando simplificar as formalidades processuais. Embora tenha sido a precursora da política de incentivo à composição entre as partes, a utilização da mediação ainda lhe é um tema controvertido. A controvérsia versa sobre a especificidade do direito do Trabalho e a necessidade de tratamento diverso, bem como por entender que a mediação não se compatibiliza com o modelo de intervencionismo estatal, norteador das relações de emprego no Brasil. Com a aprovação da Lei 13.140/2015, a mediação passou a ter um papel importantíssimo como meio de solução de controvérsias entre particulares. Além desta lei, o novo Código de Processo Civil prestigiou essa modalidade de autocomposição, para que a jurisdição não seja a única forma de solução de conflitos. A mediação é uma das ferramentas privadas que vem demonstrando, mundialmente, sua grande eficiência na resolução dos conflitos interpessoais, pois com ela são as próprias partes que encontram as soluções. Como benesses temos, especialmente, a celeridade e eficácia dos resultados, a redução do desgaste emocional das partes, além do reduzido custo financeiro. Em análise preliminar, as disposições do Código de Processo Civil (CPC) poderiam ser aplicadas supletiva e subsidiariamente (artigo 15), ante a ausência de normas específicas para regulação dos processos trabalhistas. Entretanto, o tema não é simples e tampouco pacífico. O volume de processos em tramitação perante a Justiça brasileira ultrapassou a marca de 100 milhões. Esse dado foi divulgado no relatório do Conselho Nacional de Justiça. É certo que 9% desse montante refere-se às demandas trabalhistas. Por mais que os juízes e desembargadores esforcem-se para escoar esse estoque de ações, não conseguem julgar as demandas com a velocidade que a prestação jurisdicional é esperada. Desde o ano 2000, a Justiça do Trabalho busca ferramentas extrajudiciais para composição. Para tanto, instituiu as Comissões de Conciliação Prévia, com a atribuição de promover a conciliação dos conflitos individuais do trabalho. A natureza jurídica das comissões é de mediação. Contudo, esse instituto não conseguiu atingir seu objetivo, visto que a cultura da judicialização continua arraigada no Brasil. A mediação poderia ser uma importante ferramenta para a efetivação do princípio constitucional previsto, na esfera processual, no artigo 4º do novo CPC: "As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa", ou seja, as partes têm o direito de obter a solução da questão controversa de forma célere. A celeridade é a grande contribuição das formas extrajudiciais de solução de conflitos. Nesse sentido, os apoiadores defendem que a mediação traz velocidade e desafoga os tribunais e que a resolução 125 do CNJ já traz em seu bojo a possibilidade de aplicação imediata a todas as esferas da Justiça, não havendo exceção aos temas trabalhistas. Já a corrente que acredita nos aspectos controvertidos menciona que o artigo 42, parágrafo único, da Lei de Mediação, previu que as relações de trabalho serão reguladas por lei própria. Por conta disso, defendem a criação de uma ressalva no texto ou de uma nova resolução para os temas trabalhistas, a fim de evitar que o vazio normativo possa gerar qualquer tipo de desmonte. Para discutir esses pontos e dirimir o debate sobre a aplicação da mediação aos temas laborais, o Conselho Nacional de Justiça promoverá audiência pública sobre o tratamento adequado aos conflitos de interesses no âmbito da Justiça do Trabalho. Em referida audiência, de abrangência nacional, objetiva-se debater, especialmente, a mediação privada e a pré-processual. Esta iniciativa vai ao encontro da alta relevância do tema na Justiça do Trabalho. Tanto que o Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio do ato nº 168/16, instituiu o procedimento de mediação e conciliação pré-processual em dissídios coletivos, a ser conduzido e processado no âmbito da Vice-Presidência do Tribunal Superior do Trabalho. O fomento às vias alternativas de resolução de conflitos permitirá que se dê uma solução razoável à realidade nacional, que possui litigância excessiva. Essa prática promoverá uma melhoria direta para as empresas e colaboradores, pois, na impossibilidade de resolução da controvérsia pela mediação, poderão gozar de um sistema judiciário dotado de maior qualidade e disponibilidade. O conflito é um fato, e não um fenômeno. A simplificação do direito e o bom funcionamento do Judiciário são indispensáveis para a manutenção do Estado de Direito. Assim, mudanças que visem melhorias contribuem, também, para o fortalecimento da democracia. Esse é o verdadeiro espírito do acesso à Justiça. VANESSA SAPIÊNCIA é advogada trabalhista e sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-12-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790754-a-mediacao-na-justica-do-trabalho.shtml
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O melhor acerto fiscal do Brasil
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A Zona Franca de Manaus vem cumprido o papel de bode expiatório para alguns analistas do instrumento de renúncia fiscal no Brasil. Estudos do TCU (Tribunal de Contas da União), entretanto, reafirmam que apenas esse modelo fiscal apresenta rigoroso acompanhamento da renúncia, feito pela Superintendência da Zona Franca de Manaus. O TCU analisou os seguintes programas de estímulo à indústria brasileira: as leis de informática, a Lei do Bem, Padis (semicondutores e displays), PATVD (TV digital) e o Inovar-Auto. Neles não há garantias nem monitoramento dos resultados. Pelo volume de benefícios gerados, por sua vez, a Zona Franca de Manaus começa a ser reconhecida como um caso de sucesso, não apenas na redução das desigualdades regionais e na contribuição para a geração de emprego mas também no zelo e guarda da floresta. Sem a Zona Franca, toda a Amazônia Ocidental já estaria depredada, como outros rincões da região. A renúncia fiscal da Amazônia inteira, incluindo Tocantins, dois terços do território nacional, segundo a Receita Federal, é de 12% dos incentivos fiscais, enquanto o Sudeste, a região mais rica do Brasil, usufrui de 53%. As distorções da política fiscal na Amazônia, porém, não param por aí. A Zona Franca, mesmo com o estigma de paraíso fiscal, virou o paraíso do Fisco, que recolhe em Manaus metade de todos os impostos federais da região Norte. Foi transformada em exportadora líquida de recursos para a União, que confisca 80% das verbas recolhidas pela indústria para pesquisa e desenvolvimento regional. Segundo estudos da USP, a União abocanha 54,42% da riqueza produzida pela região. Cabe lembrar que, de R$ 1 trilhão investido pelo BNDES, de 2009 a 2014, o Estado do Amazonas, sem infraestrutura adequada de crescimento, recebeu apenas R$ 7 bilhões para desenvolvimento regional, enquanto São Paulo, o carro-chefe da economia nacional, obteve R$ 245 bilhões (24,5%). No âmbito estadual, o acerto do modelo fiscal da Zona Franca manifesta-se nos recursos recolhidos pelo governo estadual, mais de R$ 1,4 bilhão por ano, que bancam integralmente a Universidade do Estado do Amazonas e o Centro de Educação Tecnológica, com mais de 500 mil pessoas treinadas, além das cadeias produtivas do interior e dos programas de turismo e interiorização do desenvolvimento. Dados da Receita Federal apontam que, dos 27 entes federativos (26 Estados mais o Distrito Federal), somente oito devolvem para a União, em arrecadação de tributos federais, valores acima do repasse compulsório que recebem. O Amazonas recebe, em média, R$ 3,6 bilhões por ano e arrecada em tributos federais R$ 12 bilhões -ou seja, é um dos principais pontos da geração de receitas públicas no país. Seria enfadonho recorrer ao confronto de diversos indicadores para demonstrar, mais uma vez, o equívoco de algumas informações sobre a Zona Franca de Manaus. Esse modelo não é parte do problema, e sim das possíveis saídas para o Brasil, pela multiplicidade de oportunidades criadas, à espera apenas de gestão e integração nacional. WILSON PÉRICO economista, é presidente do Cieam (Centro da Indústria do Estado do Amazonas). Também é vice-presidente da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-12-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790750-o-melhor-acerto-fiscal-do-brasil.shtml
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Fuga da ilha
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David Cameron, o premiê conservador que enterrou a carreira com o plebiscito sobre a saída britânica da União Europeia, cometeu um grave erro de liderança. Nem ele nem a comunidade política de seu país estavam preparados para uma vitória do "Leave". Os mais destacados partidários da separação também foram atingidos, talvez pela corrosiva herança deixada pelo processo, a de um país rachado. Quase todos renunciaram a posições ou pleitos de comando. Restou Andrea Leadsom, a deputada que vai disputar com Theresa May o posto do demissionário Cameron no Partido Conservador e no governo britânico. May, próxima do establishment da sigla, foi favorável à manutenção do Reino Unido na UE, embora seja crítica da ampla liberdade de movimentação de pessoas introduzida pelo bloco. Leadsom seria opção mais consentânea com o espírito das urnas, mas, na largada da disputa, possui menos capital partidário. O resultado da eleição interna, a ser conhecido em 9 de setembro, marcará provavelmente o início do encaminhamento do veredicto eleitoral, mais de dois meses depois do plebiscito de 23 de junho. Não vai sanar, porém, o problema fundamental da incerteza produzida pela vontade da maioria dos britânicos diante da ausência de um mapa de saída do bloco europeu. Essa insegurança, que poderá estender-se por anos, já produz estragos preocupantes no ambiente imediatista dos mercados financeiros. A libra mergulhou para a sua mais baixa cotação em 30 anos. A fuga da ilha derrubou os juros implícitos nos papéis da dívida americana e alemã e só não encareceu mais outras moedas relevantes em razão de intervenções dos bancos centrais na Europa e até no Brasil. Fundos britânicos suspenderam saques de cotistas, que se tornavam maciços diante da expectativa de queda no valor dos imóveis. O Fundo Monetário Internacional baixou sua projeção de crescimento econômico dos países da zona do euro —a outra moeda diretamente afetada pelo pessimismo pós-plebiscito— neste ano e em 2017. Observadores descreem de que essa trepidação possa produzir nova crise mundial. O "brexit" não teria potencial para deflagrar um cataclismo, como o precipitado pela derrocada das hipotecas nos Estados Unidos em 2008 e 2009. Os efeitos de médio e longo prazo do plebiscito, no entanto, dificilmente deixarão de ser prejudiciais ao crescimento do comércio e da atividade econômica no mundo, a começar do Reino Unido. Tudo isso porque um líder, que caminha para perfilar-se entre os piores na longa história de seu país, pôs-se no papel de aprendiz de feiticeiro. [email protected]
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2016-11-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790384-fuga-da-ilha.shtml
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O lado bom da globalização
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Em 23 de junho, uma pequena, porém eficiente, organização internacional, que acabara de completar dez anos, trocou, pela primeira vez, de presidente. A Unitaid é uma entidade internacional autônoma na área da saúde, "hospedada" na Organização Mundial da Saúde (OMS). Seu mandato principal é facilitar o acesso a medicamentos para as três doenças que mais afligem as populações pobres do planeta: Aids, tuberculose e malária. Juntas, são responsáveis por, aproximadamente, 2,8 milhões de mortes por ano. Embora esse número tenha caído quase pela metade nos últimos 15 anos, o mundo ainda está longe de atingir a meta fixada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, aprovados em 2015: a erradicação total dessas enfermidades até 2030. A Unitaid nasceu de esforços do governo francês em relação a fontes inovadoras de financiamento, que se conjugaram com a ideia do ex-presidente Lula de levar o Programa Fome Zero ao âmbito internacional. Dos entendimentos entre Lula e o ex-presidente francês Jacques Chirac, à margem de uma reunião do G8 (grupo com os países mais desenvolvidos do mundo), em 2003, resultou a campanha de combate à fome e à pobreza, à qual logo se juntaram ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e o ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos. Por ocasião da 59ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2004, uma reunião de líderes mundiais adotou a Declaração de Nova York sobre a Ação contra a Fome e a Pobreza, que contou com a assinatura de mais de cem países. A iniciativa enfrentou resistências de nações desenvolvidas, temerosas de que as "formas inovadoras de financiamento" viessem a incluir a chamada "Tobin Tax", concebida com o objetivo de coibir a volatilidade dos fluxos financeiros. Essa resistência a inviabilizou como um programa da ONU. De outra parte, não havia clareza sobre como desenvolver, no plano global, ações significativas de combate à fome que não viessem a ser redundantes em relação às atividades da FAO (órgão da ONU para a agricultura e alimentação) e do PMA (Programa Mundial de Alimentos). Esse "enigma" viria a ser superado quando a França, por intermédio de seu então ministro das Relações Exteriores, Philippe Douste-Blazy, sugeriu que se cobrasse pequena taxa sobre passagens aéreas, adotada pioneiramente pelos franceses. Outros países, como o Brasil, assumiriam compromissos de resultado similar. Do lado do emprego dos recursos, o programa se destinaria a facilitar o acesso a medicamentos para populações de países mais pobres, como uma espécie de "clearing house". Esse objetivo pareceu não somente legítimo em si mesmo mas também perfeitamente compatível com a campanha que vínhamos realizando. Reino Unido e Noruega se juntariam aos esforços para a criação de uma "central de medicamentos", que viria a ser a Unitaid. Outros países, como Espanha e Coreia do Sul, e entidades privadas, como a Fundação Gates, têm tido importante participação nas atividades. No conselho da entidade estão representadas as diferentes regiões do mundo em desenvolvimento, bem como organizações da sociedade civil e das comunidades das pessoas afetadas pelas três doenças. A Unitaid tem priorizado projetos que visam a"desbloquear gargalos" e a corrigir "falhas de mercado". Para tanto, estimula pesquisas que buscam atender necessidades que não se traduziriam em demanda efetiva, no sentido econômico. Assim se encontraram soluções para carências tão importantes como a formulação pediátrica de remédios para Aids, diagnósticos rápidos para tuberculose e combinações de medicamentos para o tratamento da malária. CELSO AMORIM, diplomata, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar Franco e Lula) e da Defesa (governo Dilma Rousseff). Desde 23/6 preside o conselho da Unitaid (órgão mundial para o combate a doenças como tuberculose, malária e Aids) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-11-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790063-o-lado-bom-da-globalizacao.shtml
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Um processo em construção
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A melhor maneira de se analisar um processo é entendê-lo como um filme. Por exemplo, o filme de nossa política pública social pode ser pensado a partir da Constituição de 1988, que transforma a área, então domínio da filantropia e benesses de primeiras-damas, em direito universal. Com a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), em 1993, surgem programas de transferência monetária não condicionada (Benefício de Prestação Continuada e Renda Mensal Vitalícia) e um sistema descentralizado e participativo de gestão. Em 1996, é criado o primeiro programa federal de transferência condicionada (que exige alguma contrapartida do beneficiário), o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Mudanças substantivas aparecem em 1999. A lista de programas dá lugar ao desenho de uma política orgânica, com centralidade na família, abordagem intersetorial, ações por etapas do ciclo de vida e proteção especial a grupos vulneráveis. É criado o Bolsa Escola, também com transferência condicionada. Em 2000, tem início o Fundo da Pobreza, e em seu bojo o Projeto Alvorada, que consolida importantes diretrizes da política pública social. O projeto baseava-se na focalização geográfica (cidades com baixo IDH), programática (programas de educação, saúde e renda), populacional (famílias em extrema pobreza) e de gênero (em nome da mãe). Utilizava-se a base territorial para articular programas e uma unidade de apoio aos municípios, o Portal do Alvorada, do qual participavam os agentes jovens de desenvolvimento social. Ampliam-se os programas de transferência condicionada e surge a chamada Rede de Proteção Social, cuja integração exigiu um Cadastro Único das Famílias Pobres, de 2001. Após um esforço nacional, no final de 2002, 57% das famílias pobres foram cadastrada, 92% dos municípios tinham cadastros finalizados, ou em andamento, e em todos havia agência ou agente bancário. Em 2003, integram-se os programas de transferência (Bolsa Família), aperfeiçoa-se o Cadastro Único, expande-se o número de beneficiários e articulam-se programas e serviços (Brasil sem Miséria). O trabalho foi organizado em três eixos: renda (Bolsa Família), oferta de serviços e inclusão produtiva. Nesses últimos 30 anos, efetivamente, verifica-se um extraordinário crescimento cumulativo da política pública social no Brasil. Na crise, com menos recursos e mais demandas, o avanço depende do aumento do impacto dos esforços coletivos. Devem ser definidos critérios de saída (graduação) e tempo de permanência no Bolsa Família e um Plano de Desenvolvimento Familiar. O trabalho com as famílias deve ser associado a propostas de desenvolvimento local visando a sustentabilidade do processo. A gestão deve ser mais efetiva. É preciso definir prioridades (primeira infância, juventude), focar em resultados e metas estabelecidas para cada território, mobilizar e institucionalizar parcerias, criar sistemas de acompanhamento e avaliação. A foto atual da política social não é propriedade deste ou daquele governo ou partido. Ela faz parte de um filme construído por toda a sociedade. O final feliz depende de que todos estejam envolvidos no desenvolvimento do país. WANDA ENGEL, doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), é diretora do Instituto Synergos, que desenvolve projetos de educação no Brasil. Foi secretária de Estado de Assistência Social (governo FHC) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-11-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790065-um-processo-em-construcao.shtml
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Dólar sob intervenção
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A rápida valorização do real nas últimas semanas trouxe de volta preocupações pertinentes com a competitividade das empresas exportadoras do país. Depois de superar R$ 4 no início do ano, a cotação do dólar caiu abaixo de R$ 3,20 nos últimos dias. O movimento barateou as importações e encareceu os produtos destinados ao mercado externo. O risco para as exportações não decorre apenas do novo patamar do câmbio. Ainda mais deletérias são as frequentes e acentuadas oscilações da taxa, que atravancam o planejamento de quem busca os consumidores estrangeiros. Isso considerado, é plenamente defensável a decisão do Banco Central de retomar as intervenções no mercado visando sustar as idas e vindas da moeda norte-americana —a despeito de, em princípio, seus dirigentes serem adeptos do regime de livre flutuação cambial. Em sabatina no Senado, quatro novos diretores da instituição defenderam que não deve haver uma meta para as cotações, como muitas vezes se tentou no passado com resultados de inócuos a desastrosos. Trata-se, isso sim, de lidar realisticamente com distorções comuns em economias emergentes como a brasileira. Nesses casos, pratica-se em geral a flutuação sujeita a interferências —ou "suja", como se convencionou chamar. O motivo é que países onde as condições políticas e econômicas são mais instáveis acabam sujeitos a mudanças bruscas nos fluxos de capital estrangeiro. Tome-se o exemplo do Brasil. O pessimismo com os rumos do governo Dilma Rousseff (PT) impulsionava a compra de dólares, elevando a taxa de câmbio; já a troca de governo e de equipe econômica contribuiu para a rápida reversão da tendência. Em cenários assim, cabe ao BC suavizar a intensidade das variações e seu impacto sobre o cotidiano de empresas, investidores e consumidores —sem, no entanto, incorrer no erro de pretender manipular as taxas conforme as preferências do governo de turno. Evidentemente, o ideal é equacionar os desequilíbrios históricos que levam à volatilidade da moeda. Rombos orçamentários e inflação resistente forçam a adoção de juros elevados, que atraem ao país o dinheiro da especulação global, igualmente capaz de fugas abruptas nos momentos de crise. Em termos práticos, deve-se buscar, a longo prazo, juros reais semelhantes aos do resto do mundo, algo como 1% ao ano nos dias de hoje. Fora disso, qualquer intervenção cambial, por justificável que seja, será apenas paliativa. [email protected]
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2016-11-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790382-dolar-sob-intervencao.shtml
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Rio está pronto para fazer história
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Daqui a algumas semanas, os olhos do mundo estarão voltados para o Rio de Janeiro e para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Será um momento histórico, há muito esperado. Como atleta olímpica e membro do COI (Comitê Olímpico Internacional), sete anos atrás aplaudi quando o Brasil tornou-se o primeiro país da América do Sul a sediar os Jogos. Foi a escolha certa. E ainda é a escolha certa. Digo isso com confiança, pois estive envolvida em cada passo da jornada Olímpica do Rio. Visitei esta linda e dinâmica cidade mais de duas dezenas de vezes como presidente da comissão de coordenação do COI. Nosso trabalho é ajudar os organizadores locais a entregar excelentes Jogos que deixarão um legado positivo. Não é segredo que a organização tem sido uma tarefa desafiadora, complicada por eventos políticos e econômicos do país que nada têm a ver com a competição. Eu observei os Jogos de quase todos os ângulos possíveis, incluindo a visão da pista do Estádio Olímpico de Los Angeles, onde, em 1984, ganhei uma medalha de ouro nos 400 metros com barreiras. Trata-se de um empreendimento complexo. Não há nada parecido. Nenhum outro evento apresenta 10.500 atletas de todo o mundo competindo em 28 esportes durante 16 dias, diante de 20 mil jornalistas, 500 mil espectadores e um público global de mais de 4 bilhões de pessoas. Mas há um outro ingrediente importante para este sucesso: a personalidade da cidade-sede. Todas as edições das Olimpíadas são infundidas com cultura, personalidade e tradições singulares da cidade-sede e de seu povo. Os brasileiros e os cariocas têm um calor, resiliência e entusiasmo pela vida que irão energizar os Jogos de 2016. Gostamos de dizer que a Olimpíada é uma celebração da unidade na diversidade. E assim também é o Rio, que tem atraído algumas das melhores e mais brilhantes pessoas de todo o mundo ao longo de 450 anos. Os Jogos ajudarão a tornar o Rio um lugar ainda melhor. No momento em que a economia passa por dificuldades, os projetos criaram milhares de vagas de trabalho e deram um impulso para pequenas e médias empresas em todo o Brasil. Projetos que trarão benefícios por muito tempo. Acredito que as pessoas vão falar de um Rio de antes de 2016 e de outro Rio de depois. Em sete anos, o acesso a transportes de alta capacidade no Rio aumentou de 18% para 63%, com quatro novas linhas do BRT (corredor de ônibus) e a nova linha 4 do Metrô. A zona portuária foi reconstruída. Após os Jogos, muitas das instalações esportivas, incluindo o estádio de esportes aquáticos, serão de uso público. A arena de handebol dará lugar a quatro escolas. Cerca de 70 novos hotéis foram construídos, o que criará milhares de postos de trabalho a longo prazo e ajudará a impulsionar o turismo. Veremos o impacto do legado no povo, especialmente nos jovens. Milhares de voluntários terão uma experiência que nunca esquecerão. Pessoas em todo o Brasil verão o que o Rio é capaz de fazer. O mundo se lembrará dos motivos da escolha do COI. Eu sei o que essa cidade consegue fazer, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras. Sei porque trabalhei com a equipe do Comitê Rio 2016 e muitos outros brasileiros que contribuíram para esse sucesso. Não tenho dúvidas de que os Jogos do Rio serão uma alegre celebração dos esportes, dos valores olímpicos e do espírito de uma das maiores cidades do mundo. E mal posso esperar pela cerimônia de abertura. NAWAL EL MOUTAWAKEL, marroquina, é presidente da comissão de coordenação do COI (Comitê Olímpico Internacional) para o Rio 2016. Ex-atleta, ganhou medalha de ouro na prova dos 400 metros com barreiras nos Jogos de Los Angeles, em 1984 PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-10-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790061-rio-esta-pronto-para-fazer-historia.shtml
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Censura ao 'pixuleko'
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É preciso ler e reler a notícia, pois a primeira reação é de completa incredulidade. Um ofício do Supremo Tribunal Federal pede que a polícia investigue os responsáveis por ter levado às ruas, no dia 19 de junho, dois bonecos infláveis. Os "pixulekos", como ficaram popularmente conhecidos, retratavam o presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ambos caracterizados como defensores do PT. Típicos do sentimento de exacerbação que tomou conta de parcelas da sociedade no auge da crise política, os bonecos representavam uma opinião radicalizada e sem dúvida injusta a respeito da conduta das duas autoridades. Ocorre que, como qualquer caricatura, cartaz ou palavra de ordem —ainda mais num contexto de livre manifestação popular—, as imagens satíricas contra Lewandowski e Janot estão protegidas pelo direito constitucional à liberdade de expressão. Bonecos semelhantes, retratando o ex-presidente Lula (PT) ou a presidente afastada Dilma Rousseff (PT), circularam pelas principais cidades brasileiras, não tendo motivado nenhum pedido de investigação por parte da corte. O absurdo é patente. Seria ainda alarmante, tivessem os mais altos magistrados do país tomado pessoalmente a iniciativa. Na verdade, o ofício provém não do gabinete de algum ministro, mas, sim, da Secretaria de Segurança do Supremo, cargo vinculado à presidência da instituição. Atuando, em suas palavras, "no estrito exercício de suas atribuições funcionais", o secretário Murilo Maia Herz considerou que os "pixulekos" representam "grave ameaça à ordem pública" e "inaceitável atentado à credibilidade" do Judiciário, sendo necessária a pronta ação da Polícia Federal. O vocabulário lembra, sem dúvida, o empregado pelos censores durante o regime militar. Ao que tudo indica, o gosto das pequenas autoridades pelo arbítrio há de ser inversamente proporcional aos poderes que de fato possuem. Seja como for, é o próprio STF que tem sua imagem comprometida pela iniciativa de seu secretário; nada arranha mais a credibilidade da corte do que vê-la patrocinando um ato de cabal ignorância jurídica e em claro descompasso com princípios constitucionais. O Supremo fica a dever, portanto, desculpas à sociedade. Um boneco inflável jamais constituirá "ameaça à ordem pública". Já a liberdade de expressão, por vezes, sofre com a pequena prepotência oficial. Há egos, sem dúvida, inflados demais na instituição. [email protected]
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2016-09-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1789999-censura-ao-pixuleko.shtml
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Torcida única trouxe benefícios para o futebol de São Paulo? NÃO
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VAMOS MATAR O CARRAPATO, NÃO O GADO Querem acabar com o carrapato matando o gado. Esse disparate descreve bem a situação das torcidas de futebol no Brasil. Os carrapatos, no contexto futebolístico em questão, são os violentos infiltrados nas organizadas, em torno de 5% de seus componentes. Os gados são a própria torcida. Cerca de 2 milhões de brasileiros (85% homens, 15% mulheres) estão agrupados nas quase 700 torcidas organizadas do país, sendo 435 as mais atuantes e 107 as filiadas à Anatorg, associação nacional da categoria. Entre 2014 e 2015, 15% das torcidas foram reincidentes em vandalismo e violência, enquanto só 3% dos delitos foram julgados e punidos até o fim. A impunidade afronta um patrimônio da nossa cultura coletiva, identidade de largo alcance. Nossa Constituição é clara: esporte é direito da cidadania, e segurança é dever do Estado. No entanto, impor torcida única para os clássicos disputados no Estado de São Paulo, como fez recentemente a Secretaria de Segurança Pública, está longe de ser a solução mais adequada. Exemplo de derrota geral da sociedade brasileira? Sim, e talvez também o primeiro passo para se acabar com as organizadas. Em geral, elas são entes da cultura do esporte, fiéis, o 12º jogador, ajuda importante às finanças de clubes tão endividados pela incompetência de dirigentes. Necessárias, assim, enquanto entidades do bem, seguidoras da lei e da tolerância: adversário não é inimigo, nem competição é agressão. As imagens de barbárie, que entram em nossas casas sem pedir licença, provam que os delinquentes são minoria, e quase sempre os mesmos. Será que não somos capazes de punir e conter essa gente? Criminalizar e demonizar o todo pela ação da parte é equívoco comprovado. O princípio pedagógico, ético e jurídico da punição é estabelecer a diferença entre quem transgrediu ou não. Autoridades dizem que 100% das brigas passam pelas organizadas. Sim, porque esses segmentos de agressores estão misturados nas organizadas, como carrapatos em pele de gado, mas não representam 100% das organizadas, uma vez que a maioria é pacífica. A diferença é sutil, mas fundamental para entender e agir: a violência acontece nas organizadas, mas não é das organizadas. Torcida única não resolve, pois hoje 90% dos conflitos e mortes resultantes da rivalidade entre grupos de torcedores acontecem longe dos estádios, em dias e horas bem diferentes dos das partidas. Proibidos de entrar nos estádios, os grupos violentos descontentes se espalham, vandalizam as cidades e ainda atacam os adversários após a partida. Isso aconteceu de fato em Belo Horizonte, em Buenos Aires e na Itália, quando a torcida única foi experimentada. Na última quarta (6), após derrota por 2 a 0 para o Atlético Nacional (Colômbia), pela Libertadores, a torcida do São Paulo entrou em confronto com a Polícia Militar no entorno do Morumbi. Ao menos 19 pessoas ficaram feridas. Embora não fosse uma partida de torcida única, foi mais um exemplo de que não basta excluir um grupo para coibir a violência. A medida, involuntariamente, empurra ainda mais essas facções criminosas para a clandestinidade, tornando bem mais difícil a missão das autoridades de acompanhar e fiscalizar. O problema é complexo e exige enfrentamento complexo. Precisamos de um plano nacional de segurança para o futebol, permanente, renovável, em bases científicas, e não de iniciativas pontuais, mediáticas e milagrosas. Um conjunto de medidas integradas e simultâneas, de curto, médio e longo prazos, de punição, prevenção e de reeducação. Não é favor; é obrigação constitucional. MAURICIO MURAD, doutor em sociologia dos esportes pela Universidade do Porto (Portugal), é professor de sociologia da pós-graduação da Universidade Salgado de Oliveira e autor do livro "Para Entender a Violência no Futebol" (ed. Saraiva) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-09-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1790058-torcida-unica-trouxe-beneficios-para-o-futebol-de-sao-paulo-nao.shtml
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Regular as agências
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A degradação das agências reguladoras constitui um dos retrocessos institucionais mais evidentes dos últimos anos. Aparelhamento político, carência de recursos e paralisia administrativa comprometeram o controle e a fiscalização de setores vitais como energia elétrica, petróleo, telecomunicação e transporte. Um estudo recém-concluído pela Fundação Getulio Vargas (FGV) reforça com fatos e números essa constatação. Apontam-se atrasos contumazes nas indicações de presidentes e conselheiros, subordinadas às barganhas do varejo partidário; sabatinas dos indicados reduzidas a meras formalidades; carência de quadros oriundos da iniciativa privada. O exemplo mais eloquente é o da demora nas escolhas de dirigentes, convertida em hábito ao longo dos governos petistas. No primeiro mandato de Dilma Rousseff, nada menos que um terço delas ocorreram fora do prazo. De 140 indicações pesquisadas pelo levantamento, concentrado em agências federais, 46% eram de servidores de ministérios e estatais; quase um terço tinha filiação partidária. Os quadros do mercado somaram apenas 6%, reflexo provável de salários insuficientes. As consequências do aviltamento foram dramáticas. Basta recordar a subordinação da Aneel ao populismo tarifário no setor elétrico; a omissão da Anatel diante da concentração do mercado de telefonia em favor da Oi; a perda de influencia da ANP após a descoberta do petróleo do pré-sal. O fracasso desse intervencionismo hiperativo mostra que é preciso reintroduzir na agenda nacional os objetivos que nortearam a criação das agências como órgãos autônomos de Estado, a partir dos anos 1990, na esteira dos processos de privatização. As agências surgiram para garantir contratos e regras, visando, num exemplo crucial, evitar que monopólios estatais se convertessem em oligopólios privados. Trata-se, em essência, de arbitrar os interesses de governos, empresas e cidadãos em áreas que demandam conhecimento técnico. O controle social constitui princípio básico do modelo, em que a definição das políticas públicas permanece com o governo. Para as agências, o fundamental é assegurar qualificação, independência financeira e transparência, com a criação de ouvidorias e mecanismos de diálogo com a sociedade. Tão nefasta quanto a ingerência do governo de turno, diga-se, seria a captura por interesses privados. [email protected]
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2016-08-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1789593-regular-as-agencias.shtml
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No reino da chicana
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Segundo nossos léxicos, com poucos matizes no verbete, chicana designa o uso exagerado de recursos e das formalidades existentes na Justiça. O uso abusivo degenera em abuso. Abusar de um direito é exagerá-lo a tal ponto que ele deixa de ser considerado um direito, convolando-se em ato ilícito. Marcel Planiol, grande jurista francês do século 19, dizia que a expressão "abuso do direito" seria uma logomaquia, ou seja, um palavreado vão, pois se se utiliza de um direito, esse ato é lícito; se se ultrapassa esse direito, o ato deixa de ser direito e, portanto, passa a ser ilícito. Servem tais considerações para mostrar que o que se passa no âmbito da comissão especial de impeachment da presidente Dilma Rousseff, instalada no Senado Federal, é hoje um dos mais escandalosos exemplos do que se pode chamar de chicana. Qualquer neófito em direito sabe que há empecilhos para a procrastinação injustificada de um processo. O atual Código de Processo Civil, por exemplo, em vigor desde 18 de março, estabelece no artigo 1.026, relativo aos embargos de declaração, a possibilidade de o juiz ou o tribunal condenar o embargante ao pagamento de multa de até 2% sobre o valor atualizado da causa. Se houver reiteração dos embargos de declaração manifestamente protelatórios, essa multa poderá ser elevada a 10% sobre o valor atualizado da causa. Numerosas outras disposições do novo Código de Processo Civil reforçam a ideia de que a utilização indiscriminada da chicana deve ser reprimida sumariamente pela Justiça, consoante se deduz da redação dos artigos 5º (comportar-se de acordo com a boa-fé), 79 e seguintes (repressão à litigância de má-fé) e artigos 772 e 774 (coibição de atos atentatórios à dignidade da Justiça na fase de execução). É d'escachar, como diria o velho conselheiro Acácio, que alguns senadores da nossa República, ardorosos defensores da tese do "golpismo", não se envergonhem de promover um espetáculo verdadeiramente circense, com considerações não apenas acacianas, mas erráticas e propositalmente impertinentes. As recorrentes "questões de ordem" não têm como propósito esclarecer uma questão prévia, mas sim instaurar a desordem, a confusão, a gritaria, o pandemônio, nada parecido com o que é definido pelo sítio do Senado como sendo "questão de ordem": "A questão de ordem é utilizada pelo senador para suscitar, em qualquer fase da sessão, dúvida a respeito de interpretação ou aplicação do regimento em caso concreto, relacionada com a matéria tratada na ocasião". Muitas das questões de ordem suscitadas por senadores esquerdopatas de plantão não guardam a menor correlação ontológica com o que o próprio Senado define. Se não se restringir, urgentemente, o festival de protelações pitorescamente promovido por evidente minoria, o prazo de 180 dias escoar-se-á e, com a volta da presidente afastada, o Brasil há de ficar ainda mais desmoralizado no cenário internacional. NEWTON DE LUCCA, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, é desembargador federal e professor titular da Faculdade de Direito da USP PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-07-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1789254-no-reino-da-chicana.shtml
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Exame inócuo
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Em ensaio de um lamentável retrocesso, o Ministério da Educação manifestou o propósito de suavizar os efeitos da avaliação nacional dos estudantes de medicina. Tal exame, instituído em abril pelo então ministro Aloizio Mercadante (PT), se destina a avaliar o conhecimento dos alunos que ingressaram no curso a partir de 2015. O exercício da profissão, pela ideia original, ficaria condicionada ao desempenho no teste final —à semelhança do exame da OAB para bacharéis em direito. Agora, sob o comando de Mendonça Filho (DEM), a pasta anunciou que a nota será apenas uma "referência de qualidade". A expectativa do governo é editar portaria nesse sentido ainda neste mês, com a realização dos primeiros testes até dezembro. Ao defender a mudança, o MEC argumentou que o processo de avaliação não deve ter caráter punitivo ou o potencial de constranger alunos ou faculdades. Trata-se de uma inaceitável inversão de valores, em que o interesse público por profissionais e serviços de qualidade fica subordinado a uma complacência até aqui mal justificada. Sem o exame reprovativo, nada muda de concreto: hoje, basta ao aluno de medicina concluir a graduação para estar legalmente habilitado a assistir pacientes. Estes permanecerão sujeitos ao risco nada desprezível do atendimento sem a devida competência técnica. Nos últimos anos, os exames de proficiência ministrados pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo têm revelado deficiências contumazes na formação dos médicos. No resultado mais recente, 48% não atingiram o percentual mínimo (60%) de acertos exigido para a aprovação. O exame do conselho não tem o poder de impedir que o estudante reprovado tenha acesso à profissão —para tanto, seria necessário o devido respaldo legal. Não por acaso, a entidade classificou a mais recente inclinação do MEC como um risco para a sociedade. A necessidade de um controle mais rígido acentua-se com a recente proliferação de cursos de medicina, muitos de qualidade duvidosa. Só no primeiro governo Dilma Rousseff (PT), foram abertos 44, contra 27 ao longo dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Espera-se que a repercussão negativa da proposta do MEC prevaleça sobre eventuais interesses setoriais encarnados pela proposta. Ainda há tempo para o Ministério da Educação não se desfazer de um mecanismo imprescindível para melhorar o atendimento médico. [email protected]
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2016-07-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1789257-exame-inocuo.shtml
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Processo não é olimpíada
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Adapto aqui uma história contada pela escritora francesa Simone de Beauvoir. Uma mulher, maltratada pelo marido, arranjara um amante, a cuja casa ia uma vez por semana. Precisava atravessar um rio para visitá-lo. Podia fazê-lo de duas maneiras: por uma ponte ou por barca. Pela ponte corria o risco de cruzar com um malfeitor. Um dia, demorou-se mais que de costume e, quando chegou ao rio, o barqueiro não quis levá-la, dizendo que seu expediente terminara. Pediu então ao amante que a acompanhasse até a ponte, mas este recusou, alegando cansaço. A mulher resolveu arriscar, e o assassino a matou. Beauvoir então pergunta: quem é o culpado? O barqueiro burocrata? O amante negligente? Ou a própria mulher, por adúltera? E comenta: "Em geral, as pessoas culpam um desses três, mas ninguém se lembra de quem matou". No último domingo (3), os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos publicaram nesta Folha o artigo "Medalha de ouro para o habeas corpus", no qual criticam a decisão do ministro do STF Dias Toffoli de tirar da prisão o ex-ministro Paulo Bernardo, detido na Operação Custo Brasil, que investiga desvios do Ministério do Planejamento. Quem é o culpado no caso relatado pelos procuradores? O advogado de Paulo Bernardo, que ingressou com a reclamação? O ministro Toffoli, que teria, na visão dos autores, dado salto duplo twist carpado nas duas instâncias inferiores da Justiça, ao invés de rejeitar a ação e não conceder o habeas corpus? Ou seria quem decretou, erroneamente, a prisão preventiva, sem a devida fundamentação? Pode-se banalizar a prisão preventiva? Era essa a questão, sobre a qual nada se disse, que os dois procuradores deveriam analisar. Antes de serem agentes do Ministério Público, ambos deveriam ser fiscais da lei. O Ministério Público não é acusador sistemático. Ou é? Não vou discutir os fatos. Os procuradores, aliás, também deles não deveriam falar. É processo em curso. Juiz e promotor falam nos autos, como dizia o jurista Paulo Brossard. Li a reclamação dos advogados e a decisão de Toffoli. É só o que está disponível para quem não faz parte do processo. Por isso, podemos falar sobre algo que não sejam o barqueiro, o amante ou a adúltera? Por exemplo: Toffoli conheceu da reclamação. Conhecer quer dizer "isso não é um absurdo". Logo, para ele, havia fumaça de bom direito. Ele é quem diz, não eu. E Toffoli poderia ter concedido o habeas corpus de ofício (que não foi solicitado pela defesa)? Essa é fácil. Claro que sim. Qualquer manual de direito, por mais simplório que seja, diz que habeas corpus pode ser escrito até em papel de pão. E pode ser deferido no bojo de qualquer ação. Qualquer ação. "Traga-me o corpo", eis o conceito de habeas corpus, desde o século 13. Portanto, não vejo razões para demonizar o ministro Toffoli. E nem para transformar o processo em olimpíada, como aludiram os procuradores. Além disso, ao contrário do que ocorre com o salto duplo twist carpado criado por Daiane dos Santos, aqui não há replay. Em habeas corpus, não há o recurso à câmera lenta. O artigo dos procuradores, a par de ser um belo texto literário homenageando a nossa ginasta, não consegue esconder o fator "quero-quero", aquela ave que põe o ovo em um lugar e canta em outro. Quer esconder uma porção de coisas. Por exemplo, os fins não justificam os meios no combate ao crime. O juiz de São Paulo poderia ter decretado a prisão preventiva de Paulo Bernardo? Obedeceu aos requisitos do Código de Processo Penal? Ora, há centenas de precedentes de decretação de habeas corpus de ofício. Aliás, depois da súmula (que vale tanto quanto uma lei) 691, os habeas do STF passaram a ser, em grande quantidade, quase todos concedidos de ofício. E ninguém fala em salto duplo na Justiça por isso. O Ministério Público poderia, às vezes, ser também um pouco daquilo que a Constituição lhe impôs: fiscal da lei. A liberdade não é um ponto fora da curva. Não é mesmo. LENIO LUIZ STRECK, advogado e ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, é professor titular de direito constitucional da Universidade Estácio de Sá (Rio) e da Unisinos (RS) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-07-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1789260-processo-nao-e-olimpiada.shtml
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Tribunal julgará posição da China
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Escrevo em resposta a artigo publicado nesta Folha por meu amigo Li Jinzhang, embaixador chinês no Brasil, a respeito de problemas no mar Ocidental das Filipinas/mar do Sul da China e do iminente proferimento, em 12 de julho, de decisão da arbitragem sobre a vasta reivindicação da China na área. Tentarei esclarecer dúvidas do público brasileiro sobre as verdadeiras razões e circunstâncias das reivindicações filipinas sobre as Spratlys (ilhas do grupo Kalayaan; Nansha, para os chineses), no mar do Sul da China, e o banco de areia Scarborough, localizado dentro das 200 milhas náuticas da Zona Econômica Exclusiva das Filipinas, mas tomado pelos chineses após mais de um mês de impasse, em abril de 2012. O artigo do embaixador Jinzhang culpa as Filipinas por terem ido ao Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia, na Holanda, ao invés de recorrerem à negociação, além de destacar que a China tem o direito de dominar toda a região, pautando-se por reivindicações históricas. O tribunal rejeitou a reivindicação chinesa, expressa pela sua "linha dos nove traços". O fato de o governo chinês não aceitar essa decisão dificulta ainda mais um entendimento com as demais nações que disputam o mar do Sul da China - Brunei, Malásia, Taiwan e Vietnã. Após 17 anos de tentativas frustradas de negociar com a China, as Filipinas, sem recursos, precisaram buscar outro local para apresentar sua petição. Os membros da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) também tentaram, em vão, esboçar um novo código de conduta com o governo chinês. Quanto ao questionamento da China sobre a arbitragem, vale lembrar que, em 29 de outubro de 2015, o tribunal emitiu decisão unânime sobre a admissibilidade do caso. A carta de posicionamento chinesa foi devidamente considerada e cuidadosamente discutida. O tribunal julgou que sua própria competência não deixa de valer sobre a China apenas porque esse país se recusa a comparecer às audiências, assim como a decisão filipina de buscar arbitragem unilateralmente não viola os procedimentos de solução de disputas da convenção da ONU sobre o direito do mar. Ademais, se a China não reconhece a autoridade do tribunal, por que recorreu a ele à época do conflito com o Japão nas ilhas Senkaku? A respeito da crescente preocupação da comunidade internacional sobre o agressivo comportamento chinês no mar do Sul da China, cito a declaração dos líderes do G7 (grupo com os sete países mais desenvolvidos do mundo) em reunião de maio deste ano: "Nós reiteramos nosso comprometimento de manter a ordem marítima baseada em: normas, de acordo com os princípios do direito internacional; em solução pacífica de controvérsias apoiadas em medidas de construção de confiança e inclusão por meios legais; em uso sustentável dos mares e oceanos; em respeito à livre navegação e sobrevoo". Se as Filipinas concordarem em conversar com a China, após a decisão da arbitragem, que garantias terão de que os chineses deixarão o banco de areia Scarborough ou que irão parar suas construções de estrutura e de instalações militares no mar do Sul da China? Por fim, a opção de não honrar a decisão do tribunal é impensável. Por quanto tempo a China conseguirá evitar ser julgada severamente pelas Nações Unidas? JOSE BURGOS, pós-graduado em relações internacionais pelo Instituto de Estudos Sociais de Haia (Holanda), é embaixador das Filipinas no Brasil. Foi assessor especial do Escritório de Inteligência e Segurança do governo filipino PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788963-tribunal-julgara-posicao-da-china.shtml
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Mãe federal
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Dadas as condições benévolas com que o governo Michel Temer (PMDB) aceitou renegociar as dívidas dos Estados com a União, não surpreende que municípios se mobilizem agora em busca do mesmo tratamento. Em entendimentos iniciados com o governo federal, a Frente Nacional de Prefeitos reivindica as vantagens obtidas no mês passado pelos governadores —moratória de seis meses, descontos parciais nos pagamentos por mais um ano e meio e alongamento de 20 anos dos prazos dos débitos. Diante da resistência da equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, circulam ameaças de recursos ao Supremo Tribunal Federal, cujas decisões imprudentes em favor dos Estados —liminares chegaram a fixar a correção dos saldos devedores por juros simples— apressaram a renegociação. Muito já se perdeu do que havia de razoável no pleito de revisão dos contratos, que, firmados na década de 1990, impõem taxas excessivas para os padrões atuais. Uma coisa é evitar que o Tesouro Nacional extraia ganhos financeiros das administrações regionais; outra é devolver à União o nefasto papel de mãe dos entes federativos. Em 2014, aprovou-se lei alterando os indexadores das dívidas, com o acréscimo de um descabido cálculo retroativo. Graças à aplicação da regra, a dívida total da cidade de São Paulo, no exemplo mais importante, despencou neste ano de R$ 79,6 bilhões para R$ 32,5 bilhões. O novo cálculo basta para retirar o sentido de urgência das novas demandas dos prefeitos. Nenhuma das capitais padece de endividamento comparável ao paulistano. Eventuais negociações podem aguardar o desfecho das eleições municipais de outubro. Esse tempo deve ser aproveitado para a definição de contrapartidas a serem exigidas para que Estados e municípios não reincidam na irresponsabilidade orçamentária e, no futuro, sejam capazes de deixar a tutela federal. Providência básica será aprovar a proposta que redefine a contabilização dos gastos com pessoal, fechando brechas que hoje permitem aos governos regionais excluir da estatística desembolsos com servidores inativos e terceirizados. Tal ilusionismo permite, por exemplo, que, mesmo na atual situação de descalabro orçamentário, o Estado do Rio exiba em seus balanços despesas perfeitamente adequadas aos limites legais. Não há mágica, entretanto, quando se trata de dívida pública; como o nome diz, ela é dos contribuintes municipais, estaduais e federais. Uma Federação madura pressupõe que todos sejam capazes de arcar com as consequências de suas escolhas. [email protected]
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2016-06-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788940-mae-federal.shtml
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Nos braços de Júpiter
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Na madrugada desta terça-feira (5), um breve sinal sonoro emitido a quase 800 milhões de quilômetros da Terra marcou o fim de uma longa jornada interplanetária. Após cinco anos de viagem, a sonda Juno anunciou dessa forma sua entrada na órbita de Júpiter, o maior planeta do Sistema Solar. Trata-se de um feito raro. Até então, apenas duas outras espaçonaves haviam concluído essa aproximação final em torno de um dos gigantes de nossa vizinhança cósmica: a Cassini, em Saturno, e a Galileo, também em Júpiter. A primeira missão joviana, entretanto, concentrou-se sobretudo em seus satélites. Desta vez, o foco será o planeta. Ao longo de 20 meses, a sonda da Nasa (agência espacial norte-americana) dará 37 voltas ao redor dos polos de Júpiter, passando, no trecho de menor distância, a cerca de 4.000 km de sua superfície visível. Equipada com sensores de infravermelho e ultravioleta, além de medidores de gravidade e radiação, a Juno perscrutará o interior do imenso astro, cujo volume é cerca de 1.300 vezes o da Terra. Com as informações obtidas, os pesquisadores esperam não só desvendar os mistérios de Júpiter como também entender melhor a formação do Sistema Solar. Uma das principais missões da Juno é a busca por água. A Nasa pretende descobrir por que o nível de oxigênio no planeta apresenta-se tão baixo —a hipótese é que ele tenha se juntado com hidrogênio e formado moléculas do líquido. Ao determinarem a quantidade de água presente na atmosfera de Júpiter, os cientistas poderão ainda estimar em que região do Sistema Solar o astro se formou (quanto mais longe do Sol, maior a abundância esperada do líquido) e o quanto ele se deslocou desde então. Além disso, a sonda deverá investigar as profundezas jovianas. A intenção é descobrir se por debaixo da vasta e tormentosa camada gasosa existe um núcleo rochoso, o que ajudaria a validar as teorias atuais de formação planetária. Por fim, a viagem da Juno —mulher do deus Júpiter, no panteão romano— representa uma quebra de paradigma na exploração espacial. Nunca se havia chegado tão longe com um artefato alimentado unicamente com energia solar, e não com o combustível atômico habitual. A inovação não só barateará as futuras missões interplanetárias como deve reverter-se em novas tecnologias de painéis fotovoltaicos, com óbvias aplicações terrestres. Trata-se de uma bem-vinda consequência dessa espantosa realização do engenho humano. [email protected]
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2016-06-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788938-nos-bracos-de-jupiter.shtml
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Por uma política de memória e verdade
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Entre os muitos retrocessos que tomaram de assalto o país desde a posse do presidente interino Michel Temer, um deles causa especial preocupação: o desmantelamento do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e sua incorporação ao Ministério da Justiça. Tal retrocesso não é apenas conceitual. Ele implica uma regressão de 19 anos. Foi em 1997 que o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça. Seu primeiro titular foi o advogado José Gregori, que ocupara nos dois anos anteriores a chefia de gabinete do ministro da Justiça, Nelson Jobim. Gregori fora o responsável pelo lançamento, em 1966, do Plano Nacional de Direitos Humanos. Seguiram-se avanços importantes, como a aprovação da lei que tipifica o crime de tortura e a que transferiu da Justiça Militar para a Justiça comum a competência para julgar policiais militares que tenham praticado crimes comuns. Quando Jobim trocou o Ministério da Justiça pelo STF, em 1997, o professor Paulo Sérgio Pinheiro lançou um desafio para a área dos direitos humanos. Em artigo publicado na Folha, em 27 de março de 1997, afirmou: "Temos certeza de que o presidente Fernando Henrique Cardoso deixará claro, para quem for para a pasta da Justiça, que esse padrão de engajamento não pode ser abandonado, sob o risco de gravíssimo retrocesso. Para tanto, ajudaria muito definir logo e institucionalizar a área responsável pela política de direitos humanos." A Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi criada um mês depois, e, depois, o próprio Paulo Sérgio Pinheiro tornou-se seu titular. Em maio de 2003, já no governo Lula, a Secretaria dos Direitos Humanos foi finalmente desvinculada do Ministério da Justiça e passou a responder diretamente à Presidência da República, com status de ministério. O legado dessa nova fase, marcadamente a partir da nomeação de Paulo Vannuchi, em 2006, inclui a aprovação da terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos, mais robusto do que as duas edições anteriores, e a publicação do livro "Direito à Memória e à Verdade", no qual estão relacionadas 339 vítimas fatais da repressão da ditadura. Em 2012, com Dilma na presidência, foi instituída a Comissão Nacional da Verdade, para investigar as graves violações aos direitos humanos no período de exceção. Devolver os Direitos Humanos à pasta da Justiça é um gesto simbólico. É no mínimo um contrassenso atribuir a responsabilidade de implementar políticas de direitos humanos ao mesmo órgão que administra as polícias, as fronteiras e a anacrônica guerra às drogas. A luta por Direitos Humanos tem sido também uma luta contra os excessos e os erros da Justiça. Consideramos nosso dever alertar para que nenhum retrocesso aconteça no âmbito da memória e da verdade. É fundamental dar continuidade aos trabalhos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e ao grupo que faz a análise das ossadas encontradas na vala clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista. Políticas de memória e verdade precisam ser concebidas como políticas de Estado, e não de governo. Elas não podem oscilar conforme o humor dos governantes. ADRIANO DIOGO, geólogo, foi deputado estadual de São Paulo pelo PT (2006-2014) AUDÁLIO DANTAS, jornalista e escritor, foi deputado federal de São Paulo pelo extinto MDB (1979-1983) e presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). TEREZA LAJOLO, professora aposentada de geografia da rede estadual de São Paulo, foi vereadora pelo PT (1983-1996) Também subscrevem este artigo o jornalista CAMILO VANNUCHI e o advogado FERMINO FECHIO. Os cinco autores são membros da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo
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2016-05-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788489-por-uma-politica-de-memoria-e-verdade.shtml
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Menos Estado, mais portos
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Chega a ser escorchante o descolamento da administração pública em relação à realidade econômica e social do país. Esse descaso não é de agora, vem de anos. Até mesmo neste momento de profunda crise, quando deveriam estar trabalhando duro em regime de cooperação para ajudar a reativar a atividade econômica, os órgãos públicos agem isoladamente e sem qualquer pragmatismo, como se nada tivessem a ver com o drama de mais de 11 milhões de brasileiros desempregados. Não tem sido diferente no setor portuário. Acórdãos recentes do TCU (Tribunal de Contas da União) estabeleceram diretrizes que entram em choque com as políticas públicas da área. Determinam que a Antaq, agência que regula o setor, crie controle sobre os armadores estrangeiros -como se não bastassem os enormes problemas com os acessos aos nossos portos marítimos, vamos criar mais dificuldades para os armadores. E ainda mais grave, impõem aos serviços portuários um controle de preço que deveria ser regulado pela livre concorrência. Não se trata aqui de questionar a importância da atuação do TCU na fiscalização das contas públicas. O tribunal merece o aplauso e o respeito da sociedade. No entanto, estamos diante de flagrante invasão de competência, por parte do TCU, na esfera da Secretaria de Portos, subordinada ao Ministério dos Transportes, da agência reguladora e da Comissão Nacional das Autoridades nos Portos. Essa sobreposição de responsabilidades e regulações resulta no pior cenário que o país poderia ter neste momento de crise. Gera insegurança jurídica, que retarda ou mesmo afasta investimentos, brasileiros e estrangeiros, nos portos do país. A ordem econômica brasileira, estabelecida pela Constituição Federal, fundamenta-se na valorização do trabalho, na livre iniciativa e na competição. Esses são os pilares de uma economia de mercado, na qual a liberdade de preços é a principal condição. É elogiável a preocupação dos homens públicos com o abuso do poder econômico. Porém, para resolver falhas de mercado, o país dispõe de leis e conta com a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). As funções de fiscalização, incentivo e planejamento, segundo a Constituição, cabem ao Estado. Em nenhuma passagem há qualquer referência ao controle de preços. Além disso, a atividade portuária não mais se constitui em serviço público desde a edição da lei nº 8.630, de 1993. Sendo uma atividade regulada, os terminais portuários no Brasil praticam preços em regime de concorrência. O TCU, nesse caso, tem competência para fiscalizar essas receitas derivadas de tarifas ou do valor dos arrendamentos nas administrações portuárias. Com relação à Antaq, o tribunal deve exercer seu controle externo, mas na área administrativa da agência: dispêndios, contratações de compras e serviços, política de pessoal etc. Resulta desse imbróglio a ausência de uma governança pública no setor portuário, essencial para a retomada do crescimento do país. Cada órgão, e são muitos, dita regras próprias, interfere nas atividades dos outros, sem que existam sinergia e coerência entre eles. Essa absurda inflação de normas e desconsideração dos princípios constitucionais acorrentam o desenvolvimento econômico e social do Brasil. O setor portuário tem bilhões de reais da iniciativa privada disponíveis para investimentos. Todavia, para que esses recursos sejam realmente aplicados, é preciso garantir segurança jurídica, quebrando os grilhões que mantêm o país no atraso. Com menos Estado e menos intervencionismo, teremos mais e melhores portos. WILEN MANTELI, 70, advogado, é diretor-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-04-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788278-menos-estado-mais-portos.shtml
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Critérios supremos
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Dois graves problemas da Justiça brasileira se mostraram por inteiro no episódio do encarceramento e posterior soltura do petista Paulo Bernardo. De um lado, o abuso das prisões provisórias, decretadas antes de haver condenação; de outro, a falta de controle sobre as canetadas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que não raro se valem dessa circunstância para decidir sabe-se lá com base em quais critérios. Ex-ministro dos governos de Lula e Dilma Rousseff, Bernardo havia sido preso preventivamente no dia 23, acusado de receber R$ 7 milhões em propina. Passados seis dias de sua detenção, viu-se solto graças ao ministro Dias Toffoli, do STF, para quem a restrição de liberdade imposta ao petista constituía manifesto constrangimento ilegal. Com razão, Toffoli lembrou que a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação da pena nem a fim de forçar a devolução de valores desviados. A função do mecanismo é outra: impedir que o suspeito fuja, continue praticando crimes ou atrapalhe o processo. Para o ministro do STF, esses requisitos não estavam demonstrados. É sem dúvida bom saber que as instâncias superiores da Justiça vez ou outra se mostram dispostas a corrigir exageros punitivos. Melhor seria, porém, que isso constituísse a regra, e não exceção. Basta dizer que os presos provisórios (sem condenação) representam 40% de uma população carcerária formada por mais de 600 mil pessoas. Quantos estarão atrás das grades indevidamente? Se Toffoli acertou no conteúdo, o mesmo não se pode dizer da forma. Como Bernardo teve a prisão decretada por juiz da primeira instância da Justiça Federal, caberia ao Tribunal Regional Federal analisar o recurso. Depois, o processo seguiria ao Superior Tribunal de Justiça e só então chegaria ao STF. Ou seja, Bernardo saltou duas instâncias judiciais. Essa clara subversão do sistema é aceita raríssimas vezes no STF, embora não falte quem arrisque a manobra -talvez o meio mais comum de tentá-la seja o habeas corpus. De acordo com o projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, de 2011 a março de 2016 avaliaram-se 2.894 habeas corpus que saltaram instâncias para chegar ao STF. Só 13 (0,45%) tiveram sucesso. A situação do ex-ministro petista é mais peculiar porque ele tentou caminho menos comum. Em vez de discutir diretamente sua liberdade, alegou que seu caso deveria ser julgado pelo Supremo, já que documentos mencionam sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) -detentora de foro privilegiado. Toffoli não concordou com a tese, mas ainda assim revogou a prisão que lhe parecia abusiva. Segundo o Supremo em Números, desde 1988, na média, há menos de uma decisão semelhante a essa por ano. Quando magistrados de instâncias inferiores erram, há quem lhes corrija; quando ministros do STF ampliam demais suas margens de discricionariedade para justificar decisões anômalas, resta o espanto, a surpresa e a desconfiança.
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2016-04-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788253-criterios-supremos.shtml
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Escambo intramuros
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Dissemina-se a impressão de que o governo de Michel Temer (PMDB) se excede na concessão de benefícios a diversos setores com vistas a acumular força política para aprovar mudanças econômicas drásticas no Congresso Nacional. O caráter interino com que exerce a Presidência, além disso, obriga o peemedebista a manter-se em estado de alerta. Ao menos até que se resolva em definitivo o afastamento de Dilma Rousseff (PT), senadores poderão lembrar a Temer que sua sobrevivência ainda depende deles -por mais que ninguém acredite no retorno da petista. Ocorre que essas operações de escambo intramuros, na cidadela das castas política e burocrática, não raro resultam em estabilidade precária, compromissos espúrios e favorecimentos dos quais a sociedade quer se livrar. Foi a farra de favores do Estado, legais ou corruptos, que trouxe o país à presente ruína. Como se sabe, na conta da operação estão, por exemplo, reajustes para o Judiciário e outros servidores, reduções de impostos e uma renegociação por ora leniente demais com os Estados, tanto que já atiçou o interesse de prefeituras. Não se pode negar que tais assuntos mereçam consideração, nem que composições políticas se fazem em termos muito concretos. Porém, mais atenção ainda deveria se dirigir à população, que, sem ser informada de modo adequado, financia essa acumulação de capital político. A esse respeito, foi insuficiente a explicação para o aumento do deficit primário deste ano, que monta a assombrosos R$ 170 bilhões. Agora, premidos pela suspeita de que estaria sobrando dinheiro, dadas as larguezas dispendiosas do governo Temer, técnicos do Ministério da Fazenda liberam gotas de arrazoados: a receita caiu demais, havia contas atrasadas e omitidas pela gestão anterior. Mesmo dado tamanho rombo, entretanto, o governo decidiu acomodar novas despesas, não expôs claramente a situação, não apresentou nem discutiu em público um plano de gastos para este ano e o seguinte. Apenas arrogou-se o direito de fazer concessões. As liberalidades de Michel Temer têm sido aceitas pela elite econômica talvez como um voto de confiança, na expectativa de que em breve um necessário pacote de reformas seja aprovado. Isto é, o teto de gastos, mudanças previdenciárias e ajustes nas leis trabalhistas. Não há garantia, porém, de que a encomenda será mesmo entregue. Além disso, os arranjos para o cumprimento do acordo já são custosos demais -constituem parte do próprio problema que se propõe resolver. Por ora, no entanto, ninguém apresentará a fatura. Esta virá dentro de alguns meses, e somente caso o governo Temer seja malsucedido em seu plano. [email protected]
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2016-03-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1787949-escambo-intramuros.shtml
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Burocracia sem remédio
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Numa cidade de 12 milhões de habitantes, como São Paulo, não há de ser simples a logística para distribuir remédios gratuitos às farmácias estatais e garantir o acesso tempestivo a quem deles depende. Falhas pontuais acontecem. Cabe ao poder público saná-las de pronto e por elas desculpar-se, sem recorrer a pretextos burocráticos para explicar a inoperância. Eles não têm como minorar o desconforto do doente que fica sem medicamento a que tem direito. Tendo recebido queixas sobre remédios indisponíveis, o Ministério Público estadual tomou a iniciativa de investigar. Após visitar cinco unidades da prefeitura e uma do Estado, uma promotora constatou o desabastecimento de cerca de cem itens, numa lista de 400, alguns deles por até 180 dias seguidos. No rol do que está em falta aparecem antibióticos, antitérmicos, antialérgicos e anticonvulsivantes, cujo fornecimento é de responsabilidade municipal, assim como imunoglobulina anti-hepatite B e morfina, do governo estadual. Essa grave lacuna obriga pacientes e familiares a peregrinar de farmácia em farmácia. A alternativa é pagar o remédio do próprio bolso e, assim, desfalcar o orçamento. Para mitigar o problema, a prefeitura conta com um sistema denominado Aqui Tem Remédio. Pela internet, a pessoa pode ver em que unidade se acha a medicação. A própria Secretaria da Saúde, contudo, avisa que a informação se refere ao estoque do dia anterior e não dá garantia de que a busca será bem-sucedida. De todo modo, é uma forma mais humana de tratar contribuintes enfermos. Não se pode dizer que o mesmo espírito tenha contaminado a reação das duas administrações ao inquérito civil aberto pela promotora. A secretaria municipal atribuiu o problema a atrasos de fornecedores, que diz ter multado. A congênere estadual negou o desabastecimento, afirmou discordar da metodologia do Ministério Público e dividiu a responsabilidade com o governo federal: "O Estado não tem competência pela compra de todos os itens distribuídos nas farmácias estaduais, uma vez que a compra de certos medicamentos é de responsabilidade do Ministério da Saúde". Alegações verazes, talvez, mas que não justificam as deficiências, porque tampouco serão inéditas. O bom administrador se antecipa a elas e assegura margem de segurança para manter o serviço, sem escudar-se na própria burocracia. [email protected]
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2016-03-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1787952-burocracia-sem-remedio.shtml
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Medalha de ouro para o habeas corpus
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Talvez em razão da proximidade do início dos Jogos Olímpicos no Brasil, a recente decisão do ministro do STF Dias Toffoli, que determinou a soltura do ex-ministro Paulo Bernado, nos fez relembrar Daiane dos Santos, grande ginasta brasileira que representou honrosamente o Brasil nos Jogos de Atenas, Pequim e Londres. Daiane notabilizou-se mundialmente por criar e executar com perfeição o duplo twist carpado, uma variação do salto twist (popularmente conhecido como uma pirueta de giro em torno de si) seguido de um mortal duplo. E por qual motivo nos veio à mente uma relação tão pouco usual? Quem sabe pela ginástica jurídica que motivou a decisão, verdadeiro habeas corpus duplo twist carpado, libertando o ex-ministro dos governos Lula e Dilma, preso preventivamente pela Justiça Federal de São Paulo com base em provas do recebimento de cerca de R$ 7 milhões em propina. Segundo a Constituição Federal, o remédio jurídico contra essa prisão é a interposição de habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da Terceira Região, no qual o juiz naturalmente competente irá analisar o caso. Se o Tribunal mantivesse a prisão, caberia, ainda segundo o texto constitucional, recurso em única e última instância ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Entretanto, isso parece valer somente para os brasileiros comuns, isto é, aqueles que não estão protegidos pelo foro privilegiado. Por isso a defesa de Paulo Bernardo preferiu trilhar outro caminho. Ajuizou diretamente uma reclamação constitucional no STF (Supremo Tribunal Federal), alegando que a investigação invadiu a competência da Suprema Corte, já que os fatos envolvendo Paulo Bernardo estariam umbilicalmente ligados à senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), sua mulher. O detalhe, contudo, é que foi o próprio ministro Toffoli quem cindiu as investigações do casal, mantendo na Corte Suprema apenas o inquérito da senadora, com o envio da investigação contra Paulo Bernardo, que não tem foro privilegiado, para a primeira instância de São Paulo (apesar de a origem das investigações ter-se dado na Operação Lava Jato, em Curitiba). Dessa forma, o que a defesa fez foi pedir uma "des-cisão" sobre a separação já realizada pelo próprio STF, pedido que foi indeferido pelo relator. Entretanto, na mesma decisão, o ministro Dias Toffoli, em apenas dois dias (segundo a Fundação Getulio Vargas do Rio, o mesmo ministro leva em média 29 dias para analisar pedidos liminares), sem oitiva do procurador-geral da República, concedeu habeas corpus em favor de Paulo Bernardo. Aplicou um salto duplo twist carpado nas duas instâncias inferiores, os juízes naturais competentes, e nos inúmeros outros habeas corpus das pessoas "comuns" que esperam um veredito há muito mais tempo. Uma verdadeira ginástica jurídica, digna da medalha de ouro que nossa Daiane dos Santos não conseguiu obter. Em outras palavras, criou-se o foro privilegiado para marido de senadora. Essa decisão, infelizmente, mina a confiança da população na Justiça criminal, pois, não bastasse a própria regra não republicana do foro privilegiado, ainda demonstra o pouco apreço que se tem por aqueles que estão realmente próximos dos fatos, neste caso o juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Paulo Bueno de Azevedo, bem como pelo regular processamento dos recursos pelas instâncias superiores. Fiquemos atentos. A Operação Lava Jato continua sendo um ponto fora da curva. CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, procurador regional da República, é mestre em direito pela Universidade Cornell (EUA) e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato DIOGO CASTOR DE MATTOS, procurador da República em Curitiba, é mestre em direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-03-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788002-medalha-de-ouro-para-o-habeas-corpus.shtml
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Erro observado, solução programada
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Mais de 1 milhão de pessoas vêm ao Brasil, entre agosto e setembro, para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Atletas, delegações, turistas e mais de 400 autoridades estrangeiras desembarcarão nos principais aeroportos do país, do Rio de Janeiro em particular. Muito embora os números que envolvam o evento sejam superlativos, precisamos recebê-los sem contratempos. Tudo deve funcionar sem que os horários dos voos comerciais sejam afetados, de forma que os passageiros nem sequer percebam que, por trás de sua chegada ou partida, há um imenso trabalho para que tudo aconteça como num dia como outro qualquer. Estamos prontos. Essa confiança decorre do exaustivo planejamento do setor aéreo. Cada vez mais experiente, o Comitê Técnico de Operações Especiais (CTOE), ligado à Comissão Nacional de Autoridades Aeroportuárias (Conaero), preparou o mais importante documento que irá conduzir as ações nos 39 aeroportos que atenderão ao público durante os eventos: o Manual de Planejamento do Setor de Aviação Civil, cuja versão final lancei no dia 29 de junho. O documento foi produzido graças à integração de várias entidades do setor de aviação, agências reguladoras e outros órgãos do governo federal. Funcionará como uma espécie de Bíblia para os operadores aeroportuários durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. O CTOE, em viagens de trabalho a países que já sediaram eventos do porte das Olimpíadas, detectou que a deficiência no entrosamento entre os órgãos organizadores causa grandes incômodos e problemas para as operações do setor. Erro observado, erro antecipado, solução programada. Essa é a regra, desde que a primeira edição do manual foi lançada, em tempo recorde, em setembro de 2015. O manual vai deixar a acessibilidade como um importante legado imaterial para o setor aeroportuário do país. Vamos recomendar aos operadores aeroportuários e às companhias aéreas que continuem seguindo as propostas após o evento. O capítulo de acessibilidade foi feito a partir de estudo e verificação prática de experiências na área em várias partes do mundo e de vários exercícios simulados para garantir a segurança e agilidade no embarque e desembarque de atletas paralímpicos. A partir desses padrões, também serão alcançados os passageiros com necessidade de atendimento especial. Apesar da desaceleração da economia e da queda na venda de passagens aéreas, a aviação civil no país está avançando extraordinariamente. Exemplo disso é que ampliamos a capacidade dos terminais de passageiros em 63% nos últimos cinco anos. Por meio de parcerias público-privadas, a infraestrutura cresceu 43%. Há cinco anos tínhamos 165 pontes de embarque no país, hoje temos 294. A realização de um evento da magnitude dos Jogos Olímpicos, aliada aos resultados do esforço de todo o setor aéreo, contribuirá, sem dúvida, para a satisfação dos usuários e projeção positiva da imagem do país para o mundo. Com mais visibilidade, o Brasil ampliará a perspectiva de empreendimentos e parcerias com outros países. Estamos preparados! MAURÍCIO QUINTELLA LESSA é ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil. Foi deputado federal (2003-2016) e vereador de Maceió (1997-2003) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-03-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1788008-erro-observado-solucao-programada.shtml
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Custo PF
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Em nota divulgada em abril, a Polícia Federal informou que o prazo de entrega de novos passaportes mudaria. Em vez de seis dias úteis, a espera levaria 30 dias corridos. A situação, segundo se informou, se normalizaria em junho. Junho já terminou, mas o quadro passa longe de ter voltado ao normal —ao contrário, piorou. A demora para a emissão do documento saltou para até quatro meses, e não será surpresa se esse período ficar ainda maior. É que a Casa da Moeda do Brasil, responsável por confeccionar passaportes no país, informou na quinta-feira (30) que a produção precisou ser paralisada, mas deverá ser retomada na próxima semana. Essa interrupção decorreria da falha em um equipamento. A explicação para os atrasos de 120 dias residiria em problemas no fornecimento do papel usado no passaporte, ao passo que dificuldades pontuais em abril estariam ligadas a erros no recolhimento das taxas. Enquanto as desculpas se acumulam, a fila aumenta –e a PF, como mostrou esta Folha, resolveu dar um "jeitinho". Quem precisa obter o documento em menos de quatro meses pode tê-lo em mãos em até quatro dias úteis: basta pagar por isso. Das 110 pessoas entrevistadas pela reportagem nesta semana, mais da metade (58) afirmou ter recorrido ao serviço expresso. Como ocorre nas situações de emergência, a taxa de urgência (que seria desnecessária se o serviço funcionasse a contento) custa R$ 77,17 a mais do que os R$ 257,25 convencionais. Há uma diferença importante, contudo. Reserva-se o passaporte emergencial (emitido em até 24 horas) a quem precise sair do país por problemas de saúde ou em razão de catástrofe natural, por exemplo. Já o documento confeccionado com urgência visa apenas a remediar a catástrofe dos serviços públicos brasileiros. Cria-se, assim, um quadro esdrúxulo: enquanto a fila dos passaportes se alimenta da ineficiência estatal, cria-se um caminho alternativo para quem quiser contorná-la. O cidadão perde em ambos os casos, seja pela espera exasperante, seja por se ver obrigado a pagar a mais para burlar a incompetência do Estado. Este, por sua vez, além de não corrigir o que representa evidente desrespeito, passa a arrecadar ainda mais recursos a partir de sua própria inépcia. [email protected]
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2016-02-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1787820-custo-pf.shtml
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Turquia sob ataque
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A cidade de Istambul, na Turquia, sofreu nesta semana um dos mais brutais atentados terroristas de sua história. Na terça-feira (28), três homens invadiram o Aeroporto Internacional Atatürk, terceiro terminal aéreo mais movimentado da Europa, abriram fogo contra os passageiros e se explodiram. Autoridades turcas atribuíram a carnificina, que deixou 44 mortos e mais de duas centenas de feridos, à facção radical Estado Islâmico. O grupo, entretanto, não assumiu sua autoria até o momento. Longe de um evento isolado, o atentado representa o mais recente episódio da espiral de violência que tomou a Turquia. Nos últimos 12 meses o país foi alvo de ao menos 14 ataques terroristas, com um saldo aproximado de 300 mortes. A escalada reflete tanto o redivivo conflito curdo como as consequências da guerra da Síria, país vizinho da Turquia. Desde os anos 1980, a luta do povo curdo —30 milhões de pessoas sem Estado que se dividem pelos territórios turco, sírio, iraquiano e iraniano— por um território já provocou cerca de 45 mil mortes. Em 2012, encetaram-se negociações a fim de encontrar uma solução para a disputa. No ano seguinte, estabeleceu-se um armistício. Tudo isso se desfez no ano passado, quando a Turquia passou a bombardear posições curdas próximas de sua fronteira. A resposta tem vindo na forma de ações terroristas em diversas cidades do país. No atentado de terça, porém, as evidências apontam para o EI. O local escolhido para o massacre simboliza valores que a facção combate: modernidade, integração entre nações, espírito cosmopolita. A Turquia, ademais, faz parte da coalização internacional cujas investidas têm enfraquecido o EI. Nos últimos 18 meses, a facção perdeu perto de metade do terreno que dominava no Iraque e um quinto da área controlada na Síria. As derrotas teriam desencadeado as matanças que se perpetraram em Paris, Bruxelas e, se as suspeitas se confirmarem, Istambul. Ataques extremistas, além de ceifar vidas inocentes, produzem sequelas que perduram na sociedade. A reação a eles não raro provoca restrição das liberdades individuais e aumento do controle estatal –e isso se torna ainda mais perigoso num país como a Turquia, que tem trilhado a senda do autoritarismo e da perseguição política. Não há dúvida de que é necessário reprimir energicamente ações dessa natureza, mas amesquinhar as conquistas da democracia interessa apenas aos terroristas. [email protected]
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2016-01-07
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/07/1787464-turquia-sob-ataque.shtml
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Ficaremos melhor fora da União Europeia
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Na semana passada, 17,4 milhões de britânicos apoiaram a saída do Reino Unido da União Europeia. Jamais tantos britânicos votaram a favor de alguma coisa. Esses 17,4 milhões de pessoas votaram contra o primeiro-ministro, David Cameron, contra o ministro das Finanças, George Osborne, contra os líderes dos partidos Trabalhista e Liberal e até mesmo contra os conselhos de Barack Obama e Angela Merkel, sem falar de multidões de especialistas e celebridades convocadas para exortar todos nós a votar pela União Europeia. Foi, de fato, o povo britânico votando contra o establishment. Mas essas pessoas votaram a favor do quê? A União Europeia é um projeto de racionalismo político nunca antes realizado: a unificação de 28 nações distintas, sem língua, história, tradições econômicas ou instituições comuns. É administrada por uma burocracia considerada arrogante e antidemocrática mesmo por seus defensores. As reformas que todos admitem ser necessárias nunca se concretizaram. Em vez disso, a União Europeia aperta e centraliza seu controle, não obstante os fracassos manifestos em questões como o euro (a moeda comum), a migração e as disputas sobre fronteiras internas. Ademais, na perspectiva britânica, a abordagem racionalista adotada no bloco a questões políticas e judiciais fundamentais é muito diferente da visão que nós temos há 800 anos da liberdade e do Estado de Direito. Uma corte europeia que não responde a ninguém nos diz o que podemos e não podemos fazer em questão de direitos humanos e muitos outros temas. Muitas das leis que temos de obedecer nos chegam de Bruxelas e não são decididas por nosso Parlamento: leis sobre a construção imobiliária, ensaios clínicos, questões ambientais, horários de trabalho e até mesmo sobre os criminosos estrangeiros que podemos ou não deportar, para citar exemplos recentes. Mesmo as leis aprovadas por nosso Parlamento, o mais antigo do mundo, precisam ser reexaminadas para assegurar que estejam em conformidade com as diretrizes da União Europeia. Votar pelo Brexit (saída britânica do bloco europeu) foi uma reafirmação do controle democrático por parte da população do Reino Unido. A imigração exerceu um papel enorme nisso, porque há uma década e meia recebemos ondas enormes de imigrantes -500 mil no ano passado- em uma ilha pequena e já superpovoada. Todavia, não significa que todos os apoiadores do Brexit sejam xenófobos ou contra a imigração. Muitos de nós somos a favor da imigração e amamos a Europa e o resto do mundo. Trata-se, simplesmente, de recuperar o controle de nosso próprio país. Não apenas de nossas fronteiras mas da vida nacional, de modo geral. Antes de ingressarmos na bloco europeu, em 1973, o grande general Charles de Gaulle, presidente da França, havia avisado que o Reino Unido jamais se enquadraria nele. Ele tinha razão. Desde 1973, há atritos constantes e improdutivos entre nós e nossos parceiros europeus. Os 27 países remanescentes da União Europeia ficarão melhor sem nós naquele que é, basicamente, o projeto deles. E nós também ficaremos melhor, reconquistando nossa independência, com relações de amizade com o resto da Europa, mas também com nossos olhos e corações abertos ao resto do mundo -EUA, Índia, África, Oriente Médio, e, é claro, Brasil. ANTHONY O'HEAR, britânico, é professor de filosofia na Universidade de Buckingham (Reino Unido) Tradução de CLARA ALLAIN PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-30
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1787076-ficaremos-melhor-fora-da-uniao-europeia.shtml
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Boca-livre
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Cada vez mais, felizmente, verifica-se que as investigações da Operação Lava Jato vão deixando de constituir um ponto fora da curva no combate à corrupção no país. Registraram-se, recentemente, iniciativas da Polícia Federal fora do âmbito do chamado petrolão, em casos como o das contas de campanha de Eduardo Campos (PSB), morto em 2014, e o da Operação Custo Brasil —que levou o ex-ministro petista Paulo Bernardo a ser preso por seis dias. Numa ação conjunta da PF em São Paulo, no Rio e em Brasília, abre-se agora a caixa-preta das irregularidades na Lei Rouanet. Segundo os investigadores da Operação Boca-Livre, armara-se desde 2001 um esquema destinado a obter vantagens dos mecanismos de isenção tributária previstos na legislação de incentivo à cultura. Ao longo desse período, cerca de R$ 180 milhões teriam sido desviados em benefício de atividades estranhas aos projetos originais. No exemplo mais gritante, uma cerimônia de casamento numa praia em Florianópolis foi financiada com recursos oficialmente destinados a atividades culturais. O noivo era o herdeiro de um grupo empresarial especializado em conseguir a benesse tributária, com atuação no Ministério da Cultura e na Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Apresentações musicais para público de baixa renda eram irregularmente substituídas por shows de interesse privado, como os que, segundo a PF, serviram para entretenimento de convidados de um escritório de advocacia ou de uma empresa de produtos químicos. Tudo, repita-se, financiado por isenções de impostos: o que equivale a dizer que provinha do conjunto da população brasileira o pagamento de tertúlias voltadas ao deleite de alguns convivas. O escândalo coincide com uma crescente onda de críticas ao funcionamento da Lei Rouanet, instrumento que sem dúvida necessita de urgente aprimoramento. O sistema de renúncia fiscal para incentivo à cultura não se confunde, entretanto, com uma fraude em que não se incentivou a cultura, e sim o puro proveito privado. Por ausência de fiscalização, projetos em tese meritórios —como a distribuição de livros à população carente— financiaram publicações de cortesia para clientes de empresas ou a biografia de um empresário que, com isso, liberava-se de pagar parte de seus impostos. Abusos desse tipo haverão de se ter multiplicado ao longo da vigência da Lei Rouanet. Cabe revisá-la em seus critérios e amplitudes, mas nenhuma modificação terá eficácia se faltar a fiscalização adequada —e, sempre que necessário, a pronta punição dos corruptos. [email protected]
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2016-06-30
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1787108-boca-livre.shtml
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Vidas ceifadas
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Em 25 dias, a cidade de São Paulo vivenciou três ações policiais que terminaram com as mortes de crianças e jovens. Se não chegam a configurar um padrão, os episódios no mínimo exigem maior atenção para o despreparo de agentes de segurança pública. No dia 2, um furto de carro por dois meninos de 10 e 11 anos desencadeou uma perseguição por policiais militares, encerrada após uma colisão. Em meio a uma alegada troca de tiros, o menor dos garotos morreu, baleado na cabeça. No sábado passado (25), um menino de 11 anos morreu em circunstâncias semelhantes, mas alvejado por um integrante da Guarda Civil Metropolitana (GCM) após denúncia de roubo. Nova perseguição, disparos contra o veículo e morte com uma bala no crânio. O terceiro caso ocorreu dois dias depois, segunda-feira (27). Policiais militares perseguiram um carro que não parou em bloqueio e nele acertaram 16 tiros, atingindo na cabeça um universitário de 24 anos. O rapaz morreu no hospital. As três malfadadas ações se acham sob investigação, e não se pode de antemão descartar que os agentes tenham apenas reagido à ameaça. Avolumam-se indícios e incongruências, porém, a sugerir que isso não teria ocorrido. De longe o caso mais grave foi o da GCM paulistana. Está vedado a guardas-civis perseguir suspeitos de crimes; se presenciam um flagrante e o criminoso foge, o procedimento recomendado é pedir por rádio intervenção da PM. Para piorar a situação do guarda que disparou, seus dois colegas não confirmam disparos do fugitivo. São muito raras as mortes causadas pela GCM. Com efetivo de 6.100 agentes, ela esteve envolvida na morte de cinco pessoas em 2015 e três neste ano. A PM, em comparação, conta com 87 mil homens no Estado (35 mil deles na capital) e foi responsável por 580 mortes no ano passado. No primeiro trimestre de 2016, houve 141 mortos por policiais militares paulistas no exercício da função. Mesmo com um recuo de 23% em relação ao mesmo período do ano anterior, ainda representa uma letalidade excessiva. A desproporção com a morte de PMs é expressiva: de janeiro a março deste ano, três agentes foram assassinados em serviço e 16 em horário de folga. Se todos os óbitos ocorressem de fato em confrontos legítimos, seria de esperar cifras menos desequilibradas. Tem custado muito ao poder público paulista combater a cultura da violência em suas polícias. Que os últimos acontecimentos sirvam de alerta para redobrar esse esforço. [email protected]
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2016-06-29
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1786700-vidas-ceifadas.shtml
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BC ambicioso
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Divulgado nesta terça-feira (28), o relatório trimestral de inflação, principal documento de comunicação do Banco Central, era aguardado com especial interesse. Não se sabia ao certo de que maneira a nova diretoria da entidade pretendia conduzir a política monetária nos próximos meses. Havia basicamente dois caminhos: adiar para 2018 o compromisso de levar a inflação ao centro da meta (4,5%), a fim de muito em breve reduzir a taxa básica de juros, ou postergar os cortes na Selic, com vistas a obter a convergência dos preços já no ano que vem. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, optou pela segunda via —em suas palavras, um objetivo ambicioso, porém crível. Mirar o centro da meta será fundamental para rebaixar as expectativas de inflação e viabilizar juros menores e sustentáveis no médio prazo. Há na atitude do BC uma tentativa de restaurar a credibilidade, erodida nos últimos anos por promessas não cumpridas e subserviência ao populismo do governo. De fato, à luz das informações atuais, a escolha do BC é ousada. Nos últimos meses, houve surpresas altistas nos preços, a despeito do aprofundamento da recessão. As projeções para o IPCA em 2016 apontam alta de cerca de 7%. Essas condições tendem a influenciar também as estimativas para 2017, dado um efeito inercial particularmente forte no Brasil –um choque leva muito tempo para se dissipar, em decorrência da indexação generalizada de preços e salários. Por isso, os modelos do BC ainda sugerem inflação acima da meta no ano que vem. Goldfajn indicou que o cenário melhorará se houver uma gestão mais austera do Orçamento. O aumento da confiança na estabilidade da dívida pública reduziria o risco de fuga de ativos brasileiros e de desvalorização do real, favorecendo o controle da inflação. O alinhamento com a Fazenda, portanto, é crucial. Melhorias na administração das contas públicas precisam ser confirmadas para que os juros possam cair com responsabilidade. Tudo somado, o mais provável é que a Selic comece a ser reduzida mais para o final do ano, como é necessário. Apesar dos riscos, ensaia-se uma conjunção de fatores que, com alguma sorte, pode levar os juros a um dígito no médio prazo, de forma sustentável. Seria uma mudança expressiva no funcionamento da economia. Como reforço a esse cenário, seria desejável que o Conselho Monetário Nacional, que se reúne no dia 30, sinalizasse para a sociedade o compromisso do governo —e não apenas do BC— com a redução estrutural da inflação, adotando uma meta menor, de 4,25%, para 2018. [email protected]
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2016-06-29
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1786701-bc-ambicioso.shtml
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Democracia espanhola não está em risco
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A Folha publicou, no último domingo (26/6), o artigo "Democracia em risco na Espanha", escrito por Raül Romeva, autodeclarado ministro das Relações Exteriores do governo da Catalunha. Ao contrário do que afirma o texto, a Espanha é uma democracia moderna e madura, na qual os direitos e liberdades fundamentais de todos os cidadãos são respeitados. Somos membros da ONU, bem como da União Europeia e do Conselho da Europa. Temos adotado e aplicamos tanto a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia como a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais. A Espanha é um Estado de Direito em cujo vértice está a Constituição de 1978, aprovada por uma grande maioria de cidadãos espanhóis, incluindo o 90,4% dos catalães. Essa Constituição permitiu que a Catalunha, uma das regiões mais ricas e prósperas do país, desfrutasse de um grau de autonomia política, administrativa, econômica e cultural muito amplo, com um governo autônomo, a Generalitat de Catalunha, do qual o sr. Romeva é conselheiro (cargo equivalente a secretário estadual no Brasil). A Constituição espanhola estabelece "a soberania nacional do povo espanhol, do qual emanam todos os poderes do Estado" e "a indissolúvel unidade da nação espanhola, pátria comum e indivisível de todos os espanhóis". Por tanto, nossa Constituição não reconhece o direito de secessão, como também não o faz a Constituição brasileira de 1988. O princípio da integridade territorial dos Estados é um dos pilares da Carta da ONU. O Tratado da União Europeia estabelece a obrigação de instituições do bloco garantirem a integridade territorial de seus Estados membros. O direito de autodeterminação só se reconhece no direito internacional para aqueles povos sujeitos à dominação colonial ou a violações em massa de direitos humanos. No dia 9 de novembro 2015, o Parlamento de Catalunha aprovou uma resolução que declarava o início de um processo de separação na Espanha. O Tribunal Constitucional a declarou nula e lembrou que não há legitimidade democrática fora da lei. No pleito do ano passado na Catalunha, 52,2% dos eleitores votaram em forças políticas catalãs que não defendiam a secessão. Não existe, por tanto, uma maioria que legitime esse processo. O futuro da Catalunha está dentro da Espanha e da União Europeia, nas quais os catalães poderão seguir com prosperidade e bem-estar. O governo central está disposto a seguir dialogando com as autoridades da região, mas sempre dentro da legalidade vigente. Em todo caso, o Tribunal Constitucional lembrou que existem na própria Constituição procedimentos estabelecidos para mudá-la, mas não é possível fazê-lo de forma unilateral. Em síntese, a democracia não está em risco na Espanha, como ficou demonstrado nas eleições gerais do dia 26. O que pode pôr em risco o sistema democrático é pretender romper de forma unilateral e ilegal a unidade do país, semeando discórdia e confronto entre os cidadãos. *MANUEL DE LA CÁMARA HERMOSO * é embaixador da Espanha no Brasil PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-29
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1786710-democracia-espanhola-nao-esta-em-risco.shtml
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Lei Rouanet, patrimônio do Brasil
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Na manhã de terça (28/6), fomos surpreendidos pela operação da Polícia Federal batizada de Boca Livre, com foco em proponentes de projetos da Lei Rouanet. A operação, corretíssima, resultou da gestão da lei realizada pelo MinC (Ministério da Cultura), pois foi justamente por meio da rigorosa análise de prestação de contas que os indícios de fraude foram identificados e se transformaram numa operação da Polícia Federal. A investigação, porém, pode reforçar o preconceito crescente contra a Rouanet, seus proponentes e beneficiários, já que nos últimos meses, dentro do flá-flu que tomou conta do debate político no país, a lei passou a ser atacada como um dos maiores males nacionais. Nada mais equivocado. Cheguei a ouvir de amigos bem-intencionados que artistas eram comprados pelo governo com dinheiro da lei. Nada mais errôneo, já que o MinC apenas aprova os projetos que vão buscar o patrocínio nas empresas. Desde sua criação, a lei estimulou, como nunca, a produção, a difusão e o acesso à cultura no país. É só olhar ao redor. São Paulo tem mais teatros que Paris, por exemplo. Ao longo de mais de duas décadas, os recursos permitiram que grupos artísticos tivessem atuação estável, festivais dos mais diversos gêneros se firmassem, artistas criassem e produzissem, o patrimônio histórico fosse recuperado e, mais importante, o público visse ampliada as ofertas de produtos culturais e de lazer. Muitas empresas antes distantes do mundo cultural passaram, com o benefício da lei, a utilizar o mecanismo, enxergando no patrocínio cultural uma possibilidade de ação. Com o resultado positivo, algumas ampliaram os investimentos, utilizando verbas de marketing para complementar as ações. Instituições e artistas conseguiram, por meio de parcerias com empresas, uma atuação continuada. Além dos patrocínios via a lei, angariaram recursos adicionais com bilheteria e excursões, entre outros. É muito importante destacar este fato: os recursos da lei são multiplicados por outros agentes que entram na atividade cultural. "Ora, atividades que não conseguem se sustentar por conta própria não deveriam existir." Esse é um dos argumentos mais equivocados que ouço por aí. Todos os países cujas culturas possuem destaque no mundo recebem muito mais recursos e incentivos governamentais do que o Brasil. Na França, apenas na atividade cinematográfica, são mais de € 2,4 bilhões por ano (cerca de R$ 9 bilhões, mais que o dobro da verba anual da Lei Rouanet para todas as linguagens no Brasil). Nos Estados Unidos, pátria do liberalismo de mercado, a MPA (Motion Picture Association), entidade que reúne os maiores estúdios de cinema, chegou a ter o escritório dentro da Casa Branca. Por que as pessoas comem hambúrguer, usam calça jeans e ouvem rock no mundo inteiro? A maciça presença do cinema americano no planeta, impulsionada pelo governo, conquistou corações, mentes e muito dinheiro. Ter uma cultura forte não é apenas questão filosófica. É questão econômica. Um país sem cultura será sempre um país menos influente. Outro aspecto positivo é a capilaridade da lei. Qualquer artista, grupo ou instituição pode apresentar seu projeto e, cumprindo os requisitos, ser aprovado e partir em busca de patrocínio. Existem problemas no funcionamento da lei? Claro que existem. Alguns projetos que não precisavam de apoio puderam captar. Verdade. Algumas empresas usam projetos para fazer ação de marketing com recurso público. Verdade. Alguns projetos apoiados apresentam elevados preços de ingressos. Verdade. Esses casos, todavia, são minoria frente aos milhares de projetos que permitem a criação, a pesquisa, a preservação do patrimônio, a circulação, a difusão e o acesso à cultura, pelos quatro cantos do país. O que precisamos nesse momento é aperfeiçoar a lei, corrigir e impedir os excessos. O ministro Marcelo Calero tem essa missão, e já se mostrou atento a ela. É fundamental ouvir os técnicos envolvidos na gestão, as instituições e grupos do mundo cultural. ANDRÉ STURM, cineasta, é diretor do MIS - Museu da Imagem e do Som de São Paulo e do cinema Caixa Belas Artes PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-29
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1786709-lei-rouanet-patrimonio-do-brasil.shtml
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Código Comercial, construção democrática
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O projeto de Código Comercial é iniciativa do deputado federal Vicente Cândido, que tomou por base o trabalho acadêmico "O Futuro do Direito Comercial", do professor Fábio Ulhoa Coelho. Em vista dessa singularidade, desde o início ficou claro aos envolvidos que o projeto era, na verdade, um código a ser construído. Optou-se por esse caminho novo como um meio de se ganhar tempo. Se o código é, e deve ser, sempre o resultado de um democrático e transparente processo de construção do consenso, tomar-se como ponto de partida um texto já apresentado como projeto legislativo só poderia contribuir para um debate mais focado, célere e objetivo. A inovação não foi bem compreendida por todos, por fugir inteiramente do modelo clássico de elaboração de projetos de código. No entanto, passados cinco anos, pode-se constatar o acerto da solução original de se construir o consenso em torno do texto de lei, depois de já iniciado regularmente o processo legislativo. Andando em paralelo o material e o formal, ganha-se um tempo valioso, sem açodamento. As linhas mestras do novo Código Comercial são quatro: modernização e racionalização da legislação empresarial; melhora do ambiente de negócios; aumento da segurança jurídica e da previsibilidade das decisões judiciais; e simplificação das exigências burocráticas relativas às sociedades e aos empresários. Em cinco anos, essas linhas foram preservadas, mas os ajustes vieram a partir de eventos promovidos pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) em cada uma das capitas (à exceção de quatro), nos anos de 2012 e 2013, e, inclusive, da realização de um seminário internacional realizado em Brasília. Nesses anos, a Comissão Especial dos deputados, encarregada de examinar o projeto, realizou cerca de duas dezenas de audiências públicas, em Brasília e em todas as regiões do país, colhendo propostas e discutindo as melhores soluções para o direito empresarial brasileiro. Também teve muita importância para o processo de construção do consenso a constituição -pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros- da Comissão de Juristas para a elaboração de um anteprojeto de Código Comercial. Sob a presidência do ministro João Otavio de Noronha, atual corregedor da Justiça, a comissão tomou como ponto de partida o projeto da Câmara e as quase 200 emendas feitas até então. Em 2014, a discussão e o aperfeiçoamento do código concentraram-se em trabalhos acadêmicos, eventos em diversas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)e outras entidades. No ano seguinte, assumiu a presidência da Comissão Especial o deputado Laercio de Oliveira. Sob sua liderança, foram apresentados e discutidos os relatórios parciais que, aproveitando os avanços do anteprojeto da Comissão de Juristas do Senado, acrescentaram-lhes melhorias resultantes das discussões ocorridas dentro e fora do Parlamento. No início de 2016, o deputado Paes Landim, relator geral, apresentou o seu substitutivo, que tem sido objeto de discussão e aprimoramento. Documento de grande qualidade técnica, consolidou todo o debate a partir de uma orientação sua, inteiramente compatível com as quatro linhas básicas do projeto: um código para o mercado, que ampare a empresa em benefício da economia brasileira. Deram suas contribuições a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as federações de indústria de vários Estados, associações empresariais, a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e tantos quantos tiveram interesse em participar, desde que preservado o espírito do projeto. Claro que ainda há opositores. E isso também é mostra do caráter democrático do processo em desenvolvimento. Afinal, a construção do consenso, nas democracias, não visa suprimir ou sufocar a resistência ou a oposição. Visa identificar a solução que atenda aos interesses gerais da sociedade. FABIO ULHOA COELHO é professor titular de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e presidente da Comissão de Juristas da Câmara dos Deputados para o Código Comercial VICENTE CÂNDIDO é deputado federal (PT-SP) e vice-líder da bancada do PT na Câmara PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-28
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1785613-codigo-comercial-construcao-democratica.shtml
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A prova da merenda
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Está marcada para esta terça-feira (28), na Assembleia Legislativa de São Paulo, a segunda sessão da CPI da merenda. Em tese, a comissão parlamentar deveria fortalecer as investigações do escândalo na alimentação escolar, conduzidas desde janeiro pelo Ministério Público e pela Polícia Civil. Têm-se esquadrinhado contratos celebrados entre a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) e dezenas de prefeituras, além da Secretaria Estadual da Educação. Suspeita-se de um esquema de superfaturamento na distribuição de suco de laranja para a rede pública, com propinas que atingiriam até 30% dos valores contratados. Por meio de delações premiadas, alguns investigados implicaram membros do governo Geraldo Alckmin (PSDB), além de deputados federais e estaduais. Entre eles, Fernando Capez (PSDB), presidente da Assembleia. Apesar disso —ou por causa disso—, são diversos os sinais de que a investigação parlamentar caminha para não cumprir seu papel. Não só 8 de seus 9 integrantes são de partidos da base de apoio de Alckmin, como o presidente e o vice da comissão pertencem ao PSDB e ao PSB (partido do vice-governador), respectivamente. Tal domínio alimenta temores de que a apuração se concentrará em prefeituras do PT, desviando o foco do governo estadual e de Capez. Como se não bastasse, um dos titulares da comissão, Barros Munhoz (PSDB), notabilizou-se há alguns anos por afirmar: "CPI, no Brasil, só vocês da imprensa acreditam, mais ninguém. (...) É conversa mole, coisa para enganar". A frase infame tem sido confirmada nos âmbitos federal, estadual e municipal. Há tempos os políticos aprenderam a domesticar CPIs —quando não utilizá-las para extorsões e propinas—, tornando ultrapassada a máxima de que se sabe como tais comissões começam, mas não como terminam. No Estado de São Paulo, nos últimos anos, a ampla base de apoio dos governos do PSDB tem agido para impedir que a Assembleia apure escândalos envolvendo políticos do partido. As poucas investigações que conseguem superar essa barreira terminam desidratadas e sem resultados. No escândalo da merenda, o governo do Estado se considera vítima, segundo declarou Alckmin. Tanto o governador como seus aliados deveriam, portanto, ser os maiores interessados em esclarecer o episódio, não importa a coloração partidária dos envolvidos. Se a alegação fosse sincera, caberia dar força à CPI na condição de instrumento para elucidar os fatos. [email protected]
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2016-06-28
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1786307-a-prova-da-merenda.shtml
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Câmara em festa
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Ninguém ignora que a Câmara dos Deputados vive momento esdrúxulo até mesmo para seus padrões tumultuosos. Com um presidente —o famigerado Eduardo Cunha (PMDB-RJ)— afastado pelo Supremo Tribunal Federal, assumiu um vice —o peculiar Waldir Maranhão (PP-MA)— que não preside. No dia a dia, o enredo previsto vai conduzido pelo segundo vice, Fernando Giacobo (PR-PR), ou pelo primeiro secretário, Beto Mansur (PRB-SP). Não raro Maranhão irrompe de volta em cena, porém, atendendo a deixas imperativas: os interesses do aliado Cunha. Assim se deu com a rocambolesca consulta do parlamentar maranhense à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os vários quesitos sobre os ritos do processo da quebra de decoro parlamentar apresentados por Maranhão poderiam abrir brechas favoráveis ao presidente defenestrado e permitir que escapasse com punição mais branda que a cassação. Dias depois de o Conselho de Ética aprovar parecer a favor da perda de mandato, Maranhão cancelou o próprio pedido. Alegou que a CCJ, diante do fato consumado no conselho, poderia examinar diretamente os questionamentos da defesa do deputado fluminense. Na sexta-feira (24), Maranhão reapareceu para liderar a pantomima. Anunciou aos colegas que a Câmara só voltaria a funcionar no dia 4 de julho, para que todos pudessem participar dos festejos de São João e São Pedro. Houve quem pusesse sob suspeita os reais motivos do presidente intermitente. Uma semana de interrupção representaria uma semana a mais no já arrastado processo de cassação de Eduardo Cunha. O pretexto junino não soa de todo descabido, registre-se, porque as festas no Nordeste são um acontecimento cultural e popular que os parlamentares da região se sentem no dever de prestigiar. E dessa região provêm nada menos que 151 deputados, quase 30% da Câmara. Na era do jato (e dos jatinhos), contudo, não é dificultoso um político deslocar-se em poucas horas de Caruaru (PE) ou Campina Grande (PB) para Brasília a fim de cumprir obrigações parlamentares. Tanto é assim que o próprio Maranhão, em mais uma reviravolta, reverteu a decisão de sexta-feira sobre os feriados prolongados e marcou uma única sessão do plenário para esta terça (28). Decerto o fez diante da péssima repercussão do ato anterior, um acinte aos olhos da parcela da população que não vê razão para festejar em meio à incineração dos empregos e da renda na fogueira da crise. Só Eduardo Cunha terá motivos para comemorar, se as peripécias da Câmara lhe adiarem o desfecho do processo por mais uma semana. [email protected]
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2016-06-28
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1786308-camara-em-festa.shtml
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O sequestro da EBC
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Espanta-me ver tanta ênfase naqueles que vociferam contra o "golpismo" e hoje defendem, com indignação, um pluralismo que não praticaram na EBC (Empresa Brasil de Comunicação) ao longo dos últimos anos. Houve, isso sim, o sequestro de uma empresa pública por um grupo que representa uma corrente de pensamento. A criação e difusão de conteúdos plurais que contribuam para a formação crítica das pessoas é missão que consta do planejamento estratégico da EBC, estampada em painéis decorativos nos corredores da empresa. Não foi o que vigorou, entretanto, no jornalismo praticado ao longo do governo Dilma Rousseff. A origem da polêmica sobre o comando da EBC está na posse do diretor-presidente, Ricardo Melo, no dia 10 de maio, às véspera do julgamento da admissibilidade do processo de impeachment da presidente afastada pelo Senado. Há que se perguntar o propósito da indicação, diante do afastamento iminente. Por certo, não foi a busca da pluralidade de informação e de visões o que motivou tal nomeação para o cargo que já estava vago há três meses. O antecessor, Américo Martins, ficou menos de seis meses na função e saiu por divergir das interferências do Palácio do Planalto. À época, o sindicato dos jornalistas e a comissão de empregados da EBC publicaram nota conjunta para denunciar o "aparelhamento" da empresa e a indicação de nomes pela Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto para cargos de gestão e assinatura de contratos milionários. Oriundo da antiga Radiobrás, jornalista com 37 anos de casa, sou testemunha de que o jornalismo da EBC foi tomado pela militância política. Há muito a TV Brasil, que arrebata defesas e discursos acalorados em favor da comunicação pública independente, adotou a prática do "jornalismo-militante". Essa modalidade, mais passional do que profissional, direcionou a cobertura para áreas de interesse específico do governo. O espaço de opinião foi loteado entre comentaristas engajados, defensores do Planalto e da continuidade do projeto de poder lulo-petista. Destaco que, nesses oito anos da EBC, sou o primeiro diretor de jornalismo oriundo do quadro permanente da empresa. Os demais, inclusive Ricardo Melo, foram "importados do mercado". E todos alardearam essa condição, como se não houvesse profissionais competentes, experientes e capazes entre os mais de 2.000 funcionários da EBC. Uma humilhação. Ao assumir a diretoria, recebi apenas uma orientação. O diretor-presidente Laerte Rimoli, nomeado pelo presidente interino Michel Temer e depois afastado pela liminar do STF que garantiu a volta de Melo, garantiu-me que o petismo não cederia lugar ao peemedebismo, ao tucanismo ou a qualquer outro "ismo" que não o jornalismo e o profissionalismo. Foi o que me convenceu a aceitar a missão. LOURIVAL MACÊDO é diretor de jornalismo da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-27
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1785614-o-sequestro-da-ebc.shtml
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Cuidar das delações
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Para sorte de todos os brasileiros que desejam um país melhor, a Operação Lava Jato alterou o paradigma de combate à corrupção. Com o apoio da teoria dos jogos, embutida no sistema de delações premiadas, procuradores têm conseguindo revelar os meandros dos esquemas de propina. De forma inédita, condenam-se dirigentes de grandes empreiteiras, enquanto políticos de alta patente se tornam alvo de investigações. Como seria de esperar, forças poderosas mostram-se dispostas a pôr freio nas operações. Atuam tanto nas sombras -onde, ao que parece, têm fracassado- quanto à luz do dia, por meio de projetos destinados a modificar as leis em vigor. Se transações escusas merecem apenas a firme repulsa da sociedade, as iniciativas legislativas por vezes suscitam debates oportunos. Discutem-se, em resumo, três pontos: fixar prazo de 45 dias para o delator apresentar provas documentais; proibir colaboração de quem estiver preso; revogar o segredo de justiça (ou até anular) de delações que vazem para a imprensa. Não se ignora que o sistema de colaboração premiada dá margem a abusos, e os dois primeiros aspectos tocam em questões sensíveis. É preciso cuidar para que os delatores não relatem à Justiça meras fofocas ou, pior, exercícios de imaginação interessada. Exigir que os depoimentos se façam acompanhar de elementos concretos é mais que necessário. Ocorre que nem tudo comporta provas documentais. Se o réu não entregar indícios materiais, mas apontar o caminho para que os investigadores os obtenham, terá feito contribuição relevante. Regras muito rígidas poderiam inviabilizar apurações promissoras. Quanto à sugestão de proibir delação de presos, trata-se de remédio que só à primeira vista parece adequado. Sabe-se que a Justiça brasileira abusa das detenções cautelares, o que torna ponderável a suspeita de que alguns procuradores se valham do encarceramento processual para forçar a colaboração de investigados. Ocorre que a delação é antes de tudo arma da defesa. Os indivíduos mais comprometidos com os esquemas escolhem contar tudo o que sabem em troca de uma redução de pena. Negar-lhes essa possibilidade equivale a privá-los de um direito -e, como desdobramento, significa manietar a apuração. Sobre depoimentos "vazados" há pouco a dizer, pois a proposta carece de sentido. A publicação do conteúdo de uma delação não compromete sua qualidade, não havendo motivo para alterar seu status jurídico -se há prejuízo, aliás, é para a investigação, que nesses casos perde o elemento surpresa. É fundamental zelar para que as delações premiadas não se convertam numa máquina de produzir denúncias irresponsáveis, mas desse esforço não pode resultar a mutilação de um mecanismo tão valioso no combate ao crime. [email protected]
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2016-06-27
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1785907-cuidar-das-delacoes.shtml
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Coerção na USP
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Estudantes e docentes da área de humanas constituíram um dos alvos preferenciais da repressão na ditadura militar no Brasil (1964-1985). O exercício do pensamento crítico, ainda mais se incentivado pelos nomes preponderantes no paradigma intelectual da época -o da herança marxista-, era condenado pelos poderes dominantes. Será exagerado qualquer paralelo entre aquela situação e o clima de liberdade que hoje existe na mais importante universidade do país. As óbvias diferenças não deixam de enfatizar, contudo, o inédito e inadmissível surgimento de novas formas de coação e violência em setores daquela instituição. Noticia-se que, por causa de piquetes intimidatórios organizados por uma minúscula minoria, professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP têm optado por ministrar aulas e realizar provas por meio da internet. Atividades acadêmicas, como encontros de pós-graduação e colóquios marcados com antecedência, são conduzidas em locais alternativos e discretos, de modo a não serem interrompidos pelos grevistas. Trata-se, na prática, de uma volta à clandestinidade, situação que só se via numa época em que alunos e professores estavam à mercê de espiões e policiais da ditadura. Assembleias repetitivas, prolongadas artificialmente por horas, reúnem uma porcentagem mínima dos estudantes para decidir aquilo que já se decidira nos comitês de militantes de extrema-esquerda: greve, greve sempre, greve anual, greve semestral, greve permanente. Seguem-se "cadeiraços" -barrando-se fisicamente o acesso às salas de aula-, ocupações, lances de vandalismo, atos de intimidação. O clima é de medo e violência, diz Sérgio Adorno, diretor da FFLCH. A ocupação se prolonga desde o dia 12 de maio. A greve de uma fatia pequena de estudantes e funcionários apresenta uma lista de reivindicações absolutamente irrealizáveis num quadro em que decresceu drasticamente a arrecadação de impostos pelo governo estadual. Fundada numa mentalidade extremista e antidemocrática, segue um rumo conhecido: o da ameaça, da violência e da opressão. [email protected]
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2016-06-26
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1785652-coercao-na-usp.shtml
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Verdade e mentira no mar do Sul da China
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À medida que se aproxima o resultado da arbitragem sobre o mar do Sul da China, previsto para julho, a opinião pública internacional se alvoroça em torno do assunto. Nesse ensejo, gostaria de abordar o histórico dessa questão e as implicações da arbitragem compulsória, revelando os fatos e deixando que falem por si. Primeiro: quem detém, afinal, a soberania sobre as ilhas no mar do Sul da China? Há mais de um milênio, a China já incluía explicitamente essa região nos anais locais e mapas como área sob sua administração, exercendo jurisdição contínua sobre as ilhas Nansha e águas adjacentes em formas diversas, como a instalação de instituições administrativas, patrulhas militares, atividades produtivas e comerciais. Durante a Segunda Guerra Mundial, essas ilhas foram ocupadas pelo Japão, que, conforme as declarações do Cairo e de Potsdam, devolveu os territórios roubados da China. Durante um longo período desde então, a soberania e os interesses chineses sobre toda a região eram amplamente reconhecidos pela comunidade internacional. As práticas diplomáticas dos países, bem como mapas e publicações de prestígio, confirmavam que as ilhas do mar do Sul pertenciam à China. Ao final dos anos 1960, quando foram descobertos recursos de petróleo e gás na região, as Filipinas e outros países começaram a invasão e ocupação ilegais das ilhas Nansha, dando origem ao debate. Segundo: a arbitragem possui ou não legalidade e força vinculante? Por meio de documentos bilaterais e da Declaração sobre a Conduta das partes no mar do Sul da China, Pequim e Manila (capital das Filipinas) chegaram a um acordo e reafirmaram o consenso de resolver as disputas por meio de negociações. A parte chinesa sugeriu, repetidas vezes, o estabelecimento de um "mecanismo de consultas regulares sobre assuntos marítimos entre a China e as Filipinas". Manila, no entanto, ignorou os pedidos e forçou unilateralmente a abertura de uma arbitragem, sem consulta prévia aos chineses. Isso contrariou o direito da China à escolha dos meios para a resolução de litígios, conforme garante a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. A essência dessa arbitragem é a delimitação territorial e marítima. A questão territorial não faz parte do escopo da convenção. No tocante à demarcação de áreas marítimas, mais de 30 países, incluindo a China, já produziram uma declaração, com base no artigo 298 da convenção, que exclui a utilização de procedimentos compulsórios, como a arbitragem, na resolução de controvérsias. Do ponto de vista do direito internacional, portanto, o pedido de arbitragem por Manila é, em si, ilegal, e o tribunal que decide o caso carece de jurisdição sobre o assunto. A China não aceita nem participa dessa arbitragem precisamente por defender a seriedade e opor-se ao uso indevido dos documentos internacionais, como a convenção. Terceiro: a liberdade de navegação no mar do Sul da China apresenta realmente algum problema? Pelas rotas desse mar, a China movimenta 70% de seu comércio e 80% das importações de energia. Não há nação que zele mais pela liberdade e segurança de navegação nessa região do que a China. Ao longo dos anos, a China e os países da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) salvaguardaram, em conjunto, a paz e estabilidade, sem qualquer problema quanto à liberdade de navegação e sobrevoo garantida aos países pelas leis internacionais. Recentemente, certos países têm exagerado nessa questão e, sob pretexto de "exercer a liberdade de navegação e sobrevoo", exibem seu poderio militar na região, aumentando as atividades de reconhecimento próximo e criando tensão nessas águas. Tudo isso constitui, na realidade, a maior ameaça à paz e à estabilidade no mar do Sul da China. A história vai provar que a arbitragem, criada pelas Filipinas, é apenas uma farsa política cheia de mentiras, que não nega nem encobre o fato de que a China tem a soberania sobre as ilhas Nansha. Negociações francas, pautadas pelo direito internacional e pelos fatos históricos, constituem o único caminho correto para a solução das disputas, de forma a fazer do mar do Sul da China verdadeira água de paz, amizade e cooperação. LI JINZHANG é embaixador da China no Brasil PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-26
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1785611-verdade-e-mentira-no-mar-do-sul-da-china.shtml
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Torcida única atesta ineficiência do Estado
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A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo determinou que, até 31/12/16, todos os clássicos envolvendo os maiores clubes do Estado -Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos- disputados dentro do Estado de São Paulo terão torcida única nos estádios -no caso, a torcida do clube mandante. O futebol é uma paixão nacional que movimenta milhões de pessoas, famílias inteiras, trabalhadores e pessoas de bem. Sabemos que, entre 50 ou 60 mil expectadores em um clássico, é possível encontrarmos pequenos grupos pertencentes a gangues ou bandos, travestidos de torcedores, mas é tarefa das autoridades identificar e punir essas pessoas. A medida anunciada representada uma vitória da violência, em que a população paga pela ineficiência do Estado. Quando falamos de torcida única, deixamos de nos atentar para as causas envolvidas e confessamos a impotência de nossas autoridades, algo inconcebível diante do fato de que a polícia paulista é uma das mais bem treinadas e equipadas do país. Faz-se necessário um aprofundamento da questão, e é fato que ela envolve o trabalho das organizações dos clubes, federações, mas, sobretudo, a utilização da inteligência da Polícia Militar e Civil para identificar os torcedores organizados que causam problemas. Sabemos que os confrontos acontecem fora dos estádios, frequentemente envolvem as mesmas pessoas, são brigas combinadas previamente, muitas vezes utilizando a internet. Portanto, se faz necessária a utilização da inteligência da polícia, monitorando mídias sociais, identificando perfis de torcedores que causam problemas, antecipando situações de risco de confronto, trabalhando a prevenção. Posteriormente, também é importante que a justiça faça a sua parte, prendendo aqueles que atentem à ordem pública e que representem risco para a sociedade, banindo-os inclusive do convívio social. A torcida é componente fundamental no espetáculo, empurrando seu clube. Por isso, se alguns elementos participam de atos ilícitos, estes devem ser banidos dos estádios, sem que haja prejuízo para a maioria. Em função de alguns poucos, não podemos responsabilizar e punir a todos. A medida é uma forma de segregação, contrária ao que versa a Constituição, além de ser uma clara declaração da falência do Estado em sua função de manter e garantir a tranquilidade social. Devemos extirpar a doença, mas sem matar o doente. Essa medida faz exatamente o contrário, prejudica e muito o nosso futebol. Trata-se de uma afronta aos torcedores e também aos clubes, que precisam de receita para manter seu funcionamento. A maior parte dessa receita é proveniente do público dos jogos, principalmente dos clássicos. A referida medida nos demonstra que a Secretaria de Segurança Pública tem dificuldades para enfrentar alguns membros de torcidas organizadas causadores de problemas, o que nos faz questionar sobre sua capacidade de confrontar o crime organizado. São Paulo tem perdido essa luta, mas não vamos nos calar, em nome dessa paixão nacional que é o futebol, nem aceitar a covardia de nossas autoridades, que demonstraram falta de capacidade e competência para agir contra a violência nos estádios. LUIZ FERNANDO TEIXEIRA, deputado estadual (PT-SP), é presidente do São Bernardo FC PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-24
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1785052-torcida-unica-atesta-ineficiencia-do-estado.shtml
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Sem fim à vista
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O noticiário cotidiano tem-se encarregado de impor necessário e enfático desmentido a pronunciamentos como o feito recentemente pelo ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, no sentido de que as autoridades responsáveis pela Operação Lava Jato haverão de, a certa altura, pensar em concluir suas investigações. Em vez de declinar, o ímpeto da Lava Jato começa a ter reflexos em outras ações policiais, externas ao âmbito da chamada "República de Curitiba". Partiu de São Paulo, numa operação intitulada Custo Brasil, a iniciativa de requerer a prisão preventiva de Paulo Bernardo, ex-ministro dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. Bernardo é acusado de receber cerca de R$ 7 milhões em propina, dentro de um esquema que teria desviado um total de R$ 100 milhões por meio de contratos irregulares de uma empresa de informática com a pasta do Planejamento. Na mesma investida da Polícia Federal, foi preso Valter Correia, secretário municipal de Gestão da administração Fernando Haddad (PT), em São Paulo. A sede nacional do partido, na capital paulista, e o escritório de Brasília tornaram-se, ademais, objeto de ações de busca e apreensão. Repetida em nota oficial, a habitual alegação de que está em curso uma tentativa de criminalizar o PT fica menos convincente do que nunca. Bastaria lembrar a circunstância de que um dos maiores desafetos do partido, o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), viu-se ainda nesta semana novamente na condição de réu perante o Supremo Tribunal Federal. Paralelamente, apura-se em Pernambuco a suspeita de que as campanhas de Eduardo Campos (PSB) em 2010 (para governador) e 2014 (para presidente) beneficiaram-se de um mecanismo de corrupção que, no total, teria movimentado cerca de R$ 600 milhões. A partir de dois delatores da Lava Jato, investigaram-se as contas de um dos donos do jatinho cujo acidente ocasionou a morte do pessebista. Preso, o empresário João Carlos Lyra foi reconhecido como a pessoa que fazia repasses da construtora Camargo Corrêa a Campos e seus correligionários. O PSDB, por sua vez, é atingido na figura de seu antigo presidente, o falecido senador Sérgio Guerra, de quem se revelam os entendimentos que teve para abafar a CPI da Petrobras em 2009 —sem mencionar as diversas vezes em que o nome do atual presidente da sigla, senador Aécio Neves (MG), aparece em delações premiadas. Tudo indica que não há fim à vista para a Lava Jato e seus desdobramentos —e é exatamente isto que se deseja do inédito desvelamento de práticas generalizadas de assalto a cofres públicos perpetradas por políticos de todos os matizes. [email protected]
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2016-06-24
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1785047-sem-fim-a-vista.shtml
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As causas do sucesso da Lava Jato
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"Mas antes de aplicar o tormento, a Inquisição deixava os réus apavorados, por meio de admoestações verdadeiramente sinistras. (...) Escusar-se-ia o Santo Ofício de aplicá-lo [os tormentos] caso Manoel confessasse 'inteiramente a verdade de suas culpas', pelo que o admoestavam... (Trecho do livro "Traição", de Ronaldo Vainfas) Ganhou enorme destaque o fato de que o STF (Supremo Tribunal Federal) reexaminará a decisão que autoriza prisões após o julgamento da apelação pelos tribunais. O colunista da Folha Hélio Schwartsman, em opinião compartilhada por muitos, escreveu em 18 de junho o texto "Lava Jato ameaçada". O autor argumenta que, admitida a prisão apenas após o trânsito em julgado, como o Supremo vinha decidindo há pelo menos uma década, perderia a Lava Jato, pois o estreitamento dos limites temporais para a prisão "deu enorme impulso às delações premiadas". "Sem essa perspectiva de desfecho rápido, aumenta a tentação dos envolvidos de manter a boca fechada", escreveu. Sem entrar em questões constitucionais, essenciais para a justa compreensão da controvérsia, o equívoco do articulista é gritante. Todos os que fizeram delação premiada até 2015, e não foram poucos, tinham a perspectiva, em tese, de recorrer "ao infinito" em liberdade. Os fatos são públicos: empresários como Ricardo Pessoa (UTC) e Léo Pinheiro (OAS) já estavam em liberdade quando se deram os procedimentos para a delação premiada. Sérgio Machado e seu filho nunca ficaram presos. Portanto, o êxito da Lava Jato não se deveu à recentíssima decisão do STF. Ao lado de uma criteriosa investigação conduzida por procuradores da República e a Polícia Federal, a operação contou com muitas prisões preventivas decretadas contra empresários e a vexatória exposição deles nos deslocamentos à Justiça Federal. Com prisões preventivas que se perpetuavam e delações de gerentes e diretores da Petrobras divulgadas, quando conveniente e pontualmente, aos quatro cantos, a perspectiva de condenação era alta, ainda mais se considerado o perfil do juiz da causa. Daí para os empresários "se sensibilizarem" para a denominada delação premiada, que passou a ser uma verdadeira estratégia de defesa, não demorou. O sucesso da Lava Jato tem a ver com a conjugação destes fatores e, francamente, não com a decisão do STF. Ocorre lembrar que, numa democracia comprometida com a presunção de inocência e o respeito à dignidade humana, o Estado não pode tudo em nome do sucesso investigativo. Disse-o, por todos, o próprio STF, ao qualificar a prática de prender preventivamente para "extrair do preso uma colaboração premiada, que, segundo a lei, deve ser voluntária" como ato "atentatório aos mais fundamentais direitos consagrados na Constituição, medida medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada". Para concluir com a epígrafe, "Manoel não resistiu a essa pedagogia do terror e, a exemplo de muitos outros réus da Inquisição, pediu para confessar. Vergou-se ao Santo ofício...". É para isso que querem prender antes do trânsito em julgado da condenação? ALBERTO ZACHARIAS TORON, 57, advogado criminalista, doutor em direito pela USP, é professor de direito processual penal da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-23
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1784558-as-causas-do-sucesso-da-lava-jato.shtml
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Permissão para gastar
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A pretexto de evitar o colapso dos serviços públicos do Rio de Janeiro, o governo de Michel Temer (PMDB) vai conceder R$ 2,9 bilhões ao Estado, que em tese destinará os recursos à segurança da Olimpíada. Trata-se oficiosamente de doação; na prática, não há como verificar se o dinheiro terá outros usos, como o pagamento de salários de servidores, compromisso que um governo degradado ao extremo não consegue cumprir regularmente. A calamidade fluminense, produzida por gestões calamitosas do PMDB, apressou um acordo de renegociação das dívidas estaduais com a União. "Apressado" é o nome conveniente para um socorro financeiro com contrapartidas que ainda não são bem conhecidas. Os Estados obtiveram moratória de seis meses. Voltariam a pagar as prestações integralmente daqui a dois anos. Está previsto também um alongamento do débito por 20 anos e renegociação com o BNDES. Informalmente, sabe-se que os Estados, em troca, não poderão elevar despesas primárias além da inflação, por 24 meses. Talvez devam privatizar empresas. É provável que precisem se submeter ao teto de gastos que o governo pretende inscrever na Constituição. O descumprimento do acordo provocaria a anulação do contrato de renegociação da dívida. Observe-se, em primeiro lugar, que normas de pactos passados, mais estritas, já foram transgredidas. Ao premiar a irresponsabilidade, o novo perdão incentiva novas violações dos acordos. Seria razoável que se impusessem restrições às causas centrais do aumento desmedido de gasto —caso de servidores e isenções fiscais. Pelos termos conhecidos da atual negociação, nada visa a evitar que os Estados em situação mais ruinosa (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais) voltem a soçobrar assim que se retomar o pagamento integral da dívida. A imposição do teto não é trivial, em especial no caso de aposentadorias e pensões. Quanto às receitas, nada se ouviu a respeito de reversão de favores tributários para empresas, de aumento das contribuições previdenciárias ou de revisão patrimonial —privatizações, por exemplo. Deixou-se de lado a discussão da Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual, que era contrapartida do plano de renegociação de Dilma Rousseff (PT). O governo Temer também perdeu a oportunidade de incluir no pacote uma solução definitiva para a farra tumultuária da legislação do ICMS. O presidente interino, Michel Temer, apressa-se em obter apoio político ao custo de concessões financeiras demasiado tolerantes, sem contrapartidas claras de controle duradouro das contas públicas. [email protected]
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2016-06-23
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1784565-permissao-para-gastar.shtml
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Fracasso campeão
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Polêmica desde a concepção, a operadora de telefonia Oi prostrou-se ante uma dívida de R$ 65,4 bilhões e apresentou na segunda-feira (20) seu pedido de recuperação judicial. Trata-se do maior processo do gênero na história do Brasil —e isso ainda é dizer pouco. O desfecho a que a população agora assiste com estupefação constitui o traço mais expressivo da política de campeões nacionais preconizada pelo governo Lula (PT), e da proposta de criar uma supertele num mercado em que predominam empresas estrangeiras sobrou apenas a ilusão. A operadora sintetiza alguns dos principais vícios da gestão petista: intervencionismo, uso despudorado de recursos públicos em transações duvidosas e descaso com a qualidade da regulação setorial. Diga-se, por justiça, que se apontam problemas desde o final dos anos 1990, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O programa de privatizações de então permitiu que um grupo não experimentado no setor adquirisse a operação de telefonia fixa nas regiões Norte-Nordeste. Nascia a Telemar. A transação suscitou críticas à época, mas pelo menos houve uma revolução regulatória no setor, com a criação da Anatel e a fixação de parâmetros claros para proporcionar concorrência e qualidade dos serviços. Em 2008, contudo, as regras tornaram-se um estorvo aos olhos do governo Lula. Elas impediam a fusão da Telemar com a Brasil Telecom, operadora do centro-sul, da qual resultaria a sonhada supertele. Era preciso mudar a lei que impedia o mesmo controlador de operar em mais de uma região —e assim se fez. Também se mostrava necessário abundante financiamento estatal para viabilizar o negócio —e isso ocorreu. Pior, sempre houve suspeitas de conflito de interesse devido às transações obscuras da Telemar com a Gamecorp, empresa que tem como sócio um dos filhos de Lula. De lá para cá o caso só piorou. A fusão com a Portugal Telecom, em 2013, ocorreu após um longo imbróglio societário e resultou numa companhia superendividada. Os conflitos continuaram a sangrar a empresa e, para completar, a evolução tecnológica se encarregou de tornar obsoleto o modelo baseado em telefonia fixa. A era Lula embarcou no caminho irresponsável de cevar pretensos campeões nacionais com dinheiro do contribuinte e reduziu a importância das agências reguladoras, que deveriam zelar pelo bom funcionamento dos setores, arbitrando conflitos em prol do interesse público. O epílogo é um fracasso monumental que deve ser debitado na conta petista. [email protected]
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2016-06-22
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1784131-fracasso-campeao.shtml
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À espera da autocrítica
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Não chega a ser um mea-culpa, mas já significa alguma coisa que uma figura de destaque no PT tenha admitido, em entrevista a esta Folha, que o partido precisa reconhecer seus erros. Atitudes desse gênero são raras numa agremiação que se perdeu nos próprios labirintos e somente agora começa a abandonar sua empáfia. Ex-ministro da Comunicação Social do governo Dilma Rousseff (PT), tesoureiro da campanha presidencial de 2014 e ex-presidente da sigla no Estado de São Paulo, Edinho Silva afirmou o que há muito tempo os brasileiros reconhecem como óbvio: "Em algum momento o PT terá que fazer uma autocrítica perante a sociedade". Aos que se perguntam qual a deixa que os atores petistas esperam para iniciar sua fala, Edinho esclarece: "Talvez (...) seja necessário que esse processo todo [a Operação Lava Jato] avance para termos dimensão de até onde ele chega". Em uma interpretação benevolente, o ex-ministro conta com as investigações em curso para descobrir quanto o PT se sujou na lama da corrupção. Na mais provável, os dirigentes da legenda não querem assumir desvios antes da hora para que não corram o risco de revelar algo que de outra maneira permaneceria encoberto. Seja como for, o estrago está feito —e Edinho sabe disso. Com precisão, o ex-ministro declarou que, dentre as principais agremiações, nenhuma perderá tanto quanto a sua nas eleições municipais deste ano. Com o que parece um exagero, entretanto, acrescentou: "Será a pior eleição da nossa história". Verdade que diversos políticos abandonaram o PT. Pelo menos 20% dos cerca de 630 prefeitos eleitos pela sigla em 2012 procuraram outro abrigo. Além disso, muitos petistas concorrendo à reeleição certamente serão rechaçados pela população. Contra eles pesarão não só o envolvimento da legenda em reiterados escândalos de corrupção mas também o péssimo desempenho da economia, sempre um fator relevante nas corridas municipais. Dada a enorme estrutura que montou enquanto ocupou o governo federal, dificilmente o PT deixará de se sair melhor do que nos anos 1990, quando mal passava de cem prefeituras no país. Por medo do desastre eleitoral, o PT voltará a ceder à "realpolitik". Numa demonstração de que aprendeu pouco nos últimos tempos, o partido sinaliza com um pacto para superar a crise. "As investigações têm que continuar, mas é importante estabelecer um prazo para restabelecer a estabilidade política", disse Edinho Silva. A Lava Jato continuará até o fim, sem prazo para acabar, e os eleitores jamais perdoarão quem pretender encerrá-la antes da hora —com ou sem mea-culpa. [email protected]
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2016-06-21
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1783744-a-espera-da-autocritica.shtml
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Reabilitar a política
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Tornou-se lugar-comum dizer que estamos mergulhados numa profunda crise política, com graves reflexos na economia e na vida social, a saber: desaceleração da atividade econômica, aumento do desemprego e perplexidade da população diante do futuro do país. Estamos sim vivendo aguda crise política, que se agrava à medida que o tempo avança e não se vislumbram caminhos para solucioná-la. Infelizmente, neste momento em que mais se precisa da política e de políticos, há um descrédito geral em relação a ambos. A política perdeu o valor intrínseco de seu significado semântico, isto é, de verdadeira vocação a serviço da comunidade. Deixou de ser, como afirma Paulo 6º, a forma mais elevada da caridade para tornar-se mero instrumento de busca de poder e de interesse pessoal ou de grupos, pautado pelo amoral princípio maquiavélico de que "o fim justifica os meios". Uma das consequências naturais da adoção desse princípio é a corrupção. Perante tal situação, não é de estranhar o crescente desencanto pela política e pelos políticos e, igualmente, a descrença na democracia devido ao não cumprimento de promessas feitas nas campanhas eleitorais, de uma vida melhor e mais justa para os cidadãos. Estamos diante de uma crise insolúvel? Não, se dela extrairmos lições positivas para a reabilitação de nossas práticas políticas. De pronto, para enfrentar a crise, temos de considerar que, no regime democrático, o objetivo maior da política é a procura do bem comum, que deve ser perseguido por todos - políticos e cidadãos -, nas diferenças de programas partidários e de projetos de governo concretos e realizáveis, sem que se ceda às fáceis e alienantes tentações populistas. Dessa forma, esperamos que nossos políticos, agora mais do que nunca, sejam capazes de colocar o bem comum acima de interesses particulares. De nossos políticos e de nossas autoridades, estamos também a esperar disposição e competência para dialogar. O diálogo político e a busca de consensos em torno dos problemas nacionais e o respeito às instituições são fundamentais para se encontrarem soluções justas e pacíficas, para que a paz e a segurança reinem no país, levando-o ao caminho do desenvolvimento sustentável com justiça social. Não podemos nos esquecer de que, na democracia, a responsabilidade pela solução dos próprios problemas cabe a todos, no espírito de solidariedade. Dessa forma, esperamos que, na esfera dos três Poderes da República e no seio da população, prevaleça, nesse grave momento da vida nacional, o senso de equilíbrio, para que se construam soluções duradouras para nossos problemas. Outro item refere-se à corrupção. Sem dúvida, o anseio da população é o dos bispos, reunidos em Aparecida, quando declararam que "as suspeitas de corrupção devem continuar sendo, rigorosamente, apuradas. Os acusados sejam julgados pelas instâncias competentes, respeitando o seu direito de defesa; culpados punidos e os danos devidamente reparados, a fim de que sejam garantidas a transparência, a recuperação da credibilidade das instituições e restabelecida a justiça". "A crise atual, afirma a CNBB, evidencia a necessidade de uma autêntica e profunda reforma política, que assegure efetiva participação popular, favoreça a autonomia dos Poderes da República, restaure a credibilidade das instituições, assegure a governabilidade e garanta os direitos sociais." DOM RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS é arcebispo de Aparecida (SP) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-21
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1783733-reabilitar-a-politica.shtml
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O malfadado projeto de Código Comercial
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A segurança é um valor central para o direito, sobretudo no âmbito das relações empresariais. Sem segurança, não há investimento. Sem investimento, não há geração de riqueza. Sem geração de riqueza, não há desenvolvimento. Por essa razão, a edição de novas leis deve ser levada a efeito com a máxima cautela. Caso contrário, haverá incremento de riscos, elevação de custos e, por fim, aumento dos preços dos produtos e serviços postos à disposição da população. São todas preocupações que vêm à mente quando se considera o texto do projeto de Código Comercial prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados, com o objetivo disciplinar a organização e a exploração das empresas. Hoje com quase 800 artigos, o projeto foi apresentado pelo deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) em 2011. A leitura do mesmo suscitou a enérgica reação de 61 estudiosos do direito privado. Num raro consenso, manifestaram publicamente sua contrariedade. De maneira surpreendente, no entanto, o texto continuou a tramitar, com modificações que, se o privaram de alguns de seus muitos defeitos, certamente não justificam sua aprovação. Isso porque o projeto de Código Comercial continua a ser caracterizado por toda a sorte de problemas. No que tem de melhor, seu texto é irrelevante, por repetir e consolidar regras já em vigor. No que tem de pior, é impreciso e equivocado. Há, inclusive, diversas normas sem indicação da respectiva consequência, como se o propósito de um código fosse o de ilustrar, e não o de prescrever. Alguns exemplos são eloquentes. Cheio de platitudes, o projeto relata que o empresário deve "contratar obrigações ativas e passivas que atendam, em ponderação final, aos seus interesses", que "os juros moratórios" fluem "desde a data da caracterização da mora" e que a sociedade se funda no "contrato social celebrado entre os sócios". Dentre suas muitas impropriedades, o texto proposto parece ignorar a diferença entre nulidade e anulabilidade, criada para discriminar vícios de acordo com sua relevância. De maneira ilustrativa, ao dispor sobre as invalidades das deliberações de assembleia, prevê prazo único de decadência de seis meses para anulação ou nulidade absoluta, como se tais vícios se equivalessem. O projeto de Código Comercial frustra até mesmo as discussões ocorridas no curso de sua tramitação. O texto original previa a revogação da Lei das Sociedades Anônimas. Diante da forte oposição, o dispositivo foi suprimido. Não obstante, o projeto de Código Comercial insiste em disciplinar temas próprios à Lei das Sociedades Anônimas, como as operações, as ligações e os grupos societários. A interpretação dessas normas, portanto, não mais se fará no âmbito do microssistema da lei 6.404/76, mas sim no infeliz regime do código projetado. Fundado em uma iniciativa isolada, o projeto de Código Comercial parece desconsiderar os impactos que sua aprovação geraria para a sociedade brasileira. Trata-se de constatação que se revela tão mais grave quando se tem presente o momento vivido pelo país. Ao invés de trazer a estabilidade desejada pela população, o projeto de Código Comercial prescinde da segurança jurídica e oferece o imprevisível. Na direção errada, no lugar errado e no momento errado, o Código Comercial não pode merecer o favor da Câmara dos Deputados. Ninguém duvida que as leis devam ser modernizadas. Não se pode permitir, todavia, que a mudança seja um fim em si mesma, pois, nunca é demais reiterar, as leis são feitas para o povo, e não o povo para as leis. CRISTIANO DE SOUSA ZANETTI, advogado, é doutor em direito civil e professor livre-docente da mesma área na Faculdade de Direito da USP ERASMO VALLADÃO A. E N. FRANÇA, advogado, é doutor em direito comercial e professor livre-docente da mesma área na Faculdade de Direito da USP NELSON EIZIRIK, advogado, é professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-21
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1783742-o-malfadado-projeto-de-codigo-comercial.shtml
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Por que o Brasil deveria acolher os refugiados sírios?
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Pouco antes de deixar o cargo no último mês, o então ministro da Justiça Eugênio Aragão deu um sinal positivo sobre a capacidade do Brasil de acolher refugiados. Com ajuda internacional, segundo ele, o país poderia acolher "até 100 mil sírios, em grupos de 20 mil por ano". Na última quinta-feira (16), o Itamaraty reafirmou a disposição do Brasil "em seguir colaborando, como tem feito, por meio da recepção de imigrantes em nosso território". Nesta segunda (20), Dia Mundial do Refugiado, o povo brasileiro pode se orgulhar dos primeiros passos tomados, em meio a uma profunda crise política, no sentido de proteger aqueles que fogem da guerra e da perseguição. Independentemente da nossa futura situação política, devemos continuar neste caminho. Em 2013, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) autorizou as embaixadas do país a emitirem vistos humanitários para pessoas tentando escapar do conflito armado na Síria. "É, sem dúvidas, um exemplo a ser seguido", disse à época o representante do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) no Brasil, Andrés Ramirez. O Brasil emitiu 8.450 vistos humanitários a sírios desde o início do conflito; mais de 2.000 já foram reconhecidos como refugiados no país. Embora o número seja pequeno comparado aos 4,8 milhões de refugiados que chegaram aos países vizinhos da Síria, Ramirez reconhece o Brasil por ter "mantido uma política de portas abertas para refugiados sírios". Com políticas insuficientes de reassentamento e outros auxílios na Europa e América do Norte, os países vizinhos da Síria começaram a fechar suas fronteiras aos solicitantes de refúgio. Cerca de 70 mil sírios estão confinados em uma faixa de deserto na fronteira do país com a Jordânia. Além disso, desde agosto de 2015, a Turquia tem repelido sírios de suas fronteiras. Em dois incidentes diferentes, desde o início do ano, guardas turcos dispararam contra refugiados que se aproximavam da fronteira, ferindo 14 pessoas e matando cinco - incluindo uma criança. O Brasil tem a chance de fazer a diferença. Se o país assumisse o compromisso de reassentar 100 mil refugiados sírios durante os encontros sobre o compartilhamento de responsabilidade internacional, que ocorrerão à época da abertura da sessão de setembro da Assembleia Geral da ONU, poderia assim pressionar positivamente países desenvolvidos que não estão cumprindo seu papel no enfrentamento do problema. A política de portas abertas do Brasil não deve apenas continuar, mas ainda incluir aperfeiçoamentos na nossa capacidade de promover uma verdadeira integração, respeitar os direitos dos refugiados e oferecer apoio específico aos mais vulneráveis. A avaliação do ACNUR sobre programas de reassentamento de refugiados no país, a maioria vinda da própria América Latina, indica que ainda há espaço para melhorias, mas também que 85% dos refugiados que se reestabeleceram aqui, no âmbito desses programas, permanecem no país, a maior proporção entre todos os países do Cone Sul. Refugiados bem integrados podem representar uma grande vantagem ao país. Uma injeção de sangue novo pode ajudar a recuperar uma economia em recessão. Como declarou Ken Roth, diretor executivo da Human Rights Watch, sobre os sírios na Europa, "a vinda de pessoas que possuem a comprovada perseverança e inteligência para escapar da guerra e da repressão em seu país e atravessar todos os riscos letais inerentes à travessia até a Europa pode oferecer o ânimo e a energia de que o continente precisa". O mesmo vale para o Brasil. Acolher refugiados não é uma questão de filantropia, é uma questão de solidariedade e compartilhamento de responsabilidade. Ao receber refugiados e se comprometer com afinco com sua integração, o Brasil será um líder global na demonstração de respeito aos direitos humanos e compaixão. O país já começou bem; é preciso continuar nesse caminho. MARIA LAURA CANINEU é diretora da ONG Human Rights Watch no Brasil PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-20
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1783571-por-que-o-brasil-deveria-acolher-os-refugiados-sirios.shtml
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Distorção parlamentar
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"Eu já arquivei cinco pedidos de impeachment do procurador-geral da República", disse Renan Calheiros, presidente do Senado. "Esse eu vou avaliar", concluiu com um sorriso irônico incompatível com a gravidade da situação. Referia-se a uma petição protocolada na semana passada. As duas advogadas que assinam o documento, ambas ligadas a movimentos anti-Dilma Rousseff (PT), requerem a deposição constitucional de Rodrigo Janot. Argumentam que o chefe do Ministério Público Federal dispensou tratamento diferenciado a políticos que consideram envolvidos em situações análogas. De um lado, a presidente Dilma e o ex-presidente Lula; de outro, Renan, o ex-presidente José Sarney e o senador Romero Jucá (RR). Todos teriam manobrado para atrapalhar a Operação Lava Jato, mas somente a trinca peemedebista se tornou objeto de pedido de prisão. Quando enfim avaliar a peça, Renan verá que ela não se sustenta por inúmeros motivos –seja porque cabe ao procurador-geral decidir quando pedir a privação de liberdade de alguém, seja porque a Constituição veda a prisão de presidente da República nessas circunstâncias. O preocupante, porém, é que o mérito do processo parece ser uma questão menor para o presidente do Senado, que neste momento transforma o pedido de impeachment em uma espada direcionada contra o pescoço de Janot. Para Renan, que já não esconde sua irritação, importa dispor de uma arma capaz de, em tese, intimidar aquele que vem no seu encalço. Procurando despertar o espírito de corpo entre seus pares, o peemedebista reveste sua indignação com um manto institucional, como se a Procuradoria-Geral da República extrapolasse seus limites constitucionais e representasse uma ameaça para o livre funcionamento do Poder Legislativo. Nada mais falso. Janot exagerou, sim, ao pedir a prisão de Sarney, Renan e Jucá, mas o fez dentro das balizas legais. Seu ato não escapou aos mecanismos de controle, e o Supremo Tribunal Federal respondeu à solicitação com uma negativa –tudo como deveria ser. Se há uma ameaça ao Parlamento brasileiro, ela parte de seus integrantes que distorcem o sentido da representação popular, fazendo do mandato não um canal para os anseios do eleitor, mas um duto para escoar recursos ilícitos. Até agora, apesar das muitas suspeitas de que se cerca, Renan Calheiros vinha mantendo, à frente do Senado, comportamento bem mais republicano que o de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na chefia da Câmara, antes de ser afastado pelo STF. Se o senador imitar seu correligionário e usar a posição institucional para tolher as investigações, poderá conhecer igual destino. [email protected]
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2016-06-20
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1783390-distorcao-parlamentar.shtml
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Erros aos bilhões
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O absurdo já não era pequeno quando se imaginava que, ao aprovar o reajuste para o funcionalismo, a Câmara dos Deputados endossava uma iniciativa com impacto previsto de R$ 52,9 bilhões até 2018 –tudo sob os auspícios do presidente interino, Michel Temer (PMDB). Na terça-feira (14), porém, o descalabro ficou ainda maior. Após questionamento feito pelo jornal "Valor Econômico", o Ministério do Planejamento informou que errou nas contas. O custo para os cofres públicos será, na verdade, de R$ 67,7 bilhões, ou quase 30% acima do projetado anteriormente. Aprovada no atacado, a medida suscitava críticas tanto pela rapidez com que foi decidida como pelo momento inadequado. Numa conjuntura recessiva, com perda de empregos e compressão salarial no setor privado, não faz sentido privilegiar os servidores, sobretudo os que ocupam os níveis mais elevados da hierarquia. A esses reparos agora se soma a aritmética canhestra, numa repetição do padrão de desrespeito ao dinheiro público que marcou a gestão de Dilma Rousseff (PT). O cômputo original não considerava que o aumento de 5% concedido em 2016, para vigorar a partir de agosto, teria impacto integral nos anos seguintes. Subestimou-se, portanto, a base em cima da qual incidirão as próximas majorações. Ao repassar a matemática, o Planejamento afirmou que os gastos com salários ainda assim se expandirão menos que a inflação. Mas, com base no decreto presidencial que estimou a despesa com ativos e inativos da União para este ano e nos valores projetados para os reajustes, o "Valor Econômico" encontrou resultado diverso: as despesas crescerão 9,7% e 12,5% em 2017 e 2018, respectivamente, acima da inflação esperada, de cerca de 5% ao ano, em média. Ademais, não se levou em conta o efeito cascata com o presumível pleito de categorias não contempladas –isso para não citar a situação de Estados e municípios, onde muitas têm o teto salarial vinculado ao do funcionalismo federal. Embora Temer, em nome da realpolitik, tenha buscado a pacificação com carreiras organizadas, as previsíveis reações em contrário no seio da sociedade podem ensejar a reavaliação do tema no Senado. Num momento em que se cogita estabelecer um teto de gastos para o poder público, abarcando inclusive dispêndios sociais, a discussão não deveria estar centrada em aumentos salariais, mas em formas de reduzir a despesa com pessoal, em todos os níveis de governo. [email protected]
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2016-06-20
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1783391-erros-aos-bilhoes.shtml
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Ousar com o SUS
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Se prosperar no Congresso, a proposta do governo Michel Temer (PMDB) de fixar um teto para o crescimento dos gastos públicos tenderá a promover uma redução relativa das despesas com saúde e educação: em vez de vinculadas à receita, passarão a se atrelar à inflação do ano anterior. Ainda que não fosse por esse motivo, porém, os recursos para essas áreas (e para todas as outras) se mostrariam escassos nos próximos anos. Ninguém ignora que a gestão de Dilma Rousseff (PT) queimou o dinheiro de hoje e de amanhã, exigindo que todas as esferas da administração pública apertem os cintos por um período longo. A fim de discutir esse cenário de escassez, esta Folha promoveu, nos dias 14 e 15, o Fórum Saúde em Tempo de Recessão. Especialistas em medicina, economia e administração debaterem alternativas para o setor num período de grave crise econômica. Discutiu-se, entre outros temas, o SUS, que inevitavelmente terminará afetado. Não escapou aos convidados do encontro uma questão óbvia: as privações a que a população se verá submetida podem ser minoradas com medidas que tragam maior eficiência. Um ponto nevrálgico é assegurar que as autoridades sanitárias tenham condições de planejar e gerir o sistema com racionalidade e previsibilidade. Isso significa que o acesso ao SUS não pode ser um cheque em branco ao portador. Cabe aos administradores, valendo-se da melhor medicina baseada em evidências e de um cálculo de custo-benefício, estabelecer listas das terapias, procedimentos e medicações cobertas. O rol deve ser extenso a ponto de abarcar quase todas as doenças. Quem quiser uma abordagem extraordinária —seja um medicamento recém-lançado, seja uma terapia ainda não validada pelos consensos científicos— deverá buscá-la às próprias expensas. Cada vez que alguém, recorrendo à Justiça, consegue obrigar o SUS a pagar um tratamento experimental caríssimo, está tirando do sistema dinheiro que poderia salvar a vida de vários pacientes com moléstias mais simples. A impessoalidade frequentemente exige que os gestores pareçam insensíveis. Pode ser ruim para a imagem dos indivíduos, mas é a garantia de que pessoas com menor capacidade de mobilização não serão deixadas para trás. Tempos difíceis exigem criatividade e até certa ousadia. [email protected]
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2016-06-17
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1782592-ousar-com-o-sus.shtml
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Novo degrau
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Decerto alguns políticos são honestos —e seria injusto com eles afirmar que não sobra ninguém ileso depois da delação premiada de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. A sensação, no entanto, é precisamente essa. Não que os mais de 20 nomes implicados por Machado componham um número sem precedentes para a Operação Lava Jato. Vale lembrar que o Ministério Público Federal obteve autorização para investigar mais de 50 autoridades nas últimas instâncias judiciais. Com sua colaboração, contudo, o ex-presidente da Transpetro não só traz à cena personagens que pretendiam se distanciar do petrolão como também acrescenta novos detalhes a um esquema do qual se beneficiaram diversos partidos (são mencionados membros de PMDB, PT, PP, DEM, PSDB, PSB e PC do B). Legitimado pelo fato de ter permanecido durante 11 anos no cargo ao qual chegou em 2003 por indicação do PMDB, Machado não decepcionou quem esperava muito de seus depoimentos. No trecho mais explosivo, afirmou que o presidente interino, Michel Temer (PMDB), acordou o repasse de R$ 1,5 milhão à campanha de Gabriel Chalita (ex-PMDB) à Prefeitura de São Paulo, em 2012. Segundo Machado, estava claro, pelo contexto da conversa, que o pedido envolvia a busca de recursos ilícitos de empresas que mantinham contratos com a Transpetro. O dinheiro, depois, seria registrado na forma de doação oficial. Do ponto de vista dessas companhias, o sistema era perfeito. As contribuições eleitorais asseguravam negócios com o poder público, e tais negócios, devidamente corrompidos, garantiam verbas para distribuir às campanhas. Transações desse gênero teriam rendido, na gestão de Machado, cerca de R$ 100 milhões a políticos do PMDB, entre os quais o ex-presidente José Sarney (AP), o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e o senador Romero Jucá (RR). Para espanto geral, o delator disse que a Petrobras, que tem a Transpetro como subsidiária, era "a madame mais honesta dos cabarés do Brasil". Suas regras internas, explica Machado, inibiam as práticas menos ortodoxas que vicejam em inúmeros organismos estatais. Como sempre num acordo de delação premiada, as revelações dependem de comprovação —e todos os citados refutam as acusações. Ainda assim, a narrativa de Sérgio Machado indica o quanto o governo de Michel Temer pode se enfraquecer diante da Lava Jato. Nem mesmo políticos agora aliados e há tempos afastados da máquina federal, como o senador Aécio Neves (PSDB-MG), passaram incólumes. É cada vez mais difícil imaginar quem escapará quando as empreiteiras Odebrecht e OAS resolverem de fato contar tudo o que sabem. [email protected]
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2016-06-16
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1782164-novo-degrau.shtml
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A disputa pela EBC
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A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) vem sendo alvo de ameaças de desmonte feitas pela equipe do presidente interino Michel Temer. O caso mais alarmante foi a exoneração de seu diretor-presidente, Ricardo Melo, enquanto exercia um mandato protegido por lei. A medida que conduziu ao comando da EBC o jornalista Laerte Rimoli, quadro de confiança do deputado Eduardo Cunha, durou pouco. Dez dias depois, Melo reassumiu, por força de liminar do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, depois disso, os ataques se intensificaram. O momento de instabilidade exige atenção redobrada para que as atribuições do governo interino não se convertam em uma espécie de estado de exceção em que tudo se pode. O gasto com a comunicação pública é apontado como razão de incômodo. No entanto, os dados alardeados não se sustentam como ameaça ao erário e estão aquém do que a comunicação pública deveria obter para organizar-se. Lutamos, com justeza, por muito mais. Há recursos das empresas de telecomunicação, depositados em juízo, travados pela recusa do setor em deixar avançar a comunicação pública na terra da hegemonia da comunicação privada. A Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) é necessária para que a EBC e suas parceiras possam estimular a produção independente e regional, renovar tecnologias e assegurar aos trabalhadores melhores condições. Os recursos da EBC mantêm em funcionamento oito emissoras de rádio, entre elas a Nacional da Amazônia, única a levar informação aos povos da floresta. Possibilitam o trabalho da Agência Brasil, que fornece conteúdo confiável para a imprensa, e da Radioagência Nacional, que atende a mais de 2.000 emissoras de rádio, incluídas as comunitárias. A EBC também é responsável pela TV Brasil, esta que os detratores querem medir pela audiência, mas cujo conteúdo desconhecem. A emissora é uma das poucas que mantêm programação infantil de qualidade, abolida pelas emissoras abertas após a proibição da publicidade dirigida à infância. É na TV pública que crianças encontram um desenho animado em que todos os personagens são negros. Na TV Brasil, o público pode assistir a um programa conduzido por artistas LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), como "Estação Plural", e ao bom jornalismo do "Caminhos da Reportagem". A emissora é a principal janela de exibição em canal aberto para o cinema nacional. Para detratá-la, contudo, os ataques se concentram na posição política de comentaristas, buscando associar a emissora pública a um papel partidarizado. O que está em disputa não é a melhor gestão da EBC, mas o controle do que lhe cabe, dos canais à CFRP. A sociedade deve desconfiar de propostas de enxugamento das atribuições públicas e de mudanças para livrar a empresa da vigilância social representada pelo conselho curador. O fato omitido pelas críticas é que a empresa dispõe de mecanismos para corrigir desvios. Pode contratar e descontratar conforme limite de recursos e interesse público. Se há problemas, há como resolver. O conselho curador busca sempre fazer debates para aprofundar a experiência da comunicação pública. A EBC precisa, urgentemente, desvincular-se da Presidência da República e separar sua missão pública da prestação de serviços ao canal de TV NBR. Este, sim, é do governo federal. Todo o restante é nosso. RITA FREIRE é jornalista e presidente do conselho curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-16
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1782147-a-disputa-pela-ebc.shtml
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Orlando, uma nova etapa do terrorismo
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Donald Trump, o candidato fleumático do Partido Republicano, poderá ser, politicamente, o grande beneficiário do atentado ocorrido em boate gay de Orlando, na Flórida, no último domingo (12). Não somente por seu apelo à maioria silenciosa branca estadunidense, que se ressente de Barack Obama e do "establishment republicano", mas também pela percepção de que o seu partido tende a ser mais efetivo em questões de defesa e de combate ao terrorismo. Trump pode, ainda, apelar à memória popular de que a Al Qaeda floresceu durante o período em que Bill Clinton, marido da atual candidata democrata Hillary Clinton, era presidente. Seria um golpe duro aos democratas. Após o atentado terrorista de 11 de março de 2004, na Espanha, por exemplo,o cenário eleitoral mudou drasticamente. Perdeu quem estava no poder. O discurso de Obama, em favor de maior controle no acesso a armas, não bastará para cercear o comércio, pois não resiste a um questionamento mais aprofundado. A disponibilidade não implica necessariamente criminalidade; trata-se de um salto intelectual inverídico. Já os republicanos persistirão na tecla da incapacidade de os democratas protegerem o país. O atentado desestabiliza, mais uma vez, a imagem de invulnerabilidade dos Estados Unidos. Como é possível que alguém, um possível lobo solitário, que estava no radar de monitoramento do FBI, uma agência governamental com um aparato de inteligência inigualável, consiga comprar armas com tamanha facilidade? Por que o autor do massacre, Omar Mateen, que chegou a integrar uma lista de possíveis suspeitos de terrorismo,deixou de ser vigiado? Questionamentos assim serão acrescidos à análise, particularmente difícil, da razão pela qual cidadãos, de primeira ou segunda geração -e não mais imigrantes-, sentem-se atraídos pela causa do Estado Islâmico, e não pelos valores das sociedades em que foram criados e ensinados. A questão migratória, enfatizada desde o início das prévias eleitorais por Trump, voltará, por certo, à baila muitas vezes, apesar de ser um argumento falacioso. Em 2015, houve 372 tiroteios, com 475 mortos e 1.870 feridos nos EUA. Fatores domésticos, e não os muçulmanos, são a causa do problema. Trata-se de uma violência doméstica elevada -mas muito menor do que a brasileira, ressalto-que não pode ser jogada para debaixo do tapete. Aliar o islamismo ao radicalismo é uma tentação precipitada. Todas as religiões apresentam, em sua história, radicalismos. O problema está na leitura e interpretação dos livros sagrados. Afirmar que o islamismo é uma religião retrógrada e radical é desconhecer a enorme contribuição dada por vários de seus membros ao aperfeiçoamento da humanidade. É preciso combater o radicalismo na origem. Do contrário, a luta será em vão. Querer associar o radicalismo religioso à intolerância a determinados grupos sociais também é receita para um confronto social maior. É preciso muito cuidado para evitar radicalismos. Dos dois lados. Observam-se, ainda, algumas importantes mudanças no modo operacional desses ataques. Em primeiro lugar, o incentivo do Estado Islâmico à atuação de lobos solitários, vinculados ou não à rede (terrorismo doméstico), na modalidade "ataques inspirados pela organização". Além disso, os atentados, de menor escala, tenderão a ser realizados em áreas turísticas, que atraiam maior visibilidade e o interesse da opinião pública internacional. É uma importante alteração na forma de agir. Trata-se de um alerta vermelho para a organização da Olimpíada no Brasil. MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS, 48, é professor de direito e relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado - Faap PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-15
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1781751-orlando-uma-nova-etapa-do-terrorismo.shtml
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O massacre de Orlando
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Na madrugada de domingo (12), a cidade de Orlando, na Flórida, foi palco do maior atentado a tiros da história dos EUA. Após invadir uma boate gay, Omar Mateen, 29, um norte-americano de origem afegã, chacinou 49 pessoas e feriu 53 antes de ser morto pela polícia. As motivações desse massacre não são claras. Sabe-se que, pouco antes de iniciar sua abominável demonstração de intolerância e insanidade, Mateen ligou para o serviço de emergência e anunciou fidelidade à milícia radical Estado Islâmico. As investigações do FBI, todavia, até agora não encontraram qualquer indício dessa conexão. Para as autoridades, o cenário mais provável é o de que Mateen, movido por seus instintos violentos e por sua homofobia arraigada, tenha agido por conta própria, mas se valendo de informações propagadas na internet pelos terroristas. Se confirmada a hipótese, o episódio constituirá ilustração trágica da estratégia empregada pelos radicais do EI. Em vez de apenas atrair fanáticos para suas bases, dar-lhes treinamento e enviá-los a inescrutáveis missões suicidas, a facção também instiga indivíduos a cometer ataques em seu nome. Sem que precisem manter vínculos com os grupos radicais, os chamados lobos solitários multiplicam as possibilidades de atentados, fragmentando ainda mais uma operação que já se descentralizava em células autônomas. A radicalização pela internet e o ódio que Mateen nutria pela comunidade LGBT parecem constituir parte da explicação para o morticínio, mas a esses dois vetores deve-se acrescentar um terceiro, este presente em inúmeros outros massacres a tiros nos EUA: o acesso facilitado a armas de fogo no país, inclusive às de uso militar. Quando Mateen comprou o fuzil AR-15, ninguém lhe perguntou se, no passado, fora interrogado pelo FBI por comentários elogiosos a práticas terroristas. A resposta teria sido "sim, duas vezes", mas nem por isso ele se veria impedido de adquirir o armamento. O caminho praticamente irrestrito a pistolas, fuzis e rifles aliado a uma cultura que enaltece sua posse tornou os EUA o país com o maior número de armas per capita —cerca de uma por habitante. Sem que se avance na restrição à venda de artefatos projetados para matar, é questão de tempo para que tragédias como a de Orlando se repitam. De todos os fatores por trás do lamentável episódio, esse é o mais fácil de controlar. [email protected]
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2016-06-15
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1781734-o-massacre-de-orlando.shtml
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Temos o direito de nos defender
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A Folha tem publicado vários artigos favoráveis ao desarmamento nos últimos meses. O debate volta à tona com a tragédia em Orlando. Como se tornou habitual nessas ocasiões, o presidente americano Barack Obama representou seu teatro lacrimoso contra o direito de um cidadão comprar uma arma para se defender. Nunca soube que Obama tenha chorado, no entanto, ao vender armas a inúmeros países, inclusive a alguns que hoje abrigam o Estado Islâmico. O que se discute nos EUA é um maior controle na venda das armas, mas nada que se aproxime do rigor que hoje existe no Brasil. A perplexidade maior é fazer a defesa do desarmamento de forma ditatorial. É assombroso como as coisas são discutidas por aqui: simplesmente se ignora o que a população pensa ou deseja. Em referendo de 2005, 64% dos brasileiros votaram contra o desarmamento. O governo, no entanto, vem impondo várias barreiras ao comércio desde então. Hoje é praticamente impossível ter porte de arma no Brasil. O recado dado é óbvio: os brasileiros não sabem o que é melhor para eles e é preciso que Brasília ensine o caminho da civilidade. Como somos brutamontes, não podemos ter o direito inalienável de autodefesa. É o Estado-babá se intrometendo em todas as esferas da vida. É bom relembrar o economista Thomas Sowell: "Parece que estamos cada vez mais perto de uma situação na qual ninguém mais é responsável pelo que faz, mas todos somos responsáveis pelo que os outros fazem". Essa visão ideológica contrária ao porte de armas transformou o Brasil em um dos países mais violentos do mundo, com cerca de 60 mil pessoas assassinadas por ano. O país também abriga 11 das 30 cidades mais violentas do planeta, segundo relatório da ONU. A possibilidade de autodefesa inibe a violência. O Estado não deve proibir ninguém de fazer algo, a não ser que isso limite a liberdade de outra pessoa. O porte de arma não limita a liberdade de ninguém. Costumes, tradições, valores morais e regras de etiqueta -e não leis e regulações estatais- são o que fazem uma sociedade ser civilizada. Restrições sobre o comércio de armas não deixarão o país mais civilizado. Não custa lembrar que armas eram proibidas na casa de show Bataclan, alvo de atentado em Paris, e na boate de Orlando. Os terroristas puderam agir tranquilamente. Já no Paquistão, o ataque à Universidade Bacha Khan só não teve mais vítimas porque professores e alunos também estavam armados. O ser humano tem o direito à vida. Isso significa que ele tem o direito de não ter sua integridade física ameaçada ou violada. Se o mal existe, negar ao indivíduo a posse de meios de defender a própria vida é violar o direito a ela. O direito de o cidadão comum possuir armas é o mais extraordinário e, infelizmente, o menos compreendido dentre todas as liberdades garantidas em uma democracia. Você pode não gostar de armas. É um direito seu. Mas você não pode negar que liberdade e autodefesa são conceitos totalmente indivisíveis. Sem o segundo, não há o primeiro. Eu não gosto de armas. Eu gosto do que elas defendem! Caso não esteja claro, melhor é recorrer a um dos "pais fundadores" da nação de Obama, Thomas Jefferson: "Nenhum homem livre pode ser privado do uso de armas". ANTONIO CABRERA, 55, é empresário rural. Foi ministro da Agricultura e Reforma Agrária de 1990 a 1992 (governo Collor) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-15
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1781753-temos-o-direito-de-nos-defender.shtml
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Ciência sem critérios
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Como tanta coisa no governo Dilma Rousseff (PT), o investimento no programa Ciência sem Fronteiras revelou-se uma ideia não de todo má posta em prática de modo canhestro —se não irresponsável. O resultado, pífio diante das expectativas propagandeadas, aí está: apenas 3,8% dos estudantes beneficiados com bolsas para estudo no estrangeiro frequentaram universidades de primeira grandeza. Já se sabia que o programa tivera muito de turismo e pouco de excelência acadêmica. Pôr cifras na prodigalidade sem critérios, como fez reportagem desta Folha, traça um panorama ainda mais desanimador do que muitos supunham. O levantamento tomou por base as 25 universidades mais bem colocadas no ranking internacional Times Higher Education (THE), como Harvard (EUA), London School of Economics (Reino Unido) e Universidade de Toronto (Canadá). Meros 4.084 dos 108.865 bolsistas do Ciência sem Fronteiras conseguiram vagas para estudar nessas universidades. Nem de longe se poderia dar por alcançado o objetivo do programa de treinar brasileiros "nas melhores instituições e grupos de pesquisa disponíveis (...) de acordo com os principais rankings internacionais". Graças às bolsas pródigas, mais brasileiros estudaram em Portugal do que nas 25 campeãs da lista THE. Só para a Universidade de Coimbra —classificada no grupo das 401-500 melhores, enquanto a USP figura entre as 201-250– foram 952 subsidiados, talvez por não dominarem outros idiomas. Em valores aproximados, as bolsas variam de US$ 1.000 a US$ 3.000 mensais, conforme o nível acadêmico (de graduação a pós-doutorado). Há um acréscimo anual de US$ 3.400 com auxílios para moradia e livros, por exemplo. A relação entre custo e benefício, tomando em consideração tanta liberalidade acadêmica, não parece favorável. Gastar R$ 3,5 bilhões anuais (valor orçado para 2015) com poucos milhares de estudantes no exterior, a maioria de graduação e sem perspectiva de absorver conhecimentos e técnicas úteis para o país, equivale a uma boa definição de desperdício com o dinheiro do contribuinte. Nada de novo, porém. Gastar sem discernimento foi o que mais se fez no governo Dilma —com o BNDES, com o Fies, com as desonerações, com o Pronatec–, e agora temos todos de pagar a conta com um dos maiores retrocessos econômicos que o país já viveu. [email protected]
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2016-06-14
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1781375-ciencia-sem-criterios.shtml
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Non Ducor Duco
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Em outubro haverá eleições para prefeito e todo nosso esforço deve ser no sentido de evitar que a esquizofrenia política nacional contamine o debate. Já descontada a coincidência com o calendário olímpico, será uma tarefa hercúlea para todos nós. Então vamos nos ater ao município, que afinal é onde a gente vive. Em São Paulo temos um lema gravado no brasão: Non Ducor Duco, "Não sou conduzido, conduzo". Esta é a proposta. Vamos conduzir o nosso debate. Aqui o prefeito é Fernando Haddad, do PT. Merece aplausos pela criação da Controladoria, vivas por ter conseguido implementar saquinhos de supermercado biodegradáveis, reconhecimento pela coragem em propor mudanças, da mobilidade à convivência, nos costumes de 12 milhões de pessoas. Por outro lado esvaziou a mesma Controladoria reduzindo o número de servidores em dois terços. As lixeiras pelas ruas padecem de manutenção e coleta regular. As ciclovias, símbolo maior do empenho em transformar mobilidade e convivência, estão sob suspeita no Tribunal de Contas por terem custado cinco vezes mais do que uma similar em Paris. Isso para não falar do número crescente da população abandonada pelas ruas; dos uniformes não distribuídos que consumiram R$ 15 milhões de reais só em armazenagem, enquanto alunos com deficiência ficavam sem transporte escolar; da falta de iluminação; da piora no atendimento na rede de saúde; da negligência com as árvores. Todavia, é no comportamento fanfarrão que Fernando Haddad mais atrasa a cidade, na medida em que enturvece o debate e queima boas ideias. No dia 14 de junho de 2015, o prefeito foi ao Bar Veloso e, abordado por um cidadão que reclamou das ciclovias, tuitou uma provocação relacionada às coxinhas. No 30 de julho de 2015, o Tribunal de Contas acusou rombo de R$ 2 bilhões nas contas, e na saída da audiência o secretário de Transportes anunciou a redução da velocidade nas marginais, mudando a pauta. Mas e as contas? E mesmo o trânsito: a melhora no fluxo e a diminuição dos acidentes serão efeito da crise econômica ou da redução da velocidade? Precisamos fazer esse debate. Um jornalista critica a gestão? O prefeito falsifica a agenda oficial para trolar o crítico. A resposta da população vai na mesma moeda. Há quem considere as ruas de lazer, como a av. Paulista aos domingos, "coisa de esquerdista". Ora, as bicicletas para compartilhamento são do Bradesco e do Itaú. O Citibank instalou uma escultura da Tomie Ohtake. A Fiesp promove concertos. Quem serão os "esquerdistas"? Por falar nisso, o prefeito que criou as ruas de lazer, os calçadões no centro, a secretaria da Cultura, museus de rua, promoveu futebol nas praças, passeios a pé e de bicicleta e entregou o lindo Parque do Carmo na Zona Leste foi Olavo Setúbal. Indicado em 1975 pela Arena, partido de direita, foi eleito por unanimidade, isto é, com todos os votos do MDB, de centro-esquerda. Seu secretário de Esporte e Turismo, Caio Pompeu de Toledo, em 1982 foi ocupar o mesmo posto como secretário de Estado no governo Franco Montoro, e foi candidato a vice-prefeito na chapa de Fernando Henrique Cardoso em 1985. José Serra, eleito prefeito em 2004 pelo PSDB, juntou multidões no centro para a Virada Cultural, que Gilberto Kassab (PSD) continuou e Haddad mantém. Em Londres, o ex-prefeito Boris Johnson, típico conservador inglês, aboliu medidas higienistas, como os espetos antimendigos, e promoveu as bicicletas com tanto afinco que o povo londrino as apelidou de Boris Bikes. Em Nova York, o bilionário Michael Bloomberg, eleito e reeleito pelo partido Republicano, fechou Times-Square e parte da Broadway para carros, pintou a cidade inteira criando praças e cliclovias, esparramou parklets, apoiou a criação do High Line Park. Creio que esses exemplos sirvam para a gente serenar e apurar o debate até outubro. Está em tempo. Quem começou essa briga infantil entre o prefeito e os paulistanos já não importa. Do prefeito, exige-se que se comporte à altura do posto. Da população, um esforço para serenar e pensar no futuro, lembrando que a agenda de uma cidade melhor para todos não tem cor partidária, mas sim um lema: Não sou conduzido, conduzo. LÉO COUTINHO, 37, é escritor, jornalista, membro do Conselho Municipal Participativo de Pinheiros e pré-candidato a vereador de São Paulo pelo PSDB. PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-14
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1781356-non-ducor-duco.shtml
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Basta de Cunha
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Na quarta-feira (8) passada, o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), presidente do Conselho de Ética da Câmara, distribuiu algumas perguntas retóricas aos jornalistas que o entrevistavam. Todos queriam saber por que, no dia anterior, ele postergara a votação sobre o relatório que pede a cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "É muito importante que termine logo [esse processo]. Agora, vocês querem o quê? Que termine e que Eduardo Cunha seja absolvido? É isso o que vocês querem?", indagou, decerto mirando não só os repórteres, mas toda a sociedade. Araújo conhecia a resposta. Desde novembro, segundo pesquisas do Datafolha, 4 a cada 5 brasileiros desejam que o presidente afastado da Câmara perca de vez o seu mandato. Os que defendem o deputado fluminense se limitam a cerca de 10% da população. Por força das indecorosas circunstâncias políticas, porém, a tropa de choque do peemedebista encontra-se em proporção bem mais elevada na Câmara —e, em especial, entre os membros do Conselho de Ética. Pelo menos 10 dos 21 integrantes desse colegiado já manifestaram sua vassalagem a Cunha. Existe suspense apenas em torno de um dos votos. Trata-se daquele a ser dado pela deputada Tia Eron (PRB-BA), que assumiu a cadeira de Fausto Pinato (PP-SP) —o deputado deixou o PRB meses atrás e alegou não se sentir à vontade para permanecer com a vaga associada a seu antigo partido. Congressista de primeira viagem, a agora nacionalmente conhecida Tia Eron teria sido indicada pela sigla com uma missão servil: salvar o suserano, por quem a deputada não esconde sua admiração. No começo deste mês, todavia, Tia Eron deu declarações que certamente surpreenderam os líderes de sua agremiação. Sem demonstrar a subserviência que dela esperavam, elogiou o relatório do deputado Marcos Rogério (DEM-RO), para quem Eduardo Cunha valeu-se de "omissão deliberada" no intuito de esconder "práticas ilícitas". Às vésperas da sessão do Conselho de Ética na semana passada, a cúpula do PRB e deputados da legenda se reuniram com ministros do governo de Michel Temer (PMDB). Não se sabe qual o conteúdo exato dos encontros, mas fato é que Tia Eron simplesmente não compareceu ao colegiado. Houvesse a votação, Carlos Marun (PMDB-MS), suplente no conselho, daria o 11º sufrágio em prol de Cunha. Seria uma vergonha. Na sessão programada para esta terça (14), a deputada Tia Eron, não importa qual seja sua posição, ficará marcada na história. Cabe a ela decidir se estará ao lado da imensa maioria da população, que não aguenta a desfaçatez e os escândalos sintetizados na abjeta figura de Eduardo Cunha, ou se aparecerá nos anais da Câmara como reles fantoche dessa corja. [email protected]
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2016-06-14
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1781376-basta-de-cunha.shtml
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Golpe contra liberdade de imprensa
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A Secretaria de Comunicação Social do governo interino de Michel Temer resolveu, no final de maio, cancelar verbas publicitárias para sites e blogs considerados simpáticos ao Partido dos Trabalhadores. Não foram os únicos procedimentos destinados à degola dos setores de imprensa confrontados com o novo bloco de poder. A demissão ilegal do presidente EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), suspensa liminarmente pelo STF, também integra o portfólio de providências para minar veículos de informação críticos ao impeachment. São igualmente sintomáticas, desta escalada antidemocrática, sentenças judiciais promulgadas por magistrados paranaenses, a pedido de agentes da Polícia Federal, censurando artigos do jornalista Marcelo Auler que denunciavam irregularidades na Operação Lava Jato. Não estão a salvo nem sequer repórteres do diário "Gazeta do Povo", de orientação antipetista, do mesmo Paraná: vários profissionais, em dezenas de cidades, estão sendo processados por denunciarem supersalários de juízes e promotores. Poucas são as vozes, contudo, a se erguerem contra tais arbitrariedades, com o vigor necessário, para barrar tamanho retrocesso em nossa esfarrapada democracia. A administração provisória se refastela com a possibilidade de esmagar qualquer dissidência jornalística que conteste sua legalidade ou defenda o retorno da presidente afastada, sob aplausos das facções mais sórdidas do reacionarismo. As correntes conservadoras, aliás, sempre trataram de estigmatizar os partidos de esquerda como inimigos da liberdade de imprensa. Salta aos olhos, no entanto, a ironia de os governos petistas terem continuado a encher as arcas dos grupos corporativos de mídia, mesmo quando vários desses já estavam envolvidos na ofensiva golpista. As velhas elites, porém, ao recuperarem a direção do Estado, varrem o pouco de pluralidade que, a duras penas, havia sido conquistado. Os fatos são escandalosos: o segmento de veículos progressistas recebeu, em 2015, menos de 1% do orçamento publicitário da União e das estatais, faturando menos de R$ 15 milhões sobre um total de R$ 1,87 bilhões. Não alcançou 8% do valor de anúncios na internet, ao redor de R$ 235 milhões. Falar em favoritismo ou abuso, portanto, não passa de escárnio. As principais democracias do mundo, além de regras antimonopolistas, adotam políticas capazes de expandir o direito de expressão para todas as correntes de opinião, por meio de garantias legais, compras governamentais, cotas de anúncios e créditos estatais. Um dos maiores entulhos herdados da ditadura é o regime de oligopólio da comunicação, com algumas famílias controlando quase 80% dos meios impressos, eletrônicos e audiovisuais, apesar de determinação constitucional em contrário. Seus laços com grandes anunciantes privados e agências de publicidade, obedecendo tanto a interesses comerciais quanto a alinhamentos ideológicos, tornam praticamente inviável, apenas por mecanismos de mercado, o desenvolvimento de uma imprensa independente. A diversidade editorial e informativa, assim, sem a salvaguarda de mecanismos públicos, fica à mercê da orientação corporativa de controladores privados. As decisões excludentes e vingativas do presidente em exercício, nesse sentido, mais que reiteração de antiga chaga autoritária, representam agressão à liberdade de imprensa e à democracia. Ao tentar amordaçar financeiramente a comunicação divergente, o senhor Michel Temer acaba por expor as entranhas mais pútridas do processo que até agora comanda. BRENO ALTMAN, 54, é jornalista e fundador do site Opera Mundi PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-13
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780644-golpe-contra-liberdade-de-imprensa.shtml
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Leniência não é boia de salvação
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Entende-se por leniência a tolerância, a brandura, a suavidade, a lenidade. Em matéria criminal ou administrativa infracional, leniência é a tolerância ou a lenidade com a infração, brandura ou suavidade na sanção. A leniência não é nova no sistema. Nem mesmo o acordo de leniência é novo. Desde os anos 1990, muitos países implementaram regras para estimular acordos desse tipo, motivados pelo sucesso do combate antitruste dos EUA. No Brasil, a introdução ocorreu no ano 2000. Inspirados pelos estudos de direito e economia, os acordos de leniência, juntamente com as delações premiadas e as transações penais, consolidaram-se como instrumentos eficazes à repressão das organizações criminosas, no cível e no crime (corrupção, fraudes financeiras, terrorismo). A novidade em relação ao acordo está na tentativa de utilizá-lo, como uma variação do termo de ajustamento de conduta com pressupostos frágeis, para salvar empresas, como se tem lido e ouvido em certos círculos de debates. O acordo de leniência, obviamente, não foi desenvolvido como instrumento para socorrer empresas. A finalidade instrumental é reprimir organizações criminosas e, com isso, contribuir para um ambiente de negócios sadio, com menores custos de transação, com mais competitividade e produtividade. É dessa maneira que sociedade e instituições se fortalecem e evoluem, não com operações de salvamento de empresas corruptas, ineficientes e não competitivas. Acordos de leniência são instrumentos de investigação e de repressão. A chave para um bom acordo é a cooperação. Só se deve conceder leniência a quem coopera, posto que o principal resultado a ser buscado é o desmantelamento das organizações criminosas. Fazer cessar a atividade ilícita é o primeiro escopo. O segundo é impor sanção. O terceiro é buscar a reparação. Atrelar o acordo de leniência unicamente à indenização ou a uma multa, sem respeito à necessidade de cooperação, como se pensou recentemente em nosso país, torna o instrumento ineficaz. Como em qualquer outro grande negócio, a organização criminosa pode fazer um "fundo de contingência" para atenuar o seu risco e, com um grande pagamento formal, gozar de impunidade. Por isso, ser o primeiro a cooperar, e o quanto antes (teoria dos jogos e o dilema do prisioneiro), é de grande importância para os acordos. De nada adianta cooperar para informar aquilo que já é do conhecimento das autoridades. A disponibilidade para produzir documentos, responder honestamente às dúvidas e questões, prestar contas de tudo o que sabe e de todos os documentos e provas que podem servir ao caso concreto são obrigações que sempre devem ser impostas às pessoas, físicas ou jurídicas, que queiram fazer acordos de leniência. Um bom acordo é baseado em provas e documentos. Jamais em fofocas e opiniões. A mentira viola o acordo e pode colocar por terra qualquer benefício reconhecido à pessoa que é objeto de leniência. Se é possível resumir, pode-se indicar que a leniência pressupõe cooperação, honestidade, disponibilidade e responsabilidade. Jamais salvação. MARCELO MUSCOGLIATI, subprocurador-geral da República, é coordenador da Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-12-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780637-leniencia-nao-e-boia-de-salvacao.shtml
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Língua portuguesa contra o trabalho infantil
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A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) instituiu 2016 como o seu Ano de Combate ao Trabalho Infantil. A iniciativa é muito pertinente, pois o problema atinge praticamente todas as nove nações que compõem o bloco, incluindo o Brasil -3,2 milhões de crianças e adolescentes trabalham ilegalmente no país, segundo pesquisa do IBGE de 2013. O momento mais marcante da campanha será neste domingo (12), Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. Trata-se de data oficial da Organização Internacional do Trabalho (OIT), à qual a CPLP juntou-se em 2011, engajando-se nos esforços para mitigar a grave questão humanitária. Os eixos prioritários dessa causa são informação, troca de experiência, realização de campanhas conjuntas de sensibilização, harmonização de metodologias e cooperação técnica. O Brasil será presidente da CPLP até 2018. Em seu mandato, há metas bastante congruentes com o combate ao trabalho infantil, em especial no eixo da informação, conforme deliberado pelo Ministério da Cultura: investimentos em processos contínuos que divulguem a língua portuguesa; promoção de livros brasileiros no exterior; melhora na comunicação entre países membros da CPLP; e maior foco na adoção de parcerias entre sociedade civil, acadêmica e privada com a CPLP. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) está atuante no âmbito desses objetivos, a começar pela internacionalização de nossa produção editorial, por meio do programa Brazilian Publishers, que organiza a participação de editoras brasileiras nas mais importantes feiras internacionais do setor, para vender nossos livros e divulgar nossa cultura. Ressaltamos, também, que a entidade criou, em 2015, a Comissão para a Promoção de Conteúdo em Língua Portuguesa. O grupo trabalha fortemente em três eixos: valorização nacional da língua portuguesa -com exemplos do que está sendo feito no país-, mecanismos para alavancar a internacionalização e aproximação com outras entidades da área de economia criativa. Todas essas iniciativas, que significam a participação da sociedade civil nos objetivos das nações de língua portuguesa, contribuem para que o idioma seja um consistente fator de integração e fortalecimento de ações conjuntas, dentre elas o combate ao trabalho infantil. Nacionalmente, a CBL tem defendido a realização de projetos voltados à disseminação da leitura entre crianças e jovens, como forma de promover inclusão e melhor formação. Do mesmo modo, temos defendido firmemente a manutenção dos programas governamentais de aquisição de livros para alunos de baixa renda matriculados nas escolas públicas, que sofreram quebras e atrasos no cenário de crise vivenciado pelo país. Nesse sentido, tivemos recente êxito com o pagamento às editoras de obras adquiridas pela União no âmbito do Programa Nacional Bibliotecas da Escola 2015. Em todas as frentes, é preciso amplo engajamento na luta para prover cultura, informação, escolaridade, proteção, saúde e alimentação para crianças e adolescentes. O livro tem missão importante nesse processo, pois supre parte expressiva do que o mundo necessita para o combate ao trabalho infantil: conhecimento! Afinal, quanto mais culta for a sociedade, menos espaço haverá para a prática de crimes, irregularidades e atentados à dignidade humana. LUÍS ANTONIO TORELLI é presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL) PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-12-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780639-lingua-portuguesa-contra-o-trabalho-infantil.shtml
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Vantagem de Hillary
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Com as vitórias em 4 dos 6 Estados que realizaram prévias nesta semana, Hillary Clinton obteve o número necessário de delegados para conquistar a indicação do Partido Democrata, tornando-se a virtual candidata da sigla na eleição presidencial dos Estados Unidos, em novembro. Num feito de inegável importância para a igualdade de gênero na política americana, pela primeira vez uma mulher concorrerá à Casa Branca por um grande partido. Não foi fácil. Embora jamais tenha perdido o favoritismo no pleito democrata, a ex-primeira dama, ex-senadora e ex-secretária de Estado enfrentou uma disputa longa e encarniçada contra o senador Bernie Sanders –um adversário que recebeu apoio maciço da nova geração de eleitores, desiludida com a política tradicional. Engajar esse público em torno de sua campanha constitui um dos maiores desafios de Hillary a partir de agora, e a tarefa está longe de ser simples. Boa parte dos jovens afirma não confiar na ex-senadora e considera que ela se mostra desconectada de seus interesses. Daí por que apenas 55% dos simpatizantes de Sanders se declaram dispostos a votar em Hillary, segundo pesquisa recente. Sem dúvida a ajudará nessa missão o apoio de Barack Obama. Com aprovação de mais de 50% dos americanos —62% entre os jovens—, o primeiro presidente negro da história dos EUA demonstrou entusiasmo ao endossar a candidatura de Hillary. Não deixa de ser irônico que, nessa disputa, a ex-senadora tenha pela frente alguém como Donald Trump, o mais que provável candidato republicano, que se notabilizou nos últimos meses por declarações de cunho racista e sexista. Pelo que se viu até o momento, Trump certamente usará os debates televisivos para tentar desestabilizar Hillary —ela precisará escapar do jogo baixo do adversário sem, contudo, parecer fraca e hesitante. Os confrontos diretos com o republicano, todavia, representam risco menor do que o fato de a ex-senadora ser alvo de investigação do FBI pelo uso de e-mail pessoal, e não institucional, quando era secretária de Estado. Não se descarta que a atitude, que pode configurar violação de leis federais, ganhe a força de um grande escândalo. Ainda assim, à frente na maioria das pesquisas de opinião, com uma campanha mais bem estruturada e muito mais experiência que seu oponente, Hillary Clinton entra na eleição com considerável vantagem sobre Donald Trump. [email protected]
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2016-11-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780568-vantagem-de-hillary.shtml
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Ítalo, uma tragédia anunciada
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Na história de Ítalo, menino de 10 anos morto pela Polícia Militar, fica nítida uma tragédia anunciada pelo esgarçamento da rede de proteção desta criança. O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é enfático ao preconizar as responsabilidades sobre a criança e o adolescente no que diz respeito a assegurar seus direitos, tendo a família, a comunidade, a sociedade e o Estado para tal. Começando pela família, temos que os pais do menino morto também têm condenações judiciais. O garoto nunca teve uma casa fixa, chegando a morar embaixo de pontes e viadutos, em abrigos, em casas de parentes e até mesmo em veículos abandonados. De acordo com os noticiários, ele tinha voltado, nos últimos meses, para junto da mãe, num barraco na favela do Piolho, no Campo Belo, zona sul de São Paulo. Mesmo assim, ainda passava dias vivendo na rua. O garoto também era conhecido pelos seguranças dos supermercados da região, onde costumava ir para furtar brinquedos, chinelos, roupas e para pedir lanches aos frequentadores do restaurante que funciona no térreo. Ao olharmos para o Estado, vemos que estudava no segundo ano do ensino fundamental na Escola Estadual Mario de Andrade, no Brooklin, cuja frequência e aproveitamento são desconhecidas, mas imaginadas, dada as condições do garoto. O fato de ter outras notificações de ato infracional deixa o questionamento da eficiência da rede de serviços e do trabalho efetivo do Conselho Tutelar, responsável pelo acompanhamento nestes casos de crianças com menos de 12 anos. O desfecho não poderia ser pior, um agente do Estado ceifando essa vida. O que nos faz entender a dimensão trágica a que chegamos por termos a morte como atestado da nossa incompetência como sociedade, por não considerar o processo peculiar de desenvolvimento desta criança. A questão aqui não é culpabilizar a família, mas refletir que condições este menino tinha para agir de outra forma e como o Estado cumpre seu papel de proteção e garantia de direitos quando a família falta. Fica evidente a falência da sociedade, seu atestado de incapacidade inclusiva e solidária. É fato que a sociedade é conservadora e aceita a pena de morte instituída nas periferias há anos, tanto que deseja a redução da maioridade penal para 16 anos. E o risco, em breve, será desejar que diminua ainda mais. Enfatizamos que a redução não é a solução. Somente com o investimento nas políticas preventivas e com a problematização para uma sociedade menos desigual poderemos ter êxito. É preciso apurar as responsabilidades sobre a ação da polícia que deveria ser preparada para intervir em situações extremas e ainda assim preservar vidas. Independentemente de qualquer coisa, é uma tragédia que deve colocar a sociedade em discussão sobre qual futuro de fato queremos para nossas crianças e adolescentes. Precisamos olhar para o menino sobrevivente para que não se repita a história dos muitos Ítalos que temos pelo Brasil afora. DANIELLE TSUCHIDA, 37, é coordenadora do Instituto Sou da Paz PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-11-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780649-italo-uma-tragedia-anunciada.shtml
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Ciclo vicioso do atraso
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A equipe econômica do governo afastado deixou em curso iniciativas que aumentam ainda mais a carga tributária. Algumas já estão em análise no Congresso, como a CPMF e a elevação da tributação das empresas optantes pelo lucro presumido. Outras aguardam decisão do novo governo para eventual envio, como a proposta de reforma do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), cujas linhas mestras foram apresentadas em diferentes ocasiões. Vendidas para a sociedade como estratégias de "simplificação", as mudanças planejadas no PIS/Cofins beneficiariam um pequeno conjunto de empresas, que já apuram as contribuições pelo regime não cumulativo, no qual se abatem créditos fiscais da aquisição de insumos. Pela proposta, essas empresas passariam a usar o modelo de crédito financeiro, gerando um pequeno volume adicional de créditos de PIS/Cofins, hoje não compensáveis, obtendo alguma redução no valor final dos tributos. Entretanto, a questão é bem mais ampla, com desvantagens muito significativas, podendo agravar a crise econômica e o desemprego. A verdade é que a reforma prejudicará mais de 1 milhão de empresas e seus trabalhadores, aumentando a carga fiscal e as obrigações acessórias. São empresas que estão em setores diversos, enquadradas no regime cumulativo do PIS/Cofins, ou pequenas e médias que optaram por usar o lucro presumido. Pela reforma anunciada, essas empresas, que pagam hoje uma alíquota somada de PIS/Cofins de 3,65% sobre o faturamento, migrariam para pelo menos 9,25%. Elas passariam para o complexo regime não cumulativo, ampliando a já sufocante burocracia fiscal. O Ministério da Fazenda divulgou a intenção de promover uma "reforma neutra", sem aumento de imposto. Entretanto, a situação assemelha-se à reforma realizada no PIS/Pasep no passado (Medida Provisória nº 66/2002), que aumentou em 35% a arrecadação desses tributos, já no primeiro ano de sua vigência. Seriam mais afetados os setores de educação, saúde, comunicação social, telecomunicações, segurança e informática, atingindo empresas que geram mais de 20 milhões de empregos. Segundo o governo afastado, a mudança provocaria "aumentos abruptos de tributação sobre os setores que migrarem" para o modelo proposto. Assim, propôs criar alíquotas reduzidas e intermediárias, porém sem especificá-las. A consequência dessa reforma seria o aumento da mensalidade escolar, do plano de saúde, da conta de celular e de tantos outros serviços que pesam no bolso do cidadão, sem contar os efeitos deletérios sobre empresas, empregos e renda. Em 2016, mais de 1 milhão de crianças e jovens foram forçados a migrar de escolas particulares para públicas devido ao custo das mensalidades. Com mais impostos, essa situação pode se agravar, inclusive com desemprego de professores, ampliando os gastos públicos e reduzindo a arrecadação. O resultado acabará sendo a necessidade de aumentar novamente os impostos, o que reforçaria esse ciclo vicioso de atraso e desequilíbrio fiscal. Em suma, as conclusões técnicas justificam manter o regime cumulativo para o setor de serviços, evitando agravar esse indesejável ciclo. Espera-se que o caminho seja o de enxugar os gastos do Estado, e não sufocar ainda mais a iniciativa privada, em linha com os sinais emitidos pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Nessa direção, o Congresso Nacional estará pronto para contribuir para um novo ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico e social do Brasil. LAÉRCIO OLIVEIRA, deputado federal (SDD/SE), é presidente da Comissão para o Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-10-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780106-ciclo-vicioso-do-atraso.shtml
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Otimismo incipiente
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Apesar das incertezas políticas, reforçadas nesta semana com o pedido de prisão de figurões do PMDB, crescem os sinais de mudança para melhor no ambiente econômico: indicadores de confiança e projeções para o PIB começam a subir, enquanto ativos brasileiros voltam a se valorizar. Verdade que houve ajuda de fatores externos. O principal deles surgiu na semana passada, com o novo adiamento da perspectiva de aumentos de juros nos Estados Unidos. Com isso, recursos que entrariam naquele país são direcionados para nações emergentes. Além disso, a forte alta nas cotações de matérias-primas, como petróleo e alimentos em geral, contribui para reduzir o pessimismo com países exportadores de commodities, como o Brasil. A esses vetores acrescenta-se a expectativa positiva suscitada pela consolidação de uma equipe econômica ortodoxa, ciente de que o ajuste das contas públicas precisa figurar entre as prioridades do governo de Michel Temer (PMDB). Tudo somado, o mercado internacional voltou a financiar empresas brasileiras. Após meses de paralisia, a Petrobras liderou o movimento, com a captação de US$ 6,75 bilhões, um montante que deverá ser usado sobretudo para estender o prazo médio de sua dívida. Também evidencia o novo ânimo a valorização do real nos últimos dias. O fato de a moeda brasileira ter atingido o patamar mais elevado em quase um ano inspira cuidados, porém. Se por um lado favorece a redução da inflação, pelo barateamento de produtos importados, por outro reduz a rentabilidade das exportações –hoje uma das poucas áreas que têm crescido. A taxa de câmbio não é o único elemento a influenciar a competitividade internacional, mas seria prejudicial uma apreciação rápida e excessiva –tendência estimulada pelo juro alto (que atrai recursos especulativos e valoriza o real). É preciso, pois, assegurar condições para uma redução substancial da Selic, a taxa básica da economia. Diversos fatores apontam para juros mais baixos: a inflação aos poucos dá sinais de arrefecimento, o crédito está contraído, os salários não sobem ou até diminuem, o desemprego atinge níveis bastante elevados. São, por assim dizer, resultados quase automáticos da forte recessão que o Brasil enfrenta. De parte do governo, a iniciativa fundamental reside na demonstração de que conseguirá manter sob controle a trajetória da dívida pública. Para isso, não bastarão anúncios ainda vagos sobre a fixação de teto para o crescimento dos gastos públicos. É preciso não só propor medidas concretas para regulamentá-lo como aprová-las no Congresso. Sem isso, o otimismo incipiente pode se revelar efêmero. [email protected]
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2016-10-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780115-otimismo-incipiente.shtml
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Não é a economia
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Após uma reviravolta surpreendente nos últimos dias de campanha, Pedro Pablo Kuczynski, mais conhecido como PPK, venceu a favorita Keiko Fujimori e tornou-se o novo presidente eleito do Peru. O triunfo do economista de 77 anos sobre a filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), hoje preso por corrupção e por violações aos direitos humanos, ocorreu por apenas 0,24 ponto percentual num universo de 18,2 milhões de votantes —uma das disputas presidenciais mais acirradas da história. PPK terminou favorecido pela polarização entre defensores e críticos do período Fujimori. Na última hora, eleitores indecisos de esquerda —cuja candidata ficara na terceira posição no primeiro turno— preferiram apoiar um liberal de direita a assistir à vitória de Keiko. O novo presidente substituirá Ollanta Humala, que, a despeito de bons resultados na economia e no combate à pobreza, nem lançou um nome para sucedê-lo (não há reeleição no Peru), dado seu baixo índice de aprovação (17%). Esse tem sido um traço peculiar da democracia peruana. Alejandro Toledo (2001-2006) e Alan García (2006-2011) também comandaram o Executivo em momento de forte expansão econômica; encerraram seus mandatos impopulares e sem emplacar um herdeiro político. Procurando explicar esse curioso fenômeno, especialistas costumam apontar o legado institucional dos anos Fujimori como um dos fatores mais relevantes. O receituário neoliberal daquele período levou a um encolhimento expressivo do Estado peruano. Presidentes passaram a dispor de poucos recursos para cumprir suas promessas ou fazer o crescimento chegar às regiões mais pobres. A desfiguração dos partidos tradicionais nos anos 90, ademais, criou um cenário fragmentado e instável. No Congresso unicameral, siglas fracas e sem coesão interna dificultam ou inviabilizam negociações com o chefe do Executivo. Construir uma coalizão capaz de assegurar governabilidade é o desafio inicial de todo presidente eleito no Peru. Para Pedro Pablo Kuczynski a missão será ainda mais árdua, para não dizer quase impossível: não só venceu o pleito por estreitíssima margem como encontrará um Parlamento composto majoritariamente por fujimoristas. A saída para PPK parece residir na improvável construção de uma aliança com Keiko Fujimori, com quem compartilha muitas propostas para a economia –sem isso, dificilmente escapará à mesma sina de seus predecessores. [email protected]
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2016-10-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780116-nao-e-a-economia.shtml
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Os objetivos do vazamento e os riscos da decisão do STF
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Diante de decisões difíceis, tribunais superiores procuram soluções consensuais, numa estratégia de autoproteção organizacional. A informação de que o explosivo pedido de Rodrigo Janot - solicitando a prisão de quase toda a cúpula do PMDB, aí inclusos um ex-presidente da República, o presidente do Senado e aquele que, mesmo afastado da Câmara, dá provas diárias de influência - repousa no STF há uma semana sem que a Corte delibere sugere desacordo entre os ministros. Teori Zavascki, nas mãos de quem se encontra o pedido, na qualidade de relator da Lava Jato, provavelmente avaliou inexistir concordância geral do plenário da Corte para deferimento ou indeferimento do pedido. O vazamento na terça-feira da informação sobre a iniciativa do procurador-geral solicitando a prisão de Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Romero Jucá e José Sarney objetiva exercer pressão sobre o STF para que este se pronuncie. Parcela da Corte talvez relute em conceder as prisões, temendo implicações sobre o impeachment e a gestão Temer. A prisão da cúpula do PMDB por tentativa de obstrução da Justiça fortaleceria, agora com o aval do próprio Supremo, as piores suspeitas sobre os reais motivos do impeachment de Dilma, além de atirar às cordas o esquema político de Temer, com prejuízos às suas chances de fazer aprovar sua agenda de ajuste no Congresso, objeto de crescente ansiedade dos mercados. Afinal, os alvos do pedido são as principais âncoras parlamentares do governo interino. A turbulência aumenta a incerteza em torno do veredicto final do Senado sobre o destino de Dilma. Independente dos motivos da inação do Supremo diante de pedido de tal gravidade, o fato é que a saída de Renan da presidência do Senado conduziria ao posto o petista Jorge Viana. Este passaria a dividir o comando do julgamento da presidente afastada com o ministro Ricardo Lewandowski, visto também como crítico ao processo de impedimento. Acrescente-se que a agenda legislativa da Câmara Alta passaria a ser conduzida pelo mesmo Viana, caso o pedido de Janot venha a ser aceito. Mais dificuldades em fronts cruciais para um governo já abarrotado delas. Há dúvidas, riscos e cálculos desencontrados no ambiente de perplexidade formado após a divulgação dos pedidos. O próprio embasamento da requisição da Procuradoria gerou controvérsia. Considera-se excessiva a pretensão do Ministério Público se seus motivos estiverem restritos ao conteúdo das gravações feitas por Sérgio Machado. Sem evidências de ações concretas visando estancar a Lava Jato, o pedido de prisão - pelo menos no que toca a Renan, Jucá e Sarney - seria desproporcional. Não se conhece, no entanto, o exato fundamento do pedido de Janot, não sendo implausível a existência de razões adicionais desconhecidas. Janot sabe o tamanho de sua cartada. O maior risco é um impasse institucional. Prisões do presidente do Senado e do presidente afastado da Câmara, além da de Jucá, precisam da confirmação das respectivas Casas, o que não é certo que se obterá, em contraste com o caso Delcídio. A consciência crescentemente aguda, entre grande parte dos políticos, do "efeito Orloff", tende a estimular resistências. Muito, portanto, vai depender dos efetivos motivos da peça do procurador-geral e do grau de firmeza e coesão do Supremo. Quem providenciou tenta apressar o pronunciamento da Corte. Esta, porém, é senhora absoluta da sua agenda decisória. Nesse ínterim, crescem os riscos da paralisia de um sistema político já em estado de pânico e crescente desarranjo. SÉRGIO EDUARDO FERRAZ é economista e doutor em ciência política pela USP PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-10-06
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1780112-os-objetivos-do-vazamento-e-os-riscos-da-decisao-do-stf.shtml
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A vergonha do TSE
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Será uma vergonha se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não julgar ainda em 2016 os processos, ajuizados há mais de um ano, que poderiam levar à cassação da Chapa Dilma-Temer. É uma peculiaridade brasileira a existência de uma justiça especializada em ações eleitorais. Essa justiça custa ao país três quartos de bilhão de reais por ano. Nos anos de eleição, como 2016, esse orçamento quase dobra. No seu topo está o TSE, cuja sede custou R$ 350 milhões. Poderia haver uma causa eleitoral mais importante que um processo para cassar o mandato do presidente da República e de seu vice? Entre outras alegações, essas ações sustentam que a campanha vitoriosa em 2014 foi financiada por dinheiro do Petrolão, tanto por meio de doações oficiais como também de caixa dois. Consta que os indícios de que isso efetivamente ocorreu vêm chegando, caudalosos e impactantes, ao Tribunal. Se o TSE não trabalhar com agilidade, a Presidência da República cairá no colo do vice. Mas ele não foi beneficiado, tanto quanto Dilma Rousseff, pelo dinheiro supostamente criminoso carreado para a campanha que elegeu ambos? Por outro lado, se a cassação da chapa pelo Tribunal ocorrer, mas somente depois da virada do ano, o próximo presidente será escolhido por eleições indiretas. Ou seja, o Congresso Nacional, e não o povo diretamente, o elegerá. Caso fosse um servidor público responsável, o TSE ficaria envergonhado com a mera menção a desfechos semelhantes. Afinal, é um Tribunal que custa muito dinheiro ao país, foi criado para isso, e só existe no Brasil. Ocorre que o TSE é um ente jurídico, não um indivíduo, e portanto não sente orgulho, nem tampouco constrangimento. As pessoas que o constituem, no entanto, deveriam. A relatora dessas ações é a ministra Maria Thereza de Assis Moura, juíza do Superior Tribunal de Justiça (STJ), professora da mais respeitada escola de direito do país, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ela, em primeiro lugar, tem o ônus - mas também a possibilidade - de imprimir velocidade a um, ou alguns, dos processos em questão. Também o presidente eleito do Tribunal, Gilmar Mendes, tem atribuições que lhe permitem influir no ritmo desses processos. Só o TSE tem competência para dizer se ocorreu violação à legislação eleitoral grave a tal ponto de justificar a cassação de Dilma Rousseff e/ou Michel Temer. Mas o Brasil tem o direito de esperar - de exigir - que o Tribunal o faça a tempo. Dirão que o devido processo legal tem suas exigências e é necessariamente demorado. Isso não faz sentido: não se justifica a existência de um tribunal eleitoral se sua lentidão impede que o próprio eleitor substitua, pelo voto, um governante eleito em pleito viciado. A tarefa exige determinação e clareza quanto à importância do momento histórico. O TSE - as pessoas que o constituem - podem evitar a vergonha. BOLÍVAR MOURA ROCHA é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP, doutor em ciências políticas pela Universidade de Genebra PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-09-06
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1779707-a-vergonha-do-tse.shtml
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Conta não é da sociedade
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Não bastasse o populismo acadêmico que levou as universidades do Estado ao limite da solvência, agora os paulistas terão que amargar a leviandade sindical que ameaça paralisar USP, Unicamp e Unesp em greve geral por aumento de salário -a despeito do fato de a USP já comprometer mais de 100% de sua receita com pagamento de pessoal. A situação da Unesp e Unicamp não é muito melhor. É verdade que as universidades estaduais paulistas não teriam chegado a esse estado de penúria em que se encontram se tivessem tido uma governança mais responsável, fazendo bom uso da autonomia administrativa e orçamentária. As três universidades se sustentam com 9,57% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) recolhido pelo governo estadual. Contudo, o problema é que os reitores e demais administradores (atuais e passados) não vieram de Marte. Eles vieram dessas mesmas universidades e foram votados por seus membros. Em um país em que a crítica se tornou viral e todos andam com os dedos em riste, apontando os culpados, seria de bom tom a academia dar o exemplo e exercitar a esquecida arte da autocrítica. A maior responsabilidade pelo ponto a que chegamos deve ser atribuída a nós mesmos, orgulhosos membros das universidades estaduais paulistas. Para não trairmos a confiança da população, que nos sustenta com seus impostos, somos nós que devemos assumir esse ônus. Exigir aumento salarial desconsiderando a situação financeira atual das universidades estaduais paulistas só as levaria mais rapidamente à falência, a menos que se espere que a sociedade pague por isso via aumento de impostos ou diminuição de verbas para transporte, segurança, saúde, e educação básica. Isso seria uma demanda lastimável, para dizer o mínimo, para uma população já machucada, que vê o índice de desemprego aumentar e a massa salarial diminuir. Argumentar contra a justeza desta greve, portanto, não significa ser inimigo das universidades estaduais paulistas, como tenho certeza de que alguns dirão, mas sim tentar evitar que a sociedade pague por uma conta que não é dela. Os sindicatos de docentes e funcionários, que advogam o contrário, usam de palavras de ordem para, na verdade, defender privilégios corporativos de suas categorias, em detrimento do resto da população. Privilégios estes que já incluem os do funcionalismo público, como a insólita licença prêmio que concede três meses extras de férias remuneradas a cada cinco anos trabalhados -tudo pago pelo contribuinte. A consequência mais funesta de a academia aderir a esse tipo de postura -"salve-se quem puder"- é perder autoridade moral diante de uma sociedade tão pobre de referências éticas. Em tempos em que todos andam procurando os culpados pela crise cívica do país, é bom notarmos que alguns também apontam para nós. E se precisarmos de mais um exemplo, sempre podemos imitar a bruxa má da Branca de Neve e, com o dedo em riste, perguntar ao espelho mais próximo: "espelho, espelho meu, existe alguém mais egoísta do que eu?". Espelhos não mentem! GEORGE MATSAS, 51, é professor titular do Instituto de Física Teórica da Unesp e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-08-06
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1779322-conta-nao-e-da-sociedade.shtml
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Nação de memória curta
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Entristece constatar que importantes datas nacionais, como o 21 de abril, são esquecidas, percebidas só como mais um feriado nacional. Tal descaso não é inédito e suscita perguntas: será que o brasileiro nada tem a comemorar depois de quase dois séculos de autonomia nacional? Nada do que se orgulhar em sua história? Nada a preservar de seu passado, para legar às futuras gerações? Somos, assumidamente, nação de memória curta. Não fosse assim, haveria motivos para rememorar momentos históricos, como a Inconfidência Mineira. Mais recentemente, após mais de duas décadas de ditadura, veio a redemocratização, que resistiu à sequência de fatos adversos que marcaram sua primeira década e meia, entre os quais a morte de um presidente civil antes da posse e o impeachment de outro. A economia avançou mais rapidamente do que a política, mas não com menos sobressaltos, bastando lembrar que, em 30 anos, o país enfrentou crises, passando pelos frustrantes planos de recuperação da moeda e as grandes crises internacionais do final do século. Sempre se pode aprender com as crises. Ao lado da quebradeira geral, o tsunami financeiro trouxe para o centro do debate questões éticas que há muito haviam sido deixadas de lado e que, agora, começam a ser encaradas como o único caminho para restaurar a confiança nos sistemas bancários, nas políticas econômica e fiscal, no pulso dos governos para conter a ganância por ganhos financeiros exorbitantes, com a adoção de criteriosos marcos regulatórios e fiscalização eficiente. O Brasil continua sob o impacto da crise, distantes da retomada do crescimento. Esse retrocesso contribui para agravar os sérios e crônicos problemas com que o país convive há séculos, sempre adiando as soluções eficazes e contentando-se com tímidos avanços, muitos dos quais resultantes mais da lei da inércia do que de decisões corajosas. Em pleno século 21, as estatísticas mostram que mais de 40 milhões vivem (vivem?) abaixo da linha de pobreza; que 25% da população é analfabeta ou não consegue compreender o que lê; que 85 crianças em mil morrem antes de completar um ano; que, na média, o brasileiro tem uma defasagem de quatro anos na escolaridade, perdendo em empregabilidade e renda. Pesquisas de opinião revelam o perigoso descrédito em que caíram as instituições públicas, consequência dos maus serviços prestados à população e dos escândalos que vêm à tona com regularidade assustadora. Em outubro próximo, o eleitor irá às urnas, para escolher boa parte dos quadros políticos que comandarão o país nos próximos anos (prefeitos e Câmaras Municipais). Será uma excelente oportunidade para renovar e sanear o cenário político, se os cidadãos responsáveis decidirem não apenas pautar seus votos por padrões éticos, mas também realizar um esforço adicional de cidadania, sensibilizando o maior número possível de eleitores para um fato: apenas a pressão de uma enorme massa de votos conscientes poderá trazer ao Brasil novos tempos, com mais justiça, mais dignidade e mais solidariedade. Somente então, quem sabe, o 21 de abril e outras datas emblemáticas serão retiradas do ostracismo e condignamente comemoradas por uma sociedade mais moderna e mais igualitária. RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
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2016-08-06
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1779336-nacao-de-memoria-curta.shtml
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Copacabana, prenúncio Olímpico
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Copacabana, principal destino turístico do Brasil, é provavelmente uma das praias mais conhecidas do planeta. Mesmo assim, ela, soberanamente, não perde sua austeridade, ou melhor, singelamente, se move ao ritmo das ondas, que sabem se deixar serem clicadas sem perder a graça ou a naturalidade. Permanentemente se transforma, sem deixar de ser ela mesma. Um dia amanheceu sem a boate Help, no outro acordou repleta de stand-ups, bem como aguarda um Museu de Imagem e Som que se alonga no tempo. São mudanças que se anunciam e se completam incessantemente. Copacabana parece, pacientemente, suportar suas transições, certa de não perder nunca sua integridade mutante. Copa um dia foi colônia de pescadores e o Posto 6 (que, curiosamente, não existe enquanto Posto) nos lembra que permanece sendo. Na dúvida, um peixe fresco comprado no local, ainda hoje, nos comprova em definitivo tudo o que foi um dia. As princesas que lhe seguem, Arpoador, Ipanema e Leblon, não lhe fazem sombra porque simplesmente com ela não competem. Não por não serem melhores, em alguns aspectos talvez o sejam, mas porque às princesas sábias não cabe lutar contra a rainha, especialmente se a sabem imortal. Aquilo que gerou, o fez por assim ser. Os estilos musicais, a exemplo da Bossa Nova, refletiam, de alguma forma, a necessidade de tocar e cantar baixinho sem o que os vizinhos de Copacabana (e também de Ipanema, justiça se faça) reclamassem. Todos, sem exceção, movimentos culturais do país tiveram aqui seu especial espaço de expressão, criação e repercussão. As festas de Réveillon que abrem o ano em suas praias se estendem, de alguma forma, por todos os dias, a cada novo raiar de sol, quando tudo parece recomeçar neste Brasil. Ainda que tenhamos que conviver muitas vezes com as sujeiras, os maus tratos e algumas indesejáveis, inaceitáveis e deslocadas violências. Ela, que renasce todos os dias ao alvorecer e que não vai dormir ao anoitecer, sabe fazer jus a todas as suas origens denominativas. Uns dizem que Copacabana teria origem no idioma quíchua, falado no Império Inca, significando "lugar luminoso" ou "mirante do azul". Há quem diga que a origem seria da língua aimará, falada na Bolívia, cuja tradução seria "vista do lago". Por sinal, há naquele país um lugar de mesmo nome no Lago Titicaca, que consta ter sediado cultos Incas dedicados a uma divindade Kopakawana, que protegia o casamento e a fertilidade das mulheres. Se hoje Copacabana luta contra as intempéries das crises, sejam elas a nacional, a estadual, da indústria naval ou da indústria de óleo e gás, ela se lembra bem que tem enfrentado há quase um século o fechamento de cassinos, o movimento tenentista, as ditaduras e outras tantas intempéries. Há mais de meio século, o fim dos cassinos lhe parecia ser um golpe definitivo e que findou não sendo, bem como a crise atual também não terá esta competência de abalar sua beleza e vitalidade. Ela se refaz, como a beleza das rainhas austeras e eternas, sabendo se expressar pelas artes, pela vocação democrática e pela tolerância, em especial no respeito aos menos jovens. Mais do que resistir, à sua maneira, Copacabana é um pouco a cara e a essência do Brasil, refletindo seus momentos de prosperidade e suas contradições. Neste momento, em que o país procura e encontrará seus caminhos de um desenvolvimento sustentável, que ela saiba refletir de forma positiva as novas expectativas e ajude a construir, com a sabedoria de uma rainha experiente, uma memorável Olimpíada que, por certo, promoveremos. RONALDO MOTA é reitor da Universidade Estácio de Sá PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-07-06
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778949-copacabana-prenuncio-olimpico.shtml
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Retrocesso nas UPPs
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Estão em crise as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), talvez a melhor iniciativa pública no Rio de Janeiro em oito anos. Se o governo fluminense não reagir logo, mesmo em seu atual descalabro financeiro, elas podem ruir de vez. Funcionam hoje 38 unidades, a maioria (23) na zona norte do Rio. A mais antiga se instalou em 2008 na favela Santa Marta (zona sul). O conceito das UPPs se baseia no policiamento de proximidade, isto é, na presença constante de agentes no território antes dominado por facções criminosas. Por exemplo, com rondas a pé e participação em reuniões comunitárias e práticas esportivas. Além de conquistar respeito e confiança dos habitantes, pretendia-se retomar o controle da área pelo Estado. Em seguida viria a normalização de serviços como escolas, postos de saúde, correio etc. Estes vieram, mas não no número e na velocidade esperados. O sucesso obtido de início nas menores comunidades, com queda no número de crimes e de tiroteios entre traficantes e policiais, não se repetiu em aglomerados de favelas como o Complexo do Alemão, que abrange 18 delas. Ali, nunca cessaram os confrontos violentos nem as mortes, pois o tráfico não chegou a ser desalojado. Reportagem desta Folha mostra que, após R$ 700 milhões em obras, como teleféricos para transporte, o Alemão não foi pacificado. Há quatro UPPs na área, mas a população ainda convive com tiroteios frequentes e toques de recolher baixados por bandidos. No mês passado, sete pessoas foram baleadas. Duas outras morreram: uma moradora e um PM. As agências bancárias instaladas no complexo aos poucos vão fechando as portas. Os negócios e iniciativas culturais inovadores enfrentam dificuldades crescentes. Barreiras de cimento e metal instaladas pelo tráfico impedem o trânsito de veículos da polícia. Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania com 2.000 militares de todas as UPPs indica que o policiamento de proximidade está batendo em retirada. De 2010 a 2014, decresceram os contatos de policiais com associações, igrejas, grupos culturais e ONGs; 60% relatam reações negativas de moradores, como raiva, desconfiança e medo –em 2010, eram 28,5%. Mais da metade (52%) se diz despreparada para a função. Algo precisa ser feito para revitalizar as UPPs, ou essa ideia generosa se esvairá na convicção de que tudo não terá passado de maquiagem para os Jogos Olímpicos.
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2016-07-06
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778962-retrocesso-nas-upps.shtml
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Encarar a sujeira
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Ainda não foi desta vez que Michel Temer (PMDB) começou uma semana livre de turbulências em seu primeiro escalão. Na manhã desta segunda-feira (6), o presidente interino promoveu uma reunião no Palácio do Jaburu para decidir o destino dos ministros Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Fábio Osório (Advocacia-Geral da União). Sobre o primeiro pesa a suspeita de que tenha recebido dinheiro no esquema do petrolão. O segundo vinha sendo criticado por sua atuação à frente da pasta. Ao menos por ora, Temer considerou não haver motivos suficientes para afastá-los, e ambos mantêm seus cargos. Antes deles, outros enfrentaram provações semelhantes, mas com distintos desfechos. Alexandre de Moraes (Justiça) e Ricardo Barros (Saúde) viram-se obrigados a emendar as próprias declarações; Romero Jucá e Fabiano Silveira, por sua vez, terminaram fora de suas pastas (Planejamento e Transparência, respectivamente). Pode-se imaginar sem medo de errar que as fontes de instabilidade para o governo Temer não se esgotarão nesses episódios. Como fica claro a partir do noticiário dos últimos dias, avançam as negociações sobre possível delação premiada dos empreiteiros Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro (OAS). Os dois têm boas razões para contar muito do que sabem –e para fazê-lo quanto antes. Consta que o Ministério Público Federal planeja aceitar o depoimento de apenas um deles. Ou seja, quem quiser utilizar a colaboração com a Justiça como estratégia de defesa não poderá tergiversar. Eis uma corrida valiosa para a sociedade. Seja pelos vastos negócios que detinham com diferentes governos, seja pela ampla rede de contatos, Odebrecht e Pinheiro têm muito a dizer sobre grandes escândalos de corrupção no país. Do governo interino ao afastado, do Poder Executivo ao Legislativo, dos membros da situação aos da oposição, é difícil arriscar qual figurão da política passará incólume por essa rodada de delações. Se a primeira instância da Justiça Federal caminha no ritmo esperado, o Tribunal Superior Eleitoral se permite incompreensível apatia. Como se fosse questão de somenos, o ministro Gilmar Mendes, presidente do órgão, afirmou que o julgamento das contas da chapa Dilma-Temer provavelmente chegará a seu fim apenas em 2017. Seria um desastre, pois eventual cassação, nos termos da lei, levaria à realização de eleições indiretas. Verdade que o país patina numa crise econômica cuja solução depende de certa estabilidade política. Esta, contudo, precisa ser conquistada pelo esclarecimento de todas as suspeitas e pela punição dos responsáveis. Jogar a sujeira para baixo do tapete foi o que o Brasil sempre fez –e deu no que deu.
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2016-07-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778960-encarar-a-sujeira.shtml
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A ética é necessária
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No Pátio dos Encontros, realizado no Theatro Municipal do Rio, por iniciativa da Igreja Católica, abordamos o tema Diálogo com o Mundo. A ênfase foi dada na necessidade de valorizar a ética em todos os nossos procedimentos. O homem não sobreviverá enquanto existirem espaços éticos e morais opostos e antagônicos. E o papel das religiões para evitar tais vazios é fundamental. Há um crescente número de especialistas, nos campos da psicologia, da biologia evolutiva, da teologia, da moral, que robustecem a consciência de uma ética global, mediante estudos, análises históricas, diagnósticos sociopolíticos. Responsáveis por todos os setores da sociedade estão preocupados com a sobrevivência da humanidade. Fé e razão são conhecimentos distintos, explicáveis um pelo outro. E ainda que a fé seja colocada acima da razão, não pode haver desarmonia se o Deus que infunde os mistérios da fé é também quem dota o homem com a luz da razão. Dados da organização Population Reference Bureau, especializada em estudos demográficos, estimam que 7,5 bilhões de pessoas habitam o planeta. Por sua vez, o número de religiosos chega a 6,8 bilhões, segundo pesquisas. A diferença é explicada pela existência de grande número de ateus e agnósticos. É certo que, hoje, todas as religiões ocidentais se acham radicalmente confrontadas com o problema da secularização, por uma sociedade mundana, o que não implica ausência de uma nova espiritualidade. Cada ato individual tem uma influência coletiva. O otimismo nunca é uma meta, e, sim, uma atitude em relação à vida. Somos exemplos uns para os outros e é preciso assumir essa responsabilidade. Por isso, seja ao ler notícias no jornal ou ao vivenciar as chamadas microcorrupções do dia a dia, não podemos perder a capacidade de nos indignar, deixar que isso tudo passe como normal ou comum. Indignar-se não será possível, porém, se não abrirmos os olhos para identificar quais as questões éticas envolvidas em cada caso. Sem dominá-las, continuaremos parados no mesmo lugar. O desconhecimento é parte da crise. Para o rabino Skorka, "a única defesa para que o povo não permita uma liderança nefasta é a educação." O papa Francisco chamou os judeus de "irmãos maiores na fé", repetindo as palavras de João Paulo 2º. Condenou todas as formas de antissemitismo e recordou os 6 milhões de judeus mortos no Holocausto, citando nominalmente um sobrevivente de Auschwitz, quando visitou, há pouco, a Grande Sinagoga de Roma. Francisco pronunciou em italiano a bênção sacerdotal: "O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o Seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti e te dê paz". Segundo a tradição judaica, um ato repetido três vezes se torna chazaká, um costume fixo. Esse é o sinal de uma nova era, um evento que irradia para todo o mundo uma mensagem benéfica e se opõe à invasão e à prepotência da violência religiosa. ARNALDO NISKIER, 80, é membro da ABL - Academia Brasileira de Letras e presidente do CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola no Rio de Janeiro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778574-a-etica-e-necessaria.shtml
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Realidade brutal
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A intensa e justificada indignação que se seguiu ao estupro de uma jovem de 16 anos no Rio, revelado há duas semanas por um vídeo na internet, levou o poder público a seguir o roteiro típico das grandes comoções: improvisam-se declarações desinformadas e propõem-se medidas que passam longe de enfrentar o problema. Os senadores, por exemplo, aprovaram um projeto que amplia a pena para o estupro coletivo (cometido por mais de uma pessoa). O governo federal, por sua vez, lançou um plano genérico, que prevê a criação de um núcleo de cooperação com Estados e municípios, um protocolo de atendimento às vítimas e o compartilhamento de informações sobre agressores. Especialistas logo apontaram as fragilidades da iniciativa, sem prazo para entrar em vigor nem custo estimado. A maior falha, porém, está no fato de tais propostas nem resvalarem nos problemas principais: a falta de estrutura para recebimento de denúncias e a inaceitável impunidade dos estupradores. Tome-se o caso de São Paulo, retratado por reportagem desta Folha. Na capital, existem nove delegacias da mulher. Nenhuma delas se situa nos dez distritos onde se registram mais estupros. Uma simples decisão administrativa facilitaria a vida de muitas vítimas, já violentadas por um crime que lhes impõe medo e vergonha. Ainda seria pouco, contudo. As mulheres, nas delegacias, precisariam ser recebidas por profissionais bem preparadas e num ambiente protetivo -mas, na realidade, em geral encontram homens despreparados, não raro grosseiros e preconceituosos, sem que lhes seja oferecido um mínimo de segurança mesmo durante depoimentos. Entende-se assim por que existe tamanha subnotificação de violência sexual. No Brasil, registraram-se quase 48 mil estupros em 2015, mas se estima que o número real esteja entre 150 mil e 500 mil pessoas por ano. Vencer essa dolorosa barreira inicial representa pouca garantia de sucesso nas etapas seguintes. Exames de coleta de provas, por exemplo, no mais das vezes são feitos em salas inapropriadas e com equipamentos improvisados. Segundo documento obtido por este jornal, nos 65 IMLs (Institutos Médicos Legais) do Estado mais rico do país estão em funcionamento apenas dois aparelhos para realização do devido teste sexológico. Dados tantos obstáculos, não surpreende que em São Paulo só 20% das denúncias de estupro cheguem à Justiça -onde, infelizmente, a visão machista difusa na sociedade opera a favor dos agressores. Modificar essa realidade brutal sem dúvida depende de uma cadeia complexa de ações, mas alguns passos são de fácil execução, como comprar equipamento ou instalar delegacias em locais estratégicos. Resta saber por que os governos continuam reagindo apenas na base do improviso.
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2016-06-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778552-realidade-brutal.shtml
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Que Theatro Municipal desejamos?
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Um teatro lírico de excelência, com produções de ópera de nível internacional, com uma temporada de balé regular e uma temporada sinfônica de qualidade com sua orquestra. Ou um teatro multifuncional, que aluga suas dependências para numerosas outras atividades externas, culturais, sociais ou políticas. Talvez, ainda, um teatro sem uma linha programática precisa, em que as temporadas se seguem casuisticamente, ao sabor da realidade econômica e política, e que pode, aqui ou ali, apresentar alguns espetáculos, assim como festas de fim de ano de escolas de balé e formaturas de universidade. Há muito se sabia que seria necessária a criação de uma estrutura jurídico-administrativa para regulamentar e facilitar a gestão do Theatro Municipal de São Paulo, uma vez que a Secretaria Municipal da Cultura sofria de um imobilismo próprio do engessamento da gestão pública e de regras asfixiantes, que impediam um planejamento a médio ou longo prazo. A Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) jamais seria o que é hoje se fosse mantido o modelo anterior à sua reestruturação. A crítica de que a Fundação Osesp é uma forma de privatização da orquestra é fruto de uma visão ideológica estreita, que não condiz absolutamente com a realidade. E foi justamente essa crítica politicamente datada à ideia de fundação privada que resultou na criação do estapafúrdio modelo atual da Fundação Theatro Municipal. Como uma das principais razões de se transformar a instituição numa fundação é exatamente livrá-la das amarras da burocracia pública e dotá-la de uma administração independente, moderna e ágil, criar uma fundação de direito público é um enorme contrassenso. Não livra a administração do engessamento funcional e obriga a fundação a contratar uma OS (Organização Social) externa para que tenha a fluidez necessária. Essa OS, no modelo proposto e executado pela atual gestão, transformou-se num mero pagador de contas da fundação. Um laranja, em português claro. Para disfarçar esse papel, foi necessário dar-lhe poder decisório, o que significou criar instâncias de comando pulverizadas com a criação de conselhos a torto e a direito, o que inviabiliza qualquer tomada clara de posição. Há também nos estatutos da Fundação Theatro Municipal um diretor artístico próprio, além de um Conselho Artístico, que tem como missão (ao menos legal) discutir a linha estética, a programação e Deus sabe mais o quê. Um entrave literalmente absurdo. Esse democratismo perfeitamente anacrônico é o resultado de uma ideologia ultrapassada e de um medo atávico de entregar a direção a um especialista de notória competência. O fato de tantos corpos artísticos -dois corais, um quarteto de cordas, uma orquestra semiprofissional, a Orquestra Experimental de Repertório, uma escola de música e de balé, um corpo de baile- estarem abrigados dentro de uma mesma fundação, todos com desejos, agendas e problemas específicos, faz com que o Municipal se transforme, literalmente, num exótico balaio de gatos. A fundação chama-se Theatro Municipal, mas que Municipal desejamos? Se optarmos pela primeira opção apresentada neste texto, precisaremos mudar o modelo de gestão o mais rápido possível. Alguns pontos importantes: 1) A Fundação Theatro Municipal precisa ser transformada em uma fundação pública de direito privado, com personalidade, Conselho de Administração, diretor executivo, diretor artístico, diretor financeiro e todas as outras instâncias próprias, que devem atuar como empresa moderna e transparente. 2) Essa fundação deve cuidar única e exclusivamente do Theatro e seus corpos estáveis indispensáveis (orquestra, coral lírico e balé). 3) A fundação deve celebrar um contrato de gestão plurianual com a prefeitura, estabelecer com ela metas de trabalho e submeter-se regulamente a uma comissão de avaliação nomeada pelo prefeito para determinar se sua atuação está de acordo com a linha que o contrato prevê. A sobrevida de instituições como a Fundação Theatro Municipal dependerá sempre da vontade política de empreender as transformações necessárias. Ladrões e salafrários existem e atuam em muitas instâncias. A atual estrutura, infelizmente, não foi capaz de detectá-los a tempo. Acredito no futuro do Theatro Municipal, na sua capacidade de cumprir integralmente sua vocação. Mas é preciso agir de maneira decidida para provê-lo de uma infraestrutura administrativa que garanta isso. (tagline). JOHN NESCHLING, 69, maestro, é regente titular e diretor artístico do Theatro Municipal de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-06-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778571-que-theatro-municipal-desejamos.shtml
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Metas para inglês ver
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Quando Dilma Rousseff (PT), ainda como presidente, divulgou as metas da contribuição brasileira para combater a mudança do clima, em setembro de 2015, os compromissos foram tidos como avançados. Houve reparos apenas quanto à falta de detalhes sobre o que precisaria ser feito para cumpri-los. Pouca coisa progrediu desde então. A gestão petista, que nunca primou pela capacidade de planejamento, naufragou no impeachment e afundou de vez na paralisia. O setor privado ainda se pergunta como o país vai financiar o desafio de restaurar 12 milhões de hectares (120 mil km2) de florestas. Ou recuperar 150 mil km2 de pastos degradados, aos quais se somam outros 150 mil km2 do Plano ABC (agricultura de baixo carbono). Ou, ainda, implantar 90 mil km2 de pastagens que também produzem madeira, no sistema batizado de integração pecuária-floresta. Um conjunto de intervenções em mais de 500 mil km2 (área equivalente ao dobro do Estado de São Paulo), cuja dinâmica não será modificada sem investimento pesado. Essas três iniciativa têm por objetivo mitigar as emissões de gases do efeito estufa geradas pela agropecuária, que responde por 27% da poluição climática no Brasil. Sem elas, o país não conseguirá cortar em 43%, até 2030, o carbono que lança na atmosfera, como prometeu Dilma -além de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia. Só para recuperar florestas seriam necessários de R$ 31 bilhões a R$ 52 bilhões em 25 anos, calculou estudo do Instituto Escolhas a pedido da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura -uma rede com mais de 120 empresas, centros de pesquisa e organizações civis. A coalizão patrocinou mais dois diagnósticos, estes realizados pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP. Um aborda a viabilidade econômica da recuperação de pastagens e da integração pecuária-floresta; o outro, a decuplicação de concessões para empresas privadas explorarem madeira em florestas públicas. Nos dois casos, a conclusão genérica aponta bom potencial para mitigar emissões e gerar empregos, mas com baixo rendimento ou prejuízo para os investidores. Fixar metas ambiciosas é fácil; difícil é definir o caminho para chegar a elas e não fazer papelão perante a comunidade internacional. [email protected]
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2016-06-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778553-metas-para-ingles-ver.shtml
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A saúde é universal
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Um dos maiores desafios para a saúde pública é oferecer um serviço com atendimento, diagnósticos e tratamentos sustentáveis e de alta qualidade, mesmo diante das inevitáveis limitações orçamentárias. Tanto no Brasil como no Reino Unido, que estão entre os maiores sistemas de saúde pública do mundo, essa é uma questão de extrema importância. Em Londres ou Londrina, não há um bem mais importante do que a saúde de sua família. Existem muitas semelhanças nos desafios enfrentados pelos sistemas de saúde do Brasil e do Reino Unido. O envelhecimento demográfico -que aumenta a incidência das chamadas doenças da sociedade moderna, como diabetes e cardiopatias- e os altos custos do desenvolvimento de novos medicamentos acabam pesando nos orçamentos de ambos os países, sobretudo na atual conjuntura econômica. Recentemente, fui nomeado pelo primeiro-ministro, David Cameron, como enviado especial de comércio para o Brasil, com a missão de estreitar os laços entre os dois países nas área de investimento. Nesta nova função, a saúde será uma das minhas áreas de foco. Pretendo contribuir com a troca das melhores inovações entre os dois países, possibilitando o tratamento dos pacientes com medicamentos inovadores e tecnologias de ponta. Acima de tudo, quero garantir que ambos os países possam, atuando juntos, enfrentar o desafio de oferecer serviços de saúde de alta qualidade. O Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido é considerado um dos melhores do mundo, embora a porcentagem do PIB investida em saúde seja de aproximadamente 9%, similar à aplicada no Brasil. De moradores de rua a membros da família real, todos os cidadãos têm igualdade de acesso e a mesma qualidade de atendimento. Um milhão de pacientes são tratados a cada 36 horas pelo NHS, que é, atualmente, o terceiro maior empregador do mundo -só atrás do Exército chinês e do sistema ferroviário da Índia-, com cerca de 1,2 milhão de pessoas responsáveis por atender os 60 milhões de cidadãos do país. É claro que o Reino Unido também tem muito a aprender com o Brasil. Já estamos compartilhando experiências sobre a melhor forma de combater o vírus da zika e temos interesse em acompanhar mais de perto os serviços de saúde oferecidos em comunidades brasileiras remotas e isoladas. A relação bilateral entre o Reino Unido e o Brasil na área da saúde já é sólida, mas temos muito mais a fazer. Nossas empresas oferecem tecnologias médicas capazes de interromper a queda de cabelos durante a quimioterapia, bem como produzem membros artificiais mecânicos e inteligentes. Sendo o Brasil um dos mais importantes parceiros do Reino Unido em pesquisa e desenvolvimento, a saúde representa outra área em que ambos os países podem, juntos, obter resultados surpreendentes. De acordo com a Declaração dos Direitos Humanos, todos têm direito a uma qualidade de vida que proporcione o bem-estar do indivíduo e de sua família. Para atingirmos essa meta, nossos objetivos como parceiros devem estar alinhados. Assim, poderemos garantir que tanto nós quanto as futuras gerações levem uma vida mais saudável. MARK PRISK é enviado especial do governo britânico para assuntos comerciais no Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1778346-a-saude-e-universal.shtml
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Nem tão novas diretrizes
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No dia 23 de maio, o ex-embaixador Rubens Barbosa escreveu nesta Folha que "o resultado da política externa dos últimos 13 anos foi o isolamento do Brasil das negociações comerciais, com sérios prejuízos ao país". Isso não é verdade. Como ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior até abril, percebo com satisfação que as diretrizes para o comércio exterior anunciadas recentemente são nada mais do que exatamente a continuidade, sob nova retórica, das ações adotadas pelo governo até recentemente. A agenda proposta corresponde exatamente àquela do Plano Nacional de Exportações, lançado em junho de 2015 e em plena execução. Os Estados Unidos, por exemplo, foram um dos países prioritários no nosso reposicionamento da política comercial. Um acordo bilateral inovador de convergência regulatória foi firmado, eliminando barreiras técnicas impostas a produtos brasileiros. Laboratórios internacionais que certificam para venda no mercado americano passaram a se instalar no Brasil. Caminhamos para garantir acesso àquele mercado para produtos cerâmicos, máquinas e equipamentos, eletroeletrônicos, entre outros -caminho antes inviabilizado pelo alto custo de certificação nos EUA. Está em negociação avançada um acordo comercial expandido com o México, buscando liberalização plena do comércio bilateral. O acordo automotivo foi renovado em novas bases e já apresenta bons resultados: em 2015, o volume de exportação de veículos para o México cresceu 75%. Também foi firmada inédita parceria automotiva com a Colômbia, que garante cotas sem tarifas a veículos brasileiros. Com o Chile, estão em negociação compras públicas. Em abril, o Brasil firmou, com o Peru, seu mais amplo acordo temático bilateral, o nosso primeiro internacional de compras governamentais, que abre um mercado estimado de US$ 13 bilhões para empresas brasileiras -antes prejudicadas pela exigência de depósito, em instituição financeira peruana, de no mínimo 5% de sua capacidade máxima de contratação. Na área de serviços, os compromissos peruanos são equivalentes aos consolidados no Tratado Transpacífico (TPP). O acordo estabelece, também, livre comércio para veículos de passeio e picapes. O Brasil firmou ainda Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos com México, Colômbia, Chile, Peru, Angola, Moçambique e Maláui. Lembro que também renovamos acordos automotivos com Argentina e Uruguai -com este último chegamos ao livre comércio no setor. Por fim, no dia 11 de maio, ocorreu a troca de ofertas entre Mercosul e União Europeia, passo essencial para a construção do mais ambicioso acordo do qual o Brasil fará parte. As relações exteriores precisam de uma política de Estado, como a desenhada por nós, sempre com amplo apoio do setor privado, e não de polarização política. ARMANDO MONTEIRO é senador (PTB-PE). Foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior de janeiro de 2015 a abril de 2016 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-03-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1777716-nem-tao-novas-diretrizes.shtml
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Negociação de acordos comerciais
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O comércio internacional voltou ao centro da agenda econômica e do debate público no Brasil. Isso é uma ótima notícia. Da OMC (Organização Mundial do Comércio), tenho acompanhado as discussões a respeito de como o país pode priorizar a negociação de novos acordos comerciais. Nesta semana tive uma excelente conversa com o ministro José Serra (Relações Exteriores) sobre esse tema. Compartilhamos a visão de que o Brasil deve avançar de forma pragmática, buscando oportunidades comerciais onde elas existam. O comércio internacional avança hoje em várias frentes -bilateral, regional e multilateral. O Brasil não pretende desperdiçar nenhuma oportunidade. Escrevi nesta Folha, em março de 2015, que a tendência mundial era exatamente esta: buscar alternativas em várias frentes ao mesmo tempo. Não há oposição entre negociar na OMC e negociar acordos regionais ou bilaterais. Há vários exemplos de países que concluíram acordos regionais recentemente e, ao mesmo tempo, avançam, de forma ativa e pragmática, sua agenda na OMC. EUA, Peru e Nova Zelândia, que fazem parte da Parceria Transpacífica concluída neste ano, são todos muito propositivos nas negociações da OMC. No Brasil, as análises sobre os acordos comerciais com frequência remetem à imagem de um jogo em que cada participante teria um número limitado de fichas. Apostá-las em uma negociação significaria automaticamente ter menos fichas para outras. Por mais atraente ou didática que seja, essa imagem não corresponde à realidade. No mundo real, diversos países buscam negociar e assegurar ganhos em várias frentes em paralelo. Ao negociar na OMC, um país não está enfraquecendo sua posição em outros acordos. Ao contrário, é bem possível que, atuando em várias negociações ao mesmo tempo, possa maximizar seus interesses e alavancar seu poder de barganha. Outro ponto também chama a atenção neste debate. Muitos tratam a OMC como sinônimo de Rodada Doha. O raio de ação da OMC não se limita a negociações -inclui solução de disputas e monitoramento de políticas comerciais. Ainda que nos restrinjamos às negociações comerciais, o fato é que a OMC é maior do que qualquer rodada. Muitos analistas pararam de acompanhar e acabaram perdendo capítulos recentes, e muito importantes, da história da organização. Nos últimos dois anos e meio, a OMC concluiu o Acordo de Facilitação de Comércio, para simplificar procedimentos nas fronteiras. O acordo reduzirá os custos em 14,5%, em média -mais do que se houvesse a eliminação de todas as barreiras tarifárias existentes no mundo hoje. Concluímos também a expansão do Acordo de Tecnologia da Informação, que cobre um comércio anual de US$ 1,3 trilhão, valor superior ao comércio mundial do setor automotivo, por exemplo. Além disso, fechamos um acordo para acabar com os subsídios às exportações de produtos agrícolas, a maior reforma no comércio do setor nos últimos 20 anos. Esses são acordos de impacto econômico significativo, com grandes ganhos para o Brasil. Seguramente, há muito mais a ser feito. E estamos trabalhando para isso, tendo em vista inclusive a próxima reunião ministerial da OMC em 2017. Faz todo o sentido que o comércio internacional seja uma prioridade para o Brasil, e que o país busque avançar em várias frentes, fechando acordos com diferentes parceiros e em foros distintos. As negociações da OMC evidentemente se somam a outros caminhos que o país deseje trilhar. ROBERTO AZEVÊDO, 58, é diretor-geral da OMC - Organização Mundial do Comércio * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-03-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1777712-negociacao-de-acordos-comerciais.shtml
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A desordem urbana toma conta de São Paulo
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Temos observado nos últimos anos um aumento expressivo da desordem urbana e um avanço na sensação de insegurança. Muitos estudos foram desenvolvidos para comprovar teses que mostrassem as conexões entre a violência e seus fatores geradores. Alguns trabalhos tentaram mostrar que a violência está ligada ao tráfico de drogas; outros, a fatores tão diversos como a miséria, a desigualdade econômica, a injustiça social e ao baixo nível da educação. Os estudos nos mostram que não há consenso sobre quais seriam as reais "causas da violência". Tudo faz parte de um sistema interconectado, formado por vários subsistemas que apresentam suas carências e dificuldades. É o que o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto denomina em seu estudo. Os atos de desordem demonstram as vulnerabilidades de um ambiente propenso ao crime. Em regra, são as áreas onde a sensação de insegurança aflora e a população se sente desprotegida. Um dos estudos mais conhecidos que tentou comprovar tal relação foi a Teoria das Janelas Quebradas, que, juntamente com a política criminal de Tolerância Zero, ficou mundialmente famosa nos anos 1990, depois que a polícia de Nova York começou a combater nas ruas os sinais exteriores de desordem. A teoria, do cientista político James Q. Wilson e do psicólogo criminologista George Kelling, demonstra que a desordem urbana gera ainda mais desordem e propicia a prática de crimes que geram uma sensação de insegurança na população. Há diversas diferenças entre a realidade da cidade de Nova York e a de São Paulo, mesmo porque são sociedades diferentes, de valores e culturas distintas, mas é razoável estabelecer conexão entre desordem e sensação de insegurança, dada a natureza humana primar pela ordem. Por mais que a polícia paulista consiga baixar a maioria dos índices criminais, a sensação de insegurança é presente no dia a dia da população. Tudo levar a crer que a ausência de políticas públicas voltadas para as demais áreas da convivência pública explique tal paradoxo. Aliado a tais carências observa-se que o enfraquecimento das instituições, o sentimento de ausência do cumprimento de normas da sociedade, o baixo nível de consciência da população em relação aos seus direitos e responsabilidades e o enfraquecimento das lideranças na sociedade fazem surgir outras formas de poder, voltadas para o mal, o poder do crime e da transgressão. Por certo, somente a ação policial é limitada para resgatar a sensação de segurança da população, mas entendo que a ação do policial como catalisador das demandas sociais deve ser a premissa das instituições. Isso encontra amparo na filosofia de Polícia Comunitária que, em última instância, deve primar pela melhoria da qualidade de vida das pessoas. A PM monitora e atua em tais ambientes com elevada incidência de atos de desordem, vez que, como dito, estará prevenindo a prática de possíveis crimes. Para tanto, instituiu o Relatório sobre Averiguação de Incidente Administrativo (RAIA), que é elaborado pelo policial militar quando ele é comunicado ou constatar a existência de incidente administrativo que, de alguma forma, possa afetar a ordem pública em qualquer dos seus aspectos. Esse processo chegou a ser automatizado na gestão do então prefeito Gilberto Kassab, tornando-se célere e eficaz (desconstruído na gestão atual). Tal medida, juntamente com a prevenção primária, cuja responsabilidade é primordialmente do município, está colhendo bons resultados e demonstra que a soma de esforços por parte dos entes federados é o caminho para solucionar a maioria dos problemas que afligem nossa população. A desordem favorece os que não trabalham em prol da busca do bem comum. Sem ordem a sociedade sucumbirá. Ainda no Comando, criei a Operação Delegada, uma parceria entre Estado e município, com mais PMs nas ruas para combater a desordem. Deu certo. Os índices criminais caíram até 80% em ruas de comércio, mas hoje, na capital, a medida tem definhado graças ao governo municipal. Temos que adotar medidas em áreas sociais calcadas na cultura da não violência, do retorno aos valores de essência, dos valores universais de respeito à vida. Não podemos combater violência com violência. Temos que conscientizar a sociedade de que a solução dos problemas sociais deve ter como base a mentalidade de paz e cooperação. É possível fazer mais e melhor por São Paulo. Basta ousadia, coragem e vontade política para agir e fazer o que tem que ser feito. ALVARO BATISTA CAMILO é deputado estadual (PSD). Comandou a PM de 2009 a 2012 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-03-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1777727-a-desordem-urbana-toma-conta-de-sao-paulo.shtml
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Uma base mais firme
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Em contraste com a primeira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de setembro de 2015, a segunda —divulgada há um mês— tem recebido de especialistas mais avaliações positivas que negativas. O que não quer dizer que não possa e não deva melhorar. Já se tornou consensual a necessidade urgente de uma BNCC. Não paira mais dúvida de que a educação brasileira, para safar-se do atoleiro de mediocridade atual, precisa de um rol compreensível por todos —pais, mestres e estudantes— daquilo que deve ser ensinado e aprendido em sala de aula. O tom geral das apreciações sobre o novo texto indica que melhoraram o detalhe e a precisão dos objetivos de aprendizagem. Desapareceu, ainda, muito da carga ideológica que enviesava as áreas de linguagem e de ciências humanas (sobretudo história). Na primeira, retornam como eixos organizadores gramática e literatura, ao lado de oralidade, leitura e escrita, ainda que sob o eufemismo "conhecimento sobre a língua e sobre a norma". Permanecem vagos, porém, critérios sobre graus de complexidade dos textos usados. Seria o caso de cogitar uma lista de obras classificadas em progressão de dificuldade, como fazem alguns países. No campo de história, as reações à segunda versão registram algum reequilíbrio entre temas pré-colombianos e africanos, de um lado, e o percurso ocidental desde a Antiguidade, de outro. Humanismo, liberalismo e iluminismo voltam à cena, como deve ser. Por outro lado, resta alguma imprecisão vocabular por corrigir, em especial quando denota um rebaixamento de demanda e padrões cognitivos, como no emprego reiterado dos verbos "reconhecer" e "identificar" isso ou aquilo. Ainda sobram reparos pontuais de especialistas no que respeita à progressão dos conteúdos nos vários campos de conhecimento. Enfim, há muito a aperfeiçoar na BNCC. O detalhamento promovido implicou também certo inchaço no compêndio. Sua versão atual conta com 652 páginas, o que decerto dificulta seu manuseamento por todos os atores do ensino. Nova rodada de seminários está prevista, e o prazo para entrega da versão final acaba de ser estendido até outubro, dado o caráter ainda imaturo do texto presente. O Brasil precisa com urgência de uma base firme para dar o salto sempre prometido e nunca iniciado na educação. Não deve precipitar-se na tarefa, contudo, sob risco de reincidir em tropeços. [email protected]
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2016-03-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1777734-uma-base-mais-firme.shtml
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Futuro da EBC em risco
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Em nefasta combinação de prepotência e desinformação, o governo Temer atirou-se com fúria ao desmonte da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). Reduzi-la a uma agência de divulgação do Poder Executivo, como se cogita, será o fim da mais importante iniciativa para a democratização das comunicações, desperdiçando recursos e energias empregados para dar forma à previsão do artigo 223 da Constituição: a coexistência entre sistemas de radiodifusão privada, pública e estatal. O governo promete uma medida provisória alterando o coração da lei da EBC. Nela, terá de dizer claramente o que pretende da empresa: comunicação pública para a sociedade ou publicidade para o governo de plantão. Além da demissão do diretor-presidente Ricardo Melo, violando mandato garantido em lei, a intervenção atropelou o Conselho Curador (15 representantes da sociedade, quatro do governo, dois do Congresso e um dos empregados). Está em curso, a pretexto de "desaparelhar" a empresa, uma caça às bruxas que já exonerou quase 50 gestores e funcionários. Primeira presidente da EBC, afastei-me da estatal no final de meu mandato, em 2011, retornando há três meses como entrevistadora e comentarista. Tive o contrato (modestíssimo, à prova de lorotas) suspenso numa clara seleção política que alcançou também profissionais como Luis Nassif, Paulo Moreira Leite, Sidney Rezende, Albino Castro e Emir Sader. Mas não é por isso que estou neste debate. Presidi a diretoria inaugural que, em 2007, negociou no Congresso e implantou a empresa e a TV Brasil. Tenho responsabilidade pelo feito e compromisso com a sobrevivência do sistema público, que ultrapassa a EBC, mas tem nela o pilar central. Em outra frente, o Ministério das Comunicações expandiu as rádios e TVs comunitárias e regulamentou as redes digitais da Cidadania, Cultura e Educação, previstas no sistema brasileiro de TV digital. Esse conjunto formará com a EBC o sistema brasileiro de comunicação pública, não comercial e não governamental. Sobre a continuidade dessas outras ações, o governo ainda não disse nada. A EBC explora ainda oito emissoras de rádio, sendo que algumas cobrem grandes vazios de sinal na Amazônia. Os conteúdos livres da Agência Brasil abastecem veículos nacionais e estrangeiros. Lá fora, milhões de brasileiros recebem a TV Brasil Internacional sem taxa extra de assinatura. Por meio de unidade específica, a EBC presta ao governo serviços contratados, como transmissões da TV NBR, vitrine do Executivo similar às emissoras dos outros dois Poderes. Com apenas oito anos de existência, a EBC não responde ainda plenamente à sua missão, mas faz diferença na paisagem. Isso explica a fúria. Muitos problemas ainda exigem solução. A TV Brasil nunca teve rede própria no sistema analógico, pois ao nascer o espectro já fora todo ocupado por emissoras privadas. Só terá cobertura nacional no sistema digital, o que demanda tempo e dinheiro. Como elevar a audiência com tão precária distribuição? Livres do jugo publicitário e dos interesses políticos, os canais públicos existem, aqui e em outros países, para garantir a expressão dos sem-voz e da diversidade social, política e cultural. A EBC vem sustentando programação dessa natureza, mesmo com limitações técnicas, de inovação ou linguagem. Que emissora comercial aberta oferece tantas horas de boa programação infantil? Caberá também à sociedade, e não só ao governo, decidir sobre o futuro da EBC: aprimorar o que foi feito ou jogar tudo fora? Essa é a questão agora. (tagline). TEREZA CRUVINEL, 60, é jornalista. Foi presidente da EBC - Empresa Brasil de Comunicação entre 2007 e 2011
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2016-02-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1777300-futuro-da-ebc-em-risco.shtml
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Cultura não é o dedo mindinho da sociedade
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Após a extinção do Ministério da Cultura pelo governo Temer e sua recriação uma semana depois, em virtude da forte reação da classe artística, o tema continua em pauta com matérias publicadas na imprensa e redes sociais, sintoma de que a questão transcende o mundo prático. Na Folha, no dia 24 de maio, tivemos o artigo "Menos discurso, mais Ação", de Sérgio Sá Leitão. Três dias depois, a "Ilustrada" trouxe a matéria de página inteira "Brasil é exceção ao ter pasta só para a cultura". Nos dois textos, em síntese, a linha de raciocínio é a mesma: apresentar a experiência de países como França, Reino Unido, Argentina, Chile, Estados Unidos e Japão, nações nas quais a cultura divide espaço com outras áreas numa mesma pasta o que, naturalmente, leva o leitor a questionar a necessidade de o Brasil ter de seguir um caminho diferente. O leitor poderia ainda concluir que a quase rebelião dos artistas fora injustificada, desinformada ou desproporcional. As três hipóteses seriam injustas, visto que há um importante equívoco na base dessa abordagem, no meu modo de ver. Será que a questão da pasta exclusiva para a cultura era o que, de fato, estava em causa no episódio? Não me parece. Posso ter perdido algo, mas não me recordo de ter visto um artista sequer reivindicando tal exclusividade, especificamente. Vamos ver: consideremos a hipótese contrária, a educação rebaixada à condição de secretaria, indo se alojar no Ministério da Cultura. A tal exclusividade desapareceria do mesmo modo, mas alguém acredita que por conta disto haveria protestos e ocupação de prédios públicos por parte dos produtores culturais? É vidente que não. Provavelmente haveria assombro e perplexidade no setor, como em todo país, mas jamais a sensação de desprestigio e indignação que tomou conta da categoria. A mesma coisa poderia ser dita em relação a qualquer outra pasta sem-teto, atingida pela tesoura presidencial, que eventualmente batesse às portas do MInC. Uma coisa é ser anfitrião, outra bem diferente é ser despejado e ir morar com parentes. A cultura tampouco resistiu à proposta por apego pueril ao status de ministério, conforme está implícito nessas matérias e, principalmente, nas redes sociais. O que estava em jogo nesse episódio eram valores relativos, ainda que isso estivesse um pouco nublado pelo debate emocional daquele momento. Sabemos que nos EUA não há ministérios, são departamentos de Estado chefiados por secretários, e são todos felizes. Na minha percepção, a área cultura no Brasil se sentiria prestigiada caso seu secretário fosse um entre os 24 que compusessem o primeiro escalão do governo Temer, fosse este o arranjo administrativo. O que a classe rejeitou, e o fez com veemência, foi ver o seu titular se transformar em secretário à sombra de 23 ministros, o que não é a mesma coisa. Por fim, a lógica que orientou a extinção do MinC, tema que Sá Leitão abordou no seu artigo: "Como sinal de austeridade, diante da recessão que vigora no Brasil (...) o governo anunciou a redução do número de ministérios". Isso é, embora a extinção do Ministério da Cultura trouxesse economia irrelevante para o orçamento da União, a medida era necessária para enviar à sociedade a mensagem de que o governo estava fazendo a sua parte, "cortando na própria carne", essa figura de linguagem muito utilizada em épocas de crise por evocar sacrifícios corajosos e parecer uma boa ideia retórica. Parece, mas não é. Examinando melhor o significado dessa aflitiva analogia, veremos que a mensagem que ela termina enviando é outra. Façamos mais um exercício insólito: imaginemos alguém que, por circunstâncias dramáticas, tivesse de amputar um dos dedos da mão, cabendo a ele a escolha sobre qual dedo perder. Ao final da difícil decisão, adivinhem qual seria o dedo escolhido? Foi esse o recado que de fato chegou à classe artística. Que, no novo governo, a área cultural é importante, mas, entretanto, se necessário, o Brasil poderá passar sem ela. Deu no que deu. PAULO PÉLICO é documentarista, produtor de teatro e diretor da APTI- Associação dos Produtores Teatrais Independentes. * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-02-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1777301-cultura-nao-e-o-dedo-mindinho-da-sociedade.shtml
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Experimenta Portugal
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Durante todo o mês de junho, São Paulo será palco de um programa de eventos culturais, artísticos, empresariais e esportivos destinados a celebrar o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas (10/6), tal como aconteceu em 2015, no âmbito da programação oficial da Virada Cultural, em que o país luso foi homenageado. O Experimenta Portugal'16 traz uma proposta nova: celebrar, de forma ampla e generosa com o público brasileiro, o que Portugal é hoje como cultura e sociedade, plenamente integrado na Europa, tão orgulhoso da sua identidade forte e tradições quanto da dinâmica de inovação e cosmopolitismo que atualmente se observa nas suas principais cidades. Em novembro, por exemplo, Lisboa acolherá a Web Summit, o maior evento de tecnologia e inovação do mundo. Nunca como hoje os dois países estiveram tão interconectados: do turismo e investimento brasileiros em Portugal ao número crescente de estudantes em universidades portuguesas, passando pelo trânsito transatlântico semanal de artistas, escritores, acadêmicos, intelectuais, jovens empresários e empreendedores graças a dezenas de voos diretos da TAP e da Azul. O Experimenta é um convite caloroso -com a cumplicidade de uma língua que, mais do que um idioma, é uma maneira de estar- para vivenciar uma experiência portuguesa multifacetada e contemporânea em São Paulo, onde se concentra uma das maiores comunidades lusas do mundo. O momento fala por si. Os brasileiros são hoje a maior comunidade estrangeira em Portugal, e o último censo da SP Turismo aponta os portugueses como os estrangeiros mais numerosos na capital paulista. Apenas o Consulado Geral de Portugal em São Paulo vem atribuindo, em média, cerca de 800 novos títulos de cidadania por mês a cidadãos brasileiros. Essa dupla integração está já reverberando na fascinante e calorosa rede bilateral de relações pessoais e familiares, na qual reside -e sempre residiu- sua verdadeira força. Os dois países mudaram muito nos últimos 20 anos. E talvez tenha sido preciso isso mesmo para que pudessem reencontrar-se de forma mais madura e completa. Mais do que a densidade das estatísticas sugere, o que mudou na relação foi a sua amplitude: os laços hoje estendem-se a todos os estratos sociais e geracionais, a todas as áreas profissionais e de conhecimento. O Experimenta é o produto desse diálogo reenergizado entre dois países culturalmente ricos, umbilicalmente ligados, que se encontram em processo de transformação e redescoberta, entre os quais se desvendam sempre novas leituras, se desfrutam códigos de cumplicidade e se compartilham sensações únicas, como se de uma família se tratasse. Por tudo isso, será possível juntar, durante este mês de junho, jovens artistas dos dois países numa exposição de artes visuais (2/6), ouvir a Orquestra de Jazz Sinfônica a executar arranjos inéditos com jazz português e instrumentistas de fado (24 e 25/6), lançar em São Paulo um concurso português para bandas de pop/rock brasileiras (4/6), interpretar música erudita com canções brasileiras na Praça das Artes (11/6), ouvir empreendedores dos dois países sobre a inovação como ferramenta de regeneração econômica, ou simplesmente degustar um bom vinho do Porto durante um torneio de golfe beneficente (12/6) -modalidade que regressa às Olimpíadas neste ano, pelas mãos do Brasil. A programação completa está disponível no site do Consulado Geral de Portugal em São Paulo Esta é a marca registrada de portugueses e brasileiros: o prazer de celebrarmos e de nos celebrarmos, nos bons momentos e nos mais desafiantes. São Paulo, epicentro cultural e econômico, capital nacional da mudança, confluência cosmopolita de destinos -onde os portugueses sempre souberam transpor a Serra do Mar-, é o lugar ideal para reviver essa singularidade, feita de história, mas cada vez mais virada para o futuro. PAULO LOURENÇO, 44, é cônsul-geral de Portugal em São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-01-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1776908-experimenta-portugal.shtml
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Deem a cajadada
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Como se o nível de respeito aos eleitores e à ética já não estivesse rebaixado o bastante na Câmara, e como se a maioria dos deputados federais já não houvesse dado suficientes demonstrações de desfaçatez e vigarice, eis que o presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), volta a atacar. Nesta terça-feira (31), Maranhão encaminhou à Comissão de Constituição e Justiça uma consulta que poderá resultar em mudanças importantes nas regras relativas à tramitação de processos por quebra de decoro. A depender das respostas, será mais fácil para o plenário salvar a pele de quem tenha sido renegado pelo Conselho de Ética. Trata-se, obviamente, de mais uma descarada manobra com o propósito de impedir a cassação do mandato de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente afastado da Câmara por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal. As inúmeras chicanas do peemedebista já transformaram o seu processo no mais longo da história da Casa. Com a intervenção de Maranhão, pode terminar neutralizado o relatório do deputado Marcos Rogério (DEM-RO), que na mesma terça finalizou o documento com a sugestão de que Cunha seja cassado por ter mentido à CPI da Petrobras, ainda em 2015. Na ocasião, o peemedebista negou possuir contas bancárias no exterior. Enquanto os deputados não tomam em relação a Cunha a atitude que deles espera a população, o pitoresco Maranhão continua à frente da Câmara. Sem exibir a força política daquele a quem substitui, no entanto, o pepista não assumiu propriamente o comando das deliberações legislativas. Ao contrário, terminou enxotado da Mesa Diretora, tendo sido obrigado a delegar a presidência da Casa, nas votações, ao segundo-vice, Giacobo (PR-PR). Maranhão sofre, por assim dizer, espécie de bullying parlamentar, mas esse fato não anula os 428 votos que seus colegas lhe deram no ano passado para o cargo de primeiro-vice-presidente, na mesma eleição em que Cunha recebeu 267 votos para dirigir a Câmara. Desde que o STF afastou Cunha, muitos deputados procuram um meio regimental de tirar Maranhão da linha de frente. Existe um caminho, mas a maioria, não se sabe bem por que motivo, prefere não trilhá-lo: basta cassar o peemedebista, com o que seriam realizadas novas eleições para a presidência da Casa legislativa. De uma só vez destituiriam não dois coelhos, mas duas raposas. Pois então que derrubem os dois com uma única cajadada. Não proceder dessa forma equivalerá a admitir que Eduardo Cunha e Waldir Maranhão são mesmo os seus legítimos representantes. [email protected]
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2016-01-06
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/06/1776920-deem-a-cajadada.shtml
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Quem tem medo do Escola sem Partido?
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Como coordenador do Movimento Escola sem Partido, gostaria de tecer alguns comentários sobre o editorial da Folha "Na base da ideologia, que tratou do nosso anteprojeto de lei contra o abuso da liberdade de ensinar. O editorial admite o fato notório da "predominância entre educadores de uma cultura esquerdista que os leva a confundir seu papel em sala de aula com o de doutrinadores"; mas afirma que as leis inspiradas no nosso anteprojeto ‒ entre elas a Lei Escola Livre, recentemente aprovada em Alagoas ‒ "não só não resolvem o problema como suscitam suspeita quanto a seu caráter autoritário". Cabe reconhecer inicialmente a procedência da crítica dirigida à norma da lei alagoana que estipula como dever do professor "abster-se de introduzir (...) conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis". Essa redação, com efeito, poderia impedir a abordagem de conteúdos científicos ou factuais em sala de aula, o que seria, além de indefensável do ponto de vista educacional, incompatível com a Constituição. Bem por isso, já havíamos suprimido tal artigo do nosso anteprojeto. Infelizmente, contudo, por inadvertência, ele acabou sendo incluído no PL afinal aprovado em Alagoas. Estamos agora sugerindo a imediata revogação do dispositivo. No mais, a proposta do Escola sem Partido, ao contrário do que afirma o editorial, nada tem de autoritária ou paternalista. O que defendemos é apenas isto: a afixação nas salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com os seguintes Deveres do Professor: não se aproveitar da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; não favorecer nem prejudicar os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas; não fazer propaganda político-partidária em sala de aula nem incitar seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas; ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, apresentar aos alunos, de forma justa - isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria; respeitar o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções; e não permitir que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula. Negar a existência desses deveres é negar a liberdade de consciência e de crença dos estudantes; é negar os princípios constitucionais do pluralismo e da neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; é negar o direito dos pais sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos (direito garantido pelo artigo 12 do Pacto de São José da Costa Rica); é confundir, finalmente, liberdade de cátedra com liberdade de expressão. Ora, se aqueles deveres existem ‒ e eu desafio qualquer um a provar o contrário ‒, os estudantes têm direito de saber. E, sendo eles a parte mais fraca na relação de aprendizado, cabe ao Estado informá-los e educá-los quanto ao direito de não serem doutrinados e manipulados por seus professores militantes. Isso não é paternalismo; é questão de estrita cidadania. MIGUEL NAGIB, advogado, procurador do Estado de São Paulo, é fundador e coordenador do Movimento Escola sem Partido * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-31
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1776567-quem-tem-medo-do-escola-sem-partido.shtml
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O caso Abdelmassih e a cultura do estupro
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O caso Roger Abdelmassih é um exemplo claro de como as instituições e autoridades brasileiras têm sido historicamente permissivas em relação ao estupro e a outras formas de assédio sexual masculino. O mecanismo geral de proteção do homem é simples: muitos machos locais estão acostumados a se impor pelo assédio, em maior ou menor grau, e, quando acontece uma crise e algum comportamento extremo vem à tona, um macho protege o outro e não deixa o crime vazar, faz que não viu, minimiza o ato ou transfere a culpa para a mulher. Dessa forma, o ex-médico abusou de dezenas de mulheres em sua clínica, durante 20 anos, e nunca um boato prosperou ou uma denúncia contra ele no Conselho de Medicina ou na polícia se tornou pública antes de 2009, embora Abdelmassih fosse conhecido por namorar pacientes e exagerar na propaganda de seus feitos. De um modo geral, o ex-médico pensava que suas vítimas davam motivo para serem atacadas, "jogavam o milho", como ele disse em uma das gravações feitas pela promotoria, quando foragido no Paraguai. É um raciocínio esquisito que serve de base para a ação de estupradores e que um típico macho brasileiro consegue entender. Estupra-se nesse país desde os tempos imemoriais, quando chegaram as caravelas de Cabral, porque as mulheres "jogam o milho". E as instituições dominadas por homens toleram esses desvios, que, até virem a público e se revelarem monstruosos sob qualquer ponto de vista, são tratados como duvidosos pelos critérios que orientam a manutenção do poder masculino. Os sistemas de controle sobre a violência sexual contra a mulher são frouxos por aqui e afrouxam ainda mais conforme a capacidade advocatícia dos acusados e a disposição da polícia de investigar o caso. O estupro coletivo da adolescente de 16 anos em uma favela da zona oeste do Rio mostra que nosso processo civilizatório avança claudicante. A tão aclamada sensualidade dos trópicos floresce no Brasil ao lado de uma cultura perversa e orientada para a violência sexual. Verifica-se que um comportamento selvagem de macho ressentido eclode a todo momento em áreas mais ou menos desenvolvidas do país e em todas as classes sociais para provar que o homem cordial brasileiro, seja pobre ou rico, pode demorar um segundo para se revelar um crápula. Pior do que estuprar, porém, é dedurar. Muitas denúncias de estupro não prosperam porque os outros machos (e também mulheres) que participaram, viram ou ficaram sabendo do ato compartilham um estranho código de honra em que impera a hipocrisia e o silêncio. É o que acontece nos trotes universitários, em especial nas melhores faculdades de medicina de São Paulo. Na USP, por exemplo, como mostrou uma comissão de sindicância interna, oito mulheres denunciaram ataques sexuais, entre 2011 e 2014, mas, segundo o Ministério Público, a diretoria da instituição não deu suporte às vítimas e deixou de "dar prosseguimento a procedimentos administrativos de apuração". O estupro é a manifestação mais elementar da barbárie e o nível de tolerância ao ato deveria ser zero. Mas no Brasil não é bem assim, percebe-se uma certa flexibilidade. Abdelmassih só passou mais de duas décadas posando de garanhão e aprontando na sua clínica médica porque deixaram. VICENTE VILARDAGA, 51, é jornalista e escritor. Publicou recentemente o livro "A Clínica - A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih" (ed. Record) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-31
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1776556-o-caso-abdelmassih-e-a-cultura-do-estupro.shtml
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A verdadeira recriação do MinC
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Quem acompanha as políticas e os programas praticados pelo Ministério da Cultura desde o início do governo Lula -mesmo levando em conta os desvios de percurso entre 2011 e 2014 e a redução orçamentária dos últimos anos-, não se surpreendeu com as reações contra a extinção do MinC. Tristemente, mais uma vez se subestimou a cultura e a credibilidade conquistada por seu ministério no Brasil e no exterior. Os desafios que ao MinC se impõem exigem a força institucional e a autonomia de gestão que só um ministério tem. Desvalorizar a importância da cultura para o país e, com a extinção da pasta, intentar neutralizar manifestações contrárias ao golpe sofrido pela presidente Dilma Rousseff não surtiram o efeito desejado. Tanto que o governo ilegítimo teve que recuar e recriar o ministério. A resposta para esse insucesso está nas reações ainda em curso pelo país. Tal fenômeno precisa ser explicado. Há um certo ineditismo que não nos pode escapar. Impressiona o quão diverso é o universo dos que reivindicaram a volta do MinC. Não me recordo de ter visto tamanha reação à extinção de um órgão federal. Uma reação que vai muito além de um movimento que parte de dentro, como algo que representa apenas o desejo de servidores da pasta. O MinC possui hoje um corpo técnico que, apesar dos baixos salários, tem compromisso e compreensão da relevância social da política pública que ajuda a desenvolver. O movimento, entretanto, contou com uma participação muito mais ampla. Uma multidão está tomando conta de unidades do MinC em mais de 20 Estados. Atores culturais se manifestam em todo o Brasil e no exterior, contra o golpe e contra o recuo nas políticas postas em prática nos anos anteriores. Trata-se de um fenômeno político muito curioso, especialmente quando se pensa nos parcos recursos investidos no MinC. A explicação para tal deve ser buscada na observação e análise das práticas do ministério nestes últimos 13 anos, no legado de seus projetos e ações. O MinC nasceu em 1985, sob o signo da democracia. Não poderia ser diferente -apenas em solo democrático a política cultural pode vicejar. Quando há um golpe em curso, como agora, o setor se enfraquece. O ministério amadureceu e se consolidou ao democratizar suas ações, pondo em prática uma postura republicana, sem partidarismo, sem interdições nem privilégios, buscando melhor atender as necessidades e demandas culturais em todo o território nacional. O MinC tornou-se o MinC de tanta gente pela abrangência e diversidade de suas políticas. Por isso, artistas, trabalhadores, produtores, empreendedores e ativistas de todos os níveis e de todas as áreas estão mobilizados para defender a continuidade das políticas públicas construídas nesses anos. A partir de 2003, o MinC foi adquirindo relevância para o desenvolvimento cultural e importância social. Alargou sua visão e seu escopo conceitual, ampliou sua compreensão acerca da arte e da diversidade cultural brasileira. Com a gestão iniciada pelo ministro Gilberto Gil e pelo presidente Lula, o MinC superou sua condição de balcão de negócios e mecanismo de cooptação e passou a discutir políticas culturais fora dos gabinetes. Foi somente nesse momento que as políticas públicas de cultura passaram a estar presentes nos pontos vitais da cultura brasileira. O MinC passou a incluir quem nunca havia tido acesso a políticas públicas de cultura. Cultura e democracia são indissociáveis. Essa é a maior lição. Não por acaso, o campo da cultura tornou-se linha de frente da luta contra o golpe e contra o retrocesso político e social que uma minoria pretende impor ao país. JUCA FERREIRA, sociólogo, foi ministro da Cultura (governos Lula e Dilma) e secretário municipal da cultura de São Paulo (gestão de Fernando Haddad) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-30
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775457-a-verdadeira-recriacao-do-minc.shtml
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Prestes e a lenda do sapo barbudo
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A história só termina quando acaba, segundo o filósofo Chacrinha. Até o momento, Luiz Inácio Lula da Silva e Luís Carlos Prestes são identificados como os dois mais populares líderes da esquerda no Brasil. O comunista Prestes morreu em 1990, aos 92 anos, e presenciou a derrota de Lula para Fernando Collor, em 1989. Teve uma vida recheada de aventuras: militar, engenheiro ferroviário, viveu na clandestinidade por décadas, passou nove anos na cadeia getulista, foi exilado. Na academia militar, onde se formou, sua inteligência em cálculo era uma lenda. Na arte militar, nem tanto. Talvez por isso seja tão criticado. É reconhecido por sua liderança férrea e, principalmente, pela quantidade absurda de erros estratégicos cometidos em sua ação política. Em 1935, acreditou que tinha apoio popular para a tentativa de um golpe e acabou pendurado na brocha e na cadeia. Teve sorte, pois alguns de seus companheiros terminaram mortos. Acertou quando se opôs à luta armada contra o regime militar de 1964 e provocou o racha no Partido Comunista Brasileiro. Mas perdeu do mesmo jeito: do exílio, acompanhou o trucidamento e morte de vários de seus companheiros. Durante uma de suas fugas, esqueceu algumas cadernetas com nomes e outras informações de seus correligionários. À la Marcelo Odebrecht, tinha mania de anotar dados que deveriam ser sigilosos. A repressão fez o diabo com aquelas anotações em mãos. Embora tenha feito um mea-culpa, passou a ser considerado um trapalhão por seus críticos. No fim da vida, estava isolado politicamente e ao lado de Leonel Brizola, então um áspero gozador de Lula. Morreu sem esclarecer candidamente o que fizera com um dinheirinho dado por Getúlio Vargas no início da década de 1930. Bem, a causa, a causa. É, ainda assim, um dos ícones da esquerda brasileira. Lula, 70, depois de liderar greves históricas, e ser duas vezes presidente do Brasil, enfrenta agora seu calvário. Vive com medo de ser preso. Ao contrário de Prestes, não por questões políticas. Com diversas marcas de batom na cueca, do tipo sem explicação cabível, a cada nova nota oficial de seu instituto reconta suas versões para as mesmas histórias. Sua trajetória política até o momento não é um primor de estratégia: resultou na perda dramática de vários de seus generais (muitos deles ora em retiro forçado na aprazível Curitiba), de seus tenentes (alguns em silêncio cativo e outros usufruindo dos mesmos ares do sul) e de seus escribas (com a perda de cargo). Assiste atônito à possibilidade de perder a rainha e seus dois pedalinhos. No caso de Lula, a história ainda continua em narrativa. A cada novo dia, um parente ou amigo seu é brindado com a visita inesperada da Polícia Federal. A população de Curitiba cresce na mesma proporção em que seu partido e apoio politico mínguam. Triste passado. Não se sabe qual erro político foi maior: o de Lula, ao se aliar à turma oriunda da luta armada, que jamais fez autocrítica, ou o desses ex-combatentes em armas (vamos tirar José Dirceu daí, já que ele enfrentou apenas um bisturi), ao cair no conto de um sindicalista que nunca foi de esquerda e que, no poder, se amancebou aos poderosos. Isso, Prestes jamais fez. Ponto para o Velho. MIGUEL DE ALMEIDA é editor e escritor. Dirigiu, com Luiz R. Cabral, o documentário "Não Estávamos Ali para Fazer Amigos", sobre a atuação do caderno "Ilustrada", da Folha, no fim da década de 1980 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-30
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775460-prestes-e-a-lenda-do-sapo-barbudo.shtml
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Seguir a cartilha
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Há pouco mais de duas semanas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, tomou uma decisão atípica. Solicitou que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reavaliasse a necessidade de investigar o senador Aécio Neves (PSDB-MG), supostamente envolvido num esquema de corrupção em Furnas. Na semana passada, Gilmar repetiu a atitude incomum. Devolveu a Janot um novo pedido de abertura de inquérito sobre o tucano. Dessa vez o procurador-geral pretendia apurar eventual participação do presidente do PSDB em alegada maquiagem de dados do Banco Rural, que teria o intuito de ocultar o chamado mensalão mineiro. Levantadas a partir da delação premiada do senador cassado Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), as duas suspeitas sobre Aécio -que nega envolvimento nos casos- dependem de maior averiguação para serem confirmadas ou descartadas. Apenas depois disso, havendo indícios suficientes, uma ação penal poderá vir a ser instaurada. É por isso mesmo difícil entender as duas decisões de Gilmar Mendes. Ao criar obstáculos para o Ministério Público Federal, o ministro do STF não permite nem que se inicie uma tentativa de esclarecer os episódios narrados por Delcídio. Como regra, os juízes rejeitam a abertura de inquérito apenas em situações excepcionais -por exemplo, quando o promotor ou procurador da República pede para apurar uma conduta que, mesmo se comprovada, não constitui crime. Não é essa a situação de Aécio. Ainda que não fosse pelo clima de exaltação na política, magistrados em geral deveriam evitar medidas que subvertam a prática forense. Especialmente em tempos de Lava Jato, comportamentos inusuais sempre darão ensejo à formulação de teorias conspiratórias. Por esse motivo o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, viu-se obrigado a frisar, por meio de nota, que eventuais conversas de ministros com políticos não trazem prejuízo à imparcialidade dos julgamentos. Moveu-se porque alguns, ele inclusive, foram citados nos diálogos gravados por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Dias antes, Gilmar Mendes dissera algo com o mesmo espírito -e, por enquanto, não há sinais de que estejam errados nesse aspecto. Mas, até para afastar desconfianças em relação ao único Poder que ainda conta com algum prestígio popular, os ministros deveriam observar com a máxima atenção a cartilha do Judiciário. Isso vale especialmente para o ministro Gilmar, que agora acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral com a da segunda turma do Supremo, responsável por julgar os processos da Lava Jato. [email protected]
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2016-05-30
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1776185-seguir-a-cartilha.shtml
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Saúde empírica
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É boa a ideia da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de lançar um novo modelo para tratar os idosos na rede privada. O Brasil conta hoje com 20 milhões de pessoas com mais de 60 anos, dos quais quase 90% padecem de ao menos uma doença crônica, como hipertensão arterial, diabetes, câncer, osteoporose etc. A magnitude do problema só crescerá nos próximos anos: as projeções apontam para uma população de 65 milhões de idosos em 2050. Eis aí um desafio para o qual o país precisa se preparar. À medida que a idade avança, surgem problemas crônicos que não se limitam a uma especialidade médica. No atual modelo, ao paciente nem sempre se oferece um médico primário, que seria o responsável pelo gerenciamento de sua saúde. O usuário dos planos acaba entrando no sistema por meio de um serviço de emergência (onde a cada turno há um plantonista diferente), quando não decide por conta própria ir a especialistas. Quanto mais médicos o idoso visita, maior tende a ser o número de exames e procedimentos a que ele se submete, assim como tende a ser maior a quantidade de drogas prescritas. Tal prática não só tem impacto sobre os custos mas também aumenta o risco de iatrogenia. Se um médico com experiência em idosos centralizar os cuidados, decerto haverá redução de desperdícios com consultas, exames e procedimentos desnecessários. Também se evitará o risco de perigosas interações entre medicamentos. O projeto da ANS tem o condão de imprimir mais racionalidade ao sistema. Uma das propostas é induzir os planos a criar centros geriátricos em que atuariam médicos e outros profissionais da área, que reconheçam riscos capazes de agravar a saúde do idoso e atuem também de forma preventiva. Outra ideia é desenvolver um registro eletrônico com o histórico do paciente, que poderá ser acessado por qualquer médico e pelo próprio usuário. Assim, mesmo numa emergência, todas as informações necessárias poderão ser localizadas com facilidade. O melhor de tudo, porém, é que, antes de baixar toneladas de resoluções mudando toda a regulação do setor, a ANS resolveu testar essas iniciativas em projetos-piloto, para saber se funcionam e como podem ser melhoradas. A partir do segundo semestre, 15 organizações deverão proceder ao ensaio. O Brasil precisa cada vez mais de políticas públicas baseadas em boa ciência, de preferência submetidas ao teste da empiria -e não baseadas em impressões e inclinações, submetidas ao voluntarismo. [email protected]
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2016-05-29
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775920-saude-empirica.shtml
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O bom caminho para a Petrobras
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O mundo corporativo brasileiro desconhecia, até 2014, uma crise com a dimensão da que acometeu a Petrobras. Orgulho de todos os brasileiros e pilar de uma cadeia que move 13% do nosso PIB, a empresa se viu diante de uma "tempestade perfeita" ao enfrentar, simultaneamente, a depreciação do petróleo, a desvalorização do real e as descobertas da Operação Lava Jato. Em seu momento mais crítico, no começo de 2015, a empresa chegou ao risco da execução precoce de suas dívidas por não ter balanço financeiro avalizado. Foi nesta conjuntura que recebi o convite para ser presidente da Petrobras. Desde o princípio, elegi a recuperação financeira, o redesenho organizacional e da gestão e a retomada da credibilidade da empresa como prioridades absolutas. A primeira entrega, a publicação do balanço de 2014 com aval de uma consultoria independente, foi a comprovação de que esse tripé era fundamental para normalizar a relação da Petrobras com o mercado. Quinze meses depois de ter aceitado esse desafio, tenho a convicção de que a Petrobras trilha o bom caminho. Da ameaça concreta de apagão financeiro, chegamos a um caixa de R$ 100 bilhões. Isso só foi possível porque o ano passado foi o primeiro, desde 2008, em que a Petrobras teve fluxo positivo -ou seja, a soma das receitas foi maior que a das despesas. Começamos a trazer a empresa ao seu tamanho adequado diante da nova conjuntura do setor de óleo e gás. Uma empresa mais enxuta, leve e moderna. Fizemos um profundo ajuste no plano de negócios ao redefinir investimentos em um portfólio menor, mas factível e composto por projetos com efetiva capacidade de gerar resultados positivos. Em outra frente, cortamos custos e gastos administrativos -foram extintos 43% dos cargos gerenciais, além de 100 mil postos terceirizados. Esses movimentos reabriram as portas do mercado. Realizamos captações e emissões que totalizaram US$ 20 bilhões e alongamos o vencimento médio de 6,1 para 7,1 anos. Só com essa disciplina será possível sustentar a redução da dívida global da empresa iniciada em 2015. A mudança na gestão do negócio veio acompanhada de uma profunda reestruturação organizacional. Todo o modelo decisório foi revisto, assegurando que as decisões estratégicas e a contratação de fornecedores sejam sempre colegiadas. Foram criados mecanismos para garantir que a indicação dos executivos tenha critérios técnicos e que todos os projetos só possam ser aprovados com a devida chancela das áreas envolvidas, assegurando que a empresa invista apenas em ações economicamente vantajosas. Essas mudanças fortalecem nossa gestão, com maior controle nos processos e a ampliação da responsabilização dos executivos. Não há soluções mágicas -apenas a estruturação de um sistema de aprimoramento permanente da gestão e da transparência vai garantir que os crimes praticados contra a Petrobras não se repitam. Os desafios são enormes, mas, desde os primeiros dias de trabalho, não tive dúvida de que a grandiosidade da empresa e a capacidade de seus empregados são maiores do que quaisquer obstáculos. Aos executivos, cabe seguir o bom caminho de atuar com foco nos mais altos interesses da Petrobras, sem atalhos fáceis e com disciplina. A Petrobras mais forte e saudável é a garantia de melhores retornos não só para os seus acionistas, mas para o conjunto da sociedade brasileira. ALDEMIR BENDINE, 52, ex-presidente do Banco do Brasil (2009 a 2015), é presidente da Petrobras desde fevereiro de 2015. Deixará o cargo nos próximos dias, que passará a ser ocupado por Pedro Parente * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-29
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775454-o-bom-caminho-para-a-petrobras.shtml
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Petróleo sob pressão
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De forma lenta, mas inexorável, grandes companhias de petróleo começam a se adaptar à realidade do clima mundial após o Acordo de Paris. Até a Exxon Mobil, bastião do ceticismo com o aquecimento global, já se move. A semana teve várias reuniões de acionistas de empresas do setor. Elas se realizaram sob intensa pressão de grupos de investidores que exigem das petroleiras maior empenho na exposição da vulnerabilidade dos negócios em face da mudança climática. O tratado obtido na capital francesa preconiza que o acréscimo na temperatura média da atmosfera não deve ultrapassar 2°C (e quase metade disso já aconteceu). Para ficar em 2°C, a economia mundial precisaria parar de lançar dióxido de carbono (CO2) no ar por volta de 2050. Pelo menos metade das reservas conhecidas de gás natural e um terço das de petróleo não poderiam ser utilizadas, segundo estimativa publicada na revista "Nature". Má notícia para as companhias petrolíferas, que no entanto vinham resistindo a incorporar essas limitações em cálculos de rentabilidade futura. Até Paris. Com o acordo entre 195 países, avivou-se a inquietação de acionistas quanto às reservas "inqueimáveis". Investidores de peso, como o fundo de pensão dos funcionários públicos da Califórnia, passaram a pressionar as petroleiras. Na assembleia da Exxon Mobil, estavam em pauta seis moções. Entre elas, a edição de relatórios anuais sobre clima e a inclusão de especialista da área na diretoria. Uma das propostas foi aceita: a partir de agora, acionistas minoritários que detenham 3% da empresa poderão indicar um diretor, flanco aberto para que representantes da preocupação com o clima cheguem ao coração da companhia. O mesmo passo já havia sido dado pela Chevron. A Total foi além e anunciou que planeja elevar a 20%, até 2036, o investimento em atividades independentes de carbono. Já os acionistas da Shell rejeitaram a proposta de reinvestir lucros na sua conversão em empresa de energias renováveis. No Brasil, até duas semanas atrás, o governo federal do PT atrasou o quanto pôde esse debate na Petrobras, enrolada em escândalos e na atávica bandeira "o petróleo é nosso". A nova administração tem a oportunidade de se revelar mais moderna nesse campo. [email protected]
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2016-05-28
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775836-petroleo-sob-pressao.shtml
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Governo deve legalizar jogos de azar no Brasil? NÃO
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CARTAS MARCADAS Não é correta a afirmação de que o Brasil está entre as poucas nações do mundo que não regulamentaram a exploração privada dos jogos de azar. Entre 1993 e 2002, as chamadas leis Zico e Pelé autorizaram a instalação de milhares de bingos e máquinas caça-níqueis pelo país, a pretexto de fomentar a arrecadação tributária para os desportos. Pelas brechas dessa legislação, a experiência foi um fracasso. Grupos criminosos que dominavam há décadas o jogo clandestino passaram a explorar, inclusive por laranjas, essas novas modalidades, agora sob o manto da legalidade. Os territórios continuaram demarcados, com corrupção e sangue, além de julgamentos produzidos por tribunais paralelos, no clássico estilo mafioso. As receitas sobre as quais deveriam incidir repasses para os desportos eram subfaturadas, e ainda criaram-se entidades esportivas de fachada. Os tributos devidos eram sonegados. O Estado fiscalizador ou era corrompido ou substituído por liminares judiciais compradas, tudo em nome da maior lucratividade. As coisas mudaram nos últimos 14 anos. A atividade clandestina foi asfixiada por operações policiais em quase todos os Estados da Federação. Como as apreensões dão prejuízo -é caro investir em caça-níqueis-, o melhor negócio para o contraventor passou a ser brigar pela legalidade. O lobby do grupo é pesado. É até compreensível que, num momento de aguda crise financeira como o que vivemos, o país busque receitas tributárias alternativas, atrair investidores estrangeiros e gerar empregos. Não se deve usar a recessão, todavia, como desculpa para aprovar qualquer arremedo de lei que nos faça reviver o passado recente. Já aportaram no Congresso Nacional nos últimos 50 anos cerca de 70 projetos de lei para, em maior ou menor extensão, autorizar a exploração privada dos jogos de azar. Nenhum tem aptidão para tirar do baralho as "cartas marcadas". Ou seja, uma vez liberada a jogatina, certamente os grupos criminosos de sempre irão mais uma vez afastar empreendedores sérios e imprimir suas práticas ilícitas em busca de lucro a qualquer preço. Afinal, quem mais jogaria esse jogo? Em troca de receitas duvidosas, país teria um custo social altíssimo. Para a discussão desse tema deveriam ser agregados os mais expressivos atores sociais, tendo por pressuposto uma proposta minimamente séria, que adotasse exemplos de países que conseguiram impor o seu papel de regulador e fiscalizador do jogo responsável, com medidas eficazes para afastar da exploração elementos indesejáveis, além de prevenir fraudes e lavagem de dinheiro. Em 2010, o atual presidente interino, Michel Temer, então presidente da Câmara dos Deputados, convocou uma comissão geral para analisar projetos que pretendiam liberar o jogo -as propostas estipulavam controles tecnológicos muito mais rígidos do que os previstos atualmente. Após ouvir representantes do Ministério Público, dos ministérios da Fazenda e da Justiça e da Receita Federal, Temer afirmou que o assunto era muito polêmico e precisaria ser mais discutido. Agora como presidente da República, não se espera dele outra postura a não ser impedir iniciativas que possam legitimar jogos de cartas marcadas. JOSÉ AUGUSTO SIMÕES VAGOS, 45, é procurador-chefe da Procuradoria Regional da República - 2ª Região * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-28
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775452-governo-deve-legalizar-jogos-de-azar-no-brasil-nao.shtml
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Governo deve legalizar jogos de azar no Brasil? SIM
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UMA APOSTA NO BRASIL O projeto de legalização de jogos de azar, em discussão no Congresso Nacional, é uma aposta que vale a pena para o país. Essa questão precisa ser debatida sem preconceitos, de maneira profunda e pensando exclusivo no interesse nacional. Devemos evitar que o atual momento de eletricidade no ambiente político contamine uma discussão que o Brasil, mais cedo ou mais tarde, precisará enfrentar. Antes de tudo, temos de encarar o tema com uma atitude pragmática. Afinal, quem ganha e quem perde com a legalização do jogo? Depois de estudar a fundo o tema, não tenho receio de dizer que o ganhador dessa aposta será a sociedade brasileira. O objetivo maior do projeto é criar um marco regulatório para a exploração dos jogos de azar no Brasil. Dessa forma, o jogo do bicho, o bingo e os jogos que existem nos cassinos seriam legalizados, na mesma linha da loteria. Diversos benefícios serão gerados para o país quando essas práticas forem legais. Na prática, o jogo já existe, só que na clandestinidade, sem pagar impostos, sem trazer ganhos para a coletividade. A legalização permitirá justamente trazer essa realidade para o controle dos cidadãos. Outra vantagem importante é manter a riqueza gerada por esse segmento dentro de nossas fronteiras. Quantos brasileiros não levam nossas divisas para apostar no exterior? Pois bem, a legalização vai fortalecer o turismo, a economia e a política de desenvolvimento do Brasil, incrementando a atividade das localidades nas quais esses estabelecimentos forem instalados. Sem contar a cultura. Uma cidade como Las Vegas, por exemplo, atrai todos os anos mais de 40 milhões de turistas. No Brasil como um todo, o turismo está em torno de 6 milhões anuais. Com certeza, a legalização do jogo vai nos colocar no mapa do turismo mundial, gerando riqueza e trabalho aqui, por meio dos empregos diretos e indiretos dessa atividade. Entre os 156 países que compõem a Organização Mundial do Turismo, mais de 70% já legalizaram o jogo. Anualmente, as apostas ilegais movimentam mais de R$ 18 bilhões. A legalização, defendida em projeto de minha autoria, poderia fazer o Brasil arrecadar pelo menos R$ 15 bilhões por ano. Em meu projeto, sugiro também a criação de uma contribuição social sobre essa atividade, destinando esses novos recursos para áreas como saúde, previdência e assistência social. De acordo com a proposta, a exploração dos jogos só seria regulamentada e concedida pelos Estados e pelo Distrito Federal aos estabelecimentos que comprovem capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade fiscal. Assim, aqueles que explorarem jogos de azar sem a devida autorização e sem preencher esses requisitos estarão sujeitos à penas de detenção de três meses a um ano, além de multa. Em países avançados, como os Estados Unidos, os jogos são administrados por empresas privadas, com capital aberto na Bolsa de Valores. Isso significa que a possibilidade de fiscalização sobre esse segmento é total. O crime se alimenta de dinheiro frio, gerado nas sombras. Nada melhor para combatê-lo do que trazer todas as atividades, inclusive os jogos, para o controle da lei. Hoje temos tecnologia para monitorar cada passo dessa indústria. Quem ganha com a informalidade dos jogos no Brasil são os sonegadores, o crime organizado e a corrupção. Legalizar significa fazer uma nova aposta, na qual o Brasil será o grande vencedor. CIRO NOGUEIRA 47, é senador (PP/Piauí). É autor de projeto de lei, que tramita no Senado, sobre a exploração de jogos de azar no país * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
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2016-05-28
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775453-governo-deve-legalizar-jogos-de-azar-no-brasil-sim.shtml
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Debater as prioridades
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O governo de Michel Temer (PMDB) passou em seu primeiro teste parlamentar ao obter permissão do Congresso para incorrer em deficit recorde de R$ 170,5 bilhões (2,8% do PIB) neste ano. A vitória, importante por mostrar capacidade de articulação, tem o efeito positivo de evitar a paralisia da máquina pública, o que seria desastroso para o presidente interino. As batalhas mais difíceis, porém, ainda estão por vir. A mudança da meta escancara a calamidade deixada pela administração petista. Projetava-se inicialmente um saldo positivo de R$ 24 bilhões. Pouco antes de ser afastada, Dilma Rousseff já encaminhara projeto de revisão para um deficit de R$ 96 bilhões -o que também se mostrou errado ao contar com estimativas otimistas de receitas. Alterações de dezenas de bilhões de reais em poucos meses ou semanas atestam o quanto o país voava às cegas. Daqui para a frente, em tese haverá busca por maior previsibilidade; a crer no ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não haverá nova modificação neste ano. Deu-se com isso o primeiro passo na longa caminhada de reconstrução das contas públicas. Em vez de cortes emergenciais e aumentos de impostos para tapar buracos de curto prazo, o governo pretende fazer o Estado caber dentro do Orçamento de forma sustentável. O ponto de partida está na proposta de alterar a Constituição e fixar um teto para o aumento das despesas públicas. Isso tornará inevitável o fundamental debate sobre as prioridades do Estado brasileiro a longo prazo. Para que o teto funcione, serão necessárias mudanças em temas que até agora se mostraram tabu: Previdência e vinculações de receitas, que resultaram em contínuo aumento das despesas sociais, sobretudo com saúde e educação. Até por causa do tamanho do problema, não há bala de prata. Será um processo longo e penoso de convencimento da sociedade de que é preciso fazer escolhas. Se o país quiser expandir os aportes em serviços essenciais, deverá estancar o aumento de outras rubricas. Critérios mais restritivos para despesas de pessoal e reavaliação de subsídios para os que menos precisam são parte da solução. Por fim, tudo indica que algum aumento de impostos será inescapável. O governo Temer acerta ao deixar essa discussão para um segundo momento. Será desejável caminhar para uma estrutura tributária mais progressiva, com maior prevalência sobre rendimentos do trabalho e do capital, e menos da produção e do consumo. É uma agenda bastante difícil até para um governo eleito, que dirá para um interino. Depois de anos de populismo e interdição do debate, todavia, o país já ganhará muito se aumentar a discussão sobre prioridades e conseguir algum controle sobre os gastos públicos. [email protected]
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2016-05-27
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opiniao
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775429-debater-as-prioridades.shtml
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Perda em dobro
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A menos de um mês do plebiscito que decidirá se o Reino Unido permanece ou sai da União Europeia, as pesquisas indicam uma forte divisão entre os britânicos. Segundo o levantamento mais recente, 44% apoiam a manutenção do país no bloco, ao passo que 40% advogam pela saída. Trata-se de uma escolha das mais importantes, com profundas implicações tanto para o Reino Unido como para a União Europeia. Os defensores do "brexit" -neologismo formado pela junção das palavras "Britain" e "exit"- sustentam que a ligação com o bloco europeu impõe ao Reino Unido obrigações e amarras regulatórias que estariam sufocando o crescimento do país. Acrescentam que a recuperação da soberania ampliaria oportunidades de exportação. Tais argumentos, no entanto, encontram pouco respaldo fora das fileiras eurocéticas. Nos últimos meses, estudos independentes e entidades como o FMI, a OCDE e até o Banco da Inglaterra (banco central do país) têm refutado o discurso em prol da saída e alertado para os riscos que ela acarreta. Pesquisa recente concluiu, por exemplo, que não foram poucos os benefícios que o Reino Unido obteve dentro da UE. Seu comércio com os demais membros do bloco é hoje 55% maior do que seria esperado se estivesse em carreira solo. Atualmente, a UE é de longe o maior parceiro comercial dos britânicos, sendo o destino de cerca de metade das suas exportações. Se optar pela saída, o Reino Unido perderá o acesso privilegiado ao mercado único europeu. Isso dificilmente seria compensando pela relação com outros países. É improvável que, sozinhos, os britânicos tenham mais poder de barganhar acordos com China, Índia ou EUA. A defecção abriria, ademais, um período de incertezas que prejudicaria a economia do país e dificultaria a captação de crédito. Pelo ineditismo, não se sabe como se dariam as negociações para a saída nem o que o restante da Europa ofereceria, tampouco quanto tempo durariam as tratativas ou quais seriam os seus resultados. O "brexit" também representaria duro golpe para o projeto de integração europeu, já abalado pela explosão da dívida grega e seus impactos sobre o euro e pela crise de refugiados. Tudo somado, é quase forçoso concluir que uma vitória dos eurocéticos, além de improvável, não trará ganhos a ninguém. Ao contrário, deixará Reino Unido e União Europeia mais fracos. [email protected]
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2016-05-27
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Opinião
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http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775432-perda-em-dobro.shtml
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